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Universidade Federal do Rio de Janeiro
FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:
UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA
NO RIO GRANDE DO SUL
Juliana Bublitz
2010
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FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:
UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA
NO RIO GRANDE DO SUL
Juliana Bublitz
Tese de doutorado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de doutor em História Social.
Orientador: José Augusto Pádua
Rio de Janeiro
Março de 2010
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FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:
UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA
NO RIO GRANDE DO SUL
Juliana Bublitz
José Augusto Pádua
Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de doutor em História Social.
Aprovada por:
__________________________________
Presidente, Prof. Dr. José Augusto Pádua (UFRJ)
__________________________________
Prof. Dr. João Klug (UFSC)
__________________________________
Prof.ª Dra. Maria Verónica Secreto (UFF)
__________________________________
Prof.ª Dra. Andrea Casa Nova Maia (UFRJ)
__________________________________
Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas (UFRJ)
Rio de Janeiro
Março de 2010
Bublitz, Juliana.
Forasteiros na floresta subtropical: Uma história ambiental da colonização
européia no Rio Grande do Sul/ Juliana Bublitz. Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGHIS,
2010.
x, 190f.: il.; ...cm.
Orientador: José Augusto Pádua
Tese (doutorado) – UFRJ/ PPGHIS/ Programa de Pós-Gradação em História
Social, 2010.
Referências bibliográficas: f.184-200.
1. História ambiental. 2. Colonização européia. I. Pádua, José Augusto. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. III.
Título.
RESUMO
FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:
UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA
NO RIO GRANDE DO SUL
Juliana Bublitz
Orientador: José Augusto Pádua
Resumo da tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de doutor em História Social.
A presente pesquisa propõe uma revisão histórica da colonização européia
desencadeada no Rio Grande do Sul do século 19 a partir da perspectiva de abordagem
da história ambiental, com foco nas antigas colônias alemãs e italianas. Além de
examinar seu impacto ambiental, procurou-se demonstrar que a floresta subtropical,
vista pelos colonos como uma fronteira verde aberta e inesgotável, foi mais do que
simples “palco dos acontecimentos”, condicionando o tipo de sistema produtivo e as
formas de organização social adotadas na nova terra.
Palavras-chave: colonização européia, história ambiental, Rio Grande do Sul
Rio de Janeiro
Março de 2010
ABSTRACT
FOREIGNERS IN THE SUBTROPICAL FOREST:
AN ENVIRONMENTAL HISTORY OF EUROPEAN COLONIZATION IN
RIO GRANDE DO SUL
Juliana Bublitz
Orientador: José Augusto Pádua
Abstract da tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de doutor em História Social.
This study presents a historical review about the European colonization in Rio
Grande do Sul during the 19th century from the perspective of the environmental
history, focusing on German and Italian colonies. In addition to examining the
ecological impact of the colonies, this research shows that the subtropical forest, which
the colonists saw as a green frontier open and inexhaustible, was much more than just
the "stage of events," tying the type of production system and the ways of social
organization adopted in the new land.
Keywords: colonization, environmental history, Rio Grande do Sul
Rio de Janeiro
Março de 2010
Da amurada do navio, Willy olha a cidade que os casais de
açorianos fundaram. Desembarca meio estonteado, de mãos
dadas com a mulher: Hänsel e Gretel, coitados, perdidos na
floresta. Num batelão com as outras famílias de imigrantes
sobem o Rio dos Sinos, de águas barrentas e margens baixas,
rio sem história, sem castelos, sem ondinas nem Loreleis.
Tornam a pisar terra firme, entram num carro de bois. Este é o
lote que te toca, Willy. Agora não passarás mais fome, como em
tua terra natal. Willy olha a mata. Verflucht! É preciso
derrubar as árvores, virar a terra e antes de mais nada fazer
uma casa. Mas o alfaiate Willy não sabe construir casas. Senta-
se numa pedra e fica olhando as nuvens e achando que Gott
wird helfen.
Erico Verissimo
O Tempo e o Vento (1949)
A expansão das colônias transformou-se bem cedo numa
verdadeira corrida para a mata vigem [...]. Uma série de
fenômenos naturais e sociais se deve a esse fato. Antes de tudo,
é o desmatamento progressivo da fralda da serra.
Praticamente todos os terrenos já perderam sua capa silvática;
o que resta são os trechos imprestáveis nos flancos mais
íngremes e rochosos das montanhas e as cintas de mato que
ladeiam os degraus da serra. Capoeiras e matos secundários
sujos caracterizam a estrada trilhada pela agricultura de
exploração dos cem anos passados.
Balduíno Rambo
A fisionomia do Rio Grande do Sul (1942)
Dedico este trabalho aos meus
antepassados, que no século 19 cruzaram
o oceano em busca do sonho de uma nova
vida no Sul do Brasil.
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho não seria possível sem que houvesse uma conjunção
de fatores. Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu orientador, professor José
Augusto Pádua, por ter apostado em meu projeto de pesquisa, assim como o Programa
de Pós-Graduação em História Social. Também não posso deixar de mostrar minha
gratidão à amiga Cirlei Santos, que tornou possível minha estadia no Rio de Janeiro em
2006, quando cursei as disciplinas do doutorado, assim como aos meus pais e ao meu
companheiro, Cristiano José Sehn, pelo apoio incondicional e pelo auxílio na pesquisa.
À amiga de muitos carnavais, Josiane Rovedder, meu sincero reconhecimento pela
ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um
agradecimento especial ao jornal Zero Hora, principalmente aos editores Diego Araújo
e Alexandre Elmi e à chefe de reportagem Ângela Ravazzolo, por terem permitido que
eu me ausentasse da redação por 30 dias, com licença remunerada, para a finalização da
tese – que, sem esse voto de confiança, certamente não estaria concluída.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13
1. DECIFRANDO FRONTEIRAS.............................................................................. 24
1.1. Frederick Jackson Turner e a tese da fronteira................................................... 26
1.2. A conquista do Oeste na historiografia brasileira............................................... 35
1.3. A fronteira verde no Sul do Brasil...................................................................... 43
2. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ALEMÃ: PONTO DE
PARTIDA NA CONQUISTA DA FRONTEIRA VERDE....................................... 55
2.1. O colono adentra a floresta................................................................................. 57
2.2. O “desmatamento civilizador” ............................................................................ 72
2.3. Mudança de hábitos no limite da fronteira......................................................... 85
2.4. Reconstruindo ecossistemas............................................................................. 101
2.5. Caboclização ou tropicalização? O novo na fronteira...................................... 107
3. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ITALIANA: O
AVANÇO RUMO À SERRA .................................................................................... 117
3.1. A escalada da Serra............................................................................................ 119
3.2. A sensação de isolamento nas montanhas......................................................... 131
3.3. A irresistível predileção pela “técnica do fósforo”............................................ 140
3.4. O domínio da floresta na terra das Araucárias ................................................. 145
3.5. Os parreirais avançam sobre a mata.................................................................. 161
3.6. A busca por novas terras continua..................................................................... 173
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 184
ÍNDICE DE MAPAS
Mapa 1 – Localização das principais colônias alemãs e italianas................................. 19
Mapa 2 – Vegetação nativa do Rio Grande do Sul........................................................ 44
Mapa 3 – Zonas de povoamento do Rio Grande do Sul................................................ 45
Mapa 4 – Relevo do Rio Grande do Sul...................................................................... 121
Mapa 5 – Diagrama morfológico do Nordeste do RS................................................. 122
Mapa 6 – Processo de ocupação do território gaúcho................................................. 174
ÍNDICE DE IMAGENS
Imagem 1 – A demarcação dos lotes............................................................................. 63
Imagem 2 – A construção da primeira casa................................................................... 64
Imagem 3 – A devastação no coração da floresta.......................................................... 75
Imagem 4 – O tronco abatido........................................................................................ 78
Imagem 5 – Desmatamento civilizador......................................................................... 79
Imagem 6 – Senhores da floresta................................................................................... 80
Imagem 7 – A caçada – parte I...................................................................................... 89
Imagem 8 – A caçada – parte II..................................................................................... 90
Imagem 9 – Paisagem serrana..................................................................................... 123
Imagem 10 – Morro desmatado................................................................................... 125
Imagem 11 – Abertura de estrada na mata.................................................................. 133
Imagem 12 – O domínio da floresta – parte I.............................................................. 154
Imagem 13 – O domínio da floresta – parte II............................................................. 155
Imagem 14
– O domínio da floresta – parte III........................................................... 156
Imagem 15 – Natureza domesticada............................................................................ 158
Imagem 16 – Nos trilhos do trem................................................................................ 159
Imagem 17 – O parreiral avança na mata – parte I...................................................... 166
Imagem 18 – O parreiral avança na mata – parte II................................................... 167
Imagem 19 – O parreiral avança na mata – parte III.................................................. 168
INTRODUÇÃO
Movidos pelo sonho da posse da terra, milhares de imigrantes europeus deixaram
para trás o Velho Mundo, no início do século 19, e partiram em uma viagem sem volta
rumo ao Sul do Brasil – mais precisamente à Província de São Pedro, sobre a qual
pouco ou nada sabiam. Com a bagagem e a prole nas costas, esses homens e mulheres
depararam com densas florestas subtropicais, tão fascinantes e assustadoras como
jamais haviam visto. Para sobreviver na terra prometida, tiveram de se adaptar ao novo
ecossistema. Aprenderam a empunhar o machado e especializaram-se nas derrubadas e
queimadas, que avançaram impiedosamente mata adentro e se repetiram sem trégua.
Em uma centena de anos, ocuparam cada quilômetro quadrado da fronteira verde que se
abria diante de seus olhos e imprimiram marcas indeléveis na paisagem e na memória
gaúchas. Essa história é o tema da presente pesquisa.
Parte de um projeto mais amplo de imigração planejada e subsidiada pelo Estado,
a profusão de núcleos coloniais no Rio Grande do Sul teve início em 1824, com a
criação da Colônia de São Leopoldo, às margens do Rio dos Sinos, na área da antiga
Real Feitoria do Linho Cânhamo. Por meio de iniciativas como essa, o governo imperial
pretendia ocupar, tornar produtivas e valorizadas terras devolutas, assim como garantir
o abastecimento do mercado interno com produtos agrícolas e criar uma classe social
intermediária entre os grandes proprietários e os escravos (Iotti, 2001, p.21).
No caso específico do Rio Grande do Sul, segundo a historiadora Helga Piccolo
(2004), diferentes fatores contribuíram para que a região se tornasse palco das principais
experiências coloniais empreendidas no Brasil. Por um lado, havia um claro interesse
em arrefecer o poderio e a autonomia conquistados pelos estancieiros, considerados um
obstáculo à construção do Estado nacional. Por outro, com a emancipação política,
impunha-se o desafio de garantir a integridade territorial do jovem país. Com a
implantação de colônias, buscava-se assegurar a posse do território na Província, cujas
fronteiras ainda sofriam ameaças.
14
Somava-se a isso o fato de que, no Rio Grande do Sul, o governo imperial possuía
grandes áreas disponíveis à colonização. Terras de topografia irregular, cobertas de
mato e inviáveis para a pecuária extensiva. Pouco atrativas, portanto, para os grandes
fazendeiros, que compunham parte importante da elite política e econômica da
Província. Sem a oposição dos latifundiários, não havia empecilhos para dar início às
experiências coloniais na região – que começaram por vontade do Império e aos poucos
também passaram a ser incentivadas pelo governo provincial e pela iniciativa privada.
Foram predominantemente alemães os primeiros a fincar os pés nos lotes que
começaram a ser demarcados na fronteira verde. As primeiras colônias abrangeram
principalmente a região da Depressão Central e a Encosta do Nordeste, alongando-se
pelos Vales dos rios dos Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí. Somente entre 1824 e 1830,
5.350 colonos estabeleceram-se no Rio Grande do Sul (Pesavento, 1980, p.35). Com a
Guerra dos Farrapos, o fluxo foi momentaneamente interrompido, mas ao final do
confronto a imigração recomeçou com força. Sob o controle da Província, surgiram
núcleos como Santa Cruz (1849), Santo Ângelo (1857), Nova Petrópolis (1858) e
Monte Alverne (1859). Também nasceram colônias particulares, entre elas Estrela
(1853), Soledade (1857), Teutônia (1858) e Candelária (1863). Nos anos de 1848 a
1874, entraram no Rio Grande do Sul mais de 22 mil imigrantes, entre eles, 19.607
alemães (Maestri, 2000, p.20).
Com a força de um exército, os forasteiros avançaram na mata e se multiplicaram.
O resultado foi tão expressivo que, a partir de 1874, o governo imperial decidiu investir
na criação dos primeiros núcleos italianos. Dessa vez, porém, o alvo seria a região
serrana da Província, situada a mais de 300 metros de altitude e preterida tanto pelos
alemães, devido às dificuldades de acesso, quanto pelos fazendeiros. As primeiras
colônias fundadas no pico da fronteira verde foram Caixas, Princesa Isabel (Bento
Gonçalves) e Conde D’Eu (Garibaldi), entre 1874 e 1875. Em seguida, vieram colônias
como Guaporé e Nova Prata.
Apesar da primeira leva de colonos italianos ter chegado em 1875, somente nos
anos de 1876 e 1877 a imigração de fato se intensificaria na região, com a vinda de três
a quatro mil pessoas por ano à Província. Esse número atingiria cifras ainda mais
elevadas, como a que se registrou em 1891, quando chegaram à Serra cerca de nove mil
imigrantes. Em 33 anos de colonização, a soma total ultrapassou a marca de 70 mil
pessoas (Azevedo, 1982, p.110), que se espalharam por uma área de 370 mil hectares. A
irradiação italiana, conforme Manfroi (1987, p.178), marchou na direção Noroeste,
15
atingiu toda a margem meridional do Planalto e, a Leste, alcançou os Aparados da
Serra.
No último quartel do século 19, a “febre migratória”, nas palavras de Theodor
Amstad (1924), chegaria a seu auge. As antigas regiões coloniais já se encontravam
saturadas. A explosão demográfica e a degradação do solo desencadearam a ocupação
das últimas reservas florestais gaúchas, acompanhando os trilhos do trem (Gelpi e
Wickert, 2005) e fazendo recuar os grupos indígenas remanescentes. A marcha
engrossava à medida que eram implantadas as chamadas “colônias novas” na Região
Noroeste, rapidamente povoadas pelos filhos e netos dos pioneiros alemães e italianos e
também por gente das mais variadas nacionalidades, que continuava a chegar, porém em
menor número. Em 1924, portanto 100 anos após o início da colonização, todas as áreas
de mata da Província estavam ocupadas.
Pelo papel de destaque assumido na economia gaúcha e pela força transformadora,
o sistema de colonização responsável por assentar milhares de colonos europeus no
coração da floresta tornou-se sinônimo de desenvolvimento no Rio Grande do Sul. No
longínquo século 19, quando as primeiras experiências baseadas na imigração
espontânea começaram a dar resultados, presidentes da Província e deputados já
vislumbraram na política de imigração a principal solução para transformar, em uma só
tacada, áreas tidas como selvagens e ociosas em verdadeiros oásis do progresso.
A associação entre colonização e desenvolvimento não tardaria a ganhar destaque
nas principais obras produzidas sobre o tema ao longo do século 20, a começar pelos
livros publicados no centenário da colonização alemã – entre eles Cem anos de
germanidade (1924), organizado por Theodor Amstad, e A Colonização Germânica no
Rio Grande do Sul (1924), de Ernesto Pellanda. Ambos exaltaram a importância
econômica e cultural da iniciativa, tal como Aurélio Porto, dez anos mais tarde, no
clássico O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul (1934). Em 1939, coube a Limeira
Tejo consolidar a relação entre colonização e modernização, abrindo caminho para
versões apologéticas do empreendedorismo imigrante, tanto na historiografia quanto na
literatura regionais.
Mais tarde, nas décadas de 1960 e 70, o êxito colonial continuou em voga em
obras como A contribuição teuta à formação da nação brasileira (1968), de Carlos
Oberacker, e A colonização alemã e o Rio Grande do Sul (1969), de Jean Roche, que
em dois volumes esquadrinhou os rumos trilhados pelos imigrantes no Estado. Na
16
literatura regional, foi Josué Guimarães, em A ferro e fogo (1973), o principal escritor a
reforçar a visão épica da conquista da terra pelos colonizadores.
Na década de 80, veio a lume uma nova coletânea sobre os aspectos econômicos,
sociais, políticos e religiosos dos núcleos fundados por alemães e italianos. Organizada
por José Dacanal, a obra incluiu artigos sobre a relação entre imigração e
industrialização (Lagemann, 1980), a inserção da economia imigrante na economia
gaúcha (Moure, 1980) e a ligação entre capitalismo e colonização alemã no Rio Grande
do Sul (Lando e Barros, 1980). Virou referência nas escolas e universidades.
Na raiz de praticamente todas as análises, imperou a valorização do padrão de
ocupação colonial, associado à pequena propriedade rural, à policultura e à mão-de-obra
predominantemente livre do imigrante. A transformação (leia-se civilização) do “Rio
Grande das Matas”, na expressão de Roche (1969), em um “Rio Grande das lavouras”
foi considerada a grande contribuição de alemães, italianos, poloneses e tantos outros
grupos que atravessaram o oceano por uma mudança de status no Brasil. O crescimento
demográfico relacionado a esse processo e a sua importância para a ocupação produtiva
das áreas florestais seriam provas cabais do poder emanado do projeto colonizador,
igualmente vinculado ao incremento da indústria, à modernização da agricultura e ao
florescimento do comércio.
O que poucos perceberam, porém, é que junto dessa impressionante pujança
econômica, fartamente estudada e documentada por historiadores, economistas e
sociólogos, vieram drásticas alterações ambientais. O modelo de desenvolvimento
amparado na colonização, especialmente a alemã e a italiana, contribuiu de forma
significativa para o desmatamento das áreas florestais da Província, que um dia
chegaram a representar 36% do território, tanto quanto para a degradação do solo, a
extinção de animais silvestres e o assoreamento de rios. Sintomaticamente, o impacto
ambiental implícito a esse processo permanece à espera de estudos mais aprofundados.
Durante décadas, na historiografia ocidental, seres humanos foram retratados
como protagonistas de superioridade inconteste frente à natureza, como se fossem
imunes ao meio físico ou simplesmente estivessem acima dele. Passaram-se os anos, e
essa velha história baseada em fatos e em heróis já não podia mais responder às novas
indagações. Na esteira das mudanças desencadeadas com o surgimento da Nova
História, vieram também distintas e promissoras correntes de pesquisa.
Fundada oficialmente nos anos de 1970, nos Estados Unidos, a história ambiental
foi uma delas. Surgiu como uma resposta aos movimentos ambientalistas e às
17
conferências sobre a crise global, num momento em que o mundo ocidental parecia
finalmente dar-se conta de que o velho “sonho do progresso” (Barrillon, 2004),
transfigurado no “mito do desenvolvimento” (Sachs, 2000), começava a ruir. Passava a
ser necessário, mais do que nunca, recolocar a sociedade na natureza (Cronon, 1983) e
incorporar variáveis naturais ao repertório das disciplinas ligadas às ciências sociais
(Drummond, 1991, p.180).
Em 1974, a eco-história seria tema de ummero especial da revista dos Annales,
na França. Na apresentação da edição, Emmanuel le Roy Ladurie, um dos discípulos de
Marc Bloch e Lucien Febvre, anunciava a difusão do novo campo como uma mudança
definitiva nos rumos da historiografia. Desde então, proliferaram-se historiadores
dispostos a não mais ignorar as conseqüências ecológicas dos feitos humanos (Worster,
1991, p.199). Inclusive no Brasil.
Por aqui, a perspectiva ambiental já havia sido cotejada por estudiosos ilustres,
como Sérgio Buarque de Holanda (1936, 1985) e Gilberto Freyre (1933, 1985), com
obras seminais. A partir de 1990, porém, ganhou espaço uma nova etapa dessa
abordagem, mais institucionalizada e consciente de si mesma, inaugurada a partir dos
trabalhos de Warren Dean (1990 e 1995) e de José Augusto Pádua (2002). Tais
pesquisas acabaram influenciando diretamente a produção de inúmeras teses e
dissertações, voltadas principalmente à devastação da Mata Atlântica brasileira.
Se em outras regiões do Brasil os germes para uma história ambiental surgiram a
partir de estudos como os de Freyre e Sérgio Buarque, na região Sul o mesmo se pode
dizer a respeito de Balduíno Rambo (1942) e de Jean Roche (1969). Apesar disso, foi a
partir dos anos 2000 que começaram a aparecer pesquisas efetivamente filiadas à eco-
história na região. Esses estudos passaram a ser desenvolvidos principalmente na
Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, por iniciativa de Gilmar Arruda (2001,
2005), e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por pesquisadores
vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História, como Eunice Nodari (2003 e
2005) e João Klug (2005), e seus orientandos.
No Rio Grande do Sul, o primeiro livro vinculado oficialmente à história
ecológica foi lançado em 2006, mas se restringiu a uma introdução ao tema
1
. Mais
recentemente, em 2009, foi publicada a dissertação de mestrado de Marcos Gerhardt,
1
Para mais informações, ver BUBLITZ, Juliana e CORREA, Silvio. Terra de Promissão: Uma
introdução à Eco-história da colonização européia no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul/Passo
Fundo: Edunisc/Editora da UPF
18
que se concentrou na história ambiental da Colônia de Ijuí, fundada no final do século
19, no Noroeste gaúcho. Outros trabalhos surgiram em congressos e revistas
acadêmicas nesse meio tempo, mas ainda restam muitas perguntas sem resposta.
É nesse âmbito teórico que se inscreve a presente pesquisa, que propõe uma
revisão da história da colonização européia no Rio Grande do Sul dos séculos 19 e 20 a
partir da perspectiva de abordagem da história ambiental – o que não significa, por
outro lado, fazer tábula rasa de tudo o que já foi produzido sobre o tema, nem tampouco
negar as contribuições de outras correntes historiográficas, e sim preencher algumas de
suas lacunas e apontar para novos caminhos, que levem em conta, também, as ciências
naturais e os seus conceitos.
Nas páginas que seguem, procurou-se analisar, entre outros aspectos, o modo
como os colonos se relacionaram com a floresta e viram a natureza sulina, o papel da
fronteira verde no processo de tropicalização dos imigrantes e na constituição dos
padrões de organização social e de produção, as relações estabelecidas entre os
forasteiros, os indígenas e a fauna regional, e as formas e tecnologias de exploração
adotadas na nova terra – atentando principalmente para as adaptações pelas quais
passaram os recém-chegados e para as alterações que provocaram no meio ambiente.
Também se buscou examinar de que forma agentes do Estado se posicionaram
perante as transformações ambientais relacionadas à implantação e expansão das
colônias e investigar até que ponto os imigrantes efetivamente reproduziram em solo
colonial a sua própria biota por meio de uma “expansão biológica”, testando a hipótese
de constituição do que Crosby (1986) denominou de “Neo-Europa”.
Para tanto, como mostra o mapa a seguir, optou-se por concentrar o estudo em
duas regiões coloniais distintas, cultural, econômica e ecologicamente: a antiga área de
colonização alemã
2
– cujo povoamento teve início em 1824 e se estendeu
principalmente pela região dos Vales, da Depressão Central à Encosta da Serra – e a
antiga área de colonização italiana
3
– com a ocupação iniciada em 1875, a uma altitude
superior a 300 metros, ao longo da Serra gaúcha, tendo a margem do Rio das Antas
como ponto de partida.
2
As antigas colônias alemãs, conforme classificação de Jean Roche (1969), são 21: São Leopoldo, Novo
Hamburgo, Caí, Montenegro, Taquara, Rolante, Três Forquilhas, Torres, Gramado, Nova Petrópolis,
Estrela, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Venâncio Aires, Santa Cruz, Candelária, Sobradinho, São
Lourenço, São Feliciano, Barão do Triunfo. Merece especial atenção a Colônia de São Leopoldo, por ter
sido a primeira e ser considerada paradigmática.
3
As antigas colônias italianas, também com base na classificação de Roche (1969), são basicamente
cinco: Caixas, Princesa Isabel (Garibaldi), Conde D’Eu (Bento Gonçalves), Guaporé e Nova Prata.
19
Mapa 1 – Localização das principais colônias alemãs e italianas
20
Como recorte temporal, estabeleceu-se o período correspondente aos primeiros 50
anos de cada zona colonial – de 1824 a 1874, na alemã, e de 1875 a 1925, na italiana.
De modo geral, o período abrange as diferentes fases da colonização, desde os primeiros
contatos entre o imigrante europeu, a nova terra, sua fauna e flora e os seus antigos
habitantes, até a ocupação dos últimos lotes e o domínio da floresta. Em 1924, segundo
Bernardes (1997), todas as áreas de mata da Província estavam praticamente tomadas.
Em termos metodológicos, a análise de discursos foi o principal método de
pesquisa adotado, tendo em vista os tipos de fonte utilizados. Basicamente, foram
relatórios de diretores de colônias e de inspetores e agentes de colonização, documentos
redigidos por presidentes da Província, ministros e agrimensores, descrições de
cônsules e agentes diplomáticos, assim como relatos de viajantes e cartas, memórias e
diários de colonos. Narrativas como a do imigrante Josef Umann, que de operário da
indústria do vidro na Boemia tornou-se agricultor – a fórceps, diga-se de passagem – no
mato emaranhado da Colônia alemã de Venâncio Aires.
A julgar por relatos como o dele – escrito no fim do século 19, resguardado
durante anos pela família e publicado em livro em 1981 –, a floresta subtropical
figurava como uma imensidão tão misteriosa quanto temida para os alemães. Poucos
imigrantes, segundo Umann (1981, p.78), sabiam exatamente o que significava o termo
“selva”. Mesmo os conhecedores das obras de viajantes consideravam o início na mata
“muito mais difícil do que haviam imaginado”. Tinham o corpo inteiro ferido e sofriam
com o clima, as picadas de insetos e as condições precárias de moradia e alimentação.
Apenas começando, queriam desistir.
Alguns, de fato, abandonaram a fronteira verde e acabaram buscando abrigo nas
cidades, onde se tornaram artesãos e comerciantes. Outros, como o italiano Giulio
Lorenzoni, perpetuaram a sina da colonização, abrindo clareiras na mata, erguendo suas
casas e cultivando até que a terra se tornasse infértil e os empurrasse para uma nova
migração, ainda mais fundo na floresta. Como Umann, Lorenzoni imortalizou em um
diário – escrito no início do século 20 e publicado em 1975 – a experiência vivida no
Rio Grande do Sul, quando, em 1883, ao lado da esposa, do filho, dos sogros e do
cunhado, subiu a Serra em busca de vida nova.
A cada árvore derrubada, o sentimento era de vitória. Em seu relato, Lorenzoni
(1975, p.65) contava que "o estrondo que a queda daqueles gigantes da floresta fazia ao
cair era enorme, mais ainda pelo ecoar nos vales que havia ao redor". O barulho
21
dilacerante, segundo ele, "repetia-se nos dias seguintes dezenas e dezenas de vezes,
proveniente de todos os lotes ocupados naquela periferia". Generalizados, os sons da
devastação soavam como música para os ouvidos dos colonos. Eram a certeza da vitória
sobre a natureza, tanto quanto o crepitar do fogo se alastrando pelos troncos e galhos
abatidos na floresta.
Intermitentes e avassaladores, os incêndios provocados pelos agricultores foram
relatados em minúcias, como se verá aqui, por viajantes europeus que percorreram a
região. Entre eles, o alemão Oscar Canstatt (2002[1871], p.421), que durante sua estadia
em São Leopoldo, em 1871, contou ter presenciado um “belo espetáculo”. Em frente à
sua janela, colonos “puseram fogo a um roçado na encosta [...], um trecho de floresta
destinado à plantação”. Pouco preocupados com a possibilidade de que as chamas se
alastrassem, eles aguardavam satisfeitos a hora certa de semear a terra nua. Outro
viajante a dedicar espaço ao tema foi o médico alemão Robert Avé-Lallemant
(1980[1858], p.177-178), impressionado com o que chamou, em 1858, de “cenário
caótico da floresta, verde e carbonizado”.
Se documentos como esses fornecem pistas valiosas para uma história ambiental
da colonização, o mesmo se pode dizer da iconografia disponível em museus e
universidades. São imagens como as que se encontram nas páginas 155 e 156 deste
trabalho, pertencentes a um acervo do século 19 doado ao Museu Histórico de Caxias
do Sul. Cenas que ajudam a contar um pouco da trajetória da colônia serrana fundada na
mata de araucárias e hoje transformada em um dos municípios mais prósperos do
Estado. Também é o caso das fotografias expostas nas páginas 79 e 80, que retratam
uma realidade comum aos primeiros anos da colonização alemã no Estado. Ambas
mostram colonos posando orgulhosos ao lado de troncos gigantescos recém-abatidos –
uma metáfora emblemática da postura dominadora adotada diante da natureza.
Apesar de constatações como essa, é importante destacar que não se pretende aqui
incorrer no anacronismo histórico, culpando os colonos pela destruição das áreas verdes
no Estado – até porque, como se verá a seguir, indiretamente eles acabaram
contribuindo para a formação de novos ecossistemas regionais. O fato é que a maioria
deles sequer imaginava que seus atos poderiam resultar em futuros problemas de ordem
ecológica, e seria um erro atribuir apenas a eles a responsabilidade pelos danos
ambientais. Se o desmatamento e a extinção de algumas espécies tiveram grande
influência das primeiras gerações de colonos, a poluição do solo e dos recursos hídricos
22
se deu bem mais tarde – em grande parte, com a introdução de herbicidas e agrotóxicos
nas lavouras a partir da Revolução Verde das décadas de 1960 e 70.
Feita a devida ressalva, vamos às apresentações. A seguir, o primeiro capítulo da
pesquisa abre uma discussão sobre o conceito de fronteira verde enquanto categoria
explicativa para a história ambiental da colonização e fio condutor da análise. Parte-se
do pressuposto de que, para entender o processo de desenvolvimento da região e suas
conseqüências ambientais, é preciso atentar para sua condição fronteiriça no período.
Onde hoje pulsam cidades, lavouras e estradas, antes imperava uma extensa área
florestal, considerada inesgotável pelos imigrantes e por seus descendentes.
No segundo capítulo, a análise recai sobre a antiga zona de colonização alemã – o
ponto de partida na conquista da fronteira verde. Em primeiro lugar, examinam-se as
relações estabelecidas entre os colonos e a floresta subtropical e o chamado
“desmatamento civilizador” empreendido pelos forasteiros em seu embate com a
floresta.
Na seqüência, a análise ocupa-se das mudanças culturais em gestação na zona
colonial à medida que se avançava na linha fronteiriça – mudanças, estas, visíveis
principalmente no vestuário, nas formas de moradia e na dieta alimentar. Por fim, o
segundo capítulo discute o papel dos imigrantes no surgimento de novos ecossistemas
regionais, que mesclaram elementos nativos e exóticos, e examina o processo de
tropicalização desses homens e mulheres, que incluiu, entre outros aspectos, a
construção de uma nova identidade, que se relacionava de forma ambígua com a
floresta.
No terceiro capítulo, o foco volta-se à zona de colonização italiana, constituída
cinco décadas depois do primeiro núcleo alemão, no trecho mais alto e acidentado da
fronteira verde. Como ponto de partida, a análise acompanha os italianos na difícil
escalada da Serra, quando travaram os primeiros contatos com a floresta, vista desde o
início como um entrave a ser removido.
O texto segue com uma discussão sobre os sentimentos de abandono e de
isolamento associados ao exílio nas montanhas e traduzidos em ações concretas no meio
ambiente. Em seguida, apresenta uma crítica à reprodução, também na Serra, do sistema
baseado nas queimadas e na rotação de terras, já adotado pelos alemães. Feito isso, na
quarta e quinta partes desse capítulo, recebem atenção dois exemplos de especialização
produtiva adotados na Serra, responsáveis por mudanças drásticas na paisagem regional:
a exploração das araucárias pelas serrarias, que se multiplicaram com rapidez
23
inigualável, e a difusão dos parreirais e da vitivinicultura. Para encerrar, o texto segue
rumo à última zona florestal da Província, quando os descendentes dos italianos
decidiram atravessar o Rio das Antas e liderar, junto com os filhos dos alemães e os
recém-chegados de outras nacionalidades, a corrida por novas terras no limite da
fronteira.
Além de examinar os danos ambientais decorrentes da colonização, a presente
pesquisa procurou demonstrar, acima de tudo, que a floresta subtropical, vista pelos
colonos como uma fronteira verde aberta e infinita, foi mais do que o mero “palco dos
acontecimentos” – como sugere a maioria das obras até então publicadas sobre o tema.
Tanto o tipo de sistema produtivo adotado nas colônias, quanto a forma de organização
social reproduzida em cada uma delas, foram fortemente influenciados, desde o
princípio, pela presença dessa imensidão verde, que deu aos recém-chegados a chance
de se tornarem proprietários e de adquirirem um novo status econômico e social. Não
por menos, o desmatamento acabou se mostrando a principal forma de colonização, e as
terras supostamente livres da fronteira verde, seu principal combustível, tanto quanto a
biomassa da floresta.
24
1. DECIFRANDO FRONTEIRAS
Compreender o processo de desenvolvimento experimentado no Sul do Brasil, nas
áreas marcadas pela colonização européia ao longo do século 19, é atentar, antes de
tudo, para a condição fronteiriça dessa região, naquele período. Onde hoje pulsam
cidades como São Leopoldo, antiga colônia alemã, e Caxias do Sul, antiga colônia
italiana, antes imperava uma imensa e até certo ponto desconhecida fronteira verde,
composta por centenas de quilômetros de densas e vicejantes florestas. Terras um dia
consideradas ociosas e promissoras, assim como selvagens e incômodas para a maior
parte dos governantes da época.
Delineada por contornos dinâmicos e nem sempre nítidos, essa fronteira natural –
mas também cultural – assume aqui um papel de fundamental importância. Parte-se do
pressuposto de que tratar desse marco divisor – ou ponto de encontro – é tratar de um
conceito-chave para a compreensão histórico-ambiental do processo em questão. Faz-se
necessário, assim, mergulhar no “oceano de matas” um dia onipresente na região
colonial, como descreveu o viajante alemão Robert Avé-Lallemant (1858), e decifrar as
características dessa linha fronteiriça, onde os pioneiros e seus descendentes abriram
trilhas e clarões e ergueram suas casas e plantações, desencadeando transformações
decisivas na história regional.
Para isso, no presente capítulo, propõe-se inicialmente uma discussão sobre o
tema da fronteira na historiografia, tendo como base a crítica à frontier thesis, criada
pelo historiador norte-americano Frederick Jackson Turner entre o fim do século 19 e
início do século 20. Tese que, durante muito tempo, gozou de grande reputação entre os
historiadores americanos e figurou como a principal explicação para a formação e o
desenvolvimento histórico dos Estados Unidos e da identidade nacional norte-
americana. Suas influências ultrapassaram os limites do território norte-americano e se
fizeram sentir inclusive no Brasil, reverberando entre estudiosos de renome, como
Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Vianna Moog.
25
Também estes analisaram, à sua maneira, as peculiaridades da marcha rumo ao Oeste
brasileiro ou, em termos turneanos, da conquista da fronteira – “o pico da crista de uma
onda, o ponto de contato entre o mundo selvagem e a civilização” (Turner, 1893).
Após tratar dos principais aspectos e das críticas à tese defendida pelo autor norte-
americano, o presente capítulo traz uma breve revisão do tema na historiografia
brasileira, revendo algumas das principais obras sobre fronteiras já produzidas no país,
com destaque para Sérgio Buarque de Holanda e sua obra relativa à conquista do Oeste.
É significativo notar que, desde o século 16, referências ao sertão – a “fronteira” no
Brasil – aparecem em inúmeros relatos de cronistas e viajantes, assim como nas
primeiras tentativas de elaboração de uma história do Brasil, a partir do século 17.
Como concluiu Janaína Amado (1995), entre as últimas décadas do século 19 e as
primeiras do século 20, o sertão chegou a constituir uma categoria absolutamente
essencial (mesmo quando rejeitada) em todas as construções historiográficas que tinham
como tema básico a nação brasileira.
A partir dessa discussão mais ampla, o foco da análise fecha-se no extremo Sul do
Brasil. Atentando para as semelhanças históricas entre o avanço norte-americano ao
Oeste e a conquista da mata pelas frentes colonizadoras no Rio Grande, assim como
para as diferenças entre este processo e o avanço ibérico no Brasil, buscou-se conceituar
a fronteira verde sulina enquanto categoria explicativa para a história ambiental da
colonização européia no Rio Grande do Sul.
Mais do que o simples cenário de um desenvolvimento regional atribuído à
chegada e instalação dos colonos europeus no sul do Brasil, a fronteira verde foi um
agente ativo na transformação dos próprios imigrantes e de seus descendentes. Foi
também uma influência decisiva no modo como esses homens e mulheres-fronteira
agiram na nova terra, alterando para sempre a paisagem regional.
26
1.1. Frederick Jackson Turner e a tese da fronteira
Em 1893, quando Frederick Jackson Turner apresentou pela primeira vez, na
World’s Columbian Exposition, suas considerações sobre o significado da fronteira para
a história norte-americana, poucos lhe deram atenção. Em sua fala, Turner procurava
demonstrar que o desenvolvimento histórico dos Estados Unidos estava intrinsecamente
ligado às terras (supostamente) livres do Oeste, uma região ainda pouco explorada nas
análises de seus pares. A conquista dessa fronteira aberta, na opinião dele, teria sido o
elemento desencadeador da democracia norte-americana e da própria identidade
nacional.
Na ocasião, a possibilidade levantada por Turner não chegou a suscitar grandes
debates, como demonstrou Arthur Ávila (2006). À época, a comunidade historiográfica
norte-americana ancorava-se em outra tese já bastante difundida e amplamente aceita
para explicar a formação da sociedade naquele pedaço do globo. Tratava-se da teoria do
germe – ou germ theory –, elaborada por Herbert Baxter Adams, fundador e então
presidente da Associação Americana de História. Para os adeptos dessa teoria, as
características elencadas por Turner nada mais eram do que heranças “genéticas”
herdadas pelos colonizadores anglo-saxões de seus ancestrais germânicos.
Em outras palavras, as instituições criadas em solo norte-americano eram
consideradas uma espécie de continuidade das instituições européias – e parecia não
haver muitas dúvidas disso. Tanto assim que a apresentação de Turner sobre a tese da
fronteira despertou pouca atenção do público presente naquele evento. Como relatou
Ray Billington (1971, p.129), a exposição foi recebida com apatia:
27
“Aqueles que não haviam ido embora ou não haviam caído no sono estavam
tão presos à crença de que os ‘germes’ das instituições norte-americanas
haviam sido gerados nas florestas da antiga Germânia que simplesmente não
podiam compreender uma doutrina que rompia com toda a ‘tradição’ e o
‘senso comum’”.
Somente mais de uma década depois da primeira aparição, a frontier thesis seria
alçada ao centro das atenções. Decidido a convencer os pares, Turner conseguiu
repercussão nacional por meio de uma série de conferências proferidas em todo o país.
Aos poucos, suas idéias difundiram-se e ganharam adeptos, principalmente fora dos
círculos acadêmicos. Ao final de alguns anos, a fama surpreendente conquistada pela
tese da fronteira acabaria por lhe propiciar o inusitado título de pai da historiografia
moderna nos Estados Unidos (Wegner, 2000, p.96-97; Ávila, 2006, p.9). Sua obra,
segundo Paulo Knauss (2004, p.10), acabou se tornando um marco da ideologia da
democracia americana, num tempo em que a historiografia daquele país tentava se
afastar da arte literária e se fundamentar no conhecimento científico.
Ao demonstrar que a presença dessa fronteira aberta teria funcionado como uma
espécie de fermento para a profusão da democracia norte-americana, Turner nada mais
fez do que ressaltar a singularidade da experiência histórica dos Estados Unidos,
minando o paradigma de uma suposta hereditariedade genética européia e trazendo à
tona uma explicação funcional para a história norte-americana
4
. Com sua tese, como
destacou Ávila (2006), o historiador do Oeste tornava possível, enfim, um
redimensionamento da identidade nacional.
Acima de tudo, o criador da tese da fronteira acreditava que, ao empreender a
marcha rumo ao Oeste, o imigrante europeu abandonava parte de seu legado cultural –
e, portanto, parte da herança que trazia do continente de origem – e se transformava. Ao
adaptar-se à nova terra, ele assumia uma nova feição – que, não por acaso, ganharia
inclusive contornos heróicos. Distante do solo pátrio, recomeçando a vida em uma
região remota e selvagem, o pioneiro desenhado por Turner sofria uma espécie de
4
Segundo Richard Morse (1965), o estudo histórico do continente americano vinha sendo marcado
por duas linhas básicas de interpretação: a funcional ou situacional e a genética. Esta última, segundo ele,
tomava o Novo Mundo como um simples repositório das idéias, dos valores e das instituições
provenientes da Europa, uma espécie de lócus da continuidade histórica do Velho Mundo. Já a outra
perspectiva, ao contrário, procurava destacar a existência de uma dinâmica própria às terras do novo
continente, que lhe conferia traços singulares, apesar de exibir inevitáveis influências européias. Nesse
sentido, o enfoque funcional ou situacional destacava o chamado processo de americanização vivenciado
no continente (Morse, 1965, p.28), ao qual se enquadraria a obra de Turner.
28
mutação causada pelo meio e assim ressurgia “americano”, senhor do Novo Mundo.
Nas palavras de Turner (1893, p.4):
“A fronteira é a mais rápida e mais efetiva forma de americanização. Ali, a
natureza inóspita e remota domina o colono. Ela reconhece o colono como
europeu na indumentária, nas indústrias, nas ferramentas, nas modalidades
de viajar, na forma de pensar. Retira-o do vagão de trem e o coloca numa
canoa de madeira. Tira-lhe as roupas da civilização, guarnecendo-o com
camisa de caça e mocassim. Põe o colono na cabana dos índios cheroquis e
iroqueses e levanta uma paliçada indígena em torno dele. Logo ele começa a
plantar milho indígena e a arar a terra com um bastão afiado; ele brada o
grito de guerra e escalpa à moda indígena ortodoxa. Em suma, na fronteira,
acima de tudo, o meio ambiente é duro demais para o homem. Ele tem que
aceitar as condições que esse meio ambiente lhe oferece, ou perecer, e assim
ele se ajusta às roças abertas dos índios e segue as trilhas indígenas. Pouco a
pouco ele transforma a terra remota e inóspita de wilderness, mas o
resultado não é a velha Europa, não é simplesmente o desenvolvimento das
raízes germânicas [...] O fato é que aqui há um novo produto, que é
americano.”
A fronteira, portanto, forçaria o imigrante a se desprender de seu passado europeu,
num momento em que o ambiente falava mais alto – “the wilderness masters the
colonist”, escreveu Turner. Mas esse homem – e o pai da frontier thesis efetivamente
omitiu as mulheres de sua história – não permaneceria indefinidamente “rebaixado” ao
suposto primitivismo ameríndio. Se num primeiro momento a paisagem natural
imperava sobre o pioneiro, obrigando-o a se desprender de seu antigo modo de vida e
fazendo com que ele se apropriasse do modus vivendi indígena, pouco a pouco, sua
índole civilizada (e civilizadora) suplantaria a temporária, selvagem. O balanço entre o
ambiente e a cultura então se inverteria.
O colonizador, segundo Turner, aceitava as condições impostas pelo meio, para
assim dominá-lo e então transformá-lo. Ao passo que a fronteira se expandia para o
Oeste, a influência européia declinaria em face da americanização, de forma definitiva.
E isso também teria relação com os constantes confrontos desferidos contra os índios,
que para o historiador estimulavam o surgimento de uma força unificadora solidária e
serviam para desenvolver as qualidades de “bravura” do homem da fronteira. Durante as
lutas e a conquista das áreas tidas como selvagens, os imigrantes de diferentes origens
teriam se unido, mesclando-se em uma nacionalidade mista, por si só americanizada.
O desenvolvimento dessas regiões, segundo Turner (1893, p.3), não teria
avançado ao longo de “uma única linha”, mas se caracterizado por um contínuo retorno
às “condições primitivas”, ao passo que novas levas de colonos seguiam suas marchas
29
rumo a Oeste. Diferentemente de outras nações, nas quais o desenvolvimento se dava
em áreas limitadas, no caso norte-americano Turner (1893, p.3-4) identificava um
processo intermitente de renascimento e de renovação. Tratava-se de um processo
singular, com características distintas daquelas experimentadas pelos países europeus ao
longo de sua formação. Esse processo também estaria ligado àquilo que o historiador do
Oeste chamou de safety valve – ou válvula de segurança –, um dos conceitos-chave no
desenvolvimento de sua tese.
Embora em seu primeiro artigo ele não tenha utilizado precisamente esse termo,
mas a expressão gate of scape – portão de escape –, o historiador já se referia ao papel
da fronteira como uma espécie de “saída de emergência” para os conflitos sociais
registrados nas áreas mais densamente povoadas. Esse mecanismo, durante muito
tempo, teria contribuído para tornar intermitente o avanço a novas terras ou, nas
palavras de Turner, às “condições livres da fronteira”. Mais tarde, em novos textos, o
autor aprofundaria o tema. Para ele (2004[1903], p.84),
“sempre que as condições sociais tendiam a se cristalizar no Leste, sempre
que o capital tendia a pressionar por restrições trabalhistas ou políticas, a fim
de impedir a liberdade das massas, havia essa válvula de escape para as
condições livres da fronteira. Essas terras livres promoveram o
individualismo, a igualdade econômica, a afirmação da liberdade, a
democracia.”
A fronteira turneana era móvel, à medida que as terras já tomadas se
transformavam e recebiam um sistema agrícola e um governo estável. Mas mesmo as
regiões já colonizadas conservavam de certo modo as características da experiência
formativa de um dia terem sido fronteira. Na concepção de Turner (2004[1903], p.84),
“esse constante renascimento, essa fluidez da vida americana, essa expansão
rumo ao Oeste com suas novas oportunidades, seu contato permanente com
a simplicidade da sociedade primitiva, propiciam as forças que cunham o
caráter americano.”
Essa fronteira – definida como “o pico da crista de uma onda, o ponto de contato
entre o mundo selvagem e a civilização” – teria sido a responsável por forjar não apenas
o “caráter americano”, mas as instituições criadas no país. Os “homens do Mundo do
30
Oeste”, nas palavras de Turner (2004[1903], p.79), “viraram as costas para o Oceano
Atlântico e, com uma energia e autoconfiança inflexíveis, começaram a construir uma
sociedade livre do domínio dos modelos antigos”. A fronteira, segundo Lígia Osório
Silva (2003, p.2), "significava o retorno às ‘condições primitivas’ e dava aos pioneiros a
oportunidade de construir sua sociedade de modo novo. Esta era uma idéia muito
atraente do ponto de vista ideológico, num século dominado pelo romantismo".
Não é difícil perceber que o criador da frontier thesis se apropriou do Mito da
Fronteira, com toda a sua força de expressão na cultura norte-americana, e lhe concedeu
uma roupagem científica, angariando, com essa operação, ilustres adeptos nos Estados
Unidos – entre eles dois presidentes da República, já no início do século 20 (Ávila,
2006, p.10). Tamanho foi o sucesso experimentado pela interpretação, que, ainda em
princípios de 1930, a tese turneana era considerada “virtualmente inquestionável”,
como ressaltou Ray Allen Billington (1966, p.3). Chegou a ser apontada como a
“explicação ambiental do norte-americanismo” (Potter, 1954, p.22) e, possivelmente,
uma das teses mais influentes de determinismo ambiental da história ocidental (Arnold,
1996, p.95), levando Michael Steiner (1995, p.480) a afirmar que Turner teria se
tornado, em função desse trabalho, o mais influente historiador desde Karl Marx.
A tese da fronteira, segundo John Mack Faragher (1993, p.107), em artigo
publicado na revista The American Historical Review, tornou-se não apenas “a visão
dominante do passado americano”, como “o único pensamento na escola, explorado por
políticos e veiculado nos cinemas locais nas tardes de sábado”. Como descreveu Paulo
Knauss (2004, p. 13), o Oeste americano, como fronteira, passou a ser “um dos temas
da identidade nacional nos EUA, e sua imagem transformou-se em um ícone dos
tempos contemporâneos”, refletindo-se em diferentes áreas, da literatura e aos
comerciais de TV.
Em 1920, quase 30 anos após sua publicação, The Fronteir in American History
ganhou o Pulitzer. Em 1952, conforme Faragher, o livro ainda mantinha a segunda
posição na lista dos favoritos entre as obras historiográficas. Em 1964, uma pesquisa
com cerca de 300 historiadores norte-americanos demonstrou que as idéias de Turner
permaneciam praticamente imperturbáveis. Em suma, conforme Lígia Osório Silva
(2003, p.1-2), "a tese conheceu grande sucesso porque contribuiu para fortalecer o
sentimento dos americanos de fazerem parte de uma sociedade única, ao mesmo tempo
em que fornecia uma explicação sobre o que era ser americano”.
31
Mas a crença no poder da fronteira não seria imune a críticas – e elas foram
duríssimas. Segundo Faragher (1993, p.108-109), muitos historiadores começaram a
atacar a tese de Turner já no início de 1920, quando um importante componente de
radicalismo intelectual ganhou a forma de uma “tese da fronteira invertida”, invocando
o passado do Oeste para responder a muitos dos aspectos negativos da civilização
americana. A fronteira, segundo declarou John Dewey (apud Nash, 1992, p.22-24) em
1922, teria sido mais notável por seu “efeito depressivo” do que qualquer outra coisa.
Alguns estudiosos passaram também a questionar as definições de Turner, sua suposta
inconsistência teórica e sua lógica considerada muitas vezes problemática. Charles
Beard, segundo Faragher (1993, p.109), chegou a criticar os historiadores “ortodoxos”
por enfatizarem a tese da fronteira a ponto de excluírem todas as outras interpretações,
criando uma espécie de tabu historiográfico.
A partir da década de 1930, pouco depois da morte de Truner, de acordo com
Hilda Stadniky (2007, p.10), novos estudos críticos repercutiram no meio acadêmico e
passaram a propor leituras alternativas da frontier thesis. Faragher cita a tese de Paul
Wallace Gates (1936), que afirmou nunca ter havido terras livres no Oeste em função da
presença indígena, a interpretação de Louis B. Wright (1930), segundo a qual as
instituições democráticas teriam sido importadas do Leste, assim como a afirmação de
Fred Shannon (1936), de que o Oeste nunca foi uma válvula de segurança para citadinos
descontentes, e a conclusão de Mody C. Boatright (1941), que pôs em xeque a tese do
individualismo na fronteira. A conclusão sumária, no início dos anos 1940, segundo
Hilda Stadniky (2007, p.10), “era de que a tese da fronteira exigia uma revisão completa
no que havia proposto para explicar o desenvolvimento americano”.
Nessa linha, Howard Lamar e Leonard Thompson (1981, p.4) chamariam atenção
para o fato de que a tese de Turner fora formulada em um contexto de exacerbação do
nacionalismo norte-americano, impregnado de darwinismo social e relacionado à
ascensão dos Estados Unidos à categoria de grande potencia mundial.
Para Roger Nichols (1986, p.2), apesar de fundamental em seu trabalho, Turner
teria usado o conceito de “fronteira” de forma descuidada ou mesmo
indiscriminadamente. Vale ressaltar, no entanto, que a idéia de fronteira, no sentido
turneano, deve ser entendida como um amálgama de forças físicas e culturais, como
observa David Arnold (1996, p.101), que considera duras as críticas ao historiador do
Oeste, principalmente por parte de pesquisadores de tendência esquerdista, que
definiram sua produção como “racista, sexista e imperialista”. Desse ângulo, a fronteira
32
teria representado a subordinação racial e a exclusão social – inclusive porque, para
Turner, os ameríndios eram povos inferiores que deviam ser dominados, como uma
forma de evolução social, numa evidente influência darwiniana.
Aos poucos, a comunidade historiográfica norte-americana acompanhou o
surgimento de uma corrente de pensamento alternativa, denominada Nova História do
Oeste, que passou a ganhar adeptos e uma série de trabalhos significativos. Arthur Ávila
(2005, p.370) afirma que esse movimento teve como principais objetivos a
“desmistificação do Oeste e da fronteira, a inclusão de personagens excluídos da
historiografia tradicional, como negros, índios, mulheres, hispânicos e imigrantes não-
anglos, e de temas também relegados ao segundo plano, como a questão ambiental”.
Segundo Hilda Stadniky (2007, p.11), a nova corrente contou com a participação de
historiadores “atingidos pela experiência do Vietnã e pelas contestações nacionais”,
decididos a derrubar a percepção essencialmente progressista e nacionalista do
desenvolvimento da região na historiografia.
Faragher (1993, p.109) cita vários exemplos disso, entre eles Herbert Eugene
Bolton (1933), que clamou por uma história multinacional e multiétnica do noroeste
americano, Walter Prescott Webb (1957), que descreveu o Oeste como uma região árida
e, tal qual Bernard DeVoto (1934), sugeriu que se tratava de uma “província saqueada”,
James C. Malin (1935 e 1936), que produziu um trabalho pioneiro de história ambiental
e social do Oeste, Carey McWilliams (1949), responsável por inaugurar a história
urbana do Oeste, e Earl Pomeroy (1955), que insistiu que os habitantes do Oeste eram
“fundamentalmente imitadores e não inovadores”.
Atualmente, um dos principais representantes da Nova História do Oeste é Donald
Worster, que também se notabilizou como um dos criadores da História Ambiental, a
partir das décadas de 70/80. Em 1982, com a publicação de Dust bowl – The southern
plains in the 1930's, Worster lançou as bases para o que se poderia chamar de uma eco-
história do Oeste norte-americano.
Nesse livro, como destaca José Augusto Drummond (1991, p.186), ele traça uma
história natural da região do Kansas e investiga os problemas de adaptação dos europeus
às terras áridas locais. Em pouco mais de três décadas, na passagem do século 19 para o
20, esses personagens contribuíram para o surgimento de problemas ambientais
gravíssimos, ocasionados pelo uso de uma tecnologia agrícola inadequada. As técnicas
dos colonos, segundo Worster, acabaram por alterar drasticamente a composição física
33
do solo e propiciaram tempestades de poeira que sufocaram a região nos anos de 1930 –
fenômeno, este, conhecido como dust bowl.
Três anos mais tarde, em Rivers of empire – Water, aridity and the growth of the
American West (1985), Worster atentaria ainda para as conseqüências ambientais e
sociais da irrigação das terras ressequidas do Oeste. A capacidade de manipulação da
água, nesse caso, teria sido a chave para a prosperidade de determinados grupos nessas
áreas, entre elas Utah, Nevada, Arizona e Califórnia. Segundo ele, o uso político do
recurso natural escasso acabou por gerar uma agricultura extremamente capitalizada,
com custos sociais e ambientais muito altos.
Mais recentemente, na coletânea de ensaios intitulada Under Western Skies:
Nature and History in the American West (1992), Worster trouxe à tona uma revisão da
velha história do Oeste e, apesar de reconhecer que Turner ainda “reina” nesse campo
historiográfico “como o Espírito Santo”, ele clama por “uma história melhor” do que
aquela que vinha sendo contada sobre o Oeste. Uma história mais crítica e, sem dúvida,
mais realista.
Nem a Nova História do Oeste, porém, escapou das críticas, especialmente
daqueles que consideram equivocada a negação completa da obra de Turner. Para
Michael Steiner (1995, p.480), a fronteira foi apenas uma parte do trabalho de Turner.
Steiner (1995, p.481) afirma que “a obsessão pela fronteira e por banir esse conceito”
acabou blindando muitos pesquisadores, “especialmente os novos historiadores do
Oeste”. Estes, segundo ele, teriam criticado Turner “por deseconrajar a história regional
e local”, o que, na opinião de Steiner seria um erro, já que ele próprio teria sido um
“pioneiro” nesse tipo de abordagem, ao criar o conceito de seções e incentivar, em uma
de suas obras (Turner, 1925), as análises regionais
5
. Vale lembrar, porém, que, se
Turner efetivamente tratou das seções, ele não chegou a se aprofundar no tema.
Discussões à parte, passados 115 anos da primeira apresentação da tese de Turner,
não restam dúvidas de que algumas de suas idéias fundamentais ainda ecoam na
5
Em 1925, Turner (2004 [1925], p.105) afirmou ser “evidente, desde o princípio do estudo do
movimento fronteiriço, que o povo americano não se tornaria monotonamente uniforme”. Isso porque,
“mesmo no período colonial, já se estavam lançando as bases de províncias geográficas sucessivas e
diversificadas”. Com o fim das terras livres e, portanto, do avanço da fronteira, ele acreditava que o
seccionalismo passaria a ter papel fundamental no desenvolvimento dos Estados Unidos. Além disso,
alertaria (Turner, 2004 [1925], p.106) para a importância de uma abordagem regional e interdisciplinar na
historiografia: “Nossos historiadores”, escrevia ele, “têm tratado principalmente da história local, da
história dos Estados, da história nacional, mas muito pouco da história secional”. Apesar disso, “uma das
características mais interessantes dos estudos geográficos recentes é a ênfase colocada na geografia
regional e humana”.
34
historiografia. Como escreveu Paulo Knauss (2004, p.13), interessa destacar o fato de
que o autor consubstanciou criticamente a categoria de fronteira como noção
instrumental e explicativa aplicada à história dos EUA, tomando o espaço como um
“objeto social”. De certa forma, segundo Knauss (2004, p.13), Turner “concebeu a
fronteira pelo movimento expansivo da sociedade”, em contraposição ao caráter estático
comumente relegado à fronteira natural, o que por si só representou um grande avanço.
Se ao longo do tempo sua obra se mostrou racista, sexista e imperialista, ela
também possibilitou um diálogo pioneiro – ainda que incipiente – entre a geografia, a
história e a ecologia, de maneira interdisciplinar, como prega a moderna reflexão social.
Após passar por uma necessária revisão, inclusive sob o ponto de vista da história
ambiental produzida atualmente nos Estados Unidos e no mundo, a tese da fronteira
ainda é ponto de partida de muitos trabalhos, com enfoques algumas vezes inovadores.
35
1.2. A conquista do Oeste na historiografia brasileira
A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, a expansão territorial também foi -
e continua sendo – um tema freqüente na história do Brasil. Não foram poucos os
pesquisadores brasileiros que abordaram a tese da fronteira, apontando semelhanças e
diferenças entre a conquista do Oeste no território norte-americano e a marcha rumo aos
confins do Brasil. O próprio Turner sugeriu, em várias ocasiões, que sua tese poderia ser
testada em outras áreas para além dos Estados Unidos. Conforme Ray Allen Billington
(1973, p.182 e 459), o criador da frontier thesis chegou a destacar que a América do Sul
figurava como um rico campo de pesquisas para aqueles que se dispusessem a analisar o
desenvolvimento da região a partir de seus conceitos.
Na historiografia brasileira, porém, o termo "fronteira" raramente foi utilizado
para denotar o sentido empregado por Turner. No Brasil, é a palavra "sertão" que ganha
destaque quando o assunto é a expansão rumo ao interior do continente. Desde o
período colonial, foi este o termo mais utilizado para definir as terras ainda distantes e
até certo ponto desconhecidas dos colonizadores portugueses.
Às vésperas da independência, conforme Janaína Amado (1995, p.150), as
palavras "sertão" ou "certão" – grafia comum em documentos da época – já tinham no
Brasil uma noção difundida e carregada de significados. De forma geral, sertões eram
sinônimos de "terras sem fé, lei ou rei", ou, em outras palavras, de áreas extensas
afastadas do litoral, de natureza ainda indomada, habitadas por índios "selvagens" e
animais bravios. Segundo Janaína Amado (1995, p.145),
"no conjunto da história do Brasil, em termos de senso comum, pensamento
social e imaginário, poucas categorias têm sido tão importantes para
designar uma ou mais regiões, quanto a de "sertão". Conhecido desde antes
da chegada dos portugueses, cinco séculos depois "sertão" permanece vivo
no pensamento e no cotidiano do Brasil, materializando-se de norte a sul do
país como sua mais relevante categoria espacial".
36
O termo, porém, apresentou diferentes conotações ao longo dos anos – ora
positivas, ora negativas. Conforme Lúcia Lippi Oliveira (1998), nesse lugar inóspito e
desconhecido, região agreste e semi-árida, onde predominam tradições e costumes
antigos, a figura do cabra, do cangaceiro ou do caboclo apareceu muitas vezes como a
encarnação do herói sertanejo – quase como o pioneiro norte-americano. De uma
perspectiva positiva e até romântica, esse personagem se tornaria um "símbolo da
nacionalidade pelo seu admirável modo de vida", opondo-se à vida degradada e
corrompida do litoral, ou seja, das cidades. Porém, de uma perspectiva realista (e
negativa), a vida no interior perderia essa visão idealizada, e o "sertão passaria a ser
visto como um problema para a nação" (Oliveira, 1998). Influenciadas pelo
cientificismo do final do século 19, "as explicações raciais sustentaram uma suspeita
sobre os tipos miscigenados", considerando-os "portadores da degeneração" (Oliveira,
1998).
Criticado ou enaltecido, o sertão aparece nos relatos de cronistas e de viajantes
que visitaram o país desde o século 16 (Amado, 1995, p.146), assim como nas primeiras
tentativas de elaboração de uma história do Brasil escritas a partir do século 17, como
aquela empreendida por frei Vicente do Salvador (1627). Mais tarde, entre o fim do
século 19 e meados do século 20, o termo sertão chegou a constituir, como destacou
Janaína Amado, uma categoria absolutamente essencial, mesmo quando rejeitada, em
todas as construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira.
Historiadores agregados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como
Varnhagen, Capistrano de Abreu e Oliveira Vianna, utilizaram e refinaram o conceito.
Outros estudiosos importantes do período, como Euclides da Cunha e Cassiano Ricardo,
também trabalharam, de diferentes formas, com a categoria "sertão".
Vale lembrar que o tema também aparece, com muita freqüência, na música, no
cinema, no teatro, na pintura e na literatura brasileiras. Grande parte da chamada
"literatura regionalista" tem o sertão como cenário central ou trata diretamente dele. A
geração de 1930, representada por autores como Graciliano Ramos e José Lins do Rego,
pode ser considerada a principal responsável pela construção dos conturbados sertões
nordestinos, de forte conotação social, sem esquecer João Guimarães Rosa, mais tarde
notabilizado por seu sertão misterioso e mítico (Amado, 1995, p.147).
37
Entre os estudiosos que, ao longo desse período, trataram do sertão brasileiro,
Mary Lombardi (1975, p.442) destaca a importância de Capistrano de Abreu (1853-
1927), conhecido por nutrir uma visão bastante positiva do interior. Em seus Capítulos
de História Colonial (1500-1800), de 1907, tanto quanto na obra Caminhos Antigos e
Povoamento do Brasil, publicado a partir de 1899, Capistrano enfatizou o papel
desempenhado pelo sertão no que se referia ao desenvolvimento do Brasil e ao caráter
nacional. Diferentemente de outros historiadores de sua época, ele deu menos atenção às
influências européias na América Portuguesa e procurou destacar a singularidade do
Novo Mundo.
Ao comparar as obras de Capistrano e de Frederick Jackson Turner, José Honório
Rodrigues (1953, p.120-138) concluiu que o historiador brasileiro de certa forma repetiu
os passos do colega norte-americano. Sua abordagem foi considerada por Rodrigues
(1953, p.135-137) uma reação aos predecessores e um reflexo do desejo de Capistrano
de nacionalizar a história do país, chamando atenção para aquilo que ocorria nos confins
do Brasil e não apenas na costa.
O curioso, como apontou Bradford Burns (1995, p.9), é que, ao pontuar a
influência da fronteira na formação da nação brasileira, Capistrano de Abreu
aparentemente desconhecia o trabalho de Turner, publicado quatro anos antes.
Reforçando a conclusão de José Honório Rodrigues, Burns ressaltou que Capistrano
escreveu a primeira história do Brasil na qual o povo aparecia no papel principal. "Se as
massas fizeram história", escreveu o autor norte-americano (1995, p.8) sobre
Capistrano, "foi o interior que constituiu o verdadeiro Brasil, a realidade nacional". Para
Burns, "somente quando os habitantes do Litoral viraram as costas para o mar e
penetraram no interior, eles abandonaram as influências européias e se tornaram
brasileiros" – uma conclusão, aliás, muito semelhante à apresentada por Turner (1893)
em relação aos norte-americanos e sua conquista do Oeste. Além de exaltar essa
população até então menosprezada por muitos de seus pares, Capistrano inovou ao
incluir os fatores ecológicos em sua análise, citando a importância dos rios como
caminhos de penetração e dos recursos naturais disponíveis aos caboclos.
No século 20, muitos historiadores brasileiros seguiram os passos de Capistrano e
abordaram o tema da fronteira no Brasil a partir desse viés – alguns, inclusive, se
aproximaram ainda mais de Turner, ao fazer uso explícito de seus conceitos. O principal
deles, sem dúvida, foi Sérgio Buarque de Holanda, cuja produção teórica envolvendo o
tema da fronteira se tornou referência no país e ganhou fama internacional.
38
Ao longo de quatro temporadas de estudos nos Estados Unidos – em 1941, 1965,
1966 e 1967 –, o pesquisador brasileiro não apenas conheceu o trabalho de colegas
norte-americanos, como participou dos debates acerca dos novos enfoques relacionados
à história das Américas. Tamanho envolvimento contribuiu, inclusive, para um
redimensionamento de suas conclusões sobre a trajetória brasileira – mudança que pode
ser observada em sua obra sobre a conquista do Oeste, principalmente nos livros
Monções (1945) e Caminhos e Fronteiras (1957), ambos produzidos sob significativa
influência de Frederick Jackson Turner.
Conforme Robert Wegner (2000), principal intérprete do tema da fronteira no
pensamento de Sérgio Buarque, ao retornar de sua primeira viagem de estudo aos
Estados Unidos, o historiador destacou, em um artigo intitulado Considerações sobre o
Americanismo (1941), a necessidade de se deixar de estudar o Brasil em contraposição
aos vizinhos norte-americanos. A par da obra de Turner, Sérgio Buarque sugeriu que a
frontier thesis poderia aproximar as análises acerca das histórias dos dois países, muitas
vezes consideradas radicalmente distintas – leia-se, por exemplo, Bandeirantes e
Pioneiros (1954), no qual Vianna Moog traça um "paralelo entre duas culturas",
destacando diferenças, muitas vezes extremas, entre Estados Unidos e Brasil. No caso
de Sérgio Buarque, a busca pelos elementos comuns na história de ambos os países
estava relacionada com a percepção de que se tratava de duas sociedades de fronteira,
fundadas no processo de americanização.
Especialmente em Caminhos e Fronteiras (1957), o estudioso estabeleceu
inúmeras conexões com a tese turneana, destacando, entre outras coisas, que tanto em
solo brasileiro quanto norte-americano o colonizador passou por um grande processo de
adaptação, apropriando-se de técnicas utilizadas pelos nativos em sua luta diária pela
sobrevivência. Se a percepção dessa capacidade adaptativa do colonizador português já
aparecia em Raízes do Brasil (1936), agora o sentido era outro, como demonstrou
Wegner (2000)
6
.
6
Em Raízes do Brasil, publicado inicialmente em 1936 (portanto antes da primeira temporada nos
Estados Unidos), Sérgio Buarque destacou a dificuldade de haver um rompimento definitivo entre a
herança ibérica, tão arraigada na cultura brasileira e tão carregada de tradição, e o devir americano, que
representava a modernização. Como demonstrou Wegner (2000), naquele momento, o historiador optava
por uma chave explicativa genética para analisar a história do Brasil. A plasticidade lusitana concorreria
para a recriação do Velho Mundo em terras brasílicas, o que por si só impediria rupturas radicais. Desse
ponto de vista, logo que se instalaram na nova colônia, os portugueses trataram de reproduzir aqui os
traços da terra natal, recriando instituições e formas de convívio.
Para Sérgio Buarque (1936, p.25), de Portugal vinha "a forma atual de nossa cultura", e os colonizadores,
"procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma destreza que ainda não encontrou
39
De forma geral, percebe-se que, após entrar em contato com as discussões
historiográficas em voga nos Estados Unidos, o autor passou a tecer suas considerações
pensando o Brasil enquanto uma sociedade fronteiriça, na qual o contato entre
colonizadores e nativos desencadearia o surgimento de algo novo – e não mais da
recriação do Velho Mundo e da herança ibérica em terras brasileiras. Segundo Sérgio
Buarque (1957, p.183), "o recurso a numerosas técnicas primitivas, em parte ainda
persistentes, de aproveitamento do solo americano, resultou, sem dúvida, dos contatos
mais ou menos íntimos que manteve o colonizador europeu com os antigos naturais da
terra". Tais contatos, de acordo com autor, "foram assíduos [...] e não deixaram de
exercer sua ação transformadora". Ação, esta, também observada no caso norte-
americano e ressaltada por Sérgio Buarque (1957, p.183), que inclusive fez referências a
Turner:
"Conhece-se o caso daqueles puritanos da Nova Inglaterra que, regressando
do cativeiro entre tribos do Oeste, surgiram em suas cidades pintados ou
paramentados ao modo dos índios e falando idiomas nativos. Ou o das
crianças mestiças, filhas de mulheres puritanas aprisionadas. Contudo, o
historiador F. J. Turner, que alude a esses episódios, apresenta-os como
ocasionais nas possessões anglo-saxônicas. Seriam o lado excepcional,
quase escandaloso, da história dessas possessões."
Apesar das ponderações, o historiador brasileiro concluiu que "em alguns lugares
do mundo americano [...] esses casos puderam ser quase regra", especialmente no
Brasil. Segundo ele (Holanda, 1957, p.183), "em São Paulo, por exemplo, e nas terras
descobertas e primeiramente povoadas pelos paulistas [...] atestam numerosos
documentos a permanência generalizada do bilingüismo tupi-português através de todo
o século 17". Tratava-se de experiências semelhantes, porém com diferentes
intensidades, típicas de sociedades fronteiriças.
Mais tarde, no texto Movimentos da população em São Paulo do século 17 (1966,
p. 103-105), Sérgio Buarque voltou ao tema da fronteira no Brasil e relegou especial
atenção ao conceito de "válvula de segurança", fundamental na tese de Turner. Ao
longo do artigo, o historiador brasileiro identificou uma relação entre a saturação dos
segundo exemplo na história". Sua plasticidade, sua impressionante capacidade de adaptação, não
conduziria para algo novo nessa análise, mas para uma espécie de duplicata de Portugal na América.
Somente "o aniquilamento das raízes ibéricas" poderia concorrer, enfim, "para a inauguração de um estilo
novo" (Holanda, 1995[1936], p. 172). Em outras palavras, o legado ibérico impedia o desencadeamento
de um vigoroso processo de americanização em terras brasileiras. Com tal conclusão, Sérgio Buarque
distanciava, irremediavelmente, as experiências históricas do Brasil e dos Estados Unidos, o que se
modificaria anos mais tarde, com a publicação de sua obra sobre a fronteira.
40
núcleos primitivos de povoamento emo Paulo e a conseqüente migração
populacional rumo a novos núcleos. Além disso, atentou para a degradação de terras
devido ao uso de métodos predatórios de cultivo. Tanto o aumento excessivo da
população quanto o mau uso dos recursos naturais foram fatores decisivos, segundo ele,
para manter em funcionamento a válvula de escape, fenômeno que de certa forma ditou
a dinâmica populacional no planalto paulista do século 17. De acordo com o historiador
brasileiro (1966, p.104):
"... a criação de sucessivos núcleos urbanos obedecera a uma necessidade
vital dos seus habitantes. Pois se de um lado era suscitada pela própria
estrutura social e econômica em que tradicionalmente assentava a vida das
mesmas capitanias, de outro devia servir para conservar intacta aquela
estrutura, ameaçada de deteriorar-se sempre que faltassem escoadouros por
onde se verteriam os excedentes da população das vilas."
A semelhança em relação ao caso norte-americano não passaria despercebida ao
autor e seria expressa logo adiante, por meio do seguinte questionamento (Holanda,
1966, p.104):
"Não faz isso lembrar um pouco certa doutrina que nos meados do século
passado chegou a alcançar enorme prestígio nos Estados Unidos: a de que o
Oeste norte-americano, área largamente desocupada que se abria além da
fronteira do povoamento regular, devia agir ao modo de uma válvula de
segurança para resguardar o Leste atlântico do risco de perturbações internas
que sem ela pareciam inevitáveis?"
Em seguida, o historiador reafirmaria a existência de aspectos comuns entre a
marcha rumo ao oeste norte-americano e a ocupação do interior do Brasil por parte dos
paulistas, destacando que:
"...a função que vinham tendo no século 17 os espaços livres e utilizáveis
ainda existentes ao redor do velho núcleo piratiningano, de assegurar a
sobrevivência do tipo de sociedade ali formada desde os inícios da
colonização, assemelhava-se, rigorosamente, à espécie de safety valve que
há cem anos inflamara imaginações anglo-saxônicas no norte do
Continente".
Apesar disso, Sérgio Buarque reconheceria que, no caso paulista, esse mecanismo
não teve a mesma força que nos Estados Unidos: "Se diferença houvesse, estaria nisso,
41
que aqueles espaços livres, em vez de tingidos de cores tão idílicas, deviam parecer, em
geral, uma realidade descolorida e chã, mais refrigério talvez do que esperança"
(Holanda, 1966, p.104). É significativo notar que, para Sérgio Buarque, a conquista do
Oeste, no caso brasileiro, envolveu fatores excepcionais em relação ao processo
desencadeado em terras da Nova Inglaterra. O mais importante deles talvez tenha sido o
fato de que a fronteira brasileira foi mantida sob estrito controle da metrópole durante
anos, a fim de evitar a dispersão demográfica do litoral brasileiro.
Tal constatação aparece, por exemplo, em Piratininga, artigo publicado pelo autor
em 1954. Já estaria manifesta nas cartas de doação das capitanias, segundo Sérgio
Buarque, a repressão da Coroa Portuguesa às expedições que pudessem culminar no
surgimento de novos núcleos de povoação no interior do Brasil. Tais documentos,
conforme o historiador (Holanda, 1954, p.37-38), permitiam aos donatários "erigirem
tantas vilas quantas queiram junto ao mar ou aos rios navegáveis", mas não "terra
dentro", exceto "se entre uma e outra corra espaço mínimo de seis léguas". A intenção,
de acordo com Sérgio Buarque, era "conterem-se os povoadores nas imediações dos
portos de embarque e pontos vulneráveis da costa, pois não seriam os colonos em
tamanho número que pudessem ser encaminhados ao sertão sem se despovoarem
aqueles sítios".
Dessa maneira, mesmo que o processo de interiorização tenha sido precoce no
Brasil e tenha apresentado semelhanças em relação ao caso estadunidense, seu
desenvolvimento acabou se mostrando lento e apático e não apresentou, evidentemente,
o mesmo impacto verificado nos Estados Unidos, onde houve uma verdadeira corrida
para o Oeste. Além disso, Sérgio Buarque deixou claro que, no caso brasileiro, não
existiu uma grande fronteira, mas frentes distintas, em diferentes períodos
7
.
Nos primeiros anos de colonização, as incursões para o interior com o objetivo de
formar núcleos de povoamento eram exceções na América Portuguesa – muito embora o
próprio Sérgio Buarque tenha chamado atenção para o fato de que "a exceção existe", e
7
Alguns anos antes de Sérgio Buarque, Roy Nash, na obra Conquest of Brazil (1926), já havia destacado
que, nos Estados Unidos, ao contrário do caso brasileiro, sucessivas ondas de colonização cruzaram todo
o continente de modo que todos partilharam da lógica da fronteira. No Brasil, o movimento de populações
teria se dado de forma muito mais descontínua por conta de demandas externas específicas. Conforme
Nash (1926), à medida que a economia agro-exportadora mudava de foco, novas regiões com potencial
para suprir as novas demandas eram povoadas, ao passo que outras entravam em decadência. Essa
característica também viria a ser apontada por Richard Morse (1962) como uma das razões pelas quais,
segundo ele, a versão norte-americana da fronteira não teve paralelo no Brasil. Apesar disso, autores
como J. F. Normano (1935) concluíram que o modelo turneano se aplicaria com sucesso ao processo de
colonização de qualquer país vasto, como o Brasil.
42
o exemplo mais claro disso, segundo ele, foi o bandeirantismo, que já no segundo
século de colonização irrompeu sertão adentro.
Ainda assim, o avanço da fronteira foi considerado um processo descompassado
no Brasil e começou pelo menos duzentos anos antes da avassaladora marcha norte-
americana, como destacou Sérgio Buarque. Afora isso, Wegner (2000) aponta uma
outra diferença: se no caso norte-americano teve destaque a concepção de que as terras a
serem conquistas deveriam ser transformadas (civilizadas) pelos colonizadores, no caso
luso-brasileiro predominou a idéia de que as terras fronteiriças estavam ali para serem
desfrutadas – num claro exemplo do chamado espírito de aventura, comum aos
colonizadores lusitanos, como concluiu o autor de Raízes do Brasil.
Em outras palavras, a marcha rumo ao sertão brasileiro teve características únicas
se comparadas à corrida ao Oeste nos Estados Unidos, mas também algumas
semelhanças. Com todas as particularidades assumidas no Brasil, a conquista da
fronteira transformou o legado ibérico – muito mais, possivelmente, do que o próprio
Sérgio Buarque de Holanda poderia imaginar. Talvez por isso, segundo Burns (1995,
p.1), a fronteira represente mais do que um simples espaço físico na historiografia
brasileira. Não por menos, o sertão se tornou uma categoria de entendimento do Brasil.
Tão comum nos livros de história produzidos na atualidade, quando nos últimos dois
séculos.
43
1.3. A fronteira verde no Sul do Brasil
Se na historiografia brasileira a fronteira é o sertão e o seu protagonista é o
sertanejo, na historiografia regional produzida no Rio Grande do Sul a idéia
predominante de fronteira está vinculada aos Pampas e o seu personagem por excelência
é o gaucho. Foi essa fronteira, marcada por um bioma específico e por limites políticos
tortuosos, palco de constantes disputas e de embates sangrentos, que preponderou nas
análises de uma determinada corrente de historiadores. Nesse caso, porém, não se
relegou contornos heróicos à figura do cabra, mas à do “centauro dos Pampas”, uma
alegoria explorada à exaustão na literatura e na música regionais, assim como no
cinema.
Outras divisas, no entanto, marcaram o Rio Grande ao longo de sua história, e não
se restringiram à Campanha. Implantadas a partir de 1824 nas áreas de mata do Rio
Grande do Sul, as colônias européias também foram, de certa forma, marcos de
fronteira. Ano após ano, ao longo de um século, núcleos de povoamento surgiram e
empurraram para mais longe a linha fronteiriça, onde milhares de imigrantes, em um
processo contínuo que só teria fim na primeira metade do século 20, depararam com
densas, vicejantes e aparentemente intermináveis florestas subtropicais.
Foi ao longo dessa fronteira verde, na transição do campo para a floresta, da faixa
central ao extremo norte e noroeste da Província (veja o mapa a seguir), que esses
homens e mulheres aprenderam a desmatar, ergueram casas, semearam lavouras e
fundaram cidades, impondo seu domínio ao meio ambiente.
44
Mapa 2 – Vegetação nativa do Rio Grande do Sul
45
Mapa 3 – Zonas de povoamento do Rio Grande do Sul
46
Marcada por contornos dinâmicos e nem sempre nítidos, essa fronteira natural e,
ao mesmo tempo, cultural, constitui um conceito-chave para a compreensão histórico-
ambiental do processo de desenvolvimento experimentado no Sul do Brasil. Zona
preterida pela elite latifundiária sul-rio-grandense, a mata foi o lócus de transformações
significativas para a história regional, embora apareça como um elemento passivo – e
até desimportante, muitas vezes – na maioria dos livros já produzidos sobre o tema.
Ao tratar da natureza enquanto problema historiográfico, David Arnold (1996,
p.101) afirma que o interesse pelo tema da fronteira e, em especial, pelas questões
ecológicas por detrás da tese de Frederick J. Turner tem ganhado espaço entre novos
historiadores, especialmente aqueles ligados à história ambiental. Segundo ele, mesmo
que a fronteira não tenha representado tudo o que Turner supôs em relação à história
dos Estados Unidos, ela se constituiu, de fato, no cenário de muitos de seus episódios
formativos. No caso da colonização européia no Rio Grande do Sul, não foi diferente. A
fronteira verde onipresente no território gaúcho pode ser considerada igualmente o
cenário e, mais do que isso, um agente ativo no processo de tropicalização dos
imigrantes e de seus descendentes nascidos em solo brasileiro.
Porém, ao mesmo tempo em que a presença das terras cobertas de mata na então
Província de São Pedro moldou e condicionou em muitos aspectos a ação dos europeus
em solo sul-rio-grandense, esses homens e mulheres também imprimiram suas marcas
na paisagem, reinventando a si próprios e alterando de forma decisiva os ecossistemas
regionais – não apenas por meio das derrubadas e queimadas, mas também da “biota
portátil”, formada principalmente por mudas e sementes que trouxeram na bagagem
(Crosby, 1986). O que mais seria o processo de “caboclização” dos colonos,
identificado (e condenado, diga-se de passagem) por alguns dos principais
pesquisadores dedicados ao tema (Weibel, 1958, e Roche, 1969), senão a própria
“tropicalização” dos imigrantes europeus em plena efervescência nas matas?
As florestas subtropicais características da região representaram uma fronteira
polissêmica, porque física e simbólica. Em termos simbólicos, por um lado, tratava-se
do paraíso terreno idealizado pelos imigrantes europeus, tal como exaltou, em 1862, a
imigrante Marie van Langendonck (2002[1862], 49-50), ao reconhecer traços divinos na
natureza sul-rio-grandense. É bem verdade, no entanto, que a realidade vivenciada nas
colônias se mostrou bastante diversa do paraíso bíblico prometido pelos agentes de
imigração e imaginado por esses homens e mulheres quando colocaram os pés pela
primeira vez na nova terra.
47
Em seus escritos, teólogos do início do período moderno difundiram a idéia de que
o Jardim do Éden, antes da Queda, era um lugar aprazível e bucólico (Thomas, 1999,
p.22). Na Província de São Pedro, onde uma massa disforme de vegetação surpreendeu
os pioneiros no limite entre o mundo selvagem e o civilizado, a realidade era bem
diferente. Como descreveu Roche (1969, p.52), “elevavam-se as árvores monstruosas,
estreitavam-se os arbustos e as plantas do sub-bosque, enlaçavam-se os cipós” e tudo,
absolutamente tudo, precisava ser conquistado à floresta. Até mesmo a luz do sol.
A crença na fronteira verde enquanto terra de promissão, no entanto, resistiu à
aparente discrepância. E a explicação para isso estava na religiosidade fervorosa dos
colonos – ou pelo menos da maioria deles. A transformação do jardim edênico em um
lugar infestado de feras e de espinhos, como descrevia o Antigo Testamento, deveu-se à
afronta às leis divinas. E cabia aos homens a missão de domesticar a natureza hostil para
que voltasse a ser como antes (Thomas, 1999, p.22). A fé que acompanhava os
imigrantes em sua longa viagem forneceria, assim, os alicerces morais para o
predomínio humano inconteste sobre o mundo natural. Era preciso vencer a floresta,
tomada desde o início como sombra da civilização (Harrison, 1993).
Mais do que um símbolo do paraíso divino, a fronteira verde esculpida nos
confins do Rio Grande era concreta. Fisicamente, o tapete verde que se erguia no
território gaúcho constituía-se de um denso e rico conjunto de vegetação, banhado por
rios caudalosos e habitado por milhares de formas de vida, que se exibiam aos olhos
surpresos dos recém-chegados. Tratava-se, segundo o relato do viajante alemão Robert
Avé-Lallemant (1980[1858], p.119), de um “labirinto” de grandes árvores e “vigorosos
troncos”, ou, como descreveu o alemão Carl Seidler (1976[1835], p.110), de um
conjunto de “formidáveis troncos de árvores”. Tão formidáveis que, em pouco tempo,
viriam abaixo chamuscados pelo fogo da coivara.
A farta disponibilidade de recursos naturais, para Warren Dean (1996, p.57),
confere ao “Rio Grande das Matas” – tanto quanto às florestas da Nova Inglaterra e às
pradarias das Grandes Planícies, nos Estados Unidos – a categoria de fronteira. A
definição é válida, segundo Dean, porque, quando os europeus e seus descendentes
chegaram, essas áreas ainda “apresentavam um arranjo de recursos que os invasores
poderiam instantaneamente converter em consumo abundante”. Em outras palavras,
como destacou Walter Prescott Webb (1952), ainda dispunham de uma “herança” a ser
usufruída.
48
Entretanto, ao contrário do caso norte-americano, a fronteira verde sulina não
seguiu uma linha geograficamente horizontal (no sentido leste-oeste), mas
vertical/diagonal, da Depressão Central ao norte e noroeste da Província. Não seria
possível, aliás, uma expansão colonial em direção ao Sul, por se tratar de um território
historicamente ocupado pelos grandes estancieiros, com suas criações de animais e suas
charqueadas. Este limite representado pela Campanha já estava posto ao imigrante, e os
campos naturais não seriam sua zona de expansão, mas as florestas desvalorizadas e
preteridas pela elite latifundiária regional. As mesmas florestas que, para os europeus,
surgiam como a esperança de uma nova condição de vida – a de proprietários de terras.
Por conta desse processo e pela própria lógica da natureza, a fronteira verde
jamais foi homogênea ou estática. Pelo contrário: foi uma área em permanente estado de
transformação, composta por um elenco extraordinariamente diversificado de
habitantes, que se modificava constantemente, à medida que se avançava na mata. Para
sobreviver nesse ambiente, diferente de tudo o que conheciam, os colonos
desenvolveram algumas estratégias de sobrevivência específicas, com o auxílio de
agentes e inspetores coloniais.
Em primeiro lugar, acabaram por adotar um sistema de produção característico,
composto por três etapas, que se repetiram em todos os núcleos coloniais erguidos na
Província. A primeira etapa resumia-se ao desmatamento propriamente dito, feito a
partir das derrubadas em massa e do uso intensivo das queimadas. A segunda,
compreendia o cultivo do solo, feito de forma rudimentar na terra ainda coberta de
cinzas e surpreendentemente fértil. A terceira e última etapa era marcada pela rotação de
terras – e não de culturas – calcada na aparente inesgotabilidade da fronteira verde e, ao
mesmo tempo, resultante da degradação do solo devido aos métodos precários de
cultivo. Insustentável do ponto de vista ecológico e econômico, a reprodução desse
modelo só foi possível enquanto os colonos e seus descendentes puderam avançar na
fronteira verde.
Apesar dos danos ambientais, as derrubadas e queimadas acabaram se tornando o
principal instrumento de colonização – que no Sul do Brasil se mostrou singular ao
incorporar pessoas que imigraram de forma espontânea, muitas por incentivo do
governo brasileiro, com o objetivo de construir vida nova. Homens e mulheres que, nas
terras de origem, possivelmente jamais haviam deparado com florestas semelhantes às
então existentes no Rio Grande do Sul. Se o desmatamento acabou se tornando a
principal forma de colonização, as terras supostamente livres e cobertas de vegetação
49
foram o seu combustível. Tanto assim que, com exceção das áreas onde predominava a
criação de gado, na Campanha e na Fronteira Oeste, a maior parte do território da
Província só foi ocupada com a chegada dos imigrantes (Schneider, 2004).
Além de condicionar o sistema produtivo adotado pelos colonos, a presença da
floresta enquanto fronteira aberta foi decisiva para a constituição de um determinado
tipo de organização social nas colônias, que também seguiu um padrão. A marca
principal do modo de vida levado nesses núcleos foi a autossuficiência – não
necessariamente econômica.
Para a perpetuação do caráter relativamente autárquico dessas comunidades
fundadas no seio da floresta, contribuíram vários fatores. Em primeiro lugar, a forma de
ocupação da fronteira verde baseava-se na abertura de caminhos isolados na mata,
chamados de linhas ou picadas. Ao longo desses caminhos solitários, rodeados por
árvores imensas e vegetação cerrada, os lotes eram demarcados e entregues aos
imigrantes, que iam se instalando ao longo da estrada e dando início às derrubadas com
as poucas ferramentas que recebiam. As dificuldades impostas pelo meio eram tantas e
tamanhas que as famílias tiveram de se unir nas tarefas de desmatar e de semear as
primeiras lavouras.
Da adversidade, brotaram intensos laços de solidariedade. Mas não foi só isso. Da
necessidade de sobreviver na fronteira verde, um ambiente completamente novo,
marcado por dificuldades de comunicação, pela distancia em relação aos principais
centros e pela relativa ausência do poder do Estado, acabaram por surgir sociedades
bastante fechadas em si mesmas, com alto grau de endogamia e marcadas por intensas
relações de parentesco e de religiosidade (Schneider, 2004).
Isso não significa, por outro lado, que os imigrantes estavam efetivamente
sozinhos no coração da floresta. Ao contrário do que supunha certa tradição
historiográfica, os imigrantes e seus descendentes interagiram com os povos que
habitavam a zona de fronteira – por vezes de forma violenta e impiedosa. A crença na
existência de “terras livres” não passou de mais um mito. Tal como concluiu Dean
(1996, p.57) ao tratar da Mata Atlântica brasileira, “havia homens do outro lado do que
tem sido designado como fronteira, [...] mas suas técnicas de subsistência eram muito
menos perturbadoras que as dos invasores”. O mesmo se deu no Sul do Brasil, onde a
coivara indígena, até então aplicada de forma esparsa e nômade, acabou sendo
apropriada pelos colonos e utilizada em larga e destruidora escala.
50
Para além das relações esporádicas com índios e caboclos, o principal mecanismo
de contato dos colonos com a sociedade gaúcha se deu a partir do sistema comercial
desenvolvido nas próprias colônias. Donos de pequenos armazéns, alguns colonos se
encarregavam de transportar e vender os alimentos produzidos pelos demais nos centros
urbanos mais próximos. Eles tamm eram responsáveis por trazer de volta às colônias
produtos manufaturados de difícil acesso na fronteira verde, como ferramentas e
tecidos. Essas relações, segundo Sergio Schneider (2004, p.23), foram fundamentais
para cimentar o modo de vida nas colônias sulinas, que se diferiu de todas as
experiências do tipo já praticadas no Brasil. Além dessa especificidade, o avanço da
colonização européia ao longo da fronteira verde apresentou características singulares
se comparado à conquista do Oeste brasileiro – que, para Sérgio Buarque de Holanda,
foi um processo precoce, mas ao mesmo tempo lento, irregular e descontínuo, como se
viu anteriormente.
No caso das colônias criadas no Sul do Brasil, a expansão das frentes pioneiras foi
bem mais tardia – tendo início apenas no século 19 –, de ação relativamente rápida e
com conseqüências drásticas, tanto socioeconômicas quanto ambientais, convergindo
muito mais com o caso norte-americano do que com a marcha luso-brasileira rumo ao
interior. Como resume Maria Verónica Secreto (2001, p.6), "a particularidade do
movimento de fronteiras do século 19 é a decisão das nações americanas independentes
de colonizarem-se a si mesmas". O que aconteceu no Rio Grande do Sul foi
precisamente o ápice dessa onda.
A inserção de milhares de imigrantes nas áreas de mata da Província e a abertura
de novas colônias ano a ano, com incentivo dos governos imperial e provincial e da
iniciativa privada, implicaram uma conquista em massa, espacialmente ampla, em um
curto período de tempo, desde cedo forjada pela lógica de fronteira. Um exemplo desse
avanço avassalador foi a criação da Colônia de Conde D’Eu, em 1875, na Serra gaúcha.
Por meio da correspondência do seu diretor, João Jacintho Ferreira
8
, sabe-se que
inicialmente chegaram 48 colonos à região, no dia três de setembro daquele ano. No dia
oito, os imigrantes tinham tomado posse de seus lotes e, segundo Ferreira, “apesar de
não estarem habituados ao trabalho com foice e machado, tem algum matto derrubado, e
ainda farão este anno as suas plantações”. Cerca de um mês mais tarde, o diretor
8
FERREIRA, João Jacintho. Ofícios de 3/9/1875, 8/9/1875, 18/9/1875, 21/9/1875, 3/10/1875, 4/10/1875,
10/12/1875, 19/12/1875 e 21/12/1875, dirigidos a José Maria da Fontoura Palmeira, delegado da
Repartição das Terras Públicas e Colonização. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, caixa 29, maço
55.
51
anunciava a chegada de mais 31 colonos ao local. Três meses depois, no dia dez de
dezembro de 1875, relatava a instalação de outros 200 imigrantes e, apenas 11 dias
depois, de mais 400 pessoas, número que continuou aumentando, mês a mês, em
progressão geométrica.
Isso significa que, em menos de quatro meses, cerca de 700 colonos foram
inseridos naquela área, provocando imediatas alterações ambientais. Embora os lotes
entregues às famílias não passassem de 25 hectares em média no período
9
, a área
ocupada aumentou rapidamente, na mesma proporção em que as árvores vinham abaixo.
Em ofício de 21 de setembro do mesmo ano, Ferreira pedia autorização da Repartição
das Terras Públicas e Colonização para “mandar fazer as derrubadas e as casas
provisórias” dos colonos que iam chegando, acelerando ainda mais o processo de
transformação da paisagem e de ocupação da floresta.
Como se viu na obra de Sérgio Buarque, no Brasil, de um modo geral, a fronteira
foi mantida sob estrito controle da metrópole por algum tempo. Essa característica não
se repetiu nas colônias estabelecidas na Província de São Pedro. Tomando-se por base
relatórios de presidentes provinciais e documentos elaborados por inspetores de
colonização e agentes intérpretes, é evidente que o Estado incentivou a conquista da
fronteira verde.
Embora com o passar dos anos tenham surgido discussões na Assembléia
Legislativa sobre os supostos perigos de um “enquistamento étnico” – justamente em
função das características autárquicas dos núcleos fundados na região –, a expansão das
colônias e a conseqüente difusão do ordenamento territorial agrícola sobre o “caos” da
floresta foram considerados, desde o início, imperativos civilizatórios vitais para o
desenvolvimento regional. A ocupação em massa da floresta foi premeditada – embora
muitos de seus efeitos não tenham sido calculados, entre eles impactos ambientais
negativos, como a erosão dos solos, o assoreamento dos rios e a extinção de algumas
espécies de animais nativos.
O incentivo do Estado à rápida ocupação das florestas é visível, por exemplo, no
Relatório da Administração Central das Colônias, apresentado pelo agente intérprete
Carl von Koseritz em 1867. Nele, Koseritz (1867, p.17) ressaltou que “as nossas
colônias abrangem hoje uma grande parte da província e [...] formão uma riquíssima e
9
Em 1824, os alemães receberam lotes coloniais de 77 hectares. Em 1848, as propriedades foram
reduzidas para 48 hectares. Em 1875, os lotes foram alternados para 25 hectares, medindo 200 a 250
metros de frente e mil a 1.250 metros de profundidade, conforme descreve Jean Roche (1969) em seu
estudo sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul.
52
vasta zona”. Zona, esta, que continuava a se expandir, pois, segundo Koseritz (1867,
p.12), “do Maratá até a Vaccaria de Cima da Serra, se estendem ainda muitas e ricas
terras e [...] todas serão entregues aos laboriosos braços de colonos”.
Quase vinte anos depois, o ajudante da Inspetoria Geral das Terras e Colonização,
Manoel Maria de Carvalho (1886, p.7), apresentaria dados estatísticos para evidenciar o
extraordinário (e comemorado) impulso da marcha colonial na fronteira verde. Segundo
ele, “há uma imensa differença a favor do Rio Grande do Sul, pois nos dois últimos
annos recebeu cerca de seis vezes mais immigrantes do que no mesmo período de tempo
as províncias reunidas de Santa Catharina, Paraná e Espírito Santo”.
Em sua esmagadora maioria, esse contingente de colonos não era formado por
ibéricos – protagonistas por excelência das análises de Sérgio Buarque sobre a formação
da sociedade brasileira. No projeto de colonização empreendido nas florestas do
extremo sul do Brasil, foram principalmente imigrantes oriundos das áreas hoje
pertencentes à Alemanha e à Itália, além de poloneses, suíços, belgas e franceses, entre
outros, os responsáveis por transpor a vasta fronteira que se impunha em direção à Serra
Geral. Gente considerada “obreira” na visão de muitos dos idealizadores das colônias.
Homens e mulheres que cruzavam o oceano com famílias inteiras sem planos de um dia
voltar. Talvez por isso a ética do trabalho tenha sido a tônica da conquista, e não o
espírito de aventura que segundo Sérgio Buarque teria predominado entre os ibéricos
responsáveis pela colonização do Brasil. Ao invés de terras a usufruir, os lotes coloniais
foram encarados como terras a transformar, a civilizar.
Não por menos, a expansão na zona de fronteira resultou inicialmente em uma
escalada na produção agrícola. A difusão das lavouras na mata foi considerada por
Manoel Maria de Carvalho (1886, p.24) uma “prova evidente da importância e
progresso destes estabelecimentos, assim como das vantagens que se provém de
colonizar-se o paiz e da conveniência, portanto, de continuar o Governo a dar largo e
não interrompido desenvolvimento a este serviço”. Satisfeito com a performance dos
pioneiros, o ex-diretor e inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.48) também ressaltou
a “actividade e perseverança dos exploradores coloniais” em sua conquista da fronteira
verde.
Pouco a pouco, porém, o esgotamento do solo se tornaria um pesadelo para as
famílias – e para as autoridades. Nas primeiras áreas ocupadas pelos imigrantes de
origem alemã, a produção agrícola apresentaria claros sinais de regressão
principalmente a partir de 1890. Nessa época, segundo Jean Roche (1969, p.272), a
53
fertilidade do solo e os níveis de produtividade decaíram de forma expressiva e
irrevogável. Apesar disso, o sistema de produção colonial ganhou sobrevida a partir de
algumas estratégias de sobrevivência (Schneider, 2004, p.28).
A primeira delas foi a substituição da policultura por outras formas de renda, entre
elas, especificamente no que diz respeito às antigas áreas de colonização alemã, a
criação de suínos. A segunda, que de certa forma é uma conseqüência do problema, foi
a migração em massa das colônias velhas – que viveram uma brusca regressão
demográfica – para as novas, inflada pelas dificuldades de reprodução do sistema
produtivo.
Ao longo de 1880, segundo Arthur Blásio Rambo (2004, p.70-71), esgotaram-se
as últimas reservas de terra disponíveis nas bacias dos rios dos Sinos, Caí, Taquari,
Pardo e Jacuí. A pressão por mais terras aumentava a cada dia. Na época, conforme
Rambo, a “única forma de aliviar a tensão encontrava-se na abertura de novas fronteiras
de colonização”, e a lógica então apontou para o norte e o oeste, em direção a imensas
áreas florestais na Serra e no Alto Uruguai.
Diante da urgência, a região das colônias novas transformou-se, conforme Rambo
(2004, p.71), em um “grande laboratório de experiências de colonização”. Enquanto a
Colônia de Ijuí surgia de uma iniciativa do governo federal, a de Santa Rosa era criada
pelo governo Estadual e a de Santo Ângelo, nas Missões, resultava de um projeto
municipal. Outras dezenas de novos núcleos vingavam a partir de empreendimentos
particulares.
Na obra Cem Anos de Germanidade, Amstad chegou a se referir a uma verdadeira
“febre migratória” acometendo colonos de todas as regiões na segunda metade do
século 19 – que também atingiu os italianos, na Serra. Essa febre, segundo Rambo
(2004, p.73), “empurrara os excedentes, tanto das colônias alemãs como das italianas,
até a barranca do rio Uruguai em toda sua extensão norte e noroeste do Rio Grande do
Sul”. O ímpeto da nova geração à procura de terras foi estimulado pelas “matas virgens
intactas na margem direita do rio, tanto no vizinho Estado de Santa Catarina, como
também na Argentina”.
Os novos núcleos abertos na fronteira verde, que ao fim do século 19 já era
cortada por trilhos de trem e por novas estradas, funcionaram como verdadeiras válvulas
de escape, tal como sugeriu Turner em relação aos Estados Unidos. Ao passo que novos
imigrantes eram direcionados pelo governo ou por companhias particulares a essas
povoações, os filhos dos pioneiros também migravam, imbuídos da promessa de
54
encontrar novas e fecundas terras. Esse processo contínuo implicou severas
conseqüências ambientais – alterações que, embora também tenham marcado a marcha
rumo ao Oeste norte-americano, não fizeram parte da análise turneana.
Na década de 1920, quando praticamente todas as terras já haviam sido ocupadas
no Rio Grande do Sul, a fronteira verde sulina dava-se por conquistada, mas muitos
“eurobrasileiros” continuaram sua diáspora. Legaram cidades prósperas do ponto de
vista econômico, como São Leopoldo e Caxias do Sul, mas também houve degradação
dos solos, assoreamento dos rios e o desmatamento de áreas consideráveis _ dos 36% de
mata nativa que um dia mancharam de verde o Rio Grande do Sul, restavam apenas
5,62% em 1983, segundo a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Em sua
marcha por Estados como Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, as novas gerações
repetiram os passos dos antepassados. E a obsessão por novas terras, em pleno século
21, ainda não terminou, com a expansão para o Mato Grosso e a Amazônia.
55
2. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ALEMÃ:
PONTO DE PARTIDA NA CONQUISTA DA FRONTEIRA VERDE
Açoitados pelos ventos gélidos da estação mais fria do ano no extremo Sul do
Brasil, 38 imigrantes alemães pisaram pela primeira vez o solo da Colônia de São
Leopoldo, na antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo, em julho de 1824. Depois de
mais de dois meses de travessia oceânica, perturbados por agruras e incertezas de todos
os tipos, os forasteiros finalmente deparavam com a sua terra de promissão, concedida
pelo Império brasileiro na longínqua e desconhecida Província de São Pedro.
Muitos sequer conheciam florestas nativas ou mesmo secundárias maduras em
suas terras de origem. A partir dos registros governamentais, é possível constatar que a
maioria vivia em lugares antropizados havia milênios. E alguns sequer eram
agricultores. Dos primeiros imigrantes chegados à Colônia de São Leopoldo, a maior
parte vinha do Noroeste do território que hoje pertence à Alemanha (Hamburgo,
Holstein, Hanover, Mecklenburg). Sabe-se que havia pelo menos sete agricultores, dois
carpinteiros, um pedreiro, um ferreiro e um empregado da indústria de papel. Na
segunda leva, constituída de 81 pessoas, o número de agricultores declarados chegou a
16, mas também havia um pedreiro, um pintor, um ferreiro, quatro carpinteiros e um
sapateiro (Rambo, 1956, p.80). Não por menos, a maioria sentiu-se aturdida diante da
realidade encontrada na zona colonial.
No lugar de campos tranqüilos e bucólicos, como muitos imaginaram, ou mesmo
de áreas já domesticadas pela mão humana, com as quais estavam acostumados, os
forasteiros encontraram um cenário intimidador. Ali, nos confins do Brasil meridional,
como mostra a primeira parte deste capítulo, imperava a chamada Urwald – palavra que
se tornaria uma constante nas cartas e diários desses homens e mulheres. Era a "floresta
virgem", feita de imensos exemplares de cedros, cabriúvas, angicos e canafístulas e de
emaranhados de cipós e trepadeiras. Uma paisagem ambígua, que despertou medo e, ao
mesmo tempo, fascínio.
56
Além de analisar as relações estabelecidas entre os colonos alemães e a floresta
subtropical – aqui definida em um sentido amplo, como o conjunto da vegetação, do
relevo, da hidrografia e de seus habitantes nativos –, o presente capítulo apresenta uma
discussão sobre o “desmatamento civilizador” empreendido pelos forasteiros em seu
embate com a floresta. Entre outros aspectos, ganham destaque as técnicas de
desbravamento e de plantio adotadas no limite da fronteira, baseadas na lâmina do
machado e no poder devastador do fogo, cujas chamas eram associadas à idéia de
progresso.
Na seqüência, o foco da análise passa a ser o cotidiano dos colonos, com atenção
especial a algumas das mudanças culturais pelas quais passaram esses homens,
mulheres e crianças. Mudanças, estas, relacionadas principalmente ao vestuário, que
incorporou, por exemplo, o poncho à moda rio-grandense; às formas de moradia,
condicionadas, no início, à biomassa da floresta; e à nova dieta alimentar adotada pelos
pioneiros, constituída de ingredientes como o milho, o aipim, o ananás, e também da
carne de animais silvestres, como antas, macacos e papagaios.
O surgimento de novos ecossistemas regionais, resultantes de uma mescla de
elementos nativos e exóticos, é o tema da quarta parte do capítulo. Na bagagem, como
demonstram documentos oficiais e cartas dos próprios colonos, muitos imigrantes
trouxeram mais do que apenas mudas de roupas: carregaram consigo sementes de
plantas com as quais estavam acostumados – como o centeio e a aveia – e, com elas,
procuraram tornar a nova terra familiar.
Por fim, o presente capítulo encerra-se com uma discussão sobre o novo na
fronteira. A chamada “caboclização”, desencadeada a partir da apropriação de hábitos
indígenas, caboclos e luso-brasileiros e condenada por alguns historiadores por
significar uma suposta “regressão”, é tratada aqui como uma nuance de um processo
mais amplo: o processo de tropicalização, que incluiu, entre outros aspectos, a
construção de uma nova identidade e de uma nova terra.
57
2.1. O colono adentra a floresta
“No horror profundo da floresta,
Onde leões e tigres imperam,
O homem forjou planícies floridas
E promove, cuidadoso, a cultura,
Em lugar do sussurrar sinistro das matas
Ecoa agora o canto alemão,
Os animais selvagens escutam,
Temerosos, estes sons raros.”
Do mato fechado de Linha Cecília, na Colônia alemã de Venâncio Aires, os versos
escritos no final do século 19 pelo imigrante Josef Umann ganham eco, melodia e voz.
Musicadas pela Sociedade de Canto criada pelo próprio colono, as palavras que
reforçam o embate travado entre civilização e floresta nos confins da Província de São
Pedro difundem a mentalidade de conquista que forjou, em grande medida, as ações dos
europeus na nova terra. A julgar pelo relato do colono, guardado durante anos pela
família e publicado em livro em 1981, a floresta subtropical figurava como uma
imensidão tão misteriosa quanto temida.
As surpresas começavam logo na chegada à Província de São Pedro e se sucediam
ao longo do percurso rumo às colônias alemãs, que, a partir de 1824, iam sendo
erguidas em uma região de vales entrecortada por rios caudalosos e nem sempre
navegáveis. No início, esse trajeto era feito a pé ou no lombo de mulas, por meio de
estreitas estradas abertas no interior da floresta ou de velhos caminhos de tropeiros. Os
colonos não apenas se surpreendiam com o tamanho das árvores, mas também com o
grande número de espécies, assim como as distintas dinâmicas ecológicas de
crescimento, sucessão e clímax, com o tipo de solo e as “pragas”.
Nessa aventura pela mata, segundo Umann (1981, p.78), poucos imigrantes
sabiam exatamente o que significava o termo “selva”. Da mesma forma, para os colonos
Rudolf e Anna Gressler (apud Martin, 1999, p.32), que habitavam a Colônia alemã de
Santa Cruz, fundada em 1849 a pouco mais de cem quilômetros da pioneira São
58
Leopoldo, a força da vegetação era tanta, que excedia “toda e qualquer imaginação”.
Mesmo os conhecedores das obras de viajantes, conforme Umann (1981, p.61-62),
consideravam “o início na mata muito mais difícil do que haviam imaginado”. Haveria,
para ele, uma “grande diferença” entre um viajante europeu “e um homem que em terra
estranha deseja fundar um lar para si e sua família em meio à mata virgem”, descrita por
Umann (1981, p.61, 62 e 63) como uma “mata escura, com seus cipós entrelaçados e
suas árvores gigantescas”.
Em seu relatório de 1850, encontrado no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
(AHRGS), o diretor da Colônia de Santa Cruz, Martin Buff (1850), diria inclusive que
“para a gente que vem da Europa he muito penozo acostumarem-se no matto nos
primeiros tempos, por isso vivem sempre incomodados e doentes”. Como destacou o
historiador Olgário Vogt (1997, p.62), os imigrantes “vinham completamente iludidos
quanto ao tipo de vida que teriam no Sul do Brasil” e mostravam-se “despreparados
para enfrentar as agruras da vida que os aguardava”. O relato de Carl Friedmund
Niederhut (1924, p.40-41) dá conta disso:
“Vinham [os colonos] exhaustos por uma longuíssima e penosa viagem de
mezes e mezes em barcos de vela, sem conforto, com alimentação
deficiente, victimas do enjôo e da falta de recursos. Quando aqui chegavam
viam-se numa terra inculta e bravia, coberta de densas e impenetráveis
florestas (...)”
Para piorar a situação, muitos chegavam sob os rigores do inverno na região. As
baixas temperaturas, aliadas à umidade e às más condições de moradia, alimentação e
vestuário, deixaram muitos enfermos. Como destacou o inspetor Martin Buff (1851) em
um relatório manuscrito datado de 16 de julho de 1851, “chegão quase sempre os
colonos em tempo impróprio, sem que possão 6 ou 8 mezes fazer maiores serviços, por
ser tudo mato virgem, o que não aconteceria se chegassem no princípio do verão, tempo
próprio para plantações”
10
. Na longa espera pela passagem do inverno, as famílias eram
obrigadas, na maioria dos casos, a permanecerem nos barracões – precárias habitações
coletivas erguidas em meio à floresta, onde dormiam sob o mesmo teto e tentavam, às
vezes inutilmente, se proteger do frio.
10
Os agentes e inspetores coloniais, como veremos mais adiante, instruíam os colonos a derrubarem a
mata nos meses de seca, pois era preciso deixar os galhos e as toras secando por dias para só então atear
fogo e garantir o sucesso da queimada.
59
Nessas matas, por todos os lados, segundo Jean Roche (1969, p.52), “elevavam-se
as árvores monstruosas, estreitavam-se os arbustos e as plantas do sub-bosque,
enlaçavam-se os cipós”. A vegetação, conforme o relato de viagem do médico alemão
Robert Avé-Lallemant, que em 1858 visitou as colônias alemãs, confundia os recém-
chegados. Seu diário, recheado de informações preciosas sobre os núcleos de imigrantes
da Província de São Pedro, foi publicado em português em 1980. Segundo Avé-
Lallemant (1980[1858], p.119):
“Mal se adivinham, no labirinto, as grandes árvores. Os vigorosos troncos,
cuja elevação longitudinal e contorsões dão a idéia de serem diferentes
indivíduos que se ligaram durante o crescimento, são geralmente mirtáceas,
pois esse grupo de plantas é que caracteriza a floresta. Em algumas figueiras
essa contorsão e ligação de partes do tronco é ainda mais notável [...]
Inextricável é o emaranhado das lianas. Descem geralmente em linha reta
das copas das árvores para a terra.”
As características da mata subtropical tamm impressionaram o viajante inglês
Michael Mulhall, que em 1873 publicou um livro intitulado Rio Grande do Sul and its
German Colonies, informando detalhes de sua passagem pela região. Segundo Mulhall
(1873, p.109), “a paisagem florestal” variava “a cada turno”, mesclando “solidão e
grandeza”. Árvores de laranja e de figos selvagens apareciam, por vezes, “entre as
espessas florestas de madeiras valiosas, de uma dúzia de tipos”, rodeadas por
trepadeiras e “tão estreitamente interligadas que seria difícil tentar passar através delas”.
Ao narrar a história de um indígena que teria raptado a família de um imigrante
alemão no século 19, o monsenhor Matias José Gansweidt também tentou traduzir em
palavras, a partir de fontes orais, a biodiversidade encontrada na região das colônias.
Gansweidt (1929, p.19-20) destacou a beleza das árvores e das orquídeas selvagens:
“Os gigantes da floresta levantam seus troncos colossais para a altura, onde
os galhos nodosos de uns se entrelaçam com os vizinhos em harmoniosa
camaradagem [...] Daquelas alturas, pendem barbas patriarcais, tecidas dos
fios enovelados do musgo grisalho, e que as brisas meneiam ou os ventos
sacodem. Engastadas, quer nas frondes, quer nas forquilhas dos ramos, mil
epífitas ostentam as cores mais variegadas das suas flores [...] Do chão
brotam cipós da grossura de um braço e se alçam, aprumados quais
serpentes gigantescas, para as copas onde se agarram e bifurcam nos galhos,
os enlaçam e emaranham, buscando por meio de suas ultimas ramificações,
a luz e o ar por cima da mata. Em meio a esta exuberância, orquídeas de
forma exótica, fixas em ramos podres, balouçam no ar seus hastis coroados
de mimosas flores e formam um conjunto de belezas tantas e tão raras que
nenhum pincel de artista as pode retratar.”
60
Por meio de sua escrita quase poética, Gansweidt (1929, p.19-20) também
procurou descrever a riqueza da fauna regional. Segundo ele, “nas alturas [...] vive um
outro mundo”. Em seguida, citou a beleza das “borboletas de asas azuis e brancas”,
além de “abelhas aos milhares, besouros, cigarras, umas mais bizarras em cores e
formas que as outras”, sem contar os “bandos de papagaios verdes e da cor do sangue,
fazendo dos frutos lauto banquete”. Entre as aves encontradas na região, Gansweidt
também destacou os “pica-paus”, os “nhambus”, os “tucanos de bico amarelo”, as
“arapongas”, os “colibris”e as “gralhas”.
Narrativas como essa repetiram-se em inúmeros relatos e em diferentes línguas.
Chegado à Província de São Pedro para integrar as tropas luso-brasileiras na campanha
contra Rosas, o mercenário alemão Joseph Hörmeyer (1854) também teceu um registro
detalhado – intitulado Descrição da Província do Rio Grande do Sul no Brasil
Meridional – sobre as riquezas naturais da região. Publicado originalmente em alemão,
o livro foi traduzido por Heinrich Bunse e lançado em português em 1986. Nesse
trabalho, Hörmeyer (1986[1854], p.45) descreve a “mata virgem” como “rica nas
melhores e mais bonitas madeiras”, em especial “o pinheiro, a palmeira, o ipê e a
figueira-braba”, nas quais “os troncos gigantescos” apareciam quase sempre
“enroscados pelos braços flexíveis das jibóias do reino vegetal, os cipós”.
Em sua “vegetação baixa”, segundo Hörmeyer (1986[1854], p.45), a floresta
reunia exemplares de “abacaxi selvagem”, “taquara” e “amora silvestre”. No que se
referia à fauna típica da região, se destacavam “o tigre e o leão-americano, a anta, o tatu
e a cutia, os bandos imensamente variados de macacos, os inúmeros bandos de
papagaios, perus e de outras espécies de aves, muitas vezes ainda desconhecidas, desde
o beija-flor até o tucano”.
Por meio de registros como esses, é fácil perceber que havia diferenças flagrantes
entre as florestas subtropicais e os bosques europeus, a começar pelas espécies
predominantes em ambas as paisagens. Os carvalhos, abetos, tílias, plátanos,
castanheiras e bétulas, típicos do continente do qual provinham os imigrantes, davam
lugar, nas matas do Rio Grande do Sul, a louros, cedros, cabriúvas, angicos, canafístulas
e araucárias. Para além destas últimas, que começavam a aparecer em altitudes
superiores a 300 metros, não havia coníferas de maior destaque (A. Rambo, 2004, p.34).
Mas a flora regional incluía ainda milhares de outras espécies. Em 1834, ao passar
pela Colônia de São Leopoldo quando esta tinha cerca de dez anos, o viajante francês
61
Arsène Isabelle registrou em detalhes tamanha diversidade – o relato foi publicado em
livro em 1835 e lançado em português em 1983. Hospedado na casa de João Daniel
Hillebrand, diretor da Colônia, ele pôde observar mais de trinta espécies vegetais cujas
madeiras tinham utilidade na época – entre elas ipês, goiabeiras, aroeiras e araçás.
Como demonstra o trecho a seguir, transcrito de seu diário, publicado em português em
1983, Isabelle não escrevia propriamente para exaltar a biodiversidade do ecossistema
regional ou a importância de preservá-lo, mas com um intuito utilitarista, chamando
atenção para os benefícios econômicos existentes e pouco aproveitados naquelas matas.
Segundo Isabelle (1983[1835], p.95):
“O ipê-preto ou negro, o ipê-branco e o ipê propriamente dito são madeiras
muito duráveis e de uma utilidade geral. O tajuba lembra o limoeiro, é
amarelo e se emprega em marcenaria por causa de sua leveza e os reflexos
de seu verniz. A canela burra, a canela de brejo e a canelinha são madeiras
pouco pesadas, que se empregam em marcenaria e carpintaria. A goiabeira é
uma linda madeira cor de rosa, textura lisa e compacta, muito leve e própria
para marcenaria. O cedro vermelho e o cedro branco são cedros da América,
cujas qualidades já são conhecidas. O ubá é uma madeira de textura cerrada,
dura, pesada e muito durável: própria para carroças e construção de navios.
O sobreji é uma madeira bastante linda, de um branco puxando para amarelo
e de utilidade geral. O angico é marrom, bastante leve, procurado
principalmente para carpintaria. A cangerana é vermelha, leve, de textura
porosa, mas entretanto conveniente para marcenaria por causa de sua cor;
recebe, ademais, muito bem o verniz. A cabrinha, impropriamente chamada
amarela, pois sua cor é acinzentada, é de excelente uso em carpintaria e
marcenaria. A aroeira é amarela, mesclada de preto, tomando muito bem o
verniz; é mais empregada em carroceria e carpintaria do que em marcenaria,
por causa de seu peso. A Santa Rita é também uma linda madeira, própria
para marcenaria; o córtex fornece uma casca muito estimada dos curtidores.
O araçá, uma das melhores madeiras de marcenaria, é também recomendável
por sua casca, que serve para os curtidores, e por seu fruto saboroso. O taúba
é uma árvore de tamanho médio, cuja casca é um drástico muito forte,
experimentado pelo Dr. Hillebrand. O pinheiro (araucária), cujo fruto é
chamado pinhão, foi descrito por Azara.
Além de listar em minúcias todas essas espécies, Isabelle (1983[1834], p.75) fez
questão de ressaltar que a região deveria “ser visitada pelos naturalistas e amadores da
bela natureza”, porque ali se encontravam “todas as produções da província do reino
orgânico: lindos pássaros, insetos raros, mamíferos estranhos e plantas preciosas, tudo
se reúne nesta localidade para excitar a admiração dos curiosos”. Ele ainda ressaltou que
“numerosos caminhos abertos no meio dos matos permitem aos caçadores percorrer os
arredores de S. Leopoldo sem serem incomodados pelo calor, gozando, ao contrário, da
62
frescura de uma multidão de árvores de espécies bastante variadas e que dão muita
sombra” (grifo meu).
Afora as árvores de maior porte, difundia-se pela floresta uma densa vegetação
rasteira e arbustiva, composta de milhares de espécies, quase impenetrável e às vezes
repleta de espinhos. Essa cobertura verde espalhava-se ao longo de grandes vales,
entrecortados por morros e boqueirões. Mesmo estando abaixo da Serra Geral, mais
tarde ocupada por imigrantes italianos, tratava-se de uma região de difícil acesso para
quem, via de regra, não fosse nativo, principalmente em função da mata fechada e do
relevo acidentado. Além disso, a região era entrecortada por cursos d’água
encachoeirados em sua maior parte, que nos meses de inverno inchavam e
ultrapassavam seus leitos, dificultando ainda mais os deslocamentos.
Duas imagens, a seguir, dão uma mostra do tipo de paisagem encontrada pelos
imigrantes em sua chegada ao Sul do Brasil, no início do processo de colonização. A
primeira delas, do arquivo do jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul (RS), foi
registrada possivelmente do fim do século 19 e mostra agrimensores e agentes do
governo trabalhando na demarcação de lotes no interior da mata, na então Colônia de
Santa Cruz.
A segunda, com a legenda “Der anfgang in der Urwald”, ou “o começo na mata
virgem”, revela as dificuldades iniciais dos imigrantes na Colônia de São Leopoldo,
provavelmente ainda no século 19. Com a ajuda dos machados, homens, mulheres e até
crianças trabalhavam de sol a sol para erguer a primeira casa na mata.
63
Imagem 1 – A demarcação dos lotes
Demarcação de lotes na mata. Colônia de Santa Cruz. Sem data. Fonte: Arquivo do jornal Gazeta do Sul.
64
Imagem 2 – A construção da primeira casa
“O começo na mata virgem”. Sem data. Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
65
Nesse cenário caótico aos olhos dos imigrantes, abriam-se as primeiras Picadas,
também conhecidas como travessas, travessões e linhas – que, para Guttfreind, Arendt e
Dreher (2001, p.1), eram a “forma básica de penetração na floresta subtropical”. Com os
instrumentos disponíveis, essas vias eram abertas sempre o mais próximo possível de
rios, cujas margens eram logo desbastadas
11
. Ao longo delas, iam sendo instalados os
imigrantes, nos lotes que lhes eram designados. As distâncias entre as terras recém-
demarcadas, inicialmente com 77 hectares em média, eram grandes o bastante para
preocupar muitos dos recém-chegados, que em suas cartas aos parentes que ficaram no
Velho Mundo relatavam noites de pavor vividas no interior da mata, onde ouviam sons
desconhecidos e pressentiam ameaças concretas. A floresta era um obstáculo difícil a
ser vencido, como mostra o relato a seguir, escrito pelo descendente de um colono
alemão (Gressler, 1949, p.173-174):
“O maior dos desenganos sofridos pelos imigrantes foi o fato de que os
sonhos creados pela imaginação fértil em sua terra natal, não foi possível
realizá-los de pronto. Haviam-se tornado grandes proprietários de terra, mas
estavam escravizados a ela. Cada qual era escravo da floresta virgem, que
chamavam sua propriedade, e do duro trabalho a que estavam obrigados pela
posse da mata, pois si eles não a vencessem, seriam vencidos por ela. Havia
de lutar, para que com o tempo e a custa de muito esforço, fosse possível
tornar-se senhor de suas rendas e homem livre [...] Muito suor se derramou e
muito golpe de machado foi dado em vão, pois faltava-lhe o conhecimento e
a habilidade para a execução de trabalhos a que não estava acostumado.”
[grifo meu]
De certa forma, esse relato traduz um dos significados da floresta para os
imigrantes alemães nesses primeiros anos. Enquanto se mantinha vicejante e robusta, a
mata foi considerada, muitas vezes, uma prisão. Como ressaltou Roche (1969, p.52), “a
terra arável, o espaço, a luz, tudo devia ser conquistado à floresta”. Era preciso trabalhar
com afinco, em uma luta sem trégua, para derrubar a vegetação e impor o domínio sobre
a natureza. Floresta derrubada era sinônimo de progresso. Era a garantia, enfim, de
11
Como informou o viajante Oscar Canstatt em 1871 (2002[1871], p.424), “na escolha da região onde
foram fundadas essas colônias, predominou em regra a idéia de que deviam ficar à margem de um rio
navegável”. Por essa e por outras razões, a mata ciliar dos principais afluentes da região – os rios dos
Sinos, Jacuí, Taquari e Pardinho – foi diminuída drasticamente com a colonização alemã. No caso da
localidade de Rio Pardinho, na Colônia de Santa Cruz, alterações do tipo já eram percebidas em maio de
1858. Ao noticiar a grande enchente que destruiu completamente a ponte do vilarejo, o diretor Martin
Buff atribuiu a violência das águas ao desmatamento nas margens do rio (Martin, 1979, p.115). No
mesmo ano, o médico alemão Robert Avé-Lallemant (1980[1858], p.176) registrou ter encontrado o Rio
Pardinho com o nível de água tão baixo que lhe pareceu impossível navegá-lo em qualquer parte da
picada, “sobretudo quando se pensa que, abatendo-se as matas em milhas de extensão, diminuirá a
formação da água”.
66
sucesso na nova pátria, para onde a maioria dos imigrantes se mudava em definitivo,
sem pretensões de um dia voltar à terra natal.
No início, mais do que qualquer outro sentimento, a mata suscitava medo. Não
apenas devido à força da vegetação, por si só intimidadora, mas também devido aos
povos, aos animais e aos insetos que a habitavam. Em uma carta datada de sete de
novembro de 1850, resguardada pelo AHRGS, o subdiretor da Colônia alemã de Santa
Cruz, Evaristo Alves D’Oliveira, escrevia sobre um desses perigos ao então presidente
da Província, José Antônio Pimenta Bueno. Segundo Oliveira (1850), “tigres
incomodarão nas habitações, matando os cães, que se achavão presos em correntes”.
Diante do pavor experimentado pelos colonos, o subdiretor informava ter
procurado “evitar que eles deixassem suas famílias expostas às feras”. Os colonos,
segundo ele, eram “pacíficos, laboriosos e constantes no trabalho, e só estes males he
que os affligem”, por conta disso, não pouparia esforços “para os tranqüilizar e afastar
do perigo”. Embora o desfecho dessa história não tenha sido registrado na carta de
Oliveira, supõe-se que muitos “tigres” e “feras” padeceram em caçadas ordenadas pelos
inspetores coloniais para minimizar a aflição dos pioneiros.
Além disso, não se pode esquecer que a instalação na mata incluiu inevitáveis
interações, na maioria dos casos violentas, com os povos indígenas que viviam na
floresta, principalmente Coroados. Os chamados “wilden Menschen”, ou homens
selvagens, como definiu o colono alemão Mathias Franzen (1832), de São Leopoldo,
eram considerados um “grande mal” pela maioria dos imigrantes. Em uma carta
endereçada à família, Franzen contou que os indígenas vinham “tornando inseguras as
matas, já tendo tirado a vida de 21 alemães” – uma evidência de que a convivência entre
esses grupos, em geral, não foi pacífica.
Haveria nos indígenas, na visão etnocêntrica de Franzen, um “impetuoso instinto
de roubar e matar”, e os colonos apelavam à proteção divina para sobreviver na mata,
sem perceber, talvez, que os intrusos eram eles: “Deus nosso Senhor”, clamava Franzen,
“queira por sua graça proteger-nos desses selvagens, cabendo a nós, todavia, sermos os
vigilantes como um soldado que monta guarda sabendo que há inimigos por perto”.
Sobre os confrontos interétnicos, também o viajante alemão Robert Avé-
Lallemant (1980[1858], p.131) teceu um relato carregado de etnocentrismo, baseado no
que diz ter ouvido dos próprios colonos. No trecho a seguir, pinçado de seu diário de
viagem, o alemão chama os índios de “gente infeliz” e os define como seres inferiores e
violentos, ao passo que os imigrantes aparecem invariavelmente como vítimas e como
67
vetores da civilização. Para ele, assim como para os governantes, a matança indígena
promovida pelos alemães era plenamente justificável. Segundo Avé-Lallemant
(1980[1858], p.131):
“Quando São Leopoldo foi fundada, os bugres ou índios selvagens – pois a
palavra bugre não indica nenhuma tribo, mas o estado de selvageria –
viviam no campo, distante do Monte Hamburgo. Retiraram-se dali para a
serra, mas desde então atacaram as picadas e as colônias. Deram-se
encontros sangrentos. Num desses ataques foram mortas onze pessoas. Os
bugres raptaram das plantações mulheres e crianças, só um ano depois
reconquistadas. Uma jovem senhora grávida teve o filho entre os índios e,
logo que a criança chorou, eles a tomaram e diante dos olhos da mãe a
despedaçaram, batendo-lhe com a cabeça contra o tronco de uma árvore,
pois não toleravam criança chorando, que podia trair-lhes o esconderijo.
Com seus próprios filhos devem ter feito várias vezes a mesma coisa. Assim
me contaram nas picadas.
Com tais acontecimentos, não podia haver relações entre os colonos e os
bugres. Quando aparecia um selvagem nu – e todos andam completamente
nus e assim tinham de andar entre eles os prisioneiros, mesmo as mulheres –
sem dizer água vai, atiravam-lhe uma bala na carne. E essa ultima rerum
ratio surtiu efeito: há três anos não se fala de índios na colônia. O governo
estabeleceu numa parte da colônia alguns chamados ‘índios mansos’, pois
em algum lugar há que ficar essa gente infeliz. Conservam-se, porém,
inteiramente à parte e acredita-se que podem um dia lançar fora a roupa e
voltar para a sua vida na selva.”
Opiniões como a de Avé-Lallemant também eram compartilhadas por funcionários
do governo. Um exemplo disso foi o inspetor colonial Adalberto Jahn, que publicou um
livro em 1871, intitulado As colônias de São Leopoldo na Província Brasileira do Rio
Grande do Sul e reflexões gerais sobre a imigração espontânea e colonização no
Brazil, encontrado no setor de obras raras da Biblioteca Nacional. Conforme Jahn
(1871, p.7), “a invasão dos indígenas selvagens nas proximidades das divisas dos
prazos coloniaes com os mattos virgens” (grifo meu) contribuiu para “embaraçar seu
desenvolvimento”, dificultando “o progresso de sua laboriosa população”.
De uma forma geral, tomando-se por base relatos como esse, é possível concluir
que os indígenas eram não apenas desprezados mas considerados verdadeiros entraves
ao progresso, tanto quanto a floresta, quando não estava domesticada. Sobre o contato
entre colonos e indígenas em São Leopoldo, Jahn (1871, p.8 e 9) registrou mais uma
história que mostra o papel desempenhado pelos imigrantes na expulsão e no extermínio
dos antigos moradores da região:
68
“Quando em 1832 os habitantes da Picada Dous Irmãos forão
extraordinariamente incommodados pelos indígenas selvagens, resolverão
quatro moços robustos e corajosos estabelecer-se nos fundos dos primeiros
dezesseis prazos coloniaes da ala de Leste da dita Picada, e ahi fundarão a
Linha denominada: Quatro Colônias, constituindo-se assim uns baluartes
contra aquelles indígenas [...] Passados os anos, não havia mais o que recear
de taes selvagens”
Nem sempre, porém, os colonos saíram ganhando nos conflitos travados com os
indígenas. Segundo um memorando manuscrito sobre a Colônia alemã de Mundo Novo
(Taquara), guardado no ARHGS e assinado pelo diretor colonial Sebastião José de
Monteiro em 7 de julho de 1854, “a flagrante e contínua invasão dos bugres e correrias
de tigres trouxe constantemente todos os moradores da Mundo Novo em vigília e
sobressalto” – repare que, mais uma vez, os indígenas aparecem nos registros oficiais
como invasores. Um desses episódios, talvez o mais dramático deles, foi registrado em
minúcias por Monteiro (1854), no trecho abaixo transcrito:
“A localidade da colônia com a riqueza de suas mattas e terras prometia aos
colonos um rico futuro – essa convicção os tornou firmes nos trabalhos e
unidos na vigilância contra os inimigos selvagens. Entretanto, a 8 de janeiro
de 1852, os bugres attacarão e saquearão a colônia do infeliz Watterpoall, a
quem mattarão, levando para as mattas sua desgraçada mulher, uma filha
casada e cinco filhas menores: este triste acontecimento encheu de dor e
horror, inquietação e irresolução aos colonos; momento quando o governo
provincial de então, não rogou posição de força para amparar tantas vidas e
interesses.
Essa crise fatal motivou o descontentamento a tal ponto que quase os
colonos se retirarão; porém o amor à propriedade e interesses do futuro nos
obrigou a usar dos próprios recursos, os quais forão logo que se sentirão
vestígios de bugres, armar gente própria para percorrer as mattas na
vizinhança da colônia; esse serviço era pago por todos os colonos
voluntariamente para o resgate da infeliz família Watterpoall fizemos uma
subscrição e contratamos com Phillipi José de Souza – amigo dos bugres
mansos para que esses se encarregassem do resgate mediante o pagamento
de uma onça por cada pessoa resgatada do poder dos bugres bravos; esse
resgate felizmente foi feito. Então ao Ex.Sr. Sinimbu houve por bem mandar
pagar o prometido pelo resgate, como também as dilligencias. A quitação
dos bugres presentemente restabeleceu o descanço dos colonos, os quais
desde então vivem felizes, voltando ao trabalho.” (grifo meu)
A aparente trégua conquistada à custa de muito sangue derramado (inclusive de
onças, como nesse caso) não garantia segurança aos colonos. Histórias desse tipo
repetiram-se em outras colônias, e o medo sentido pelos imigrantes ficou registrado em
cartas e diários. Ao referir-se ao “horror profundo da floresta”, o velho Umann, por
exemplo, usou o termo “Waldesgrauen”, que significa, literalmente, floresta que faz
69
tremer. É a floresta medonha, a paisagem assustadora e sombria que, em princípio,
ganha espaço no imaginário de muitos desses imigrantes – principalmente entre aqueles
colonos provenientes de regiões onde restavam poucas florestas ou estas já se
encontravam domesticadas pela mão humana, que de fato representavam a maioria dos
recém-chegados
12
.
O sentimento de medo nutrido por muitos deles acusa algumas das surpreendentes
permanências, ao longo dos séculos, de camadas e camadas de lembranças e
representações ligadas à natureza (Shama, 1996). Tida como o lócus do paganismo, a
floresta tornou-se, principalmente a partir da baixa Idade Média, um alvo constante da
Igreja Católica no Velho Mundo (Harrison, 1993, p.62). Era considerada abrigo de
marginais, loucos, fugitivos, selvagens e de hereges. Os muros do feudo excluíram a
floresta, que passou a ser foris, significando literalmente fora e denotando perigo e
insegurança. Condenados ao fogo do inferno estariam aqueles que se rendessem aos
demônios e espíritos da floresta – e a Igreja tinha boas razões para difundir esse
terrorismo, pois as seitas pagãs permaneciam vivas na memória popular e ameaçavam a
expansão da civilização judaico-cristã. Como afirma Harrison, para a Igreja, as florestas
representavam o lado obscuro do mundo ordenado, e os seus padres trataram de
popularizar tal posicionamento.
As origens desse terror judaico-cristão frente às terras selvagens, para o
historiador Frederick Turner (1990), homônimo do pai da tese da fronteira, estão no
antigo Oriente Médio, onde os humanos “começaram a realizar o sonho de controlar o
mundo natural”. A principal via de transmissão dessas atitudes para a civilização
ocidental, conforme Turner (1990, p.22), foi a história sagrada dos antigos israelitas,
matriz espiritual da qual derivou o cristianismo. Os israelitas compartilharam com
sumérios, babilônios, canaanitas e hititas um meio ambiente bastante parecido e deram
às terras incultas a fama de lugares proibidos. Depois de perambular pelo deserto por 40
anos, eles se tornaram agricultores sedentários e passaram a encarar com medo o mundo
selvagem e caótico que antes foram obrigados a enfrentar.
Em todas as épocas subseqüentes, segundo Turner, (1990, p.47), “os povos que
adotaram o Velho Testamento estigmatizaram a natureza selvagem: era um lugar
12
Segundo Rambo (1956, p.82), “a quase totalidade dos troncos entrados no Brasil [...] reconduz ao vale
do Mosela entre Coblenza e Treves (Trier), ao Hunsrück entre o Mosela e o Palatinado, ao vale do Sarre,
e à região montanhosa da Eifel ao norte do Mosela. Nestas regiões, o superpovoamento relativo, a
pobreza do solo e o depauperamento subseqüente ao domínio napoleônico, convidavam, com particular
insistência, para a emigração”.
70
enorme e terrível onde ocorriam coisas terríveis”. Grande parte dessa percepção
sobreviveu ao tempo e continuou, de forma ressignificada, influenciando visões de
mundo – inclusive o comportamento dos colonos cristãos estabelecidos em terras
sulinas, no interior da mata.
É possível que a imagem mitificada de uma Arcádia primitiva, infestada de feras e
de homens bestificados, também estivesse presente, de alguma forma, no imaginário
desses homens e mulheres muito antes de sua chegada ao Brasil. E talvez se
assemelhasse muito mais às “caóticas” florestas sul-rio-grandenses do que a imagem de
uma paisagem idílica e pastoril, tal como propalavam os agentes de colonização na
ânsia de angariar imigrantes para o projeto colonizador empreendido pelo governo
imperial e, mais tarde, tamm pelas províncias e pela iniciativa privada.
Por outro lado, também é importante lembrar que, se a Igreja Católica, assim
como a protestante, hostilizava a floresta, muitas de suas “almas” mais devotas
acabaram buscando nela, paradoxalmente, um exílio para a “corrupção da sociedade” e
um contato mais próximo com Deus. Na escuridão das matas, muitos fiéis viveram
como eremitas, fechando-se ao mundo ao seu redor em busca de retiro espiritual e
transformando a floresta no lócus da ambigüidade cristã (Harrison, 1993). Ambigüidade
igualmente presente nas representações culturais que os imigrantes estabelecidos no
“Rio Grande das matas” construíram no limite da fronteira.
Ao passo que impunham medo, as florestas subtropicais também exerciam grande
fascínio entre os alemães estabelecidos nas colônias. Vale lembrar que a posse daquela
área, no ponto de encontro do mundo civilizado e do selvagem, trazia aos colonos uma
significativa mudança de status, que se fazia presente em quase todas as cartas enviadas
aos parentes na terra natal: a partir daquele momento, apesar de todas as agruras e
dificuldades, apesar das “feras” e dos “bugres”, eles passavam a ser proprietários de
terras. Para Arthur Rambo (2004, p.37), o encantamento pela mata foi tamanho,
“...que o termo ‘mata virgem’ – ‘Urwald’ – vinha acompanhado por um
apelo irresistível. Do quotidiano dos imigrantes, faziam parte termos como
‘colono da mata virgem’, ‘pioneiro da mata virgem’, ‘solo da mata virgem’,
‘gigantes da mata virgem’ (Urwaldbauer, Urwaldpioner, Urwaldbooden,
Urwaldriesen). Nos relatos históricos sobre a imigração e colonização alemã
no Sul do Brasil, fala-se até numa relação quase doentia com a mata
virgem que fazia com que não poucos fossem incapazes de viver longe
dela, encontrando-se constantemente em migração para novas fronteiras de
colonização.” [grifo meu]
71
Toda essa obsessão pela exploração da “mata virgem” – que, para eles, em última
instância, era sinônimo de terra fértil – traduziu-se em um ímpeto predatório sem
precedentes e sem limites, mesmo que os colonos não tivessem consciência disso. Boa
parte deles manteve-se em constante migração rumo à “fronteira verde” a fim de
conseguir novas terras, já que as antigas aos poucos se tornavam pequenas demais para
o grande número de filhos gerados no Brasil e também degradadas demais, a ponto de
já não fornecerem alimentos como antes. Para o historiador Jean Roche (1969, p.378),
essa eterna busca por novas terras podia ser classificada como uma espécie de
“enxamagem colonial”.
Tal como a migração dos enxames de abelhas para locais em que o néctar
necessário à reprodução é mais abundante, os colonos avançavam a linha da fronteira e
deixavam para trás lotes desgastados pelo uso excessivo e insustentável. Segundo
Roche (1969, p.378), surgia “a impossibilidade de continuar a viver em um mesmo
sítio, sem estar sujeito à regressão econômica quando as terras cultivadas ficavam
depauperadas”. Com isso, a migração era contínua – assim como entre as abelhas. Mas,
ao contrário do papel benéfico desempenhado por esses insetos nos diferentes
ecossistemas, a enxamagem dos colonos implicou graves conseqüências ambientais.
O fato é que, desde o princípio da colonização, a vitória sobre o “caos” da floresta
era celebrada pelos imigrantes. As derrubadas e queimadas eram plenamente
justificadas não apenas para fins econômicos ou para garantir a sobrevivência, mas pela
orientação religiosa dos colonos, aos quais caberia a “domesticação” da natureza e a sua
transformação.
Tanto assim que sempre que um grupo de colonos iniciava a abertura de uma nova
picada mata adentro, vencendo a “fronteira verde”, realizava-se uma missa ou um culto
“à sombra dos gigantes da mata”, como conta Arthur Rambo. O ato religioso dependia
da presença de um padre ou de um pastor e era realizado sempre que possível. Na
implantação da Colônia de Santa Cruz, segundo o relato do padre Ambrosio Schupp
(1889), uma missa foi rezada sob uma enorme figueira. O que se celebrava, porém, não
era exatamente a exuberância da floresta, mas o início de sua derrubada.
72
2.2. O “desmatamento civilizador”
Quaisquer que fossem os sentimentos nutridos pelos recém-chegados em relação à
mata, uma questão prática passava a ser fundamental e prioritária a partir do momento
em que punham os pés na fronteira verde: eles precisavam aprender a lidar com a
floresta, por uma questão de sobrevivência. A situação agravava-se, segundo Vogt
(1997, p.63), porque lhes faltavam ferramentas, alimentos, dinheiro e conhecimentos a
respeito dos recursos que a natureza poderia lhes oferecer.
Em outras palavras, os alemães se viam obrigados a aprender, o mais rápido
possível, a desbravar – e esse foi o primeiro passo (e talvez o mais difícil) do processo
de tropicalização a que se submeteram nos confins do Rio Grande. Assim que recebiam
seus lotes, precisavam agir rápido para garantir o futuro. E muito mais o presente.
Em suas memórias do fim do século 19, o imigrante Josef Umann (1981, p.55)
contou que “a escura floresta virgem com suas árvores colossais e a impenetrável
vegetação rasteira que tínhamos de conquistar palmo a palmo [...] exigia de nós um
serviço árduo e não habituado”. Segundo ele, “a maioria no início fica sem saber o que
fazer”. Mesmo alguns instrumentos entregues pelos diretores coloniais para auxiliar no
trabalho eram desconhecidos dos colonos. Em seu manuscrito de março de 1851, o
agente intérprete da colonização, Pedro Kleugden (1851), listava as ferramentas então
prometidas aos imigrantes. Entre elas, estavam:
“huma foice grande de roça, huma enchada grande de roça, huma serra braçal
grande, um facão de matto reforçado, huma pá de ferro com cabo, huma
pequena de três quinas, huma lima maior de três quinas, huma lima grande de
meia canna, hum torques de carpinteiro, hum arado de colher, hum martelo
grande, hum formão de carpinteiro estreito, hum formão de carpinteiro largo,
[...] huma espingarda de meia balla e de espoleta, quatro libras de chumbo de
caça, huma caixinha de espoletas, huma libra de pólvora de caça”.
73
A posse de tais equipamentos, porém, não significava êxito – inclusive porque, em
muitos casos, nem a metade do prometido foi, de fato, cumprido pelo governo. Em
1899, o imigrante Henz (apud Rambo 1956, p. 101) registrou que “ninguém de nós
sabia como aqui se deve trabalhar”, complementando:
“Derrubávamos um pequeno trecho de mato [...], cortávamos todos os
galhos e os amontoávamos para queimar, pois não tínhamos coragem de pôr
fogo nas derrubadas, temendo que o fogo invadisse o mato e destruísse tudo.
Depois, nos metíamos a escavar os tocos, pois nós, alemães, não podíamos
imaginar como entre as raízes poderia crescer qualquer coisa.”
Instruídos pelos inspetores e diretores coloniais e depois também pelos colonos
mais antigos, os imigrantes perceberam que era necessário, primeiro, cortar a vegetação
de menor porte para poder entrar na mata. Depois, derrubavam-se as árvores maiores, o
que muitas vezes exigia dias de trabalho pesado. Esse processo foi registrado no relato
do viajante alemão Carl Seidler durante sua passagem por São Leopoldo, em 1835. Seu
diário foi publicado em livro em 1976. Segundo ele (1976[1835], p.110),
“em primeiro lugar, há que derrubar os formidáveis troncos de árvores, que
se apresentam densamente juntos [...] Já isso é um trabalho gigantesco, pois
a madeira, notadamente a de uma espécie chamada pau ferro, é tão dura que
a cada machadada saltam chispas de fogo e às vezes se gasta um dia inteiro
num único tronco. Quando por fim se tem roçado uma certa área,
amontoam-se os troncos e ateia-se fogo. Mas também acabada a fogueira
pode-se logo começar a plantar e a construir.”
Para abrir uma passagem na mata, conforme Roche (1969, p.52), os colonos
procuravam trabalhar em duplas. Assim, um dos homens cortava a parte debaixo dos
caules com o facão ou com um machado, enquanto que o outro, munido de uma foice
com cabo, cortava pelo alto os ramos e os cipós, que se confundiam. Mas as
dificuldades eram tantas que, conforme Josef Umann (1981, p.62-63), “a maioria,
apenas começando, quer desanimar quando as mãos estão feridas e cheias de bolhas.
Mesmo assim, é preciso continuar o trabalho, por mais que aperte a dor”. Para ele, não
havia alternativa para o colono “senão reprimir o sofrimento e trabalhar, trabalhar e
74
novamente trabalhar, até que a primeira roça esteja queimada e plantada e a primeira
choupana provisória erguida”.
Esse, no entanto, não foi um processo simples. Conforme Carl Friedmund
Niederhut (1924, p.41), “tudo era novo e desconhecido, tudo era diferente do meio
habitual”. De acordo com seu relato, os colonos “não conheciam nem plantas nem os
animaes, não conheciam as sementes que lhes eram dadas para plantar nem os alimentos
que lhes eram fornecidos para se sustentar”. Além disso, “viam-se isolados, perdidos na
imensidade de suas colônias”. Todas essas novidades, como ressaltou Roche (1969,
p.53), bastavam para desorientar o imigrante entregue a si mesmo. Até aqueles que
haviam sido agricultores na Europa tinham de reaprender praticamente tudo.
Quando finalmente compreenderam os métodos mais eficazes para a realizar as
derrubadas, os colonos também passaram a aplicar a técnica da queimada, ensinada
pelos diretores e inspetores coloniais e repassada pelos pioneiros aos imigrantes recém-
chegados. Transmitido de geração em geração, esse método acabou se tornando um
padrão, que se repetiria em todas as colônias, sem exceção, inclusive entre colonos de
outras nacionalidades.
Tratava-se do resultado da apropriação e da adaptação de uma tecnologia
indígena, que a partir de então passava a ser utilizada em grande escala e de forma
agressiva, implicando alterações ecológicas drásticas
13
. Apesar disso, no início, como se
verá a seguir, os colonos relutavam em adotar tal procedimento – especialmente aqueles
que já atuavam como agricultores antes da travessia. Não se tratava, porém, de uma
crítica ambiental, pois foram poucos aqueles que, no Brasil oitocentista, atentaram para
questões desse tipo (Pádua, 2002). Além do mais, diante da imensidão da floresta,
considerada inesgotável, parecia não haver problemas em incendiar grandes áreas.
Tratava-se, sim, de conceber uma nova relação com a natureza, diferente daquela
vivenciada em sua terra natal.
13
É importante ressaltar que os indígenas também alteraram a paisagem com o uso da coivara. Entretanto,
o modo como faziam isso era menos agressivo do que os colonos, porque, entre outros fatores, eram
povos semi-nômades (ver Dean, 1995). Os pequenos trechos de mata queimados, geralmente de um em
um hectare, depois de colhida a plantação, eram deixados para trás e se regeneravam. No caso dos
colonos, o uso das queimadas foi sucessivo. A técnica era aplicada às vezes duas ou três vezes ao ano,
sempre em um mesmo local, exaurindo a terra e alterando drasticamente o meio ambiente.
75
Imagem 3 – A devastação no coração da floresta
Colonos alemães erguem casas em meio à floresta, na Colônia de Santa Cruz. Sem data.
Fonte: arquivo jornal Gazeta do Sul, SCS-RS.
Como registrou Roche (1969, p.52-53), o colono devia “resistir à tentação de
limpar o terreno e de preparar imediatamente uma terra arável, devia aprender a queimar
as ramas secas, desprezando os troncos e os cepos”. Era necessário esquecer por um
momento tudo o que sabiam sobre agricultura para aprenderem as técnicas de plantio
supostamente mais apropriadas ao novo ambiente – ou mais rápidas para o avanço
civilizatório na fronteira verde. Entretanto, de acordo com Balduíno Rambo (1956,
p.101), “os imigrantes viviam debaixo da obsessão de que só em roças livres de pedras,
tocos e raízes e com solo arável se podia fazer agricultura”.
A teimosia em aceitar as instruções dos agentes coloniais em relação aos métodos
de preparo da terra e de plantio ganhou espaço no diário do viajante inglês Michael
Mulhall. Ao citar observações feitas por um inspetor colonial sobre os alemães, Mulhall
(1873, p149) escreveu que os imigrantes tinham “alguns defeitos” e que o principal
deles se resumia a “hábitos rotineiros que os tornavam avessos a qualquer mudança”.
Assim, muitos tentaram, inutilmente, repetir em terras sul-rio-grandenses o
modelo que conheciam. Perceberam logo, porém, que o uso do arado não lograria êxito
76
imediato no solo irregular e repleto de raízes encontrado no Sul do Brasil. Segundo
Umann (1997, p.62):
“Tudo isto tinha de ser aprendido, e nos custou, no início, muito tempo de
aprendizado, a nós operários de fábrica que desconhecíamos a arte de serrar
as tábuas, fazer cercas, lascar ripas de madeira para telhado, construir
choupanas e galpões e muitas outras atividades, na maioria pesadas e
fatigantes. Poucos de nós haviam trabalhado na agricultura na velha pátria, e
mesmo para estes as atividades aqui no mato apresentaram-se de maneira
totalmente nova, de sorte que muitas vezes precisavam dispor de tanto ou
mais aprendizado que os outros, pois empregavam aqui os mesmos métodos
usados na pátria, o que lhes dava prejuízo e os fazia perder tempo precioso.”
Umann (1997, p.57) conta, inclusive, detalhes sobre as dificuldades relacionadas à
coivara. De acordo com seu relato, era preciso aguardar tempo bom para pôr fogo nos
troncos já derrubados e no que restava da mata. Apesar disso, “alguns, cheios de
impaciência, faziam arder as roças desmatadas e ainda não murchas, com o que
estragavam tudo”. Mesmo ele e seus vizinhos próximos não aguardaram clima favorável
e incendiaram tudo “cedo demais, pelo que trechos do roçado queimaram mal”,
provocando grande prejuízo.
Em um livro publicado originalmente em 1828 e relançado em português em
1992, o alemão Friedrich von Weech procurava auxiliar as famílias de origem
germânica que pretendiam imigrar rumo às colônias sul-rio-grandenses, informando
alguns detalhes sobre a técnica das queimadas. Segundo Weech (1992[1828], p.114),
“mostrando-se a rossada inteiramente apta para a queima, para a qual não se deve omitir
o momento mais propício, escolhe-se o meio-dia, aqui geralmente acompanhado de um
vento leve, ateia-se nesta fogo”. Se tudo der certo, “em menos de uma hora, toda a rossa
escurece, fumegando diante dos olhos do colono satisfeito”. Porém, o êxito do processo,
segundo ele, também dependia de tempo quente e seco.
Caso a queima fosse empreendida sob a chuva ou umidade, corria-se o risco de
que os troncos permanecessem verdes, o que, para Weech, deveria “ser encarado como
uma verdadeira desgraça”. Para ele, “se a queima fracassar, e se puder encontrar um
local que ofereça as mesmas comodidades para a colonização, é preferível derrubar uma
nova rossada”, deixando todo o resto para trás. Como ressalta Sérgio Buarque (apud
Pádua, 2002, p.76), frente à abundância da natureza e às riquezas aparentemente
ilimitadas do Brasil, “a terra era para gastar e arruinar, não para proteger ciosamente”.
77
Como Weech, o mercenário alemão Joseph Hörmeyer, em seu relato de 1854,
também escreveu sobre os novos métodos adotados pelos alemães nas colônias.
Segundo Hörmeyer (1986[1854], p.46-47), o mato devia ser “derrubado na estação seca
(de março até julho)” e “deixado durante 3 a 4 semanas para secar”, para só então ser
“incendiado”. Com isso, “os cipós, a madeira miúda e os galhos queimam”, mas os
“grossos troncos” eram deixados “sobre o chão”. Depois disso, segundo Hörmeyer
(1986[1854], p.46-47), a terra estava pronta para ser cultivada. Mas a realidade não era
tão simples.
Na luta para vencer a floresta, muitos colonos enfrentaram problemas ao iniciar as
derrubadas, entre eles a imigrante Emilie Freundenberger, que por pouco não foi
esmagada por um conjunto de árvores, enquanto auxiliava a desbravar um terreno. O
relato da colona, do fim do século 19, foi publicado junto com o diário de Josef Umann,
em 1981. Segundo Emilie (1981, p.85):
“Em uma certa ocasião também passei por perigo mortal. Ajudava meu pai
na derrubada da mata. Ele deixava cortar os troncos mais grossos e nós
abatíamos os mais finos. Um canto da mata não queria cair de jeito nenhum,
pois tudo estava entremeado de cipós. Já havíamos cortado a maioria das
árvores e continuávamos trabalhando em meio aos troncos, sem que se
pudesse saber para que lado penderia o todo. A qualquer momento
poderíamos ser esmagados... Felizmente à noite uma ventania mais forte nos
livrou do perigo, derrubando tudo.”
Outros imigrantes passaram por situações semelhantes, mas não tiveram a mesma
sorte de Frau Freundenberger. Há relatos de colonos que se feriram gravemente na luta
contra a floresta e de outros que morreram esmagados por toras. Além disso, não eram
incomuns os casos de abandono de lotes. Segundo Hardy Martin (1979, p.78), somente
na Colônia de Santa Cruz, entre 1849 e 1854, 53 pessoas deixaram suas terras, sendo
que, neste último ano, a população registrada era de 891 habitantes (Vogt, 1997, p.73).
A maioria seguia para os centros urbanos, especialmente Porto Alegre, onde passava a
exercer funções variadas, em geral como artesãos ou comerciantes.
Mas, para aqueles que resistiam, a mata aos poucos adquiria um outro sentido,
bem menos concreto e talvez nem sempre perceptível. Como já apontou Robert
Harrison (1993, p.7), homens e mulheres não têm explorado as florestas apenas
materialmente; eles também se utilizam delas para forjar seus símbolos, suas analogias,
suas estruturas de pensamento e seus emblemas de identidade. Em última instância, a
78
fronteira verde demarcava o mundo civilizado para os colonos estabelecidos no Rio
Grande do Sul. E foi em oposição a ela que eles definiram sua própria identidade na
nova terra.
Como aponta o historiador Sílvio Correa (2004, p.34), “na fase pioneira da
imigração alemã, a densa floresta condicionou, junto com o contato raro e esporádico
com os outros grupos, a formação de um grupo étnico ‘alemão’ enquanto um tipo de
organização social”. É possível dizer mais: a floresta foi, sem dúvida, um elemento
definidor do que se poderia chamar de uma “identidade colonial”, figurando como um
elemento unificador. Os colonos, em ultima instância, orgulhavam-se do trabalho na
mata – especialmente quando esta já se encontrava no chão.
Imagem 4 – O tronco abatido
Em Santa Cruz, no início do século 20, colonos são fotografados junto de tronco recém abatido.
Fonte: Arquivo do Colégio Mauá, Santa Cruz do Sul – RS.
79
Não são poucas as fotografias encontradas em arquivos públicos e particulares
localizados na região de colonização alemã, nas quais os imigrantes e os seus
descendentes aparecem posando sobre troncos recém-abatidos no limite da fronteira.
Num tempo em que fotografias eram artigos raros, é significativo o fato de que famílias
inteiras faziam questão de ser registradas empunhando facões e machados, com os pés
apoiados sobre árvores derrubadas, como verdadeiros senhores da floresta. Isso também
fica evidente nas cartas e nos diários desses imigrantes, que costumavam relatar, com
orgulho, a transformação imposta ao meio ambiente – ou, em outras palavras, o novo
papel por eles assumido, de civilizadores.
Imagem 5 – Desmatamento civilizador
Colonos alemães posam para foto em meio a desbravamento. Sem data.
Fonte: Arquivo do jornal Gazeta do Sul, Santa Cruz do Sul - RS
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Imagem 6 – Senhores da floresta
Colonos carregam tronco no interior da antiga colônia de Venâncio Aires. Sem data.
Fonte: Museu de Venâncio Aires - RS.
Foi vencendo as frondosas árvores, algumas com mais de 30 metros de altura, o
aglomerado de cipós às vezes impenetrável, os arbustos e os espinhos, que esses
colonos se definiram como trabalhadores austeros e obstinados – imagem que ainda
hoje permanece viva na região. Vale lembrar que essa identidade, antípoda à floresta,
foi uma construção coletiva, com a participação de inspetores e diretores de colônias,
presidentes de província, agrimensores e mesmo por viajantes que passaram pela
Província ao longo do século 19.
Em seu relatório sobre a Colônia de São Leopoldo, encontrado no Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul, José Joaquim Rodrigues Lopes (1867, p.6) exaltaria,
por exemplo, a capacidade dos alemães de domarem a mata. Segundo ele, “este povo,
que há mais de 4 décadas se separou do tronco materno, circundado pelas montanhas de
nossos sertões, aninhado na poética solidão de nossos bellos valles, com uma natureza
inteiramente nova, conserva-se impassível aos risos d’ella”. Para Lopes, os colonos
eram capazes de superar todas as dificuldades inerentes à domesticação da floresta,
mesmo quando a natureza lhes pregava peças.
81
Ao visitar a colônia alemã de Mundo Novo, o então presidente da Província de
São Pedro, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu (1853, p.22), também registrou que
se tratava de uma população “orgulhosa de ter fundado no seio de nossas florestas uma
Pátria para seus filhos”. Por se sobrepor à floresta, “o elemento alemão”, nas palavras
do agrimensor alemão Maximilano Beschoren (1989, p.35), em seu diário de viagem
escrito entre 1875 e 1887 e publicado em 1989, possuía “uma posição dominadora” em
solo sul-rio-grandense. Tal concepção foi igualmente destacada pelo viajante alemão
Robert Avé-Lallemant (1980, p.155), quando o mesmo exaltou o trabalho alemão em
seu diário, em 1858, conforme o trecho a seguir:
“Assim vencem, trabalhando, esses pioneiros da disciplina, da laboriosidade
e dos costumes alemães, penetrando cada vez mais nas selvas, de elevação
em elevação, de vale em vale, de serra em serra, de rio em rio! [...] Essa é a
missão dos alemães, o seu dever, a sua vontade; que Deus os ajude a realizá-
la!”.
De mesma opinião, João Bittencourt de Menezes (1914, p.24), secretário geral de
Santa Cruz e autor de um livro de memórias sobre a colônia do início do século 20,
afirmou que: “embora lutando muitas vezes com os obstáculos que lhes opunha a
natureza agreste, galgando serros eriçados de mataria virgem ou descendo às canhadas
escuras, onde não raro ecoava o bramir das feras, foram eles abatendo as árvores”. Em
princípio, segundo ele, as plantações esboçadas na colônia “forneciam apenas o
indispensável para a alimentação, mas dentro em breve foram o desafogo e depois a
fartura”.
Em outras palavras, colono e civilizador tornaram-se sinônimos. Conforme
Homem de Mello (1868), presidente da Província em 1868, “há pouco tempo existia
aqui apenas um vazio, povoado somente por animais. Hoje este chão se transformou e
foi entregue para sempre ao homem civilizado devido ao esforço de um povo cheio de
energia e religiosidade” (grifos meus). Ou seja, uma área até então “devoluta” e “vazia”
(apesar da presença indígena e de uma biodiversidade extremamente rica), segundo a
concepção desse governante, ganhou um novo significado a partir do momento em que
os colonos ali se estabeleceram e empreenderam seu “desmatamento civilizador”. Essa
fronteira aberta, preterida pela elite agrária gaúcha, foi a área oferecida aos imigrantes
com o intuito de que fosse transformada, rápida e definitivamente, em espaço civilizado
e produtivo. Não foi à toa, como lembrou Roche (1969, p.53), que esses imigrantes
adquiriram a reputação de “excelentes fabricantes de terra”.
82
Como fronteira, a floresta foi mais do que um marco divisor, pois fronteiras
também são linhas unificadoras. Esta foi, além disso, uma linha móvel. Divisora, à
medida que demarcou dois espaços distintos: o civilizado, marcado pela agricultura
colonial, e o inculto, marcado pela própria mata. Unificadora, à medida que sua
presença forjou uma identidade colonial, marcada por fortes laços de solidariedade e
religiosidade, que, mesmo longe de ser homogênea, permitiu que os imigrantes se
tornassem parte da sociedade sul-rio-grandense ainda em formação.
Com o passar dos anos, a floresta também passou a ser aproveitada
economicamente pelos alemães, a partir do comércio de madeiras – embora as
queimadas continuassem a pleno vapor. Se no início isso não era possível,
principalmente pela falta de vias de transporte adequadas e pelas dificuldades para a
comercialização das toras, a partir da segunda metade do século 19 o cenário começava
a mudar.
Segundo o inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.48), “todo o terreno alto e
montanhoso é coberto de magnífico e gigantesco matto virgem, que, posto assaz
devastado nas colônias, fornece preciosas qualidades de madeira de lei, desconhecidas
na Allemanha”. Jahn confirma que “a maior parte dessa madeira se perde com as
queimadas dos roçados”, o que não ocorria, porém, “nos lugares que facultão navegação
fluvial, taes como Mundo Novo e Pinhal, donde é transportada em jangadas, ou serrada
em taboas, para os mercados de São Leopoldo e Porto Alegre”. Ainda de acordo com o
ex-inspetor colonial (Jahn, 1871, p.49), “as qualidades mais conhecidas de madeira de
lei são: o cedro, canjerama, louro, timbauba, sobragy, arrueira, canella, o ipê, angica e
outras, além do araçá, canellinha, etc”.
No entanto, embora as serrarias tenham se difundido pela zona de colonização
alemã, o boom da indústria madeireira se daria principalmente nas colônias
estabelecidas mais tarde, na serra e no planalto sul-rio-grandenses, onde a Araucaria
Angustifolia, que compunha um ecossistema exclusivo do sul do Brasil, se tornou alvo
de centenas de serrarias, como será demonstrado no capítulo seguinte.
Poucos foram, entretanto, aqueles que atentaram para os danos do tipo de relação
estabelecido com a floresta, tanto entre colonos quanto entre funcionários provinciais e
imperiais. Algumas críticas registradas ainda no século 19 tiveram como alvo a
devastação das árvores de erva mate por parte dos colonos. Da mata nativa derrubada,
os ervais representavam uma importante atividade de subsistência para caboclos e
indígenas. Mas não foi exatamente por isso que a sua destruição foi criticada, senão pelo
83
fato de que, desse modo, não poderiam os imigrantes tirar proveito econômico da
planta. Em 1858, o então presidente da Província Ângelo M. da Silva Ferraz alertou
para o fato de que, no futuro, poderia não haver mais erva-mate, dada a gravidade da
situação. Segundo Ferraz (1858, p.33):
“À vista da negligência com que se tratão os hervaes, e dos estragos que
estes sofrem quotidianamente, é de presumir que de futuro se dê a escassez
deste importante ramo da riqueza provincial. Os colonos estragão os
hervaes, e os derrubão, porque ainda não se compenetrárão da necessidade
de os beneficiar.”
Quatro anos mais tarde, o assunto voltaria a ser mencionado em um relatório,
dessa vez assinado pelo presidente Joaquim Antão Fernandes Leão. Segundo ele (1861,
p.49), a erva-mate era um “riquíssimo ramo de produção da província”, mas continuava
em vias de desaparecer. Leão admitia carecer de meios para “impedir os estragos”,
provocados principalmente pelo desleixo da população.
O assunto também aparece nos relatos de viajantes. Durante sua estada em São
Leopoldo, Avé-Lallemant (1980[1858], p.140) afirmou que “parte do distrito florestal
ainda não utilizado encerra muita erva-mate”. O mesmo viajante (1980[1858], p.150)
apresenta um cálculo de lucratividade da extração silvícola que permite uma avaliação
do impacto ambiental em relação aos ervais:
“Depois de ter extirpado por ignorância, as árvores que cresciam
abundantemente, se se quisessem replanta-las, 100 braças quadradas
comportariam 1.600 árvores, cada uma das quais, depois do sétimo ano daria
duas a três arrobas (1 arroba = 30 libras) de chá; e depois todas juntas,
produziriam a renda anual de quatro contos (3.200 táleres prussianos)”
O tema também foi abordado pelo agrimensor Maximiliano Beschoren. Em seu
diário escrito no século 19, o viajante considerou inadequada a exploração dos ervais,
“devastados irresponsavelmente”, segundo ele. Como Ave-Lallemant, Beschoren
(1989[1887], p.22) também apresentou uma visão utilitarista e racional da natureza: “Se
as florestas de mate fossem tratadas e cultivadas adequadamente [...] contaríamos com
um lucro bem mais significativo e com um produto melhor”.
As preocupações com o tipo de postura adotada pelos imigrantes diante da floresta
também apareceram em um documento sobre a ex-Colônia de São Leopoldo, anexo ao
relatório do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em
84
1867. Nele, o funcionário público José Joaquim Rodrigues Lopes (1867, p.3) afirma
que:
“Fatal é por sem dúvida o systema geralmente seguido das derrubadas do
matto em busca dos terrenos de maior uberdade, porque faz esquecer a
cultura permanente pelo roteamento e adubo do solo. Infelizmente ainda
aqui se acha vulgarizada a blasphemia e insulto à natureza ao dizer –
abandonemos as terras cançadas – cançadas estão ellas somente na
imaginação de quem ignora os preceitos da agricultura. Que conseqüências
não acarreta uma tal prática! Uma dellas, sem dúvida, é serem as chamadas
terras cançadas invadidas pelas formigas, que, estabelecendo alli suas
infindas republicas, partem depois em columnas cerradas e invadem as
plantações visinhas.”
Devido às queimadas e derrubadas, Lopes calculava que São Leopoldo tinha
“mais de um terço de sua superfície desaproveitado”, pois os lotes que no passado
foram intensamente cultivados jaziam degradados em 1867, tornando-se “campos
artificiaes”. Ainda conforme Lopes (1867, p.3), “com quanto esses campos artificiaes se
prestem às pastagens, [...] entretem-se n’elles muitos animaes, que difficultão de dia em
dia a alimentação do gado, até que o criador diz por seu turno – o campo não presta
mais, e se foi bom, hoje está doente”. A despeito disso, as queimadas e derrubadas
continuaram em escala crescente, rumo a outras regiões da Província, como parte
indissociável do sistema produtivo baseado na rotação de terras, considerado pelos
colonos a melhor e mais eficaz opção para garantir sua sobrevivência, já que viam a
fronteira verde como uma imensidão inesgotável.
Conforme constatou Lopes (1867, p.3), “tal é a riqueza do solo, tanta é a
dedicação dos ex-colonos ao trabalho, que, a despeito dessa educação rotineira [de
derrubadas e queimadas], a ex-colônia tem atingido formas gigantescas em seu
progresso”. Nada, enfim, parecia impedir o “desmatamento civilizador” empreendido
pelos colonos.
85
2.3. Mudança de hábitos no limite da fronteira
À medida que avançavam na linha de fronteira, impondo seu domínio sobre a
natureza, os colonos tiveram de abrir mão, entre outros aspectos, de antigos hábitos
alimentares, de sua antiga forma de vestir e do modo como construíam seus lares e neles
viviam. Foram levados, também, a desenvolver novas formas de organização social –
desde cedo caracterizadas pela autossuficiência. Ao atravessar o Atlântico e iniciar uma
nova vida no coração da floresta subtropical, ainda que conservassem a língua materna,
esses homens e mulheres já não eram os mesmos. A floresta foi um agente ativo nesse
processo.
Como no caso norte-americano, retratado por Turner (1893), as condições de vida
na fronteira levaram o imigrante a se desprender de parte de seu passado europeu.
Alienígena na nova terra, o recém-chegado ajustou-se ao novo ecossistema para não
perecer. Aprendeu a viver na floresta e, pouco a pouco, impôs seu domínio à natureza.
O resultado desse processo foi um produto novo, “eurobrasileiro”.
As mudanças no limite da fronteira eram visíveis, por exemplo, à mesa. Desde o
princípio, as refeições dependiam dos recursos disponíveis na região, incluindo vegetais
americanos, como o milho e a mandioca, a carne de macaco, anta e papagaio, entre
outros animais silvestres, assim como as frutas da estação. O pão de trigo ou de centeio,
a batata inglesa e os legumes diversos, que constituíam a base da alimentação do
camponês na Europa, adquiriam novas versões no Brasil. Conforme Roche (1969,
p.269), "tratava-se de produtos locais adotados sob a pressão da necessidade".
No início, o trigo e o centeio foram substituídos pela farinha de milho ou de
mandioca, e a batata inglesa dividiu espaço com o aipim ou o palmito. Leite, ovos,
queijo, lingüiça e carne fresca de gado ou de porco, no princípio, eram artigos raros, que
só depois de alguns anos de trabalho e com o desenvolvimento da lavoura e da pecuária
passaram a integrar o cardápio dos colonos.
86
Em São Leopoldo, nos primeiros tempos, conforme o historiador Carlos de Souza
Moraes (1981, p.82), a administração colonial fornecia pão e farinha de mandioca aos
imigrantes. Este alimento, segundo um documento redigido pelo diretor da colônia, José
Tomás de Lima, em 14 de janeiro de 1825, era "indispensável porque os Colonos gostão
muito delle". O apreço pela farinha à base do aipim apareceria, de fato, em muitas cartas
escritas por imigrantes aos familiares que ficaram no Velho Mundo.
Em pouco tempo, os colonos aprenderam a cultivar a mandioca, e ela passou a
representar papel preponderante na sua alimentação, oferecendo outras utilidades além
do pão, entre elas papas e paçocas. Segundo o viajante Avé-Lallemant (1980[1858],
p.150), “a tapioca, amido extraído da mandioca, serve para a feitura de pastelaria fina
que se prepara muito bem na colônia” de São Leopoldo. Em uma carta enviada à família
em 1832, o alemão Mathias Franzen confirma a importância desse tipo de fécula nos
hábitos alimentares adquiridos em solo sul-rio-grandense:
“A mandioca (ou ‘raiz de farinha’), que é dos principais alimentos daqui, dá
sobremaneira bem, tendo um gosto ainda melhor do que as batatas. Da raiz
da mandioca se extrai um polvilho finíssimo, que se conserva durante muito
tempo, sendo consumido pelos portugueses em lugar de pão, e adicionado a
muitos alimentos...”
Tamanha foi a receptividade por parte dos colonos que, em 1842, a Colônia de
São Leopoldo já exportava farinha de mandioca para Porto Alegre. Pouco mais de uma
década depois, o Rio Grande forneceria o produto para outras províncias brasileiras.
Entre os anos de 1858 e 1859, segundo Roche (1969, p.263), a exportação chegaria a
4.196 toneladas de farinha, sendo que, no fim do século 19, o número atingiria uma
marca ainda maior: 33.940 toneladas.
Embora tenha assumido papel de destaque na mesa dos pioneiros, a farinha de
mandioca não foi o único alimento de origem nativa apropriado com sucesso pelos
colonos, nesse processo de “tropicalização”. O viajante alemão Carl Seidler
(1976[1835], p.110), ao passar pela área de colonização alemã, ressaltou que "pelo
menos milho e abóbora, que é por onde se começa, dão na certa". Há inúmeros registros
do uso dessas plantas. Conforme Avé-Lallemant (1980[1858], p.152), “espécies
características de abóbora são cultivadas em grande quantidade [...] É um excelente
alimento para o homem”. Segundo o imigrante Josef Umann (1997, p.65), "feita a
87
primeira colheita”, o imigrante tinha “feijão, batata inglesa e milho, terminando sua
preocupação pela sobrevivência".
O milho, aliás, foi considerado a principal planta cultivada na floresta subtropical
queimada, e tudo nele podia ser aproveitado. Conforme o relato do viajante alemão
Oscar Canstatt (2002[1871], p.412), "no gordo e fértil solo da floresta", os colonos
plantavam "subseqüentes e exuberantes plantações de milho".
Assim que começaram a produzir as primeiras espigas, eles aprenderam que
podiam consumir o milho verde ou na forma de farinha e que também poderiam
alimentar os animais de criação. Aprenderam ainda que o bagaço que restava depois da
debulha dos grãos servia para fazer fogo; que as folhas secas forneciam forragem e
palha e que as mais finas poderiam ser usadas para rechear colchões e até para enrolar
cigarros à moda nativa (Roche, 1969, p.256).
Segundo Avé-Lallemant (1980[1858], p.150), “em São Leopoldo, até cerveja e
aguardente se faz de milho”. Mesmo o fubá, pelo que se apreende das correspondências
do diretor da colônia de São Leopoldo, era presença constante no cardápio dos
imigrantes. Segundo Tomás de Lima (1825), "em Sapucaia há hum homem chamado
João Alz. Teixeira que se obriga a dar todo o Fubá que for necessário para os Colonos,
pagando-se-lhe quatro patacas o Saco".
Também o cultivo do amendoim, em São Leopoldo, chamou a atenção de
viajantes como Avé-Lallemant. Em seu diário, ele (1980[1858], p.152) destinou várias
linhas para tratar detidamente da “Arachis hypogea”:
“O fruto chama-se mendubim ou, mais corretamente, amendoim, tem gosto
semelhante à avelã, é apreciado pelas crianças, é preparado pelos
confeiteiros e serve especialmente para a extração de óleo [...] O sabão que
com ele se fabrica é branco, sólido e inodoro. As tortas dão uma boa
forragem para o gado; e, misturadas com a terça parte de farinha de trigo,
produzem um pão saboroso e nutritivo.”
Apesar de relatos como esse, é importante ressaltar que, na fase inicial das
colônias, isto é, nos primeiros dez anos pelo menos, não foram poucas as dificuldades
alimentares enfrentadas pelos recém-chegados. Conforme Moraes (1981, p.84), entre
1825 e 1830, a "situação alimentar na Colônia [de São Leopoldo] não foi boa,
principalmente para os imigrantes que iam chegando e se instalando, porque sua
subsistência dependia tão-somente do recebimento do subsídio de 160 réis no primeiro
88
ano e da metade no segundo", que o governo pagava a cada família. O dinheiro, porém,
chegava com atraso – quando chegava.
Muitos então apelavam para o que dispunha a floresta, principalmente no que diz
respeito às frutas e aos animais. Pouco a pouco, munidos de espingardas e facões, os
colonos passaram a organizar caçadas floresta adentro, atirando em qualquer coisa que
se mexesse. Em uma de suas cartas, o imigrante Gressler (apud Martin, 1991)
mencionou que todos podiam caçar e em todas as épocas do ano. O alemão Mathias
Franzen (1832) também escreveu que “guardas-florestais não existem e também não são
necessários".
A caça generalizada e intermitente afetou a reprodução de espécies locais,
causando até mesmo a extinção de algumas delas, como a onça, e não se restringiu aos
primeiros anos das colônias. Se muitos animais eram mortos por razões alimentícias,
outros padeciam por invadir e muitas vezes destruir as plantações dos colonos. Esse foi
o caso, por exemplo, da anta e do bugio, considerados inimigos dos milharais. Outras
espécies também ficaram ameaçadas ou chegaram mesmo à extinção por motivos
indiretos. Desmatamento, pecuária, lavoura e habitações humanas provocaram
alterações no ecossistema, comprometendo a preservação da fauna e da flora locais.
Em grupo, os homens se embrenhavam na mata atrás de carne para o almoço e
para o jantar, muitas vezes com a ajuda de conhecedores da região, como caixeiros
viajantes e tropeiros. Na volta, orgulhosos, posavam para fotografias junto às presas
abatidas, entre elas jaguatiricas e veados, como na imagem a seguir, em que também
aparece uma criança empunhando uma espingarda. As aves, entre elas marrecos e
perdizes, também eram muito apreciados à mesa, como se pode perceber pela imagem
posterior, onde aparecem várias delas abatidas.
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Imagem 7 – A caçada – parte I
Moradores da Colônia de Santa Cruz comemoram o sucesso da caçada, que incluiu um veado e uma
jaguatirica, diante de uma casa típica colonial, com telhas de madeira lascada. Sem data.
Fonte: Arquivo Histórico do Colégio Mauá (SCS-RS).
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Imagem 8 – A caçada – parte II
Colonos comemoram o sucesso da caçada de marrecos e perdizes na zona de colonização alemã. Sem
data. Fonte: Arquivo Histórico do Colégio Mauá (Santa Cruz do Sul-RS).
A variedade de espécies existentes na província surpreendeu os imigrantes, entre
os quais o próprio Franzen (1832), que chegou a citar "leões, tigres, gato-do-mato,
veados, tamanduás bandeira, antas, tatus, coatís, macacos, javalis, capivaras", todos
vistos nas imediações da Colônia de São Leopoldo. O mesmo imigrante ressaltou a
grande quantidade de "pássaros muito variados, tais como pica-pau, avestruzes,
cegonha, aves de caça diversas, papagaios que comem muitos grãos, colibris e muitos
outros", sendo que "nenhum pássaro se parece com os da Alemanha".
Já Avé-Lallemant, além de ter observado uma fauna variada (em seu relato
aparecem tartarugas, jacarés, falcões, garças e quero-queros, entre outros bichos),
escreveu sobre as constantes matanças de papagaios, considerados pragas para os
milharais e, ao mesmo tempo, presas de carne apreciada pelos colonos. Segundo ele
(1980[1858], p.128):
91
“... sobre os galhos secos pousavam bandos de papagaios e asseavam seus
coloridos vestidos de penas, levantando vôo em infernal gritaria ao
aproximarmo-nos ou até ao pararmos o cavalo. Sabem muito bem esses
insignes inimigos do milharal que quem está parado pode facilmente
disparar um tiro, com o que o caçador e o colono têm um inimigo a menos e
à mesa um assado a mais, pois o papagaio fornece saborosa carne.”
Ainda segundo Avé-Lallemant (1980[1858], p.128), a caça era “abundante”,
contando com “numerosos veados, porcos do mato e, conforme o gosto, mesmo antas,
que se encontram em quantidade nos terrenos úmidos”. Todos acabavam nas panelas
dos pioneiros. Já a onça, conforme o viajante, ocorria “muito mais raramente” – vale
lembrar que ele passou pelas colônias alemãs em 1858, quando São Leopoldo contava
com 34 anos de existência, ou seja: 34 anos de caçadas e queimadas ininterruptas, que
certamente contribuíram para a matança dos animais e também para que muitos deles se
refugiassem mais longe na floresta, onde estariam a salvo, mas por pouco tempo.
No fim do século 19, o relato de uma imigrante belga moradora de uma colônia
mista fundada quando a zona alemã já havia sido quase totalmente povoada evidencia o
ápice desse processo iniciado em 1824. O diário foi publicado em português em 2002.
Atenta aos resultados da caça predatória empreendida pelos colonizadores, Marie van
Langendonck (2002, p.75) relatou que, "à medida que a colônia era povoada, a caça
recuava até as florestas não exploradas". Segundo ela, "as jacutingas, espécie de faisão,
inicialmente muito abundantes, tinham-se tornado muito raras". Por conta disso, "os
caçadores estavam reduzidos aos papagaios e aos macacos, mas o número destes
diminuía consideravelmente; os tatus tinham desaparecido e a caça livre, em todas as
estações, havia privado a colônia de várias espécies de perdiz, que se matava mesmo na
época da ninhada".
Além de reforçar a alimentação com a carne de animais locais, os colonos
aprenderam a tirar proveito das árvores nativas, principalmente das frutíferas. Em 1832,
Franzen chegou a registrar que "não damos conta de comer todas as frutas, as quais dão
muito bem aqui". As mais comuns, segundo ele, eram as laranjas, bananas, limas e
limões, assim como os ananazes, os melões e as melancias. Mas também havia "muita
cana-de-açúcar e uvas, estas muito perseguidas pelas formigas". Outro produto coletado
na floresta, como já foi observado, vinha das abelhas: "no mato", conforme Franzen, "se
encontra muito mel silvestre".
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Conforme o inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.49), apesar do
desmatamento desenfreado da erva-mate, tamm não foi necessário muito tempo para
que os colonos tomassem gosto pelo chimarrão, que segundo ele era "uma espécie de
chá muito usado no Brazil e nos Estados do Rio da Prata", corriqueiro entre os
indígenas. De acordo com Jahn, "este chá, de um gosto amargo, é mui saudável e
indispensável aos povos", inclusive aos colonos, que nitidamente se tropicalizavam na
alimentação. Josef Umann, por exemplo, foi um dos imigrantes a ressaltar, no fim do
século 19, a apropriação do mate em seu dia-a-dia. Segundo ele (1997, p.67), "em
atenção à carteira vazia que nos primeiros anos não nos permitiu comprar bebidas caras,
como cerveja ou vinho, cedo nos habituamos ao chimarrão tão estimulante ao espírito".
Mas a adoção das frutas, das carnes e de outros alimentos locais não garantia
fartura. Somente a partir de 1830, no caso de São Leopoldo, a situação de fato começou
a melhorar em termos alimentares. Segundo Moraes (1981, p.85), a promessa de
distribuição de bois, vacas e porcos na colônia foi, aos poucos, se "tornando realidade",
e os colonos conseguiram iniciar sua própria criação de animais e produzir queijo,
manteiga e banha. Inicialmente, tais produtos serviam apenas para consumo próprio,
mas não demorou muito para que passassem a ser revendidos e conquistassem mercado.
O processo de adaptação dos colonos na linha fronteiriça, porém, não se restringiu
à alimentação. As famílias também tiveram de se adaptar em termos de moradia. No
início, era preciso erguer as casas, que não passavam de cabanas construídas a partir da
biomassa rústica da floresta, em meio a clarões abertos na mata. Habituados a casas
feitas de pedras, tijolos e tábuas, os colonos foram obrigados a se submeter a mudanças
radicais no Novo Mundo para não ficarem ao relento.
Como destacou Moraes (1981, p.49), eles desconheciam os tipos de madeira
existentes na região, sequer tinham tábuas uniformes e também não possuíam cal para
obter argamassa. Eram incapazes, na sua maioria, segundo Roche (1969, p.199), "de
construir outro abrigo que não uma choça”, assentando “uma cobertura de ramas sobre
uma viga sustentada por dois postes fixados no solo; ficavam mal protegidos contra a
chuva e, mais ainda, contra o vento e o frio". Tiveram de aceitar a ajuda de
desconhecidos, ligados à administração colonial, ou mesmo de caboclos vizinhos, que
viviam da extração de mate e de outros produtos da floresta, para construir uma
primeira choupana mais sólida – o rancho de pau-a-pique. Muitos, porém, eram "pela
maior parte um pouco desconfiados" e recusavam "muitas vezes os bons conselhos,
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sofrendo por isso alguns prejuízos", segundo relatou o inspetor Adalberto Jahn (1871,
p.XII).
Foi o caso do colono Josef Umann e de sua família. Em seu diário, ao comentar os
primeiros dias na colônia e os passos iniciais para a construção da primeira choupana,
ele admitiu que se tivesse ouvido os conselhos dos administradores, ao invés de seguir
os compatriotas, teria conseguido melhores resultados:
“Teríamos feito melhor se tivéssemos atendido ao sr. Richter, que nos
aconselhou desmatarmos primeiramente uma pequena roça, queimar e
limpá-la, e construir uma choupana provisória na qual moraríamos
temporariamente, até abrir um roçado maior, no qual escolheríamos o
melhor lugar para construir uma habitação mais condizente.”
Ao invés de seguir os conselhos da administração, Umann preferiu confiar nas
orientações dos colonos que já estavam em seus lotes e que se solidarizavam. Ele e a
família hospedaram-se na casa de alemães e, diariamente, Umann e o filho mais velho
caminhavam por cerca de uma hora na picada para chegar até o lote destinado à família.
Ali trabalhavam um dia inteiro no desmatamento e depois retornavam ao ponto de
partida. "Confiamos mais nos conselhos dos colonos já radicados que de boa vontade
nos acolheram", escreveu Umann, que depois concluiu que poderia ter "poupado muito
tempo e caminhadas em meio a estradas péssimas" se tivesse ouvido o funcionário da
colônia.
A choupana, primeira habitação edificada pelos imigrantes, em geral empregava
varas de madeira ou taquara, ramos de árvores, capim, cipó e barro. Constituía-se de
quatro postes cravados no solo, cujas paredes eram feitas de ramos de árvores ou de
varas cobertas com barro, não apenas para garantir a fixação, mas para proteger
minimamente das intempéries. Havia uma abertura para a porta e, às vezes, um buraco
para a janela. A cobertura, inicialmente, era feita de capim ou de folhagens. Os pregos,
por inexistirem, eram substituídos por cipós, e o piso era feito de terra batida.
Conforme o registro de Josef Umann (1997, p.65), "mais difícil que para o
homem, foi o começo para as mulheres". Isso porque, segundo ele, "na pátria de origem
elas eram pobres e moravam em espaço limitado, mas podiam ter tudo
escrupulosamente limpo. Lá havia o pequeno fogão, zelosamente limpo, que servia
também de calefatório". Para Umann, "era tudo diferente" na Colônia. A primeira
choupana era "minúscula e improvisada", considerada "por demais exígua para
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acomodar os objetos e permitir um lugar para dormir". Mas, na primeira noite na nova
casa, nem o vento e a chuva desanimaram o imigrante (Umann, 1997, p.55-56):
“A primeira noite que lá passamos, eu conseguira fechar melhor apenas um
canto da nova morada, para que o vento e a chuva não nos molestassem
tanto. Com dobrada razão podia cantar: Espaço há na choupana mais
pequena... pois, afora o telhado que nos abrigava precariamente contra a
chuva, o espaço ia até o infinito. A cobertura não abrigava somente a mim e
a minha família, mas também cão e gato se alojaram ali, e ainda um certo
número de galináceos, que se acomodaram nas vigas enquanto não houvesse
um galinheiro para eles. Indiferente do meu sono, o galo em plena
madrugada me irritava com seu kikeriki. Apesar disso tudo, acredito que
nenhum rei em seu palácio possa se sentir mais feliz que eu outrora, em
minha primeira choupana, a qual sabia ser minha, e mesmo que deixasse
muito a desejar em todo o sentido, tínhamos a esperança de que com o correr
do tempo ela poderia ser melhorada, e sobretudo, sabíamos que ninguém
podia nos obrigar a abandonarmos a nossa morada!”
No interior dessa primeira casa, as camas, segundo Umann (1997, p.66), eram
feitas com “varas de palmito”. Já os bancos, surgiam a partir de toras retiradas da
floresta, e as mesas acabavam sendo improvisadas com baús que os imigrantes traziam
consigo na longa viagem rumo ao Brasil. No lugar de um polido fogão, “espetava-se
duas forquilhas no chão e sobre elas se deitava uma pequena vara, na qual se
dependurava uma ou duas chaleiras”. Inicialmente, esse fogão improvisado ficava ao
relento. Ainda segundo Umann, “não faltava, evidentemente, lenha para arder”:
“Mas que aparência tinha! Toda chamuscada, preta! Fácil é imaginar que
muita mulher dengosa se arrepiava quando tinha que lidar com os troncos
enegrecidos pelo carvão [...] Mesmo com esse empecilho, pouco a pouco as
mulheres se arranjaram. Quando uma nova cozinha surge, bastante espaçosa
e com chão de terra batida, é comum economizar-se o trabalho de serrar os
troncos. Toros inteiros são trazidos à cozinha, onde às vezes ardem dias
inteiros. Nas longas noites de inverno, jovens e velhos neles aquecem os pés
antes de deitarem.”
As dificuldades encontradas pelos colonos para dar forma às primeiras casas não
passaram despercebidas pelos administradores coloniais. Em 16 de setembro de 1824, o
então diretor da Colônia de São Leopoldo, José Tomás de Lima (1824), escreveu ao
presidente da Província para pedir auxílio. Na carta, resguardada no AHRGS, ele dizia
ser “indispensável alugar-se gente para fazer Cazas dos ditos Colonos, porque além de
pouco geito q. divizo nelles para esse fim, acresce tão bem inconveniente de não
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conhecerem as madeiras”. Mais tarde, em cinco de janeiro de 1825, Lima voltaria a
escrever nesses termos para o presidente provincial:
“Participo a V.Exa. que os Colonos da maneira que trabalhão nem em um
ano acabão seus arranchamentos; e sendo necessário que eles se facão o
mais breve possível he indispensável alugar-se gente; e no caso de ser do
agrado de V.Exa. eu me encarregarei de procurar por aqui mesmo homens
dezimbarasados para similhante serviços, e os ajustarei pelo presso mais
módico q. me for possível, ficando V.Exa. serto q. sem q. se tomem estas
medidas nada se faz, porq a maior parte dos Colonos nem ao menos sabem
cortar um pão. Rogo a V.Exa. queira perdoar a franqueza com q. fallo, pois
se conhecesse dezimbarasso, e agilidade nos Colonos para semelhante
serviço não importunaria a V.Exa.”
Após os sucessivos pedidos, Lima conseguiu autorização para mandar erguer
algumas casas na Colônia. Um ano depois da fundação de São Leopoldo, porém, ainda
faltava material para que os imigrantes pudessem deixar os barracões para começar vida
nova nos próprios lotes. Em 12 de fevereiro de 1825, quando a Colônia já contava com
cerca de 200 habitantes, Lima (1825) faria um novo pedido, dessa vez a Visconde de
São Leopoldo:
“Tendo-se já promptificado algumas Cazas, convem para serem ocupadas
pelos donos, se lhes ponham portas, e janellas, sem o q. será impraticável a
sua serventia, e pr. isso necessita-se de uma porção de taboado para q.
fiquem de todo completos estes arranchamentos.”
Mesmo rodeados de árvores, eles precisavam de tábuas, porque ainda não havia
serrarias, que surgiram mais tarde, e não tinham habilidade para cortar os troncos, que
em sua maioria acabavam queimados. Em outra carta, datada de 23 de julho do mesmo
ano, o diretor da Colônia voltaria a pedir tábuas para as portas e janelas, assim como
“feixaduras e mais ferrages para as ditas portas”. Em função da demora, muitos colonos
se mudaram para as choupanas sem as mesmas terem sido finalizadas. Para evitar que o
frio, a chuva e o vento entrassem nas casas, as famílias improvisaram tapumes para as
portas e janelas, com matéria-prima coletada na floresta, isto é, folhas e barro.
Somente mais tarde, com o desenvolvimento das colônias e a prosperidade de seus
moradores, os casebres de pau-a-pique puderam ser, aos poucos, substituídos. A
segunda fase em termos de habitação, conforme Roche (1969, p.199), foi a do enxaimel
(ou Fachwerk), uma técnica de construção que consistia basicamente no encaixe de
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hastes de madeiras em diferentes posições, preenchidas com pedras ou tijolos.
Gradativamente, como aponta Moraes (1981, p.52), o bambu, os ramos de árvores e as
varas nas paredes deram lugar a um material mais consistente e duradouro, formado por
grandes troncos de árvores falquejados pelo machado e também por tijolos de barro
batido feitos à mão.
As serrarias, como destacado anteriormente, ainda não eram comuns, e o preparo
dessas vigas mais resistentes, de quatro a cinco metros de cumprimento e de 20 a 25
centímetros de largura, exigia habilidade, que começava a ser conquistada. Como as
tábuas ainda eram de difícil obtenção, o piso das moradias permanecia desnudo. Quanto
ao telhado, aos poucos os ramos de folhas foram substituídos por pequenas telhas
retangulares de madeira (como na foto da caçada exibida anteriormente) ou mesmo por
telhas de barro, com o desenvolvimento das olarias.
A partir de 1870, segundo Roche, um terceiro tipo de moradia começa a se
destacar nas antigas colônias alemãs. Eram as casas totalmente à base de tijolos. Com o
aproveitamento da força dos rios e a difusão das serrarias, também passou a ser
possível, finalmente, revestir os tetos e pisos das antigas casas com tábuas. Outra
novidade foi a troca dos cipós, que até então seguravam a estrutura, por pregos ou
cravos produzidos nas ferrarias que iam aparecendo.
A partir daí, a última fase destacada por Roche (1969, p.207) é a da casa
estandardizada, quando o campo passa a imitar as formas da cidade. Desde o início da
Segunda Guerra, segundo ele, “vê-se surgir nas aldeias, e mesmo em lotes isolados, a
casa feita de tijolos e cimento”, em estilo “moderno”.
Para alguns autores, como o geógrafo Leo Waibel (1949), as casas desenvolvidas
pelos colonos, especialmente as de tipo enxaimel, seriam resultado de um costume
trazido pelos imigrantes da Alemanha, uma herança cultural que passou a ser aplicada
na nova terra assim que houve condições para tanto. Outros pesquisadores, como
Moraes (1981, p.61), argumentam que todos os tipos de moradia observados ao longo
do desenvolvimento das colônias nada mais foram do que “produtos do meio”. Para ele,
“não pôde o colono, como aconteceu em muitos hábitos alimentares, impor nenhum tipo
de moradia que caracteriza a região donde proviera”.
Conhecedor profundo da história da colonização alemã no Rio Grande do Sul,
Jean Roche (1969, p.199) apresentou uma terceira via de análise, que parece ser a mais
provável. Ele concluiu que as residências erguidas pelos colonos, especialmente na fase
do enxaimel, não foram resultantes da pura e simples reprodução de uma “herança
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genética” nem unicamente produto da influência do meio. Foram, sim, uma síntese de
elementos trazidos pelos imigrantes (em sua bagagem cultural, por assim dizer) e de
elementos encontrados no novo meio. Segundo Roche (1969, p.207):
“a evolução da casa rural teuto-brasileira, nas antigas colônias, foi, pois,
particularmente reveladora da influência recíproca do meio e do homem. A
choupana de paredes de barro, a casa de enxaimel, a casa de tijolos e
cimento corresponderam, cada uma em seu tempo, a uma utilização racional
dos recursos locais em função das necessidades, das técnicas e das
possibilidades financeiras. Graças aos recursos de areia (indispensável para
a argamassa, mas intransportável a grande distância), graças à multiplicação
do artesanato de tijolos e telhas, a casa das antigas colônias certamente
representou uma vitória de adaptação ao meio. Mas nos parece ter sido,
sobretudo, a prova da vitória do homem sobre a floresta”
Essa luta em termos de adaptação, que em um segundo momento permitiu aos
colonos a domesticação da natureza, também passou pelo vestuário. Os tecidos de lã e
de linho, comuns nas regiões de procedência dos alemães, passaram a dividir espaço
principalmente com roupas de algodão. Por certo, essa alteração foi bastante
influenciada, entre outros fatores, pelo clima que os imigrantes encontraram na nova
terra, cujas temperaturas, mesmo no inverno, dificilmente atingiam marcas tão baixas
quanto aquelas registradas nos meses mais frios, no continente europeu.
Entretanto, é importante lembrar que a maioria dos colonos, ao chegar à província,
vinha praticamente sem recursos e com apenas algumas poucas peças de vestuário na
bagagem. Não foram poucos aqueles que vieram somente com as roupas do corpo,
segundo se conclui de uma carta escrita pelo diretor da Colônia de São Leopoldo em 25
de julho de 1824, data da chegada da primeira leva de imigrantes à Província, no
inverno gaúcho. Segundo José Tomás de Lima (1824),
“os Colonos Allemaens q p.ª ali forão há pouco mandados, acham-se
inteiramente destituídos de vestuário, cuja falta lhes he muito penosa na
presente Estação, e sem meios de areparar: conseguintemente he de maior
necessidade que se fornessa a cada homem daquelles indivíduos, pelo
menos, uma coberta, ou ponche, uma jaqueta e pantalona de pano azul, e
uma camisa, devendo este fornecimento ser extensivo aos adultos e
menores.”
Após receber a carta do diretor, o então presidente da província, José Feliciano
Fernandes Pinheiro, enviou um ofício ao subordinado pedindo que mandasse fazer “o
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quanto antes por Official Alfaiate o orçamento do panno azul, baeta e panno de Linho
sufficiente para vistidura dos Collonos tanto adultos, como menores”. Ainda no que se
refere à falta de roupas apropriadas, Moraes (1981, p.73) cita um trecho de outra carta
escrita por Tomás de Lima, de maio de 1825, solicitando a remessa de “secenta e oito
ponches” e “quarenta cobertores” a São Leopoldo.
De modo geral, os documentos indicam que, aos homens, nessa fase inicial da
colônia, era entregue uma camisa, uma calça, uma jaqueta e um poncho. Às mulheres,
uma camisa, um vestido e um cobertor. Assim, muito em função das condições
encontradas na floresta subtropical, da penúria vivida na fronteira verde e da
dependência em relação ao Estado, os colonos acabaram modificando padrões de
indumentária, incorporando tecidos locais à nova forma de vestir. A partir daí, o uso do
pala ou do poncho, típico do vestuário sul-rio-grandense, se tornou comum também
entre os recém-chegados.
Vale ressaltar que, mais do que qualquer outro tecido, o algodão assumiu papel
principal no guarda-roupa constituído nas colônias. Especialmente na Colônia de São
Leopoldo, o diretor Tomás de Lima informava, já em 1822, portanto antes da chegada
das primeiras levas de imigrantes, ter iniciado uma plantação de algodão. Na época, a
produção ainda serviria para os escravos. Segundo ele, naquele ano, foram colhidas cem
arrobas “q se tem tecido, e se vae tecendo, e distribuindo pelos mais precizados”. Essa
produção, porém, ainda era considerada insuficiente. Conforme Tomás de Lima, “era
precizo meterem-se na Fazenda dois outros rebanhos de Ovelhas, q montassem pelo
menos a mil e quinhentas; para da lan se tecerem ponches e vestuário próprio p. o
inverno p.ª Escravatura, pois q he mui difficil a esta rigorosa estação tão mal vestidos
como actualmente elles estão”.
Documentos atestam que a produção de algodão foi mantida após a instalação da
colônia no local. Em seu relatório datado de 1854, o diretor João Daniel Hillebrand
afirma que “a colheita d’algodão nesta Colônia tem subido de 3.500 a 4.000 arrobas no
anno de 1853; das quaes mais da metade foi exportado, e o restante empregado nesta
Colônia para a fabricação de pannos grossos para camisas dos trabalhadores”.
Além das fazendas à base deste produto, Moraes (1981, p.75) ressalta que a ganga,
uma espécie de tecido do mesmo fio, porém originária da Índia, e a baeta, de lã felpuda
e grosseira, também passaram a compor os trajes dos colonos. Já o linho, por conta das
dificuldades de produção nessa primeira fase, raramente aparecia, embora os colonos
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tenham, aos poucos, iniciado seu cultivo. Mas a experiência, pelo menos em São
Leopoldo, mostrou-se bastante complicada, segundo o relatório de Hillebrand (1854):
“Os ensaios feitos naquelle Real estabelecimento bastante provarão a
importância que se podia dar a essa cultura, cujo resultado no fim de tantos
annos de trabalho e de enormes despesas, apenas deixou vestígios de sua
cultura aos Colonos Alemães que vierão estabelecer-se em 1824 nos
mesmos terrenos em que aquella interessante e util planta tinha sido
cultivada. Nem sequer semente havia daquellas plantas, por pouco que fosse,
para distribuir-se entre os primeiros Colonos que desde logo na chegada
procurarão cultival-a e para poder-se conseguir esse fim, alguns Colonos
mandarão vir da Europa sementes que plantarão nas suas terras, e donde
provem hoje em dia o linho que se cultiva na Colônia. Poucos terrenos da
Europa me são conhecidos, onde o linho prospera melhor do que nesta
Colônia, ou nesta Província em geral; e com tudo a sua cultura tão vantajosa
é mui limitada, para não dizer de um todo abandonada. Apenas os Colonos
Alemães plantão linho para o seo próprio consumo e uso”
Mesmo quando o linho passou a ser mais comum, elementos do ecossistema local
eram misturados ao tecido. Um exemplo disso é a carta de um colono chegado em 1828
a São Leopoldo (apud Moraes, 1981, p.75), na qual ele informa que “fabricávamos as
fazendas para nosso uso e com tintas extraídas de cipós as tingíamos em várias cores: e
si as nossas roupas não eram lá muito elegantes, não deixavam de ser bastante
resistentes”.
Todas essas transformações observadas na indumentária do imigrante alemão
também não passaram incólumes em se tratando dos calçados – ou da falta deles. Em
sua passagem pela Colônia de São Leopoldo em meados do século 19, o viajante Avé-
Lallemant (1980[1858], p.124) percebeu que os colonos “não usam sapatos, nem
meias”. Segundo ele, “o pé fica nu”. Além disso, o viajante foi surpreendido pelo fato
de que muitos montavam a cavalo igualmente sem sapatos, da mesma forma que o
gaúcho: “às vezes só o polegar, à verdadeira moda rio-grandense, se apóia num pequeno
estribo e a vigorosa perna nua se cola firmemente à cavalgadura”.
A esse respeito, Moraes (1981, p.79) afirma que a dificuldade de se conseguir
botas, chinelos ou tamancos, assim como a natureza acidentada do terreno, que nas
regiões mais baixas era constituído de banhados e de superfícies inundáveis, “teriam de
convertê-lo [o colono], como aconteceu com o luso e seus descendentes, num
permanente agricultor de pé no chão” – coisa que até hoje se vê na região.
Embora muitos pesquisadores argumentem que a distribuição dos imigrantes em
“quistos étnicos” tenha contribuído para reforçar as identidades originais – nesse caso
100
uma identidade alemã –, os imigrantes se “tropicalizavam”. Ainda falavam o alemão,
mas agora usavam poncho. Tomavam mate. Comiam milho, mandioca, ananás, carne de
anta, bugio e papagaio. Viviam em casas rústicas, em que o cipó foi substituído pelo
prego somente muito tempo depois do início da vida na fronteira. Em que a biomassa da
floresta dava forma às paredes e alimentava o fogo de chão. No limite da fronteira
verde, tudo, enfim, se modificava.
101
2.4. Reconstruindo ecossistemas
As mudanças culturais pelas quais os imigrantes passaram nesse processo de
adaptação ao ecossistema regional se refletiram na paisagem. E o impacto ambiental
implícito ao empreendimento colonizador não se restringiu às derrubadas, queimadas e
caçadas. No caso das colônias alemãs, tanto documentos oficiais quanto cartas de
imigrantes e relatos de viajantes demonstram que muitas plantas típicas do Velho
Mundo acabaram sendo aclimatadas, com relativo sucesso, no continente americano –
numa tentativa, de alguma forma, de tornar a nova terra familiar. O mesmo se repetiria
entre imigrantes de outras nacionalidades. Sabe-se que, além dos pertences pessoais,
muitos trouxeram consigo, na bagagem, sementes de aveia e de centeio, por exemplo.
Outras mudas e grãos foram repassados pelos próprios diretores e inspetores coloniais,
como no caso do trigo.
Em suas andanças pelas colônias alemãs, viajantes relataram com certa surpresa a
presença de plantas européias e de outras partes do mundo se desenvolvendo na área.
Robert Avé-Lallemant (1980[1858], p.150) informou, por exemplo, que com o chá
chinês “foram feitas experiências” em São Leopoldo e que o arbusto crescia
“perfeitamente bem”. O médico alemão (1980[1858], p.153) também registrou que se
tentara “ultimamente a sericicultura”, produzindo-se “belíssima seda”.
Em seu diário datado de 1854, o mercenário alemão Joseph Hörmeyer
(1986[1854], p.46) destacou que as “plantas européias que aqui medram”. Entre elas,
estavam “a cevada e o trigo”, principalmente nas colônias ao norte do Rio Jacuí. Ainda
conforme Hörmeyer (1986[1854], p.48), “das restantes plantas usuais medram quase
todas as verduras européias: repolho, couve-roxa, couve-de-savoia, couve-flor, nabos,
cenouras e beterrabas; todas as espécies de alface, legumes e outras variedades da
horticultura”, notadamente “em imensos tamanhos e quantidades e de excelente
qualidade”. Apenas “as batatas-inglesas”, embora fornecessem “numerosas colheitas”,
102
ficariam longe, “em qualidade, das européias, por conter uma quantidade menor de
amido”.
A difusão das plantas exóticas também foi percebida pelo viajante alemão Carl
Seidler. Segundo ele (1976[1835], p.110), "à direita e à esquerda, vêem-se as diversas
colônias, a maior parte já libertas da mata, tão cultivadas pelo trabalho alemão que
produzem a maior parte dos legumes e frutos europeus". Como o compatriota, o
inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.49) igualmente impressionou-se com o fato de
que as “árvores européias” cresciam pujantes na região:
“Com quanto não sejão as madeiras européias nativas na Província, contudo
várias qualidades dellas prosperão em seu solo, sendo plantadas em lugares
competentes e estação própria; tais são o carvalho, o álamo e o salgueiro,
dos quais existem bonitos espécimes nas immediações de São Leopoldo. A
macieira, a pereira, o pessegueiro e outras árvores furctiferas aclimatão-se
bem; seus frutos porém não são tão saborosos como os da zona temperada
septentrional”.
Em muitas de suas cartas, colonos confirmam tais informações, ressaltando que o
clima temperado – parecido com o europeu – facilitava o cultivo de sementes trazidas
do Velho Mundo. Conforme o imigrante Mathias Franzen (1832), "nesta província
temos o melhor clima, nem quente, nem frio demais, ar limpo, água doce de boa
potabilidade, só raramente cai neve, e mesmo então é rapidamente derretida pelo sol".
Com isso, escrevia o alemão, "todas as plantas da roça e da horta alemãs, aqui também
crescem".
Ao chegar à Colônia de Santa Cruz em 1849, o colono alemão Peter Thoes (1850)
contou em uma carta à família que "tudo era floresta virgem" e exaltou a fecundidade
do solo, que já produzia tabaco, feijão e batata e, em breve, seria semeado também com
"plantas européias". O diretor Hillebrand, em seu relatório de 1854, confirmou que
"alguns Colonos mandarão vir da Europa sementes que plantarão nas suas terras, e
donde provem hoje em dia o linho que se cultiva na Colônia".
Porém, por serem plantas exóticas aos ecossistemas regionais, muitas delas se
mostraram frágeis às “pragas”. O problema era tão recorrente que muitos colonos
apelavam a artimanhas de todo tipo para se verem livres de insetos e animais com os
quais eram obrigados a disputar os frutos de suas plantações. No livro Aus Deutsch-
Brasilien. Bilder aus dem Leben der Deutschen im Staate Rio Grande do Sul, lançado
103
em 1902, o alemão Alfred Funke dá uma mostra disso. Ao escrever sobre a vida dos
alemães nas colônias, Funke (1902, p.91) reproduziu versos que os imigrantes e seus
descendentes proferiam, em alto e bom som, na tentativa de acabar com o que
consideravam verdadeiras pragas:
Bons dias lagartas,
A planta que comeis
E a Deus não louvais,
Amaldiçoadas sejaes!
Por S. Pedro e S. Paulo
E a todos os santos
Da corte do céu:
Deixae esta planta
Que é meu alimento,
E as folhas do matto virgem
Serão vosso sustento!
Uma das plantas exóticas mais atacadas, segundo os registros de época, foi o trigo.
Conforme o historiador Carlos de Souza Moraes (1981, p.87), "a produção de trigo e
centeio, embora sua cultura fosse tentada com insistência, mormente à daquele, não
correspondeu à expectativa". Avé-Lallemant (1980[1858], p.152) também teceu
algumas palavras sobre os cereais de origem européia. De acordo com seu relato,
“o trigo medra a princípio, mas sofre depois todo o ano de ferrugem e por
algum tempo deixou-se de cultivá-lo. Mas já se recomeçou a plantá-lo. O
centeio dá melhor, mas até agora [1858] não pode ser considerado artigo
importante, como tão pouco a cevada. A aveia dá muito bem, não estando,
porém, o mercado brasileiro habituado a ela; continua-se a alimentar os
animais com milho, embora este, como forragem para os cavalos, seja
inferior à aveia.”
Mesmo que a difusão dessas espécies não tenha sido imediata, sem dúvida
provocou alterações na cadeia alimentar. A partir da segunda geração de colonos, esses
produtos ganharam mais e mais espaço nas lavouras, principalmente com as gradativas
melhorias tecnológicas. Mas as mudanças não se restringiram à flora.
Ao analisar as alterações ambientais na fronteira verde, também não se pode
desprezar o impacto ambiental decorrente da inserção de animais até então criados
basicamente nos campos sul-rio-grandenses. Bovinos, ovinos e eqüinos, assim como
porcos e galinhas, aos poucos, passaram a fazer parte da paisagem colonial e se
104
reproduziram com rapidez – tanto quanto cães e gatos. Apesar disso, ao passar por São
Leopoldo em 1858, Avé-Lallemant (1980[1858], p.152) informava que, “quanto aos
rebanhos, dada a natureza do solo e a falta de pastagens, mormente ‘na floresta’, não foi
possível desenvolvê-los tanto como em outras partes da Província”. Mas eles, sem
dúvida, estavam presentes.
Conforme o mesmo viajante, a colônia já exportava “bons cavalos, especialmente
os adestrados, que encontram bom mercado em Porto Alegre”. Além disso, assim que
os colonos de São Leopoldo superaram a fase inicial de dificuldades, muitos curtumes
foram estabelecidos na região, onde se fabricavam, segundo Avé-Lallemant, “as
afamadas selas, inteiramente diferentes do que chamamos de sela”.
A importância desses animais para os colonos pode ser medida através da carta do
alemão Mathias Franzen (1832) à família. Segundo ele, “após dois anos e oito meses
que moramos na nossa colônia, [...] tenho duas vacas com dois terneiros, dois cavalos,
20 porcos, mais de 100 galinhas, além de dois cães de caça”. Com isso, ao vender
“manteiga, frangos, ovos, temos dinheiro a cada semana”.
Em seu diário, Avé-Lallemant (1980[1858], p.153-154) destacou ainda outras
informações curiosas sobre a inserção de espécies exóticas nas colônias. O médico
(1980[1858], p.176) descreveu, por exemplo, o incômodo provocado por “percevejos
indo-germânicos, espalhados [...] com a imigração alemã” – nesse caso,
inadvertidamente. Em outro trecho de seu diário, ele também revelou que muitos
imigrantes trouxeram abelhas da Europa, que “ficaram produzindo mel com admirável
diligência”. Mais do que isso, “multiplicaram-se enormemente”, enxameando “doze a
quatorze vezes por ano”.
Quer seja por meio das abelhas, como descreveu Avé-Lallemant, ou das sementes
de aveia e de centeio, a conquista da fronteira verde implicou alterações profundas no
ecossistema regional. Mas, se o imperialismo ecológico de fato marcou a diáspora
européia mundo afora, como concluiu Alfred Crosby (1986), e o êxito dessa expansão
deveu-se também a fatores de ordem biológica, parece arriscado concluir que as
colônias sul-rio-grandenses tenham se tornado simples cópias genéticas do Velho
Mundo. O conceito de "Neo-Europa", cunhado pelo próprio Crosby (1986), nesse caso,
parece não dar conta da complexidade do tema. Além disso, Crosby supõe o sucesso
inconteste das plantações européias nas áreas colonizadas, o que, pelo menos num
primeiro momento, não ocorreu no Rio Grande do Sul, como vimos no caso do trigo.
105
Ao mesmo tempo em que plantas européias foram aclimatadas nas colônias
alemãs, espécies nativas continuaram sendo cultivadas em abundância pelos colonos e
jamais foram totalmente substituídas. Adalberto Jahn (1871, p.49) confirmou, por
exemplo, que "as plantas próprias da zona tropical” haviam caído no gosto dos colonos
e que era comum se encontrar, “ao lado do carvalho e do louro, a bananeira e a
laranjeira, e ao lado da canna d'assucar, as plantações de batatas em terrenos
semelhantes".
Hörmeyer (1986[1857], p.50), por sua vez, mencionou que nas colônias crescia
“uma espécie de palmeira que tem coquinhos semelhantes às cerejas, de sabor um pouco
azedo” (possivelmente o butiá), “um cacto, a tuna, cujos frutos também o gado gosta de
comer e o ananás, que se planta aqui em grandes quantidades e excelente qualidade”.
Ele (1986[1857], p.51) também relatou que “o colonos alemães, procedentes do
Hunsrück e da região do Mosela, plantam quase só cereais e verduras, como milho,
centeio, batatas, feijão e mandioca”, mesclando alimentos nativos e exóticos em sua
nova dieta.
Após exaltar a facilidade do cultivo de "plantas alemãs", o colono Mathias
Franzen (1832) também ressaltou a importância dos alimentos nativos para a vida nas
colônias. Segundo ele, "há tanto alimento e frutas gostosas, que seriam necessárias duas
folhas de papel para sua descrição". Essas variedades foram, enfim, incorporadas à mesa
dos recém-chegados e se perpetuaram, passadas de geração em geração, como veremos
em mais detalhes a seguir.
Ao analisar os aspectos ambientais da diáspora inglesa para os Estados Unidos,
Canadá, Austrália e Nova Zelândia, o pesquisador Thomas Robert Dunlap (1999, p.47)
concluiu que os imigrantes procuraram, de certa forma, tornar a nova terra familiar.
Entre os colonos alemães estabelecidos no Rio Grande do Sul, a vontade de refazer a
terra natal foi igualmente recorrente – não por menos, a expressão Heimatland aparece
com freqüência nas cartas e diários dos imigrantes, assim como em muitos de seus
versos e canções. Esse foi um tema quase obsessivo para esses homens e mulheres, o
que não significou, no entanto, que eles de fato tenham recriado duplicatas da biota
européia no Brasil ou “Neo-Europas” – mesmo que, em sua organização social, as
colônias tenham se tornado núcleos bastante (não totalmente) fechados, marcados pela
endogamia e pela autossuficiência.
Reconstruir o solo pátrio, como aponta Dunlap, implicava destruir para recriar.
Os colonos usaram plantas, animais europeus e ferramentas da civilização industrial,
106
como rifles, machados e mais tarde estradas de ferro, tanto quanto instrumentos e
técnicas nativas para derrubar centenas de quilômetros de florestas, expulsar as
populações indígenas e dizimar animais silvestres. No entanto, quando passaram a ter
maior acesso às sementes das plantas que conheciam no Velho Mundo, não deixaram de
cultivar produtos nativos na terra nua e coberta de cinzas das queimadas. Os melhores
exemplos disso são o aipim, o milho e o ananás, aos quais se adaptaram e dos quais
jamais abriram mão. De um lado, esse processo resultou em um “desmatamento
civilizador” sem precedentes. De outro, acabou por originar novos ecossistemas, que
incluíram plantas nativas e exóticas, numa escala igualmente nunca vista na história
humana.
107
2.5. Caboclização ou tropicalização? O novo na fronteira
Apesar de relegarem à natureza, de uma forma geral, o papel de agente passivo no
desenvolvimento das colônias, os historiadores regionais atentaram para as
transformações vividas na fronteira verde. Porém, em muitos casos, a apropriação de
hábitos indígenas, caboclos e luso-brasileiros por parte dos imigrantes foi vista como
uma regressão, uma mancha incômoda em uma história de desenvolvimento regional
ou, como muitos preferiram definir, de progresso.
Para Jean Roche (1969, p.52-53), ainda hoje considerado um dos mais importantes
estudiosos da colonização alemã no Rio Grande do Sul, "a necessidade de dobrar-se à
técnica do desflorestamento forçou o europeu a cair ao nível do índio ou do caboclo". E
a chamada "caboclização" foi considerada, não apenas por ele, mas por muitos outros
pesquisadores, entre os quais o geógrafo Leo Waibel (1958), um verdadeiro retrocesso,
tomando tais culturas como inferiores, a partir de um ponto de vista evolucionista – da
mesma forma como fez Turner (1893) no caso norte-americano. Segundo Waibel (1979,
p.246),
"os pequenos proprietários europeus não poderiam aplicar, por gerações
sucessivas, o sistema agrícola mais extensivo e mais primitivo do mundo
sem abrir mão e perder elementos essenciais de sua cultura e tradição.
Especialmente nas áreas montanhosas, de povoamento antigo, e nas regiões
remotas, muitos colonos alemães, italianos, polacos e ucranianos tornaram-
se verdadeiros 'caboclos', gente extremamente pobre, com muito pouca ou
nenhuma educação e vivendo nas casas mais primitivas."
Em sua análise, Waibel distinguiu a ocorrência de três principais sistemas
agrícolas nas áreas florestais colonizadas, que, segundo ele (1979, p.246), representaram
estágios sucessivos do desenvolvimento histórico da paisagem agrícola. Esses três
estágios, conforme sua classificação, foram os seguintes: primeiro, o sistema de rotação
108
de terras primitivo; em seguida, o sistema de rotação de terras melhorado; e, por fim, a
rotação de culturas combinada com a criação de gado.
Para Waibel, "apenas em poucas áreas o desenvolvimento real da paisagem
cultural passou pelos três estágios", sendo que a maioria delas teria estagnado na
segunda ou mesmo na primeira etapa. É exatamente neste estágio inicial que Waibel vê
a "caboclização", cujo desencadeamento estaria relacionado às formas de uso da terra,
nesse caso, muito semelhantes ao modus operandi indígena, considerado por ele um
sistema primitivo.
Esse primeiro estágio, segundo Waibel (1979, p.246-247), tinha início quando
uma "família pioneira" comprava terras em uma área de mata "desabitada". Em seguida,
esses imigrantes derrubavam e queimavam a floresta, "à maneira dos índios”, plantavam
“milho, feijão preto e mandioca usando cavadeira e enxada”, e construíam “uma casa
primitiva, primeiramente de folhas de palmeiras e, depois, de tábuas".
Nesse primeiro estágio, segundo o geógrafo, o núcleo familiar tinha ligação "com
o mundo exterior apenas por uma picada ou por estradas primitivas” e vivia “em grande
isolamento", e os seus filhos só iam à escola “durante um ou dois anos". Nessas
circunstâncias, concluiu Waibel (1979, p.247), era "muito difícil uma elevação do nível
social e cultural da família, e uma estagnação, se não decadência, em breve se
registrava". O pesquisador afirmou ainda que os colonos nesse "estágio primitivo"
acabavam perdendo sua "capacidade de resistência à influência negativa do meio
físico", o que levaria inevitavelmente à "caboclização".
Essa questão também aparece na obra de Sérgio Buarque de Holanda,
especialmente no apêndice posteriormente acrescentado ao segundo capítulo de Raízes
do Brasil (1936), acerca da persistência da lavoura de tipo predatório. Nesse trabalho, o
historiador reproduz trechos do testemunho do observador norte-americano R. Cleary,
que exerceu a profissão de médico em Lajes, Santa Catarina. No manuscrito, o
estrangeiro escreveu acerca dos colonos alemães de São Leopoldo, afirmando que nada
trouxeram de novo ao país adotivo, limitando-se a plantar o que os brasileiros já
plantavam e do mesmo modo grosseiro. Segundo Cleary (apud Holanda, 2003, p.66):
"Conheci um irlandês em Porto Alegre [...] que tentou introduzir o uso do
arado entre os alemães. Não obteve o menor resultado, pois os colonos
preferiam recorrer a enxadas e pás e, na grande maioria dos casos, a simples
cavadeiras de pau, com o que abriam covas para as sementes. Este último
pormenor requer explicação: nossos próprios trabalhadores rurais ficarão
109
sem dúvida estarrecidos se eu lhes disser que a lavoura aqui é feita, em
geral, com o auxílio de enxadas, mais raramente pás – e isso onde o lavrador
é suficientemente esclarecido para resistir ao hábito corrente, que consiste
em fazer abrir as covas com auxílio de um simples pedaço de pau, a fim de
nelas se colocarem as sementes. É verdade, como acima se disse, que
alguns, muito poucos, se socorrem de pás; estas, porém, não passam de
pobres sucedâneos para o grande símbolo da civilização, a última palavra de
Tubalcain (o salvador do mundo) que é o arado."
Desde então, conforme Sérgio Buarque (2003, p.67), "a aquisição de técnicas
superiores, equivalente a uma subversão dos processos herdados dos antigos naturais da
terra, não caminhou na progressão que seria para desejar". O desenvolvimento técnico
teria visado, na opinião desse historiador, muito mais a "economizar esforços" do que a
aumentar a produtividade do solo. Por outro lado, o próprio estudioso admite que os
descendentes dos colonos se mostraram, via de regra, "mais bem dispostos do que os
luso-brasileiros a acolher as formas de agricultura intensiva". Ainda assim, Sérgio
Buarque (2003, p.67) se pergunta sobre qual seria a razão, no Brasil e na América
Latina, pela qual "os colonizadores europeus retrocederam, geralmente, da lavoura de
arado para a de enxada, quando não se conformaram simplesmente aos primitivos
processos dos indígenas"?
Ao discorrer sobre essa questão, o estudioso citaria ainda a obra Probleme der
Urwaldkolonisation in Südamerika (Problema da colonização da floresta virgem na
América do Sul), publicada em 1940, em Berlim, por Herbert Wilhelmy. Nesse
trabalho, o autor mostrou como o recurso às queimadas pareceu aos colonos uma
necessidade tão patente que não lhes ocorreu a lembrança de outros métodos de
desbravamento. Segundo Wilhelmy (apud Holanda, 2003, p.67), mesmo os colonos
alemães que tentaram empregar técnicas menos devastadoras ao meio ambiente
acabaram sucumbindo ao tradicional sistema brasileiro.
Duas causas, para ele, explicam a persistência do método "primitivo" nas colônias
alemãs do Sul do Brasil. A primeira, como citou Sérgio Buarque (2003, p.69), estaria
nas condições do relevo, já que os núcleos de povoamento eram constituídos, em sua
maioria, em áreas de terreno acidentado, às vezes nas encostas de morros, em direção
aos vales. Por si só, a conformação do terreno impedia o uso do arado.
A outra causa, de acordo com Wilhelmy (apud Holanda, 2003, p.69), estaria
relacionada à experiência de vários colonos, segundo a qual o emprego do arado era
contraproducente em certas terras tropicais e subtropicais. Nas palavras de Sérgio
110
Buarque (2003, p.69), "muitos colonos, dos mais progressistas, tiveram de pagar caro
por semelhante experiência", pois, conforme um depoimento da época, ao se revolver o
solo profundamente com o arado, subiam à superfície corpúsculos minerais que
impediam o crescimento das plantas.
Entretanto, reconhecida a causa do insucesso, segundo Sérgio Buarque, muitos
passaram a praticar uma aradura de superfície, com bons resultados, em outros
continentes – como na África Central, onde uma grande fábrica de tecidos de Leipzig
promoveu plantações de algodão a partir de métodos modernos, por exemplo. Inclusive
nas missões jesuíticas do Paraguai a lavoura de arado seria comum. As ferramentas
trazidas pelos espanhóis, porém, lavravam a pouca profundidade, e a experiência teve
êxito. No entanto, "à América portuguesa mal chegaram esses e outros progressos
técnicos". E a lavoura, segundo Sérgio Buarque (2003, p.70), "continuou a fazer-se nas
florestas e à custa delas".
O impacto ambiental desse processo foi, sem dúvida, muito grande. Por outro
lado, a chamada "caboclização" nada mais era do que o prelúdio de um processo mais
amplo de adaptação ao mundo tropical. É importante ressaltar que o suposto
"retrocesso" parece ter sido uma opção consciente do imigrante, em prol de sua própria
sobrevivência – num tempo em que preocupações de ordem ecológica ainda se
limitavam a círculos restritos (Pádua, 2002). Um exemplo disso é a explicação dada
pelo mercenário alemão Joseph Hörmeyer (1986[1854], p.46). Segundo ele, aquela era
certamente “uma maneira curiosa de agricultura”:
“... e cada economista condená-lá-á, mas além de ser um testemunho
favorável para o solo do país pelo êxito de semeaduras feitas dessa maneira,
é desejável para o recém-chegado colono a grande economia de tempo, visto
que tem, ainda, de construir sua casa e executar outros trabalhos de igual
necessidade, e a colheita também não falha dessa maneira”. (grifo meu)
Repare que Hörmeyer também não se deu conta, na época, das conseqüências
ambientais desse processo. Tudo indica que os colonos igualmente desconheciam os
problemas que poderiam decorrer do uso contínuo dessa técnica – afora isso, é
importante lembrar que eles viram a fronteira verde, desde o início, como uma
imensidão inesgotável de terras férteis e supostamente livres.
111
Conforme Hörmeyer (1986[1854], p.51-52), os instrumentos agrícolas eram “tão
simples quanto o próprio processo”, já que “um machado, uma enxada e uma foice”
bastavam para o começo. Além disso, o adubo era produzido “deixando-se crescer,
despreocupadamente, numa roça já colhida, o inço e a brotação nova”. Na época certa,
essa vegetação era roçada com “uma foice” e deixada “ao sol para secar”. Depois, era
queimada e funcionava como adubo para o solo. Para Hörmeyer, “diante dessa maneira
de preparar a terra, apenas se pode atribuir ao magnífico clima, bem como à fertilidade
inesgotável do solo o fato de que possam ser colhidos duas até três vezes por ano, por
exemplo, milho, feijão e batata, numa e na mesma roça” (grifo meu).
A inesgotabilidade do solo era uma certeza. As características da fronteira verde
condicionaram o tipo de sistema produtivo adotado na floresta subtropical, tanto quando
a forma de organização social das colônias. Segundo ressaltou o imigrante Josef Umann
(1997, p.69) ao final do século 19, "como sabíamos que não podíamos esperar nenhuma
ajuda do Governo, ou de quem quer que fosse, não nos restava senão executar nós
mesmos o trabalho árduo e não habituado". Tais condições incluíram a adoção das
técnicas indígenas e caboclas por parte dos pioneiros, inclusive com certa resistência,
como vimos anteriormente. Diante do solo acidentado, coberto de raízes grossas e
profundas, quando não de rochas, o modo mais fácil e eficaz de preparação da terra era,
sim, a derrubada, seguida das queimadas. Quando semearam em meio às cinzas e
perceberam o vigor com que germinavam as plantas, muitos colonos de fato se
convenceram de que esse era o método mais adequado ao ambiente ao qual estavam
inseridos. Como a cada plantio as plantas vinham mais fortes, especialmente nos
primeiros anos, entenderam que não havia mal nas queimadas – somente em 1890, no
caso das colônias alemãs, é que começaram a aparecer com mais virulência os primeiros
sinais de esgotamento.
Alguns colonos, segundo Umann (1997, p.62), chegaram a empregar “os mesmos
métodos usados na pátria, o que lhes dava prejuízo e os fazia perder tempo precioso”.
Mas a raiz de todo o problema, para o funcionário público José Joaquim Rodrigues
Lopes (1867, p.3), autor de um relatório sobre São Leopoldo, residia no fato de que
muitos dos imigrantes estabelecidos naquela colônia eram operários, e não agricultores.
Assim, “completamente ignaros dos preceitos de tão nobre profissão, se entregarão com
ardor à rotina dos agricultores indígenas”, fazendo uso da coivara sem questionar as
conseqüências desse método.
112
Por sua adoção em massa, as queimadas foram percebidas e registradas por vários
viajantes que circularam pelas colônias alemãs. Em alguns relatos, como o do médico
Robert Avé-Lallemant, datado de 1858, o tema é recorrente. E é significativo notar que,
em nenhum dos casos analisados, esses viajantes europeus criticaram os colonos por um
possível "retrocesso cultural" em terras sul-rio-grandenses. Pelo contrário. Em seus
relatos, teceram elogios intermináveis aos imigrantes, considerados verdadeiros heróis
civilizadores, motores do progresso. A idéia de retrocesso seria imputada aos imigrantes
somente mais tarde por historiadores e geógrafos, principalmente no decorrer do século
20, muitas vezes de forma anacrônica.
Ao passar por Rio Pardinho, no interior da Colônia de Santa Cruz, Avé-Lallemant
(1980[1858], p.175) registrou ter visto, "em toda parte, troncos de árvores meio
carbonizados e cinzentos", que considerou "restos do voraz incêndio da mata na floresta
semi-tostada". Para o forasteiro, as queimadas haviam se tornado parte integrante da
paisagem local: ao passo que imperava, "para todos os lados, um oceano de matas",
segundo ele (1980[1858], p.172), "só a fumaça, que sobe lentamente de alguns pontos,
anuncia que audazes agricultores já se estabeleceram no vale solitário, que do caos da
natureza selvagem brotará uma cultura policiada!".
A luta contra o "caos da natureza selvagem", para usar as palavras do próprio Avé-
Lallemant, também foi admirada, em São Leopoldo, pelo viajante alemão Oscar
Canstatt (2002[1871], p.420-421). Para o estrangeiro, as queimadas eram uma prova da
superioridade humana frente à floresta e mereciam elogios:
"Tive ocasião de apreciar um belo espetáculo, numa das noites seguintes,
quando, exatamente defronte de minha janela, puseram fogo a um roçado na
encosta, isto é, a um trecho de floresta destinado à plantação, que tinha sido
derrubado e havia semanas vinha secando e estavam queimando para ser
lavrado e semeado. O valor da custosa madeira não tinha importância no
caso, porque não havia caminho, nem meios, para tira-la da floresta. Nas
grandes estiagens acontece, muitas vezes, que desse sistema de tornar
cultiváveis grandes extensões de terra resulta os incêndios se propagarem e
tornarem-se perigosos para as habitações mais próximas. Geralmente o
colono assiste tranqüilamente à queima do roçado, porque o fogo não se
comunica facilmente à madeira dura e aos maciços de plantas próximas,
muito ricas de seiva. Também costumam, anualmente, na época de maior
estiagem, pôr fogo aos potreiros ou cercados para gado, para fazer, por esse
modo, crescer o pasto."
113
Esse tipo de relação com a floresta repetiu-se em todas as colônias, de forma
padronizada, sendo adotado sucessivamente pelas levas que iam povoando os limites da
fronteira verde. Só começaria a se modificar com a inserção de técnicas diferenciadas
ao longo do século 20, quando os próprios colonos, principalmente os descendentes dos
pioneiros, finalmente se dariam conta de que a persistência desse método acabava por
tornar a terra imprestável. Antes disso, porém, no núcleo alemão de Santo Ângelo, por
exemplo, o médico Avé-Lallemant (1980[1858], p199) percebeu que as formas de
preparo da terra eram "exatamente como em Santa Cruz". Segundo ele, "o machado e o
fogo são os instrumentos de desbravamento e brotam das cinzas, excelentemente, o
milho, o feijão, a batata".
Nem por isso, contudo, a coivara passou incólume ao olhar desse viajante, que
chegou a tecer uma breve crítica ao uso desse método – não exatamente por questões
ecológicas ou por considerá-la um retrocesso, mas por questões estritamente
econômicas. "Bela madeira!", exaltou ele em seu diário (Avé-Lallemant, 1980[1858],
p.181-182), para complementar em seguida, com pesar: "O que aqui a civilização fazia
era uma fantástica e lamentável obra de incendiário". Críticas desse tipo, porém, foram
raras. Para o viajante francês Arsène Isabelle (1983[1835], p.73), os colonos tinham "a
obrigação de derrubar os matos". E deviam ser respeitados por isso.
Como concluiu Frederick Jackson Turner (1893) em relação aos pioneiros norte-
americanos (caçadores, cowboys, trappers, comerciantes e fazendeiros, entre outros
personagens), houve inicialmente uma apropriação de certas características nativas por
parte dos colonos. Isso não impediu, entretanto, que no futuro esses agricultores
voltassem a utilizar o arado e passassem a cultivar sementes tipicamente européias – o
que de fato acabaria ocorrendo no caso sulino, embora ainda hoje, em algumas
localidades mais isoladas, a técnica da queimada continue em uso. Como detalhou o
viajante Carl Seidler (1976[1835], p.111), com o passar dos anos, foi "introduzido o
arado, que dantes não se conhecia no Brasil, e assim atualmente a terra é cultivada à
européia".
Por outro lado, como vimos anteriormente, muitas das características apropriadas
dos nativos tiveram continuidade entre os descendentes dos colonos, como o uso de
certos alimentos (pinhão, mandioca, abóbora, milho, etc.) e de bebidas (o chimarrão, por
exemplo). Seria um erro afirmar que esses grupos tenham se "rebaixado" a um "nível
cultural inferior" ou "primitivo", como sentenciou Waibel, em uma conclusão simplista.
É evidente que esses colonos, em seu dia a dia, viveram um processo de hibridismo
114
cultural e de adaptação ao mundo tropical – o que seria a "Kuchen de abacaxi”, se não o
exemplo mais concreto dessa transformação?
Essas mudanças culturais, como já destacou Correa (2005), foram igualmente
percebidas pelo olhar de estranhamento dos viajantes europeus. Em seu diário, Avé-
Lallemant (1980[1858], p.133) fez questão de alertar seu leitor da importância desses
pormenores:
“Decerto ao leitor de uma descrição de viagem no Brasil parecerão
supérfluos esses pequenos detalhes, que julga poder encontrar em todas as
aldeias alemãs. Todavia, são o tom fundamental, traços distintos do quadro
colonial sul-americano.” (grifo meu)
Ao passar por Santa Maria, no centro da Província, Avé-Lallemant (1980[1858],
p.214) notou que "o dialeto do Palatinado se fala aqui nas ruas, como língua do país, e,
como lá, se ouve em toda parte". No entanto, segundo ele, "no 'palatinatismo' se
intromete a originalidade da vida sul-rio-grandense" (grifo meu). Em outra ocasião,
visitando uma casa "perfeitamente alemã", o mesmo viajante surpreendeu-se ao notar
um "traço de gaucharia" em um dos filhos de seu hospedeiro: "O rapazote", conforme
Avé-Lallemant (1980[1858], p.191), "era dos pés à cabeça um gaúcho, um centauro!".
Apesar disso, continuava se comunicando em alemão.
A manutenção desse hábito, mesmo em face de todas as alterações que se
processavam, também chamou atenção do alemão Friedrich Von Weech (1982[1828],
p.186). Vale ressaltar que, ainda hoje, no interior de municípios como São Leopoldo e
Santa Cruz do Sul, famílias inteiras continuam se comunicando na língua materna dos
antepassados. Mesmo esta, no entanto, também sofreu modificações.
Dinâmica, a linguagem acompanhou as transformações pelas quais passaram os
descendentes dos primeiros imigrantes. Novas palavras e expressões foram, aos poucos,
incorporadas ao idioma original. E é curioso atentar para o fato de que, como destaca
Arthur Rambo (2004, p.37), algumas das expressões em voga na nova terra incluíram os
nomes de árvores nativas. Exemplos disso são as frases "incorruptível como o cerne da
cabriúva" e "sólido como a canafístula", que, em alemão, se tornaram comuns entre os
colonos.
A marcha rumo à fronteira verde e o contato com o novo ecossistema impuseram
uma série de escolhas aos colonos, que se repetiram nas demais colônias e devem ser
analisadas a partir de um processo de alteridade. Como escreveu Avé-Lallemant
115
(1980[1858], p.134), “do caos da mata aniquilada, brotava vida nova” – com todas as
implicações ambientais decorrentes disso. Weech também percebeu a mudança em
curso. Segundo ele (1982[1828], p.186), "uma nova geração, que só conhece a Europa
de nome, que está habituada aos usos, costumes e modo de vida do país [...] toma o
lugar da antiga geração". Mas isso não era visto de forma negativa. Como afirma Ave-
Lallemant (1980[1858], p.185),
"a segunda geração nascida em clima feliz, geração mais genial, diria eu, de
homens jovens, vivos, independentes, de moças esbeltas, cheias de vida,
conscientes de si mesmas, como os vi em São Leopoldo. Lá se tornaram
mais nobres e melhores do que seus pais, desalentados, na pátria, com o
fardo do trabalho infrutífero e dos preconceitos. Livres no solo livre dos
pais. E isso também se manifesta no seu proceder, no porte, no movimento,
no vestuário; tudo que fazem expressa decisão, segurança e certa
flexibilidade que de algum modo já se poderia chamar educação, mesmo
sem nenhuma verdadeira cultura escolar."
Além disso, essa nova geração híbrida carregava um ímpeto migratório – aspecto
também apontado por Turner em sua análise sobre a conquista do Oeste nos Estados
Unidos. Foram principalmente os filhos e netos dos antigos colonos que ganharam a
fronteira verde e chegaram mais longe. Se de fato se pode dizer que no caso norte-
americano foi entre esses conquistadores que nasceu o verdadeiro “espírito
democrático” (Turner, 1893), no caso sul-rio-grandense há uma versão semelhante. Sem
mencionar a frontier thesis, René Gertz (2003, p.122) afirma que "os que migram são os
mais dinâmicos, os que têm espírito de iniciativa para tentar um futuro melhor".
Analisando o comportamento político das populações das regiões de colonização alemã
do Estado, Gertz (2003, p.122) concluiu que "nas 'colônias antigas', em contrapartida,
permanecem os mais acomodados, os mais conservadores".
Para Avé-Lallemant, tudo apontava para isso. "Parece-me", registrou ele em 1858
(1980, p.121), "que os nossos bons compatriotas nesta natureza sul-americana livre,
onde estão expostos a lutas peculiares contra obstáculos naturais, desenvolvem ainda
mais determinação em resolver e em agir". Ainda segundo o viajante, esses alemães
passavam a se sentir livres, "porque aprenderam a ser livres". Quando crianças, "os
filhos montam a cavalo e percorrem destemidamente a planície". Aos olhos de Avé-
Lallemant (1980[1858], p.122),
116
"sentem-se bem dispostos e livres e por isso são corajosos e muito ativos,
quando os encontramos em caminho. E este elemento de uma grande
determinação e energia desenvolve-se também nas moças, desde a sua tenra
juventude. Montam sem esforço, elas próprias selam o cavalo e não
precisam esperar por um irmão ou por um cavalariço para viajar a cavalo.
Aprendem a não fazer distinção humilhante entre a filha do camponês e a
moça da sociedade. Isto trazem escrito na fisionomia, na atitude esbelta e
firme do corpo, nos ativos olhos azuis."
Em suas observações, Avé-Lallemant se deu conta de que as meninas também
andavam a cavalo descalças, com apenas um dos dedos apoiados no estribo, "à
verdadeira moda rio-grandense". Segundo ele (1980[1858], p.124), essas moças
"nascidas na mata" estavam "intimamente familiarizadas com a natureza". Tudo isso, de
um modo geral, encantava esses viajantes, especialmente os de origem alemã, quando se
punham a registrar suas impressões – na maioria das vezes positivas e eurocêntricas ao
extremo – sobre os jovens nascidos em solo americano e sobre as transformações que
impuseram ao meio ambiente.
Fruto de uma de regressão a padrões “primitivos” ou não, o fato é que a vida na
fronteira verde implicou o surgimento de novos hábitos e, aparentemente, de uma nova
gente. Seria impossível simplesmente repetir em solo americano o mesmo modo de vida
que esses homens e mulheres tinham em sua terra natal. Em termos ambientais, ao que
tudo indica, esse processo teve uma profusão de efeitos não premeditados pelos
promotores e organizadores do empreendimento colonizador. Nem por eles, nem pelos
colonos.
117
3. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ITALIANA:
O AVANÇO RUMO À SERRA
Cinco décadas após o início da colonização alemã no Rio Grande do Sul, que
nesse período já se difundira pelos vales dos rios Jacuí, Caí, Sinos e Taquari, uma nova
onda de imigração canalizou para a região serrana da Província milhares de novas
famílias, vindas principalmente do Norte da Itália. Coube a elas o desafio de escalar a
Serra e ocupar as áreas de mato esculpidas sobre escarpas rochosas a mais de 700
metros de altitude – o trecho mais acidentado da fronteira verde, preterido pelas elites
latifundiárias regionais, tanto quanto pelos colonos alemães.
No coração da floresta subtropical, delineada no alto pelas copas de majestosas
araucárias, mais de 70 mil italianos tiveram de aprender, tanto quanto os predecessores
germânicos, a lidar com o ecossistema regional para sobreviver. O êxito foi tamanho
que, no fim do século 19, esse contingente já se espalhava por uma área de mais de 370
mil hectares, que envolvia sete colônias, e continuava a se expandir sem trégua.
Desde o início, os imigrantes enfrentaram uma série de desafios até chegar aos
seus lotes, a começar pela escalada abrupta da Serra – tema da primeira parte deste
capítulo. Foi na dura subida por caminhos íngremes, abertos a facão no meio da mata
cerrada, que os recém-chegados travaram os primeiros contatos com a floresta e
contemplaram, estupefatos, toda a sua biodiversidade – onde “mesmo ao meio dia reina
[...] apenas uma luz enfraquecida, porque entre a densa ramagem quase nunca se
enxerga uma réstia de céu azul”, como registrou em 1893 o naturalista sueco Carl
Lindmann (apud Maestri, 1999, p.203).
Superados os obstáculos iniciais, os imigrantes eram conduzidos até seus lotes,
onde deveriam começar vida nova – seguindo os passos, mais uma vez, dos colonos de
origem alemã, a partir das mesmas orientações de inspetores e diretores coloniais.
Exilados nas montanhas, esses homens e mulheres-fronteira parecem ter experimentado
118
com maior intensidade sentimentos de abandono e de isolamento, expressos à exaustão
em cartas e diários. Embora ilusórias e até exageradas aos olhos do observador atual,
como demonstra a segunda parte deste capítulo, tais sensações se traduziram em ações
concretas, transcendendo o plano simbólico e produzindo alterações profundas no meio
ambiente.
Em dez anos, as modificações na paisagem eram visíveis. Nos altos da Serra,
como nas colônias que se proliferaram pelos vales, os métodos de preparo e cultivo do
solo, no início, seguiram o mesmo padrão. Também ali, como o leitor verá na terceira
parte deste capítulo, imperou o “desmatamento civilizador” já imposto pelos alemães
em seu embate com a floresta, em uma versão muito semelhante. Na Serra, a predileção
pela “técnica do fósforo”, como definiu o historiador Olívio Manfroi (1975), igualmente
transformou milhares de hectares de matas em cinzas. Mas nem todos os padrões se
repetiram.
Ao contrário dos colonos alemães, que investiram em uma produção diversificada
e, dessa forma, conquistaram os principais mercados regionais e nacionais e
descobriram o caminho para o desenvolvimento econômico, os italianos buscaram na
especialização produtiva o seu diferencial – que em pouco tempo se tornou visível
também na paisagem colonial.
De um lado, tendo as araucárias como a principal matéria-prima, os imigrantes
apostaram na exploração madeireira dessas árvores com características únicas, feitas de
troncos retilíneos e madeira nobre, que deram aos futuros municípios da região a fama
de fabricantes de “móveis coloniais”. De outro, aproveitando o clima propício, muito
semelhante ao clima do setentrião italiano, importaram mudas e sementes dos mais
variados tipos de uvas e difundiram os parreirais pela Serra, que acabaram por tornar a
região igualmente conhecida pela produção de vinho. Tanto a indústria madeireira
quanto a vitivinicultura, como mostram a quarta e a quinta parte desta análise,
transformaram para sempre o ecossistema regional.
Por fim, no fechamento do presente capítulo, a análise segue rumo à última zona
florestal da Província. No fim do século 19, os italianos e principalmente seus
descendentes decidiram cruzar o Rio das Antas e liderar uma corrida por novas terras, a
Noroeste do Rio Grande do Sul, no limite da fronteira verde – para onde também
convergiram os descendentes de alemães e imigrantes de outras etnias. Uma marcha que
prosseguiu e de certa forma se renovou com destino a outras paragens e, até hoje, não
teve fim.
119
3.1. A escalada da Serra
“Do alto daquela serra, em certos pontos, descortinava-se um panorama
maravilhoso. A floresta virgem que se perdia à vista d’olhos, os vales de um
verde-escuro, sucedendo-se como as ondas do mar, e as vastas extensões de
pinheirais seculares (araucárias) que, ao longe, enfeitavam o horizonte com
suas copas, quais sombrinhas gigantescas, e, acima de nossa cabeça um céu
límpido e azul e um sol majestoso, que se refletia na selva áspera e forte,
que, infelizmente, em menos de quarenta anos, ia ser devastada e abatida
pelo braço forte do colono italiano.”
Imigrante Giulio Lorenzoni
Embevecido com a floresta que se descortinava aos seus pés, o colono italiano
Giulio Lorenzoni imortalizou em seu diário – escrito no início do século 20 e publicado
em 1975 – uma lembrança que diz muito da especificidade ecológica da colonização
européia na Serra gaúcha. Foi em finais de 1883, ao lado da esposa, do filho, dos sogros
e do cunhado, que Lorenzoni adentrou a fronteira verde em seu trecho mais acidentado,
vencendo as dificuldades impostas por um terreno íngreme, coberto de mata nativa e em
grande parte ainda desconhecido das autoridades brasileiras. Serpenteando árvores
gigantescas, ele foi um dos muitos colonos que transpuseram a Serra Geral em nome de
um sonho: tornar-se proprietário de terras.
Durante muitos anos, principalmente por suas dificuldades de acesso, a região da
Encosta Superior do Nordeste rio-grandense esteve em segundo plano nos projetos de
colonização. Como descreveu Olívio Manfroi (1975, p.69-70), “a densidade da floresta
subtropical, os profundos vales e a falta de estradas tornavam a região hostil e de difícil
exploração”. Em 1875, as melhores terras da Província já estavam ocupadas pela
população luso-brasileira e por colonos de origem alemã em sua maioria. Inicialmente,
os empreendimentos coloniais abrangeram regiões mais próximas de Porto Alegre e, em
geral, mais acessíveis aos recém-chegados.
Entre os imigrantes alemães, a maioria, no fim do século 19, já havia ocupado a
planície dos vales – principalmente do Caí e do Rio dos Sinos –, chegando, quando
120
muito, aos primeiros contrafortes da Serra (a cerca de 300 metros de altitude).
Rapidamente, a colonização alemã se difundiu ao longo dos rios navegáveis da região,
mas evitou a escalada abrupta da Encosta pelos perigos que representava.
Nessa região, porém, restava ainda uma considerável área de terras “devolutas”,
cuja exploração, apesar das dificuldades, interessava ao governo provincial. A área,
segundo Azevedo (1982, p.48), ficava entre as pradarias do Nordeste – território das
vacarias – e a borda do paredão da Serra Geral, ao Sul. Em meados do século 19, era
cortada por antigas estradas de tropeiros, estreitas e mal conservadas, tomadas pelo
mato. Essa região – tida como selvagem, improdutiva e deserta pelo governo – tornou-
se alvo efetivo de um projeto de colonização somente quando os vales já se
encontravam ocupados, 50 anos após a chegada dos primeiros imigrantes alemães.
Em 1870, um trecho inicial de 32 léguas quadradas (correspondente a cerca de 115
mil hectares), localizado exatamente naquele ponto da Serra, foi cedido pelo governo
imperial ao governo provincial para que introduzisse anualmente de 2 mil a 6 mil
colonos. Por dificuldades administrativas, a Província acabou devolvendo a área
praticamente intacta ao governo central, que deu continuidade ao projeto e, a partir de
1875, iniciou o povoamento intensivo da região. Data desse período o surgimento dos
núcleos de Conde d'Eu, Dona Isabel e Caxias – esta última, inicialmente denominada
Campo dos Bugres, em referência à ocupação indígena original.
Durante uma visita a essas colônias, em 1883, o cônsul italiano Enrico Perrod
(1883, p.15) contou ter sido informado de que, antes da chegada dos imigrantes
italianos, “alguns colonos alemães arriscaram-se a ir desmatar aquelas selvas, mas todos
eles acabaram retrocedendo” devido às dificuldades que encontraram pelo caminho. Ali,
a fronteira verde assumia a forma de uma barreira natural quase intransponível (veja os
mapas a seguir).
Para o agente consular italiano Luigi Petrocchi (1906, p.10), havia um sentido
bastante claro na iniciativa do governo de criar as colônias italianas na Serra. Segundo
Petrocchi (1906, p.10), o Estado planejava encaminhar a nova corrente migratória para
aqueles “montes abruptos e impraticáveis” com o estrito objetivo de “não manter
isoladas as colônias alemãs”. A intenção, porém, não levava em consideração, segundo
ele, “os acidentes ou a qualidade do terreno”, que Petrocchi considerava “em grande
parte rochoso” e, por conta disso, pouco visado.
121
Mapa 4: Relevo do Rio Grande do Sul
A área circulada indica a região onde teve início a colonização italiana no RS.
Fonte: Atlas Socioeconômico do RS. Porto Alegre: SCP, 2002, 2ªed.
122
Mapa 5: Diagrama morfológico do Nordeste do RS
O relevo da Encosta do Nordeste do RS, que teve de ser escalada pelos imigrantes italianos. Fonte:
FALCADE, I. (Org.) 1999. Vale dos Vinhedos: Caracterização geográfica da região. Caxias, Educs.
A recusa dos alemães e teuto-brasileiros em explorar aquelas florestas, para Nilo
Bernardes (1997, p.75), tinha uma explicação relativamente simples: segundo ele, os
imigrantes de origem germânica não gostavam de “terra de pinheiro” e por isso teriam
preferido os torrões escondidos sob as matas latifoliadas das planícies. Entretanto, é
evidente que os alemães e seus descendentes, assim como os colonos de outras etnias,
viam na encosta um obstáculo concreto e, por esse motivo, não tinham interesse
naquelas terras – pelo menos inicialmente, quando ainda não havia infraestrutura
adequada.
123
Imagem 9 – Paisagem serrana
Vista de uma queda d'água entre duas paredes de rocha na zona colonial italiana na Serra
gaúcha, entre 1875 e 1900. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico
Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami
124
Alguns chegaram a avançar até a beirada da Serra. Outros, como apontou
Bernardes (1997, p.75), infiltraram-se pelos grandes vales até os patamares onde
começavam a ocorrer as araucárias. Dali para cima, as terras mais acidentadas acabaram
sendo ocupadas essencialmente pelos italianos – embora imigrantes de outras
procedências, como franceses e poloneses, também tenham se dirigido à região, porém
em muito menor escala. Reféns de uma crise aguda que se aprofundava a cada dia
14
,
foram principalmente os habitantes do norte da Itália que engrossaram as fileiras da
imigração e, sem muitas alternativas, aceitaram as terras que lhes foram apresentadas.
Poucos, entretanto, sabiam o que realmente lhes aguardava.
Naquela região, as frentes pioneiras tiveram de aprender a lidar com
características ambientais distintas daquelas com as quais se depararam alemães e teuto-
brasileiros. Desde cedo, os italianos perceberam que tais características – como o
escarpamento abrupto e a existência de entalhes profundos nos vales fluviais, a exemplo
da imagem anterior e da próxima, do fim do século 19 – tornavam a conquista da
fronteira verde naquele trecho um verdadeiro desafio. De certa forma, desde o início da
colonização, as condições físicas e naturais condicionaram o uso do território (Etges,
2001, p.352). Nesse caso ainda mais, principalmente para qualquer um que não fosse
nativo ou conhecedor daquelas áreas – como Caingangues e luso-brasileiros que viviam
de atividades extrativistas na floresta ou de tropear o gado.
Para atingir os altos da Serra, segundo Thales de Azevedo (1982, p.47), era
preciso “vencer uma escarpa de dificultosa conquista”, que representava uma escalada
de 700 a mil metros de altitude, num tempo em que sequer existiam estradas
apropriadas na região, que também não podia ser alcançada de trem. Conforme o Atlas
Socioeconômico do Rio Grande do Sul (2002, p.11), as terras mais altas do Planalto no
Nordeste gaúcho alcançam exatos 1.398 metros de altura – efetivamente o pico da
fronteira verde.
14
A crise que acabou por desencadear uma emigração em massa na Itália estava relacionada, em grande
parte, à unificação italiana, a partir de 1870. Para mais informações, ver De Boni e Costa (1984, p.49-61),
Manfroi (1975, p.94-96) e Azevedo (1982, p.63-73).
125
Imagem 10 – Morro desmatado
Morro parcialmente desmatado, à margem de um rio na região colonial italiana, na Serra gaúcha, entre
1875 e 1900. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul
João Spadari Adami
Pouco a pouco, porém, o governo imperial deu início às medições de terras na
região e conduziu imigrantes às nascentes colônias italianas, que seguiriam o mesmo
esquema já aplicado com sucesso nas colônias alemãs – baseado na abertura de linhas
ou picadas nas proximidades de cursos d’água e na distribuição de pequenos lotes na
mata serrada. O fluxo migratório intensificou-se principalmente a partir dos anos de
1876 e 1877, com a vinda de três a quatro mil pessoas por ano à Província, e foi ainda
maior em 1891, quando chegaram cerca de 9 mil imigrantes. Nos primeiros 33 anos de
colonização, registros indicam que a soma total de italianos vindos ao Estado
ultrapassou os 70 mil (Azevedo, 1982, p.110). No fim do século 19, toda essa gente
acabou se espalhando por uma área de mais de 370 mil hectares, que já envolvia sete
colônias.
126
No começo, como destacou Manfroi (1975, p.113), o percurso rumo à terra
prometida em nada se comparava a “um simples caminhar pela mata”, mas a uma
marcha em meio a “vales e precipícios”. Em três dias, segundo ele, passava-se de 10 a
800 metros de altitude. Foi nesse percurso repleto de incertezas que os colonos travaram
as primeiras relações com o ecossistema regional. O trecho mais difícil do itinerário,
segundo relatos da época, correspondia aos quilômetros finais do percurso, feitos em
uma estradinha íngreme e quase intransitável, na maioria das vezes a pé. Segundo Mário
Maestri (2000, p.59),
“o vale do Caí era o principal caminho ligando a Encosta Superior à
Depressão Central. Por ele transitavam tradicionalmente os tropeiros que
viajavam de Vacaria a Montenegro. Alguns imigrantes estabeleciam-se nas
cidades. A grande maioria partia de Porto Alegre para a Serra, embarcada
em pequenos vapores, que navegavam pelo Caí por umas sete horas. Os
colonos que desembarcavam em São João de Montenegro, na margem
esquerda do Caí, e alojavam-se em velha casa antes de se dirigirem, através
de uma picada, às colônias de Conde D’Eu e Dona Isabel.”
No início, segundo Maestri (2000, p.59), a estreita e íngreme picada aberta na
mata era vencida em um período de três a oito dias. Contando com 66 quilômetros até
região colonial serrana, esse caminho encravado no meio da floresta – espécie de
corredor de acesso à “fronteira verde” – era um verdadeiro tormento para os imigrantes.
As primeiras levas, conforme Ernesto Pellanda (1956, p.139), fizeram a ascensão a pé,
carregando a bagagem e a prole nas costas. A estrada lamacenta e inclinada era
percorrida lentamente pelos colonos, tão desorientados quanto assustados, surpresos
com a imensidão verde que os circundava. Tratava-se, segundo Azevedo (1982, p.142),
de “maus caminhos, abertos a facão e foice, imperfeitamente destocados, com um leito
útil de 3 metros sobre uma faixa derrubada de 16 metros de largura”, onde nem carretas
conseguiam passar. Para que conseguissem chegar ao seu destino, as caravanas de
forasteiros eram orientadas por guias ou vaqueanos. Nos primeiros anos, o principal
desses guias foi o português Antônio José Ribeiro Mendes, que, segundo Azevedo, se
fizera exímio conhecedor da região ainda pouco desbravada e pouco conhecida por
integrantes do governo provincial.
Os longos dias de caminhada Serra acima, aliados à má alimentação, à falta de
abrigo e de roupas adequadas, deixavam muitos colonos doentes. Aqueles que morriam
durante a subida da Serra, de acordo com Maestri (2000, p.59), eram enterrados ali
mesmo, à beira da estrada, no meio do mato. Os que sobreviviam não raro chegavam
127
enfermos e famintos ao seu destino. De acordo com o relatório escrito em dezembro de
1905 pelo agente consular italiano Luigi Petrocchi (1906, p.10), “muitos imigrantes
italianos, principalmente os mais jovens, morreram sem a menor assistência, logo ao
chegar, devido à penúria e às fadigas da viagem”.
Inúmeros relatos do fim do século 19 são indícios das dificuldades desses
primeiros contatos com a terra prometida. Em 1874, o agrimensor alemão Maximiliano
Beschoren empreendeu uma viagem com destino ao Alto Uruguai, no extremo Norte da
Província, com o objetivo de realizar levantamentos topográficos para o governo central
na região – onde, na virada do século 19 para o 20, surgiriam as chamadas “colônias
novas”. Em seu diário, escrito entre 1875 e 1887 e publicado em 1989, ele relata sua
“passagem pela Serra”. Embora Beschoren não tenha chegado a passar especificamente
pela região colonial italiana, ele cruzou o Planalto e, para atingir seu destino, também
teve de vencer a Encosta.
A aventura teve início quando Beschoren (1989[1887], p.18) deixou a colônia
alemã de Santa Cruz e, tomando um desvio na mata, penetrou "o caminho da Serra".
Até chegar ao sopé da Encosta, que ele chamou de "montanha principal", não se
registraram maiores dificuldades. A partir dali, no entanto, o alemão destacou que a
subida tornava-se "constante". Era tão acentuada, segundo seu relato, que o grupo com o
qual viajava era obrigado a apear dos cavalos e jumentos a toda hora para aliviar os
animais. Em seu diário, Beschoren (1989[1887], p.18) conta que, para piorar a situação,
um temporal irrompeu com fúria sobre os viajantes, tornando a subida ainda mais
difícil:
“Foi uma caminhada horrível! A estrada estreita, quatro passos de largura,
arrastava-se em pequenas curvas abruptamente para o alto. Pedras soltas e
grandes blocos de rochedos dificultavam a passada. Tudo pesava sobre mim:
o poncho e as pesadas esporas. Como se não bastasse, a teimosia do burro,
que eu levava pela rédea, de jeito nenhum queria me seguir pelo pedregulho
[...] De tempo em tempo, descansávamos para reunir a gente e a tropa.
Depois de cinco quartos de hora, chegamos ao ‘Cimo da Serra’, mortos de
cansados.”
Ao longo do caminho, segundo ele (Beschoren, 1989[1887], p.19), “os cargueiros
chocavam-se nas árvores com a volumosa bagagem e enroscavam-se nos cipós
pendentes”. Também “os cavaleiros se desviavam dos espinhos, das trepadeiras e dos
juncos caídos no chão pelo temporal”. Quietos, os integrantes do grupo cavalgavam um
128
atrás do outro. O silêncio era interrompido apenas “pelo praguejar de quem era agredido
por galhos espinhentos, por taquaras que batiam no rosto e pelo murmúrio da chuva”.
Histórias semelhantes pululam os relatos de colonos. Uma velha imigrante contou
que “a certa altura do caminho”, quando, ainda pequena, seguia com os familiares para
a região colonial italiana, seu cabelo – então “comprido e crespo” – ficou preso em
“espinilhos” (apud De Boni e Costa, 1984, p.104). Ela relatou que “os adultos iam a pé”
e que ela e um irmão pequeno foram “colocados em dois cestos”, acomodados sobre o
lombo de um animal. Na travessia, como no caso de Beschoren, um inesperado
temporal desabou sobre os imigrantes. Cansados e doentes, eles eram obrigados a
caminhar no lodo e, não raro, se machucavam ao pisar em plantas que jamais haviam
visto ou ao ser picados por insetos que lhes eram completamente estranhos.
Relatos como esses são reforçados pelo relatório do agente consular italiano Luigi
Petrocchi (1906, p.10). Segundo o registro, realizado durante uma de suas visitas à
região, “não havia estradas, mas somente alguns caminhos estreitos traçados através de
vales e despenhadeiros da floresta, onde não batia o sol, cheios de poças d’água e
estrepes, onde a cada passo deixava-se um pedaço de roupa”. Para muitos, porém, o que
mais assustava não eram necessariamente as más condições desses caminhos, mas as
características ambientais da região. Um imigrante polonês chamado Jan
Wietrzykowski, que em 1891 passava pela Colônia de Caxias com destino à Colônia de
São Marcos, registrou que “estaria tudo bem se não houvesse montanhas tão altas que
chegam a furar as nuvens”.
Mais de dez anos depois das primeiras levas terem vencido o paredão, outros
registros indicam que pouca coisa havia mudado no que se refere à escalada. Conforme
Ernesto Pellanda (1956, p.139), somente anos mais tarde os colonos puderam contar
com o transporte de carroça. A informação é corroborada pelo relatório do engenheiro e
ajudante da Inspetoria Geral das Terras e Colonização, Manoel Maria de Carvalho, que,
em 1886, escreveu sobre a situação da Colônia de Caxias para o governo central.
Segundo ele, os colonos continuavam “a ser transportados muito poucas vezes em
carretas e algumas em animais, quase sempre xucros, de maneira que a maior parte faz a
pé essas longas travessias”. Carvalho afirmou ainda que os imigrantes não recebiam
“abrigo nem alimentação durante os dias em que assim viajam”.
As más impressões foram compartilhadas por funcionários do serviço diplomático
italiano. Em 1883, o cônsul Enrico Perrod decidiu deixar Porto Alegre para conhecer de
perto as colônias italianas na Serra gaúcha. A aventura morro acima foi registrada por
129
ele e também se perpetuou no diário escrito no fim do século 19 pelo colono Giulio
Lorenzoni (1975, p.142-143).
Em seu relatório, Perrod (1883) destacou que “a estrada, através de florestas e
mata ainda virgem, é horrenda, e tão ruim que na Itália apenas cabras a percorreriam,
com banhados a cada passo e sem pontes”. Nas palavras de Lorenzoni, que havia
percorrido o mesmo trajeto alguns meses antes, o cônsul teve de vencer "estradas
primitivas”, que naquela época serviam de passagem “a tropas de gado e a seus
corajosos tropeiros, práticos em atravessar a cerrada floresta". Ainda de acordo com o
colono (1975, p.142), "o ilustre viajante por várias vezes teve a infelicidade de ser
jogado da sela [...], não deixando de maldizer, por milhares de vezes, a América com
seus bosques seculares".
Mesmo Lorenzoni, que já conhecia as florestas subtropicais por ter vivido na
colônia italiana de Silveira Martins antes de migrar para os Altos da Serra, sentiu
dificuldades na escalada. Acompanhado da família, ele se mudou para a colônia Dona
Isabel em 1883 – seis anos depois de ter chegado à Província com os pais. Sobre a
subida da Encosta, contou ter seguido por “uma estrada ainda em construção” – a
mesma percorrida por Perrod e tantos outros. Para amenizar as dificuldades, usou parte
de suas economias para contratar um carreteiro, mas, mesmo assim, passou trabalho.
Em seu diário, Lorenzoni (1975, p.109) relatou ter trilhado “um terreno arenoso,
onde a carreta, embora puxada por cinco boas mulas, tinha dificuldade em avançar e
pouca carga podia agüentar”. Por conta disso, parte da família teve de fazer a travessia a
pé, o que, segundo o colono, foi “um martírio”:
“Resolvemos fazer uma pequena parada e, após, continuamos a nossa
marcha, subindo o morro, por uma estrada em construção, se estrada podia
se chamar o que não é possível descrever. Nossa carreta enterrava suas rodas
na terra remexida recentemente e os animais caminhavam com tanto esforço,
que era necessário fazer pequenas paradas, quase a cada cem metros. A
primeira subida, que teria talvez três quilômetros, levamos mais de duas
horas para realizá-la.”
Após encontrar um grupo de colonos que trabalhava na estrada, Lorenzoni (1975,
p.111) e a família decidiram passar a noite em uma cabana vazia, encontrada na mata,
na localidade de Linha Bonita. No dia seguinte, retomaram a viagem. Para desânimo da
família, “a estrada continuava pesada, subindo sempre, com terreno ora barrento, ora
pedregoso, de modo que a viagem tornava-se intediosa e insuportável”. Ao final, os
130
colonos eram instalados em barracões, exatamente como no modelo já testado com os
colonos alemães, onde aguardavam a indicação de seus lotes e curavam suas feridas.
Realizada a duras penas, a subida da Serra, para esses imigrantes, representou
apenas o começo de uma grande jornada ao desconhecido. Como concluiu a geógrafa
Ivanira Falcade (et all, 1999, p.35), a colonização italiana foi implantada nas bordas e
praticamente no topo de um dos patamares mais elevados do extenso Planalto das
Araucárias, região de relevo bastante recortado, que integra a Serra Geral, formada por
uma sucessão de derrames de rochas efusivas.
Foi ao longo da escalada desse paredão que os italianos e seus descendentes
começaram a perceber o que de fato os aguardava na terra prometida. Lá de cima, do
alto da Encosta, como um dia descreveu o colono Giulio Lorenzoni (1975, p.111),
observaram estupefatos a massa de vegetação "que se perdia à vista d'olhos" e que em
algumas décadas estaria transformada por mãos até então alheias ao facão. A escalada
da Serra foi o primeiro passo dessa nova frente povoadora que se abriu na “fronteira
verde”. Fronteira que, no topo daquelas colinas, apresentou características únicas, que
originaram diferentes formas de apropriação da natureza, porém tão predatórias como
aquelas desenvolvidas na zona de colonização alemã.
131
3.2. A sensação de isolamento nas montanhas
As características ambientais singulares, aliadas à experiência de vida dos
imigrantes e a um conjunto de novas medidas governamentais relacionadas ao projeto
colonizador, também contribuíram para disseminar entre os colonos, já desorientados e
aturdidos pela escalada, os sentimentos de abandono e de isolamento nas montanhas.
Embora provavelmente ilusórias e até exageradas aos olhos do observador atual, essas
sensações se traduziram em ações concretas, transcendendo o plano simbólico e
produzindo alterações no meio ambiente.
Instalados no coração da Serra gaúcha, esses homens e mulheres-fronteira foram
protagonistas de uma revolução. Em 1875, a Serra ainda era considerada por muitos
"um muro verde e abrupto" (Manfroi, 1975, p.70), um verdadeiro obstáculo separando a
Capital da região Norte da Província e atravancando o progresso do Rio Grande do Sul.
Além do desafio de vencer a Encosta, por si só traumático, os imigrantes italianos
tiveram de lidar com situações pelas quais os colonos que ocuparam as planícies não
passaram – a começar por algumas mudanças na configuração do projeto colonizador,
que foram pequenas, mas se refletiram diretamente no modo como os novos imigrantes
se relacionaram com a terra prometida.
Essas modificações ocorreram, em parte, devido ao receio de setores da elite
provincial de que, dando continuidade ao empreendimento colonizador, o governo
poderia fomentar a formação de novos “enquistamentos étnicos” no território rio-
grandense (Manfroi, 1975, p.70). A força política e econômica alcançada por muitos
alemães e teuto-brasileiros na Província foi suficiente para que os legisladores vissem
com desconfiança a formação de novas colônias, o que gerou discussões acaloradas na
Assembléia Legislativa
15
.
15
Para mais informações acerca do imaginário brasileiro sobre os alemães no Rio Grande do Sul, veja O
perigo alemão, de René Gertz (1991).
132
Para resolver o impasse, o governo adotou medidas como intercalar as colônias
recém-fundadas e terras particulares pertencentes a brasileiros. Assim, pretendia não
apenas acelerar o processo de adaptação dos estrangeiros à vida nacional como evitar a
homogeneidade étnica. A medida, porém, teve efeitos inesperados e acabou por reforçar
a sensação de desamparo vivenciada pelos recém-chegados. Como as terras
pertencentes a brasileiros em sua maioria permaneciam abandonadas pelos proprietários
e ainda cobertas de matas, os colonos sentiram-se entregues à própria sorte nos altos da
Serra – o que acabou por reforçar os laços de solidariedade e endogamia entre eles,
assim como a autossuficiência das colônias. Além disso, ao contrário do que haviam
planejado os legisladores, a abertura de estradas para ligar a Capital ao Norte da
Província ficou prejudicada pela presença dessas propriedades.
Ainda na tentativa de evitar a formação de novos conglomerados étnicos na
Província, os organizadores da colonização procuraram distribuir imigrantes de
diferentes regiões nesses novos núcleos – embora a maioria fosse de origem italiana.
Como no caso anterior, a proposta acabou desvirtuada de sua função inicial. Segundo
Ranieri Pesciolini Venerosi (1904, p.125), os colonos "sentiram a necessidade de se
reunir por etnias, o que permitia a solidariedade e a ajuda recíproca". Mesmo que o
Estado tentasse evitar a aproximação dos grupos étnicos iguais, a distribuição inicial dos
lotes acabou modificada por iniciativa dos próprios imigrantes – o que, para Manfroi
(1975, p.125), foi uma reação espontânea aos sentimentos de isolamento e de abandono
de que se ressentiram os colonos.
Essa reação também veio acompanhada de críticas ao tratamento recebido por
parte do governo, principalmente a partir de 1879, quando foram suspensos os auxílios
até então prestados em favor dos imigrantes. Como a maior parte dos colonos chegou à
Serra depois dessa data, a medida pôs em risco a sobrevivência de muitos deles.
Conforme Manoel Maria de Carvalho (1886), a transição para esse novo modelo, em
que a presença do Estado se tornava ainda mais longínqua, "foi tão radical que [...] por
mais laborioso e ativo que seja, o imigrante perde muito tempo e desanima, quase
sempre, diante das dificuldades e privações". A única forma de auxílio que ainda
persistiu foi o trabalho remunerado na abertura de estradas e caminhos coloniais em
locais de difícil acesso. Quando nem essa atividade, retratada na imagem a seguir, era
possível, a fome e a revolta se instalavam entre a população, como ocorreu em Conde
D'Eu e Dona Isabel em 1879 (Manfroi, 1975, p.117).
133
Imagem 11 – Abertura de estrada na mata
Grupo de colonos trabalhando na abertura de estrada na Colônia de Caxias, entre 1875 e 1900.
Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul
As dificuldades enfrentadas pela frente pioneira nos altos da Serra não tardaram a
chegar ao conhecimento dos imigrantes de origem alemã – inclusive porque muitos
deles atuavam como comerciantes no sopé da Serra e interagiram com os recém-
chegados. Nos jornais que circulavam nas colônias germânicas, segundo Dietrich
Delhaes-Guenther (1973), os colonos alemães e seus descendentes ressaltavam que não
teriam aceitado aqueles "montes cobertos de selva". No início da ocupação italiana, um
agente de colonização de Montenegro teria tentado, inclusive, convencer famílias
alemãs a migrarem para Conde D'Eu. Apesar das investidas, os colonos se recusavam,
alegando que a região era distante, inóspita e perigosa.
Uma edição do jornal
Deutsche Zeitung
de 1878, que circulava nas colônias
alemãs, informava que, "dos 10 mil colonos italianos na Serra, apenas 1/5 se sustentava
com o próprio trabalho" e que "os demais (8 mil) não dispunham nem de dinheiro, nem
134
de crédito, nem de campos cultivados e nem mesmo podiam contar com os pagamentos
do governo, que chegavam sempre com atraso" (
apud
Delhaes-Guenther, 1973). O
periódico destacava que reinava "a pobreza em Caxias, Conde D'Eu e Dona Isabel" e
que "desde muito tempo" não havia "mais no mato nenhuma palmeira comestível, nem
frutos, nem animais selvagens, porque já foram todos mortos por caçadores
esfaimados". Ainda de acordo com o jornal, "as pessoas chegaram ao ponto de cortar as
hastes do pé de milho para fazer uma sopa". Tratava-se de "famílias numerosas" e,
segundo o jornal, as crianças eram as que mais sofriam com a "miséria".
Salvo eventuais exageros, inclusive porque havia entre os alemães a tendência de
exaltar o sucesso de sua experiência em comparação às novas colônias, esses problemas
também apareceram nos registros dos próprios colonos italianos. Ao escrever sobre os
primeiros anos da colônia Dona Isabel, o imigrante Giulio Lorenzoni (1975[1883],
p.131) contou que, por “mais de vinte dias”, os colonos foram “obrigados a se alimentar
de pinhões, que iam recolher no bosque ao pé dos pinheiros". Em um relato do
imigrante Pedro Tommasi, que foi um dos primeiros a chegar a Caxias e teve sua
história registrada por D. José Barea (
in
Fortini, 1950, p.26-28), o pioneiro também
contava que "se não fossem os pinhões", não sabia como teriam sobrevivido, já que não
puderam contar com praticamente nenhum tipo de auxílio e se viram sozinhos na
floresta.
Ainda segundo esse colono (Fortini, 1950, p.26-28), quando finalmente
conseguiram colher a primeira safra na nova terra, constataram que “ela era disputada
por muitos pretendentes, entre os quais macacos, papagaios e outros animais e aves que
em grande número investiam contra as plantações”. Armados com espingardas, os
italianos matavam muitos desses “concorrentes”. Não foram poucos, segundo o mesmo
colono ouvido dom José Barea, que encheram suas panelas, proporcionando “um caldo
e uma carne mais que saborosa”. Quanto aos porcos, relatou o pioneiro, “não nos
contentava afastá-los por meio de tiros de espingardas, disparadas ao cair da noite, nos
lugares das plantações onde desejávamos apanhá-los”. Eles abriam buracos, cobriam
com folhagens e, quando os animais passavam, capturavam um a um, “havendo assim
muita facilidade”. Em tempos de carência alimentar, os bichos eram devorados.
A situação foi registrada também por inspetores e agentes colonizadores. Em
ofício de 18 de setembro de 1875, o diretor colonial João Jacintho Ferreira alertava ao
delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização que os colonos de Conde d’Eu
encontravam-se totalmente “isolados no meio do sertão”, sendo eles “os primeiros
135
povoadores” daquelas florestas – note-se que ele ignorava totalmente a presença da
população cabocla e indígena na região, com quem os imigrantes tiveram contato.
Preocupado com a sobrevivência dos pioneiros, Ferreira ressaltava que, se lhes faltasse
“a mão protectora do governo”, os danos poderiam ser irreparáveis.
As dificuldades foram igualmente detalhadas nos registros deixados por jesuítas
alemães sobre os princípios da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Segundo o
padre jesuíta Ambrósio Schupp, em um texto publicado originalmente em 1889 na
revista alemã
Alte und Neue Welt
e reeditado em 1978 (Rabuske, p.26-27), "de início os
filhos da 'Irredenta' aqui tiveram que passar bastante mal". Schupp conta que "foram
constantes as notícias relativas à penúria e miséria, que imperavam no Campo dos
Bugres", a Colônia de Caxias. As dificuldades, conforme o padre, teriam resultado
inclusive em "revoltas e assassinatos", o que chegou a suscitar "o temor de que
houvesse dessa parte colonial perigos sérios para a Província inteira".
Embora a sensação de isolamento e de desamparo pareça ter sido mais aguda entre
os italianos, sua reação diante da floresta não foi muito diferente daquela experimentada
pelos alemães e teuto-brasileiros. De um lado, a mata representava grande possibilidade
de riqueza e de fartura, principalmente por conta dos pinheirais, como veremos a seguir;
de outro, era motivo de medo e desconforto. Era o paraíso e o inferno ao mesmo tempo.
Nesse caso, porém, o temor não se originava apenas da presença da mata em si mesma,
mas da localização da região e de suas características ambientais singulares.
Fora o que já havia sido desbastado pelos colonos, o que restava era considerado
“uma densa floresta, que impõe terror”, segundo registrou, em 1883, o cônsul Enrico
Perrod. Ou, nas palavras do imigrante italiano Emmanuele Santini (
apud
Campos Neto,
1939, p.13), uma “mata virgem com uma infinda série de animais selvagens, casas de
paus rachados em forma de tábuas, verdadeiras choças no silêncio das selvas,
isolamento, deserto de florestas impenetráveis".
Nos primeiros tempos na mata, conforme o relato do colono Pedro Tommasi (
in
Fortini, 1950, p.26-28), "de dia se trabalhava com muito medo dos índios [...] e, de
noite, alguém montava guarda" na tentativa de garantir segurança na
fronteira verde
.
Grandes fogueiras, segundo Lorenzoni (1975[1883], p.130-131) "eram acesas dia e
noite [...], queimando árvores, galhos secos, ervas, etc." para "conservar afastadas as
feras que infelizmente se movimentavam por perto, ameaçando atacar, de um modo
especial à noite". Para o padre capuchinho Bernardin D'Apremont (1914, p.14), o
136
colono precisava "de muita coragem no início", quando se via sozinho naquelas
florestas.
Os relatos sobre os sentimentos de abandono e de solidão no pico da fronteira
verde foram recorrentes e permaneceram vivos na memória dos descendentes dos
pioneiros. Entretanto, para estudiosos como Mário Maestri (1999, p.205), o isolamento
registrado pelos imigrantes não correspondeu efetivamente à realidade. Segundo
Maestri, na mesma época em que eles se queixavam do abandono nas montanhas, os
estancieiros e peões da Campanha, da Fronteira e de outras regiões da Província
encontravam-se demográfica e socialmente muito mais isolados do que os colonos em
suas glebas, mas, nem por isso, sentiam-se “abandonados”.
O sentimento de isolamento das famílias de imigrantes, conforme Maestri (1999,
p.205), deveu-se, em parte, à dimensão de seus lotes (de 25 hectares em média), que era
grande se comparada às parcelas agrícolas italianas, e à distância entre eles. Tratava-se,
portanto, de um isolamento relativo. Ainda conforme Maestri, “fora casos singulares, os
imigrantes jamais desbravaram, isolados, as matas gaúchas”. Desde o início, o sistema
de ocupação da Encosta Superior da Serra, segundo ele (1999, p.204), baseou-se no
“sistema de glebas coloniais contínuas”, no qual os colonos inseriam-se em uma rede
administrativa e comercial bastante atuante e complexa, em que um ajudava o outro.
Disposto a desmistificar a idéia de que os colonos viviam exilados nas montanhas,
Maestri (1999, p.204) ressaltou que eles se encontravam a “apenas algumas horas de
caminhada” das sedes coloniais. E, sobretudo, “encontravam-se próximos aos vizinhos,
que desbravavam igualmente seus lotes, a apenas algumas centenas de metros”, sendo
que também interagiam com colonos alemães que trabalhavam com comércio, com
tropeiros e com criadores de gado que habitavam os campos de Vacaria
16
.
Esses contatos, mesmo esporádicos, aos poucos também levaram a mudanças no
jeito de falar e no modo de vida dos italianos. Nos primeiros anos na Serra, como
destacaram De Boni e Costa (1984, p.83), os colonos continuaram a usar normalmente a
língua de origem. O português, porém, infiltrou-se nas colônias. Essa mudança,
aparentemente mais lenta do que o processo de tropicalização desencadeado nas áreas
de ocupação germânica, geograficamente mais próximas aos centros luso-brasileiros e,
16
Para mais informações sobre essa relação com os pecuaristas dos campos de cima da Serra, ver
GIRON, Loraine Slomp (Org.). 2001. Colonos e Fazendeiros: Imigrantes italianos nos campos de
Vacaria. Porto Alegre, EST.
137
portanto, mais acessíveis às interações, teve início a partir de alterações sutis nos
dialetos falados pelos italianos.
Aos poucos, os diferentes dialetos fundiram-se e surgiu uma língua geral, que os
lingüistas passaram a chamar de “koiné”. Segundo De Boni e Costa (1984, p.83), “em
seu dinamismo, tal língua tomou inúmeras palavras do português, pois havia toda uma
nova realidade, para qual os dialetos italianos não tinham palavras específicas”. Assim,
a tropicalização começou a aparecer na linguagem, com a adoção de termos como
sorasco (churrasco), bombassa (bombacha), poéra (capoeira).
Muitas palavras portuguesas também passaram a ser preferidas em comparação
com suas correspondentes dialetais, originando, como concluíram De Boné e Costa,
“uma língua nova, muito semelhante aos dialetos vênetos falados na Itália, mas
diferente de qualquer um deles”. Essas diferenças, também observadas no caso das
colônias alemãs, indicam que os núcleos serranos, mesmo supostamente mais isolados,
jamais se constituíram em “Neo-Europas” (Crosby, 1989) – tanto quanto as
predecessoras germânicas.
Se a língua e os costumes adotados na nova terra ainda contrastavam com o modo
luso-brasileiro de vida, aos olhos de agentes consulares e governamentais italianos a
realidade encontrada no Rio Grande do Sul era completamente nova. Isto é, mesmo que
os colonos reclamassem do abandono nas montanhas, já apareciam os primeiros
esboços de uma nova forma de ser brasileiro ou europeu, dependendo do ponto de vista,
como destacaram De Boni e Costa (1984, p.84).
Muitos queriam simplesmente esquecer a vida na Itália, onde passaram maus
bocados, e viver a nova condição de proprietários de terras. Uma das explicações,
segundo De Boni e Costa (1984, p.85), para que desprezassem o passado e acelerassem
o processo de adaptação à nova vida seria justamente o fascínio pela posse da terra. E a
vontade de garantir a consolidação desse novo status contribuiu para que o processo de
tropicalização se concretizasse, relativizando a propalada sensação de insulamento nas
montanhas.
Certo dia, o agente de imigração Vittorio Bucelli (1906) caminhava em Bento
Gonçalves na companhia de dois colonos italianos, que lhe falavam sobre a vida no Sul
do Brasil. Um deles, segundo Bucelli, “recordava o triste período da guerra civil, e o
fazia com uma linguagem quase incompreensível, uma mistura esquisita de português e
de italiano”. Além disso, o agente relatou que “muitos italianos tornaram-se criadores de
animais bovinos e eqüinos, e tomaram ares de verdadeiros gaúchos, dignos de
138
admiração pela desenvoltura e garbo com que cavalgam” – como havia acontecido com
os alemães.
Em Bento Gonçalves, Bucelli (1906) chegou a acompanhar uma “corrida de
cavalos”, junto de “mais de 50 pessoas”. A tal corrida seria disputada por dois gaúchos,
“que montavam lindos animais nacionais, sem arreio algum”. A disputa foi “rápida,
breve e emocionante ao extremo”, com cavalos e cavaleiros formando “um só corpo” e
renovando “a ilusão e a lenda dos centauros”. Ao mesmo tempo em que registrava
detalhes que considerava típicos de gaúchos, Bucelli afirmou que “parecia estar revendo
as festas campestres no interior da Sicília”, devido à mistura de costumes.
No dia seguinte, “uma comitiva de cerca de 20 pessoas” partiu da colônia para a
“estância do feliz vencedor, acompanhada por uma das pequenas bandas de música que
existem em Bento Gonçalves, e que se colocou em movimento ao compasso da marcha
da Aída”. Lá, saborearam todos um delicioso churrasco.
Além de apreciar a carne assada no espeto à moda rio-grandense, os italianos,
segundo o relato de 1893 do agente consular Eduardo dos Condes C. de Brichanteau
(1893), “jamais deixaram de festejar [...] o 20 de setembro
17
, que no Rio Grande do Sul
possui uma dupla importância, recordando ao mesmo tempo as datas da tomada de
Roma e da República Rio-Grandense”.
Com base em depoimentos como esse e nos avanços recentes da historiografia
regional, entre eles as críticas tecidas por Mário Maestri, não restam dúvidas de que os
imigrantes italianos não viviam em uma “ilha deserta”. Apesar da precariedade das
estradas, eles estabeleceram relações com pessoas que não eram de origem italiana e
mantiveram contatos mais ou menos freqüentes com essas populações. Se não fosse
assim, não seria possível perceber todas as alterações pelas quais passaram em seus
primeiros anos na floresta.
No entanto, também não há dúvidas de que os primeiros imigrantes estabelecidos
na Serra de fato se sentiram isolados e abandonados – como indicam as impressões
registradas em suas cartas e diários. Tais sentimentos transcenderam o plano simbólico,
refletindo-se no plano ambiental, e, exatamente por isso, não podem ser menosprezados.
Em primeiro lugar, as florestas subtropicais eram absolutamente desconhecidas na
Itália setentrional – como o eram para os predecessores alemães. Provenientes do
17
O dia 20 de setembro é considerado a “data máxima” para os gaúchos, quando se comemoram as
“proezas” da Revolução Farroupilha. Foi o dia em que as tropas lideradas por Bento Gonçalves
marcharam para Porto Alegre e tomaram a capital gaúcha, dando início à guerra, que teve como ápice a
proclamação da república rio-grandense.
139
mundo rural em sua maioria, os imigrantes passaram a viver uma situação
completamente nova nos altos da Serra, carregada de tensão e de angústia. Como
apontou o próprio Maestri (1999, p.203), esses homens e mulheres habitavam
comunidades aldeãs com grande concentração demográfica, e as florestas brasileiras
assombravam seu imaginário desde o momento que decidiam partir.
Quando iniciaram a escalada da Serra e foram instalados na floresta a mais de 700
metros de altitude, em meio a despenhadeiros e vales profundos, os imigrantes não
poderiam nutrir outro sentimento que não aquele. A sensação de isolamento surgia em
contraposição às lembranças que traziam da terra natal – o que levava a maioria a
considerar grande a distância de 250/500 metros entre as casas construídas em plena
mata.
Instalados inicialmente na borda da Serra, em um lugar diferente de tudo que já
haviam visto, esses imigrantes tambémo tinham o conhecimento geográfico de que
dispomos hoje e é possível que sequer conhecessem a real distância até os núcleos
urbanos mais próximos, o que intensificava a sensação de desorientação naquele trecho
da fronteira verde. O sentimento de abandono e de desamparo aumentava ainda mais
quando os estrangeiros percebiam que não havia médicos à sua disposição, que o
auxílio prestado pelos funcionários do governo era relapso ou inexistente, que as
estradas não passavam de estreitos caminhos abertos a facão no meio de uma vegetação
aparentemente interminável e ameaçadora. Para completar, a relação com os índios era
pouco amistosa e havia desconfiança em relação aos caboclos.
Para eles, mesmo que ilusória ou relativa, a sensação de isolamento e de abandono
era um reflexo de sua realidade no momento, que de forma alguma pode ser comparada
à realidade então vivenciada pelos pecuaristas da Campanha gaúcha, resultante de um
processo histórico totalmente diverso. No caso dos italianos, o que realmente importa é
que o predomínio desses sentimentos – fossem eles frutos da realidade ou da mais pura
fantasia – ganharam forma em atitudes concretas. Ou as derrubadas desenfreadas que se
processaram naquelas montanhas não teriam sido tamm um resultado desse “estado
de espírito”? À medida que a vegetação era abatida e queimada, as distâncias
diminuíam. Desmatando, os colonos venciam o isolamento ao seu redor, ficavam mais
próximos e visíveis, afastavam as “feras” que tanto os amedrontavam e, mais do que
qualquer outra coisa, tornavam a nova terra familiar.
140
3.3. A irresistível predileção pela “técnica do fósforo”
Se os sentimentos de isolamento e de abandono foram possivelmente mais agudos
entre os italianos, as técnicas de preparo da terra e de plantio usadas nos altos da Serra
pouco diferiram dos métodos inicialmente empregados pelos alemães. Na zona ocupada
pelos colonos oriundos da Península Itálica, a ação antrópica sobre o meio ambiente foi
tão predatória como nas demais colônias e também resultou na constituição de uma
nova paisagem ecológica. Além disso, o processo de “enxamagem” (Roche, 1969),
caracterizado pela busca interminável por novas terras, continuou ocorrendo nos
patamares mais elevados da fronteira verde, apesar de todas as dificuldades.
Para Thales de Azevedo (1975, p.104-105), “o surgimento de novas colônias e a
presença de números significativos de italianos fora da área inicial de fixação resultou
de um processo já verificado com os alemães”. O mesmo ecological push observado
nas colônias germânicas repetiu-se com a enxamagem italiana à medida que, como
notaram De Boni e Costa (1979, p.99), “o sistema de cultivo, imitando nisto a
colonização alemã [...], era da derrubada e queimada da mata”.
Ao passo que Roche (1969, p.296) acentuou a irresistível predileção dos colonos
alemães pelo ferro e fogo enquanto técnica de domínio da natureza, no caso italiano, a
terra desmatada foi igualmente “esgotada pela técnica do fósforo” (Manfroi, 1987,
p.179), deixando de ser almejada pelos filhos do pioneiro. Segundo Manfroi, foi assim
que “a rotação de terras no lote colonial tornou-se, pela ação dos imigrantes italianos e
de seus descendentes, uma rotação de colônias nos territórios ainda desertos [sic] do
Rio Grande do Sul, do Oeste catarinense e paranaense”.
Para os colonos, a primeira preocupação era tomar posse do lote, tal como entre
os alemães. Não se tratava de derrubar as árvores para comercializá-las, mas sim para
sobreviver. Esses primeiros passos na nova terra foram narrados em detalhes pelo
imigrante Lorenzoni em 1883. Cabia ao "chefe da família", segundo ele (1975[1883],
p.64), iniciar o trabalho no lote ainda coberto de mato, auxiliado pelos filhos homens, se
141
os tinha. "Armado de facão e machado", levando consigo "uma pequena e magra
provisão de alimentos e uma coberta para defender-se do frio", o colono caminhava até
sua propriedade e "procurava, abatendo a vegetação que fechava e sombreava tudo,
abrir uma clareira", onde "tratava de armar uma cabana com paus a pique".
No dia seguinte, de acordo com Lorenzoni (1975, p.65), "todas as pessoas aptas ao
trabalho davam início ao desbravamento, uns com machados, outros com foices, facões
e outros instrumentos, cortando as árvores inúteis e plantas rasteiras, macegas, ervas
daninhas". Só sobrava em pé "o que servisse para sombra e as árvores com mais de dez
centímetros de diâmetro". Tudo isso, segundo Lorenzoni, "era feito no espaço de um
hectare, mais ou menos, e, depois, os homens começavam a derrubada de árvores
maiores", sendo que algumas delas "requeriam o trabalho de um dia ou mais para serem
abatidas". O apoio do governo, ao longo desse processo, era praticamente nulo. Da
maneira que podiam, os colonos davam cabo da floresta e procuravam ajudar uns aos
outros nesse processo, fechando-se em si mesmos.
Como nos relatos de alemães e teuto-brasileiros, Lorenzoni fez referência, em seu
diário, aos perigos que representavam as derrubadas, que de fato feriram e tiraram a
vida de muitos estrangeiros despreparados. Essas tragédias também apareceram em
cartas enviadas pelos imigrantes para os diretores coloniais, como fizeram os italianos
Maria Bellini e Nosari Laccaria, em 1878. Manuscritas, as correspondências estão
guardadas no Arquivo Histórico de Caxias do Sul, e retratam a face mais perigosa do
avanço na floresta.
Ao escrever para o diretor da colônia de Caxias pedindo ajuda, Maria (1878)
contou que o colono Pietro Fiorelli, morador da 8ª légua e do prazo colonial número 28,
sofreu “a desgraça de quebrar-se uma perna, na occasião que estaba trabalhando no seu
lote”, no dia 10 de julho de 1877. Para piorar, “por não haber tido os necessários
socorros [...] ficou com a perna defectuosa e anda sempre doente, por conseguinte
inabilitado ao trabalho”. Já um amigo de Laccaria (1878) informava que ele
“desgraçadamente tem-se ferido gravemente no braço direito que desde então ficou
impotente a qualquer trabalho pesado”. Por conta disso, a família se achava “no apogeo
da miséria”.
Outros dois casos foram citados, em ofício de 4 de outubro de 1875, dirigido pelo
diretor da colônia de Conde D’Eu, João Jacintho Ferreira (1875), ao delegado da
Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura Palmeira.
Conforme Ferreira, o colono “Daniel Pasch, um dos melhores trabalhadores da Colônia,
142
[...] deixou cahir sobre um joelho no dia 28 do mês passado um grande pau, produzindo
uma enorme ferida e o deslocamento do osso do joelho”. Problema semelhante
enfrentou o colono Jeurdan Jaques, que, “fazendo a derrubada de sua colônia, recebeu a
queda d’um pau que lhe quebrou duas costelas”.
Embora perigosas, as derrubadas também animavam os colonos, que venciam a
sensação de isolamento, garantiam sua sobrevivência e impunham seu domínio por
meio delas. Em seu relato, Giulio Lorenzoni (1975[1883], p.65) lembrou que "o
estrondo que a queda daqueles gigantes da floresta fazia ao cair era enorme, mais ainda
pelo ecoar nos vales que havia ao redor". O barulho dilacerante "repetia-se nos dias
seguintes dezenas e dezenas de vezes, proveniente de todos os lotes ocupados naquela
periferia". Os estrondos soavam como música para os ouvidos dos colonos e eram
generalizados.
Feita a derrubada, segundo relatou Lorenzoni (1975[1883], p.67), "o trecho de
mato já limpo estava pronto para a queima". O que se seguia era uma cópia das técnicas
já aplicadas na zona colonial alemã, que tamm se difundiram na Serra por meio das
orientações de diretores e inspetores coloniais. Em uma "hora determinada do dia [...],
quase sempre uma ou duas horas depois do almoço, era ateado fogo em diversos pontos,
sempre do lado em que o vento favorecia". Cerca de duas horas depois, "tudo ficava
destruído, só restando os grossos troncos à espera de secarem de todo, talvez no ano
seguinte, e que poderiam ir desaparecendo". Em sua estadia na colônia italiana de
Silveira Martins, Lorenzoni (1975, p.58) chegou a se surpreender com os incêndios
florestais provocados pelos colonos:
"Prendendo fogo em diversos lugares, em poucos minutos as chamas
chegavam a alturas colossais e, dentro de duas horas, tudo ficou destruído,
só sendo conservados os grossos troncos, ao lado dos cepos fumegantes, por
vários dias. Fiquei deveras estupefato por ver abatidas aquelas enormes
árvores."
Aos poucos, as queimadas e derrubadas passaram a fazer parte da rotina das
famílias, que no início, como os alemães, sentiram dificuldades para semear as
primeiras plantações sobre as cinzas da floresta carbonizada. Segundo o relatório do
cônsul italiano Petrocchi (1906), "semeava-se ao acaso, sem saber se se obteria alguma
colheita". Segundo ele, o maior problema era que "os colonos não conheciam o clima e
as estações locais", que eram "diferentes e opostas às da Itália". Além disso, não havia
143
entre eles, "como fazem hoje quase todos, alguém que pudesse julgar com uma olhada
se um local da floresta virgem era fértil, e se convinha talvez desmatá-lo".
Em seu diário, Lorenzoni (1975[1883], p.67-68) descreveu em detalhes o método
de cultivo aprendido e aplicado na nova terra:
"E como poderia plantar o seu terreno, ainda cheio de ramos, raízes, etc.,
que não haviam sido queimados totalmente? Foi fácil, isto é, adotando o
costume da terra. Armado, o plantador, de um grosso pau, praticava, no
terreno, buracos da largura de uns quatro centímetros, com uns cinco de
profundidade, longe um metro mais ou menos um do outro, depositando uns
três ou quatro grãos de milho em cada um, nada mais que isto, e, com o pé,
ia cobrindo-o de terra, e assim percorria todo o espaço livre, na superfície
queimada, até o fim. E por que o grão vinha plantado daquela maneira e não
com a enxada? A resposta é muito fácil. Em primeiro lugar, porque assim
era mais expedito e, em segundo lugar, para evitar que os passarinhos,
esgravatando, descobrissem os grãos e os comessem."
Mais tarde se veria, como aconteceu na zona de colonização alemã, que a adoção
do "costume da terra" acabaria trazendo conseqüências desastrosas ao meio ambiente.
No caso específico da colonização italiana, sobretudo no início, como ressalta Maestri
(2000, p.70), as técnicas eram bastante rústicas – ou “caboclizadas”, como diria Leo
Waibel. A aparente inesgotabilidade da terra e a qualidade do solo, assim como a
escassez relativa de braços para trabalhar na lavoura, contribuíram para que os
imigrantes imitassem mais uma vez a coivara indígena – da mesma forma como ocorreu
nas colônias alemãs. Para Maestri (2000, p.70), como para Waibel, "a agricultura
colonial
involuiu
em relação aos métodos e técnicas italianos".
Para observadores da época, ao contrário, o papel dos italianos ao levar o
“progresso” à Serra merecia o mais eloqüentes elogios. Inclusive nos jornais que
circulavam no período. Em 1883, por exemplo, o jornalista e deputado de origem alemã
Carl von Kosertiz (apud Azevedo, 1975, p.137) publicou um artigo na Gazeta de Porto
Alegre, fazendo uma verdadeira ode ao trabalho realizado pelos italianos:
“Fomos daqueles que receberam a imigração italiana com um certo grau de
desconfiança. O que ali se criou entretanto, no espaço de seis anos, parece-
nos um sonho das Mil-e-Uma-Noites. Manda a justiça confessar que a
colonização norte-italiana é excelente, que progride com extraordinária
rapidez, que é altamente inteligente e industrial, afazendo-se com facilidade
às condições de nossa vida sul-americana. Quem atravessa as 3 grandes
colônias italianas do Estado, como nós atravessamos, e vê as numerosas
roças que foram abertas no mato virgem, as parreiras, sem-número e sem-
conta, as bem construídas casas de tábuas, os numerosos moinhos, fábricas
144
de vinho, cerveja e aguardente, fábricas de móveis de madeira e palha, os
teares, as oficinas, que existem por toda parte, fica realmente surpreendido
por tão extraordinário progresso.”
Todo esse desenvolvimento, que, aliás, contribuiu para fazer de Caxias do Sul,
hoje, uma das cidades com o maior Índice de Desenvolvimento Humano do Estado,
também teve como base o sistema agrícola de rotação de terras, não de culturas, como
era comum no modelo de agricultura europeu. Conforme Vânia Herédia (1997, p.54),
esse sistema de lavoura, chamado "rotação de terras melhorada", prosperou apesar do
gradativo enfraquecimento do solo. O milho, segundo ela, era cultivado
consecutivamente no mesmo terreno por um período de seis a dez anos, sendo que a
terra só "descansava" quando apresentava sintomas visíveis de esgotamento.
Somente com o tempo, segundo Herédia (1997, p.56), os descendentes dos
imigrantes italianos alteraram o sistema de plantio. Entretanto, não havia preocupação
com a natureza, até porque as questões ambientais, como se verificou entre os alemães,
não faziam parte da realidade desses homens e mulheres, para quem, pouco a pouco, a
floresta deixou de ser motivo de medo. Dos sentimentos de solidão e do abandono,
travestidos na obsessão pelo desmatamento, surgiram prósperas e promissoras colônias.
145
3.4. O domínio da floresta na terra das Araucárias
A inexistência de uma consciência de conservação dos recursos naturais entre os
colonos italianos não se refletiu apenas no sistema de lavoura por eles adotado ou na
técnica das queimadas. Com o passar do tempo, a paisagem colonial serrana foi tomada
pelas serrarias, e a exploração madeireira se tornou mais um elemento importante de
degradação ambiental.
Além de estar situada centenas de metros acima do nível do mar, a região possuía
outra característica ecológica distinta da alemã, que logo cedo despertou a atenção dos
recém-chegados: toda a zona era caracterizada pela presença massiva do pinheiro – a
Araucaria angustifolia
, árvore exclusiva do Sul do Brasil, especialmente do Planalto.
Sua presença, segundo o biólogo Balduíno Rambo (1994, p.263), era suficiente para
"determinar a fisionomia geral dos matos" na região.
A estrutura dos pinheirais, conforme Rambo (1994, p.264), era composta
basicamente de duas partes: o andar inferior, com "árvores de meia altura e algumas
mais altas", e o andar superior, repleto de "araucárias". Na parte inferior, estavam as
"árvores baixas, ou antes, arbustos arborescentes e muito ramificados, pertencentes em
grande parte às mirtáceas". No alto, o que se via era o domínio absoluto do pinheiro
que, para Rambo (1994, p.265), deveria ser chamado "de hóspede estranho na vegetação
rio-grandense", tamanha a sua diferenciação em comparação às outras árvores. Essa
diferença, conforme o biólogo, manifestava-se principalmente pela predominância
absoluta do tronco – que freqüentemente ultrapassava os 30 metros de altura – em
relação aos galhos e à copa, e pela própria linearidade do caule, raras vezes torcido ou
desviado da linha vertical.
Não por menos, milhares dessas "princesas da floresta", como foram denominadas
pelo viajante alemão Robert Avé-Lallemant (1858), caíram a golpes de machado e
acabaram revestindo as casas e munindo as serrarias criadas pelos italianos,
transformando-se em tábuas e móveis. Para os imigrantes, como destacou Corteze (
apud
146
Wentz, 2004, p.28), a mata não era apenas um sinônimo de terra fértil, mas também de
"madeira a ser mercantilizada e aproveitada como matéria-prima". Vale lembrar que as
araucárias não faziam parte da paisagem gaúcha inferior aos 300 metros de altitude.
Como o povoamento luso-brasileiro inicial ocorreu nas regiões baixas e a colonização
alemã não ultrapassou os primeiros contrafortes da Serra Geral, a destruição das
florestas de araucárias começou basicamente na segunda metade do século 19,
justamente com a imigração e a colonização italiana. Atualmente, essas coníferas
correm o risco de extinção.
Logo que botaram os pés em seus lotes e começaram a erguer suas casas, muitos
colonos destacaram a fartura de madeira em suas cartas e diários, como fez o imigrante
italiano Paolo Rossato, cuja produção encontra-se resguardada no Arquivo Histórico de
Caxias do Sul. Em uma correspondência datada de 24 de abril de 1884, Rossato revelou
ao pai, com orgulho, as características que considerava mais promissoras de seu lote,
especialmente a fartura de lenha:
"Caro pai, você deveria ver que bela colônia comprei! Está bem colocada e
deve ser boa. E se visse quanta lenha existe nela! Em Valdagno seria rico
quem tivesse tanta madeira. Estou ansioso que venham meus irmãos e toda a
família. Lá éramos servos e aqui somos senhores."
Dois meses depois, em outra carta destinada aos familiares que ficaram na Itália,
Rossato (1884) pedia que os parentes trouxessem equipamentos adequados – raramente
fornecidos pelo governo – para dar cabo das árvores mais rapidamente: "Você, pai",
pedia ele, "traga todos os instrumentos de carpinteiro, e se puder compre também um
serrote, para fazer tábuas (há disso também por aqui)". Na mesma carta, ele ainda
solicitava que os familiares trouxessem "quatro machados" para auxiliar nas derrubadas.
O assunto continuou aparecendo em novas correspondências. Em 27 de julho de
1884, Rossato insistia: "Não esqueçam de duas serras, daquelas de serrar tábuas [...]
Tragam também todos os instrumentos de carpinteiro e a pedra pequena de afiar". Além
de serrotes, o colono pedia outros "dois machados", em carta de 2 de fevereiro de 1885.
Em 14 de junho daquele mesmo ano, Rossato (1885) mais uma vez ordenava, dessa vez
a um dos irmãos: "Trate, porém, de trazer todos os objetos da família e mais 3 ferros de
plaina, uma plaina grande [...] e a pedra de afiar e aquela pedra do Agno, para afiar as
lâminas da plaina".
147
Em 1876, o colono Michele Madalozzo, nascido em 1831 em Vicenza, na Itália,
também escreveu ao pai, revelando o espanto em relação à grande quantidade de árvores
que encontrou na Serra. Junto da mulher, Angela Maschio, e de seus quatro filhos, ele
foi um dos primeiros a se instalar na Colônia de Caxias. Em sua carta, encontrada no
Arquivo Histórico de Caxias do Sul, Madalozzo (1876) registrou que "há uma grande
quantia de árvores e são aproximadamente 150 campos, onde podem viver umas 60
famílias".
Outro colono que escreveu sobre a vegetação foi Giulio Lorenzoni. Em um
capítulo de seu diário dedicado especialmente às árvores encontradas nas colônias
italianas, o imigrante (1975[1883], p.79) destacou as "florestas virgens, cheias de
árvores apreciadíssimas para construções" e revelou certo deslumbramento com a
riqueza do ecossistema regional – destacando não apenas a araucária, mas outras
árvores que considerava úteis. Segundo ele:
"Desde os frágeis fetos até a gigantesca araucária, das elegantes palmeiras às
mais variadas formas de orquídeas e parasitas, do frágil umbu ao duríssimo
pau-de-bugre, desde o ananás até a árvore da China, da cana-de-açúcar até a
salsaparrilha, dos arbustos de climas frios aos de climas tropicais, tudo aqui
vive e desenvolve galhardamente."
Para Lorenzoni (1975[1883], p.79), "saber decifrar tão estranha confusão nas
vegetações de climas tão diferentes" não era "coisa fácil". Apesar disso, ele reconheceu
o valor econômico dos recursos naturais existentes naquelas terras, ressaltando que "é
tal e tanta a riqueza e a variedade de madeiras nestes montes que, se cada colono nosso
pudesse ter enviado para a Europa as que lhe pertenciam, encontradas em seus lotes,
teria enriquecido". "Infelizmente", continuava ele, "pela necessidade e pressa de cultivar
um pouco de milho e trigo e, às vezes, por verdadeira ignorância, somente o fogo se
encarregava de destruir aquelas florestas seculares, sem proveito para ninguém". O
problema, como se percebe, não era propriamente o impacto ambiental decorrente desse
tipo de ação, mas o fato de não se ter aproveitado suficientemente tais recursos.
Preocupado com o desperdício e a conseqüente extinção de espécies que
compunham a
fronteira verde
– e também "para lembrar aos nossos filhos e netos
quanta riqueza existia naqueles bosques" –, o colono decidiu listar em seu diário 50
árvores que chegou a conhecer na região colonial italiana. Entre outras espécies,
Lorenzoni (1975[1883], p.80-87) citou plantas como o ipê, que considerava uma
148
madeira "ótima para construções, porém muito difícil de ser trabalhada", a guajuvira,
"empregada na confecção de móveis de luxo", o angico, "excelente para qualquer
espécie de construção", o louro, que se prestava "bem para confeccionar as tabuinhas de
cobertura das casas", e a canela-sassafrás, que servia "para muitos usos". Para o
pinheiro, dedicou mais espaço. Eis a sua definição da araucária (Lorenzoni, 1975[1883],
p.87):
"Esta é uma árvore majestosa, com folhas ásperas e escamosas. O tronco
atinge muitas vezes alturas superiores a trinta metros, com um metro ou
mais de diâmetro. As frutas são as pinhas, maiores que a cabeça de um
homem e, abrindo-as, encontram-se pinhões, de formato oblongo, cheios e
vazios, alternadamente. Comem-se cozidos n'água ou torrados. São uma
espécie de castanha. A madeira serve a muitos usos: tábuas, tabuinhas,
vigas, coberturas, etc., etc. Cresce em lugares elevados, motivo pelo qual
[...] é abundante nas outras Colônias de Caxias, Dona Isabel e Conde D'Eu."
Ao final do texto, Lorenzoni (1975[1883], p.88) voltaria a ressaltar que "os
tesouros que poderiam ter se conseguido com as madeiras indígenas, dificilmente se
calculariam". De fato, antes de conseguir transformar aquelas árvores gigantescas em
tábuas, móveis ou toras para exportação, os colonos tiveram de aprender, tanto quanto
os alemães, a lidar com a floresta e a sobreviver na nova terra.
Além disso, a falta quase total de vias de comunicação na fase inicial da
colonização italiana não permitia que a madeira fosse enviada para os mercados
consumidores. Em função da precariedade do sistema de transportes, as derrubadas não
tinham fins econômicos no começo – exatamente como aconteceu com os alemães.
Toras gigantescas eram abatidas apenas para dar espaço às primeiras lavouras e para
permitir a sobrevivência dos colonos, servindo de matéria-prima para as primeiras
habitações e de combustível para o preparo de alimentos e o aquecimento deles. Não
raro, o excedente apodrecia no solo. Do desmatamento inicial do lote à comercialização
da madeira nele existente passaram-se anos, porque disso dependia o desenvolvimento
de vias de transporte adequadas.
Como ressalta Liliane Wentz (2004, p.29), "o desmatamento feito pelos imigrantes
era imprescindível para a produção agrícola" e foi dessa forma que teve início o
trabalho com a madeira no nordeste do Rio Grande do Sul. No início, a exploração das
toras foi quase que uma conseqüência das lavouras e, quando deixaram de ser
149
simplesmente queimadas ou abandonadas no solo, elas serviram para uso próprio ou,
quando muito, como moeda de troca nas colônias.
Foi esse o caso, por exemplo, do colono Giovanni Micheli (1881). Em carta
datada de 23 de julho de 1881, encontrada no Arquivo Histórico de Caxias do Sul, ele
escreveu ao diretor da Colônia de Caxias para reclamar da atitude de um outro colono,
chamado Josué Vacaro, que não teria cumprido um trato firmado entre os dois. Na
correspondência, Micheli (1881) afirma ter dado permissão para que o conhecido
cortasse, em seu lote, "115 pinheiros", sendo que Vacaro se comprometia, em
contrapartida, a fornecer-lhe "67 metros de taboas" em um prazo de dois meses. Até
aquela data, porém, Micheli alegava não ter recebido nada, sendo que tinha
"necessidade de construir uma casa" e que precisava do material.
Embora trocas desse tipo fossem corriqueiras, apenas gradualmente a instalação de
serrarias se tornou mais intensa na Serra. Somente depois de terem conseguido erguer
suas casas e cultivar as primeiras sementes de milho é que os colonos iniciaram a
construção das primeiras serrarias movidas à água. Mesmo que à época da imigração
grandes florestas já não existissem mais na península itálica, muitos colonos trouxeram
consigo técnicas de exploração madeireira bastante desenvolvidas. Segundo Maestri
(1999, p.204), "havia séculos, nas regiões montanhosas do setentrião italiano [
de onde
veio a maioria dos imigrantes que se estabeleceram na Serra
], desenvolvera-se uma
importante atividade madeireira" (grifo meu). Ainda segundo ele, "no Trentino, desde
os anos 1200, aproveitava-se a força hidráulica nas primeiras serrarias da região". O
imigrante Rossato (1883), numa carta escrita à família em 27 de dezembro de 1883,
atestava essa informação. Escrevia ele que "no rio da nossa colônia pode-se montar um
moinho e uma serraria movida a água", coisa que não demorou muito a fazer.
Os esforços dos colonos para conseguir arrastar as toras abatidas para as serrarias
surpreenderam o agente de imigração Vittorio Bucelli, que publicou, em 1906, na Itália,
um relato intitulado
Un viaggio a Rio Grande del Sud
. Em seu diário, o observador fez
menção ao trabalho dos colonos que percorriam “vias abertas na mata”, muitas vezes
“reconhecíveis somente por pessoas com muita prática na floresta”, com “enormes
troncos”. A madeira, segundo ele (1906), era puxada por “duas, quatro, seis e até oito
juntas de bois” pelo interior da
fronteira verde
. Ouvir os sons dessa movimentação na
floresta, para Bucelli (1906), “era o sinal de que, sobre aquela massa aparente de verde
melancólico e silencioso, fervilhava com sua febril tenacidade o trabalho assíduo dos
nossos colonos”.
150
Nas correspondências dos diretores coloniais da época, resguardadas no Arquivo
Histórico Municipal de Caxias do Sul, a preocupação em estabelecer serrarias e
moinhos nas colônias serranas era constante. Em ofício datado de 23 de janeiro de 1884,
José Júlio de Albuquerque Barros (1884), da 5ª Diretoria do Palácio do Governo,
comunica ao diretor da Colônia de Caxias a concessão de dois lotes urbanos para um
colono identificado como João Moratori, com a condição de que ele estabelecesse uma
serraria à vapor no local. Da mesma forma, em ofício de 5 de dezembro de 1888, o
inspetor especial de terras e colonização Manoel Barata Góes (1888) comunica ao
engenheiro chefe da Comissão de Trabalhos em Caixas o requerimento de um colono
para comprar "terras devolutas em Antonio Prado, para manter engenho de serraria".
Nos relatórios dos agentes consulares e de imigração que passaram pelas colônias
italianas, as citações relacionadas às madeireiras também foram freqüentes. Em 1884,
segundo o cônsul Antonio Greppi (1884), havia pelo menos oito serrarias movidas à
água, somente na sede de Conde D'Eu. Em 1904, o agente consular Luigi Petrocchi
(1904) referia-se com satisfação aos "extensos pinhais situados na zona leste", que
permitiam "o funcionamento de diversas serrarias a água e a vapor" em toda a região.
Nesses estabelecimentos, de acordo como agente, já eram "empregados muitos
operários". Dois anos depois, Petrocchi (1906) voltaria a ressaltar que "aos poucos,
começaram a surgir de cá e de lá [
em Dona Isabel
] pequenos moinhos e serrarias
movidas a água". Algumas dessas serrarias, por sinal, foram visitadas pelo agente de
imigração Bucelli (1906). Conforme seu relato, praticamente todas ficavam “próximas
aos cursos d’água, em vastos espaços desmatados em meio às florestas”. À primeira
vista, segundo ele, pareciam “acampamentos de bárbaros devastadores”.
Além das serrarias, relatos de época referem-se ao Rio das Antas, que corta a
região, como um canal utilizado para o transporte da madeira no fim do século 19 – o
cônsul Enrico Perrod já fazia essa relação em 1883. Em 1906, o transporte de madeira
por balsas chamou atenção do agente de imigração Vittorio Bucelli. Em seu diário, ele
(Bucelli, 1906) contou que, ao passar pelo Rio das Antas, viu uma “nova espécie de
arsenal”, ou estaleiro, onde trabalhavam alguns balseiros. Tratava-se, segundo ele, de
“uma forma característica” do modo como se fazia o transporte de “tábuas e de
madeiras”, que existiam em “grande número naquele vale”.
Observador aguçado, Bucelli (1906) descreveu em todos os detalhes como as
balsas eram preparadas para viagem. Conforme o agente, “depois de cortados em
tamanhos iguais, os troncos das árvores, brutos ou reduzidos a grossas tábuas”, eram
151
levados até as margens, onde eram “amarrados uns aos outros com arame ou com cipós
muito resistentes da floresta, de modo a formarem superfícies retangulares de tamanhos
diversos, entre 300 e 600 metros quadrados, conforme o comprimento e a grossura dos
troncos”.
O próximo passo, segundo ele, era a amarração transversal de “tábuas ou traves
mais leves”, por cima das toras já dispostas. Por vezes, construía-se ainda uma espécie
de cabana sobre toda a madeira, “onde duas ou três pessoas” podiam se proteger “das
intempéries e dos raios de sol”. Concluída esta “construção rudimentar”, que, segundo o
estrangeiro, navegava “admiravelmente”, suspendia-se na parte posterior da embarcação
“três varas compridas, destinadas a servir de timão”, e, não raro, outras tábuas nos
lados, “para servirem de remos”. Feito isso, a balsa era largada na correnteza, que a
levava lentamente até o rio Taquari e deste, pelo Jacuí, até Porto Alegre (Bucelli, 1906).
Ao todo, a viagem até a Capital costumava durar, conforme o relato de Bucelli
(1906), de 15 a 16 dias. Em Porto Alegre, enfim, as balsas eram recolhidas a “algumas
enseadas”, chamadas de “balseiras”, onde permaneciam por algum tempo à disposição
dos destinatários. Estes, conforme o agente italiano, iam retirando o madeirame segundo
as necessidades e abastecendo as serrarias locais. Esse era o motivo, segundo Bucelli,
pelo qual as “melhores qualidades de madeira” eram “tão baratas” em Porto Alegre,
sendo “exportadas em grandes partidas para Buenos Aires”, assim como, por via
terrestre, ao “território uruguaio”.
Para o autor do relato, era um espetáculo à parte ver em pleno funcionamento
algumas daquelas balsas artesanais. A navegação, porém, enfrentava restrições naturais:
só era possível transportar as toras rio abaixo nos meses de cheias, notadamente no
inverno, quando as chuvas torrenciais aumentavam o volume das águas. No verão, havia
o “perigo das cachoeiras”. Seja como for, Bucelli (1906) acreditava que as balsas
representavam “uma das indústrias mais remuneradoras de toda a região serrana”. Mal
sabia ele que, em quatro anos, com a chegada da ferrovia à região, o transporte fluvial
acabaria preterido pela agilidade e segurança dos trens.
Como destaca Vania Herédia (1999, p.398), "a extração da madeira foi o
sustentáculo da indústria extrativa e manufatureira tendo um rápido desenvolvimento na
região". Em 1892, havia 13 serrarias na Colônia de Caixas. Em 1932, a indústria da
madeira já contava com 42 estabelecimentos e com 169 operários, segundo dados do
Censo Municipal daquele ano. Dezesseis anos mais tarde, o número de estabelecimentos
do tipo passaria a 61 e o número de funcionários a 550 (Herédia, 1999, p.81).
152
Quadro 1: Estabelecimento comerciais e industriais: Colônia de Caxias – 1892:
Estabelecimentos Números Estabelecimentos Números
Serrarias 10 Ferrarias 14
Serrarias a vapor 3 Funilarias 5
Moinhos a vapor 2 Marcenarias 8
Moinhos hidráulicos 50 Sapatarias 25
Curtumes 7 Alfaiatarias 12
Fábricas de cerveja 7 Tanoarias 1
Licores 3 Selarias 2
Gasosa 1 Lombilharias 2
Chapéus 3 Alambiques 26
Obras de vime 1 Teares 3
Pó inseticida 1 Casas de comércio diversas/sabão 2
Fonte: Pellanda (1950) apud Herédia (2003)
No final do século 19, Caxias já vivia um processo intenso de desenvolvimento.
Segundo Pellanda (1950, p.57), a vila contava com várias "serrarias [...], moinhos,
curtumes, fábricas de cerveja, licores, gasosa, chapéus, obras de vime, pó inseticida,
sabão, além de ferrarias, funilarias, marcenarias, sapatarias, alfaiatarias, tanoaria,
selarias, lombilharias, alambiques e teares". O crescimento desses estabelecimentos
comerciais e das atividades manufatureiras e industriais na região continuou nas
décadas seguintes. Boa parte da energia empregada nesta fase inicial da industrialização
foi, sem dúvida, a madeira. Com a urbanização, o uso domiciliar de lenha também
aumentou – até 1930, as toras eram utilizadas em quase todas as casas para cozinhar e
aquecer. As cidades cresciam consumindo a vegetação ao seu redor.
Poucos foram aqueles que questionaram esse avanço sem controle sobre a floresta.
Em 1894, o intendente municipal de Caxias do Sul, José Domingues de Almeida,
escreveu um ofício ao presidente da Província, no qual solicitava a concessão de uma
área a fim de preservá-la do crescimento “sem methodo, nem ordem” da cidade.
Almeida (1894) criticou o “direito que cada um se julga ter de derrubar mattos aqui e
ali”, sendo que “os mattos do mesmo logradouro teem sido devastados”.
Em outro ofício, datado de 15 de maio de 1895, Almeida (1895) voltou a tocar no
assunto para justificar seu pedido feito um ano antes, afirmando que “quem conhece a
153
topographia desta sede há-de dar-me razão, porque a população em um futuro não muito
longínquo há-de ressentir-se da pequenez a que criminosas concessões e abusivas
medições reduziram a área do mesmo logradouro”. Apesar da insistência, a resposta do
governo veio apenas em 1897, quando já era tarde demais. A área que Almeida
pretendia preservar já havia sido inclusive loteada. E o mato derrubado.
Esse processo de desenvolvimento desencadeado à custa das florestas, e a
conseqüente transformação da paisagem regional, podem ser visualizados a partir de
uma série de fotografias do fim do século 19, que integram um acervo particular doado
pela família Darsie ao Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
Intitulado "Recordação das Colônias Conde D'Eu, Dona Isabel, Alfredo Chaves,
Antônio Prado e Caxias", o álbum é composto de 67 imagens, sendo que, da maioria
delas, não se sabe o autor. Trata-se de fotografias variadas, que mostram desde planos
gerais das colônias até reproduções das primeiras casas construídas na região. Percebe-
se, por meio delas, a preocupação do(s) fotógrafo(s) em retratar o desenvolvimento dos
núcleos italianos e em reforçar a imagem dos colonos enquanto civilizadores.
Observe a seqüência de fotografias a seguir. Todas foram captadas na então Rua
Silveira Martins ou Rua Grande, como era chamada pelos colonos a atual Avenida Julio
de Castilhos, principal via de Caxias, em diferentes momentos entre os anos de 1875 e
1900:
154
Imagem 12 – O domínio da floresta – parte I
Abertura da rua principal da então Colônia de Caxias, no fim do século 19.
Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul
155
Imagem 13 – O domínio da floresta – parte II
Vista da rua principal da então Colônia de Caxias, no fim do século 19.
Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul
156
Imagem 14 – O domínio da floresta – parte III
Vista da rua principal da Colônia de Caxias, sem data.
Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul
157
No conjunto de fotos apresentado, são visíveis as transformações pelas quais
passou a principal rua da sede colonial, hoje situada no centro do município de Caxias
do Sul, com 400 mil habitantes. Em todas as três fotos, a floresta de araucárias aparece
em segundo plano, ao fundo, em parte já devastada pelos imigrantes. A floresta, nesse
caso, não era o foco das imagens, mas a rua, elemento associado à civilização e ao
progresso e, nesse caso, símbolo maior do início do fim da floresta e do avanço na
fronteira verde
.
Como um corte profundo no meio da mata, a Rua Grande ainda estava sendo
aberta pelos colonos na primeira foto, auxiliados por caboclos e supervisionados por
agentes do governo. Lutando contra o relevo irregular, característica ambiental marcante
da região, um grupo de trabalhadores aparece ao fundo, atuando no rebaixamento da
futura Avenida Julio de Castilhos. Depois de limpar o terreno, derrubando todas as
árvores que ali havia, a intenção era torná-lo plano, domesticando e civilizando a
natureza.
Se na primeira imagem as majestosas árvores que tanto marcaram o ecossistema
regional ainda eram visíveis e abundantes na paisagem, na segunda e na terceira, as
alterações ambientais processadas pelos colonos se tornaram mais evidentes. Na última
foto, os pinheirais praticamente já não aparecem no quadro, exceto por um pequeno
trecho de mata ao fundo, no canto esquerdo da imagem. O ângulo escolhido torna a
floresta ainda mais insignificante, destacando, por outro lado, as casas de um e de dois
pisos enfileiradas uma após a outra e a rua larga e livre de matos e macegas – sem
nenhuma "erva daninha" sequer, nem para fazer sombra nos dias escaldantes do verão.
Para completar a composição da última foto, à frente, no lado esquerdo, dois
colonos aparecem em primeiro plano. Foram eternizados pelas lentes do fotógrafo
anônimo como verdadeiros senhores da nova terra.
158
Imagem 15 – Natureza domesticada
Vista parcial da Colônia de Caxias registrada entre os anos de 1875 e 1900. Fotógrafo: Gio-Batta
Serafini. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul João
Spadari Adami.
Tal qual as imagens anteriores, a fotografia acima pode ser tomada como outro
ícone do avanço colonial na “fronteira verde” e da forma como esse avanço se
processou. Nesse caso, o autor da foto, tirada entre 1875 e 1900, é o fotógrafo italiano
Gio-Batta Serafini. Na composição, alguns elementos chamam atenção: o muro reto,
feito de pedras, ordenando o espaço; a ampla área desmatada e aparentemente
terraplanada; a grande quantidade de casas de madeira bem estruturadas, com os
colonos e alguns animais domésticos diante delas, e, ao fundo, não exatamente a floresta
em si, mas o que restava dela, sendo consumida pelas derrubadas.
Talvez por orgulho do trabalho dos compatriotas na Colônia de Caxias, Serafini
deu destaque a elementos que, mais uma vez, exaltam a ação dos imigrantes na terra de
promissão. O muro de pedras construído com precisão sobre um terreno amplo e
159
totalmente desprovido de vegetação aumenta a sensação de ordenamento da paisagem.
Logo em seguida, o que se vê é o grupo de colonos, soberano, com seus filhos e alguns
animais, olhando na direção da câmera. Atrás dos imigrantes, bem ao fundo, a floresta
aparentemente passiva, coadjuvante.
Parte dela simplesmente sucumbiu às queimadas e ao avanço das lavouras. Em
termos econômicos, os pinheirais só passaram a ganhar maior valor por parte dos
colonos a partir do início do século 20, mais precisamente com a inauguração da estrada
de ferro que ligou Caxias a Montenegro, em 1910. A partir dessa data, pela facilidade de
transporte aos centros consumidores, as araucárias tornaram-se mercadorias de
exportação.
Imagem 16 – Nos trilhos do trem
Inauguração da estrada de ferro Montenegro-Caxias do Sul, em Caxias, 1910. Fonte: Fotógrafo
Domingos Mancuso. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
Essa valorização econômica, conforme Liliane Wentz (2004, p.26), também teve
relação com as características dessas árvores que, "crescendo até 45 metros, com
troncos cuja grossura varia entre 1 e 3 metros, em geral, [...] produzem, cada uma, oito a
dez dúzias de tábuas". Entre outras utilidades, segundo a historiadora, o pinho foi muito
160
usado para se fazer assoalhos, forros, mastros e vergas. Além disso, sua resina substituiu
a terebintina e seus nós serviram para obras de adorno, bem como para combustível,
fornecendo carvão. Outro produto que podia ser extraído dos nós de pinho era o alcatrão
e o carbolineu – este último usado para preparar móveis.
Por todas essas utilidades, pouco a pouco, as araucárias foram desaparecendo da
paisagem serrana – e, conseqüentemente, das fotografias. Depois de visitar as colônias
italianas no início do século 20, Ranieri Pesciolini Venerosi publicou um artigo, em
1914, no qual detectou esse processo de extinção. Segundo ele (1914), os terrenos
“outrora estavam cobertos de pinheiros, mas hoje a madeira foi cortada nas serrarias,
que são particularmente numerosas no município [Garibaldi], constituindo-se numa das
principais indústrias”. O que se via nessas áreas, conforme Venerosi (1914), eram
“amplos espaços de terrenos não cultivados, cobertos por altos arbustos (capoeiras), e já
pobres devido às plantações sucessivas”.
À medida que as terras na região escasseavam e perdiam a fertilidade inicial,
muitos descendentes dos antigos colonos deixaram o seio de suas famílias e partiram em
busca de novas terras. Esse movimento populacional corroboraria, no final do século 19,
com o início da ocupação das últimas áreas florestais da Província, no Planalto
setentrional, a Oeste das colônias italianas. Naquele trecho, jazia praticamente intocada
uma ampla mata de pinhais e uma grossa cobertura florestal subtropical, como atestou o
agrimensor Maximiliano Beschoren, em 1887. Essa área foi aos poucos desbravada
principalmente por colonos vindos dos núcleos italianos. O desflorestamento
acompanhou os trilhos do trem.
Com isso, a partir do primeiro decênio do século 20, o Rio Grande do Sul viveu
um
boom
da indústria madeireira. Nessa época, as colônias mistas do Planalto
passariam a figurar no cenário regional como as principais produtoras de madeira da
Província. Em 1916, segundo Roche (1969, p.89), os municípios do Planalto já eram
responsáveis pelo fornecimento de 49% de toda a madeira produzida no Rio Grande do
Sul, sendo que em poucos anos o volume exportado pelo Estado apresentou um
crescimento significativo: de 39.499 toneladas, em 1931, para 76.814, em 1940, quando
o Rio Grande do Sul ocupava o primeiro lugar entre os Estados brasileiros, graças à
exploração das enormes reservas de araucárias do Planalto.
161
3.5. Os parreirais avançam sobre a mata
Paralelamente à exploração madeireira, os colonos italianos e seus descendentes
deram início a um outro tipo de especialização produtiva na região serrana – a
vitivinicultura. Tanto a experiência pregressa dos colonos e seus hábitos na terra de
origem, quanto as características ecológicas encontradas naquele trecho específico da
fronteira verde foram determinantes para a difusão dos parreirais, que avançaram sobre
as terras desmatadas e se tornaram marcos da paisagem colonial serrana, contribuindo
para a constituição de uma nova paisagem ecológica.
No século 19, as colônias alemãs e italianas ainda se assemelhavam em diversos
aspectos, principalmente naquilo que produziam, isto é, quase todo tipo de alimentos
necessários à sobrevivência. A proximidade de Porto Alegre, no entanto, colocava a
zona germânica em vantagem na comercialização desses produtos – entre eles, banha,
manteiga, couro, milho e fumo. Mesmo realizado em estradas carroçáveis, conforme
Maestri (2000, p.82), o transporte onerava a comercialização da produção italiana,
sobretudo “de baixa relação valor/peso”, como o feijão, o milho e o trigo. Além disso,
inicialmente, tanto a exportação quanto a importação das colônias serranas era
intermediada por comerciantes alemães e teuto-brasileiros, estrategicamente localizados
no sopé da Serra. Tudo isso contribuiu para que os colonos italianos e seus
descendentes buscassem alternativas em atividades diferenciadas, que pudessem render
maiores lucros ao burlar a concorrência alemã.
Embora os italianos e ítalo-brasileiros tenham mantido parte da produção
diversificada – apenas com o passar dos anos o caráter policultor da economia colonial
sofreu efetivo declínio (Maestri, 2000, p.72) –, aos poucos, os parreirais espalharam-se
pela Serra e se tornaram predominantes na paisagem. Não por menos, Rambo (2000,
p.312) registrou que, “em toda parte, onde o descendente da Itália põe o pé, brota, como
por encanto, a videira, estendendo sua folhagem sobre os troncos carbonizados das
derrubadas, pesada de cachos”.
162
Se não foram os responsáveis pela introdução das vides no Rio Grande do Sul, os
colonos italianos ficaram conhecidos como excelentes produtores de vinho e
efetivamente se especializaram nesse ramo – basta uma caminhada pelo interior dos
municípios de Caxias do Sul e de Bento Gonçalves, ainda hoje, para constatar isso. A
paisagem atual revela os caminhos da história ambiental da região, onde, conforme
Maestri (2000, p.72), a viticultura desempenhou um “papel único”.
Inicialmente, segundo ele, o cultivo de uvas e o fabrico de um vinho rústico
destinavam-se ao consumo familiar. À medida que as colheitas aumentaram, esse vinho
passou a ser consumido nas sedes coloniais, para, pouco depois, abastecer o mercado
consumidor provincial – que até então era abastecido pelo vinho português e, em menor
escala, pelo vinho artesanal feito na zona colonial alemã, considerado de baixa
qualidade. O vinho italiano, conforme Maestri (2000, p.72), inicialmente era exportado
através de São Sebastião de Caí e Montenegro para Porto Alegre. Aos poucos,
cargueiros passaram a escoar algum vinho por terra, por Santa Catarina, até São Paulo.
A elevada relação valor/peso do vinho justificava o transporte do produto.
A predileção pelo cultivo de uvas está presente em muitas cartas escritas pelos
colonos e, ao que tudo indica, não foi uma escolha estritamente econômica, mas
também cultural. Havia uma necessidade concreta e também simbólica de moldar o
território conforme os padrões que já faziam parte das tradições culturais desses
imigrantes – como se constatou no caso dos alemães e também se verificou em outras
correntes migratórias, nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e a Nova Zelândia
(Dunlap, 1999).
A difusão dos parreirais também teve um fundo religioso, porque o vinho era
essencial para as cerimônias cristãs, e os imigrantes italianos, católicos em sua maioria,
agarraram-se à fé para sobreviver nas montanhas e tornaram-se praticantes ainda mais
fervorosos. Inúmeros pesquisadores já destacaram a importância do catolicismo para
esses homens e mulheres. Poucos, no entanto, enfatizaram o papel dessa crença no tipo
de postura adotada pelos pioneiros diante da floresta subtropical.
Quase todos compartilharam do consenso de que o catolicismo teria sido o
elemento unificador que, segundo Manfroi (1975), impediu a “desintegração social” do
colono. É possível afirmar, no entanto, que a fé não apenas impediu a desintegração
social do imigrante e possibilitou o seu reencontro com a própria identidade cultural,
163
como também imprimiu nos colonos um determinado tipo de ação no mundo,
eminentemente predatório.
As memórias do primeiro assentamento, expressas através desse catolicismo
fervoroso, orientaram a interação com o novo meio. Na época da imigração, o
desmatamento da península itálica já estava muito avançado, e as matas selvagens eram
desconhecidas no norte da Itália (Maestri, 2000, p.38). Quando os imigrantes se
instalaram no Sul do Brasil, isso se refletiu em uma incansável luta pela domesticação
da natureza, que implicou severas alterações ambientais. Como escreveu o alfaiate
Luigi Toniazzo (apud De Boni, 1977, p.18), autor de uma memória escrita em 1893, “a
natureza é perfeita em todas as coisas e parece ter sido criada para servir à utilidade do
homem” (grifo meu).
Em outras palavras, tornar a nova terra familiar – como também se verificou no
caso alemão – era o objetivo maior desses forasteiros. E foram as referências tomadas a
partir da sociedade rural italiana que balizaram a ação dos colonos nas florestas do Sul
do Brasil, condicionada pela existência de uma fronteira verde aberta à exploração
colonial. Essa ação implicou desmatamento e, em seguida, se traduziu na tentativa de
repetir, em solo americano, algumas das culturas com as quais já haviam tido contato na
península itálica – entre elas, principalmente, a viticultura e também as plantações de
trigo.
Na nova terra, porém, as técnicas utilizadas para o plantio da uva sofreram
alterações. Além disso, as mudas e sementes importadas não substituíram de todo as
nativas, mas foram enxertadas e misturaram-se a elas. Em carta datada de 17 de
fevereiro de 1884, o imigrante Paolo Rossato (1884), ressaltava as principais diferenças
no modo de plantio adotado pelos colonos na Serra. Segundo ele, os imigrantes não
plantavam as vinhas “pelos campos, como na Itália”, mas sempre “próximo à
residência”, aproveitando cada naco de terra, inclusive nas áreas mais íngremes. A
armação que serviria de base às videiras era feita perto de casa para facilitar a vida dos
colonos e garantir êxito no plantio. Assim, se surgissem formigas “no tempo da
brotação”, Rossato (1884) ressaltava que logo podiam exterminá-las, jogando “água
quente [...] nos formigueiros”. Com esses parcos cuidados – pois se acreditava que a
terra faria o resto –, “poucas videiras” originavam “muitos barris de vinho”. E Rossato
(1884) chegou mesmo a se surpreender com o rápido crescimento das plantas nessas
condições: “Vocês nem imaginam”, escrevia ele aos parentes, “como uma vinha cresce,
aqui, em três anos”.
164
O interesse pelo cultivo de uva era tanto que ele chegou a pedir aos familiares que
trouxessem várias mudas “de uva negrara, xebido, docana, corbina, cagina e todas as
que quiserem” para a colônia, em carta datada de 22 de junho de 1884. Para garantir que
as plantas chegassem intactas à Serra e pudessem ser transplantadas com sucesso,
Rossato (1884) ainda especificava: “Coloquem estas plantas em uma lata, daquelas de
petróleo, com um pouco de areia e musgo, e verão como chegam todas bem até aqui”. A
sugestão deu tão certo que, em 1889, o colono fundaria a primeira vinícola da região,
em parceria com três irmãos. Segundo Luis De Boni (1977, p.28), também teriam sido
eles os primeiros a transportar vinho da Serra para Porto Alegre, onde, em 1914,
chegariam a abrir uma filial.
Quase dez anos antes desse pedido feito por Rossato, em carta endereçada ao pai
em 16 de outubro de 1876, o imigrante Michele Madalozzo (1876), instalado em
Caxias, também pedia que os familiares trouxessem à colônia sementes de videira. Ao
que tudo indica, centenas de mudas exóticas foram plantadas e se desenvolveram bem
no trecho serrano da fronteira verde. Junto de outras amostras vegetais, as mudas e
sementes de vides compuseram boa parte da “biota portátil”, para usar o termo de
Crosby (1986), trazida na bagagem dos colonos. E de fato se espalharam pela paisagem
serrana, sobrepondo-se às florestas nativas, que, aos poucos, desapareciam.
Em relatório publicado em 1905, o cônsul Petrocchi relatou ter ouvido dos
imigrantes que “neste Estado toda a espécie de videira pode desenvolver-se bem,
principalmente se enxertada sobre a americana, que resiste ao ataque da filoxera e
cresce até os Campos de Cima da Serra”. As videiras americanas mais comuns na região
colonial italiana, segundo ele (1905), eram a Isabel, a Concord e a Campbel’s Earls, esta
última proveniente dos Estados Unidos. As uvas estrangeiras, chamadas de “vides
francesas”, eram, conforme o cônsul, a Herbemont e a Conningham, “que crescem
vigorosamente”. Ele contou que, em 1902, havia plantado uma muda desta última
espécie no pátio de uma escola local e que, em 1905, ela já tinha “54 cachos, um mais
lindo que o outro” – uma prova da adaptação da espécie exótica ao novo ecossistema,
assim como o relato de Rossato (1884) sobre a grande difusão de um tipo de “uva-
morango” que ele conhecera nas terras de seu antigo “locador”, na Itália. Em terras
sulinas, porém, o colono concluiu que a fruta era “muito melhor”.
Familiarizados com as vides, os colonos aparentemente não tiveram grandes
dificuldades para fazê-las vingar em seus lotes e logo cedo perceberam que poderiam ter
bons resultados naqueles morros. As alterações na paisagem regional, por conta dessa
165
disseminação em grande escala, foram relativamente rápidas e drásticas. Em seu relato
datado de 1906, o agente de imigração Vittorio Bucelli viu nos arredores de Bento
Gonçalves “longas e espessas fileiras de parreiras, amarradas em forma de pérgula”.
Surpreso com a difusão dessas plantas na região, o italiano (1906) ressaltou ainda ter
observado “parreirais que escalam as colinas com uma simetria que parece dirigida por
experiente desenhista”.
A forma simétrica das “latadas” – grades de varas fincadas na terra para sustentar
as parreiras – foi, sem dúvida, um fator importante de modelagem da paisagem colonial.
De certa forma, as extensas fileiras, alinhadas paralelamente ao longo dos morros, se
constituíram em uma estratégia de ordenamento e de domesticação da natureza. Onde os
parreirais vingaram, o mato sucumbiu. As vides eram a prova inconteste da vitória dos
colonos sobre o meio ambiente e, conseqüentemente, aludiam à civilização. Quanto
mais desenvolvidos e mais carregados, maior era a sensação de prosperidade alcançada
pelos italianos, maior era seu domínio sobre a natureza.
Tanto que muitas famílias faziam questão de posar para fotografias diante de suas
videiras. Dentre as imagens que integram um acervo particular doado pela família
Darsie ao Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul, pelo menos duas retratam o
orgulho em relação aos parreirais. Mais uma vez, por meio delas, é possível perceber a
preocupação do(s) fotógrafo(s) em demonstrar o desenvolvimento dos núcleos italianos
e em reforçar a imagem dos colonos enquanto civilizadores.
166
Imagem 17 – O parreiral avança na mata – parte I
Família não-identificada em frente a parreiral em seu lote, entre 1875 e 1900, em uma das colônias
serranas. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.
Na imagem acima, assim como na próxima fotografia, o posicionamento dos
parreirais corrobora a informação fornecida por Rossato, de que as armações eram feitas
perto das casas. Para isso, usava-se madeira abatida no próprio lote. Atrás da casa à
direita, percebe-se ainda que uma parte do morro já se encontrava desmatada,
possivelmente para a expansão das videiras. Na foto a seguir, a floresta já não existia.
Em meio à capoeira, praticamente toda a área dá espaço às latadas.
167
Imagem 18 – O parreiral avança na mata – parte II
Vista da estrutura de sustentação de um parreiral e de casas coloniais entre 1875-1900 em uma das
colônias serranas. Ao fundo, no centro, um grupo de pessoas. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo:
Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami.
168
Imagem 19 – O parreiral avança na mata – parte III
Paisagem atual da região conhecida como Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, marcada por
milhares de parreirais. Fonte: prefeitura municipal de Bento Gonçalves
169
A rápida propagação das parreiras – que resultou em paisagens como a registrada
na foto anterior, da região conhecida como Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves –
chamou a atenção dos agentes consulares italianos que mantinham contato freqüente
com as colônias. Em praticamente todos os relatórios elaborados entre 1883 e o início
do século 20, a produção de uvas foi citada como uma das principais alternativas
econômicas locais e como exemplo de desenvolvimento regional.
Sempre que visitavam as colônias, os agentes consulares eram recebidos com
copos cheios de vinho. Foi o que ocorreu durante a visita a Conde D’Eu, em 1884, do
cônsul italiano Pascoale Corte. Ele registrou (1884) a “entusiástica acolhida” que
recebeu dos moradores locais, complementando: “E foi tanto vinho que, malgrado meu
dever, sorvi para acompanhar e retribuir aos brindes que me dirigiam.” Corte ficou
impressionado ao saber que, na colheita de 1883, os habitantes de Conde D’Eu havia
produzido “2.759.600 litros de vinho”.
Outro cônsul a tratar do tema foi Enrico Perrod. Em seu relatório de 1883, ele
registrou que “a videira cresce de modo surpreendente”, sendo que “já no segundo ano
dá uvas e no terceiro a colheita é abundante”. Conforme Perrod (1883), as geadas, que
na Itália costumavam estragar toda a colheita, na Serra gaúcha tinham “pouca força
sobre as plantas”, que podiam “suportar duas ou três” sem que deixassem de “germinar
e produzir seu delicado fruto”.
A espantosa proliferação dos parreirais, para ele (1883), se devia ao fato dos
colonos terem encontrado na região “uma temperatura semelhante à de sua pátria e um
solo fertilíssimo”. O mesmo diria o cônsul Luigi Petrocchi em seu relatório de 1905.
Segundo ele (1905), “as colinas do Rio Grande do Sul, tanto pelo clima temperado,
quanto pela sua posição e pelas condições do solo”, eram bastante “aptas à cultura da
videira”. A constatação era reforçada por Venerosi (1914), para quem “os terrenos
secos rochosos” adaptavam-se “muito bem” ao cultivo da uva.
Ainda segundo Perrod (1883), embora cada colono procurasse produzir “um
pouco de tudo”, era “natural” que uns cultivassem “um gênero mais que outros,
movidos [...] pelas tradições de família ou pela natureza do solo”. Por conta disso, a
videira, segundo ele, era a planta que recebia mais atenção, porque possibilitava “os
maiores lucros” e já era conhecida. Havia colonos, conforme o cônsul, que, “após só
três anos de cultivo”, já conseguiam obter de 3 a 5 mil francos com a venda do produto
por ano. Para melhorar a qualidade da bebida produzida nas colônias, Perrod contava
170
que os imigrantes estavam introduzindo “cepas italianas”, que produziam um vinho
“igual” ao da pátria de origem “e sem comparação melhor que o feito com as vides
nativas”.
Em Porto Alegre, de acordo com Perrod (1883), “o vinho das colônias” já
substituía “o vinho tinto de Bordéus e aquele muito forte de Portugal”. Para ele, “em
poucos anos”, as colônias poderiam inclusive “abastecer os países vizinhos com este
importante produto”. Satisfeito com a previsão, Perrod finalizava: “E, no caso, de quem
será a glória e o lucro? Exclusivamente dos colonos italianos e tiroleses, visto que os
alemães e brasileiros não entendem deste ramo e nem querem dedicar-se a ele.”
Ao escrever sobre Garibaldi – como passou a se chamar a colônia de Conde D’Eu
após a emancipação –, o agente de imigração Bucelli (1906), exaltou a vitivinicultura
tanto quanto a produção madeireira. Para ele, as indústrias eram “pouco ou nada
desenvolvidas, excetuada a da madeira, que conta com 22 serrarias, e a do vinho, que
constitui a principal ocupação dos colonos”. Sempre que um estabelecimento desse tipo
era aberto, Bucelli (1906) contava que ocorriam grandes festas, envolvendo toda a
comunidade. Era a celebração da vitória sobre a floresta.
Em certa ocasião, o italiano teve a oportunidade de conhecer duas propriedades
coloniais que lhe chamaram particular atenção. A primeira delas, pertencente a
Giuseppe Nicolini, possuía o que Bucelli (1906) chamou de “parreiral modelo”,
exemplo de ordem e produtividade. Conforme o agente, Nicolini havia cortado “um
pedaço de mato em uma elevação”, onde decidiu plantar as mudas. O parreiral, segundo
ele, havia sido “levantado a metro e meio de altura”, crescia “muito bem” e estava
“sobrecarregado de uva”. Já o colono Romedio Emez, conforme Bucelli (1906), “quis
tirar proveito da topografia de seu magnífico parreiral, situado em um declive, e adotou,
para os produtos recolhidos em sua pequena casa, que é ponto mais elevado, um sistema
de transporte aéreo simples e engenhoso”. A invenção era feita com dois longos arames,
“mais grossos que fios de telégrafos”, presos a dois postes, “duas vezes mais altos que
os da vinha”. Por meio deles, o colono podia carregar objetos com facilidade e burlar as
dificuldades impostas pelo relevo acidentado.
Aos poucos, o desenvolvimento da viticultura propiciou a realização de grandes
eventos na região, que contavam com apoio governamental. Em livro publicado em
1914, Ranieri Pesciolini Venerosi exaltava uma das primeiras “exposições de uvas” das
antigas colônias. No evento, transcorrido em fevereiro de 1912, foram expostas,
171
segundo ele, “38 diferentes variedades por parte dos colonos italianos”
18
. Para Venerosi
(1914), isso demonstrava que os colonos trabalhavam para “introduzir vides européias”
na Serra, lado a lado à nativa Isabel. Conforme o italiano, em 1912, a importação de
videiras também fazia parte das preocupações da “autoridade municipal”. De um modo
geral, para ele, o cultivo da uva era “muito bem feito”.
Nem todos os agentes consulares, porém, eram tão otimistas. Em seu relatório de
1905, publicado no Bolletino dell’Emigrazione, o cônsul Luigi Petrocchi fez severas
críticas ao modo como se fazia viticultura nas colônias. Para ele, as técnicas utilizadas
pelos colonos eram rudimentares e irracionais e, por conta disso, impediam a ocorrência
de melhores colheitas. Segundo Petrocchi (1905):
“Nas colônias italianas começou-se há cerca de 24 anos a plantar videiras.
Os primeiros viticultores talvez não conhecessem bem o oficio, ou lhes
faltassem os instrumentos necessários, o certo é que escolhiam um local o
mais próximo possível da residência, e com um pedaço de lenha ponteagudo
faziam buracos no chão menos pedregoso, plantando nele os bacelos, que
deixavam crescer livremente, sustentados por galhos secos e mal cortados.
No segundo ou terceiro ano, visto que as videiras se estendiam muito e
carregavam-se de uvas, começaram a fazer enormes latadas; sem pensar no
provérbio relativo à vide que diz: Faz-me pobre e far-te-ei rico, seu único
interesse era o de deixar que a parreira produzisse o maior número possível
de ramos e gravinhas, a fim de obter uma abundante safra. [..] Da primavera
ao outono, preocupavam-se apenas em destruir com água fervente as
formigas que devoravam os brotos. A máquina inseticida não lhes era
conhecida, e nem trataram de capinar, de virar fundamente a terra ou de
adubar as vinhas.”
Frustrado com os métodos adotados na nova terra – repare que, como os alemães,
os italianos também preferiam usar a “cavadeira” para fazer buracos no solo –,
Petrocchi (1905) complementava: “Não sei se por indolência inata, ou porque se
percebeu que a videira se carrega de uvas mesmo sem que se a cultive, ainda hoje não se
faz nada de melhor”. Da mesma foram como cultivavam as sementes de outras plantas –
como o milho –, os imigrantes apenas enterravam as mudas “em buracos estreitos e
profundos cerca de meio braço, sem podá-los convenientemente”, deixando que
crescessem “com plena liberdade”. Por conta desse crescimento desenfreado, o cônsul
percebeu que não penetrava “nem um fio de luz naqueles imensos parreirais, que por
18
Hoje, a Festa da Uva, realizada anualmente em Caxias do Sul, é conhecida no país inteiro e atrai
milhares de turistas à Serra.
172
vezes cobrem diversos hectares de terra”. A falta de iluminação adequada, segundo ele,
impedia que os frutos amadurecessem suficientemente. Essa característica, conforme
Petrocchi (1905), resultava na obtenção de um “vinho um tanto ácido, carente de
açúcar”.
Outro problema constatado pelo agente referia-se às podas, que, segundo ele,
deveriam ser feitas no outono, mas, nas colônias, ocorriam na primavera. Experiente no
ramo, Petrocchi (1905) também criticou a forma de preparo do vinho. Segundo ele, a
uva estava sujeita “à destruição, devido às pequenas mariposas e a outros insetos,
podendo, além disso, apodrecer facilmente”. Os colonos não esperavam a maturação
completa e não esmagavam as uvas o suficiente e as deixavam fermentar “em lugares
onde falta a temperatura exigida”. O resultado disso, segundo Petrocchi, era o seguinte:
“Um tal vinho, feito com uvas azedas, frutos de vinhas mal cultivadas, e
conservado em locais onde a temperatura sobe e desce continuamente, não
pode purificar-se [...] Tomam, pois, ou colocam à venda um tal produto, que
de vinho possui apenas o nome e que, se fosse analisado pela Comissão de
Higiene, deveria ser lançado em um rio.”
Apesar disso, nas primeiras décadas do século 20, a região vivenciou o boom da
indústria do vinho, redundando na criação da Sociedade Vinícola Rio-grandense Ltda.
(Tavares, 1992, p.140). Os colonos não se preocupavam em melhorar as técnicas, por
acreditarem que não havia necessidade – isso só ocorreu décadas mais tarde. O cultivo
da uva, que em 1920 já cobria 11.380 hectares de terras, chegou a responder por 47.682
hectares na década de 1970. Hoje, conforme dados da Fundação de Economia e
Estatística do Rio Grande do Sul, os municípios serranos possuem 31.775 hectares
cultivados com a fruta, o que representa 71,73% de toda a produção do Estado.
173
3.6. A busca por novas terras continua
Menos de dez anos depois da criação das colônias serranas, a marcha por novas
terras se acelerou. Não demorou muito para que os descendentes dos primeiros colonos
italianos atravessassem o Rio das Antas e ocupassem áreas do Planalto Médio e do Alto
Uruguai, no extremo norte e noroeste do Rio Grande do Sul, seguidos por colonos de
outras nacionalidades vindos principalmente das antigas colônias, mas também
diretamente da Europa.
No final do século 19 e início do 20, a frente colonizadora marchou em direção às
florestas ainda não desbravadas localizadas no limite da Província, onde passaram a ser
constituídas as chamadas “colônias novas” (veja o mapa a seguir). Como numa reprise
dos casos anteriores, densas florestas caracterizadas por uma enorme biodiversidade
sucumbiram ao “desmatamento civilizador” imposto pelos povoadores, que moldaram a
paisagem a seu modo, reconstituindo ecossistemas e tornando a nova terra familiar.
Até o início da colonização, mato e campo coexistiam no Planalto setentrional –
suas linhas divisórias não eram bem definidas. Na borda da serra e no Alto Uruguai,
havia ainda florestas densas, nativas, “matas de galeria coalescidas pela vizinhança das
bacias fluviais”, como destacou Balduíno Rambo (2000, p.256), para quem o quadro
vegetal do Planalto representava efetivamente a “cópia mais ampla e mais rica do que já
estudamos na campanha, no sudeste, na Depressão Central e parcialmente até no
litoral”. Conforme o botânico suíço C. Lindmann (apud Rambo, 2000, p.256), as
“grandes florestas do Brasil” apareciam típicas “especialmente nas vertentes dos
planaltos”.
174
Mapa 6: Processo de ocupação do território gaúcho
Fonte: Atlas Socioeconômico do RS. Porto Alegre: SCP, 2002, 2ªed.
A despeito dos campos, esparsamente ocupados por criadores de gado luso-
brasileiros desde 1828, foi na floresta subtropical de folhas caducas, de solo
considerado mais fértil, que se constituíram boa parte das novas colônias (Roche, 1969,
p.50-51). Essa área estendia-se por pelo menos duas grandes zonas do Planalto: o Alto
Jacuí, aberto à colonização no início do século 20, e a região do Alto Uruguai, abrigo
das primeiras colônias locais e, ao mesmo tempo, última zona pioneira do Estado, cujas
bordas foram ocupadas mais tarde, durante as duas grandes guerras mundiais.
175
A partir do final do século 19, dois processos simultâneos marcaram o
desenvolvimento da Província: ao passo que imensas massas florestais desapareciam em
velocidade vertiginosa, as colônias floresciam, acompanhando os trilhos do trem (Gelpi
e Wickert 2005) e fazendo recuar os grupos indígenas remanescentes. Da nova leva de
colônias criadas pelo governo provincial, os primeiros núcleos foram Mariana Pimentel
(1888) e Barão do Triunfo (1888), entre a Depressão Central e a Serra do Sudoeste; Vila
Nova (1888) e Marquês do Herval (1891), na borda da Serra geral; Antônio Prado
(1889) e Guaporé (1892), no centro; Dona Francisca e Botucaraí (1890), em Cachoeira;
Jaguari (1889), a Oeste e, no Planalto setentrional, Ijuí (1890) e Guarani (1891).
Mas esses núcleos não foram suficientes para absorver os imigrantes que
continuavam a desembarcar no Brasil meridional e mesmo os descendentes dos
pioneiros – inclusive porque, após a proclamação da República, o governo provincial
passaria gradativamente a rejeitar a grande imigração, preferindo resolver o problema
da população colonial interna excedente, ou seja, dos filhos dos primeiros colonos que
buscavam assento nas terras “livres” da fronteira verde – que funcionavam como
“válvula de segurança”, no sentido turneano.
Assim, o governo da Província acabaria criando mais uma leva de colônias no
Planalto, ampliando a zona pioneira: surgiriam Erechim, em 1908, Ijuizinho, em 1910, e
Santa Rosa, em 1915, entre outras. Nesse período, também seriam criadas inúmeras
colônias particulares no Estado, inclusive Planalto adentro, como Não-me-Toque
(1897), General Osório (1898), Dona Ernestina (1900), Selbach (1906), Dona Júlia
(1912) e Guarita (1917). Esse conjunto de núcleos, segundo Nilo Bernardes (1997,
p.77), abriria “enormes clareiras na mata”, das quais seria impulsionado o povoamento
em todas as direções, estabelecendo a junção entre os núcleos iniciais.
O processo de constituição dessas colônias teve relação direta com a implantação
das ferrovias e a abertura de estradas na região, acelerando ainda mais o avanço na
fronteira verde – e as alterações ambientais, muito mais drásticas e visíveis se
comparadas ao processo ocorrido nos primeiros 50 anos da colonização alemã, por
exemplo. Em 1894, os trilhos de trem chegariam à colônia de Cruz Alta e, poucos anos
depois, a Passo Fundo, Erechim, Marcelino Ramos, Ijuí e Santo Ângelo, todas
localizadas na região setentrional do Estado. Com a implantação das estradas de ferro,
houve uma acentuada valorização de terras na região (Roche 1969, p.63) e um
significativo incremento populacional. Foi nessa época que a exploração madeireira
176
atingiu suas maiores cifras, inclusive porque havia agora maior facilidade no
escoamento das toras para os mercados consumidores.
Somente Erechim, cinco anos após a sua criação, já contava com 18 mil habitantes
(Ducatti Neto,1981). Ali, cerca de 40 mil hectares de uma área coberta florestas
estavam sob os domínios da Empresa Colonizadora Luce, Rosa e Cia. Ltda., que dividiu
esse espaço em 1.279 lotes, sendo que “toda esta área estava coberta de mata virgem”,
segundo Ducatti Neto (1981, p.93). O mesmo autor informa que até 1922 a empresa
abriu 120 quilômetros de estradas de rodagem, 110 quilômetros de estradas vicinais e
530 quilômetros de estradas para tropas. No ano de seu cinqüentenário, a ex-colônia
seria definida, em reportagem publicada no jornal Correio do Povo, por Rubem Neis
(1958), como a “nova Terra de Promissão”, para onde se deu “um verdadeiro êxodo das
colônias velhas”. Teria sido a “excelência das terras”, segundo Frainer, autor do Álbum
do município de Erechim, o principal atrativo da colônia.
Embora o impacto ambiental tenha sido profundo naquela região, Ducatti Neto
(1981, p.93-94) registraria sua simpatia pela atuação da empresa colonizadora. Segundo
ele, o município de Erechim teria “um dever especial de gratidão para com essa
empresa, que colaborou para sua mais rápida colonização e progresso, introduzindo
nesses territórios gente ordeira e trabalhadora”, gente que, “substituindo as seculares
árvores gigantescas pelo pé de trigo, transformara a ‘Rainha do Mato’ em Capital do
Trigo”.
Um dos relatos mais significativos acerca do território que deu espaço a esses
últimos núcleos coloniais instalados no Rio Grande do Sul partiu do viajante e
agrimensor alemão Maximiliano Beschoren, que inclusive trabalhou na demarcação das
terras que viriam a abrigar as novas colônias. Impressionado com a riqueza e
grandiosidade das matas que conheceu na região, antes do início de sua colonização, o
alemão chegou a dedicar um capítulo inteiro de seu diário ao que chamou de
“extraordinária vegetação da floresta do Alto Uruguai”. Trata-se de um relato
importante para uma história ambiental da região.
A floresta que adentrou, segundo Beschoren (1989[1887], p.49), era “formada por
pinheiros, erva-mate e pequenas ilhas de mata rasteira” e surpreendia pela densidade:
“Eu nunca havia encontrado uma mata assim, tão fechada!”, admitiu o alemão. Ainda
conforme o viajante (1989[1887], p.104), tratava-se de “uma magnífica floresta” que
cobria “muitas léguas à margem do rio Uruguai e seus afluentes” – num tempo em que
a mata ciliar ainda se mantinha praticamente intacta ali. A “maior parte da floresta”,
177
segundo ele, era constituída “de mato branco, perto dos campos e florestas de araucária
nas elevações, formando ilhas dentro do extenso mar de floresta de folha caduca”.
Impressionado com a força das araucárias do Planalto, Beschoren (1989[1887],
p.104) escreveu que essas árvores se erguiam “em direção ao céu [...] como colunas de
um templo”. Na opinião do agrimensor (1989[1887], p.104), a única forma de transpor
a densa vegetação local era “com fortes golpes de facão” e, ainda assim, o alemão
considerava o trabalho difícil. Para Beschoren, a natureza selvagem era opressora: “Que
imensa e variada vegetação opõe-se a nós!”, refletia ele, complementando: “A selva
arma e atemoriza o invasor, pela impressão causada dos vegetais e o caos inextricável”.
Esse sentimento não foi uma exclusividade de Beschoren. A questão também
aparecia em relatórios provinciais, em textos redigidos por políticos e intelectuais luso-
brasileiros e nas obras dos historiadores do Brasil do século 19. É o caso de Varnhagen.
No primeiro tomo de sua História Geral do Brasil, o sorocabano apresentou uma
minuciosa descrição do país, na qual ressaltou não apenas a diversidade da flora e da
fauna, mas também o embate constantemente travado entre a civilização e a natureza.
Segundo Varnhagen (1975[1854], p.16), “o braço do homem, com auxílio do
machado, mal pode vencer os obstáculos que de contínuo encontra na energia selvagem
da vegetação”. Energia, esta, que o historiador descreveu quase como uma barreira à
dominação humana: “É tanta a força vegetativa que, ao derrubar-se e queimar-se
qualquer mato-virgem, se o deixais em abandono, dentro em poucos anos aí vereis já
uma nova mata intransitável”. Ao percorrer o sul do Brasil ao final do século 19,
Beschoren teria a mesma sensação. Ao mesmo tempo, porém, ressaltaria os benefícios
dessa biodiversidade, que estaria à espera da operosidade humana: “neste Vale”,
afirmava ele (Beschoren, 1989[1887], p.51), “a mãe natureza oferece por si mesma a
dádiva da abundância, facilitando a vida dos homens”.
Para o agrimensor, as árvores encontradas no Alto Uruguai naquela época eram
pouco aproveitadas. Beschoren (1989[1887],p.49) citava o exemplo do Sassafrás, que
atualmente está em extinção e que, segundo ele, abundava na região e oferecia uma
“madeira resistente”. Também havia a Guariganga, que o viajante classificou como uma
“palmeira-anã”, cujas folhas poderiam fornecer material “para a cobertura dos ranchos”.
Outra planta que lhe chamou atenção foi a Paineira, que poderia ser aproveitada por
produzir “uma matéria fibrosa, semelhante ao algodão”, útil para o “enchimento de
travesseiros”.
178
Por essa e por outras razões, Beschoren (1989[1887], p.51) lamentava o fato de
que a onipresente floresta do Alto Uuruguai permanecia pouco explorada à época em
que passou pela região. Até então, as “esplêndidas matas” por onde o agrimensor
andava compreendiam uma “extensa área quase sem caminhos e atalhos”. Quando
muito, Beschoren (1989[1887], p.103) dizia encontrar “antigos caminhos pouco usados,
trilhados pelos índios, para chegarem aos lugares de caça e pesca”, onde ele trabalhava
para “abrir as linhas de medição na floresta”.
Apesar disso, o agrimensor esperava (1989[1887], p.51) que, “com o correr do
tempo”, a situação se modificasse. Para ele, “quando iniciar a colonização do Alto
Uruguai, então ela arrastará as regiões do Goio-En, expandindo-se até às margens da
Província do Paraná, cujas imensas e inexploradas florestas serão colonizadas”. Na
concepção desse europeu, caberia ao braço do colono a missão de vencer a floresta, de
civilizar aquelas terras e de levar o almejado progresso à região. Beschoren não previu,
no entanto, o impacto ambiental aliado a esse empreendimento.
De um modo geral, a implantação das colônias novas seguiu a mesma lógica de
constituição dos antigos núcleos coloniais da Província, nos quais se dava preferência
para áreas localizadas às margens de rios e cobertas por grandes florestas. Além disso, o
combustível do avanço até o limite da fronteira verde no Rio Grande do Sul foi a
crença, generalizada entre os colonos, de que as melhores terras para agricultura eram
as de mata – devidamente abatida e queimada.
Em termos governamentais, somente a partir dos anos 1910 apareceriam críticas
mais contundentes à devastação promovida nas zonas coloniais. Em mensagem enviada
à Assembléia Legislativa em setembro de 1913, Borges de Medeiros (1913, p.44) foi
um dos poucos governantes a apontar o problema. Segundo ele, “o desmatamento nas
regiões colonizadas, restringindo continuamente a área florestal do Estado, impõe o
dever de zellar a conservação das mattas, a exemplo dos países mais adiantados, que lhe
dedicam pacientes cuidados e gastos avultados”. Para o presidente, “a indústria humana
não pode prescindir dessa matéria prima”, isto é, da natureza enquanto fonte de recursos
funcionais, destinados à produção de mercadorias. A preocupação de Borges de
Medeiros deu origem a uma lei que passaria a regular a exploração madeireira no
Estado. A iniciativa, porém, aconteceu depois de quase cem anos de derrubadas sem
trégua, quando mais da metade da zona florestal já estava ocupada por lavouras e
cidades.
179
Atento às questões ambientais e possivelmente um dos precursores da história
ecológica no Sul do Brasil, Rambo (2000, p.313) também se deu conta do “grave
inconveniente” relacionado ao modelo de apropriação de terras que considerava
absolutamente insustentável. Para ele, “a expansão rápida das colônias transformou-se
bem cedo numa verdadeira corrida para a mata virgem”, explicada por uma série de
fenômenos naturais e sociais.
Entre eles, segundo Rambo, o desmatamento progressivo da fralda da Serra, já
que praticamente todos os terrenos já haviam perdido sua capa silvática e restavam
apenas “trechos imprestáveis nos flancos mais íngremes e rochosos das montanhas”.
Para ele, “capoeiras e matos secundários sujos” caracterizaram a “estrada trilhada pela
agricultura de exploração dos cem anos passados”. Talvez nem Rambo imaginasse que
essa estrada, em pleno século 21, ainda não chegaria a seu fim. Se no Rio Grande do
Sul, em 1924, todas as áreas de mata já estavam ocupadas, o avanço moldado pela
fronteira verde ultrapassou os limites do Estado. Segue alheio à degradação ambiental.
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil nasceu, na expressão de José Augusto Pádua (2004, p.13), de um “macro
projeto de exploração ecológica”, no qual a biodiversidade e os complexos biomas
nativos foram considerados verdadeiros entraves ao progresso. Não por menos, desde o
início, a colonização da América portuguesa impôs alterações profundas – por vezes
sem volta – à exuberante natureza local e a seus habitantes nativos.
Entre elas, uma drástica redução demográfica da população indígena, que acabou
expulsa de suas terras ou mesmo exterminada, e um golpe certeiro nos biomas nativos,
entre os quais poucos restariam incólumes ao longo de séculos de exploração
desenfreada, inclusive após a proclamação da independência. Florestas inteiras vieram
abaixo e foram substituídas, sem maiores questionamentos, pelas monoculturas – da
cana, do algodão, do café.
Desde a historiografia produzida nas décadas de 1930 e 40 por pesquisadores
como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, até estudos mais recentes,
vinculados à história ambiental, o latifúndio escravista tem sido encarado como o
principal vetor de destruição da flora e da fauna brasileiras. Ao criticar o potencial
destrutivo da monocultura, Freyre (1942) chegou a fazer um apelo pela valorização do
pequeno lavrador, que considerava o “agricultor verdadeiro”. Para ele, a monocultura
latifundiária e escravocrata teria impossibilitado que se esboçasse no Brasil o “homem
do campo” ideal, tal como se encontrava na Alemanha e na Itália. Curiosamente, em sua
produção teórica, em nenhum momento o sociólogo pernambucano citou a experiência
baseada no minifúndio, na policultura e na mão-de-obra livre do imigrante posta em
prática no Rio Grande do Sul a partir do século 19. O que dizer, então, das alterações
ambientais decorrentes desse modelo socioeconômico com características tão distintas e
até opostas às do latifúndio monocultor?
Até bem pouco tempo atrás, imperou um incômodo silêncio em torno do poder
destruidor da instalação das colônias européias no coração da floresta um dia
onipresente no Rio Grande do Sul. Como se viu ao longo destas páginas, o
181
empreendimento colonizador sempre esteve associado, nos livros e no senso comum, à
idéia de progresso. Com a presente pesquisa, e com outros trabalhos recentemente
publicados sobre o tema, esse cenário de visibilidade míope começa a se modificar. Não
restam dúvidas de que a política de imigração trouxe desenvolvimento ao Estado. Cabe
perguntar, no entanto, que tipo de desenvolvimento foi esse. A resposta, certamente, não
incluirá a palavra “sustentável”.
Como se viu aqui, extensas florestas, outrora encaradas como grandes “vazios”
selvagens por setores das elites políticas e intelectuais, viraram cinzas ou acabaram
alimentando serrarias. Na expansão colonial, que acompanhou os cursos d’água,
restaram rios assoreados em função da ocupação sem nenhum cuidado. Devido às
caçadas intermitentes, padeceram dezenas de espécies de animais silvestres. Em uma
centena de anos, quilômetros e quilômetros de mata desapareceram sob a lâmina afiada
do “machado civilizador” do imigrante e de seus descendentes. Derrubadas e queimadas
foram a tônica da conquista, incentivada e comemorada pelo Estado. Se nesse processo
surgiram novos ecossistemas regionais, como se demonstrou aqui, é fundamental não
perder de vista a dimensão do impacto ambiental dessas mudanças e a importância de
uma revisão histórica desse processo.
Além de examinar danos ambientais decorrentes da colonização, a presente
pesquisa procurou mostrar que a floresta subtropical, vista pelos colonos como uma
fronteira verde aberta e inesgotável, foi mais do que o mero “palco dos
acontecimentos” – como sugere a maioria das obras até então publicadas sobre o tema.
Tanto o tipo de sistema produtivo adotado nas colônias, quanto a forma de organização
social reproduzida em cada uma delas foram fortemente influenciados, desde o
princípio, pela presença dessa imensidão verde, que deu aos recém-chegados a chance
de se tornarem proprietários e de adquirirem um novo status econômico e social.
Muitos agricultores tentaram, inutilmente, reproduzir na mata subtropical as
técnicas agrícolas que conheciam de sua vida pregressa. Não tiveram sucesso. Puseram
de lado o arado e renderam-se à coivara, cujas cinzas, surpreendentemente, revelavam
solos fertilíssimos. Logo perceberam, porém, que tamanha riqueza desaparecia num
piscar de olhos. Como solução, confiantes na inesgotabilidade da floresta e incentivados
por diretores e inspetores coloniais, recorreram ao sistema de rotação de terras – e não
de culturas, como se praticava no Velho Mundo, onde a terra era escassa e antropizada
havia milênios. Criava-se, assim, um ciclo vicioso insustentável, cuja marca foi a busca
182
constante por novas áreas de plantio e cuja reprodução só foi possível enquanto ainda
havia árvores de pé.
Não por menos, o desmatamento acabou se mostrando a principal forma de
colonização, e as terras supostamente livres da fronteira verde, seu principal
combustível – assim como a biomassa da floresta. No início, salvo raras exceções, não
houve grandes preocupações em relação à degradação ambiental, que acabaria por
escancarar as fragilidades e dificuldades de reprodução desse sistema, com reflexos
profundos nos ecossistemas regionais.
Frente à abundância e às riquezas aparentemente ilimitadas, “a terra era para
gastar e arruinar, não para proteger ciosamente”, como concluiu Sérgio Buarque (1936)
em sua interpretação do Brasil. No caso do Rio Grande do Sul, tudo leva a crer que a
colonização européia teve uma profusão de efeitos não premeditados por seus
promotores e organizadores.
Essa constatação é reforçada por documentos oitocentistas, como um curioso
relatório elaborado em 1888 pelo vice-presidente da Província, Barão de Santa Thecla
(1888, p.19). No texto, o governante defendia a aceleração do processo de ocupação
colonial para garantir “o direito à gratidão das gerações por vir”. A atenção voltada às
futuras gerações – por ironia hoje fortemente vinculada ao conceito de desenvolvimento
sustentável – surgiria novamente ao final do relatório. Para o vice-presidente, “tudo o
que neste sentido autorisar e decretar a Assembleia Legislativa [...] será obra de
patriotismo que melhorará as condições de vida para as gerações próximas”.
Ao apostar no avanço da colonização como um alento para seus filhos, netos e
bisnetos, Santa Thecla tomava por base o salto econômico vivenciado na Província nas
primeiras décadas após a chegada dos imigrantes. Junto desse desenvolvimento, porém,
veio também a degradação dos solos e, conseqüentemente, o aparecimento da miséria
no campo e o êxodo rural – que hoje são uma realidade no Rio Grande do Sul. Tamm
residem aí, sintomaticamente, as origens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) no Estado, cujas fileiras foram engrossadas por descendentes das primeiras
gerações de imigrantes, que não encontraram mais espaço na fronteira verde ou que se
desfizeram do torrão sob seus pés por alguns trocados, quando a terra já não servia mais
à agricultura.
Nessa história de luta e devastação, muitos “fazedores de terra” deram
continuidade à sina de seus antepassados. A tentativa de reprodução do sistema movido
à custa das florestas ultrapassou os limites políticos do Rio Grande e seguiu rumo ao
183
noroeste, a começar por Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, onde se
multiplicaram as fazendas encabeçadas por migrantes gaúchos, assim como os Centros
de Tradição Gaúcha (CTGs) e as rodas de chimarrão. A busca por novas terras foi ainda
mais longe e, desde a década de 1970, acompanha a última fronteira agrícola brasileira.
São principalmente descendentes de italianos e alemães os homens e mulheres que hoje
desbastam a floresta amazônica para plantar soja, criar gado, abrir madeireiras e
estabelecer vida nova nos confins do Brasil.
A presente pesquisa deteve-se a apenas uma pequena parte desse processo. Não
teve a pretensão de abarcar toda a complexidade do tema, nem tampouco esgotar os
questionamentos em torno de uma história ambiental da colonização. Restam ainda
muitos caminhos por trilhar, e novas pesquisas poderão contribuir para responder as
perguntas que persistem e lançar uma nova perspectiva sobre o estudo da colonização.
A importância de se atentar para esses aspectos do processo histórico, como concluiu
Enrique Leff (2005, p.21), está também na possibilidade de se estabelecer um vínculo
entre o passado insustentável e, quem sabe, um futuro sustentável.
184
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Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.
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assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao
delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura
Palmeira. Caixa 29, maço 55.
_____. Ofício de 3 de outubro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu, assinado
pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao delegado da
Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura Palmeira.
Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.
______. Ofício de 4 de outubro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,
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Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.
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assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao
delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura
Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.
_____. Ofício de 21 de dezembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,
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