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Nesse cenário caótico aos olhos dos imigrantes, abriam-se as primeiras Picadas,
também conhecidas como travessas, travessões e linhas – que, para Guttfreind, Arendt e
Dreher (2001, p.1), eram a “forma básica de penetração na floresta subtropical”. Com os
instrumentos disponíveis, essas vias eram abertas sempre o mais próximo possível de
rios, cujas margens eram logo desbastadas
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. Ao longo delas, iam sendo instalados os
imigrantes, nos lotes que lhes eram designados. As distâncias entre as terras recém-
demarcadas, inicialmente com 77 hectares em média, eram grandes o bastante para
preocupar muitos dos recém-chegados, que em suas cartas aos parentes que ficaram no
Velho Mundo relatavam noites de pavor vividas no interior da mata, onde ouviam sons
desconhecidos e pressentiam ameaças concretas. A floresta era um obstáculo difícil a
ser vencido, como mostra o relato a seguir, escrito pelo descendente de um colono
alemão (Gressler, 1949, p.173-174):
“O maior dos desenganos sofridos pelos imigrantes foi o fato de que os
sonhos creados pela imaginação fértil em sua terra natal, não foi possível
realizá-los de pronto. Haviam-se tornado grandes proprietários de terra, mas
estavam escravizados a ela. Cada qual era escravo da floresta virgem, que
chamavam sua propriedade, e do duro trabalho a que estavam obrigados pela
posse da mata, pois si eles não a vencessem, seriam vencidos por ela. Havia
de lutar, para que com o tempo e a custa de muito esforço, fosse possível
tornar-se senhor de suas rendas e homem livre [...] Muito suor se derramou e
muito golpe de machado foi dado em vão, pois faltava-lhe o conhecimento e
a habilidade para a execução de trabalhos a que não estava acostumado.”
[grifo meu]
De certa forma, esse relato traduz um dos significados da floresta para os
imigrantes alemães nesses primeiros anos. Enquanto se mantinha vicejante e robusta, a
mata foi considerada, muitas vezes, uma prisão. Como ressaltou Roche (1969, p.52), “a
terra arável, o espaço, a luz, tudo devia ser conquistado à floresta”. Era preciso trabalhar
com afinco, em uma luta sem trégua, para derrubar a vegetação e impor o domínio sobre
a natureza. Floresta derrubada era sinônimo de progresso. Era a garantia, enfim, de
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Como informou o viajante Oscar Canstatt em 1871 (2002[1871], p.424), “na escolha da região onde
foram fundadas essas colônias, predominou em regra a idéia de que deviam ficar à margem de um rio
navegável”. Por essa e por outras razões, a mata ciliar dos principais afluentes da região – os rios dos
Sinos, Jacuí, Taquari e Pardinho – foi diminuída drasticamente com a colonização alemã. No caso da
localidade de Rio Pardinho, na Colônia de Santa Cruz, alterações do tipo já eram percebidas em maio de
1858. Ao noticiar a grande enchente que destruiu completamente a ponte do vilarejo, o diretor Martin
Buff atribuiu a violência das águas ao desmatamento nas margens do rio (Martin, 1979, p.115). No
mesmo ano, o médico alemão Robert Avé-Lallemant (1980[1858], p.176) registrou ter encontrado o Rio
Pardinho com o nível de água tão baixo que lhe pareceu impossível navegá-lo em qualquer parte da
picada, “sobretudo quando se pensa que, abatendo-se as matas em milhas de extensão, diminuirá a
formação da água”.