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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
Elizabete Cristina Ribeiro Silva
AGRICULTURA URBANA COMO INSTRUMENTO PARA A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: DECODIFICANDO O
PROTAGONISMO DA ESCOLA
RIO DE JANEIRO
2010
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Elizabete Cristina Ribeiro Silva
AGRICULTURA URBANA COMO INSTRUMENTO PARA A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E PARA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: DECODIFICANDO O
PROTAGONISMO DA ESCOLA
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a
Saúde, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca,
Doutor em Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
RIO DE JANEIRO
2010
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Silva, Elizabete Cristina Ribeiro.
Agricultura urbana como instrumento para a educação ambiental e para a
educação em saúde: decodificando o protagonismo da escola / Elizabete
Cristina Ribeiro Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ / Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, 2010.
239 f. : il. ; 31 cm
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca.
Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, 2010.
Referências bibliográficas: f. 232-239.
1. Agricultura urbana. 2. Agricultura sustentável. 3. Alimentação
escolar. 4. Promoção da saúde. 5. Educação ambiental. 6. Educação
em saúde. 7. Educação alimentar e nutricional. 8. Grupo social.
9. Ensino - métodos. 10. Rio de Janeiro. 11. Educação em Ciências e
Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a
Saúde. III. tulo.
ELIZABETE CRISTINA RIBEIRO SILVA
AGRICULTURA URBANA COMO INSTRUMENTO
PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PARA A
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: DECODIFICANDO O
PROTAGONISMO DA ESCOLA
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a
Saúde, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde
Aprovada em
_____________________________________________
(Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Doutor em Sociologia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro)
______________________________________________
(Akiko Santos, Doutora em Educação,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
______________________________________________
(Ana Maria Dantas Soares, Doutora em Ciências, Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade,Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
DEDICATÓRIA
A minha mãe, pelo seu exemplo de força e de não subordinação ao que parece
determinado.
AGRADECIMENTOS
Ao meu terno companheiro, Ernani Jardim, pelas muitas flores que juntos
aprendemos a plantar, aos espinhos que soubemos contornar, pelas colheitas
perdidas, pelas bem sucedidas e pelas que ainda virão.
À Mariana, nossa flor amorosa, que já cultiva seu próprio jardim.
Aos meus familiares, pela certeza do apoio.
Aos meus amigos, pelos muitos encontros e desencontros vividos juntos.
Ao meu orientador, Alexandre Brasil, pelos saberes generosamente compartilhados.
Aos colegas, pelos muitos momentos de discussão e de descontração.
Aos professores do NUTES, pela oportunidade de mais uma etapa de aprendizado.
Aos atores sociais das unidades de ensino investigadas, pela acolhida e pela
colaboração para a realização da pesquisa.
Aos meus alunos, por me apresentarem desafios possibilitando reformulações na
minha prática educativa.
RESUMO
SILVA, Elizabete Cristina Ribeiro. Agricultura urbana como instrumento para
educação ambiental e para a educação em saúde: decodificando o protagonismo da
escola. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2010.
O estudo enfatiza a pertinência das atividades agrícolas na escola urbana
como contribuinte para a Educação Ambiental e para a Educação em Saúde, a partir
da percepção de atores sociais de uma escola e de uma unidade de extensão
pertencentes à rede de ensino da cidade do Rio de Janeiro, onde tais práticas se
encontram em declínio. Consideram-se a atual preocupação com questões
ambientais e com a promoção de hábitos alimentares adequados e saudáveis e a
complexidade envolvida e sugerem-se as atividades agrícolas como instrumento
pedagógico que facilita o exercício do pensamento complexo e da
transdisciplinaridade, assim como a percepção da alimentação e do meio ambiente
como temas transversais complexos que se comunicam. A discussão temática e a
apreciação de depoimentos são feitas com base nos pressupostos do Pensamento
Complexo preconizado por Edgar Morin (2005), propondo a abordagem
multidimensional para a compreensão da realidade e, especificamente, para os
temas referidos dando conta de que a análise dos fenômenos por meio de uma
visão fragmentada não responde mais aos anseios contemporâneos. Analisou-se a
agricultura sob a ótica da multifuncionalidade, com ênfase nos conceitos da
agroecologia e da agricultura urbana, tendo o alimento e suas etapas de produção
como o elo entre o ser humano e o ambiente. Por meio de observações diretas e
entrevistas semiestruturadas foram investigadas as percepções dos atores sociais
inseridos nos contextos mencionados. Realizou-se um estudo de caso etnográfico,
aplicado à prática escolar, buscando-se a compreensão de um caso particular
representativo de outros similares: o incipiente uso de hortas escolares, apesar das
recomendações oriundas de documentos institucionais. Confirmou-se o progressivo
abandono das práticas agrícolas nos espaços investigados. Os depoimentos
mostram esse processo e trazem elementos que retratam a situação vigente e
indicam fatores condicionantes. Entre outras contribuições, há a consideração do
valor daquelas atividades para as escolas urbanas associado ao seu potencial
interdisciplinar e ao oferecimento de vivência não proporcionada no ambiente
doméstico e avaliada como importante para a educação ambiental e para a
constituição de hábitos alimentares saudáveis. Admitem-se dificuldades frente aos
apelos da contemporaneidade para atitudes que se contrapõem ao desenvolvimento
de atividades agrícolas nas escolas, à ética ambiental e à adequação alimentar, e
expõem-se possibilidades para a inserção das hortas na escola. A partir de tais
percepções, entende-se que há necessidade de ressignificação das atividades
agrícolas, onde as mesmas possam ser percebidas em um novo contexto de atores
sociais, de espaço e de tempo, sob uma ótica que incorpore a multifuncionalidade da
agricultura aplicada ao espaço escolar urbano. Para tanto, a alimentação, a
agricultura urbana e o meio ambiente devem ser apreciados em suas
multidimensões e interconexões, a fim de que seja possível evidenciar suas
contribuições para a educação ambiental e para a educação em saúde e estabelecer
estratégias de reestruturação das práticas agrícolas para as escolas urbanas.
Palavras-chave: HORTAS ESCOLARES. COMPLEXIDADE.
TRANSDISCIPLINARIDADE. EDUCAÇÃO AMBIENTAL. EDUCAÇÃO EM SAÚDE.
EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL.
ABSTRACT
SILVA, Elizabete Cristina Ribeiro. Agricultura urbana como instrumento para
educação ambiental e para a educação em saúde: decodificando o protagonismo da
escola. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2010.
This study emphasizes the importance of agricultural activities in urban
schools in contributing to environmental education and health education, through the
perception of social actors in a school and an extension unit in the education network
in the city of Rio de Janeiro, where such practices are in decline. Our considerations
involve the current concern with environmental issues and the promotion of adequate
and healthy eating habits, and the complexity this entails. Agricultural activities are
suggested as an educational tool that facilitates the exercise of complex thought and
transdisciplinarity, as well as the perception of food and the environment as complex
cross-cutting themes that communicate with one another. The thematic discussion
and consideration of the statements are based on the principle of the Complex
Thought proposed by Edgar Morin (2005) in which he presents a multidimensional
approach to understanding reality, and specifically to the areas referred to, realizing
that the analysis of the phenomena through a fragmented vision is no longer
responding to contemporary aspirations. Agriculture was analyzed from the
perspective of multifunctionality, with emphasis on the concepts of agro-ecology and
urban agriculture, considering food and its production stages as the link between
humans and the environment. Through direct observation and semi-structured
interviews the perceptions of social actors working in the mentioned contexts were
investigated. An ethnographic case study was carried out, applied to school context,
in order to understand a particular case that represents other similar ones: little use
of school gardens, despite the recommendations coming from institutional
documents. The investigation confirmed the gradual abandonment of agricultural
activities in these places. The statements show that process, bring elements that
portray the current situation and indicate conditioning factors. Among other
contributions, the value of these activities in urban schools is taken into
consideration, associated with their interdisciplinary capabilities and the opportunity
to experiences that are not present in the domestic environments and that are
evaluated as important for environmental education and to form healthy eating
habits. The results point out the difficulties in facing the contemporary appeal towards
attitudes that are contrary to the development of agricultural activities in schools,
environmental ethics and adequate eating habits, whilst exposing alternatives for the
integration of school gardens. Based on these perceptions, the necessity to rethink
agricultural activities becomes more evident, where they can be perceived in a new
context of social actors, space and time in a perspective that incorporates the
multifunctionality of agriculture applied to the urban school. For this purpose, food,
urban agriculture and the environment should be considered in their multiple
dimensions and interconnections with the purpose of highlighting their contributions
to environmental education and health education and developing strategies to
restructure agricultural activities in urban schools.
Keywords: SCHOOL GARDENS. COMPLEXITY. TRANSDISCIPLINARITY.
ENVIRONMENTAL EDUCATION. HEALTH EDUCATION. FOOD AND NUTRITION
EDUCATION.
SUMÁRIO
1 PONTO A PONTO .................................................................................................10
2 O PENSAMENTO COMPLEXO:
a parte está no todo e o todo está na parte ..........................................................19
2.1 COMPLEXIDADE E AGRICULTURA: multifuncionalidade .................................35
2.2 COMPLEXIDADE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
educação, meio ambiente e escola............................................................................48
2.2.1 Educação Ambiental no Brasil: vale o que está escrito?............................52
2.2.2 Educação Ambiental e a atitude transdisciplinar ........................................58
2.2.3 Educação Ambiental na escola .....................................................................64
2.3 COMPLEXIDADE E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
educação alimentar e nutricional na escola ..............................................................71
2.3.1 Dize o que comes que te direi quem és........................................................81
2.4 MULTIDIMENSIONALIDADE DA AGRICULTURA NA ESCOLA URBANA:
Educação Ambiental e Educação Alimentar e Nutricional ........................................91
2.5 PONTOS DE APOIO: a Teoria não é nada sem o Método................................101
3 DO TODO PARA AS PARTES E DAS PARTES PARA O TODO.......................113
3.1 PONTOS LEGAIS .............................................................................................114
3.2 PONTOS DE VISTA...........................................................................................121
3.3 UNINDO PONTOS.............................................................................................198
4 A VISTA DE UM PONTO SOBRE OS PONTOS DE VISTA................................216
4.1 ENSINO DE CIÊNCIAS: entre o discurso e a prática........................................216
4.2 MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
entre o conhecer e o cuidar......................................................................................220
4.3 HÁBITOS ALIMENTARES E EDUCAÇÃO EM SAÚDE:
entre o plantar e o comer.........................................................................................221
4. 4 A CONSTRUÇÃO DE CONSENSOS: entre o real e o imaginário ...................223
4. 5 MEIO AMBIENTE E HÁBITOS ALIMENTARES:
trabalhando, conhecendo, gostando, cuidando e comendo.....................................227
5 ARREMATANDO..................................................................................................230
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................232
1 PONTO A PONTO
Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo
me daria...(Gilberto Gil)
Os grandes projetos que movimentam a humanidade têm sido orientados pela
efetividade que é sobreposta a afetividade. A primeira é garantida pela travessia dos
níveis de realidade promovendo o desenvolvimento da tecnociência e culminando
com a revolução informática. A segunda é assegurada quando se atravessam os
níveis de percepção permitindo a unificação interna do indivíduo, o
autoconhecimento, materializando-se na arte, na literatura, na religião e na mística.
As denominadas masculinidade e feminilidade do mundo são regidas pela
efetividade e a afetividade, respectivamente, sem necessariamente estarem ligadas
ao sexo. De tal forma que ao privilegiar-se a masculinidade do mundo, provocou-se
um desequilíbrio entre esses dois aspectos humanos, o que põe em risco a própria
espécie. Surge daí a urgência em se conciliarem níveis de realidade com os níveis
de percepção, a feminilidade e a masculinidade do mundo, transformando nossa
vida íntima e social de modo a entrever a dimensão poética da nossa existência
(NICOLESCU, 2005).
O mundo conduzido pela ótica que privilegia a razão, a dominação e a
superioridade humana enfatiza a objetividade e marginaliza a sensibilidade. O ser
humano, na ânsia de conhecer e dominar tudo, fracionou a realidade e fracionou-se,
consolidando um modo de olhar especializado e estruturando o mundo como o
conhecemos. Como conseqüência, provocou uma ruptura com a sua condição,
natural e solidária, de ser que pertence ao planeta.
11
Tal desligamento tem gerado angústias e crises de identidade, de
responsabilidade e de solidariedade. Prega-se o individualismo extremo quando se
reforçam falas imperativas como verdades e orientações absolutas: “Cada macaco
no seu galho” e “Cada um no seu quadrado”.
“Mas a ilusão quando se desfaz...” (Tom Jobim) sobrevem a crise, que é a
mola propulsora da criatividade e com isso observamos movimentos que buscam o
caminho de volta. Não se trata de um retrocesso histórico, mas de identificar nos
caminhos já percorridos as armadilhas e os desvios para que se possa prosseguir
de forma mais segura.
A emergência de problemas ambientais, a crescente apreensão com a
segurança alimentar e a promoção da saúde trazem a temática da agricultura para o
centro da discussão. Orientações internacionais, como as constantes na Carta de
Ottawa (COSTA et al, 2001) e nas Recomendações de Tbilisi (UNESCO, 1980),
tiveram papel relevante nas proposições de ações no Brasil no que se refere à
promoção da saúde e à educação ambiental, respectivamente. Embora tenham sido
elaboradas em âmbitos específicos, muitas das demandas sugeridas indicam
práticas pedagógicas comuns a serem desenvolvidas nos espaços formais de
educação, como é o caso de hortas escolares. Em linhas gerais se passou a
vislumbrar a possibilidade de que o contato com a terra e o ato de plantar, etc.,
seriam capazes de promover nas crianças uma percepção mais positiva em relação
ao meio ambiente e que o estreitamento da relação com o processo de produção de
alimento possibilitaria minimizar problemas referentes a acesso e a escolha de
alimentos.
O reconhecimento da complexidade para a compreensão da realidade pode
ampliar tais perspectivas e nos fazer estabelecer uma nova relação com a nossa
12
história e com o mundo presente, possibilitando o resgate de dimensões humanas,
entendendo que o ser humano é complexo porque é multirreferenciado.
Uma dimensão fundamental, que é influenciada pelas outras dimensões e as
influencia, é a nossa condição de pertencimento ao mundo natural. As dimensões
social e cultural foram constituídas a partir da matriz biológica, porém aquelas atuam
sobre esta promovendo um estado de inseparabilidade. Hoje, mais do que se
informar sobre as maneiras de preservação do meio ambiente, há que se
compreender que estamos nele, com ele e que somos ele. Precisamos reencontrar o
nosso lugar, resgatar a percepção de fazer parte. Antes de nos tornarmos humanos
somos animais, somos seres vivos sociais, componentes de um todo maior
localmente, globalmente, planetariamente e...quem sabe?
Se a agricultura é caracterizada pelo desenvolvimento de técnicas que
permitiram a manipulação do ambiente em benefício humano, ela representa um
marco do processo de nosso desligamento com o ambiente natural. Por outro lado,
ao ter como objetivo primeiro a produção de alimento por intermédio do trabalho,
possibilita a manutenção do vínculo de pertencimento a esse mesmo ambiente
natural, cultural e social. O atual modelo agroalimentar viola princípios fundamentais
do ser humano em sua relação com a atividade agrícola que são: o de plantar e
comer, tendo o direito de identificar aquilo que passará a fazer parte de seu corpo, e
o da relação do ser humano com seu trabalho, que é o direito ao produto de seu
esforço.
Ao concebermos a complexidade do fenômeno alimentar, sendo uma de suas
dimensões a incorporação do meio ambiente ao ser humano por meio do ato de
comer _ de tal forma que o ambiente passa a compô-lo e este passa a compor o
ambiente _ confirmando-o como um ser constituinte e constituído, fica garantida a
13
condição material de pertencimento humano que pode abrir caminhos para o
vislumbrar de outras dimensões.
Dado o caráter multirreferencial do ser humano, as relações estabelecidas
com o meio ambiente, entendido no sentido amplo da expressão, condicionam a
construção de seu bem-estar, de estar bem no mundo, de sua saúde e de sua
felicidade.
Acreditamos que, para redescobrir nosso lugar nesse mundo é preciso fazer a
religação, o retorno, o caminho de volta para a compreensão e resgate das múltiplas
dimensões humanas. Esta redescoberta pode estar em atos simples (ou
complexos?) como: plantar, cuidar, esperar, colher, compartilhar, preparar e,
solidariamente, comer e pertencer.
A conjectura da solidariedade entre os princípios fundamentais da agricultura
urbana, da educação ambiental, da promoção da saúde e do espaço escolar, como
resposta aos desafios da contemporaneidade, tem fundamento no fato de, a partir
do pensamento complexo, poder embasar uma nova concepção de mundo. Esses
conceitos, ao serem entendidos na perspectiva transdisciplinar, transpõem suas
fronteiras e se entrelaçam. Temos a esperança de estarmos trilhando um caminho
que conduza a uma nova relação sociedade-natureza e a melhores inter-relações
humanas.
A adoção do pensamento complexo e da atitude transdisciplinar na escola
pode nos trazer novas reflexões para as atividades agrícolas e a percepção de suas
possibilidades de contribuição para o exercício poético da existência humana. A
agricultura que contempla os pressupostos da agroecologia, ao ser transposta para
a escola urbana como uma experiência educativa estruturada coletivamente, pode
atender às demandas referentes ao exercício prático do rompimento das fronteiras
14
disciplinares e trazer a percepção dos diferentes aspectos que constituem o hábito
alimentar e das relações humanas com os demais componentes do ambiente.
Tendo como pressuposto que há, mundialmente e localmente, a preocupação
crescente com questões ambientais e com a promoção de hábitos alimentares
adequados e saudáveis, e que as hortas escolares têm sido indicadas como ações
pedagógicas potencialmente interdisciplinares e transdisciplinares nas
recomendações de documentos oficiais, em eventos e debates relativos aos temas.
A apreciação, que ora se apresenta, procurou evidenciar como contraditório o fato
de escolas públicas em espaços urbanos ou em processo de urbanização,
paulatinamente, estarem se afastando daquelas atividades.
O histórico preconceito e a depreciação em relação ao trabalho agrícola e os
objetivos primeiros da inserção das atividades agrícolas no espaço formal de
educação podem estar constituindo um quadro, de entraves conceituais e
indefinições, que precisa ser investigado e avaliado. Para tanto, o presente trabalho
enfatiza a pertinência do uso das atividades agrícolas no contexto escolar a partir da
percepção de atores sociais de uma unidade de ensino regular e uma unidade de
extensão (Pólo de Educação pelo Trabalho-PET) pertencentes à Rede Municipal de
Ensino da Cidade do Rio de Janeiro, tendo como eixos norteadores os seguintes
questionamentos: Quais são as percepções, acerca do tema, presentes na
comunidade escolar? Estariam vinculadas ao histórico estigma depreciativo da
atividade agrícola? Estariam relacionadas a uma concepção tecnicista da educação?
Nessas percepções, haveria identificação com os pressupostos da agricultura
urbana? Quais são as percepções que poderiam indicar as causas da pouca procura
pelas práticas agrícolas oferecidas naqueles espaços formais de educação? Quais
15
são os atuais limites e possibilidades para a inclusão das práticas agrícolas nas
escolas?
Baseado em tais inquietações, o objetivo geral deste trabalho foi estudar a
inserção de práticas agrícolas no espaço formal de educação urbano em sua
conexão com os princípios da Educação Ambiental e da Educação em Saúde. Tal
objetivo foi buscado por meio de objetivos específicos que se efetivaram com a
reunião de documentos institucionais que, de forma direta ou indireta, recomendam
ações em agricultura nas escolas como contribuintes para a educação ambiental e
para a educação alimentar e nutricional e, especialmente, na investigação e análise
das percepções presentes nos profissionais de educação, nos alunos e nos seus
familiares referentes às práticas agrícolas quando oferecidas na escola.
Pretendemos, então, convergindo para o Pensamento Complexo como
arcabouço teórico, ampliar a discussão sobre a multifuncionalidade da agricultura,
quando empreendida no espaço escolar urbano. Há ênfase na educação ambiental
e na possibilidade de contribuição para a formação de hábitos alimentares
adequados e saudáveis estabelecendo uma interface entre esses campos. A
agricultura urbana, como proposta de ação, foi privilegiada nessa conjuntura,
estruturando a discussão dos demais conceitos.
Com a intenção de captar a realidade dinâmica e complexa do fenômeno
social em sua realização histórica (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), optamos pelo uso de
técnicas de pesquisa qualitativa. Assim, o presente trabalho caracterizou-se por um
estudo de caso etnográfico aplicado à prática escolar cotidiana, na medida em que
buscou a compreensão de um caso particular bem delimitado, porém representativo
de outros similares, por meio de descrição densa, levando em conta seu contexto e
enfatizando o processo (ANDRÉ, 2007). A partir de observações diretas e
16
entrevistas semiestruturadas, foram investigadas as percepções dos atores sociais_
alunos, familiares e profissionais da educação_ inseridos no contexto de uma
unidade escolar regular e numa unidade de extensão sobre as práticas agrícolas
oferecidas no espaço de educação formal. O sujeito, observador na presente
investigação, assume seu vínculo com seu objeto de pesquisa e considera a sua
própria consciência como parte do objeto. Fica, então, admitido que os resultados
apresentados se constituem numa tradução particular da realidade. O sujeito é
acolhido e respaldado nas proposições do Pensamento Complexo, no qual sujeito e
objeto não se dissociam.
Confirma-se o progressivo abandono das práticas agrícolas nos espaços
investigados. Os depoimentos dos atores sociais mostram esse processo e trazem
elementos que retratam a situação vigente e indicam fatores condicionantes. Os
professores mostram-se insatisfeitos com o atual cenário, especialmente, os
licenciados em Ciências Agrícolas. A maioria dos demais entrevistados lamenta a
falta das atividades agrícolas nas escolas e reconhece sua importância.
As percepções dos atores sociais expõem os limites e as possibilidades para
a inserção das atividades agrícolas na escola convencional. Há a consideração do
seu valor para a escola urbana, associando-as a diversos aspectos da educação
ambiental, ao reconhecimento dos processos de produção de alimento, à
valorização dos trabalhadores do setor, ao seu potencial interdisciplinar, ao
oferecimento de vivências não proporcionadas no ambiente doméstico e, ainda,
como contribuinte para a formação de hábitos alimentares, na melhoria das relações
interpessoais, na inclusão de atividade física no processo de aprendizagem e na
quebra de preconceitos em relação a essa modalidade de trabalho. Alguns dos
investigados expressaram visões diferentes sobre o desenvolvimento e participação
17
em atividades agrícolas em função do contexto mostrando restrições de sua
realização no espaço escolar e a influência exercida pelos pares sociais. Nesses
casos haveria o entendimento de que a escola deva oferecer uma preparação,
exclusivamente intelectual, para o mercado de trabalho. Entre os adolescentes há o
receio de serem depreciados pelo grupo caso venham a exercer tal atividade. Em
ambos as situações vislumbra-se que um contexto social positivo na escola
favoreceria a adesão à atividade. Há a percepção comum de que o fator faixa etária
representa um determinante para a pronta concordância ou não do aluno em
participar das atividades agrícolas oferecidas na escola. Nesse caso, a adesão à
atividade foi considerada inversamente proporcional à idade do aluno, ou seja,
quanto maior a idade menor o interesse do aluno.
Os principais obstáculos apresentados para a inserção das atividades foram:
a falta de recursos humanos e materiais; a desvinculação do ensino regular;
ausência/inadequação de capacitações para os professores; preconceito e
depreciação em relação à atividade; influência negativa do grupo, especialmente,
entre os adolescentes; o papel da mídia reforçando valores considerados negativos;
as múltiplas opções de atividades oferecidas no espaço urbano.
Em termos de propostas, a maioria defendeu o retorno da atividade à escola
convencional e inserida na matriz curricular desde as séries iniciais. Houve alguma
divergência em relação à obrigatoriedade para o aluno. Porém, a obrigatoriedade é
defendida pela maioria. Apontam para a necessidade de reformulação da área de
conhecimento, reforçando a questão ambiental e de uma infraestrutura adequada
para o seu desenvolvimento. Identificam o caráter interdisciplinar da atividade, mas
entendem que a responsabilidade de coordenação e articulação deva ficar a cargo
do profissional com formação específica.
18
A partir de tais percepções, entendemos que há necessidade de uma
ressignificação das atividades agrícolas, na qual as mesmas possam ser percebidas
em um novo contexto de atores sociais, de espaço e de tempo sob uma ótica que
incorpore a multifuncionalidade da agricultura aplicada ao espaço escolar urbano.
Para tanto, alimentação, agricultura urbana e meio ambiente devem ser apreciados
em suas multidimensões e interconexões.
O oferecimento à criança de experiências que permitam um contato efetivo
com o ambiente natural é entendido como fundamental para a sua formação integral,
suprindo aspectos importantes que estão sendo omitidos pelo contexto
contemporâneo em sua relação com a origem de diversos elementos, incluindo o
alimento. Tanto a adoção de atitudes favoráveis a uma melhor interação com o
ambiente quanto a constituição de hábitos alimentares saudáveis são embasadas
em escolhas individuais. As escolhas são realizadas a partir de um repertório
conhecido. As práticas agrícolas, ao se constituírem em prática pedagógica que
envolva, além do aspecto cognitivo, a subjetividade, a emoção, a articulação entre
os diversos saberes disciplinares e o contexto no qual ela se insere, enriquecem o
leque de opções do aluno e dão mais autenticidade às suas escolhas. Defende-se,
então, a Educação Ambiental e a Educação em Saúde que promovam a interação
com o meio ambiente e com o alimento por intermédio de vivências multissensoriais
estrategicamente elaboradas e embasadas por processos educativos que visem à
construção do conhecimento e da autonomia.
2 O PENSAMENTO COMPLEXO: a parte está no todo e o todo está na parte
Houve o propósito, no presente estudo, de utilizar o pensamento complexo
como instrumento para a compreensão da realidade, tanto na identificação de
conceitos e conhecimentos já produzidos sobre os temas requeridos, agricultura,
educação ambiental e educação alimentar e nutricional, como para o entendimento
das falas dos atores sociais diretamente ligados às ações em agricultura
empreendidas na escola. A opção pela Teoria da Complexidade deveu-se à
percepção de que os elementos que constituem o fenômeno são indissociáveis,
consolidando um tecido que funciona e se caracteriza pelo movimento constante de
trocas das partes entre si, entre as partes e o todo, e entre o todo e as partes. E,
principalmente, à evidência de que os esforços empreendidos até agora,
identificados com uma visão fracionada da realidade, não foram suficientes para
promover o alcance de objetivos fundamentais dos processos educativos, no que se
referem às questões de hábitos alimentares e de educação ambiental.
Atualmente, é comum encontrarmos críticas ao pensamento cartesiano que
caracteriza a ciência moderna responsabilizando-o pela fragmentação do
conhecimento e com isso a perda crescente da percepção do todo e da
interdependência entre os fenômenos, o que dificultaria a compreensão da
realidade. Por outro lado, não se nega à contribuição das disciplinas científicas para
o desenvolvimento do conhecimento humano em vários campos (SANTOS, 2008).
Estando a escola inserida num contexto maior e como parte em um todo,
influenciando e sendo influenciada, fica mais fácil compreender os reflexos da lógica
hegemônica da fragmentação do saber nas ações empreendidas no espaço escolar.
20
O pensamento complexo, na proposição de Edgar Morin, busca preencher
uma lacuna na compreensão dos fenômenos, informando que a ciência humana
“não possui um princípio que enraíze o fenômeno humano no universo natural, nem
um método apto a apreender a extrema complexidade que o distinga de qualquer
outro fenômeno natural conhecido” (MORIN, 2007a, p.17). Dessa forma, a visão da
natureza sobrenatural humana deve ser superada com a sua reintegração aos seres
naturais, movimento necessário para a sua distinção neste meio (MORIN, 2007a).
A idéia de complexidade, ainda sem estar identificada como tal, se insere na
Ciência no século XIX no sentido de alertar para a busca do entendimento de
fenômenos na microfísica e na macrofísica. A microfísica trazendo, além da
constatação da relação complexa entre o observador e o observado, a capacidade
do observado de apresentar-se de formas distintas _ o fato de a partícula elementar
ser ora onda, ora corpúsculo_ e que o observado também é parte constituinte do
observador. A macrofísica relativiza as relações espaço e tempo mostrando suas
interdependências. Mas é com a cibernética que a complexidade ganha corpo na
ciência relacionada com os fenômenos de auto-organização. A complexidade, além
de acolher o aspecto quantitativo, ou seja, a existência das interações e
interferências entre um número elevado de unidades, comporta também o acaso:
incertezas, indeterminações a fenômenos aleatórios. A incerteza tanto pode estar na
limitação do entendimento humano como fazer parte do fenômeno observado
(MORIN, 2007a).
A formulação do pensamento complexo se contrapõe aos paradigmas que se
baseiam na visão unidimensional, especializada e fragmentadora, que recortam a
realidade para analisá-la e compreendê-la. Visão que já não atende aos problemas
contemporâneos. No entanto, a idéia da complexidade continua sendo negligenciada
21
nos pensamentos científico, epistemológico e filosófico. Grandes pensadores em
seus debates cuidam da racionalidade, da cientificidade, da não-cientificidade,
porém não abordam a complexidade, o que faz com que seus seguidores também
assim o façam (MORIN, 2005a).
O termo complexo (de complexus), antes de se tornar popularmente sinônimo
de algo somente complicado, sinaliza para aquilo que é tecido junto, ou seja, para a
indissociabilidade dos componentes do todo: [...] tudo isso se entrecruza para
formar a unidade da complexidade; porém a unidade do ‘complexus’ não destrói a
variedade e a diversidade das complexidades que o teceram.” (MORIN, 2005a,
p.188). A complicação, a desordem, a contradição, a dificuldade lógica, os
problemas de organização etc. são constituintes da contextura da complexidade.
Quando o conhecimento, em nome da inteligibilidade, organiza os fenômenos
eliminando esses “ruídos”, os aspectos inquietantes de difícil explicação que põem
em risco a ordem e a sua explicitação para uma certeza pretendida acabam por
ocultar elementos que compõem a realidade antropossocial. A “incapacidaade de
conceber a complexidade da realidade antropossocial, em sua microdimensão (o ser
individual) e em sua macrodimensão (o conjunto da humanidade planetária), conduz
a infinitas tragédias e nos conduz à tragédia suprema” (MORIN, 2007a, p.13).
O pensamento complexo persegue o conhecimento multidimensional e, nessa
perspectiva a teoria, ao ser aplicada, complexifica as diferentes áreas do
conhecimento, como a física, a biologia e a antropologia, e faz com que as fronteiras
disciplinares sejam rompidas.
Outro ponto fundamental explorado na teoria da complexidade se refere ao
reconhecimento da reciprocidade e ao caráter indissociável do sujeito em sua
relação com o objeto/mundo. Ao contrário da ciência moderna que, com a utilização
22
do método experimental e dos procedimentos de verificação, aposta na existência
independente do objeto e na possibilidade de sua observação e explicação de modo
isento.
Sob a ótica positivista, o sujeito deve ser eliminado, pois é considerado como
perturbação ou ruído, algo indesejável que pode prejudicar o alcance do
conhecimento objetivo. No pensamento complexo, ao contrário:[...] só existe objeto
em relação a um sujeito (que observa, isola, define, pensa) e só há sujeito em
relação a um meio ambiente objetivo (que lhe permite reconhecer-se, definir-se,
pensar-se, etc., mas também existir) (MORIN, 2007a, p.41). De tal forma que “...o
mundo está no interior de nossa mente, que está no interior do mundo. Sujeito e
objeto neste processo são constitutivos um do outro.” (MORIN, 2007a, p.43 ).
Trazendo a reflexão proposta para as formas de percepção do mundo para o
campo da pesquisa científica fica indicada uma concepção aberta da relação sujeito-
objeto, na qual o objeto seja concebido em seu ecossistema e, mais amplamente,
num mundo aberto (que o conhecimento não pode preencher) e num metassistema,
uma teoria a elaborar em que sujeito e objeto poderiam integrar-se um ao outro
(MORIN, 2007a, p.48).
A complexidade, a despeito de sua exclusão proposta pelo movimento
científico hegemônico nos séculos XIX e XX, manteve-se em evidência em outros
setores da sociedade, especialmente nas artes, mostrando que não é uma questão
nova, mas que sempre esteve presente na vida cotidiana. Um indivíduo
desempenha vários papéis em função do contexto social despontando em si
diferentes identidades, personalidades, seus sonhos e fantasias (MORIN, 2007a,
2007b).
23
Postula-se aqui a impossibilidade de compreender a realidade e elaborar
soluções coerentes e abrangentes, adotando as óticas unidimensional especializada
e parcelada: “A visão não complexa das ciências humanas, das ciências sociais,
considera que há uma realidade econômica de um lado, uma realidade psicológica
de outro, uma realidade demográfica de outro etc.” (MORIN, 2007a, p. 68). Nesse
modo de análise fica excluído o fato de que somos seres simultaneamente físicos,
biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais. A complexidade pretende a
articulação, a identidade e a diferença de todos esses aspectos, ambicionando o
conhecimento multidimensional, e portanto abriga um princípio de incompletude e
incerteza (MORIN, 2005a).
Dentro de uma concepção anticartesiana, Morin (2005a, 2007a) sugere a
adoção de macroconceitos que devem ser definidos a partir de seus centros e não
por suas fronteiras, dada a solidariedade entre os conceitos. Daí, propõe três
princípios, interligados entre si, que podem contribuir para pensar a complexidade: o
princípio dialógico, o princípio da recursão organizacional e o princípio
hologramático.
O princípio dialógico nos possibilita aceitar a coexistência de mais de uma
lógica, que pode estar presente na unidade, sem que a dualidade se perca nessa
unidade, associando complementaridade e antagonismo. Assim, aspectos que
aparentemente seriam excludentes entre si, tornam-se interdependentes, como a
ordem e a desordem. No caso humano, podemos distinguir duas lógicas, que o
tornam um ser totalmente biológico e totalmente cultural, concomitantemente.
O princípio da recursão organizacional trabalha com a idéia de processos
recursivos nos quais produtos e efeitos devem ser percebidos, simultaneamente,
como produtores e causadores daquilo que os produz. Há aqui uma ruptura com a
24
concepção linear causa/efeito e produto/produtor. Numa abordagem sociológica, se
infere que: “A sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos, mas a
sociedade, uma vez produzida, retroage sobre os indivíduos e os produz.” [...] “De tal
sorte que cada indivíduo inserido num grupo social é ao mesmo tempo constituído e
constituinte” (MORIN, 2007a, p.75).
O princípio hologramático tenta dar conta das lacunas do reducionismo, que
valoriza as partes, e também do holismo, que vê o todo, ignorando as suas
particularidades. Postula-se que “não apenas a parte está no todo, mas o todo está
na parte” (MORIN, 2007a, p.75) e que essa percepção pode ser verificada no mundo
físico, biológico e sociológico. Tal lógica permite ampliar o conhecimento das partes
a partir do todo e vice-versa.
O panorama exposto nos alerta para as dificuldades do sociólogo frente ao
seu objeto de estudo, assim como para qualquer pesquisador que se proponha a
compreender fenômenos sociais. Nesse caso, apesar dos conhecimentos que
possui para o papel que tem a desempenhar, o pesquisador é uma parte dessa
sociedade e esta mesma sociedade está inscrita nele:
A relação antropossocial é complexa, porque o todo está na parte, que está
no todo. Desde a infância, a sociedade, enquanto todo, entra em nós,
inicialmente, através das primeiras interdições e das primeiras injunções
familiares: de higiene, de sujeira, de polidez e depois as injunções da
escola, da língua, da cultura (MORIN, 2007a, p.75).
Sugere-se, então, a adoção de metapontos de vista
1
sobre a realidade e a
admissão de que o metassistema é inatingível plenamente: “O metaponto de vista só
é possível se o observador-conceptor se integrar na observação e na concepção.
Eis por que o pensamento da complexidade tem necessidade da integração do
1
“...ponto de vista que considere nossa própria consciência como objeto do conhecimento.” (MORIN, 2007a, p.45)
25
observador e do conceptor em sua observação e em sua concepção” (MORIN,
2007a, p.76).
Outro fator relevante no que se refere à observação de um fenômeno são os
paradigmas
2
que a conduzem. Aquilo que se torna conhecido é apenas uma
tradução daquela realidade, de forma que nos tornamos produtores do objeto que
conhecemos (MORIN, 2007a).
Vale alertar, ainda, que o indivíduo em suas relações cotidianas promove
ações que podem ser planejadas ou não. Quando se investiga um fenômeno social,
a entrada em campo pressupõe ações anteriormente estabelecidas e, como
resultado destas, outras deverão/poderão ser implementadas. Vislumbrando a
complexidade presente na ação, percebemos o quanto a capacidade de mobilizar
estratégias é fundamental. Uma ação pode estar programada, o programa é algo
estático, linear e que também é um elemento importante para a execução de uma
ação. Porém, frente a um imprevisto, é a estratégia que poderá nos conduzir a uma
solução. O pensamento complexo, quando posto a serviço da ação, nos prepara
melhor para o inesperado, não deixando que nos fechemos “no ‘contemporaneísmo’,
isto é, na crença de que o que acontece hoje vai continuar indefinidamente”
(MORIN, 2007a, p.83).
A discussão aqui empreendida nos auxilia na reflexão sobre nossas ações ou
ações que são executadas pelos outros e nas incertezas daí advindas, dadas as
complexidades presentes em cada elemento que compõe o contexto da ação e as
inúmeras possibilidades resultantes das interações entre eles. Nesse aspecto, Morin
(2007a) nos adverte que:
2
“...um tipo de relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de noções ou categorias mestras. Um
paradigma privilegia certas relações lógicas em detrimento de outras, e é por isso que um paradigma controla a lógica do discurso. O
paradigma é uma maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico.” (MORIN, 2007a , p.112)
26
Desde o momento que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que
seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo
de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido
que pode se tornar contrário ao da intenção inicial
(MORIN, 2007a, p. 80-
81).
Tal reflexão tem relevância se considerarmos, por um lado, um fenômeno
investigado e as diversas ações e reações ali presentes, e por outro, o pesquisador
como agente em busca de seu objetivo.
Para estabelecermos as interfaces agricultura - educação ambiental -
educação alimentar e nutricional, inseridas nos campos da Educação Ambiental e da
Educação em Saúde, exercitaremos o pensamento complexo, numa tentativa de
contemplar os diversos aspectos que envolvem a questão e a postura
transdisciplinar, a fim de evidenciar seus entrelaçamentos.
Sendo assim, será discutido o contexto da agricultura, compreendida na
perspectiva multidimensional, dialogizando temas como: meio ambiente, educação
ambiental, alimentação, segurança alimentar e nutricional e promoção da saúde,
estabelecendo a correlação com a adoção das práticas agrícolas no ensino formal. A
proposição dos fundamentos da complexidade, em oposição ao paradigma clássico
simplificador, busca a expansão das explicações científicas, trazendo o pensamento
multidimensional como forma de análise dos fenômenos e entendendo que a
realidade antropossocial comporta as dimensões individual, social e biológica e que
o acolhimento da complexidade e seus eventuais conflitos compõem a postura
dialógica
3
(MORIN, 2005a).
A complexidade é um esforço por identificar a variedade e a diversidade que
tecem o todo. A indissociação entre natureza e cultura aposta na consideração da
3
“O termo dialógico quer dizer que duas lógicas, dois princípios, estão unidos sem que a dualidade se perca nessa unidade” (MORIN,
2005, p.189).
27
complexidade como forma de compreensão da realidade e de construção do
conhecimento multidimensional. O ser humano é “biológico-sociocultural” e os
“fenômenos sociais são, ao mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos etc.”
(MORIN, 2005a, p.177).
A proposição do pensamento complexo nega a razão como fator
preponderante nas ações humanas, apoia o processo dialógico ao invés de dialético,
pois recusa dicotomias e rupturas apostando na união de concepções que
aparentemente seriam independentes, tais como ciência e arte, sujeito e objeto,
entre outras conjunções.
Ao confrontarmos a unanimidade no que se refere à sugestão da inserção de
atividades agrícolas nas escolas e o insucesso na realidade observada nas escolas
da rede municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro, podemos opinar que,
apesar do manifesto avanço teórico para a questão, alguns caminhos ainda
precisam ser desbravados. Poderíamos de modo genérico sugerir algumas
possíveis causas para esse paradoxo: dissociação entre sociedade e natureza e
entre o urbano e o rural; demérito das atividades braçais em contraposição ao
trabalho intelectual; compreensão circunscrita sobre práticas agrícolas
considerando-as exclusivas do espaço rural; visão tecnicista com relação às
atividades oferecidas no espaço escolar; percepção limitada com relação à formação
de hábitos alimentares e à educação ambiental. Assim, podemos opinar que tais
itens são conseqüências de um modo fragmentado de conceber a realidade.
Reconhecer a contradição é fundamental para a compreensão da realidade, o
que não é possível com o pensamento simplificador, uma vez que esse fragmenta a
realidade ignorando a ambigüidade e os equívocos. Em oposição ao pensamento
simplificador, o pensamento complexo: “...parte dos fenômenos simultaneamente
28
complementares, concorrentes, antagônicos, respeita as coerências diversas que se
associam em dialógicas ou polilógicas e, por isso, enfrenta a contradição por vias
lógicas.” (MORIN apud SANTOS, 2003, p.9-10).
Ao se investigar algo que, em princípio, consideramos como um problema e
também a possibilidade de sua transformação, o abandono das atividades agrícolas
no espaço escolar e a reversão desse quadro, devemos considerar o mundo, a vida,
o ser humano, o conhecimento e a ação como sistemas abertos. Assim sendo,
pequenas inovações podem se integrar ao comportamento social. Na evolução
sociocultural, fatores inicialmente marginais podem se transformar em informação, e
a inserção de um novo elemento, proveniente de uma conduta aleatória, pode
passar a compor um sistema social complexo (MORIN, 2005b).
Ao ser convidado para contribuir com a reformulação da educação francesa,
em 1998, Edgar Morin (2007b) preocupou-se com a reeducação dos educadores no
sentido de religar as Ciências da Natureza com as Ciências da Cultura. Tendo como
pano de fundo a complexidade e a transdisciplinaridade propôs jornadas temáticas:
O Mundo, a Terra, a Vida, a Humanidade, a Arte, Literatura e Cinema, a História, as
Culturas Adolescentes, o Conhecimento. Cada grande tema foi trabalhado de forma
a permitir o exercício da abordagem transdisciplinar. Nesse sentido, o conhecimento
deve ir ao encontro da aptidão natural humana, que é a de estabelecer relação entre
cada informação e conhecimento ao seu contexto e conjunto.
Por entendermos e defendermos as atividades agrícolas como um
instrumento que possibilita o exercício da interdisciplinaridade e da
transdisciplinaridade, assim como percebemos a alimentação e o meio ambiente
como temas transversais que se comunicam, torna-se imperativa a prestação de
29
alguns esclarecimentos sobre esses conceitos e sua estreita relação com a
complexidade.
Existe uma conexão íntima entre a complexidade e a transdisciplinaridade e,
especialmente no campo educacional, pode se constituir em teoria pedagógica com
a justaposição dos dois conceitos: “Teoria da complexidade e transdisciplinaridade”,
propondo a religação dos saberes compartimentados e uma nova forma de pensar a
realidade (SANTOS, 2008).
Se concordamos em que a transdisciplinaridade pressupõe de forma
inseparável um corpus de pensamento e uma experiência vivida (NICOLESCU,
2005), tornam-se necessários a compreensão de um e o exercício de outra e vice-
versa.
O termo transdisciplinaridade tem sido amplamente utilizado em documentos
e discursos educacionais, acompanhado, e às vezes como sinônimo, de
interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e de pluridisciplinaridade. Tal confusão
semântica é compreensível, dada a proximidade desses conceitos, o que tem feito
com que alguns autores se preocupem em explicitar seus significados (NICOLESCU,
2005; SOMMERMAN, 2006; MORIN, 2008; SANTOS, 2008). O que se pode
constatar nas comparações das definições formuladas no meio acadêmico são
afinidades e desacordos.
Antes de passarmos aos prefixos e suas implicações semânticas, talvez seja
importante resgatar o conceito do vocábulo central: disciplina, que também é alvo de
alguns dissensos. Em linhas gerais, pode ser entendida pelo enfoque imperativo de
submissão a regras ou pela origem da palavra (latim: discere), cujo significado é
aprender. Unidas, tais concepções, comporiam o aprendizado de um conjunto de
30
saberes submetido a regras e métodos correlatos. Cabendo ressaltar que a
aprendizagem pode prescindir do rigor metodológico (SOMMERMAN, 2006).
No caso da multidisciplinaridade e da pluridisciplinaridade, são poucas as
divergências, sendo a primeira entendida como uma referência quantitativa, sem
vínculo entre as disciplinas e a segunda denotando afinidade entre um determinado
grupo de disciplinas (SOMMERMAN, 2006).
A pluridisciplinaridade pode também ser compreendida como a contribuição
de várias disciplinas para o conhecimento do objeto de uma determinada disciplina,
configurando uma estrutura de pesquisa disciplinar (NICOLESCU, 2005).
As várias definições identificadas para interdisciplinaridade pressupõem
interações colaborativas, em diferentes graus, entre disciplinas. A
interdisciplinaridade emerge antagonicamente da especialização do saber
disciplinar, ou seja, à medida que se faz o aprofundamento de uma disciplina
evidenciam-se suas fronteiras e impossibilidades, promovendo a busca de
elementos em outras disciplinas. Assim, novas teorias pedagógicas, psicológicas e
científicas passaram a se desenvolver no sentido de unificar os saberes abrindo o
diálogo entre as diferentes disciplinas. Dentre outras teorias científicas, a teoria da
complexidade forneceu contribuições para a pesquisa e prática interdisciplinares
exercendo papel importante para a promoção de pesquisas verdadeiramente
interdisciplinares e a emergência da metodologia transdisciplinar (SOMMERMAN,
2006).
A interdisciplinaridade, em seus diferentes graus (de aplicação,
epistemológico, e de geração de novas disciplinas), assim como a
pluridisciplinaridade, ultrapassa as disciplinas, mas se mantém no âmbito da
pesquisa disciplinar. O termo transdisciplinaridade surgiu há três décadas da
31
necessidade de ir além da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade,
transgredindo as fronteiras entre as disciplinas. Na atualidade, foi resgatado como a
abordagem capaz de responder aos anseios contemporâneos (NICOLESCU, 2005):
A transdisciplinaridade, como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que
está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas
e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo
presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento
(NICOLESCU, 2005, p. 53).
A abordagem transdisciplinar evidencia o caráter complementar das
abordagens disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. No campo
das pesquisas transdisciplinares não há antagonismo com as pesquisas
disciplinares, há a proposição de complementariedade. A metodologia da pesquisa
transdisciplinar apóia-se nos três pilares da transdisciplinaridade: a consideração de
uma realidade multidimensional e multirreferencial comportando diferentes níveis de
realidade; a lógica do terceiro incluído que transgride a noção da dualidade,
promovendo um conhecimento aberto; e a complexidade (NICOLESCU, 2005).
A atitude transdisciplinar demanda rigor, abertura e tolerância, havendo,
obrigatoriamente, estreita ligação entre teoria e prática. O rigor consiste em
considerar todos os elementos que compõem uma situação. A abertura refere-se a
admissão do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância implica a
aceitação das escolhas opostas aos princípios da transdisciplinaridade
(NICOLESCU, 2005).
A transposição da abordagem transdisciplinar para a educação requer a
compreensão de que essa é um processo essencialmente transdisciplinar. Nesse
caso, vislumbram-se possibilidades de sua contribuição nas proposições de um novo
32
tipo de educação identificada na elaboração do Relatório Delors, documento
produzido pela “Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI”
(UNESCO), cuja ênfase está embasada em quatro pilares inter-relacionados que
contemplam as dimensões cognitiva, produtiva, relacional e pessoal do sujeito:
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em conjunto e aprender a
ser. Essa nova perspectiva em educação traz a percepção de que o ser humano
deve ser considerado de modo integral e integrado. Não se pode mais exclusivizar a
inteligência, ignorando a sensibilidade e o corpo, uma vez que as interferências
entre tais aspectos são mútuas (NICOLESCU, 2005).
A teoria da complexidade situa-se, na classificação proposta por Libâneo
(apud SANTOS, 2008) no conjunto de correntes pedagógicas contemporâneas
denominadas “Holísticas”, caracterizadas por paradigmas emergentes e
holonômicos. Este referencial sinaliza para uma prática pedagógica que leve em
conta não somente a objetividade e a racionalidade, mas a subjetividade, a emoção,
a articulação dos saberes disciplinares e o contexto. As matrizes curriculares e a
disciplinarização têm funcionado como esquemas mentais que obstaculizam a
comunicação entre as áreas de conhecimento e, portanto, se apresentam como
desafios aos educadores: a superação de conceitos tradicionais e a transgressão da
estrutura disciplinar, a busca de conhecimentos sob diferentes óticas, o uso de
diferentes linguagens e a consideração de vários sistemas de referência (SANTOS,
2003).
Uma vez explicitados tais conceitos, retornemos à intervenção elaborada por
Edgar Morin para a educação francesa. Aquela experiência nos traz, entre outras
contribuições, reflexões importantes sobre a escola e a maneira como os conteúdos
programáticos que guardam vínculos com o tema “plantas” têm sido abordados e de
33
que formas as atividades agrícolas, sob a ótica do pensamento complexo,
especialmente em escolas urbanas, podem contribuir para a formação de crianças e
jovens.
No que se refere às pesquisas em Botânica, a abordagem clássica
privilegiava em suas práticas a descrição das plantas em termos científicos e,
atualmente se valoriza mais as possibilidades de sua manipulação em detrimento do
ser total : [...] O genoma é mais importante do que planta, que é a sua expressão”
(PELT, 2007, p.114). Nesse contexto científico, a abordagem estética é ignorada, o
que se reflete no ensino oferecido nas escolas, resultando no declínio do gosto pela
observação. Propõe-se, então, que: “O sentido da observação [seja] educado ao
mesmo tempo que a capacidade de maravilhar-se, pois as ciências naturais também
devem educar para a descoberta da beleza” (PELT, 2007, p.114).
Ainda, nessa discussão, fica sugerida a valorização das plantas na
alimentação e na saúde, tanto no que se refere aos benefícios de sua inserção na
dieta alimentar, quanto na medicina. Recomenda-se a criação de jardins integrados
aos estabelecimentos escolares, da pré-escola ao ensino médio e, entre outras
ações, o cultivo de maneira natural. Tal proposição justifica-se:
Impõe-se assim essa primeira verdade de nossa própria história: a natureza
nos precede e nos acompanha, a descoberta da vida deve preceder a das
tecnologias, para as quais sempre chegará o devido tempo, ao passo que
os elos íntimos que nos ligam à natureza devem ser adquiridos, de certa
forma, desde o berço, isto é, desde a pré-escola (PELT, 2007, p.117).
Acredita-se, aqui, que, uma vez principiado esse aprendizado no início do
processo educativo, nas primeiras séries escolares, seria mais fácil aos professores
34
do ensino médio darem continuidade ao trabalho nessa mesma linha de pensamento
(PELT, 2007).
Em relação ao citado, Morin (2007b) nos lembra a realidade complexa do
humano, uma vez que ao longo de sua história vive um processo de hominização e,
ao mesmo tempo em que permaneceu um ser biológico, inventou também a cultura,
a linguagem, de modo que simultaneamente faz parte do mundo natural e também é
diferente dele.
A cultura é complexa e dinâmica e se perpetua por meio de permanências e
mudanças. Nesse sentido, a cultura deve ser transmitida e ensinada para que seja
aprendida e apropriada por cada novo indivíduo em seu período de aprendizagem. É
a partir dessa base que emergem elementos novos e que, uma vez incorporados e
apropriados pelo grupo social, promovem paulatinamente a evolução social e
cultural (MORIN, 2005b).
Entendemos assim a importância de permanências que consolidam a nossa
condição animal e humana como forma de alicerçar a construção de inovações. No
entanto, podemos observar que tem sido privilegiada a nossa diferença em relação
aos demais elementos naturais, negligenciando a perpetuação de outras dimensões
igualmente importantes. Tornando-se urgente, como adultos responsáveis pela
educação de gerações futuras, educarmos para o não-esquecimento de nosso
pertencimento ao mundo natural, como ponto de partida para outras percepções.
Para melhor discernimento do contexto a ser investigado, faz-se necessário
esclarecer os principais conceitos envolvidos, não a fim de percebermos as suas
fronteiras, mas, ao contrário, termos a percepção de suas múltiplas dimensões e o
quanto se impregnam mutuamente.
35
2.1 COMPLEXIDADE E AGRICULTURA: multifuncionalidade
A inclusão e a permanência das práticas agrícolas na escola urbana
contemporânea são compreendidas, aqui, como pertinentes. Porém, reconhecemos
a existência de conflitos. O entendimento dos contornos e da exeqüibilidade
daquelas atividades na escola requer uma apreciação de seu contexto histórico,
social e cultural.
Para uma melhor apreensão das dimensões existentes na agricultura em sua
relação com o ser humano contemporâneo no Brasil é importante, no mínimo, o
resgate de uma breve e pontual perspectiva de seu histórico.
O ser humano, em princípio nômade e, portanto, coletor, caçador e pescador,
ao se estabelecer de forma sedentária, planta e cria animais para sua alimentação.
Há indícios dessa relação na pré-história, cerca de 12000 A.C..Teriam surgido assim
as primeiras concentrações urbanas caracterizadas por atividades de agricultura e
pecuária, com utilização do fogo e de algumas ferramentas e do esterco animal
(AMARAL, 1958).
A agricultura surge, então, a partir da necessidade humana de se fixar e
dispor de alimentos. Podemos inferir que esse processo já implicava numa
necessidade de acesso e escolha de alimentos e que estes deveriam se basear na
compatibilidade dos cultivares com os fatores ambientais locais. Então, a agricultura,
em princípio, tinha a finalidade de subsistência. Aquela que deveria ser uma
atividade para todos aqueles que decidissem se estabilizar e, portanto, com
necessidade de se alimentar, ganha diferentes contornos ao longo da história da
humanidade em função dos contextos onde se desenvolve.
36
Sem ignorar a existência de passagens históricas importantes, vamos apontar
somente algumas que podem ter grande relevância para a presente discussão, por
indicarem fatos que expressam pontos cruciais da relação sociedade–agricultura, no
Brasil.
A agricultura no Brasil, até o século XVI, guardava as características da
agricultura de subsistência. Antes da chegada dos portugueses, as populações
indígenas que viviam no litoral alimentavam-se, basicamente, de peixes e
crustáceos abundantes na costa brasileira. Cultivavam variedades de milho,
mandioca e outras plantas selecionadas e praticavam a caça de pequenos animais
nas áreas de Mata Atlântica (AMARAL,1958).
Relatos de colonizadores revelaram a existência de atividade agrícola entre
as populações encontradas no Brasil que se restringia a determinadas áreas
produtivas, cuja finalidade era o suprimento das tribos indígenas. De tal forma que
os primeiros estudiosos do tema reconhecem que, antes de serem considerados
ignorantes, foram os “indígenas” que ensinaram a botânica e a agricultura para os
“alienígenas(DIAS e CARNEIRO, 1953).
Porém, a expansão náutica européia, em busca de novos mercados de
abastecimento de produtos agrícolas e de matérias primas, trouxe a cana-de-açúcar,
a escravidão e a agricultura em larga escala para o Brasil. A partir daí sucederam-se
os ciclos de produção agrícola, marcados pelo conflito entre exploradores e
explorados, os que detinham a terra e aqueles que foram subjugados, obrigados a
fugir ou a se submeter ao trabalho de forma degradante (DIAS e CARNEIRO, 1953).
O primeiro impacto ambiental, provocado pelos colonizadores europeus,
ocorre com a devastação das vegetações litorâneas brasileiras para a retirada e
exportação do pau-brasil como matéria-prima, para tingir tecidos. E tem continuidade
37
com a introdução de outras atividades, como o plantio da cana-de-açúcar, seguido
pela pecuária extensiva, passando pelos ciclos do ouro até as lavouras de café. A
economia era voltada para a exportação (AMARAL, 1958).
No Brasil, a conquista européia determina uma ruptura nas relações
estabelecidas pelos habitantes primitivos com a terra. Até então não havia
propriedade privada, a terra era um bem comum. Os colonizadores se apropriaram
da terra e passaram a geri-la de acordo com interesses econômicos estabelecidos
pela Coroa Portuguesa (STÉDILE, 1997) .
Nessa nova modalidade imposta de divisão de terras foram criadas as
Capitanias e iniciado o primeiro ciclo de agricultura intensiva: o ciclo da cana-de-
açúcar. Para tanto, se fez necessário o uso de mão-de-obra:
De 1532 a 1549, isto é, da fundação das Capitanias à criação do Governo
Geral do Brasil, os colonizadores lusos, tendo encontrado população
indígena de 800.000 almas [...] ‘escravizaram 18.000, um pouco mais do
que os negros trazidos da África e pouco mais da metade dos brancos
vindos da Europa’ para a manutenção da lavoura da cana de açúcar. (DIAS
e CARNEIRO, 1953, p.5).
É importante salientar o que representa essa nova relação estabelecida com
o meio ambiente e com o ato de plantar, tanto para os povos primitivos quanto para
os escravos africanos. Não se planta mais para comer, não há mais escolhas,
desconhece-se o consumidor e não há acesso ao produto final desse trabalho. A
imposição e as dissociações identificadas podem nos dar pistas da origem de uma
relação de negação do brasileiro com a agricultura, algumas vezes manifestada nos
dias atuais.
Marx (2003) em seus manuscritos contribui para a explicitação dessa relação
quando trata da natureza social do trabalho e do processo de “alienação” do
trabalhador, evidenciando a multidimensionalidade das relações sociais de
38
produção. O conceito de “trabalho alienado” se insere na percepção do trabalho
como atividade que consolida a condição humana universal, por possibilitar a
produção e a reprodução de sua vida material. Para que assim não o seja, o
trabalho deve ser exercido de forma livre e consciente.
Tal construção permitiria a consonância entre produtor e produto: “O produto
do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, que se transformou em coisa
física, é a objetivação do trabalho” (MARX, 2003, p.112-113). Dessa forma, o
produto do trabalho se manifestaria pelo reconhecimento da relação humana com o
ambiente, como o resultado da atividade humana criativa e consciente, na
percepção da condição genérica humana produtiva e na relação do produzido com
os demais seres humanos.
Quando tais condições se ausentam estabelece-se o “trabalho alienado”,
caracterizado pelo distanciamento humano da relação íntima com sua atividade
produtiva e acarretando o cerceamento de uma dimensão humana fundamental: “Na
medida em que o trabalho alienado tira do homem o elemento da sua produção,
rouba-lhe do mesmo modo a sua vida genérica, a sua objetivação real como ser
genérico, e transforma em desvantagem a sua vantagem sobre o animal, [...]
(MARX, 2003: 117). Conseqüentemente, podem surgir indivíduos frustrados que
vêem o trabalho como uma atividade desprovida de um sentido consistente: “Já que
o trabalho alienado aliena a natureza do homem, aliena o homem de si mesmo, o
papel ativo, a sua atividade fundamental, aliena do mesmo modo o homem a
respeito da espécie; transforma a vida genérica em meio da vida individual.” (MARX,
2003, p.116).
No contexto brasileiro, as relações entre aquele que efetivamente plantava e
o processo de produção agrícola se mantiveram contrapostas e conflituosas. Haja
39
vista que em meados do século XIX, com as pressões internacionais para eliminar o
regime escravocrata no Brasil, a Coroa estabelece a forma de constituição de
propriedade privada das terras brasileiras por meio de uma lei que [...] discriminou
os pobres e impediu que os escravos libertos se tornassem proprietários, pois nem
uns nem outros possuíam recursos para adquirir parcelas de terra da Coroa ou para
legalizar as que possuíam.” (STÉDILE, 1997, p.11). Por isso, a maioria dos
escravos, já liberta, preferiu não permanecer nas fazendas como assalariada,
buscando cidades mais urbanizadas, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife, o que
conduzia à situação de moradia precária, subemprego ou mendicância (STÉDILE,
1997).
Paralelamente, o Brasil recebe imigrantes europeus em fuga da crise,
especialmente a do campo, instalada na Europa. Nesse grupo inserem-se
camponeses com [...] tradição em propriedade de terra e dificilmente seriam
atraídos para a América para se tornarem assalariados rurais. Movia-os o sonho de
terem uma nova terra, onde pudessem reconstruir sua vida.” (STÉDILE, 1997, p.10).
Porém com a consolidação legal dos latifúndios o acesso à terra foi dificultado.
Foram formados, em algumas áreas, especialmente no sul do país, núcleos de
colonização para os imigrantes, onde as famílias recebiam uma fração de terra e
deveriam pagar um alto valor, em várias parcelas, para ter a posse da terra. Em São
Paulo, nas lavouras de café, foram estabelecidas outras relações, dentre as quais o
regime de colonato, no qual o imigrante recebia na forma de arrendamento uma
parte da lavoura de café e com isso lhe era permitido utilizar uma área para a sua
subsistência.
Sucederam-se os ciclos agrícolas e, influenciadas por movimentos no
continente europeu, iniciativas de modernização foram implantadas com o intuito de
40
aumentar a produção para atender o mercado externo. A primeira fase desse
processo é conhecida como a Primeira Revolução Agrícola e ocorreu entre os
séculos XVII e XIX para atender ao crescimento populacional e à queda da
fertilidade dos solos utilizados após anos de sucessivas culturas no continente
europeu. Houve difusão de técnicas de plantio e a integração entre a pecuária e a
agricultura. Com o agravamento da crise de produção de alimento na Europa,
intensificam-se, entre os séculos XIX e XX, as descobertas científicas e tecnológicas
visando o incremento da produção agrícola, tais como: fertilizantes químicos,
melhoramento genético, máquinas e motores a combustão. Fato esse que altera o
perfil do agricultor, que abandona práticas antigas e se torna mais especializado.
Começa uma nova fase de concepção da atividade agrícola, chamada de Segunda
Revolução Agrícola ou Revolução Verde (FRADE, 2000).
Com o incentivo de instituições de abrangência mundial, como o Banco
Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a United States Agency
for International Development (USAID - Agência Norte Americana para o
Desenvolvimento Internacional), a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e
a Alimentação (FAO), o mote da Revolução Verde espalhou-se por diversos países
(EHLERS, 1996).
Há o reconhecimento de que a Revolução Verde promoveu incremento na
produção agrícola. A produção mundial cresceu significativamente e, no entanto,
não foram resolvidos os males de desnutrição e da fome. Não se confirmando,
portanto, a crença de que a questão alimentar estaria ligada estritamente à
capacidade de produção. Sendo assim, a incapacidade de acesso aos alimentos
tem sido identificada como a principal causa de insegurança alimentar. A
insegurança alimentar se caracteriza pela indisponibilidade regular e permanente de
41
alimentos, considerando seus aspectos qualitativo, quantitativo e sua adequação.
Nesse caso, seus enfoques mais evidentes são a fome e a desnutrição ou
subnutrição. O primeiro, diz respeito à deficiência energética e suas variações de
intensidade no organismo. O segundo enfoque pode conter o primeiro, incluindo
patologias relacionadas à qualidade, quantidade e condições sanitárias dos
alimentos. Alguns fatores, além da renda monetária, têm sido identificados como
condicionantes para a insegurança alimentar, como a faixa etária, o gênero e a
etnia. Estariam, então, mais expostos à insegurança alimentar: pobres, mulheres,
crianças, idosos, negros e índios (MALUF, 2007).
Porém ganha relevância nesse panorama o atual modelo agrícola
considerado excludente e insustentável, uma vez que não se baseia na equidade
social e na sustentabilidade ambiental e, como mencionado anteriormente, já foi
usado como argumento para “acabar com a fome”, assim como é feito, atualmente,
com os alimentos transgênicos. Ao contrário do que se esperava com a expansão
agroalimentar, a insegurança alimentar se faz presente acompanhada da
degradação ambiental (MALUF, 2007).
Com o passar do tempo, foi possível perceber que o bônus obtido com essa
modalidade de produção agrícola não compensava seu ônus. Começaram a ser
evidenciados graves problemas sociais e ambientais relacionados às práticas
adotadas.
Os pacotes tecnológicos da Revolução Verde, principalmente nos anos 60 e
70, instalam seus impactos negativos no Brasil, identificados pelos ambientalistas e
movimentos ecológicos. A crítica da técnica questiona a relação do ser humano com
a natureza. Considerando as diferentes formas de agressão ao meio ambiente,
exige-se um outro olhar para os conceitos de natureza, de ser humano e de trabalho
42
produtivo. A crítica social põe em xeque o modelo concentrador e excludente da
modernização tecnológica da agricultura brasileira, considerando-o socialmente
injusto, uma vez que privilegia uma minoria em detrimento de grande parte da
população. Tal crítica conduz à esfera sociopolítica, trazendo as discussões de
equidade e justiça social. Outro ponto criticado é o aspecto econômico, que
evidencia um elevado custo financeiro para sua manutenção (MOREIRA, 2000).
Estando a agricultura, no Brasil, historicamente associada ao meio
denominado rural, no início dos anos 80 podem ser evidenciadas construções
sociais que sugeriam a sobreposição das idéias de urbanização e de mecanização
da agricultura, promovendo o desaparecimento acelerado do que é considerado
rural. Ficando implícita, desse modo, a idéia de que o urbano representava o mundo
novo e o rural o mundo velho e em declínio. Nesse contexto está presente o
esvaziamento demográfico, a subordinação à agroindústria, a proletarização de
grupos rurais e a hegemonia da cultura urbana desqualificando a cultura rural
(FERREIRA, 2002).
A visão preconceituosa em relação ao trabalhador rural tem no termo caipira
um marco emblemático. O Jeca Tatu, figura caricata do caipira, sob a ótica do
intelectual-fazendeiro Monteiro Lobato, é retratado negativamente como elemento
nocivo à terra. Vale lembrar que o grupo social caipira surge no contexto da
decadência da mineração, caracterizando-se, inicialmente, pela dispersão e
desarticulação e, posteriormente, resgata uma produção de subsistência doméstica,
consolidando aglomerados populacionais. A despeito de apresentar dados
verdadeiros, Lobato demonstrou uma interpretação equivocada da realidade,
ignorando “o traumatismo cultural em que vivia o caipira, marginalizado pelo despojo
de suas terras, resistente ao engajamento no colonato e ao abandono compulsório
43
de seu modo tradicional de vida” (RIBEIRO, 1995, p. 390). Somente mais tarde
Monteiro Lobato pôde compreender o perfil caipira construído como resultado do
latifúndio agroexportador, passando a defensor da reforma agrária (RIBEIRO, 1995).
Alguns autores, afinados com os processos de lutas sociais, preferem usar a
expressão camponês para se referir ao trabalhador oriundo do meio rural.
Denominações como caipira, capiau, tabaréu, roceiro, lavrador, caiçara etc. e, mais
recentemente, sem-terra e assentado, aparecem em dicionários com conteúdo tanto
enaltecedor como depreciativo, comportando sentidos pejorativos que atribuem
qualificações como atrasados, preguiçosos, ingênuos, incapazes, entre outras
(FERNANDES et al, 2004).
O quadro apresentado é um esforço por mostrar alguns fatores contribuintes
para a construção tanto de uma visão predatória em relação ao meio ambiente,
como do afastamento do ser humano do processo produtivo agrícola e das relações
sociais assim estabelecidas. Tais constatações históricas podem nos sinalizar para a
percepção negativa, identificada em muitos brasileiros, em relação às atividades
agrícolas. Há o reconhecimento da importância da atividade, porém não são
valorizados socialmente aqueles que se dedicam a ela, implicando na adoção de
termos pejorativos para denominar tanto os territórios identificados como rural como
as pessoas deles oriundas.
As críticas mencionadas ao processo que culminou com o atual modelo
agroalimentar instalado no Brasil abrem espaço para a proposição de modelos
alternativos de produção, com perspectivas biossistêmicas, de diversificação e de
valorização da agricultura familiar, que implicam em menores custos financeiros e
ambientais e apoiam-se nos conhecimentos construídos historicamente pelos
camponeses em sua relação próxima com seu entorno. (MOREIRA, 2000).
44
Se pensada na perspectiva unidimensional, a agricultura a serviço da lógica
do agronegócio, ao visar maior produtividade a qualquer custo, em larga escala, com
o uso de recursos tecnológicos diversos etc., explora e sacrifica o ambiente natural,
consolidando o “trabalho alienado” na ruptura da relação ser humano-ambiente e ser
humano-produção do alimento. Porém, a agricultura que dissocia, quando percebida
em suas outras dimensões, permite identificar sua possibilidade de redenção,
podendo tornar-se promotora do restabelecimento do vínculo humano com o
ambiente natural, estando incluídos nessa contextura todos os homens e mulheres,
confirmando sua condição de pertencimento.
Observamos, na prática, que a agricultura não é unívoca no que se refere ao
território de ação, pois nas áreas hoje urbanizadas encontramos, em maior ou menor
amplitude, traços agrícolas: seja de forma explícita através da existência de
pequenos espaços cultivados em praças, jardins e vasos, ou no imaginário coletivo,
no desejo de tê-los. Poderíamos identificar essa manutenção de fragmentos de
cultivos como uma propensão humana de continuar estabelecendo vínculo com o
ambiente natural, e ainda como um fato que, muito antes das discussões
acadêmicas acerca de questões ambientais ou de segurança alimentar,
intuitivamente, se faz presente no cotidiano de homens e mulheres.
A expansão das formas de cultivo alternativas demonstra uma necessidade
de se fazer o caminho de volta. A agricultura urbana e as políticas de valorização da
agricultura familiar em bases agroecológicas resgatam a percepção da subsistência
e da relação ser humano-alimento e dos impactos da atividade sobre o meio
ambiente.
A multifuncionalidade da agricultura ganha relevância quando, no contexto da
agricultura familiar, promove a ruptura com a visão produtivista clássica. Assim tal
45
abordagem traz a percepção ampla que inclui além da produção de bens agrícolas,
a preservação do meio ambiente, a segurança alimentar e nutricional e a
manutenção do tecido social em uma área delimitada (MENASCHE et al, 2007).
Outro enfoque que merece destaque é a multifuncionalidade da agricultura no
processo de retorno ao espaço rural e a sua reestruturação com a valorização dos
atores sociais e elementos culturais inseridos nesse âmbito. Nesse caso, ganha
destaque a sua representatividade como mantenedora da fronteira entre sociedade
e natureza e, ainda, o alimento como o veículo que promoveria essa aproximação.
Na reestruturação do mundo rural há uma busca pela re-conexão ser
humano/sociedade/natureza, sendo a agricultura a zona de fronteira, valorizando as
dimensões ambientais e culturais (PERONDI, 2004).
Essa nova percepção pode respaldar a agricultura urbana e sua crescente
importância no desenvolvimento de ações para melhorias nos aspectos ambientais e
relativos à saúde. A agricultura urbana, numa definição simplificada, refere-se a
pequenos espaços situados dentro de uma cidade ou na periferia desta, destinados
à produção agrícola e criação de pequenos animais. Apresenta-se, atualmente, de
forma muito diversificada em função das peculiaridades locais e dos recursos
disponíveis: hortas caseiras em quintais com solo; produção em vasos, pneus,
garrafas “pet”; hortas comunitárias; uso de técnicas como a hidroponia e a
organoponia, entre outras (MACHADO e MACHADO, 2002).
As práticas agrícolas urbanas têm sido identificadas como instrumentos
estratégicos no suprimento de carências alimentares. Justificando tal constatação,
Machado e Machado (2002) evidenciam a escala da produção agrícola urbana que
em 1993 correspondeu a cerca de 15% a 20% da alimentação mundial. No Brasil a
Agricultura Urbana consta como uma das estratégias do Ministério do
46
Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a melhoria da alimentação e
nutrição e geração de renda da população (BRASIL, 2007).
O conceito de agricultura urbana é ampliado quando são identificadas as
contribuições de sua prática para o meio ambiente e para a saúde humana, tais
como: o valor estético do ambiente, a formação de microclimas, a prevenção de
doenças através de uma alimentação diversificada e o poder curativo das plantas
medicinais; aproveitamento de recipientes, principalmente de plásticos, na
preparação de mudas e no plantio de ervas medicinais, condimentares e
ornamentais. Além das contribuições já mencionadas muitas outras têm sido
verificadas em função das características locais, na medida que a prática vem sendo
adotada (DIAS, 2000).
Para atender aos pressupostos da sustentabilidade, a agricultura urbana deve
estar apoiada na agroecologia, que inclui o uso de substratos e manejo orgânico do
solo, técnicas de rotação e associações de cultivos e manejo fitossanitário
alternativo ao convencionalmente utilizado, bem como na utilização de todo espaço
disponível para maior produção o ano todo, e integração interdisciplinar e
interinstitucional para assessorar a produção (COMPANIONI et al, 2001).
Pesquisadores têm apontado as contribuições da agricultura urbana que
podem ser resumidas em três aspectos que se influenciam mutuamente: o bem-
estar, o meio ambiente e a economia. Relacionam ao bem-estar: “O aumento da
segurança alimentar, a melhoria da nutrição e da saúde humana nas comunidades
carentes e o ambiente mais limpo, reduzindo os surtos de doenças”. Para as
questões ambientais destacam “a conservação dos recursos naturais, a amenização
do impacto ambiental decorrente da ocupação humana [...] o incremento da
reutilização e reciclagem de resíduos”. Na economia, “o aumento da geração de
47
empregos e o incentivo aos jovens, adultos e idosos com possibilidades de trabalho,
desvinculados daqueles marginais” (MACHADO e MACHADO, 2002, p.23).
Embora seja um conceito em construção nos meios acadêmicos, a agricultura
urbana já vem sendo adotada por organizações governamentais e não
governamentais nacionais e internacionais _Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD e Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação – FAO, como objeto de políticas públicas em atendimento a demandas
sociais, econômicas e ambientais, que embasam a Segurança Alimentar e
Nutricional (AQUINO e ASSIS, 2007).
Há experiências de agricultura urbana em alguns países como Tanzânia,
Cuba, Filipinas, Indonésia, Peru, México, entre outros. Na América Latina, já foram
reconhecidas pelo Programa de Gestão Urbana da ONU algumas experiências
assumidas como política pública por prefeituras municipais. No Brasil, está inserida
nas estratégias do Ministério de Desenvolvimento Social para a melhoria da
alimentação e nutrição e geração de renda da população. Os programas pilotos já
atendem 250.000 famílias (BRASIL, 2009). Há, também, iniciativas em algumas
cidades, com apoios locais, como no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Brasília
e em Niterói. É possível identificar nas experiências mencionadas algumas que
envolvem ações em ambiente escolar.
48
2.2 COMPLEXIDADE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: educação, meio ambiente e
escola
A expressão “educação ambiental é composta por dois conceitos cujas
fronteiras são de difícil delimitação, uma vez que ambos comportam inúmeras
dimensões. Isso se torna evidente quando percebemos nas discussões acadêmicas
que há diferentes concepções para a educação, assim como para meio ambiente e,
conseqüentemente, para a educação ambiental. Considerando a finalidade ampla da
educação e o que representa o meio ambiente, caberia, inclusive, perguntar se
“educação ambiental” não seria uma redundância. Afinal, não se educa para o
ambiente?
Concordamos em que um dos aspectos positivos da conjunção educação e
meio ambiente é a possibilidade da interação de diferentes saberes e o fato de lidar
com o conhecimento, que é a matéria-prima da educação, motivando a postura
participativa (SEGURA, 2001).
No contexto brasileiro, várias pesquisas em áreas da Educação, da Ecologia,
da Saúde Pública e específicas da Educação Ambiental vêm sendo realizadas tendo
como eixo norteador a conscientização ambiental. Abrangem temas ambientais
diversos, concepções pedagógicas e políticas. No que se refere aos aspectos
pedagógicos, considera-se como uma ação que pode sobrevir em todos os locais de
aprendizagem e constando do currículo de todas as disciplinas. Mas o que se
constata é que a maioria de tais pesquisas prioriza o espaço escolar (REIGOTA,
2007)
. Tal fato confirma a importância do espaço da educação formal para o
desenvolvimento das ações em educação ambiental e, considerando as inúmeras
49
críticas que costumam advir, a necessidade de um maior empenho em aprimorar tais
empreendimentos.
Mas de qual educação estamos falando?
No Brasil, várias modalidades de intervenção no espaço escolar têm se
abrigado sob a égide de Educação Ambiental (E.A.). São atividades ligadas a datas
comemorativas e eventos, campanhas, visitas a áreas naturais, identificação de
problemas ambientais no entorno da escola etc.. Ações dessa natureza, por si só,
não garantem efetividade educativa. Em muitos casos se reforça uma visão
fragmentada do meio ambiente e do ser humano atuando nesse conjunto, pois são
ações estanques e elaboradas em condições artificiais, cenográficas.
Assim, nas experiências brasileiras de E.A., identificamos várias atividades
educacionais visando o enfrentamento de problemas ambientais que se apresentam
sob diferentes conteúdos, metodologias e enfoques filosóficos e, portanto, com
resultados variados (LANGE e RATTO, 2000).
Uma das dificuldades para a inclusão satisfatória da E.A. deve-se ao fato de
as disciplinas tradicionais serem ministradas nas escolas de maneira insular. De tal
forma que as crianças aprendem a conhecer os objetos separando-os do contexto
“quando seria preciso, também recolocá-los em seu meio ambiente para melhor
conhecê-los, sabendo que todo ser vivo só pode ser conhecido na sua relação com
o meio que o cerca...” (MORIN, 1992 apud PETRAGLIA, 2008, p.78-79).
Faz-se necessário pensar a educação numa perspectiva complexa,
resgatando a solidariedade em toda a sua extensão, viabilizando a superação da
crise instalada em vários setores da humanidade. Os currículos escolares,
freqüentemente, não oferecem com as disciplinas e seus respectivos conteúdos a
visão do todo, uma vez que não promovem o diálogo entre os diferentes saberes. Há
50
a necessidade de “ressituar o saber, que ora se encontra parcelado, mutilado e
disperso”, superando a idéia de valorização da especialização como o único
caminho para o progresso (PETRAGLIA, 2008, p.79).
Há ainda o questionamento acerca da participação da educação ambiental,
em sendo educação, como instrumento de mudança social. Indaga-se, nessa
condição, se essa prática pedagógica estaria a serviço da manutenção ou da
alteração das relações sociais historicamente construídas. Novas adjetivações para
a educação ambiental tentam dar conta desse aspecto relegado em construções
clássicas desenvolvimentistas. Considera-se como uma perspectiva incoerente
somente aperfeiçoar a relação entre o ser humano e a natureza sem alterar as
relações sociais (LAYRARGUES, 2006).
Nessa linha de pensamento, temos a consciência de que há projetos
educacionais que se relacionam a diferentes visões de mundo e que de modo
genérico se agrupam nas concepções conservadoras ou nas concepções críticas.
Compondo as primeiras, encontram-se aquelas comprometidas com a manutenção
do modelo de sociedade vigente; e as críticas são as que se propõem a ser
instrumentos de transformações em busca de uma sociedade mais igualitária e justa
(GUIMARÃES, 2000).
As concepções conservadoras se coadunam com o modelo tecnicista, que
percebe a educação com a função de transmitir conhecimentos, ensinar conteúdos
sistematizados, objetivando adaptar indivíduos ao sistema sóciocultural e econômico
vigente. As concepções críticas identificam-se com o modelo humanista, que
entende a educação como uma relação ampla e dinâmica com o conhecimento,
contemplando todos os espaços e formas de interação humana, visando à formação
de indivíduos críticos e questionadores, capazes de entender o mundo onde vivem e
51
que venham a adotar ações orientadas pela ética e inteligência questionadora
(CRESPO, 2000).Tal fato nos alerta sobre a inexistência de neutralidade na
educação (FREIRE, 1992).
Avaliações sobre as ações empreendidas com a finalidade de promover
educação ambiental no Brasil demonstram a prevalência da transmissão de
informações sobre a gravidade dos problemas ambientais e suas conseqüências, o
que reduz a complexidade da realidade e, portanto, não é o suficiente para a
transformação do quadro atual (GUIMARÃES, 2006). Qualquer processo inserido
numa concepção crítica e que se pretenda educativo requer explicitação de suas
dimensões (GUIMARÃES, 2000).
No Brasil, desde a década de oitenta, proliferam documentos legais ou
oriundos de fóruns diversos no intuito de inserir a educação ambiental no ensino
formal, em caráter não disciplinar e com recomendações aparentemente oportunas.
Por razões variadas, as práticas desenvolvidas pelos executores das proposições
presentes nesses escritos não correspondem ao desejável. Merecem atenção as
diferentes formas de compreensão da realidade e, conseqüentemente, de seus
conteúdos.
Aqueles documentos são estruturados por, pelo menos, quatro categorias que
se referem ao modo de conceber o ser humano e suas múltiplas relações com o
mundo: a condição humana de ser natureza, a sua condição existencial, o
entendimento do que é educar e a finalidade do processo de educação ambiental.
Tais categorias são reproduzidas em diferentes contextos onde a educação
ambiental é demandada, sofrendo por vezes, deturpações. Nesse caso, a
apropriação semântica pode dar um caráter adequado ao discurso sem a
correspondente adequação prática. Porém, o confronto com visões distintas, quais
52
sejam visão emancipatória (abordagens libertárias e complexas) e visão
conservadora ou comportamentalista, auxilia na reflexão sobre suas reais
possibilidades: tais aspectos, se tratados de forma reducionista, podem não
contribuir para mudanças, mas, ao contrário, consolidar o sistema estabelecido
(LOUREIRO, 2006).
2.2.1 Educação Ambiental no Brasil: vale o que está escrito?
A fim de um melhor entendimento e avaliação crítica sobre as práticas que
têm sido identificadas como educação ambiental e do estabelecimento de
perspectivas para intervenções mais consistentes, que é uma das intenções dessa
investigação, faz-se necessária a explicitação de alguns aspectos que se referem a
sua inserção no Brasil.
A educação ambiental se implanta legalmente no contexto brasileiro a partir
dos anos 80 sob influência de fóruns internacionais e pela percepção do
agravamento de problemas ambientais mundiais e locais. Porém, quando
confrontamos o volume e a qualidade da legislação e dos documentos produzidos
com as práticas observadas nas escolas ao longo desses trinta anos, observamos
que não há equivalência coerente entre tais fatores.
Observa-se, assim, um processo acelerado de institucionalização da
Educação Ambiental sem a contrapartida de discussões na sociedade e entre
educadores (GUIMARÃES, 2000).
Vale a pena mencionar a Conferência Intergovernamental de Educação
Ambiental de Tbilisi, que foi promovida em 1977 e é marco referencial mundial para
a Educação Ambiental. Deste encontro saíram: as definições, os objetivos, os
53
princípios e as estratégias que até hoje são adotados em todo o mundo, inclusive
em documentos brasileiros. Entre outras recomendações, temos as de que a E.A.
seja um processo educativo de caráter: permanente, por entender que a evolução do
senso crítico e a compreensão da complexidade dos aspectos que envolvem as
questões ambientais se dão de modo crescente e continuado; globalizador, por
considerar o ambiente em seus múltiplos aspectos e atuar com visão ampla de
alcance local, regional e global; abrangente, tendo em vista que deva extrapolar as
atividades internas da escola, sendo oferecida continuamente em todas as fases do
ensino formal, envolvendo ainda a família e a coletividade; e transformador, no
sentido de construir uma nova visão das relações do ser humano com o meio para a
adoção de novas posturas (BRASIL, 1998a).
Embora o Brasil não tenha participado daquela Conferência, produziu, um
pouco antes do evento, o primeiro documento oficial do governo brasileiro sobre o
tema. O escrito "Educação Ambiental" definia entre seus objetivos a busca de uma
relação harmônica entre o ser humano e ambiente natural e alterado, chamando a
atenção para a impossibilidade da manutenção da tradicional fragmentação dos
conhecimentos oferecidos nas disciplinas escolares (BRASIL, 1998a).
A partir daí, muitos encontros foram promovidos e documentos foram
cunhados na intenção de materializar a E.A. no Brasil. Dentre os documentos
importantes destacaremos alguns mais pertinentes para a presente discussão,
dando destaque aos pontos que os tornam aqui relevantes.
Em 1981, a Política Nacional do Meio Ambiente Brasileira já determinava que
a Educação Ambiental fosse oferecida em todos os níveis de ensino (BRASIL,
1981), o que gerou debates acerca de sua constituição em disciplina (BRASIL,
1998a).
54
A Educação Ambiental não se tornou uma disciplina e, ao que tudo indica,
não se concretizou nas escolas em nenhuma outra modalidade. Documentos
posteriores trataram também de evidenciar o seu caráter obrigatório e não
disciplinar. É o que pôde ser notado no Parecer 226/87 (BRASIL, 1987), que
ressaltava a urgência de sua introdução, devendo esta se iniciar na escola e em
abordagem interdisciplinar. O mesmo ocorre na Constituição Brasileira de 1988
(BRASIL, 1988), que possui um capítulo exclusivo sobre meio ambiente, e neste há
um artigo específico sobre educação ambiental que destaca a obrigatoriedade da
Educação Ambiental em todos os níveis de ensino, em caráter não disciplinar.
Em meio à inexistência de estratégias eficazes para a implantação da E.A.
nas escolas, novos documentos continuaram sendo produzidos. Em 1991, a Portaria
n.° 678 do MEC determinou que a educação escolar deveria contemplar a educação
ambiental, permeando todo o currículo dos diferentes níveis e modalidades de
ensino. Outra Portaria, no mesmo ano, instituiu o Grupo de Trabalho para a
Educação Ambiental, com o objetivo definir as metas e estratégias para implantar a
EA no Brasil, além de elaborar a proposta de atuação do MEC para a sua introdução
na educação formal e informal (BRASIL, 1998a).
Dez anos se passaram e o quadro da E.A. não se alterara da forma almejada.
A realização da Rio-92 é considerado um momento importante em termos de
mobilização e visibilidade para a E.A.. Nesse encontro foi elaborado o Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis pelo Fórum Internacional de
ONGs (1992), reforçando a importância da Educação Ambiental e com proposições
de ações para os anos subseqüentes.
O reconhecimento oficial de que, apesar do aumento quantitativo de
experiências em E.A. desenvolvidas no país, persistia a defasagem entre intenção e
55
prática ficou evidente quando se verificou, na exposição de motivos para a criação
do Programa Nacional de Educação Ambiental em 1994, que a maioria da
população brasileira, independentemente do nível de escolarização ou da região em
que habitava, não conseguia relacionar o estilo de desenvolvimento praticado no
Brasil com a degradação ambiental; que era incipiente a dimensão ambiental nos
currículos escolares; a existência de diversidade de concepções e a permanência da
vinculação ao conteúdo das Ciências Físicas e Biológicas, não incorporando as
dimensões social, cultural e econômica. Esse programa uniu esforços dos
Ministérios da Educação, do Meio Ambiente, da Cultura e o da Ciência e Tecnologia,
recomendando ações para a Educação Ambiental. Dentre elas, a sua sistematização
para o ensino formal (BRASIL, 1998a).
Mais um empenho legal é feito em prol da E.A. com a Lei de Diretrizes e
Bases para a Educação Nacional, em 1996 (BRASIL,1996), que postula o seu
caráter de transversalidade, devendo, portanto, estar presente na concepção dos
conteúdos curriculares em todos os níveis.
O tempo passa e os resultados continuam pouco animadores. Um documento
elaborado em 1997, a partir de relatórios regionais, sobre a Educação Ambiental no
Brasil mostra as deficiências que persistiam na Educação Formal. Dentre elas a
prevalência do paradigma positivista e da pedagogia tecnicista com a fragmentação
do conhecimento em disciplinas; a falta de capacitação dos professores, de
metodologias pedagógicas específicas e de materiais didáticos adequados (BRASIL,
1997a).
Documento com presença obrigatória nas discussões atuais sobre educação
no Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCNs (BRASIL, 1998b) foi
elaborado pelo MEC com a intenção de oferecer uma referência curricular nacional
56
para a educação. Apresenta, além de reflexões sobre os diversos aspectos que
permeiam a educação e das sugestões de abordagens metodológicas por área de
conhecimento e disciplinas, os temas intitulados transversais. Esses últimos são
entendidos como temas sociais urgentes e que devem ser abordados no âmbito das
diferentes áreas curriculares e no cotidiano escolar.
Assim, entre os temas transversais figura o Meio Ambiente que, portanto,
deve ser inserido em todas as disciplinas em seus diferentes enfoques e nas
práticas educativas. Há nesse documento um capítulo dedicado exclusivamente ao
tema, no qual aspectos gerais são apresentados, procurando contemplar tanto os
elementos naturais como os construídos, bem como os aspectos sociais e
econômicos. Alguns conceitos fundamentais são explicitados e são propostos
conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas organizados em função dos
níveis de ensino. Dentre as muitas questões indicadas merece destaque para a
presente discussão a crítica ao consumismo, a necessidade de se valorizar e
proteger as diferentes formas de vida, a importância de se vivenciar situações
concretas e contextualizadas de aprendizado e o apelo à afetividade e valorização
em relação ao ambiente, reconhecendo a importância das dimensões relacionais,
éticas e estéticas. Para as séries iniciais, nos blocos de conteúdos, constam
elementos que justificam a percepção vigente do tema “meio ambiente” inserido na
disciplina Ciências: os ciclos da natureza; as relações entre os seres vivos e destes
com os demais elementos do ambiente, envolvendo as noções de espaço e tempo;
são sugeridas as discussões que relacionem sociedade e meio ambiente,
envolvendo as ações humanas e seus limites; reforça-se a importância de observar
problemas ambientais locais e possíveis soluções; entre outros (BRASIL, 1998b).
57
Afinada com os PCNs, a Lei 9.795/99 institui a Política Nacional de Educação
Ambiental (BRASIL, 1999), recomendando que a educação ambiental esteja
presente de forma integrada, não disciplinar, em todos os níveis e modalidades do
processo educativo e que, a dimensão ambiental deve constar dos currículos de
formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas e, ainda,
propondo formação continuada para os professores em serviço.
Vinte anos se passam e o saldo obtido é que há um avanço significativo nos
discursos formais e nos aspectos legais, porém seus reflexos na implementação de
ações efetivas em políticas públicas são ainda pouco evidentes qualitativamente. Há
ainda muitos questionamentos sobre as concepções que se abrigam em
empreendimentos pretensiosamente feitos em benefício da educação ambiental
(GUIMARÃES, 2000).
Fica entendido que a realização de grandes eventos reunindo especialistas,
resultando em elaborações de documentos, imposições legais e formulação de
escritos oficiais diversos, não é suficiente para que a prática pretendida se efetive.
Haja vista a não universalização de uma política pública em E.A., como previsto na
lei com esse fim. Porém, na última década, há quem reconheça alguns dados
animadores e que devem ser potencializados, como é o caso das organizações de
educadores ambientais através de redes e suas inserções em programas
governamentais e na estruturação de eventos locais, nacionais e internacionais, bem
como a conquista de espaços de participação social na gestão de políticas
governamentais, o que pôde ser evidenciado com o processo de consulta pública
que culminou com o novo Programa Nacional de Educação Ambiental em 2004
(LOUREIRO, 2006).
58
Não ignoramos os embates acerca dos diversos aspectos que permeiam os
documentos mencionados, seus processos de elaboração e os possíveis conflitos
conceituais e metodológicos. Vale, então, esclarecer que não houve aqui a intenção
de aprofundar a discussão no que se refere às divergências existentes nas opiniões
sobre o conteúdo dos PCNs e de outros documentos: o que pretendemos foi, tão
somente, indicar algumas formulações neles contidas que podem sugerir e respaldar
um novo olhar para as práticas agrícolas como atividades potencialmente
interdisciplinares e transdisciplinares e justificar sua inclusão no contexto escolar.
Os desafios continuam provocando todos aqueles que estão empenhados em
mexer com os fatores que têm estruturado o atual panorama da relação do ser
humano com o seu semelhante e com os demais elementos do ambiente.
Acreditamos que um caminho possível é o reconhecimento da complexidade da
questão ambiental.
2.2.2 Educação Ambiental e a atitude transdisciplinar
Para o entendimento de aspectos fundamentais das práticas em educação
ambiental e, principalmente, para a superação de obstáculos até então encontrados,
faz-se necessária uma reflexão contextualizada sobre a concretização das ações
empreendidas, abarcando seus sujeitos sociais em suas dimensões constitutivas.
Nos referimos tanto aos sujeitos responsáveis pela implementação de intervenções
quanto àqueles que são os alvos destas.
A adoção de uma atitude transdisciplinar para pensar o processo de
educação ambiental exige o exercício de seus traços fundamentais, o rigor, a
abertura e a tolerância, já mencionados anteriormente. A linguagem transdisciplinar
59
pressupõe comunicação capaz de estabelecer a correspondência [...] dos lugares
justos em mim mesmo e no Outro” (NICOLESCU, 2005, p.131), o que só é possível
com a inclusão autêntica do outro, tendo em vista o respeito a sua individualidade e
suas relações com os demais fatores do meio (NICOLESCU, 2005).
Sendo assim, é impensável a transformação interna de um sujeito ocorrer
isolada de seu contexto, pois cada ser é o resultado de suas interações cotidianas
com vários fatores relativos às mediações e condições históricas concretas, quais
sejam culturas comunitária e familiar, identidade de classe e de pertencimento a um
grupo social, instituições etc.. Nesse sentido, é imperioso [...] compreender as
raízes de tal panorama, como o conhecimento foi produzido até a fase em que
vivemos, como os diferentes campos do saber, culturas e sujeitos individuais e
coletivos se definiram [...](LOUREIRO, 2006, p. 154).
Para uma aproximação em busca de elementos para a compreensão de
nosso contexto e seus reflexos nas percepções atuais, faremos o resgate do
caminho percorrido pela sociedade brasileira e dos fatores históricos e
contemporâneos que influenciam nosso modo de pensar e agir.
A percepção ambiental da sociedade brasileira atual guarda reflexos de seu
contexto histórico. A visão, construída historicamente, de desenvolvimento e da
relação sociedade-natureza foi estruturada a partir da imposição do modelo da
sociedade moderna ocidental e baseia-se numa percepção fragmentada da
realidade:
[...] na época dos grandes descobrimentos do século XV, já se percebe
essa visão de mundo se constituindo. Um olhar que causa um
estranhamento e distanciamento dos seres humanos em relação à
natureza, um sentimento de não pertencimento que leva, nos dias de hoje, a
uma perigosa identificação com o artificial, o virtual da vida moderna.
(GUIMARÃES, 2006, p.16).
60
Nessa ótica, a nossa condição animal só é admitida colocando-nos como
seres superiores: racionais. A civilidade pressupõe independência e afastamento do
ambiente natural. De tal modo que, sendo o ser humano diferente/superior em
relação à natureza, não é natureza. Os paradigmas assim elaborados e inscritos
culturalmente é que vão impregnar nosso modo de compreender a realidade e agir
sobre ela. Sendo assim, vivemos sob o domínio dos paradigmas que nos levam a
abonar uma racionalidade dominante e pré-estabelecida. Em contrapartida, a visão
da complexidade, ao nos possibilitar a percepção da parte no todo e vice-versa num
movimento recursivo e de antagônicos como complementares, permite vislumbrar
outras formas de relação (GUIMARÃES, 2006).
Os desafios para a educação ambiental apresentam duas raízes comuns: a
primeira reside na irracionalidade da sociedade e a segunda, nas ambições
materiais proporcionadas por essa irracionalidade. Desejamos [...] a velocidade, o
asfalto, as luzes”. E dessa forma: “Como contestar e, até certo ponto, destruir para
reconstruir algo que nos fascina, que penetrou nossas vontades, nossos sonhos,
nossos desejos? Esse é o nosso ponto de partida.” (LEROY e PACHECO, 2006,
p.30). Tal circunstância consolida um conflito que pode afetar em diferentes graus
nossos hábitos e atitudes, provocando, por vezes, contradições com os discursos
que proferimos.
Entende-se que a grande contribuição da complexidade para a educação
ambiental é dar visibilidade às múltiplas dimensões que constituem a crise
ambiental. Há aqui a compreensão de que, assim sendo, estamos indo além da
perspectiva da construção de uma ética ecológica, buscando a reflexão sobre as
relações sociais, incluindo a mediação pelo trabalho. Mas há autores que têm se
inquietado alertando para o fato de esse último aspecto estar sendo negligenciado
61
(LAYRARGUES, 2006). Por isso consideramos importante nos estendermos um
pouco mais na questão.
Há a preocupação de que a educação ambiental, ancorada na doutrina
ideológica quase consensual e denominada, genericamente, de desenvolvimento
sustentável, venha restringir a questão ambiental à dimensão do comportamento
individual e das adequações tecnológicas. Assim, procura-se evidenciar sua
dimensão sociológica sob a perspectiva crítica, que entende a educação como um
espaço de disputas políticas. Nessa concepção, a educação ambiental estaria
vinculada a duas funções: a função moral de socialização humana e a ideológica de
reprodução das condições sociais (possibilitando manutenção ou transformação
social). Teme-se que a função moral, no caso da E.A., numa abordagem filosófica,
entenda a crise ambiental decorrendo somente do afastamento do homem em
relação à natureza e busque, então, a sua reaproximação por meio da promoção
privilegiada da mudança cultural. A abordagem sociológica daria conta de expor o
trabalho como outro fator mediador da crise ambiental:
A distinção entre essas duas categorias mediadoras da relação humana
com a natureza _ a cultura e o trabalho _, que estão dialeticamente
vinculadas, uma continuamente se definindo na outra, à primeira vista pode
parecer irrelevante para a educação ambiental (que adota a perspectiva
unidirecional de instauração da ética ecológica), se não se considerar a
decorrência dessa distinção para a concepção predominante do agente
causador da crise ambiental na educação ambiental (LAYRARGUES, 2006,
p.79).
Postula-se, aqui, que o acatamento do trabalho para a reflexão da questão
ambiental é que dará a solidez que permitirá enxergar os seres humanos para além
de uma visão genérica e abstrata, mas atribuindo-lhes valores, interesses,
62
intencionalidades e intervenções físicas no mundo bastante diferenciadas. De tal
forma que:
Valores morais por um lado, interesses econômicos e políticos por outro
lado. E assim começam a desenhar-se distintas atribuições da educação
ambiental, que, embora não excludentes entre si, adquirem pesos
diferenciados segundo a concepção de educação, sociedade e natureza
presente no campo da educação ambiental, e sobretudo, implicações
ideológicas para o sentido da mudança que se propõe efetuar com a
intervenção pedagógica (LAYRARGUES, 2006, p.80).
Com os subsídios apresentados para a ponderação sobre o papel da
dimensão trabalho nas inter-relações sociais e dessas com natureza e
reciprocamente, é interessante refletir sobre o processo de materialização e
modificação da relação do ser humano com o trabalho.
A percepção humana relacionada à realidade física se manifesta na evolução
de artefatos elaborados ao longo da história da humanidade. Assim, desde os
primórdios, foram criadas ferramentas que possibilitassem a obtenção de alimentos
necessários à manutenção de seu corpo. Tais ferramentas, ao se constituírem em
prolongamentos do corpo, permitem a exploração mais eficiente do ambiente. Inicia-
se aí um processo inexorável de transgressão do próprio corpo. Porém, esse mesmo
processo de transgressão nos trouxe novas percepções e novos níveis de realidade
(NICOLESCU, 2005).
Essas novas compreensões nos fornecem elementos para perceber que as
relações inerentes ao “trabalho alienado”, estabelecidas com o modelo
agroexportador, ao afastarem o homem dos processos básicos de produção, violam
princípios fundamentais da atividade agrícola, que são plantar para comer e o
reconhecimento da origem do alimento consumido. E é a partir desses novos
63
entendimentos que se estruturam novas soluções, baseadas, em muitos casos, num
olhar atento ao caminho histórico já percorrido.
Acreditando que todas as dimensões humanas devam ser consideradas e que
essas mutuamente se influenciem, defendemos que práticas pedagógicas em
educação ambiental podem ser excelentes instrumentos para o resgate de
dimensões sensoriais e afetivas, ao contrário de práticas tradicionais em educação
que privilegiam a racionalidade e a visão utilitária, em detrimento da sensibilidade
(LOUREIRO, 2006). Entendemos que atividades educativas que envolvam trabalho
consciente e livre, evidenciando a vida humana na sua forma plena e em suas inter-
relações, mostram um caminho promissor:
É porque somos parte da cadeia, do fluxo e dos elos da vida, que sempre
existiu para todos nós uma ‘questão ambiental’. Somos seres vivos antes de
sermos pessoas racionais ou sujeitos sociais. Compartilhamos a vida com
outros seres da vida, somos todos o todo e a parte de uma mesma
dimensão de tudo que existe. E tudo que existe converge ou parece querer
convergir para ela: a vida (BRANDÃO, 1995 apud LIMA, 1999)
Que fique entendido que não se postula, aqui, a oposição entre razão e
emoção, mas o reconhecimento de que ambas estruturam a condição humana e
que, portanto, devem ser acatadas. Além disso, não se pode ignorar a relação
dinâmica desses dois aspectos com a nossa estrutura biológica, detentora de um
aparato cerebral flexível, e com as mediações culturais. Nessa perspectiva, um
processo educativo, base da educação ambiental, deve ir muito além da promoção
de situações estanques e eventuais como informações, sensibilização, explicação
de fenômenos e aconselhamentos comportamentais. Deve ser construído com a
“práxis, problematização e atuação transformadora na realidade, englobando todas
64
as esferas relativas à atividade consciente, à linguagem e à formação da cultura”
(LOUREIRO, 2006, p.132).
2.2.3 Educação Ambiental na escola
Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem (Tribalistas)
A quem pertence a educação ambiental? A qual disciplina? A qual educador?
Se, como tem sido sugerido em várias formulações legais e acadêmicas,
considerarmos o meio ambiente e, conseqüentemente, a educação ambiental no
contexto escolar como transversal e perpassando todas as disciplinas, concluímos
que o tema não deva pertencer a ninguém, exclusivamente, mas antes deve ser
apropriado por todos os atores sociais da comunidade escolar. Talvez aí resida um
dos grandes conflitos, pois, ao ser de todo mundo, não se explicitando um
referencial de responsabilidade, corre-se o risco de não ser assumido por ninguém.
Na atualidade brasileira, sem entrar nos pormenores das várias nuanças que
envolvem a ação, poderíamos tentar estabelecer categorias de atores sociais,
quando pensamos em quem promove o que tem sido denominada educação
ambiental no ensino fundamental. Encontramos os professores das séries iniciais do
ensino fundamental, que como se sabe, se responsabilizam por todo o conteúdo
programático de uma turma/série. No segundo segmento do ensino fundamental, na
maioria dos casos, estão os professores de Ciências, isoladamente ou convocando
outros professores e/ou outros atores sociais da comunidade escolar. Podemos
localizar, na mesma condição, alguns professores de Geografia. Por vezes,
identifica-se um conjunto de professores de disciplinas diversas, envolvidos em
projetos, de modo geral, sugeridos em alguma orientação oficial. Há ainda os
65
agentes externos como ONGs e outras instituições que promovem ações no espaço
escolar envolvendo a comunidade escolar em diferentes graus de participação.
Antes de prosseguirmos com essa discussão, consideramos importante
registrar a existência de outro grupo de atores que pode ou não estar inserido
naqueles já mencionados: os educadores ambientais. Quem são os indivíduos que
compõem a categoria que se auto-intitula ou é intitulada de educadores ambientais?
Quem e, o quê, os credencia? Quais são os pré-requisitos para que alguém possa
ser assim designado? Não pretendemos ir longe nessa discussão, pois não
acreditamos ser fundamental para o presente trabalho. Mas consideramos
importante sinalizar para o fato do que pode representar para a construção de uma
abordagem transdisciplinar a constituição de um grupo assim denominado. Há o
risco de o estabelecimento dessa categoria configurar um quadro de posse de um
corpus de conhecimento, o que, em tese, lhes daria a responsabilidade exclusiva de
encaminhar o tema. Confirmada tal hipótese, a categoria, educador ambiental,
poderia estar infringindo o caráter transdisciplinar da educação ambiental.
Vários autores concordam em que o predomínio da perspectiva biológica nas
propostas de educação ambiental acaba por incorporá-la ao Ensino de Ciências,
acarretando o reducionismo da questão e prejuízos à sua abordagem (LIMA, 1999).
Os PCNs admitem, ao discutirem os temas transversais e as Ciências
Naturais, que “são muitas as conexões entre Ciências Naturais e Meio Ambiente” e,
por considerarem os conhecimentos científicos essenciais para a compreensão “das
dinâmicas da natureza”, entendem que a disciplina “promove a educação ambiental,
em todos os eixos temáticos” (BRASIL, 1998c, p.51).
Sem a intenção de reforçar a disciplinarização para a questão ambiental, mas
reconhecendo o fato de que nas escolas são os professores de Ciências os
66
principais atores sociais no desenvolvimento da educação ambiental em suas
diferentes modalidades, alongaremos um pouco mais a discussão da educação
ambiental inserida no Ensino de Ciências, buscando as possibilidades de uma
atitude transdisciplinar. Consideraremos os professores de técnicas agrícolas
inseridos nesse pleito, pela condição de sua formação acadêmica de licenciados em
ciências agrícolas com forte conteúdo biológico e também pela própria atividade que
deveriam exercer originalmente no espaço escolar.
Reconhecemos que muitas práticas, observadas atualmente no Ensino de
Ciências Naturais no contexto brasileiro, ainda se baseiam nos métodos tradicionais
de ensino, onde são privilegiados a aula expositiva e o uso do livro didático como o
principal recurso. Porém, ao examinarmos o processo de introdução daquela área
de conhecimento no Ensino Fundamental, constatamos o quanto tal fato é
relativamente recente no Brasil. Somente a partir de 1971, a disciplina passa a ser
obrigatória em todas as séries do antigo primeiro grau. Quanto ao tratamento dado
ao conteúdo científico, inicialmente é de reprodução e de valorização da ciência
como verdade inquestionável. Primeiro com aulas exclusivamente expositivas e
depois com a introdução de atividades práticas que envolviam a repetição das
etapas do método científico, para o aluno “redescobrir conhecimentos”. Nesse
segundo momento há valorização de produção de materiais didáticos e do uso de
laboratório, o que não chegou a atingir igualmente todas as escolas
(BRASIL,1998c).
A constatação do agravamento dos problemas ambientais em decorrência
dos excessos tecnológicos propicia reformulações no ensino de Ciências em bases
CTS_ Ciência, Tecnologia e Sociedade_ nos países industrializados. No Brasil, nos
anos setenta, os currículos de Ciências adotam a visão de ciência como produto dos
67
contextos econômico, político e social. Posteriormente, já nos anos oitenta, passam
a ser orientados para o estudo dos impactos do desenvolvimento científico e
tecnológico sobre a sociedade e trazem como objetivo a preparação do aluno para o
exercício da cidadania. Os temas selecionados em CTS guardam vinculação com os
currículos de Geografia e Ciências, sendo recomendado serem trabalhados numa
abordagem interdisciplinar (SANTOS e MORTIMER, 2000).
São incorporadas também as idéias denominadas “construtivistas”, que
valorizam os conhecimentos prévios do aluno e o processo de construção do
conhecimento a partir das interações estabelecidas com o meio (BRASIL, 1998c).
Os PCNs e livros didáticos atuais de Ciências congregam a perspectiva CTS
e percebermos aí elementos valiosos para construção da educação ambiental no
contexto escolar.
Em se considerando como o principal objetivo dos currículos CTS o
letramento científico e tecnológico e assim a preparação do aluno para a cidadania
e, especificamente, para a educação ambiental, o desenvolvimento de
conhecimentos, habilidades e qualidades necessárias para a tomada de decisões
responsáveis (SANTOS e MORTIMER, 2001), cabem algumas reflexões sobre qual
o papel a ser desempenhado pelo Ensino de ciências e suas implicações em
abordagens para a educação ambiental. Entendemos que uma leitura equivocada do
professor, a respeito dos impactos possíveis da ciência e da tecnologia sobre a
sociedade e do que seja a preparação para a inserção na sociedade, pode ser
danosa, uma vez que:
[...] a ciência e a técnica cumprem a função de legitimação da dominação,
pois as metodologias científicas levam a uma dominação da natureza com
uma eficácia cada vez maior, proporcionando os instrumentos para uma
dominação cada vez mais eficiente do homem sobre o homem. (SANTOS e
MORTIMER, 2000, p.134).
68
A lógica do desenvolvimento tecnológico e científico tem funcionado, não para
atender as reais necessidades humanas, mas aos interesses do mercado. E isso
ocorre de tal forma que influencia os modos de consumo, as relações sociais, o
estilo de vida, as relações de trabalho, crenças e valores. Entende-se a dificuldade
para o enfrentamento dessas questões e para tanto são exigidas alterações na
postura dos professores de ciências na preparação de suas aulas, com proposições
contextualizadas que promovam a participação ativa do aluno em ações concretas,
debates sobre valores, enfim, que contemplem as variadas dimensões que
envolvem o conhecimento científico (SANTOS e MORTIMER, 2001).
A ênfase da Ciência e Tecnologia, como promotora de progresso, deve ser
questionada com os estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade. Essa vertente
incorpora aspectos históricos e epistemológicos da ciência e a interdisciplinaridade
na denominada alfabetização científica e tecnológica, clama pela necessidade de
uma visão mais ampla e crítica da realidade. A proposta interdisciplinar para a
temática ambiental nos PCNs pode acenar nesse sentido (ANGOTI e AUTH, 2001).
Grande parte dos professores de Ciências, por não ter um entendimento da
complexidade da problemática ambiental, encara a questão somente como a
introdução de um conjunto de idéias externas, que são desenvolvidas com enfoques
pontuais e superficiais. Tendo em vista que a educação deva pressupor movimentos
para transformações mais amplas, encontram-se obstáculos quando intervenções
vêm embasadas em compreensões questionáveis da realidade (ANGOTI e AUTH,
2001).
Chamamos a atenção para um desses entendimentos, construídos
socialmente, que, ao contrário do proposto nos currículos das disciplinas em geral,
69
que é formar alunos mais ativos e criativos, corroboram para a passividade e
alienação:
[...] é praticamente consenso o fato de que é preciso estudar para vencer
na vida. No entanto, o que significa vencer? Incluir-se entre os privilegiados
ou ampliar as condições para questionar e mudar a lógica perversa de
exclusão, tão marcante em diversas sociedades? (ANGOTI e AUTH, 2001,
p.6).
Tal aspecto, juntamente com outros na mesma lógica, estaria enquadrado nas
ações implícitas que compõem o denominado currículo oculto presente no cotidiano
escolar. Esse se constitui de fatores presentes nas relações sociais estabelecidas,
que podem ser consideradas positivas ou negativas. As teorias críticas do currículo
apostam na segunda opção, informando que aquelas relações consolidam
comportamentos que mantêm a ideologia dominante. Outro enfoque que merece
destaque nessa discussão é a visão corroborada pelas teorias pós-críticas na
análise do currículo multiculturalista, mostrando a insustentabilidade da noção da
existência de culturas superiores a outras. Lembrando-nos, também, de que o
currículo se materializa, não somente burocraticamente e mecanicamente, mas na
sua realização contextualizada e em seus efeitos na prática educativa e na formação
dos alunos (HORUBURG e SILVA, 2007).
Ainda nos valendo das teorias críticas do currículo, a linha sociológica
contribui quando nos participa que a educação formal conforma-se em três sistemas
de mensagem, quais sejam: o currículo, a pedagogia e a avaliação. Cada um desses
sistemas confere o caráter de valor aos conhecimentos, às formas de transmissão
do conhecimento e à realização desse conhecimento, respectivamente. Assim, será
70
considerado válido aquele conhecimento constante no currículo (HORUBURG e
SILVA, 2007).
Diante do exposto e das especificidades regionais, locais e individuais temos
hoje um panorama diversificado da inclusão da educação ambiental na prática de
ensino de Ciências no Brasil, em que pese os diferentes graus de compreensão do
tema. É inegável o risco de se manter um tema como a educação ambiental
associado a uma disciplina. Porém, não podemos ignorar a proximidade com o
conteúdo curricular, o domínio técnico inerente a formação do professor de Ciências
e os avanços das discussões no âmbito do Ensino de Ciências. Concordamos então
em que:
[...] uma educação ambiental, de ênfase técnica e biologizante, reduz a
complexidade do real e mascara os conteúdos e conflitos políticos inerentes
à questão ambiental, favorecendo uma compreensão alienada e limitada do
problema por parte dos educandos. Portanto, a construção de um processo
educativo identificado com a autonomia individual e a emancipação social
não pode prescindir de uma atitude crítica, participativa e comprometida
com a ampliação da cidadania (LIMA, 1999, p.4)
Partimos do pressuposto de que é possível se estabelecerem graus de
transdisciplinaridade, em função da intensidade com que seus princípios
metodológicos são adotados. Um primeiro grau se insere na percepção do
educador, que, em qualquer disciplina, pode ter uma atitude transdisciplinar. Não há
uma disciplina com caráter transdisciplinar, cada uma possui sua própria
metodologia, porém a metodologia transdisciplinar enriquece as disciplinas trazendo-
lhes novas possibilidades, embasando e dando sentido a todas as disciplinas. Para
ser coerente com os princípios apresentados, o que se propõe não é a criação de
uma disciplina ou a formação de especialistas transdisciplinares, mas a criação de
71
espaços onde seja possível o exercício coletivo para seu aprofundamento
(NICOLESCU, 2005).
2.3 COMPLEXIDADE E A EDUCAÇÃO EM SAÚDE: educação alimentar e
nutricional na escola
Na atualidade, a concepção do estado de saúde implica na satisfação de uma
série de determinantes. Dentre eles, a garantia da quantidade e qualidade dos
alimentos consumidos consiste em fator fundamental para a manutenção da saúde.
Porém, assegurar esse aspecto como direito de todos envolve a mobilização de
vários setores da sociedade. Entende-se, hoje, que o acesso a informações e
prescrições não é suficiente para afiançar melhores hábitos alimentares. A educação
tem sido reconhecida como o meio capaz de formar indivíduos aptos a escolhas
mais adequadas. Mas, especialmente no que se refere à formação de hábitos
alimentares, várias dimensões precisam ser consideradas. Primeiro, em relação à
própria educação, que pode se constituir com diferentes abordagens em função da
percepção da realidade. Um outro aspecto diz respeito ao grau de complexidade
inerente ao fenômeno alimentar, que envolve várias dimensões humanas.
A educação alimentar e nutricional tem sido reconhecida como estratégia
fundamental para a promoção de práticas alimentares saudáveis, porém, assim
como ocorre com a educação ambiental, não há clareza sobre os contextos e os
atores de sua execução: “A educação alimentar e nutricional está em todos os
lugares e, ao mesmo tempo, não está em lugar nenhum.” (SANTOS, 2005, p.15).
72
A panorâmica apresentada, a seguir, tem a intenção de expor, em linhas
gerais, as orientações vigentes para enfoques pedagógicos em educação alimentar
e nutricional que se inserem na Educação em Saúde e que vêm a ser, nesse caso, o
mote da Promoção da Saúde no espaço formal de educação.
Nos últimos anos, por recomendação de organismos nacionais e
internacionais, as políticas públicas em Educação e Saúde têm dado ênfase a
estratégias visando a Promoção da Saúde. Um dos itens considerados primordiais
para a promoção da saúde é a garantia de uma alimentação adequada e saudável.
Nesse contexto é consenso o potencial da escola como espaço privilegiado para que
práticas sejam acionadas nesse sentido, o que pode ser observado nas proposições
de iniciativas como a de Escolas Promotoras de Saúde, que compreendem a
educação em saúde com enfoque integral, a criação de entornos saudáveis e a
provisão de serviços de saúde (BRASIL, 2006d). Sendo assim, são consideradas
iniciativas de Escolas Promotoras de Saúde:
[...] aquelas que se pautam em práticas de educação e saúde no sentido
integral do processo, que se consolidam com metodologias participativas,
que possibilitam a construção de ambientes mais saudáveis na comunidade
escolar, que estimulam o acesso aos serviços de saúde, reorientados para
a promoção da saúde, e contribuem para a consolidação do Sistema Único
de Saúde (SUS) (BRASIL, 2006d, p.23).
Um levantamento das experiências, desenvolvidas em escolas públicas de
municípios brasileiros, que se identificam com aquelas propostas mostra vinte ações
consideradas representativas da Promoção de Saúde. Apresentam-se embasadas
em temas diversos, dentre os quais aparece a implementação de práticas de
alimentação saudável a partir do programa de alimentação escolar. Nesse único
caso, a recuperação da dimensão pedagógica consistiu em produzir e disponibilizar
73
materiais educativos para subsidiar educadores em atividades pedagógicas sobre
alimentação, saúde e nutrição no cotidiano escolar (BRASIL, 2006d).
Apreciando a escola como ambiente privilegiado para a educação visando a
adoção de hábitos alimentares saudáveis, devemos considerar a existência de
diferentes modos de conceber a educação e conseqüentemente, ao se adjetivar a
educação com “alimentar e nutricional”, as variadas concepções também se fazem
presentes. Reconhece-se, também, a alimentação humana como um fenômeno
complexo que envolve aspectos psicológicos, fisiológicos e socioculturais, o que
requer a construção da visão do tema para uma abordagem pluridisciplinar
(POULAIN e PROENÇA, 2003). O reconhecimento e a aceitação da complexidade
para análise da realidade podem fornecer elementos capazes de evitar ou atenuar o
reducionismo nas ações educativas.
Considerando a incorporação de mais essa atribuição ao espaço escolar, a de
educar para práticas alimentares adequadas e saudáveis, caberia ao nutricionista o
papel de destaque na integração e mobilização da comunidade escolar para a
promoção de saúde por meio de ações vinculadas ao Programa Nacional de
Alimentação Escolar- PNAE. Nesse caso, o nutricionista teria que estar apto a
desempenhar o papel de articulador de ações educativas, convocando outros
colaboradores da comunidade escolar. Há aqui coerência com a Resolução do
Conselho Federal de Nutrição que dispõe sobre as atribuições do nutricionista no
PNAE, estando entre elas o desenvolvimento de projetos e a coordenação,
supervisão e execução de programas de educação permanente em alimentação e
nutrição da comunidade escolar; articulação com a direção e com a coordenação
pedagógica da escola para o planejamento de atividades lúdicas com esse
conteúdo.
74
O Sistema Único de Saúde (SUS) proposto pela Constituição de 1988
(BRASIL, 1988) estabelece um modelo de atendimento integral à saúde, que deve
incluir ações de promoção, proteção e recuperação. O Ministério da Saúde (BRASIL,
2006a), ao publicar a Política Nacional de Promoção da Saúde, ratifica o
compromisso de ampliação e qualificação de ações de promoção de saúde nos
serviços e na gestão do SUS. Entre as ações específicas, menciona aquelas
voltadas à alimentação saudável, incluindo as que devem ser desenvolvidas no
ambiente escolar. Recomenda, para tanto, o fortalecimento de parcerias
interinstitucionais.
As práticas educacionais nos campos da Educação em Saúde e em Ciências,
nas quais se insere a educação alimentar e nutricional, têm se caracterizado pela
heterogeneidade, comportando diferentes abordagens pedagógicas. De modo geral,
estão situadas em dois grupos: o das pedagogias liberais, que incluem as
concepções tradicional e a comportamentalista, voltadas para a manutenção e
reprodução do sistema, e o grupo das pedagogias progressistas composto pelas
concepções construtivistas e político-social, visando à construção coletiva do
conhecimento e à transformação social. A visão tradicional privilegia a transmissão,
o armazenamento e a acumulação de informações e a comportamentalista confia
em ser o conhecimento resultado direto da experiência que se situa entre estímulos
e respostas, entendendo o homem moldado segundo estímulos do meio. A
concepção construtivista postula que cada indivíduo atribui significado particular ao
mundo real de acordo com seus processos mentais e que o conhecimento se efetiva
quando ocorre sua interação com o meio. Nesse caso, a aquisição de conhecimento
é considerada um processo ativo e contínuo e, portanto, as relações sociais são
valorizadas. A abordagem político-social defende que apenas com a transformação
75
da realidade a educação se concretiza, sendo que ela se daria por meio da
conscientização dos indivíduos. Nessa concepção, a relação ensino-aprendizagem é
baseada em processos dialógicos (CANINÉ e RIBEIRO, 2007).
A educação passou a ser requerida como coadjuvante por diversas áreas do
conhecimento. É comum observarmos, em função das novas demandas sociais, do
reconhecimento de demandas antigas e das discussões de congregações
específicas sobre Alimentação e Saúde, novas elaborações em documentos no
sentido de uma adequação do discurso para as abordagens educativas. São
inseridos alguns conceitos, oriundos da área de educação, e eliminados outros,
compondo um discurso híbrido ou mesmo totalmente reformulado. Porém, não há a
garantia de compreensão e apropriação do discurso produzido, resultando, muitas
vezes, em práticas educativas inconsistentes.
Assim como na educação em geral, a despeito dos avanços teóricos, as
práticas educativas em saúde, em grande parte, coadunam-se com as concepções
tradicional e comportamentalista de educação. Valorizam-se a uniformização de
recomendações técnicas e a culpabilização daqueles que não conseguem segui-las,
ou seja, está presente o caráter normativo baseado em prescrições
comportamentais que não levam em conta os determinantes do processo saúde-
doença e o saber popular (CASTRO et al , 2007).
O avanço nas ações de difusão de informação e comunicação que enfatizam
as estratégias de produção, circulação e controle das informações referentes à
alimentação e nutrição não são suficientes para a construção de práticas
alimentares saudáveis e, por isso, as estratégias educativas não podem ser
negligenciadas (SANTOS, 2005).
76
O PNAE, desde sua implantação, em 1955, vem sofrendo reformulações no
que diz respeito à promoção e formação de hábitos alimentares saudáveis. Embora
preveja, atualmente, a aplicação da educação alimentar e nutricional no processo de
ensino e aprendizagem e a promoção da alimentação saudável nas escolas com
ações educativas transversais, ainda é censurado por priorizar o seu aspecto
assistencialista. Faz-se necessário o investimento em ações educativas
multiprofissionais em nutrição, visando à promoção da saúde na comunidade
escolar, de modo que o PNAE se constitua em espaço de aprendizagem e de
produção de conhecimento (COSTA et al , 2001).
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição- PNAN (BRASIL, 2000) sugere
para o alcance de seus propósitos o “desenvolvimento de processo educativo
permanente” e a “promoção de campanhas de comunicação social sistemáticas”.
Embora o documento alerte para a complexidade da educação alimentar e
nutricional, não delimita claramente uma concepção de educação nem indica
diretrizes para a sua prática. As propostas educativas da PNAN apresentam como
foco central a disseminação de informações, com valorização dos meios de
comunicação para campanhas educativas, e o controle de informações sobre
alimentação e alimentos. Sendo assim, haveria a crença de que a ampliação da
qualidade e quantidade de informações beneficiaria mais pessoas, estando ignorada
a necessidade de capacitação para abordagens educativas apropriadas. Perdura
uma discussão acerca dos conceitos de Promoção de Saúde e da Educação em
Saúde sobre a qual não há consenso. Porém, na prática, prevalece a abordagem
educacional focada na transmissão de conhecimento. Nessa perspectiva, o acesso e
a democratização da informação seriam facilitados com a utilização de recursos
77
tecnológicos da comunicação, por meio de estratégias como campanhas,
elaboração de material educativo e instrucional (SANTOS, 2005).
A PNAN busca garantir a Segurança Alimentar e Nutricional, que está
subordinada ao princípio do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável.
Considera-se que a alimentação é adequada quando contribui para a construção de
seres humanos saudáveis, conscientes de seus direitos e deveres e de sua
responsabilidade para com o meio ambiente e com qualidade de vida de seus
descendentes (VALENTE, 2002). Para o atendimento desse preceito, fica implícita a
necessidade de um processo educativo de concepção crítica, uma vez que a
alimentação adequada pressupõe não só a obtenção da informação e a
possibilidade de acesso a alimentos, mas também a escolha consciente.
A II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL,
2004) teve como resolução a elaboração da Lei 11.346/2006, criando o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que tenta consagrar uma concepção
abrangente e intersetorial da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), bem como
dois princípios básicos que a orientam: o direito humano à alimentação e a
soberania alimentar. A SAN, entre outros itens, abrange a produção de
conhecimento e o acesso à informação. Em função da opção da abordagem
educativa, há formas distintas de se conceber a produção de conhecimento - Quem
produz? Como produz? Para quem produz? - , assim como de considerar o que
seria o acesso à informação.
Sobre o excesso de informações e o individualismo que caracterizam a
contemporaneidade, entende-se que o oferecimento de informações é uma condição
necessária, porém, não suficiente, diante das dimensões que compõem o ser
humano. Outro enfoque, refere-se à pouca eficiência de experiências em que o
78
discurso científico é imposto por meio de campanhas que utilizam a comunicação
midiática. O papel de veiculador de informações do profissional da saúde e
especialmente do nutricionista tem se caracterizado pela ausência da relação
dialógica: [...] publicizar informações, dar visibilidade aos fatos, não é
necessariamente educar. São necessários mais elementos do que apenas a
informação para subsidiar os indivíduos nas escolhas e decisões do que é mais
significativo para as suas vidas.” (SANTOS, 2005, p.3).
No contexto escolar, o tema tem como grandes aliados os PCNs. A saúde,
assim como o meio ambiente, por ser qualificada como uma das problemáticas
sociais abrangentes, atuais e urgentes não devendo, portanto, se restringir a uma
única área de conhecimento, consta como um dos temas transversais propostos
pelos PCNs. Considera-se, para tanto, as relações do aluno com o meio físico,
social e cultural, levando em conta, entre outras facetas, o consumismo, a
desnutrição e as formas de inserção no mundo do trabalho. Defende-se que “[...] as
atitudes favoráveis ou desfavoráveis à saúde são construídas desde a infância, pela
identificação com valores observados em modelos externos ou em grupos de
referência” (BRASIL,1998d, p.67). É proposta a formação de “protagonistas
capazes de “[...] valorizar a saúde, discernir e participar de decisões relativas à
saúde individual e coletiva.” (BRASIL,1998d, p.67).
Porém, na prática, de modo mais intenso do que acontece com o tema meio
ambiente, o tema saúde segue mantendo um forte vínculo com Ensino de Ciências
Naturais. E, também como visto naquela análise, a abordagem evolui em função de
novas percepções sobre a saúde e o papel da educação. Se já houve um momento
em que o ensino do tema “alimentação” poderia se restringir a informações sobre
valores nutricionais, medidas de higiene e prescrições de hábitos saudáveis, nos
79
PCNs ele é mais abrangente em conteúdo e se insere nos diferentes eixos temáticos
das Ciências Naturais e em diferentes níveis do Ensino Fundamental, e é
mencionado como um dos temas “consagrados” da disciplina. Coincidentemente, o
assunto “alimentação” é o exemplo utilizado para esclarecer de que maneira um item
pode estar presente em diferentes níveis, nos diferentes eixos temáticos,
relacionando-o aos temas transversais. Para os dois primeiros anos do Ensino
Fundamental é sugerida a utilização de horta escolar no eixo “Vida e Ambiente” para
a investigação sobre a origem do alimento. Na medida em que o tema vai sendo
desenvolvido, outros eixos como “O Ser Humano e Saúde” e “Tecnologia e
Sociedade” vão sendo contemplados. Para os quinto e sexto anos, há a proposta de
se trabalhar “Dietas e consumo de alimentos”, discutindo os diferentes hábitos
alimentares (BRASIL, 1998c).
Outros itens relativos à alimentação e/ou aos hábitos alimentares constam
nos PCNs, ao longo do material específico para a disciplina Ciências Naturais, e
alguns desses serão mencionados, por estarem relacionados com as discussões
aqui empreendidas.
No eixo conceitual denominado “Ser Humano e Saúde”, a mídia é acusada de
interferir negativamente no comportamento alimentar, por sua incumbência de “ditar
diferentes hábitos de consumo” e, nesse caso, atribui à escola o papel de [...]
formar alunos com conhecimentos e capacidades que os tornem aptos a discriminar
informações, identificar valores agregados a essas informações e realizar escolhas.”
(BRASIL, 1998c.p.46-47).
As hortas voltam a ser aludidas no eixo temático “Tecnologia e Sociedade”
como exemplo para se obterem conhecimentos sobre os processos de [...] extração
e cultivo de plantas em hortas, pomares e lavouras [...](BRASIL, 1998c, p.48).
80
É feita referência à agricultura para as séries finais, que deve ser considerada
como atividade para a “obtenção de diferentes recursos”, dentre eles o alimento, e a
interferência desta no ciclo dos materiais do ambiente (BRASIL, 1998c, .p.109).
Ao final, há um capítulo específico para as orientações didáticas. São
sugeridos: o planejamento por meio de unidades e projetos, o uso da
problematização, a busca de informações, a observação, trabalho de campo,
experimentações, trabalhos com textos e uso da informática (BRASIL, 1998c).
É enfatizado sempre o acesso a informações por meio de pesquisas diversas,
entrevistas, visitas para observações diretas, leituras de rótulos e os debates e a
sistematização dos conhecimentos. Nos trabalhos de campo se inserem visitas a
áreas cultivadas, onde a ação do aluno se restringe ao papel de espectador. Não há
aqui menção a intervenções práticas no sentido de contribuir para a formação de
hábitos alimentares mais saudáveis, embora a questão dos hábitos alimentares
apareça em vários momentos. Não há, no documento, referência ao PNAE.
Identificamos como ambiciosa a proposta da Portaria Interministerial nº
1.010/2006 (BRASIL, 2006a), que institui as diretrizes para a Promoção da
Alimentação Saudável nas escolas das redes públicas e privadas, e que reforça e
amplia a orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, sugerindo, para a
saúde, uma abordagem transdisciplinar. O documento reconhece a complexidade da
alimentação e vê como desafio a sua incorporação no contexto escolar. Enfatiza a
alimentação saudável na promoção da saúde e a escola como um espaço propício à
formação de hábitos saudáveis. E, entre as diretrizes, sugere a incorporação do
tema “alimentação saudável” no projeto político pedagógico da escola, perpassando
todas as áreas de estudo e propiciando experiências no cotidiano das atividades
escolares. Há, nesse caso, a proposição da transversalidade do tema.
81
Devemos estar atentos para o fato de que a inclusão da temática da
Segurança Alimentar e Nutricional nos projetos pedagógicos das escolas, sem um
arcabouço consistente, só evidenciaria mais um conteúdo. Uma maior interconexão
sociologia-antropologia-educação poderia preencher o vazio conceitual das atuais
abordagens educativas no campo da educação alimentar e nutricional (SANTOS,
2005).
Postulamos que a ótica da complexidade pode facilitar a percepção da
multifuncionalidade das práticas agrícolas no espaço escolar como importante aliada
para o atendimento dos objetivos da educação alimentar e nutricional e,
conseqüentemente, para a promoção da saúde.
2.3.1 Dize o que comes que te direi quem és
O ato de comer se configura na relação humana mais íntima com os demais
componentes do ambiente. Nessa ação há a incorporação de elementos ao redor,
que passam a nos compor e, assim, nos tornamos parte do todo na plenitude do
pertencimento. Somos, por meio do alimento, construídos com os mesmos
elementos que formam o ar, a água e o solo... e as estrelas!
A agricultura inaugura uma nova relação do ser humano com o ambiente e
com o alimento. Há a manipulação da natureza em seu benefício e a possibilidade
de seleção do alimento desejado. Se o ato de plantar se origina com a premissa da
produção de comida, uma vez que as primeiras escolhas agrícolas teriam sido
comestíveis, por que os jardins? Seria uma forma de se apropriar da natureza ou de
se manter integrado a ela?
82
A complexidade enredada no fenômeno alimentar é explicitada quando
identificamos que esse admite pelo menos duas dimensões: uma primeira que se
estende do biológico para o cultural, que comportaria a função nutricional e a função
simbólica; e uma segunda que se projeta do individual para o coletivo, abrangendo o
psicológico e o social. Essas dimensões não se isolam, ao contrário, se
interpenetram, são determinantes e determinadas entre si. Sendo assim, não há
como dissociar os vários fatores que compõem o ato alimentar (FISCHLER, 1995).
Dada a percepção de tal complexidade, é imperiosa, porém difícil, a
convocação de diferentes áreas do conhecimento. Frente ao caráter paradoxal do
tema, apesar dos conhecimentos já produzidos, resultados tímidos têm sido obtidos,
até então, com a adoção de políticas alimentares (GRACIA ARNAIZ, 2005).
Os hábitos alimentares estão impregnados de significados e, portanto, comer
é muito mais que ingerir alimento. O princípio da incorporação identifica a angústia
humana em relação ao que ingere, uma vez que o ingerido transpõe a barreira entre
o mundo e o nosso corpo de tal sorte que passamos a ser aquilo que comemos,
tanto no campo real como no imaginário. Além disso, o repertório alimentar
consolida a identidade coletiva, identifica o grupo social, estabelece o grau de
pertencimento a uma cultura (FISCHLER, 1995).
Vistos assim, podemos considerar o alimento e o ato de comer como
construtores fundamentais da identidade humana. Se por um lado podemos afirmar
que o ser humano, devido a visões e ações equivocadas nos modos de se relacionar
com os demais elementos do planeta, se distanciou de seu ambiente natural a ponto
de sofrer conseqüências desastrosas e ser necessário o resgate de formas
sustentáveis de desenvolvimento, por outro lado, a incorporação desse mesmo
ambiente com todos os seus símbolos, por intermédio do alimento, continua
83
concretizando o seu pertencimento ao meio, confirmando-o como parte da natureza
e do grupo social.
Porém, se desaparece a contextura da origem do alimento, perde-se a ciência
de nossa própria constituição, há o risco do desligamento da própria origem, da
própria identidade. Daí a importância das atividades agrícolas no espaço urbano
para suprir o possível hiato entre o comensal e o alimento. Especialmente para o
comensal infantil, a socioantropologia pode fornecer elementos que permitam
perceber as dimensões que compõem o fato alimentar e a sua análise de forma
complexa.
As preferências e as aversões alimentares são geridas por fatores
psicobiológicos que vão desde o efeito sensorial individual à informação e ao
consenso estabelecidos pelo grupo social. Destaque especial merecem as
influências socioculturais, que podem atuar em dois níveis: a pressão social,
mediante a exposição constante do alimento que estimularia o gosto; e o
oferecimento do alimento em um contexto social positivo, onde seja valorizado e
respeitado pelos outros. Tal fato pode ser observado quando se verifica a forma com
que crianças mexicanas desenvolvem o gosto pela pimenta, percebe-se que o
processo se dá pelo simples fato de observar como os adultos a consomem (ROZIN,
2002).
A busca do entendimento do comportamento nutricional humano deve
considerar desde os enfoques fisiológico e psicológico, assim como o sociocultural,
as tecnologias materiais e ideologias e símbolos implícitos (DE GARINE, 2002). O
valor e o significado que são atribuídos a um determinado alimento estão mais
relacionados a um sistema de significações produzido socialmente do que ao seu
valor real. Nesse caso, importa mais o significado do alimento do que o alimento em
84
si. É possível perceber que a publicidade alimentar acaba por valorizar alguns
alimentos atribuindo-lhes características e poderes (BARTHES, 1995).
Como conseqüência da autoridade da publicidade alimentar, nesse sistema
de significações, aqueles alimentos que não estão inseridos nesse contexto, como
frutas do quintal ou verduras que crescem facilmente, podem ser olhados com
desconfiança ou indiferença. Assim, o valor atribuído a um alimento pode ser
considerado inferior pelo fato de estar acessível, ser de graça ou barato, ao passo
que outros alimentos “menos nobres” podem ser superestimados.
Assim, é possível que haja a percepção do consumidor favorável à utilização
de alimentos industrializados, não somente por sua regularidade e comodidade, mas
pelo status de modernidade proporcionado por seu uso (FONSECA et al, 2009).
Os aspectos que compõem a modernidade alimentar, como os processos de
produção e industrialização dos alimentos, são interventores diretos no
comportamento alimentar das populações, afastando progressivamente o ser
humano do ciclo produtivo dos alimentos e de sua origem real (CONTRERAS,
2005).
A modernidade alimentar e toda a sua conjuntura têm gerado uma situação
de conflito no comensal. Há todo um aparato que vem ao encontro do atendimento
de necessidades produzidas pela sociedade contemporânea, especialmente a
acessibilidade ao alimento e praticidade em seu preparo. Porém, esse mesmo
aparato, descontextualiza o alimento, não só isolando-o de sua origem como o
descaracterizando de tal maneira que, em muitos casos, torna-se difícil associá-lo a
uma referência conhecida. Dessa forma, infringe a necessidade do comensal de
reconhecer e se identificar com o alimento para atribuir-lhe significado (FONSECA et
al, 2009).
85
A falta de identidade do alimento pode acarretar um transtorno de identidade
no comensal humano, ao considerarmos que [...] se a fórmula 'dize o que comes
que te direi quem és' reflete [...] uma verdade não só biológica e social, mas também
simbólica e subjetiva, temos que admitir que o comensal moderno, duvidando do
que come, pode muito bem duvidar de quem ele é.” (FICHLER, 1995, p.212).
Porém, não podem ser ignorados os artifícios e as estratégias adotados pela
indústria alimentícia. São desenvolvidas características próprias, associando
informações técnicas e o apelo afetivo, visando contemplar as dimensões do fato
alimentar num esforço por construir uma identidade para o alimento:
[...] selo de qualidade, pela garantia da origem e da pureza original dos
alimentos. Dessa forma, se cria, ou se recria, mais ou menos magicamente,
um laço entre o produto e sua origem, rompendo a barreira simbólica da
embalagem. A marca cumpre uma função similar. Ela é um nome, uma
referência e uma identidade em potencial para os produtos e,
conseqüentemente, para os consumidores. (FONSECA et al, 2009, p.3).
Os hábitos alimentares e seus reflexos na saúde humana têm sido objeto de
preocupação de setores da saúde. Discussões internacionais voltadas para o tema
apontam para a urgência da promoção de mudanças em diversos aspectos que
interferem no bem-estar humano, a fim de que se favoreçam escolhas individuais
mais saudáveis (WHO, 2004).
A alimentação adequada é considerada um direito fundamental do ser
humano e cabe ao poder público adotar políticas e ações que garantam a segurança
alimentar e nutricional da população. Tais medidas devem contemplar as dimensões
ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais, incluindo o respeito, a
proteção, o provimento, a informação, o monitoramento, a fiscalização e a avaliação
do atendimento àquele direito (BRASIL, 2006b).
86
É preocupante o resultado de estudos realizados nos Estados Unidos que
indica a relação direta entre a propaganda televisiva e as tendências alimentares de
crianças entre dois e onze anos, que se manifestariam em suas preferências, apelos
para a compra e opiniões. Essa influência pode se materializar, num curto prazo, na
ingestão semanal, e até diária, de alimentos de pouco valor nutricional e altamente
calórico. Em tais estudos foi encontrada correlação entre sobrepeso e tempo de
exposição a propagandas da TV. Em vários países a publicidade televisiva
destinada a crianças, dado seu potencial malefício, recebe restrições específicas.
São poucos os estudos no Brasil sobre tal correlação. Mas o que tem sido verificado
é que grande parte dos comerciais nas emissoras brasileiras é de alimentos ricos em
açúcar e gordura e voltada ao público infantil (VASCONCELLOS et al, 2009).
Os resultados de uma pesquisa de monitoramento em saúde realizada no ano
de 2003, com escolares da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro do nono ano
de escolaridade, na faixa etária entre 14 e 15 anos, consideraram prevalências
relevantes de fatores de risco para doenças e agravos não transmissíveis. Dentre
esses fatores estão o baixo consumo de frutas e hortaliças, o consumo freqüente de
refrigerantes, balas e doces e o excessivo tempo de permanência em frente à
televisão, computador ou vídeo. Não foi feita, naquele estudo, a correlação entre os
fatores apresentados. Foi evidenciada diferença de intensidade dos fatores em
função do gênero (CASTRO et al, 2007b).
87
(CASTRO et al, 2007b).
88
(CASTRO et al, 2007b)
Interessam-nos, para a presente apreciação, os consumidores infantil e
adolescente, por estarem em fase de construção de seu repertório alimentar. No
Brasil, algumas medidas institucionais visando proteger crianças dos apelos para o
consumo excessivo de alimentos considerados inadequados decorrem da
constatação de que vivemos um período de transição nutricional, no qual os padrões
de estado nutricional se alteraram, reduzindo os casos de desnutrição e aumentando
os casos de sobrepeso e obesidade (VASCONCELLOS et al, 2009). Entre essas
medidas encontram-se aquelas que visam restringir o acesso àqueles alimentos,
tendo como alvo as cantinas escolares; as que têm como objetivo o incentivo ao
consumo de frutas, verduras e legumes, por meio de campanhas; e as que
89
apresentam a finalidade de limitar a publicidade de alimentos industrializados,
especialmente, aquela destinada ao público infantil.
São muitas as estratégias adotadas pelo marketing publicitário, dedicadas às
crianças, como a associação de produtos a personagens, o apelo emocional
vinculado a sentimentos positivos, a oferta de brindes, a evocação à saúde, a ênfase
em características que estimulam os vários órgãos sensoriais, a utilização de jingles,
preços promocionais e a participação de personalidades de diferentes áreas.
O estabelecimento de normas éticas para a publicidade de produtos
destinados a crianças e adolescentes demonstra essa preocupação particular. Parte
da premissa de que aquele público está em processo de formação de personalidade
e que possivelmente não estaria apto a responder de forma madura aos apelos do
consumo (CONAR, 2006). Há controvérsias sobre os diferentes graus de atividade e
passividade da criança na interação com a televisão e a sua capacidade de
discernimento e crítica em relação às propagandas veiculadas, levando-se em conta
fatores como idade, maturidade, o contexto social e o tempo de exposição
(LAURINDO e LEAL, 2008).
Tal forma de proteção ganha relevância se consideramos o contraste entre o
investimento feito pelo estado para promoção de hábitos alimentares saudáveis e os
vultuosos recursos da indústria de alimentos destinados à propaganda. Nesse caso,
a proteção implica em regular as atividades que possam interferir no direito à
alimentação e à saúde. Há quem defenda a liberdade publicitária por entender que
as escolhas alimentares estão no âmbito da responsabilidade individual. Mas, se há
a incumbência de garantir a alimentação adequada, há que se garantir contextos
que forneçam opções, no mínimo, com o mesmo grau de intensidade proporcionado
90
pelas propagandas de alimentos industrializados, de modo a tornar as escolhas
saudáveis mais acessíveis (ENGESVEEN, 2005).
Os itens apresentados procuram demonstrar que a exposição a diversos
fatores do cotidiano pode influenciar o comportamento das sociedades
contemporâneas e promover paulatinamente alterações nos hábitos alimentares. A
carência de tempo para a preparação do alimento e a perda da competência
culinária associadas à acessibilidade, à disponibilidade e à influência da publicidade
atribuindo significados positivos a alimentos industrializados, trazem a valorização
das facilidades oferecidas pela indústria alimentícia. Lamentavelmente, muitas
dessas modificações afetam quantitativamente e qualitativamente a dieta alimentar e
têm sido apontadas como causadoras de problemas de saúde (FISCHLER, 2008,
comunicação oral).
Tendo em vista os múltiplos fatores que permeiam a constituição do hábito
alimentar, um dos desafios que ora se apresenta para a educação alimentar e
nutricional é o enfrentamento da questão por meio de um processo educativo para
reencantar o alimento”, que é muito mais do que informação nutricional. Esse
reencantamento começa com o conhecimento e identificação do que se come, a
descoberta do sabor e o desenvolvimento do amor pelo alimento (FISCHLER, 2008,
comunicação oral).
Acreditamos que as atividades agrícolas, adequadamente inseridas no
espaço escolar, podem se constituir em instrumento fundamental para esse
reencantamento. Poeticamente, concordamos com Rubem Alves quando afirma que:
[...] Horta, pedaço de nós mesmos, mãe. Se compreendermos que ela é não
só a nossa origem como também nosso destino, e se a amarmos, então
estaremos amando a nós mesmos, como seremos.
[...]
91
Horta como o lugar onde crescem as coisas que, no momento próprio, viram
saladas, refogados, sopas e suflês. Também isso. Mas não só. Gosto dela,
mesmo que não tenha nada para colher. Ou melhor: há sempre o que
colher, só que não pra comer [...] (ALVES, 1995).
2.4 MULTIDIMENSIONALIDADE DA AGRICULTURA NA ESCOLA URBANA:
Educação Ambiental e Educação Alimentar e Nutricional
A primeira dificuldade para a implantação da horta no contexto urbano pode
residir no fato de não se saber exatamente o porquê dessa ação. O que estamos
plantando? Estaria explícita a importância do ato de plantar, no espaço urbano? Em
que medida a formação e as vivências dos atores sociais do ambiente escolar
urbano permitem identificar a validade dessas práticas?
Podemos identificar algumas propostas de intervenções em escolas, tanto
com pretensões de educação ambiental, como para a promoção de hábitos
alimentares saudáveis, nas quais a implementação de hortas se faz presente. Estas
perspectivas, geralmente, comportam uma via de mão única que simplificadamente,
seria: plantar, cuidar, colher, comer e, possivelmente, aprender a fazer melhores
escolhas alimentares e, numa perspectiva ambiental, estaria o contato direto com
elementos naturais. Nesse caso, os aspectos materiais, sociais e culturais que
compõem a implantação e execução da proposta são ignorados, advindo daí muitos
equívocos, rejeições, descontinuidades, entre outros resultados negativos.
As atividades em agricultura oferecidas nos espaços educativos formais no
Brasil estão originalmente vinculadas ao contexto rural e ao desenvolvimento de
ações visando à qualificação técnica dos alunos para a produção de bens agrícolas
e, ainda, como atividade aplicada a fins correcionais de condutas sociais.
92
Uma retrospectiva do ensino técnico brasileiro pode nos sinalizar para as
origens da segregação observada com relação ao trabalho manual/braçal agrícola.
O ensino formal de práticas agrícolas no Brasil tem seu histórico marcado por
concepções oriundas do período Colonial, quando o trabalho manual era exclusivo
para escravos. No Império passou a ser oferecido por instituições filantrópicas,
juntamente com outras atividades manuais, com objetivos assistencialistas e
correcionais para crianças pobres e/ou órfãs. Ao longo da história da educação no
Brasil, é possível perceber a dicotomia entre o ensino técnico e o ensino
propedêutico, sendo o primeiro para os menos favorecidos e o segundo para
embasar a formação intelectual da elite. Identificamos, então, que estabelecer uma
prática pedagógica conjugando o trabalho manual e o intelectual, possibilitando uma
formação integral, é uma tarefa difícil (SOARES, 2003).
Apesar do equivocado desprezo pelas atividades humanas que envolvam um
maior empenho físico, não faltam argumentos psicológicos e pedagógicos para
defender a conjunção entre as elaborações práticas e intelectuais. Consideramos,
então, a importância da inserção e valorização do trabalho nos espaços educativos
formais.
A abordagem sócio-interacionista desenvolvida por Vygotsky caracteriza e
busca explicar a constituição de aspectos comportamentais tipicamente humanos
que têm sua origem nas interações dialéticas com o meio. Uma das questões
investigadas é a mediação do trabalho nas relações dos seres humanos entre si e
do ser humano com a natureza. Entende-se que, por meio do trabalho, o ser
humano altera o meio a fim de atender suas necessidades e em contrapartida
também se transforma (REGO, 2004).
93
O aprendizado humano, então, se efetiva pelas relações estabelecidas com o
entorno. O trabalho como princípio educativo, na proposição de Freinet (FREINET,
1979), propicia um ambiente favorável ao aprendizado por mobilizar diferentes
percepções humanas para a consecução de objetivos reais. Assim, interações
humanas entre si e com os demais elementos do meio serão tão mais ricas quantas
forem as oportunidades de desenvolvimento de ações concretas sistematizadas.
O recorte para a presente discussão, sem ignorar os precedentes históricos,
se concentra no período posterior à supressão da Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional nº 5 692/71 (BRASIL, 1971) e seus reflexos nas escolas da
Rede Pública Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Com a referida Lei, a então
disciplina denominada de Técnicas Agrícolas, juntamente com outras também de
caráter técnico, se insere como obrigatória para o segundo segmento do Ensino
Fundamental, com o objetivo de atender ao mercado de trabalho, ministrada por
professores licenciados em técnicas agrícolas. Posteriormente, com a mudança da
Lei essas atividades deixam de ser obrigatórias, permanecendo com objetivos pouco
definidos. O que se pôde observar naquelas escolas é que as atividades agrícolas
estagnaram como proposta e entraram em processo de declínio, com a suspensão
da lei que as tornava obrigatórias. A rede municipal ampliou-se e, no entanto, não
foram admitidos novos profissionais para a área. Atualmente, a despeito das
recomendações já mencionadas, inclusive em documentos de programas de órgãos
da própria Prefeitura, são raras as escolas regulares que desenvolvem ações em
agricultura.
Novos acontecimentos e novas percepções trazem embasamento para a
revitalização das atividades agrícolas nos espaços escolares. Porém, se não for
94
considerada a trama que envolve o desenvolvimento da ação, os resultados
continuarão sendo frustrados.
No Brasil, a preocupação com a Segurança Alimentar e Nutricional percebida
em ações do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a
melhoria da alimentação e nutrição e geração de renda da população, na elaboração
da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, no corpo da Portaria
Interministerial n° 1.010/2006, que institui as diretrizes para a Promoção da
Alimentação Saudável nas Escolas, entre outros, fez as hortas escolares voltarem
às pautas de recomendações (BRASIL, 2000; BRASIL, 2006a; BRASIL, 2006b;
BRASIL, 2006c; MALUF, 2007). A mesma preocupação pôde ser notada em relação
aos problemas ambientais na incorporação da Educação Ambiental à Constituição
Brasileira de 1988 (BRASIL,1988), evidenciando a qualidade de vida como fator de
cidadania; na aprovação do Programa Nacional de Educação Ambiental em 1994,
recomendando ações para o ensino formal; na Lei 9.795/99, que institui a Política
Nacional de Educação Ambiental e normatiza a Educação Ambiental brasileira
(BRASIL, 1999). Também, aqui, as hortas ganham relevância.
Como já vimos, anteriormente, os PCNs (BRASIL,1998b) instituem o Meio
Ambiente e a Saúde como temas transversais e, portanto, inseridos em todas as
disciplinas em seus diferentes enfoques e nas práticas educativas. Espera-se, entre
outros objetivos, que o aluno no Ensino Fundamental seja capaz de contribuir
ativamente para a melhoria do ambiente por meio da identificação das inter-relações
de seus componentes e da percepção de que é integrante e transformador do
mesmo e, ainda, que valorize e adote hábitos saudáveis como um dos aspectos
básicos da qualidade de vida e que possa agir com responsabilidade em relação à
própria saúde e à da coletividade.
95
Ainda que apresentados, naquele documento, como temas independentes _
meio ambiente e saúde _ ao serem propostos como temas transversais, sinalizam
para uma perspectiva que permite um novo olhar para ambos que, se levado às
últimas conseqüências, admite extrapolar suas fronteiras e encontrar suas
interconexões. Entendemos que, nesse sentido, a elaboração de hortas escolares,
ora sugerida pela área de Saúde, como ação em promoção da saúde pela
aproximação com alimentos in natura, ora estimulada pelos setores vinculados ao
Meio Ambiente, como prática em educação ambiental, pode se consagrar numa
atividade potencialmente transversal e integradora desses dois campos.
De modo geral, embora os documentos tenham atualizado seus discursos, as
proposições chegam até a escola e/ou são percebidas descontextualizadas,
reforçando a visão fragmentada e se consolidando em ações eventuais.
Se, concordando com Santos (2003), consideramos a aprendizagem como
um processo construtivo interno e que se dá por meio das interações com diversos
fatores do ambiente, com movimentos retroativos e recursivos, percebemos a
necessidade de se proporcionar um contexto mais rico e favorável para que tal se
efetive. Quando um plantio é feito, na condição de uma proposta eventual, perde-se
a noção da extensão do gesto. Não há a vivência da multidimensionalidade da ação.
As perspectivas da interdisciplinaridade, da transdisciplinaridade e do
pensamento complexo, trazendo a percepção da multifuncionalidade da agricultura e
da agricultura urbana, podem ser aplicadas para embasar a inserção da agricultura
ao ambiente escolar urbano, na condição de recurso pedagógico impregnado de
possibilidades.
Sendo a horta a materialização da ação/relação do ser humano com o
ambiente, do qual também é parte, e não o resultado de um ritual artificial e
96
ocasional, aí, sim, cria-se a possibilidade de efetivar-se como “uma festa para os
cinco sentidos”, onde permanentemente se permita “cheirar, ver, ouvir, tocar e comer
[...] e muito mais.(ALVES, 1995).
E muito mais...
Há fortes indícios que demonstram que sensibilidade e compromisso na
relação do ser humano com a natureza são características aprendidas. Experiências
que envolvam interação com ambientes naturais durante a infância fazem emergir
atitudes e comportamentos que se perpetuarão para a fase adulta. Estão aí incluídas
atividades com a natureza considerada domesticada como cuidar de plantas em
casa. Além disso, tal interação tem apresentado correlação “com o desenvolvimento
cognitivo e a capacidade de crianças de lidarem com o estresse e as adversidades
e “o estabelecimento de bons hábitos de saúde e sociabilidade, além da consciência
ambiental” (NATERCIA, 2007, p.1). Nesse sentido, a inclusão dos pressupostos da
agricultura urbana e da agroecologia se torna fundamental.
A agricultura urbana tem sido compreendida como prática que só faz sentido
quando implementada em bases agroecológicas, nas quais os aspectos ambientais
são contemplados. Portanto, não se resume apenas ao plantio de espécies
destinadas à alimentação, mas a todos os aspectos ligados ao manejo da
biodiversidade e ao meio ambiente. Assim, atividades como arborização, construção
de jardins, criação de animais e cultivo de plantas ornamentais em vasos compõem
ações para a agricultura no espaço urbano (MACHADO e MACHADO, 2002).
A agroecologia, ao ser compreendida como uma ciência e tendo como base
metodológica a percepção da atividade agrícola, com a aplicação das diferentes
tecnologias, levando em conta todos os fatores presentes no sistema e suas
interações _ inclusive os socioeconômicos _, possibilita a fundamentação de
97
propostas de ensino que venham a formar pesquisadores e cidadãos mais
conscientes da relação entre as crises ecológica, econômica e social vigentes e de
como os agroecossistemas expressam essas crises. Dada a sua abrangência, a
agroecologia contribui na implementação da educação ambiental, apresentando os
seguintes enfoques metodológicos: aborda as restrições e os determinantes da
produção advindos tanto do ambiente físico e biótico, como do ambiente
socioeconômico e cultural; utiliza o agroecossistema e suas relações com centros
urbanos em uma região como unidade de análise sistêmica; enfatiza a análise
integrada de sistemas e não componentes isolados; analisa as relações entre
agroecossistemas, sistemas naturais e ações humanas (GARCIA, 1999).
Tal configuração permite estruturar arcabouços científico, pedagógico e
didático consistentes e com possibilidades de aplicação em escolas urbanas, de
modo a atender aos objetivos fundamentais da educação alimentar e nutricional e da
educação ambiental.
Há preocupação do PNAE com a aceitabilidade do alimento por parte dos
alunos, o que pode ser observado, por exemplo, no processo de descentralização da
gestão dos recursos para a aquisição dos gêneros alimentícios iniciado em 1994.
Há, entre as metas, a de possibilitar o atendimento aos hábitos alimentares dos
estudantes. A aceitabilidade da alimentação pelos beneficiários tem sido relacionada
com a qualidade dos serviços de alimentação prestados pela escola. Entende-se,
então, que quando os recursos federais são transferidos diretamente para as
unidades escolares há a possibilidade de adaptação dos cardápios aos hábitos
alimentares dos alunos, havendo a intenção de que a acolhida seja superior a 85%
(MUNIZ e CARVALHO, 2007).
98
A fim de atender a tal preceito, são evidenciadas algumas estratégias
adotadas para uma melhor aceitação da alimentação escolar que consistem em
preparações que disfarçam alguns alimentos considerados de alto valor nutricional e
rejeitados pelas crianças. Dessa forma o aluno ingere o alimento sem a consciência
de que o está ingerindo. No entanto, para ser coerente com o objetivo de formação
de hábitos alimentares saudáveis e que pressupõe processo educativo: “As
estratégias para uma maior aceitação da alimentação escolar devem estar
norteadas pelo princípio da aquisição de hábitos alimentares saudáveis e do prazer
em consumir uma alimentação diversificada.” (CARVALHO et al, 2008, p.831).
Nesse sentido, o PNAE, mais do que seu caráter assistencialista, tem como
atribuição a formação de hábitos alimentares. Observa-se, na situação mencionada,
a fragilidade no uso da alimentação escolar para a incorporação de hábitos
alimentares saudáveis, quando se parte da compreensão de que esta deva se
constituir em um espaço privilegiado para a formação desses hábitos. Admite-se
que, a inserção dos alunos na seleção e preparação das refeições e a produção de
hortas comunitárias que subsidiem o abastecimento de frutas e hortaliças utilizadas
na alimentação escolar são importantes contribuintes nesse processo (CARVALHO
et al, 2008).
Se o PNAE for pensado em seu papel de promotor de educação alimentar e
nutricional para a aquisição de melhores hábitos alimentares, ganha destaque o
incentivo à construção coletiva das hortas escolares, estimulando nas crianças o
interesse pelo plantio, não somente pelos benefícios identificados pela prática da
agricultura urbana, mas pela percepção de que as diferentes atividades envolvidas,
como a preparação do terreno, o plantio, cuidados com a planta, a colheita e a
participação na preparação dos alimentos fazem da horta um instrumento
99
pedagógico que possibilitaria o aumento do consumo de frutas e hortaliças, o
resgate dos hábitos regionais e locais e a redução de gastos com a compra de tais
gêneros alimentícios (MUNIZ e CARVALHO, 2007).
É possível considerar, então, a horta como uma verdadeira sala de aula e
integrante do currículo escolar, como meio de propiciar vivências em educação para
uma vida sustentável, nas quais a educação ambiental não é concebida como uma
disciplina escolar. Nessa conjuntura, promove-se a evolução do currículo escolar do
modelo fragmentado para o modelo sistêmico do conhecimento e, por intermédio de
experiências diretas com o meio natural, trabalha-se com a compreensão sistêmica
da vida que se baseia em três fenômenos: a teia da vida, os ciclos da natureza e o
fluxo de energia (BARLOW e STONE, 2006).
Essa proposta envolve todo o contexto escolar e “possibilita o religamento das
crianças aos fundamentos básicos da comida, ou seja, a essência da vida”. Além de
possibilitar “a compreensão dos ciclos alimentares, integrando-os aos ciclos de
plantio e suas etapas, assim como estabelecer as conexões com os demais ciclos
planetários” (CAPRA, 2006, p.15).
A educação alimentar e nutricional e a educação ambiental, aqui defendidas,
além de promoverem a conexão da criança com o alimento e com o meio ambiente
por intermédio de vivências multissensoriais, têm como base a pressuposição de
processos educativos que visem a construção da autonomia. O desenvolvimento da
autonomia implica na capacidade de realizar escolhas de forma consciente.
A autonomia está vinculada à capacidade individual de tomar decisões, o que,
paradoxalmente, é dependente do meio, das condições culturais e sociais. O
indivíduo que somos é produto da nossa constituição física interagindo com um
conjunto de fatores externos: “Para sermos nós mesmos precisamos aprender uma
100
linguagem, uma cultura, um saber, e é preciso que esta própria cultura seja bastante
variada para que possamos escolher no estoque das idéias existentes e refletir de
maneira autônoma.” (MORIN, 2007a, p.66).
Dentre os fatores externos que influenciam as escolhas, e portanto o
comportamento humano, o estímulo ao consumo tem sido apontado como uma
ocorrência importante, tanto se opondo aos processos inerentes à educação
ambiental como aos da educação alimentar e nutricional. No caso da educação
ambiental, o apelo ao consumo, que é a tônica do atual modelo de desenvolvimento,
por vezes, acaba sendo incorporado ao discurso ecológico. Ou seja, é mantida a
premissa do consumo. Essa lógica do consumo desenfreado também é percebida
no campo da alimentação.
O consumo, entendido como a totalidade de processos socioculturais por
meio dos quais se concretiza a apropriação e uso de produtos, decreta a distinção
de classes sociais. Nesse caso, o consumo infantil tem sua gênese antes do
nascimento das crianças quando seus progenitores se comprometem a dar aos
filhos o que não tiveram (LAURINDO e LEAL, 2008).
Entendemos que aqui pode se estabelecer o protagonismo da escola. Para
que a autonomia se consolide é necessário o acesso a um elenco rico de opções.
Porém, tais opções não podem se restringir a um conjunto amplo de informações,
mas se constituir em vivências e aprendizados significativos e saberes autênticos.
A educação deve ser pensada para a totalidade humana, sua inteligência, sua
sensibilidade, seu corpo: “a inteligência assimila muito mais rapidamente e muito
melhor os saberes quando estes saberes são compreendidos também com o corpo
e com o sentimento.” (NICOLESCU, 2005, p.150).
101
Reforçamos, aqui, a crença de que as experiências vivenciadas com as
atividades de plantio podem mobilizar vários aspectos da totalidade humana: “Uma
horta é uma festa para os cinco sentidos. Boa de cheirar, ver, ouvir, tocar e comer
[...] Mas não só.” (ALVES, 1995).
2.5 PONTOS DE APOIO: a Teoria não é nada sem o Método
Sendo coerente com o referencial teórico adotado para a presente
investigação, tomemos de Morin (2005a) algumas considerações sobre Teoria e
Método. Segundo o autor, a teoria não é um programa nem se constitui num
conhecimento em si, mas na possibilidade de tratar um problema em busca do
conhecimento. Ou seja, a teoria [...] só realiza seu papel cognitivo, só ganha vida
com o pleno emprego da atividade mental do sujeito.” (MORIN, 2005a, p.335). O
método, antes de ser um conjunto de técnicas e excludente em relação ao sujeito,
exige estratégia, iniciativa, invenção, arte. Determina-se uma relação recorrente
entre método e teoria: “Toda teoria dotada de alguma complexidade só pode
conservar sua complexidade à custa de uma recriação intelectual permanente.”
(MORIN, 2005a, p.336).
Teoria e método chegam a se confundir, sendo ambos indispensáveis ao
conhecimento complexo: “a teoria não é nada sem o método” e o método “é a
atividade pensante do sujeito” (MORIN, 2005a, p.337). Com essa percepção, o
método justifica-se: quando se reconhece a presença ativa do sujeito; quando a
experiência não é uma fonte clara; quando se entende que o conhecimento não é o
acúmulo de dados ou informações, mas sua organização; quando a lógica deixa de
102
ser absoluta; quando a sociedade e a cultura permitem duvidar da ciência; quando
se admite que a teoria é sempre aberta e inacabada, necessitando da crítica da
teoria e da teoria da crítica; quanto há incerteza e tensão no conhecimento; quando
o conhecimento revela e faz renascerem ignorâncias e interrogações (MORIN,
2005a).
Dado o exposto, confiamos na consonância entre Pensamento Complexo e
Etnografia. O entendimento de um fenômeno sob a ótica do Pensamento Complexo
só se torna factível para o pesquisador por meio da observação profunda e acurada
da realidade. Porém, a tarefa do pesquisador não se encerra aí. É necessário que
exponha aos outros o percebido por ele. A observação etnográfica resulta da
interação de diversos aspectos presentes numa dada realidade, sejam eles objetivos
ou subjetivos (inclusive, e principalmente, do próprio observador). O registro escrito
desta experiência constitui a descrição etnográfica. Tal composição escrita, embora
seja um esforço por abranger a totalidade do que é visto, revela uma seleção feita a
partir de um ponto de vista e também dos encontros e desencontros ocorridos ao
acaso no trabalho de campo (LAPLANTINE, 2005).
O Pensamento Complexo e a etnografia admitem que não há fidelidade plena
entre o visto e o descrito. Entretanto, acreditamos que a conjunção de ambos pode
fornecer uma riqueza de elementos que nos coloquem mais próximos da
compreensão da realidade.
Acreditamos numa escolha acertada quando apoiados em André (2007),
optamos pela metodologia do estudo de caso etnográfico e pela utilização de
técnicas qualitativas para a coleta de dados, a fim de investigar aspectos da prática
pedagógica no espaço formal de educação.
103
Uma pesquisa do tipo etnográfica apresenta como características básicas: o
uso de técnicas da etnografia; o papel ativo do pesquisador; a ênfase no processo;
valorização da percepção dos atores sociais; trabalho de campo; descrição densa e
a indução.
A etnografia, oriunda da antropologia, quando adaptada para o contexto
escolar, pode trazer contribuições que permitam uma melhor compreensão dos
fenômenos. A etnografia busca descrever uma cultura por meio de descrição
profunda e comporta os significados que ações e eventos têm para indivíduos ou
grupos sociais.
Nas técnicas utilizadas pela etnografia estão previstas a observação
participante, a entrevista intensiva e a análise de documentos. Nesse caso, há
intercâmbio permanente entre pesquisador e objeto pesquisado, sendo os dados
mediados pelo primeiro, o que possibilita descobertas ao longo do desenvolvimento
do trabalho e a elaboração e reformulação de estratégias.
O contato intenso com os atores sociais envolvidos diretamente com a
questão investigada cria possibilidade de entrevista mais consubstanciada dando
espaço para ricas narrativas. Há o reconhecimento da importância dos caminhos
percorridos, especialmente pelos professores, valorizando o que conhecem e o que
fazem (KRAMER, 2001).
A pesquisa etnográfica privilegia o processo, ao invés dos resultados finais,
guiando-se por questões que visam caracterizar o fenômeno, entender como ocorre
naquele dado momento e a sua evolução. As respostas a tais questionamentos são
buscadas nas percepções dos atores sociais que são colhidas em situações
diversas, exigindo um contato prolongado pesquisador-ambiente pesquisado, o que
se dá no trabalho de campo. Ao longo dessa interação, o pesquisador registra e
104
descreve elementos do cotidiano e aqueles resultantes de suas provocações. Com
os dados coletados, procede-se às inferências, com formulações de hipóteses, de
novos conceitos, de novas relações e novas formas de entendimento da realidade
(ANDRE, 2007).
Ainda que o processo etnográfico seja aberto e flexível, não prescinde de um
referencial teórico:
O que acontece, geralmente, no estudo etnográfico é uma discussão e um
questionamento constantes desse referencial teórico e uma maior ou menor
explicitação do mesmo ao longo do trabalho, dependendo do grau de
conhecimento já existente a respeito das questões pesquisadas e do que
vai sendo ‘descoberto’ durante o estudo (ANDRE, 2007, p.42).
Existem muitas dimensões a serem consideradas quando se pretende estudar
a prática escolar cotidiana. Três delas, ponderadas a complexidade e as suas inter-
relações, constituem a condição mínima para que se possa apreender a dinâmica da
escola: a institucional ou organizacional, a instrucional ou pedagógica e a
sociopolítica/cultural (ANDRE, 2007).
A dimensão institucional ou organizacional se refere ao modo como se
estruturam as relações nesse contexto, ou seja, a organização do trabalho
pedagógico, as hierarquias estabelecidas, os níveis de participação dos atores
sociais, os recursos humanos e materiais disponíveis. Nesse caso, são
consideradas as influências das “políticas educacionais, as pressões e expectativas
dos pais e da população com respeito à educação escolar” e também “[...] a posição
de classe, bagagem cultural e os valores de cada sujeito que faz parte desse
contexto.” (ANDRE, 2007, p.44). Para que tais aspectos sejam contemplados é
necessário, além do contato direto e intenso com atores sociais envolvidos, a análise
de documentos institucionais.
105
A dimensão instrucional ou pedagógica diz respeito às situações de ensino
em sua realização concreta em que estão presentes: professor, aluno, objetivos,
conteúdos, as atividades propostas, o material didático, as diversas formas de
comunicação, instrumentos de avaliação, bem como os aspectos subjetivos dos
atores presentes nesse encontro. Para tal estudo, realizado por meio de observação
direta, devem ser considerados:
[...] a situação concreta dos alunos (processos cognitivos, procedência
econômica, linguagem, imaginário) [...] do professor (condições de vida e de
trabalho, expectativas, valores, concepções) e sua inter-relação com o
ambiente em que se processa o ensino (forças institucionais, estrutura
administrativa, rede de relações inter e extra-escolar). (ANDRE, 2007, p.44).
A dimensão sociopolítica/cultural alude aos determinantes macroestruturais
da prática educativa como o momento histórico, as forças políticas e sociais e,
ainda, as concepções e valores presentes na sociedade. Esse ponto é considerado:
[...] o nível mais profundo de explicação da prática escolar, que leva em
conta sua totalidade e suas múltiplas determinações, a qual não pode ser
feita nem abstrata nem isoladamente, mas com base nas situações do
cotidiano escolar, num movimento constante da prática para a teoria e numa
volta à prática para transformá-la. (ANDRE, 2007, p.44).
A discussão aqui empreendida, para ser coerente, fugirá das amarras da
lógica racionalista, assumindo a existência das subjetividades do sujeito-autor em
seu vínculo estreito e afetivo com o objeto. Fica, assim, assumido nessa proposta
metodológica que o pesquisador faz a sua interpretação da realidade e que esta
necessariamente estará impregnada pelos seus valores pessoais.
106
Trata-se de uma pesquisa para identificar as percepções de atores sociais de
uma Escola Municipal e da unidade de extensão denominada Pólo de Educação
pelo Trabalho (PET) a respeito das atividades agrícolas oferecidas no espaço de
educação formal. As unidades escolhidas pertencem à 9ª Coordenadoria de Ensino
da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, em Campo Grande, bairro
da zona oeste do Rio, instaladas em meio a um empreendimento imobiliário, e
atendem, majoritariamente, a alunos do Ensino Fundamental. A região encontra-se
em processo de urbanização, comportando: propriedades rurais; casas com quintais
de tamanhos variados; aglomerados residenciais; e comércio em franca expansão,
estando instalado ali um shopping center -“West Shopping”. A escolha deveu-se,
precisamente, por essa característica de transição rural-urbano, na intenção de
captar as diferentes nuanças que podem se apresentar nas percepções da
comunidade escolar acerca das atividades agrícolas.
O PET é o principal alvo da investigação por ser o último lugar onde as
práticas agrícolas permaneceram sendo oferecidas de modo institucional e
concentrar, por isso, os professores remanescentes de um período em que aquelas
atividades faziam parte da matriz curricular oficial ou eram oferecidas no contexto da
mesma. Os PETs, num total de 19 unidades, são considerados Unidades de
Extensão juntamente com os Clubes Escolares (13) e os Núcleos de Artes (10).
Constam entre os Programas Pedagógicos da Secretaria de Educação, ao lado de
outros: Ciranda de Espetáculos, Clube Escolar, Concurso de Imagens, Escola de
Bamba (Escola de Samba Mirim), Fecem, Jogos Estudantis, Meio Ambiente e
Saúde, Mostra de Dança, Núcleo de Arte, Orquestra de Vozes Meninos do Rio,
Poesia na Escola, Reaprender a ouvir - Capela Magdalena e Salas de Leitura. Os 19
PETs atendem a um total de 9.030 alunos (RIO DE JANEIRO, 2009).
107
A escola convencional, que compõe o conjunto investigado, funciona em
horário parcial com dois turnos, possui 20 salas de aula e atende a um total 1 169
alunos do 4º ano (antiga 3ª série) de escolaridade até o 9º ano (antiga 8ª série).
P
ertence à Rede Municipal de Ensino da Cidade do Rio de Janeiro, que é composta
por 1.063 Escolas (138 Escolas em Horário Integral), 253 Creches Públicas
Municipais em funcionamento e 159 creches conveniadas. A Rede atende a um
montante de 705.659 alunos, sendo, na Educação Infantil, 29.668 alunos na Creche
e 85.404 alunos na Pré-escola; no Ensino Fundamental no 1º segmento: 297.841
alunos (Ciclo de Formação, 4º e 5º anos); e no 2º segmento: 256.319 alunos (6º ao
9º anos), na Educação Especial: 6.162 alunos e no Programa de Educação de
Jovens e Adultos/EJA: 30 265 alunos (RIO DE JANEIRO, 2009).
A escolha dessa escola prendeu-se ao fato de funcionar no mesmo prédio do
PET e prevermos, portanto, muitas interfaces. Porém, tal fato não se configurou da
maneira esperada, mas optamos por manter a proposta inicial, tendo em vista que
alguns aspectos que denotam afastamento e aproximação dessas duas unidades
adjacentes fisicamente podem contribuir para reflexões relevantes para esse estudo.
A estrutura apresentada pela rede municipal organiza-se em dez
Coordenadorias de Ensino_CREs. O PET e a escola estudados pertencem à 9ª
CRE, juntamente com mais três PETs e 125 escolas e atendem a moradores de
bairros da zona oeste do Rio. Os três PETs, em conjunto, atendem atualmente a 1
288 alunos, sendo que desses 678 encontram-se no PET estudado (RIO DE
JANEIRO, 2009).
Foi realizada uma ampla revisão de literatura em torno dos eixos conceituais
que permeiam a inserção das práticas agrícolas no espaço escolar, permitindo a
formação de uma perspectiva histórico-crítica, assim como a identificação e
108
apreciação de documentos elaborados por instituições internacionais, nacionais e,
particularmente, por órgãos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que, de forma
direta ou indireta, recomendam ações que venham a referendar a adoção das
atividades agrícolas nas escolas, nas perspectivas da educação ambiental, da
educação em saúde e da segurança alimentar e nutricional, no sentido de reunir
argumentos que abonem sua inserção no espaço escolar. Para tanto, foram
desenvolvidas pesquisas na Internet nos sítios institucionais, nos documentos e
programas disponíveis.
A coleta de dados _ das percepções dos atores sociais referentes às práticas
agrícolas quando desenvolvidas/oferecidas naqueles espaços formais de educação_
foi feita no período de março-setembro de 2009, por meio de observações diretas,
entrevistas semi-estruturadas e audição de narrativas. As primeiras visitas
contemplaram o diretor, diretor-adjunto e coordenadores das Unidades. Por
intermédio desses, foram acessados todos os professores de técnicas agrícolas
lotados no PET e os demais professores, funcionários e alunos. A amostra referente
aos alunos, seus familiares e demais profissionais foi determinada pelo critério de
saturação.
Os atores sociais foram assim eleitos por serem agentes fundamentais para
que as práticas agrícolas se consolidem no espaço escolar. Os professores,
funcionários e alunos, como executores diretos da ação, e os familiares dos alunos,
como interventores indiretos acolhendo ou não a proposta.
As observações iniciais foram aleatórias e com conversas informais
realizadas no PET e na escola, tornando-se, paulatinamente, mais sistematizadas
com participação ativa do pesquisador nas atividades oferecidas, buscando uma
aproximação do objeto de estudo e a estruturação das etapas vindouras. Para a
109
realização das entrevistas semi-estruturadas, foi elaborado um roteiro que visou
proporcionar uma adequada abordagem dos temas relacionados à pesquisa. Foram
identificados, durante as observações e entrevistas, os atores sociais que poderiam
narrar fatos que contribuíssem para o panorama histórico do fenômeno estudado.
A observação sistemática permitiu a identificação de aspectos do currículo
nem sempre explícitos na matriz curricular formal ou nos discursos sobre o mesmo.
Sendo o currículo entendido aqui como: [...] campo prático que permite analisar a
realidade dos processos educativos, dotando-os de conteúdo e território de práticas
diversas que não se restringem aos processos pedagógicos” (BATISTA, 2004, p.53).
Foram ouvidos e observados de forma participativa em suas atividades
rotineiras oito professores, um funcionário de apoio, doze alunos, um pai e três mães
no PET. Na escola convencional foram entrevistados nove professores, incluindo a
diretora e a diretora-adjunta, a coordenadora pedagógica e seis professores de
diferentes disciplinas.
Os professores e o funcionário de apoio, orientados por um roteiro semi-
estruturado, fizeram relatos sobre suas trajetórias profissionais e pessoais
evidenciando a relação com as práticas agrícolas cada vez menos presentes
naquelas unidades de ensino e nas escolas da rede como um todo: a diretora, a
diretora-adjunta, a coordenadora pedagógica e seis professores de diferentes
disciplinas da escola convencional; a coordenadora, um servente, quatro
professores licenciados em Ciências agrícolas, uma de técnicas comerciais e uma
de técnicas industriais lotados no PET. As duas últimas professoras foram incluídas
por terem sido identificadas, durante as observações, como informantes qualificadas
contribuintes para a perspectiva histórica da temática estudada.
110
Os alunos foram observados durante os intervalos das atividades e durante
as mesmas, estando o pesquisador na condição de observador participante.
Posteriormente, foram convidados para a entrevista individual semi-estruturada,
quando foram estimulados a falar da presença ou ausência de experiências com
atividades agrícolas no ambiente doméstico e na escola e de suas percepções sobre
as mesmas. Buscou-se também, por intermédio dos alunos, captar o vínculo dos
familiares com o tema. Foram entrevistados doze alunos, sendo um deles uma
senhora estudante do Projeto de Educação de Jovens e Adultos no estágio
equivalente ao 8º ano de escolaridade, e os demais com idades e séries variadas:
12 e 13 anos- 8º ano; 10 e 11 anos- 5º ano; dois alunos com 12 anos- 6º ano; cinco
alunos com 15 anos- 9º ano.
Os pais (de alunos) investigados foram aqueles que acompanham
rotineiramente ou esporadicamente seus filhos até o PET e que permanecem por
algum tempo nas imediações da instituição e que demonstraram disponibilidade
para o diálogo. Foram entrevistados um pai e três mães de alunos distintos e
freqüentadores do PET e matriculados em escolas da rede municipal.
A análise temática e a apreciação de depoimentos foram feitas com base nos
pressupostos do Pensamento Complexo preconizado por Edgar Morin (2005), no
qual não se dissocia natureza e cultura, o sensível e o intelegível, a parte e o todo, a
razão e o imaginário, propondo assim a abordagem multidimensional dos
fenômenos.
Para a discussão das temáticas que compõem a multidimensionalidade da
alimentação e do meio ambiente, foram demandados autores e conceitos que
convergem para a Teoria da Complexidade. A agricultura é analisada sob a ótica da
multifuncionalidade, com ênfase nos conceitos da agroecologia e da agricultura
111
urbana, tendo o alimento e sua produção como o elo entre o ser humano e o
ambiente. As abordagens a respeito da formação de hábitos alimentares e da
educação ambiental trazem como pano de fundo o reconhecimento da complexidade
do fenômeno alimentar e da complexidade da relação humana com o ambiente,
respectivamente.
Em relação às considerações éticas, foram garantidos aos observados,
entrevistados e narradores, sigilo e anonimato, bem como a participação do estudo
mediante a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Esclarecido, o qual
revela os objetivos da pesquisa e as formas de possíveis contatos com o
pesquisador responsável.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Secretaria Municipal da
Saúde e Defesa Civil – CEP SMSDC-RJ, constituído nos Termos da Resolução
CNS nº 196/96, e devidamente registrada na Comissão de Ética e Pesquisa,
obtendo a aprovação CAAE n° 0307.0.314.000-08, em 26/01/2009, protocolo n°
02/09. Após a aprovação do referido Comitê, foi dada entrada, por meio do processo
nº 07/090.372/2009, ao pedido de autorização na Secretaria Municipal da Educação
em 02/03/2009, com a aprovação para pesquisa dada em 09/03/2009.
O trabalho de campo foi iniciado em 16 de março de 2009 e prolongou-se até
setembro do mesmo ano de forma contínua e intensiva, havendo breve interrupção
somente em função do recesso letivo na última semana do mês de julho.
A permanência da pesquisadora nas unidades investigadas ocorreu duas
vezes por semana. As observações e alguns relatos eventuais foram registrados em
diário de campo. As entrevistas em profundidade foram realizadas com a
coordenadora e os professores Licenciados em Ciências Agrícolas lotados no PET,
alunos, pais de alunos, um funcionário, a diretora e a diretora-adjunta e alguns
112
professores da escola convencional, tendo em vista a percepção de momentos que
se mostraram propícios à interlocução. Em tais casos, mediante a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as entrevistas foram registradas por
escrito e gravadas em meio digital. O critério de saturação determinou o
encerramento das atividades de campo.
3 DO TODO PARA AS PARTES E DAS PARTES PARA O TODO
O pesquisador _ e também o leitor_ está aqui diante de duas propostas:
aceitar um convite e uma provocação. A primeira é o entendimento da ótica do
pensamento complexo. A segunda, e mais arriscada, é o seu exercício, a sua práxis.
Exige-se livrar-se do hábito, da acomodação, da tentação da simplificação
cartesiana que recorta a realidade e isola partes para “facilitar” seu entendimento.
Em contraposição, exercitaremos os princípios dialógico, recursivo e hologramático,
acatando a possibilidade de várias lógicas, a não-linearilidade causa-efeito, as
mútuas influências sujeito-objeto e a recursividade todo-parte-todo.
Para um melhor entendimento do conjunto e dos relatos feitos pelos atores
sociais e suas respectivas percepções mantivemos, na medida do possível, os
dados em seu contexto, com o intuito de traçar um panorama das três dimensões
básicas que influenciam o dinamismo do cotidiano escolar, quais sejam: a
institucional ou organizacional, a instrucional ou pedagógica e a
sociopolítica/cultural, conforme indicado no item que se refere à metodologia.
Alguns dos aspectos que compõem estas dimensões podem ser
evidenciados na delimitação para o estudo, na qual foram apresentados dados dos
contextos hierárquico, geográfico e social das unidades investigadas. Outros
poderão ser percebidos no breve histórico da conjuntura legal em que se insere a
atividade agrícola e na forma como está estruturado localmente o funcionamento
das unidades de ensino. E, por fim, as percepções dos atores sociais do cotidiano
escolar fornecem elementos essenciais para a compreensão das interações dos
múltiplos fatores que constituem a dinâmica do fazer pedagógico.
114
3.1 PONTOS LEGAIS
As dimensões que influenciam o cotidiano escolar estão intimamente
associadas mas, nesse caso, o aspecto legal parece permear de forma contundente
a presença ou ausência das práticas agrícolas nas escolas.
O cenário atual das práticas agrícolas nas unidades de ensino investigadas é
resultado de um contexto histórico e, portanto, se faz necessária, no mínimo, uma
breve e pontual retrospectiva dos aspectos formais que deram suporte a essas
atividades. Tal resgate nos permite identificar um quadro contraditório, no qual
despontam indefinições e ambigüidades e que guarda os reflexos da implantação
legal dessas ações no ensino formal do Brasil e das especificidades locais. Nos
depoimentos de professores o aspecto legal se faz presente e, em alguns momentos
de forma confusa, daí a necessidade dessa busca.
Esta análise tem seu foco a partir da Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação Nacional - LDBEN nº 5 692/71(BRASIL, 1971), que apresentava como
objetivo geral para o ensino de Primeiro e Segundo Graus (atuais Ensino
Fundamental e Ensino Médio, respectivamente), entre os aspectos de formação, a
qualificação para o trabalho” e com isso trazia a obrigatoriedade das práticas
agrícolas para o segundo segmento do Ensino Fundamental (antigo Ginásio ou
Segundo Segmento do 1º Grau ou 5ª a 8ª séries) a serem ministradas por professor
de Técnicas Agrícolas habilitado em Curso de Licenciatura. A inclusão se dá como
componente curricular na forma da disciplina de Técnicas Agrícolas, juntamente com
outras disciplinas integrantes da categoria Formação Especial: Técnicas Comerciais,
Técnicas Aplicadas ao Lar e Técnicas Industriais. A Formação Especial nos
currículos de Primeiro Grau (atual Ensino Fundamental) carregava como objetivos
115
específicos a “sondagem de aptidões e a iniciação para o trabalho”, devendo estar
em conformidade com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional. É
sob a vigência e/ ou reflexos dessa lei que se insere, no espaço formal de educação,
parte dos professores investigados.
Foram elaborados alguns documentos para a rede municipal (Segundo
Segmento do Ensino Fundamental- 5ª a 8ª séries) com a intenção de fornecer
orientações para os professores na implementação das proposições da LDBEN 5
692 no que se refere à Formação Especial. Para as técnicas agrícolas havia a
indicação de “noções essenciais teóricas” e “atividades práticas” (RIO DE JANEIRO,
1976, 1977).
Há naqueles documentos, expressos em seus objetivos, caráter
eminentemente tecnicista, utilitarista e de visão de externalidade da relação ser
humano-natureza. Existe a proposição de elaboração de hortas e arborização em
áreas disponíveis da escola. Tais atividades são acompanhadas de recomendações
como: a necessidade da adequação dos objetivos das aulas de técnicas agrícolas à
sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho; o desenvolvimento do gosto
pelas atividades relacionadas com a agricultura, a zootecnia, a conservação dos
recursos vivos e ao aproveitamento das riquezas do subsolo; proporcionar
informações sobre os nossos recursos naturais e sobre os meios de melhor
aproveitá-los; colocar o jovem em contato com a natureza e levá-lo a conhecer suas
maravilhas; informar sobre a importância econômica e social de tecnologia da área
(RIO DE JANEIRO, 1977).
Nos objetivos gerais norteadores das ações não é feita nenhuma referência
às questões sócio-ambientais ou de alimentação. Pelo contrário, nas atividades
116
propostas, em consonância com o mote da Revolução Verde, é valorizado e
incentivado o manuseio de agrotóxicos pelos alunos!
Outro aspecto identificado é a valorização da utilização do método científico,
informando que ele permite “conhecer, utilizar e compreender tudo que existe”,
contrapondo-o ao conhecimento popular:
A formação do espírito científico levará o aluno a rejeitar crendices e
comprovar a eficácia da tecnologia avançada na área, através da
experimentação. O amor à natureza, o respeito pelo equilíbrio ecológico, o
sentimento da necessidade de preservação do meio ambiente crescerão
muito com a observação da natureza durante o uso do método científico
(RIO DE JANEIRO, 1977, p. 117).
Além da exaltação ao conhecimento científico e aos avanços tecnológicos de
forma incondicional e do menosprezo ao saber primeiro, fica evidenciado, ainda, um
paradoxo quando num segundo momento confirma-se o método científico, naquele
contexto, promovendo o amor, respeito e necessidade de preservação do meio
ambiente.
A interdisciplinaridade é sugerida quando é mencionado que a disciplina “na
medida do possível” deve estar integrada “com as outras áreas de estudos”,
informando que as atividades das Técnicas Agrícolas oportunizam a integração com
todas as disciplinas curriculares, “mas principalmente: Ciências, Matemática,
Comunicação e Expressão e Estudos Sociais”. É mencionada a integração com a
comunidade, que deveria acontecer na forma de “prestação de serviços” pelos
alunos, para “promover a melhoria das condições da comunidade em que vivem”,
incluindo ações como a “vacinação de cães, implantação de hortas caseiras,
arborização de ruas e escolas, reflorestamento de morros, restauração de jardins
públicos etc.” (RIO DE JANEIRO,1977, p.118).
117
Aquele documento esclarece que o “domínio do conteúdo (domínio cognitivo)
não é prioridade nos dois primeiros anos (5ª e 6ª séries), pois o objetivo maior era a
sondagem de aptidões com ênfase na “aquisição de habilidades intelectuais e
motoras”. Nesse caso, o aluno teria contato com todas as disciplinas da Formação
Especial. Uma vez identificada, nessa primeira fase, a aptidão do aluno, nos dois
anos seguintes se daria a “iniciação para o trabalho” em somente uma das áreas
para a “aquisição de habilidades específicas; aprofundamento de conhecimentos;
assimilação e aplicação de técnicas e processos”, entre outros. (RIO DE
JANEIRO,1977, p.118).
Pode-se concluir a análise de tais documentos, confirmando suas
contradições e a intenção principal, que era a de preparar o aluno para a sua
inserção no mercado de trabalho. Nesse caso, as práticas agrícolas deveriam se
constituir em atividades de qualificação para o trabalho.
Em 1982, a LDBEN nº 7044 (BRASIL, 1982) muda os objetivos para o ensino
do 1º Grau (Ensino Fundamental) e as Técnicas Agrícolas perdem relevância e
deixam de ser obrigatórias, naqueles termos, assim como as demais disciplinas da
Formação Especial. Na referida Lei, a “preparação para o trabalho” consta como um
dos elementos de “formação integral do aluno”, sendo obrigatória no 1º Grau (Ensino
Fundamental), no qual deveria “ensejar qualificação profissional”. Em atendimento a
esse objetivo, as escolas devem oferecer disciplinas que compõem uma Parte
Diversificada, listadas pelos Conselhos de Educação. As Técnicas Agrícolas são
incluídas nessa nova categoria.
Na prática, os professores de técnicas agrícolas continuaram desenvolvendo
as mesmas atividades que desenvolviam anteriormente, porém, cada vez com
menos recursos materiais. Com a ampliação da rede de ensino e a falta de apoio a
118
essas atividades, passa a ser observada a heterogeneidade em função das
unidades de ensino em questão.
Em 1988, a Secretaria Municipal de Educação constituiu um Grupo Tarefa
para avaliar a situação do ensino das disciplinas de Formação Especial nas escolas
de 1º Grau do Município do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 1988). Não foi
encontrado, nessa investigação, nenhum documento referente aos resultados da
avaliação realizada pelo Grupo Tarefa.
A atual LDBEN 9 394/1996 (BRASIL, 1997b) estabelece como fim da
Educação Nacional (...) “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para a
cidadania e sua qualificação para o trabalho” e inclui entre seus princípios o vínculo
entre “a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”. Porém, no artigo que
trata do Ensino Fundamental não é feita menção ao trabalho, o que só aparece no
Ensino Médio, onde se ressalta a não desvinculação do trabalho manual do
intelectual.
Evidenciando um hiato entre as duas Leis, no que se refere aos propósitos
das práticas agrícolas nas escolas da rede municipal do Rio, em 1995, aquela
Secretaria, visando atender, ainda, a LDBEN de 1982 e “enriquecer o Núcleo
Curricular através de atividades variadas”, cria as primeiras unidades de Extensão
de Educação pelo Trabalho a serem implantadas em unidades escolares já
existentes, considerando “a necessidade de melhorar a qualidade de ensino;
diversificar a oferta de atividades e a inserção do mundo do trabalho no âmbito
escolar”. Tais unidades recebem a denominação de Pólos de Educação pelo
Trabalho (PETs) (RIO DE JANEIRO, 1995).
Já sob a vigência da LDBEN de 1996 é que se estruturam os PETs em vinte
unidades escolares, para atender 11.579 alunos do Segundo Segmento do Ensino
119
Fundamental, tendo como objetivo geral “Possibilitar a articulação das diversas
áreas do conhecimento, através de práticas criativas, produtivas e empreendedoras,
tornando as Escolas-Pólo um espaço de referência e reflexão do trabalho como um
princípio educativo” (RIO DE JANEIRO, 1999, p.4), e como objetivos específicos:
Tornar o trabalho fator de desenvolvimento e promoção do aluno,
possibilitando a reflexão, discussão e análise crítica das diversas questões
relativas ao trabalho; valorizar a identidade do aluno, fortalecendo a sua
auto-estima, apontando a importância e necessidade de construção de um
projeto de vida; enriquecer o currículo, através de múltiplas experiências de
trabalho, contribuindo para que a escola cumpra o seu papel fundamental, a
formação do cidadão [...] (RIO DE JANEIRO, 1999, p.4).
Cada um dos vinte PETs deveria funcionar dentro de uma unidade escolar
sob a responsabilidade de um coordenador e atendendo, prioritariamente, aos
alunos da própria unidade escolar. As oficinas oferecidas como extensão educativa
seriam ministradas por professores da área de Formação Especial e de outras áreas
de acordo com a proposta apresentada; funcionando em quatro dias da semana,
havendo um quinto dia para a reunião dos professores, com uma média de 15 a 20
alunos por oficina. As sugestões para o desenvolvimento do conteúdo são feitas
articulando “princípios educativos” (meio ambiente-trabalho-cultura-linguagens) e
“núcleos conceituais” (identidade-espaço-tempo-transformação), modelo este que
corresponde à proposta educacional da Rede Municipal, a Multieducação (RIO DE
JANEIRO, 1999).
Para as Técnicas Agrícolas havia a preponderância do aspecto produtivo nos
objetivos que sinalizam a preocupação com o conhecimento e a valorização da
atividade agrícola, porém, é possível identificar alguns itens que indicam uma nova
perspectiva para o tema. Na articulação trabalho-espaço é proposta a “identificação
120
do potencial de aproveitamento do solo urbano para o cultivo de culturas agrícolas
de subsistência” e em cultura-espaço o “reconhecimento da diversidade de
vegetação no meio urbano” (RIO DE JANEIRO, 1999, p.5).
Os professores da Formação Especial foram convidados a migrarem para os
PETs. Foram oferecidos palestras e cursos de capacitação aos professores, no
sentido de prepará-los para essa nova modalidade de trabalho.
Os PETs, atualmente, constam entre os Programas Pedagógicos da
Secretaria Municipal de Educação, sendo supervisionados pelo Programa de
Extensão Educacional para o atendimento prioritário de alunos da Rede Municipal,
com o oferecimento de oficinas que têm o trabalho como princípio educativo. A
participação do aluno é opcional e condicionada à conciliação com o horário da
escola regular, devendo ocorrer no turno diferente. Apresentam como objetivo geral
“[...] a formação de um espaço de reflexão interdisciplinar tendo o Trabalho como um
princípio educativo, enfocando, entre outras questões, as relações de trabalho e
suas transformações diante do novo contexto mundial”, visando também contribuir
“com aspectos considerados significativos na formação da cidadania” (RIO DE
JANEIRO, 2008, 2009).
Nos PETs, as oficinas de técnicas agrícolas passaram a ter pouca demanda
em relação às demais, o que obrigou os profissionais da área a buscarem outras
qualificações para oferecerem modalidades diferentes de sua formação original. Até
2008, constavam como oficinas oferecidas: Laboratório de Informática; Projeto
Imagem - Fotografia e Vídeo; Protagonismo Juvenil e ainda nas oficinas das Áreas
de Formação Específica: Técnicas Agrícolas; Técnicas Comerciais; Técnicas
Industriais; Educação para o Lar (RIO DE JANEIRO, 2008). Porém, em 2009, ocorre
uma alteração nas modalidades oferecidas, passando a constar de: Informática
121
Educativa, Fotografia e Vídeo, Cosmética e Educação Ambiental (RIO DE JANEIRO,
2009). Aqueles professores tiveram que se adequar às modalidades mencionadas.
3.2 PONTOS DE VISTA
Todo ponto de vista é a vista de um ponto (BOFF, 1997)
O Pólo de Educação pelo Trabalho (PET) e a Escola Convencional funcionam
num mesmo prédio, porém com acessos distintos, havendo um portão de ferro
separando as alas de funcionamento. Ao PET ficou destinada a parte dos fundos do
prédio, sendo por ali feita a entrada das pessoas. Entrando por esse portão passa-
se pela área onde houve uma horta. É possível perceber a delimitação dos canteiros
com alvenaria e algumas plantas medicinais em meio ao mato crescido. No prédio
há um portão que dá acesso a um corredor longo que está dividido por outro portão
que limita o espaço entre Escola e PET. Fui informada pelo funcionário de que, se
desejasse ir também até a secretaria da escola, deveria sair de novo, contornar o
muro e entrar por outro portão, este na frente da escola.
A Escola tem como gestores um diretor e um diretor-adjunto. O PET é gerido
por um coordenador que não está subordinado à Escola. As reuniões pedagógicas
semanais ordinárias de cada unidade ocorrem em dias e espaços distintos. Fica
evidente a independência física e pedagógica com que funcionam as unidades.
Os professores habilitados em Ciências Agrícolas encontrados no PET são os
remanescentes da fase legal da disciplina e que permaneceram, por algum tempo,
ministrando a disciplina constante somente na matriz curricular das escolas onde
122
aqueles se encontravam lotados. Com a criação do PET, aqueles profissionais
passaram a oferecer as atividades nesses locais na forma de Oficina de Técnicas
Agrícolas, sendo a participação de livre escolha do aluno e, obrigatoriamente, fora
do horário regular de aula. Posteriormente, com o desinteresse (?) pela atividade,
tais professores passaram a se qualificar para o oferecimento de outras oficinas,
conforme já citado.
No PET é fácil notar o clima amistoso nas relações sociais estabelecidas em
todos os níveis. Observa-se a preocupação com o bem-estar do outro nos
momentos de encontros: nas saudações cordiais, nos abraços e na dedicação de
um tempo para uma breve conversa. Não se percebem rigores cronológicos para
início e término das oficinas. Os horários estão estabelecidos e são respeitados,
mas quando o sinal anuncia o fim da oficina, há tranqüilidade, de modo que não
ocorre uma interrupção brusca da atividade ou do diálogo em andamento. Os alunos
se dispõem a colaborar na arrumação do material utilizado etc. (É comum, em
escolas convencionais, o sinal de encerramento provocar um alvoroço entre os
alunos). Não pareceu ser comum a presença dos responsáveis pelos alunos no
PET.
As oficinas são ministradas, geralmente, em salas de aula com organização
básica semelhante à da escola convencional e algumas especificidades: há armários
onde são guardados os materiais necessários, uma sala possui mesas com
computadores, há adaptações como pintura de janela para escurecimento da sala
de fotografia etc. A dinâmica consiste, principalmente, numa parte expositiva feita
pelo professor, cuja duração pode variar, seguida da distribuição de material e da
execução da atividade proposta.
123
No trabalho de campo foi priorizado o PET, pelo entendimento de que as
percepções ali colhidas poderiam ser mais valiosas para o objetivo desta pesquisa,
tendo em vista ser o último reduto estruturado para a atividade em questão. Desse
modo, permaneci a maior parte do tempo naquele espaço: na secretaria, nos
corredores e, na maioria das vezes, participando e/ou colaborando e/ou observando
as oficinas, conforme a situação encontrada e, ainda, compartilhando dos momentos
de reuniões pedagógicas e refeições.
Na escola convencional o acesso aos professores e alunos é mais difícil, pois
não são comuns horários em que os encontramos disponíveis. Estive algumas vezes
pelos corredores e na secretaria em conversas breves, ora com a diretora, ora com a
diretora-adjunta, algumas vezes com a coordenadora. Fiquei em outros momentos
na sala dos professores, o que me permitia observar o movimento de entrada e
saída dos mesmos e seus curtíssimos diálogos.
Em ambos os espaços alternaram-se muitos momentos de informalidade com
outros que, dada a conjunção de alguns fatores, mostravam-se proveitosos para
uma abordagem mais sistematizada. Porém, no PET as circunstâncias foram mais
favoráveis à aproximação dos atores sociais para a investigação.
Para observação e identificação das percepções dos atores sociais foram
privilegiados os seguintes eixos de investigação referentes à pertinência das práticas
agrícolas: a inserção da atividade no cotidiano do ator social; a validade da atividade
para o espaço formal de educação; os possíveis entraves para a inserção da
atividade no contexto escolar atual; propostas para a inserção das práticas agrícolas
nas escolas.
Serão apresentados alguns registros de momentos selecionados que constam
do diário de campo e que foram considerados mais significativos para a presente
124
discussão. Muitos elementos foram mantidos a fim de que se possa perceber o
contexto em que o fato ocorre. Há a tentativa de acatar a proposição de Edgar Morin
que afirma que para entender as partes é fundamental conhecer o todo e devemos
observar o todo para compreender as partes, num movimento recursivo. Além disso,
temos claro que o que aqui é o todo também é parte. Posteriormente, as percepções
são agrupadas em função dos pontos de confluência encontrados, buscando
apresentar uma visão sistematizada daquelas compreensões.
Sujeito e objeto neste processo são constitutivos um do outro (MORIN,
2007)
A pertinência das atividades agrícolas nas escolas urbanas é, antes, uma
bandeira e por isso se transformou em objeto de pesquisa. Essa configuração pode
resultar numa série de questionamentos sobre a relação sujeito-objeto, isenção do
observador em relação ao observado, etc. O sujeito é acolhido e respaldado nas
proposições do Pensamento Complexo, no qual sujeito e objeto não se dissociam.
O sujeito é professora há 25 anos, tendo atuado em todas as séries do Ensino
Fundamental na Rede Municipal de Ensino do Município do Rio de Janeiro, desde
classes de alfabetização e, posteriormente, como professora de Ciências, o que
continua fazendo até hoje. Neste ínterim, atuou concomitantemente em vários níveis
de ensino tanto na rede pública quanto na particular.
O sujeito traz em sua história de vida forte vínculo com o ambiente natural e a
agricultura. Nascida e criada na “roça” até os quinze anos, onde subiu em árvores,
andou descalça, plantou, colheu e comeu. Vivenciou intenso “contato” com todos os
elementos que compõem tal ambiente. Fez o curso de Formação de Professores e,
em seguida, o Curso Superior na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
125
ocasião em que começa a atuar nas séries iniciais da rede municipal de ensino.
Conhece um estudante de Agronomia que vem a se tornar seu companheiro, desde
então.
Em diversas escolas nas quais atuou desenvolveu, com turmas em diferentes
níveis e idades, atividades incluindo plantios: terrários, preparação de vasos, hortas
e jardins. Sempre manteve em família o hábito de cultivo, variando o porte em
função da disponibilidade de espaço. Por intermédio da atividade profissional do
companheiro Agrônomo, teve contato com os pressupostos da agricultura urbana,
que passou a utilizar como principais argumentos para a inserção das práticas
agrícolas em escolas da cidade do Rio de Janeiro. Considera as atividades agrícolas
nas escolas urbanas um recurso pedagógico valioso com múltiplas possibilidades e
tenta entender o porquê de o consenso discursivo institucional não ser o suficiente
para a sua concretização.
O sujeito, observador na presente investigação, por reconhecer a sua estreita
relação com os aspectos que envolvem seu objeto de pesquisa, considera a sua
própria consciência como parte do objeto, adotando o metaponto de vista para
observar a realidade. Do mesmo modo, admite que os resultados apresentados são,
inevitavelmente, guiados por seus paradigmas e que, portanto, se constituem na sua
tradução da realidade.
Há que se reconhecer que, a despeito da abundância dos relatos, muito
ainda há de omissão: são os ditos sobre outros aspectos da história vivida e do
cotidiano, são gestos, são olhares, as formas de relação com o outro e com o meio,
as reticências, os não ditos. Tais aspectos expõem dimensões vinculadas ao
proferido sobre os itens investigados. Essa vinculação pode ser de difícil
identificação e, mais ainda, de arriscada interpretação e composição escrita. Sendo
126
assim, a tradução, particularizada, feita da realidade não se restringe aos relatos
registrados, mas a um contexto complexo vivenciado onde os mesmos se inserem.
A única maneira de se prender o aluno é na grade
Paradoxalmente queremos a liberdade e queremos algo que nos mantenha
presos, que nos garanta a segurança. São condições que não se excluem, antes,
coexistem na condição humana. A “grade”, mencionada insistentemente pelos
professores, atribuirá valor ao profissional e à atividade agrícola. O que é
considerado importante está inserido na matriz curricular _ na grade_ da rede de
ensino, é obrigatório para o aluno. O que não é importante, o aluno faz se quiser,
sendo necessário conquistá-lo, persuadi-lo para a sua realização. Os professores de
técnicas agrícolas querem estar na “grade” para serem reconhecidos, para estarem
seguros e para “prenderem” seus alunos. Entendem que essa é a forma de a
instituição dizer aos alunos que a atividade é relevante.
Uma avaliação precipitada e unidimensional, sob a ótica de propostas
pedagógicas progressistas, indicaria a execração daqueles que clamam pela “grade
para “prender o aluno”. Mas, tendo em vista a complexidade humana, podemos
tentar compreender, no imaginário dos atores sociais da comunidade escolar, o que
representa a seleção para fazer parte de um conjunto de saberes que todos devem
aprender e o fato de não ser selecionado. Talvez seja o caso de desarmarmos
nosso olhar para essa questão.
[...] Primeiro dia no PET. No portão, sou atendida por um funcionário.
Apresento-me, atravesso a área onde um dia houve uma horta _ há delimitação de
canteiros com mato crescido _ e me encaminho para a secretaria. [...]
127
A fim de cumprir o compromisso de anonimato com os entrevistados, os
professores serão cognominados P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7 etc.. Aqueles que
ocupam algum outro cargo, serão identificados na referência a este. Para os alunos,
usaremos A1, A2, A3 etc.. Para suas mães M1, M2, M3. Há ainda um pai de aluno,
que será denominado como tal [...]
Percebo, pela movimentação nas salas, que algumas oficinas estão
funcionando nesse momento. Nos murais, impecáveis, ainda se vêem os temas
trabalhados no ano anterior. Nesse dia a Coordenadora do Pólo não estava presente
e sou recebida na secretaria por P1 e P2, ambas licenciadas em Ciências Agrícolas:
P1 está ocupada ministrando oficina e P2 está atendendo ao público. Está sem
turma, pois aguarda a aposentadoria, que deve sair a qualquer momento “Quem
sabe amanhã?”, opina. Já conhecia, superficialmente, P1, da UFRRJ [Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro], como estudante e da sondagem que fiz,
anteriormente, para elaboração do projeto de pesquisa. Sou recebida com alegria e,
ao informar-lhe que continuo na pesquisa, agora no mestrado, percebo como da
outra vez, quase um pedido de socorro. Fala-me rapidamente da situação: não há
mais oficina de técnicas agrícolas e sim de “meio ambiente”; que há um professor,
também de Ciências Agrícolas, que trabalha com jardim, acompanha com os alunos
o projeto de reflorestamento (Projeto Mutirão) no morro atrás da escola e, ainda,
identifica alguns problemas ambientais na comunidade, usando a fotografia. P1 sai,
vai para a sala de aula. Continuo com P2. Ficamos conversando, alternando com o
atendimento ao público. Várias pessoas compareceram para fazer inscrição nas
oficinas oferecidas.
P2 oferecia, no ano anterior, “oficina de reciclagem”, “meio ambiente”. Fez
curso, oferecido pela Secretaria, com esse fim. Está na rede municipal por meio de
128
concurso, desde 1985. Na ocasião a disciplina fazia parte da matriz curricular: “A
saída da grade mexeu muito comigo. Considero a nova proposta bonita, porém, por
não ser mais obrigatório... os alunos não têm idade, maturidade, eles têm tantas
opções: shopping...não levam tão a sério.”
Interrogo, então, se há desinteresse pelas oficinas em geral e não somente
pelas atividades agrícolas, ao que responde afirmativamente. Informa que a
divulgação das oficinas é feita “de porta em porta”. “Você, como professora [no caso
eu_ professora de Ciências], não precisa ficar indo procurar alunos para a sua aula,
você chega e sua turma já está formada. O fato de não ser obrigatório dificulta.”
Perguntei como se sente com a situação de não trabalhar com o conteúdo de
sua formação acadêmica: “Como? ... frustrada. Passei a aguardar a minha
aposentadoria. A professora P4 que veio de outra escola, adora plantar, fazer
horta... abriu a oficina e não apareceu ninguém. Ninguém quer sujar as mãos...”
Indaguei se colocaria um filho seu numa oficina de atividades agrícolas.
Afirmou que sim, pois acredita que o contato com a natureza, a ligação que o tema
tem com as outras disciplinas,contribui positivamente: “Os professores acham que o
aluno que participa das oficinas, melhora... os hábitos”. Especulei que, então, não
via a atividade com finalidade profissional: “Claro que não! Ninguém está aqui para
profissionalizar ninguém... ...a intenção é despertar... Isso! Despertar habilidades.
Não no sentido de qualificação profissional, mas de formação do aluno...”
Faz correlação entre as atividades agrícolas e a educação alimentar: “O aluno
quando planta, cuida, ele quer provar [...] conhecem hortaliças que não conheciam.
Quando fazia parte da grade, tudo funcionava plenamente. No início fazia horta,
vendia verduras para os professores da Rural [Universidade Federal Rural do Rio de
129
Janeiro] e o dinheiro dava até para comprar coisas”. Acrescenta que no início do
PET conseguiu fazer horta, “[...] mas depois...”
Uma mulher _ aluna do PEJA_ que está se inscrevendo em uma oficina,
intervém e comenta que “Lá no ‘ Mendanha’ as pessoas elogiam muito os cursos da
escola e dizem que era muito bom quando tinha horta”. O Mendanha é uma área de
Campo Grande com predomínio de sítios, tendo ao fundo a Serra do Mendanha. A
escola recebe alunos de lá.
Estranho a presença de alunos adultos_ chegam mais dois _ e P2 esclarece
que há alunos do PEJA (Projeto de Educação de Jovens e Adultos), que funciona à
noite, onde estiveram, pessoalmente, fazendo a divulgação. Explica que quando
divulgam as oficinas é necessário esclarecer o que é “porque eles não entendem
bem”.
Chegam duas alunas, já conhecidas de P2 da escola convencional, para se
inscreverem em uma oficina. Uma delas tenta explicar a oficina desejada: “Acho
que é de Meio Ambiente. Não é essa que é profissionalizante?”
Ao que a professora responde: “Não tem nenhuma oficina profissionalizante.
Ela ajuda para concursos para o ensino médio.” Ao que a aluna se manifesta
afirmativamente. A professora registra os nomes das meninas e diz para
conversarem com o P3, porque a turma já está muito cheia, não há mais vagas.
Pedi esclarecimentos sobre a atuação desse Professor P3 (professor
licenciado em Ciências Agrícolas): “O professor orienta os alunos para concursos,
trazendo questões... Ele é ligado nisso... Os alunos gostam muito de fazer a oficina
com ele por causa disso.”
130
Perguntei sobre a presença de outras pessoas, não alunos, nas oficinas, ao
que foi esclarecido que há cotas de vagas, sendo: 90% para a Rede e 10% para a
comunidade em geral. [...]
Fiz contato telefônico com a Coordenadora do PET, apresentei-me e expus
sucintamente os objetivos da pesquisa e o meu interesse em conversar com os
professores. Esclareci que tenho a intenção de captar as percepções de
professores, alunos e seus responsáveis sobre as atividades agrícolas. Ela
demonstrou interesse no assunto e antecipou-se em informar que há problemas em
relação ao tema e que inclusive discutia recentemente o assunto na Coordenadoria
de Ensino. Falou que não há interesse dos alunos e pais daquela comunidade nesse
tipo de atividade: “eles preferem informática e outras coisas... Nós temos espaço,
uma boa área para horta, mas não há interesse...”
Mostrou-se simpática e receptiva e demonstrou boa vontade ao indicar o
melhor dia para que eu pudesse estar com todos os professores reunidos. Seria
uma terça-feira, que é o dia da reunião ordinária do grupo.[...]
Fui recebida pela Coordenadora, de forma acolhedora, e apresentada ao P3,
que me conduziu à sala onde os demais professores estavam reunidos. O grupo era
assim constituído: os professores Licenciados em Ciências Agrícolas, P1, P2, P3, P4
e P5, sendo que P2 não se encontrava presente por já estar aposentada; P6 é
habilitada em Técnicas Comerciais e aguarda a aposentadoria; e P7 é habilitada em
Técnicas Industriais.
Não estão propriamente em uma reunião ou preparados para uma. Cada qual
está em uma mesa em meio a papéis que devem ser preenchidos: listagens e
relatórios referentes às atividades das oficinas. P1 me recebe amavelmente_ eu já a
conhecia_ mas também está envolvida com o preenchimento dos papéis.
131
Há uma preocupação de P3 em atender-me _ ele não se ocupa de outra
coisa_ e convoca os colegas, que passam a ouvir-me, sem, no entanto,
abandonarem seus afazeres. Esclareço o motivo da minha presença. A P6, por não
ser de técnicas agrícolas, entende que não precisa participar, ao que explico que
sua participação também é importante. Alguns minutos depois ela se retirou, mas se
colocando à disposição, se necessário fosse, e mais tarde retornou.
O meu objetivo nesse dia era somente me apresentar ao grupo e esclarecer a
respeito da pesquisa. Imaginei que teria que falar muito, que seria crivada de
perguntas a respeito de meu interesse pelo assunto, porém isso não ocorreu. Havia
ali pessoas ansiosas por serem ouvidas. P1 começou a falar, alternando com P3. Ao
perceber que a situação poderia oferecer dados importantes, pedi autorização para
gravar. Ninguém se opôs.
P1 começa esclarecendo que faziam parte da matriz curricular da escola e
reconhece que houve acomodação dos professores, uma vez que, quando isso
mudou, não houve questionamento. Demonstra não lembrar exatamente quando
isso ocorreu e pede auxílio aos colegas, que demonstram a mesma dificuldade. P3,
então, complementa dizendo que não houve interesse da Secretaria de Educação
em manter a área e faz referência à ausência de concursos: “Então você sente que
a própria Secretaria não... teve assim... não sei se usar o termo compromisso...
interesse! Acho que interesse é a palavra! De manter a área... A sensação que se
tem é que eles estão assim, vamos...”
P1 interrompe: “...desmanchar... a estrutura que existia, né? Tinha um colega
antigo na rede que ele falava que... a palavra que ele usava, o termo que ele
usava... era um processo de desmonte... Era como se estivesse colocando cada
132
coisa num lugar para ir desmanchando a estrutura. Como se não houvesse um
investimento de continuar mesmo...”
Questionei se não percebiam a ida para o Pólo como um modo de manter a
atividade agrícola, ao que P1 respondeu narrando um breve histórico da situação da
disciplina e o vínculo da UFRRJ com a Secretaria Municipal de Educação.
“É, eu, assim, na época quando entrei em 85, eu lembro que havia, assim,
uma união entre a Universidade e a rede, no sentido de quê? Você quando está
dentro de uma universidade, sendo federal, como é o caso da Licenciatura em
Ciências Agrícolas, a gente via que eram os próprios professores da área de
educação... [nomes] ...eram eles que montavam o concurso. Eles eram convocados
pela Secretaria de Educação para montar o concurso para professores da rede...”
E continuou: “Tem muito a ver com leis voltadas para o currículo da
faculdade... Então, esse currículo aqui vai ser útil nesta área... no Rio de Janeiro. A
gente tinha o nosso emprego garantido porque existia esse meio de... que era a
Rede Municipal ter as técnicas agrícolas, como tinha também a educação para o
lar...” Informou que em outras áreas houve reestruturação para ficar mais de acordo
com o Ensino Fundamental e que com as Técnicas Agrícolas o vínculo foi perdido:
“Nós perdemos o vínculo, que deveria ser qual? Meio Ambiente! Faltou um
investimento nessa área ...”
Ao ser questionada sobre quem deveria ter investido nisso, ela respondeu
que “todos”.
P3 interrompe: “Deixa de ser obrigatória... o aluno... Você, estando num meio
carente como o nosso, nota algo interessante: uma certa resistência do aluno a
mexer com terra... A partir do momento que ele faz isso se ele quiser, opta por não
querer... Infelizmente... O divisor de águas é exatamente isso aí, deixou de ser
133
obrigatória, passa a ser facultativo... com essa resistência reestrutura-se o Pólo em
outros moldes para... a questão do trabalho.”
Ao questionamento sobre a orientação dada aos professores que foram
contratados após a saída da matriz curricular obrigatória, respondem de forma
confusa.. Nesse momento há divergências no grupo sobre datas e obrigatoriedade
da disciplina e não chegam a um acordo.
P4, então, intercede: “A gente pegava turma sim, era meio que obrigatório...
Não! Em 95 quando a gente entrou... não era assim ... não era muito [ênfase, na
fala] obrigatório, mas usava como um ‘tapa buraco’... horários vagos ... existiam
‘buracos’ e a gente entrava nesses ‘buracos’... Havia isso como uma técnica de
arranjar a vida do professor...”
P1 complementa dizendo que o professor funcionava de forma diferente em
função da estrutura da escola na qual estivesse lotado:[...] você ia para
determinadas escolas que sequer tinham um espaço para ter uma horta. Existia
essa possibilidade, de você chegar lá e ter somente uma horta em caixote, nem ter
uma sala ambiente... E por outro lado, escola que até microtrator tinha. Então,
existia assim uma diversidade de escolas... Tinha uma escola que tinha tudo
preparadinho: a sala de aula, sendo sala ambiente, área cercada... os canteirinhos
[...] mesmo quando era obrigatório”.
P7 acrescenta que as disciplinas da formação especial, mesmo nas escolas
sem muita estrutura, tinham condições para o funcionamento: [...] tinha o
maquinário de artes industriais... Todas as disciplinas tinham as suas salas.Tanto é
que havia feira onde cada disciplina colocava os trabalhos [...] movimentavam
cheque [...] [...] a parte de comércio e a gente entrava com a mercadoria... Depois
disso veio caindo, veio caindo...” Menciona que ensinavam noções de eletricidade,
134
instalação hidráulica, marcenaria e que tudo foi se deteriorando, informando que a
primeira coisa que faltou foi o material “[...] Nós deixamos de ser prioridade!”.
P1 interrompe: “Quando veio a multieducação com os temas transversais,
meio ambiente... a gente pensou que realmente seria a hora de reaver... a nossa
postura. Pediram que a gente se juntasse e elaborasse, fizesse um documento de
cada área... havia uma dificuldade de reavaliar essa nova colocação nossa na
estrutura...”
Indaguei sobre a preocupação da secretaria e sobre esse documento, ao que
P1 respondeu, esclarecendo que o pedido do documento veio da SME, onde
deveriam expor a situação em que se encontravam e que nunca souberam o que
resultou daí, que nada aconteceu.
Constatando a disposição do grupo em falar, resolvi ir adiante e tentei dar
uma orientação para as falas solicitando que procurassem, um a um, traçar um
paralelo entre a formação acadêmica, o processo vivenciado ao longo desses anos
em relação à disciplina e os próprios sentimentos, tendo em vista a situação atual.
P1 iniciou: “Trabalho aqui no pólo, é... nada relacionado a minha área. Nada!
Deixei de ser professora de técnicas agrícolas. Fui fazer um curso de capacitação
em fotografia...tenho... Gosto da área de artes...mas dentro dessa área... Não é
minha praia! Eu sinto assim como se eu estivesse fazendo algo o que não é o que
eu gostaria de fazer... Embora... Acho que a gente tem capacidade pra tudo. Na
verdade, ‘se vira’ fazendo um pouquinho de cada coisa, mas não é a nossa área, a
gente não é... formado naquilo. Descaracterizou bastante a nossa formação com
aquilo que a gente faz...”
Perguntei sobre como os conhecimentos de sua área poderiam contribuir no
contexto atual das escolas. Ao que respondeu: “Eu acho que levar mesmo esse
135
aluno a pensar nas questões ambientais... essa questão da volta à agricultura, a
necessidade do homem, do alimento. Sempre aquilo que a gente colocou como
importante...como meio de sobrevivência, que é a base, que deveria ser por aí...E
que a gente vê que isso se perdeu. Hoje em dia, aliada à parte da sobrevivência,
não em termos só do alimento, também a questão de que de uma hora para outra...
Cada vez mais a gente tá vendo a parte climática... as mudanças que estão
ocorrendo no ambiente... E que isso aí, quando o homem se der conta... e a
juventude, então, nem pensa nessas coisas, não tem noção do que...Parece que é
completamente alienada. Quando a gente chega dentro de uma sala de aula, a
gente vai trocar uma idéia... Eles estão muito envolvidos com a parte de
tecnologia...é... informática, consumismo e não entendem absolutamente nada.
Então, é como se deixasse... fosse até proposital: não vamos pensar nisso. O que a
gente tenta fazer é sensibilizar esse aluno para essas questões... independente da
gente trabalhar... por exemplo, trabalho com fotografia: eu levo o aluno lá pra fora...
fotografa a natureza... a gente conversa, né? Quando a gente já faz meio ambiente
com fotografia, a gente fotografa essa área, a gente mostra erosão, começa a falar
sobre isso. A questão, aqui mesmo, do jardim da escola que a gente já tentou fazer,
revitalizar várias vezes...”
Sugere a inserção da tecnologia, o uso do computador para a revitalização
das atividades agrícolas. E, ainda, que a disciplina deva ser inserida na matriz
curricular: “Na grade! Na grade... na grade... tem importância fundamental. É na
grade! A única maneira de se prender o aluno é na grade... Dada até a evasão
escolar que a gente vê no núcleo comum da escola, dada a violência do Rio de
Janeiro, dada... Vários fatores levam a essa evasão... família que está bem
desestruturada, não é? Hoje em dia todo mundo sai pra trabalhar e a criança fica por
136
conta própria, vai prà escola. Hoje tem tiroteio ali, não vai poder ir ... Até mesmo
dificuldade de transporte, essas crianças têm... elas sentem... Na sala de aula elas
falam: ‘Hoje não deu para entrar no ônibus professora’. Então, quer dizer, uma
questão estrutural. Não é só a escola em si. Vários fatores levam a essa evasão.. Se
não for obrigatório, eles não vêm, tem que ser obrigatório!”
P3 começa seu relato informando que foi admitido no último concurso para a
área em 1994 e que, na ocasião, a disciplina estava “de algum modo” inserida na
matriz curricular e que “de certa forma” funcionava. Quando questiono o “certa
forma”, esclarece: “Quando estamos ... facultativos... o próprio nome sugere... Você
quer ficar em casa ou quer vir para cá mexer com terra, mexer com planta, mexer
com...? É quase unânime, né? Veja bem, o que a gente sente ao longo desse
contato é que, às vezes, até os pais dizem expressamente: ‘Poxa! Eu tive uma
infância difícil, eu estive ligado de algum modo à terra, plantação etc. e não quero
meu filho enveredando por esse caminho.’’
“Acaba enxergando como experiência negativa. Só que os tempos
mudaram... E é claro que nessas mudanças quando o menino vai mexer com a
terra, vai mexer com uma planta, ele tá pensando, ele tá materializando
conhecimentos e conceitos. Ao falar de uma planta, obviamente o professor já
traçou“n” conceitos correlatos com outras disciplinas: é um ser vivo, tem um ciclo
vital, está no meio ambiente, faz parte de uma biodiversidade, é essencial à vida,
tem a tal de uma fotossíntese, enfim, ele agrega aí outros valores que muitas vezes
as outras áreas apenas mostram do ponto de vista teórico, né? Como esse ser vivo
está inserido na Terra. A Terra também é um hábitat que é pulsante, né? Que tem
vida intensa, interagindo o tempo todo. E ele começa a refletir a própria questão
ambiental... O processo produtivo em si é um processo agressivo ao meio
137
ambiente...Você tem milhares de plantas, naturalmente, adaptadas e você
simplesmente, como regra, dizima para entrar com uma espécie ou duas
melhoradas pelo homem. Então, não é só mexer com a terra em si, não é só botar
uma semente em si para germinar. Por trás disso, tem todo um aprendizado e não é
pouco, não é pouca coisa... Então, trabalhávamos também a questão da noção da
nutrição de um vegetal, o sol como fator de produção, as plantas medicinais, seus
históricos...Isso convergia também para um contexto maior, o meio ambiente... Só
que o aluno trazia essa certa resistência.”
Inquirido sobre a possibilidade de rompimento de tal resistência com a
persistência da atividade, responde afirmativamente.
P1 interrompe: “Quebrava [a resistência à atividade] para aqueles que tinham
um gosto por essa área, afinidade com a área... Aqui é uma região que era uma
zona rural... muitos sítios, os pais vinham dessa área, muitos trabalham ainda na
terra, deixaram de trabalhar. Então, essa fala a gente ouve mesmo (a fala dos pais
mencionada por P3)....”
P3 retoma: “É um bloqueio, exatamente... Até porque, para mostrar todo esse
lado, você precisa trazê-lo (o aluno) e mostrar... Isso leva tempo, tá? E para quebrar
esse bloqueio, se você deixa isso pela espontaneidade, não vai conseguir. Acho
muito difícil... As técnicas agrícolas não estão separadas das tecnologias...”
P1 interrompe de novo para exemplificar e menciona várias ações que já
foram ou estão sendo executadas por eles e outros colegas em outras unidades:
criação de pequenos animais, como aves, hidroponia, compostagem, casa de
vegetação. “O pessoal foi diversificando.... É difícil... é a gente competir com o
shopping... É verdade?
P3 complementa: “Com a mídia...”
138
P1 retoma: “Com a mídia, com a televisão, com a informática! A criançada
quer coisas de movimento... Eles querem isso...”
P4 acrescenta que o aluno, às vezes, demonstra um interesse inicial, mas
“eles não têm a paciência... Como a gente vê um bebê crescer. A gente vê aquilo e
aceita. Eles não aceitam o desenvolvimento de um vegetal, botou a semente hoje,
amanhã... Eles acham que vai botar hoje a semente e amanhã já vai tá pronto lá...
‘Quando é que a gente vai colher?’ São imediatistas.”
P1 traz a informação sobre um curso que fizeram em que visitaram um
trabalho com horta comunitária desenvolvida num shopping da Barra da Tijuca por
uma colega e que foi bem aceito: “Dentro da Barra da Tijuca o pessoal já sente de
outra maneira...Não tendo plantas...Tem até bastante parte de jardinagem, venda de
muda de plantas por ali...Mas o fato deles chegarem lá... Eu sei que ali naquela
hortinha, as crianças iam, de escolas particulares, de escolas do município pra ver e
sentir o cheirinho, o aroma...”
P1 e P3 falam alternadamente.
P3: “Por serem urbanos, por excelência, eles acabam valorizando mais...”
P1 reforça: “...valorizando mais....”
P3 continua: “Aí a tal resistência que nós comentávamos lá no início. O aluno
mais carente por já vir de uma realidade mais carente...”
P1 interrompe: “Sofrida!”
P3 continua: “...historicamente está relacionada...”
P1 interrompe: “...a sofrimento”.
P3 continua: “... essa história está relacionada à agricultura, ao campo, ou
algo similar. Ele acaba tendo essa resistência que advém dos ascendentes... Então,
às vezes, a gente escuta o pai dizer: ‘Pôxa! Eu mexi com terra. Eu não quero meu
139
filho mexendo com terra...’ Só que ele mexeu com terra num outro contexto e não
no nosso contexto... Mexer com terra aqui é outra história, não é mexer com terra
por mexer com terra. Por trás disso tem todo aquele aprendizado que a gente já
havia discutido. Eu posso muito bem usar um computador e mexer com terra, usar
um microscópio e continuar mexendo com terra...”
P1: “Tanto é que se fascinam quando olham alguma coisa ao
microscópio...Isso aí acontece: ‘Que lindo!’ Eles não têm essa vivência nem na
própria escola. No núcleo comum com Ciências eles não têm o acesso e com a
gente aqui têm. A gente faz isso, corta uma folha, mostra...”
P3: “Quando você vai trabalhar adubação está falando de química...
biologia... textos:. Português...Há uma interação disciplinar muito nítida nisso.”
P1: “Você fala de plantas medicinais, tá falando de corpo humano, de
doenças...”
P3: “... cultura, tradição, cultura popular, valores...”
P1: “A gente sai com eles, fotografando... Conhece uma goiabeira? Tem
gente que nunca tinha visto! Tem! Não conhece! Não sabe o que é uma ‘pata-de-
vaca’...”
P6: “Não sabe o que é salsa, cebolinha...”
P3: “Nessa questão alimentar... as crianças...nossas crianças, no nosso
contexto social, de repente, valorizam muito mais um hamburguer, uma coca-cola,
ou seja, o que a mídia enfia garganta abaixo, a uma alimentação saudável... É óbvio!
Porque eles não têm esse contato... Se eles não sabem o que é uma alimentação
saudável, não adianta você dizer para eles que é mais importante você comer um
legume do que você comer um... essas frituras do dia a dia...”
P?: “Por que tem o contato, mas não tem o aprendizado...”
140
P4 se manifesta: “Eles gostam da batata frita, do biscoito, tudo vem do solo...
Qual é o alimento que não vem do solo? Não adianta, a gente tem que valorizar o
solo! É isso que eu tento mostrar para eles... Não existe o catchup, sem ter o
tomate. Não vai ter o biscoito, que vocês gostam, se não tiver a farinha de trigo. Pra
eles poderem valorizar quem tá lá na roça agora, num sol de lascar, que é para você
ter essa comida aqui, ó... suada, com muita labuta mesmo, muito trabalho para a
gente poder ter na mesa...”
A sensação é que quando um burocrata pede um jardim ele não
concebe um jardim e suas etapas. O que é produzir um jardim?
Os professores identificam como um entrave fundamental a possível
ignorância dos gestores a respeito dos diversos fatores que permeiam a execução
da atividade na escola. Denunciam que foram sendo relegados pela instituição ao
longo dos anos no que concerne a apoio. Porém, são solicitados, eventualmente,
para que desenvolvam atividades relacionadas a sua área de formação.
P3: “A gente nota que essa preocupação, via de regra, ficou por conta do
professor. Faltou à instituição também entender essa preocupação e valorizar...O
professor ficou meio perdido e sozinho... Veja: fator resistência, carência... E o
professor teve que resolver isso sozinho...” Outras falas concordando, reforçando:
perdidos, abandonados...” Continua: “Esse apoio institucional que nos faltou e essa
falta fez o declínio acontecer”
P1: “É comum virem nos pedir: ‘Façam, por favor, a parte de jardinagem da
escola.’. Como fazer uma jardinagem...? Se o solo?... Vamos tentar conseguir o
adubo... Cadê a estrutura? Não existe ajuda, infra estrutura...”
141
P3: “A sensação é que quando um burocrata pede um jardim ele não concebe
um jardim e suas etapas. O que é produzir um jardim?... Do ponto de vista técnico?”
P1: “...planejar...”
P3: “... do ponto de vista técnico, do ponto de vista econômico...”
P5, chegando atrasada, interfere e esclarece que chegou um momento em
que já não havia interesse político em ter técnicas agrícolas e que, anteriormente,
desenvolveu as atividades de forma itinerante atendendo solicitação de escolas nas
quais ela fazia “hortinha com as crianças” e que também “cortaram isso”.
P3: “É uma pena, porque as crianças adoravam...Eu trabalhei também com
crianças...”
P5: “O professor ia à escola, aí... cortaram isso. Se tirou o material. Não podia
comprar... As atividades persistiram em escolas que providenciavam os materiais
com recursos próprios, oriundos de cantina etc., uma vez que não havia verba
destinada a esse fim. Então, que o declínio não se deve ao professor. Foram coisas
que foram tiradas aos poucos. Não havia naquela época mais interesse em ter horta
em lugar nenhum. Acho que, agora, eles estão pensando em voltar [...] reunião da
CRE com a secretaria de saúde [...] há dois ou três anos atrás... Nós fizemos um
projeto, não foi?” Interroga os colegas.
P3: “Nós fizemos um projeto de meio ambiente. E não é o primeiro não... uns
dois ou três... Só que mudam os sujeitos desse processo... Infelizmente a gente não
sentiu ainda... É óbvio que se não ocorre mais um concurso é um nítido sinal de...”
P1: “... de desmonte!”
P3: “... que não há mais interesse ....”
P5: “Isso também é um fator complicado. Porque o professor de técnicas
agrícolas, hoje, o que é novinho tem 40 e poucos anos... está se aposentando.”
142
P3:Se não há uma renovação... não há o interesse de manter: ‘Vamos
tolerar os que estão! O último que sair apaga a luz e vira-se a página’. E vamos ver
o que vai acontecer... A questão ambiental é muito pulsante e essa interação com a
nossa área é muito nítida. Agora, tem que ter apoio e infra-estrutura...”
Insisto nos sentimentos pessoais em relação ao processo apresentado.
P3: “A sensação que se tem é que a educação pública no Brasil,
especialmente 1º e 2º Graus [sic]... a verdade verdadeira é que se é para atender a
massa não pode ter a qualidade... para produzir seres pensantes, atuantes e
críticos...”
P1: “...a gente sente frustração...”
Mencionam vários alunos que estiveram com eles e que conseguiram, com o
trabalho ali desenvolvido, ingressar em escolas de Ensino Médio consideradas de
boa qualidade. Falam ao mesmo tempo.
P3: [...] A educação é a regra para promover, para promovê-los. [...]
Infelizmente, as técnicas agrícolas, por esse processo de desmonte... foram ficando
de lado... E o professor fica remando contra uma maré pesada e, quase, sozinho.
Nesse sentido... ocorre a frustração. Você foi formado numa universidade, teve toda
uma formação voltada para um contexto e é colocado num outro contexto onde você
tem que se virar... para criar algo novo e instantâneo, eficaz e prazeroso, sob pena
de ser você o incompetente... ‘Você, professor, se vire!’ ‘Você, professor, se
atualize!’ ‘Você, professor, faça curso!’ ‘ Você, professor, crie!’. Não estou dizendo
que o professor não seja um ser pensante e criativo, tem que ser, tem que ser, mas
alto lá! Ele teve uma formação voltada para um contexto. Então, vamos aprimorar
aquele contexto, se necessário for. Eu vejo, esse contexto diretamente relacionado
com o meio ambiente, umbilicalmente ligado ao meio ambiente. Agora vamos treinar
143
o pessoal, se for preciso... estimular... Se é para valer, vamos fazer um concurso
então, vamos trazer, vamos oxigenar!”
P1: “Você não tem uma visão de futuro... Quem tá ainda desse concurso de
94, que ainda vai ter pela frente uns onze anos... Qual será o futuro? ...Ou nós
vamos parar em outro local? Isso fica pairando na mente deles...Ou vão ser
deslocados para outra função?. Olha que situação! Isso é terrível na cabeça da
pessoa.”
P3: “Cria uma angústia...”
P1: “Uma angústia... Os professores estão frustrados, angustiados...”
P3: “... e sem identidade!”
P1: “...abandonados e sem identidade!”
P4: “Atualmente, me sinto muito frustrada... O que a gente faz aqui é fazer
‘enfeitinho’. Claramente, a gente fala aqui: ‘ fazer enfeitinhos’. Porque trabalhar na
área da gente... Não tem interesse nenhum, não existe interesse da comunidade.
Parece que dos órgãos públicos também não existe. É aquilo que o P3 tá falando e
a P1. Cada vez mais você bitolar a cabeça da criança para que ela não seja uma
pessoa consciente e crítica.[...] Por mais que você tente mostrar o lado pedagógico
da coisa... a fome que eles têm é simplesmente do enfeitinho pelo enfeitinho. Por
exemplo, eu dou oficina de reciclagem para estar inserida em meio ambiente, para
não fugir muito da minha área, mas, se você pega um texto para ler, começam a
bocejar...”
“A gente traz a questão do lixo, tem que trabalhar os três Rs... E a gente quer
trabalhar isso para criar uma consciência ecológica... Um problema sério que o
planeta está enfrentando e essas crianças vão enfrentar com seus filhos, seus
netos. A gente nem tanto, mas eles vão muito, enfrentar isso! E a gente não
144
consegue trabalhar essa questão. Então, é o enfeitinho pelo enfeitinho mesmo!
Então, eu me sinto muito frustrada... Cheguei aqui tem dois anos.[...] Tentei montar e
eu consegui montar uma turma e terminei o ano com um aluno [oficina de técnicas
agrícolas, para fazer horta]. Consegui ficar com um aluno até dezembro, era: eu e
ele, ele e eu... Alguns que se matricularam saíram, porque sabem que o processo é
difícil... Depende de um colega para molhar... Eu fui a última que tentei e foi aquele
processo de angústia o ano inteiro... A direção falando: ‘Ela gosta, vamos
tentar...vamos tentar...’ E eu lá, sozinha... Eu trabalhei doze anos na Médici [outro
PET]. Foram doze anos com horta, lá eu não fugi disso... Funcionava, tinha época
em que os alunos sumiam... a gente ia para a escola de 1ª a 4ª e pegava aqueles
alunos de 3ª e 4ª, que eles gostam mais do que os de 5ª a 8ª, que falam que ‘tá
pagando mico’ ... Tem muito esse preconceito: perante a menininha, ele tá com
enxada na mão. A menina, também, que vai arrumada como se fosse para um
shopping, ela também ‘ tá pagando mico’. Por mais que ela goste do negócio, ela
não aceita tá fazendo aquilo por causa do coleguinha que vai recriminá-la...” [...]
No filme americano você vê aquela mulher linda-maravilhosa mexendo
na horta. Aqui no Brasil... mexer em horta é aquele cara lá do... de dentro do
mato
O estigma depreciativo em relação à atividade agrícola é mencionado
diversas vezes pelos professores, como percepção atribuída aos alunos e seus
familiares. Há situações em que o tom dado às falas sugere uma concordância com
aquelas percepções e uma tentativa de apresentar a atividade “disfarçada” para que
seja aceita. É possível identificar mágoa pelo entendimento de que o menosprezo
em relação à atividade se estende ao professor da área e aos alunos que a
praticam. Nesse caso, há tentativas de reverter essa visão com estratégias diversas.
145
P1: “Conforme a época, se na novela... novelas de época, musiquinhas...”
P1 fala de forma confusa, mas todo o grupo parece entender e acrescenta
comentários:
P3: “...dos sem terra...”
P4: “...é... muito!”
P1: ‘Vai peão!’
P4: “‘Lá vai o sem terra...’ Eles falavam assim quando a gente passava com
as ferramentas. Lá na Médici [PET em Bangu] a gente enfrentava muito isso [...] A
gente passava da sala de ferramentas para a horta... Como eles eram assim
agredidos verbalmente! Eles chamavam mesmo: ‘Lá vai o sem terra! Vai capinar,
peão!’ Mas aí eu falava para eles que quem estava perdendo eram eles. Tenho
alunos que foram incentivados e estão no CETUR (Colégio Técnico da Universidade
Rural)... Porque se identificaram com aquilo.”
“Lá também já estava em decadência... a maioria das crianças não queria. A
gente tinha que conseguir aluno do primeiro segmento. [...] Eles têm maior aceitação
... o único empecilho era a mãe levar... Ainda não tem aquela influência da mídia
sobre ele, dos colegas... Existem fatores externos que influenciam para que eles não
aceitem...”
P3 e P1 falam ao mesmo tempo, reforçando a fala de P4, citando o
preconceito que vai sendo construído pela influência da mídia e que quanto mais
carente o aluno maior essa influência e a rejeição pela atividade etc. P4 concorda.
P1 menciona que alguns alunos são atraídos devido ao interesse por algumas
profissões como veterinário, “mas se for falar de terra, ninguém quer... meio
ambiente...”
P4: “Você não vê ninguém falando que quer ser agrônomo.”
146
P1 e P3, falando juntos, alternadamente, mencionam ações que tentaram
desenvolver nas oficinas relacionando aos aspectos ambientais da localidade com o
morro ao fundo, os criadores de gado, as queimadas, o processo erosivo, as ações
de reflorestamento.
Mencionam também o desagrado pelo fato de terem que ficar “buscando o
aluno” para as oficinas em várias escolas: “eu tenho horror” e também a
responsabilidade e dificuldades de manter os alunos assíduos e cumpridores de
regras em atividades em um espaço que é opcional.
Indago a P4 sobre propostas para que as práticas agrícolas sejam inseridas
satisfatoriamente.
P4: “Eu acho que deve voltar para grade. Não precisa ser com o nome de
técnicas agrícolas... Mas como um projeto de educação ambiental. As crianças
precisam disso, os professores precisam disso, estão aí com fome de capacitação ...
É só fazer o projeto que a gente abraça. Eu tenho muita vontade de trabalhar numa
coisa assim, entendeu? Eu trabalharia com crianças e adolescentes para essa
questão ambiental... Não é que seja somente a questão ambiental, isso reflete na
vida deles num todo, dentro de casa com a família vai melhorar, na rua vai
melhorar... Acho que tem que voltar [para a matriz curricular].”
“Não adianta, você não consegue tirar uma criança de 7-8 anos da cama.
Vamos para a escola!..Se não for obrigado... Gente! Você vem trabalhar, assim, com
prazer imenso? Não vem, né? Vamos falar a verdade: Que você gostaria de ficar
dormindo até oito horas... Então se você não fizer... tipo soldadinho mesmo, você
tem que trazer, você tem que obrigar a fazer a coisa, aí ela toma gosto por aquilo...
Eu acredito que, na grade sim. Se não, daqui a pouco Matemática, Português,
147
Ciências... também vai ser opcional e a gente não vai ter mais nada! Vai deixar na
opção, a criança vai querer televisão.”
P1: “Acho que a criança não tem maturidade para lidar com escolhas...”
P5 Menciona curso que fez há alguns anos sobre meio ambiente envolvendo
a secretaria de saúde: “A gente fica querendo um projeto de meio ambiente... E o
ambiente não é tudo que cerca a gente? Acho que a gente não pode separar uma
coisa da outra. Não precisa ter um professor específico. O que precisaria era uma
orientação para o professor.” Comenta que, quando desenvolvia as oficinas
itinerantes, o professor da turma atendida ficava alheio à atividade que estava sendo
desenvolvida. “A gente precisa de um projeto de conscientização para todos.”
Defende uma mudança de postura de todos para um envolvimento da escola como
um todo. Relata ter trabalhado em escola onde, inclusive,o diretor molhava a horta e
o jardim e que todos da escola se orgulhavam do resultado e havia o envolvimento
das várias disciplinas. Acredita na necessidade de elaboração de projeto amplo.
Aponta contradições na organização das oficinas ao constatar que, se o aluno
vem em um turno para a oficina e depois vai para casa, que pode ser distante, ou
para a escola regular, “ele quer sair bonitinho”. O que seria difícil, realizando
atividades agrícolas.
P4 comenta a possibilidade de a nova gestão da prefeitura ter outra
percepção em relação ao meio ambiente e estimular ações nesse sentido.
P1:Vê como a gente está sempre antenado? Vendo onde a gente pode
entrar? O curso de meio ambiente ligado à secretaria de saúde envolvia a
alimentação, a preocupação com as crianças estarem se alimentando de forma
errada. Então, vinha o Instituto Annes Dias, que era da parte de alimentação,
preparava o cardápio escolar, a merenda escolar. Foi quando foi proibida as
148
cantinas em escolas, venda de doces, refrigerantes... E aí começaram a balancear a
alimentação das crianças... Nessa hora veio a Secretaria de Educação, Secretaria
de Saúde... Então, lembraram que existiam professores da rede municipal que
tinham técnicas agrícolas, sabiam fazer a horta. Então, a gente tá sempre tentando
pegar alguma coisinha para lembrar que a gente ainda tá vivo.”
P5 acrescenta que havia também interação bem próxima com os professores
de Ciências. Com o que os outros concordam, falando todos ao mesmo tempo.
Acrescentam comentários, mencionando outras áreas, outros professores que se
envolviam levando seus alunos para o espaço da horta.
P1: “Algumas vezes até como castigo... [risos] ... os mais levados...”
Os outros professores mostraram-se pouco à vontade com o comentário e
não acompanharam esse movimento.
P6:Parece que, à medida que eles criaram os Pólos, foi desmembrado da
escola. A gente ficou mais isolada. Aí aconteceu mais essa separação e essa
dificuldade da gente trabalhar... A intenção do pólo era unir todo mundo...”
P5 é enfática ao afirmar que hoje não faria mais nada do que já fez, pois está
satisfeita com o trabalho que desenvolve atualmente nas oficinas de artesanato:
Hoje eu gosto do que estou fazendo. Eu faço horta na minha casa”
Pergunto para P5 em que momento se desvinculou da atividade agrícola.
P5: “Em momento nenhum! O Pólo foi mudando a característica. Eu já fazia
artesanato, gosto de fazer artesanato, fiz o curso do SEBRAE...”
P3:Mudança houve, então! Você é concursada para... e hoje faz...” [Usa
gestos para demonstrar uma coisa e outra]
P5: “Hoje eu faço o que gosto, quando eu quero [...] Hoje eu quero continuar
fazendo artesanato. Estou fazendo um trabalho na minha cabeça de me aposentar.
149
Então, eu estou me desacelerando. Não que eu não faça um bom trabalho, eu faço
um bom trabalho... Gosto do que faço!”
[...] as coisas foram mudando... interesse político, cada secretaria que nós
tínhamos tinha uma visão da coisa... Eu gostava muito do que fazia... Eu procurei
colocar na cabeça do meu aluno que com unha feita e de sapatinho alto ele pode
mexer com a terra... No filme americano você vê aquela mulher linda- maravilhosa
mexendo na horta. Aqui no Brasil...mexer em horta é aquele cara lá do... de dentro
do mato. Você tem que quebrar esse estigma. O professor de técnicas não é aquele
Mané, aquele Zé, ele é um professor como qualquer outro, que optou por dar aula
de técnicas agrícolas. E nem o aluno que faz técnicas agrícolas é aquele coitadinho,
peão. Ele não nasceu para ser peão, dali tem mil outros [ ?] que ele aprende nisso
[...] Nós tínhamos na época grandes escolas com grandes trabalhos.”
P6 informa que a atividade se “desvinculou do corpo da escola”, que estando
inserido no projeto político pedagógico (PPP) possibilitaria um trabalho conjunto,
integrado com outras disciplinas, especialmente Ciências. Explica que, com o fato de
funcionarem de modo independente, as ações se isolaram: “O pólo tem seu PPP, a
escola tem seu PPP, a Secretaria separou... Eu acho que à Secretaria, quando foi
interesse... separar.... Fazer uma escola dentro da outra...”
Não conseguem explicar qual seria a lógica, qual seria o interesse dessa
separação.
P5 conta que, no início da criação do Pólo, foi muito confuso... Não se sabia
“quem mandava em quem e quem obedecia a quem”. Ainda era subordinada à
chefia da escola...”
P4, ajudando a colega a lembrar dos fatos, foi concordando e complementa:
“Não sei nem o que a gente é na verdade... Eu fiquei bem revoltadinha...”
150
P5 afirma que não vê a mudança de modo negativo, que não se sente
“incomodada” nem “machucada” como a colega P4. Mas como um processo normal
e que não houve pressão para que ela mudasse, “as coisas foram acontecendo, não
houve, assim, uma pressão...”
Os outros interferem, falam ao mesmo tempo, tumultuam um pouco, não
concordando. Questionam que ela, se assim desejasse, não poderia continuar
dando suas aulas. Ficam exaltados.
P?: “Você aceitou esse fato!”
P5 continua: “Se houvesse um projetinho para eu trabalhar, por exemplo, com
a turma de... especial, lá na horta, eu iria numa boa; ou itinerante, eu iria numa boa.”
P3 interfere reforçando que houve pressão para a mudança.
P5 prossegue mostrando-se disposta a trabalhar na área com alunos
especiais, em experimentos em parceria com professores de Ciências. “Eu gostaria
de fazer... eu fazendo o meu trabalho. Agora, ficar atrás de aluno... começa com
quinze e acaba com um...”
P4: “Isso não é uma pressão?” [fala em tom exaltado]
P5: “Por exemplo, um projeto é uma coisa prazerosa. Um projeto de
jardinagem... Agora eu sair procurando, não! Se tivesse, eu faria numa boa... Porque
é gostoso você ver a horta crescer, colher, você experimentar...”
P3: “Você convencer o aluno que ele não vai comer o computador... Ele vai
comer o alimento... Você pode usar o computador...”
Comentam as tentativas iniciais de conciliar as atividades da oficina, incluindo
o uso do computador associado a questões ligadas às atividades agrícolas e,
posteriormente, os fatores que consideram concorrentes para o desinteresse pelas
atividades: o shopping, o acesso ao computador em outros locais, a TV a cabo.
151
Indago sobre o que fazem hoje, no Pólo, e que ainda mantém vínculo com a
formação acadêmica deles.
P3 informa que na oficina de fotografia, que é desenvolvida com meio
ambiente, houve mudança de foco promovida pelos professores, buscando discutir
conteúdos das várias disciplinas e diversificando as atividades com o uso de textos,
internet, microscópio, passeios ecológicos. Mas reconhece que se desvinculou da
prática em si, no que se refere ao processo de plantio. O que acaba sendo feito
esporadicamente. Ele menciona a mudança de nome para “meio ambiente” a fim de
atrair os alunos, ao que pergunto se de fato funciona.
P3: “Meio ambiente é junto com fotografia... oficina de meio ambiente com
fotografia... sobretudo a interação com outros conteúdos... A grande verdade nessa
atração é que o aluno percebeu que tudo, ou quase tudo, do que trabalhávamos
estava diretamente relacionado com o concurso que ele ia fazer para ingressar na
escola federal. Essa é a grande verdade!”
Esclarece que a grande procura pela sua oficina se dá pela divulgação boca-
a-boca feita pelos alunos, à medida que vão obtendo êxito em concursos, uma vez
que utiliza como base, na oficina, seus conhecimentos sobre plantas para abordar
diversos conteúdos de diferentes áreas.
P3: “A minha oficina não faz nada mais do que a interação proposta pela
Multi... Multieducação.”
P1: “Ele vem ajudando, uma revisão de matérias de um modo geral... Os
alunos perceberam o nível da aula mais elevado e que tá ajudando a passar em
concursos... Como a gente tem essa formação... de achar que isso é importante...A
gente fala: ‘Procura o professor P3...’ O aluno percebeu que havia um retorno e
152
chagava para agradecer: ‘Passei no concurso!’ ... Como se escreve uma redação
legal?... A gente tem que cavar idéias para poder atrair nosso público...”
Comentam sobre as dificuldades que os alunos apresentam em leitura e
interpretação e como tentam contribuir.
P3: “Eu me preocupava muito em passar o embasamento teórico... Eu
entendia que eu, para segurar o aluno, precisava mostrar o porquê daquilo, por uma
concepção pessoal....A oficina foi criando essa dimensão... por exemplo: adubo
orgânico... até chegar no assunto tinha que ensinar regra de três simples...Ponte
com o professor de matemática...”
P1: “Na verdade P3 faz um reforço escolar... É um guerreiro!”
P3: “Reforço dentro da temática do meio ambiente... Você vai trabalhar um
texto sobre aquecimento global e começa a diagnosticar onde estão as
dificuldades... Leitura!”
P1:P3 tem um idealismo muito grande de ajudar a promover o aluno. Ele,
através do estudo, se promoveu como pessoa... Ele veste esta camisa: que a
educação é o meio de promover as pessoas, como regra de evoluir, melhorar de
situação de vida... Vontade de ajudar alguém...”
P3 concorda, dizendo que este é o sentido da educação.
P6 Chega informando que saiu sua aposentadoria. Todos falam. P3 tenta
continuar seu relato em meio à confusão.
P1: “Minha formação é técnicas agrícolas..., eu dou aula de fotografia, moda...
bijuteria e dou aula de desenho e pintura e ainda trabalho com arte... Sou
multi...multifuncional! O ser humano tem a capacidade de fazer várias coisas, mas
você ter uma formação é diferente... Eu não tive uma capacitação. Você até se sente
ajudando....Mas você não está dando uma aula daquilo que você se formou ... O que
153
acontece é o fundo do poço... sobrevivência... Não existe professor sem aluno... A
verdade é que nós não tínhamos nosso meio de trabalho...”
Esclarecem, em conjunto, que no Pólo foram criadas as áreas e foi solicitado
que criassem oficinas atraentes para os alunos. Se um deles insistisse em dar
oficina de horta ficaria “sem perfil” para o Pólo, sem oficina, sem o quantitativo
mínimo de alunos. Que, como têm somente uma matrícula, para garantir hora extra,
necessitam oferecer algo que interesse ao aluno a fim de formar turma.
P7, contando como era quando começou sua atividade profissional, relata que
a escola tinha toda a estrutura para o desenvolvimento das disciplinas de formação
especial, com atividades práticas em que havia a necessidade de aplicação de
conhecimentos de outras disciplinas, o que promovia a integração com os demais
professores “Não era uma coisa isolada... Nas duas primeiras séries era a
sondagem. Ele passava pelas quatro áreas, depois na 7ª e 8ª ele fazia a opção por
uma área e o professor fazia um conteúdo mais aprofundado. Trabalhei 20 anos
nisso. Depois foi decaindo...Não houve mais manutenção...Aí se criou a escola
pólo... O que eu senti: que a gente desenvolvia o mesmo trabalho, mas que o
professor da escola pólo era um privilegiado... A gente que trabalhava na escola
comum, fazendo nosso trabalho, ficava lá. Não tinha material.. manutenção. O
material tinha, se o diretor também contribuísse. Eu botei muito dinheiro meu para
poder trabalhar. Com o tempo, ladrão começou a visitar a escola. Eu fui perdendo
ferramenta, perdendo máquina... Fui fazer curso de artesanato...Por minha conta. O
dinheiro sempre saiu do meu bolso. Aí veio o ciclo, eu e os colegas não podíamos
mais ficar na escola. O aluno não pode ir fora da grade... A CRE fez um projeto no
CIEP e eu fui dar aula para 3ª e 4ª série... Acabou o projeto ...Eu não podia voltar
para a escola porque não posso ficar fora da grade. Então, eu vim parar aqui... Tudo
154
que eu dava está esquecido. Agora trabalho com canudinhos de jornal, com biscuit,
com massa de sabonete, papel marché....”
P5, referindo-se ao fato de a colega ter sido obrigada a trabalhar com as
séries iniciais: “Agora você imagine um professor que é jogado num trabalho
desses...”
Comenta que ela se identifica com o trabalho com as crianças menores, mas
que esse fato teria sido a causa de alguns problemas de saúde das colegas.
P6: “Eu trabalhava com técnicas comerciais... Nós pertencíamos à escola, era
uma sondagem de aptidão... O aluno escolhia na 7ª e 8ª séries e era uma
preparação para o trabalho. Acabou isso!” [...]
Pelo trabalho, é uma educação ajudada pelo trabalho, não é para
profissionalizar...
Os professores ora afirmam a ausência de capacitações e cursos que os
orientassem para essa nova modalidade de trabalho com oficinas nos PETs, ora
mencionam cursos realizados, confundindo conteúdos e os períodos em que teriam
ocorrido. O que se depreende é a pouca eficácia de tais intervenções, haja vista a
dificuldade de compreensão do que seria a essência da proposta do PET: a
educação pelo trabalho. Estaria claro o papel do trabalho como mediador do
aprendizado? Algumas citações indicam percepções que não coincidem com tal
propósito.
Começa uma discussão sobre se era “para” ou “pelo” trabalho. Interrompo e
pergunto qual é a diferença entre a educação para o trabalho e a educação pelo
trabalho. Vários falando, tentando esclarecer. Confuso.
P6 prossegue em seu relato: “Aí vieram os Pólos... mandaram que criasse
dentro da sua atividade as oficinas.”
155
Insisto no esclarecimento para /pelo trabalho:
P1:“Na época eles falavam que educação para o trabalho era para
profissionalizar... Pelo trabalho é uma educação ajudada pelo trabalho, não é para
profissionalizar... Aí a ação passou a ser fazer mais coisas...”
P5: “Me lembrei!... Havia a semana de formação profissional... Falávamos das
profissões...”
Vários falando ao mesmo tempo, relembrando as atividades que
desenvolviam: banco, movimento financeiro, idas à Universidade etc.
P6: “Depois que passou a ser educação pelo trabalho eu fui trabalhar com
informática... Saí correndo, eu não sabia ligar o computador. Mandaram escolher um
professor de cada escola... A diretora me indicou... Fiquei desesperada... a idade e a
vontade de aprender, aí eu fui correr atrás... Fazia curso sábado... Paguei! Eu sou
apaixonada pela educação. Comecei a fazer curso, também, por minha conta.
Antigamente era para o trabalho que era... Pelo trabalho, é o professor observar...
Eu encaro assim: através das atividades que estamos desenvolvendo o professor
vai analisar... Ali é: através, não é? Estou executando um trabalho, vamos
observando....não é?”
Outros falam. Fica confuso.
P?: “Quando entraram aqueles temas... meio ambiente...”
P?: “... transversais!”
P?: “É, através do trabalho você pode educar...”
P?: “O aluno vai desenvolvendo o trabalho de uma forma didática e você vai
dar noção de cidadania, formação a ele...”
P?: “...solidariedade, respeito, valores...”
156
Pergunto sobre a existência de capacitações para esclarecer esse ponto.
Respondem coletivamente que não houve.
P1: “Nada tem capacitação no município, muito raramente você tem...”
Continuam a falar todos ao mesmo tempo. Um deles se lembra de um curso...
Opinam, tentam lembrar quando, onde, assuntos...
P?: “Foi sim, tinha o símbolo da educação pelo trabalho!”
As falas continuam confusas:
“Houve um encontro”
“Foi na época da criação do Pólo, não foi?”
“Foi quando César Maia entrou...”
“97...97!”
P1: “Eu tenho todo o material em casa.”
“96! Não, acho que foi 95!”
Várias falas confusas...
P1: “Teve um educador que veio de São Paulo... falou sobre o
Fordismo...homem-máquina...aí foi falado essas coisas todas...”
Mencionam “Fizemos curso sobre Freinet, Vigotysky, Paulo Freire”. Os
planejamentos passaram a ser em torno de um tema pré-determinado pela
Secretaria para aquele ano. Ex.: “Cultura afro”. As oficinas deveriam abarcar o tema
e ser prazerosas para o aluno. “Atividades prazerosas...” Debateram por muito
tempo a relação para/pelo trabalho sem chegarem a uma conclusão... Citaram as
leis sem terem bem certeza do conteúdo de cada uma. Passaram a discutir as
escolas técnicas atuais. Chega uma professora nova no Pólo, vinda de outro Pólo,
para ministrar oficinas de informática. P1 cita um curso de fotografia feito por ela e
P3. [...]
157
P1: “O momento não é mais para a área rural...Não há procura, não há mais
interesse... Então vocês vão para uma outra coisa... E essa área maior que
apareceu foi... a tecnologia, a informática, a fotografia, são as mídias... Tem
professores de nossa área que trabalham com a parte de vídeo...teatro... E foi
descaracterizando cada vez mais... Não houve uma adequação para a gente no
currículo, na grade curricular...Não houve... assim: ‘vamos inserir esses professores
na área de meio ambiente, no núcleo comum...’ Eu acho que deveria ter sido feito
dessa maneira. A prefeitura não enxergou isso.”
P3: “Tanto não enxergou que não fez mais concurso. A partir daí administra-
se o que sobrou. Com a criação dos Pólos vislumbrava-se uma demanda maior...
Mas o Pólo trouxe professores de outras formações, capacitou em novas áreas... As
disciplinas da formação especial... Descaracterizou!”
Quero meu filho fazendo informática
Os professores parecem entender como pertinente a manutenção da
atividade agrícola na escola urbana. Porém, têm a percepção de que os gestores,
alunos e seus responsáveis não compreendem da mesma maneira. Defendem
adaptações da atividade para o novo contexto. Entendem que todas as áreas
deveriam ter sofrido uma reestruturação e não uma descaracterização, tornando-as
adaptadas para a nova realidade, o que não ocorreu.
[...] P1: “A informática educativa. Os alunos vinham buscando um curso de
informática como um SOS Computadores e não o que a informática educativa
oferecia. Os professores das áreas técnicas tiveram preferência para fazer os cursos
de informática. Nesse caso, a informática fez uma ruptura, porque não se trabalhava
com a informática nada relativo à área agrícola e nem às demais da formação
158
especial. A informática passou a ser uma área. Até os nomes das oficinas são
determinados pela Secretaria. São nomes que eles criaram. Então, as nossas
oficinas têm nomes fictícios criados pela Secretaria.” [...]
[...] Passei toda a manhã acompanhando a professora P1 em suas oficinas:
observação direta e participação ativa. P1 me apresentou como professora e
esclareceu o que eu fazia ali. Fiz as atividades, conversei com alguns alunos,
entreguei autorizações para serem assinadas pelos responsáveis. Participei de três
oficinas: oficina de desenho e pintura, oficina de bijuteria e oficina de fotografia.
Existe um tema _ índio_ proposto no planejamento para esse período, por
isso ele deve ser trabalhado nas diferentes oficinas. O material assim produzido
compõe exposição da Coordenadoria de Educação local. As oficinas são curtas,
pouco se faz com o tempo proposto. Um mesmo professor ministra oficinas
diferentes, seguidamente. P1 esclarece que por volta de 2004 (não tem certeza)
houve uma organização do PET por área e então fizeram os cursos de
aperfeiçoamento para novas propostas. Até então, as áreas e oficinas recebiam a
denominação antiga, adotada quando ainda compunham a Formação Especial e a
Parte Diversificada do currículo, mas já havia mudança no perfil.
Os alunos do PET não têm acesso à merenda escolar. A professora
considera que isso prejudica a permanência do aluno. [...]
Chegando à secretaria do Pólo, fui recebida pela Coordenadora e aproveitei
para obter alguns dados. Informou que foi oferecida no início do ano oficina de
jardinagem e que não houve interesse da comunidade, “não apareceu ninguém...
dois ou três alunos... muito pouco. Os pais dizem que não querem essa oficina:
‘Quero meu filho fazendo informática’...” Diz que está pensando em oferecer “plantas
159
medicinais” para o 2º semestre, porque tem tido mais alunos do PEJA – adultos que
se interessam pelo assunto.
P3 chega para suas oficinas e pergunto se posso acompanhá-lo durante a
oficina. Ao que não se opõe. Na sala, no início, não parece muito à vontade com a
minha presença. Parece dividido entre ministrar sua oficina e esclarecer-me sobre o
seu funcionamento. Apresenta-me para os grupos e explica sobre a pesquisa. Eu
me apresento e informo que também sou professora da rede, ao que perguntam
sobre a minha escola, disciplina... Durante as oficinas, interajo com os alunos. Dou
contribuições, a convite do professor, quando as discussões envolvem questões de
Ciências. Ao final das oficinas, converso com os alunos a respeito das autorizações
para entrevistas. Todos se mostram interessados.
Assim como observado com P1, P3 é responsável por oficinas com objetivos
diferentes. Na oficina de Fotografia Básica [...] à medida que os alunos se ocupavam
das atividades, o professor procurava esclarecer alguns pontos. Informou que
quando o laboratório foi montado pela prefeitura os professores tiveram um ano de
curso de técnicas de fotografia e que só aprenderam técnicas, que a metodologia
fica a cargo do professor. Acrescentou que, posteriormente, enviaram máquinas
digitais e que não houve nova capacitação.[...]
A segunda oficina, Meio Ambiente e Fotografia. [...] Como já havia sido
sinalizado, anteriormente na fala dos professores, essa oficina tem finalidade mais
abrangente e que foge aos registros formais. Todos os alunos são do 9º ano e estão
buscando orientações, reforço para o Ensino Médio. Segundo o professor,
perspectivas para o Ensino Médio. Fazem passeios ecológicos, fotografam
aspectos do meio ambiente, temas atuais, como biodiversidade, desmatamento... O
morro é o nosso laboratório...”
160
Nessa aula (é uma aula!), especificamente, o professor discute o tema solo.
Esclarece que plantaram na aula anterior. Aborda vários assuntos, referentes às
várias áreas (química, física, matemática, biologia...) e presentes no currículo,
correlacionando-os ao tema “solo” e deixa evidente para os alunos essa intenção:
“Vocês viram isso em Ciências...” . Segundo ele, é uma forma “de revisão, de
reforçar o que já estudaram”. [...]
Se não é obrigatório, é porque não é importante
Foram feitas entrevistas individuais com os professores licenciados em
Ciências Agrícolas. Essas entrevistas semi-estruturadas visaram aprofundar os
diálogos tidos anteriormente. Foram orientadas no sentido de estimular os atores
sociais a externarem a relação que mantêm entre as práticas agrícolas e o seu
cotidiano; a pertinência das atividades na escola; as principais dificuldades para a
inserção dessas atividades na escola e propostas para sua implementação.
P1, 24 anos de profissão, sendo os dois últimos anos, totalmente, fora da
área de formação. Desenvolve, em casa, várias atividades relacionadas: corta
grama, tem jardim, uma pequena horta e plantas medicinais. Afirma que sua família
não se alimenta como deveria por influência do marido, que é de família italiana e
gosta de massa e sempre chega a casa “com pão e coca-cola”. Tem dois filhos que,
quando menores, comiam “tudo certinho”. Detesta cozinhar. Tem pouco tempo e
busca também praticidade: lazanha pré-fabricada, bife, batata-frita... Ela afirma
gostar de verduras. Mas o marido come muita carne e os filhos comem muito
sanduíche. O que produz na horta é consumido por ela e pelo filho mais velho, “a
mais nova bem menos”. Informa que teve mais tempo com o filho mais velho e que a
161
filha ficou mais com a empregada. Alega que faz saladas bonitas, mas que sobra,
pois não há interesse pelo alimento. Espera poder ter mais tempo para ter uma
alimentação melhor.
A respeito da atividade agrícola na escola considera que são importantes para
“abrir a mente do aluno, principalmente, sobre o processo de produção de alimento:
como planta... para dar valor. Às vezes as pessoas passam fome e não sabem usar
o que têm, cimentam tudo ao invés de plantar.” Propõe que a atividade se insira
como educação ambiental, sendo obrigatória, como qualquer outra disciplina:
Educação ambiental na grade curricular é uma necessidade” promovendo o
“embelezamento” e informações sobre uso de ervas medicinais.
Sobre a opinião dos pais dos alunos,avalia que “vêem com desdém, querem
que os filhos estudem para as áreas tecnológicas... A gente vê isso na fala dos
alunos”. Quanto aos alunos, entende que são “movidos pela mídia, TV, influências
do grupo, preconceito, o jovem é preconceituoso, Maria-vai-com-as-outras.”
Lista como principais entraves o preconceito dos jovens; a falta de estímulo
da família e a falta de estrutura da secretaria de educação (recursos humanos e
materiais). Destaca a necessidade de um profissional de apoio, o “homem-de-
campo”.
P3, 14 anos na rede municipal, se considera um “resistente”, pois, apesar das
“limitações”, tenta manter as atividades. Insere as atividades de plantio nas oficinas
que oferece atualmente: Fotografia e meio ambiente. Atrai alunos do 9º ano e
procura orientá-los e prepará-los para o Ensino Médio. Procura se satisfazer quando
sabe que um desses alunos conseguiu ingressar em uma das escolas mais
concorridas. Acredita na educação como o principal fator de promoção social. É
162
formado em Licenciatura em Ciências Agrícolas, Engenharia Agronômica e,
recentemente, concluiu Direito.
Há sete anos, trabalhava, também, como Engenheiro Agrônomo
representando indústria de Agroquímica (com agrotóxicos). Informa que em sua
casa há “plantinhas que resistem a mim”, algumas frutíferas e ornamentais. Já teve
horta. Está nessa casa nova há três anos e tem projeto para uma horta, instalou
coleta de água de chuva. A esposa também tem afinidade com a área, trabalha com
nutrição animal.
A respeito da atividade agrícola na escola, confia em que seja “importante e
necessária”. Contribui para a formação da cidadania, para “compreender o processo
produtivo; o contexto ambiental; a importância do alimento”. Permite a “interação
disciplinar: cálculos de áreas, química, seres vivos, ciclos biogeoquímicos... nasce,
cresce, morre, o ciclo vital... É a proposta da multieducação. Hábitos de alimentação
saudável; difundir cultura: chás, plantas medicinais; mudança de hábitos; costumes
e culturas a serem mantidos; questão ambiental...”
Faz uma avaliação negativa dos pais em relação ao apoio no
desenvolvimento da atividade, afirmando que esses não querem que seus filhos
desenvolvam tais atividades. Percebe nas falas dos alunos que “os pais não querem
que o filho faça coisa de pobre, de sem- terra... Querem informática.”
Indagado se já ouvira algum dos pais expressando verbalmente esse
sentimento, esclareceu que não tem contato com os pais de seus alunos.
Quanto à adesão do aluno, sugere que o aluno “é uma reprodução do
contexto no qual está inserido”, daí a resistência. E que, “quanto mais carente, maior
é a resistência. O aluno traz o histórico, a experiência negativa dos pais com o
campo, aquele estereótipo, com fundo de razão...” Esclarece que compreende o que
163
ocorre, uma vez que também tem origem rural. Seu pai era “fazendeiro”. Ao ouvir
minha contraposição de que ser fazendeiro corresponde a outro status,
complementa informando que trabalhou muito, juntamente com os pais e os irmãos,
e que escutava sempre a “mãe falando que se não estudasse ficaria ali a vida toda.”
Devido a esses antecedentes, “tento fazer toda essa correlação”. Vê nas práticas
agrícolas um meio de “materializar o conhecimento” e também de estímulo para
essa área de conhecimento, na qual o aluno possa vir a se interessar pelo Colégio
Técnico (CETUR), a Engenharia Agronômica e outros afins. Enfatiza, mais uma vez,
a sua crença na educação como meio de promoção social.
Apresenta, como proposta, a inclusão da atividade como obrigatória desde as
séries iniciais, por entender que a escola dá a dimensão do que é importante e que,
“se não é obrigatório, é porque não é tão importante”. Defende um horário por
semana para o desenvolvimento das atividades em agricultura. A interação com
outras disciplinas, seus professores e conteúdo programático, é que orientaria a
abordagem a ser adotada. Confia em que haveria a possibilidade de adaptação às
diferentes realidades. Indica a necessidade de funcionário de apoio com o perfil de
homem-de-campo” e de “infra-estrutura para o processo produtivo”. Lembra a
importância de os profissionais serem ouvidos em relação a tais demandas e à
realização de novos concursos para a contratação de profissionais.
P4, 14 anos de profissão, sendo os dois últimos em outras atividades,
“fazendo enfeitinhos”, como faz questão de frizar, evidenciando seu
descontentamento. Em casa mantém área com plantas em vasos: “é o meu refúgio,
ali consigo manter o pouco do que me restou. Sou filha de agricultor, tudo isso é
muito forte em mim. Eu mantinha isso na escola, agora sobrou minha casa. Sonho
em ter um sítio e produzir hortaliças, um jardim...
164
Relatou que ela e os irmãos vendiam verduras na vizinhança, o que era
motivo de zombaria na escola. Mas que aprenderam a se alimentar com “muitos
vegetais, muitas frutas” e que não consome macarrão e pão. Que na ocasião não
entendia e que hoje dá valor.
A respeito da atividade agrícola na escola, confia em que tem valor para as
crianças, embora pense que elas não assimilem os valores de forma racional:
mesmo de forma mecânica vai assimilando, com o tempo vai mudando. O
aprendizado é lento.” Comenta que considera difícil mudar um hábito já consolidado
e que por isso deve-se ensinar desde pequeno: “no maternal”. Vê urgência da
educação ambiental para a formação dos alunos e que as atividades agrícolas
podem contribuir.
Quando ainda desenvolvia as atividades na escola, os produtos eram colhidos
e levados para casa pelos alunos. Conta que eles consumiam, em muitos casos,
alimentos que não haviam experimentado antes. Além disso, por vezes, preparava
juntamente com os alunos uma salada e depois comiam. Embora houvesse alguma
rejeição, a maioria participava “por conta deles terem produzido, houve um estimulo
para que experimentassem. Se começar lá no maternal, plantar e comer o que
plantar, vai criar o hábito...”
Reconhece que tem pouco contato com os pais dos alunos, mas percebe em
seus alunos adultos (das oficinas) que há interesse. Esses condenam o fato de as
crianças não gostarem, apostando que a escola poderia reverter esse quadro,
oferecendo tais atividades. Comentou que a coordenadora do Pólo sempre quis
manter as oficinas em agricultura e que em uma reunião com os pais ao falar sobre
o assunto ouviu de um pai que não queria “o filho com enxada”. Informou que
algumas crianças manifestam interesse e que “quanto mais novo maior o interesse”.
165
Aponta como maiores dificuldades, a falta de interesse da comunidade e de
incentivo dos dirigentes. Alvitra que as práticas agrícolas devam ser incluídas na
matriz curricular, de forma obrigatória e implementadas como projetos
interdisciplinares, envolvendo a comunidade. [...]
Oferecendo, oferecendo...acaba gostando. A criança, hoje, está
esquecendo como comer. Na escola poderia: planta, prova e ia gostando
Um hábito pode se consolidar em função da conjuntura, das características
e da freqüência do episódio. O conhecimento popular indica que a inserção, no
cotidiano infantil, de situações agradáveis contínuas promovendo um contexto
prazeroso pode mudar a percepção inicial da criança em relação a um determinado
alimento.
[...] Chego cedo ao Pólo, antes do início das oficinas, e encontro uma aluna,
A1, que havia conhecido durante uma oficina. É aluna do PEJA (bloco equivalente à
7ª série), é aluna, mãe e avó, chegou cedo demais para a oficina de fotografia com
a P1. Aproveito e faço entrevista. Está no Pólo porque o filho e neta já fizeram
oficinas. Seu interesse era fazer o curso de horta comunitária oferecido pela
prefeitura, mas houve problema em sua documentação. Já fez, junto com o filho de
44 anos, um curso de jardinagem oferecido pela Prefeitura (Parques e Jardins).
Afirma que, se tivesse oficina de horta, essa seria a sua preferência.
Pergunto-lhe o porquê de seu interesse pela horta ao que responde: “Gosto
de plantar, gosto de mexer com a terra...” Explica que próximo a sua casa há um
terreno que acredita pertencer a FURNAS e que vivia cheio de lixo. Quando se
mudou para o Mendanha, há 18 anos, procurou o Padre e se ofereceu para
trabalhar com as crianças e usar área para fazer horta e ensinar a plantar . O Padre
166
lhe disse que “ninguém queria nada disso”, que ele já havia tentado. Depois, então,
soube do curso de Horta Comunitária oferecido pela “Fazenda Modelo”, o filho fez e
ela não pode fazer por causa de problemas em seu CPF. Informou que o filho “não
tinha estudo” e que era segurança e após um acidente não conseguiu mais
emprego. A partir daí passou a estimulá-lo para que retornasse aos estudos e que
fizesse cursos. Hoje, já está concluindo o Ensino Médio e, por gostar muito de
plantas, pretende fazer faculdade de Biologia. Acrescentou que usou as apostilas do
curso que seu filho fez e que tirou xerox e que isso despertou o interesse de uma
filha que “resolveu plantar também” em seu quintal e que a “coisa foi crescendo e
agora cria também animais, patos, galinhas...”
Ao ser indagada sobre a pertinência das atividades agrícolas na escola
regular, responde que poderiam ser desenvolvidas nos tempos vagos e que ajudaria
aos alunos a conhecer melhor o meio ambiente, traria interesse pelo estudo e
contribuiria para se tornarem pessoas melhores. Esclareceu que seus netos
costumam convidar os “coleguinhas” para verem as plantas “da avó”, que
desenvolvem “mais amor pelo meio ambiente... Vê uma aranha colorida e chama
para ver... uma aranha, uma lagartixa...”. Em relação à alimentação e aos hábitos
alimentares “a vizinha oferece abacate, as crianças foram experimentando... foi
oferecendo, oferecendo...acaba gostando. A criança, hoje, está esquecendo como
comer. Na escola poderia: planta, prova e ia gostando... Eles gostam de contar para
o colega o que fez.”
A1 esclarece que nunca trabalhou com agricultura, mas que veio ainda
criança do Espírito Santo para Bangu, onde só havia sítios. Desse seu contato, na
infância, não guarda nenhuma lembrança negativa. [...]
167
Em casa gosto de plantar porque é divertido
Onde se planta, com quem se planta e o que está sendo plantado, parecem
ser fatores cruciais para o sucesso da empreitada. O que se espera aprender na
escola? Quem vai plantar? Quem vai “zoar”? Plantar o quê e para quê? A carga
simbólica que acompanha o ato de plantar pode estabelecer, num mesmo indivíduo,
sentimentos opostos em relação à atividade.
[...] Cheguei para mais uma oficina de P1 e perguntei sobre as autorizações
dos alunos para as entrevistas e falei da minha intenção de entrevistá-los naquele
dia, ela imediatamente convocou os alunos e reservou-me uma mesa mais afastada.
A2 cursa o 8º ano (antiga 7ªsérie), extrovertido e muito falante, conversou de
forma muito descontraída. Mora em casa, tendo na frente um “pequeno” quintal
cimentado, “sem nada plantado”, nos fundos há um terreno com bananeira, limoeiro
e tomateiro. Este último plantado pelo pai, que gosta de plantas. A mãe “não gosta”,
mas “tem uma planta na sala”. Já fez várias oficinas no Pólo: informática, fotografia,
teatro, rádio...Quanto à horta, não tem interesse, não gosta. Acredita que os pais
gostariam que fizesse uma oficina de horta. Considera importante, “ajuda o meio
ambiente... tem a poluição”. Poderia ter na escola regular, “seria bom para os outros
alunos”, eles “iriam gostar”. Ele faria contrariado, preferia não fazer. Quando
indagado sobre por que seria bom para os outros, foi reticente e disse somente: “Sei
lá!”. Insisto e procuro saber se faz alguma relação da atividade com alimentação, ao
que respondeu afirmativamente “a pessoa planta, colhe e come”. Quis saber sobre
sua alimentação, antecipou-se a dizer que gosta e come couve. Então, indaguei
sobre o pé de couve: “Ih! Nunca vi!” Parecia surpreso consigo. Depois disparou,
entusiasmado, a falar que já plantou feijão: primeiro no copinho com algodão e que
168
depois plantou na terra, “cresceu e deu feijão”, mostrou ao pai etc. e que depois,
“não sei por que, morreu”. Dei uma breve explicação sobre o ciclo do feijoeiro a fim
de esclarecer a “morte”, ao que ouviu atentamente.
Questionei o fato de ter se entusiasmado com o plantio em casa e de ter
afirmado que não gostaria de plantar na escola: “Em casa gosto de plantar porque é
divertido, junto com meu pai.” [...]
A3 tem11 anos, cursa o 5º ano (antiga 4ª série) em uma escola mais distante
e depende de transporte coletivo para vir ao Pólo. Percebi que a pergunta sobre a
série que cursava criou algum constrangimento (há um atraso em relação a sua
faixa etária e à série). Pareceu-me mais ingênuo em relação a outros meninos da
mesma idade. Começou, muito tímido, respondendo somente o estritamente
necessário. Ao longo da entrevista, houve alguns momentos em que falou mais
livremente. Sua casa tem um quintal “do tamanho da sala” de aula, “cimentado, com
piso”, há quatro plantas em vasos cuidados pela mãe. Já fez oficina de rádio,
artesanato com jornal, bijuteria, grafismo, fotografia. Pergunto sobre a oficina de
horta. Demonstrou desconhecimento e disse gostar. Começou a contar, assim como
A2, que já plantou feijão no algodão: “nasceu, cresceu e depois sumiu...” Disse que
também tentou plantar “manga” na casa da avó e não deu certo. Perguntei se faria
horta em sua escola. Nesse momento falou sem interrupção e informou que em sua
escola tem quintal e horta e quem cuida é o “gari”, não tem muita certeza: “Eu já vi
pela janela” da sala de aula e a professora “não deixa ir lá”. Viu “um quadrado
grande cheio de planta lá”. Pergunto sobre o tipo de planta “Só planta de enfeite, é
mais um jardim.” Ao ser indagado sobre um possível convite para plantar na escola,
antes de eu concluir a pergunta, sorriu e antecipou-se: “toparia no ato, eu gosto de
plantar”. [...]
169
Perguntei se ele acha que fazer horta ajuda em alguma coisa na escola, na
nossa vida... Respondeu que “na comida, plantando alface, tomate... na merenda”.
Informou que gosta de alface e tomate e de “pé de fruta também”. Insisti: E o que
mais? Respondeu confundindo: “Na saúde. Ajuda na matéria de plantação, em
História, sobre a raiz... Ah! Em Ciências, sobre plantas...” Acrescentou que pode
aprender na escola e fazer em casa, como foi na oficina de “grafismo” onde
aprendeu a fazer lanche rápido e depois fez em casa. Questionei: Grafismo? Então,
corrigiu: “Acho que é gastronomia, com P5: pizza, pão-de-batata...”
A4, 12 anos, 6º ano (antiga 5ª série), estuda em outra escola próxima. É
muito inquieto e dispersivo. Mora em casa sem quintal, há seis plantas em vasos “no
murinho”, que ele molha todos os dias e de que gosta de cuidar, coloca cascas de
batata. Plantou abacateiro no quintal da vizinha: o abacate foi comprado, fez
vitamina e a avó deu-lhe o caroço para plantar. Falou que não sabia que era
possível plantar. Por não terem quintal a avó pediu à vizinha. Faz oficina de
desenho, fotografia e bijuteria. Se tivesse oficina de horta “acha” que faria. Acredita
que a avó e o padrinho (com quem mora) concordariam, pois a avó “ama planta, se
ela tivesse uma área, ia botar tudo de planta”. Em relação à proposição de horta em
sua escola considera que “é bom, ajuda a natureza, é bom para respirar”. Para o
estudo “não sei se ajuda”. [...]
A5, 15 anos, 9º ano (antiga 8ª série), estuda pela manhã em escola no centro
de Campo Grande, faz oficina de Informática e Fotografia e Meio Ambiente (é aquela
turma do P3 que se prepara para o Ensino Médio). Saindo de uma oficina, me
encontra no corredor e pergunta quando vou entrevistá-la (está com a autorização).
Digo que pode ser naquele momento. Ela aprova. Quando pergunto quais oficinas
170
faz, aproveito para saber se faria oficina de horta, ao que responde com desdém:
“Eu não, não gosto”.
Em seguida relata que na aula anterior o P3 levou a turma para plantar umas
mudas de plantas ornamentais e que ela não plantou. Ficou olhando os outros
plantarem. Disse ao professor que estava com o braço machucado. Insisti, querendo
saber o porquê dessa rejeição, ao que respondeu: “Até que eu gosto”, mas que
faltavam “condições” para plantar. Quis saber quais condições e sua resposta se
resumiu a: “Luva. É ruim de eu botar minha mão [na terra]!”
Prosseguiu dizendo que plantar incomoda. Mas que ela gosta “de plantar
negócio para mim [sic] comer... frutas: acerola, banana. Coisas que vai [sic] fazer
parte de mim e que eu vou fazer parte delas.”
Depois passou a relatar, com certo orgulho, o plantio de uma muda
bananeira, levada pelo padrasto, que fez em casa com seu irmão mais novo e que
hoje “já dá banana”. Pergunto sobre o espaço que tem em casa. Informa que tem
um grande quintal com bananeira, jardim e várias plantas, “a gente adora preservar
o meio ambiente. Quando chegamos lá era tudo morto. O verde faz diferença!”
Questionei o que ela havia dito, inicialmente, sobre não querer plantar quando o
professor propôs, ao que respondeu: “Em casa tem a união para plantar, aí anima
plantar. Em casa fico mais à vontade. Na escola dá um pouco de vergonha, as
pessoas, os alunos vão zoar.”
Inquiro sobre a pertinência da atividade na sua escola regular: “Tinha que ter
mais incentivo. Na escola não tem nada de horta...” Insisto em ouvir sua opinião,
caso tivesse: “Acho que seria bom, ia ter sombrinha... Todo mundo ia gostar que
tivesse hora na escola para plantar!”
Interrompo e interrogo sobre a vergonha e a “zoação”:
171
“Vergonha... eles iam [plantar] porque não ia ser só um, ia ser todo mundo.
Acho que os alunos iam se ligar mais no mundo... O aquecimento global, o mundo tá
acabando... Vem através do calo. Acho que as plantas ajudam... Tá vendo esse
ventinho bom? Tem a ver com as plantas, com certeza! É tão bom acordar, o ar
puro... Acho que os alunos aprenderiam mais... Tem que dividir: plantar para o meio
ambiente e para a alimentação. Na escola acho que tem que ter as duas. Mesmo
com pouco espaço, tem que plantar, para enfeitar, para fazer sombra. Em casa dá
para plantar o que comer. Alimentação não é só batata-frita, hambúrguer, é a
vegetação. Acho que plantar ajuda a entender isso”.[...]
A7, 15 anos, 9º ano (antiga 8ª série), faz a oficina de Fotografia Básica e
também é da turma de Fotografia e Meio Ambiente, ambas com o P3, estuda na
escola no mesmo prédio do Pólo. É antigo freqüentador das oficinas, foi apresentado
a mim durante a oficina, pelo professor, como monitor de fotografia. Mostrou-se
satisfeito por estar sendo entrevistado. Contou que mora numa casa com um grande
quintal com muitas coisas plantadas: “guandu, cana, jambo...” a “hortinha” de sua
irmã de cinco anos, para quem ele compra as sementes para que ela possa plantar.
Fiquei curiosa com a história e pedi mais detalhes. Esclareceu que é um cantinho
cercado e que pertence à irmãzinha e que ela entende assim e, portanto, só ela
planta ali. Relatou que já comeram cenouras produzidas pela irmã e que “é um
incentivo... agora ela gosta, antes não gostava. Qualquer legume, ela não gostava.
Agora, se ela pensa que foi ela que plantou, ela come.” Contou, rindo, que enganam
a irmã simulando a retirada de seus canteiros de coisas compradas no “sacolão”,
para que ela coma.
172
Falou, com orgulho, que gosta de plantar: “pra mim é tipo um hobby, já está
no meu DNA. Onde moro tem muitos terrenos vazios, com mato e o pessoal taca
fogo, eu fico triste”
Informa que o pai, que não mora com ele, trabalha no Jardim Botânico,
também gosta de plantar e que na casa da avó há muitas plantas. O padrasto, que é
segurança, gostava de “botar fogo em tudo” e que “a gente foi moldando ele” e que,
atualmente, chega em casa, molha as plantas e, nos fins de semana, também
planta. Mencionou a colheita do guandu e perguntei se gostava, ao que respondeu
que nunca havia comido, que era a primeira vez que colhia: “não sei o que minha
mãe vai fazer... vou experimentar, vou comer...”
Argüi a respeito da atividade agrícola na escola regular, ao que opinou que
seria importante para quebrar a monotonia das aulas, no uso na merenda escolar e
para aumentar a responsabilidade com o meio ambiente: “fazer um pouco que
fosse... uma plantinha... a pessoa vai pegando responsabilidade. E, também, o
tempo que está plantando não está fazendo outras coisas que não devia. Aqui, no
Rio de Janeiro, faltam coisas para os jovens.”
Ainda com relação à escola, o aluno considera que contribui com conteúdos
como os de Ciências e que “pode mudar a cabeça, como o meu padrasto.” Quanto
ao interesse dos colegas em participar, mencionou que só conhece três colegas que
fazem o que ele faz. Mas pensa que, se houver estímulo como “ganhar pontos, a
pessoa ia acostumar, virar um hábito e depois ia entrar no ritmo.” Aposta no
oferecimento da atividade com participação livre, porém dentro do horário escolar.
Acredita que, aos poucos, alguns líderes acabariam atraindo outros alunos e que
fora do horário desanimariam: “Eu sou o líder de uns amigos e aí eles iriam vendo
fazendo...” Opina que os pequenos se interessariam mais porque têm “a mente mais
173
vazia de maldade. Isso seria uma base e quando chegassem à oitava série já
estariam acostumados.”
A8, 15 anos, 9º ano, estuda em escola bem distante, muito falante e curioso,
quer saber detalhes sobre a pesquisa, sobre a escola em que trabalho etc. Descubro
que somos quase vizinhos. Fica muito à vontade. Assim como A7, participa das
duas oficinas com o P3 e se refere à oficina de Fotografia e Meio Ambiente como a
que prepara para concurso”. Relata que mora em casa com pequena área com
terra, com algumas plantas ornamentais e que há também plantas em vasos que
são da mãe. Menciona que seu irmão mais novo, de quatro anos, gosta de plantas.
Ao contrário dele, que não é de ficar “assim, em cima, não. Tenho consciência que
plantar é bom para o planeta. Mas se for para escolher, eu prefiro não. Não sou
muito chegado.”
Comentou sobre as aulas em que o professor levou os alunos para plantarem
as mudas de “pingo-de-ouro”: “Até me empolguei, gostei. No primeiro dia não gostei,
depois no outro dia fotografei a planta... fui. Achei divertido. Em grupo um ajuda o
outro, ficamos vendo qual ficava mais bonito...”
Se botasse na escola como matéria, acho que seria chato... mas se fosse
como lazer... Acho que seria legal...Assim extra, sem contar nada. Tenho certeza
que as pessoas iriam fazer. Sempre tem um que faz e entusiasma os outros. Tudo
que a gente faz por obrigação é chato. Acho que, se usar o método certo, dá! Umas
pessoas fazendo e mostrando que é bom, aí outros vão querer também.” [...]
Considera a atividade importante para: “Sair da rotina. A pessoa tá se dando
com a natureza. Às vezes, nem tem informação, vai adquirindo informação. O ser
humano só aprende explorando. Deveria ter um supervisor” [...]
174
“A natureza é uma terapia, tem gente que usa como um modo de
desestressar, um lazer... coisas calmas, coisas boas... Às vezes até a pessoa que
não gosta pode passar a gostar, né? Aprende a ser mais humano. Acho que
construindo aquela paisagem que Deus criou vai voltar a ser. Se lembrar pelo menos
que um dia isso foi perfeito, quando não tinha ninguém para estragar. Ajuda também
nas matérias de Ciências, Química, Biologia...Geralmente uma pessoa que planta,
não planta assim para a natureza, planta para o consumo.”
Menciona a goiabeira na casa da tia e diz que gosta muito da goiaba que
come lá... “Ela não plantou pensando: ‘Isso aqui vai dá oxigênio etc. para o meio
ambiente’. Ela pensou: ‘vou plantar, vai dar goiaba e goiaba é gostosa’. As pessoas
plantam ou porque é bonito ou porque vai comer. Ah! Planta medicinal... fazer chá...
É bom porque, querendo ou não, está ajudando. Plantar é importante... na escola.”
Aponta dificuldades e propostas: “Falta de apoio dos próprios superiores, falta
de material, espaço... Alunos zoando, pessoas que estragariam. Acho que os
menores ajudariam mais, os menores vivem mais com a natureza. Acho que os
maiores teriam que ter um suborno, valendo pontos, aí eles iriam, faltaria espaço
para tantos. Os pequenos não têm aquela maldade.
Acho que não deveria obrigar ninguém a fazer nada, mas se cada um fizer a
sua parte, às vezes pensando que não está adiantando nada, já ajudaria.”
A9, 12 anos, 7º ano (antiga 6ª série), estuda em escola próxima, faz oficinas
de Fotografia Básica e Informática. Informou que a avó tem muitas plantas em
vasos, tem pimenta e plantas ornamentais: “Ela adora as plantas dela. Eu gosto de
algumas, eu molho. Ela coloca na varanda e no terraço.”
Afirmou gostar de plantar. Quando inquiri sobre a possibilidade de participar
de oficina de horta, respondeu não saber se gostaria. Disse que nunca havia
175
plantado e que só plantou ali no Pólo com o P3 e que gostou: “todo mundo gosta”.
Indaguei sobre como seria a aceitação da atividade em sua escola “Se colocasse
horta eu tenho certeza que os garotos da oitava série iam quebrar tudo. A oitava não
ia querer. Acho que a quinta série gostaria. Os grandes não iriam colaborar. Os da
minha turma, conversando...” [...]
Feijão no algodão...que murchou
O que você já plantou? Despertam interesse as reações de surpresa a uma
pergunta aparentemente banal. Há quem nunca tenha, efetivamente, plantado ou
acompanhado ativamente os processos que envolvem o plantio. Tal constatação nos
remete ao que foi denominado “contato”, “ter o contato”, “não ter o contato” por
vários dos atores sociais investigados, quando fazem referência ao meio ambiente e
aos hábitos alimentares, indicando um aspecto importante e que tem sido
negligenciado pelas famílias e pela escola: oferecer à criança a oportunidade de
conhecer, de ter o contato...
[...] A10, 10 anos, filho de M1, 5º ano (antiga 4ª série), estuda em escola
próxima. O único plantio que diz ter realizado foi “feijão no algodão... que murchou”.
Informou que se a atividade fosse oferecida na escola não gostaria de participar,
pois “ia ficar com preguiça” . Mas acredita que seus colegas participariam. Considera
que pode ser útil para “aprender sobre meio ambiente, sobre árvores, aquecimento
global”. Questionado sobre a inserção de horta nas escolas, primeiro disse que “não
deve ter na escola, eu não gosto”. Argumentei em relação aos seus colegas e à
utilidade, mencionados anteriormente, ao que respondeu que “então, tinha que ser
obrigado”. A fim de tentar entender o que A10 de fato pensava a respeito, indaguei
176
como agiria se fosse o diretor de uma escola. Então, ele retorquiu: “Ia ter horta, ia
ser bom para os alunos, mas ia fazer quem quisesse.”
A11, 15anos, 9º ano, faz oficina de fotografia e meio ambiente com P3.
Manifesta seu desejo de fazer faculdade de Biologia. Informa que o quintal de sua
casa é todo recoberto por cimento, não há árvores, mas desde pequeno come frutas
colhidas em terreno próximo e “na beira da estrada”: manga, goiaba, jamelão etc.
Assim como A10, a única coisa que plantou “foi feijão na escola, no algodão”. Na
casa da avó há um “cantinho” em que ela cultiva flores, maracujá, pêssego,
acerola... Opina que práticas de agricultura seriam importantes na escola “para o
meio ambiente, ajudaria os seres vivos, seria um jeito de conviver com a natureza...
A maioria fica na internet...Afasta as pessoas da natureza... Para os alunos se
reintroduzirem na natureza. Os alunos aprenderiam a plantar, a cuidar da natureza”.
Cita a possibilidade de uma “alimentação mais rica para os alunos”. Especulei sobre
a interferência na mudança de hábitos alimentares ao que considerou “difícil”.
Propõe que todas as escolas deveriam ter um espaço para plantar e que os
alunos optariam por fazer ou não a atividade. Peço sua opinião sobre o grau de
adesão: “Eu faria. A maioria não se interessaria. Não tiveram esse contato. A
maioria prefere ficar no computador. Perderam o contato com a natureza há muito
tempo...Acho que só conversando, convidando... Quem sabe?”
Acredita que os alunos mais novos participariam mais: “eles gostam. Os mais
velhos têm vergonha, acham que é bobeira, vão zoar..”
A12, 13 anos, 8º ano, participa da oficina de informática. Demonstra muita
afinidade com as atividades de plantio: “Adoro plantar!”. Tem um pequeno quintal
“com poucas plantas” cultivadas pela mãe: boldo, babosa, temperos. A aluna
177
costuma ir à casa da tia, onde já plantou feijão, milho, melancia etc. “Gosto de mexer
com plantas”.
Se as pessoas tivessem o contato, desde pequenas, iam aprender a
gostar
O desenvolvimento do sentimento de gostar de algo, também, demanda
processo de aprendizagem: aprende-se a gostar. Para gostar é preciso conhecer. A
consideração do “contato” como pré-requisito para conhecer e interagir melhor com
o ambiente natural e na constituição de hábitos alimentares considerados saudáveis
envolve qualidade, quantidade e continuidade do “contato”.
A12 defende que a atividade, na escola, seria “importante para incentivar as
pessoas a se interessar pela vida na natureza. As pessoas iam tomar gosto, iam
gostar e iam querer mostrar para outras pessoas como é legal plantar”. No que se
refere à alimentação, acredita que sendo “...uma coisa que a natureza dá... Plantar
uma coisa e comer aquela coisa, eles iam ver que ia ser bom.”
Afirma que come sempre legumes e verduras: “como de tudo, aprendi porque
sempre tive em casa...” Diz que aprendeu a comer guandu com a tia “desde
pequena” e alvitra que “se as pessoas tivessem o contato, desde pequenas, iam
aprender a gostar...”
Propõe a inclusão da atividade em todas as escolas sob a responsabilidade
de um professor específico, como uma “matéria não obrigatória”, mas “incentivada
por todos os outros professores”. Sugere o uso da produção na merenda escolar.
[...]
Os pais dos alunos foram abordados para a entrevista após a observação de
que alguns levavam e buscavam os filhos para as oficinas e, por vezes,
178
permaneciam durante algum tempo no local. Passei a observá-los e a me tornar
mais visível e próxima a fim de que na ocasião da entrevista houvesse menos
resistência. As circunstâncias do encontro tiveram algumas variações referentes à
disponibilidade de tempo do entrevistado, acomodações (em pé ou sentados),
barulho ao redor, intervenções de terceiros e, principalmente, o quanto o
entrevistado se sentia confortável ou desconfortável com as perguntas.
Pai de A2, 46 anos, Ensino Médio incompleto, aposentado, nunca exerceu
atividade agrícola. Considera o PET importante porque complementa a escola.
Informou que não recomendaria ao filho a oficina de técnicas agrícolas porque
considera que não tem utilidade “aqui na cidade” e que não teria “nenhuma
importância para ele.
Considera a escola importante para o filho “ser alguém na vida”. Se a
atividade fosse oferecida na escola regular, não gostaria que o filho fizesse porque
não haveria interesse por parte dele. Em sua casa já plantou tomateiro [mencionado
pelo filho] e acredita que plantas em casa embelezam. Afirma não dispor de tempo
para plantar.
Vale lembrar que A2, confirmando a opinião do pai, disse que não gostaria de
fazer oficina de horta. Porém, supunha que seus pais gostariam que a fizesse.
M1, 45 anos, mãe de A10 de 10 anos, que faz oficina de grafismo. Informa
que tem quintal, com árvores frutíferas, não tem o hábito de plantar, só plantou uma
vez e não se interessa pelo assunto. Acredita que é perigoso ter planta dentro de
casa “Acho que faz mal, né? Para respirar... Acho que aprendi assim.”
Afirma que a atividade na escola “não tem sentido para as crianças, meu filho
não quis fazer horta”. Mas considera que seria interessante para ter uma
alimentação sem agrotóxico na merenda: “para mexer com a terra, com a natureza,
179
para não estar destruindo”. Acredita que os alunos, por não terem “o contato, não
aprendem a cuidar”. Criticou os seus vizinhos (crianças) que arrancam folhas de
plantas na praça. Disse que isso ocorre porque não aprenderam a gostar: “fazer na
escola ajudaria a zelar, a cuidar”.
Em relação à alimentação: “Acho que, plantando, eles vendo crescer, vão
experimentar e aprendem a gostar. O que tenho no quintal ele [o filho] come: cajá,
carambola, jamelão... Já legumes, verduras eu amasso e misturo no feijão e obrigo a
comer. Tenho que forçar ele a comer. Sopa de legumes, ele não gosta. Acho, talvez,
se ele tivesse plantado, quem sabe aprenderia?”
Defende que a atividade deveria ser oferecida na escola como “matéria
obrigatória, porque “eles teriam que fazer” (no PET, “como eles escolhem, não
fazem.”). Pensa que dessa forma os alunos aceitariam bem, já que todos teriam que
fazer e contribuiria na formação.
Como dificuldade aponta a falta de professores qualificados e de material
adequado.
M2, 44 anos, mãe de aluno do 5º ano, afirma que gosta de plantar e que
atualmente não tem quintal. “Já plantei várias coisas, roseira, coqueirinho, mamão,
alfavaca... Nunca tive, assim, uma horta! Mas eu gosto, faz falta.”
Utiliza, regularmente, verduras e legumes, que se acostumou a consumir
desde criança e também ensinou aos filhos. Pensa que a horta na escola seria útil
para produzir alimento para ser consumido na merenda e para os alunos
entenderem o processo de produção e também “ajudaria no meio ambiente” .
Propõe que a atividade seja oferecida na escola regular com participação
opcional para o aluno: “Nem todos fariam... meus filhos aceitariam. Aí, os
professores iriam buscando, conversando para estimular os outros. A idade mais
180
apropriada é 6, 7 anos, esses dá para convencer. Os jovens... 13 anos... por aí, já é
mais difícil de aceitar, eles gostam de ter opinião diferente...”
A criança fala que não gosta sem experimentar!
A condição humana de onívoro traz o desejo de experimentar. Porém, uma
das faces do dilema do onívoro, presente desde os primórdios da espécie humana,
está na insegurança de ingerir, introduzir em seu corpo, o alimento desconhecido
(FISCHLER,1995). A intercessão de alguém, ou um contexto, que confira segurança
para a ingestão deste ou daquele alimento é relevante em processos de
experimentação. Podemos extrapolar tal reflexão para outras situações novas
apresentadas a crianças.
M3, mãe de dois alunos: uma do 4ºano de 10 anos e outro do 8º ano de 14
anos. Só tem plantas em vasos em sua casa, não tem espaço “é tudo murado e com
piso”. Informa que quando estudou, em Minas Gerais, fazia horta na escola: “As
escolas deveriam ter um cantinho. É um incentivo para comer: ‘não como isso, não
como aquilo’. A criança fala que não gosta sem experimentar! Aconteceu comigo.
Tinha coisa que eu achava que não gostava e acabei provando na escola, era
divertido e aprendi a gostar.”
É dona de um “hortifruti” e diz que leva os filhos para conhecer os locais de
produção de seus fornecedores. Explica que antes não dava valor a essa questão e
que descuidou do filho mais velho, porque estava “mais preocupada de dar para ele
o que não tive e afastei meu filho disso. Eu errei aí. Hoje, tenho outro modo de ver e
faço com a minha filha e tento levar meu filho. Quando eu levei, ele se interessou,
porque alguém mostrou a ele.” [...]
181
“O pai dele já não é de se sujar, ter esse contato, e acabou também
influenciando ele... É a educação” [...] “Acho que a escola poderia ter compensado
isso.”
Diante disso, diz que a filha de 10 anos aceitaria bem a atividade na escola e
que o filho de 14 anos teria problemas, que teria “vergonha, que as meninas não vão
achar legal”. E que os alunos mais velhos tem tal comportamento porque não
tiveram esse “contato” quando menores. Acredita, também, que as meninas aceitam
mais facilmente as propostas diferentes.
Defende a atividade no ensino regular em todas as séries, como uma “matéria
obrigatória”. Afirma que tem “amigas que não deixam as crianças botarem a mão na
terra..Seria uma maneira de suprir isso.” [...]
Plantar é educativo, traz conhecimento e manutenção física
É comum a associação da atividade agrícola na escola a uma melhor
compreensão dos processos ecológicos e da produção de alimentos. Há também
menção às possibilidades de seu uso para a vivência prática de conteúdos
curriculares das diferentes disciplinas, especialmente, os de Ciências e Geografia. A
percepção de que o processo educativo e a formação integral do indivíduo devam
envolver também o trabalho físico é pouco comum. Merece destaque a freqüência
com que é feita alusão ao poder sensibilizador dessas práticas.
Funcionário de apoio (FA), 58 anos, 20 anos como servente, dá
manutenção e apoia as atividades agrícolas do Pólo. Não tinha a intenção inicial de
entrevistar funcionários de apoio do Pólo ou da escola. Mas estava me despedindo
da P1, quando, ao passarmos pelo FA, ela se aproximou sugerindo que eu deveria
182
entrevistá-lo, uma vez que ele sempre esteve colaborando com os professores nas
ações em agricultura. Aceitei a sugestão. P1 foi embora e eu tive uma longa e
surpreendente conversa com este funcionário. Demonstrou muito conhecimento
geral e fluência verbal e pareceu satisfeito com a possibilidade de opinar.
Iniciou dizendo que considera um desperdício de recursos material e humano
o fato de não estarem os professores ministrando atividades agrícolas naquele
espaço. Que um país que pretenda “sair na frente” necessita ter uma agricultura
forte para alimentar bem sua população. Mencionou Israel e sua agricultura
desenvolvida. Acredita que a maioria das escolas tem áreas improdutivas e que
deveria haver obrigatoriedade de produção, isso reduziria o gasto com merenda.
Informou que gosta de plantar e que aprendeu muito com os professores. “Plantar é
educativo, traz conhecimento e manutenção física. Não fica ocioso para outras
atividades. Só informática? Alguns não gostam [de plantar], acho que já é da
natureza da pessoa...”
Comenta que hoje há desprezo pela atividade: “muitos não usam mais chás,
servem para muita coisa, é cultura”. Acredita que, quando implementada na escola,
a criança aprende a “valorizar o meio ambiente, vai entender a beleza natural, a
própria paisagem nos faz um bem interior. Uma planta serve para uma coisa e
outras servem para outras: umas enfeitam... outras... Por que uma favela é feia? Lá
não tem nada de jardim, não fazem um jardim... Até o clima melhora.”
Menciona a Bíblia e a passagem sobre Jonas e a árvore. Diz ser evangélico e
em várias situações menciona passagens bíblicas ou comentários relacionados.
Pergunto sobre a questão da alimentação. Então, ele prossegue: “Os alunos
pensam na coisa pronta [alimento]. Precisam de contato para gostar. Eles não têm
183
contato direto. Quando você perde o contato direto com as coisas, você perde o
valor das coisas... Subir numa goiabeira, num jamelão” [...]
“Não se pode desprezar, também, o tempo das coisas: o tempo de plantar, de
colher...”
“O professor, às vezes, deixa algo pronto para estimular os alunos, eles não querem
pegar numa enxada... Desprezo por essa atividade, ele deixou de ter esse
relacionamento com a terra.” [...]
“Jovens que já nem querem ver TV, estão no computador, porque incentivaram..”
“Os pais também não incentivam. As crianças não vêm por falta de incentivo e as
autoridades também não são exemplos... Se aprende pela experiência.”
Estávamos sentados em um banco no corredor da entrada do Pólo e uma
aluna do 9º ano, 15 anos, conhecida dele, senta-se no outro banco e ele, como para
me mostrar um exemplo, pergunta se ela quer fazer oficina de horta, ao que a aluna
(A6) responde com uma careta. FA, então, faz referência à mãe da menina. Esta
informa que a mãe “gosta, adora”, e que possui plantas para “enfeitar e também
alguns temperos”. Pergunto se gosta das plantas que tem em casa. Responde que
sim e que usa os temperos e gosta, mas tem nojo de minhoca e que teria plantas em
sua casa, quando adulta.
Dirijo-me ao FA querendo saber sobre as plantas de sua casa. Informa que
não tem horta, tem jardim e gramado. Aponta para as plantas em vasos no corredor
em que estamos e comenta que plantas dão “outro visual. E o aroma?”. Lamenta o
fato de os terrenos estarem cada vez menores, impossibilitando que se tenha muitas
plantas. Peço que opine sobre a saída da atividade da escola regular: “Acho que
deveria continuar? Por que saiu? Quem tirou? Acho ruim ter saído.” [...]
184
“O aluno não se interessa porque não entende. A pessoa não se interessa
pelo que não entende... Teria o contato, o professor...”
FA finaliza propondo o retorno da atividade à matriz curricular da escola
regular e a contratação de mais professores. Acredita que, se a escola valoriza, o
aluno também vai ter essa noção do valor “Do mesmo modo que aprende e se
interessa por funk, porque tá aí . O homem se adapta, sofre influência, tem que
estimular, gratificar, incentivar...” [...]
Acho que está faltando às crianças coisas mais simples, pois do simples
é que se entende o complexo
[...] Atravessei, algumas vezes, o portão de ferro e estive nas dependências
da escola regular: na secretaria, na sala dos professores, nos corredores e no
refeitório “merendando”. Transpor o portão implica em encontrar o funcionário com a
chave. O fato de conhecer a diretora e a diretora-adjunta da unidade facilitou o
acesso. Porém, não me sentia à vontade para abordar longamente os professores
nos poucos minutos de que dispunham antes das aulas ou em seus fortuitos
“cafezinhos”. Não teria coragem de propor que deixassem uma turma esperando. A
sugestão das diretoras e da coordenadora pedagógica foi a quarta-feira, que é o dia
comum na rede municipal para os centros de estudos. Nesse dia, os professores
têm horários disponíveis para a realização de outras atividades referentes ao fazer
pedagógico. Eu também sou professora da mesma rede e, portanto, tenho que
cumprir tais horários na escola na qual trabalho.
Após várias incursões com diálogos entrecortados com as diretoras e a
coordenadora, consegui, em situações distintas, entrevistá-las em profundidade e
185
também comparecer no dia em que foi possível encontrar os professores com
disponibilidade para tal.
A Diretora da escola convencional é professora de séries iniciais do ensino
fundamental. Mas há muitos anos vem compondo equipes de gestão escolar. Fez,
recentemente, graduação em Administração Escolar. Conta, com entusiasmo, sobre
sua afinidade com as plantas: “Adoro plantas! Tenho sonho de quando aposentar
comprar uma terrinha para fazer hortinha...” Relata ter em casa jardim, vasos com
plantas, jardineiras, plantas na calçada... “Tem que ter!”
A professora vibra com o assunto. “As coisas que a gente planta, quando a
gente come tem outro sabor...” Descreve sua infância, quando morava num “terreno
grande”, em que plantava “muito”, juntamente com seu pai, e o produto da colheita
era dividido com os vizinhos.
Considera a atividade fundamental na escola: “Com o aluno, realmente,
plantando e cuidando, para ele valorizar. Se outra pessoa planta, eles não
valorizam. Eu já fiz jardim aqui e destruíram...” [...]
“Nós víamos os nossos pais fazendo isso [plantando]. Eles não vêem isso,
não têm esse valor, não foi desenvolvido neles... São de uma geração que tudo é
comprado, tudo encontrado pronto. A gente ia pegar o que a mãe mandava: aipim,
inhame... Eles não têm esse princípio desenvolvido. O professor de técnicas
agrícolas poderia fazer esse trabalho para compensar. O cuidar para valorizar... o
vínculo com o alimento. Horta? Não sabem o que é!”
Identifica como o maior entrave a falta do profissional específico. Sugere que
a atividade deva constar como uma “matéria no currículo, na grade, obrigatória,
assim como artes, educação física e outras”. Afirma que se tivesse filho em idade
escolar “acharia ótimo”, mas acredita que há mãe que não gostaria por causa da
186
“mentalidade... tecnologia”. Informa que sua neta estuda numa escola privada em
que trabalham com horta, “é outra mentalidade”. Relata que há [na escola regular]
uma aluna que costuma trazer flores para os professores e que os outros alunos
riem dela: “Dão valor à tecnologia, não dão valor ao meio ambiente.”
Assim como outros entrevistados, tem a percepção de que as crianças
menores gostam mais da atividade e que “os adolescentes de 13-14 anos” têm mais
resistência. Chama atenção para a diferença em relação ao sexo: “As meninas
aceitam mais as novas atividades. Os meninos são mais resistentes, têm vergonha,
mais inibidos, os outros vão zoar, não querem fazer nada que possa ser observado
e mal visto. Fica preocupado com o julgamento do colega. Às vezes até ele
[enfatiza] gostaria. O aluno que quer ir fica inibido”.
[...] Acho que deve começar desde pequeno, em todas as séries, não
interromper...”
Acredita que o envolvimento com a atividade poderia melhorar o
comportamento dos alunos e favorecer a valorização da natureza. Em relação aos
hábitos alimentares, considera que “depende muito da família, mas, plantando, dá a
curiosidade de comer.” Mostrou-se incrédula sobre a possibilidade de a escola
contribuir para a formação de bons hábitos alimentares com a refeição oferecida
diariamente, haja vista que possui 1.108 alunos matriculados e faz merenda para
300 e “ainda sobra”.
A Diretora adjunta da escola convencional atuou durante muitos anos nas
séries iniciais e na gestão de outras escolas da rede municipal, nesse ínterim,
graduou-se em Geografia. Relata infância em sítio com produção agrícola para
consumo familiar e venda para os vizinhos e que tentou proporcionar o mesmo aos
filhos. Mostra-se feliz por isso e acredita que “o que aprende quando criança, a
187
gente não esquece” e que percebe influência dessa vivência tanto nela quanto em
seu filho mais velho “no modo de ver a vida, perceber o que está ao redor... aprende
a gostar...”. Tal filho, hoje, trabalha numa empresa que desenvolve algumas
campanhas relativas ao meio ambiente, nas quais ele participa, pois “tem essa
consciência, isso influenciou na vida dele”. Em relação aos hábitos alimentares,
afirma que se alimenta muito bem, que “come de tudo, cresceu comendo jamelão,
manga, ele dá valor, cresceu tendo essas coisas... Colher o que ele tinha plantado
com o pai”. Foi categórica ao afirmar que: “O que se aprende na infância fica.” O
outro filho, mais novo, “já não influenciou tanto, pegou outra fase, outras influências,
ele é ‘elétrico’.” Mudou-se do sítio em função da violência no local e atualmente
mora em casa com espaço muito restrito e cimentado, não planta “nada”, mas tem
planos de obra que possibilite algum plantio. Alega que sente muita falta “de mexer
com a terra. Acho que isso tá me faltando”.
Apoia o desenvolvimento das atividades na escola, considerando fundamental
para a vida, seja em qualquer modalidade: “em vaso, em caixote, ervas medicinais,
que está cada vez mais forte _ a sociedade, às vezes, volta para resgatar”. Confia
em que, para a criança, o contato com a terra, o sol, o fato de esperar crescer, faz
aprender e melhorar a auto-estima. Que a técnica não é o mais importante. O ato de
plantar e ver crescer proporciona “ensinamentos básicos: Acho que estão faltando
às crianças coisas mais simples pois do simples, é que se entende o complexo”.
Objeta que falta incentivo para ações nesse sentido por ser algo que “não
aparece”. Afirma que as iniciativas individuais são dificultadas pelo excesso de
burocracia que tem ocupado todo o tempo dos gestores das escolas, o que não
ocorria há alguns anos.
188
Defende a inserção da agricultura no projeto político pedagógico das escolas
e o oferecimento para todas as séries, desde os anos iniciais, na forma de atividades
não obrigatórias: “A criança é movida pela curiosidade. Não pode ser forçada. Seria
um espaço para observar, sem escrever nada...” [...]
Precisa ter alguém que diga: ‘Isso é uma delícia!’
O contexto social pode oferecer várias possibilidades de mediação que
contribuirão para a consolidação de hábitos, atitudes e gostos individuais. A
Coordenadora Pedagógica da escola convencional é formada em Geografia e
atuou durante muitos anos em sala de aula. Informa que as atividades agrícolas se
fazem presente em seu cotidiano desde a infância, “uma herança da família, é
cultural”. Tem quintal e planta temperos, ornamentais e frutíferas: “Mexer com
plantas... terra... me acalma”. Sua filha come verduras, legumes, frutas e não se
habituou a tomar refrigerante.
Enumera contribuições para o espaço escolar: “o desenvolvimento de hábitos,
atitudes, a parceria, o contato com a terra ameniza a agressividade. À volta as
origens, voltar a ser elemento da natureza... A gente está ficando muito distante do
ambiente natural.”
Defende a inserção nas séries iniciais: “Deve começar lá na educação infantil,
molhar uma plantinha, comer uma salada de broto de feijão... Como você vai criar
uma mentalidade? Desde pequeno. O mais velho precisa de muito convencimento.”
Relatou dificuldades de aceitação por parte dos alunos quando a escola ainda
oferecia a atividade: “Os alunos tinham a postura de que pegar na enxada era um
189
serviço bruto, depreciava. A desvalorização da atividade do campo é uma questão
cultural. O processo de migração para a cidade, fugindo do campo...”
A professora identifica várias contribuições da atividade para a escola urbana,
inclusive postula que a viabilidade urbana passa por uma nova forma de
estruturação desse espaço, exemplifica com a prática de hidroponia em prédios.
Acredita que a agricultura nas escolas “contempla o conteúdo programático e abre
espaço para o interesse em várias áreas como genética, transgênicos... o mercado
de trabalho. O aluno fica mais responsável, fortalece o trabalho intelectual, é outra
forma de aprender.” Menciona, também, o resgate dos conhecimentos sobre o uso
de plantas medicinais.
Ao se referir aos hábitos alimentares, entende que os pais devam ser
envolvidos na questão: “toda atividade para mudança tem que interagir com a
comunidade”. E ainda defende a necessidade de um profissional para desenvolver
as atividades que envolvam o preparo do alimento colhido.
Propõe que a atividade seja oferecida “dentro da grade e no ensino regular” e
que haja profissional e verba específicos para a área. Acredita que o professor de
Ciências poderia atuar com o professor de Técnicas Agrícolas.
Critica, veementemente, o isolamento entre o PET e a escola. Defende que
as atividades desenvolvidas naquele espaço deveriam estar integradas de forma
obrigatória e em caráter complementar às aulas das disciplinas tradicionais.
Esclarece que a organização do tempo na escola não permite que o professor
comum se responsabilize pelas atividades agrícolas, inviabilizando a execução.
Haveria a necessidade de um professor com formação técnica e dedicação
exclusiva, de modo que tivesse contato com todos os professores e pudesse atuar
junto a eles.
190
Acredita que as crianças gostam da atividade e que os adolescentes, apesar
de serem mais resistentes, com uma “ação bem desenvolvida podem se envolver
emocionalmente, coletivamente, se identificando com o grupo.” [...]
“Os pais vêem a escola mais com a questão profissional, o setor terciário, o
quaternário, o contexto urbano... [...]”
“Tinha que ter uma forma de chamar a atenção para isso. O governo também não
enxerga isso. Às vezes até enxerga... Mas conhecimento é poder.”
P8 é professora de Matemática e informa que a casa onde mora é a mesma
em que cresceu e na qual havia um jardim. O quintal foi recoberto com piso para
facilitar a limpeza. Hoje sua casa tem muitas plantas em vasos. Mas ela não tem o
hábito de plantar. Tem interesse por leituras sobre questões ambientais, porém, “na
prática não tenho esse cuidado”. Admite que consome poucas verduras e que, por
isso, é “o desgosto da mãe”, já que em sua casa “todo mundo come de tudo”. Atuou
no PET com oficina de informática e percebia que Os alunos tem uma certa
resistência para as práticas agrícolas” [...] “Não se matriculam... Falta de hábito. Não
querem mexer com ferramentas, com terra, só depois que se envolvem com o
projeto... Só se matriculavam por causa da informática”
Evidencia o preconceito e a influência dos pais em relação à atividade: “Eu já
vi mãe falar: meu filho não vai mexer nisso! É a formação deles. Já vi mãe impondo
informática ao filho. Os pais valorizam outras coisas... Vêem [as atividades
propostas] como uma formação profissional”. Informa que conseguia fazer com que
os alunos participassem da horta estabelecendo parceria, faziam “oficinas casadas”.
Levava a turma de matemática para a horta. Eles gostavam.”
Considera a atividade válida para: “Desenvolver o interesse para outras
coisas fora daqui: valorizar o uso consciente, reciclagem, reaproveitamento de
191
material. Em casa: plantar, despertar um interesse que eu não tive.” Acredita que
para a formação de hábitos alimentares seja importante associar o plantio e a
colheita à presença constante de alguém que diga: “Isso é uma delícia!”
Percebe a participação do aluno nas etapas que constituem a atividade como
contribuinte para a compreensão da preservação ambiental. Acrescenta que a ação,
devido à divisão de tarefas, consolida um grupo.
Propõe mudança na organização vigente: “O PET não devia ser separado da
escola. [O que é oferecido como oficina] Devia estar inserido no currículo, como
disciplina. A separação é tão grande que há até um portão ... Então, na cabeça do
aluno também é!” Aventa também a possibilidade do oferecimento de oficinas
diversas, no horário escolar, para o aluno optar.
A interdisciplinaridade é importante e seria algo natural
A percepção da atividade possibilitando o envolvimento das diversas áreas de
conhecimento é compartilhada por professores e alguns alunos. P9 é professora de
Geografia, atua há 25 anos na profissão. Lamenta a falta de tempo para cuidar de
plantas em sua casa. Possui algumas plantas ornamentais e manifestou o desejo de
fazer “uma hortinha como aquelas que a gente vê na televisão” [Se referindo às
técnicas de produção para pequenos espaços]. Tem interesse por alimentos
orgânicos, mas alega não ter facilidade de acesso a esse tipo de produto.
Defende a agricultura na escola urbana como item relevante para a formação
integral do aluno: “É importante para todo mundo. O contato com a natureza...
organicamente, biologicamente, psicologicamente... Hoje em dia, a carência
alimentar... os cultivos em lugares reduzidos que solucionariam esse tipo de
192
problema... Não há essa cultura. A maioria das casas não tem. É questão cultural. A
escola deveria ter esse papel de dar esse tipo de incentivo. Você valoriza aquilo em
que está inserido, dá valor, pega gosto pela coisa. Acho que foi um erro tirar da
grade [curricular]. Quando é uma área rural, é natural [a agricultura]. Quando é na
área urbana, a escola tem que inserir esse tipo de coisa. Coisas que eram boas... de
alguma maneira devem estar no currículo. As pessoas não sabem aproveitar o
espaço em que vivem e não têm oportunidade de ter esse tipo de conhecimento.”
Avalia que os alunos desconhecem a origem do alimento e o processo no
nascimento de uma árvore, uma vez que esse tipo de conhecimento só é tratado
teoricamente pelo professor de Biologia. Além disso, aposta que “o contato com o
‘plantar’ faz bem, traz benefício emocional, é terapia, descarrega... ajuda na
valorização da própria vida e de cuidar do planeta.”
A professora identifica os fatores organizacionais da rede municipal como os
maiores entraves para a adoção das atividades agrícolas nas escolas. Entende que
há cobranças de conteúdos formais e resultados nos índices de avaliação. Acredita
que com estrutura e orientação pedagógica adequadas não haveria resistência dos
professores nem dos alunos.
Propõe a inserção da atividade na “grade curricular, não como uma matéria
que reprova, mas ligada às disciplinas afins: Ciências e Geografia. Acho até que
daria para encaixar todas as disciplinas... a interdisciplinaridade. Tendo peso na
avaliação nas outras disciplinas”. Defende a permanência do aluno por mais tempo
na escola e não aprova a atual estrutura do PET devido ao isolamento do contexto
escolar.
P10 é professora de História, na docência há somente um ano. Informa que
em sua casa existe um jardim aos cuidados de sua mãe. Ela, pessoalmente, só
193
plantou “feijão no algodão na escola”, mas que adota hábitos alimentares saudáveis
adquiridos com seus pais, que têm origem rural e “conseguiram passar esses
hábitos”. Apressa-se a dizer que não toma refrigerante “porque não é hábito” de sua
família.
Mostra-se surpresa consigo mesma ao constatar que nunca havia pensado no
assunto associado à escola. Inicia, então, identificando a atividade como valiosa
para a economia doméstica, para o consumo de alimentos naturais ao invés de
industrializados, na integração dos membros da família. Nesse caso, opina que a
escola exerceria papel relevante envolvendo a família, pois o aluno “aprende na
escola e vai fazer em casa” .
A partir daí a professora passa a enumerar diversas possibilidades de
contribuição da agricultura para o desenvolvimento de escolares: oferecimento de
mais opções de conhecimentos para a identificação de aptidões; a valorização de
coisas mais simples como o “contato com o outro, o cuidado com a planta, ajudando
a desenvolver o cuidado com o outro” ; o resgate e a reflexão da questão cultural,
tendo em vista o preconceito em relação ao trabalho agrícola. Faz uma breve
abordagem histórica para justificar tal constatação. Afirma que o “estigma da
escravidão permanece forte no imaginário do brasileiro” ocasionando o “desvalor do
trabalho rural, manual...”
Declara que a “atividade, em si, é polivalente. A interdisciplinaridade é
importante e seria algo natural, sem atrelar, sem formalizar.” Alvitra que deva ser
ministrada por profissionais habilitados e dotados de “reflexões críticas” e que
buscariam a integração com as outras disciplinas, a incorporação à merenda escolar
e a organização de feiras periódicas. Destaca que considera fundamental o aluno
194
ver “um destino” para o plantio que não priorize o valor econômico, mas o fato de
plantar “com o outro e para o outro”.
No que se refere aos hábitos alimentares, acredita que se constituem “em
comunidade” e em longo prazo. Portanto, seria necessário um trabalho que se
iniciasse, de modo obrigatório, nos primeiros anos escolares e envolvendo a família.
Ao ser questionada sobre uma possível resistência dos alunos à realização da
atividade, tendo em vista o preconceito por ela mencionado anteriormente, objetou
que “os mais novos aceitam melhor” e os adolescentes “mostram mais
preconceitos, vergonha... uma preguiça própria do adolescente”. Acredita que
poderia haver em algumas turmas do 9º ano uma resistência inicial que seria
superada no decorrer do processo. Esclareceu que os alunos mais novos mostram-
se mais dispostos por perceberem na atividade “um caráter mais lúdico”. Enquanto
que os mais velhos “já enxergam como um trabalho pesado”. E que a qualificação
de “pesado” estaria mais associada ao aspecto simbólico do que ao esforço físico
empreendido.
Conclui reafirmando seu espanto por não ter notado o desaparecimento da
atividade agrícola nas escolas. Por outro lado, constata que sempre se sentiu
incomodada com a falta de atividades práticas ao ar livre para os alunos da rede
pública. Considera, então, que tais práticas seriam uma forma de “tirar o aluno da
sala de aula” e se contrapor à “supervalorização do consumo, de bens materiais e à
desvalorização de outros aspectos da vida”, estimulados “pelos pais, pela
sociedade, pela propaganda, pela mídia...”
Teria que conhecer para depois escolher
195
As situações cotidianas oferecem, amiúde, o confronto com escolhas. Ainda
que estas estejam subjugadas, em maior ou menor grau, a diversos fatores
externos, são escolhas individuais. A eleição é feita dentro daquelas possibilidades
conhecidas. Não se pode escolher o que não se conhece.
P11, professora de Língua Portuguesa, atua como professora há oito anos.
Relata não ter experiência alguma com atividades de plantio, mas que acha “legal”.
Sua mãe gosta, tem jardim e sabe o nome das plantas. Justifica seu afastamento:
“Casei cedo, fiz cursos, fiquei pouco em casa . Não é algo que me chame a atenção.
Acho bonito, mas não sei nada.”
Relembra que quando era estudante havia as disciplinas de formação
especial: “...de técnicas agrícolas, todo mundo queria fugir. Trabalho pesado, mexer
com terra, não queriam. A criança não tem muito essa paciência, esperar nascer...
Hoje, acho que seria importante. Na outra escola tem e eles gostam.” [A outra escola
em que professora trabalha fica no município de Seropédica. Há um projeto de
Educação Ambiental em parceria com a Universidade - UFRRJ. As atividades são
oferecidas por universitários, dentro do horário escolar, preenchendo tempos vagos,
sendo opcionais para os alunos. A professora informa que a adesão é grande].
Acredita que a atividade estimula o consumo de alimentos saudáveis porque os
alunos “querem comer porque provaram”.
Critica a escola regular por não oferecer outras atividades “com mais
movimento” para as crianças [além de esportes]. Não considera a atividade agrícola
pesada para os alunos. Propõe uma diversidade de atividades (dentre as quais a
agricultura) em caráter obrigatório nas séries iniciais e, posteriormente, o aluno
optaria: “Teria que conhecer para depois escolher.”
196
P12, professor de Educação Física em processo de aposentadoria. O
professor chega ao final da entrevista com P11 e começa a tecer alguns
comentários, narrando como era desenvolvida a atividade agrícola naquela mesma
escola, quando iniciou sua carreira. Fala de sua participação com os professores de
técnicas agrícolas. Menciona os professores do PET com os quais trabalhou e
lamenta o isolamento “criado pela prefeitura”. Acredita que o “avanço da tecnologia
é que fez com que “os dirigentes” passassem a desvalorizar as práticas agrícolas
nas escolas.
Em relação à pertinência das atividades nas escolas atuais, afirma que “deve
ser triste você chegar no futuro e dizer: eu não senti o cheiro da terra, não vi as
coisas crescerem.” Defende que esse tipo de experiência contribui para o
crescimento do ser humano”. E que a vinculação com as outras disciplinas se dá
“quando [o aluno] aprende a respeitar a Terra, aprende a respeitar os outros. E o
respeito é a base para aprender qualquer coisa.”
Crê no potencial da atividade para a aquisição de “conhecimentos teóricos
amplos” e no desenvolvimento de habilidades, no manuseio de instrumentos e
ferramentas que podem ser úteis no cotidiano do aluno. Para isso, defende que o
aluno deva participar de todo o trabalho de construção da horta e dos seus
desdobramentos: “Pronto, não! Ele tem que construir, trabalhar mesmo!” Vê sua
retomada também na perspectiva de um “sistema lúdico, de escape, de
relaxamento, de alívio de estresse”.
Lamenta, dizendo que “a dificuldade está na cabeça dos dirigentes que só
estão vendo pelo lado profissional”.
P13, professor de Geografia atuando há cerca de vinte anos. Mostra-se
totalmente identificado com as atividades agrícolas. A despeito do pouco espaço
197
doméstico, possui floreira e já plantou em seu bairro [no espaço público] “café,
jambo, coqueiros, várias frutíferas...”. O que o faz por prazer, com “objetivo
genérico”: para conhecerem as frutíferas no meio urbano, “para quem quiser
consumir: gente, pássaros...”
Julga esse tipo de intervenção “essencial na escola: O aprender! O erro é
achar que o aprender é formal. O aprender é muito mais... no manipular, no
exercício corporal, no exercício mental... e plantar é trabalhar os sentidos. Mexer,
ver... sentindo... é a inteligência em conexão. É um espaço que cria possibilidades
para a disciplina, para se relacionar com o meio, para perceber o tempo das coisas”.
Considera que o isolamento dos conhecimentos forma um “jovem deficiente” no que
diz respeito à aprendizagem.
Avalia então que a atividade pode propiciar a “conexão dos conhecimentos” e
que “as habilidades, os conhecimentos adquiridos, podem servir de base para o
aprendizado dos conteúdos disciplinares. Poderia embasar vários conteúdos.”
Assim como outros entrevistados, vê os alunos mais novos mais receptivos à
proposta por serem “vazios de preconceitos”, enquanto que os mais velhos
apresentam “uma certa resistência, vão se ver como alvo de chacota”. Pondera e
esclarece: “Pode ser que eu me engane, mas não faz parte do meio dele, associa a
um homem mais bronco... ou atividade de mulher: cuidar de plantas. Por exemplo:
balé, um pequeno faria, um menino maior não. Vai absorvendo a cultura urbana.
Isso não faz parte, é algo estranho... A escola tem a função da conexão, tem que
mostrar: isso funciona desse jeito.”
Identifica como barreiras o fato de a atividade estar aparentemente “fora do
contexto” e “a dificuldade de mudança de hábitos consolidados”. Porém acredita que
os alunos gostam de atividades extras, “mas tem que ir até eles.”
198
Propõe a inclusão da atividade desde as séries iniciais, fazendo parte do
currículo com “dia e hora definidos”, e depois passaria a ser “opcional”, sendo
apresentada para o aluno entre “várias possibilidades de atividades”. Seria
ministrada por um profissional da área, que trabalharia com um grupo reduzido de
alunos.
3.3 UNINDO PONTOS
O presente estudo ratifica a visão de que as atividades agrícolas oferecidas
nas escolas convencionais e PETs da rede municipal de ensino estão em declínio.
Os relatos obtidos com os atores sociais das unidades investigadas mostram esse
processo e trazem elementos que indicam fatores condicionantes para tal situação.
A primeira evidência marcante e que não pode ser ignorada nessa análise é o
elevado grau de insatisfação dos professores licenciados em Ciências Agrícolas.
Descontentamento retratado em suas longas narrativas, individuais e em grupo, com
falas interrompidas, reticências e momentos de exaltações em que se entrelaçam a
vida profissional e a pessoal.
Concordamos com Kramer (2001) quando esta afirma os efeitos negativos
sobre o professor, quando da imposição de propostas pedagógicas que negam a
sua prática e a sua história acumulada. E que, ao contrário, quando é dada a voz ao
professor, numa entrevista, os benefícios podem ser percebidos tanto pelo
entrevistado, por possibilitar a reflexão sobre a sua experiência de vida, como pelo
entrevistador, que incorpora na sua vida elementos de tal compartilhamento, “...a
experiência de ouvir o ponto de vista do outro favorece a quebra de preconceitos.”
199
(KRAMER, 2001, p.181). Entendemos que tal perspectiva pode ser ampliada para os
demais atores sociais.
Há nas narrativas a possibilidade de rememoração de episódios passados, o
redescobrimento íntimo nos relatos de histórias com o desvelar de uma outra visão
da própria trajetória. Pode-se perceber [...] o quanto a história de cada um, por mais
simples que seja, é plena de significado” (KRAMER, 2001, p.177).
O sentimento expresso pelos professores licenciados em Ciências Agrícolas é
de “frustração” [vocábulo mencionado várias vezes por eles] e de pessimismo em
relação à manutenção ou revitalização das atividades agrícolas na escola. Não
identificam ações institucionais nesse sentido. Pelo contrário, mencionam a
percepção de um processo de “desmonte”, ou seja, o fato de terem sido retirados,
primeiramente, da matriz curricular oficial e, posteriormente, da unidade
convencional de ensino, acrescentando-se a isso a ausência de novos concursos
para a área. Acreditam que havia a intenção de desarticular esse tipo de atividade
por não as considerarem mais pertinentes. Mostram-se, na maioria dos casos,
contrariados por estarem ministrando oficinas que pouco têm relação com as suas
formações acadêmicas. Alegam ter tido pressões para que tal ocorresse: não
havia/há procura para as oficinas de técnicas agrícolas; falta de apoio dos gestores,
desinteresse dos pais e dos alunos; sugestões para que fizessem capacitações em
outras modalidades e apresentassem propostas que pudessem atrair o interesse
dos alunos.
Tendo em vista o mencionado, exprimiram sentimento de perda de
“identidade” profissional e demonstraram desejo de serem reconhecidos e de
retornarem para as unidades de ensino regular para ministrarem suas disciplinas
originais. Acreditam, em sua maioria, que a obrigatoriedade da atividade seria
200
positiva para legitimar, junto à comunidade escolar, o valor de seu conteúdo, e por
não acreditarem que os alunos tenham maturidade para escolhas adequadas.
Os atores sociais, especialmente os professores, identificam as atividades
agrícolas com potencial para a abordagem de questões relativas ao meio ambiente e
da educação alimentar, assim como para o desenvolvimento de outros aspectos da
formação humana. Sugerem o caráter interdisciplinar da atividade.
Foi possível identificar algumas percepções compartilhadas pelos atores
sociais investigados e foram assim agrupadas:
a.Validade das práticas agrícolas para o espaço escolar urbano: Nesse
item nos referimos à importância atribuída à atividade pelos atores sociais quando
ministrada no espaço escolar urbano.
A quase totalidade dos investigados percebe as práticas agrícolas como
atividades válidas para a escola urbana. Principalmente, associando-as a diversos
aspectos da educação ambiental, ao reconhecimento dos processos de produção de
alimento, ao contato com a origem do alimento, à valorização dos trabalhadores do
setor, ao seu potencial interdisciplinar, ao oferecimento de vivências não
proporcionadas no ambiente doméstico e, ainda, como contribuinte para a formação
de hábitos alimentares, na melhoria das relações interpessoais, na inclusão da
atividade física no processo de aprendizagem e na quebra de preconceito em
relação a essa modalidade de trabalho. Houve, em alguns casos, imprecisão quanto
à aceitação da atividade na escola. Somente um investigado, um pai, se posicionou
totalmente desfavorável à atividade na escola, por não ver utilidade na “cidade”,
ratificando a percepção dos professores em relação à visão dos pais dos alunos
sobre o tema.
201
No que se refere aos enfoques da questão ambiental, em muitos casos,
coincidem com proposições da agricultura urbana. Estão presentes visões sobre a
importância da aproximação com os elementos naturais para conhecer, estabelecer
vínculo afetivo e valorizar. O conhecimento e a valorização são identificados nas
menções à afetividade, à estética ambiental e aos usos diretos e indiretos na
utilização de plantas para fins medicinais, no consumo de frutos pouco valorizados,
na possibilidade de fornecer sombra e na melhoria do clima.
Em muitos dos discursos reforça-se a compreensão de qualidade da
“natureza” relacionada à sua utilidade para os seres humanos e não ao seu valor
intrínseco. A fala de um aluno sintetiza bem essa percepção: “Geralmente uma
pessoa que planta, não planta assim para a natureza, planta para o consumo [...] As
pessoas plantam ou porque é bonito ou porque vai [sic] comer. Ah! Planta
medicinal... fazer chá... É bom porque, querendo ou não, está ajudando”.
Por outro lado, alguns atores sociais lembram o enfoque do desenvolvimento
da sensibilidade pelo contato e observação de elementos naturais: “...ação bem
desenvolvida, podem [os alunos] se envolver emocionalmente, coletivamente, se
identificando com o grupo.” A aluna-mãe-avó exemplifica essa percepção quando
se refere aos seus netos: “mais amor pelo meio ambiente... vê uma aranha colorida
e chama para ver... uma aranha, uma lagartixa..”. Há menção a aspectos que
parecem ir além da importância estética: “a própria paisagem nos faz um bem
interior” ; [...] “Por que uma favela é feia? Lá não tem nada de jardim, não fazem um
jardim.” O mesmo pode ser identificado na possibilidade do desenvolvimento da
noção de pertencimento humano ao ambiente natural: “A volta as origens, voltar a
ser elemento da natureza... A gente está ficando muito distante do ambiente
natural.”
202
A falta dessa experiência é considerada lamentável: “deve ser triste você
chegar no futuro e dizer: eu não senti o cheiro da terra, não vi as coisas crescerem.”
Em relação à percepção de que a atividade seria útil para enaltecer o
trabalhador do campo, os professores da área e os processos produtivos de
alimento, foi reforçada, por alguns professores, a ideia de um trabalho que envolve
muito sacrifício: “Pra eles poderem valorizar quem tá lá na roça agora, num sol de
lascar, que é para você ter essa comida aqui, ó... suada, com muita labuta mesmo,
muito trabalho para a gente poder ter na mesa...” Quando apontam para a
necessidade, na escola, de um funcionário de apoio com o perfil “homem de campo”,
fica sugerida a não-participação direta do aluno no que poderia ser o trabalho
“pesado” (?). Tal situação pode contribuir para consolidar uma postura de negação
identificada nos alunos, de que [...] pegar na enxada era um serviço bruto,
depreciava” e “...de técnicas agrícolas todo mundo queria fugir. Trabalho pesado,
mexer com terra, não queriam” vivificando algo que se deseja revertido: “A
desvalorização da atividade do campo é uma questão cultural.”
Há, nesse caso, uma visão parcial da questão. Foram ignorados os recursos
atualmente utilizados pelos grandes produtores e as relações de trabalho no setor.
Houve somente uma citação de um professor se referindo ao processo produtivo
agrícola como agressivo ao ambiente. Fala-se, também, em quebrar preconceitos
que parecem se estender aos próprios professores que admitem a atividade como
extenuante para os alunos.
Por outro lado, há opiniões que dão conta da importância de “mais
movimento”, da diligência física do aluno como fundamental, tanto nesse caso
específico, como em processos de aprendizagem em geral: “Pronto, não! Ele tem
que construir, trabalhar mesmo!”
203
“O aprender é muito mais... no manipular, no exercício corporal, no exercício
mental... e plantar é trabalhar os sentidos. Mexer, ver... sentindo... é a inteligência
em conexão.”
Há nessa conjuntura, ainda, a defesa do oferecimento de “várias
possibilidades de atividades”, incluindo as de agricultura, para o desenvolvimento
integral do aluno, permitindo ao aluno “[...] conhecer para depois escolher.”
Acreditam que a escola tem trabalhado com uma perspectiva restrita, inclusive, em
relação ao mercado de trabalho: “a dificuldade está na cabeça dos dirigentes que só
estão vendo pelo lado profissional”. Haveria, também, o papel de oferecer vivências
que possam se contrapor à “supervalorização do consumo, de bens materiais e à
desvalorização de outros aspectos da vida, que têm sido estimulados “pelos pais,
pela sociedade, pela propaganda, pela mídia...”.
Há algumas referências à merenda escolar, que aparece como possibilidade
de consumo do alimento produzido pelos alunos. Vários discursos condenam os
hábitos alimentares atuais, atribuindo-os à influência da mídia e à falta de contato
com os alimentos na infância. A relação entre plantar e comer é verificada em vários
momentos e a contribuição para formação de hábitos alimentares se manifesta na
possibilidade de ter o contato mais próximo e constante e poder experimentar o
alimento em um contexto prazeroso e de origem do alimento “Por que é gostoso
você ver a horta crescer, colher, você experimentar [...]
O papel da constância da atividade pode ser sintetizado quando se reconhece
que as crianças estão expostas a um contexto com muitos apelos, inclusive o da
alimentação saudável, mas que é preciso mais do que o contato com a informação:
“Porque tem o contato, mas não tem o aprendizado...” É evidenciada a importância
204
do mediador estimulando relação plantar-colher-comer para a formação de hábitos
alimentares, alguém que diga: “Isso é uma delícia!”
Ficou entendido que grande parte dos entrevistados estabelece a correlação
íntima e favorável entre o consumo do alimento in natura e o contato com o
ambiente de sua origem: “Alimentação não é só batata-frita, hambúrguer, é a
vegetação. Acho que plantar ajuda a entender isso”.
[...] agora se ela pensa que foi ela que plantou ela come.”
O vínculo estreito da atividade com os conteúdos das disciplinas Ciências
Naturais e Geografia aparece nas falas, havendo também o aceno para a
possibilidade de trabalho interdisciplinar envolvendo as outras disciplinas: “as
habilidades, os conhecimentos adquiridos podem servir de base para o aprendizado
dos conteúdos disciplinares. Poderia embasar vários conteúdos.” Favorecendo
também o aprendizado de “conhecimentos teóricos amplos” e a “conexão dos
conhecimentos”.
As considerações da atividade como contribuinte para formação integral
humana proporcionando “ensinamentos básicos” como a cidadania, a formação
moral, a construção e consolidação de valores, a preservação da cultura, para “ser
uma pessoa melhor”, “no modo de ver a vida, perceber o que está ao redor...
aprende a gostar...”, “despertar habilidades”, ir “pegando responsabilidade”, para
“desestressar, um lazer... coisas calmas, coisas boas, às vezes até a pessoa que
não gosta pode passar a gostar [...], aprender “a ser mais humano”, melhorar o
“contato com o outro, o cuidado com a planta ajudando a desenvolver o cuidado com
o outro”; “valorização de coisas mais simples etc. compõem um conjunto de
aspectos que permeiam os itens discutidos anteriormente e são de difícil
mensuração e explicitação, dado o caráter subjetivo envolvido. Porém se tornam
205
fundamentais se postulamos a complexidade humana e as dimensões que a
compõem:“Acho que estão faltando às crianças coisas mais simples, pois do simples
é que se entende o complexo”.
b. Percepções diferentes sobre as práticas agrícolas em função do
contexto: Diz respeito ao fato de alguns dos investigados terem expressado visões
diferentes sobre o desenvolvimento e a participação em atividades agrícolas, de
acordo com as circunstâncias. Em relação ao espaço de atuação, ocorreu distinção
entre o ambiente doméstico e o escolar. Percebemos que a primeira situação foi
considerada com naturalidade, ao passo que, para a segunda, sobrevieram alguns
conflitos. Há também o efeito exercido por uma companhia ou pelo grupo na
proposição de realização da atividade, o que pode tornar o sentimento individual
agradável, tolerável ou constrangedor.
Em relação ao espaço onde a ação é desenvolvida foi possível perceber,
entre alguns investigados, a manutenção, em maior ou menor grau, de atividade
agrícola no espaço doméstico e/ou o desejo de poder expandir e se dedicar mais à
atividade. Não parece haver diferença de valor em função do local. Na maioria dos
alunos mais novos, também não foi feita tal discriminação, havendo interesse em
participar, sem restrições tanto num espaço quanto no outro. Porém, alguns alunos
rejeitaram, em princípio, o fato de se envolverem com as práticas na escola, mas por
outro lado, relataram experiências positivas desenvolvidas em casa.
Podemos entender que em alguns casos, especialmente entre os alunos do
9º ano, a rejeição pela atividade agrícola pode estar no fato de as escolhas estarem
vinculadas ao futuro profissional. Mas percebemos que a satisfação em realizar a
atividade no espaço doméstico e as restrições para o espaço escolar engloba, por
vezes, o fator grupo social. Pode haver no domínio familiar a participação de
206
pessoas que desenvolvam cultivos agrícolas de forma natural e prazerosa. Ou a
pressão negativa ou positiva do grupo, especialmente na escola, onde ocorre, entre
os adolescentes, a preocupação com o que os outros vão pensar, dizer e fazer,
expressos em termos como: “zoar”, “pagar mico”.
É o que podemos constatar nas entrevistas em que o aluno rejeita a proposta
de plantar na escola, mas: “Em casa gosto de plantar porque é divertido, junto com
meu pai.”. Outro demonstra aversão total quando a atividade é mencionada. Porém
informa que sua mãe tem plantas em casa e que pretende ter plantas em casa,
quando adulta. Vale lembrar a aluna que parece sintetizar essa noção conjugada
espaço-grupo social. Num primeiro momento tenta parecer “civilizada”, na visão da
sociedade moderna, afirmando não gostar de plantar e que não colocaria a “mão na
terra”, reivindicando luvas. Depois afirma: “Em casa tem a união para plantar, aí
anima plantar. Em casa fico mais à vontade. Na escola dá um pouco de vergonha,
as pessoas, os alunos vão zoar.” A mesma aluna defende a inclusão da atividade na
escola, afirmando que todos gostariam e que não teriam vergonha de realizá-la e
ratificando a influência do grupo: [...] eles iam [plantar] porque não ia ser só um, ia
ser todo mundo.”
Já o aluno que orgulhoso assume sem problemas o seu gosto pela atividade,
além de ter um contexto favorável em casa, se sente reconhecido pela instituição
formal. Embora se considere minoria, esse é o fato que o distingue e o valoriza
perante os professores. Se sente uma liderança capaz de ter contribuído para
“moldar” o padrasto, influenciar a irmãzinha e que pode conseguir novos adeptos
entre os colegas: “Eu sou o líder de uns amigos e aí eles iriam vendo fazendo...” A
influência de um líder é corroborada por um outro aluno que demonstrou pouco
interesse pela atividade.
207
Aquele pai que recusa a idéia de plantio na escola planta em casa e aprecia o
valor estético das plantas. Seu filho (A2) demonstrou grande satisfação em realizar a
atividade em casa e em sua companhia. Nesse caso, é uma percepção
compartilhada (pai e filho) de que a atividade não se aplica ao espaço formal
contemporâneo de educação. Há professores que confirmam tal percepção para
gestores públicos que em função do “avanço da tecnologia” relegam as atividades
agrícolas, assim como para os pais dos alunos: “Os pais vêem a escola mais com a
questão profissional o setor terciário, o quaternário, o contexto urbano...” . E que
podem exercer pressão negativa: “Eu já vi mãe falar: meu filho não vai mexer nisso!
É a formação deles. Já vi mãe impondo informática ao filho.”
Uma constatação considerada relevante é o fato da maioria de os alunos
investigados, e também alguns professores, a despeito de viverem em uma região
onde predominam quintais, e dos quais, em alguns casos, pais e avós mantêm o
hábito de plantar, terem vivenciado pouco a experiência ativa de plantio: “Casei
cedo, fiz cursos, fiquei pouco em casa . Não é algo que me chame a atenção, acho
bonito, mas não sei nada.” Há relatos que demonstram a raridade dos episódios
como o plantio de “feijão no algodão” e os que acreditam que a escola deveria
oferecer a atividade para suprir o que não é oferecido em casa: “Quando é uma área
rural, é natural [a agricultura]. Quando é na área urbana, a escola tem que inserir
esse tipo de coisa. Coisas que eram boas... de alguma maneira devem estar no
currículo.”
“amigas que não deixam as crianças botarem a mão na terra..Seria uma maneira de
suprir isso.”
“O pai dele já não é de se sujar, ter esse contato e acabou também influenciando
ele... é a educação” [...] “Acho que a escola poderia ter compensado isso.”
208
Há o entendimento de que os alunos oriundos de um contexto urbano e/ou
com um nível sócio-econômico mais elevado não demonstrariam resistência: “é
outra mentalidade”.
“Dentro da Barra da Tijuca o pessoal já sente de outra maneira...”
c. Adesão às práticas agrícolas em função da faixa etária: Fazemos
alusão à percepção unânime de que o fator faixa etária representa um determinante
para a concordância do aluno em participar das atividades agrícolas oferecidas na
escola. Nesse caso, a adesão foi considerada inversamente proporcional à idade do
aluno. Quanto mais novo o aluno, maior a adesão às atividades.
No caso dos adultos, surge uma aparente contradição. Os pais foram citados
algumas vezes como aqueles que se opunham à atividade. Porém houve relato de
uma professora e da coordenadora em que os alunos adultos demonstram interesse
em que a atividade seja oferecida. A contradição foi confirmada também nas
entrevistas com o pai e mães dos alunos. Entre os alunos em torno dos 15 anos,
mais uma vez, fica evidenciada e admitida por eles a influência dos pares ou do
grupo para a adesão ou não à atividade.
Entendemos, aqui, que temos adultos favoráveis e desfavoráveis à atividade
no espaço escolar e que uma ou outra opção não se refere diretamente ao fato de
gostar ou não de plantar, mas do entendimento do papel da educação formal. E que
esse fator pode influenciar na adesão ou não dos alunos.
A relação inversa entre idade e aceitação da atividade foi percebida no
próprio grupo de alunos investigados, assim como nas opiniões expressas por eles e
pelos professores. Então, parece fato que a convocação para as tarefas inerentes à
atividade ocorre sem maiores obstáculos para crianças menores e que, à medida
209
que vão se tornando adolescentes, vão surgindo restrições: “quanto mais novo,
maior o interesse”; já os adolescentes “mostram mais preconceitos, vergonha...”.
As justificativas para tal ocorrência variam e muitas vezes estão
interconectadas, mas de modo geral apresentam algumas características,
consideradas desfavoráveis à causa, que se desenvolveriam em função da idade:
preconceitos, vaidade, pressão negativa do grupo, influência da mídia, malícia,
consolidação de hábitos inadequados, perda da curiosidade, preguiça da
adolescência, preferência por outras atividades etc.
Impressões compartilhadas por dois professores distintos sobre esse aspecto
se destacaram das demais. Percebem que as crianças menores identificam o
“caráter mais lúdico” da atividade, enquanto que os mais velhos já teriam assimilado
o caráter simbólico de “um trabalho pesado” . Dessa forma, para as crianças, a
atividade seria aceita como mais uma brincadeira e para os adolescentes
representaria a imposição de um “trabalho”.
d. Entraves para a inserção das práticas agrícolas no espaço escolar
urbano: Referimo-nos aos diferentes obstáculos apresentados pelos atores sociais
para a inclusão e o desenvolvimento das atividades agrícolas nas escolas.
Foram identificadas dificuldades de variadas ordens. É possível perceber
interconexões dos obstáculos mencionados: a falta de recursos humanos e
materiais; a desvinculação da escola convencional; ausência/inadequação de
capacitações; preconceito e depreciação em relação à atividade; influência negativa
do grupo, especialmente entre os adolescentes; o papel da mídia reforçando valores
considerados negativos, e a concorrência com as múltiplas opções de atividades
oferecidas no espaço urbano.
210
Alguns professores manifestaram a crença de que há desconhecimento, por
parte dos gestores, sobre os processos práticos para o desenvolvimento da
atividade:
“É comum virem nos pedir: ‘Façam, por favor, a parte de jardinagem da escola.’.
Como fazer uma jardinagem...? Se o solo... vamos tentar conseguir o adubo... Cadê
a estrutura? Não existe ajuda, infra estrutura...”
A deficiência gradativa de recursos humanos e materiais é entendida pelos
professores como fator que concretiza a percepção de que a atividade não é
considerada pertinente. Acreditam ser incompatível a manutenção da atividade sem
que haja concursos para a contratação de novos profissionais e verba para a
aquisição de material: “Se não há uma renovação... não há o interesse de manter:
‘Vamos tolerar os que estão! O último que sair apaga a luz e vira-se a página’.”
Postulam que a atividade, ao se desvincular de uma disciplina inserida na
matriz curricular do ensino regular, perde o status de algo importante: “se não é
obrigatório é porque não é importante”.
As referências às capacitações aparecem de forma imprecisa nas narrativas
dos professores, o que pode indicar inadequações e/ou rejeição. Aparentemente tais
capacitações, na maioria das vezes, se orientaram para habilitá-los ao
desenvolvimento de outras atividades, desvinculadas de sua área de formação.
“Quando veio a multieducação com os temas transversais, meio ambiente... a gente
pensou que realmente seria a hora de reaver... a nossa postura. Pediram que a
gente se juntasse e elaborasse, fizesse um documento de cada área... havia uma
dificuldade de reavaliar essa nova colocação nossa na estrutura...”
“Nós perdemos o vínculo, que deveria ser qual? Meio Ambiente! Faltou um
investimento nessa área ...”
211
A tese do preconceito e depreciação em relação à atividade pode ser notada
em situações diversas. Foi narrado por professores e coordenadora, como sendo
percepção dos pais dos alunos, o fato de não quererem ver seus filhos trabalhando
com terra, uma vez que alguns tiveram em suas próprias vidas experiências
negativas com a atividade considerada rural: “Poxa! Eu tive uma infância difícil, eu
estive ligado de algum modo à terra, plantação etc. e não quero meu filho
enveredando por esse caminho’’.
[...] aqui no Brasil... mexer em horta é aquele cara lá do... de dentro do mato [...]
Podemos notar algo semelhante na própria história de vida de P3, quando se
refere à fala de sua mãe em relação à permanência no campo como algo não
desejável. Vale, nesse caso, destacar o fato de P3 mencionar em vários momentos
essa percepção como sendo dos pais de seus alunos e , ao mesmo tempo, afirmar
não ter contato com os mesmos.
Os professores identificam o fator classe social interferindo nessa percepção.
Nesse caso, a rejeição àquelas atividades seria tanto maior quanto maior for o nível
de carência do aluno: “quanto mais carente, maior é a resistência. O aluno traz o
histórico, a experiência negativa dos pais com o campo, aquele estereótipo, com
fundo de razão...”
“os pais não querem que o filho faça coisa de pobre, de sem- terra... querem
informática.”
Haveria, então, a negação dessas atividades e o desejo dos pais em
proporcionarem aos filhos algo que não tiveram, estando preocupados em “dar para
ele o que não tive” e com isso “afastei meu filho disso”.
212
Há professores que chamam a atenção para o contexto histórico da
agricultura no Brasil: “estigma da escravidão permanece forte no imaginário do
brasileiro”, ocasionando o “desvalor do trabalho rural, manual...”
É dado, também, destaque à influência da mídia para a construção do referido
preconceito. Sugere-se que a mídia poderia estar reforçando valores contrários
àqueles inerentes à atividade agrícola prejudicando assim a sua aceitação.
Na avaliação dos professores, os pais buscariam na escola uma forma de
negar tais referências consideradas ultrapassadas: “vêem com desdém, querem que
os filhos estudem para as áreas tecnológicas... a gente vê isso na fala dos alunos”.
Esse reflexo na “fala dos alunos” é aludido em vários momentos da narrativa
dos professores e em algumas falas dos alunos. Podemos explicitar tal percepção
quando P4 citou as suas últimas experiências oferecendo as oficinas de práticas
agrícolas em outra unidade (também PET). Era explícito o preconceito dos demais
alunos não-participantes, que dirigiam comentários depreciativos para aqueles
envolvidos com as atividades e outros professores autenticaram, de forma
veemente, tal percepção. P3: “...dos sem terra...”; P4: “...é... muito!”; P1: ‘Vai peão!’;
P4: “‘Lá vai o sem-terra...’ Eles falavam assim quando a gente passava com as
ferramentas. Lá na Médici [Pólo em Bangu] a gente enfrentava muito isso [...] Como
eles eram assim agredidos verbalmente! Eles chamavam mesmo: ‘Lá vai o sem-
terra! Vai capinar, peão!’”.
Além desse fator, o efeito do grupo enviesa a tese: “[...] perante a menininha,
ele tá com enxada na mão. A menina, também, que vai arrumada como se fosse
para um shopping, ela também ‘ tá pagando mico’, por mais que ela goste do
negócio, ela não aceita tá fazendo aquilo, por causa do coleguinha, que vai
213
recriminá-la...” . O mesmo pode ser confirmado nas falas dos alunos que
demonstram claramente a preocupação com a opinião do grupo.
e. Propostas para a inserção das práticas agrícolas no espaço escolar
urbano: Citamos, neste item, as diferentes propostas apresentadas pelos atores
sociais para que as práticas em agricultura possam compor o elenco de atividades
desenvolvidas pela escola.
A maioria defendeu o retorno da atividade à escola convencional, inserida na
matriz curricular de forma obrigatória. Houve alguma divergência nesse último item _
a obrigatoriedade. Foi considerada relevante a proposta de inclusão da atividade
desde as séries iniciais, assim como ocorre hoje com a Educação Física. Apontam
para a necessidade de reformulação da área de conhecimento, reforçando a
questão ambiental e de uma infra-estrutura adequada para o seu desenvolvimento.
Os investigados são unânimes na percepção das atividades contribuindo para
a discussão de questões ambientais, havendo inclusive a proposta de ser
apresentada ao aluno com um nome que vincule esse aspecto. Para tanto, reforçam
a necessidade de capacitação para a adequação da abordagem. Reconhecem que a
área precisa ser reformulada:
[...] A questão ambiental é muito pulsante e essa interação com a nossa área é
muito nítida [...] Não houve uma adequação para a gente no currículo, na grade
curricular...não houve... assim, vamos inserir esses professores na área de meio
ambiente, no núcleo comum...”
Recomendam novos concursos para professores e funcionários de apoio
específicos para a atividade: “Se é para valer, vamos fazer um concurso!” Foi
mencionada a necessidade do profissional denominado “homem do campo” para os
cuidados práticos do plantio e de outro que seria responsável por coordenar as
214
atividades relativas ao preparo do alimento colhido. Nesse caso seria atendida,
também, a indicação de que o aluno veria “um destino” para o plantio realizado, sem
ênfase no valor econômico.
Identificamos que o desejo dos professores, tanto os de técnicas agrícolas
quanto os das demais disciplinas, de retorno das atividades à escola convencional
encontra eco nos demais atores sociais investigados. É entendido que o
afastamento cria uma série de dificuldades operacionais e pedagógicas: “O PET não
devia ser separado da escola. [O que é oferecido como oficina] Devia estar inserido
no currículo, como disciplina. A separação é tão grande que há até um portão ...
Então, na cabeça do aluno também é!”
Há a defesa de inclusão no Projeto Político-Pedagógico das escolas, do seu
oferecimento regular dentro do horário regular de ensino com a convocação de
outras disciplinas e do envolvimento da escola como um todo. E, ainda, de
condições estruturais para que o aluno possa participar da atividade e em seguida ir
para a aula, “ele quer sair bonitinho”.
Há concordância dos atores sociais sobre o retorno da atividade para a escola
convencional. Porém, algumas opiniões divergem quanto ao seu caráter obrigatório.
A defesa da obrigatoriedade, feita por grande parte dos atores, apresenta duas
vertentes. Uma que se refere à validação pelo currículo do conhecimento inerente e
conseqüentemente ao seu reconhecimento pela comunidade escolar como um todo:
“se não é obrigatório, é porque não é tão importante”. E outra que atribui à criança a
incapacidade de fazer escolhas consideradas acertadas. Nesse caso, caberia à
escola prover tal deficiência selecionando e oferecendo o que é certo e bom: “Acho
que a criança não tem maturidade para lidar com escolhas...”
215
Quanto aos que apostam na livre escolha do aluno, acreditam em fatores que
contribuiriam para uma visão favorável à participação, como: a valoração nos
conceitos nas disciplinas curriculares, a influência de líderes, a observação do
envolvimento de outros alunos e a sua promoção como atividade de lazer.
Se botasse na escola como matéria, acho que seria chato... mas se fosse como
lazer... Acho que seria legal... assim extra, sem contar nada.”
“A criança é movida pela curiosidade. Não pode ser forçada. Seria um espaço para
observar, sem escrever nada...”
A proposta de a atividade se iniciar nos primeiros anos de escolaridade
prende-se a alguns aspectos citados pelas diferentes vozes e já discutidos em itens
anteriores e que, de um modo geral, partem do pressuposto de que alguns fatores
externos teriam o poder de, a médio/ longo prazos, influenciarem negativamente a
adesão do aluno à atividade agrícola. Diante de tal constatação, a proposta deveria
ser apresentada precocemente ao aluno, a fim de que a assimile em seu repertório e
a naturalize:
“Isso seria uma base e quando chegassem à oitava série já estariam acostumados.”
“Se começar lá no maternal, plantar e comer o que plantar, vai criar o hábito...”
As percepções coincidentes dos atores sociais envolvidos cotidianamente
com as questões em discussão expõem enfoques nem sempre percebidos por um
olhar estrangeiro. Porém, uma vez evidenciados e apreciados pela ótica do
pensamento complexo ampliam suas fronteiras e revelam novas dimensões.
4 A VISTA DE UM PONTO SOBRE OS PONTOS DE VISTA
4.1 ENSINO DE CIÊNCIAS: entre o discurso e a prática
Apesar de alguns esforços empreendidos ao longo dos últimos anos em
defesa da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, as questões que se
referem à educação ambiental e à educação em saúde, especialmente aquelas
relacionadas à alimentação, seguem mantendo estreito vínculo com o Ensino de
Ciências. Reafirmamos a não-intenção de reforçar a disciplinarização. Mas de
reconhecer o papel relevante que os professores de Ciências têm desempenhado e
podem vir a desempenhar no estímulo e aproveitamento pedagógico das atividades
agrícolas. Enquanto não se consolida a transdisciplinaridade para os temas,
entendemos que um caminho para a sua busca seja a atitude transdisciplinar, seja
do professor de Ciências, do professor de Técnicas Agrícolas ou de outro que assim
se proponha.
Acreditamos que aulas com a utilização de recursos que estimulem o
aprendizado por meio da interação com a realidade concreta favorecem a percepção
da transdisciplinaridade, tanto para o professor quanto para o aluno. A dicotomia
entre teoria e prática em processos de aprendizagem tem sido alvo de discussões e
insatisfações nos diferentes níveis de ensino. Reconhece-se a necessidade de aulas
práticas e igualmente as dificuldades de sua operacionalização. Confiamos em que
vale a pena o investimento em experiências de aprendizado que mobilizem diversas
potencialidades humanas.
A utilização da agricultura na perspectiva dos objetivos do Ensino de Ciências
para o Ensino Fundamental pode permitir o alcance de objetivos relativos aos
217
conhecimentos curriculares clássicos _ Meio Ambiente; Seres Vivos; Corpo Humano;
Física e Química _ e muitos outros afinados com o contexto atual.
Baseando-se nas discussões empreendidas ao longo do presente trabalho,
confiamos em que, dentre os oito objetivos gerais propostos pelos PCNs a serem
alcançados pela disciplina Ciências Naturais no Ensino Fundamental, é possível
vislumbrar nas atividades agrícolas possibilidades para a busca de sete deles:
Compreender a natureza como um todo dinâmico e o ser
humano, em sociedade, como agente de transformações
do mundo em que vive, em relação essencial com os
demais seres vivos e outros componentes do ambiente;
compreender a Ciência como um processo de produção de
conhecimento da atividade humana, histórica, associada a
aspectos de ordem social, econômica, política e cultural;
identificar relações entre conhecimento científico, produção
de tecnologia e condições de vida, no mundo de hoje e em
sua evolução histórica, e compreender a tecnologia como
meio para suprir necessidades humanas, sabendo elaborar
juízo sobre riscos e benefícios das práticas científicos
tecnológicas;
formular questões, diagnosticar e propor soluções para
problemas reais a partir de elementos das Ciências
Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e
atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar;
saber utilizar conceitos científicos básicos, associados à
energia, matéria, transformação, espaço, tempo, sistema,
equilíbrio e vida;
saber combinar leituras, observações, experimentações e
registros para coleta, comparação entre explicações,
organização, comunicação e discussão de fatos e
informações;
valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e
cooperativa para a construção coletiva do conhecimento.
(BRASIL, 1998c, p.33)
No ensino contemporâneo das Ciências Naturais inserem-se,
obrigatoriamente correlacionados, a tecnologia, a sociedade e o ambiente: “[...] a
Ciência deve ser apreendida em suas relações com a Tecnologia e com as demais
questões sociais e ambientais.[...]” (BRASIL, 1998c, p.21). Ciência e Tecnologia são
produtos da construção histórica do conhecimento humano e seguem intimamente
associadas alterando o ambiente e o comportamento humano (BRASIL,1998c).
218
Defendemos que as atividades de plantio, se bem orientadas, propiciariam o
entendimento do processo da produção, a evolução do conhecimento humano e
suas aplicações: as necessidades humanas, o empirismo, a herança cultural, as
relações de trabalho e consumo e o desenvolvimento científico e tecnológico.
A horta se constitui num laboratório vivo onde é possível exercitar a postura
investigativa no aluno sem os equívocos da rigidez metodológica cometidos no
passado com a aplicação artificializada do método científico na sala de aula e
laboratórios escolares. Nesse laboratório vivo é possível identificar fenômenos e
conceitos científicos envolvidos, observar, descrever, formular hipóteses,
experimentar, comparar resultados, propor soluções, reconhecer “erros” e muito
mais!
O contato com os vários elementos que integram uma horta pode trazer o
entendimento e a percepção do nosso vínculo com as constituições e interações
física, química e biológica do ambiente e promover o estabelecimento de uma
relação mais harmoniosa com as diversas formas de vida por vezes ignoradas ou
desprezadas no cotidiano.
É comum a proposição aos alunos de reflexões a partir de situações com
ambientes distantes e emblemáticos, como florestas, rios e mares. Na maioria das
vezes não é feita conexão com o espaço próximo e tangível nem com aspectos
corriqueiros como os fenômenos observáveis nos quintais, nos conceitos de higiene
doméstica, na associação de terra à sujeira, nos medos e/ou nojos de lagartixas, de
minhocas, de sapos etc. Com tal característica, ao longo de anos de aulas de
Ciências, podem ser produzidos (ou reproduzidos?) pelos alunos discursos
favoráveis ao respeito e à preservação das diversas formas de vida, a aquisição de
conhecimentos sobre classificação, anatomia, fisiologia, relações ecológicas etc.
219
Porém, na prática, não se desenvolve a percepção do entorno. Não ocorrendo a
promoção efetiva do contato, conseqüentemente, pode não haver o aprendizado.
Lamentavelmente o mesmo pode ser observado, inclusive, na formação dos próprios
professores.
A vivência da situação concreta das etapas de elaboração e dos cuidados
com uma horta permite o surgimento de problemas, discussões e negociações que
além da mobilização de múltiplas habilidades físicas, intelectuais e relacionais
demandam a utilização de diversas áreas de conhecimento, fazendo da
interdisciplinaridade algo espontâneo. Em sendo a atividade, em si, complexa e
transversal, requer ao longo de sua execução temas considerados nos PCNs
(BRASIL, 1998) como transversais, tais como ética, pluralidade cultural, saúde, meio
ambiente, trabalho e consumo. Nesse contexto poderiam ser contempladas
considerações éticas, como valores, cidadania e relações sociais. Em pluralidade
cultural, os aspectos históricos, sociológicos, antropológicos, as representações
sociais, a cultura brasileira, a linguagem. Em meio ambiente, os aspectos sociais,
econômicos, históricos, biológicos e geográficos. Na saúde, o seu conceito, a
atividade física, a alimentação, o ambiente saudável. No trabalho e consumo, os
processos de produção, o trabalho intelectual e o manual/braçal, a questão de
gênero, a publicidade, o consumismo; etc.
Professores de Ciências, de Biologia, de Técnicas Agrícolas e profissionais
afins têm se ocupado com a busca incessante por sensibilizar e conscientizar
crianças e adolescentes para as questões ambientais e para a adoção de hábitos
alimentares saudáveis e adequados, e ainda, com a assimilação de conceitos
científicos. Entendemos o quão difícil é essa tarefa, tendo em vista os múltiplos
fatores que envolvem as questões e que interferem nas atitudes e comportamentos
220
humanos. Porém, lançando o olhar para a complexidade humana, podemos
descobrir intervenções que, ao serem conduzidas agregando profissionais
naturalmente identificados com as causas, são capazes de coligar múltiplas
dimensões por vezes ignoradas nos processos educativos.
4.2 MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: entre o conhecer e o cuidar
Se concordamos em que a consciência ambiental não é uma característica
humana inata mas que é adquirida na trajetória de vida, especialmente, por
intermédio de aspectos vivenciados durante a infância e juventude, há que se
considerar os vários fatores que podem fazer parte dessa vivência. A necessidade
do “contato”, tantas vezes mencionada ao longo dessa investigação, para que se
possa conhecer, gostar e assim cuidar, não se constitui num encontro avulso e
breve. Há a pressuposição de qualidade, de intensidade e da continuidade do
“contato”, com a oportunidade de experimentar, de conviver, de poder em algum
período se conectar com situações favoráveis àquele desenvolvimento.
A unanimidade verificada na percepção de que a aceitação das atividades
agrícolas seria tanto maior quanto menor a faixa etária pôde ser constatada,
inclusive, entre os alunos entrevistados. Os mais novos, em sua maioria, não
demonstraram nenhuma oposição à idéia de trabalhar com hortas na escola, mas,
pelo contrário, pareceram entusiasmados com a proposta. Notamos, também, que
as barreiras apresentadas pelos demais alunos não são intransponíveis e que os
caminhos para a transposição foram apresentados pelos próprios alunos e outros.
221
Os atores sociais investigados, ao apoiarem a inserção das atividades
agrícolas na matriz curricular da escola, enumeram vários aspectos como
justificativa. Destaca-se o restabelecimento da relação com a “natureza”, fazendo
correspondência com a própria trajetória de vida, na qual tal contato se deu e foi
considerado positivo, ou quando não se deu e é lamentada a sua inexistência como
uma lacuna na própria formação. Por uma ou outra razão recomendam a sua
inclusão nas escolas regulares desde as séries iniciais, para que as crianças tenham
o contato e possam conhecer o ambiente natural. Pois, afinal, se não é possível
gostar do que não se conhece, como cuidar? O que significa conhecer, nesse caso?
Devemos admitir que a detenção de um grande volume de informações acerca das
questões ambientais não é a condição para que efetivamente haja outra postura
cotidiana.
4.3 HÁBITOS ALIMENTARES E EDUCAÇÃO EM SAÚDE:entre o plantar e o comer
Ao considerarmos a formação de hábitos alimentares saudáveis em crianças
como um aspecto fundamental contribuinte para a educação em saúde, e essa
devendo ter por base uma concepção crítica de educação, exige-se, então, o
estabelecimento de condições para o processo de construção de conhecimento, que
contemple a reflexão sobre a realidade para escolhas conscientes. Porém, escolher
implica conhecer o rol de possibilidades.
Condenamos a educação alimentar que pretenda intervir para a constituição
de hábitos alimentares de maneiras prescritiva, impositiva e acrítica. Concordamos
com que crianças aprendem de forma ativa, usando não somente “a razão, o
222
intelecto, mas também mobilizando sensações, emoções, sentimentos e a sua
intuição” (SANTOS, 2003, p. 54).
Na maioria das falas é possível identificar o reconhecimento da complexidade
para a constituição dos hábitos alimentares. Isso se dá tanto em relatos da própria
experiência de vida quanto nas perspectivas da contribuição da horta para a
formação dos hábitos de outrem. São admitidas dificuldades para a manutenção de
hábitos alimentares saudáveis e adequados, mesmo quando se têm informações
sobre os mesmos, ou quando há a preferência e o desejo de adotá-los. Na
possibilidade de alterar ou influenciar os hábitos alimentares dos escolares, ocorrem
alguns pessimismos, reticências e a menção de fatores como o papel da família, da
mídia etc., no entendimento de que são vários os aspectos a serem considerados
para a questão.
Uma vez acatada a complexidade do fenômeno alimentar, e que a
constituição do hábito alimentar envolve escolhas que vão se consolidando
condicionadas a uma série de fatores, entre eles: tempo e freqüência de exposição
ao consumo do alimento, a acessibilidade, o oferecimento/consumo em situação
positiva/agradável, a influência do grupo em consumo coletivo etc., e ao
confrontarmos esse conjunto com as características da modernidade alimentar, é
possível perceber a ausência de vivências e informações para que as escolhas
alimentares das crianças sejam autênticas.
Se a construção de hábitos alimentares também se dá por um processo de
aprendizagem e, portanto, de interação com o conhecimento, sendo esse resultante
da dinâmica dos aspectos do físico, do biológico e do social, inseparáveis e
simultâneos” (SANTOS, 2003, p. 54), questiona-se, aqui, o fato de o contexto
contemporâneo e a escola estarem sonegando às crianças experiências importantes
223
que deveriam compor seu repertório. Para que as escolhas alimentares sejam
genuinamente escolhas, não podem se restringir ao que tem sido apresentado às
crianças desde a mais tenra idade. As balas, os biscoitos, os refrigerantes e outros
alimentos nessa linha, se fazem presentes constantemente na vida das crianças,
associados a contextos agradáveis como uma festa, um passeio, uma saída com o
avô, uma premiação, vinculados a personagens, a publicidade etc. Entendemos que
é pouco provável a opção do consumo de alimentos que não façam parte de um rol
vivenciado de modo tão positivo e eficaz. Por outro lado, geralmente, não são
proporcionadas as mesmas experiências com os alimentos listados como saudáveis.
Pelo contrário, tais gêneros envolvem todo um conjunto do qual fazem parte
imposições, chantagens, prescrições, camuflagens etc.
Diante de tais aspectos, fica difícil avaliar como legítimas as escolhas feitas
em um elenco, de fato, pouco conhecido.
4. 4 A CONSTRUÇÃO DE CONSENSOS: entre o real e o imaginário
Quem decretou que verduras e legumes são ruins? Algumas situações
cotidianas podem nos ajudar na reflexão sobre os determinantes para a
incorporação prazerosa desse ou daquele alimento em nossa dieta e a exclusão ou
rejeição de outros. O que nos leva a acatar como absurdo o fato de uma criança
insistir para que sua mãe compre brócolis num supermercado?
E, antes que alguém pense em fazer coro com os que propagam que
ninguém fica sonhando em comer uma salada”, talvez seja oportuno lembrar o que
vem a ser o nosso comezinho arroz com feijão. E nesse caso, para grande parcela
224
da população brasileira, a abstenção do prato por alguns dias pode levar, sim, a tal
sonho”, mesmo que se tenham à disposição pratos considerados delírios
gastronômicos. E mais, muitos demonstram verdadeira repulsa por “chazinhos”, mas
o que é o “cafezinho” senão um chá? E com que prazer os gaúchos tomam aquele
chá amargo na cuia!
[...] uma criança pode compreender muito bem que, quando ela come,
cumpre não somente o ato biológico, mas também o ato cultural, o ato da
comensalidade; pode compreender que esta alimentação foi escolhida em
função das normas que lhe foram transmitidas por sua família, sua religião
etc. (MORIN, 2001, apud PETRAGLIA, 2008, p.91-92).
Acreditamos que tais ponderações se fazem necessárias para os adultos
como primeiro movimento para a contribuição na formação de bons hábitos
alimentares nas crianças. Havemos de nos despir de alguns convencionalismos.
Reconhecemos a dificuldade de competir com os múltiplos apelos da
contemporaneidade para a inadequação alimentar, mas confiamos em que seja
admissível compreender os aspectos envolvidos e agir estrategicamente.
Há famílias que se sentem incompetentes para lidar com a situação e
esperam que a escola compense essa falha. No entanto, outras nos ensinam formas
espontâneas e simples de conduzir o caso. A constatação dos efeitos nocivos da
inadequação alimentar tem promovido movimentos de diversos setores, na tentativa
de reversão do quadro. É possível notar a crescente adoção de medidas legais
visando à regulamentação de vários aspectos que se referem à alimentação infantil.
Dentre eles, as restrições a cantinas escolares e propagandas destinadas a
crianças. Os meios de comunicação têm difundido informações acerca do tema, o
que torna a população mais receptiva. O PNAE tem reavaliado seu papel educativo,
225
podendo se tornar um grande aliado nas intervenções no espaço escolar.
Entendemos, então, que, a despeito de vários fatores contemporâneos que se
contrapõem aos bons hábitos alimentares, há outros que sinalizam para um futuro
mais promissor.
A garantia ao direito à alimentação saudável e adequada envolve, entre
outros aspectos, a autonomia, sendo que esta se constitui pela dependência de
fatores externos e internos. A escola tem papel importante nesse processo e pode,
por meio das atividades que compõem a elaboração de uma horta e seus
desdobramentos, ocupar uma lacuna de vivências na relação com o alimento que
têm sido negadas às crianças. Frutas, verduras e legumes, antes de serem
alimentos nutritivos e que “fazem bem à saúde”, são comidas com cores, formas,
sabores e aromas. Confiamos em que, com um processo educativo bem
estruturado, é possível reencantar o alimento.
Criança não pode trabalhar? Observa-se um certo desconforto quando há a
proposição de trabalho para crianças e adolescentes. Ainda mais se envolve esforço
braçal e “sujeira”. O que é considerado trabalho excessivo para uma criança pode
estar mais relacionado ao que representa a atividade do que ao desgaste físico que
venha a proporcionar. A comparação entre as taxas de energia empreendida numa
atividade esportiva e na construção e em cuidados coletivos de uma horta - e a
maneira como são usualmente percebidas tais diligências - nos parece emblemática.
O trabalho faz parte da condição humana. Mas atualmente, no Brasil, há toda
uma conjunção de fatores que torna o assunto controverso, quando se trata de
crianças e adolescentes. Direitos da criança e do adolescente, exploração do
trabalho infantil... Sabemos da gravidade do problema e não queremos ignorá-la.
226
Porém, entendemos que excessos têm sido cometidos no sentido da exclusão do
trabalho do mundo infantil.
A imprecisão no que se refere ao coeficiente de atuação das crianças nas
atividades agrícolas na escola expõe essa percepção. Na preparação de uma horta,
qual seria o papel do “homem de campo”, do professor e do aluno? Há concordância
na obrigatoriedade da atividade no currículo escolar, mas surgem dificuldades em
decidir se a atividade deve ser de livre escolha para o aluno ou obrigatória em todos
os níveis, ou ainda, obrigatória somente nas séries iniciais, e posteriormente
passando a ser opcional para o aluno. Nesse último caso, põe-se em dúvida a
capacidade de crianças para a realização de escolhas conscientes e adequadas,
cabendo à escola, aos pais, enfim, ao mundo adulto o oferecimento compulsório
para que o aluno conheça a atividade e assim tenha condições de optar.
Em tempos de preocupação com o sedentarismo que assola a sociedade
contemporânea, queremos destacar, na atividade agrícola, o corpo e o trabalho por
ele produzido, a tomada de consciência desse corpo em movimento a serviço da
produção de algo que alimenta esse mesmo corpo. O trabalho concebido como uma
necessidade biológica, física, mental e social.
Entendemos como primordial o aprendizado de aspectos que configuram a
relação humana com os demais componentes do ambiente, incluindo: o outro; a sua
própria anatomia e fisiologia corporal; o resgate do cultivo como a gênese do
trabalho produtivo, com a diversidade e com a origem dos alimentos. Nessa
circunstância o trabalho seria um mediador privilegiado, como uma das dimensões
da compleição humana, que, portanto, não pode ser excluído do seu processo de
formação. Sendo algo fundamental, o trabalho deve ser apresentado à criança
juntamente com outros saberes constituintes da formação humana.
227
Intentamos, em nome do bom senso e da acuidade dos referenciais da
natureza humana, defender que seja garantido às crianças, também, o direito ao
exercício dessa dimensão, o trabalho.
4. 5 MEIO AMBIENTE E HÁBITOS ALIMENTARES: trabalhando, conhecendo,
gostando, cuidando e comendo
No que diz respeito à consciência ambiental e aos hábitos alimentares, o
contato na infância com o ambiente natural, com o trabalho de plantio, com
alimentos saudáveis, se faz presente. Não como determinante, mas como
importante contribuinte para o desenvolvimento de atitudes e comportamentos que
se refletem em ambos os casos: a preocupação com questões ambientais e para a
consolidação de costumes alimentares saudáveis e adequados. De acordo com a
qualidade da experiência de contato, seu grau de intensidade, a sua freqüência, a
possibilidade de continuidade e todo o conjunto de fatores que compõem o atual
contexto vivido, os resultados poderão ser percebidos nos indivíduos em diferentes
níveis de aplicação de preceitos alimentares e ambientais ou na predisposição para
tal. Devem ser consideradas, também, as subjetividades em cada situação.
Há ocorrência de situações de inexistência do contato significativo com os
fatores mencionados, resultando na falta de afinidade e não necessariamente na
rejeição daqueles preceitos.
Identificamos situações nas quais há experiência positiva com o ambiente
natural durante a infância sem que tenham ocorrido estímulos à adoção de hábitos
alimentares saudáveis. Pode haver, nesse caso, o consumo de frutas com as quais
se teve contato intenso de forma espontânea, no contexto de um quintal, e a não -
228
aceitação de verduras e legumes, devida à inexistência de um ambiente familiar
favorável ao consumo. Em outra situação, haveria a possibilidade de ocorrer adesão
aos hábitos alimentares saudáveis sem o contato com o ambiente natural. Aqui
poderia sobrevir a influência do estímulo da família, promovendo o contato positivo
com o alimento. Muitas outras conjugações são possíveis. Não há nessa discussão
a intenção de estabelecer condições de causas e efeitos, somente a de indicar
algumas interpretações das informações colhidas junto aos atores sociais
investigados na comunidade escolar. Esses conhecimentos nos dão conta de
aspectos que podem ser mobilizados para o alcance de objetivos da Promoção da
Saúde e da Educação Ambiental.
Independentemente da infância rural ou urbana, a afinidade ou rejeição a
atividades que encerrem trabalho com o uso de “enxada” e “mexer com terra” nas
fases jovem e adulta podem estar relacionadas à forma como se deu esse contato
na infância, incluindo aí a experiência e concepção dos pais sobre as mesmas. O
mesmo pode ocorrer no que se refere à negação ou aceitação dos demais
elementos que remetem à “roça”, “ao mato” e valorização ou não do que “é da
cidade”, do que é “moderno”. Uma infância vivida no ambiente urbano, com visitas
prazerosas a ambientes naturais, pode consolidar uma percepção positiva e a
aceitação de atividades relacionadas, ao passo que uma infância rural, envolta em
experiências negativas, poderia ter efeito contrário.
A conjugação das vivências na infância que contemplem, simultaneamente,
contato intenso e positivo, intermediado pelo trabalho, com ambiente natural e com
alimentos saudáveis, é a que sugere melhores resultados. Esses podem ser
identificados nos relatos de manutenção de algumas práticas cotidianas ou na
intenção, no desejo ou na esperança de poder resgatar, em maior ou menor
229
amplitude, a médio ou a longo prazo, os hábitos adquiridos e assimilados e que
permanecem como potencialidades singulares. Encontramos aí indivíduos
totalmente receptivos a proposições nessa linha, e que podem contribuir para a
constituição de um campo favorável à construção de propostas educativas mais
eficazes.
5 ARREMATANDO
O presente trabalho sugere a discussão das diferentes percepções relativas
ao desenvolvimento de atividades agrícolas no espaço de educação formal urbano.
Se já foi consenso o atrelamento de práticas agrícolas exclusivamente à produção e
ao ambiente rural, a contemporaneidade demanda um novo olhar, no sentido de
entendê-las para além dessa visão restrita de território-função, exigindo abordagens
que nos obrigam a rever nossos conceitos e procedimentos.
Considerando que tais atividades atenderiam a uma demanda social, no que
se refere à necessidade humana de retorno ao contato com o ambiente natural,
tanto para a melhoria das relações com os demais elementos que o compõe como
para resgate da origem dos alimentos, nos parece, em princípio, contraditório o
desinteresse por essas atividades quando oferecidas no espaço formal de
educação. A possível explicação estaria na coexistência de percepções diferentes
em função do território de ação, ou seja, no espaço não formal as atividades
agrícolas teriam valores não percebidos para o espaço escolar. Buscar-se-ia, no
espaço escolar, instrumentos para o mundo do trabalho e, nesta perspectiva,
descartar-se-iam aquelas atividades.
A pesquisa amplia a discussão sobre a multifuncionalidade da agricultura,
quando empreendida no espaço escolar urbano, com ênfase no atendimento dos
objetivos fundamentais da Educação Ambiental e da Educação Alimentar e
Nutricional, estabelecendo uma interface entre esses dois campos. Aprofunda as
observações para a identificação e análise das múltiplas dimensões que interferem
231
na implementação das práticas agrícolas em uma escola urbana, a partir da
percepção dos atores sociais envolvidos.
Aludimos que a análise das percepções dos diferentes atores sociais da
comunidade escolar urbana acerca da inserção das práticas agrícolas nas escolas, é
imprescindível para que esta se efetive satisfatoriamente. Relatos feitos por
professores, funcionários, pais e alunos sinalizam para a escolha acertada da Teoria
da Complexidade para análise do fenômeno. Há neles aspectos diversos da
dimensão humana tão intensamente ligados que seria impossível dissociá-los. A
impossibilidade de os professores com formação em Ciências Agrícolas de
exercerem atividades vinculadas à formação acadêmica é motivo de “frustração" e
de queixas de perda de “identidade” profissional.
Foi possível perceber um aparente distanciamento entre o modelo de
atividades agrícolas oferecido pelo PET e as demandas sociais. Como
conseqüência, temos hoje um quadro de desvalorização das ações empreendidas
neste setor.
Há, por parte dos atores sociais envolvidos, um reconhecimento do valor das
atividades agrícolas para o espaço urbano como contribuintes para diversos
aspectos da formação humana, especialmente a consciência ambiental. Identificam
e sugerem possibilidades para a re-inserção da atividade na matriz curricular da
escola convencional e de forma obrigatória, considerando que a obrigatoriedade ou
não, implica um atestado do valor atribuído pela escola.
Esperamos estar oferecendo aporte para elucidar fatores concorrentes para
o esvaziamento conceitual que ora se apresenta para a questão. Vislumbra-se que
as ações em agricultura possam se configurar em eficiente instrumento pedagógico,
que contemple os objetivos da Educação Ambiental e da Educação em Saúde.
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