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A dívida indica, pois, aqui, o imperativo da responsabilidade na relação do sujeito
com o outro, a dimensão alteritária da existência, que nos dias que correm tem
sido desqualificada pela moral do hedonismo, pela exigência de gozo imediato.
Assim, uma certa concepção trivial do desejo, sem que se considerasse
devidamente a dimensão simbólica foi colocada no cenário da atualidade em
nome da liberdade (BIRMAN, 2006b, p. 112, grifos do autor).
As análises sociológicas de Lasch, que caracteriza a cultura atual como cultura do
narcisismo, e a de Debord, que nomeia a contemporaneidade como uma sociedade do
espetáculo, referem-se a essa perda da capacidade atual de lidar com a alteridade. A
subjetividade pós-moderna seria marcada, então, pelo engrandecimento do eu sem levar em
consideração o outro, importando somente a performance individual (ibid., p. 113). O que
está em jogo, assim, é “uma concepção de desejo fora da referência alteritária, pelo qual se
esvazia a relação da responsabilidade do sujeito com o outro” (idem).
O que caracterizaria a subjetividade contemporânea, desse modo, seria a auto-
suficiência, o que enfraquece uma ética fraternal (ibid., p. 119). No entanto, a auto-
suficiência é uma formação ilusória da modernidade (ibid., p. 121), que, não obstante,
acentuou-se desde então até a sua radicalização na atualidade, com a exacerbação do
individualismo e do hedonismo.
A dificuldade que se impõe neste cenário cultural é a construção de uma
identidade, pois o cenário social contemporâneo não possui “um referencial 'terceiro',
verticalizado, portador de um código coletivo”, só podendo se reconhecer em uma
“imagem refletida no olhar do outro” (SCHWARTZMAN, 2004, p. 160). Outro autor que
também identifica o fim da culpa como era encontrada nas neuroses histéricas e obsessivas
é Luis Cláudio Figueiredo (2003, p. 56), associando ao momento da cultura em qual
vivemos atualmente:
Trata-se aqui de um novo pavor que nada tem a ver com a culpa. A cultura da
esquizoidia nem operam o medo pânico da punição, nem o terror diante das
transgressões e, menos ainda, os motivos da compaixão e da solidariedade. Os
laços sociais tão esfarrapados e desinvestidos do regime ultra-individualista não
suportam nem a compaixão nem o compromisso com a lei que institui e regula o
campo social. As ameaças chegam, assim, destituídas de qualquer dimensão
moralizante, como eram aquelas que provinham do superego rigoroso dos velhos
bons tempos, que podia ser cruel, mas também comportava uma dimensão de
justiça e uma promessa de proteção.
1.4 Relações entre a cultura atual e os novos sintomas