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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM
SOCIOLOGIA E DIREITO
ALICE GIACOMINI VAINER
Território, Meio Ambiente e Conflitos:
estudo de caso do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba
NITERÓI
2010
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ALICE GIACOMINI VAINER
TERRITÓRIO, MEIO AMBIENTE E CONFLITOS: ESTUDO DE
CASO DO PARQUE NACIONAL DA RESTINGA DA JURUBATIBA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do tulo de
mestre em Ciências Jurídicas e Sociais.
Orientador: Professor Doutor Wilson Madeira
Filho
Niterói, 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRAUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
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VAINER, Alice Giacomini
Território, Meio Ambiente e Conflitos:
estudo de caso do Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba/ Alice Giacomini Vainer, UFF/
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Direito. Niterói, 2010.
212 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais)
– Universidade Federal Fluminense, 2010.
1.Interdisciplinaridade. 2. Unidade de Conservação. 3.
Conflitos ambientais. I. Dissertação (Mestrado). II. Título
ALICE GIACOMINI VAINER
TERRITÓRIO, MEIO AMBIENTE E CONFLITOS: ESTUDO DE
CASO DO PARQUE NACIONAL DA RESTINGA DA JURUBATIBA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Direito
da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a obtenção
do título de mestre em Ciências Jurídicas
e Sociais.
Aprovada em de maio de 2010
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________________________
Prof. Dr. Wilson Madeira Filho
________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosângela Lunardelli Cavallazzi
________________________________________________________________
Prof. Dr. Henri Acselrad
Niterói, 2010
AGRADECIMENTOS
Certamente inúmeras pessoas foram fundamentais para a conclusão de mais esta
etapa da minha vida. Agradecer a todos, no entanto, não é tarefa fácil.
Logo de início, agradeço imensamente aos meus pais, Carlos e Sônia, pelo
contínuo e incondicional apoio e estímulo. Mais que essenciais ao longo da minha
trajetória pessoal e acadêmica, proporcionaram sempre bons exemplos e oportunidades.
Especialmente ao longo do mestrado, as trocas, discussões, sugestões e revisões do
texto me permitiram ainda maior aprendizado e crescimento pessoal e profissional. Sem
dúvida sem eles não conseguiria.
Ao meu orientador e professor Wilson Madeira Filho, pelo acolhimento e
ensinamentos ao longo do curso de mestrado. Pelas oportunidades proporcionadas,
constante estímulo e confiança dispensados ao longo de todo o processo de construção e
elaboração desta dissertação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, pela
bolsa de estudo concedida em parte do curso.
A todos os professores da Universidade Federal Fluminense, em particular
aqueles do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito, pelo estímulo
intelectual e ensino de alto nível.
Ao Andre, que me apoiou incondicionalmente, com carinho, compreensão e
companheirismo.
Por fim, mas de forma nenhuma menos importante, agradeço a todos os amigos
e familiares que sempre disseram que eu conseguiria e que tudo daria certo. Em todos os
momentos estiveram ao meu lado, dividindo angústias e ajudando a suplantar
obstáculos, sendo também essenciais para a conclusão de mais essa etapa.
RESUMO
A criação, em 1998, do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Norte
Fluminense, deflagrou significativas mudanças e produziu inúmeros impactos nos
territórios e nas relações sociais locais. Com o objetivo de realizar uma leitura dos
processos sociais desencadeados com a criação do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba, foram investigadas as formas através das quais os diferentes agentes sociais
identificados, em especial as prefeituras envolvidas e a União - através do ICM-Bio -
operam e constroem seus discursos e ações e, assim, instituem distintas territorialidades
e transformam o espaço. A multiterritorialidade que se revela neste processo, ao opor
diferentes regras de uso, domínio, apropriação e significação do território, engendra
e/ou aguça conflitos ambientais na área da Unidade de Conservação e em seu entorno.
A pesquisa baseou-se em revisão bibliográfica, análise de documentos municipais e
federais relevantes, exame de Atas de Reuniões do Conselho Consultivo do PARNA
Jurubatiba e pesquisa de campo, com visitas e realização de entrevistas no local.
Procurando identificar e investigar esse processo de construção de uma
multiterritorialidade e dos conflitos e embates que presidem esse processo, a dissertação
se divide em quatro partes. Na primeira parte, o abordadas a construção da questão
ambiental como questão pública e a instituição da política de criação de áreas
protegidas, especialmente Parques Nacionais, no Brasil e no mundo (capítulo 1). Os
processos de ocupação do Norte Fluminense e a criação do Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba são examinados no capítulo 2. A segunda parte (capítulos 3 e 4) apresenta
a revisão teórica e discussão dos conceitos de território, territorialidade e conflito
ambiental. O planejamento e gestão do território em que se insere o Parque são tratados
na terceira parte. O capítulo 5 estuda o papel do Estado União - como gestor, a partir
do exame do Plano de Manejo da Unidade de Conservação, enquanto no capítulo 6 são
examinadas, através da leitura dos Planos Diretores Municipais, as formas de
ordenamento e regulação do uso do solo vigentes nos Municípios Macaé, Carapebus e
Quissamã-. Por fim, na quarta e última parte (capítulos 7 e 8), são examinados alguns
casos-referência de conflitos ambientais identificados, que expõem a) como distintos
agentes atribuem significado e se apropriam de forma diversa do território e dos
recursos; e, b) como as diferentes territorialidades engendram relações de força e poder
que também determinam maneiras diferentes de tratar e “solucionar” estes conflitos.
ABSTRACT
The creation in 1998 of the Jurubatiba Restinga National Park, in northern Rio de
Janeiro state, sparked significant changes and produced numerous impacts on territories
and in local social relations. The ways in which different identified social actors, in
particular the municipalities involved and the Union - through the ICM-Bio operate
and build their speeches and actions, thereby establishing distinct territoriality and
transforming the space, were investigated aiming to achieve a review of the social
processes unleashed by the creation of the Jurubatiba Restinga National Park. The
multi-territoriality revealed in this process by opposing different rules of use, area,
ownership, appropriation and significance of the territory, generates and / or sharpens
conflicts in the Conservation Unit and its surroundings. The research was based on
bibliographic review, analysis of relevant municipal and federal documents,
examination of the records of the meetings held by the Consultative Council of PARNA
Jurubatiba, and field research, with visits and interviews on the site. Looking to identify
and investigate the process of creating a multi-territoriality and the conflicts and clashes
that permeate this process, the dissertation is divided in four parts. In the first part, the
construction of the environmental issue as a matter of public policy and the creation of
protected areas, especially national parks in Brazil and worldwide (Chapter 1) are
addressed. The occupation processes in northern Rio de Janeiro state and the creation of
the Jurubatiba Restinga National Park are examined in Chapter 2. The second part
(Chapters 3 and 4) presents a theoretical review and a discussion of the concepts of
territory, territoriality and environmental conflict. The planning and management of the
land, which includes the park, are covered in the third part. Chapter 5 studies the role of
the State - the Union - as manager, from the examination of the Management Plan for
the Conservation Unit, while in Chapter 6 the forms of planning and regulating the use
of the land in Macaé, Carapebus and Quissamã are examined through the reading of
Municipal Master Plans. At last, the fourth and last part (Chapters 7 and 8), examines
some referential cases of identified environmental conflicts, that explain a) how
different agents give meaning and take over territory and resources in many ways; and
b) how different territorialities generate relations of force and power that also determine
different ways of addressing and "solving" such conflicts.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Mapa do Estado do Rio de Janeiro - Mesorregiões geográficas -
Regionalização produzida em 1990........................................................................ 33
FIGURA 2: Mapa Temático de Localização do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba ............................................................................................................... 40
FIGURA 3: Mapa Temático do Limite do Parque Nacional da Restinga da Jurubatiba 42
FIGURA 4: Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e seu entorno ......................... 43
FIGURA 5: Mapa Temático de Zoneamento do Plano de Manejo do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba............................................................................................ 93
FIGURA 6: Localização do Emissário de água de produção de Cabiúnas a nível
regional................................................................................................................. 144
FIGURA 7: Localização da Lagoa de Carapebus a nivel regional............................... 150
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Royalties por Ano segundo Município ord.alf. Regiões de Governo:
Região Norte Fluminense; Período: 1998 a 2004................................................... 37
QUADRO 2: Receita UF segundo Município 1997....................................................... 38
QUADRO 3: Receita UF segundo Município 2008...................................................... 38
QUADRO 4: Informações sistematizadas sobre as Zonas de Manejo segundo o Plano
de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba .................................... 94
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AEE: Área Estratégica Externa
AEI: Área Estratégica Interna
APAJ: Associação dos Amigos do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
ASSINCRA: Associação dos Servidores do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento
BPFMA: Batalhão de Polícia Florestal e Meio Ambiente
CEFET: Centro Federal de Educação Tecnológica
CF: Constituição Federal
CONAMA: Conselho Nacional de Meio Ambiente
CONPARNA: Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
ETE: Estação de Tratamento de Efluêntes
FAO: Food and Agriculture Organization of the United States
FEEMA: Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
FUNATURA: Fundação Pró- Natureza
GEF: Global Environmental Facility
GTZ: Agência Alemã de Cooperação Técnica
IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBASE: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IBDF: Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ICMBio: Instituto Chico Mendes de Biodiversidade
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
KFW: Banco Alemão de Desenvolvimento Internacional
LC: Lei Complementar
MaB: Man and Biosphere
MAN: Macrozona de Ambiente Natural
MAU: Macrozona de Ambiente Urbano
MACAETUR: Empresa Municipal de Turismo de Macaé
MPA: Macrozona de Preservação Ambiental
MUS: Macrozona de Uso Sustentável
ONG: Organização Não Governamental
NUPEM: Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé
PARNA: Parque Nacional
PDDS: Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável
PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SEBRAE: Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMA: Secretaria Especial de Meio Ambiente
SISNAMA: Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC: Sistema Nacional de Unidades de Conservação
TAC: Termo de Ajustamento de Conduta
TCE: Tribunal de Contas do Estado
TRE-RJ: Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro
TSE: Tribunal Superior Eleitoral
TECAB: Terminal de Cabiúnas
TRANSPETRO: Petrobras Transporte S.A.
TURISRIO: Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro
UC: Unidade de Conservação
UENF: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
UFF: Universidade Federal Fluminense
UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro
UICN: União Internacional para a Conservação da Natureza
UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
USAID: United States for International Development
WWF: World Wide Fund for Nature ("Fundo Mundial para a Natureza")
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................15
PARTE I - A POLÍTICA DE MEIO AMBIENTE E A CRIAÇÃO DO
PARQUE NACIONAL DE JURUBATIBA
CAPÍTULO 1. Política ambiental e Unidades de Conservação ...............................20
1.1. Apresentação ...........................................................................................................20
1.2. O surgimento da questão ambiental como questão pública.....................................21
1.3. A elaboração de uma política de criação de áreas protegidas no Brasil..................25
1.4. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação..................................................28
1.5. Síntese e conclusões ................................................................................................30
CAPÍTULO 2.O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba ................................32
2.1. Apresentação ...........................................................................................................33
2.2. A ocupação do Norte Fluminense ...........................................................................33
2.3. A ocupação da Restinga de Jurubatiba....................................................................39
2.4. O processo de criação do parque .............................................................................42
2.5. A categoria Parque Nacional ...................................................................................47
2.6. Síntese e conclusões ...............................................................................................49
PARTE II - REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITUAIS
CAPÍTULO 3. Territórios e territorialidades ..........................................................52
3.1. Apresentação ...........................................................................................................52
3.2. Conceito e abordagens de território: revisão teórica ...............................................52
3.3. Territorialidade e multiterritorialidade ....................................................................60
3.4. Síntese e conclusões ................................................................................................62
CAPÍTULO 4. Multerritorialidades e conflitos.......................................................64
4.1. Apresentação ...........................................................................................................64
4.2. A noção de conflito..................................................................................................65
4.3. Conflitos territoriais e conflitos ambientais ............................................................68
4.4. Síntese e conclusões ................................................................................................72
PARTE III- A GESTÃO E O PLANEJAMENTO DO PARQUE
NACIONAL DA RESTINGA DE JURUBATIBA
CAPÍTULO 5. Estado como gestor e planejador do território protegido...............74
5.1. Apresentação ...........................................................................................................74
5.2. A elaboração do Plano de Manejo...........................................................................75
5.3. Uma leitura crítica do Plano de Manejo ..................................................................80
5.3.1. Encarte 1: contextualização da Unidade de Conservação ........................81
5.3.2 Encarte 2: Análise da Região da Unidade de Conservação......................82
5.3.3 Encarte 3: Análise da Unidade de Conservação ........................................86
5.3.4 Encarte 4: Planejamento do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e
seu entorno..........................................................................................................90
5.4. Síntese e conclusões ...............................................................................................104
CAPÍTULO 6. Planejamento e gestão do território em Macaé, Quissamã e
Carapebus.........................................................................................................106
6.1. Apresentação ..........................................................................................................106
6.2. Planejamento municipal, uso do solo e planos diretores (no Brasil
contemporâneo) .............................................................................................................107
6.2.1. O papel do município na organização político-administrativa do Estado
brasileiro ............................................................................................................107
6.2.2. Aspectos jurídicos da Política urbana e do planejamento municipal no
Brasil contemporâneo ........................................................................................109
6.3. O Planejamento territorial no Município de Macaé: o Plano Diretor Municipal ...112
6.4. O Planejamento territorial no Município de Carapebus: Plano Urbano e Lei
Orgânica municipais......................................................................................................120
6.5. O Planejamento territorial no Município de Quissamã: o Plano Diretor de
Desenvolvimento Sustentável........................................................................................125
6.6. Síntese e conclusões ...............................................................................................130
PARTE IV. MULTITERRITORIALIDADE NO PARQUE
NACIONAL DE JURUBATIBA: SUJEITOS E
TERRITORIALIDADES EM CONFLITO
CAPÍTULO 7. Conflitos e agentes.............................................................................134
7.1. Apresentação ..........................................................................................................134
7.2. Conflitos de competência: ICMBio x Prefeituras Municipais, ou Planos Diretores x
Plano de Manejo............................................................................................................135
7.3. O Conflitos de poder institucional: A Estação de Tratamento de Efluentes de
Cabiúnas em conflito com a área de entorno do Parque................................................142
7.4. Pesca e pescadores de Carapebus ...........................................................................148
7.5. Ocupação irregular e ocupantes: o bairro Lagomar................................................156
7.6. Síntese e conclusões ..............................................................................................160
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA.........................................................................174
ANEXO A - Avaliação Estratégica do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
segundo o Plano de Manejo...........................................................................................181
ANEXO B – Enquadramento das Ações Gerenciais por Programas Temáticos ..........190
ANEXO C – Mapas do Plano Diretor de Macaé ..........................................................201
ANEXO D – Delimitação de perímetros urbanos do Município de Quissamã.............207
ANEXO E – Mapa do Zoneamento de Quissamã ........................................................209
ANEXO F – Lista de entrevistas ..................................................................................211
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas a questão ambiental tem ganhado relevância e ocupado
grande espaço nas agendas nacional e internacional. A industrialização e a urbanização
crescentes das populações e cidades, as idéias de escassez dos recursos naturais, de
poluição de águas, terras e ar, o efeito estufa e o aquecimento global, eis questões que
contribuíram para produzir a sensação generalizada de que a humanidade e o planeta
caminham para uma crise ambiental iminente ou, mesmo, se encontram em plena
crise. Diversos estudos e pesquisas indicam que a situação calamitosa do meio ambiente
deve-se ao descuido e voracidade da ação humana sobre a “natureza”. Mas sem dúvida
um intenso e disputado processo de lutas políticas foi crucial na ascensão da questão
ambiental enquanto assunto público de grande relevância. Nestes termos, é possível
verificar que a transformação da questão ambiental em assunto público, com grande
visibilidade, é resultado de uma disputa discursiva na qual a luta política, que é também
necessariamente uma luta simbólica, foi crucial.
Argüindo que o meio ambiente é um bem de toda a humanidade, ambientalistas,
cientistas e poderes públicos assumiram e definiram como necessárias intervenções e
medidas urgentes a fim de assegurar a preservação e conservação do meio ambiente.
Este discurso, segundo o qual a preservação do meio ambiente é uma necessidade social
coletiva e indiscutível, justificaria, então, submeter a ela todas as demais necessidades.
Assim, também, o direito a um ambiente sustentável dever-se-ia impor sobre todos os
outros direitos, bens e interesses, como, por exemplo, o direito a preservar determinado
patrimônio cultural, o direito à moradia ou ao trabalho.
Desta perspectiva, a criação de áreas protegidas, especialmente de unidades de
conservação de proteção integral, instaurou-se como importante instrumento de
intervenção estatal no campo ambiental.
O Parque Nacional, que admite apenas o uso indireto dos recursos naturais,
aparece, em todo o mundo, como uma das mais restritivas e mais utilizadas categorias
de manejo. Fundado no modelo do Parque Nacional de Yellowstone, criado em 1872,
16
nos Estados Unidos, este padrão de unidade de conservação se difundiu por diversos
países, inclusive o Brasil.
Em 1998, foi criado o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, localizado nos
município de Macaé, Carapebus e Quissamã, no norte do Estado do Rio de Janeiro. A
criação e implantação desta unidade de conservação provocaram mudanças
significativas nas formas de apropriação e significação do território e dos recursos sob
sua jurisdição. Em decorrência, conflitos envolvendo diferentes maneiras de controle,
acesso e uso deste território foram deflagrados, opondo diversos agentes sociais.
Por estar inserido em uma região onde a atividade petrolífera se expandiu
expressivamente nas últimas décadas, o Parque Nacional da Restinga da Jurubatiba
apresenta características sociais, econômicas e políticas muito peculiares, despertando
ainda mais o interesse para uma investigação sobre as territorialidades, os sujeitos e os
conflitos que se estabelecem.
A partir destas constatações surgiu a idéia de desenvolver esta pesquisa. Com o
objetivo de realizar uma leitura dos processos sociais desencadeados com a criação do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, busca-se, então, analisar a forma como, a
partir da criação dessa Unidade de Conservação, diferentes agentes sociais, em especial
os municípios envolvidos e a União, através do ICM-Bio, operam e constroem seus
discursos e ações instituindo distintas territorialidades no espaço. A multiterritorialidade
que neste processo emerge opõe diferentes regras de uso, domínio, apropriação e
significações do território, engendrando e/ou aguçando conflitos ambientais na área da
Unidade de Conservação e seu entorno.
Inicialmente pensou-se em incluir no projeto um exame particular acerca das
formas através das quais a Petrobras se inscreve no território, impondo determinadas
relações de poder e modos específicos de manejo e gestão da área. O caráter individual
deste trabalho, o pouco tempo disponível e a amplitude de material a ser examinado,
acabaram por impor que se deixasse esta análise para uma possível continuação da
pesquisa.
Assim como na delimitação do objeto da pesquisa, foram necessárias outras
opções metodológicas. Optou-se, assim, por uma pesquisa qualitativa, baseada no
estudo de caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, que, segundo se acredita,
permitiu uma significativa apreensão das dinâmicas e processos sociais.
17
No desenvolvimento deste trabalho foi realizada uma cuidadosa revisão
bibliográfica enfocando principalmente duas vertentes: (a) literatura teórica sobre
conflitos (ambientais), território e territorialidade; (b) literatura histórica e legal,
descritiva e analítica, em particular aquela referida a áreas protegidas no Brasil, bem
como sobre a interface com a política de proteção ambiental e seu contraste com a
legislação urbanística.
Recorreu-se também à pesquisa de campo e à análise de documentos. Foram
analisadas as atas do CONPARNA relativas ao período de 2004 a 2007, o Plano de
Manejo da Unidade de Conservação, os Planos Diretores de Macaé e Quissamã e o
Plano Urbano de Carapebus
1
. A pesquisa de campo se valeu da observação participante,
com diversas idas a campo em períodos distintos no decorrer de 2008 e 2009
2
. Foram
realizadas dez entrevistas semi-estruturadas
3
com moradores, membros do Conselho
Consultivo do Parque Nacional (CONPARNA Jurubatiba) e pessoas com significativa
participação na gestão da área.
Esta dissertação se estrutura em 7 capítulos divididos em quatro partes. No
primeiro capítulo são apresentados alguns aspectos ligados à construção da questão
ambiental como assunto público de grande relevância e sua institucionalização no
Brasil. Desenvolve-se um breve histórico da formulação de políticas blicas voltadas
para a criação de áreas protegidas, chegando até o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC), instituído em 2000.
No Capítulo 2, faz-se breve exposição de ocupação da região Norte Fluminense
e da restinga de Jurubatiba, bem como do processo que culminou com a criação da
unidade de conservação na área.
1
O Município de Carapebus ainda não aprovou seu Plano Diretor, pois o Projeto de Lei do Plano Diretor,
que havia sido submetido à Câmara dos Vereadores, não foi votado dentro do prazo estabelecido sendo
devolvido ao gabinete do prefeito.
2
A pesquisa contou com o inestimável trabalho das estudantes Rute Curvelo Pereira, Clara Lis Coelho de
Andrade, Fernanda Ladeira de Medeiros, junto ao projeto de pesquisa “Objetivos da conservação da
natureza e conflitos socioambientais: análise comparada dos planejamentos territoriais para o Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba e seu entorno, e pelas estudantes Ana Beatriz Passos Tinoco,
Patrícia Almeida de Souza, Iana Andrade Freitas, junto ao projeto de extensão “CAJUFF verde
subsídios para a regularização fundiária e o planejamento territorial no Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba e no seu entorno”. Ambos os projetos, o de pesuisa e o de extensão, foram coordenados e
orintados pelo Prof. Dr. Wilson Madeira Filho, que também orientou essa dissertação, tendo eu atuado
todo o tempo, através do Estágio Docência, como co-orientadora da equipe.
3
A lista de entrevistas realizadas encontra-se no Anexo F
18
Nos Capítulos 3 e 4, realiza-se uma revisão teórica de abordagens e conceitos de
território, territorialidade e conflito ambiental, considerados cruciais para o
desenvolvimento da pesquisa.
O Capítulo 5 concentra-se em uma análise do Plano de Manejo da Unidade,
principal instrumento de gestão e planejamento da unidade de conservação, instituído e
operado pelo órgão gestor do Parque Nacional – ICMBio.
O Capítulo 6 examina os Planos Diretores de Macaé e Quissamã, assim como o
Plano Urbano de Carapebus, instrumentos normativos de planejamento e ordenação do
uso do solo nos municípios abarcados pelo território protegido.
No Capítulo 7 são apresentados e identificados alguns casos-referência de
conflitos opondo diversos agentes, interesses, formas de apropriação e significação do
território e dos recursos ambientais na área do Parque e seu entorno.
Por fim, expõem-se algumas considerações finais acerca do caso estudado,
levantando-se algumas questões e reflexões críticas sobre as territorialidades, sujeitos e
conflitos envolvidos, circunscritos e estabelecidos no território protegido.
PARTE I - A POLÍTICA DE MEIO AMBIENTE E A
CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DE JURUBATIBA
CAPÍTULO 1. POLÍTICA AMBIENTAL E UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO
1.1 Apresentação
Especialmente a partir do final do século XIX, em decorrência das intensas
urbanização e industrialização dos países e cidades ocidentais, movimentos pela
preservação e conservação do meio ambiente constituíram-se e ganharam força.
Causa e efeito do avanço da industrialização, o deslocamento em massa das
populações rurais para os centros urbanos transformou as cidades, que passaram a ser
sinônimo de lugar do trabalho, da poluição e de condições precárias de vida. A idéia de
assegurar a existência e manutenção de territórios com significativos atrativos
“naturais”, que proporcionassem à população área para o lazer e para o contato direto
com a “natureza”, então, fortaleceu-se neste contexto.
As idéias de escassez dos recursos naturais e de que os impactos da ação humana
poderiam significar danos irreversíveis ao meio ambiente também corroboraram a
emergência da questão ambiental como assunto público de grande relevância.
Como se verá a seguir, a ascendência da questão ambiental no cenário público,
indicando inclusive a formulação de políticas públicas voltadas para o controle e
conservação de um meio ambiente sadio para as presentes e futuras gerações reflete
intensas disputas e lutas políticas. Fatores simbólicos, políticos, econômicos, sociais e
culturais aparecem como fundamentais e determinantes para esta configuração e
consagração deste contexto conservacionista.
Neste capítulo, então, pretende-se expor e analisar de maneira sintética a forma
como a política ambiental se construiu e evoluiu, no Brasil e no mundo, em especial no
que se refere à proteção e preservação da “natureza” no Brasil.
21
1.2. O surgimento da questão ambiental como questão pública
A criação de espaços naturais protegidos, apesar de ter se difundido e tomado
uma importância significativa na modernidade, foi uma prática utilizada por diversas
civilizações e sociedades ao longo da história. Quase sempre a proteção de área
determinada estava atrelada à necessidade de garantir o uso de determinados recursos
naturais para uso imediato ou futuro.
Foi com o advento da revolução industrial, entretanto, que a noção de área
protegida, conforme se configura hoje, começou a se fortalecer. A partir do processo de
urbanização, aglomeração demográfica nos centros urbanos e crescimento maciço da
atividade industrial, surgiram as primeiras reivindicações pela criação de espaços
naturais voltados para o lazer e para a recreação.
(...) no começo da revolução industrial, a vida nas cidades, antes valorizada
como sinal de civilização em oposição à rusticidade da vida no campo,
passou a ser criticada, pois o ambiente fabril tornava o ar irrespirável. A vida
no campo passou a ser idealizada sobretudo pelas classes sociais não
diretamente envolvidas na produção agrícola. Thomas sugere também que o
crescimento populacional, principalmente nas cidades inglesas teria originado
um certo sentimento anti-social ou anti-agregativo, originando uma atitude de
contemplação da natureza selvagem, lugar de reflexão e isolamento
espiritual. (DIEGUES, 1994: p. 19).
A idéia de assegurar a existência de recursos naturais surgia como uma
necessidade ainda mais premente em função dos efeitos da urbanização e da
industrialização. Essa necessidade de preservação dos recursos naturais, porém, não
estava, inicialmente, ligada à idéia de escassez (dos recursos), mas a uma visão
idealizada e romântica da “natureza selvagem”.
Neste contexto, seguindo o processo de valorização da noção de vida natural/
selvagem, wilderness”, foi criado, em 1872, o primeiro Parque Nacional no mundo, o
Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos. A criação dessa área protegida,
que pretendia reservar uma área natural “intocada” e intocável, visava garantir um
espaço de recreação e lazer para a população.
Cabe ressaltar que a criação de Yellowstone representou uma vitória do
movimento preservacionista norte-americano, que, em sua essência, buscava “proteger a
natureza do desenvolvimento moderno, industrial e urbano” (DIEGUES, 1994: p. 25).
Isto explica o modelo de parque escolhido: público e intolerante à presença e
22
interferência humana. Sob uma visão mítica de que existiria natureza selvagem,
intocada, esta deveria ser preservada, ficando vedada a presença humana na área.
Este modelo de parque nacional foi muito criticado, inclusive por pessoas de
dentro do movimento preservacionista. Alguns preservacionistas “puros”, como John
Rodman, afirmaram que esse modelo seguia uma visão antropocêntrica na medida em
que não considerava o valor do mundo natural em si, mas visava apenas beneficiar as
populações urbanas. O meio ambiente não era considerado algo a ser protegido pelo seu
próprio valor, mas algo a ser preservado em benefício da população urbana, assim,
apenas os ecossistemas mais apelativos do ponto de vista estético, com belas paisagens,
seriam protegidos, deixando de lado outras áreas naturais menos “nobres” (DIEGUES,
1994: p. 29).
Também gerou críticas o fato de este modelo de preservação considerar as áreas
protegidas como “ilhas”, isoladas do restante do mundo e, dessa forma, desconsiderar
outros aspectos como o crescimento populacional, a poluição, etc, geradores de
significativos impactos ambientais. Além disso, por se basear em uma experiência na
qual a atividade humana capitalista produtiva, através da exploração de minas, de rios e
lagos, assim como da agricultura extensiva e da exploração florestal e desmatamento,
devastaram as belezas naturais, criou-se uma perspectiva na qual qualquer presença ou
atividade humana era prejudicial à manutenção dos ecossistemas a serem preservados.
Vedou-se qualquer presença ou atividade humana no interior dos parques nacionais,
sem levar em conta casos em que populações tradicionais, inteiramente integradas ao
ambiente natural, viviam nestas áreas.
Mesmo controvertido, este modelo de parque nacional difundiu-se rapidamente
pelo mundo. O Canadá criou, em 1885, seu primeiro parque nacional, seguido por Nova
Zelândia e México, em 1894, e África do Sul, em 1898. Na América do Sul, a Argentina
foi a primeira a aderir ao modelo de parque nacional, em 1903, seguida por Chile em
1926 e Brasil, em 1937, com a criação do Parque Nacional de Itatiaia.
De acordo com Morin, um dos fatores cruciais na difusão e no fortalecimento
deste modelo de Parque Nacional foi a apropriação do pensamento de grupos de
cientistas ambientalistas (preservacionistas) por atores com reconhecido poder político,
econômico e militar capazes de transformar suas idéias em políticas públicas e em uma
necessidade a ser atendida. Assim, a “ciência” forneceu o “conhecimento técnico” que
demonstrou a necessidade de políticas públicas que garantissem a preservação de
23
determinadas áreas das ações humanas e o modelo de Yellowstone difundiu-se pelo
mundo.
Morin afirma que, na realidade, o conhecimento dos cientistas é cooptado
pelos que dispõem do poder político, militar, etc. E no mundo moderno, a
ciência, a técnica, a competência produzem continuamente poderes ao
produzir conhecimento, mas o poder da ciência é captado, coordenado; e o
poder dos sábios, que não é organizado politicamente, é controlado e
dominado pelo poder da organização política e ou burocrática. (DIEGUES,
1994: p.63).
Portanto, não se pode deixar de considerar, também, para os fins deste estudo, o
processo que não transformou a criação de áreas protegidas em uma prioridade, mas
que elevou a questão ambiental ao status de assunto público relevante
4
.
(...) a emergência de questões na agenda pública explica-se mais em termos
da dinâmica social e política do que dos atributos intrínsecos dos assuntos em
disputa, ou seja, da gravidade “objetiva” dos problemas em questão. A
condição necessária para que uma determinada questão se torne objeto de
atenção social é o seu reconhecimento como assunto público.” (FUKS, 2001:
p. 48).
Os recursos materiais, organizacionais e simbólicos detidos por um grupo
constituem elementos imprescindíveis à capacidade de eleger um assunto como público.
O contexto cultural é também um elemento que influi diretamente neste processo. Neste
sentido, Fuks sugere que “a definição de problemas ocorre dentro de um determinado
cenário cultural e de organização das instituições públicas, o qual estabelece parâmetros
de legitimidade e regras que condicionam a ação e o debate públicos.” (FUKS, 2001: p.
51).
Assim, os grupos que detêm maior acesso aos recursos terão maior capacidade,
em princípio, de transformar suas questões em públicas. De forma semelhante, o
contexto cultural será determinante na definição de questões públicas, auferindo
elementos estruturais como a organização do Estado, legislações etc., no processo de
ascensão de determinados assuntos à esfera pública.
Santos corrobora esta visão, segundo a qual os diferentes grupos e indivíduos
atuam desigualmente no processo de definição de prioridades e políticas na esfera
pública, ao propor uma distinção entre os atores com poder de decisão e os outros:
Impõe-se distinguir entre atores que decidem e os outros. Um decididor é
aquele que pode escolher o que vai ser difundido e, muito mais, aquele capaz
de escolher a ação que, nesse sentido, se vai realizar. (...) A escolha do
4
Sobre a politização dos temas ambientais ver Burns e Lemoyne (2007).
24
homem comum, em muitas das ações que empreende, é limitada. (SANTOS,
M., 2008: p. 80)
Nestes termos, é possível verificar que a crescente visibilidade e centralidade da
transformação da questão ambiental em assunto público com grande visibilidade na
esfera pública é resultado de uma disputa discursiva na qual os fatores simbólicos e de
luta política foram cruciais.
Para autores como Thévenot e Lafaye, ao contrário de uma causa universal
ecológica que se manifestaria através de atores particulares, como sugere
com freqüência o debate corrente, observa-se uma busca pela universalização
de causas parcelares através de valores compartilháveis que tornam os atos
justificáveis. Estas ordens de justificação constituem desde logo modos de
passagem dos projetos emanados na perspectiva de determinados atores ao
plano do “interesse comum”. E é na esfera simbólica que desenvolve-se a
disputa de legitimidade dos discursos que buscam afirmar suas respectivas
capacidades potenciais de operar tal universalização. (ACSELRAD, 2004: p.
19).
Em função disso, pode-se dizer que uma política de preservação ambiental,
amplamente institucionalizada através da legislação, emergiu buscando afirmar o caráter
universal do meio ambiente, baseado em uma definição deste como um bem público
que se estenderia a toda a humanidade
5
.
O fortalecimento deste discurso, segundo o qual a preservação do meio ambiente
é uma necessidade social, justificaria, então, a priorização desta em relação a outros
direitos, bens e interesses como o patrimônio cultural e o direito à moradia, entre outros.
Os processos políticos simbólicos que fazem emanar uma institucionalização e
implementação da gestão do meio ambiente segundo interesses de determinados grupos,
e não a natureza material ou a essência do meio ambiente, é que fizeram ascender a
preservação ambiental como assunto público e criaram as condições para que sua
institucionalização e configuração legal assumissem a conotação de patrimônio
universal, portador de valores universais e universalizantes, cujo discurso muitas vezes
desconhece, ou melhor, se sobrepõe a todas as questões relativas às diferenças e
desigualdades sociais.
5
Loureiro (2006) também chama a atenção para a necessidade de se considerar criticamente o discurso
que afirma a universalidade do meio ambiente e do discurso ecológico. Segundo este autor “A
tendência teórica de colocar o ambiente como uma categoria universalizante e única, sobre a qual o
conhecimento científico positivo indica o caminho a ser seguido na solução dos problemas
identificados, ignora a categoria ambiente como uma categoria social, como um problema que se
materializa à medida que grupos específicos e seus interesses diversos agem na sociedade”
(LOUREIRO, 2006: p. 21)
25
1.3. A elaboração de uma política de criação de áreas protegidas no
Brasil
A primeira área protegida criada no Brasil, como visto no item anterior, foi o
Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro, criado em 1937. Desde a época colonial,
porém, foram empreendidas algumas iniciativas destinadas à proteção, gestão e/ou
controle de recursos naturais. O “Regimento do Pau Brasil”, por exemplo, pode ser
considerado um dos primeiros atos normativos de proteção florestal. Editado pela Coroa
Portuguesa, ele “estabelecia rígidos limites à prática de exploração do pau-brasil na
colônia” (MEDEIROS, 2006: p. 43).
Os instrumentos utilizados pela Coroa Portuguesa e pelo Império, entretanto,
visavam apenas a proteção de determinados recursos naturais, geralmente porque estes
eram alvo de significativos interesses econômicos, sem que houvesse a preocupação
com a demarcação de áreas ou territórios específicos para a proteção ambiental.
A idéia de proteção da natureza foi modificada a partir da percepção dos
reflexos da devastação de extensas áreas, provocada, em sua maioria, pelo corte de
madeira, destruição de florestas para a monocultura cafeeira ou canavieira e
consequente empobrecimento do solo.
no início do século XIX, José Bonifácio, que tinha estudado os efeitos do
desmatamento sobre a fertilidade dos solos em Portugal, combatia o corte das florestas.
Em 1821, chegou a sugerir a criação de um setor administrativo especialmente
responsável pela conservação das florestas (DIEGUES, 1994).
Nesta direção, na metade do século XIX, ao deparar-se com o
empobrecimento do solo e o sério comprometimento dos estoques hídricos na região
dos arredores da cidade do Rio de Janeiro, D. Pedro II decretou a desapropriação de
extensa área para reflorestamento com espécies nativas. Assim, foi instituída, em 1861,
a Floresta da Tijuca e das Paineiras, que, de acordo com os registros disponíveis, foi a
primeira área protegida no país (MEDEIROS, 2006: p. 44).
No final do século XIX e início do século XX, especialmente a partir da criação
do primeiro Parque Nacional de Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos, o debate
sobre a criação de parques se intensificou. Seguindo essa tendência, André Rebouças,
26
em 1876, defende a criação de parques nacionais, tendo como modelo os parques norte-
americanos.
Em 1896 o Estado de São Paulo criou o seu Serviço Florestal, primeiro do
Brasil, e instituiu o Parque Estadual de São Paulo. Em 1911, dois Parques Nacionais
foram decretados no território do Acre, mas nunca saíram do papel. Apenas em 1937, na
esteira da Constituição Federal de 1934, que estabelecia a natureza como patrimônio
nacional, e do Código Florestal de 1934, que criava as condições necessárias à
estipulação de áreas protegidas, foi criado o primeiro parque nacional, em Itatiaia. A
proposta inicial, feita pelo botânico Alberto Lofgren, em 1913, que visava a pesquisa e
o lazer para as populações dos centros urbanos, concretizou-se no artigo do Código
Florestal de 1934
6
e culminou com o Decreto 1.713, de 14 de junho de 1937, que
finalmente criou o Parque Nacional do Itatiaia.
Nos 20 anos posteriores foram criados dois Parques Nacionais, tendo
processo semelhante ocorrido com as Florestas Nacionais. Sobre esse período, Diegues
escreve que
A expansão do número de parques nacionais foi bastante lenta, e apenas em
1948 foi criado o Parque Nacional de Paulo Afonso. Em setembro de 1944,
pelo decreto 16.677, atribui-se a Seção de Parques Nacionais do Serviço
Florestal, criado em 1921, o encargo de orientar, fiscalizar, coordenar e
elaborar programas de trabalho para os Parques Nacionais; como também
estabeleceu os objetivos dos Parques Nacionais: conservar para fins
científicos, educativos, estéticos ou recreativos as áreas sob sua jurisdição;
promover estudos da flora, fauna e geologia das respectivas regiões;
organizar museus e herbários regionais. (DIEGUES, 1994: p. 104)
Em 1965, em meio a conturbado panorama político, devido à recente
implantação da ditadura militar, houve alguns avanços na legislação ambiental,
notadamente com a edição do novo Código Florestal (Lei 4771 de 15 de setembro de
1965). Este estabelecia quatro novas tipologias de áreas protegidas: Parque Nacional,
Floresta Nacional, Área de Preservação Permanente e Reserva Legal. A nova lei definiu
os Parques Nacionais como áreas “com a finalidade de resguardar atributos
excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das
belezas naturais com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos”
(art. 9º da Lei nº 4771/1965).
6
Artigo 9º, do Código Florestal de 1934 (Decreto 23.793 de 23 de janeiro de 1934): Os parques
nacionaes, estaduaes ou municipaes, constituem monumentos publicos naturaes, que perpetuam em sua
composição floristica primitiva, trechos do paiz, que, por circumstancias peculiares, o merecem.”
27
A Lei de Proteção aos Animais, Lei 5.197, de 3 de janeiro de 1967, instituiu
as Reservas Biológicas Nacionais e os Parques de Caça Federais. No mesmo ano, o
Decreto 289, de 28 de fevereiro de 1967 criou o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão federal ligado ao Ministério da Agricultura
com atribuições específicas para implementar, gerir e fiscalizar as áreas protegidas.
No início da década de 1970, foi instituída a Secretaria Especial de Meio
Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior e orientada para a conservação
do meio ambiente e controle do uso racional dos recursos naturais.
Embora criada para concentrar todas as funções necessárias à gestão das áreas
protegidas, a SEMA conviveu com o IBDF, que continuou a responder por algumas
áreas protegidas. A confusão de atribuições levou, inclusive, a que a SEMA criasse um
programa próprio de áreas protegidas utilizando até mesmo tipologias diversas.
(MEDEIROS, 2006).
Em 1979, seguindo as orientações da 10ª Assembléia Geral da União Mundial
para a Natureza (UICN), em Nova Delhi, foi instituído o Regulamento dos Parques
Nacionais Brasileiros (Decreto nº 84.017, de 21 de setembro de 1979).
O período compreendido entre 1970 e 1986 se caracterizou como aquele em que
mais se criaram unidades de conservação. Diegues sugere que a criação de unidades de
conservação nessa época estaria diretamente ligada aos financiamentos obtidos pelo
governo junto a entidades bi ou multilaterais e, portanto, intrinsecamente ligada ao
grande crescimento da dívida externa brasileira. “Essas organizações, como o Banco
Mundial e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), começaram a colocar e
fazer respeitar cláusulas de conservação ambiental para grandes projetos (criação de
unidades de conservação, áreas indígenas), sobretudo na Amazônia.” (DIEGUES, 1994:
p. 106).
Em 1989, o IBDF foi extinto por meio da Lei 7.732, de 14 de fevereiro de
1989, sendo suas atribuições e patrimônio transferidos à Secretaria Especial do Meio
Ambiente (SEMA), então vinculada ao Ministério do Interior. No mesmo ano, com o
advento da Lei 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, foi criado o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), reunindo as funções,
patrimônio e atribuições da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE),
da Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), da Secretaria Especial do Meio
28
Ambiente (SEMA) e do extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF).
Ainda em 1989, o recém criado IBAMA encomendou à organização não-
governamental FUNATURA (Fundação Pró-Natureza) uma avaliação do Plano de
Sistema de Unidades de Conservação de 1979, que culminou em proposta para um novo
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), enviada ao Congresso
Nacional, em 1992.
Em 2000, então, foi criado o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza (SNUC), dando passos para superar a fragmentada estrutura pré- existente.
Com o SNUC, unificou-se o sistema de áreas protegidas, estabelecendo-se duas classes
de unidades de conservação: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso
Sustentável.
1.4. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação
A Lei do SNUC define como objetivo básico das Unidades de Proteção Integral
“preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais,
com exceção dos casos previstos nesta Lei.” (Lei 9.985/ 2000, artigo 7º, § 1º). As
categorias que integram este grupo são: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque
Nacional; Monumento Natural; e Refúgio da Vida Silvestre.
As Unidades de Uso Sustentável, por sua vez, têm como objetivo básico
“compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus
recursos naturais” (Lei 9985/2000, artigo 7º, §2º) e incluem: Área de Preservação
Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva
Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e Reserva
Particular do Patrimônio Natural.
Medeiros chama a atenção para o fato de que
Ao consolidar, mesmo que não intencionalmente, as Unidades de
Conservação como tipologia dotada de maior visibilidade e expressão, e
dotá-las de instrumentos mais concretos de gestão, as outras tipologias que
ainda continuaram a existir mesmo após a criação do SNUC - as APPs[Áreas
de Preservação Permanentes}, as RLs [Reservas Legais], as TIs [Terras
Indígenas] e as ARIs [Áreas de Reconhecimento Internacional] - continuaram
29
relegadas aos mesmos problemas históricos de gestão e, mais grave, não
dispondo de instrumentos de integração e articulação com as ações previstas
para as Unidades de Conservação. (MEDEIROS, 2006: p. 59).
Milaré classifica essas outras tipologias de duas formas:
- espaços territoriais especialmente protegidos em sentido amplo (latu sensu)
quando “não obstante tenham merecido especial atenção do legislador, prescindem de
ato legal do Poder Público específico a reger cada delimitação de espaço assim
caracterizada.”;
- unidades de conservação atípicas, quando, “embora não arroladas na Lei do
SNUC (arts. e 14), fitam-se com perfeição à definição enunciada pelo legislador no
art. 2º, I, da referida Lei 9.985/2000” (MILARÉ, 2007: p. 689).
Há, entretanto, outras categorias e tipologias de áreas protegidas que, assim
como as Reservas Ecológicas, foram revogadas e suprimidas do ordenamento jurídico
com o advento da Lei do SNUC. Nestes casos, é determinado que seja feita a
reavaliação da área protegida, visando realizar o re-enquadramento desta às novas
tipologias estabelecidas.
Este apanhado histórico dos atos e legislação concernentes à proteção ambiental
e criação de áreas protegidas no Brasil mostra claramente que a lógica da criação de
unidades de conservação foi instaurada como uma resposta “conservacionista” às
ameaças aos recursos naturais,
Nesse sentido, a política de conservação da natureza, imbuiu-se de “priorizar o
direito de usufruto público das áreas naturais protegidas, em detrimento de um possível
uso privado, mesmo que esse “uso” fosse realizado de forma coletiva por comunidades
tradicionais. Desta forma, o uso público se sobrepunha ao uso comunitário em nome de
um “nosso futuro comum” (SIMON, 2005).
Simon chama a atenção para o fato de que o discurso de desenvolvimento
sustentável, que ganhou força a partir das cadas de 1970 e 1980, diferentemente do
que ocorreu em muitos países, não resultou, no Brasil, em uma flexibilização quanto à
presença humana nas Unidades de Conservação. Apesar da pressão internacional para a
otimização da conservação da biodiversidade por meio de políticas de uso sustentável
dos recursos naturais e para a busca de outras categorias de manejo de Unidades de
Conservação que apresentassem uma maior eficiência na tarefa de atender os anseios de
30
conservação, a política ambiental brasileira manteve-se centrada primordialmente em
categorias de áreas de proteção integral (SIMON, 2005).
A preferência pela criação de Unidades de Conservação de proteção integral é
nítida quando se verifica que, no período compreendido entre 1995 e março de 2002, 19
(dezenove) Unidades de Conservação foram criadas no Brasil, sendo 12 (doze) delas
Parques Nacionais, 6 (seis) Estações Ecológicas e 1 (uma) Reserva Biológica, todas
áreas de proteção integral, de posse e domínio públicos.
Seguindo esta tendência, em 1998 foi criado o Parque Nacional de Jurubatiba,
como se verá a seguir.
1.5. Síntese e conclusões
Neste capítulo procurou-se realizar uma exposição, ainda que breve, sobre a
forma como a questão ambiental, especialmente em seus aspectos relacionados à criação
de áreas protegidas, emergiu e se consolidou no cenário público como assunto de grande
relevância.
A questão, que inicialmente surgiu baseada em uma necessidade de assegurar
espaços protegidos capazes de proporcionar o contato direto com uma “natureza
intocada”, posteriormente fortaleceu-se a partir de argumentos como o de que o meio
ambiente é um bem de todos e de que deveria ser preservado a fim de evitar uma crise
ambiental iminente.
A modificação na valoração do meio ambiente, entretanto, não pode ser
compreendida apenas como decorrência de mudanças discursivas ou do avanço no
conhecimento científico. A definição da questão ambiental como assunto público
responde, na realidade, a um amplo processo de lutas e disputas políticas e simbólicas
que criaram as condições para a sua institucionalização e sua configuração como causa
universal e universalizante.
A partir desta configuração do meio ambiente como questão de interesse público
as condições e justificativas para a intervenção estatal e criação de políticas públicas
voltadas para a criação de territórios protegidos, especialmente de proteção integral,
então se consagrou e se disseminou pelo mundo. O primeiro Parque Nacional criado no
31
mundo, o de Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872, foi assim concebido como
uma unidade de conservação de proteção integral que preconizava a preservação e
conservação dos recursos ambientais, ecossistemas e espécies, permitindo apenas o
desenvolvimento das atividades de pesquisa e lazer em seu interior e vedando qualquer
outra atividade que pudesse significar impactos da interferência humana na área. Este
modelo difundiu-se por diversos países, chegando ao Brasil em 1937, com a criação do
Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro.
Um breve histórico da evolução da legislação ambiental brasileira concernente à
criação de áreas protegidas mostra, a despeito da variedade de categorias de manejo e de
órgão governamentais com atribuições de gerir e criar estas áreas, que de forma geral a
lógica da criação de unidades de conservação no Brasil configurou-se como uma
resposta conservacionista às ameaças da ação humana aos recursos naturais.
Com a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em
2000, unificou-se o sistema de áreas protegidas brasileiro, superando a fragmentada
estrutura anterior. No entanto, o SNUC manteve a lógica conservacionista atrelada à
preferência pela criação de unidades de conservação de proteção integral sob a gestão
do Estado, que originou, inclusive, a criação do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba, que será melhor analisado no próximo capítulo.
CAPÍTULO 2. O PARQUE NACIONAL DA RESTINGA DE
JURUBATIBA
2.1. Apresentação
A criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, assim como outras
diversas unidades de conservação no Brasil, atende à formulação de uma política
pública brasileira que elegeu a questão ambiental e sua conseqüente necessidade de
resguardar significativos exemplares de ecossistemas e espécies da interferência da ação
humana. Deve-se ter em conta, entretanto, que a criação de áreas protegidas materializa
não apenas a própria formulação de políticas públicas e de uma institucionalização
voltadas para a conservação do meio ambiente, mas também responde e reflete
processos sociais peculiares de cada localidade.
Portanto, examinar as particularidades dos processos históricos, sociais,
econômicos e políticos da área onde se implantou o Parque de Jurubatiba parece
essencial ao desenvolvimento desta pesquisa. Dessa forma, procurar-se-á verificar neste
capítulo como os processos de ocupação do Norte Fluminense e, mais especificamente,
da restinga, contribuíram e/ou criaram condições para configuração da área como
elegível para a criação de uma unidade de conservação federal de proteção integral.
Além disso, analisar-se-á o processo de lutas e disputas locais que levaram ao
sucesso do projeto de criação da unidade de conservação no local e à escolha da
categoria de manejo Parque Nacional. Por fim, uma breve exposição sobre as
especificidades do Parque Nacional, dos seus objetivos e do aparato jurídico
concernente a esta categoria será apresentado.
33
2.2. A ocupação do Norte Fluminense
A área hoje conhecida como região Norte Fluminense inicialmente pertenceu à
Capitania de São Tomé
7
, que ficava entre as atuais cidades de Itapemirim (Espírito
Santo) e Macaé (Rio de Janeiro) e foi doada à Pero de Góis da Silveira em 1536.
Figura 1: Mapa do Estado do Rio de Janeiro - Mesorregiões geográficas - Regionalização
produzida em 1990 – fonte: http://www.geocart.igeo.ufrj.br/pdf/trabalhos/2003/Macae_2003.pdf
Documentos históricos de meados do século XVI referem-se a esta região como
de muita abundância de terras cultiváveis, de águas, de animais e até de metais
preciosos. Estes documentos refletem a visão de que a região poderia, se bem
desenvolvida, gerar muito lucro aos colonizadores portugueses. Entretanto, o projeto
inicial de desenvolvimento da coroa portuguesa não foi bem sucedido.
A primeira tentativa de colonização da área por Pero de Góis, seu donatário,
restringiu-se à fundação de uma vila e à tentativa malograda de implantar um incipiente
cultivo de cana de açúcar. Além dos obstáculos naturais, que não foram superados pela
tecnologia européia, as terras cultiváveis, apesar de abundantes, não estavam livres e
houve choque entre colonizadores e indígenas, especialmente os da etnia goitacá.
(GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2004).
7
A Capitania de São Tomé, posteriormente passou a ser chamada Capitania do Paraíba do Sul.
34
A capitania, então, ficou abandonada por muitos anos e acabou incorporada, em
1619, à Capitania do Rio de Janeiro. Em 1627, Martim Sá, então Governador do Rio de
Janeiro, dividiu a área em sesmarias e as doou aos “sete capitães”: Miguel Aires
Maldonado, Miguel da Silva Riscado, Antonio Pinto Pereira, João de Castilho, Gonçalo
Correia de Sá, Manuel Correia e Duarte Correia
8
. Somente em 1632, entretanto, os
capitães dividiram as sesmarias e passaram a explorar a área com a introdução da
pecuária na região.
Segundo Soffiati,
O ´Roteiro dos Sete Capitães´, relacionado aos primórdios de uma ocupação
bem sucedida do território norte fluminense para europeus e desastrosa para
os indígenas, não deixa dúvida quanto ao caráter desenvolvimentista da
implantação de sesmarias. A finalidade principal era promover o
extrativismo, a agricultura e a pecuária para o mercado. (SOFFIATI, 2005: p.
90)
A ocupação efetiva da região, entretanto, ocorreu a partir da introdução da
atividade canavieira. Com a queda da produção açucareira no nordeste do Brasil e o
deslocamento de força de trabalho para a atividade mineradora em Minas Gerais, a
cana-de-açúcar ganha força na região e, a partir da virada do século XVIII para o século
XIX, o norte fluminense se consagra como um lo da manufatura açucareira brasileira
(PARANHOS, 2006).
Na segunda metade do século XIX, a demanda nacional e internacional pelo
açúcar leva a agroindústria deste produto a se expandir sobre outras
atividades econômicas e sobre lagoas e florestas. Os antigos e muitos
engenhos são substituídos por modernas unidades de produção: os engenhos
centrais e as usinas, via de regra inteiramente importadas da Inglaterra e da
França e erguidas do pé, como então se dizia, em terras do norte fluminense.
A par da centralização de capitais, verifica-se também uma verdadeira
revolução na parte agrícola do setor canavieiro, com pesquisas agronômicas
promovendo o aumento da produtividade. As hidrovias também serão
progressivamente substituídas por ferrovias que permitissem o escoamento
mais rápido e eficiente da produção. São, assim, construídas as estradas de
ferro Carangola (ligando Campos às localidades sitas à margem esquerda do
rio Paraíba do Sul), o Sebastião (percorrendo a Baixada dos Goitacases) e
Campos-Macaé, todas elas figurando no mapa da Província do Rio de Janeiro
organizado por Manuel Maria de Carvalho (1888). (SOFFIATI, 2005: p. 96)
O avanço da tecnologia na produção açucareira também trouxe grandes
mudanças para as relações sociais na região. Com a substituição de unidades autônomas
de produção pelas usinas e engenhos centrais, se consolida a importância dos “barões do
açúcar”, que passam a dominar política, econômica e socialmente a região. Por outro
8
A doação das terras aos “sete capitães” deu-se em função destes, militares portugueses, terem lutado
contra índios e franceses na colonização da área.
35
lado, os pequenos proprietários, impossibilitados de competir com os latifundiários e os
senhores de engenho, se vêem obrigados a submeter-se à posição de fornecedores de
cana-de-açúcar para os engenhos.
Nesta época o município de Campos assume o papel central na região, não
por sua dimensão territorial e por seu poderio econômico, mas por sua infraestrutura
como um todo (telefonia, bondes, pontes, etc). Contava com um jornal impresso “O
Monitor Campista” e um teatro, além de ter sido a primeira cidade da América Latina a
ter iluminação pública e a terceira a ter luz elétrica no mundo (GOVERNO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2004).
O município de Macaé, que com a construção do canal Campos-Macaé, em
1872, havia se constituído no principal porto de escoamento da produção regional para
o Rio de Janeiro, com a construção da ferrovia ligando a região à capital, entra em
decadência. (PIQUET, 2004)
Cabe ainda ressaltar a importância dos municípios de Quissamã e Carapebus,
onde se localizavam grandes usinas e fazendas de açúcar. O Engenho Central de
Quissamã, criado em 1877, foi o primeiro engenho com esses moldes de produção na
América do Sul, aglomerando sete engenhos (Quissamã, Mandiquera, Machadinha, São
Miguel, Monte Cedro, Santa Francisca e Melo) que até então funcionavam
isoladamente. Já Carapebus, destacou-se pela Fazenda São Domingos, uma das mais
prósperas da região.
Apesar de, falando-se do norte fluminense, a manufatura da cana-de-açúcar
sobressair-se sem dúvida como a principal atividade econômica regional do final do
século XVIII a meados do século XX, outras atividades, como a pesca, a extração
madeireira, a pecuária e a cultura do café, ainda que em menor escala, também tiveram
destaque. Macaé iniciou o cultivo do café no final do século XVIII e por volta de 1920
consagrou-se como um dos principais produtores deste insumo do Estado do Rio de
Janeiro. Com a crise de 1929 e a queima de cafeeiros resultante da política do Governo
Provisório de Getúlio Vargas, Macaé perdeu mais de dois terços de seus cafezais.
Em meados do século XX, com a entrada de empresas paulistas no setor de
produção de equipamentos para a agroindústria açucareira, o Norte Fluminense, que não
acompanhou o ritmo da modernização do setor, deixa de ocupar a posição de segundo
36
maior produtor do país, perdendo espaço para São Paulo, que assume a liderança do
Programa Nacional do Álcool.
Segundo Piquet, “Toda a região teria entrado em um processo de involução e
crise não fora um inesperado acontecimento: é descoberto petróleo na Bacia de
Campos.” (PIQUET, 2004: p. 28).
Em 1974, foi descoberto petróleo na Bacia de Campos. A primeira perfuração
ocorreu em 1976 e, em 1977, iniciou-se a exploração comercial. A Bacia de Campos,
situada na costa norte do Estado do Rio de Janeiro e estendendo-se até o sul do Espírito
Santo, rapidamente tornou-se responsável por mais de 80% da produção nacional de
petróleo e 42% do gás brasileiro.
Ainda que a princípio se esperasse que a Petrobrás se instalasse no município de
Campos, a metrópole regional, logo se percebeu que isto não ocorreria, e a empresa
instalou sua base operacional em Macaé, onde concentrou os investimentos para o apoio
às operações na plataforma marítima (offshore) (PIQUET, 2004).
A partir de então, a região e principalmente o município de Macaé,
experimentaram grandes mudanças.
Na época, sua economia tinha por base a produção de cana-de-açúcar, a
pecuária leiteira, a pesca artesanal e pequenas indústrias de bens de consumo.
Neste contexto, a instalação da estatal petrolífera e de empresas de serviços
industriais representou uma ruptura na formação histórica local. Por abrigar a
totalidade das instalações terrestres da indústria petrolífera, desde então o
município vem passando por um expressivo processo de reestruturação e se
posiciona como o principal centro do dispositivo logístico da Petrobras e das
demais empresas do setor. (PIQUET, 2004: p. 30)
O surgimento de uma atividade industrial, ligada à tecnologia de ponta, em uma
sociedade historicamente marcada pela monocultura do açúcar, gerou muitos impactos
sociais, econômicos, demográficos e ambientais. Muitas pessoas e empresas foram
atraídas para a região pelo crescente mercado criado pela indústria do petróleo offshore
e a sociedade norte fluminense passou a vivenciar uma nova etapa em seu
desenvolvimento
37
O fim do monopólio estatal sobre a prospecção e extração de petróleo, em 1997
9
,
atraiu ainda mais investimentos e inúmeras empresas se instalaram em Macaé a fim de
atuar na produção offshore, no fornecimento de equipamentos, ferramentas, peças e
transporte para as petroleiras. Também se verificou um crescimento generalizado do
mercado uma vez que o crescimento demográfico foi significativo, associado à
expansão da oferta de postos de trabalho pela Petrobrás e demais empresas, assim como
pelo dinâmico mercado de serviços à produção e ao consumo.
Não foi Macaé que ganhou com a instalação da Petrobrás e com a exploração
do petróleo. Com a aprovação da Lei nº 7.453 de 27 de dezembro de 1985, ampliou-se a
concepção do município “produtor de petróleo” e diversos municípios foram incluídos
no rol dos beneficiados pelo pagamento de royalties.
O site da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis)
define royaltie como
Compensação financeira devida pelos concessionários, paga mensalmente,
com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data
de início da produção, sendo distribuída entre Estados, Municípios, Comando
da Marinha do Brasil, Ministério da Ciência e Tecnologia e um Fundo
Especial, administrado pelo Ministério da Fazenda. (site ANP, Glossário)
A quadro 1, abaixo, mostra o montante recebido por cada município da região
norte fluminense em função do pagamento de royalties nos anos de 1998, 2000 e 2004.
Quadro 1: Royalties por Ano segundo Município ord.alf. Regiões de Governo: Região Norte
Fluminense; Período: 1998 a 2004
Ano/
Município
1998 2000 2004
Campos dos Goytacazes
387.695,70 1.622.418,85000 6.065,00000
Carapebus
35.992,24 168.653,14000 605,00000
Cardoso Moreira
34.291,81 136.639,95000 376,00000
Conceição de Macabu
33.016,49 130.074,37000 354,00000
Macaé
191.580,60 869.453,65000 4.465,00000
Quissamã
87.146,52 410.724,63000 1.890,00000
São Fidélis
49.170,46 181.383,58000 506,00000
São Francisco de
Itabapoana
54.980,25 249.963,84000 831,00000
São João da Barra
51.154,30 202.377,03000 702,00000
Total 925.028,37 3.971.689,04000 15.794,00000
Fonte: Elaboração da autora com dados da Secretaria de Estado de Fazenda – Disponível em:
http://www.cide.rj.gov.br/tabnet/deftohtm.exe?cide%5CFinanPub%5CROYAL.def. Acesso em 20
de fev. de 2010.
9
Lei 9.478 de 6 de agosto de 1997, dispondo sobre a política energética nacional e as atividades
relativas ao monopólio do petróleo, estabeleceu que as atividades econômicas relativas à pesquisa,
refinação, importação, exportação e transporte do petróleo bruto, seus derivados ou gás natural
“poderão ser exercidas mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis
brasileiras, com sede e administração no País.” (artigos 4º e 5º)
38
Quadro 2: Receita UF segundo Município 1997
NOME
UF
Receitas
Orçamentárias
Receitas
Correntes
Receitas
Tributárias
Impostos
Campos dos Goytacazes
RJ 81.670.584,64 67.394.311,53 13.777.574,86 11.933.933,23
Carapebus
RJ 5.052.318,19 5.047.539,49 106.807,59 74.397,54
Cardoso Moreira
RJ 6.116.113,12 5.840.201,80 121.328,99 107.975,84
Conceição de Macabu
RJ 6.449.585,15 6.449.585,15 182.196,50 157.087,25
Macaé
RJ 54.421.477,31 54.238.435,83 12.109.343,69 11.034.573,84
Quissamã
RJ 14.800.912,02 14.769.712,02 255.611,22 230.834,93
São Fidélis
RJ 10.961.369,22 10.553.030,50 530.266,43 460.993,36
São Francisco de
Itabapoana
RJ 8.276.579,96 7.460.348,27 376.075,51 270.846,11
São João da Barra
RJ 11.405.938,75 8.301.574,92 454.498,89 335.185,93
Fonte: Tesouro Nacional – Finanças do Brasil: Receita e Despesas dos Municípios 1997. Disponível
em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp. Acesso em 12 de abr. de
2010.
Quadro 3: Receita UF segundo Município 2008
Fonte: Tesouro Nacional – Fonte: Tesouro Nacional – Finanças do Brasil: Dados Contábeis dos
Municípios 2008. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp.
Acesso em 12 de abr. de 2010.
As Quadros 2 e 3 mostram quão significativos são os recursos recebidos em
função da compensação da exploração do petróleo. A análise breve desses dados
permite verificar que a receita tributária é ínfima em relação ao montante total da receita
desses municípios.
Conclui-se facilmente, portanto, que os municípios do Norte Fluminenses, desde
a descoberta e início da exploração de petróleo na plataforma continental da Bacia de
Campos, verificaram aumento extremamente significativo dos recursos orçamentários,
sendo a grande maioria destes, fruto de transferências da União, especialmente dos
royalties.
MUNICIPIO UF
População
Rec
Orçamentária
Rec Correntes Rec Tributária Impostos
Carapebus
RJ 11.671,00
65.217.802,48
69.266.006,65
1.519.878,03
1.468.024,80
Cardoso
Moreira
RJ 12.502,00
31.465.661,63
31.053.556,90
643.565,28
594.546,97
Conceição de
Macabu
RJ 20.505,00
34.927.167,20
37.981.756,66
1.317.318,40
950.593,71
Macaé
RJ 188.787,00
1.150.731.987,00
#############
250.308.336,20
245.170.306,80
Quissamã
RJ 19.315,00
227.399.273,50
238.231.326,60
8.221.085,77
8.206.043,42
São Fidélis
RJ 39.057,00
50.139.809,52
53.123.523,47
2.135.564,63
1.359.292,69
São Francisco
de Itabapoana
RJ 47.247,00
61.672.771,29
67.750.029,73
2.679.366,40
2.190.025,17
São João da
Barra
RJ 30.348,00
198.382.112,20
202.387.144,90
9.996.312,45
9.752.444,95
39
Segundo Piquet, isto fez surgir “cidades imaginárias”, pequenos municípios que
se tornaram “produtores de petróleo” por força de lei e que, mesmo com uma população
muito pequena acumulam muitos recursos.
Como as atividades industriais do setor concentram-se exclusivamente em
Macaé, os demais municípios - sem os ônus mas apenas com os bônus
advindos do petróleo - tornaram-se detentores de orçamentos milionários
(PIQUET, 2004: p. 32).
Se por um lado o petróleo trouxe recursos para os municípios da região, gerou
inúmeros problemas também, principalmente em Macaé, município mais diretamente
afetado pelo desenvolvimento. Neste sentido, Soffiati ressalta:
Se, por um lado, Macaé assistiu a um crescimento vertiginoso, por outro, teve
agravados seus problemas de desigualdade social, de marginalização, de
miséria, de violência, de saneamento básico, de doenças transmissíveis, de
perda de identidade cultural. (SOFFIATI, 2005: p. 98)
O crescimento acelerado, com o adensamento populacional do centro urbano
sem que houvesse infra-estrutura adequada, gerou impactos, como a excessiva
valorização da terra e a conseqüente ocupação desordenada do solo. A desigualdade se
configurou no território, os mais pobres passaram a não mais ter um local para se
instalar, surgiram favelas e ocupações irregulares. Um exemplo é a ocupação da área
hoje conhecida como bairro Lagomar, que será objeto de exame mais detalhado.
Não se pode deixar de atentar, também, para os impactos ambientais. A indústria
petrolífera, como quase todos os grandes empreendimentos, além de impactos
econômicos e sociais, também produz impactos ambientais. Estes impactos ambientais
chamaram a atenção de pesquisadores e ambientalistas que, em meados da década de
1990, passaram a se mobilizar para proteger a área de restinga hoje denominada
Restinga de Jurubatiba.
2.3. A ocupação da Restinga de Jurubatiba
A área de restinga que se estende pelos municípios de Macaé, Quissamã e
Carapebus e hoje conta com uma faixa de areia de 44 km e cerca de 18 lagoas costeiras,
assim como toda a região norte fluminense, sofreu grandes mudanças nas últimas
décadas, principalmente em função da expansão da indústria de exploração petrolífera,
40
mas verifica-se que desde a construção do canal Macaé-Campos, em 1844, a
preocupação com a preservação e manutenção do ecossistema local.
Figura 2: Mapa Temático de Localização do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba - fonte:
Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (Encarte 2, p.15)
Desde os primórdios da colonização da área, suas características naturais, com
áreas alagadas, e diversas lagoas foram entraves à sua ocupação.
(...) por mais que as tecnologias européias revelassem eficiência maior que as
nativas, em drenar áreas úmidas, deitar florestas por terra e combater animais
silvestres, a nova realidade ambiental, com suas dimensões gigantescas e
impetuosas, revelava-se incontrolável naquele primeiro momento.
(SOFFIATI, 2005: p. 89)
Além disso, a área era habitada pelos índios Goytacazes
10
, exímios guerreiros
que, conforme vimos no item anterior, lutaram contra os colonizadores e acabaram por
expulsá-los da região. Assim, a área manteve-se preservada da ocupação européia por
um bom tempo.
10
A nação indígena goitacá, “uma das poucas não pertencentes ao grupo-linguístico tupi-guarani, eram
hábeis caçadores, corredores e nadadores, apreciavam carne humana e habitavam palafitas em aldeias
lacustres. Os sítios arqueológicos ali descobertos e estudados revelam que esses índios deviam estar
naquela região (Campos, Macaé e Quissamã) desde o ano 600 dC. Estima-se que eram em número
aproximado de 150 mil, possuidores de tecnologia agrícola capaz de alterar a primitiva paisagem da
região.” (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2004: p. 4).
41
Uma constante no desenrolar da ocupação e exploração da área foi a prática de
se secarem ou drenarem as lagoas costeiras com o objetivo de incorporar terras ao
processo produtivo. Isso se verifica com mais força a partir do século XIX,
principalmente visando à instalação ou ampliação do cultivo de cana de açúcar ou de
pastos. Esta prática permanece nos dias atuais.
Com o desenvolvimento da região, fazendas e, mais tarde, comunidades urbanas,
se instalaram no entorno de algumas dessas lagoas. Com a época das chuvas e o
aumento do nível da água, as terras ao redor das lagoas são afetadas por enchentes e
alagamentos. Fazendeiros e proprietários, então, utilizam a abertura artificial de barras
para escoamento da água, visando reduzir os impactos e prejuízos. Além da abertura de
barras, o aterramento de lagoas também se constituiu como prática utilizada a fim de
propiciar a ocupação dessas terras.
Recentemente, também a expansão da indústria turística, com a ocupação de
praias e lagoas por casas de veraneio, a implantação de plantações de coco e abacaxi e a
utilização de campos plantados para a criação de gado “ameaçaram” a preservação da
área e atraíram a atenção de ambientalistas, de organizações da sociedade civil e do
poder público para a necessidade de se preservar a área.
Além disso, como visto anteriormente, a atividade industrial, mais precisamente
a atividade petrolífera, intensificada nos últimos anos, tem gerado diversos impactos
econômicos, sociais e ambientais na região. Entre estes, destacam-se a ocupação
desordenada do território, com aparecimento de bolsões de pobreza, a fragmentação da
vegetação e a alteração dos ecossistemas naturais.
Percebe-se, portanto, que a forma como se deu a ocupação e o desenvolvimento
do Norte Fluminense, especialmente dos municípios de Macaé, Quissamã e Carapebus,
calcados primeiramente na manufatura de cana de açúcar, pesca e pecuária, e depois na
atividade industrial petrolífera e turística, agregados aos fatores naturais que, de certa
forma, por muitos séculos, mantiveram preservada a área de restinga, criou o cenário
para que se criasse, em 1998, o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
42
2.4. O processo de criação do Parque
O Parque Nacional da Restinga da Jurubatiba (PARNA Jurubatiba), localizado
no norte do estado do Rio de Janeiro, conta com uma área litorânea de 14.860 hectares,
abrangendo os municípios de Quissamã (65%), Carapebus (34%) e Macaé (1%). Sua
criação, em 1998, foi fruto da mobilização de diversas organizações e pessoas, tendo
sido precedida do reconhecimento, em 1992, como Reserva da Biosfera pela UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura), área
geograficamente importante dentro de uma perspectiva socioambiental.
Figura 3: Mapa Temático do Limite do Parque Nacional da Restinga da Jurubatiba - fonte: Plano
de Manejo do Parque Nacional da restinga de Jurubatiba – Encarte 3, p. 16.
43
Figura 4: Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e seu entorno - fonte: FREITAS, 2003: p. 2
A iniciativa de preservar a área deu-se em função de Jurubatiba compreender a
maior área de restinga do Estado do Rio de Janeiro e ser tida como a mais bem
preservada de todo o Brasil, caracterizando-se como uma importante área de
preservação de ecossistemas naturais de grande importância ecológica.
Um apanhado histórico dos atos e legislação concernentes à proteção ambiental
e criação de áreas protegidas no Brasil mostra claramente que, em geral, a criação de
unidades de conservação foi justificada como uma resposta “conservacionista” às
ameaças aos recursos “naturais”. O atual modelo de preservação ambiental adotado
vislumbra a conservação dos diversos ecossistemas existentes, através da criação de
áreas protegidas que garantam a conservação de áreas consideradas representativas
desses diferentes ecossistemas e que contenham significativos exemplares de fauna e
flora.
Neste contexto, a criação das unidades de conservação ganhou destaque como
reflexo de uma política de proteção ambiental que conferiu ao Estado a função de gerir
44
o território de forma específica a garantir a preservação de espécies e ecossistemas,
priorizando o direito de usufruto público das áreas naturais protegidas em detrimento de
um possível uso privado.
No que diz respeito à Jurubatiba, o processo de lutas e pressões para a criação do
parque não foi diferente. Temendo os efeitos especialmente da ação humana na até
então mais bem conservada área de restinga do Rio de Janeiro, quiçá do Brasil,
pesquisadores, ambientalistas e sociedade civil passaram a dar grande atenção à
necessidade de se transformar a área em uma unidade de conservação.
Em 1979, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA)
iniciou um projeto chamado “Conhecer para preservar”, que integrava o plano anual de
atividades físicas da FEEMA e tinha o objetivo de conhecer melhor a flora e fauna do
Estado do Rio de Janeiro. Levantamentos realizados na alçada deste projeto constataram
a importância ecológica de algumas regiões do Estado, despertando a atenção para a
necessidade de preservação de algumas áreas.
Alguns anos depois, no Simpósio Internacional sobre utilização de Ecossistemas
Costeiros, ocorrido no Rio Grande do Sul, em 1982, sugeriu-se, dentre outras, a
preservação de áreas contínuas da restinga do então município de Macaé. Em dezembro
de 1984, durante o Simpósio de Restingas Brasileiras, realizado na Universidade
Federal Fluminense em Niterói (UFF), surgiu uma proposta mais detalhada para a
preservação da área de restinga que se estendia do município de Macaé ao município de
Campos (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: p. E3 19).
Neste mesmo ano, por iniciativa de pesquisadores de várias instituições, foi
redigida a primeira proposta de criação de uma Unidade de Conservação para a área.
Submetida ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)
11
para
avaliação, faltou-lhe apoio para ser concretizada.
A idéia da necessidade de preservar a área, porém, continuava presente e
pesquisadores, capitaneados por professores do NUPEM/UFRJ (Núcleo de Estudos
Ecológicos de Macaé), principalmente, continuavam a lutar pela criação de uma
11
O IBDF funcionou até 1989, quando, através da Lei 7.732, de 14 de fevereiro de 1989, foi extinto,
sendo suas atribuições e patrimônio transferidos à Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),
então vinculada ao Ministério do Interior. Logo depois, no entanto, com o advento da Lei 7.735, de
22 de fevereiro de 1989, foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), reunindo as funções, patrimônio e atribuições da Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) e dos já
extintos Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF).
45
Unidade de Conservação, uma vez que as ações de degradação continuavam em
diferentes frentes e cresciam em proporções assustadoras. Este esforço, às vezes
solitário, começou a repercutir entre ambientalistas macaenses que também vinham
defendendo a região e passaram a apoiar as propostas de criação da Unidade de
Conservação.
A realização de diversos estudos nas lagoas costeiras da restinga Macaé-
Campos, especialmente no âmbito do Projeto ECOlagoas
12
, em 1992, colaboraram para
reforçar a importância ecológica da região. Neste mesmo ano, a Organização das
Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO), por ocasião da
Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento - ECO- 92, classificou a Mata Atlântica e seus ecossistemas como
Reserva da Biosfera, dando maior visibilidade à importância das peculiaridades
geológicas e biológicas desta região (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba, 2008: E3, p. 20).
Com o avanço de pesquisas na região e constatada a progressiva degradação da
área em função da expansão da atividade petrolífera e da conseqüente aglomeração
urbana, pesquisadores vislumbraram a necessidade imperiosa de se preservar um dos
poucos trechos do litoral brasileiro de grande extensão que ainda estava intacto
ecologicamente: a Restinga de Jurubatiba. Tomada a consciência da necessidade de
preservação, os pesquisadores, liderados pelo Prof. Francisco de Assis Esteves,
lançaram-se à luta para transformar a Restinga de Jurubatiba em uma Unidade de
Conservação. Assim, o NUPEM liderou um intenso movimento social, que se iniciou
em 1995, a partir de Macaé.
A gente fez uma rede de pressão internacional sobre o então IBAMA.
Cientistas do mundo todo que vinham aqui mandavam carta e começamos a
estimular os professores e alunos nossos da região a mandarem...e a
estimularem seus alunos a mandarem cartas pro IBAMA. Foi uma pressão
muito grande, muito grande, muito grande... começamos depois a fazer
palestras em escolas, contatos com as prefeituras, com os prefeitos, que
nós fomos detectar o problema: os prefeitos eram contra. nós começamos
a fazer, depois de um ano, outro movimento: chamar a imprensa para fazer
12
O Projeto ECOlagoas (Estudos Ecológicos nas Lagoas Costeiras do Norte Fluminense) foi criado em
1992 através de um convênio entre a Petrobras e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro),
capitaneado pelo NUPEM (Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé), com
o objetivo inicial de monitorar e pesquisar quatro lagoas costeiras da região: Imboassica (localizada
dentro do perímetro urbano do Município de Macaé), Cabiúnas, Comprida e Carapebus (ambas hoje
situadas no interior do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
46
matérias super bonitas (...) saíram uma série de matérias: duas reportagens no
Jornal Nacional, na Veja (...)
13
A partir disso, em 1996, pesquisadores de diversas instituições de ensino e
pesquisa
14
elaboraram mais uma nova proposta de criação de uma Unidade de
Conservação na área de restinga, abrangendo os municípios de Macaé, Carapebus e
Quissamã. A proposta, que até então se referia à criação do Parque Estadual Carapebus-
Quissamã, foi enviada ao Diretor do IBAMA e, depois de análises técnicas e discussões,
entendeu-se que este deveria ser um Parque Nacional e não estadual.
A realização do I Encontro Pró-uso Racional da Restinga, em 1997, é apontada
como um evento da maior importância no processo que culminou com a criação do
Parque Nacional, pois uniu diversos atores como pesquisadores, fazendeiros, políticos e
comunidade local, com o objetivo de discutir aspectos relacionados à restinga. Como
resultado deste encontro, elaborou-se um mapa da área a ser preservada e constituiu-se
uma comissão responsável por dar encaminhamento ao processo de criação da unidade
de conservação.
Em agosto de 1997, então, uma proposta técnica de criação do parque, que
determinava os limites e outros detalhes da área a ser protegida, acompanhada de uma
proposta do mapa da Unidade de Conservação, foi enviada à chefia da Divisão de
Criação de Unidades de Conservação do IBAMA para estudo. Após passar por diversas
análises de requisitos e aspectos da proposta, foi elaborado o decreto de criação da
Unidade de Conservação. Em setembro o decreto foi enviado ao Ministério do Meio
Ambiente, mas entraves políticos, especialmente com relação à delimitação da Unidade
de Conservação, impediram a sua assinatura
15
.
Segundo Esteves, a população e os políticos locais não se engajaram, a princípio,
no projeto de criação do parque, inclusive fazendo grande oposição a este projeto. A
solução encontrada, então, foi recorrer diretamente ao IBAMA. A criação do parque,
13
Entrevista realizada com Francisco de Assis Esteves, fundador e diretor do NUPEM/UFRJ, na sede do
NUPEM, em Macaé, no dia 13 de novembro de 2009).
14
Dentre elas UFRJ, UFF, UnB, Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro,
EMBRAPA, University of Minnesota, University of Lund (Suécia) e University of Florida.
15
Segundo Francisco Esteves, a demora na criação do parque deveu-se muito às disputas com relação à
delimitação do território da unidade de conservação, capitaneadas especialmente por dois grandes
proprietários de terras no Município de Carapebus, com muita influência política na região. A solução
encontrada, então, foi criar dois bolsões, chamados de balneários, que foram excluídos do território da
Unidade de Conservação: Visgueiro e João Francisco (Entrevista realizada com o Prof. Francisco
Esteves na sede do NUPEM, em Macaé, no dia 13/11/2009).
47
segundo o entrevistado, se deu, então, de cima para baixo, pois, se dependesse do apoio
e da anuência da população e dos políticos locais, não haveria unidade de conservação
na área.
16
Tivemos a oportunidade de fazer grande amizade com os chefes do IBAMA
que na época decidiam e nos ajudaram muito... e nós conseguimos, dentro
do IBAMA em Brasília, o projeto de criação do parque. Quer dizer, veio
literalmente, mais ou menos, de cima para baixo, por que aqui não queriam.
A população que tinha consciência queria, mas os políticos não queriam. Mas
nós fizemos uma frente de luta tão grande que ficou insustentável... (...)
uma semana antes da assinatura do decreto a última reportagem do Jornal
Nacional foi fundamental porque foi um sábado, e sábado normalmente sai
notícia boa (...) mas aquela notícia fechou o Jornal Nacional com aquela
matéria muito bonita sobre o vôo das aves.
17
Com o passar dos meses, as ações em favor da criação do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba foram se intensificando, especialmente através da mídia, que
passou a divulgar as belezas naturais e as peculiaridades da fauna e flora locais e, em
1998, em meio a grandes pressões políticas, foi assinado pelo Presidente da República o
Decreto-Lei s/n de 29 de abril de 1998, que criou oficialmente o Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba.
2.5. A categoria Parque Nacional
A criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba teve seu fundamento
jurídico no artigo do Código Florestal
18
(Lei 4.471 de 15 de setembro de 1965) e
no Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros (Decreto 84.017 de 21 de
setembro de 1979) e definiu como objetivo do parque “proteger e preservar amostras
dos ecossistemas ali existentes e possibilitar o desenvolvimento de pesquisa científica e
de programas de educação ambiental” (Decreto s/n de 29 de abril de 1998).
16
Entrevista realizada com o Prof. Francisco de Assis Esteves, na sede do NUPEM, em Macaé, no dia
13/11/2009.
17
Entrevista realizada com o Prof. Francisco de Assis Esteves, na sede do NUPEM, em Macaé, no dia 13
de novembro de 2009).
18
Art. 5°, da Lei nº 4.471 de 15 de setembro de 1965 (revogado pela Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000-
SNUC): “O Poder Público criará:
a) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a finalidade de resguardar
atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas
naturais com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos;”.
48
A Lei nº. 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC), vigorando a partir do ano 2000, seguiu esta mesma linha,
estabelecendo como objetivo básico dos Parques Nacionais:
Art. 11 (...) a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância
ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas
e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. (art.11, da Lei
nº 9.985/2000)
Trata-se de uma categoria de manejo de proteção integral, de posse e domínio
públicos (art. 11, § 1º, da Lei 9.985/2000), que tem como objetivo básico a
“manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana,
admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais” (art.2º, VI, Lei 9.985/2000).
A mesma Lei do SNUC define como “uso indireto” “aquele que não envolve consumo,
coleta, dano ou destruição dos recursos naturais” (art. 2º, IX, Lei nº 9.985/2000).
O Plano de Manejo da Unidade de Conservação, que será analisado em seus
pormenores mais a frente, estabelece que:
Parques nacionais compreendem área natural pouco ou nada alterada,
ecologicamente representativa e relativamente extensa, com atributos naturais
notáveis, e seu objetivo primário é preservar os ecossistemas naturais de
grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de
pesquisas científicas, quando autorizadas pelo órgão responsável por sua
administração, e o desenvolvimento de atividades de educação e
interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo
ecológico. (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba,
2008: E3, p. 16)
A escolha da categoria Parque Nacional para a Unidade de Conservação criada
na restinga de Jurubatiba, é justificada, no próprio Plano de Manejo, pela necessidade de
“preservar uma amostra significativa dos ecossistemas de restinga e de lagoas costeiras,
com um alto grau de preservação e importância ecológica” (Plano de Manejo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba: E3, p. 16).
Além disso, levou-se em conta o fato dos ecossistemas de restinga serem pouco
contemplados no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a despeito de seu alto
grau de depredação na costa brasileira.
Como já se disse anteriormente, Jurubatiba é tida como uma das áreas de
restinga mais bem preservadas do Brasil e é apontada por cientistas e ambientalistas
como singular em seus aspectos ecológicos, geológicos, botânicos e climáticos,
diferenciando-se também de outras áreas de restinga brasileiras.
49
Peculiar do ponto de vista ecológico, social e político, o Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba, entretanto, devido a ausência de estrutura e de regulamentações,
permaneceu no papel por muitos anos. A criação da unidade de conservação assegurou
na teoria a conservação da área, mas a não realização da regularização fundiária, a falta
de técnicos suficientes e capacitados para fiscalizar e ordenar o acesso e uso do
território e dos recursos naturais bem como outras carências, impossibilitaram a
efetivação das normas gerais e objetivos do Parque Nacional.
Mesmo assim, não como negar que a implantação da Unidade, ao instaurar
normas tão restritivas ao acesso e uso do território e dos recursos ambientais, chocou-se
e passou a conviver com formas de apropriação e significação daquele espaço pré-
existentes, configurando conflitos e revelando multiterritorialidades.
2.6. Síntese e conclusões
O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, localizado nos municípios de
Macaé, Quissamã e Carapebus, no norte do Estado do Rio de Janeiro, foi criado em
1998, após intenso processo de lutas e disputas políticas. A área, identificada como uma
das mais bem preservadas áreas de restinga do Estado do Rio de Janeiro e até do Brasil,
especialmente a partir do final da década de 1980, despertou em grupos de cientistas e
ambientalistas o interesse em ver conservada aquela porção do espaço.
Ressalte-se que o processo de ocupação da área, inicialmente marcado pela
exploração açucareira e mais recentemente pelas atividades ligadas à exploração e
produção petrolíferas foram significativos para a idealização e concretização do projeto
de criação do Parque Nacional. Com a descoberta e inicio da exploração de petróleo na
Bacia de Campos e a instalação da Petrobrás em Macaé houve intensificação da
atividade industrial na região e expressivo aumento da população. Em decorrência,
iniciou-se um movimento, capitaneado por pesquisadores do NUPEM/UFRJ, visando a
criação de uma unidade de conservação na área a fim de resguardá-la dos possíveis
impactos destas mudanças sobre a restinga.
. A partir de uma análise dos acontecimentos que levaram à criação do Parque
fica evidente o fato de que este movimento não contou com o apoio ou participação
50
ampla da comunidade e das Prefeituras envolvidas, mas refletiu o interesse de um grupo
específico, composto principalmente por pesquisadores e ambientalistas. A implantação
do Parque foi possível através de uma articulação deste grupo com o IBAMA, que
em 1998, criou a unidade de conservação federal de proteção integral: o Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba.
A escolha da categoria de manejo Parque Nacional, amparada juridicamente por
dispositivos do Código Florestal (Lei 4.471 de 15 de setembro de 1965) e pelo
Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros (Decreto 84.017 de 21 de setembro
de 1979) foi justificada pela alegação de se tratar de área natural” pouco ou nada
alterada, com notáveis atributos naturais e significativa representatividade ecológica,
devendo, assim, ser mantida livre de alterações causadas pela interferência humana.
A despeito do projeto conservacionista de criação do Parque na região ter sido
bem sucedido de uma maneira geral, assegurando não apenas a implantação da unidade,
mas também a definição de uma das categorias de manejo mais restritivas à ação
humana, esta foi possível mediante algumas concessões. Na definição dos limites do
Parque foi preciso, devido a fortes pressões políticas, deixar de fora da Unidade
verdadeiros “bolsões” localizados nos Municípios de Quissamã e Carapebus que foram
denominados “balneários”- Fazenda Bom Retiro e Praia de Carapebus, em Carapebus, e
Visgueiro e João Francisco, em Quissamã.
Fato é que a criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba instaurou
novas regras e normas de controle, acesso e uso do território e dos recursos ambientais,
estabelecendo uma nova configuração territorial na área e modificando as relações de
força e poder.
PARTE II – REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITUAIS
CAPÍTULO 3: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES
3.1 Apresentação
Esta pesquisa tem por objetivo realizar uma leitura crítica dos processos sociais
desencadeados com a criação do espaço protegido, examinando a forma como sujeitos
distintos - prefeituras municipais de Quissamã, Carapebus e Macaé e União (via ICM-
Bio), através de suas ações e discursos, projetam e buscam estabelecer diferentes
territorialidades, lidando muitas vezes de forma diferenciada com os conflitos na área
do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e seu entorno.
Nos dois primeiros capítulos procurou-se apresentar de forma concisa alguns
aspectos políticos, econômicos, sociais e históricos que levaram à criação e implantação
do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Para um exame dos processos sociais,
mais especificamente dos conflitos ambientais identificados no caso estudado,
entretanto, parece necessário buscar um aparato teórico que possibilite uma apreensão
mais ampla das dinâmicas engendradas no espaço em questão.
Assim, neste capítulo serão apresentados os resultados da revisão teórica acerca
dos conceitos de território e territorialidade.
3.2. Conceito e abordagens de território: revisão teórica
Tendo em vista que o tema desta pesquisa refere-se à forma como sujeitos
distintos - municípios de Quissamã, Carapebus e Macaé e Estado (via ICM-Bio)-
através de suas ações e discursos estabelecem diferentes territorialidades, originando e
acirrando conflitos na área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e seu entorno
e, levando-se em consideração que a territorialidade, conforme entende Saquet (1997), é
“resultado e determinante do processo de produção de cada território”, primeiramente,
faz-se necessária uma revisão teórica sobre o conceito e abordagens de território.
53
É possível partir de uma noção bem simples: Se áreas protegidas são
delimitações “de parcela do território nacional para a preservação e/ou conservação da
natureza, pelo ou com o aval do Estado” (MEDEIROS, 2004: p. 84), uma reflexão
conceitual acerca do território mostra-se de suma importância e relevância.
Valejo (2004) vislumbra a possibilidade de se trabalhar o contexto das Unidades
de Conservação sob diferentes abordagens de território. Inicialmente, ele diferencia as
abordagens biológica e social.
A abordagem biológica estaria fundada no estudo das necessidades básicas, isto
é, de sobrevivência física das diversas espécies que integram as complexas teias de
relações dos ecossistemas. Valejo destaca criticamente o funcionalismo presente num
pensamento em que cada elemento, “cada indivíduo, assim como a própria espécie,
desempenha um papel” (VALEJO, 2004: p. 6). É no aparato conceitual desta
abordagem que comparecem, por exemplo, noções como a de nicho ecológico, que
remete ao espaço físico ocupado pela espécie, sua posição e seu papel funcional no
ecossistema e sua posição nos gradientes ambientais. Ao discutir como vive e se
reproduz uma espécie, em coexistência e luta com outras espécies, o conceito de nicho
se estende para o de território e territorialidades. Assim, em Odum territorialidade
aparece como:
um padrão de conduta que resulta em competição intra-especifica por espaço
e exerce um controle realmente efetivo sobre o tamanho da população, é
conhecido como territorialidade; [...]. A territorialidade é interpretada, na
maioria das vezes, como processo auto-regulador: ...mecanismo de controle
natural de conduta conhecido como territorialidade, mediante o qual muitas
espécies animais evitam o amontoamento e a pressão social (ODUM, 1977:
p. 137).
Para Valejo, a relevância da abordagem biológica está em que ela inspira
diretamente a noção de territorialidade que instruirá a definição da extensão e limites
mínimos necessários à preservação das espécies quando do estabelecimento de
Unidades de Conservação.
A abordagem social trabalha com a noção de território sob o prisma das
sociedades humanas. Saquet ressalta que, na primeira metade do século XX, poucos
cientistas sociais trabalharam com o conceito de território, e quando o fizeram,
utilizaram abordagens essencialmente técnicas, baseadas em elementos de uma ciência
da paisagem, da geografia física e das ciências naturais. A mudança de paradigmas e a
“redescoberta” do território se deu a partir dos anos 1950, especialmente a partir da
54
década de 1970, com um movimento que buscou superar as abordagens positivistas e
neopositivistas da geografia, questionando a dicotomização entre natureza e sociedade
(SAQUET, 2007).
Assim, principalmente a partir da década de 1970 se multiplicaram estudos
enfatizando as dimensões sociais do território, focalizando aspectos da constituição e
expansão do Estado-Nação, da geopolítica e das formas de apropriação, uso e controle
do espaço.
Como inúmeros autores trabalham sob esta perspectiva, utilizar-se-á o trabalho
de apenas alguns deles a fim de subsidiar esta pesquisa.
Milton Santos, por exemplo, centra sua obra na noção de espaço, concebido
como o conjunto de fixos e fluxos, ações e objetos inseparáveis que interagem a todo
momento, definindo a dinâmica e as transformações no espaço.
Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ões que modificam o
próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições
ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um
resultado direto ou indireto das ações que atravessam ou se instalam nos
fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que,
também, se modificam. (SANTOS, M., 2008: pp. 61-62)
Dessa forma, Santos constrói sua concepção de configuração territorial,
considerada não como o espaço em si, mas como a materialidade do espaço:
A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas
naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos
que os homens superimpuseram a esses sistemas naturais. A configuração
territorial não é o espaço, que sua realidade vem de sua materialidade,
enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima. A
configuração territorial, ou configuração geográfica, tem, pois, uma
existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência
real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais. (SANTOS, M., 2008:
p. 62)
A configuração territorial inicialmente abarcaria apenas os complexos naturais -
planícies, rios, florestas, etc. - e, à medida que a história se desenrolaria, se sucederiam
e acumulariam as obras dos homens, entendidas como intervenções materiais na
paisagem - estradas, fábricas, casas, cidades, etc. Segundo Santos, cada vez mais,
portanto, a configuração territorial vai se fazendo “produção histórica”: a natureza
natural seria, então, progressivamente, substituída pela natureza humanizada através da
ação humana, isto é, através da técnica.
55
Saquet (2007) considera esta elaboração como um esforço para superar a
dicotomia entre geografia física e geografia humana pelo simples fato de reconhecer
tantos os aspectos naturais quanto os sociais em sua abordagem territorial. Para Santos
(2008), seria impossível ao homem comum distinguir claramente natureza e obras dos
homens ou o que é puramente técnico do que é puramente social, d porque os
considera interdependentes e inseparáveis. É a interação entre objetos e ações, fixos e
fluxos, que resulta em determinada configuração territorial.
Seria possível ler Santos como segue: se é possível pensar uma natureza
puramente natural nos primórdios, a história torna este empreendimento conceitual cada
vez mais difícil. Na modernidade, isto é, no mundo dominado pela técnica, a natureza
natural torna-se inseparável da natureza social, humanizada, tecnificada.
Na construção de sua concepção de território, Santos utiliza análise muito
semelhante. Para ele, inicialmente, o funcionamento do território estava muito atrelado
às condicionantes naturais, e homens e obras humanas eram intermediadas por técnicas
muito ligadas à natureza e ao comando da natureza sobre a história. Em certa medida,
poder-se-ia dizer que, em Santos, parte-se de uma dicotomia entre território natural e
território social, ou, se se prefere, entre Geografia Física e Geografia Humana,
dicotomia que vai progressivamente desaparecendo ao longo da história, à medida que o
homem se impõe, através da técnica, sobre o mundo natural. Assim, com o passar do
tempo e o avanço da cnica, o território seria crescentemente mais o resultado das
relações sociais e da produção histórica, o que justificaria que se abandone a noção do
território em si, para operar com a noção de território usado:
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de
coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território
usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A
identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é
o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e
espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de
análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é
uma categoria de análise.” (SANTOS, M., 2007: p. 14)
A categoria de “território usado” incluiria não apenas os sistemas naturais, mas
também a identidade como componentes do território,
Em sua leitura das ciências sócias, Rogério Haesbaert identifica diversas
perspectivas, dentre as quais destaca: a materialista, segundo a qual uma ligação
material explícita entre território e natureza; e a ideal-simbólica, que inclui uma
56
dimensão não material - econômica, política e/ou cultural - e identifica a existência de
poderes invisíveis implícitos (HAESBAERT, 2007b).
Neste sentido Haesbaert ressalta que
(...) é interessante lembrar que “território” já desde a sua origem etimológica,
no latim do velho Império Romano, carrega essa ambivalência entre o
material e o simbólico, tanto através da raiz terra-territorium (domínio
territorial concreto) quanto de terreo-terrere (amedrontar), a inspiração do
temor pelo território como área cujo acesso é privilégio de uns poucos.
Segundo o Dictionnaire Étimologique de la Langue Latine, de Ernout e
Meillet (1967), territo estaria ligado à “etimologia popular que mescla ‘terra’
e ‘terreo’”, domínio da terra e terror, como se as delimitações da terra, os
cercamentos, ao excluirem tantas pessoas, inspirassem nelas o medo (e, por
outro lado, forjassem uma identidade para aqueles que usufruem diretamente
do território). (HAESBAERT, 2007a: p. 38)
O mesmo autor (2007a) adverte para o perigo das abordagens estritamente
materialistas que reconhecem no território apenas sua dimensão material, mas ressalta
que não se pode deixar de considerar a dimensão “natural” do território na medida em
que o homem, por mais que tenha avançado no sentido da técnica, não conseguiu
dominar diversos fenômenos ligados diretamente à dinâmica da natureza. O território,
escorado em uma dimensão material, objetiva, deve ser pensado, entretanto, como
relação de poder.
(...) a partir da concepção de espaço como um híbrido híbrido entre
sociedade e natureza, entre política, economia e cultura, e entre materialidade
e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço, (...) o território pode
ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder
mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das
relações de ordem mais estritamente cultural. (HAESBAERT, 2004a: p. 79)
São, pois, as relações de poder que determinam e constituem o território. Estas
relações de poder compreenderiam não apenas aquelas estabelecidas pelo Estado-
Nação, mas abrangeriam toda a multidimensionalidade das relações sociais, as múltiplas
formas e dimensões da vida social que estão atravessadas, inclusive em diferentes
escalas, por relações e práticas de poder
19
. Constrói, assim, uma abordagem múltipla,
que considera tanto os aspectos materiais quanto os simbólicos na constituição do
território.
Bonnemaison e Cambrèzy, de forma semelhante, dão destaque à dimensão
imaterial e subjetiva(da), simbólica, do território, reforçando a idéia de que uma
19
A referência, neste ponto, é Focault, Foucault, em sua análise da Microfísica do Poder e do Panopticon.
Para além, ou aquém, do poder de Estado, uma infinidade de mecanismos e dispositivos de poder,
que constituem uma infinidade de micropoderes que se instauram e reproduzem em todo o tecido
social. (FOUCAULT, 1977 e 1981).
57
concepção estritamente materialista de território seria insuficiente para dar conta dos
conflitos contemporâneos, pois consideram que
(...) o território é primeiro um valor, pois a existência e mesmo a imperiosa
necessidade para toda a sociedade humana de estabelecer uma relação forte,
ou mesmo uma relação espiritual com seu espaço de vida, parece claramente
estabelecida (BONNEMAISON e CAMBRÈZY apud VALEJO, 2004: p. 9).
Rafestin, por sua vez, compreende o território como “o resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático (que realiza um programa) em qualquer nível. Ao
se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator ‘territorializa’ o
espaço.” (RAFFESTIN apud BORDO: p. 2).
Uma característica da abordagem territorial de Raffestin, criticada e apontada
como uma limitação de seu trabalho por Saquet (2007), é que este (Raffestin) entenderia
o espaço geográfico como palco da ação humana e não como algo que tem valor em si.
Nesta perspectiva Raffestin concebe o espaço como anterior ao território e trata o
território como
um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que,
por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se
apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço.
Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num
campo de poder (RAFFESTIN apud BORDO: p. 2)
Assim, Raffestin apresenta uma abordagem relacional, na qual o território é
produto da ação humana, ou seja, na medida em que o espaço social é apropriado/
dominado, revelam-se relações de poder que configuram o território.
Embora concordando com Raffestin quanto ao fato de que o espaço seria
anterior ao território, mas que, não obstante, somente pode ser compreendido como
espaço social, Souza cobra do autor francês o fato de não ter sido capaz de entender que
este espaço social é um campo de forças, ao qual estão referidas as relações de poder
(SOUZA, 1995).
20
Sem dúvida, sempre que houver homens em interação com um espaço,
primeiramente transformando a natureza (espaço natural) através do trabalho,
e depois criando continuamente valor ao modificar e retrabalhar o espaço
social, estar-se-á também diante de um território, e não de um espaço
econômico: é inconcebível que um espaço que tenha sido alvo de valorização
pelo trabalho possa deixar de estar territorializado por alguém. Assim como o
poder é onipresente nas relações sociais, o território está, outrossim, presente
em toda a espacialidade socialao menos enquanto o homem também estiver
presente.” (SOUZA, 1995: p. 96)
20
A concepção do espaço social como campo de forças, acionada por Souza, encontra-se larga e
consistentemente desenvolvida por Bourdieu em “O Poder Simbólico” (1989).
58
Souza define território como “fundamentalmente um espaço definido e
delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995: p. 78). Em
consequência, toda análise do território, como lócus e instrumento de exercício de
poder, deveria apoiar-se, em primeiro lugar, no estudo dos agentes e formas de
dominação que instauram o espaço e nele agem
21
.
Percebe-se que, malgrado nomenclaturas diversas e algumas pequenas nuances
conceituais, nas várias concepções de território apresentadas sobressaem as noções de
poder e de relações de poder, como determinantes, constitutivas mesmo, da
configuração do território.
Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas
ao tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido
mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de
apropriação. (HAESBAERT, 2004b: p. 1)
Partindo desta noção, segundo a qual o poder e as relações de poder são os
pontos centrais na configuração de um território, vislumbra-se a necessidade de uma
conceituação de poder:
O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir
em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um
indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se
mantiver unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’ estamos na
realidade nos referindo ao fato de encontrar-se essa pessoa investida no
poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. (ARENDT
apud SOUZA, 1995: p. 80)
Cabe ressaltar, ainda, que Arendt preceitua que o poder não precisa ser
justificado uma vez que seria intrínseco às comunidades políticas, necessitando,
entretanto, de legitimação.
Se em Arendt o poder é um “mandato” (alguém atua em nome de alguém, que o
investiu), em Foucault “o poder não é substancialmente identificado com um indivíduo
que o possuiria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se uma
maquinaria de que ninguém é titular.” (FOUCAULT, 1981: p. 219). Foucault identifica
o poder não como uma coisa em si, mas como uma relação: o poder não está
circunscrito a um determinado “centro de poder” de onde emana nem em uma
determinada pessoa ou grupo de pessoas. .
Certamente, nem Foucault, nem Arendt associam o poder a qualquer atributo
individual ou de uma comunidade específica, mas o que parece ser a contribuição
21
Neste sentido, também ver Saquet (2007).
59
específica do autor francês é a importância que confere aos aparelhos de poder,
responsáveis por organizar o exercício do poder e do controle, tornando mais importante
o lugar que cada um ocupa na maquinaria. O poder, em Foucault, não se exerce em
razão de qualquer mandato, mas como funcionamento de um conjunto de dispositivos
que estruturam a sociedade, as relações sociais.
Deve-se compreender o poder, então, como atributo não individual que só pode
ser exercido devido a uma complexa maquinaria que o organiza e, assim, permite que
seja exercido não por uma pessoa ou grupo, mas através de dispositivos de controle. Em
Foucault, o poder, como dispositivo, se projeta necessariamente no território, é um
poder que se territorializa. Poder territorializado, território de poder. Controle dos
homens no território, controle territorial dos homens, de suas posições e práticas no
território, de que decorre, também a noção de biopoder.
Trabalhando ainda a noção de território, deve-se chamar a atenção para o fato de
que, apesar de diversos autores trabalharem abordagens de território a partir da idéia de
Estado-Nação
22
, este o deve ser reduzido à escala nacional ou associado
exclusivamente à figura do Estado. Souza chama atenção para o fato de que os
territórios são construídos e desconstruídos nas mais diversas escalas espaciais e
temporais.
Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas
escalas, da mais acanhada (p. ex., uma rua) à internacional (p. ex., a área
formada pelo conjunto dos territórios dos países membros da Organização do
Tratado do Atlântico Norte OTAN); territórios são construídos (e
desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos,
décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter um caráter permanente,
mas também podem ter uma existência periódica, cíclica. (SOUZA, 1995: p.
81)
No caso estudado, como se verá mais a frente, foi possível identificar uma
multiplicidade de territórios e territorialidades construídas em diversas escalas
convivendo em um mesmo espaço, uma delas em escala nacional (ICM-Bio) e a última
local (municípios). Seguindo nesta linha de análise e reflexão, então, buscar uma
compreensão de territorialidade também é imprescindível.
O território deve ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de
poder, relações estas que estão sempre presentes nas relações sociais que se estabelecem
22
Friedrich Ratzel, é um exemplo, pois construiu seu discurso sobre território essencialmente centrado no
referencial político do Estado (SOUZA, 1995: p. 85).
60
no, com e a partir do espaço. O território, assim, se configura a partir das relações de
domínio, controle e apropriação do espaço.
Falta, ainda, porém, um novo passo conceitual, que conduz à discussão da noção
de territorialidade.
3.3. Territorialidade e multiterritorialidade
Com base na discussão sobre o conceito de território, e tendo em vista que os
conceitos de territorialidade estão diretamente relacionados às concepções de território,
pode-se avançar na construção dessa idéia de territorialidade.
Saquet parte de uma concepção de território na qual, ao inserir-se num campo de
forças, ou seja, num campo de relações socioespaciais, o território é produto e condição
da territorialização, sendo produzido “pelo exercício do poder por determinado grupo ou
classe social, ou seja, pelas territorialidades cotidianas” (SAQUET, 1997: p. 127).
Assim, o autor entende as territorialidades como as relações sociais (de poder) que se
inscrevem no espaço, considerando-as “simultaneamente, resultado, condicionantes e
caracterizadoras da territorialização e do território” (SAQUET, 1997: p. 127). Ele
lembra, ainda, que a territorialidade é múltipla, o que confere ao território também uma
multiplicidade, revelando a complexidade social e as diversas relações de dominação
entre os sujeitos e o espaço.
Souza começa trazendo uma definição razoavelmente abstrata da
territorialidade: aquilo que faz de um território um território. Buscando avançar os
níveis de especificação conceitual, o autor vai afirmar que a territorialidade “é um certo
tipo de interação entre homem e espaço, a qual é, aliás, sempre uma interação entre
seres humanos mediatizada pelo espaço” (SOUZA, 1995: p. 99). Assim, o território é
relevante socialmente não por si, em si, mas porque é mediador de relações sociais.
Raffestin, por sua vez, lembra que a territorialidade constitui o território e
compreende diversas dimensões e escalas. Segundo Saquet, Raffestin entenderia a
territorialidade como
(...) multidimensional e inerente à vida em sociedade. O homem vive relações
sociais, a construção do território, interações e relações de poder; diferentes
atividades cotidianas, que revelam na construção de malhas, nós e redes,
61
constituindo o território; manifesta-se em distintas escalas espaciais e sociais
e varia no tempo. (SAQUET, 1997: p. 77)
Ao longo deste trabalho, será utilizada a definição proposta por Haesbaert, por
ser capaz de incorporar e organizar as várias dimensões e aspectos levantadas pelos
demais autores:
A territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz
respeito também às relações econômicas e culturais, pois está [conforme
entende Sack] ‘intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra,
como elas próprias se organizam no espaço e como elas o significado ao
lugar’. (HAESBAERT, 2004b: p. 3).
Resultado e condição da territorialização e, por conseguinte, do território, a
territorialidade engendra e é engendrada por relações sociais que incidem, em particular
sobre as formas de apropriação, uso, domínio e controle do espaço e de seus recursos.
Nunca é demais lembrar que a territorialidade, como sugerem os autores supra
citados, é multidimensional, incorporando não apenas a dimensão política, mas também,
dentre outras, as dimensões econômicas e culturais que se inscrevem-se nas relações dos
indivíduos e grupos mediatizadas pelo espaço. Por isso, não raro verificam-se
multiplicidades de territorialidades e territórios em um mesmo espaço geográfico. Neste
sentido, mais uma vez, corrobora Souza:
Não apenas o que existe, quase sempre, é uma superposição de diversos
territórios, com formas variadas e limites não-coincidentes, como, ainda por
cima, podem existir contradições entre as diversas territorialidades, por conta
dos atritos e contradições existentes entre os respectivos poderes (...)
(SOUZA, 1995: p. 95)
Impõe-se, pois, que toda análise mais abrangente de determinado espaço
geográfico deve considerar a multiterritorialidade, isto é, as múltiplas relações, vividas
por diferentes indivíduos e grupos sociais nas diversas escalas espaço-temporais.
A partir deste arcabouço teórico, então, este trabalho se propõe a analisar a
forma como, a partir da criação do Parque Nacional da Restinga da Jurubatiba,
diferentes agentes sociais, em especial os municípios envolvidos (Macaé, Carapebus e
Quissamã) e a União, através do ICM-Bio, operam e constroem seus discursos e ações
revelando distintas territorialidades no espaço, e como esta multiterritorialidade, ao opor
diferentes regras de uso, domínio, apropriação e significações do território, estabelecem
e aguçam conflitos ambientais na área da Unidade de Conservação e seu entorno.
Nos próximos capítulos seguir-se-á a exposição dos resultados da pesquisa
empírica, que focalizou como diferentes sujeitos territorializam, revelam e buscam
62
impor suas formas de apropriação e controle do espaço e de seus recursos, a partir de
seus discursos e ações de planejamento e manejo territorial na área do PARNA
Jurubatiba e seu entorno.
3.4. Síntese e conclusões
A partir desta revisão teórica poder-se-ia verificar que, apesar das diferentes
nomeclaturas e pequenas nuances conceituais, de forma geral, os autores constroem
suas concepções de território de forma semelhante.
O “espaço” de Raffestin é o mesmo que o “território natural” de Haesbaert e
Santos, que ambos antecedem e existem independentemente da sociedade. É quando
o homem se faz presente que: a) para Raffestin, o espaço se territorializa; b) para
Haesbaert e Santos, o espaço, se torna, respectivamente, “território de poder ou
“território usado”.
Levando em conta as diversas contribuições acerca do território, propõe-se,
então, que se parta de uma noção teórico-conceitual em que:
O território significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; idéia
e matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle;
dês-continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e
proteção ambiental; terra, formas espaciais e relações de poder; diversidade e
unidade. Isso significa a existência de interações no e do processo de
territorialização, que envolvem e são envolvidas por processos sociais
Santos Território Natural
Transformado pela
técnica
Território usado
Raffestin Espaço
Transformado por
relações de poder
Território
Haesbaert Espaço natural
Transformado por
relações de poder
Território
Souza Espaço
Transformado por
relações de poder
num campo de
forças
Território
63
semelhantes e diferentes, nos mesmos ou em distintos momentos e lugares,
centradas na conjugação, paradoxal, de dês-continuidades, de desigualdades,
diferenças e traços comuns. Cada combinação específica de cada relação
espaço-tempo é produto, acompanha e condiciona os fenômenos e processos
territoriais. (SAQUET, 2007: p. 24)
O território, então, é brido e múltiplo, abrangendo diversas dimensões que
revelam relações de poder que se estabelecem no, com e a partir do espaço. A
territorialidade, por sua vez, deve ser compreendida como resultado e condição do
processo de territorialização, tendo em vista as relações que incidem sobre o terrritório e
indicam formas de apropriação, uso e domínio do espaço e de seus recursos. O espaço,
portanto, deve ser considerado, na abrangência de sua multiplicidade e
multimensionalidade de territórios e territorialidades.
CAPÍTULO 4. MULTERRITORIALIDADES E
CONFLITOS
4.1. Apresentação
Como visto no capítulo anterior, a territorialidade implica em apropriação e
controle específicos do espaço e de seus recursos. Ora, se se entende, à luz das
sugestões de Souza (1995), que a territorialidade remete a um campo de forças, onde se
encontram e confrontam diferentes agentes, na área do Parque Nacional de Jurubatiba
(PARNA Jurubatiba) se verifica uma multiplicidade de territorialidades. Do
entrelaçamento e superposição destas territorialidades emergem disputas opondo
diferentes agentes sociais.
Assim é que no processo de sua reprodução, as sociedades se confrontem a
diferentes projetos de uso e significação de seus recursos ambientais. Ou seja,
o uso destes recursos é, como sublinhava Georgescu-Roegen, sujeito a
conflitos entre distintos projetos, sentidos e fins. Vista de tal perspectiva, a
questão ambiental é intrinsecamente conflitiva, embora este caráter nem
sempre seja reconhecido no debate público. (ACSELRAD, 2004: p. 8)
O estudo de conflitos ambientais, portanto, no escopo das territorialidades,
proporciona não somente uma compreensão das relações entre os sujeitos, interesses e
poderes envolvidos na disputa, mas também um amplo entendimento do sistema social e
de sua história como um todo.
Birnbaum, neste sentido, ressalta que “a abordagem do estudo do conflito
significa, de uma maneira ou de outra, procurar explicar ao mesmo tempo a lógica do
sistema social e a lógica de sua história”. (BIRNBAUM, 1995: p. 247).
Por isso, é imprescindível buscar uma concepção de conflito que permita a
análise do caso do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba levando em conta as
especificidades locais, as relações de poder que se inscrevem no local a partir da disputa
pelo acesso ao território, as formas de apropriação e domínio da terra e de seus recursos.
Assim como é imprescindível considerar a historicidade desses processos.
65
4.2. A noção de conflito
A tarefa de estabelecer um conceito ou arcabouço teórico a fim de propiciar a
análise que aqui se pretende desenvolver é árdua. Muitos autores e obras tratam da
temática do conflito.
Segundo Vainer, dentre as diversas visões sobre o papel que o conflito social
desempenha na vida social, seria possível identificar duas concepções entendidas por ele
como diametralmente opostas: uma visão designada como normativa, em que o conflito
é visto como uma disfunção social; e uma visão que entenderia que “um sistema é tanto
mais pujante e dinâmico quanto mais capaz de gerar e produzir conflitos” (VAINER,
2007: p. 1).
De acordo com a primeira visão, o conflito seria pensado como o indício de que
o sistema estaria funcionando mal, pois
Um sistema social equilibrado, funcional, adequadamente regulado seria
aquele em que os conflitos não comparecem, ou, pelo menos, em que os
conflitos são pouco numerosos e incidem sobre arenas e objetos (enjeux) que
não dizem respeito aos fundamentos mesmos da organização social, ou, se se
prefere, incidem sobre dinâmicas ou segmentos, aspectos ou dimensões
secundárias, pouco significativas na estruturação e reprodução do sistema.
(VAINER, 2001: p. 1)
A partir deste entendimento ganhariam força as práticas de mediação e
prevenção dos conflitos, ou seja, de mitigação ou eliminação destes, concebidas pelo
autor como formas de despolitização das práticas e dos sujeitos sociais.
Por outro lado, de acordo com Vainer (2007), a compreensão dos conflitos como
dinâmicas e processos que “operam o permanente aperfeiçoamento do sistema ou,
mesmo, em algumas visões, sua superação através de reformas ou revoluções”
(VAINER, 2007: pp. 1-2), permitiria aos grupos sociais constituírem-se enquanto
sujeitos políticos no espaço público. O autor, então, proclama a necessidade de se
promover e radicalizar os conflitos, rejeitando-se as políticas e estratégias de mediação
e resolução destes.
23
Seguindo nesta direção, pela peculiaridade e riqueza de seu enfoque, utilizar-se-
á a abordagem teórico-conceitual de Simmel, que também repudia a visão negativa do
23
Neste mesmo sentido, ver Acselrad (2007) e Acselrad e Bezerra (2002) sobre uma visão crítica da
disseminação de tecnologias de resolução de conflitos ambientais.
66
conflito e propõe uma concepção positiva de conflito, visto como uma das fundamentais
formas de interação social.
Em Simmel, a sociedade é possível como resultante das interações sociais, ou
seja, das ações e reações dos indivíduos em interação entre si. Ressaltando a
importância das condições espaciais, ele elege o espaço como uma das condições da
sociedade, pois considera, de um lado, que as interações transformam o espaço e, de
outro lado, que é no espaço que se fundam e se desenvolvem as relações entre os
indivíduos. Vale lembrar, contudo, que ao tratar da relevância das condições espaciais,
Simmel não está se referindo ao espaço geográfico em si, mas às “‘forças psicológicas’,
[a]os ‘fatores espirituais’, que aproximam, unem, distanciam ou separam as pessoas e os
grupos.” (SIMMEL, 1983: p. 24), ou seja, às mediações que o espaço proporciona às
interações.
O processo através do qual a sociedade se constitui, então, é chamado por
Simmel de sociação que, por sua vez, é “constituído pelos impulsos dos indivíduos, ou
por outros motivos, interesses e objetivos; e pelas formas que essas motivações
assumem.” (SIMMEL, 1983: p. 21).
Sobre esta base, o autor vislumbra, dentre outras, três condições formais da
sociação: determinação quantitativa dos grupos; processo de dominação-subordinação; e
conflito.
No bojo deste estudo, nos interessa tratar um pouco mais a fundo do conflito,
mas vale uma rápida menção às outras duas condições levantadas por Simmel.
A determinação quantitativa dos grupos importa em se considerar que o número
de indivíduos sociados tem influência sobre as formas de vida social, assim, influi na
sua organização. Tem-se, portanto, que um grupo, ao atingir determinado tamanho, tem
que desenvolver certas formas e órgãos que assegurem sua manutenção e sua promoção;
por outro lado, grupos menores têm certas qualidades, inclusive certas formas de
interação entre seus membros, que desaparecem quando os grupos aumentam.
O processo de dominação-subordinação, também condição formal da sociação,
diz respeito à interação entre dominante e dominado, entre autoridade e certa liberdade
de aceitação do subordinado. Simmel entende que, num relacionamento de
subordinação, mesmo nos casos de subordinação mais opressivos e cruéis, sempre
existe uma medida considerável de liberdade pessoal. Assim, a não ser nos casos de
67
violação física direta, esta relação apenas exigiria um preço para a realização da
liberdade, preço este que, geralmente, os indivíduos não estão dispostos a pagar.
O conflito, que é o que mais nos interessa para os objetivos deste trabalho, é
concebido como
forma pura de sociação e tão necessário à vida do grupo e sua continuidade
como o consenso. É ele indispensável à coesão do grupo. O conflito não é
patológico nem nocivo à vida social, pelo contrário, é condição para sua
própria manutenção, além de ser o processo fundamental para a mudança de
uma forma de organização para outra. (SIMMEL, 1983: p. 23)
Neste contexto conceitual, o conflito emerge não como uma das formas mais
intensas de interação e, assim, de sociação, mas, também, como operador e promotor da
unidade social, ainda que possa aparentemente negá-la.
Para o autor alemão, é impossível e irreal admitir a existência de um grupo
absolutamente “centrípeto e harmonioso”, pois “a sociedade, para alcançar uma
determinada configuração, precisa de quantidades proporcionais de harmonia e
desarmonia, de associação e competição, de tendências favoráveis e desfavoráveis.”
(SIMMEL, 1983: p. 124). A sociedade seria o resultado da combinação de todas as
formas de interação, que contribuiriam positivamente para a configuração social,
embora cada uma a seu modo. Ao contrário de uma visão ingênua que veria no conflito
uma ameaça à existência social e à reprodução social, a ausência de oposições e de
energias de repulsão não resultariam em uma vida social mais rica e plena (SIMMEL,
1983).
Além de referir-se ao conflito de forma geral, Simmel chama atenção para uma
forma particular de conflito: a competição. A competição seria, então, uma forma
indireta de conflito, na qual as partes se esforçam para alcançar um mesmo prêmio.
Assim, identificam-se duas combinações possíveis:
a)Quando o objetivo principal está em alcançar a vitória em si;
b)Quando “a luta consiste apenas no fato de que cada concorrente busca a meta
por si mesmo, sem usar sua força contra o adversário.” (SIMMEL, 1983: p. 136).
Simmel confere, então, grande atenção aos conflitos decorrente da competição
entre concorrentes que integram o mesmo grupo social.
Os outros tipos de conflitos – onde o prêmio, originalmente, está nas mãos de
uma das partes, ou onde uma hostilidade inicial, mais que a conquista de um
prêmio, motiva a luta – induzem à aniquilação mútua dos combatentes e, para
68
a sociedade como um todo, deixam apenas a diferença obtida pela subtração
do poder mais fraco do poder mais forte. A competição, por outro lado, na
medida em que permanece livre de mistura com estas outras formas, costuma
ampliar os valores através de sua incomparável constelação sociológica. A
razão é que, do ponto de vista da sociedade, oferece motivação subjetiva
como o meio de produzir valores sociais objetivos; e do ponto de vista das
partes concorrentes, usa a produção de valores subjetivos como meio de
alcançar satisfação subjetiva. (SIMMEL, 1983: pp. 138-139)
Independentemente da forma de conflito, tem-se que o conflito é uma das mais
vívidas e ricas formas de interação social, ou seja, de sociação, e que, portanto, é
elemento constitutivo da sociedade. Levando-se em conta, ainda, que a
multiterritorialidade revela distintas formas de apropriação, uso e domínio do espaço,
não como desenvolver a pesquisa proposta sem observar que estas diversas
territorialidades, por estabelecerem diferentes discursos e ações, geram e/ou acirram
conflitos pelo acesso e controle da terra e dos recursos locais.
Além disso, deve-se ter em mente, tendo em vista que o objeto deste estudo é a
área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, o caráter intrinsecamente
conflituoso da questão ambiental, razão pela qual tratar-se-á, a seguir, mais
especificamente dos conflitos ambientais.
4.3. Conflitos territoriais e conflitos ambientais
Os conflitos ambientais, de forma geral, apresentam características e
peculiaridades, opondo novos agentes e formas de conflituosidade e de luta. Destarte, o
estudo dos conflitos ambientais deve considerar que:
No âmbito das lutas sociais por apropriação do território, em determinadas
circunstâncias históricas podemos dizer que constitui-se um campo ambiental
que vincula as disputas de poder por recursos territorializados a um repertório
de práticas discursivas argumentos, valores, representações, atribuição de
causalidades, remissões a uma “ordem natural” de referência etc. através
das quais conflitos sociais e lutas territoriais “ambientalizam-se”. (...) Tais
conflitos tornar-se-ão ambientais ao envolver grupos sociais com modos
diferenciados de apropriação, uso e significação do território, que afirmarão
que a continuidade das formas que adotam de apropriação do meio encontra-
se ameaçada pelos impactos indesejáveis decorrentes das práticas de outros
grupos. (ACSELRAD, 2007: p. 2)
Considerar-se-ão os conflitos ambientais, então, como disputas opondo
diferentes agentes sociais que têm por objeto a apropriação material e/ou simbólica de
recursos “naturais” territorializados, isto é, modos sociais de controle, acesso e uso.
69
Os conflitos ambientais, em consequência, opõem formas distintas de
significação e domínio do território e de seus recursos, revelando diferentes
territorialidades e, importando, também, em diferentes classificações e configurações.
Nesta perspectiva é interessante notar os apontamentos de Bourdieu, que discute
o processo de produção social de categorias classificatória. Ao pensar o espaço social
como um campo de forças em que indivíduos e grupos sociais estão permanentemente
disputando posições sociais, e que estas posições (sociais) são determinadas pela
quantidade e tipo de capital de que dispõem, Bourdieu argumenta que pessoas e grupos
sociais disputam também os sistemas de ordenação do mundo (BOURDIEU, 1989).
Os critérios que definem determinada classificação, na verdade, são apenas
objetos de representações que embutem e projetam os interesses do agente classificador,
pois as classificações práticas estão sempre orientadas para a produção de efeitos
sociais.
As lutas entre diferentes classificações, que, na verdade, opõem os proponentes
destas classificações, então, são vistas como uma efetiva luta de poder:
(...) lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de
dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das
divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer grupos.
Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de impor uma visão de mundo
social através dos princípios de di-visão que, quando se impõem ao conjunto
do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular,
sobre a identidade e a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e
da identidade do grupo. (BOURDIEU, 1989: p. 113).
A teoria de Bourdieu permite, portanto, uma compreensão dos conflitos
ambientais não como lutas entre grupos ou espécies por recursos escassos, isto é, não
como confrontos ecológicos, naturalizados, como sugere Simmel, mas como produção
social a partir do embate de diferentes formas de classificação, ou seja, de variadas
formas de significação, apropriação e domínio dos recursos e do território.
Na definição do campo dos conflitos ambientais, deve-se considerar, também, o
que Lopes (2006) chama de processo de ambientalização dos conflitos sociais. Este
processo, que se desenrola a partir da emergência da questão ambiental como questão
pública (nacional e internacional) de grande relevância, resulta em transformações na
forma de atuação e construção do discurso do Estado, dos indivíduos, organizações e
movimentos sociais, e instituições, transformando a questão ambiental em uma nova
fonte de legitimidade e de argumentação nos conflitos. De acordo com Lopes,
70
O termo "ambientalização" é um neologismo semelhante a alguns outros
usados nas ciências sociais para designar novos fenômenos ou novas
percepções de fenômenos vistos da perspectiva de um processo (...) O sufixo
comum a todos esses termos indicaria um processo histórico de construção de
novos fenômenos, associado a um processo de interiorização pelas pessoas e
pelos grupos sociais - e, no caso da "ambientalização", dar-se-ia uma
interiorização das diferentes facetas da questão pública do "meio ambiente".
Essa incorporação e essa naturalização de uma nova questão pública
poderiam ser notadas pela transformação na forma e na linguagem de
conflitos sociais e na sua institucionalização parcial. (LOPES, 2006: p. 34)
No mesmo sentido, Acselrad reconhece este processo de ambientalização dos
conflitos como um processo de ressignificação de práticas relativas ao uso do território
a partir de “um conjunto diferenciado de normas que foram unificadas sob um novo
foco, uma vez que conflitos dessa ordem existiam antes, mas não eram classificados
como ambientais” (ACSELRAD apud REIS, 2007: p. 8).
Ambos os autores ressaltam que o processo de ambientalização influi
diretamente sobre as ações e discursos de indivíduos, grupos, movimentos, instituições
e do Estado, como denotam fenômenos como a crescente institucionalização do meio
ambiente a partir da cada de 1970, especialmente com o advento da Constituição de
1988 e com a realização da ECO-92, que consagraram efetivamente a questão ambiental
como relevante. Parte do mesmo processo tem sido o esforço de diferentes agentes,
inclusive o Estado e meios de comunicação, de promoção da “educação ambiental”
como processo de difusão e impregnação de novo código de conduta individual e
coletiva, promovendo a difusão de práticas “ambientalmente corretas”.
As modificações sentidas a partir deste processo ficam visíveis quando se
observa a forma como empresas, por sua própria natureza e objetivo, antes preocupadas
primordialmente apenas com a produtividade, passam a explorar a temática ambiental
em suas ações de marketing e de administração, vinculando seus produtos e serviços a
uma idéia de sustentabilidade, de práticas limpas e verdes. De forma semelhante, pode-
se perceber a apropriação desta temática pelos movimentos sociais, que passam a
utilizar categorias e formas de luta próprias do campo ambiental.
No que se refere ao discurso e prática estatais e, principalmente, na definição de
políticas públicas, isto se torna ainda mais evidente quando se observa o aparato
jurídico-institucional desenvolvido nos últimos 20 anos. Como visto no Capítulo 1, a
evolução da legislação brasileira no que tange ao meio ambiente demonstra uma
crescente preocupação com a preservação ambiental criando instrumentos e
mecanismos de controle e preservação ambiental.
71
O processo de ambientalização, então, transforma as formas de atuação e a
linguagem dos agentes sociais e reconfigura os conflitos, fazendo surgir novos atores,
novas formas de disputa e novos discursos a partir da requalificação da questão
ambiental
24
. Entretanto, deve-se ter cuidado nesta tratativa, pois não se pode reduzir ou
simplificar este processo como mera reclassificação de conflitos existente. Embora
em alguns casos o objeto de conflito não seja novo, as peculiaridades do campo
ambiental inserem práticas, dimensões e institucionalidades específicas a esse campo.
No caso de Unidades de Conservação, os conflitos são deflagrados,
normalmente, em função da institucionalização de uma política de preservação
ambiental que preconiza a criação de espaços (territórios) protegidos pelo Estado, que
instauram novas regras de acesso, uso e controle dos recursos naturais. Os conflitos
tendem a emergir quando determinadas práticas espaciais são comprometidas ou
negativamente impactadas por restrições de acesso e uso que acabam gerando o
comprometimento de práticas espaciais por impactos indesejáveis transmitidos ou por
restrições de uso dos recursos.
A alteração do estatuto legal-institucional acaba legitimando desterminados
agentes e, em contrapartida, destituindo outros dos direitos que detinham. Alba Simon,
neste sentido, coloca que
O que credencia os atores para o conflito é o fato de estarem submetidos às
novas regras de uso e apropriação dos recursos, regras essas voltadas para o
‘não uso’. As novas regras de uso e de apropriação e a eventual configuração
do espaço enquanto espaço público estão na base dos conflitos sócio-
ambientais nos PNs [Parques Nacionais]. A perda do direito de usar, usufruir
e abusar da propriedade advém dessa nova dinâmica estabelecida para o
ambiente. (SIMON, 2005: p. 8)
Assim, os conflitos ambientais, particularmente os que se referem aos Parques
Nacionais e, mais especialmente ainda, como se verá a seguir, no caso do PARNA
Jurubatiba, surgem ou se acirram a partir da superposição ou imbricação de diferentes
territorialidades, que denotam distintas formas de acesso, controle e significação dos
territórios e de seus recursos ambientalizados.
24
Lopes (2006) o exemplo de um caso em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, em que disputas
inicialmente trabalhistas, entre sindicato e a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) por melhores
condições de trabalho, transformou-se, a partir da década de 1990, passando a desenvover-se para além
das relações fabris, opondo a cidade e a fábrica por motivos ambientais de poluição industrial.
72
4.4. Síntese e conclusões
Importante, no decorrer desta pesquisa, deixar claro que se entende o conflito, de
acordo com as lições de Simmel, como uma das mais vívidas e ricas formas de interação
social, ou seja, de sociação, e que, portanto, é elemento constitutivo da sociedade.
Neste sentido considerar-se-ão os conflitos ambientais como disputas opondo
diferentes agentes sociais que têm por objeto a apropriação material e/ou simbólica de
recursos “naturais” territorializados, isto é, modos sociais de controle, acesso e uso.
Ressalte-se que os conflitos ambientais apresentam singularidades em relação a outros
conflitos, não apenas em razão dos interesses e poderes em jogo, mas também das
formas como as disputas se configuram, dos agentes envolvidos e das formas de luta
articuladas.
Levando-se em conta o espaço onde se localiza o Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba é múltiplo e que a multiterritorialidade deste espaço revela distintas
formas de apropriação, uso e domínio do espaço, não como desenvolver a pesquisa
proposta sem observar que estas diversas territorialidades, por engendrarem diferentes
discursos e ações, interesses e relações de poder, geram e/ou acirram conflitos pelo
acesso e controle da terra e dos recursos locais.
Em decorrência, identificar alguns dos diversos atores e interesses que se
imbricam e se chocam originando e reforçando conflitos ambientais parece relevante na
leitura dos processos sociais desencadeados com a criação e implantação da Unidade de
Conservação na área. Adiante, então, serão examinadas alguns agentes e maneiras de
planejar e ordenar o uso do solo e dos recursos no território protegido.
PARTE III- A GESTÃO E O PLANEJAMENTO DO
PARNA JURUBATIBA
CAPÍTULO 5. ESTADO COMO GESTOR E
PLANEJADOR DO TERRITÓRIO PROTEGIDO
5.1. Apresentação
A partir da institucionalização do meio ambiente como questão de Estado, este
passou a ser “o grande agente interventor da organização territorial das unidades de
conservação, planificando e regulando as atividades em seu interior” (VALEJO, 2004:
p. 10).
Como visto no Capítulo 1, essa emergência do Estado enquanto agente legítimo
para criar áreas protegidas deve-se, em grande medida, a um processo de lutas políticas
e discursivas. Através deste processo, a ideologia conservacionista conquistou espaços e
mecanismos que operaram a legitimação da “questão ambiental” e da “preservação da
natureza” em questão pública, num primeiro momento, e em questão de Estado, em
seguida.
A criação de novos territórios do meio ambiente, então, surgiu como reflexo de
uma política de proteção ambiental que conferiu ao Estado a função de gerir o território
de forma especificamente voltada a garantir a preservação de espécies e ecossistemas,
mediante a criação das Unidades de Conservação. O uso da noção de território neste
contexto está autorizado pelo fato de que o que tem estado em jogo, tanto no processo
mais geral de institucionalização quanto em cada processo particular de implantação dos
instrumentos resultantes desta institucionalização, são as relações de poder que
estabelecem categorias classificatórias, circunscrições conceituais e territoriais, modos
de uso e acesso, em síntese, a distribuição social de recursos territorializados.
Desde 1989, a função estatal de gerir estes territórios do meio ambiente tem
cabido ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis), autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com
atribuições de: (I) exercer o poder de polícia ambiental; (II) executar ações das políticas
nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao
licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos
75
recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as
diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e (III) executar as ações
supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental
vigente (artigo 2º da Lei nº 7.735/1989).
Com o advento da Lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, descentralizou-se
parte das atribuições do IBAMA e a função de gerir as unidades de conservação federais
foi conferida precipuamente ao Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), igualmente autarquia vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente e integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Recebeu
o novo órgão a competência para executar as ações da política nacional de unidades de
conservação, inclusive as de implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as
unidades de conservação instituídas pela União, dentre as quais se inserem os parques
nacionais.
Assim, a definição de normas e a gestão do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba, que desde a sua criação, em 1998, cabia ao IBAMA, a partir de 2007, passou
ao ICMBio.
Neste capítulo se propõe uma análise da gestão e planejamento do território do
PARNA Jurubatiba, através da atuação e discurso estatais, no caso, da União, o que será
feito mediante a leitura crítica do Plano de Manejo da unidade de conservação.
5.2. A elaboração do Plano de Manejo
O Plano de Manejo é o principal instrumento de planejamento da unidade de
conservação. De acordo com o que estabelece o SNUC (art. 2º, inciso XII da Lei
9.985/2000), Plano de Manejo é o
documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de
uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas
que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive
a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.
No mesmo sentido, o Regulamento dos Parques Nacionais determina que:
Entende-se por Plano de Manejo o projeto dinâmico que, utilizando técnicas
de planejamento ecológico, determine o zoneamento de um Parque Nacional,
caracterizando cada uma das suas zonas e propondo seu desenvolvimento
físico, de acordo com suas finalidades (artigo 6º do Decreto nº 84.017/79).
76
Não restam dúvidas, portanto, quanto à relevância do Plano de Manejo enquanto
instrumento que estabelece normas, regras e parâmetros de ordenação e uso dos
recursos e do território em que se estabeleceu o parque nacional. Este documento deve
ser elaborado pelo órgão gestor da área protegida (artigo 12, do Decreto 4.340/02),
no caso o IBAMA, hoje o ICMBio, e deve abranger não só a área da unidade de
conservação, mas também sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos
(quando houver) (§1º do artigo 27 da Lei nº 9.985/2000- SNUC).
A compreensão de tão importante instrumento de planejamento para a área do
Parque de Jurubatiba e seu entorno não pode deixar de lado um exame, ainda que breve,
do seu processo de elaboração, levando em conta as particularidades e especificidades
que contribuíram para que se chegasse ao documento que será analisado na seção
posterior.
Como visto no Capítulo 2, a criação do Parque de Jurubatiba se deu em 1998,
antes da promulgação da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei
9.985/2000) e o processo que desencadeou na criação desta unidade de conservação
resultou de pressões e lutas especialmente de ambientalistas e pesquisadores, sem
qualquer envolvimento da comunidade local e forças políticas locais, a sua inteira
revelia, quando não contra sua vontade. Como não houve adesão da população à idéia
da implementação da área protegida, e como também não ocorreram consultas públicas
durante o processo de criação do parque, a elaboração do Plano de Manejo foi a
primeira situação real de participação no que se refere ao parque, seja da população, seja
das prefeituras da região.
Segundo declarações de Dalila Silva Mello, professora da CEFET-Macaé, atual
conselheira do CONPARNA e integrante da Associação dos Amigos do Parque de
Jurubatiba (APAJ) desde 1999, os conflitos com relação ao parque se intensificaram no
ano seguinte à sua criação, devido principalmente à falta de “espírito de participação
popular” e ao fato de a população atingida pela criação do parque ter sido
desconsiderada ao longo do processo
25
Quando da criação do parque, é bom lembrar, ainda não se impunha realizar
consultas públicas, o que foi instituído apenas em 2000, com o SNUC
26
. A criação do
25
Entrevista realizada no dia 23 de abril de 2009, no campus da Universidade Federal Fluminense (UFF).
26
Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público (...)
§ A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta
77
parque, então, apesar de justificar-se a partir do discurso que transformou a preservação
ambiental em uma necessidade a ser atendida para o bem de todos, refletiu interesses e
objetivos de apenas alguns grupos – pesquisadores, ambientalistas e Estado -, que
tiveram realizadas suas pretensões de estabelecer na área de restinga uma Unidade de
Conservação que protegesse os ecossistemas locais, permitindo apenas as atividades de
pesquisa e de recreação. Não se levou em conta a existência de outros grupos, pessoas e
comunidades que habitavam e desenvolviam atividades no interior do que viria a ser o
parque e em sua área de entorno. Não surpreende que estes se vissem diretamente
atingidos e duplamente excluídos excluídos do processo de deliberação, excluídos do
direito de estar no território onde sempre estiveram.
Assim, configurou-se uma situação repleta de disputas. Em jogo estavam a
legitimação e afirmação dos diferentes sujeitos e interesses em um território que se
revela, pela nova intervenção, múltiplo, uma vez que várias formas de domínio e
apropriação material e simbólica se manifestavam e concorriam, gerando uma série de
conflitos.
Além disso, chama atenção o fato de somente após 10 (dez) anos de lutas por
uma maior democratização e ampliação da participação social em sua gestão, foi
aprovado o Plano de Manejo, dando eficácia ao que estava no papel. Durante muito
tempo a Unidade de Conservação não tinha sequer uma sede, nem recursos humanos ou
materiais disponíveis, e, como dito, não contava com regras de planejamento do
território e que regulamentassem as atividades no interior e entorno do mesmo.
A organização da sociedade civil, especialmente através da criação, em 1999, da
ONG Amigos do Parque de Jurubatiba (APAJ), foi extremamente importante na
consecução e na constituição do Conselho do Parque (CONPARNA), como também na
deflagração e continuidade do processo de elaboração do Plano de Manejo. Graças a sua
ação, foi possível conseguir, inclusive, a colaboração das prefeituras no custeio do
Plano de Manejo. No percurso até a aprovação e publicação do texto final do Plano de
Manejo, de acordo com relatos de diversas pessoas envolvidas neste processo, houve
muita luta contra a perspectiva que tecnocrática adotada na gestão do parque. De início,
pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade,
conforme se dispuser em regulamento.
§ No processo de consulta de que trata o § 2o, o Poder Público é obrigado a fornecer informações
adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
78
os técnicos do IBAMA centralizavam todas as decisões e faziam questão de deixar claro
que a participação popular era acessória e tinha caráter meramente consultivo
27
.
Os trabalhos para a elaboração do Plano de Manejo se iniciaram em 2001, sendo
custeado pelas prefeituras envolvidas - Macaé, Quissamã e Carapebus. Como primeiro
passo, então, foi elaborado um Termo de Referência com base no Roteiro Metodológico
para Unidades de Conservação de Uso Indireto (Plano de Manejo do Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba, Encarte 1).
Nas Oficinas de Planejamentos, ocorridas nos dias 26 a 28 de abril de 2001, nas
quais foram apresentados o diagnóstico e a proposta de zoneamento da unidade, de 22
(vinte e duas) pessoas presentes, 12 (doze) eram do IBAMA
28
. Não se permitia a efetiva
participação da comunidade e nem mesmo dos representantes dos municípios, o que
gerou um acirramento dos conflitos. Inconformados e sentindo-se desrespeitados, os
prefeitos de Quissamã e Carapebus obtiveram audiência com o então Ministro do Meio
Ambiente que determinou a paralisação do processo enquanto não fosse implementado
o Conselho Consultivo do parque
29
.
Neste momento o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) já
tinha sido aprovado e estava em vigor, prevendo a criação de conselhos nos parques
Cada unidade de conservação do grupo de Proteção Integral disporá de um
Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração
e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil, por proprietários de terras localizadas em Refúgio de Vida
Silvestre ou Monumento Natural, quando for o caso, e, na hipótese prevista
no § 2
o
do art. 42, das populações tradicionais residentes, conforme se
dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade.
(Lei 9.985/2000,
art. 29)
Somente em 2002 o Conselho do Parque (CONPARNA Jurubatiba)
30
começou a
funcionar, após seus conselheiros passarem por um processo piloto de capacitação que
contou com o apoio do IBASE/RJ, da Coordenação Geral de Educação Ambiental do
27
Diversos depoimentos levantaram esta questão, apontando a dificuldade de relacionamento com o
primeiro Chefe do Parque, representante do IBAMA, que, segundo relatos, era muito rígido e não
buscava uma inserção regional ou a comunicação com a população local.
28
Esta informação foi colhida em diversas entrevistas realizadas na região, mas o Plano de Manejo de
Jurubatiba se resume a afirmar que as oficinas contaram com a participação de diversos atores e lista
os convidados, quais sejam: um representante de cada uma das três prefeituras envolvidas, da Defesa
Civil do Estado (Corpo de Bombeiros), da TURISRIO, do SEBRAE, da MACAETUR, da
PETROBRÁS, do NUPEM/UFRJ, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, da UENF, da Polícia
Federal, dos órgãos ambientais públicos e de vários setores da sociedade civil, entre outros.
29
Entrevista realizada com Dalila Silva Mello no dia 23 de abril de 2009, no campus da Universidade
Federal Fluminense (UFF).
30
O CONPARNA Jurubatiba foi criado pela Portaria do IBAMA 097/02. O regimento interno do
Conselho foi instituído pela Portaria do IBAMA nº 13/05.
79
IBAMA e do Núcleo de Educação Ambiental (NEA) da Gerência Executiva estadual. A
partir de então, inclusive, o conselho gestor de Jurubatiba passou a ser considerado um
modelo deste tipo de instância consultiva no Estado do Rio de Janeiro (IBAMA, 2004).
Em 2003, renovaram-se os esforços para levar adiante o processo de elaboração
do Plano de Manejo, tendo como referência o Roteiro Metodológico de Planejamento
do IBAMA, em acordo com o artigo 14 do Decreto 4.340/02
31
, que regulamentou o
SNUC e contando com o custeio de seus recursos pela TRANSPETRO. Na retomada,
optou-se por não realizar nova Oficina de Planejamento, mas apenas uma consulta à
comunidade para atualização das informações. Apesar da constituição do Conselho, da
capacitação de seus membros, e do esforço de participação, segundo uma conselheira,
os representantes do IBAMA, órgão gestor do parque responsável pela elaboração do
Plano de Manejo, ainda “tratava aqueles que participavam das reuniões como
agricultores e pescadores ignorantes”
32
.
Apenas após um elogiado trabalho de análise do projeto de Plano de Manejo,
realizado pela câmara técnica do conselho
33
, a relação entre o CONPARNA e o IBAMA
mudou. Nas palavras da mesma conselheira “foi o enfrentamento com a visão
tecnocrática” vigente até então
34
.
O Conselho Consultivo acompanhou todo o processo e foram realizadas várias
reuniões com a equipe técnica do plano. Após longo e conturbado processo, então, uma
vez “resolvidos” os conflitos no âmbito da participação na elaboração do documento, o
Plano de Manejo do PARNA Jurubatiba, que deveria ter sido editado no prazo de cinco
anos da criação da unidade de conservação (artigo do Decreto s/n, de 29 de abril de
31
Art. 14, do Decreto n 4.340 de 22 de agosto de 2002: Os órgãos executores do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, em suas respectivas esferas de atuação, devem
estabelecer, no prazo de cento e oitenta dias, a partir da publicação deste Decreto, roteiro metodológico
básico para a elaboração dos Planos de Manejo das diferentes categorias de unidades de conservação,
uniformizando conceitos e metodologias, fixando diretrizes para o diagnóstico da unidade,
zoneamento, programas de manejo, prazos de avaliação e de revisão e fases de implementação.
32
Entrevista realizada com
com Dalila Silva Mello no dia 23 de abril de 2009, no campus da
Universidade Federal Fluminense (UFF), em Macaé.
33
De acordo com o Regimento Interno do CONPARNA Jurubatiba (Portaria 13, de 22 de março de
2005), cabe à presidência do conselho, ouvidos os demais conselheiros, formar câmaras técnicas
quando necessário, levando em conta a competência e afinidade das representações com o assunto em
questão. O § 3º, do artigo 18 estabelece ainda que: “As Câmaras Técnicas serão formadas
respeitando o limite máximo de 10 integrantes, sendo dois membros do CONPARNA Jurubatiba,
titulares ou suplentes, onde um deles será o coordenador e o outro o relator, e por mais oito
representantes das instituições participantes do CONPARNA Jurubatiba ou não, sugeridos pela
presidência ou pelos conselheiros e aprovados pelo plenário.”.
34
Entrevista realizada no dia 23 de abril de 2009, no campus da Universidade Federal Fluminense (UFF).
80
1998), foi finalmente publicado através da Portaria do Instituto Chico Mendes 54, de
1º de agosto de 2008.
Dando continuidade à análise da forma de gestão e planejamento da área do
parque e seu entorno, a próxima seção examinará o resultado deste processo, isto é, o
Plano de Manejo.
5.3. Uma leitura crítica do Plano de Manejo
O Plano de Manejo de Jurubatiba foi elaborado com base no Roteiro
Metodológico de Planejamento de 2002, do IBAMA, que estabelece um modelo de
planejamento a ser seguido nas unidades de conservação federais do tipo Parques
Nacionais, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas.
Seguindo este roteiro, o plano inicialmente se estrutura em 4 (quatro) encartes
elaborados pela Equipe Técnica contratada: o Encarte 1 contextualiza a inserção do
PARNA Jurubatiba nas esferas internacional, federal e estadual; o Encarte 2 “apresenta
a síntese das informações sobre a Região do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
e sua Zona de Amortecimento” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga
Jurubatiba, 2008: E2, p. 10); o Encarte 3 apresenta a análise da Unidade de
Conservação; e o Encarte 4, trata mais especificamente do planejamento do parque e de
seu entorno.
São previstos, ainda de acordo com o Roteiro Metodológico do IBAMA, mais 2
(dois) encartes a serem desenvolvidos posteriormente: Encarte 5, versando sobre
Projetos Específicos, que detalhe atividades e situações especiais que envolvam
conhecimentos específicos e, portanto demandem a participação de profissionais mais
especializados; e Encarte 6, sobre Monitoria e Avaliação, estabelecendo mecanismos de
controle da eficiência, eficácia e efetividade da implementação do planejamento a partir
da documentação sistematizada do processo de implantação do Plano de Manejo
proporcionando, assim, uma avaliação que possibilite ações corretivas de ajuste e/ou
replanejamento das atividades.
Visto o escopo deste trabalho, interessa primordialmente o Encarte 4, que aborda
mais especificamente o planejamento do parque nacional e estabelece as normas de
81
ordenação do solo e dos recursos ambientais locais. Cabe, contudo, uma breve síntese
dos demais volumes.
5.3.1. Encarte 1: contextualização da Unidade de Conservação
O primeiro encarte, em sua introdução, define um conceito de Plano de Manejo,
reproduzindo os textos do SNUC (Lei nº 9.985/2000), do seu decreto de regulamentação
(Decreto 4.340/02) e do Regulamento dos Parques Nacionais (Decreto
84.017/1979). Determina, também, que o processo de planejamento deve ser: a)
participativo, incluindo diversos segmentos da sociedade através de reuniões técnicas,
consultas e oficinas de planejamento; b) contínuo, sendo constantemente atualizado
pelos novos conhecimentos; c) gradativo, considerando que o grau de conhecimento da
unidade de conservação e seus recursos determinam o grau de intervenção do manejo e
a profundidade do alcance do plano; e d) flexível, autorizando um ajuste do plano
durante sua implementação e aplicação e, assim, permitindo adições e/ou revisões
sempre que novos dados demonstrarem essa necessidade.
Além disso, o documento estabelece os objetivos
35
do Plano de Manejo,
descreve a metodologia utilizada e alguns aspectos do processo de elaboração deste e
apresenta informações gerais sobre a unidade de conservação.
Em seguida, este encarte passa a tratar da inserção do Parque de Jurubatiba no
contexto internacional, ressaltando a sua inclusão na Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica e a importância dos acordos e compromissos internacionais firmados pelo
Brasil. Neste contexto, ressalta-se que “A principal fonte de recursos para as áreas
protegidas provêm dos programas de empréstimo, doação e cooperação internacional”
(Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga Jurubatiba, 2008: E1, p. 25) e que,
35
O Plano de Manejo estabelece como seus objetivos: levar a Unidade de Conservação a cumprir com os
objetivos estabelecidos na sua criação; definir objetivos específicos de manejo, orientando a gestão da
UC; Dotar a UC de diretrizes para seu desenvolvimento; definir ações específicas para o manejo da
UC; promover o manejo da Unidade, orientado pelo conhecimento disponível e/ou gerado; estabelecer
a diferenciação e intensidade de uso mediante zoneamento, visando a proteção de seus recursos
naturais e culturais; destacar a representatividade da UC no SNUC frente aos atributos de valorização
dos seus recursos, tais como: biomas, convenções e certificações internacionais; estabelecer, quando
couber, normas e ações específicas, visando compatibilizar a presença de populações residentes
com os objetivos da unidade, até que seja possível sua indenização ou compensação e sua realocação;
estabelecer normas específicas, regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da Zona de
Amortecimento e dos Corredores Ecológicos, visando a proteção da UC; promover a integração
socioeconômica das comunidades do entorno com a UC; orientar a aplicação dos recursos financeiros
destinados à UC. (Plano de Manejo de Jurubatiba: E1, p. 13).
82
portanto, deve-se vislumbrar a possibilidade de acordos e compromissos com os
diversos organismos e fundos internacionais (United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization UNESCO-, Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente PNUMA -, Food and Agriculture Organization of the United States FAO
-, União Internacional para a Conservação da Natureza UICN -, United States for
International Development USAID -, Global Environmental Facility GEF -, World
Wide Fund for Nature -WWF -, Banco Alemão de Desenvolvimento Internacional -
KfW -, Agência Alemã de Cooperação Técnica - GTZ -, dentre outros). Faz-se
referência, também, à importância de convênios e parcerias com instituições de ensino e
pesquisa internacionais.
O documento passa a uma exposição sobre a contextualização do parque sob o
enfoque nacional, discorrendo sobre a inserção desta área protegida no cenário
ambiental federal e no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Neste
sentido, afirma a importância de se preservar a área e chama a atenção para a
peculiaridade de se tratar do “único Parque Nacional criado com o objetivo específico
de proteger formação de restinga” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga
Jurubatiba: E1, p. 35).
Por fim, o Encarte 1 refere o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba ao
contexto estadual, alinhando informações sobre sua importância como área
protegida dentro da região. Dessa forma, o documento, além de traçar o panorama das
áreas protegidas no estado, ressalta a necessidade de uma integração regional no esforço
de preservação.
5.3.2 Encarte 2: Análise da Região da Unidade de Conservação
O Encarte 2 do Plano de Manejo presta-se a compilar principalmente as
informações sobre a região do PARNA Jurubatiba e seu entorno, a fim de proporcionar
um melhor conhecimento da região onde este se insere e, assim, permitir a identificação
dos principais fatores que influenciam sua gestão e planejamento (Plano de Manejo do
Parque Nacional da Restinga Jurubatiba).
Com este intuito, apresenta-se a descrição da área protegida, sendo interessante
ressaltar a proposta para definição da Zona de Amortecimento constante do Anexo 2
deste volume. O Plano de Manejo adota a definição de Zona de Amortecimento dada
83
pela Lei que instituiu o SNUC (artigo 2º, XVIII, da Lei 9.985/2000): "o entorno de
uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e
restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a
Unidade de conservação".
Este encarte descreve, ainda, as características ambientais da região (clima,
temperatura, índice de precipitações, umidade relativa do ar, ventos, geologia,
geomorfologia, solos, recursos dricos, vegetação, fauna) e seus principais aspectos
culturais e históricos, sinalizando para o potencial turístico da região.
Posteriormente, o documento descreve as diferentes formas de uso e ocupação
do solo nos municípios de Macaé, Quissamã e Carapebus, bem como os problemas
ambientais decorrentes. Nesta parte merecem destaque alguns dados e informações.
Nos municípios abrangidos pela unidade de conservação, a pastagem representa
a forma mais comum do uso do solo. Identificam-se 1.081 (mil e oitenta e um)
estabelecimentos agropecuários na região do PARNA, ocupando uma área total de
204.686ha (duzentos e quatro mil e seiscentos e oitenta e seis hectares) de lavouras,
pastagens e matas, sendo as lavouras e pastagens predominantes (Plano de Manejo do
Parque Nacional da Restinga Jurubatiba: E2, p. 88). Macaé é o município com maior
número de estabelecimentos agropecuários (57,9%), com uma área ocupada de 27% do
total de área utilizada nesta atividade. Quissamã apresenta um número menor de
estabelecimentos (24,6%), mas apresenta uma área maior utilizada para este fim
(68,42%). Já Carapebus é o município com menor representatividade tanto em número
de estabelecimentos (15,5%) como em área utilizada (4,2%).
Quanto às atividades econômicas, o Plano de Manejo, após destacar a
relevância das atividades ligadas ao petróleo, serem de grande significado, identifica
outras atividades, como as voltadas para a agropecuária e para a pesca, reconhecidas
como indispensáveis para a sobrevivência da população local.
Com relação à atividade pecuária, sobressaem-se as atividades leiteira e de
produção de bovinos a Região Norte Fluminense tem mais de ¼ (um quarto) do
rebanho bovino do Estado do Rio de Janeiro, sendo que 17% deste está em Macaé e
Carapebus.
A atividade canavieira também é significativa, colocando Carapebus e Quissamã
como os principais produtores do estado. As lavouras também estão presentes na região,
84
embora seja pouco expressiva a produção de alimentos básicos e frutas. Ressalta-se que,
em um esforço para diversificar a produção, Quissamã tem investido na plantação de
coco, maracujá, abacaxi e outras frutas, com especial destaque para o coco verde.
Outra atividade identificada como relevante é a pesca, tanto marítima quanto de
interior. Chama-se atenção para o fato de que a pesca de interior é desenvolvida nas
lagoas e canais da região, representando importante atividade de subsistência. A
atividade pesqueira tradicional é praticada nas lagoas Comprida, Carapebus, Encantada,
Paulista, Preta, do Pires, da Ribeira e Preta. Em Carapebus foram identificadas 60
(sessenta) famílias que dependem da pesca interior para sobreviver, organizadas na
Associação de Pescadores de Carapebus); em Quissamã o documento enumera mais de
100 (cem) famílias; em Macaé, cujo número de famílias ou pessoas não aparece
contabilizado, a prática da pesca pela população de baixa ou nenhuma renda foi
identificada no Rio Macaé e na Lagoa de Imboassica.
Ainda segundo o Encarte 2, a atividade industrial e de serviços inclui malharias,
produção de laticínios e a indústria de bebidas. Também são alinhadas a indústrias da
construção civil e pequenas unidades produtoras de calçados, confecções e móveis. O
setor de maior destaque na região, entretanto, sem dúvida, é o relacionado à atividade
petrolífera, que, a partir da instalação da Petrobrás, transformou Macaé e atraiu
empresas subsidiárias, de fornecimento de equipamentos e prestadoras de serviços. A
exploração de petróleo e gás também promoveu o desenvolvimento do setor secundário
da economia, com empreendimentos industriais nos setores de extração mineral,
metalurgia, mecânica e eletricidade, dentre outros. Acompanhando o crescimento desses
setores, o comércio e os serviços também se ampliaram.
O Encarte 2 também apresenta informações demográficas e socioeconômicas
detalhadas da população dos municípios incluídos na região de Jurubatiba -
demografia, escolaridade, renda domiciliar, saneamento básico, entre outras. Dentre
estas informações salta aos olhos o significativo crescimento da população regional
36
e
sua concentração nas áreas urbanas dos municípios.
Do mesmo modo, chama atenção a caracterização dos Balneários” da região do
parque. Estes chamados Balneários são áreas - três áreas litorâneas e a Fazenda Bom
36
De acordo com dados do Censo 2000 do IBGE, contidos no Plano de Manejo (Encarte 2), Macaé é o
município que contém, não a maior população (131.550), como também apresenta a maior taxa de
crescimento populacional (3,88% a.a.). Quissamã e Carapebus, entretanto, também verificam aumento
populacional (2,09% a.a e 1,58% a.a. respectivamente).
85
Retiro - que ficaram fora da linha demarcatória da unidade de conservação. As áreas da
Praia de Carapebus (em Carapebus), Praia do Visgueiro e Praia de João Francisco (em
Quissamã) estão incluídas na Área de Entorno do parque (e na Zona de Amortecimento
proposta) e “representam por um lado possíveis fragilidades na gestão do PN [Parque
Nacional] e, por outro, oportunidades de desenvolvimento de estratégias de proteção e
manejo, devendo, portanto, receber atenção diferenciada neste Plano de Manejo” (Plano
de Manejo do Parque Nacional da Restinga Jurubatiba: E2, p. 111)
37
.
A localidade da Praia de Carapebus é considerada perímetro urbano isolado e
compreende a área que se estende da barra da Lagoa de Carapebus aos limites da Lagoa
Encantada. Uma das principais áreas de lazer e turismo da população de Carapebus,
costuma receber os festejos e eventos públicos realizados pela Prefeitura deste
município. Nesta praia está localizada a área da Fazenda Bom Retiro, que também ficou
fora dos limites do parque, dotada de um cais que oferece um acesso direto ao espelho
d´água, utilizado como área de lazer. Nesta localidade ainda se observa a presença do
emissário de água da TRANSPETRO (Emissário de Tratamento de Efluentes do
Terminal de Cabiúnas TECAB), que após percorrer 10 km (dez quilômetros) do limite
litorâneo do parque, chega ao oceano.
O “Balneário” da Praia de João Francisco localiza-se no litoral, entre as lagoas
do Piri Piri (I e II) e Maria Menina (incluída em parte) e atualmente também é tido
como um dos principais pontos de lazer e turismo, além de local de diversos festejos do
município de onde está localizado (Quissamã). O acesso à localidade se por uma
rodovia que passa dentro do Parque Nacional de Jurubatiba.
A Praia do Visgueiro, localizada entre as lagoas do Visgueiro e Robalo, é uma
área litorânea que se caracteriza por moradias e propriedades particulares. Também é
utilizada como área de lazer e turismo, mas, pela distância do centro urbano, não é tão
concorrida ou freqüentada como os outros “Balneários”.
O grande número de residências secundárias caracteriza as Praias de Carapebus
e João Francisco como áreas de veraneio, cuja precária infra-estrutura (fornecimento de
água, esgotamento, etc.) se agravaria face à ocupação acelerada e desordenada e à falta
de ordenação e fiscalização, por parte das prefeituras, no que se refere às construções e
demais normas urbanísticas e ambientais.
37
Como se verá na análise do Encarte 4, estes “Balneários” serão planejados de maneira diferenciada,
como Áreas Estratégicas Externas.
86
O documento prossegue chamando a atenção para a intensa degradação
ambiental a que os “Balneários” estariam submetidos pela expansão da ocupação e
adensamento populacional, remoção da cobertura vegetal nativa e contaminação dos
recursos hídricos por esgoto, processos associados à intensificação do turismo e lazer.
Por fim, o segundo encarte do Plano de Manejo recomenda alternativas que
possibilitariam o desenvolvimento sustentável da região, lista a legislação federal,
estadual e municipal pertinente e apresenta ações e políticas identificadas como
necessárias à implementação e melhoria do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
5.3.3 Encarte 3: Análise da Unidade de Conservação
Após a contextualização da área do Parque Nacional e da região em que este se
localiza, o Plano de Manejo concentra sua exposição mais especificamente na unidade
de conservação em si.
Dessa forma, o texto em exame faz uma descrição minuciosa do clima, da
geologia, da geomorfologia, da limnologia, da vegetação e da fauna da área da unidade
de conservação, afirmando as peculiaridades da área e de seus ecossistemas.
Além disso, destaca aspectos de especial interesse histórico e cultural,
advertindo sobre a possibilidades de se encontrar na localidade sítios arqueológicos que
remontem à ocupação de populações pré-históricas (uma vez que foram encontrados
vestígios de sua presença na região). Também ressalta o valor histórico e cultural do
Canal Macaé-Campos, concebido e construído nos séculos XVIII e XIX, bem como a
necessidade de se considerar “os saberes mantidos pelas populações locais sobre as
práticas tradicionais de manejo ambiental e sobre o uso medicinal, alimentar e artesanal
da flora e fauna protegidas pela UC” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba: E3, p. 102), patrimônio cultural imaterial associado ao Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba.
O texto do Plano de Manejo afirma não haver residentes dentro da unidade de
conservação, mas, de forma contraditória identifica construções rurais e criações de
animais (oriundas de propriedades adjacentes ou mesmo do interior do parque), além de
invasores, posseiros e um morador da margem da Lagoa do Paulista. Verificam-se,
também, outros grupos determinados como de interesse primário atuando dentro dos
87
limites da unidade, dentre os quais enquadram-se os coletores de mel silvestre, de frutos
e outros produtos vegetais, os caçadores de pássaros e os pescadores da região. Outro
ator que agiria primariamente dentro do parque, segundo o Plano, é a empresa
TRANSPETRO, que usa o solo e o subsolo para passagem de dutos e tubos de
transporte de produtos oriundos da exploração de petróleo na Bacia de Campos (Plano
de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E3, pp. 101-102).
No grupo dos interessados secundários incluem-se as prefeituras dos municípios
abrangidos pelo território protegido - Macaé, Carapebus e Quissamã -, pesquisadores de
universidades e outras instituições de ensino e pesquisa nacionais e estrangeiras, ONGs
ambientalistas, empresas de turismo e turistas de modo geral (os veranistas e agentes
imobiliários dos “Balneários” também se incluem neste grupo).
Quanto à situação fundiária da área protegida, o diagnóstico feito para o Plano
de Manejo identifica apenas alguns processos de regularização fundiária propostos ao
Ministério Público por proprietários interessados em ver sua situação regularizada. De
de forma geral, entretanto, a área estava toda ela carente de regularização e nem mesmo
seus limites haviam sido demarcados.
De acordo com notícias na imprensa e entrevista realizada com o atual Chefe do
parque, a delimitação da unidade de conservação até agora não foi feita, mas há cerca de
8 milhões de reais, provenientes de compensação ambiental
38
, que serão destinados a
pagar as indenizações decorrentes dos processos de regularização fundiária da área
39
.
Além disso, o entrevistado destacou que várias propriedades foram avaliadas e agora
se está reunindo a documentação dos proprietários
40
para levar adiante as
desapropriações.
38
A Lei que instituiu o SNUC (Lei 9.985/00, artigo 36), assim como seu decreto de regulamentação
(Decreto 4.340/02, artigo 33) estabelecem que a aplicação dos recursos da compensação ambiental
devem ser aplicados primordialmente na regularização fundiária e demarcação das terras da Unidade
de Conservação.
39
Entrevista realizada com o Chefe do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Carlos Alexandre
Fortuna, na sede do parque, em Macaé, no dia 13 de novembro de 2009.
40
Conforme informou o Chefe do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Carlos Alexandre Fortuna,
em entrevista realizada na sede do parque, em Macaé, no dia 13 de novembro de 2009, a Instrução
Normativa do ICMBio 02/2009 regulamentou o procedimento da regularização fundiária em
unidades de conservação autorizando que, ao invés de um processo de desapropriação convencional,
seja proposto um acordo ao proprietário tornando mais célere o processo. De acordo com o Procurador
Chefe do ICMBio, Daniel Otaviano de Melo Ribeiro, antes do advento da Instrução Normativa
02/2009 uma das grandes dificuldades nos procedimentos para aquisição de áreas pendentes de
regularização fundiária era a necessidade, imposta pela Instrução Normativa nº 09/2003 do IBAMA, de
se realizar o levantamento da cadeia dominial da terra até a sua origem, o que dificultava muito o
encaminhamento dos processos. Com a Instrução Normativa 02/2009, o ICMBio fixou prazo de 30
88
Quanto às atividades desenvolvidas no interior do PARNA, o Encarte 3 do Plano
de Manejo as distingue em atividades apropriadas e atividades conflitantes.
As atividades apropriadas são compreendidas como aquelas adequadas à
categoria de manejo e, no caso, englobariam as atividades de fiscalização, pesquisa
científica, divulgação, visitação e educação ambiental.
Quanto à fiscalização, o Plano de Manejo afirma que esta é insuficiente,
principalmente porque o parque não tem funcionários a contento nem especializados
nesta função. Mesmo contando com o apoio do Batalhão de Polícia Florestal e Meio
Ambiente (BPFMA), com o Posto de Policiamento Florestal de Quissamã e com as
ações fiscalizadoras das prefeituras de Macaé, Quissamã e Carapebus, a ficalização
ainda seria muito precária.
No que se refere às pesquisas científicas, de forma geral faz-se uma ressalva de
que as restingas costeiras seriam os ecossistemas com menor acúmulo de informações
ao seu respeito. A restinga de Jurubatiba, no entanto, é apontada como uma das mais
pesquisadas porções do litoral brasileiro e que, portanto, acumularia o maior número de
informações e estudos destes ecossistemas. Diversas instituições realizam projetos de
pesquisa e divulgação, apesar de o parque, até então, não ter firmado nenhum convênio
ou Termo de Cooperação Técnica com instituição deste tipo, nem contar com
funcionário responsável por coordenar as atividades de pesquisa na unidade de
conservação.
Com relação à visitação, no Encarte 3 adverte que nos parques nacionais
somente é permitida a visitação “com fins de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e do turismo ecológico” (Plano de Manejo
do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E3, p. 113). Até o momento da
elaboração do Plano de Manejo a visitação, predominantemente com fins educativos e
científicos, só era permitida mediante autorização da chefia da Unidade.
Verifica-se que as principais atividades de educação ambiental ocorrem no
âmbito do Projeto ECOLagoas, desenvolvido pelo NUPEM/UFRJ (Núcleo em Ecologia
anos, considerado pelo procurador-chefe “como um prazo suficiente para que a indenização possa ser
resolvida de forma segura, além de facilitar a realização de acordos para encerrar processos judiciais
que se arrastam há anos. Além disso, a Instrução simplifica o rol de documentos antes exigidos para se
proceder à indenização, reacendendo a esperança para os que não foram ainda contemplados”
(RIBEIRO apud LIMA, 2009).
89
e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé) e do PELD (Programa Ecológico de
Longa Duração)
41
, voltadas principalmente para alunos do ensino médio, para
professores do 1º e 2º grau no município de Macaé e de outros da Região Norte
Fluminense.
As atividades ou situações conflitantes, por sua vez, seriam as atividades não
condizentes com os objetivos de criação da unidade de conservação e da sua categoria
de manejo. O diagnóstico realizado a fim de subsidiar o Plano de Manejo identifica
dentre estas atividades as seguintes: atividade agropecuária, extração de recursos
naturais, invasões e moradias, atividades de lazer não autorizadas, manejo inadequado
dos corpos d´água e pesca artesanal nas lagoas do interior do parque.
Também são identificadas instalações conflitantes: Emissário de Água de
Produção de Cabiúnas (TECAB), de responsabilidade da TRANSPETRO; Estação de
Tratamento de Esgoto da Praia do Visgueiro, de responsabilidade da Prefeitura de
Quissamã; e estradas que dão acesso aos “Balneários” e à Fazenda Bom Retiro.
Por fim, o texto do Encarte 3 trata da fragilidade infra-estrutural e institucional
do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Destaca-se que o parque, à época da
elaboração do Plano, tinha apenas 3 (três) funcionários, não contava com infra-estrutura
de apoio à gestão (a não ser as trilhas e estradas para fiscalização e a guarita
42
com a
porteira de entrada no parque em Macaé) e não tinha sede própria (a sede funciona até
hoje no antigo prédio da Associação de Servidores do INCRA – ASSINCRA- em
Macaé). Também não foi concluída a sinalização da unidade de conservação nem
mesmo a demarcação dos limites da mesma.
41
“O PELD é um programa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
criado em 2000. No âmbito desse programa criou-se o site Restingas e Lagoas Costeiras do Norte
Fluminense, como resultado das pesquisas realizadas sobre os ecossistemas aquáticos e terrestres do
Parque. Participam desse projeto as seguintes instituições: Universidade Federal de Juiz de Fora,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade do
Rio de Janeiro e Universidade Estadual do Norte Fluminense.” (Plano de Manejo Jurubatiba: E3, p.
111).
42
Esta guarita, localizada na proximidade da Lagoa de Jurubatiba, na realidade, foi instalada e mantida
pela Petrobrás por muitos anos a fim de garantir a incolumidade de um duto de transporte de efluente
que passava pela área. Com a desativação deste duto, a guarita foi “doada” ao parque, mas, como a
empresa retirou do local o vigilante que mantinha até então, esta foi depredada e encontra-se em
situação lastimável de conservação.
90
5.3.4 Encarte 4: Planejamento do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e
seu entorno
O Encarte 4 do Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba,
concentra-se em estabelecer normas, regras e parâmetros para a ordenação, o
zoneamento e o planejamento da unidade de conservação.
O planejamento é feito a partir da contextualização e do diagnóstico (Encartes 1,
2 e 3) e, conforme citado, segue a abordagem metodológica proposta pelo IBAMA
(IBAMA, 2002).
Inicialmente se faz uma análise estratégica do parque
43
, considerando os fatores
externos (ameaças e oportunidades) e internos (pontos fracos e pontos fortes) que
auxiliariam ou dificultariam a consecução dos objetivos do parque e de seu manejo.
Os pontos fracos, definidos como os “fenômenos ou condições inerentes ao
Parque que comprometem ou dificultam o alcance de seus objetivos” (Plano de Manejo
do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 13), são divididos em dois grupos:
(1) “fatores relacionados aos aspectos institucionais, relativos à criação, implementação
e gestão do Parque, tais como a situação fundiária e a fiscalização deficiente”; (2)
“fatores relacionados ao uso indevido dos recursos naturais e do desenvolvimento de
atividades conflitantes com os objetivos da categoria e do próprio Parque, tais como a
visitação desordenada e a existência do emissário de água de produção de Cabiúnas no
interior do Parque” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba:
E4, p. 13).
Os pontos fortes, estabelecidos como os “fenômenos ou condições inerentes ao
Parque que contribuem ou favorecem seu manejo” (Plano de Manejo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 13), são aqueles que se referem ao fato de a
restinga de Jurubatiba ser uma das mais bem preservadas do Estado do Rio de Janeiro e
do Brasil, apresentando uma grande complexidade e heterogeneidade ambiental,
biológica e de ecossistemas e a condição de ser uma das áreas mais procuradas para o
desenvolvimento de estudos e pesquisas.
43
Ver no Anexo A, a Matriz de Análise Estratégica onde se identificam os pontos fracos e fortes relativos
ao Ambiente Interno da Unidade e as ameaças e oportunidades referentes ao Ambiente Externo da
mesma.
91
Quanto aos fatores externos, identificam-se como ameaças: “a ocupação
desordenada e a expansão urbana, associada à deficiência do saneamento básico,
principalmente na área dos Balneários, a poluição dos corpos hídricos, a pressão do
desenvolvimento econômico pela existência de petróleo na região, e a pressão por
interesses conflitantes para o uso turístico do Parque” (Plano de Manejo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 14).
Por outro lado, vislumbram-se como principais oportunidades (fatores externos
ao Parque que contribuem para o seu manejo e seus objetivos) a presença de porções
conservadas de vegetação de restinga, a existência de lagoas costeiras com
características peculiares e o demonstrado interesse de diversas instituições de pesquisa
nacionais e internacionais pelo estudo da área.
Através de uma Matriz de Avaliação Estratégica
44
, busca-se, ainda, uma análise
da relação entre os pontos fracos e as ameaças, e entre os pontos fortes e as
oportunidades, considerando a significância (forte, média ou fraca) dos fatores e a
urgência da aplicação das ações necessárias à gestão da unidade de conservação
(imediata, curto prazo, médio prazo e longo prazo).
A relação entre as ameaças externas e os pontos fracos da Unidade denotariam
“forças restritivas” à implementação do Parque (impactos e conflitos), que deveriam ser
sanadas ou diminuídas através de ações de gestão. Por outro lado, a relação entre as
oportunidades e os pontos fortes revelariam “forças impulsoras”, que devem ser
otimizadas e fortalecidas a fim de permitir a implantação do Parque com eficiência e
neutralizar as “forças restritivas”.
Vale ressaltar que os conflitos são tratados de forma negativa, como situações
que devem ser resolvidas o mais rápido possível, afinal, significam “forças restritivas” à
implementação e gestão eficiente da unidade de conservação. Assim, toda ação humana
que não é desenvolvida exclusivamente com os objetivos de conservar, pesquisar ou
promover o turismo ecológico é considerada ameaça ou ponto fraco da área protegida.
A partir da análise e avaliação estratégica da unidade de conservação, da
legislação pertinente e dos estudos existentes sobre o parque, o documento em exame
(Anexo 4, do Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba) define
44
Ver no Anexo A, a Matriz de Avaliação Estratégica, em que se identifica e classifica as Forças
Restritivas e Forças Impulsoras do Parque.
92
os objetivos específicos de manejo, que podem ser resumidos como segue: proteger
espécies, formações vegetais, geomorfológicas e paisagens; recuperar áreas degradadas;
proteger e recuperar as características naturais e históricas do Canal Campos-Macaé;
resgatar e proteger os sítios arqueológicos presentes no interior e no entorno do Parque;
propiciar oportunidades para a realização de pesquisas científicas e estudos a fim de
ampliar o conhecimento sobre o parque e seu entorno e subsidiar sua proteção e manejo;
contribuir para o monitoramento ambiental; promover o turismo ecológico e a recreação
em contato com a natureza; propiciar o desenvolvimento de atividades de educação
ambiental; promover a integração do Parque com as comunidades do entorno; incentivar
o desenvolvimento regional integrado; e contribuir para o planejamento e ordenamento
do uso e ocupação do solo no entorno do Parque (Plano de Manejo do Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba: E4, pp. 26-29).
Em seguida, o Plano de Manejo focaliza especificamente o planejamento da área
protegida. O primeiro instrumento apresentado é o zoneamento, entendido como a
“definição de setores ou zonas em uma unidade de conservação com objetivos de
manejo e normas específicos, com o propósito de proporcionar os meios e as condições
para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e
eficaz” (Lei 9.985/2000, artigo 2º, XVI). Neste mesmo sentido, o Plano de Manejo
afirma que o zoneamento é um instrumento de ordenamento territorial, de manejo do
Parque, que “orienta as atividades e os usos que podem ser desenvolvidos em cada
zona” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 29) tendo
em vista os objetivos de criação da Unidade e específicos de manejo.
A partir desta compreensão de zoneamento e baseado nos conceitos do Roteiro
Metodológico do IBAMA (IBAMA, 2002), foram identificadas 7 (sete) Zonas de
Manejo, contendo diferentes objetivos e demandando distintos graus de proteção e
intervenção, como se pode ver a partir do Quadro 4.
As Zonas de Manejo estão divididas em Zona Primitiva, Zona de Uso Extensivo,
Zona de Uso Intensivo, Zona Histórico-Cultural, Zona de Uso Especial, Zona de
Recuperação e Zona de Uso Conflitante. As zonas, segundo o texto do plano, foram
definidas a partir de suas características e objetivos e são alvo de diferentes normas de
manejo e graus de restrições.
93
Figura 5: Mapa Temático de Zoneamento do Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba - fonte: Plano de Manejo do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba – Encarte 4, p. 30
94
Quadro 4: Informações sistematizadas sobre as Zonas de Manejo segundo o Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
Definição Áreas/
estruturas
Objetivos Gerais
Objetivos Específicos Regras de Manejo
Zona
Primitiva
Esta zona
define-se
como aquela
onde tenha
ocorrido
pequena ou
mínima
intervenção
humana,
contendo
espécies da
flora e da
fauna
naturais de
grande valor
ecológico
e/ou
científico.
- Zona Primitiva
Lagoa Preta
- Zona Primitiva
Lagoa Paulista e
Restinga
Adjacente
- Zona Primitiva
Lagoa Comprida
Preservar amostras
de ecossistemas
naturais terrestres e
aquáticos e manter
os processos
ecológicos
naturais, com o
mínimo de impacto
humano,
permitindo apenas
atividades de
pesquisa científica,
monitoramento
ambiental,
fiscalização e
visitação restrita.
- Conservar a riqueza e a
diversidade de espécies
presentes nos ecossistemas
terrestres e aquáticos inseridos
nesta zona;
- Proteger as lagoas costeiras,
minimizando, controlando e
monitorando os impactos
negativos decorrentes das
atividades humanas
desenvolvidas no interior da
UC e em seu Entorno;
- Incentivar as pesquisas
científicas, visando ampliar o
conhecimento sobre a
biodiversidade em ambientes
mais protegidos;
- Promover a conscientização
ambiental dos visitantes;
- Conservar os recursos
genéticos;
- Proteger as belezas cênicas,
resguardando suas
características naturais e
valores estéticos;
- Proporcionar formas
primitivas de recreação que
promovam o contato dos
visitantes com a natureza com
o mínimo de impacto,
- As atividades permitidas serão: a pesquisa científica, o
monitoramento ambiental, a educação ambiental, a visitação
restritiva e de baixo impacto e a fiscalização.
- As atividades permitidas não poderão comprometer a
integridade dos recursos naturais.
- Não será permitida interferência na sucessão vegetal, salvo em
casos de existência de espécies estranhas e/ou exóticas ao
ecossistema local, ou quando cientificamente comprovada a
necessidade de retirada e de restauração.
- A interpretação ambiental dos atributos dar-se-á somente
através de condutores ou guias oficialmente credenciados pelo
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
ICMBio, folhetos e/ou recursos indiretos, inclusive aqueles
fornecidos nos núcleos e/ou na Sede.
- A visitação será restringida em caminhadas pelas trilhas
naturais, com fins de contemplação da natureza e educação
ambiental, no caso do ecossistema terrestre.
- A visitação será restringida ao percurso fluvial, sem
possibilidade de paradas, com fins de contemplação da natureza e
educação ambiental, no caso do ecossistema aquático.
- Os visitantes, os pesquisadores e os fiscais deverão ser
advertidos para não deixarem lixo nas áreas inseridas nesta zona.
- Não serão permitidas quaisquer instalações de infra-estrutura,
visando minimizar os impactos ambientais negativos.
- Não será permitido o tráfego de veículos, exceto em casos de
necessidade de proteção, a qual deverá ser avaliada pela chefia
do Parque, visando controlar o acesso às áreas e minimizar os
impactos negativos.
- No caso de uso de embarcações, não serão permitidos motores
abertos e mal
95
permitindo que apreciem os
atributos naturais desta zona.
regulados.
- A fiscalização será constante nesta zona.
Zona de
Uso
Extensivo
Esta Zona é
constituída,
em sua
maior parte,
por áreas
naturais,
podendo
apresentar
algumas
alterações
humanas.
- Zona Estensiva
das lagoas
- Zona Extensiva
da Praia
- Zona Extensiva
Restinga
Adjacente à
Estrada da
Estivinha
- Zona Extensiva
Restinga
Adjacente à
Estrada da Praia
de Carapebus
- Zona Extensiva
junto ao Ib
- Zona Extensiva
Restinga
Adjacente à
Carapebus
- Zona Extensiva
Lagoa Comprida
Conservar as
características
naturais dos
ambientes,
minimizando os
impactos
ambientais que
podem ser gerados
pelas atividades
humanas
desenvolvidas,
oferecendo
oportunidades de
pesquisa científica,
monitoramento
ambiental,
visitação e
fiscalização.
- Proteger os ecossistemas
naturais presentes nesta zona;
- Incentivar e apoiar a
realização de pesquisas
científicas nas áreas que
compõem esta zona;
- Promover e controlar o
desenvolvimento de atividades
turísticas e recreativas em
contato com a natureza;
- Estimular a realização de
atividades de educação
ambiental.
- As atividades permitidas serão: a pesquisa científica, o
monitoramento ambiental, a visitação e a fiscalização.
- Não será permitida interferência na sucessão vegetal, salvo em
casos de existência de espécies estranhas e/ou exóticas ao
ecossistema local, ou quando cientificamente comprovada a
necessidade de restauração.
- Esta zona deverá ser constantemente fiscalizada, especialmente
na época de maior visitação.
- O trânsito de veículos, quando ocorrer, só poderá ser feito a
baixas velocidades (máximo de 40 km), restringindo-se as áreas
estabelecidas para circulação.
- É expressamente proibido o uso de buzinas nesta zona.
- No caso de uso de embarcações, não serão permitidos motores
abertos e mal regulados.
- O banho será permitido nas lagoas do Parque, inseridas nesta
zona.
Zona de
Uso
Intensivo
Esta Zona é
aquela
constituída
por áreas
naturais ou
alteradas
pelo
homem,
cujo
ambiente
- Zona Intensiva
Lagoa da Garça
e da Bezerra
- Zona Intensiva
de Cabiúnas
- Zona Intensiva
Núcleos de
Visitação do
Parque
- Zona Intensiva
Facilitar a
recreação
intensiva, a
educação ambiental
e o turismo
ecológico em
harmonia com o
meio ambiente,
através da
implantação de
- Propiciar a educação e a
interpretação ambiental,
aproveitando todos os meios e
recursos disponíveis;
- Facilitar a recreação em
contato com a natureza,
dotando o Parque de infra-
estrutura e equipamentos
adequados;
- Promover o turismo
- As atividades permitidas serão: a pesquisa científica, o
monitoramento ambiental, a educação e a interpretação
ambiental, o turismo ecológico, a recreação em contato com a
natureza e a fiscalização.
- As instalações e os serviços a serem destinados ao público
somente poderão estar localizados nesta zona.
- A utilização da infra-estrutura desta zona será condicionada à
capacidade de suporte estabelecida para as mesmas, após
realização de projeto específico.
- Poderão ser autorizadas obras ou serviços para atender aos
96
deve ser
mantido o
mais
próximo
possível do
natural.
Lagoa de
Carapebus
infra-estrutura
adequada
e planejamento das
atividades de uso
público.
ecológico, com base nos seus
atributos naturais e culturais,
infra-estrutura adequada,
equipamentos, serviços e
atividades de potencial
turístico.
objetivos de manejo da área, de acordo com projetos específicos
que levem em consideração a interferência mínima nos
ecossistemas presentes, tanto terrestres como aquáticos. Todas as
construções e reformas deverão estar harmonicamente integradas
com o meio ambiente e a paisagem.
- Os arranjos paisagísticos darão preferência à utilização de
espécies das formações naturais dos ecossistemas do próprio
Parque.
- Os materiais para a construção ou reforma da infra-estrutura
não poderão ser retirados dos recursos naturais da Unidade e
deverão ser comprovadas as procedências dos materiais
provenientes diretamente da natureza.
- A fiscalização será intensiva nesta zona.
- Esta zona deverá comportar sinalização educativa,
interpretativa, indicativa e, se houver necessidade, de
advertência.
- O trânsito de veículos será feito a baixas velocidades (máximo
de 40 km) e somente nos locais autorizados.
- É proibido o uso de buzinas e luzes altas.
- Os esgotos deverão receber tratamento adequado para não
contaminarem os recursos hídricos existentes.
- O tratamento de esgotos deverá priorizar tecnologias
alternativas de baixo impacto.
- Deverá ser desenvolvido um Programa de gerenciamento de
resíduos sólidos, de acordo com a legislação vigente.
- Os resíduos sólidos gerados nas infra-estruturas previstas
deverão ser acondicionados separadamente, recolhidos
periodicamente e depositados em local destinado para tal,
enquanto o Programa não estiver implantado.
Zona
Histórico-
Cultural
É aquela
onde são
encontradas
amostras do
patrimônio
histórico-
cultural ou
Compõe esta
zona o Canal
Campos-Macaé,
em toda a sua
extensão dentro
dos limites do
Parque,
Proteger sítios
históricos ou
arqueológicos, em
harmonia com o
meio ambiente.
- Proteger e recuperar o Canal
Campos-Macaé com vistas à
valorização e manutenção dos
seus atributos naturais e
culturais e desenvolvimento e
oportunidades de visitação
pública;
- As atividades permitidas serão: a pesquisa científica, a
fiscalização e a educação ambiental e a visitação restritiva.
- Deverá haver fiscalização permanente em toda esta zona,
com a utilização de embarcações oficiais do ICMBIO.
- Os serviços de construção da infra-estrutura previstas nesse
plano deverão ser monitorados tecnicamente pelo ICMBio.
97
arqueológic
o, que serão
preservadas,
estudadas,
restauradas e
interpretadas
para o
público,
servindo à
pesquisa,
educação e
uso
científico.
ocupando uma
área de
45,877ha.
- Apoiar o desenvolvimento de
pesquisas científicas básicas e
aplicadas ao manejo;
- Propiciar a realização de
atividades de educação
ambiental;
- Incentivar o turismo
histórico-cultural,
aproveitando o patrimônio
existente na Região do Parque;
- Facilitar o acesso e despertar
o interesse dos visitantes por
outras áreas do Parque
abertas ao público.
Zona de
Uso
Especial
Esta zona é
aquela que
abrange
todas as
áreas
necessárias à
gestão da
Unidade,
- Áreas ou
estruturas
existentes no
Parque: Guarita
em Cabiúnas e
Farol
- Áreas a serem
estabelecidas no
Parque : Sede
Administrativa,
Centro de
Pesquisa, Torre
de Observação,
Guaritas,
Portarias, Postos
de Fiscalização,
Porteiras, Trilhas
existentes que
permitem a
circulação,
Estradas
Minimizar o
impacto da
implantação das
estruturas ou os
efeitos das obras no
ambiente natural
ou cultural da
Unidade através do
planejamento,
execução e
controle dos
serviços e da infra-
estrutura.
- Dotar o Parque de serviços e
infra-estrutura adequada de
apoio à realização de
atividades de administração,
manutenção, proteção,
prevenção, combate a
incêndios, pesquisa e
educação ambiental.
- As atividades permitidas serão: a administração, a pesquisa
científica, educação ambiental e a fiscalização.
- Esta zona é destinada a conter a sede da Unidade e a
centralização dos serviços da mesma.
- Poderão ser autorizadas obras ou serviços para atender aos
objetivos de manejo da área de acordo com projetos específicos
que levem em consideração a interferência mínima nos
ecossistemas presentes, tanto terrestres quanto aquáticos. Todas
as
construções e reformas deverão estar harmonicamente integradas
com o meio ambiente e a paisagem.
- As instalações desta zona deverão estar localizadas,
preferencialmente, na periferia da Unidade.
- As construções e reformas deverão estar em harmonia com o
meio ambiente.
- Os arranjos paisagísticos darão preferência à utilização de
espécies das formações naturais dos ecossistemas do próprio
Parque Nacional, limitando-se ao mínimo possível indispensável
a utilização de espécies estranhas à região.
- O estacionamento de veículos será de uso restrito aos
funcionários, prestadores de serviços, pesquisadores e
convidados.
98
pavimentadas,
Estradas não
pavimentadas,
Estradas não
pavimentadas de
fiscalização e
Uso Público,
Trilhas para
fiscalização e
Uso Público,
Trilhas para
fiscalização,
Trilhas que serão
desativadas
- É proibido o uso de buzinas, luzes e velocidade altas, exceto
nos casos considerados como emergência.
- Os esgotos deverão receber tratamento adequado para não
contaminarem os recursos hídricos existentes.
- O tratamento de esgotos deverá priorizar tecnologias
alternativas de baixo impacto.
- Deverá ser desenvolvido um Programa de gerenciamento de
resíduos sólidos, de acordo com a legislação vigente.
- Os resíduos sólidos gerados nas infra-estruturas previstas
deverão ser acondicionados separadamente, recolhidos
periodicamente e depositados em local destinado para tal,
enquanto o Programa não estiver implantado.
- A fiscalização deverá ser permanente nesta zona.
- O acesso, o uso e o funcionamento das instalações devem ser
autorizados, controlados e monitorados pelo ICMBio.
- Fica proibida a instalação de qualquer placa ou aviso que não
conste do sistema de sinalização oficial, inclusive as de cunho
publicitário.
- Os serviços de construção e manutenção de infra-estrutura
deverão ser devidamente autorizados e acompanhados pelo
ICMBio, e os riscos potenciais deverão ser identificados e
definidos, de forma a subsidiar a adoção de ações preventivas e
de controle
Zona de
Recuperaçã
o
Esta Zona é
aquela que
contém
áreas
consideravel
mente
antropizadas
, cuja
natureza é
provisória,
devendo ser
incorporada,
posteriorme
- Zona de
Recuperação do
Visgueiro
- Zona de
Recuperação do
Córrego Mestre
- Zona de
Recuperação do
Loteamento
Terramares
Deter a degradação
dos recursos e
restaurar a área
- Recuperar as áreas
degradadas do Parque com
base no conhecimento
existente ou a ser gerado;
- Proteger os recursos naturais
do Parque em áreas que
sofreram impactos negativos;
- Incentivar a realização de
pesquisas sobre os processos
de regeneração natural,
visando sua aplicação nesta
zona da UC.
- As atividades permitidas serão: a pesquisa científica, o
monitoramento ambiental, a fiscalização e a educação e
interpretação ambiental.
- Em caso de conhecimento insuficiente sobre a recuperação da
vegetação da restinga e dos corpos lacunares da Unidade,
somente será permitida a recuperação natural das áreas
degradadas.
- Na recuperação induzida somente poderão ser usadas espécies
nativas, devendo ser eliminadas as espécies exóticas porventura
existentes, assim como qualquer fatores que contribuam e/ou
tenham contribuído para a degradação da área.
- As espécies exóticas deverão ser substituídas gradativamente
pelas espécies nativas.
99
nte, a uma
das zonas
permanentes
.
- Os trabalhos de recuperação induzida poderão ser interpretados
para o público no Centro de Visitantes.
- Não será permitida a instalação de infra-estrutura nessa zona,
com exceção de instalações provisórias necessárias às atividades
de recuperação, pesquisa e monitoramento.
- Os resíduos sólidos gerados nessas instalações terão o mesmo
tratamento citado nas Zonas de Uso Intensivo e Extensivo.
- O acesso a essa zona restringir-se-á ao ICMBio, aos
pesquisadores e aos técnicos autorizados, ressalvada a situação
eventual de moradores, enquanto não for efetivada a
regularização fundiária.
- Todas as áreas que sofreram drenagem deverão ser recuperadas.
- Todos os animais domésticos e/ou de criação deverão ser
retirados de dentro dessa zona.
- Todas as áreas que estiverem sendo recuperadas deverão ser
acompanhadas através do Programa de Monitoramento do
Parque.
- As atividades de educação ambiental realizadas nessa zona
deverão seguir as orientações e normas do Programa de
Educação e Interpretação Ambiental.
Zona de
Uso
Conflitante
Engloba
todos os
espaços
localizados
dentro da
Unidade de
Conservação
, cujos usos
e
finalidades,
estabelecido
s antes da
criação da
UC,
conflitam
com os
- Emissário de
Água de
Produção de
Cabiúnas.
- Estação de
Tratamento de
João Francisco.
- Estrada da
Praia de
Carapebus CRP-
011.
- Estrada da
Praia de João
Francisco QSM-
011.
- Estrada
Contemporizar a
situação existente,
estabelecendo
procedimentos que
minimizem os
impactos sobre a
Unidade de
Conservação.
- Controlar as atividades
conflitantes desenvolvidas no
interior do Parque, visando
minimizar seus impactos
ambientais negativos.
- Controlar o trânsito de
veículos pelas três estradas
municipais que atravessam o
Parque, exigindo o
cumprimento das normas
atinentes aos trechos em
questão.
- As atividades permitidas serão: a fiscalização, o
monitoramento, a manutenção de infra-estrutura específica, os
serviços inerentes e o manejo.
- A fiscalização será intensiva no entorno e dentro da área de uso
conflitante.
- Buscar-se-á a colaboração de serviços entre a chefia do Parque
e os responsáveis pelas estruturas incluídas na zona de uso
conflitante.
- Os serviços e as obras necessárias para a retirada e/ou
deslocamento dos empreendimentos do interior do Parque
deverão ser, sempre, comunicados ao Chefe e acompanhados por
funcionários da UC.
- Os projetos de retirada de quaisquer dessas estruturas deverão
prever a recuperação da área degradada e o seu respectivo
monitoramento, e a área em questão deverá ser incluída na Zona
de Recuperação proposta neste PM.
100
objetivos de
conservação
da área
protegida.
Quissamã-
Visgueiro QSM-
008.
- Várias casas de
moradores
construídas
dentro da área do
Parque de forma
irregular, após a
sua criação, no
município de
Quissamã, junto
ao balneário de
João Francisco.
- Está prevista a retirada do Emissário de Água de Produção de
Cabiúnas, a Estação de Tratamento de João Francisco e as casa
construídas de forma irregular.
Fonte: Elaboração da autora com base nas informações do Encarte 4 do Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
.
101
Além de prever o zoneamento do parque e estabelecer as normas gerais da unidade de
conservação (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, pp. 50-54),
o Plano de Manejo apresenta um planejamento por área de atuação, através do qual define
“ações gerenciais gerais” e estabelece zonas estratégicas (internas e externas).
As ações gerenciais gerais (internas e externas) estabelecem propostas de programas
de ações a serem implementados segundo diversos eixos temáticos. As ações gerenciais gerais
internas distribuem-se nos seguintes temas: Proteção e Manejo; Pesquisa e Monitoramento;
Educação e Interpretação Ambiental; Visitação e Operacionalização Interna. As ações
gerenciais gerais externas, por sua vez, são divididas em: Proteção e Manejo; Conscientização
Ambiental; Integração Externa/ Alternativas de Desenvolvimento; Pesquisa e Monitoramento;
e Operacionalização Externa.
As zonas estratégicas
45
estão divididas em internas e externas. As Áreas Estratégicas
Internas (AEI) são definidas como “áreas relevantes para o manejo e o alcance dos objetivos
de criação e manejo do Parque, com identidade fundamentada em condições ecológicas
peculiares e/ou vocação para atividades específicas, para as quais serão direcionadas
estratégias visando reverter ou otimizar as forças/fraquezas existentes” (Plano de Manejo do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba:E4, p. 116).
São identificadas 16 (dezesseis) Áreas Estratégicas Internas (AEI), distribuídas pelas
diversas Zonas de Planejamento:
- Zona Primitiva: AEI Lagoa Paulista, AEI Lagoa Preta;
- Zona de Uso Extensivo: AEI Lagoa e Restinga da Maria Menina e Robalo, AEI
Praia;
- Zona de Uso Intensivo: AEI Núcleo de Visitação do Parque em Macaé, AEI Lagoa
de Cabiúnas (Jurubatiba), AEI Lagoa de Carapebus, AEI Núcleo de Visitação do Parque em
Carapebus, AEI Lagoa e Restinga da Garça e da Bezerra;
- Zona Histórico-Cultural: AEI Canal Campos-Macaé;
- Zona de Uso Especial: AEI Sede do Parque;
- Zona de Uso Conflitante: AEI Emissário de Água de Produção de Cabiúnas, AEI
Estrada da Praia de Carapebus CRP-011, AEI Estação de Tratamento de Esgoto- ETE de João
45
O Anexo B contém quadro, constante do Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em
que se apresenta o enquadramento das áreas de atuação, por programa temático, para as Áreas Estratégicas.
102
Francisco, AEI Estrada João Francisco - QSM-011, AEI Estrada Quissamã-Visgueiro - QSM-
008.
Para cada Área Estratégica Interna (AEI) são previstos os resultados esperados, os
indicadores de desempenho, as ações/atividades a serem desenvolvidas e as normas
específicas a serem implementadas.
As Áreas Estratégicas Externas (AEE), por sua vez, segundo o texto em exame, são
“áreas relevantes para interação da UC [Unidade de Conservação] com sua região,
especialmente sua zona de amortecimento, que apresentam situações específicas
(ameaças/oportunidades) para as quais serão direcionadas estratégias visando reverter ou
otimizar o quadro” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p.
156).
Foram estabelecidas 11 (onze) Áreas Estratégicas Externas: AEE Loteamento
Balneário Lagomar, AEE Estrada Cabiúnas / Balneário do Lagomar e Faixa de Segurança de
Duto, AEE Bacia de Contribuição da Lagoa de Cabiúnas (Jurubatiba), AEE Porção Externa
da Lagoa de Carapebus, AEE Bacia de Contribuição da Lagoa de Carapebus, AEE Balneário
Praia de Carapebus, AEE Balneário Praia de João Francisco, AEE Balneário Praia do
Visgueiro, AEE Canal Campos-Macaé, AEE Estrada de Ubatuba e AEE Estrada de Ferro
(Ferrovia Centro-Atlântica).
Todas as Áreas Estratégicas Externas definidas encontram-se na Área de Entorno do
Parque, definida pela Resolução do CONAMA 13, de 6 de dezembro de 1990, como a área
inserida em 10km (dez quilômetros) de raio a partir dos limites da Unidade de Conservação
(BRASIL, 1990). De forma semelhante ao estruturado no que se refere às Áreas Estratégicas
Internas (AEIs), estabeleceu-se a descrição, os resultados esperados, os indicadores de
desempenho, as ações/atividades a serem desenvolvidas e as normas específicas para cada
uma destas zonas.
A partir desta síntese das informações, normas e critérios de planejamento, pode-se
perceber que a metodologia de ordenação do território do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba estrutura-se em três pilares: o planejamento estratégico, o zoneamento, e o que a
equipe técnica chamou de planejamento por área de atuação.
Os objetivos da categoria de manejo em questão - Parque Nacional são colocados
como: preservação dos ecossistemas, pesquisa científica, atividades de educação e
interpretação ambiental e turismo ecológico. Estes objetivos norteiam todo o Plano de
103
Manejo, definindo o planejamento da Unidade, as normas e os critérios de ordenação, acesso
e uso dos recursos ambientais.
Vale chamar atenção novamente para o fato de que a visão empresarial de gestão
perpassa todo o Plano de Manejo. É sabido que o planejamento de corte empresarial, do qual
o planejamento estratégico criado nos anos 70 pela Harvard Businness School é o mais
famoso e popular nos dias atuais, tornou-se, com o avanço do pensamento neo-liberal,
paradigma dominante de planejamento, inclusive em unidades do setor público. Ilustra sua
chegada ao campo ambiental público a visão defendida por Faria e Pires, segundo os quais,
“para uma gestão moderna e eficaz das unidades de conservação as organizações necessitam
inserir, além de amplo conhecimento técnico, requisitos gerenciais muito propalados no
meio empresarial” (FARIA; PIRES, 2007: p. 34).
Além de definir os pontos fortes e fracos do Parque, as ameaças e oportunidades,
numa aplicação canônica do mais popular instrumento do Planejamento Estratégico que é o
SWOT - acrônimo do inglês Strengths (forças) , Weaknesses (fraquezas), Opportunities
(oportunidades), Threats (ameaças) - estes fatores são considerados tanto na determinação do
zoneamento quanto no estabelecimento das normas gerenciais e das áreas estratégicas. As
regras de manejo e as ões propostas estão voltadas, de forma geral, para o fortalecimento
e/ou incentivo das “forças impulsoras” e para a mitigação e/ou supressão das chamadas
“forças restritivas” de implantação do Parque e daquilo que se concebe como sua gestão
eficiente
46
.
Seria possível afirmar, portanto, que a Unidade de Conservação é inserida em um
contexto de competitividade, no caso, concorrência no mercado de serviços ambientais, em
que a disputa seria travada com o intuito de atrair pesquisadores, investidores e turistas
ecológicos, potenciais consumidores
47
da mercadoria que o parque oferece no mercado, isto é,
acesso a recursos ambientais do parque. Neste contexto, conforme visto anteriormente, os
conflitos são encarados como disfunções do sistema, como prejudiciais ao funcionamento
eficiente e, portanto, grave ameaça ao sucesso na disputa travada com os concorrentes.
46
Para uma compreensão mais abrangente sobre essa noção de parques eficientes segundo a visão
conservacionista ver Terborgh et al. (2002).
47
Neste mesmo sentido, Pereira (2005), sobre a relação dos usuários do espaço em que se instala uma unidade de
conservação afirma que “as unidades de conservação alteram também o papel dos usuários, que, de
produtores do espaço, passam a ser seus consumidores” (PEREIRA, 2005: p. 130)
104
5.4 Síntese e Conclusões
Pode-se destacar que o conjunto do processo, desde a criação até a elaboração do
plano expressam a ideologia conservacionista apresentada anteriormente. O caso em estudo é,
pois, uma boa ilustração da “prática destas concepções e ideologias”. O que se nota: é que a
perspectiva preservacionista não é imune ao pensamento neo-liberal e o incorpora através de
uma concepção de planejamento que alia uma perspectiva que alguns atores qualificam de
tecnocrática com uma visão empresarial, concorrencial, que se faz presente na opção por uma
metodologia de planejamento que reconhece, legitima, valida e projeta os valores da
concorrência mercantil.
A ideologia conservacionista e os defensores deste modelo de parque argumentam que
a unidade de conservação beneficia toda a humanidade, pois assegura a permanência de
valorosos ecossistemas e espécies. A partir desta idéia universalizante de necessidade da
preservação da “natureza intocada”, conforme o exposto especialmente no Capítulo 1, este
pensamento alcançou o status de questão pública e relevante, fundamentando, inclusive,
grande parte das políticas e leis ambientais brasileiras.
Os Parques Nacionais foram idealizados com o fim de propiciar a contemplação da
“natureza intocada” pelas populações urbanizadas, que cada vez tinham menos acesso a este
tipo de ambiente. O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba não difere deste modelo e o
Plano de Manejo deixa isso muito claro.
As regras, critérios e programas de ação regulamentam a ordenação do uso e acesso do
solo e de seus recursos baseados em estudos “técnico-científicos” que parecem considerar o
ambiente apenas em seus aspectos ecológicos (fatores abióticos e bióticos), deixando as
nuances sociais em separado e em posição de menor destaque. Esta diferença no tratamento
pode ser percebida, por exemplo, quando, no Encarte 2, ao abordar uma análise da região da
Unidade o plano apresenta em separado a “caracterização ambiental” e os aspectos culturais e
históricos.
Mais uma vez fica claro o ponto de vista que norteia este instrumento de
planejamento: são os ecossistemas e espécies, enquanto fortaleza ambiental, que importam de
verdade. Esta análise suscita, então, uma questão: a quem o Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba pretende beneficiar?
105
Os conservacionistas e defensores deste modelo de unidades de conservação sem
dúvida afirmarão que os parques nacionais beneficiam toda a comunidade, toda a população
humana. A legislação, o processo de criação e a análise do Plano de Manejo dessa Unidade de
Conservação, no entanto, poderiam propiciar um entendimento de que este território foi
protegido pelo Estado a fim de garantir exclusivamente aos turistas e pesquisadores fonte para
que desenvolvam suas atividades. Pois, se as restrições ao acesso e uso do território e de seus
recursos ambientais por um lado atraem estes consumidores dos serviços/recursos ambientais
da Unidade, por outro lado alijam outros agentes sociais dos mesmos recursos, acessíveis
antes da “nova” determinação e territorialização do espaço.
A criação do parque, então, instaura uma nova configuração territorial na restinga e
em seu entorno e as normas de manejo deixam claro que configuração é esta. A intervenção
do Estado, no caso, da União, modifica as relações de poder neste espaço, e a análise das
regras de manejo revela os interesses que perpassam estas novas relações: preservar os
recursos ambientais locais, ou seja, mantê-los o mais intocável possível; estimular e apoiar o
desenvolvimento de pesquisas; promover e ampliar programas de educação e interpretação
ambiental; e favorecer o ecoturismo controlado. Instaura-se, assim, uma nova territorialidade
no espaço.
Apesar de o Plano de Manejo em vários momentos afirmar a importância de um
esforço para promover a integração e adaptação destas novas regras à realidade local,
ressaltando a necessidade de se buscar uma gestão integrada (com as prefeituras, comunidades
locais e outras institucionalidades) do território protegido, deixa claro que esta união deve se
dar em prol de objetivos bem definidos: os objetivos definidos para a categoria de manejo
Parque Nacional.
Como não poderia deixar de ser, portanto, ao estabelecer restrições de uso e acesso aos
recursos ambientalizados, esta nova territorialidade gera impactos e instaura e/ou acirra
conflitos.
Por esse motivo, no próximo capítulo buscar-se-á uma compreensão da forma como os
municípios impactados pela criação e implantação da Unidade de Conservação planejam e
gerem este mesmo território. Acredita-se que, assim, propiciar-se-á um exame crítico ainda
mais abrangente da forma como a área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e seu
entorno é ordenada e normatizada e, conseqüentemente, tornará possível uma análise de
alguns conflitos engendrados no local.
CAPÍTULO 6. PLANEJAMENTO E GESTÃO DO
TERRITÓRIO EM MACAÉ, QUISSAMÃ E CARAPEBUS
6.1. Apresentação
Conforme abordado extensivamente ao longo deste trabalho sabe-se que, de acordo
com a legislação brasileira, o território em que se instala um Parque Nacional é de posse e
domínio públicos, cabendo à União, através do ICMBio, sua gestão, ordenação e manejo.
Parece não haver dúvida, no entanto, de que os municípios abarcados por essa área protegida
também terão algum tipo de ingerência sobre a área.
A criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, como visto, instaurou uma
nova configuração territorial na região, modificando as relações, as formas de acesso, uso e
apropriação do solo e dos recursos naturais. Certamente esta nova configuração territorial
produziu mudanças e impactos nos municípios diretamente afetados com a criação da unidade
de conservação.
Buscando-se um estudo das multiterritorialidades e dos conflitos decorrentes da
criação e implantação do Parque na região, serão analisadas neste capítulo as formas como os
municípios de Macaé, Carapebus e Quissamã determinam o uso do solo e dos recursos
circunscritos à Unidade de Conservação da Restinga de Jurubatiba, tendo como parâmetro
seus Planos Diretores Municipais. No caso de Carapebus, que ainda não aprovou um Plano
Diretor, este exame será feito a partir do denominado Plano Urbano, que dispõe sobre o uso
do solo e a política de desenvolvimento urbano no município.
Como contextualização, julgou-se pertinente iniciar o capítulo com uma exposição
acerca do aparato teórico-jurídico que conferiu aos municípios a prerrogativa de ordenar e
planejar o uso do solo sob sua jurisdição.
107
6.2. Planejamento municipal, uso do solo e planos diretores (no Brasil
contemporâneo)
6.2.1. O papel do município na organização político-administrativa do Estado brasileiro
A Constituição de 1988 inseriu no contexto do Estado brasileiro conceitos, princípios
e normas que modificaram a sua organização político-administrativa e conseqüente
distribuição de competências. Esta nova configuração certamente se desenhou a partir da
expressa previsão do artigo 18, da Carta Constitucional, que estabelece que a “organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
A novidade reside no fato de que os municípios ganharam efetiva autonomia
48
. Alguns
autores
49
afirmam que a Lei Maior foi ainda mais longe, consagrando o Município como ente
federativo indispensável ao sistema federativo brasileiro. Silva (2003), entretanto, apesar de
concordar com o fato de que a Constituição reconheceu o Município como componente da
federação brasileira e conferiu-lhe autonomia, rechaça a idéia de que este seja uma entidade
federativa. De acordo com o autor
não é a união de Municípios que forma a federação. (...) Dizer que a República
Federativa do Brasil é formada de união indissolúvel dos Municípios é algo sem
sentido, porque, se assim fora, ter-se-ia que admitir que a Constituição está
provendo contra uma hipotética secessão municipal. (SILVA, 2003: p. 473)
Para os fins deste estudo não vale entrar em tão acirrada discussão. O que realmente
interessa é verificar que, de uma forma ou de outra, reconhece-se que a Constituição Federal
atribuiu aos municípios efetiva autonomia.
Moraes afirma que a autonomia municipal “configura-se pela tríplice capacidade de
auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração (Moraes,
2002: p. 274). A autonomia municipal, então, estaria centrada na capacidade de editar a Lei
Orgânica Municipal e posteriores leis municipais (auto-organização e normatização própria);
na eleição direta do prefeito, vice-prefeito e vereadores (auto-governo); e no exercício das
competências administrativas, tributárias e legislativas aferidas pela Constituição (auto-
administração) (MORAES, 2002).
48
Krell (1999) afirma que , a Constituição de 1981 foi a primeira a prever textualmente a autonomia dos
municípios, mas ressalta que este preceito não alcançou efetividade prática.
49
Ver, entre outros, Moraes (2002), Krell (1999) e Meireles (apud Silva, 2003: p. 472).
108
Silva (2003) adverte que as Constituições anteriores outorgavam aos municípios o
auto-governo e as competências exclusivas, mas a partir da Carta Constitucional de 1988
lhes foi conferida a capacidade de auto-organização
50
. Isto se deu com a previsão do artigo 29,
que estabeleceu que:
O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal,
que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na
Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (...) (Artigo 29 da CF/88).
A Lei Orgânica é uma espécie de constituição municipal, que, além de organizar os
órgãos da Administração e a relação entre os órgãos do Executivo e Legislativo, deverá
discriminar as competências municipais, abordando o conteúdo básico disposto no artigo 29,
incisos I ao XIV, da CF/88.
As competências legislativas municipais incluem as competências comuns, conferidas
aos municípios em conjunto com a União, os estados e o Distrito Federal (artigo 23, da
CF/88), as competências supletivas e as competências exclusivas, respaldadas pelo
predominante interesse local.
Com base no disposto no artigo 30 da Lei Maior, é competência dos municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (artigo 30, da CF/88)
Este dispositivo constitucional, entretanto, não encerra as competências municipais,
devendo-se ressaltar, não para os fins deste trabalho, mas pela importância na organização
e normatização deste componente da federação, a competência para executar a política de
desenvolvimento urbano, prevista nos artigos 182 e 183 da CF/88.
50
As Constituições anteriores à de 1998 conferiam aos Estados o poder de criar e organizar seus municípios. Por
isso Silva (2003) identifica que a autonomia municipal, até então, tinha caráter remissivo, ou seja, os Estados,
ao organizarem seus Municípios, deviam garantir a autonomia municipal, mas apenas quanto às capacidades
de auto-administração, autolegislação e autogoverno. Com o advento da Carta Constitucional de 1988 “as
normas constitucionais instituidoras da autonomia dirigem-se diretamente aos Municípios” (Silva, 2003: p.
621). Neste sentido, ver também Moraes (2002).
109
6.2.2. Aspectos jurídicos da Política urbana e do planejamento municipal no Brasil
contemporâneo
A Constituição Federal previu, no artigo 182, Capítulo II do Título VII, referente à
Ordem Econômica e Financeira, que
A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus
habitantes.
O aludido dispositivo não define o que é política urbana, mas determina seus
objetivos: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
estar de seus habitantes.
Na tentativa de se compreender melhor do que trata a política de desenvolvimento
urbano, poder-se-ia utilizar a lição de Gasrparini, que a define como
o conjunto de intervenções municipais legais e materiais e de medidas materiais
interventivas no espaço urbano promovidas por terceiros coordenados pelo
Município, visando, aquelas e estas ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana (GASPARINI apud CRUZ, 2004: p. 8).
Poder-se-ia entender, portanto, a política urbana como o conjunto de conceitos,
diretrizes, instrumentos, planos, programas e ações que visam regular o uso e ocupação do
solo, bem como, de maneira mais ampla, interferir nos complexos processos sociais,
econômicos e políticos que determinam as formas de controle, acesso e uso dos múltiplos
recursos e espaços que configuram a cidade como ambiente socialmente construído.
Quanto à competência para tratar da política urbana, verifica-se que, se por um lado, o
artigo 182 da Constituição determina o poder público municipal, calcado na predominância do
interesse local, como o executor deste conjunto de medidas e regras de intervenção no espaço
urbano, por outro lado, logo em seguida o mesmo dispositivo prevê que esta atuação do
município deve ter como base “diretrizes gerais fixadas em lei”.
O artigo 21, inciso XX, da Constituição Federal, neste sentido, determina que compete
à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento
básico e transportes urbanos”
.
O artigo 24, inciso I, define, ainda, a competência da União, no
âmbito da competência legislativa concorrente, para estabelecer normas gerais de direito
urbanístico.
110
Assim, quanto à repartição da competência para legislar sobre política de
desenvolvimento urbano, conclui Meirelles:
competem à União o estabelecimento do Plano Nacional de Urbanismo e as
imposições de normas gerais de Urbanismo que assegurem ao país a unidade de
princípios essenciais à integração e ao desenvolvimento nacionais, dentro do regime
federativo, mas que permitam a flexibilidade das normas de adaptação dos Estados-
membros e Municípios para atendimento das peculiaridades regionais e locais, no
uso de suas autonomias político-administrativas (CF, arts. 21, XX, 24 e §§, c/c arts.
25 e 30, VIII, e 182). (MEIRELLES, 2001: p. 491)
Na atribuição de suas competências, então, coube à União editar e promulgar o
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001)
51
, regulamentando os artigos 182 e
183 da Lei Maior, definindo regras, diretrizes gerais e instrumentos da política urbana.
Dentre as diretrizes gerais definidas no artigo da Lei 10.257/2001, observa-se
que, de forma geral, estas denotam a necessidade de se observar, na consecução da política de
desenvolvimento urbano, especialmente a proteção, preservação e recuperação do meio
ambiente, a justa distribuição dos ônus e benefícios da urbanização, a gestão democrática da
cidade e a cooperação dos diversos agentes sociais.
Fica claro que o cuidado não somente em garantir o chamado pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mas também de
incluir no processo de planejamento outros agentes que não apenas o município. Também se
sobressai a preocupação com o meio ambiente, incluindo-se o patrimônio cultural e histórico,
material e imaterial.
A fim de assegurar os referidos objetivos da política urbana, o Estatuto da Cidade
estabelece, ainda, instrumentos que podem ser utilizados pelo poder público (artigo da Lei
nº 10.257/2001). No rol destes instrumentos incluem-se os planos nacionais, regionais e
estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, o planejamento
das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, institutos tributários e
financeiros, e finalmente, o planejamento municipal, que mais interessa aqui.
51
A primeira notícia que se teve do atual Estatuto da Cidade foi no início da década de 1980, quando, em 1982,
o Governo Federal, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, criou um grupo de trabalho
para elaborar um anteprojeto de lei sobre os objetivos e a promoção do desenvolvimento urbano. No entanto,
esta lei federal só obteve sua aprovação final em 2001, onze anos após a promulgação da Constituição Federal
de 1988. Durante esse período, o Estatuto da Cidade, por contrariar interesses de camadas sociais poderosas,
sempre encontrou entraves a sua edição. Portanto, os vários processos de negociação, com a participação de
diversos atores sociais, como o Fórum Nacional de Reforma Urbana, instituições de classe, Governos
Municipais e agentes privados representantes do setor imobiliário e da construção civil, foram de importância
fundamental para sua concretização.
111
Entre os instrumentos de planejamento municipal destaca-se o Plano Diretor,
“instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” (artigos 182, §1º da
CF/88 e 40 da Lei nº 10.257/2001), ao qual cabe ordenar o uso do solo no Município.
Além de ser responsável por determinar as normas e procedimentos para a realização
da política urbana do Município e definir suas diretrizes, a relevância do Plano Diretor recai
também no fato de que constitui requisito à aplicação de outros inúmeros instrumentos da
política urbana, como os previstos no §4º do artigo 182 da Constituição Federal.
De acordo com a Constituição, artigo 182 §1º, o Plano Diretor só será obrigatório para
as cidades com mais de vinte mil habitantes. O artigo 41 do Estatuto da Cidade, entretanto,
define outros casos: em que vige a obrigatoriedade deste.
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades
I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no
§4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.
O processo de elaboração, fiscalização e implementação do Plano Diretor deve atender
à idéia de gestão democrática, imbutida através das diretrizes gerais da política urbana.
Assim, o §4º, do artigo 40, estabelece que os Poderes Legislativo e Executivo municipais
garantirão a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de
associações representativas dos rios segmentos da comunidade, a publicidade quanto aos
documentos e informações produzidos e o acesso de qualquer interessado aos documentos e
informações produzidos.
A elaboração do Plano Diretor, de atribuição da Câmara dos Vereadores, neste
sentido, deve contar com a participação dos mais diversos grupos e camadas sociais a fim de
permitir que se apreendam as reais necessidades locais.
Destarte, tendo em vista a adequação deste instrumento às necessidades locais, outra
disposição importante do Estatuto é a do §3º, do artigo 40, que prevê que a lei que instituir o
Plano Diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos. Esta norma demonstra a
preocupação do legislador em manter a política urbana atualizada.
112
Deve-se chamar a atenção, entretanto, para o fato de que o Plano Diretor, além de um
importante instrumento legal e de planejamento do município, é também um instrumento
político. Não apenas institui e define regras, critérios e parâmetros para a ordenação do uso do
solo municipal, mas, também, representa uma oportunidade significativa de discussão e
avaliação da forma como a cidade deve se estruturar e se desenvolver. Neste processo,
também não como desconsiderar as disputa opondo diferentes agentes, interesses, visões
de planejamento e de cidade.
De tal modo, acredita-se que o exame dos Planos Diretores dos municípios de
Quissamã e Macaé, e da Lei de Desenvolvimento Urbano de Carapebus, podem proporcionar,
a partir da apreciação da política urbana desenvolvida nestes municípios, uma análise da
forma como estes gerem o território e seus recursos.
6.3. O Planejamento Territorial no Município de Macaé: o Plano Diretor
Municipal
Macaé é um dos três municípios com área abrangida pelo Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba. Como visto, apenas cerca de 1% do Parque está localizado neste município.
Contabilizando-se a área de entorno da unidade de conservação, a parcela do território do
município comprometida com o Parque chega a quase 10% (0,18% da Unidade em si mais
9,75% da área de entorno). Como além de ocupar a posição de pólo regional, Macaé é a
cidade onde mais se concentram empresas e serviços do setor petrolífero e a que mais tem
crescido em termos econômicos e populacionais. Desse modo, seria razoável esperar que o
planejamento municipal geraria impactos na unidade de conservação, como também sofreria
os efeitos decorrentes da implantação desta área protegida.
No intuito de verificar como este município gere e ordena seu território e,
conseqüentemente, ingere sobre a área da unidade de conservação e seu entorno e vice-versa,
examinar-se-á a seguir seu Plano Diretor, instituído pela Lei Complementar 076/2006,
especialmente no que se refere à política de meio ambiente e ao macrozoneamento.
O Plano Diretor de Macaé se estrutura da seguinte forma: Título I, Da Conceituação,
finalidade, abrangência, prazos e objetivos gerais do Plano Diretor; Título II, Das Políticas
113
Públicas; Título III, Da Estruturação Urbana; Título IV, Da Gestão Democrática do Plano
Diretor; e Título V, Das Disposições Gerais e Transitórias.
O Título I divide-se em 4 (quatro) capítulos: Capítulo I, Da Conceituação, Capítulo II,
Dos princípios e objetivos gerais do Plano Diretor, Capítulo III, Da política urbana do
município e Capítulo IV, Da função social da propriedade urbana.
Logo de início, vale ressaltar que o artigo determina que a Lei 076/2006, não
apenas institui o Plano Diretor do Município, mas também o Sistema de Planejamento e
Gestão do Desenvolvimento Sustentável do Município de Macaé. Percebe-se, desde logo, a
relevância dada à questão ambiental através de uma preocupação com o desenvolvimento
sustentável do município. A leitura do documento mostra, entretanto, que esta
sustentabilidade almejada não apenas se refere à sustentabilidade ambiental, dos recursos
naturais, mas principalmente, alude à sua sustentabilidade econômica e social.
Perpassa todo o Plano Diretor uma preocupação com o fortalecimento das atividades
no setor petrolífero, principal fonte de recursos de Macaé, mas também com a diversificação
da economia em função do ciclo do petróleo fundar-se em um recurso natural finito. A todo
momento, reforça-se a necessidade de fomentar novas cadeias produtivas e fortalecer os
arranjos produtivos já existentes, a fim de gerar mais empregos e preparar a cidade para que a
cidade se sustente , mesmo após o fim do rico ciclo do petróleo.
O artigo estabelece os princípios que devem nortear o Plano Diretor e,
conseqüentemente, a política de desenvolvimento urbano. Dentre estes princípios vale
mencionar: (I) justiça social e redução das desigualdades sociais e regionais; (II) inclusão
social, compreendida como garantia de acesso a bens, serviços e políticas sociais a todos os
munícipes; (III) direito à cidade para todos, compreendendo o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer; (IV) respeito às funções sociais da cidade e à função social da
propriedade; (IX) preservação, conservação e recuperação do ambiente natural; (XI)
diversificação da economia de forma sustentável, social e ambientalmente para as presentes e
futuras gerações; (XVI) desenvolvimento sustentável.
Os objetivos, elencados no artigo 7º, reforçam os princípios listados no dispositivo
anterior e permitem observar a forte influência dos princípios estabelecidos no Estatuto da
Cidade (Lei 9.985/2001), que, por sua vez, traduzem os pilares que embasaram a
114
Plataforma da Reforma Urbana
52
: função social da cidade e da propriedade urbana; direito à
moradia e à cidade; justa distribuição de ônus e benefícios na cidade; gestão democrática da
cidade. Seria possível, ainda, acrescentar a este rol, tendo em vista a emergência da questão
ambiental como assunto público, as idéias de desenvolvimento sustentável e de preservação,
conservação e recuperação ambientais.
A apropriação e fortalecimento da temática ambiental nas definições da política
urbana ficam ainda mais claros quando se observa que se inclui entre seus objetivos “o uso
socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu território” (artigo 8º) e
que se determina, a fim de garantir o bem-estar dos habitantes, o desenvolvimento de ações no
sentido de “preservar, proteger e recuperar o meio ambiente e a paisagem urbana” (artigo 8º,
VI), além de “garantir qualidade ambiental e paisagística” (artigo 8º, VII, a).
Nesta mesma linha, são previstas como diretrizes da política urbana do município: a
utilização racional dos recursos naturais a fim de assegurar “uma cidade sustentável, social,
econômica e ambientalmente, para as presentes e futuras gerações” (artigo 9º, II); que o
município deve planejar seu desenvolvimento de modo a ”evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente” (artigo 9º, V); e que a
ordenação e controle do uso do solo precisam combater e evitar: a proximidade ou conflitos
entre usos incompatíveis ou inconvenientes; a poluição e a degradação ambiental; a excessiva
ou inadequada impermeabilização do solo; e a invasão e ocupação de forma irregular de áreas
públicas e ou de preservação permanente (artigo 9º, VII, alíneas “a”, “f”, “g” e “i” ).
Quanto à normatização da função social da propriedade, o Plano Diretor prevê que seu
atendimento está condicionado, dentre outros critérios, à “compatibilidade do uso da
propriedade à preservação da qualidade do ambiente urbano e natural” (artigo 10, III).
É possível verificar, então, que a temática e as tratativas relacionadas ao meio
ambiente aparecem ao longo do texto do Plano Diretor não apenas no âmbito de uma política
pública setorial, mas permeiam os princípios, objetivos e diretrizes gerais do Plano e da
política urbana como um todo. Esta característica, inclusive, também está presente na Lei
Orgânica do Município de Macaé, de 5 de abril de 1990, que, além de tratar especificamente
da política de meio ambiente, aborda a questão da preservação, conservação e recuperação do
52
A Plataforma da Reforma Urbana foi construída a partir de reivindicações do Fórum Nacional de Reforma
Urbana, envolvendo organizações brasileiras, especialmente movimentos populares, ONGs e profissionais
envolvidos com o planejamento urbano, e estabelece princípios para uma cidade mais justa. Ressalta-se que o
Fórum Nacional de Reforma Urbana teve participação significativa nos processos de elaboração e aprovação
do Estatuto da Cidade, que acabou traduzindo alguns dos princípios e reivindicações deste movimento.
115
meio ambiente e dos recursos naturais no âmbito da política de desenvolvimento urbano e lhe
consagra referências por todo o documento.
Com relação às políticas públicas de desenvolvimento sócio- econômico
(Desenvolvimento Econômico, Turismo, Pesca, Agropecuária, Indústria, comércio e serviços,
Economia do Petróleo e Ciência e Tecnologia), contidas no Capítulo I, do Título II, é digna de
nota a preocupação com a preservação dos recursos ambientais e com a minimização dos
impactos destas atividades, especialmente da atividade industrial petrolífera. Surpreende,
porém, que quase o haja referências à questão no capitulo sobre políticas de
desenvolvimento humano e qualidade de vida (Capítulo II, do Título II da Lei nº 076/2006).
Outro aspecto que merece ser destacado é a visível preocupação em estimular o
turismo e, dentre suas modalidades, o turismo ambiental e o ecoturismo. Por mais que o Plano
Diretor não mencione explicitamente o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba como
possível vetor de crescimento deste setor, de forma geral, tanto na parte específica sobre a
política de turismo, quanto ao longo de todo o texto, o turismo é apontado como uma das
atividades que deve ser estimulada e fortalecida.
A política de meio ambiente é abordada de forma específica no Capítulo III, do Título
II, e subdivide-se em: políticas ambiental (seção I), dos recursos hídricos (seção II), do
saneamento (seção III) e da educação ambiental (seção IV).
A apresentação destas políticas segue o modelo esquemático das demais políticas
públicas no Plano Diretor, desenvolvendo-se a partir da definição de objetivos, diretrizes e
ações estratégicas.
Os objetivos da política ambiental (artigo 66) são: a implementar as diretrizes dos
programas e normas nacionais, estaduais e municipais com relação à gestão do meio
ambiente; assegurar a efetiva participação da sociedade no processo de planejamento e gestão;
promover mudanças nos padrões de produção e de consumo e incentivar a educação
ambiental; proteger e recuperar o meio ambiente e a paisagem, preservando os ecossistemas
de relevante interesse ambiental; ampliar as áreas verdes e as áreas protegidas; e assegurar a
produção e divulgação dos conhecimentos sobre o meio ambiente por um sistema de
informações integrado.
As diretrizes, que determinam instruções que devem ser atendidas, visando-se a
consecução dos objetivos, são: aplicar os instrumentos de gestão ambiental previstos na
legislação vigente; controlar e/ou impedir o uso indevido e a ocupação de áreas de
116
preservação permanente; orientar e controlar o manejo do solo nas atividades agrícolas;
minimizar os impactos negativos das atividades de mineração; prevenir a poluição da água, do
ar e a contaminação do solo e subsolo; definir metas de redução da poluição, em especial as
oriundas da indústria do petróleo; atuar em sintonia com as políticas de zoneamento, uso e
ocupação do solo; promover a fiscalização e a educação ambiental como instrumento de
reversão e prevenção de invasões em áreas de preservação ambiental; e ampliar as áreas
verdes do Município (artigo 67).
Por fim, definem-se as ações estratégicas: estabelecer zoneamento ambiental; realizar
estudos técnicos visando à implantação de parques municipais; implantar corredores
ecológicos ligando fragmentos de vegetação; adequar a estrutura do órgão responsável pela
coordenação da execução das políticas ambientais às demandas locais; elaborar e implementar
programa de recuperação de áreas degradadas; implementar o Licenciamento Ambiental
Municipal; implementar o Fundo Municipal de Meio Ambiente; manter, adequar e fortalecer
as estruturas e infra-estrutura de gestão e operacionais das unidades de conservação municipal
e fomentar a criação de brigadas de incêndio a fim de proteger as unidades; e garantir a
inclusão das diretrizes estabelecidas nas Conferências Municipais de Meio Ambiente.
A leitura do Plano Diretor, de forma geral, mostra que este se restringe a estabelecer
normas e instruções genéricas. Enuncia objetivos, diretrizes e ações gerenciais, mas, em
nenhum momento, estes são traduzidos em ações ou ordenação territorial específicas, ou seja,
não há um efetivo planejamento físico-territorial
53
.
Chama atenção, entretanto, que em uma das raras vezes em que a definição de
diretrizes refere-se a uma área específica do município, esta determine que se fomente a
expansão da área industrial na direção de Cabiúnas, ou seja, no entorno do Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba (artigo 88, II). Parece contraditório que um planejamento municipal
preocupado com a preservação ambiental e com a minimização dos impactos do
desenvolvimento sobre os recursos ambientais, determine a expansão da área industrial nos
arredores de um Parque Nacional.
Considerando a pressão e impactos que o crescimento da cidade tem gerado sobre o
Parque, principalmente na faixa próxima à Lagoa de Jurubatiba, onde o Bairro Lagomar
atinge quase os limites da unidade de conservação, também é interessante ressaltar a diretriz
53
Villaça (1999) afirma que, no Brasil, historicamente os planos diretores não determinam um efetivo
planejamento físico-territorial, isso usualmente é feito através do zoneamento. O autor ainda sugere que esta
realidade estaria fundada em uma corrente de pensamento, ligada especialmente aos meios imobiliários, que
teriam interesse em ver Plano Diretor permeados por dispositivos não auto-aplicáveis.
117
da política de habitação que estabelece a prioridade em retirar e reassentar as famílias
residentes em áreas de preservação ambiental (artigo 90, XIV), bem como a ação estratégica
que prevê que novas ocupações ou assentamentos nestas condições devem ser coibidos (artigo
90, VII).
Quanto à política de desenvolvimento urbano, prevista no Capítulo IV deste mesmo
Título II, pode-se observar que os objetivos e diretrizes indicam que as condições/fragilidades
ambientais devem orientar o desenvolvimento da cidade e o uso do solo de modo a minimizar
os impactos sobre o meio ambiente.
No Título III, Da Estruturação Urbana, mais precisamente no Capítulo I, Do
Macrozoneamento, deveriam, teoricamente, estar contidas as normas mais específicas de
ordenação e disciplina do território e do solo urbano do Município. O que se verifica,
entretanto, é que este capítulo restringe-se a estabelecer classificações, objetivos e diretrizes,
sem definir, contudo, normas concretas e territorializadas. De forma geral, inclusive, delega-
se para outros instrumentos de planejamento a função de determinar especificamente a
disciplina territorializada do solo urbano municipal.
O Macrozoneamento define as áreas urbana e rural do município, no caso Macrozona
de Ambiente Natural (MAN) e Macrozona de Ambiente Urbano (MAU), estabelecendo um
referencial para o uso e ocupação do solo. As macrozonas são determinadas com base em suas
características e objetivos.
Com relação à Macrozona de Ambiente Natural, o artigo 118 dispõe que “os núcleos
urbanizados, as edificações, os usos e a intensidade de usos, bem como a regularização de
assentamentos, estarão subordinados à necessidade de manter ou restaurar a qualidade do
ambiente natural e respeitar a fragilidade dos seus terrenos”. Esta Macrozona é subdividida
em Macroárea de Preservação Ambiental (MPA) e Macroárea de Uso Sustentável (MUS).
a Macrozona de Ambiente Urbano, “caracteriza-se pela predominância da ocupação humana e
das intervenções decorrentes do processo de urbanização” (artigo 119) e subdivide-se em: (I)
Macroárea da Orla (MO); (II) Macroárea de Ocupação Prioritária (MOP); (III) Macroárea de
Ocupação Controlada (MOC); (IV) Macroárea de Regularização Urbanística (MRU); (V)
Macroárea de Expansão Periférica (MEP); e (VI) Macroárea de Transição (MT).
A falta de clareza na definição dos limites das macro-áreas gera uma série de dúvidas
quanto ao planejamento territorial da área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
contida no município. Em nenhum momento o Parque é citado ou incluído textualmente em
118
uma das macrozonas ou macroáreas. Somente a partir dos anexos do Plano Diretor (Mapa de
Macrozonas, Mapa de Macroáreas, Mapa dos Bairros e Mapa esquemático das Áreas de
Interesse Ambiental)
54
é possível identificar onde se enquadra a unidade de conservação.
Aliás, mesmo nestes mapas, o Parque é pontuado com precisão no Mapa
esquemático das Áreas de Interesse Ambiental, onde também se identifica a área de entorno
de Jurubatiba como Área de Interesse Ambiental. De qualquer forma, mesmo neste mapa, a
unidade de conservação e sua área de entorno são sinalizadas com “bolas” que impedem uma
visualização clara de seus limites.
Apesar de não estar discriminada no texto do Plano Diretor é possível identificar que a
área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e pelo menos parte de sua área de entorno,
objetos deste estudo, estão incluídas na Macroárea de Preservação Ambiental (MPA), dentro
da Macrozona de Ambiente Natural (MAN). Além de significativa, esta falta de referências ao
Parque gera uma dúvida quanto à inclusão ou não da área de entorno da unidade de
conservação nesta macroárea de preservação.
Os objetivos das políticas públicas definidos para a Macroárea de Preservação
Ambiental são:
I- preservar os recursos naturais existentes;
II - criar unidades de conservação, em especial de proteção integral;
III - compatibilizar a conservação da natureza ao uso sustentável dos recursos
naturais no desenvolvimento das atividades econômicas, em especial a agropecuária
e o turismo;
IV - definir ações estratégicas para o desenvolvimento do turismo, considerando as
potencialidades de cada localidade;
V - implementar programas municipais de fomento à atividade agrícola;
VI - criar canais de escoamento dos produtos e assessorar os produtores na
organização em associações e cooperativas. (artigo 124)
A existência do Parque Nacional, então, por mais que não seja resultado da política
municipal, mas sim federal, corresponde e atende aos objetivos definidos para essa
macrozona. Chama atenção, não obstante, que a área da Unidade de Conservação apareça
como uma “ilha” em meio à Macrozona de Ambiente Urbano, fazendo limite com a
Macroárea de Ocupação Controlada, mais especificamente com o bairro Cabiúnas, e com a
Macroárea de Ocupação Prioritária.
54
Os referidos mapas, constantes dos anexos do Plano Diretor de Macaé, estão reproduzidos no Anexo C ao
final deste trabalho.
119
A Macroárea de Ocupação Controlada, segundo o Plano, caracteriza-se pela
concentração e predominância da atividade industrial e de serviços industriais. Para esta
macroárea enfatiza-se a necessidade de disciplinar e controlar a expansão territorial visando
minimizar os impactos negativos sobre as áreas residenciais e de interesse ambiental, e, ao
mesmo tempo, fomentar e expandir a atividade industrial. Por mais que a preocupação com a
recuperação e a minimização dos impactos negativos das atividades industriais nas áreas de
interesse ambiental e/ou ambientalmente frágeis apareça na definição dos objetivos e
diretrizes desta macroárea, poder-se-ia, a princípio, considerar temerosa a instalação de
indústrias ao redor do Parque Nacional.
A Macroárea de Ocupação Prioritária, por sua vez, “corresponde à parcela de tecido
urbano consolidado e dotado de infra-estrutura, compreendendo cleos centrais de comércio
e serviços, tradicionais bairros residenciais em processo de transformação de uso,
adensamento e saturação da estrutura viária” (artigo 137). De forma geral determina-se o
adensamento desta macroárea, desde que receba a infra-estrutura adequada para tal. Também
nesta passagem se menciona a necessidade de se evitar a deterioração das áreas
ambientalmente frágeis.
A partir do Mapa dos Bairros (Anexo 09 do Plano Diretor reproduzido no Anexo
C), pode-se observar, ainda, que partes dos bairros de Cabiúnas e Lagomar estão incluídas na
Macroárea de Preservação Ambiental, onde se situa a porção macaense do Parque de
Jurubatiba. A partir de visita a campo e entrevistas na região, sabe-se que tanto Lagomar
quanto Cabiúnas geram impactos significativos sobre a unidade de conservação federal e
vice-versa.
O Plano Diretor, contudo, não apenas deixa de estabelecer parâmetros, critérios e
mesmo normas concretas de ordenação do uso e ocupação da área, como tampouco faz
qualquer menção expressiva ao Parque e a um planejamento territorial comprometido, ou ao
menos preocupado, com a unidade de conservação. Não como se negar que tanto o Parque
gera impactos ao município quanto o contrário, mas, a partir do exame do Plano Diretor, não
seria exagero concluir que parece que esta questão não é objeto de preocupação para o
planejamento municipal.
120
6.4. O Planejamento territorial no Município de Carapebus: Plano Urbano
e Lei Orgânica municipais
O antigo distrito de Carapebus, emancipou-se de Macaé através da Lei estadual
2417, de 19 de julho de 1995. O município abrange cerca de 37% do território do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, o que corresponde à 17,08% do território municipal,
estando ainda outros 63,75% do seu território inseridos na área de entorno da Unidade.
Assim, tem-se mais de 80% do território municipal afetado pelas restrições de uso e regras de
manejo da unidade de conservação.
Carapebus enfrenta uma situação política curiosa. O candidato a prefeito Eduardo
Nunes Cordeiro, que obteve o equivalente a 50,24% dos votos nas últimas eleições
municipais, em 2008, teve o registro da sua candidatura indeferida pela 255ª Zona Eleitoral
em função de o Tribunal de Contas do Estado (TCE) ter reprovado as contas referentes ao
mandato de prefeito na gestão 2000-2004. Tendo a decisão sido confirmada pelo Tribunal
Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o
cargo de chefe do poder executivo municipal foi ocupado pelo então Presidente da Câmara de
Vereadores, Sebastião Batista Messa
55
.
Nas eleições complementares, ocorridas em 7 (sete) de fevereiro de 2010, disputaram
o cargo de prefeito Francisco Alípio Fragoso, do PMDB, que contava com o apoio do ex-
prefeito Eduardo Nunes Cordeiro, e Amaro Fernandes dos Santos, candidato derrotado no
pleito de 2008, representante da coligação “Mudança para Valer”, formada por PRB e PDT.
Sagrou-se vencedor o candidato Amaro Fernandes dos Santos com uma diferença de 2.067
(dois mil e sessenta e sete) votos, tendo ocorrido sua diplomação no dia 19 de março de
2010.
56
O município de Carapebus, que de acordo com a estimativa da população de 2009 do
IBGE conta com apenas 11.939 (onze mil novecentos e trinta e nove) habitantes, é obrigado a
elaborar Plano Diretor em decorrência de estar inserido “na área de influência de
empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou
nacional” (artigo 40, V, da Constituição Federal), no caso, empreendimentos e atividades
55
Disponível em: http://www.folhadosmunicipios.com.br/plantao.php?id=738. Acesso em: 09 de fev. de 2010.
56
Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/02/07/carapebus-ja-tem-novo-novo-prefeito-
915806678.asp. e
http://odia.terra.com.br/portal/rio/odianoestado/html/2010/1/eleitores_de_carapebus_voltam_as_urnas_para_e
leger_o_prefeito_60102.html. Acesso em: 09 de fev. de 2010.
121
relacionadas à extração e produção petrolífera. No entanto, devido ao imbróglio político, o
projeto de Plano Diretor que chegou a ser enviado à Câmara Municipal para apreciação ainda
não foi aprovado, razão pela qual a análise do seu planejamento e ordenamento municipal será
feita prioritariamente com base na Lei 07/2001, denominada Plano Urbano, que dispõe
sobre a política de desenvolvimento do município.
No exame do Plano Urbano de Carapebus alguns aspectos parecem mais relevantes
para a análise que aqui se procura realizar. Como o exame do Plano Urbano tem em vista
verificar como o município de Carapebus ordena o uso do solo e dos recursos naturais,
especialmente no que se refere à área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e sua área
de entorno, parece relevante verificar principalmente os aspectos relativos à proteção do meio
ambiente e dos recursos naturais, referentes à ordenação da área de entorno da Unidade,
especialmente a relativa à Praia de Carapebus e à Lagoa de Carapebus.
Quanto à estrutura, o Plano Urbano de Carapebus segue o mesmo modelo do Plano
Diretor de Macaé, estruturando-se a partir da definição de objetivos e diretrizes. O artigo 1º,
assim, estabelece os objetivos do Plano Urbano:
Art. . O Plano Urbano institui a política de desenvolvimento urbano do Município
de Carapebus.
Parágrafo único. São objetivos do Plano Urbano, atendendo ao estabelecido na Lei
Orgânica do Município de Carapebus:
I - garantir a proteção da vida humana, a segurança e o conforto da população;
II - preservar, proteger e recuperar o meio ambiente urbano e cultural;
III - planejar o crescimento das áreas urbanas de modo a garantir o seu
desenvolvimento sustentável;
IV - proteger os recursos naturais mediante controle da implantação e do
funcionamento de atividades econômicas e da edificação;
V - promover a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
VI - oferecer meios de integrar e complementar atividades urbanas e rurais,
buscando o desenvolvimento econômico municipal.
A partir destes os objetivos e tendo em vista as políticas públicas municipais,
particularmente as políticas de meio ambiente e de desenvolvimento urbano, o Plano Urbano
é pautado pela preservação e conservação do meio ambiente. A adequação do
desenvolvimento econômico e social do município à preservação e recuperação do meio
ambiente e dos recursos naturais, juntamente com a noção de desenvolvimento sustentável,
122
aparecem, inclusive, conforme se pode observar no artigo 1º, como objetivo da política de
desenvolvimento urbano.
O Plano adota como medidas voltadas à consecução de seus objetivos as diretrizes
para o desenvolvimento urbano, os instrumentos de intervenção, as normas de uso e ocupação
do solo, as normas de parcelamento do solo urbano, o sistema viário e de transportes e o
sistema municipal de planejamento (artigo 2º, da Lei nº 07/2001).
Em meio às diretrizes gerais para o desenvolvimento do município, vale ressaltar as
que determinam que os vetores de crescimento da cidade devem ser orientados pelas
fragilidades ambientais e que o crescimento da Praia de Carapebus deve ser controlado, tendo
em vista a necessidade de preservar o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Considerando a estruturação do Plano Urbano e da própria política de
desenvolvimento urbano de Carapebus, as diretrizes devem ser compreendidas não apenas
como meios para se alcançar os objetivos (definidos no artigo 1º), mas para pautar os planos,
programas e projetos a serem desenvolvidos e implementados no município.
Percebe-se que, além de conter uma preocupação geral com o meio ambiente e com os
recursos naturais, o Plano expressamente define a necessidade de um maior controle na Praia
de Carapebus, um dos “bolsões” ou, nas palavras do Plano de Manejo do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba, um dos “balneários” que, quando da definição da área da Unidade,
ficou fora de seus limites, mas integra a sua área de entorno. Esta diretriz geral impõe, de
certa forma, uma limitação ao crescimento do balneário em função da necessidade de se
assegurar a preservação do Parque, expressando a idéia de que o município, na tarefa de
planejar e ordenar seu território e seus recursos, deve dispensar cuidados ao Parque.
Esta postura no planejamento municipal, como não poderia deixar de ser, aparece
também nas diretrizes para o meio ambiente, definidas no artigo 4º:
I - proteger as margens dos córregos e lagoas, promovendo a integração ambiental
urbana, dando uma destinação às margens que possibilite o aproveitamento pela
população e a sua proteção;
II - informar a população para torná-la co-responsável no monitoramento ambiental;
III - promover e incentivar o desenvolvimento da atividade turística no Parque
Nacional de Jurubatiba através da ocupação ordenada do Condomínio Turístico da
Praia de Carapebus;
IV - integrar a atividade turística desenvolvida no Parque Nacional de Jurubatiba ao
Centro, através de ligação hidroviária.
123
O Parque Nacional aparece claramente como um recurso econômico, fator de
desenvolvimento através do turismo, colocado na Lei Orgânica de Carapebus como “atividade
essencial para a Cidade”, “fator fundamental ao desenvolvimento econômico e social” (artigo
254, da Lei Orgânica do Município de Carapebus).
A Lei Orgânica, inclusive, chega a determinar que uma das competências do
município é fomentar as atividades econômicas no município, especialmente as atividades
turísticas e pesqueira. Com relação à atividade turística, conforme exposto acima, o Parque de
Jurubatiba é identificado como fator com grande potencial de atratividade, que deve ser
explorado neste sentido, desde que respeitadas regras que assegurem sua preservação e
conservação. No que se refere à atividade pesqueira, ressalta-se que deve ser incentivada a
pesca artesanal e a aqüicultura, sendo vedada a pesca predatória, ou seja, aquela que cause
risco às bacias hidrográficas e zonas costeiras, provoque danos à renovação do recurso
pesqueiro, como quando exercida em lugares ou épocas interditadas pelos órgãos
competentes. A pesca artesanal é entendida no Plano como a realizada por pescador que retire
da pesca o seu sustento. Cabe ressaltar que a atividade pesqueira, especialmente a pesca
artesanal, é praticada por diversas famílias nas lagoas costeiras, sobressaindo-se a Lagoa de
Carapebus, que está, em parte, incluída na área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Quanto às normas de uso e ocupação do solo, o Plano identifica áreas urbanas e áreas
urbanas isoladas. Também divide o solo do município em áreas de ocupação prioritária e de
ocupação não-prioritária, subdivididas em : Zonas Residenciais (ZR-1, ZR-2 e ZR-3), Zona de
Uso Diversificado (ZUD), Zona de Comércio e Serviços (ZCS-1, ZCS-2 e ZCS-3) e Zona
Residencial e Agrícola (ZRA).
A área contígua ao Parque Nacional é classificada como Zona Residencial 1,
compreendida como ”a zona predominantemente residencial, com estímulo às atividades de
apoio ao turismo e ao lazer, de ocupação horizontal de baixa densidade” (artigo 39).
Coerentemente, o uso e atividades autorizados prevêem a “predominância residencial com
atividades que não ofereçam impactos ambientais negativos nem incômodo e risco à
vizinhança, admitindo-se atividades de incômodo moderado ou eventual ligadas ao turismo e
lazer”.
Nota-se que a definição e as diretrizes previstas para esta zona expressam e
contemplam claramente dois aspectos que estão, conforme comentado anteriormente, muito
presentes no Plano: a preservação ambiental e o estímulo ao turismo.
124
Na mesma direção, o Plano Urbano e a Lei Orgânica do município determinam, dentre
os instrumentos de intervenção urbana, a criação de Áreas de Especial Interesse que visem: (I)
a preservação dos recursos naturais; (II) a proteção do patrimônio histórico e cultural; (III) a
constituição de áreas de lazer e de turismo; (IV) a promoção da habitação de interesse social;
(V) a regularização urbanística e fundiária (artigo 18, da Lei Complementar nº 07/2001).
As Áreas de Especial Interesse Ambiental (AEIA) estão definidas no artigo 20 da LC
07/2001, como áreas “destinadas à melhoria da qualidade ambiental da cidade de
Carapebus” e se dividem em 4 (quatro) áreas: Área de Especial Interesse Ambiental 1, com
grande valor ambiental localizada no entorno da Lagoa de Carapebus e propensa a
alagamentos; Área de Especial Interesse Ambiental 2, área com média e baixa densidades de
ocupação, localizada às margens do córrego do Lameiro e da Lagoa de Carapebus; Área de
Especial Interesse Ambiental 3, área urbana com baixa densidade de ocupação, definida por
uma faixa equivalente a trinta metros de cada lado dos córregos do Lameiro e da Jacutinga; e
Área de Especial Interesse Ambiental 4, área urbana com média e alta densidade de ocupação
definida por uma faixa equivalente a quinze metros de cada lado dos córregos urbanos.
Percebe-se, então, que a Lagoa de Carapebus, maior lagoa do município e uma das
maiores do Parque Nacional de Jurubatiba, é objeto de controle especial, através de normas
diferenciadas de ordenamento do uso do solo.
Vale relembrar que a Lagoa de Carapebus, bem como a praia de mesmo nome estão
incluídas em parte na Unidade de Conservação Federal, uma vez que o “Balneário” da Praia
de Carapebus, área que se estende da barra da Lagoa de Carapebus aos limites da Lagoa
Encantada, assim como a área da Fazenda Bom Retiro, que se localiza na mesma praia,
ficaram de fora dos limites do Parque. Estas duas áreas foram delimitadas como Áreas de
Especial Interesse. A primeira como Área de Especial Interesse Ambiental 1 e a segunda
como Área de Especial Interesse de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural.
De acordo com o Plano, na Área de Especial Interesse Ambiental 1 serão admitidos
os usos e atividades voltados para a prática de esporte e lazer, tendo em vista suas finalidade
de (I) recuperar o ecossistema da Lagoa de Carapebus, (II) criar um Parque Urbano
Municipal; (III) implantar equipamentos para prática de esportes e de lazer; (IV) integrar o
centro da cidade com as atividades do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (artigo 21,
da LC 07/2001).
125
para a Área de Especial Interesse de Preservação do Patrimônio Cultural (AEIPC),
caracterizada pela presença de imóveis de valor histórico e cultural, são previstos os objetivos
de (I) recuperar e preservar a história de Carapebus e da região, (II) promover a preservação
dos bens imóveis municipais de valor histórico e cultural; e (III) integrar o entorno dos bens
preservados. Estabelece-se para esta área os índices urbanísticos de intensidade de ocupação,
usos e atividades definidos para a Zona Residencial 2.
Nota-se, portanto, que o Município de Carapebus, apesar da falta do Plano Diretor,
considerado o principal instrumento da Política Urbana municipal, dispõe sobre a Política de
Desenvolvimento Urbano do município, estabelecendo objetivos, diretrizes e regras de
ordenação do uso do solo e dos recursos ambientais municipais. Em comparação ao Plano
Diretor de Macaé, é possível observar que o Plano Urbano de Carapebus parece estar bem
mais atento aos objetivos do Parque de Jurubatiba e mais disposto a promover uma ação que
considere sua existência.
O ordenamento dos “bolsões” e da área de entorno da Unidade, impondo restrições ao
crescimento e ao uso do solo e dos recursos nestas áreas, mostra uma convergência da política
pública municipal com a conservação da área do Parque. Outrossim, leva a crer que se
identifica no Parque uma grande possibilidade de desenvolver o município a partir do turismo
e do lazer, o que se traduziria em uma capacidade do município que, impactado pelas
restrições atinentes à unidade de conservação, busca apropriar-se dos bônus decorrentes da
mesma.
6.5. O Planejamento territorial no Município de Quissamã: o Plano Diretor
de Desenvolvimento Sustentável
O Município de Quissamã que, assim como Carapebus, foi distrito de Macaé até a sua
emancipação político-administrativa em 1989, é o município que recebe a maior área do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, 65%. Em Quissamã, cerca de 13% da área do
município está contida no Parque e mais de 54% da área do município é englobada pela área
de entorno da Unidade, contabilizando, no total, mais de 67% do território municipal
comprometido com restrições de uso impostas pela unidade de conservação federal.
126
Dando continuidade ao exame sobre as regras de planejamento territorial, de uso do
solo e dos recursos naturais determinadas pelos municípios onde se localiza o Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, então, será apreciado o texto da Lei Complementar
002, de 13 de novembro de 2006, que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento
Sustentável do Município de Quissamã (PDDS).
O Plano Diretor estrutura-se em 7 (sete) Títulos: (I) Princípios Fundamentais; (II)
Disposições Preliminares; (III) Estratégia Territorial das Políticas Municipais; (IV)
Organização Territorial e Urbana; (V) Sistema de Planejamento Territorial Urbano e
Ambiental; (VI) Infrações e Penalidades; e (VII) Disposições Finais e Transitórias.
Chama atenção, de início, que a própria denominação da lei inclua a idéia de
desenvolvimento sustentável. Esta idéia, inclusive, não se restringe à denominação da lei, mas
é reforçada por todo o instrumento normativo, que mostra uma evidente preocupação com as
questões ambientais relacionadas ao desenvolvimento econômico e social de Quissamã.
Presentes nos objetivos gerais e estratégicos, nas diretrizes e na definição de políticas
municipais, a questão ambiental aparece como balizadora do ordenamento territorial, do
desenvolvimento do município e da determinação do uso do solo.
Um exemplo dessa condição é que o Plano estabelece que tanto o planejamento dos
espaços públicos de lazer, quanto o planejamento das redes físicas de saúde e escolar e a
organização dos distritos sanitários devem ser feitos de forma integrada ao planejamento
ambiental e urbano. Da mesma forma, determina-se que as políticas habitacional, de turismo e
agrária devem ser desenvolvidas de forma articulada com o planejamento ambiental e urbano.
Outro aspecto que merece ser mencionado é que, de forma semelhante ao observado
no exame do Plano de Manejo de Jurubatiba, o Plano Diretor adota uma visão estratégica de
planejamento. Articula noções, idéias e práticas de gestão empresarial sob o pressuposto de
que o município está inserido em um contexto de competitividade. As políticas municipais
são apresentadas a partir de estratégias territoriais e a idéia de competitividade fica ainda mais
clara quando, por exemplo, o Plano de Quissamã prevê como diretriz da política de turismo a
promoção das “peculiaridades do meio natural e cultural do Município, como atributos de
valor e competitividade regional” (grifo nosso) (artigo 19, II, do PDDS).
A Política de Desenvolvimento Urbano é definida como responsável por “planejar,
promover e monitorar a distribuição social dos serviços públicos e equipamentos urbanos
comunitários, o processo de produção do espaço urbano, a ordenação de ocupação e uso do
127
solo e expansão urbana, a função social da propriedade e a preservação do patrimônio
ambiental e cultural” (artigo 21, do PDDS).
Determina, outrossim, a estrutura urbana do Município de Quissamã como
polinucleada, formada por uma rede de centralidades urbanas e agro-urbanas classificadas
segundo seu caráter funcional (artigo 22, do PDDS). Seguindo esta estrutura, as centralidades
são divididas em: Centralidades de Primeiro Nível, compreendidas como “núcleos de caráter
urbano ou zonas urbanas (ZU)” e Centralidades de Segundo Nível, entendidas como “núcleos
de caráter agro-urbano ou núcleos agro-urbanos (NAU)” (artigos 23 e 24 do PDDS)
57
.
As estratégias territoriais da Política Ambiental, assim como nas demais políticas
municipais, são apresentadas mediante a definição de diretrizes, que, como salientado,
deveriam orientar o desenvolvimento do município. De forma geral, essas diretrizes prevêem
a preservação, a conservação, a recuperação e a fiscalização dos recursos naturais, indicando,
ainda, a criação de Áreas de Especial Interesse Ambiental, áreas de preservação permanente e
estimulando também a criação de outras áreas protegidas.
A política de turismo, assim como se viu no Plano Urbano de Carapebus, também
assume grande relevância no planejamento municipal. A atividade turística, especialmente a
relacionada ao turismo ecológico e cultural, é valorizada como potencial fator de
desenvolvimento econômico, mas também associada à educação e ao fortalecimento de uma
identidade quissamaense. A proeminência do turismo para o município é reiterada, ainda,
através do zoneamento do solo municipal, que cria Áreas de Interesse Turístico.
Quanto à organização territorial do município, o zoneamento
58
estabelece as seguintes
zonas e áreas (artigo 43, do PDDS):
I. Zona de Ocupação Básica (ZOB);
II. Zona de Ocupação Preferencial (ZOP);
III. Zona de Ocupação Controlada (ZOC);
IV. Zona Especial de Interesse Turístico (ZIT);
V. Zona Especial de Interesse Social (ZIS);
VI. Zona Especial de Interesse Ambiental (ZIA);
57
Ver Anexo D, que reproduz o Anexo II do PDDS de Quissamã, contendo a definição dos perímetros urbanos
do Município.
58
Ver no Anexo E o Mapa de Zoneamento do Município de Quissamã segundo seu Plano Diretor de
Desenvolvimento Sustentável
128
VII. Zona Especial de Negócios (ZEN);
VIII. Zona Rural (ZR);
IX. Áreas Reservadas (AR).
As Zonas de Ocupação são zonas urbanas que, de acordo com a infra-estrutura, a
capacidade da rede viária, as diretrizes estratégicas de expansão urbana e o grau de
adensamento permitido, são classificadas em Controlada, Básica e Preferencial (artigo 45, do
PDDS).
As Zonas Especiais “classificam-se segundo sua destinação funcional predominante e
conforme as vocações sócio-econômicas municipais e os objetivos estratégicos do Plano
Diretor” (artigo 47, do PDDS). Ressalta-se, ainda, que o artigo 47 determina como prioridade
para as zonas especiais as ações, investimentos e elaboração de estudos e projetos voltados
para a recuperação e manejo ambiental (§1º).
As Áreas Reservadas, por sua vez, segundo definição do artigo 48 do Plano Diretor,
“são espaços destinados a instalações de obras de infra-estrutura de interesse público, à
segurança de infra-estrutura instalada, assim como à implantação de equipamentos de
interesse coletivo”.
Com relação à área em estudo, observa-se que a área do Parque Nacional da Restinga
de Jurubatiba foi designada, de acordo com o zoneamento estabelecido no Plano Diretor de
Quissamã, como Zona Especial de Interesse Ambiental (ZIA 1). O Plano, entretanto, não
define diretrizes ou ações para as Zonas de Interesse Ambiental. Igualmente deixa de designar
normas de uso do solo para a Zona de Interesse Ambiental 1, em que se localiza a porção
quissamaense do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, provavelmente pelo fato de que
a função de gerir estas terras legalmente competir à União.
os “balneários” de João Francisco e Visgueiro, que estão inseridos na área de
entorno do Parque, quanto à inserção na estrutura urbana do município, são definidos como
Centralidades de Primeiro Nível, ou seja, como núcleos urbanos isolados. Quanto ao
zoneamento, compreendem Zonas Especiais de Interesse Turístico (ZITs 1 e 2
respectivamente), entendidas como “aquelas destinadas a fins turísticos e de lazer, devido à
beleza paisagística e/ou valor histórico-cultural” (artigo 57, do PDDS).
Mais especificamente, João Francisco (ZIT 2) é definido, pelo artigo 59, como Portal
Ecoturístico do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, com os objetivos estratégicos de
129
“Consolidar e incrementar a zona como pólo de atração eco-turística, como Portal de Acesso
ao PARNA de Jurubatiba e como campo experimental de técnicas de eco-arquitetura” (Anexo
IX, do PDDS).
Dispõem-se, ainda, diretrizes para intervenção na zona: a) reservar área próxima à
entrada do PARNA de Jurubatiba para a construção de receptivo; b) apoiar atividades
turísticas, através da oferta de qualidade dos espaços abertos e edificados e política fiscal; c)
incentivar parcerias pública e privada para desenvolvimento e manutenção física geral do
conjunto ambiental-urbano; d) desobstruir e recuperar a paisagem das orlas de lagoas e do
mar; e) tornar obrigatório o emprego de princípios de eco-arquitetura nas construções; e f)
controlar e ordenar a expansão urbana (Anexo IX, do PDDS).
Visgueiro (ZIT 3), por sua vez, é qualificado como Portal Científico do Parque
Nacional de Jurubatiba (artigo 59), com os objetivos estratégicos de “consolidar e
incrementar a zona como Portal de Apoio Cientifico ao PARNA de Jurubatiba e como campo
experimental de técnicas de eco-arquitetura” (Anexo IX, do PDDS).
As diretrizes para intervenção nesta zona são: a) incentivar e apoiar a instalação de
empreendimentos ligados à pesquisa e produção ecológica, de atividades de conveniência
para a comunidade cientifica e de visitantes pesquisadores e estudiosos do ecossistema da
restinga; b) incentivar parcerias pública e privada para desenvolvimento e manutenção física
geral do conjunto ambiental-urbano; e c) controlar e ordenar a expansão urbana (Anexo IX,
do PDDS).
Com relação aos usos do solo, o Plano de Quissamã (artigo 78 e Anexo I, do PDDS)
estabelece a seguinte classificação:
- Residencial: aquele destinado à habitação;
- Não Residencial: que engloba os usos de comércio varejista e atacadista, de serviços,
institucional e industrial;
- Especial: usos diversos em zonas especiais, de interesse turístico, econômico e
social, conforme sua vocação específica;
- Não Conforme: uso instalado anteriormente à vigência desta Lei e que esteja em
desacordo com a mesma.
Em João Francisco (ZIT 2) e Visgueiro (ZIT 3) são autorizados os usos residencial e
não residencial. Autoriza-se, ainda, no primeiro caso, o uso especial voltado
130
preferencialmente para as atividades de conveniência eco-turística do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba. Em Visgueiro, são tidas como preferenciais as atividades de ensino e
pesquisa científica relativas ao ecossistema de restinga do Parque de Jurubatiba (Anexo XI,
do PDDS).
Ressalta-se que, com relação ao uso do solo, em ambos os “balneários” o
considerados usos incômodos aqueles considerados conflitantes com as atividades turísticas.
O Anexo XII, do PDDS, lista alguns exemplos dos usos considerados incômodos: indústrias
ou fábricas; geradores de efluentes poluidores e/ou de grande porte; estabelecimentos
comerciais de grande porte; aterro sanitário ou usina de lixo; cemitério e/ou necrotério; e
abatedouros. Os usos do solo tanto em João Francisco quanto em Visgueiro, portanto, devem
considerar e respeitar os limites de incomodidade, isto é, devem se adequar à característica
precipuamente turística destas zonas.
Pode-se observar, portanto, que o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável do
Município de Quissamã estabelece um planejamento do desenvolvimento municipal no qual,
sem vida, a questão ambiental, principalmente ligada à preservação e exploração turística
dos recursos naturais está muito presente. Como reflexo desta perspectiva de planejamento o
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e sua área de entorno, especialmente os
“balneários” quissamaenses João Francisco e Visgueiro -, são objetos de regras, diretrizes e
objetivos específicos de ordenação e uso e ocupação do solo municipal claramente voltados
para um controle ao acesso e utilização dos recursos ambientais locais.
6.6. Síntese e conclusões
A Constituição Federal de 1998 conferiu aos municípios autonomia para ordenar o uso
e ocupação do solo municipal, assegurando a estes componentes da federação brasileira a
prerrogativa de dispor sobre a política de desenvolvimento urbano. Por outro lado, a
legislação ambiental, ancorada também na Constituição, determina a União como gestora das
Unidades de Conservação federais, inclusive dos Parques Nacionais.
Por mais que a competência de gerir e ordenar o território do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba legalmente caiba à União, a princípio não se pode deixar de considerar
que o ordenamento territorial e a definição da política de desenvolvimento municipais geram
131
e sofrem impactos decorrentes da criação e implantação de uma unidade de conservação de
proteção integral em seus territórios.
O que se pode perceber a partir do exame dos Planos Diretores de Mace Quissamã,
assim como do Plano Urbano de Carapebus, é que, sem dúvida, eles incorporaram e
internalizaram diretrizes, objetivos, instrumentos e propostas de ações voltadas para a
preservação, conservação e recuperação dos recursos ambientais. A preocupação com a
questão ambiental, de forma geral, perpassa as leis dos três municípios, delineando as
políticas municipais e de desenvolvimento.
No que se refere ao Parque de Jurubatiba, o Plano macaense, como visto, estabelece a
área da Unidade e seu entorno como Áreas de Interesse Ambiental e as inclui na Macroárea
de Preservação Ambiental. Chama a atenção, porém, que haja pouca ou quase nenhuma
referência à Unidade no texto da lei.
O Plano Urbano de Carapebus, por sua vez, concentra sua atenção na Lagoa e na Praia
de Carapebus. A primeira está inserida em parte no território do Parque e a segunda
compreende um dos “balneários” que, quando da delimitação da unidade de conservação
federal, foi excluído de seus limites. Estas áreas, como se pôde perceber, são de significativa
importância para o município por se constituírem em destacadas áreas para as atividades
pesqueira, turística e de lazer.
Quissamã, aparentemente, é o município que mais incorpora o Parque Nacional no
seu planejamento territorial. O Plano quissamaense apresenta, mais do que os dos outros dois
município, um planejamento territorial e de desenvolvimento do município, comprometido e
relacionado ao Parque. Estabelece normas um pouco mais definidas e, principalmente através
do zoneamento do solo municipal, traz de forma mais evidente um projeto de
desenvolvimento e ordenação territorial em que se incorpora a Unidade de Conservação.
Tamanha adequação talvez possa ser explicada no campo das trajetórias individuais, uma vez
que a mesma ambientalista que participou do processo de deflagração do Parque, integrou o
CONPARNA Jurubatiba, fez parte de diversas Câmaras Técnicas e chegou inclusive a ocupar
provisoriamente a chefia do Parque, se tornou Secretária Municpal em Quissamã, cargo que
deixou em 2009 para dedicar-se ao doutorado que cursa.
Um aspecto que merece ser ressaltado é a forte identificação que se faz entre a
preservação e conservação do meio ambiente com o potencial desenvolvimento municipal
através da exploração do turismo. O Plano Diretor de Macaé mostra grande preocupação com
132
a diversificação da economia e dos setores produtivos, que hoje se concentram na atividade
petrolífera. O turismo aparece, então, como uma das atividades a serem estimuladas, mas não
qualquer indício de uma política de turismo voltada especificamente para a exploração do
Parque de Jurubatiba com estes fins. Tanto em Carapebus como em Quissamã, contudo, a
atividade turística, e destacadamente o turismo ecológico (eco-turismo), surgem como
prioridades para o desenvolvimento destes municípios, com o Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba identificado como significativo atrativo neste segmento.
PARTE IV. MULTITERRITORIALIDADE NO PARQUE
NACIONAL DA RESTINGA DE JURUBATIBA: SUJEITOS E
TERRITORIALIDADES EM CONFLITO
CAPÍTULO 7. CONFLITOS E AGENTES
7.1. Apresentação
Como se viu a partir dos relatos e análises, ao longo deste trabalho, a criação e
implantação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, distribuído pelos municípios de
Macaé, Quissamã e Carapebus, instaurou uma nova configuração territorial na área. As idéias
de preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais, ecossistemas e espécies
passaram a ditar normas de ordenação e uso do solo e dos recursos, provocando mudanças de
paradigmas e nas relações sociais (de poder).
Esta nova maneira de significar, utilizar e controlar o território, que revela uma
territorialidade específica, entretanto, não suplanta ou substitui outras territorialidades pré-
existentes. É possível observar uma multiplicidade de territórios e territorialidades na área em
estudo e esta multiterritorialidade, ao opor diferentes regras de uso, domínio, apropriação e
significações do território, engendra e aguça conflitos ambientais na área da Unidade de
Conservação e seu entorno.
Aliás, como visto no Capítulo 4, estes conflitos ambientais tendem a emergir quando
determinadas práticas espaciais são comprometidas ou negativamente impactadas por
restrições de acesso e uso dos recursos.
Partindo da noção de conflito ambiental abordada no Capítulo 4, que os entende como
disputas opondo diferentes agentes sociais que têm por objeto a apropriação material e/ou
simbólica de recursos “naturais” territorializados, isto é, modos sociais de controle, acesso e
uso, então, trabalhar-se-á neste capítulo com alguns casos referência de conflitos surgidos ou
acirrados a partir da imbricação e/ou oposição de diferentes territorialidades que se revelam
na área do Parque Nacional e em sua área de entorno.
Cabe ressaltar que, apesar desta pesquisa ter-se centrado no exame das normas de
ordenação e uso do solo enunciadas pelo Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga da
Jurubatiba, Planos Diretores de Macaé e Quissamã e Plano Urbano de Carapebus, certamente
outros agentes, além de ICMBio e governos municipais, atuam, significam e utilizam o
território objeto deste estudo.
135
Tendo em vista esta variedade de agentes, interesses, territorialidades, regras e
normas, fez-se a opção por examinar alguns casos referência de conflitos envolvendo esta
multiplicidade, ou melhor, a multiterritorialidade da área do Parque Nacional de Jurubatiba.
Os casos referência que serão examinados neste capítulo foram escolhidos em função de três
aspectos: a) terem sido apontados por diversos entrevistados como os principais conflitos no
âmbito do Parque de Jurubatiba; b) serem identificados no Plano de Manejo do Parque como
atividades conflitantes, caracterizando pontos fracos ou ameaças à Unidade; c) serem
amplamente discutidos em reuniões do Conselho Consultivo da Unidade.
Considerando o caráter individual desta pesquisa e tendo em vista a enorme
quantidade de material passível de análise, o exame dos conflitos baseou-se principalmente
nas atas das reuniões do Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba
(CONPARNA Jurubatiba) ocorridas no período de 2004 a 2007, sem deixar, é claro, de
aproveitar as entrevistas realizadas e outros materiais bibliográficos consultados. Cabe chamar
atenção para o fato de que o Conselho da Unidade é concebido, tanto pela legislação
ambiental como pelos gestores do Parque, como uma arena com a função de negociar,
gerenciar, resolver e/ou solucionar os conflitos, como se pode ver a partir de falas do Chefe
do Parque e Presidente do CONPARNA na época, Eduardo Jalles Jardim:
o Conselho tem cumprido muito bem seu papel, no sentido de dirimir os conflitos
que surgem em decorrência das já referidas atitudes equivocadas. (Ata de Reuniões
do CONPARNA Jurubatiba 01/05).
o conselho é o espaço para negociação de conflitos (Ata de Reuniões do
CONPARNA Jurubatiba 04/05)
Considera-se, assim, que as atas das reuniões do CONPARNA são capazes de
evidenciar, ainda que com limitações, a multiplicidade de agentes sociais, discursos, opiniões
e territorialidades, o que possibilita uma apreensão significativa dos conflitos ambientais na
esfera da Unidade de Conservação.
7.2. Conflitos de competência: ICMBio x Prefeituras Municipais, ou Planos
Diretores x Plano de Manejo
Conforme observado no capítulo anterior, o poder público municipal, baseando-se no
predominante interesse local, é o responsável por executar as medidas e regras de intervenção
136
no espaço urbano, tratando da Política Urbana e do ordenamento do uso e ocupação do solo
do município.
A gestão e o manejo do território do Parque Nacional, por sua vez, conforme reiterado
em diversas passagens do texto, são competências da União atribuídas ao ICMBio, órgão
federal gestor das unidades de conservação federais de proteção integral. Como a área da
Unidade e sua área de entorno distribuem-se pelos três municípios Macaé, Quissamã e
Carapebus – é possível perceber que neste contexto revelam-se, convivem e/ou confrontam-se
distintas regras e formas de controle, acesso e uso do solo e dos recursos.
Tanto o Plano de Manejo da Unidade de Conservação como os Planos Diretores de
Macaé e Quissamã, e o Plano Urbano de Carapebus, tratam da ordenação e uso do solo e dos
recursos naturais da área em que se insere o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Como ressaltado, o Plano de Manejo é o instrumento principal de gestão e regulamentação
do território protegido, enquanto Planos Diretores e Plano Urbano estabelecem as diretrizes,
objetivos e regras da Política de Desenvolvimento Urbano dos municípios, incluindo normas
de ordenação e uso dos territórios municipais.
Como era de se esperar, observa-se que o Plano de Manejo preconiza princípios e
objetivos da preservação e conservação do meio ambiente. Talvez surpreenda, entretanto, que
os instrumentos municipais de planejamento, seguindo a mesma tendência nacional e
internacional da valorização do meio ambiente, convirjam no sentido da tão propalada
conservação da natureza. Nota-se claramente, contudo, que os municípios, apesar de
apresentarem aparentemente políticas ambientais abrangentes e consistentes, referem-se,
tratam e se comprometem de maneiras diferentes com os objetivos do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba.
O fato de o Parque ocupar parcelas significativas dos territórios dos municípios de
Carapebus e Quissamã, enquanto incide sobre uma área pequena do território macaense,
provavelmente explica a diferença de tratamento conferido a este. Certamente, também as
especificidades econômicas municipais devem interferir. Enquanto Macaé sedia não apenas a
Petrobrás, mas grande parte das empresas que atuam na atividade petrolífera na região,
Carapebus e Quissamã apresentam um nível de desenvolvimento econômico e industrial
incipiente, baseados especialmente nas atividades agropecuárias e pesqueira de pequena
escala.
137
A Política de Desenvolvimento Urbano de Macaé, como observado no Capítulo 6, a
despeito de expressar uma preocupação com a necessária diversificação das atividades
produtivas, parece orientar-se principalmente em uma perspectiva voltada para o
desenvolvimento das atividades relacionadas ao petróleo. Conseqüentemente, não manifesta
grande interesse em vincular o desenvolvimento municipal à oportunidades eventualmente
oferecidas pelo Parque Nacional. Diferentemente, Quissamã e Carapebus conferem
centralidade à necessidade do fortalecimento e estímulo das atividades turísticas, sendo sem
dúvida o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba identificado como um fator a ser
explorado por meio do ecoturismo.
Os distintos tratamentos conferidos à unidade de conservação pelos três municípios
por si denotam a presença de diferentes interesses em jogo, o que é ainda mais reforçado
por uma análise do Plano de Manejo de Jurubatiba, dos Planos Diretores de Macaé e
Quissamã e do Plano Urbano de Carapebus, que revelam conflitos entre os Municípios e o
ICMBio/IBAMA, opondo as diferentes formas de ordenamento territorial da área de entorno
ou zona de amortecimento do Parque.
O Plano de Macaé, como visto, classifica a parte macaense do Parque como Área de
Interesse Ambiental contida na Macroárea de Preservação Ambiental (MPA) que, por sua vez,
insere-se dentro da Macrozona de Ambiente Natural (MAN). Assim, de forma geral, a
preservação dos recursos naturais reina como principal orientação. Parte da área de entorno e
da provável zona de amortecimento
59
do Parque, não obstante, foram classificadas como Zona
Industrial de Cabiúnas.
Vale ressalta que tanto as entrevistas realizadas ao longo desta pesquisa quanto as atas
das reuniões do Conselho Consultivo do Parque examinadas indicam de forma quase unânime
que, a despeito de ser o Município que contém a menor parcela do Parque, considera-se
Macaé o município que mais exerce pressão e gera impactos à Unidade. O avanço do bairro
Lagomar, que hoje alcança o limite imediato do Parque, assim como os empreendimentos
industriais localizados na Zona Industrial de Cabiúnas, que são abrangidos pela área de
entorno e provável zona de amortecimento da Unidade, são apontados como as principais
razões para essa situação
60
.
59
Como visto, a zona de amortecimento do Parque de Jurubatiba ainda não foi definida, mas o Plano de Manejo
da Unidade apresentou uma proposta de delimitação desta, que ainda deve ser discutida e determinada.
60
Posteriormente serão examinados mais a fundo as questões e conflitos específicos envolvendo o bairro
Lagomar e o Terminal de Cabiúnas, considerados, por sua relevância, merecedores de uma exposição
pormenorizada.
138
Em decorrência, a representante da ONG Amigos do Parque Nacional de Jurubatiba
(APAJ) no CONPARNA, Ingrid Stigger, que declarou ter participado da comissão que
elaborou o anteprojeto do Plano Diretor de Macaé, afirmou ter recomendado, naquela ocasião,
que o Município requalificasse a área de entorno do Parque, visando dar uma destinação mais
apropriada e adequada à proximidade desta com Unidade. (Conselho Consultivo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião 06/06). Ao fim e ao cabo, entretanto,
o Plano Diretor de Macaé não manteve a classificação de Zona Industrial à área vizinha
imediata ao Parque, como optou por fomentar a expansão industrial do município nesta
direção. Configura-se, dessa forma, um conflito envolvendo não apenas diferentes formas de
apropriação e uso do território e dos recursos em questão, mas principalmente, distintos
agentes - Prefeitura de Macaé e ICMBio/IBAMA - e interesses, que opõem a idéia de
desenvolvimento municipal calcado na industrialização à preservação do meio ambiente,
objetivo do Parque.
Com relação ao Município de Carapebus, antes de mais nada julga-se importante
reafirmar que a criação do Parque foi viável a partir de concessões que deixaram de incluir
em seus limites o “balneário” da Praia de Carapebus e a Fazenda Bom Retiro, bem como
manteve fora do território protegido a área mais próxima à sede municipal. Dessa forma,
notável conflito de interesses quanto ao uso e acesso àquele território e aos recursos
ambientais encontrou sua solução, ainda que controversa, antes mesmo da criação e
implantação da unidade de conservação.
Quanto ao Plano Urbano de Carapebus, de forma geral não parece haver grandes
divergências com relação ao ordenamento territorial expresso no Plano de Manejo. Ressalva
seja feita, contudo, no que se refere à Política de Desenvolvimento Urbano de Carapebus, que
indica a pesca e o turismo como alguns dos principais fatores de desenvolvimento municipal.
Com efeito, se por um lado a opção municipal pelo turismo como potencial fator de
desenvolvimento se coaduna, em princípio, com os objetivos do Parque Nacional, por outro
lado, a definição de critérios e parâmetros que restringem a atividade na área do Parque e seu
entorno pelo Plano de Manejo, segundo o Secretário Municipal de Meio Ambiente,
significaria um prejuízo para Carapebus. Neste sentido, o mesmo Secretário chega a afirmar
que “Carapebus ficou sem força de desenvolver o turismo por conta de questões definidas no
Plano de Manejo”
61
.
61
Entrevista com Carlos Alberto Barcelos, Secretário de Meio Ambiente de Carapebus, na sede da Secretaria de
Meio Ambiente de Carapebus, em 09 de outubro de 2009.
139
Ainda seguindo esta linha, foi muito contestada, por exemplo, a negativa por parte do
IBAMA em conceder permissão para a realização de passeios de bugre na área carapebuense
do Parque, sendo permitido apenas o acesso por barco. A proibição da circulação de
automóveis no acesso entre a Lagoa de Carapebus e a Lagoa Paulista, bem como o
fechamento da estrada utilizada pela população do Distrito de Ubás para acessar a Praia
Paco, de acordo com o Secretário de Meio Ambiente de Carapebus, então, estariam gerando
um prejuízo muito grande ao desenvolvimento do turismo no município
62
.
que se dar nota, também, de que, se no plano normativo não se verificam tantas
discrepâncias, na ordem dos fatos a pesca e a abertura de barras artificiais
63
na Lagoa de
Carapebus e o ordenamento e fiscalização do “balneário” da Praia de Carapebus são
apontados nas atas das reuniões do CONPARNA como situações que se oporiam aos
objetivos da Unidade.
Com relação à fiscalização e ordenação do solo no “balneário” da Praia de Carapebus,
há, nas atas analisadas, diversos relatos da representante da Associação de Moradores da Praia
de Carapebus, sobre a ocupação irregular nesta área. As denúncias relacionam-se não apenas à
ocupações irregulares, como à inoperância e ineficiência da Prefeitura em fiscalizar e tomar as
medidas cabíveis e necessárias para impedi-las, indicando uma grande preocupação quanto ao
futuro do “balneário” (Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba,
Ata de Reunião nº 09/2004).
Os conselheiros demonstraram imensa preocupação com a ameaça da praia de
Carapebus acabar se transformando num “novo Lagomar”, onde por descaso e
omissão do poder público de Macaé, o local acabou sendo favelizado,
transformando-se no ponto de maior violência da região. (Conselho Consultivo do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 09/2004).
Também aparecem nas atas denúncias quanto à falta de tratamento do esgoto na Praia
de Carapebus e/ou despejo dos detritos em córregos próximos ao Parque, o que estaria
provocando altos níveis de contaminação do lençol freático. Esta situação, entretanto, foi
negada pelo representante da Prefeitura de Carapebus (Conselho Consultivo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 05/2006).
Fato é que, se as normas municipais de ordenação e uso do solo de Carapebus parecem
adequar-se aos objetivos e regras de manejo do Parque Nacional, a realidade mostra uma
62
Entrevista com Carlos Alberto Barcelos, Secretário de Meio Ambiente de Carapebus, na sede da Secretaria de
Meio Ambiente de Carapebus, em 09 de outubro de 2009.
63
Mais à frente serão examinadas mais detalhadamente as questões referentes à pesca e à abertura de barras na
Lagoa de Carapebus.
140
situação bem diferente na prática. Conflitos entre a Prefeitura e o órgão gestor da Unidade são
identificados em relatos dos entrevistados e de interlocutores do CONPARNA, que a todo
instante apontam a necessidade de uma maior colaboração e cooperação entre os agentes
envolvidos, especialmente prefeituras e ICMBio, na busca por soluções para os impasses.
No sentido da cooperação e do compromisso com o Parque de Jurubatiba, a Prefeitura
de Quissamã e, conseqüentemente, o Plano Diretor deste município, são tidos como exemplos
a serem seguidos. O ex- Chefe do Parque, Eduardo Jalles, como diversos entrevistados e
conselheiros do CONPARNA, apontam o Plano Diretor de Quissamã, os discursos e as ações
da Prefeitura municipal, como os mais bem sucedidos na difícil tarefa de conjugar o
desenvolvimento e o ordenamento do uso do solo e dos recursos municipais com a existência
da Unidade, seus ônus e bônus. O Projeto “Turismo Sustentável de Base Comunitária na
Região do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: Projeto Piloto Quissamã”,
desenvolvido com o apoio da Prefeitura pelo Grupo de Desenvolvimento Tecnológico
Harmonia Homem Habitats (ONG 3hs), é um exemplo da atuação do município buscando
adequar e conjugar seu desenvolvimento às condições e ao contexto instaurados com a criação
do Parque.
Assim como em Carapebus, a delimitação do Parque deixou dois “bolsões” de fora da
Unidade no município de Quissamã: os “balneários” de Visgueiro e João Francisco. Da
mesma forma, então, pode-se perceber que as disputas e lutas de poder e interesses levou a
uma solução do conflito antes mesmo da criação do Parque.
Mesmo assim, porém, conflitos de interesses e de gestão territorial envolvendo a
Prefeitura de Quissamã são apontados por interlocutores nas reuniões do CONPARNA. Os
principais referem-se ao uso e ocupação dos “balneários”, que, apesar de não compreenderem
a área da Unidade, estão sujeitos a normas e critérios específicos relativos à área de entorno
e/ou zona de amortecimento do território protegido. Neste sentido
*** Disse ainda que o Município de Quissamã tem mostrado muito mais interesse
em apoiar o desenvolvimento do Parque que os outros dois municípios (...) A Sra
*** ponderou que embora realmente exista o apoio do poder público municipal de
Quissamã ainda existem muitos pontos de conflito ambiental na área do Município
de Quissa que precisam estar sendo observados e solucionados. (Conselho
Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião
02/2006).
Os principais conflitos identificados envolvendo Quissamã referem-se a: invasões e
construções irregulares na Praia do Visgueiro, especialmente às margens da Lagoa do Robalo;
141
existência de uma Estação de Tratamento de Esgoto em João Francisco; normatização e
ordenação da visitação à Unidade.
Quanto ao ordenamento dos “balneários”, a principal demanda da Prefeitura de
Quissamã, compartilhada também por Carapebus, recai na necessidade da definição e
demarcação dos limites do Parque. Tanto representantes dos Municípios, quanto os
representantes do IBAMA, reconhecem que a falta de demarcação gera dúvidas e incertezas
que ocasionariam ou contribuiriam para a instalação de usos e/ou ocupações inadequadas do
solo e dos recursos nestas áreas.
Neste sentido, inclusive, ao definir as Ações Gerenciais Gerais Internas de
Operacionalização Interna, o Plano de Manejo prevê a elaboração e implantação de “projeto
de demarcação do Parque, visando aumentar a sua proteção contra possíveis ameaças (...) e
facilitar as atividades de fiscalização e controle, principalmente nos limites do Parque com os
balneários urbanos” (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p.
88). A Prefeitura de Quissamã, logo na primeira reunião do Conselho Consultivo realizada no
início de 2004, propôs-se a “oferecer todos os meios necessários para que a demarcação [de
João Francisco e Visgueiro] se faça no menor tempo possível” (Conselho Consultivo do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 01/2004).
Até o momento, contudo, não foram feitas nem a revisão da delimitação nem a
demarcação dos limites do Parque Nacional, o que estaria dificultando e prejudicando a ação
fiscalizadora tanto das Prefeituras nos domínios municipais, quanto do órgão gestor da
Unidade. A falta de funcionários capacitados e/ou disponíveis também estaria atrapalhando as
ações.
Buscando uma primeira síntese, seria possível sugerir que os agentes envolvidos
nestes conflitos (Prefeituras de Macaé, Quissamã e Carapebus e ICMBio/IBAMA) declaram o
intuito de atuarem de maneira colaborativa a fim de solucionar os conflitos. Isso não
obstante, divergências de interesses, relações e lutas de poder revelam-se no território e os
conflitos permanecem, bem como a atuação do Conselho Consultivo do Parque e as práticas
de negociação entre os agentes envolvidos nos embates.
142
7.3. Conflitos de poder institucional: A Estação de Tratamento de Efluentes
de Cabiúnas em conflito com a área de entorno do Parque
O Terminal de Cabiúnas (TECAB), em operação desde 1982, localiza-se no município
de Macaé. Sede da Gerência de Processamento de Gás Natural da Petrobrás Transporte S.A.
(TRANSPETRO), este terminal, de acordo com informações disponibilizadas na página da
Petrobras na internet, hoje é o maior pólo de processamento de gás natural do Brasil. Suas
principais atividades incluem o recebimento e armazenamento do petróleo proveniente da
Bacia de Campos pelo oleoduto Cabiúnas (Macaé, RJ) - Barra do Furado (Quissamã, RJ) e
seu envio para o Terminal de Campos Elíseos pelo oleoduto Cabiúnas - Duque de Caxias
(RJ)
64
.
Em mais de 2/3 das Atas das Reuniões do Conselho Consultivo do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba analisadas (período 2004-2007) aparecem assuntos e temas
relacionados ao Terminal de Cabiúnas e às atividades envolvendo a TRANSPETRO na área,
o que mostra o quão recorrente e/ou relevante é a discussão sobre estes temas na arena do
Conselho. São significativas as referências e discussões relacionadas às tubulações e dutos
que passam pelo Parque e/ou sua área de entorno, bem como a discussão quanto à inclusão ou
não do Terminal na zona de amortecimento da Unidade.
Uma das questões mais recorrentes refere-se à definição da zona de amortecimento do
Parque de Jurubatiba. Como visto, a área do Terminal de Cabiúnas, localizada em Macaé, foi
classificada pelo Plano Diretor de Macaé como Zona Industrial, o que gerou, inclusive, a
manifestação de conselheiros do CONPARNA em prol da reclassificação da área (no
zoneamento) por parte do poder público municipal.
No mesmo sentido, mas em campo oposto, diversos conselheiros defenderam que todo
o Distrito Industrial que inclui o Terminal de Cabiúnas deveria ser inserido na zona de
amortecimento do Parque de Jurubatiba. Por encontrar-se na Bacia Hidrográfica da Lagoa de
Cabiúnas (ou Lagoa de Jurubatiba), conter fragmentos de Mata Atlântica e representar grande
ameaça ao Parque, entenderam que se incorporada esta área à zona de amortecimento, seria
possível aos gestores do Parque regulamentar e fiscalizar impactos destes empreendimentos.
Além disso, identificaram a possibilidade dos processos de licenciamento de
64
Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/quem-somos/principais-operacoes/. Acesso em: 22 de fev. de
2010
143
empreendimentos nesta área gerarem recursos de compensação ambiental destinados ao
Parque.
A Coordenadora da Equipe Técnica do Plano de Manejo, Maria Fernanda Santos
Quintela da Costa Nunes, no entanto, afirmou que, pelos critérios utilizados
65
na elaboração
da proposta apresentada no Plano de Manejo, “áreas industriais não podem estar dentro da ZA
[Zona de Amortecimento] pelos critérios de inclusão e exclusão, porém que no Plano de
Manejo, na parte que são feitas recomendações gerais, podem ser incluídas recomendações
visando à proteção ao Parque” (Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba, Ata de Reunião nº 11/2004).
Um representante da TRANSPETRO, ainda sobre a definição da zona de
amortecimento, sugeriu que seria do interesse da empresa que a faixa marítima da zona de
amortecimento fosse reduzida, uma vez que o ponto de descarte do emissário de Cabiúnas fica
a 4 km da costa. Afirmou, também, que a empresa monitora a área e têm estudos que
comprovam que não qualquer alteração significativa da biota e que, assim, o projeto de
retirada do emissário de dentro do Parque poderia manter o mesmo ponto de descarte
(Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião
11/2004).
Como visto no Capítulo 5, o Plano de Manejo da Unidade não definiu a zona de
amortecimento, mas apresentou uma proposta de delimitação desta que deixou o Terminal de
Cabiúnas, bem como a zona industrial no qual este se insere, de fora dos limites da zona de
amortecimento da Unidade. Enquanto não for oficialmente definida a zona de amortecimento,
entretanto, considera-se que o Terminal de Cabiúnas está localizado na área de entorno do
Parque de Jurubatiba, a uma distância de cerca de 650m da Unidade, merecendo
regulamentação e atenção especiais do órgão gestor de Jurubatiba.
Quanto aos conflitos opondo Parque/IBAMA e Petrobras/TRANSPETRO, chamam
especial atenção as diversas referências à tubulação do emissário submarino de água de
produção da Estação de Tratamento de Efluentes do Terminal de Cabiúnas (ETE Cabiúnas),
instalado na década de 1980. Com a criação do Parque de Jurubatiba, em 1998, este duto foi
abrangido pelo território protegido, contrariando claramente as regras e normas legais dos
65
Além do Roteiro Metodológico do IBAMA de 2002 foram consideradas as características físicas e biológicas,
fatores sociais e de desenvolvimento municipal. “Neste caso destacaram-se propostas de desenvolvimento
urbano, industrial e rural dos Municípios, ou áreas extremante importantes para o desenvolvimento regional
como, por exemplo, áreas de negócios, distritos industriais, aterros sanitários, etc
. (Plano de Manejo
Jurubatiba, E2, p. 168).
144
Parques Nacionais. Segundo Gilson Medeiros Rocha, representante da TRANSPETRO no
CONPARNA, houve pressões governamentais para que não se interrompesse as atividades do
emissário, que permaneceu operando normalmente
66
.
Figura 6: Localização do Emissário de água de produção de Cabiúnas a nível regional - fonte: Plano de
Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (E4, p. 117) modificado.
Parece não haver dúvida de que a operação da tubulação do emissário de Cabiúnas
conflita diretamente com os objetivos do Parque Nacional que, como uma unidade de
conservação de proteção integral, destinar-se-ia a manter os ecossistemas livres de alterações
provocadas pela interferência humana. Se apenas por sua localização, a tubulação do
emissário já representava, nos termos do Plano de Manejo de Jurubatiba, um “ponto fraco” do
Parque, a ocorrência de diversos vazamentos de efluentes por falha nestes dutos acirraram
ainda mais a questão.
A atuação do Conselho do Parque, salientando, a todo momento, a importância da
busca de soluções para o conflito envolvendo TRANSPETRO e IBAMA - duto da Estação de
Tratamento de Efluentes de Cabiúnas e Parque - resultou, inclusive, na criação de uma
Câmara Técnica em 2004, para tratar de Vazamentos e da Substituição dos Dutos do
66
Entrevista realizada com Gilson Medeiros Rocha, no dia 22 de abril de 2009, no Terminal de Cabiúnas-
TRANSPETRO.
145
Emissário de Efluentes do Terminal de Cabiúnas da TRANSPETRO (Conselho Consultivo do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 01/04).
O relatório produzido por esta Câmara Técnica apontou que, entre 2001 e 2003, foram
constatados 50 episódios envolvendo vazamentos deste duto, ocasionando o derramamento de
mais de 28.010 litros de efluentes na área. Responsável por descartar no mar, a 4 km da costa,
a chamada água de produção das atividades de exploração e produção petrolíferas da Bacia de
Campos, este duto, proveniente da Estação de Tratamento de Efluentes de Cabiúnas, conta
com 10 km de comprimento em seu trecho terrestre e, enquanto estava em operação,
descartava no mar um volume de efluentes de 2,5 m3/dia a 5,0 m3/dia.
Informa ainda o relatório que a composição do efluente descartado no mar incluía
água contendo metais pesados, sulfetos e outras impurezas, além de apresentar índices de
DBO
67
(Demanda Biológica por Oxigênio) e DQO
68
(Demanda Química por Oxigênio) 16,5
vezes superior ao permitido; Amônia 1,3 vezes superior ao permitido; Sulfeto 16 vezes
superior ao permitido; Bário 2,7 vezes superior ao permitido; Boro 7,2 vezes superior ao
permitido; Estanho 3,3 vezes superior ao permitido; Ferro 1,2 vezes superior ao permitido;
Mercúrio 19 vezes superior ao permitido e Zinco 5,4 vezes superior ao permitido (Relatório
da Câmara Técnica do Emissário da ETE Cabiúnas, 2004)
69
.
De acordo com declarações de Gilson Medeiros Rocha, consultor técnico na área
ambiental da TRANSPETRO e representante desta empresa no CONPARNA Jurubatiba, o
grande número de vazamentos (50) ocorridos no período entre 2001 e 2003 dever-se-ia ao
67
O Dicionário Livre de Geociências define DBO como “Sigla para Demanda Biológica (ou Bioquímica) de
Oxigênio. É a medida que calcula a quantidade do oxigênio dissolvido num corpo d'água, consumido pela
atividade bacteriana. A DBO é proporcional ao tempo, ou seja quanto maior o tempo mais matéria orgânica
biodegradável é decomposta pela atividade aeróbica das bactérias. (...)Este índice é um bom indicador de
quão poluída está uma água, pois quanto mais matéria orgânica tiver maior será seu DBO, isto é sua Demanda
Bioquímica por Oxigênio. No caso de efluentes, o valor da DBO dirá quanto de oxigênio este consumirá ao
ser lançado num corpo d'água, sendo portanto uma medida do impacto negativo.” (DICIONÁRIO LIVRE DE
GEOCIÊNCIAS, Disponível em: http://www.dicionario.pro.br).
68
De acordo com o Dicionário Livre de Geociências, DQO é a “Sigla para Demanda Química de Oxigênio.
Índice que a quantidade necessária de Oxigênio, fornecido por um agente oxidante, para oxidar totalmente
a matéria orgânica presente num meio (água ou efluente). A DQO mede, indiretamente a carga de matéria
orgânica contido no efluente, isto é de seu efeito poluidor. Por esta razão os índices DQO e DBO são os mais
usados na legislação que trata do lançamento de efluentes líquidos em corpos d'água. No Brasil, vários
Estados tem estabelecido, através de legislação estadual, o limite máximo da DQO para um efluente a ser
lançado num corpo d'água.” (DICIONÁRIO LIVRE DE GEOCIÊNCIAS, Disponível em:
http://www.dicionario.pro.br)
69
O Relatório da mara Técnica para tratar sobre Vazamentos e Substituição dos Dutos do Emissário de
Efluentes do Terminal de Cabiúnas da TRANSPETRO o aponta a fonte dos dados apresentados. Afirma,
entretanto, que a empresa TRANSPETRO não disponibilizou os dados de monitoramento da composição do
efluente, solicitados ao empreendedor mediante o Ofício 08/2004.
146
fato de que a solicitação, por parte da TRANSPETRO de autorização para realizar a troca do
duto por um outro, de material mais resistente, não teria sido respondida pelo IBAMA.
Em 2004 foi instalada em caráter provisório uma tubulação aérea em substituição à
anterior, subterrânea, então desativada. A autorização concedida pela Diretoria de
Ecossistemas do IBAMA (DIREC/IBAMA) para a realização das obras do emissário pela
TRANSPETRO, entretanto, impôs algumas exigências, como o prazo de 30 (trinta) dias, a
partir do dia 04 de fevereiro de 2004, para que a empresa apresentasse o projeto de retirada
definitiva dos dutos antigos da área do Parque, que deveria ocorrer no limite de 2 (dois) anos,
tendo o mesmo termo inicial de 04 de fevereiro de 2004. Estabeleceu-se, também, a obrigação
da empresa de apresentar Programa de Monitoramento Ambiental visando Diagnóstico de
Contaminação da Área (Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba,
Ata de Reunião nº 02/04).
Vale ressaltar que, desde antes da autorização de obras no emissário, alguns
conselheiros demonstraram resistência ao projeto da tubulação aérea, apresentado pela
empresa como solução para o imbróglio, bem como manifestaram preocupação com a
possibilidade de que esta, a despeito de seu anunciado caráter provisório, permanecesse
indefinidamente. Representantes da TRANSPETRO, entretanto, afirmaram em diversos
momentos que o interesse da empresa era resolver a situação e que a DIREC/IBAMA havia
deixado claro, desde o início das negociações, que o objetivo final seria o da retirada
definitiva do emissário de dentro da Unidade, sendo o novo duto realmente provisório.
Afirmaram, ainda, que seria apresentado um programa de recuperação de áreas degradadas, a
ser implementado a partir da retirada definitiva dos dutos (Conselho Consultivo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 01 e 02/04).
Apesar de o emissário da Estação de Tratamento de Efluentes de Cabiúnas ter sido
paralisado, a retirada definitiva da tubulação antiga de dentro do Parque não foi concretizada
no período determinado (até fevereiro de 2006). Até 2007 também não havia sido apresentado
pela empresa projeto contendo traçado alternativo para esta tubulação. As atas das reuniões do
CONPARNA Jurubatiba mostram, em vários momentos, a preocupação dos conselheiros e do
Chefe do Parque pela falta de solução desta questão, críticos ao que vêem como inatividade
da TRANSPETRO.
Representantes da TRANSPETRO, contudo, declararam diversas vezes que o intuito
da empresa era resolver a questão, mas que a negociação estava sendo feita ao nível dos
escalões superiores da Petrobrás e do IBAMA. Reforçaram, ainda, a pretensão da empresa de
147
apoiar o Parque e de reparar os danos causados, citando investimentos no montante de cerca
de 5 milhões de reais que teriam beneficiado indiretamente o Parque. Chama atenção,
entretanto, que quanto à alegação de que a empresa havia realizado grandes investimentos
beneficiando Jurubatiba, o Chefe do Parque tenha replicado que estes investimentos haviam
sido concedidos a Universidades para a realização de pesquisas na área da Unidade, e não ao
IBAMA ou ao Parque.
A análise das atas de reuniões do CONPARNA parece mostrar que a relação entre
TRANSPETRO e IBAMA/Parque de Jurubatiba, especialmente no que concerne a questão do
emissário de Cabiúnas era, ou pelo menos pretendia ser, em abril de 2004, cordial e
colaborativa, afirmando-se “a necessidade de que este processo [de ajustes no
relacionamento] se dentro da esfera civilizada do fórum de gestão de conflitos que é o
conselho” (Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de
Reunião 03/04). Logo em setembro do mesmo ano, entretanto, o descontentamento de
diversos conselheiros quanto ao relacionamento precário com a empresa, com a falta de
cooperação da mesma no fornecimento de dados e com a dificuldade e/ou morosidade na
“solução” de diversas questões parece sinalizar a revitalização do conflito.
Interessante notar que, de acordo com declarações de Daniele Barbosa Portella,
representante da empresa TRANSPETRO no CONPARNA, “o IBAMA Brasília foi quem
determinou que todos os assuntos ligados à Petrobrás e que envolvam o Parque, sejam
tratados com eles diretamente e não com o pessoal do Parque” (Conselho Consultivo do
Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião 01/05). Percebe-se, então, que
apesar das questões referirem-se ao Parque de Jurubatiba e, portanto, a princípio, deverem ser
solucionadas ou negociadas no âmbito da Unidade, o IBAMA Brasília chamou para si esta
função, o que poderia denotar uma excepcionalidade destes conflitos envolvendo a Petrobrás.
Parece impossível, portanto, desconsiderar o papel de enorme importância
desempenhado pela Petrobrás não apenas na região, mas para o Governo brasileiro de forma
geral. Sua presença e suas atividades são apontadas como os principais fatores de
desenvolvimento dos municípios. Também é notória a autoridade desta empresa no cenário
nacional, quiçá internacional. A Petrobrás, que deteve monopólio da exploração petrolífera
até 1977, ainda hoje é a maior empresa de petróleo do Brasil e uma das maiores do mundo,
líder de mercado e referência em tecnologia. Além disso, o fato de ser uma sociedade de
economia mista sob controle da União pode ser considerado mais um motivo que poderia
148
justificar o tratamento diferenciado, por parte do IBAMA, das questões ambientais
envolvendo esta empresa.
O fato é que, embora fora de operação, esgotado o prazo não havia acordo para a
retirada definitiva da tubulação, como tampouco se havia definido novo projeto para o
emissário. A análise das atas das reuniões do Conselho do Parque sugere, então, que as
questões e conflitos opondo o IBAMA, enquanto órgão gestor do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba, e TRANSPETRO/Petrobras, não foram resolvidos no âmbito do
Conselho, instância e arena criada com a função proeminente de gerenciar, negociar e resolver
os conflitos na Unidade.
Não que se declarar vencedor para o embate, mas, aparentemente, o conflito que, a
princípio, envolvia TRANSPETRO/Terminal de Cabiúnas e IBAMA/Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba, e que deveria ter sido ser negociado e resolvido no âmbito do
CONPARNA, devido aos interesses envolvidos, assumiu maiores proporções. Na realidade,
não se pode deixar de comentar que o embate sinaliza para o enfrentamento do interesse no
desenvolvimento econômico e na auto-suficiência em petróleo do Estado brasileiro,
representados pela Petrobras/TRANSPETRO, seu Terminal de Cabiúnas, tubos e dutos, de
um lado, e do interesse na preservação e conservação da natureza, representados pelo Parque
Nacional e pelo IBAMA. Ao final, a impressão é de que, no interesse nacional, o
desenvolvimento e a auto-suficiência em petróleo superariam a necessidade da preservação do
meio ambiente e que restaria buscar uma forma de minimizar os impactos do primeiro em
relação ao segundo.
7.4. Pesca e pescadores de Carapebus
Outro caso que expõe o embate entre diferentes formas de controle, acesso e uso dos
recursos ambientais no território do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, configurando
um conflito ambiental, é o que envolveu os pescadores de Carapebus. Estes pescadores, que
por décadas e gerações desenvolveram a atividade pesqueira na Lagoa de Carapebus, com a
criação da unidade de conservação de proteção integral foram proibidos de exercer esta
atividade, tradicionalmente associada à subsistência deste grupo.
149
Cabe ressaltar algumas peculiaridades deste conflito. Apesar de ser uma das principais
lagoas do Parque, como afirmado em passagens anteriores e mostrado na Figura 7, a Lagoa de
Carapebus está inserida apenas em parte na área da Unidade. Devido às pressões e disputas
políticas na época da criação da Unidade, mantiveram-se fora dos limites do Parque
verdadeiros bolsões em meio ao território protegido, definidos como “balneários” da Praia de
Carapebus e da Fazenda Bom Retiro.
Além disso, houve pressão também pelo fato de que, conforme visto, mais de 22% da
área do município de Carapebus ter sido transformada em unidade de conservação, estando
boa parte do restante do território municipal incluída na área de entorno e/ou zona de
amortecimento da Unidade, que também prevê restrições ao uso desta. Assim, a parcela da
Lagoa mais próxima à sede do município também foi excluída dos limites de Jurubatiba.
Gerou-se, então, uma situação curiosa, em que a pesca restou permitida em parte da Lagoa de
Carapebus, localizada fora do Parque, enquanto em outra ficou estritamente vedada pelo
IBAMA até que fosse elaborado o Plano de Manejo do Parque
70
.
Em decorrência, parte dos pescadores abandonou a atividade tradicionalmente
desenvolvida por gerações, enquanto outros, que continuaram a praticar a pesca, foram
empurrados para a ilegalidade. Neste sentido, a fala de Jorge Barcelos, pescador e
representante da Associação dos Pescadores de Carapebus no CONPARNA, pode ser
considerada bastante representativa: “(...) o pescador é apenas um sobrevivente. No momento
em que você proíbe a pesca, está transformando os pescadores em excluídos. Não é possível
que um povo civilizado possa querer ver o pescador mutilado.”
71
70
O Parágrafo Único do artigo 28, da Lei 9.985/2000 (Lei do SNUC) prevê que “Até que seja elaborado o
Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral
devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger,
assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários
para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais”.
71
Entrevista realizada com Jorge Barcelos em sua residência em Macaé, no dia 23 de abril de 2009.
150
Figura 7: Localização da Lagoa de Carapebus a nivel regional - fonte: SANTOS, M. C., 2008: p. 48.
Merece atenção também o fato de que, desde a criação do Parque, buscando assegurar
seu direito a permanecer no local onde a comunidade viveu por gerações e visando obter uma
autorização para o desenvolvimento da atividade que por décadas caracterizou a comunidade
e garantiu sua sobrevivência, pescadores de Carapebus, organizados através da Associação
dos Pescadores de Carapebus, fizeram-se representar no Conselho Consultivo do Parque e no
processo de elaboração do Plano de Manejo da unidade de conservação.
O exame das atas das reuniões do Conselho Consultivo do Parque de Jurubatiba
mostra que questões envolvendo os pescadores foram abordadas em cerca de metade das
reuniões realizadas no período entre os anos de 2004 e 2007, suscitando, inclusive, a criação
de uma Câmara Técnica para tratar especificamente sobre o manejo das lagoas do Parque, a
fim de tratar prioritariamente sobre dois temas: abertura de barras e pesca.
Obviamente, a recorrência, por si só, não pode ser considerada capaz de demonstrar o
quão conflituosa tem sido a relação entre pescadores e o órgão gestor da Unidade, nem como
151
qualificadora do conflito; parece inquestionável, porém, que é prova da persistente
preocupação dos agentes sociais envolvidos em tratar do assunto e buscar uma solução para
este.
Freqüentemente são levantadas questões envolvendo as proibições da pesca e da
abertura artificial de barra em lagoas do Parque. Com relação à abertura de barras, que
significa “o rompimento do cordão arenoso que separa a lagoa do mar adjacente” (SANTOS,
M. C., 2008: p. 30), o assunto parece ser mais polêmico. A abertura de barra pode se dar de
forma natural ou artificial. Quando provocada pela ação humana, tem sido objeto dos
conflitos e discussões acaloradas.
A abertura artificial de barras, usual na região, é defendida especialmente pelos
representantes dos moradores do entorno das lagoas e pelos pescadores de Carapebus, que,
além de muitas vezes estarem estabelecidos nas imediações da lagoa, afirmam que esta prática
é essencial para o povoamento da lagoa com peixes e crustáceos de valor comercial. Pelo que
foi possível apreender, na estação das chuvas as lagoas tendem a encher e, consequentemente,
alagar áreas adjacentes a elas. Assim, casas e propriedades são atingidas por inundações e
muitos danos e transtornos são causados às populações locais.
De acordo com o biólogo, diretor geral e representante do NUPEM/UFRJ (Núcleo em
Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé) no CONPARNA, Prof. Francisco
de Assis Esteves
72
, os alagamentos e inundações de propriedades ocorrem devido à dinâmica
hídrica natural de inundações das lagoas.
(...) no período das chuvas, de novembro a março, as lagoas sempre ocupam
plenamente suas bacias hidrográficas e isto sempre foi sinônimo de fertilidade e
abundância de vida, mas que atualmente, devido às irregularidades humanas, esta
dinâmica está sendo considerada problema. (Conselho Consultivo do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 01/07).
Segundo este entendimento, não se poderia culpar as lagoas ou as chuvas pelas
inundações; o problema estaria na existência de ocupações irregulares de áreas frágeis. Outros
conselheiros parecem concordar com Esteves e, com relação à abertura de barras na Lagoa de
Carapebus, afirmam que estas servem muitas vezes como mitigadoras da situação gerada, na
verdade, pela falta de atuação da Prefeitura local na prevenção da ocupação irregular das áreas
adjacentes à Lagoa.
72
Entrevista realizada com Francisco de Assis Esteves na sede do NUPEM, em Macaé, no dia 13 de novembro
de 2009.
152
Em diversas reuniões do CONPARNA foram feitos pedidos de autorização de abertura
de barra, especialmente da Lagoa de Carapebus. De modo geral, o Chefe do Parque à época,
Eduardo Jalles Jardim, respondia a essas demandas afirmando que, enquanto não fosse
aprovado o Plano de Manejo da Unidade, as aberturas de barras estariam proibidas, sendo o
único caminho para obter essas autorizações a declaração de calamidade pública por parte do
Prefeito interessado, o que possivelmente asseguraria uma justificativa jurídica para a
obtenção da permissão junto à Justiça Federal. Por mais que a resposta do chefe do Parque
tenha sido negativa, cabe ressaltar que não só ele, como outros conselheiros, costumam
demonstrar solidariedade com as populações atingidas, sem deixarem, entretanto, de mostrar
preocupação com os possíveis impactos desta prática ocorrer com alta freqüência e sem o
amparo de critérios técnicos e científicos específicos.
Vale chamar atenção, contudo, para o fato de que a abertura de barra na Lagoa de
Carapebus, diferentemente de outros casos, assume também outra função e significado. Os
pescadores de Carapebus, por meio de sua representação no CONPARNA e na Associação de
Pescadores de Carapebus, afirmam e defendem que a prática de abertura de barra naquela
lagoa, quando feita por eles, estaria fundada no secular conhecimento tradicional, asseguraria
a limpeza desta através do escoamento das impurezas para o mar e traria “vida” à lagoa, com
a vinda de peixes e crustáceos.
Este conhecimento considera a estação do ano, período lunar, nível da água, escolha
da localização específica para abertura da barra, horário apropriado e tempo de
permanência da abertura, buscando desta forma beneficiar a proliferação das
espécies de peixes, camarões e outros seres vivos, dos quais a comunidade pesqueira
retira seu sustento; além de promover uma limpeza na lagoa, removendo os esgotos
lançados e o excesso de vegetação que prolifera por causa destes. (Conselho
Consultivo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, Ata de Reunião nº 01/07).
De acordo com o conhecimento e jargão tradicionais destes pescadores, há dois tipos
de peixes na lagoa: os “peixes pretos” e os “peixes brancos”, sendo que apenas os últimos
servem para comer e têm valor comercial. A maioria destes “peixes brancos”, assim como os
camarões, habitam a lagoa devido à abertura de barra, que os traz do mar. Assim, os
pescadores alegam que a abertura de barra é essencial para a “vida da Lagoa” e para a pesca.
Concordam com outros conselheiros, contudo, com a necessidade de se estabelecer
parâmetros e critérios para a abertura de barras nas lagoas e que estas não devem ocorrer em
anos seguidos.
Quanto à ampla proibição da prática da pesca, é importante notar que, nas atas
analisadas, conselheiros e representantes de diversos setores e instituições envolvidas, quase
153
unanimemente, mostram-se favoráveis a uma solução deste conflito que garanta o direito à
pesca aos pescadores tradicionais, ou seja, àqueles que comprovadamente dependam da pesca
para sobreviver e que pratiquem a pesca artesanal. A defesa de que tal permissão fosse
conferida nos marcos de parâmetros e critérios controlados, então, levou a uma proposta de
que o CONPARNA incluísse, como um anexo do Encarte 4 do Plano de Manejo, um “Acordo
de Pesca entre Pescadores de Carapebus e Instituto Chico Mendes”.
O IBAMA, entretanto, posicionou-se contrário ao acordo proposto pelo Conselho,
afirmando que não poderia firmar pacto que fosse contra a lei. Reconheceu, porém, que o
Ministério Público teria a prerrogativa de estabelecer um acordo nos termos propostos, através
de um Termo de Ajustamento de Conduta entre este e os pescadores, tendo o IBAMA como
interveniente.
O Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, publicado em
2008, estabelece que
Está proibida a pesca em todas as lagoas do Parque, exceto na lagoa de Carapebus,
por parte dos pescadores tradicionais locais, enquanto não entre em vigor o TAC
[Termo de Ajustamento de Conduta] a ser implantado pelo ICMBio e a Promotoria
Pública (Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 54).
O Plano de Manejo prevê ainda, dentre as Ações Gerenciais Gerias Internas de
Proteção e Manejo a realização de “gestão junto à DIREP [Diretoria de Unidades de
Conservação de Proteção Integral do ICMBio] e ao Ministério Público Federal para o
estabelecimento de um TAC, Termo de Ajuste de Conduta, para os pescadores da Lagoa de
Carapebus”, estabelecendo, como normas específicas que “O TAC deverá prever prazo para o
encerramento das atividades de Pesca dentro do Parque” e que “Este TAC deverá levar em
consideração os projetos a serem desenvolvidos para o ordenamento pesqueiro da Lagoa de
Carapebus e os Programas de Recuperação e Monitoramento do PN [Parque Nacional].”
(Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 65).
Santos adverte, no entanto, que de acordo com o entendimento de IBAMA e ICMBio,
o instrumento mais adequado ao caso seria o Termo de Compromisso previsto no Sistema
Nacional de Unidades de Conservação. Como não se poderia considerar a pesca artesanal dos
pescadores tradicionais na Lagoa de Carapebus crime, em função da previsão de
regulamentação da mesma, afirma que não haveria sentido em se estabelecer um Termo de
Ajustamento de Conduta, que se presta à estabelecer ajustamentos após o cometimento de
crime. Afirma, ainda, que a competência para a proposição do TAC (Termo de Ajustamento
154
de Conduta), por tratar-se de unidade de conservação federal, seria do Ministério Público
Federal e não da Promotoria Pública (SANTOS, M. C., 2008).
Independentemente da discussão estritamente jurídica quanto ao instrumento legal
adequado, o Plano de Manejo prevê que apenas os pescadores reconhecidos como tradicionais
sejam elegíveis para obtenção da licença de pesca. Dessa forma, impõe-se a necessidade do
reconhecimento dos pescadores como tradicionais, o que, a princípio, abarcaria apenas
aqueles que sobrevivem exclusivamente da pesca e que utilizam instrumentos e práticas
específicas no exercício desta atividade
73
.
Importante ressaltar, entretanto, que devido às características regionais, são poucos os
pescadores que sobrevivem exclusivamente da pesca. Jorge Barcelos, pescador e
representante da Associação dos Pescadores de Carapebus, inclusive, afirma que “Quase
ninguém vive de pesca na lagoa, fazem outros trabalhos. A pesca é apenas um
complemento, muitos pescam para uso próprio e vendem o que sobra”
74
.
Sem querer entrar em tão controversa e acalorada discussão acerca do reconhecimento
da tradicionalidade de um grupo ou de indivíduos, não parece coerente qualificar os
pescadores como tradicionais ou não levando em conta apenas se estes desenvolvem ou não
outras atividades laborais. A tradicionalidade, neste caso, parece remeter não somente à
dependência econômica da pesca, mas também aos conhecimentos, linguajar e práticas
passadas de geração para geração que, para esta população, estão intrinsecamente ligados ao
uso e significação da lagoa e da pesca.
Merece menção que os diferentes agentes do conflito se posicionem em relação às
categorias de classificação segundo diferentes estratégias. Assim, por exemplo, Jorge
Barcelos explica: “estou usando até comunidade tradicional porque dizem que tem mais
peso”
75
.
Constata-se, assim, que as normas e regras de uso e acesso ao território e aos recursos
ambientais, que, num primeiro momento, pretenderam proibir de forma extensiva o uso direto
dos recursos ambientais locais, e a posterior exceção instituída pelo Plano de Manejo da
73
Sem querer entrar em tão controversa e acalorada discussão acerca do reconhecimento da tradicionalidade de
um grupo ou de indivíduos, não parece coerente qualificar os pescadores como tradicionais ou não levando
em conta apenas se estes desenvolvem ou não outras atividades laborais. A tradicionalidade, neste caso,
parece remeter não somente à dependência econômica da pesca, mas também aos conhecimentos, linguajar e
práticas passadas de geração para geração que, para esta população, estão intrinsecamente ligados ao uso e
significação da lagoa e da pesca.
74
Entrevista realizada com Jorge Barcelos em sua residência em Macaé, no dia 23 de abril de 2009.
75
Entrevista realizada com Jorge Barcelos em sua residência em Macaé, no dia 23 de abril de 2009.
155
Unidade, contemplando os pescadores tradicionais da Lagoa de Carapebus com a
possibilidade da autorização da pesca, provocou mudanças nos discursos e mecanismos
utilizados por estes na luta pelo reconhecimento do direito de pescar na localidade onde
sempre estiveram, mesmo que dentro do Parque.
O Presidente da Associação dos Pescadores de Carapebus elaborou uma lista contendo
85 nomes de pescadores que fariam jus ao qualificativo “tradicional”. Esta lista, apresentada
inicialmente à Câmara Técnica sobre o manejo da Lagoa de Carapebus e, posteriormente, ao
CONPARNA, tornaria, em princípio, aqueles pescadores aptos a integrarem o Termo de
Ajustamento de Conduta e, em conseqüência, a obterem a licença para pescar na parte da
Lagoa de Carapebus inserida no Parque.
Na busca pelo reconhecimento do direito de exercer a pesca artesanal, que por
gerações foi desenvolvida na Lagoa, então, percebe-se que os pescadores se apropriaram do
discurso que se mostrou mais eficaz juridicamente e procuraram se adequar às condições
impostas ao sucesso de sua demanda.
Com relação à exceção feita pelo Plano de Manejo aos pescadores da Lagoa de
Carapebus, vale notar, também, que um representante da Prefeitura de Quissamã tenha
questionado, em reunião do CONPARNA, o porquê do tratamento diferenciado para os
pescadores e para a Lagoa de Carapebus, afirmando que certamente os pescadores de
Quissamã iriam pleitear tratamento igual àquele dispensado aos de Carapebus. Um técnico do
IBAMA respondeu-lhe , entretanto, que o caso da Lagoa de Carapebus era excepcional,
principalmente pelo fato desta estar inserida apenas em parte na unidade de conservação e que
estudos e pesquisas realizadas nas lagoas localizadas no município de Quissamã mostravam
que estas se encontravam em estágio de conservação muito avançado, o que deveria ser
preservado com ainda mais afinco.
Com relação à abertura de barras artificiais, o Plano de Manejo dispõe que
Está proibida a abertura das barras de qualquer lagoa no interior do Parque, até que
se realize projeto específico para cada uma delas, mostrando as condições técnico-
científicas para que este procedimento possa ser autorizado, por lagoa. Enquanto
este projeto específico não for realizado, a proibição se mantém, devendo ser criada
uma câmera técnica permanente junto á chefia do Parque, composta por especialistas
em dinâmica costeira e lagoas litorâneas, não havendo obrigatoriamente
participação de membros do Conselho Consultivo, presidida e/ou coordenada por
um funcionário do ICMBio do Parque, que deverá ser consultada e ouvida sempre
que houver questionamentos sobre esta questão técnica, para a abertura ou não da
lagoa em casos excepcionais de acúmulo de água, dando suporte á decisão. (Plano
de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: E4, p. 54).
Santos, contudo, assevera que
156
a situação das aberturas de barra da Lagoa de Carapebus dependerá ainda de uma
autorização judicial, pois segundo o entendimento da chefia atual, o estabelecido no
Plano de Manejo não será válido por contrariar as determinações constantes no
decreto de Parques Nacionais e no SNUC. Sendo que a mara Técnica proposta
deverá fornecer subsídios à decisão judicial. (SANTOS, M. C., 2008: p. 82)
Assim, mesmo que membros do CONPARNA tenham se manifestado favoráveis às
aberturas de barras, desde que respeitados critérios científicos e técnicos e mediante
fiscalização do poder público, a questão continua sem uma solução definitiva e sujeita a ações
judiciais.
Em conseqüência, os conflitos entre pescadores e IBAMA/ICMBio permanecem. Ao
invés de regulamentar e/ou estabelecer parâmetros específicos para as autorizações de pesca e
abertura de barra na Lagoa de Carapebus, o Plano de Manejo passou adiante a atribuição de
gerir e planejar o uso do território e dos recursos protegidos. Enquanto não se estabelecer o
Termo de Ajustamento de Conduta entre pescadores e Ministério Público Federal, e enquanto
não forem previstos os critérios específicos para abertura de barra, a pesca mantém-se ilegal e
a abertura de barras idem.
7.5. Ocupação irregular e ocupantes: o bairro Lagomar
O bairro Lagomar, um dos maiores do município de Macaé, conta hoje com cerca de
30 mil habitantes
76
. Habitado majoritariamente por população de baixa renda, a ocupação da
área se deu de forma espontânea e cresceu ao longo das últimas décadas em função
principalmente de migrantes que viram em Macaé o eldorado do desenvolvimento e da
prosperidade.
Conforme exaustivamente abordado ao longo deste trabalho, Macaé, a partir da
instalação da base operacional da Petrobrás para a exploração e produção do petróleo da
Bacia de Campos na década de 1970, passou a vivenciar expressivo desenvolvimento
econômico, atraindo diversas empresas especialmente do setor petrolífero. Este avassalador
impulso econômico provocou significativa migração e crescimento populacional e, em
consequência, valorização e especulação imobiliária e ocupação desordenada do território
municipal.
76
Entrevistas e matérias publicadas na imprensa indicam dados diferentes quanto à quantidade de moradores no
bairro do Lagomar, em Macaé. Estes dados variam de 20 (vinte) mil a 50 (cinqüenta) mil habitantes.
157
Aqueles migrantes com capacitação para trabalhar no ramo do petróleo ou nas
atividades diretamente ligadas a ele conseguem emprego, recebem altos salários e
estimulam um processo de especulação imobiliária no vetor de expansão sul do
município, enquanto aqueles migrantes desqualificados, em sua maioria, ficam
subempregados e engrossam os bolsões de pobreza que crescem em ritmo acelerado
no setor de expansão norte, principalmente. (ARAUJO, 2005: p. 3)
Lagomar, localizado neste setor de expansão norte, vivenciou desde a década de 1970,
mas principalmente na última década, largo crescimento. O bairro, que inicialmente se
caracterizava por alocar residências secundárias, ocupadas primordialmente por veranistas e
instalações industriais, em função do crescimento urbano, da valorização e especulação
imobiliárias, foi ocupado de forma desordenada e irregular por população de baixa renda.
Há que se considerar que a falta de planejamento e ordenação do uso do solo por parte
do município, além de precária fiscalização, foram fatores que contribuíram para que tal
situação se desenvolvesse. Como visto, o Plano Diretor de Macaé foi publicado em 2006 e
claramente o poder blico municipal não acompanhou e/ou planejou o crescimento
populacional e econômico de seu território, não previu ou atuou de forma a minimizar os
impactos (negativos) do tão expressivo ciclo do petróleo.
Com a criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em 1998, a área em que
se localiza o bairro do Lagomar foi incluída no entorno da Unidade que abrange, conforme
anotado, um raio de 10 km desta e instaura restrições ao uso do solo com vistas a assegurar a
preservação do território protegido. Em decorrência, definitivamente acirrou-se o conflito
entre distintos interesses e formas de uso e ocupação daquele território. A disputa pelo acesso
e uso do território assumiu nova configuração, indo de encontro à preservação e conservação
da restinga de Jurubatiba.
Como nos casos referência examinados anteriormente, o caso do Lagomar é debatido e
comentado em diversas atas de reuniões do Conselho Consultivo do Parque de Jurubatiba. É,
inclusive, também apontado por diversos agentes sociais entrevistados como um dos
principais conflitos no âmbito da unidade de conservação.
A princípio todo o bairro Lagomar era considerado integrante da área de entorno do
Parque, o que impedia, inclusive, que ali fossem realizadas quaisquer obras de infra-estrutura
na área até que fosse editado o Plano de Manejo da Unidade
77
. Um Termo de Ajustamento de
Conduta, firmado entre o Ministério Público Federal em Campos e a Prefeitura de Macaé,
77
O Presidente da Associação de Moradores do Lagomar, Jorge Bastos, em entrevista realizada no dia 24 de
abril de 2009 ressaltou as imensas dificuldades encarada pelos moradores em função da precária ou nenhuma
infra-estrutura e urbanização da área.
158
entretanto, definiu como área a ser desapropriada pela Prefeitura apenas aquela mais próxima,
limítrofe ao Parque, conhecida como W-30. Esta área corresponderia, então, a uma zona de
amortecimento mínima criada, onde não se permitiria qualquer tipo de construção.
Determinou-se igualmente um prazo para que fosse concluída a desapropriação e autorizou-se
a Prefeitura macaense a promover obras de infra-estrutura no bairro, firmando, ainda, o
compromisso desta em coibir e evitar novas invasões na área.
Devido ao elevado custo das indenizações das desapropriações, entretanto, até o
momento estas não foram pagas. As população e construções localizadas na área mais
próxima ao Parque ainda não foram removidas. Esta situação, segundo uma moradora local,
estaria gerando incertezas e dúvidas quanto ao que está por vir para aquela população
78
(...) eles podem chegar aqui de uma hora pra outra e botar a gente pra fora, a gente
não sabe pra onde a gente vai, se vai ter uma casa, se a gente não vai. Fica assim,
sem eira nem beira, como se a gente fosse uns cachorros sarnentos. Na realidade eles
querem isso aqui pra eles, tirar a gente pra fazer um píer, pra fazer não sei o que de
turismo... isso é o que? A gente é cachorro? Tem que melhorar o lado deles,
entendeu? E o lado da gente? A gente vai para onde?
79
A mesma moradora afirmou, ainda, que no último contato, o prefeito afirmara que os
moradores seriam removidos e que em 30 (trinta) ou 45 (quarenta e cinco) dias funcionários
da prefeitura iriam medir as casas e verificar as benfeitorias feitas. A entrevistada assegura,
entretanto, que um ano se passou e não houve nenhuma visita neste sentido. Temerosa e
insegura, lamenta:
(...) Não falam como é que está, não falam se vamos ficar ou se não vamos ficar...
não tem nada. Mas se construir, eles vem aqui e derrubam. Isso aí é com certeza. (...)
como eles vieram com a guarda municipal, com cachorro... não sei para que eles
trouxeram cachorro? Eu acho que eles acharam que nós somos bichos, né?
80
As atas das reuniões do CONPARNA dão indícios de que o Termo de Ajustamento de
Conduta firmado entre Ministério Público Federal e Prefeitura de Macaé, teria estabelecido
uma solução para a questão, mas assim como as declarações da moradora do Lagomar, o atual
Chefe do Parque, Carlos Alexandre Fortuna, fala sobre a difícil situação enfrentada,
sinalizando para uma outra possibilidade que está sendo aventada.
(...) a prefeitura está encontrando muita dificuldade para conseguir cumprir isso [o
Termo de Ajustamento de Conduta que determinou a desapropriação da área] por
conta do alto valor das indenizações e porque você também não pode retirar as
78
Entrevista realizada com xxx em sua residência, no bairro Lagomar em Macaé, no dia 14 de novembro de
2009.
79
Entrevista realizada com xxx em sua residência, no bairro Lagomar em Macaé, no dia 14 de novembro de
2009.
80
Entrevista realizada com xxx em sua residência, no bairro Lagomar em Macaé, no dia 14 de novembro de
2009.
159
pessoas dalí sem dizer para onde elas vão. Então provavelmente o que vai acontecer
ali é que a prefeitura vai pagar a pessoa e a pessoa vai continuar ali. (...) Então, o que
a gente está tentando trabalhar junto com a prefeitura é o seguinte: para o parque é
muito mais importante que exista uma presença pública, um órgão de gestão pública
ali, do que simplesmente tirar todo mundo dalí e deixar aquilo abandonado. Então a
gente prefere que se faça uma urbanização daquela área (...) O que a gente está
querendo trabalhar junto com a prefeitura é isso, urbanizar aquela área de forma a
diminuir a pressão e controlar todo esse público, controlar todo esse acesso. E vai
ter toda uma pressão diminuída e vai ter o poder público que não vai deixar mais
essas coisas acontecerem. Essa é uma proposta que a gente está tentando amarrar
junto com a prefeitura de Macaé pra poder levar pro Ministério Público.
81
Como o mesmo Carlos Alexandre define, tratar-se-ia de buscar um plano “b” para
resolver o problema da pressão gerada pelo Lagomar sobre o parque, incluindo-se não
apenas a existência de construções e de moradores na faixa limítrofe à Unidade, mas também
a intensa utilização da Lagoa de Jurubatiba como área de lazer por essa população.
O entrevistado relatou que teria sido acertado entre a Prefeitura de Macaé e a chefia do
Parque um termo de reciprocidade incluindo a reconstrução da guarita que está abandonada na
entrada da Unidade, a construção de um Centro de Visitantes, um quiosque na beira da Lagoa
de Jurubatiba, uma estação de tratamento do esgoto gerado por essas construções e uma torre
de observação. De acordo com o entrevistado, a prefeitura teria ficado responsável pelo
projeto, levantamento de preço do material e com a mão de obra.
Devido à queda no montante dos royalties, entretanto, ter-se-ia tornado impossível à
Prefeitura realizar as obras, motivo pelo qual, à busca de recursos, a chefia do Parque teria
entrado em contato com o Ministério Público Federal de Macaé por conta de um Termo de
Ajustamento de Conduta antigo que a TRANSPETRO e a Petrobrás tinham com o Parque,
que inclusive tinha gerado a construção da primeira guarita e que não havia sido resolvido até
o momento. O Ministério Público fez uma proposta e a Petrobras concordou em reverter o
valor desse Termo de Ajustamento de Conduta para custear as obras do projeto.
De acordo com Carlos Alexandre, em agosto de 2009 foram acertadas as atribuições
de cada instituição na execução do projeto, mas devido à necessidade de realizar alterações no
projeto inicial elaborado pela Prefeitura de Macaé, apenas em outubro do mesmo ano este foi
encaminhado à Petrobrás.
Em outubro a gente fechou e encaminhou o projeto, e agora a Petrobras está
vendo que estudo vai fazer com o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta], eles
estão minutando o TAC, vendo quais são as cláusulas, porque o TAC não envolve só
isso, o Parque envolve também apoio na divulgação, publicação de cadernos de
81
Entrevista realizada com Carlos Alexandre Fortuna, Chefe do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, na
sede do Parque em Macaé, no dia 13 de novembro de 2009.
160
pesquisa do NUPEM, vigilância que eles vão botar pra gente 24 (vinte e quatro)
horas, então isso tudo está sendo montado.
82
A execução deste projeto, segundo o mesmo entrevistado, resolveria cerca de 90% dos
problemas relacionados ao turismo desordenado dentro da Unidade, representando uma
alternativa para controlar o acesso e o uso desenfreados da Lagoa de Jurubatiba, que chegaria
a receber 5 mil visitantes em um dia de sol.
No exame deste conflito chama a atenção que, apesar de aparentemente envolver
diretamente a população que vive no bairro do Lagomar, ou melhor, o uso daquele território
por parte desta população, parece que a busca por uma negociação e/ou solução deste foi
transferida para a Prefeitura de Macaé. Por um lado, trata-se do reconhecimento de que a
responsabilidade pela ocupação desordenada e irregular do território municipal cabe à
Prefeitura, que tem dentre suas atribuições, as de planejar e ordenar o solo do município. Por
outro lado, alija da esfera de discussão e negociação do conflito parcela sem dúvida alguma
diretamente interessada e afetada no caso: a população.
Pode-se afirmar, então, que se verificou no caso verdadeiro processo de despolitização
daquela população, que apesar de estar no centro do embate foi colocada de lado. Ela foi
excluída, deslegitimada a participar e se manifestar quanto ao conflito e, dessa forma, não lhe
foi possível se constituir enquanto agente social capaz de enunciar seus interesses próprios.
Mesmo que a solução encontrada seja de certo modo favorável àquela população, com sua
permanência na localidade, é possível sugerir que a forma como se deu o processo certamente
destituiu o conflito de uma de suas maiores virtudes: a de possibilitar a formação e
organização de agentes políticos e de proporcionar uma esfera de discussão e embates entre os
agentes.
7.6. Síntese e conclusões
Examinaram-se neste capítulo alguns casos referência de conflitos ambientais
percebidos e identificados na área do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, em sua área
de entorno e possível zona de amortecimento.
82
Entrevista realizada com Carlos Alexandre Fortuna, Chefe do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, na
sede do Parque em Macaé, no dia 13 de novembro de 2009
161
Primeiramente procurou-se examinar conflitos envolvendo a gestão e o manejo da
unidade de conservação, expressos no Plano de Manejo da Unidade, e as normas de
ordenação do uso e ocupação dos solos municipais expostas nos Planos Diretores de Macaé e
Quissamã e no Plano Urbano de Carapebus.
Verificou-se, assim, que apesar de ser considerado o município que mais gera pressão
e impactos sobre o Parque, o Município de Macaé pouco aborda a existência da Unidade e
ainda classifica a área de entorno do Parque como Zona Industrial, o que contraria seus
objetivos e pode exacerbar ainda mais os impactos sobre a Unidade.
Observou-se, também, que as limitações às atividades, ao acesso e ao uso dos recursos
ambientais impostas pelo ICMBio na área do Parque vão de encontro à Política de
Desenvolvimento Urbano de Carapebus, que preconiza o desenvolvimento das atividades
pesqueira e turística.
De maneira geral, ainda, a ordenação e fiscalização precárias do uso e ocupação do
solo nos “balneários” localizados tanto em Carapebus quanto em Quissamã, na área de
entorno do Parque, também alimentam conflitos entres os poderes públicos municipais e o
órgão gestor de Jurubatiba.
Na continuação, foi examinado o conflito envolvendo a empresa
TRANSPETRO/Petrobrás e o órgão gestor do Parque de Jurubatiba. O foco recaiu sobre a
tubulação do emissário da Estação de Tratamento de Efluentes da empresa que corta o
território do Parque, fato identificado pelo Plano de Manejo como um ponto fraco e uma
ameaça aos seus objetivos. Para tornar ainda mais complexa a situação, no período entre 2001
e 2003 foram contabilizados 50 (cinqüenta) vazamentos deste emissário no território
protegido, o que acirrou o conflito e originou um Termo de Ajustamento de Conduta que
determinou a retirada definitiva desta tubulação da área. O problema, ainda não foi resolvido
e, embora fora de operação, a tubulação permanece na área. Uma peculiaridade do caso que
merece ser ressaltada é que a negociação visando a solução para este conflito passou a ser
desenvolvida pelos altos escalões do IBAMA Brasília e da Petrobras, sendo retirada da alçada
direta do Parque e do Conselho.
Examinou-se, também, o caso dos Pescadores de Carapebus, que, conforme o exposto,
em decorrência da criação da unidade de conservação de proteção integral, viram-se
impedidos de praticar a pesca artesanal e a abertura artificial de barras na Lagoa de
Carapebus, práticas desenvolvida por eles há décadas. Houve proposta para que o Plano de
162
Manejo incluísse uma permissão para que os pescadores considerados tradicionais pudessem
desenvolver a pesca artesanal na Lagoa de Carapebus, desde que respeitados certos
parâmetros e critérios específicos, mas o IBAMA não acatou esta proposta. Este conflito
então, também persiste. A solução indicada foi a de buscar um Termo de Ajustamento de
Conduta com o Ministério Público Federal que estabeleça uma exceção para este grupo de
pescadores. Quanto à abertura de barras, foi determinado no Plano de Manejo que se crie uma
Câmara Técnica permanente para acompanhar e definir os critérios para que seja realizada.
Por fim, analisou-se o conflito que tem por objeto e arena o Lagomar, bairro popular
localizado às margens do Parque e o ICMBio. Como o bairro é fruto principalmente de
ocupações irregulares e desordenadas, e como chega aos limites imediatos do Parque,
considera-se que este gera grande pressão e impacto sobre a unidade de conservação,
colocando em risco seus objetivos de preservação dos recursos ambientais. O Ministério
Público interveio no caso através de Termo de Ajustamento de Conduta com a Prefeitura de
Macaé, determinando que fossem desapropriadas as quadras mais próximas ao Parque a fim
de garantir uma zona de amortecimento mínima. À falta de recursos disponíveis para cumprir
a determinação, porém, o poder público municipal, juntamente com a chefia de Jurubatiba,
está tentando colocar em prática uma solução alternativa para a questão. Chama atenção em
relação a este caso que a negociação e solução deste conflito, apesar de aparentemente dever
envolver necessariamente os moradores e ocupantes do bairro, foram tratadas desde o início
pela Prefeitura macaense diretamente com o Ministério Público e com o órgão gestor do
Parque, excluindo os moradores das arenas de discussão sobre o caso.
Os casos referência estudados ilustram, de maneira rica e diversa, a forma como a
multiplicidade de agentes, envolvendo multiterritorialidades, originam e/ou acirram conflitos
sociais que têm por objeto formas de acesso, uso e controle do território e dos recursos
naturais. Proporcionam, ainda, uma ampla apreensão e compreensão das dinâmicas sociais,
políticas e jurídicas que se revelam no território.
Os conflitos, assim, evidenciam não apenas a multiplicidade, mas também as
convergências e divergências de interesses e projetos, o papel desempenhado por diferentes
agentes e territorialidades e as lutas de poder, que permitem uma análise das particularidades
dos processos sociais circunscritos ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba que serão
retomadas nas Considerações Finais a seguir.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta dissertação procurou-se realizar uma leitura dos processos sociais
desencadeados no tempo e no espaço com a criação e implantação do Parque Nacional da
Restinga de Jurubatiba, no Estado do Rio de Janeiro.
Para tanto, no Capítulo 1, buscou-se analisar o processo de construção da questão
ambiental como assunto público de extrema relevância nos cenários internacional e nacional.
Como se pôde observar, as políticas públicas voltadas para a criação de espaços protegidos
refletiram os processos políticos simbólicos que fizeram emanar uma institucionalização e
implementação da gestão do meio ambiente segundo interesses de determinados grupos. Por
deterem maior acesso aos recursos materiais, organizacionais e simbólicos, tais grupos
conseguiram impor a preservação e conservação ambiental como assunto público relevante,
criando as condições para que sua institucionalização e configuração legal assumissem a
conotação de patrimônio universal, portador de valores universais e universalizantes,
merecedor da atenção e atuação do poder público brasileiro.
À noção de meio ambiente, assim, passou a atrelar-se a idéia de bem coletivo, o que
justificaria não apenas a intervenção estatal no sentido de sua garantia, mas também sua
prevalência sobre outros aspectos da vida social. A criação de áreas protegidas no Brasil
surgiu, então, como importante instrumento de conservação da natureza, sendo atribuída ao
Estado a função de instituir e gerir as unidades de conservação de proteção integral.
A criação de Parques Nacionais no Brasil, unidades de conservação de proteção
integral criadas e geridas pela União, seguindo o modelo do Parque Nacional de Yellowstone,
criado em 1872, nos Estados Unidos, refletiu, portanto, essa suposta necessidade de manter
parcelas de “natureza intocada”, wilderness. Ressalte-se que esta necessidade de conservar
determinados espaços como representativos exemplares de fauna e flora, seguiu uma
perspectiva de não apenas garantir às presentes e futuras gerações um meio ambiente sadio,
mas também assegurar às populações humanas, cada vez mais urbanizadas e distantes desse
“meio ambiente natural”, um espaço de lazer e pesquisa em contato com a “natureza”.
O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, neste sentido, pode ser considerado um
esmerado exemplo deste modelo. Identificada como uma das mais bem conservadas áreas de
restinga do Estado do Rio de Janeiro e até do Brasil, Jurubatiba, especialmente a partir do
164
final da década de 1980, despertou em cientistas e ambientalistas com destacada atuação na
área a idéia de que aquela porção do espaço, por conter área natural pouco ou nada alterada,
com notáveis atributos naturais e representatividade ecológica, deveria ser mantida livre de
alterações causadas pelas interferências humanas.
O processo que levou à criação do Parque, contudo, não pode deixar de considerar,
ainda, as mudanças sociais, econômicas e políticas transcorridas na área especialmente nas
últimas décadas. O advento e avanço da atividade petrolífera na região, na esteira do
desenvolvimento econômico, atraíram grande contingente populacional e investimentos, que
modificaram significativamente as cidades da região. No Capítulo 2 apresentou-se uma
exposição acerca do histórico da ocupação do Norte Fluminense e da restinga de Jurubatiba,
mostrando como o processo de ocupação da área, marcado inicialmente pela produção
açucareira e mais recentemente pelo ciclo do petróleo, foi crucial para o atual estado de
conservação dos ecossistemas e espécies, mas, também, para chamar atenção para os
possíveis impactos irreversíveis que poderiam ocorrer devido à expansão industrial.
No mesmo Capítulo 2, ainda analisaram-se as lutas políticas que culminaram na
criação do Parque. Como visto, os argumentos dos ambientalistas e pesquisadores, defensores
contumazes da implantação de uma unidade de conservação na área, encontraram muitos
opositores e a criação da Unidade foi possível após longo processo de disputas. Não se
conseguiu mobilizar nem a população nem as prefeituras locais em prol da criação da área
protegida, mas, como na época não havia a obrigatoriedade da realização de consultas
públicas
83
ante o projeto de implantação de um Parque Nacional, o Parque da Restinga de
Jurubatiba foi criado em 1998, de cima para baixo, graças ao apoio e da atuação direta do
IBAMA, em aliança com ambientalistas e pesquisadores locais.
O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba foi criado, com superfície de 14.838 ha
que se estendem pelos municípios de Macaé, Quissamã e Carapebus, contando com uma faixa
de areia de 44km e 18 lagoas costeiras. Resultou das disputas e lutas políticas, entretanto, a
criação de verdadeiros “bolsões” no interior da Unidade, localizados nos Municípios de
Quissamã e Carapebus, e que foram denominados “balneários”- Fazenda Bom Retiro e Praia
de Carapebus, em Carapebus, e Visgueiro e João Francisco, em Quissamã.
83
Esta obrigatoriedade, como visto anteriormente, somente foi instaurada com a Lei 9985/2000, que instituiu
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
165
A despeito de o projeto de criação da Unidade ter logrado sucesso e de se ter chegado
a um “acordo” quanto à delimitação do Parque, diversos conflitos surgiram e/ou se acirraram
devido à nova configuração territorial instaurada na área. A gestão da área, com a criação do
Parque, passou a ser competência da União, teoricamente orientada pelos objetivos de manter
o território e os recursos naturais a salvo da ação humana e admitindo apenas o uso indireto
dos recursos naturais na localidade. Dessa forma, restrições ao acesso, controle e uso do
território e dos recursos foram impostas, sendo admitidas apenas as atividades turísticas e de
pesquisa.
Ao serem instituídas, estas regras de acesso e uso do território e dos recursos
ambientais voltadas exclusivamente para a conservação e proteção máxima daquele espaço,
dos ecossistemas e das espécies, passaram a conviver e/ou enfrentar outras formas pré-
existentes de apropriação, controle, acesso e uso do território.
Considerando alguns conceitos e concepções como essenciais na leitura dos processos
sociais desencadeados pela criação do Parque Nacional, os Capítulos 3 e 4, então, foram
consagrados a uma revisão teórica sobre as noções de território, territorialidade e conflito
ambiental, identificados como fundamentais para o desenrolar desta pesquisa.
O conceito de território, concebido como híbrido e múltiplo, que abrange diversas
dimensões que revelam relações de poder que se estabelecem no, com e a partir do espaço,
ocupa lugar central nesta pesquisa, pois, apoiando-se no estudo dos agentes e formas de
dominação que instauram e operam no espaço e nele agem, oferece elementos para uma
leitura das formas de exercício e reprodução do poder. O território aparece, assim, como lócus
e instrumento de exercício de poder.
Acredita-se, assim, que uma reflexão sobre os processos sociais implicados na
implantação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, tem muito a ganhar com a
discussão teórico-conceitual acerca do território, pois permite evidenciar as dinâmicas sociais
– das relações, dos agentes, dos discursos e práticas - que se revelam e interagem no espaço.
Resultado e condição do processo de territorialização, tendo em vista as relações que
incidem sobre o território e indicam formas de apropriação, uso e domínio do espaço e de seus
recursos, a noção de territorialidade também contribuiu sobremaneira para o estudo realizado.
Primeiramente, porque a pesquisa refere-se, desde o início, justamente às mudanças de que o
espaço é arena e alvo, pelas novas formas de apropriação, uso e acesso do solo e dos recursos
implicadas à criação e implantação do território protegido. Em segundo lugar, porque permite
166
introduzir na análise a dimensão simbólica que perpassa as relações e as disputas por
legitimação dos agentes, de suas práticas e ações no espaço.
O estudo do caso de Jurubatiba expõe a multiplicidade de agentes, práticas e discursos
presentes em um mesmo território, evidenciando não apenas como o território é múltiplo, mas
também como em um mesmo espaço convivem múltiplos territórios e territorialidades. Dessa
forma a noção de multiterritorialidade permeia todo o estudo, possibilitando a identificação de
diferentes sujeitos, formas de apropriação e significação do território, que, ao se manifestarem
em um mesmo espaço, se imbricam e/ou se opõem gerando e/ou acirrando conflitos.
Os conflitos são, conforme abordado no Capítulo 4, compreendidos como uma das
mais ricas e vívidas formas de interação social, elementos constitutivos da sociedade,
processos fundamentais na constituição dos sujeitos políticos no espaço público.
A criação de Parques Nacionais insere no espaço normas restritivas de acesso e uso
dos recursos naturais, ocasionando vários choques entre distintos projetos de uso e
significação do território e dos recursos. Dessa forma, a questão ambiental é entendida como
intrinsecamente conflituosa e os conflitos ambientais são compreendidos como disputas
opondo diferentes agentes sociais que têm por objeto modos contraditórios, e mesmo
antagônicos, de apropriação material e/ou simbólica de recursos “naturais” territorializados,
isto é, modos sociais de controle, acesso e uso.
Não haveria, assim, como trabalhar com a idéia de conflito ambiental sem utilizar
também as noções e conceitos de território, territorialidade e multiterritorialidade. O estudo de
caso mostra claramente que os conflitos ambientais identificados, de forma geral, têm seus
fundamentos na superposição e confronto das territorialidades manifestas no território. As
disputas são cercadas e originadas nas relações de poder que se inscrevem no espaço, nos
diferentes projetos de apropriação, domínio, acesso e uso do território e dos recursos
ambientais.
Em decorrência, nos Capítulos 5 e 6, procurou-se identificar, através do exame do
Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, dos Planos Diretores dos
Municípios de Macaé e Quissamã e do Plano Urbano de Carapebus, como algumas destas
múltiplas territorialidades revelam-se em um mesmo espaço, ou seja, na área do Parque e sua
área de entorno.
O Capítulo 5 inicia-se com uma narrativa do processo de elaboração do Plano de
Manejo, que, assim como o processo de criação do Parque, também se mostrou conturbado e
167
repleto de polêmicas e conflitos, especialmente devido à visão tecnocrática do IBAMA nos
primeiros momentos. O processo chegou a ser interrompido em função de divergências entre
os Prefeitos de Quissamã e Carapebus e o órgão gestor da Unidade, e, apesar de iniciado em
2001, só foi concluído em 2008, após a constituição e efetiva participação do Conselho
Consultivo do Parque.
A análise do Plano de Manejo evidenciou uma gestão e ordenação do solo protegido
voltadas precípua e exclusivamente para os objetivos dos Parques Nacionais: a proteção,
conservação e manutenção dos ecossistemas e espécies. Somente foram admitidas as
atividades de pesquisa e de turismo ecológico. Chamou atenção no documento a evidente
influência das técnicas de planejamento estratégico, que introduziram noções empresariais de
gestão. Também deve ser ressaltada a forma como o Plano classifica os conflitos identificados
na área da Unidade e no seu entorno como “pontos fracos” ou “ameaças” em relação aos
objetivos definidos para o Parque Nacional. Os conflitos, dessa forma, aparecem como
situações indesejáveis, que prejudicam e causam prejuízos ao bom funcionamento e
desenvolvimento do Parque e que, portanto, devem ser resolvidos e/ou solucionados.
O Plano de Manejo, assim, revela claramente o que a União, representada pelo
ICMBio, órgão gestor do Parque, pretende: conservar a “natureza”, promover o turismo
ecológico e as pesquisas, afastando ou impedindo qualquer ação humana que, segundo os
critérios adotados, possa interferir nos ecossistemas protegidos.
Os Planos Diretores de Macaé e Quissamã, bem como o Plano Urbano de Carapebus,
por sua vez, revelaram formas bem diferentes de planejar o território. Enquanto Macmal
aborda a existência do Parque Nacional, Carapebus e Quissamã deixam transparecer, ao
menos no plano normativo, um interesse e comprometimento em buscar uma gestão e
desenvolvimento municipais convergentes com os preceitos da Unidade.
Enquanto Macaé mostra-se orientado a fortalecer o desenvolvimento municipal
principalmente através das atividades ligadas à exploração e produção petrolífera, Carapebus
e Quissamã identificam a exploração turística do Parque como uma das principais
possibilidades e potencialidades de desenvolvimento. Quissamã, inclusive, é apontado como
um exemplo a ser seguido pelos demais municípios, devido ao aparato normativo e a atuação
da sua Prefeitura declaradamente voltada para uma maior aproximação e colaboração com o
órgão gestor do Parque.
168
Examinadas as normas estabelecidas pelos municípios e pelo órgão gestor do Parque
Nacional para o uso e ocupação do solo e dos recursos ambientais na área, no Capítulo 7,
foram apresentados alguns casos-referência de conflitos ambientais identificados pelo órgão
gestor da Unidade e pelos entrevistados como os principais conflitos relacionados à
interveniência do Parque naquele espaço. Estes conflitos foram analisados prioritariamente
com base nas atas das Reuniões do Conselho Consultivo da Unidade do período entre 2004 e
2007 e em entrevistas realizadas ao longo desta pesquisa.
Relataram-se os conflitos observados entre as Prefeituras de Macaé, Carapebus e
Quissamã e o ICMBio/IBAMA, principalmente com relação às divergências entre o Plano de
Manejo e os Planos Diretores e Plano Urbano municipais. Foi possível notar que muitas
dessas divergências recaem sobre a definição das normas de ordenação do solo dos
“balneários” e da zona de amortecimento do Parque, bem como à falta de normatização
quanto ao desenvolvimento das atividades turísticas.
Analisou-se, também, as relações a situação marcadamente conflituosas entre a
TRANSPETRO/Petrobrás, seu Terminal de Cabiúnas e a tubulação do emissário da Estação
de Tratamento de Efluentes do mesmo terminal, de um lado, e o órgão gestor do Parque, de
outro lado. Como exposto, foram contabilizados 50 episódios de vazamentos do duto do
emissário entre 2001 e 2004, gerando sérios impactos negativos sobre a Unidade, o que
ocasionou uma ordem para a retirada definitiva deste do perímetro do território protegido. A
retirada definitiva ainda não ocorreu e o caso passou a ser negociado diretamente entre os
altos escalões do IBAMA/ICMBio Brasília e Petrobrás.
Outro conflito identificado envolveu os pescadores de Carapebus e sua luta para
assegurar a pescar na Lagoa de Carapebus, bem como para abrir barras artificiais na lagoa. O
Plano de Manejo abriu uma exceção para os pescadores considerados tradicionais, prevendo a
possibilidade da autorização da pesca na Lagoa de Carapebus mediante um Termo de
Ajustamento de Conduta a ser firmado com o Ministério Público. Até que tal termo seja
firmado, porém, os pescadores continuam proibidos de pescar. Quanto à abertura de barras
artificiais, o Plano de Manejo estabeleceu a necessidade de se constituir uma Câmara Técnica
específica para tratar deste tema e deliberar sobre o assunto.
Por fim, tratou-se de um conflito opondo o órgão gestor da Unidade e o bairro
Lagomar. O bairro popular, conforme observado, hoje alcança os limites imediatos do Parque,
sendo identificado como grande gerador de pressão e impactos sobre Jurubatiba. Chama
atenção, neste caso, o fato de que, apesar de as divergências identificadas pelo órgão gestor do
169
Parque e mesmo pelo Ministério Público Federal estarem na ocupação e utilização pelos
moradores da área imediata à Unidade, a Prefeitura de Macaé se constitui enquanto sujeito,
como único responsável pela configuração do conflito. Em outras palavras, os moradores e
ocupantes do bairro estiveram alijados da esfera de negociação das medidas a serem tomadas
na tentativa de solução do impasse. Não não foram chamados a participar, como não lhes
foi possível em nenhum momento defender seus interesses ou intervir no processo. O Termo
de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público Federal e a Prefeitura de Macaé
determinando a desapropriação da área do Lagomar mais próxima ao Parque, que não se
concretizou até agora em razão da falta de recursos para pagar as indenizações. Assim,
também, a população não foi removida e continua a viver na incerteza acerca do que lhe
reserva o futuro. Até o momento, o ICMBio e a Prefeitura de Macaé mostraram-se incapazes
de dar uma solução adequada e o impasse permanece.
A leitura destes processos sociais permite aventar algumas conclusões. Primeiramente,
deve-se observar que a construção de uma questão ambiental, calcada em valores universais e
universalizantes, remete a um processo particular de politização da natureza. Latour (2004)
afirma que “jamais houve outra política senão a da natureza e outra natureza senão a da
política” (LATOUR, 2004: p. 59). A ecologia política, neste sentido, não poderia ser
considerada como aquilo que inseriu as preocupações sobre a natureza na consciência política.
Esta preocupação sempre existiu, e a particularidade deste movimento contemporâneo estaria
não na politização das questões da natureza em si, mas nos valores que passaram a ser
agregados e atribuídos especificamente aos recursos naturais.
Este processo, revelado a partir da ecologia política, dos movimentos ambientalistas e
das políticas públicas de preservação e conservação do meio ambiente, desenvolveu-se na
esteira e em consonância com as idéias de escassez dos recursos naturais, do aquecimento
global, da poluição e contaminação alarmantes do ar, das águas e do solo, enfim, de uma crise
ambiental iminente. Não deve ser considerado o primeiro, mas sem dúvida é um dos mais
bem acabados exemplos da forma como, a partir do jogo e luta de poderes, forças e interesses,
os recursos naturais ganharam status de assunto público, merecedores de atenção e proteção.
No caso estudado as lutas e disputas políticas ficam muito claras. O Parque Nacional
da Restinga de Jurubatiba foi criado a partir de um movimento de pesquisadores e
ambientalistas que mobilizaram esferas do governo (IBAMA) a fim de determinar aquele
território como protegido. Não houve mobilização em massa das populações e dos governos
locais. Neste sentido, é muito emblemática a afirmação de um dos principais responsáveis
170
pelo movimento pela criação da unidade de conservação: o Parque foi criado de cima para
baixo. A criação da Unidade não envolveu a população nem os governos municipais locais,
foi articulada diretamente pelos pesquisadores e ambientalistas com o IBAMA. Venceram
aqueles que melhor conseguiram acumular e acionar recursos e mecanismos de poder, mesmo
se à revelia da vontade e/ou dos interesses da maioria local diretamente afetada com a
implantação da unidade de conservação.
A decisão “arbitrária” de implantar na área uma unidade de conservação federal de
proteção integral, ao instaurar restrições ao acesso e uso dos recursos ambientais, como seria
razoável imaginar, originou e acirrou conflitos envolvendo diversos agentes sociais, opondo
distintos interesses e formas de apropriação e significação do território e dos recursos.
Alguns desses conflitos foram resolvidos antes mesmo da criação do Parque, como
nos casos dos “balneários” em Carapebus e Quissamã, outros foram deflagrados no decorrer
do processo de elaboração do Plano de Manejo da Unidade, como o enfrentamento dos
conselheiros e representantes municipais com a visão tecnocrática do IBAMA. Enfim, pôde-
se observar que todo o processo, desde a criação do Parque, passando pela sua definição de
limites, a elaboração do Plano de Manejo, os embates com as populações locais, com as
Prefeituras e com os empreendimentos da área, no fundo esteve calcado em uma mesma
perspectiva: o enfrentamento e choque com a “nova” territorialidade instaurada no espaço.
Observa-se, entretanto, que ao oporem distintos agentes, interesses e relações de
poder, as disputas pelo acesso, uso e controle do território e dos recursos se configuram de
forma diversa e os conflitos são negociados e solucionados de maneiras diferentes. A análise
dos processos sociais, principalmente a partir dos casos-referências, permite identificar com
maior clareza as especificidades de cada caso.
Os casos-referência deixam transparecer perfeitamente essa diferença no tratamento
dos conflitos. Um caso exemplar é o que envolve a tubulação do emissário da
TRANSPETRO/ Petrobrás. Diferentemente da maioria dos outros conflitos, tratados no
âmbito do Conselho Consultivo do Parque ou intermediados pelo Ministério Público, este
conflito passou a ser negociado entre a administração da Petrobrás e IBAMA/ICMBio-
Brasília.
Transformou-se, assim, um conflito local pelo uso do território, que inicialmente
envolvia uma tubulação do emissário de água de produção da TRANSPETRO, em um
conflito em escala nacional. Na escala nacional, o que inicialmente remeteria ao uso
171
incompatível ou aos possíveis impactos ambientais de uma simples tubulação, passa a
representar as atividades de exploração e produção de petróleo que significam a autonomia do
Estado Brasileiro neste segmento. Certamente esta mudança na escala da negociação ocasiona
uma reconfiguração do conflito, conferindo à Petrobrás ainda mais força e mais poder de
barganha na negociação e assegurando a ela ainda mais possibilidades de ver seus interesses
sobressaírem-se aos dos “opositores”.
A mudança na escala da negociação entroniza e legitima novos agentes em uma nova
escala Petrobrás e IBAMA Brasília - e, em decorrência, deslegitima os agentes locais
chefia do Parque e Conselho Consultivo da Unidade -, em princípio com atribuições de buscar
soluções para os conflitos. Neste sentido, inclusive, é possível observar nas atas das Reuniões
do CONPARNA Jurubatiba diversas menções quanto à preocupação e frustração de
conselheiros com relação ao esvaziamento do Conselho “devido ao fato que muita das vezes
as posições adotadas pelo Conselho são ignoradas e decididas unilateralmente pelo IBAMA
Brasília” (Ata de Reuniões do CONPARNA Jurubatiba 04/2006).
O tratamento dado ao conflito envolvendo a TRANSPETRO/Petrobras, a despeito de
suas particularidades, é extremamente representativo. Mostra como um agente, em meio a um
conflito, manipula as escalas de negociação buscando se fortalecer e atingir maior
representatividade em meio às lutas de poder e de interesses.
Fica evidente, também a partir deste caso emblemático, que os interesses e poderes
envolvidos são determinantes na maneira como o conflito será tratado e solucionado.
Juridicamente, as normas ambientais como um todo e também aquelas específicas ao Parque
Nacional são erga omnes, estão postas, em princípio, para todos de forma igual. A análise do
caso do Parque de Jurubatiba, entretanto, permite observar, ainda que não se trate de nenhuma
novidade, que aspectos políticos, econômicos e sociais interferem de maneira significativa na
maneira como estas normas serão aplicadas. Não são os possíveis impactos à Unidade ou ao
meio ambiente que indicam a gravidade e relevância com que os usos incompatíveis e/ou
divergentes com o Parque são abordados nas tratativas para a solução dos conflitos, mas sim
os poderes e interesses envolvidos, os capitais políticos e econômicos, que definem a forma
como se buscarão suas soluções. Em decorrência, o resultado das negociações e as soluções
sugeridas para os conflitos variam caso a caso, refletindo um recrudescimento ou uma
flexibilização das normas ambientais relativas à unidade de conservação.
O caso estudado, então, mostra que a preservação do meio ambiente, a despeito de ter
se constituído no cenário público como uma questão universal e universalizante, nem sempre
172
reflete os anseios e interesses da totalidade ou maioria da população, bem como afeta e
impacta de forma diversa os agentes sociais, distribuindo desigualmente os ônus e bônus da
preservação. O tratamento diferenciado dado aos agentes envolvidos nos conflitos ambientais
examinados reforça esta idéia. Enquanto a TRANSPETRO, mesmo após a criação da
Unidade, manteve em operação seu emissário de água de produção por um bom tempo, os
pescadores foram de imediato proibidos de pescar; enquanto as Prefeituras de Macaé,
Quissamã e Carapebus foram chamadas a atuarem de forma cooperativa com o órgão gestor
do Parque, os moradores do Lagomar não foram sequer ouvidos ou incluídos em nenhuma
esfera de negociação.
Aliás, com relação a este último conflito, circunscrito ao uso e ocupação do solo na
área do bairro Lagomar, realmente merece nota a forma como os moradores, apesar de
estarem no centro do conflito, foram completamente alijados das tratativas visando uma
solução para o caso. Conforme apontado anteriormente, o tratamento do conflito entre o
órgão gestor do Parque e/ou Ministério Público com a Prefeitura de Macaé suprimiu do
conflito uma de suas principais virtudes: a de possibilitar a organização, constituição e
legitimação de agentes políticos.
Ao excluir a população do Lagomar do conflito, comprometeu-se a própria
possibilidade de que esta se constituísse e legitimasse enquanto sujeito capaz de defender seus
interesses e fazer-se representar.
Estas questões quanto à maneira com que se buscam soluções para os conflitos
originados do embate entre a “nova” territorialidade revelada através da implantação do
Parque Nacional e outras regras e formas de apropriação, significação e domínio do território
e dos recursos ambientais respondem à idéia de que os conflitos são prejudiciais ao manejo e
gestão adequados da unidade de conservação. A identificação dos conflitos ou usos e
atividades conflitantes como “pontos fracos” ou “ameaças” ao Parque impõem um tratamento
“finalista” aos conflitos, isto é, que tem por foco e objetivo sanar o conflito, como quem
procura extirpar ou curar um mal ou doença. Não se admite, assim, uma compreensão do
conflito como um processo: processo positivo, porque reconhece a existência e coloca
diversos sujeitos e agentes em contato e comunicação, processo, portanto, que se instaura e
que permite ao menos a possibilidade de manifestação diversa, de re-arranjos e soluções no
bojo mesmo do processo. Pelo contrário, na busca incessante pela solução dos conflitos,
associados à idéia de problemas, as negociações e tratativas deixam de considerar as
possibilidades de avanço que os conflitos podem significar para a sociedade.
173
Não se poderia esperar de uma pesquisa como esta que se chegasse a conclusões
definitivas. É de se esperar, contudo, que além de um instrutivo e rico exercício de
aprendizado, esta dissertação traga algumas contribuições para a reflexão sobre a política
ambiental e o modelo de unidades de conservação utilizados no Brasil; sobre as
territorialidades e os conflitos ambientais.
Concluída esta dissertação é necessário apontar também suas limitações. Devido à
amplitude e variedade de temas e casos abordados, certamente não foi possível abranger e
utilizar todos os materiais e documentos relativos ao tema. Ao longo da pesquisa foi
necessário fazer opções metodológicas, de caminhos e direções a tomar. Certamente não se
esgotaram todas as nuances e ou dimensões dos processos sociais estudados, mas, tendo em
vista o caráter individual da pesquisa, acredita-se que se alcançou o objetivo proposto e que
foi possível abranger os pontos cruciais para o trabalho. Por outro lado, as lacunas apontam
caminhos possíveis para sua continuidade e aprofundamento da pesquisa.
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VILLAÇA, Flávio. Dilemas do Plano Diretor. In: O município no século XXI: cenários e
perspectivas. São Paulo: CEPAM & CORREIOS, 1999. P. 237-248.
ANEXO A
AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA DO PARQUE NACIONAL DA
RESTINGA DE JURUBATIBA SEGUNDO O PLANO DE
MANEJO
182
Quadro 1: Matriz de Análise Estratégica
183
184
185
186
187
Fonte: Fonte: Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba – Encarte 4, pp. 15-20.
188
Quadro 2: Matriz de Avaliação Estratégica – Forças Restritivas
Fonte: Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba – Encarte 4, pp. 24-25
189
Quadro 3: Matriz de Avaliação Estratégica - Forças Impulsoras
Fonte: Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba – Encarte 4, pp. 24-25
ANEXO B
ENQUADRAMENTO DAS AÇÕES GERENCIAIS POR
PROGRAMAS TEMÁTICOS
191
Quadro 1: Enquadramento das Ações Gerenciais por Programas Temáticos
192
193
194
195
196
197
198
199
200
Fonte: Plano de Manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba – Encarte 4, pp. 106- 115
ANEXO C
MAPAS DO PLANO DIRETOR DE MACAÉ
202
Figura 1: Mapa das Macrozonas - fonte: Anexo 01 do Plano Diretor de Macaé (LC nº 076/ 2006)
203
Figura 2: Mapa das Macroáreas - fonte: Anexo 02 do Plano Diretor de Macaé (LC nº 076/ 2006)
204
Figura 3: Mapa de Macroáreas da Macrozona de Ambiente Urbano – fonte: Anexo 03 do Plano Diretor de Macaé (LC nº 076/ 2006)
205
Figura 4: Mapa dos Bairros – fonte: Anexo 08 do Plano Diretor de Macaé (LC nº 076/ 2006)
206
Figura 5: Mapa esquemático das Áreas de Interesse Ambiental – fonte: Anexo 09 do Plano Diretor de Macaé (LC nº 076/ 2006)
ANEXO D
DELIMITAÇÃO DE PERÍMETROS URBANOS DO
MUNICÍPIO DE QUISSAMÃ
208
Quadro 2 Delimitação de Perímetros Urbanos do Município de Quissa
Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável o Município de Quissamã – Anexo II (Lei nº 002/2006).
ANEXO E
MAPA DE ZONEAMENTO DO MUNICÍPIO DE QUISSAMÃ
210
Figura 1: Zoneamento do Município de Quissamã segundo seu Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável - fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável
do Município de Quissamã – Anexo VII (Lei nº 002/2006)
ANEXO F
LISTA DE ENTREVISTAS REALIZADAS
1) Entrevista realizada com Gilson Medeiros Rocha, consultor técnico na área
ambiental da TRANSPETRO e representante desta empresa no Conselho Consultivo do
Parque, no Terminal de Cabiúnas da TRANSPETRO, em Macaé-RJ, no dia 22 de abril
de 2009;
2) Entrevista realizada com Eduardo Jalles Jardim, ex- Chefe do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, no dia 23 de abril de 2009, na sede do Parque
Nacional, em Macaé-RJ;
3) Entrevista realizada com Jorge Barcelos, representante da Associação de
Pescadores de Carapebus no Conselho Consultivo do Parque Nacional da Restinga de
Jurubatiba (CONPARNA Jurubatiba), em Macaé-RJ, no dia 23 de abril de 2009;
4) Entrevista realizada no dia 23 de abril de 2009, no campus da Universidade
Federal Fluminense – UFF, em Macaé-RJ, com Dalila Silva Mello, professora do
CEFET-Campos, ex-conselheira do CONPARNA Jurubatiba com reconhecida atuação
política institucional que, inclusive, foi Secretária de Turismo de Quissamã até início de
2009;
5) Entrevista realizada no dia 24 de abril de 2009, em Macaé-RJ, com Jorge
Bastos, então Presidente da Associação de Moradores do Lagomar;
6) Entrevista realizada na sede da Secretaria de Meio Ambiente de Carapebus,
em 09 de outubro de 2009, com Carlos Alberto Barcelos, então Secretário de Meio
Ambiente de Carapebus;
7) Entrevista realizada na sede do NUPEM, em Macaé-RJ, no dia 13 de
novembro de 2009, com Francisco de Assis Esteves, fundador e atual diretor do Núcleo
212
de Pesquisa em Ecologia e Desenvolvimento Sócio Ambiental em Macaé
(NUPEM/UFRJ), que teve expressiva participação no processo de criação da unidade de
conservação;
8) Entrevista realizada com Carlos Alexandre Fortuna, atual Chefe do Parque
Nacional da Restinga de Jurubatiba, na sede do Parque Nacional, em Macaé-RJ, no dia
13 de novembro de 2009;
9) Entrevista realizada com xxxx, moradora e comerciante do bairro Lagomar,
em sua residência, no bairro Lagomar em Macaé-RJ, no dia 14 de novembro de 2009;
10) Entrevista realizada no dia 19 de novembro de 2009, na sede da Secretária
de Agricultura e Meio Ambiente de Quissamã, em Quissamã RJ, com José Ricardo
Pedruzzi, atual Secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Quissamã.
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