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SUELINE JUSTUS MARTINS
REPUBLICANISMO E SISTEMA PENAL,
A PARTIR DE BRAITHWAITE E PETTIT
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Direito, Faculdades Integradas do Brasil -
UniBrasil.
Orientador: Professor Dr. Eliezer Gomes
da Silva
CURITIBA
2009
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ii
TERMO DE APROVAÇÃO
SUELINE JUSTUS MARTINS
REPUBLICANISMO E SISTEMA PENAL,
A PARTIR DE BRAITHWAITE E PETTIT
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito, Programa de Mestrado, Faculdades Integradas do Brasil UniBrasil, pela
seguinte banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Eliezer Gomes da Silva
Programa de Mestrado em Direito, Faculdades
Integradas do Brasil – UniBrasil.
Membros: Prof. Dr. Gilberto Giacoia
Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro
Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska
Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.
Curitiba, 5 de setembro de 2009.
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iii
Ao Marcus que com amor e paciência me
acompanhou nessa etapa, me sustentando
nas crises e necessidades...
Aos meus meninos Flavius Vinicius e
Raphael, sempre generosos e
compreensivos, e como não poderia
esquecer minha mãe, berço de conforto e
paz.
iv
AGRADECIMENTOS
Tal qual uma fachada em construção, assim é a natureza humana. Originou-se de um
planejamento que vai lentamente se corporificando. Nessa construção, cada nova etapa
marca uma pequena vitória, fruto de nova realização. Mas não sem lutas e nunca sem a
colaboração da família, dos amigos, dos colegas, dos professores.
Levar a termo uma pesquisa de mestrado, é necessariamente coletiva, e por esta razão
estendo meus agradecimentos aos que de muitas formas me ajudaram a conquistar esta
vitória.
Estou especialmente grata pela UniBrasil pela estrutura, organização e apoio, apesar
de tão recente no meio acadêmico paranaense.
Tenho que agradecer aos professores, doutores e doutoras que me intrigaram com as
suas questões, me deslumbraram com seu conhecimento e esforço.
Tive a especial satisfação de ter um orientador, Dr. Eliezer Gomes da Silva,
extremamente capacitado, profundo conhecedor, que me acompanhou nesse caminho
de investigação sem o qual nada teria sido possível. Tive com o mesmo o exemplo de
um mestre que ilumina o caminho dos alunos.
Aos professores doutores Marcos Augusto Maliska e Gilberto Giacoia que integrarão a
banca examinadora, especialmente grata pelas lembranças, pelas orientações,
comentários e sugestões oferecidas.
Finalmente, todo os apoiadores, meus colegas de classe, que no esforço dessa
construção me auxiliaram, os funcionários da UniBrasil, em especial a Simone
Lourenço e a Adriane Picelli, que me disponibilizaram sempre um sorriso amigo e
acolhedor.
Concluo com o mais importante esse trabalho é resultado de um sonho que Jesus pôs
em meu coração “(...) Louvarei ao Senhor que me aconselhou...”
v
“Inchina o Dio mio, il tuo orecchio, ed
ascolta; apri gli occhi, e vedi le nostre
desolazioni, e la città che si chiama del
tuo Nome; perciocchè noi non
presentiamo le nostre supplicazioni nel
tuo cospetto, fondatti sopra le nostre
giustizie, anzi sopra le tue grandi
misericordie.”
Daniele 9:18
vi
RESUMO
A presente dissertação propõe uma reflexão em torno das teorias da pena, iniciando no
retributivismo, passando pelo utilitarismo, neoretributivismo e modelos híbridos que
buscam nos alvos utilitaristas e nas constrições do retributivismo um modelo de teoria
híbrida da pena. Propõe o estudo do republicanismo na Justiça Criminal à luz de John
BRAITHWAITE e Philip PETTIT e vai tratar em PETTIT, a liberdade como não-
dominação como uma liberdade que protege o direito individual de cada um na
sociedade, de acordo com os princípios de direitos humanos. Vai propor um diálogo
com a teoria com suas objeções, aplicações e associações. Faz uma análise da história
republicana brasileira e sua importância para a configuração de um sistema penal
contemporâneo. Nas questões afetas a uma teoria republicana fará uma análise da
polícia, supervisão, prisão e crimes de colarinho branco como assuntos de grande
emergência na agenda de política criminal. Como saída para um sistema de justiça
criminal mais justo e igualitário e mais humano vai propor o modelo da justiça
restaurativa, com enfoque nos princípios da reprovação do crime, da reintegração de
vítima e ofensor, reparação dos danos e solução pacífica dos conflitos.
Palavras-chave: Teorias da pena, retributivismo, utilitarismo, modelos híbridos,
liberdade republicana, republicanismo, teoria republicana da justiça criminal, justiça
restaurativa, direitos humanos.
vii
ABSTRACT
This dissertation proposes an approach about the theories of punishment, starting in
the retributivism, going through utilitarism, neoretributivism and hybrid models of
punishment that conciliate both the targets from utilitarians doctrines and the
constraints from “just deserts” doctrines, and show the contemporaneous
controversies. It proposes, as well an analysis in the republicanism in the criminal
justice system according to the theory of BRAITHWAITE, John and PETTIT, Philip
and then it will take in PETTIT a liberty as non domination as one that protects the
“dominion” of each person in the society according to the human rights. Proposes a
dialogue between the republican theory of criminal justice and its objections,
applications and associations. Makes an analysis in the brazilian republican history and
its importance to a contemporaneous penal system. In the republican theory it will
seek an analysis of police, supervision, prison and “white-collar crimes” as
emergency questions on criminal and public agenda. As a solution to the criminal
justice system being more fair, human and egalitarian it proposes a restorative model
of justice, focusing in the principles of crime reprobation, reintegration both of victims
and offender, the harm reparation and a pacific resolution of social conflicts.
Keywords: Theories of punishment, retributivism, utilitarism, hybrids models of
punishment, liberty, republican liberty, human rights, republicanism, republican
theory of criminal justice, restorative justice;
viii
SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................................................
vi
ABSTRACT..........................................................................................................
vii
INTRODUÇÃO....................................................................................................
1
I FUNDAMENTAÇÃO POLÍTICA-FILOSÓFICA DO PODER DE
PUNIR...................................................................................................................
4
1.1.Retributivismo................................................................................................. 5
1.2.Utilitarismo.......................................................................................................
11
1.3.Neoretributivismo.............................................................................................
17
1.4. Teorias Agnósticas.......................................................................................... 21
II REPUBLICANISMO E JUSTIÇA CRIMINAL À LUZ DE PETTIT E
BRAITHWAITE..................................................................................................
26
2.1. A Liberdade..................................................................................................... 26
2.2. A Liberdade Republicana............................................................................... 29
2.3. A Liberdade como Não-Dominação............................................................... 33
2.4. Perda da Liberdade como Não-Dominação................................................... 35
2.5. Liberdade Republicana no Sistema de Justiça Criminal................................ 45
2.6. “Dominion” e a Liberdade Republicana......................................................... 46
2.7. Superando a Dicotomia Retributivismo/Utilitarismo..................................... 48
2.8. Características de uma Teoria Republicana da Justiça Criminal.................... 55
2.8.1. Os Alvos da Teoria...................................................................................
59
2.8.2. Princípios da Teoria................................................................................ 60
2.9. Tipos de Penas da Teoria ..............................................................................
63
2.10. Supervisão Policial........................................................................................ 67
2.11. Seleção de Fatos para Investigação e Denúncia............................................ 71
2.12. Administração das Penas nas Penitenciárias................................................. 74
2.13. Fundamento da Pena para a Teoria............................................................... 77
2.14. Igualdade?..................................................................................................... 82
ix
III DIALOGANDO COM A TEORIA – OBJEÇÕES, APLICAÇÕES E
ASSOCIAÇÕES..................................................................................................
86
3.1. A Crítica dos Neoretributivistas “Just Deserts v. Not Just Deserts”...............
86
3.2. A História republicana brasileira e sua importância para a configuração
contemporânea do sistema penal............................................................................ 94
3.3. Desafios contemporâneos para um sistema penal verdadeiramente
republicano........................................................................................................... 129
3.3.1. Os movimentos “Law and Order” e “Tolerância Zero”............................ 129
3.3.2. Polícia e Policiamento................................................................................ 134
3.3.3. Polícia Comunitária ou Proativa............................................................... 137
3.3.4. A pena de prisão...................................................................................... 143
3.3.5. Crimes de colarinho branco....................................................................... 154
3.3.6. Justiça Restaurativa.................................................................................... 157
3.3.6.1.Características da Justiça Restaurativa..............................................
163
3.3.6.2.Desafios à Justiça Restaurativa........................................................ 166
CONSIDERA
ÇÕES FINAIS............................................
.................................. 168
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................
173
x
INTRODUÇÃO
A ineficácia do sistema penal brasileiro, na complexa realidade da
modernidade tardia, tem reflexos na precária situação da segurança pública, nos
atentados à dignidade dos presos provisórios e dos confinados em penitenciárias, na
impossibilidade de reintegração do egresso na sociedade. Tudo isso agrava as
crescentes cifras da delinquência e intensifica a preocupação coletiva com a questão
criminal.
Na medida em que cresce a insatisfação da comunidade e dos profissionais
do direito com a ineficiência do sistema penal, também uma escassez de
trabalhos acadêmicos que articulem ponderações do direito penal, do direito
constitucional e da filosofia política na discussão dessa persistente crise de
legitimidade da justiça penal. Muitos constitucionalistas têm refletido sobre as
questões do Estado de Direito Democrático, mas raramente têm se preocupado com
as questões afetas à teoria do estado em consonância com a justiça criminal. Ocorre
que é exatamente o aumento da criminalidade, a precariedade da segurança pública,
a superpopulação carcerária, a impunidade, a corrupção nos órgãos públicos, o
surgimento de comandos “policiais” paralelos, o aumento do crime organizado, a
percepção de insegurança coletiva, que deveriam estimular um repensar da justiça
criminal à luz das exigências do Estado de Direito Democrático, em suas bases
republicanas.
Esperava-se no passado que criminologia e política criminal, muito
embora, afetas ao mesmo espaço da ciência penal, operassem estanques. A
criminologia estaria livre de qualquer espécie de contágio de cunho político, e a
política da mesma forma livre para orientar qualquer programa de governo no
campo criminal. Entretanto, sobretudo com a efervescência da reflexão
criminológica crítica, notadamente a partir da década de 70, criminologia e política
criminal passaram a ser cada vez mais reconhecidas como de recíproca influência.
Neste sentido assinalam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE: “A crescente
politização do problema criminal, bem como a sua generalizada discussão,
xi
provocada pelo movimento de reforma penal que por toda a parte se fez sentir a
partir dos anos cinquenta, alargaram substancialmente o foro da política criminal.”
1
Um exemplo é o debate acerca dos fins da pena, de crucial importância na
investigação do papel do Estado quer seja no combate ao crime, quer seja na
prevenção, na resolução dos conflitos. As espécies de penas aplicadas e executadas,
além de revelarem a forma como o Estado trata os agentes ofensores, também
evidencia até que ponto o sistema penal contribui para a construção de uma
sociedade igualitária, democrática, uma sociedade que propicia a minimização da
violência, que favorece condições para diminuição da criminalidade, que rejeita a
seletividade penal, que busca a restauração dos conflitos desencadeados no crime,
sob a ótica da vítima e do ofensor. Assim as funções atribuídas à pena (caráter
retributivo, preventivo ou uma combinação desses enfoques), que se desdobraram
em múltiplas e influenciaram de forma lapidar as concepções penais e filosóficas na
doutrina e nas legislações, são em verdade, esclarece Juarez Cirino dos SANTOS
2
,
instrumentos do programa de controle do crime e da criminalidade na sociedade. E
a questão de saber se o ofensor deva ser punido (porque mereça, porque deva parar
de delinquir, para desencorajar outros nas práticas delituosas, para proteção da
sociedade dos perigosos e desonestos, para permitir que os ofensores reparem o
dano, para reassegurar à vítima a credibilidade da justiça criminal, para que as
pessoas percebam que devem obedecer à lei) traz enormes dificuldades, diz
HUDSON, porque as razões podem ser conflitantes.
3
Apesar de a Carta Magna Brasileira ser um documento substantivo, que
contempla uma infinidade de direitos e garantias individuais e uma vastidão de
programas capazes de diminuir o caos em que se encontra a justiça criminal, muitos
de seus artigos estão infinitamente distantes da realidade em que nos encontramos,
como se tratasse, por assim dizer, de uma constituição escrita parcialmente
1
FIGUEIREDO DIAS, Jorge. COSTA ANDRADE, Manuel da. Criminologia. O
homem delinqüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra.1997. p. 106.
2
SANTOS. Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: ICPC; Lumen
Juris. 2006. p. 452.
3
HUDSON.Barbara. Understanding Justice. An Introduction to ideas,
perspectives and controversies in modern penal theory. Buckingham. Philadelphia:
University Press. 2003. p.03.
xii
simbólica
4
. Portanto, investigar o modelo democrático nas suas possíveis
implicações com os problemas afetos ao sistema penal, sobretudo a partir das
reflexões de pensadores modernos, a polarizarem entre o liberalismo e o
republicanismo, é o que se pretende pesquisar no presente trabalho. Nesse
particular, a dissertação valer-se-á, como principal marco teórico, da teoria
republicana de Philip PETTIT e sua ideia de liberdade como não-dominação, tendo
como pressuposto basilar a proteção dos direitos humanos.
O primeiro capítulo abordará as teorias da pena. Investigará as perspectivas
retributivistas (inclusive sob sua variante mais moderna, o neoretributivismo ou
just deserts
5
), o utilitarismo, os enfoques agnósticos e os modelos híbridos,
clássicos e contemporâneos.
No segundo capítulo será detalhada a proposta teórica de BRAITHWAITE
e PETTIT, praticamente desconhecida na literatura de língua portuguesa, de uma
abrangente teoria republicana da justiça criminal que procura superar o velho
debate entre utilitarismo e retributivismo.
No terceiro capítulo, serão apresentadas as conhecidas objeções à teoria
republicana da justiça criminal, bem como suas potenciais associações e aplicações
à luz da tradição histórica brasileira e das grandes questões contemporâneas de
funcionamento das instituições do sistema penal e de formulação de políticas
criminais (inclusive no que tange ao modelo da justiça restaurativa).
4
NEVES, Marcelo. Constitucionalização Simbólica. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2007. p.186.
5
Trad. Livre. Justo merecimento.
xiii
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTAÇÃO POLÍTICO-FILOSÓFICA DO PODER DE PUNIR
A resposta à indagação sobre qual a pena certa, sua essência ou finalidade
(na exata proporção do dano, para intimidar o réu, especificamente, ou a
comunidade de modo geral, para incapacitar, curar, reabilitar, ressocializar,
restaurar situações pessoais) não parece ser simples. Esse debate, em torno da pena,
de suas teorias e de suas finalidades, conquanto complexo, remanesce como de
grande e urgente importância.
Os valores mais significativos de uma sociedade são determinados por
ideologias e as ideologias, boas ou más, justificam as decisões dos que detêm o
controle social nas mãos. Elas podem se revestir de razões econômicas, religiosas,
raciais, de “pazou “bélicas”. Na verdade, a defesa do discurso bélico sempre tem
um conteúdo ideológico, do imperialismo, da força, do mercado, da “defesa contra
a opressão”. Foi o que aconteceu em Ruanda, no Afeganistão, Paquistão, Iraque,
Kwait, em Guantânamo, etc. ZAFFARONI e PIERANGELLI comentando a
respeito dessas ideologias, salientam que “cada ideologia tem a sua idéia do
homem”
6
. A ideologia que dificulta a entrada de estrangeiros nos países ricos
muitas vezes tem justificações na defesa da cidadania desses países ricos, assim
como as que mantém e fomentam conflitos bélicos justificadas por razões
econômicas, sociais e até religiosas.
As ideologias influenciam as penas a serem impostas. Elas estão por trás
dos debates ideológicos, por trás do discurso. Por essa razão, as reflexões em torno
das teorias da pena assumem papel essencial, de grande relevância, uma vez que
revelam os propósitos elementares do discurso penalógico, à luz dos princípios
democráticos, republicanos, à luz da defesa dos direitos individuais do homem.
Quando essas ideologias são expostas tendo por pano de fundo os princípios
democráticos, é possível que sejam descortinadas as razões e proposto um debate
franco. Com as informações e dados reunidos, percebe-se o que é realmente
6
ZAFFARONI. E. Raúl. PIERANGELI. José Enrique. Manual de Direito Penal.
Parte Geral. 4.a.ed. São Paulo: Ed. RT. 2002. p. 67.
xiv
legítimo para fundamentar políticas, orientações e diretrizes político-criminais que
tenham como única razão os direitos humanos.
Sociólogos, filósofos, penalistas se encontram no questionamento sobre o
utilitarismo, retributivismo, neoretributivismo e as teorias deslegetimadoras do
direito penal, buscando suplantar a polêmica em torno da pena, procurando
respostas para sua justificação. Ocorre que a pena é uma faceta periférica de
todo essa questão. Bem antes que o ofensor seja ou não adequadamente apenado
pelo cometimento da ofensa, tem-se a própria questão político-criminal de saber o
que é crime, suas causas e a questão de saber se uma forma que possa tornar esse
dilema menor ou menos precário.
1.1 RETRIBUTIVISMO
Os primeiros assentamentos humanos continham formas simples e sacrais
para disciplinar as atividades desordenadas ou consideradas erradas pelo grupo, ou
pelo sagrado. As primeiras penas, que advinham de uma reação privada ao crime,
desencadeavam penas não no ofensor, mas em todo o grupo: mortes,
banimentos, vingança de sangue, etc. O primeiro princípio norteador procurou
identificar a pena na exata medida do dano causado pelo crime. A pena deveria ser
razoável e proporcional à severidade da infração.
A racionalidade retributiva não é recente, podendo-se citar, a propósito, o
talião, entre os hebreus.
7
O talião tinha um caráter ordenado, com vinganças não
privadas, mas formais e solenes, aparecendo nos livros de Êxodo, Levítico e
Deuteronômio.
8
Diferenciava-se a pena do homicídio doloso do culposo, tendo
neste último o dever de permanecer numa cidade de refúgio
9
. Previa absolvição para
tentativa de homicídio, com restituição e responsabilização pela cura do ofendido.
Nos casos de lesões graves, o famoso verso que consagrou o talião: “então darás
vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, por pé, queimadura
por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.” Num período posterior,
7
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.38.
8
As primeiras referências são os 10 mandamentos em Êxodo 20:3 a 17.
9
A referência é de Números 35:6.
xv
substitui-se a pena de morte pela prisão perpétua sem trabalhos forçados, a pena de
talião pela multa, prisão e imposição de gravames.
As teorias retributivistas nasceram de uma grave e imprescindível
necessidade social, da crise que antecede o Iluminismo, destaca BITENCOURT,
comentando MIR PUIG e CONDE,
10
pois: “na pessoa do rei concentrava-se não só
o Estado, mas também todo o poder legal e de justiça”.
11
Esse período de transição
entre o Estado medieval da baixa Idade Média e a sociedade liberal, surge o Estado
absolutista, decorrendo daí,
“(...) um aumento da burguesia e um considerável acúmulo de capital. Obviamente,
diante do efetivo desenvolvimento que esta nova classe social estava experimentando,
fazia-se necessária a implementação de meios para proteger o capital, produto da pujança
dos novos capitalistas.” “a pena não podia ter senão as mesmas características e constituir
um meio a mais para realizar o objetivo capitalista”
12
.
Os fundamentos da pena não serviam mais diante das novas concepções
liberais e contratualistas do novo Estado, e assim elas passaram a retribuir ou
compensar à ordem jurídica violada. Nesse diapasão BITENCOURT ostenta que
para a concepção liberal de Estado a pena não podia se manter fundamentada na
identidade entre Deus e o soberano, religião e Estado. A pena passa então a ser
concebida como a retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos
homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem
jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão divina é substituída
pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens
13
.
O retributivismo destacou-se por impingir penas determinadas, o “justo
merecimento”, penas idênticas para iguais condutas, mas alheias às características
pessoais do agente. Conferiu à pena uma graduação, de mínimo e de máximo,
entretanto não consegue responder à questão: “por que punir?”, não se desincumbe
10
BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol. I 6.ª ed. 2000 São
Paulo: Saraiva, p. 65.
11
ZAFFARONI e PIERANGELLI. Manual..., op.cit.,p.67.
12
ZAFFARONI e PIERANGELLI. Manual..., op.cit.,p.67.
13
ZAFFARONI e PIERANGELLI. Manual..., op.cit.,p.68.
xvi
da tarefa de responder por que o roubo merece uma pena, por exemplo, de 5 a 10
anos de reclusão. Não consegue explicar quais os critérios utilizados para essa ou
aquela pena, como se deu essa ou aquela graduação. Que crimes são mais
violadores dos bens jurídicos que outros? Que penas são mais severas que outras?
FERRAJOLI considera o retributivismo como parte das teorias absolutas, a
pena como um fim em si mesma, como castigo, um correspondente ou reação,
reparação, uma retribuição justificada por seu valor axiológico, um dever-ser meta
jurídico” que tem em si o fundamento.
14
O retributivismo exercitou um fascínio em
todo o mundo e FERRAJOLI sustenta que nunca foi abandonado. Em crise no
iluminismo, ressurgiu no Século XVIII em duas correntes: a primeira, de Emmanuel
KANT, designava-se por uma retribuição ética, justificada pelo valor moral da lei
penal quebrada pelo culpado e do castigo imposto,
15
a de HEGEL, que concebia a
retribuição como de cunho jurídico, por contrária ao direito violado e a consequente
necessidade de reparação.
16
No entanto, para FERRAJOLI, não existe qualquer
diferença entre as duas correntes, posto que HEGEL sustenta sua afirmação no
ethos”, que se baseia em um valor moral, tal como KANT. Trata-se de uma radical
crença, observa ele, citando Morris GINSBERG, em um nexo entre culpa e
punição.
17
Apesar de apresentar questões ainda sem soluções, essas teorias
retributivistas ganharam ascensão a partir dos anos 70 e nos anos 80 se tornaram as
teorias penais de maior influência.
18
FERRAJOLI assinala que a confusão existente
entre o problema da “finalidade geral justificadora da pena”, que não pode deixar de
ser utilitarista e voltada para o futuro, e aquela de sua “distribuição”, que advém de
uma base retributivista e portanto se volta para o passado, é na verdade um
equívoco entre as bases teóricas de KANT e HEGEL. São duas questões distintas:
um é o problema do escopo (finalidade) da legislação penal e o outro o da
14
FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione. Teoria del garantismo penale. Roma:
2000. Ed. Laterza .p.239.
15
FERRAJOLI. Luigi. Diritto...,. op.,,cit.p.241.
16
FERRAJOLI. Luigi. Diritto...,. op.,,cit.p.241.
17
FERRAJOLI. Diritto...,. op.,,cit.p.241.
18
HUDSON. Understanding..., op.,cit.p.39.
xvii
motivação da pena. A retribuição não é um escopo, mas um meio acrescenta
ROSS.
19
Esta confusão vem da falta de razão legal e judicial da pena, a questão do
por que punir foi substituída pela questão sobre quando punir.
A teoria retributivista responde sobre quando punir e admite que é na
legitimação interna que se reconhece o princípio da retributividade, por força de
uma condição necessária que é o cometimento do delito, segundo FERRAJOLI.
20
O
“quando punir” é a razão judicial e o “por que punir” a razão legal. De fato, dizer
que a pena é justificada ob malum actionisou qui é pecatum”, equivale a dizer
quando é justificado (ou possível ou lícito) punir e não diz absolutamente nada
sobre por que é justificado (necessário ou oportuno) punir. De outra forma, salienta
FERRAJOLI, resolvido o problema ou o equívoco, cairia também o argumento de
PACHUKANIS, ao argumentar que o vínculo entre retribuição e duração das penas
refletiria uma concessão vindicativa, sinalagmática ou retributivista do escopo da
pena.
21
A teoria é explicada por uma confusão entre direito e moral, entre
validade e justiça, legitimação interna e justificação externa. A concessão da pena é
uma retribuição ética, que atribui a pena um valor moral correspondente ao desvalor
moral ontologicamente associado ao crime.
22
Mas é implícita a retribuição jurídica.
Na Itália, os autores retributivistas mais influentes foram ROSSI,
CARRARA e PESSINA e na Alemanha os inesquecíveis KANT, HEGEL e
BINDING. O retributivismo ora se fundamentou numa retribuição de ordem divina
como apontou STAHL e BEKKER, ora jurídica com HEGEL e PESSINA e ora
moral com KANT. HEGEL analisa o delito como negação do direito e a pena como
negação desta negação.
23
Tanto HEGEL quanto KANT não reconhecem medidas de
intimidação e correção como fins da pena, mas somente a retribuição.
19
FERRAJOLI.Diritto...,. op.,,cit.p.243.
20
Che riguarda la legittimazione esterna della pena, con las questione quando
punire? Che riguarda invece la legittimazione interna e ammette come risposta precisamente il
principio di retributivitá, cioé la prima garanzia del diritte penale in forza della quale
condizione necessária della pena é anzitutto la commissione di um reato
(FERRAJOLI.Diritto...,. op.,,cit.p.243)
21
FERRAJOLI.Diritto...,. op.,,cit.p.243.
22
FERRAJOLI.Diritto...,. op.,,cit.p.244.
23
ROXIN. Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Madrid: Civitas, 1997. p.
85.op.,cit.p. 83.
xviii
A pena no sistema retributivista não pode desvincular-se do seu conteúdo
nem acima e nem abaixo de sua medida. É o que expõe Claus ROXIN.
24
O mérito
do retributivismo se assenta no fato de que a teoria não permite, em virtude de sua
correspondência à culpabilidade, dar uma pena drástica a um delito leve, o que
delimita o poder punitivo do Estado e essa medida tem uma posição liberal de
salvaguardar a liberdade. Com a ajuda das regras de delimitação da pena, se
consegue uma medida calculável,
25
preservando-se o princípio da
proporcionalidade.
ROXIN adverte que a teoria retributivista não pode ser sustentada
cientificamente hoje em dia, pois a finalidade do direito penal consiste na proteção
subsidiária dos bens jurídicos, e para esta tarefa não é permitido servir-se de uma
pena que de forma expressa prescinda de todos os fins sociais. O fato de o
retributivismo exigir uma pena mesmo quando não é necessária o serviria para os
propósitos atuais e faz com que perca sua legitimação social. Nesse diapasão, o
autor salienta: O estado como instituição humana, não é capaz de realizar a idéia
metafísica de justiça nem está legitimado para isso”.
26
ROXIN propõe que a ideia de
que se possa infligir um mal pelo cometimento de outros males (o sofrimento da
pena) é suscetível em uma crença, ou fé. Também é indesejável no campo social,
pois a execução de um mal não pode reparar os danos na seara social, ao que
salienta inclusive que com frequência pode ser a causa do cometimento de delitos e
não é um meio adequado de lutar contra a criminalidade. Ademais, o
reconhecimento da teoria como “teoria da expiação”, tampouco lhe socorreria,
pondera ROXIN, uma vez que o vocábulo “expiação” pode significar aceitar
interiormente, assimilar moralmente o comportamento delitivo, se purificar e
recobrar sua integridade, o que é desejável, embora possa ser melhor motivado por
uma medida que ajude, não que retribua.
27
24
ROXIN. Derecho…, .op.,cit.p. 83.
25
ROXIN. Derecho…, .op.,cit.p. 84.
26
ROXIN. Derecho…, .op.,cit.p. 84.
27
ROXIN. Derecho…, .op.,cit.p. 84-85.
xix
Mesmo carecendo de bases sólidas para se consolidar no direito pós-
moderno, seu fundamento de punir o crime (e não a pessoa) imprimiu certa
segurança, desencadeando seu crescimento a partir dos anos 70, com novas
formulações, objetando os abusos operados pelas teorias utilitaristas, como será
visto adiante, pelos excessos nos processos pretensamente reabilitativos, nas
sentenças indeterminadas etc. Com efeito, o resgate desse viés garantista assentou
as bases de uma renovação do retributivismo (conhecida por neoretributivismo),
francamente contrário às perspectivas utilitárias (como o prevencionismo). Agora
veremos, as teorias utilitaristas e quais foram os contornos penais que possibilitaram
essa revigorada crítica retributivista.
1.2 UTILITARISMO
Primeiramente, não se de confundir os postulados das chamadas
“escolas penais”
28
com as teorias da pena. Muito embora seja verdade que foi no
âmbito da Escola Clássica
29
que a teoria retributivista foi consolidada e mais se
propagou, é igualmente verdade que seu fundador MARQUÊS DE BONESANA, o
famoso BECCARIA
30
tenha posicionado a pena como fim e não como retribuição,
dando especial destaque à prevenção dos crimes, evocando leis claras e precisas,
favorecendo menos as classes que os próprios homens. Os postulados de
28
As principais Escolas Penais são a Clássica e a Positiva.
29
A Escola Clássica teve tanto defensores retributivistas quanto utilitaristas. O clima
de insatisfação da Idade Média culminou num repensar e um ideal de estancar tantas
barbaridades sobretudo no direito penal. Assentou-se uma urgência em por fim às
arbitrariedades que eram mais na base pessoal que objetiva. Duas correntes surgiram na Itália: a
jusnaturalista, que veio exigir a retribuição penal com ROSSI, CARRARA E PESSINA e a
contratualista, sob influência do iluminismo com BECCARIA, FILANGIERI, ROMAGNOSI e
CARMIGNANI. Na Alemanha, o retributivismo se deu com mais plasticidade com KANT,
HEGEL, BINDING, BIRKMEYER e BELING. FEUERBACH inicialmente inspirado por
KANT, se desvencilhou do retributivismo e abraçou o prevencionismo.
(FERRAJOLI.Diritto...,. op.,cit.p.245-246).
30
Cesar Beccaria na obra Dei Delitti e Delle Pene de 1764, foi quem abriu caminho
para a Escola Clássica, não é jurídica em sentido técnico, mas filosófica sociológica. Entretanto
registrou que a pena não serve para tormento e aflição mas para impedir que o réu cometa novos
danos e de impedir que outros venham a cometer esses mesmos danos. Sobre a prevenção do
crime ele sustenta que é “Melhor prevenir os crimes do que puni-los. Esta é a finalidade
precípua de toda boa legislação, arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade, ou ao
mínimo de infelicidade possível, para aludir a todos os cálculos dos bens e dos males da vida;”
(BECCARIA. Cesar. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: RT. 2.ª ed; p. 52 e 128.)
xx
BECCARIA se assemelham e se integram completamente nas teorias utilitaristas da
pena, embora não se equipare aos postulados da Escola Positiva
31
.
O utilitarismo nasceu da concepção da pena como um meio; que ela o
possa ser justificada olhando-se para o passado (o cometimento do crime), mas para
o futuro, objetivando a defesa social, a neutralização, emenda ou intimidação do
infrator real ou potencial. Representam este anseio todas as doutrinas chamadas por
FERRAJOLI como relativas ou utilitaristas, em contraposição às absolutas ou
retributivistas.
32
A prevenção especial como objetivo da pena, remonta a SÊNECA,
passando por PITÁGORAS, transmitida a PLATÃO e se encontra no âmago das
teorias utilitaristas.
33
Foi o filósofo e jurista inglês Jeremy BENTHAM seu mais arguto
sistematizador, com a obra The Principles of Penal Law” publicada na Inglaterra.
Apesar de ter vínculos claros com pensadores do Século XVIII e XIX, combinando
filosofia política e moral, chegando mesmo a definir “o bom”, ou “o bem” nos
papéis a serem desempenhados pelo Estado, mas não só, buscando uma harmonia, a
felicidade humana, a minimização do sofrimento. Os utilitaristas justificam a pena
pela sua utilidade, a redução da frequência criminosa, a intimidação do ofensor na
reincidência, o desencorajamento para a prática do delito ou colocando o ofensor
num estado que não possa mais delinquir.
34
Na Alemanha, a teoria foi sistematizada por FRANK von LISZT, que
sustentou que a pena tem um conteúdo preventivo geral e especial, com conteúdo
teleológico, desmerecendo a teoria da pena como retribuição.
35
Seus ensinamentos
deram origem ao “Programa de Marburgo”, de índole pragmática e seus postulados
31
O Classicismo se tornou insuficiente para conter a nova criminalidade, a idéia
retributivista não esgotava as novas tendências científicas, naturalistas e sociológicas que
dominava o ambiente acadêmico, através do método positivo e investigativo. Essas ideias
tinham influenciado Beccaria, com um direito punitivo de defesa social, aparecendo a lei da
causalidade. O homem criminoso passou a ser o centro do estudo investigativo. O movimento se
deu inicialmente por LOMBROSO, que propôs uma explicação natural do delinquente, seguido
de FERRI, GAROFALO, FLORIAN, GRISPINI etc. (BRUNO. Aníbal. Direito Penal. Parte
Geral. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense. 1997. 5.a. ed. p. 62-65.)
32
FERRAJOLI.Diritto..., op.,cit.p.245.
33
ROXIN. Derecho…, .op.,cit.p. 85.
34
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.18.
35
ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual..., op.,cit.p. 304.
xxi
influenciaram o Código Penal Argentino em vigor e o Código Penal Brasileiro de
1940.
36
FERRAJOLI sustenta que a partir do momento em que a pena se revela
como um meio, deve haver um equilíbrio entre o custo da pena e a utilidade na
prevenção de um dano. Sendo uma condição necessária para a legitimação externa
da pena, separada da interna (separação entre direito e moral), ela deve responder o
“por que punir e por que proibir”, por meio do confronto entre os custos da pena e
os danos sem os quais as penas seriam produzidas.
37
No iluminismo, o utilitarismo deu base comum a todo pensamento penal
reformador e sintetizou-se com a doutrina da separação entre direito e moral, sendo
que as aflições penais, aponta FERRAJOLI, são um preço necessário para o
impedimento de males maiores e não uma homenagem gratuita à ética, religião ou à
vingança.
38
Mas apesar das boas intenções para o bem estar social, antes dos
governos constitucionais, o utilitarismo era orientador de um sistema arbitrário,
dependente dos apelos dos monarcas e dos nobres, com largas extensões de penas
capitais e com poucas penas graduadas.
39
BECCARIA, propôs um sistema de penalidades graduadas, cujo objetivo
era a prevenção geral.
40
Já tinha apontado, a propósito:
“que o fim das penas não é o de atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o
delito já cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por
paixões, é o tranquilo moderador das paixões particulares, possa albergar essa inútil
crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos?” E conclui: “O
36
ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual..., op.,cit.p.305.
37
FERRAJOLI.Diritto..., op.,cit.p.245.
38
sono prezzi necessari per impedire mali maggiori, e non omaggi gratuitti all’ettica
ou alla religione o al sentimento di vendetta”. (FERRAJOLI.Diritto..., op.,cit.p.247.
39
HUDSON. Understanding..., op.,cit.p.19.
40
HUDSON. Understanding..., op.,cit.p.19.
xxii
fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus
concidadãos e demover os outros de agir desse modo.”
41
HUDSON aponta que ele argumentou que nas instituições de governo,
incluindo o sistema penal, os cidadãos racionais concordariam em que tais poderes
do Estado punissem, e isto os beneficiaria por promover a segurança física e a da
propriedade por meio da redução do crime. Seu sistema prescindia das
circunstâncias, da pessoa do agente e sempre que um crime fosse cometido a pena
deveria ser imposta.
42
HUDSON atesta que o esquema de intimidação utilitarista de BENTHAM
partia do pressuposto de que a dor imposta pela pena não deveria exceder a dor
evitada através da redução do crime. Em outras palavras, a pena imposta no agente
não deveria ser maior do que a dor da prevenção, porque é certa e é no presente,
enquanto a dor evitada pela intimidação é incerta e esperada para o futuro.
43
Todavia, esta sobriedade na limitação na pena, sugerida pelo rigor do utilitarismo,
difere daquela intimidação draconiana nas leis de Atenas, e que parecem oferecer
inspiração contemporânea a movimentos político-criminais como os do get tough
44
(seja duro).
45
Ainda que estes movimentos intimidativos possam ter algum valor,
no combate ao crime, adiciona HUDSON, são inaceitáveis em Estados
democráticos que prestigiam a defesa dos direitos humanos.
46
Difícil saber que tipo de intimidação pode resultar em conter determinado
número de pessoas em relação à prática de crimes, porque mais do que
características diferentes, as pessoas podem ter percepções diferentes sobre o crime,
41
BECCARIA. Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. J.Cretella Jr. e Agnes
Cretella. São Paulo: Ed. RT. 2.ª ed. 1997. p. 52.
42
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.20.
43
utilitarianism has a bias towards frugality in punishment, because the pain inflicted
by the punishment is certain and in the present, whereas the pain avoided through deterrence is
only hoped for in the future, (...) (HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.20).
44
Movimentos para um severo controle do crime em especial nos Estados Unidos e na
Inglaterra e País de Gales.
45
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.20.
46
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.21.
xxiii
crenças, custos e benefícios, o que acaba sendo um enorme problema a ser
enfrentado em políticas criminais baseadas em estratégias de intimidação. Os crimes
passionais são um exemplo.
47
Prevenção geral e prevenção especial
Essas teorias relativas se dividiram em teorias da prevenção especial e
teorias da prevenção geral, pelo resultado espelhado. Enquanto as da prevenção
especial deitam seus contornos sobre o condenado, as demais surtem efeito sobre
aqueles que não delinquiram,
48
ou seja, a sociedade como um todo.
A teoria da prevenção especial justifica a atuação da pena sobre o ofensor
para que não retorne à atividade criminosa. Negativamente a prevenção viria pela
utilização do encarceramento e positivamente pela reinserção do agente na
sociedade.
A teoria da prevenção geral se propõe a ver a razão da pena não na
retribuição e nem sobre o autor do delito, mas sobre a comunidade de uma forma
geral, que mediante a ameaça de pena e a execução da pena deve ser instruída sobre
as proibições legais e apartada de sua violação
49
. A teoria da prevenção geral foi
desenvolvida por FEUERBACH, sistematizador da teoria psicológica da coação,
segundo a qual a pena é uma ameaça que deve ser suficiente para configurar uma
coação psicológica capaz de afastar do delito todos os possíveis autores.
50
Trata-se
de uma teoria de índole intimidadora, por meio da ameaça contida na lei penal. Tal
teoria não tem o condão de justificar a finalidade da pena, mas tão somente de
abonar a eficácia à lei penal, posto que não explica as punições. Aliás, é o que
menciona FERRAJOLI (...) não pode bastar, (...) para justificar o direito penal
enquanto tal”
51
47
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.22.
48
ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual..., op., cit.p..120.
49
ROXIN. Derecho…, .op.,cit.p. 89.
50
ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual..., op., cit.p.120.
51
FERRAJOLI. Diritto...,op., cit.p.224.
xxiv
As teorias da prevenção geral por meio do exemplo, denominadas de
negativas ou de intimidação, tampouco têm como finalidade o delinquente em si,
mas a comunidade. Tem em GROCIO, HOBBES, LOCKE, PUFENDORF,
THOMASIUS, BECCARIA, BENTHAM, FILANGIERI e os jusnaturalistas dos
séculos XVII e XVIII seus clássicos defensores. Ainda que estas teorias possam ter
fins sociais elogiáveis, a função de exemplaridade da pena corre o risco de utilizar
o ser humano como meio para fins extra-jurídicos,
52
podendo dar origem a modelos
de direito penal máximo e um direito penal do terror.
A avaliação de HUDSON
53
não se mostra encorajadora sobre a eficácia das
práticas de intimidação geral, pois as pesquisas que cita não geraram resultados
favoráveis ou positivos. HUDSON acrescenta que nos Estados norte-americanos
onde é prevista a pena de morte, registram-se os mais altos índices de homicídio,
54
o que revela que a função de intimidação contida na execução por meio da pena de
morte não surte efeito para embaraçar a prática de crime violento como o homicídio.
Nem a ameaça e nem o exemplo se prestam para, por si sós, diminuirem o crime ou
conter os agentes de seu cometimento.
Com efeito, existe certa complexidade em responder quanto severa deve ser
a pena para que o povo se decida por não cometer o delito (noção de reciprocidade
de SCHUTZ e LUCKMAN)
55
. Dada às diferenças entre as pessoas da comunidade,
o fato que revela intimidação em um componente social pode não despertar o
menor interesse intimidativo em outro. Mesmo que as taxas de criminalidade não
tivessem em si as dificuldades clássicas de mensuração, nem assim seria seguro
deduzir sua correlação com as medidas intimidatórias.
56
VON LISZT deu importante destaque à teoria da prevenção especial, ou
seja a ação terapêutica sobre o próprio delinquente, para quem o delito nada mais
era do que um produto social e a antijuridicidade um dano social.
57
Da mesma
52
FERRAJOLI. Diritto...,op., cit.p.223.
53
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.21.
54
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.23.
55
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.21.
56
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.22.
57
ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual…,op.cit.p.304.
xxv
forma, a intimidação individual além de trazer dúvidas sobre a sua efetividade,
carece de um aval moral a sustentá-la, já que o prevencionismo falhou no
cumprimento de suas promessas, consoante farta documentação das injustiças
cometidas nos diversos sistemas penais em nome do utilitarismo.
58
1.3 NEORETRIBUTIVISMO
O neoretributivismo surgiu da constatação dos abusos cometidos pelos
enfoques utilitaristas, especialmente quando em substituídos os ideais humanistas
de ressocialização, recuperação e reabilitação dos infratores por formas de
incapacitação, intimidação e prevenção do crime, cada vez mais presentes nas
agendas político-criminais dos países ocidentais, gerando formas duras de combate
ao crime, enrijecimento das penas e maiores índices de encarceramento. As funções
assistencialistas dos Estados foram desprezadas fortalecendo as práticas de controle.
Os retributivistas, inconformados, deram início a novos estudos e reflexões em
torno dos processos operados, reavivando as concepções do “justo merecimento”,
operando um ressurgir da proporcionalidade entre crimes e penas.
Muitos movimentos de comitês de direitos civis na Inglaterra e Estados
Unidos e os novos retributivistas (entre eles Von HIRSCH) reivindicaram reformas
nos sistemas de dosimetria da pena, especialmente naquelas jurisdições que previam
penas indeterminadas. A pesquisa criminológica bem documentava os abusos
propiciados pela ampla discricionariedade judicial (aliada à política criminal
utilitária, de defesa social), que eram cometidos especialmente contra os direitos da
minoria étnica, dos desempregados e os “desajustados”.
59
Denunciavam a lógica
segundo a qual combater a reincidência (crimes futuros) seria mais importante do
que oferecer uma resposta penal aos crimes efetivamente praticados (crimes
passados). Tais abusos atraíram os olhares dos retributivistas, mais preocupados
com os aspectos objetivos do crime do que com os aspectos subjetivos.
58
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.,cit.p.03-04.
59
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.39.
xxvi
Segundo o princípio fundamental do neoretributivismo, a pena deveria ser
conforme a gravidade do crime. Deveria seguir um esquema (linhas mestres ou
guidelines”) em que a mais grave deveria ser a mais punida, a menos grave a
menos punida. Essa escala ficou conhecida como tariff sentencing”, ou
sentenciamento tarifado, o que envolvia na prática uma sentença presumida, para
vários crimes ou graus de seriedade.
60
A “probabilidade de delinquência” não
deveria ser levada em consideração. Somente o crime cometido contava para
registro de pena. As condenações anteriores podem refletir certa influência na
dosagem da pena e o primário certamente é beneficiado com certa redução. Esses
guidelines” eram na verdade um meio de orientar e limitar o poder discricionário
dos juízes, porque costumeiramente o poder judiciário não obedecia a regras antes
determinadas, as sentenças obedeciam a princípios, jurisprudência e toda uma
herança legal.
Entre os liberais, esse novo retributivismo propiciou o aparecimento de
obras que reivindicavam o retorno aos enfoques da “proporcionalidade da pena” e a
contenção dos abusos cometidos pelas pretensamente “bem intencionadas”
doutrinas e políticas utilitaristas. Citem-se alguns desses trabalhos: Struggle for
justiceda AFSC de 1972, que fez um enfoque sobre as prisões americanas, o “The
american Prison Business”, de MITFORD, o Criminal Sentence”, de FRANKEL,
We are Living Proof”, de FOGEL, o primeiro de 1973 e o segundo de 1975 e o
mais conhecido o “Doing Justicede Andrew von HIRSCH em 1976.
61
Outras considerações sobre a seriedade do crime foram aventadas pelos
retributivistas, baseadas no “dano ao padrão de vida da vítima” causado pelo crime,
sugerindo quatro tipos de interesses: integridade física, apoio material e amenidade,
liberdade de humilhação e tratamento degradante, privacidade e autonomia. Para
esse julgamento, von HIRSCH e JAREBORG sugerem quatro diferentes níveis de
padrão de vida: subsistência, bem estar mínimo, bem estar adequado e bem estar
60
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.40.
61
HUDSON. Understanding..., op.,cit.p.40.
xxvii
melhorado, conforme GOMES DA SILVA.
62
A pena seria determinada dependendo
do tipo de padrão de vida ferido pela conduta criminosa: quanto maior o nível, ou o
valor do bem atingido, maior a gravidade do crime e consequentemente a pena a ser
imposta. Assim o roubo de um aparelho de TV seria menos gravoso que um
incêndio doloso, que arriscou a subsistência do morador ofendido com o incêndio.
Nem sempre, contudo, o neoretributivismo esteve associado à defesa da
contenção do poder punitivo. Retributivistas de esquerda ou radicais consideravam
os processos judiciais intrusivos e os de direita achavam leves e ineficazes.
63
De
qualquer forma, a descrença com a legitimidade do judiciário, por força dos
enfoques utilitaristas, inspirou, especialmente no Reino Unido e na Europa
Ocidental, movimentos como o “back to justice ” (de volta à justiça)
64
.
As versões liberais do “justo merecimento”, o just deserts como é
deonominado o retributivismo, distorcem as doutrinas quando se entrelaçam com
as políticas públicas como o getting tough
65
e as regras ditadas pelos políticos
conservadores do law and order”, (lei e ordem) que mantêm o senso de
normalidade da maioria tiranizando a minoria, destacam BRAITHWAITE e
PETTIT.
66
Os políticos tendem a descartar as melhores doutrinas se o apelo à
vingança, ao aprisionamento, se vislumbram mais populares, satisfazem o
eleitorado, a mídia, movimentam o big government”, (grande governo) e a
indústria carcerária.
HUDSON aponta que dois problemas com a teoria do deserts”: o de
como ranquear a seriedade do crime, ou seja a questão da proporcionalidade ordinal
e a da proporcionalidade cardinal.
67
A questão de ranquear as ofensas de acordo
62
GOMES DA SILVA, Eliezer. In Direitos Fundamentais, Liberdade e
Democracia: aplicando a teoria de Amartya Sen na redefinição do conceito de
culpabilidade, à luz das exigências do estado democrático de direito. Conpedi. Manaus:
2000. p. 5158. Disponível em
<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/eliezer_gomes_da_silva.pdf>
63
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.40.
64
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.40.
65
Trad. Livre. Tornando duro. Política para enrijecimento das penas e
encarceramento. (BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts..., op.,cit.p.06-07).
66
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts..., op.,cit.p.07.
67
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.45.
xxviii
com uma gravidade mensurada é a proporcionalidade ordinal, e a cardinal é aquela
que estabelece uma severidade/gravidade geral, ou seja, o que considera como a
mais severa penalidade, acima de tudo,
68
e acrescenta que a teoria retributivista
pode ajudar com a graduação de punição dentro de uma escala da mais severa e
menos severa, entretanto não pode auxiliar como alcançar esta escala.
69
HUDSON salienta que na verdade essa questão não será resolvida
facilmente. Sempre haveum debate, uma insatisfação sobre o que será melhor em
termos de punição, que os anseios do povo podem vir justamente de um sistema
que acabe punindo o ofensor, na exata medida da gravidade do delito (retribuição),
ou propicie a (prevenção) do crime, impeça que outros cometam crimes (funções de
intimidação), outros que exerça o Estado uma função de (reabilitação), outros de
(restauração do ofensor e da vítima), ou ainda que incapacite o ofensor
(incapacitação) etc.
70
Os sistemas são movidos por “modas” ou “tendências”, muitas vezes
efêmeras, influenciadas pelas ideologias, ou pelos programas governamentais
escolhidos, uma vez que os que têm o instrumento de poder em mãos “ditam as
regras”. Além disso, a população, muitas vezes mobilizada pelo acontecimento de
algum crime bárbaro, exige, cobra das autoridades legislativas leis mais duras de
combate à criminalidade, ou exatamente o contrário, nos países que adotam a pena
de morte, é comum dias antes, ou próximo da data da execução, longos debates,
movimentos políticos e populares no congresso, passeatas e multidões clamando
pelo afastamento da pena de morte.
1.4 AS TEORIAS AGNÓSTICAS
68
Se o aprisionamento é a pena mais severa, então períodos curtos de prisão e penas
sem custódia são menores. Se entretanto a pena de morte é a mais severa então prisões podem
ser consideradas de baixa severidade. The point is no wether you or I agree or disagree with
the proposals, but that deserts theory contains no principle which would tell us that those are
indeed properly commensurate sentences”. (HUDSON. op.cit. p.46).
69
Put simply the problem is that deserts theory can help with the graduation of
punishments within the most severe and least severe points, but can do nothing to tell us what
those anchoring points should be.” (HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.45).
70
HUDSON.Understanding..., op.,cit.p.04.
xxix
Sem qualquer pretensão de esgotar todas as teorias chamadas de agnósticas,
negativas
71
ou deslegetimadoras do direito penal, ou ainda teorias denominadas de
abolicionistas (cujos fundamentos filosóficos e políticos são por demais amplos e
díspares, como anota FERRAJOLI).
72
Esta seção tratará de alguns enfoques críticos
que negavam qualquer legitimação interna ao poder de punir, preferindo denunciar
sua função política de controle social.
No final do século XIX, o mundo assistiu ao surgimento do pensamento
marxista e com ele toda uma gama de pensadores, de doutrinas e de teorias e da
própria criminologia socialista, na qual a explicação do crime advém de uma
constatação dos males do capitalismo, ou seja que o crime resulta do sistema
capitalista e que a solução para o desaparecimento do crime resulta de dois fatores,
primeiro o declínio do sistema capitalista e segundo a implementação do
socialismo.
73
A reflexão de que se possa identificar em Karl MARX, uma teoria no
campo penal, não pode prosperar, exatamente porque no seu modelo não haveria
espaço para os conflitos penais, uma vez resolvidos pelo socialismo. Seus estudos
se restringiram ao campo sócio econômico, mas para o marxismo o direito penal
nasceu deslegitimado, diz ZAFFARONI.
74
A despeito de sua análise social apurada,
suas reflexões em torno do sistema penal foram superficiais, aponta ZAFFARONI.
Até porque considerava necessário deslegitimar todo o sistema penal, mais ainda
deslegitimar todo o direito, na medida em que esse se compunha de uma
“superestrutura ideológica”,
75
mantida em benefício de uma classe opressora
76
.
71
As positivas são as que denominam de giustificazionistiche e justificam os custos do
direito penal com os escopos, razões, funções moralmente ou socialmente consideradas
irrenunciáveis. As negativas são aos que de outra forma é respondida pela doutrina
abolizionistiche que não reconhecem qualquer justificação ao direito penal. FERRAJOLI.
Diritto...,op.cit.p.233
72
FERRAJOLI. Diritto...,op.cit.p.235.
73
FIGUEIREDO DIAS. Jorge. e ANDRADE. Manuel da Costa. Criminologia..., op.,
cit. p. 25.
74
ZAFFARONI. Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas. A perda de
legitimidade do sistema penal.Trad. Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio
de Janeiro: Revan, 5.ª ed. 1991. p.51.
75
ZAFFARONI. Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas...,op.,cit.p.51.
xxx
Entretanto, cabe assinalar que o legado marxista influenciou sobremaneira
PACHUKANIS,
77
o mais fiel teórico de uma teoria de direito de cunho marxista,
que operou profundas transformações na Rússia pós-revolucionária.
78
GARLAND
registra que a punição moderna é situada em PACHUKANIS como um instrumento
político-ideológico do Estado burguês, estruturado por categorias econômicas
espalhadas na promoção do poder de controle de classes.
79
A deslegitimação do direito penal se deu também de forma singular e
precursora pelo Instituto de Frankfurt
80
que publicou uma obra escrita por RUSCHE
e KIRCHHEIMER, “Pena e Estrutura Social” em 1939, com severas críticas ao
sistema prisional e ao sistema penal, advogando a idéia de que o mercado de
trabalho, suas flutuações e exigências e as forças políticas-econômicas para redução
de gastos, e forças religiosas e fenômenos sociais sejam determinantes na pena.
81
Identificou nas classes mais pobres as maiores vítimas dos sistemas penais, o que
acarretava um ciclo de pobreza ainda maior, pois quanto maior a opressão sobre
estes indivíduos, maior a dificuldade de abandono desta condição - defendiam.
Sustentavam que a intimidação é dependente da situação laborativa. Mais oferta de
trabalho corresponderia a maior crueldade nos castigos. Com a diminuição da
oferta, a mão de obra seria mais bem aproveitada, inclusive a prisional. Este sistema
76
ZAFFARONI aponta que a interpretação positivista do marxismo caiu num
materialismo grosseiro, utilizando citações de líderes comunistas e trabalhados de forma
intransigente. Confundiram-se primeiro escondendo os manuscritos de Marx e depois
sustentaram a existência de um Marx pai e um Marx filho. E se expressa: “O certo é que Marx
com seu romântico (comunismo) e sua ditadura do proletariado, havia deixado aberto o caminho
para a ditadura russa, dando a ela um argumento ideológico superestrutural.” Teve como
resultado, esclarece ZAFFARONI se referindo a ligação do marxismo com o positivismo: “um
sistema penal de ferocidade superior ao fascista, e que nada tem de invejar ao nazista.” op.cit. p.
336.
77
Escreveu “A teoria marxista do direito e a construção do socialismo”, de 1927, “O
aparato de Estado soviético na luta contra o burocratismo” de 1929 e “Estado e regulação
jurídica” de 1929.
78
GOMES DA SILVA, Eliezer. Fundamentos Éticos..., op., cit.p. 210-211.
79
GARLAND. David. Punishment and modern society: a study in social theory.
Oxford: Oxford University Press, 1990. p. 118.
80
GARLAND. Punishment and…, op.,cit.p. 89.
81
GARLAND. Punishment and…, op.,cit.p. 95.
xxxi
foi considerado simplista, em virtude de uma reflexão que vincula prisão ao
trabalho de forma tão direta, esclarece ZAFFARONI.
82
Michel FOCAULT tornou-se mundialmente conhecido nas diversas áreas
das ciências humanas, tendo grande influência nas reflexões criminológicas e
político criminais, sobretudo com sua obra Vigiar e Punir”, na qual denuncia as
práticas abusivas do sistema prisional, especificamente com relação ao instituto da
prisão celular. Ele asseverava que os sistemas de vigilância são criados e mantidos
para manutenção do poder na sociedade e que institutos como as prisões, os
manicômios, os asilos, hospitais, o sistema policial e mesmo o sistema
educacional
83
funcionariam mais ou menos como “olhos e ouvidos do rei”
84
no
processo de supervisão, de vigilância, de disciplina, correção, intimidação e de
emenda social. Funcionariam, segundo o pensamento foucaltiano, como processos
de “docilização” do ser humano, condicionando-o à sociedade, na qual não haveria
espaço para rebeldia. O crime era visto por FOCAULT como qualquer atividade
que ameaçasse esse poder, o próprio saber estaria vinculado a este sistema. Para
tanto, ele sugeriu a deslegetimação do saber e das ciências humanas.
GARLAND entende que o estudo da pena ou de qualquer instituto social
não pode ser visto somente de um enfoque limitado ao poder ou à racionalidade,
mas salienta que uma visão muito mais ampla é necessária. Ele menciona que
enquanto muitos sociólogos tendem a generalizar e utilizar os conceitos de
FOCAULT, os historiadores são mais reticentes. Alguns têm contestado sua
interpretação sobre quando e por que as práticas de torturas e execuções foram
abandonadas na Europa (que FOUCAULT localiza entre os anos de 1750 e 1820 e
registra como uma mudança estratégica no exercício do poder). Segundo Peter
SPIERENBURG, o abandono de tais práticas não pode ser visto como evento
independente, mas resposta de um estágio de privatização da pena e uma redução na
cena do sofrimento, vinculadas a uma alteração na sensibilidade e nas atitudes em
82
MELOSSI. Dario. PAVARINI. Massimo. Cárcere e Fábrica..., op.,cit.p.56-57.
83
ZAFFARONI. Em busca..., op.,cit.p. 62.
84
Termo utilizado na época do absolutismo para denominar o processo de
investigação da informação colhida entre o povo, entre a plebe e levada ao conhecimento da
nobreza.
xxxii
relação à violência. O trabalho de LANGBEIN igualmente aponta que, segundo
GARLAND, as mudanças nas leis processuais foi o que provavelmente causou o
abandono da tortura.
85
FERRAJOLI considera teoria abolicionista somente aquela teoria
axiológica que objeta o direito penal como legítimo, em virtude de não encontrar
neste uma finalidade moralmente justificável da aflição, ou que repute vantajosa a
abolição da forma jurídica penal da sanção punitiva e a sua substituição como meio
pedagógico ou como instrumento de controle informal e social.
86
Os abolicionistas mais radicais sustentam a deslegetimação completa da
coerção penal e social, enquanto os mais moderados questionam a legitimidade do
direito penal. Louk HULSMAN, criminólogo holandês, talvez seja o mais célebre
do abolicionismo, considerado como movimento social e como teoria crítica. O
abolicionismo como teoria crítica se refere a valores acadêmicos independentes de
práticas sociais existentes, para permitir uma avaliação mais objetiva dessas práticas
à luz de uma moral definida. Ele assinala que é necessário abolir a linguagem da
justiça criminal em tal avaliação do sistema. A teoria crítica defende, em última
análise, que a justiça criminal é uma instituição artificial e que sua construção não
pode ser legitimada.
87
Questiona fortemente o direito penal principalmente pelas
suas cifras negras e a neutralidade dos efeitos penais e pugna pela sua total
eliminação, destaca SALIBA.
88
Tanto o abolicionismo quanto o direito penal
mínimo negam o delito como realidade ontológica, o que se denomina delito tem
sua existência não por natureza, senão por definição, intervenção do sistema penal.
Um comportamento é considerado criminoso segundo a definição do sistema.
89
No
85
GARLAND. David. Punishment and…, op.,cit.p. 157-158-159.
86
FERRAJOLI. Diritto...,op.cit.p. 234.
87
Disponível em <http.//br.geocities.com/eredrio/arthul.htm> Acesso em 08.07.09
10:00
88
SALIBA. Justiça Restaurativa..., op.,cit.,p.59.
89
SÁNCHEZ. Mauricio Martínez. El problema social “Sistema Penal” el sistema acusado por
los abolicionistas.
In ARAUJO JUNIOR. Joao Marcelo de.(org). Sistema Penal para o Terceiro
Milenio. Ato do Colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan. 1991.
xxxiii
Brasil, Edson PASSETTI defende que o abolicionismo é um discurso estratégico de
forças libertadoras das práticas punitivas modernas.
90
Com foi dito, sem pretender aqui um esgotamento doutrinário e
metodológico destas doutrinas e reputá-las abolicionistas, substitucionistas,
reformistas
91
ou ainda libertárias e anarquistas, o objetivo aqui foi mencionar, em
apertada síntese, autores e teorias que, ao invés de se oporem ou qualificarem os
modelos retributivistas e prevencionistas da punição, sustentaram o utilitarismo não
jurídico mas político do funcionamento do sistema penal, retirando a legitimidade
do próprio direito de punir, resumido em poder de punir.
Portanto, para o correto entendimento do sistema penal, não como
desprezar o sistema político em que ele está inserido. A nossa Carta Maior
contempla o Estado Democrático de Direito, em viés republicano e não como
viabilizar qualquer reforma no sistema penal sem antes integrá-la no sistema
político, em acomodação com os valores fundamentais constitucionais. Daí a
importância de uma teoria da justiça criminal assentadas nas bases constitucionais,
políticas e filosóficas do republicanismo.
90
SALIBA. Justiça Restaurativa..., op.,cit.,p.59.
91
FERRAJOLI denomina abolicionista a teoria que propõe uma deslegitimação do
sistema penal existente, a substitucionista a que propõe a substituição da pena por tratamentos
pedagógicos ou terapêuticos, porém ainda mantidas no viés institucional do tipo informal e
coercitivo e as reformistas, que primam pela redudibilidade da intervenção penal ou abolição em
favor da pena menos aflitiva do que a carcerária. (FERRAJOLI. Diritto...,op.cit.p.234).
xxxiv
CAPÍTULO II
REPUBLICANISMO E JUSTIÇA CRIMINAL À LUZ DE PETTIT E
BRAITHWAITE
2.1 A LIBERDADE
Tema que suscitou em todos os tempos e entre muitos personagens da
filosofia e da teoria jurídica dúvidas e reflexões foi o da liberdade. A própria
conceituação do fenômeno jurídico parte do conteúdo axiológico atribuído à
liberdade, e o direito como uma coordenação de comportamentos reconhecidos
reciprocamente como legítimos, aponta REALE.
92
Mas que comportamentos seriam
legítimos e que comportamentos seriam ilegítimos? Qual a extensão e amplitude da
liberdade inerente ao ser humano? Todos os seres humanos o sujeitos de
liberdade?
A liberdade tem tantas acepções e variedades quanto as ideologias e
regimes políticos econômicos que a determinaram, ressalta FIGUEIREDO
COSTA.
93
A liberdade tem razão ôntica na coletividade, porque o isolamento a
92
REALE. Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva. 2002. 20.ed. p. 351.
93
COSTA. Leonardo Luiz de Figueiredo. Limites Constitucionais do Direito Penal.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007. p. 11.
xxxv
descaracteriza, dela o advindo qualquer interesse. Portanto, sua importância se
inicia na coletividade e é alcançada na polis, na sua participação cidadã.
Desde os mais remotos agrupamentos humanos a liberdade não era
absoluta e nem todos os contingentes humanos possuíam a mesma extensão e
abrangência do seu gozo, variando geograficamente, cronologicamente e em relação
ao seu titular.
Emmanuel KANT havia refletido sobre os assuntos relativos à liberdade,
nos primeiros traços de sua “Metafísica dos Costumes” (1785), referindo-se à
liberdade como único direito inato do ser humano, transmitido pela natureza e o
por autoridade constituída, independente de qualquer coerção imposta pela vontade
de outro.
94
Benjamin CONSTANT, filósofo francês fez uma formulação da liberdade
dos antigos e dos modernos, intitulada De la liberte dos Anciens comparée à celle
des Modernes”, proferida numa conferência pública no Ateneu Real de Paris em
1819. Tais liberdades não eram produto de continuidade ou evolução, mas dois
modelos de liberdade que se opunham. A liberdade dos antigos era a liberdade
como participação coletiva na soberania, vinculada sempre à noção de participação
popular, espelhada e exemplificada na participação política ateniense. A liberdade
dos modernos é a liberdade civil e individual, atrelada à ideia de representação
popular e não participação coletiva. A liberdade dos tempos antigos era constituída
por tudo o que assegurasse aos cidadãos a maior parte do exercício do poder social e
a liberdade dos modernos era constituída por tudo o que garantia a independência
dos cidadãos contra o poder.
95
Duas concepções de liberdade passaram a dominar o entendimento sobre o
assunto: a negativa ou formal e a positiva ou substancial. Esses conceitos foram
aprimorados por Isaiah BERLIN, professor de filosofia da Oxford, retomando as
considerações de CONSTANT, nos primórdios da Guerra Fria. BERLIN foi uma
94
BOBBIO. Norberto. Teoria Geral da Política. A filosofia política e a lição dos
clássicos. Org: Michelangelo Bovero. Trad. Daniela Beccaria Versiani. Rio de Janeiro:
Campus. 2000. p 475-476.
95
DABDAB TRABULSI. José Antonio. Disponível em
<www.historia.uff.br/tempo/artigos_livre/art6-9.pdf > Acesso em 15/06/09 16:02 p.5
xxxvi
figura amplamente conhecida por sua estreita defesa ao liberalismo em
contraposição a qualquer postulação marxista ou fascista.
A liberdade negativa para ele tem essa qualificação porque opera
negativamente, pela não-interferência, pela ausência de coerção nas esferas
protegidas da vida do indivíduo, ressalta CASARIN.
96
Aliás BERLIN mesmo
salientava: O sentimento fundamental da liberdade é a liberdade dos grilhões, do
aprisionamento, da escravidão por outros. O resto é extensão deste sentido, ou então
é metáfora”
97
. Ou “Até que ponto sou governado?” “Qual é a área em que um
sujeito uma pessoa ou um grupo de pessoas é ou deve ter permissão de fazer ou
ser, sem a interferência de outras pessoas?”.
98
A liberdade de consciência,
privacidade, expressão, inviolabilidade do domicílio, direito à integridade física e
um conjunto de regras para garantia da racionalidade e proporcionalidade no
sistema penal compõem o núcleo, segundo o que afirma CASARIN os chamados
direitos negativos.
99
Na verdade, a defesa destes direitos individuais, expressos na
liberdade negativa, apresentou-se sempre como uma conquista liberal. Uma
realização da totalidade de seu potencial dentro de sua vontade e não forçada pelo
Estado.
A liberdade positiva para BERLIN é a que resulta da seguinte questão: “O
quê ou quem é a fonte de controle ou interferência capaz de determinar que alguém
faça, ou seja, uma coisa em vez de outra?” ou “Por quem sou governado?”.
CASARIN simplifica nos seguintes termos as duas liberdades: Liberdade de e
liberdade para, liberdade individual e autogoverno coletivo, liberalismo e
democracia
100
ou liberdade dos modernos e liberdade dos antigos.
101
BERLIN
adverte para o risco da restrição à liberdade individual em determinados limites,
96
CASARIN. Júlio César. Isaiah Berlin: Afirmação e Limitação da Liberdade in
Revista de Sociologia e Política V. 16, n.o. 30: 283-295 Jun 2008
97
CASARIN. Isaiah Berlin...,op.,cit.p.283-295.
98
CASARIN. Isaiah Berlin...,op.,cit.p.283-295.
99
CASARIN. Isaiah Berlin...,op.,cit.p.283-295.
100
Não nos parece, inobstante correta tal identificação da democracia com a liberdade
positiva, já que a liberdade positiva enunciou uma longa cadeia de totalitarismos anti-
democráticos.
101
CASARIN. Isaiah Berlin...,op.,cit.p.284.
xxxvii
definidos pelo Estado. Para que a liberdade positiva exista, entretanto se faz
necessário que existam condições para o seu exercício. Por isso se diz que é um
potencial de liberdade.
Jonh RAWLS, talvez tenha sido o autor que mais tenha contribuído para a
construção de uma liberdade sob o ponto de vista da liberdade dos modernos, ou a
liberdade negativa. Ultrapassando os questionamentos sobre a liberdade negativa ou
positiva, assenta um debate que tem a ver com os valores relativos das várias
liberdades quando conflitantes entre si, e salienta:
“por isso, simplesmente presumirei que qualquer liberdade pode ser explicada mediante
uma referência a três itens: os agentes que são livres, as restrições ou limitações que eles
estão livres, e aquilo que eles estão livres para fazer ou não fazer”. “Colocados nesse
contexto as pessoa têm liberdade para fazer alguma coisa quanto estão livres de certas
restrições que levam a fazê-la ou não fazê-la, e quando sua ação ou ausência de ação está
protegida contra a interferência de outras pessoas.”. “Não apenas deve ser permissível
que os indivíduos façam ou não façam determinada coisa, mas também o governo e as
outras pessoas devem ter a obrigação legal de não criar obstáculos”.
102
Para o pleno conhecimento de qual a razão que se quer objetivar numa
teoria republicana na seara da justiça criminal se faz necessário o entendimento dos
ideais republicanos de liberdade e não só, o desenvolvimento histórico e doutrinário
que impulsionou esse ideal republicano. O estudo da questão da liberdade tem
especial interesse para o nosso questionamento, porque é exatamente nas questões
afetas à liberdade que o sistema de justiça criminal foi influenciado por teorias e
doutrinas que marcaram e o conduziram.
2.2 A LIBERDADE REPUBLICANA
102
RAWLS. John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes. 2002 p. 218-
219 trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves.
xxxviii
Philip PETTIT suscita uma teoria republicana, diante de seu
inconformismo com as concepções filosóficas e históricas concebidas no que diz
respeito à liberdade negativa e positiva e que se originou dos estudos sobre a
liberdade antiga e a liberdade moderna. O autor concebe o estudo destas liberdades,
dum ponto de vista partido, em que uma liberdade representa o liberalismo, ou seja,
a liberdade negativa, extraída de Isaiah BERLIN, originária nos pensamentos
filosóficos de HOBBES, Jeremy BENTHAM, Stuart MILL, MONTESQUIEU,
John RAWLS, Bemjamin CONSTANT, Aléxis de TOCQUEVILLE, Thomas
JEFFERSON e Thomas PAINE, e que se firmou no liberalismo moderno e de outro
modo, a liberdade positiva extraída das concepções que ele chama de românticas de
HERDER, ROSSEAU, KANT, FICHTE, HEGEL e MARX, com pensadores
políticos radicais e radicais religiosos, jacobinos e comunistas e que se firmou como
totalitaristas, intervencionistas extremados.
103
PETTIT caracteriza as liberdades de BERLIN
104
estabelecendo uma
comparação com as de CONSTANT. Para ele a liberdade negativa é aquela que é
exercitada sem obstáculos e sem impedimentos. É a ausência de interferência, mais
ou menos intencional, a ausência de coerção física e de qualquer ameaça crível. É a
liberdade dos modernos no dizer de Benjamin CONSTANT, a liberdade de deixar
ao arbítrio de nossa própria vontade privada. Por esta razão é a liberdade do
liberalismo. PETTIT trazendo RIKER classifica a liberdade moderna de
CONSTANT como a negativa de BERLIN, e a liberdade antiga do francês, a
103
PETTIT. Philip. Republicanismo. Una teoría sobre la libertad y el gobierno.
Barcelona. Buenos Aires. México: Paidós. 1999. p.35-36.
104
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p. 35-36.
xxxix
liberdade de pertencimento a uma comunidade democrática, como a liberdade
positiva de BERLIN.
105
A liberdade positiva ao contrário é mais do que a ausência de interferência,
mas do que desejar a paz para o próximo, exige uma interatividade, requer que os
seus agentes tomem parte, por meio do autocontrole e do autodomínio. PETTIT
reflete que tal liberdade pode ser atrativa, mas que pode ser interpretada de forma
omissa, causando uma supressão da vontade individual, descentralizada. Na
caracterização de Benjamin CONSTANT é a liberdade dos antigos, PETTIT
esclarece que o ideal moderno seria liberal e o antigo, populista.
106
Ele reclama que essa diferenciação entre liberdade positiva e negativa
gerou uma limitação filosófica das reflexões em torno da liberdade, como se
estivesse ela reduzida a estas duas concepções.
107
Isto acabou por dar origem a uma
rotulação a menção à liberdade dos antigos era interpretada como participação
democrática e a menção à liberdade dos modernos era interpretada como
individualista e liberal e se apoiasse a participação democrática seria entendida não
como um bem em si mesmo, mas unicamente porque dela adviria certa utilidade
individual. Deslocou-se também em liberdade pública e privada. A pública, em
que os indivíduos estão sempre interessados na participação e no desejo de
105
“la libertad moderna de Constant es la libertad negativa de Berlin, y la libertad
antigua del francés la libertad de pertenecer a una comunidad democráticamente
autogobernada es la variedad más descollante de la libertad positiva de Berlin”.(PETTIT.
Republicanismo…, op., cit. p. 36).
106
“la libertad antigua consistiria em compartir el poder de uma voluntad pública
democráticamente determinada. El ideal moderno sería característicamente liberal; el antiguo,
característicamente populista.” (PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.37). O termo populista
do autor, não tem a ver com a Tradição Populista, ou Tradição Radical Populista, que teve sua
origem em Thomas Paine nos EUA, manifesta pelos conclamos populares, mas sim pelo
populismo, termo que designa os regimes totalitários.
107
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.37.
xl
pertencer a um grupo social, e a privada se destaca num desprendimento inerente
ao ser humano, uma esfera privada de atividade em que cada indivíduo pode
prosseguir como quiser o seu próprio caminho.
108
PETTIT assenta uma nova forma de concepção da liberdade, que o
descreve como liberdade republicana, uma liberdade que mescla pontos
assimiláveis tanto da liberdade positiva quanto da negativa. Entretanto, para o
aprofundamento de uma liberdade que reflita os devidos anseios republicanos, não
se pode conceber esta espécie de liberdade distante do estudo do republicanismo,
que se refere como largo e amplo.
109
A noção de liberdade republicana foi construída não a partir do que se
quer manter, mas também dos males que se quer evitar. Os romanos sabiam que o
fato de não sofrer interferência, não constituía para eles liberdade, apontam
BRAITHWAITE e PETTIT,
110
mas sim o fato de ter da lei certa proteção,
incorporando o sujeito como cidadão é que lhe conferia o caráter de liberdade.
Assim um escravo liberto, por si não era detentor de liberdade, porque ainda que
livre não lhe era permitido a participação nos assuntos políticos.
Com o crescente poder da nobreza, a construção dos Estados absolutistas, a
ascensão da figura do estado nacional, com as guerras fortalecendo o sentimento
de pertencimento, de patriotismo, repousando no rei a figura de herói e vinculando a
sua empreitada ao uso da força bélica, a dominação tomou corpo e a concepção de
liberdade no seu sentido liberal começou a ser criticada e repensada.
Inobstante, foi através das revoluções do Século XVIII que a liberdade
passou a ser vista como não-dominação e desempenhou um importante papel nas
repúblicas italianas, as primeiras comunidades políticas européias modernas,
108
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.37.
109
É o principal foco de interesse da recente escola de Historiografia Acadêmica, que
conta com obras bem recentes, de Fontana, 1994, Bock e outros 1990 e Oldfield em 1990.
110
BRAITHWAITE e PETTIT. Not just deserts…, op. cit. p. 59.
xli
inclusive na Holanda e durante a Guerra Civil Inglesa,
111
sendo que foi
indubitavelmente na República Norte-Americana e na República Francesa que se
consolidou e frutificou. Esta tradição esteve presente nas obras de HARRINGTON,
MONTESQUIEU e TOCQUEVILLE, ROSSEAU nas Epístolas de Caton
112
de
TRENCHARD e GORDON e nos Federalist Papers.
Esse novo republicanismo valorizou os direitos consuetudinários, legais e
constitucionais, destaca PETTIT como pilares erguidos frente ao poder absolutista.
Desvenda o que vem a ser a liberdade como não-dominação e defende a ideia de
que este tipo de liberdade foi a que surgiu e vinha surgindo aos poucos, na
revolução norte-americana.
113
Uma liberdade que se contrapôs ao monarquismo,
impedindo o poder absoluto. Dito poder foi substituído pelo poder constitucional,
porque a constituição seria fruto da vontade popular e limitadora dos desvios e
exageros surgidos na comunidade, mas não só na comunidade, nas elites, e no
próprio cunho governamental.
Adotaram uma forma descentralizada, confirmando os direitos dos
indivíduos, inclusive seus direitos contra os poderosos, contra as elites. Afinal não
estavam mais vivendo sob o império de um monarca, mas sob o império da lei.
Esta liberdade, fruto do republicanismo e mais precisamente da tradição
republicana é uma liberdade que traz em seu âmago a não-dominação, insiste
PETTIT. Não é a concepção negativa ou liberal de liberdade como não-
interferência, e adiciona que também não foi a ideia de liberdade negativa ou
moderna que recepcionou a Revolução Norte-Americana, mas sim essa liberdade
como não-dominação.
2.3 A LIBERDADE COMO NÃO-DOMINAÇÃO
111
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.38.
112
Publicações feitas em Londres, de 1720 a 1723 a favor do republicanismo, dando
ênfase à liberdade de consciência, expressão, condenando a corrupção e a falta de moralidade no
sistema político britânico, embasadas nas teorias de Jonh Locke.
113
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.40.
xlii
A ideia principal de PETTIT dentro de uma teoria política republicana traz
uma concepção de liberdade que o Estado deva patrocinar, não como o-
interferência não como ausência de restrição e constrição, respectivamente os
vocábulos ingleses: restrain e constraint mas como não-dominação: a ausência de
expor um sujeito à capacidade de interferência arbitrária.
114
O autor assenta seu posicionamento observando as diferenças entre a
liberdade negativa dos novos liberais, que ele vislumbra como liberdade de não-
interferência e a liberdade dos velhos republicanos que vislumbra como de não-
dominação.
Os velhos republicanos entendiam a liberdade como equivalente à
cidadania. Significava não estar vulnerável à interferência de outrem, ou ao menos
não estar vulnerável a uma interferência arbitrária. Isto é o que o autor propõe para a
correta concepção do vocábulo (não-dominação). Essa interferência tem como
característica a intencionalidade ou ao menos a responsabilidade. O autor o
considera interferência os atos não intencionais.
A vítima da interferência pode ser limitada a fazer algo, pode ser ameaçada
com um ônus maior ou extra, alguma penalidade, na eventualidade de fazer, ou ser
penalizada por ter feito, o que são na verdade efeitos da interferência, segundo
PETTIT.
A noção republicana de liberdade pode admitir a interferência, mas não
admite a interferência arbitrária. Assim sendo, é pertinente se questionar o que faz
de um ato uma interferência arbitrária. Para a resposta a esta questão PETTIT
esboça a interferência, que chamamos de justa e a que chamamos de injusta. A justa
é aquela que constrange um ato para satisfazer os interesses daqueles que sofrem a
interferência, de acordo com as ideias estabelecidas segundo aqueles interesses. É
injusta, entretanto, se a interferência apontada contiver ideias ou interesses
diferentes, então representará uma imposição de base arbitrária.
115
Em outras
palavras: Justa é a interferência que é adequadamente constrangida e injusta é a que
114
PETTIT. Philip. Republican Theory and Criminal Punishment in Utilitas. Vol.
9, no. 1, March 1997 Edinburgh University Press 1997 p. 59.
115
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.61.
xliii
impõe idéia e interesses não adequados, que não se coadunam com o que foi
estabelecido.
O antônimo de liberdade, salienta PETTIT, nem de longe envolve a noção
de interferência, mas somente de interferência arbitrária, e mais ainda, o contrário
de liberdade não requer que a interferência arbitrária seja atual, mas que o agente
ativo tenha capacidade para interferir, ou seja, vulnerabilidade, ou que o agente
ativo, aquele que interfere possa ter potencialidade para interferir. Assenta-se nele o
arbitrium, a decisão ou o julgamento.
116
Nas suas palavras:
“Um ato de interferência não será arbitrário se for adequadamente constrangido a
satisfazer os interesses daqueles que sofrem a interferência, de acordo com aqueles
interesses; se impuser interesses diferentes, então ele representará imposição de base
arbitrária.”
117
Disto resulta o seguinte: é mais difícil a perda da liberdade quando não se
admite a arbitrariedade e é mais fácil a perda da liberdade quando o agente ativo
tem a capacidade, a potencialidade para interferir, mesmo que não interfira.
118
Quando não se admite a arbitrariedade o agente passivo fica livre, porque tem
consciência que não sofrerá interferência arbitrária. Quando, no entanto, o agente
ativo tem potencialidade para interferir, mesmo que não interfira, o agente passivo
sabe que não está livre porque quando o agente ativo quiser poderá interferir e o
agente passivo ficará à mercê do arbítrio do agente ativo.
2.4. PERDA DA LIBERDADE COMO NÃO-DOMINAÇÃO
Aqui PETTIT analisa a possível perda da liberdade nas concepções de
liberdade, a liberal e a republicana. É claro que um regime legal coercitivo envolve
116
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.61.
117
An act of interference will be non-arbitrary so far as it is suitably constrained in
particular so far as it is constrained to satisfy the interests of those who suffer the interference,
according to their ideas about those interests; if it imposes alien ideas or interests, then it will
represent imposition on an arbitrary basis.”(PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.61).
118
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.61.
xliv
sempre interferência, as pessoas serão penalizadas por infringir a lei. resta a
conclusão: pelo regime liberal, aquele que não admite interferência, isto vai
comprometer a liberdade das pessoas e representapor consequência uma perda de
liberdade. Então, qualquer sujeição legal será na verdade uma perda de liberdade.
Na concepção de liberdade republicana, no entanto, as pessoas viverão debaixo de
leis e havendo uma estipulação” que regule as condições a serem exercitadas a
confecção, interpretação e implementação da lei não seja arbitrária contanto que a
coerção legal envolvida seja constrangida pelos interesses e julgamentos dos
envolvidos. Será arbitrária quando representar interesses ou noções distintas
daquelas estipuladas. A “estipulação”, que PETTIT chama de proviso é que o
regime legal represente uma “fair rule of law” (justa regra legal), e que seja
imposta de uma maneira contestável democraticamente – que qualquer que se
sentir lesado, possa pelos seus próprios padrões, obter uma audiência e julgamento
sempre que a lei represente uma imposição de interesses ou ideais contrários a
proviso”.
119
PETTIT esclarece que a lei constitui um comprometimento de liberdade,
um regime de coerção legal e restrição que tenha o mesmo efeito que um obstáculo
natural limitando ou dificultando as chances, as faixas sobre as quais as pessoas
possam escolher dentro de opções que elas não sofram dominação. Tal limitação de
liberdade seria segundo ele uma intrusão, pois os cidadãos comuns não estão em
liberdade para se comportar ilegalmente, sobre esta forma de limitação, e cidadãos
que são submetidos a penalidades, não estão em liberdade para fazer coisas que de
outra forma seriam perfeitamente legais: prisioneiros não estão em liberdade para se
mover como querem e aqueles multados não estão em liberdade para gastar o
dinheiro como bem desejam.
120
Os que propõem a liberdade como não-interferência não contam obstáculos
naturais como fatores que comprometem a liberdade porque tais obstáculos não
são intencionais. Mas admitem que esses obstáculos afetam a faixa de escolha as
119
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.62.
120
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.62.
xlv
opções sobre que liberdade como não-interferência pode ser exercitada. Os
obstáculos condicionam a liberdade, mas não a comprometem. Os proponentes da
liberdade como não-dominação movem o locus desta fronteira entre fatores que
comprometem e condicionam afim de que a interferência associada a uma justa e
democrática regra legal condicione a liberdade das pessoas de forma a parecer um
obstáculo natural e dessa forma assegure que não estão em liberdade para fazer
qualquer coisa, mesmo que ela não comprometa sua liberdade. PETTIT destaca que
dois grandes defensores do liberalismo, HOBBES e BENTHAM, inicialmente
foram advogados da proposição de que a lei representava ela mesma um
comprometimento da liberdade, muito embora rompessem com a tradição
republicana na sequência redefinindo a liberdade como não-interferência e
remoldando liberdade e lei. James HARRINGTON esclareceu que HOBBES
confundiu liberdade da lei – from the law – com liberdade propriamente dita,
liberdade pela lei freedom by the law. HARRIGTON
121
foi um defensor do
republicanismo, uma das figuras que mais contrapôs os ideais absolutistas de
HOBBES, com sua obra Oceana”. A liberdade à mercê da lei e a liberdade com
respeito à lei, em outras palavras. A primeira seria a liberdade dos Estados
republicanos e afins, a liberdade no sentido da cidadania e a segunda seria uma
liberdade encontrada em qualquer tipo de governo, de relevância menor. Porém,
esta liberdade cidadã somente existe mercê às leis, porque são forjadas por
indivíduos para a proteção deles próprios. Dessa forma na ocorrência de erros, a
culpa deveria recair sobre eles mesmos, porque foram elaboradas por eles. Esta
avaliação do (efeito de perda da liberdade) analisado faz uma associação entre a lei
e a liberdade.
A tradição norte-americana teve como corifeu John LOCKE, que seguiu o
caminho de HARRIGTON, se contrapondo a HOBBES. LOCKE defendeu o
121
James Harrington se notabilizou por ser um discípulo de Maquiavel no século
XVII, descartou as idéias de liberdade não social defendida por Hobbes, que havia afirmado que
os cidadãos da republicana Lucca podiam não ter mais liberdade do que os habitantes da
despótica Constantinopla. A famosa réplica de Harrigton: “He may have no more freedom from
the law, but he certainly has more freedom by the law.” (BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just
Deserts…, op.,cit.p.59).
xlvi
republicanismo e o direito como essencial à liberdade, para quem a lei servia não
para restringir ou abolir mas para preservar e ampliar a liberdade.
122
Tem-se aí,
portanto, que como advertido por LOCKE, o direito protege a liberdade, quando ela
sofre a ameaça do injusto, e acrescentou: “where there is no law, there is no
freedom”, (onde o lei, não liberdade).
123
Inobstante as considerações
contrárias de Sir Robert FILMER, fiel ao absolutismo, LOCKE acentua:
“A liberdade natural do homem nada mais é que não estar submetida a qualquer poder
terreno, e não submetido à vontade ou à autoridade legislativa do homem, tendo como
única regra apenas a lei da natureza. A liberdade do indivíduo na sociedade não deve
estar subordinada a qualquer poder legislativo que o aquele estabelecido pelo
consentimento na comunidade, nem sob o domínio de qualquer vontade ou restrição de
qualquer lei, a não ser aquele promulgado por tal legislativo conforme o crédito que lhe
foi confiado. A liberdade não é pois, como afirma Sir Robert FILMER, (uma liberdade
para qualquer homem fazer o que lhe apraz, viver como lhe convém sem se ver refreado
por quaisquer leis) a liberdade dos homens sob o governo importa em ter regra
permanente a lhes pautar a vida, comum aos demais membros da mesma sociedade e
feita pelo poder legislativo estabelecido em seu seio; a liberdade de seguir a própria
vontade em tudo o que não esta prescrito pela lei, não submetida à vontade imutável,
duvidosa e arbitrária de qualquer homem; assim como a liberdade natural consiste em
não sofrer qualquer restrição a não ser a lei da própria natureza.”
124
Os defensores da commonwealth entendiam que o bom direito é fonte de
liberdade, que o fim do direito não é o de cancelar ou restringir, senão preservar e
ampliar a liberdade. Richard PRICE não foi diferente, foi defensor dos mesmos
pilares de LOCKE e HARRINGTON, e assim se posicionou: “Assim, um governo
justo não infringe a liberdade, mas a estabelece. o anula os direitos da
humanidade, mas os protege e os confirma.”
125
122
that ill deserves the Name of Confinement which serves to hedge us in only from
Bogs and Precipices...the end of law is not to abolish or restrain, but to preserve and enlarge
Freedom”(PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.63).
123
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.64.
124
LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo:Ed. Martin Claret,
2006. p. 35.
125
PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.62.
xlvii
A independência norte-americana provocou oposições na Inglaterra em
meados do Século XVIII, a mando do primeiro ministro Lord NORTH. Uma dessas
oposições veio de John LIND,
126
direcionadas à obra de Richard PRICE, com o
mesmo discurso de que a liberdade era a ausência de coerção. Que toda lei é
coercitiva, e o seu efeito é restringir ou constranger. A liberdade de um lado e a
restrição ou constrição ou seja, a interferência de outro. Como a lei traria essa
interferência, logo traria a restrição e a constrição, dessa forma não haveria
liberdade na lei. LIND e outros autores foram influenciados por Jeremy
BENTHAM
127
, quem advogou que essa noção de liberdade que não admite
interferência era a pedra angular de seu sistema, ou seja, como ausência de
restrição.
128
O efeito da perda da liberdade vem do fato de que alguém perde a
liberdade o se outro interfere de forma arbitrária nas suas escolhas, mas na
medida que o agente ativo tem a capacidade para fazer isto, como já esclarecido.
Assim sendo, pela concepção republicana de liberdade o agente perde a
liberdade quando está subordinado ao arbítrio de outrem, ou seja, do agente ativo,
mesmo que ele não utilize esse arbítrio contra o agente passivo, ou mesmo nunca
utilize de forma hostil, destaca PETTIT.
129
Ele exemplifica o caso de uma esposa
que vive debaixo da dominação do marido. Mesmo que o marido seja amoroso e
cuidadoso ela o poderá contar com uma liberdade de não-dominação, e adiciona
exemplos de um empregado que vive a dominação do empregador, os membros de
uma minoria que vivem sob a égide da maioria e o devedor em relação ao credor.
Estes exemplos marcam uma relação de subserviência, na qual estão a esposa, o
126
Jonh LIND laborou para o Primeiro Ministro LORD NORTH, em meados dos anos
70 do Século XVIII, desincentivando a independência americana. Numa das obras, Três Cartas
ao Doutor Price (LIND 1776) objetou as opiniões de PRICE, ainda que não tenha mencionado
HOBBES, seu ponto de partida foi o suposto hobbesiano central que a liberdade “não é nem
mais e nem menos que a ausência de coerção”. (PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.64).
127
Jeremy BENTHAM foi inimigo da Revolução Americana e depois da Francesa,
BENTHAM e seus amigos se opouseram abertamente à causa americana em 1770, argumenta
PETTIT, trazendo HART 1982. ensayo 3. (PETTIT. Republican Theory…, op.,cit.p.64).
128
PETTIT. Republican …, op.,cit.p.66-67.
129
PETTIT. Republican …, op.,cit.p.64
xlviii
empregado, a minoria, o devedor ou qualquer um que esteja em situação de
subordinação.
Esta análise faz uma associação entre lei e escravidão. PETTIT esclarece
que após BENTHAM se tornou comum a assertiva que a lei representava um
comprometimento da liberdade, ainda que esse comprometimento indicasse uma
“utilidade”, ou que fosse afinal de contas para o “bem geral”. Entretanto antes de
BENTHAM quando a liberdade era oposta à dominação, a associação entre o
livre e escravo era completa. O significado de ser um não livre era viver da
misericórdia de outrem; e era viver debaixo de uma condição de escravidão.
O efeito da (facilidade de perda da liberdade) se conecta, segundo PETTIT
ao tema da escravidão, porque ainda que o senhor não interfira na liberdade do
escravo, ainda assim o escravo continua escravo, vivendo à mercê do dono. Ao que
conclui PETTIT, dominação e não liberdade mesmo que nenhuma
interferência ocorra.
130
O primeiro efeito citado acima, que associou liberdade e lei, ajudou os
defensores da causa americana a argumentar que enquanto os britânicos não eram
livres pela lei, porque a lei poderia não ser arbitrariamente imposta na Grã
Bretanha, os norte americanos não gozavam do mesmo status debaixo da lei
britânica. O segundo efeito discorrido ao associar lei e escravidão os ajudou a
argumentar que embora o Parlamento britânico pudesse não interferir nos negócios
americanos, oportunamente, o os tirava da condição de escravos dos britânicos.
Porque, evidentemente, sem qualquer restrição considerável no Parlamento
britânico que pudesse limitar sua vontade, o parlamento poderia a qualquer
momento subjugar os norte-americanos com novos e altos impostos.
131
A liberdade republicana valoriza a liberdade positiva e em particular a de
participação democrática,
132
mas não é uma concepção positiva de liberdade, seu
foco é evitar os males ligados à interferência.
130
PETTIT. Republican…, op.,cit.p.65
131
PETTIT. Republican…, op.,cit.p.66
132
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.46.
xlix
Na tradição republicana, a definição da liberdade passa pelo crivo de
mecanismos atuantes que controlam e gerenciam os males ligados à interferência,
como a democracia participativa, a representação política, a separação dos poderes e
o próprio controle de constitucionalidade. Sem esses mecanismos a liberdade estaria
fadada a ser derrotada pela dominação.
HARRIGTON sustentou a existência da liberdade com controles
democráticos. Que a liberdade do povo não é a mesma coisa que participação no
governo, que não se põe a confiança no espírito do povo, mas em leis e preceitos
promulgados.
133
PRICE aduziu que se os governantes não estivessem submetidos a
um controle por parte das comissões distritais, então se perderia a ideia de liberdade
e John PRIESTLEY descreveu o poder democrático de votar como liberdade
política, diferenciando liberdade política e cívica. Thomas PAINE não fez
separações dos interesses individuais, coletivos e públicos dentro do governo
republicano, pela forma representativa.
134
MADISON e os outros federalistas
também embutiram na noção de república a democracia representativa e a separação
dos poderes evitando as imperfeições do sistema.
A maioria dos autores que retratam uma conceituação de liberdade a
afastam do vínculo da escravidão. Veja a propósito HARRIGTON quando destaca
que o homem que não pode viver por si mesmo (tem que ser um escravo).
MAQUIAVEL traçando o mesmo plano sustentou que a submissão à tirania e a
colonização são formas de escravidão.
135
Tanto nas epístolas de Caton, Lord
BOLINGBROKE e os homens da Commonwealth, PRIESTLEY e PRICE
identificavam um poder livre da opressão do escravismo, ora determinado como
absolutismo, ora como o pavor do parlamento britânico escravizando os
contribuintes norte-americanos ou ora simplesmente a própria vida submetida a
outrem.
136
133
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.48-49.
134
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.50.
135
PETTIT. Republicanismo…, op., cit. p.52-53.
136
Veja a propósito uma instrução votada em 1772 em Boston “...que la Gran Bretaña
no puede tener derecho alguno a sacarnos dinero sein nuestro consentimiento, a menos que
seamos esclavos.” Por Reid 1988, p. 92.
l
A compreensão de uma liberdade sem interferência, que afasta os
impedimentos, barreiras ou restrições de outrem, em que se está livre para agir sem
que seja de qualquer forma impedido, livre de uma coerção, é sintetizada por
RAMOS, da seguinte forma:
“(...) o indivíduo possui um campo de ação livre para o mais amplo exercício da sua
liberdade, desde que não seja impedido, obstruído ou coagido por outrem. A coerção
significa uma deliberada ingerência que restringe a liberdade de alguém naquilo em que
se poderia agir ou deixar de agir de outra forma caso não existisse essa interferência”
137
É a liberdade do liberalismo. Por outro lado, a liberdade do republicanismo
prevê a possibilidade de interferência justamente a fim de repelir a interferência
injusta e ilegal, como ainda aponta RAMOS:
“como também pela ausência do perigo que essa interferência possa representar,
constituindo, assim, um domínio potencial sobre a liberdade dos sujeitos. Apenas as
instituições republicanas, estabelecidas pela legitimidade da lei e asseguradas pela
capacidade de supervisão e crítica dos cidadãos, podem afastar o perigo da intromissão
não desejada ou injusta.
138
A participação política, a emancipação do indivíduo da dominação e da
dependência, do exercício pleno da cidadania, a noção dos deveres políticos e a
consciência dos direitos e garantias individuais, se compatibiliza quando a lei
está sendo confeccionada, efetivada e repelida quando injusta ou ilegal num estado
em que está submetida ao bem comum.
139
A esse propósito PETTIT registra que o pensamento republicano de que as
leis criam a liberdade do povo somente tem sentido se a liberdade consiste em não
dominação. Segundo o autor as boas leis mitigam o povo da dominação, protegem o
137
RAMOS, César Augusto. In A cidadania como intitulação de direitos ou
atribuição de virtudes cívicas. Liberalismo ou Republicanismo? Síntese – Revista de
filosofia. V. 33. n.o. 105 Belo Horizonte: 2006. p. 85.
138
RAMOS, A cidadania..., .op.,cit.p. 85.
139
RAMOS, A cidadania..., .op.,cit.p. 87.
li
povo contra forças poderosas, mesmo contra as autoridades estatais, as leis então
restringiriam tais forças arbitrárias
140
, e neste sentido ensina OLDFIELD, que a
arbitrariedade possa ser repelida por meio de mecanismos adequados de
representação, de revezamento de cargos, de separação dos poderes.
141
A interferência, ainda quando houvesse não seria arbitrária, mas motivada
pela busca de satisfação dos interesses comuns dos cidadãos, leis que criem a
liberdade, a liberdade como não-dominação. As leis poderiam ser suficientes para
impedir poderes arbitrários e se essas mesmas leis não introduzissem poderes
arbitrários, então aqueles que vivem num ordenamento assim seriam livres,
representado uma comunidade política livre, um modo livre de organização e de
governo, o que é perfeitamente inteligível, aponta PETTIT porque os republicanos
buscam o modo de obtenção de um corpo político livre e o modo de conseguir a
liberdade dos indivíduos.
142
A concepção, todavia de que o direito possa ser criador de liberdade
padeceu de duras críticas no Século XVII por HOBBES. Apresentou inicialmente
uma liberdade como não-interferência, para quem a liberdade seria restrita e
privada estritamente quando fisicamente coagida e mediante situações de ameaça,
que PETTIT retrata:
“Este modo de conceber a liberdade e se trata de uma grande novidade em seu
tempo levou Hobbes a argumentar que o direito é sempre invasor da liberdade das
pessoas, por mais benigna que se revele esta invasão a longo prazo. Hobbes observa
que a liberdade no sentido de não coerção a liberdade no sentido que lhe parece
relevante sempre se invadida por leis impostas pelo Estado, qualquer que seja a
140
“Pero la recurrente Ideia republicana es que esas autoridades serán oportunamente
restringidas no tendrán poder arbitrario sobre los demás por una constitución propiamente
dicha” PETTIT. Op.cit.p.58.
141
no tendrán poder arbitrário sobre los demás – por una constitución propriamente
dicha (cuando, pongamos por caso, se den mecanismos adecuados de representación, de
rotación de cargos, de separación de poderes, etc.” (PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p.
58).
142
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p. 58.
lii
natureza do Estado. O resultado é que o povo somente goza de liberdade quando cala
o direito; somente quando o direito não se intromete.”
143
Essa liberdade viria segundo ele do que prefixou o soberano, expressando
que a liberdade de um sujeito descansa, assim, somente naquelas coisas que, ao
regular suas ações, tem fixado o soberano.
Desafiou a tradição republicana tornando-se um defensor do Estado
totalitário, aponta PETTIT,
144
tentando se assegurar que as leis de um Leviatã
autoritário não poderiam ser combatidas com doutrinas republicanas. Apesar de
mundialmente lido, o republicanismo não se apagou ou se intimidou com suas
ideias, exceto Sir Robert FILMER ao sustentar que a liberdade perfeita requeria a
ausência de leis “pois não lei, senão na restrição da liberdade” “mas esta
liberdade, não se acha em nenhuma república, pois mais leis em um Estado
popular que em nenhuma outra parte, e, por conseguinte, menos liberdade”.
145
A noção de liberdade liberal, afastando a ideia da interferência, esteve
ligada e triunfou no pensamento político moderno, amparada por uma doutrina
utilitarista, que gozou de grande influência no século XIX, defendida pelo primado
de que as leis são restrições à vontade privada e esteve particularmente presente nos
pensamentos e nos escritos de Jeremy BENTHAM
146
e William PALLEY
147
,
143
“Este modo de concebir la libertad y se trataba de una gran novedad en su
tiempo llevó a Hobbes a argüir que el derecho es siempre invasor de la libertad de las
personas, por benigna que se revele esta invasión a largo plazo. Hobbes observa que la libertad
en el sentido de no-coércion – la libertad en el sentido que a él le parece relevante - siempre se
ve invadiada por las leyes impuestas por el estado, cualquiera que sea la naturaleza de este
estado. El resultado es que el pueblo sólo goza de libertad cuando calla el derecho; solo cuando
el derecho no se entromete.”. (PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p. 59).
144
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p. 60.
145
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p. 60.
146
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p.68. “Lo mismo que la coerción ejercida or
un individuo sobre otro individuo, ninguna libertad puede concederse a un hombre sino en la
proporción en que se le arrebata a otro. Todas las leyes coercitivas, por consiguiente ...y en
particular todas las leyes creadoras de libertad, son, “hasta donde alcanzan”, revocadoras de
libertad”. Trad. Livre. O mesmo que a coerção exercida de um indivíduo sobre outro, nenhuma
liberdade pode conceder-se a um homem senão na proporção que se a outro. Todas as leis
coercitivas, por conseguinte ...e em particular todas as criadoras de liberdade, são “até onde se
alcançam”, revogadoras de liberdade.
147
PALLEY. William The Principles of Moral and Political Philosophy .
Reconhecendo que a noção de liberdade utilizada no discurso comum como exemplo de muitos
liii
destaca PETTIT, servindo como um conteúdo ideológico contra a causa americana
e procurando favorecer a dominação britânica nas novas colônias inglesas na
América.
148
Esses autores argumentaram que estas restrições legais se revestiam de
um mal, necessitando de uma vantagem blica maior. O ônus da prova dessa
possível vantagem ficaria a cargo da assembléia legislativa e quando a lei não
produzisse efeitos bons se teria razão suficiente para desprezá-la.
149
Parece ter sido
este pensamento, esta liberdade voltada a uma vantagem pública maior, a que
influenciou todo o primado do utilitarismo de BENTHAM e PALEY.
Era mais vantajoso apresentar a liberdade como não-dominação, mas
também igualmente como não-interferência. Não era concebível a exigência de que
um grande número de interferências pudesse colocar os seus ideais em risco. Era
necessário assegurar aos grandes proprietários, empresários e as elites a liberdade
de manutenção de seus escravos, empregados e o seu domínio capitalista. De um
lado os liberais de direita, afirmando uma realização formal da liberdade, bastante
explícitos nos ideais de não-interferência e os de esquerda, buscando uma certa
liberdade, a realização da igualdade e do bem estar sem desviar seus interesses da
não-interferência.
150
É a liberdade negativa na visão de Berlin, a liberdade dos
modernos.
2.5 LIBERDADE REPUBLICANA NO SISTEMA DE JUSTIÇA
CRIMINAL
A noção de liberdade republicana, como o padrão liberal, é mais negativa
do que positiva. Muito embora liberais e republicanos possam compartilhar um
escritores respeitáveis é a de liberdade como não-dominação. Assim expõe: Esa noción fía la
libertad en la seguridad, y la hace consistir no meramente en la ausencia de constricciones
procedentes de leyes inútiles y nocivas y en la ausencia de actos de dominación, sino en el estar
exentos del peligro de que esos actos y leyes se nos acaben imponiendo” (PETTIT.
Republicanismo…, op., cit. p. 69).
148
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p.69.
149
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p.69.
150
PETTIT.Republicanismo…, op., cit. p.74.
liv
conceito de liberdade negativa e interpretá-la de formas diferentes, essencialmente,
a distinção repousará na caracterização da o-interferência. A liberdade
republicana como foi visto não admite a dominação, mas possibilita a interferência.
As considerações sobre a liberdade republicana foram objeto de estudo no
capítulo referente à liberdade como não-dominação. Entretanto, na área criminal os
conceitos de liberdade embora retratem um mesmo embasamento teórico suplantam
aqueles conceitos, aprofundando os questionamentos na obra Not Just Deserts a
republican theory of criminal justice”, escrita por PETTIT e BRAITHWAITE.
BRAITHWAITE e PETTIT preferem utilizar a palavra dominion para a
descrição desta liberdade republicana, do que a conotação freedom da noção
liberal.
151
Dominion
152
seria quando um agente goza de liberdade negativa, se e
somente se ele está isento de “constraints”
153
impostos pela intenção ou pelo menos
pelas ações culpáveis de outros na escolha de certas opções, que os autores
padronizam como sendo aquelas opções que o agente normal é capaz de realizar em
condições normais sem a colaboração especial de ninguém ou de qualquer
circunstância.
O estudo da liberdade negativa, ou seja, a liberdade da não-dominação, mas
sem interferência, foi fortemente concebida pelo liberalismo e se insurgiu na
questão criminal na doutrina do prevencionismo e do consequencialismo. Mas que
efeitos o prevencionismo e o consequencialismo imprimiram no sistema de justiça
criminal? Qual é o modelo republicano de liberdade? Quais os alvos do sistema de
justiça criminal republicano? O trabalho procura dar resposta a estas questões tendo
como ancoradouro a obra de BRAITHWAITE e PETTIT.
151
Parece ter o mesmo significado de libertas para os romanos e franchise para os
povos da Idade Média. Vide. op.,cit. p. 60.
152
O termo dominion se presta melhor para os fins do trabalho sem tradução,
significando: o domínio próprio de um indivíduo, a sua esfera de autoridade.
153
A palavra constraint pode ser traduzida por constrição, limite, barreira. A
manutenção do original em inglês parece mais adequado.
lv
2.6 ”DOMINION” E A LIBERDADE REPUBLICANA
Vimos que a liberdade republicana se diferencia da liberdade dos liberais,
enquanto a liberdade destes é concebida por BRAITHWAITE e PETTIT como uma
liberdade não social, a republicana tem uma construção social. Enquanto a liberdade
negativa tem uma visão atomística da sociedade, porque o sujeito está livre de
constraints”, na execução de atos culposos ou dolosos, a republicana tem uma
perspectiva holística, num caráter social. Esta ideia de liberdade atrai três
condições: depende não da própria condição do sujeito, mas comparativamente
com a dos outros na sociedade, não que ele tenha a mesma isenção dos
constraints” que qualquer um da mesma sociedade, mas que tenha a mesma
garantia que qualquer um tem daquela isenção, ou seja uma garantia adequada da
ausência de constraints e que ela tenha a garantia não só da ausência de constraints,
mas também o conhecimento da ausência assegurada.
154
Ele tem controle em certas áreas, sendo livre da interferência de outros,
mas este controle advém sobretudo do reconhecimento dos outros e da proteção
legal. É exatamente, como esclarecem os autores, o que libertas” significou para
os romanos e “franchise” significou para os medievais.
155
A demonstração do que a palavra dominion
156
envolve e ainda a
demonstração de que este é um target
157
satisfatório para o sistema de justiça
criminal, é o que permeará nossas próximas discussões em torno desses autores. De
se ver que apresentará um forte contraste entre as concepções de liberdade dos
liberais e a republicana nas suas diferentes extensões.
BRAITHWAITE e PETTIT chamam a liberdade republicana de
dominion”, um alvo para o sistema de justiça criminal, um valor que deva ser
154
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.63.
155
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.60.
156
O vocábulo dominion é mais fiel para a característica que os autores querem traçar,
sugere um modelo de participação enquanto o vocábulo autonomia sugere uma separação do
indivíduo das outras pessoas.
157
A palavra “target” significa alvo, objetivo.
lvi
promovido, e que deve satisfazer certas condições: 1.º - que o cidadão goze de uma
perspectiva de liberdade nunca menor que a disponível para outros; 2.º - que o
cidadão saiba e que todos saibam que ele goza desta perspectiva de liberdade; 3.º -
que goze da perspectiva de liberdade como a melhor compatível com a mesma
perspectiva para todos os cidadãos. Trata-se de um ideal formal, mas não máximo,
pois pode haver casos em que uma pessoa possa ter melhores perspectivas que
outra na mesma sociedade, então o Estado deve nivelar as perspectivas de liberdade,
colocando os cidadãos num mesmo nível ou reduzir a diferença entre os níveis
158
.
2.7. SUPERANDO A DICOTOMIA RETRIBUTIVISMO /
UTILITARISMO
No afã de encontrar respostas às indagações sobre a insatisfação geral que
pesa quando nos deparamos com essa realidade vivida hoje na seara do sistema de
justiça criminal, que aprisiona, que enrijece a legislação criminalizando mais, e que
parece não prover resultados compatíveis com nossas expectativas, espera-se uma
teoria que responda adequadamente a estes questionamentos.
Todo um aparato e um fenômeno que resulta uma enorme insatisfação vem
ocorrendo. Por essa razão os acadêmicos, os teóricos e os profissionais do direito,
não só, os sociólogos têm se debruçado e buscado soluções, mas procurado
entender a causa de brusco aumento na criminalidade, mas também a inefetividade
dos aparatos institucionais que são utilizados para combatê-la, a corrupção policial,
venda de mercadorias políticas, o agressivo indiciamento, descuidada abordagem,
os resultados incompatíveis, a não reabilitação do preso, a não reinserção do
mesmo na sociedade, o desemprego, as punições duras demais e leves demais para o
tipo de agente, a incompatibilidade nas cifras, o aparato do tráfico de drogas como
propagador da criminalidade, a sustentação desse tráfico, o envolvimento de
agentes, a impossibilidade de abaixar a pena do mínimo legal, as sentenças
determinadas etc.
158
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.65-66.
lvii
O desenvolvimento de temas acadêmicos muitas vezes giram em torno de
subsistemas dentro do sistema de justiça criminal, refletindo questões particulares
dos problemas surgidos, sem entretanto, refletir a busca de um estudo do todo.
Importa, na verdade considerar que uma reforma sistemática que proveja
resultados eficientes nesses terrenos, não poderá resistir a qualquer tentativa de
mudança se não passar pelo viés do Estado. Qualquer implementação que vise o
aperfeiçoamento de qualquer compartimento da justiça criminal não pode ser feita
de forma isolada ou particular, mas em subsistemas interligados no eixo de
sustentação do Estado, dentro de um sistema maior orientador e efetivador.
Por esta razão buscou-se uma teoria republicana da justiça criminal, por
motivos que foram expostos, ou seja, a questão de saber que tipo de liberdade se
quer defender, se é uma liberdade positiva, uma liberdade negativa, ou uma terceira
liberdade como não-dominação, mas que enfim permite certa interferência.
Ao traçar os contornos desta liberdade como não-dominação e com
interferência, estamos indubitavelmente dentro do republicanismo.
Até o retributivismo dos anos 70, a idéia de que os delinquentes pudessem
ser punidos na justa medida do seu merecimento não era aceitável entre os
criminólogos. Pouquíssimos teóricos mantinham a idéia retribucionista. Durante a
era vitoriana, apontam BRAITHWAITE e PETTIT, o retributivismo havia se
tornado desrespeitado, como uma indulgência não científica das emoções
vingativas.
159
O prevencionismo, uma variante do utilitarismo ocupou todo o
cenário do sistema de justiça criminal. As sentenças indeterminadas buscavam a
incapacitação da continuidade delituosa, a intimidação geral e específica, a
reabilitação dos delinquentes, fruto desta nova corrente, almejando neste
comportamento a cura e a reabilitação do sentenciado.
Entretanto, no mesmo período a criminologia positiva, pragmática e
teleológica da tradição de BENTHAM, fundamentada na reabilitação e cura do
criminoso e na intimidação geral e específica da conduta criminosa não proveu os
resultados que se esperavam, em virtude das vis consequências verificadas nas taxas
159
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.03.
lviii
criminais. O que se deu foi o aumento do número de prisões, de efetivo policial e de
penas mais severas. Sem clareza e precisão nos procedimentos de incapacitação,
reabilitação, nos dados sobre a reincidência e o consequentemente desrespeito aos
direitos dos ofensores, somados à indeterminação das penas nas sentenças na
reabilitação e na incapacitação, permitiu que muitos ofensores fossem mantidos
presos até que estivessem em condições de ser colocados em liberdade e em
“segurança”. Na Inglaterra e nos Estados Unidos muitos ficaram longos períodos
presos por crimes de pequeno potencial ofensivo enquanto delinquentes mais
perigosos se livravam em períodos curtos, porque se mostravam hábeis no
comportamento carcerário. Por outro lado, a reabilitação e a incapacitação eram
utilizadas como pretexto para manter delinquentes considerados insolentes ou
subversivos indefinidamente encarcerados. Relatórios antecipados de
comportamento exemplar e notável, de outra forma eram objeto de subornos,
colocando delinquentes fora da cadeia.
160
Todas estas incongruências possibilitaram aos teóricos radicais e
retributivistas razões mais que suficientes para atacar os modelos e programas
utilitaristas. Obras como a “Vigiar e Punir de FOCAULT e trabalhos de
crimólogos radicais, de inspiração nos marxismos e reflexões esquerdistas como
“Criminologia Crítica de TAYLOR e YOUNG, autores que se levantaram em
defesa do retrocesso ao retributivismo como Andrew Von HIRSCH, com Doing
Justice, Past ou Future Crimes, Censure and Sanctions, consagrando por um lado
o retributivismo do “just deserts” e por outros modelos abolicionistas e revisionistas
nos debates acadêmicos e políticos dos anos 80 foram incisivamente afastando o
prevencionismo e o utilitarismo. E novamente o “justo merecimento” entrou na
pauta das condenações, na justa proporção de sua culpabilidade e periculosidade,
nem mais e nem menos.
BRAITHWAITE e PETTIT esclarecem que os retributivistas se moveram
pelas razões certas, mas tomaram vias erradas. Que vias erradas foram estas? Por
qual razão o retributivismo não proveu as necessidades dos desafios do sistema de
160
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.4.
lix
justiça criminal? Existe uma teoria capaz de minimizar o caos em que se encontra o
sistema de justiça criminal? BRAITHWAITE e PETTIT propõem uma teoria
compreensiva, um sistema teórico híbrido, neoretributivista que contenha aspectos
tanto do retributivismo quanto do utilitarismo.
Esse sistema híbrido surgiu principalmente pelo avanço das teorias
retributivistas, com as decretações de sentença e os chamados guidelines
sentencing”, os guias para sentenças”, e o declínio do utilitarismo com seu clima
arbitrário e inseguro das incapacitações, intimidações e a chamada prevenção do
crime. Esse sistema inflexível, que determinava penas certas para condutas certas,
influenciado pelo just deserts”, ou “justo merecimento”, legou aos processos em
juízo as prescribed sentences ou sentenças determinadas
161
que foram de certa
forma apoiadas pelas cortes de apelação, destaca HUDSON,
162
ou o surgimento de
penas em programas de sentenças, demonstrou que as reformas tinham sido
cooptadas pelos fomentadores sociais e políticos dos get though movement”.
163
Da
mesma forma, a lei do three strikes
164
, em alguns Estados norte-americanos, e os
“1991 e 1993 Criminal Justice Acts”
165
na Inglaterra e País de Gales, que
enrijeceram a condenação do réu reincidente e a criação de prisões para crianças e
adolescentes com três condenações, tudo isso demonstrando que no âmago dos
apelos pela diminuição da criminalidade havia uma preocupação com a
continuidade delitiva e a seriedade do crime. Como HUDSON aponta: “Eles
161
No direito anglo-saxão as sentenças costumeiramente se apóiam em princípios,
costumes e nas jurisprudências das cortes e não numa pré determinação de pena correspondente
a cada crime.
162
HUDSON. Understanding …,op.cit., p.54.
163
Movimento político-social nos Estados Unidos, iniciado nos anos 70 e estendido até
os anos 90, apoiado pela opinião pública em defesa de altas taxas de encarceramento,
privatização de prisões, destinação de recursos para penitenciárias, sentenças com penas altas e
duras, aumento da pena de morte e diminuição das liberdades condicionais etc. Disponível em
<a href="http://law.jrank.org/pages/1784/Prisons-History-get-tough-movement.html">Prisons:
History - The "get Tough" Movement</a> Acesso em 31/07/09.
164
Lei que obriga à pena de prisão para ofensores que cometeram um terceiro crime
violento.
165
O “1991 Criminal Justice Act” considerou a severidade do crime mas foi
duramente combatido pelo judiciário e pelos políticos e o “1993 Criminal Justice Act” deu mais
influência para as condenações reincidentes.
lx
também procuraram proteção do ofensor perigoso e persistente e procuraram ações
fortes contra tipos de ofensas que se tornaram repentinamente prevalecentes.”
166
Assim, foi essa resposta, de um lado retributivista, compromissada com os
princípios e com o merecimento e de outro lado, a face empírica e insegura do
utilitarismo que conduziu a uma aproximação dos modelos híbridos, com
elementos das duas teorias.
Mais recentemente, a legislação do Three Strikes”, demonstrou, conforme
o que sinaliza HUDSON que houve uma necessidade social e política de repensar o
crime não só pelo seu próprio ato, mas bem como pela sua severidade e pela
freqüência de seu cometimento.
167
Não é demais apontar que a severidade e a
frequência são características das teorias utilitaristas e não das retributivistas, que
começaram a tomar corpo e serem inseridas na legislação. As sociedades e os
políticos almejavam mais do que o justo merecimento, buscavam por soluções que
iam além da pena merecida, mas que trouxessem uma resposta também na
prevenção do crime, na intimidação do delinquente perigoso, habitual, reincidente e
um certo rigor nas ofensas repentinas
168
.
A tentativa de combinação destes elementos díspares de uma e outra
doutrina, foi combatida. Há teóricos que afirmam que esse hibridismo é
irreconciliável, pois seus princípios são equidistantes, de um lado, lutando contra o
perigo da insensibilidade ou da falta de propósito na pena, quando retributivistas e
de outro lado lutando contra a desproporção na pena, punindo condutas ainda não
cometidas, com penas flexíveis e indeterminadas, quando consequencialistas.
Todavia esses movimentos em favor dos modelos híbridos cresceram, e se
intensificaram, pois reúnem as melhores aproximações das teorias retributivistas,
evitando a insensibilidade e penas imotivadas (sem propósitos justificadores) e as
melhores aproximações dos utilitaristas, evitando penas desproporcionais ou por
166
They also seek protection from dangerous or persistent offenders, and seek strong
actions against kinds of offending that become suddenly prevalent.” (HUDSON.
Understanding…,op.,cit., p.55).
167
HUDSON. Understanding…,op.,cit., p.55.
168
HUDSON. Understanding…,op.,cit., p.55.
lxi
crimes ainda não cometidos. Esses movimentos tem sido defendidos por
BRAITHWAITE e PETTIT, ROBINSON, Norval MORRIS, WALKER etc.
BRAITHWAITE e PETTIT desenvolveram uma teoria normativa da
justiça criminal, que trabalhe não com as questões relativas à sentença, mas
também com todos os estágios do procedimento da justiça criminal e com as
questões de que tipo de comportamentos devem ser criminalizados. Por isso
ressaltam que a teoria do deserts”, ou seja, as teorias retributivistas se aplicam
somente à sentença e necessitam de um complemento.
169
ROBINSON traçou um esquema conhecido como “Esquema Híbrido”
170
,
no qual propõe uma resolução do dilema quando os princípios do deserts
conflitam com o propósito geral da justificação da lei penal e da pena, o que poderia
gerar muita discricionariedade acarretando penas abusivas. Ele salienta que o
princípio utilitarista, se usado de forma solitária, só vai permitir ou compelir a
aplicação da pena de acordo com fatores que não são aceitáveis como (condições
familiares, empregabilidade, fatores étnicos etc) e predominariam fatores que são
importantes para a maioria das pessoas como a natureza do crime. Por outro lado, se
a sentença for estabelecida no desertsela seria ineficiente para o propósito de
redução das taxas criminais. Ele estabeleceu um princípio guia guiding principle
no qual ele fixa a quantia da pena de acordo com o cálculo do desertse o método
de acordo com as preocupações utilitaristas, porque segundo ele as discrepâncias
nos sistema utilitaristas advém geralmente das quantias das penas.
171
Norval MORRIS escreveu em 1974 a obra The Future of Imprisonment.
Limiting Retributivismno qual objetou as disparidades e os conflitos de propósitos
na sentença. Sua proposta é similar a de Robinson, mas entende que os
constraints do deserts são aceitos para estabelecer limites para a quantia da
pena a ser imposta. Ele estabeleceu que a sanção não poderia ultrapassar o teto do
merecimento: “Nenhuma sanção pode ultrapassar o que é merecido para o último
169
HUDSON. Understanding…,op.,cit., p.57.
170
“Robinson’s hybrid scheme”. HUDSON. Understanding …,op.,cit., p.58.
171
HUDSON. Understanding …,op.cit., p.59.
lxii
crime cometido ou o conjunto de crimes cometidos”.
172
Porém o deserté somente
um princípio limitador e não um princípio definidor. Os propósitos gerais da pena,
segundo ele são utilitaristas, mas a perseguição de um propósito deve ser limitado
segundo o que se entende por uma punição razoável.
173
A faixa admissível entre um
mínimo e um máximo é mais ampla, diferente dos retributivistas, e para vários
níveis de ofensas. Nesse caso ele prefere o princípio da parcimônia que o da
igualdade. Ele objetivava os benefícios da redução do crime a ser obtida com a
mínima dor da pena.
174
HUDSON sustenta entretanto que se MORRIS vai
considerar o propósito de prevenção do crime dentro de seu limite, então a sua
sentença máxima disponível necessitará conter penas altas e ele não exclui as
possibilidades de incapacitação física, intimidação para evitar a reincidência e
incapacitação de ofensores em potencial.
175
FRASE igualmente, destaca para a
permissão de MORRIS de um aumento da severidade pela reincidência, que parece
endossar aumentos nas penas acima dos níveis máximos do retributivismo.
176
Entretanto, nem MORRIS e nem ROBINSON forneceram um guia para
escolha do propósito social legítimo, e admitem a intimidação e a incapacitação
como propósitos legítimos, o que pode gerar níveis de insegurança na determinação
da pena.
Nigel WALKER escreveu a obra Why Punishentre outras. Ele relembra
um caso na da Suprema Corte de Vitória na Austrália. Por essa experiência a
verificação da pena se no sentido de que, se nenhuma redução dos efeitos do
crime é sentida, então se aplica a simples proporcionalidade. HUDSON aponta que
a prevenção é sem dúvida o melhor propósito de todo intento utilitarista, e por isso
um sistema assim poderia atingir níveis altos de austeridade. Ela relembra, por
172
No sanction should be imposed greater than that what is deserved’ for the last
crime, or series of crimes FRASE. Richard. In Limiting Retributivism. The Consensus Model
of Criminal Punishment. Research Paper n.o. 03-7 University of Minnesota. Law School.
2003. pdf. p.5.
173
HUDSON. Understanding…,op.cit., p.59.
174
HUDSON. Understanding…,op.cit., p.60.
175
HUDSON. Understanding…,op.cit., p.61.
176
FRASE. Richard. In Limiting…, op.,cit.p.8.
lxiii
exemplo os argumentos lançados noPrison Workspor Michael HOWARD,
177
em
que se defendeu uma posição na qual a prisão funciona.
178
É claro, a princípio ela
poderia funcionar na prevenção do crime que ela segrega os possíveis ofensores,
tirando-os de circulação. No entanto não é este o propósito que se busca num
sistema de justiça criminal.
2.8. CARACTERÍSTICAS DE UMA TEORIA REPUBLICANA DA
JUSTIÇA CRIMINAL
A obra conjunta de um criminólogo John BRAITHWAITE e um filósofo
político Philip PETTIT:
179
Not Just Deserts. - A Republican Theory of Criminal
Justice”, surgiu de necessidade de desenvolver uma teoria republicana da justiça
criminal, cujo objetivo foi o de transcender o debate sobre as teorias da pena, com
uma teoria compreensiva da justiça criminal, uma teoria dos direitos humanos,
reducionista com relação à pena, reconciliada numa teoria política geral, que
considera o utilitarismo como insuficiente para os direitos dos ofensores e o
retributivismo afeto somente às questões relativas à sentença.
180
A busca de uma teoria metodológica e sistêmica da justiça criminal é o que
fará integração daquilo que deva ser feito pela legislação, judiciário e executivo em
questões políticas-chave surgidas dentro deste sistema. Um modelo que reflita um
conjunto coerente, coeso, perfeito e independente é o que propõe BRAITHWAITE
e PETTIT.
181
A compreensividade deriva de uma análise investigativa das
características e resultados desejáveis nos subsistemas da justiça criminal, que
devem ser observados e focalizados e quais deles podem ser descurados. A
interconexão dos subsistemas, a legislação, o policiamento, a persecução criminal,
177
Introduziu o “1993 Criminal Justice Act” na Inglaterra e os recursos para os
Centros de Treinamento de Segurança para jovens ofensores.
178
HUDSON. Understanding …,op.cit., p.61.
179
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.,cit.
180
HUDSON. Understanding…,op.cit., p.70
181
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.11.
lxiv
denúncia, julgamento, sentença e execução da pena, devem estar integrados, de
forma que a ação de um possa refletir no outro e resultar no todo.
182
Para que a compreensividade se opere, a teoria vai utilizar dois critérios:
um critério retributivista ou deontológico e outro consequencialista ou teleológico.
Essas distintas atribuições metodológicas caracterizam um sistema teórico híbrido,
que combina constraints(constrições, deveres) do retributivismo com targets”,
(alvos) do utilitarismo.
O constraint é o valor, o conteúdo ético, deontológico, como não
ofender, falar a verdade, o dever de convívio pacífico e o targeté o alvo a ser
identificado como a promoção da felicidade ou a promoção da justiça.
Ao constraintestá associada a warrant(garantia), um tratamento que
advém do dever, do constraint”, um direito, uma proteção. A teoria chama estas
garantais de desert”, (justo merecimento). Os deserts” podem ser negativos,
quando o ofensor merece a punição por ter negligenciado o constraint e o
positivo, quando merece um prêmio.
Se um sistema de justiça criminal adota uma propriedade como um
constraint”, ele define um dever, desencadeia um tratamento a ser seguido, a
garantia e se o sistema adota uma propriedade como um target”, ele dá uma
postura, um objetivo que deverá ser alcançado. O “constraint” é diferente do
target”, ele o lhe posturas, mas serve para atar suas mãos”, como ponderam
BRAITHWAITE e PETTIT.
183
A teoria considera o retributivismo incapaz de prover soluções para um
sistema de justiça criminal, já que estaria direcionado somente às questões que
envolvem a sentença e não o sistema como um todo.
O retirbutivismo adota 4 constraints que são: 1. Ninguém além do
culpado pode ser punido; 2. Qualquer considerado culpado de um crime deve ser
punido; 3. A pena não deve ser maior que o grau mensurado para a natureza do
182
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.18.
183
Constraint are quite different sorts of things from targets; they do not give you
bearings, but serve rather to bind your hands” (BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just
Deserts…, op.,cit.p.31).
lxv
crime e da culpabilidade do agente e 4. A pena não deve ser menor do que o grau
mensurado para a natureza do crime e da culpabilidade do agente;
184
O
retributivismo negativo apoia os constraints 1 e 3, o retributivismo positivo apoia
os 2 e 4, e o radical avaliza a maioria deles.
185
A teoria vai considerar o retributivismo negativo, ou seja, aquele que adota
os “constraints1 e 3: ninguém além do culpado pode ser punido e a pena não pode
ser maior que o grau mensurado para o crime e a culpabilidade do agente. Com
efeito, a teoria permitiria que as pessoas consideradas culpadas, suspeitas pudessem
não ser punidas e adota igualmente a possibilidade que a pena possa ser menor que
o grau mensurado para o crime ou culpabilidade.
Entretanto, o retributivismo por si é insuficiente para prover resultados e
terá que prever um target que o sistema deva satisfazer como a promoção da
justiça, a prevenção do crime e a proteção do “dominion”. BRAITHWAITE e
PETTIT advertem:
“Eles não oferecem um guia do que deva ser criminalizado, ou policiado, que ofensas
deverão ser investigadas ou denunciadas. Podem ter uma teoria da sentença, mas não
têm uma teoria compreensiva da justiça criminal.”
186
Este modelo híbrido não acarreta nenhuma surpresa, uma vez que os
próprios retributivistas apelam ao consequencialismo afim de racionalizar os seus
constraints”, porque explicam que a intimidação é a comunicação do injusto ao
ofensor e expressa a denúncia da comunidade restabelecendo o balanço de lucros e
perdas, como o proposto por SADURSKI em que a justificação geral da pena é
análoga a um método de restauração do equilíbrio do balanço total de lucros e
184
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.34.
185
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.34.
186
They do not offer guidance on what is to be criminalized, on what is to be policed,
on what offences are to be investigated, or even on what offences are to be prosecuted. They
may be the makings of a theory of sentencing, but they are not the stuff of which a
comprehensive theory of criminal justice is made.”(BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just
Deserts…, op.,cit.p.36).
lxvi
perdas.
187
E em MURPHY para quem punir o indivíduo restaura o equilíbrio entre
lucros e perdas.
188
Concluindo o que Robert NOZICK chama de retributivismo
teleológico.
189
O alvo deve ser incontroverso, saciável e estabilizante, assim a teoria vai
alocar estes alvos com os “constraints” retributivistas negativos vistos acima.
190
Essa compreensividade e consequencialidade do alvo deve se ajustar com
facilidade num consenso na comunidade alocando seus principais valores, como o
equilíbrio reflexivo de RAWLS,
191
que é para a teoria normativa o que é a
confirmação empírica é para a teoria positiva. Não que a teoria goze de um
equilíbrio reflexivo, mas é possível, dizem, isolar a maioria dos mais importantes
desiderata em qualquer teoria que seja provável alcançar um equilíbrio reflexivo.
As teorias utilitaristas por si também não bastariam, pois considera-se
por exemplo um caso em que a pena imposta a um inocente, suposto culpado,
aumentaria o equilíbrio entre lucros e perdas, mediante a promessa de diminuição
do crime na sociedade, pela intimidação. Mas isto será controverso, desestabilizante
e insaciável. Não seria “justo”, ou “não seria merecido” para um agente qualquer
que mesmo diante da diminuição possível de crimes na sociedade, fosse ele
apenado.
Traçadas estas considerações, de fato, nem as teorias retributivistas, com a
sua inexplicável graduação de penas e nem as utilitaristas com a sua intimidação,
por si só podem fornecer uma solução para o sistema de justiça criminal. Sem um
alvo o retributivismo forneceria resultados para o sistema da sentença e não para
187
the general justification of punishment is analogous to that of regards: it is a
method of restoring an overall balance of benefits and burdens. (BRAITHWAITE e
PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.49).
188
that is punishing such individuals – restores the equilibrium of benefits and
burdens”BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.49.
189
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.50.
190
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.44-45.
191
RAWLS define um conjunto de juízos que vão se conformando com princípios que
combinam com as proposições apuradas e ajustadas na comunidade. A esse estado de coisas ele
se refere como equilíbrio reflexivo. É equilíbrio porque os princípios e opiniões coincidem e é
reflexivo porque sabem com quais princípios os julgamentos se conformam e conhecem as
premissas das quais derivam. RAWLS. John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e
Lenita M. R. Esteves. São Paulo: 1997. p. 23.
lxvii
um sistema como um todo, além de causar insensibilidade e aplicar penas
imotivadas e sem uma limitação do utilitarismo a pena poderia se tornar excessiva
pela “deterrence” (intimidação) ou aplicar penas por crimes ainda não cometidos.
2.8.1 ALVOS DA TEORIA
Para a teoria republicana os alvos do sistema passam pelas características
da incontroversabilidade, da estabilidade e da saciabilidade, como foi dito.
A promoção do dominion e a redução da invasão do dominion são
alvos incontroversos, havendo um acordo na comunidade que crimes como
homicídio, estupro, assalto, sequestro, assédio, extorsão, roubo e fraude
192
provocam uma invasão ou uma redução no “dominion”.
A estabilidade do alvo o liga à segurança, levando os agentes a levar à sério
os direitos, pois a comunidade deve concordar com certos direitos legais.
193
Chegar
a um consenso a respeito destes direitos não é uma tarefa fácil, mas existe um
consenso sobre que direitos serão alocados, são os direitos básicos, associados com
o sistema de justiça criminal, direito de um julgamento justo, direito do inocente de
não ser punido, etc. Se o domínio vai ser protegido pela sanção legal então certas
liberdades negativas devem certamente ser igualmente protegidas. As liberdades
que estes direitos protegem estão entre as que consideramos como básicas. A
instabilidade é evidenciada quando os agentes do sistema são motivados pelo alvo,
se não coletivamente ao menos individualmente a ferir estes direitos
ocasionalmente, não levar os direitos a sério e não dar a eles força moral e legal.
O alvo deve ser também saciável. Por saciabilidade entende-se algo que
não é voraz, o sistema não pode ser ilimitado na excessiva punição do culpado. Isto
quer dizer que para a promoção do “dominion” deve haver um limite, um “basta”.
Não se pode ficar punindo indefinidamente, o que aconteceu nos anos setenta, no
192
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.69.
193
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.71-72.
lxviii
qual o alvo prevencionista deixou um rastro de exageros nas punições efetivadas.
Se o objetivo principal é a punição e o secundário é a “deterrence”, ou seja a
(intimidação) então apontam que não é dada nenhuma razão pela qual não se
deveria pensar em avançar os limites dos direitos individuais. Mas se o objetivo é a
promoção do “dominion” se teria, de fato, razões para respeito, razões para parar.
Como a punição importa na diminuição do dominion”, ela requer uma
justificação positiva, por isso a teoria prevê princípios impedindo que práticas mais
intrusivas sejam utilizadas, recomendando alternativas coercitivas mínimas,
protegendo o dominion”, possibilitando a reprovação do crime, a reintegração de
vítimas e de ofensores.
2.8.2 PRINCÍPIOS DA TEORIA
A teoria adota quatro princípios que buscarão a promoção do “dominion”: a
parcimônia, o “checking of power, a reprovação e a reintegração.
A parcimônia significa temperança, simplicidade, precaução e sobriedade
na decisão. O princípio da parcimônia foi desenvolvido no Século XIV por William
de Ockham e utilizado por Norval MORRIS.
Qualquer atividade que envolva a criminalização, a supervisão,
investigação, prisão, denúncia, pronúncia é um inquestionável dano ao domínio de
alguém, e isto envolve custo. A teoria advoga o entendimento de que “menos é
melhor”, apoiando o decrementalismo no sistema de justiça criminal.
Uma combinação de processos informais com a necessidade de controles formais.
A parcimônia visa uma restrição maior que a saciabilidade como característica da teoria,
porque se pode se alimentar até haver saciedade, mas para a sobrevivência é necessário
bem menos que a saciedade, exige somente um mínimo.
194
Neste sentido pelo princípio da
parcimônia a teoria permite a adoção de uma pena máxima para o cometimento do delito,
194
WALGRAVE. Lode. Restorative Justice, self-interest and responsible
citizenship. Portland, Oregon: Willan Publishing. 2008. p. 143.
lxix
embora não defenda a adoção de uma pena mínima, deixando ao arbítrio dos juízes a
análise de circunstâncias pessoais do ofensor e do crime.
Pelo princípio do cheking of power”, (checagem de poder), a teoria permite que
o poder das autoridades deva ser sempre checado. Traz uma limitação a interferências
arbitrárias de poderosos e de autoridades
195
para que as pessoas desfrutem da segurança.
Inclusive os juízes, promotores e a polícia devem sempre estar sendo submetidos a uma
correição por meio de mecanismos de apelações, reclamações e representações, etc.
Submeter o trabalho dos envolvidos na máquina estatal à checagens de sua competência e
de ética impede, ou pelo menos diminui o desenvolvimento da corrupção institucionalizada
porque evita o relaxo, descaso, inaptidão, a prevaricação como se os próprios agentes
estatais fossem reprovados ao apresentarem desconformidades com um sistema probo. O
descaso e a impunidade diante do trabalho inadequado fazem aumentar o crime e as
falhas no sistema.
O Princípio da
Reprovação tem como função assegurar que a criminalidade
esteja mais ou menos sujeita à desarprovação da comunidade. A apresentação do
crime como uma atitude errada, que cause vergonha e que seja desestimulado na
comunidade é de grande importância. Isto visa proporcionar confiança nas
instituições que desaprovem o crime. O crime deve ser visto como vergonhoso,
impensável e não lucrativo. BRAITHWAITE sublinha, que as sociedades em que a
desaprovação é maior são as que têm taxas de crimes mais baixas e as que
degradam e humilham têm taxas mais altas. A comunicação da desaprovação do
erro deve ser feita numa atmosfera de respeito ao ofensor e provê melhores
resultados quando é feita pelas pessoas do rculo íntimo do ofensor, como a sua
família.
196
O cidadão deve entender a razão porque está sendo julgado, investigado
etc. O sistema deve estar orientado a que a reprovação deva existir e não a
imposição de penas no ofensor. Se a sociedade falhar em mobilizar a desaprovação
pelo crime nunca garantirá a liberdade.
197
195
WALGRAVE. Restorative..., op.cit.p. 143.
196
BRAITHWAITE. John. Crime, Shame and Reintegration. p.01-06. in
http://www.ciaj-icaj/english/publication/DP1999/braithwaite.pdf
acesso 30.09.09
197
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.90.
lxx
A reprovação é a resposta e o motivo da punição, ou seja, é a resposta que
a teoria dá à seguinte indagação: Por que punir?
Uma sociedade, segundo os padrões da teoria, deve seguir os seguintes
critérios:
“A boa sociedade, no senso republicano, será forte na reprovação daqueles que violarem
a lei penal e forte na reprovação daqueles que utilizarem a liberdade para ultrapassar as
restrições legais. Uma sociedade que não pode efetivar a reprovação para proteção da
liberdade perderá sua liberdade”
198
O princípio da reintegração busca promover a resolução do conflito entre
vítima e ofensor, sendo uma questão de grande importância que quando não
reintegrados os ofensores caem em descrédito na sociedade e são considerados
“cidadãos marginalizados”, retornando às atividades criminosas mais experientes e
mais organizados. A restauração do dominion” tanto das vítimas quanto dos
agentes, é uma prioridade da teoria, o respeito e a valorização da vítima ajudarão na
sua reintegração, feito simbolicamente por meio da reprovação do crime e
materialmente pela restituição ou pela compensação. O ofensor deve ser levado a
pedir perdão e expressar contrição pelo dano e pelo crime
199
.
O Estado deve oportunizar o acesso dos detentos à aprendizagem
profissional dentro do sistema penitenciário e firmar parcerias com escolas técnicas,
com o município, com organizações o governamentais e com igrejas, formando o
detento para posterior retorno ao mercado de trabalho, quando essa integração não
seja efetivada antes mesmo da saída da prisão.
As chamadas Parcerias Público Privadas, Lei de n.º 11.079/2004 podem ser
utilizadas como formas de estabelecer programas do Município, Estado e Federação
198
“The good society, in the republican sense, will be strong on reprobation of those
who violate the criminal law and strong on reprobation of those who trample on the freedom to
deviate in those areas beyond the constraints of the law. A society that cannot organize
reprobation to protect freedom will lose its freedom” (BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just
Deserts…, op.,cit.p.90).
199
São os pilares da justiça restaurativa comungada por vários autores, entre eles
Howard Zehr, Braithwaite, Zedner, Dignan etc.
lxxi
com as penitenciárias firmando convênios para educação, treinamentos, contratos de
trabalho por tempo determinado etc.
A atividade laboral ajudará o detento e o egresso a abandonarem a
ociosidade e se sentirem mais valorizados, dignos e aceitos pelo círculo social e
familiar, além de provocarem um afastamento do antigo grupo de delinquência a
que pertenciam.
A restauração de vítimas é um dos principais objetivos da justiça
restaurativa, reafirmando o papel da vítima que foi negligenciado pelo padrão
retributivista da pena. O efeito reparador restaurativo traz mais resultados do que o
retributivista,
200
que limitou a vítima a um papel probatório no processo penal. No
restaurativismo a vítima é vista sob o aspecto de suas necessidades e também de
importância crucial para o processo de restauração do ofensor mediante um
processo dialógico.
Estes princípios da parcimônia, do “checking of power”, da reprovação e da
reintegração são formas interpretativas suplementares no trabalho da instância
republicana no desenho do sistema de justiça criminal, segundo a teoria.
2.9 TIPOS DE PENAS DA TEORIA
A primeira questão que surge com relação ao tipo de pena a ser
determinada pelos juízes tem a ver com a discricionariedade dada ao poder
judiciário. BRAITHWAITE e PETTIT avaliam que a margem de discricionariedade
tanto ontológica (com relação à natureza da pena) como axiológica (com relação à
intensidade da pena) devem ser resolvidas pelos princípios da parcimônia,
reprovação, reintegração e checking of power”.
201
Ou seja, o judiciário terá certa
discricionariedade na escolha das opções que melhor satisfaçam os propósitos da
teoria, respeitando odominion” dos ofensores e das vítimas.
200
ZEDNER. Lucia. Victims. In: MAGUIRE, Mike. MORGAN, Rod e REINER,
Robert. The Oxford Handbook of Criminology. Third Edition. New York: Oxford University
Press. 2002. p. 441.
201
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.101.
lxxii
Na doutrina tradicional as penas são de três tipos: contra a pessoa do
agente, contra a propriedade e contra aprovince ”(liberdade). As dirigidas contra a
pessoa são penas de morte, punições corporais, mutilações e tortura,
202
as contra a
propriedade do ofensor incluem multas, restituições e penhoras (arresto de bens) e
as penas que se impõem contra a province são aprisionamento, e o serviço
comunitário.
uma proibição na teoria de aplicação de penas contra a pessoa, pois
ferem o dominiondos ofensores. As penas deverão ser em sua maioria contra a
propriedade do ofensor (multas, restituições, penhoras), com criação de fundos para
pagamentos de indenização às vítimas ou familiares. Penas de prestação de serviço
à comunidade deverão ser largamente utilizadas. A teoria permite a pena de prisão,
somente para ofensores perigosos, como um último recurso.
A proibição de ultrapassagem do máximo e a liberação de ultrapassagem de
um mínimo nas penas concretas a serem aplicadas, o que é defendido pela teoria
decorrentes do princípio da parcimônia. Os juízes devem levar em conta as
circunstâncias particulares do crime e do ofensor, porque o dominion é melhor
estabelecido quando a clemência é demonstrada, segundo os autores.
203
Esta é a
posição defendida por Salo de CARVALHO e AMILTON.
A teoria não aconselha penas pecuniárias para ofensores pobres e para
crimes graves. As penas dirigidas a ofensores com menos recursos seriam as
prestações de serviço à comunidade.
A utilização de penas de prestação de serviço comunitário para os
ofensores pobres, que não puderem arcar com penas pecuniárias é uma questão
bastante delicada, pois o ofensor de classe média e alta teria bastante facilidade em
se livrar da prestação de serviço, por meio do pagamento de multas, enquanto o
pobre teria que arcar com uma dupla jornada de trabalho.
Outra posição é adotada pela teoria com relação aos crimes corporativos e
os crimes de colarinho branco, que sugere a aplicação de penas administrativas,
202
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.102.
203
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.102.
lxxiii
porque entendem que o indiciamento não surte resultados positivos para esse tipo de
crime, que os esforços policiais o mínimos ou inexistentes, que as vítimas seriam
mais bem amparadas nas agências reguladoras e quando os próprios órgãos públicos
negociam. BRAITHWAITE e PETTIT alegam que o uso excessivo da punição
poderia gerar uma cultura de resistência legal, dessa forma, técnicas não punitivas
de moralização e persuasão trariam maior efetividade.
204
O volume desses crimes é muito maior do que se pensa. As maiores
corporações infringem as leis de forma reiterada, mesmo por crimes de grande
gravidade, apontam BRAITHWAITE e PETTIT.
205
Excluindo dos registros os
crimes sem vítimas e os de trânsito, o volume do white-collar” é maior que os
blue-collar crimes”.
206
Em Queensland, foram encontradas 1/3 de alterações de
velocímetros nas amostragens de revendedores automotivas.
207
Porém não constam
denúncias no mesmo ano do estudo, nem no anterior e nem no subsequente. Um
total de 25% dos farmacêuticos são apontados por QUINNEY, em Albany, e em
New York, violando leis de prescrições.
208
Bombas de combustível adulteradas são
outros crimes cometidos (15 a 32%), os short measures petrol to motorists
209
sendo que não houve denúncia em 12 anos.
210
A questão não é distinta em crimes de
corrupções e fraudes, pois BRAITHWAITE aponta que 90% das companhias
americanas foram processadas por foreign bribes(subornos) pela Securities and
Exchange Commission.
211
Aqueles que envolvem as agências reguladoras como os contra o meio
ambiente, saúde, segurança e medicina do trabalho, consumidor, de proteção do
mercado muitas vezes nem chegam a ser denunciados porque os agentes públicos
204
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.,cit.p.146.
205
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.184.
206
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.184.
207
Fraudes dos velocímetros.
208
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.184.
209
Sunday Telegraph, 3 Feb: 1980 Apud. Idem op.cit.p. 185.
210
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.185.
211
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.185.
lxxiv
entendem que somente os dolosos merecem um processo judicial, esclarecem
BRAITHWAITE e PETTIT
212
.
As dificuldades e complexidades no processo probatório, as habilidades
técnicas dos ofensores, que possuem recursos e influência para resistirem aos
processos judiciais, fazendo recair as ações sobre seus subordinados, os
favorecem.
213
Por estas razões BRAITHWAITE e PETTIT dizem que o
participam da malha judicial e legal, apesar do crescente número e dos danos
gerados, inclusive no sistema político e econômico. Sendo assim, o retributivismo
não tem respostas para os crimes de colarinho branco.
214
BRAITHWAITE e PETTIT salientam que existe uma cultura da
resistência: (contratação de grandes escritórios de advocacia, grande número de
contestações, apelações e os mais infindáveis recursos), o que acaba possibilitando
um acordo com as agências.
215
Assim, ressaltam que o problema é melhor trabalhado quando o governo
executa um papel diagnóstico e catalisador, punindo menos, utilizando métodos não
litigiosos, ameaças, uso de punições administrativas tais como publicidade adversa,
revogação de licenças, alvarás, comunicação direta aos consumidores, advertências,
pressões nos fornecedores, nas instituições que financiam essas atividades etc.
Entretanto, esta posição é contestável, pois traz mais insegurança do que a
situação existente. Se os crimes corporativos e os crimes de colarinho branco
contam com facilidades e favorecimentos para escapar das malhas judiciais,
afrouxar as regras descriminalizando as condutas para ficarem restritas à punições
administrativas não garantirá que o governo aplique essas sanções. A tendência é
que as práticas se tornem mais comuns e ainda mais graves. Além do mais, se os
agentes públicos tendem a desconsiderar as condutas quando culposas, a
descriminalização abrandará ainda mais a rede de controle e combate, partindo do
próprio funcionalismo.
212
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.189.
213
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.190. Trad. Livre. Onde o
merecimento é menor a punição é maior.
214
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.189.
215
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.192.
lxxv
As dificuldades e complexidades no indiciamento e na denúncia não podem
ser pretextos para banalizar tais condutas. O contrário é que deve ser operado.
Quando se tratar de crimes de grande gravidade ou com grande número de vítimas,
necessitam de uma polícia proativa, capacitada para colher evidências, e que não
conte com orçamento limitado.
No trabalho de MORHIBER, os crimes corporativos merecem duras
punições, mais do que os crimes comuns. Ele prevê sanções contra as condutas e
sanções contra as empresas, destacando 50 itens que objetivam a diminuição dos
crimes, dentre os quais alguns de grande importância: o dever de relatar condutas
perigosas às autoridades, a criação de delitos de homicídios federais, a criação de
bancos de dados, a criação da culpa empresarial, aumento de verbas e pessoal para o
Ministério Público e para a polícia, a criação de conselhos de vigilância
comunitária, criação de um rede para crimes internacionais, diminuição dos abusos
em acordos administrativos, punir mais severamente, a exigência de notificação das
vítimas, proibição dos funcionários condenados de ocuparem cargos similares,
etc.
216
2.10. SUPERVISÃO POLICIAL
A teoria defende que a polícia deveria equilibrar a proteção do “dominion”,
com o custo do dominion daqueles capturados na malha de controle policial
ostensivo, advertem os autores BRAITHWAITE e PETTIT.
217
A parcimônia
aconselha que deveriam ser prudentes na adoção dos meios de escolha da
supervisão, pois o processo de coleta de informações e abordagem vai além do
suspeito, invadindo a privacidade de pessoas alheias ao processo.
218
216
MORHIBER. Russel. Crimes Corporativos. O poder das grandes empresas e o
abuso da confiança pública. Trad. James F. S. Cook. São Paulo: Scritta. Página Aberta Ltda.
1995. p. 40-64.
217
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.109.
218
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.109.
lxxvi
Os autores não se surpreendem que as estratégias de patrulhamento não
apontem diferenças nas taxas criminais, mas deveria haver uma redução de
abordagens mais intrusivas. Novas tecnologias, apesar de surpreendentes e
eficientes, tais como “grampos telefônicos”, “câmeras ocultas”, “bisbilhoteiros
eletrônicos”, “prismas periscópicos”, “braceletes eletrônicos”, “detectores de
mentira”, “pó espião
219
e etc, ressaltam BRAITHWAITE e PETTIT podem ferir os
direitos à privacidade e a intimidade das pessoas.
No Brasil, um avião a controle remoto sem piloto, capacitado para
sobrevoar áreas de fronteiras objetivando a investigação e mapeamento de áreas
vitimizadas por crimes ambientais e cobertura de tráfico de entorpecentes está sendo
utilizado. Os “disque-denúncias” e implementação de campanhas públicas para
encorajar o povo a relatar e dedurar possíveis suspeitos, enumeram os autores são
técnicas eficazes mas devem ser utilizadas com prudência para evitar os riscos aos
direitos constitucionais. Mas estas técnicas têm sido apontadas como técnicas de
controle e sujeição por muitos autores, entre eles Gary MARX
220
sobre FOCAULT
que este último denominou de “tecnologia sutil de sujeição calculada do Estado
moderno”
221
.
A colocação de “biochip” para monitoramento de presidiários e detentos,
supervisão via satélite, do tipo GPS e etc já vem sendo feita ferindo os direitos de
219
Composto químico para rastreamento de atividades de determinados funcionários.
220
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.110.
221
FOCAULT. Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Petrópolis: Ed
Vozes. 11.a ed. 1994. p.220-221.
lxxvii
intimidade, privacidade e até o direito de ir e vir, que deve ser trabalhado dentro do
contexto da hierarquia de bens constitucionais.
Diante desta incursão, os autores salientam que o princípio em favor do
checking of power prevê a limitação do orçamento para certas práticas e indicam
um nivelamento dos tipos de técnicas intrusivas do dominion, como baixas,
médias e altas.
222
A teoria sustenta a criação de comitês de direitos humanos ou organismos de
controle social, com autonomia para trabalhar as representações e ocorrências dos cidadãos
vítimas das ofensas aos direitos humanos.
223
A polícia japonesa, informam, de acordo com David H. BAYLEY,
224
está
mais focalizada na prevenção do crime que na sua contenção. Com um sistema de
controle social informal nas famílias, nas empresas, entre os empregadores. Isto se
assemelha com a presunção em favor da reprovação e da reintegração.
225
Registre-se inclusive que o Japão está entre os países desenvolvidos com
menores taxas criminais relativamente a outros países desenvolvidos. O que se deve
a uma maior proximidade e intercâmbio com os cidadãos, a manutenção de
quiosques denominados “koban”, com curta distância entre um e outro. Cada
quiosque controla e gerencia mais ou menos doze mil residentes e o número pode
ser calculado com base nos registros criminais ou de acidentes de trânsito.
226
Um
maior destaque a este assunto será dado adiante.
A participação ativa da cidadania, interagindo com a polícia e com
programas na comunidade, buscando alternativas que conciliem os problemas com
222
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.110.
223
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.111. Trad. Livre. Uma
polícia bem treinada desempenha um ótimo serviço confortando vítimas, mobilizando ajuda
paramédica, e providenciando apoio em questões como as de segurança.
224
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.111.
225
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.111
226
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA. Perfil Social do Crime..., op.,cit.p.97.
lxxviii
as pessoas envolvidas na localidade, vai possibilitar que soluções satisfatórias
previnam as práticas criminosas.
227
A supervisão policial de cunho comunitário é destacado como um potente
meio de prevenção e de redução do crime. Neste sentido Ken PEASE defende que
alterações em fatores estruturais, mentais e circunstanciais podem reduzir e até
evitar o cometimento do delito. Baseados em vários estudos da teoria da atividade
de rotina criminal de Felson e Clarck, na teoria da prevenção de Brating-ham e
Faust, mas principalmente de Marcus Felson, na qual sempre um ofensor, uma
situação planejada, um alvo atrativo, ambiente favorável e ausência de prevenção. A
falta de prevenção pode determinar o prosseguimento da ação delituosa, por
exemplo: um furto de veículo frustrado pelo dispositivo corta combustível, a
violência à criança não realizada pela presença de um adulto de confiança a cuidá-
la. PEASE destaca as dezesseis técnicas de prevenção primária de Clarck e Homel
dificultando o alvo e de intervenção física. A maioria, entretanto implica em
métodos sociais direta e indiretamente, preocupados com todas as circunstâncias do
crime e sua manipulação. Contempla-se entre as técnicas promover a dificuldade do
alvo, controles de acesso, desvio geográfico de ofensores, controle dos meios,
mapeamento de entradas e saídas, supervisão formal, natural e de funcionários,
remoção de alvos, identificação dos proprietários, reparação de áreas recém
danificadas (que é a teoria das janelas quebradas), estabelecimento de regras e
acordos, estímulos ao não cometimento de delitos com campanhas e placas, controle
legal e facilitando o cumprimento de acordos.
228
Muitas dessas técnicas podem ser desenvolvidas pelas possíveis timas,
pela comunidade, mas especialmente por uma polícia comunitária após
identificação de locais, vítimas e de alvos. Se faz necessária uma interação da
comunidade com a polícia, em parceria com escolas, clubes, comissões de direitos
humanos, associações de moradores etc. Essa interação pode oportunizar empregos,
227
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.112.
228
PEASE. Ken. Crime Reduction. In: MAGUIRE, Mike. MORGAN, Rod e
REINER, Robert. The Oxford Handbook of Criminilogy. New York: Oxford University
Press. 2002. p. 948, 952-953.
lxxix
incentivar a escolaridade. A proximidade geográfica pode facilitar a resolução de
conflitos, prestar socorros aos necessitados, favorecer famílias auxiliando na
inserção do mercado de trabalho etc.
Escolas podem ser dirigidas para programas de educação, envolvendo a
comunidade, em regiões com maior mero de conflitos e de crimes. No Brasil
programas desta natureza vem sendo desenvolvidos, como é o caso do “Bola
Cheia” em Curitiba que envolve a comunidade local e os alunos em escolinhas de
futebol, aulas de informática, dança etc. Os cursos são ministrados no próprio
espaço da escola com horário diferenciado.
229
Os programas têm reduzido a
criminalidade e oportunizado a reintegração dos jovens e adolescentes na
comunidade, fornecendo inserção em programas de emprego e retorno à escola.
2.11. SELEÇÃO DE FATOS PARA INVESTIGAÇÃO E DENÚNCIA
A teoria advoga que os esforços para investigação dos suspeitos, por ser
comumente um processo reativo deve obedecer ao critério de seriedade do crime e
qualidade das provas quando da utilização de uma polícia reativa.
A polícia proativa seria necessária, segundo a teoria para os crimes que
exigem execução mais elaborada, principalmente crimes corporativos, financeiros,
corrupção, fraudes e ambientais, que nesses casos se faz necessário um aparato
nos bastidores (investigação mais acurada, utilização de tecnologia avançada, tempo
de preparação e espera etc). Aqui a presunção em favor do checking of power
pode reclamar que a polícia tenha um mandado judicial e mesmo assim pautar para
que os direitos constitucionais não sejam violados.
230
229
Os horários e os espaços utilizados coincidem com dados estatísticos levantados, os
locais são os locais e horários de maior abrangência do crime. Os programas prescindem que os
participantes sejam alunos das escolas. São envolvidos Ongs e entidades religiosas que dão
suporte ao programa. Dados fornecidos pela Secretaria Antidrogas de Curitiba –PR.
http://www.antidrogas.curitiba.pr.gov.br/bolacheia.html
230
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.113.
lxxx
BRAITHWAITE e PETTIT demonstram que o ponto de partida para
procedimentos investigativos são os ofensores perigosos,
231
pelos seguintes
critérios: critério temporal (ações cometidas por duas vezes em três anos), o critério
da seriedade do crime (cometidos duas vezes por crimes violentos) e o critério da
especialidade (crimes cometidos contra o patrimônio).
Defende a não denúncia diante da dúvida. Os casos menos graves
obedecerão ao princípio da parcimônia, os casos graves deverão ser denunciados,
resultantes de seriedade e qualidade de provas prevendo a não denúncia dos crimes
de menor potencial ofensivo. BRAITHWAITE e PETTIT não esclarecem com rigor
como se daria na prática este nivelamento entre crimes de maior potencial e menor
potencial, embora, como visto acima tenham uma preocupação em demonstrar o
que seria entendido como seriedade da ofensa e periculosidade do ofensor.
Entretanto, objetivando dar um suporte normativo e metodológico à
implementação de uma justiça restaurativa, não pode ser exigível da teoria
republicana a especificação detalhada e uma classificação que dependerá mesmo de
um aparato democrático e republicano. Ainda assim, tanto BRAITHWAITE quanto
DIGNAN respondem a estas questões no terreno particular da justiça restaurativa.
Tanto um quanto outro esquematizam uma pirâmide em que a maioria das
ofensas, classificadas como de menor potencial ofensivo estariam sujeitas a
procedimentos deliberativos voluntários. A diferença entre as pirâmides, conforme
o destacado por WALGRAVE é que enquanto BRAITHWAITE prevê falhas no
processo restaurativo, com ofensores recalcitrantes e reincidentes, reservado um
tratamento incapacitatório no topo da pirâmide, em que ele abandona o
restaurativismo em prol desses procedimentos punitivos e intimidativos
tradicionais. DIGNAN propõe a manutenção do restaurativismo inclusive para os
reincidentes, reservando um espaço intermediário para sanções judiciais e uma
pequena área para punições restaurativas presumidas. WALGRAVE se inclina ao
posicionamento de DIGNAN porque o modelo de BRAITHWAITE conduziria,
231
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.113.
lxxxi
segundo ele, indubitavelmente a um caminho bifurcado, gerando consequências
éticas e instrumentais e certa insegurança teórica no abandono da nova teoria.
232
Da mesma forma, seguindo o modelo da teoria republicana, os espaços não
são inflexíveis, admitindo o tratamento de um ofensor num nível mais alto da
pirâmide se necessário e reduzindo o nível se possível, sempre obedecendo ao
princípio de proteção do “dominion” e o da parcimônia.
A reprovação e reintegração, para a teoria republicana conduzem a
favorecer a restituição como forma de punição, as punições administrativas são uma
forma efetiva de comunicação do dano e funcionam para crimes corporativos.
233
A prestação de serviços à comunidade é uma forma bastante expressiva. As
sanções que expõem os ofensores à comunidade têm efeitos morais pedagógicos e
reintegrativos, mais do que segregá-los nas prisões.
234
O culto às funções pedagógicas da pena implica num grau de criatividade
do julgador, o que causa perplexidade para os retributivistas que querem uma
proporcionalidade métrica em que iguais condutas requerem penas iguais. Mas uma
pena de cinco meses pode ser perfeitamente leve para uma pessoa e extremamente
dura para outra. De qualquer forma, registram, a lei criminal deveria dar um guia
moral à comunidade, significando severidade relativa de diferentes crimes com
sanções de severidade diferente. Em se tratando do papel do magistrado, tem uma
função pedagógica, a seriedade do crime deve estar embutida na sentença, do
contrário a população não entenderá que se trata de um crime sério, além disto, a
população deve saber a razão da pena
235
.
A teoria prioridade às funções pedagógicas da pena e em circunstâncias
excepcionais na incapacitação. Não aprova a reabilitação forçada,
236
e o judiciário
deve considerar fatores tais como: escolaridade do ofensor, a comunidade em que
vive e a reintegração de ambos vítima e réu.
232
WALGRAVE. Restorative…, op.cit. 152.
233
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.127.
234
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.127.
235
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.128.
236
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.128.
lxxxii
Diante da necessidade da prisão, a teoria diz que deve vir acompanhada da
presunção em favor da parcimônia, e por períodos curtos.
237
2.12. ADMINISTRAÇÃO DAS PENAS NAS PENITENCIÁRIAS
A teoria aprova a larga utilização das probations e paroles,
238
porque a
pena de prisão seria um último recurso. Da mesma forma sempre que possível pode
ser substituída por penas alternativas.
A concessão de liberdade para trabalho, para estudo e saída misericordiosa
e remissão de penas deveriam ser encorajadas, de forma que os prisioneiros sejam
confiados a uma supervisão, que significa reintegração na comunidade e uma forma
de testar a confiança e comportamento do detento
239
.
Para a teoria a administração das prisões deve pautar pelos princípios da
parcimônia, do checking of power e da reintegração. As penitenciárias devem
contar com mecanismos para defesa dos direitos constitucionais como conselhos
integrados por membros de grupos radicados em comitês de defesa dos direitos
humanos, de forma a maximizar o dominion”, checando as atividades e
comportamentos dos agentes penitenciários. Os funcionários das penitenciárias
devem preparar os detentos para retorno à sociedade, à comunidade, à família e ao
mercado de trabalho
240
.
237
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.129-30.
238
A “Probation” no direito norte americano é semelhante à suspensão do processo,
art. 89 da Lei 9.099/95. Uma substituição de pena anterior à sentença de mérito, ou concedida na
própria sentença, sob determinadas condições, que se não cumpridas acarretam a perda do
direito concedido. A “Parole” é uma substituição da pena de prisão depois da sentença, quando
o condenado já está cumprindo, é a liberdade condicional, efetivada pelo Patronato Penitenciário
e também admite certas condições que se não cumpridas o condenado perde o direito e pode
retornar à penitenciária.
239
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.132.
240
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.132.
lxxxiii
Instituições de corregedoria e auditoria são imprescindíveis para
fiscalização das práticas nos presídios, de forma a acatar as reclamações, queixas e
responsabilizar os administradores dos presídios.
241
A teoria não aprova a reabilitação forçada e a prestação de serviços deve
ser disponibilizada aos detentos. As autoridades penitenciárias ou policiais devem
utilizar os recursos de forma equilibrada sem ferir os direitos dos detentos.
O Regime Disciplinar Diferenciado, entre nós, instituído pela Lei de
n.º10.792/2003 estabeleceu a possibilidade de manter o detento até 360 dias isolado
em prisão celular, podendo somente receber visitas familiares e tomar sol. O
objetivo da lei foi o de separar os líderes de facções criminosas de dentro dos
presídios e dificultar as ações de detentos que comandam facções como o Comando
Vermelho e o Primeiro Comando da Capital. A lei parece padecer de
inconstitucionalidade não por vício de forma, mas porque afronta os princípios da
individualização das penas, proibição de penas cruéis e a proibição de tratamentos
desumanos e degradantes de nossa Constituição.
Outra questão que entre nós tem suscitado dúvidas e beirado à
inconstitucionalidade é o projeto de lei que quer alterar o art. 2.o. da Lei de n.º
11.464/2007 que permitiu que os sentenciados por crime hediondo, depois de anos
padecendo inconstitucionalidade por força da Lei de Crimes Hediondos, que havia
determinado o cumprimento integral da pena em regime fechado, afinal por decisão
do Supremo Tribunal Federal permitiu a progressão de regime. O projeto tem tido a
aprovação da mídia com o seguinte argumento: “que a proteção da sociedade deve
prevalecer sobre o direito do preso”. A mídia tem utilizado notícias de fugas
isoladas de “famosos traficantes” do semi-aberto para ganhar a aprovação do
telespectador e novamente influenciar o impedimento do direito à progressão de
regimes.
Nos presídios estaduais, que são a imensa maioria e que detém o maior
número de presos, os direitos são nomeados pelos governadores dos Estados,
portanto cargos em comissão. Normalmente esses cargos o são ocupados por
241
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.131.
lxxxiv
pessoas experientes no sistema penitenciário e capacitados para administração
penitenciária. Notadamente, são os ocupantes destes cargos que vão determinar e
oportunizar a abertura das penitenciárias para parcerias, programas, projetos sócio-
educativos para os detentos, principalmente os do semi-aberto e do fechado. Um
dos maiores problemas enfrentados pelo sistema penitenciário que impede a
ressocialização do preso é a ociosidade. É evidente que o preso não pode ser
forçado ao trabalho, mas pode ser incentivado e premiado pela atividade laborativa.
Dessa forma uma diretoria treinada e experiente no sistema carcerário
especificamente é de grande importância na medida em que o sistema precisa
funcionar com aptidão e cnicas, programas e projetos para ressocialização sejam
implementados.
Outro problema a ser enfrentado é que no estado do Para em cidades
como Foz do Iguaçu não sistema carcerário apropriado para o regime semi-
aberto, e os condenados ao semi-aberto são postos em liberdade domiciliar porque
também não há casas de albergado. Isto constitui uma afronta ao princípio da
isonomia, que os condenados em outras regiões como Curitiba e Região
Metropolitana são submetidos às Colônias Penais Agrícolas, enquanto condenados
pelos mesmos crimes são postos “em total liberdade”, porque também não existe
monitoramento e vigilância.
A falta de estrutura, de equipamentos, de pessoal e a superlotação dos
presídios poderá ser resolvida diante de uma mudança de paradigma que o
preso e o sistema penitenciário não são vistos com qualquer tipo de prioridade pelas
autoridades e pela sociedade, mas como uma última tarefa a ser desempenhada.
Muitos dos detentos que cumpriram os seus “1/6” da pena, ou mesmo os
seus “2/3” permanecem nos presídios por falta de defensores públicos, considerando
que o Juízo não pode por em liberdade de ofício, havendo a necessidade do pedido e
do parecer do Ministério Público, agravado o dilema pela lentidão do processo nas
Varas de Execuções Penais. Se o sistema reagisse com mais velocidade, certamente
novas vagas seriam abertas impedindo que novos detentos permanecessem nas
cadeias públicas, aumentando o sofrimento do preso.
lxxxv
2.13. FUNDAMENTO DA PENA PARA A TEORIA
A teoria diz que o fundamento da pena é o reprovacionismo. Neste sentido
BRAITHWAITE e PETTIT concordam com a seguinte intuição: que é certo
infringir sofrimento de forma intencional no criminoso porque é errado ele ter
infringido sofrimento intencional em outro ser humano. A intuição que é certo
denunciar criminosos não entraria em conflito com a intuição a respeito do erro de
criticar outros.
242
Os retributivistas explicam o (por que punir) basicamente de quatro formas:
1.o. para denunciar um crime; 2.o. para recompor o balanço entre lucros (vantagens
do crime) e perdas (desvantagens do crime); 3.o. para restaurar o status quo ferido
com o crime e 4.o. para trazer uma denúncia enfática à comunidade do crime. Sendo
que a posição dominante é a do balanço entre lucros e perdas: restabelece o
equilíbrio entre lucros e perdas, porque a punição é uma desvantagem pela
vantagem da ofensa, havendo assim um self-restraint”, (auto restrição) que é o
peso e uma irrestrita liberdade que é o benefício, o lucro.
243
Ao analisar essas respostas retributivistas, HUDSON considera que dois
dilemas com os retributivistas. A determinação do grau de seriedade da ofensa e
como se chegar na decisão sobre qual é a severidade da pena. Para ela o
retributivismo oferece mais segurança na proteção da punição do inocente que o
utilitarismo (nas sentenças baseadas em probabilidade de delinquência e arbítrios
em favor da classe, gênero e raça). Entretanto, o retributivismo é vago para
242
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.161.
243
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.158.
lxxxvi
responder (quem deveria ser punido), (como deveriam ser punidos) e (por que os
ofensores deveriam ser punidos).
244
Existe certa confusão entre os retributivistas, se suas teorias contém
explicações baseadas no princípio da distribuição
245
, na justificação geral, ou
ambos.
Para os da justificação, DUFF e Von HIRSCH, pronunciar uma sentença é
denunciar um crime, fazer uma afirmação pública da sua reprovação, em que o grau
de severidade determina o grau de reprovação. A censura é a característica central e
a principal função da pena. A objeção a este posicionamento doutrinário vem de
HUDSON, pois problema é que se a censura é o pronunciamento da pena pelo juiz
em vez do que é experimentado pelo ofensor, como os retributivistas chegam no
próximo passo que é a execução das penas? Embora alguns, como FEINBERG,
façam uma distinção, entre (desaprovação) o aspecto da censura da pena e o
(tratamento rígido) as dores e privações que são o modo pelo qual esta censura é
liberada, o problema ainda assim não é resolvido. Outros autores como FINNIS e
MURPHY alegam ser a pena necessária para recompor o balanço entre a vantagem
social e a desvantagem, o que chamam de benefits and burdens, entre (lucros e
perdas) e que a pena seria assim necessária para remoção da vantagem injusta
246
trazida com o crime.
247
Para HEGEL, a pena serve para restaurar o status quo ferido
com o crime, como foi visto no primeiro capítulo.
Tais proposições metodológicas derivam do pensamento político de
RAWLS para os ingleses e norte-americanos com a teoria da obrigação política,
uma versão moderna do contrato social, que as vantagens que as pessoas teriam
em engajar numa cooperação social e as regras que criariam para a regulação da
vida em sociedade.
244
HUDSON. Understanding …, op.,cit.p.46.
245
Os mais recentes na década de 90 se referem à retribuição como base da
distribuição da pena. (HUDSON. Understanding …, op.,cit.p.47).
246
A propriedade roubada pelo ladrão, a liberação da malícia ou tensão em ações
violentas, o transporte ou excitação por roubar um carro. (HUDSON. Understanding …,
op.,cit.p.47).
247
HUDSON. Understanding …, op.,cit.p.47.
lxxxvii
Essas teorias, de fato, não conseguem explicar por que punir, e discorrendo
sobre a posição dominante do por que punir, BRAITHWAITE e PETTIT se
questionam se a auto-restrição, o self restraintdo retributivismo é um peso para
quem cumpre a lei também? Ou seja, será que se carrega um peso em não cometer
nenhum crime? Se teria atração e interesse em cometer um assassinato, e o peso
seria um inconveniente?
Herbert MORRIS no seu Paternalist Theory of Punishment”, 1981 diz:
“longe da punição ser um peso, ela se torna um lucro: a punição ajuda o ofensor a
compreender o mal envolvido no crime ambos para outrem e para ele mesmo”
248
Na
sociedade, a restauração de lucros e perdas não é tão simples, com a punição de um
miserável restaurando o equilíbrio é diferente da restauração do equilíbrio de um
milionário. Anatole FRANCE aponta: “A lei em sua majestosa igualdade proíbe
tanto o rico quanto o pobre de dormir embaixo das pontes, de mendigar nas ruas e
furtar pão”.
249
Existem pesos diferentes, decorrentes da distinção das classes, raças e
gêneros. O que é abusivo para uma pessoa pode não ser para outra, ou o
contrário.
250
A velha noção de pena hegeliana como anulação do erro do crime, dessa
forma não pode prosperar, que punição não anula o ato, mas pode anular a falsa
evidência aparentemente criada pelo fato de que vítima e ofensor são iguais em
valores.
251
Sem êxito também é o quarto argumento que os modernos retributivistas
deram como noções de equilíbrio e anulação, em favor da reprovação ou
denunciação justificando a punição, como a denúncia enfática pela comunidade,
que DENNING ressalta: “a última justificação de qualquer pena não é a prevenção,
mas a denúncia enfática feita pela comunidade a respeito do crime”
252
, ou seja, a
comunidade ficaria afirmando que tal fato é crime. Na verdade, este argumento é
248
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.158.
249
The law in its majestic equality forbids the rich as well as the poor to sleep under
bridges, to beg in the street and to steal bread.” (BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just
Deserts…, op.,cit.p.159).
250
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.159.
251
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.160.
252
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.160.
lxxxviii
mais consenquencialista que retributivista, que a pena estaria reduzida a uma
intimidação geral ou especial.
O próprio retributivista Von HIRSCH aponta que a reprovação da conduta
criminal é um bem “nela mesmo”, independente de qualquer consequência boa que
possa advir dela.
253
É o imperativo categórico de KANT. Porém da perspectiva dos
retributivistas não haverá apoio do tipo de punição invocada pelos retributivistas, ou
seja, a pena de prisão. Mas a teoria suporta o aprisionamento como uma punição de
último recurso mais para proteção da sociedade do ofensor perigoso, do que para
propósitos reprovativos.
254
Para a teoria republicana a reprovação pode ser dar de várias formas, pela
repercussão do crime na sociedade, na mídia, o abalo do crédito, da família e dos
amigos, não necessariamente pela prisão, pela sentença.
255
Além do mais, a teoria considera que a prisão do ofensor pode se associar
com uma erosão da reprovação. Cerca de 85% dos acusados por crimes sérios, os
felony na Califórnia, condenados pelos mesmos crimes, apenas 10% são
conduzidos a um júri, apontam BRAITHWAITE e PETTIT, segundo dados
fornecidos por ROSSET e CRESSEY.
256
A maioria não sofre o impacto da
solenidade formal de um julgamento, o o desaprovados pelo povo presente à
sessão do júri. A decisão do destino é feita entre os promotores e defesa, de forma
tecnocrata, silenciosa.
O curto aparecimento quase sempre nem é percebido, a comunidade
envolvida geralmente nem tem a possibilidade de reprovar a conduta, tornando clara
a norma violada, mas a denúncia é algo que ocorre na comunidade, é ela que leva ao
conhecimento, de onde se origina. Na verdade, o trabalho da corte não tem nada a
ver com reprovação, o Estado tirou das mãos da tima o conflito, privando-a dos
efeitos pedagógicos da pena. Um trabalho administrativo, institucional, como se
253
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.160.
254
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.161.
255
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.161.
256
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.162.
lxxxix
trabalhassem com números, distantes, afastados, o poder solene do julgamento foi
perdido, e precisa ser resgatado.
Os autores apontam que quando a comunidade acredita que a justiça é para
especializados, ainda o risco de negligenciarem a sua obrigação como delatores
dos fatos criminosos.
257
BRAITHWAITE insiste que se deve explorar mais o poder
de reprovação mudando do controle social punitivo para controle social
moralizante.
258
Deveria ser uma política pulverizada na comunidade, mover os
casos do sistema da justiça para arenas informais de controle social denunciatório,
de forma a responder à questão por que punir, fazendo uma aproximação do
ofensor com os valores que ele destruiu com a ofensa, o que ele desconectou na
sociedade, sustentam. O ofensor tem que ter entendimento do porquê ele está sendo
punido, para que haja uma justificação, diz TEN.
259
variáveis na reprovação, se ou o prisão, condenação, cobertura da
imprensa, se o júri impressiona os telespectadores e etc. A correlação entre a
duração da prisão e a reprovação será curta. Se a duração da prisão não traz variação
nenhuma para a reprovação, então a tentativa de garantia da reprovação colocando o
condenado por meses na prisão é cruelmente uma quantificação deslocada.
260
A teoria quer demonstrar que o retributivismo intrínseco não é atraente,
porque a punição deve ser seguida de uma justificação, uma razão, deve estar
reconciliada com a assertiva de que é errado infringir sofrimento intencional.
BRAITHWAITE e PETTIT são contra a afirmação de que a punição restaura o
equilíbrio de lucros e perdas desfeito pelo crime, que a punição é a garantia de
anulação do crime.
261
Os autores esclarecem que os rationalesque os retributivistas apontam,
são justificados pelo consequencialismo: o equilíbrio de lucros e perdas e a
anulação do erro. O que enseja uma traição à própria atitude retributivista.
262
257
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.162-163.
258
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.163.
259
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.163.
260
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.164.
261
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.164.
262
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.165.
xc
A resposta ao por que punir na teoria republicana coincide com o
liberalismo e com o prevencionismo, é a intimidação ou alguma forma de prevenção
do crime.
263
Uma proteção contra a violência interna e externa, um papel protetivo
do dominion”, que se reveste de uma liberdade negativa, de responsabilidade do
Estado e um dever da justiça criminal.
264
2.14. IGUALDADE?
Um dos argumentos dos retributivistas contra o utilitarismo e
prevencionismo tem sido a preocupação da justiça como igualdade.
O conceito de igualdade tradicionalmente formulado foi um conceito
formal, uma vinculação política da Revolução Francesa com as origens burguesas
do liberalismo, que como aponta GOMES DA SILVA, não tendo como escopo a
promoção da igualdade para todos, mas objetivando um rompimento com as
limitações provenientes do absolutismo e a igualdade de condições para a recente
classe burguesa nos negócios e na política.
265
A teoria procura romper com essa igualdade do liberalismo buscando uma
igualdade material ao propor que punir menos ensejará um estado mais igualitário e
mais justo, ou seja quando a cada culpado é concedida misericórdia. Dessa forma
define justiça como igualdade na seara criminal da seguinte forma: aqueles que são
igualmente culpáveis por erros iguais (iguais em merecimento) deveriam ser
igualmente punidos. Os cidadãos mais desvantajados não deveriam ser punidos com
penas mais severas que os mais avantajados pelos mesmos crimes.
266
A presunção em favor do checking of power motiva uma garantia do
igual tratamento perante a lei, sustenta a teoria. Mesmo que o republicanismo não
263
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.166.
264
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.166.
265
GOMES DA SILVA. Eliezer. Igualdade, gênero e direito: do Liberalismo clássico
ao pós-feminismo. In ANDRADE CORRÊA. Elidia Aparecida de. GIACOIA. Gilberto e
CONRADO. Marcelo. (Coord). Biodireito e dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá.
2006. p.110-111.
266
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.196.
xci
possa garantir a justiça como igualdade, nenhuma injustiça poderá ser tolerada em
nome da promoção do “dominion
267
.
Os retributivistas se enganam na execução da lei, tratando as diferentes
classes de forma igual, alertam BRAITHWAITE e PETTIT, ERLICH indicou que
“Quanto mais rico e pobre são tratados com a mesma proposição legal, maior será a
vantagem do rico”.
268
Tratá-los de forma igual significará uma sobreposição do rico,
afirmam os autores e trazem um ditado de GALANTER: “o marinheiro a bordo e o
tubarão são ambos bons nadadores, mas somente o tubarão está no seu próprio
negócio.”
269
BRAITHWAITE e PETTIT esclarecem que dois estados de igualdade
na justiça criminal: quando cada pessoa culpada é igualmente punida, e quando a
cada pessoa culpada é concedida misericórdia.
As realidades na justiça criminal acabam significando, dizem os autores,
que cada sociedade está sempre mais perto do mais tardio estado de igualdade (ou
seja o estado de zero execução) do que o anterior, o de (100% de punição). Eles
retratam que se nós vivemos num mundo onde 90 % dos culpados são punidos,
então o jeito para fazer o sistema ficar mais igualitário seria perseguir os 10% que
estão fora. Mas eles entendem que a realidade é diferente, exatamente o oposto, pois
somente 10% dos culpados são punidos, deixando 90% dos crimes sem punição.
Isto se segue que, quanto mais, os 10% atualmente punidos se lhes possa ser
estendida a misericórdia, mais equitativo o sistema de justiça criminal se tornará,
advogam.
270
Em outras palavras, como não se consegue operar uma punição nos
100% dos culpados, somente com bastante sorte os 10%. Logo se for aplicada penas
severas nesses 10% cometeríamos uma barbaridade, uma injustiça, porque afinal de
267
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.196-197.
268
“… the more the rich and the poor are dealt with according to the same legal
propositions, the more the advantage of the rich is increased” (BRAITHWAITE e PETTIT.Not
Just Deserts…, op.,cit.p.197).
269
the sailor overboard and the shark are both swimmers, but only one is in the
swimming business” (BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.197). o
marinheiro a bordo e o tubarão são ambos bons nadadores, mas para um deles trata-se do
próprio negócio.
270
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.197.
xcii
contas 90% de culpados à solta, então para que o sistema fique mais equitativo o
melhor é conceder misericórdia para esses 10% ou no mínimo aplicar penas leves.
Dessa forma, o princípio da parcimônia é o princípio que maximiza a igualdade
para a teoria.
Norval MORRIS o defensor do princípio da parcimônia, estudou que dos
batedores de carteira reincidentes, 2/3 foram sentenciados à suspensão condicional
do processo e receberam supervisão de base comunitária e 1/3 foram sentenciados à
prisão de 6 meses, passíveis de serem aumentados ou diminuídos os prazos de
detenção, informam os autores.
271
Os retributivistas adotam como igualdade aplicar a mesma sentença para
todos os batedores de carteira. Olhando para aqueles que estão entre os que
obtiveram liberdade vigiada, a grande maioria e entre a substancial minoria que teve
os seis meses de cadeia, esperam ter uma sentença de dois meses para todos os
condenados deste tipo. Esta solução não é aceitável. A quantia de sofrimento
imposta por sentenciar 99 ofensores a dois meses é muito maior do que sentenciar
33 a 6 meses e beneficiar com a misericórdia os 66 restantes.
272
Para a teoria não é aceitável aumentar o sofrimento de uma pessoa para que
sem motivação se estabeleça uma igualdade de sofrimento com outros que tenham
cometido os mesmos erros. Se se tem provas contra seis evasores fiscais, mas
somente se necessita punir um deles para manter a comunidade ciente, então se
deveria selecionar a maioria dos culpáveis ou ofensores dos seis para denúncia. O
princípio da parcimônia aconselha não punir os outros cinco aque se possa tratá-
los de forma igual.
Quanto menos se punir, mais perto se chegará de um sistema no qual
aqueles que fizeram os mesmos erros são igualmente punidos, defendem. Desta
forma, o retributivista que sentencia todos os batedores de carteira a dois meses de
cadeia, aumenta a igualdade na punição dos batedores de carteira culpados, mas
custa a não igualdade de todo o universo dos batedores culpados (já que a maioria
271
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.197.
272
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.198.
xciii
dos batedores não são condenados), conclui a teoria. A diferença entre não
encarcerar e encarcerar a dois meses pode ser diferente do que entre dois e seis
meses. Se é assim, então se tem aumentado substancialmente o sofrimento em
nome da igualdade, articulam.
Para eles, o retributivismo possibilita que ofensas de réus profissionais e
organizados tenham probabilidade menor de julgamento do que os menos
profissionais. Punir os criminosos não sofisticados de forma igual se aumentaria a
desigualdade entre os não sofisticados e os sofisticados ladrões. Dessa forma
concluem:
“Já que os grandes ladrões, os criminosos financeiros, os que adulteram as leis fiscais,
do consumidor, do meio ambiente, de segurança e saúde do trabalho, esses sofisticados
empreiteiros da ilegalidade não são punidos, então não se pode punir os pequeninos, os
ladrõezinhos, os batedores de carteira, os ladrões de TV e bicicleta etc”.
273
A implementação da teoria, segundo os autores, reduziria a desigualdade
baseada na classe, punindo menos os blue collar crimes (crimes de colarinho
azul) e punindo mais os white collar crimes(crimes de colarinho branco), que
tem imunidade legal dentro do sistema.
Para a teoria o retributivismo agrava a impunidade em razão da classe,
porque impõe o merecimento aos menos poderosos, entretanto a recíproca não
parece verdadeira com relação aos poderosos. O sistema de sentença de
merecimento agrava a desigualdade nas penas de réus que cometeram crimes de
mesma seriedade, o que não é viável e nem desejável, principalmente com relação
aos “white-collar crimes”.
274
273
BRAITHWAITE e PETTIT.Not Just Deserts…, op.,cit.p.199.
274
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.,cit.p.200-201.
xciv
CAPÍTULO III
DIALOGANDO COM A TEORIA OBJEÇÕES, APLICAÇÕES E
ASSOCIAÇÕES
3.1 A CRÍTICA DOS NEORETRIBUTIVISTAS - JUST DESERTS
V. NOT JUST DESERTS
A crítica mais contundente à teoria republicana da justiça criminal parece
ter vindo dos criminólogos Andrew ASHWORTH e Andrew Von HIRSCH.
Famosos penalistas, Von HIRSCH destacou-se, sobretudo em 1976 com o livro
Doing Justice: The Choice of Punishment”, e outros livros e artigos que escreveu.
ASHWORTH, autor de livros e artigos, escreveu em conjunto com VON HIRSCH
o livro Principled Sentencing. Readings on theory and policy”, em 1998.
ASHWORTH desde 1993 se posicionou de forma crítica à justiça restaurativa com
o artigo “Some doubts about restorative justice.”
Para eles a teoria da justiça criminal desenvolvida por PETTIT e
BRAITHWAITE padece de uma insuficiência em alguns aspectos. O primeiro deles
é com relação à política da sentença, baseada nas ideias de reconhecimento,
recompensa e reafirmação, respectivamente os vocábulos recognition, recompense e
reassurance, e que traçou um resumo das suas proposições num artigo que PETTIT
formulou com BRAITWAITH intitulado Not just Deserts, even in sentencingde
1993. Von HIRSCH e ASHWORTH dizem que a teoria tem preocupação que
chamam de agregativas. Que pela teoria nossas cortes pronunciariam a sentença da
forma que melhor servisse à sociedade como um todo, ainda que expressasse uma
indiferença para o grau de culpa do ofensor, ou o nível de sofrimento da vítima. Isto
implicaria, argumentam que a condenação fornece aos juízes uma permissão para
olhar para o futuro negligenciando a natureza da ofensa para a qual a sentença
deveria ser oferecida como resposta. Desta forma:
xcv
“O que permanece problemático sobre as teoria do ‘dominion’ dos autores é o olhar
para frente e as características agregativas. Estas características parecem dar licença
para a punição sempre que e na medida que vítimas potenciais ganhem em ‘dominion’
mais do que as perdas no ‘dominion’ daqueles punidos.”
275
Desta forma, segundo a crítica deles há uma autorização para punir sempre
que um aumento no dominion das vítimas for maior do que a perda no
dominion dos punidos, ou seja que a punição é o resultado de um check of
balances”, de uma redução matemática entre lucros e perdas.
A resposta de PETTIT e BRAITWAITE se baseia na própria defesa da
liberdade republicana que eles advogaram. Objetivamente é uma condição de não-
interferência que chamam de resiliente, ou seja, regenerável, flexível e
subjetivamente uma condição de não-interferência que se destaca, ou seja saliente.
Cada crime cometido torna claro uma interferência no dominionresiliente e se
esses crimes não passam pelo indiciamento então isto os leva a crer que a não-
interferência está indeterminada. Embora, digam que as cortes estejam designadas
para promover o dominion elas devem estar debaixo de uma cobertura
republicana, um comprometimento com a liberdade republicana cuja preocupação
na sentença será a pessoa do “suposto” ofensor. Então terá uma licença para olhar
para trás, mas não uma permissão para otimizar, como alegam, uma questão de
“olhar para frente”. Já, se uma sentença vai operar uma otimização, sua função não
é olhar para frente, mas retificar a situação o mais breve possível, do dano ao
dominion da vítima, e vai operar a adequada medida de reconhecimento e
recompensa.
276
275
“What thus remain troublesome about the authors’ ‘dominion’ theories is its
forward-looking and aggregative features. These features appear to give license to punish
whenever, and to the extent that, potential victims’ net gain in dominion exceeds the loss in
dominion of those punished” (VON HIRSCH. Andrew e ASHWORTH. Andrew. Not Just
Deserts: A response to Braithwaite and Pettit. In: Principled Sentencing. Readings on Theory
and Policy. Portland: Hart Publishing Oxford 1998. p. 317-318).
276
PETTIT, Philip. BRAITHWAITE. John. Republicanism in Sentencing:
Recognition, Recompense and Reassurance In VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…,
op.cit. p. 321-322.
xcvi
Parece que a defesa de HUDSON é bastante pertinente. Ela assinala que a
teoria de BRAITHWAITE e PETTIT é uma teoria dos direitos humanos para a
justiça criminal. Desta forma ela vai vir em defesa dos apelos dos indivíduos contra
qualquer bem a ser sacrificado em prol do bem geral social. Essa falta de garantia
dos direitos humanos em detrimento de um “bem geral” é exatamente o que
diferencia as teorias chamadas utilitaristas daquelas dos direitos humanos. A teoria
dos direitos humanos, não permite que um direito individual seja limitado ou
excluído a menos que eles passem a ameaçar os direitos de outros indivíduos.
277
Neste sentido é o que demonstra DWORKIN na sua obra Levando os Direitos a
Sério” que o indivíduo pode perder seu direito se ele apresentar o que ele chama de
vivid danger”, ou seja, um perigo iminente para outro indivíduo.
Os retributivistas VON HIRSCH e ASHWORTH apresentam outra crítica,
ao argumentarem que a teoria republicana faz uma eliminação de limites às penas,
ou torna-os facilmente permeáveis especialmente quando trabalhado com ofensores
perigosos, que isto poderia acarretar um efeito negativo na sociedade e não só, um
desfavor para o próprio ofensor, in verbis:
“Eliminando tais limites ou tornando-os facilmente permeáveis ao lidar com ofensores
perigosos poderia reforçar o senso de segurança de vítimas em potencial contra uma
conduta predatória.”
278
BRAITHWAITE e PETTIT esclarecem que cada pessoa na sociedade
seria uma vítima em potencial, seria um erro distinguir vítimas e vítimas, é claro
que a vítima necessita de um senso de segurança, mas enrijecer a pena, ou
aprisionar indefinidamente vai comprometer o dominiondo ofensor, mesmo que
possa satisfazer os sentimentos de vingança da vítima e isto é algo que a teoria
republicana quer evitar. Com relação aos limites da pena, a teoria republicana
277
HUDSON. Understanding…, op.,citp.68 e 71.
278
Eliminating such limits or making them easily permeable when dealing with
dangerous offenders – could arguably enhance potential victims’ sense of security against
predatory conduct (PETTIT e BRAITHWAITE. Republicanism…, In VON HIRSCH e
ASHWORTH. Principled Sentencing…, op.,cit. p. 325).
xcvii
destaca, em primeiro lugar a respeito da fixação de limites às penas somente para
um máximo e não para um mínimo. Isto implicaria, é verdade numa área de
discricionariedade reservada aos juízes. Entretanto a teoria pauta por princípios que
deverão ser obedecidos, entre eles o do checking of power”. Por este princípio,
recorde-se, os agentes estatais estariam submetidos a uma supervisão, como as
apelações, representações, as revisões etc. O exercício da discricionariedade exige
sensibilidade, os juízes podem verificar a possibilidade de mediações, reconciliação
e possibilitar que o ofensor se comprometa a não retornar a prática delituosa.
279
Dar
ao ofensor a oportunidade de entender o caráter ilícito, de reconhecer, se
conscientizar da natureza e a seriedade da ofensa são valores que ultrapassariam
qualquer sentimento de vingança nas vítimas, ponderam.
O arrependimento do ofensor, a compensação do dano daria muito mais às
vítimas, essa sensação de segurança que elas precisam do que o encarceramento, do
que medidas que inflijam dor e pesar nos ofensores. Eles apontam para as medidas
consideradas simbólicas tais como o pedido de perdão do ofensor para o ofendido, o
comprometimento da não reincidência e a reconciliação entre ambos, e as medidas
substanciais que são que meios materiais utilizados para dar credibilidade aos atos
simbólicos como recompensa, restituição e a compensação do dano. Essas
medidas, muito embora necessitem de uma instrução de como seriam exercitadas
na prática, dependem de cada caso em especial.
280
A teoria estabeleceu que a pena de morte e as punições corporais não
seriam admitidas, mas para os crimes comuns estaria reservado, preferencialmente
as multas e serviço comunitário em vez da prisão, que ficaria restrita aos casos de
extrema necessidade, quando o ofensor apresentasse periculosidade. O que se quis
ressaltar com a teoria foi que as punições interferissem menos no dominiondos
ofensores, em virtude do princípio da parcimônia.
279
PETTIT e BRAITHWAITE. In VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled …,
op.,cit. p. 325.
280
PETTIT e BRAITHWAITE. In VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled …,
op.,cit. p. 322.
xcviii
ASHWORTH e VON HIRSCH apontam que existe incerteza no
estabelecimento deste limite máximo, que ele é nebuloso e que não se sabe que
crimes devem ter suas penas aumentadas e que isto traria insegurança à comunidade
como um todo.
281
A teoria não vai lançar um programa de graduação das penas para os
delitos na comunidade, porque evidentemente dentro de um regime republicano, o
que se espera é que a legislação operada por um legislativo que represente os
anseios dos cidadãos venha a dispor penas bem como os delitos adequadamente.
Todavia, a teoria vai pautar os princípios, a linhas mestras que ajudarão o Estado na
condução deste programa. Também não se pode olvidar que num estado
democrático de direito em que a Constituição é respeitada, existem remédios
constitucionais a serem manuseados com o especial propósito de corrigir as
imperfeições. Mas também pode ocorrer que determinados Estados não promovam
a democracia, ou possuam uma democracia camuflada” e “distorcida” pelos meios
de comunicação, pelas fraudes nas eleições e que o sistema representativo não
funcione, e seja manipulado pelo poder ou pelo patrimonialismo que será destacado
ao se retratar a história brasileira. E isto é algo complexo e precário que
compromete não só o sistema de justiça criminal como todos os sistemas que
envolvam a máquina estatal.
ASHWORTH e VON HIRSCH mencionam que a teoria republicana da
justiça criminal pode certamente estar associada às tradicionais aproximações
consequencialistas.
282
Os teóricos do Just Deserts não negam o apelo
consequencialista. Aliás, BRAITHWAITE e PETTIT esclarecem que a teoria é
teleológica ou consequencialista.
283
Eles estabelecem que algo em comum com
os retributivistas que ambos rejeitam a permissão à otimização, que chamam de
forward-looking, mas que olham para trás, para a ofensa cometida, da mesma
forma que os retributivistas. o se deve esquecer entretanto, que a teoria une o
alvo consequencialista, o aspecto teleológico de promoção da justiça, da paz,
281
VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…, op.,cit.p.331.
282
VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…, op.,cit.p.327.
283
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…,op.,citp.31-33 e 200.
xcix
prevenção do crime etc com os constraints”, ou seja, as restrições deontológicas,
comungadas com os deserts”. Os constraints nada mais são do que a
operacionalização dos direitos humanos que deverão ser respeitados.
284
Como
conclusão eles sugerem que a reunião de targets e constraints vai excluir do
sistema a questão do risco e da incerteza que traz preocupação nas teorias
utilitaristas.
285
A primeira diferença, mencionam BRAITHWAITE e PETTIT é que os
retributivistas não podem fundamentar de forma aprofundada as sentenças, os
republicanos podem usar uma motivação geral e convincente para a resposta que
procuram. Os retributivistas intencionam obter na pena o correspondente ao crime, a
expressão da culpa e a restauração do balanço desfeito com o crime. Os
republicanos têm razões para desejarem que as cortes sentenciem os ofensores
condenados de acordo com as suas linhas teóricas. Com um sistema de justiça
criminal deveria servir à comunidade, igualmente os juízes operam para servirem
esses propósitos da justiça criminal, e em geral neste caso deveriam servir na
promoção do dominion”. Eles alertam que não se trata de uma tarefa simples, mas
que deve ser almejada.
286
Outra diferença apontada é que os retributivistas buscam uma pena
proporcional ao crime enquanto os republicanos buscam o que é requisitado para
retificar a ofensa. A questão, salientam, não é pagar na mesma moeda, muito
embora essa necessidade de pagar seja formulada mas para por as coisas em ordem
ou retificar. Os retributivistas dão a pena para a ofensa em abstrato, enquanto os
retributivistas vêem o dano feito às vítimas e à comunidade e vão considerar qual a
melhor forma de colocação do dano na sentença.
287
Com relação ao tipo de pena e a sua quantidade, os retributivistas procuram
um tratamento que é justificado em termos de intimidação e procuram uma
284
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…,op.,citp.28.
285
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…,op.,citp.28.
286
PETTIT e BRAITHWAITE. In: VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…,
op.,cit. p. 328
287
PETTIT e BRAITHWAITE. In: VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…,
op.,cit. p. 328
c
proporcionalidade (dentro de um limite máximo e mínimo) entre a ofensa e a pena,
ou seja, a gravidade da ofensa e a culpabilidade. Para eles a punição consiste em
um duro tratamento de forma que convenha a desaprovação do autor da conduta,
conforme o artigo citado.
288
Isso pode levar a ignorar diferenças na pessoa e nas
circunstâncias do ofensor e suas famílias. Os republicanos vão utilizar o princípio
da parcimônia, e vão buscar o tipo de resposta na questão da retificação, e pode, é
claro diferir de caso para caso.
289
Os retributivistas argumentam ainda que isto permitiria um tipo de injustiça
que os retributivistas evitariam. Os republicanos, entretanto se defendem dizendo
que não há injustiça, porque afinal serão tratados de acordo com a retificação.
290
Em resposta a isto, os retributivistas supõem dois casos, um em que X
cometeu um delito menor, não se arrepende da conduta, a vítima é revoltada com a
situação e não permite uma reconciliação. Além do mais não possui uma boa
situação financeira para arcar com o dano, mas tem um risco baixo de reofender.
Outra situação é que Y, cometeu um crime mais grave, conseguiu se reconciliar,
tem fundos para pagar uma possível compensação do dano e se arrependeu de ter
cometido o delito e tem um baixo risco de reofender. ASHWORTH e VON
HIRSCH entendem que neste caso o cidadão X, obterá da justiça em destaque uma
sentença muita mais dura que o Y, e adiantam que isto parece desconsiderar as
elementares noções de justiça. Isso vai se reintroduzir agora com o nome de
dominion” e retificação, reaparecendo a era reabilitativa da discricionariedade e
abandono da lei o que seria um retrocesso.
291
Suponhamos que nesse caso, as penas máximas para os dois crimes sejam
as mesmas operadas nos nossos sistemas e nesse sentido algumas questões a
serem observadas. A primeira delas tem a ver com o arrependimento, é um fator
importante, pois este sentimento pode conduzir a um abandono da vida criminosa.
288
VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…, op.,cit.p.328.
289
PETTIT e BRAITHWAITE. In: VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…,
op.,cit. p. 329
290
PETTIT e BRAITHWAITE. In: VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…,
op.,cit. p. 329
291
VON HIRSCH e ASHWORTH. Principled…, op.,cit.p.334
ci
Outro dado importante é a tentativa de reconciliação, ou se pelo menos o autor do
crime fez uma tentativa de se reconciliar. Se o ofensor é de poucos recursos a saída
é a prestação de um serviço comunitário. Além do mais, o máximo da pena não
possibilitará que uma injustiça seja cometida. O fato de que o ofensor veio a se
arrepender e se reconciliou vai operar a seu favor, o que parece bastante justo. O
problema pode aparecer quando o ofensor “finge” um arrependimento.
Mas a teoria os juízes e os agentes estatais como pessoas prontamente
capacitadas a operar a discricionariedade, afinal de contas não são meros operadores
das tabelas de penas, os “guidelines sentences”.
A teoria republicana como uma teoria dos direitos humanos assegura os
direitos individuais acima dos direitos sociais e que nenhum princípio de direitos
humanos seja violado mesmo quando oposto a um princípio de distribuição, como o
justo merecimento.
292
Ela tem provido meios de reconciliação entre princípios
retributivistas e consequencialistas, incorporando, como atesta HUDSON as forças
e os remédios de uma e de outra.
293
Depois do sucesso do retributivismo dos anos
80, as teorias consequencialistas vem conquistando espaço e confiança nos anos 90
entre muitos autores, que até mesmo, lembra HUDSON autores retributivistas
arraigados como Von HIRSCH estão tornando claro nos seus trabalhos mais
recentes que são retributivistas somente na distribuição da pena, mas não com
relação a justificação geral e HUDSON respalda com uma indagação de WALKER,
de que afinal eles m um compromisso com o consequencialismo ou é uma total
conversão ao mesmo?
294
O mundo tem assistido a uma preocupação cada vez mais paulatina e mais
contundente com relação ao respeito aos direitos humanos. Os locais que os
desprezam e os negligenciam padecem de uma cobrança internacional feita pelas
nações vizinhas, pelas nações signatárias da ONU, uma cobrança vinda da própria
comissão de direitos humanos da ONU e da União Européia e não dos
292
HUDSON.Understanding…, op.cit.p.71.
293
HUDSON.Understanding…, op.cit.p.73.
294
“a quite conversion to it” (HUDSON.Understanding…, op.cit.p.73).
cii
movimentos imparciais e políticos em prol dos direitos humanos dentro destas
nações.
295
A globalização, o comércio entre os países e a velocidade das informações
são fatores que têm impulsionado para chamar a atenção e destacar os crimes
cometidos nas fronteiras, o tráfico de substâncias entorpecentes, de armas, de
pessoas e o terrorismo, assim uma teoria que paute pelo cumprimento do respeito
aos direitos humanos tende a se firmar e ganhar influência mundial.
296
Assim a teoria republicana da justiça criminal pode metodologicamente
estar acomodada tanto no republicanismo quanto num sistema que promova a
defesa dos direitos humanos consagrados na Constituição Federal.
3.2 A HISTÓRIA REPUBLICANA BRASILEIRA E SUA
IMPORTÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO
SISTEMA PENAL
O tema republicanismo tem adentrado a pauta de muitos debates
contemporâneos, ainda que os autores não se arrisquem a “esquadrinhar” seus
elementos ou mesmo trazer uma conceituação do que seja republicanismo. O que
é justificável, que como o próprio PETTIT tem apontado, a “tradição
republicana” tem nuanças diferentes, à medida em que navegam na história, mas
obedecem a algumas características fundamentais. Dessa forma, o se pretende
aqui trazer qualquer conceituação do republicanismo, mas visualizar que
elementos o compõe.
A tradição republicana teve suas origens na Roma Clássica, associada a
CÍCERO, principalmente. Reapareceu nos séculos XII e XIII, nos estudos
escolásticos e humanistas, no renascimento literário e artístico, nas cidades do
Norte da Itália, entre elas Florença, Milão, Luca, Pádua, Bolonha, Arezzo etc.
Contida nos pensamentos e escritos de BARTOLO, de MARSILIO, LOVATTI,
295
HUDSON. Understanding…, op.cit.p.73.
296
HUDSON. Understanding…, op.cit.p.74.
ciii
MUSSATI, de LATINI, de ERASMO, entre outros. Tradições bastante influente
no pensamento político moderno, destaca SKINNER
297
, que se manteve nas
repúblicas italianas, teve especial destaque na Holanda em sua república,
reafirmando-se nos Estados Unidos da América e na França.
A tradição republicana se estruturou baseada em alguns elementos
essenciais, segundo o ilustrado por PETTIT:
“foi unificando-se com o transcorrer do tempo, em parte por deferência às mesmas
autoridades textuais, em parte por um entusiasmo compartilhado pelos ideais e pelas
lições da República Romana, em parte pela ênfase posta na importância de dispor de
certas instituições: por exemplo, um império da lei, como se disse com freqüência, em
vez de um império dos homens; uma constituição mista, em que diferentes poderes se
freiam e contrapesem mutuamente, e um regime de virtude vica, regime com
referência ao qual as pessoas se mostrem dispostas a servir, e a servir honrosamente,
nos cargos públicos.”
298
Esses traços característicos, como acentuado por PETTIT se referem ao
que chama de “autoridades textuais” porque vinham aparecendo em textos,
cartas, rmulas, obras de diversos autores no decorrer do tempo, e se revestem
de elementos como a presença da soberania popular, a presença de eleições,
mandatos representativos temporários para os principais cargos, o destaque à
finalidade comum, a repulsa às facções e comportamentos partidaristas e a
exaltação das virtudes cívicas. Entretanto, o traço delineador e fundamental do
republicanismo é o descrédito à hereditariedade monárquica e a concentração de
autoridade conferida pelo povo a um sujeito comum, mas de toda forma
autoridade temporária representativa, o que consignou independência à vontade
popular.
Esses elementos estiveram presentes nas primeiras abordagens
históricas, sem a quais dificultaria qualquer exercício para resgatá-los, pois não
297
SKINNER. Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. Trad.
Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. 2.ª reimpressão. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
298
PETTIT. Republicanismo...,. op.cit.p.38
civ
se pode conceber um estudo do republicanismo, ou uma abordagem qualquer que
seja de cunho republicano, sem um cotejo histórico de seus mais remotos
apontamentos, referências e insurgências. A proposta não é nesta oportunidade
fazer essa averiguação, mas apenas destacar que a primazia da vontade popular
sobre a vontade de nobres e elites, consolidada numa constituição que confere
essa autoridade a representantes eleitos para mandatos temporários.
Quando salientamos que o Brasil é uma República, que o art. 1.º e seus
incisos assim a destacam com seus fundamentos e que essa República
oficialmente fora proclamada em 1889, isto não nos remete a uma situação fática
que revele um país contido num sistema genuinamente republicano. Será que os
problemas enfrentados na seara criminal, encontrados no curso histórico
brasileiro se inserem numa tradição republicana? Será que esses problemas
poderiam ser solucionados totalmente ou parcialmente por um ressurgir do
republicanismo? Mas não um republicanismo falacioso, um republicanismo
fadado à hipocrisia, mas um republicanismo provado nos seus elementos
caracterizadores legítimos?
A tarefa não se revela fácil, e não se propõe aqui a esgotar este complexo
tema. Tão somente delimitar o campo de atuação e identificar frente aos maiores
acontecimentos de nossa história pátria as bases do republicanismo brasileiro,
fazendo uma referência ao sistema penal, de modo assentar as bases para a
discussão sobre as associações, feitas por BRAITHWAITE e PETTIT sobre
republicanismo e sistema penal.
Para a resposta a estas questões, no contexto republicano brasileiro, nos
valeremos da obra minuciosa e completa de Raymundo FAORO fará uma
aproximação das intenções aqui cotejadas, além de autores como ZAFFARONI e
BATISTA, CAIO PRADO JUNIOR, CELSO FURTADO, SHECAIRA E
CORRÊA JUNIOR, NILO BATISTA, PIERUCCI, CARONE, ARRUDA etc
para o escorço histórico das instituições jurídico-penais brasileiras.
O Brasil enfrenta o desafio de construção de uma liberdade baseada na
igualdade de condições políticas, econômicas e sociais. A história brasileira
cv
reflete que ainda não possuímos meios de efetivação desta liberdade sem
dominação, liberdade esta contida na tradição republicana. E podemos afirmar
indubitavelmente que o nosso país precisa alcançar maiores patamares de
conscientização, integração e participação política do seu povo, muito maiores do
que os encontrados na cidadania brasileira. Entretanto, esta falta de condições é
uma herança histórica desde a colonização portuguesa, recebida por meio de
processos patrimonialistas, geração após geração, tolhendo e diminuindo cada
tentativa de aproximação de um modelo mais democrático e mais protetor dos
direitos e garantias fundamentais.
A tradição republicana é marcada por uma sequência de fatos que
moldaram uma liberdade, evidenciada desde suas primeiras aparições num
sistema de governo com elementos como a soberania popular por meio da
representação política, através do voto. A soberania popular é um elemento
essencial, sem o qual não se pode falar em republicanismo. A representação deve
ser limitada por mandato temporário e isto deve ser efetivado por uma
constituição elaborada pelos seus representantes eleitos, que garanta que nenhum
dos poderes da nação subjugue o outro.
A Proclamação da República no ano de 1889 desfez o nculo
monárquico com Portugal, o que constituiu um grande avanço, entretanto longe
de garantir o republicanismo, deu continuidade a um processo de dependência,
nos mesmos moldes anteriores. Esta estrutura dominadora, ao invés de figurar
numa luta entre classes, como pretendeu o postulado marxista, figurou inserido
numa estrutura estamental, uma corporação de poder político administrativa, o
“estamento”.
299
Um controle que historicamente mantém o poder numa elite
oligárquica e que o povo, ou o cidadão é apenas um telespectador.
A Coroa portuguesa já revelou desde logo um estado patrimonialista, que
veio a se desenvolver no Brasil por ocasião da colonização. Por patrimonialista,
no significado de Norberto BOBBIO é “(..) aquele Estado no qual o soberano
299
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político
brasileiro. São Paulo: Globo, 2001.
cvi
detém o território do Estado como propriedade sua”,
300
no qual não se percebe
uma distinção entre patrimônio público e privado. O Rei como soberano detinha
uma vasta área de terras numa época em que todos os recursos e toda renda dela
advinham. Esse patrimônio não tinha uma destinação específica, ora sendo
utilizado particularmente pelo soberano e pela sua família, ora de forma pública
pelo Reino nas suas necessidades coletivas.
301
Deste patrimônio vinham as rendas
para sustento dos guerreiros, delegados monárquicos, os servidores ministeriais,
enfim de toda a Corte.
O Rei de Portugal era um soberano, supremo dispensador, um grande
organismo que todas as atividades regulava
302
, na justa conotação absolutista,
acima dele o Papado, abaixo todos os seus súditos, submetidos as suas ordens,
sem qualquer possibilidade de recalcitrância.
303
Nesse reino, a nobreza e o clero
não firmaram a independência, sendo que a Coroa fez a completa distinção entre
a qualidade de funcionário da de proprietário e o poder derivava da riqueza e
não da função pública. Os funcionários eram recrutados da nobreza e dos grandes
proprietários, para quem eram reservadas as funções de primeiro nível, pessoas
com estreitos laços de amizade e confiança. O serviço militar era pago quando de
sua necessidade pelo Reino, não raras vezes, em terras que privilegiavam nobres
com a jurisdição e com isenções fiscais, reservando para a Corte uma
participação.
304
A Coroa detinha sua base política, fiscal e militar com o
“conselho”
305
que lhe defenderia gratuitamente das possíveis ocupações
estrangeiras e ainda rendiam impostos e multas pós-delitos. Uma economia
essencialmente agrária, sendo o rei o lavrador-mor, gerindo todos os negócios.
306
300
BOBBIO. Norberto. Teoria Geral da Política..., op., cit. p. 225.
301
FAORO. Os donos...,op.cit.p.12.
302
PRADO JUNIOR. Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. São Paulo: Ed.
Brasiliense. 1999. p. 299.
303
FAORO. Os donos...,op.cit.p.19.
304
FAORO. Os donos...,op.cit.p.21.
305
O verbete no orignal é “concelho”.
306
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.24.
cvii
Na justiça, o mesmo padrão se garantia de impessoalidade, o povo,
principalmente o nativo e os escravos sofrendo interferência arbitrária.
307
As
penas não eram submetidas à obediência a cânones pré-fixados. Um quadro
administrativo e judicial que incluia servos de sua casa ao lado de senhores
territoriais.
308
FAORO desfaz o dogma de que a sociedade capitalista brasileira se
gerou das ruínas da sociedade feudal. O recorte histórico feudalismo
capitalismo e socialismo sofre uma análise conjuntural e epistemológica. Ele
esclarece que o mundo luso brasileiro não conheceu o feudalismo, visto que os
meios de produção continuavam sendo da Coroa, porque o povo não possuía seus
próprios meios.
309
E conclui :
“Patrimonial e não feudal foi o mundo português, cujos ecos soam no mundo
brasileiro atual, as relações entre o homem e o poder são de outra feição, bem como
de outra índole a natureza da ordem econômica, ainda hoje persistente,
obstinadamente persistente.”
310
O patrimonialismo faz com que todas as atividades girem em torno do
Estado, na figura do soberano, suprimindo as liberdades públicas, econômicas e a
307
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.29.
308
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.30.
309
A burguesia se assenta sobre a exploração do trabalho assalariado e na propriedade
dos meios de produção e teria seu ponto de partida no século XVI. Os acontecimentos marítimos
e os descobrimentos aceleraram a acumulação do capital substituindo o feudalismo pelo
capitalismo ingressando no novo sistema “socialista”. Entretanto naquele sistema se operava a
pequena indústria de propriedade do artesão sobre os seus próprios meios de produção. A
produção perde o caráter individual para se tornar em série, converte-se o trabalho em
mercadoria. Assim, neste modelo, o feudalismo origina o capitalismo. Desta classe oprimida, a
burguesia se ergue agora a luta contra a nobreza se insurgindo na economia e na política. No
entanto, Conclui FAORO: “Esta doutrina, construída sobre uma tradição histórica, recebida sem
exame crítico de profundidade, infiltrou-se na teoria, ganhando o prestígio dos lugares-comuns.
Ela contaminou os estudos do século XX, empenhada em por toda a parte, sobretudo nos países
subdesenvolvidos, descobrir a “estrutura feudal” os restos feudais, perdidos no mundo universal
do capitalismo. Os estudos do século XIX, sobre os quais brotou a tese marxista, pareciam
apoiá-la, com raros dissidentes. A Europa seria, sem maiores dúvidas, um universo feudal
desmoronado, no século XV, sob o peso das manufaturas e das monarquias.” (FAORO. Os
donos...,op.,cit.p.35).
310
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.35.
cviii
livre concorrência.
311
Distintamente do fenômeno do feudalismo que não se
satisfaz sem a concentração de alguns elementos: o vassalo como proprietário da
terra, seus os meios de produção e ferramentas, o excedente e a apropriação do
trabalhador, a superposição de uma classe sobre outra. uma insuperável
incompatibilidade com o sistema feudal com a apropriação pelo soberano de
todos os recursos. O comércio ao invés de sobrepor esta nova classe, neste
modelo acelera o aparecimento do sistema patrimonial, pois a atividade
econômica da metrópole criou uma burguesia desvinculada da terra, que fomenta
e financia o comércio uma empresa e um príncipe que concentra nele os
setores mais produtivos,
312
que concede privilégios, autoriza, cede, distribui, mas
sempre aos grupos seus, presos à Coroa.
313
A base do capitalismo de Estado está
firmada, mas impedirá o capitalismo industrial, esquecido, desprezado pelo
crescente e imponente tráfico mercantil. A atividade industrial mida decorrente
de interesses da Coroa, alheia a qualquer liberdade econômica, não propicia a
revolução industrial, gerando consequências políticas e econômicas perceptíveis
até nossos dias, demonstra FAORO.
314
Sem utilizar o termo patrimonialismo,
PRADO salienta que a economia brasileira foi fundamentada de forma precária,
um sistema organizado de produção e distribuição de recursos com objetivos
estranhos, que não tem força própria e nem existência autônoma, em que a grande
massa populacional serve de mão de obra.
315
A justiça tem os contornos do novo dono, ligada à Coroa. Com as
guerras vem a doação de terras e com ela a jurisdição penal e civil. que a
atividade agrária não era a atividade típica, reservada ao comércio, passou a ser
compulsório o cultivo das terras, constrangendo os lavradores. Como os negócios
não podiam ser dirigidos unicamente pelo Rei, um aparelhamento lhe seria
311
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.36.
312
FAORO esclarece que nenhuma atividade comercial ou industrial está isenta da
direção, condução e intromissão do soberano, mas mantém para seu comando imediato as mais
lucrativas que “concede, privilegia e autoriza à burguesia nascente, presa desde o berço às
rédeas douradas da Coroa”. op.cit.p.40.
313
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.40.
314
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.40.
315
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.129.
cix
indispensável, uma organização político administrativa: o estamento político.
FAORO define:
“O estamento político (..) constitui sempre uma comunidade, embora amorfa: os
seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, a um
círculo elevado, qualificado para o exercício do poder. A situação estamental, a marca
do indivíduo que aspira aos privilégios do grupo, se fixa no prestígio da camada, na
honra social que ela infunde sobre toda a sociedade. Esta consideração social apura,
filtra e sublima um modo ou estilo de vida; reconhece, como próprias, certas maneiras
de educação e projeta prestígio sobre a pessoa que a ele pertence; não raro
hereditariamente”. Para aderir a ele não se faz mister a igualdade das pessoas, a
mesma classe, mas se “calca na desigualdade social”
316
.
O rei recruta uma comunidade cujos requisitos se apresentam na
personalidade, fechado a um grupo que se apropria de oportunidades políticas e
econômicas, de famílias tradicionais, políticos profissionais de alto nível,
orientando os objetivos econômicos.
317
A empresa marítima causou o descaso do sistema agrário, que era
incapaz de prover às necessidades internas, pois não passava de um setor de
subsistência, sem divisão de trabalho e especialização.
318
O estamento que
mantém todas as atividades ampara a que lhe forneceu o ingresso, alimentando a
sua nobreza e seu ócio. O Brasil herda esse mesmo sistema, seus recursos são
deslocados para fora, nada sobrando para industrialização ou agricultura. O
Estado organiza o comércio, incrementa a sua indústria, assegura a apropriação
da terra, estabiliza preços, delimita salários, tudo, para o enriquecimento da
realeza e do grupo que a dirige.
319
É exatamente este o “estado patrimonial” que
assentou todas as bases políticas, econômicas e sociais da nova terra.
316
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.61.
317
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.63.
318
FURTADO. Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia
Editora Nacional. 2005. p. 70-71.
319
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.81.
cx
As penas criminais na época da colônia obedeciam à técnicas sui
generis, atípicas e privadas, ligadas a usos e costumes mercantis, possibilitadas
pela ausência de uma estrutura estatal a dinamizar em terras brasileiras o
“direito” criminal, reprimidas a integridade física do réu com açoites, galés,
mutilações e morte. Eram desproporcionais ao fato e consideravelmente cruéis,
com a morte pelo fogo, em vida, de falsificadores de moedas, desiguais e
variáveis conforme a situação e a classe do réu.
320
A ausência do Estado no período colonizador da “terra ainda sem lei”
refletiu um não direito, uma vingança privada sem que fosse necessária a ofensa
para configuração da pena, aplicada de forma arbitrária e realizada dentro da
unidade de produção.
321
Primeiro, as Ordenações Afonsinas, (1446 ou 1447), seguiram-se as
Manuelinas em (1521) e em (1603) as Filipinas. As Manuelinas só sofreram
alteração em relação à anterior em acréscimos de novas condutas. No Brasil, a
jurisdição estava incumbida a ouvidores, tabeliães, meirinhos, o que na prática
consistia em matéria desregulamentada e privada.
322
As leis obedeciam caráter
pessoal com valores multi variados, levando ao Brasil o mesmo modelo adotado
em Portugal. Nas Ordenações Filipinas, a pena de morte variava na forma de
execução, morte lenta e suplício, morte seguida de confisco, queima de cadáver,
esquartejamento e proscrição de memória, a morte simples por degolamento ou
enforcamento e morte civil com o fim dos direitos civis e de cidadania. As penas
vis que consistiam em açoites, amputação de membro, galés, como também as
penas de multa e o degredo, sem que houvesse qualquer referência ao princípio
da legalidade, impondo o juiz a pena que mais lhe parecesse adequada.
323
Um
sistema desordenado de leis extravagantes que se embaraçavam.
324
320
SHECAIRA, Sérgio Salomão e CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da Pena.
Finalidades, Direito Positivo, Jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São
Paulo: Ed RT, 2002.p. 36.
321
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA Nilo; ALAGIA Alejandro; SLOKAR
Alejandro. Direito penal brasileiro. Vol. I. 2.a. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 412.
322
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 413.
323
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op.,cit.p.37.
324
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.300.
cxi
O rei comerciante se vinculava à guerra e a pesada burocracia da
administração pública, com cargos sem funções, distribuídos por três anos, sendo
que muitos eram alienados, acabando em corrupção.
325
A revolução Industrial não era sentida e nem mesmo existia, todos os
produtos para a Corte, para a nobreza, para os funcionários vinham da Europa
roupas inglesas, jóias holandesas e trigo importado.
326
A nova doutrina da soberania popular apregoada na Europa, a
democracia advogada fica resguardada nos assuntos da Corte e no decorrer do
tempo o se desprende do legado histórico recebido. Não importa o sistema de
governo ou mesmo a forma dele, essa representação estará aquém, sempre
dependente do “estamento”. Na vacância de um cargo, logo é preenchido, neste
processo o povo não participa, outros são escolhidos, selecionados, removidos e
consolidados na comunidade de domínio, “num ensaio maquiavélico de captação
do assentimento popular”
327
feito pelos processos de comunicação em cada época
pertinentes.
As concessões de terras fracassaram, a feitoria não vinculava o
trabalhador e o concessionário à terra. As armadas de guarda-costas da mesma
forma o operavam com sucesso. A expedição colonizadora não surtira efeito,
pois o elemento necessário era a povoação.
328
O dilema da ocupação territorial
numa terra habitada por indígenas, incapaz de provisão de lucros para os fins
mercantis desejados pela Coroa.
329
As Capitanias surgem da necessidade de fixar a população ociosa ao
solo e de vigiá-la. Igualmente sem êxito. A colonização representava uma
delegação de poderes, com vínculos reais. Mas este caráter de estabilidade e
permanência figurou bem mais tarde no Brasil.
330
O colono que povoa a terra
325
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.102.
326
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.105.
327
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.111.
328
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.128.
329
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.24.
330
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.31.
cxii
não é o “trabalhador”, o “simples povoador”
331
, como coloca PRADO, mas vem
para gerir uma grande empreitada rural, e essa organização agrária é composta de
três elementos: a grande propriedade rural, a monocultura e o trabalho escravo.
332
O pau-brasil e o açúcar deram a Portugal poderosos trunfos nas
competições imperialistas da Europa. Com os engenhos de açúcar financiados
pelos portugueses, o açúcar brasileiro começou a desfrutar de predomínio, e os
engenhos com a mão de obra escrava deram início a uma povoação. Para garantia
da povoação, o casamento passou a ser incentivado, e até pago, muitos abusos se
deram.
333
Em muitas cerimônias, mal feitas e às pressas, o consentimento da
mulher era inexistente. Era uma terra em que a lei existia para uma parcela do
povo, os mais importantes.
Os delitos se misturaram com um processo cultural advindo de Portugal,
em que determinadas condutas injustas, ilícitas, porém não típicas e antijurídicas
eram cometidas com liberalidade e até com certa frequência. O pensamento
patrimonialista dominou por completo o direito público e com ele todo o sistema
de política criminal, no qual o índio, o negro e a mulher eram as maiores vítimas.
A colonização tinha três razões: a exploração da nova terra, o abastecimento da
metrópole e a garantia de posse da terra contra as investidas de outros povos.
Com as capitanias, a autoridade delegada pela Coroa conservava o
direito de modificar a doação conforme os seus interesses, aos homens próximos
ao trono, burocratas e militares. A deslealdade consolidou o insucesso.
334
As
331
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.120.
332
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.122.
333
Tal foi o alvoroço de casar que em uma cerimônia noturna, mal provida de tochas,
as esposas foram trocadas, desfazendo o acidente no dia seguinte, sem reclamações dos maridos.
(FAORO.Os donos...,op.,cit.p.132.)
334
A colonização inglesa na América teve traços distintos. A Inglaterra em ascensão
econômica projetou nas colônias uma complementaridade da metrópole, concedendo-lhes
autonomia. A terra passou a ser “propriedadedos colonos, livres de vínculos de posse com a
Inglaterra. Não foi um empreendimento de cunho militar, para defesa, mas somente de
colonização, implementação e criação de uma estrutura “para ficar”, com seus próprios
recursos, próprios instrumentos de trabalho, seus semoventes, etc. O inglês trouxe a mulher,
fundando uma família e constituindo as próprias instituições políticas e administrativas. Fundou
igrejas e escolas, um povo acostumado ao trabalho agrícola, sem “que o desdém do cultivo da
terra pelas próprias mãos o contaminasse, desdém aristocrático e ibérico” (FAORO. Os
donos...,op.,cit.p.145).
cxiii
sesmarias e os governos gerais avolumaram ainda mais as extensões
latifundiárias, firmando a dependência do colono e senhores rurais a foros e
arrendamentos, endividando-os.
335
Os colonos se revoltaram com os donatários e
resistiram à Coroa que criou a figura dos ouvidores e provedores
336
com
atribuições jurisdicionais e fiscais não subordinadas ao governador. As
ouvidorias e provedorias eram na maioria das vezes avessas à justiça e à
equidade, tendo sido criadas não para promoção da justiça, mas para defesa do
rei nas revoltas.
Com a descoberta de diamantes e com o bandeirismo, que se identifica
em tudo com a exploração agrícola em grande escala,
337
os índios foram expulsos
de suas terras, apesar da proteção dos jesuítas. O poder da Coroa, criativo e
vigilante fazia emudecer os revoltosos. Os senhores de engenho e os fazendeiros
foram crescendo despercebidos aos olhos da Coroa, pois seu maior interesse
recaia sobre o comércio das pedras.
O Rei (síntese completa do Estado)
338
não tem afinidade social e cunho
assistencial, mas tem ambições econômicas, porém carente de mão de obra,
necessita de uma grande rede de cargos e funções para lhe ajudar não na
administração e para garantir os lucros. Entretanto trata-se de uma divisão formal
de trabalho, mas não funcional.
339
A estrutura hierárquica é assim disposta: o Rei,
o governador geral, os capitães das capitanias e as autoridades municipais. A
Coroa se utiliza do colegiado para decisão, mas a decisão é sempre a do Rei,
condicionada à manutenção dos privilégios.
Os negros começam a ter ascensão nos postos militares, mas o sem a
censura dos brancos. Na verdade, a nobreza estava arredia ao labor, para curtir as
honras e, quanto aos mercadores, buscavam agora o lugar que antes era ocupado
pela nobreza ociosa. A organização militar era essencial à Metrópole, garantia de
335
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.150.
336
O provedor-mor cuidava das funções inerentes ao Fisco, gerenciando os agentes. O
ouvidor-mor cuidava dos assuntos afetos à justiça nas capitanias com instância recursal em
Lisboa.
337
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.123.
338
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.299.
339
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.299.
cxiv
execução e de ordem.
340
O Clero desenvolvia papel de ensino, cuidava dos
registros notariais com o auxílio dos escravos, de recursos e terra doados pela
Coroa. No entanto, os próprios jesuítas entraram em contradição com relação aos
princípios de liberdade e igualdade entre índios e negros. Os índios podiam ser
livres e catequizados, inaptos ao trabalho servil, mas os negros-escravos aptos ao
trabalho, tinham que ser mantidos em escravidão.
traços pesarosos do descaso das autoridades, da falta de lei, da
ausência mesmo de justiça e humanidade no nosso Brasil colonial. Os negros, os
índios e os colonos mais pobres sofriam toda sorte de injustiças.
341
Foram os
interesses externos, e não os do Brasil, que organizaram e constituíram a
sociedade e a economia brasileira.
342
A vinda da família real em 1808, deu origem a mais cargos. O comércio
se intensificou, mas não a ponto de ingresso no capitalismo industrial, porque
faltava a seriedade, a ética nas transações comercias e a perseverança nos
tratos.
343
Ao lado das condutas criminosas, um tipo de malandragem” cultural,
incapaz de ser expurgada, que acompanha os negócios, os contratos, os acordos,
que vai se estender em maior ou menor grau até os nossos dias. A
industrialização é impedida pela autarquia agrária. A corte se indispõe com a
classe comercial, que pretendia a separação do Brasil de Portugal, com a
340
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.228.
341
“Um viajante francês, ao percorrer o litoral pernambucano, viu além dos escravos,
dos quais não queria falar porque “não passam de gado”, os lavradores entregues aos donos da
terra e dos engenhos em nada que os proteja, a lei ou a força armada. A paisagem se cobria de
senhores de engenho, lavradores (“espécie de rendeiros”) e moradores, categoria, a última, fruto
do declínio da empresa açucareira. À ostentação do senhor se opõe a vida incerta do lavrador
que pode ser expulso, a qualquer tempo, sem indenização, composto seu capital de escravos e
gado, abrigada a família em “miserável cabana”. Os moradores - “em geral mestiços de
mulatos, negros livres e índios” são paupérrimos eles formam a plebe dos campos, com sua
cultura de mandioca para magro sustento, retraídos ao trabalho assalariado que os degradaria à
condição de escravos. Isolados nos ranchos, não conhecem a vida comunitária que aos seus
avós integrava, numa constelação de valores perdida. Deles sairá o cliente do crime e o germe de
jagunço. “Os senhores de engenho procuram as suas mulheres para seu gozo; dizem-nas muito
galantes, mas destas seduções resultam vinganças e punhaladas. Os senhores de engenho que
usam do direito de despedir os seus moradores, porque lhe pagam pouco e mal, e
frequentemente os roubam, tremem ao tomar esta perigosa medida em um país sem polícia.”
(FAORO. Os donos...,op.,cit.p.252).
342
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p.32.
343
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.291.
cxv
crescente ideologia da independência nas emancipações norte-americana e
francesa, e acabam por expulsar o Rei em 1820. Com a libertação de Portugal, a
soberania popular o falada na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, é
adiada. O projeto constituinte de 1823 limitaria os poderes monárquicos, mas foi
ensurdecido pela outorga da Constituição de 1824, surgido com o poder
moderador que habilitará o monarca a governar, controlar e decidir em última
instância.
O liberalismo dos intelectuais, telespectadores do teatro norte-americano
e francês, vai se satisfazer com a Constituição, que mantém a igualdade, mas
sem a democracia, o liberalismo, faltante a soberania popular.
344
Dom Pedro mantém os privilégios paternos, títulos, honras, recompensas
e cargos num Senado vitalício. Ele controla sem intermediação, amparado pelo
poder moderador. Apesar da incrementação da indústria nacional, a dependência
com a Inglaterra se tornou maior, esgotou-se a mineração e o comércio
exportador se empobreceu diante da concorrência internacional. Sem o apoio
popular, o monarca abdicou.
As ordenações Filipinas são recepcionadas pela Assembléia Constituinte
do Brasil, após a Independência. Nesse período se percebem vários tipos de
prescrições penais se renovando ou se complementando, às vezes recebidas da
Metrópole e às vezes feitas na localidade ao calor dos acontecimentos
345
.Diversas
leis disciplinam várias matérias e se confrontam com a Constituição de 1824, que
fez aparecer garantias individuais como liberdade de manifestação do
pensamento, proscrição de perseguições religiosas, liberdade de locomoção,
inviolabilidade do domicílio e correspondência, formalidades exigidas para a
prisão, etc embora somente de forma oficial porque na prática essas prescrições
legais extravagantes se chocavam com a Carta Magna, que perdia a força.
346
344
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.321.
345
Um edital de polícia no Rio de Janeiro que determinava a aplicação de trezentos
açoites e três meses de trabalho em obras públicas e uma decisão de D. José em 1756 que previa
para a mesma pena de cem açoites por dez dias alternados.
346
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 422-423.
cxvi
Na Primeira Regência, se opera a descentralização nos municípios, mas
que afinal fora centralizada na 2.a. Regência com a criação da Guarda Nacional,
comandada pelos famosos “coronéis”.
O surgimento do Código de Processo Criminal de 1832 e o Ato
Adicional de 12 de agosto de 1834, deu nova autoridade municipal, e delimitou
as competências em distritos, termo e comarca.
347
O sistema tradicional suplanta
o legal que não se compatibiliza com os costumes e o cargo público,
permanecendo o estamento o único foco de poder. Nesta fase judicial da nova
Constituição se sofre a contradição entre liberalismo e escravidão, política da
descentralização e centralização, o mesmo se dá no direito penal e processo
penal.
348
Delitos urbanos e rurais com penas de prisão e multa, tais como
vozearias nas ruas, injúrias, obscenidades, venda de pólvora e transporte de gado
solto eram criminalizados pela mara Municipal em 1828.
349
Na Assembléia
Legislativa da Bahia, uma lei impedia que africanos libertos e expulsos que
retornassem à província eram apenados com a morte. Se o escravo transitasse nas
ruas após as 21:00 sem bilhete era punido com oito dias de prisão, pela Câmara
de Maracás. Proprietários eram impedidos de alugar casas a escravos sob pena de
serem presos ou forçados a trabalhos.
350
O principio da legalidade deveria ter sido admitido na Constituição de
1824, e no art. 1.o. do Código Criminal de 1830, mas isto não se deu. O Código
de Processo Criminal de 1832 autorizava o judiciário a aplicar penas para
suspeitos, o que fora transferido em 1841, através da Lei de n.o. 261 de 03 de
dezembro de 1841, para chefes de polícia, delegados e subdelegados.
351
O
julgamento de todos os crimes e contravenções com penas de prisão até 6 meses
além de outros crimes passaram a ser julgados pelas autoridades policiais
nomeadas pelo Imperador, que igualmente nomeava juízes municipais e
347
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.352-353.
348
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 423.
349
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 425.
350
ZAFFARONI.BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 425-426.
351
ZAFFARONI.BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 424-425.
cxvii
promotores. A chefia da autoridade policial era do Ministro da Justiça. Tanto a
centralização quanto a descentralização foram exercitadas por meio do poder
punitivo.
352
Ainda nos debates para a aprovação do Código Criminal de 1830, os
membros do parlamento queriam suprimir a pena de morte. Um ano mais tarde
foi novamente discutida a questão com a assertiva de Martin FRANCISCO de
que tal pena era ineficiente, porém LINO Coutinho afirmara que o “objetivo da
pena de morte era o de conter a escravatura: esta é a única pena que a pode
conter” e “assegurar nossa existência contra os escravos”.
353
ZAFFARONI e BATISTA observam que as raízes do autoritarismo e do
vigilantismo brasileiro remontam esta época, demonstrando o insucesso do
projeto liberal.
354
O controle do Império deitou sobre a Reforma do Código de Processo
Criminal em 1841, retirando dos municípios sua limitada autonomia, com o
chefe de polícia, delegados e subdelegados nomeados pelo Império, o juiz de paz
é desprovido de autoridade que se concentra agora nas mãos da polícia, com
funções policiais e judiciárias.
355
Os juízes municipais e os promotores perdem o
vínculo com a Câmara. O Júri perde a característica popular, tudo acaba sendo
controlado pelo poder central.
O sistema eleitoral com um eleitorado submisso, deputados eram
escolhidos na sala de reuniões e o eleitor submetidos a mandos e às coações.
FAORO lembra: “Daí das eleições inautênticas, dos partidos formados pelos
grupos sem raízes populares, estamentalmente autônomos, projeta-se sobre o país
a vontade augusta, o imperialismo, refugiado constitucionalmente no Poder
Moderador, tenazmente vivo.”
356
Trata-se de um sistema artificial coberto pelo estamento: A chave do
processo acentua e consolida o princípio feita a mesa, está feita a eleição, mesa
352
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 427.
353
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 429.
354
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 428.
355
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.383.
356
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.392.
cxviii
agora, necessariamente governista”, esclarece FAORO.
357
Muitos juízes de
direito foram removidos por conta das fiscalizações, num dia foram removidos
52 juízes de direito no Rio de Janeiro.
358
A máquina eleitoral funciona com
poderes coercitivos, autoritários e manipulativos.
Uma lei ordinária de 9 de janeiro de 1881 permitiu a primeira eleição
direta, com voto censitário, por rendimentos, cultura e propriedade. Foi a vitória
dos liberais na Câmara.
359
O latifúndio além de vincular o lavrador ao dono da terra, era utilizado
para a aquisição de créditos, fornecimento de escravos, bens e implementos. A
Lei de n.o. 601 de 1850 deu o reconhecimento da posse aos pequenos lavradores,
que se avolumaram pela valorização do ca nos latifúndios. Mas a lei não
garantiu a propriedade da terra, porque apesar de justa, apareceu tarde demais.
360
Os lavradores não conseguiam arcar com as custas e impostos, deste modo
poucas famílias controlavam milhares de hectares.
Nas eleições de 1860, nova vitória dos liberais, disposição de crédito e
liberdade bancária, com aumento dos setores médios, e da classe média que se
torna mais ativa. O empresário deseja industrialização, crédito e proteção
alfandegária, num regime de privilégios. A intervenção do governo se em
todas as atividades, os agentes públicos ingressam na economia mascarados de
empresários, em que o maior acionista é a Corte disponibilizando concessões,
subvenções e linhas de crédito a juros imperceptíveis. Grandes associações de
políticos e empresários favorecidos pelo governo em contratos empresariais. Foi
o caso do Visconde de Mauá, importante político e banqueiro brasileiro que
utilizou o Senado para benefício próprio e de suas empresas.
361
357
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.424.
358
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.424;
359
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.429.
360
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.468.
361
“Ergue-se Mauá à tribuna da Câmara dos Deputados, onde tinha assento, para pedir
garantia de juros de sete por cento, em favor de uma empresa sua, a Estrada de Ferro de
Petrópolis” advogava como que em nome próprio e que afinal não conseguira. Mas em outra
oportunidade fora feliz. “(..) consegue no parlamento uma autorização de empréstimo de
trezentos contos, ao juro de 6% ao ano, pago em prestações semestrais, com prazo de cinco anos
de carência.” (FAORO.Os donos...,op.,cit.p.498).
cxix
A queda da monarquia se deu por razões econômicas (o término da
escravidão impediu que o Rei apoiasse os empresários rurais escravocratas),
militares (o exército contava desgostos com a Coroa, sobretudo em razão do
descaso da Batalha de Riachuelo) e religiosas (atrair a imigração dependia da
separação da igreja católica do Estado,
362
de ideais liberais e republicanos e a
implantação de igrejas protestantes). Sem o apoio dos partidos que antes
representavam os anseios da aristocracia rural, à falta de apoio da igreja e do
exército e as campanhas republicanas, baseadas nos ideais das liberdades norte-
americanas e francesas, fariam a monarquia cair.
A República é proclamada com a tutela militar, mas o golpe militar de
15 de novembro de 1889 não deu ao Brasil a condição de República, senão
oficialmente. A proclamação tão festejada, ainda que o requisito da monarquia
hereditária tenha sido afastado, não contemplou a essencial soberania popular,
pois o povo desconhecia o acontecido. Daí se concluir sem maiores
profundidades que a “República” só aparecia no papel.
363
A análise do republicanismo brasileiro se inicia aqui, mas não se perfaz
sem a explicação dos fenômenos que o antecederam. Os mesmos fenômenos
vivenciados na colonização, no Império, o patrimonialismo que FAORO analisa
no palco brasileiro, o estamento com sua larga rede anfitriã, generosa,
irresponsável, concedendo cargos, privilégios, concessões para os seus, não se
ausentou no período republicano. Não houve aparentes mudanças sociais e
econômicas. Os latifundiários, herança da colonização e da monarquia,
mantiveram-se no poder.
A Proclamação foi um movimento liderado pelas elites. A primeira
república já padecia de vícios capazes de comparação com os regimes mais
totalitários. O primeiro decreto de Marechal Deodoro ao implantar a República
converge à política dos governadores, com a criação dos Estados, antigas
362
PRADO JUNIOR. Caio. Formação...,op.,cit.p. 336.
363
Art. 1.o. “Fica proclamada provisoriamente a República Federativa.” E segundo o
art. 7.o. se aguardará o “... pronunciamento definitivo da Nação, livremente expressado pelo
sufrágio popular”. Que aconteceria 104 anos mais tarde. (CASTRO, Celso. A Proclamação
da República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2000. p. 76).
cxx
províncias, no exercício de sua legítima soberania. Marechal Deodoro deveria
cumprir um mandato de 04 anos, porém vítima de forte oposição tentando dar
um golpe de Estado fecha o Congresso Nacional, e renuncia diante da Revolta
da Armada, com apenas onze meses de governo. Além da tentativa de golpe de
Deodoro, o vice-presidente Floriano Peixoto, assume o governo, afasta os
generais, contrariando a recém elaborada Constituição da República Federativa
de 1891, que determinava novas eleições caso não houvesse transcorrido metade
do mandato da presidência. Entretanto, qualquer conflito era agora resolvido
pelas armas. Floriano vitorioso sobre as revoltas dos maragatos e pica-paus,
consolida a República.
A Carta Constitucional de 1891 não passou de homologação de um
acordo prévio, aprovadas as bases do sistema instalado no poder.
No campo penal, o Código de 1890, obedeceu a um processo que
vinha ocorrendo desde 1850, com a eficácia da proibição do tráfico de escravos o
que fez aumentar o tráfico interprovincial para os cafezais do sudeste, no qual a
terra era a mercadoria essencial controlada pelos grupos dominantes. O Dec. de
n.º 774/1890 anterior ao Código de 1890 já havia abolido a pena de galés,
reduzido a 30 anos o cumprimento da prisão perpétua, instituído a prescrição das
penas e estabelecido o tempo de prisão preventiva do cômputo da pena em
concreto.
364
Tal Código não refletiu novos anseios senão uma compilação quase
inteira do Código de 1830. As penas eram as de prisão para quase toda maioria
dos crimes, o banimento, proscrito afinal em 1891, a reclusão, a prisão com
trabalho, prisão disciplinar, interdição, suspensão ou perda do emprego público,
inabilitação para o emprego público e multa. Na prática, a intervenção corporal
não abandonou o sistema penal, herança do mercantilismo.
365
364
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena..., op.,cit.p. 41.
365
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.448.
cxxi
A industrialização conjugada às atividades agro-exportadoras impõem
um novo modelo, um direito penal repressivo e capitalista.
366
Paralelas ao Código e a anteprojetos para substituição do Código de
1890, apareceram um emaranhado de leis extravagantes contra imigrantes,
anarquistas, cáftens etc, pena de morte fuzilamento, previu penas contra vadios e
pessoas sem domicílio, com vedação à fiança, e o ingresso no país de imigrantes
portadores de deficiências.
367
Controlou-se a liberdade de imprensa, o
anarquismo e a classe operária.
A pena conservou seu caráter preventivo, repressivo e de dominação
social e as penas baseadas na privação da liberdade constituíam-se em prisão
celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e disciplinar aos menores de 21
anos, em vigor ainda o banimento, interdição, perda do cargo público e multa.
368
As crises econômicas e as relações sociais de dominação, com o
coronelismo auxiliando os governadores direcionaram as leis penais contra os
desclassificados urbanos, os vadios, os desempregados, como lembram
ZAFFARONI e BATISTA: “alvos explícitos do sistema penal da primeira
república”.
369
O negro e a vadiagem se constituem vítimas desse processo
punitivo, apesar da escravatura ter sido abolida.
A luta profilática contra o crime por meio de um poder médico policial
incorporado por criminólogos e juristas da medida de segurança européia,
preocupa-se com os ociosos, com os incapazes, mendigos e os anormais por meio
de laudos empurrando-os para os Institutos Médicos Legais, os manicômios
judiciários com terapias abusivas, desde a camisa de força, das detenções
solitárias até eletro-choques e eletro-torturas.
370
366
Um garoto de dez anos que sofreu uma condenação, foi recolhido para trabalho em
estabelecimento disciplinar industrial até os dezessete. (BATISTA. Nilo. In Os sistemas penais
brasileiros. Verso e Reverso do Controle Penal. (org.) Vera Regina Pereira de Andrade.
Florianópolis: Fund Boiteux, 2002 .p. 153).
367
ZAFFARONI.BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 451-454.
368
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op.,cit.p.41.
369
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 442.
370
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 444.
cxxii
A partir de Campos Sales (1898-1902) se consolida a política do café
com leite”, num revezamento de paulistas e mineiros na presidência. O poder
político estaria nas mãos dos Estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul até se firmar com a hegemonia do Rio Grande do Sul em 1930 com Getúlio
Vargas.
Deputados e senadores são os representantes dos governadores. Deles,
sairá o presidente. Os governadores eram eleitos pelo povo, em eleições
ilegítimas feitas na base do bico de pena”. As decisões estavam prefixadas,
pesadas na base das contingências e das conveniências, Estados mais fracos se
submetiam aos mais fortes.
Nesta fase, o coronelismo se destaca com grande importância na política.
No Império o comando vinha do centro com as nomeações dos presidentes das
províncias, ajudados e acobertados pela Guarda Nacional. Na República, se
desloca o eixo para os Estados, fortalecendo a política dos governadores. No
Império o coronel vem da Guarda Nacional cujo chefe vem de pessoa rica,
socialmente qualificada. Manda porque tem reconhecimento, porque tem
autoridade na comunidade, é o vizinho, o compadre, o homem do governador,
que lhe “puxa” votos. Em troca, recebe e confia cargos. Na República o poder sai
das mãos do Presidente que antes era do Império para as mãos do governador
substituiu a farsa eleitoral monárquica pela farsa eleitoral republicana. O coronel
funciona da mesma forma, busca votos para o governador, por meio de favores,
de trocas de interesses, utilizando o seu próprio patrimônio.
As primeiras leis sobre o sistema eleitoral foram debatidas a portas
fechadas, o Decreto de n.º 200-A de 1890 e o Dec. de n.º 511 de 1890 esse o
Regulamento Alvim tais leis darão os contornos do sistema eleitoral
republicano. Vai vincular o chefe político municipal aos governadores de Estado
com a atrofia dos núcleos locais.
A defesa da questão operária adentrou o tema da liberdade contratual e
mais precisamente sobre o contrato de trabalho. Residiu em saber se caberia ao
cxxiii
Estado a proteção do trabalhador ou se isso era questão afeta ao pacta sunt
servanda”.
371
Reprimiu-se absurdamente grevistas e sindicatos. Os operários não
detinham representação no Parlamento, então a regulação do trabalho estava
fadada ao insucesso. Nas fábricas a vigilância dos operários e a espionagem
policial das associações laborativas se tornam frequentes e institucionalizadas. A
questão social, era um caso de polícia.
372
No campo penal, a arbitrariedade e
desumanidade que vinha sendo utilizado no período escravista se manteve na
república, configurada agora de forma imperativa, velada pela questão da
segurança nacional, como traça ZAFFARONI e BATISTA: “na bandeira
republicana, de ordem.
373
A ida e visitação a certos lugares, mormente distantes
do trabalho configurava crime. A vagabundagem era suspeita, a filiação a
partidos e intenções esquerdistas podia se materializar em crime, originada por
uma simples greve. As medidas proscritivas destinavam os condenados a ilhas
marítimas (imigrantes, cáftens, revoltosos, capoeiras, oposicionistas políticos,
etc) sendo que para tais medidas não se observou a abolição constitucional da
pena de banimento. As de natureza institucionalizante, influenciadas pelas
naturezas especiais correcionais (conhecimentos de medicina e policiais)
utilizadas em escolas, penitenciárias, hospitais, manicômios e colônias
correcionais para adeptos da mendicância, vagabundagem, loucos, desordeiros,
capoeiras e até menores.
374
Para isso, as barreiras políticas haveriam de ser transpostas. A República
não trouxe a o sonhada soberania popular, mas a soberania da elite uma
371
Rui Barbosa sempre cauteloso aborda o tema da seguinte maneira: “[...] a revisão
constitucional baixou, para nós, das regiões da teoria, da aspiração abstrata, dos sonhos de
regeneração para a terra firme da prática instante, para o campo das exigências imediatas de
governo. Trouxeram ao Brasil, criaram no Brasil a questão social. Ela urge conosco por
medidas, que com seriedade atendam aos seus mais imperiosos reclamos. Mas como é que lhe
atenderíamos nos limites estritos do nosso direito constitucional? Ante os nossos princípios
constitucionais, a liberdade dos contratos é absoluta, o capitalista, o industrial, o patrão estão ao
abrigo de interferências da lei, a tal respeito.” (FAORO. Os donos..., op., cit.p.684).
372
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.458.
373
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p. 457.
374
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.458.
cxxiv
oligarquia confiada as governadores continuaria tudo nos mesmos moldes -
seriam eleitos os velhos presidentes de províncias agora governadores,
protegidos pelos coronéis.
O Regulamento eleitoral ainda no governo provisório provocou
conturbação. Se faria constituir da República uma lista dos “eleitos” senadores e
deputados, dentre os nomes, configuram pessoas totalmente desconhecidas. Os
conchavos facciosos, puro nepotismo, tão comum na política brasileira entregou
o município que antes pertencia ao Imperador nas mãos dos governadores,
determinando a Constituinte no art. 68, a liberdade aos Estados de organizarem
os municípios com a nomeação dos prefeitos.
375
O município é dependente do
governo de Estado, que lhe dispõe toda assistência, carente em obras e recursos,
na base municipal se faz a mesa eleitoral para benefício do governador. Nos
Estados de poucos recursos a figura do coronel é especialmente útil. As
prefeituras, com prefeitos nomeados se distanciam do povo, das paixões e das
lutas sociais, livre para defesa dos interesses dos governos.
376
Muitas incompatibilidades se deram no processo eleitoral com lista
incompleta, voto cumulativo para representação da minoria, a apuração mesas
eleitorais com os agentes do governo. Na prática o “bico de pena” substituiu a
eleição e a “degola” as apurações dos votos, a força policial era utilizada em
favor da situação, destaca FAORO.
377
A eleição era o argumento para legitimar o poder e não a expressão
sincera da vontade do povo.
378
Entre o Estado e as eleições locais o coronel
375
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.703-704.
376
Ruy BARBOSA a esse propósito se insurgira: “Não se pode imaginar existência de
nação, existência de povo constituído, existência de Estado, sem vida municipal. Vida que não
lhe é própria, vida que seja de empréstimo, vida que não for livre, não é vida. Viver do alheio,
viver por outrem, viver sujeito à ação estranha, não se chama viver senão fermentar e
apodrecer.” (FAORO. Os donos...,op.,cit.p.706).
377
FAORO. Os donos...,op.,cit.p.707.
378
As farsas eleitoreiras eram tão repugnantes que FAORO denuncia num relato de
1899 no estado de Pernambuco: “(..): o presidente de uma mesa eleitoral convoca um menino de
dez anos para o serviço eleitoral. “Lavrada a ata”, conta o futuro chefe político teve lugar a
votação, numa lista em que, realmente, assinaram apenas os membros da mesa, porque as
demais assinaturas, de quase uma centena de eleitores, foram rabiscadas por mim e alguns dos
mesários, bem assim por diversos curiosos que ali apareceram [...]” “Terminada a votação
cxxv
cumpre papel delineador e decisivo. O governador tem um coronel, poderoso,
normalmente rico que lhe representa, alicia o voto, usa do aparato administrativo
para fins privados, por afinidade. Eleito o governador, o coronel indica cargos e
fomenta o círculo vicioso. Entretanto, o coronelismo foi ameaçado pela
urbanização e pela agitação, pelas desnecessidades dos favores prestados e pela
democratização e educação do povo.
A história revela que o tempo não consolidou a república. Que a
representação continuou precária senão até nossos dias, abem próximo deles,
com a eleição “bico de pena”, com os votos de cabresto, avolumada a
precariedade pelas violentas perseguições aos candidatos oposicionistas.
379
Durante a primeira grande guerra, a república estava atenta aos
fazendeiros de café, e descontente a classe média e a burguesia com um judiciário
vinculado a conchavos, obediente ao estadualismo.
380
Dera-se continuidade à
defesa das oligarquias, ora utilizando a Constituição Federal, ora desprezando-a.
Nos governos posteriores as garantias individuais foram suspensas, o
povo temia as arbitrárias prisões. Revoltas no sul e perda da legitimidade
presidencial com políticas estaduais para uma minoria de Estados. Seguiu-se o
coronelismo enfraquecido, o tenentismo, o comunismo e a revolução operária
agitando vozes no panorama nacional. A classe média reclamava por direitos
simbólica, a mesa eleitoral extraía logo os boletins, que eram por todos assinados (inclusive os
fiscais!) para serem enviados a alguns candidatos, amigos do meu pai, que assim desejava
documentá-los para defenderem seus direitos perante as juntas apuradoras, nas sedes dos
distritos eleitorais. (FAORO.Os donos...,op.,cit.p.733).
379
Em 1930 para as eleições de presidente e vice, todas as urnas eram conduzidas para
a residência do chefe situacionista no final da votação, local no qual foram apuradas e
divulgados os resultados. Os fiscais não adentraram a residência, permanecendo do lado de fora.
Em Alagoas o eleitorado da Aliança Liberal não pode comparecer para votar. A polícia local por
meio de um de seus tenentes, nomeado delegado “intimou meu tio materno Napoleão Siqueira, a
abster-se de votar, com os seus eleitores, sob pena de sair-se mal! Meu tio foi à presença do juiz
de Direito, mas este lhe fez ver que nada podia fazer. E, por todo o interior, as coisas deviam ter
corrido do mesmo modo...” FAORO. Os donos...,op.,cit.p.733-734).
380
“Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito
conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te
chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se.
Mas não salvação para o juiz covarde.” Foi dessa forma que Rui Barbosa exprimiu sua
decepção à pusilanimidade do mais alto escalão judicial” (FAORO.Os donos do
Poder...,op.,cit.p.735).
cxxvi
humanos e por democracia, pelo desligamento dos vínculos elitistas. Movimentos
antiliberais propunham mudanças, percorrendo o país.
Mesmo nas campanhas para a nova presidência em 1929, a democracia
não se firmara. O Presidente Washington Luis tem em mãos a decisão da
sucessão presidencial, contando com o Banco do Brasil e forças armadas para
socorrer as oligarquias. Minas Gerais tem Antonio Carlos Andrade como
candidato e o Rio Grande do Sul tem Getulio Vargas, o candidato das oligarquias.
381
Mas Washington Luis lança Julio Prestes, governador de São Paulo, em vez de
Andrade, que organizou uma frente oposicionista a Vargas e seu vice-presidente
João Pessoa. Julio Prestes apoiado pela antiga máquina vence as eleições. Diante
do movimento revolucionário iniciado por Carlos Andrade, Washington o
deixou o poder, entretanto por meio de um golpe Washington foi deposto e uma
junta governante assumiu o poder entregando-o a Vargas. O novo governo foi
controlado por um sistema militar e se operou o enfraquecimento do coronelismo
e das oligarquias, que afinal não aceitaram a perda do poder, estourando a
Revolução de 1932. Uma intervenção calou os revoltosos.
A concepção da democracia liberal foi tolhida pelo autoritarismo e o
alargamento do poder interventivo do Estado, motivado pela necessidade de
atendimento dos interesses sociais. O liberalismo havia tolerado a dominação dos
fortes, mas a liberdade agora estava sendo sacrificada em prol dos interesses
sociais.
A Constituição de 1934, outorgada pelo governo, sem consulta popular e
com parlamento fechado, nomeados interventores em substituição aos
governadores,
382
teria eleições livres, voto secreto, voto das mulheres e
supervisão eleitoral. Prometia a nacionalização dos bancos, das minas e das de
tratamento da água, proteção aos operários com a instituição da justiça do
trabalho e toda uma gama de direitos trabalhistas. Sistema presidencialista com
381
FAORO.Os donos...,op.,cit.p.764.
382
PIERUCCI, Antonio Flavio de Oliveira. [et al]. História Geral da Civilização
Brasileira. III. O Brasil República 4. Economia e Cultura. (1930-1964). Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil. 1995. p. 324.
cxxvii
mandato de 4 anos, regime federativo e criação de vários institutos. O avanço do
comunismo e a Intentona de 1935 fizeram permanecer Vargas no quadriênio
1934-1938 impedindo mineiros e paulistas no poder. Época de sucessivos golpes
com o cancelamento das eleições, suspensão das liberdades individuais, extinção
dos partidos políticos, fechamento do Congresso Nacional e outorga de uma nova
constituição.
Um governo populista responsável por programas nacionalistas na
defesa e a posse das explorações de energia e riqueza, com o Código de Águas e
Código de Minas de 1934, a criação da Cia. Siderúrgica Nacional, a Petrobrás,
Eletrobrás, revitalização do Departamento Nacional do Café, delimitação de
juros, redução de dívidas rurais, criação da carteira de crédito agrícola, criação do
Ministério do Trabalho com a sindicalização que acalma a liga operária, tão
desprezada pelo antigo presidente.
A Constituição de 1937 caracterizava-se pela centralização e hipertrofia do
poder executivo, suspensão da autonomia estadual e censura nos meios de
comunicação. Demonstrou rigidez com os revoltosos, sindicatos, um aumento do
número de prisões e exílio de líderes políticos, criação do DIP e Polícia secreta.
Previu um rol de crimes contra a segurança nacional e a estrutura das instituições,
submetidos a processos especiais. O Dec. Lei de n.º 88, de 1937, levou esses crimes
para o TSN,
383
de caráter policialesco, decisões monocráticas e as apelações
irrecorríveis. Abrangeu os crimes contra a economia popular. Possibilitou a pena de
morte por fuzilamento para crimes políticos e homicídio qualificado
384
. Foram
elevadas penas de vários crimes, com a prisão celular para privação de liberdade,
sendo que o Ministro da Justiça poderia converter em qualquer tempo em internação
em estabelecimentos especiais ou colônias penais agrícolas. A pena de morte
significou um caráter pedagógico e intimidativo, pois nunca fora executada.
385
O Código Penal de 1940 tem suas raízes na revolução de 30, exprime, no
dizer de ZAFFARONI e BATISTA, “uma reação conta o federalismo exacerbado
383
Tribunal Superior Nacional. Órgão para julgamento em tempo de guerra.
384
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.469.
385
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.469.
cxxviii
da primeira República, que se materializa na ‘política dos governadores’ apoiada no
mandonismo local dos ‘coronéis’.
386
Foi um diploma tecnicista com desprezo à
criminologia, que foi banida dos cursos e das discussões intelectuais até os anos
70.
387
O anteprojeto de Alcântara Machado, entregue da Parte Geral do Código e
em agosto a parte especial, modelo brasileiro do Código Rocco, foi alvo de muitos
reparos, alterado profundamente,
388
suprimido o capítulo sobre a menoridade penal,
diferenciou crime e contravenção, diminuiu as especificações dos crimes contra a
segurança nacional, renunciou à pena de morte, retirou do texto a classificação
positivista dos criminosos.
Em 1940, o “Estado Novo” aprova o Código Penal de 1940, que não foi
uma influência positivista, apesar da Exposição de Motivos traçar uma conciliação
entre os postulados clássicos e princípios da Escola Positiva. Embora elaborado sob
regime ditatorial, teve como base um direito punitivo democrático e liberal.
389
Mas
deu vazão ao vigilantismo e à intensa abordagem policial com os DOPS/DOI-
CODI.
Contemplou vários princípios, dividiu as penas em principais (reclusão,
detenção e multa) e acessórias (perda da função pública, interdições de direitos e
publicação da sentença). Previu o duplo binário etc. A parte especial foi dividida em
onze títulos, começando com os crimes contra a pessoa e seguiu-se os contra o
patrimônio, etc.
390
A legislação extravagante, conforme o que dispõem ZAFFARONI e
BATISTA contemplou uma restrição do poder punitivo,
391
criou delitos fiscais e
previdenciários, contra a economia popular, delitos contra o meio-ambiente e
386
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.459.
387
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op., cit.p.43.
388
A Comissão Revisora nomeada pelo Ministro da Justiça foi composta por Nelson
Hungria, Roberto Lyra, Vieira Braga e Narcélio de Queiroz e a contribuição à distância de Costa
e Silva. As alterações feitas foram motivos de calorosos ressentimentos entre Hungria e
Alcântara Machado.
389
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito ...,op.,cit.p.464.
390
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.473-474.
391
Nas disposições sobre a segurança nacional, receptação e lei de imprensa.
cxxix
delitos na administração pública
392
e ainda delitos contra genocídio, discriminação
racial, abandono moral.
393
A repressão política era assegurada em várias leis. A Lei de n.º 1.802 de
5/01/53 que protegia crimes políticos, foi revogada em 1967 pelo Dec. Lei de n.º
314 de 13/05/67 que punia atos preparatórios, trazia prisão perpétua, morte e
expulsão de estrangeiro, criou agências num subsistema penal com o DOPS/DOI-
CODI,
394
que entre 1968 e 1974 torturou, matou e ocultou cadáveres de centenas de
pessoas, ZAFFARONI e BATISTA retratam.
395
O esquadrão da morte executou
agentes de crimes patrimoniais, mendigos e militantes “rebeldes”.
396
Manifestações pela volta à democracia surgiram com a UNE e a OAB e
com o Manifesto dos Mineiros. Vargas fez concessões, anistiando todos os presos
políticos, por meio do Dec. Lei de n.º 7.474 de 18/04/45. Possibilitou a formação de
partidos
397
e marcou eleições para sua sucessão. Mas manteve-se rígido com
estrangeiros, permanentemente vigiados e distantes de funções públicas.
398
Economicamente, o processo de industrialização no Brasil se iniciou junto
com o processo de republicanização, a 1.ª etapa deste processo foi de 1888 a 1933
a economia cafeeira
399
era mais robusta que a indústria que era basicamente de bens
de consumo assalariados, sendo que a 2.ª etapa se deu entre os anos de 1933 e 1955.
No final da 1.ª Guerra aumentou-se sobremaneira o setor industrial e diminuiu
392
Crimes de responsabilidade, comissões parlamentares de inquérito, crimes de
responsabilidade de prefeitos e vereadores, crimes praticados contra a administração indireta etc.
393
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.476-477.
394
Departamento de Ordem Política e Social DOPS Destacamento de Operações
de Informações – DOI – Centro de Operações de Defesa Interna – CODI.
395
Uma relação de 125 “desaparecidos” em AA.VV Brasil: Nunca Mais, Petrópolis,
ed. Vozes, p. 291 Apud . ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR.
Direito...,op.,cit.p.478.
396
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.478-479.
397
Surgiram os seguintes partidos: PSD que simpatizavam com o getulismo, UDN
anti-getulista, PTB – total apoio a Getulio, PCB – de ideais comunistas.
398
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.470.
399
Pelo menos 90 por cento da renda gerada pela economia açucareira se concentra nas
mãos da classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana. FURTADO. Celso.
Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 32 ed. 2005. p.
51.
cxxx
vertiginosamente o setor cafeeiro.
400
O que acabou provocando um êxodo rural das
lavouras de café para os grandes centros urbanos em especial o de São Paulo.
De 1946 a 1951 o Brasil foi palco de uma redemocratização, com a
promulgação da Constituição de 1946, os direitos e liberdades individuais foram
restaurados, proibida a pena de morte, o banimento e o confisco. O poder punitivo
estadual foi limitado e destacou-se a individualização e a personalidade da pena.
401
Em 1951, Vargas retorna ao poder, adotando a reiterada política populista e
nacionalista. Instituiu o monopólio sobre a exploração e refinamento de
petróleo.
402
Em 24 de agosto de 1954 Getulio se suicidou
403
, sendo o seu vice Café
Filho, que não chegou a completar o mandato. Juscelino venceu as eleições de
1955. Foi elaborada uma Comissão Mista Brasil-Estados Unidos com a viabilização
de um projeto de investimentos no setor de serviços, energia e transportes
financiado pelas Agências Internacionais que significou a entrada do Brasil na era
de investimentos.
Em 1956, com a era da industrialização pesada, o governo de Juscelino
Kubitschek caracterizou-se por um liberalismo e dependência, sobretudo dos
Estados Unidos
404
.
Com a lei de n.º 3.274/1957 houve a previsão da individualização da pena,
da classificação dos delinquentes, da separação dos condenados dos presos
provisórios, oferecimento de trabalho assalariado aos detentos e condenados,
400
ARRUDA. José Robson de A. História Moderna e Contemporânea. 16.ª ed. São
Paulo. Ática. 1983. p. 418.
401
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op.,cit.p.44.
402
Na carta testamento que antecipou o seu suicídio, Vargas denunciou: “(...) tive de
renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos
internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do
trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a injustiça da revisão
do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização
das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se
avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja
livre. Não querem que o povo seja independente. (...)” (CARONE, Edgard. Corpo e Alma do
Brasil. A Quarta República (1945-1964). São Paulo, Rio de Janeiro: Difel. 1980. p. 58-9).
403
O jornal Correio da Manhã pede a renúncia de Getulio Vargas em 09 de agosto de 1954: “Só
há, pois, uma solução: a renúncia do Sr. Getulio Vargas ao cargo de Presidente.” (
CARONE. Edgard.
Corpo e Alma..., op.cit.,p.56.)
404
Volumosos empréstimos na cifra de milhões de dólares aumentaram a dívida
externa.
cxxxi
educação moral, intelectual, física e profissional, com assistência social aos
sentenciados, egressos e às famílias do réu e das vítimas.
405
De 1962 a 1967 houve uma recessão econômica avassaladora, sobretudo
em razão da inflação acelerada, redução dos salários e crescimento das migrações
dos campos para áreas urbanas. Cresceu o populismo, uma fase de conflitos
populares e de movimentos para uma tentativa de liberalização política tensões
sociais e políticas provocando o afastamento do capital estrangeiro.
João Goulart tentou operar uma reforma agrária, e a nacionalização das
refinarias de petróleo, mas se obrigou a deixar o país.
O governo nio Quadros havia solicitado a Nelson Hungria um
anteprojeto de Código Penal, tendo suscitado muitos comentários, mas acabou por
não ocorrer, inobstante editado, nunca entrou em vigor.
406
Em 1964 foi criado a Comando Supremo da Revolução e em seguida
escolheram o Marechal Castelo Branco para presidente, dando início a um processo
de marginalização de todos os que haviam colaborado ou operado nas bases do
governo anterior, e conferindo ao Presidente a possibilidade de baixar atos
institucionais e inclusive promovendo cassação, suspensão de direitos políticos e
dissolução do Congresso Nacional. Essa fase ficou demarcada na história brasileira
como uma era de dura repressão militar, perpetuando um terrorismo sem tamanho e
criminalizando condutas, impondo penas ao alvedrio dos militares. A função
finalística da pena se manteve, mas as garantias da legislação eram sufocadas pela
ditadura militar, com uma polícia dura e armada.
407
Em 1967 uma nova Constituição Federal substituiu a de 1946, assinalando
a eleição indireta para presidência da República por meio do Congresso Nacional. O
presidente Costa e Silva praticamente revogou a Constituição de 1967, através do
Ato Institucional de n.º 5 de 1968 que dava amplos poderes presidenciais para
cassar mandatos, suspender direitos políticos e legislar em substituição ao
405
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op.,cit.p.44.
406
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.479.
407
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op.,cit.p.44.
cxxxii
Congresso, inclusive abafar movimentos populares. Mas ainda assim houve uma
onde de sequestros e movimentos.
408
O vice-presidente Pedro Aleixo ficou encarregado de elaborar uma nova
Constituição que incluísse os dispositivos do Ato Institucional de n.º 5, entretanto
Costa e Silva adoeceu e o poder passou a ser exercido por uma junta em flagrante
afastamento do vice que deveria ter sido o sucessor. Em seguida, o poder foi
transferido para o General Emilio Garrastazu Médici em 1964 em que se deu a
diminuição da inflação e aumento do desenvolvimento econômico.
Juntamente com a Lei de Segurança Nacional, foi o Código Penal de 1969,
outorgado, pela Junta Militar, fazendo ressurgir a pena de morte, a prisão perpétua e
a pena de 30 anos de reclusão para crimes considerados políticos. A pena tinha
caráter de prevenção e a execução da pena a recuperação do condenado, previa o
regime de semiliberdade para condenados não superior a seis anos de pouca ou
nenhuma periculosidade e a substituição da pena de detenção o superior a seis
meses por multa, desde que o réu fosse primário.
409
Entretanto não entrou em vigor,
com sua vigência por várias vezes adiada, sendo que foi revogado pela Lei de n.º
6.578/1978.
410
Em 1974, quando Geisel subiu à presidência se operou reformas no
Judiciário.
411
Revogou medidas repressivas do Regime de Exceção de 1964 e no
final do mandato uma época de abertura à democratização continuada com Oliveira
Figueiredo, que aprovou a Lei da Anistia fazendo retornar os exilados e a aprovação
dos sindicatos.
412
A lei de n.º 6.416 de 24/05/77 trouxe um embrionário processo de
unificação das penas, a criação de regimes de execução comuns e benefícios na
408
O Comando Vermelho foi responsável por inúmeros assaltos e sequestros. As
deliberações vinham de políticos detentos, que controlavam o movimento de dentro das celas.
MISSE, Michel. Crime e Violência ..., op.,cit.p.
409
SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR. Teoria da Pena...,op.,cit. p.44.
410
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit. p.479.
411
ARRUDA.História Moderna...,op., cit.p.425.
412
BARROSO. Luís Roberto. Dez Anos de Constituição de 1988. (Foi bom para
você também?) In A Constituição Democrática Brasileira e o Poder Judiciário. Centro de
Estudos Konrad Adenauer Stiftung. Debates. Ano 1999. n.º 20. p. 22-24.
cxxxiii
ressocialização do preso - matéria a ser regulamenta a nível estadual. Previu
caducidade da reincidência aos cinco anos, modificando enfim o Código de
Processo Penal e a Lei de Contravenções Penais.
413
A centralização do poder político depois dos anos 30, enfraqueceu o poder
punitivo local e patronal que andava vinculado ainda aos coronéis. Mas isto não
significou uma melhora no sistema e acobertado pelo manto da industrialização
apareceu a figura sombria e macabra das penitenciárias agrícolas e industriais no
Brasil. A dicotomia entre o estado do bem estar social e a necessidade de
aprisionamento fruto da industrialização, começa a aparecer nos discursos penais
sobre a redução das penas privativas de liberdade e descriminalização.
414
A comunidade jurídica inicia um processo de cobrança para a Convocação
de uma Assembléia Nacional Constituinte a partir do ano de 1980. Aprova-se a
Declaração de Manaus com a devolução de seus direitos ao povo brasileiro.
O Ministério da Justiça, em 1980, de posse de novos paradigmas,
encaminha uma comissão de juristas para a reforma do Código Penal de 1940, aos
Francisco de Assis Toledo e Serrano Neves, Ricardo Antunes Andreucci, Miguel
Reale Junior, Helio Fonseca, Rogério Lauria Tucci e o paranaense René Ariel Dotti,
publicado em 81, submetido a outra comissão, culminando na lei de n.º 7.209 de
11/07/84, entrando em vigor em 1985, juntamente com a Lei de Execuções Penais
lei de n.º 7210 de 11.07.84.
415
Na reforma de 1984, foram unificadas as penas privativas de liberdade,
deu-se importância à primariedade, contemplou os regimes fechado, semi-aberto e
aberto, agora de forma progressiva. Contemplou as penas restritivas de direito:
prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de
fim de semana, funcionando como substituto da privativa de liberdade até um ano
ou sem limites, quando crime culposo. A pena de multa retornou aos dias-multa. A
413
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.479-480.
414
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.481.
415
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.482.
cxxxiv
aplicação da pena passou a sofrer sistema trifásico. Aperfeiçoou a suspensão
condicional da pena, reconheceu a prescrição retroativa etc.
416
Amplo movimento popular e multi partidarista conclama eleições diretas
para Presidente da República, o famoso “Diretas com a participação da
juventude, em que centenas de milhares de brasileiros vão às ruas e se instalam em
Brasília na Praça dos Três Poderes.
O acordo feito por ocasião da vitória de Tancredo Neves, mesmo após seu
falecimento, da convocação de uma assembléia nacional, fora mantido por Sarney
e editadas as Emendas Constitucionais de n.º 26 e 27 de novembro de 1985,
convocando uma Assembléia Nacional Constituinte para a elaboração da Nova
Carta.
A nova Constituição, contempladora de inúmeros direitos e garantias
individuais, amplamente democrática e asseguradora de direitos, entrou em vigor no
final de 1988, transportando o Brasil para uma nova fase.
Paradoxalmente, o governo do primeiro presidente eleito diretamente,
Collor de Melo, deflagrou um audacioso plano econômico, de constitucionalidade
suspeita, arbitrando um verdadeiro “confisco” de quase 50% de todos os valores em
ativos e cadernetas de poupança no Brasil. Com o apoio da opinião pública e da
mídia no início, no entanto dois anos depois, motivado por conflitos familiares, o
governo de Collor desmoronou.
Outro movimento amplamente popular se iniciou exigindo o
impeachment do então presidente eleito pelo povo, que renunciou após a
deliberação de 16 a 5 votos da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigaria
o caso.
O governo de Fernando Henrique Cardoso se notabilizou por um processo
de intenso liberalismo econômico e político, privatizando indústrias e empresas
brasileiras, como a Vale do Rio Doce, empresas de telefonia e telefonia celular e a
criação de agências nacionais, como a ANP, ANEL e ANATEL, sendo que o
processo de privatização se seguiu também nos estados. Uma das características de
416
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.482-483.
cxxxv
seu governo foi conter a inflação, embora de posse de um arsenal de medidas
provisórias.
O governo de Luis Inácio “Lula” da Silva apesar de ideologia socialista, fez
a abertura de mercados para o leste asiático, abrindo canais de comunicação com a
China e Índia. Conteve o processo inflacionário e aumentou o número de empregos,
porém tem governado sob o manto de uma enxurrada de medidas provisórias, num
flagrante império do executivo.
Destacam ZAFFARONI e BATISTA que o sistema penal do
empreendimento neoliberal, deu ênfase no controle dos contingentes econômicos
marginalizados:
“mediante uma dualidade discursiva que distingue os delitos dos consumidores ativos
(aos quais correspondem medidas despenalizadoras em sentido amplo) dos delitos
grosseiros dos consumidores falhos (aos quais corresponde uma privação de liberdade
neutralizadora)”
417
.
Para os consumidores proveu-se alternativas à prisão e para os não-
consumidores os crimes hediondos e encarceramento neutralizante.
418
A chamada Lei do Crime Organizado faz surgir um juiz inquisidor, que
impede a liberdade provisória e a apelação em liberdade. As Leis Serra elevando as
penas dos crimes contra a saúde blica e que os inclui entre os crimes hediondos e
a Lei Maria da Penha, a Lei da Escuta Telefônica, com o forte intento de aplacar o
crime tem aumentando grandemente o caos do sistema brasileiro que está entre os
mais precários e desumanos do mundo.
A questão causal da criminalidade tem sido flagrantemente negligenciada,
abafada pelo enrijecimento legislativo, fazendo avolumar a própria criminalidade.
Algumas leis, entretanto, foram positivas e tem surtido bons efeitos como
a Lei de n.º 9.807 de 13/07/1999 que atribui à delação eficaz o perdão judicial,
beneficiando os réus que colaboram para a elucidação e efetivação da condenação, a
417
ZAFFARONI. BATISTA, ALAGIA, SLOKAR. Direito...,op.,cit.p.484-485.
418
BATISTA. Nilo. Os sistemas penais brasileiros...,op.,cit.p.154/155.
cxxxvi
Lei de n.º 11.719/2008 que recentemente alterou o Código de Processo Penal
fazendo diminuir os prazos processuais, tornou os procedimentos mais céleres,
determinando a presença de advogado na audiência e a Lei de n11.343/2006 que
fez recair a competência do uso de entorpecentes ao Juizado Especial Criminal,
determinando penas de advertência, prestação de serviço, medidas educativas a
programas ou cursos.
3.3 DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA UM SISTEMA PENAL
VERDADEIRAMENTE REPUBLICANO
3.3.1 Os Movimentos “Law and Order” e “Tolerância Zero”
Os movimentos em favor de práticas rigorosas de policiamento estrangeiros
e de enrijecimento de penas, principalmente da Inglaterra e País de Gales e dos
Estados Unidos têm influenciado movimentos no Brasil, com os mesmos contornos,
as vezes com contornos diferenciados, mas reservando um pacote de medidas
repressivas de policiamento, investigação, supervisão, intimidação, penas mais
altas para ofensores reincidentes, diminuição de benefícios, obstrução à prestações
de serviços comunitários e facilitação para penas de encarceramento. Do lado
britânico a herança do soar retumbante da “prisão que funciona”
419
e do lado norte-
americano “medidas que não admitem tolerância”. Ambos, quase um direito penal
do inimigo público, que criminaliza pessoas consideradas “subversivas”,
“terroristas” etc.
419
Prison Works é o nome de um famoso discurso britânico feito por Michael
Howard, Ministro do Interior na Conferência do Partido Conservador em Blackpool na data de
06/10/1993. As palavras se tornaram conhecidas pela seguinte frase de HOWARD: “Sejamos
claros. A prisão funciona. Ela nos a segurança de estarmos protegidos dos assassinos, dos
agressores e dos estupradores, e isto faz pensar duas vezes aquele que é atraído pelo crime.”
“que mais pessoas acabem na prisão não me detém.” “Não julgaremos mais o sucesso de nosso
sistema judiciário pela queda da população carcerária.” GARLAND. David. As Contradições da
“Sociedade Punitiva”: O Caso Britânico. In Revista de Sociologia e Política. Universidade
Federal do Paraná. Curitiba, n.o. 13, 1999. p. 73.
cxxxvii
O Movimento Law and Orderna Inglaterra e País de Gales apareceu nos
debates para as eleições de 1945 a 1992. Foi nos anos 60 que se tornou intenso,
com as taxas criminais crescendo, e o crime reapareceu nos discursos partidaristas,
mais efetivamente o seu combate. Acabou sendo copiado por muitas outras nações,
causando o enrijecimento das penas, idealizando e inspirando movimentos para
construções de prisões e policiamentos intensivos.
O Partido Conservador implementou um conjunto de medidas específicas
incluindo maiores orçamentos para o emprego do law and order”: mais prisões,
mais varas e mais policiamento, seguidos de penas mais duras para os crimes.
420
De
1980 a 1993 os liberais produziram o que DOWNES e MORGAN chamaram de o
mais radical pacote de medidas legais que os conservadores já haviam produzido.
421
Apesar das reformas implementadas a partir de 1987, do movimento deep
in society
422
que considerava o crime uma resposta social, com o incentivando das
pesquisas acadêmicas criminológicas, o desencarceramento que se seguiu, a queda
da população carcerária de 50.000 em 1987 para 42.000 em 1991 e o “1991
Criminal Justice Act” adotando um desertmínimo nas sentenças que diminuiu as
penas de prisões para pequenos ladrões, a inflação e o desemprego em 1992
provocou aumentos nas taxas criminais em 50% entre 1989 e 1992. então Tony
Blair, o novo Secretário de Estado começou a mudar os rumos dos avanços, atacou
o “1991 Criminal Justice Act, deu ênfase ao just deserts para ofensas atuais mais
do que para condenações prévias. Atacou os custos e operou no Estado uma recusa
de vincular o crime a uma questão social.
423
A política do law and order
424
era
agora a do tough on crime, tough on the causes of crime”
425
, o que significava que
o crime, os criminosos e as causas do crime deveriam ser enfrentados com dureza e
420
DOWNES David e MORGAN Rod. The Skeleton in The Cupboard. The Politics
of Law and Order at the turn of the millennium. In: MAGUIRE, Mike. MORGAN, Rod e
REINER, Robert. The Oxford Handbook of Criminology. Third Edition. New York: Oxford
University Press. 2002. p. 288-289.
421
DOWNES e MORGAN The Skeleton…, op.,cit.p.295
422
Trad. Livre. Fundo na sociedade. Política que ligou o crime às questões sociais.
423
DOWNES e MORGAN The Skeleton…, op.,cit.p.295
424
Trad. Livre. Lei e ordem.
425
Trad. Livre. Duro no crime, duro nas causas do crime.
cxxxviii
que a culpa era dos conservadores que antes dele não haviam atacado as causas do
crime.
426
No governo de TORY um aumento exorbitante do crime de 1989 a 1993
alarmou a opinião pública foi quando Michael HOWARD, primeiro secretário de
Estado fez o notável e famoso discurso conhecido por “Prison Works” para a
conferência de TORY. Seguiu-se a extinção dos avanços do 1991 Criminal Justice
Act”. Foram retiradas as unificações das multas e as vincularam à rendas
disponíveis, retiraram a desconsideração de condenação prévia na sentença. Em
1997 a população carcerária cresceu de 65.000 para algo como 50% maior numa
década. Essas medidas duras foram seguidas por Blair e Straw. O “Tolerância Zero”
nova-iorquino foi aplaudido. O foco agora era combater as incivilidades, os
mercadores ilegais e os pedintes, vagabundos com uma polícia dura nas ruas. As
medidas na recuperação da economia e do emprego acabaram coincidindo com as
medidas operadas pelo 1992 Criminal Justice Act”, e DOWNES e MORGAN
denominam de uma ironia, que por forças das medidas econômicas as taxas
criminais despencaram.
Mas mesmo assim não admitiam que o crime estava estritamente ligado à
questões sociais e econômicas. Uma grande redução nos gastos públicos foi operada
no governo Blair, diminuindo os recursos para serviços públicos e retirada do apoio
aos governos locais para prevenção do crime o que acarretou duras medidas com os
anti social behavior orders (mandados para comportamentos anti-sociais),
desincentivaram os neighbours from hell(vizinhos do inferno), exigindo provas
mais de processo civil do que de processo criminal, ativou a sentença dura para
burglaries (ladrões) reincidentes, tráfico de drogas, violência, violência sexual,
aumentaram os curfews (toques de recolher) para jovens, monitoramento
eletrônico para as primeiras saídas da prisão, acabaram com o doli incapax
427
,
reduziram a idade penal para 10 anos com sentenças punitivas para os pais.
426
DOWNES e MORGAN The Skeleton…, op.,cit.p.296.
427
A “doli incapax” é uma cláusula legal de inimputabilidade penal aos menores de
quatorze anos. Foi abolidada pelo “Crime and Disorder Act 1998”, reservando a
inimputabilidade só para os menores de dez anos.
cxxxix
Aumentaram as possibilidades de delação premiada e privaram os ofensores de
serviços comunitários.
428
Taxas criminais baixas se seguiram, em 20% entre os anos
de 1995 a 1999, policiamento foi reduzido porque as prisões estavam abauladas e os
agentes “nos trilhos”. DOWNES e MORGAN revelam que este seria um momento
oportuno para operar um desencarceramento. Porém, o partido trabalhista manteve
a legislação dura, criou o confisco do patrimônio do ofensor, reforçou a prova de
processo civil em vez da penal, manteve as penas para ofensores reincidentes,
seguiu-se um apelo da opinião pública que veio do “Tolerância Zeroe do Prison
Works(Prisão Funciona) e como se não bastasse o abalo em setembro de 2001 do
World Trade Center introduziu outras medidas duras de combate ao terrorismo na
Anti Terror Bill
429
.
Já, o Movimento “Tolerância Zero” foi um movimento no início dos anos
90 em Nova York feito pelo então prefeito Rudolph Giuliani. O programa se
assentava em dois eixos: o endurecimento da política do Broken Windows
430
e a
reorganização e descentralização dos departamentos de polícia. O movimento
incluía um fortalecimento dos poderes policiais, autorizados a agirem de forma
repressiva diante de qualquer infração legal. Acoplou a tecnologia da informação
diminuindo a burocracia com táticas de inteligência de combate ao crime e
avaliação de resultados, esta, de conceitos de organização empresariais. Foi alvo de
inúmeras críticas motivadas pelo desprezo aos direitos humanos e que a diminuição
das taxas criminais não foi em razão do programa mas sim dos avanços sociais e do
aumento de recursos para as áreas sociais. As comissões de direitos humanos
criticaram alegando que o programa foi uma criminalização da miséria abrindo
espaço para o preconceito racial e a brutalidade. Conforme a Agência da Justiça
Criminal da cidade de Nova Iorque para o ano de 2003 apontou que negros e latinos
428
DOWNES e MORGAN The Skeleton…, op.,cit.p.297.
429
DOWNES e MORGAN The Skeleton…, op.,cit.p.298
430
Nome de um artigo publicado em 1982 por Kelling e James Q. Wilson no qual
adotam a teoria de que uma janela quebrada numa residência que não seja reparada, lugar a
que outras sejam quebradas. Se as desordens não forem contidas a tempo, da mesma forma
darão espaço para infrações mais graves.
cxl
representavam 78% do total de pessoas presas, total esse que avançou para 81% em
2004.
431
Uma fortuna foi gasta pelo poder público para o aparelhamento da polícia,
aumento de salários, construções de centros para crianças e adolescentes, recursos
para as escolas e empregos e parte do recurso em milhões de dólares foram
utilizados para manutenção dos “excluídos” nos presídios, esclarece Luis Flavio
GOMES. Ele questiona se esses assassinatos ocorridos no município de São Paulo
de mendigos não são uma das manifestações dos “crimes do ódio”, aqueles que o
cometidos por aqueles que querem se livrar desses “inconvenientes indivíduos”:
mendigos, desabrigados, estrangeiros, desclassificados, prostitutas etc.
432
O programa influenciou políticas brasileiras, na cidade de São Paulo,
433
no
Rio de Janeiro. Neste sentido aponta BATISTA que era inevitável que as regiões
mais industrializadas sofressem este processo, no caso São Paulo e que padeceu de
influência do “Tolerância Zero” em políticas cariocas de disciplinamento de espaços
públicos: “A criminalização das ilegalidades populares (...) é condição para o
esforço de vigilância e repressão desses novos desajustados inúteis.”
434
Legislações brasileiras foram inspiradas nesse modelo repressivo. Foi o
caso da Lei de n.º 11.705/2008 conforme o que aponta GOMES.
435
Todavia, essas
“clonagens” de programas estrangeiros para o Brasil, normalmente não vem
acompanhado do pacote monetário que viabiliza a implementação de projetos
educacionais e de infra-estrutura, trazendo somente “o lado repressivo” de
policiamento, inchando as delegacias e posteriormente as prisões. Sobre essa
431
Disponível em <www.nevusp.org/portugues/index.php> Acesso em 18.07.09
432
GOMES. Luis Flavio. Assassinatos em série de mendigos: tolerância zero ou
crimes do ódio? Disponível em <http://www.mundolegal.com.br/?Detalhar>
433
O sociólogo Sergio Adorno e os pesquisadores do Ilanud Túlio Kahn falam sobre a
possibilidade de implementação de programas parecidos. Disponível em
<http://www.nevusp.org/portugues/index.php> Acesso em 30.07.09
434
BATISTA. Nilo. Os sistemas penais brasileiros. In: ANDRADE. Vera Regina
(Org.) Verso e Reverso do Controle Penal (Des) Aprisionando a Sociedade da Cultura
Punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux. 2002. p. 154.
435
GOMES. Luis Flavio. Disponível em
<http://www.mpes.gov.br/anexos/centros_apoio/arquivos.doc> Acesso em 30.07.09
cxli
influência, Florência F. BALESTRA
436
menciona que “o sistema eletivo deve
adaptar-se à particular organização da cidade, à cultura, aos costumes da sociedade
e à tradição história em matéria de segurança.”
3.3.2 Polícia e Policiamento
A polícia tem o maior impacto sobre o que se torna definível como crime,
que ofensas são priorizadas e quais os setores da comunidade são considerados
como perigosos e problemáticos, que es instalada na porta de entrada do
processo de justiça criminal apontam BOWLING e FOSTER.
437
E o uso da força
concedido pelo Estado permite que atividades estranhas a qualquer pessoa da
sociedade sejam legitimamente executáveis pela polícia, como invasão às vidas
privadas nas suas mais diluídas formas.
Pessoas autorizadas pelo Estado com poderes para executar a lei e manter a
paz, é o que a princípio aparece como descrição do que é a polícia, entretanto
segundo REINER, citado por BOWLING e FOSTER envolve um tipo particular de
instituição do tipo social, enquanto policiamento implica num conjunto de processos
com funções sociais. Não são encontradas em todas as sociedades e normalmente
sugerem formas bastante variáveis. Policiamento, no entanto, é uma necessidade em
qualquer ordem social que pode ser feita de diferentes meios e de diferentes arranjos
institucionais. Ele destaca que uma polícia especializada de tipo moderno,
organizada pelo Estado, é só um exemplo de policiamento.
438
A polícia tem padecido de inúmeras críticas principalmente relativas à
corrupção e à repressão policial, que são na verdade os fatores que deram origem à
436
BALESTRA. Florencia Fontan é mestre em direito pela Universidade de Harvard
e pesquisadora em temas de violência e segurança pública do Viva Rio. Disponível em
<www.nevusp.org/portugues/index.php> Acesso em 30.07.09
437
BOWLING. Benn e FOSTER. Janet. Policing and the police. In: MAGUIRE,
Mike. MORGAN, Rod e REINER, Robert. The Oxford Handbook of Criminilogy. New York:
Oxford University Press. 2002. p. 980.
438
BOWLING.e FOSTER. Policing…,op.,cit.p.981.
cxlii
crise de legitimação pela qual ela vem passando praticamente em todas as
democracias liberais nos últimos anos.
Escândalos envolvendo policiais e grupos especializados m crescendo
paulatinamente e se relacionam com delitos leves, multas de trânsito, furtos e
roubos de veículos, mas se concentram em maior medida no envolvimento com o
tráfico de drogas. MISSE esclarece que essa corrupção negocia a liberdade dos
suspeitos ou criminosos, e é um exemplo de mercadoria política” produzida por
expropriação de um poder estatal, o poder de polícia, fazendo utilização desse poder
concedido pelo Estado para a realização de intentos particulares.
439
A crise da legitimidade, que decorre da falta de confiança na polícia tende a
aumentar, aponta MISSE, a demanda de violência ilegal da mesma forma que o
rompimento da organização da confiança recíproca, entre os traficantes tende a
aumentar o volume dos acertos de contas e os conflitos nos grupos locais.
440
Num
estudo realizado em 1988 pelo IBGE, sobre a vitimização de crimes de roubo e
furto não relatados à polícia, os entrevistados apontaram como resposta “não
acreditavam na políciaum total de 34,33%, resultando que as imagens negativas
foram associadas à maioria dos casos de não relatamento.
441
Outro fator relatado para a ineficiência constatada pela população relativa
ao policiamento é a sua brutalidade, ou seja, o seu padrão de comportamento
violento, se tornando cada vez mais ilegais e violentos. A polícia está, conforme o
que explica CALDEIRA contribuindo para a erosão dos direitos e para o aumento
da violência.
442
No mesmo estudo, CALDEIRA aborda que em 1992, as mortes
provocadas pela polícia representaram 20,63% de todos os homicídios na região
metropolitana de São Paulo.
443
Essa reação repressiva da polícia parece ter
439
MISSE. Michel. Crime e Violência no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris. 2006. p.208.
440
MISSE. Michel. Crime..., op., cit.p.206
441
CALDEIRA. Tereza Pires do Rio. Cidade de Muros. Crime, Segregação e
Cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp. 2000. 103.
442
CALDEIRA.Cidade...,op., cit.p.134.
443
CALDEIRA.Cidade...,op., cit.p.135.
cxliii
conotações históricas no regime militar
444
e contar com o apoio da opinião pública,
que acredita que a polícia dura é boa e que seus atos ilegais são aceitáveis.
445
Durante o regime militar estima-se que o esquadrão da morte tenha ceifado as vidas
de algumas centenas de pessoas até 2000 delas, porque os dados da mídia não são
uniformes.
Segundo dados da Amnesty International de (1989:204), a polícia de São
Paulo em 1992 matou sumariamente 8,5% mais que o regime do apartheid na
África do Sul em sua pior estimativa, revela CALDEIRA. Esse altíssimo mero
de execuções é resultado, de políticas duras de repressão ao crime, é o que parece
pela adotada por Luiz Antonio Fleury Filho, como primeiro secretário de segurança
pública durante a administração de Orestes Quércia (1987-1990).
446
As Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar, a ROTA, uma divisão especial da polícia militar ficou
famosa por inúmeras execuções da maioria de civis na região metropolitana de São
Paulo. Foi organizada em 1969 para lidar com ataques terroristas, mas acabou sendo
implementada para outras atividades policiais. PINHEIRO, trazido por CALDEIRA
coteja que de janeiro a setembro de 1981 a ROTA atirou em 136 civis, matando 129
e ferindo 7, tendo prendido 5.327 pessoas, das quais apenas 71 tinham sido
anteriormente condenadas. Quando Montoro demonstrou que objetivava extinguir a
ROTA, protestos populares surgiram, e o Jornal a Folha de São Paulo revelou que
85,1% das pessoas, dados de dezembro de 1982, eram favoráveis a sua
continuidade.
447
Muitos massacres, chacinas e execuções sumárias foram
perpetradas pela polícia. Recorde-se do massacre da Casa de Detenção de São
Paulo, no qual 111 pessoas foram assassinadas em 1992. O massacre da Candelária
no Rio de Janeiro em 1993, em que oito menores sem teto foram assassinados e
recorde-se ainda o de Vigário Geral também em 1993, em que foram assassinados
444
De 1964 a 1979 foram assassinadas por razões políticas 144 pessoas no Brasil e
125 pessoas desapareceram. Dados do Projeto nunca mais. CALDEIRA. Tereza Pires do Rio.
Cidade de Muros. Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp. 2000. 135.
445
CALDEIRA.Cidade...,op., cit.p.135.
446
CALDEIRA.Cidade...,op., cit.p.160 e 163.
447
CALDEIRA. Cidade...,op., cit.p.170-171.
cxliv
21 residentes da Favela.
448
Muitos outros assassinatos tem sido vinculados às
ostensivas e abusivas práticas de policiamento, relatados com frequência na mídia.
A repressão policial não está circunscrita a uma área de intimidação física e
moral, abrange também a área da comunicação. BATISTA destaca que os avanços
tecnológicos ofereceram instrumentos de vigilância que atentam para os direitos de
privacidade e intimidade dos indivíduos com interceptações telefônicas, buscas
residenciais e empresarias sem mandado e vigilância via satélite, uma “pescaria
inconstitucional na privacidade alheia”.
449
3.3.3 Polícia Comunitária ou Proativa
A policia reativa, ou reactive police” no inglês, deixou de proporcionar a
tão desejada segurança, por agir com abuso do direito concedido pelo Estado no seu
“poder de polícia”. A crença de que é a polícia que vai conter o crime é um
entendimento comum na sociedade, exatamente porque ela é o agente receptor das
questões afetas à justiça criminal e também porque ela é chamada a tomar
conhecimento dos fatos conflituosos primeira e diretamente. BRAITHWAITE e
PETTIT salientam que a polícia pode lidar por meio do princípio da parcimônia
com questões que não são crimes, mas que pela sua potencialidade possam vir a sê-
los, como pequenos conflitos de rua, intolerâncias, confusões, aglutinamentos
suspeitos, etc. Uma polícia bem coordenada pode fazer um bom trabalho
naquelas ofensas que ela vai perseguir, isto significa que ela prioriza os casos mais
sérios. A teoria republicana advoga que a ameaça ao dominion” é o indicativo da
seriedade da ofensa e pelo princípio da parcimônia a polícia vai considerar que a
supervisão e a investigação deve ser balanceada entre o ganho no dominion” e a
perda do “dominion”. Isto significa, advertem BRAITHWAITE e PETTIT uma
mudança radical que o ethos policial ensina a fazer tudo o que for necessário para
indiciar a maioria dos ofensores.
450
448
CALDEIRA. Cidade...,op., cit.p.174.
449
BATISTA. Nilo. Os sistemas..., op., cit.p.154.
450
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts..., op.cit.p.106.
cxlv
A polícia comunitária, também conhecida como proactive police” ou
polícia proativa é uma promissora resposta aos desvios e incertezas do policiamento
reativo que vem sendo agressivamente desenvolvido. Desde 1980 seu estudo tem
sido apontado como um dos modelos para o século XXI e tem surtido resultados
nos Estados Unidos, no Japão, no Canadá, na Inglaterra e Gales, na Cingapura,
Austrália e países Nórdicos, destacam CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.
451
Ela não
prevê somente a reação aos episódios surgidos na comunidade mas a averiguação
sobre as causas ou fatores sociais locais que possam concorrer para práticas
criminosas. O trabalho policial estaria menos afeto às atividades repressivas e mais
afetos às atividades pacificadoras, de prevenção de crimes no seio social. Poderia
estar integrado com as escolas, com clubes, sociedades e permitir uma atuação
direta do policial com os moradores, CUNHA LIMA e CUNHA LIMA mencionam
“descentralização e desespecialização” de suas atividades.
Embora os modelos policiais variem muito em função das particularidades
e dos modelos tradicionais e históricos de cada localidade, dois modelos básicos
de policiamento que BOWLING e FOSTER identificam: militarizado, colonial ou
coercitivo e o cívico, comunal ou consensual. O modelo comunitário estaria
inserido neste último. O interessante é que ambos os modelos, com estilos, objetivos
e valores, apesar de opostos, surgiram na Inglaterra durante o final do século XVIII
e início do XIX. Sir Robert Peel
452
criou a polícia metropolitana que se tornou
conhecida como sistema liberal e o “Royal Irish Constabulary” deu origem ao
sistema militar e colonial, ensinam BOWLING e FOSTER.
453
Modelo Militar
451
CUNHA LIMA. João Milanez da. CUNHA LIMA. Luis Fernando C. Perfil Social
do Crime. São Paulo: Ibrasa. 2008. p. 21.
452
O estadista inglês Robert Peel (1788-1850) conseguiu em 1829 tornar real e
profissional seu projeto para a polícia londrina, dando-lhe um amplo caráter constitucional e
sujeitos a critérios éticos. Os princípios de Peel foram reproduzidos em diversas publicações e
coincidem com as mais recentes teorias da polícia comunitária. (CUNHA LIMA e CUNHA
LIMA. Perfil…, op.,cit.p.53).
453
BOWLING e FOSTER. Policing…, .op.,cit.p.983.
cxlvi
Tem como valores o controle do crime, segurança interna, inteligência, a
suspeição e a guerra contra o crime. Objetiva a luta contra o crime, forma intrusivas
de proteção e supressão, é controlado diretamente pelo governo central ou local, por
políticos e partidos. Os agentes são especialistas, isolados e separados da
comunidade. Usam uniformes, podem utilizar métodos secretos e espionagem e
técnicas proativas de inspeção. Utilizam armamentos militares e coletes à prova de
balas sendo que a utilização da força é o primeiro recurso.
454
Modelo Liberal
Tem como valores o devido processo legal, os direitos humanos, a
confiança, a manutenção da paz e a parceria com outras instituições. Objetiva a
manutenção da paz e segurança na comunidade. O relacionamento com o governo
pode ser difuso e descentralizado. A legitimidade vem das regras legais e submetido
à comunidade. Os agentes são cidadãos em uniforme, a comunidade é a polícia e a
polícia é a comunidade (inclui os marginalizados e grupos étnicos minoritários).
Utilizam o método “polícia com a comunidade”, de forma visível com o mínimo
uso da força e equipamentos especiais, comumente desarmados, reservando a
utilização da força como último recurso. A polícia e a comunidade são parceiros no
controle e prevenção do crime.
455
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA, conceituam a polícia comunitária da
seguinte forma, em TROJANOWICZ:
“O policiamento comunitário é uma filosofia e estratégia organizacional, que promove
um novo tipo de cooperação entre o público e sua polícia. Baseia-se no pressuposto de
que, tanto a polícia quanto a sociedade devem trabalhar juntas, como parceiras solidárias,
com o fim de serem identificados, priorizados e resolvidos problemas prementes, tais
como crimes, drogas, sentimento de insegurança, desequilíbrios sociais, transtornos
454
BOWLING.e FOSTER. Policing…, op.,cit.p.983.
455
BOWLING.e FOSTER. Policing…, op., cit.p.984. Os dados foram colhidos de
BREWER 1991; KLEINIG 1996; JONES e NEWBURN 1996 e KRASKA 2001.
cxlvii
materiais, ou a deterioração intensa de áreas e núcleos habitacionais, visando à melhoria
da qualidade de vida nesses locais.”
456
A Teoria Republicana defende que a polícia comunitária necessita de
unidades policiais locais sujeitas à obrigação de relatar a um Conselho Consultivo
integrado por representantes de grupos afiliados aos direitos humanos e Comitês de
Gerenciamento de Cidadãos.
457
Grupos de direitos civis e organizações
comunitárias nomeando representantes para comitês consultivos e gerenciadores
que possam ser consultados para equilibrar as questões de supervisão e execução
com uma alocação sensível de proteção do dominion”. Defensores dos direitos
humanos são chamados a controlar as ações policiais para assegurar, de acordo com
o princípio do checking of power” que os direitos humanos sejam respeitados.
458
Eles advertem que muitos direitos são direitos de o-interferência que requerem
que o sistema utilize menos recursos, como não espionar cidadãos inocentes, não
prender arbitrariamente, não perseguir homossexuais, prostitutas e usuários de
drogas e ativistas políticos a menos que estejam desobedecendo à lei.
459
O princípio
da parcimônia também sugere que técnicas de supervisão novas como grampos de
telefones, câmaras escondidas, prismas periscópicos, pulseiras eletrônicas,
detectores de mentira, spy dust(poeira espiã), acesso à informações de bancos de
dados, “GPS” etc sejam descartadas quando colocarem o “dominion em risco.
460
Mesmo não adotando expressamente princípios da polícia comunitária,
alguns países desenvolveram programas que favorecem uma aproximação com
os cidadãos como é o caso do modelo anglo-saxônico, adotado nos países de língua
inglesa: No Canadá a partir da década de 80, foram implementados a
descentralização, o policiamento a pé, bases operacionais locais, planejamento
comunitário, e outras iniciativas para prevenir o crime.
461
Na Inglaterra em que
456
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 39.
457
BRAITHWAITE e PETTIT. Not just deserts…, op., cit. p.106.
458
BRAITHWAITE e PETTIT. Not just deserts…, op., cit. p.107.
459
BRAITHWAITE e PETTIT. Not just deserts…, op., cit. p.107.
460
BRAITHWAITE e PETTIT. Not just deserts…, op., cit. p.109.
461
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 93-94.
cxlviii
havia uma herança de Peel, uma espécie de polícia comunitária, não foi obstáculo a
colocação de policiais a pé, criação de conselhos comunitários e maior interação da
polícia com a comunidade. As campanhas sociais para prevenção do crime foram
largamente prestigiadas, e a legislação contempla os Police Consultative
Committees
462
que debatem sobre os temas policiais, asseguram a participação
popular, e a participação de órgãos e serviços públicos e privados nas tarefas.
463
Nos
Países Nórdicos a adesão ao policiamento comunitário é quase que total,
destacando-se que a polícia deve refletir os ideais sociais, descentralizada,
generalista, parte integrante da comunidade local, de recrutamento amplo, devendo
sujeitar-se ao efetivo controle da sociedade.
464
A Austrália tem sido outro bom
exemplo de adoção de uma polícia comunitária, desde os anos 80. Na cidade de
Adelaide em 1986, criou o democratic communal policing”, foi criado um órgão
coordenador, organizado para executar programas de prevenção do crime a partir de
diálogos com a comunidade e também foram introduzidas reformas em Vitória.
465
A polícia japonesa especial enfoque na prevenção mais do que na
intimidação. Por meio da tentativa de dialogar racionalmente com ofensores em
potencial e através do controle social informal pelas famílias, empresas e
comunidades locais, acentuam BRAITHWAITE e PETTIT.
466
O sucesso das suas
baixíssimas taxas criminais deve-se também a sua bem organizada polícia
comunitária. O kobanssão construções confortáveis do tipo “guarita”, instalados
bem próximos um do outro, equipados para atendimento a pessoas e com acesso às
informações e banco de dados para orientação nas tarefas e informações da
localidade e das residências. Os policiais japoneses servem o público e a sociedade
com orientações sobre assuntos que até nem são relativos à polícia, funcionando
como um pacificador ou um solucionador de conflitos.
467
462
Trad. Livre. Conselhos Consultivos da Polícia.
463
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 94-95.
464
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 95.
465
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 98-99.
466
BRAITHWAITE e PETTIT. Not just deserts…, op., cit. p.111.
467
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 97-98.
cxlix
O modelo japonês de policiamento descentralizado tem sido adotado em
muitos países, com bastante êxito. Casos de burglaries (ladrões) foram
radicalmente reduzidos em vários países, destacam CUNHA LIMA e CUNHA
LIMA.
468
A alocação de recursos no sistema para as agências policiais depende da
estrutura governamental municipal, estadual ou federal a que a agência está
submetida. As agências policiais devem estar estruturadas com a verba necessária
para operar com um número grande de postos, ou seja, um grande números de
guaritas, como os kobanjaponeses e com número suficiente de funcionários. O
que acontece na polícia brasileira é que os meros de agentes estão reduzidos,
principalmente nos grandes centros urbanos, uma parcela morre ou fica debilitada
em confrontos com o tráfico de drogas. Grande parte se envolve em corrupção e
acabam exonerados, os concursos públicos não conseguem acompanhar essa
velocidade. Outra questão que inviabiliza o bom funcionamento da polícia são os
baixos salários, principalmente para a polícia civil, militar e a guarda municipal que
acaba o incentivando o funcionário e favorece a corrupção, que as tentações
são frequentes.
O policial tem que ser tratado com respeito e dignidade, o salário deve ser
compatível com os altos riscos a que estão submetidos e a competência exigível na
profissão. Entretanto o poder público não só deve cobrar, mas também prover
cursos de capacitação e reciclagem onde aprendam não as medidas defensivas,
mas também medidas para solução de conflitos, como as da polícia proativa,
mencionado. Para supervisionar a polícia e auxiliar nas táticas comunitárias uma
saída seria a implementação de comitês e conselhos com participação da
comunidade e de representantes de grupos ligados aos direitos civis, como
BRAITHWAITE e PETTIT recomendaram. É fato que no Brasil nós temos as
Secretarias de Segurança Pública e as Corregedorias da Polícia Civil.
A polícia precisa ser bem aparelhada, com bons salários, incentivos,
aparato administrativo e de tecnologia de informação disponível, recursos para
468
CUNHA LIMA e CUNHA LIMA.Perfil ..., op.,cit.p. 98.
cl
construção de delegacias maiores, principalmente nos grandes centros. Uma saída
seria a construção de centros de triagens capacitados para acomodação de presos
provisórios, que isto reduziria a função da delegacia na manutenção” dos presos
e se concentraria nas suas atividades de supervisão, manutenção da ordem e
indiciamento, o que implica num aumento do número de viaturas nos grandes
centros, mas reservando as rotas a pé nos locais menos turbulentos.
certamente regiões em que as rotas não podem ser feitas a pé, é o caso
dos morros no Rio de Janeiro e regiões mais conturbadas em São Paulo, que exigem
viaturas mais aparelhadas. A utilização do caveirão”, embora necessária é uma
abordagem considerada atentatória dos direitos das pessoas residentes naquelas
regiões, pois os veículos são verdadeiros transportes bélicos. Outra questão é a de
saber se a polícia estaria autorizada a utilizar armamentos pesados, considerando
que o tráfico de drogas hoje está aparelhado com armamento estrangeiro de grande
impacto.
Estas questões, entretanto necessitam de medidas sociais, a implementação
de um maior número de programas sociais nestas regiões, em escolas, clubes,
igrejas, ONG’s, promovendo melhorias para a população e diminuindo o acesso às
facilidades do tráfico. Já existem vários programas brasileiros em que a comunidade
está envolvida.
3.3.4 A pena de prisão
A prisão como um local de confinamento tem seu surgimento muito
remoto, mas o modelo tal qual o conhecemos hoje é produto da era industrial,
apareceu no século XVI no norte da Europa. A prisão de Pentonville aberta em
1842, continha traços diferentes das anteriores, não se tratava mais de locais
comuns, arranjados e provisórios para os detentos, era uma construção com 500
cli
células idênticas uma para cada detento uniformizado, com regimentos e horários a
serem cumpridos de forma silenciosa e coordenados por uma equipe estatal.
469
Toda a sociedade desenvolvida, seja qual for a sua ideologia, emprega a
prisão como a pena principal para os delitos mais graves e praticamente todas
sinalizam a prisão somente como o último recurso, aponta MORGAN
470
.
A questão de se tolher a liberdade de ir e vir do ofensor, implica muito
mais do que a simples liberdade de locomoção. Os pesares da pena de
encarceramento avançam nas questões que põem em risco a dignidade humana, e
todos os direitos humanos, resultante das condições materiais, más condições de
higiene, alojamentos apertados, supelotação, alimentação deficitária, os efeitos
psicológicos sobre os detentos, agrupando pessoas dos mais variáveis
temperamentos e de caráter diferente possibilitando uma “escola do crime”,
“associações criminosas” dentro e fora da prisão. Envolve igualmente questões que
afetam a saúde como casos de “tuberculose” e transmissão de doenças venéreas e
em especial o vírus HIV.
No plano social SHECAIRA E CORRÊA JUNIOR destacam a
desvantagem da privação do condenado de manter-se na localidade que habita
privando-os dos relacionamentos familiares, dos relacionamentos íntimos, e isto
pode influenciar não numa maior dificuldade de correção e ressocialização como
é por natureza algo iníquo, o que se agrava quando as penitenciárias são localizadas
em centros urbanos distantes das famílias dos condenados.
Assunto que revela uma preocupação ainda maior é a questão das prisões
nas delegacias, que o a princípio para detentos provisórios mas que pela demora
nos processos e pela falta de condições, recursos e vagas nas penitenciárias acabam
sendo permanentes. Não é raro encontrarmos 60 detentos numa sala de 25 metros
quadrados, sobrepostos uns sobre os outros, o que torna difícil porque as condições
da delegacia não são apropriadas e nem destinadas à pena de encarceramento,
469
MORGAN. Rod. Imprisonment. A brief history, the contemporary scene, and likely
prospects. In: MAGUIRE, Mike. MORGAN, Rod e REINER, Robert. The Oxford Handbook
of Criminology. Third Edition. New York: Oxford University Press. 2002. p. 1119-1120.
470
MORGAN. Imprisonment…,. op.,cit.p.1122
clii
que a delegacia é um órgão para indiciamento, investigação, supervisão e
excepcionalmente para prisões provisórias. Normalmente essas delegacias acabam
alojando as mulheres e os menores no corredor da cela principal até que sejam
transportados para delegacia competente, o que não é imediato, porque dependente
de viaturas, funcionários, de todo um aparato para resguardar a segurança e impedir
fugas dos detentos. Muitos casos de abusos aparecem nos noticiários, como a da
detenta de Belém que foi deixada numa cela com vinte homens e sofreu abusos, ou
na Bahia duas detentas ficaram grávidas por terem sido colocadas em celas com
homens, e existem casos de detentas que dividem celas com travestis e menores
adolescentes. Conforme uma reportagem da Folha de São Paulo de 26/11/2007,
presas sofrem abusos em cinco estados.
471
A alegação dos responsáveis é sempre a
de que falta estrutura, que não há vagas nos locais competentes.
É sabido que as políticas estrangeiras com respeito à técnicas de
policiamento, polícia e encarceramento influenciam as políticas nacionais e isto
aponta para que políticas duras na Inglaterra e Estados Unidos vão delimitar o
tamanho da “severidade” das próximas políticas brasileiras.
Na Inglaterra como já foi visto no início do tópico, desde as Eleições
Gerais de 1997, apesar do retraimento da política do prison works”, a política do
tough on crime continuou vigorosa, mas não a do touhg on causes of crime”.
MORGAN menciona que quando o governo britânico foi questionado sobre a
evolução das altas nas taxas de aprisionamento na Europa Ocidental, eles
simplesmente alegaram que ver a política desta forma era o mesmo que “olhar o
lado errado de um telescópio”, a mensagem refletiu que o aprisionamento tem um
papel estratégico central no controle do crime e que neste sentido a prisão funciona.
É claro que a prisão funciona, aprisionar todos os delinquentes, todos os suspeitos e
todos os que cometem incivilidades, retirando-os de circulação vai reduzir o
problema do crime, mas a questão não é essa. Não podemos agora, aplaudir os fins
em detrimento dos meios.
471
CARVALHO. Fred. Presa sofre abuso sexual em 5 estados. Jornal Folha de São
Paulo. São Paulo, 26/11/2007. Disponível em <http://www.violenciamulher.org.br/index.php>
Acesso em 22/07/09.
cliii
MORGAN em estudo detalhado sobre os novos rumos que o Estado vai
tomar no futuro, examinando autores como GARLAND, SIMON e FEELEY,
DOWNES e MORGAN, verificou que os principais partidos políticos têm
estabelecido um grau de consenso e que as responsabilidades do Estado caminham
para uma redefinição e delimitação. Esse consenso inclui seguintes proposições: o
crime como uma atitude que é parte de nossas vidas, que é responsabilidade do
Estado mas também dos cidadãos o controle e prevenção do crime, que é uma
função do sistema de justiça criminal, que tem como função apoiar este controle de
base aplicando as bases na aplicação de uma imediato programa econômico e
efetiva sanções na maioria financeiras, mas também de vigilância e supervisão onde
for necessário, até que o homo criminologus se torne de acordo com um cálculo
previsível. A prisão tem um papel nisto, mas é menor, tem um papel de apoio
quando as penas não forem cumpridas, por exemplo a de multa. O principal foco do
Estado é o crime grave e a reincidência.
472
Estes ofensores serão alvo da polícia,
avaliados pelos sistemas de execução das penas, as sentenças vão levar em conta o
histórico de ofensas e penas serão aplicadas para “salvaguardar o público”. Vítimas
e opinião pública vão ter um espaço maior e as agências penais se esforçarão em
correção do ofensor. A satisfação das obrigações correcionais ou o terá peso para
a liberdade, ou seja, risco mínimo de reincidência será necessário para deixar a
prisão, mas o risco contará para trazê-lo de volta. Serão obrigados a relatar seu
paradeiro continuamente às autoridades.
Para o prognóstico da pena de prisão, ficou claro que a prisão será
reservada para o crime considerado grave e para o ofensor reincidente, mas como
suporte do descumprimento das obrigações nas liberdades provisórias concedidas e
do descumprimento de outras penas restritivas de direito e pecuniárias. Sendo que
os ofensores se dividiram em dois, o relativamente inofensivo e o perigoso, que
identificará as fronteiras entre penas non-custodiale custodial (com prisão) e
(sem prisão).
473
E a preocupação de MORGAN se apresenta maior diante do fato
472
MORGAN. Rod. Imprisonment…,. op.,cit.p.1114
473
MORGAN. Rod. Imprisonment…,. op.,cit.p.1115
cliv
de que nada está definido na prática ainda e que trata-se de uma estratégia e uma
decisão política: “Se isto for assim, qual é a perspectiva provável para o tamanho da
população carcerária?”.
474
Nos Estados Unidos não se tem ainda uma perspectiva clara de como
Obama vai conduzir a questão prisional,
475
o que dificulta ainda mais é o fato de que
os Estados da Federação tem postulados diferentes sobre o assunto penal, é de
conhecimento de todos que enquanto uns admitem penas de morte, outros
incentivam mais penas prestacionais. No entanto, é improvável que indústria do
encarceramento norte-americano recue. A famosa obra de WACQUANT, Punir os
pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos”, demonstra que o
encarceramento é uma verdadeira indústria e que é bastante lucrativa, com o
crescimento das prisões de iniciativa privada.
476
na Califórnia foram construídas
de 1984 a 1994, 16 novas prisões, com um investimento de 15 bilhões de dólares.
Desde 1992, retrata WACQUANT quatro Estados destinam mais de um bilhão cada
ao encarceramento, a Califórnia (3.2 bilhões), Nova Iorque (2,1), Texas (1,3) e
Flórida (1,1), segundo (Bureau of the Census, 1993:28).
477
O Professor de Berkeley
reclama, que enquanto no início dos anos 70 a Califórnia ultrapassava todos os
outros Estados em matéria de ensino, figuram agora, dados de 1994, como o 48.o.
lugar em 50 de educação, embora seja líder no assunto “cárcere”.
478
O Texas
importa milhares de detentos de Estados vizinhos, a cada ano, e depois os reenvia
ao estado natal para cumprimento da liberdade condicional, o que se entende que
474
If that be so, what are the likely prospects for the size of the population?
MORGAN. Rod. Imprisonment…,. op.,cit.p.1115.
475
Na data de 23/07/09 um professor negro da Universidade de Harvard Henry Gates,
foi algemado e preso pela polícia de Cambridge Massachussets por ter forçado a porta de sua
própria residência. O Presidente Obama declarou que a polícia agiu de forma estúpida “acted
stupidly” quando prenderam uma pessoa na sua própria casa. O presidente falou que apesar de
não ter conhecimento de todos os fatos a respeito da prisão, que o caso aponta para o fato de se
ter uma longa história neste país de afro americanos e latinos serem abordados pela polícia
desproporcionadamente, “a long history in this country of african-american and latinos being
stopped by law enforcement disproportionatelye acrescentou: é somente um fato, “that’s just a
fact”. By Edwin Chen Disponível em <http://www.bloomberg.com/apps/news?> Acesso em
25/07/09 10:00
476
WACQUANT.Punir..., op., cit. p. 31.
477
WACQUANT.Punir..., op., cit. p. 81
478
WACQUANT.Punir..., op., cit. p. 81.
clv
por alguma razão muito “vantajosa” os detentos são levados para outro Estado para
cumprirem pena, desconsiderando seus próprios direitos de ficar próximo da família
e os direitos da família em consequência.
479
Os Estados Unidos m a maior população carcerária do mundo, num total
de 2.3 milhões de prisioneiros dados do (International Center for Prison Studies at
King’s College London), enquanto a China com uma população 4 vezes maior tem
um total de 1.6 milhões. Liderando o mundo na produção de presidiários, eles são
mantidos mais tempo presos do que em qualquer outro país. São 751 pessoas para
cada 100.000 habitantes, o que um total de 1 americano para cada 100, atrás das
grades. A Rússia com 627, a Inglaterra com 151, a Alemanha com 88 e o Japão com
63 para cada 100.000 habitantes. Os motivos apresentados pelos criminólogos e
pelos estudiosos é que tem níveis altos de crimes violentos, leis que determinam
sentenças duras, fervor no combate às drogas, temperamento do americano e falta
de uma rede de segurança social. Michael TONRY diz que as sentenças lá se
tornaram enormemente mais duras do que em qualquer outro país que possa ser
comparado com os Estados Unidos.
480
Aliás WACQUANT havia previsto um
número aproximado, esclarecendo que: “a continuar neste ritmo, os Estados Unidos
contarão com 2,5 milhões de detentos no ano 2000.”
481
A Lei do Three Strikes, you’re out como é conhecida nos Estados
Unidos, sancionada em março de 1994, e adotada primeiramente nos Estados de
Whashington e Califórnia, corroboraram imensamente para um aumento do
encarceramento. A lei determina um aumento automático da pena para réus
reincidentes, a partir de um terceiro crime. A simples repetição do delito
considerado sério é suficiente para sentenças de prisão por longos períodos.
CLARK, AUSTIN e HENRY salientam no artigo Three Strikes and you’re out”:
A review of State Legislation” que o propósito da lei é que ofensores condenados
repetidas vezes por séria ofensa deveriam ser removidos da sociedade por longos
479
WACQUANT.Punir..., op., cit. p. 31
480
LIPTAK. Adam. Prison population dwarfs that of other nations. The New York
Times. New York. 23/04/2008.
481
WACQUANT.Punir..., op., cit. p. 57.
clvi
períodos de tempo, em muitos casos por toda a vida.
482
Os crimes sérios
compreendem todos os crimes violentos que são assassinato, assalto à residências,
estupro e outras condutas contra os costumes, mais os de furtos e assaltos. Isto quer
dizer que na prática pequenos delitos de furto e roubo podem ser considerados para
efeito da lei.
No estudo de GARLAND sobre as pena de prisão, as corporais e a pena de
morte, ele questiona que as sanções legais deveriam imprimir tratamento duro
sobre o ofensor de acordo com o justo merecimento, e que em 1970 e 1980 este
objetivo foi visto nas preocupações sobre o tratamento e a reabilitação. Logo a
pena corporal apareceria como um meio óbvio para esta finalidade. Até porque se
intimidação e retribuição é o que é desejado, então a colocação de dor diretamente
no corpo teria vantagens sobre outros métodos, ao contrário da pena de prisão que
gera custos altos, difícil gerenciamento, problemas de convívio sob o mesmo teto, e
ao contrário da multa, que varia os efeitos de acordo com os recursos do ofensor e
que frequentemente resulta em prisão para os que não conseguem pagar. Desta
forma, a pena corporal pode ser barata, com efeitos minimizados e os submetidos
podem ser liberados rapidamente. Então GARLAND aponta que fortes razões
por considerar as penas corporais como uma opção política dentro das estratégias
penais modernas, mas não é uma opção. Ao invés, a pena corporal, é um fato da
história, ocasionalmente reivindicada para efeitos dramáticos por políticos
reacionários, mas citada como evidência de que o presente sistema penal é mais
civilizado que o passado.
483
A sociedade não permite essa violência física, as nossas sensibilidades
modernas têm aversão à dor, ao sofrimento corporal, observa ainda GARLAND.
Entretanto não é o que acontece com o “aprisionamento”? O encarceramento produz
principalmente por longos períodos danos mentais e sofrimento psicológico,
podendo produzir deterioração física e erosão das habilidades sociais e cognitivas
482
CLARK. Jonh. AUSTIN. James and HENRY. Alan In Three Strikes and You’re
Out: A Review of State Legislation. National Institute of Justice research in Brief sept
1997. pdf. P.01. ftp://ftp.prenhall.com/pub/ect/cjtoday/nij3strikes.pdf
483
GARLAND. Punishment…, op.,cit.p. 241.
clvii
resultando problemas econômicos e emocionais sérios para a família do ofensor,
ressalta GARLAND.
484
Toda essa brutalidade, desumanidade, considerando todos os aspectos que
resultam das penas de encarceramento como a falta de privacidade, de ter de
satisfazer necessidades físicas em frente de colegas de cela, e aqui no Brasil as
questões relacionadas principalmente às delegacias de polícia com suas
superlotações, suas crueldades, e amesmo torturas físicas, GARLAND destaca é
o aprisionamento uma pena desumana e brutal em si mesma. Mas ele esclarece que
porque é mental e emocional mais do que física, porque suas consequências não são
imediatas, mas se ajustam com o passar do tempo e porque elas estão distantes e
removidas da visão do público, e são vistas unicamente como uma simples perda da
liberdade, ela, a prisão não ofende nossas sensibilidades e são permitidas como
parte das políticas públicas.
485
A sociedade aceita a violência e o sofrimento sem maiores problemas se
elas forem discretas, disfarçadas ou removidas da sua vista, exprime GARLAND. E
finaliza, isto porque, este distanciamento não deixa a sociedade ouvir os seus
clamores, a sua angústia e das suas famílias. Consequência do discurso da imprensa
e da criminologia popular que apresenta o ofensor como um “anormal”, menos
humano, menos merecedor e porque a violência penal é geralmente higienizável,
situacional e de pouca ou nenhuma visibilidade, o conflito entre as nossas
sensibilidades e as frequentes e brutais rotinas da pena são minimizadas e nos fazem
mais toleráveis.
486
O argumento do sacrifício de um por muitos sacrificing one for many
surge, conforme o que aponta HUDSON, não nas complexas questões do
equilíbrio entre os direitos em questões sobre a tortura, investigação em tempos de
guerra, e para evitar o terrorismo, mas também nas políticas de encarceramento
principalmente nos casos de ofensor reincidente na alegação de que o aumento das
484
GARLAND. Punishment…, op.,cit.p. 241-242.
485
GARLAND. Punishment…, op.,cit.p. 242.
486
GARLAND. Punishment…, op.,cit.p. 243.
clviii
penas de prisão na sentença vai operar uma redução nas taxas criminais.
487
Ela
questiona se a idéia de uma vida ou a integridade física de uma pessoa pode ser
arriscada ou sacrificada afim de salvar um grande número de vidas. Se a pena deve
corresponder ao exercício do limite dos direitos humanos e se os direitos devem ser
levados à serio então é certo que a sanção contra a violação deve estar disponível,
atesta HUDSON, trazendo MARTIN. Da mesma forma, evitar sanções cruéis e
punições não comuns, fazem parte de sistemas penais que consideram os direitos, e
mais, sistemas nos quais as penas correspondem ao dano cometido e onde as penas
vão ser determinadas somente após a apropriada condenação num julgamento justo.
Todavia, o direito a um devido processo legal e as justificações de interesse público
e até de segurança nacional são assuntos conflitantes entre judiciário e governo de
forma constante.
Parece não ser compatível com uma teoria de direitos humanos a prática
em muitos países democráticos da suspensão dos direitos eleitorais do presidiário.
HUDSON esclarece que não o direito de votar, mas a negação de ter uma vida
familiar, liberdade religiosa e de expressão e o direito à privacidade são negados na
maioria dos países. Ela divulga que a questão do direito de votar foi objeto de
conflito judicial na Suprema Corte do Canadá que determinou pela
inconstitucionalidade desta negação porque incompatível com a Carta Canadense.
488
Diante destes apontamentos, questiona-se até que ponto uma teoria dos
direitos humanos para um sistema de justiça criminal teria sucesso em países como
o Brasil?
No início do ano 2000 o número total de presidiários no Brasil era de
217.000. Em dezembro de 2003 o número passou para 308.304 presos. No ano de
2007 o número foi para 373.000 presos e em maio de 2008 o total foi de 423.000,
487
HUDSON. Barbara. Doing Justice in the Risk Society. Challenging and Re-
affirming Justice in Late Modernity London: Sage Publications. 2003. p. 217.
488
HUDSON.Doing…, op., cit.p.219 e 225.
clix
distribuídos em 1150 prisões. Os dados de 2008 revelam que são 225 presos para
cada 100.000 habitantes, um total de 13,4% a mais que o ano anterior.
489
O que a teoria orienta, parece vir de encontro a uma utilização da pena de
prisão para casos de extrema necessidade. Os juízes devem ser criativos em
prover alternativas à prisão. Os administradores das prisões devem maximizar o
dominion” dos presos, evitando que seus direitos sejam subtraídos e na verdade se
questiona a perda do direito de voto e de ler jornais.
Nenhuma privação além da liberdade de ir e vir deve ser adicionada, é a
orientação da teoria republicana. Não há necessidade que a experiência carcerária se
torne ainda mais difícil e dolorosa.
490
Deve haver um equilíbrio entre a perda do
dominion” do ofensor e o ganho no dominionpara a segurança, para os cidadãos
com a prisão do ofensor.
Que autoridades externas com um “Ombudsman”, devem ter acesso em
qualquer horário às prisões e a locais considerados secretos nas prisões afim de
averiguação se os direitos humanos estão sendo respeitados. Essas autoridades
poderiam colher as reclamações dos presos e responsabilizar seus
administradores.
491
A teoria de BRAITHWAITE e PETTIT diz que a parole”, que aqui no
Brasil funciona como a “liberdade condicional”, deve ser preferida nos casos em
que as circunstâncias mencionadas pelo juiz na sentença possam sofrer ou tenham
sofrido uma modificação, como por exemplo um caso de ameaça de morte do
ofensor contra a esposa e no caso, a esposa venha a morrer por outra razão. O
assassino maníaco depressivo que durante a medida de segurança é curado em razão
das terapias psiquiátricas a que é submetido. Da mesma forma work release”, as
chamadas “liberdades para o trabalho”, study release “saída para estudos” e
compassionate leave”, as “saídas misericordiosas” devem ser encorajadas. Eles
chamam de meios de reintegração graduada na comunidade. As remissões de
489
Dados obtidos no Depen – Departamento Penitenciário Nacional relativo ao ano de
2008. In http://www.melhordetodos.com.br/index.php?codigo=519
490
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.cit.p.130-131.
491
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.cit.p.131.
clx
sentença por bom comportamento. Eles destacam que estas medidas são
desprezadas pelos retributivistas, mas a teoria consequencialista as permite.
Entretanto, as rebeliões e motins na prisão devem justificar a detenção e os
obstáculos à medidas de liberdade após a sentença. O princípio em favor da
reintegração significa que as políticas públicas e os administradores das prisões
devem se preocupar em preparação dos presidiários para retorno à sociedade, isto
auxiliará na prevenção do ofensor de retornar ao crime e evitar a ameaça ao
dominion” de outros.
492
Todavia, as considerações a respeito do republicanismo brasileiro, em
comparação com os modelos tradicionais e o âmago de uma teoria de direitos
republicana apontam que o Brasil precisa urgentemente adotar uma política de
respeito aos direitos humanos. O histórico do Brasil serviu afinal para demonstrar
que os padrões brasileiros políticos e políticos criminais são facilmente deturpados,
corrompidos, que a soberania não repousa no povo, mas em oligarquias, como
herança de um patrimonialismo que ingressou aqui ainda na época colonial.
A história demonstra que muito se modificou, pois as atrocidades
cometidas no passado, são pelo menos nos dias de hoje denunciadas, reprovadas,
ainda que muita impunidade ocorra. Porém, muito ainda precisa ser percorrido
nesta estrada que leva à democracia, ao republicanismo e o respeito aos direitos
humanos.
A teoria da justiça criminal tem uma perspectiva em BRAITHWAITE e
PETTIT reducionista, ela orienta que a pena de prisão deva ser determinada
somente quando necessária, como um último recurso. Ela orienta a utilização no
sistema de princípios como a parcimônia, o checking of power”, a reintegração e a
reprovação.
A teoria da justiça criminal republicana dos autores é um suporte
normativo, político-social para a implementação de um sistema que aloque esses
princípios. Assim sendo, a justiça restaurativa parece ser uma saída, pois ela
coincide com esses princípios.
492
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts…, op.cit.p.132.
clxi
É possível que o republicanismo não seja prontamente respeitado, que não
tenhamos uma cidadania responsável capacitada a debater os problemas sociais,
órgãos deliberativos junto às polícias, uma polícia comunitária que respeite os
direitos humanos, mais proativa do que reativa, que o sistema não seja seletivo em
razões de classe, raça e gênero. Entretanto, a justiça restaurativa pode auxiliar a
comunidade a entender seus próprios desafetos, pode reduzir o número de penas de
prisão, pode proteger a vítima e re-introduzir o ofensor de volta à comunidade.
3.3.5 Crimes de Colarinho branco
A distribuição e a frequência dos crimes de colarinho branco se revela um
dilema, e especialmente nos países da common law” a maioria desses crimes não
está enquadrada nas estatísticas oficiais, e consequentemente não participam dos
debates sobre sua importância, destaca NELKEN.
493
Outro fator importante, conforme o que salienta NELKEN, é que as
agências reguladoras utilizam a acusação policial como um último recurso, desta
forma o número de acusação acaba revelando muito pouco sobre a faixa criminal de
forma teórica. NELKEN exemplifica que na Grã Bretanha as inspeções de ofensas à
segurança nas fábricas são feitas somente uma vez a cada quatro anos. Se os dados
forem colhidos com base no mero de “visitas”, ou seja de inspeções, o risco
de ocorrer uma repetição de ocorrências, se o mesmo ato é trabalhado por
diferentes agências ou se uma empresa tem mais filiais que outra.
494
Apesar de ser comum, são graves, merecedores de sérias punições.
Entretanto, não é raro termos a sensação de que os criminosos de colarinho branco
são pessoas idôneas, não merecedoras das duras penas legais. E esta sensação é
compartilhada igualmente pelos juízes, promotores, funcionários do poder
judiciário e pelos agentes policiais. É mais fácil investigar, acusar e denunciar as
493
NELKEN. David. White-Collar crime In: MAGUIRE. Mike. MORGAN. Rod e
REINER. Robert. The Oxford Handbook of Criminology. Third Edition. New York: Oxford
University Press 2002 p. 844.
494
NELKEN. David. White-Collar…, op., cit.p 844.
clxii
pessoas que “realmente” se parecem com criminosos, mal vestidos, pessoas que se
comunicam por meio de gírias e erros de linguagem, olhar malandro, que esconde o
olhar debaixo de um boné e pessoas dadas ao ócio, do que os de “colarinho branco”
que são trabalhadores, estavam nas empresas cumprindo horário e até fazendo horas
extras. Isto mitiga a favor do criminoso, que acaba tendo muita facilidade para
convencer de que é o “mocinho” da história. O que acaba sendo mais nefasto ainda,
porque quando não se espera um comportamento criminoso, as vítimas
normalmente ficam relaxadas e desatentas, confiantes do “suposto” criminoso.
BRAITHWAITE e PETTIT destacam que no passado se presumiu que a
sociedade tolerava este tipo de crime, mas a verdade é que recentes pesquisas
atestam que a comunidade recomenda prisões para seus agentes.
495
Ao contrário
das suposições que se fazem, como as de EDELHERTZ, de que os crimes de
colarinho branco não estão entre os que geram violência e morte, muitos
registros desses crimes, observa NELKEN de acidentes fatais e consequências
danosas à saúde. E relembra os casos da Alpha Oil em 1988 com uma perda de 168
vidas, o desastre do Chernobil, a explosão do Bopal, as consequências do
medicamento talidomida e o contraceptivo conhecido como Dalkon.
496
SUTHERLAND, que estudou o assunto aprofundadamente, esclarece que
os custos dos crimes de colarinho branco superam diversas vezes os crimes
tradicionais. Um oficial de uma cadeia de lojas de doces se apropriou de 600.000
dólares, que significou seis vezes mais que as perdas por 500 crimes de assaltos e
roubos no mesmo ano. Quatro casos de apropriações relatados no New York Times
de 1931, demonstrou que as perdas foram de um milhão de dólares cada e custos
totais de nove milhões de dólares. De 1929 a 1935 os investidores perderam 580
milhões de dólares.
497
O colapso das instituições de poupança e empréstimos nos
Estados Unidos nos final dos anos 80 resultou num custo de um trilhão de dólares,
495
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts. op., cit.p.186.
496
NELKEN. David. White-Colar…, op., cit.p 846
497
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts. op., cit.p.187.
clxiii
NELKEN compara que este custo é muitas vezes o custo do Plano Marshall ou a
Guerra da Coréia.
498
FELDENS salienta sobre os crimes de colarinho branco, de acordo com um
diagnóstico de REIMAN, que os custos são mais elevados do que outros crimes, são
mais difundidos do que os crimes dos “pobres”, raramente são presos ou
condenados, quando são acionados ou condenados tem sentenças suspensas ou
extremamente leves.
499
A defasagem na abordagem e os índices de impunidade dos crimes de
colarinho branco nos remete a questão do poder, já que neste aspecto a área relativa
aos crimes de colarinho branco é uma área em que a desigualdade é reproduzida
constantemente.
Essa desigualdade segundo CASTILHO, se expressa em três momentos, na
sua criação, ou seja, na produção da norma, na aplicação das normas e no momento
de sua execução.
500
É o que ela traz em BARATTA, que o direito penal tende a
privilegiar interesses das classes dominantes, minimizando os riscos contra os
indivíduos pertencentes a estas classes, desviando para os indivíduos das classes
subalternas.
501
CASTILHO esclarece que, no âmbito brasileiro, de sua pesquisa no
“Controle Penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional” de julho de 1986 a
julho de 1995, estabeleceu-se o que aponta a criminologia crítica de que o direito
penal é desigual. A polícia, o Ministério Público e o Judiciário são os responsáveis
pela seleção secundária, ou seja, a que aplica a norma. Entretanto no tocante aos
crimes contra o sistema financeiro, o Banco Central determina a atuação dos
demais. E conclui que o Banco Central e a Polícia Federal são os responsáveis na
498
NELKEN. David. White-Colar…, op., cit.p 846.
499
FELDENS. Luciano. Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes de Colarinho
Branco. Por uma relegitimação da atuação do Ministério Público uma investigação à luz dos
valores constitucionais. Porto Alegre: Livraria do advogado. 2002. p.137.
500
CASTILHO. Ela Wiecko V. de. Criminologia Crítica e a crítica do Direito Penal
Econômico. In Verso e Reverso. op., cit.p. 61.
501
CASTILHO. Criminologia..., op., cit.p. 62.
clxiv
indefinição dos crimes. E mais que dos 682 casos selecionados somente 77 foram
objeto de sentença.
502
Tanto os crimes contra o meio-ambiente, os financeiros, os contra a
economia popular, os crimes de sonegação fiscal, etc, quanto mais poderosas as
empresas e os empresários, menor será a probabilidade de aplicação da lei.
CASTILHO explica que isto tem razões culturais e estruturais da sociedade
capitalista global e tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos as impunidades são
vistas de formas semelhantes.
503
Os teóricos do Not Just Deserts não advogam a idéia de que as penas
para os crimes de colarinho branco sejam mais duras, mas ressaltam que as
inspeções governamentais devem agir mais como uma função catalizadora do que
numa reprimenda excessiva, mas manter um grau de punição blica e formal e
neste sentido proteger o dominion mostrando aos cidadãos que o rico e o
poderoso não estão nas brechas da lei. Os modelos do “Just Deserts” para as
agências reguladoras não são nem desejáveis e nem viáveis.
Entretanto, o princípio da igualdade defende que se os crimes de colarinho
branco podem merecer a tutela de princípios como a parcimônia, da mesma forma
merecem também os que são acusados de crimes contra o patrimônio.
BRAITHWAITE e PETTIT ressaltam que quanto menos se punir, por todas estas
razões, mais próximo se chegará de um sistema igualitário.
504
Com efeito, os registros de impunidades de muitos crimes, incluindo os
crimes de colarinho branco, não revelam justos e igualitários o destaque e a
constatação que se vem tendo com relação aos crimes de furto, roubo superlotando
as delegacias e penitenciárias.
3.3.6 Justiça restaurativa
502
CASTILHO. Criminologia..., op., cit.p. 64 e 67.
503
CASTILHO. Criminologia..., op., cit.p. 71.
504
BRAITHWAITE e PETTIT. Not Just Deserts. Op., cit.p.198.
clxv
O monopólio da utilização da força e da vingança pelo Estado implicou
num afastamento da comunidade na resolução dos conflitos. A informação sobre o
possível crime, feito pela vítima, família da vítima, terceiros ou pelas próprias
agências está restrita tanto na fase policial quanto na judicial à determinação da
culpa do ofensor. Não há espaço sequer para um diálogo, o distanciamento de
ofensor e vítima é tão grande que para que um ofensor possa pedir perdão à vítima
isto tem que ser solicitado ao juízo antecipadamente e autorizado pela vítima, que
em muitos casos nem quer ver o ofensor, que fica escoltado num fundo da sala ou
em sala apartada, somente aguardando o seu reconhecimento. O processo penal se
tornou distante, frio e calculista.
É uma superação total do paradigma retributivo da vingança punitiva
porque a justiça restaurativa aproxima a comunidade na resolução dos conflitos,
entretanto não incorpora uma visão deslegetimadora do sistema penal tal qual
existente, mas um avanço neste sistema com implementação de medidas
indispensáveis ao respeito aos direitos humanos e uma solução pacífica conciliadora
na resolução dos conflitos. SALIBA neste sentido afirma:
“A abolição do sistema, todavia não é defendida, e sequer aceita, como possível, porque
numa época de ‘modernidade tardia’ ou ‘pós-modernidade’ os conflitos sociais exigem
medidas amargas para pacificação e mantença da liberdade dentro dos grupos sociais.
Ainda não se vislumbra algo melhor que o Direito penal, porém, se pode vislumbrar
medidas alternativas e complementares como indispensáveis ao Estado Democrático de
Direito.”
505
A justiça restaurativa, ou restauradora é uma nova referência na resolução
de conflitos, estruturados num conjunto de princípios e práticas que propõe uma
forma distinta de lidar com os conflitos, crimes e violência, baseada na ética do
diálogo e da paz. enormes diferenças entre as práticas, variáveis de local para
local, mas elas obedecem a um sistema mais ou menos norteador. Entre as
denominações destes tipos de processos restaurativos estão: justiça comunitária,
505
SALIBA. Justiça..., op., cit.p.143.
clxvi
justiça positiva, justiça reintegrativa, justiça relacional, justiça transformativa,
conforme ZEDNER.
506
HUDSON qualifica as teorias restaurativas em três espécies: as
abolicionistas que advogam uma recolocação das noções tradicionais sobre o crime
e a punição com princípios do dano e de retificação, as que se preocupam com uma
justiça criminal mais responsável que atenda as necessidades da vítima e a tornando
parte central do processo sem impor ao ofensor um peso mais punitivo e repressivo,
tendo como ponto de partida que a justiça criminal formal enfraqueceu e excluiu as
vítimas do processo não permitindo que as mesmas expressem seus sentimentos e
circunstâncias de forma adequada, somente sendo enquadradas no sistema instrutivo
do que a corte considera relevante e aqueles que trabalham com grupos nativos, que
se esforçam por alterar o desafio dos indiciamentos, processos e sentenças
determinados por uma minoria branca, que continuamente resultam em altas taxas
de indiciamento e encarceramento da maioria. São representantes destes últimos os
Maori na Nova Zelândia e as grupos tradicionais no Canadá tem tido
particularmente grande influência, como as tradições de grupos cristãos como os
menonitas no Canadá.
507
As origens da justiça restaurativa remontam práticas tribais da Nova
Zelândia e do Canadá. Em 1989 a Nova Zelândia reformulou seu sistema de justiça
criminal obtendo resultados nas práticas restaurativas e o processo foi sendo
estudado e implementado em diversos segmentos da justiça criminal, sendo que no
Brasil vem sendo utilizado em algumas varas de infância e juventude.
Alguns experimentos, entretanto, de mediação e reconciliação entre
vítima e ofensor foram iniciados na Inglaterra em 1970 sem a participação judicial,
contando com a presença de um mediador entre as partes. A resolução do problema
e as possíveis compensações do dano eram de iniciativa das partes, mediante
contrato. Em 1996 já contava o sistema com vinte e cinco processos, com os
506
ZEDNER. Lucia. Victims. In: MAGUIRE, Mike. MORGAN, Rod e REINER,
Robert. The Oxford Handbook of Criminology. Third Edition. New York: Oxford University
Press. 2002. p. 444.
507
HUDSON. Understanding…, op.,cit. p.75-76.
clxvii
seguintes objetivos: compensação do dano para as vítimas e sentenças reduzidas
para os ofensores, possibilitar a comunicação entre as partes, o entendimento e a
resolução do conflito.
Existem várias distinções com o processo legal comum, mas uma das
diferenças mais marcantes é a importância dada à vítima. Lucia ZEDNER menciona
que o estudo e pesquisa sobre as vítimas se proliferou buscando uma identificação
do papel da vítima dentro do processo de justiça criminal.
508
Muitos estudos tem
revelado que as vítimas, ao contrário do que se pensa, não estão céticas a diálogos e
acordos com os ofensores, mas estão disponíveis para mediação direta e transação
para compensação do dano. No processo criminal a vítima é um meio de prova
utilizado para a condenação do réu, a descrição da conduta e o sentimento da vítima
sobre os efeitos e conseqüências do crime, o dano são considerados para efeito de
aumento ou diminuição na pena, mas as necessidades materiais e emocionais tanto
de vítimas quando dos ofensores não são perquiridas.
Abordagens acadêmicas com grande impacto e influência em todo o mundo
tem sido feitas por Jonh BRAITHWAITE, Howard ZEHR e Mark UMBREIT, entre
outros autores, na condução destes experimentos, aponta ZEDNER.
509
Na Inglaterra e País de Gales, a Convenção Européia dos Direitos
Humanos foi incorporada aos Human Rights Act 1998, “Lei de Direitos Humanos
de 1998”
510
. O “The Crime and Disorder Act 1998e o Relatório MacPherson de
1999, este último que conduziu ao um enrijecimento das práticas policiais racistas e
violentas e incluiu o novo sistema YOTs, Youth Offending Teamsplanejando um
programa de ação para jovens ofensores na comunidade e o desenvolvimento de
uma justiça restaurativa, com a utilização de tais medidas.
511
Começou a operar um
abandono das formas punitivas do sistema criminal e caminhar na direção de aceitar
508
ZEDNER. Victims…, op.,cit.p.443.
509
ZEDNER. Victims…, op.,cit.p.445.
510
ZEDNER. Victims…, op.,cit.p.445
511
DOWNES e MORGAN. The Skeleton…, op., cit.p.298.
clxviii
uma justiça restaurativa para os jovens ofensores num processo de transferência
parcial da responsabilidade do Estado para a comunidade, destaca HUDSON.
512
Em Otawa, em novembro de 2001 foi realizado um encontro do Group of
Experts on Restorative Justice”, em que se estabeleceram princípios básicos da
justiça restaurativa.
A Organização das Nações Unidas traçou princípios para o uso de
programas de justiça restaurativa em questões criminais no seu Conselho
Econômico e Social, de 13 de agosto de 2002, como sendo os seguintes: assentar
que houve em todo o mundo um avanço significante nas iniciativas de justiça
restaurativa, reconhecer que suplantam formas que encaram o crime como algo
extremamente danoso às pessoas, enfatizar que a justiça restaurativa é uma resposta
ao crime que respeita a dignidade e igualdade de cada pessoa, promove harmonia
social através de cura das vítimas, ofensores e comunidade, reforçar que os afetados
pelo crime dividem abertamente seus sentimentos e experiências, e objetivos na
direção das suas necessidades, conscientizar que esta aproximação fornece uma
oportunidade para vítimas obter reparação, sentir seguras e procurar estar próximas,
permite aos ofensores entender as causas e efeitos do seu comportamento e se
responsabilizar, capacitar a comunidade para entender as causas do crime e
promover bem estar na comunidade e prevenir o crime, notando que a justiça
restaurativa possibilita uma faixa de medidas que são flexíveis na adaptação e
complementação dos sistemas de justiça criminal, levando em conta circunstâncias
sociais, legais e culturais, e reconhecer que o uso da justiça restaurativa não
prejudica o direito do Estado de indiciar ofensores considerados culpados.
513
As práticas restaurativas têm acontecido em vários países, na Austrália,
Canadá, Nova Zelândia e África do Sul. Como foi dito eles o são idênticos,
mas conservam os princípios básicos. Os VORP’s, sigla em inglês para Victim
Ofensor Reconciliation Program”, ou “Programa de Reconciliação Vítima
Ofensor” se espalhou nos Estados Unidos, onde existem mais de cem e
512
HUDSON.Understanding…, op., cit. p. 80.
513
Resolutions and decision adopted by the Economic and Social Council at its
substantive session of 2002. United Nations. Economic and Social Concil. 13/08/2002. p.55.
clxix
influenciaram muitos outros programas. Existem dúzias no Canadá, na Inglaterra,
na Alemanha, Finlândia, França e Holanda, destaca ZEHR.
514
No Brasil a partir do I Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa em abril
de 2005, conhecido como Carta de Araçatuba foram traçados princípios para a
prática da justiça restaurativa e posteriormente foi ratificada na Conferência
Internacional de Acesso à Justiça por Meios Alternativos de Resolução de
Conflitos, realizado em Brasília.
515
HUDSON se refere à definição dada por BRAITHWAITE na preparação
para o Congresso das Nações Unidas de Prevenção do Crime e Justiça Criminal,
como a mais aceitável: “A justiça restaurativa é um processo onde todas as partes
envolvidas num conflito específico vem juntas resolvê-lo coletivamente e como
lidar com o resultado d ofensa e suas consequencias para o futuro”.
516
SALIBA apresenta o seguinte conceito de RAMÍREZ:
“Se trata de uma variedade de práticas que buscam responder ao crime de um modo mais
construtivo que as respostas dadas pelo sistema punitivo tradicional, seja o retributivista,
seja o reabilitativista. Ainda que a característica de um excesso de simplificação poderia
dizer-se que a filosofia deste modelo se resume nos três ‘R’: (...) Responsabilidade,
restauração e reintegração. Responsabilidade do autor, desde que cada um deva
responder pelas condutas que assumem livremente; restauração da vítima, que deve ser
reparada, e deste modo saia de sua posição de vítima; reintegração do infrator,
restabelecendo-se os vínculos com a sociedade que também foi lesada com o ilícito.”
517
514
ZEHR. Howard. Trocando as Lentes. Um novo foco sobre o crime e a justiça.
Palas Athena: São Paulo. 2008.p.150.
515
SALIBA.Justiça..., .op.,cit.p.149.
516
Restorative justice is a process whereby all the parties with a stake in a particular
offense come together to resolve collectively how to deal with the aftermath of the offense and its
implication for the future.”(HUDSON.Understanding…, op., cit.p. 77).
517
“Se trata de una variedad de prácticas que buscan responder al crimen de un
modo más constructivo que las respuestas dadas por el sistema punitivo tradicional, sea el
retributivo, sea el rehabilitativo. Aun a riesgo e un exceso de siplificación, podria decirse que la
filosofia de este modelo se resume en las três ‘R’: Responsibilility, Restoration and
Reintegations (responsabilidad, restauración y reintegración). Responsabilitad del autor, desde
que cada uno debe responder por las conductas que asume libremente; restauración de la
víctima, que debe ser reparada, y de este modo salir de su posición de víctima; reintegración
clxx
3.3.6.1 Características da Justiça Restaurativa
BRAITHWAITE compara o tratamento da justiça restaurativa com o
paradigma “paterno”, no qual o bom pai sem aprovar o mau comportamento do
filho e nem ignorá-lo, continua amando o filho. O ponto central da justiça
restaurativa segundo a análise de HUDSON sobre a teoria criminológica social de
BRAITHWAITE é que os ofensores são levados a refletir sobre o erro que
cometeram e vão almejar a mudança do seu comportamento através do
reconhecimento do dano real que fizeram à tima. A assunção da responsabilidade
pelo erro é o primeiro objetivo da justiça restaurativa e estar disposto à reparação
do relacionamento. Ele aponta para o processo de “envergonhamento”
518
do ofensor
pelo mau comportamento sugere uma redução do crime na sociedade. O primeiro
princípio é que a sociedade deveria ter padrões morais e que os ofensores deve se
sentir conscientes de que o comportamento errado seria desaprovado tanto pelas
vítimas quanto pela sociedade como um todo, destaca HUDSON. O segundo
princípio requer que as reações aos maus comportamentos sobre o erro e o dano não
devem fazer com que os ofensores se sintam sem valor.
519
A discussão da ofensa e
suas consequências significa que não pode ter nenhuma negação pelo ofensor da dor
e das justificações da vítima, isto porque é comum os ofensores evitarem o
conhecimento do erro de seus atos. O “envergonhamento reintegrativo” de
BRAITHWAITE tem como objetivo, desta forma, inculcar um senso de vergonha
para o comportamento mais do que o desconforto e a frustração de ter sido pego, e
favorecer um desejo de retificar maior do que o ressentimento de ser punido que é o
resultado provável do procedimento comum, menciona HUDSON.
520
A clara
desaprovação da ofensa pelas pessoas importa numa aceitação do ofensor de volta à
comunidade, porque é possível que mais crime seja cometido na sociedade quando
o crime é tolerado e negligenciado.
del infractor, restableciéndose los nculos con la sociedad a la que también se dañado con
el elícito”. (SALIBA. Justiça..., .op.,cit.p. 145).
518
A palavra utilizada em inglês é “shaming”.
519
HUDSON.Understanding…, op.,cit.p. 81-82.
520
HUDSON.Understanding…, op.,cit.p.82.
clxxi
HUDSON ressalta que a teoria de BRAITHWAITE tem sido de extrema
influência, embora BRAITHWAITE mesmo aponte que essas práticas o
históricas, processos dos aborígines e de tradições cristãs do hating the sin e love
the sinner”.
521
Howard ZEHR, um dos pioneiros da justiça restaurativa esclarece que o
crime é um comportamento contra as pessoas e contra os relacionamentos antes de
ser contra o Estado
522
e que uma tarefa importante da justiça restaurativa é restaurar
o equilíbrio nos relacionamentos que o danificados pelo crime entre vítima
ofensor, entre vítima ofensor e comunidade e entre ofensor comunidade ofensor e
família, que isto é de maior importância do que assegurar que regras legais sejam
obedecidas, interpretadas e aplicadas corretamente.
523
HUDSON denomina de
moralidade relacional, e tem sido um elemento de grande importância nos
julgamentos considerados feministas e em críticas das teorias liberais.
ZEHR propõe uma mudança de lente para um enquadramento diferente na
teoria criminal. Ele aponta que a lente retributiva o crime como uma violação da
lei, seus danos são abstratos, o crime encontra-se numa categoria diferente dos
outros danos, o Estado é a vítima, o Estado e o ofensor são partes no processo, as
necessidades e direitos das vítimas o ignorados, as interpessoalidades são
irrelevantes, a natureza conflituosa do crime é velada, o dano causado ao ofensor é
periférico e por último, conclui a ofensa é definida em termos técnicos jurídicos.
Pela lente restaurativa, ele dimensiona um outro cenário em que o crime é definido
pelo dano à pessoa e ao relacionamento, são concretos esses danos, estão ligados a
outros danos e conflitos, as pessoas e os relacionamentos são as vítimas, a vítima e
ofensor o partes no processo, suas necessidades são centrais, as dimensões
interpessoais são centrais, a natureza do crime é reconhecida, o dano causado ao
521
HUDSON.Understanding…, op.,cit.p.82. Trad. Livre. Odiar o pecado e amar o
pecador.
522
HOWARD. Trocando..., op., cit.p.170.
523
HUDSON.Understanding…, op., cit.p. 81.
clxxii
ofensor é importante e a ofensa é compreendida em seu contexto ético, social
econômico e político.
524
De fato, sobre a questão do Estado ser a vítima, a sociedade não se sente
responsável porque essa incumbência de tratar dos conflitos sociais foi retirada das
suas mãos e colocada nas mãos do Estado pela “teoria” do contrato social.
Inobstante, ela se sente confortável e cômoda com relação aos conflitos sociais,
entretanto quando a criminalidade aumenta ela cobra essa função do Estado, que lhe
delegou afim de corrigir a situação.
A justiça é pensada em termos restaurativos mais do que retributivos,
salienta ZEHR, a partir desta mudança de paradigma, quando um crime é cometido,
tradicionalmente a questão retributiva é “O quê o ofensor merece? e pela visão
restaurativa a pergunta é: “O quê faremos para corrigir a situação?”. Dessa forma
justiça significa reparar a lesão e promover a cura, e surge nas necessidades, e é no
círculo restaurativo que será abordada e suprida.
525
O crime gera obrigações, não somente penas, como narrado pelo longo e
histórico padrão retributivista. Essa obrigação é em primeiro lugar do ofensor, o
reconhecimento do erro, a compreensão dos sentimentos da vítima e as reparações
etc. ZEHR lembra que nos movimentos VORP na Inglaterra e Estados Unidos se
tem discutido sobre se o ofensor deva reconhecer voluntariamente seus erros.
Apesar de existir certa inércia e resistência dos ofensores em ouvir a vítima, porque
se tornam vulneráveis ao processo, criando justificações, racionalizações e
estereótipos, eles devem assumir voluntariamente, nunca podem ser obrigados.
526
Entretanto, isto faz toda a diferença, o reconhecimento da ofensa pode gerar
satisfação na vítima e em certos casos é suficiente para incluir o ofensor novamente
no seu círculo social. Não é uma tarefa fácil, mas é um desafio.
A assunção da responsabilidade, segundo a análise de ZEHR faz parte dos
ideais de justiça restaurativa, exatamente porque são os irresponsáveis que mais
cometem crimes. A responsabilidade da mesma forma que o crime é vista de uma
524
HOWARD. Trocando..., op., cit.p.174-175.
525
HOWARD. Trocando..., op., cit.p.176.
526
HOWARD. Trocando..., op., cit.p.186.
clxxiii
forma totalmente diferente, assinala ZEHR, pela lente restaurativa. Para o padrão
retributivista os erros geram culpa, ela é absoluta ou indelével. A dívida é abstrata,
retribuída com o sofrimento da pena, a dívida com a sociedade é abstrata
igualmente. O ofensor responde com a pena, se presume que o comportamento foi
voluntariamente escolhido e um livre arbítrio ou determinismo social. Pela lente
restaurativa os erros geram dívidas e obrigações, graus de responsabilidade, a
culpa pode ser redimida pelo arrependimento e reparação. A dívida é concreta, paga
fazendo o certo, a dívida é com a vítima em primeiro lugar, responde pelos atos
assumindo a responsabilidade, reconhece as diferenças entre a realização potencial e
atual da liberdade humana e reconhece o papel do contexto social nas escolhas.
527
3.3.6.2 Desafios à Justiça Restaurativa
Os programas de justiça restaurativa tem sido largamente ampliados por
todo o mundo e muitos autores tem se debruçado sobre este assunto mas esses
programas ainda necessitam de teorias metodológicas para lhe delimitar o objeto,
conteúdo, valores e princípios. Uma das questões que se apontam é que não se tem
especificamente uma faixa de aplicação e abrangência, como por exemplo não se
saber ao certo que espécies de crimes e que tipos de ofensores estariam inseridos na
competência ratione persona dos círculos restaurativos. HUDSON se questiona se a
justiça restaurativa seria uma alternativa à retribuição, ou seria ao menos compatível
com a retribuição? Que preocupações deveria ter o restaurativismo com valores tais
como proporcionalidade e devido processo legal?
528
Outra questão é se ela
beneficiaria somente jovens, ou adultos estariam incluídos nos programas. Se a
justiça restaurativa seria facultativa aos ofensores ou seria compulsória e também a
questão de saber como ingressariam ofensores de condutas contra o Estado, ou seja
quando a vítima é o Estado.
Parece-me que a compulsoriedade da justiça restaurativa indicaria
certamente uma colisão com o direcionamento fornecido pelos princípios da ONU
527
HOWARD. Trocando..., op., cit.p.190-191.
528
HUDSON.Understanding…, op., cit.p.76.
clxxiv
de que o Estado se reservaria no direito de indiciar ofensores em potencial e ele
mesmo julgá-los.
Muitos questionamentos se fazem a respeito da justiça restaurativa, na
verdade ela é uma mudança de paradigma. Ela pode não abranger todos os casos,
todos os crimes e todos os ofensores, mas pode fazer diferença naqueles aos quais
será dirigida. Se os direitos humanos forem corretamente respeitados nos círculos
restaurativos, protegendo o direito da vítima, oportunizando ao ofensor o
conhecimento das consequências de seus atos, o shaming que BRAITHWAITE
recomenda, dando-lhe uma chance de reparar o dano, se arrepender e pedir
desculpas se terá dado um grande passo em direção a uma sociedade menos
punitiva e repressiva e mais inclusiva.
SALIBA lembra que a justiça restaurativa tem tido mais resistência no
campo penal do que no campo cível, onde a conciliação tem colecionado adeptos e
tido grandes resultados. Os operadores do direito parecem acatar melhor uma justiça
penal consensual enraizada na própria estrutura tradicional do que repensar uma
alteração principiológica, rompendo os paradigmas. O modelo restaurativo é
voltado à cidadania, buscando a reconciliação, limitado pelo princípio da dignidade
humana e pelos direitos humanos, limitando o poder punitivo estatal.
529
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema do republicanismo em consonância com o sistema de justiça
criminal é tema complexo, que envolve muitos assuntos, matérias e que relega
tantos seus resultados como a iniciativa de promoção de um sistema mais justo e
mais igualitário para o Estado. No entanto, a soberania, pelo viés de um Estado
Democrático de Direito reside no povo, não se pode deixar de considerar a
529
SALIBA. Justiça..., op.,cit.p.174.
clxxv
responsabilidade de cada indivíduo na implementação de um conjunto que reflita
nossas tendências atuais, num esforço de cooperação, envolvimento, auxílio,
participação, comprometimento com um sistema criminal que seja parcimonioso,
responsável, que não seja leniente, ou seja, que não aprove o crime e que promova
meios de reintegração da vítima e do ofensor na comunidade.
Antes de cobrar do Estado a resolução dos conflitos no meio social e a
punição justa ou merecida, deve haver um esforço comunitário em que a sociedade
possa resolver seus próprios conflitos com o apoio do Estado.
Foi visto que o modelo histórico-brasileiro não comporta ainda uma
maturidade em termos republicanos. Que os direitos humanos estão longe de ser
perfeitamente respeitados, o que se percebe com os números dos detentos nas
prisões, o número de assassinatos, o dilema da segurança pública, as “deturpações”
nas eleições, enfim na representação política que passa a ser manipulada pela mídia,
pelos mais poderosos etc.
No cotejo histórico além de uma herança patrimonialista, o Brasil se viu
ameaçado por um sistema elitista e oligárquico que negou uma liberdade como não-
dominação ao nosso povo. Razões justificadas pela motivação de nossa colonização
que não obedeceu a um processo natural, mas forçado e inserido ora numa grande
empreitada agrária, ora numa empreitada mineradora, nos quais a população não
passou de mão-de-obra, não sendo proprietária de seus meios e recursos
produtivos, mas uma expectadora da ganância, primeiro de Portugal, depois de
nossa monarquia e depois de grandes empresários.
O índio, o negro e as mulheres padeciam de suficiência no status de uma
liberdade como não-dominação, como pode ser visto, situações que entristecem
nossa história, mas que não podem ser desconsideradas.
O processo eleitoral, manipulado, esteve nas mãos de uma elite que
manteve os privilégios em detrimento de problemas nacionais.
As leis no período colonial não refletiam os anseios do povo, mas de um
processo importado, utilizado em prol dos senhores, dos nobres, da Coroa em total e
flagrante afronta aos ideais humanitários. As penas eram aplicadas nas próprias
clxxvi
unidades produtivas, sem limites, controles, fiscalização, na maioria das vezes pelos
próprios senhores. Não obedeciam a qualquer princípio de legalidade e eram
aplicadas mesmo a condutas antijurídicas e não típicas. A pena de morte era
utilizada com finalidade de manutenção da escravidão sob controle e em estrita
submissão.
Historicamente o Brasil sofreu de uma certa malandragem”, um processo
cultural que invertia valores, atrapalhava negócios, atrasava o processo de
desenvolvimento e que pode ser sentida em menor grau até hoje, conhecida como
“jeitinho brasileiro”.
Nossos grandes acontecimentos políticos eram fundamentados por razões
veladas como a separação do Brasil de Portugal, a queda da monarquia e a
republicanização. Esta foi um processo liderado por setores elitistas, suscetível aos
mandos governamentais, totalmente influenciada pelos grandes produtores paulistas
e mineiros. O voto era somente um pretexto para legitimar o que antecipadamente
estava delineado nos átrios dos poderosos, não uma direção popular e democrática.
Senadores que se beneficiavam dos mandatos para vantagens pessoais e em
suas empresas não foi somente um fenômeno condizente com o ano de 1860, são
práticas comuns ainda hoje, percebidos no nosso “Senado Democrático.”
A figura do coronel desapareceu, entretanto em contrapartida reapareceu
uma outra figura, com os faraônicos números de candidatos a vereadores que
“puxam votos” aos prefeitos, aos deputados e aos governadores.
É verdade que o tempo consolidou grandes avanços, mas somente com a
Constituição de 1988, o panorama sofre uma brusca modificação.
Sabemos que o crime é influenciado por questões sociais, que as
autoridades precisam investir na criação de empregos, prover investimentos para a
educação e assistência social, a exemplo das reformas implementadas em 1987 no
movimento Deep in societyque se deu na Inglaterra e País de Gales, vinculando a
criminalidade às questões sociais e o que se demonstrou foi uma grande diminuição
na criminalidade ocasionando uma queda vertiginosa nas taxas e no
clxxvii
encarceramento. Aliás é fato, quando os governos diminuem os orçamentos
públicos no campo social, a criminalidade aumenta.
O que se percebe e procurou-se demonstrar no presente trabalho é que o
Brasil precisa enfrentar a questão criminal não com um pacote de medidas rígidas,
de alargamento das penas, de políticas duras de combate ao crime e fazendo das
agências de controle um aparato repressivo e desumano. Mas sim um projeto
assistencialista e que deita um olhar acurado sobre as causas do crime e favorece
meios de ressocialização, restauração e reintegração. E isto vai além de uma
iniciativa comunitária, depende de orçamento público, da boa vontade das
autoridades estatais.
Por outro lado, não se pode esperar de “braços cruzados” que níveis de
cidadania e de republicanismo atinjam patamares mais altos, fazendo com que os
interesses de todos e a promoção do “bem comum” sejam refletidos a nível estatal,
até mesmo porque o republicanismo se assenta, como foi visto, na soberania do
povo, mediante representação política, que se possa excluir a representação
inadequada, fraudulenta ou que esteja submetida a interesses outros que não o do
“bem comum”, que os poderes sejam submetidos entre eles a um processo de
check and balances, mas que, haja acima de tudo uma “cidadania responsável”, o
que leva a crer que a implementação de um sistema mais justo e mais igualitário vai
depender também “dessa cidadania”.
Uma teoria republicana da justiça criminal se mostra viável, uma vez que
propõe o respeito aos direitos humanos unindo a segurança e a garantia de uma
teoria retributivista com alvos prevencionistas de promoção da justiça por meio de
princípios reprovativos, reintegrativos, de checagem do poder das autoridades
reconciliado num sistema reducionista de punição.
Por essa razão a justiça restaurativa se vislumbra numa saída como forma
de apaziguar, conter e resolver os conflitos sociais. O que não parece ser
impossível e que já tem tido inúmeros resultados. Há inclusive na teoria republicana
da justiça criminal, como aqui foi detalhadamente exposto, um suporte jurídico-
clxxviii
normativo capacitado a dar espaço, alocar e fazer funcionar essa justiça, sem
qualquer remodelagem das teorias do Estado.
A justiça restaurativa como foi visto, vem sendo aconselhada pela
Organização das Nações Unidas, sendo implementada em diversos países e
resultando num processo de conciliação com a ajuda da própria sociedade, que é o
elemento mais capacitado para resolver seus problemas, quer pela cognição dos
mesmos, pela cognição das ansiedades e das necessidades e terá satisfação não
na participação mas no resultado obtido, impedindo que se continuidade a
conflitos derivativos daqueles.
Por meio dela, é possível o respeito aos direitos humanos e promoverá um
grande avanço social e político com a participação comunitária, trazendo-a para um
maior envolvimento nos assuntos a ela pertinentes, tornando-a mais madura, mais
capacitada até para o exercício de outras atividades concernentes à cidadania.
Todavia, para que isto aconteça é necessário remodelar os conceitos que
temos a respeito do crime e da justiça. Trata-se antes de tudo de uma mudança
paradigmática. Ver o ofensor como um marginalizado” que deva ser afastado do
convívio social, aprisionado, excluído fará superlotar as prisões, desintegrar as
famílias, dar à vítima um sentimento de vingança que não reproduz cura, mas
aumenta o sentimento de dor e ódio e o que é pior vai capacitar o ofensor e dar-lhe
meios de se voltar contra a sociedade e continuar delinquindo, aumentando ainda
mais o problema social.
De outra feita, a justiça restaurativa propõe uma nova abordagem. Ver na
vítima uma pessoa ferida que precisa de apoio e sustentação, que necessita que o
ofensor entenda seu sofrimento, que tenha compreensão do seu ato, que seja levado
de forma espontânea a reparar o dano, se conscientizar e se arrepender. Isto com
certeza virá em proveito da sociedade na restauração dos relacionamentos e na
prevenção e redução do crime.
É possível ver o ofensor não como um personagem socialmente desprezado
e moralmente reprovado, excluído do nosso meio. Que padeça da mais dura
reprimenda, porque afinal de contas ele merece”, não importando quais tenham
clxxix
sido os seus motivos, as suas circunstâncias, os estímulos que o conduziram ao
crime.
Mas é uma tendência natural do ser humano criar certos preconceitos. Que
o ofensor nunca demonstraarrependimento, transformação e recuperação. Que a
vítima não acate perdão, não permita a reconciliação.
Mas antes de tudo precisamos superar certos preconceitos, acreditar que é
possível mudar, precisamos nos tornar pessoas tolerantes, abertas e inclusivas. é
possível transpor esse paradigma da retribuição e desenvolver um paradigma da
inclusão, da restauração e da ressocialização.
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