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organicista da loucura.
247
A tradição organicista inaugurada por HIPÓCRATES foi também percebida
e propagada na obra de grandes pensadores que o acompanharam, como PLATÃO
(427 – 349 a.C.)
248
, ARISTÓTELES (384-322 a.C.)
249
e alguns de seus discípulos
diretos
250
-
251
.
247
Na doutrina médico-filosófica de HIPÓCRATES, se passa a reconhecer processos
orgânicos que presidem a fisiologia humana geral, os quais são regidos por leis que independem da
razão e da vontade do indivíduo: leis como a que pressupõe o equilíbrio entre as condições
ambientais e as funções orgânicas geram a saúde no indivíduo, o bem-estar, a normalidade; já a
ruptura deste equilíbrio constitui a doença. HIPÓCRATES reduz a saúde da vida psíquica a um
órgão: o encéfalo – por isso, sua visão é tipicamente organicista: “... a loucura é estado anormal do
cérebro (...). A causa dela é algum desequilibro humoral devido a alterações do estado físico dos
humores ou de sua localização e movimentação no interior do corpo” – Ibidem, p.132.
248
Embora PLATÃO não tenha se dedicada ao estudo da loucura, acabou concebendo
no livro nono da República a existência de três almas no homem: a ‘alma superior’ e duas ‘almas
inferiores’ (a primeira residiria na cabeça, e as outras no coração e abaixo do diafragma), as quais
conformariam a psyche humana (aquilo do que se constitui o homem). Neste quadrante, PLATÃO
considera a loucura como um desarranjo na boa ordem entre as partes do sistema da psyche,
dizendo que: “... quando, pois, a alma toda anda segundo a razão, sem que se levante em seu seio
sedição alguma, acontece que cada uma de suas partes, além de se conter nos limites de suas
funções e da justiça, goza ainda os prazeres mais puros e verdadeiros que se possam desfrutar. ao
passo que, se uma parte domina as outras, acontece em primeiro lugar que não pode obter os
prazeres que lhe convêm; ao depois, obriga as demais partes a que vão em busca de prazeres
falsos que lhe são estranhos”. E segue: “... o louco, o homem perturbado, tenta e espera ditar regras
não só sobre os homens mas também sobre os deuses (...). então um homem se torna tirânico, no
pleno sentido do termo (...) quando, por natureza ou por hábito, ou por ambas as coisas, ele se tora
igual ao bêbado, ao erótico, ao louco (melancholiks)” – In: PLATÃO. A República. São Paulo: Atena,
1956. p. 380-382.
249
ARISTÓTELES, por sua vez, dividiu a alma em duas partes: a racional e irracional,
sendo que ambas estão situadas no coração, deixando claro que o cérebro não tem qualquer
participação nas sensações. Afirma que esta alma vive do calor vital e, quanto mais ela se aquece,
melhor funciona. Desse modo, variações grandes na intensidade de frio ou calor explicariam todas
as formas de loucura: “... quanto àquela parte da alma, a qual lhe permite conhecer e pensar, seja
ela separável de si mesma ou, ainda, não separável de si mesma segundo a sua extensão
respectiva, podendo, aliás, sê-lo segundo a respectiva noção – é uma situação que é necessário
examinar: ver qual será o caráter que a pode distinguir assim como precisar o próprio processo de
intelecção (...). Que a impassibilidade da faculdade sensitiva e a inalterabilidade da faculdade
intelectiva não possam ser da mesma natureza, tal constitui um fato evidente, em relação a isso
também assim se considerando os órgãos corporais e o sentido propriamente ditos (...). De fato o
intelecto é capaz de, por um lado, se tornar em todas as coisas e, por outro, capaz de produzir todas
as coisas, por este modo se assemelhando o seu estado ao da luz: a luz deixa, de certa maneira,
passar as cores do estado de potência ao estado de ato. Este mesmo intelecto encontra-se
separado, sem se misturar de modo algum, permanecendo, portanto, impassível enquanto
essência..." - In: ARISTÓTELES. Da alma. Lisboa: Edições 70, 2001. p.429-430.
250
Outro grande organicista foi Areteu da CAPADÓCIA (81-138 d.C.), que elaborou
teorias sobre mania, melancolia, sobre os principais caracteres do delírio epiléptico, do delírio
histérico e do delírio erótico (In: Das causas e sinais das doenças agudas e crônicas; e Da
terapêutica das doenças agudas e crônicas). Também desenvolveu um método revolucionário,
batizado “pneumático”, pelo qual toda enfermidade teria uma causas orgânicas, e tal seria decorrente
de alterações no pneuma (palavra grega para ‘respiração’, que metaforicamente descreve um ser de
espírito ou influência – In: PESSOTTI, Isaias. A loucura e..., p.63. Como tratamento, indicava banhos
em águas termais, e dizia que a terapia era invariavelmente catártica, ou seja: de limpeza (purgação)