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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - CCE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGEd)
DESAFIOS DA CONVIVÊNCIA NO ESPAÇO EDUCACIONAL INCLUSIVO:
um estudo de caso etnográfico sobre a deficiência visual
SANDRA LIMA DE VASCONCELOS RAMOS
TERESINA - PI
2007
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SANDRA LIMA DE VASCONCELOS RAMOS
DESAFIOS DA CONVIVÊNCIA NO ESPAÇO EDUCACIONAL INCLUSIVO:
um estudo de caso etnográfico sobre a deficiência visual
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGEd), do Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal do
Piauí, como requisito necessário à obtenção do
grau de Mestre em Educação.
Orientação: Profª Drª Ana Valéria Marques
Fortes Lustosa.
TERESINA - PI
2007
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SANDRA LIMA DE VASCONCELOS RAMOS
DESAFIOS DA CONVIVÊNCIA NO ESPAÇO EDUCACIONAL INCLUSIVO:
um estudo de caso etnográfico sobre a deficiência visual
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd), do Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal do Piauí, como requisito necessário à obtenção
do grau de Mestre em Educação, conforme avaliação da Banca Examinadora constituída pelos
professores:
Aprovada em:____/____/____
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Ana Valéria Marques Fortes Lustosa (Orientadora)
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Profª. Drª. Albertina Mitjans Martínez (Examinadora Externa)
Universidade de Brasília - UNB
Profª. Drª. Maria da Glória Soares Barbosa Lima (Examinadora Interna)
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Prof. Dr. Antonio de Pádua Carvalho Lopes (Suplente)
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao
teu nome dá glória, por amor da tua
misericórdia e da tua fidelidade.
Salmo 115:1
AGRADECIMENTOS
A DEUS...o Deus do impossível! Que dá vista aos cegos e aos surdos faz ouvir! Faz a
tempestade se acalmar...Andou por sobre o mar e aos mudos fez falar! Paralíticos e coxos fez
andar! Ao meu Deus, o Deus do impossível! Que é o mesmo hoje e sempre há de ser! E que
fará o impossível por você!
AO MEU ESPOSO...
Por seu imenso amor, por sua admiração, estímulo e carinho. E por seu sincero
desprendimento e alegria em me ver crescer.
AOS MEUS FILHOS...
Pela realização que me proporcionaram somente por tê-los como filhos; e pela admiração e
orgulho que vejo em seus olhos quando torcem por mim.
AOS MEUS PAIS E IRMÃOS...
Por fazerem parte da minha vida. Não seria quem sou hoje sem um pouco de cada um deles.
AOS MEUS ALUNOS...
Que me ensinaram sobre amizade e realização profissional, aos quais, trago no peito como
mestres, aprendizes e amigos.
AOS MEUS PROFESSORES...
Por cada conhecimento compartilhado e construído; e pela amizade que me devotaram.
A MINHA ORIENTADORA...
Por sua sabedoria e conhecimento, pela paciência e amor com que se dedicou a me ensinar,
muitas vezes segurando-me pela mão.
AOS MEUS AMIGOS...
Em especial a Amélia, amiga e irmã de todas as horas; a Teresinha, por ter acreditado que eu
era capaz de chegar até aqui; as amigas e colegas de turma Carla e Helenildes pelas lágrimas
tantas vezes derramadas uma no ombro da outra.
AOS IRMÃOS EM CRISTO...
Pelo amor ágape, pela força e esperança em Cristo Jesus!
AOS AMADOS AMIGOS DA ACEP (PI) E DA U.E. “NAIR GONÇALVES”...
Que me fizeram ver, pelos seus olhos, que a grandeza humana não se mede humanamente!
A TODOS... minha eterna gratidão.
Me dê sua mão
Sandra Lima de Vasconcelos Ramos
Estendo a você a minha mão
E fico feliz em receber a sua
Vamos juntos, de mãos dadas
Caminhar o caminho da descoberta
Da construção, do companheirismo
...da confiança.
Deixemos de lado as dificuldades
Os distúrbios, as deficiências
Não pensando e perfeição
Mas buscando crescimento, evolução.
Me dê a sua mão...
RESUMO
Nas últimas décadas, o tratamento dado às pessoas com deficiência tem merecido um
destaque sem precedentes na história da humanidade. A discussão acerca da inclusão social
desses indivíduos nos mais diversos âmbitos da sociedade e, em especial, no contexto
educacional representa um progresso, por referir-se à garantia de direitos, do exercício da
cidadania e do respeito à diversidade historicamente negados. No cenário mundial, na mídia e
no âmbito da organização de políticas públicas, a inclusão social e o direito a convivência
escolar não segregada têm figurado entre os temas polêmicos do novo milênio. Nesse
contexto, o presente estudo de caso etnográfico teve como objetivo geral investigar aspectos
que demarcam e desafiam a convivência da pessoa com deficiência visual no espaço
educacional inclusivo, e, por objetivos específicos: 1) revelar a imagem que o cego tem de si
mesmo; 2) analisar os sentidos da inclusão escolar segundo os sujeitos desse processo; e 3)
caracterizar o ambiente educacional inclusivo, realçando as relações interpessoais entre os
sujeitos. Levando-se em conta a multidimensionalidade do fenômeno, a opção pelo método
etnográfico deu-se pela intenção de se estabelecer um diálogo com a comunidade, no sentido
de revelar valores, hábitos, crenças e práticas sociais que se estabelecem no espaço
educacional inclusivo. Como instrumentos de pesquisa foram utilizados a observação
participante, o diário de campo e a entrevista semi-estruturada, que, numa perspectiva
etnográfica, ampliaram o fenômeno a um conjunto de significantes cujas estruturas estão
inter-relacionadas em múltiplos níveis de interpretação. Consideraram-se como unidades
sociais representativas a ACEP (PI), numa perspectiva macrossocial; e a Unidade Escolar
“Nair Gonçalves”, como unidade microssocial de pesquisa. Representaram os sujeitos da
pesquisa todos os membros da unidade social representativa que fizeram parte dos eventos
observados e que responderam as entrevistas. Na análise dos resultados, três aspectos que
demarcam e desafiam a convivência do deficiente visual no espaço educacional inclusivo
foram identificados como elementos que precisam ser trabalhados na construção de um
espaço escolar autenticamente inclusivo: a identidade da pessoa com deficiência visual; os
sentidos da inclusão escolar e a relação entre a escola especial e a escola inclusiva. As idéias
de estudiosos como Amiralian (1997), André (1995), Caiado (2003), Carvalho (1998, 2002),
Dall’Acqua (2002), Lima (1996), Mantoan (1997, 2002, 2003), Martínez (1995, 2006),
Mazzotta (1996), Pessotti (1984), Sassaki (2003), Silva e Vizim (2003) e Vygotsky (1989,
1993, 2001), entre outros, constituíram o arcabouço teórico desta pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Deficiência Visual. Inclusão Escolar. Etnografia.
ABSTRACT
In the last decade, discussions about handicapped persons have received important focus.
Social inclusion has been one of the most important topics debated about this issue, especially
about educational inclusion. These debates represent a huge progress in terms of guarantees of
rights and about the insertion of this problematic in public politics aiming the increasing of
rights before denied. The participation of the mass media and all institutions against non-
segregated relations at school has been an important allied in this scenario. In this context,
based on an ethnographical design of research, this paper has the aim of investigate meanings
of educational inclusion to visual handicapped students, and: 1) to describe the self image of
handicapped persons have about themselves; 2) to analyze the meanings of the inclusion
following their perspectives; 3) to characterize the inclusive educational setting, focusing the
relationships among educational community; and, 4) to identify aspects related to the
experience of belonging in an educational inclusive context of visual handicapped students.
The ethnographic design was chosen for allowing a dialog with the community and to
evidence values, habits, believes and social practices in the inclusive educational context.
Participative observation, daily diary and semi-structured interviews were passed. These
multi-approaches of collect of data is according the design chosen for promoting multiple
levels of interpretation. As social representative units, the ACEP (PI-Brazil) were considered
in a macrosocial dimension and the Elementary School Nair Gonçalves as a microssocial
dimension. The sample of the research was composed of all members of the educational
setting. Results show three important elements of working about the sense of belonging and
participation of handicapped persons: their self concept, their meaning to inclusion and the
interpersonal relationships. Theoretical background was organized following ideas from
Amiralian (1997), André (1995), Caiado (2003), Carvalho (1998, 2002), Dall’Acqua (2002),
Lima (1996), Mantoan (1997, 2002, 2003), Martínez (1995, 2006), Mazzotta (1996), Pessotti
(1984), Sassaki (2003), Silva e Vizim (2003) e Vygotsky (1989, 1993, 2001).
KEY WORDS: Education, Visual Handicap, Educational Inclusion. Ethnogrphy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela A Distribuição percentual dos casos de deficiência 31
Tabela B Casos de deficiência em relação ao número de habitantes 32
Foto nº 01 Esgoto transbordando 33
Foto nº 02 Esgoto a céu aberto 33
Foto 03 Calçadas impedidas 33
Foto nº 04 Calçadas em desnível 33
Foto nº 05 Presidente da ACEP (PI) – 2006/2007 84
Foto 06 Entrevista 85
Mapa nº 01 Mapa dos Bairros 91
Foto nº 07 Bairro São Pedro 91
Foto nº 08 Árvores do Bairro São Pedro 92
Foto nº 09 Arborização do B. São Pedro 92
Gráfico nº 01 Evolução populacional do Bairro São Pedro
92
Foto nº 10 Centro Administrativo
93
Foto 11 Restaurante 93
Foto 12 Igreja Metodista 93
Foto 13 Loja de Peças 94
Foto 14 Mercadinho 94
Foto 15 Panificadora 94
Foto 16 Frigorífico 94
Foto nº 17 Igreja do Bairro São Pedro 94
Foto nº 18 Santuário da Igreja 94
Foto nº 19 Av. Barão de Gurguéia 95
Foto nº 20 Ponto de ônibus 95
Foto nº 21 Local onde funcionou a 1ªsede da ACEP (PI) 97
Foto nº 22 Local onde funcionou a 1ªsede da ACEP (PI) 97
Fotos nº 23 Cartazes de divulgação da ACEP (PI) 98
Fotos nº 24 Cartazes de divulgação da ACEP (PI)
98
Foto nº 25 Prédio da ACEP (PI)
99
Foto nº 26 Prédio da ACEP (PI) depois da reforma
99
Foto nº 27 Portão de acesso à ACEP
100
Foto 28 Desnível na passarela 100
Foto 29 Auditório
101
Foto 30 Gabinete oftalmológico
101
Foto 31 Consultório odontológico
101
Foto nº 32 Sala de Serviço Social
102
Foto nº 33 Cozinha 102
Foto nº 34 Biblioteca 103
Foto nº 35 Laboratório de Informática 103
Foto nº 36 Livro em Braille 103
Fotos nº 37 Banheiros masculino e feminino 104
Fotos nº 38 Banheiros masculino e feminino 104
Foto nº 39 Micro-ônibus da ACEP 104
Foto nº 40 Alunos visitantes 105
Foto nº 41 Saída dos visitantes
105
Foto nº 42 Sala de doações
105
Foto nº 43 Doações 105
Foto nº 44 Refeitório 106
Foto nº 45 Sebastião F. Soares 107
Foto nº 46 Janilton M. Bastos 107
Foto nº 47 Antenilton M. da Silva 108
Foto nº 48 Aluízio Gonzaga de Carvalho Filho 108
Foto nº 49 Entrada do CHARCE 110
Foto nº 50 Sala de Terapia Ocupacional 110
Foto nº 51 Sala dos Professores 111
Foto 52 Sala de AVD 111
Foto 53 Sala de alfabetização 112
Foto nº 54 Sala de atendimento individual 112
Foto 55 Livros em alto relevo 113
Foto 56 Jogos adaptados 113
Foto 57 Recursos didáticos 113
Foto 58 Material adaptado 113
Foto 59 Membros da ACEP
114
Foto nº 60 Amigos da ACEP (PI)
114
Foto nº 61 Creche 115
Foto 62 Salas da creche 115
Foto 63 Pátio da creche 115
Fotos nº 64 Ornamentação do pátio da creche 116
Fotos nº 65 Ornamentação do pátio da creche 116
Fotos nº 66 Ornamentação do pátio da creche 116
Fotos 67 Alunos da creche 116
Fotos 68 Alunos da creche 116
Foto 69 U.E.Nair Gonçalves 117
Foto 70 ACEP/NAIR 117
Fotos 71 Salas de inclusão 117
Fotos 72 Salas de inclusão 117
Fotos 73 Salas de inclusão 118
Fotos 74 Salas de inclusão
118
Foto nº 75 Corredores da ACEP
121
Foto 76 Aula na creche
145
Foto nº 77 Treinamento no CAP (PI)
151
Foto 78 Material adaptado 151
Fotos nº 79 Caneta adaptada para aprendizagem de escrita à tinta
151
Fotos nº 80 Caneta adaptada para aprendizagem de escrita à tinta
151
Figura 01 Dois caminhos e uma só direção
153
Foto nº 81 Atendimento individual
154
Foto nº. 82 Recursos didáticos específicos 154
Foto nº. 83 Sala de recursos 156
Foto nº 84 Material adaptado 156
Foto nº. 85 Aula de Orientação Mobilidade 157
Foto nº. 86 Aula de Orientação Mobilidade 157
Foto nº. 87 Sala de AVD do CHARCE 158
Foto nº. 88 Sala de AVD do CHARCE 158
Figura nº 02 Integração: movimento em direção à escola inclusiva 161
Figura nº 03 Um único caminho e uma única direção
162
Figura nº 04 Inclusão escolar: construída na relação escola especial e escola inclusiva
162
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO I
O INDIVÍDUO CEGO E O ESTIGMA DA DEFICIÊNCIA 16
1.1 O percurso histórico do tratamento dado à deficiência 17
1.1.1 Fase da exclusão 17
1.1.2 Fase da segregação institucional 21
1.1.3 Fase da integração 25
1.1.4 Fase da inclusão
27
1.2 Panorama da deficiência nos dias atuais: inclusão e/ou integração?
30
1.3 Compreendendo a deficiência visual 34
1.4 A incapacidade de ver como variável inferiorizante 40
CAPÍTULO II
A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL 46
2.1 Caminhos tortuosos da exclusão à inclusão escolar 46
2.2 Contribuições de Vygotsky para a educação dos cegos 56
2.2.1 A concepção de deficiência 57
2.2.2 O conceito de compensação social
59
2.2.3 A educação de pessoas com deficiência
60
2.3 A inclusão escolar de pessoas com deficiência visual: limites e possibilidades 63
CAPÍTULO III
A TRILHA METODOLÓGICA DA INVESTIGAÇÃO ETNOGRÁFICA 76
3.1 Aportes teórico-conceituais e metodológicos da pesquisa 78
3.2 Os procedimentos de pesquisa 81
3.2.1 Seleção de uma unidade social representativa
81
3.2.2 Definição dos sujeitos da pesquisa
82
3.2.3 Descrição do acesso ao espaço investigado e da aplicação dos instrumentos de
coleta de dados 83
3.2.4 Definição das categorias de análise e resultados da pesquisa 88
CAPÍTULO IV
DESCRIÇÃO SOCIOCULTURAL DA COMUNIDADE 90
4.1 Caracterização sócio-espacial do Bairro São Pedro 91
4.2 Associação dos Cegos do Piauí (ACEP – PI) 96
4.2.1 Missão, princípios e papel social 97
4.2.2 Ambiente físico e funcionamento 99
4.2.3 O Centro de Habilitação e Reabilitação para Cegos (CHARCE) 109
4.2.4 A Unidade Escolar “Tia Graça Nery” 114
4.3 A Unidade Escolar “Nair Gonçalves” 116
CAPÍTULO V
O COTIDIANO DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL 113
5.1 Categoria 01 – Como o cego se vê 114
5.2 Categoria 02 – Os sentidos da inclusão escolar 126
5.3 Categoria 03 – A relação escola especial e escola inclusiva 136
5.3.1 Incluindo desde a pré-escola 137
5.3.2 Escola especial: convivendo entre seus “iguais” 144
CONSIDERAÇÕES FINAIS 152
REFERÊNCIAS
155
APÊNDICES
164
RESUMO
Nas últimas décadas, o tratamento dado às pessoas com deficiência tem merecido um
destaque sem precedentes na história da humanidade. A discussão acerca da inclusão social
desses indivíduos nos mais diversos âmbitos da sociedade e, em especial, no contexto
educacional representa um progresso, por referir-se à garantia de direitos, do exercício da
cidadania e do respeito à diversidade historicamente negados. No cenário mundial, na mídia e
no âmbito da organização de políticas públicas, a inclusão social e o direito a convivência
escolar não segregada têm figurado entre os temas polêmicos do novo milênio. Nesse
contexto, o presente estudo de caso etnográfico teve como objetivo geral investigar aspectos
que demarcam e desafiam a convivência da pessoa com deficiência visual no espaço
educacional inclusivo, e, por objetivos específicos: 1) revelar a imagem que o cego tem de si
mesmo; 2) analisar os sentidos da inclusão escolar segundo os sujeitos desse processo; e 3)
caracterizar o ambiente educacional inclusivo, realçando as relações interpessoais entre os
sujeitos. Levando-se em conta a multidimensionalidade do fenômeno, a opção pelo método
etnográfico deu-se pela intenção de se estabelecer um diálogo com a comunidade, no sentido
de revelar valores, hábitos, crenças e práticas sociais que se estabelecem no espaço
educacional inclusivo. Como instrumentos de pesquisa foram utilizados a observação
participante, o diário de campo e a entrevista semi-estruturada, que, numa perspectiva
etnográfica, ampliaram o fenômeno a um conjunto de significantes cujas estruturas estão
inter-relacionadas em múltiplos níveis de interpretação. Consideraram-se como unidades
sociais representativas a ACEP (PI), numa perspectiva macrossocial; e a Unidade Escolar
“Nair Gonçalves”, como unidade microssocial de pesquisa. Representaram os sujeitos da
pesquisa todos os membros da unidade social representativa que fizeram parte dos eventos
observados e que responderam as entrevistas. Na análise dos resultados, três aspectos que
demarcam e desafiam a convivência do deficiente visual no espaço educacional inclusivo
foram identificados como elementos que precisam ser trabalhados na construção de um
espaço escolar autenticamente inclusivo: a identidade da pessoa com deficiência visual; os
sentidos da inclusão escolar e a relação entre a escola especial e a escola inclusiva. As idéias
de estudiosos como Amiralian (1997), André (1995), Caiado (2003), Carvalho (1998, 2002),
Dall’Acqua (2002), Lima (1996), Mantoan (1997, 2002, 2003), Martínez (1995, 2006),
Mazzotta (1996), Pessotti (1984), Sassaki (2003), Silva e Vizim (2003) e Vygotsky (1989,
1993, 2001), entre outros, constituíram o arcabouço teórico desta pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Deficiência Visual. Inclusão Escolar. Etnografia.
ABSTRACT
In the last decade, discussions about handicapped persons have received important focus.
Social inclusion has been one of the most important topics debated about this issue, especially
about educational inclusion. These debates represent a huge progress in terms of guarantees of
rights and about the insertion of this problematic in public politics aiming the increasing of
rights before denied. The participation of the mass media and all institutions against non-
segregated relations at school has been an important allied in this scenario. In this context,
based on an ethnographical design of research, this paper has the aim of investigate meanings
of educational inclusion to visual handicapped students, and: 1) to describe the self image of
handicapped persons have about themselves; 2) to analyze the meanings of the inclusion
following their perspectives; 3) to characterize the inclusive educational setting, focusing the
relationships among educational community; and, 4) to identify aspects related to the
experience of belonging in an educational inclusive context of visual handicapped students.
The ethnographic design was chosen for allowing a dialog with the community and to
evidence values, habits, believes and social practices in the inclusive educational context.
Participative observation, daily diary and semi-structured interviews were passed. These
multi-approaches of collect of data is according the design chosen for promoting multiple
levels of interpretation. As social representative units, the ACEP (PI-Brazil) were considered
in a macrosocial dimension and the Elementary School Nair Gonçalves as a microssocial
dimension. The sample of the research was composed of all members of the educational
setting. Results show three important elements of working about the sense of belonging and
participation of handicapped persons: their self concept, their meaning to inclusion and the
interpersonal relationships. Theoretical background was organized following ideas from
Amiralian (1997), André (1995), Caiado (2003), Carvalho (1998, 2002), Dall’Acqua (2002),
Lima (1996), Mantoan (1997, 2002, 2003), Martínez (1995, 2006), Mazzotta (1996), Pessotti
(1984), Sassaki (2003), Silva e Vizim (2003) e Vygotsky (1989, 1993, 2001).
KEY WORDS: Education, Visual Handicap, Educational Inclusion. Ethnogrphy.
12
INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos da história da humanidade, são inúmeras as evidências
de práticas sociais diretamente associadas ao preconceito e à discriminação. Um exemplo
dessas práticas é o tratamento dado à pessoa com deficiência. Numa trajetória de preconceitos
e concepções pseudocientíficas, a história da deficiência é marcada pela ambivalência de
sentimentos e atitudes, ora de rejeição e medo, ora de piedade e superproteção.
Essa visão começa a ter outros contornos no final do século XX, com o surgimento de
um novo paradigma que, embora admitindo que as pessoas com deficiência necessitem de
serviços específicos oferecidos no contexto de suas comunidades, passa a considerar que elas
têm direito à convivência não segregada e ao acesso imediato e contínuo aos recursos
disponíveis aos demais cidadãos.
Portanto, a compreensão de que a pessoa com deficiência deve ser considerada em
função do caráter dinâmico de suas necessidades específicas e do reconhecimento de seu
potencial é ainda muito recente. À medida que vão ocorrendo profundas e significativas
mudanças nas concepções de ensino e aprendizagem, fazendo com que a educação passe a ser
considerada como mediação na construção do conhecimento humano, vão surgindo novas
alternativas e possibilidades para a educação de pessoas com deficiência.
Nesse sentido, concepções, denominações e práticas na educação de pessoas com
deficiência vão aos poucos sendo modificadas. Os anos de 1970 e 1990, por exemplo, marcam
o surgimento de grandes movimentos internacionais em defesa da pessoa com deficiência: o
movimento de integração e o de inclusão, respectivamente. Sob a reflexão e análise da
sociedade e da comunidade científica essas novas práticas sociais vão se consolidando, à
medida que se reconhece o papel significativo da educação para a inserção e inclusão social
desses sujeitos. Nesse contexto, o movimento destinado a inclusão escolar de todos na rede
regular de ensino, indistintamente, começa a se intensificar.
No que se refere à deficiência visual, mais especificamente, à capacidade de aprender
da pessoa cega, as mudanças têm ocorrido à medida que ela vai tendo acesso à educação
sistematizada e oferecida nas classes comuns da rede regular de ensino. Aos poucos, o direito
à convivência escolar não segregada começa a ser visto como uma necessidade essencial e
como via de acesso a espaços genuinamente democráticos onde as pessoas com deficiência
possam compartilhar seus conhecimentos e experiências na diversidade. Todavia, entre
13
estudiosos do paradigma inclusivo como Aranha (2001), Carvalho (1998, 2000, 2002),
Fonseca (2003), Mantoan (1997, 2002, 2003) entre outros, a inclusão escolar é considerada
um tema polêmico que envolve múltiplas e urgentes reflexões, a exemplo de outros
fenômenos.
Nesse contexto, reconhecendo a complexidade e os desafios que se impõem à inclusão
escolar, a relevância deste estudo se evidencia, de modo particular, por aproveitar o atual
momento em que a sociedade, diante de uma realidade incontestável, mostra-se favorável a
refletir em profundidade sobre os elementos que se contrapõem à inclusão de pessoas com
deficiência na rede regular de ensino.
Acredita-se que somente através da pesquisa é que se pode explorar, sob diferentes
ângulos, as possibilidades de superação dos elementos reforçadores da exclusão. Em função
desse entendimento é que surgiram algumas inquietações que terminaram por nortear esse
estudo, quais sejam: que imagem o cego tem de si mesmo? Quais os sentidos da inclusão
escolar para as pessoas com deficiência visual? Como se caracteriza o ambiente inclusivo?
Que aspectos demarcam a convivência da pessoa com deficiência visual no contexto
inclusivo? Esses e outros questionamentos constituem fomentos que conduziram a pesquisa,
de modo que o presente estudo tem a pretensão de contribuir de forma significativa com as
demandas e reflexões empreendidas acerca da inclusão escolar.
Para tanto, coloca-se como objetivo geral investigar aspectos que demarcam a
convivência da pessoa com deficiência visual no espaço inclusivo e, sendo que, deste,
decorreram os seguintes objetivos específicos: revelar a imagem que o cego tem de si mesmo;
analisar os sentidos da inclusão escolar segundo os sujeitos desse processo; caracterizar o
ambiente educacional inclusivo, realçando as relações interpessoais entre os sujeitos e
identificar os aspectos que demarcam a convivência do deficiente visual no espaço
educacional inclusivo.
O interesse pessoal pelo tema em estudo foi se configurando, lentamente, na dialética
que caracteriza a vida cotidiana do professor, no contexto das experiências profissionais da
pesquisadora, assim como, na teia de infinitas significações de seu desenvolvimento como ser
humano. Um aspecto definidor dessa configuração e elemento motivador importante foi a
experiência docente de vinte e cinco anos, dos quais, sete anos no ensino superior em cursos
de formação de professores, período em que surgiu a oportunidade de ministrar a disciplina
“Fundamentos da educação para portadores de necessidades especiais”.
Outro aspecto que se revelou fundamental na decisão de investigar essa temática, diz
respeito também à experiência pessoal da pesquisadora com alunos com deficiência visual
14
incluídos no sistema regular de ensino, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino
Superior, o que foi determinante para a consolidação de um desejo profissional imperativo de
saber mais sobre a deficiência visual e lutar pela inclusão social do cego. Portanto, a vivência
diária dos obstáculos a inclusão escolar e o reconhecimento das reais possibilidades de
aprendizagem do indivíduo cego, proporcionados pela prática pedagógica, inspiraram esse
trabalho.
Ao discorrer sobre a relevância social da temática, observa-se que mesmo tendo
merecido destaque nos últimos anos, na mídia, na Campanha da Fraternidade (2006) e em
outros veículos de comunicação, assim como em vários espaços sociais, o tema ainda não
alcançou, na prática, o seu real significado no âmbito da organização de políticas públicas.
Por conseguinte, as reflexões aqui realizadas, possibilitaram revelar valores, hábitos, crenças e
práticas sociais relacionadas à inclusão escolar de pessoas com deficiência visual.
Para alargar essa compreensão sobre a inclusão escolar enquanto fenômeno humano e
social fez-se necessário entendê-la na dialética da cultura em que está inserida, optando-se
pelo estudo de caso etnográfico, tendo como contributo teórico as idéias de estudiosos como
Amiralian (1997), Aranha (2001), Baumel (1994), Caiado (2003), Dall’Acqua (2002),
Fonseca (2003), Mantoan (1997, 2002, 2003, 2005), Martínez (1995, 2006), Pessotti (1984),
Sassaki (2003), Silva e Vizim (2001, 2003), Telford e Sawrey (1978) e Vygotsky (1989,
1993, 2001), entre outros.
A pesquisa de campo realizou-se utilizando como instrumentos de pesquisa a
observação participante, diários de campo e entrevistas semi-estruturadas, que, nessa
perspectiva, deram ao fenômeno múltiplos níveis de interpretação. Desse modo, com o intuito
de promover ao leitor um acesso compreensivo e prazeroso às trilhas de construção da
pesquisa, o presente estudo foi organizado em seis partes assim distribuídas: Capítulo I: “O
indivíduo cego e o estigma da deficiência”; Capítulo II: “A educação de pessoas com
deficiência visual”; Capítulo III: “A trilha metodológica da investigação etnográfica”;
Capítulo IV: “Descrição sociocultural da comunidade”; Capítulo V: “O cotidiano de inclusão
da pessoa com deficiência visual” e as considerações finais, que compreendem, além de um
resumo dos tópicos mais relevantes, indicações para pesquisas futuras.
No Capítulo I, buscou-se descrever e analisar as concepções de deficiência quanto
descrever o tratamento social dado à pessoa deficiente nos vários períodos da história
humana. A seguir, mostra-se o panorama atual da deficiência no que se refere aos dados
quantitativos dessa realidade, de modo a fornecer informações importantes e necessárias à
discussão sobre a temática em estudo. Na seqüência, discorre-se sobre a deficiência visual no
15
sentido de melhor compreendê-la para, finalmente tecer reflexões sobre o estigma que
acompanha essa deficiência, considerada ao longo da história uma variável inferiorizante.
O Capítulo II aborda a educação de pessoas com deficiência visual, buscando analisar
os caminhos tortuosos dessa tipologia de educação, discutindo tanto aspectos relacionados à
inacessibilidade aos sistemas de ensino como às práticas de inclusão escolar. Considerando-se
a perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano na análise desse processo
educacional, fez-se necessário destacar as contribuições de Vygotsky para o desenvolvimento
e educação de pessoas deficientes. Finalmente, encerra-se o capítulo com a apresentação da
proposta inclusiva de educação, discutindo limites e possibilidades da inclusão escolar de
pessoas com deficiência visual.
No Capítulo III, foram apresentados os aportes teórico-conceituais e metodológicos da
etnografia, que nortearam o desenvolvimento desta pesquisa, desde a construção do objeto de
estudo até a execução do plano de análise dos dados. Com vistas a uma melhor compreensão
dos procedimentos de pesquisa adotados, as etapas da investigação são assim distribuídas:
seleção da unidade social representativa, definição dos sujeitos da pesquisa, descrição do
acesso ao espaço investigado e da aplicação dos instrumentos de coleta de dados e,
finalmente, definição das categorias de análise e resultados da pesquisa.
No Capítulo IV, fez-se a descrição sociocultural da unidade social representativa deste
estudo, delimitada pela ACEP (PI) - numa perspectiva macrossocial – e pela U.E. “Nair
Gonçalves” - numa perspectiva microssocial.
O Capítulo V consolida as interpretações dos dados através da análise de situações
consideradas mais representativas para a compreensão do objeto deste estudo. Nesse sentido,
buscou-se transcender a mera descrição do cotidiano no sentido de revelar aspectos que
demarcam e desafiam a convivência do deficiente visual no espaço educacional inclusivo. Os
dados etnográficos, ao serem selecionados e organizados, apontaram como elementos de
descrição e análise interpretativa os seguintes aspectos: 1) a identidade da pessoa com
deficiência visual, elemento que interfere diretamente nas relações intra e interpessoais
estabelecidas no cotidiano de inclusão; 2) os sentidos que os sujeitos protagonistas da inclusão
escolar dão a esse processo, pois sem a compreensão plena da importância da convivência na
diversidade não há como adotar nem vivenciar práticas inclusivas; 3) a relação escola especial
e escola inclusiva, cuja parceria necessita de avaliação e redimensionamento.
16
CAPÍTULO I
O INDIVÍDUO CEGO E O ESTIGMA DA DEFICIÊNCIA
A concepção de deficiência, assim como todos os fenômenos humanos individuais e
coletivos, tem sido construída no cerne das representações socioculturais de cada comunidade,
nos diferentes períodos históricos. Dessa forma, para se compreender o estigma da deficiência
e as atitudes de rejeição e de preconceito que têm marcado o tratamento dado à pessoa
deficiente, faz-se necessário analisar as raízes históricas e culturais desse fenômeno.
Ao longo da história universal, desde os tempos mais remotos, são inúmeras as
evidências de práticas sociais segregadoras, muitas delas diretamente associadas ao
preconceito e à discriminação (ARANHA, 2001; CARVALHO, 1998; DALL’ACQUA, 2002;
PESSOTTI, 1984; RIBEIRO, 2003; SASSAKI, 2003; TELFORD; SAWREY, 1978). O fato é
que o tratamento dado à deficiência tem se constituído na ambivalência de sentimentos e
atitudes que podem refletir, ora rejeição e medo, ora piedade e superproteção.
Assim é que, neste capítulo, buscou-se tanto analisar as concepções de deficiência
quanto descrever o tratamento social dado à pessoa deficiente nos vários períodos da história
humana. Como forma de organizar didaticamente as análises pretendidas, tomou-se por
referência a classificação de Sassaki (2003) que divide o tratamento dado à deficiência em
quatro fases distintas: da exclusão, da segregação institucional, da integração e da inclusão.
Finalizando essa contextualização histórica com o panorama da deficiência no mundo, no
Brasil, no Piauí e em Teresina, em forma de dados quantitativos.
Na seqüência, direcionando as reflexões, mais especificamente, para o contexto da
deficiência visual, fez-se necessário caracterizar esse tipo de deficiência para, finalmente,
discorrer sobre o estigma que incide sobre a pessoa cega.
1.1 O percurso histórico do tratamento à pessoa com deficiência: exclusão, segregação
institucional, integração e inclusão
17
No que diz respeito às práticas sociais de tratamento à pessoa com deficiência,
observa-se que as diferentes sociedades, conduzidas por contextos culturais e históricos
específicos, são as responsáveis por decidir em quais indivíduos vão recair os atributos
depreciativos ou os socialmente aceitáveis. Portanto, nessas diferentes sociedades, o
tratamento dado à pessoa com deficiência submete-se a uma relatividade histórico-cultural.
Acerca disso, concordam Libório e Castro (2005, p. 83): “[...] não podemos dizer que em
todos os períodos históricos e em todas as culturas os mesmos grupos de indivíduos passaram
por situações estigmatizantes, ou foram a eles atribuídos o mesmo significado e
compreensão”.
A esse respeito, Carvalho (1998) ressalta que a questão das diferenças entre as pessoas
e as desigualdades é uma questão bem complexa porque envolve a cultura e as condições de
vida dos povos, segundo suas regiões geográficas, países e continentes.
Outros estudiosos da deficiência e de sua trajetória histórica, em busca de
compreender toda a complexidade desse fenômeno, parecem concordar com a necessidade de
realizar suas análises de forma mais genérica, e, para tanto, procuram contextualizar o
fenômeno nos vários períodos históricos da humanidade como o fazem: Carvalho (1998);
Pessotti (1984); Telford; Sawrey (1978). Para uma melhor compreensão dessa trajetória,
optou-se por organizá-la em quatro fases distintas denominadas: fase de exclusão, fase de
segregação institucional, fase da integração e fase da inclusão.
1.1.1 Fase da exclusão
No que concerne à primeira fase, o tratamento dado à pessoa com deficiência é
marcada pela existência de práticas sociais que legitimaram o sentido de excluir, sendo, por
esse motivo, denominada de fase de exclusão. Ao longo do processo civilizatório, toda
“diferença”, fosse racial, social, cultural ou física, sofria a rejeição sumária das sociedades, o
que implica dizer que a exclusão não marca exclusivamente a história dos deficientes. Têm
sido vítimas da exclusão social muitos outros segmentos da sociedade como os religiosos,
“[...] os pobres, os índios, os negros, os de origem étnica e cultural muito diferentes, os
nômades, enfim um espectro largo de cidadãos”. (VIZIM, 2003, p. 57).
18
Referindo-se de forma mais específica às pessoas com deficiência, os primeiros
registros históricos dos procedimentos discriminatórios da sociedade a esse grupo de pessoas,
encontram-se em obras literárias e em documentos oficiais da Antigüidade. Por exemplo, no
seu livro “A República”, Platão relata que as crianças mal constituídas eram sacrificadas ou
excluídas do convívio social (BRASIL, 2002b).
Tanto Pessoti (1984) como Bechtold e Weiss (2003) mencionam que na Roma antiga
os patriarcas eram autorizados, pela Lei das XII Tábuas, a matar seus filhos defeituosos. Ou
seja, crianças com deficiências físicas ou mentais eram consideradas sub-humanas e isso
legitimava sua eliminação ou abandono. Segundo esses autores, o mesmo acontecia em
Esparta, onde crianças com deficiência eram lançadas do alto do Taigeto (abismo de mais de
2.400 metros de altitude, próximo de Esparta).
A esse respeito, Ribeiro (2003) informa que naquela época predominava a filosofia da
eugenia, que visava à melhoria da raça humana, e que, portanto, considerava “deficiência”
como degeneração. Sobre isso vale ressaltar que a busca de perfeição para a raça humana, por
si só, já negava às pessoas com deficiência sua “humanidade”, em virtude do defeito que
possuíam.
Nesse contexto, em busca de compreender tais procedimentos, faz-se necessário
analisar a organização sociopolítica então vigente. Naquele período, as civilizações ocidentais
organizavam-se em dois agrupamentos sociais: a nobreza, uma minoria que detinha o poder
social, político e econômico; e a maioria da população, considerada propriedade dos nobres e
economicamente dependente dessa classe. A vida humana, portanto, era valorada em função
de sua utilidade para a realização dos desejos e necessidades da nobreza.
Sob essas condições, em função de limitações funcionais e necessidades diferenciadas,
a pessoa “diferente” era considerada inútil (improdutiva) pela classe dominante, tornando-se
vítima de desprezo, rejeição, perseguição e exploração (SASSAKI, 2003). Na atualidade, o
ideal capitalista tem mantido viva essa concepção, pois tem excluído dos processos
civilizatórios aqueles considerados improdutivos, incapazes de acompanhar o movimento
acelerado exigido para a produção e geração de renda do mundo capitalista.
Quanto à deficiência visual, embora numa perspectiva mais ampla não se considere
que o cego tenha recebido um tratamento diferenciado, quando comparada com outros tipos
de deficiência, a cegueira era vista por muitos com admiração. Quando não pelo talento e
capacidade de superar os obstáculos impostos pela deficiência, como no caso de Homero,
autor de Ilíada e Odisséia, os cegos chamavam atenção pelo dom supostamente atribuído a
19
alguns, de ver o futuro ou o passado, além do que os olhos físicos permitiam
(DALL’ACQUA, 2002).
Isso demonstra que, ao longo da história da humanidade, a compreensão da deficiência
se construiu e se modificou várias vezes e de diversas formas, gerando diferentes atitudes
sociais em relação a esse fenômeno. As concepções míticas da deficiência justificavam alguns
desses tratamentos diferenciados.
Referindo-se ao tratamento dado à cegueira, Caiado (2003) classifica o período que se
estende da Antigüidade até parte da Idade Moderna, de período místico. Segundo esse autor,
se para uns a cegueira era considerada uma desgraça, para outros, proporcionava ao homem o
privilégio de mergulhar em sua essência, de olhar para dentro de si mesmo e de reaproximar-
se de Deus.
Sobre essa concepção mítica da cegueira, Vygotsky (1989, p. 75. Tradução nossa)
afirma que, por tradição, “[...] os cegos eram com freqüência os guardiões da sabedoria
popular, os cantores e os profetas do futuro. Homero era cego. Sobre Demócrito afirmou-se
que ele próprio cegou-se para dedicar-se inteiramente à filosofia.” O autor acrescenta, ainda,
que mesmo nos dias de hoje, muitas pessoas ainda consideram que os cegos possuem uma
espécie de “luz espiritual”.
Contudo, as concepções míticas da cegueira que lhe deram um tratamento diferenciado
não podem ser generalizadas, pois se apresentam historicamente como práticas isoladas. O
que prevaleceu nesse período foram atitudes de extrema perversidade contra as pessoas
distinguidas pela deficiência.
Como já mencionado, para as civilizações romana e grega, os ideais atléticos e
estéticos faziam parte dos fundamentos de sua organização sociocultural e acabavam por
legitimar as atitudes preconceituosas contra a deficiência. Para os gregos, a força e a beleza
físicas eram extremamente valorizadas, o que impedia a aceitação de qualquer mutilação do
corpo.
Segundo a cultura espartana, o homem ideal era composto por diversos atributos:
beleza, fortaleza, coragem, bravura, perfeição. Não havia espaço social para as pessoas que
não se enquadrassem nesse ideal de homem e “[...] aqueles que, porventura, não
correspondessem a esses parâmetros eram eliminados ou abandonados, em rituais de
exposição e depreciação [...]” (VIZIM, 2003, p. 57).
A esse modelo de perfeição criado pela sociedade que exclui socialmente o diferente,
soma-se um outro reforçador do preconceito contra o deficiente: a ignorância sobre as origens
e causas da deficiência. O fato de as pessoas não se sentirem seguras quanto ao contágio de
20
doenças e defeitos físicos, reforçava o preconceito e a rejeição, servindo de justificativa para a
exclusão social das pessoas com algum tipo de deficiência.
Nesse contexto, surge entre os gregos o termo “estigma” para designar os sinais
corporais que evidenciavam algo de extraordinário ou mau sobre o status moral de alguém.
Com base na definição do termo, passou-se a acreditar que alguém com um estigma é um ser
defeituoso. Tal concepção culminou, segundo Goffman (1988), na construção de uma “teoria
do estigma” como uma ideologia para explicar a inferioridade humana associando-a à
diferença.
Interessante observar que, na Grécia, cenário onde o estigma da pessoa deficiente se
consolidava foi onde surgiram as primeiras concepções naturalistas sobre o funcionamento e
natureza da mente, que contribuiriam para elucidar as dúvidas sobre as doenças mentais.
Acerca deste aspecto, Telford e Sawrey (1978) ressaltam o caráter moderno e inovador da
concepção de Aristóteles, considerando a mente como um atributo ou organização da própria
matéria e não algo acima ou além dela; e a contribuição das idéias de Galeno (século II d.C.) e
Hipócrates (460 - 375 a.C.) que se afastaram das concepções sobrenaturais para justificar o
comportamento anormal.
Com o advento do Cristianismo a situação se agravou. No que se refere à organização
político-administrativa dos povos, com o fortalecimento político da Igreja Católica Romana,
criou-se um novo segmento social: o clero. Todo o conhecimento humano, produzido e
armazenado historicamente, passou ao domínio exclusivo da Igreja, fortalecendo o poder do
clero sobre as decisões e ações da sociedade, inclusive exercendo o poder de excomungar
aqueles que o desagradassem. Nessa perspectiva, comporta acrescentar que:
Dado o poder adquirido pela Igreja Católica no decorrer dos anos, foi-se
instalando uma situação generalizada de abuso e manifestação da
inconsistência entre o discurso religioso e as ações de grande parte do clero.
Discordantes dentro da própria Igreja, bem como fora dela, passaram a se
manifestar cada vez mais ampla e veementemente. A disseminação de tal
processo passou a colocar em risco o poder político e econômico da Igreja.
Na tentativa de se proteger de tal insatisfação e das manifestações, a Igreja
iniciou um dos períodos mais negros e tristes da História da Humanidade: o
da perseguição, caça e extermínio de seus dissidentes, sob o argumento de
que eram hereges, ou ‘endemoninhados’. (BRASIL, 2000a, p. 10).
Obviamente, tais atitudes no sentido de identificar os suspeitos de heresia constituíram
ameaça e grande perigo para as pessoas com deficiência; em especial, para os doentes
mentais, cujos surtos eram freqüentemente confundidos com possessões demoníacas e
manifestação de feitiçaria, aos quais, como resposta, o processo de exorcismo chegava a levar
21
à morte; e, dependendo do tipo, a deficiência passava a ser considerada manifestação ou
expiação de pecados. Para Pessoti (1984), Sassaki (2003), Ribeiro (2003), e outros, o período
é marcado pela tortura, promiscuidade e crueldade da inquisição que vitimou inúmeros
deficientes por conta de concepções mitológicas, tendenciosas e fanáticas.
Vygotsky (1989) ressalta que o Cristianismo, embora enfatizasse a importância dos
valores espirituais, provocou uma mudança de conteúdo moral, mas não de essência
espiritual. Conseqüentemente, as atrocidades, perseguições e torturas realizadas pelos
representantes da religião católica romana provocaram uma cisão na própria Igreja. Membros
do clero que pretendiam restaurar a consistência entre o discurso e a prática dos cristãos,
liderados por Martinho Lutero, separaram-se da Igreja Católica Romana formando uma nova
Igreja, num processo que se denominou “Reforma Protestante”.
As mudanças provocadas pela Reforma Protestante, entretanto, não trouxeram uma
melhoria imediata no tratamento dado às pessoas com deficiência. No período, ainda persistia
a visão pessimista do homem e a crença de que, sem o domínio da razão ou na falta da ajuda
divina, o homem devia ser considerado uma “besta demoníaca”. Ficava dessa forma reforçada
a crença de que pessoas dementes e amentes eram, em essência, seres diabólicos.
Na verdade, pode-se dizer que, na fase da exclusão, em que as práticas sociais foram
fortemente conduzidas por representações míticas, o tratamento dado à pessoa com
deficiência era marcado pelo preconceito e pela rejeição. Somente com o desenvolvimento da
ciência e, mais especificamente, da medicina, dar-se-á início a um processo de humanização
desse tratamento.
1.1.2 Fase da segregação institucional
A segunda fase do tratamento dado à pessoa com deficiência, denominada de fase da
segregação institucional (SASSAKI, 2003), surge do seio de uma facção da sociocultura
medieval cristã. Se para alguns persiste a idéia de que a pessoa deficiente é um ser diabólico,
para outros, as pessoas doentes, deficientes ou mentalmente afetadas, passaram a ser
consideradas criaturas de Deus, não podendo mais ser exterminadas, pois isso implicaria em
atentar contra os desígnios de Deus. Pessotti (1984, p. 4) comenta que a expressão les enfants
du bon Dieu (as crianças do bom Deus), usada nesse período para referir-se às pessoas com
deficiência “[...] tanto implica a tolerância e a aceitação caritativa quanto encobre a omissão e
22
o desencanto de quem delega à divindade a responsabilidade de promover e manter suas
criaturas deficitárias.”
A concepção de que a pessoa deficiente também é possuidora de alma impõe uma
mudança no comportamento das pessoas. Embora ainda excluídas da sociedade e da família,
as pessoas com deficiência passam a ser atendidas em instituições religiosas ou filantrópicas.
Convém lembrar que, inicialmente, esse atendimento tinha um caráter puramente caritativo.
Assim sendo, como descreve Pessotti (1984, p. 5, grifo do autor), beneficiado pela redenção
de Cristo, o deficiente “[...] passa a ser acolhido caritativamente em conventos ou igrejas,
onde ganha a sobrevivência, possivelmente em troca de pequenos serviços à instituição ou à
pessoa ‘benemérita’ que o abriga”.
Esse mesmo autor ainda registra que no século XIII surge a primeira instituição para
abrigar deficientes mentais, que era mais precisamente uma colônia agrícola. Nesse período,
os hospitais não possuíam finalidade médica. Eram grandes instituições filantrópicas
destinadas a abrigar os indivíduos considerados "indesejáveis" à sociedade, como os leprosos,
aleijados, mendigos e loucos. Portanto, eram lugares de exclusão social da pobreza e da
miséria produzidas pelos regimes absolutistas da época.
O período caracterizou-se “[...] pela retirada das pessoas com deficiência de suas
comunidades de origem e pela manutenção delas em instituições residenciais segregadas ou
escolas especiais, freqüentemente situadas em localidades distantes de suas famílias”
(BRASIL, 2000a, p.13).
Se por um lado a institucionalização favoreceu ao deficiente, que passou a ganhar
abrigo, alimentação e, talvez, conforto em conventos ou asilos; por outro, acabou por fazê-lo
arcar com responsabilidades morais. O deficiente ganhou a caridade e com ela escapou ao
abandono, mas ganhou também a “cristianidade”, concepção de que, como enfant du bon
Dieu, ele passava a ser portador de misteriosos desígnios da divindade. Como relata Pessotti
(1984, p. 7, grifos do autor),
Agora a ética cristã reprime a tendência a livrar-se do deficiente através do
assassínio ou da “exposição”, como confortavelmente se procedia na
Antigüidade (sic): o deficiente tem que ser mantido e cuidado. A rejeição se
transforma na ambigüidade proteção-segregação ou, em nível teológico, no
dilema caridade-castigo. A solução do dilema é curiosa: para uma parte do
clero, vale dizer, da organização sócio-cultural, atenua-se o “castigo”
transformando-o em confinamento, isto é, segregação (com desconforto,
algemas e promiscuidade), de modo tal que segregar é exercer a caridade,
pois o asilo garante um teto e alimentação. Mas, enquanto o teto protege o
cristão as paredes escondem e isolam o incômodo ou inútil.
23
Contra o sistema de verdades imposto pela doutrina moral católica ou anglicana surge
a doutrina revolucionária de John Locke (1632-1704). Pessotti (1984) explica que a doutrina
de Locke apresentava a experiência como fundamento do saber humano, rompendo com as
concepções inatistas e suas idéias passam de preceito didático pragmático a princípio
filosófico e pedagógico geral, fundamentando uma teoria do conhecimento.
Segundo Locke (1632-1704), a mente é entendida como uma página em branco que só
poderá ser escrita através da experiência; e com base nessa concepção, os processos de ensino
e aprendizagem começam a ser repensados. Para Pessotti (1984), a visão de Locke, liberta de
preconceitos morais ou religiosos, dá ênfase à experiência sensorial como fundamento da
didática e como condição preliminar dos processos complexos de pensamento.
As idéias de Locke acabam reforçando o paradigma de institucionalização. Para ele, a
deficiência passa a ser entendida como carência de experiências sensoriais e/ou de reflexões
sobre as idéias provocadas pelas sensações. A nova concepção não mais admite a
irresponsabilidade social e política diante da deficiência, contudo, nem o poder público e nem
a família iriam assumir a “tarefa ingrata” de educar seus deficientes. Desse modo, a solução é
a segregação: não se pune nem se abandona o deficiente, mas tambémo se sobrecarrega o
governo e a família com sua incômoda presença (PESSOTTI, 1984).
A fase da segregação institucional é, portanto marcada pelo confinamento das pessoas
com deficiência em conventos, asilos e hospitais psiquiátricos. Sobre os cegos, Dall’Acqua
(2002) comenta que continuaram desassistidos e abandonados à própria sorte. Lutando por
mínimas condições de sobrevivência, vivendo da mendicância, sendo internados em asilos ou
ocupando leitos de hospitais.
Sobre a natureza dessas instituições, Goffman publicou, em 1962, o livro
“Manicômios, Prisões e Conventos” (título original: Asylums). Trata-se de uma obra clássica
de análise dos efeitos da institucionalização para o indivíduo. No livro, Goffman (1962)
refere-se a essas instituições de confinamento denominando-as de “Instituição Total”.
Segundo ele, trata-se de um lugar formalmente administrado que serve de residência e de
trabalho para pessoas excluídas socialmente, onde acabam enclausuradas por um longo
período de tempo.
Análises como a de Goffman (1962), trouxeram informações sobre o tratamento dado
aos deficientes que revelaram a inadequação e ineficiência do sistema de segregação
institucional. Enquanto os asilos e hospitais psiquiátricos se propunham a preparar essas
pessoas para o convívio em sociedade, ou, até, recuperá-las; o que acabava acontecendo eram
práticas ainda mais perversas do que o abandono. Muitas dessas instituições eram
24
denunciadas pela prática de tratamentos médicos desumanos, maus tratos e até torturas aos
internos.
No século XVI, com a revolução burguesa, a derrubada das monarquias e a destruição
da hegemonia religiosa, surgem então as concepções racionais que inspiram a busca de
explicações para as doenças (males físicos ou mentais); e as deficiências passam a ser, então,
consideradas do ponto de vista médico, como doenças de caráter hereditário. Sobre isso,
Dall’Aqua (2002, p. 55) comenta que:
Na passagem de uma visão eminentemente supersticiosa para uma
concepção organicista, como ocorreu de maneira mais contundente a partir
do século XVIII, a compreensão a respeito dos determinantes das
deficiências, em especial a visual, torna-se mais aprofundada.
O surgimento de novos paradigmas resultaria numa diversidade de posições teóricas,
de concepções e crenças a respeito da vida, do homem e do mundo. Com base nessas posições
teóricas, Tunes (2003) divide os cientistas e estudiosos do desenvolvimento intelectual da
criança com deficiência em dois grandes grupos: os de visão naturalista, que acreditam que o
desenvolvimento intelectual é biologicamente condicionado e tem fortes bases congênitas e
hereditárias, a exemplo do grupo descrito por Dall’Aqua (2002); e os de visão social, que
acreditam que o desenvolvimento intelectual é culturalmente condicionado e tem fortes bases
sociais.
Refletindo mais especificamente sobre a deficiência visual, convém acrescentar que,
embora os primeiros conhecimentos na área da anatomia e fisiologia tenham sido de extrema
importância para a compreensão sobre o funcionamento do olho e do cérebro, de forma mais
prática, as contribuições de John Locke (1632-1704) foram mais significativas para a
consolidação das primeiras iniciativas de atendimento aos deficientes visuais. Ao postular que
todo conhecimento provém da experiência e que é mediante os sentidos que a sensação gera a
memória e esta, por sua vez, as idéias, Locke contribuiu substancialmente para comprovar a
individualidade do processo de aprendizagem. Mais tarde, suas idéias fundamentaram a
didática com ênfase na utilização de objetos concretos para a aquisição de conhecimentos.
Somadas às contribuições já mencionadas, o desenvolvimento da medicina
impulsionou também a avaliação do processo de institucionalização das pessoas com
deficiência. Surgiram, então, inúmeras objeções aos maus-tratos impostos ao deficiente em
muitas dessas instituições de confinamento. E, no ano de 1792, no fim do século XVIII,
25
quando Pinel
1
modificou a estrutura dos hospitais psiquiátricos, retirando os grilhões e
correntes que amarravam os loucos internados, pode-se registrar, do ponto de vista histórico,
uma atitude mais humanitária em relação aos doentes mentais (TELFORD; SAWREY, 1978).
Nessa época intensificaram-se as pesquisas desenvolvidas em busca de explicações
sobre a deficiência. Tais pesquisas foram extremamente favorecidas pelas ciências da
educação e pela psicologia que propiciaram uma maior compreensão sobre o
desenvolvimento, as necessidades e a aprendizagem do ser humano.
Sabe-se, porém, que a evolução das concepções sobre a deficiência não ocorreu em
todas as sociedades e culturas simultaneamente. Enquanto que a visão social do
desenvolvimento intelectual, descrita por Tunes (2003), timidamente se expande em algumas
sociedades e culturas; na grande maioria prevalece o modelo médico, de base naturalista, o
que permanece uma realidade até os dias de hoje.
O modelo médico considera as pessoas com deficiência incapazes ou dependentes de
outras pessoas, sem condições de trabalhar e isentas de cumprir com os deveres sociais
comuns aos demais membros da sociedade. Esse modelo acaba por negar a essas pessoas o
direito ao desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional. Nesse contexto é que
surgem os Centros de Reabilitação como agências disseminadoras do modelo médico da
deficiência, objetivando preparar as pessoas com deficiência para o convívio social, desde que
possam se adequar aos padrões da sociedade (SASSAKI, 2003).
Convém, porém, ressaltar que, no século XVIII, iniciou-se uma nova era na história
dos deficientes visuais. No período, de grande significado histórico para os deficientes
visuais, ocorreram as primeiras iniciativas de incorporar os cegos à vida social, abrindo-lhes
acesso à educação e à cultura (VYGOTSKY, 1989).
1.1.3 Fase da integração
Sendo um processo histórico, e como tal, extremamente contingente, a crise
paradigmática que marca a transição da fase de segregação institucional para a fase da
integração é determinada por interesses diversos. Aranha (2001) justifica a pressão contrária à
institucionalização apontando três aspectos distintos: 1) o interesse do sistema em diminuir os
1
Philippe Pinel (1745-1826) – médico francês, pioneiro no tratamento dos doentes mentais.
26
custos financeiros do sustento da população institucionalizada; 2) o processo geral de reflexão
e crítica às práticas sociais de desrespeito aos direitos humanos; e 3) as duras críticas da
academia científica e de diferentes segmentos profissionais ao paradigma da
institucionalização.
Como exemplo desse último aspecto está o pensamento de Karagiannis, Stainback e
Stainback (1999, p. 43) quando afirmam que as práticas segregacionistas do passado
prejudicaram não somente as pessoas com deficiência, mas a sociedade de modo geral. Para
esses autores, a idéia de que as pessoas com deficiência poderiam ser assistidas em ambientes
segregados, longe do resto da sociedade, fortaleceu os estigmas sociais e a rejeição,
promovendo práticas de exclusão social. Somente nas décadas de 60 e 70 emerge um
movimento denominado integração, que, de certa forma, contribuiu para diminuir a exclusão
sem, no entanto, extingui-la.
Esse movimento de integração baseava-se na ideologia da normalização, que defendia
a necessidade de introduzir a pessoa com necessidades educacionais especiais na sociedade,
procurando ajudá-la a adquirir as condições e os padrões da vida cotidiana, no nível mais
próximo possível do normal. (BRASIL, 2000a) Para Mantoan (1997), a normalização visava
garantir às pessoas “socialmente desvalorizadas” o acesso à dinâmica do meio social comum a
todas as pessoas.
Enquanto crença ético-filosófica, a normalização reforça a idéia de que todas as
pessoas, inclusive as que possuem algum tipo de deficiência ou disfunção, devem ser
integradas a sociedade através do acesso a oportunidades educacionais adequadas e funcionais
(FONSECA, 2003; SASSAKI, 2003).
No entanto, ao pretender modificar a pessoa com deficiência tornando-a o mais normal
possível, a normalização termina por localizar no sujeito o alvo da mudança. Para tanto, a
comunidade deveria se reorganizar para oferecer às pessoas com deficiência os serviços e os
recursos necessários a essa normalização. Entre esses serviços se destacavam: uma avaliação
multiprofissional do indivíduo para identificar suas necessidades imediatas e o que seria
preciso para torná-lo o mais normal possível; atendimento sistematizado a essas pessoas de
acordo com suas particularidades e encaminhamento (ou re-encaminhamento) dessas pessoas
para a vida em comunidade.
De acordo com o modelo integrativo, a sociedade só aceitaria receber as pessoas com
deficiência que fossem capazes de moldar-se aos requisitos dos serviços especiais e de
desempenhar papéis sociais individuais com certa autonomia, ou seja, que se modelassem aos
padrões de convivência vigentes na sociedade (SASSAKI, 2003).
27
Essa modelagem mostrou-se impossível. A expectativa de que a pessoa com
deficiência se assemelhasse à pessoa considerada “normal” frustrou-se pelo simples fato de
que nenhum homem é igual a outro. Ser “diferente”, portanto, não poderia decretar menor
valia de ninguém.
A partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, acirram-se as críticas ao
movimento de integração social e à “normalização”. De acordo com a visão histórico-cultural
do indivíduo, como ser histórico, o homem se constrói na dialética das interações com meio
social onde está inserido. Dessa forma, somente experiências socialmente compartilhadas
resultam em mudança de comportamento, pois das relações com outros sujeitos, diferentes
dele, é que surgem novas alternativas de ações sociais. São experiências sociais contingentes
que não podem ser previstas e nem “normalizadas”.
Desse modo, o modelo integrativo também passa a ser questionado à medida que se
percebe que os problemas da pessoa com deficiência são criados pela própria sociedade,
através de ambientes restritivos e políticas discriminatórias ou de rígidos “padrões de
normalidade”, bem como em função da desinformação acerca das necessidades e direitos
dessas pessoas.
Contudo, faz-se pertinente ressaltar que as fases do tratamento dado à deficiência ora
descritas e caracterizadas, não se extinguem a cada período da história para dar lugar a uma
nova fase. Infelizmente, muitas dessas concepções permanecem até os dias de hoje,
coexistindo pacificamente, cristalizadas em práticas discriminatórias e excludentes.
1.1.4 Fase da inclusão
A quarta fase, denominada de fase da inclusão, se estabelece no final do século XX,
período marcado por um novo paradigma do conhecimento. Segundo Mantoan (2003a, p. 16),
o novo paradigma surge
[...] das interfaces e das novas conexões que se formam entre saberes outrora
isolados e partidos e dos encontros da subjetividade humana com o
cotidiano, o social, o cultural. Redes cada vez mais complexas de relações,
geradas pela velocidade das comunicações e informações [...]
28
Nesse contexto, os “padrões de normalidade” exigidos pela sociedade começam a ser
revistos. Intensifica-se um movimento em prol da inclusão social de todos, indistintamente.
Para Sassaki (2003) à expressão “inclusão social” é entendida como processo pelo qual a
sociedade se modifica para poder incluir as pessoas com deficiência em seus sistemas sociais
gerais, ao mesmo tempo em que, estas pessoas se preparam para assumir seus papéis na
sociedade. Conseqüentemente, a sociedade só poderá realizar a inclusão quando compreender
que precisa tornar-se capaz de atender às necessidades de seus membros.
Para tanto, a sociedade precisa antes reconhecer que as diferenças decorrem das
individualidades, e estas últimas resultam na diversidade humana. Reconhecer as diferenças
pressupõe eqüidade de direitos e oportunidades em meio à diversidade (CARVALHO, 1998).
Embora admitindo que as pessoas com deficiência precisem de serviços de avaliação e
de capacitação oferecidos no contexto de suas comunidades, o paradigma inclusivo considera
que essas pessoas têm direito à convivência não segregada e ao acesso imediato e contínuo
aos recursos disponíveis aos demais cidadãos (BRASIL, 2000b). Esses serviços e recursos
devem acontecer em várias áreas: social, econômica, física, instrumental etc; e devem ter
como objetivo principal a efetiva inclusão social dessas pessoas, num processo que prevê
intervenções tanto no desenvolvimento do sujeito quanto no reajuste da realidade social.
Todavia, a tendência de considerar a pessoa com deficiência em função do caráter
dinâmico de suas necessidades especiais e do reconhecimento de seu potencial é ainda muito
recente. Através de movimentos como o de integração e o de inclusão, a sociedade tem
procurado garantir um espaço de pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência.
Para Sassaki (2003), ainda estamos vivendo a fase de transição entre a integração e a
inclusão e, por esse motivo, é compreensível que ambos os processos sociais co-existam por
mais algum tempo. Essa transição se evidencia até mesmo na utilização dos termos integração
e inclusão que, quando falados ou escritos, podem apresentar sentidos distintos entre vários
autores. Nesse estudo considera-se as palavras integração e inclusão distintas – a integração
significando a ‘inserção da pessoa deficiente preparada para conviver em sociedade’; e a
inclusão significando a ‘modificação da sociedade para atender as necessidades especiais’.
Nessa visão de distinção dos conceitos e com o intuito de desmistificar a deficiência,
na tentativa de minimizar a prática de segregação e exclusão reforçada pelas rotulações, no
Brasil, algumas ações foram implementadas. Termos como excepcionais, idiotas e imbecis
foram gradativamente substituídos com a intenção de evitar seu caráter pejorativo e
discriminatório por expressões adotadas na atualidade como portador de necessidades
29
especiais
2
, portador de deficiência. No entanto, esses termos não têm tido aceitação plena,
tendo em vista que há muita polêmica quanto ao seu uso, inclusive por parte das pessoas com
deficiência, as quais reivindicam a extinção do uso de “portador”, por considerarem que a
deficiência não é algo que se possa carregar (portar), sendo, na verdade, uma condição
específica e, muitas vezes, permanente.
Concepções, denominações e práticas vão aos poucos sendo modificadas. É isso que
caracteriza uma mudança paradigmática. Não é um processo simples e nem acontece de uma
hora para outra. É na dialética das relações humanas, sob a reflexão e análise da sociedade e
da comunidade científica que essas novas concepções, denominações e práticas sociais se
consolidam.
Para Aranha (2001, p. 171-172), a “inclusão parte do mesmo pressuposto da
integração, que é o direito da pessoa com deficiência ter igualdade de acesso ao espaço
comum da vida em sociedade”. Nesse sentido, a autora ressalta que a diferença se localiza no
alvo de mudança. Enquanto que a integração pressupõe o investimento principal na promoção
de mudanças do indivíduo com deficiência, ou seja, em sua normalização; a inclusão prevê
intervenções tanto no processo de desenvolvimento do sujeito como no processo de reajuste
da realidade social.
No âmbito de reajuste da realidade social estão as políticas públicas que deveriam
assegurar o acesso de pessoas com deficiência aos mesmos programas, projetos e atividades
sociais planejados para as pessoas consideradas “normais”. No entanto, mesmo quando
acontece de serem abertos à participação de pessoas com deficiência, em geral, o acesso a
esses programas é tão dificultado, que somente participarão aqueles que perseverarem até o
fim, na luta por garantir seus direitos.
Como nem todas essas pessoas têm condições de lutar por seus direitos, uma parcela
muito grande dessa população vive em um mundo à parte, excluído da convivência com o
resto das pessoas, impedido por barreiras arquitetônicas, psicológicas e atitudinais. Esse
isolamento dificulta, inclusive, o levantamento quantitativo dessas pessoas.
Contudo, para que se possa refletir sobre a urgência de ações concretas em prol da
inclusão social dessa parcela da população, torna-se relevante analisar os dados quantitativos
da deficiência, mesmo diante das críticas quanto à fidelidade desses dados.
1.2 Panorama da deficiência nos dias atuais: inclusão e/ou integração?
2
Tendo em vista sua enorme abrangência, o termo “necessidades educacionais especiais” sofre críticas e
questionamentos, entre eles, a utilização de novos termos que possam explicar e esclarecer a que tipo de
necessidades especiais ele se refere. Ver Coll, Palácios e Marchesi (1995).
30
Segundo o Decreto Federal N.º 914/93, pessoa com deficiência é “[...] aquela que
apresenta, em caráter permanente, perdas ou anomalias de sua estrutura ou função fisiológica,
anatômica ou psicológica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades, dentro
do padrão considerado normal para o ser humano” (HECK, 2005, p. 52).
O Decreto tem por base as definições da Organização Mundial de Saúde (OMS) que
divide as deficiências em: física (tetraplegia, paraplegia e outros), mental (leve, moderada,
severa e profunda), auditiva (total ou parcial), visual (cegueira total e visão reduzida) e
múltipla (duas ou mais deficiências associadas).
Os dados com base nas definições da OMS já começam a ser questionados pelo fato
de que, nesse levantamento, ficaram de fora dessa classificação alguns grupos importantes,
como por exemplo: os autistas, os superdotados e os indivíduos com síndromes. Outra crítica
deve-se ao fato de que os números considerados oficiais foram levantados há seis anos atrás,
no Censo Demográfico de 2000.
Contudo, esses são os dados considerados oficiais. E com base nas definições da OMS
estima-se que uma em cada dez pessoas no mundo possui algum tipo de deficiência física,
sensorial ou mental, isso representa 10% da população mundial (STAROBINAS, 2006).
Estendendo essa estimativa aos dias atuais, num mundo de aproximadamente
6.594.275.150 habitantes (IBGE, 2007), 659.4.27.515 seriam deficientes. Por que, então,
quase não se vê pessoas com deficiência transitando nas ruas? Onde essas pessoas se
escondem? O tratamento diferenciado dado à deficiência em cada continente, país, cidade ou
lugarejo, dificulta a informação segura de onde se encontram essas pessoas. No que se refere
ao Brasil, que segundo o IBGE (2007) possui atualmente cerca de 188.814.006 habitantes, se
for considerada a estimativa de 10% de deficientes, há que se perguntar: onde estão os mais
de dezoito milhões de brasileiros com deficiência?
Deixando de lado as estimativas e trabalhando com dados oficiais, segundo o último
Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
2000, de uma população total de 169.872.856 habitantes, existiam no Brasil aproximadamente
24.600.256 de pessoas com algum tipo de deficiência. O critério, utilizado pela primeira vez
nesse levantamento, foi o da Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e
Saúde (CIF), recomendado pela OMS. Conforme esse conceito, 14,5% da população
brasileira em 2000 apresentava alguma deficiência física, mental, visual ou auditiva. Em
31
outras palavras, os dados oficiais em 2000, já superavam em 4,5% as estimativas da OMS
para a realidade brasileira.
Os dados apresentados na Tabela A, abaixo, sintetizam o quadro geral das
incapacidades e deficiências da população brasileira. O objetivo da síntese é proporcionar
uma leitura inicial dos resultados apurados da Tabulação Avançada do Censo Demográfico
2000.
Distribuição percentual dos casos de deficiência (%)
Tipo de Deficiência
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul
Centro-
Oeste
Deficiência Mental
Permanente
8,3 6,6 7,4 9,4 8,0 8,4
Deficiência Física 4,1 3,6 3,5 4,6 4,5 4,4
Deficiência Motora 22,9 19,8 22,6 23,9 23,7 20,2
Deficiência Visual
48,1 55,2 49,9 45,6 45,0 50,7
Deficiência Auditiva 16,7 14,8 16,7 16,4 18,7 16,7
Tabela A - Distribuição percentual dos casos de deficiência, por Grandes Regiões do Brasil.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000
3
Analisando a Tabela A, observa-se que entre os tipos de deficiência apresentados,
48,1% dessa população é deficiente visual. Também se observa que esse tipo de deficiência
aparece em todas as regiões do Brasil com o maior índice de incidência. Trata-se de uma
constatação importante.
Observa-se, também, que, do total de pessoas com deficiência no Brasil, quase 50% é
deficiente visual. Entretanto, mesmo diante desses números alarmantes, nos últimos seis anos
(desde o Censo de 2000), pouco se fez no âmbito das políticas públicas no sentido de incluir
socialmente essas pessoas.
3
As pessoas com mais de um tipo de deficiência foram incluídas em cada uma das categorias correspondentes.
32
Voltando aos dados gerais da deficiência, o mesmo Censo Demográfico apresenta os
seguintes números para a região Nordeste e para o Piauí, no ano 2000:
Tabela B – Casos de deficiência em relação ao número de habitantes
Nordeste Piauí
População 47.782.487 2.843.427
Pessoas com deficiência 8.025.537 501.409
Fonte: a autora a partir dos dados do IBGE, Censo Demográfico, 2000
E no que se refere à Teresina, o site da Coordenadoria Estadual para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência do Piauí (CEID) informa que dos 715.360 teresinenses,
106.301 são deficientes.
Os índices são altos, a realidade é assustadora, mas a pergunta persiste: onde estão
esses milhões de brasileiros com deficiência? Segundo Starobinas (2006, p. 97),
A grande maioria está em casa. As ruas têm buracos, cascalho, degraus.
Ainda que fossem planas e bem cuidadas, a rede de transporte coletivo não
permite aos deficientes praticar o seu direito de ir e vir, previsto pela
Constituição. E ainda que as vias públicas fossem perfeitas, e se todos os
ônibus tivessem adaptações e elevadores, ainda assim o portador de
deficiência teria problemas para entrar nos edifícios, cheios de escadarias e
portas estreitas.
As fotos que seguem exemplificam o que afirma Starobinas (2006), pois mostram
alguns dos variados obstáculos arquitetônicos enfrentados por pessoas com deficiência visual
no trajeto até a Associação dos Cegos do Piauí (ACEP), espaço desta pesquisa, como: galerias
transbordando (Fotos 01 e 02), ausência de calçadas ou calçadas ocupadas por automóveis
(Foto 03), calçadas e batentes altos (Foto 04).
33
Foto nº 01 – Esgoto transbordando Foto nº 02 – Esgoto a céu aberto
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Foto nº 03 – Calçadas impedidas Foto nº 04 – Calçadas em desnível
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Ao analisar as fotos, convém refletir sobre o quanto a pessoa deficiente visual é,
diariamente, desafiada a sobreviver num mundo feito para quem vê. Os prédios, as ruas, as
calçadas, enfim, a arquitetura do mundo conta com a plasticidade da visão para que o homem
possa livrar-se de armadilhas arquitetônicas como as apresentadas nas fotos. Contudo, aqueles
que podem ver tais armadilhas parecem não se importar com as vítimas que são apanhadas
por elas.
Sem dúvida, muitas das dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, tanto
no que se refere às barreiras arquitetônicas, quanto às “gigantescas muralhas” atitudinais, são
um reflexo do comportamento individualista que marca as sociedades capitalistas. Aqueles
que se caracterizam como “normais”, vivem como se não existissem pessoas com deficiência;
e a exceção de uma minoria sensível às limitações humanas, a grande maior parte das pessoas
prefere ignorar aqueles marcados pelo estigma da deficiência.
Diante destas constatações e dos dados apresentados, surgem, então, alguns
questionamentos: Seria possível mudar esse comportamento individualista das pessoas? Seria
possível ao cego “fazer ver” aos “videntes” quais são suas dificuldades e necessidades?
34
Para tanto, torna-se necessário ao mundo, manter os “olhos bem abertos”. Abertos
para “ver” a essência do outro e não suas deficiências. Torna-se necessário conhecer esse
outro, saber de seus medos, de seus sonhos, de suas limitações e de suas possibilidades.
Desse modo, para dar continuidade às reflexões sobre o indivíduo cego e o estigma da
deficiência, torna-se necessário discorrer sobre esse tipo de deficiência de modo a
“desvendar” alguns de seus mistérios.
1.3 Compreendendo a Deficiência Visual
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999, p. 26), tendo
em conta o ponto de vista médico, a deficiência visual pode ser conceituada como “[...] a
redução ou perda total da capacidade de ver com o melhor olho e após a melhor correção
ótica”. Essa deficiência pode se manifestar de dois modos: a cegueira propriamente dita, que
envolve “a perda da visão, em ambos os olhos, de menos de 0,1 no melhor olho após
correção, ou um campo visual não excedente a 20 graus, no maior meridiano do melhor olho,
mesmo com o uso de lentes de correção” e a visão reduzida na qual a acuidade visual é de
6/20 e 6/60, no melhor olho, mesmo após correção máxima.
Estando a temática deste estudo situada no âmbito dos processos educacionais, a
definição educacional de deficiência visual torna-se aqui extremamente pertinente. Nesse
sentido, o Ministério da Educação assim a define “[...] são cegas as crianças que não têm
visão suficiente para aprender a ler em tinta, necessitam, portanto, utilizar de outros sentidos
(tátil, auditivo, olfativo, gustativo e cinestésico) no seu processo de desenvolvimento e
aprendizagem.” (BRASIL, 2002b, p. 13)
O mesmo documento define também as crianças com baixa visão (anteriormente
denominada com visão subnormal ou parcial) como as que têm apenas uma mínima percepção
de luz que pode ser muito útil para orientação no espaço, movimentação e habilidades de
independência. Estas utilizam do seu pequeno potencial de visão para explorar o ambiente,
conhecer o mundo e aprender a ler e escrever. Algumas vezes, esse resíduo visual permite ao
educando ler impressos didáticos usando estratégias e equipamentos especiais.
Parafraseando Ciampa (1994), observa-se que tais definições são insatisfatórias, tendo
em vista que, mesmo captando o aspecto representacional da pessoa com deficiência visual,
não apreendem seus aspectos constitutivos. Exemplo disso está no fato de que, muito embora
35
não conste na caracterização da deficiência visual a inaptidão para a aprendizagem, a
identidade social da pessoa cega tem se construído associada à incapacidade e à desvantagem.
Tal concepção, construída historicamente, foi ao longo do tempo assimilada pelo inconsciente
coletivo, e tem sido responsável por manter muitas crianças com essa deficiência fora do
sistema regular de ensino ou confinadas em escolas especiais.
Nesse momento convém destacar alguns aspectos relacionados ao desenvolvimento e à
formação da identidade humana para que se possa alcançar uma melhor compreensão dos
aspectos constitutivos da pessoa com deficiência visual a que se referiu Ciampa (1994).
Segundo a perspectiva histórico-cultural, o desenvolvimento humano resulta de um
processo particular que engloba o desenvolvimento cultural e o biológico de forma integrada,
formando assim, um processo único no indivíduo. Isso implica em considerar o caráter social
do desenvolvimento do sujeito, sua história de vida (VYGOTSKY, 1983). Como componente
desse desenvolvimento, o psiquismo humano também é entendido como resultado de uma
construção histórica, social e cultural, de modo que a identidade define-se como a síntese que
o indivíduo faz de si mesmo a partir do movimento dialético (dinâmico e mutável) das
interações que estabelece com os outros e com o meio.
Dessa forma, é no processo de socialização que ocorre a individualização do homem,
quando ele toma consciência de si mesmo na “[...] totalidade de seus traços, atributos,
imagens, conceitos e sentimentos [...]” e na interiorização se sua raça, nome, gênero,
sexualidade, papéis sociais, entre outros. (CARVALHO, 2004, p. 45). Ou seja, os aspectos
constitutivos da pessoa com deficiência visual não podem jamais se restringir aos elementos
relativos à definição médica ou educacional da deficiência visual, sob pena de ver reforçado o
estigma que a define com base nas limitações funcionais que possui.
Ainda sobre a constituição da identidade humana, Brandão (1986), antropólogo e
educador, adverte que o homem só pode reconhecer-se como sujeito único quando se observa
em relação aos outros, diferentes dele. Tal fato reforça ainda mais a importância do outro na
constituição da identidade humana, do que se conclui que o conhecimento de si “[...] é dado
pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através de um determinado grupo
social que existe objetivamente, com sua história, suas tradições, suas normas, seus interesses,
etc. (CIAMPA, 1994, p. 64).
Frente a essas considerações, torna-se inviável conceituar deficiência sem considerar o
processo dialógico de adaptação das condutas individuais às práticas sociais. Carvalho (1998)
ressalta que, dada a essa complexidade, a questão da conceituação de deficiência foi tratada
na XXIII Conferência Sanitária Pan-Americana, ocorrida em Washington, em 1990, que
36
situou sua análise no contexto da saúde. Na ocasião, pôde-se classificar a deficiência como:
primária ou real e secundária ou circunstancial. Amaral (1992, p.9), assim complementa essa
classificação:
A deficiência primária, englobaria o impedimento (dano ou anormalidade de
estrutura ou função – o olho lesado, o braço amputado, a perna paralisada e a
deficiência secundária que seria aquela não inerente necessariamente à
diferença em si, mas ligada também à leitura social que é feita dessa
diferença.
A deficiência primária, portanto, estaria relacionada à deficiência propriamente dita,
envolvendo, por assim dizer, os fatores intrínsecos relacionados às limitações em si. Quanto à
deficiência secundária, esta sim, seria a responsável por aprisionar o indivíduo com
deficiência à rede de significações sociais que têm equacionado o valor das pessoas a modelos
de eficiência e ineficiência/deficiência, sendo a principal responsável pelo impedimento de
seu desenvolvimento.
Observa-se que é contra a deficiência secundária que se tem lutado e, nesse sentido, a
ciência com suas descobertas e novos conhecimentos na área de saúde, contribuiu de forma
definitiva para a reformulação de qualquer conceito de deficiência que a vincule ao
preconceito. Atualmente, a educação trabalha em direção ao reconhecimento de que ser
“deficiente” não é sinônimo de ser “incapaz” de aprender ou de superar os limites impostos
pela deficiência. A plasticidade do cérebro humano é ainda uma incógnita e sua capacidade de
adaptação, assimilação e aprendizagem surpreendem constantemente os estudiosos da área.
Conseqüentemente, estudar a deficiência exige sua redefinição e a quebra de
paradigmas que por muito tempo conduziram as pessoas com deficiência ao descaso, ao
abandono e à exclusão. Exige também a compreensão de que as pessoas com deficiência,
embora inseridas num grupo social maior, formam um grupo social distinto que se constituiu
historicamente. E embora o desconhecimento sobre a deficiência reforce a discriminação, para
Montanari (1998, p. 8), “[...] o preconceito vai além da desinformação, é muito mais profundo
que isso, pois mexe com todo o sistema de representação e valores que vão sendo construídos
no indivíduo, à medida que ele vai sendo socializado, e corresponde ao substrato pelo qual se
constrói o estigma”. Não se pode simplesmente descrever e compreender a pessoa a partir de
sua deficiência. É preciso conhecê-la, considerando o processo histórico-cultural e
econômico.
37
Nesse sentido, para compreender esse tipo de limitação funcional e seus reflexos na
vida da pessoa, faz-se imprescindível conhecer sua história de vida, seus hábitos e suas
capacidades. Por conseguinte, torna-se muito importante saber desde quando ela é deficiente
visual, quais as causas da deficiência, como a família encara o problema, como se deram suas
primeiras interações com o meio, quais suas necessidades básicas, como ela se organiza no
espaço e no tempo, entre outras coisas. Essa idéia é defendida por vários estudiosos da
deficiência visual como Telford e Sawrey (1978), Kirk e Gallagher (1996) e Amiralian (1997)
e é descrita em documentos específicos elaborados pelo MEC (BRASIL, 2000b, 2002b), entre
outros.
Ao se considerar a história do indivíduo, deve-se também partir da informação se a
deficiência visual é congênita ou adquirida. Amiralian (1997), em seu estudo psicanalítico da
cegueira, ao discorrer sobre o desenvolvimento da personalidade do cego, dá destaque ao que
foi dito quando separa os sujeitos cegos em dois grupos: os de cegueira congênita e os de
cegueira adquirida posteriormente.
Essa distinção ocorre porque, obviamente, as pessoas que perdem a visão depois de
alguns anos de vida, durante o tempo que receberam estímulos visuais, conseguem
desenvolver certo potencial visual. Esse potencial ajudará a conservar, através da memória
visual, imagens do mundo que terão influencia direta na formação de sua personalidade. Do
mesmo modo, aqueles que nasceram cegos ou que perdem a visão muito cedo, terão sua
personalidade formada sem contar com os estímulos sensoriais promovidos pela visão.
Por conseguinte, as causa da deficiência visual, também se tornam importantes o
conhecimento das limitações impostas pela deficiência e das possibilidades de aprendizagem
do indivíduo. As principais causas da deficiência visual são aqui organizadas em duas amplas
categorias: a primeira, que inclui as doenças infecciosas, envenenamentos, acidentes,
ferimentos e tumores; e a segunda representada pelas causas de natureza predominantemente
hereditária, como a catarata, a atrofia do nervo ótico e o albinismo (KIRK, GALLAGHER,
1996). Esses autores destacam também que os fatores hereditários constituem causa muito
mais freqüente do que as doenças e acidentes.
Na busca de compreender melhor a deficiência visual, no caso da cegueira adquirida,
deve-se descobrir em qual idade e como aconteceu esse evento. Faz-se necessária uma análise
das contingências ambientais passadas e presentes que podem ter influenciado ou ainda
podem influenciar no desenvolvimento desse indivíduo. Normalmente, indivíduos com
cegueira congênita apresentam um desenvolvimento psicológico mais saudável do que os que
têm cegueira adquirida, principalmente, se o momento da ocorrência desta foi tardio e se a sua
38
família também não aceitar a sua situação. Isso acontece porque não tiveram a experiência do
"enxergar", não desenvolveram o sentimento de perda, e sua família desde cedo teve que se
adaptar à sua condição. Sobre isso Amiralian (1997, p. 32) explica:
Sem dúvida, o sujeito que nasce cego, que estabelece as suas relações
objetais, estrutura o seu ego e organiza toda a sua estrutura cognitiva a partir
da audição, do tato, da cinestesia, do olfato e da gustação, difere daquele que
perde a visão após seu desenvolvimento já ter ocorrido.
Nesse caso, embora se admita que o processo de formação da identidade de pessoas
com cegueira congênita apresente um menor comprometimento em relação ao de pessoas com
cegueira adquirida, pelo fato destas, normalmente, apresentarem grande resistência em aceitar
seu estado, resistindo em adaptar-se à nova situação; Amiralian (1997) adverte que é muito
difícil precisar qual o momento de ocorrência da cegueira que propõe distintas condições de
desenvolvimento e aprendizagem. E nesse sentido, o comprometimento refere-se não ao
aspecto cognitivo, mas à influência da visão no desenvolvimento das relações intra e
interpessoais da pessoa cega, ou seja, ao estabelecimento de vínculos afetivos estabelecidos
nas relações objetais.
No caso de pessoas com cegueira congênita, e de modo especial, para as pessoas com
cegueira adquirida, é inegável a importância da família nesse processo. Nesse último caso,
quanto maior for o apoio da família no enfrentamento e aceitação do problema, maiores serão
os benefícios no desenvolvimento global da pessoa deficiente visual, e maiores serão também
as chances dela buscar mecanismos que venham a favorecer a sua auto-aceitação e inclusão
na sociedade. Esse apoio é essencial para que ela se sinta motivada a aprender o Braille
4
, que
possibilitará seu acesso à informação escrita; a buscar emprego, relacionamento afetivo e
diversão; a procurar meios para se movimentar no espaço físico (bengala, cão guia), a
desenvolver a linguagem.
Faz-se necessário, no entanto, ressaltar que muitas vezes a família solidária sente-se
“solitária” nesse apoio à pessoa com deficiência no sentido de ajudá-la a superar suas
limitações funcionais. É na crueldade de demarcações sociais que negam à pessoa cega o
direito ao convívio social não segregado que a família encontra seu maior inimigo. São
demarcações sociais e culturais pautadas na dicotomia entre deficiência/eficiência,
normalidade/anormalidade que se evidenciam em práticas profundamente discriminatórias. E
4
Sistema de leitura e escrita para cegos desenvolvido por Louis Braille, em 1580, que utiliza um conjunto de
seis pontos em relevo, cuja variação de posições permite 63 diferentes combinações para obter todos os sinais
necessários à escrita (BRASIL, 2000, p. 42).
39
na tentativa de evitar que a pessoa cega, desde a infância, sofra a violência de tais práticas,
muitas famílias decidem submeter-se a opção de isolar essa pessoa do convívio social,
negando-lhe, inclusive, o direito de acesso à educação.
A pessoa cega tem as mesmas necessidades afetivas, físicas, intelectuais, sociais e
culturais de uma pessoa de visão “normal”; e, quando criança, tem necessidades comuns à
infância: atenção, cuidado, afeto e segurança, sem esquecer de ressaltar o direito a estabelecer
relações e interações sociais positivas nos diversos espaços de convivência da sociedade. A
negação do direito à convivência no espaço escolar, nessa perspectiva, é extremamente
prejudicial ao desenvolvimento social da criança, seja ela cega ou de visão “normal”.
A ausência da visão, entendida como deficiência sensorial, já não pode mais ser
encarada, nem pela família e nem pela escola, como um obstáculo ou impedimento à
aprendizagem. Embora se admita que a pessoa cega apresente necessidades específicas,
construindo caminhos e formas peculiares de apreender e assimilar o mundo real, estudos
científicos sobre a deficiência visual comprovam que não há déficit intelectual ou cognitivo
causado pela cegueira.
O desenvolvimento e, sobretudo, a aprendizagem ocorrem como resultado de
uma interação na qual intervêm os sentidos, o sistema motor e os
sentimentos da criança com as pessoas e os objetos que a rodeiam. Essa
interação possibilita a construção dos processos cognitivos, propiciando a
ativação da aprendizagem. Uma deficiência visual que provoque perda de
visão total ou parcial não representa em si mesma alterações na
potencialidade da criança para estabelecer relações com os demais, objetos e
fatos que acontecem ao seu redor, da mesma forma que não representa
limitações para satisfazer suas necessidades e responder significativamente
aos estímulos que a rodeiam (COBO; RODRIGUEZ; BUENO, 2003, p. 129)
Desse modo, ao se discutir sobre desenvolvimento e aprendizagem, deve-se considerar
que, de forma bem natural, os indivíduos, de modo geral, se diferenciam por suas
possibilidades, capacidades e habilidades. Em se tratando do deficiente visual, diante da
ausência de visão e na tentativa de adaptar-se a esta ausência, o indivíduo busca formas de
interação com o mundo e de aprendizagem bem particulares, numa plasticidade
surpreendente. A sociedade e, principalmente, os profissionais da educação devem buscar
reconhecer essa plasticidade, pois a deficiência visual não impede que o indivíduo interaja
com o mundo.
Alguns estudiosos (AMIRALIAN, 1997; KIRK; GALLAGHER, 1996; TELFORD;
SAWREY, 1978) enfatizam que pelo fato de atingir um dos principais canais de comunicação
40
com o meio – a visão – a aprendizagem do deficiente visual não ocorrerá da mesma forma que
a aprendizagem da criança que enxerga. Contudo, embora com maior esforço, se as condições
necessárias para o desenvolvimento da criança deficiente visual forem satisfeitas, sua
aprendizagem pode acontecer de forma semelhante ou até mais eficiente que a aprendizagem
de uma criança com visão normal.
Por essa razão, a interação, a comunicação e a rotina diária, nesse processo, são
elementos essenciais à aprendizagem da criança com esse tipo de deficiência, pois favorecem
o desenvolvimento do senso perceptivo e fornecem indícios que levam a criança à
compreensão dos acontecimentos.
1.4
A incapacidade de ver como variável inferiorizante
Desde o surgimento dos primeiros grupos sociais, o homem tem estabelecido e
categorizado os atributos considerados como naturais e comuns para os membros de sua
comunidade. São pré-concepções que se transformam em expectativas normativas e que, de
modo rigoroso, se apresentam como exigência para que o indivíduo possa fazer parte do
grupo. Dessa forma, quando um indivíduo apresenta um atributo que o coloque fora do padrão
esperado, tornando-o diferente dos demais, sua inclusão torna-se indesejável, e de forma
extrema, ele poderá até ser considerado nocivo, perigoso ou fraco. Essa pessoa passa, então, a
ser vítima do preconceito.
Bobbio (2002, p.103) define preconceito como “[...] uma opinião ou um conjunto de
opiniões, às vezes até mesmo uma doutrina completa, que é acolhida acrítica e passivamente
pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem aceitamos as ordens sem
discussão [...]”. A partir dessa definição, fica nítida a forma como, ao longo do tempo, foi se
consolidando a idéia de que a pessoa deficiente, por ser diferente, não deveria ser considerada
da mesma forma que as pessoas ditas “normais”. Como conseqüência direta do preconceito
surge a discriminação que vem a ser uma diferenciação injusta ou ilegítima (BOBBIO, 2002).
É o preconceito que, para Montanari (1998), desencadeia uma série de ações
discriminatórias pautadas em julgamentos valorativos que hierarquizam os indivíduos entre
piores e melhores, inferiores e superiores, portanto, entre pobres e ricos, pretos e brancos,
deficientes e normais.
Aos atributos que se contrapõem às expectativas normativas da sociedade, os gregos
chamaram de estigmas. Na Era Cristã, foram acrescentados outros níveis de metáforas ao
41
termo, como por exemplo, os sinais corporais de distúrbio físico. Atualmente, o termo é mais
aplicado ao preconceito gerado pela diferença do que à sua evidência corporal (GOFFMAN,
1988). Dessa forma, o termo estigma será aqui utilizado em referência a um atributo humano
profundamente depreciativo.
Para esse autor existem três tipos de estigma: 1. as abominações do corpo; 2. as culpas
de caráter individual (vontade fraca, paixões tirânicas, crenças falsas e rígidas etc); 3. os
estigmas tribais de raça, nação, religião. Goffman (1988, p.14) acrescenta ainda que em todos
esses tipos
[...] encontram-se as mesmas características sociológicas: um indivíduo que
poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um
traço que se pode impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra,
destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus.
Desse modo, com base no estigma da pessoa, constrói-se uma ideologia para explicar
sua inferioridade, uma “teoria do estigma”, dando conta do perigo que ela representa e
racionalizando, inclusive, a animosidade com que ela é tratada pelo grupo de pessoas
“normais”. Carvalho (1998) acrescenta sobre esse assunto que, erroneamente, passa-se a
acreditar que as pessoas com deficiência são incapazes e pouco produtivas, colocando-as
como pessoas atípicas.
Dessa forma, fazendo parte da categoria de estigma das “abominações do corpo”,
devido à ignorância de suas causas e conseqüências, a ausência de visão despertava medo e
superstição nas pessoas de visão “normal”. Há que se reconhecer, portanto, que o estigma da
incapacidade de ver se configurou em variável inferiorizante para a pessoa com deficiência
visual, negando a essa pessoa a garantia de seus direitos. Em relação a esse aspecto, Costa
(2005, p.7) acrescenta que;
Ao refletirmos sobre a condição de ser deficiente, os atributos do sujeito como
discernimento, escolha, decisão parecem estar fora de foco. Pois, se o sujeito é
deficiente, torna-se reduzido a essa deficiência, o que o impede (segundo a leitura
preconceituosa da sociedade de classes) de exercer seu papel social de indivíduo.
Nessa perspectiva, é a concepção de que a deficiência visual se situa como categoria
desviante ou deficiente que tem resultado num olhar voltado para o defeito. Esse olhar passa a
definir a pessoa cega como deficiente por si só e não como pessoa cuja deficiência lhe impõe
limitações funcionais.
42
A teoria do estigma, descrita por Goffman (1988), acaba se evidenciando na forma
depreciativa como as pessoas cegas são tratadas em diversas situações do cotidiano, tendo
desconsiderada sua capacidade de pensar, falar, decidir e agir. Segundo esse autor,
“utilizamos termos específicos de estigma como aleijado, bastardo, retardado, em nosso
discurso diário como fonte de metáfora e representação, de maneira característica, sem pensar
no seu significado original” (GOFFMAN, 1988, p. 15). Aos termos mencionados por esse
autor, pode-se acrescentar a expressão “ceguinho”, muito utilizada para referir-se à pessoa
com deficiência visual.
Uma melhor compreensão do estigma da pessoa cega parte da distinção entre os
termos incapacidade e inferioridade. Segundo Telford e Sawrey (1978) e Assumpção Júnior e
Sprovieri (2000), a incapacidade é a lesão objetivamente definida de uma estrutura ou função.
Na pessoa cega, a incapacidade se evidencia na perda da visão, mas não deve constituir uma
inferioridade já que essa incapacidade pode ser compensada de outras formas.
Esperava-se que à medida que a ciência fosse identificando as causas e os mecanismos
da perda de visão as concepções míticas sobre a cegueira fossem sendo superadas.
Infelizmente, essa superação ainda não foi alcançada. Muitas pessoas com deficiência visual
ainda vivem, na atualidade, situações de abandono, discriminação, preconceito e exclusão
social, ou seja, ainda carregam a incapacidade de ver como variável inferiorizante. Isso se
reflete em atitudes, conscientes ou inconscientes, de fuga ou negação, de rejeição ou
superproteção. De um modo geral, Montanari (1998, p. 1) assim define a pessoa diferente:
[...] significa ser inferior, desviar da média, sobressair de forma "negativa"
no meio da multidão, criando tensões, tornando-se, assim, objeto de
preconceitos. Desse modo, no plano social, a diferença transforma-se em
desigualdade e, portanto, coloca o portador de deficiência em desvantagem,
em relação aos demais membros da sociedade.
Observa-se, entretanto, que ao lidar com a pessoa deficiente a sociedade não obedece a
um único padrão de comportamento. Para Telford e Sawrey (1978), as atitudes pessoais e
sociais para com a pessoa deficiente estão diretamente relacionadas à visibilidade da
deficiência. É por essa razão que a cegueira e as incapacidades ortopédicas suscitam maior
compaixão das pessoas. Maciel (2000, p. 53) demonstra concordar com esse pensamento
quando afirma que
Cada deficiência acaba acarretando um tipo de comportamento e suscitando
diferentes formas de reações, preconceitos e inquietações. As deficiências
43
físicas, tais como paralisias, ausência de visão ou de membros, causam
imediatamente apreensão mais intensa por terem maior visibilidade.
Ao mesmo tempo em que a alta visibilidade da deficiência pode ajudar a chamar a
atenção pública sobre o problema, também pode constituir uma fonte de sentimentos de
aversão. Por esse motivo, existe um enorme e natural esforço em se diminuir a visibilidade
dos desvios considerados indesejáveis. Conseqüentemente, muitas pessoas com deficiência
apresentam enorme resistência ao uso de bengalas, muletas, óculos corretivos ou aparelhos
auditivos, desenvolvendo, assim, o desejo de “disfarçar o defeito”.
Faz-se conveniente observar, porém, que diante do estigma que a deficiência lhes
impõe, as pessoas com deficiência podem reagir diante do problema de formas diferentes.
Telford e Sawrey (1978) descrevem quatro tipos de reações distintas. No primeiro caso, há
aquelas cujas vidas tendem a girar em torno de suas incapacidades, em vez de suas aptidões.
São sujeitos com baixos níveis motivacionais e sem muitas expectativas pessoais.
Analisando em maior profundidade esse grupo, verifica-se que, para Carvalho (1998),
essas pessoas vivem suas diferenças muito menos pelas limitações impostas pela deficiência
e, muito mais, pelas representações sociais a respeito dessas limitações, que as coloca no
imaginário coletivo como incapazes e dependentes. Segundo Martinez (2006, p. 379), “com a
deficiência estão associados processos emocionais negativos como rejeição, tristeza,
embaraço, pessimismo etc, todos importantes para a compreensão do sentido subjetivo
também negativo que socialmente a deficiência elicia”.
Um outro grupo de pessoas, todavia, aceita a realidade da deficiência, mas nega o
estigma, e para tanto, assinala os maiores defeitos das pessoas “normais” ao mesmo tempo em
que ressalta os valores positivos dos indivíduos com deficiência. Tome-se como exemplo a
seguinte concepção: “O cego vê a pessoa de visão normal como alguém que tem olhos, mas
não sabe ver. Ela é cega para o significado real das coisas em que toma parte” (TELFORD;
SAWREY, 1978, p. 64).
Há ainda outras que, apesar da degradação social que a incapacidade acarreta,
encontram ganhos secundários que, se capitalizados, fazem com que a inferioridade supere a
incapacidade. Tais pessoas acabam fazendo da sua incapacidade motivo para evitarem
responsabilidades sociais.
E, por último, há aquelas que conseguem aceitar suas limitações sem sucumbir a elas?
Nesse caso, é preciso que a pessoa reconheça o que pode e não pode fazer, renunciando as
metas que lhes são vedadas e dedicando-se à realização possível. Alcançando esse nível de
44
auto-aceitação, a pessoa acaba por sentir-se livre para estudar as diferentes situações e suas
exigências de forma realista e objetiva, em função de suas capacidades e limitações. Aqui a
incapacidade é vista como inconveniente sem ser aviltante. E, de forma bem realista, os
obstáculos são analisados em busca de uma superação.
Uma das grandes lutas travadas pelas pessoas com deficiência tem sido a de poder ser
diferente sem estar em desvantagem em relação às demais pessoas. Sendo inúmeras as
batalhas a serem vencidas: o paternalismo dos não-deficientes, a visão científica fragmentada
e setorizada dos especialistas que impedem que a pessoa com deficiência seja vista em sua
totalidade, o desrespeito à diferença, deixando que a deficiência se confunda com a
ineficiência (MONTANARI, 1998).
Para melhor compreender essa luta desigual, tome-se a definição de desvantagem
segundo Carvalho (1998, p. 119):
Desvantagem é uma situação de prejuízo para um indivíduo determinado,
como conseqüência de uma deficiência ou incapacidade que o limita ou
impede de desempenhar um papel. Caracteriza-se pela diferença entre o
rendimento do indivíduo e suas próprias expectativas, ou as do grupo a que
pertence.
Carvalho (1998) continua explicando que nesse conceito entram fortes componentes
axiológicos que influenciam na formação da auto-imagem da pessoa deficiente, prejudicando-
a e provocando nessa pessoa sentimentos de menos valia em relação a seus pares
considerados “normais”.
A pessoa com deficiência visual, em sua história, assim como as com outros tipos de
deficiência, sabe bem o que é lutar contra a desvantagem que lhe é imposta. A começar pela
ineficiência da sociedade em avaliar e compreender o que acontece no processo de
desenvolvimento da criança com deficiência visual. Com freqüência, crianças com deficiência
visual, não diagnosticada, são erroneamente confundidas com crianças possuidoras de
deficiência mental por sua dificuldade em realizar tarefas. Outras, ainda, são consideradas
cegas e tratadas como tal, mesmo possuindo um grau residual de visão, perdendo,
conseqüentemente, os benefícios que esse resíduo de visão poderia trazer ao seu
desenvolvimento e à sua qualidade de vida (BRASIL, 2000b).
Por esse motivo, torna-se essencial que o problema da deficiência visual seja
identificado o quanto antes, sendo avaliado por profissionais da área da saúde e educação, de
forma conjunta, de modo a identificar, em cada caso, suas especificidades, suas necessidades
e suas potencialidades.
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Dessa forma, reconhecendo que a aprendizagem humana se dá com base na
convivência social e na apropriação das idéias, ações e significados sociais historicamente
engendrados pelos homens, nota-se o quanto é pertinente uma reflexão sobre a proposta
educacional de incluir a todos, indistintamente, no mesmo ambiente sócio-educacional.
46
CAPÍTULO II
A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
Embora na perspectiva de educação inclusiva, o modelo de “escola para todos” venha
se difundindo e se consolidando, sabe-se da enorme restrição à inclusão da pessoa com
deficiência na escola regular. Trata-se de um problema centrado num viés político-ideológico
e social, ainda marcado por preconceitos e estigmas.
As discussões sobre a garantia do direito de todos à convivência na escola encontram
seu eco no paradigma inclusivo, e este, reconhece que a inclusão escolar vai muito além do
que simplesmente garantir a matrícula de todos na escola regular.
Neste capítulo, buscou-se discorrer sobre as práticas de inclusão escolar das pessoas
com deficiência visual. Contudo, antes de abordar a temática, fez-se necessário analisar os
complexos caminhos da educação dos cegos, desde a fase de total exclusão dos sistemas de
ensino até a proposta de educação inclusiva.
Na seqüência, considerando as valiosas contribuições de Vygotsky para a educação de
pessoas deficientes, são apresentados: a concepção de deficiência, o conceito de compensação
e algumas considerações de Vygotsky sobre a educação de crianças cegas.
Finalmente, encerra-se o capítulo com a discussão da proposta inclusiva de educação,
considerando seus limites e possibilidades, no que se refere à deficiência visual.
2.1 Caminhos tortuosos: da exclusão à inclusão escolar
Segundo Dall’Acqua (2002, p.51), desde os tempos mais remotos, “[...] a presença da
luz sempre esteve associada a situações favoráveis, a acontecimentos felizes e à inteligência,
ao passo que a ausência dela, às trevas, ao sinistro e ao mal”. Nas sociedades primitivas
acreditava-se que a luz brotava de dentro para fora do olho. Conseqüentemente, as pessoas
47
cegas, sendo incapazes de produzi-la, eram consideradas possuidoras de poderes malignos.
Entretanto, a mesma autora comenta que, contrastantemente, há registros históricos da
Antigüidade e da Idade Média que se referem aos cegos como pessoas possuidoras de dons
espirituais, capazes de ver além dos olhos físicos.
Talvez por esse motivo, no que se refere à educação, algo diferente aconteceu no
tratamento dado à pessoa com deficiência visual em comparação com outros tipos de
deficiência.
Muito embora o que caracterize o período determinado por Sassaki (2003) como fase
de exclusão seja a quase inexistência de iniciativas educacionais, as pessoas com deficiência
eram tratadas socialmente como aberrações e consideradas incapazes de aprender; ao longo da
história da deficiência, houve um maior acesso das pessoas cegas aos serviços sociais,
educativos e legislativos. Sobre isso, Telford e Sawrey (1978, p. 363) afirmam que
[...] os cegos foram sempre um grupo favorecido, em comparação com
outras categorias de deficientes. Têm-lhes sido freqüentemente concedidos
direitos e privilégios especiais. [...] Eram freqüentemente educados,
respeitados e, muitas vezes, tornaram-se poetas e transmissores de tradições
orais.
Esse aspecto singular da história do tratamento dado às pessoas com deficiência
visual, estende-se à forma como se organizou a educação dessas pessoas. De acordo com
Dall’Acqua (2002), a primeira comunidade para cegos parece ter sido fundada no século V,
por São Lino, na Síria. Além deste, a autora menciona o registro histórico de outras iniciativas
que garantiam alojamento, alimentação e abrigo às pessoas cegas, como por exemplo, a
mesquita de El Aghar (Cairo, século X), quatro hospitais para cegos criados por Guilherme,
no século XI, entre outras; mas afirma que tais iniciativas ainda não se destinavam a ensinar
um ofício ou reintegrar essas pessoas à sociedade.
Desse período até o século XVI aconteceram tentativas esparsas de educar crianças
com deficiência por meio de estratégias diferenciadas. Tais tentativas restringiam-se às
deficiências sensoriais e não foram institucionalizadas. A grande e maciça maioria de pessoas
com deficiência visual permanecia à margem dos processos educacionais. Como uma dessas
iniciativas isoladas, no século XVI, Dall’Acqua (2002) cita o exemplo de Ambroise Paré, que
propôs o uso de máscaras e óculos para serem utilizados nos casos de estrabismo convergente
e divergente. Essa iniciativa é apontada como a primeira idealizada com o propósito de
48
minimizar os efeitos da deficiência visual melhorando a aprendizagem das pessoas com
estrabismo.
A partir do século XVIII se organizam as primeiras instituições especializadas na
educação de deficientes, envolvendo ainda um número reduzido de pessoas. O período é
marcado, inicialmente, pela assistência às pessoas com deficiência em instituições
especializadas, com o objetivo de atender às suas necessidades básicas. Quase sempre eram
iniciativas filantrópicas ou de grupos religiosos preocupados em garantir o mínimo de
assistência a essas pessoas, marginalizadas pela sociedade.
Somente no século XX, aos poucos, quando a sociedade começa então a admitir a
possibilidade das pessoas com deficiência serem produtivas, desde que recebam escolarização
e treinamento para o trabalho, surgem as primeiras escolas especiais, os centros de
reabilitação e as oficinas para o trabalho, destinados às pessoas deficientes, entretanto não
havia controle sobre a qualidade (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004; SASSAKI, 2003).
No que se refere aos cegos, para Telford e Sawrey (1978), a facilidade de identificação
da deficiência visual e a natureza óbvia da cegueira, suscitaram a simpatia e a preocupação
dos videntes; por conseguinte, os primeiros programas educativos especiais que foram criados
foram destinados a deficientes visuais. Além disso, como a deficiência visual não implica,
necessariamente, em comprometimento do raciocínio ou em déficit mental, os objetivos,
conteúdos e matérias envolvidos na educação dos domínios visuais não são essencialmente
diferentes dos da educação normal, podendo ser apenas adaptados, o que de certa forma,
diminuía as resistências às iniciativas de realização de projetos educacionais para cegos.
Na intenção de levantar os principais marcos do trajeto da educação de pessoas com
deficiência visual faz-se necessário destacar o nome de duas personagens nesse processo:
Valentin Haüy (1745-1822) e Louis Braille (1809-1892).
O primeiro, Valentin Haüy, pedagogo francês, foi o responsável pela criação da
primeira escola para pessoas cegas. A idéia de instruir os cegos lhe veio depois de presenciar
a uma cena chocante: dez cegos eram explorados por um empresário apresentando-se como
fantoches na Feira de Santo Ovídio, em Paris. Em sua primeira experiência, Haüy começou a
ensinar a um jovem cego, depois passou para uma turma e, em seguida, para uma escola com
cerca de cinqüenta pessoas. Haüy utilizava letras em relevo para alfabetizar, e sobre sua
experiência, em 1786, publicou um trabalho intitulado “Ensaio sobre a educação dos cegos”.
Para ele, na educação dos cegos o problema essencial consistia em fazer que o visível se
tornasse tangível (DALL’ACQUA, 2002)
49
Haüy acreditava que, tanto quanto fosse possível, a educação dos cegos não deveria
diferenciar-se da educação dos videntes. Por esse motivo, adotou em sua escola a leitura do
alfabeto em relevo na expectativa de que as letras fossem percebidas pelos dedos dos cegos;
para a escrita, redações e provas ortográficas, os alunos utilizavam caracteres móveis que
eram combinados para formar palavras, números e para construir frases.
Sua escola foi chamada de Instituto para os Cegos de Nascimento, mas com
uma peculiaridade: admitia apenas aqueles que pudessem trabalhar e,
portanto, teve a denominação alterada para Instituto dos Trabalhadores
Cegos, em 1795. [...] O modelo de escola de Valentin Haüy, assumido pelo
Estado como instituição pública, difundiu-se por vários países europeus,
mas com ênfases diversas (DALL’ACQUA, 2002, p. 57).
A segunda importante contribuição para a história da educação dos cegos foi dada por
Louis Braille. Cego aos três anos de idade por causa de um ferimento nos olhos, Braille
empreendeu “a maior modificação curricular isolada necessária à educação dos cegos”
(TELFORD; SAWREY, 1978, p. 493). Aos doze anos ingressou como aluno do Instituto dos
Jovens Cegos de Haüy e aos quinze anos inventou o Sistema Braille. Contudo, o método
Braille só foi reconhecido oficialmente trinta anos depois de ter sido inventado.
Louis Braille tinha o espírito metódico e era um apaixonado pela investigação, nele
predominavam a imaginação criadora e a lógica. O sistema de leitura e escrita para cegos,
criado por ele, utiliza um conjunto de seis pontos em relevo, cuja variação de posições
permite 63 diferentes combinações para obter todos os sinais necessários à escrita (BRASIL,
2000b).
Haüy e Braille, além de apostarem na capacidade de aprendizado da pessoa deficiente,
acreditaram que essa aprendizagem se dava com o auxílio e a estimulação dos sentidos
remanescentes. Portanto, a educação pelos sentidos marcou as primeiras iniciativas de
educação especial.
A educação pelos sentidos tem como fundamento a concepção filosófica empirista,
que defende a inabalável crença na razão humana e acredita que a gênese do conhecimento é a
experiência sensível. Nessa perspectiva, alguns estudiosos do desenvolvimento humano
“anormal” supõem que a ausência de um órgão sensorial pode ser compensada com o
aumento do funcionamento de outros órgãos sensoriais. Assim, a cegueira pode, então, ser
compensada pelo desenvolvimento de outros órgãos sensoriais, deixando de ser encarada
50
como um defeito. Nesse sentido, a educação dos cegos passa a priorizar a educação dos
sentidos intactos (CAIADO, 2003).
Para esse autor, os avanços científicos que acompanham a Idade Moderna culminam,
com a adoção de novos paradigmas do conhecimento. O homem, a partir daí, não será mais
concebido apenas como indivíduo biológico. Passa a ser considerado a partir de suas relações
com os outros e com o meio, como um indivíduo social e histórico.
Construído sob a influência do materialismo histórico, o novo paradigma provoca
mudanças profundamente significativas na educação. Concepções e práticas educacionais
começam a ser repensadas. Começa a se consolidar a perspectiva teórica de Vygotsky de que
a aprendizagem humana se dá com base na convivência social, na apropriação das atividades
historicamente construídas pelos homens, pela internalização dos significados sociais.
Caiado (2003) segue destacando os estudos de Vygotsky sobre a cegueira: Vygotsky
defende a possibilidade de compensação ao comprometimento da visão, compensação esta
que deve ser compreendida como um processo social e não orgânico. Desse modo, embora
considere os limites biológicos da cegueira, Vygotsky afirma que, socialmente, a cegueira não
é limitadora, porque pela palavra, pela comunicação com o outro, a pessoa cega pode
apropriar-se do real internalizando os significados culturais. Essa nova perspectiva de análise
foi responsável pela expressiva mudança nos métodos de educação dos cegos.
Contudo, nesse momento, faz-se necessário retroceder um pouco na história da
educação dos cegos, para situar o Brasil nesse contexto.
O surgimento da educação de cegos no Brasil, acontece com a primeira escola
especial, criada em 1854, por D. Pedro II, através do Decreto Imperial nº 1.428: o Imperial
Instituto de Meninos Cegos, no Rio de Janeiro. Sendo a primeira instituição da América
Latina a empregar o sistema Braille na instrução do deficiente visual, o instituto atendia ao
modelo de escola residencial que foi propagado e adotado em todo o país.
A criação do instituto se deu graças à influência de José Álvares de Azevedo,
brasileiro cego que despertou o interesse do Ministro do Império, Conselheiro Couto Ferraz,
após o sucesso que obteve na educação de Adélia Sigaud, filha do médico da família imperial.
Azevedo tinha estudado no Instituto de Jovens Cegos de Paris (fundado por Valentin Haüy,
no século XVIII). Algum tempo depois de inaugurado o instituto, foram instaladas oficinas
profissionalizantes de tipografia e encadernação para os meninos cegos e tricô para as
meninas (MAZZOTTA, 1996).
Caiado (2003) ressalta que, imediatamente após sua instalação, o instituto já
demonstrava inoperância para o aluno cego, pois, nesse período, a economia brasileira era
51
baseada na monocultura para exportação, não havendo, dessa forma, espaço para inserção do
cego no mercado de trabalho.
A análise de Mazzotta (1996) sobre o papel do Instituto é bem diferente da concebida
por Caiado (2003). Para o primeiro, muito embora inicialmente apenas trinta e cinco cegos
fossem atendidos no Instituto, sua instalação abriu possibilidade de discussão sobre a
educação das pessoas com deficiência, inspirando o 1º Congresso de Instrução Pública, em
1883, tendo como temas a sugestão do currículo e a formação de professores para cegos e
surdos. Em 1890, o Instituto dos Meninos Cegos passou a denominar-se Instituto Benjamim
Constant (IBC). Naquela época, juntamente com o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos
(criado em 1857), o IBC era considerado uma instituição de grande prestígio junto ao governo
central.
Há ainda no Segundo Império registros de algumas ações voltadas ao atendimento de
deficientes, tanto no que se refere ao atendimento pedagógico como médico-pedagógico.
Contudo, comparando o Brasil Império e republicano sob o domínio de uma sociedade rural,
desescolarizada e escravocrata, com os países capitalistas centrais onde já se consolidava a
expansão das oportunidades educacionais para todos através da instalação de inúmeras escolas
residenciais, no Brasil ainda não havia sistema escolar, nem público e nem privado
(CAIADO, 2003).
Esse mesmo autor ressalta que no início do século XX, enquanto nos países europeus e
na América do Norte o processo de industrialização passava pela escolaridade, no Brasil, o
processo civilizatório era entendido como processo de transformação da grande massa popular
analfabeta, ignorante e incapaz, em homens cultos, saudáveis e produtivos. Nesse contexto, no
Brasil, o atendimento educacional a pessoas com deficiência aconteceu de forma tardia,
promovido em grande parte por instituições filantrópicas, ligadas a ordens religiosas e de
caráter assistencialista.
Por isso se faz conveniente destacar o importante papel do Instituto Benjamim
Constant na educação de pessoas com deficiência visual. Em 1942, esse instituto editou, em
Braille, a Revista Brasileira para Cegos, a primeira do gênero editada no Brasil. No ano
seguinte, instalou uma imprensa em Braille para servir principalmente aos alunos do próprio
Instituto. Em 1947, realizou o primeiro Curso de Especialização de Professores na Didática de
Cegos, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. Em 1949, passou a distribuir livros em
Braille às pessoas cegas que os solicitassem, gratuitamente. E a partir deste ano, quando três
alunos cegos do instituto concluíram o curso ginasial e puderam ingressar em colégio comum,
iniciou-se o ensino integrado para cegos (MAZZOTA, 1996).
52
Ainda segundo esse autor, a Declaração dos Direitos Humanos, publicada em 1948,
assegurava o direito de todos à educação pública, gratuita e suas idéias foram reforçadas pelo
movimento mundial de integração das pessoas com deficiência que começa a se consolidar.
Entretanto, até 1950, esse movimento é ainda muito tímido. Nesse período, havia quarenta
estabelecimentos de ensino regular que prestavam atendimento escolar especial a deficientes
mentais; e catorze estabelecimentos de ensino mantidos pelo poder público (um federal, nove
estaduais e quatro particulares) atendendo a alunos com outras deficiências.
Enquanto nos Estados Unidos e na Europa surgem as associações de pais de pessoas
com deficiência física e mental, no Brasil, criam-se a Pestalozzi e as APAES, destinadas à
implantação de programas de educação especial e reabilitação (BRASIL, 2002b). Quanto ao
atendimento a deficientes visuais, em São Paulo, merece destaque o Instituto de Cegos Padre
Chico, uma escola residencial que atende a crianças deficientes visuais em idade escolar,
desde 1928. A entidade tinha sua administração sob a responsabilidade das filhas da caridade
de São Vicente de Paula, uma irmandade religiosa.
Funcionando em regime de semi-internato e externato, o Instituto mantém
uma Escola de 1º grau, Cursos de Artes Industriais, Educação para o Lar,
Datilografia, Música, Orientação e Mobilidade, além de prestar serviços de
assistência médica, dentária e alimentar (MAZZOTTA, 1996, p. 34).
Esse mesmo autor destaca a importante contribuição da Fundação para o Livro do
Cego no Brasil (FLCB), fundada em 1946, em São Paulo, graças aos esforços de Dorina de
Gouveia Nowill, professora de deficientes visuais que era cega. A entidade iniciou suas
atividades com a produção e distribuição de livros impressos no sistema Braille e,
posteriormente ampliou suas atividades no campo da educação reabilitando pessoas cegas e
de baixa visão na perspectiva de seu bem-estar social. A FLCB era uma instituição particular,
sem fins lucrativos, de abrangência nacional. Sua principal finalidade era a integração da
pessoa com deficiência visual na comunidade, de forma produtiva e auto-suficiente. Em 1990,
a Fundação passou a se chamar Fundação Dorina Nowill para Cegos.
De acordo com Mazzotta (1996), a história da educação especial passou pelas
seguintes modificações, ao começar iniciativas oficiais de âmbito nacional em prol do
atendimento educacional de pessoas com deficiência, em 1958, foi criada a Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, por inspiração e iniciativa de
José Espínola Veiga, vinculada à direção do Instituto Benjamim Constant. Em 1960, a
Campanha sofreu algumas alterações estruturais e passa a se denominar Campanha Nacional
53
de Educação de Cegos (CNEC), sendo subordinada diretamente ao Gabinete do Ministro de
Educação e Cultura. A professora Dorina Nowill assumiu a diretoria executiva da CNEC em
1962. Na época eram desenvolvidas atividades como treinamento e especialização de
professores e técnicos no campo da educação, reabilitação de deficientes visuais, fornecidos
auxílios ópticos e material para leitura e escrita, assistência técnica e financeira aos serviços
de educação especial etc. Através da Campanha, o Ministério da Educação e Cultura procurou
oferecer maiores oportunidades de atendimento educacional aos deficientes visuais.
Em 1973, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), por um
Decreto do Presidente Médici, com a finalidade de promover a expansão e melhoria do
atendimento às pessoas com deficiência, na época, chamadas de “excepcionais”. Com sua
criação, as campanhas de modo geral foram extintas. O órgão em referência foi transformado
em Secretaria de Educação Especial (SESPE), em 1986, extinta em 1990, quando criada a
Secretaria Nacional de Educação Básica (SENEB). A nova secretaria tinha como um de seus
órgãos constituintes o Departamento de Educação Supletiva e Especial (DESE), com
competências específicas no que se refere à Educação Especial.
Assim, em 1992, no momento de reorganização dos Ministérios após a queda do
Presidente Collor, reaparece a Secretaria de Educação Especial (SEESP) permanecendo assim
até os dias atuais. Em 1994, a SEESP lançou a Política Nacional de Educação Especial
(PNEE), consolidando princípios, objetivos, diretrizes e metas. O documento faz uma revisão
conceitual no que se refere ao aluno e às modalidades de atendimento educacional, definindo
a educação especial como processo de desenvolvimento global das potencialidades de pessoas
portadoras de deficiências e de condutas típicas
5
ou de altas habilidades, nos diferentes níveis
ou graus do sistema de ensino.
Nota-se, portanto, um intenso movimento, nas últimas décadas do século passado,
estendendo-se até os dias de hoje, em direção à organização de Políticas Educacionais que
incluam ações pertinentes à educação de pessoas com deficiência. no que concerne a este
aspecto, pode-se acrescentar que
A capacidade de pressão dos grupos organizados por portadores de
deficiência tem sido evidenciada na própria elaboração da legislação sobre
vários aspectos da vida social, nos últimos dez anos no Brasil. Exemplo
maior está nas conquistas efetivadas pela Constituição Federal de 1988 e
nas Constituições Estaduais a partir dela. Na área de educação não são,
ainda, tão objetivos os resultados de tais movimentos, mas em reabilitação,
5
Manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos que
ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízo do relacionamento social, em grau que requeira atendimento
educacional especializado.
54
seguridade social, trabalho e transporte elas são facilmente identificadas
(MAZZOTA, 1996, p. 65)
A elaboração e publicação do Plano Nacional da Educação (PNE/2001) e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96), dedicando espaço exclusivo à
educação especial, são outras dessas conquistas.
Numa retrospectiva de como tem acontecido a educação de pessoas com deficiência,
no Piauí, percebe-se que a exemplo dos movimentos nacionais, a educação especial tem
sofrido as mesmas oscilações entre experiências de integração e inclusão. O atendimento
especial foi inserido no Sistema Estadual de Educação em 1970. Atualmente a oferta de
Educação Especial para o deficiente visual se dá na rede pública, nas instituições
especializadas como a Associação dos Cegos do Piauí (ACEP) e o Centro de Apoio
Pedagógico (CAP); locais estes onde se desenvolvem trabalhos específicos favorecendo a
construção do cidadão como parte integrante da sociedade.
Vale ressaltar que o atendimento realizado por tais entidades é pautado no direito da
pessoa com deficiência de acesso à educação; direito esse resguardado pela política nacional
de educação e pela Constituição Federal (1988) que elege como fundamentos da República a
cidadania e a dignidade da pessoa humana (art.1º, inc. I e II), e como um dos seus objetivos
fundamentais a promoção do bem a todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e
quaisquer forma de discriminação (art. 3°, inc. IV).
Além disso, eleito no documento como um dos princípios para o ensino, a igualdade
de condições de acesso e permanência na escola (art.206, inc.I), acrescenta que o dever do
Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais
elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um
(art.208, V). Dessa forma, o direito à educação e ao acesso à escola é um direito
constitucional e nenhuma escola tem direito a excluir qualquer pessoa em razão de sua
origem, raça, sexo, cor, idade, deficiência ou ausência dela.
Contudo, em respeito a essas capacidades individuais mencionadas, existe o
atendimento especializado garantido pela educação especial. Sobre esse atendimento, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (LDBEN) determina seja feito em
classes, escolas, ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas
dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular.
Faz-se necessário, no entanto, esclarecer que não se trata de substituir o trabalho da
escola regular pelo atendimento especializado. Tal substituição não pode ser admitida em
55
qualquer hipótese, sob pena de ferir a Lei, pois toda a legislação ordinária tem que estar em
conformidade com a Constituição Federal. (BRASIL, 2004).
Em outras palavras, o atendimento educacional especializado previsto nos artigos 58,
59 e 60 da LDBEN (Lei nº 9.394/96) e na Constituição Federal, não substitui o direito à
educação (escolarização) oferecida em classe comum da rede regular de ensino. Define-se o
atendimento educacional especializado como forma de garantia de que sejam reconhecidas e
atendidas as particularidades de cada aluno com deficiência (BRASIL, 2004, p.11). É
exatamente nesse aspecto que a educação especial no Piauí tem enfrentado seus maiores
desafios. Em sua história, inúmeros órgãos representativos, secretarias e departamentos têm
sido criados com vistas a melhorar o atendimento às pessoas com necessidades educacionais
especiais.
Assim, em 1989, foi criada a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência – CORDE, que tem por objetivo instituir a tutela de interesses
coletivos e difusos das pessoas com deficiência, sendo que o Ministério Público tem o
encargo de zelar por esses direitos. A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, assegura às
pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à
maternidade, entre outros.
No contexto social piauiense, as autoridades governamentais, acreditando ser
necessário o redimensionamento da educação especial proposta pelo Ministério Público
Federal, em 2003, criou a Coordenadoria Estadual para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CEID). Sua proposta é modificar conceitos de atendimento e assistência e
promover a sensibilização e superação de preconceitos sobre a questão da deficiência,
qualquer que seja o nível de comprometimento da pessoa, contribuindo para o
estabelecimento de sua dignidade.
No que se refere mais especificamente ao atendimento à pessoa com deficiência
visual, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, em apoio à educação
dessas pessoas, criou os Centros de Apoio para Atendimento às Pessoas com Deficiência
Visual - CAP’s, instalados em parceria com os Estados e o Distrito Federal. Esses Centros
têm como proposta principal a geração de materiais didático-pedagógicos como livros e textos
em Braille, ampliados e sonorizados para distribuição aos alunos matriculados no ensino
regular, bem como a organização de espaços educacionais que sirvam de apoio aos alunos
com visão subnormal.
56
Nota-se, portanto, que muitas ações têm sido implementadas em direção a melhorar o
atendimento educacional da pessoa com deficiência visual. Do ponto de vista metodológico, a
educação dos cegos avançou muito a partir das contribuições de Vygotsky (1896 – 1934).
Suas idéias provocaram uma revisão significativa nas práticas pedagógicas e, de modo
particular, no tratamento educacional de pessoas com deficiência. O tópico que se segue
apresenta algumas dessas contribuições.
2.2 Contribuições de Vygotsky para a educação dos cegos
São inúmeras as razões de se ressaltar as contribuições de Vygotsky para a educação
dos cegos. Dentre essas razões, uma diz respeito essencialmente à compreensão sócio-
genética do desenvolvimento humano promovida pelos estudos de Vygotsky; outra, às
contribuições deste autor no estudo do desenvolvimento e aprendizagem de pessoas
deficientes e, mais especificamente, de crianças cegas.
Segundo Garcia (1999), a discussão sobre a educação de pessoas deficientes foi
enriquecida com o acesso dos brasileiros às obras de Vygotsky. Góes, Lacerda e Fontana
(1993, p. 154) também admitem que “o contato com as idéias de Vygotsky a respeito da
constituição social do psiquismo humano possibilitou-nos um novo olhar sobre esse universo
de questões[...]”.
A concepção vygotskyana de que o desenvolvimento humano ocorre em íntima e
constante relação entre o social e o biológico redimensionou os papéis dos sujeitos na relação
de ensino-aprendizagem. Nessa relação entre o biológico e o social é que o homem se
constitui historicamente. Para Garcia (1999, p. 42),
Considerando que natureza e cultura convergem, penetram-se
reciprocamente e formam uma única formação sociobiológica do sujeito, é
possível compreender o desenvolvimento orgânico, por realizar-se em um
meio cultural, como um processo biológico historicamente constituído.
Nesse sentido, Beyer (2005, p. 1) afirma, com base em Vygotsky, que o
desenvolvimento da linguagem e do pensamento humanos depende diretamente da qualidade
das interações interpsicológicas que o indivíduo estabelece com o meio. Nesse sentido, para
que a criança se torne capaz de desenvolver as estruturas fundamentais do pensamento e da
57
linguagem, deverá estabelecer interações sociais significativas com os vários grupos sociais
dos quais faz parte.
Portanto, ao se observar o isolamento a que, freqüentemente, a criança com deficiência
é submetida, seja na família, na escola ou em outros ambientes sociais, faz-se essencial
analisar a proposta inclusiva de educação sob a ótica vygotskyana.
Os textos de Vygotsky, reunidos na obra “Fundamentos de Defectologia”, publicados
em 1983, em Moscou, foram de extrema importância para as reflexões sobre a educação de
pessoas com deficiência. Sobre essa contribuição de Vygotsky, Martínez (2006, p. 372)
ressalta que
[...] os princípios, conceitos e experiências, expostos por Vygotsky [...] têm
permitido reconceituar a forma universalista, naturalista e pessimista
dominante na consideração dos processos de aprendizagem e de
desenvolvimento das pessoas com deficiência.
A obra é dividida em três partes: 1) Questões gerais da defectologia; 2) Problemas
especiais da defectologia e 3) Os problemas limítrofes da defectologia. Dentre as
contribuições de Vygotsky (1983) nessa obra, destacam-se as reflexões sobre: a concepção de
deficiência, o conceito de compensação social e a educação de pessoas com deficiência.
Pretende-se, então, discorrer sobre cada um desses aspectos, dando ênfase especial à educação
de pessoas com deficiência visual.
2.2.1 A concepção de deficiência
Vygotsky (1983) distingue e descreve dois tipos de deficiência: a primária,
compreendida como biológica; e a secundária, reconhecida como social. A deficiência
primária, nestes termos, compreende as lesões orgânicas, cerebrais e cromossômicas, entre
outras, que se apresentam como características físicas deficientes. A deficiência social, a
secundária, compreende o desenvolvimento do sujeito que apresenta estas características
físicas, com, base nas interações sociais que estabelece (GARCIA, 1999).
58
Vygotsky (1983) e Garcia (1999) propõem uma análise da deficiência que considera
seu caráter biológico, mas, principalmente, seu caráter social. Nesse sentido, compreender a
deficiência “implica em considerar o caráter social do desenvolvimento, a história e a vida
social desde o princípio, quer o sujeito apresente características físicas relacionadas à
deficiência ou não” (GARCIA, 1999, p. 43). E, para tanto, importa considerar o que diz
Sirgado (2000, p. 52):
Se o desenvolvimento é visto como um acontecimento de natureza
individual, mesmo admitindo que ocorre em integração com o meio, a
inserção social do indivíduo constitui realmente um problema, pois implica
na adaptação das condutas individuais às práticas sociais, consideradas, em
tese, fenômenos de natureza diferente.
Esse processo dialógico de adaptação das condutas individuais às práticas sociais
acontece com todos os indivíduos, independentemente se estes possuem ou não deficiências.
Embora Vygotsky reconheça que existam particularidades na forma de aprender e se
desenvolver, para ele não existe diferença nos princípios de desenvolvimento das pessoas
consideradas normais ou deficientes. “Ambos são pessoas, ambos são crianças e em ambos o
desenvolvimento tem lugar de acordo com as mesmas leis. A diferença consiste somente no
modo do desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1989, p. 161. Tradução nossa). Tais princípios ou
leis revelam-se uma só, mas a expressão desse desenvolvimento se dá de forma diferenciada
(GARCIA, 1999).
Conseqüentemente, em relação à deficiência, é importante conhecer não só o defeito
que tem afetado uma criança, mas que criança tem tal defeito (VYGOTSKY, 1989). Beyer
(2005, p. 3) afirma que “para Vygotsky, o ser humano deveria ser antes reconhecido como
detentor de uma identidade única, que anularia as relações binárias do tipo normal/anormal,
mais inteligente/menos inteligente, melhor/pior etc”.
Em outras palavras, não se pode e nem se deve ignorar a deficiência primária do
indivíduo, mas não se pode esquecer que a deficiência social, da qual o indivíduo termina por
tornar-se vítima, necessita de urgente atenção.
59
2.2.2 O conceito de compensação social
Segundo Vygotsky (1989), qualquer defeito ou deficiência corporal põe o organismo
frente ao desafio de vencer esse defeito, eliminar a deficiência e compensar o prejuízo
orgânico ocasionado. Desse modo, se por um lado, a deficiência debilita o organismo,
deteriora sua atividade; por outro lado, precisamente porque o defeito dificulta e altera a
atividade do organismo, serve de estímulo para o desenvolvimento de outras funções,
incitando-o a realizar uma atividade intensificada através da qual poderia compensar a
deficiência e vencer as dificuldades. Garcia (1999) reforça esse pensamento dizendo que a
deficiência acaba por originar estímulos para formar essa compensação. Assim surge o
conceito de compensação social de Vygotsky; e, a esse respeito, Beyer (2005, p. 3) faz
algumas considerações importantes:
O conceito de compensação ou supercompensação foi considerado por
Vygotsky a partir do conceito adleriano (Alfred Adler, psiquiatra austríaco e
aluno de Freud) de compensação. É importante afirmar que Vygotsky
extrapolou teoricamente este conceito, não se atendo às categorias
psicanalíticas ou neopsicanalíticas, porém considerando-o a partir das
categorias sócio-históricas. Em relação à postura de Adler, Vygotsky criticou
sua interpretação subjetivista (ou, como denominou, metafísica) do conceito
de compensação, e destacou as relações sociais do conceito, em que
compensar significaria o confronto do sujeito com a realidade social e sua
inserção e realização social (ou não).
Para Vygotsky (1989), não seria a compensação orgânica a responsável pela superação
das limitações impostas pela deficiência. Essa superação seria condicionada pela inserção
social do indivíduo, pois sua inclusão teria conseqüências diretas na auto-estima da pessoa
deficiente, culminando na compensação psicossocial da deficiência (BEYER, 2005). Ou seja,
as condições do desenvolvimento psíquico da pessoa deficiente, assim como de qualquer
outra pessoa, derivam diretamente da qualidade das interações estabelecidas no meio social.
Tendo em vista que a transformação dos processos mentais elementares em funções
superiores ocorre por meio das atividades mediadas, seja através dos instrumentos, seja
através dos signos, conclui-se que a formação da subjetividade individual decorre do
relacionamento com os outros.
Mas quem pode garantir interações sociais significativas o suficiente para criar na
criança as já mencionadas funções superiores de origem e natureza sociais? O homem cria
60
suas próprias condições de existência social da mesma forma que cria suas condições de vida
material sendo que busca várias formas de concretizar sua sociabilidade. “Por serem obra do
homem, estas condições de existência social ou formas de sociabilidade humana [...] integram
o elenco que denominamos produções culturais” (SIRGADO, 2000, p. 54).
Assim sendo, se as concepções de deficiência e as práticas de tratamento dado à
pessoa com deficiência são resultantes da dinâmica de relações sociais que caracterizam uma
determinada sociedade, acabam por integrar as produções culturais do homem. Isso, em certa
medida, explica o comportamento da sociedade frente à deficiência. Como a cultura na
história da humanidade tem se constituído com base referencial no modelo biológico humano,
“instrumentos, materiais, adaptações, intelecto, interações têm sido organizadas com base em
um tipo humano que se conhece como padrão de normalidade” (GARCIA, 1999).
Conseqüentemente, as pessoas deficientes têm enfrentado muitos obstáculos para
desenvolver-se numa sociedade organizada para excluir àqueles que fogem ao padrão de
normalidade.
Mesmo diante dos estímulos para formar a compensação, a forma preconceituosa
como a sociedade tem tratado o deficiente tem comprometido a via de desenvolvimento e
superação da deficiência. Para Vygotsky (1989), os processos de compensação estão
dirigidos, não ao complemento e superação da deficiência e, sim, à eliminação das
dificuldades criadas pela deficiência. Dessa forma, a compensação social consiste em criar
condições e estabelecer interações que possibilitem à pessoa com deficiência apropriar-se da
cultura.
Embora não negue a importância das questões orgânicas conhecidas como causas da
deficiência, para Vygotsky (1989), seria o desenvolvimento cultural a esfera principal de onde
é possível a compensação da deficiência.
2.2.3 A educação de pessoas com deficiência
Todas as reflexões feitas até o momento levam a crer, como sugere Garcia (1999), que
como qualquer outro fenômeno social, a deficiência localiza-se nas interações sociais, na
dinâmica e no modo como os sujeitos sociais se relacionam. Nessa perspectiva, de acordo
com a cultura que se construiu em torno da deficiência, quando se considera que um indivíduo
61
apresenta dificuldades ou limitações em relação a um padrão de normalidade, esse indivíduo
passa a ser considerado isoladamente.
Essa é uma prática social muito comum em se tratando da “diferença”. A formação de
grupos com igualdade de perfis, agrupados por critérios de condição intelectual e desempenho
acadêmico, é um exemplo da prática de análise das dificuldades e limitações de uma pessoa
do ponto de vista individual. Contudo, tais práticas de homogeneização se contrapõem às
idéias de Vygotsky.
Para Vygotsky, seria através dos variados contornos individuais de cada criança que as
trocas psicossociais se tornariam enriquecedoras e contribuiriam para o crescimento de cada
um no grupo. Nessa perspectiva, Vygotsky posiciona-se contra a educação segregada de
crianças com deficiência, em escolas especiais. A segregação acarretaria grande prejuízo no
desenvolvimento psíquico dessas crianças, tendo em vista que suas trocas interpsicológicas se
restringiriam às feitas entre seus “iguais” (BEYER, 2005).
Segundo Vygotsky (2001), a experiência pessoal do educando é a base principal do
trabalho pedagógico, pois ninguém pode educar outra pessoa. Somente as relações que o
educando estabelece a partir da experiência pessoal se tornam significativas para ele.
Conseqüentemente, a educação se faz através da experiência pessoal do aluno, experiência
essa totalmente determinada pelo meio, que deve ser organizado e regulado pelo professor
num processo de administração desse meio social.
Com a pessoa deficiente o processo é semelhante. De modo que afastar essa pessoa do
convívio social na diversidade, negará a ela a oportunidade de vivenciar experiências pessoais
extremamente significativas. Esse afastamento pode contribuir, inclusive, para que seu
desenvolvimento e aprendizagem fiquem ainda mais prejudicados. Ademais, sabe-se que o
ambiente segregado da escola especial cria um ambiente artificial que nem de longe imita a
realidade concreta. Essa compreensão é corroborada com o pensamento de Vygotsky (2001,
p. 68), ao concluir que;
[...] não se deve criar nenhum meio educativo artificial: a vida educa melhor
que a escola, façamos a criança entrar de cabeça no ruidoso fluxo da vida e
podemos estar antecipadamente seguros de que esse modo de educar
produzirá um homem firme e apto para enfrentar a vida.
A despeito desse posicionamento vygotskyano comporta considerar o que diz
Martinez (2006, p. 375) acerca da aprendizagem na escola formal:
62
A aprendizagem escolar carrega uma rede de significados construídos
culturalmente com os quais a criança entre em contato, inclusive muito antes
de sua entrada na escola. Esses significados são apropriados e reconstruídos
de forma individualizada, a partir de sistemas relacionais da sala de aula e de
outras experiências de vida dos sujeitos relacionados a outros contextos
sociais que participam da constituição de sua subjetividade, e que
contribuem na formação dos sentidos subjetivos singularizados que adquire
o processo de aprender.
Um meio educativo artificial provocaria, desse modo, a construção de sistemas
relacionais desprovidos de experiências relacionadas a outros contextos sociais, razão da
oposição frontal de Vygotsky (1989) ao isolamento da pessoa deficiente em um mundo
restrito e adaptado à deficiência. Como para ele é na inadaptação provocada pela deficiência
que se encontra uma fonte de possibilidades de desenvolvimento, o indivíduo deficiente
absolutamente adaptado perderia os impulsos para superar os obstáculos e se desenvolver; ou
seja, perderia os estímulos para formar a compensação social (GARCIA, 1999).
Para Vygotsky (1989) os métodos de ensino das escolas especiais também deveriam
ser revistos. Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores deveria ser a
principal meta da educação, de modo geral. Por esse motivo, criticava o fato da escola
especial dar ênfase ao exercício das funções sensoriais e motoras, em detrimento das funções
cognitivas. E explicava que ao se trabalhar exclusivamente com representações concretas e
visuais, acaba-se por prejudicar o desenvolvimento do pensamento abstrato cujas funções não
podem ser substituídas por nenhum procedimento visual (GARCIA, 1999).
Esse pensamento de Vygotsky (1989) fundamentava-se em suas concepções sobre o
funcionamento do cérebro humano e em sua teoria sobre a construção cultural do
desenvolvimento humano. Como já mencionado, para esse autor, as funções psicológicas
superiores são construídas ao longo da história social do homem. Por esse motivo, a
compreensão do desenvolvimento psicológico não se encontra nas propriedades naturais do
sistema nervoso (OLIVEIRA, 1992). Para esse autor, as postulações de Vygotsky sobre o
desenvolvimento das funções psicológicas evidenciam a forte ligação entre os processos
psicológicos humanos e a inserção do indivíduo num contexto sócio-histórico específico.
Desse modo, as inúmeras possibilidades de funcionamento cerebral, que serão mobilizadas na
realização de diferentes tarefas ao longo do desenvolvimento individual, são definidas pelos
instrumentos e símbolos construídos socialmente.
Desse modo, a utilização da linguagem favorece os processos de abstração e
generalização já mencionados como essenciais ao desenvolvimento das funções psicológicas
63
superiores. “A linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do
mundo real em categorias conceituais cujo significado é compartilhado pelos usuários da
linguagem” (OLIVEIRA, 1992, p. 27). Vale lembrar, pois, da importância que assume a
linguagem quando se considera que ela determina o desenvolvimento do pensamento, em
consonância com o instrumental lingüístico e com a experiência sociocultural de cada criança.
Desse modo, o crescimento intelectual da criança depende diretamente de seu domínio
dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem. Logo, a prática de escolarização de
crianças com deficiência em grupos segregados em condição individual similar, prejudica o
desenvolvimento da lógica na criança, pois o isolamento compromete seu processo de
socialização pelo empobrecimento de suas experiências histórico-culturais (VYGOTSKY,
1993).
Conclui-se, portanto, que para Vygotsky (1989), Garcia (1999) e Beyer (2005), as
crianças com limitações funcionais precisam da convivência com crianças em condições
cognitivas e sócio-afetivas diferenciadas. E essa convivência com pessoas “normais” não
pode e não deve ser negada sob pena de impedir a criança deficiente de acrescentar, de
adquirir novas competências resultantes das interações estabelecidas na diversidade. Vale,
pois, lembrar que a questão da inclusão escolar de pessoas com deficiência na rede regular de
ensino, ou seja, recebendo educação e convivendo cotidianamente com as pessoas
consideradas normais, é um tema polêmico que envolve múltiplas e urgentes reflexões.
Faz-se necessário estabelecer quais os limites e possibilidades dessa inclusão escolar e,
para tanto, mais uma vez, as idéias de Vygotsky (1989) só têm a contribuir para uma análise
mais densa e radical do fenômeno numa perspectiva etnográfica.
2.3 A inclusão escolar de pessoas com deficiência visual: limites e possibilidades
De acordo com Freire (1995), a ausência de visão não constitui impedimento para o
desenvolvimento, mas impõe a elaboração de novos caminhos de aprendizagem. A criança
cega organiza seu mundo interno a partir da vivência das ações e atividades no tempo e no
espaço. Desse modo, como outras crianças, ela precisa desenvolver a capacidade de
simbolizar suas experiências, e para que isso aconteça depende de alguns fatores como a
continuidade, a repetição e a própria rotina. A esse respeito Porto (2005, p. 35) reforça esse
entendimento com a seguinte explicação: “o mundo é para mim como eu o vejo e, para o
64
cego, como ele o vê, e esta percepção é própria e individual”. Logo, é razoável que se conceba
que o modo como o cego vê, percebe e compreende o mundo depende diretamente das
estimulações que ele recebe durante esse processo. Nesse sentido, o processo de
aprendizagem da criança com deficiência visual fica facilitado por elementos como: o “tocar”
e o “ser tocado”, gestos concretos que são fundamentais nesse processo, visto que através do
tato a criança vai assimilando o mundo, associando cada elemento à sua característica e
construindo percepções que formarão a imagem mental das pessoas, dos objetos e do
ambiente.
Outro elemento importante da aprendizagem está relacionado às experiências
corporais, como: tomar banho, trocar-se, vestir-se, verbalizar, movimentar-se e brincar com o
corpo. Tais ações são responsáveis pelo desenvolvimento da imagem corporal, permitindo
assim a construção de sua auto-imagem.
Além desse aspecto, convém ressaltar o “movimento” como outro elemento de
aprendizagem importante. Wallon (1989) concebe os gestos e os movimentos como um dos
primeiros indícios de vida psíquica. A criança pequena quando não tem a possibilidade de agir
sobre o meio, utiliza-se da figura do outro para fazer por si. O agir autonomamente é básico
para uma criança com essa deficiência, pois aqui o movimento é a fonte da ação, da
experiência, da aprendizagem e, principalmente, da construção do conhecimento. O mover-se
e o ser movido são experiências diferentes, pois deslocar o corpo para uma criança cega
implica na orientação no espaço que, na maioria das vezes, acarreta medo e insegurança.
Os pais e os educadores devem estar atentos para a necessidade básica de locomoção
independente e mobilidade, pois a criança através de sua visão espacial estabelece pontos de
referência para se orientar no espaço e adquirir a desejável e necessária independência.
Uma outra característica que subsidia o desenvolvimento da aprendizagem está na
“organização espaço-tempo”, em que se deve levar em consideração que cada criança tem seu
próprio tempo e que o mesmo deve ser respeitado. No espaço escolar, os educadores devem
observar os gestos para identificar quando a criança cega precisa de tempo e espaço para
repousar, daí a importância das escolas planejarem um espaço que proporcione a essa criança
o desejo de mover-se, de explorar e de fazer distinções entre os objetos, os espaços, as ações
e, até mesmo, o seu corpo. Os espaços internos e externos da escola devem ser projetados de
forma que garantam a autonomia, a independência e a segurança da criança com cega ou com
baixa visão. Assim entendido, vale acrescentar a seguinte ponderação:
O reconhecimento das necessidades educacionais de um aluno como sendo
especiais, resulta na consideração das dificuldades serem superiores a dos
65
outros colegas considerados normais, mesmo utilizando-se dos esforços,
dos recursos e procedimentos utilizados na escola (BRASIL, 1999, p. 27).
Um outro ponto que emerge neste contexto teórico diz respeito ao fracasso escolar de
crianças com deficiência visual, acontece o mesmo que acontece com as crianças que
apresentam problemas de aprendizagem: normalmente, a escola atribui o fracasso ao próprio
aluno, cabendo a outros profissionais (psicólogos, neurologistas, psicopedagogos) a
identificação de suas possíveis causas e o posterior encaminhamento pedagógico específico,
fora das escolas regulares. Deve-se considerar, no entanto, que o fracasso escolar é marcado
por influências socioculturais, políticas e econômicas, além das razões puramente
pedagógicas.
Atualmente, é nítido o esforço para mudar a concepção assistencialista e terapêutica da
educação especial (AMIRALIAN, 1997; BAUMEL, 1994; DALL’ACQUA, 2002). Tal
esforço é baseado em pressupostos que demonstram de forma clara e objetiva a importância
do caráter interativo do processo ensino-aprendizagem. O produto final apreendido é
resultado da relação estabelecida entre os sujeitos, de como o aluno aprende e de como a
escola ensina, estabelecendo assim a união entre os atos de ensinar e o de aprender. Ressalte-
se também o caráter de relatividade, onde as particularidades do aluno e as alterações nos
elementos que compõem o contexto impõem um novo olhar sobre a identificação de alunos
como pessoas com necessidades especiais, bem como sobre as necessidades especiais que
determinados alunos possam apresentar.
Esse novo olhar deve considerar o papel da escola no encaminhamento desses alunos
para atendimentos especializados, ao mesmo tempo em que deve acompanhar e avaliar o
papel e o desempenho do professor em sala de aula; para que não descarte a possibilidade de
pedir auxílio a professores especializados ou até mesmo a outros profissionais (psicólogos,
fonoaudiólogos ou fisioterapeutas), num atendimento conjunto que garanta seu
desenvolvimento positivo no processo ensino-aprendizagem.
O atendimento especializado é essencial como suporte pedagógico e técnico ao
processo de aprendizagem escolar de pessoas com deficiência visual. Como dado específico
dessa contribuição, sabe-se que crianças com deficiência visual, desde os primeiros meses de
vida participaram dos programas de intervenção precoce, ou de um programa de
complementação curricular, em que pais foram apoiados e orientados para dar suporte nas
primeiras interações, na comunicação, no processo sensório-motor e na construção de
66
vínculos com o ambiente ao seu redor, demonstraram, conseqüentemente, um
desenvolvimento semelhante ao das outras crianças (AMIRALIAN, 1997; FONSECA, 2003).
Os deficientes visuais necessitam de suportes materiais, alguns deles, específicos para
o tipo de limitação imposta pela cegueira ou baixa visão. Um desses suportes imprescindíveis
é o Sistema Braille, que impõe o uso de impressoras Braille com uma ótima impressão,
garantindo assim o sucesso da escrita e da leitura. O uso do sorobã, instrumento utilizado para
calcular, surgido na Grécia, é outro suporte técnico importante. Na educação infantil,
especificamente na pré-escola, o sorobã é usado para conceituar quantidades, realizar
operações elementares e contar em seqüência, despertando na criança cega ou com baixa
visão o raciocínio e a percepção lógico-matemática.
Esses são apenas alguns exemplos das necessidades básicas de uma criança com
deficiência visual, sendo que a omissão ou negligência no que concerne ao suprimento de tais
necessidades implicaria em déficit ou em menor desempenho escolar. O fato é que,
conhecendo tais necessidades, pode-se galgar êxito na condução do processo de ensino-
aprendizagem de crianças com deficiência visual.
Ao se considerar a trajetória de preconceitos e concepções pseudocientíficas pode-se
finalmente dizer que a pessoa com deficiência começa a ser considerada em função do caráter
dinâmico de suas necessidades específicas e do reconhecimento de seu potencial. Através de
movimentos como o de integração e o de inclusão, a sociedade tem procurado garantir um
espaço de pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência. “É inegável o esforço que tem
sido feito no campo das sociedades solidamente organizadas, no sentido de estabelecer
espaços de direito aos deficientes, sejam motores, visuais, auditivos ou mentais” (GAIO;
MENEGHETTI, 2004, p. 15). Com vistas a esses direitos, no que diz respeito às diretrizes da
educação especial, a nova política educacional brasileira enfatiza a participação do educando
com deficiência no processo educacional desenvolvido nas classes regulares, na tentativa de
abolir as práticas segregacionistas que vêm marcando sua educação.
As discussões sobre a garantia do direito de todos à convivência na escola está pautada
na concepção de inclusão, que vai muito além de simplesmente garantir a matrícula de todos
na escola regular. Para Mantoan (2003a), a inclusão envolve a disponibilidade interna da
escola para enfrentar inovações, condição essa, incomum aos sistemas educacionais e aos
professores em geral. Trata-se da possibilidade de aperfeiçoamento da educação escolar como
um todo, considerando as necessidades educacionais de todos os sujeitos da comunidade
escolar, indistintamente. Nessa perspectiva, definindo o termo, inclusão significa
67
[...] acção (sic) ou resultado de incluir, de envolver, de abranger, de fechar,
de encerrar, de introduzir, de inserir, dentro de alguma coisa.
Conseqüentemente, e por simples analogia, a educação inclusiva significa
assegurar a todos os estudantes, sem excepção, independentemente da sua
origem sociocultural e da sua evolução psicobiológica, a igualdade de
oportunidades educativas, para que desse modo possam usufruir de serviços
educativos de qualidade [...] (FONSECA, 2003, p. 41. Grifo do autor)
No entanto, mesmo antes de abrir suas portas às pessoas com deficiência, a escola
regular já vem, ao longo do tempo, sendo caracterizada como espaço de produção da exclusão
e do fracasso daqueles que não se encaixam, por algum motivo, ao padrão de aluno que a
escola determinou como o ideal. Embora as práticas escolares venham se constituindo cada
vez mais em objeto de pesquisa de vários estudiosos do fenômeno educativo, alunos, pais e
professores continuam reféns de uma imensa quantidade de conteúdos curriculares que negam
espaço ao desenvolvimento de habilidades e atitudes essenciais à vida em sociedade e à
melhoria da qualidade de vida da comunidade. Essa situação se expõe mais nitidamente
quando se trata da educação de pessoas com alguma necessidade educacional específica.
Nessa conjuntura, é previsível que a maioria das escolas comuns da rede regular não se
julguem preparadas para receber alunos com deficiência, pelo simples fato de não estarem
dando conta de alcançar qualitativamente seus objetivos educacionais nem mesmo junto aos
alunos considerados “normais”. Além disso, o desconhecimento por parte dos sujeitos que
compõem a escola do que seja, de fato, um espaço educacional inclusivo, explica a sensação
de desconforto e reforça a resistência à inclusão escolar (BRASIL, 2000b).
Desse modo, para que o aluno, com ou sem deficiência, possa exercer o direito à
educação em sua plenitude, é indispensável que a escola aprimore suas práticas, a fim de
atender às diferenças. Esse aprimoramento, não constitui uma mera exigência da inclusão
escolar de pessoas com deficiência devendo, portanto, ser encarado como um compromisso
inadiável das escolas que pretendem favorecer a inclusão social.
O fato é que as escolas, de maneira geral, têm uma prática muito distante daquela que
é a exigida na educação inclusiva. Algumas escolas desenvolvem projetos de inclusão parcial
que não exigem mudanças de base na sua estrutura. Outro grupo de escolas, ainda maior,
continua a não atender os alunos com deficiência em suas turmas de ensino regular sob a
justificativa de que seus professores não foram preparados para esse fim. Há também um
outro grupo que não acredita nos benefícios da inclusão escolar para os alunos com
deficiência, sobretudo nos casos mais severos, argumentando que por estarem
68
impossibilitados de acompanhar a aprendizagem dos colegas, seriam, dessa forma, vítimas de
uma maior discriminação.
O posicionamento desses dois últimos grupos evidencia a necessidade de se redefinir e
de se colocar em ação, novas alternativas e práticas pedagógicas inclusivas. Não se trata
apenas de cumprir a lei e receber a matrícula desses alunos na escola regular, mas de oferecer
serviços complementares, adotar práticas criativas na sala de aula, elaborar um projeto
pedagógico realista, rever posturas e construir uma nova filosofia educativa. Implica, desse
modo, acrescentar que a inclusão é uma força cultural para a renovação da escola, mas para
que seja bem sucedida, as escolas devem tornar-se comunidades conscientes. Sem esse
sentido de comunidade, os esforços para alcançar resultados expressivos são inoperantes
(MANTOAN, 2002; STAINBACK; STAINBACK, 1999; VOIVODIC, 2004).
Para Voivodic (2004), a inclusão só se concretizará a partir de uma mudança
ideológica na sociedade, o que culminará com uma mudança do sistema educacional. Essa
mudança ideológica depende da forma de ver o outro e das interações que com ele se
estabelecem, ou seja, depende da concepção que se tem de homem e de sociedade.
As interações mencionadas por Voivodic (2004) são enriquecidas na diversidade.
Através da relação dialética entre o sujeito e o meio social, onde os outros são diferentes dele.
Martinez (2006, p. 376) acrescenta que “de fato, o Outro mais experiente participa do
processo de aprendizagem, não apenas pelas ações que realiza, mas pelo espaço
comunicativo-emocional que contribui para gerar e no qual vão fazer sentido essas ações para
o sujeito que aprende”.
Diante do reconhecimento de que é a diversidade que proporciona o espaço
comunicativo-emocional ideal à aprendizagem significativa, uma nova história da educação
de pessoas com deficiência passará a ser escrita a partir da construção de um novo sistema
educacional. Um sistema educacional que não daria mais espaço à discriminação e ao
preconceito.
Segundo a Declaração de Salamanca, explicar o que é, esse sistema educacional
emerge nas escolas regulares de orientação inclusiva. Segundo o documento, essas escolas
[...] constituem os meios mais eficazes de combater atitudes
discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma
sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais
escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram
a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema
educacional. (ESPANHA, 1994, p. 01)
69
É óbvio que não existem receitas prontas para atender aos inúmeros tipos de
deficiência que podem se apresentar na escola. Existem, sim, milhares de crianças e
adolescentes cujas necessidades são quase únicas no mundo. Espera-se, no entanto, que ao
abrir as portas para tais alunos, a escola se informe e se oriente com profissionais da Educação
e da Saúde sobre as especificidades e instrumentos adequados a cada necessidade
educacional, sem discriminações e que lhes proporcione o maior e melhor aprendizado
possível.
No Brasil, como já mencionado anteriormente, a primeira iniciativa de inserção de
alunos cegos no sistema regular de ensino aconteceu em 1949. Contudo, essa experiência
inicial limitava-se à inserção dos alunos cegos no sistema regular de ensino e não a sua
inclusão nesse sistema e as práticas pedagógicas empreendidas desde esse período vão
refletindo, a cada época, as concepções descritas anteriormente, que os educadores, àquela
época, tinham sobre deficiência e sobre educação.
Logo, à medida que a pessoa cega vai tendo acesso à educação sistematizada, a sua
capacidade de aprendizagem começa, então, a revelar-se. E embora os sentidos tenham uma
função fundamental na apropriação da realidade, eles não são aqui considerados como
“aparato biológico individual”. Ganham um significado bem maior: são considerados como
sentidos sociais cuja construção é tarefa histórica e sócio-cultural.
Conseqüentemente, entendendo-se a educação como meio de mediação na construção
do conhecimento, as pessoas cegas também quando submetidas ao fenômeno educativo
sofrem mudanças profundas e significativas. A partir desse fato, conclui-se que para que a
educação possa contribuir efetivamente para a inserção e inclusão social da pessoa cega,
deve-se buscar o conhecimento e a compreensão das necessidades básicas de aprendizagem
dessas pessoas.
Como uma dessas necessidades, o direito à convivência social fica garantido pelo
acesso a espaços genuinamente democráticos onde as pessoas com deficiência visual possam
compartilhar seus conhecimentos e experiências na diversidade; e a escola regular constitui
um desses espaços. Nesse sentido, a escola deve ser considerada como espaço de construção
de personalidades humanas autônomas, críticas, no qual os alunos aprendem a ser pessoas.
Tais ambientes educativos devem promover a valorização da diferença, pela convivência com
seus pares, pelo exemplo dos professores, pelo ensino ministrado, pelo clima sócio-afetivo das
relações estabelecidas em toda a comunidade escolar, sem tensões competitivas, de forma
solidária e participativa.
70
Escolas assim concebidas não excluem nenhum aluno de suas classes, de
seus programas, de suas aulas, das atividades e do convívio escolar mais
amplo. São contextos educacionais em que todos os alunos têm
possibilidade de aprender, freqüentando uma mesma e única turma
(MANTOAN, 2002, p. 18)
Para tanto, é evidente a necessidade de implementação de políticas públicas que
possibilitem a modificação e a organização dos sistemas educacionais, numa perspectiva em
que a diversidade seja tomada como eixo central do processo de aprendizagem na classe
comum (CARVALHO, 1998; ROSA; SOUZA, 2002; SILVA; VIZIM, 2003) Essas
mudanças estruturais, organizacionais e metodológicas poderão responder às necessidades
educativas e beneficiar todas as crianças, independente de apresentarem qualquer tipo de
deficiência.
Nesse sentido, a elaboração, de forma autônoma e participativa, do Projeto Político
Pedagógico da Escola tem um papel fundamental. O Projeto implica em um estudo e um
planejamento de trabalho envolvendo todos os que compõem a comunidade escolar, com o
objetivo de estabelecer prioridades de atuação, objetivos, metas e responsabilidades que vão
definir o plano de ação das escolas.
A implementação de um projeto para educação inclusiva demanda vontade
política, planejamento e estratégias para capacitação continuada dos
professores do ensino regular em parceria com professores especializados,
dirigentes e equipe técnica [...], visando construir e efetivar uma prática
pedagógica que lide com níveis de desenvolvimento e processo de
aprendizagem diferenciados, buscando juntos a solução dos conflitos e
problemas que surjam nesse processo (BRASIL, 2002b, p. 16).
Hoje, são inúmeras as experiências positivas de inclusão escolar. Embora, em muitos
municípios dos estados brasileiros, as primeiras decisões políticas pela construção da
inclusão educacional tenham acontecido em instâncias político-administrativas superiores e,
talvez por isso, tenham encontrado resistências, conforme demonstra Blanchot (2004):
Nos locais em que houve de fato uma mudança no modo de organizar
pedagogicamente o processo escolar para todos os alunos, a inclusão foi, é
e será bem sucedida. Onde não houve essas mudanças, mas apenas o
acesso de alunos com deficiência e/ou dificuldades de aprender, a inclusão
não acontece. (BLANCHOT, 2004 apud BRASIL, 2004, p. 44).
Partindo-se do princípio de que a inclusão não implica no desenvolvimento de um
ensino individualizado, não há espaço para a segregação no atendimento escolar, seja dentro
ou fora das salas de aula. Práticas de ensino individualizado rompem com a lógica
71
emancipadora. As intervenções do professor devem, sim, apresentar desafios e apoiar o aluno
nas suas descobertas.
O que de fato precisa ser feito é adotar medidas para atender às diferenças de todos e
que não sejam excludentes. O sucesso da aprendizagem está em explorar os talentos
individuais, em desenvolver aptidões e em proporcionar inúmeras possibilidades de
aprendizagem. Tal concepção supõe a construção de conceitos, valores e atitudes através da
interação entre os alunos, e entre eles e o professor. Para tanto, é preciso recriar o modelo
educativo, que deve se referir:
[...] primeiramente ao que ensinamos aos nossos alunos e ao como
ensinamos para que eles cresçam e se desenvolvam, sendo seres
éticos, justos e revolucionários, pessoas que têm de reverter uma
situação que não conseguimos resolver inteiramente: mudar o
mundo e torná-lo mais humano (MANTOAN, 2002, p.1. Grifos da
autora).
O direito de todos à convivência na escola só poderá ser garantido a partir da
promoção de ações e de situações de aprendizagem que expressem diferentes possibilidades
de interpretação e entendimento, gerando uma trama de conhecimentos diversos, frutos da
construção coletiva de um grupo que atua de forma cooperativa.
Aderindo à sugestão de Mantoan (2002) no que se refere ao “como” se deve ensinar,
para atender ao modelo de educação inclusiva, o currículo se apresenta como ferramenta
básica na definição de estratégias e critérios de atuação docente. Sua flexibilidade e
dinamicidade oportunizam adequar a ação educativa escolar em convergência com as
condições do aluno e em correspondência com as finalidades da educação na dialética de
ensino e aprendizagem.
Entretanto, o plano teórico-ideológico da escola inclusiva requer a superação dos
obstáculos impostos pelas limitações do sistema regular de ensino. Seu ideário defronta-se
com dificuldades operacionais e pragmáticas reais e presentes, como recursos humanos,
pedagógicos e físicos. Para que se consiga a superação de tais obstáculos, primeiramente, é
preciso que os professores das classes regulares desejem e busquem capacitação para
transformar sua prática educativa. E essa transformação exigirá que estejam conscientes da
importância no atendimento à diversidade da população estudantil, pois disso depende o êxito
da inclusão escolar.
Mas como atender a essa diversidade? Através da elaboração de propostas
pedagógicas pautadas no reconhecimento de todos os tipos de capacidades presentes na
escola; na seqüenciação de conteúdos e adequação aos diferentes ritmos de aprendizagem dos
72
educandos; na adoção de metodologias diversas e motivadoras; e na avaliação dos educandos
numa abordagem processual e emancipadora, em função do seu progresso e do que poderá vir
a conquistar. Dessa forma, uma escola não precisa preparar-se para garantir a inclusão de
alunos com necessidades especiais, mas tornar-se preparada como resultado do ingresso
desses alunos.
É preciso que se supere a concepção médicopsicopedagógica, que focaliza a
deficiência como condição individual e minimiza a importância do fator social na origem e
manutenção do estigma que cerca essa população específica; e a prática pedagógica
direcionada para alternativas exclusivamente especializadas. Afinal, os serviços educacionais
especiais não podem desenvolver-se isoladamente; devem, sim, fazer parte de uma estratégia
global de educação e visar suas finalidades gerais.
Nesse contexto, o projeto pedagógico, a gestão escolar, os currículos, os conselhos
escolares, a parceria com a comunidade escolar e local, dentre outros, precisam ser revistos e
redimensionados, para fazer frente ao contexto de educação para todos. Vale ressaltar que
alguns requisitos para organização e o funcionamento de serviços de atendimento ao
educando com deficiência visual são básicos, tais como:
y que nas séries iniciais do Ensino Fundamental o número de aluno por professor seja
entre 6 e 8;
y que a alfabetização aconteça nas duas primeiras séries do Ensino Fundamental;
y que até a quarta série, o professor ofereça atendimento individualizado;
y que a partir da quinta série, o atendimento em grupo seja predominante;
y e que o aluno com visão subnormal ou baixa visão seja atendido educacionalmente por
professores de visão normal.
O currículo deve ser o mesmo adotado pelo ensino regular com as adaptações
indispensáveis para atender às necessidades dos educandos, ou seja, o aluno cego deverá
receber treinamento visando a discriminação tátil, a discriminação auditiva e a coordenação
motora necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita pelo sistema Braille. Nas séries
iniciais também devem ser introduzidos o aprendizado do uso do sorobã e as formas em
relevo para a aprendizagem da matemática. Quanto ao aluno com baixa visão, este necessitará
de treinamento grafomotor e de estímulo de forma a usar adequadamente a visão
remanescente. Inclusive recomenda-se que, no processo de alfabetização dessas pessoas
devem ser utilizados tipos ampliados em tinta.
73
As atividades da vida diária
6
e pré-mobilidade
7
deverão ser de inclusão obrigatória
para alunos em fase de alfabetização. Nesta fase, a pré-mobilidade tem o objetivo de
desenvolver no aluno o conhecimento das dependências da escola para que nelas possa se
movimentar.
Até a quarta série, a orientação e mobilidade devem ser ministradas pelo professor
especializado nessa atividade, mediante o atendimento individualizado, visando ao
conhecimento da própria escola e de suas áreas externas. Para os alunos cegos há necessidade
do seguinte material básico: punções, regletes de mesa, sorobãs, relógios adaptados, figuras
geométricas em relevo, livros de exercício para discriminação tátil, cartilhas em Braille, papel
para escrita em Braille, máquina de datilografia para escrita no sistema Braille, dentre outros.
Para alunos de baixa visão há necessidade de cadernos de exercícios grafomotores,
gravuras ampliadas, cartilhas especializadas, para visão subnormal, cadernos com pauta
adequada para letras ampliadas e auxílios ópticos (lente, lupas de mão ou de mesa, lente
telescópica e outros). Sempre que o professor identificar a necessidade de complementar o
ensino ministrado em sala de aula, deve ser oferecida a complementação curricular específica.
No entanto, a adoção dessas estratégias e a utilização dos recursos didáticos
específicos ora mencionados, devem ser constantemente avaliados. Nesse sentido, Martínez
(1995, p. 74) tece a seguinte crítica:
O desenvolvimento de técnicas, estratégias, métodos e inclusive de
instrumentos para compensar as deficiências específicas não tem sido
acompanhado realmente, na prática, de uma representação da pessoa com
deficiência que inclua suas possibilidades de realização, produtividade e
criatividade.
Como em todo processo educacional, durante o processo de ensino-aprendizagem do
aluno cego ou com baixa visão, vão surgir as dificuldades de aprendizagem. Assim como
ocorre com o aluno que tem visão normal, algumas dessas dificuldades podem ser resolvidas
no desenrolar do trabalho pedagógico, outras podem indicar a necessidade do uso de recursos
especiais para sua solução.
Nesse sentido, adaptações curriculares constituem-se em possibilidades educacionais
de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos educandos e devem ser realizadas sempre
que necessárias, com o intuito de tornar o ensino apropriado às particularidades dos alunos
6
Atividades desempenhadas rotineiramente, dia a dia, pela própria pessoa, seja no lar ou fora dele.
7
Habilidade que a pessoa cega possui de se movimentar de um lugar para outro, utilizando-se de técnicas
específicas e dos sentidos remanescentes.
74
com necessidades especiais. Um novo currículo não deve ser elaborado, contudo, o mesmo
currículo previsto deve ser passível de adaptação e/ou ampliação. Deve possuir um caráter
dinâmico e flexível, no sentido de atender realmente a todos os alunos. Para tanto, as
adaptações curriculares implicam a planificação pedagógica de ações docentes fundamentadas
em critérios que definem:
y o que o aluno deve aprender;
y como e quando aprender;
y que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de
aprendizagem;
y e como e quando avaliar o aluno.
Assim como acontece em outros tipos de deficiência, para que o aluno com deficiência
visual possa participar integralmente das atividades propostas no ambiente inclusivo, rico de
oportunidades educacionais, com resultados favoráveis, alguns aspectos precisam ser
considerados, especialmente:
y A preparação e a dedicação da equipe educacional;
y O apoio adequado de recursos especializados, quando forem necessários;
y As adaptações curriculares e de acesso ao currículo;
y A existência de alguns elementos curriculares que facilitam o atendimento das
necessidades educacionais especiais dos alunos.
Tais elementos podem ser assim denominados (BRASIL, 2000a):
1. Flexibilidade: a não obrigatoriedade de que todos os alunos atinjam o mesmo grau de
abstração ou de conhecimento num tempo determinado.
2. Acomodação: a consideração de que, ao planejar atividades para uma turma, deve-se levar
em conta a presença de alunos com necessidades especiais e contemplá-los na programação.
3. Trabalho simultâneo, cooperativo e participativo: entendido coma a participação dos
alunos com necessidades especiais nas atividades desenvolvidas pelos demais colegas;
embora não o façam com a mesma intensidade, nem necessariamente de igual modo ou com o
mesmo grau de abstração.
As adaptações curriculares apóiam-se nesses pressupostos para, além de atender às
necessidades educacionais especiais dos alunos, estabelecer uma relação harmônica entre
essas necessidades e a programação curricular. Devem ser destinadas aos que necessitam de
serviços e/ou situações especiais de educação realizando-se preferencialmente, em ambiente
menos limitado e pelo menor período de tempo, de modo a favorecer a promoção do aluno.
75
Ceder a essas adaptações requer a compreensão de currículo como um instrumento,
que pode ser alterado para beneficiar o desenvolvimento pessoal, intelectual e social dos
alunos. Tais adaptações não envolvem somente o professor e o aluno, acontecem em todos os
níveis do projeto pedagógico, englobam todas as áreas da instituição, comprovando a sua
flexibilidade e transversalidade.
Em outras palavras, como sugere Martínez (2006, p. 379) “[...] torna-se necessário o
delineamento de estratégias e ações intencionais para favorecer espaços
comunicativos/relacionais geradores de novas produções de sentido em relação à
aprendizagem e à deficiência”.
Esboçando um pensamento conclusivo desta parte do estudo, destaca-se que tudo o
que foi apresentado até aqui sobre a educação de pessoas com deficiência visual deve ser
analisado na dialética das relações que se estabelecem no espaço inclusivo, através do
confronto entre o “ideal inclusivo” e a prática de inclusão escolar. Nesse sentido, o terceiro
capítulo apresentará o caminho metodológico da investigação, descreverá as trilhas da
pesquisa que levarão à elaboração da teia de significados da inclusão para seus protagonistas.
76
CAPÍTULO III
O CAMINHO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO
Quando alguém pensa na cegueira como deficiência, normalmente enche-se de
compaixão. É difícil não sentir pena de alguém que passará sua vida “mergulhado na
escuridão”. São vários os pensamentos e sentimentos que se revelam em confronto com a
deficiência. E nesses casos, a curiosidade é muito comum. Deseja-se saber se a pessoa já
nasceu cega, qual a causa da cegueira, se é muito difícil para ela conviver com essa
deficiência, entre outros questionamentos. E, assim, na primeira oportunidade de iniciar uma
conversa com uma pessoa cega, procura-se logo um jeitinho de saciar essa curiosidade.
Na pesquisa científica essa curiosidade é extremamente importante; denominada de
curiosidade ingênua, ela se revela no desejo de conhecer o novo, de descobrir o desconhecido.
Gera no pesquisador a coragem de se aproximar do objeto de estudo pelo simples desejo de
revelar-lhe os sentidos. Aos poucos, essa curiosidade vai incorporando os elementos
científicos necessários à pesquisa e se transforma numa curiosidade epistemológica.
O presente estudo que investiga acerca dos desafios da convivência da pessoa cega no
espaço educacional inclusivo, também, passou por esse processo de amadurecimento
científico. No ventre da curiosidade ingênua foram se gerando os primeiros questionamentos:
quem são essas pessoas chamadas deficientes visuais? Por que são considerados “diferentes”?
Quais são suas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem?
Aos poucos, submetidos ao rigor metodológico da pesquisa, esses questionamentos
deram lugar às questões norteadoras da pesquisa: Que imagem o cego tem de si mesmo?
Quais os sentidos da inclusão escolar segundo os sujeitos desse processo? Como se
caracteriza o ambiente educacional inclusivo? Que aspectos importantes demarcam a
convivência da pessoa com deficiência visual no espaço educacional inclusivo? A partir daí,
cada um desses questionamentos apresentava-se como um enigma a ser desvendado.
77
Norbert Elias (1999, p.17) adverte que “ao procurarmos alargar a nossa compreensão
dos processos humanos e sociais e adquirir uma base crescente de conhecimentos mais sólidos
acerca desses processos [...] confrontamo-nos com uma tarefa semelhante de emancipação”.
Nesse sentido, na intenção de alargar nossa compreensão sobre a inclusão escolar enquanto
fenômeno humano e social faz-se necessário entendê-la na dialética da cultura em que está
inserida, considerando cultura como “sistema de significados mediadores entre as estruturas
sociais e a ação humana” (MATTOS, 2001, p.2).
Nesse contexto, o presente estudo de caso etnográfico teve como objetivo geral
investigar aspectos que demarcam a convivência da pessoa com deficiência visual no espaço
inclusivo e, para tanto, apresentou os seguintes objetivos específicos: revelar a imagem que o
cego tem de si mesmo; analisar os sentidos da inclusão escolar segundo os sujeitos desse
processo; caracterizar o ambiente educacional inclusivo, realçando as relações interpessoais
entre os sujeitos e identificar os aspectos que demarcam a convivência do deficiente visual no
espaço educacional inclusivo.
Levando-se em conta a multidimensionalidade do fenômeno, a opção pelo método
etnográfico deu-se pela intenção de se estabelecer um diálogo com a comunidade, no sentido
de revelar valores, hábitos, crenças e práticas sociais que demarcam a convivência no espaço
educacional inclusivo. Segundo Mattos (2001, p. 2), a etnografia “[...] estuda
preponderantemente os padrões mais previsíveis do pensamento e comportamento humanos
manifestos em sua rotina diária”, portanto, do ponto de vista etnográfico, não há como
identificar os desafios da convivência do deficiente visual no espaço educacional inclusivo
sem uma observação sistemática das relações que se estabelecem no cotidiano da pessoa cega,
tanto no ambiente inclusivo como em eventos menos previsíveis e mais facilmente
manifestados entre seus pares.
Com vistas a uma melhor compreensão dos procedimentos de pesquisa adotados, as
etapas da investigação são assim distribuídas: aportes teórico-conceituais e metodológicos da
etnografia, seleção da unidade social representativa, definição dos sujeitos da pesquisa e,
finalmente, descrição do acesso ao espaço investigado e da aplicação dos instrumentos de
coleta de dados. A definição das categorias de análise e os resultados da pesquisa são
apresentados no capítulo seguinte.
78
3.1 Aportes teórico-conceituais e metodológicos da pesquisa
Segundo Van Lier (1988), a etnografia é baseada nos princípios holístico e êmico. O
princípio holístico garante ao etnógrafo a realização de descrições completas e que levam em
conta todo o sistema de relações sociais e os padrões culturais do grupo em estudo; o êmico,
viabilizado pela observação participante, incorpora perspectivas e interpretações quanto a
condutas, eventos e situações do grupo observado, a partir da ótica dos membros desse grupo.
Nessa perspectiva, o princípio holístico deste estudo estabeleceu-se na análise dos
padrões culturais que delinearam a história da deficiência e que têm definido socialmente o
autoconceito da pessoa com deficiência e seu papel social. Quanto ao princípio êmico, a
observação participante foi essencial, pois possibilitou o estreitamento das relações entre
pesquisadora e os sujeitos pesquisados através da análise presencial do cotidiano escolar do
deficiente visual, ora na escola especial, ora na escola inclusiva, tornando-se, pois,
indispensável contar a história da escolarização da pessoa cega do ponto de vista do próprio
indivíduo que vivencia essa experiência.
Na etnografia, a observação participante proporciona um momento singular de relação
face a face entre observador e observados (sujeitos), momento em que o pesquisador participa
da vida dos sujeitos e do seu cenário natural. Fazendo parte do contexto sob observação, o
pesquisador o modifica e acaba sendo modificado por ele (LOPES, 2004).
Por conseguinte, o contato próximo e permanente da pesquisadora com os sujeitos
pesquisados (alunos, professores, funcionários e membros da comunidade pesquisada, com
visão normal ou deficientes visuais), possibilitou a identificação de crenças básicas, medos,
esperanças e expectativas dessas pessoas. Essa identificação oportunizou um maior
conhecimento sobre a cultura ou sub-cultura desses sujeitos (HAMMERSLEY; ATKINSON,
1983).
A abordagem etnográfica permitiu também, de forma interpretativa, desvelar “[...]
significados ocultos pelo comportamento manifesto na medida em que, focalizando o aparente
e o visível busca atingir o implícito, invisível” (LIMA, 1996, p.66). Portanto,
A opção por esta técnica justifica-se pela própria natureza da investigação,
na medida em que, para se obter um entendimento mais acurado dos eventos,
sentimentos, valores e significados mais profundos da comunidade, há
exigências práticas de procedimento do investigador, e de informações a
serem obtidas (LIMA, 1996, p. 67).
79
Entre essas exigências práticas mencionadas por Lima (1996), está o estabelecimento e
manutenção dos limites de envolvimento do pesquisador com os sujeitos pesquisados. No
caso particular desta pesquisa, a imediata empatia que se estabeleceu durante a observação
participante exigiu da pesquisadora um maior cuidado na manutenção desses limites.
Em três situações distintas, uma no ensino fundamental e outras duas no ensino
superior, a pesquisadora detectou em sala de aula, um aluno com deficiência visual. As
emoções, a curiosidade, o desejo de ajudar, os impasses, os limites e as frustrações
decorrentes da condução do processo de ensino desses alunos, experiências vividas na prática
docente e revividas na pesquisa, embora tenham constituído elemento desafiador da pesquisa,
também se configuravam em elemento motivador de conflitos internos, principalmente,
durante a análise da relação dialógica entre teoria e a prática da inclusão escolar. Acerca
desses conflitos internos, André (1995, p. 59, grifos da autora) esclarece que “para
desenvolver um estudo de caso ‘qualitativo’ o pesquisador precisa antes de tudo ter uma
enorme tolerância à ambigüidade, isto é, saber conviver com as dúvidas e incertezas que são
inerentes a essa abordagem de pesquisa”. Felizmente, em meio a toda essa ambigüidade, à
medida que as dúvidas iam sendo submetidas ao rigor científico de análise, os resultados da
pesquisa iam sendo enriquecidos.
Levando-se em consideração a multidimensionalidade do objeto a ser estudado, optou-
se pela realização de um estudo de caso etnográfico e, a seguir, fez-se a seleção de uma
unidade social representativa do fenômeno.
De acordo com Merriam (1988), os estudos de caso estão mais preocupados com a
descrição e compreensão do fenômeno do que com resultados comportamentais. Para Stake
(1985), decidir por sua utilização é assumir a intenção de entender um caso particular levando
em conta seu contexto e sua complexidade; e essa seria uma decisão muito mais
epistemológica do que metodológica, pois o pesquisador não deve utilizar o estudo de caso
etnográfico sem a compreensão mínima dos critérios que tornam pertinente a sua aplicação.
A capacidade heurística dos estudos de caso também se apresentou como uma
vantagem quanto a sua adoção. Segundo André (1995), a apresentação de conhecimentos que
clarifiquem ao leitor os vários sentidos do fenômeno estudado, pode levá-lo a descobrir novas
significações, a estabelecer novas relações e a ampliar suas experiências no sentido de
formular hipóteses que poderão servir para estruturar futuras pesquisas e promover,
conseqüentemente, a construção de novas teorias e o avanço do conhecimento na área.
80
Yin (1994) ressalta, também, o investimento pessoal que o estudo de caso exige do
pesquisador de abordagem etnográfica. Ao optar pelo estudo de caso, o pesquisador enfrenta
demandas, do ponto de vista intelectual, pessoal e emocional, bem maiores do que as exigidas
em outras estratégias de pesquisa, o que reforça a viabilidade dessa vertente metodológica
para apoiar o desenvolvimento do presente estudo.
Muitas vantagens foram consideradas na decisão pelo estudo de caso etnográfico. Um
desses benefícios encontra-se no esquema de trabalho aberto e flexível em que não existem
normas prontas. Esse aspecto representou um desafio para a pesquisadora e, ao mesmo tempo,
a fez sentir-se à vontade diante do novo, do imprevisto, pois trabalhar em condições pouco
estruturadas aguçou sua curiosidade epistemológica, ou seja, aquela que exige um estudo
crítico e científico dos princípios e manifestações do fenômeno estudado. Portanto, houve um
crescimento pessoal, um amadurecimento da pesquisadora no que se refere à compreensão do
ato de pesquisar.
Quando Mattos (2001) diz que a etnografia se preocupa com uma análise holística ou
dialética da cultura entendida; introduz ativamente os atores sociais na realidade, numa ação
dinâmica e modificadora das estruturas sociais, e preocupa-se em revelar as relações e
interações significativas de modo a desenvolver a reflexividade sobre a ação de pesquisar; ela
ressalta o quanto essa metodologia de pesquisa contribui para o amadurecimento do
pesquisador.
No caso específico desta pesquisa, a etnografia subsidiou reflexões em todas as
dimensões ressaltadas por Mattos (2001). A pesquisadora, diante da complexidade das
análises propostas pelo estudo etnográfico e do esforço para compreender dialeticamente o
fenômeno, através de sua inserção no espaço cultural em estudo, pôde perceber a importância
da pesquisa enquanto ação dinâmica e modificadora das estruturas sociais.
Embora o objetivo desse tópico tenha sido o de apresentar os aportes teórico-
conceituais e metodológicos que fundamentaram esta pesquisa etnográfica, o caminho
metodológico da investigação foi-se revelando à medida que os procedimentos de acesso ao
universo sócio-cultural em estudo foram sendo descritos e possibilitaram a descrição dos
valores, hábitos, crenças e práticas sociais do universo inclusivo, expressos nas falas, nos
gestos e nas emoções de seus protagonistas.
81
3.2 Os procedimentos de pesquisa
Neste espaço serão detalhados os procedimentos de pesquisa. Cada etapa da
investigação, numa perspectiva dialógica, configurou-se em um exercício de encontro e de
escuta. Compreendendo que a educação aglutina diferentes signos culturais, pretende-se que
este trabalho sobre os desafios da convivência do deficiente visual no espaço educacional
inclusivo, venha a contribuir de forma significativa para outros estudos do homem, sua cultura
e suas práticas sociais. Após as etapas de identificação do problema, delimitação do tema,
levantamento dos objetivos de pesquisa e fundamentação teórica sobre a temática em estudo,
a próxima etapa é a de seleção de uma unidade social representativa.
3.2.1 Seleção de uma unidade social representativa
Uma das etapas mais difíceis do caminho metodológico de investigação é o momento
de seleção de uma unidade social representativa do fenômeno. Segundo André (1995, p. 31),
O interesse do pesquisador ao selecionar uma determinada unidade é
compreendê-la como uma unidade. Isso não impede, no entanto, que ele
esteja atento ao seu contexto e às suas inter-relações como um todo orgânico,
e à sua dinâmica como um processo, uma unidade em ação.
Tomando como tema “Os desafios da convivência do deficiente visual no espaço
educacional inclusivo”, a dinâmica das relações que se estabelecem na escola inclusiva,
enquanto espaço de convivência na diversidade, define-se como objeto deste estudo. Nessa
perspectiva, escolher uma escola da rede regular que inclui alunos com deficiência visual
como unidade social representativa daria conta de descrever as práticas pedagógicas de
inclusão escolar e as relações que se estabelecem nesse contexto.
Entretanto, as primeiras observações feitas, ainda numa fase exploratória,
demonstraram que a escola especial de atendimento específico à deficiência visual deveria ser
incluída nessa unidade social representativa. Seria necessário, então, delimitar esse campo de
pesquisa sem comprometer a natureza etnográfica da investigação.
82
Desse modo, a unidade social representativa foi constituída pela Associação dos Cegos
do Piauí (ACEP), onde funciona uma escola especial para cegos, o Centro de Habilitação e
Reabilitação dos Cegos (CHARCE); e pela Unidade Escolar “Nair Gonçalves”, escola da rede
pública municipal que recebe alunos com deficiência visual em classes de inclusão. A
localização e a proximidade das duas instituições, ambas localizadas no Bairro São Pedro,
além de garantir que não houvesse descaracterização do estudo de caso etnográfico, só veio a
enriquecer a análise das múltiplas variáveis do fenômeno, numa dinâmica que se amplia do
espaço inclusivo à escola especial.
Outro fator significativo foi o reconhecimento do importante papel da Associação dos
Cegos do Piauí para as pessoas com deficiência visual. Percebeu-se que a ACEP vem se
configurando, ao longo do tempo, em um espaço familiar e acolhedor para as pessoas com
deficiência visual; constituindo, portanto, ambiente seguro, no momento em que as atividades
realizadas nesta instituição possibilitam a essas pessoas relacionar-se com seus pares,
provocando-lhes uma sensação de segurança e confiança.
Por esse motivo, considerou-se a ACEP (incluídos o Centro de Habilitação e
Reabilitação dos Cegos (CHARCE) e a Unidade Escolar Tia Graça Nery como espaços
institucionais de pesquisa) numa perspectiva macrossocial e a U.E. “Nair Gonçalves” como
unidade microssocial de pesquisa.
Na ACEP, o estudo de caso possibilitou retratar situações do cotidiano da instituição e
dos espaços institucionais de pesquisa que a constituem, assim como as relações estabelecidas
entre os membros da ACEP, de modo a compreender a complexidade e a dinâmica natural
desses contextos. Na Unidade Escolar “Nair Gonçalves”, observou-se sua dinâmica associado
à vantagem de que os alunos, sujeitos da pesquisa, além de estarem incluídos naquela escola
regular, recebem apoio pedagógico específico do CHARCE na ACEP.
3.2.2 Definição dos sujeitos da pesquisa
De acordo com o plano inicial de trabalho, os sujeitos da pesquisa seriam: uma
diretora, uma pedagoga, dez alunos e seis professores da Unidade Escolar “Nair Gonçalves”;
um diretor, uma coordenadora pedagógica e seis professores do CHARCE; num total de 26
(vinte e seis) entrevistados. Entre os alunos pesquisados, todos deficientes visuais (oito cegos
ou dois com baixa visão), cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino, com faixa etária
83
entre 10 e 63 anos, todos cursando o Ensino Fundamental, sendo seis de 2ª série, três de 3ª
série e um de 4ª série.
No entanto, como descreve André (1995), o plano de trabalho na pesquisa etnográfica
é aberto e flexível. À medida que os fundamentos teóricos foram sendo repensados, os focos
da investigação foram sendo revistos e chegou-se à conclusão que todos os membros da
unidade social representativa constituíam, direta ou indiretamente, os sujeitos da pesquisa. Na
busca de novos conceitos, novas relações e novas formas de entendimento da realidade, o
etnógrafo faz uso de grande quantidade de dados descritivos que envolvem pessoas,
ambientes, situações, depoimentos, diálogos que são textualmente reconstruídos por ele.
Conseqüentemente, os sujeitos pesquisados não podem se limitar aos entrevistados. Todos
passam a ser observados: o corpo administrativo, técnico e pedagógico das instituições,
alunos, professores, pais de alunos, visitantes, acompanhantes de alunos, membros da ACEP,
membros da comunidade do bairro São Pedro (onde se localizam as instituições) e outros.
Portanto, o plano de trabalho foi sofrendo as devidas alterações e, finalmente, a
caracterização dos sujeitos pesquisados se definiu a partir dos registros de falas e do grau de
envolvimento desses sujeitos nos eventos relacionados ao fenômeno que foram analisados e
descritos na pesquisa. Ou seja, foram eleitos como sujeitos da pesquisa aqueles cujos registros
de fala estão transcritos neste relatório, de forma direta ou indireta, e/ou aqueles cujas ações
estão descritas como eventos relevantes ao estudo do fenômeno.
3.2.3 Descrição do acesso ao espaço investigado e da aplicação dos instrumentos
de coleta de dados
Segundo Moura Filho (2000), a abordagem utilizada pelo etnógrafo para o acesso ao
grupo que ele pretende pesquisar influencia diretamente na qualidade dos dados que serão
coletados. Ele faz referência a Burgess (1991) quando ressalta a importância dos pontos de
contato que o pesquisador estabelece com a instituição pesquisada e sugere que, no caso de
instituições escolares, devem-se usar diferentes abordagens, de acordo com as posições que as
pessoas ocupam na escola.
Esses primeiros contatos são essencialmente importantes, não sendo, portanto uma
tarefa fácil, sobretudo em instituições públicas. Nesse caso, como sugerem Hammersley e
Atkinson (1983), o etnógrafo deve descobrir a quem recorrer para solicitar a permissão de
84
acesso. Ele deve identificar os mediadores, aqueles sujeitos culturais que têm o poder de
facilitar ou obstruir a realização da pesquisa.
Foto nº 05 – Presidente da ACEP (PI) – 2006/2007
Fonte: acervo da autora, 2006.
O presidente da ACEP (Foto nº 05) foi o primeiro contato estabelecido na instituição.
Ele tornou-se o mediador, conforme mencionado por Hammersley e Atkinson (1983).
Coincidentemente, na ocasião desse primeiro contato, acontecia um encontro pedagógico do
CHARCE. Depois das primeiras explicações ao presidente sobre a natureza e os objetivos da
pesquisa que se pretendia realizar, seguiu-se o convite para que a pesquisadora pudesse
participar do encontro pedagógico que se realizava. O presidente da ACEP fez uso da palavra
de abertura do evento e imediatamente apresentou a pesquisadora ao corpo docente do
CHARCE e aos convidados presentes, dando-lhe a oportunidade de expor oralmente o tema e
os objetivos de sua pesquisa e de convidar a todos a colaborar com a investigação. Houve uma
calorosa manifestação de apoio por parte dos presentes.
Durante o evento, notou-se a presença de vários rostos familiares (de ex-alunos da
pesquisadora, de ex-colegas da turma de graduação, e de ex-colegas de trabalho), tanto
compondo o corpo docente, como fazendo parte do corpo administrativo e pedagógico da
instituição. Entre estes estavam dois ex-alunos deficientes visuais. O fato de já conhecer essas
pessoas em contextos de sala de aula, em que se pode construir na relação professor-aluno
vínculos afetivos de respeito, amizade e consideração, foi um grande facilitador do acesso à
pesquisa.
Em outra ocasião, foi feita uma visita às instalações da ACEP, na companhia de seu
secretário, que explicava sobre os serviços oferecidos pela associação e explicava o quadro
administrativo e funcional da instituição. Além da ACEP, visitou-se também o CHARCE
(escola especial) e a Unidade Escolar “Tia Graça Nery” (pré-escola).
85
A partir daí, não houve nenhuma restrição à presença da pesquisadora nos ambientes
da ACEP. As visitas constantes, observações, entrevistas e conversas informais nos
corredores, na sala dos professores, ou nas salas de aula, acabaram se tornando parte da rotina
etnográfica durante os meses de realização da pesquisa.
Foto nº 06 – Entrevista
Fonte: acervo da autora, 2006.
Faz-se necessário dizer que, inicialmente, notou-se certo descrédito por parte de
alguns sujeitos pesquisados, quanto às possíveis contribuições da pesquisa para a instituição.
Alguns comentaram que outras pesquisas já realizadas na ACEP não trouxeram nenhum
benefício e que a instituição sequer teve acesso à redação final do trabalho de pesquisa
realizado. Muitos apelaram para que esse fato não se repetisse com esta pesquisa.
O primeiro contato com a Unidade Escolar “Nair Gonçalves” foi igualmente positivo.
Naquela instituição também existiam ex-alunas da pesquisadora (do Curso de Pedagogia).
Houve acolhimento, mas a recepção não foi tão entusiasta como na ACEP. Alguns
professores, funcionários e alguns membros do corpo pedagógico mostraram-se reticentes
com a presença de uma pesquisadora na instituição. Contudo, o acesso à escola, aos
documentos de alunos, às salas de aula e a participação em reuniões e festividades foi
facilitado sem problemas. A resistência inicial foi logo superada.
A estratégia utilizada para a superação dessa resistência foi o estabelecimento de uma
boa comunicação. Segundo Merriam (1988, p.39), “uma pessoa comunicativa é empática com
os informantes, estabelece rapport, faz boas perguntas e ouve atentamente”. A atitude que a
pesquisadora teve de compartilhar abertamente suas dificuldades de sala de aula vivenciadas
na inclusão de alunos cegos, a demonstração de possuir embasamento teórico adquirido no
exercício da docência da disciplina Educação Especial, e, principalmente, a empatia que
demonstrou ter estabelecido com a temática foi muito útil nas conversas e negociações e para
o estabelecimento de um clima de confiança fundamental na realização das entrevistas.
86
Durante um período de seis meses realizou-se uma intensa observação das unidades
macro e microssociais, período em que também foram aplicadas entrevistas e registrados
através de fotografias, eventos do cotidiano das instituições.
Contudo, a pesquisa de campo envolveu técnicas e procedimentos que exigiram uma
rígida seleção das prioridades a serem observadas e analisadas. Não houve, portanto,
definição prévia dos elementos que seriam observados. Na verdade, tais elementos foram
surgindo durante o desenvolvimento do trabalho de campo. A esse movimento da pesquisa
Hammersley e Atkinson (1983) chama de “hipóteses progressivas”, pois a cada momento de
reflexão sobre os dados, as hipóteses podem sofrer uma reelaboração, numa dinâmica bem
característica da pesquisa etnográfica.
No caso desta pesquisa foram utilizados como instrumentos de coleta de dados: a
observação participante e a entrevista. Como uma das características da pesquisa etnográfica,
considerada naturalista, é que os eventos, as pessoas e as situações devem ser observados em
sua manifestação natural, ou seja, sem a pretensão de mudar o ambiente; a observação
participante possibilitou à pesquisadora aproximar-se dos eventos, pessoas e situações, num
grau de interação bastante intenso. Desse modo, foi impossível passar despercebida ou
permanecer alheia aos acontecimentos. Constantemente, a pesquisadora era abordada pelos
sujeitos pesquisados que ora buscavam orientações, ora compartilhavam seus anseios e
frustrações.
Com extremo cuidado em resguardar a manifestação natural do fenômeno, a
pesquisadora não se negou a contribuir de forma indireta na realização de alguns projetos
como: ornamentação do pátio e participação em oficinas de arte educação com os alunos da
Unidade Escolar “Tia Graça Nery”; participação em oficinas de confecção de recursos
didáticos específicos para deficientes visuais e participação na programação do Dia das Mães
da Unidade Escolar “Nair Gonçalves”.
A observação participante possibilitou uma maior apreensão das relações que se
estabelecem no cotidiano das pessoas com deficiência visual. E, para tanto, foram observados
vários eventos ocorridos nas instituições tomadas como unidade social representativa.
À medida que a investigação foi se desenvolvendo, a pesquisadora foi definindo uma
rotina para sua permanência em campo e foram sendo criados pontos de apoio. O tempo de
observação foi então dividido entre as instituições componentes da unidade de estudo e a
pesquisadora buscou movimentar-se conduzida pelo relacionamento com as pessoas, pela
dinâmica do cotidiano, pelas regras e rotina do local, sem perder de vista os objetivos da
pesquisa.
87
O duplo processo de observação e interpretação abriu a possibilidade de um diálogo
mais significativo com a teoria. Mas isso só foi possível graças ao esforço extremo de
registrar tudo em notas de campo, mesmo os eventos que à primeira vista não apresentavam
um sentido, uma lógica ou uma identificação com o objeto de pesquisa.
As entrevistas realizadas foram do tipo semi-estruturada. Por sua natureza reflexiva,
“em diferentes ocasiões ou em diferentes pontos da mesma entrevista a abordagem pode ser
mais ou menos direcionada” dependendo da função a que as questões se destinaram
(HAMMERSLEY; ATKINSON, 1983, p.113).
A importância da plasticidade estrutural da entrevista etnográfica, que antes provocou
uma sensação de instabilidade, foi surpreendendo a pesquisadora à medida que as entrevistas
iam sendo feitas, pois as concepções e os sentimentos dos entrevistados iam dando margem a
outros questionamentos relevantes para a análise do fenômeno em estudo, revelando
elementos não previstos pela pesquisadora.
Além das entrevistas, foram considerados os registros de fala de conversas informais e
de relatos de experiência, assim como, os registros fotográficos de situações diversas do
cotidiano dos sujeitos pesquisados.
Tanto na ACEP, como na U.E. “Nair Gonçalves”, além das instalações físicas e
aspectos relacionados à acessibilidade das pessoas com deficiência visual (existência ou não
de rampas, banheiros adaptados etc), foram observados os serviços oferecidos por cada
instituição, a forma como esses serviços estão sendo operacionalizados e as relações que se
estabelecem nesses processos.
Mais especificamente na creche “Tia Graça Nery” na U.E. “Nair Gonçalves”, como
escolas inclusivas, além dos aspectos já mencionados, foram observados também a
metodologia adotada, os recursos didáticos utilizados, a condução do currículo escolar, a
postura do professor quanto ao tratamento dado ao deficiente visual, as relações
professor/aluno e aluno/aluno; e o comportamento, desempenho e principais dificuldades do
deficiente visual na realização das atividades escolares.
Como norteador do trabalho etnográfico, buscou-se atender ao princípio ético em todo
o processo de investigação. Segundo Fetterman (1998), é característico da pesquisa
etnográfica o cuidado que o(a) etnógrafo(a) deve ter a fim de não causar danos aos indivíduos
ou às comunidades que estuda. Ao caminhar em busca da compreensão de uma cultura que
não lhe é familiar, o(a) etnógrafo(a) deve tomar cuidado de não ofender os sentimentos dos
membros daquela cultura ou dessacralizar valores da cultura em estudo, demonstrando com
isso respeito, admiração e estima pelo modo de vida das pessoas (MOURA FILHO, 2000).
88
Ainda com vistas a assegurar os padrões éticos da pesquisa científica, foi elaborado
um “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, documento onde constam: a descrição
geral da pesquisa e seus objetivos; esclarecimentos sobre os procedimentos adotados pela
pesquisadora para a realização do estudo, o qual sendo aprovado foi assinado por cada sujeito
da pesquisa, assegurando sua livre participação no estudo realizado e autorizando, inclusive, a
publicação dos resultados encontrados.
Estabelecidas as relações de confiança e espontaneidade entre pesquisadora e
pesquisados, tomadas às devidas medidas para assegurar a comprovação de consentimento
livre dos sujeitos, as entrevistas se estabeleceram em clima “[...] de amizade, identificação e
cordialidade” (RICHARDSON, 1999, p. 218).
Todos os sujeitos foram extremamente receptivos às entrevistas e aos registros
fotográficos, contudo, durante as observações em sala de aula, como era de se esperar, notou-
se por parte de alguns professores certo constrangimento e incômodo por estarem sendo
observados. No geral, entretanto, as observações foram extremamente satisfatórias.
3.2.4 Definição das categorias de análise e resultados da pesquisa
No que se refere ao momento da escrita etnográfica de registro do relatório final da
pesquisa, buscou-se em sua elaboração, manter a atenção voltada para a percepção de detalhes
e fragmentos significativos, sem, contudo perder a visão do todo orgânico. E o esmero que foi
necessário nesse momento da pesquisa etnográfica, somado aos demais, certamente acabou se
tornando mais um elemento reforçador da escolha por essa metodologia.
Embora se trate de uma prática extremamente difícil, a investigação de abordagem
etnográfica ao contrário de ser aqui entendida como desvantajosa, foi de valor inestimável na
promoção de amadurecimento pessoal e profissional da pesquisadora. Ao intentar descrever
de forma “densa” o fenômeno estudado reforçou-se a importância de considerar
significativamente as experiências e vivências dos indivíduos e dos grupos envolvidos no
cotidiano inclusivo. Nessa perspectiva, resgatando o sentido etimológico de etnografia, o que
de fato se buscou com a adoção dessa metodologia, foi a “descrição cultural” da inclusão
escolar de pessoas com deficiência visual, com vistas a enriquecer e favorecer a investigação
científica sobre a temática.
89
O projeto inicial do trabalho de campo, fruto de uma construção simbólica
preconcebida, foi sofrendo uma metamorfose natural. As evidências no campo, com suas
contradições e revelações, foram desafiadoras no confronto com as pretensões iniciais.
Aos poucos, foram se esboçando os esquemas interpretativos. Num processo
extremamente fecundo, as categorias de análise foram desabrochando. Na dialógica desse
processo, se definiram as seguintes categorias de análise: Categoria 01 - Como o cego se vê;
Categoria 02 - Os sentidos da inclusão escolar; Categoria 03 - Escola especial e a escola
inclusiva: dois caminhos e uma direção.
Contudo, convém lembrar que o processo de análise não se iniciou a partir dessa
definição. Como já mencionado, as leituras analíticas do fenômeno aconteceram
simultaneamente ao cotejamento das hipóteses. À medida que os dados iam sendo
imediatamente submetidos à interpretação é que foram surgindo as matrizes de leitura
analítica dos registros de campo.
Nesse sentido, para uma melhor compreensão e análise dos dados da pesquisa que
estão descritos no Capítulo V, intitulado “Os desafios da convivência no espaço educacional
inclusivo”, fez-se necessário uma descrição sociocultural da comunidade em estudo, que será
o conteúdo do próximo capítulo.
90
CAPÍTULO IV
DESCRIÇÃO SOCIOCULTURAL DA COMUNIDADE
Considerando a extrema complexidade que envolve a dinâmica das múltiplas relações
estabelecidas em uma determinada comunidade, intentar descrevê-la em suas dimensões
social e cultural constitui um enorme desafio. Como afirma Ferri (2001, p.25), não se trata de
“[...] fazer uma fotografia rica de detalhes, mas reconhecer que a vida em grupo é um fluxo
dinâmico marcado por um processo cheio de oscilações, ambigüidades e incongruências”.
Conseqüentemente, tal intento pressupõe a descoberta de elementos sociais e culturais
que lhe são mais significativos: o próprio meio, as condições de vida, os valores sociais,
culturais, educacionais, as tradições, os ideais religiosos, princípios morais, entre outros
(LIMA, 1996). Exige, portanto, observação sistemática e descrição detalhada do cotidiano da
comunidade em estudo, no sentido de identificar suas idéias individuais e coletivas, ou seja, o
modo de ver e de agir da comunidade em referência.
Nessa perspectiva, a seleção da unidade social representativa de um estudo de caso
etnográfico deve atender a algumas especificidades. No caso deste estudo sobre os desafios da
convivência da pessoa com deficiência visual no espaço educacional inclusivo, essas foram as
especificidades que deram representatividade à unidade social composta pela Associação dos
Cegos do Piauí (ACEP-PI) e pela Unidade Escolar “Nair Gonçalves”, ambas sediadas no
Bairro São Pedro:
1. A unidade selecionada concentrava um número significativo de pessoas com
deficiência visual sendo atendidas pela educação inclusiva;
2. O locus da pesquisa constituía ambiente natural de vivência e convivência dos sujeitos
pesquisados, ou seja, ambiente rico de interações e atuações de pessoas com
deficiência visual em situações de inclusão, ou seja, de trabalho, lazer, estudo e
convivência com pessoas de visão normal;
91
3. A comunidade apresentou-se acessível à pesquisa, de modo a permitir a observação
de sua dinâmica diária, de seu cotidiano e, além disso, mostrou-se aberta a prestar
todas as informações necessárias à elucidação do fenômeno.
A delimitação foi possível no instante em que se considerou a ACEP (PI) numa
perspectiva macrossocial, e, como campo de pesquisa, numa perspectiva microssocial, tomou-
se a U.E. “Nair Gonçalves”. Ambas situam-se no bairro São Pedro, na zona Sul de Teresina
(PI), distantes uma da outra cerca de uma quadra. De modo que a descrição sociocultural da
comunidade não poderia ser feita sem considerar, numa perspectiva mais ampla, o bairro onde
as duas instituições se inserem.
4.1 Caracterização socioespacial do Bairro São Pedro
De acordo com o histórico desse bairro, seu povoamento aconteceu em torno da Igreja
de São Pedro, por isso recebeu o nome desse santo. Localizado no Centro de Teresina (PI),
limita-se ao norte com o bairro Vermelha, a leste com o rio Parnaíba, ao sul com o bairro
Tabuleta e a leste com o bairro Pio XII, como se pode observar no mapa e na foto abaixo:
Mapa nº 01 – Mapa dos Bairros Foto nº 07: Bairro São Pedro
Fonte: SEMPLAN, 2006 Fonte: Google Earth, 2006
92
A região ainda possui algumas áreas verdes, com árvores frutíferas e a vegetação
costeira do rio Parnaíba cobre o ambiente de um frescor natural que dá ao bairro uma imediata
simpatia, como se pode verificar nas fotos que se seguem.
Foto nº 08 – Árvores do Bairro São Pedro Foto nº 09 – Arborização do B. São Pedro
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Quanto aos aspectos demográficos do bairro, de acordo com os últimos dados
divulgados pela Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação (SEMPLAN),
apresentados no Gráfico nº 01, observa-se que houve uma significativa redução populacional,
no bairro São Pedro entre os anos de 1991 e 2000. Contudo a SEMPLAN não se posicionou
quanto às causas dessa diminuição. Atualmente, o bairro possui aproximadamente onze mil
habitantes.
Gráfico nº 01 – Evolução populacional do Bairro São Pedro
Fonte: SEMPLAN, 2000.
93
Sua vida sócio-econômica é definida por pequenos comércios, bares, restaurantes e
oficinas mecânicas; e lá funcionam ainda algumas olarias. O bairro possui uma lavanderia
comunitária, um hospital de pequeno porte (particular) que atende a pessoas da comunidade
local e de bairros vizinhos, supermercados; e nele se localiza o Centro Administrativo do
Governo do Piauí, complexo que abriga as secretarias de governo, órgãos e entidades da
administração pública, como ilustrado a seguir.
Foto nº 10 – Centro Administrativo
Fonte: acervo da autora, 2006.
Foto nº 11 – Restaurante Foto nº 12 – Igreja Metodista
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Foto nº 13 – Loja de Peças Foto nº 14 – Mercadinho
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
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Foto nº 15 – Panificadora Foto nº 16 – Frigorífico
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
As tradições culturais e o lazer do bairro se manifestam nas atividades religiosas
ocorridas anualmente em comemoração ao santo padroeiro do bairro, quando é muito
difundida a religião católica. Há mais de 50 anos, no dia 29 de junho, o Bairro São Pedro
realiza a procissão dos pescadores. Cerca de 400 pescadores e outras pessoas que não são da
comunidade também participam anualmente dessa procissão.
Foto nº 17 – Igreja Católica do Bairro São Pedro Foto nº 18 – Santuário da Igreja de São Pedro
Fonte: acervo da autora, 2006. Fonte: acervo da autora, 2006.
Para atender à demanda educacional, o bairro possui apenas três escolas de Educação
Infantil e quatro de Ensino Fundamental e Médio. Em parceria com empresas privadas, no
bairro se desenvolve também um programa de alfabetização de jovens e adultos, contando
com o apoio dos governos estadual e municipal. Percebe-se, no entanto, que essa estrutura
educacional não atende a demanda local, tanto no que se refere ao número de vagas, quanto
aos níveis de ensino oferecidos.
95
Segundo alguns de seus moradores, o bairro sofre com alguns problemas: a falta de
moradia digna para todos, a falta de “serviço” (desemprego), a prostituição, a violência, as
drogas (uso e tráfico), o analfabetismo etc. Problemas comuns a outras localidades que se
refletem na dinâmica do próprio bairro. Contudo, o bairro São Pedro ainda mostra-se
acolhedor, sobretudo para quem o freqüenta diurnamente.
Além da ACEP (PI), o bairro abriga a Associação dos Moradores do Bairro São Pedro,
a Associação Comunitária dos Moradores, o Clube de Mães e o Sindicato dos Empregados de
Empresas de Segurança, Vigilância e Transporte de valores do Estado do Piauí (SINDES-PI).
Como incentivo ao lazer e esporte, o bairro tem duas pracinhas (São Pedro I e II), e
dois campos de futebol. Por localizar-se numa área relativamente central da cidade de
Teresina, o bairro São Pedro, possui um bom sistema viário e de transporte. O bairro é cortado
por grandes avenidas como: Av. Maranhão, Av. Pedro Freitas e Av. Barão de Gurguéia, no
sentido norte-sul; e Av. Prof. Valter Alencar e Av. Gil Martins, no sentido leste-oeste.
Foto nº 19 – Av. Barão de Gurguéia Foto nº 20 – Ponto de ônibus
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Nas proximidades da ACEP, o fluxo de pessoas com deficiência visual deslocando-se
até a instituição provoca a curiosidade dos transeuntes, principalmente quando se observam as
dificuldades arquitetônicas que essas pessoas vivenciam no trajeto: calçadas altas ou sem
estrutura, cruzamentos, esgoto a céu aberto, entre outras.
Nesse sentido, embora o bairro abrigue o centro de decisões políticas do Governo do
Piauí (Centro Administrativo), as políticas de inclusão social das pessoas com deficiência
parecem não alcançar a ACEP e, entre outras dificuldades, algumas barreiras arquitetônicas
dos arredores e inclusive da própria instituição parecem passar despercebidas ao poder
público.
96
4.2 Associação dos Cegos do Piauí (ACEP – PI)
A Associação dos Cegos do Piauí foi criada no dia 21 de junho de 1967, graças à
iniciativa de um grupo de homens cegos que decidiram criar uma entidade que representasse
cuidasse dos interesses das pessoas cegas e/ou de baixa visão do Piauí.
A idéia de criação da ACEP surgiu numa conversa informal entre seus fundadores, na
Praça Saraiva. Os sócio-fundadores da Associação foram: o Deputado Estadual Abdon
Martins Nunes, o vereador Joel Barbosa Loureiro (falecido), os comerciantes Emanuel do
Bonfim Veloso (falecido) e Gerardo Nogueira Lima, o agricultor Sebastião Ferreira Soares.
Esses cinco homens contavam com o apoio do tabelião Eulálio Costa (falecido), como
conselheiro e amigo. Sebastião Ferreira Soares, ao relatar esse processo de fundação da ACEP
(PI), refere-se a Eulálio Costa como “pessoa de cabeça brilhante”.
A Associação dos Cegos do Piauí levou apenas seis meses para ser reconhecida como
utilidade pública municipal e estadual, graças à influência política de dois dos seus
fundadores o Deputado Abdon Martins Nunes e o Vereador Joel Barbosa Loureiro. O trabalho
inicial da ACEP (PI) foi organizar uma oficina de recuperação de colchões para que os
deficientes visuais pudessem trabalhar.
Os três primeiros anos de funcionamento da Associação foram muito difíceis. A
entidade era praticamente sustentada por Emanuel Veloso e Gerardo Nogueira. Sebastião
Ferreira conta que, quando chegavam jovens cegos a Teresina, vindos do interior, Emanuel
Veloso e Gerardo Nogueira assistiam esses jovens com roupas e alimentos. O débito com
essas compras deveria ser pago pela Associação, mas como a ACEP não tinha dinheiro,
acabavam se tornando uma doação dos dois comerciantes.
O então Governador Dirceu Mendes Arcoverde e o Ministro Reis Veloso, ajudaram na
liberação do projeto de construção e do projeto pedagógico da escola para cegos junto ao
Ministério da Educação. A professora Maria Zenóbia de Aguiar Rodrigues, que iniciou seu
trabalho na ACEP (PI) em 1974, e hoje, embora aposentada, presta serviços voluntários à
instituição, lembra com carinho dos primeiros anos de vida daquela casa:
Eles pensavam na escolaridade, mas não tinham se organizado com a Secretaria de
Educação...Quando começaram a tirar os alunos das oficinas e colocar na escola, aí
97
eles se conveniaram com as Secretarias Estadual e Municipal. Mas antes era
somente associação. Eles faziam oficinas, reuniões, festas juninas...Era um local de
encontro e reunião para reivindicarem seus direitos. Não tinha aula de Braille
ainda, e não tinha espaço e recursos materiais. Foi mais a vontade deles de
formarem a Associação.
A entidade funcionou, inicialmente em uma casa alugada, situada à Rua Barroso, nº
471, no Centro, ao lado do prédio da Companhia de Habitação do Piauí (COHAB - PI).
Fotos nº 21 e 22 – Local onde funcionou a 1ªsede da ACEP (PI)
Fonte: acervo da autora, 2006
A casa da Rua Barroso, onde funcionou a ACEP (PI), foi reformada e, como se
observa na foto, deu lugar a alguns pontos comerciais.
4.2.1 Missão, princípios e papel social
Segundo os atuais administradores da Associação dos Cegos, a missão da instituição
não é somente de atender assistencialmente a pessoa com deficiência visual, mas de lutar por
meios capazes de oportunizar as pessoas cegas, através da escola e do trabalho, condição de
demonstrarem suas potencialidades.
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Fotos nº 23 e 24 – Cartazes de divulgação da ACEP (PI)
Fonte: acervo da autora, 2006
Desde sua fundação, muitas pessoas com deficiência visual têm se deslocado de seus
locais de origem com destino à capital, em busca dos serviços oferecidos pela Associação dos
Cegos do Piauí. Essas pessoas vêm, inclusive, de outros estados do nordeste, em busca dos
resultados sociais advindos da Associação. Algumas dessas pessoas são testemunhas vivas
que aprovam a feliz iniciativa daqueles que se dedicaram à causa do cego e criaram a ACEP
(PI).
Entre as atividades desenvolvidas pela entidade, destacam-se a oferta de educação pré-
escolar inclusiva e de educação especial, serviços de habilitação e reabilitação e promoção de
atividades de esporte, lazer e cultura para pessoas cegas e com baixa visão. Esses serviços
constituem um complexo de ações promotoras da cidadania.
Na opinião de alguns membros da comunidade acepiana, os serviços oferecidos pela
ACEP (PI) são essenciais às pessoas com deficiência visual, conforme revelam os
depoimentos a seguir:
A associação dos cegos...ela foi e é uma redenção na habilitação e reabilitação escolar do aluno cego.
Porque aqui nós temos um verdadeiro shopping de serviços prestados ao aluno cego (PROFESSOR DO
CHARCE, EX-PRESIDENTE DA ACEP - CEGO)
Ela tem muita importância. Tudo que eu tenho eu agradeço a Associação. Eu estudei, aqui eu consegui
ser o que eu sou hoje (ALUNA DO CHARCE - CEGA)
Aqui se dá o inicio dá integração no mundo das letras. É aqui dentro da Associação dos Cegos [...] a
gente supera as dificuldades que temos ainda oriunda da sala lá fora, que é a questão da preparação de
material, onde nós vamos superar e ter acesso à leitura no sistema Braille (PROFESSOR DO
CHARCE, EX-MEMBRO DA DIRETORIA DA ACEP)
99
Analisando o percurso de funcionamento da instituição percebe-se como a ACEP (PI)
foi consolidando seu papel como representante de uma categoria: das pessoas com deficiência
visual. Desde a sua criação, a entidade tem lutado pela efetiva inclusão social dessas pessoas
através da garantia de seus direitos. Em ações organizadas e através de parcerias, a entidade
vem reivindicando seu espaço.
Hoje em dia, [...] a associação dos cegos é filiada a instituições nacionais [...] nós temos a FEBEC
(Federação Brasileira de Entidades de Cegos), a ABBEV (Associação Brasileira de Educadores
Deficientes Visuais) e a UBC (União Brasileira de Cegos). Existe um trabalho de maneira sutil dessas
entidades; [...] elas trabalham juntamente com as associações locais [...] e que tá fazendo com que a
sociedade veja o cego com outra ótica, por outro prisma. Pra você ter uma idéia aquela novela da rede
globo, ali foi um chamamento muito forte, e não sei se por causa da novela nós tivemos (esse ano vai
haver no Brasil) mais de 40 mil exemplares de livros impressos em Braille, e que não é o suficiente [...]
mas de qualquer maneira já é um sinal, já é uma demonstração de que os governos, obrigados por nós,
começam a nos escutar (PROFESSOR DO CHARCE, EX-PRESIDENTE DA ACEP - CEGO)
Em todos os depoimentos coletados é unânime o reconhecimento do relevante papel
da ACEP (PI) para o desenvolvimento profissional e pessoal das pessoas com deficiência
visual que freqüentam a instituição.
4.2.2 Ambiente físico e funcionamento
Foto nº 25 – Prédio da ACEP (PI) Foto nº 26 – Prédio da ACEP (PI) depois da reforma
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Atualmente, a Associação localiza-se à Rua Beneditinos, nº 537, no Bairro São Pedro,
em um prédio com cerca de 3.000 m² de área construída e possui um patrimônio que merece
ser destacado quando comparado ao de outras entidades do gênero. Contudo, logo na entrada
100
da instituição percebem-se algumas dificuldades arquitetônicas: calçada irregular, barra de
ferro do portão corrediço e desnível na passarela de acesso ao CHARCE e a creche.
Foto nº 27 – Portão de acesso à ACEP Foto nº 28 – Desnível na passarela
Fonte: acervo da autora 2006 Fonte: acervo da autora 2006
As instalações físicas estão distribuídas em três espaços bem distintos: a administração
da ACEP, o Centro de Habilitação e Reabilitação para Cegos (CHARCE) e a U. E. “Tia Graça
Nery”.
A ACEP, propriamente dita, possui uma área administrativa e as seguintes
dependências: auditório, gabinete médico para atendimento oftalmológico, sala de serviço
social, cozinha, refeitório, quadra desportiva, biblioteca, laboratório de informática, banheiros
(masculino e feminino) e outras dependências. Algumas dessas dependências são assim
caracterizadas:
101
Foto nº 29 – Auditório
Fonte: acervo da autora, 2006
O auditório é amplo. Nele acontecem os treinamentos, as reuniões e as festividades
como: missas, festas comemorativas, apresentações artísticas. As cadeiras não são em número
suficiente e são inadequadas ao espaço e utilidade do auditório.
Foto nº 30 – Gabinete oftalmológico Foto nº 31 – Consultório odontológico
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Estes são os consultórios oftalmológico e odontológico que estão em funcionamento.
Já existe um outro gabinete, de odontologia que está sendo montado. O espaço ainda é
relativamente inadequado a esses atendimentos.
102
Foto nº 32 – Sala de Serviço Social
Fonte: acervo da autora, 2006
Existe uma sala de serviço social que atende as pessoas com deficiência visual em suas
principais necessidades. A partir da triagem de prioridades desse atendimento, vão sendo
feitos os encaminhamentos possíveis para atendimento dentro e/ou fora da ACEP. O serviço
de acompanhamento e triagem social é oportunizado por uma assistente social.
Foto nº 33 – Cozinha
Fonte: acervo da autora, 2006
A cozinha é ampla e possui infra-estrutura material para o fornecimento de grande
quantidade de refeições diárias. No refeitório a prioridade de atendimento é à pessoa com
deficiência visual. Essas pessoas se deslocam de várias partes da cidade para almoçar e para
encontrar-se com amigos e conhecidos da ACEP.
103
Foto nº 34 – Biblioteca
Fonte: acervo da autora 2006
A biblioteca foi reorganizada recentemente. Possui um razoável acervo de livros em
Braille e livros gravados em fita cassete. Voluntários e professores fazem o trabalho de
gravação dessas obras e transcrevem alguns textos em Braille. A comunidade queixa-se de
que o acervo em Braille é insuficiente para a demanda.
Foto nº 35 – Laboratório de Informática Foto nº 36 – Livro em Braille
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
O laboratório de informática é bem amplo, porém a maior parte dos equipamentos está
com defeito e a falta de recursos para conserto e manutenção, fatores que impedem o seu uso.
No laboratório existem programas de computação especiais para cegos.
104
Fotos nº 37 e 38 – Banheiros masculino e feminino
Fonte: acervo da autora, 2006
Os banheiros são individuais, com um único sanitário. Não são adaptados a pessoas
com deficiência. As portas são estreitas, dificultando o acesso de mais de uma pessoa. No
caso de crianças ou de pessoas com múltipla deficiência, quase sempre eles precisam da ajuda
de outra pessoa.
O cotidiano na ACEP (PI) é marcado pelo trânsito constante de pessoas em seus
corredores. Logo cedo, por volta das sete e meia da manhã, nos arredores da instituição,
começa a se intensificar o fluxo de pessoas com deficiência visual em direção a ACEP (PI).
Aos poucos vão chegando os transportes da instituição (Foto nº 39), trazendo pessoas com
deficiência visual: tanto crianças da Unidade Escolar “Tia Graça Nery”, como alunos e
professores do CHARCE. Há dias em que a movimentação aumenta, pois a ACEP (PI) recebe
constantes visitas de alunos da Educação Básica da rede pública e privada e de Faculdades e
Universidades para realização de projetos e pesquisas (Fotos nº 40 e 41).
Foto nº 39 – Micro-ônibus da ACEP
Fonte: acervo da autora, 2006
105
Foto nº 40 – Alunos visitantes Foto nº 41 – Saída dos visitantes
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Tudo isso é possível graças às parcerias da ACEP com órgãos governamentais,
empresas mistas e privadas, assim como às doações de membros da comunidade. Diariamente
são encaminhadas doações ao órgão.
Foto nº 42 – Sala de doações Foto nº 43 – Doações
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Os diversos serviços oferecidos pela ACEP (PI) estimulam a permanência das pessoas
com deficiência visual na instituição. O depoimento de uma usuária do laboratório de
informática é significante para demonstrar a importância da ACEP (PI) para a pessoa com
deficiência no Piauí:
“Eu praticamente iniciei a associação, cheguei em 1962. A ACEP tem muita importância
pra mim. Tudo que eu tenho, eu agradeço a Associação. Aqui eu estudei, aqui eu
consegui ser o que eu sou hoje. Hoje eu trabalho na Telemar. Eles vieram aqui e
selecionaram as pessoas e a associação, de uma forma ou de outra, influiu nessa
oportunidade de trabalho.” (MCDV1 - ACEP).
106
Os professores com deficiência visual, quase todos ex-alunos do CHARCE, circulam
entre as salas de aula, a área administrativa e as demais dependências da ACEP (PI), com
muita liberdade e desenvoltura. Outro local bem movimentado é o refeitório. Nesse espaço, o
barulho de conversas se intensifica com o aglomerado de pessoas com deficiência visual que
vão ao refeitório no horário do almoço, o que se pode observar na foto abaixo:.
Foto nº 44 – Refeitório
Fonte: acervo da autora, 2006
Contudo, em meio aos sujeitos componentes da comunidade “acepiana”, pode-se
destacar um grupo de pessoas com deficiência visual que, tendo participado da história da
instituição, acabou por assumir o papel de unidade representativa das pessoas cegas no estado
do Piauí. São, na maioria, professores que têm se revezado nos cargos administrativos da
ACEP (PI). Segundo Goffman (1988, p. 35),
São pessoas com estigma que têm, de início, um pouco mais de
oportunidades de se expressar, são um pouco mais conhecidas ou mais
relacionadas do que os companheiros de sofrimento e que, depois de um
certo tempo, podem descobrir que o “movimento” absorve todo o seu dia e
que se converteram em profissionais.
A atual diretoria que administra a entidade, eleita para o biênio 2006/2007, é composta
de um presidente, um vice-presidente, dois secretários, dois tesoureiros, dois bibliotecários,
dois oradores, além de três membros e três suplentes do Conselho Fiscal.
Dia 21 de junho de 2007, a ACEP (PI) estará comemorando 40 anos de existência.
Durante esses anos foram esses seus presidentes:
107
PRESIDENTES DA ACEP (PI)
1. Abdon Martins Nunes – de 21 de junho de 67 a 01 de janeiro de 1968. Fez parte da
Comissão de Estatuto.
2. Emanoel do Bonfim Veloso – de 1968 a 1973
3. Gerardo Nogueira Lima – de 1974 a 1975
4. Emanoel do Bonfim Veloso – de 1976 a 1977
5. Sebastião Ferreira Soares – de 1978 a 1979
6. Emanoel do Bonfim Veloso – de 1980 a 1981
7. Sebastião Ferreira Soares Irmão (Cesinha) – de 1982 a 1983
8. Emanoel do Bonfim Veloso – de 1984 a 1985
9. Sebastião Ferreira Soares – de 1986 a 1987
10. Emanoel do Bonfim Veloso – de 1988 a 1989. Faleceu em junho de 1989. Assumiu a
Vice- presidente Iracy Matos Parreão
11. Aluízio Pereira dos Santos – de 1990 a 1991. Último presidente por eleições indiretas.
12. Antenilton Marques da Silva – de 1992 a 1993. Eleito por eleições diretas.
13. Aluízio Pereira dos Santos – de 1994 a 1995
14. Sebastião Ferreira Soares – de 1996 a 1997
15. Aluízio Pereira dos Santos – de 1998 a 1999
16. Janilton Marques Bastos – de 2000 a 2001
17. Aluízio Pereira dos Santos – de 2002 a 2003
18. Janilton Marques Bastos – de 2004 a 2005
19. Aluízio Gonzaga de Carvalho Filho – de 2006 até hoje.
Essas são as fotos de três dos ex-presidentes da ACEP (PI) e do presidente atual:
Foto nº 45: Sebastião F. Soares Foto nº 46: Janilton M. Bastos
Fonte: acervo da autora ,2006 Fonte: acervo da autora, 2006
108
Foto nº 47: Antenilton M. da Silva Foto nº 48: Aluízio Gonzaga de C. Filho
Fonte: acervo da autora 2006 Fonte: acervo da autora 2006
Isso de fato se estabelece na ACEPI (PI). Esse pequeno grupo, representativo da
“categoria” dos cegos no Piauí, obteve destaque entre os demais por sua luta e por
conquistarem formação intelectual e profissional, além de sua inserção no mercado de
trabalho. Essas pessoas foram conquistando representação pública, tornando-se porta-vozes da
“categoria” na luta por seus direitos. A elas foi confiada uma nova carreira: a de representar a
sua “categoria”.
Nesse contexto, tornou-se de extrema relevância questionar junto aos membros dessa
unidade representativa o que eles acham da inclusão escolar. Nos depoimentos que se seguem
percebe-se nitidamente o “campo minado” que representa o paradigma inclusivo de educação.
“A inclusão escolar existe se tomarmos o trabalho que é feito na associação dos cegos.
Ela existe dessa forma. Agora, da maneira que querem colocar pra gente, tipo: “Olha, em
todas as escolas têm que ter inclusão”! Vai ser muito difícil! Pode ser que algum dia
consigam fazer! É muito complicado! Tudo quanto é de escola [...] estarem preparadas
para receber o deficiente visual, o deficiente auditivo [...] Vai ser complicado! Até pelo
investimento dentro da política educacional que acontece no país. Não é um estímulo para
os profissionais na área de educação. Então, deixa muito a desejar nossa política dentro
dessa área de inclusão!” (MEPDV2 – CHARCE))
“A inclusão existe, sim! Só que, da forma que o governo está querendo fazer, pra se pegar
uma criança portadora de deficiência e colocar sem ter um preparo antes... não vai
funcionar! Pelo contrário! Vai trazer complicações, traumas pra essas crianças. [...] Até
que a deficiência visual, em si, facilita. Mas uma criança que é autista, com síndrome de
Down...colocar essa criança numa sala com crianças que são ditas normais sem ter um
preparo antes...Ela vai servir de mangação! Com certeza isso vai acontecer! Então, seria
bom que os governantes pensassem no que realmente significa a palavra inclusão.”
(MEPDV2 - CRECHE)
109
Esses e outros sujeitos da pesquisa fundamentam suas restrições à inclusão escolar na
prática que vivenciam no cotidiano inclusivo e, para uma melhor compreensão da dinâmica
desse universo, faz-se necessária a sua descrição.
Tratando-se do espaço escolar inclusivo, dois ambientes distintos foram observados: o
ambiente pré-escolar da Unidade Escolar “Tia Graça Nery” e as turmas de inclusão das séries
iniciais do Ensino Fundamental da Unidade Escolar “Nair Gonçalves”.
A grande maioria dos afiliados à ACEP (PI) ainda permanece em processo de
escolarização, ou seja, são estudantes da rede regular de ensino, nos diversos níveis, e
recebem, no turno contrário ao da escola regular, o apoio pedagógico específico oferecido
pelo CHARCE. Dessa forma, as entrevistas com esses sujeitos, além da análise das principais
dificuldades enfrentadas por eles no processo de inclusão escolar, proporcionaram uma
reflexão sobre o importante papel da escola especial na educação da pessoa com deficiência
visual.
4.2.3 O Centro de Habilitação e Reabilitação para Cegos (CHARCE)
O Centro de Habilitação e Reabilitação para Cegos (CHARCE), como um dos serviços
oferecidos pela ACEP, constitui escola especial, fundada em março de 1973, e que atende a
aproximadamente 160 (cento e sessenta) alunos com deficiência visual da Alfabetização ao
Ensino Médio, na faixa etária entre 07 e 60 (sessenta) anos. É uma entidade filantrópica sem
fins lucrativos que sobrevive de doações. Como tal, tem por finalidade oferecer educação e
instrução a pessoas com deficiência visual (cegos e de visão subnormal) procurando torná-las
pessoas independentes, autônomas e produtivas, de modo a inseri-las na sociedade através da
habilitação e da reabilitação.
110
Foto nº 49 – Entrada do CHARCE
Fonte: acervo da autora, 2006
Quanto à estrutura física a escola dispõe das seguintes instalações: diretoria, grêmio
estudantil, assim como diversas salas nas quais funcionam os seguintes serviços e atividades:
supervisão, terapia ocupacional, música (desativada), Atividades da Vida Diária (AVD),
alfabetização, reforço (17), sala de recursos e sala dos professores, além de quatro banheiros,
quadra desportiva (desativada) e sala de esportes, onde é realizada a Educação Física e a
Orientação e Mobilidade. Algumas dessas dependências são descritas a seguir, acompanhadas
por fotos que as ilustram:
Foto nº 50 – Sala de Terapia Ocupacional
Fonte: acervo da autora, 2006
A sala de Terapia Ocupacional é uma sala pequena, sem espaço para oficinas. Como a
sala é destinada à aprendizagem de trabalhos manuais (tapetes, crochê etc) a professora se
queixa da falta infra-estrutura nesse ambiente de materiais para essas oficinas.
111
Foto nº 51 – Sala dos Professores
Fonte: acervo da autora, 2006
A sala de professores é um espaço de porte médio, mas fica lotada e apertada na hora
do intervalo, pois não comporta todos os professores. Ao lado tem uma pequena cantina onde
são feitos lanches para os professores e outros funcionários da instituição.
Foto nº 52 – Sala de AVD
Fonte: acervo da autora, 2006
A sala de AVD é destinada à realização do programa de treinamento para execução de
atividades relacionadas às necessidades pessoais básicas como: higiene, alimentação, hábitos
à mesa, etiqueta, cuidados com a casa e atividades sociais – Atividades da Vida Diária. Essa
sala tem vários ambientes semelhantes às dependências de uma casa.
112
Foto nº 53 – Sala de Alfabetização
Fonte: acervo da autora, 2006
As turmas de alfabetização em Braille, com três ou quatro alunos, são salas pequenas,
onde só cabem a mesa do professor, quatro carteiras (no máximo), e um pequeno armário.
Não há recursos didáticos específicos disponíveis nas salas.
Foto nº 54 – Sala de Atendimento Individual
Fonte: acervo da autora, 2006
As salas de reforço, à semelhança das salas de alfabetização, atendem de um a quatro
alunos. Nelas o aluno recebe um reforço do conteúdo trabalhado na escola regular, por área
específica. Os recursos didáticos específicos que são utilizados nas aulas pertencem à sala de
recursos. Há queixas de que esse material é insuficiente para atender à demanda da escola.
113
Foto nº 55 – Livros em alto relevo Foto nº 56 – Jogos adaptados
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Foto nº 57 – Recursos didáticos Foto nº 58 – Material adaptado
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Nesta sala encontram-se recursos didáticos específicos para trabalhar com alunos
cegos e de baixa visão. São materiais adaptados, grande parte criados pelas próprias
professoras. Livros em alto relevo, regletes, blocos, matemáticos, mapas e globos, entre
outros. A sala é muito apertada e sem espaço para oficinas.
Como o atendimento educacional oferecido pelo CHARCE é feito de forma individual
ou a pequenos grupos, com horários de aula diferenciados, há sempre um constante fluxo de
alunos durante todo o dia. Nos corredores, há sempre grupos de pessoas conversando,
sorrindo, convivendo harmoniosamente. Todos parecem se conhecer. As pessoas com
deficiência visual reconhecessem-se quando se cruzam nos corredores e no pátio; segundo
eles mesmos, através da voz, do sorriso, do perfume ou dos sons que fazem quando caminham
ou gesticulam.
114
Foto nº 59: Membros da ACEP Foto nº 60: Amigos da ACEP (PI)
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Segundo a direção da instituição, o CHARCE necessita urgentemente de uma reforma
em sua estrutura física com a construção de oito salas de aula, recuperação das instalações
hidráulicas, elétricas e sanitárias; retelhamento, reposição de portas, pintura de paredes,
criação de áreas de lazer e convivência e recuperação da quadra desportiva.
A equipe que administra a escola é formada por um diretor, uma diretora adjunta e
uma supervisora pedagógica. A maioria dos alunos que freqüenta a escola mora em bairros
distantes (da periferia) e favelas. Sua locomoção é garantida pelos meios de transporte da
ACEP (ônibus e micro-ônibus).
A ACEP e o CHARCE dispõem de 95 (noventa e cinco) profissionais em seu quadro
de funcionários; sendo que 68 (sessenta e oito) são mantidos pelo Governo do Estado, 15
(quinze) pela Prefeitura Municipal de Teresina e 12 (doze) compondo seu quadro
administrativo. Segundo os administradores e funcionários das instituições, entre os principais
problemas enfrentados estão: a falta de transportes que atenda à demanda; a carência de
material didático e de alimentos; e a recusa de alguns alunos em aprender o sistema Braille.
4.2.4 A Unidade Escolar “Tia Graça Nery”
Além do CHARCE, na ACEP também funciona a Unidade Escolar “Tia Graça Nery”,
pré-escola inclusiva que atende a crianças da comunidade, de 03 a 06 anos, do Maternal à
Alfabetização. Suas instalações físicas estão distribuídas em uma diretoria/secretaria, quatro
115
salas de aula, banheiros, uma cozinha e uma área coberta que funciona como pátio de
recreação.
Foto nº 61: Creche Foto nº 62: Salas da creche
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
O prédio onde funciona a creche tem instalações extremamente precárias. As salas de
aula são abafadas e pouco iluminadas. Os banheiros (02) são inadequados e nenhum é
adaptado para atender às necessidades das crianças com deficiência visual. O pátio é coberto e
foi recentemente cercado por grades (antes as crianças fugiam e corriam soltas pela ACEP
com sérios riscos de acidentes).
Foto nº 63: Pátio da creche
Fonte: acervo da autora, 2006.
No início da pesquisa, as paredes do pátio não apresentavam nenhuma ornamentação
que indicasse funcionar ali uma creche (cartazes, desenhos, pinturas, murais etc).
Recentemente, foi feito um mutirão voluntário para ornamentação do pátio tornando o
116
ambiente mais agradável e alfabetizador, com pintura de desenhos, letras e números, alguns
em alto relevo.
Fotos nº 64, 65 e 66: Ornamentação do pátio da creche
Fonte: acervo da autora, 2006
Fotos nº 67 e 68: Alunos da creche
Fonte: acervo da autora, 2006
4.3 A Unidade Escolar “Nair Gonçalves”
A Unidade Escolar “Nair Gonçalves”, escola pública da rede estadual do Piauí,
localiza-se à Rua Gilbués, nº 3190, zona Sul de Teresina (PI). Funciona em um prédio
relativamente bem estruturado, com aproximadamente 3.213 m² de área construída.
117
Foto nº 69: U.E.Nair Gonçalves Foto nº 70: ACEP/NAIR
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: Google Earth, 2006
A escola atende a alunos do Ensino Fundamental e Médio e, como modalidade da
Educação Especial, oferece classe especial de alfabetização em Braille para alunos com
deficiência visual. Além disso, adotando a educação inclusiva, possui várias turmas com
inclusão de pessoas com deficiência visual.
A instituição possui 21 (vinte e uma) dependências assim distribuídas: oito salas de
aula, uma diretoria, uma secretaria, uma sala de TV Escola, uma sala de leitura, uma sala de
apoio pedagógico, uma sala de professores, três banheiros, dois depósitos, uma área coberta
(pátio) e uma quadra de esportes destinada a aulas práticas de Educação Física. As ilustrações
que se seguem mostram o cotidiano das salas de aula inclusivas (Fotos nº 71, 72, 73 e 74).
Fotos nº 71 e 72: Salas de inclusão
Fonte: acervo da autora, 2006
118
Fotos nº 73 e 74: Salas de inclusão
Fonte: acervo da autora, 2006
O quadro administrativo/pedagógico da Unidade Escolar Nair Gonçalves é formado
por dois diretores, uma secretária, vinte e oito professores, três vigias, quatro auxiliares de
secretaria, cinco zeladores, duas merendeiras, duas supervisoras e uma orientadora
educacional. Segundo a matrícula de 2006, o corpo discente é formado por dez alunos da
Educação Especial, 274 (duzentos e setenta e quatro) alunos do Ensino Fundamental; 177
(cento e setenta e sete) alunos da Educação de Jovens e Adultos e 159 (cento e cinqüenta e
nova) alunos do Ensino Médio.
Quanto à formação acadêmica do corpo administrativo/pedagógico, a escola possui em
seu quadro profissional, três funcionários com pós-graduação (a diretora adjunta e as duas
supervisoras), 27 (vinte e sete) com curso superior e quatro concluindo a graduação, apenas
onze funcionários com Ensino Médio e nove com o Ensino Fundamental.
119
CAPÍTULO V
DESAFIOS DA CONVIVÊNCIA NO ESPAÇO EDUCACIONAL INCLUSIVO
Identificar os padrões mais previsíveis do pensamento e do comportamento humanos
manifestos em sua rotina diária, sem perder de vista os eventos menos previsíveis ou
manifestados de forma singular no contexto interativo em estudo, constitui o grande desafio
da pesquisa etnográfica. Nesse sentido, a observação de cenas do cotidiano, do registro de
falas e do relato de experiências dos sujeitos, deve possibilitar ao pesquisador um
entendimento mais acurado dos eventos, sentimentos, valores e significados mais profundos
da comunidade pesquisada (LIMA, 1996).
Do ponto de vista etimológico, cotidiano é o que acontece todos os dias. Segundo
Pires (2006, p. 107), são “[...] os fatos, as ocorrências diárias, o conjunto de ações, geralmente
simples, triviais, realizadas por alguém todos os dias de modo sucessivo e contínuo”. Desse
modo, o cotidiano em situação escolar tem a ver com todos os aspectos que dizem respeito à
vida dos indivíduos, ou a seu cotidiano, no âmbito escolar.
Com base no objetivo de investigar aspectos que demarcam e desafiam a convivência
da pessoa com deficiência visual no espaço educacional inclusivo, buscou-se transcender a
mera descrição do cotidiano no sentido de revelar o significado das interações estabelecidas
nesse espaço de convivência.
Num processo dinâmico e dialético de encontro e escuta entre teoria e empiria, as
categorias que inicialmente brotaram a partir do arcabouço teórico da pesquisa, foram
sofrendo modificações ao longo do estudo, originando novas concepções e focos de análise,
até finalmente chegar às seguintes matrizes categoriais: Categoria 01: Como o cego se vê;
Categoria 02: Os sentidos da inclusão escolar e Categoria 03: Escola especial e a escola
inclusiva: dois caminhos e uma direção
Os dados colhidos na ACEP – PI (unidade macrossocial) e na U.E. “Nair Gonçalves”
(unidade microssocial), na forma de relatos de experiência, depoimentos, imagens,
entrevistas, registros de práticas e expressões recorrentes e significativas, viabilizariam,
120
dentro de certos limites, a preservação da dinâmica natural desses contextos em sua
complexidade, haja vista ser um processo dialético e contínuo. Nesse sentido, passa-se à
análise dos dados etnográficos a partir das categorias mencionadas.
5.1 Categoria 01 – Como o cego se vê
Através da combinação simultânea de todos os seus sentidos o homem vai
processando sua percepção do mundo, das pessoas, das coisas e de si mesmo. Contudo, mais
do que qualquer outro sentido, a visão permite ao homem ampliar essa percepção de modo a
criar uma imagem panorâmica das coisas. Conseqüentemente, sua interpretação dos eventos
do mundo que o rodeiam é favorecida pela visão, a partir das imagens.
Nesse caso, o que acontece com quem não tem visão ou tem sua visão reduzida a
graus comprometedores? Que prejuízos essa pessoa sofre no que se refere à percepção das
coisas? Essas são questões complexas que exigem um estudo prolongado e criterioso.
Contudo, há alguns nítidos prejuízos: a ausência ou comprometimento da conservação de
imagens e da memória visual; ambas extremamente importantes para compreensão do mundo
e para a aprendizagem (AMIRALIAN, 1997).
Qual seria, então, o grau desses prejuízos? Poderiam causar uma total inaptidão ou
incapacidade de aprender? Considera-se que não, pois como afirma Amiralian (1997), pela
necessidade de encontrar novos caminhos para conhecer o mundo, a pessoa cega organiza
uma estrutura mental diferente, que provoca o surgimento de uma forma diferenciada do
processo perceptivo e, por conseguinte, da estruturação e da organização do desenvolvimento
cognitivo. Freire (1995) concorda com essa compreensão, pois afirma que a ausência de visão
não impede o desenvolvimento; apenas impõe caminhos diferentes, assim sendo, o
desenvolvimento da pessoa cega não tem uma característica melhor ou pior do que o
desenvolvimento do vidente.
Tendo em vista que este estudo procura revelar a teia de sentidos e significados que
constitui o espaço educacional inclusivo, todas essas questões sobre desenvolvimento e
aprendizagem da pessoa deficiente visual deverão ser levadas em consideração.
Inicialmente, nesta primeira categoria analítica, o objetivo não foi captar, como numa
fotografia, a imagem da pessoa com deficiência visual; mas analisar como, mesmo diante da
121
ausência ou prejuízo de uma imagem ótica de si mesma, essa pessoa se percebe, se sente, se
define e “se vê”. Nesse sentido, Porto (2005, p. 39) faz uma advertência importantíssima:
Eu jamais vou ter acesso ao outro na sua individualidade, e não será
possível, em hipótese alguma, eu me sentir como um cego não o sendo.
Portanto, devo manter-me em relação com ele, estabelecendo comunicação
verdadeira para apreendermos o mundo cada qual do seu jeito próprio,
criando, assim possibilidades para trocarmos o que é percebido e vivenciado
por nós.
Desse modo, para estabelecer essa comunicação, antes de qualquer coisa, foi preciso
uma aproximação. A ampliação do foco permitido pela visão “normal” da pesquisadora, nesse
momento mostrou-se ineficaz. Foi preciso estabelecer uma aproximação presencial, “olhar de
perto para contar de certo”.
Na ACEP (PI), desde cedo, pode-se observar a dinâmica de cada manhã: nos
corredores da Associação, um enorme fluxo de pessoas com deficiência visual começa a
chegar à instituição para estudar, trabalhar, receber assistência médica, usufruir dos serviços
oferecidos pela instituição ou, simplesmente, encontrar velhos amigos.
Foto nº 75: Corredores da ACEP (PI)
Fonte: acervo da autora 2006
Em meio ao trânsito dessas pessoas, cegas ou de baixa visão; crianças, adolescentes,
jovens e adultos; andando sozinhas ou em grupos solidários (cegos guiando outros cegos),
122
podia-se imaginar o percurso que cada uma daquelas pessoas teve que percorrer em sua
história de vida. Certamente são emocionantes histórias cujas páginas foram, em parte,
escritas naquele espaço de convivência chamado ACEP (PI).
Embora tudo fosse novidade, os primeiros contatos naquele espaço já haviam sido
facilitados, tendo em vista que houve uma apresentação formal da pesquisadora à comunidade
da ACEP (PI) no evento de abertura da semana pedagógica do CHARCE. À medida que
foram sendo feitas as primeiras abordagens em conversas informais com os membros da
comunidade acepiana (professores, alunos, pais de alunos e funcionários) o clima de
formalidade foi sendo quebrado e se estabeleceu um clima de espontaneidade.
Estabelecido o clima de confiança, os primeiros dados colhidos nas entrevistas, sem a
impessoalidade que marca a coleta dos dados pessoais do entrevistado, relacionavam-se ao
“autoconceito” dos sujeitos, aqui definido como “[...] a atitude que o indivíduo tem de si
mesmo, decorrente da maneira como se percebe”. (OLIVEIRA, 1984 apud OLIVEIRA, 1994,
p.16). Ou seja, à visão que eles tinham de si mesmos e de sua deficiência. Nos depoimentos
que se seguem podem-se observar alguns elementos desse autoconceito:
“Eu não tenho esse preconceito que alguém me chame de cego não. Se você chama por
gozação dá pra perceber, porque a palavra ‘cego’ é real, muito embora pese. Muita gente
acha que pesa muito. É uma palavra muito grosseira que contraria as pessoas. Mas eu, por
exemplo, ficaria contrariado se você me chamasse de cego de uma forma grosseira, mas
se for de forma sem grosseria dá para perceber. A minha preferência é lógico é que me
chame pelo meu nome”. (PDV4-EE)
“Realmente nós somos cegos. Quando fala de deficiente pode ser aleijado, paraplégico,
surdo, mudo; então tem que ser mesmo cego. Associação dos cegos, o nome já diz, né?
Então, não pode dizer deficiente a não ser que seja deficiente visual. Eu tenho uma
deficiência visual, quer dizer, eu não tenho um órgão dos sentidos, né? Eles dizem assim:
os portadores de necessidades especiais...Isso todos nós somos [...]” (PDV5-EE)
Entre esses elementos, as falas revelam nitidamente marcas do estigma que recai sobre
a pessoa cega e que influenciam no seu autoconceito. O primeiro depoimento demonstra que o
estigmatizado percebe as fontes potenciais de mal-estar gerados pela deficiência, nas
interações que estabelece com pessoas “normais” (GOFFMAN, 1988). Tomando o próprio
Goffman (1988) para reforçar o reconhecimento dessa percepção, Libório e Castro (2005, p.
100) acrescentam que “[...] tanto os indivíduos estigmatizados como os vistos como ‘normais’
têm uma tendência a evitar o contato entre si, mas são os estigmatizados que sofrem mais
concretamente com essa situação, que pode gerar isolamento social”. Nesse sentido, a
123
tendência natural das pessoas com deficiência ao isolamento encontra nessas “fontes
potenciais de mal-estar” uma de suas causas.
Na fala do segundo depoente (PDV5-EE), observa-se a necessidade de mencionar a
Associação dos Cegos como representativa de uma categoria de pessoas que possui uma
identidade própria, que se diferencia não somente das pessoas “normais”, mas também das
pessoas com outros tipos de deficiência. Nessa perspectiva, a tendência a agregar-se com seus
semelhantes, sob o pretexto de fortificar a identidade da pessoa cega, revela-se também como
tendência ao isolamento.
Sabe-se que os atributos que acompanham a deficiência, considerados de extremo
valor negativo, ao longo do tempo, têm sido responsáveis pela exclusão social dessas pessoas.
Conseqüentemente, a história da pessoa com deficiência recebe influência direta dessa
valoração negativa. Segundo Fortes-Lustosa (2006, p. 67. Grifo da autora),
[...] ao responder à questão ‘quem sou eu?’, o indivíduo está inevitavelmente
refletindo sobre sua própria identidade, o que, por conseguinte, implica em
uma postura valorativa, ou seja, o indivíduo está se colocando em relação
aos valores que defende.
Desse modo, com base no pensamento de Fortes-Lustosa (2006), pode-se dizer que
mesmo consciente do estigma de incapacidade e invalidez, socialmente construído, que recai
sobre a pessoa com deficiência, a exemplo de qualquer outra pessoa que almeja realização
plena, o indivíduo com deficiência sempre busca um valor positivo para si mesmo. Isso
explica porque o peso do estigma provoca reações diversas na pessoa com deficiência.
Enquanto uns incorporam em seu autoconceito o estigma de incapaz e inválido, outros “[...]
ousam desafiar as leis, ignoram supostas inaptidões e mobilizam recursos no sentido de
pleitear e tomar posse dos espaços conquistados” (SÁ, 1992, p.25).
Um elemento importantíssimo na construção do autoconceito da pessoa com
deficiência é o conhecimento das causas e da natureza de sua deficiência. Para o primeiro
grupo, a ignorância sobre seus limites e possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem é
elemento reforçador do estigma de incapaz e de inválido. Para o segundo grupo, no entanto, o
conhecimento da natureza de sua deficiência é elemento motivador da superação de limites.
Nesse sentido, retomando a discussão sobre a forma como o cego se percebe, buscou-
se, então, investigar quais as informações que as pessoas cegas têm sobre sua deficiência.
Quando interpelados sobre as causas de sua deficiência visual, cerca de 80% dos entrevistados
souberam descrever como aconteceu sua perda de visão, explicando, inclusive, as causas de
124
sua deficiência. Os 20% restantes, compostos de crianças e adolescentes, não souberam dar
tais explicações. As análises demonstraram ser muito importante para a pessoa com
deficiência visual saber a causa de sua deficiência. Para que pudessem justificar para si
mesmas e para os outros o fato de serem diferentes, de não possuírem uma visão “normal”. A
entonação de voz de alguns depoentes dava à explicação sobre sua deficiência uma impressão
de que gostaria de deixar claro que sua falta de visão não é contagiosa.
“A minha deficiência é congênita, causada por catarata. Os médicos dizem que era porque
o meu pai era primo de minha mãe. Quando veio ser detectado esse problema em mim,
foi na idade de nove anos. E como eu morava numa região de difícil acesso à medicina,
então não teve tratamento. Mas se tivesse tratamento com a idade de um ano, dois anos,
asseguraria pelo menos um percentual da visão. Mas como não teve tratamento, então,
hoje minha visão é zero. Eu tinha nove anos quando começamos a perceber o problema e
enxergando mais ou menos foi até os 17 anos; ainda percebia luz, fazia diferenciação;
com o passar do tempo zerou”. (PDV4 - EE).
“No meu caso eu perdi a visão com 11 anos de idade, mas eu tinha uma aceitação grande
por parte da minha família e por parte da comunidade que faço parte até hoje, e também
das outras pessoas que me rodeavam”. (PDV6 - EE).
“Em 1960 eu senti o primeiro sintoma, foi problema de retina. Mas em meu caso parece
que eu ainda tenho uma esperança! Deus é quem sabe! Tem agora uma pesquisa feita,
onde tem um aparelho eletrônico óptico que substitui a luz da retina e se meu caso for
esse, então poderia enxergar ainda 70%”. (MDDV1 - EE).
“Perdi a visão faz um ano. Foi meningite e a trombose. Não fiquei muito triste porque eu
escapei de morrer. Melhor é ficar cega do que morrer (ADV2 - EE)”.
“Eu tenho uveíte, inflamação na úvia, que faz parte do nervo ótico. Enxergo do olho
direito mais ou menos uns 15%”. (ADV3 - EE).
“Tenho problema de retinose. Já enxerguei e a perda da visão foi gradativa”. (PDV7 -
EE).
Convém esclarecer que, o fato do grupo de entrevistados ser constituído, em sua
maioria, de alunos e professores da Associação dos Cegos, pressupõe uma tendência natural a
busca de conhecimento sobre a natureza e desenvolvimento da deficiência visual. Desse
modo, a busca de informações sobre cada caso em particular, fica facilitado pela motivação
do grupo em conhecer seus limites e possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem.
Na ACEP (PI), o grupo, em sua maior representação, mostrou-se motivado a buscar
informações, a estar atualizando-se constantemente sobre o avanço médico e descobertas
acerca da deficiência visual. Alguns, inclusive pela receptividade e apoio à realização desta
pesquisa, revelaram interesse pessoal na investigação científica e na realização de pesquisas
na área em nível de pós-graduação.
125
Contudo, analisando as falas dos depoentes, observa-se que conhecer os aspectos
científicos que envolvem sua deficiência, descrevê-la, caracterizá-la, conhecer sua natureza;
embora contribua para a construção de novas concepções acerca da deficiência, não é
suficiente para erradicar os efeitos do estigma sobre essas pessoas. Essas pessoas continuam
sofrendo os efeitos da “generalização excessiva”, termo usado por Amaral (1998) e
mencionada por Libório e Castro (2005, p. 101) que:
[...] nos faz desconsiderar as capacidades do indivíduo estigmatizado, centrando
nossa atenção apenas em seus limites e inferindo que, em razão de um tipo
específico de prejuízo, outras dimensões de seu ser também estão comprometidas.
Os depoimentos que se seguem exemplificam esse efeito e registram o sentimento de
indignação que a generalização causa:
“Eles pensam que só porque a gente não enxerga a gente não tem facilidade de aprender
como eles. A gente não é um ‘coitadinho’ como eles pensam... A gente também é normal!
Só porque a gente não tem a visão... Ma a gente pode ser como eles também, é claro!”
(ADV4 – EE)
“O que me deixa mais triste é ver alguém gozando de um deficiente visual! Rindo, por
exemplo, quando eles pegam na bola (numa partida de futebol). Acho que é um
preconceito. O povo não tem conhecimento. Assistindo um dia a um programa de rádio, o
comentarista falou do goleiro do time que perdeu: ‘Olha! Parece um time de cegos lá da
ACEP! O goleiro é cego! [...]’ Esse tipo de gozação! O preconceito mais visto é o da falta
de conhecimento”. (PVN4 – EE)
Na ACEP (PI) acontecem partidas de futebol. Segundo a informação de professores do
CHARCE, nos campeonatos organizados pela Secretaria Municipal dois times costumavam
representar a ACEP (PI) nos jogos interescolares de Teresina. Contudo, o comportamento das
pessoas que assistem às partidas ainda é extremamente preconceituoso.
“Por aí afora o pessoal respeita. Na Paraíba, no campeonato norte-nordeste, o ginásio
cheio...o pessoal fica numa boa, sem anarquia, sem gritar, sem conversar. Já aqui,
quando a gente ia disputar os jogos escolares teresinenses [...] o pessoal lá fazia aquela
gritaria, aquela risada... o cego não podia pegar na bola... Faziam aquelas chacotas,
entendeu? E a gente ficava assim meio constrangido. É tanto que a prefeitura nesses dois
últimos campeonatos não nos convidou mais. Vou até procurar saber com o secretário de
educação da SEMEC porque não fomos mais convidados. Por que ele tem que nos inserir
nessas competições” (PVN4-EE).
126
O sofrimento causado por esse tipo de constrangimento, reflexo do peso do estigma,
segundo Telford e Sawrey (1978) pode causar quatro tipos de reações distintas:
a) há aquelas pessoas cujas vidas tendem a girar em torno de suas incapacidades, em vez
de suas aptidões. Embora se saiba que essas pessoas existem, na ACEP (PI) não se
identificou esse tipo de comportamento.
b) outro grupo de pessoas aceita a realidade da deficiência, mas nega o estigma, e para
tanto, assinala os maiores defeitos das pessoas “normais” ao mesmo tempo em que
ressalta os valores positivos dos indivíduos com deficiência. Esse tipo pode ser
identificado. Uma professora, na ACEPI (PI), fez questão de falar sobre a
insensibilidade das pessoas de visão “normal” que, segundo ela, são cegos para ver o
verdadeiro sentido da vida; enquanto os deficientes visuais são muito mais sensíveis.
“Eu não tenho visão, mas tenho algo que você não tem. Acho que todos nós temos
uma deficiência. Por exemplo: eu tenho o carro e não posso dirigir e você pode dirigir
e não tem o carro” (PDV5-EE).
c) há também aquelas que, apesar da degradação social que a incapacidade acarreta,
encontram ganhos secundários que, se capitalizados, fazem com que a inferioridade
supere a incapacidade. Um exemplo desse tipo foi uma senhora deficiente visual que
foi encontrada na UFPI pedindo dinheiro aos alunos. Ela usava uma carteirinha de
membro da ACEP (PI) como identificação; quando o caso chegou ao conhecimento da
ACEP (PI), isso causou indignação aos membros da instituição.
d) e há aquelas que conseguem aceitar suas limitações sem sucumbir a elas, buscando em
si um valor positivo. A grande maioria dos entrevistados demonstrou encontrar-se
nesse nível de auto-aceitação. Defendem que a pessoa cega deve se escolarizar e
acreditam não só em sua capacidade de aprender como em sua capacidade de ensinar.
“O cego deve estar na escola. É necessário que todo cego deva estar estudando desde que
ele tenha habilidade para isso. Se ele não tiver uma outra deficiência que venha a
atrapalhar, ele deve estar estudando. Eu acho até que é muito mais necessário a inclusão
e a conscientização das famílias porque havendo isso com certeza os cegos vão ser
homens do futuro com futuro muito promissor” (PDV1 – EE).
“É uma conquista lutar por um objetivo e depois atingir. É servir a nossa causa. Eu
cheguei a ACEP com esse objetivo: de ser servido e depois servir. Ontem eu fui aluno,
hoje eu sou professor” (PDV4 – EE).
Durante as entrevistas e conversas informais os professores da ACEP (PI), sempre
que possível, destacavam seu esforço pessoal para conseguir ingressar e permanecer na
127
universidade. E aqueles que conseguiram o êxito falam com orgulho dessa conquista.
Muitos, inclusive, já fizeram ou estão fazendo especialização. As experiências relatadas
descrevem atitudes de preconceito, discriminação e exclusão que marcam a trajetória de
vida dessas pessoas.
“Quando eu sai da universidade eu deixei uma abertura muito grande para quem chegasse
depois de mim. Agora que eu encontrei uma barreira muito grande, isso eu encontrei. Mas
não foi barreira arquitetônica, foi barreira humana porque eu estava entrando na
universidade pela primeira vez em 1981 e até então não tinha entrado nenhuma pessoa
cega na Universidade aqui no Piauí. Então encontrei muitos obstáculos. Mas eu consegui
fazer com que as pessoas reconhecessem que o deficiente visual ou pessoa com
deficiência visual tinha potencial, tinha capacidade” (PDV3 - EE).
No entanto, não se pôde perceber entre essas pessoas nenhuma marca de desânimo.
Todos parecem estar dispostos a lutar contra o preconceito e a provar que o indivíduo
cego tem as mesmas capacidades que qualquer um. Isso é evidenciado nos registros que se
seguem:
“Acho que isso (a cegueira) não é nenhuma deficiência. Nós não somos deficientes, nós
temos só um problema de visão. Não temos deficiência”. (MCDV1 - EE).
“Não acho que a falta da visão atrapalhe a eficiência de meu trabalho. O problema visual
não afeta na hora de desenvolver as tarefas”. (PDV4 - EE).
“Realmente nós somos cegos. Quando fala de deficiente pode ser aleijado, paraplégico,
surdo, mudo; então tem que ser mesmo cego. Associação dos cegos, o nome já diz, né?
Então não pode dizer deficiente a não ser que seja deficiente visual. Eu tenho uma
deficiência visual, quer dizer, eu não tenho um órgão dos sentidos, né? Eles dizem assim:
os portadores de necessidades especiais...isso todos nós somos. Não acho que você é não,
mas os surdos-mudos...portador de necessidades especiais”. (PDV5 - EE)
“Eu sempre procurei mostrar capacidade e aceitação da minha condição de deficiente
visual”. (PDV3 - EE).
“Eu sofri muitos tipos de preconceito na sala de aula, em minha vida escolar! Eu tive
oportunidade de ficar tão triste e só não desisti porque eu tinha um objetivo: terminar o
primeiro e segundo grau e chegar até a universidade” (PDV3 – EE).
Como componente da identidade humana, não há como intentar discorrer sobre o
autoconceito da pessoa com deficiência visual, sem que se considere tudo que envolve a vida
de discriminação e preconceito que tem marcado sua existência histórica. O cego elabora sua
visão de si mesmo de acordo com a cultura da deficiência construída ao longo da história
humana. Quando pretende romper com esses padrões culturais, a pessoa com deficiência
128
visual trava uma luta desleal contra um inimigo que, ironicamente, não pode ver. Essa batalha
torna-se muito mais difícil quando a pessoa com deficiência visual se isola e permanece no
anonimato. Diante da força de uma categoria organizada, que luta pela garantia de seus
direitos humanos e civis, sem dúvida alguma, a sociedade começa a sentir-se pressionada a
mudar, e, nesse sentido, na fala dos funcionários e usuários da ACEP (PI), se percebe a força
deste órgão como grupo representativo das pessoas com deficiência visual. Eis alguns
depoimentos:
“A sociedade [...] ela não tem conhecimento. Quando você não tem conhecimento [...] A
falta de conhecimento gera preconceitos. O cenário que muita gente via há alguns anos
atrás era do deficiente com a mão estirada pedindo esmolas [...] É difícil de você ver isso
hoje. A imagem que muita gente tem de uma associação de cegos é de um depósito de
pessoas sem visão. Muitos nem visitam a ACEP e não sabem a seriedade de um trabalho
como esse aqui. Hoje, já temos mais de 30 cegos com curso superior que faz parte da
instituição. São mais de 600 filiados”. (PDV6 – EE)
“Através da ACEP nós sempre fizemos parte da inclusão. Nasci dentro dessa inclusão. O
que a gente sabe é que a questão do preconceito [...] com o passar do tempo é que a gente
vai tendo isso diminuído. Ao longo da criação de entidades como a ACEP que colocam as
pessoas com deficiência no mercado de trabalho, no ensino [...] Não é a propaganda da
inclusão que tem sido a causa principal da diminuição do preconceito, não! É, sim, a
criação das entidades que têm dado a condição da pessoa com deficiência de se mostrar,
se capacitar, se integrar à sociedade de uma forma mais concreta”. (PDV4 – EE).
É unânime, entre os entrevistados, o reconhecimento do importante papel da ACEP
(PI) na luta em favor da inclusão social da pessoa cega. Alguns desses sujeitos participaram
da fundação da ACEP (PI), acompanhado sua difícil trajetória de lutas, cujos avanços mais
significativos datam de muito recentemente.
A luta travada pela ACEP (PI) é apenas o reflexo de uma luta muito mais ampla. A
sociedade, de modo geral, tem demonstrado sua dificuldade em lidar com o “diferente”
quando considera a deficiência como desvio do padrão de “normalidade” estabelecido pelos
grupos sociais. Conseqüentemente, isso faz com que a deficiência passe a ser considerada por
seu valor social negativo e o estigma que a caracteriza acaba por, muitas vezes, incorporar-se
na identidade da pessoa com deficiência sendo perpetuado cotidianamente ao longo das
gerações (AMIRALIAN, 1997; GOFFMAN, 1988; PORTO, 2005). Os relatos que se seguem
registram essa marca de estigma:
“Você se sente discriminado quando você está num determinado local e a pessoa quer
qualquer informação sua. Fica questionando se alguém anda com você. Então esse tipo de
comportamento é involuntário e aí é um preconceito cultural que eu acho. A deficiência
não é mais que uma diferença entre as pessoas, uma limitação, melhor dizendo. Esse
129
preconceito cultural, como eu disse, todos nós sofremos. Interessante é como têm pessoas
com esse comportamento, têm outras que nunca nos viram e têm todo aquele jeito de
chegar pra gente e se relaciona muito bem. Como existem pessoas de fácil
relacionamento logo de primeira vista e outros que não se relacionam. Outros chegam
depois e dizem: Olhe eu não me aproximava porque tinha medo de falar com você e você
se zangar e [...] essas justificativas”. (PDV4 – EE).
“Olha o preconceito contra o cego existe e faz parte do dia a dia. O preconceito com
relação à própria cegueira. Achar que o cego é uma pessoa de 2ª categoria. De achar que
ele é uma pessoa que faz vergonha você estar próximo a ele. Esse preconceito a gente tem
combatido muito, mas existe muito ainda. E a cega [...] tem dois tipos de preconceito que
ela sofre: é o de ser mulher e de ser cega”. (PC1 – EE).
Se, como já foi dito por Ciampa (1994), a formação da identidade do homem vai
depender diretamente do contexto histórico, social e cultural em que este está inserido, é
preciso que o indivíduo com deficiência aproprie-se de seu papel ativo na construção desse
contexto, a partir de sua inserção em espaços sociais que devem passar a ser comuns a todos,
indistintamente. Os sujeitos entrevistados parecem estar conscientes da importância de sua
inserção em todos os espaços sociais e, por esse motivo, embora reticentes, defendem a
inclusão social:
“A ACEP, desde sua fundação, faz a inclusão. O aluno dela é matriculado na
rede oficial lá fora. Também quanto ao mercado de trabalho. Em 1982 eu
trabalhei em um supermercado que existia em Teresina, que era o São
Gonçalo. Quando ele deixou de existir, eu sai. A questão da colocação da
mão-de-obra no mercado de trabalho tem duas vertentes que impedem o
deficiente de estar mais presente nessas atividades: é a questão da
capacitação e das dificuldades de emprego; e a questão da qualificação. O
deficiente precisa ser cada vez mais qualificado. Mais do que as que não têm
deficiência. Porque se a pessoa normal faz 90%, as com deficiência têm que
fazer 100% pra poder ser acreditado e ser aceito nesse mercado de trabalho
tão difícil [...]” (PDV4 – EE).
“Uma das vantagens da inclusão é que, de qualquer maneira, ela é uma
propaganda que faz com que as pessoas tirem o cego da geladeira. A questão
da inclusão escolar, da inclusão no mercado de trabalho, elas têm seus
fatores positivos. Não podemos dizer que é uma coisa nociva que o governo
está querendo. Infelizmente o governo não tem os meios e nem quer ser
parceiro das instituições que trabalham com cegos no Brasil e no mundo. Pra
fazer uma inclusão completa se devem ouvir os protagonistas dessa
inclusão” (PDV1 – EE).
Compreende-se que qualquer movimento em direção à inclusão social exige a quebra
de velhos paradigmas, a rejeição a velhas concepções e a construção de novos sentidos do
130
viver em sociedade. Para que aconteça a inserção de todos, indistintamente, no mesmo espaço
social, com a garantia de todos os direitos comuns a todos os cidadãos, a mudança não deverá
ocorrer somente na parcela da sociedade considerada “normal”. Como todos os indivíduos, a
pessoa com deficiência visual deve reconhecer que é diferente. Deve também reconhecer que
algumas de suas limitações funcionais o colocam em situação de desvantagem social. Mas
reconhecer essas diferenças não significa aceitar passivamente os estigmas que a
acompanham. Não significa considerar como marca depreciativa um determinado traço físico,
psicológico ou comportamental que ela venha a possuir.
Como bem explica Carvalho (2004), embora os traços biológicos, psicológicos e
sociais não devam ser considerados isoladamente, caracterizam o indivíduo e precisam ser
reconhecidos em sua representação, como uma espécie de duplicação mental ou simbólica,
que expressa sua identidade.
Há que se reconhecer que, diante de toda a complexidade que envolve a formação da
identidade da pessoa com deficiência visual, na busca por ampliar sua visão de si mesma, a
educação tem um papel fundamental. Acredita-se que o processo de socialização promovido
pela convivência do indivíduo cego com pessoas de visão “normal”, na escola regular, através
da interação com pessoas diferentes, que conseguem ver o mundo, podendo assim descrevê-
lo, tem extremo valor para a pessoa com deficiência visual e para a formação de sua
identidade. Por esse motivo, a próxima categoria tratará do processo educacional da pessoa
com deficiência visual, em busca dos sentidos da inclusão escolar para esses protagonistas.
Além da identidade e do autoconceito, outro elemento que interfere na visão que o
cego tem sobre si mesmo é a sua “auto-imagem”. Oliveira (1994) considera que a auto-
imagem é um sinônimo de autoconceito, contudo, a auto-imagem dá ênfase ao aspecto social
de sua formação. Quando questionados sobre sua auto-imagem, os entrevistados revelaram a
estreita relação que estabelecem entre sua auto-imagem e sua auto-estima:
“Me vejo um cara espontâneo. Me vejo um cara alegre. Me dou com todo mundo. Todo
mundo que me conhece e que é ligado a mim, não só na ACEP, como principalmente em
Timon [...] meus amigos que me conhecem e sabem bem quem é o A.”. (ADV2 – EI).
“Sou uma pessoa simpática. Nem bonito, nem feio. Dá pra levar a vida”. (ADV3 – EI).
Numa primeira análise, pode-se achar que a pessoa, por ser cega, seja incapaz de
formar uma imagem de si mesma, fato que se refletiria na aparência, tornando-a uma pessoa
descuidada da aparência e sem vaidade. A pesquisa demonstrou que isso não é verdade.
131
Um dado interessante e recorrente surgiu durante as entrevistas: no momento em que
se pedia permissão ao entrevistado para fotografá-lo, a maioria (inclusive os homens) pedia
um tempo para pentear os cabelos e melhorar a aparência. Algumas professoras trocaram de
óculos (colocando óculos escuros), pediram opinião sobre sua aparência física e solicitaram
uma cópia de suas fotos. Sempre que recebiam elogios sobre sua aparência mostraram-se,
como qualquer outra pessoa, ora ruborizadas, ora envaidecidas. Um dos homens
entrevistados, campeão piauiense de queda-de-braço, antes de ser fotografado, pediu para se
arrumar um pouco, enxugou a testa, ajeitou os cabelos e a roupa.
Essa reação comum aos deficientes visuais entrevistados revelou aspectos de sua auto-
estima, outro elemento importante na composição de sua visão sobre si mesmos. Segundo
Oliveira (1994), a auto-estima refere-se à atitude valorativa do indivíduo com relação a si
mesmo. Como não se observou, entre os entrevistados, atitudes de desleixo com a aparência
física; ao contrário, a maioria se arruma com esmero, combinando roupas e acessórios,
conclui-se que esse esmero em arrumar-se reflete sentimentos de uma auto-estima positiva.
Eles gostam de ser elogiados por sua aparência e mostram-se extremamente vaidosos. A
impossibilidade de ver sua imagem num espelho parece não afetar o desejo de cuidar-se, de
arrumar-se. Por outro lado, essa vaidade também pode refletir a necessidade de sentirem-se
aceitos pelos demais. Retomando a situação da troca de óculos, por óculos escuros, no
momento de serem fotografados, demonstra a intenção de alguns de “camuflar”, esconder a
ausência de visão que, para muitos, fica evidente na aparência dos olhos.
O autoconceito, a auto-imagem e a auto-estima são elementos e, ao mesmo tempo,
componentes psíquicos e, como tal, resultam de uma construção sócio-histórica e cultural,
constituindo expressão da identidade. Nesse sentido, a identidade é a síntese que o indivíduo
faz de si mesmo a partir do movimento dialético (dinâmico e mutável) das interações que
estabelece com os outros e com o meio.
Desse modo, pode-se afirmar que a formação da identidade da pessoa com deficiência
visual, ou seja, a síntese que fará de si mesma, vai depender diretamente da qualidade das
relações estabelecidas no meio social em que ela está inserida. No caso das pessoas com
deficiência visual que freqüentam o espaço educacional constituído pela escola especial
(CHARCE) e pelas escolas de inclusão (creche e U.E.”Nair Gonçalves”), unidade social
representativa deste estudo, a visão que têm de si mesmas sofre influência direta das
interações estabelecidas nesse espaço. Analisando os relatos que se seguem, percebe-se, por
exemplo, o quanto o meio educacional inclusivo, para muitos, tem contribuído de forma
positiva na formação de sua identidade:
132
“P.F. melhorou muito quando veio pra escola. Até nas passadas, no caminhar. Quando eu
comecei a trazê-lo pra cá ele não corria, tinha dificuldades para caminhar e hoje, não.
Tem seis anos e está se desenvolvendo mais. Melhorou a agressividade quando entrou na
escola. Converso muito com ele. Ele tem colegas aqui na escola”. (MCVN1 – CRECHE).
“Acho importante ela estudar na creche pra se socializar com as outras crianças de visão
normal. Ela aprendeu a falar algumas palavras que não sabia falar direito.”. (MCVN2 –
CRECHE).
“Minha filha melhorou bastante quando veio estudar com as crianças de visão normal.
Ela melhorou bastante – 100%”. (MCVN2 – CRECHE).
No entanto, nem sempre as relações estabelecidas na diversidade do espaço
educacional inclusivo são harmônicas. Algumas são conflituosas; outras, ainda, podem ser
consideradas, até certo ponto, traumáticas. Um fato acontecido na U.E. Nair Gonçalves ilustra
bem esse fenômeno. Ao ser entrevistado, uma criança de nove anos, com baixa visão, aluno
da 3ª série, relatou um episódio: ele estava no pátio, na hora do recreio, e um grupo de
crianças (de visão “normal”) enchia-lhe as costas de carrapicho (uma plantinha espinhenta).
Um outro grupo se aproximou em defesa dele e gritava: Deixem o “ceguinho” em paz, não
façam isso com o “ceguinho”! Quando a pesquisadora comentou o quanto foi bom que alguns
coleguinhas tivessem surgido em sua defesa, o menino foi enfático: - Foi bom, sim! Mas não
precisavam ter me chamado de ceguinho! Meu nome é...
Infelizmente, nem todos, como esse garoto de nove anos, encontram forças para lutar
contra o estigma da deficiência. Alguns acabam por acrescentar a sua identidade os atributos
da inutilidade, incapacidade e ineficiência que acompanham a deficiência. Acabam por
localizar, neles mesmos, a causa da rejeição e exclusão por eles sofridas. Sá (1992, p. 25)
adverte que “[...] incontáveis são as pessoas cegas, confinadas em si mesmas e temerosas de
enxergar a vida com suas próprias mãos”.
Durante a pesquisa esse temor e insegurança mencionados por Sá (1992) se revelaram
em algumas entrevistas. Quando eram interpeladas, essas pessoas mostraram-se retraídas e
suas respostas quando não eram evasivas eram sempre curtas, sem espaço para estabelecer
uma conversa. Medo, estranheza, desconfiança foram alguns dos sentimentos que se
revelaram nas atitudes. Muitos desses sentimentos acabam gerando dificuldades nos
relacionamentos entre estigmatizados e não-estigmatizados.
Nessa perspectiva, é interessante mencionar outro aspecto importante sobre os efeitos
do estigma no estigmatizado que se evidenciou na pesquisa: a existência de um preconceito da
133
pessoa cega contra a pessoa de visão “normal”. Muitos dos sujeitos entrevistados admitiram
antecipar pensamentos e atitudes de pessoas consideradas “normais”, como quem já esperasse
uma atitude preconceituosa por parte dessa pessoa. Os depoimentos que se seguem
exemplificam essa atitude:
“O preconceito muitas vezes é maquiado. Às vezes também a gente já está tão calejado...
a deficiência te deixa meio arisco, né? Às vezes pode até ser que a pessoa não tenha a
intenção mas você se sente atingido” (ADV6 – EE).
“Algumas pessoas cegas não entendem o gesto de ajudar, entendem como se fosse
piedade e até rejeitam esse tipo de gesto. O preconceito está no interior deles, desses que
não aceitam a ajuda. [...] (PDV7 - EE).
Isso explica, porque, no episódio anteriormente relatado sobre o “carrapicho”, para a
criança com deficiência visual, o fato dos coleguinhas a terem defendido tenha ficado em
segundo plano; tendo permanecido em evidência o peso da palavra “ceguinho”. O sentimento
de “desconfiança” e a resistência a uma maior proximidade com os colegas de visão
“normal”, conseqüentemente, agravam e reforçam ainda mais os efeitos do estigma.
Nesta ótica, pode-se dizer que as relações interpessoais que se estabelecem na ACEP
(PI), entre as pessoas com deficiência visual e as de visão “normal”, são extremamente
importantes para a superação desse sentimento de “desconfiança”. O fato de ser um espaço
em que a maioria das pessoas possui deficiência visual cria um ambiente acolhedor, confiável.
Os participantes da ACEP (PI) sentem-se entre pessoas conhecidas, entre os amigos; e o clima
que impera é de brincadeira e de descontração.
Entre as atividades oferecidas pela ACEP (PI) que favorecem essa superação estão as
aulas de comunicação, de AVD, de Orientação e Mobilidade. São aulas que ajudam muito a
pessoa com deficiência visual a situar-se e a comunicar-se com o mundo. Um professor, ex-
aluno do CHARCE ressalta a importância dessas atividades:
“Primeiro nós trabalhamos a parte de atividades da vida diária, a parte de educação física;
trabalhamos a orientação e mobilidade que é onde vamos aprender a nos locomover
sozinhos, que é muito importante!” (PDV1 - EE).
Sobre essas atividades, foi levantado por um aluno outro aspecto relevante: a
necessidade de conscientização de seus próprios limites. No momento que a pessoa com
deficiência visual reconhece seus traços, limites, sentimentos e aspirações; começa a
reconhecer também seus atributos, habilidades e possibilidades de aprendizagem. Dessa
maneira, a pessoa vai construindo sua autonomia e consolidando uma identidade mais realista,
134
o que faz dela uma pessoa mais forte, centrada, confiante, pois se conhece e reconhece seus
limites e qualidades.
“Ainda não sou capaz de me submeter a uma outra atividade como o lazer. Ali na ACEP
sempre jogam bola. Só quem pode jogar é quem está preparado. A gente que não tem
uma preparação física não tem condições de bater uma bolinha” (ADV2 – EI).
O relato acima demonstra a importância das aulas de orientação e mobilidade para a
pessoa cega. Nessas aulas, a pessoa cega aprende a se localizar, trabalha seu esquema
corporal, seu equilíbrio, sua lateralidade. Aprende a usar a bengala para se locomover e ganha
mais autoconfiança. Entretanto, nem todos querem participar das aulas. Um exemplo dessa
resistência foi encontrado no relato da mãe de um aluno de sexta série da U. E. “Nair
Gonçalves”. Ela contou que seu filho detesta usar a bengala. Prefere se arriscar na escuridão a
levar nas mãos um indicativo tão claro de sua deficiência.
Segundo Goffman (1988, p. 40), esse comportamento denomina-se “de
‘normificação’, ou seja, esforço por parte do indivíduo estigmatizado em se apresentar como
uma pessoa comum, ainda que não esconda necessariamente o seu defeito”. Esse
comportamento nas pessoas com deficiência visual foi observado em várias situações durante
a pesquisa. Como se justifica essa atitude? Analisando o fato sob a perspectiva de que o
desenvolvimento do psiquismo humano ocorre com base na apropriação dos modos de ação
culturalmente elaborados, a tentativa de camuflar o “defeito” decorre do desejo de não sofrer
as penalidades do estigma, refletidas em práticas preconceituosas culturalmente elaboradas. A
análise do episódio descrito no parágrafo anterior permite observar que aquele adolescente
procurava minimizar os efeitos estigmatizantes de sua deficiência. Aquele jovem estava na
escola com o objetivo de fazer uma homenagem às mães apresentando um número musical.
Ele tinha consciência de que estava numa posição de evidência e que todos, provavelmente
estariam olhando pra ele enquanto se deslocava até o microfone. Resolveu então arriscar um
trajeto às escuras, sem o auxílio de ninguém. Não queria que sua deficiência ficasse em
evidência.
Da mesma forma como acontece com as pessoas que conseguem ver, para as pessoas
com deficiência visual “conhecer a si mesmo” e “conhecer o outro” são grandes desafios.
Trata-se de um processo constante e dinâmico. Constante, porque quando o homem imagina
estar conseguindo reconhecer sua própria identidade ou a identidade de outrem, percebe que
há sempre algo novo ainda encoberto, e, por isso mesmo, dinâmico, porque a plasticidade
humana permite que as pessoas mudem, embora continuem sendo elas mesmas.
135
Nesse processo, volta-se a considerar que se o homem é um sujeito que se constitui
historicamente, as relações que as pessoas cegas estabelecem com o meio e com seus pares
são extremamente importantes na constituição de suas identidades. Por isso é tão importante
observá-las no contexto dessas relações.
A denominação utilizada para se referir à pessoa cega também se reflete na sua
identidade. Durante a história humana, as pessoas com deficiência receberam várias
denominações. As pessoas com deficiência mental já foram chamados de bobos, idiotas,
imbecis ou dementes; se tinham deficiência física eram tratadas por aleijados; e, termos como
excepcional, portador de deficiência ou portadores de necessidades especiais foram, e são
ainda, usados de forma mais genérica para denominar as pessoas com algum tipo de
deficiência. Algumas dessas denominações eso carregadas de preconceito e acabam por
evidenciar ainda mais as limitações funcionais dessas pessoas.
Contudo, convém ressaltar que as inúmeras mudanças na nomenclatura muitas vezes,
ao invés de representar um avanço atitudinal no que se refere ao tratamento dado à pessoa
com deficiência, têm servido, sim, para desviar o sentido de “deficiência” e de suas
implicações individuais e sociais. Nas entrevistas, quando interpelados sobre essa
nomenclatura, as pessoas com deficiência visual apresentaram uma opinião formada a esse
respeito:
“Eu não tenho esse preconceito que alguém me chame de cego, não. Se você
chama por gozação dá pra perceber, até porque a palavra ‘cego’ é real, muito
embora pese. Muita gente acha que pesa muito, é uma palavra muito
grosseira que contraria as pessoas, mas eu, por exemplo, eu ficaria
contrariado se você me chamasse de cego de uma forma grosseira. Mas se
for de forma sem grosseria dá para perceber. A minha preferência, é lógico,
é que me chame pelo meu nome” (PDV4 – EE).
“Pessoa com deficiência visual, é o nome ideal pra gente. Existe sim, muito
preconceito. Eles pensam que só porque a gente não enxerga a gente não tem
facilidade de aprender como eles. A gente não é um coitadinho como eles
pensam... a gente também é normal, só porque a gente não tem a visão mas...
a gente pode ser como eles também, é claro!” (ADV3 - EE)
“Não é a denominação utilizada para se referir ao cego que lhe causa
preocupação, mas o peso do preconceito que acompanha essa denominação”
(ADV4 – EE).
Outro elemento que influenciará diretamente no autoconceito da pessoa com
deficiência é o modo como a família enfrenta e aceita o problema. Na família se estabelecem
os primeiros vínculos afetivos e as primeiras interações com o meio social. Se essas interações
136
definem-se como experiências acolhedoras, estabelecidas num ambiente que transmite
segurança e motivação para explorar o mundo, o ambiente familiar torna-se responsivo, dando
condições à criança para formar um autoconceito positivo. Os relatos que se seguem
demonstram a importância dessas relações, tanto ressaltando os aspectos positivos do apoio
familiar como denunciando os danos causados pelo preconceito dentro do ambiente familiar.
“Graças a Deus eu tive um apoio muito grande da minha família. Eram pessoas
simplórias na forma de pensar. Pessoas que não tiveram oportunidade que eu tive...a
educação. Passei quase três anos parado, mas minha mãe sempre me apoiando, buscando
tratamento. Tem a questão da esperança [...] Você tem a esperança que vai voltar a
enxergar e quando você cai na real, às vezes tem perdido três anos, assim como eu perdi.
Mas a minha mãe e minha família me apoiaram muito”. (ADV6 – EE).
“Eu e tantos outros que tivemos a oportunidade de estudar somos privilegiados. E o cego
que a família [...] porque eu acho que o preconceito maior começa dentro de casa, por
parte de muitas famílias. As famílias não preparam, não buscam informação para
trabalhar com o deficiente de vários casos. Então isso é preconceito familiar”. (PDV6 –
EE).
Na ausência de um apoio familiar no enfrentamento da deficiência, muitas pessoas
com deficiência visual buscam, em outros espaços sociais, como a ACEP (PI), esse apoio
emocional e material. Nesse sentido, novamente se ressalta a importância da ACEP (PI)
enquanto espaço de socialização para essas pessoas. De modo especial, a convivência na
diversidade que caracteriza o cotidiano da instituição, enriquece enormemente o processo de
auto-reconhecimento do indivíduo e sua identidade. Convivendo com pessoas diferentes, a
pessoa com deficiência visual tem a oportunidade de observar na ação dessas pessoas,
alternativas diferentes para a solução de problemas, construindo a partir dessas observações,
inúmeras possibilidades de superação dos seus limites.
Mesmo diante de todos os desafios da convivência na diversidade, observou-se que a
pessoa com deficiência visual deseja sua inclusão social, sendo reconhecida pelo que é e não
pela deficiência. Um caso acontecido na U.E. “Nair Gonçalves” ilustra esse desejo que a
pessoa cega tem de participar do mundo “normal”, tendo acesso à convivência não segregada.
Enquanto a pesquisadora observava a dinâmica da sala de aula de inclusão (3ª série), notou
um rapaz com deficiência visual diferente na sala de aula. Não era aluno daquela sala.
Os outros alunos pareciam ter intimidade com ele e a todo instante levantavam e iam
até sua carteira, para conversar ou simplesmente tocá-lo de modo que os reconhecesse. A
professora esclareceu reservadamente que se tratava de um aluno que por problemas de saúde
não poderia dar continuidade aos estudos e que estava ali matando as saudades da turma. Esse
137
jovem tinha um tumor na cabeça e o esforço para estudar, segundo os médicos, estava
agravando seu estado de saúde. Ele trazia os bolsos cheios de chocolate e o coração cheio de
ternura. Sempre que as crianças conseguiam driblar a atenção da professora, ele lhes passava
um chocolate e um sorriso.
Diante de todas as considerações feitas até aqui, quando se pensa em como o cego se
vê, considera-se que seja qual for o autoconceito que ele tenha formado de si mesmo, esse
autoconceito vai acompanhá-lo aonde quer que ele vá. Na sala de aula, nas relações
interpessoais, nos conflitos emocionais, nos obstáculos e nas limitações funcionais esse
autoconceito vai sofrendo mudanças significativas e, aos poucos vai se consolidando,
marcando a identidade dessa pessoa.
A educação, de um modo geral, precisa urgentemente de reformas atitudinais que a
façam romper com velhas práticas excludentes em troca de uma pedagogia que acolha a todos
na diversidade. Para tanto, o primeiro passo está na “aproximação”. Está em parar de
fotografar e retratar a educação, sob o foco de uma “visão” panorâmica. É preciso que o
professor, o diretor, os pais, os funcionários da escola, aproximem-se. Cheguem mais perto
pra contar de certo: quem é aquele aluno? Aquele que antes de ter deficiência visual, tem uma
história, uma vida, um nome, e infinitas possibilidades de aprendizagem.
5.2 Categoria 02 – Os sentidos da inclusão escolar
Na presente categoria, para iniciar a discussão sobre os sentidos da inclusão escolar
faz-se necessário refletir sobre um tema mais amplo que se contrapõe às desigualdades sociais
e ao estado de pobreza e miséria em que vive a grande maioria das pessoas no mundo: a
inclusão social. Mais do que simplesmente um modismo, a inclusão social como um direito
humano inalienável emerge num contexto de naturalização das desigualdades sociais, de
submissão à ordem estabelecida pelas estruturas de poder que marcam esse tipo de sociedade.
Diante de tantas desigualdades e injustiças sociais resta aos “excluídos” lutar por uma
reestruturação econômica, política, jurídica e cultural.
Com o objetivo de revelar os sentidos da inclusão escolar para os sujeitos que
vivenciam esse processo, a análise aqui organizada buscou primeiramente identificar os
sentidos de inclusão social para os sujeitos da pesquisa. Durante as entrevistas e conversas
informais, realizadas tanto na escola especial como na escola inclusiva, quando questionados
138
sobre o que entendem por inclusão social, os sujeitos investigados relacionaram o termo ao
contexto de suas vivências sociais referindo-se à inclusão como sendo o processo de inserção
da pessoa deficiente no meio social considerado “normal”. É o que se observa nos registros de
fala que se seguem:
“Inclusão social? Essa palavra está muito em uso e está na moda no Brasil. Mas muitas
vezes eu vejo pessoas defendendo a inclusão de forma errada [...]”. (PDV4-EE).
“Inclusão social é a convivência normal do deficiente no meio social considerado
normal”. (PVN2-EE).
“É deixar que o deficiente participe o máximo da vida normal. Inclusos em todas as
atividades, todos os aspectos. É claro que tendo limitações. A sociedade tem que está
vendo em que eles podem ser encaixados, pra eles estarem sempre participando”. (PVN5-
EE).
“Inclusão social é a mesma coisa de todos os deficientes estarem incluídos com as
pessoas normais” (ADV5 - EE).
Percebe-se que a concepção de inclusão para as pessoas com deficiência visual
aproxima-se do que considera Fonseca (2003), para quem a inclusão social deve garantir que
todos, indistintamente, tenham as mesmas oportunidades de acesso aos benefícios que a
sociedade moderna oferece: saúde, educação, abrigo, segurança e lazer de qualidade. Segundo
Ross (2000), para se compreender o lugar, a posição e o valor da inclusão social, deve-se,
antes, analisar as formas de exclusão resultantes do neo-economicismo liberal que
fundamentam implícita ou explicitamente as políticas e práticas sociais dos países capitalistas.
Em países capitalistas como o Brasil, a valoração da pessoa humana, atendendo ao modelo
neo-economicista, ainda permanece condicionada ao seu potencial de produção. Desse modo,
para a pessoa cega a inclusão social representa um sonho a se realizar, bem como acena para
uma sociedade que valoriza seus sujeitos pelo que eles são, e não pelo que podem produzir.
Segundo Tiballi (2003), Pinheiro (2003) e Ross (2000), essa é uma discussão que deve
ser considerada politicamente, devendo, portanto, ser analisada no contexto dos interesses que
regem uma sociedade capitalista. Conseqüentemente, as políticas públicas que ao longo da
história das sociedades capitalistas têm sido determinadas pela classe economicamente
favorecida, jamais poderão representar os anseios dos excluídos.
Além de reforçar o pensamento dos autores citados no parágrafo anterior, os
depoimentos que se seguem reivindicam a participação significativa da pessoa com
deficiência na organização dessas políticas públicas:
139
“Muito deficiente não sabe nem o que é inclusão. A inclusão tem tido os avanços dela, só
que ela está sendo muito usada como vitrine pra beneficiar certos grupos. A problemática
do deficiente está muito em foco. O que não falta hoje é instituição, são órgãos que se
dizem envolvidos com a causa. É interessante notar que o deficiente ainda não tem uma
participação significativa dentro desses órgãos governamentais, né?”. (ADV6 - EE).
“Eu acho que quem sabe melhor, quem compreende melhor a problemática, é quem está
vivendo na pele. Um exemplo: a gente vive na sociedade capitalista, uma sociedade que a
gente tem que utilizar o dinheiro, a moeda. O deficiente para receber um troco...o
deficiente visual, ele não sabe o que está recebendo. Tem que confiar na honestidade de
quem está passando pra ele. Então eu acho que levando em consideração a conjuntura,
que a gente vive numa sociedade capitalista, a partir do momento que você não tem
condições de saber a quantidade de dinheiro, que é a mola que move essa sociedade, você
já está excluído, né?”. (ADV7 - EE).
“A inclusão social se estivesse sido discutida com as pessoas que dela necessitam era um
passo gigantesco [...] Eu só posso me sentir incluso se eu estiver participando em pé de
igualdade das atividades daquele grupo social do qual estou fazendo parte”. (PDV1-EE).
Analisando a fala desses depoentes, observa-se a extensão e complexidade que
envolve o processo de inclusão social. Segundo a percepção dessas pessoas essa é uma
temática que para ser vivenciada em toda a sua extensão precisaria ser discutida por quem é
vítima da exclusão social. Apesar de reconhecer os avanços em direção à inclusão, os
entrevistados consideram que os sentidos da inclusão não envolvem somente a garantia de
direitos humanos, mas pressupõem elementos mínimos essenciais à autonomia dos
indivíduos.
Enquanto Aranha (2001) defende uma ação participativa de todas as instâncias da
sociedade em prol da construção de uma sociedade inclusiva, uma outra visão da inclusão
social a coloca inteiramente sob a responsabilidade da educação. Tiballi (2003) ressalta que,
para as pessoas que comungam esse pensamento, o propósito do paradigma inclusivo não é
somente “incluir na escola”, e sim, “incluir pela escola”. Nas entrevistas, alguns se
posicionaram em defesa da concepção redentora da educação, outros, ao contrário rebateram-
na de forma contundente:
“Inclusão social seria incluir os excluídos na sociedade. Como a educação é o elemento
que mais contribui para a inclusão, a educação é o primeiro passo para a inclusão social.
Se você promove a inclusão escolar, conseqüentemente, você vai promover a inclusão
social”. (PVN1-EE).
“A gente fala de inclusão. Eu acho que antes de haver inclusão educacional tem que haver
uma inclusão como um todo. Se houver essa inclusão, conseqüentemente você vai ter a
inclusão escolar do deficiente. Se nossas famílias aqui fossem pessoas que tivessem
140
incluídas dentro da sociedade, com dignidade, eles próprios teriam estrutura, condições
pra proporcionar pra gente as ferramentas necessárias pra gente se desenvolver”. (ADV7 -
EE).
O argumento contra a concepção de “incluir pela escola” sustenta-se na constatação de
que a assimilação cultural não garante a inclusão social, podendo, pelo contrário, legitimar o
processo de exclusão social para o qual a escola tem efetivamente contribuído (TIBALLI,
2003).
Ao considerar os eventos do cotidiano educacional inclusivo e como os sujeitos
pesquisados compreendem esse processo buscou-se observar as práticas de inclusão
desenvolvidas, tanto na escola especial quanto na escola inclusiva. Algumas falas dos sujeitos
pesquisados demonstram que, embora eles acreditem na inclusão escolar como “uma
possibilidade”, eles não a reconhecem como algo que já esteja acontecendo de fato:
“Eu acredito que a inclusão escolar exista. Agora, ainda não está existindo!
Ela é possível, mas não está acontecendo realmente” (PVN1 - EE).
.
“Acho que no futuro ela vai existir. Eu creio que quando se coloca esse
aluno (com deficiência) na rede regular, todo mundo já está aprendendo
como lidar com ele. [...] Não existe essa coisa de ser cego e ser agregado
apenas às pessoas cegas. Não! Você tem que ser incluído mesmo! Não pode
ficar isolado, só entre os cegos!” (PVN5 - EE).
Para esses sujeitos, a inclusão escolar mostra-se como o “ideal”, mas o “real” ainda se
distancia muito desse modelo idealizado. Há muito tempo os cegos já vivenciam experiências
de inclusão escolar. A escola regular pesquisada já recebe cegos no seu quadro discente há
mais de uma década. Eles são “inseridos” na escola, recebem o apoio técnico e pedagógico da
escola especial (CHARCE), mas não se sentem “incluídos”. Esse sentimento se revelou em
diversas situações do cotidiano da ACEP (tanto no CHARCE, quanto na pré-escola) e da U.E.
Nair Gonçalves.
Um exemplo aconteceu nas comemorações do “dia das mães” da U. E. “Nair
Gonçalves”. A pesquisadora pediu para que a coordenação identificasse as mães dos alunos
com deficiência visual presentes no evento para que se pudesse estabelecer um contato
informal com essas mães. A coordenadora informou que isso não seria possível porque os
alunos cegos, normalmente, não participavam das festividades da escola, a não ser que não
coincidissem com as comemorações realizadas na ACEP (PI). Segundo ela, eles não
gostavam de perder as festas da ACEP (PI). Naquele evento, apenas um aluno de sexta série,
141
com deficiência visual, compareceu a festa com sua mãe, pois havia sido convidado para
homenagear as mães com uma apresentação musical.
No cotidiano da escola regular, os alunos cegos quase sempre se mostraram inseguros
e desconfiados. Na hora do recreio, os alunos com deficiência visual buscavam acompanhar-
se de seus iguais. Puderam-se observar tímidas tentativas de aproximação por parte dos
coleguinhas de visão “normal” que logo se distraiam com seus colegas “videntes”.
Faz-se necessário, entretanto, ressaltar um aspecto que agrava o distanciamento e o
“estranhamento” entre os alunos deficientes visuais e os de visão “normal” presentes no
espaço educacional inclusivo: a diferença de idade. Ao se estabelecer a relação idade-série
dos dez sujeitos com deficiência visual, incluídos na Unidade Escolar “Nair Gonçalves”, nas
séries iniciais do Ensino Fundamental (2ª, 3ª e 4ª séries) do turno da manhã, no ano de 2006,
observou-se uma distorção surpreendente:
2ª Série (seis alunos, sendo três em cada sala de 2ª série): 18, 24, 25, 26, 32 e 63 anos.
3ª série (três alunos): 10, 12 e 24 anos.
4ª série (um aluno): 19 anos.
Essa distorção se estabelece em decorrência do ingresso das pessoas com deficiência
visual no sistema educacional ser muito tardio.
Desse modo, observa-se que entre os alunos de 2ª série, por exemplo, onde a maioria
dos alunos tem entre oito e nove anos de idade, os alunos com deficiência visual são
adolescentes ou adultos (um deles, inclusive, com 63 anos). Somente na 3ª série as interações
estabelecidas entre os alunos com visão “normal” e com deficiência visual não ficaram
comprometidas pela diferença de idade.
Ao contrário do que foi observado na escola regular, onde o cego demonstra
insegurança e timidez, na ACEP (PI), entre seus “iguais”, a pessoa com deficiência visual
sente-se mais à vontade. Por que isso acontece? Porque como já foi dito, a assimilação
cultural não garante a inclusão social. Atualmente, de forma mais ou menos intensa, todos são
levados a assimilar os princípios e fundamentos da inclusão escolar; contudo, a escola do
sistema regular de ensino ainda mantém práticas que reforçam a exclusão social. Ainda
persistem muitas atitudes preconceituosas na escola regular, como por exemplo: os apelidos,
os insultos, os maus tratos e os rótulos que a pessoa “diferente” recebe no espaço escolar.
No contexto pesquisado, observou-se que as pessoas deficientes visuais, reconhecendo
esse preconceito, tendem naturalmente a acreditar que, entre seus “iguais”, realmente se
sentirão melhor. Contudo, segundo Dall’Acqua (2002), é no espaço escolar inclusivo que se
deve examinar como vão sendo construídos esses preconceitos contra as pessoas com
142
deficiência. Segundo a autora, é exatamente nesse universo mais amplo que o familiar, que
acabam se consolidando os mecanismos responsáveis pela construção social da deficiência,
pois quando a criança começa a freqüentar a escola, começa a se relacionar com pessoas
diferentes que trazem e reproduzem no contexto escolar as regras de controle social e as
concepções segundo as quais as práticas sociais são instituídas.
Isso explica as experiências negativas, como a descrita anteriormente por Goffman
(1988), a que se submetem as pessoas com deficiência no espaço escolar inclusivo. Explica
também a freqüência com que tais experiências se reproduzem no espaço escolar. Os
depoimentos colhidos e apresentados na seqüência são exemplos dessas experiências
negativas:
“Em minha experiência escolar eu tive oportunidade de ficar tão triste, que só não desisti
porque eu tinha um objetivo: terminar o primeiro e segundo grau e chegar até a
universidade. No momento de dividir os grupos e ninguém queria aceitar. No primeiro
momento, porque achava que eu não sabia de nada. Já no segundo momento, quando eu
fazia o meu trabalho individual, entregava para a professora e ela corrigia e falava para os
meus colegas de sala que o meu trabalho tinha sido excelente e que eu realmente tinha
capacidade [...] no próximo trabalho de grupo todos queriam que eu participasse”.
(PDV3-EE).
“Muitas vezes, a colega de sala emprestava o caderno para outra, mas não emprestava pra
mim. Então eu ficava me perguntando: por que ela empresta pra fulano e pra mim não
pode emprestar?”. (PDV5-EE).
Relatos assim enfatizam a importância do ambiente escolar como um local de encontro
com o outro, diferente de nós. No primeiro depoimento, nota-se uma mudança de atitude
provocada pela presença do indivíduo “diferente” no espaço escolar que antes só admitia a
presença de “semelhantes”. Tanto para Mantoan (2003b) quanto para Fonseca (2003), através
do convívio é que o outro “diferente” deixará de ser um indivíduo qualquer e passará a ser
reconhecido como alguém essencial. Alguém que possui limitações, mas que quando
confrontados com pessoas “normais” fazem-nas perceber que elas também têm limites.
Segundo os entrevistados a inclusão escolar apresenta-se como uma possibilidade,
uma realidade a ser alcançada, resultado da ação conjunta que envolve professores, diretores,
pais, alunos e demais membros da sociedade:
“A inclusão está muito em moda, muito falada [...] mas eu acredito que estamos apenas
começando. O processo de inclusão ainda é muito rasteiro, muito pequeno, porque a
inclusão é pra ter um complemento mesmo! Para a pessoa deficiente estar inclusa no
processo tem ainda muita coisa pela frente. Por exemplo, em algum momento ela pode
estar sendo incluída pela sociedade, mas não estar tendo interação com ela. Pode estar
143
sendo um estudante em sala e estar sendo ignorado por seus colegas. Então não está
havendo inclusão porque não está havendo interação”. (PDV3-EE).
No âmbito da presente categoria, os dados de pesquisa revelaram que, no universo de
convivência das pessoas com deficiência visual, existe um consenso sobre a importância e a
necessidade da inclusão escolar. Todos os entrevistados deixaram claro que a inclusão escolar
tem sido benéfica para o desenvolvimento da pessoa cega, demonstrando, inclusive, certa
satisfação com as ações em direção à inclusão escolar dos cegos desde a pré-escola.
Entretanto, embora a prática de inclusão escolar do cego, em comparação com outras
deficiências, não seja uma novidade, visto que desde as primeiras iniciativas de educação para
cegos a tendência foi de incluí-los no ensino regular logo após a sua alfabetização; foram
insignificantes as iniciativas de construção de um sistema inclusivo que atendesse a esse tipo
de criança desde a pré-escola. A alfabetização dos cegos quase sempre tem acontecido quando
estes já são adolescentes, jovens ou adultos.
Segundo dados coletados na Unidade Escolar “Tia Graça Nery”, são dois os maiores
motivos da criança cega não sentir-se incluída de forma satisfatória, desde a pré-escola, no
ensino regular: superproteção e preconceito.
Finalmente, se como afirma Charlot (1992), a etnografia desnuda o real, à medida que
se buscava revelar, na trilha investigativa, os sentidos da inclusão escolar para a pessoa cega;
as atuais práticas educacionais consideradas inclusivas foram sendo colocadas em xeque.
Observou-se através dos depoimentos dos sujeitos, das imagens e dos sentimentos expressos
nas ações cotidianas do espaço inclusivo que, muitas práticas sociais excludentes resistem à
construção desse novo paradigma educacional, sendo reproduzidas cotidianamente.
Segundo André (1995, p.19), “[...] em toda sociedade as pessoas usam sistemas
complexos de significado para organizar seu comportamento, para entender a sua própria
pessoa e os outros e para dar sentido ao mundo em que vivem”. Com base nessa premissa,
conclui-se, finalmente que, os sentidos da inclusão escolar estão em pleno processo de
construção e de concretizar, no espaço sócio-cultural da ACEP (PI) e demais instituições
pesquisadas.
Na dialética desse processo, o campo pesquisado, formado pela ACEP (PI) e pela
Unidade Escolar “Nair Gonçalves”, apresentou-se como um “campo minado”; expressão essa
alusiva ao estado de tensão que se estabelece quando velhos paradigmas começam a ser
quebrados dando lugar a inovações paradigmáticas.
144
No caso específico da inclusão escolar, todos os sujeitos envolvidos nesse processo
parecem caminhar nesse “campo minado”. Numa trajetória que, embora desafiadora, é lenta,
cuidadosa, desconfiada e conflituosa. Vale ressaltar, entretanto, que os conflitos que surgem
nesse trajeto são extremamente importantes, pois permitem identificar os obstáculos e as reais
possibilidades da inclusão escolar. Nesse sentido, a próxima categoria buscou revelar alguns
elementos importantes nesse processo de identificação e de inclusão.
5.3 Categoria 03 - Escola especial e a escola inclusiva: dois caminhos e uma direção
Nos primeiros momentos da pesquisa, quando se optou por investigar a inclusão de
pessoas com deficiência visual, já realizada há mais de uma década na Unidade Escolar “Nair
Gonçalves”, a pesquisadora vislumbrava encontrar ambientes humanos de convivência
autenticamente plurais. Ao confrontar-se com a realidade, embora não tenha encontrado no
ambiente inclusivo um espaço de convivência “harmonioso”, felizmente ainda pôde encontrar
um espaço humano e plural.
E à medida que se investigava quais aspectos demarcavam a convivência da pessoa
com deficiência visual no espaço educacional inclusivo, tanto no espaço da pré-escola
(creche), como na U.E.”Nair Gonçalves”, se percebia a importância da escola especial nesse
processo.
Segundo o que foi observado, no cotidiano da “creche”, Unidade Escolar “Tia Graça
Nery”, escola infantil inclusiva que atende a crianças com deficiência visual e que funciona
dentro da ACEP (PI), embora a prática de inclusão ali realizada demonstre que o ideal
estabelecido pelo paradigma inclusivo ainda não foi alcançado, para a maior parte dos sujeitos
esse ideal parece ser intensamente almejado.
Carvalho (1998, p. 150) mostra-se muito realista quando afirma que ainda há muito a
se fazer em apoio aos “[...] esforços das escolas para ampliar sua capacidade de resposta à
diversidade, minimizando todas as práticas excludentes e segregadoras”. A foto nº 76
apresenta o espaço e a dinâmica do cotidiano de uma das salinhas de aula de inclusão.
145
Foto nº 76: Aula na creche
Fonte: acervo da autora, 2006
A foto registra um momento lúdico de contagem de história na creche. As crianças
estão sentadas no chão, em círculo, e a professora utiliza uma fantasia, músicas e gestos para
enriquecer a contagem da história. A imagem registra o estado de euforia de duas meninas
com deficiência visual que inquietas tentam acompanhar os acontecimentos da aula.
Segundo Galvão (2006), para que o desenvolvimento da criança cega aconteça de
forma favorável, deve acontecer num ambiente acolhedor, adequado ás necessidades da
criança, estimulante e desafiante.
Promover esse ambiente – que aparentemente não é mais do que garantir o básico,
para que qualquer criança cresça plenamente – acaba, muitas vezes, por se
transformar em uma árdua tarefa, quando se trata de uma criança que nasce com
deficiência visual, pois o cego, a princípio, é um intruso, vivendo em uma sociedade
de videntes, no mundo que foi preparado por e para pessoas com uma maneira
específica de capturar o seu conteúdo, uma percepção primordialmente visual”
(GALVÃO, 2006, p. 4-5).
Durante a observação da dinâmica escolar da creche percebeu-se um estado de tensão
constante por parte das professoras em atender às necessidades das crianças cegas. Em
algumas atividades, ficou demonstrada, inclusive, uma atenção diferenciada às crianças cegas
e, até mesmo, atitudes de superproteção. O ambiente de sala de aula é, na medida do possível,
acolhedor. Brincadeiras, música, atividades lúdicas estão presentes atendendo à dinâmica
comum de uma sala de pré-escola.
Ao se referirem à creche, os sujeitos entrevistados reconhecem que essa conquista
representa uma grande vitória na educação dos cegos. O relato que se segue, de uma
professora de alfabetização em Braille, é demonstrativo desse reconhecimento.
146
“Essa creche aqui foi um sonho antigo dos fundadores da ACEP (PI). O objetivo principal
foi a socialização da criança cega com a criança vidente. A criança cega é muito
“medrosinha”, muito dependente. À medida que ela vai convivendo com as crianças que
enxergam ela vai perdendo o medo, ela vai se sentindo pessoa. Quando ela chega na
escola lá fora, aí ela já tá totalmente integrada e socializada” (PDV3 – EE).
Essa importância da creche no processo de socialização da criança cega reforça-se na
ótica de Vygotsky (1993) quando atribui à gênese do desenvolvimento da criança uma lógica
própria adquirida num sistema de comportamento social. Por esse motivo, o autor defende a
idéia de que a pessoa cega deve conviver com a pessoa de visão “normal”, pois a convivência
segregada poderia gerar a criação de um tipo particular de ser humano isolado, distante do
convívio social. Para Vygotsky (1993), o convívio na diversidade estimula o desenvolvimento
da criança, que passa a criar caminhos em busca de compensar o déficit gerado pela
deficiência visual.
Nesse sentido, a creche possibilita essa convivência não segregada. E para ajudar a
criança cega a se organizar, construindo essas estratégias de compensação mencionadas por
Vygotsky (1993), é preciso que os profissionais de educação se apropriem dos conhecimentos
relativos ao desenvolvimento infantil e que estejam constantemente investigando e refletindo
sobre as peculiaridades que marcam a interação da criança cega com o mundo. Para tanto, a
pré-escola deve oferecer à criança cega, assim como às demais crianças, as condições
mínimas de comunicação, interação, exploração e descoberta do mundo.
Nessa perspectiva, a inclusão escolar oportuniza a criança com deficiência visual,
conhecer outras crianças de sua idade, com alterações sensoriais ou não, e isso contribui
significativamente para que ela venha a conhecer-se e a identificar-se com elas. A partir de
experiências compartilhadas, estas crianças têm a oportunidade de enriquecer seu mundo
interior e de ampliar suas vivências (BRASIL, 2001; VYGOTSKY, 1989).
Quanto ao funcionamento da creche, a supervisora pedagógica informou que as
turminhas da pré-escola têm cerca de dezesseis alunos, e destes, no máximo quatro têm
deficiência visuais. Contudo, as primeiras queixas das professoras se referem justamente à
quantidade de alunos de visão normal. Segundo essas professoras, ficaria mais fácil trabalhar
a inclusão das crianças com deficiência visual se as turmas fossem menores. Elas justificam
que na idade em que as crianças se encontram, normalmente são muito ativas; isso exige da
professora uma atenção redobrada. Desse modo, fica difícil dar conta de atender às
necessidades especiais das crianças cegas e, ao mesmo tempo, redobrar os cuidados com as
crianças “normais”. Uma das professoras entrevistadas preocupou-se em explicar:
147
“Eu tenho dificuldade porque a maioria enxerga e os deficientes precisam de maior
atenção. Às vezes eu tenho apenas quatro deficientes junto com dez ou doze de visão
normal. E se torna difícil dar atenção pra eles. Enquanto estou dando atenção para o
deficiente, os outros estão fazendo muito barulho. E eles começam se irritar” (PVN3 –
EI).
Observou-se na fala desta e de outras professoras que, como extensão das ações da
ACEP (PI), há uma tendência natural pelo atendimento especializado das crianças cegas nas
salas de inclusão e isso fica claro na reivindicação por uma diminuição da quantidade de
alunos normais por sala.
Numa primeira análise, parece existir uma atenção concentrada por parte dos
professores em atender prioritariamente as crianças cegas em suas necessidades. Contudo, ao
longo das análises outros aspectos importantes se revelam e demarcam a convivência no
espaço escolar inclusivo. Notou-se, por exemplo, que no ambiente escolar, em algumas salas e
no pátio, não existiam estimulações visuais em forma de desenhos ou cartazes, muito comuns
no ambiente pré-escolar. Como algumas crianças da escola não podem ver, algumas
professoras mostraram-se desmotivadas para ornamentar suas salas, inclusive argumentando
que a ornamentação não dura nada, pois quando as crianças cegas saem apalpando as paredes
acabam arrancando os cartazes e desenhos.
Inicialmente, pode parecer que as crianças com visão “normal”, nesse caso, estejam
sendo discriminadas, pois, como as crianças cegas não podem ver os cartazes, as professoras
acabam não confeccionando nenhum. Contudo, a negação de confeccioná-los sob desculpa de
que as crianças cegas, de tanto apalpar as paredes, rasgariam os cartazes demonstra que não
existe nenhuma priorização no atendimento ao deficiente visual. Caso contrário, os cartazes
seriam feios em alto relevo e bem coloridos, respeitando às necessidades de todas as crianças,
cegas ou de visão “normal”.
Quando questionadas sobre a metodologia adotada para a inclusão na pré-escola, as
professoras explicaram que não há uma diferenciação na aplicação dos conteúdos nem
distinção na hora da explicação. Como já descrito anteriormente, a observação demonstrou o
contrário: em vários momentos se observou professoras sentadas ao lado das crianças com
deficiência visual dando-lhes um atendimento individualizado, enquanto as outras crianças
corriam pela sala ou brincavam em pequenos grupos. Uma professora explica:
148
“Nós não fazemos diferença nenhuma. Tanto na área da socialização, da matemática... a
única diferença são as atividades. Para eles (os cegos) têm que ter as adaptações, como:
trabalho feito com bolinhas, com cordinhas... tudo deve ficar em alto relevo para que eles
possam com a mãozinha ir tocando e saber o que estão fazendo” (PVN4 – EI).
Nota-se novamente que as observações feitas pela professora quanto às adaptações do
material utilizado para a aprendizagem das crianças, estavam voltadas especificamente para as
crianças cegas. Não foram mencionadas adaptações para crianças com outros tipos de
dificuldades de aprendizagem.
Tais atitudes são indicativas do que alguns especialistas em inclusão educacional
chamam de “inclusão ao contrário”. Trata-se de uma tendência em manter o atendimento
escolar dentro das instituições especializadas sob o argumento de estar praticando a inclusão
escolar através da ampliação do atendimento escolar às pessoas “normais”. Esse tipo de
prática é bastante criticado. Nesse tipo de escola mista, constituída a maior parte por alunos
com a mesma deficiência e um número reduzido de algumas “normais”, o ambiente da escola
não reflete a sociedade como ela é, e, por esse motivo, torna-se uma prática inadequada
(BRASIL, 2004).
Convém ressaltar, entretanto, que, em nenhum momento, se observou essa tendência
por parte da equipe administrativa da creche. A supervisora pedagógica, inclusive, numa
demonstração de rejeição à proposta de reduzir o número de vagas para os alunos “normais”,
apresentou alternativa para solucionar o problema do número excedente de alunos por sala: a
presença de uma professora auxiliar. Para demonstrar os aspectos positivos de sua proposta,
ela descreve uma experiência vivida na escola:
“Temos, este ano, uma sala que funciona com sete crianças. Nesse caso, são duas
professoras... porque uma só não vai conciliar. Enquanto a professora está dando
assistência pras umas crianças, a outra professora assiste as restantes em atividades de
exercício diferenciado. Não tem como a gente deixar só uma professora” (MEP –
CRECHE)
Referindo-se ao planejamento pedagógico da escola a supervisora da creche informou
que o mesmo é feito pelo grupo de supervisores das unidades de pré-escola e que, num
momento posterior, esse planejamento é discutido com os professores e se transforma num
projeto pra ser trabalhado no bimestre. Tal prática fere diretamente a proposta de elaboração
de um projeto político pedagógico construído e organizado coletivamente. Mas, como
menciona Mantoan (2003b), ainda não faz parte da cultura escolar a proposição de um
149
documento elaborado com autonomia e participação de todos os segmentos que compõem a
escola. O projeto que deveria partir do diagnóstico da demanda escolar, penetrando
profundamente nos pontos positivos e negativos dos trabalhos desenvolvidos na escola,
definindo prioridades, metas e ações, mas fica inteiramente comprometido com uma visão
descontextualizada das ações educativas. Sobre isso, Carvalho (1998, p. 147) acrescenta:
É um equívoco pensar que algumas pessoas da comunidade acadêmica
devem reunir-se para elaborar o projeto e, a seguir, apresenta-lo aos demais
colegas de trabalho, como algo concluído e definitivo. O projeto deve ser
discutido por todos (inclusive com as famílias) e ser objeto de permanente
análise, para identificação dos problemas da escola e das alternativas de
solução possíveis, com os recursos disponíveis.
Quando interpeladas sobre a assistência da família às crianças com deficiência visual,
as professoras registraram que, normalmente, a família procura estar presente na escola.
Trimestralmente são realizadas reuniões com os pais. Nelas os pais fazem suas reclamações,
sugestões e são estimulados a revelar seus sentimentos em relação à escola. A supervisora
acrescenta que
“Nas reuniões trimestrais é feito um acompanhamento do aluno. O professor conversa
com os pais para fazer algumas observações. Os pais também fazem suas observações. O
tratamento é igual para todas as crianças. O professor orienta os pais e diz como deve ser
feito o acompanhamento das tarefas em casa” (MEP – CRECHE).
Para Marchesi e Martín (1995), a fase de avaliação do desenvolvimento e do
desempenho do aluno com deficiência, assim como dos demais alunos, constitui um dos
momentos mais importantes e delicados da participação dos pais na educação escolar dos
filhos. Durante esses momentos avaliativos, vão ser colocadas sob análise as metodologias
adotadas pela escola para trabalhar com os alunos e os resultados refletidos na aprendizagem
e no desenvolvimento global de cada criança. Segundo esses autores, a participação e a
colaboração da família no processo educacional da criança com deficiência é um fator
primordial para favorecer esse desenvolvimento e aprendizagem. Essa compreensão pode ser
reforçada quando se considera a abordagem de Vygotsky (1989) acerca do papel do outro
mais experiente no processo de tornar o desenvolvimento e o aprendizado mais efetivos.
Quanto ao nível pré-escolar, vale ressaltar que, antes mesmo de ingressar na escola, a
família deve estimular a criança, desde bebê, para que sua relação com o mundo seja
150
favorecida e para que não ocorra um estranhamento da criança no momento de sua inserção
na escola.
Inclusive, no caso das crianças mais “impossíveis”, a supervisora comenta que
algumas mães permanecem na escola e são chamadas sempre que é preciso para ficar um
pouco com o(a) filho(a) para que se acalme e relaxe. Depois de reestabelecido o ambiente de
tranqüilidade da turma, a mãe retorna ao pátio da escola para aguardar a saída da criança. Isso
acontece principalmente nos meses de adaptação da criança.
Em conversas com as professoras, observou-se, contudo, que a permanência da mãe na
escola durante o tempo escolar não é bem vista por todos da equipe pedagógica. Algumas
professoras argumentam que há casos em que a superproteção das mães é prejudicial ao
desenvolvimento das crianças. Foi possível observar tal fato na hora do recreio, por exemplo,
pois as crianças têm pouca oportunidade de interagir com outras crianças porque as mães
ficam evitando que elas corram, caiam, brinquem ou briguem com outras crianças. Levam-nas
ao banheiro, dão lanche na boca, ajudam-nas na higiene pessoal, entre outras coisas. Dessa
forma, impedem que seus filhos desenvolvam a autonomia necessária ao convívio com
crianças de visão “normal”.
Em defesa de sua presença na escola, uma das mães entrevistadas se posiciona
enfatizando os benefícios de sua ajuda:
“Elas não atrapalham, porque têm crianças que além de deficiente visual, são muito
agitadas. Então, quando a gente entra na sala que está com aquela agitação que a
professora não dá pra contornar, é a hora que a gente chama a mãe... a mãe vai lá,
conversa, e, muitas vezes, fica ao lado para criança até ela concluir a atividade” (MC3 -
EI)
Ainda sobre esse assunto, a supervisora pedagógica mencionou que existe a intenção
da escola em organizar um projeto de apoio pedagógico para essas crianças da creche. O
projeto envolveria a realização de oficinas para confecção de material pedagógico específico
para deficientes visuais. O mais interessante é que estaria previsto a participação das mães
nessas oficinas de recursos didáticos. Dessa forma, as mães que desejassem continuar na
escola, poderiam ser envolvidas numa atividade extremamente importante para a melhoria do
trabalho escolar.
“Queremos implantar aqui na escola o apoio pedagógico pra essas crianças. A sala de
recursos do CHARCE não possui material suficiente para atender a demanda da escola,
nem disponibiliza materiais compatíveis com a faixa etária das crianças. Com apoio
especifico, com todo o material didático será preparado de acordo com as necessidades da
151
escola. Material especifico para quem não enxerga, como coisas em alto relevo etc”
(MEP – CRECHE).
Outra dificuldade levantada pelas professoras refere-se à falta de cursos de capacitação
oferecidos aos professores que trabalham a inclusão do deficiente visual na pré-escola. Na
época em que foram realizadas as entrevistas, a supervisora pedagógica informou que das
nove professoras da escola, somente três haviam feito capacitação em Braille e sorobã.
Felizmente, ainda durante o período da pesquisa, houve oportunidade de acompanhar
as professoras da instituição a um treinamento promovido pela Secretaria de Educação do
Estado do Piauí (SEDUC) em parceria o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às
Pessoas com Deficiência Visual (CAP). Em Teresina, o CAP se propõe a dar suporte e apoio
pedagógico aos alunos e professores na escola comum e salas de recursos, bem como ajudar
no processo de adaptação curricular. As fotos nº 77, 78, 79 e 80 são ilustrativas de aspectos e
situações referentes ao CAP (PI).
Foto nº 77 – Treinamento no CAP (PI) Foto nº 78 – Material adaptado
Fonte: acervo da autora, 2006 Fonte: acervo da autora, 2006
Fotos nº 79 e 80 – Caneta adaptada para aprendizagem de escrita à tinta
Fonte: acervo da autora, 2006
152
O treinamento realizado no CAP (PI) foi muito proveitoso. Dele participaram a
supervisora pedagógica e todas as professoras da escola infantil. Na ocasião foi realizada uma
palestra sobre o uso e confecção de material didático adaptado e sobre o sistema Braille.
Acerca da capacitação realizada, as professoras da SEDUC deram depoimentos importantes:
“Estamos cumprindo a meta que é a integração da equipe de profissionais da escola
especializadas que atende a alunos com deficiência visual e o CAP. Temos a intenção de
ver os resultados do trabalho que pode ser enriquecido com a experiência das escolas que
já existem a mais tempo e que podem estar complementando com o trabalho integrado
Escolas-Cap. Esse enriquecimento do conteúdo deve ser trabalhado como
complementação curricular do aluno deficiência visual, que está em sala de aula comum.
Então esse aluno tem direito a conteúdos complementares e materiais adaptados de
acordo com a demanda da programação da sala onde ele está matriculado” (PVN1 –
SEDUC).
“Acho essa parceria importantíssima porque as meninas têm muito que aprender com as
professoras aqui do CAP, com a experiência que elas têm que vai enriquecer o trabalho
delas. Acho que terá que ter mais encontros, mais visitas porque só uma manhã eu acho
pouco. Mas valeu, valeu a intenção” (PVN2 – SEDUC).
Na creche, palavras como treinamento, capacitação, parceria, mudança, adaptação,
acessibilidade foram termos constantemente usados nos diálogos estabelecidos com os
sujeitos da pesquisa. Um desses termos, porém, foi muito recorrente e considerado de extremo
significado e importância para a comunidade: apoio pedagógico. A importância do apoio
pedagógico refletiu-se na análise das principais dificuldades denunciadas pelos professores,
pais e funcionários da creche. A ausência de uma sala de recursos, com recursos didáticos
adaptados, próprios ao ensino da criança cega e de baixa visão; a falta de um maior
investimento em capacitação dos professores para lidar com a inclusão escolar, a carência de
recursos materiais, a falta de uma assistência multiprofissional direcionada às crianças da pré-
escola, são algumas das queixas feitas pela comunidade o que demonstra a necessidade de
uma maior articulação entre o CHARCE (escola especial) e a creche (escola inclusiva).
Dois caminhos e uma só direção. Essa foi a imagem que aos poucos foi se
configurando na terceira categoria definida pela relação entre a escola especial e a escola
inclusiva.
153
Figura 01 – Dois caminhos e uma só direção
De acordo com as análises realizadas, concluiu-se que, embora se reconheça que ainda
há muito a se fazer, o cotidiano de inclusão escolar da U.E. “Tia Graça Nery” revela que já
existem muitas ações no sentido de construir práticas pedagógicas autenticamente inclusivas.
Durante toda a pesquisa, a direção da instituição mostrou-se preocupada com essa efetiva
contribuição da creche para a educação da pessoa com deficiência visual.
Voltando o foco para a questão do apoio pedagógico, faz-se necessário aprofundar um
pouco mais a discussão sobre o papel da escola especial. Até bem pouco tempo, a escola
especial se definia como uma instituição de ensino com aspectos similares aos da escola
regular, com profissionais qualificados e proposta pedagógica com adaptações em seu
currículo e em seu ambiente físico e pedagógico, cuja finalidade era de oferecer, de forma
específica em classes especiais, educação especial a pessoas com algum tipo de deficiência.
Contudo, de acordo com a legislação educacional pertinente, a educação especial não pode ser
vista como um sistema paralelo de ensino, com seus níveis e etapas próprias. Deve ser
entendida como um instrumento, um complemento que deve estar sempre em todos os níveis
educacionais a fim de oferecer apoio pedagógico aos alunos que dele necessitam. Desse
modo, o ensino regular somente deve ser oferecido pelo sistema regular de ensino.
Seria, então, o caso de se indagar, apenas para fins de reflexão: Com base nesse
esclarecimento, como a escola especial da ACEP (PI) – o CHARCE – se define no contexto
da educação de pessoas com deficiência visual? Que tipo de apoio pedagógico a instituição
tem oferecido aos alunos cegos e de baixa visão?
Em 2005, o CHARCE matriculou um total de 260 (duzentos e sessenta) alunos, sendo:
160 alunos da educação infantil; 44 alunos do Ensino Fundamental; 12 alunos da Educação de
Jovens e Adultos; 25 alunos em atendimento especializado e 19 alunos do Ensino Médio.
154
Para esse professor, os serviços oferecidos pelo CHARCE são essenciais ao
desenvolvimento da pessoa cega. “Primeiro nós trabalhamos a parte de atividades, da vida
diária, a parte de educação física, trabalhamos a orientação e mobilidade que é onde ele vai
aprender a se locomover sozinho, que é muito importante” (PDV1 - EE).
Segundo um ex-aluno do CHARCE, o Braille tornou-se culturalmente quase uma
imposição para o aluno cego na rede regular de ensino. Isso traz algumas dificuldades
operacionais. Fica difícil anotar as informações acompanhando a velocidade normal da aula.
Às vezes se torna mais prática gravar a aula para depois transcrever em Braille. A esse
respeito, o aluno tece algumas críticas:
“[...] Muitas vezes tinha professor que exigia que eu fizesse a prova em Braille
porque ele achava que, por eu ser cego, tinha que saber o Braille. Mas não é bem
assim, né? Você tem que se utilizar das ferramentas mais adequadas ao momento
que você está vivendo. Como eu era pré-vestibulando eu tinha que utilizar a
gravação. Verdade seja dita, vamos desmistificar isso, não tem como comparar
uma leitura em Braille e uma leitura em tinta! Então você tem que utilizar o que é
mais prático para você. Você está no colégio... a demanda de deficientes aqui na
associação é muito grande e nem sempre a associação tem condição de estar
acompanhando de perto o desenvolvimento do aluno na sala...Eu mesmo sou
testemunha disso! Eu estava lá por minha conta tendo que brigar pelas
dificuldades...” (MEPDV2 – CRECHE)
O atendimento individualizado é feito por área de conhecimento e o professor deve ser
capaz de realizar adaptações curriculares, de criar recursos metodológicos consoantes ao tipo
de deficiência visual do aluno e, principalmente, de se adequar a seu ritmo de aprendizagem,
promovendo a individualização do ensino. No CHARCE isso acontece rotineiramente. Os
alunos obedecem a horários previamente marcados junto à coordenação e durante aquele
horário poderão ser orientados tirando dúvidas sobre os conteúdos que foram trabalhados no
ensino regular.
Foto nº. 81: Atendimento Individual
Fonte: acervo da autora, 2006.
155
Na sala de atendimento o professor deve dispor de material didático e escolar
especializado para uso do aluno. Esse material deveria incluir máquina de datilografia Braille,
regletes de mesa, punções, sorobãs, papel para escrita em braile (quarenta quilogramas),
cadernos com pautas duplas para letras ampliadas, canetas tipo futura, lupas de várias
dioptrias, luminárias e outros. Ocorre que no CHARCE existe uma carência enorme de
material para o uso individual do aluno. Alguns deles adquirem o seu “kit” de aprendizagem
que passa a ser encarado quase um “kit” de sobrevivência no mundo do saber. O material é
muito escasso.
Diante da escassez de material, a sala de recursos chega trazendo os primeiros
socorros. Ela é equipada com materiais e recursos pedagógicos específicos à natureza das
necessidades especiais do educando. Nessa sala deveria ser oferecida uma complementação
do atendimento educacional realizado em classes do ensino comum. Contudo, a sala de
recursos do CHARCE é muito pequena, apertada, não possui espaço para a realização de
oficinas. A sala tem um acervo relativo de materiais adaptados para a aprendizagem de alunos
cegos ou com baixa visão. A maior parte do material é criado e/ou confeccionado pela
professora responsável pela sala.
Segundo o previsto nessas publicações, a permanência em sala de recursos deverá
reduzir-se gradativamente, à medida que o aluno vai adquirindo domínio das técnicas de
leitura e escrita pelos métodos adequados para alunos cegos e de baixa visão, e à medida que
ele vá adquirindo segurança e independência em seu desempenho acadêmico e social.
No CHARCE, nos horários livres, vários alunos vão até a sala de recursos para a
utilização de recursos didáticos e equipamentos especializados. As atividades desenvolvidas
em sala de recursos variam de acordo com o nível de escolaridade e com o tipo de deficiência
visual.
O material didático e escolar especializado da sala de recursos inclui: punções,
regletes de mesa e de bolso, bengalas, sorobã, livros em braile, papel para escrita em braile
(quarenta quilogramas), cadernos com pautas para letras ampliadas, mapas em relevo,
maquetas em diversas escalas, relógios adaptados, figuras geométricas em relevo, lupas de
várias dioptrias, luminárias, e outros.
156
Foto nº. 82: Recursos didáticos específicos
Fonte: acervo da autora, 2006.
Foto nº. 83: Sala de recursos
Fonte: acervo da autora, 2006.
Foto nº. 84: Material adaptado
Fonte: acervo da autora, 2006.
Um outro tipo de atendimento à pessoa com deficiência visual oferecido pelo
CHARCE são as aulas de Orientação e Mobilidade. O ideal seria que o programa de
Orientação e Mobilidade (OM) fosse desenvolvido desde a pré-escola. No CHARCE o
programa de Orientação e Mobilidade é mais acessível a adolescentes, jovens e adultos. Isso
talvez se justifique por que muitos acreditam, ainda, que se faz necessário ao indivíduo ter
157
uma boa coordenação motora para utilizar a bengala como instrumento de locomoção, e que
isso só é possível com certa maturação cognitiva.
Fotos nº 85 e 86: Aula de orientação e mobilidade
Fonte: acervo da autora, 2006
A criança cega ou com baixa visão severa necessita locomover-se com segurança,
necessita desenvolver movimentos autônomos e independentes com o domínio do espaço para
realizar descobertas e brincar. Nessa perspectiva, defende-se uma outra postura com relação à
época de iniciação da Orientação e Mobilidade: compreendida como um processo que se
inicia a partir dos primeiros movimentos espontâneos e intencionais do indivíduo com o corpo
no espaço.
Quanto às atividades da vida diária (AVD), essas se definem como as ações
desempenhadas rotineiramente pela própria pessoa, no lar e fora dele. O treinamento dessas
atividades envolve o desenvolvimento de habilidades físicas, mentais e sociais que
proporcionam o máximo de independência e auto-suficiência frente às necessidades da vida
cotidiana. Essas atividades são de grande importância para as pessoas cegas ou com baixa
visão, já que lhe proporcionarão condições de conquistar ou reconquistar o lugar que lhe é
devido na sociedade. A pessoa cega não pode imitar por não ter informações visuais, poderá
ter atitudes pouco convencionais ou inadequadas. O programa de atividades da vida diária
realizado no CHARCE constitui-se, basicamente, no treinamento de habilidades referentes a:
alimentação; higiene pessoal e ao vestuário; aparência pessoal; higiene e arrumação da casa;
administração do lar; comunicação pelo telefone; verificação de horas; enfermagem caseira, e
boas maneiras.
158
Fotos nº 87 e 88: Sala de AVD do CHARCE
Fonte: acervo da autora, 2006
A dificuldade na execução das atividades da vida diária (AVD) pode acarretar grandes
prejuízos para a pessoa cega, pois pode levar o indivíduo à contínua dependência. O
desenvolvimento das habilidades necessárias para a realização das atividades cotidianas
constitui um dos aspectos mais importantes de um programa de educação ou de reabilitação.
Pouco adiantará à pessoa cega adquirir inúmeros conhecimentos teóricos ou habilidades, se
não souber desempenhar adequadamente as atividades comuns exigidas para a participação
em qualquer grupo, podendo comprometer sua aceitação e conseqüente integração social.
As Atividades da Vida Diária se referem a um conteúdo curricular específico do
processo de habilitação e reabilitação de crianças e adultos com deficiências. Desde as etapas
mais precoces de estimulação até os programas individuais ou em grupo de reabilitação de
adultos, a aplicação dessas técnicas deve sempre levar em conta a flexibilidade. Uma
professora de AVD do CHARCE, já aposentada, assim define o programa:
“No programa de atividade da vida diária é que o aluno se torna totalmente independente
nas atividades do cotidiano. A criança não sabe nem pegar numa escova dental, então ela
aprende. Higiene ambiental, alimentícia, pessoal...Elas primeiro recebem o conceito de
AVD, depois vão manusear os objetos da sala. O atendimento é pra ser individual, mas
como temos muitos alunos, então é feito o horário com dois ou três alunos” (MCVN –
CHARCE)
Todos esses serviços oferecidos pelo CHARCE são de extrema importância para o
desenvolvimento, habilitação e reabilitação da pessoa cega ou com baixa visão. Contudo,
embora tanto o CHARCE como a creche funcionem dentro do espaço mesmo espaço – no
prédio da ACEP (PI); essa proximidade geográfica não foi suficiente para assegurar que o
CHARCE pudesse suprir a creche com o apoio pedagógico de que tanto necessita.
159
Conseqüentemente, essa relação escola especial e escola inclusiva fica ainda mais
comprometida quando se analisa a interação entre o CHARCE e a Unidade Escola “Nair
Gonçalves”.
Na Unidade Escolar “Nair Gonçalves” a dinâmica de sala de aula é bastante
harmoniosa. Retomando o que já foi mencionado, a diferença de idade entre os alunos com
visão “normal” e os alunos com deficiência visual incluídos na escola regular é bastante
significativa. São adolescentes e adultos estudando com crianças. Desse modo, as interações
estabelecidas em sala de aula acabam sendo favorecidas pelo comportamento adulto dos
alunos com deficiência visual.
As professoras posicionam os alunos com deficiência visual na frente da sala e tomam
o cuidado de descrever todas as atividades que estão realizando. Ditam os textos escritos no
quadro, pedem a ajuda de alunos videntes para acompanhar as atividades realizadas pelos
alunos cegos.
As atividades realizadas nas salas de inclusão são bem tradicionais. Atividades
individuais, exercícios copiados do quadro, questionamentos orais e acompanhamento das
tarefas de casa e de classe. Os alunos com deficiência visual antes de serem incluídos no
“Nair Gonçalves” são alfabetizados em Braille. Assim sendo, posicionam-se diante do quadro
e da professora munidos com prancheta e reglete, transcrevendo seus exercícios em Braille
durante a aula. Não foram observadas atividades em grupo em nenhuma das salas de aula.
Não se observou o uso de material didático específico para o ensino e aprendizagem
de cegos e a escola não possui sala de recursos. Em todas as aulas observadas a dinâmica é
comum ao ensino regular. As professoras se mostraram atenciosas, preocupadas com o
acompanhamento satisfatório dos alunos com deficiência visual. Constantemente perguntam
se estão compreendendo, se estão sentindo alguma dificuldade.
Os alunos de visão “normal” pareceram familiarizados com a presença dos alunos
cegos. O clima de inquietação que se pôde perceber na dinâmica de sala de aula pareceu estar
mais relacionado à diferença de idade do “coleguinha”, do que a sua falta de visão.
A parceria existente entre a escola inclusiva e o CHARCE ficou demonstrada quase
que exclusivamente ao fato do CHARCE providenciar a transcrição em Braille de exercícios e
avaliações dos alunos cegos. A direção informou que a biblioteca da escola recebeu vários
livros transcritos em Braille, mas que, infelizmente, os alunos com deficiência visual da
escola não receberam o livro didático adotado pela escola em Braille. Esse fato, segundo a
diretora, dificulta muito o desempenho do aluno em sala de aula.
160
Os depoimentos revelam que existe uma expectativa muito grande por parte dos
professores em obter uma melhor capacitação para trabalhar a inclusão de alunos cegos.
Embora reconheçam o importante papel da ACEP (PI), acham que eles mesmos deveriam ser
mais bem preparados, em cursos e treinamentos, para trabalhar melhor com esse tipo de
alunos. Gostariam de dominar o Braille e de saber usar a reglete, o sorobã e outros materiais.
As entrevistas demonstraram que os professores da escola incluisiva, em sua maioria,
acreditam na inclusão:
“Acredito na inclusão escolar porque a gente já está trabalhando com alunos cegos aqui
na sala, juntos. Já estão bem entrosados. [...] Na escola eles aprendem. E se ficarem em
casa, eles ficam isolados e mais tristes.” (PVN1 – EI).
Assim como os professores, os alunos da Unidade Escolar “Nair Gonçalves” também
demonstraram acreditar que a proposta inclusiva de educação é a melhor forma de garantir
sua inclusão social. E acreditam na educação como promotora de autonomia.
“Acho a inclusão muito boa. Aqui eu tenho aprendido mais, tô conhecendo pessoas
novas, fazendo amizades. Todo mundo me trata bem aqui” (ADV1 – EI).
“A inclusão é importante porque fica tudo junto, sem discriminação” (ADV2 – EI).
“Estudar foi muito importante pra mim. Antes eu ficava só em casa, triste, sem sair pra
lugar nenhum. Agora ando pra todo lugar” (ADV1 – EI).
Contudo, mesmo diante do reconhecimento de que a proposta inclusiva seja a mais
coerente com a construção de práticas sociais mais justas e humanas, as práticas de inclusão
escolar ainda estão muito distantes de atender ao paradigma educacional inclusivo.
Exatamente como na relação creche/CHARCE, ainda não existe uma parceria ideal entre
“Nair Gonçalves” e CHARCE. O gráfico da Figura 02 tenta representar essa relação:
161
Figura 02 – Integração: movimento em direção à escola inclusiva
Como se pode observar no gráfico, os alunos com deficiência visual estão sendo
inseridos na rede regular de ensino, para que possam usufruir do direito à convivência não
segregada. E em atendimento ao paradigma inclusivo, o êxodo desses alunos da escola
especial para a escola inclusiva, tem sido considerado em sua urgência e importância.
Entretanto, a pesquisa revelou que, na prática, esse movimento tem sido um
movimento de mão única. Embora a escola especial procure atender ao aluno com deficiência
dando-lhe suporte para que possa desenvolver-se intelectualmente na escola regular, esse
suporte não acontece ainda a nível institucional.
O ideal seria que ambas as instituições trilhassem, além de uma mesma direção, um
único caminho. Que caminhassem de mãos dadas no sentido de construir, na dialética de suas
interações, caminhos de superação das deficiências em busca de uma aprendizagem
significativa para todos os alunos da escola. Como sugere a Figura 03.
162
Figura 03 – Um único caminho e uma única direção
As análises apresentadas nessa última categoria mostram que a relação entre a escola
especial e a escola inclusiva é ainda muito conflituosa. Contudo, embora ainda trilhando
caminhos diferentes, percebe-se a intenção mútua de tomarem a mesma direção. Isso significa
que, aos poucos, começam a compreender que seus objetivos são coincidentes e que, a
inclusão social depende do reconhecimento de que a educação acontece em todos os espaços
sociais e de que a escola não pode existir fragmentada.
Figura 04 – Inclusão Escolar: construída na relação escola especial e escola inclusiva
Como se pode observar na Figura 04, o gráfico procura demonstrar que a relação ideal
entre a escola especial e a escola inclusiva deve ser construída cotidianamente, pelo
enfrentamento diário de cada um dos aspectos que demarcam e desafiam a convivência na
diversidade.
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lutas sociais no sentido de garantir um espaço de pleno desenvolvimento às pessoas
com deficiência são recentes e ainda muito tímidas quando submetidas à análise histórica do
tratamento dado á deficiência. Aos poucos, as concepções científicas sobre a deficiência têm
elucidado dúvidas e têm contribuído para a construção de práticas sociais menos
discriminatórias e preconceituosas.
A inclusão escolar, nesse contexto, apresenta-se como uma dessas práticas sociais,
cuja viabilidade depende diretamente de suportes em várias áreas: social, econômica, física,
instrumental e etc. Podendo-se descrever como um processo extremamente complexo que
prevê intervenções tanto no desenvolvimento do sujeito quanto no reajuste da realidade social.
Tendo em vista sua multidimensionalidade, o paradigma inclusivo não se admite mais
que seja negada a pessoa com deficiência o direito à convivência não segregada e ao acesso
imediato e contínuo aos recursos disponíveis aos demais cidadãos. Apesar do esforço que tem
sido feito no campo das sociedades solidamente organizadas, no sentido de estabelecer
espaços inclusivos, a luta da pessoa com deficiência para garantir esses direitos e ter acesso
aos programas e projetos sociais oferecidos aos demais membros da sociedade ainda é, de
certo modo, bastante solitária.
Conseqüentemente, como nem todas essas pessoas têm condições de lutar por seus
direitos, uma parcela muito grande dessa população vive em um mundo a parte, excluída do
resto das pessoas por barreiras arquitetônicas, psicológicas e, principalmente, atitudinais.
Nessa perspectiva, considera-se que a educação voltada à diversidade jamais poderá
pautar-se em decisões pontuais, tampouco deve ser solucionada unicamente com ajuda
externa; na verdade deve estar pautada em decisões institucionais de caráter democrático, ou
seja, deve resultar de decisões compartilhadas desde o plano escolar até sua efetiva realização.
A análise dos desafios da convivência da pessoa com deficiência visual no espaço
educacional inclusivo partiu da investigação do cotidiano realizada na unidade social
representativa formada pela Associação dos Cegos do Piauí (ACEP-PI) e pela U.E.”Nair
164
Gonçalves”, numa perspectiva macro e microssocial, respectivamente. Acredita-se que este
estudo de caso etnográfico oportunizou explorar, sob diferentes ângulos, as possibilidades de
superação dos elementos reforçadores da exclusão no espaço educacional pesquisado.
A trilha percorrida pela pesquisa buscou o entendimento de algumas inquietações; e
nesse sentido, as categorias de análise puderam pavimentar esse caminho e torná-lo um
percurso elucidativo.
No momento em que se buscou delinear a imagem o cego tem de si mesmo, os dados
revelaram que a identidade da pessoa com deficiência, juntamente com vários componentes
psíquicos que formam essa identidade, como o autoconceito, a auto-imagem e a auto-estima,
interferem significativamente na qualidade das relações que essa pessoa estabelecerá com o
meio social e com os sujeitos ao seu redor. Desse modo, o ambiente inclusivo mostrou-se o
ideal para o desenvolvimento e aprendizagem da pessoa com deficiência, tendo em vista que,
a dialética que brota da diversidade, desafia constantemente a pessoa com limitações
funcionais a superar seus próprios limites. A educação não segregada possibilita, dessa forma,
acesso a experiências riquíssimas promovidas pela convivência com outras pessoas que, por
serem diferentes, vivem, pensam, sentem e agem diferentemente; e essas experiências se
multiplicam gerando infinitas possibilidades de solução para problemas comuns.
De modo que, seria necessário, antes, ouvir a voz da pessoa com deficiência visual na
tentativa de compreender o texto que emerge das relações, das interações e das tramas
cotidianas reveladas no espaço inclusivo. Pra tanto, buscou-se trazer o indivíduo inteiro para
dialogar com a pesquisa, pois, somente assim as determinações sociais que fazem parte da sua
história seriam levadas em consideração.
Do diálogo, brotaram os sentidos da inclusão escolar para as pessoas com deficiência
visual, que constituem a segunda categoria de análise. No cotidiano do espaço escolar
inclusivo, os sujeitos pesquisados ora apareceram como protagonistas, ora como antagonistas
de uma história que apenas começou a ser escrita.
De maneira geral todos concordam com a inclusão social e escolar, mas somente
concordar não é o suficiente. É preciso que o conceito de inclusão escolar ganhe de fato um
“sentido” para quem usufrui desse espaço. Esse foi mais um elemento determinante para que
algumas ações contraditórias à inclusão ficassem justificadas na prática de um espaço que se
diz inclusivo.
Ao se caracterizar o ambiente inclusivo, tanto na Pré-escola como no Ensino
Fundamental, o espaço foi comparado a um “campo minado”. O termo alusivo ao estado de
tensão que se estabelece quando se pode pisar em algo perigoso e destrutivo, procede nessa
165
comparação. Todos os sujeitos parecem fundamentar suas práticas no espaço inclusivo em
maravilhosas boas intenções; mas ninguém parece seguro o suficiente para saber onde está
pisando.
Educadores e membros da sociedade de modo geral reconhecem que não se pode
brincar com a educação. Entendida como mediação na construção do conhecimento, ela
também é reconhecida como responsável pela formação de valores sociais muito preciosos e
essenciais ao convívio em sociedade. Agir levianamente em relação a inclusão escolar de
pessoas com deficiência, apenas pela providência de garantir sua matrícula no ensino regular,
sem as devidas providências de garantir a essas pessoas o suporte pedagógico muitas vezes
essencial a sua aprendizagem, pode ter um efeito devastador e explosivo. Como quem pisa
numa mina, as conseqüências podem ser a mutilação. Mutilação da auto-imagem, da auto-
estima, da personalidade de suas vítimas.
Desse modo, esses dois aspectos demarcam a convivência da pessoa com deficiência
visual no contexto inclusivo: a identidade da pessoa com deficiência e os sentidos da inclusão
escolar para os sujeitos desse processo. Para finalizar, a última categoria resultou da
confluência das duas primeiras. O eu, da forma que se define e se vê; e o outro com que o eu
compartilha o mesmo espaço de convivência. E como se dá essa convivência?
Não há como realizar a inclusão escolar sem que se reconheça a importância do apoio
multiprofissional à pessoa com deficiência. Esse apoio vai muito além do apoio pedagógico.
Ele emerge dos vínculos afetivos e transcende as práticas; por esse motivo não pode se definir
apenas em políticas de acessibilidade.
Esse outro aspecto que demarca a convivência no espaço inclusivo encontra-se na
relação entre a escola especial e a escola inclusiva. O que se observou através dos dados é que
a pessoa com deficiência visual, que há décadas já vivencia a inclusão escolar, foi colocada
em um espaço de intersecção entre dois espaços escolares: da escola especial e da escola
inclusiva. E desse modo, embora freqüente cotidianamente esses dois ambientes, permanece
sentindo-se um forasteiro em ambos os espaços.
Para que a educação especial possa cumprir seu papel de dar condições a escola
regular de acolher a todos, indistintamente, em seu espaço de construção do conhecimento,
fornecendo à comunidade escolar as condições operacionais necessárias para que as
dificuldades de aprendizagem, de todos os alunos sejam superadas, é necessário que esse
espaço de intersecção dê lugar a um espaço de convivência ideológica comum.
É obvio que, geograficamente, seria impossível à escola especial dar contas de atender
operacionalmente a demanda da escola regular no que diz respeito ao suporte técnico,
166
financeiro e humano. Isso só seria possível através do estabelecimento de uma parceria sólida
e íntima que reconhecesse às necessidades de cada escola e que buscasse, numa via de mão
dupla, a interação significativa entre a escola especial e a escola regular.
Desse modo, as últimas considerações sobre a temática são dirigidas aos educadores
que acreditam que “[...] sonho que se sonha só, é só um sonho. Mas sonho que se sonha junto,
não é sonho, é realidade” (Raul Seixas). São considerações que estimulam a auto-avaliação,
não somente das práticas pedagógicas, mas de todas as práticas históricas e sociais. A
inclusão escolar, enquanto prática humana é passível de erro, mas enquanto ideal a ser
realizado, deve ser cotidianamente desafiada ao êxito!
167
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176
APÊNDICES
177
APÊNDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
NÚMERO:
DATA DA ENTREVISTA:
DADOS PESSOAIS
Nome
Idade
Sexo
Nível de Escolaridade
Tempo de serviço com educação inclusiva
TEMAS
1. Inclusão: social e escolar
a. Se acredita
b. Principais dificuldades
c. Benefícios
d. Sobre as políticas de inclusão
2. Preconceito com a deficiência
a. Se existe: na sociedade/ na escola
b. De que tipo
c. Como combater
3. Deficiência Visual
a. Principais características
b. Como atender
4. Práticas inclusivas de deficientes visuais
a. Como acontece
b. Dificuldades
c. Benefícios
d. Acompanhamento dos processos de ensino-aprendizagem
e. Papel da escola
f. Papel do professor
g. Papel da família
5. Inclusão e Preconceito
a. Se a inclusão diminui o preconceito
6. Escola Especial
a. Importância
b. Relação escola regular e escola especial
c. Principais dificuldades
178
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO “PROF. MARIANO DA SILVA NETO”
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGEd)
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Seu(sua) filho(a) está sendo convidado(a) para participar, como voluntário(a), em uma
pesquisa sobre a inclusão de pessoas com deficiência visual. Você precisa decidir se permite
que ele(ela) participe ou não. Leia cuidadosamente o que se segue e pergunte ao responsável
pelo estudo sobre qualquer dúvida que tiver. Este estudo está sendo conduzido por SANDRA
LIMA DE VASCONCELOS RAMOS. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir,
no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine este documento, que está em duas vias. Uma
delas é sua e a outra é do pesquisador responsável.
ESCLARECIMENTOS SOBRE A PESQUISA
Título do Projeto: A Inclusão Escolar de Deficientes Visuais e a Superação do Estigma da
Deficiência: um Estudo de Caso Etnográfico.
Pesquisador Responsável: Sandra Lima de Vasconcelos
Telefones para contato (inclusive para ligações a cobrar): (0XX86) 88232543 / 3221.7364
O presente estudo científico tem como objetivo geral analisar se o processo de inclusão
escolar de deficientes visuais está contribuindo para a superação do estigma da deficiência.
Para tanto, faz-se necessária a observação e descrição do processo de inclusão. Dessa forma,
será realizada uma entrevista com seu(sua) filho(a) e observações de sua dinâmica escolar em
sala de aula e em atividades extra-classe. Possivelmente, será feito o registro fotográfico de
seu(sua) filho(a) para publicação no relatório final da pesquisa.
Sandra Lima de Vasconcelos Ramos
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO
Eu, ___________________________________________________________, RG
Nº_______________________, CPF Nº___________________________, abaixo assinado,
concordo que meu(minha) filho(a) participe como sujeito do estudo já descrito e
discriminado. Tive pleno conhecimento das informações aqui expostas, através de minha
própria leitura ou da leitura de outra pessoa (que não o pesquisador), e após discutir com o
investigador responsável sobre minha decisão, ficaram claros para mim os propósitos e
procedimentos da pesquisa que será realizada. Sinto-me esclarecido(a) quanto as garantias de
confidencialidade e esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que a participação de
meu(minha) filho(a) é isenta de despesas. Consinto também na publicação dos registros
fotográficos de meu(minha) filho(a) em todos os meios de publicação e divulgação do
trabalho de pesquisa que será realizado.
179
Teresina (PI), _____de___________________de 2006
________________________________________________________________
Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimento sobre a pesquisa e aceite do
sujeito em participar
Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisa)
Nome:_____________________________________________________________________
Assinatura:__________________________________________________________________
Nome:________________________________________________________________
_____Assinatura:__
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