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GUSTAVO SWAIN KFOURI
A (IN) FIDELIDADE PARTIDÁRIA
VISTA PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
CURITIBA
2009
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GUSTAVO SWAIN KFOURI
A (IN) FIDELIDADE PARTIDÁRIA
VISTA PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Direito, na área de concentração em
“Direitos Fundamentais e Democracia”,
Faculdades Integradas do Brasil -
UniBrasil.
Orientador: Prof. Dr. Clèmerson Merlin
Clève.
CURITIBA
2009
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3
TERMO DE APROVAÇÃO
GUSTAVO SWAIN KFOURI
A (IN) FIDELIDADE PARTIDÁRIA
VISTA PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Direito, Programa de Mestrado em “Direitos Fundamentais e Democracia”,
Faculdades Integradas do Brasil - UNIBRASIL, pela seguinte banca examinadora:
___________________________
Orientador: Prof. Dr. Clèmerson Merlin Clève
Programa de Pós-graduação em Direito – UNIBRASIL/UFPR
Membros:
________________________
Prof. Dr. Paulo Ricardo Schier
Programa de Pós-graduação em Direito – UNIBRASIL
___________________________________
Prof. Dr. Néviton de Oliveira Batista Guedes
Professor visitante
Curitiba, 31 de agosto de 2009.
4
Aos amados “Ulton”,
Pai, Mãe, Di e Mano (as
vitórias conquistadas
durante a minha vida
também são vocês!).
iii
5
AGRADECIMENTOS
No cumprimento de mais uma etapa, ao Professor Clèmerson Merlin Clève,
pelo exemplo de competência acadêmica e profissional, sabedoria quanto à
indicação da arquitetura e ensinamentos acerca do valor da disciplina.
Ao Professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, pela direção inicial.
Ao Professor Paulo Ricardo Schier, pelo crédito recebido.
Ao Professor e amigo Marco Aurélio Marrafon, pelas lições sobre a
academia.
Ao irmão Flávio Pansieri, pelo incentivo e companheirismo, desde a época
da definição de nosso rumo profissional.
Aos professores do Programa de Mestrado em Direito das Faculdades
Integradas do Brasil, pelo referencial.
À Professora Cláudia Honório, pelos ensinamentos e compreensão.
À Professora Andréia Roloff Lopes, pelo apoio e a atenção.
Ao padrinho Juraci Barbosa Sobrinho, pela parceria na caminhada.
À madrinha Ana Maria Macedo, pelo carinho de sempre.
Aos amigos Carlos Alberto Richa e Fernanda Bernardi Vieira Richa, pela
confiança depositada ao longo do exercício do “mandato”, o que contribuiu,
sobremaneira, para a ação prática.
iv
6
Ao sócio Eduardo Vieira de Souza Barbosa, e aos parceiros de escritório,
em especial à Fernanda e à Nicole, pelo suporte dado a mais uma realização.
Ao amigo Maurício Eduardo Sá de Ferrante, pela torcida.
Aos amigos Carlos Fernando Corrêa de Castro, Orides Mezzaroba e
Gustavo Bonato Fruet, que, pela atuação, são um constante referencial.
Aos colegas de Diretoria da Academia Brasileira de Direito Constitucional -
ABDConst, pela amizade.
Aos colegas de Conselho do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral
IPRADE; do Instituto dos Advogados do Paraná IAP; e da Comissão de Direito
Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil/Seção do Paraná, pelo incentivo.
Aos colaboradores da UniBrasil, em especial à Simone, pela solicitude
constante e dedicação.
Aos amigos, pela amizade e o respeito.
À Paula, que sabe o porquê.
A Deus, por mais uma conquista!
v
7
No Brasil, essas posições assumidas pelo Supremo
Tribunal Federal, competente para controlar a
constitucionalidade da atuação (e da não atuação) dos
órgãos de cúpula do Estado, revelada por um
entendimento jurisprudencial inadequado ao paradigma
do Estado Democrático de Direito, têm levado, de uma
perspectiva não somente normativa, mas também
objetiva, ao surgimento de verdadeiras ilhas corporativas
de discricionariedade, o que estará resultando numa
quase total ausência de parâmetros normativos, abrindo
espaço, dessa forma, para um exercício cada vez mais
arbitrário do poder político.
Marcelo Cattoni de Oliveira
vi
8
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................. ix
ABSTRACT............................................................................................................. x
INTRODUÇÃO ........................................................................................................001
1 O INSTITUTO DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA ...................................................011
1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ...............................................................013
1.2 O CARÁTER POLÍTICO DOS PARTIDOS POLÍTICOS ....................................033
1.3 REGIME CONSTITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS ............................040
1.3.1 Natureza Jurídica dos Partidos ......................................................................049
1.3.2 Autonomia Partidária ......................................................................................054
1.3.2.1 Fidelidade partidária ....................................................................................063
1.3.2.2 Disciplina partidária .....................................................................................072
2 RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ..................................077
2.1 A CONSULTA Nº 1.398/2007 ............................................................................082
2.1.1 O Voto Condutor ............................................................................................083
2.1.2 Manifestações Consoantes ............................................................................086
2.1.3 Pronunciamento Divergente ...........................................................................097
2.1.4 A Resolução nº 22.526/2007 ..........................................................................101
2.2 A CONSULTA Nº 1.407/2007 ............................................................................101
2.2.1 O Voto Condutor ............................................................................................102
2.2.2 Manifestações Consoantes ............................................................................104
2.2.3 Pronunciamentos Divergentes .......................................................................105
2.2.4 A Resolução nº 22.600/2007 ..........................................................................105
2.3 A RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 .......................................................................105
3 DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ............................................107
3.1 OS MANDADOS DE SEGURANÇA Nº 26.602, 26.603 e 26.604/2007 ............109
3.1.1 O voto Condutor .............................................................................................110
3.1.2 Manifestações Consoantes ............................................................................114
3.1.3 Pronunciamentos Divergentes .......................................................................120
3.2 AS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3.999/2008 e
4.086/2008 ........................................................................................................121
3.2.1 O Voto Condutor ............................................................................................122
3.2.2 Manifestações Consoantes ............................................................................124
3.2.3 Manifestações Divergentes ............................................................................125
4 CONSIDERÕES SOBRE AS NOVAS INTERPRETAÇÕES JUDICIAIS ........128
4.1 DESRESPEITO AO REGIME JURÍDICO DOS PARTIDOS POLÍTICOS ..........128
4.1.1 Desconformidade das Manifestações do TSE face à Constituição ................128
4.1.2 Desconformidade das Decisões do STF face à Constituição .........................139
4.2 A REFORMA (IN) CONSTITUCIONAL INFORMAL ..........................................143
4.3 ILEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA NA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO ...152
vii
CONCLUSÃO .........................................................................................................162
REFERÊNCIAS .......................................................................................................167
viii
9
RESUMO
Não como se analisar o novo entendimento do Poder Judiciário Brasileiro acerca
do instituto da fidelidade partidária sem conectá-lo a um contexto mais abrangente,
que envolve, mas não unicamente, as posturas assumidas pelo Supremo Tribunal
Federal no âmbito do Estado de Direito Brasileiro. Igualmente não de aceitar-se,
por fidelidade ao pacto constitucional, a mera aplicação das regras editadas pelo
Tribunal Superior Eleitoral na Resolução 22.610/2007, voltadas à disciplina do
processo de decretação da perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação
partidária, sem se dirigirem críticas ao ato normativo e a fundamentação adotada,
tanto para a alteração jurisprudencial, quanto para a manutenção da validade das
mesmas regras no ordenamento jurídico. Primeiro, sob tais premissas, se verificará
que a postura assumida pelo Poder Judiciário Brasileiro no caso da fidelidade
partidária foi conscientemente dirigida à operação da “almejada reforma política”, por
meio da alteração de interpretação sobre o princípio constitucional que institui a
autonomia partidária, assim assumindo as conseqüências da dita intervenção estatal
no âmbito desta garantia constitucional fundamental. Segundo, constatar-se-á,
através de uma análise crítica da jurisprudência, que, a despeito dos limites postos
pelo sistema constitucional à interpretação de suas normas, a motivação política do
Poder Judiciário, desconsiderando o elemento político da norma, acabou por
sacrificá-la. Ainda, se as decisões judiciais devem ser tomadas com base no que
autoriza o regime político, o estudo apresenta o alerta para que a essência da
democracia, fundada na representação legítima, não seja mantida desnaturada. Por
fim, questiona-se se as posições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal, tomadas
com base em total ausência de parâmetros normativos, poderão abrir espaço para
um exercício cada vez mais arbitrário do poder político. Nesse sentido antecipa-se a
questão: quem guardará a Constituição?
Palavras chave: autonomia partidária, cassação de mandato, coligação partidária,
Constituição, controle de constitucionalidade, decretação, democracia, desfiliação
partidária, Direito Constitucional, Direito Eleitoral, Direito Partidário, direitos
fundamentais, direitos políticos, Direito Público, disciplina partidária, eleição, eleição
majoritária, eleição proporcional, eleito, estatuto de partido político, estatuto
partidário, fidelidade partidária, filiação partidária, ilegitimidade democrática,
infidelidade partidária, jurisdição constitucional, justa causa, mandato popular, norma
constitucional, partido político, perda de mandato, Poder Judiciário, princípio
constitucional, preservação de vaga, reforma constitucional, reforma inconstitucional,
reforma política, regime democrático, representação parlamentar, representação
proporcional, sanção, titularidade, voto.
ix
10
ABSTRACT
It is not possible to analyze how one can understand the Brazilian Judicial Power
concerning the political party faithfulness institute without connecting it to a broader
context which involves, though not exclusively, the position taken by the Supreme
Federal Court in the scope of the Brazilian Rule of Law. It is also not possible, by
following the constitutional pact, to accept the mere application of the rules edited by
the Superior Electoral Court (Resolution n. 22.610/2007) which focus on the
discipline applied to the procedure of decreeing loss of electoral position and of the
justification for political party disaffiliation. By assuming such a position, one will
certainly criticize the normative act and the grounds used for both the jurisprudential
change and for the maintenance of the validity of the same rules in the juridical order.
Firstly, it is necessary to draw attention to the fact that the position assumed by the
Brazilian Judicial Power, concerning political party faithfulness, was consciously
directed to the “desired political reform”, by means of a change in the interpretation of
the constitutional principle that institutes political party autonomy; therefore, taking
the consequences of the state intervention in the scope of this essential constitutional
guarantee. Secondly, through a critical analysis of jurisprudence and despite the
limits imposed by the constitutional system concerning the interpretation of norms,
the motivation of the Judicial Power ended up sacrificing the norm due to not
considering it. Moreover, once judicial decisions are based on what is provided by a
democratic regime, this study points to the fact that the essence of democracy
grounded on legitimate political representation may not be disrespected. Finally, it is
essential to consider whether the position assumed by the Supreme Federal Court,
based on a complete absence of normative parameters, will open a breach for a
more arbitrary exercise of political power. Taking that into consideration, we can
anticipate the question that follows: who will preserve the Constitution?
Key Words: cassation of mandate, Constitution, Constitucional Law, constitucional
norm, constitucional principles, constitucional reform, decreeing, democracy,
democracy illegitimacy, democratic regime, elect, election, Electoral Law, essential
rights, inconstitucional reform, Judicial Power, judicial review, justification of cause,
majority election, mandate loss, parliamentary representation, partisan coalition,
political partisan statute, political party, political party affiliation, political party
autonomy, political party disaffiliation, political party discipline, political party
faithfulness, political party Law, political reform, political rights, political party
unfaithfulness, popular mandate, preserving of position, proporcional representation,
proportionate election, Public Law, sanction, titularity, vote.
x
11
K 44
Kfouri, Gustavo Swain.
A (in)fidelidade partidária vista pelo poder judiciário brasileiro / Gustavo
Swain Kfouri. – Curitiba: UniBrasil, 2009.
viii, 167p. ; 29 cm.
Orientador: Clèmerson Merlin Clève.
Dissertação (mestrado) – Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil,
Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia, 2009.
Inclui bibliografia.
1. Direito – Dissertação. 2. Fidelidade partidária.
I. Faculdades Integradas do Brasil. Mestrado em Direitos Fundamentais e
Democracia. II. Título.
CDD 340
Bibliotecária Responsável Elizabeth Capriglioni CRB-9/330
12
INTRODUÇÃO
A institucionalização jurídicoconstitucional dos partidos políticos no Brasil
ocorreu com a promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946
1
.
A nova Constituição inovava a ordem política, vez que inseria o regime
democrático na condução do sistema que então restaurava as bases federativas e
representativas. Formalmente, a matéria referente ao Direito Partidário foi inserida
no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais
2
.
O fenômeno de reconhecimento da relevância do sistema de partidos se
configurou dentre os acontecimentos políticos de maior importância na segunda
metade do século passado, logo após a Segunda Guerra Mundial
3
.
A percepção desse fenômeno pelo constituinte brasileiro de 1946 se fez no
intuito de conter as possibilidades de ascensão ao poder das forças ideológicas que
pretendiam a tomada do aparelho estatal, para imprimir a eliminação da participação
das minorias e a instituição do sistema de partido único
4
, tal como ocorreu na Era
Vargas.
De fato, a ditadura civil de Getúlio Vargas, apoiada pelos militares, se
sustentou num parlamento e no sistema de partidos fundado em bases totalitárias,
num ambiente em que persistia a desconfiança na ação extremista, que perdurou
até o ano de 1945
5
.
Durante a constituinte de 1946 a maioria conservadora inseriu o artigo 141,
§13 da Constituição
6
, vedando tanto a organização e o registro, quanto o
funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação
contrariasse o regime democrático, recepcionando, deste modo, o princípio do
1
BONAVIDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta. In
VELLOSO, Carlos Mário da Silva, ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (coord.). Direito Eleitoral: a
reforma eleitoral e os rumos da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 31.
2
Id.
3
Id.
4
Ibid., p. 32.
5
Id.
6
Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade,
nos termos seguintes: (...).
§ 13 - É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou
associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade
dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem (Grifo nosso). Disponível em:
<Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm> 31/06/2009.
13
pluripartidarismo e as garantias fundamentais do homem
7
. O texto ocupou-se, ainda,
da disposição sobre partidos políticos, em dois incisos do art. 119
8
.
A história jurídicoconstitucional dos partidos políticos demonstra o
desenvolvimento de suas instituições a partir de sua definitiva inscrição na
Constituição de 1967, ainda que se possa falar em instrumento de fachada, no
período da ditadura militar de 1964. De fato, vigorou em tal momento um sistema de
partido único, sendo que o sistema bipartidário existia apenas aparentemente
9
.
Tratava-se do período imediatamente anterior ao regime democrático
instaurado pela Constituição de 1988, denunciado por Paulo Bonavides como
momento de Crise Política Brasileira
10
.
Cinicamente, foi nesse período que emergiu, no âmbito do art. 149 da
Constituição
11
, a imposição do partido de âmbito nacional, mediante princípios que
tratavam da criação, organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos;
do regime representativo e democrático; da pluralidade partidária; da garantia dos
direitos fundamentais do homem, da fiscalização financeira e da disciplina partidária.
7
BONAVIDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta..., p.
31.
8
Art 119 - A lei regulará a competência dos Juízes e Tribunais Eleitorais. Entre as atribuições da
Justiça Eleitoral, inclui-se:
I - o registro e a cassação de registro dos Partidos Políticos; (...).
VIII - o conhecimento de reclamações relativas a obrigações impostas por lei aos Partidos políticos,
quanto à sua contabilidade e à apuração da origem dos seus recursos. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. 31/06/2009.
9
BONAVIDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta..., p.
32.
10
Id.
11
Art 149 - A organização, o funcionamento e a extinção dos Partidos Políticos serão regulados em
lei federal, observados os seguintes princípios:
I - regime representativo e democrático, baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos
fundamentais do homem;
II - personalidade jurídica, mediante registro dos estatutos;
III - atuação permanente, dentro de programa aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e sem
vinculação, de qualquer natureza, com a ação de Governos, entidades ou Partidos estrangeiros;
IV - fiscalização financeira;
V - disciplina partidária;
VI - âmbito nacional, sem prejuízo dag funções deliberativas dos Diretórios locais;
VII - exigência de dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara
dos Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em cada
um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por
cento de Senadores;
VIII - proibição de coligações partidárias. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
14
A doutrina denominou tal atitude de “hipócrita”
12
, pois vigorava no país uma
democracia de aparência, num período francamente ditatorial que chegou a impor
restrição à criação de novos partidos e estabeleceu rígida fidelidade partidária
13
.
De fato, em 17 de outubro de 1969 a junta Militar editou a Emenda 1, a
Constituição de 1967 e inaugurou o instituto da fidelidade partidária por meio do
parágrafo único do art. 152
14
, pretendendo conservar artificialmente a organização
partidária vigente no Brasil, em um modelo dissociado da realidade que cultuava as
aparências democráticas
15
.
A respeito desta situação, Bonavides assinala que:
(...). Nele o espírito de obediência passiva e resignada à usurpação do poder invadira todas
as instituições da república e mantinha abertas as duas Casas do Congresso, onde se
elegia tranquilamente, pelas vias indiretas, a dinastia presidencial dos generais que se
sucediam no exercício da suprema magistratura da Nação
16
.
As alterações constitucionais não pararam. Seguiu-se a E/C 11/1978 que
alterou a redação do artigo 152 e, em 1985, mediante a E/C 25, o instituto foi
suprimido.
Cerca de vinte anos depois o movimento “Diretas Já” deu início ao processo
de liquidação da ditadura e inaugurou a nova fase da vida política e institucional do
Brasil, quando então sobreveio a ordem constitucional de 1988.
O constituinte de 1988 manteve a decisão daquele de 1985, ao não instituir
a sanção da perda de mandato para casos de infidelidade partidária, pois, ao
reinaugurar o instituto, no âmbito do artigo 17, parágrafo primeiro, a fez proclamando
12
Ibid., p. 33.
13
KNOERR, Fernando Gustavo. Fidelidade Partidária: o controle ético no exercício do mandato. Tese
de Doutoramento, 2002. Pós-Graduação em Direito do Estado. Universidade Federal do Paraná,
introdução.
14
Art. 152 A organização, o funcionamento e a extinção dos Partidos Políticos serão regulados em lei
federal, observados os seguintes princípios: (...).
Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas
Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às
diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja
legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação
do partido, assegurado o direito de ampla defesa. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
15
BONAVIDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta...,
p. 33.
16
Id.
15
a autonomia partidária e remetendo a regulação e o controle sobre seus
mandatários ao próprio partido político.
Ainda, por disposição expressa contida no rol de seu art. 55 a Constituição
Federal instituiu as hipóteses estritas em que a ordem jurídica vigente autorizou a
revogação de mandato popular. A seu turno, a conjugação da leitura desse artigo,
com os princípios políticoconstitucionais aplicáveis e com o artigo 15 revela que os
eleitos detêm o direito fundamental ao livre exercício do mandato eletivo. Ao mesmo
tempo, torna explícita a limitação material imposta pelo texto à interpretação de suas
normas, impedindo a possibilidade de decretar-se, por meio de órgãos da Justiça
Eleitoral, a cassação de mandatos em razão da aplicação do princípio da fidelidade
partidária.
Ocorre, porém, que assim não “entendeu” o Poder Judiciário Brasileiro, o
qual, por meio de atuação precípua, alterou radicalmente o sentido do texto contido
do artigo 17, parágrafo primeiro da Constituição e reintroduziu o instituto da
fidelidade partidária no ordenamento jurídico brasileiro nos moldes da Constituição
de 1969.
Essa direção foi impressa a partir do atual Presidente do Supremo Tribunal
Federal, o Min. Gilmar Mendes, em voto proferido na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.351-3, de 07/12/2006 (pedido de invalidação de
dispositivos contidos na Lei dos Partidos Políticos), que se manifestou de forma a
propor a alteração do modelo representativo brasileiro a partir da atuação do Poder
Judiciário
17
. Senão vejamos:
(...). O Senhor Ministro Gilmar Mendes (...). O nosso sistema proporcional, consagrado
a partir de 1932, vem dando sinais de exaustão. A crise política que aí está bem o
demonstra. E acredito que nós aqui estamos inclusive desafiados a repensar esse modelo
a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e vou um pouco mais além da
questão posta nesse voto, neste caso: talvez estejamos desafiados a pensar inclusive
sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que obtiveram o mandato no
sistema proporcional. É um segredo da carochinha que todos dependam da legenda para
obter o mandato. E depois começa esse festival de trocas já anunciadas. Uma clara
violação à vontade do eleitor
18
.
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) – Vossa Excelência me permite?
17
Tal direção também é expressa pelos seus escritos acadêmicos do Ministro Gilmar Mendes,
quando aborda as questões de autonomia, liberdade partidária, democracia interna e fidelidade
partidária, na forma que segue: “Com a provável efetivação da mudança constitucional dão-se os
primeiros passos no sentido da almejada reforma política no Brasil”. (MENDES, Gilmar Ferreira.
Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 829).
18
Ibid., p. 89.
16
No voto, pelo menos sinalizo, quando me refiro que o casamento não admite divórcio, a
fidelidade, que, para mim, é fidelidade a propósitos.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes - É verdade. É preciso, portanto, pensar isso, tendo
em vista esta institucionalidade complexa dos partidos políticos. Já vimos aqui que os
partidos políticos são esses entes ambivalentes, um pouco ente público, um pouco ente
privado, um pouco ente da própria sociedade, fazendo essa mediação entre o eleitor e o
poder. É preciso pensar isso com seriedade. Se olharmos, então, essa questão nessa
perspectiva, tenho a impressão de que vai chegar o momento e talvez, ainda nessa
legislatura, devêssemos rever aquela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que
consagrou o entendimento segundo o qual a infidelidade partidária não teria repercussão
sobre o mandato exercido.
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) De quando é essa jurisprudência Ministro
Gilmar Mendes?
O Senhor Ministro Gilmar Mendes – É de 1991, Mandado de Segurança nº 20.297.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence O Ministro Paulo Brossard, com a elegância
que o caracteriza, defendeu com imensa bravura e eloqüência a perda do mandato do
parlamentar que abandonasse o partido. Agora, isso é difícil de se conciliar com uma
legislação como a nossa, que admite, por outro lado, a coligação nas eleições
proporcionais.
O Senhor Ministro Carlos Britto – Aí o mandato seria imperativo.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence Veja bem. A perda do mandato de um
deputado eleito por determinada coligação traria ao exercício do mandato não
necessariamente um filiado àquele partido do qual se afastou, mas um aliado, que pode ser
de um partido absolutamente diverso, como é de nossa experiência.
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) – Vossa Excelência me permite?
Creio que não prejudica o instituto da fidelidade. Por que não prejudica? Porque a
coligação é para a reunião de forças, mas, posteriormente, a distribuição das cadeiras se
faz segundo a sigla dos candidatos.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence Sim, mas a suplência não. A ordem de
suplência permanece a da coligação.
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) Mas sendo a suplência um acessório, segue a
sorte do principal. Se, em relação ao principal, vinculação a predominar a sigla,
evidentemente, quanto à suplência, também se deve observar o mesmo critério.
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence O ministro Eros Grau está inquieto com o
“seminário”.
O Senhor Ministro Eros Grau – Acho que nós estamos saindo do assunto.
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) – Estamos, sim.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes Estamos saindo conscientemente, neste caso, por
conta da discussão que se coloca. Qual o móvel dessa legislação?
O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) Mesmo porque se avizinha e vamos ver se
agora ela vem – uma reforma política.
O Senhor Ministro Gilmar Mendes – E encerro, Senhora Presidente, dizendo o seguinte:
Se considerarmos a exigência da filiação partidária como condição de elegibilidade e a
participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista o modelo eleitoral
proporcional adotado para as eleições parlamentares, essa orientação que admite não
haver reflexo no mandato quanto à opção por uma nova agremiação partidária afigura-se
amplamente questionável. Assim, ressalvadas as situações específicas decorrentes de
ruptura de compromissos programáticos por parte da agremiação ou outra situação de igual
significado, a meu ver, o abandono de legenda deveria dar ensejo à perda de mandato.
Na verdade, embora haja participação especial do candidato na obtenção de votos com o
objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição proporcional se realiza
em razão da votação atribuída à legenda. Como se sabe, com raras exceções, a maioria
dos reeleitos sequer logra obter o quociente eleitoral, dependendo a sua eleição dos votos
obtidos pela agremiação. Nas atuais eleições, tivemos a notícia nos jornais de que apenas
trinta e quatro lograram autonomamente preencher o quociente eleitoral com a votação
obtida.
Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido do prisma jurídico e político que o
eventual eleito possa simplesmente desvencilhar-se dos vínculos partidários originalmente
estabelecidos, carregando um mandato obtido em um sistema no qual se destaca o voto
17
atribuído à agremiação partidária a que está filiado para outra legenda. Essa é uma obter
dictum, apenas tendo em vista o móvel que determinou essa cláusula do artigo 13.
Mas, tal como já observado e vou fazer a juntada do voto -, acompanho o voto do
eminente Relator, saudando o magnífico voto por ele proferido
19
. (Destaque no original).
Nessa direção, a partir de manifestações do Tribunal Superior Eleitoral -
TSE e do Supremo Tribunal Federal - STF, o Poder Judiciário Brasileiro operou uma
autêntica reforma política constitucional
20
, revigorando o instituto da fidelidade
partidária no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos em que vigia em 1969.
A reforma institucional se deu a partir da edição da Resolução 22.526, de
29 de março de 2007, fundamentada na resposta afirmativa dada pelo TSE à
Consulta 1.398/2007. A referida Resolução disciplinou que os mandatos obtidos
nas eleições pelo sistema proporcional (deputados estaduais, distritais, federais e
vereadores) devem pertencer ao partido político ou às coligações partidárias e não
aos mandatários.
Seguiu-se o Mandado de Segurança 26.603/2007, a que se reuniram os
processos 26.602 e 26.604/2007. No mérito, o STF considerou constitucional a
tese acolhida pelo TSE, afirmando a essencialidade dos partidos políticos no
processo de poder e na conformação do regime democrático. Destacou-se, nesse
momento, a importância do postulado da fidelidade partidária, com alto significado
nas relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe, enfatizando o
caráter eminentemente partidário do sistema proporcional. Com isso, se o candidato,
após o pleito, mudasse de partido, este ou a coligação originária estaria apto,
perante a Justiça Eleitoral, a demandar ação desconstitutiva para a obtenção da
decretação da perda do mandato eletivo.
Com base nessa orientação, o TSE editou a Resolução nº 22.610/2007, que
estabeleceu hipóteses de decretação da perda do mandato obtido nos sistemas
majoritário e proporcional e as hipóteses justificadoras de desfiliação partidária; e
ainda, fixou as datas de vigência das disposições.
Sobrevieram, em face da referida Resolução, as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 3.999/2008 e 4.086/2008 que serviram ao propósito de
reafirmar a constitucionalidade do ato normativo emanado pelo TSE.
19
Ibid., p. 89-94.
20
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 829.
18
Pelo exposto, em análise preliminar se percebe que o papel assumido
pelo Poder Judiciário Brasileiro foi alterado radicalmente.
Por exemplo, a 6 de dezembro de 1994, quando o Min. Carlos Mário da
Silva Velloso tomou posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, conclamou
a sociedade brasileira, enquanto titular do poder, a refletir sobre tais temas a fim de
“(...) tornar mais sérias e mais acreditadas as instituições políticas brasileiras”, a fim
de se alterar a realidade nacional.
Não obstante a exortação constituiu a denominada “Comissão de
Notáveis”
21
que teve por finalidade realizar um trabalho conjunto com os Poderes
Executivo e Legislativo, objetivando afastar os desacertos e os casuísmos da
legislação eleitoral
22
.
21
COELHO, João Gilberto Lucas. Reflexões para o futuro. In. VELLOSO, Carlos Mário da Silva,
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Direito Eleitoral - a reforma eleitoral e os rumos da democracia no
Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 55.
22
Discurso de posse, plenário do TSE:
A verdade eleitoral é a razão de ser da Justiça Eleitoral. Essa verdade eleitoral vem sendo
perseguida, há sessenta e dois anos, pelos juízes eleitorais brasileiros. Muito se fez, nessa área,
inegavelmente. Já não se fazem eleições a bico de pena e os casos de corrupção, de abuso de poder
econômico ou político são punidos exemplarmente. Devemos reconhecer, entretanto, que ainda são
perpetradas fraudes no processo eleitoral. O exemplo mais recente é o das eleições de 1994, no Rio
de Janeiro. Estamos convencidos de que essas fraudes serão banidas do processo eleitoral brasileiro
no momento em que eliminarmos as cédulas, as urnas e os mapas de urna, informatizando o voto. O
alistamento esinformatizado. Em 1994, foram informatizadas as Zonas Eleitorais. A meta, agora,
meta que tentaremos implementar no correr do ano de 1995, é a informatização do voto. O Tribunal
Regional Eleitoral de Santa Catarina, sob a presidência do Desembargador Francisco Xavier Vieira,
desenvolveu projeto de automatização do voto que, mediante licença do TSE, foi testado no segundo
turno das eleições deste ano, com grande sucesso, em cinco seções eleitorais daquele Estado.
Investimentos deverão ser feitos. Registre-se, entretanto, que vamos eliminar despesas. Não teremos
que comprar umas nem cédulas; não teremos mapas de uma, as seções eleitorais poderão ser
reduzidas, com notável economia de dinheiro e, sobretudo, de tempo. A informatização do voto,
repito, será a primeira meta que tentaremos viabilizar na nossa presidência.
Perseguiremos a concretização - e esta é a nossa segunda meta - de uma lei eleitoral permanente,
de uma lei eleitoral que discipline todas as eleições e não apenas uma eleição. Esta lei poderá ser o
código eleitoral aperfeiçoado, ajustado à nova realidade político-eleitoral brasileira. Uma lei nova para
cada nova eleição, ao que pensamos, não presta bom serviço. A prática, pelos Tribunais, durante um
bom mero de anos, de uma certa lei, leva à consolidação do entendimento jurisprudencial, o que é
bom. Uma lei eleitoral nova para cada eleição traz insegurança, dado que os Tribunais devem
começar tudo de novo. Vamos trabalhar em torno de um anteprojeto de lei eleitoral definitiva.
Procuraremos - esta será a nossa terceira meta - ajustar a Lei Orgânica dos Partidos políticos, Lei
5.682, de 21/7/71, à nova ordem constitucional. A Constituição vigente concede autonomia aos
Partidos políticos. A atual Lei Orgânica dos Partidos Políticos veio a lume quando a realidade
constitucional era outra. Urge, pois, ajustá-Ia à Constituição de 1988. É preciso, de outro lado,
emprestar organicidade aos partidos, que precisam ter caráter nacional. Este é, aliás, um princípio
constitucional a que se sujeitam os partidos (CF, art. 17, I). A pulverização das agremiações
partidárias, o grande número de partidos, enfraquece-os, toma-os presas fáceis de aventureiros
políticos. É verdade que os donos do poder concorreram para o esfarinhamento dos partidos. Por três
vezes, em menos de quarenta anos, os partidos foram extintos. Isto ocorreu em 1937 (Decreto-Lei n.
37 e Decreto-Lei n. 59, Decreto n. 2.229, de 1937), 1965 (Ato Institucional n. 2, de 1965) e 1979 (Lei
19
n. 6.767, de 20/12/79). A partir daí, registra o Ministro Paulo Brossard, no discurso de posse na
presidência desta Casa, por uma lei inconstitucional às portas até então avaramente fechadas, foram
escancaradas. Afinal, depois de tudo isso, forçoso é convir não ser estranhável a paisagem lunar
existente em matéria partidária. Como parece ser do nosso feitio oscilar do zero ao infinito e do
infinito ao zero, ontem eram dois e não mais de dois e hoje são vinte, com registro definitivo, quatorze
com registro provisório, e seis com os seus registros em processamento. Isto em junho de 1992.
Hoje, são vinte os partidos com registro definitivo, um com registro definitivo em andamento, três com
registro provisório e três outros com registro provisório em andamento, num total, portanto, de vinte e
sete. O legislador brasileiro deve refletir um pouco mais sobre o tema, se deseja boa prática de
governo democrático. A democracia representativa realiza-se através dos Partidos Políticos.
Estes devem refletir, pelos seus programas, o pensamento de setores da sociedade, devem
conter um ideário, de modo que as pessoas possam escolher os seus candidatos a partir da
discussão de idéias e de temas de governo e não em razão do carisma ou de discursos
individuais, que refletem, em última análise, pensamentos afastados da realidade partidária,
quase sempre demagógicos e inviáveis.
De outro lado, um mínimo de fidelidade partidária é necessário. Os partidos precisam formular
diretrizes, a que estejam sujeitos os que se elegeram à sombra de sua legenda, sob pena de
perda do mandato.
A nossa quarta meta, que pretendemos implementar, é a do voto distrital misto. O sistema eleitoral
utilizado para escolha dos deputados, exclusivamente proporcional, favorece, sem dúvida, o abuso do
poder econômico e de autoridade, impede que o representante esteja vinculado aos seus eleitores e
estimula a divisão dos candidatos no ambiente interno dos partidos. Em artigo publicado na Folha de
S. Paulo, o deputado e professor André Franco Montara discute as desvantagens do sistema
proporcional puro, optando pelo distrital misto, no qual os eleitores disporão de dois votos: “o primeiro,
atribuído a um dos candidatos do distrito, assinalando um nome; e o outro, a uma das listas
partidárias, assinalando uma legenda”, certo que a metade, de regra, das vagas será preenchida
pelos mais votados de cada distrito e a outra metade, pelas listas partidárias proporcionalmente à
votação obtida pela legenda, sendo considerados eleitos os candidatos na ordem que figuram na
lista”. O eminente Senador Fernando Henrique Cardoso, presidente eleito, é autor de projeto de lei
apresentado ao Senado Federal, Projeto de Lei n. 328, de 1991, que, pretendendo respeitar o
disposto no art. 45 da Constituição, que exige o sistema proporcional na eleição para a Câmara dos
Deputados, procura, na linha do distrital misto, conferir maior representatividade àquele sistema. Se a
norma constitucional impedir, entretanto, a adoção do sistema distrital misto, que tenhamos a
coragem de propor, na forma do que estabelece o artigo 60 da Constituição, emenda constitucional
que o autorize, expressamente.
Last but not least, ainda na linha da lei eleitoral permanente, penso que pode ser estudada,
autonomamente, dada a sua importância, a questão do financiamento das campanhas eleitorais.
Demos um bom passo com a Lei n. 8.713, de 1993, que instituiu os “bônus eleitorais”, que permitem,
presentes as cautelas adotadas pelo TSE, a identificação dos financiadores. É preciso refletir numa
maior participação do Estado nesse financiamento, menos na distribuição de verbas, e muito mais na
concessão de incentivos fiscais ou de ressarcimento fiscal aos particulares que se disponham a
financiar a campanha eleitoral.
Queremos, Senhores, convocar os magistrados, os juristas, os advogados, os representantes do
Ministério Público, os cientistas políticos, os congressistas de boa vontade, os homens do Poder
Executivo, a colaborarem na viabilização do projeto ora exposto.
Lembra San Tiago Dantas, em D. Quixote, um Apólogo da Alma Ocidental, que numa das suas
conversas com Eckermann, a propósito do Fausto, dizia Goethe que, ao menos uma vez, tenham
coragem de se abandonarem às suas impressões, de se deixarem divertir, de se deixarem comover,
de se deixarem elevar, instruir, inflamar e encorajar por alguma coisa de grande; e não pensem
sempre que tudo esperdido quando o se pode descobrir no fundo de uma obra, alguma idéia ou
pensamento abstrato.
É o que conclamo aos brasileiros que acreditam que podem aperfeiçoar as instituições políticas
brasileiras, fazendo-as notáveis instituições. Deixemo-nos, na linha da sugestão goethiana, comover,
inflamar e nos encorajar por essas idéias”. (Grifo nosso). (VELLOSO, Carlos Mário da Silva e
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (Coord.). Direito Eleitoral - a reforma eleitoral e os rumos da
democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 19-21).
20
O Poder Judiciário brasileiro, até então, preponderantemente se limitava a
cumprir sua função institucional no âmbito do dogma da separação dos
poderes/especialização de funções
23
.
Diferentemente, se evidencia com a posição ora assumida uma tendência à
atuação jurisdicional objetiva, com vistas à alteração da realidade social por meio da
interpretação judicial, o que pode dar causa à tensão entre a sua atuação e o
paradigma do Estado Democrático de Direito.
Sem dúvidas, a opção do Poder Judiciário em produzir verdadeira reforma
constitucional informal poderá ensejar críticas, tendentes a questionar a eficácia das
reformas produzidas por meio de ato normativo Resolução 22.610/2007,
formulado sem o amparo de ação popular e em inobservância aos fatores reais de
poder que deveriam sempre condicionar a prática política
24
.
23
No sentido impresso por CLÈVE, Clèmerson Merlin. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade
Legislativa do Poder Executivo. 2. ed. rev., atual., e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais 2000, p.
29-31).
24
Nesse sentido, Bonavides: (...). Numa recente entrevista ao jornal O Povo, de Fortaleza, o ilustre
jurista de São Paulo, Prof. Fábio Konder Comparato, queixou-se da falta de legitimidade do partido
político no Brasil, carência oriunda sobretudo, segundo ele, de jamais haver alcançado caráter
nacional. Ora, esse cunho de representatividade em termos nacionais tem sido, em verdade, uma das
falhas mais deploráveis da organização partidária no País.
Aqui os elementos jurídicos de constitucionalização dos partidos desde a Carta outorgada de 67,
passando também pela Constituição de 1988, foram inúteis a esse respeito e colidiram com uma
realidade cuja essência é outra.
Só um mergulho de análise e raciocínio sociológico poderá trazê-la a tona em todos os seus aspectos
sobre os quais os juristas do formalismo na maior parte silenciaram ou não os levaram na devida
conta, o que não é aliás de se estranhar, porquanto os governantes autoritários se aperfeiçoaram a
instituir sistemas partidários mediante decreto, como o fez Castelo Branco ao reformar a estrutura das
agremiações políticas existentes no País para ditar do alto das escadas do poder um bipartidarismo
malogrado e sem consistência. Tais homens públicos jamais consideraram com seriedade as forças
reais do poder e por isso mesmo ingressaram às cegas no reino da ficção programática transladada
às cláusulas constitucionais. (...). O partido político viveu assim, tanto na praxis como na doutrina, o
seu apogeu durante a segunda metade deste século. A orientação legislativa e constitucional
convergia toda no sentido do fortalecimento dessa instituição, que se estruturava em bases novas de
participação democrática, obedecendo porém, aos velhos moldes do sistema representativo. Não se
operou, todavia, na medida desejada a reforma que se esperava. Com efeito, o fenômeno partidário,
confrontado com a realidade brasileira, nunca foi bem sucedido em abalar as estruturas oligárquicas
do poder, sem embargo de todas as regras de aperfeiçoamento introduzidas por via legislativa e por
obra da constitucionalização, levada a cabo nas últimas décadas. (...). Nem a Constituição nem a Lei
Orgânica que desta deriva podem salvar o partido político do declínio que o acomete nos quadros da
presente democracia representativa instaurada no Brasil, salvo se houver um sopro de renovação nas
formas participativas populares, utilizando fórmulas diretas de intervenção que jazem na própria carta
constitucional (...)”. (Grifo no original).(BONAVIDES, Paulo. A decadência dos Partidos políticos e o
caminho para a democracia direta..., p. 35). No mesmo sentido FRUET, Gustavo Bonato: “Reformas e
adaptações sempre são necessárias, próprias dos avanços e retrocessos, devendo a prudência evitar
tratá-las como a solução de todos os vícios e distorções. São os excessos pendulares, normalmente
messiânicos. 1.1. O que se verifica no modelo de democracia representativa implantado no País, é
uma crônica instabilidade político-jurídica (sic), acarretando seguidas mutações constitucionais e
conseqüentes alterações infraconstitucionais. A cada eleição, novas modificações, gerando um
21
Com base em tais premissas, o estudo foi direcionado de forma a partir da
análise dogmática das manifestações jurisdicionais citadas, as quais alteraram a
jurisprudência antes fixada, pela impossibilidade da interferência estatal no âmbito
da autonomia partidária e da decretação de perda do mandato eletivo com base em
infidelidade partidária. Dessa forma, o trabalho procura perquirir algumas das
possíveis consequências causadas pela decisão do STF, tais como: a) o desrespeito
ao regime jurídico dos partidos políticos; b) a mutação (in) constitucional; e, c) a
ilegitimidade democrática na atuação do Poder Judiciário.
verdadeiro casuísmo. 1.2. Na pauta, a discussão sobre importantes temas da reforma política. Pelo
menos, 15 são objeto de discussão, podendo constar da agenda política. São eles: (...), fidelidade
partidária, (...) entre outros que compõem o debate após as eleições municipais de 2000. (...). 1.5. Se
por um lado, a permanente alteração e instabilidade na legislação dificultam a existência de um corpo
teórico harmônico de direito eleitoral, já existem, ao menos, princípios mais estáveis, às vezes
incômodos. Assim, a permanente alteração da legislação eleitoral gera um verdadeiro casuísmo,
cabendo ao intérprete adequar e compor o inevitável conflito que se estabelece em decorrência da
disputa eleitoral, estabelecendo-se uma sutil dialética entre quem elabora a lei, quem aplica a lei e a
quem a lei é dirigida. 1.6. Cabe assegurar, fundamentalmente, o exercício ativo da cidadania,
garantindo a legitimidade e validade expressos no ato de soberania popular. uma tendência
legiferante no País decorrente, talvez, da tradição latina, imaginando ser possível regular todas as
relações através do ordenamento, o que Habermas denomina de “juridicização”, significando afirmar
que deve-se esperar uma lei, para que princípios como fidelidade sejam respeitados. É necessário
inverter esse processo. A melhor coesão será de fora para dentro. a capacidade de indignação
poderá modificar estas distorções, sob pena de legitimar-se o desrespeito a valores éticos. Ao que
parece, insuficiente até o presente. 1.7. Leôncio Rodrigues afirma que há uma mania terrível no Brasil
de reformas, defendendo que é melhor reformar menos para reformar melhor. Há sempre uma ilusão
de que através de uma engenharia constitucional que sai da cabeça de algumas pessoas, seja
possível enfrentar os interesses da maioria da classe política, os hábitos dos eleitores e os padrões
culturais dominantes no país. Toda mudança se com avanços e recuos, que, por vezes, fazem
descrer da atividade política como instrumento solidário, coletivo e ético. Não sistema perfeito. O
que é discutível é apresentar o genérico conceito de reformas como a solução de todas as distorções.
São necessárias. Mais do que a lei, a defesa do conceito, na busca de um sistema coerente,
harmônico, funcional, evitando institutos conflitantes. 1.8. Se não se pode mudar diretamente a forma
de comportamento, ao menos, resista-se com a força da opinião. Quem tolera, conforma-se,
acomoda-se com a idéia de domínio da maioria e vinculação ao poder, por julgar inevitável, abdica de
edificar um sistema civilizado e de respeito às divergências. Abdica da cidadania. Como Bobbio, sem
perder as ilusões, mas acreditando no diálogo que permite não perder as esperanças na força das
boas razões. (...)”. (Grifo no original). (FRUET, Gustavo Bonato. Reforma e casuísmo. Paraná
Eleitoral, Curitiba, 38, p. 19-38, out/dez 2000, p. 19 e 20).
22
1 O INSTITUTO DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA
A Constituição Federal de 1988 CF reinaugurou o instituto da fidelidade
partidária por meio da norma contida do artigo 17
25
, parágrafo primeiro, delegando
expressamente, em inovação à ordem jurídica imediatamente anterior, a sua
regulamentação aos partidos políticos. Estes entes, no campo da autonomia que
lhes foi conferida
26
, devem, por força da determinação constitucional, discipliná-la no
âmbito de seus estatutos constitutivos
27
.
25
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a
soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana e observados os seguintes preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de
subordinação a estes;
III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
§ É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas
coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
§ - Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão
seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
§ - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à
televisão, na forma da lei.
§ 4º - É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar. (Grifo nosso).
Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
31/06/2009.
26
Mezzaroba ressalta que “pela primeira vez no Brasil, uma Constituição passa a delegar aos
próprios partidos autonomia para regulamentar matérias interna corporis, como estrutura, organização
e funcionamento”; além de que, “no âmbito de cada estatuto, cabe aos partidos estabelecer suas
normas próprias sobre fidelidade e disciplina partidária”. (Grifo nosso). MEZZAROBA, Orides.
Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais/lei 9.096/95, anotações jurispridenciais.
Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 46.
27
Pela leitura do texto constitucional, do art. 9, §3º, da Lei dos Partidos Políticos -LPP (Lei Federal
9.096/1995), e dos precedentes fixados pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE sobre o tema,
especialmente da Resolução 17.990 (editada do Registro de Partido nº 174 Classe 7 ª,
Brasília/DF, publicada no DOU-DJ 06/05/1992), e do Acórdão 12.211 (proferido no Recurso
9.467 Classe 4ª, São João da Urtiga RS, em 02/04/1992, publicado DOU-DJ 21/05/1992), ambos
de Relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, têm-se que a falta da inclusão, pelos partidos políticos,
de normas sobre fidelidade e disciplina partidárias, causa ao indeferimento do pedido de
registro definitivo de seu estatuto.
Do diploma legal:
“Art. Feita a constituição e designação, referidas no § do artigo anterior, os dirigentes nacionais
promoverão o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior Eleitoral, através de
requerimento acompanhado de:(...).
§ Se não houver diligências a determinar, ou após o seu atendimento, o Tribunal Superior
Eleitoral registra o estatuto do partido, no prazo de trinta dias. (Grifo nosso). Disponível em:
<Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm>. 31/06/2009.
Do primeiro precedente merece registro o seguinte trecho: vê-se dos autos que este egrégio
Tribunal Superior Eleitoral deferiu ao partido o registro definitivo, fixando-lhe prazo para a
23
Para a investigação do tema, deverão ser pontuados o caráter político e a
dimensão jurídica dos partidos, bem como serem diferenciados os sistemas eleitoral
e partidário, constituintes do Estado representativo brasileiro. No mesmo sentido,
também em caráter preliminar, se faz necessária a análise dos limites conferidos,
pela Constituição, à interferência estatal na seara da proclamada autonomia
partidária.
Tais noções se tornam imprescindíveis à investigação sobre a (i)
legitimidade das interpretações judiciais que admitem a possibilidade dos partidos
políticos preservarem o mandato políticorepresentativo outorgado a candidato eleito
sob a legenda que se filia em caso de migração do mandatário à sigla diversa.
Isso, pois, ao lado da dimensão jurídica, a norma constitucional possui
caráter político, porquanto, conforme informa Paulo Bonavides, “rege a estrutura
fundamental do Estado, atribui competência aos poderes, dispõe sobre direitos
humanos básicos, fixa o comportamento dos órgãos estatais e serve, enfim, de
pauta à ação dos governos, visto que no exercício de suas atribuições não podem
eles evidentemente ignorá-la”
28
.
Em decorrência de sua natureza, as relações que a norma constitucional
disciplina mantém conteúdo político, razão pela qual sofrem influxo no mesmo
sentido, o que também ocorre no momento da interpretação do texto
29
.
Nessa linha, pelo caráter de seu objeto, aliado aos agentes que a levam a
efeito, a interpretação conferida pelos tribunais à norma constitucional, sem dúvidas,
sofre a interferência de fatores políticos
30
. Conforme anota Luís Roberto Barroso, “as
normas constitucionais são políticas quanto à sua origem
31
, quanto ao seu objeto e
inclusão nos estatutos (sic) das normas de fidelidade e disciplina partidárias já constantes de
seu Código de Ética (...)” - contido do Relatório (Grifo nosso).
Do segundo precedente merece registro dos fundamentos adotados pelo TSE, a partir da citação do
trabalho de Mônica Herman Salem CAGGIANO: por todo o exposto, poderíamos concluir que a
figura do partido político, na organização constitucional ditada pelo documento em vigor a partir do dia
5.10.88; (...); b) passa a gozar de plena liberdade quanto a sua estrutura interna, sendo-lhe
assegurada a faculdade de auto-organização (sic), sob a única condição de integrar nos seus
estatutos regras concernentes à fidelidade e disciplina partidárias. (...)” - consta do item 14, do
Relatório (Grifo nosso).
28
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed.. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 461.
29
Id.
30
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 7 ed. São Paulo: Saraiva: 2009, p.116.
31
O Autor registra que “o poder constituinte é revolucionário nas suas raízes históricas e político na
sua essência. Ele representa um momento pré-jurídico e, quando exercido em contexto democrático,
expressa um momento de especial aglutinação e civismo do povo de um Estado”. Id, p.114.
24
quanto aos resultados de sua aplicação”
32
. Em outras palavras, a Constituição, na
tentativa de conversão do poder político em poder jurídico
33
“resultará de um esforço
de juridicização do fenômeno político”
34
.
Sob tais premissas, a presente análise considera não apenas o viés jurídico,
mas também o caráter político dessas organizações
35
, desses corpos intermediários
que funcionam entre a sociedade civil e a sociedade política
36
, denominados
partidos políticos, o que será realizado neste capítulo inaugural.
1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A análise do instituto da fidelidade partidária demanda um estudo minucioso
a respeito da unidade dogmática do sistema jurídico brasileiro. Notadamente, no
Direito Constitucional Positivo (ramo/conteúdo) se encontram os princípios e regras
que possibilitam a compreensão, sistematização e crítica da realidade política e
social
37
.
De fato, verificando-se a natureza específica do instituto e as relações que
em razão de sua aplicação necessariamente se estabelecem com as demais
instituições políticas próprias do regime político adotado pela Constituição (como,
por excelência, os partidos políticos e o mandato políticorepresentativo), o tema se
insere no âmbito do Direito Constitucional. Sendo este Direito blico fundamental,
refere-se “diretamente à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos
elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases de sua estrutura
política”
38
.
Ocorre, porém, que a matéria abarcada na hipótese de perda do mandato
eletivo por desfiliação partidária
39
indica a imbricação do tema em outra seara do
Direito Público, seja do Direito Eleitoral e Partidário, vez que se referem tanto às
32
Id.
33
Ibid., p. 115.
34
Id.
35
DUVERGER, Maurice. Sociologia política. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Forense,
1968, p. 358.
36
ADI-MC nº 1063-8-DF/STF, Rel. Min. Celso de Mello, p. 93.
37
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros,
2009, p. 33/36.
38
Ibid., p. 34.
39
Resolução nº 22.526/07-TSE.
25
normas que disciplinam a “mecânica da representação” (tratam da aplicação do
sistema eleitoral)
40
quanto a capacidade de auto-organização e livre funcionamento
dos partidos políticos.
Fávila Ribeiro enumera algumas das prerrogativas afetas ao Direito Eleitoral
que, aliadas ao Partidário, disciplina as medidas tendentes à: a) disciplinar as
medidas de distribuição do corpo eleitoral
41
; b) promover a organização do sistema
eleitoral
42
; c) aplicar as normas que disciplinam o exercício do voto
43
; d) expedir
instruções para a fiel execução
44
das normas derivadas dos sistemas majoritário e
proporcional
45
; e) tratar das prescrições sobre a aquisição e perda da capacidade
política ativa e passiva, isto é, de votar e ser votado
46
; f) dispor sobre a natureza,
funcionamento e responsabilidade dos partidos políticos, sobre quem, por meio de
ramo da justiça especializada, exerce controle
47
.
40
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 13.
41
Id.
42
Id.
43
Id.
44
Código Eleitoral – CE (Lei Federal 4.737/1965):
“Art. 1º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos
políticos precipuamente os de votar e ser votado.
Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução
(Grifo nosso). Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>.
31/06/2009.
45
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., op. cit., p. 13.
46
Id.
47
LOP:
“Art. 30. O partido político , através de seus órgãos nacionais, regionais e municipais, deve manter
escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação
de suas despesas.
Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto,
contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de
qualquer espécie, procedente de:(...).
Art. 32. O partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do
exercício findo, até o dia 30 de abril do ano seguinte (...).
Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de
contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem
adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas
campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas: (...).
Parágrafo único. Para efetuar os exames necessários ao atendimento do disposto no caput, a Justiça
Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados, pelo tempo que for
necessário.
Art. 35. O Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais, à vista de denúncia
fundamentada de filiado ou delegado de partido, de representação do Procurador-Geral ou Regional
ou de iniciativa do Corregedor, determinarão o exame da escrituração do partido e a apuração de
qualquer ato que viole as prescrições legais ou estatutárias a que, em matéria financeira,
aquele ou seus filiados estejam sujeitos, podendo, inclusive, determinar a quebra de sigilo
bancário das contas dos partidos para o esclarecimento ou apuração de fatos vinculados à
denúncia. (...)” (Grifo nosso).
26
Com tais elementos a função do Direito Eleitoral pode ser definida como “o
estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento
do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça a precisa equação entre
a vontade do povo e a atividade governamental”
48
.
Por sua vez, o Direito Partidário abrange, necessariamente, o estudo das
regras que regem a criação, transformação, funcionamento e extinção dos partidos
políticos, bem assim dos princípios
49
que, ao passo que conferem garantias para a
sua imunização contra a indevida ingerência estatal, regem a sua atuação.
Importa registrar que, mesmo gozando os partidos políticos de autonomia
para a sua auto-organização e funcionamento, outorgada constitucionalmente (art.
17, §1º
50
), se submetem, por restrição do mesmo dispositivo (art. 17, III, e §2º)
51
ao
controle e fiscalização de órgãos do Poder Judiciário da União
52
(no âmbito dos
Estados, fixada pela circunscrição do órgão de direção)
53
, seja no que diz respeito a
sua existência ou a validade dos atos de sua vida (na extensão em que determine a
lei)
54
.
Com esse escopo atua a Justiça Eleitoral, que pode ser definida, o que bem
faz Torquato Jardim, como “o instrumento institucional criado pela Constituição para
Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes
sanções:(...).
Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de
novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis ás penas da lei. (...) (Grifo nosso).
Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm>. 31/06/2009.
48
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., op. cit., p. 12.
49
BASTOS, Aurélio Wander, apud MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, prefácio.
50
CF de 1988, art. 17. Disponível em: (Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. 31/06/2009.
51
Id.
52
CF:
“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:(...).
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;(...)”. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. 31/06/2009.
53
CF:
“Art. 118. São órgãos da Justiça Eleitoral:
I - o Tribunal Superior Eleitoral;
II - os Tribunais Regionais Eleitorais;
III - os Juízes Eleitorais;
IV - as Juntas Eleitorais. (...).
Art. 120. Haverá um Tribunal Regional Eleitoral na Capital de cada Estado e no Distrito Federal.(...)”.
Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>.
31/06/2009.
54
Acórdão nº 12.211 - TSE, Rel. Min. José Paulo Sepúlveda Pertence., RESPE 9.467, de 10/03/1992,
São João da Urtiga/RS, publicado DOU em 06/05/1992, p. 02, do voto.
27
a operação efetiva do que nela própria solenemente se proclama como a base sobre
a qual assenta o Estado brasileiro: a democracia representativa no estado de direito
(art. 1º, caput e parágrafo único)”
55
.
Nessa direção, tracemos breves linhas sobre os preceitos que fundam o
sistema eleitoral e partidário brasileiros: Estado de Direito, democracia e princípio da
representação
56
.
O pacto original de 1988 fundou o Estado brasileiro sob a dimensão do
direito, na forma federativa
57
, com base republicana
58
de governo e fixou-lhe o
regime político democrático
59
. Assim, estruturou o esquema de organização política
sobre o qual estabeleceu o modo de aquisição e exercício do poder, os direitos
fundamentais e as respectivas garantias”
60
.
Democraticamente, a ordem foi fundada na soberania popular, na cidadania
e no pluralismo político. Por conseguinte, a participação do povo no processo de
poder se de forma indireta (democracia representativa), combinada com a direta
(democracia participativa)
61
, no sentido do artigo primeiro, parágrafo único da
Constituição
62
.
A opção pelo regime democrático submeteu o esquema de organização
política à direção de um complexo estrutural de princípios e forças políticas que
configuram a concepção do Estado e da sociedade brasileiras, e inspiram o seu
ordenamento jurídico
63
, que não pode desnaturar-se sob pena de abalo sistêmico.
Independentemente da conclusão acerca de qual seja o referente da
Constituição
64
, se o Estado ou a Sociedade, o Estado Constitucional Democrático de
55
JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. Brasília/DF: Brasília Jurídica, 1998, p. 37.
56
Id.
57
Ibid., p. 99.
58
Ibid., p. 102.
59
Ibid., p. 125.
60
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p 38 e 43.
61
Norberto Bobbio define a democracia dos modernos, comparando-a a dos antigos nos seguintes
termos: “Poderíamos também dizer da seguinte maneira: a democracia de hoje é uma democracia
representativa às vezes complementada por formas de participação popular direta; a democracia dos
antigos era uma democracia direta, às vezes corrigida pela eleição de algumas magistraturas”.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e a lição dos clássicos. Trad. Daniela
Beccaria Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 374.
62
Ibid., p. 137.
63
Servicio Español del Professorado de Enseñanza Superior-Universidad de Barcelona (org.), La
Estructura del Estado, pp. 110 e 111; apud. SILVA, José Afonso da., op. cit. p. 124.
64
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Coimbra Editora/Revista dos Tribunais, 2008, p. 87.
28
Direito deve manter uma conexão interna entre democracia e Estado de Direito
65
,
em que não se prescinda da legitimação democrática do poder
66
e no qual a
formação da vontade popular se segundo preceitos democráticos, na forma de
procedimentos juridicamente regulados, o que confere legitimidade ao direito e
efetividade aos direitos fundamentais estabelecidos
67
.
Realce-se desde já, a partir das lições de Joaquim José Gomes Canotilho,
que “o Estado Constitucional é mais um ponto de partida do que de chegada. É um
produto do desenvolvimento constitucional no actual (sic) momento histórico”
68
.
Portanto, a arquitetura de determinado Estado Constitucional somente se mante
íntegra pela manutenção das fórmulas políticas e jurídico-constitucionais”
69
condensadas no momento de sua concretização histórica.
Nos sistemas democráticos, a interpretação das relações de poder de
determinada sociedade pluralista deriva da reflexão sobre a profunda transformação
do poder do Estado nos grandes territórios, em que se tornou impossível um modelo
de relação direta entre eleitor e mandante
70
.
Nos dizeres de Celso Ribeiro Bastos “a democracia moderna é
predominantemente representativa”
71
. Nesses sistemas, os principais sujeitos não
são individualmente considerados, mas sim, os grupos organizados
72
.
O termo representação abarca três sentidos, o etimológico, o técnicojurídico
e aquele contido na linguagem comum.
O primeiro é fornecido por Bastos, e se refere a “tornar presente algo que,
na verdade, não está. Nesse sentido o ator representa o personagem, sem se
65
Ibid., p. 93.
66
Ibid., p. 98.
67
Ibid., p. 100.
68
Ibid., p. 87.
69
Ibid.
70
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política..., p. 377.
71
BASTOS, Celso Ribeiro, BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à
Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 575.
72
No sentido impresso por Mezzaroba: O Estado de Partidos surge em oposição ao modelo de
representação liberal. “Tal evolução possibilitou a criação de novos sujeitos coletivos denominados
partidos políticos, que passaram a aglutinar interesses individuais para formar a vontade partidária,
não havendo, portanto, mais espaço para que vontades individuais ou facções prevaleçam na esfera
do Estado. Os partidos surgiram, assim, como espaços públicos comprometidos em aglutinar,
harmonizar, e canalizar democraticamente as vontades individuais, buscando transformá-las em
princípios e programas que deverão ser compostos com as vontades dos demais partidos, para
serem estabelecidas as políticas que serão implementadas pelo Estado”. (MEZZAROBA. Partidos
políticos: princípios e garantias constitucionais..., p. 53).
29
confundir com este. Portanto, a idéia de representação implica uma duplicidade de
sujeitos: o que representa e o que é representado”
73
.
Os dois outros são fornecidos por Norberto Bobbio. Enquanto na linguagem
tecnicojurídica representar significa “agir em nome e por conta de um outro”, na
linguagem, comum e na filosófica, significa “reproduzir”, “espelhar” ou “refletir”,
simbolicamente, metaforicamente, mentalmente uma realidade objetiva. Desses dois
significados podem derivar as expressões representação e espelhamento
74
.
A expressão democracia representativa se estabilizou nos dois sentidos:
uma democracia pode possuir um órgão em que as decisões coletivas são tomadas
por representantes e pode espelhar através desses representantes os diferentes
grupos de opinião ou de interesses que compõe essa sociedade. Os dois
significados tornam-se evidentes quando se contrapõe a democracia representativa
à direta. Em relação ao primeiro significado, a democracia direta é aquela na qual as
decisões coletivas são tomadas diretamente pelos cidadãos; no segundo, tem-se
que propondo aos cidadãos quesitos em termos alternativos se torna menos
provável o espelhamento da sociedade. Paradoxalmente, a democracia direta é, no
sentido do espelhamento, menos representativa do que a indireta
75
.
A característica essencial da democracia representativa está na concepção
de um processo formal de escolha de representantes que “pressupõe um conjunto
de instituições que disciplinam a participação popular no processo político, que vem
a formar os direitos políticos que qualificam a cidadania, tais como as eleições, o
sistema eleitoral, e os partidos políticos, conforme constam do art. 14 e 17 da
Constituição”
76
.
Conforme define José Afonso da Silva, “na democracia representativa a
participação popular é indireta, periódica e formal, por via das instituições eleitorais
que visam a disciplinar as cnicas de escolha dos representantes do povo
77
. Tais
técnicas, que adotam o voto para a escolha dos agentes governamentais, conferem
à ordem democrática a característica de procedimento. Nessa linha, eleger constitui
um ato de decisão política por excelência, pois o cidadão expressa uma preferência
73
Ibid, p. 576.
74
Ibid., p. 457-458.
75
Id., p. 458.
76
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo..., op. cit. p. 137.
77
Ibid.
30
entre alternativas, além de conferir legitimidade à determinada política
governamental, pois, tanto aderiu à determinada plataforma política do candidato,
quanto consentiu na ascensão ao poder de determinado partido político, cujo ideário
pressupõe-se ser impresso por meio das ações do mandatário
78
.
Aqui se evidencia o elemento básico da democracia representativa: o
mandato politicorepresentativo
79
. Neste sentido, tem-se a definição de Silva:
Nele se consubstanciam os princípios da representação e da autoridade legítima. O
primeiro significa que o poder, que reside no povo, é exercido em seu nome, por seus
representantes periodicamente eleitos, pois uma das características do mandato é ser
temporário
80
. O segundo consiste em que o mandato realiza a técnica constitucional por
meio da qual o Estado, que carece de vontade real e própria, adquire condições de
manifestar-se e decidir, porque é pelo mandato que se constituem os órgãos
governamentais, dotando-os de titulares e, pois, de vontade humana, mediante os quais a
vontade do Estado é formulada, expressada e realizada, ou, por outras palavras, o poder
se impõe
81
(Destaque no original).
O mandato é denominado politicorepresentativo, pois “constitui uma
situação juridicopolítica com base na qual alguém, designado por via eleitoral,
desempenha uma função política na democracia representativa. É denominado
mandato representativo para distinguir-se do mandato de direito privado
82
e do
mandato imperativo
83
.
Adquirem especial relevância os conceitos de representação e
espelhamento quando da contraposição entre representação dos interesses e
representação política. O primeiro reflete a diferença entre o dito mandato vinculado
e mandato livre; o segundo denota a diferença entre o espelhamento de cada um
78
Id, p. 138 e 368.
79
Id, p. 138.
80
Essas exigências do mandato representativo decorrem de normas expressas da Constituição.
Assim, o princípio da forma representativa consta do parágrafo único do art. 1º, quando diz que o
poder é exercido diretamente ou em seu nome por representantes eleitos e no art. 34, VII, a, quando
destaca a forma republicana, representativa e democrática, como um dos princípios constitucionais. A
temporariedade do mandato é explicitamente fixada em quatro anos para os Deputados,
Governadores, Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito (arts 27, 28, 29, I, 32, §§ 1º e 2º, 44,
parágrafo único), em oito anos para Senadores (art. 46, § 1º) e em quatro anos para Presidente e
Vice-Presidente da República (art. 82). SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional
positivo..., p. 138.
81
Id.
82
Conforme o autor ora citado: “é um contrato pelo qual o outorgante confere ao outorgado para
representá-lo em algum negócio jurídico, praticando atos em seu nome, nos termos do respectivo
instrumento (procuração); nele o mandatário fica vinculado ao mandante, tendo que prestar contas a
este, e será responsável pelos excessos que cometer no seu exercício, podendo ser revogado
quando o mandante assim o desejar” (Grifo nosso). Id.
83
Id.
31
dos interesses organizados ou então de todos os interesses, mesmo daqueles não
organizados
84
.
Quando se fala em representação de interesses, a palavra é tomada não no
sentido genérico, mas no sentido específico de interesses particulares ou de grupos
(parciais). A representação política também é uma representação de interesses,
interesses mais gerais
85
.
O questionamento é se o interesse geral pode ser representado
verdadeiramente, no sentido próprio da palavra. Disso, na diferenciação entre ambas
as espécies, conclui-se que ambas dizem respeito à representação de interesses,
porém, uma é, propriamente falando, uma representação, enquanto a outra não é
86
.
O caráter distintivo das duas formas de representação está no fato de uma
ser constituída com mandato vinculado e outra com mandato livre. No mandato
público, em que o representante é designado por meio de um processo de eleição,
não geralmente condições de o mandante acompanhar a obra do eleito,
diferentemente do mandato privado, o qual pressupõe que o mandante conheça
quais são seus próprios interesses cuja gestão confia ao mandatário
87
.
Josefa Saez de Salassa pontua que o mandato imperativo ou vinculado,
deriva de um modelo de representação procedente de práticas políticas feudais
entre reis e vassalos, nas quais estes serviam ao rei, que lhes dava proteção contra
ataques externos
88
.
Tal tipo de representação tem como características: a) que o representante
expressa a vontade de um grupo particular, cujo poder detém mero exercício; b) sua
atuação na Assembléia pressupõe portar instruções fidedignas conforme o seu
atuar; c) se responsabiliza pessoalmente pela fiel expressão da vontade do
mandante; d) pode ter revogado o mandato a si outorgado
89
.
84
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política..., p. 454-476.
85
Id.
86
Id.
87
Id.
88
I KNOERR, Fernando Gustavo. Fidelidade Partidária: O Controle Ético no Exercício do Mandato.
Tese de Doutoramento, 2002. Pós-Graduação em Direito do Estado. Universidade Federal do
Paraná, p. 78.
89
Ibid., p. 79.
32
O mandato imperativo assemelha-se à figura do contrato de mandato do
direito privado que pode vir a ser revogado em caso de descumprimento das
diretrizes postas pelo mandante
90
.
Pelo instituto do mandato livre, o representado, no caso a figura do corpo
coletivo tomado no sentido de povo, ao contrário, não detém condições de controle
sobre a obra do eleito
91
.
Fernando Gustavo Knoerr afirma que “o princípio sobre o qual se funda a
representação política é antiético ao que funda a representação de interesses, pois
quem persegue a satisfação dos interesses particulares do representado está sujeito
ao mandato imperativo”
92
. Nesse modelo, o direito de representação é outorgado ao
cidadão padronizado, membro da comunidade, sob a ficção de que exista um
indivíduo desprovido de qualquer interesse pessoal vinculante
93
.
O mandato livre “era uma prerrogativa da soberania do Rei, que foi
transferida à Assembléia Popular”
94
. Nesse modelo, o povo deve crer na ficção que
seu interesse está sendo representado, mediante o conceito de vontade de nação
95
.
O mandato representativo é geral, livre, irrevogável em princípio e não comporta a
ratificação dos atos do mandatário. Geral porque se refere a todos os membros de
uma circunscrição eleitoral indistintamente. Livre porque o mandatário não está
vinculado aos seus eleitores, não sendo obrigado a aceitar suas orientações, e a
quem juridicamente (o contrário pressupõe interesses eleitorais) o se obriga a
prestar contas
96
. O exercício do mandato decorre dos poderes que a Constituição
lhe outorga enquanto representante do corpo eleitoral que lhe garantem a autonomia
da vontade, sujeitando-se apenas aos limites de sua consciência.
Bobbio registra que dentre várias razões de ordem social e técnica que
podem ter levado à afirmação do princípio da representação política como
representação sem vínculo de mandato, existe uma razão substancial que diz
90
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política..., op. cit., p. 454-476.
91
Id.
92
Ibid. p. 83.
93
Ibid. p. 84.
94
Ibid. p. 83.
95
Ibid. p. 79.
96
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 139.
33
respeito ao problema fundamental da política de saber quem detém o poder
soberano em determinado grupo social
97
.
O instituto característico próprio da democracia representativa é o mandato
livre, a quem coube crítica radical do movimento operário de inspiração marxista,
com as reivindicações de uma representação verdadeira e própria e, portanto, com
poder de revogação do mandato por parte do mandante feita pelo próprio Marx
aos acontecimentos da Comuna de Paris
98
.
A revogação do mandato foi proclamada instituto da democracia
representativa operária introduzida nas sucessivas constituições soviéticas
aproximando-a da democracia direta. Dessa forma, o movimento operário fazia
retornar o instituto que a burguesia liberal tinha reputado anacrônico e, por isso,
abolido
99
.
Tal qual a sociedade de ordens, a sociedade industrial era uma sociedade
de classes, que, fazendo nascer uma classe universal, sobrelevava os interesses
como de toda a sociedade, razão pela qual não se mantinham os interesses
particulares
100
.
Em uma sociedade pluralista (de ordens ou na sociedade dos atuais países
desenvolvidos), em que imperam interesses de cada grupo organizado, a
representação de interesses é a representação de interesses organizados. Em uma
sociedade cujo interesse é de toda a sociedade (real ou hipotética), a representação
coincide com o interesse de uma única classe, que se denomina universal. A
“representação dos interesses” é, na verdade, representação de interesse único,
portanto representação geral
101
.
O mandato livre representação sem vínculo de mandato favoreceu a
representação da classe que substituíra com seu próprio poder o poder do monarca
(parlamento). O retorno à representação com mandato vinculado não era em
absoluto o retorno a uma situação pré-democrática, mas sim, na substituição da
97
Id.
98
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política..., p. 454-476.
99
Id.
100
Id.
101
Id.
34
democracia direta pela democracia indireta único modo de representação possível
em grandes estados territoriais
102
.
A seu turno, discorre-se brevemente sobre as peculiaridades dos sistemas
eleitoral e partidário.
Os direitos políticos, proclamados pelos artigos 14 a 16 da Constituição
Federal, consistem na disciplina dos meios necessários ao exercício da soberania
popular. Como desdobramento do parágrafo único do primeiro artigo da Constituição
todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente , os direitos políticos caracterizam-se pelo conjunto de normas que
asseguram o direito subjetivo de participação dos cidadãos no processo político e
nos órgãos governamentais. Decorrem das técnicas desenvolvidas pelo sistema
representativo para a designação dos representantes do povo nesses órgãos
103
.
Portanto, os direitos políticos positivos fornecem a regulação dos direitos
fundamentais: a) do acesso ao sufrágio ativo direito de votar nas eleições; b) do
acesso ao sufrágio passivo – direito de ser votado nas eleições, quando preenchidas
as condições de elegibilidade constitucionais e complementares (Lei Complementar
64/1990); c) do direito de voto nos plebiscitos, nos referendos, ao lado de outros
direitos de participação popular no processo de dominação política e de controle,
tais como firmar e propor projetos de lei de iniciativa popular, propositura de ação
popular e organização e participação nos partidos políticos.
Define Silva que as eleições correspondem a “um concurso de vontades
juridicamente qualificadas visando operar a designação de um titular de um mandato
eletivo”
104
ao lado de outras formas de designação, tais como a sucessão,
cooptação, a nomeação e a aclamação.
Dessa forma, “os sistemas eleitorais consistem no conjunto de técnicas e
procedimentos que são empregados para a realização das eleições”
105
. Sob outro
viés: os sistemas e procedimentos eleitorais constituem as instituições fundamentais
dos direitos políticos
106
.
102
Id.
103
Ibid., p. 344-347.
104
Ibid. p. 368.
105
Id.
106
Ibid. p. 348.
35
Para melhor elucidação do tema, esclarece-se que os sistemas eleitorais
visam a organizar a representação do povo no território nacional e utilizam “técnicas
consistentes na divisão do território em distritos ou circunscrições eleitorais, métodos
de emissão do voto, os procedimentos de apresentação de candidatos e de
designação de eleitos conforme os votos emitidos”
107
.
Em conjunto com o sistema de partidos, os sistemas eleitorais formam os
mecanismos de coordenação, organização, instrumentalização e expressão da
vontade popular na escolha dos governantes
108
.
Conforme se combinem as técnicas e procedimentos para a realização das
eleições, surgem os diferentes sistemas eleitorais: o majoritário, o proporcional e o
misto. No primeiro caso, seconsiderado eleito o candidato que obtiver a maioria
dos votos do que os seus concorrentes.
Knoerr fornece os traços comuns dos procedimentos sob o título de
sistemas eleitorais que podem obedecer à regra: a) da maioria simples será eleito
aquele que, com qualquer número, obtiver numericamente mais votos; b) da maioria
absoluta considerar-se-á eleito o candidato que obtiver metade mais um dos votos
válidos; c) maioria absoluta em dois turnos em caso dos candidatos não
alcançarem o percentual da maioria absoluta no primeiro turno de votação, realiza-
se um segundo, em que participam os candidatos mais votados do primeiro e resta
eleito aquele que obtiver a maioria simples dos votos; e d) de voto alternativo
considera-se eleito o candidato que obtiver mais da metade das primeiras
preferências dos eleitores que votam em listas fechadas e assinalam as suas opções
preferenciais
109
.
Silva explicita as diferenciações do sistema proporcional com relação aos
sistemas majoritários, os quais: a) conjugam o sistema de eleições distritais; b) se
realizam mediante o escrutínio em um ou dois turnos; e c) se combina, em base
territorial mais ampla, a eleição de mais candidatos
110
.
No primeiro tipo de sistema eleitoral, as eleições ocorrem em distritos
unipessoais ou uninominais, nos quais se opera, pelo eleitor, a escolha de um, entre
todos os candidatos de cada partido; ou em distritos pluripessoais ou plurinominais
107
Ibid. p. 369.
108
Id.
109
KNOERR, Fernando Gustavo. Fidelidade Partidária..., p. 73.
110
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 370.
36
denominados listas, em que a escolha se dá entre as várias alternativas
apresentadas por cada partido (lista de candidatos).
No segundo tipo de sistema eleitoral, o escrutínio modo do exercício do
voto in concretocompreende as operações de votação e apuração, ou melhor, o
modo pelo qual se recolhem e apuram os votos nas eleições
111
. A apuração pode
ser simples, e dessa forma, em uma eleição se proclama eleito o candidato que
obtiver a maioria relativa – simples –, dos votos ou pode ser absoluta, pela qual, não
obtendo nenhum candidato 50% mais um dos votos faz-se nova eleição, em
segundo turno, entre os dois candidatos mais votados, proclamando-se eleito aquele
que obtiver a maioria simples dos votos.
No terceiro tipo de sistema eleitoral, considerando-se o interesse de se
conferir maior representatividade às minorias, com base em circunscrições
territoriais mais amplas, cada qual elege vários candidatos, divergindo da regra da
eleição de somente um candidato por distrito.
O sistema eleitoral majoritário brasileiro contempla o sistema eleitoral por
maioria absoluta, com a possibilidade da ocorrência de dois turnos para a eleição
das chefias do Poder Executivo nas entidades federativas, quando algum dos
candidatos não obtiver tal marca em primeiro turno de votação, exceto no caso dos
municípios com menos de duzentos mil eleitores (art. 3º, § 2º, da Lei das Eleições
LE)
112
, cuja maioria, será simples para a eleição; a maioria relativa é prevista para
a eleição dos senadores federais, bem como para os juízes de paz.
O sistema eleitoral de representação proporcional objetiva que a
representação política, em determinada circunscrição eleitoral, se
proporcionalmente às correntes ideológicas ou de interesses, integrada por cada um
dos partidos políticos existentes, razão pela qual a sua premissa é a da eleição de
vários candidatos, o que, em regra, se mostrará aplicável somente no sistema de
listas, como no caso brasileiro.
111
Ibid., p. 379.
112
Lei Federal nº 9.504/1997:
“Art. 3º Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados
os em branco e os nulos.
§ 1º A eleição do Prefeito importará a do candidato a Vice-Prefeito com ele registrado.
§ 2º Nos Municípios com mais de duzentos mil eleitores, aplicar-se-ão as regras estabelecidas nos §§
a do artigo anterior”. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. 31/06/2009.
37
Neste sentido, Knoerr
113
enuncia que:
(...). (Podem obedecer à regra do 1) do STV (single transferable vote)
114
, segundo o qual o
eleitor enumera as suas preferências, independentemente do partido ao qual pertençam os
candidatos, tendo assim a prerrogativa de eleger tantos representantes quantos forem as
vagas reservadas ao seu distrito. Em primeiro lugar é calculada a quota de votos
necessária para a eleição, fixada na Irlanda através da divisão do número total de eleitores
pelo número de lugares reservados ao distrito, mais um. Como frequentemente algumas
cadeiras não são preenchidas, utilizam-se duas formas de transferência de votos: a
primeira distribui os votos sobejantes dos eleitos para os não eleitos, tendo em vista a
seqüência de preferências dos eleitores; a segunda transfere os votos do candidato menos
votado, também com base na preferência do eleitorado, para outros postulantes; 2) da
representação proporcional em lista: busca fortalecer o sistema partidário
115
na medida em
que valoriza os votos dados também ao partido, ‘fazendo necessária a utilização de
procedimentos que definam como as candidaturas individuais serão eleitas’
116
. Dentre estes
métodos que se referir o de 2.a) lista fechada
117
: em que os eleitores votam o nos
candidatos, mas apenas na lista apresentada por cada partido, segundo a ordem de
preferência para eleição manifestada pelo próprio partido; 2.b) lista flexível
118
: os partidos
também apresentam a lista ordenada aos eleitores, reservando a estes a prerrogativa de
alterá-la; 2.c) lista aberta
119
: os partidos apresentam relação de nomes não ordenada,
cabendo aos eleitores determinar a ordem final dos candidatos. Nesse sistema, o
personalismo do mandato surge de modo marcante; 2.d) lista livre: possibilita aos eleitores
maior número de opções, pois os partidos apresentam uma lista o ordenada, dando ao
eleitor a prerrogativa de votar em tantos nomes quantas forem as cadeiras a serem
preenchidas, sendo-lhe inclusive permitido dar mais de um voto a um mesmo candidato
(procedimento chamado de panachage)
120
(Destaque no original).
No Brasil, esse sistema se aplica às eleições da Câmara Federal, das
assembléias legislativas e das câmaras municipais. Devido ao número de
concorrentes, surge a indagação acerca de quantas vagas cada partido obteve e
quais candidatos venceram. O Código Eleitoral, legislação aplicável, define os
critérios dessas eleições em seu artigo 106
121
.
113
KNOERR, Fernando Gustavo. Fidelidade Partidária, p. 73.
114
Utilizado pelo Brasil para a eleição de Presidente da República (art. 77 da CF), Governador de
Estado (art. 28 da CF) e Prefeito Municipal, em municípios com mais de 200 mil eleitores (art. 29, da
CF).
115
Por essa razão, o relatório nº. 1/98 da Comissão Temporária Interna do Senado Federal para
estudo da reforma política, opina no sentido de proibir as coligações em eleições proporcionais,
frisando: “Nesse contexto, veda-se a coligação partidária para eleições para a Câmara dos
Deputados, Assembléias Legislativas, Câmara Legislativa, no caso do Distrito Federal, e Câmara dos
Vereadores, visto que esse instituto desvirtuaria o sistema ora proposto, que os partidos devem ter
desempenho eleitoral próprio”.
116
NICOLAU, Jairo Marconi. Sistema eleitoral e reforma política. Rio de Janeiro: Foglio Editora, 1993,
p. 37.
117
Utilizado nas eleições parlamentares de Israel e parcialmente na Alemanha.
118
Adotado nas eleições parlamentares da Bélgica, Holanda, Áustria, Dinamarca, Suécia, Noruega e
Grécia.
119
Utilizado no Brasil para a eleição de Deputados Federais (art. 45 da CF), Deputados Estaduais
(art. 27, §1º, da CF), e Vereadores.
120
Adotado na Suíça e em Luxemburgo para eleições parlamentares.
121
CE:
38
Importa, ainda, saber o significado do que sejam os votos válidos: são
aqueles conferidos a todos os candidatos, com a exclusão dos brancos e nulos,
conforme dispõe o artigo 77, § , da CF
122
c/c art. e da LE
123
. no sistema
proporcional, definido no artigo da Lei das Eleições
124
, “contam-se como válidos
apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas”
partidárias, pelo que: votos válidos = votos de todos os candidatos + votos dados à
legenda partidária.
“Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de
lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio,
equivalente a um, se superior.
Art. 107 - Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo
quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas,
desprezada a fração.
Art. 108 - Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o
respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Art. 109 - Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos
mediante observância das seguintes regras:
I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido ou coligação de Partidos pelo
número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior
média um dos lugares a preencher;
II - repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares.
§ - O preenchimento dos Iugares com que cada partido ou coligação for contemplado far-se-á
segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos.
§ - poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido
quociente eleitoral.
Art. 110. Em caso de empate, haver-se-á por eleito o candidato mais idoso.
Art. 111 - Se nenhum partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até
serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.
Art.112. Considerar-se-ão suplentes da representação partidária:
I - os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos;
II - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade.
Art. 113. Na ocorrência de vaga, não havendo suplente para preenchê-la, far-se-á eleição, salvo se
faltarem menos de nove meses para findar o período de mandato”. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. 31/06/2009.
122
CF:
“Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente,
no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo
turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente. (...).
§ - Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político , obtiver a
maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.(...)”.
(Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm). 31/06/2009.
123
Lei das Eleições:
“Art. 2º Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria
absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.(...).
Art. Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados
os em branco e os nulos. (...)”. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. 31/06/2009.
124
Lei das Eleições:
“Art. Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos
regularmente inscritos e às legendas partidárias”. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. 31/06/2009.
39
Para a determinação das vagas que cada partido obteve importa
determinar: a) o quociente eleitoral, a partir da soma dos votos válidos e a
correspondente divisão pelo número de vagas existentes na circunscrição, devendo-
se desprezar a fração igual ou inferior a meio e arredondar para um a fração superior
a meio (art. 106 do CE); b) o quociente partidário, qual seja o número de lugares
conquistados pelo partido, a partir da divisão dos votos dados à legenda partidária e
a todos os candidatos do partido, pelo quociente eleitoral (art. 107 do CE); e c)
divisão das sobras, seja pela insuficiência dos restos de votos que obteve cada
legenda para eleger mais um candidato, seja para distribuir os lugares restantes
entre os partidos que concorreram à eleição, a partir da aplicação da média mais
elevada que deve ser obtida pela divisão dos votos dados ao partido, pelo número
de vagas obtidas pelo partido quociente partidário, adicionado de uma unidade.
A operação deve ser feita em todos os partidos para comparação das médias e
repetida a cada vaga remanescente (art. 109 do CE).
Por sua vez, a determinação dos eleitos se dará a partir do preenchimento
dos lugares com que cada partido foi contemplado, conforme a votação nominal
obtida, ou seja, os candidatos mais votados em cada legenda ou coligação de
partidos (art. da LE)
125
serão eleitos para ocuparem as cadeiras que os partidos
mais votados obtiveram nas casas legislativas (art. 110 do CE).
125
Lei das Eleições:
“Art. É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para
eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma
coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito
majoritário.
§ A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos
que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se
refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a
Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários.
§ Na propaganda para eleição majoritária, a coligação usará, obrigatoriamente, sob sua
denominação, as legendas de todos os partidos que a integram; na propaganda para eleição
proporcional, cada partido usará apenas sua legenda sob o nome da coligação.
§ 3º Na formação de coligações, devem ser observadas, ainda, as seguintes normas:
I - na chapa da coligação, podem inscrever-se candidatos filiados a qualquer partido político dela
integrante;
II - o pedido de registro dos candidatos deve ser subscrito pelos presidentes dos partidos coligados,
por seus delegados, pela maioria dos membros dos respectivos órgãos executivos de direção ou por
representante da coligação, na forma do inciso III;
III - os partidos integrantes da coligação devem designar um representante, que terá atribuições
equivalentes às de presidente de partido político, no trato dos interesses e na representação da
coligação, no que se refere ao processo eleitoral;
IV - a coligação será representada perante a Justiça Eleitoral pela pessoa designada na forma do
inciso III ou por delegados indicados pelos partidos que a compõem, podendo nomear até:
40
No caso de nenhum dos partidos concorrentes obterem o quociente
eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até que sejam preenchidos todos os lugares, os
candidatos mais votados (art. 111 do CE).
Ainda, existe o sistema Misto, denominado sistema distrital misto que
combina os sistemas majoritário e proporcional, destinando certo número de vagas
para preenchimento por um e outro número para preenchimento por outro, havendo
ainda variações deste sistema, de acordo com a combinação operada
126
.
No que se refere aos sistemas de partidos
127
, preliminarmente deve
considerar-se que surgem conforme a predominância ou equilíbrio entre as diversas
a) três delegados perante o Juízo Eleitoral;
b) quatro delegados perante o Tribunal Regional Eleitoral;
c) cinco delegados perante o Tribunal Superior Eleitoral”. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. 31/06/2009.
126
KNOERR registra que:
“O sistema distrital misto foi utilizado na Alemanha desde o final da Guerra Mundial, e consiste na
divisão do território alemão em distritos que não se comportam nos limites dos entes federados, pois
pautam-se na reunião do mesmo número de eleitores em cada um (em 1993, a Alemanha
encontrava-se eleitoralmente dividida em 328 distritos, tendo cada qual 225 mil habitantes. O distrito é
uma divisão eleitoral do território. Nas eleições do Reichtag (que tem 656 cadeiras) cada eleitor
profere dois votos: um para o representante de seu distrito, outro para o partido. Com esse segundo
voto estará manifestando sua preferência em relação a uma lista fechada. O primeiro voto destina-se
a eleger o deputado do distrito, por maioria simples, e o segundo os ocupantes das 328 cadeiras, de
acordo com o método de representação proporcional. O segundo voto também é considerado para
cálculo da votação recebida por cada partido em nível nacional, possibilitando assim a incidência da
cláusula de exclusão de 5% dos votos dados à lista ou do êxito em pelo menos três distritos. Para
Giovani Sartori, este sistema privilegia a personalização da eleição, pois “a votação em pessoas
caracteriza os sistemas de distritos eleitorais com um só representante eleito pela maioria (incluídos
aí, portanto, os sistemas de dois turnos)”
. KNOERR, Fernando Gustavo. Fidelidade Partidária..., p.
75.
127
Quanto à origem, e a íntima relação que guardam com os sistemas eleitorais, anote-se as lições
de Duverger: “são o resultado de fatores numerosos e complexos, uns próprios de cada país, outros
gerais. Entre os primeiros, podem-se citar a tradição e a história, as crenças religiosas, a composição
étnica, as rivalidades nacionais etc. (...). O fator técnico essencial é o regime eleitoral: é ele que será
estudado neste livro. se observou a sua influência sobre certos aspectos da estrutura de partidos:
mesmo nesse domínio, constitui um elemento do sistema de partidos, pois a forma de escrutínio
orienta no mesmo sentido as estruturas de todos os partidos de um país. Sobre o número, a
dimensão, as alianças, a representação, sua ação é importante. Inversamente, o sistema de partidos
desempenha papel capital sobre o regime eleitoral: o dualismo favorece a adoção de um escrutínio
majoritário de um turno, a existência de partidos de estrutura de Bund em afastamento, a tendência
natural às alianças opõe-se à representação proporcional etc. Em definitivo, sistema de partidos e
sistema eleitoral são duas realidades indissoluvelmente ligadas, por vezes mesmo difícil de separar
pela análise: a exatidão mais ou menos grande da representação política, por exemplo, depende do
sistema eleitoral e do sistema de partidos, considerados como elementos dum mesmo complexo,
raramente isoláveis um do outro. Pode-se esquematizar a influência geral da forma de escrutínio nas
três fórmulas seguintes: 1.º) a representação proporcional tende a um sistema de partidos múltiplos,
rígidos, independentes e estáveis (salvo no caso de movimentos passionais); 2.º) o escrutínio
majoritário de dois turnos tende a um sistema de partidos múltiplos, flexíveis, dependentes e
relativamente estáveis (em todos os casos); 3.º) o escrutínio majoritário de turno único tende a um
sistema dualista, com alternância de grandes partidos independentes. (...). De fato, a ação do sistema
de escrutínio poderia ser comparada a um acelerador: tal regime eleitoral facilita a multiplicação dos
41
correntes representativas de opiniões existentes em um país. O sistema de partido
existente em determinado país “consiste no modo de sua organização partidária”
128
.
Fundamentalmente são em número de três e se diferenciam pelo mero, sejam
sistemas de partido único, bipartidário e multipartidário
129
. No presente estudo, a
matéria não demanda maior detalhamento. Vale, contudo, pontuar que no Brasil
vigora o multipartidarismo, nos termos da legislação em vigor
130
.
Por fim, registre-se o significado do que se denomina governo de partidos,
ou partidocracia. Tais nomenclaturas com obviedade derivam da função de
protagonistas que os partidos políticos assumiram no âmbito da democracia
representativa
131
e de sua inegável essencialidade nos sistemas democráticos, pelo
que notoriamente afirmou Hans Kelsen: “só a ilusão ou a hipocrisia pode acreditar
que a democracia seja possível sem partidos políticos”
132
.
Olavo Brasil de Lima Júnior fornece o significado do primeiro, ao sintetizar
que a democracia parlamentar evoluiu das “relações políticas existentes dentro do
governo, entre estes e os partidos e, através dos partidos, entre o governo e a
sociedade politicamente organizada”. Dessa forma, os partidos que até então
detinham puramente base parlamentar, passaram a se orientar pelo processo
eleitoral. Nessa esteira, pela solidificação dos partidos quando da instituição do
sufrágio universal, supõe-se, em fase posterior, a existência do governo de partidos
,
no qual o Executivo é responsável perante o Parlamento e o governo e os partidos o
são perante a sociedade
133
.
A expressão “governo de partido” deriva da influência decisiva que o as
instituições partidárias apresentam nos Estados contemporâneos. Silva pontua que,
partidos, gerada pela ação de outros fatores; esse outro regime lhe opõe obstáculo; etc. Porém, as
formas de escrutínio não desempenham papel propriamente motor: são as realidades nacionais, as
ideologias, e sobretudo as estruturas sócio-econômicas que, via de regra, exercem a ação mais
decisiva nesse sentido”. (DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos..., p. 240-241). Anote-se que
tais conclusões, que explicitam em parte as correlações que Duverger estabeleceu entre os sistemas
de partidos e os eleitorais, foram recepcionadas pela doutrina que versa sobre o tema como
referencial, a exemplo do que BASTOS denominou “leis tendenciais”. (BASTOS, Celso Ribeiro,
MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil..., p. 600).
128
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 398.
129
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos..., p. 243.
130
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 399.
131
Resolução nº 22.526/2007.
132
KELSEN, Hans. A Democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
133
Olavo Brasil de LIMA JÚNIOR, Instituições políticas democráticas: o segredo da legitimidade. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 63.
42
“o fenômeno partidário permeia todas as instituições político-governamentais (sic),
como o princípio da separação dos poderes, o sistema eleitoral, a cnica da
representação política”, a ponto de destinarem-se a assegurar a autenticidade do
sistema representativo. São reconhecidos “canais por onde se realiza a
representação política do povo, desde que, no sistema pátrio, não se admitem
candidaturas avulsas (...)”
134
.
Marcelo Caetano, por sua vez, fornece interessante ponto de vista sobre o
que denominou partidocracia:
Contesta-se, então de muito tempo, e vigorosamente, a democracia dos partidos ou
partidocracia, isto é, o que se crê seja a excessiva intervenção dos partidos na gerência da
res pública. Afirma-se terem eles se tornado sucedâneo das oligarquias, e, assim,
monopolizando em seu proveito os benefícios do Poder, transmutando em geral o interesse
próprio. São acusados de maniqueístas, ao pretenderem encarnar o bem, enquanto na
oposição, acometendo ao governo a encarnação do mal. Se pluripartidária a base do
governo, barganhamacordos precários (dos quais) cada partido (extrai) o máximo de
proveito com o mínimo de responsabilidades, para não comprometer as suas
probabilidades de um dia governar sozinho
135
(Destaque no original).
Tal posição se alinha com aquelas que consideram a atuação partidária
como tendente a ameaçar o Estado ou a corromper e/ou particularizar a vontade
geral
136
, o que contraria a lógica do regime democrático, institucionalizado com
vistas à aglutinação da vontade coletiva para a formação da vontade estatal
137
.
Por tal motivo, o sentido da denominada partidocracia deve emergir das
seguintes premissas: a) os partidos políticos foram sendo reconhecidos pelas
Constituições a partir do século XX; e b) assistia-lhes a tarefa de realizar a
representação política, em correspondência com a idéia de representatividade.
Desta feita, os partidos políticos são elevados à condição de garantidores do sistema
democrático
138
. Nesse sentido, Canotilho afirma que o princípio democrático se
assenta no pluralismo político, pelo que, consequentemente, a democracia somente
134
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 408. Frise-se que tal ficou
explícito ao pressupor a filiação partidária como condição de elegibilidade – CF, art. 14, §3º, V. (Id).
135
CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
136
Torquato JARDIM registra: “GEORGE WASHINGTON, no seu discurso de despedida à Nação
(“Farewell Address”, 1976), advertiu sobre a ameaça que os partidos políticos representavam
para o Estado, o quanto dividiam e agitavam o povo”; que ROSSEAU os condenava no Contrato
Social, pelo quanto corrompiam e particularizavam a vontade geral; e que o Código Penal
Francês de 1810 os proscrevia (art. 291). (Grifo nosso). JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral
Positivo..., p. 94.
137
Nesse sentido MEZZAROBA Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 131-149.
138
MEZZAROBA Orides, Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 156 e 158.
43
pode ser entendida como democracia com partidos e o Estado constitucional
somente poderá se caracterizar como um Estado constitucional de partidos
139
.
Pela mesma razão, ao se falar em partidocracia no regime político vigente,
está-se a falar de Estado de Partidos no âmbito de uma democracia
140
, vez que se
trata de modelo que toma como ponto de partida a exigência do ambiente
democrático para sua implementação
141
. Tal se denomina Democracia de Partidos.
Verifica-se que a discussão travada nessa direção passa tanto pelo aspecto
funcional desses “corpos intermediários” contida na dimensão política dos partidos
políticos, quanto pelo aspecto orgânico contido em sua dimensão jurídica, o será
tratado nos itens a seguir.
1.2 O CARÁTER POLÍTICO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
É certo que o estudo sobre partidos políticos engloba “diferentes enfoques
científicos”
142
, razão porque podem ser analisados sob diversas dimensões, sejam
elas a sociológica, a política e a jurídica.
Aqui interessa a segunda dimensão que não poderia advir, senão, do fato
de que “o partido nasce e se mantém na esfera do poder político”
143
.
Antes de serem institucionalizados, ou seja, de se tornarem reconhecidos
pelas Constituições
144
, os partidos políticos representavam apenas uma realidade
sociológicopolítica
145
.
139
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 315.
140
Esse esquema político abarca o que DUVERGER denominou de organização externa de partidos,
isto é, a relação entre os partidos existentes em uma mesma nação” – “sistema de partidos”.
(DUVERGER, Maurice. Sociologia política. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Forense,
1968, p. 358).
141
Ao contrário, poderia simplesmente ser denominado Estado de Partidos em um ambiente não
democrático, a exemplo durante o regime militar no Brasil, à vez que o regime de 1964 a 1984, não
suprimiu a representação política.
142
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 213.
143
Ibid., p. 299.
144
Nesse sentido BASTOS:
O Estado liberal implantado nos fins do século XVIII foi avesso ao reconhecimento do direito
de associação. Este chegou, mesmo, a ser vivamente combatido. Preferia-se ver no indivíduo
isolado o único sujeito da relação política.
Gradativamente, contudo, essa posição foi-se alterando. Inicialmente, tolerou-se o direito de
associação, desde que, contudo, não fosse para fins políticos, sendo esta tida como pessoa de direito
privado.
44
Surgiram dos que denomina facções, originárias da Grécia antiga enquanto
grupamento de homens livres organizados para manifestar posição favorável ou
contrária a determinadas personalidades. Não detinham, com obviedade, estrutura
orgânica, dotada de princípios programáticos
146
.
A organização política medieval rechaçava qualquer forma de organização
política composta por indivíduos. A influência para a tomada de decisões políticas
pela Coroa era dos senhores feudais e do clero pelo que os servos e campesinos e
mais tarde a burguesia ascendente restavam excluídos das deliberações políticas
públicas. Ademais, não teriam espaço associações denominadas partidos políticos
tal como atualmente a concebemos, pois não havia como se falar em ascensão dos
cidadãos no poder, em razão da forma hereditária de sucessão e do número restrito
de servidores no sistema político
147
.
Ao passo que diferentes segmentos sociais alcançaram autonomia e
consciência de agregação corporativa, ainda que no sentido de autodefesa contra
algum tipo de exploração, os primeiros agrupamentos políticos surgiram. Nessa
linha, a esses grupamentos não interessaria implantar qualquer política de
governo
148
. Registre-se que eles representavam associações de fato
149
.
No Brasil, surgiram grupos associativos, com a finalidade de aglutinação de
interesses de determinadas categorias sociais à época do Império; no século XIX, no
cenário dos latifúndios agrícolas e escravocratas, se identificaram primeiramente as
facções políticas, voltadas a atender predominantemente os interesses sociais de
certas categorias
150
.
O direito parecia ignorar, sistematicamente, os fatos que na segunda metade do século passado
apontavam a existência relevante dos partidos como protagonistas da cena política, na qual não eram
os indivíduos atores exclusivos.
É no primeiro pós-guerra que vai se constatar a jurisdicização dos partidos políticos. Algumas
Constituições, ainda que de forma tímida e indireta, fazem alusão a essas entidades como sujeitos
ativos da vida eleitoral e parlamentar” (Grifo nosso). (BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives
Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo:
Saraiva, 1989, p. 599).
145
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 314 e 315.
146
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 87.
147
Ibid., p. 88.
148
Id.
149
KLEIN, Antonio Carlos. A importância dos partidos políticos no funcionamento do Estado. Brasília:
Brasília Jurídica, 2002, p.44.
150
FRANCO, Afonso Arinos de Melo, História e teoria dos partidos políticos no Brasil, 3 ed. São
Paulo: Alfa Ômega, 1980, p. 22-77.
45
Bem apresenta Mezzaroba, que a Teoria dos Partidos procura explicar o
surgimento das organizações políticas em âmbito geral, por meio da identificação de
dois processos teóricos paralelos, interna e externamente
151
, ao surgimento e
consolidação do parlamento
152
.
Pelo processo interno, os primeiros agrupamentos políticos surgiram pelo
fracionamento do parlamento e passaram a articular o apoio de segmentos sociais
para serem por eles representados. Com a ampliação da atividade do parlamento,
os parlamentares agruparam-se em segmentos ideológicos, visando uma melhor
atuação. Com a extensão do sufrágio popular, tais segmentos foram enquadrados
nos denominados comitês eleitorais. Enquanto os grupos parlamentares ficavam
responsáveis pelas atividades e propostas, os comitês eleitorais eram responsáveis
pela reunião do apoio popular. Assim, os partidos políticos teriam se originado a
partir dos grupos parlamentares e comitês eleitorais
153
.
Pelo processo externo, os primeiros agrupamentos políticos surgiram
independentemente do parlamento precedendo-os, concatenando a organização
social com a vontade dos indivíduos que desejavam participar das decisões
políticas. Teriam se apresentado, portanto, como uma “forma de agregação
151
Ibid., p. 89.
152
A consolidação do parlamento dá-se concomitantemente com a do sistema representativo, que
notadamente teve a Inglaterra como precursora.
Nesse país, à época do culo XII o rei inglês era auxiliado por um órgão denominado Concilium - do
qual faziam parte barões e vassalos importantes da coroa. Este órgão era meramente opinativo, sem
poder decisório, salvo em matéria judicial quando funcionava como Corte Superior. O Concilium era
conhecido como Parlamento. A partir do século XIII tal órgão passou a reunir-se periodicamente e a
seu critério emanava a decisão sobre atender ou não as reivindicações reais para o aumento de
impostos. Desde a edição da Magna Carta, fixou-se que nenhum imposto ou aumento de subsídio
ocorreria sem a aprovação do mesmo órgão.
Evolucionalmente, o que já se denominara Magnum Concilium, transformou-se em um dos ramos do
sistema representativo da Inglaterra, enquanto a representação popular, que no início fora
identificada com a burguesia iria centrar-se na Câmara dos Comuns. Fato é que na segunda metade
do século XIII, o Parlamento tornou-se amplamente representativo, em detinha assento
representantes de todas as camadas da nação: nobreza, clero e burguesia.
Gradualmente, o poder do rei foi transferindo para o parlamento, do que se a consolidação
do sistema representativo. O marco temporal é o ano da Revolução Gloriosa, em 1688, quando
fixadas as bases do regime representativo pela transferência dos poderes do povo para os
governantes. Daqui os princípios básicos do regime representativo: a transferência dos
poderes do povo mediante eleições, representação integral dos eleitos por parte dos eleitos, a
liberdade dos mandatários no exercício do mandato; e a temporariedade destes. (Grifo nosso).
BASTOS, Celso Ribeiro, BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à
Constituição do Brasil..., p. 576.
153
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 89.
46
ideológica para a defesa de uma condição humana e para remover determinadas
concepções históricas que a deformam”
154
.
De fato, tal divisão teórica parte de marco teórico referencial do século XX
acerca da teoria dos partidos políticos
155
. Maurice Duverger leciona sobre a origem
eleitoral e parlamentar dos partidos, dispondo que
156
:
Uma vez nascidas essas duas células-máter, grupos parlamentares e comitês eleitorais, foi
suficiente que se estabelecesse uma coordenação permanente entre estes e que vínculos
regulares os unissem àqueles para que se encontre em face de um verdadeiro partido.
Geralmente foi o grupo parlamentar que desempenhou o papel essencial nessa última fase.
Na cúpula, o grupo coordenava a atividades dos deputados, porém, cada um deles se
esforçava, por outro lado, para desenvolver os laços com seu próprio comitê eleitoral, do
qual dependia a futura renovação do seu mandato: de modo que os diversos comitês as
acham federados indiretamente pala colaboração de seus eleitos no âmbito do grupo
parlamentar. Basta, portanto, que essas relações passem do plano pessoal para o
institucional para que o ato de surgimento de um partido seja oficialmente instituído: mas
154
CERRONI, Umberto. Teoria do partido político... Trad. Marco Aurélio Nogueira e Sílvia Anette
Kneip. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1982, apud. MEZZAROBA, Orides. Introdução
ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 90.
155
Afirma Bonavides serem três as obras referenciais: La democratic et lórganization dês partis
politiques (Moïsei Ostrogorsky), Les Partis politiques: essai sur les tendences (Robert Michels), e Les
partis politiques (Maurice Duverger).
156
Outros elementos permitem chegar-se a tais conclusões:
(...) criação de grupos parlamentares, de início; surgimento de comitês eleitorais, em seguida; enfim,
o estabelecimento de uma ligação permanente entre esses dois elementos. Na prática, a pureza
desse esquema teórico é modificada de diversas formas. Os grupos parlamentares geralmente vem à
luz antes dos comitês eleitorais: com efeito, houve assembléias políticas antes que se realizassem
eleições. Ora, grupos parlamentares são concebíveis no âmbito de uma Câmara autocrática bem
como de uma Câmara eleita: na realidade, a luta das “facções” geralmente se tem manifestado em
todas as assembléias hereditárias ou cooptadas, quer se tratasse do Senado da Roma clássica, quer
da Dieta da antiga Polônia. Certamente, quem diz “facção” ainda não diz “grupo parlamentar”: entre
os dois, existe toda a diferença que separa o inorgânico do organizado. Mas o segundo decorre da
primeira, por uma evolução mais ou menos rápida.
Ao lado dos fatores locais e dos fatores ideológicos, é preciso dar lugar ao interesse: por exemplo,
certos grupos têm um caráter mais ou menos nítido de sindicato de natureza parlamentar. A
preocupação pela reeleição naturalmente desempenhou importante papel: jamais desaparece
inteiramente de grupos parlamentares, mesmo tendo alcançado a maturidade. Evidentemente, as
técnicas do escrutínio que exigem um esforço coletivo, notadamente o escrutínio de lista e a
representação proporcional, reforçam essa tendência natural: em certos países (Suíça, Suécia), a
formação dos primeiros grupos parlamentares realmente organizados coincide com a adoção do
sistema proporcional. A esperança de um posto ministerial constitui igualmente fator importante de
aglutinação de energias parlamentares: vários grupos do centro nas assembléias francesas não são
outra coisa que coalizões “ministráveis”. (...).
O advento dos comitês eleitorais no país está diretamente ligado à extensão do sufrágio popular que
a torna necessário o enquadramento de novos eleitores. A adoção do sufrágio universal, por
exemplo, acarretou o crescimento dos partidos socialistas no início do século XX, na maioria dos
países europeus. Todavia, essa ampliação mecânica do sufrágio não constitui o único fator do
nascimento dos comitês: o desenvolvimento dos sentimentos igualitários e a vontade de eliminação
das elites sociais tradicionais formam ali um outro, sem o qual o primeiro não teria agido. (...).
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos, 2 ed., trad. Cristiano Monteiro Oiticia. Rio de Janeiro:
Zahar; Brasília: Universidade de Brasília, 1980, p. 20-26.
Id.
47
esse registro jurídico dos fatos é menos importante que seu encadeamento prático
157
(Grifo nosso).
No que diz respeito à origem externa dos partidos políticos, Duverger
assinala que:
Examinando a Gênese dos partidos no quadro eleitoral e parlamentar, se observou a
intervenção de organismos externos nesse quadro: sociedades de pensamento, clubes
populares, jornais, por exemplo. A distinção entre os partidos de criação externa e os
partidos de criação eleitoral e parlamentar não é rigorosa: ela caracteriza antes tendências
gerais do que tipos definidos, de forma que sua aplicação prática é às vezes difícil. Em um
número bastante grande de casos, contudo, o conjunto de um partido é essencialmente
estabelecido por uma instituição pré-existente, cuja própria atividade se situa fora das
eleições e do parlamento: pode-se, portanto, falar adequadamente de criação exterior.
158
(Grifo nosso).
Nestes termos, pode-se sustentar a conclusão infirmada pelo autor com
base na seguinte passagem:
Em seu conjunto, o desenvolvimento dos partidos parece associado ao da democracia, isto
é, à extensão do sufrágio popular e das prerrogativas parlamentares. Quanto mais as
assembléias políticas vêem desenvolver-se suas funções e sua independência, tanto mais
os seus membros se ressentem da necessidade de se agruparem por afinidades a fim de
agirem de comum acordo; quanto mais o direito de voto se estende e se multiplica, tanto
mais se torna necessário enquadrar os eleitores por comitês capazes de tornar conhecidos
os candidatos e de canalizar os sufrágios em sua direção. O nascimento dos partidos
encontra-se, portanto, ligado ao dos grupos parlamentares e comitês eleitorais. Não
obstante, alguns manifestem uma natureza mais um menos aberrante em relação ao
esquema geral: sua gênese situa-se fora do ciclo eleitoral e parlamentar, formando essa
exterioridade, aliás, seu caráter mais nítido
159
(Grifo nosso).
Fixadas tais premissas, pode-se afirmar que o termo “partido” preexiste à
democracia liberal
160
. Com efeito, “nos regimes anteriores, ele designa um clã
157
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos..., id.
158
Ibid., p. 26.
159
Ibid., p. 26.
160
Casos particulares devem ser destacados em razão da influência exercida no contexto global:
Na Inglaterra, até a metade do século XVII, empregava-se o termo partido para denominar-se uma
facção social, agrupamento muito mais amplo que o partido político atual. Após 1860 se firmou
naquele país a doutrina de aceitação da oposição política, isto é, a doutrina básica da democracia de
que os inimigos do Governo não são inimigos do Estado e que um oposicionista não é por isso um
rebelde. Assim, apareceram dois grupos: os tories que representavam os remanescentes do
feudalismo agrário e os whigs – defendendo as forças urbanas e capitalistas mais liberais.
No início do século XVII, no reinado da rainha Ana, surgira a necessidade do governo obter posições
políticas, ao passo do princípio do governo, pela Coroa, mediante a maioria do parlamento.
A partir do século XIX, após a reforma Bill de 1832, a Inglaterra lançou-se mão da prática contida do
sistema dos partidos políticos quando, com a Câmara dos Comuns, consolidou-se uma maioria para a
defesa dos interesses da produção
econômica capitalista.
48
constituído em torno de personagens importantes: um poderoso senhor feudal, um
cortesão de prestígio, um príncipe de sangue, etc. Os verdadeiros partidos, no
moderno sentido da palavra, nasceram com os parlamentos e as eleições, cujo
funcionamento deles precisa”
161
.
Como visto, os grupos parlamentares são os primeiros elementos
determinantes para a formação dos partidos. O segundo é constituído pelos comitês
eleitorais que são formados em cada circunscrição para patrocinar candidatos.
Desse modo, tem-se que as pessoas influentes e respeitadas de cada comunidade
reuniam-se para escolher e atestar perante a população aqueles que seriam dignos
de representar determinada localidade, para o que reuniam os fundos necessários e
realizavam a campanha eleitoral
162
.
Os comitês constituídos tendiam a se manter ativos após a eleição, “uns
para cobrar e garantir a fidelidade dos eleitos às suas promessas, outros para
preparar a ‘revanche’ dos derrotados”
163
como assinala Duverger. Dessa forma, tem-
se que os comitês eleitorais da mesma tendência agruparam-se em uma
organização nacional, pelo que, estava-se diante do que se denomina atualmente
“partido político”.
De outro vértice, para o alcance do objetivo proposto pelo presente trabalho,
deve-se registrar outro aspecto do fenômeno partidário: o político. Sem qualquer
margem para dúvidas, o fenômeno consistente no surgimento dos partidos políticos
na acepção do termo constitui marca contida do seu caráter político.
Nesse sentido, basta questionar sobre a finalidade pela qual teriam sido
instituídos os mesmos agrupamentos e acerca dos objetivos que perseguem
historicamente. Ao lado da análise estrutural, seja aquela dos partidos políticos “em
sua organização”, que Duverger refere quando estuda o tema sob a ótica da
sociologia política
164
, cabe uma análise funcionalista
165
.
Nos Estados Unidos, os partidos políticos surgira praticamente com a própria democracia, no século
XVIII. Na disputa entre Adams e Jefferson, se delinearam as primeiras agremiações políticas. Na
ideologia impressa pelo primeiro, encontra-se o Partido Federalista, antepassado do partido
Republicano, e na impressa pelo segundo, do Partido Republicano, após, cindido no denominado
partido Republicano Nacional e Democrático. (FRANCO, Afonso Arinos de Melo, op. cit., p. 12-22).
161
DUVERGER, Maurice. As Modernas Tecnocracias. Trad. Natanael Caixeiro. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978, p. 74.
162
Id.
163
Ibid., p. 75.
164
DUVERGER, Maurice. Sociologia política..., p. 358.
49
As mesmas facções (que dividiam as repúblicas antigas), os clãs (que se
agrupavam em torno de um condottiere na Itália da Renascença), os clubes (onde se
reuniam os deputados das assembléias revolucionárias), os comitês (que
preparavam as eleições censitárias das mesmas assembléias), bem como as vastas
organizações populares que enquadram a opinião pública nas democracias
modernas, desempenharam o papel “de conquistar o poder político e exercê-lo”!
166
.
O objetivo permanente da conquista e exercício do poder político
167
, confere
a esses entes a especialização comum do combate político que se converte em
função fundamental
168
.
Na definição de Canotilho, os partidos políticos funcionam com inegável
influência na mobilização de cidadãos, na organização de diversidades ideológicas,
na aglutinação de interesses de grupos e classes sociais
169
. Nesse sentido, pode-se
afirmar que funcionam como “canais de expressão”, pois servem como “instrumentos
de representação dos cidadãos”, organizadores das vontades individuais
170
.
Por tais razões constituem “corpos intermediários”
171
entre o povo e o
Estado, vez que “responsáveis pela canalização da vontade do primeiro para o
segundo, caracterizado como centro das decisões políticas”
172
.
Eis a sua dimensão política. Na definição de Ribeiro “O partido é
instrumento de relevante importância na dinâmica do poder político, contribuindo à
interação entre o governante, e governados no esquema do regime
representativo”
173
. Revela-se como “força coletiva de ativação do processo político”,
165
Walter Costa Porto exorta o exame das funções dos partidos políticos, o que abrange ao mesmo
tempo a análise de suas atividades e as conseqüências dessas ações para a sociedade.
(DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos..., apresentação).
166
Ibid. p. 19.
167
Registre-se a existência dos denominados grupos de pressão (jornais, emissoras de rádio e
televisão, etc.) que, ao lado dos partidos políticos, constituem-se das principais organizações
destinadas a se porem em luta por combates políticos. As diferenças marcantes entre ambas
consistem, brevemente, no fato de, ao passo de que os partidos políticos têm por objeto direto
conquistar o poder e participar de seu exercício, os grupos de pressão o o pretendem diretamente,
mas sim obter influência sobre aqueles que detém o poder; a segundo, enquanto os primeiros se
fundam em uma solidariedade geral, os segundos em solidariedades particulares; a terceiro, que o
conceito do primeiro seria relativamente preciso, enquanto dos segundos não (DUVERGER, Maurice.
Sociologia política..., p. 356).
168
Ibid., p. 355.
169
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 314.
170
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 104-105.
171
Resolução nº 22.526/2007-TSE.
172
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 86.
173
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 222.
50
e como “elemento necessário à luta em termos políticos pela conquista ou
manutenção do poder”.
Tais instituições não compõem o aparelho estatal, mas sim, participam do
quadro institucional do Estado moderno, primeiramente, por serem indispensáveis
ao funcionamento do poder de sufrágio e, ainda, em razão de seu relacionamento
com as instituições políticas
174
.
Os partidos políticos são definidos por Bonavides como “uma organização
de pessoas que inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o
poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para a
realização dos fins propugnados”
175
.
Silva os define como “forma de agremiação de um grupo social que se
propõe a organizar, coordenar e instrumentalizar a vontade popular com o fim de
assumir o poder para realizar seu programa de governo”
176
.
Ainda, sob o aspecto funcional, o Min. Carlos Mário da Silva Velloso
assevera que a sua finalidade é a de “servir como elo entre o exercício de poder e a
população, aumentando a participação dos cidadãos nas decisões políticas”
177
.
Em síntese, pode-se concluir que a função precípua dos partidos políticos,
sob a dimensão política, seja a de possibilitar a veiculação da democracia
representativa. Esta dimensão se alinha com a dimensão jurídica, como será
analisado nos tópicos seguintes.
1.3 REGIME CONSTITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Em diferentes termos, a institucionalização jurídica dos partidos se
enquanto a sua realidade política torna-se reconhecida constitucionalmente e os
partidos passam a deter funções previstas nas Constituições
178
.
Importa frisar que o processo de institucionalização jurídicoconstitucional
dos partidos políticos rompeu com o paradigma vigente, resgatando esses entes da
condição marginal à ordem estatal
179
.
174
Ibid., p. 223.
175
Paulo BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 1994, p.346.
176
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 394.
177
VELLOSO, Carlos Mário da Silva, AGRA, WALBER de Moura. Elementos de direito eleitoral. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 79.
178
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 314-316.
51
O paradigma liberal apontava para a falta do reconhecimento das estruturas
partidárias, apesar de a realidade fática conferi-las maior soma de poderes nos
mecanismos representativos
180
.
Em razão de sua imposição como realidade social e política, os partidos
foram combatidos duramente pelos filósofos políticos liberais. Entre esses, David
Hume condenava-os fortemente no plano teórico, alegando a sua contrariedade à
ordem do Estado, ao império da lei, à solidariedade e à cooperação dos cidadãos
181
.
Por sua vez, Triepel demarcava quatro etapas na trajetória dos partidos
políticos, quais sejam: luta, ignorância e incorporação
182
.
Para Alexis de Tocqueville os partidos “eram um mal inerente aos governos
livres”, cuja atuação “modificavam a sociedade, os pequenos agitam-na; uns a
dilaceram-na, outros a depravam; os primeiros a salvam às vezes perturbando-a
salutarmente, os segundos a perturbam sempre, sem proveito”
183
.
James Madison afirmou que “causas da facção não podem ser removidas,
restando procurar remédio nos meios de controlar seus efeitos”
184
.
Segundo Ribeiro, Madison considerava o partido uma “enfermidade que
contagia o corpo político, da qual somente poderia se defender, sem por em risco a
liberdade, com a estrutura federativa”
185
.
A despeito dos partidos políticos deterem fixadas as suas bases como forma
de exercício da liberdade de associação, o legislador liberal, como dito, preferia
ignorá-los, reputando-os fenômeno extraconstitucional
186
.
No Brasil, essas bases foram fixadas pelo fenômeno partidário, enquanto
modernamente concebido, desde o período imperial, sob a égide da primeira
Constituição brasileira, de 1824 – outorgada, ao advento da Constituição de 1946,
179
JELLINEK, George. Allgemeine staatslesre. 3. ed., p. 114, apud., CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 315.
180
Fávila. Direito Eleitoral..., p. 232.
181
SILVA, José Afonso da: In Direito Constitucional Brasileiro..., p. 398.
182
. TRIEPEL, apud, RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 231.
183
TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América. Trad. Neil R. da Silva. Belo Horizonte,
Editora Limitada, 1962, p. 136, apud, RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 231.
184
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Trad. Ricardo Rodrigues
Gama. Campinas: Russel, 2005, p. 80
185
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John; apud RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral...,
p. 231.
186
SILVA, José Afonso da: In Direito Constitucional Brasileiro..., p. 399.
52
que definitivamente institucionalizou os partidos políticos, conforme registra
Franco
187
.
187
No Império formaram-se o Partido Liberal e o Conservador.
Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição brasileira.
O partido Liberal, representando o capitalismo comercial e as profissões liberais, começa a se
organizar após a abdicação e torna-se maioria quando impõe que, por meio do Ato Adicional,
implante-se a idéia do federalismo, e se promovesse a reforma da Constituição.
O partido Conservador, que representava interesses dos produtores agrícolas, especialmente a
cultura do café, começou a se firmar nas eleições de 1836, quando conseguiu maioria na Câmara,
para a legislatura de 1838-1841, após um declínio da ala liberal, o que o fez consolidar-se com a
interpretação do Ato Adicional, conhecida como lei número 105.
O processo histórico da formação dos partidos obteve o florecimento e o amadurecimento de seus
frutos. O liberalismo conquistara o máximo possível de federalismo com o Ato Adicional. O
conservadorismo corrigira os excessos federais com a lei de interpretação e o funcionamento do
Conselho de Estado.
Nos 10 anos que se seguiram, com a maioridade do Imperador, ocorreu um período de estabilidade
social, conhecido pelos historiadores como Conciliação entre os partidos opositores; em que
conservadores e liberais exerceram o poder de forma quase harmoniosa, ainda que com predomínio
dos primeiros.
Após tal período da Conciliação, por volta de 1860, ocorreram determinadas mudanças nos cenários
interno e externo, tais como a expansão do capitalismo financeiro internamente, o que findou por
traçar novos rumos à política nacional. Nesse contexto, proclamou-se a fundação do Partido
Progressista, que na verdade, era muito mais uma liga unindo conservadores moderados e os
liberais. Para se opor a esta facção, surgiu o denominado Partido Histórico, reivindicando as
antigas aspirações democráticas da Regência o que, mais tarde, culminaria no partido Republicano.
Em resposta a uma atitude radical do Imperador, que em 1886 substituiu o Gabinete progressista por
um outro totalmente conservador, fundou-se o Partido Liberal, tendo seu programa publicado no
jornal “A Reforma”. Tal programa inovava às idéias sobre o desenvolvimento da democracia, as
liberdades individuais e políticas. No campo político, eleição direta, temporariedade do Senado,
restrições ao poder da polícia, descentralização com maior autonomia, das províncias, reforma do
Conselho de Estado, garantias à liberdade religiosa, independência do Judiciário, redução das forças
militares, abolição da guarda nacional e do recrutamento, limitação do poder do clero; no campo
econômico, emancipação gradual dos escravos, melhoramento da situação do operariado,
derrogação de monopólios e privilégios econômicos, liberdade de comércio e indústria; no campo
cultural, incremento organização e ampla liberdade de ensino.
O Partido Republicano surgiu ao final do Império, influenciado por acontecimentos internos como
a Federação, a necessidade de mudanças na política para a garantia da economia do café, a
influência do positivismo na cultura e no exército que, impregnado de novas idéias, se organizou para
tomar o poder.
Na república, já em seu início, frustrados com a experiência política dos partidos na época do
Império, a maioria republicana se manifestava contrária aos partidos nacionais.
No contexto da negativa dos partidos Nacionais o governo precisava adotar outra forma de
legitimação que lhe garantisse a manutenção no poder. Esta se fixou por meio dos partidos
estaduais e a política dos governadores, exercido especialmente pelos partidos Republicanos de
Minas Gerais e São Paulo, que à época, representavam o centro econômico do país em razão da
cultura cafeeira. Foram essas bancadas estaduais que garantiam o poder do chefe de Estado. A
política dos Governadores teve fim com o declínio da economia cafeeira e o movimento tenentista, o
que conferiu espaço necessário à expansão da mentalidade partidária nacional e a reforma eleitoral.
Nesse contexto, a exprimir os anseios da reforma, surge o Partido Democrático Nacional.
Anteriormente à Constituinte de 1934 foi promulgado o Decreto 21.076, de 24/05/32, que
reconhecia a existência dos Partidos políticos e regulava o seu funcionamento, permitindo, no
entanto, a candidatura avulsa.
A Constituição de 1934 manteve os partidos estaduais, mas confirmou o sistema proporcional e a
Justiça Eleitoral. Por outro lado, adotou o hibridismo da representação profissional no âmbito das
Assembléias eleitas por sufrágio universal, o que importava na criação de uma grande bancada
apartidária.
53
Não obstante, a crescente importância do fenômeno fez com que a sua
realidade fosse incorporada nas leis eleitorais, nos regulamentos parlamentares e,
por fim, nas Constituições, nesta ordem sucessiva
188
.
No entanto, os partidos políticos somente adquiriram dimensão nacional e
receberam tratamento jurídico com o advento do primeiro Código Eleitoral Brasileiro,
instituído pelo Decreto nº 21.075, de 24/02/1932, durante o Governo Provisório de
Getúlio Vargas que, a despeito de lhe outorgar existência jurídica, facultava o
registro de candidaturas avulsas
189
.
Nesta senda, os partidos políticos receberam reconhecimento indireto pela
Carta de 1934
190
. em novembro de 1937 todos os direitos previstos pelo texto
constitucional ficaram suspensos, com a outorga, por Vargas, da Nova Constituição
dos Estados Unidos do Brasil Estado Novo. Com a decretação do Estado Novo
instaurou-se um governo forte e centralizador que o tolerou a formação de forças
políticas que se opusessem aos objetivos do governo. O Chefe do Governo somente
precisaria prestar contas ao povo brasileiro, diretamente, sem intermediação de
Nessa Carta, os Partidos políticos ainda são tratados de maneira indireta, e não são reconhecidos
como entidades definidas, mas, simplesmente correntes de opinião.
Também, e nesse contexto, que surge o partido Socialista Brasileiro, pioneiro ao defender os direitos
do trabalho e a classe trabalhadora.
No contexto de um totalitarismo mundial, tanto fascista, quanto socialista, às disputas partidárias foi
atribuída porção de responsabilidade nas desgraças nacionais; razão porque a Constituição de 1937
dissolveu os partidos políticos.
À época foi fundado o Partido Integralista, organização nacional que mais se assemelhava às
tendências totalitárias expressadas no contexto mundial. Opondo-se a ele estava o partido Socialista,
que, no entanto, somente veio a ser reconhecido ao final do período ditatorial, em 1946. Todavia, tais
agremiações eram muito mais expressões das duas tendências globais do que forças políticas
nacionais organizadas.
A participação do Brasil na segunda guerra mundial, ao lado dos Aliados, definiu os rumos políticos
no período pós Constituição de 1937, enfraquecendo o totalitarismo nacional e culminando com o fim
do Estado Novo.
Antes disso, porém, o Governo incorporou à legislação nacional, importantes medidas para vida
partidária nacional, tais como o alistamento eleitoral e as eleições gerais por meio do Decreto
7.586, de 28/05/ 1945. Este permitia a fundação de um partido político mediante a comprovação da
existência de 10 mil aderentes, tornando obrigatório o âmbito nacional dos partidos, desde que os 10
mil eleitores estivessem distribuídos em, pelo menos, 5 Estados da Federação.
Com a Constituição de 1946, se institucionaliza definitivamente a figura dos partidos políticos, nos
termos de seu artigo 134: “O sufrágio é universal e direto; o voto é secreto e fica assegurada a
representação proporcional dos partidos políticos nacionais, na forma que a lei estabelecer”. Ocorre,
porém, que fora vedada, pelo texto constitucional, a instituição de impostos sobre bens e serviços dos
partidos políticos. A Garantida a representação proporcional nas comissões permanentes do
Congresso fora-lhes permitido, também, enquanto pessoas jurídicas, de deterem quotas de empresas
jornalísticas e de rádio difusão (Grifo nosso) (FRANCO, Afonso Arinos de Melo, História e teoria dos
partidos políticos no Brasil, 3 ed. São Paulo: Alfa Ômega, 1980, p. 22-82).
188
SILVA, José Afonso da: In Direito Constitucional Brasileiro..., p. 399.
189
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 233.
190
SILVA, José Afonso da: In Direito Constitucional Brasileiro..., p. 400.
54
classes, facções ou partidos políticos. O texto constitucional de 1937 extinguiu as
disposições sobre o partido político e impôs observações que inviabilizassem
iniciativas que pretendessem organizar novas agremiações com conotações
políticas, em especial, se os ideais fossem contrários aos objetivos do Governo,
prevendo pena de morte para tais casos
191
.
A Constituição de 1946, como se reafirma, foi a Constituição que cristalizou
à disciplina das organizações partidárias a partir da redemocratização operada em
1945
192
. Em seu texto, reconheceu, formalmente, a importância dos partidos
políticos em um ambiente democrático e representativo
193
.
Em 1965, o Regime Militar editou a Lei 4.740 regulando a reforma dos
partidos, primeira Lei Orgânica dos Partidos Políticos. No seu conjunto, a Lei
procurava estabelecer regras rígidas para impedir a criação de novos partidos e
reduzir o número daqueles já registrados
194
.
A Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1965 destacava-se por uma
inovação importante: havendo o cancelamento do registro do Partido, os seus
representantes permaneceriam com o mandato, exceto se o cancelamento estivesse
191
FRANCO, Afonso Arinos de Melo, História e teoria dos partidos políticos no Brasil..., p. 22-82.
192
Id.
193
Art 40 - A cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento interno, sobre sua organização,
polícia, criação e provimento de cargos.
Parágrafo único - Na constituição das Comissões, assegurar-se-á, tanto quanto possível, a
representação proporcional dos partidos nacionais que participem da respectiva Câmara.
Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade,
nos termos seguintes: (...).
§ 13 - É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer Partido político ou
associação, cujo programa ou ão contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos
Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.
ADCT
Art 11 - No primeiro domingo após cento e vinte dias contados da promulgação deste Ato, proceder-
se-á, em cada Estado, às eleições de Governador e de Deputados às Assembléias Legislativas, as
quais terão inicialmente função constituinte. (...).
§ 3 º - Os partidos poderão inscrever, em cada Estado, para a Câmara federal, nas eleições referidas
neste artigo, mais dois candidatos além do número de Deputados a eleger. Os suplentes que
resultarem dessa eleição substituirão, nos casos mencionados na Constituição e na lei, os que forem
eleitos nos termos do 2º e os da mesma legenda cuja lista de suplentes se tenha esgotado.
§ 4º - Não será permitida a inscrição do mesmo candidato por mais de um Estado.
§ 5 º - O Tribunal Superior Eleitoral providenciará o cumprimento deste artigo e dos parágrafos
precedentes. No exercício dessa competência, o mesmo Tribunal fixará, à vista de dados estatísticos
oficiais; o número de novos lugares na representação federal, consoante o critério estabelecido no
art. 58 e §§ e 2º, da Constituição. (...). Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
194
Id.
55
fundamentado na violação do regime democrático, na pluralidade partidária ou na
garantia dos Direitos do Homem. Nesses casos, o representante não teria o seu
mandato cassado se provasse a sua contrariedade à orientação partidária que
motivou o cancelamento do registro. Com esse mecanismo, a Lei enfraqueceu o
comprometimento dos militantes, bem como o instituto da fidelidade partidária
195
.
Por meio do Ato Institucional 2, de 27/10/65, o governo militar extinguiu
os partidos políticos. Após, determinou como as novas organizações políticas
deveriam ser constituídas, prevendo a imposição do sistema bipartidário com o fim
precípuo de ele próprio (Governo) definir e controlar o partido da situação e
oposição. Ocorre que este último deveria desempenhar uma função
críticaconstrutiva ao Governo, a qual, de fato, ficou comprometida. Enfim, o governo
militar ficou marcado pela prática de atos antidemocráticos na tentativa de garantir
sua própria legitimação
196
.
A Constituição de 1967, por sua vez, editou um conjunto de princípios fiéis
ao espírito da Lei 4.740/65, buscando inviabilizar qualquer formação de outra
organização partidária que não se enquadrasse no sistema bipartidário, existente,
ou que possuísse força política regionalizada
197
.
Em 1971 foi sancionada a Segunda Lei Orgânica dos Partidos Políticos com
outros propósitos, tal como a perda de mandato por infidelidade partidária, medida
195
Id.
196
Id.
197
Art. 152 A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei
federal, observados os seguintes princípios:
I - regime representativo e democrático, baseado na pluralidade de partidos e na garantia dos direitos
fundamentais do homem;
II - personalidade jurídica, mediante registro dos estatutos;
III - atuação permanente, dentro de programa aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e sem
vinculação, de qualquer natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos estrangeiros;
IV - fiscalização financeira;
V - disciplina partidária;
VI - âmbito nacional, sem prejuízo das funções deliberativas dos diretórios locais;
VII - exigência de cinco por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a
Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, em sete Estados, com o mínimo de sete por cento
em cada um deles; e
VIII - proibição de coligações partidárias.
Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas
Assembléias Legislativas e nas Câmara Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às
diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja
legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação
do partido, assegurado o direito de ampla defesa. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
56
que visava, essencialmente, impor e garantir a unidade política no bloco de apoio do
governo (no caso, a ARENA)
198
.
Em 1979, no Governo de João Figueiredo, o Regime Militar, impôs uma
Reforma Partidária por meio da Lei 6.767, de 20/12/1979, regulamentada pela
resolução 10.785/80 TSE. Nos termos da reforma instituída, além da extinção do
sistema bipartidário, buscava-se fragmentar a oposição sem, contudo, permitir o
nascimento de novos partidos. Desse modo, foram estabelecidos mecanismos
rígidos que possibilitavam ao Estado controlar efetivamente as ações políticas dos
partidos, o que favoreceu o PDS, sucessor da ARENA, transformado na maior
organização partidária do país e no principal bloco de sustentação política militar
199
.
Por meio do artigo segundo do diploma referido
200
, denominada Lei
Orgânica dos Partidos Políticos
201
, instituiu os partidos políticos com a
personalidade de pessoa jurídica de direito público interno
202
.
Olavo Brasil de Lima Jùnior, em poucas palavras, esclarece o modo pelo
qual o Regime Militar buscou alcançar seus objetivos, mesmo permitindo a
existência de instituições partidárias:
O regime militar brasileiro, ao contrário do que ocorreu em outros países, optou pela
preservação dos procedimentos eleitorais e das instituições representativas. No entanto,
para manter o processo político sob estrito controle, os sucessivos governos militares
utilizaram amplamente os recursos de Poder à sua disposição, reformulando a legislação
eleitoral e partidária a fim de garantir o espaço e controlar a oposição
203
.
Clèmerson Merlin Clève registra, em síntese, a história do reconhecimento
partidário pelas Constituições Brasileiras:
No Brasil a Lei Fundamental de 1946 foi a primeira a cuidar do partido político em sede
constitucional. Com a Carta de 1967, os partidos tiveram seu regime estabelecido em
capítulo próprio, dedicado a fixar as linhas da organização, funcionamento e extinção,
regime qual, seria complementado pelo especificado em lei federal. A Emenda
198
Id.
199
Id.
200
Lei 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Modifica dispositivos da Lei 5.682, de 21 de julho de
1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), nos termos do art. 152 da Constituição, alterado pela
Emenda Constitucional nº 11, de 1978; dispõe sobre preceitos do Decreto-Lei nº 1.541, de 14 de abril
de 1977; e outras providências. Disponível em: <Brasil: http://www.tre-
sp.gov.br/legislacao/leis/je019.htm>. 31/06/2009.
201
Antes alterada pela Lei Federal 5.682/1971, e ora revogada pela Lei 9.096/1995 - em vigor.
202
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral, 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 233.
203
LIMA JÙNIOR, Olavo Brasil de. O Balanço do Poder: formas de dominação e representação. Rio
de Janeiro: Iuperj, 1992, p.100.
57
Constitucional 1/69
204
manteve a mesma orientação, tratando, porém, a matéria em capítulo
próprio, e ainda introduzindo modificações ao texto originário
205
.
204 Art. 152- A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto
neste artigo, serão regulados em lei federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional 11, de
1978)
§ - Na organização dos partidos políticos serão observados os seguintes princípios: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
I - regime representativo e democrático, baseado na pluralidade dos partidos e garantia dos direitos
humanos fundamentais;
II - personalidade jurídica mediante registro dos estatutos;
III - inexistências de vínculo, de qualquer natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos
estrangeiros;
IV - Âmbito nacional, sem prejuízo das funções deliberativas dos órgãos regionais ou municipais.
§ - O funcionamento dos Partidos políticos deverá atender às seguintes exigências: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
I - filiação ao partido de, pelo menos, 10% (dez por cento) de representantes na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal que tenham, como fundadores, assinado seus atos constitutivos; ou
II - apoio, expresso em votos, de 5% (cinco por cento) do eleitorado, que haja votado na última
eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, por nove Estados, com o
mínimo de 3% (três por cento) em cada um deles;
III - atuação permanente, dentro do programa aprovado pelo tribunal superior Eleitoral;
IV - disciplina partidária;
V - fiscalização financeira.
§ - Não terá direito a representação o partido que obtiver votações inferiores aos percentuais
fixados no item II do parágrafo anterior, hiipótese em que serão consideradas nulas. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
§ - A extinção dos Partidos políticos dar-se-á na forma e nos casos estabelecidos em lei. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
§ - Perderá o mandato no senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias
Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitude ou pelo voto, se opuser às diretrizes
legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja rege for
eleito, salvo se para participar, como fundador, da constituição de novo Partido. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
§ - A perda do mandato, nos casos previstos no parágrafo anterior, será decretada pala Justiça
Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 11, de 1978)
Art. 152. É livre a criação de partidos políticos. Sua organização e funcionamento resguardarão a
Soberania Nacional, o regime democrático, o pluralismo partidário e os direitos fundamentais da
pessoa humana, observados os seguintes princípios: (Redação dada pela Emenda Constitucional
25, de 1985)
I - é assegurado ao cidadão o direito de associar-se livremente a Partido político; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
Il - é vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
III - é proibida a subordinação dos partidos políticos a entidade ou Governo estrangeiros; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
IV - o partido político adquirirá personalidade jurídica mediante registro dos seus Estatutos no
Tribunal Superior Eleitoral; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
V - a atuação dos partidos políticos deverá ser permanente e de âmbito nacional, sem prejuízo das
funções deliberativas dos órgãos estaduais e municipais. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 25, de 1985)
§ Não terá direito a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o Partido que
não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por cento) do eleitorado, apurados em eleição
geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, 5 (cinco) Estados, com o mínimo
de 2% (dois por cento) do eleitorado de cada um deles. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 25, de 1985)
58
Importa aqui também, evidenciarem-se os princípios que regem
constitucionalmente os partidos políticos, a par da autonomia, aspecto que adiante
será estudado.
Nesse sentido, a Constituição consagra o dever de resguardo da soberania
nacional, pelo que não pode o partido contemplar em sua organização ou adotar
para a sua atuação, programas e atividades que, de qualquer forma, coloquem em
risco ou enfraqueçam a plenitude da Soberania nacional.
O sistema se baseia no pluripartidarismo que guarda relação direta com
outro princípio constitucionalmente consagrado: o pluralismo político, definido como
um dos fundamentos da República.
Ribeiro sintetiza o processo de interação entre o pluralismo político e o
sistema pluripartidário nos seguintes termos:
O pluralismo político encontra no sistema pluripartidarista um de seus eficientes
instrumentos nos múltiplos papéis que empreende, de exclusivo cunho político, transpondo
das vertentes da sociedade sortimentos de idéias, sentimentos, impressões e interesses
extraídos das fermentações coletivas como fragmentos de pensamentos que são
maturados em conversações, debates, informações ou discussões, e depois começam a
produzir reações de acolhimento ou rejeição, modificando-se, adquirindo novos
ingredientes, em continuadas interações pessoais
206
.
Em último plano, conforme o influxo do regime, as instituições partidárias
devem visar o alcance material dos direitos fundamentais do homem. Tal é
proclamado por Bastos que declara ser “o compromisso dos partidos políticos o
resguardo dos direitos Fundamentais, obrigando-os a vinculá-los e efetivá-los em
suas próprias estruturas”
207
.
No que se refere aos requisitos legais postos pelo direito positivo, restam
poucas observações ainda a serem feitas.
§ Os eleitos por Partidos que não obtiverem os percentuais exigidos pelo parágrafo anterior terão
seus mandatos preservados, desde que optem, no prazo de 60 (sessenta) dias, por qualquer dos
Partidos remanescentes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
§ Resguardados os princípios previstos no "caput" e itens deste artigo, lei federal estabelecerá
normas sobre a criação, fusão, incorporação, extinção e fiscalização financeira dos partidos políticos
e poderá dispor sobre regras gerais para a sua organização e funcionamento. (Redação dada pela
Emenda Constitucional 25, de 1985). Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
205
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária: estudo de caso. Curitiba: Juruá, 1998, p. 17.
206
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 211.
207
BASTOS, Celso Ribeiro. e GANDRA MARTINS, Ives. Comentários à Constituição do Brasil....,
p.607.
59
Quanto ao dever de observância do caráter nacional: constitui mandamento
constitucional, pré-requisito para o deferimento de seu registro junto ao TSE
208
.
Quanto ao dever de prestação de contas à Justiça Eleitoral: os partidos
políticos recebem receitas originadas de pessoas físicas ou jurídicas, o que é
submetido ao controle pela Justiça Eleitoral que se por meio da aferição da
origem e da aplicação dos recursos
209
.
Quanto ao funcionamento parlamentar, os partidos visam alcançar o poder e
o fazem também por meio do acesso de seus quadros ao Poder Legislativo,
possibilitando o usufruto da prerrogativa de estruturação de lideranças e participação
na divisão proporcional da composição das mesas e comissões em cada casa
legislativa
210
.
Quanto à vedação constitucional de utilização de organização paramilitar,
constitui limite à autonomia partidária, no exercício de controle ideológico
211
,
consoante o artigo 5º, XVII da Constituição
212
.
Por fim, tem-se que à proibição de recebimento de recursos financeiros e de
subordinação a organismos estrangeiros pressupõe o interesse do resguardo da
autonomia e independência partidária, face a organizações internacionais que
possam condicioná-la. Esta previsão constitucional, sem dúvida, busca evitar o que
ocorreu no passado com o Partido Comunista Brasileiro que, ao aceitar o
financiamento do Partido Comunista Soviético, de certo modo, sob a óptica de
alguns, transformou-se numa organização partidária movida por interesses
contrários aos nacionais
213
.
Os aspectos concernentes à regulamentação constitucional das
agremiações partidárias, a partir de sua natureza jurídica, serão tratados nos tópicos
que seguem.
1.3.1 Natureza Jurídica dos Partidos
208
Constituição Federal, art. 17 e LPP, Art. 9, §4º, acima citados.
209
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 407-411.
210
Id.
211
Ibid., p. 407.
212
Id.
213
Id.
60
No que se refere à natureza jurídica dos partidos tem-se que eles foram
recepcionados desde a Constituição de 1946 até a Constituição atual.
De acordo com a legislação em vigor, hodiernamente, os partidos políticos
se constituem em associações de pessoas naturais
214
que devem adquirir
personalidade
215
para, após, mediante registro definitivo de seus estatutos no
Tribunal Superior Eleitoral
216
, obterem capacidade jurídica para a institucionalização
dos atos tomados na esfera política
217
.
Tal conclusão pode ser extraída do mandamento contido no art. 17 da CF
218
e pela leitura de Bastos e de Mezzaroba (no que este segue o primeiro), do rol de
afirmações conclusivas acerca da recepção, pela Constituição vigente, do princípio
que confere aos partidos políticos natureza jurídica de direito privado
219
:
O Brasil adotou o modelo português. Doravante parece não subsistirem dúvidas quanto a:
a) serem os partidos políticos dotados de personalidade jurídica;
b) sua natureza ser de direito privado, uma vez que são constituídos na forma da lei civil;
c) estarem obrigados ao registro de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral, mas
agora como ato de controle de adequação a que estão sujeitos, e não como elemento
conferidor da existência jurídica do partido.
214
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política..., 346.
215
Código Civil - CC, Lei Federal nº 10.406/2002:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (...);
V - os partidos políticos.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato
constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do
Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. (...).
Art. 46. O registro declarará: (...).
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus
poderes definidos no ato constitutivo.
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu
funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. (...).
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. 31/06/2009.
216
Submetem-se, por determinação constitucional, a controle estatal de regularidade. Tal controle é
denominado por como “controle de adequação dos estatutos aos princípios e normas constitucionais
a que estão sujeitos”. (BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição
do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 616).
217
Artigo 9º, §4º, e seguintes da LPP, acima citados.
218
Acima citado.
219
Aponta Mezzaroba, que desse tema emergem três posições doutrinárias, “a) uma, que considera o
partido político como órgão do Estado, ou órgão institucionalizado pela Constituição, considerando-o,
portanto, como pessoa jurídica de Direito Público Interno; b) outra, que toma o partido político como
associação de Direito Privado, isto é, como simples associação de indivíduos, com objeto lícito e
possível, que exerce função pública de relevância constitucional e democrática, cuja atividade é um
exercício privado de funções públicas; e c) uma terceira posição, que não considera o partido como
órgão de Estado, ainda que eventualmente possa ser dotado de personalidade jurídica de Direito
Público”. (MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias Constitucionais Lei
9096/95, anotações e jurisprudências. Curitiba: Juruá. 2008, p. 41).
61
Note-se que a Constituição é inequívoca a respeito. O registro de seus estatutos dar-se-á
após a aquisição da personalidade jurídica
220
(Grifo no original).
As dúvidas citadas por Bastos referem-se ao fato de que até o advento da
nova ordem vigorava discussão acerca da natureza jurídica dos partidos
221
. Esta
teria sido esgotada pela superveniência do artigo 17, parágrafo segundo da
Constituição
222
.
Ocorre, porém, que permaneceria posição doutrinária
223
dentre aqueles que,
mesmo sem negar a condição de pessoa jurídica aos partidos políticos, concebe-os
como órgãos de Estado no âmbito da realidade brasileira, em decorrência de
eventual natureza pública a eles conferida, evidenciada, por exemplo, na exigência
constitucional de registro dos estatutos partidários no TSE
224
.
Ressalte-se que a ordem constitucional vigente, por meio do artigo 17,
parágrafo segundo
225
, revogou direta e expressamente o artigo segundo da citada
Lei Orgânica dos Partidos Políticos Lei Federal 5.682/1971
226
. A matéria foi,
mais tarde, no ano de 1995, modificada pelo artigo primeiro da lei 9.906, ora em
vigor
227
.
Não se pode olvidar que o novo Código Civil recepcionou a definição
constitucional e conferiu aos partidos políticos definição própria dentre as pessoas
jurídicas de direito privado
228
.
220
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 616 e 617.
221
Duas diferentes posições doutrinárias apontavam o partido político como “associação de
indivíduos”, ou como “órgãos de Estado”. (MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e
garantias Constitucionais – Lei 9096/95, anotações e jurisprudências. Curitiba: Juruá. 2008, p. 39).
222
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 615.
223
Id.
224
Id.
225
Acima citado.
226
Acima citado.
227
Nesse sentido José Afonso da Silva: “A Constituição, agora, definiu-os como pessoa jurídica de
direito privado, ao teor do art. 17, §2º, segundo o qual os Partidos políticos ”, após adquirirem
personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
Se adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil é porque são pessoas jurídicas de direito
privado, devendo, pois, registrar-se no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, segundo o disposto na Lei
de Registros Públicos; depois disso é que seus estatutos serão levados a registro no TSE. Fica, pois,
superado o disposto no art. da Lei 5.682/71 que lhes reconhecia a natureza de pessoa jurídica de
direito público interno (...). (José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 403).
228
Art. 44 da Lei Federal 10.406/2002, acima citada.
62
Nesse sentido, reconhecia Velloso, sob a égide da Constituição de 1988,
que a Lei Orgânica dos partidos políticos, Lei 5.682, de 21/7/71, à época vigente,
deveria ser adequada à nova ordem
229
.
Solução à eventual controvérsia é proposta por Bastos, a partir de posição
de José Afonso da Silva, nos seguintes termos:
(...). Acontece que a natureza blica do órgão incumbido do registro não comunica igual
natureza à entidade registrada. Trata-se de mero controle público, em vez de controle
cartorário. Aliás, a adequação é notável, precisamente porque uma das notas da pessoa
jurídica de direito público é sua criação diretamente pela lei e a inexigência de registro de
seus estatutos constitutivos. O fato de precisarem de registro para a sua formação, vale
dizer, o fato de necessitarem de tal controle denota que não se cuida de pessoa jurídica de
direito público. Os partidos não criados por lei, e seria terrível que o fossem, pois deixariam
de ser partidos para serem outra coisa (cf. 4ª ed. deste livro, p. 411). Agora, estão definidos
por pessoas jurídicas de direito privado.
Liquida-se, com isso, qualquer pretensão de enquadrá-los como órgãos de Estado, pois,
órgão, no sentido técnico, segundo a doutrina corrente, não tem personalidade jurídica, e
menos ainda personalidade jurídica de direito privado. (...).
O partido é uma associação de pessoas para fins políticos comuns e tem caráter
permanente, no que se encontram os elementos básicos do conceito de instituição
230
.
A doutrina portuguesa reforça essa posição. Citado por Bastos e Silva,
Canitolho e Vital Moreira são assertivos quanto à natureza jurídica dos partidos
políticos, afirmando que estes: “são expressão da liberdade de associação dos
cidadãos. Não são órgãos de estatais, nem sequer associações de direito público,
são associações privadas, com funções constitucionais”
231
.
Conforme aprofunda Canotilho:
(...). O reconhecimento de relevância jurídico-constitucional (sic) de modo algum
corresponde a sua “estatização”. Isso deriva fundamentalmente do facto de os partidos
terem um estatuto constitucional configurado como direito subjectivo, direito político, e
liberdade fundamental. (...).
Além de não serem órgãos estatuais ou constitucionais, os partidos não devem
qualificar-se como corporações de direito público, pois embora lhes seja
constitucionalmente atribuída uma função política, nem por isso se pode falar de um
estatuto singular de direito público. Do Estatuto subjectivo deriva a sua caracterização
como associações de direito privado às quais se reconhecem direitos fundamentais (na
medida em que sejam aplicáveis às pessoas colectivas) (...)
232
(Grifo nosso).
229
Trecho do discurso de posse na Presidência do STF, de 1994, acima citado: definia, como meta
do Poder Judiciário Brasileiro, o ajuste da referida Lei Orgânica dos Partidos Políticos, à nova ordem
constitucional.
230
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 404.
231
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa., 3
ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 283.
232
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 316.
63
Todavia, em que pese as polêmicas doutrinárias existentes sobre o tema,
em síntese, tem-se que a Constituição de 1988 definiu a natureza jurídica dos
partidos políticos como associações privadas com funções constitucionais e não
mais como órgãos de Estado.
Por fim, importa registrar a anotação feita por Bastos acerca da
possibilidade da extinção, pela Justiça Eleitoral, dos partidos políticos que
descumpram princípios programáticos da Constituição:
Criado na forma da lei civil, o partido continuará por esta a ser regido no que diz respeito
aos atos transformativos de sua personalidade, como a fusão, a incorporação e a extinção.
Isto, obviamente, não exclui a competência da Justiça Eleitoral para extingui-los
quando em descumprimento dos princípios programáticos da Constituição
233
(Grifo
nosso).
Ora, tal interpretação parece afrontar a garantia da liberdade partidária que
engloba, ao lado da criação, a prerrogativa de extinção dos entes partidários
234
,
sem a ingerência do poder público. Não se diga que não possa haver o
indeferimento do pedido de registro definitivo de estatuto de partido político em
decorrência da falta de cumprimento de disposições constitucionais obrigatórias, no
exercício do denominado “controle de adequação dos estatutos aos princípios e
normas constitucionais a que estão sujeitos”
235
, de competência da Justiça Eleitoral,
mas admitir que o Estado pudesse interferir na seara da liberdade partidária, a ponto
de extinguir o seu ato constitutivo, seria compactuar com a desnaturação do direito
fundamental proclamado do pacto original.
A caracterização do direito fundamental à liberdade partidária e, por
conseqüência da autonomia partidária tema tratado no item seguinte provém de
Canotilho, “(...). A Constituição reconhece a liberdade de formação dos partidos
políticos como um direito fundamental (art. 51.º) e concede-lhes um estatuto
privilegiado em relação ao direito geral de associação” (...)
236
.
233
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 617.
234
Afirma José Afonso da Silva que a liberdade partidária envolve: a de criá-los, transformá-los e
extingui-los” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. I404 e 405).
235
Acima citado. (BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do
Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 616).
236
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 316.
64
Tal como o princípio da autonomia, o da liberdade partidária, proclamado
pelo mesmo texto que regula a matéria, é garantido constitucionalmente
237
. Como
tal, a disciplina de ambos prevê igualmente área reservada a não ingerência estatal,
conforme leciona Silva: “(...) o princípio da autonomia partidária, que é uma
conquista sem precedente, de tal sorte que a lei tem muito pouco a fazer em
matéria de estrutura interna, organização e funcionamento (...)”
238
(Grifo nosso).
O douto constitucionalista é assertivo quanto à impossibilidade de
intervenção estatal no âmbito da liberdade partidária, dispondo que “mais importante
ainda é que a estrutura de poder não podeinterferir nos partidos para extingui-los,
por exemplo, como por várias vezes acontece”
239
.
Desta feita, em que pese em tese, ser legítimo o controle judicial que
pretenda declarar nulos os atos de partidos políticos, tomados na esfera civil ou
política, que contrariem os princípios programáticos, ou não, da Constituição
240
, seria
absolutamente ilegítima a decisão da Justiça Eleitoral que decretasse a extinção de
determinado partido político sob estes mesmos fundamentos, conforme adiante se
constatará.
1.3.2 Autonomia Partidária
Como se verificou, o princípio constitucional da autonomia partidária emerge
na mesma senda do princípio da liberdade partidária. Ao proceder a separação entre
a liberdade externa e a liberdade interna conferida aos partidos políticos, Canotilho
explicitou que, no âmbito da última, se revelam duas questões fundamentais: a) de
não poder haver sobre os partidos qualquer controle ideológicoprogramático; e b) de
não ser admissível ocorrer nenhum controle sobre a organização interna do
partido
241
.
No mesmo sentido, registra Sérgio Sérvulo da Cunha:
237
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais, Lei 9.096/95,
anotações jurispridenciais...., p. 45.
238
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 406.
239
Ibid., p. 405.
240
Conforme a teoria da invalidade do ato administrativo por motivos desviantes - infração aos
princípios da moralidade e da probidade administrativas, o ato resta eivado de nulidade (Resolução n
22.526/2007-TSE, p. 7.).
241
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição..., p. 318.
65
O grande princípio reitor da vida do partido, inscrito na Constituição Brasileira de 1988, é o
da liberdade: liberdade de organização e de funcionamento; exceções a essa liberdade
que aqui significa autonomia são apenas as indicadas na própria Constituição, umas
concebidas em termos abertos, outras em obrigações concretas de fazer ou não fazer
242
.
(Grifo nosso).
Silva, de outro lado, delimita os contornos de ambos, diferençando os
princípios da liberdade e da autonomia partidárias nos termos seguintes:
Afirma-se a liberdade de organização partidária no art. 17 da Constituição, nos termos
seguintes: É livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos,
resguardados a soberania nacional, o regime democrático... (...).
O que importa agora é constatar que a liberdade partidária envolve: a de criá-los,
transformá-los e extingui-los, assim como, evidentemente, a de aderir ou o a um partido,
de permanecer filiado ou desligar-se dele.
Mas também cabe ao partido, na sua autonomia, prevista no §1º do art. 17, aceitar, ouo,
proposta de filiação
243
.
O princípio da autonomia partidária, portanto, pode ser definido como a
liberdade assegurada pelo texto constitucional para os partidos políticos definirem a
sua estrutura interna, organização e funcionamento
244
. É o proclamado “direito da
autoregulamentação dos partidos políticos
245
.
No mesmo sentido, entende Joel José Cândido que o reconhecimento da
garantia em questão, inerente à autonomia, organização e funcionamento dos
partidos políticos está assegurado no art. 17, §1º, da CF de 1988
246
.
De fato, o reconhecimento dos partidos políticos como entes autônomos
pela ordem jurídica nacional foi uma conquista “recente”. Mezzaroba evidencia que,
“pela primeira vez no Brasil, uma Constituição passa a delegar aos próprios partidos,
autonomia para regulamentar matérias interna corporis, como estrutura, organização
e funcionamento”
247
.
Em que pese a forte interferência estatal promovida na esfera de autonomia
partidária por meio da Lei Orgânica dos partidos políticos
248
, vigente até o ano de
242
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. A lei dos Partidos políticos. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva e
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (cood.). Direito Eleitoral: a reforma eleitoral e os rumos da
democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 146.
243
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 405.
244
Ib.
245
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais, Lei 9.096/95,
anotações jurispridenciais..., p. 46.
246
CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro. 4. ed. Bauru: Edipro, 1993, p. 344.
247
Id.
248
Já citada Lei Federal nº 5.682/1971.
66
1995
249
, a inovação do conteúdo jurídico que disciplinava a matéria art. 152 da EC
1/1969 (editada pela Junta Militar) adveio de norma editada no âmbito do mesmo
regime, pela EC 25/1985. Este dispositivo revogou a primeira alteração realizada
pela EC 11/1970, que, a seu tempo, delegava à lei federal a organização e
funcionamento dos partidos políticos (suprimida a extinção). Nesse contexto, o
princípio da autonomia partidária foi inaugurado. É o que se extrai da leitura do texto
original, verbis:
Art. 152- A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto
neste artigo, serão regulados em lei federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional
11, de 1978)
§ - Na organização dos partidos políticos serão observados os seguintes princípios:
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1978) 250 (...).
Art. 152. É livre a criação de partidos políticos. Sua organização e funcionamento
resguardarão a Soberania Nacional, o regime democrático, o pluralismo partidário e
os direitos fundamentais da pessoa humana, observados os seguintes princípios:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985)
(...).
§ 3º Resguardados os princípios previstos no "caput" e itens deste artigo, lei federal
estabelecerá normas sobre a criação, fusão, incorporação, extinção e fiscalização
financeira dos partidos políticos e poderá dispor sobre regras gerais para a sua
organização e funcionamento. (Redação dada pela Emenda Constitucional 25, de
1985)251 (Grifo nosso).
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 17, §1°
recepcionou o princípio da autonomia nos termos que seguem
252
:
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,
resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os
direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
249
Como citado, foi revogada, na parte que não o fora expressamente pela CF/1988 (art. daquela,
por meio do art. 17, §2º, desta), pela Lei Federal 9.906/1995, em vigor. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm>. 31/06/2009.
250
Disponível em:
<Brasil:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
251
Disponível em:
<Brasil:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
31/06/2009.
252
Anote-se, por “disciplina” acadêmica, que o conteúdo original do texto contido no parágrafo
primeiro do art. 17, da Constituição vigente, foi acrescido, pela inovação conferida pela EC nº
52/2006, do teor: e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem
obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou
municipal”, a fim de acrescentar dentre as prerrogativas que detinham os partidos para, no campo
da autonomia, adotar as coligações partidárias nos limites de sua conveniência.
67
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de
suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas
em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos
estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.
(...)
253
(Grifo nosso).
A questão que se coloca como desafio no presente trabalho é a de definir
com clareza quais sejam os limites conferidos à autonomia dos partidos políticos
para como isto averiguar o âmbito de interferência estatal que podem sofrer os
partidos políticos em sua estrutura, organização e funcionamento.
A resposta a tal indagação provém da doutrina e da jurisprudência.
Cunha bem define que as exceções à liberdade partidária, que aqui
significa autonomia, são apenas as indicadas na própria Constituição, umas
concebidas em termos abertos, outras em obrigações concretas de fazer ou não
fazer
254
. Portanto, para o autor, os limites à interferência estatal estão
estabelecidos na própria Constituição
255
, seja no que diz respeito à autonomia
assegurada aos partidos políticos para estabelecerem as regras de organização e
funcionamento partidário, seja no que tange às regras de fidelidade e de disciplina
partidárias.
Dessa feita, os limites para a interferência Legislativa, Executiva ou Judicial
na autonomia conferida aos partidos políticos pela Constituição estão postos no
próprio texto constitucional. Assim sendo, sob pena de ilegitimidade e invalidade,
consequentemente, serão nulos os atos estatais que interfiram nessa esfera
indevassável.
Por esses motivos, Silva conclui que a “lei tem muito pouco a fazer em
matéria de estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos”
256
.
Cunha, por sua vez, anota que “não cabe mais ao Estado organizá-los ou
dispor sobre a sua organização”
257
.
253
Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>.
31/06/2009.
254
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. A lei dos partidos políticos. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva,
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (coord.). Direito Eleitoral: a reforma eleitoral e os rumos da
democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 146.
255
Dessa forma estão postos os limites materiais de reforma constitucional. Vide voto divergente, Min.
Marcelo Ribeiro na Resolução 22.526/2007 – TSE.
256
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 406.
68
Bastos anota que “o texto praticamente elimina a ingestão do Estado na
matéria
258
.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no mesmo sentido,
reconhece, historicamente, o princípio da autonomia conferida aos partidos políticos
pela Constituição vigente.
Com efeito, a inauguração do princípio da autonomia partidária no texto
constitucional, causou uma “redefinição da relação jurídicopolítica entre partidos e a
Justiça Eleitoral”
259
. Este marco jurisprudencial ficará expresso pela fundamentação
destacada dos dois leading cases abordados a seguir.
No primeiro, do ano de 1994, ao dispor sobre o tema das candidaturas
natas, o STF fixou por meio do Acórdão s/n, prolatado na ADIN nº 1.063-8 o
entendimento que se denota da ementa que segue:
(..) IMPOSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO
LEGISLADOR POSITIVO DEFINIÇÃO LEGAL DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO
COMPETENTE PARA EFEITO DE RECUSA DA CANDIDATURA NATA (ART. 8º, §1º)
INGERÊNCIA INDEVIDA NA ESFERA DE AUTONOMIA PARTIDÁRIA A DISCIPLINA
CONSITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS (...).
AUTONOMIA PARTIDÁRIA: A Constituição Federal, ao proclamar os postulados
básicos que informam o regime democrático, consagrou, em seu texto, o estatuto
jurídico dos partidos políticos.
O princípio constitucional da autonomia partidária além de repelir qualquer
possibilidade de controle ideológico do Estado sobre os partidos políticos cria, em
favor desses corpos intermediários, sempre que se tratar da definição de sua
estrutura, de sua organização, ou de seu interno funcionamento, uma área de reserva
estatutária indevassável pela ação normativa do Poder Público, vedando, nesse
domínio jurídico, qualquer ensaio de ingerência legislativa do aparelho estatal. (...)
260
(Grifo nosso).
Nas razões do voto condutor, o Min. Relator Celso de Mello reafirma a
essencialidade dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito, que
constituem verdadeiros canais institucionalizados, “corpos intermediários” entre a
sociedade civil e a sociedade política, exercendo função de expressão dos anseios
257
CUNHA, Sérgio Sérvulo da. A lei dos partidos políticos. In: VELLOSO, Carlos Mário da Silva,
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (coord.). Direito Eleitoral: a reforma eleitoral e os rumos da
democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 139-155.
258
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 612.
259
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais, Lei 9.096/95,
anotações jurispridenciais. Curitiba: Juruá Editora, 2008, p. 47.
260
Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.063-8, datada de 18/05/1994, publicada
DOU DJ em 27/04/2001 Ementário nº 2.028-1, de Rel. Min. Celso de Mello, Requerente Partido
Social Cristão, Requeridos Presidente da República e o Congresso Nacional.
69
políticos e das reivindicações sociais dos diversos extratos e correntes de
pensamento que se manifestam no seio da comunhão estatal
261
.
Nesta senda, define os partidos políticos como instrumentos decisivos na
efetivação do princípio democrático, no âmbito do processo de representação, do
que decorre a dinâmica do processo governamental. Sem dúvidas, numa
perspectiva histórica, tem-se que o processo de legitimação do poder estatal foi
institucionalizado pelos partidos políticos, na medida em que o povo-fonte, de quem
emana a soberania nacional, teve nas agremiações partidárias o veículo necessário
ao desempenho das funções de regência política do Estado
262
.
Pelas mesmas razões, registra o Ministro que “o legislador constituinte
brasileiro, para os mesmos fins de assegurar a participação efetiva dos partidos
políticos no processo de poder conferiu-lhes grau de autonomia o que lhes propiciou
especial prerrogativa jurídica; consistente no prevalecimento de sua própria vontade
em tema de definição de sua estrutura organizacional e de seu interno
funcionamento
263
.
Ao passo que evidencia ser o preceito da autonomia partidária, princípio
264
,
explicita o Min. Celso de Mello que:
O postulado constitucional da autonomia partidária além de repelir qualquer possibilidade
de controle ideológico do Estado sobre os partidos políticos– cria, em favor desses corpos
intermediários, sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou
de seu interno funcionamento, uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável
pela ação normativa do Poder Público, a este plenamente oponível toda a vez que se
esboçar, nesse domínio, qualquer ensaio de ingerência legislativa do aparelho estatal
265
.
No segundo leading case, data do ano de 1996, o STF fixou, por meio do
Acórdão s/n, prolatado na ADIN nº 1.407-2, o entendimento que se verifica da
ementa adiante transcrita:
(..) AUTONOMIA PARTIDÁRIA – RESERVA CONSTITUCIONAL DE DISCIPLINAÇÃO
ESTATUTÁRIA (CF, ART. 17, §1º).
- O postulado constitucional da autonomia partidária criou, em favor dos partidos
políticos sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização e
funcionamento uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável pela
261
Vide p. 92-94, do voto.
262
Vide p. 94, do voto.
263
Id.
264
Vide p. 97, do voto.
265
Vide p. 94 e 95, do voto.
70
ação normativa do Poder Público. Há, portanto, um domínio constitucionalmente
delimitado, que pré-exclui por efeito de expressa cláusula constitucional (CF, art.
17, §1º) qualquer possibilidade de intervenção legislativa em tudo o que disser
respeito à intimidade estrutural, organizacional e operacional dos partidos políticos.
Precedente: ADIn n. 1.063-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. (...)
266
.
Nas razões do voto condutor, o Min. Relator Celso de Mello confere acerto
sobre as funções, o significado e à própria natureza das agremiações partidárias no
processo de poder. Afirma, ao delinear os mecanismos de atuação do regime
democrático, que ao serem proclamados os postulados básicos concernentes aos
partidos políticos a Constituição consagrou em seu próprio texto o seu estatuto
jurídico, definindo princípios os quais, revestidos de estatura jurídica incontrastável,
fixa diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e
funcionamento dos mesmos entes
267
.
Sequencialmente investiga a normatização constitucional a que se
submetem os partidos políticos, normas estas que institucionalizam os partidos aos
quais assiste a prerrogativa do monopólio das candidaturas aos cargos eletivos.
Nesta esteira, tem-se que os partidos políticos caracterizam-se por serem corpos
intermediários, instrumentos de ação democrática, destinados a assegurar a
autenticidade do sistema representativo. Constituem, ainda, instrumentos decisivos
da concretização do mesmo regime
268
.
Dessa forma, o Ministro evidenciou a essencialidade dos partidos políticos
no Estado de Direito, vez que representam um “instrumento decisivo na
concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto que
conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no
processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo fonte
de que emana a soberania nacional tem, nessas agremiações, o veículo
necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado”
269
.
Por tais razões, o legislador constitucional, pretendendo assegurar a
participação efetiva dos partidos políticos no processo de poder lhes conferiu um
266
Decisão na ão Direta de Inconstitucionalidade nº 1. 407-2, datada de 07/03/1996, publicada
DOU DJ em 24/11/2000 Ementário 2.013-10, de Rel. Min. Celso de Mello, Requerente: Partido
Comunista do Brasil, Requerido: Congresso Nacional.
267
Vide p. 1.985-1.987, do voto.
268
Vide p. 1.987, do voto.
269
Id.
71
grau de autonomia, o que a si garante a prerrogativa de fazer prevalecer a sua
própria vontade no que tange a sua estrutura interna e funcionamento
270
.
Nesses termos, entendeu que a supremacia do postulado da autonomia
partidária inibiria o legislador comum a prescrever normas que impliquem na
transgressão, pelo Estado, a essa área inserta na denominada reserva estatutária.
Portanto, seria a reserva estatutária domínio constitucionalmente delimitado, que
préexclui, por expressa determinação constitucional – art. 17, §1º, CF, qualquer ação
do Poder Público que impliquem em indevida intervenção
271
.
Nessa linha, afirma que não se revelaria legítimo o procedimento
hermenêutico que, elastecendo o sentido conceitual da expressão “autonomia
institucional”, busca indevidamente estender o âmbito de sua incidência ao processo
eleitoral, que constitui domínio reservado à exclusiva ação normativa do Congresso
Nacional
272
.
Ao passo que imputa aos partidos políticos submissão à regência normativa
do poder público no que se refere ao processo eleitoral, reafirma a existência de
matérias interna corporis no que diz respeito a sua “intimidade estrutural, funcional e
organizacional”. Tais disposições, por óbvio, o estão afetas ao processo eleitoral,
restando excluídas do domínio normativo da lei
273
.
Conclui desse modo, que pela redação da norma contida no art. 17, §1º da
CF, a autonomia partidária constitui área de reserva privada
274
.
No mesmo sentido do voto condutor na ADIn 1.096-4
275
, registra-se a
orientação fixada pelo STF que definiu a prevalência das normas estatutárias sobre
as normas de Direito Público
276
, efetivando o princípio da autonomia partidária. Para
tal, decidiu que, no âmbito da fiscalização abstrata da constitucionalidade de
270
Vide p. 1.987-1.988, do voto.
271
Vide p. 1.988, do voto.
272
Vide p. 1.989, do voto.
273
Vide p. 1.990-1.992, do voto.
274
Vide p. 1.993-1.992, do voto.
275
Decisão na ão Direta de Inconstitucionalidade nº 1. 096-4, datada de 16/03/1995, publicada
DOU DJ em 22/09/1995 Ementário 1.801-01, de Rel. Min. Celso de Mello, Requerente Partido
Socialista BrasileiroPSB, Requeridos: Governador do Estado do Rio Grande do Sul e a Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
276
Do que, mesmo a omissão não permitiria a razoável decisão pela submissão do ajuizamento da
ADIN à prévia deliberação das instâncias partidárias superiores. Vide voto citado, p. 104 e 105.
72
normas
277
, seria ilegítimo à determinada agremiação partidária omitir-se nos
objetivos institucionais a disciplinar os temas atinentes à sua vida institucional.
Houve, portanto, o reconhecimento de que aos partidos políticos estão amparados
pelo primado da autonomia, posto pela Constituição, em face, inclusive, de sua
função democrática
278
.
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou no mesmo sentido,
desde o ano de 1991, conforme se verifica de três decisões adiante destacadas,
igualmente tomadas como leading cases e que serão transcritas em ordem
cronológica:
(...). Em face do novo texto constitucional, a exigência da lei, no que concerne à aprovação
dos estatutos partidários pela maioria das Convenções Estaduais e Municipais (art. 20 da
LOPP e Resolução 10.785, de 12.2.1980, art. 26, 3º, alíneas a, b, e c) está revogada,
por ser incompatível com o princípio da autonomia dos partidos políticos para
definirem a sua estrutura interna, organização e funcionamento (CF, art. 17, §1º)
279
.”
“Nos termos do parecer e à vista de nossa orientação firmada no Processo 12.028 (...),
se entendeu incompatível com a Constituição com o princípio da autonomia de
organização dos partidos (...)
280
(Grifo nosso).
(...). 14. Em estudo de excelente qualidade, a Professora Mônica Herman Caggiano aborda
o tema, com hialina clareza, erigindo as seguintes conclusões: (...);
b) passa a gozar de plena liberdade quanto à sua estrutura interna, sendo-lhes
assegurada a faculdade de auto-organização (sic), sob a única condição de integrar
nos seus estatutos regras concernentes à fidelidade e disciplina partidárias. Isto
significa que qualquer controle ou investida legal nesse terreno vem a ser contagiada
de inconstitucionalidade. (...).
18. sem medo de errar, a autonomia dos partidos políticos significa a proibição da
ingerência estatal. Sendo assim ausente qualquer vazio para ser integrado
normativamente, as regras constitucionais têm aplicação imediata, com eficácia
plena, sem restrições
281
(Grifo nosso).
Do exposto, tem-se que aceitar o entendimento de que os limites da
autonomia partidária, conferida aos partidos políticos, se insere no âmbito da
liberdade para que, na esfera interna corporis, estes definam o que melhor lhes
277
“Requisito imprescindível para efeito de acesso ao procedimento de fiscalização com centrada de
constitucionalidade, que se evidencie um nexo de afinidade entre os objetivos institucionais de
entidade que ajuíza a ação direta e o conteúdo material da norma por ela impugnada nessa sede
processual“ (Vide voto citado, p. 92).
278
Vide voto citado, p. 104.
279
Acórdão 12.120, Petição 12.028 Agravo Regimental em Petição/Brasília-DF, datado de
29/10/1991, publicado no DOU-DJ em 08/05/1992, página 6.283, Rel. do Min. Antônio Vilas Boas
Teixeira de Carvalho, Rel. designado: Paulo Brossard.
280
Resolução nº 17.990 – Registro de partido político nº 174/Classe 7ª/Brasília-DF, acima citado.
281
Acórdão nº 12.211 - RESPE nº 9.467/Classe 4ª/São João da Urtiga-RS, acima citado.
73
aprouver acerca da disciplina e fidelidade partidárias
282
, pressuporia aceitar também
que tal prerrogativa constitui área indevassável pela ação normativa do Poder
Público”, denominada “reserva de estatuto”
283
, conforme se verá em seguida.
1.3.2.1 Fidelidade partidária
No campo da autonomia conferida aos partidos políticos, resta-lhes a
obrigação constitucional de fazerem constar em seus estatutos, regras
284
, ao lado
das de disciplina, sobre fidelidade partidária.
A falta de cumprimento do mandamento constitucional causa ao
indeferimento do pedido de registro, definitivamente, de seus estatutos, conforme se
denota da Resolução firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral:
1. CABE AO TSE APENAS CONFERIR A CONFORMIDADE DOS ESTATUTOS COM AS
NORMAS E COM O SISTEMA DA CONSTITUICAO PARA O FIM DE ASSEGURAR A
FUNCAO CONSTITUCIONAL DO PARTIDO COMO ORGAO PARCIAL DE FORMACAO
DE VONTADE ELEITORAL DO ESTADO E TORNAR TRANSPARENTE, PARA A
JUSTICA ELEITORAL E A TERCEIROS INTERESSADOS, A REPERCUSSAO EXTERNA
DOS ATOS DE VONTADE PARTIDARIA.
2. PEDIDO DE ANOTACAO DEFERIDO
285
(Grifo nosso).
Historicamente, no Brasil o instituto da fidelidade partidária foi contemplado
na Carta de 1967 a partir da E/C nº1/69, que o incorporou ao art. 152, na forma da
seguinte redação:
Art. 152 A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão
regulados em lei federal, observados os seguintes princípios: (...).
282
MEZZAROBA. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais, Lei 9.096/95, anotações
jurispridenciais..., p. 46.
283
Acórdão s/n 26.603 STF, p. 355, datado de 04/10/2007, publicado DOU-DJ 241, em
19/12/2008, Rel. Min. Celso de Mello, Impetrante: Partido da Social Democracia Brasileira PSDB,
Impetrado: Presidente da Câmara dos Deputados , Litisconsorte: Partido Socialista Brasileiro PSB,
e outros.
284
No mesmo sentido Silva: “A disciplina e a fidelidade partidárias passam a ser, pela Constituição
não uma determinante da lei, mas uma determinante estatutária (art. 17, §1º). Não são, porém,
meras faculdades dos estatutos. Eles terão que prevê-las dando conseqüências ao seu
descumprimento e o desrespeito”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo..., p. 407).
285
Resolução nº 19.065/Brasília-DF, Petição 12.028, datada de 29/04/1993, publicada DOU-DJ em
03/06/1993, página 10.914, Rel. Min. Torquato Jardim.
74
Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas
Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se
opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou
deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela
Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla
defesa
286
.
Seguiu-se a E/C nº 11/1978, que alterou a sua redação nos seguintes
termos:
Art. 152 A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto
neste artigo, serão regulados em lei federal. (...).
§ 5º - Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias
Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitude ou pelo voto, se opuser às
diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o
partido sob cuja legenda foi eleito, salvo se para participar, como fundador, da constituição
de novo partido.
§ - A perda do mandato, nos casos previstos no parágrafo anterior, será decretada pela
Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla
defesa
287
.
Por fim, o instituto foi inteiramente revogado pela Emenda 25/1985, que
definiu a redação do artigo como segue integralmente.
Art. 152. É livre a criação de partidos políticos. Sua organização e funcionamento
resguardarão a Soberania Nacional, o regime democrático, o pluralismo partidário e os
direitos fundamentais da pessoa humana, observados os seguintes princípios: (...).
I - é assegurado ao cidadão o direito de associar-se livremente a Partido político;
Il - é vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar;
III - é proibida a subordinação dos partidos políticos a entidade ou Governo estrangeiros;
IV - o partido político adquirirá personalidade jurídica mediante registro dos seus Estatutos
no Tribunal Superior Eleitoral;
V - a atuação dos partidos políticos deverá ser permanente e de âmbito nacional, sem
prejuízo das funções deliberativas dos órgãos estaduais e municipais.
§ Não terá direito a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o
Partido que não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por cento) do eleitorado,
apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, 5
(cinco) Estados, com o mínimo de 2% (dois por cento) do eleitorado de cada um deles.
§ Os eleitos por partidos que não obtiverem os percentuais exigidos pelo parágrafo
anterior terão seus mandatos preservados, desde que optem, no prazo de 60 (sessenta)
dias, por qualquer dos partidos remanescentes.
§ 3º Resguardados os princípios previstos no "caput" e itens deste artigo, lei federal
estabelecerá normas sobre a criação, fusão, incorporação, extinção e fiscalização
286
Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
13/06/2009.
287
Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
13/06/2009.
75
financeira dos partidos políticos e poderá dispor sobre regras gerais para a sua
organização e funcionamento
288
.
A denominada Lei Orgânica dos Partidos Políticos, Lei Federal 5.682/71,
regulamentou a matéria do art. 72-88, impondo o procedimento e o rito voltados à
decretação da perda de mandato eletivo
289
. Este diploma foi revogado, a priori,
288
Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>.
13/06/2009.
289 Art. 72. O Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual ou Vereador que, por atitude ou pelo
voto, se opuser às diretrizes legìtimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar
o Partido sob cuja legenda for eleito, perderá o mandato.
Parágrafo único. Equipara-se a renúncia, para efeito de convocação do respectivo suplente, a perda
de mandato a que se refere este artigo.
Art. 73. Consideram-se diretrizes legìtimamente estabelecidas às que forem fixadas pelas
Convenções ou Diretórios Nacionais, Regionais ou Municipais, convocados na forma do estatuto e
com observância do quorum da maioria absoluta.
§ As diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidária serão arquivadas no prazo de 10
(dez) dias:
I - se emanadas das Convenções ou Diretórios Nacionais, na Secretaria do Tribunal Superior
Eleitoral;
II - se emanadas das Convenções ou Diretórios Regionais, nas Secretarias dos respectivos Tribunais
Regionais Eleitorais; e
III - se emanadas das Convenções ou Diretórios Municipais, nos cartórios dos respectivos Juízos
eleitorais.
§ Os órgãos partidários não poderão traçar diretrizes contrárias às estabelecidas pelos que lhes
foram superiores.
§ Da deliberação que estabelecer diretriz ou disciplina de voto, poderá o interessado interpor
recurso, no prazo de 5 (cinco) dias, diretamente ao diretório partidário de hierarquia superior.
§ Se considerar necessário, o Diretório poderá enviar cópia do apelo e dos documentos que o
instruem ao órgão recorrido, para aduzir as suas razões, no prazo de 5 (cinco) dias, a contar da data
do recebimento.
§ 5º Findo o prazo, com ou sem razões, o Diretório julgará o recurso, dentro em 15 (quinze) dias.
§ 6º O recurso não tem efeito suspensivo.
Art. 74. Considera-se também descumprimento das diretrizes legìtimamente estabelecidas pelos
órgãos de direção partidária:
I - deixar ou abster-se propositadamente de votar em deliberação parlamentar;
II - criticar, fora das reuniões reservadas do partido, o programa ou as diretrizes partidárias;
III - fazer propaganda de candidato a cargo eletivo inscrito por outro partido, ou de qualquer forma,
recomendar seu nome ao sufrágio do eleitorado; e
IV - fazer aliança ou acordo com os filiados de outro partido.
Art. 75. A perda de mandato do parlamentar será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante
representação do Partido, ajuizada no prazo de 30 (trinta) dias, contados:
I - da investidura do representado no cargo eletivo, se o ato que possa caracterizar a infidelidade
partidária tiver sido praticado após o registro de sua candidatura, e antes da posse; e
II - do conhecimento do ato que caracterize a infidelidade partidária, se posterior à posse.
Art. 76. São partes legítimas para ajuizar a representação perante a Justiça Eleitoral, os Diretórios
Nacional, Regional e Municipal, ou suas Comissões Executivas, para decretação de perda do
mandato de Senador ou Deputado Federal, de Deputado Estadual e de Vereador, se deixarem o
partido sob cuja legenda foram diplomados, ou se daqueles órgãos ou respectivas convenções tiver
emanado a diretriz descumprida.
§ Se, decorrido o prazo estabelecido no artigo anterior, não houver sido ajuizada a representação,
poderá esta ser proposta, nos 30 (trinta) dias subseqüentes:
76
I - pelo Diretório Nacional, no caso de perda de mandato de Deputado Estadual ou de diretriz
emanada da Convenção ou do Diretório Regional; e
II - pelo Diretório Regional, no caso de perda de mandato de Vereador ou de diretriz emanada da
Convenção ou do Diretório Municipal.
§ Quando se tratar de Senador ou Deputado Federal, mesmo que a diretriz descumprida seja do
Diretório ou da Convenção Regional, somente o Diretório Nacional pode representar ao Tribunal
Superior Eleitoral, depois de decidir sobre procedência do pedido, devidamente instruído, que lhe
encaminhar o Diretório Regional.
Art. 77. Quando se tratar de ato de infidelidade praticado por Vereador, a representação de que trata
o art. 75 somente poderá ser apresentada mediante a aquiescência prévia da Comissão Executiva
Regional, cuja decisão será irrecorrível.
Art. 78. O processo e julgamento da representação do Partido político, para a decretação da perda do
mandato do parlamentar que tiver praticado ato de infidelidade partidária, caberá:
I - ao Tribunal Superior Eleitoral, se a representação for dirigida contra Senador ou Deputado Federal;
II - ao Tribunal Regional Eleitoral, se a representação for dirigida contra Deputado Estadual ou
Vereador.
Art. 79. A representação, dirigida ao Tribunal competente, deve conter a exposição dos fatos e o
fundamento de direito, concluindo por pedir a decretação de perda do mandato.
Parágrafo único. A representação será instruída, quando for o caso, com certidão de teor da diretriz
partidária devidamente arquivada.
Art. 80. Feita a citação do representado terá este o prazo de 10 (dez) dias, para contestar o pedido.
Art. 81. Em seguida, o relator designará audiência de instrução, sendo facultada às partes a produção
das provas que indicaram na representação e na contestação.
Art. 82. Finda a instrução, o relator dará vista, sucessivamente, ao representante e ao representado,
para razões finais, no prazo de 5 (cinco) dias, ouvindo-se a seguir, no mesmo prazo, o Procurador
Eleitoral.
§ 1º Esgotados os prazos, o Relator terá 20 (vinte) dias para ordenar a inclusão do processo na pauta
de julgamento do Tribunal.
§ 2º Na sessão de julgamento, após o relatório, cada uma das partes e o Procurador Eleitoral
poderão, no Prazo improrrogável de 20 (vinte) minutos, sustentar oralmente as suas razões.
§ 3º Na redação e publicação do acórdão observar-se-á o disposto nos arts. 273 e 274 da Lei
4.737, de 15 de junho de 1965.
Art. 83. Do julgamento da representação pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pelos Tribunais
Regionais, cabem embargos ao próprio Tribunal, se houver pelo menos 2 (dois) votos divergentes.
§ Os embargos serão opostos no Prazo de 3 (três) dias da publicação do acórdão, perante a
Secretaria do Tribunal, e juntos aos autos, independentemente de despacho.
§ Feita a distribuição, que não poderá recair no Juiz que tiver anteriormente relatado o feito, os
autos serão conclusos ao novo Relator, que admitirá ou não os embargos, em 24 (vinte e quatro)
horas.
§ Se não for caso de embargos, o Relator decidirá de plano, cabendo desta decisão agravo de
petição para o Tribunal, em 48 (quarenta e oito) horas da publicação do despacho denegatório, para
julgamento na primeira sessão.
§ 4º Admitidos os embargos, abrirá a Secretaria vista ao embargado, para impugnação no prazo de 3
(três) dias.
§ Decorrido o prazo do parágrafo anterior, a Secretaria abrirá vista ao Procurador Eleitoral, para
opinar no prazo de 3 (três) dias.
§ 6º No julgamento dos embargos observar-se-á o disposto nos §§ 1º, 2º e 3º, do artigo anterior.
Art. 84. Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais em grau de embargos ou se incabíveis, das
que julgarem originàriamente a representação, caberá recurso especial para o Tribunal Superior
Eleitoral, quando:
I - forem proferidas contra expressa disposição de lei;
II - ocorrer divergência na irterpretação de lei entre dois ou mais Tribunais Eleitorais.
Parágrafo único. No processo e julgamento do recurso especial, observar-se-á o disposto nos arts.
278 e 279 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.
Art. 85. Serão recebidos com efeitos suspensivo os recursos previstos nos arts. 83 e 84 desta lei.
Art. 86. O órgão do Ministério Público junto à Justiça Eleitoral intervirá em todos os termos do
processo, para fiscalizar a fiel aplicação da lei, podendo inclusive interpor recurso.
77
diretamente pela Emenda 25/1985, no que toca às disposições sobre fidelidade
partidária, e a posteriori, pela 9.096/1995, no que toca às demais disposições.
Nos termos do que definiram os dispositivos constitucionais, a aplicação do
instituto da fidelidade partidária decorria das seguintes hipóteses: a) de oposição,
pelo parlamentar, por atitude ou pelo voto, às diretrizes estabelecidas pelos órgãos
de direção partidária; e b) da migração do candidato do partido sob cuja legenda foi
eleito à outra sigla.
A decretação de perda do mandato se dava pela Justiça Eleitoral, mediante
demanda do partido. Ainda, à mesma Justiça especializada era atribuída a
competência para a realização do controle de legitimidade sobre as diretrizes fixadas
pelo partido que, eventualmente descumpridas pelo parlamentar, ensejavam a perda
do mandato eletivo.
Dessa forma, quando a Constituição anterior constitucionalizou o instituto
procedeu: a) à definição das hipóteses de incidência da penalidade da perda do
mandato eletivo; b) à fixação da competência para o julgamento de questões que
versassem sobre a dita decretação; c) à delimitação do objeto da lide eventual; c) à
fixação dos sujeitos da lide: ativo e passivo o diretório do partido político e o
parlamentar; d) à delegação do rito procedimental à lei; e) a garantia do princípio
constitucional da ampla defesa e, consequentemente, do contraditório; f) quando do
advento da E/C 11/1978, ao estabelecimento de hipóteses de isenção de
penalidade (fosse o parlamentar formador de novo partido).
O instituto é definido por Bastos, como:
(...) fidelidade ao dever dos parlamentares federais, estaduais e municipais de não
deixarem o partido pelo qual foram eleitos, ou de não se oporem às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelos órgãos da direção partidária, sob pena de perda do mandato por
decisão proferida pela Justiça Eleitoral
290
.
Art. 87. No que não contrariar o disposto no presente Capítulo, será observado subsidiàriamente, no
processo e julgamento, o Código de Processo Civil.
Art. 88. Julgada procedente a representação, por decisão transitada em julgado ou de que não caiba
recurso com efeito suspensivo, o Tribunal comunicará à Mesa, da casa legislativa a que pertencer o
representado, a qual declarará imediatamente a perda do mandato. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-1979/L5682.htm>. 13/06/2009.
290
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 613.
78
Por sua vez, Silva define infidelidade partidária como “(...) a) oposição, por
atitude ou pelo voto, a diretrizes legitimamente estabelecidas pelo partido; b) apoio
ostensivo ou disfarçado a candidatos de outra agremiação”
291
.
Outro conceito pode ser extraído da seara da representação política das
palavras de Fruet: “outro tema recorrente é a fidelidade partidária, não em
relação do cidadão com os partidos, mas na relação destes com os eleitos
292
(Grifo nosso).
Para Bastos, a fidelidade partidária se configura como hipótese de disciplina
que deve prevalecer em toda a associação. Nessa linha, esta se configuraria gênero
e a primeira espécie, senão vejamos:
A disciplina partidária (sic) é um caso particular da disciplina que deve prevalecer em toda e
qualquer associação. Isso quer dizer que os filiados devem fidelidade ao programa e
objetivos do partido, respeito às regras do seu estatuto, cumprimento de seus deveres e
probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias, conforme estatui a Lei
Orgânica, cujo art. prevê sanções disciplinares de advertência, suspensão atpe doze
meses, destituição de função em órgãos partidários ou expulsão do filiado que faltar com as
regras de disciplina partidária
293
.
Mesmo entendimento tem Silva, pois considera que o ato indisciplinar mais
sério é a “infidelidade partidária”
294
.
A ordem Constitucional vigente manteve a opção política do legislador de
constituinte de 1985, que, por meio da EC 25, revogou completamente o instituto.
Diga-se que tanto a supressão do instituto à época, em 1985, quanto a sua
regulamentação atual, foram operadas por meio de reforma constitucional formal,
enquanto obra do poder constituinte: o primeiro derivado e o segundo originário,
quando da fundação da ordem vigente na atualidade.
O instituto hoje também é regulado por meio de disposições
infraconstitucionais, a partir da Lei dos Partidos Políticos, citada Lei Federal nº
9.096/1995 (arts. 23 a 26)
295
e pelo Código Eleitoral.
291
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 407.
292
FRUET, Gustavo Bonato. Reforma e casuísmo. Paraná Eleitoral, Curitiba, 38, p. 19-38, out/dez
2000.
293
Id.
294
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 407.
295
Lei dos Partidos Políticos– LPP:
Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo
competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido.
79
De forma inovadora, ao contemplar a autonomia partidária, o constituinte de
1988 tornara a disciplina e a fidelidade partidárias não mais como uma determinante
legal, mas uma determinante estatutária
296
. Isso, pois, conforme afirma Mezzaroba,
a Constituição não remeteu ao Estado, o controle sobre a fidelidade dos eleitos, mas
aos estatutos de cada agremiação partidária que detém a faculdade de estabelecer
as sanções para os atos que configurem infidelidade partidária
297
.
Nessa direção, Bastos assevera que:
O parágrafo sob comento não constitui um retorno integral à antiga fidelidade e disciplina
partidárias. Isto porque eram elas impostas pela Constituição e regulamentadas na
legislação subconstitucional. No momento, a Lei Maior exige simplesmente que os
estatutos incorporem normas de fidelidade e disciplina partidárias, o que,
necessariamente, envolve a outorga de uma certa margem discricionária para que os
artigos regulem esses institutos com maior ou menor rigor (...).
298
(Grifo nosso).
Discussão recorrente sempre se dirigiu às consequências da ocorrência de
uma das hipóteses de infidelidade partidária, mormente quanto à perda do mandato
eletivo.
Mezzaroba informa que a introdução desse instituto pela Constituição de
1988 possibilitou o revigoramento da discussão em torno da teoria do mandato
partidário, em oposição ao mandato imperativo ou ao mandato representativo, “já
que o representante deixaria de representar a vontade estabelecida pelo seu
partido”
299
. Nesse sentido, cita que “conforme o espírito da fidelidade partidária, o
§ Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no
estatuto do partido político .
§ 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.
Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação
parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de
direção partidários, na forma do estatuto.
Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter
partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão
do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que
exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa,
ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas
pelos órgãos partidários.
Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em
virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm>. 13/06/2009.
296
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 407.
297
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais..., p. 53.
298
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 613.
299
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais, Lei 9.096/95,
anotações jurispridenciais..., p 52.
80
representante presta contas de suas ações, única e exclusivamente, ao partido, sob
pena de ser substituído no exercício da representação política”
300
.
Para Bastos “o retorno à fidelidade partidária significaria um reencontro com
um mandato imperativo”, em que o representante fica jungido às diretrizes recebidas
de seus eleitores
301
.
Registre-se que Bonavides é defensor do revigoramento do mandato
imperativo, como decorrência da lógica da época política atual “fundada no debate e
na participação, com todos os homens exprimindo socialmente as suas
aspirações”
302
.
Fato é que até o advento da nova interpretação conferida pelos tribunais
superiores sobre a fidelidade partidária, que culminou com a edição da Resolução nº
22.610/2007 pelo Tribunal Superior Eleitoral, a doutrina era uníssona quanto à
interpretação dos limites impostos pela Constituição Federal de 1988, à possibilidade
da imposição de penalidades a parlamentares infiéis.
Com efeito, a doutrina proclamava que o texto da Constituição não previa a
possibilidade da perda do mandato por infidelidade partidária, a despeito de se
declarar ciente da realidade fática que marca historicamente o quadro institucional
brasileiro, em que a crescente fragilidade do sistema representativo decorre da
“banalização da opção partidária”, do voto constantemente tomado como opção
pessoal, em detrimento dos princípios programáticos contidos nos estatutos, da
valorização do candidato, em detrimento do partido, da ausência de compromisso
com os programas partidários, da apropriação privada do mandato por parte de
eleitos etc.
303
.
Entendia, assim, que a hipótese da perda de mandato por infidelidade
partidária não estava prevista na Constituição de 1988, que apenas contemplava o
instituto e o remetia à esfera de deliberação interna, obrigatória, de cada
agremiação
304
.
300
Id.
301
BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 613 e 614.
302
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 452.
303
FRUET, Gustavo Bonato. Reforma e casuísmo..., p. 24.
304
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais, Lei 9.096/95,
anotações jurispridenciais..., p 54.
81
Registrava Silva, que a Constituição não permitia a perda do mandato por
infidelidade partidária
305
. Na mesma linha Clève enfatiza que, ao contrário da
Constituição anterior, a nova não previra a possibilidade da perda do mandato pela
infidelidade partidária
306
.
Nesta senda, a hipótese de interpretação contrária a esse entendimento
seria inconstitucional, pois contrariaria o elenco estrito de hipóteses autorizadoras
contido do rol do art. 55 da CF. No mesmo sentido, rezaria o art. 15 que a cassação
de direitos políticos, sua perda ou suspensão poderiam ocorrer nos casos
previstos pelo próprio dispositivo constitucional
307
.
De fato, a norma contida do art. 15 da Constituição, de eficácia plena e
aplicabilidade imediata, não comportaria exceção à vedação que, peremptoriamente,
faz à cassação dos direitos políticos
308
. Em decorrência, ter-se-ia que os direitos
políticos comportariam restrição somente quando suprimidos os pressupostos de
sua aquisição
309
.
Nesta senda, refere o autor que os casos de cassação de mandato
legislativo ou executivo estão estritamente previstos na Carga Magna (art. 52,
parágrafo único, 55, 85 e 86)
310
. Assim, entende que o “mandato, como modo pelos
quais a cidadania se expressa e a soberania popular se expressa na democracia
representativa”
311
, somente pode ser cassado quando expressamente autorizado no
texto constitucional, nas estritas e taxativas hipóteses previstas.
Em síntese, o mandato popular somente poderia ser cassado
autorizadamente pela Constituição Federal, nas estritas hipóteses dos artigos acima
enumerados
312
.
305
Id.
306
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária..., p. 23.
307
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais..., p. 54.
308
Id.
309
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição..., p. 230-234.
310
Id.
311
Id, p. 239. Parte Clève, dessa premissa, e conclui, citando José Afonso da SILVA, “que a
Constituição vai mais longe, pois, por meio do art. 15, declararia que a cassação de direitos políticos,
cuja perda e suspensão, somente poderia se operar nos estritos casos mencionados no mesmo
dispositivo”. (Parte CLÈVE, CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária, impeachment e Justiça
Eleitoral, estudo de caso, p. 23).
312
Ibid., p. 239.
82
A doutrina também fundava tal posição nas razões teóricas, próprias da
fundação do sistema constitucional brasileiro, em especial, como ressaltado acima,
da natureza do mandato representativo.
Clève enfatizava que, “a despeito de a Constituição admitir o instituto da
fidelidade partidária, nem por isso a natureza do mandato parlamentar sofreu radical
deslocamento de significação”, dado que o país continua por o adotar a figura o
mandato imperativo
313
.
Dessa feita, o exercício do mandato decorreria dos poderes conferidos pelo
sistema constitucional que dota o mandatário de autonomia para sujeitar-se somente
aos ditames de sua consciência
314
. Tal razão conferiria a impossibilidade do dispor
livremente sobre o mandato, pois do contrário, estar-se-ia ofendendo a natureza da
representação
315
.
Em decorrência, o único condicionamento ao exercício do mandato eletivo
previsto na Constituição decorreria do controle exercido pelos próprios partidos
políticos sobre os seus quadros, a partir das regras estabelecidas legitimamente em
seus estatutos. Seriam estes que, do ato de infidelidade, procederiam à apuração e
punição, nos limites do que dispusesse o respectivo estatuto
316
. Esta poderia variar
de “simples advertência até a expulsão”
317
.
A caracterização da infidelidade partidária demanda a confluência dos
seguintes requisitos: que o partido tenha estabelecido suas diretrizes partidárias;
que esse estabelecimento tenha sido realizado legitimamente e o tenha sido pelos
órgãos de direção de cada agremiação
318
.
Pela caracterização da infidelidade, por imposição constitucional e
regulamentação legal (art. 23, da LPP), deve o partido político prever em seu
estatuto normas que impinjam medidas disciplinares e punitivas, cuja aplicação não
poderá prescindir da garantia do direito à ampla defesa e do contraditório.
Pode ainda, o parlamentar, sofrer a penalidade de desligamento temporário
da bancada a que seja ligado; de suspensão do direito de voto nas reuniões internas
ou da perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência
313
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária..., p. 27.
314
Ibid., p. 29.
315
Ibid., p. 29-31.
316
Ibid., p. 55.
317
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p. 407.
318
MEZZAROBA, Orides. Partidos políticos: princípios e garantias constitucionais..., p 54.
83
da representação e da proporção partidária, na Casa Legislativa em que se vincule
pelo mandato (art. 22, da LPP). Estas últimas são conseqüências da desfiliação ao
partidário pelo qual fora eleito o parlamentar (art. 23, da LPP).
Fato é que, ao contrário do que dispunha a ordem constitucional anterior, o
instituto da fidelidade partidária ora deve ser regulado interna corporis, com a
garantia de não intervenção estatal na esfera da autonomia que a Constituição lhe
reservou.
1.3.2.2 Disciplina partidária
Ao lado da fidelidade, a disciplina partidária também é objeto de regulação
obrigatória, no âmbito interna corporis dos partidos políticos. Decorre, como afirma
Ribeiro, da filiação partidária que “importa na aquisição de uma série de direitos e
obrigações diante do partido político”
319
.
A disciplina partidária pode ser definida como “caso particular da disciplina
que deve prevalecer em toda e qualquer associação”
320
.
Mezzaroba afirma que “pelo instituto da disciplina partidária, requer-se que
todos os filiados respeitem os princípios, o programa, e os objetivos da organização
partidária”
321
. Ainda, prescreve que:
Os filiados devem respeitar as regras estabelecidas nos estatutos, cumprir com seus
deveres e exercer com ‘probidade o exercício de mandatos ou funções partidárias’. No
caso de falta com a disciplina partidária, o faltoso poderá sofrer penalidades como:
advertência, suspensão, destituição do exercício de funções em órgãos do Partido ou até
expulsão do filiado. Na aplicação dessas punições devem ser observados evidentemente
os princípios dos direitos e garantias individuais, contidos no art. da Constituição da
República Federativa do Brasil
322
(Grifo no original).
Nessa esteira, tem-se que ao se filiar a partido político adquire o eleitor
parcela dos direitos decorrentes da aquisição da capacidade eleitoral passiva e, em
contrapartida, como decorrência lógica, estará submetido a um regime disciplinar
323
.
319
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 260.
320
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 279.
321
Id.
322
Id.
323
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 260.
84
Conclui Ribeiro que mais envolvente será o regime disciplinar quanto maior
for a parcela de atribuições contraídas no âmbito do partido
324
. Neste sentido,
leciona Silva que:
A disciplina não de entender-se como obediência cega aos ditames dos órgãos
partidários, mas respeito e acatamento do programa e objetivos do partido, às regras de
seu estatuto, cumprimento de seus deveres e probidade no exercício de mandatos e
funções partidárias, e, num partido de estrutura interna democrática, por certo que a que a
disciplina compreende a aceitação das decisões discutidas e tomadas pela maioria de seus
filiados-militantes
325
.
Dessa feita, denota-se que o dever à disciplina e aos preceitos
programáticos de cada partido
326
decorre do dever de qualquer filiado que por essa
simples condição fica exposto às sanções por falta a deveres disciplinares e por
desrespeito aos princípios programáticos
327
.
Ora, se a qualquer filiado se aplica normas afetas à disciplina partidária, não
é a todo e qualquer filiado que poderão ser aplicadas as sanções decorrentes da
falta de cumprimento dos preceitos originários da fidelidade partidária, mas somente
aos filiados a partidos políticos que exerçam mandato eletivo.
De fato, das afirmações que se seguem, é possível concluir que existem
duas classes de filiados a partidos políticos: aqueles que exercem e aqueles que
não estejam no exercício de mandato eletivo
328
:
Mas, os filiados que estão investidos em funções partidárias ou exercem mandatos eletivos,
além de se submeterem ao controle disciplinar sobre os dois pontos acima mencionados
329
,
são ainda passíveis de sanção disciplinar por improbidade no seu desempenho
330
.
324
Id.
325
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo..., p.407.
326
Registre-se a impossibilidade do sujeito manter dupla filiação no direito brasileiro, por disposição
expressa do art. 22, parágrafo único, da LPP:
Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de: (...).
Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua
respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova
filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.
327
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 260.
328
Acredita-se que, apesar de ocupantes de cargos de direção partidária possam estar expostos a
mais de um tipo de sanção, pertencem à classe daqueles filiados que não estejam no exercício de
mandato eletivo – não mandatários.
329
Contida do parágrafo acima, sejam de “que possam ser aplicadas as sanções decorrentes da falta
de cumprimento dos preceitos decorrentes da fidelidade partidária, mas somente aos filiados a
Partidos políticos que exerçam mandato eletivo”.
330
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 260.
85
O artigo anterior
331
aborda a questão da disciplina partidária de forma bem abrangente,
englobando todos os filiados, quer estejam ou não no exercício de mandatos eletivos no
Legislativo. Já o dispositivo acima
332
trata especificamente da disciplina partidária a qual os
detentores de mandatos legislativos estão sujeitos
333
.
Desse modo, evidência o art. 17, §1º da Constituição que, no que tange à
existência de dois tipos de normas a serem estabelecidas in interna corporis, isto é,
(i) regras de disciplina e de fidelidade partidárias; e (ii) incidência, ou não, de tais
regras aos seus filiados, têm-se que “a infidelidade partidária seria hipótese mais
grave de indisciplina”.
Os apontamentos de Mezzaroba seguem na direção do que aqui se conclui:
(...) qualquer ato praticado pelo representante partidário no Legislativo ou no Executivo que
fira os princípios ou estatutos do partido somente pode ser punido disciplinarmente, no
máximo, com a expulsão da agremiação. Contudo, tal medida não atinge o mandato do
representante no Legislativo e no Executivo.
Dessa forma, não há que se falar em fidelidade partidária, mas sim em disciplina partidária,
uma vez que a medida punitiva adotada pelo partido pode atingir o militante faltoso, e
não o seu mandato, já que de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil
e a jurisprudência o mandato é pessoal, intocável e intransferível, mesmo que o
parlamentar seja expulso do partido
334
.
Em decorrência, pode-se concluir que: a) a disciplina partidária é tipo de
norma aplicável a todos os filiados a partidos políticos, independentemente de
pertencerem à classe daqueles que exercem mandatos eletivos (mandatários) ou
não (não mandatários); e b) a fidelidade partidária, em decorrência de sua
conceituação
335
, somente é sanção aplicada a detentores de mandatos populares,
notadamente parlamentares. Não seria sem razão que, dada a sua generalidade, a
disposição acerca da disciplina partidária fosse transcrita em primeiro plano pelo
constituinte e a fidelidade, dada a especificidade, em relação a seu alcance, fosse
transcrita em segundo plano.
331
Art. 23 da LPP.
332
Art. 24 da LPP.
333
BARRETO, Lauro. Comentários à lei orgânica dos Partidos políticos : lei 9.096/95.Bauru:
Edipro, 1997, p. 55.
334
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro..., p. 280.
335
“(...) fidelidade ao dever dos parlamentares federais, estaduais e municipais de não deixarem o
partido pelo qual foram eleitos, ou de não se oporem às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos
órgãos da direção partidária, sob pena de perda do mandato por decisão proferida pela Justiça
Eleitoral”. (BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988..., p. 613).
86
Segundo Ribeiro pode haver duas espécies de medidas disciplinares,
conforme o alcance individual ou coletivo (aplicado aos órgãos partidários) de suas
disposições. Senão veja-se:
As medidas disciplinares de alcance individual são as seguintes: I – advertência; II –
suspensão por três a dez meses; III destituição de função em órgão partidário; IV
expulsão. (...).
São previstas medidas disciplinares aplicáveis coletivamente aos órgãos partidários,
compreendendo dissolução de Diretório ou destituição de Comissão Executiva pelos
motivos seguintes: I violação do estatuto, do programa ou da ética partidária, ou ainda
desrespeito a qualquer deliberação regularmente tomada pelos órgãos superiores do
Partido; II – indisciplina partidária
336
.
Ainda, como anota Lauro Barreto, extrai-se do art. 23 da Lei dos partidos
políticos, que deverão ser instituídos, pelos partidos políticos, órgãos competentes
para a apuração e a punição, conforme as normas estatutárias, dos casos de
indisciplinas partidárias ao que se deve somar a competência para a apuração e
punição dos casos de infidelidade partidária
337
.
Por fim, o tipo de procedimento e o respectivo rito para a apuração das
faltas e aplicação das sanções por indisciplina partidária, devem ser criados pelos
próprios partidos políticos, em caráter interna corporis, entendendo-se que não
necessariamente devam constar nos respectivos estatutos. Contudo, como os
preceitos constitucionais determinam essas questões, devem sempre obedecer aos
princípios postos pela Constituição, bem como nos regimes partidários.
336
RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral..., p. 260 e 261.
337
BARRETO, Lauro. Comentários à lei orgânica dos partidos políticos: lei 9.096/95.Bauru: Edipro,
1997, p. 54.
87
2 RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Trata-se aqui de enumerar, de forma exaustiva, o repertório de
jurisprudência que conforma a base das decisões tomadas como paradigmas da
alteração do entendimento jurisprudencial fixado pelo STF e TSE acerca do instituto
da fidelidade partidária, para, no item seguinte, serem analisados os fundamentos
das Resoluções nº 22.526/2007 e nº 22.600/2007.
Desse modo, proceder-se-á, ao final, uma análise da Resolução
22.610/2007 que enumera hipóteses e disciplina o procedimento dirigido à
decretação da perda de mandato eletivo em decorrência da desfiliação partidária.
Em 02 de abril de 1987, por meio da Consulta 8.522/DF, relatada pelo
Min Carlos Mário da Silva Velloso, o Deputado Federal Joacil de Brito Pereira,
questionou:
(...) no caso de ter havido aliança de partidos, no último pleito de 15 de novembro passado,
nas eleições pelo sistema de representação proporcional, preenchendo um deles quatro
lugares e o outro um, sendo o 2º suplente do partido que conseguiu apenas uma vaga,
esse 2º suplente passará a ser primeiro do seu partido após a eleição, ficando o outro como
1º suplente, também, do único representante eleito pela sua legenda?
E ainda, a resolução 13266 de 29 de outubro de 1986, que contém instruções para a
apuração das eleições de 15 de novembro estabelece: 1. Estarão eleitos pelo sistema
proporcional, para a Câmara dos deputados e Assembléias legislativas, os candidatos mais
votados de cada partido ou coligação, tanto quantos indicarem o quociente partidário e o
cálculo da distribuição das sobras (art. 44); 2. O preenchimento dos lugares com que cada
88
partido ou coligação for contemplada far-se-á segundo a ordem de votação nominal dos
seus candidatos (§ 1º, art.47-Código Eleitoral, art.109, § 1º). 3. Considerar-se-ão suplentes
da representação partidária ou da coligação, os não eleitos dos respectivos partidos ou
coligações, havendo empate na votação, na ordem decrescente de idade
,
O Tribunal ofereceu resposta dizendo que os candidatos eleitos com maior
votação nominal pertenceriam tanto ao partido como à coligação, devendo exercer o
mandato sob a legenda do partido ao qual se encontra filiado.
Em primeiro de agosto de 2007, por meio da Consulta 1.423/DF,
relatada pelo Min. José Delgado, o Deputado Federal Ciro Nogueira Lima Filho
indagou: “(...) os deputados federais e estaduais eleitos que migraram do partido
político que o elegeram para outro da mesma coligação perderão os mandatos
legislativos?”.
O Tribunal, por unanimidade, a partir do voto do Min. Relator, citando o voto
prolatado pelo Min. César Asfor Rocha, quando da Consulta 1.398/2007, decidiu
que o mandato eleitoral pertence ao partido político e afirmou que também a
transferência do eleito para partido da mesma coligação ocasionará a perda do
cargo eletivo. Respondeu, portanto, positivamente à consulta.
Em 30 de agosto de 2007, por meio da Consulta 1.439, relatada pelo
Min. Caputo Bastos, o Deputado Federal Celso Russomano, indagou: “(...) se o
candidato a cargo proporcional que, eleito, pedir transferência para outra legenda da
mesma coligação pode conservar o seu mandato?”
Respondeu o Tribunal, nos termos do voto do Min. Relator, negativamente à
consulta, referindo que a formação da coligação constitui faculdade dos partidos
para a disputa eleitoral, tendo existência temporária e restrita ao processo eleitoral.
Assim, ainda que a transferência do eleito ocorra para legenda que tenha disputado
a eleição em uma mesma coligação, tal circunstância não afastaria a possibilidade
da perda do referido mandato.
Em 16 de outubro de 2007, o Deputado Federal Nilson Mourão demanda a
Consulta nº 1.407/DF, relatada pelo Min. Carlos Ayres Britto, que adiante será
analisada com profundidade.
Em 23 de outubro de 2007, o Deputado Federal José Carlos Araújo,
demanda a Consulta 1.426/DF relatada pelo Min. Caputo Bastos nos seguintes
termos:
89
(...) se, respeitado um ano de filiação partidária, para efeito de concorrer à eleição o
detentor do mandato eletivo, dos cargos de vereador, deputado estadual ou federal e
prefeito, pode transferir-se de partido pelo qual foi eleito, sem prejuízo de seu mandato e
em que prazo?
O Tribunal respondeu, por unanimidade, nos termos do voto do Min.
Relator, negativamente a Consulta, considerando as manifestações do Tribunal nas
consultas 1.398 e 1.407, em que restou confirmado que o mandato eletivo pertence
aos partidos políticos e não aos eleitos, que o detentor do mandato eletivo, seja pelo
sistema majoritário ou proporcional, perderá o seu mandato no caso de transferir-se
para partido diverso daquele pelo qual foi eleito.
Em 6 de novembro de 2007, o Deputado Federal Hidekazu Takayama,
demanda a Consulta : 1.409/DF, de relatoria do Min. Arnaldo Versiani, nos
seguintes termos: “(...) se o deputado sobre qual o período inicial de vigência da
Resolução nº 22610/2007 e ainda, como se da a aplicação da perda do cargo
eletivo no caso de haver fusão partidária?”
Respondeu o Tribunal, por unanimidade, nos termos do voto do Relator que,
de acordo com o artigo 13 da Resolução nº 22610/2007, ela será aplicada às
desfiliações consumadas após 27 de março de 2007 para eleitos pelo sistema
proporcional e, após 16 de outubro do mesmo ano, no caso de eleitos pelo sistema
majoritário. Sobre a desfiliação nos casos de fusão partidária o Tribunal esclareceu
que deverá ser aplicado o artigo 1º, I, § da citada resolução, a qual considera
como justa causa a mudança de partido quando houver fusão ou incorporação.
Em 13 de dezembro de 2007, o Deputado Federal Eduardo Henrique da
Fonte de Albuquerque Silva, demanda a Consulta 1.482/DF, de relatoria do Min.
Caputo Bastos nos seguintes termos:
(...) o suplente tem legitimidade para pleitear o mandato do titular que tenha se desfiliado
ou transferido a outra agremiação em caso de omissão do referido partido? E ainda, se o
eleito se transferiu do partido A para o partido B antes de 27 de março de 2007, e para o
partido C depois desta data, tem o partido A o direito de pleitear o respectivo mandato?
O Tribunal, por unanimidade, respondeu positivamente à primeira questão,
nos termos do voto do Min. Relator, invocando a aplicação do artigo 1º, § da
Resolução nº 22.610/2007 a qual dispõe que “quando o partido político não formular
90
o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos
30 (trinta) dias subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público
Eleitoral”. Neste sentido, tem-se que a legitimidade do suplente para pleitear a perda
do mandato eletivo é inerente à própria natureza do cargo que traz consigo a
figura do suplente. Assim, o interesse jurídico do suplente “tem condição jurídica que
integra o seu patrimônio jurídico”. Ainda, citando o voto do Min. José Delgado no AC
8 668 de 04.09.2007: “a vaga surgida em função de haver o detentor do mandato
se desfiliado ou se transferido da agremiação partidária, sob cuja legenda foi
conquistada, confere ao suplente o legítimo direito de pleiteá-la como a sua”.
O Tribunal, em relação à segunda indagação, por unanimidade, nos termos
do voto do Min. Relator negou a Consulta, com fundamento no artigo 13 da
Resolução 22.61/2007, de onde se lê: “esta resolução entra em vigor na data de
sua publicação”. Tal denota que sua aplicabilidade apenas dá-se às desfiliações
consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários
eleitos pelo sistema proporcional e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto
aos eleitos pelo sistema majoritário, em razão da observância do princípio da
segurança jurídica (de forma a garantir estabilidade às situações administrativas).
Assim sendo, o partido “A” não poderá requerer a perda do cargo eletivo
simplesmente porque o eleito se transferiu para o partido “B” em data anterior à
vigência da Resolução nº 22.610/2007.
Em 18 de março de 2008, o Senador da República Sebastião Machado
Oliveira, por meio Consulta nº 1.509/DF de relatoria do Min. Cezar Peluzo, indagou:
(...) se o entendimento legal a partir do julgamento da Consulta nº 1398/DF se aplica ás
eleições em que dois ou mais partidos disputam pleito em coligação? Ainda, se o partido
que participou de coligação no período eleitoral pode requerer o cargo isoladamente ou se
a coligação subsiste para este fim, após a eleição? E, finalmente, se o eleito é nomeado
para cargo incompatível com a função parlamentar, na consideração de que as vagas
pertencem aos partidos, o critério de preenchimento dessa vaga será o critério partidário na
exata proporção de votos com que cada partido contribuiu na eleição para obtenção do
quociente eleitoral, ou o preenchimento será pelo critério de votos atribuindo a cada
candidato da coligação individualmente considerado?
O Tribunal, por unanimidade, com base no voto do Min. Relator, respondeu
positivamente a primeira e a segunda indagações, e não conheceu a terceira. Nesta
esteira, firmou entendimento de que as consultas 1.398/2007 e nº 1.407/2007 se
91
aplicam também às eleições disputadas sob o regime de coligações, que tal tema
foi considerado em ambas às consultas.
Posteriormente, sob o fundamento de que a coligação se constitui em
instituição temporária que vigora apenas durante o período eleitoral, entendeu que
quando houver assunção do cargo eletivo por meio de coligação, o mandato
continua a pertencer ao partido político, único legitimado a deter tal mandato.
Dessa forma, com relação à segunda parte do questionamento, entendeu
que o partido a que pertence o eleito é o único a ter legitimidade para pleitear o
mandato em caso de desfiliação partidária.
Por fim, a última indagação não foi conhecida com amparo no artigo 55 da
Constituição Federal, sob o fundamento de que a possível perda do mandato
motivada por nomeação de parlamentar para exercício de atividade incompatível
com a função parlamentar não é objeto de matéria sujeita à competência do TSE.
Em 19 de junho de 2008, o Partido da Mobilização Nacional – PMN,
demanda a Consulta 1.484/DF, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, em que
questiona:
(...) se, mesmo nos casos em que houver previsão estatutária definida para a perda do
mandato, o partido eslimitado aos prazos e impedido de requerer os mandatos dos que
se desfiliaram sem justa causa em data anterior? E, prevalecendo a norma estatutária, o
prazo de 30 dias para a retomada do mandato também se aplica ou prevalece a norma
estatutária que prevê direito de defesa em processo com curso no tribunal de Ética?
Finalmente, as disposições estatutárias que tratam da matéria estariam derrogadas pela
decisão do Supremo?
O Tribunal, por maioria de votos, nos termos do voto do Min. Relator,
vencido o Min. Marco Aurélio, respondeu positivamente à primeira pergunta, e
decidiu por prejudicadas as demais, admitindo que os partidos políticos têm natureza
bifronte, que além de titulares de direitos públicos subjetivos “são também órgãos
de função pública no processo eleitoral”. Ainda, considerou-se que os partidos
políticos, tendo seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, estão
submetidos ao “controle da Justiça Eleitoral, na extensão em que se determine a lei,
sobre a existência e a validade dos atos de sua vida de relação, cuja eficácia
invertem no desenvolvimento do processo das eleições”.
92
Concluiu, nesta senda, que a Corte estaria legitimada a atuar toda vez que
provocada, a fim de exercer seu controle perante matérias de economia interna dos
partidos, nas hipóteses em que houver reflexo direto no processo eleitoral.
Por fim, fundamentado no princípio da segurança jurídica, referiu que,
independente do partido ter previsão estatutária para a perda do cargo eletivo em
razão de desfiliação partidária sem justa causa, tendo a migração ocorrida em data
anterior à delimitada pelo TSE, não poderá o partido pleitear o mandato respectivo.
Veja-se adiante as decisões paradigmáticas.
2.1 A CONSULTA Nº 1.398/2007
Formulada perante o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, pelo Partido da
Frente Liberal PFL (atualmente denominado Democratas DEM)
338
, a Consulta
1.398/07-DF
339
foi proposta nos seguintes termos:
338
Petição 2.813, datada de 24/09/2008, deferida por unanimidade (Ementa: Petição. Partido
político. Estatuto. Alterações. Registro. Requisitos. Res.-TSE 19.406/95. Atendimento. - Atendidos
os requisitos exigidos, defere-se o pedido de anotação das alterações estatutárias resultante da
deliberação em convenção nacional da agremiação partidária. Pedido deferido - aprovação,
convenção nacional, Democratas (2007) (Decisão nº 22.899, Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo
Bastos, publicada no DOU/DJE - Diário da Justiça Eletrônico, p. 58, em 14/08/2008).
339
Editada na forma da Resolução 22.526, data de 27 de março de 2007, foi relatada pelo Min.
Francisco Asfor Rocha, e publicada no DJ - Diário de Justiça, vol. 1, de 08 de maio de 2007, p. 143.
Segue ementada: CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO.
CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO.
RESPOSTA AFIRMATIVA”; e indexada: “Preservação, vaga, titularidade, partido político, eleição
proporcional, candidato eleito, cancelamento, filiação partidária, transferência, partido político diverso,
eleição, sistema proporcional, cálculo, quociente eleitoral, quociente partidário, dependência, voto,
contagem, legenda, coligação partidária, identificação, diploma, condição de elegibilidade,
representação partidária, subordinação, filiado, ideologia, diretriz, órgão partidário, responsabilidade,
campanha eleitoral, recursos financeiros, prestação de contas, propaganda eleitoral, horário gratuito,
rádio, televisão, previsão, Constituição, Brasil, estatuto partidário, inclusão, normas, fidelidade
partidária, disciplina partidária, princípio constitucional, valor, norma jurídica, interpretação, direito
público, diferença, direito privado, falta, previsão legal, equivalência, proibição, impossibilidade,
integração, mandato eletivo, patrimônio, caráter privado, prevalência, interesse público, perda, cargo,
descaracterização, sanção, ato, titular, incompatibilidade, continuação, exercício, diferença, ato ilícito,
93
Considerando o teor do art. 108 da Lei n° 4.737/65 (Código Eleitoral), que estabelece que a
eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral apurado
entre os diversos partidos e coligações, envolvidos no certame democrático.
Considerando que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária, posta para
indicar ao eleitor o vínculo político e ideológico dos candidatos.
Considerando ainda que, também o cálculo das médias, é decorrente do resultado dos
votos válidos atribuídos aos partidos e coligações.
Indaga-se:
Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral
proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do
candidato eleito por um partido para outra legenda?
Como se extrai da leitura, o questionamento buscava resposta à indagação
acerca da possibilidade de preservação pelos partidos políticos e coligações das
vagas obtidas pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de
filiação ou de transferência do candidato eleito por um determinado partido para
outra legenda.
O tema se insere na discussão acerca do pertencimento do mandato eletivo:
se ao indivíduo eleito, “à feição de um direito subjetivo
340
”, a partir da garantia do
acesso ao sufrágio passivo e de regular exercício do mandato ou ao Partido político
/coligação por meio de quem o eleito obteve o mandato.
Adiante, tal como nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
proceder-se-á à análise dos fundamentos dos votos proferidos sob o prisma das
mesmas categorias fundamentais acima analisadas: a) do CARÁTER POLÍTICO
DOS PARTIDOS POLÍTICOS; e, b) do REGIME CONSTITUCIONAL DOS
PARTIDOS POLÍTICOS, o que abarca a sua NATUREZA JURÍDICA, a FIDELIDADE
e a DISCIPLINA, no âmbito da AUTONOMIA PARTIDÁRIA.
2.1.1 O Voto Condutor
Evidenciando o CARÁTER POLÍTICO DOS PARTIDOS, a partir de seu
reconhecimento constitucional, o Min. Relator, Asfor Rocha, citou Duverger
341
para
fundamento, diversidade, norma constitucional, voto uninominal, critérios, acessório, predominância,
valoração, partido político, essencialidade, democracia, manutenção, vinculação, parlamentar,
conservação, caráter excepcional, mandato parlamentar, relevância, alteração, programa partidário,
perseguição, justa causa, desligamento (CVA)”.
340
Voto do Relator, voto condutor, p. 03 da decisão.
341
DUVERGER, Maurice. As Modernas tecnocracias....
94
evidenciar a qualidade de protagonistas
342
por aqueles assumida nas modernas
democracias representativas. Asseverou que, de certa forma, estariam relegadas
para segundo plano a participação popular direta e revelou a imprescindibilidade de
sua intermediação
343
. Nesse sentido, restariam excepcionais/exóticas, as
candidaturas avulsas/individuais a qualquer cargo eletivo
344
.
Aproximou a democracia representativa brasileira à partidocracia apontada
por Duverger
345
, a partir do pressuposto da filiação partidária
346
como condição de
elegibilidade posta pela Constituição para o acesso ao sufrágio passivo
347
, bem
como do reconhecimento da AUTONOMIA PARTIDÁRIA conferida aos partidos
políticos na forma de garantia para a definição de normas sobre FIDELIDADE e
DISCIPLINA PARTIDÁRIAS.
Afirmando que tanto no plano jurídico quanto no plano prático, o vínculo
entre o candidato e o partido ao qual é filiado seria mais forte, senão o único
elemento caracterizador da sua identidade política, concluiu pela impossibilidade de
candidaturas avulsas no sistema ou pela existência de candidatos sem partidos.
Assim, seria injurídica a suposição de que o mandato político eletivo
pertenceria ao indivíduo eleito que assim, se tornaria senhor e possuidor de uma
parcela da soberania popular e dela disporia privatisticamente.
Evidenciando a função política/pública do mandato eletivo, cujo regime seria
diferenciado do direito dos particulares e, por isso mesmo, protegido de pretensões
privadas tal como o princípio da moralidade ao lado da autonomia privada
348
,
infirmou que não seria possível ao eleito dispor do mandato eletivo a qualquer título.
Nessa linha, concluiu que o mandato parlamentar pertenceria ao partido
político, pois tanto à legenda/coligações seriam atribuídos os votos dos eleitores
quanto seria delas o suporte necessário à eleição condução ideológica,
342
Resolução nº 22.526, p. 03.
343
Dessa forma a sua essencialidade para o funcionamento da democracia representativa.
344
Id.
345
Ibid., p. 04.
346
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com
valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:(...).
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:(...);
V - a filiação partidária;(...). Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. 31/06/2009.
347
DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidades e inelegibilidades. São Paulo: Dialética, 2004.
348
Cujo campo pressupõe “que o que não previsto é proibido” (ATALIBA, Geraldo. Comentários ao
Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense Editora, 1982).
95
estratégica, propagandística e financeira dos partidos que prestam inclusive, contas
à Justiça Eleitoral (detêm o controle do acesso aos programas rádio e televisão,
instrumentos que não estão ao alcance dos interessados). Essas razões confeririam
a ilegitimidade de afirmações tendentes a considerar que o mandato pertence aos
eleitos
349
.
Ao lado dos princípios constitucionais evocados, embasou a posição pelo
pertencimento do mandato eletivo proporcional ao partido político em determinadas
regras do Código Eleitoral, quais sejam: a) artigo 108
350
, segundo o qual bastaria
referir que “os candidatos eleitos o são com os votos do Partido político”
351
; b) artigo
175, §4º
352
, que define serem os votos contados aos partidos na hipótese do
candidato ser declarado inelegível após a eleição ou tenha o registro de candidato
cancelado; e, c) artigo 176
353
, que define outras hipóteses em que os votos também
são contados à legenda
354
.
Para a obtenção de tais conclusões, fundou sua interpretação constitucional
na doutrina de Paulo Bonavides
355
, procedendo uma aplicação imediata dos
princípios ao caso concreto e pugnando pela sobreposição destes sobre as normas
de organização dos partidos políticos
356
.
349
Id.
350
Art. 108 - Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o
respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Disponível em: Brasil: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. 31/06/2009.
351
Id, p. 08.
352
Art. 175. Serão nulas as cédulas: I - que não corresponderem ao modelo oficial;(...).
§ O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de
cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato
alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido
feito o seu registro. Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>.
31/06/2009.
353
Art. 176. Contar-se-á o voto apenas para a legenda, nas eleições pelo sistema proporcional:
I - se o eleitor escrever apenas a sigla partidária, não indicando o candidato de sua preferência;
II - se o eleitor escrever o nome de mais de um candidato do mesmo Partido;
III - se o eleitor, escrevendo apenas os números, indicar mais de um candidato do mesmo Partido;
IV - se o eleitor não indicar o candidato através do nome ou do número com clareza suficiente para
distingui-lo de outro candidato do mesmo Partido. Disponível em: <Brasil:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. 31/06/2009.
354
a) o eleitor escrever apenas a sigla partidária, não indicando o candidato de sua preferência; b) o
eleitor escrever o nome de mais de um candidato do mesmo Partido; c) o eleitor, escrevendo apenas
os números, indicar mais de um candidato do mesmo Partido; d) o eleitor não indicar o candidato
através do nome ou do número com clareza suficiente para distingui-lo de outro candidato do mesmo
Partido.
355
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.
356
Registra que sem isso se instalada, nas relações sociais e partidárias, uma alta dose de incerteza,
e dúvida, semeando alterações ocasionais e fortuitas nas composições das bancadas parlamentares,
96
Por outro prisma, propôs a revisão da Teoria Estruturalista do Direito com o
objetivo de afastar a tendência de explicação do fenômeno jurídico somente na sua
dimensão formal positiva, para consagrar os valores na construção do sentido da
norma. No mesmo escopo, pontuou a recomendação de Norberto Bobbio
357
no que
se refere à compreensão teleológica do ordenamento jurídico.
Ainda, justificando a decisão com argumentos fáticos
358
e posição de ordem
moral, apontou o papel das Cortes de Justiça, que, ao abandonarem a visão
positivista tradicional, deveriam contribuir na definição do sentido finalístico do
Direito. Nessa linha, pelas exigências da teoria jurídica contemporânea buscou
compreender o ordenamento juspositivo na sua função funcionalista
359
, e assim, não
somente considerou dotadas de força normativa as “regulações normatizadas”, mas
também os princípios constitucionais
360
.
Por fim, excepcionando a regra da manutenção dos mandatos eletivos pelos
partidos políticos, quando da mudança de legenda pelo eleito, registrou as situações
em que não considera a quebra do vínculo de fidelidade (alteração do ideário
partidário ou odiosa perseguição política) e respondeu afirmativamente à Consulta,
concluindo que os partidos políticos e as coligações conservam o direito de
cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido à
outra legenda.
Alterou, dessa forma, a orientação jurisprudencial firmada pelos tribunais
superiores sob a justificativa de que esta não estaria sintonizada com a
racionalidade contemporânea que recepciona a idéia de força normativa dos
princípios constitucionais, refratários a “tudo o que represente infração à probidade e
à moralidade administrativas e públicas”
361
.
com grave dano à estabilidade dessas mesmas relações, abrindo-se ensejos a movimentações que
mais servem para desabonar do que para engrandecer a vida pública - Id, p. 07 e 08.
357
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, trad. Daniela Beccaccia Versiani. São Paulo: Editora
Manole, 2007.
358
Mediante o exemplo tirado na atual legislatura da Câmara dos Deputados, o que atestaria a
infidelidade - a partir da troca ou cancelamento de filiação à legenda pela qual foram eleitos; e
demonstraria tratarem do mandato como “coisas particulares”. Observa ainda que somente 6,04%
dos 513 deputados federais eleitos alcançaram por si o quociente eleitoral. Dessa forma, a Justiça
Eleitoral não poderia amparar eventual legitimidade de “absorção do mandato eletivo por outra
corrente partidária” que eventualmente recebesse os mandatários eleitos por outros partidos Ibid.,
p. 06.
359
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função...
360
Resolução nº 22.526, p. 06.
361
Ibid., p. 07.
97
2.1.2 Manifestações Consoantes
O Min. Marco Aurélio acompanhou o voto condutor para responder
afirmativamente à Consulta, declarando a vinculação do candidato eleito ao partido,
o qual realizaria um serviço à nação brasileira
362
. Entendeu ser impossível não
responder afirmativamente à Consulta, como adiante se verificará
363
.
Em seu voto, o Ministro reconheceu a AUTONOMIA dos partidos políticos e
a liberdade de sua criação consagrada pelo artigo 17 da Constituição vigente,
dando-lhe ênfase; pugnou pela manutenção do afastamento da possibilidade de
existirem candidaturas avulsas no sistema eleitoral brasileiro, tal como instituídas
pela Carta Magna de 1946
364
.
Preceituou que a imposição do artigo 14, §3º da Constituição a respeito da
obrigatoriedade da filiação partidária para a disputa de cargos eletivos constituir uma
das condições de elegibilidade
365
. Asseverou que o próprio diploma expedido pela
Justiça Eleitoral, com base nas normas em vigor, registraria os partidos/coligação
que respaldariam a eleição
366
.
Enfatizou que as campanhas eleitorais, em última análise, são financiadas
por recursos públicos, por meio do fundo partidário, cuja aplicação de receitas é
comprovada pelos partidos políticos perante a Justiça Eleitoral
367
. Pontuou que o
tempo do horário eleitoral gratuito é distribuído a partir da composição da bancada
que cada partido detém
368
.
Quanto à REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL afirmou que teriam sido
conferidas aos partidos políticos garantias, tais como o direito aos recursos do fundo
partidário, o acesso gratuito ao rádio e televisão, “com balizamento ditado pela
legislação ordinária”, a partir das cadeiras ocupadas na Câmara dos Deputados
369
.
362
Id., p. 13.
363
Ibid.
364
Ibid., p. 10.
365
Ib.
366
Ib.
367
Ib.
368
Ib.
369
Id.
98
Ainda no âmbito da DISCIPLINA PARTIDÁRIA, asseverou que o art. 25 do
mesmo diploma
370
prescreveu autorização ao partido político para estabelecer em
seu estatuto, “além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas
sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão
do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e
funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na
respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo
voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários”.
Na mesma linha, verificou que o art. 26 da Lei dos Partidos Políticos
371
determinou a perda automática da função ou do cargo ocupado na respectiva casa,
em virtude da proporção partidária, ao parlamentar que deixar o partido sob cuja
legenda tenha sido eleito
372
.
Pontuou a diferenciação do aspecto normativo formal e material da decisão,
da realidade fática, no âmbito da política brasileira, que havia registrado 40 trocas de
partidos na última legislatura, o que ocorreria no âmbito da Administração Pública
lato sensu, seara de incidência dos princípios insertos no art. 37 da Constituição
373
.
Por fim, declarou não verificar conflito entre normas regentes da espécie.
O Min. Cezar Peluso, que também acompanhou o voto condutor,
respondeu à Consulta afirmando que “os partidos e coligações têm o direito de
preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando, sem justificação,
ocorra o cancelamento de filiação ou de transferência do candidato para outra
legenda”
374
.
No âmbito da REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, o Ministro
considerou a essencialidade dos partidos políticos na democracia representativa,
que, sob o viés funcional constituem “elemento agregador e expressivo do ideário
370
Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de
caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada,
suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e
funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa
Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelos órgãos partidários.
371
Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em
virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.
Disponível em: <Brasil: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9096.htm, Lei dos Partidos
Políticos/Lei Federal 9.096/1995>. 31/06/2009.
372
Decisão, p. 12.
373
Ibid.
374
Id., p. 39.
99
político dos cidadãos”
375
. Desse modo, entendeu que não se concretizaria a
representação popular sem o intermédio do Partido político
376
.
Concluiu que dadas as peculiaridades do sistema representativo
proporcional, o seu funcionamento baseia-se na obtenção, pelo partido político, de
determinado número de cadeiras nas Casas Legislativas que serão destinadas aos
candidatos mediante a aplicação das rmulas contidas nos quocientes eleitoral e
partidário e, também, pela redistribuição das sobras
377
.
Afirmou que não seria admissível o abandono, pelo eleito, dos quadros dos
partidos, pois a sua eleição se dá por meio de patrimônio partidário de votos
alcançados partidariamente, seja em razão dos recursos aplicados nas eleições, ou
em razão do sistema partidário de prestação de contas à Justiça Eleitoral
378
.
Verificou que a realidade fática evidencia que a regra geral fixada pela rotina
demonstra que contribuição do eleito com os votos individuais se em pequena
proporção em relação aos votos atribuídos à legenda partidária, pois o voto
proporcional seria dado às idéias, ao partido, ao grupo (Gilberto Amado)
379
.
Dessa forma, asseverou que embora a “natureza do mandato parlamentar
não prescinde da indefectível conformação partidária”, “a representação popular no
Brasil somente se efetiva pela intermediação de partido político, condição haurida
expressamente do plano constitucional” (conforme Auro Augusto Caliman)
380
.
No que se refere à representação proporcional no Brasil, apontou, no âmbito
da REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, a importância do pluralismo
político
381
.
Reconheceu também que nas peculiaridades do ordenamento brasileiro se
admite, nas eleições proporcionais, tanto o voto nominal como o voto no partido.
Com base em Luís Virgílio Afonso da Silva apontou uma “tendência que o eleitor
vote no partido por razões programáticas e ideológicas, e raramente por simpatia
375
Id., p.16.
376
Ibid.
377
Id., p. 16-18.
378
Id., p. 18.
379
Id., p. 19-20.
380
Id., p. 20. Cita CALIMAN, Auro Augusto. Mandato Parlamentar: aquisição e perda antecipada. São
Paulo: Atlas, 2005, p. 44.
381
Id., p. 21.
100
pessoal”, motivo pelo qual entendeu que o mandato pertence ao partido e não à
pessoa do mandatário
382
.
Nesse sentido, perquiriu “à luz das premissas da função do Partido político
na organização da vida política e da natureza partidária dos mandatos nas eleições
proporcionais, (...) o alcance da vinculação entre candidato e o partido: se tal
vinculação esgotar-se-ia no momento das eleições, no ato da proclamação dos
eleitos, na posse, ou a ligação seria mais forte?”.
Indicou que tal resposta pressupõe a compatibilização entre a liberdade de
filiação e a necessidade de observância da FIDELIDADE PARTIDÁRIA
383
.
Apresentou soluções contrapostas, com base em teorias firmadas pela
Corte Constitucional na década de 50 (voto do Min. Victor Nunes Leal), quais sejam:
a) proibição da filiação do trânsfuga de qualquer agremiação partidária, com
preservação de seu mandato; ou b) retenção da vaga pelo partido, garantindo-se o
ingresso do trânsfuga noutro.
Procedeu à avaliação de cada qual sob os ângulos constitucional e legal.
Sob o ângulo constitucional, adotou a segunda solução para a resposta à
questão, dada a natureza partidária do mandato. Evidenciou a característica da
democracia partidária emanada da Constituição inaugurada pelo princípio do
pluralismo partidário, ao lado da função político-ideológica dos partidos políticos.
Ressaltou, no voto, que a fidelidade lealdade ao programa e às normas fixadas
caracteriza-se como elementos essenciais à preservação dos partidos e ao próprio
Estado de Partidos, e de que a Constituição pretende garantir o prestígio dos
partidos exigindo a presença de regras atinentes à fidelidade e à disciplina
partidárias no estatuto de cada agremiação”
384
.
Ao passo que reconheceu o entendimento expresso pela Corte
Constitucional a partir do Voto do Min. Victor Nunes Leal de que competiria ao
partido e a ninguém mais a sanção pela quebra do princípio da fidelidade partidária,
declarou que o objeto da Consulta o se restringia à questão da fidelidade
382
Id., p. 21-22. Cita Luís Virgílio Afonso da Silva. Os sistemas eleitorais: tipos, efeitos jurídico-
políticos e aplicação ao caso brasileiro. São Paulo: Malheiros.
383
Id., p. 23 e 24.
384
Id., p. 25.
101
partidária, mas sim, ao fato externo da mudança de partido
385
, ao contrário da
matéria das coligações partidárias, pois de caráter interna corporis absoluto
386
.
Refutou a posição doutrinária que entende, na linha proposta pelo voto,
transformar o parlamentar em mero autômato, em boca sem vontade, destinado
apenas a expressar, sem independência e violentando a sua consciência e liberdade
de convicção , as deliberações tomadas pelos órgãos partidários”
387
.
Concluiu, que o fundamento da questão suscitada na Consulta, sobre a
legitimidade do mandato representativo proporcional é outro, diverso das questões
que seriam reguladas pelo art. 17, parágrafo primeiro da Constituição, que
alcançaria as relações internas entre partidos e representantes, mas sim, como
registrado acima, estaria voltado ao fato externo do cancelamento de filiação ou da
transferência do partido, à luz da relação entre o representante e o eleitor,
intermediada pelo partido, pelo que advertiu que se trata de fidelidade ao eleitor e
não de FIDELIDADE PARTIDÁRIA
388
. Nesse sentido, preceituou que cada qual das
situações apresenta fundamento constitucional autônomo
389
.
A despeito de reconhecer não haver regra expressa que contemple a
situação, se inclinou ao que denominou “interpretação sistemática”, para concluir
que, em decorrência da aplicação do mecanismo da representação proporcional, as
vagas obtidas por meio do quociente partidário pertencem ao partido
390
. Isso, pois,
seria a vinculação candidato-partido imanente ao próprio sistema representativo
proporcional adotado pelo ordenamento jurídico, do que a mudança injustificada de
partido aniquilaria o fundamento estrutural que conferiria legitimidade ao exercício do
mandato pelo representante
391
.
Ainda, aduziu que pela aplicação dos artigos 14, parágrafo terceiro, inciso
quinto c/c o parágrafo único do artigo primeiro, sendo a filiação partidária condição
de elegibilidade, requisito e pressuposto constitucional do mandato, seu
385
Tal posição desconsidera a plena eficácia da garantia da AUTONOMIA PARTIDÁRIA.
386
No mesmo sentido que trataram Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha, em crítica ao
disposto no art. 4º, §1º, da Resolução TSE nº 22.993/2002.
387
Id., p. 27. Cita CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade..., op. cit, p. 23-25.
388
Id., p. 28.
389
Id., p. 30.
390
Id. p. 28.
391
Id., p. 30.
102
cancelamento, quando o justificado, constitui a preservação da vaga na esfera do
partido de origem
392
.
Ofereceu as seguintes distinções para a solução da Consulta à vista da
relação complexa entre eleitor-partido-representante:
1) o candidato eleito que se desfiliar do partido que o elegeu, em regra, terá
subtraído o mandato em favor do partido por que se elegeu, em decorrência da
quebra de tal relação, para fins de preservação da vontade política expressa pelo
eleitor no momento do voto; não teria a natureza de sanção, porque a mudança de
partido não configuraria ato ilícito, mas de reconhecimento da inexistência de direito
subjetivo ou de expectativa de direito autônomo à manutenção pessoal do cargo
(sic) do eleito à preservação. Diferiria da sanção prevista pelo rol expresso de atos
ilícitos no artigo 55 da Constituição, pois se configuraria reação do ordenamento à
incidência em atos ilícitos;
2) algumas exceções devem ser previstas para o resguardo da relação
complexa infirmada, sejam da mudança significativa de orientação programática do
partido ou da ocorrência de perseguição política no âmbito do partido de que se
desfiliou, pelo que restaria autorizado o eleito a transferir-se de partido, conservando
o mandato. Isso, pois, o partido teria rompida a referida relação complexa e não o
eleito como na hipótese acima.
sob o ângulo legal, infraconstitucional, fundamentou a decisão em vários
dispositivos do Código Eleitoral e da Lei das Eleições, pelo que pretendeu “revelar a
dimensão de primazia do Partido político no sistema eleitoral pátrio, e evidenciar a
natureza indissolúvel do vínculo entre o representante e a agremiação específica
sob cuja égide se elegeu”
393
. Entende que com isso estaria confirmada a
“preponderância axiológica do partido político na conformação e funcionamento do
sistema representativo proporcional e seu alto grau de vinculação com os
candidatos”
394
.
Dessa forma, citou que:
392
Id., p. 29.
393
Id., p. 36.
394
Id., p. 33.
103
a) o artigo 11, inciso terceiro
395
, da “Lei das Eleições” prevê a prova de
filiação partidária para o deferimento do registro de candidatos pelos partidos e
coligações
396
;
b) o artigo segundo do Código Eleitoral
397
dispõe que os mandatários serão
escolhidos dentre os candidatos indicados pelos partidos políticos nacionais
398
;
c) o capítulo que dispõe sobre o registro de candidatos artigo 87, 88, 90,
91, 94 e 96
399
, restringe à concorrência nas eleições para os candidatos registrados
por partidos, versando sobre a obrigatoriedade da filiação partidária para o acesso
ao sufrágio passivo
400
;
395
Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as
dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.
§ lº O pedido de registro deve ser instruído com os seguintes documentos:(...);
III - prova de filiação partidária;(...). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. 31/06/2009.
396
Id., p. 33.
397
Art. Todo poder emana do povo e será exercido em seu nome, por mandatários escolhidos,
direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a
eleição indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. 31/06/2009.
398
Ibid.
399
Art. 87. Somente podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos.
Parágrafo único. Nenhum registro será admitido fora do período de 6 (seis) meses antes da eleição.
Art. 88. Não é permitido registro de candidato embora para cargos diferentes, por mais de uma
circunscrição ou para mais de um cargo na mesma circunscrição.
Parágrafo único. Nas eleições realizadas pelo sistema proporcional o candidato deverá ser filiado ao
partido, na circunscrição em que concorrer, pelo tempo que for fixado nos respectivos estatutos.
Art. 90. Somente poderão inscrever candidatos os partidos que possuam diretório devidamente
registrado na circunscrição em que se realizar a eleição.
Art. 91. O registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador, ou
prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de
aliança de partidos.
§ 1º O registro de candidatos a senador far-se-á com o do suplente partidário.
§ 2º Nos Territórios far-se-á o registro do candidato a deputado com o do suplente.
Art. 94.O registro pode ser promovido por delegado de partido, autorizado em documento autêntico,
inclusive telegrama de quem responda pela direção partidária e sempre com assinatura reconhecida
por tabelião.
§ 1º O requerimento de registro deverá ser instruído: (...);
IV - com prova de filiação partidária, salvo para os candidatos a presidente e vice-presidente, senador
e respectivo suplente, governador e vice-governador, prefeito e vice-prefeito; (...).
Art. 96. Será negado o registro a candidato que, pública ou ostensivamente faça parte, ou seja adepto
de partido político cujo registro tenha sido cassado com fundamento no artigo 141, § 13, da
Constituição Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>.
31/06/2009.
400
Ibid.
104
d) o artigo 108 do Código Eleitoral
401
define a equação para o cálculo do
número de vagas a preencher pelos partidos políticos a partir do lculo do
quociente partidário
402
;
e) o parágrafo quarto do artigo 175 do Código Eleitoral
403
determina que aos
partidos políticos pertencem os votos do candidato que não possam assumir o
mandato
404
;
f) o artigo 215 do Código Eleitoral
405
registra que o diploma outorgado aos
eleitos a indicação da legenda/coligação vincula os eleitos à legenda da qual se
valeram para alçar o cargo
406
.
Concluiu, registrando o caráter intrinsecamente partidário do sistema político
brasileiro pelos cargos ocupados na proporção dos quocientes eleitorais, que
transforma a relação entre o eleito e o grupo político por quem foi representado
durante o processo eleitoral que seria essencial à identificação dos fundamentos que
outorgam legitimidade ao mandato eletivo proporcional
407
.
Por fim, asseverou que a NATUREZA POLÍTICA DOS PARTIDOS
pressupõe a condição de “entes intermediários entre o povo e o Estado, integrados
no processo governamental
408
.
Por sua vez, o Min. Carlos Ayres Britto respondeu à Consulta de forma
convergente aos referidos votos, reafirmando que o partido político preserva a vaga
daquele filiado que, detentor do mandato parlamentar, migra para outra sigla, exceto
401
Art. 108 - Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o
respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. 31/06/2009.
402
Id., p. 34.
403
Art. 175. Serão nulas as cédulas:(...);
§ O disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de
cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato
alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido
feito o seu registro. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>.
31/06/2009.
404
Id., p. 75.
405
Art. 215. Os candidatos eleitos, assim como os suplentes, receberão diploma assinado pelo
Presidente do Tribunal Regional ou da Junta Eleitoral, conforme o caso.
Parágrafo único. Do diploma deverá constar o nome do candidato, a indicação da legenda sob a qual
concorreu, o cargo para o qual foi eleito ou a sua classificação como suplente, e, facultativamente,
outros dados a critério do juiz ou do Tribunal. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. 31/06/2009.
406
Id., p. 36.
407
Id., p. 37.
408
Ibid. Cita CAGGIANO, Mônica Salem. Sistemas eleitorais x representação política. Brasília:
Senado Federal, 1990
105
nas outras situações proclamadas anteriormente
409
. Neste caso de exceção, a
subsistência do mandato seguiria a função representativa
410
.
Manifestou concordância quanto à terceira hipótese para a preservação do
mandato pelo eleito, tal como incorporada pelo Min. Asfor Rocha em seu voto
411
, de
migração de eleito em razão da desnaturação ideológica do Partido político
412
.
Destarte, procedeu ao registro do limite materialmente posto pela
Constituição para a restrição do direito político posto pelo artigo cinqüenta e cinco
413
,
alçado à espécie de direito fundamental, desde a garantia da não restrição do livre
exercício do mandato eletivo, e quiçá de seu cancelamento, autorizado somente
diante das hipóteses taxativamente previstas no mesmo rol; aderiu o voto condutor
sob o fundamento de que tais hipóteses tratar-se-iam de sanção, enquanto, nos
termos do voto anterior, a desfiliação partidária praticada voluntariamente não
corresponderia a ato ilícito
414
.
Por fim, registrou atender a decisão os anseios de uma autêntica cidadania,
sobretudo em momento de “profunda crise ideológico moral da vida partidária
415
”.
409
Id., p. 46.
410
Id., p. 46.
411
Id., p. 47.
412
A deserção das bases ideológicas se daria pelo próprio partido, enquanto o candidato preservaria
a sua posição ideológica, em caráter de resistência. Considera o voto que tal ação não configuraria
deserção ou traição ideológica. A migração partidária restaria justificada por imperativo de resistência
ideológica do membro do partido.
413
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da
Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o
abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de
vantagens indevidas.
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados
ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva,
de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado
no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato,
nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§
e 3º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. 31/06/2009.
414
Id., p. 45.
415
Id., p. 47.
106
As razões do voto do Min. José Delgado reafirmam o entendimento até
então expressado nos votos acima registrados de que a fundamentação do sistema
eleitoral proporcional brasileiro confere aos partidos políticos a titularidade dos
mandatos eletivos, com algumas anotações que adiante se destaca.
Referiu que com base em registro histórico a valorização do idealismo
partidário somente teria ocorrido com o advento da Constituição de 1934
416
que
implantou o sistema proporcional, ao contrário do que ocorria no âmbito do sistema
eleitoral brasileiro em 1932
417
- ano de sua implantação.
Pontuou que um pequeno número de deputados e vereadores se elegem
com os votos nominais alcançados, sendo a maioria dependente dos votos
conferidos aos companheiros de legenda.
A seu passo, asseverou que sendo a filiação partidária condição de
elegibilidade, a troca de partidos concorreria, consequentemente, para a diminuição
do grau de representatividade do regime democrático e para a quebra do princípio
da representatividade, ínsito ao mesmo regime. Disso decorreria, para o Ministro, a
falta de identidade partidária, a qual, sob sua óptica, não poderia ser ora admitida,
justamente no momento histórico que o constitucionalismo brasileiro tende a
aperfeiçoar o regime democrático e a representatividade política.
Tendo evidenciado a sua inalterada concepção de que “entre o eleitor e o
candidato envolvido pela ideologia partidária a afirmação de um negócio jurídico
eleitoral”
418
, voltado à valorização da cidadania, no âmbito do sistema proporcional,
da representação partidária e do pluralismo político, concluiu que a elevada
migração partidária gera o descrédito do Legislativo, a inconfiabilidade do eleitor e a
violação de tal negócio jurídico eleitoral.
No que se refere à NATUREZA POLÍTICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS,
afirmou que estes consistem em associações voluntárias de indivíduos “portadores
de cidadania política, definida por um prol (sic) de direitos políticos, cujo mais
416
Implantou o sistema proporcional, mantendo instituída a lista oferecida pelos partidos, para a
escolha uninominal pelo eleitor – id., p. 49.
417
A votação se dava “em número que não excedesse os elegendos, mais um” - p. 48. Ocorria em
dois turnos: enquanto do primeiro restariam eleitos os candidatos que obtivessem o quociente
eleitoral e, na ordem de votação obtida, tantos candidatos registrados sob a mesma legenda quanto o
quociente partidário indicasse; no segundo os demais candidatos mais votados até o preenchimento
dos lugares que não tivessem o sido no primeiro turno – ibid.
418
Ibid., p. 48.
107
importante seria o de votar e ser votado, com fidelidade a uma ideologia
partidária”
419
.
Por sua vez, estabeleceu que a DISCIPLINA PARTIDÁRIA derivaria,
necessariamente, da natureza dessas mesmas relações, posto que, em sendo os
partidos políticos associações e, portanto, entes coletivos, o acatamento do
compromisso de uma conduta disciplinada seria o pressuposto de uma adesão
voluntária pelos membros à determinada estrutura normativa expressa pelos
estatutos , ao lado da assunção ao respectivo programa político
420
.
Afirma também que em contrapartida aos direitos partidários individuais
resultariam os deveres, de que derivaria a obrigação de garantir, por parte dos
militantes, a unidade da ação do mesmo partido, a partir da atuação conjunta para
se efetivarem as decisões tomadas de forma unitária. Nesse sentido, a técnica da
maioria – “princípio democrático”
421
, daria conseqüência à garantia da unidade.
Nesse sentido, em sendo o nculo entre os partidos políticos e o sistema
democrático não desconstituível
422
e restando a mesma instituição prestigiada pelo
atual quadro constitucional a fim de rechaçar o personalismo e o individualismo, na
qualidade de tendência própria de uma sociedade pluralista, o eleito não deteria a
prerrogativa de levar “em seu rastro a sua suplência”
423
.
Por fim, citando Acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
424
, de
lavra do Magistrado Aloysio Álvares da Cruz, concluiu que “o mandato parlamentar
não pertence, de direito, ao representante partidário escolhido pelo povo, mas ao
partido e seus adeptos, que o sufragaram”
425
.
2.1.3 Pronunciamento Divergente
O voto divergente foi proferido pelo Min. Marcelo Henrique Ribeiro de
Oliveira que apontou a sua concordância às razões de ordem prática levantadas
419
Ibid., p. 51.
420
Id.
421
Id.
422
Ib.
423
Ibid., p. 53.
424
Sem referência a número de ordem.
425
Consulta nº 1.398/DF….., p. 53.
108
pelos pares e, reconhecendo a falta de fidelidade dos eleitos aos partidos
426
,
prática que fatidicamente ocorre tempos no País votou divergentemente da
tese acolhida pelos demais ministros, sob o fundamento principal de que: “não
norma na Constituição, nem em lei infraconstitucional, que diga que aquele que
mudar de partido perderá o mandato, o que constitui o objeto da consulta”.
Levantou, a priori, dificuldade, existente no fato de que todas as normas que
justificariam a conclusão são relativas ao período eleitoral.
Concluiu que “não norma na Constituição, nem em lei infraconstitucional,
que diga que aquele que mudar de partido perderá o mandato”. Preceituou que isso,
no final das contas, é o objeto da consulta. Em outras palavras, pontuou que o
objeto da consulta é se o partido é, ou não, o titular da vaga. No fundo, referiu que é
preciso, em suma, responder se o deputado que abandona o partido pelo qual foi
eleito, ao mudar de partido, perde ou não o mandato. Isto é, se fica definido que o
mandato é do partido, por óbvio que o deputado vai perder, já que não existem duas
vagas para cada deputado.
Indagado pelo Min. Marco Aurélio Mello sobre se seria mesmo
imprescindível “uma norma diante dos princípios consagrados pela Constituição
Federal”, bem como, interpelado pelo Min. José Delgado acerca de que “há muito
tempo, desde que o constitucionalismo foi instituído no ordenamento jurídico do
mundo, não somente do Brasil, temos princípios e postulados implícitos e explícitos
das cartas magnas”; respondeu o Min. Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira nos
seguintes termos:
De que mesmo vencido, cumpriria a obrigação do voto. De que, em relação aos princípios
implícitos - não desconhece que existam, mas lhe causaria certa estranheza o fato de,
estar prestes a Constituição de completar dezenove anos, e esta ser a primeira vez que se
proclama que há a aludida perda de mandato. Ou seja, teriam demorado, para perceberem
esse princípio. Que em relação aos artigos das leis infraconstitucionais citadas verificou
que os arts. 25 e 26 da Lei 9.096/95 tratam de temas diversos. Enquanto que o art. 26
estatui que perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa
Legislativa, em virtude da proporção partidária o parlamentar que deixar o partido sob cuja
legenda tenha sido eleito. Tratando-se, como se vê, de cargo que exerça "em virtude da
proporção partidária na Casa.
Asseverou que isso se deve ao fato de que, nas comissões, a participação é
426
O que, inclusive, geraria ocasionalmente uma “coincidência: deputados de oposição passam para
partidos da situação” – Ibid., p. 54.
109
proporcional à expressão numérica dos partidos na Casa, sendo que se o
parlamentar deixa o partido, deixará também de exercer o cargo na comissão.
Afirmou que o artigo 25 também não se aplica à Consulta em exame, pois o
dispositivo se refere ao estatuto do partido e não cuida do tema objeto da consulta.
Contudo, firmou entendimento que, de qualquer modo, o tema em debate é de
índole constitucional.
Citou que quanto à questão da perda do mandato em razão da mudança de
partido por parte de parlamentar, precedentes específicos do Supremo Tribunal
Federal: o mandado de segurança 20.927, Rel. Min. Moreira Alves, bem como o
mandado de segurança nº 26.405, relator Rel. Min. Gilmar Mendes.
Enfatizou que, no primeiro, o Tribunal acolheu a prejudicialidade, sem
analisar o mérito. na segunda demanda Mandado de Segurança 20.927,
relatou que teria havido o julgamento do mérito, com votos vencidos. Citou que a
decisão foi assim proferida:
(...).
Pelo sistema de representação proporcional, que é o adotado para a eleição dos
Deputados, 'estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação
quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada
um tenha recebido' (artigo 108 do Código Eleitoral), o que estabelece, sem dúvida alguma,
uma estreita vinculação entre o Partido ou a Coligação e o candidato que concorreu às
eleições por um ou por outra, certo como é - e a Constituição atual o declara no artigo 14,
parágrafo
,
V - que uma das condições de elegibilidade é a filiação partidária.
Em face da Emenda 1/69, que, em seu artigo 152, parágrafo único (que, com alteração
de redação, passou a parágrafo desse mesmo dispositivo por força da Emenda
Constitucional 11/78
,
estabelecia o princípio da fidelidade partidária. Deputado que
deixasse o Partido sob cuja legenda fora eleito perdia o seu mandato. Essa perda era
decretada pela Justiça Eleitoral, em processo contencioso em que se assegurava ampla
defesa, e, em seguida, declarada pela Mesa da Câmara (arts. 152, § ; 137, IX; e 35, §
42).
Com a Emenda Constitucional n
°
25185, deixou de existir esse princípio de fidelidade
partidária, e, em razão disso, a mudança de Partido por parte de Deputado não persistiu
como causa de perda de mandato, revogado o inciso V do artigo 35 que enumerava os
casos de perda de mandato.
Na atual Constituição, também não se adota o principio da fidelidade partidária, o que tem
permitido a mudança de Partido por parte de Deputados sem qualquer sanção jurídica, e,
portanto, sem perda de mandato.
Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de mandato para o Deputado que,
eleito pelo sistema de representação proporcional, muda de Partido e, com isso, diminui a
representação parlamentar do Partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças
aos votos de legenda), quer isso dizer que, apesar de a Carta Magna dar acentuado valor à
representação partidária (artigos 5°, LXX, "a"; 58, § 1°; 58. § ; 103, VIII), não quis
preservá-la com a adoção da sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a redução
da representação de um Partido no Parlamento. Se o quisesse, bastaria ter colocado essa
hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55.
Se, esses dispositivos, que denotam o valor dado pela atual Constituição à representação
partidária, não tiveram o condão de impedir a mudança de Partido por parte dos titulares de
mandato de Deputado - que são os eleitos, diplomados e empossados-, o terão com
110
referência aos candidatos eleitos { ... ) (Min. Moreira Alves).
( ... ) Continuo a pensar, Senhor Presidente, cada vez que vejo a dedução das razões da
posição oposta, mais me convenço de que se funda ela na idealização e no transplante,
para o nosso regime positivo de representação proporcional, de uma ortodoxia do sistema,
pensada em termos abstratos, que a nossa Constituição não conhece. Ortodoxia que se
manifesta nesta Casa, que se manifestou no desenvolvimento das dlscuss6es do caso
precedente, através do eminente Min. Paulo Brossard, quando S.Exa. acabou por declinar
que, para ele, o sistema iria ao ponto de sancionar com a perda do mandato também o
titular que se desvinculasse da legenda pela qual se elegeu. (Min. Sepúlveda Pertence).
A Constituição de 1988 tem naturalmente um subsolo. Este consiste, basicamente, nas
suas circunstâncias, no seu momento histórico. Não foi por acaso que o constituinte de 88
se omitiu de prescrever. Com a riqueza vernacular quantitativa que usou em tantos temas
menores, sobre a fidelidade partidária. Não quis fazê-Io por acreditar, provavelmente, que
não sairmos ainda daquela zona cinzenta em que nos encontramos desde os
acontecimentos de 64. ou. mais precisamente, desde quando dissolvidos os antigos
partidos - resultando no abandono da vida pública por homens da estatura do nosso antigo
colega Oscar Corrêa. Isso é uma realidade que o constituinte deve ter querido prestigiar, e
ao direito positivo me atenho.
Sei que o futuro renderá homenagem à generosa inspiração cívica da tese que norteou os
votos dos eminentes Ministros Celso Mello, Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sydney
Sanches,
Receio não encontrar no direito pátrio, tal como hoje posto, o que me autoriza reclamar do
suplente essa postura ( ... )". (Min. Francisco Rezek).
(...)
Quer dizer que não houve, a meu ver, omissão na Constituição em não estabelecer o
princípio de perda do mandato por infidelidade partidária, pois o tema sempre esteve
presente. E tanto é certo que na Constituição anterior, que não podia ser naturalmente
esquecida dos novos constituintes, havia regra expressa nesse sentido, a qual foi, como
disse, amenizada pela Emenda Constitucional nº 11 (Min. Aldir Passarinho).
Desse modo, concluiu e fixou sua posição o Min. Marcelo Ribeiro,
adotando as razões do voto que transcrevera, em especial as considerações de
caráter histórico, posto que “não haveria espaços para a evocação de princípios
implícitos quando a matéria teria sido tratada por Constituição imediatamente
anterior e a alusão à perda de mandato, de modo claro, fora retirada da atual
Constituição”. Afirmou, ainda, que “o constituinte não quis que essa hipótese, de
mudança de partido, pelo parlamentar eleito, acarretasse a perda do mandato”.
Citando o voto do Min. Adir Passarinho, definiu a sua posição nos
seguintes termos:
A meu ver, os casos de perda de mandato, expressos no art. 55 são taxativos: os
constantes dos itens I a VI. E tanto é certo que nos seus §§ e , expressamente se
prevê o processamento a adotar quando as razões forem as dos itens I, li e VI, ou as dos
itens 111 a V, a meu ver, sem nenhum espaço para hipóteses outras.
No caso de decoro parlamentar, o § do aludido art. 55 admite elastério, dizendo que é
incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o
abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional ou a percepção
de vantagens indevidas. Mas nem al se poderá incluir a hipótese de infidelidade partidária,
como aliás o Min. PAULO BROSSARD salientou no seu voto.
Na verdade, o que a Constituição prevê é que é condição de elegibilidade haver a filiação a
partido político. Realmente, essa é a exigência que a Constituição faz.
111
No tocante à infidelidade partidária, bem como no pertinente à indisciplina, a Constituição
expressamente remeteu a fixação das normas referentes a tais pontos aos Estatutos dos
partidos políticos, conforme o art. 17, § 1°, o qual assegura aos partidos políticos autonomia
para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos
estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária.
Mas, nem aí, a Constituição estabelece que, como norma de fidelidade partidária, possa
ser determinada a perda do mandato político. Isso o está implícito na Constituição, e na
oportunidade, não é necessário enfrentar essa questão (...).
Assim, Senhor Presidente, entendo que, na verdade, no nosso sistema, ideal seria a
prevalência da vinculação aos partidos políticos, e a Constituição atual está cheia de
princípios nesse sentido. Há que se prestigiar os partidos políticos, e isso deixei expresso
no voto anterior, quando endossei, em tese, as razões expendidas pelo Min. PAULO
BROSSARD. Entretanto, não se encontra na Constituição Federal, nem na legislação
pertinente, nada, absolutamente nada, que Implique na perda do mandato do deputado ou
do senador como, também, na perda de suplência, no caso de mudança de partido (...)
(Min. Aldir Passarinho).
Adotando os vencedores no writ decidido em 1989 pelo STF, fixou o voto
sob os seguintes fundamentos: “a) o tema em análise foi tratado na Constituição de
67/69; b) era objeto de norma expressa; c) houve modificação no texto
constitucional, de modo que, hoje, não regra que determine a perda do mandato
na hipótese em questão; pois, d) o artigo 55 da vigente Constituição, em númerus
cláusus
,
elenca quais são os casos de perda de mandato e que não , no citado
rol, a hipótese de mudança de partido por parte de parlamentar eleito”.
Reafirmou também que, no citado voto, o Min. Pertence “ao mesmo tempo
realça o caráter exaustivo do artigo 55 da Constituição e demonstra que, quanto ao
tema, a Constituição de 1988 não se deteve sequer em face da redundância,
explicitando até mesmo a hipótese de perda do mandato quando o parlamentar
perde seus direitos políticos”. E pontuou que “o silêncio, no que diz respeito a
mudança de partido, lhe parece eloqüente”.
Dessa forma, concluiu afirmando que “não razões no direito posto que
autorizem a conclusão a que chegaram os doutos votos vencedores”.
Por fim, respondeu a questão levantada pelo Min. Caputo Bastos, acerca
de que “a Constituição de 1988 teria retirado do texto constitucional, o que era
expresso em 1969, a competência para o Supremo regulamentar os processos sob
sua jurisdição, mas, que, porém, nem mesmo por ausência dessa norma o Supremo
deixou de regular; cujo exemplo mais característico seria a ação declaratória de
constitucionalidade nos seguintes termos:
“penso, com a devida vênia, o
interferir no racionio que desenvolvi, até porque, o que constava da
Constituição de 1967/1969
era a possibilidade de o Supremo Tribunal definir, em
112
seu regimento interno, hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, inclusive,
após a Emenda 7/77, considerando a relevância da questão federal, pelo que havia
autorização para o Supremo ‘legislar’ nesse tema”. Concluiu, afirmando “que o que
na Constituição atual - para todos os tribunais e não apenas para a Suprema
Corte é a possibilidade de os regimentos internos disponham sobre a competência
e funcionamento dos órgãos das cortes de justiça, o que, todos os tribunais
inclusive o Supremo vêm fazendo.
2.1.4 A Resolução nº 22.526/2007
Por maioria de votos, vencido o Min. Marcelo Ribeiro, os ministros do STE
respondem positivamente à consulta formulada, nos termos do voto do relator.
2.2 A CONSULTA Nº 1.407/2007
Formulada perante o Tribunal Superior Eleitoral TSE, pelo Deputado
Federal Nilson Mourão, eleito pelo Estado do Acre pela legenda do Partido dos
Trabalhadores, a Consulta 1.407/07-DF
427
, foi proposta nos seguintes termos:
“(...) Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema
eleitoral majoritário, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de
transferência do candidato eleito de um partido para outra legenda?”.
427
Ementa: Preservação, vaga, titularidade, partido político, eleição majoritária, candidato eleito,
cancelamento, filiação partidária, transferência, partido político diverso, eleição, inexistência,
propriedade, detentor, mandato eletivo, natureza jurídica, representação partidária; direito subjetivo,
desfiliação partidária, efeito jurídico, abandono de cargo, perda, mandato eletivo; sistema
representativo, norma constitucional, fundamento, república, democracia, soberania popular,
exercício, voto, condição, candidatura, mandato eletivo, Legislativo, Executivo, vinculação, partido
político, competência, centralização, mediação, eleitores, candidato; pessoa jurídica, direito privado,
diversidade, associação, função, importância, sociedade, caráter nacional, autonomia partidária,
recursos financeiros, fundo partidário, dever, prestação de contas, proibição, recebimento, recursos,
procedência, exterior, acesso, horário gratuito, rádio, televisão, liberdade, ideologia, programa
partidário; posterioridade, eleições, pressuposto, representante, Congresso Nacional, legitimidade de
parte, universalidade, denúncia, irregularidade, (TCU), impetração, mandado de segurança coletivo,
ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, atuação parlamentar,
bloco parlamentar, escolha, liderança, prerrogativa, acompanhamento, coordenação, atividade,
mandato parlamentar, participação, bancada, comissão provisória, comissão permanente; sistema
proporcional, sistema majoritário, diferença, exclusividade, critério, fixação, número, vaga, igualdade,
natureza política, representação, povo, Senado Federal, Câmara dos Deputados; proibição, medida
provisória, disposição, partido político .
Ressalva, fundamento, relator, divergência: desfiliação partidária, caracterização, renúncia.
113
A fim de responder a questão o TSE mais uma vez enfrentou o debate
travado na consulta anteriormente exposta, a fim de definir a quem pertence a
titularidade do mandato: se ao eleito ou ao partido.
2.2.1 O Voto Condutor
O Min. Relator Carlos Ayres Britto iniciou seu voto delimitando o
CARÁTER JURÍDICO dos partidos políticos, classificando-os como pessoa jurídica
de direito privado, para os quais a Constituição confere tratamento especial em
razão da própria função pública que exercem no processo eleitoral, vez que criados
para exercerem atividades além daquelas previstas paras as pessoas jurídicas
meramente privadas.
Reforçou ainda a sua natureza associativa, coletiva, plural, de forma que o
direito subjetivo-constitucional seja sempre exercido de maneira coletiva,
considerada a pluralidade orgânica de pessoas.
Quanto ao CARÁTER POLÍTICO, trouxe a idéia de que o partido político é
uma instituição criada com o objetivo de zelar pelos interesses da pólis, de cuidar
dos negócios do governo e da Administração Pública. Assim, além de ser o
intermediário fundamental entre o povo e o eleito asseverou que o partido é
necessariamente sujeito ativo processual, desde que haja representatividade no
Congresso Nacional (artigo 5º, LXX da CF).
Pontuou que ao partido político é dada habilitação processual presumida
“como corolário do regime jurídico constitucional de todo partido político brasileiro,
com representação no Congresso Nacional”.
Argumentou sobre a AUTONOMIA conferida aos partidos que estes é que
devem decidir, em seus estatutos, sobre a sua composição, organização e
funcionamento, fusão ou incorporação, a fim de que todo o grêmio partidário tenha a
sua própria expressão ideológica, a sua filosofia política. Desta forma, entendeu que
restará garantido o direito à pluralidade das convicções e idéias necessárias ao
Estado Democrático de Direito para a boa administração da coisa pública. Por isso é
que, “cada partido político é predisposto a laborar no campo da qualificação
informativa dos eleitores-soberanos, nesse plano da filosofia de governo ou
114
“pluralismo político”, para a formação de blocos de eleitos com perfil ideológico
definido”
428
.
Ao reforçar o conceito da AUTONOMIA citou a proibição da edição de
medidas provisórias no que tange aos partidos políticos (alínea a, inciso I do § do
art. 62) e exaltou o direito ao acesso gratuito aos meios de comunicação como forma
de professar a ideologia política partidária.
Sequencialmente procedeu a uma síntese ao comentar as três funções dos
partidos políticos, quais sejam: a) a processual, b) a de intermediação; e c) a
parlamentar.
Afirmou, no rito, que o leitor soberano vota no candidato e no seu partido
(isoladamente ou em coligação, conforme repetidamente anotado), para instaurar
uma futura relação de representação tridimensional, quer dizer, o mandato que se
ganhou por modo popular e partidário deve ser exercido como expressão de uma
representatividade igualmente popular e partidária
429
.
Nessa linha de raciocínio, estabeleceu que, também para os cargos
políticos eleitos pelo sistema majoritário, tal sistematização se faz presente. Isto
porque, embora nestes cargos majoritários, exista uma identificação maior com a
pessoa do eleito, diminuindo, de certa forma, a importância do partido, tal
característica não é suficiente para eliminar a aplicação dos princípios
constitucionais fundamentais, quais sejam: a) o povo é a fonte de todo o poder
governamental, b) a primeira forma de exercício de tal soberania se pelo voto; e
c) a filiação partidária também se faz obrigatória para os cargos majoritários.
Por fim, concluiu que em razão da interpretação sistemática da Constituição,
uma desfiliação de detentor de cargo majoritário sem justa causa poderá ocasionar a
reivindicação da vaga pelo partido político pelo qual aquele governante foi eleito.
2.2.2 Manifestações Consoantes
O Min. José Delgado, acompanhando o voto do Relator, destacou que a
fidelidade partidária é essencial à garantia da democracia brasileira e ao
fortalecimento das instituições políticas, afirmando que tal instituto está
428
Resolução nº 22.600/2007, p. 10
429
Id. p. 19
115
implicitamente consagrado pela Constituição nos artigos 14, § 3º, inciso V e 17
430
, de
forma que a reivindicação do cargo pelo partido é consequência decorrente das
obrigações que o eleito assumiu tanto com o eleitor quanto com o próprio partido.
o Min. Ari Pargengler, também acompanhando o Relator, afirmou que a
fidelidade partidária é pressuposto do sistema constitucional brasileiro e que, a
Constituição apenas não cogitou dessa especial circunstância da migração de um
partido para o outro porque repugna a idéia do sistema vigente a esta
possibilidade
431
. Observou, no entanto, que tal migração não pode ser considerada
como renúncia tácita porque o mandatário não tem a intenção de deixar o cargo.
Por sua vez, o Min. Caputo Bastos, acompanhando o Relator, ressaltou
que o Tribunal tem a ciência de que não faz parte das suas funções, legislar, mas
também que não pode deixar de responder às consultas, devendo realizar uma
interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
O Min. Gerardo Grossi, de forma sintética, apenas acompanhou o voto do
Relator.
O Min. Cézar Peluso também seguiu o voto do Relator, ressalvando, como
fez o Min. Ari Pargengler, que a migração não pode ser considerada como renúncia,
mas sim, como uma consequencia que surge no mundo jurídico em razão da perda
do mandato.
O Min. Marco Aurélio votou em conjunto ao Min. Relator, relembrando que
cabe ao Tribunal Eleitoral realizar a interpretação sistemática da Constituição e
ainda, segundo esposado pelo Supremo Tribunal Federal, enfatizou ser competência
da Corte tratar do processo administrativo de justificação de desfiliação do partido.
Encerrou dizendo que a coligação é apenas uma ficção jurídica que se desfaz logo
após a eleição, não tendo por isso, o direito de pleitear cargo eletivo.
2.2.3 Pronunciamentos Divergentes
Não houve pronunciamentos divergentes, razão porque votou o colegiado,
por unanimidade, nos termos do voto do Min. Relator.
430
Já citado acima.
431
Ibid., p. 27
116
2.2.4 A Resolução nº 22.600/2007
Por unanimidade de votos, o Tribunal, nos termos do voto do Relator,
respondeu positivamente à Consulta.
2.3 A RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007
Como se viu, por unanimidade de votos, o Tribunal, nos termos do voto do
Relator, respondeu positivamente à Consulta nº 1.407/2007.
A Resolução n° 22.526/TSE decorreu da Consulta 1.398/07-DF. Tal
Resolução dispõe que:
O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23,
XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos
mandados de segurança 26.602, 26.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de
perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, nos termos
seguintes:
Art. - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação
da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
§ - Quando o partido político não formular pedido dentro de 30 (trinta) dias da
desfiliação, pode fazê-Ia, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha
interesse jurídico ou o Ministério Público Eleitoral.
§ - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da
existência de justa causa, faze o citar o partido, na forma desta Resolução.
Art. 2° - O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a
mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado.
Art. 3° - Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente juntará prova
documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e
requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder d
terceiros ou de repartições públicas.
Art. - O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão
citados para responder no prazo é de 5 (cinco) dias, contados do ato da citação.
Parágrafo único - Do mandado constará expressa advertência de que, em caso de revelia,
se presumirão verdadeiros os f os afirmados na· inicial.
Art. - Na resposta, o requerido juntará prova documental, podendo arrolar testemunhas,
até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição
de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.
Art. - Decorrido o prazo de resposta, o tribunal ouvirá, em 48 (quarenta e oito) horas, o
representante do Ministério Público, quando não seja requerente, e, em seguida, julgará o
pedido, em não havendo necessidade de dilação probatória.
Art. 7° - Havendo necessidade de prova deferi-Ias-á o Relator, designando o (quinto) dia
útil subseqüente ara, em única assentada, tomar depoimentos pessoais e inquirir
testemunhas, as quais serão trazidas pela parte que as arrolou.
Art. 8° - Incumbe aos requeridos o ônus da prova de fato extintivo, impeditivo ou
modificativo da eficácia do pedido.
Art. 9° - Para o julgamento, antecipado o não, o Relator preparará voto e pedirá inclusão do
processo na pauta da sessão seguinte, observada a antecedência de 48 (quarenta e oito)
hora. É facultada a sustentação oral por 15 (quinze) minutos.
Art. 10 - Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando
a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que em posse, conforme o
caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias.
117
Art. 11 - São irrecorríveis as decisões interlocutórias do Relator, as quais poderão ser
revistas no julgamento final. D ac6rdão caberá, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas,
apenas pedido de reconsideração, sem efeito suspensivo.
Art. 12 - O processo de que trata esta Resolução será observado pelos tribunais regionais
eleitorais e terá preferência, devendo encerrar-se no prazo de 60 (sessenta) dias.
Art. 13 - Esta Resolução entra em vigor a data de sua publicação, aplicando-se apenas às
desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários
eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a
eleitos pelo sistema majoritário.
Parágrafo único - Para os casos anteriores. o prazo previsto no art. , § , conta-se a
partir do inicio de vigência desta Resolução.
Nesses termos, foi editada a Resolução inquinada, enumerando hipóteses e
disciplinando o procedimento dirigido à decretação da perda de mandato eletivo em
decorrência da hipótese de desfiliação partidária, com aplicabilidade imediata,
voltada a disciplinar a matéria a partir da data de sua publicação.
No âmbito do STF debateu-se a constitucionalidade do ato, cujos termos e
fundamentos serão vistos em seguida, bem assim ocorrerá com as críticas,
lançadas, propositalmente, no capítulo final.
3 DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Trata-se aqui de referenciar os paradigmas interpretativos fixados
vinculativamente às instâncias inferiores pelo órgão de Cúpula do Poder Judiciário
Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal.
Tais marcos jurisprudenciais, até a superveniência das decisões adiante
analisadas, consideravam o sistema constitucional em vigor, refratário à
possibilidade de se decretar a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária,
senão vejamos.
Em 11/10/1989, no âmbito do Mandado de Segurança 20.916-0
432
, de
relatoria do Min. Sepúlveda Pertence se fixaram os seguintes termos: a) a despeito
do duplo significado do sufrágio do eleitor no sistema proporcional, ao se votar
nominalmente em um candidato está-se automaticamente votando na legenda
partidária; b) a ordem constitucional de 1988 não estabeleceu hipótese de perda de
432
Acórdão s/n, Mandado de Segurança 20.916-0 Supremo Tribunal Federal, datado de
11/10/1989, publicado DOU-DJ 26/03/1993, ementário 1.697-2, Impetrante: Partido Trabalhista
Brasileiro – PTB, Impetrado: Presidente da Câmara dos Deputados.
118
mandato por infidelidade partidária, como ocorreu na Constituição de 1969; c) a
Constituição atual não cuida de nada disso, limitando-se a dizer que os estatutos
partidários prescreverão normas de fidelidade partidária; d) não poderiam os
estatutos partidários inserir tal hipótese que criaria nova forma de perda de mandato;
d) que os princípios teóricos do sistema proporcional não levariam a perda do
mandato; e e) que não se pode ceder à tentação do fortalecimento do vínculo
partidário.
Dessa forma, o Ministro fixou o entendimento de que o mandato não
pertence ao partido, afirmando que: “(...) explicação jurídica, data vênia para que o
suposto direito de um partido ao mandato, extinto com a transmigração do
mandatário a outra legenda, renascesse das próprias cinzas, quando se fosse cuidar
de sua sucessão, na vacância por qualquer motivo” (Destaque no original)
433
.
em 11/10/1989, no âmbito do Mandado de Segurança nº 20.927-5
434
de
relatoria do Min. Moreira Alves se fixam os seguintes entendimentos: a) que a
despeito da estreita vinculação entre o partido ou a coligação partidária e o
candidato que concorreu às eleições por um ou por outra, no âmbito do sistema
proporcional, o 14, parágrafo
,
V da Constituição Federal declara que uma das
condições de elegibilidade é a filiação partidária; b) que a Emenda Constitucional n
°
25/1985 revogou o instituto da fidelidade partidária e, em razão disso, a mudança de
partido por parte de deputados não persistiu como causa de perda de mandato,
desde que revogado o inciso V do artigo 35 que enumerava os casos de perda de
mandato; e c) na atual Constituição, também não se adota o principio da fidelidade
partidária, o que permite a mudança de partido, sem a consequência da perda de
mandato.
Disso, concluiu que se a própria Constituição não estabeleceu a perda de
mandato nos casos em que haveria a diminuição da representação parlamentar do
partido porque se elegeu o mandatário. Desse modo, entendeu que a vontade do
constituinte foi pela não preservação do instituto e, assim, pela adoção do mandato
livre.
No referido julgamento, o Min. Sepúlveda Pertence assinalou que toda
433
Voto, p. 373-376.
434
Acórdão s/n, Mandado de Segurança 20.927-5 Supremo Tribunal Federal, datado de
11/10/1989, publicado DOU-DJ 15/04/1994, ementário nº 1.740-01, Impetrante: Luiz Fabrício Alves
de Oliveira, Impetrado: Presidente da Câmara dos Deputados.
119
tentativa de se reintroduzir o instituto no ordenamento, tenderia a recepcionar no
atual regime positivo, modelo de representação proporcional diversa, fixado em outro
sistema.
Por sua vez, o Min. Francisco Rezek votou por reconhecer que a
Constituição de 1988 tem um subsolo consistente no seu momento histórico e julgou
ter sido intencional a omissão do constituinte acerca da prescrição pela não perda
de mandato decorrente de desfiliação partidária. Isto, pois, vigoraria no país o
regime democrático, de que o instituto, por ter servido aos propósitos de regime
diverso
435
, é incompatível.
O Min. Aldir Passarinho asseverou que não houve omissão na
Constituição pelo não estabelecimento do princípio de perda do mandato por
infidelidade partidária, pois o tema se manteve presente. De acordo com o Ministro,
os casos de perda de mandato, expressos no art. 55, são taxativos, o que não deixa
espaço para interpretações diversas.
Ainda referiu o renomado jurista que, no tocante à infidelidade partidária e à
indisciplina, a Constituição expressamente remeteu a fixação das normas referentes
a tais pontos aos estatutos dos partidos políticos, por meio do art. 17, § . Nesse
sentido, ali não teria sido estabelecida como norma a fidelidade partidária para que
pudesse ser determinada a perda do mandato político.
Pontuou o Ministro que no sistema constitucional em vigor, o ideal seria a
prevalência da vinculação aos partidos políticos, os prestigiando-se assim. Contudo,
referiu que não se encontra na Constituição Federal, nem na legislação ordinária,
nenhum dispositivo que discipline a perda do mandato eletivo em casos de mudança
de partido pelo candidato eleito.
Em 22/03/2004, no âmbito do Mandado de Segurança 23.405-9
436
, de
relatoria do Min. Gilmar Ferreira Mendes, ficou definido que: “Embora a troca de
partidos por parlamentares eleitos sob regime da proporcionalidade revele-se
extremamente negativa para o desenvolvimento e continuidade do sistema eleitoral
435
No sentido de autoritário.
436
Acórdão s/n, Mandado de Segurança 23.405-9 Supremo Tribunal Federal, datado de
22/03/2004, publicado DOU-DJ 23/04/2004, ementário 2.148-9, Impetrante: Ney Moura Teles,
Impetrado: Presidente da Câmara dos Deputados.
120
e do próprio sistema democrático, é certo que a Constituição não fornece elementos
para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente”
437
.
Na sequencia, serão perquiridos os fundamentos da alteração
jurisprudencial que deixou de prestigiar os entendimentos antes explanados.
3.1 OS MANDADOS DE SEGURANÇA Nº 26.602, 26.603 e 26.604/2007
Com base na Consulta 1.398/2007, respondida positivamente pelo TSE,
foram impetrados três mandados de segurança, com pedido liminar, perante o STF,
em face de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que indeferiu o
requerimento formulado pelo PPS, PSDB e DEM, para declarar a vacância dos
mandatos dos parlamentares que se desfiliaram dessas agremiações partidárias,
sob o fundamento de não figurar essa hipótese mudança de filiação partidária
entre aquelas expressamente previstas no § do art. 239 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados
438
.
Mantendo-nos fiel ao propósito deste trabalho, apesar da peculiaridade dos
casos, tanto sobre seus aspectos processuais (deferimento ou indeferimento das
medias liminares pleiteadas, da concessão ou denegação da segurança) quanto aos
aspectos materiais, trataremos indistintamente dos fundamentos constitucionais que
embasaram as decisões e os votos divergentes.
Passa-se, a partir de agora, a análise das categorias fundamentais nos
termos da decisão in concreto.
3.1.1 O Voto Condutor
O Min. Relator Celso de Mello, primeiramente, decidiu duas questões
preliminares a respeito da legitimidade ativa do PSDB e da ausência de prova do
interesse de agir.
437
Voto, p. 500-501.
438
“Art. 239. A declaração de renúncia do Deputado ao mandato deve ser dirigida por escrito à Mesa,
e independe de aprovação da Câmara, mas somente se tornará efetiva e irretratável depois de lida no
expediente e publicada no Diário da Câmara dos Deputados. § 1º Considera-se também haver
renunciado: I - o Deputado que não prestar compromisso no prazo estabelecido neste Regimento; II -
o Suplente que, convocado, não se apresentar para entrar em exercício no prazo regimental.
121
Quanto à primeira questão preliminar, o Relator entendeu que o PSDB
possui legitimidade ativa para figurar na demanda, posto que a transferência dos
parlamentares para outros partidos teve repercussão direta e imediata sob a esfera
jurídica do PSDB, que ele sofreu redução em sua bancada parlamentar na
Câmara dos Deputados, com todas as conseqüências que podem derivar da
diminuição de representatividade de qualquer agremiação partidária naquela casa
do Congresso Nacional.
No que se refere à segunda questão, entendeu o Relator estar presente o
interesse de agir: o PSDB teve seu pedido administrativo indeferido rejeitado pelo
Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, de sorte que outra alternativa não lhe
restou senão a de ingressar em juízo.
Respondendo ao questionamento do Procurador Geral da República,
sustentou o Relator que o mandado de segurança é o remédio processual adequado
para os fins almejados pelo impetrante, embora, sob o ponto de vista de Chefe do
Ministério Público, a Consulta do TSE não tenha imputado à desfiliação partidária,
de forma absoluta ou objetiva, nova hipótese de perda do mandato partidário.
A fundamentação utilizada pelo Relator é de que os documentos trazidos
aos autos de processo são suficientes para embasar os fatos motivadores do pedido
mandamental, não cabendo ao Partido fazer prova negativa para demonstrar que
não moveu perseguição política aos litisconsortes passivos necessários, como
alegam ou, então, que não se registrou mudança de conteúdo programático nos fins
visados por referida agremiação. Ademais, o mandado de segurança, por ter caráter
sumaríssimo, não comporta dilação probatória.
Em defesa, os litisconsortes passivos necessários alegaram a
impossibilidade jurídica do mandado de segurança nos termos em que foi proposto,
visto ter sido totalmente fundamentado em pronunciamento do TSE que extravasou
os limites jurídicos de sua própria competência ao ingressar em área de natureza
constitucional (fidelidade partidária – renúncia e perda de mandato).
Sob tais premissas, o Min. Relator respondeu que o instituto da Consulta
está previsto na legislação brasileira, notadamente no âmbito da Justiça Eleitoral,
que permite ao TSE responder a indagações que lhe tenham sido feitas por
autoridades com jurisdição federal, como no caso em questão. Esclareceu que a
resposta à consulta não tem caráter jurisdicional, não tendo, portanto, o condão de
122
criar, modificar ou extinguir direitos. Diante disso, concluiu que a resposta do TSE à
Consulta 1.398/DF constituiu, nesta ação mandamental, subsídio à tese sustentada
pelo partido político impetrante.
Quanto ao controle de constitucionalidade, sustentou o Relator que os
órgãos do Poder Judiciário, inclusive os que integraram a estrutura da Justiça
Eleitoral,
(...) dispõe de competência para exercer o controle incidental, pela via difusa,
da constitucionalidade dos atos estatais em geral (RTJ 158/976, v.g.) ou,
como no caso, em se tratando de procedimento de Consulta, para se
examinar a tese nela veiculada em face dos princípios e cláusulas da própria
Constituição da República, não se justificando, portanto, a alegação dos
referidos litisconsortes passivos de que só ao Supremo Tribunal Federal
competiria a apreciação da matéria objeto da Consulta 1.398/DF
439
.
Dessa forma, foram rejeitadas, por unanimidade de votos, as arguidas
preliminares de ilegitimidade ativa e de falta de interesse de agir, bem como de
impossibilidade do Judiciário interferir em matéria interna e peculiar à organização
dos partidos políticos e a da impossibilidade jurídica do pedido, que se embasado
em consulta do TSE. Por maioria, rejeitou a preliminar de ausência de liquidez e a de
impossibilidade de dilação probatória em sede de mandado de segurança, vencido o
Min. Eros Roberto Grau.
No que se refere ao mérito, o Min. Relator proferiu seu voto sob o prisma da
constitucionalização dos partidos políticos, o que regulou e disciplinou, de modo
geral, o processo de institucionalização desses órgãos intermediários. Conferiu a
eles a qualidade de corpos intermediários essenciais à intermediação dos cidadãos
ao exercício do poder estatal e garantiu às agremiações partidárias e, somente a
elas, o monopólio das candidaturas aos cargos eletivos.
Reconheceu a função política dos partidos, citando a Lei Fundamental de
Bonn, promulgada em 1949, segundo a qual: “os partidos concorrem para a
formação da vontade política do povo”
440
.
Quanto à REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, afirmou que resta
flexibilizada a relevância da nova disciplina constitucional que garante aos partidos
políticos AUTONOMIA para administrar interna e autonomamente seus próprios
interesses, excluindo da ingerência normativa do Estado, notadamente do
439
Cit. do Min. Relator, p.365. (RTJ 158/976, v.g.).
440
Vide art.21, nº 1.
123
Congresso Nacional, as matérias reservadas pela Constituição aos estatutos das
agremiações.
Ainda quanto à AUTONOMIA PARTIDÁRIA, prosseguiu infirmando que o
mesmo postulado constitucional, além de impedir qualquer controle ideológico do
Estado sobre os partidos, criou em favor desses corpos intermediários no que se
trata da definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno
funcionamento de reserva de uma área estatutária absolutamente indevassável
pela ação normativa do Poder Público, citando a ADI 1.063/DF de sua Relatoria.
Na questão da REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, o Relator
consignou que o artigo 14, parágrafo terceiro da Constituição Federal, estabeleceu
como condição de elegibilidade a filiação partidária, o que fez dos partidos políticos
elementos indispensáveis à realização da democracia representativa.
Afirmou que a questão deve ser apreciada sob dois aspectos: FIDELIDADE
DO REPRESENTANTE ELEITO AO PARTIDO POLÍTICO e FIDELIDADE DO
REPRESENTANTE ELEITO AO POVO QUE O ELEGEU. Por essa razão,
fundamentou que o abandono da legenda pela qual o parlamentar se elegeu,
desfalca, sem restituição, a representação parlamentar do partido, fraudando a
vontade do povo e lesando a democracia representativa. Aqui está a causa geradora
do reconhecimento do direito da agremiação de preservar a vaga obtida pelo
sistema proporcional eleitoral.
Reforçou a fundamentação de seu voto esclarecendo que por interpretação
sistêmica do mecanismo da representação proporcional, as vagas obtidas por
intermédio do quociente partidário pertencem ao partido, pois uma das mais
relevantes conseqüências do sistema eleitoral proporcional consiste em viabilizar a
presença de correntes minoritárias de pensamentos no âmbito do Parlamento.
No que se trata da REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, reconheceu a
limitação da AUTONOMIA dos partidos políticos, bem como asseverou ser
necessário assegurar ao Deputado, nos casos em que se justificar o ato de sua
voluntária desvinculação de partido político pelo qual se elegeu, o direito de
resguardar a titularidade do mandato legislativo, exercendo a prerrogativa de fazer
instaurar o procedimento em cujo âmbito se lhe viabilize a possibilidade de
demonstrar a ocorrência de exceções justificadoras da desfiliação partidária.
124
Ao final do seu voto, o Min. considerou duas questões de ordem temporal e
principiológica: a época da decisão e a segurança jurídica, respectivamente. Sob
estes aspectos, o Relator, não obstante reconheça como constitucionalmente correta
a interpretação que o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral deu à matéria em comento,
indeferiu o mandado de segurança, posto que os Deputados que figuram no
processo em questão, deixaram o partido em data anterior à resposta dada à
consulta formulada ao TSE, de modo que, até então, a Corte Suprema decidia pela
manutenção dos mandatos com os Parlamentares eleitos.
3.1.2 Manifestações Consoantes
O Min. Menezes Direito, no que concerne à REGULAMENTAÇÃO
CONSTITUCIONAL, entende que o que prevalece com a Constituição de 1988 é o
regime representativo, fixando como condição de elegibilidade, em especial, a
filiação partidária. Conseqüência direta disso é o entendimento que os partidos
políticos são indispensáveis para a viabilização da representação popular como
forma de exercício da soberania popular. Desta feita, entendeu que o haveria
candidato sem partido.
Fundamentou que os mandatos parlamentares necessariamente vinculavam
os eleitos aos partidos pelos quais se elegeram. Esclareceu que quando o eleito
pede seu afastamento para ingressar em outro partido, o mandato deve sim, ficar
com o partido político pelo qual o eleito se elegeu. Neste contexto, admitiu o
Ministro, a hipótese de perda de mandato em casos de INFIDELIDADE
PARTIDÁRIA, sob o fundamento de que, uma análise sistêmica da Constituição
Federal, permite concluir pela perda do mandato nos casos de infidelidade
partidária.
Frisou que a AUTONOMIA conferida aos partidos políticos pela Constituição
Federal, embora conferida de forma bastante elastecida, encontrou limites nos
próprios princípios constitucionais, em especial, nas garantias e direitos
fundamentais o que permitiu considerar a hipótese de troca de legenda sem perda
125
de mandato pelos eleitos que sofrerem perseguições ou, nos casos em que houver
mudança de orientação ideológica do partido político pelo qual o mesmo se elegeu.
Postas estas considerações, o Min. Menezes Direito reconheceu o direito
líquido e certo do impetrante. Todavia, pelas mesmas razões do Min. Relator
segurança jurídica e aspecto temporal – deixou de conceder a segurança.
Também com o Relator votou o Min. Cezar Peluso, o qual aponta como
aspecto primordial da REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL sobre o assunto em
comento a essencialidade, ou mais, a indispensabilidade dos partidos políticos para
a viabilização do regime democrático, sobretudo, mas não exclusivamente, na
mecânica dos sistemas proporcionais.
Considerando o funcionamento do sistema representativo proporcional,
entendeu que não há como se admitir, perante tal ordem, que representantes eleitos
sob tais condições possam mudar de partido levando consigo o cargo, posto que,
caso esses representantes tivessem concorrido através de outro partido, poderiam
sequer ter sidos eleitos.
Posto isto, concluiu que o patrimônio dos votos deve entender-se na lógica
do método proporcional que é o objeto do mandado de segurança analisado, como
atribuição do partido e não de cada candidato.
Ainda, no que concerne à REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, a
FIDELIDADE PARTIDÁRIA foi posta como exigência constitucional sendo sua
observância obrigatória no mundo dos fatos. De outro lado, mesmo que a perda do
mandato não fosse possível em casos de infidelidade partidária, asseverou que a
simples exigência da FIDELIDADE PARTIDÁRIA, por si só, impede a transmigração
partidária com o mandato, como se este fosse um acessório que acompanhasse o
eleito.
Entendeu que a AUTONOMIA dos partidos políticos, concedida pela
Constituição Federal para a sua criação e extinção, além de estabelecer princípios e
diretrizes programáticas, está limitada pelos próprios princípios constitucionais
norteadores do Estado Democrático de Direito, em especial àqueles que se referem
aos Direitos e Garantias Fundamentais e que permitem sejam criadas normas
internas de DISCIPLINA PARTIDÁRIA as quais devem, obrigatoriamente, ser
seguidas pelos filiados. Daí a importância da presença de regras atinentes à
FIDELIDADE e à DISCIPLINA PARTIDÁRIA nos estatutos de cada agremiação.
126
Esclareceu que a questão da FIDELIDADE PARTIDÁRIA não deve ser
compreendida somente nos termos estritos do parágrafo primeiro do artigo 17 da
Constituição Federal, mas sim, como uma imposição sistêmica do mecanismo
constitucional da representação proporcional. Fundamentou, adiante, que o inciso
quinto, do parágrafo terceiro, do artigo 14 da Constituição Federal, regulamentando
o parágrafo único do artigo do mesmo Diploma, no que tange à Democracia,
sublima a filiação partidária à condição necessária de elegibilidade, tornando-a
assim, um verdadeiro pressuposto constitucional do mandato. Desse modo, firmou
entendimento de que o cancelamento dessa filiação ou a transferência do partido
pelo qual se elegeu o candidato, sem justificativas, impõe a preservação da
vaga/mandato no partido de origem.
Ademais, pontuou que o artigo 45 da Constituição Federal determina que,
pelo sistema proporcional, a vaga obtida com as eleições pertence ao Partido e o
ao candidato eleito.
Ao final, denegou a segurança em respeito à segurança jurídica, a ampla
defesa e, por entender coerente os critérios temporais apresentados pelo Min.
Relator.
O Min. Gilmar Mendes, ao seu tempo, também votou em consonância ao
Relator considerando o sistema proporcional e apontando a necessidade de se
observar os seguintes aspectos: número de votos válidos; quociente eleitoral;
quociente partidário; técnica de distribuição de restos ou sobras; critério a ser
adotado na falta de obtenção de quociente eleitoral.
Fez ainda a ressalva de que, em razão dos aspectos apontados, pode
acontecer de até mesmo o candidato mais votado no pleito eleitoral, não obter o
assento em razão de a agremiação partidária não ter obtido quociente eleitoral.
Expôs a razão que o faz acreditar que, no sistema proporcional, o mandato
é sempre do partido e não do candidato eleito, por isso, em casos de INFIDELIDADE
PARTIDÁRIA, aqui entendida a troca de legenda após a eleição, afirmou que o
candidato eleito perderá o mandato o qual, indiscutível, pertence ao partido.
Referindo-se à REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, entendeu que os
partidos políticos detêm o monopólio das candidaturas, posto ser a filiação partidária
pressuposto constitucional de elegibilidade. Ainda, disse ser antagônico exigir que a
Constituição Federal traga em seu texto previsão expressa de perda de mandato em
127
caso de INFIDELIDADE PARTIDÁRIA, nos casos de troca de legenda, quando ela já
prevê em todo o seu texto que o voto é atribuído ao partido no sistema proporcional
o qual exige como pressuposto para elegibilidade a filiação partidária.
Por fim, votou com o Relator em todos os seus termos, denegando-o por
questões que fogem ao tema Fidelidade Partidária.
A Min. Ellen Gracie também votou com o Relator, fazendo constar a
ressalva de que se deve observar o início da vigência e conseqüente aplicabilidade
de tal entendimento.
Por seu turno, o Min. Ricardo Lewandowski denegou a segurança
pleiteada pelo impetrante e trouxe em suas razões algumas inovações, senão
vejamos.
Inicialmente, apresentou reflexões acerca dos partidos políticos, pontuando,
como nos demais votos aqui analisados, que numa democracia representativa os
partidos políticos desempenham um papel fundamental, pois encontra-se
REGULAMENTADO CONSTITUCIONALMENTE que a soberania popular (art.1º, I) é
exercida através do sufrágio universal (art.14, caput), constituindo a filiação
partidária “conditio sine qua non” para a investidura em cargo eletivo (art.14, par.3,
IV).
A FIDELIDADE PARTIDÁRIA, portanto, consistiria em pressuposto de
autenticidade da representação popular, posto que obriga os candidatos eleitos a
honrarem a confiança depositada pelo cidadão, o qual votou na ideologia partidária
defendida e não somente na pessoa do candidato.
Consoante o Ministro, a DISCIPLINA PARTIDÁRIA, a ser observada, vem
definida nos estatutos dos partidos políticos, de modo que, qualquer ato contrário às
definições estabelecidas neste documento e no regimento interno pode ser
caracterizado como ato de infidelidade.
Fez constar de seu voto que os parlamentares que trocaram de partido
fizeram-no confiando no ordenamento legal vigente e na jurisprudência da mais Alta
Corte de Justiça do País. De sorte que, ao praticarem o ato, o fizeram amparados
pelo Sistema Jurídico vigente.
Pontua que a Constituição anterior previa, a título de sanção, a perda de
mandato em casos de infidelidade partidária. No entanto, explica que a atual
Constituição não recepcionou tal dispositivo, mas, ao contrário, no art. 55 da Lei
128
Maior, que trata das hipóteses de perda de mandato para senadores e deputados,
deixou de incluir qualquer tipo de sanção para os casos de infidelidade partidária.
Comentou também que de acordo com o artigo 15 da Constituição Federal, a
cassação de direitos políticos, sua perda ou suspensão podem ocorrer nos casos
previstos pelo próprio dispositivo constitucional. Assim, dispôs que como o referido
artigo nada menciona sobre a perda de mandato, pode-se deduzir que o partido
político não poderá prever em seus estatutos a aplicação desse tipo de penalidade
ao representante político infiel.
Fez constar em seu voto, que a própria Justiça Eleitoral regulamentou o
procedimento a ser observado pelos candidatos eleitos quando da mudança de
partido por eles efetuada, não o fazendo, desde a Emenda Constitucional 24/85, a
qual suprimiu a sanção de perda de mandato por infidelidade partidária.
No aspecto processual, afirmou estar ausente o direito líquido e certo, uma
vez que o mandado de segurança foi interposto com base na resposta elaborada
pelo Superior Tribunal Eleitoral à consulta formulada pelo Partido político; resposta
esta que apontou duas hipóteses em que a perda de mandato não deve ser aplicada
como sanção quando o candidato eleito decidir trocar de legenda: a) mudança
significativa de orientação programática do partido; e b) comprovada perseguição
política dentro do partido que abandonou.
Nestes termos, para se apurar se no caso em comento uma das hipóteses
se concretizou no mundo dos fatos, como alegado pelos Requeridos, referiu que o
mandado de segurança não consiste em remédio jurídico adequado, pois se a
necessidade de se comprovar, de chegar mais próximo possível da realidade dos
fatos, é porque inexiste direito inquestionável – líquido e certo.
Reconheceu o direito dos Requeridos de exercerem a ampla defesa e o
contraditório com a finalidade de apurar se houve ou o, neste caso concreto,
alguma das hipóteses em que a troca de legenda é permitida sem a punição da
perda do mandato. Pelos motivos expostos, restou denegada a segurança.
O Min. Joaquim Barbosa, em seu voto, denegou a segurança pleiteada
pelo Partido político. Em seu voto apresentou uma visão diferenciada do tema, na
qual questiona a interpretação dada pela maioria dos membros do Judiciário,
referidos no decorrer do Acórdão à REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL, no
que tange à função dos partidos políticos no Estado Democrático de Direito. Os
129
partidos políticos, de acordo com estas interpretações, disse, são postos como o
fundamento da democracia no Brasil. Da forma em que o assunto é exposto e, dada
a importância concedida aos partidos políticos, enfatizou que a soberania popular
acabou ficando em segundo plano. Registrou que o que acaba por ocorrer é uma
inversão de valores, pois “todo poder emana do povo que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente (..)”
441
.
Posto isto, informa que os partidos políticos são instituições essenciais,
criadas para viabilizar a democracia representativa, porém não se constituem em
fundamento do Estado Democrático de Direito.
Salientou em seu voto que o artigo 45 da Constituição Federal prevê que a
“A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo” e acrescentou
que uma análise do parágrafo primeiro do artigo primeiro da Constituição Federal
leva a concluir que a fonte de legitimidade de todo o poder não se encontra nos
partidos políticos como decidiu o TSE.
Quanto à questão da FIDELIDADE PARTIDÁRIA, pontuou que não se
poderia efetuar uma interpretação constitucional sobre esse assunto a partir de
princípios supostamente implícitos no texto da Constituição Federal. Entendeu,
assim, que o constituinte de 1988, de forma bastante consciente, disciplinou a
matéria optando deliberadamente por abandonar o regime anterior de FIDELIDADE
PARTIDÁRIA, o qual previa a perda de mandato como sanção. Caso assim não
fosse, disse que não existiriam razões para tal hipótese não restar prevista no texto
constitucional, que, exaustivamente, nos artigo 55 e 56, a Constituição Federal,
taxativamente, elencou as hipóteses de perda de mandato por parlamentar eleito
pelo voto popular.
Fez constar ainda que até mesmo nas hipóteses em que a Constituição
Federal prevê expressamente a perda de mandato pelo parlamentar, fica a ele
garantido o direito da ampla defesa antes que a medida seja efetivada. Diante disso,
não seria razoável conceder a segurança num caso como este, no qual o partido
político faz uso de mandado de segurança e traz como prova de seu direito líquido e
certo o documento que comprova a desfiliação do candidato.
441
Artigo primeiro, parágrafo primeiro, da Constituição de 1988.
130
Pelas razões expostas denegou a segurança, não acompanhando o Relator
na proposta de modulação dos efeitos da decisão, entendendo não ser possível
retroagir eventual decisão concessiva a 23/03/2007, que as mudanças de
legendas foram efetuadas com base na jurisprudência pacífica da época, a qual, a
a data da prolação deste voto, encontrava-se válida.
3.1.3 Pronunciamentos Divergentes
Divergindo do voto do Min. Relator Celso Mello, os Min. Carlos Ayres
Britto e Marco Aurélio Mello concederam a segurança pleiteada pelo Partido
político.
O primeiro fundamentou seu voto esclarecendo que a desfiliação voluntária,
apesar de garantida constitucionalmente (artigo quinto, XX CF/88), consiste em uma
opção que traz consigo consequências jurídicas.
Ponderou que o parlamentar alcançou o mandato através do partido político
pelo qual se elegeu, que a filiação partidária é um pressuposto de elegibilidade;
somou a isso o fato de que, no caso em comento, os parlamentares foram eleitos
pelo sistema proporcional. Por tal razão, entendeu que a perda do mandato nos
casos de troca de partido por ato unilateral de vontade é indiscutível! Asseverou que
a perda de mandato é simplesmente uma consequência lógica de uma renúncia
tácita.
Daí porque entende que mudança pelo parlamentar de partido político,
obrigatoriamente, traz como conseqüência a perda do mandato, se não pela
interpretação de violação à FIDELIDADE PARTIDÁRIA, pela razão que para Ele é a
mais lógica, isto é, ao deixar o partido, o parlamentar, voluntariamente, declara estar
renunciando ao mandato. Nestes termos, concedeu a segurança.
O Min. Marco Aurélio concedeu a segurança fundamentando a decisão
com base na importância dos partidos políticos ao Estado Democrático de Direito,
citando para tanto, textos e considerações de diversos juristas que apontam referida
131
instituição como meio indispensável à viabilização da democracia nos termos da
REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL.
Efetuando-se a íntima ligação entre povo, partido e candidato e, entre
candidato e partido; além de, considerar o sistema proporcional, concluiu que o
mandato político, em casos de ofensa à FIDELIDADE PARTIDÁRIA ficará com o
partido político.
No que concerne ao princípio do contraditório, entendeu que no processo
não se encontra a figura do acusado, posto que não versa sobre acusação. Constata
ainda que, caso haja algum prejudicado, este tem acesso ao Judiciário, podendo
então demonstrar em ação própria que deixou o partido por motivos nobres e
justificáveis.
Como se percebe, todos os entendimentos aqui esposados convergem na
alegação de que a AUTONOMIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS encontra limites nos
princípios constitucionais, passíveis de controle judicial, pois que a Carta de 1988
determinou que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça de direito. Portanto, a autonomia dos partidos políticos existe, certamente é
relevante e considerável, porém não é ilimitada, que passível de controle pelo
Poder Judiciário.
Em conclusão: tem-se que os fundamentos dos pedidos o idênticos,
razão pela qual os processos foram reunidos. Sustentaram os impetrantes que
reconheciam a plena competência e legitimidade do Poder Judiciário para o
julgamento da lide, enquanto versavam sobre o impedimento da perpetração de
abusos legislativos o que não ofenderia o princípio constitucional da separação
dos poderes. Pleitearam, na qualidade de partidos políticos, o direito líquido e certo
de manter as vagas obtidas nas eleições ocupadas por candidatos a ele outrora
filiados, em conformidade com a resposta proclamada pelo TSE à Consulta nº 1.398.
Essencialmente, requereram a concessão da ordem para que se determinasse “a
decretação da perda dos mandatos pelos deputados nomeados e a convocação
dos suplentes respectivos”.
3.2 AS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.999/2008 e
4.086/2008
132
Após a consulta 1398/2007 ao Tribunal Superior Eleitoral e os julgamentos
dos mandados de segurança 26603, 26602 e 26604/2007, restou firmada a posição
da Suprema Corte de que a infidelidade partidária, sem justa causa, é requisito para
a perda do cargo eletivo. Por tal motivo, foram propostas, pelo Partido Social Cristão
e pelo Procurador Geral da República, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade
3.999-7 e 4086/2008, respectivamente. Passou-se a questionar, então, a
constitucionalidade das Resoluções 22.610 e 22733/2008, emanadas do Tribunal
Superior Eleitoral. Em razão da semelhança entre os pedidos nas duas ações,
ocorreu a reunião e julgamento em conjunto.
Essencialmente, tais ADIn’s versavam: a) sobre a competência do Tribunal
Superior Eleitoral para examinar os pedidos de perda do cargo eletivo por
infidelidade partidária, contrariando reserva de lei complementar para a definição das
competências, consoante o disposto no artigo 121 da Constituição; b) sobre a
usurpação de competência do Poder Legislativo e Executivo para dispor sobre
matéria eleitoral, bem como para estabelecer normas de caráter processual; e c)
sobre impugnações quanto à competência para se atribuir ao Ministério Público
Eleitoral e ao terceiro interessado, ante a omissão do partido político, legitimidade
para postular a perda do cargo eletivo. Isto porque, segundo os autores das ações, a
criação de nova atribuição ao Ministério blico dissocia-se da necessária reserva
de lei em sentido estrito, enquanto o suplente não poderia requerer, em nome
próprio, aplicação de sanção que visa garantir a fidelidade partidária sob o
argumento de que o mandato pertenceria ao partido.
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal decidiu conhecer as
ações, mas julgá-las improcedentes, declarando a constitucionalidade da resolução
impugnada. Em seus votos, os ministros, incluindo o Relator, em nome do princípio
da colegialidade e a fim de dar efetivação às decisões anteriormente proferidas
pela Corte nos mandados de segurança 26603, 26602 e 26604/2007, entenderam
pela necessidade do Tribunal Superior Eleitoral regulamentar o processo de perda
de cargo eletivo e justificação de desfiliação partidária até que o Congresso
Nacional, exercendo a sua competência, assim o faça. Segundo justificativas
esposadas pelos ministros, de nada adiantaria reconhecer a constitucionalidade da
fidelidade partidária como requisito para o mandato eleitoral sem que houvesse
mecanismo processual que garantisse tal direito.
133
3.2.1 O Voto Condutor
O relatório ficou a cargo do Min. Joaquim Barbosa que, de início, firmou a
possibilidade do exame concentrado do texto normativo impugnado sob o argumento
de que a resolução 22610/2007, traz densidade normativa própria e suficiente na
medida em que traça normas gerais e abstratas sobre o processo para a desfiliação
partidária e a perda do mandato eletivo em razão da infidelidade partidária sem justa
causa.
No mérito, o Min. fez menção ao voto proferido quando dos julgamentos dos
mandados de segurança 26603, 26602 e 26604/2007, oportunidade em que, sendo
voto vencido, externou sua opinião sobre a necessidade de não se deixar em
segundo plano a relação entre o eleitor e o eleito, em privilégio à relação entre o
eleitor e o partido. Naquela oportunidade, o Min. também pôs em dúvida a
possibilidade da perda do mandato eletivo que emana diretamente do povo sem a
consulta a este, na mesma proporção.
Pondera também que a Constituição atribui à lei a capacidade de tratar
sobre a matéria eleitoral, como estatuído nos artigos 22, I, 48 e 84, IV da
Constituição. Lembra que não se trata de questão meramente formal que, em
decorrência do princípio da representação popular o Sistema Político estaria apto a
realizar operações que nenhum outro sistema, incluindo o Judicial, pode efetuar (se
referindo especificamente ao poder de produzir normas). Entretanto, afirmou o Min.
que, naqueles julgamentos, o Supremo Tribunal Federal firmou as seguintes e
importantes orientações: “fixou interpretação constitucional quanto à possibilidade de
perda do cargo eletivo, na hipótese de a desfiliação partidária não estar amparada
por justa causa. Em segundo lugar e é o ponto relevante, para essa discussão
remeteu ao TSE a regulamentação das fases do procedimento destinado a confirmar
a presença de justa causa”
442
.
Assim, considerando a necessidade de se criar mecanismos para garantir
um direito constitucional já confirmado pela Corte, qual seja a perda de cargo eletivo
em razão da infidelidade partidária, bem como a regulamentação para se proceder à
442
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999-7 p. 04
134
desfiliação partidária, o Relator decidiu pela constitucionalidade das resoluções
22610/2007 e 22.733/2007 do Superior Tribunal Eleitoral nos termos abaixo:
Ao reconhecer aos partidos políticos o direito de postular o respeito ao princípio da
fidelidade partidária perante o Judiciário, decisão na qual, é importante relembrar, eu fiquei
vencido, esta Corte, interpretando a Constituição, não lhes negou um meio processual para
assegurar concretamente as conseqüências advindas de eventual desrespeito ao princípio
então reconhecido. É nesse sentido que leio as palavras lançadas pelo Min. Celso de Mello,
de que compete ao TSE dispor sobre a matéria durante o silêncio eloqüente, talvez do
Legislativo
443
.
No entanto, fixou entendimento de que se trata de decisão tomada em
caráter excepcional, a fim de resolver situação momentânea, como forma de suprir
lacuna deixada pelo Poder Legislativo que até aquele momento teria deixado de
regulamentar, de forma definitiva, sobre o processo de perda de cargo eletivo e
justificação de desfiliação partidária: “A atividade normativa do TSE recebe seu
amparo da extraordinária circunstância de o Supremo Tribunal Federal ter
reconhecido a fidelidade partidária como requisito para permanência em cargo
eletivo e a ausência expressa de mecanismo destinado a assegurá-lo”
444
.
Finalmente, expôs que tais resoluções somente terão validade até que a
Casa Legislativa, real detentora da competência para legislar sobre a referida
matéria, se pronuncie para a definitiva regulamentação do tema.
3.2.2 Manifestações Consoantes
O Min. Menezes Direito acompanhou o voto do Min. Relator, apenas
ressaltando que a decisão deverá subsistir até que o Congresso decida legislar
sobre a matéria.
A Min. Carmem Lucia Antunes Rocha, por sua vez, igualmente seguiu o
entendimento do Min. Relator, votando pela improcedência das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade.
O Min. Ricardo Lewandowski, acompanhando o Relator, afirmou que ao
TSE caberia, ainda que não tivesse assim se manifestado a Corte quando do
julgamento dos mandados de segurança 26603, 26602 e 26604/2007,
443
Ibid., p. 09
444
Ibid., p. 10
135
regulamentar o procedimento, dando efetividade à decisão do Supremo Tribunal
Federal, de acordo com a competência regulamentar disciplinada pelo artigo 23, IX
do Código Eleitoral.
o Min. Carlos Britto acompanhou o voto do Relator, afirmando que não
há como se subtrair da Justiça Eleitoral brasileira o poder regulamentar com base no
artigo 23, IX e XVIII do Código Eleitoral.
A Min. Ellen Gracie, sem mais observações, apenas acompanhou a
conclusão do Relator.
O Min. Cézar Peluzzo, votando com o Relator, manifestou seu
entendimento dizendo que se faz necessário garantir a eficácia de coisa julgada
material do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal.
Por fim, o Presidente da Corte, Min. Gilmar Mendes, manifestou-se pela
improcedência das ações, acompanhando o voto do Min. Relator, fazendo menção
sobre o tema da fidelidade partidária ao longo de julgamentos ocorridos
anteriormente pela Casa.
3.2.3 Manifestações Divergentes
São dois os votos divergentes.
O Min. Eros Roberto Grau votou no sentido de julgar totalmente
procedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade demandadas. Afirmou que a
Resolução 22.610/07 TSE é “múltipla e francamente inconstitucional”
445
. O voto,
articulado em treze itens, registra os fundamentos do que o Min. denominou “abuso
de inconstitucionalidade”
446
.
A priori, partiu da premissa que os princípios constitucionais da legalidade e
da separação dos poderes restringiriam a competência regulamentar
447
do Tribunal
Superior Eleitoral - TSE
448
a disposições sobre a execução do Código Eleitoral e da
445
Id., p. 134.
446
Ibid.
447
No caso a competência expressa para “expedir instruções ou tomar quaisquer outras providências
para a execução da legislação eleitoral” – Código Eleitoral, art. 23, inc. IX e XVIII.
448
Registra que a Resolução impugnada foi expedida no uso das atribuições conferidas ao Tribunal
Superior Eleitoral - TSE, pelo artigo 23, IX, e XVIII, do Código Eleitoral:
Art. 23, XVIII, e IX do CE.
136
legislação eleitoral
449
, obstando assim, a inovação do ordenamento jurídico mediante
a expedição de normas primárias sobre matéria eleitoral
450
.
No que se refere ao princípio constitucional da legalidade, entendeu que o
TSE não estaria autorizado, pela Constituição ou por qualquer outra lei, a inovar o
ordenamento jurídico, obrigando quem quer que seja a fazer ou a deixar de fazer
alguma coisa
451
.
Ainda, afirma que tal faculdade não poderia ser outorgada pelo Supremo
Tribunal Federal que não se substitui à Constituição para distribuir competências
normativas
452
.
No que se refere ao princípio da separação dos poderes, obstou a
superposição dos momentos normativo e judicial
453
.
A posteriori, admitindo-se a possibilidade do TSE ter sido contemplado com
o poder de inovar o ordenamento jurídico, impondo obrigação de fazer ou não fazer,
concluiu que não poderia ter disposto sobre as matérias contidas da Resolução
impugnada
454
. Isso, pois acredita que dispõe sobre matérias que a Constituição
reserva expressamente à lei
455
, abaixo elencadas
456
:
a) o artigo primeiro dispõe sobre a perda de cargo eletivo e afrontaria o art.
22, I, XLVIII, e 48 da Constituição que delega à regulamentação da matéria à lei;
b) o artigo segundo dispõe sobre competência do TSE e TRE’s e afrontaria
o art. 121 da Constituição, em decorrência da reserva da disposição por meio de lei
complementar;
449
Somente podem dispor secundum legem, jamais praeter legem.
450
Anota voto proferido na Medida cautelar na ADC 12/STF, de relatoria do Min. Carlos Britto: “o
Estado legislador é detentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é primária, outra é
derivada. A vontade primária é assim designada por se seguir imediatamente a vontade da própria
Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma. Por isso que
imediatamente inovadora do Ordenamento Jurídico (sic), sabido que a Constituição não é diploma
normativo destinado a tal inovação, mas a própria fundação desse Ordenamento (sic). a segunda
tipologia de vontade estatal-normativa, vontade tão somente secundária, ela é assim chamada pelo
fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota como
esteio de validade um diploma jurídico já editado, este sim, com base na Constituição. Logo, vontade
que não tem aquela força de inovar o Ordenamento (sic), com imediatidade” – id. p. 130.
451
Somente se estivesse autorizado por alguma lei a dispor sobre a matéria excluída da reserva legal
poder-se-ia, segundo o Min. Eros Grau, a discutir sobre a possibilidade de o TSE expedir texto
normativo análogo aos regulamentos autorizados – id. p. 132.
452
Id.
453
Id.
454
Ibid., p. 133.
455
Áreas a que se denomina reserva de lei - id.
456
Ibid., p. 33-34.
137
c) os artigos ao e 11 inovariam em matéria de Direito Processual, o
que a Constituição não admitiria nem mesmo por meio de medida provisória;
d) o §do artigo primeiro inova as atribuições do Ministério Público, o que
afrontaria o § do artigo 128 da Constituição que reserva a disposições da matéria
à lei complementar federal, e no plano dos Estados-membros, às leis
complementares estaduais.
Nesse sentido, firmou entendimento de que não incumbiria ao TSE dispor
acerca de normas que não tratem da execução do Código Eleitoral e sobre leis que
regulem matéria eleitoral e que “nada dispuseram no que tange a perda de cargo
eletivo em razão de infidelidade partidária”
457
pelo que preceitua o Ministro que “a
inconstitucionalidade da Resolução 22.610/07 é, neste ponto, retumbante”
458
.
O Min. Marco Aurélio de Farias Melo, vencido em sede de preliminar por
haver exposado entendimento de que o Superior Tribunal Eleitoral o havia
avançado no âmbito do Poder Legislativo, apesar de entender que a fidelidade
partidária é um princípio constitucional, acompanhou o Min. Eros Grau, entendendo
que não caberia ao Superior Tribunal Eleitoral preencher a lacuna deixada pelo
Poder Legislativo, debitando tal competência ao próprio Supremo Tribunal Federal.
457
Ibid., p. 133.
458
Id.
138
4 CONSIDERÕES SOBRE AS NOVAS INTERPRETAÇÕES JUDICIAIS
4.1 DESRESPEITO AO REGIME JURÍDICO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
A alteração jurisprudencial operada por meio das manifestações do TSE e
das decisões do STF decorre, como visto, da direção tendente a concluir pelo
pertencimento do mandato eletivo ao partido político/coligação e não ao indivíduo
eleito, conforme restava assentado. Tal entendimento foi incorporado sem diferençar
se o candidato elegeu-se por meio da destinação exclusiva dos votos à legenda, se
por “mérito” próprio ou pelo aproveitamento das sobras partidárias.
Não dúvidas que tais definições restam incompatíveis com o regime
representativo adotado pela Constituição brasileira, no âmbito de uma democracia
partidária, pois, como visto, tal opção política é consentânea à forma de mandato
livre e não do mandato vinculado/imperativo.
Ainda, ao passo que as manifestações e decisões judiciais reconhecem que
a AUTONOMIA PARTIDÁRIA pressupõe a criação e a aplicação de regras sobre
FIDELIDADE e DISCIPLINA pelo próprio ente partidário, exclui desse modo, a
ingerência normativa do Estado.
Em decorrência, se impõe constatar que tal direção se evidencia
incongruente com as bases do sistema jurídico nacional, posto que tal definição é
contrária aos mandamentos contidos do próprio sistema, senão vejamos.
Nessa linha, adiante resta apontar, ao lado daqueles argumentos
trabalhados pelos votos divergentes, em cada qual das demandas instauradas tanto
perante o TSE quanto o STF, os fundamentos que evidenciam que as definições
tomadas pelo Poder Judiciário Brasileiro foram fixadas sem parâmetros normativos.
139
4.1.1 Desconformidade das Manifestações do TSE face à Constituição
Os limites de uma válida interpretação judicial no âmbito do controle
abstrato de constitucionalidade pressupõem a adstrição do julgador ao texto da
norma que deve ser compreendida em seu contexto histórico de forma que uma
intervenção do Poder Judiciário não resulte em inovação textual da norma em
análise, comprometendo a sua integridade
459
.
Um dos temas centrais da teoria da Constituição é a sua localização
histórica, a sua entrada no tempo, a sua abertura no tempo, a sua historicidade
460
.
Esse é o sentido que Canotilho empresta a um dos topoi interpretativos,
categorizada enquanto concepção histórica da Constituição. Nesta senda, o
renomado autor explica que:
A historicidade como categoria do direito constitucional implica colocar a “consciência
humana” no centro da teoria da constituição (e no centro de uma teoria do Estado e do
Direito), de forma a poder afirmar-se que também aqui no plano constitucional se deve
falar de um ‘ser-história’ e não apenas de um ‘ter-história’. A mudança do ‘ter-história’ e ‘ser
história’ só se compreende quando ‘a história aceitar a historicidade’, isto é, captar o
‘sentido histórico do direito’ ‘como realização humana na história’ não dissolvendo o homem
uma fria relação sujeito-objeto
461
.
Acrescenta, ainda, que: (...) como direito histórico, o direito constitucional
não é um ‘poder actuante fora dos homens’, nem se pode derivar de facticidades,
forças ou poderes psicilógicos, sociológicos ou históricos: ele é uma ‘decisão
histórica’ sob a idéia do ‘justo’, não obcjetivamente fixada mas pontualmente
realizada e a realizar
462
(Grifo nosso).
Nestes termos, o que se do contexto processual e extraprocessual da
direção firmada pelo Poder Judiciário Brasileiro nas decisões destacadas, é que a
despeito da decisão do constituinte de 1988 pela manutenção da revogação do
instituto da fidelidade partidária, nos moldes daquela instituída pelo regime
autoritário, a postura que a cúpula do Judiciário assume é de reintroduzir o instituto
459
Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.063-8, datada de 18/05/1994, publicada
DOU DJ em 27/04/2001 Ementário nº 2.028-1, de Rel. Min. Celso de Mello, Requerente Partido
Social Cristão, Requeridos Presidente da República e o Congresso Nacional, p. 99.
460
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculação do legislador..., p. 131.
461
Id.
462
Id.
140
no ordenamento brasileiro como cumprimento de uma pauta voltada à reforma
política, alijada historicamente.
Sinta-se, senão qual seja o propósito da direção impressa, das palavras do
Presidente do Supremo Tribunal:
A decisão do Supremo Tribunal Federal e as novas regras adotadas pelo Tribunal Superior
Eleitoral tornaram patente a necessidade de ampla reforma política. (...).
A repercussão no Congresso Nacional foi imediata. (...).
Com a provável efetivação da mudança constitucional, dão-se os primeiros passos
no sentido da almejada reforma política no Brasil
463
(Grifo nosso).
Assim sendo, tem-se que a primeira motivação adotada pelo Min. Asfor
Rocha no voto condutor da Consulta 1.398/2007
464
, a respeito da aplicabilidade
imediata dos princípios constitucionais à solução do caso da fidelidade partidária,
com base na doutrina de Bonavides, não encontra amparo, senão veja-se adiante.
Não está a se falar em inaplicabilidade dos princípios constitucionais ao
caso, mas de que “não há norma na Constituição, nem em lei infraconstitucional, que
diga que aquele que mudar de partido perderá o mandato”, nos termos da demanda
firmada
465
.
Da fundamentação firmada no voto divergente pelo Min. Marcelo Ribeiro,
extrai-se a base do leading case relatado pelo Min. Moreira Alves
466
, segundo o
qual, com o advento da E/C n
°
25/1985 foi suprimido o instituto da fidelidade tal
como previsto na Constituição de 1967/EC 1969, pelo que, com o surgimento da
Constituição de 1988, o instituto foi reintroduzido e delegado aos partidos políticos,
no âmbito de sua autonomia.
Dessa forma, conforme o princípio da autonomia partidária, cumulado com a
direção imposta pelo regime democrático que consagra a modalidade de mandato
livre, restou fixado pela ordem constitucional que não autorização para a
imposição da perda do mandato político para mandatário infiel.
Ainda mais porque a Constituição fixou, em caráter exaustivo, as hipóteses
de perda de mandato eletivo em seu artigo 55, em que não consta a hipótese de
infidelidade partidária.
463
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional..., p 829.
464
Voto, p. 04.
465
Consulta nº 1.398/2007, voto divergente, Min. Marcelo Ribeiro.
466
Mandado de Segurança nº 20.927/1989.
141
Nesse sentido, mormente em face de princípios explícitos e regras
imediatamente aplicáveis à hipótese, não que se desconsiderar a concepção
histórica da Constituição que optou por não prever a sanção por perda de mandato
no rol do artigo 55.
Ainda nessa mesma linha, conforme transcrevera o Min. Marcelo Ribeiro,
“não haveria espaços para a evocação de princípios implícitos quando a matéria
teria sido tratada por Constituição imediatamente anterior e a alusão à perda de
mandato, de modo claro, fora retirada da atual Constituição”. Isso, pois, “o
constituinte não quis que essa hipótese, de mudança de partido, pelo parlamentar
eleito, acarretasse a perda do mandato”.
De fato, pelo que leciona Bonavides, não há, entre a corrente subjetivista ou
objetivista, tese que forneça elementos aptos a autorizar conclusão interpretativa
que defina restar abarcada pela ordem jurídica, hipótese de perda de mandato que
fora revogada pela Constituição imediatamente anterior se a alusão à perda de
mandato, de modo claro, foi retirada do atual texto constitucional
467
.
De outra forma, Bonavides é claro ao afirmar que por intermédio dos
métodos de hermenêutica constitucional poderão ser obtidas, por vezes, alterações
no sentido do texto, sem a necessidade de haver alteração nas vias formais de
emenda constitucional
468
.
Nesse sentido, cabe breve referência aos limites da legítima interpretação
judicial. Exemplo de limite que encontra a hermenêutica constitucional consiste no
regime político adotado, que se constitui critério interpretativo
469
. Com base no
467
Ensina Bonavides que, à posição subjetivista pertence a corrente dos intérpretes clássicos do
direito, que vieram a sistematizar regras de hermenêutica jurídica no sentido de que a nota
interpretativa dominante se voltava para o legislador de preferência à lei. Travava-se, esclarece, de
“um agudo esforço por determinar a mens legis, entendida como a vontade oculta do autor da
proposição normativa, vontade que ao intérprete incumbiria revelar com fidelidade”. Por sua vez, à
posição objetivista pertence a concepção de que “a lei que se desprende do legislador não se
formula como adquire autonomia para seguir com seu conteúdo um curso autônomo, amoldado-se,
na totalidade e unidade do sistema jurídico, àquelas exigências impostas segundo as circunstâncias e
as necessidades do processo de evolução do direito”. Nesse sentido, a vontade do legislador, a par
de tudo o que possa historicamente documentar-lhe a documentação, passa a ter função subsidiária,
pois desmembra-se de sua origem, e recebe força e vida próprias, capaz de acomodar-se às
variações emergentes no âmbito da realidade social a que se vai aplicar. Críticas ao método foram
tecidas, a exemplo de Peter Schneider, em razão de tender a “isolar a lei de sua origem histórica, ou
conferir-lhe uma espécie de autonomia ou vida própria, e, por, conseguinte, de torná-la mais flexível
às variações circunstanciais e às mudanças de realidade” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional..., p. 452 e 453).
468
Ibid., p. 462.
469
Ibid., p. 463.
142
regime democrático que define a hipótese do mandato livre, a definição judicial que
vise instituir a modalidade de mandato vinculado à diretriz posta pelo partido político
quanto à forma de atuação do parlamentar
470
resta eivada de ilegitimidade, pelo que
nula. Isso, pois o parâmetro objetivo de controle de racionalização da interpretação
deriva diretamente da certeza e da segurança jurídicas, o que no caso, restavam
configuradas pela taxatividade com que a Constituição definiu as hipóteses de perda
do mandato popular, em que, pelo visto, não figura a infidelidade partidária
471
.
Portanto, não há fundamento na doutrina de Bonavides que autorize a
conclusão que chegou o TSE, pois a despeito da moderna interpretação da
Constituição derivar de um estado de inconformismo com o positivismo lógicoformal,
a interpretação do texto constitucional não pode quedar desvinculada de seu
conteúdo material, o que ocorreu no caso em análise e, por conseguinte, conferiu a
desintegração da ordem instituída e o sacrifício da norma que versa sobre fidelidade
partidária, contida no artigo 17, parágrafo primeiro da Constituição
472
.
Quanto à segunda motivação, adotada pelo Min. Asfor Rocha no voto
condutor da Consulta 1.398/2007
473
, tem-se que a revisão da teoria estruturalista
do Direito, com base na doutrina de Bobbio, não encontra amparo, senão veja-se.
A aplicação da teria funcionalista do Direito para fins de perseguir as
finalidades das normas e do próprio ordenamento, no caso em análise, terminou por
incorrer naquilo que Bobbio concluiu por resultados desanimadores, ou seja, aqueles
resultados que terminaram por mostrar exatamente o contrário daquilo a que se
propunham, isto é, que pela revelação da função não se chega a apreender o
caráter específico do direito”, ou, então, quando vão em busca de uma função
específica diferente daquela ou daquelas geralmente conhecidas, caem em
uma desorientada simplificação
474
.
470
Vide Clève, no que se refere à análise acerca do direito fundamental à escusa de consciência.
(CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade partidária, impeachment e Justiça Eleitoral, estudo de caso...,
p. 36-56.
471
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
144.
472
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional..., p. 477.
473
Voto, p. 04.
474
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função..., p. 112.
143
De fato, a teoria funcional do Direito, pode ser definida, segundo Bobbio,
como “uma teoria geral que busca o elemento caracterizador do direito não na
especificidade da estrutura, (...), mas sim na especificidade da função”
475
.
Ocorre que a definição do TSE parte do pressuposto da teoria funcional,
mas, contudo, despreza a forma pela qual as velhas normas serão substituídas
pelas novas. Isso porque, conforme ensina Bobbio, a própria função a ser
perseguida, adaptada às mudanças sociais, é pautada pelas regras procedimentais
contidas no próprio sistema.
Ainda, a aplicação da teoria o pode ser simplista a ponto de
desconsiderar o questionamento implícito à aplicação de qual seja a forma para o
cumprimento de tal função e ainda, se seria o direito o meio mais adequado ao
cumprimento dessa função
476
.
Esses questionamentos complexos demonstram a insuficiência da resposta
à Consulta 1.398/2007 dada pelo TSE a qual não possui suficiente
fundamentação, o que por si daria causa a nulidade das manifestações judiciais,
pela aplicação do contido no art. 93, inc. IX da Constituição.
Ocorre, porém que, no presente estudo, devem ser apontados os motivos
em decorrência dos quais, no caso em análise, tornou-se infrutífera a aplicação da
teoria funcionalista, tal como naqueles casos em que Bobbio informou.
O primeiro motivo decorre de uma primeira espécie de confusão que induz o
aplicador a erro, seja pelo fato de que o direito deve ser relevante tanto sob o
aspecto social, para os governantes, quanto sob o aspecto individual, para os
governados.
Nesse sentido, ao passo que possa ter sido atendido o direito em sua
função individual, eventualmente, em razão do atendimento dos anseios dos
eleitores em relação à fidelidade partidária, a decisão não atendeu aos interesses
dos governantes, pois lhes restringiu indevidamente o direito fundamental ao livre
exercício do mandato eletivo. Deste modo, tem-se o enrijecimento do regime que
deveria lhes garantir a liberdade para trocar de legenda conforme os interesses
475
Id.
476
Ibid., p. 94.
144
predominantes no governo, o que inviabilizou o exercício da representação “genuína
e paritária”
477
, evidenciando a desnaturação da democracia.
Com efeito, “não democracia sem base republicana”, que decorre do
pleno exercício do interesse geral, “medianamente aferido na síntese da vontade do
todo social o qual somente se opera pelo exercício de um mandato vinculado às
diretrizes de uma organização partidária que o informa e o expressa pelas vias
institucionais”
478
.
Sustenta Knoerr, nesse sentido, que não seria outra a conclusão a que
chegou a história brasileira, a não ser que as conquistas democráticas encontram-se
ameaçadas pela tentativa de desfigurar o regime constitucional mediante a
reintrodução, por emenda constitucional, da pena de cassação pelo ato de
infidelidade partidária
479
.
De fato, a disciplina da fidelidade partidária deve ser construída em
conformidade com o momento histórico vivenciado por cada povo. Nesse sentido,
sendo a rígida disciplina da fidelidade partidária fundamental para a sustentação de
um sistema parlamentarista de governo, “não se reveste da mesma importância no
presidencialismo, pois este deve contar com uma maioria parlamentar flutuante,
diversa, imprescindível para um efetivo controle da atividade do poder executivo sem
comprometimento definitivo dos índices de governabilidade”
480
.
Pelos motivos expostos, verifica-se que o TSE buscou assumir função
específica diferente daquela a que se presta o ordenamento jurídico brasileiro, ao
reinaugurar as normas sobre fidelidade partidária, razão pela qual desconsiderou o
regime jurídicoconstitucional dos partidos políticos, desnaturando o sistema
representativo brasileiro.
O segundo motivo porque se tornou infrutífera a aplicação da teoria
funcionalista no caso concreto, decorre de uma segunda espécie de confusão que
induz o aplicador a erro, que “as funções enumeradas nem sempre podem ser
477
No sentido impresso por Knoerr. (KNOERR, Fernando Gustavo. Fidelidade partidária: o controle
ético no exercício do mandato..., p. 11).
478
Id.
479
Ibid., p. 12.
480
Id.
145
colocadas no mesmo nível, mas representam graus ou momentos diversos da
influência do direito sobre a sociedade”
481
.
De fato, a lógica da análise funcional alcança o significado na “proporção da
relação entre meio-fim, para qual um fim, uma vez alcançado, torna-se meio para a
realização de outro fim, e assim por diante, até se fixar em um fim proposto ou aceito
como último”
482
.
Neste sentido, registra Bobbio que:
(...). Aqui também está claro que a resposta à pergunta ‘quais as funções do direitomuda
conforme nos detenhamos nos fins intermediários ou desejemos observar o fim último – ou
aquele fim que acreditamos ser o último ou, então, somente os fins que, embora sendo
intermediários, são, por sua vez, o resultado da conquista de fins que, em contraposição ao
último, podemos chamar de primeiros
483
.
Nessa linha, com vistas a fortalecer os vínculos entre eleitor e mandatário, o
TSE assumiu a postura de legislador positivo e assim, ultrapassou os limites da
esfera indevassável de imunização dos partidos políticos
484
.
Dessa forma, o TSE pôs no mesmo plano as funções do direito e a
segurança das relações políticas estabelecidas entre mandatário e mandante,
visando a organizar a mesma conformação do poder político. Contudo, tem-se que
estas, na realidade, se encontram em níveis distintos
485
.
Por óbvio, isso afronta o regime democrático em vários aspectos, seja
através da interferência estatal na reserva da autonomia privada, que lhe afronta a
base republicana, conferindo a invalidade da decisão judicial, seja por outros
motivos.
Contudo, sob pena de ilegitimidade e invalidade os atos estatais que
interfiram nessa esfera indevassável deverão ser considerados nulos. Isto tem
relação com o fato de que:
O postulado constitucional da autonomia partidária além de repelir qualquer possibilidade
de controle ideológico do Estado sobre os partidos políticos cria, em favor desses corpos
intermediários, sempre que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou
481
Ibid., p. 105.
482
Ibid., p. 106.
483
Id.
484
A conseqüência decorre da avocação, pelo Estado, de prerrogativa privada, em evidente restrição
de direito fundamental da liberdade, do que decorre a autonomia.
485
Id.
146
de seu interno funcionamento, uma área de reserva estatutária absolutamente indevassável
pela ação normativa do Poder Público, a este plenamente oponível toda a vez que se
esboçar, nesse domínio, qualquer ensaio de ingerência legislativa do aparelho estatal
486
.
Dessa feita, tem-se que as manifestações judiciais demonstraram-se
ilegítimas, pois extravasaram os limites de sua competência constitucional, que:
“(...) o Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua jurisdição constitucional in
abstracto, venha, a partir do eventual reconhecimento, em determinado preceito
normativo, da inconstitucionalidade de certas expressões que lhe compõe a
estrutura jurídica, a alterar, substancialmente, o conteúdo material de regra
impugnada, modificando-lha o sentido e elastecendo o âmbito de sua incidência”
487
.
Em decorrência, se evidenciam os limites da postura possivelmente
assumida nos seguintes termos: “(...) não pode legitimar uma intervenção
jurisdicional da Suprema Corte de que resulte inovação textual da norma submetida
ao controle abstrato de constitucionalidade, a ponto de desfigurar o sentido da regra
legal e, desse modo, comprometer, em sua integralidade, a própria vontade estatal
positivada no texto da lei”
488
.
Dessa feita, encontra somente limites de competência para a atuação como
legislador negativo, senão veja-se:
(...) que extrai a sua autoridade da própria Carta Política converte o Supremo Tribunal
Federal, por isso mesmo, em verdadeiro legislador negativo. Por ser esta a de legislador
negativo a condição institucional da Suprema Corte no processo de controle normativo
abstrato, não se lhe pode imputar o poder absolutamente anômalo e exorbitante dos limites
de fiscalização concentrada de constitucionalidade de, a partir da supressão seletiva de
fragmento do discurso normativo inscrito no ato estatal questionado, proceder, em última
análise, especialmente nos termos em que requerida a presente cautelar, à criação de
outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o
legislador
489
(Grifo no original).
Encontra limites, portanto, para a atuação em sentido contrário, pois o
Poder Judiciário é:
Desvestido de poder para fazer instaurar em caráter inaugural, quaisquer inovações no
sistema de direito positivo função típica da instituição parlamentar -, que não pode o
Supremo Tribunal Federal, a pretexto de efetuar o controle de constitucionalidade, investir-
486
Vide p. 94 e 95, do voto.
487
Vide p. 99, do voto.
488
Id.
489
Vide p. 100, do voto.
147
se na inadmissível e heterodoxa condição de legislador positivo,
o que efetivamente
ocorreria na espécie, se viesse a ser conhecida, neste ponto, a presente ação direta
490
(Grifo no original).
Em decorrência de sua própria natureza, a competência jurisdicional não
inclui, portanto, a faculdade de veicular, positivamente, inovações de conteúdo
expressional no teor que emerge do preceito estatal impugnado, sob pena de ofensa
ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, do devido processo legal,
senão veja-se
491
.
Os limites do substantive due process os law, a partir do princípio da
proporcionalidade que se qualifica enquanto “coeficiente de aferição da
razoabilidade de atos estatais”
492
serve como postulado para a contenção dos
excessos do Poder Público
493
.
Tal postulado incidiria sobre vários aspectos da atuação do Estado, seja na
esfera legislativa, executiva ou judicial. O princípio da proporcionalidade se revelaria,
assim, “essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível
à tutela das mesmas liberdades fundamentais, de forma que proíbe o excesso e
veda o arbítrio do Poder”, extraindo a sua justificação dogmática de diversas
cláusulas constitucionais, notadamente a que veicula em dimensão material, ou
substantiva, a garantia do devido processo legal.
Dessa forma, a validade das manifestações do Estado analisadas em
função de seu conteúdo intrínseco, especialmente na hipótese de restrição a direitos
fundamentais, passa a depender, essencialmente, da observância daqueles
requisitos que pressupõe “não somente a legitimidade dos meios utilizados e dos
fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para a
consecução dos objetivos pretendidos, e a necessidade de sua utilização (...)”, de tal
modo que “um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida
490
Id.
491
Vide p. 101, do voto.
492
Referencia BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 4. ed.. São
Paulo Malheiros, 1993, p. 56-57 e FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo, 2. ed..
São Paulo Malheiros, 1995.
493
Vide p. 1.993, do voto.
148
de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o fim
atingido e os objetivos atingidos pelo legislador”
494
.
O fundamento dogmático do princípio do devido processo legal estaria
proclamado pelo art. quinto, LIV, da Constituição que impõe não somente restrições
de caráter ritual do Poder Público, mas, sobretudo em sua dimensão material. A
essência da cláusula consiste na proteção dos direitos e liberdades fundamentais
contra qualquer ação opressiva, ou despida de razoabilidade, provindas do Poder
Público
495
.
Isso significaria, na perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder,
no âmbito das atividades estatais que este não dispõe de competência para atuar
ilimitadamente.
Nesta esteira, cita Caio Tácito que “a figura do poder legislativo impõe o
reconhecimento de que, mesmo nas hipóteses de seu discricionário exercício, a
atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de harmonia com o
interesse público”
496
.
Em contrariedade ao que a mesma a jurisprudência constitucional do
Supremo Tribunal Federal tem censurado, quanto à validade jurídica de atos estatais
que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado
veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e exteriorizam
abusos inaceitáveis, a cúpula do Poder Judiciário atesta, por meio de sua história
decisional, a invalidade de seus atos no presente caso
497
. (ADIn 1.158-AM, Rel. Min.
Celso de Mello).
Sem embargo, as decisões ora veiculadas são irrazoáveis, pois o Judiciário
não tem competência para operar uma almejada reforma política eleitoral
498
.
A arbitrariedade se torna mais gritante, quando, como no caso, o
decisionismo se pauta em ação meramente criativa, pois não havia norma que a
esse respeito dispusesse e, por sua vez, permitisse interpretação. Contudo, por meio
das referidas decisões colegiadas, a norma foi criada.
494
MENDES, Gilmar Ferreira Mendes. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal. In. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 23-24, p. 475.
495
Vide p. 1.995, do voto.
496
RDP 100/11-12, Vide p. 1.996, do voto.
497
Vide p. 1.996, do voto.
498
Id.
149
Como afirmado, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou em
vedar as abritrariedades, desde o ano de 1991, conforme se verifica de três decisões
adiante destacadas, igualmente tomadas como leading cases, que em ordem
cronológica se transcreve:
(...). Em face do novo texto constitucional, a exigência da lei, no que concerne à aprovação
dos estatutos partidários pela maioria das Convenções Estaduais e Municipais (art. 20 da
LOPP e Resolução 10.785, de 12.2.1980, art. 26, 3º, alíneas a, b, e c) está revogada,
por ser incompatível com o princípio da autonomia dos partidos políticos para
definirem a sua estrutura interna, organização e funcionamento (CF, art. 17, §1º)
499
.
Nos termos do parecer e à vista de nossa orientação firmada no Processo nº 12.028 (...), se
entendeu incompatível com a Constituição com o princípio da autonomia de
organização dos partidos (...)
500
(Grifo nosso).
(...). 14. Em estudo de excelente qualidade, a Professora Mônica Herman Caggiano aborda
o tema, com hialina clareza, erigindo as seguintes conclusões: (...);
b) passa a gozar de plena liberdade quanto à sua estrutura interna, sendo-lhes
assegurada a faculdade de auto-organização (sic), sob a única condição de integrar
nos seus estatutos regras concernentes à fidelidade e disciplina partidárias. Isto
significa que qualquer controle ou investida legal nesse terreno vem a ser contagiada
de inconstitucionalidade. (...).
18. sem medo de errar, a autonomia dos partidos políticos significa a proibição da
ingerência estatal. Sendo assim ausente qualquer vazio para ser integrado
normativamente, as regras constitucionais têm aplicação imediata, com eficácia
plena, sem restrições
501
(Grifo nosso).
Dessa forma, a revelação da função pretendida pelas manifestações no
caso concreto, não chegam a apreender o caráter específico do direito, seja daquele
definido e delimitado materialmente pela Constituição
502
.
Com base em tais elementos, evidencia-se a ilegitimidade das decisões
analisadas, o que reafirma a invalidade da jurisprudência inovadora.
4.1.2 Desconformidade das Decisões do STF face à Constituição
Enquanto documentos normativos do Estado e da sociedade, as
constituições representam o momento de definição ou de redefinição desenvolvidas
499
Acórdão 12.120, Petição 12.028 Agravo Regimental em Petição/Brasília-DF, datado de
29/10/1991, publicado no DOU-DJ em 08/05/1992, página 6.283, Rel. do Min. Antônio Vilas Boas
Teixeira de Carvalho, Rel. designado: Paulo Brossard.
500
Resolução nº 17.990 – Registro de Partido político nº 174/Classe 7ª/Brasília-DF, acima citado.
501
Acórdão nº 12.211 - RESPE nº 9.467/Classe 4ª/São João da Urtiga-RS, acima citado.
502
Ibid., p. 112.
150
no âmbito de determinada sociedade. Assim vinculam, necessariamente, os poderes
públicos
503
.
Leciona CLÈVE, que a Constituição constitui “o locus em que se opera a
luta jurídicopolítica”
504
. Desde que o pacto seja plasmado em documento escrito, a
luta travada na Assembléia Constituinte é transferida para a prática constitucional,
que engloba tanto a interpretação quanto a aplicação das normas constitucionais.
Conforme define Canotilho, sob a ótica jurídica, a Constituição pode ser
definida como “processo público” (Peter Haberle)
505
, como “conjunto de normas
constitutivas para a identidade de uma ordem político-social e do seu processo de
realização”
506
, como elemento regulativo do sistema político da sociedade”
507
, como
ordem jurídica fundamental material e aberta de uma comunidade” (Konrad
Hesse)
508
, como “legitimação do poder soberano segundo a idéia de Direito”
(Georges Burdeau)
509
, como “regulamentação jurídica mais importante da ordem
social e estadual”
510
, ou como “norma fundamental, forma de governo e princípio de
normação” (Modugno)
511
.
Conforme toma Hesse, a concepção da Constituição como uma “ordem
fundamental, material e aberta de uma comunidade” pressupõe a aceitação de sua
dimensão material
512
. Nesse sentido, é ordem aberta porque mantém uma interação
com a realidade, comunicando-se continuamente com a realidade histórica
513
.
Como derivação, decorre o processo denominado mutação constitucional,
seja, conforme leciona Canotilho, é o que se denomina “de transição constitucional,
503
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro..., p.
22-29.
504
Ibid., p. 23.
505
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas..., p. 90.
506
Ibid., p. 100.
507
Ibid., p. 104.
508
Ibid., p. 113.
509
Ibid., p. 121.
510
Ibid., p. 125.
511
Ibid., p. 127.
512
HESSE, Konrad, apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade
no direito brasileiro..., p. 28.
513
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro..., p.
26 e 27.
151
a revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na Constituição
sem alteração do texto constitucional: muda o sentido sem mudar o texto”
514
.
Nesse sentido Clève informa que a abertura da Constituição permite “o
evoluir permanente do sentido da ordem constitucional para o efeito de acompanhar
a ordem de seu progresso”
515
.
Tal é o processo que pretendeu promover o Min. Gilmar Mendes quando da
paradigmática ADIN 1.351-3 – STF na qual propôs a revisão da jurisprudência
fixada, mediante a “interpretação conforme à Constituição”, sem configurar, por
óbvio “violência contra expressão literal do texto“, levando a uma alteração de
significado do texto normativo sem realizar uma alteração radical da própria
concepção original do legislador”
516
. Derivaria, portanto, de processo de mutação
constitucional.
Ocorre que, os mesmos limites imanentes ao processo de interpretação das
normas constitucionais se configuram quando da ocorrência de mutação
constitucional, conforme leciona Mendes
517
.
Nesse sentido, tanto a interpretação, quanto a mutação constitucional
encontram limites postos pela dimensão material da Constituição
518
, o que confere
ilegitimidade às decisões emanadas do STF, tendo em vista a radical mudança de
sentido conferida ao instituto da fidelidade partidária, sem o amparo em normas
constitucionais
519
.
Com base nas razões do parecer do Procurador Geral da República nos
Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604/2007, contrária à tese adotada
pelo voto condutor, a despeito do sistema proporcional adotado pelo direito brasileiro
ser orientado pelos quocientes eleitoral e partidário, a Constituição fundou a base da
514
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, 7. ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 1.228.
515
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro..., p.
26 e 27.
516
Voto, p. 155.
517
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional..., p., 153.
518
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro..., p.
25.
519
Nesse sentido CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição,
7. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 1.229.
152
representação na soberania popular, de modo que seu exercício se conforme as
regras definidas pela própria Carta Política
520
.
Por sua vez, o art. 14 determina os meios de exercício do poder soberano, e
o art. 17 assegura a autonomia partidária nos termos já expostos neste trabalho
521
.
Nessas linhas não estaria configurada a definição da Constituição pelo
mandato partidário, ao invés da natureza de mandato livre, nos limites de suas
normas. A par da essencialidade dos partidos ao processo democrático, a
Constituição adota a figura do mandato livre, ao invés do vinculado, o que poderia
ser visualizado pelas seguintes premissas:
a) do caráter intermediário quanto à natureza das funções dos partidos
políticos, seja da intermediação da vontade do povo e do Estado, a ponto de se
verificar que os nomes que se oferecem à escolha do eleitorado o são para a função
de representação;
b) da natureza da representação política que têm no candidato a expressão
referencial, pois os votos são expressivamente conferidos aos candidatos em
contraposição à legenda;
c) da condição de filiação partidária como pressuposto de elegibilidade e
não de permanência no cargo, conforme o art. 45, CF;
d) da natureza do mandato eletivo que desde o advento da modernidade,
adota a figura da representação geral e não individual, própria da figura privatista da
representatio medieval (Vertretung);
e) do abandono do mandato imperativo ou delegatário, próprio das mesmas
práticas medievais, restando adotada a figura do mandato livre, ou fiduciário, em que
nem no âmbito de seu curso, poderia o mandante destituir o mandatário;
f) a história política do Ocidente está diretamente relacionada com a
afirmação das câmaras representativas sem o mandato imperativo;
h) a irrevogabilidade do mandato constitui característica fundamental da
representação política;
i) a caracterização da hipótese de fidelidade partidária constitui hipótese
ensejadora da perda de mandato, estando submetida à reserva de Constituição
522
.
520
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua e CERQUEIRA, PÁDUA, Camila Medeiros de
Albuquerque Pontes Luz de. Tratado de Direito Eleitoral. Tomo IV. São Paulo: Premier, 2008, p. 296.
521
Ibid., p. 296 e 297.
153
Pelo exposto, a despeito de eventual assentimento da disciplina do mandato
para fins de moralização da atuação dos mandatários populares, no âmbito da
evocada reforma política, urge seja realizada uma interpretação conforme o sistema
inteiro, vez que “qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação
da totalidade do Direito, para além de sua dimensão textual”
523
. Isto significa que a
hipótese de decretação de perda do mandato eletivo deverá ser analisada para além
das hipóteses fixadas no art. 55 da Constituição.
4.2 A REFORMA (IN) CONSTITUCIONAL INFORMAL
O direito, como fenômeno social
524
, o pode ser concebido como um
sistema totalmente fechado como queriam os adeptos do positivismo jurídico
525
.
Tampouco pode ser considerado um sistema totalmente aberto
526
em razão da
necessidade de manter-se certa segurança jurídica
527
. Um dos principais desafios
522
Ibid., p. 296-311.
523
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do Direito. 4. ed., rev. e ampl.. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 75.
524
Consoante Paolo Grossi, o direito é “ordenamento observado pelo social, o seu ponto de
referência é a sociedade na sua historicidade”. GROSSI, Paolo. Primeira lição sobre direito. Trad.
Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 18. Ainda, Niklas Luhmann adverte
sobre a intrínseca relação entre direito e sociedade. Para o autor Toda convivência humana é direta
ou indiretamente cunhada pelo direito. Como no caso do saber, o direito é um fato social que em tudo
se insinua, e do qual é impossível se abstrair. Sem o direito, nenhuma esfera da vida encontra um
ordenamento social duradouro”. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Trad. Gustavo Bayer. Rio
de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 7.
525
Neste sentido, Marco Aurélio Marrafon ao analisar sistema o kelseniano conclui que
“estruturalmente, ele é fechado, abstrato, conceitual, dinâmico, composto por regras positivadas e
não admite lacunas”. MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e sistema constitucional: a decisão
judicial “entre” o sentido da estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis: Habitus, 2008, p. 68.
526
Preceitua Claus-Wilhelm Canaris que “este sistema não é fechado, mas antes aberto. Isto vale
tanto para o sistema de proposições doutrinárias ou sistema científico’, como para o próprio sistema
de ordem jurídica, o ‘sistema objetivo’. A propósito do primeiro, a abertura significa a incompletude do
conhecimento científico, e a propósito do último, a mutabilidade dos valores jurídicos fundamentais”.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad.
A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1989, p. 281. Neste sentido, importante
as reflexões de SCHIER, Paulo R. Direito constitucional: anotações nucleares. Curitiba: Juruá, 2001,
p. 104.
527
Refere Anna Cândida da Cunha Ferraz, ao tratar da Constituição, que “uma formulação
demasiado elástica possa prejudicar a segurança jurídica”. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha.
Processos informais de mudança da constituição: mutações constitucionais e mutações
inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 21.
154
contemporâneos, portanto, diz respeito à possibilidade de equacionar um sistema
jurídico simultaneamente fechado e aberto. Em outras palavras, diz respeito às
condições de manutenção da integridade jurídico-sistêmica (estabilidade) e de sua
atualização com a realidade social (variação)
528
.
Tem-se que a Constituição, enquanto ápice do sistema jurídico, também
enfrenta tal problemática, precisando lidar com a hipótese de flexibilização, devendo
permitir que seu texto se modifique, se atualize conforme os anseios sociais, sem se
perpetuar infinitamente no tempo
529
.
A mutabilidade do texto constitucional é defendida por Uadi Lammêgo Bulos
para quem a Constituição:
(...) como organismo vivo que é, configura uma estrutura dinâmica, prospectiva, em
permanente progresso; seria irrisória a tentativa de pretender-se escravizá-la ou cristalizá-
la nesta ou naquela fórmula, em instituições ou normas graníticas (imodificáveis), sem levar
em conta a interação de causas e efeitos próprios da vida em sociedade. Uma Constituição
encontra-se numa relação condicionadora e condicionante com as demais estruturas do
Estado e, se estas estruturas sociais, econômicas, políticas, éticas e jurídicas mudam, ela
também deverá alterar-se, com reformas ou sem reformas, para não promover o divórcio
entre o texto judicioso e o fato social cambiante
530
(grifo no original).
Nesta perspectiva, reconhece Silva que “as Constituições são mutáveis por
natureza, pois já está banida da doutrina constitucional a tese da imutabilidade
absoluta”
531
. No mesmo sentido, Barroso nota que “todas as Cartas Políticas
528
Nestes termos, aduz Susana Sbrogio’Galia que “tomando-se os elementos formadores do conceito
de sistema jurídico, alicerçados na idéia de adequação valorativa e da unidade interior da ordem
jurídica, identificaremos os elementos formadores do conceito de sistema jurídico, alicerçados na
idéia da adequação valorativa e da unidade interior da ordem jurídica, identificaremos fatores de
equilíbrio entre a estabilidade (função de retenção/manutenção sistêmica) e de evolução (variação).
529
Aponta Silva que “essa modificabilidade será maior ou menor conforme se trate de Constituição
flexível ou Constituição rígida. O primeiro tipo é maleável por natureza. Pode-se dizer que está em
constante processo de mudança, uma vez que pode ser alterada pelo processo de formação das leis
ordinárias, não havendo distinção formal entre normas constitucionais e normas de legislação
ordinárias, nem, portanto, relação de superioridade entre umas e outras. Por serem de igual
hierarquia, vigora entre elas o princípio lex posterior derogat legi priori; ao contrário, num regime de
Constituição rígida, a maior dificuldade para sua alteração a transforma em lex superior, com a nítida
separação entre normas ordinárias e normas constitucionais, do que decorre o princípio da
compatibilidade vertical entre elas, fundamentado no aforismo lex superior derogat legi inferiori”.
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 280.
530
BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, prefácio, p. XVIII.
531
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular:.., p. 279.
155
prevêem mecanismos institucionais para sua própria alteração e adaptação a novas
realidades”
532
.
Normalmente, a própria Constituição do país prevê um procedimento formal
por meio do qual ocorrerão as reformas do texto constitucional
533
. No Brasil, por
exemplo, existem as emendas constitucionais previstas no artigo 60 da Constituição
da República de 1988 e a revisão constitucional, disciplinada no art. 3º do ADCT
534
.
Contudo, como é sabido, o procedimento formal não é o único modo pelo
qual se promove a alteração constitucional, havendo ainda a denominada mutação
constitucional
535
. Fruto da resignificação que se aos textos normativos, sua
existência permite que ocorra uma modificação sem que haja alteração na
literalidade do texto, conforme esclarece Adriana Zandonade:
(...) na mutação constitucional não são alterados o texto ou a letra da norma constitucional,
mas é-lhe atribuído um significado, um sentido ou um alcance diferente do conhecido até
então. Na mutação constitucional a alteração é produzida independentemente da
preservação do texto da norma. É tal característica uma conseqüência da própria
informalidade do processo, ou seja, primeiro, porque não se pode alterar o texto senão do
modo expressamente previsto na Constituição caso em que se cuida de processo formal
de modificação -, e segundo, porque a alteração aqui produzida não é determinada senão
pelas modificações que a vida impõe, o que não se em obediência a qualquer
regramento, acontecendo, em vez disso, espontaneamente
536
.
Tem-se que as mutações constitucionais “são mudanças o-formais que
se operam no correr da história de uma Constituição, sem alterar o enunciado
formal, sem mudar a letra do texto”
537
. Correspondem, portanto, a modificações
informais no significado dos preceitos constitucionais
538
.
532
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 123.
533
Na linha de Ferraz, a modificação constitucional tradicionalmente é denominada de reforma
constitucional, a qual “trata-se de processo formal de mudança constitucional pois que revestido de
forma, requisitos e limites próprios, expressos, previstos no texto da Lei Fundamental”. FERRAZ,
Anna ndida da Cunha. Processos informais de mudança da constituição: mutações constitucionais
e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 6.
534
Conforme verifica Kublisckas “a Carta Magna atualmente vigente pre como instrumentos de
reforma constitucional: (i) a revisão constitucional, prevista no art. do ADCT; e, (ii) as emendas
constitucionais, disciplinadas no art. 60 da CF/88”. KUBLISCKAS, Wellington Márcio. Emendas e
mutações constitucionais: análise dos mecanismos de alteração formal e informal da Constituição
Federal de 1988. São Paulo: Atlas, 2008, p. 274.
535
Explica Sbroglio’Galia que a mutação constitucional compreende “a modificação do conteúdo das
normas constitucionais , de forma que, conservando o mesmo texto, receberiam significações
diversa”. SBROGLIO’GALIA, Susana. Mutações constitucionais e direitos fundamentais...., p. 90.
536
ZANDONADE, Adriana. Mutação constitucional...., p. 195.
537
SILVA, José Afonso da. Mutações constitucionais..., p. 283. Contudo, pondera Anna Cândida da
Cunha Ferraz que “uma Constituição existe, realmente, quando é aplicada e cumprida e, para tanto,
156
Ao tratar do tema, Ferraz estabelece as diferenciações entre reforma
constitucional e mutação constitucional:
(...) a primeira consiste nas modificações constitucionais reguladas no próprio texto da
Constituição (acréscimos, supressões, emendas), pelos processos por ela estabelecidos
para sua reforma; a segunda consiste na alteração, não da letra ou do texto expresso, mas
do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, através ora da
interpretação judicial, ora dos costumes, oras das leis, alterações estas que, em geral, se
processam lentamente, e só se tornam claramente perceptíveis quando se compara o
entendimento atribuído às cláusulas constitucionais em momentos diferentes,
cronologicamente afastados um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstâncias
diversas
539
.
Dos termos acima, extrai-se que poderá ocorrer mutação constitucional
decorrente da atividade judicial interpretativa
540
. De fato, ressalta Bonavides que por
intermédio da hermenêutica jurídica tradicional ocorre “uma considerável e silenciosa
mudança de sentido das normas constitucionais, sem necessidade de substituí-las
expressamente ou sequer alterá-las pelas vias formais de emenda constitucional”
541
.
Prima facie, pela via interpretativa não poderia ocorrer mutação do texto
constitucional, já que a interpretação deveria buscar revelar, conhecer o objeto
não pode se afastar da realidade. O meio mais seguro, sem dúvida, para manter a Constituição como
permanente reflexo da realidade é a emenda formal; o texto formal da Constituição capta o momento,
as circunstâncias presentes à época da elaboração; se estas mudam, se os tempos mudam, as
Constituições também devem mudar.Porém, nem sempre as reformas constitucionais podem ocorrer
com a freqüência desejável ou necessária. Por outro lado, nem sempre as mudanças são
substanciais, a ponto de exigirem novo texto constitucional”. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha.
Processos informais de mudança da constituição..., p. 59.
538
Sem descuidar da função limitadora da Constituição, Hesse trata de forma restritiva as hipóteses
de mutação constitucional, advertindo que “si las modificaciones de la realidade social solo deben
considerarse relevantes para el contenido de la norma en cuanto forman parte del ámbito normativo,
si el ‘programa normativo’ resulta a este respecto determinante y si para este último resulta
fundamental el texto de la norma, entonces el conteniedo de la norma constitucional solo podrá
modificarse en el interior del marco trazado por el texto”. HESSE, Konrad. Escritos de derecho
constitucional. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1992, p. 101.
539
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da constituição..., p. 09.
540
Neste sentido, dispõe Barroso que a mutação constitucional por via de interpretação “consiste na
mudança de sentido da norma, em contraste com entendimento preexistente. Como existe norma
interpretada, a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma
interpretação previamente data. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitucional
quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada norma constitucional
sentido diverso do que fixara anteriormente”. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito
constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo..., p. 130.
Quanto aos tipos de mutações constitucionais, não pacificidade na doutrina, conforme bem
demonstra Silva (SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a
Constituição...., p. 287/288).
541
BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional..., p. 293. O papel da via interpretativa é reconhecido
por Susana Sbrogio’Galia, para quem “a interpretação opera a alteração do significado, do sentido e
do alcance do texto constitucional, sem que a letra da Constituição seja modificada”.
SBROGLIO’GALIA, Susana. Mutações constitucionais e direitos fundamentais..., p. 103.
157
criado, sem modificá-lo
542
. No entanto, pode ocorrer uma transformação no objeto
que exija acomodação de sentido explicitado pela interpretação
543
. Neste escopo,
assevera Silva que “a interpretação, especialmente a judicial, exerce um papel
fundamental de adaptação das normas constitucionais às exigências de novos
conceitos da realidade por elas pensadas”
544
.
Há, contudo, que se ter em vista que a mutação constitucional, ao instituir
uma espécie de poder constituinte difuso
545
, pode ser aceita como legítima
enquanto não contrariar a Constituição, sob pena de ser absolutamente
inconstitucional
546
e como tal, juridicamente inaceitável. É o que preceitua Barroso:
As mutações que contrariem a Constituição podem certamente ocorrer, gerando mutações
inconstitucionais. Em um cenário de normalidade institucional, deverão ser rejeitadas pelos
Poderes competentes e pela sociedade. Se assim não ocorrer, cria-se uma situação
anômala, em que o fato se sobrepõe ao Direito. A persistência de tal disfunção identificará
a falta de normatividade da Constituição, uma usurpação de poder ou um quadro
revolucionário
547
.
542
Nesta linha, salienta Ferraz que o “caminho inevitável para a compreensão da norma jurídica é a
interpretação, vale dizer, a compreensão do seu sentido”. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha.
Processos informais de mudança da constituição: mutações constitucionais e mutações
inconstitucionais..., p. 23.
543
FERRAZ elenca situações típicas de mutação constitucional por via interpretativa, quais sejam “a)
quando um alargamento do sentido do texto constitucional, aumentando-se-lhe, assim, a
abrangência para que passe a alcançar novas realidades; b)
544
SILVA, José Afonso da. Mutações constitucionais ..., p. 291. Neste sentido, salienta Zandonade
que “as decisões judiciais são apenas uma das vias concretas cuja existência como meio de
realização, como todas as outras, somente se torna possível em virtude da interpretação”.
ZANDONADE, Adriana. Mutação constitucional..., p. 216.
545
Leciona Barroso que no poder constituinte difuso, expressão cunhada por Georges Burdeau a
titularidade remanesce no povo, mas acaba sendo exercida representativamente pelos órgãos do
poder constituído, em sintonia com as demandas e sentimentos sociais. BARROSO, Luís Roberto.
Op. Cit., p. 127. Nessa linha senda, adverte Bulos que “quanto mais difíceis se apresentem as
técnicas de reforma, mais fortemente aparecerão os meios difusos de modificação constitucional,
para a adaptação do Texto Maior às exigências prementes da sociedade”. Op. Cit., p. XVIII. Ainda,
salutar o esclarecimento de Ferraz, para quem “destina-se a função difusa a completar a
Constituição, a preencher vazios constitucionais, a continuar a obra do constituinte. Decorre
diretamente da Constituição, isto é, o seu fundamento flui da Lei Fundamental, ainda que
implicitamente, e de modo difuso e inorganizado”. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos
informais de mudança da constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais..., p.
10.
546
Neste sentido, posiciona-se Ferraz. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de
mudança da constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais.... No mesmo
caminho, Bulos refere que “se o expediente interpretativo desvirtuar a letra das normas que embasam
a Constituição, quebrando a juridicidade dos princípios informadores da ordem constituída, estaremos
diante das mutações inconstitucionais, as quais destroem a vida dos preceptivos constitucionais,
idealizados por obra de um poder incondicionado, cujo reflexo incide sobre todo o ordenamento
jurídico”. BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional..., p. 198.
547
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo..., p. 128. Em sentido idêntico, pontua Ferraz que a
experiência constitucional demonstra que a expressão mutação constitucional, ou seja, os processos
158
Silva é categórico ao pontuar que “se uma conduta ou uma prática política
não coincide com a Constituição, não se trata de forma de mutação constitucional,
mas de uma forma de desrespeito ou de fraude à Constituição”
548
. Crucial, neste
ponto, a consideração de Jorge Miranda, para quem na fraude à Constituição, a
modificação empresta credibilidade a uma operação política proveniente dos reais
detentores do poder
549
.
Com efeito, assiste razão a Ferraz quando adverte que “quanto mais
elástico for o processo interpretativo, tanto maiores, porém, os perigos de frustração
ou desvirtuamento do texto constitucional e de distorções dos princípios
fundamentais que embasam o documento constitucional”
550
. Pontua a autora que o
esvaziamento e quebra da juricidade da Constituição além de denotar uma
legitimidade fácil e arbitrária do poder que por vezes destrói a própria lei , leva a
perda da principal função constitucional que é a de estabilização. Sinaliza, assim, os
riscos que derivam da interpretação constitucional “quando, acima de qualquer outra
função ou finalidade, se volta, unicamente, para a adequação da Lei Fundamental à
realidade social, cambiante e mutável”
551
.
Apresenta-se, dessa forma, uma problemática nodal à denominada mutação
constitucional que diz respeito à ausência de limites claros à sua ocorrência. De
fato, enquanto os processos de reforma constitucional (formal) apresentam uma
delimitação objetiva, o mesmo não ocorre com a mutação constitucional
não formais de mudança constitucional, não é empregada uniformemente pela doutrina, abrigando, a
um só tempo, dois tipos ou espécies diferentes de mutações: as que não violem a Constituição, isto é,
aquelas que, se confrontadas por qualquer meio de controle, particularmente pelo jurisdicional, o
sofrerão a pecha da inconstitucionalidade, e as mutações constitucionais que contrariam a
Constituição e que, num confronto com a Lei Fundamental, não devem subsistir”. FERRAZ, Anna
Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da constituição: mutações constitucionais e
mutações inconstitucionais..., p. 9.
548
Ibid., p. 285. Conforme entendimento de Anna Cândida da Cunha Ferraz “a mutação
constitucional, para que mereça o qualificativo, deve satisfazer, portanto, os requisitos apontados. Em
primeiro lugar, importa sempre em alteração do sentido, do significado ou do alcance da norma
constitucional. Em segundo lugar, essa mutação não ofende a letra nem o espírito da Constituição: é,
pois, constitucional. Finalmente, a alteração da Constituição se processa por modo ou meio diferentes
das formas organizadas de poder constituinte instituído ou derivado”. FERRAZ, Anna Cândida da
Cunha. Processos informais de mudança da constituição: mutações constitucionais e mutações
inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 11.
549
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo II. Introdução à teoria da constituição.
Portugal: Coimbra Editora, 1988, p. 188.
550
FERRAZ, Anna ndida da Cunha. Processos informais de mudança da constituição: mutações
constitucionais e mutações inconstitucionais...., p. 62.
551
Ibid, p. 63.
159
(informal)
552
. Todavia, este é um problema grave na medida em que as
conseqüências de um ou de outro procedimento são semelhantes, o que de outro
lado demonstra o quão necessários são os limites à mutação constitucional a fim de
se evitar uma deformação constitucional
553
.
No que tange aos limites da mutação constitucional, Zandonade assevera
que “em decorrência da própria natureza da mutação, como processo informal de
alteração da Constituição, põe-se como seu mais característico limite o texto
constitucional”
554
. Nesta senda, preceitua HESSE
555
que o conteúdo da norma
constitucional apenas poderá ser alterado dentro, no interior, da própria norma.
Nestes termos, refere Sbrogio’Galia que:
(...) os limites das mutações constitucionais interpretativas restariam restritos aos limites
das possibilidades de compreensão lógica do texto da norma constitucional, em uma
unidade que mescla processo (procedimento democrático institucionalizado) e substância
(aspecto material da Constituição em meio à realidade constitucional)
556
.
Bullos, por sua vez, entende, na mesma linha de Laband e Jellinek, ser
impossível estipular limites (critérios) exatos para o delineamento da mutação
constitucional. Deste modo, preceitua que “a única limitação que poderia existir
mas de natureza subjetiva, e, até mesmo, psicológica – seria a consciência do
intérprete de não extrapolar a forma plasmada na letra dos preceptivos supremos do
Estado, através de interpretações deformadoras”
557
.
Kublisckas, também admite que o viés ético do aplicador da norma
constitucional constitui-se em limite à mutação constitucional, e vai além, dispondo
que a consciência geral jurídica integra o aspecto subjetivo da limitação. Já no
552
Conforme aponta Hesse com relação à mutação constitucional “no se han emprendido, que
sepamos, otros intentos de fijación de limites, en característico contraste con el problema de los
limites de la reforma constitucional, que ha gozado de amplio tratamiento”. HESSE, Konrad. Escritos
de derecho constitucional...., p. 82.
553
De fato, conforme leciona Hesse “estamos únicamente ante dos caras de una misma tarea: la
garantia de la Constitución exige el control y, en su caso, el bloqueo de diversas vías de irrupción,
quedando incompleta cuando alguna de ellas quedan desatendida. Id., p. 83.
554
ZANDONADE, Adriana. Mutação coInstitucional..., p. 205.
555
Consoante Hesse: “la mutación constitucional y sus limites sólo se alcanza a entender con claridad
cuando la modificación del contenido de la norma es compreendida como cambio ‘en el interior’ de la
norma constitucional misma, no como consecuencia de desarrollos producidos fuera de la
normatividad de la Constitución, y cuja ‘mutación’ en normatividad estatal tampoco se puede explicar
satisfactoriamente cuando se parte de una relacíon de coordinácion correlativa entre normalidad y
normatividad”. HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional..., p. 99.
556
SBROGLIO’GALIA, Susana. Mutações constitucionais e direitos fundamentais..., p. 103.
557
BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional..., p. 91.
160
aspecto objetivo entende o autor que atuam como limites à mutação constitucional o
programa normativo e a necessidade de que as mudanças se operem de forma
fundamentada e razoável
558
. Em síntese, refere Kublisckas que:
(...) uma mutação constitucional apenas é aceitável quando o ato que a origina (i) não
contraria de modo evidente a letra ou o espírito da Constituição; (ii) está devidamente
fundamentado nos preceitos constitucionais interpretados; (iii) é racional; e (iv) é
legitimamente aceito pela comunidade (jurídica e não-jurídica)
559
.
Assinala Zandonade que, efetivamente, o controle sobre as mutações
constitucionais é realizado pelo Poder Judiciário, que examina a matéria nas
instâncias judiciais superiores, contudo pontua que:
(...) a decisão proferida em única ou em última instância torna-se definitiva e vinculante nos
limites dos processos em que proferida, inexistente poder jurídico que possa sobre ela
exercer qualquer controle. Ante o risco, oferecido por semelhante situação, que se pode
radicalizar no que Lambert denominou ‘Governo de Juízes’, onde os membros do Poder
Judiciário decidem segundo sua própria conveniência, ultrapassando os limites
constitucionais
560
(Grifo no original).
Por tal razão a autora defende que a mutação constitucional apresenta
limites ainda mais amplos do que aqueles consignados ao poder reformador, uma
vez que “cuida-se, aqui, de uma expressão da função constituinte, sim, mas, além
disso, implícita e, portanto, essencialmente limitada. Tais limites o bem mais
definidos do que os que atinem ao poder reformador, expressos no texto
constitucional, porque lhe é vedado alterar próprio o texto ou a letra da norma
constitucional”
561
.
Importa relembrar das palavras de Silva de que “a rigidez constitucional
produz a supremacia das normas constitucionais, que constitui garantia de
permanência dos direitos fundamentais que precisamente protegem as massas
populares do arbítrio do poder”
562
. Nesta perspectiva, rememora o nobre jurista que
“a função limitadora da Constituição tem precisamente o escopo de impedir o
558
KUBLISCKAS, Wellington Márcio. Emendas e mutações constitucionais: análise dos mecanismos
de alteração formal e informal da Constituição Federal de 1988, p. 153-155.
559
Ibid., p. 153
560
ZANDONADE, Adriana. Mutação constitucional..., p. 217.
561
Ibid., p 205. A autora vai além e dispõe que “os desvios do processo informal de alteração
constitucional somente podem ser coibidos mediante um eficaz e abrangente sistema de controle de
constitucionalidade. o são inofensivos e nem devem ser tolerados, mas a sua correção deve ser
feita com os instrumentos e nos limites do sistema previsto na Constituição, alcançando especial
importância nesse mister o controle constitucional não organizado, como lembra Ferraz, acionado,
por exemplo, por grupos de pressão, pela opinião pública e pelos Partidos políticos ”. Idem, p. 210.
562
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição..., p.
284.
161
surgimento de realidades políticas contrapostas aos direitos do povo. Os limites
constitucionais ao poder têm por fundamento não a limitação pela limitação, mas a
limitação para que vigorem os direitos fundamentais”
563
.
Diante desse cenário, tem-se que uma mutação constitucional sem limites
poderá gerar uma alteração violadora da Constituição
564
ou, porventura, a ilegítima
criação de nova Constituição, implicando um perigoso e indesejado risco
democrático.
No que tange a questão da fidelidade partidária, consoante se verificou nos
itens pretéritos, seu sentido não foi alterado pelo procedimento formal (emenda ou
revisão constitucional), mas sim, pelo procedimento denominado de mutação
constitucional. Há que se avaliar, contudo, se tal modificação foi produzida em
conformidade (ou não) à Constituição.
Como se viu, a literalidade dos textos que tratam da fidelidade e da
autonomia partidária não sofreu nenhuma alteração e permaneceu exatamente
igual. No entanto, houve alteração no entendimento dos Tribunais pátrios sobre a
possibilidade de perda de mandato em razão da denominada infidelidade partidária.
Dessa forma, a possibilidade de perda do mandato por infidelidade
partidária, prevista pela ordem jurídica imediatamente anterior, foi suprimida e assim
mantida pela atual.
Ora, é indubitável que o TSE ao responder afirmativamente à consulta, por
maioria de votos, declarando a vinculação do candidato eleito ao partido, criou nova
hipótese, não prevista constitucionalmente, de perda de mandato por infidelidade
partidária. Dessa forma, tem-se que ocorreu mutação no texto constitucional, que
foi alterado o sentido da letra da norma constitucional, sem a produção de
modificação textual. Tratou-se, sem qualquer sombra de dúvidas, de mutação
constitucional realizada pela via interpretativa.
563
Id.
564
Neste escopo salutar a indagação de Zandonade, para quem “a inquietação que se põe em face
do tema pertine ao problema de saber como é possível admitir que por mutação sejam obtidos
resultados inconstitucionais’, em face de apresentar-se a Constituição como um sistema. Por outras
palavras, não se deveria repelir o fenômeno, visto que, podendo conduzir a resultados que ferem a
Constituição, expõe a riscos a integridade do sistema normativo?”. ZANDONADE, Adriana. Mutação
constitucional..., p. 208.
162
Disso, resta ainda perquirir se tal mutação é de fato constitucional ou se
houve uma mutação inconstitucional, nos moldes do preceituado por Ferraz
565
. Para
tanto, que se verificar o único voto divergente na Consulta, prolatado pelo Min.
Marcelo Ribeiro.
Conforme seu voto: “não norma na Constituição, nem em lei
infraconstitucional, que diga que aquele que mudar de partido perderá o
mandato”
566
. Dessa forma, entendeu que “não me parece haver espaços para
invocar princípios implícitos quando a matéria foi tratada expressamente na
Constituição anterior e a alusão à perda de mandato, de modo claro, foi retirada da
atual Constituição”
567
. Nestes termos, concluiu o Ministro, afirmando que:
(...) concordo inteiramente com o já citado novo do Ministro Pertence, que ao mesmo tempo
realça o caráter exaustivo do artigo 55 da Constituição e demonstra que, quanto ao tema, a
Constituição de 1988 não se deteve sequer em face da redundância, explicitando até
mesmo a hipótese de perda do mandato quando o parlamentar perde seus direitos
políticos. O silêncio, no que diz respeito a mudança de partido, me parece, data venia,
eloqüente.
De fato, conforme acima explanado, o texto da Constituição vigente não
prevê, dentre as hipóteses a perda de mandato por infidelidade partidária. Nesse
sentido, ao preferir voto no Mandado de Segurança n° 23405-9 - ulterior à Consulta
ao TSE analisada em que se questionava a possibilidade de perda de mandato
por infidelidade partidária, o Min. Gilmar Mendes destacou que:
(...) embora a troca de partidos por parlamentares eleitos sob regime da proporcionalidade
revele-se extremamente negativa para o desenvolvimento e continuidade do sistema
eleitoral e do próprio sistema democrático, é certo que a Constituição não fornece
elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente.
Ainda, ao julgar o Mandado de Segurança 20927-5, anterior à Consulta ao
TSE, o Min. Moreira Alves defendeu que “a inaplicabilidade do princípio da fidelidade
partidária aos parlamentares empossados se estende, no silêncio da Constituição
Federal e da lei, aos respectivos suplentes”.
565
FERRAZ, Anna ndida da Cunha. Processos informais de mudança da constituição: mutações
constitucionais e mutações inconstitucionais..., p. 219.
566
Consulta/TSE 1.398/2007, p. 55.
567
Consulta/TSE 1.398/2007, p. 60.
163
Pelo exposto, tem-se que a resposta fornecida pelo Tribunal Superior
Eleitoral à Consulta 1.398/2007, que deu fundamento à Resolução 22.610/2007,
confirmada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal, não encontra
fundamento legal no texto constitucional, razão porque se explicita, como uma das
conseqüências da alteração jurisprudencial realizada pelo Poder Judiciário
Brasileiro, a operação de uma mutação inconstitucional, da nova interpretação
advinda desse contexto, que acabou por inserir nova hipótese de perda de mandato
eletivo daquelas enumeradas expressamente pela Constituição, por infidelidade
partidária.
4.3 ILEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA NA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
No atual estágio de fixação da doutrina constitucional brasileira, muito
se superou a noção do Poder Judiciário enquanto um poder nulo, de onde o dogma
da tripartição dos poderes resguardava aos juízes a mera tarefa de “boca da lei”,
adjetivando, assim, o Estado de Direito como um Estado Liberal
568
.
Por isso, reconhece-se que a noção de Estado Democrático e
Constitucional de Direito está indissociavelmente ligada ao redimensionamento do
papel desse Poder à justiça constitucional.
Conforme afirma Lênio Streck, essa nova perspectiva estatal surge
impulsionada pela necessidade do resgate das promessas não cumpridas da
modernidade, dentre elas a igualdade, a justiça social, a democracia material e a
garantia dos direitos humanos fundamentais, na qual “a lei (Constituição) passa a
ser uma forma privilegiada de instrumentalizar a ação do Estado na busca do
desiderato apontado pelo texto constitucional, entendido no seu todo dirigente-
valorativo-principiológico”
569
.
Dessa forma, o movimento de constitucionalização do direito brasileiro que
se consolidou nos últimos anos
570
, marcou o desenho dogmático-institucional da
568
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito liberal
ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra: Almedina, 2006, p. 87.
569
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 7 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.40.
570
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio
do direito constitucional no Brasil). In. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel
164
jurisdição constitucional realizável de maneira ampla pelas vias do controle concreto
e abstrato. Desse modo, a firme noção de que a Constituição é compromissória
571
,
aliada a certa redescoberta da cidadania introduzida pela Constituição de 1988
promoveu segundo Barroso, o reconhecimento do papel simbólico de juízes e
tribunais no imaginário coletivo, como detentores de um importante papel político,
ocasionando, outrossim, uma valorosa ascensão do Judiciário
572
.
Ainda, tem-se que o crescente descrédito das instituições parlamentares, o
predomínio dos interesses econômicos na própria definição das políticas públicas e
a mercantilização da democracia tem levado o Judiciário a lidar com “caminhos sem
chegada” que o colocam em verdadeiros dilemas éticos, pois de um lado é
necessário dar uma resposta à demanda apresentada e, de outro, sabe-se, de
antemão, que algumas dessas respostas se transformam em verdadeiros atentados
à autonomia, independência e separação dos poderes
573
.
Nessa linha, o ativismo judicial é algo a ser evitado, pois além dos excessos
que podem violar a democracia, bem lembra Álvaro Ricardo de Souza Cruz que:
O ativismo judicial se insere no Brasil dentro de um mundo da vida em que os juízes, de
uma forma geral, não se sentem servidores públicos, e sim, entes transcendentalmente
superiores. Acostumados à cortesia e às posturas formalistas, não é incomum a figura do
magistrado distante das pessoas e do ‘mundo’ que espera apenas a bajulação e
desconsidera as necessidades das partes. Dizer a eles que podem tudo, ou melhor, que
devem fazer tudo, tal como fazem os teóricos do constitucionalismo da efetividade, é
música para seus ouvidos! Não desconhecemos que as intenções dessa corrente teórica
são boas e favoráveis à inclusão social. Mas é preciso lembrar o ditado: o inferno está
cheio de boas intenções. O ativismo judicial desmedido por razões vazias como
‘razoabilidade e ‘proporcionalidade’ podem ser um bálsamo, como pretendem seus
adeptos, mas também ser um veneno para nossa democracia
574
.
Ocorre, porém, que das decisões analisadas se evidencia que o STF e o
TSE, ao regularem o instituto da fidelidade partidária, atuaram como verdadeiros
(Coords.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de
Janeiro: Lumen juris, 2007.
571
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson (org.) Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
572
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 383.
573
Sobre a mercantilização da política, denominado horror político” e as encruzilhadas que tais
situações levam ao Judiciário, conferir: MARRAFON, Marco Aurélio. Jurisdição constitucional em
tempos de horror político. In: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; MORAES, José Luiz Bolzan
de; STRECK, Lenio Luiz. (orgs.). Estudos constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
574
SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. Habermas e o Direito Brasileiro..., p. 240-241.
165
legisladores positivos, extrapolando sua competência constitucional e missão
institucional.
Isso porque, dadas as perspectivas processuais e materiais
constitucionalmente existentes, e ainda, da tripartição dos poderes enquanto
corolário do constitucionalismo acabou por redefinir a engenharia desse tema,
inovando de modo radical a ordem jurídica, ao ponto de o Min. Sepúlveda Pertence
enxergar a introdução de “uma ortodoxia no sistema”, não reconhecida pela nossa
Constituição, conforme se vê:
(...) Continuo a pensar, Senhor Presidente, cada vez que vejo a dedução das razões da
posição oposta, mais me convenço de que se funda na idealização e no transplante, para o
nosso regime positivo de representação proporcional, de uma ortodoxia do sistema,
pensada em termos abstratos, que a nossa Constituição não conhece. Ortodoxia que se
manifesta nesta Casa, que se manifestou no desenvolvimento das discussões do caso
precedente, através do eminente Ministro Paulo Brossard, quando S. Exa. Acabou por
declinar que, para ele, o sistema iria ao ponto de sancionar com a perda do mandato
também o titular que se desvinculasse da legenda pela qual se elegeu.
No entanto, na minha convicção restou inabalada, com todas as vênias, a premissa de que
parti: a falta, em nosso direito constitucional vigente, de base para decretar a perda de
mandato de titular, convicção que agora acaba de receber valiosos subsídios do eminente
Ministro Moreira Alves.
A partir do sistema, inferir-se essa perda não me aprece definitivamente autorizado pelo
texto constitucional, que é e nem poderia ser de modo diverso, tal gravidade de sanção
exaustivo, no art. 55, a ponto de tornar explícito, por exemplo, o que seria muito mais fácil
extrair por inferências lógicas: que o Deputado que perde os direitos políticos perderá o seu
mandato eletivo
575
.
Esse entendimento não foi acolhido pelo Min. Marcelo Ribeiro na Consulta
nº 1.398/DF:
Nesse diapasão, concordo inteiramente com o citado voto do Ministro Pertence, que ao
mesmo tempo realça o caráter exaustivo do artigo 55 da Constituição e demonstra que,
quanto ao tema, a Constituição de 1988 não se deteve sequer em face da redundância,
explicitando até mesmo a hipótese de perda de mandato quando o parlamentar perde seus
direitos políticos. O silêncio, no que diz respeito a mudança de partido, me parece, data
vênia, eloqüente.
Assim, embora louve toda argumentação no sentido de se prestigiar a fidelidade partidária,
não encontro razões no direito posto que autorizem a conclusão a que chegaram os doutos
votos vencedores.
Somente essas considerações seriam suficientes para demonstrar o
ativismo judicial operado pelos julgamentos citados, porém, o que se configura mais
575
Mandado de Segurança nº 20916-0/DF, acima citado.
166
grave é a própria violação da Constituição histórica, bem visualizada pelo Min.
Marcelo Ribeiro no mesmo voto:
O eminente Ministro Aldir Passarinho, ao se manifestar naquele precedente [Mandado de
Segurança 20916-0/DF], traçou, de início, considerações de caráter histórico, para
mostrar que a Constituição já previu a perda do mandato em caso de infidelidade partidária.
Em seguida averbou:
(...) Quer dizer que não houve, a meu ver, omissão na Constituição em não estabelecer o
princípio da perda do mandato por infidelidade partidária, pois o tema sempre esteve
presente. E tanto é certo que na Constituição anterior, que não podia se naturalmente
esquecida dos novos constituintes, havia regra expressa nesse sentido, a qual foi, como
disse, amenizada pela Emenda Constitucional nº 11.
Nesse ponto, Sua Excelência adota raciocínio também desenvolvido pelo Ministro Moreira
Aleves, ao qual adiro integralmente. Não me parece haver espaço para invocar princípios
implícitos quando a matéria foi tratada expressamente na Constituição anterior e a alusão à
perda de mandato, de modo claro, foi retirada da atual Constituição
Resta claro, que em razão de argumentos morais, de alguns princípios
implícitos inerentes à autonomia dos partidos e à fidelidade partidária e, com o
objetivo de fortalecimento de preservação, os partidos políticos o TSE e depois o
STF, promoveram interferências na vida política do país, legislando acerca de temas
que não se encontram positivados tratados na ordem jurídicoconstitucional vigente.
Incorrem, dessa maneira, em ativismo judicial, que regularam matérias próprias,
essenciais à preservação dos procedimentos democráticos.
Para impor limites à atuação arbitrária, ao reconhecer que processo de
constitucionalização do Direito é um avanço, mas que não se pode deixar de
visualizar o seu fim, qual seja o alcance dos objetivos estatais, que se funda na
legitimidade decorrente do regime, leciona Jorge Reis Novais que:
Se o desenvolvimento da função estruturante da Constituição (com o progressivo
estabelecimento da justiça constitucional) compensa, de algum modo, a desvalorização do
papel da lei ordinária e os limites da justiça administrativa, é, sobretudo na revitalização,
aprofundamento e generalização das regras da democracia política que o Estado de Direito
encontra as contrapartidas que lhe permitem assumir novo princípio social sem perda de
legitimidade
576
.
Contudo, para que essa legitimidade seja efetivada é preciso manter as
conexões entre o constitucionalismo, enquanto teoria/ideologia fundante do
processo de constitucionalização e da atividade judicial e o tipo de democracia que
se espera, pois somente assim será possível se detectar os excessos ativistas e,
576
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo..., p. 207.
167
especialmente, fazer com que ambos (constitucionalismo e democracia) não apenas
convivam, mas antes sejam reforçados nessa relação.
Para tanto, crucial a obra de Carlos Santiago Nino
577
que enfrenta essas
questões complexas com profundidade e fidelidade à teoria dos direito
fundamentais, evidenciando os abusos cometidos pelo Poder Judiciário brasileiro no
caso da fidelidade partidária.
Nesta senda, Nino entende que a idéia de Constituição se situa na união
entre democracia e constitucionalismo o que pode gerar algumas tensões,
especialmente quando a “expansão da democracia debilita o constitucionalismo ou
quando o fortalecimento do ideal constitucional se converte em um freio para o
processo democrático”
578
.
Contudo, para que essas tensões não ocorram e nem se potencializem, o
autor propõe que o constitucionalismo deva reconhecer suas dimensões
democráticas e liberais (afinal, deliberação majoritária não é necessariamente
incompatível com governo limitado)
579
. Esse reconhecimento realizar-se-ia a partir
de três elementos que mais fortemente devem estar associados à própria noção de
constitucionalismo, quais sejam: i) a constituição histórica, ii) processos
democráticos e participativos e iii) a proteção dos direitos individuais
580
.
Acerca do primeiro elemento, Nino afirma que o constitucionalismo reclama
a obediência à constituição histórica, entendida como “o documento criado na
fundação constitucional e interpretado através da história do país”
581
, ainda quando
esta pareça impedir o desenvolvimento democrático do país
582
.
Apesar de reconhecer a radical indeterminação da Constituição histórica e
sua superfluidade, Nino fixa que em seu trato deva ser retomada a razão prática,
não para justificar ações individuais, mas sim, para justificar ações coletivas que se
estendam ao longo do tempo
583
de tal modo que os trabalhos desenvolvidos pelos
577
NINO, Carlos Santiago. La Constitucion de la democracia deliberativa. Barcelona: Editorial Gedisa,
1997.
578
Ibid., p. 13.
579
Ibid., p. 20-21.
580
Ibid., p. 26.
581
Ibid., p. 30.
582
Id.
583
Ibid., p. 55.
168
legisladores e juízes estejam fora de seu controle subjetivo, pois não é lícito que eles
possam escolher o sistema jurídico prevalente.
Desse modo, que se preservar a Constituição original enquanto prática
social e como um feito histórico, através do qual se identifique toda a ordem jurídica
de uma sociedade. Afinal, ela está repleta de condutas, atitudes e expectativas de
sucessivas legislaturas, funcionários públicos e gerações de cidadãos
584
.
Nesse sentido Nino, afirma que:
Seria irracional para um juiz resolver um caso como se estivesse criando toda uma ordem
jurídica com sua decisão (...) o juiz deve considerar as expectativas criadas pelas decisões
de legisladores e juízes no passado para que suas conclusões se harmonizem com as
decisões simultâneas de seus colegas
585
.
Ora, como já evidenciado, esse primado não foi sido seguida pelo Judiciário
brasileiro.
Nino resgata, ainda, três princípios de direitos liberais como base ideal e
substantiva para a formação de uma Constituição complexa
586
. São eles: o princípio
da autonomia
587
, o princípio da inviolabilidade
588
e o princípio da dignidade da
pessoa
589
.
Sobre esse fundamento, o autor busca reconstruir uma relação dialética
entre as diferentes dimensões dessa Constituição, as quais consistem nos
processos democráticos participativos, sua justificação, a proteção aos direitos
individuais e a fundamentação do controle de constitucionalidade.
Nessa arquitetura, a Constituição histórica, os direitos individuais e o
controle de constitucionalidade são entendidos como “contrapesos” ao processo
584
Ibid., p. 54.
585
Ibid., p. 54-55.
586
Ibid., p. 83.
587
Cuja pressuposição geral se refere, segundo Nino, à livre aceitação dos princípios morais
intersubjetivos e de ideais auto-referentes de excelência pessoal”. (Ibid., p. 75). Implica também na
idéia de separabilidade e independência das pessoas no discurso moral (id., p. 75-78).
588
Para Nino, este princípio se baseia na proibição da “diminuição da autonomia de uma pessoa para
alcançar como único propósito o incremento da autonomia de que gozam outros indivíduos”. (Ibid., p.
79).
589
Para impor limites e restrições aos outros dois, Nino propõe que a dignidade da pessoa deve ser
vista como o princípio que “permite à pessoa ter em conta decisões ou atos deliberados dos
indivíduos como uma base suficientemente válida para contrair obrigações, assumir
responsabilidades e perder direitos” (Ibid., p. 80). Desse modo: “é possível imaginar um processo
dinâmico no qual os direitos podem ser transferidos e perdidos de modo que alguns indivíduos
possam diminuir sua autonomia em favor das ações dos outros” (Id.).
169
democrático majoritário
590
. Este, por sua vez, é pensado desde uma perspectiva
dialógica
591
, intersubjetiva, em que se realça o valor epistêmico da deliberação
normativa
592
que, assim pensada, refunda e permite maior êxito para lograr real
vigência aos direitos individuais
593
.
A ênfase no modelo epistêmico da democracia deliberativa, leva Nino a
colocar em dúvida a legitimidade do controle judicial de constitucionalidade, na
medida em que surgem dúvidas acerca dos motivos pelos quais o poder judicial,
enquanto órgão aristocrático e não democrático, detém a última palavra na
determinação do alcance dos direitos individuais
594
. De fato, tem-se que as suas
decisões não gozam do valor epistêmico presente no processo democrático
595
.
Contudo, em alinhamento com a estrutura delineada, Nino fixa que existem
três exceções em que subsiste o papel da justiça constitucional: i) no controle de
procedimento democrático; ii) na tutela da autonomia pessoal e iii) na defesa da
constituição como uma prática social
596
.
Em relação ao controle do procedimento democrático, Nino percebe que
seria complicado que ele próprio regulasse suas regras. Para solucionar esse
problema, o Judiciário surgiria como um árbitro para tutelar a efetividade das regras
que garantem o valor epistêmico da democracia deliberativa
597
.
590
Ibid., p. 71.
591
Em sua concepção as esferas da política e da moral estão interconectadas, ligando o valor à
democracia na moralização das preferências das pessoas. que, segundo Nino, o valor da
democracia reside na sua natureza epistêmica com respeito à moralidade social, o que significa dizer
que ela é o procedimento mais apropriado para ter acesso ao conhecimento dos princípios morais.
(Ibid., p. 154).
592
Esse modelo epistêmico de democracia, de certo viés procedimental e assentado numa
concepção liberal dos direitos individuais, não é pensado como um modelo perfeito, mas antes o que
melhor se adequa aos limites e possibilidades das democracias contemporâneas e a complexidade
do contexto histórico atual. Não cabe neste trabalho explicar os pormenores de tal proposta, no
entanto, por ora é importante dizer que, segundo Nino, o valor epistêmico” da democracia surge a
partir de um conjunto de procedimentos para a tomada de decisão coletiva e sua capacidade para
detectar soluções moralmente corretas, que variam de acordo com o grau de satisfação das
condições subjacentes ao processo, quais sejam: “que todas as partes interessadas participem na
discussão e na decisão; que participem de uma base razoável de igualdade de igualdade e sem
nenhuma coerção; que possam expressar seus interesses e justificar-los com argumentos genuínos;
que o grupo tenha uma dimensão apropriada que maximize a probabilidade de um resultado correto;
que não haja nenhuma minoria isolada, mas que a composição das maiorias e minorias mude com as
diferentes matérias; que os indivíduos não se encontrem sujeitos a emoções extraordinárias (Ibid., p.
180).
593
Ibid., p. 259.
594
Id.
595
Ibid., p. 260.
596
Ibid., p. 273.
597
Ibid., p. 276-277.
170
Entretanto, dada a importância dos direitos que regula (amplitude da
participação, garantia de igualdade e justificação, entre outros), aponta Nino que a
tomada de decisão acerca dos vícios do sistema democrático deve observar que o
grau de confiabilidade epistêmica geral seja menor do que o relativo a uma decisão
individual, para que o órgão decisório possa atuar sobre a base de um juízo
moral
598
.
A segunda exceção, relativa à tutela da autonomia pessoal, diz respeito à
possibilidade de o Poder Judiciário invalidar uma lei ou ato normativo que imponha
um ideal de excelência pessoal ou de perfeccionismo moral, uma vez que é direito
individual e condição para o processo democrático que ninguém sofra coerção para
seguir padrões ideais de excelência humana
599
.
Ao tratar da terceira exceção, Nino explica que o propósito do controle
judicial de constitucionalidade é o de preservar a prática social ou convenção dentro
da qual a decisão democrática opera, quer dizer, dentro da constituição histórica
600
.
Por isso, esse controle se fundamenta também no fato de poder lograr que as
decisões democráticas que tem valor epistêmico sejam mais eficazes
601
.
Nessa linha, a prática coletiva, entendida como Constituição histórica que se
justifica à luz das constituições ideais dos direitos e do poder e serve como base
para justificar ações e decisões individuais, pode gerar uma tensão quando uma
decisão democrática afeta negativamente e de modo sério a convenção que surge
da própria constituição histórica, inclusive quando satisfaça ao ideal constitucional
respectivo do poder e dos direitos
602
.
Nino o exemplo de hipótese em que a decisão democrática infringe de
forma clara o texto
603
.
Nessa conjuntura, mesmo que a decisão democrática seja impecável do
ponto de vista dos elementos do constitucionalismo liberal e participativo, esta
poderia entrar em contradição com os elementos que preservam o Estado de Direito,
pois, caso fosse mantida a prática social formada desde a constituição histórica,
598
Ibid., p. 277.
599
Ibid., p. 279-280.
600
Ibid., p. 280.
601
Id.
602
Ibid., p. 281.
603
Id.
171
poderia se debilitar e, como resultado, a eficácia das decisões democráticas em
geral poderia resultar fortemente afetada
604
.
Em tal situação, “o juiz pode intervir de forma justificada para invalidar a lei
democrática a fim de proteger a convenção constitucional que garante a eficácia das
decisões democráticas mesmas”
605
.
Nessa linha, é possível inferir que os tribunais não podem tomar decisões
ou legislar positivamente em desfavor da constituição histórica, pois, por melhores
que fossem as intenções e as finalidades, estar-se-ia, na realidade, afrontando o
próprio processo democrático.
A partir desses argumentos, conclui-se que o STF e o TSE não possuíam
legitimidade para adotarem os referidos entendimentos, notadamente porque: i) se
basearam em juízos morais sem que o vício procedimental fosse de tamanho grau
de impacto, que prejudicasse a formação da vontade majoritária; ii) não devem ser
impostos ideais perfeccionistas na ação democrática, principalmente quando se viola
a autonomia pessoal e iii) violaram a constituição histórica.
Por fim, poder-se-ia cogitar sobre uma eventual supremacia do Poder
Judiciário, pelo que não haveria a cessação do desrespeito ao princípio da divisão
de poderes. Isso porque a prática governamental, hoje marcada pela atividade
tendente aos abusos das medidas provisórias, seria substituída pela “prática
judicial”, consubstanciada em ativismo tendente a afrontar o princípio da
constitucionalidade, tal qual aquele “que exprime em primeiro lugar e que funda a
legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que, dotada
de supremacia, vincula todos os poderes e os atos dele provenientes”
606
.
604
Id.
605
Id.
606
SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. In, QUARESMA, Regina; OLIVEIRA,
Maria Lúcia de Paula (Coord.). Direito Constitucional Brasileiro: perspectivas e controvérsias
contemporâneas. Rio de Janeiro: Forense Editora, 2006, p. 19-23.
172
CONCLUSÃO
No Brasil, o processo histórico de regulamentação constitucional dos
partidos políticos culminou, em 1988, por lhes conferir autonomia para se
estruturarem, organizarem, gerirem sua atuação e estabelecerem, por conseguinte,
regras a respeito da disciplina e da fidelidade de seus filiados (que detenham
mandato ou não).
A questão da fidelidade partidária, como se viu, foi apenas um ponto de
partida, para o que Gilmar Ferreira Mendes
607
denominou de o início de uma
“provável efetivação da mudança constitucional”, no sentido, pelo que se nota, da
promoção da proclamada reforma política
608
.
De fato, diversos setores da sociedade brasileira aclamaram o advento da
denominada reforma política, a fim de tornar “nossas instituições políticas mais
607
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
829.
608
Id.
173
legítimas, mais sérias e mais acreditadas”
609
. Contudo, não restam dúvidas de que,
ao passo que nosso país “está separado da democracia por uma distância
abissal”
610
, a ilegitimidade de que falecem as instituições é permanente, em
decorrência, principalmente, do “personalismo da representação política e do
conseqüente enfraquecimento dos partidos”
611
.
Nesse contexto, apontando o voto de protesto da população acerca da falta
de apoio a quaisquer das correntes partidárias registradas perante o TSE, no ano
de 1994, Michel Temer afirmava que “uma organização partidária sólida é fator de
fortalecimento das instituições nacionais”
612
.
Dessa feita, haja vista à inoperância dos agentes capazes e legitimados a
operarem uma possível implementação da referida reforma nas instituições políticas
brasileiras
613
, o Poder Judiciário se avocou do encargo de fazê-lo.
609
BONAVIDES, Paulo. A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta...,
p. 30.
610
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Representatividade e democracia. In. VELLOSO, Carlos
Mário da Silva, ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (coord.). Direito Eleitoral: a reforma eleitoral e os
rumos da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 46.
611
COMPARATTO, Fábio Konder. A necessária reformulação do sistema eleitoral brasileiro. In.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva, ROCHA, Carmem Lúcia Antunes (coord.). Direito Eleitoral: a
reforma eleitoral e os rumos da democracia no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 65.
612
TEMER, Michel. Constituição e política. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 24. No mesmo sentido
Marco de Oliveira Maciel: “Os sistemas eleitorais são os que viabilizam os sistemas representativos
em todo o mundo. São os sistemas eleitorais que, por sua vez, viabilizam e dão consistência ao
sistema partidário. Em outras palavras: o sistema partidário é uma variável dependente do sistema
eleitoral, vale dizer, do sistema representativo. Se quisermos exprimir de outra forma, podemos
afirmar que o sistema eleitoral condiciona, caracteriza, delimita e conforma o sistema partidário. Logo,
o que temos que examinar não é simplesmente um modelo eleitoral majoritário ou método
proporcional. Nem é essa a questão. O que temos que discutir é que sistema partidário queremos
para que possamos definir a variável dependente que o condiciona. Daí por que não se pode
dissociar a discussão do sistema eleitoral do debate sobre o sistema partidário. Mais do isso, temos
que discutir que papel queremos atribuir aos partidos na luta política do País. Esta é a questão central
na discussão contemporânea sobre os sistemas representativos. E residem os focos da crise dos
sistemas representativos. A propósito, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 1983, o Prof. Maurice
Duverger chamou a atenção para o problema, ao dizer: ‘O Brasil só será uma grande potência no dia
em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e
um sistema partidário forte e estruturado’” (Grifo no original). (Marco de Oliveira MACIEL. Reforma
político partidária: o essecial e o acessório. In. VELLOSO, Carlos Mário da Silva, ROCHA, Carmem
Lúcia Antunes (coord.). Direito Eleitoral - a reforma eleitoral e os rumos da democracia no Brasil..., p.
88).
613
No âmbito das propostas legislativas tendentes a realização da denominada reforma política,
tramita no Congresso Nacional gama de projetos de leis ordinárias e de emendas à Constituição
voltadas à alteração, a partir do voto, do sistema eleitoral e de normas estruturais do sistema
partidário brasileiro. Em estudo publicado, Sérgio BRAGA relata as matérias apresentadas durante a
51ª Legislatura da Câmara dos Deputados, conforme abaixo se verifica.
No que se refere ao voto no Brasil, que ora é obrigatório a todos os cidadãos alfabetizados com idade
entre 18 e 70 anos e facultativo para analfabetos, eleitores com idade entre 16 e 18 anos e maiores
de 70 anos, as propostas versam sobre a: a) realização de plebiscito para a extinção do voto
174
obrigatório (PEC 025/96, Sen. Sebastião Rocha); e a b) instituição de voto facultativo para eleitores
entre 18 e 70 anos – art. 14 CF (PEC 040/96, Sen. José Serra; PEC 006/96, Carlos Patrocínio).
Sobre a opção pelo modelo sistema Eleitoral, se majoritário, proporcional ou misto, discute-se a
possibilidade de ‘combinação dos pontos positivos de cada qual, com o objetivo de se evitarem os
pontos negativos’. Como visto, ora no Brasil vigora o sistema proporcional para as eleições
parlamentares, em que as circunscrições eleitorais equivalem às unidades administrativas. Dessa
forma, os parlamentares são eleitos em proporção aos votos recebidos, respeitados os quocientes
partidário e eleitoral. Para as eleições para Presidente da República, Governadores e Prefeitos
Municipais, assim como ao Senado Federal o critério é majoritário, em que os candidatos são eleitos
pela contagem direta dos votos recebidos. A proposta tende a instituir o sistema eleitoral misto
‘ajustado’, com mecanismos de ajuste que assegurem a proporcionalidade (PL 004/95, Dep. Adylson
Motta; PL 1306/95, Dep. Franco Montoro).
Quanto à possibilidade da adoção de listas abertas, o que ora é realizado no sistema proporcional, a
lista de candidatos que as agremiações apresentam à Justiça Eleitoral não dispõe de pré-ordenação
a ser obedecida para a atribuição de vagas, cuja ordem é definida pelo eleitor, que confere voto
diretamente ao candidato ou ao partido/coligação. Propõe-se: a) a instituição concomitante de listas
fechadas com o preenchimento de vagas sendo realizado em metade por lista aberta e metade por
lista fechada (PL 3428/00, Senado Federal); b) opção pela agremiação de listas fechadas ou abertas
(PL 3949/00, Dep. Virgílio Guimarães); c) estabelecimento de listas pré-ordenadas (PL 2887/00, Dep.,
João Paulo). O canal de discussão se abre, na eventualidade de mudança da regra, pelos reflexos
consistentes na maior ou menor possibilidade de controle sobre a ação comumente impressa pelos
dirigentes partidários, de forma a limitar gradativamente a liberdade de opção, de escolha, pelo
eleitor.
Acerca do critério para a distribuição das sobras, o Código Eleitoral (Lei Federal 4.747/65, art.
109), o define para a composição dos parlamentos, excepcionado o Senado Federal (princípio
majoritário), com base no princípio proporcional de representação popular. São considerados eleitos
tantos candidatos registrados por partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário
indicar, na ordem de votação nominal individual. Pela aplicação da fórmula definida a partir do artigo
106 do mesmo diploma, se chega à equação indicada, seja: aplicação do quociente eleitoral divisão
do número dos votos válidos apurados, excluídos brancos e nulos, pelo de lugares a preencher em
cada circunscrição, desprezada a fração se igual ou inferior a meio e equivalência a 1, se superior.
Também do quociente partidário, que determina a cada partido ou coligação o tamanho de sua
bancada dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos, obtidos por uma legenda
ou coligação de legendas, desprezada a fração. As vagas remanescentes, eventualmente não
preenchidas, devem ser a partir da aplicação da fórmula conhecida por maior média, definida pelo
artigo 109 do Código Eleitoral. Ocorre, porém, que o seu parágrafo segundo institui a ‘cláusula de
barreira’, pois somente podem concorrer a vagas remanescentes os partidos ou coligações que
obtiverem quociente eleitoral. As propostas que vigoram sugerem a revogação do mesmo parágrafo
(PL 4292, Dep. João Paulo), por considerá-lo discriminatório para agremiações que por vezes
alcançaram margem de votos superiores a de alguns concorrentes.
No que se refere aos financiamentos de campanhas políticas, propõe-se o financiamento público,
cuja questão é altamente controversa. O sistema brasileiro prevê o financiamento público, a partir
da garantia, aos partidos, da divisão de recursos do Fundo Partidário art. 38 da Lei dos Partidos
Políticos porém, considerando-se o valor de R$ 0,38 por eleitor. Propõe-se o financiamento público,
privado ou misto de campanhas políticas, inclusive propondo-se percetual de R$ 7,00, por eleitor,
para a constituição do fundo (PL 830/99, Dep.Rita Camata).
Quanto ao instituto da fidelidade partidária, que foi objeto de várias proposições
legislativas, a proposta incide sobre dois aspectos: a) a restrição às mudanças de partidos
pelos quais os parlamentares foram eleitos fidelidade partidária propriamente dita”; e b) a
fidelidade programática, acerca da disciplina partidária ou a obediência às deliberações
aprovadas pelas instâncias de deliberação coletiva (convenções, conselhos ou direções
executivas), ou regras estatutárias. Na atualidade - conforme o estudo aponta, as disposições
contidas no artigo 17 da Constituição Federal conferem aos partidos políticos autonomia para
a regulação, interna corporis, da fidelidade partidária de seus filiados. As propostas conferem
crítica ao artigo 55 da Constituição que estabelece hipóteses estritas de perda de mandato. As
proposições seguem no seguinte sentido: a) da alteração do artigo da Lei das Eleições (Lei
Federal n 9.504/1997) para a ampliação do prazo de anterioridade de 2 anos para a filiação de
175
Ocorre que, admitir-se que a atuação jurisdicional esteja voltada a criar, no
sistema jurídico, instituições artificiais, ainda que tais mudanças tenham caráter
precário, pois diante de situações excepcionais ou de questões urgentes, equivaleria
aceitar-se o rompimento do pacto republicano
614
.
Desse mecanismo poderia decorrer conseqüência bastante grave, pois a
reiterada superposição dos momentos normativo e judicial, voltada à solução de
demandas in concreto, faria com que imperasse um constante Estado de Exceção e
eleitor a partido político como pré-requisito para a elegibilidade (PL 1.974;99, Dep. João Paulo
Cunha); b) da perda de mandado para parlamentar que se desfiliar, no curso do mandato, da
legenda pela qual foi eleito (PEC 42/95, Dep. Rita Camata); e ; da c) perda de mandato para
parlamentar que descumprir decisão de convenção partidária tomada por 2/3 de votos (PEC
24/99, Dep. Eunício Oliveira); e perda de mandato para o parlamentar que, por atitude ou voto,
opuser-se aos princípios fundamentais do Estatuto Partidário (PEC 137/95, Dep. Hélio Rosa)
(Grifo nosso).
Sobre as coligações partidárias, que ora são reguladas pelo Código Eleitoral (Lei Federal nº 4.747/65,
art. 105), e pela Lei das Eleições (Lei Federal 9.504/97, art. ), são definidas pela ‘união entre
partidos, com denominação própria (que pode ser a junção de todas as siglas que integram os
partidos que a compõe), a quem são atribuídas prerrogativas e obrigações de partido político,
concernentes ao relacionamento com ao processo eleitoral. Funciona como um único partido no
relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato interpartidário’ - Lei Federal nº 9.504/97, art. 6º, §1º.
Ainda, podem ser formadas, em uma mesma circunscrição, para as eleições majoritárias,
proporcional ou para ambas. Atualmente, por decisão do Supremo Tribunal Federal nas Ações
Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2626/DF e 2628/DF, ambas de 18/04/2004, está mantida a
Resolução do Tribunal Superior Eleitoral 20.993/2002, que institui efeito vinculante para as
coligações partidárias formadas em âmbito nacional em relação àquelas formadas em âmbito
estadual, ou seja, somente pode diretório regional de partido político, nos estados, coligarem-se com
partidos que, nacionalmente tenham firmado aliança entre si ou com aqueles que não tenham
realizado coligação em âmbito nacional. As propostas versam sobre: a) a agregação de parágrafos ao
artigo 13 da Lei dos Partidos Políticos para permitir-se a criação da federação de partidos (PLS
180/99); b) o condicionamento da repetição das coligações em todos os níveis da federação (PL
3953/00, Dep. Virgílio Guimarães); e c) a proibição das coligações em eleições proporcionais,
permitindo-as somente para eleições majoritárias (PL 1562/99, Senado Federal; PL 669/99, Dep.
Aloysio Nunes Ferreira; PL 7048, Dep. Coroiolano Sales).
No que se refere à Cláusula de Barreira, a Lei dos Partidos Políticos já a institui, e cuja garantia incide
sobre o funcionamento parlamentar (constituição de bancadas e participação de indicados pelos
partidos em comissões), para partidos que alcancem 5% dos votos válidos para a Câmara dos
Deputados, com o mínimo de 2% dos votos válidos em pelo menos 9 estados. Registre-se que desde
a publicação da decisão do STF na ADIN 1.351-3, o contido nos artigos 56 e 57 da lei continuam
em vigor. Ocorre, porém, que deteve a sua eficácia As propostas versam sobre: a) a diminuição de
5% para 2% dos votos válidos e de 2% para 1% para a sua distribuição em pelo menos um terço dos
estados (PL 2944/00, Dep. Haroldo Lima); e b) a permissão do funcionamento parlamentar em todas
as casas legislativas, nas quais tenha representante, ao partido que tiver, no mínimo, 1% do total de
deputados federais (PL 1581/99, Dep. Clementino Coelho).
Por fim, quanto a distribuição do horário eleitoral gratuito por tele e rádio difusão, a matéria está
disciplinada pelo artigo 47 da Lei das Eleições, que determina que o acesso dê-se aos partidos
políticos, na medida da proporção estabelecida pelo número de representantes na Câmara de
Deputados, a ser apurado do início da legislatura. Propõe-se a distribuição do horário eleitoral
gratuito, considerado o resultado do último pleito para a Câmara dos Deputados, no momento da
proclamação dos eleitos (PL 1582/99, Dep. Clementino Coelho). (BRAGA, Sérgio; BELACHE,
Priscila. O estudante de pós-graduação em sociologia política da UFPR e a questão da reforma
política. Curitiba. Paraná Eleitoral 53/54: Tribunal Regional Eleitoral, p. 13-37).
614
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Representatividade e democracia.., p. 46.
176
o que de feição excepcional, poderia se tornar estado permanente; dissolvendo
dessa forma a democracia brasileira
615
.
Como fixadas, as decisões judiciais analisadas são inválidas, seja no que
diz respeito a sua natureza material, que identifica a ausência de base constitucional
apta a amparar a medida; seja no âmbito formalmetodológico, visto que a
prerrogativa constitucional correta para operacionalizar uma reforma política deveria
perpassar os caminhos do Congresso Nacional; pelo que resta incompetente o
Poder Judiciário
616
.
Por conseqüência, tal situação azo à desobediência civil, pois diante do
Estado de Exceção instalado, qualquer cidadão está legitimado ao exercício do
direito subjetivo à oposição política, em caráter de direito fundamental, em face do
governo
617
.
De outro vértice, nãovidas sobre a importância do papel exercido pela
jurisdição constitucional, que pode servir a concluir paulatinamente a inacabada obra
que é a Constituição. Mas, ocorre, porém, que esta não pode vir a se debelar contra
seus criadores, o que certamente ocorrerá enquanto estes permitam “que se esvaia
o sentido de norma, ou que se destrua a engenharia original dos fundadores
618
”.
Ao
chegar a esse ponto, certamente constatar-se-á que os protagonistas esquecerão os
motivos pelos quais estão em seus devidos lugares.
615
TINGSTEN Herbert. Lês Pleins pouvoirs. L´expansion des pouvoirs gouvernamentaux pendant et après
la Grande Guerre, apud GAMBEN, Giorgio; trad. Iraci D. Poleti. O Estado de Exceção. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2004, p.18.
616
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua e CERQUEIRA, PÁDUA, Camila Medeiros de
Albuquerque Pontes Luz de. Tratado de Direito Eleitoral..., p. 198.
617
No sentido que imprime Canotilho, “(...) A desobediência civil distinguir-se-ia do direito de
resistência porque ela não visa combater globalmente um sistema político corrupto ou injusto. Trata-
se apenas, na conhecida denifição de John Rawls, de um ‘acto público’, não violento, consciente e
político, contrário à lei, praticado com o propósito de provocar uma alteração da lei ou dos programas
de governo. Sob o ponto de vista jurídico-constitucional, a desobediência civil poder-se-ia
caracterizar como individual ou colectivamente, de forma pública e não violenta, com fundamentos em
imperativos ético-políticos, poder realizar os pressupostos de uma norma de proibição, com a
finalidade de protestar, de forma adequada e proporcional, contra uma grave injustiça (Dreier). Trata-
se assim, de dar guarida constitucional ao “direito de indignação”, procurando-se convencer a opinião
pública de que uma lei, uma política, ou medidas de uma política são ilegítimas tornando-se a
contestação pública destas plenamente justificadas” (Grifo no original). (CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p.
328).
618
LEITE SAMPAIO, José Adércio. A constituição reinventada. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.19.
177
A esse ponto, certamente estará um sineiro
619
a dobrar os sinos a finados
da Justiça e nós estaremos a perguntar: "quem custodia os custódios
620
?
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619
O conto que segue é extraído de um artigo
619
de José Saramago, denominado “Da justiça à
democracia, passando pelos sinos”:
Estamos a falar do século XVI. Naquele tempo, era hábito de uma pessoa, elevada à categoria de
sineiro, de se tocar os sinos naquela aldeia, para demonstrar alguma atividade e, em especial,
quando ocorria a morte de algum aldeão.
Certo dia, sem que houvesse algum aldeão às portas da morte, tocaram-se os sinos. As pessoas
acorreram às ruas e indagavam quem e porque se tocaram os sinos, se o sineiro, a quem cabia a
função, não estava presente e nenhum aldeão havia morrido.
Foi quando surgiu um camponês que afirmou: ‘o sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino’, e
acrescentara dizendo que não morrera ninguém.
Indagavam todos: o que acontecera tornavam os vizinhos, e o camponês respondeu: “ninguém que
tivesse nome e figura de gente morreu. Toquei a finados pela Justiça, porque a Justiça está morta”.
Fora a forma que encontrava para lavrar o seu protesto contra o senhor do lugar, algum conde ou
marquês sem escrúpulo que andava a trocar os marcos das divisas de suas propriedades
confinantes, assenhorando-se de suas terras mais e mais reduzida a cada avançada, que levara o
camponês a protestar, reclamar, a implorar compaixão, até que socorreu-se à Justiça. Tudo sem
resultado. A espoliação continuava. Então, desesperado decidiu anunciar urbi et orbi
619
(expressão
latina de ‘cidade e mundo), a morte da Justiça. Talvez pensasse que seu gesto de exaltada
indignação lograria comover a todos e por a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças,
credos e costumes que todos eles, sem exceção, os acompanhariam no dobre a finados pela morte
da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada”. Disponível em: <Brasil:
http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=1960>; e Paraná Eleitoral
53/54: TRE/PR, Qual Reforma Política. CASTRO, Honildo Amaral de Mello. Transparência e
Confiabilidade do Processo Eleitoral, p. 45).
620
Nas palavras de BOBBIO: “A velha pergunta que percorre toda a história do pensamento político
“Quem custodia os custódios?” hoje pode ser repetida com esta outra fórmula: “Quem controla os
controladores?” e não conseguir encontrar uma resposta adequada para esta pergunta, a
democracia, como advento do governo visível, está perdida. Mais que uma tendência contrária às
premissas: a tendência o ao máximo controle do poder por parte dos cidadãos, mas ao máximo
controle dos súditos por parte do poder” (Grifo nosso).
178
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