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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Social
Curso de Mestrado
Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro
As Marias de Albrecht Dürer (1471-1528):
práticas de devoção, práticas artísticas
e o Humanismo Cristão em Nuremberg
Rio de Janeiro
Abril de 2010
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em História Social
Curso de Mestrado
As Marias de Albrecht Dürer (1471-1528):
práticas de devoção, práticas artísticas
e o Humanismo Cristão em Nuremberg
Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em História Social.
Orientadora: Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
Rio de Janeiro
Abril de 2010
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As Marias de Albrecht Dürer (1471-1528):
práticas de devoção, práticas artísticas
e o Humanismo Cristão em Nuremberg
Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro
Orientadora: Profª. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em História Social.
Aprovada por:
____________________________________________
Presidente, Profa. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
_____________________________________
Prof. Dr. Luciano Migliaccio
_____________________________________
Profa. Dra. Maria Aparecida Rezende Mota
Rio de Janeiro
Abril de 2010
Amaro, Rachel Jaccoud Ribeiro.
As Marias de Albrecht Dürer (1471-1528): práticas de devoção, práticas
artísticas e o Humanismo Cristão em Nuremberg / Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro.
Rio de Janeiro: UFRJ/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2010.
xiv, 143f.: il.; 31 cm.
Orientador: Maria Beatriz de Mello e Souza
Dissertação (mestrado) UFRJ/ IFCS/ PPGHIS, 2010.
Referências Bibliográficas: f. 134-141.
1. Albrecht Dürer. 2. Virgem Maria. 3. Nuremberg. 4. Humanismo. V. História da
Gravura. I. Souza, Maria Beatriz de Mello e. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. III. Título.
Ao meu avô: político, humanista e cristão a sua própria
maneira, em seu próprio tempo.
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo e de todos, agradeço a Deus, Senhor da minha vida, por ter me capacitado
e por nunca ter me deixado desistir.
Agradeço a minha família, Dirceu, Eliete, Rebecca e Roanna, pelo constante apoio e por
sempre acreditarem que sou capaz. Agradeço aos meus avós, Dirceu, Iracema, Gilma e Elly,
verdadeiras inspirações para mim.
Agradeço a Professora Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza por seus ensinamentos ao
longo de seis anos e pelo encorajamento dado ao longo de cada um de nossos encontros. Serei
eternamente grata por ter me apresentado a Albrecht Dürer.
Agradeço o PPGHIS e o CNPq pelo apoio institucional e financeiro oferecido a esta
pesquisa durante os dois anos de mestrado. Graças a isso, tive acesso a uma bibliografia
estrangeira, aprofundada e especializada sobre o tema estudado.
Agradeço a amiga Paula Elena Vedoveli Francisco por ter encontrado e cedido o cd-
room Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk, sem o qual o problema proposto nesta dissertação
não poderia ter sido desenvolvido, sequer pensado.
Agradeço a professora Dra Maria Aparecida Rezende Mota por suas sempre precisas
recomendações e por sua incrível ética profissional. Sem dúvida, um exemplo a ser seguido.
Agradeço também ao professor Luciano Migliaccio pelos comentários pertinentes feitos na
ocasião de meu Exame de Qualificação.
Agradeço muito às minhas companheiras de mestrado, Aldilene M. Cesar e Cinthia M.
M. Rocha. Foi um prazer poder compartilhar com vocês minhas alegrias, reflexões e angústias
acadêmicas. -las como amigas foi melhor do que obter um título de mestre. Não tem preço.
Obrigada, Cintia Caldas, Felipe Amaral, Luciana Mendes, Marcela Marques, Rosângela
Bandeira, Sahra Balieiro e Taís Bernardes. A amizade de vocês foi fundamental para a minha
sobrevivência durante esse mestrado. Que isso continue sendo uma verdade ao longo dos
próximos anos.
Assim como eles usavam as mais belas proporções humanas
para seu ídolo Apolo, nós deveríamos usar aquelas mesmas
proporções para Cristo o Senhor, o mais belo do mundo. E
assim como eles usavam Vênus para expressar a mais sublime
beleza, nós deveríamos pintar a mesma figura elegante e
refinada para a pura Virgem Maria, a mãe de Deus. E como
Hércules nós deveríamos fazer Sansão, e deveríamos fazer o
mesmo com todos os outros.
Albrecht Dürer, c. 1510
RESUMO
As Marias de Albrecht Dürer (1471-1528):
práticas de devoção, práticas artísticas e o Humanismo Cristão em Nuremberg
Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro
Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
- UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História
Social.
O presente trabalho propõe o desenvolvimento de um estudo de caso que busca analisar as
representações da Virgem Maria com o seu Filho, produzidas pelo gravador germânico
Albrecht Dürer (1471-1528), tendo em vista seu envolvimento com os círculos humanistas de
Nuremberg e as subsequentes adesões dos cidadãos da cidade à Reforma Protestante. São
mais de oitenta imagens dentre pinturas, desenhos e gravuras. Diante de tantas representações,
para uma análise cuidadosa, esta dissertação se dedicará especialmente ao estudo das treze
gravuras em cobre, produzidas entre os anos de 1497 e 1520. Dessas, quatro encontram-se na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Em um período muito marcado pelo Humanismo e
pelo Renascimento, rer foi considerado o maior dos gravadores germânicos e um grande
artista ainda em vida. Seus trabalhos, de temáticas e técnicas variadas, circularam por toda a
Europa e agradaram um grande número de pessoas e diversos grupos sociais. A partir de
1516, Dürer participou do grupo Sodalitas Staupitziana, que estudava a Bíblia, panfletos e
sermões de Lutero. Seus participantes foram os principais responsáveis pela adesão de
Nuremberg à Reforma, em 1521. Apesar disso e da diminuição de produção de suas gravuras
religiosas que representam a maior parte de sua obra , o gravador continuou a executar
Marias ao longo de toda a sua vida produtiva. A permanente produção de imagens com
representações da Virgem Maria e seu Filho evidenciaria uma contradição entre a produção de
Albrecht Dürer e sua participação nas discussões reformadoras de Nuremberg? Foi a partir
dessa indagação que a proposta de pesquisa exposta nesse projeto começou a se configurar. A
partir de um diálogo constante entre a História da Cultura e a História da Arte, o objetivo
principal desta pesquisa será investigar que práticas culturais especialmente práticas
devocionais e artísticas levaram Albrecht Dürer a priorizar em seu trabalho a produção de
imagens com o tema Maria com a Criança.
Palavras-chave: Albrecht Dürer. Virgem Maria. Nuremberg. Humanismo. História da
Gravura.
Rio de Janeiro
Abril de 2010
ABSTRACT
The prints of Marys by Albrecht Dürer (1471-1528):
practices of devotion, artistic practices and the Christian humanism in Nuremberg
Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro
Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
- UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História
Social.
The present work proposes to develop a case study that seeks to analyze the representations of
the Virgin Mary with her Son made by the German engraver Albrecht Dürer (1471-1528),
considering his involvement in the humanistic circles of Nuremberg and the subsequent
adherence of the citizens to the Reformation. There are more than eighty images of this
subject among paintings, drawings, engravings and woodcuts. So, for a more accurate
analysis, we chose to investigate especially the thirteen engravings produced between 1497
and 1520. Four of these engravings can be found in the National Library of Rio de Janeiro.
The others will be very important for further comparisons and for a broader interpretation. In
a period remarkable for many movements like the Renaissance and the Humanism, Dürer was
considered the best German engraver and a great artist when he was still alive. His works that
have diversified techniques and subjects circulated all over Europe and pleased a great
number of people from different social groups. In 1516, Dürer began to participate in a group
called Sodalitas Staupitziana that studied the Bible, pamphlets and sermons of Martin Luther
and other preachers. Their members were the main responsible for the adherence of
Nuremberg to the Reformation, in 1521. Nevertheless, the production of prints with the
Virgin with her Son by Dürer continued. Could that fact represents a contradiction between
the production of Albrecht Dürer and his involvement in the Reformation? No, but this
research started through this question. Through a constant dialogue between the History of
Art and the Social and Cultural History, the our main objective is to investigate which cultural
practices especially artistic and devotional were responsible for the priority gave by
Albrecht Dürer to the subject of Mary with Child in his works.
Keywords: Albrecht Dürer. Virgin Mary. Nuremberg. Humanism. History of Prints.
Rio de Janeiro
Abril de 2010
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras:
Figura 1.1 Ícone da Santa Maria Maggiore. Salus Populi Romani Saúde do Povo de Roma.
O ícone, atribuído a São Lucas, teria salvado Roma da praga p. 46.
Figura 1.2 Duccio di Buoninsegna. Maria com a Criança, c. 1280s. Têmpera sobre madeira,
68 x 47 cm. Chiesa dei Santi Lorenzo e Ippolito, Castelfiorentino p. 47.
Figura 1.3 Cimabue. A Madonna em majestade (detalhe), 1285-86. Têmpera em painel, 91 x
75 cm (pintura completa: 385 x 223 cm) Florença, Galleria degli Uffizi p. 47.
Figura 1.4 Giovanni Bellini, Maria e a Criança, 1475. Têmpera sobre painel, 76 x 53 cm.
Berlim, Staatliche Museen p. 48.
Figura 1.5 Andrea Mantegna, Maria com a Criança dormindo, 1465-70. Têmpera sobre tela,
43 x 32 cm. Berlim, Staatliche Museen p. 48.
Figura 1.6 Rafael. Maria e a Criança, c. 1503. Óleo sobre madeira, 55 x 40 cm.
Pasadena, Norton Simon Museum of Art p. 49.
Figura 1.7 Dirc Bouts, o Velho. A Virgem e a Criança, após 1450. Óleo sobre madeira, 21,6
x 16,5 cm. Nova Iorque, Metropolitan Museum of Arts p. 49.
Figura 1.8 Rogier van der Weyden. A Virgem e a Criança, após 1454. Óleo sobre tela, 31,9 x
22,9 cm. Houston, Museum of Fine Arts p. 49.
Figura 1.9 Martin Schongauer. A Virgem e a Criança coroada por anjos no peitoril de uma
janela, c. 1445. Sem procedência p. 49.
Figura 1.10 Albrecht Dürer. Maria com a Criança em uma paisagem, c. 1494-97. Álamo, 89 x
74 cm. Schweinfurt, Slg. Dr. W. Schäfer p. 50.
Figura 1.11 Albrecht Dürer. A Virgem e a Criança, c. 1495. Óleo sobre painel, 48 x 36 cm.
Mamiano Parma, Coleção Magnani p. 50.
Figura 1.12 Albrecht Dürer. Maria com a pera, 1512. Óleo sobre madeira, 49 x 37 cm.
Viena, Kunsthistorisches Museum p. 50.
Figura 1.13 Theotokos ou Mater Dei, séc. VI. Santa Maria in Trastevere, Roma p. 51.
Figura 1.14 Trono da Sabedoria, século XII. Auvergne, Musée de Cluny p. 51.
Figura 1.15 Jan van Eyck. Maria com a Criança lendo, 1433. Óleo sobre madeira, 26,5 x
19,5 cm. Melbourne, National Gallery of Victoria p. 52.
Figura 1.16 Albrecht Dürer. Maria com o pardal, 1506. Óleo sobre painel, 91 x 76 cm.
Berlim, Staatliche Museen p. 53.
Figura 1.17 Giovanni di Paolo. Madonna da Humildade, c. 1442. Tempera sobre madeira, 56
x 43 cm. Boston, Museum of Fine Arts p. 54.
Figura 1.18 Mestre Flémalle. Madonna perto de um banco de grama, c. 1425. Carvalho, 39 x
27 cm. Berlim, Staatliche Museen p. 54.
Figura 1.19 Giovanni Bellini. Madonna do prado, 1505. Óleo sobre tela, transferido para
madeira, 67 x 86 cm. Londres, National Gallery p. 54.
Figura 2.1 Impressor desconhecido do Alto Reno ou sul da Germânia. Natividade, 1450-60.
Bloco de madeira de pereira para impressão. Stuttgart, Württembergisches Landesmuseum
p. 59.
Figura 2.2 Joos van Cleve. A Anunciação, c. 1525. Óleo sobre madeira, 86,4 x 80 cm. Nova
Iorque, Metropolitan Museum of Art p. 60.
Figura 2.3 Albrecht Dürer. Apocalipse: Mulher vestida de sol, 1497-1498. Xilogravura, 39 x
28 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 66.
Figura 2.4 Albrecht Dürer. Sagrada Família, 1495. Gravura em cobre, 24 x 18,6 cm.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 69.
Figura 2.5 Albrecht Dürer. Maria com o macaco, c. 1497-98. Gravura em cobre, 18,5 x 12,3
cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 73.
Figura 2.6 Martin Schongauer. Madonna e Criança no banco de grama, c. 1480. Gravura
em cobre, 12,2 x 8,4 cm. Berlim, Staatliche Museen p. 74.
Figura 2.7 Albrecht Dürer. Maria em um banco de grama, 1503. Gravura em cobre, 11,5 x
7,0 cm. Cambridge, Fogg Art Museum p. 76.
Figura 2.8 Albrecht Dürer. Maria com a pera, 1511. Gravura em cobre, 16 x 10,9 cm.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 78.
Figura 2.9 Albrecht Dürer. Maria sentada ao da árvore, 1513. Gravura em cobre, 12,5 x
8,2 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 78.
Figura 2.10 Albrecht Dürer. Maria sentada ao da muralha, 1514. Gravura em cobre, 14,9
x 10,1 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 80.
Figura 2.11 Torre e o Kaiserberg de Nuremberg p. 81
Figura 2.12 Albrecht Dürer. Maria vestida de sol, c. 1498-1500. Gravura em cobre, 10,6 x
7,7 cm. Sem procedência p. 83.
Figura 2.13 Albrecht Dürer. Maria vestida de sol, 1508. Gravura em cobre, 11,8 x 7,5 cm.
Darmstadt, Hessisches Landesmuseum p. 83.
Figura 2.14 Albrecht Dürer. Maria vestida de sol sobre o crescente de lua, 1514. Gravura em
cobre, 11,8 x 7,6 cm. Sem procedência p. 83.
Figura 2.15 Albrecht Dürer. Maria vestida de sol, 1516. Gravura em cobre, 11,8 x 7,6 cm.
Sem procedência p. 83.
Figura 2.16 Albrecht Dürer. Livro de Horas do Imperador Maximiliano I: Maria no crescente
de lua, João Evangelista com Adler de Patmos, fol. 17. Pena. Sem procedência p. 84.
Figura 2.17 Madonna vestida de sol, c. 1425. Nuremberg, Sebalduskirche p. 85.
Figura 2.18 Mãe de Deus, c. 1440. Nuremberg, Frauenkirche p. 85.
Figura 2.19 Albrecht Dürer. Vida de Maria: Maria vestida de sol, 1511. Xilogravura, c. 29,5
x 21,0 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 86.
Figura 3.1 Albrecht rer. Adão e Eva, 1504. Gravura em metal, 25,2 x 19,4 cm. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro p. 100.
Figura 3.2 Leocares. Apollo Belvedere, c. 350-325 d.C. Mármore branco, 224 cm. Museu do
Vaticano p. 100
Figura 3.3 Albrecht Dürer. O cavaleiro, a morte e o diabo, 1513. Gravura em metal, 24,5 x
18,8 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 101.
Figura 3.4 Albrecht rer. Imperador Maximiliano, 1518. Carvão, 38,1 x 31,9 cm. Viena,
Albertina p. 104.
Figura 3.5 Albrecht Dürer. Cardeal Albrecht von Brandenburg, 1518. Carvão ou giz, 42,8 x
32,2 cm. Viena, Albertina p. 104.
Figura 3.6 Albrecht Dürer. Conde Philipp zu Solms, 1518. Carvão ou giz, 37,0 x 25,0 cm.
Sem procedência p. 105.
Figura 3.7 Albrecht Dürer. Cardeal Matthäus Lang, 1518. Pena, 38,8 x 27,7 cm. Viena,
Albertina p. 105.
Figura 3.8 Albrecht Dürer. Maria coroada por dois anjos, 1518. Gravura em metal, 14,8 x
10,0 cm. Nova Iorque, Metropolitan Museum of Art p. 114.
Figura 3.9 Albrecht rer. A Sagrada Família com três coelhos, 1496-97. Xilogravura, 38,4
x 28,0 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 115.
Figura 3.10 Albrecht Dürer. Maria sobre a paisagem rochosa, 1507-1515. Xilogravura, 90
cm de diâmetro. Sem procedência p. 115.
Figura 3.11 Albrecht Dürer. Maria com a criança coroada por um anjo, 1515, Pena, 27,6 x
20,5 cm. Windsor, Royal Library, Sammlung der Königin von England p. 117.
Figura 3.12 Albrecht Dürer. A Sagrada Família com dois anjos que coroam Maria, 1519,
Pena, 28,0 x 21,8 cm. Paris, Louvre p. 117.
Figura 3.13 Albrecht Dürer. Maria com a Criança e anjos, 1518, Pena, 30,9 x 20,8 cm.
Berlim, Staatliche Museen Preußischer Kulturbesitz, Kupferstichkabinett p. 117.
Figura 3.14 Albrecht Dürer. Maria com a Criança, sendo coroada por um anjo e santa Ana,
1521, Pena, 26,6 x 21,1 cm. Berlim, Staatliche Museen Preußischer Kulturbesitz,
Kupferstichkabinett p. 117.
Figura 3.15 Albrecht Dürer. Maria coroada por anjos, 1518. Xilogravura, 30,1 x 21,2 cm.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro p. 118.
Figura 3.16 Albrecht Dürer. Maria coroada por um anjo, 1520. Gravura em metal, 13,9 x
10,0 cm. Nova Iorque, Metropolitan Museum of Art p. 119.
Figura 3.17 Albrecht Dürer. Maria amamentando a Criança, 1519. Gravura em metal, 11,5 x
7,3 cm. Nova Iorque, Metropolitan Museum of Art p. 120.
Figura 3.18 Albrecht Dürer. Maria com a Criança enfaixada, 1520. Gravura em metal, 14,2
x 9,5 cm. Nova Iorque, Metropolitan Museum of Art p. 120.
Figura 3.19 Albrecht Dürer. A Sagrada Família no banco de grama, 1526. Xilogravura, 14,5
x 11,3 cm. Sem procedência p. 126.
Figura 3.20 Albrecht Dürer. Maria e a Criança com a pera, 1526. Óleo sobre madeira, 43 x
32 cm. Florença, Galleria degli Uffizi p. 126.
Gráficos:
Gráfico 2.1 Proporção entre a produção de gravuras em cobre de temática religiosa e
secular produzidas por Albrecht Dürer p. 70.
Gráfico 2.2 Proporção entre o tema Maria com a Criança e outros temas cristológicos nas
gravuras em cobre produzidas por Albrecht Dürer p. 71.
Gráfico 3.1 Produção de gravuras em metal por período
Gráfico 3.2 Produção de temas no período entre 1513-1520
Gráfico 3.3 Produção de imagens de Maria com a Criança por período
SUMÁRIO
Introdução 15
Capítulo 1 30
Práticas de devoção a Maria nos séculos XV e XVI
1.1 As Ordens Mendicantes e a Devotio Moderna 31
1.2 Práticas de devoção mariana: preces e festividades 34
1.2.1 Preces Marianas 36
1.2.2 Festividades Marianas 41
1.3 A tradição iconográfica de Maria com a Criança 44
Capítulo 2 57
Condições de produção da gravura e práticas artísticas de Albrecht Dürer
2.1 O surgimento da técnica da gravura e as funções a ela atribuídas 59
2.2 A gravura em Nuremberg 61
2.3 Práticas artísticas de Albrecht Dürer 64
2.4 A produção de Marias por Albrecht Dürer 68
2.4.1 Marias no campo 71
2.4.2 Marias vestidas de sol 82
Capítulo 3 88
Albrecht Dürer e o Humanismo Cristão
3.1 O surgimento do Humanismo 88
3.2 O Humanismo Cristão no Norte europeu 93
3.3 O Humanismo Cristão de Albrecht Dürer 95
3.3.1 Os Sodalitas Staupitziana 102
3.3.2 Albrecht Dürer e Martinho Lutero 107
3.4 As Marias de Albrecht Dürer produzidas entre 1518 e 1520 111
Conclusão 131
Referências 134
Apêndice A 142
Introdução
á cinco anos, quando comecei a estudar o acervo de gravuras de
Albrecht Dürer, no setor de Iconografia da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro, não imaginava que o assunto me interessaria a ponto de desenvolver uma
dissertação de Mestrado. Participava daquela série de estudos comandada pela Profa. Dra.
Maria Beatriz de Mello e Souza, apenas por curiosidade e pela possibilidade de ter acesso a
documentos imagéticos medievais.
Talvez o desejo de investigar cada vez mais esse tema tenha surgido devido ao
fato de, até então, desconhecer por completo Albrecht Dürer e seu trabalho. Homem de muitas
facetas desenhista, gravador, pintor, humanista , que viveu em uma época tão rica em
acontecimentos e novidades como o surgimento da imprensa, o Renascimento e a Reforma.
Conforme o tempo passava, Dürer e suas gravuras tornavam-se objetos de estudo
apaixonantes.
A presente dissertação, portanto, continuidade a pesquisas que se iniciaram,
de certa forma, na graduação em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mais do
que uma biografia do artista, pretende-se investigar, a partir de um grupo específico de
gravuras, diversos aspectos de um período intenso na história social: o papel da imagem e da
Virgem Maria nos séculos XV e XVI, o surgimento definitivo da técnica da gravura e suas
condições de produção e o movimento conhecido como Humanismo Cristão que, pouco
depois, possibilitou a aceitação das ideias de Lutero por parte da sociedade germânica.
Dürer nasceu em 1471, e como filho de ourives, se tivesse nascido cem anos
antes, provavelmente não teria tido outra opção a não ser seguir a carreira do pai. Em 1486,
entretanto, aos 15 anos de idade, Dürer pode escolher ser aprendiz no ateliê de Michael
Wolgemut (1434-1519), o principal pintor de sua cidade e, naquele momento, o encarregado
de produzir as xilogravuras das publicações do famoso impressor Anton Koberger (1445-
1513). A partir desse momento, Dürer parece ter começado a se familiarizar com as
ilustrações que se produziam
1
, dando início à sua brilhante carreira de gravador. Brilhante,
porque na verdade, foi muito mais do que um homem que, como era comum em sua época,
1
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
25.
H
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
16
reproduzia imagens. Suas gravuras eram originais: criações suas inegavelmente dialogavam
com o seu tempo.
Em seus cinquenta e sete anos de existência, Albrecht rer produziu
aproximadamente cento e vinte pinturas, sessenta e nove aquarelas, mil cento e setenta e oito
desenhos, trezentos e setenta e uma xilogravuras, noventa e seis gravuras em cobre, seis
gravuras em metal com aço e três gravuras com a técnica da ponta-seca, além de dezoito
desenhos para vitrais - totalizando mil oitocentos e sessenta e uma imagens
2
. Suas imagens
incluem retratos, paisagens, temas da mitologia clássica, temas seculares sobre a morte e
personagens do seu cotidiano (camponeses, patrícios e artesãos, por exemplo)
3
. Contudo, a
maior parte de sua obra é, sem dúvida, composta por gravuras de temática religiosa, o que
constitui o problema proposto para essa dissertação.
Com o passar dos anos, pudemos perceber que o tema Maria com a Criança
era muito recorrente em toda a obra de Albrecht Dürer. Essa temática é, provavelmente, uma
das mais antigas entre representações da Virgem Maria
4
e nos séculos XIV e XV, atingiu
grande popularidade, tendo sido produzida com afinco por todos os pintores consagrados e
não consagrados da época.
Do início ao fim de sua vida produtiva, Dürer também investiu neste tema,
produzindo mais de oitenta representações de Maria com a Criança. Dentre gravuras,
desenhos e pinturas, esse autor produziu um número muito superior ao de outras
representações da Virgem Maria, também muito populares no período,
5
além de outros
santos
6
. Surpreende, entretanto, o fato de muitas dessas obras serem posteriores à publicação
de todas as chamadas grandes séries do gravador (Apocalipse, de 1498; Vida de Nossa
Senhora e Grande Paixão, de 1511; Pequena Paixão e Paixão Gravada, de 1512).
2
Levantamento feito pela autora através de: DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk.
Berlin: DirectMedia, 2000.
3
Um estudo dessa iconografia foi feito por: FRANCISCO, Paula E. V. A iconografia de casais em três gravuras
de Albrecht Dürer e suas estratégias enquanto cidadão de Nuremberg. 2008. 116f. Monografia (Bacharelado
em História) Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro.
4
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. London: John Murray, 1979. p. 323.
5
Alguns exemplos são o episódio da Anunciação, o nascimento da Virgem, a Morte da Virgem e os temas
devocionais: a Virgem da Misericórdia; a Virgem das Lamentações, também conhecida como Nossa Senhora
das Dores ou Nossa Senhora da Piedade; a Virgem da Imaculada Conceição e a Virgem do Rosário.
6
Levantamento possível através de: DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin:
DirectMedia, 2000.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
17
A partir de 1514, Albrecht Dürer não mais se dedicou à produção assídua de
gravuras. Tornara-se um dos cidadãos mais ilustres de Nuremberg
7
e, como renomado pintor e
gravador, foi contratado pelo imperador Maximiliano I para trabalhar nos seus grandes
projetos imperiais. Dürer, com remuneração garantida, dedicou seu tempo ao aprimoramento
de técnicas, à produção de gravuras com temáticas diferenciadas
8
e a encomendas de retratos
e retábulos.
A partir de 1516, Dürer começou a participar de um grupo de estudos intitulado
Sodalitas Staupitziana. Orientado pelo pregador agostiniano Johann Staupitz, o grupo,
formado essencialmente por humanistas e patrícios de Nuremberg, estudava a Bíblia, alguns
textos clássicos e sermões que incluíam reflexões de Lutero anteriores à publicação das
Noventa e Cinco Teses. As discussões travadas por esse grupo ao longo dos anos culminaram
na adesão do Conselho de Nuremberg às ideias de Lutero, em 1521, e na consequente rejeição
dos vínculos com a Igreja em Roma
9
. A permanente produção de imagens com representações
de Maria com a Criança evidenciaria uma contradição entre a produção desse artista, sua
participação nos círculos humanistas e a adesão às ideias de Lutero em Nuremberg? Não. Mas
foi a partir dessa indagação que esta pesquisa começou a se configurar. Ao cabo, o principal
objetivo deste trabalho é investigar que práticas culturais especialmente de devoção e
artísticas levaram Albrecht Dürer a priorizar a produção de imagens sob o tema Maria com
a criança.
Diante da impossibilidade de analisar mais de oitenta imagens de Maria com a
Criança em uma dissertação de Mestrado, propusemos a análise aprofundada apenas das
gravuras em cobre, com abordagem nessa temática. São elas: Maria com o macaco (1497-
1498)
10
, Maria em um banco de grama (1503)
11
, Maria com a pera (1511)
12
, Maria com a
Criança ao da árvore (1513)
13
, Maria ao da muralha (1514)
14
, Maria vestida de sol
7
A essa altura de sua vida Albrecht Dürer já havia sido eleito para compor o Grande Conselho de Nuremberg
órgão político e representativo da cidade e tinha em seu círculo de amizade alguns componentes das famílias
mais tradicionais e abastadas da Germânia, dentre os quais se destacava Willibald Pirckheimer.
8
São deste período, por exemplo, as gravuras Melancolia I e O Cavaleiro, a Morte e o Diabo.
9
Nuremberg foi a primeira cidade da Germânia a se declarar diplomaticamente adepta da Reforma.
10
Em alemão: Maria mit der Meerkatze, c. 1497/98. Gravura em cobre, 19,1 × 12,2 cm. Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. Nome atribuído por: Anzelewsky 56. Bartsch 42. Knappe 20. Meder 30. Panofsky 149.
11
Em alemão: Maria auf der Rasenbank, 1503. Gravura em cobre, 11,4 × 7,1 cm. Nome atribuído por: Knappe
39. Meder 31. Panofsky 141.
12
Em alemão: Maria mit der Birne, 1511. Gravura em cobre, 15,8 × 10,6 cm. Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Nome atribuído por: Bartsch 41. Knappe 50. Meder 33. Panofsky 148.
13
Em alemão: Maria mit dem Kind am Baum, 1513. Gravura em cobre, 11,8 × 7,5 cm. Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. Nome atribuído por: Knappe 70. Meder 34. Panofsky 142.
14
Em alemão: Maria mit dem Kind an der Mauer, 1514. Gravura em cobre, 14,9 × 10,1 cm. Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro. Nome atribuído por: Knappe 77. Meder 36. Panofsky 147.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
18
(1498-1500)
15
, Maria vestida de sol (1508)
16
, Maria vestida de sol no crescente de lua
(1514)
17
, Maria vestida de sol (1516)
18
, Maria coroada por dois anjos (1518)
19
, Maria e a
Criança a mamar (1519)
20
, Maria coroada por um anjo (1520)
21
, Maria com a Criança
enfaixada (1520)
22
.
Os nomes atribuídos a essas gravuras foram convencionados por historiadores
da arte que sistematizaram a obra de Albrecht Dürer
23
. Sabemos, entretanto, como o gravador
referia-se a pelo menos três delas. Em seu diário, escrito durante a viagem aos Países Baixos
em 1520, Dürer intitula as gravuras de Maria e a Criança a mamar (1519), Maria coroada
por um anjo (1520) e Maria com a Criança enfaixada (1520) de die drei neuen Marien (as
três novas Marias). Foi em referência a essa expressão que essa dissertação recebeu o título
de As Marias de Albrecht Dürer. A expressão utilizada por Dürer consolida também o fato de
a representação Maria com a Criança ser considerada pela historiografia como uma
iconografia mariana, apesar de Jesus aparecer representado nela como um bebê.
As treze gravuras em cobre foram selecionadas a partir dos seguintes critérios:
em primeiro lugar, quatro delas pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
e, portanto, puderam ser analisadas diretamente
24
. O acesso a essas imagens, não disponíveis
15
Em alemão: Maria im Strahlenkranz, 1498/1500. Gravura em cobre, 10,6 × 7,7 cm. Nome atribuído por:
Knappe 27. Meder 29. Panofsky 137.
16
Em alemão: Maria im Strahlenkranz, 1508. Gravura em cobre, 11,8 × 7,5 cm. Nome atribuído por: Knappe 49.
Meder 32. Panofsky 138.
17
Em alemão: Maria im Strahlenkranz auf der Mondsichel, 1514. Gravura em cobre, 11,8 × 7,6 cm. Nome
atribuído por: Knappe 78. Meder 35. Panofsky 140.
18
Em alemão: Maria im Strahlenkranz, 1516. Gravura em cobre, 11,8 × 7,4 cm. Nome atribuído por: Knappe 85.
Meder 37. Panofsky 139.
19
Em alemão: Maria, von zwei Engeln gekrönt, 1518. Gravura em cobre, 14,8 × 10,0 cm. Nome atribuído por:
Knappe 90. Meder 38. Panofsky 146.
20
Em alemão: Maria, das Kind säugend, 1519. Gravura em cobre, 11,5 × 7,3 cm. Nome atribuído por: Bartsch
36. Knappe 91. Meder 39. Panofsky 143.
21
Em alemão: Maria, von einem Engel gekrönt, 1520. Gravura em cobre, 13,9 × 10,0 cm. Nome atribuído por:
Bartsch 37. Knappe 95. Meder 41. Panofsky 144.
22
Em alemão: Maria mit dem Wickelkind, 1520. Gravura em cobre, 14,2 × 9,5 cm. Nome atribuído por:
Anzelewsky 189. Bartsch 38. Knappe 96. Meder 40. Panofsky 145.
23
São eles: ANZELEWSKY, Fedja. Albrecht Dürer: Das malerische Werk, Berlin 1971; BARTSCH, Adam. Le
peintre graveur. Bd. 1-21, Wien 1803-1821; KNAPPE, Karl-Adolf. Das graphische Werk, Wien, München,
1964. MEDER, Joseph. rer Katalog. Ein Handbuch über Albrecht Dürers Stiche, Radierungen,
Holzschnitte, deren Zustände, Ausgaben und Wasserzeichen. Wien, 1932; PANOFSKY, Erwin. The Life and
Art of Albrecht Dürer. Vol. 1-2, Princeton, 1955. Strauss, Walter L.: The complete drawings of Albrecht
Dürer, Vol. 1-6, New York 1974, Suppl. 1, New York 1977.
24
São elas, segundo os nomes dados pela Biblioteca: Albrecht Dürer. Virgem com o Macaco, c. 1497-98.
Gravura em metal, 18,5 x 12,3 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (nº 16 do catálogo, 1 exemplar);
Albrecht Dürer. Virgem com a pêra, 1511. Gravura em metal, 16 x 10,9 cm. Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro; Albrecht Dürer (nº 15 do catálogo, 2 exemplares). Virgem sentada ao pé da árvore, 1513. Gravura em
metal, 12,5 x 8,2 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (nº 13 do catálogo, 2 exemplares); Albrecht Dürer.
Virgem ao pé da muralha, 1514. Gravura em metal, 14,9 x 10,1 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (nº
14 do catálogo, 2 exemplares).
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
19
ao grande público
25
, foi possibilitado pela inserção desta pesquisa no projeto Arte e Devoção,
coordenado pela profa. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza, financiado pelo CNPq e
vinculado ao Núcleo de História da Arte do Programa de Pós-Graduação em História Social
(PPGHIS). Em segundo lugar, essa era uma técnica nova no período em que Dürer viveu e,
segundo alguns autores, teria sido a mais desenvolvida e aperfeiçoada por ele
26
. Além disso,
na técnica da gravura em metal, era o próprio artista quem gravava a imagem na placa de
cobre. Portanto, o desenho e sua execução estavam a cargo de Dürer. Outro fator importante é
que o período de produção das treze gravuras em cobre engloba grande parte da vida
profissional de Dürer, de 1497 a 1520, o que representa um recorte significativo dentro do
extenso número de trabalhos do gravador. Por último, as gravuras em metal foram escolhidas
por causa de sua variedade. Apesar da técnica, suporte e tema comuns, essas obras possuem
diferenças de composição, forma e representação que parecem preencher funções e públicos
diferentes.
É importante enfatizar que apesar desta seleção, outras representações de
Maria com a Criança, produzidas por Dürer serão utilizadas ao longo desse trabalho nas
análises quantitativas, a título de comparação e para corroborar com as ideias explicitadas,
uma vez que esses exemplos também serão fundamentais para que o objetivo proposto seja
atingido. O acesso às imagens que não estão disponíveis na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro foi facilitado pelo cd-rom Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk (Albrecht Dürer: obras
completas) lançado pelo projeto Digitale Bibliothek
27
e que contém ainda todos os escritos de
Albrecht Dürer em alemão. O mesmo projeto desenvolveu o cd-rom Martin Luther:
Gesammelte Werke
28
que possibilitou o acesso aos textos de Lutero, também em alemão
29
.
Imagens produzidas por outros artistas foram selecionadas a partir do banco de dados
disponibilizado pelo site www.wga.hu.
No que diz respeito à relevância da escolha das imagens deste artista para
análise, acreditamos na possibilidade de diálogo entre três dos movimentos mais apontados
como fatores que teriam motivado as transformações culturais e sociais que aconteceram a
25
O acesso às gravuras de Albrecht Dürer só é permitido mediante autorização do chefe do setor de Iconografia
e justificativa de pesquisa aprofundada.
26
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948.
passim.
27
DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlim: DirectMedia, 2000.
28
DIGITALE Bibliothek Band 63. Martin Luther: Gesammelte Werke
28
. Berlin: DirectMedia, 2000.
29
As mesmas fontes foram encontradas em inglês, em sites que se encontram na sessão das referências
bibliográficas.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
20
partir do século XVI na Europa
30
: o Renascimento, no que diz respeito às práticas artísticas; o
Humanismo Cristão e a Reforma, no que concernem à preocupação com o retorno e
valorização das Escrituras e às práticas de devoção. Além disso, estudar o surgimento da
técnica da gravura significa, de certa forma, refletir sobre o início da nossa sociedade atual,
que valoriza a mídia e a divulgação em massa. Acreditamos ainda que esse estudo possibilite
a reflexão de outro tema central em nossa sociedade: a querela entre católicos e protestantes
iniciada no século XVI e que permanece, até os dias de hoje, muito em torno das práticas de
devoção à Maria.
Algumas considerações teóricas
A proposta dessa dissertação de investigar que práticas culturais teriam levado
Albrecht Dürer a priorizar o tema de Maria com a Criança surgiu a partir de minha reflexão
sobre alguns estudos teóricos de historiadores da arte. Parte de seus pressupostos
fundamentou essa pesquisa e, portanto, precisam ser explicitados aqui.
O primeiro a ser destacado é o do historiador da cultura Roger Chartier
31
que,
em À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes, apropria-se do conceito de
hábito mental proposto pelo historiador da arte Erwin Panofsky, para iniciar e estabelecer
uma História das Práticas Culturais.
Hábito mental, para Panofsky, era o ―conjunto de esquemas inconscientes, de
princípios interiorizados que dão sua unidade às maneiras de pensar de uma época seja qual
for o objeto pensado‖
32
. Apesar de traçar algumas críticas à formulação de Panofsky, para
Chartier esse historiador da arte parece ter sido quem chegou mais perto do que hoje se
propõe como História das Práticas Culturais, porque o que o centro em Panofsky era ―a
análise dos mecanismos através dos quais categorias de pensamento fundamentais tornam-se,
em um determinado grupo de agentes sociais, esquemas interiorizados e inconscientes,
estruturando todos os pensamentos ou ações particulares‖
33
.
30
Cf. FALCON, Francisco José Calazans. Tempos Modernos: a cultura humanista. In: RODRIGUES, Antonio
Edmilson M. e FALCON, Francisco José Calazans. Tempos modernos: ensaios de História Cultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.19-48.; e FALCON, Francisco José Calazans. A crise dos valores
morais, religiosos e artísticos. In: RODRIGUES, Antonio Edmilson M. e FALCON, Francisco José Calazans.
Tempos modernos: ensaios de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.157-179.
31
CHARTIER. Roger. À beira da falésia: A história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
p. 23-35.
32
Ibid., p. 32.
33
Ibid, p. 33.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
21
A proposta de Chartier, de maneira geral, é a de que o historiador da cultura, ao
indagar sobre seus objetos, deveria privilegiar os usos e práticas a que estavam associados,
antes de investigar crenças, paixões e tantos outros temas que por serem abstratos (e variarem
de um ser humano para outro) facilmente escapam às mãos do historiador. De uma forma bem
simplista, somente o estudo das práticas culturais poderia possibilitar o acesso às ―forças
formadoras de hábitos‖
34
, proposta por Panofsky.
Mas este é apenas o início das formulações de Chartier que, na verdade,
prolongam-se por diversas outras questões e tentam elucidar as melhores formas de se abordar
o seu próprio objeto, a saber: as práticas de leitura nos séculos XVII e XVIII. Tal objeto
possibilita a investigação da circulação dos livros, a sua materialidade, os processos de
produção do texto e do livro, seu público, os locais de venda e, até as apropriações que eram
feitas dessas leituras
35
. Esta última, em seus próprios dizeres, visaria ―uma história social dos
usos e das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e inscritas nas
práticas específicas que os produzem‖
36
.
Ao pensarmos em um objeto como as gravuras produzidas por Albrecht Dürer
no início do século XVI, torna-se praticamente inviável a aplicabilidade de algumas das
formulações de Chartier já que, diante da relativa escassez de fontes, a possibilidade de
investigarmos a circulação das gravuras, seus locais de venda e até seu público fica limitada,
muitas vezes, a deduções e especulações. Por outro lado, é a investigação de práticas culturais
que tem conduzido o desenvolvimento da pesquisa aqui proposta e, por diversos momentos
falaremos em compra, venda e circulação de gravuras, além da expectativa das pessoas diante
da imagem (algo que equivaleria, com muito menos ênfase, ao conceito de apropriação,
proposto por Chartier).
Assim, enquanto perseguirmos a meta de produzir uma história cultural, ou
pelo menos uma história social da cultura, quase sempre havemos de deparar nas condições de
produção e na materialidade dos objetos culturais, suas funções e usos em uma sociedade
específica. E para suprir essas indagações parecidas com as de Chartier, procuramos estudos
que fossem mais adequados às fontes iconográficas e propusessem conceitos mais pertinentes
ao período estudado. Essa alternativa parece ter sido encontrada a partir da reflexão de uma
34
CHARTIER. Roger. À beira da falésia: A história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: UFRGS, 2002,
p. 33.
35
Cf. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e
XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
36
CHARTIER, 2002, p. 68.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
22
noção e duas categorias desenvolvidas pelos historiadores Michael Baxandall e Reihnart
Koselleck: period eye e espaço de experiência e horizonte de expectativa, respectivamente.
Em O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da
Renascença
37
, Baxandall tenta fazer aproximações entre a representação pictórica e a possível
interpretação por parte de seu observador
38
. Para tanto, elabora a noção de period eye (mal
traduzido para o português como estilo cognitivo típico‖) ao explicar que ―cada sociedade, a
partir de sua experiência social, adquire capacidades específicas de percepções visuais, o que
possibilita a compreensão ou incompreensão de elementos figurativos, sejam eles narrativos
ou alegóricos‖
39
.
A princípio, a proposta de Baxandall pode nos parecer muito mais próxima ao
conceito de hábitos mentais formulado por Panofsky, do que à proposta de estudo através das
práticas culturais, elaborada por Chartier. Entretanto, é o método utilizado e proposto por
Baxandall que o aproxima mais da história cultural do que da história da arte. Apesar de seu
vocabulário se localizar muitas vezes no mesmo campo semântico que o utilizado pela
história das mentalidades (capacidades, hábitos, etc.) e vale lembrar que a publicação
original deste livro aconteceu ainda em 1972 sua análise parte da investigação de objetos
culturais como contratos entre mecenas e pintores (para investigar condições de produção),
sermões e relatos de padres e pintores (para investigar expectativas) e seu objetivo é, em
palavras que o autor o usaria, analisar as práticas culturais que levaram as pinturas do
Renascimento a terem a aparência que têm.
Acreditamos na pertinência da proposta de Baxandall e, mais especificamente,
da noção de period eye para essa pesquisa porque, em primeiro lugar, um de seus objetivos é
entender o aspecto pictórico e formal das gravuras em cobre de Maria com a Criança,
produzidas por Dürer
40
; em segundo lugar, porque diante da ausência de documentos que
tratem especificamente da expectativa e da interpretação que o observador fazia de uma
imagem, pensar que ―boa parte dos instrumentos mentais através dos quais o homem organiza
a sua experiência visual dependem da cultura‖
41
ou, atualizando, das práticas culturais,
permitirá uma análise segura das fontes iconográficas por promover uma aproximação entre o
objeto produzido e o seu observador. Em outras palavras, apesar de o observador o ser a
37
BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991.
38
Aqui, mais uma vez nos aproximamos do objetivo de Chartier ao propor o conceito de apropriação.
39
BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 48.
40
Equivalente à parte do segundo objetivo proposto e de fundamental importância para a confirmação de nossa
hipótese central.
41
BAXANDALL, op. cit., p. 48.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
23
preocupação principal dessa pesquisa, entender como as imagens de Maria com a Criança
eram percebidas pela sociedade do século XVI é fundamental para entender a quais práticas
culturais essas representações podem estar relacionadas e vice-versa.
As outras duas categorias cuja aplicabilidade proporia são as de espaço de
experiência e horizonte de expectativa, formuladas pelo historiador dos conceitos Reinhart
Koselleck, em Futuro Passado
42
. Proveniente de uma área acadêmica muito diferente de
todas as discutidas até aqui, a História dos Conceitos, Koselleck propõe esta categoria meta-
histórica como uma possibilidade de entendermos o tempo histórico, mas com caráter
analítico.
No que diz respeito à experiência, a definição de Koselleck complementa a
formulação de Baxandall sobre o period eye. Se para Baxandall é a partir de sua experiência
social que uma sociedade adquire capacidades específicas de percepções visuais, o que
possibilita a compreensão ou incompreensão de elementos figurativos
43
, para Koselleck,
a experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram
incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a
elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento,
que não estão mais, ou não precisam mais estar presentes no
conhecimento. Além disso, na experiência de cada um, transmitida por
gerações e instituições, sempre está contida e é conservada uma
experiência alheia. Nesse sentido, também a história é desde sempre
concebida como conhecimento de experiências alheias
44
.
Era através da experiência, portanto, que qualquer cidadão de Nuremberg ou
ainda, qualquer cristão adquiria a capacidade de compreensão daquelas imagens.
Compreensão esta que, como Panofsky dizia, eram muitas vezes formas inconscientes de
comportamento. Era também a experiência que indicava a Albrecht Dürer o tipo de
iconografia que deveria produzir e de que forma deveria aperfeiçoar seu trabalho. Esta, no
caso de Dürer, era muitas vezes uma elaboração racional do vivido. Por fim, era igualmente a
experiência que impulsionava os humanistas ao retorno às fontes e ao estudo daquilo que
concebiam como o conhecimento de experiências alheias.
E, como ―não há experiência sem expectativa‖
45
,
42
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Editora Contraponto, 2006.
43
BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 48.
44
KOSELLECK, op. cit., p. 309-310.
45
Ibid., p. 307.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
24
Algo semelhante se pode dizer da expectativa: também ela é ao mesmo
tempo ligada à pessoa e ao interpessoal, também a expectativa se realiza
no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não-
experimentado, para o que apenas pode ser previsto. Esperança e medo,
desejo e vontade, a inquietude, mas também a análise racional, a visão
receptiva ou a curiosidade fazem parte da expectativa e a constituem
46
.
Para os cidadãos de Nuremberg, e para boa parte da Cristandade Ocidental, a
expectativa se constituía em diversos aspectos da vida cotidiana pautadas na liturgia
eclesiástica: nas vésperas das festas religiosas, no momento de comprar uma indulgência.
Mas, principalmente, na espera pela salvação. O próprio Koselleck, após aplicar suas duas
categorias à história e demonstrar sua própria tese
47
, desenvolve essa análise. Para o autor,
Enquanto a doutrina cristã dos últimos fins impunha limites
instransponíveis ao horizonte de expectativa ou seja, a meados do
século XVII, aproximadamente , o futuro permanecia atrelado ao
passado. A revelação bíblica, gerenciada pela Igreja, envolvia de tal
forma a tensão entre experiência e expectativa que elas não podiam
separar-se. [...] As expectativas que se projetavam para além de toda
experiência vivida não se referiam a esse mundo. Estavam voltadas para
o assim chamado além, apocalipticamente concentradas no fim do mundo
como um todo
48
.
As hipóteses propostas ao longo dessa dissertação partem, portanto, dessa
definição e corroboram com a ideia de que para a sociedade do início do século XVI, o
passado presente, através do espaço de experiência, estava sempre muito mais próximo de
todos, do que o futuro presente, através do horizonte de expectativa. Assim, essa dissertação
não considera que houve uma contradição entre a produção de Dürer e sua adesão às ideias
humanistas e luteranas; pelo contrário, entende esse período a partir da compreensão de que
Dürer era um homem de seu tempo, que participava de meios sociais diferentes, sendo uma
interseção entre grupos letrados e iletrados. Seu trabalho representa, portanto, uma
possibilidade de entendermos como a gravura circulava nesses dois meios e como dialogava
com as diversas práticas culturais de sua sociedade.
46
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Editora Contraponto, 2006, p. 310.
47
Ibid., p. 314.
48
Ibid., p. 315-316.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
25
Algumas considerações bibliográficas
Albrecht Dürer é até hoje considerado o maior gravador germânico de todos os
tempos e o principal responsável pelo reconhecimento da gravura como um objeto carregado
de valor artístico
49
. Nas palavras de Jane Hutchison, Dürer ―é, no estrito senso do termo, o
artista mais celebrado que existiu
50
. Para citar apenas alguns exemplos, o Dia de Albrecht
Dürer foi comemorado por artistas germânicos de 1815 até o final do século XIX,
anualmente, como um dia de santo, enquanto comemorações de seu centenário têm sido
obrigatórias em âmbito nacional e internacional desde 1828, e ocasião dos três séculos de sua
morte
51
. Extremamente estudado, a bibliografia de Dürer compilada em 1971 por Matthias
Mende de Nuremberg, em honra aos cinco séculos de nascimento do artista, continha mais
de dez mil referências cuidadosamente cruzadas
52
. Aplaudido por várias gerações de artistas,
há releituras de seus trabalhos em diversas partes do mundo.
A Virgem Maria, por sua vez, tem sido ao longo dos séculos a mais venerada
dentre as mulheres. Como exemplifica Jaroslav Pelikan, por aproximadamente dois mil anos,
Maria tem sido o nome mais frequentemente atribuído a meninas batizadas
53
e a Ave Maria,
tem sido repetida literalmente milhões de vezes ao dia. ―Maria é o nome feminino mais
pronunciado em todo o Ocidente e, com quase certeza, ela foi mais representada na arte e na
música do que qualquer outra mulher na história
54
.
Mas, apesar do grande número de estudos sobre Albrecht Dürer e sobre a
Virgem Maria, não foi encontrado nenhum que propusesse a análise atenta das gravuras
selecionadas para essa pesquisa. A grande quantidade de Maria com a Criança, produzidas
por Dürer chegou a ser mencionada por alguns autores
55
, marcadamente por Arthur
Conway
56
, mas não foi objeto de análise aprofundado de nenhum deles
57
. Portanto, o
trabalho desenvolvido nessa dissertação é original, não apenas em sua problemática, mas em
49
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948. p. 3.
50
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
187.
51
Ibid., p. 187.
52
Ibid., p. 187.
53
PELIKAN, Jaroslav Jan. Mary Through the Centuries: Her Place in the History of Culture. New Haven: Yale
University Press, 1996, p. 1.
54
Ibid., p. 2.
55
Cf., HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety,
1500-1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a
biography. Princeton: Princeton University Press, 1990. PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's
Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The University of Michigan Press, 2003.
56
CONWAY, William Martin. The writings of Albrecht Dürer. New York: Philosophical Library, 1958, p. 146.
57
As únicas análises existentes são do tipo estilísticas e encontram-se em diversos catálogos, muitos dos quais se
encontram nas referências bibliográficas dessa dissertação.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
26
seu objeto. Cabe, entretanto, mapearmos alguns estudos que fundamentaram ou
complementaram bastante as reflexões que serão discutidas nesta dissertação.
A vasta e repetitiva bibliografia sobre Albrecht Dürer inicia-se em 1604,
com a publicação de Het Schilderboeck
58
(O livro dos pintores) de Karel van Mander, no qual
um capítulo inteiro é dedicado ao gravador
59
. Mas foi a partir de meados do século XX,
entretanto, que se iniciou nos Estados Unidos uma mais atenta e diversificada produção
historiográfica sobre ele, a começar pelo trabalho do historiador da arte Erwin Panofsky. The
Life and Art of Albrecht Dürer
60
tornou-se um clássico por ser o primeiro a relacionar vida e
produção de Dürer. Até hoje, vários estudiosos iniciam suas análises a partir das referências
de avaliação estética de Panofsky e de suas interpretações iconográficas. O trabalho de
Panofsky inclui a análise de grande parte das imagens produzidas por Dürer, mas as gravuras
selecionadas como objeto central dessa pesquisa receberam apenas comentários estilísticos
deste autor.
Dentre os muitos estudos biográficos existentes sobre Albrecht Dürer, o mais
importante para essa dissertação foi o de autoria da historiadora da arte Jane Hutchison
61
,
publicado em 1990. Albrecht Dürer: a biography é amplamente baseado nos escritos do
gravador, o que fez do estudo uma minuciosa análise sobre a educação de rer, seu
aperfeiçoamento profissional e relacionamentos sociais. O trabalho de Hutchison, por ser uma
das biografias mais recentes do gravador e, sem dúvida, a mais completa, encabeçará as
discussões sobre a vida do artista nesta dissertação.
Sobre o vínculo de Albrecht Dürer com o Humanismo, especificamente, foi
importante o trabalho de David Hotchkiss Price: Albrecht Durer's Renaissance: Humanism,
Reformation, and the Art of Faith
62
, publicado em 2003. O autor, especialista em cultura da
Renascença e história eclesiástica, não se propõe a realizar mais uma biografia de Albrecht
Dürer, mas a mostrar como as imagens produzidas por esse alemão condiziam com sua fé e
seu entendimento do que era ser cristão
63
. Para tanto, Price analisa principalmente imagens
que estavam diretamente ligadas ao envolvimento de Dürer com os grupos humanistas, como
58
Trechos desta publicação encontram-se em FERNIE, Eric. Art History and its Methods: a critical anthology.
London: Phaidon Press, 2003, pp. 42-57.
59
Antes de Mander, Giorgio Vasari mencionara Albrecht Dürer. VASARI, Giorgio. Lives of Marc' Antonio
bolognese and of other engravers of prints. Lives of the most eminent painters sculptors and architects:
Filarete and Simone to Mantegna. Vol. 6. Tradução: Gaston du C. de Vere. Disponível em:
www.gutenberg.org. [EBook #26860]. Acesso em 22 de janeiro de 2010. Publicado pela primeira vez em 1550.
60
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948.
61
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990.
62
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003.
63
Ibid., passim.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
27
as representações de São Jerônimo, patrono dos tradutores e, consequentemente, dos
humanistas, e os retratos de Lutero e de Erasmo e explica a produção de séries como a Vida
de Nossa Senhora
64
e a Pequena Paixão
65
. Mas nesse importante e recente trabalho, as
imagens selecionadas para essa dissertação não foram objeto de análise, à exceção da gravura
Maria ao da muralha (1514), que é analisada em conjunto com as gravuras Cavaleiro,
morte e diabo (1513), Melancolia (1514) e Jerônimo em seu estudo (1514).
Sobre a Virgem Maria, o trabalho do historiador Jaroslav Jan Pelikan da
Universidade de Chicago, Mary through the centuries: her place in the History of Culture, de
1996
66
, tem sido muito citado por diversos trabalhos
67
e foi utilizado na produção dessa
dissertação para que as discussões sobre a valorização, pela Igreja, da figura de Maria ao
longo da Idade Média fossem aprofundadas. O autor, um dos maiores estudiosos da História
do Cristianismo e da História Intelectual Medieval, investiga as origens e a difusão do culto à
Maria. Pelikan explica também que a rejeição da adoração a Maria pelos reformadores não fez
com que a Virgem fosse esquecida, mas que se tornasse o maior exemplo da Graça Divina, e,
portanto, um exemplo de fé para os protestantes
68
.
Ainda nessa mesma chave de interpretação, porém com uma abordagem mais
voltada para a História da Cultura do que para a Teologia, The Cult of the Virgin Mary in
Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-1648
69
, publicado em 2007 e de
autoria da historiadora Bridget Heal investiga a permanência do culto à Virgem Maria após a
Reforma, em três cidades especificamente: Nuremberg, Augsburgo e Colônia.
Periodicamente, a análise avança até a Contra-Reforma, mas o estudo de caso proposto para
Nuremberg abrange o mesmo período que pretendemos investigar. O livro apresenta uma
minuciosa discussão bibliográfica entre estudos que investigam rituais dedicados à Maria,
práticas de devoção marianas e pensamento teológico. Também preocupada em analisar as
64
Em seu diário de viagem aos Países Baixos, Dürer refere-se a essa série como ―Unser Frauen Leben‖. O nome
atribuído pelos historiadores alemães é Mariensleben, os historiadores americanos chamam-na de Life of the
Virgin e, nos registros da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, encontramos o nome ―Vida da Virgem‖.
65
As gravuras que compõem essas duas séries podem ser encontradas no acervo da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro e no site www.wga.hu.
66
PELIKAN, Jaroslav Jan. Mary Through the Centuries: Her Place in the History of Culture. New Haven: Yale
University Press, 1996.
67
Cf. HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety,
1500-1648. Past and Present Publications: Cambridge University Press, 2007; KATZ, Melissa (ed.); ORSI,
Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford University Press, 2001;
KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth
century. New York: Oxford University Press, 2004; dentre outros.
68
PELIKAN, op. cit.
69
HEAL, op. cit.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
28
práticas de devoção a Maria, como cultos, litanias, festas e peregrinações, Bridget Heal será
uma autora com quem efetuaremos constante diálogo.
Estudos mais específicos sobre as ideias vigentes entre os humanistas e futuros
adeptos da Reforma são os clássicos de Paul Oskar Kristeller da Universidade de Columbia e
de Lewis W. Spitz, respectivamente, Renaissance Thought: The Classic Scholastic, and
Humanist Strains e The Religious Renaissance of the German Humanists
70
. Esses autores
foram revisitados inúmeras vezes por diversos estudiosos do Humanismo e da Reforma
71
e
são os grandes responsáveis por definirem o Humanismo do Norte como sendo, por diversos
motivos, diferente daquele encontrado na Península Itálica
72
e muito mais associado ao
Cristianismo. Assim, esses autores consideram que o Humanismo no Norte da Europa não foi
apenas um movimento predecessor à Reforma, mas o que a impulsionou de muitas formas.
Esta dissertação pretende corroborar com essa interpretação e trata do movimento
conhecido como Reforma, apenas por esse viés, reservando a análise de possíveis questões
políticas e econômicas para uma próxima investigação.
Muitos outros estudos foram importantes para a concretização dessa pesquisa,
mas aparecerão apenas ao longo dos capítulos, auxiliando na discussão dos diversos temas
que serão abordados. Diante de tantas publicações existentes sobre Albrecht Dürer e a Virgem
Maria, optamos por priorizar os estudos mais recentes, publicados nas três últimas décadas
por editoras universitárias renomadas
73
, e por serem pertinentes para a investigação proposta.
Estudos mais antigos, das décadas de cinquenta a oitenta, também foram privilegiados a partir
do momento em que eram muito citados pelos autores mais recentes, sendo considerados
clássicos
74
. Assim, mesmo que muitos estudos tenham ficado de fora desta dissertação,
70
KRISTELLER, Paul Oskar. Renaissance Thought: The Classic Scholastic and Humanist Strains. New York:
Harper Torchbooks, 1961; e SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists.
Cambridge: Harvard University Press, 1963.
71
Cf. FALCON, Francisco José Calazans. Tempos Modernos: a cultura humanista. In: RODRIGUES, Antonio
Edmilson M. e FALCON, Francisco José Calazans. Tempos modernos: ensaios de História Cultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.19-48.; NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of
Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
72
FALCON, Francisco José Calazans. A crise dos valores morais, religiosos e artísticos. In: RODRIGUES,
Antonio Edmilson M. e FALCON, Francisco José Calazans. Tempos modernos: ensaios de História Cultural.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 172-173.
73
São elas, principalmente: Princeton University Press, Chicago University Press, Oxford University Press e
Cambridge University Press.
74
É o caso de: HYMA, A. The Christian Renaissance: A History of the Devotio Moderna. Hamden: Archon
Books, 1965; KRISTELLER, Paul Oskar. Renaissance Thought: The Classic Scholastic and Humanist Strains.
New York: Harper Torchbooks, 1961; MEISS, Millard. The Madonna of Humility: Origin and Development.
In: Painting in Florence and Siena after the Black Death. Princeton: Princeton University Press, 1951. p. 132-
156; PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1955;
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University Press,
1963 e STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and
Modern times. Bloomington: Indiana University Press, 1976 - apenas para citar os mais importantes.
As Marias de Albrecht Dürer
Introdução
29
acreditamos que a qualidade e diversidade dos trabalhos monográficos escolhidos tenham sido
suficientes para investigar com profundidade e coerência a questão proposta.
As Marias de Albrecht Dürer (1471-1528): práticas de devoção, práticas
artísticas e o Humanismo Cristão em Nuremberg foi dividida em três capítulos. No primeiro,
será discutida a importância de Maria e das práticas de culto e devoção a ela associadas nos
séculos XV e XVI. O capítulo um, portanto, será fundamental para, nos capítulos seguintes,
identificarmos quais práticas de devoção poderiam ter levado Albrecht Dürer a priorizar o
tema de Maria com a Criança. Além disso, analisaremos o desenvolvimento do tipo
iconográfico de Maria com a Criança, especialmente no período estudado, com o objetivo de
entendermos que modelos de representação estavam disponíveis a Dürer naquele momento.
No segundo capítulo, sediscutido o surgimento da técnica da gravura, seu
status, seus usos e as condições de produção dessa técnica em Nuremberg. Explicaremos
como Albrecht Dürer aprimorou suas habilidades de gravador e como procurou se aproximar
de pintores renomados germânicos e italianos. Este mesmo capítulo será responsável por
descrever a análise feita ao longo dos dois anos de produção dessa dissertação que
comprovará quantitativamente a relevância e predominância de imagens com a temática de
Maria com a Criança na produção do gravador Albrecht Dürer
75
. Por último, analisaremos as
nove primeiras gravuras em cobre de Maria com a Criança, produzidas por Dürer entre 1497
e 1516, com o objetivo discutir seus elementos pictóricos, de mostrar como o gravador
apropriou diferentes padrões representacionais para produzi-las, além de discutirmos suas
possíveis funções. O capítulo dois refletirá sobre que práticas artísticas teriam levado Albrecht
Dürer a priorizar o tema de Maria com a Criança em sua obra.
Ao capítulo três caberá investigar a participação de Dürer no movimento
conhecido como Humanismo Cristão, bem como sua aproximação das ideias luteranas. Nesse
mesmo capítulo analisaremos as representações de Maria com a Criança, produzidas por
Dürer no decorrer desse seu envolvimento, entre 1518 e 1520, e tentaremos averiguar que tipo
de mudança pode ter ocorrido nas representações. Para tanto, será fundamental discutir
também o que os primeiros reformadores, especificamente Erasmo de Roterdã e Martinho
Lutero, pensavam sobre o papel de Maria no Cristianismo.
75
BURKE, Peter. O Renascimento Italiano: cultura e sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999 e
RAYNAUD, Christiane. Le commentaire de document figure
́
en histoire me
́
die
́
vale. Armand Colin: Paris, 1997
defendem a importância de análises quantitativas para a metodologia do historiador. Como dito anteriormente,
o acesso a todas as obras de Albrecht Dürer, que permitiu a produção dessa análise, foi facilitado pelo cd-rom
Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk (Albrecht Dürer: obras completas) lançado pelo projeto Digitale Bibliothek.
Capítulo 1
PRÁTICAS DE DEVOÇÃO A MARIA NOS SÉCULOS XV E XVI
―Ah, que todos os meus amigos, pelo amor de Deus,
quando lerem sobre a morte de meu devoto pai,
lembrem de sua alma com um Pai Nosso e uma Ave
Maria‖
76
Albrecht Dürer, Livro de Memórias, 1502- 1514
pesar de quase não ser mencionada nas Escrituras, Maria ganhou cada
vez mais importância ao longo dos culos no Ocidente medieval.
Segundo historiadores da religião, como Jaroslav Pelikan, esta valorização provavelmente
ocorreu devido à necessidade dos cristãos de terem uma figura materna como intercessora
77
.
A humanidade de Maria parece ter sido importante à doutrina cristã da natureza dual de Jesus,
para o qual Deus contribui com o aspecto divino e Maria com o humano
78
. Por outro lado, a
maternidade de Maria a colocou perto das experiências femininas ordinárias e permitiu que as
mulheres se identificassem com ela; ainda assim, chamou a atenção para elementos da
experiência de Maria que a separavam do resto da humanidade.
O primeiro Concílio de Nicéia, em 325, não deixou dúvidas de que Maria era a
mulher ideal ao dizer que: ―O Senhor olhou para toda a sua criação, e não viu ninguém igual à
Maria. Por isso ele a escolheu para ser sua mãe‖
79
. As declarações do Concílio de Éfeso (431),
concedendo a Maria o status de Mãe de Deus (Theotokos)
80
, tornaram a devoção mariana
76
Tradução nossa do original: ―O ihr all mein Freund, ich bitt euch um Gotts willen, so ihr meins frummen
Vaters Verscheiden lest, ihr wöllt seiner Seel gedenken mit einem Vaterunser und Ave Maria‖ In: DIGITALE
Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1617.
77
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. 2ª Edição. John Murray, 1979. p. 323.
78
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 25.
79
Ibid., p. 48.
80
PELIKAN, Jaroslav Jan. Mary Through the Centuries: Her Place in the History of Culture. New Haven: Yale
University Press, 1996, p. 55ff. O autor analisa as complexidades que envolviam e envolvem a utilização desse
termo, Theotokos, que a princípio significava ―a pessoa que deu a luz àquele que é Deus‖, diferente da
apropriação ocidental Mater Dei.
A
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
31
definitiva e em rápido crescimento
81
. Exemplo disso é que, no ano 432, o Papa Sixto III
construiu a primeira igreja dedicada a Maria no Ocidente, a Basílica de Santa Maria
Maggiore em Roma, seguida de muitas que surgiriam por toda a Europa
82
.
Ao longo de toda a Idade Média, liturgia, sermões e imagens celebravam o
papel de Maria na história da salvação. E, às vésperas da Reforma, como afirma a historiadora
Bridget Heal, a Virgem Maria foi a santa mais frequentemente representada, descrita e
invocada em toda a Germânia
83
:
Em 1500, uma pessoa que visitasse qualquer cidade da Germânia encontraria
numerosas manifestações de devoção mariana. Enquanto a importância de
práticas devocionais específicas variavam de um lugar para o outro, invocar
Maria através de rituais e imagens era um fenômeno universal
84
.
Por isso, o presente capítulo pretende investigar o surgimento e
desenvolvimento de algumas dessas práticas de devoção à Maria e refletir sobre a
popularidade delas nos séculos XV e XVI; além de analisar como o tema Maria com a
Criança era representado, com o intuito de identificar que aspectos da Mãe de Deus eram
valorizados pelos artistas contemporâneos a Dürer.
1.2 As Ordens Mendicantes e a Devotio Moderna
Muitos autores afirmam que o final da Idade Média foi um momento de grande
devoção e talvez o de maior intensidade religiosa. David Price diz que no período anterior à
Reforma ―o Cristianismo nunca tinha sido tão popular‖
85
, Bernd Moeller diz que o século XV
foi um dos períodos mais devotos da Idade Média
86
, Lucien Febvre observa que essa época
81
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 28. Cf. KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in
lutheran sermons of the sixteenth century. New York: Oxford University Press, 2004, p. 12.
82
PELIKAN, Jaroslav Jan. Mary Through the Centuries: Her Place in the History of Culture. New Haven: Yale
University Press, 1996, p. 56. Cf. SCHILLER, Gertrud. Iconography of Christian Art, trans. Janet Seligman.
Greenwich, CT: New York Graphic Society, 1971/72, v. 1, p. 27
83
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Past and Present Publications: Cambridge University Press, 2007. p. 24. Sobre dados mais precisos em
relação à produção de imagens da Virgem Maria, veja: BURKE, Peter. O Renascimento Italiano: cultura e
sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999. p. 193-195.
84
HEAL, op. cit., p. 1.
85
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003, p. 4.
86
MOELLER, Bernd. Piety in Germany Around 1500. In: OZMENT, Steven (ed.). The Reformation in Medieval
Perspective. Chicago: Quadrangle Books, 1971, p. 50-75. apud EIRE, Carlos. War against the idols: the
Reformation of worship from Erasmus to Calvin. Cambridge University Press, 1986, p. 10.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
32
foi marcada por um ―imenso apetite pelo divino‖
87
e Johann Huizinga enfatiza que houve ―um
enorme desdobramento da religião na vida diária‖
88
. Todos eles concordam, entretanto, que
essa ―explosão de piedade‖
89
nos séculos XV e XVI foi uma ―expressão do fervor laico‖
90
: ―o
povo‖ não era apenas mais um participante, mas uma força determinante na vida religiosa da
Igreja‖
91
.
O ―fervor laico‖ do qual fala o autor Carlos Eire, por sua vez, foi possível
por influência das ordens mendicantes, especificamente franciscana e dominicana, que
surgiram no século XIII a partir das ideias e pregações de Francisco de Assis e Domingos de
Gusmão
92
. Ambas as ordens achavam, ao contrário dos monges beneditinos, cistercienses etc.,
que levavam uma vida reclusa, que deveriam se aproximar dos leigos, sendo para eles
exemplos de vida. Desse modo, construíram seus monastérios deliberadamente em cidades
93
para que leigos pudessem observar diretamente certos aspectos da vida em claustro e
adotassem determinadas atividades monásticas tradicionais como orações diárias e meditações
silenciosas sobre a vida de Jesus, Maria e dos santos
94
.
De muitas maneiras, os mendicantes diversificaram as possibilidades dos leigos
se aproximarem das práticas monásticas. Clérigos franciscanos e dominicanos ensinaram as
pessoas comuns a fazerem preces em suas próprias línguas
95
e até pregavam em língua
vernácula
96
. Com o objetivo de pregar a todos os grupos sociais, inclusive aos mais populares,
chegaram a instaurar o teatro em praça pública, levando-o para além da liturgia tradicional e
incorporando-o às festividades ao longo do ano.
O crescimento das cidades e o surgimento de grupos sociais relativamente
prósperos aumentaram as contribuições materiais para a vida devocional da Igreja. Capelas
privadas e comunitárias, guildas e irmandades religiosas passaram a ser doadoras de tempo e
87
FEBVRE, Lucien. Une Question Mal Posée: les Origines de la Réforme Française. In: Au Coeur Religieux Du
XVIe Siècle. Paris, 1957, p. 1-70. apud EIRE, Carlos. War against the idols: the Reformation of worship from
Erasmus to Calvin. Cambridge University Press, 1986, p. 10.
88
HUIZINGA, Johann. The Waning of the Middle Ages. New York, 1954, p. 151. apud EIRE, op. cit., p. 10.
89
EIRE, op. cit., p. 10.
90
Ibid., p. 10.
91
MOELLER, op. cit. apud EIRE, op. cit., p. 10.
92
Sobre esse assunto, ver DUBY, Georges. O Tempo das Catedrais: a arte e a sociedade: 980-1420. Lisboa:
Estampa, 1979.
93
É evidente que esse movimento é concomitante e complementar ao fortalecimento comercial das cidades. Não
à toa, as duas ordens surgem na Península Itálica, onde esse crescimento econômico a priori foi mais evidente.
94
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 32.
95
Ibid., p. 33.
96
Cf. BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 36, 48-56, 164-165. Oficialmente, do século XII até as reformas do Vaticano II
(1962-1965) as missas deveriam ser conduzidas inteiramente em latim, por um padre que olhava para o altar e
não para a congregação.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
33
dinheiro para a criação de objetos devocionais
97
. A partir de então, as imagens passaram a ser
tão necessárias que suas formas se multiplicaram. Não mais existiam apenas em esculturas,
vitrais ou afrescos das catedrais, distantes dos fiéis. Foram laicizadas, desejadas por leigos de
todos os grupos sociais e estavam também em retábulos e em pequenas esculturas de capelas
particulares, nas iluminuras dos Livros de Horas e em gravuras
98
.
Os leigos adotaram definitivamente a prática monástica de ter imagens como
ajuda devocional, a ponto de, no século XV, o agostiniano Gottschalk Hollen († 1481) dizer
que as pessoas eram ―conduzidas à piedade com mais eficácia por imagens do que por
sermões‖
99
. Os leigos adotaram definitivamente a prática monástica de ter imagens como
ajuda devocional. A oração do final da Idade Média combinava recitação oral, leituras
espirituais e meditação silenciosa para estimular a piedade e realçar a concentração. A Igreja
defendia que as imagens promoviam foco para a pessoa que orava e encorajavam na
identificação com Deus, o que ajudava no alcance de um estado mais alto. Enquanto
contemplavam imagens, os observadores se esforçariam para internalizar os sofrimentos de
Cristo e as lamentações de Maria. A imagem devocional servia como estímulo exterior para
uma oração interior, uma vez que ajudava o olho do pecador a recriar mentalmente a
experiência sagrada.
Como consequência desse incentivo, no século XIV surgiram movimentos,
liderados pelos próprios leigos, que incentivavam as práticas devocionais e impulsionaram
ainda mais a utilização de imagens. O mais conhecido deles foi o movimento da Devotio
Moderna, que teve origem nos Países Baixos no final do século XIV e espalhou-se
rapidamente pelo Reno e por outras partes da Germânia. A Devotio Moderna encorajava os
fiéis a identificar sua personalidade com a de Maria e Jesus, através de uma intensa meditação
sobre suas vidas e interiorização de suas experiências, incentivando uma vida de profunda
piedade. Essa atitude há muito fazia parte da tradição mística cristã, mas foi a Devotio
Moderna que a popularizou no século XV
100
. Muitos cidadãos, a partir de então, foram
encorajados a adotarem uma vida semimonástica. Não faziam votos, mas observavam ciclos
regulares de oração e exercícios devocionais, estudavam as Escrituras, participavam das
missas e passavam a maior parte do tempo copiando textos religiosos, sem abandonar o
97
EIRE, Carlos. War against the idols: the Reformation of worship from Erasmus to Calvin. Cambridge
University Press, 1986, p. 13.
98
DUBY, Georges. O Tempo das Catedrais: a arte e a sociedade: 980-1420. Lisboa: Estampa, 1979, passim.
99
EIRE, op. cit., p. 21-22.
100
Ibid., p. 21-22.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
34
mundo secular. Alguns se uniram a ordens terceiras de comunidades monásticas ou formavam
irmandades independentes sem se filiarem a comunidades religiosas pré-estabelecidas.
Talvez o mais influente desses grupos tenha sido a Irmandade da Vida Comum,
fundada nos Países Baixos por Geert Grote (1340-1384), que também foi responsável pela
formulação dos princípios da Devotio Moderna. Seus princípios, endossados pelo uso de
imagens devocionais como ajuda para a memória durante as orações silenciosas, foram
resumidas em um livro do monge agostiniano Thomas a Kempis (1380-1471), que estudou
com a Irmandade na Alemanha. Sobre a Imitação de Cristo, escrito em 1418, advogava uma
espiritualidade interior inspirada nas Escrituras e focada inteiramente em Cristo. Segundo
Kempis, o crente deveria viver em conformidade com a vida de Cristo para que este lhe
proporcionasse uma busca pelo autoconhecimento, pela automortificação, pela humildade e
obediência. Através da identificação com o seu sofrimento e da confiança em suas virtudes, o
crente progrediria para uma união divina, através da Eucaristia.
A imitação de Cristo foi rapidamente adotada por leigos e se tornou um livro
de alcance menor apenas que a Bíblia. Como um movimento de renovação espiritual, a
Devotio Moderna perdeu seu impacto no início do século XVI
101
, mas o texto de Kempis
sobreviveu e, após a introdução da imprensa em 1453, o livro foi traduzido para todas as
línguas europeias, espalhando a influência da Devotio Moderna para além do norte da Europa,
onde o movimento começara a se desenvolver.
1.2 Práticas de devoção mariana: preces e festividades
Maria não é muito mencionada na Bíblia. Apenas dois dos quatro Evangelhos,
Mateus e Lucas, narram seu papel no nascimento de Jesus. De acordo com Lucas, Maria é
uma mulher sobre a qual não sabemos muito e que guardou todas as coisas em seu coração
(Lucas 2: 19). A Maria descrita por ele fala apenas no trecho do Magnificat (Lucas 1: 46-55).
Em Mateus, o nascimento de Cristo é contado a partir da linhagem de José. O papel de Maria
na história, portanto, é ainda menor. No momento da Crucificação, tampouco, ela aparece
como uma personagem central
102
. Assim, a riqueza de detalhes de sua história é devida a
livros apócrifos e outras publicações a eles relacionadas, quase sempre de tradição oral.
101
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 47.
102
A única referência a ela no episódio da Crucificação acontece no Evangelho de João, quando Jesus pede a
João para cuidar de sua mãe.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
35
Para a historiadora Beth Kreitzer, os teólogos cristãos se voltaram para as
Escrituras Judaicas e profecias sobre Maria para que pudessem ampliar sua imagem
103
. Livros
com autorias mais antigas, mas apócrifos, como o Proto-Evangelho de Tiago, de meados do
segundo século, compensam a ausência de informações importantes sobre a vida de Maria na
Bíblia e contam detalhes de sua genealogia, seus pais, sua concepção e infância, indo além do
relato dos Evangelhos sobre a Anunciação, o nascimento e a infância de Cristo. O texto narra
que os pais de Maria, Ana e Joaquim, eram estéreis e, por isso, menosprezados pela
sociedade. Assim como no nascimento de Jesus, o nascimento milagroso e inesperado de
Maria teria sido anunciado ao seu pai por um anjo. E da mesma forma que seu filho, Maria
teria sido apresentada no templo e celebrada por todos. Os inúmeros ciclos narrativos sobre a
vida de Maria foram inspirados pelos relatos desse livro apócrifo, inclusive a série de gravuras
produzidas por Albrecht Dürer, chamada pelo gravador de Unser Frauen Leben e intitulada
pelos historiadores alemães como Mariensleben (Vida de Maria, de 1511).
Os relatos não-canônicos causaram grande impacto nas práticas de devoção,
dando origem a diversas publicações, orações e festas dedicadas a Maria. O livro mais
vendido e traduzido na Idade Média, a Legenda Áurea de Jacopo de Varazze, relatava toda a
vida de Maria, e o autor do mencionado Sobre a Imitação de Cristo, Thomas a Kempis,
também escreveu um livro menos conhecido intitulado Sobre a Imitação de Maria
104
. Os
relatos dos textos apócrifos fizeram de Maria a personagem principal dos Livros de Horas e
de diversas representações artísticas. Aos poucos, detalhes importantes sobre a virgindade
inviolada de Maria na concepção e após o nascimento de Jesus, bem como a explicação sobre
os irmãos de Jesus serem filhos de um casamento anterior de José, tornaram-se parte da visão
teológica
105
.
Por isso, Beth Kreitzer e Bridget Heal afirmam ser muito difícil separar
devoção e teologia quando o assunto é Maria na Igreja Medieval
106
. A devoção mariana,
expressa na forma de rituais e observâncias, articulava textos sermões, hinos e orações e
práticas religiosas de grupos ou indivíduos que iam da liturgia e da peregrinação até o
mecenato, a produção e veneração de imagens. Práticas de devoção e eventos litúrgicos com
frequência precediam e influenciavam as especulações teológicas, e até ideias sobre os títulos
103
KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth
century. New York: Oxford University Press, 2004, p. 12.
104
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 34.
105
KREITZER, op. cit., p. 12.
106
Ibid., p. 15. HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic
Piety, 1500-1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 6.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
36
de Maria e seus privilégios partiam do culto e uso popular. O debate em torno do termo
Theotokos, por exemplo, surgiu porque o termo estava sendo usado na devoção e na liturgia.
Além disso, Kreitzer lembra que as figuras que participavam dos debates sobre
Maria mantinham uma forte devoção a ―Mãe de Deus‖. O maior exemplo disso é Bernardo de
Claraval (1090-1153) que tem sido apontado por muitos autores como o maior responsável
pelo desenvolvimento das práticas de devoção a Maria
107
. Claraval discutiu sobre a Assunção
da Virgem, sua posição como Mediatriz e enfatizou seu papel de Segunda Eva a mulher que
esmagou a cabeça da serpente. Foi nesse período que houve um rápido crescimento das
catedrais e a popularidade das músicas trovadorescas, que deram a Maria o título cortês de
Nossa Senhora
108
. No mesmo período, novas preces, antífonas e hinos marianos passaram,
definitivamente, a fazer parte do dia a dia de clérigos e leigos
109
, especialmente a Ave Maria,
a Salve Regina, a Ave Regina Caelorum, a Regina Coeli e o Magnificat, sobre os quais nos
deteremos rapidamente.
1.2.1 Preces Marianas
A Ave Maria, às vezes chamada de Saudação Angelical, é, ainda hoje, a mais
conhecida prece da Igreja Católica em honra a Virgem Maria e normalmente era dividida em
três partes, de origens diferentes. A primeira surgiu a partir das palavras de Isabel
cumprimentando Maria: Bem aventurada é você entre as mulheres, e abençoado é o fruto do
vosso ventre (Lucas 1: 42). No sétimo século, as palavras de Isabel foram relacionadas às do
anjo Gabriel, na Anunciação: Ave, oh, favorecida, o Senhor é convosco (Lucas 1: 28) em
uma oração que no século XI encontrou seu lugar no Pequeno Ofício de Maria
110
. A última
parte, a petição: Santa Maria, Mãe de Deus, rogue por nós pecadores, agora e na hora de
nossa morte. Amém, foi considerada oficial somente no Concílio de Trento. Por isso, ela era
mais conhecida apenas da seguinte forma:
Ave, Maria, cheia de graça,
o Senhor é convosco
107
Cf. DUBY, Georges. São Bernardo e a Arte Cisterciense. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1990; HALL,
James. Dictionary of subjects and symbols in Art. London: John Murray, 1979; KATZ, Melissa (ed.); ORSI,
Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford University Press, 2001;
KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth
century. New York: Oxford University Press, 2004.
108
KATZ, op. cit., p. 57.
109
KREITZER, op. cit., p. 13-14.
110
KATZ, op. cit., p. 42.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
37
Bendita sois vós entre as mulheres,
e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Amém
111
.
Segundo Hilda Graef, após o surgimento de sua forma resumida no Oriente,
por volta do ano 600, a Ave Maria rapidamente tornou-se popular para o uso devocional
privado e litúrgico. Para outros autores, entretanto, haveria poucas evidências de que a Ave
Maria tenha sido aceita como uma fórmula de devoção antes de 1050, quando o papa Urbano
II ordenou o seu uso aos sábados, para os clérigos regulares e seculares, para ganharem a
assistência de Maria durante a primeira cruzada
112
. O uso da Ave Maria teria aumentado
somente a partir de então, em versículos e responsórios do Pequeno Ofício ou em Cursus da
Virgem Maria, que nessa época tornavam-se comuns nas ordens monásticas. As grandes
coleções de lendas de Maria, que começaram a se formar também no século XII, mostram que
essa saudação a Virgem rapidamente tornava-se predominante nas formas de devoção
privadas
113
.
Nos séculos XV e XVI, junto com o Pai Nosso, encontrado em Mateus 6: 9-13
e Lucas 11: 2-4, e o Credo dos Apóstolos, a Ave Maria era uma das três preces de que se
esperavam saber de cor
114
. Os frades mendicantes, que ensinavam aos leigos as preces
básicas, encorajavam os iletrados a recitarem a Ave Maria várias vezes em substituição a
preces mais elaboradas. E. com o desenvolvimento do rosário (adaptado dos contos de oração
mulçumanos trazidos pelos cruzados e estimulado pelos dominicanos), foram incorporadas
recitações seriais de até cento e cinquenta Aves Marias, intercaladas com quinze Pai Nossos,
às vezes acompanhadas de meditação sobre as alegrias e lamentações da Virgem e sobre os
mistérios da vida de Cristo
115
.
Como vimos na epígrafe deste capítulo, ao escrever sobre a morte de seu pai,
em 1502, o próprio Dürer exemplifica a popularidade e corriqueirice da Ave Maria: ―Ah, que
111
Em latim, completa: Ave Maria, gratia plena. Dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus. Et benedictus
fructus ventris tui Jesus. Sancta Maria, Mater Dei, Ora pro nobis pecatoribus. Nunc et in hora mortis nostrae.
Amen.
112
GRAEF, Hilda. Mary: a history of doctrine and devotion. From the beginning to the Eve of Reformation. Vol.
I. New York: Sheed and Ward, 1963, p. 231.
113
Cf. KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford:
Oxford University Press, 2001.
114
HONÉE, Eugène. Image and Imagination in the Medieval Cult of Prayer. In: OS, Henk van. et. al. The Art of
Devotion in the Late Middle Ages in Europe: 1300-1500. London: Merrel Holberton, 1994, p. 162 apud
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 33.
115
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 40.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
38
todos os meus amigos, pelo amor de Deus, quando lerem sobre a morte de meu devoto pai,
lembrem de sua alma com um Pai Nosso e uma Ave Maria‖
116
.
Entoada da Trindade ao Advento, a Salve Regina é, ainda hoje, uma das mais
populares antífonas entre os católicos.
Salve, Rainha, mãe de misericórdia,
vida, doçura, esperança nossa, salve!
A vós bradamos os degredados filhos de Eva.
A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.
Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei,
e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre,
oh clemente, oh piedosa, oh doce sempre Virgem Maria
117
.
Não se sabe ao certo a autoria dessa oração, mas geralmente sua criação é
atribuída ao monge Hermano Contrato, que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de
Reichenan, na Alemanha
118
. Quando veio a ser conhecida pelos fiéis, a Salve Rainha obteve
um enorme sucesso, e logo foi proferida e cantada em muitos locais. Um século mais tarde,
foi cantada também na catedral de Espira, por ocasião de um encontro de personalidades
importantes, entre elas, a do imperador Conrado III e o mencionado Bernardo de Claraval.
Dizem que foi nesse dia e lugar que, ao concluir o canto da Salve Rainha, cujas últimas
palavras eram mostrai-nos Jesus, o bendito fruto do vosso ventre, no silêncio que se seguiu,
Bernardo gritou sozinho no meio da catedral: Ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre
Virgem Maria. A partir dessa data, estas palavras teriam sido incorporadas à Salve Rainha
original
119
.
Pedro, o Venerável (c. 1092-1156), decretou por volta de 1135, que a antífona
deveria ser cantada em procissões de algumas festas, talvez estimulado pela devoção de
116
Tradução nossa de: ―O ihr all mein Freund, ich bitt euch um Gotts willen, so ihr meins frummen Vaters
Verscheiden lest, ihr wöllt seiner Seel gedenken mit einem Vaterunser und Ave Maria‖ In: Lebenszeugnisse:
Gedenkbuch (Bruchstücke).rer: Das Gesamtwerk, p. 1617.
117
Em latim: Salve Regina (Mater) misericordiae, Vita, dulcedo, et spes nostra, salve. Ad te clamamus, exsules
filii Hevae; Ad te suspiramus gementes et flentes in hac lacrymarum valle. Eia ergo advocata nostra, illos tuos
misericordes oculos ad nos converte. Et Jesum, benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium
ostende. O Clemens, O pia, O dulcis (Virgo) Maria.
118
HENRY, Hugh. Salve Regina. The Catholic Encyclopedia. vol. 13. New York: Robert Appleton Company,
1912. Disponível em: http://www.newadvent.org/cathen/13409a.htm. Acesso em: 28 de outubro de 2009.
Observe que 1050 é também o ano em que o papa Urbano II recomenda a adoção da recitação da Ave Maria
aos sábados.
119
Ibid.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
39
Bernardo de Claraval, um fiel propagador do seu amor pela antífona. A oração foi introduzida
em Cîteaux, em meados do século XII, e até o final do século XVII era usada como uma
antífona solene para o Magnificat nas festas da Purificação, Anunciação, Natividade da
Virgem e, para os beneditinos nas laudes, na Assunção. No século XIII, tanto os dominicanos
quanto os franciscanos introduziram a oração em seus ofícios e contribuíram para sua
propagação. Segundo Bridget Heal, no século XV, a Salve Regina era a prece mais popular na
Germânia, sendo frequentemente entoada durante procissões litúrgicas e para tempos de
crise
120
. Em 1483 e novamente em 1520, o conselho de Nuremberg recomendou que os
clérigos cantassem a Salve todos os dias depois das vésperas, por causa das pragas
epidêmicas
121
.
Assim como a Salve Regina, outras duas antífonas dão o título de rainha à
Maria: Ave Regina Caelorum (Salve, Rainha do Céu):
Salve, Rainha do Céu
Salve, Soberana dos anjos
Salve, raiz; Salve, porta
Pela qual a luz nasceu para o mundo
Rejubila, virgem gloriosa
Linda sobre todas
Salve, ó muito adornada
E reze por nós a Cristo
122
.
E Regina Coeli (Rainha do Céu):
Rainha do céu, alegrai-vos! Aleluia!
Porque quem merecestes trazer em vosso seio. Aleluia!
Ressuscitou como disse! Aleluia!
Rogai a Deus por nós! Aleluia!
123
.
120
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 38.
121
Ibid., p. 39.
122
Em latim: Ave Regina Caelorum. Ave Domina angelorum. Salve radix, salve porta. Ex quae mundo lux est
orta. Gaude virgo gloriosa. Super omnes speciosa. Salve, o valde decora. Et pro nobis Christum exora.
123
Em latim: Regina coeli laetare, Alleluia, Quia quem meruisti portare. Alleluia, Resurrexit, Sicut dixit,
Alleluia. Ora pro nobis Deum. Alleluia.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
40
Assim, como a Salve Regina, essas duas antífonas são tradicionalmente ditas
ou cantadas após cada uma das horas canônicas da Liturgia das Horas
124
, e usadas
especialmente no Completorium
125
do Ofício Divino, que sempre encerrava com uma antífona
mariana: da Purificação à Páscoa, entoava-se a Ave Regina, e da Páscoa até a Trindade,
entoava-se a Regina Coeli
126
. Ambas possuem datas de composição incertas, mas sua
popularidade, assim como tantos outros aspectos da devoção a Maria, remonta ao século
XII
127
.
Outra importante prece mariana incorporada na Liturgia das Horas é o
Magnificat ou Canção de Maria que, originalmente, é o único discurso de Maria na Bíblia,
uma resposta da Virgem ao cumprimento de sua prima, Isabel (Lucas 1: 46-55).
A minh'alma engrandece o Senhor e se alegrou o espírito em Deus, meu
Salvador. Pois ele viu a pequenez de sua serva; desde agora as gerações hão
de chamar-me de bendita. O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é o
seu nome. Seu amor de geração em geração chega a todos que o respeitam.
Demonstrou o poder de seu braço, dispersou os orgulhosos. Derrubou os
poderosos de seus tronos e os humildes exaltou. De bens saciou os famintos
e despediu sem nada os ricos. Acolheu Israel, seu servidor, fiel ao seu amor.
Como havia prometido aos nossos pais em favor de Abraão e de seus filhos
para sempre. Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no
princípio, agora e sempre. Amém
128
.
Essa oração foi escrita no estilo dos Salmos dos hebreus e ecoa as palavras de
Ana, uma mulher estéril do Antigo Testamento que, ao saber que está grávida, louva a Deus
pela concepção de seu filho, Samuel (I Samuel 2: 1-10). Maria, claro, não era uma mulher
idosa, mas uma jovem que, nas palavras do Qur’am, ―não tinha sido tocada por homem
algum‖ (Maria 19: 18). Sendo assim, sua concepção foi memorável e inesperada como as de
124
HENRY, Hugh. Ave Regina. The Catholic Encyclopedia. Vol. 2. New York: Robert Appleton Company,
1907. 10 Apr. 2010 <http://www.newadvent.org/cathen/02149b.htm>.
125
O nome desta hora vem ao fato desta complementar as oração de vésperas e terminar assim os ofícios do dia.
126
O ano litúrgico completava-se com a Salve Regina sendo entoada da Trindade ao Advento, e com a Alma
Redemptoris, sendo entoada no período do Advento.
127
HENRY, op. cit. Ao longo da Idade Média, a autoria da Regina Coeli foi atribuída a Gregório Magno († 604)
que, em uma manhã de Páscoa, teria ouvido anjos cantarem as três primeiras linhas da prece enquanto
caminhava descalço em uma grande procissão. Ao fim, Gregório teria acrescentado a quarta linha: ―Ora pro
nobis Deum. Alleluia‖.
128
Em latim: ―Magnificat anima mea Dominum. Et exultavit spiritus meus in Deo salutari meo. Quia respexit
humilitatem ancillæ suæ: ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes. Quia fecit mihi magna qui
potens est, et sanctum nomen eius. Et misericordia eius a progenie in progenies timentibus eum. Fecit
potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis sui. Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles.
Esurientes implevit bonis et divites dimisit inanes, Suscepit Israel puerum suum recordatus misericordiæ suæ,
Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in sæcula. Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto
Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et in saecula saeculorum. Amen‖.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
41
Sarah, Ana e Isabel
129
. O Magnificat, junto com Salve Regina, Ave Regina Caelorum e Regina
Coeli, possuem importantes conteúdos para a análise das imagens selecionadas para essa
pesquisa, portanto, serão discutidos com mais vagar nos próximos capítulos.
1.2.2 Festividades Marianas
Ao longo de todo o ano, Maria era celebrada por toda a sociedade através de
festividades que correspondiam aos acontecimentos mais importantes da vida de Maria.
Segundo a historiadora Bridget Heal, os calendários litúrgicos germânicos prescreviam a
celebração de sete festividades marianas. Quatro deles muito tinham sido estabelecidos,
sendo introduzidos na Igreja Ocidental ainda no século VII: Natividade da Virgem (8 de
setembro), a Anunciação (25 de março), a Purificação de Maria (2 de fevereiro) e sua
Assunção (15 de agosto).
Em fins da Idade Média, entretanto, mais três festas foram instituídas: a
Apresentação de Maria no templo (21 de novembro) ganhou popularidade durante o século
XIV; a da Visitação (2 de julho) foi estabelecida para toda a Igreja pelo Papa Urbano VI, em
1389; a festa final, da Concepção de Maria (8 de dezembro), foi celebrada em partes da
Europa, a partir do culo XII, mas sua observância não foi comum até fins do século XIV e
XV
130
.
Todas essas festas eram comemoradas com grande solenidade. Era um
momento de ócio, quando não se podia trabalhar. Entretanto, todos deveriam assistir à missa,
recitar o Ofício Divino e ouvir os sermões que exortavam as virtudes de Maria. Ainda através
do entoar de antífonas marianas, das peregrinações e da associação a confrarias e
fraternidades, a participação de clérigos e leigos durante as festividades era ainda maior.
Festividades eram, como Bob Scribner aponta, ―um dos tipos mais comuns
de experiência religiosa, a qual todos, altos e baixos, letrados e iletrados,
clérigos e leigos tinham acesso‖. Em sua maioria, em alguns locais, todas as
sete festividades da Virgem eram consideradas dias de festas solenes, e eram
celebradas sob pena de pecado por não-observância. Cada festividade
começava nas vésperas da noite anterior à festa. No dia oficial, o clero
recitava o ofício diário das matinas, laudas e, mais tarde, seis horas
litúrgicas, com textos e músicas apropriadas ao evento que era comemorado.
Eles também celebravam a missa e pregavam sermões na língua vernácula.
129
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 42.
130
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Past and Present Publications: Cambridge University Press, 2007. p. 25.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
42
Esses sermões esclareciam temas marianos centrais. […] Os pontos mais
elaborados do ofício latino e da missa poderiam ser perdidos pela maioria da
população leiga, mas a celebração de uma festa solene era, apesar disso, um
evento espetacular
131
.
O motivo pelo qual se comemoravam as festas era realmente carregado de
importância e todos queriam celebrar. As procissões são o maior exemplo dessa participação
conjunta, por um lado detinham a presença do sagrado, através do ato de levar uma imagem
ou de relíquias
132
, por outro, toda a cidade se reunia para entoar cânticos de louvor a Deus,
participar de danças, assistir representações teatrais, comer e conversar
133
. Bridget Heal
também enfatiza que, especialmente às vésperas da Reforma, as procissões constituíam uma
parte importante da vida religiosa. Além das relativamente pequenas que aconteciam nas
igrejas pequenas em dias de festas solenes, havia também as grandes procissões que seguiam
por todas as ruas das cidades
134
. Albrecht Dürer, em sua viagem aos Países Baixos no ano de
1520, descreve em seu diário como havia sido a Procissão da Assunção de Maria em
Antuérpia:
No domingo após a Festa da Assunção, eu vi a grande procissão da igreja de
Nossa Senhora em Antuérpia, onde toda a cidade se reunia, de todas as
esferas e profissões, cada um estava vestido com sua melhor roupa, de
acordo com a sua posição; cada guilda e profissão tinha seu emblema, pelo
qual ela deveria ser reconhecida. Em meio às companhias, eram carregados
grandes e custosos candelabros de ouro e seus longos e velhos trompetes de
prata francos; e havia muitos flautistas e bateristas à moda germânica; todos
eram soprados e batidos em alto e bom som. Eu vi a procissão passar pela
rua e se espalhar a ponto de tomar a maior parte das passagens, mas logo
atrás outra: ourives, pintores, escultores [...] e todos os tipos de artesãos e
trabalhadores. Havia também, de igual modo, comerciantes, mercadores
com seus assistentes de todos os tipos. [..] depois veio uma grande
companhia da guarda da cidade; depois uma boa tropa de homens galantes,
nobres e esplendidamente vestidos. Antes deles, contudo, foram todas as
ordens religiosas e os membros de algumas fundações, muito devotas, em
131
Tradução nossa de: ―Festivals were, as Bob Scribner pointed out, „one of the most common kinds of religious
experience to which everyone, high and low, learned and unlearned, clerical and lay had access‟ Most or, in
some places, all of the seven festivals of the Virgin were designated as solemn feast days, and were celebrated
under pain of sin for non-observance. Each festival began at vespers on the evening preceding the feast day.
On the day itself the clergy recited the daily office of matins, lauds and six further liturgical hours, with text
and music proper to the event being commemorated. They also celebrated mass and preached sermons in the
vernacular. These sermons highlighted key Marian themes.[…] The finer points of the Latin office and mass
may have been lost on the majority of the lay population, but the celebration of a solemn feast was nonetheless
a spectacular event‖. HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and
Catholic Piety, 1500-1648. Past and Present Publications: Cambridge University Press, 2007, p. 26.
132
Cf. SCHMITT, Jean-Claude. ―Imagem‖. Tradução de Vivian Coutinho de Almeida. In: LE GOFF, Jacques e
SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Volume I. São Paulo: EDUSC,
2002, 2v, p. 591-605, passim.
133
COELHO, Maria Helena da Cruz. Festa e Sociabilidade na Idade Média. Coimbra: ADDAC, 1994, p. 17.
134
HEAL, op. cit., p. 37 e 38.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
43
seus respectivos grupos. Havia também, nessa procissão, uma grande tropa
de viúvas, que apoiavam umas às outras com seus próprios trabalhos e
observância de regras especiais, todas vestidas dos pés a cabeça com túnicas
de linho feitas especialmente para aquela ocasião, penoso demais para olhar.
Dentre elas, vi algumas pessoas muito apessoadas, os Cânones da igreja de
Nossa Senhora com todos os clérigos, acadêmicos e tesouros. Vinte pessoas
carregavam a imagem da Virgem Maria e do Senhor Jesus, adornados de
rica maneira, em honra ao Senhor Deus. [...] Depois veio a companhia dos
profetas em sua ordem, e cenas do Novo Testamento, como a Anunciação,
os Três Magos em seus camelos, e outras bestas estranhas, arrumadas com
muito rigor, e também como Nossa Senhora fugiu para o Egito muito
condutível a devoção e muitas outras coisas que para ser breve eu devo
abandonar. […] Essa procissão, do início ao fim, enquanto passava por
nossa casa, durou mais de duas horas; houve tanto mais que não poderia
escrever em um livro, então deixarei passar
135
.
O relato de Dürer é rico em detalhes e repleto de elogios à Procissão porque,
aparentemente, esse evento em uma cidade rica como Antuérpia era muito mais grandioso do
que igual apresentação na cidade natal do gravador, Nuremberg. Ainda assim, a leitura do
trecho ajuda-nos a entender como a realização de uma procissão contava com o envolvimento
de toda a sociedade, mostrando que, de fato, essa era uma prática de devoção disseminada no
período.
135
Tradução nossa de trechos de: ―The Sunday after the Feast of the Assumption I saw the great procession of
Our Lady's Church at Antwerp, where all the whole town was gathered together, with all the trades and
professions, and each was dressed in his best according to his rank; every guild and profession had its sign by
which it might be recognized. Between the companies were carried great costly gold pole-candlesticks and
their long old Frankish silver trumpets; and there were many pipers and drummers in the German fashion; all
were loudly and noisily blown and beaten. I saw the procession pass along the street, spread far apart so that
they took up much space crossways, but close behind one another: goldsmiths, painters, stonecutters,
broiderers, sculptors, joiners, carpenters, sailors, fishermen, butchers, leather workers, cloth makers, bakers,
tailors, shoemakers, and all kinds of craftsmen and workmen who work for their livelihood. There were
likewise shopkeepers and merchants with their assistants of all sorts. After them came the marksmen with their
guns, bows, and cross-bows; then the horsemen and foot soldiers; then came a large company of the town
guard; then a fine troop of very gallant men, nobly and splendidly costumed. Before them, however, went all
the religious orders and the members of some foundations, very devoutly, in their respective groups. There
was, too, in this procession, a great troop of widows, who support themselves by their own labour and observe
special rules, all dressed from head to foot in white linen robes made expressly for the occasion, very
sorrowful to behold. Among them I saw some very stately persons, the Canons of Our Lady's Church with all
their clergy, scholars, and treasures. Twenty persons bore the image of the Virgin Mary and of the Lord Jesus,
adorned in the richest manner, to the honour of the Lord God. The procession included many delightful things
splendidly got up, for example, many wagons were drawn along with stagings of ships and other constructions.
Then there came the company of the Prophets in their order, and scenes from the New Testament, such as the
Annunciation, the Three Magi riding great camels, and other strange beasts, very skillfully arranged, and also
how Our Lady fled into Egypt-- very conducive to devotion--and many other things which for shortness I must
leave out. Last of all came a great dragon, which St. Margaret and her maidens led by a girdle; she was
extraordinarily beautiful. Behind her followed a St. George with his squire, a very fine cuirassier. There also
rode in the procession many pretty and richly dressed boys and girls in the costumes of many lands
representing various saints. This procession from beginning to end, where it passed our house, lasted more
than two hours; there were so many things there that I could not write them in a book, so I let it alone‖. In:
DÜRER, Albrecht. Journeys to Venice and Low Countries. Versão digital (e-book) disponível em:
www.gutenberg.org. Acesso em: 20 de junho 2005. Também disponível em: DIGITALE Bibliothek Band 28.
Lebenszeugnisse Tagebuch der Reise in die Niederlande Anno 1520 In Antwerpen. Albrecht Dürer: Das
Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1638.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
44
Apesar da ausência de relatos sobre Maria na Bíblia, práticas de devoção que
invocavam seu nome proliferaram-se a partir do século XII e, segundo alguns autores,
atingiram o seu ápice nos séculos XV e XVI. Através de antífonas, festividades, procissões,
peregrinações e da veneração de imagens, tanto clérigos quanto leigos buscavam a
intervenção de Maria em suas vidas, sua misericórdia e a sua eficiente intercessão enquanto
Mãe de Deus
136
. Além das práticas de devoção discutidas aqui, muitas outras ainda poderiam
ter sido aprofundadas: a devoção ao rosário e à Imaculada Conceição, as relíquias e
peregrinações tão em voga no início do século XVI são apenas alguns exemplos. Optamos,
entretanto, por abordar apenas alguns aspectos relevantes para as análises das gravuras de
Albrecht Dürer e que nos ajudarão a cumprir o objetivo proposto por essa pesquisa.
1.3 A tradição iconográfica de Maria com a Criança
A produção de imagens de Maria com a Criança remonta a um período bem
anterior ao século XII, sendo esta uma das temáticas mais antigas em representações da
Virgem Maria
137
. Entretanto, o incentivo à devoção mariana no culo XII, o incentivo das
Ordens Mendicantes e da Devotio Moderna à produção de imagens como objeto de devoção
nos séculos XIII e XIV e outros fatores de ordem social e econômica fizeram com que o
número de representações fosse ainda maior.
Nos séculos XIV e XV, o tema de Maria com a Criança era um dos mais
populares, tanto que diversos historiadores da arte a exemplo de Sixten Ringbom e Hans
Belting têm dedicado parte de seus estudos a essa iconografia
138
. Mas foi o historiador Peter
Burke que fez uma boa análise quantitativa dos diversos temas iconográficos produzidos
nesse período em O Renascimento Italiano: cultura e sociedade na Itália. Para problematizar
a questão do prevalecimento de temas seculares no Renascimento, o autor analisa um catálogo
de pinturas da Península Itálica produzidas entre 1420 a 1539 e observa que dentre um grupo
de 2033 pinturas, cerca de 87% podiam ser descritas como sendo de temática religiosa e,
136
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Past and Present Publications: Cambridge University Press, 2007, p. 1.
137
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. London: John Murray, 1979. p. 323.
138
BELTING, Hans. Likeness and Presence: a history of the image before the era of art. Chicago: University of
Chicago Press, 1997; ______. The Image an its Public: Form and Function of Early Passion Paintings. New
York: New Rochelle, 1990; RINGBOM, Sixten. Icon to Narrative: The rise of the dramatic close-up in
fifteenth-century devotional painting. Doornspijk: Davaco, 1983.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
45
dessas, cerca de 50% representavam a Virgem Maria, ao passo que apenas 25% das pinturas
eram representações de Jesus Cristo
139
.
Outro dado pode comprovar a popularidade do tema. Uma análise dos registros
deixados por Albrecht Dürer sobre a venda e troca de gravuras durante a viagem aos Países
Baixos mostra que as gravuras de Maria com a Criança foram as mais citadas, comprovando
que elas eram, provavelmente, as mais populares. Enquanto Marias o mencionadas
dezessete vezes, Verônica é mencionada sete e a Crucificação apenas três, para citar apenas
alguns temas também importantes no período
140
.
uma grande variedade de tipos estabelecidos de imagens nas quais é
representada Maria com a Criança. Frequentemente esses tipos aparecem sobrepostos e
torna-se difícil fazer uma classificação. A Virgem Maria pode aparecer sentada em um trono,
sentada em um banco, sentada no chão, ou em pé; e suas poses e gestos sugerem numerosas
relações entre mãe e filho, ou entre a imagem e o espectador.
Hans Belting, entretanto, analisou essa variação de tipos a partir dos ícones
bizantinos e sugeriu que a imagem no Ocidente teria se desenvolvido a partir da apropriação
dos mesmos pelos pintores do Ocidente. Segundo este historiador da arte, após a crise
iconoclasta do Oriente (séculos VIII e IX), um famoso ícone da Theotokos Hodegetria (Mãe
de Deus que mostra o caminho) foi exposto em Constantinopla e a partir dele inúmeras cópias
foram feitas e disseminadas pelo império Bizantino
141
.
A Theotokos Hodegetria mostra Maria segurando o infante Jesus em seu braço
esquerdo, apontando para o seu filho em reconhecimento a sua divindade e sacrifício,
enquanto Jesus estende a mão para abençoar o observador. Este padrão presente em muitos
ícones bizantinos era famoso porque sua origem estava ligada a uma tradição que conta que
São Lucas, pintor, teria visitado Maria e, nesta ocasião, feito os primeiro retratos dela com seu
filho
142
. Esses retratos teriam sido a fonte para os ícones bizantinos e, por isso, eles seriam
dotados de mais legitimidade do que as outras pinturas. Essa tradição fez com que muitos
139
BURKE, Peter. O Renascimento Italiano: cultura e sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999. p.
194. Apesar das falhas desse método apontadas pelo próprio autor, a análise mostra uma disparidade muito
grande entre os temas iconográficos e, por isso, pode servir como indicativo da popularidade das
representações da Virgem Maria entre os pintores italianos e seus clientes.
140
Este levantamento foi feito pela própria autora a partir de: DÜRER, Albrecht. Journeys to Venice and Low
Countries. Versão digital (e-book) disponível em: www.gutenberg.org. Acesso em: 20 de junho 2005.
141
BELTING, Hans. Likeness and Presence: a history of the image before the era of art. Chicago: University of
Chicago Press, 1997, p. 73-77.
142
Ao longo dos séculos, muitos locais que abrigavam os ―verdadeiros‖ retratos de Maria tornaram-se
importantes locais de peregrinação. Esse foi o caso, por exemplo, da pintura que ainda hoje encontramos na
Basílica de Santa Maria Maggiore, em Florença; e também da Madonna de Regensburg, sobre a qual veremos
mais adiante.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
46
pintores produzissem ícones com a aparência
deliberadamente arcaica, justamente para que
fossem identificados com o modelo produzido
por São Lucas. E, por volta do século XIII,
surgiram algumas pinturas que seriam atribuídas
às próprias pinturas de São Lucas. Este era o
caso do ícone exposto na Basílica de Santa
Maria Maggiore (Figura 1.1). Especialistas
apontam que a pintura é do século XIII, mas nos
séculos XV e XVI ela era motivo de
peregrinação.
Com o passar dos séculos, a
Theotokos Hodegetria foi representada de uma
maneira mais amorosa e menos formal. Por volta
do século IX, essas imagens se uniram às da
Eleousa ou Virgem Compassiva, cuja cabeça se
inclina na direção de seu filho, com as bochechas
tocando seu rosto e seus olhares se encontrando.
E em breve o infante começou a se mexer nos
braços de sua mãe, agora um bebê retorcido e uma mãe carinhosa. A Glykophilousa, ou Mater
Amabilis em latim, mostram a criança abraçando sua e, enquanto em ícones
Galaktotrophousa, a Criança é amamentada
143
.
Para Belting, essas composições Orientais teriam sido apropriadas pelos
pintores Ocidentais particularmente após o saque de Constantinopla em abril de 1204, durante
a quarta cruzada. Apesar da Theotokos Hodegetria original não ter sido capturada, imagens
suficientes da Madonna di Constantinopla teriam sido trazidas pelos cruzados a ponto de
estabelecerem uma grande mudança na iconografia Ocidental, particularmente na pintura
italiana do duecento
144
, exemplificada aqui pelos trabalhos de Duccio e Cimabue (Figuras 1.2
e 1.3).
143
BELTING, Hans. Likeness and Presence: a history of the image before the era of art. Chicago: University of
Chicago Press, 1997, p. 281-296. É importante enfatizar, entretanto, que não há uma correspondência exata
entre esses títulos e as diversas representações. Eles parecem apenas ter servido de inspiração para a
diversificação dos ícones em um primeiro momento.
144
KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 28.
Figura 1.1 Ícone da Santa Maria Maggiore.
Salus Populi Romani Saúde do Povo de Roma.
O ícone, atribuído a São Lucas, teria salvado
Roma da praga.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
47
Sixten Ringbom, antes mesmo de Belting e baseando-se em Panofsky, também
afirmara que as pinturas de meio-corpo (half-length), tão comuns no Ocidente a partir do
século XIV, seriam uma criação bizantina, primeiramente apropriada pelo Ocidente por meio
da pintura do duecento e trecento
145
. Ringbom afirma também que o sucesso desse tipo de
imagem estava vinculado a grande valorização da devoção privada, uma vez que tinha
dimensões menores e utilizava uma espécie de zoom (close-up), que aproximaria a figura
representada do fiel
146
.
muitos anos atrás, Panofsky comentava que os museus, as igrejas e as
coleções privadas estavam tão repletas de Madonnas in half-length que todos poderiam
presumir que este era o tipo de representação mais popular e onipresente na arte cristã
147
.
Como se vê, onipresente este tipo não foi, mas, de fato, ao longo de dois anos de pesquisa na
145
RINGBOM, Sixten. Icon to Narrative: The rise of the dramatic close-up in fifteenth-century devotional
painting. Doornspijk: Davaco, 1983, p. 93.
146
Ibid., passim.
147
PANOFSKY, Erwin. Early Netherlandish painting: Its origins and character. Cambridge: Harvard University
Press, 1966, p. 297.
Figura 1.2 Duccio di Buoninsegna. Maria com
a Criança, c. 1280s. Têmpera sobre madeira, 68
x 47 cm. Chiesa dei Santi Lorenzo e Ippolito,
Castelfiorentino.
Figura 1.3 Cimabue. A Madonna em majestade
(detalhe), 1285-86. Têmpera em painel, 91 x 75 cm
(pintura completa: 385 x 223 cm) Florença, Galleria
degli Uffizi.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
48
internet e in loco
148
, podemos perceber que o tipo mais comum de Maria com a Criança nos
séculos XV e XVI era mesmo esse que parece ter sido apropriado dos ícones bizantinos
149
.
Nele, a Virgem segura seu filho com um olhar maternal, diante de uma janela em que apenas
metade de seu corpo aparece. Às vezes a janela é apenas representada pela moldura do
quadro, às vezes ela aparece realmente na pintura, noutras, há apenas uma paisagem no
segundo plano. Há vários exemplos desse tipo iconográfico na obra de artistas como Giovanni
Bellini (Figura 1.4), Andrea Mantegna (Figura 1.5) e Rafael (Figura 1.6); Dirc Bouts (Figura
1.7), Rogier van der Weyden (Figura 1.8), Martin Schongauer (Figura 1.9) e Albrecht Dürer
(Figuras 1.10, 1.11 e 1.12), dentre muitos outros.
148
No mês de agosto de 2009, tive a oportunidade de visitar diversos museus na Alemanha, Áustria, Bélgica,
Holanda e Praga.
Icon to Narrative: The rise of the dramatic close-up in fifteenth-century devotional painting. Doornspijk:
Davaco, 1983, p. 94ff. O autor analisa detalhadamente o aparecimento e proliferação desse tipo de iconografia
no norte da Europa a partir de meados do século XV.
Figura 1.4 Giovanni Bellini. Maria e a Criança,
1475. Têmpera sobre painel, 76 x 53 cm. Berlim,
Staatliche Museen.
Figura 1.5 Andrea Mantegna. Maria com a Criança
dormindo, 1465-70. Têmpera sobre tela, 43 x 32 cm.
Berlim, Staatliche Museen.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
49
Figura 1.6 Rafael. Maria e a Criança, c. 1503.
Óleo sobre madeira, 55 x 40 cm. Pasadena,
Norton Simon Museum of Art.
Figura 1.7 Dirc Bouts, o Velho. A Virgem e a
Criança, após 1450. Óleo sobre madeira, 21,6
x 16,5 cm. Nova Iorque, Metropolitan
Museum of Art.
Figura 1.8 Rogier van der Weyden. A Virgem e
a Criança, após 1454. Óleo sobre tela, 31,9 x
22,9 cm. Houston, Museum of Fine Arts.
Figura 1.9 Martin Schongauer. A Virgem e
a Criança coroada por anjos no peitoril de
uma janela, c. 1445. Sem procedência.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
50
Figura 1.11 Albrecht Dürer. A Virgem e a
Criança, c. 1495. Óleo sobre painel, 48 x 36 cm.
Mamiano Parma, Coleção Magnani.
Figura 1.12 Albrecht Dürer. Maria com a pera, 1512.
Óleo sobre madeira, 49 x 37 cm. Viena,
Kunsthistorisches Museum.
Figura 1.10 Albrecht Dürer. Maria com a Criança em uma
paisagem, c. 1494-97. Álamo, 89 x 74 cm. Schweinfurt,
Slg. Dr. W. Schäfer.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
51
Mas, apesar das análises de Sixten Ringbom e Hans Belting contemplarem
especialmente este tipo iconográfico, a apropriação dos ícones bizantinos também parece
explicar outros tipos muito comuns no norte da Europa. Desses, talvez o mais importante de
ser discutido aqui é o que representa Maria e seu filho entronados (Figuras 1.13 e 1.14).
Segundo James Hall
150
, os primeiros exemplos no Ocidente de Maria com a
Criança são encontrados nos mosaicos de Ravena. Apropriado na técnica da escultura, esse
tipo foi relacionado ao termo Sedes Sapientiae (O trono da Sabedoria), uma metáfora da
Virgem como o trono de Cristo. Nos séculos XI e XII, o título foi relacionado ao Trono de
Salomão (I Reis 10: 1820) por Pedro Damião e Gilberto de Nogent (†1124). Como a frase
associa glória e ensino, essa tradição foi muito popular ao longo da Idade Média
151
e muito
apropriada por artistas renomados nos séculos XIV e XV ainda que de maneira distinta
(Figura 1.15), como na tela de Jan van Eyck.
150
Cf. FORSYTH, Ilene. The throne of Wisdom: Wood Sculptures of the Madonna in Romanesque France.
Princeton University Press, 1972.
151
BELTING, Hans. Likeness and Presence: a history of the image before the era of art. Chicago: University of
Chicago Press, 1997, p. 281-296.
Figura 1.13 Theotokos ou Mater Dei, séc. VI. Roma, Sta
Maria in Trastevere.
Figura 1.14 Trono da Sabedoria, século XII.
Auvergne, Musée de Cluny.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
52
Apesar das apropriações que temos visto, é importante enfatizar que a imagem
no Ocidente se desenvolveu de maneira autônoma em relação aos ícones bizantinos. Tanto na
Península Itálica quanto no Norte, as representações caminharam para uma riqueza de
detalhes e significados que estão ausentes dos exemplos Ortodoxos e, por isso, precisam ser
estudados aqui.
Figura 1.15 Jan van Eyck. Maria com a Criança lendo, 1433. Óleo sobre madeira, 26,5 x
19,5 cm. Melbourne, National Gallery of Victoria.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
53
O primeiro deles diz
respeito ao tipo que acabamos de ver
em que Maria aparece entronada com
seu filho. Em algumas variantes,
nesse trono, Maria é coroada por
anjos e assume o significado, não
mais de Trono da Sabedoria, mas de
Regina Coeli (Rainha do Céu)
(Figuras 1.9 e 1.16). Este também era
um tipo iconográfico muito comum
na Europa dos séculos XV e XVI e
teremos a oportunidade de estudá-lo
com mais vagar no capítulo três.
Outro tipo iconográfico
importante é aquele que o historiador
Millard Meiss nomeou de Madonna
of Humility (Madonna da Humildade). Nele, Maria aparece sentada praticamente no chão e,
uma vez que em muitas pinturas desse tipo aparece a inscrição Nostra Domina Humiliate, o
autor supõe que essa posição de Maria indicaria sua humildade
152
. Segundo este autor, a
Madonna da Humildade começou a ser produzida, mais uma vez, na Itália
153
, mas por volta de
1375 o tipo teria se multiplicado na Espanha, na França e na Germânia, tendo sido o mais
popular dos novos temas que surgiram nos séculos XIII e XIV. Nos primeiros exemplos desse
tipo de representação, Maria aparece vestida de sol raios dourados saem do seu corpo ,
coroada por doze estrelas e com um crescente de lua sob os seus pés
154
. Por volta de 1380 ou
1385, entretanto, o usual chão de barro transforma-se em um campo florido ou em um jardim
e os atributos de Maria, descritos acima, não aparecem mais (Figuras 1.17 e 1.18).
152
MEISS, Millard. The Madonna of Humility: Origin and Development. In: Painting in Florence and Siena
after the Black Death. Princeton: Princeton University Press, 1951, p. 132.
153
Meiss supõe que essa tradição começou em Simone Martini, apesar do protótipo original não ter chegado até
nós, e ressalta que, para além do círculo desse pintor, não há mais evidências desse tipo em Siena. Ibid., p. 133.
154
Essas características vinculam Maria a Mulher do Apocalipse. O tema também é muito importante nos
séculos XIV e XV, especialmente na escultura, mas será estudado apenas no capítulo dois.
Figura 1.16 Albrecht Dürer. Maria com o pardal, 1506. Óleo
sobre painel, 91 x 76 cm. Berlim, Staatliche Museen.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
54
Figura 1.18 Mestre Flémalle. Madonna perto de
um banco de grama, c. 1425. Carvalho, 39 x 27
cm. Berlim, Staatliche Museen.
Figura 1.17 Giovanni di Paolo. Madonna da
Humildade, c. 1442. Tempera sobre madeira, 56 x 43
cm. Boston, Museum of Fine Arts.
Figura 1.19 Giovanni Bellini. Madonna do prado, 1505. Óleo sobre tela, transferido
para madeira, 67 x 86 cm. Londres, National Gallery.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
55
Esse tipo iconográfico continuou sendo produzido no decorrer do século XV e
XVI. Por exemplo, na pintura de 1505 de Giovanni Bellini um pintor veneziano admirado
por Dürer Maria aparece sentada em um campo, adorando seu filho (Figura 1.19). A esta
pintura, entretanto, soma-se mais uma característica típica das pinturas do século XVI: o bebê
natimorto que também aparece na pintura de meio-corpo de Andrea Mantegna (Figura 1.5).
Ao invés de um bebê em movimento, que acaricia ou olha para a sua mãe ou para o
observador, vemos uma Criança estática e pálida, como se realmente estivesse morta, para o
observador lembrar a Paixão de Cristo; afinal, desde antes do seu nascimento Jesus estava
destinado a morrer para salvar a humanidade.
A Maria com a Criança no campo aparece em quatro gravuras de Albrecht
Dürer e, por isso, este tema será aprofundado no capítulo dois. Independente de significar
humildade, como quer Millard Meiss, este tipo foi tão representado no norte da Europa em
pinturas e gravuras que muitos autores acreditaram ter este tipo se originado na Germânia
155
.
Meiss, entretanto, ao encontrar exemplos do início do século XIV, afirma que sua origem é,
na realidade, italiana e que
a ampla difusão dessa composição e sua prevalência em Veneza pode sugerir
a possibilidade de uma origem bizantina. Não existem, entretanto, Madonnas
da Humildade na arte bizantina, e até mesmo da Maria lactans apenas
alguns exemplos antes do século XV. Muitas delas, inclusive, parecem ser
dependentes do protótipo Ocidental. A composição não é bizantina em todos
os outros aspectos; refiro-me particularmente a criança seminua, a Virgem
sentada no chão, o relacionamento sentimental entre as figuras e o
espectador
156
.
A influência bizantina, portanto, pode explicar o tipo mais comum no século
XVI, no período do Renascimento a ―Maria de meio-corpo com a Criança‖. Não explica,
entretanto, outros tipos, também muito comuns no norte da Europa, vinculados tanto a
pinturas quanto a esculturas e gravuras. Esse e outros exemplos de autonomia têm sido
associados especialmente à iconografia desenvolvida pelos pintores flamengos do século XIV,
dentre eles Jan van Eyck e Mestre Flémalle.
155
MEISS, Millard. The Madonna of Humility: Origin and Development. In: Painting in Florence and Siena
after the Black Death. Princeton: Princeton University Press, 1951. p. 143.
156
Tradução nossa de: ―The wide diffusion of the composition and its prevalence in Venice might suggest the
possibility of a Byzantine origin. There are, however, no Humility Madonnas in Byzantine art, and even of the
Maria lactans there are only a few example before the fifteenth century. Several of these, furthermore, seem to
be dependent on western prototypes. The composition in every other respect is un-Byzantine; I refer
particularly to the seminude Child, the Virgin seated on the ground, the sentimental relationship between the
figures and the spectator‖. MEISS, Millard. The Madonna of Humility: Origin and Development. In: Painting
in Florence and Siena after the Black Death. Princeton: Princeton University Press, 1951, p. 143.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 1
56
Estudados com profundidade por Erwin Panofsky, na obra desses dois artistas e
de alguns de seus contemporâneos, podemos encontrar muitas diferenças em relação aos
ícones bizantinos. Essas diferenças, entretanto, também foram amplamente adotadas pelos
pintores dos séculos XV e XVI. Talvez a principal característica que deva ser mencionada
aqui é a presença de atributos e elementos representados ao lado das figuras principais, Mãe e
Criança. Diferente dos ícones bizantinos, nos séculos XV e XVI, muitos elementos aparecem
representados: frutas, animais, objetos cada um deles contém um significado específico,
quase sempre vinculado à Paixão de Cristo ou à qualidades e títulos atribuídos a Maria. O
castiçal na pintura de Jan van Eyck (Figura 1.15) e o pardal na pintura de Albrecht rer
(Figuras 1.16) são exemplos de alguns desses objetos.
Como vimos, Albrecht Dürer produziu pinturas de Maria com a Criança de
meio-corpo, aproximando-se da tradição tão em voga no século XV e XVI. Suas gravuras,
entretanto, que constituem objeto central dessa pesquisa, possuem muitas características
vinculadas à tradição do norte da Europa: o são gravuras de meio-corpo, possuem
composições mais elaboradas e uma série de atributos são representados junto das figuras
principais. As características de cada uma delas é assunto dos próximos capítulos. No capítulo
dois, também tentaremos entender quais eram as especificidades da técnica da gravura, do
trabalho de Dürer e a quais valores e práticas o resultado final de seu trabalho pode estar
relacionado.
Capítulo 2
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA GRAVURA
E PRÁTICAS ARTÍSTICAS DE ALBRECHT DÜRER
―Um bom trabalho arte agrada muito a Deus‖
157
- Albrecht Dürer, Quatro Livros
sobre Proporções Humanas - 1528
o entender de qualquer estudioso de Arte, Albrecht Dürer superou, na
técnica da gravura, seu mestre Michael Wolgemut (1434-1519) e outros
gravadores a quem admirava como Martin Schongauer (1448-1491). Para Erwin Panofsky, foi
apenas no século XVII, através de Rembrandt (1606-1669), que se conseguiu maior
aperfeiçoamento técnico. Com suas gravuras e pinturas, Dürer parece ter encantado a todos os
grupos sociais, dos mais abastados aos mais humildes, e de diversas localidades como Países
Baixos, Península Itálica e até Portugal
158
. Um exemplo dessa popularidade pode ser
percebido em uma carta que Dürer teria escrito durante sua segunda viagem a Itália, ao amigo
Willibald Pirckheimer, em sete de setembro de 1506:
Eu tenho muitos bons amigos dentre os italianos que me alertaram para não
comer e beber com seus pintores porque muitos deles são meus inimigos e
copiam meu trabalho em igrejas e em qualquer lugar que eles possam
encontrar; depois eles criticam e declaram que meu trabalho não é feito no
estilo antigo e dizem que não é bom, mas Giambellin [Giovanni Bellini] tem
me elogiado bastante a muitos cavalheiros
159
.
157
Tradução nossa de: ―A fine work of art is well pleasing to God‖. CONWAY, William Martin. The writings of
Albrecht Dürer. New York: Philosophical Library, 1958. Original em:, DIGITALE Bibliothek Band 28.
Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1311.
158
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948, p. 5.
159
Tradução nossa de: ―I have many good friends among the Italians who warn me not to eat and drink with
their painters, for many of them are my enemies and copy my work in the churches and wherever they can find
it; afterwards they criticize it and claim that it is not done in the antique style and say it is no good, but
Giambellin [Giovanni Bellini] has praised me highly to many gentlemen‖. DÜRER, Albrecht. Journeys to
Venice and Low Countries. Versão digital (e-book) disponível em: www.gutenberg.org. Acesso em: 20 de
junho 2005.
N
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
58
O trecho revela que mesmo em meio a artistas importantes do Renascimento
italiano como Giovanni Bellini (1430-1516), os trabalhos de Dürer conquistavam admiração
e, de fato, foram copiados tantas vezes e adquiridos em tantos locais que ainda hoje há
diversas exemplares de trabalhos de Dürer espalhados pelo mundo todo, inclusive no acervo
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Aos poucos, a popularidade de Dürer parece ter
crescido ainda mais: recebeu encomendas de importantes mecenas como Paumgartner e
Heller. Em 1512 começou a produzir diversos trabalhos para o Imperador Maximiliano I
(1459-1519), em 1521 recebeu elogios da governadora dos Países Baixos e tutora de Carlos
V, a Arquiduquesa Margarete de Habsburgo (1480-1530); em 1522 foi requisitado a pintar as
paredes da Câmara do Conselho de Nuremberg; em 1525 publicou um tratado sobre a
perspectiva que chamou de Curso sobre a Arte da Medida
160
e em 1527, um tratado sobre
fortificações. Mesmo após sua morte, em 1528, foi publicado seu maior trabalho teórico,
Quatro Livros sobre Proporções Humanas
161
, por Willibald Pirckheimer
162
.
Até que ponto certas condições de produção
163
eram comuns aos gravadores
dos séculos XV e XVI; até que ponto se restringia à figura de Albrecht Dürer, tendo sido por
ele conquistadas? Elucidar essas questões é o objetivo principal desse capítulo que pretende
também discutir as características da gravura como um novo meio de produção, além do papel
da cidade de Nuremberg para o desenvolvimento dessa técnica.
Em seguida, os dois primeiros grupos de Marias a serem analisados deverão
mostrar, sobretudo, como Albrecht Dürer ao mesmo tempo se apropriou e transformou os
diferentes padrões representacionais vigentes nesse período marcadamente caracterizado
como Renascimento
164
. Por fim, investigaremos de que forma algumas práticas culturais
160
O livro completo pode ser encontrado em DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk.
DirectMedia: Berlin, 2000. CD-ROOM.
161
O livro completo pode ser encontrado em DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk.
DirectMedia: Berlin, 2000. CD-ROOM.
162
Dados biográficos presentes em: CONWAY, William Martin. The writings of Albrecht Dürer. New York:
Philosophical Library, 1958; HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton
University Press, 1990; PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton
University Press, 1948; PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and
the Art of Faith. The University of Michigan Press, 2003; REBEL, Ernst. Albrecht Dürer: Maler und
Humanist. Munich: C. Bertesmann, 1996.
163
Termo cunhado originalmente pelo historiador da arte Timothy J. Clark em The Conditions of Artistic
Creation de 1974. apud FERNIE, Eric. Art History and its Methods: a critical antology. London: Phaidon
Press, 2003. p. 249.
164
Já há praticamente um consenso historiográfico de que o Renascimento do século XVI não esteve restrito
apenas a Península Itálica, mas esteve presente também no norte e em outras partes, principalmente no que diz
respeito à proliferação e valorização da figura do artista. Cf. BELTING, Hans. Likeness and Presence: a
history of the image before the era of art. Chicago: University of Chicago Press, 1997; BURKE, Peter. O
Renascimento Italiano: cultura e sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999; PANOFSKY, Erwin.
Renaissance and Renascences in Western Art. New York: Harper & Row, 1972; PRICE, op.cit.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
59
típicas do início do século XVI, vinculadas a devoção mariana e estudadas no capítulo um,
poderiam estar associadas às imagens aqui selecionadas.
2.1 O surgimento da técnica da gravura e as funções a ela atribuídas
A técnica da gravura assumiu uma importância considerável na Germânia em
fins do século XIV e início do século XV e, para Rainer Schoch, seu desenvolvimento e
aceitação devem ser entendidos como um processo amplo e contínuo, afinal, em fins da Idade
Média as xilogravuras e as gravuras em metal não foram nem as primeiras nem as únicas
técnicas que atenderam à grande demanda por imagens privadas e de uso pessoal
165
. Como
temos visto, o cotidiano do século XV, especialmente dentre a burguesia urbana, estava
repleto de vários objetos tridimensionais replicáveis
166
, inclusive de devoção, como os livros
de horas e os emblemas dos peregrinos pequenas placas de madeira ou outros materiais que
serviam como ex-voto e traziam uma imagem esculpida. Entretanto, a gravura possibilitou,
mais do que qualquer outra técnica, a reprodução rápida de imagens e com um baixo custo
(ver Apêndice A).
A princípio na
forma de pranchas avulsas ou
em séries (um grupo de
gravuras sobre um tema
específico), as gravuras
tinham um caráter muito
popular e, por suas
composições simples e
resultados rudes (veja
exemplo da Figura 2.1), eram
consideradas como trabalho
manual, ou seja, como
artesanato. Uma vez que eram facilmente reproduzidas, repetidamente copiadas e baratas,
tem-se afirmado que eram para os mais pobres, como as pinturas, que apenas os ricos e os
165
PARSHALL, Peter; SCHOCH, Rainer et all. Origins of European Printmaking: fifteenth-century woodcuts
and their public. New Haven, London: Yale University Press, 2005. p. 60.
166
Tradução nossa de: ―In fact, fifteenth century everyday life, especially among the urban bourgeoisie, was
already replete with various forms of replicated, three-dimensional objects‖. PARSHALL, loc. cit.
Figura 2.1 Impressor desconhecido do Alto Reno ou sul da Germânia.
Natividade, 1450-60. Bloco de madeira de pereira para impressão.
Stuttgart, Württembergisches Landesmuseum.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
60
mecenas poderiam ter em suas capelas privadas, já que parecem ter exercido a mesma função:
eram imagens de devoção e serviam como objetos de meditação, diferentes da liturgia da
Igreja e das imagens públicas que esta oferecia.
Destarte, pequenas
gravuras de santos, que qualquer
um poderia obter, começaram a ser
fixadas em paredes e portas ou
carregadas como objeto pessoal
para assegurar bênçãos em casas
ou para que o santo intercedesse
em favor dos seus moradores
167
.
Em uma de suas pinturas, o
flamengo Joos van Cleve (c. 1485-
1540) parece ter registrado essa
função da gravura: no segundo
plano de sua Anunciação, ao lado
do pequeno altar doméstico,
podemos ver o que parece ser uma
gravura pendurada na parede
(Figura 2.2).
Outro exemplo muito conhecido é o trecho de um sermão do século XV, em
que o padre Geiler von Keyserberg
168
( 1510) de Strasburgo recomenda esse tipo de imagem:
Se você não pode ler, então pegue uma daquelas imagens de papel em que
está pintado o encontro de Maria e Isabel. Você pode comprar uma por um
penny. Olhe para ela e pense quão felizes elas estavam e cheias de esperança,
e comece a conhecer isso em sua fé! Então demonstre sua máxima
reverência a elas, beije a figura do pedaço de papel, curve-se a ela e ajoelhe-
167
SCHOCH, Rainer. A Century of Nuremberg Printmaking. MONTEBELLO, Phillippe de; BOTT, Gerhard.
Gothic and Renaissance Art in Nuremberg: 1300-1550. New York: Metropolitan Museum of Art, Nuremberg:
Germanisches Nationamuseum, Munich: Prestel-Verlag, 1986. p. 95.
168
John Geiler (d. 1510) foi um importante e influente pregador na cidade de Strasburgo, imediato antecessor de
Lutero. Geiler foi muito popular como pregador e como crítico da vida religiosa tanto clerical quanto leiga.
Seus posicionamentos impactaram sua sociedade através de suas publicações ou de seus contatos políticos
por exemplo, como capelão do imperador Maximiliano. Geiler ensinou nas universidades da Basiléia e de
Freiburg e participou ativamente de círculos humanistas. Seus sermões aparecem em várias edições tanto em
latim quanto em alemão, apesar de suas pregações terem sido feitas principalmente em alemão. KREITZER,
Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth century. New
York: Oxford University Press, 2004.
Figura 2.2 Joos van Cleve. A Anunciação, c. 1525. Óleo sobre
madeira, 86,4 x 80 cm. Nova Iorque, Metropolitan Museum of
Art.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
61
se diante dela! Clame a Virgem, esmolas a uma pessoa pobre em seu
nome!
169
Além do incentivo a devoção dos leigos, parece acertado dizer que os grupos
religiosos também faziam um extenso uso da gravura
170
: o convento dominicano de Santa
Catarina em Nuremberg, por exemplo, possuía mais de duzentas xilogravuras do século
XV
171
. Aliás, supõe-se inclusive que, em muitas cidades, as xilogravuras começaram a ser
produzidas dentro das próprias instituições religiosas, como uma forma de devoção
monástica. Mais uma vez, o melhor exemplo parece ser o do acima mencionado convento
dominicano de Santa Catarina, que teria ocupado um lugar importante no início da produção
de imagens devocionais
172
.
Rainer Schoch lembra, entretanto, que devido à situação particular da cidade de
Nuremberg é impossível determinar se as primeiras xilogravuras foram impressas em ateliês
monásticos ou municipais e seculares. O que parece é que todos estavam envolvidos na
produção de xilogravuras, competindo, às vezes, ou colaborando uns com os outros
173
. De
fato, os gravadores iniciaram uma comercialização desse tipo de imagem que não era limitada
por guildas nem por comissões, e realizava-se em mercado aberto, atendendo às demandas do
público e encorajando, com sua grande variedade de temas, cada vez mais compradores
174
.
2.2 A gravura em Nuremberg no século XV
Nuremberg, cidade localizada na região da Baviera, ao sul da atual Alemanha,
vivia uma situação bastante particular se a compararmos com outras cidades europeias do
169
Tradução nossa de: ―If you cannot read, then take one of those paper images on which the meeting of Mary
and Elizabeth is painted. You can buy one for a penny. Look at it, and think of how happy they were and full of
hope, and come to know that in your faith! Then show your extreme reverence for them; kiss the picture on the
piece of paper, bow down before it, kneel in front of it! Call upon the Virgin, give alms to a poor person for her
sake!‖ SCHOCH, Rainer. A Century of Nuremberg Printmaking. MONTEBELLO, Phillippe de; BOTT,
Gerhard. Gothic and Renaissance Art in Nuremberg: 1300-1550. New York: Metropolitan Museum of Art,
Nuremberg: Germanisches Nationamuseum, Munich: Prestel-Verlag, 1986. p. 95.
170
Um estudo sobre a proximidade de Albrecht Dürer a esses grupos: AMARO, Rachel Jaccoud R. A
iconografia da Natividade de Albrecht Dürer entre práticas artísticas e devocionais. 2008. 100f; il.
Monografia (Graduação em História) Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
171
PARSHALL, Peter; SCHOCH, Rainer et all. Origins of European Printmaking: fifteenth-century woodcuts
and their public. New Haven, London: Yale University Press, 2005. p. 93.
172
Ibid., p. 96.
173
Ibid., p. 96.
174
Além dos autores já mencionados nesse tópico, outros dois trabalhos, aos quais não tivemos acesso, poderão
contribuir para esta discussão. São eles: BARTRUM, Giulia. German Renaissance Prints, 1490-1550. London:
British Museum Press, 1995; LANDAU, David; PARSHALL, Peter. The Renaissance Print, 1470-1550. New
Haven: Yale University Press, 1994.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
62
início no século XVI. A política do Sacro Império Romano-Germânico delegava o título de
cidade imperial a alguns de seus domínios, dentre eles Nuremberg. As cidades imperiais
possuíam um caráter municipal próprio, assim como as principais cidades da Península
Itálica, e diante do Império eram como principados que mantinham sua autonomia através de
leis e instituições próprias.
Assim, no início do culo XVI, a autonomia política e econômica da cidade
(através da pax imperalis), seu crescente enriquecimento, os seus 25.000 burgueses, mais os
20.000 habitantes de suas proximidades fizeram de Nuremberg o terceiro maior centro urbano
do Império, atrás apenas de Colônia e Viena
175
. Segundo Gerald Strauss, a localização central
de Nuremberg, na Germânia possibilitou que a cidade fosse visitada por muitos homens
interessantes de toda a Europa. Sua importância política como localidade imperial trouxe um
constante aumento de dignitários e patronos de grande influência. Suas ligações comerciais
prepararam um mercado mundial para escultores, pintores, impressores e gravadores. Na
Polônia, Hungria e Boêmia nurembergueses faziam vitrais, decoravam casas burguesas,
mansões de príncipes e pintavam retratos de famílias etc.
176
.
Para os gravadores, especificamente, Nuremberg trazia outra série de
vantagens. Em primeiro lugar, a cidade localizava-se no centro do Sacro Império Romano-
Germânico, o que facilitava o transporte e a circulação dos trabalhos impressos. Em segundo
lugar, havia uma grande disponibilidade de papel de excelente qualidade, trazido para a
cidade por Ulman Stromeir (1329-1407) em 1390, além da grande disponibilidade de cobre e
de ferreiros que fabricavam placas de cobre para a produção de gravuras em metal.
Para os gravadores, especificamente, Nuremberg trazia outra série de
vantagens. Em primeiro lugar, a cidade localizava-se no centro do Sacro Império Romano-
Germânico, o que facilitava o transporte e a circulação dos trabalhos impressos. Em segundo,
havia uma grande disponibilidade de papel de excelente qualidade, trazido para a cidade por
Ulman Stromeir (1329-1407) em 1390, além da grande disponibilidade de cobre e de ferreiros
que fabricavam placas de cobre para a produção de gravuras em metal.
Outra característica de Nuremberg, que facilitava a venda de gravuras, era a
grande quantidade de feiras, mercados, comemorações e festas religiosas que atraía visitantes
175
No mesmo período, Colônia (a maior cidade da Germânia) tinha 30.000 habitantes; Strasburgo, Ulm,
Hamburgo e Lübeck tinham mais ou menos 20.000; Ausburgo tinha 18.000; Frankfurt tinha 10.000; Mainz
tinha 5.000; Dresden tinha 2.500; Florença tinha 80.000 em 1520; Milão tinha 85.000; Londres mais de 50.000
durante o reinado de Henrique VIII e Paris mais de 200.000 em 1500. STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the
sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern times. 2ª edição. Indiana University
Press/Bloomington & London, 1976, p. 35.
176
Ibid., p. 232.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
63
de outras cidades regularmente. Apesar de estes eventos estarem associados ao cotidiano de
toda a Cristandade de uma maneira geral, Nuremberg tinha um elemento específico que lhe
proporcionava grande prestígio.
Em 1423, o imperador Sigismundo (1368-1437) determinara que o chamado
Heiltum, as relíquias sagradas compostas pelas insígnias imperiais, pelas joias reais e pela
coleção imperial de relíquias do Sacro Império Romano Germânico seria abrigado por
Nuremberg
177
. A partir de 1424 até 1524, esse tesouro sagrado era revelado ao público uma
vez ao ano, na segunda sexta-feira após a Páscoa. O evento chamado de Heiltumsweisungen
ocorria na praça principal da cidade, em frente à Frauenkirche
178
, e atraía uma grande
quantidade de pessoas, promovendo uma feira que reunia mercadores de diferentes partes do
Império por durante duas semanas
179
.
Todos esses fatores devem ter contribuído para que, a partir de 1470,
Nuremberg desenvolvesse uma escola de xilogravura que, indo além de qualquer outro meio,
cresceu em direção a uma grande forma de expressão. Segundo Gerald Strauss, nenhum dos
scriptoria locais havia tido um grupo reconhecido de iluminadores e, com esta ausência, a
xilogravura rapidamente se tornou um método de compensação favorável à ilustração de
livros na cidade de Nuremberg. Se no começo as xilogravuras eram rudes e pesadas, feitas
como imagens devocionais para os iletrados, agora, com o aperfeiçoamento cada vez maior
dessa técnica, passariam a atingir também os grupos mais abastados da sociedade
180
.
O aperfeiçoamento da técnica da gravura, assim como sua proliferação,
também foi um processo contínuo decorrente de diversos fatores. Dentro dessa dinâmica o
trabalho de Albrecht Dürer sempre se destacou, e essas suas especificidades analisaremos a
seguir.
177
Antes de Nuremberg, o Heiltum era guardado por Praga. E hoje, as regalias e insignias imperiais são expostas
no Hofburg, em Viena. Dentre elas estão a coroa, o orbe, a espada e o cetro de Carlos Magno, um cravo da
cruz de Cristo e a Lança Sagrada.
178
O repositório permanente das relíquias era a igreja do Heilig-Geist-Spital (Hospital do Espírito Santo), atrás
da Frauenkirche.
179
PARSHALL, Peter; SCHOCH, Rainer et all. Origins of European Printmaking: fifteenth-century woodcuts
and their public. New Haven, London: Yale University Press, 2005. p. 212. Cf. MONTEBELLO, Phillippe de;
BOTT, Gerhard. Gothic and Renaissance Art in Nuremberg: 1300-1550. New York: Metropolitan Museum of
Art, Nuremberg: Germanisches Nationamuseum, Munich: Prestel-Verlag, 1986. p. 14-15.
180
STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern
times. 2ª edição. Indiana University Press/Bloomington & London, 1976. p. 270.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
64
2.3 Práticas artísticas de Albrecht Dürer
Albrecht Dürer nasceu em Nuremberg, após vinte e um anos da invenção da
prensa de Gutemberg, em 1471. Como vimos na introdução dessa dissertação, apesar de ser
filho do ourives Albrecht Dürer (c. 1427-1502) e de aos treze anos já ser aprendiz no ateliê de
seu pai, Dürer optou por outra profissão: queria ser pintor. E foi por isso que, em 1486, ele se
tornou aprendiz do principal pintor de sua cidade, Michael Wolgemut (1434-1519).
Aperfeiçoar-se na técnica da gravura, portanto, nunca foi o principal alvo profissional de
Dürer. Mas, naquele momento, Wolgemut era o encarregado de produzir as xilogravuras das
publicações do famoso impressor Anton Koberger (1445-1513) padrinho de Dürer. A partir
de então, além da pintura, Dürer começou a se familiarizar com a técnica da gravura, aquela
que lhe traria verdadeiro reconhecimento profissional.
A vida bem-sucedida de Albrecht Dürer parece ter sido conquistada com
bastante esforço. Eficiente promotor de seu próprio trabalho e imagem
181
, o nuremberguês
estudou e criou diversas estratégias para aperfeiçoar sua técnica tanto na gravura quanto na
pintura durante toda a sua vida. Procurou aprender com pintores e gravadores importantes
como o citado Michael Wolgemut o primeiro pintor germânico a negociar com um editor
e a empregar entalhadores para produzir suas ilustrações para livros; Martin Schongauer o
gravador mais renomado antes de Dürer
182
; Jacopo de’ Barbari (1440-1516) que visita
Nuremberg em 1500 e Giovanni Bellini. Em alguns casos, Dürer viajou para encontrar esses
artistas e buscou conhecer trabalhos diferentes daqueles encontrados em sua cidade como os
de Andrea Mantegna (1431-1506) e Lorenzo di Credi (1459-1537)
183
.
Segundo a historiadora Jane C. Hutchison, o ateliê que Dürer abriu em 1495,
aos vinte e quatro anos nunca cresceu como o do experiente Michael Wolgemut, mas seus
trabalhos foram quase que imediatamente reconhecidos internacionalmente, devido à grande e
singular qualidade de suas gravuras e à variedade de temas sem precedentes. Assim como seu
padrinho Anton Koberger, o artista de Nuremberg parece ter refletido bastante sobre como
sua arte poderia atingir cada vez mais compradores
184
.
181
STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern
times. Bloomington: Indiana University Press, 1976. p. 232.
182
Albrecht Dürer, durante sua viagem de solteiro, vai até Colmar para conhecer Schongauer. Quando chega lá,
entretanto, o pintor havia falecido e Dürer apenas conhece seus irmãos que lhe permitem visitar o ateliê e
estudar os trabalhos do mestre. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton:
Princeton University Press, 1990. p. 31.
183
Ibid., p. 45.
184
Ibid., p. 57.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
65
Em vez de esperar por encomendas, Dürer começou a produzir um grande
estoque de xilogravuras e de gravuras em metal, o que foi fundamental para a sua estabilidade
financeira ao longo da vida. em 1497 empregou a Contz Swytzer que ficou encarregado de
vender suas gravuras nas mais diversas cidades. Seu contrato especificava que deveria vendê-
las pelos preços mais altos possíveis e de tempos em tempos enviar o dinheiro a Dürer. O
contrato também chamava a atenção para que o vendedor não perdesse tempo em terras onde
não fosse possível fazer dinheiro. Em retorno, Swytzer recebia um salário fixo e o valor
referente às despesas. Em 1500, mais um vendedor já havia sido contratado
185
.
Era comum também que a esposa
186
e a mãe de Dürer, ambas letradas,
lidassem com as vendas das gravuras mesmo dentro de suas casas, que em Nuremberg este
trabalho era relegado às mulheres, principalmente desse grupo social. Logo após seu
casamento Dürer enviara Agnes para a feira de Frankfurt acompanhada possivelmente de
Anton Koberger. Barbara, por outro lado, estava sempre encarregada de vender gravuras na já
mencionada Heiltumfest (Festa Anual das Relíquias) de Nuremberg. Nesse período, muitos
compradores de gravuras com temáticas religiosas eram esperados para verem as
mencionadas relíquias imperiais, particularmente a Lança Sagrada
187
.
As xilogravuras que começaram a ser produzidas a partir da década de 1490,
principalmente as das séries da Grande Paixão e do Apocalipse, apesar de apresentarem
temas comuns e populares, eram inovadoras no estilo e na técnica. Foram produzidas em
enormes blocos de madeira (39,0 x 28,0 cm), muito maiores que os utilizados normalmente. A
maneira como foram entalhados produziu gravuras que mudaram o status da técnica de um
meio gráfico rude, para um fino trabalho de arte (Figura 2.3). E o mesmo ocorreu com as
gravuras em metal produzidas por Dürer, objeto principal de nossa análise.
185
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
58.
186
Dürer casou-se em 1494 com Agnes Frey que também vinha de uma família de artesãos. O casamento foi
arranjado pelo pai de Dürer e foi muito conveniente para o gravador tanto em termos financeiros quanto
sociais. Em Nuremberg, só poderiam estabelecer um ateliê e serem chamados de mestres aqueles que fossem
casados.
187
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003. p. 103. Cf. FREEDBERG, David. The power of Images. Chicago:
University of Chicago Press, 1992. p. 99-135.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
66
A gravura em metal era
uma técnica menos executada pelos
gravadores por ser mais cara (ver
Apêndice A) e por possibilitar a
reprodução de menos cópias. Segundo
Rainer Schoch, a técnica apareceu
algumas décadas após a xilogravura, por
volta de 1435 e 1440, no alto Reno. A
gravura em metal se diferencia da
gravura em madeira por seu suporte
(normalmente uma placa de cobre) ser
mais firme e polido, e os instrumentos
serem mais finos e precisos,
proporcionando maior riqueza de
detalhes. Além disso, na xilogravura, a
tinta é aplicada no alto relevo do bloco,
como um carimbo; na gravura em metal
a tinta é aplicada nos sulcos formados
pelos traços que a retêm. Assim, uma prensa é necessária para a impressão.
Xilogravuras e gravuras a buril, Schoch explica
188
, possuem origens diferentes.
Desde a Alta Idade Média, a gravura em metal era uma prática dos ateliês de ourives, própria
para a decoração de superfícies. Apesar de não produzirem impressões, o processo
apresentava as mesmas características das gravuras em metal. Para Arthur Hind, foram a
popularidade das xilogravuras e das figuras de santos, produzidas em conventos e vendidas
nos locais sagrados aos peregrinos, que abriram os olhos dos ourives, ao verem nelas uma
nova possibilidade de lucro
189
. Havia a necessidade, portanto, de uma demanda e da
disponibilidade de papel para que gravadores em metal fossem empregados e reproduzissem
imagens em um número significativo
190
. Assim,
vistas historicamente, as técnicas gráficas da xilogravura e da gravura em
metal apareceram como dois lados da mesma moeda, elas se desenvolveram
188
Cf. HIND, Arthur M. A History of Engraving and Etching from the Fifteenth Century to the Year 1914. New
York: Dover Publication, 1963. p. 19.
189
Ibid., loc. cit.
190
PARSHALL, Peter; SCHOCH, Rainer et all. Origins of European Printmaking: fifteenth-century woodcuts
and their public. New Haven, London: Yale University Press, 2005. p. 85.
Figura 2.3 Albrecht Dürer. Apocalipse: Mulher vestida de
sol, 1497-1498. Xilogravura, 39 x 28 cm. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
67
independentes uma da outra por um tempo considerável; e foi preciso mais
de meio século para que elas se convergissem. Albrecht Dürer, que foi
treinado para ser ourives, foi o primeiro a utilizar as duas técnicas
simultaneamente
191
. (grifos nossos).
Albrecht Dürer soube aproveitar todos os benefícios que esta técnica poderia
lhe trazer. Nas gravuras a buril, o próprio Dürer desenhava sobre o cobre ao contrário do
que parecia ocorrer com as xilogravuras que, como vimos, eram entalhadas por profissionais
especializados. Assim, a técnica foi sendo cada vez mais aperfeiçoada por ele e adquiriu
linhas mais nítidas e precisas, melhorando luz e sombra. O trabalho mais primoroso atraiu um
público um pouco mais seleto e Dürer utilizou essa técnica para produzir gravuras com temas
específicos
192
, muitas vezes direcionados a humanistas e intelectuais. Parece que foi a
qualidade das gravuras e o apoio de seus amigos que levaram humanistas e patrícios a
encomendarem pinturas de Dürer e a admirarem-no, inclusive, como gravador. Um exemplo é
o relato de um dos maiores expoentes do humanismo, Erasmo de Roterdã:
Dürer, de qualquer forma admirável em outros aspectos o que é que ele
não consegue expressar no monocromo, isto é, com linhas pretas? Luz,
sombra, o esplendor, o sublime, a profundidade; e, apesar disso ter
começado na posição de um simples objeto, ao olho do observador é
oferecido muito mais do que apenas um aspecto
193
.
Mas para entendermos melhor essas particularidades do trabalho de Albrecht
Dürer, analisaremos o primeiro grupo de Marias selecionadas para esse trabalho.
191
Tradução nossa de: ―While viewed historically, the graphic techniques of woodcut and engraving appear as
two sides of the same coin, they developed independent of each other for a considerable time; it took more than
a half century for them to converge. Albrecht Dürer, who was trained as a goldsmith, was the first to use both
techniques simultaneously‖. PARSHALL, Peter; SCHOCH, Rainer et all. Origins of European Printmaking:
fifteenth-century woodcuts and their public. New Haven, London: Yale University Press, 2005. p. 85.
192
Um recente trabalho sobre essas gravuras de temáticas mais específicas é FRANCISCO, Paula E. V. A
iconografia de casais em três gravuras de Albrecht Dürer e suas estratégias enquanto cidadão de Nuremberg.
2008. 116f. Monografia (Bacharelado em História) Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
193
Tradução nossa de: ―But Dürer, however admirable in other respects - what cannot he express in
monochrome, that is with black lines? Light, shade, splendour, the sublime, depths; and, although it has
started from the position of a single object, the eye of the observer is offered much more than an aspect‖.
Erasmo de Roterdã, De recta Latini Graecique sermonis pronuntiatione, 1528.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
68
2.4 A produção de Marias por Albrecht Dürer
Dürer produziu o tema Maria com a Criança ao longo de toda a sua vida
produtiva. A primeira vez foi em um desenho de 1485
194
, portanto, anterior ao período em que
Dürer foi aprendiz no ateliê de Michael Wolgemut; a última vez foi em um desenho de
1526
195
, dois anos antes de sua morte
196
. Segundo o levantamento feito através do cd-rom
Dürer: Das Gesamtwerk, são aproximadamente cinquenta e seis desenhos, uma aquarela
197
,
dez pinturas, seis xilogravuras e treze gravuras em metal totalizando oitenta e seis imagens.
Se neste grupo incluirmos o tema próximo ao analisado chamado de A Sagrada Família (no
qual a única diferença é que nele pode aparecer a figura de José e, às vezes poucas no caso
de Dürer alguns outros membros da família de Cristo), esse número cresce para sessenta e
cinco desenhos, doze pinturas, onze xilogravuras e dez gravuras em metal totalizando
noventa e oito imagens. Maria aparece sem a presença de Cristo em apenas sete desenhos, três
pinturas e em nenhuma gravura. Dessas imagens, em apenas uma pintura outros momentos
narrativos da vida de Maria são representados
198
e não nenhum outro tema de cunho
devocional em que Maria seja a personagem central
199
.
Como a produção de Dürer é muito extensa, nossa análise se restringirá ao
grupo de gravuras em cobre, pelos motivos já explicitados na introdução deste trabalho.
Albrecht Dürer foi o maior responsável pelo desenvolvimento da gravura em
metal e, como vimos anteriormente, essa técnica é mais refinada que a da xilogravura, técnica
que o gravador escolheu para explorar temas seculares
200
. Portanto, de um total de noventa e
seis gravuras em cobre produzidas entre 1494 e 1526, quarenta possuem temas da mitologia
194
Albrecht Dürer. Maria entronada com dois anjos músicos, 1485. Pena, 21,0 × 14,7 cm. Berlin, Staatliche
Museen Preußischer Kulturbesitz, Kupferstichkabinett. DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer: Das
Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 490.
195
Albrecht Dürer. Maria com a Criança no crescente de lua, 1526. Bleizinngriffel auf braun grundiertem
Papier, weiß gehöht, 20,6 × 16,0 cm. Bayonne, Musée Bonnat. DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht
Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 742.
196
Em 1527 e 1528, Dürer produziu apenas uma pintura a óleo e seis desenhos, nenhum desses são de temática
religiosa.
197
Este é uma das duas únicas aquarelas com temática religiosa. A segunda é um estudo de um apóstolo, sem
data.
198
Albrecht Dürer. As sete dores de Maria. Painel central: Mãe das Dores, c. 1494/97. Painel em madeira, 109,2
x 43,3 cm. München, Bayerische Staatsgemäldesammlung. DIGITALE Bibliothek Band 28. Albrecht Dürer:
Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 447.
199
Este comentário é importante porque outros temas marianos também eram muito importantes no período de
Dürer, por exemplo, a Virgem das Lamentações temática analisada por Hans Belting em: BELTING, Hans.
The Image and its Public: Form and Function of Early Passion Paintings. New York: New Rochelle, 1990.
200
Cf. PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
69
grega, alegorias e figuras caricatas de sua
sociedade
201
e apenas seis dessas são
retratos (todos produzidos entre 1519 e
1526)
202
. Vinte e nove foram produzidas
até 1505 e apenas cinco foram produzidas
entre 1513 e 1519.
As outras cinquenta e seis
gravuras em metal e de temática religiosa
dividem-se da seguinte maneira: dezesseis
compõe a série da Paixão Gravada
203
;
quatro representam outros temas bíblicos
narrativos (Conversão de Paulo, o Filho
Pródigo, Adão e Eva, Natividade
204
);
dezesseis são representações de santos,
sendo que cinco são apóstolos
(produzidos entre 1514-1526
205
); dentre
os outros onze encontramos dois
Cristóvãos, de 1521; dois Jerônimos
(1496 e 1514); dois Sebastiões (1498 e 1500); dois Jorges (1502 e 1508); uma Ana (1500);
um Eustáquio (1500); um Antônio (1519) e um Crisóstomo (1496), além de uma Sagrada
Família (1495), que tende a se aproximar mais do tema de Maria com seu Filho
206
(Figura
2.4). Essa amostragem comprova a variedade de temas produzidos por Dürer e,
particularmente, com essa técnica (Gráfico 2.1).
201
Este tema foi estudado por FRANCISCO, Paula E. V. A iconografia de casais em três gravuras de Albrecht
Dürer e suas estratégias enquanto cidadão de Nuremberg. 2008. 116f. Monografia (Bacharelado em História)
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
202
Dürer foi um dos primeiros gravadores a produzir retratos. Arthur Hind explica que poucos são os exemplos
anteriores aos retratos produzidos por Dürer. HIND, Arthur M. A History of Engraving and Etching from the
Fifteenth Century to the Year 1914. New York: Dover Publication, 1963. p. 77.
203
Conjunto de gravuras publicadas como um livro em 1511.
204
Gravura estudada por AMARO, Rachel Jaccoud R. A iconografia da Natividade de Albrecht Dürer entre
práticas artísticas e devocionais. 2008. 100f; il. Monografia (Graduação em História) Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
205
Período de envolvimento com a Reforma.
206
Observemos que a composição da Sagrada Família é bem parecida com a do tema Maria e a Criança. A
diferença significativa é a presença de José, de Deus Pai e da pomba do Espírito Santo, na gravura de 1495.
Entretanto, as figuras centrais também são Maria e a Criança.
Figura 2.4 Albrecht Dürer. Sagrada Família, 1495.
Gravura em cobre, 24 x 18,6 cm. Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
70
No entanto, os números que mais nos interessam são os da comparação entre
representações de Jesus e Maria. Autores como Hans Belting e Sixten Ringbom apontam que,
no século XV, os temas de Maria com a Criança, de Jesus Doloroso (Man of Sorrows) e da
Verônica (Vera Icon) eram os temas devocionais por excelência e, ao que tudo indica, mais
significativos e desejados pelos fiéis
207
. Nas gravuras em cobre de rer esses três temas
aparecem. Entretanto, enquanto treze gravuras em metal da Virgem Maria com seu Filho,
apenas cinco representações de Jesus: três crucificações
208
, uma com a coroa de
espinhos
209
e uma do verdadeiro ícone
210
. Portanto, nesse conjunto complexo das gravuras em
cobre, as imagens de Maria representam aproximadamente o dobro de imagens que trazem
Jesus Cristo como a figura central
211
(Gráfico 2.2).
207
Cf. BELTING, Hans. Likeness and Presence: a history of the image before the era of art. Chicago: University
of Chicago Press, 1997; ______. The Image an its Public: Form and Function of Early Passion Paintings. New
York: New Rochelle, 1990; RINGBOM, Sixten. Icon to Narrative: The rise of the dramatic close-up in
fifteenth-century devotional painting. Doornspijk: Davaco, 1983; MEISS, Millard. Painting in Florence and
Siena after the Black Death. Princeton: Princeton University Press, 1951.
208
Christus am Kreuz (1508), Christus am Kreuz (1518) e Die Kreuzigung Christi (1523).
209
Der Schmerzensmann mit ausgebreiteten Armen (1500).
210
Das Schweißtuch der Veronika, von zwei Engeln gehalten (1513).
211
Valorizamos a classificação iconográfica e desconsideramos o fato de que Jesus também aparece como bebê
nas imagens que trazem Maria.
Gráfico 2.1 Proporção entre a produção de gravuras em cobre de temática religiosa e secular produzidas por
Albrecht Dürer (1494-1526)
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
71
Essa análise quantitativa, portanto, possibilita que cheguemos a três conclusões
importantes: 1. A gravura em metal parece realmente ter sido a técnica usada por Albrecht
Dürer para diversificar os temas e explorar diferentes assuntos. Essa prática parece, por um
lado, ter contribuído para o desenvolvimento da habilidade do gravador e, por outro, ter
possibilitado que o artista conquistasse, para a gravura, grupos diversificados de compradores.
2. Mesmo diante dessa diversidade, as proporções encontradas através da análise de suas
gravuras em metal são semelhantes às proporções propostas por Peter Burke para a pintura do
Renascimento italiano (Capítulo 1, página 44-45). Maria não foi apenas amplamente
representada por rer, mas por muitos outros artistas da época
212
. 3. Chama-nos a atenção,
entretanto, que dentre todos os temas narrativos e devocionais relacionados à Virgem Maria,
nesse grupo de gravuras em metal, a escolha de Dürer limitou-se a apenas um: aquele em que
Maria carrega o Menino ainda que sejam muito diferentes entre si.
Então para ampliar e facilitar a investigação aprofundada das imagens, as
Marias em metal de Dürer foram divididas em três grupos, de acordo com suas formas, seus
aspectos pictóricos e o período da vida do artista em que foram produzidas.
2.4.1 Marias no campo
O primeiro grupo é composto de cinco gravuras de tamanhos variados (uma
grande, três médias e uma pequena) produzidas entre 1497 e 1514: Maria com o macaco
212
Cf. HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety,
1500-1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007; KATZ, Melissa (ed.); ORSI, Robert A. Divine
Mirrors: The Virgin Mary in the Visual Arts. Oxford: Oxford University Press, 2001; RINGBOM, Sixten. Icon
to Narrative: The rise of the dramatic close-up in fifteenth-century devotional painting. Doornspijk: Davaco,
1983.
Gráfico 2.2 Proporção entre o tema Maria com a Criança e outros temas cristológicos nas gravuras em cobre
produzidas por Albrecht Dürer
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
72
(1497-1498)
213
, Maria em um banco de grama (1503)
214
, Maria com a pera (1511)
215
, Maria
com a Criança ao da árvore (1513)
216
, Maria ao da muralha (1514)
217
. Apesar de no
catálogo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e em outros museus, ter sido adotado o
termo Virgem, os nomes aqui apresentados por nós foram traduzidos do alemão, que utiliza o
termo Maria. Vimos que deste modo o próprio Dürer se referia a essas imagens.
O período entre 1497 e 1514 foi o de maior produtividade do ateliê do gravador
e pode ser caracterizado pelo aperfeiçoamento das técnicas da xilogravura e da gravura em
metal, pelo estudo das formas e proporções, tendo como referencial o Renascimento italiano,
em razão da produção das gravuras que compuseram as grandes séries e em face da grande
diversidade de temas produzidos. É notável como, após a publicação dos livros Grande
Paixão, Pequena Paixão e Vida de Maria (1511), da segunda edição do Apocalipse (1511), e
da publicação da Paixão a buril (1512), a produção do ateliê de Albrecht Dürer diminui
consideravelmente
218
.
Apesar disso, propomos o estudo dessas cinco gravuras como um primeiro
grupo, principalmente, porque na sua totalidade, essas gravuras representam Maria em um
local aberto e campestre, sempre distante ou fora da cidade. Também é característica comum,
a informalidade da cena: o Menino, por vezes está a brincar; recebe carinho da Mãe ou, pelo
menos, é surpreendido por um olhar ou gesto de ternura. Maria aparenta estar tão confortável
em meio a este cenário, que aparece sempre sentada próxima ao chão. O Menino, por muitas
vezes aparece nu. Maçãs, passarinhos, árvores e flores completam o ar agradável que é
transmitido em cada uma dessas cinco gravuras, como se tudo estivesse na mais perfeita paz.
Desse modo, de uma maneira geral, o grupo parece reunir características de duas tradições
iconográficas vistas no capítulo um: a Mater Amabilis e a Nostra Domina Humilitate. Assim,
pelas semelhanças descritas e por representarem esse período intenso da vida produtiva de
213
Em alemão: Maria mit der Meerkatze, c. 1497/98. Gravura em cobre, 19,1 × 12,2 cm. Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. Nome atribuído por: Anzelewsky 56. Bartsch 42. Knappe 20. Meder 30. Panofsky 149.
214
Em alemão: Maria auf der Rasenbank, 1503. Gravura em cobre, 11,4 × 7,1 cm. Nome atribuído por: Knappe
39. Meder 31. Panofsky 141.
215
Em alemão: Maria mit der Birne, 1511. Gravura em cobre, 15,8 × 10,6 cm. Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Nome atribuído por: Bartsch 41. Knappe 50. Meder 33. Panofsky 148.
216
Em alemão: Maria mit dem Kind am Baum, 1513. Gravura em cobre, 11,8 × 7,5 cm. Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. Nome atribuído por: Knappe 70. Meder 34. Panofsky 142.
217
Em alemão: Maria mit dem Kind an der Mauer, 1514. Gravura em cobre, 14,9 × 10,1 cm. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Nome atribuído por: Knappe 77. Meder 36. Panofsky 147.
218
Um dos motivos prováveis é que em 1512 o imperador Maximiliano I contrata Dürer para trabalhar nos seus
grandes projetos imperiais, oferecendo-lhe uma pensão anual. Com a vida estabilizada, Dürer teria continuado
sua produção independente enfatizando novas técnicas como a da ponta-seca e aprimorando as gravuras a buril,
mas este assunto será aprofundado apenas no capítulo três.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
73
Albrecht Dürer, a análise das gravuras que compõem esse primeiro grupo pareceu relevante a
esse capítulo.
Figura 2.5 Albrecht Dürer. Maria com o macaco, c. 1497-98. Gravura em
cobre, 18,5 x 12,3 cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
74
Maria com o macaco (Figura 2.5) foi a primeira gravura em metal sob o tema
Maria com a Criança produzida por Albrecht rer (c. 1497-1498) e pode ser encontrada na
Biblioteca Nacional
219
. Assim como na Sagrada Família, de 1495, essa gravura apresenta ao
fundo, uma paisagem rural, tipicamente germânica. A Virgem é representada como uma
jovem sentada em um banco de grama, com cabelos soltos e longos e um vestido de época
cheio de pregas. Seu rosto é delicado e sua expressão tranquila; sua cabeça aparece aureolada
e a criança nua sentada ao seu colo, oferece, como podemos ver pelo detalhe, uma maçã a um
pintassilgo. Aos pés de Maria ver-se ainda um macaco preso por uma corrente no banco de
grama, que se confunde com uma cerca de madeira. Ao lado esquerdo do banco repousa um
lírio e a Virgem apoia uma das mãos sobre um livro.
Considerada uma gravura da primeira
fase de produção de Dürer, produzida logo após o
estabelecimento de seu ateliê, sua composição e
estilo são muito parecidos com gravuras de Martin
Schongauer
220
(Figura 2.6). O banco de grama, o
vestido de Maria cheio de dobras e a auréola são
alguns dos componentes comuns entre essas duas
gravuras, e também entre pinturas representativas
dessa tradição, algumas vistas no capítulo um
(Figuras 1.17 a 1.19).
Apesar de se mostrar bem distante dos
modelos close-up e half-length analisado por Sixten
Ringbom
221
e, como vimos no capítulo um,
recorrentes em pinturas desse período, nas gravuras
de Albrecht Dürer também é constante a presença de
componentes alegóricos que compõem a cena.
Frutas, flores, animais e paisagem não são apenas
elementos casuais do dia a dia, mas, por terem significados específicos que poderiam ser
facilmente compreendidos pelos observadores do período, trariam à memória a principal
219
Referência intitulada de A Virgem com o macaco (caixa 1 nº de catálogo 16).
220
MONTEGORY Museum of Fine Arts. Faith and Humanism: Engravings and Woodcuts by Albrecht Dürer.
Alabama, 2002. p. 56.
221
RINGBOM, Sixten. Icon to Narrative: The rise of the dramatic close-up in fifteenth-century devotional
painting. Doornspijk: Davaco, 1983.
Figura 2.6 Martin Schongauer. Madonna e a
Criança no banco de grama, c. 1480. Gravura
em cobre, 12,2 x 8,4 cm. Berlim, Staatliche
Museen.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
75
questão do Cristianismo: o plano de Deus que consistia na salvação da humanidade por meio
de Jesus Cristo.
Dessas alegorias recorrentes, talvez a que apareça com mais frequência seja a
da maçã. Às vezes na forma de pera, mas tradicionalmente com o mesmo significado, a fruta
aparece em Maria com o macaco, Maria com a pera e Maria sentada ao da muralha
(Figuras 2.5 e 2.10). Segurada por Maria ou por Jesus, a maçã é uma referência direta à fruta
da Árvore do Conhecimento, o motivo pelo qual Adão e Eva foram expulsos do Paraíso
222
(Gênesis 3:1-24).
Em Mary through the centuries, o historiador das religiões Jaroslav Pelikan
explica que foi a partir de diversas referências ao apóstolo Paulo, ao Antigo Testamento e a
Adão que pensadores do Cristianismo, a exemplo de Tertuliano começaram a entender a
figura de Adão como uma prefiguração de Jesus Cristo. Um exemplo é o texto da Epístola aos
Romanos que diz: De modo que, como pela obediência de um só, todos se tornaram
pecadores, assim, pela desobediência de um só, todos se tornarão justos.
223
Assim como a
perdição veio após o pecado de Adão, uma nova Era começaria com a vinda de Jesus Cristo,
quando todos seriam salvos. Apesar de este e de outros textos mencionarem apenas o gênero
masculino, não demorou também colocar Maria na posição de segunda Eva
224
.
O pintassilgo que pousou na mão da Criança, igualmente é uma figura comum
em imagens da Virgem Maria com seu Filho e aparece também em Maria em um banco de
grama (Figura 2.7). Além de ser levado em conta como o animal de estimação preferido das
crianças, a presença do pássaro está associada a um conto medieval
225
que explica ser sua
mancha vermelha resultado do momento em que voou na direção à cabeça de Cristo, no
caminho para o Calvário, para retirar um espinho de sua fronte, ocasião em que foi atingido
por uma gota do sangue Salvador
226
.
222
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. 2ª Edição. John Murray, 1979. passim.
223
BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1ª edição. São Paulo: Edições Paulinas, 1982. Romanos, 5:19. Uma variante
pode ser encontrada em I Coríntios, 15:22. ―Pois, assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos
receberão a vida‖.
224
PELIKAN, Jaroslav Jan. Mary Through the Centuries: Her Place in the History of Culture. Yale University
Press, 1996. p.15. Não encontrei informações sobre quem e quando começou a se chamar Jesus e Maria de
Segundo Adão e Segunda Eva, respectivamente.
225
Cuja autoria ainda não identificamos.
226
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. 2ª Edição. John Murray, 1979. passim.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
76
Na mesma linha vertical em
que o pintassilgo se encontra
227
, há a figura do
macaco que, para os cristãos do início da
Idade Média, simbolizava o diabo. Mais tarde,
entre os séculos XII e XIII, passou esse
animal a significar a Queda do Homem, se
aparece representado com uma maçã à
boca
228
. Na gravura de Dürer, parece
representar a união dessas duas ideias,
relembrando que Jesus veio para salvar os
pecadores e que Maria teve um papel muito
importante nesse plano de Deus.
Em nesis 3:15, logo após
Adão e Eva comerem o fruto proibido, Deus
amaldiçoa a serpente personificação do
diabo dizendo: Porei inimizade entre ti e a
mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela.
Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o
calcanhar. Maria, no texto bíblico, é aquela
que com a sua linhagem (Jesus) derrotará a
Satanás. Não é por acaso que o macaco, personificando o diabo, apareça preso aos pés de
Maria, que traz Jesus ao colo.
O livro a que Maria segura na primeira gravura, é tradicionalmente uma
interpretação da Sabedoria e caracteriza a Virgem como a Mater Sapientiae, a Mãe da
Sabedoria
229
. O Lírio que aparece discretamente em Maria sentada ao da árvore (Figura
2.9), é tido como o principal atributo da Virgem Maria: desde a Antiguidade essa flor é
considerada símbolo da pureza. Devido à sua cor branca, a flor está associada ainda à noiva
constante do Cântico dos Cânticos (com a qual a Virgem Maria é identificada): Lilium inter
spinas
230
. Mas outras referências ao Cântico dos Cânticos aparecem nas gravuras que
compõem esse primeiro grupo. Em Maria com o macaco, Maria em um banco de grama e
227
Futuramente investigaremos melhor sobre ―a hierarquia das sobreposições‖, que considera não ser aleatória a
posição desse tipo de representação nas imagens.
228
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. 2ª Edição. John Murray, 1979. p. 232.
229
Ibid., p. 328. Mais sobre esse assunto será pesquisado futuramente.
230
―Um lírio entre espinhos‖. BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1ª edição. São Paulo: Edições Paulinas, 1982. Cântico
dos Cânticos, 2:1-2.
Figura 2.7 Albrecht Dürer. Maria em um banco de
grama, 1503. Gravura em cobre, 11,5 x 7,0 cm.
Cambridge, Fogg Art Museum.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
77
Maria sentada ao da árvore, Mãe e Filho são representados dentro de um cercado bem
definido e com vegetação em volta, figurando o que poderíamos chamar de jardim fechado,
assim como em algumas das representações analisadas no capítulo um. A representação desse
hortus conclusus é uma interpretação do texto: És um jardim fechado, minha irmã, noiva
minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada
231
, que refere ao mesmo tempo à pureza e
virgindade de Maria
232
.
Em Maria em um banco de grama (Figura 2.7), além do pintassilgo e do
cercado mencionados, vemos uma Maria que, diferente da representação de 1498,
amamenta seu Filho. Considerado um dos tipos iconográficos mais antigos de Virgem com o
Menino, o tema Maria Lactans tornou-se um objeto de culto difundido na Itália do século
XIV, quando muitas igrejas clamaram possuir um pouco do leite da Virgem, preservado como
uma relíquia sagrada
233
.
A Maria lactans geralmente aparece associada ao recorrente tema da Mater
Amabilis, que a amamentação é um ato de muita aproximação entre mãe e filho
234
. A
amamentação é uma prática essencialmente humana e, ao ser expressa por Maria e Jesus,
aproximaria ainda mais os fiéis de duas figuras centrais do Cristianismo na Igreja Católica.
Todavia, uma referência ainda mais explícita ao tema da Mater Amabilis pode ser encontrada
em Maria sentada ao da árvore (Figura 2.9): a Mãe aproxima carinhosamente a cabeça à
de seu Filho, que olha diretamente para o observador. Em Maria sentada ao da muralha
(Figura 2.10), essa aproximação entre Mãe e Filho também é evidente.
Outra característica que perpassa todas as gravuras em metal deste primeiro
grupo (Figuras 2.5, 2.7, 2.8, 2.9 e 2.10) é que nelas, Maria está praticamente sentada no chão.
Explicitamente no chão, no caso de Maria com a pera (Figura 2.8); em um banco de pedra,
em Maria sentada ao da muralha (Figura 2.10); e em um banco de grama, nas outras três
(Figuras 2.5, 2.7 e 2.9). Como se vê no capítulo um, a partir do século XIV, primeiro no Norte
da Itália e depois, nos Países Baixos, os pintores começaram a representar essa pose para
indicar a humildade de Maria
235
, descrita por ela mesma no Magnificat:
231
BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1ª edição. São Paulo: Edições Paulinas, 1982. Cântico dos Cânticos, 4:12.
232
Uma interpretação tardia também associa esta passagem à doutrina da Imaculada Conceição.
233
HALL, James. Dictionary of subjects and symbols in Art. 2ª Edição. John Murray, 1979. passim. Cf. MEISS,
Millard. Painting in Florence and Siena after the Black Death. Princeton: Princeton University Press, 1951. A
popularização deste tema também está associada à visão de São Bernardo, na qual ele pode beber do leite
materno da Virgem.
234
Lembramos que muitas mulheres desse período, especialmente aquelas de grupos sociais elevados, não
tinham a prática de amamentar seus filhos. Este tema, portanto, incentivava um amor maternal em Maria que,
diferente dos nossos dias, não era praticado nas famílias de uma forma geral.
235
MEISS, Millard. Painting in Florence and Siena after the Black Death. Princeton: Princeton University Press,
1951. p. 100.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
78
A minha alma glorifica o Senhor
E o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador
Porque pôs os olhos na humildade da sua Serva [...]
236
(grifos nossos)
O Magnificat é a recitação mais frequente em todo o Ofício Divino, hoje
Liturgia das Horas, e era entoado nas Vésperas e nas Matinas de Domingo. O ofício das
Vésperas, especificamente, tinha como um de seus principais momentos a recitação deste
cântico, ao mesmo tempo em que o padre fazia a incensação do altar
237
. Portanto,
provavelmente as representações da Madonna da Humildade (Nostra Domina Humilitate)
eram facilmente compreendidas por aqueles que as observavam.
236
Em latim: ―Magnificat anima mea Dominum, et exsultavit spiritus meus in Deo salvatore meo, quia respexit
humilitatem ancillae suae.
237
CABROL, Fernand. ―Divine Office‖. The Catholic Encyclopedia. Vol. 11. New York: Robert Appleton
Company, 1911. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/11219a.htm>. Acesso em: 27 Ago. 2008.
Figura 2.9 Albrecht Dürer. Maria sentada ao
da árvore, 1513. Gravura em cobre, 12,5 x 8,2
cm. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 2.8 Albrecht Dürer. Maria com a pera, 1511.
Gravura em cobre, 16 x 10,9 cm. Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
79
Até agora podemos perceber que nenhum objeto ou características da
composição das gravuras de Maria com a Criança são aleatórios. Vimos que a maçã e o
macaco fazem referência direta à Queda do Homem. O contexto no qual eles são mostrados
com Maria e Jesus Menino em seu colo , entretanto, remontam à vitória do plano de
salvação, quando do nascimento de Cristo. A presença do pintassilgo, por sua vez, faz menção
a um dos momentos da Paixão de Cristo que, junto à Natividade, representam os principais
episódios da vida de Jesus. Ambos sempre fizeram parte da vida de qualquer fiel, seja em
imagens, Livros de Horas, peças teatrais, sermões, pregações e festividades.
O Cântico dos Cânticos era uma das fontes preferidas da Igreja, porque a
Sulamita nele descrita (Cântico dos Cânticos 6:13), poderia ser associada a Maria e até à
própria Igreja, contribuindo para o imaginário medieval. Sua repetição foi incrustada na
mente popular por causa das frequentes Litanias medievais
238
dedicadas à Virgem. Além
disso, junto com a repetição de Salmos e de trechos de outros livros poéticos como os de
Provérbios, Cântico dos Cânticos era um dos elementos mais importantes do Ofício Divino e
é notadamente vinculado às Vésperas o ofício da tarde que pretendia santificar as últimas
horas, glorificando a Deus, exaltando e agradecendo os benefícios alcançados
239
. Para a
sociedade cristã do início do século XVI, no entanto, a composição das gravuras de Albrecht
Dürer e a presença de seus elementos alegóricos eram repletas de sentido.
Em todas as cinco gravuras pertencentes ao este primeiro grupo, Maria e seu
Filho encontram-se claramente fora dos muros da cidade e, em Maria com o macaco, Maria
com a pera e Maria sentada ao da muralha (Figuras 2.5, 2.8 e 2.10), a cidade pode até ser
vista no segundo plano. Como vimos, esta é uma constante nas representações desse tipo e
nesse período. Entretanto, grande ênfase é dada à cidade figurada em Maria sentada ao da
muralha (Figura 2.10). Qual seria o significado dessa ênfase? Maria estaria sentada nos muros
da própria cidade de Nuremberg (Figura 2.10)? Que relação essa imagem teria com a cidade
do artista que a produziu?
Maria sentada ao pé de uma muralha não é um tema muito comum em
representações da Virgem. Aliás, em nossa pesquisa iconográfica não encontramos nenhuma
outra imagem que seguisse esses padrões. Apesar disso, a originalidade da gravura de 1514, é
muito coerente com o padrão das outras duas em metal produzidas por Dürer nesse mesmo
238
Uma forma de oração responsorial na qual a congregação toma parte.
239
CABROL, Fernand. ―Divine Office‖. The Catholic Encyclopedia. Vol. 11. New York: Robert Appleton
Company, 1911. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/11219a.htm>. Acesso em: 27 Ago. 2008.
passim.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
80
ano, e que são muito estudadas e consideradas verdadeiras obras-primas: Melancolia e
Jerônimo em sua sala de estudo
240
.
Para além das
características das gravuras
mencionadas, e que são comuns a
outras cinco, Mater Amabilis, Nostra
Domina Humilitate e a maçã, na
gravura de 1514, Maria parece
proteger a cidade de Nuremberg,
exercendo sua função de padroeira.
O sentido dessa imagem
pode ser ampliado pela presença das
chaves que, pela primeira vez,
aparecem penduradas nas vestes de
Maria. No capítulo um, discutimos a
respeito do progressivo incentivo e
aumento da devoção a Virgem Maria,
desde o século XII. É preciso dizer,
entretanto, que, especialmente para
Nuremberg, Maria era a santa mais
importante, a maior das padroeiras,
detentora das chaves da cidade e
protetora de seus habitantes.
A Frauenkirche de Nuremberg foi construída no local onde havia uma
Sinagoga. O fator determinante para a expulsão dos judeus de Nuremberg foi o desejo da
expansão urbana. Mas em relatos de crônicas dos eventos de 1349/50 na construção da
história da própria cidade foi o desejo de honrar a Virgem que apareceu como justificativa.
Os eventos receberam muita atenção da crônica de Sigmund Meisterlin, escrita em 1488.
Meisterlin inicia a crônica descrevendo a necessidade de Nuremberg ter uma igreja dedicada a
240
Cf. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990;
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948;
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003. Esse último autor chega a relacionar as chaves da Maria sentada ao pé da
muralha com as chaves presentes na cintura do anjo de Melancolia.
Figura 2.10 Albrecht Dürer. Maria sentada ao da muralha,
1514. Gravura em cobre, 14,9 x 10,1 cm. Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
81
Figura 2.11 A torre e o Kaiserberg de Nuremberg, até hoje símbolos da cidade, figuram no segundo plano da
gravura de Albrecht Dürer, Maria sentada ao pé da muralha, de 1514 (Figura 2.10).
Maria: era uma grande desfalque em Nuremberg, que a Imperatriz do Céu, a God-bearer, a
nobre Virgem Maria não tinha sua própria igreja na cidade
241
.
Por tudo que Maria significava, representá-la em imagens, teatro e sermões era
um trabalho que deveria ser feito com a maior das responsabilidades: tudo o que se falava
sobre a Mãe de Deus era interpretado como um exemplo de vida a ser seguido. Parece-nos
que Albrecht Dürer compreendia essa responsabilidade, e suas gravuras deixam transparecer o
esmero com o qual foram produzidas. Aliás, vimos que a possibilidade da riqueza de detalhes
era uma das características principais dessa técnica desenvolvida por um artista que também
dominava o desenho, a xilogravura e a pintura.
Ao mesmo tempo semelhantes e diferentes entre si, as gravuras em metal de
Maria com a Criança analisadas até aqui parecem estar mais associadas a uma tradição
iconográfica dos séculos XIV e XV, que enfatizam a figura de Maria como mãe, e inserem os
personagens principais em um cenário de alguma forma movimentado, lembrando as cenas
narrativas, com paisagens e objetos alegóricos a fazerem clara menção ao universo cristão.
De uma maneira geral, cenários e outras referências ao cotidiano são
recorrentes e sempre típicos do Norte europeu. Era esse o ambiente em que Dürer vivia, e
241
Tradução nossa de: ―it was a great lack in Nuremberg, that the empress of heaven, the God-bearer, the noble
Virgin Mary had no church of her own city‖. MEISTERLIN, Sigmund. Chronik der Reichstadt Nürnberg,
1488. Die Chroniken der deutschen Städte vom 14. Bis ins 16. Jahrhundert, 36 vols. Leipizig, 1862-1931, vol.
3: Die Chroniken der fränkischen Städte, vol. 3: Nürnberg. Leipizig, 1864, p. 158-161. apud HEAL, Bridget.
The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-1648. Cambridge:
Cambridge University Press, 2007, p. 43.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
82
nesse idêntico espaço a maioria dos compradores de suas gravuras também vivia apesar de
sabermos que essa clientela circulava por toda a Europa. Como vimos no capítulo um, a
identificação entre a imagem e o observador era muito valorizada nesse início do século XVI.
Em contrapartida, a presteza das proporções e o uso da perspectiva que vimos
nessas gravuras foi algo valorizado e conquistado por Dürer com seu próprio esforço. Vimos
que, apesar da técnica da gravura ter surgido e se desenvolvido como um meio profícuo no
Norte, mais que na Itália
242
, eram os italianos que dominavam cada vez mais os métodos que
aproximavam a imagem da terceira dimensão, da ilusão da proximidade com a realidade. Para
Dürer eram os pintores italianos a referência máxima.
As Marias no campo produzidas por Albrecht Dürer não representaram uma
inovação iconográfica, propriamente dita. Mas, apesar de tantas apropriações, essas gravuras
trouxeram diversos aspectos originais que as diferenciavam de outras do período. Ao unir
composições valorizadas pelos germânicos à perspectiva e proporções italianas, tudo isso com
a técnica da gravura em metal, Dürer aproximou os limites entre um papel reproduzível e a, já
renomada, arte da pintura.
2.4.2 Marias vestidas de sol
Além das gravuras analisadas no tópico anterior, Albrecht Dürer produziu
outras quatro gravuras em metal que seguem nitidamente outro padrão representacional
(Figuras 2.12 a 2.15). Nelas, Maria aparece em com seu Filho no colo e ambos estão
envoltos por uma luz que, parece, eles próprios emanam. Nas quatro gravuras, Jesus segura
uma maçã e Maria está sobre um crescente de lua. Em duas delas, Maria aparece coroada e na
última, segurando também um cetro.
Essas quatro gravuras: Maria vestida de sol (1498-1500), Maria vestida de sol
(1508), Maria vestida de sol no crescente de lua (1514) e Maria vestida de sol (1516) foram
produzidas, assim como as anteriores, em anos diferentes e espaçados: 1498-1500, 1508, 1514
e 1516. Mas, à exceção da maçã que Jesus segura, todos os outros elementos são novos se
compararmos às gravuras analisadas anteriormente.
242
Cf. HIND, Arthur M. A History of Engraving and Etching from the Fifteenth Century to the Year 1914. New
York: Dover Publication, 1963.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
83
Figura 2.12 Albrecht Dürer. Maria vestida de sol,
1498. Gravura em cobre, 10,6 x 7,7 cm. Sem
procedência.
Figura 2.13 Albrecht Dürer. Maria vestida de
sol, 1508. Gravura em cobre, 11,8 x 7,5 cm.
Darmstadt, Hessisches Landesmuseum.
Figura 2.14 Albrecht Dürer. Maria vestida de
sol sobre o crescente de lua, 1514. Gravura em
cobre, 11,8 x 7,6 cm. Sem procedência.
Figura 2.15 Albrecht Dürer. Maria vestida de
sol, 1516. Gravura em cobre, 11,8 x 7,4 cm.
Sem procedência.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
84
Muito parecidas entre si, de uma maneira geral, não paisagens no segundo
plano, mas apenas a figura central de Maria e seu filho, sempre vestidos. Outro dado curioso é
que nos diversos trabalhos que analisam a obra de Dürer, essas gravuras são raramente
mencionadas, tanto que, nesta pesquisa, elas foram descobertas posteriormente. Por quê? E a
qual tradição elas estariam relacionadas?
Esse tipo iconográfico é conhecido como Maria vestida de sol ou Maria no
crescente de lua, enfatizando o outro atributo. Originalmente este tipo surgiu da interpretação
que associa Maria à mulher grávida descrita no livro do Apocalipse 12:1: Apareceu no céu
um sinal extraordinário: uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma
coroa de doze estrelas sobre a cabeça
243
. A mulher deu a luz a um filho que foi levado e
entregue a Deus e depois testemunhou a derrota de Satanás. A identificação dessa mulher com
Maria foi uma parte da exegese bíblica a partir do século quinto e, no século XV, ela era tão
forte a ponto de Albrecht Dürer ter desenhado para o livro de horas do imperador
Maximiliano I a figura de João Evangelista vendo Maria com a Criança sobre o crescente de
lua (Figura 2.16), em um trecho em que não menção a Maria, o início do Evangelho de
João: ―No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus‖ (João, 1:1).
243
Esta cena descrita no livro Apocalipse foi gravada por Dürer em sua grande série (ver Figura 2.3).
Figura 2.16
Albrecht Dürer. Livro
de Horas do Imperador
Maximiliano I:
Maria no crescente de
lua, João Evangelista
com Adler de Patmos,
fol. 17. Pena.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
85
A iconografia de Maria com a Criança sobre o crescente de lua e cercada de
raios do sol foi uma iconografia muito comum na Germânia a partir de meados do século
XV
244
. A mulher do Apocalipse, assim como Maria, foi considerada um símbolo da Igreja e,
para personificá-la, imagens com essa iconografia foram colocadas em muitos altares na
Germânia. Esse era o caso da Sebalduskirche de Nuremberg (Figura 2.17) e, especialmente,
da Frauenkirche de Nuremberg, igreja que, como vimos, foi construída no lugar de uma
Sinagoga, após a expulsão dos judeus da cidade. No centro da Frauenkirche fica uma
escultura de Maria como a Mulher do Apocalipse, segurando Cristo criança (Figura 2.18).
Bridget Heal conta que às vésperas da Reforma essa escultura parece ter sido
especialmente venerada, sendo copiada em 1498 e colocada no novo altar Welser-
244
A partir do século XIV, essas imagens eram usadas também para ilustrar a doutrina da Imaculada Conceição.
―Se Maria foi, como a sua identificação com a Mulher do Apocalipse sugere, predestinada a ser a mãe de
Cristo antes da criação do mundo, então ela era intocada pelo pecado original‖ (tradução nossa). SHILLER,
Gertrud. Ikonographie der christlichen Kunst, 8 vols. (Gütersloh, 1966-90), vol. 4, part. II, pp. 157-9. apud.
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 31. Albrecht Dürer, entretanto, não parece
desenvolver esse tema propriamente dito, especialmente porque na Imaculada Conceição a Criança está
ausente.
Figura 2.18 Mãe de Deus, c. 1440. Nuremberg,
Frauenkirche.
Figura 2.17 Madonna vestida de sol, c. 1425.
Nuremberg, Sebalduskirche.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
86
Thumenberg aproximadamente vinte e cinco anos mais tarde. Os inventários do tesouro da
igreja indicam que as duas esculturas da Virgem eram ricamente adornadas com robes,
coroas, véus, rosários e jóias. Uma dessas duas esculturas foi removida em outubro de 1529,
quando o conselho da cidade decretou que a imagem da Virgem deveria ser retirada da
Frauenkirche por causa de idolatria
245
.
Das oitenta e cinco
Marias com a Criança produzidas
por Dürer pelo menos treze
representam Maria como a Mulher
do Apocalipse e, dentre elas, a
xilogravura de apresentação do
bem-sucedido livro Vida de Maria
(Unser Frau Leben) (Figura 2.19),
na qual uma Maria lactans
aparece sentada no crescente de
lua e coroada pelas doze estrelas.
Este último atributo, entretanto,
não parece ter sido obrigatório: ele
é omitido em duas das gravuras
em cobre produzidas por Dürer
(Figuras 2.12 e 2.14).
A composição
simples dessas gravuras tem
levado os biógrafos de Dürer a
praticamente ignorá-las, talvez por
acreditarem que elas não fazem jus
à obra do grande artista Albrecht
Dürer‖. Entretanto, elas parecem
estar relacionadas ao grande
estrategista que, como vimos,
Dürer era. Muito provavelmente,
essas gravuras tinham um forte apelo emocional, uma vez que se assemelhavam a tantas
245
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 71.
Figura 2.19 Albrecht Dürer. Vida de Maria: Maria vestida de
sol, 1511. Xilogravura, c. 29,5 x 21,0 cm. Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 2
87
esculturas das principais igrejas da região e, por causa disso, elas deveriam ser muito vendidas
nas feiras que ocorriam durante as procissões e festividades de sua cidade e de outras cidades
próximas como Frankfurt e Regensburg
246
.
As quatro pequenas Marias vestidas de sol comprovam que além de gravuras
com composições elaboradas, Dürer produzia gravuras que trariam apenas a figura do santo
se assemelhando a função e composição que teriam as primeiras imagens produzidas com a
técnica da gravura. Como gravador, Dürer precisava levar em consideração a demanda de sua
sociedade, a vontade de seus compradores.
Ao longo do século XV, a gravura estabeleceu-se na Germânia como uma
técnica barata, destinada a reprodução e a compradores com menor poder aquisitivo. Quando
sua temática era religiosa, a gravura era considerada um objeto que ajudaria qualquer fiel em
sua devoção porque, além do preço acessível, era fácil de carregar devido às suas pequenas
dimensões. Albrecht Dürer aperfeiçoou-se nessa técnica e levou-a para além do artesanato,
transformando-a em um objeto desejado também por grupos com alto poder aquisitivo e
aproximando-a da pintura.
Por um lado as Marias de Dürer eram consideradas objeto de arte, uma vez que
tinham todas as inovações introduzidas pela pintura: solidez, perspectiva, luz e sombra, além
de dialogarem com uma longa tradição iconográfica. Por outro, as gravuras analisadas
continuavam sendo um objeto de devoção, ao reunirem formas e atributos que dialogavam
com o papel de Maria e Jesus na salvação da humanidade. Em uma sociedade cristã como a
de Dürer todos esses elementos eram percebidos por qualquer observador
247
e, por isso,
incitavam as práticas de devoção valorizadas no período e vistas no capítulo um. As Marias
de Albrecht Dürer eram humildes como a Maria do Magnificat, cheias de graça como a Maria
da Ave Maria, salvadoras por serem a Segunda Eva que venceu o Diabo, a eterna Mãe de
Deus e, por todos esses motivos, a maior protetora de Nuremberg.
246
O único autor ao qual tivemos acesso que menciona uma dessas gravuras em metal é: HAAS, Mechthild.
Albrecht Dürer: Art In Transition, Masterpieces from the Graphic Collection of the Hessisches Landesmuseum
Darmstadt, Germany. Washington, D.C.: International Arts & Artists, 2008, p. 68. Ao falar da gravura de
1508, o autor diz que ela é um exemplo de produção ―market-orientedde Dürer.
247
Em acordo com o termo period eye, proposto na introdução dessa dissertação. BAXANDALL, Michael. O
olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
Capítulo 3
ALBRECHT DÜRER E O HUMANISMO CRISTÃO
―Nós todos devemos ter alegria em aprender,
porque quanto mais sabemos, ficamos mais
parecidos com Deus que sabe tudo sobre todas as
coisas‖. Albrecht Dürer, Um prato para jovens
pintores
248
o mesmo tempo em que as práticas de devoção descritas no capítulo um
enraizavam-se em meio aos mais diversos grupos sociais: clérigos,
leigos, ricos e pobres; no ambiente das Universidades, especialmente, surgia um movimento
intelectual, que em grande parte contribuiu para o envolvimento e aceitação dos cidadãos de
Nuremberg das ideias propostas por Lutero a partir de 1517. O presente capítulo pretende
discutir o surgimento desse movimento conhecido como Humanismo; determinar suas
especificidades no Norte da Europa, onde ficou conhecido como Humanismo Cristão; discutir
de que maneira Albrecht Dürer o integrou. Por último, analisaremos as últimas gravuras
produzidas por Dürer com o tema de Maria com seu Filho (1518-1520), tentando verificar as
diferenças de representação existentes entre esse grupo e àquele analisado anteriormente.
Nosso objetivo principal será o de averiguar se as mesmas práticas descritas anteriormente
estavam presentes no novo grupo, e se alguma mudança de interpretação por parte do
artista, sabendo-o envolvido com o movimento humanista.
3.1 O surgimento do Humanismo
Tradicionalmente, o Humanismo é conhecido como um movimento que se
inicia no século XIV e termina no século XVI. Estudos mais recentes como os de Anthony
248
Tradução nossa de: ―We shall all gladly learn, for the more we know so much more do we resemble the
likeness of God who verily knoweth all things‖. CONWAY, William Martin. The writings of Albrecht Dürer.
New York: Philosophical Library, 1958, p. xviii.
A
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
89
Grafton, contudo, partindo da continuidade de certas práticas
249
, estendem o movimento até o
século XVIII
250
, dando-lhe um sentido mais amplo e o nome de Humanismo Moderno. Mas,
segundo o próprio Grafton, não se pode conseguir homogeneidade entre os historiadores desse
período por causa das tensões entre esses grupos. E, de fato, algumas definições
historiográficas para Humanismo bem divergentes entre si.
Em ensaio sobre a cultura humanista, Francisco Falcon lista três correntes
distintas
251
. Dessas, talvez a mais rejeitada pela atual historiografia seja aquela em que o
humanismo é descrito como a vertente filosófica do Renascimento, o lugar por excelência da
visão de mundo renascentista, como se pode ler, por exemplo, em Cassirer
252
. Nessa
interpretação, adotada com frequência pelos historiadores da filosofia, o Humanismo teria
surgido em oposição à escolástica e pretendia valorizar a natureza do homem e seus objetivos
no mundo, em detrimento dos valores religiosos que dominavam o cotidiano na Idade
Média
253
.
Paul Oskar Kristeller
254
parece ter sido o primeiro a se opor a essa corrente e a
apontar seus principais problemas. A partir dele, diversos estudos têm mostrado que os
frequentes ataques humanistas à escolástica não estavam relacionados à filosofia. Pelo
contrário, conforme Charles Nauert explica, a filosofia escolástica permaneceu dominante
até que o surgimento da física newtoniana, no século XVII, derrubasse a credibilidade da
filosofia aristotélica
255
. A escolástica teve outros rivais, como o platonismo, mas o
Humanismo nunca foi seu antagonista, por jamais ter sido uma corrente filosófica.
A disputa entre escolásticos e humanistas parece ter ocorrido devido a
divergências acerca do currículo. O ensino escolástico relutava em incorporar algumas
249
Anthony Grafton afirma que ―Humanismo não é difícil de definir. Para os intelectuais do império, ele detinha
até o final do século XVIII a forma original que Erasmo e seus contemporâneos tinham lhe dado‖ (tradução
nossa). GRAFTON, The world of Polyhistors: Humanism and Encyclopedism. ______. Bring out your dead.
Cambridge: Harvard University Press, 2004, p. 168. (tradução nossa).
250
Ibid., p. 166-180.
251
RODRIGUES, Antonio Edmilson M. e FALCON, Francisco José Calazans. Tempos modernos: ensaios de
História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.36-37.
252
Ibid, p. 36.
253
Devemos observar que essa análise parece ignorar o fato de que a maioria dos humanistas dos séculos XIV a
XVI estavam profundamente envolvidos pelos valores religiosos. Este é o caso de Petrarca, por exemplo,
conhecido como ―Pai do Humanismo‖.
254
KRISTELLER, Paul Oskar. Renaissance Thought: The Classic Scholastic and Humanist Strains. New York:
Harper Torchbooks, 1961.Cf. RODRIGUES, op. cit., p.19-48; GRAFTON, op. cit., p. 166-180; NAUERT,
Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2006;
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003; SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists.
Cambridge: Harvard University Press, 1963.
255
NAUERT, op. cit., p. 9.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
90
mudanças demandadas pelos humanistas, principalmente àquelas relacionadas aos studia
humanitatis.
Studia humanitatis é uma frase em latim, Charles Nauert explica, com origens
clássicas. Ela aparece pela primeira vez em Cícero, o escritor romano mais admirado pelos
humanistas do Renascimento, e sugere que humanidades eram as disciplinas que os garotos
deveriam estudar para que pudessem desenvolver por completo seu potencial como seres
humanos. Apesar de, a princípio, parecer incluir todas as sete artes liberais, Cícero se refere
ao cidadão romano que tem o direito e o dever de dividir a governança da República Romana,
sem se preocupar com a força física
256
.
Por volta da primeira metade do século XV, o termo humanista começou a ser
usado por estudantes, para designar os professores que ensinavam particularmente gramática,
retórica, poesia, história e filosofia moral, excluindo o quadrivium das sete artes liberais
(aritmética, geometria, astronomia e música) e as disciplinas ensinadas nas três maiores
faculdades das universidades medievais: direito, medicina e teologia
257
.
Os humanistas passaram a valorizar a capacidade de dominar e se expressar
através da língua latina e deram início a uma fase característica do que poderíamos chamar
de a tradição retórica da cultura ocidental
258
. Assim como Cícero, acreditavam que a oratória
e a poesia eram superiores e que, além da retórica, deveriam dominar a memória, afinal,
somente ela possibilitava o domínio das regras da retórica canônica. Os textos latinos
deveriam ser sabidos e citados de cor. Por quê? Com qual finalidade passou-se a valorizar
mais essas disciplinas em detrimento de outras que há séculos eram tidas como mais
importantes?
Charles Nauert oferece uma boa explicação a essas questões: as condições que
encorajaram esse ideal de educação a ser repetido na Itália, a partir do século XII, estão
relacionadas ao fato de os imperadores germânicos terem perdido o controle efetivo sobre a
Península Itálica. Assim, muitas cidades se tornaram Repúblicas com governos próprios
embora instáveis, por causa das disputas territoriais. Ainda que, na maioria dos casos,
estivessem sob um governo autoritário, as cidades mantinham algumas instituições e práticas
republicanas. E, de uma maneira bem geral, suas estruturas e práticas políticas lembravam as
256
NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 12.
257
Ibid, p. 8.
258
FALCON, Francisco José Calazans. Tempos Modernos: a cultura humanista. RODRIGUES, Antonio
Edmilson M. e FALCON, Francisco José Calazans. Tempos modernos: ensaios de História Cultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.36.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
91
da Grécia e Roma Antiga. De sorte que, as pessoas letradas teriam se voltado para a história
de Roma
259
.
Nauert também explica que, a princípio, essa atração pelos estudos humanistas
era sentida basicamente por juízes, advogados e notários. Mas, conforme as condições
políticas do século XIII se agravavam e davam origem às Repúblicas ou despotismos nos
séculos XIV e XV, os grupos sociais que dominavam a vida política encontraram nesses
estudos um modo de preparar seus filhos para o governo. Por fim, quando as famílias de
mercadores assumiram o governo das cidades, o aprendizado que capacitava os jovens para o
comércio deixou de ser o mais importante
260
.
Para esse novo grupo que se formava, a educação humanista tinha um caráter
bem mais prático do que o aprendizado da gica e das ciências naturais. Por mais que nos
dias de hoje isso pareça ser bastante contraditório, tendia-se a duvidar da validade e da
utilidade das generalizações abstratas oferecidas pela lógica, pela metafísica e pelas ciências
naturais que haviam dominado a educação medieval. Ao contrário desses saberes, e apesar de
os estudos de humanidades implicarem uma educação mais ampla, também proporcionava
forte ênfase na oratória e nos valores sociais necessários à elite governante. A retórica, a
gramática e a poesia ajudavam no aperfeiçoamento do discurso e da argumentação. A história
ajudava na tomada das decisões políticas e na previsão das consequências das decisões
morais. Por último, a moral e a filosofia ensinavam o dever e o modo de participação na vida
política
261
.
Seguir essa interpretação minimiza ou coloca em seu devido lugar a ênfase
dada por tantos historiadores ao interesse humanista pela Antiguidade Clássica. Esse
interesse, na verdade, sempre existiu. Como bem argumentou Lewis Spitz, existiram muitos
intelectuais da Idade Média e da Idade Moderna que estiveram teologicamente, esteticamente,
historicamente, filologicamente, ou simplesmente pedantemente interessados na Antiguidade,
que de forma alguma podem ser considerados humanistas
262
. E Spitz continua dizendo que
Humanismo, portanto, não foi meramente o interesse na Antiguidade Clássica e Cristã, mas
uma nova forma de olhar a Antiguidade.
Os manuscritos latinos aos quais os humanistas tiveram acesso no início do
século XV, estavam disponíveis desde a Alta Idade Média. Entretanto, poucos leitores
259
NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 13.
260
Ibid., p. 13-14.
261
Ibid., p. 12 e 15.
262
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University
Press, 1963, p. 4.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
92
sabiam de sua existência
263
. Durante toda a Idade Média, textos clássicos e cristãos eram
concebidos por autoridades, ou seja, eram como estatutos factuais sobre acontecimentos ou
indivíduos específicos. Cada estatuto era interpretado como sendo verdadeiro ou falso, mas
em qualquer um dos casos, era entendido como sendo a opinião de certa autoridade sobre um
determinado assunto. Por isso, com o passar do tempo, cada trabalho conhecido de um
escritor dotado de autoridade foi sendo dividido em uma série de estatutos menores. E cada
estatuto tendia a ser cada vez mais recortado e compreendido sem que as circunstâncias
históricas ou uma suposta intenção do autor fossem levadas em consideração
264
.
Essa era a maior crítica dos humanistas aos escritores da Idade Média. E, a
partir de Petrarca, os humanistas insistiram em ler cada texto em seu contexto literário,
abandonando as antologias e suas subsequentes interpretações, voltando aos textos originais
em busca da verdadeira intenção do autor. A antiga prática dos pensadores escolásticos de
fazer comentários e inserir excertos de suas próprias opiniões e questões junto aos textos
clássicos, com o intuito de lhes dar um novo significado foi rejeitada e interpretada como
fraude pelos humanistas
265
. Com a prática do retorno aos textos originais, os humanistas
davam o primeiro passo em direção a uma ars critica. E, ao duvidar das versões propostas
pelos antigos não clássicos, os humanistas modificaram o estatuto da verdade: esta, agora,
parecia particular, condicionada e subjetiva a muitas limitações
266
.
Segundo Lewis Spitz, quanto à forma, o Humanismo foi antes de tudo
estético
267
. Vinculado ao Renascimento, é nesse contexto que podemos utilizar termos como
imitação, aperfeiçoamento, ou ainda exemplaridade dos clássicos tão comuns em estudos
sobre o Humanismo e o Renascimento italiano. Entretanto, ao ver a Antiguidade como norma,
seguindo e buscando valores éticos e religiosos, o Humanismo se aproximava mais das
preocupações da Idade Média do que da Era Moderna
268
.
263
NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 10.
264
Ibid., p. 18.
265
Ibid, p. 18.
266
Ibid, p. 20.
267
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University
Press, 1963, p. 5.
268
SPITZ, op. cit., p. 5.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
93
3.2 O Humanismo Cristão no Norte europeu
A origem do Humanismo no Norte tem sido dominada por duas grandes
vertentes. A primeira considera que o Humanismo do Norte foi resultado da recepção do
Renascimento italiano, logo, dele se origina. Para essa vertente, o estudo de Jacob
Bruckhardt
269
foi decisivo. A segunda interpretação surgiu de revisionistas que viram no
Humanismo uma continuidade em relação ao passado medieval. Albert Hyma, por exemplo,
em The Christian Renaissance, a History of the Devotio Moderna (New York, 1924), atribuiu
o Humanismo do Norte fundamentalmente ao trabalho da Irmandade da Vida Comum
270
.
Charles Nauert pertence à primeira corrente e considera que a Devotio
Moderna foi um elemento que contribuiu para a predisposição da chegada do Humanismo ao
Norte. Entretanto, afirma que não existe uma relação mais complexa entre os dois
movimentos. Para ele, a fonte de inspiração do Humanismo do Norte foi definitivamente a
Itália
271
. Afinal, apesar de a Itália ter uma sociedade e cultura distintas do Norte, nos séculos
XIV e XV, havia poucas diferenças de religião, política e rotas com relação aos outros locais
da Europa. Não apenas pessoas, mas também ideias e livros circulavam e atravessavam os
Alpes a todo momento
272
.
A Germânia carecia de uma corte poderosa, mas alguns de seus estados
independentes aspiraram uma educação autônoma e fundaram suas universidades. Cidades
como Nuremberg, Augsburg e Strasbourg eram governadas por grupos de ricos mercadores e
donos de terra, chamados patrícios, que, de alguma forma, eram parecidos com as famílias
governantes italianas. Eles negociavam na Itália, mandavam seus filhos para estudar e
frequentemente achavam a cultura italiana do Humanismo mais atrativa e útil do que a
cultura escolástica das universidades
273
.
Apesar disso, Spitz acredita que outros movimentos também contribuíram para
a formação e consolidação desse grupo de humanistas germânicos dos séculos XV-XVI, e
para a existência de suas características específicas motivo pelo qual o movimento passou a
ser chamado pelos historiadores de Humanismo Cristão. Como influências mais importantes,
269
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. Brasília: UNB, 1991.
270
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University
Press, 1963, p. 4.
271
NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 106.
272
Ibid., p. 102.
273
Ibid., p. 103.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
94
Sptiz cita a Devotio Moderna, o misticismo germânico e o platonismo, sendo que desses três,
a primeira parece ter sido a mais significativa
274
.
A Devotio Moderna, para o autor, esteve presente de forma direta ou indireta
na vida de praticamente todos os humanistas do Norte. Conforme vimos no capítulo um, o
movimento foi criado pela Irmandade da Vida Comum fundada por Gerard Groote (†1384)
que pregava a interiorização da fé, valorizava a devoção privada, enfatizava a importância
do autoconhecimento e da vida prática cristã. A irmandade se alastrou primeiramente pelos
Países Baixos, mas atingiu a Germânia e chegou até a Saxônia, fundando escolas e
hospedarias para alunos pobres em cidades universitárias e prensas de impressão para a
elaboração e divulgação de uma de literatura devocional. Nicolas de Cusa, Agricola, Conrad
Celtis, Mutian, Johannes Murmellius, Hermann von dem Busche, Erasmo de Roterdã e
Martinho Lutero são alguns exemplos de humanistas que frequentaram as escolas dessa
irmandade
275
.
De uma forma ou de outra, assim como na Itália, a base para o novo modo com
o qual os humanistas do Norte interpretaram os autores clássicos foi a preocupação com
aquilo que os textos, os registros históricos e até simples palavras significavam originalmente.
Assim como os italianos, os humanistas germânicos também estavam preocupados com o
conteúdo verdadeiro das cartas antigas e com sua relevância e aplicabilidade para a vida, e
não meramente com a forma.
Entretanto, se tivermos que citar uma importante diferença entre o Humanismo
das duas regiões, o do Norte deve ser ressaltado como aquele que ficou marcado pela ênfase
nos estudos de filologia bíblia
276
. Além da influência dos movimentos mencionados, Lewis
Spitz aponta que isso ocorreu em parte porque o Renascimento, entendido como adoção de
novos modelos sociais e culturais, não tinha se expandido para o Norte. Assim, não houve um
apoio cultural e social que tivesse dado forma ao Humanismo
277
. Aliás, esse também teria
sido o motivo pelo qual o Humanismo do Norte teria se concentrado mais em escolas e
universidades do que em cortes principescas e na vida pública. Uma grande exceção,
entretanto, é o círculo de Nuremberg, do qual Albrecht Dürer, mesmo sendo originalmente
um simples artesão, acabou por participar.
274
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University
Press, 1963, p. 6.
275
Ibid., p. 8.
276
Cf. PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith.
The University of Michigan Press, 2003.
277
SPITZ, op. cit., p. 5. É interessante observamos que talvez tenha sido por isso que o humanismo do norte
tenha conseguido se manter, como prática cultural de alguns indivíduos, até o século XVIII; ao passo que na
Itália, essas práticas foram abaladas por mudanças políticas, sociais e religiosas.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
95
3.3 O Humanismo Cristão de Albrecht Dürer
Albrecht Dürer viveu cercado por homens bem conceituados em sua cidade e
em toda a Europa. Ao longo de sua vida cultivou amizades com outros artistas, líderes
políticos e humanistas, e essa trajetória parece ter começado desde a sua infância. rer foi
um privilegiado por estudar em uma das escolas de Nuremberg que, no século XV, era
considerada de vanguarda na educação. Mesmo que não haja informações sobre que escola
frequentou ao certo, as melhores análises propõem que Dürer estudou em uma das pequenas
escolas privadas da cidade, onde a maioria dos filhos de mercadores patrícios estudava
278
.
Apesar do status social de artesão de sua família, a casa em que Dürer nasceu e morou
durante a sua infância também estava cercada de pessoas importantes. Pertencia à família
Pirckheimer e localizava-se atrás da residência de Johannes Pirckheimer, na Praça do
Mercado. O pai de Dürer, chegado da Hungria, aos poucos foi se estabelecendo como ourives
e não tinha muitos recursos. Quando se tornou mestre e pode comprar uma casa em 1475, o
fez em uma excelente localidade. Dentre seus vizinhos estavam Anton Koberger, os
humanistas Sebald Schreyer e o Dr. Hartmann Schedel, Michael Wolgemut e as famílias
patrícias Behaim, Landauer e Kress von Kressenstein.
O ourives Anton Koberger era amigo do pai de Dürer, antes de se tornar
impressor e por isso, como vimos, acabou por tornar-se padrinho de Dürer e o maior
responsável por seu ingresso, como aprendiz, no ateliê de Michael Wolgemut, o principal
pintor da cidade. Koberger estabeleceu sua casa de impressão em 1470 e nas décadas
seguintes era considerada a mais produtiva em toda a Germânia, com vinte e quatro prensas e
aproximadamente cem aprendizes. O mesmo impressor abriu escritórios em Breslau, Cracow,
Viena, Veneza, Milão, Paris e Lion, para citar apenas os principais, e com funcionários
viajantes expandiu seus negócios por toda a Europa.
A importância artística dos trabalhos de Koberger apareceu quando, em
acordo com Michael Wolgemut, ilustrou seus livros. A primeira edição do livro Newe
Reformacion der Stat Nureberg foi o primeiro trabalho de Wolgemut para Koberger e o livro
é considerado o primeiro a ser ilustrado por um pintor profissional. Mas a obra mais
importante publicada e editada por Koberger e ilustrada por Wolgemut foi Liber
chronicarum
279
(ou Crônica de Nuremberg) de Hartmann Schedel. Este livro ricamente
278
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
22.
279
Um exemplar deste livro encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
96
ilustrado com xilogravuras produzidas, inclusive, por Albrecht Dürer foi financiado e
instigado pelo mercador Sebald Schreyer e seu cunhado Sebastian Kammermeister. O autor
do livro era físico, membro do Conselho e um dos principais deres dos Humanistas da
cidade. Seu texto combinava crônicas contemporâneas e medievais que deram origem a um
sumário do conhecimento sobre o mundo em 1493
280
.
Hartmann Schedel conhecia o que escrevia que herdara uma grande
biblioteca de seu primo e ele mesmo era um bibliófilo e tinha os livros básicos de filosofia
(seu campo de trabalho original) e volumes sobre quaisquer assuntos da Germânia que o
auxiliariam a ser o historiador que ambicionava ser. Comprou ou copiou toda a obra de Cícero
que conseguiu, tinha A vida de Carlos Magno de Einhard, A Divina Comédia, e Europa de
Enea Silvio. Reuniu tratados médicos, geográficos, e astronômicos e coletou inscrições
gregas, com a intenção de publicar uma monografia mais tarde. Diferente de muitos outros
bibliófilos de seu tempo, não desprezou livros impressos. Seus amigos, sabendo de sua
paixão, davam-lhe livros de presente assim como seus pacientes nos monastérios, nos
conventos e em Nuremberg. Seu catálogo listou mais de 600 volumes, mas não estava
completo porque nunca teve tempo de atualizar suas aquisições. Todos os seus livros eram
para uso público e Dürer provavelmente teve acesso a essa biblioteca pelo menos até 1513,
quando Schedel morre.
O pai de Dürer e seus vizinhos parecem, portanto, ter sido fundamentais para a
formação profissional e intelectual deste gravador, em um primeiro momento. Muitos autores,
porém, apontam que outra pessoa foi grande responsável pelo amplo sucesso e influência
conquistados por Albrecht Dürer: o amigo Willibald Pirckheimer (1470-1530), filho do
patrício Johannes Pirckheimer, proprietário da casa onde Dürer nasceu.
É difícil precisar quando a amizade de Albrecht Dürer e Willibald Pirckheimer
teve início. Segundo Jane Hutchison provavelmente não foram amigos de infância porque,
apesar das moradias próximas, pertenciam a níveis diferentes da sociedade. Além disso, por
poucas vezes teriam se encontrado na cidade, que os Pirckheimers nunca chegaram a morar
realmente na casa de Nuremberg
281
.
Em sua juventude, Pirckheimer chegou a iniciar os treinamentos de cavalaria
na corte de Guilherme II de Reichenau, Bispo de Eichstätt, mas foi seu próprio pai que o
280
STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern
times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 259.
281
O mais provável inclusive é que Johannes Pirckheimer tenha permitido a estadia do pai de Dürer em sua
propriedade com a condição de que este tomaria conta das suas duas casas. HUTCHISON, Jane Campbell.
Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.52
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
97
dissuadiu da carreira militar e enfatizou a importância dos estudos. Assim, aos 18 anos,
Pirckheimer partiu para iniciar seus estudos na Itália, onde permaneceu por sete anos (1488-
1495)
282
. Pirckheimer foi o último nome de uma ilustre família germânica a ter grandes laços
com a Itália. Em meados do século XIV, os Pirckheimers estavam dentre os mercadores
germânicos de Veneza. O avô de Willibald, Hans, estudara na Perúgia, em Bolonha e em
Pádua. Seu tio-avô, Thomas, estudara em Bolonha, Pávia e Pádua. Ambos eram próximos aos
círculos de Enéas Silvio e tiveram amigos próximos a Nicolas de Cusa. Seu pai continuou
essa tradição e se formou em Direito na Universidade de Pádua, em 1465. Na Itália pertencera
ao círculo de poetas como Peter Luder e conhecera seus compatriotas Hermann e Hartmann
Schedel e Georg Pfintzing. Johann também parece ter se interessado pelo Humanismo
italiano: copiou ou adquiriu cópias de uma série de tratados morais clássicos de Lactâncio e
tinha tratados de humanistas contemporâneos como o De ingenius moribus, de Vergério;
sabe-se que lera Ficino e que adquiria muitas recentes publicações de livros de teologia
283
.
Apesar de ter sido enviado para estudar Direito em Pádua, como tinham feito
seu pai e seu avô, Willibald aplicou-se também em Ciências Naturais, Astrologia,
Matemática, Geografia, Medicina e Literatura Grega. Em 1491, transferiu-se para Pávia e
dedicou-se aos mesmos estudos. Segundo Charles Nauert, a Universidade de Pádua é
conhecida por ter sido um dos primeiros lugares a ter entusiastas da língua e literatura da
Roma Antiga
284
. Foi que Pirckheimer se interessou também pelos estudos de
humanidades
285
.
Quando retornou a Nuremberg em 1495, Willibald Pirckheimer era um dos
mais influentes humanistas germânicos, conhecedor de uma vasta bibliografia e dono de uma
boa biblioteca privada que, em sua época, estava sempre aberta à comunidade acadêmica.
Junto com o humanista Conrad Celtis (1459-1508), desejava incentivar o estudo de
humanidades na Germânia para mediar a impressão que os italianos tinham dos
germânicos ao considerá-los beberrões e selvagens. Para constituir essa elite intelectual,
Pirckheimer introduziu o estudo de Geografia no currículo das escolas germânicas de nível
médio e trabalhou na tradução para o latim e para o alemão de autores gregos e romanos como
Xenofonte, Lúcio, Isócrates, Plutarco, Platão e Salusto. Suas traduções para o Latim atendiam
282
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University
Press, 1963, p. 157. Alguns autores sugerem que durante a sua primeira viagem a Itália, Albrecht Dürer teria se
encontrado com Willibald Pirckheimer. Mas, além da proximidade das datas, não há nenhum documento que
comprove essa afirmação.
283
SPITZ, loc. cit.
284
NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 6.
285
SPITZ, op. cit., p. 157.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
98
a muitas universidades que não ensinavam o grego, enquanto as traduções para o alemão
pareciam atender aos conventos e ao grande público
286
.
A casa de Pirckheimer era uma hospedaria para os homens eruditos. Em sua
mesa jantaram Martinho Lutero, Phillip Melanchton, Conrad Celtis, Ulrich von Hutten,
Galeazzo di San Severino, o patrono de Leonardo da Vinci em Milão, dentre outros. Nas
palavras de Spitz, a lista de seus correspondentes parece um dicionário de literatos do
Renascimento, ou como o index de Tritêmio, De viris illustribus
287
e inclui nomes como os
de Erasmo de Roterdã, Georg Spalatin, Beatus Rhenanus, David de Marchello, Giovanni
Francesco Pico della Mirandola, e Ulrich Zwingli.
Pirckheimer tem sido aplaudido como o humanista germânico que mais
incorporou o Renascimento italiano no seu modo de vida. Elogiaram-no Chelidonius e
Irenicus, companheiros humanistas, por unir as obrigações do estado ao aprendizado e às
letras. E, segundo, Spitz, seu senso de dever e vontade de servir o estado podem ser
considerados como uma espécie de humanismo cívico. Pirckheimer fez amizade com
membros da corte de Sforza, em Milão, e com Giovanni Francesco Pico della Mirandola, e
através dele manteve contato pessoal com a escola florentina
288
.
O primeiro contato de Dürer com um humanista parece ter ocorrido na
Basiléia, através de Sebastian Brant (1457-1521) que o convidou para produzir xilogravuras
que ilustrariam o livro Das Narrenschiff (O Navio dos Tolos - 1494), logo após a ida de Dürer
a Colmar. Mas a maioria dos autores concorda que o grande responsável pelo envolvimento
de Dürer com intelectuais e humanistas de seu tempo foi seu melhor amigo, Willibald
Pirckheimer.
Como vimos pela trajetória de Pirckheimer, Dürer e ele não parecem ter sido
amigos de infância. Mas assim que chegou a Nuremberg, Pirckheimer iniciou uma amizade
com o gravador cuja intensidade pode-se perceber por diversos documentos escritos, como
cartas e dedicatórias
289
. A amizade de Pirckheimer, que era membro do Pequeno Conselho
286
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990.
passim.
287
SPITZ, Lewis W. The Religious Renaissance of the German Humanists. Cambridge: Harvard University
Press, 1963, p. 157.
288
Ibid., p. 158.
289
Um exemplo muito estudado são as cartas que Dürer escreveu para Pirckheimer durante a sua segunda
viagem a Itália. Transcrição em: DIGITALE Bibliothek Band 28. Lebenszeugnisse: Briefwechsel (Auszüge).
Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1744. Tradução para o ingles em: DÜRER,
Albrecht. Journeys to Venice and Low Countries. Versão digital (e-book) disponível em: www.gutenberg.org.
Acesso em: 20 de junho 2005.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
99
em 1498, possibilitou a Dürer participar de um meio em que, por vir de um grupo social
distinto, provavelmente não conseguiria entrar por conta própria.
As gravuras e a personalidade de Dürer devem ter chamado a atenção de
Pirckheimer que, de diversas formas, cada vez mais encorajava o gravador. Pirckheimer
financiou uma das duas viagens de Dürer à Itália. Foram ainda traduções de Pirckheimer que
possibilitaram a Dürer ler os antigos textos gregos e latinos, bem como os italianos
contemporâneos. Através de seu amigo, Dürer conheceu praticamente todas as famílias
patrícias de Nuremberg. E, quando, na confortável casa de Pirckheimer, se hospedavam os
principais humanistas que passavam por Nuremberg, Dürer sempre estava presente
290
.
Mas, como pondera o historiador David Price,
a participação de rer no movimento humanista era incomum por uma
razão básica ele não era um estudioso do latim. Mesmo seu devoto
biógrafo Joachim Camerarius qualificou sua hagiografia com a concessão
de que Dürer ―não teve estudos literários‖. Por ―estudos literários‖,
Camerarius quis dizer a análise e também a imitação da produção dos
escritores latinos clássicos. Isto não era da alçada de Dürer. Apesar de
muitos dos seus projetos revelarem uma forte atração a isso, a composição
de poesias em latim, com a facilidade esperada, e pode até se dizer a raison
d’être do humanista do Renascimento, estava muito além do seu alcance.
Mas também é certo que ele podia ler o latim, talvez com facilidade. E mais
tarde ele recomendou o estudo do latim para artistas ainda jovens para que
eles pudessem aprender a ler ou, como ele disse, poder ―zw versten ettlich
geschrift‖ [entender alguns escritos]
291
.
Mesmo sendo incomum, um certo consenso sobre a participação de Dürer
nos círculos humanistas
292
. Alguns autores apontam, inclusive, como as suas imagens
transporiam as ideias humanistas
293
. O interesse de Dürer por História, Filosofia, Poesia e
Literatura Clássicas permitiu que ele ampliasse seus horizontes profissionais, incluísse temas
clássicos em suas gravuras e estudasse as proporções humanas. Mas é possível que o seu
verdadeiro interesse pelo Humanismo não estivesse vinculado a esses conhecimentos, e sim a
filologia bíblica e a História do Cristianismo. Para Albrecht Dürer, os valores cristãos estavam
290
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
48-56.
291
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003, p. 10.
292
Cf. HUTCHISON, op. cit.; MONTEGORY Museum of Fine Arts. Faith and Humanism: Engravings and
Woodcuts by Albrecht Dürer. Alabama, 2002; PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New
Jersey: Princeton University Press, 1948; PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism,
Reformation, and the Art of Faith. The University of Michigan Press, 2003.
293
Uma análise específica sobre esse tema feita por mim estará na primeira edição da Revista Discente Ars
Historica, que tem publicação prevista para junho de 2010.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
100
sempre acima de quaisquer moldes clássicos, por mais valorizados que eles fossem nesse
período do Renascimento. E nesse sentido é emblemática a frase de 1510, em que Dürer opina
sobre os modelos clássicos. Ele diz que:
Assim como eles usavam as mais lindas proporções humanas para o seu
ídolo Apollo, nós também deveríamos usar essas mesmas proporções para
Cristo o Senhor, o mais belo do mundo. E assim como eles usavam Vênus
para expressar a mais sublime beleza, deveríamos usar a mesma figura
elegante e refinada para a pura Virgem Maria, a mãe de Deus. E assim
como Hércules, deveríamos fazer Sansão, e deveríamos fazer o mesmo com
todos os outros
294
.
Um exemplo claro da aplicação de rer dos modelos clássicos em temas
religiosos é a gravura de Adão e Eva (ou Queda do Homem) de 1504 (Figura 3.1), que parece
ter sido inspirada no Apolo de Belvedere (Figura 3.2). Encontrado por volta de 1496, a
escultura pertencia a Giuliano della Rovere, mais tarde papa Julio II, e foi provavelmente a
um desenho italiano e não à própria escultura que Dürer pode ter acesso
295
.
294
Tradução nossa de: ―Dann zu gleicher Weis, wie sie die schönsten Gestalt eines Menschen haben zugemessen
ihrem Abgott Abblo, also wollen wir dieselb Moß brauchen zu Crysto dem Herren, der der Schönste aller Welt
ist. Und wie sie braucht haben Fenus als das schönste Weib, also woll wir dieselb zierlich Gestalt kräuschlich
darlegen der allerreinesten Jungfrauen Maria, der Mutter Gottes. Und aus dem Erculeß woll wir den Somson
machen, desgeleichen wöll wir mit den andern allen tan‖. DIGITALE Bibliothek Band 28. Kunsttheoretische
Schriften: Lehrbuch der Malerei. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 878.
295
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003, p. 75. Cf. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography.
Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 85.
Figura 3.1 Albrecht Dürer. Adão e Eva, 1504.
Gravura em metal, 25,2 x 19,4 cm. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 3.2 Leocares. Apollo Belvedere, c.
350-325 d.C. Mármore branco, 224 cm.
Museu do Vaticano.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
101
Para Dürer, assim como para Pirckheimer e outros expoentes do humanismo
cristão, as formas da Antiguidade deveriam servir como modelos e como inspiração, mas
precisavam ser re-significados. Precisavam ser traduzidos para seu momento presente ou
espaço de experiência, como quer Koselleck
296
. E nesse início do século XVI, o presente era a
fé cristã.
Mas para além de
uma simples permanência de formas
e substituição de temas, nas gravuras
de Dürer também podemos
encontrar algumas reflexões sobre o
seu tempo e algumas das principais
questões humanistas. Em O
cavaleiro, a morte e o diabo de 1513
(Figura 3.3), por exemplo, podemos
identificar as mesmas questões
trabalhadas por Erasmo em
Enchiridion Militis Christiani
(Manual do Soldado Cristão de
1501)
297
.
O cavaleiro de Dürer
tem sido alvo de diversas
interpretações
298
. Mas em todas elas,
está implícita a ideia da vida terrena
ser passageira. Se não observar e
cuidar dos seus atos, o diabo e a
morte que rondam o cavaleiro
296
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Editora Contraponto, 2006.
297
NAUERT, Charles G. Humanism and the Culture of Renaissance Europe. Cambridge: Cambridge University
Press, 2006, p. 188.
298
Cf. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990;
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948. No ano
de 2009 foi produzida uma monografia sobre essa gravura no IFCS. ARAÚJO, Leonardo de. As
representações de morte e do desconhecido na Idade Média: uma análise de ―Cavaleiro, morte e Diabo‖ de
Albrecht Dürer (1513). 2009. Monografia (Graduação em História) Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Figura 3.3 Albrecht Dürer. O cavaleiro, a morte e o diabo, 1513.
Gravura em metal, 24,5 x 18,8 cm. Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
102
estarão esperando por ele no final dos tempos: está implícita a ideia de que as más atitudes
serão punidas no Julgamento Final.
O humanismo cristão se diferenciou do italiano principalmente pela ênfase na
filologia bíblica e pela preocupação e engajamento com questões religiosas. As gravuras de
Albrecht Dürer parecem estar plenamente de acordo com essas características centrais do
humanismo cristão do século XVI. Além do constante uso das formas antigas, dos temas
antigos e do retorno às fontes, Dürer procurava trabalhar também na re-significação do
passado. Por mais que não fosse um homem das letras, seu intelecto, aprendizado informal e
paixão pelos tópicos humanistas eram tão impressionantes que seus conhecimentos, de
alguma forma, se equivaleram aos feitos dos humanistas acadêmicos
299
.
3.3.1 Os Sodalitas Staupitziana
O interesse pela Bíblia e sua filologia fizeram com que Willibald Pirckheimer e
Albrecht rer se identificassem com as pregações de Johann Staupitz, quando estas
chegaram a Nuremberg. Atualmente, Johann von Staupitz (1460-1524) é mais conhecido por
ter sido o primeiro mentor e confessor de Lutero, o homem que mais tarde enviou a defesa das
Noventa e Cinco Teses a Roma e quem finalmente libertou o reformador dos votos
agostinianos. Mas, em 1511 e 1512, como vigário geral da Congregação Germânica dos
Agostinianos, vinha Staupitz ganhando reconhecimento e aceitação por falar, em seus
sermões, de um retorno ao que seria a teologia do próprio Cristo, a partir dos Evangelhos
Canônicos.
Em 1516, com esta fama e como Deão da Faculdade de Teologia na nova
Universidade de Wittemberg, Staupitz passou uma temporada em Nuremberg para pregar uma
série de sermões durante o Advento. O assunto em pauta era a verdadeira penitência e a
ineficácia das obras humanas
300
e, segundo Gerald Strauss,
Staupitz era um poderoso orador de comovente personalidade. Um
grupo de amigos reuniu-se ao redor dele durante as suas visitas para
prolongar e discutir seus sermões e os problemas que surgiriam após
sua partida. Estes encontros transformaram-se em um fórum para
299
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003. p. 10.
300
STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern
times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 160.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
103
explorar problemas sérios, que iam além dos cuidados com as
questões comerciais e políticas do dia-a-dia
301
.
Essa grande e entusiasmada audiência incluía todo o grupo humanista de
Pirckheimer: Albrecht Dürer, Lazarus Spengler, os Tesoureiros do Conselho Hieronymus
Ebner e Anton Tucher (o último, um amigo próximo de Frederico, o sábio), os irmãos Endres
e Martin Tucher (mais tarde o burgomestre de Nuremberg), Kaspar Nützel (o primeiro a
traduzir as noventa e cinco teses de Lutero para o alemão), Sigmund e Christoph Fürer,
Christoph Scheurl (ex-conselheiro e diplomata de Frederico, o sábio, e, nesse momento,
jurista do Conselho da cidade), Jakob Welser, e Hieronymus Holzschuher
302
. Os amigos
também estavam presentes nas pregações de Staupitz durante a Quaresma, na primavera de
1517. Na ocasião, jantaram com ele e ficaram impressionados com a ênfase dada por Staupitz
na infinita capacidade de Deus perdoar, no significado da Paixão de Cristo como a única
chave para a salvação e ao seu desprezo por cerimônias vazias
303
.
O interesse do círculo de Pirckheimer nos ensinamentos de Staupitz foi tanto
que eles começaram a se auto-intitular Sodalitas Staupitziana
304
enquanto se reuniam para
estudar e discutir a Bíblia, sermões e outros textos. Mas, no início de 1517, Staupitz enviou
a Nuremberg Wenceslau Linck, o prior da Ordem dos Agostinianos e professor da faculdade
de Teologia em Wittenberg. Linck uniu-se ao grupo e, através dele, o contato dos Sodalitas
com Lutero estreitou-se. Uma análise da correspondência de Christoph Scheurl, a melhor
fonte para as atividades do grupo, indica que o grupo teve acesso aos escritos de Lutero sobre
a Carta de Paulo aos Romanos meses antes da publicação das Noventa e Cinco Teses e,
quando esse texto foi publicado, Linck e seus amigos estudaram-nos e discutiram-nos com
cuidado
305
. Não é de se estranhar, portanto, que a impressão mais antiga das Noventa e Cinco
Teses que chegou até nós seja de Nuremberg, assim como a sua primeira tradução para o
301
Tradução nossa de: ―Staupitz was a powerful orator and moving personality. A group of friends gathered
round him during his visits, to draw him out while he was there and discuss his sermons and the issues they
raised after his departure. These meetings became a forum for exploring serious matters beyond the cares of
day-to-day commercial and political affairs‖. STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics
and life between Middle Ages and Modern times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 160.
302
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
123. Cf. STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and
Modern times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 160.
303
HUTCHISON, op. cit., p. 123.
304
Segundo Jane Hutchison, o nome era uma homenagem tanto ao vigário agostiniano quanto ao grupo Sodalitas
Celtica, da geração de Sebald Schreyer. HUTCHISON, loc. cit.
305
STRAUSS, op. cit., p. 162.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
104
alemão, fora feita por Kaspar Nützel no início de 1518
306
. No início de 1519, já sob a
liderança informal de Lazarus Spengler, o grupo passou a intitular-se Sodalitas Martiniana
307
.
Em outubro de 1518, a caminho de Augsburgo, Lutero passou por Nuremberg,
onde se encontrou brevemente com alguns membros dos Sodalitas
308
. Apesar de não haver
documentação sobre esse encontro, sabe-se que Lazarus Spengler, Kaspar Nützel, Leonhard
Groland e Albrecht Dürer também estavam na Dieta de Augsburgo daquele ano. rer,
especificamente, tinha a missão de produzir retratos de Maximiliano I (Figura 3.4), do
Cardeal Albrecht von Brandenburg (Figura 3.5), do Conde Philipp zu Solms (Figura 3.6), e do
Cardeal Matthäus Lang (Figura 3.7)
309
. Jane Hutchison complementa ainda que, após Staupitz
liberar Lutero de seus votos, este saiu a cavalo, passando por Nuremberg novamente. Dessa
vez teria sido convidado a ir à casa de Willibald Pirckheimer, onde lhe mostraram uma cópia
das instruções do papa Leão ao Cajetan, ordenando a prisão de Lutero e a excomunhão de
seus seguidores
310
.
306
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003, p. 19.
307
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
124.
308
STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern
times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 162.
309
HUTCHISON, op. cit., p. 119.
310
Ibid., p. 125.
Figura 3.4 Albrecht Dürer. Imperador Maximiliano,
1518. Carvão, 38,1 x 31,9 cm. Viena, Albertina.
Figura 3.5 Albrecht Dürer. Cardeal Albrecht
von Brandenburg, 1518. Carvão ou giz, 42,8 x
32,2 cm. Viena, Albertina.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
105
Mas, segundo Gerald Strauss,
não muito depois, contudo, alguns de seus admiradores começaram a pensar
duas vezes. Foi especialmente os seus precipitados e descuidados
pronunciamentos durante o debate de Leipizig com Johann Eck, um
acadêmico brilhante, também muito admirado pelos membros dos Sodalitas,
que acabaram por alienar alguns daqueles que de início o aclamaram
311
.
Christoph Scheurl e Willibald Pirckheimer parecem ter começado a perder o
interesse pelos posicionamentos de Lutero, mas outros membros deram continuidade ao
grupo, a começar por Lazarus Spengler que, segundo Gerald Strauss, ―lia tudo que chegava de
Wittenberg
312
. Albrecht Dürer provavelmente também continuou a fazer parte do grupo,
que comprou presentes para alguns de seus membros na viagem aos Países Baixos em 1520-
311
Tradução da autora de: ―Not long afterwards, however, some admirers began to have second thoughts. It was
especially his rash and apparently unguarded pronouncements during the Leipizig debate with Johann Eck, a
brilliant scholar also much admired by members of the Sodalitas, that served to alienate some of those who
had first acclaimed him‖. STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between
Middle Ages and Modern times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 162.
312
STRAUSS, loc. cit.
Figura 3.7 Albrecht Dürer. Cardeal Matthäus
Lang, 1518. Pena, 38,8 x 27,7 cm. Viena,
Albertina.
Figura 3.6 Albrecht Dürer. Conde Philipp zu
Solms, 1518. Carvão ou giz, 37,0 x 25,0 cm.
Sem procedência.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
106
1521, como nos lembrou Jane Hutchison
313
. Mas, apesar do distanciamento de Pirckheimer,
em 1520 seu nome apareceu na mesma Bula Papal que excomungou Martinho Lutero e
Lazarus Spengler, dentre outros.
Como vimos anteriormente, os membros do Pequeno Conselho de Nuremberg,
governantes da cidade, eram membros do grupo dos patrícios famílias tradicionalmente
ricas, com negócios bem-sucedidos, responsáveis pela formação da própria cidade e unidas
por uma história comum de conquista, liderança e aprendizado
314
. Esse grupo, do qual
Pirckheimer, Spengler e muitos outros Sodalitas faziam parte, sentia-se responsável pelo bom
governo da cidade e por todos os aspectos cívicos da sociedade, inclusive pela esfera
religiosa
315
.
Assim, no outono de 1525, o Conselho de Nuremberg adotou oficialmente as
ideias de Lutero, posicionando-se ao lado da Reforma e dando inicio às diversas alterações
que o calendário litúrgico sofreria. Sem iconoclasmo ou violência, visualmente, pouco
mudou. Algumas pinturas retornaram aos seus patronos, outras foram temporariamente
cobertas, poucos altares foram removidos. Essencialmente, as igrejas permaneceram como
eram: com objetos de arte sacros intactos
316
. Debandaram muitos membros das ordens
religiosas, inclusive os agostinianos, ao que muitas de suas propriedades foram tomadas para
propósitos seculares. Em alguns casos, como o da Ordem das Clarissas, encabeçada por
Caritas Pirckheimer, permitiu-se que a ordem continuasse até a morte de seus membros, mas
sem novas admissões
317
.
Nuremberg foi a primeira cidade em todo o norte do império a oficializar a
Reforma. Esta foi, entretanto, uma posição de certa forma isolada. Como vimos
anteriormente, Nuremberg tinha o status de cidade imperial e podia responder por suas
próprias prerrogativas. Para tomar essa atitude, a cidade não precisou se posicionar na disputa
313
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
124.
314
As famílias patrícias de Nuremberg eram: Holzschuher, Pfinzing, Ebner, Stromair, Grundhen, Nützel, Muffel,
Tetzel, Baumgartner, Pirckheimer, Imhof, Kress, Tucher, Schürstab e Volckamer.
315
Como Nuremberg pertencia à diocese de Bamberg, a supervisão eclesiástica sempre esteve meio ausente.
DILLENBERGER, John. Images and Relics: Theological Perceptions and Visual Images in Sixteenth-Century
Europe. New York: Oxford University Press, 1999, p. 71. Cf. STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth
century: politics and life between Middle Ages and Modern times. Bloomington: Indiana University Press,
1976.
316
DILLENBERGER, op. cit., p. 71. Cf. HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern
Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, passim.
317
DILLENBERG, op. cit., p. 71.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
107
pelo poder político que ocorria entre a Igreja Papal, os príncipes e o Império tinha esta
cidade seu poder consolidado
318
.
3.3.2 Albrecht Dürer e Martinho Lutero
Devido a sua participação no Sodalitas Staupitziana, Dürer foi um dos
primeiros homens a aderir à causa de Lutero fora de Wittenberg, como sugere uma carta de
cinco de março de 1518, do próprio Lutero, a Christoph Schreul. E Willibald Pirckheimer, em
carta de novembro de 1530, endereçada a Johann Tschertte, um arquiteto de Viena conhecido
de Albrecht Dürer, também confirma a posição de Dürer ao dizer que no início [ele] também
era um bom luterano assim como nosso antigo Albrecht
319
.
Diversos estudiosos relacionam uma série de outras evidências que comprovam
que Albrecht Dürer realmente se interessou pelas ideias de Martinho Lutero
320
. Uma das mais
citadas é que, dentre os manuscritos do British Museum está uma lista, com a letra de Dürer,
de dezesseis dos primeiros panfletos de Lutero, todos datados entre 1516-1520. Não podemos
afirmar se o documento foi feito como um inventário ou como uma lista de leitura, mas os
trabalhos incluíam panfletos de Lutero contra as indulgências (Wittenberg 1518); o Sermão
sobre indulgência e graça (Wittenberg, 1518); o sermão sobre o banimento, ou seja, a
excomunhão (Leipizig, 1520); um dos dois primeiros panfletos sobre Os dez mandamentos
(1518-1519); dois sermões sobre penitência; o tratado sobre os três tipos de pecado; tratados
sobre confissão e recebimento do sacramento; sobre o significado da Paixão de Cristo; sobre
casamento (Leipizig, 1519); um sermão pregado em Leipizig (1519), a explicação sobre o
significado do Pai Nosso (Leipizig, 1518); a tradução de Lutero dos Sete Salmos Penitenciais
(Leipizig, 1518); uma explicação do Salmo 109, endereçado a Hieronymus Ebner e a primeira
proposição de Lutero debatida contra Eck em Leipizig de que Cristo, não o papa, é a cabeça
da Igreja
321
.
318
DILLENBERGER, John. Images and Relics: Theological Perceptions and Visual Images in Sixteenth-
Century Europe. New York: Oxford University Press, 1999, p. 71.
319
Tradução nossa de: ―I admit that in the beginning I was also a good Lutheran, just like our late Albrecht‖.
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003, p. 229.
320
Para uma análise aprofundada desse assunto: PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance:
Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The University of Michigan Press, 2003.
321
PRICE, op. cit., p 227. Cf. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton
University Press, 1990.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
108
Há, ainda, duas cartas de Dürer endereçadas a Georg Spalatin (Georg
Burkhardt aus Spalt; 1484-1545)
322
, capelão e secretário de Frederico, o sábio, nas quais
Dürer comenta sobre Lutero. Em uma delas, provavelmente escrita em 1520, o gravador
agradece a Spalatin uma obra de autoria de Lutero: Die Büchlein Lutheri (O Pequeno Livro de
Lutero), que o capelão lhe teria enviado, a mando de Frederico, o sábio. Dürer pede ainda a
Spalatin o envio de qualquer coisa nova que o Dr. Martinho tenha escrito em alemão e,
além disso, escreve que Lutero foi o cristão que lhe ajudou a superar grande agonia
323
. O
significado desta última frase, especificamente, tem sido muito discutido entre os mais
diversos estudiosos. A mais aceita e com poucas variações é a de que a grande agonia da qual
Dürer diz ter se libertado com a ajuda de Lutero era provavelmente o medo da morte e da
danação
324
. Segundo Gerald Strauss, a mensagem de esperança que teria acabado com este
medo foi o Evangelho de um Cristo sacrificado: a humanidade já estava salva desde que Jesus
pagara-lhe os pecados na cruz. Este não era um novo Evangelho, mas um Evangelho
declarado com fervor revigorado e vívido, coloquial, com linguagem pictórica
325
. Para
pessoas comuns, que não tinham pretensões particulares, a mensagem tinha a virtude de ser
simples. Homens eram fracos e irresolutos, vítimas de forças e circunstâncias que não podiam
entender e muito menos controlar
326
. Mas o principal indício da admiração de Dürer por
Lutero, e o mais estudado também, é a oração que o gravador registrou em seu diário de
viagem aos Países Baixos, a favor do pregador.
Em julho de 1520, Albrecht Dürer, acompanhado de sua esposa e uma dama de
companhia, parte em direção aos Países Baixos, onde se estabelece por aproximadamente um
322
A carta original encontra-se na Biblioteca da Universidade da Basileia, a transcrição em: DIGITALE
Bibliothek Band 28. Lebenszeugnisse: Briefwechsel (Auszüge). Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk, p. 1801.
323
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
125. A carta na íntegra diz: ―To the honorable and most learned Mr. Geörgen Spalentius, my most gracious
lord Duke Friedrich‟s princely chaplain. Most worthy dear sir! I have already sent you my thanks in a brief
letter after having read only your note. Only afterward, when the little bag that held the book was turned inside
out, did I find your real letter, from which I learned that it was my gracious lord himself [Friedrich the Wise]
who sent me Luther‟s little book. Therefore I pray Your Honor to convey my humble gratitude to His Electoral
Grace, and beg him humbly that he will protect the praiseworthy Dr. Martin Luther for the sake of Christian
truth. It matters more than all the riches and power of this world, for with time everything passes away; only
the truth is eternal. And if God helps me to come to Dr. Martinus Luther [“das jch zw doctor Martinus Luther
kom”], then I will carefully draw his portrait and engrave it in copper for a lasting remembrance of this
Christian man who has helped me out of great distress. And I beg your worthiness to send me for my money
anything new that Dr. Martin may write in German(tradução encontrada no livro de Jane Hutchison).
324
STRAUSS, Gerald. Nuremberg in the sixteenth century: politics and life between Middle Ages and Modern
times. Bloomington: Indiana University Press, 1976, p. 168. Cf. HUTCHISON, op. cit.; PRICE, David
Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The University of
Michigan Press, 2003; PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton
University Press, 1948.
325
STRAUSS, op. cit., p. 168.
326
Ibid., p. 168 e 169.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
109
ano. Ao longo de todo esse período, utilizou um diário para registrar suas principais
impressões sobre os lugares que visitava e para controlar seus gastos, inclusive a venda e
distribuição de suas gravuras
327
. O documento é riquíssimo do ponto de vista da História
Cultural, na medida em que descreve uma série de práticas comuns no período, como a
procissão do dia da Assunção em Antuérpia, que vimos no primeiro capítulo
328
.
De uma maneira geral, sugere-se que o motivo principal da viagem de Dürer
era o de conseguir a renovação de sua bolsa anual, concedida por Maximiliano I em 1515.
Desde a morte inesperada do imperador, em 1519, o conselho de Nuremberg cortara a verba e
Dürer deve ter visto na coroação de Carlos V uma oportunidade de reavê-la e, de fato, foi
bem-sucedido. Para Jane Hutchison, entretanto, a saída de Dürer de Nuremberg também
poderia estar relacionada à Bula Papal de quinze de junho que ameaçava Spengler e
Pirckheimer de excomunhão. Para esta autora, Dürer preferira afastar-se do centro dos
acontecimentos
329
. Por outro lado, o famoso gravador teria escolhido a cidade de Antuérpia
para se estabelecer por uma questão de negócios: desde a descoberta do Novo Mundo e o
domínio do Atlântico pelos portugueses, Antuérpia tinha substituído Veneza como centro do
comércio mundial
330
.
Através de seu diário, sabemos que Dürer estava em Colônia quando os livros
de Lutero foram queimados e já se encontrava em Antuérpia quando a Bula Papal que
excomungava Pirckheimer foi entregue
331
. permaneceu durante a Dieta de Worms e em
dezessete de maio de 1521, recebeu a falsa notícia de que teriam traído e talvez assassinado
Lutero
332
.
Como reação a essa notícia, Dürer escreveu no final de seu diário o que hoje os
autores chamam de Lamentação por Lutero. A forma desse texto é uma exceção em relação
ao restante do conteúdo do diário e soa como uma oração escrita a Deus, em que pede pela
proteção de Lutero e demonstra certo desespero diante da possibilidade de morte do pregador.
327
O diário original não chegou até nós. O que temos são duas transcrições datadas do século XVII, que podem
ser encontradas no British Museum.
328
No mesmo documento, Dürer descreve a festa de coroação de Carlos V e seu contato com pessoas ilustres
daquela época como a Governadora dos Países Baixos, Margareth, o pintor Lucas Cranach, Erasmo de
Roterdã, a rica família Fugger e diversos comerciantes portugueses ativos em Antuérpia.
329
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
128.
330
Sobre esse assunto, ver: VASCONCELOS, Joaquim. Albrecht Dürer e a sua influência na Península.
Coimbra: Renascença Portuguesa. 2ª edição. 1929.
331
HUTCHISON, op. cit., p. 128.
332
Na verdade, nesta ocasião Lutero estava sob a custódia de Frederico, o sábio, em Wartburg. Cf.
HUTCHISON, op. cit., p. 128.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
110
Muitas são as interpretações e análises sobre esse texto de Dürer. O importante
para essa pesquisa, entretanto, é somente perceber que o que parece chamar a atenção do
gravador na pregação de Lutero está relacionado ao Humanismo Cristão e aos Sodalitas. O
conteúdo da oração de Dürer comprova seu interesse pela filologia bíblica e pela devoção
pessoal, aperfeiçoada por Lutero através da doutrina do Sacerdócio Universal.
David Price explica que, de fato, na perspectiva de Dürer sobre o movimento, o
importante era consciência leiga‖, ou seja, a crença de que os leigos tinham acesso direto a
Deus e a um suposto núcleo da ‖, sem adulterações (Menschensatzungen, ou Sacerdócio
Universal), imposta como um fardo pela Igreja Católica
333
.
Celeste Deus nas Alturas, ilumine nossos corações através de seu filho,
Jesus Cristo, para que reconheçamos quais mandamentos nós somos
obrigados a obedecer, para que possamos dispensar todos os fardos com
consciência limpa e te servir, eterno Deus, Pai celeste, com prazer e um
coração alegre
334
.
Ainda para Price, o texto de Dürer enfatiza a necessidade de informar a
devoção leiga com uma doutrina confiável e estabelecer um princípio de biblicismo para
verificar a doutrina. Em última análise, Lamentação por Lutero ansiaria pela disseminação da
Bíblia, mesmo em um momento em que a tradução de Lutero ainda não havia sido
publicada
335
. Para Price, a própria associação que Dürer faz entre Lutero e Erasmo, ao pedir
que o último se manifeste em favor do primeiro, ocorre devido a ênfase que os dois davam a
filologia bíblica e a divulgação da Bíblia. Apesar de tantas outras divergências doutrinárias,
para ambos, a Bíblia era a verdadeira fonte de teologia e piedade, em oposição ao
escolasticismo medieval e a devoção penitencial
336
.
Diante desses dados, é importante percebermos que o envolvimento de Dürer
com o círculo de humanistas de sua cidade, com os Sodalitas Staupitziana e, posteriormente,
com a Reforma não ocorreu apenas por causa de possíveis interesses políticos, econômicos ou
sociais. De fato, como vimos no capítulo dois, Dürer era um homem ambicioso que buscava
333
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003, p. 233.
334
Tradução da autora de: ―Heavenly Father on highest, pour such a light into our hearts through your son,
Jesus Christ, that we recognize which commandments we are obliged to obey so that we can dismiss all other
burdens with a clear conscience and can serve you, eternal God, heavenly Father, with joyful, happy heart‖.
DÜRER, Albrecht. Journeys to Venice and Low Countries. Versão digital (e-book) disponível em:
www.gutenberg.org. Acesso em: 20 de junho 2005.
335
PRICE, op. cit., p. 234.
336
PRICE, loc. cit.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
111
reconhecimento profissional e social. Mas, além disso, e talvez antes disso, Dürer era cristão.
Assim como toda a sua sociedade, buscava uma aproximação de Deus e, para tanto,
compartilhava das mesmas práticas de devoção que todos: seguia os mesmos ritos, participava
das mesmas celebrações, tinhas os mesmos medos e anseios. O estudo da Bíblia e a atenção
dada às pregações de Staupitz e Lutero era também um indício desta sua busca por Deus.
3.4 As Marias de Albrecht Dürer produzidas entre 1518 e 1520
A partir de 1513, após a publicação das bem-sucedidas séries Grande Paixão,
Pequena Paixão, Vida da Virgem, Paixão Gravada e da segunda edição do Apocalipse,
Albrecht Dürer volta a reduzir sua produção regular de gravuras em metal (Gráfico 3.1). Isso
ocorreu possivelmente, pelo fato de no acervo produzido entre os anos entre 1495 e 1512, o
gravador conseguiria certa estabilidade financeira, a partir da simples reprodução de suas
obras anteriores. Além disso, desde 1512, o imperador Maximiliano I começara a encomendar
a Dürer uma série de trabalhos de naturezas distintas, que incluíam projetos como o Arco do
Triunfo, em larga escala, a Carruagem Triunfal e desenhos para vitrais e livros de horas,
dentre outros, diminuindo o tempo do artista para dedicar-se à técnica da gravura em metal. O
resultado deve ter agradado muito o imperador, pois no início de 1515, premiou Dürer com
uma bolsa anual que lhe seria paga pelo Conselho de Nuremberg por tempo indeterminado.
Em 1513 que Dürer torna-se cidadão honorário de Nuremberg, mantendo sua
participação como membro do Grande Conselho da cidade. Amigo de Willibald Pirckheimer,
Lazarus Spengler e tantos outros cidadãos igualmente ou mais importantes, Dürer logo
começaria a participar das discussões que desencadeariam a Reforma, anos mais tarde.
Por todos esses fatores, a produção de Dürer parece mais elaborada, mais
pensada e refletida. Não se trata mais de produzir material para ser vendido em feiras a
qualquer cidadão. Isso já tinha sido feito. Dürer agora era um artista reconhecido, e um
humanista, a julgar pelos seus interesses e por seus companheiros
337
. As chamadas três obras-
primas de Dürer Cavaleiro, morte e diabo, Jerônimo em seu estudo e Melancolia, por
exemplo, foram produzidas nesse período. Apesar disso, a produção de gravuras que
contempla o tema desta dissertação não apenas permanece, como aumenta (Gráfico 3.2). Esse
número é ainda maior se incluirmos na contagem as xilogravuras e os desenhos e pinturas que
representam a Virgem Maria com o seu filho (Gráfico 3.3).
337
Cf. HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990;
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
112
Gráfico 3.1 Produção de gravuras em metal por período
Gráfico 3.2 Produção de temas no período entre 1513-1520
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
113
Gráfico 3.3 Produção de imagens de Maria com a Criança por período
Por manterem o padrão representacional das gravuras dos períodos anteriores,
Maria sentada ao da árvore (1513), Maria sentada ao da muralha (1514) e as Marias
vestidas de sol de 1514 e 1516 já foram analisadas no capítulo anterior.
As gravuras que serão analisadas a seguir Maria coroada por dois anjos
(1518), Maria amamentando (1519), Maria com a criança enfaixada (1520) e Maria coroada
por um anjo (1520) foram selecionadas para esse capítulo por seguirem um padrão
representacional diferente das gravuras anteriores. Além disso, elas foram produzidas entre
1518 e 1520, justamente no período em que Dürer estava totalmente envolvido com os
Sodalitas Staupitziana e com os acontecimentos que levariam à adesão oficial de Nuremberg
à Reforma, a partir de 1525. A mudança representacional dessas gravuras estaria relacionada
aos novos rumos que a vida de Dürer vinha tomando?
Em 1518, pela primeira vez em uma gravura em metal, Albrecht Dürer
representa Maria sendo coroada por dois anjos, enquanto segura sua Criança (Figura 3.8).
Nela, algumas características das gravuras analisadas no capítulo dois foram repetidas pelo
gravador. Maria segura uma maçã, que tem o mesmo significado que a pera na Figura 2.8.
Mãe e filho encontram-se em um jardim cercado, ou melhor, fechado e diríamos que este é
um jardim fechado mais evidente do que o das Figuras 2.5, 2.7 e 2.9, uma vez que a cerca está
bem trançada e representada com varas grossas, aparentando resistência. Assim como nas
Figuras 2.8, 2.9 e 2.10, podemos vislumbrar uma cidade ao longe mas, dessa vez, não tão
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
114
evidente como nas gravuras
anteriores, e bem mais distante.
Maria não está mais sentada
praticamente no chão, como nas
Figuras 2.7, 2.8 e 2.9, mas em um
banco alto, aparentemente de
madeira. Desta vez, as vestes da
Criança são tão elaboradas quanto
as da mãe, diferente das Figuras
2.5 e 2.9, e esse pequeno detalhe
faz com que os personagens
estejam vestidos de acordo com a
ação realizada pelos anjos, e o que
constitui a principal diferença
dessa gravura em relação a todas as
outras: Maria magistralmente
coroada.
Como o significado
da maçã e do jardim fechado foram
discutidos no capítulo dois, não nos
deteremos mais neles.
Lembraremos apenas que a maçã
está relacionada ao título dado a Maria de Segunda Eva àquela que, ao trazer Jesus Cristo ao
mundo, ao contrário da primeira Eva, venceu o pecado , e que o jardim, dessa vez
extremamente fechado, faz referência ao termo hortus conclusus do livro Cântico dos
Cânticos, que tradicionalmente representa a virgindade de Maria. O mais importante,
portanto, é entendermos as singularidades dessa gravura, basicamente, a cena da coroação.
Apesar de essa ter sido a primeira vez que Dürer representou a coroação de
Maria em uma gravura em metal, o artista a havia feito, por diversas vezes, em outras
técnicas. Como vimos no capítulo um, Maria sendo coroada era um tema muito popular nesse
período, especialmente na Germânia. Para exemplificar essa tradição, havíamos visto a
pintura Maria com o pardal (1506, Figura 1.16) produzida pelo próprio Dürer durante sua
segunda viagem à Itália.
Figura 3.8 Albrecht Dürer. Maria coroada por dois anjos, 1518.
Gravura em metal, 14,8 x 10,0 cm. Nova Iorque, Metropolitan
Museum of Art.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
115
Dentro da obra de Dürer, a coroação de Maria era um tema muito recorrente
nas xilogravuras. Dois exemplos são a Sagrada Família de 1496-97 e Maria sobre a
paisagem rochosa (Figuras 3.9 e 3.10) produzida entre 1507-15. Nelas, vemos a mesma cena
de Maria em um jardim, sendo coroada por dois anjos, enquanto segura sua Criança no colo.
A representação do tema em si, portanto, não é de forma alguma uma novidade. Esta, como
dissemos anteriormente, está na técnica que foi utilizada para representá-lo: a gravura em
metal.
Como vimos no capítulo dois, a gravura em metal era uma técnica mais cara
que a xilogravura não apenas por causa do material que ela exigia placa de cobre , mas
também porque ela possibilitava uma maior precisão e riqueza de detalhes no resultado final.
Além disso, na gravura em metal, desenho e gravação eram executados pelo mesmo artesão,
no nosso caso, Dürer. Ao contrário, na técnica da xilogravura, muitas vezes o desenho era de
Figura 3.9 Albrecht Dürer. A Sagrada Família com
três coelhos, 1496-97. Xilogravura, 38,4 x 28,0 cm.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 3.10 Albrecht Dürer. Maria sobre a
paisagem rochosa, 1507-1515. Xilogravura, 90 cm
de diâmetro. Sem procedência.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
116
autoria de Dürer, mas outro artesão o gravava na madeira
338
. Nesse sentido, Dürer sempre
teve mais liberdade para produzir gravuras em metal e, talvez por isso, ele a tenha escolhido
para a produção de gravuras avulsas, com temas diversos.
O tema de Maria coroada parece ter estado no pensamento de Dürer durante
esse período, uma vez que aparece em pelo menos quatro desenhos que não se tornaram nem
gravuras, nem pinturas (Figuras 3.11 a 3.14). E foi também o tema da xilogravura de 1518,
chamada Maria coroada por anjos (Figuras 3.15). Originalmente, a coroação de Maria ocorre
no céu e é feita por Jesus após a Assunção. O tema representado por Dürer segue a tradição de
um tema devocional que intitula Maria como Rainha do Céu. Este título foi uma consequência
do Concílio de Éfeso (séc. V), quando Maria foi proclamada e de Deus: se Jesus é o Rei de
Israel e Rei Celestial, sua mãe é rainha. Além disso, Maria teria assuntado aos céus e sido
coroada por ele. Como vimos no capítulo um, o título ganhou força no século XII e aparece
nas antífonas Salve Regina, Regina Coeli e Ave Regina Caelorum que exaltam o papel de
Maria como mãe de misericórdia e advogada.
Para os cristãos do início do século XVI, Deus fez Maria conforme o pregador
Johann Geiler von Keysersberg disse em um sermão no dia da festa da Assunção, como
aquela que advoga toda a salvação humana diante dele. Além disso, ela não era uma
advogada ordinária, mas uma forte e poderosa, que nunca perdeu nenhuma causa
339
. A noção
de Maria como mediatriz era um tema central na piedade medieval. Seu filho nada podia lhe
recusar e seus poderes de intercessão foram confirmados por sua Assunção e coroação como
Rainha do Céu
340
: Maria pode ter sido uma mulher, mas como Mãe de Deus sua vontade
transcendia todos os limites do gênero
341
.
Diferente das características das outras gravuras vistas anteriormente, esta
enfatiza um tema apócrifo, muito fundamentado na tradição popular que via a Salve Regina
como a antífona mais importante dedicada a Maria
342
. Até 1514, Dürer produzira Marias bem
evangélicas, como vimos no capítulo dois. Em 1516, justamente quando envolvido com o
grupo humanista que tinha como principal característica o estudo da Bíblia, Dürer produz uma
Maria não bíblica.
338
É por isso que muitas vezes notamos diferenças significativas entre o resultado final de uma xilogravura e
outra, estranhando o fato de algumas mais antigas parecerem melhores que outras mais novas, como é o caso
das Figuras 3.9 e 3.10.
339
KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth
century. New York: Oxford University Press, 2004, p. 127 e p. 207 n. 119.
340
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 33.
341
Ibid., p. 22.
342
HEAL, loc. cit.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
117
Figura 3.11 Albrecht Dürer. Maria com a criança
coroada por um anjo, 1515, Pena, 27,6 x 20,5 cm.
Windsor, Royal Library, Sammlung der Königin
von England.
Figura 3.12 Albrecht Dürer. A Sagrada Família com
dois anjos que coroam Maria, 1519, Pena, 28,0 x
21,8 cm. Paris, Louvre.
Figura 3.13 Albrecht Dürer. Maria com a
Criança e anjos, 1518, Pena, 30,9 x 20,8
cm. Berlim, Staatliche Museen Preußischer
Kulturbesitz, Kupferstichkabinett.
Figura 3.14 Albrecht Dürer. Maria com a Criança,
sendo coroada por um anjo e santa Ana, 1521, Pena,
26,6 x 21,1 cm. Berlim, Staatliche Museen Preußischer
Kulturbesitz, Kupferstichkabinett.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
118
Figura 3.15 Albrecht Dürer. Maria coroada por anjos, 1518. Xilogravura, 30,1 x 21,2 cm. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
119
A coroação de
Maria também aparece na
gravura em metal de 1520
(Figura 3.16). Dessa vez
apenas um anjo e não é bem
uma coroa, mas uma tiara o que
é colocado à cabeça de Maria.
Combinando com a cena, Maria
e a criança estão bem vestidas e,
novamente, sentadas em um
banco de madeira agora com
uma almofada. A atmosfera é
mais formal e, apesar de mais
uma vez a cidade aparecer ao
longe, sua distância é ainda
maior devido aos raios que saem
da cabeça de Maria e Jesus.
Os raios lembram
aqueles que vimos nas gravuras
de Maria no crescente de lua e
tendem a afastar o espaço
terrestre e a humanidade de
Maria do expectador. A ideia de Rainha do Céu e de santidade fica mais evidente. Mais uma
vez há uma ligação a Salve Regina e a Regina Coeli.
Essa gravura é uma das três novas Marias de que Dürer fala em seu diário.
Foram as últimas Marias em metal produzidas por ele e, de fato, parece fazer conjunto com as
outras duas (Figuras 3.17 e 3.18). Em ambas a atmosfera terrestre é afastada pela luz em torno
das cabeças de Maria e Jesus. Possuem o mesmo tipo de luz e sombra, e aproximadamente as
mesmas dimensões. A luz unifica, mas três características diferentes de Maria a que Dürer
parece querer chamar a atenção: Maria Rainha Misericordiosa, Maria e carinhosa, que
amamenta seu filho, e Maria Mãe do Jesus que estava predestinado a morrer para salvar a
humanidade, Maria é Mãe de Deus. Parece, portanto, que dentre uma série de opções
iconográficas e de tentativas, que muitos desenhos foram feitos, Dürer quis mostrar e
perpetuar essas características de Maria no período em que estava envolvido com as
Figura 3.16 Albrecht Dürer. Maria coroada por um anjo, 1520.
Gravura em metal, 13,9 x 10,0 cm. Nova Iorque, Metropolitan
Museum of Art.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
120
discussões reformadoras. Essas características, parcialmente presentes em todas as outras
gravuras e, sem dúvida com mais ênfase nestas, estariam de acordo com as discussões do
momento vivido?
O papel de Maria no Cristianismo e as práticas a ela associadas começaram
a ser discutidas e polemizadas pelos líderes da Reforma em 1521. Antes disso, o papel de
Maria era bem definido e, como vimos no capítulo um, textos e sermões exaltavam-na como
Mãe de Deus, humilde, agraciada, misericordiosa, mediatriz, advogada e intercessora dos
pecadores. Antes de 1521, mesmo Erasmo de Roterdã, que criticara diversas práticas da Igreja
Católica, anteriormente ao discurso de Lutero, torna-se conhecido por invocar Maria em
termos bem tradicionais.
Como o principal exemplo de humanista cristão de seu tempo, Erasmo chamou
Maria de a verdadeira Diana
343
e em muitos momentos enfatizou que as qualidades de Maria
343
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 48. A autora não explica a metáfora.
Figura 3.17 Albrecht Dürer. Maria
amamentando a Criança, 1519. Gravura em
metal, 11,5 x 7,3 cm. Nova Iorque,
Metropolitan Museum of Art.
Figura 3.18 Albrecht Dürer. Maria com a Criança
enfaixada, 1520. Gravura em metal, 14,2 x 9,5 cm.
Nova Iorque, Metropolitan Museum of Art.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
121
deveriam ser imitadas. Em seu Manual do soldado cristão de 1504
344
, Erasmo escreve que
nenhuma devoção é mais agradável a Maria do que a imitação de sua humildade
345
. E em
Elogio à loucura, de 1511, ele caçoou de pessoas que acendiam velas para Maria em plena luz
do dia, mas não tentavam imitá-la em castidade e modéstia para com a vida e no amor às
coisas celestiais
346
.
Entretanto, em Hino em Honra a Virgem Mãe, de 1503, Erasmo descreveu
Maria como uma singular glória do céu, a mais óbvia guardiã da Terra
347
e e de
Misericórdia. Erasmo chega a enfatizar que a graça de Maria viria de Deus, mas, ainda assim,
celebra-a como uma advogada:
De fato, quem mais se importa com o sofrimento da humanidade, a ponto de
chamá-lo com hinos e preces, do que você, Maria, que sozinha dentre todos
os hóspedes do céu, pelas virtudes do seu mérito, generosidade e dignidade
possui o poder para apaziguar a fúria do juiz?
348
.
Em Prece de Súplica a Virgem Maria, também de 1503, Erasmo diz que
Cristo ouve prontamente suas súplicas e, mais do que isso, tanto lhe reverencia (porque ele é
um filho muito amável e obediente) que nunca lhe nega nada do que pede
349
.
Bridget Heal lembra-nos que em carta de 1504, a John Colet, Erasmo diz ter
escrito esses textos meio a contragosto
350
. E em Catalogus, uma descrição de seus trabalhos
endereçada a Johann von Botzheim e publicada em 1523, Erasmo novamente denigre o Hino
e a Súplica, dizendo que foram escritos apenas para agradar a sua patrona Anna van Borssele,
Senhora de Veere, e a seu filho Adolfo da Burgúndia, mais do que representam seu próprio
julgamento
351
. Assim, não obstante Erasmo tenha se contradito, ou até mesmo se arrependido
de suas palavras, foram a ambos os textos que os leitores de Erasmo, incluindo Dürer,
primeiramente tiveram acesso.
344
Texto já mencionado aqui ao falarmos da gravura O cavaleiro, a morte e o Diabo, na página 101.
345
Tradução nossa de: ―no devotion is more pleasing to Mary than the imitationof Mary‟s humility‖. HEAL,
Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-1648.
Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 51.
346
HEAL, loc. cit.
347
Tradução nossa de: ―singular glory of heaven, earth‟s surest safeguard‖. HEAL, loc. cit.
348
Tradução nossa de: ―Indeed, who else is there for suffering humanity to call upon with hymns and prayers
than you, Mary, who alone among the heavenly host, by virtues of your merits, favour, and dignity, possess the
power to appease the anger of the judge?‖. Ibid., p. 48.
349
Tradução nossa de: ―listens readily to your entreaties, and, what is more, so reveres you (since he is a most
loving and dutiful son) that he never denies you anything you ask‖. HEAL, loc. cit.
350
A expressão utilizada seria ―almost against the grain‖. HEAL, loc. cit.
351
HEAL, loc. cit. A autora cita outros textos de Erasmo em que ele contradiz esses primeiros textos.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
122
O ano de 1521, entretanto, é decisivo porque, pela primeira vez, Lutero se
manifestaria especificamente sobre Maria, iniciando um debate que perduraria até os dias de
hoje. De uma maneira geral, Lutero e outros reformadores, como Ulrich Zwingli, começaram
a se preocupar em refutar algumas noções populares especialmente sobre o poder intercessor
de Maria. Em seu Comentário sobre o Magnificat, Lutero reclamou que agora encontramos
aqueles que se dirigem a ela em busca de ajuda e conforto, como se ela fosse um ser divino,
por isso eu temo que agora exista mais idolatria no mundo do que jamais existiu
352
. Nesse
mesmo texto, Lutero explicou que Maria, assim como os outros santos, não poderia ser nossa
Fürsprecherin (advogada)
353
, mas apenas nossa Fürbitterin (intercessora, aquela que ora por
nós). Essa oração, entretanto, não tinha mais autoridade do que a de nenhum outro cristão
354
.
Por esse motivo, Lutero recomendou que as antífonas Salve Regina e Regina Caeli fossem
abandonadas. Ao dizerem que Maria era vida, doçura, esperança nossa, blasfemavam as
Escrituras e desonravam Cristo porque, segundo o próprio Salvador, Ele era o único
caminho, a verdade e a vida‖ (João 14:6).
Além de manifestar-se sobre essa preocupação doutrinária, Lutero condenou a
repetição insana de Aves Marias, chamando de inútil o balbuciar dos lábios e a tagarelação
de rosários, e a prática de pendurar rosários e outros objetos devocionais nas portas, para
afastar o mal e o azar
355
. Lutero, assim como Erasmo e Zwingli, condenou as peregrinações
marianas, chamando-as de trabalhos tolos, produtos da manipulação monástica diabólica
356
.
Mas, apesar dessas ideias, a posição de Lutero sobre o papel de Maria
manteve-se moderada. Como ex-monge agostiniano, Lutero também compartilhava de grande
devoção por Maria e continuou a descrevê-la como um protótipo para a Igreja. No tratado de
1523, Que Jesus Cristo nasceu judeu, defendeu a doutrina da virgindade perpétua de Maria,
que não tem nenhuma base nas Escrituras, mas que era aceita desde os primórdios da
Igreja
357
. Lutero continuou descrevendo Maria como sem pecado, apesar de enfatizar que este
352
Tradução nossa de: ―Aber nun findet man wohl etliche, die bei ihr wie bei einem Gott Hilfe und Trost suchen,
daß ich besorge, es sei jetzt mehr Abgötterei in der Welt, als je gewesen‖. DIGITALE Bibliothek Band 63.
Martin Luther: Das Magnificat verdeutscht und ausgelegt (1521). Martin Luther: Gesammelte Werke, p. 3561.
353
Segundo Mary Graef, a noção de Maria como intercessora entre homem e Deus foi estabelecida na Igreja do
Oriente no fim do período patrístico e apareceu nos escritos teológicos no Ocidente a partir do século VIII.
GRAEF, Hilda. Mary: a history of doctrine and devotion, vol. 1. London: Sheed and Ward Inc., 1985, p. 161.
354
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648, p. 55.
355
HEAL, loc. cit.
356
HEAL, loc. cit.
357
HEAL, p. 56.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
123
estado foi conseguido somente através da graça de Deus, mais do que por seu próprio
mérito
358
.
Como bem afirma Bridget Heal, acreditar que Maria não tinha pecado não
implica, necessariamente, acreditar em sua Imaculada Concepção, mas Lutero parece ter
acreditado que a mãe de Jesus teria sido purificada do pecado pelo Espírito Santo, em algum
momento antes da Encarnação de Cristo
359
.
Seu sermão do dia da festa da concepção de Maria, em 1520, colocou-o
firmemente no lado imaculista da controvérsia medieval: a primeira
concepção de Maria foi, como ele argumentou, normal, mas em sua
segunda concepção, quando a alma informou o corpo, ela foi purificada
do pecado original. Então no primeiro momento em que ela viveu,
estava livre de todo o pecado
360
. (grifos do autor)
A posição de Lutero com relação a Assunção também era ambígua. Apesar de,
na sua visão, não haver nenhuma indicação bíblica sobre a Assunção corporal da Virgem aos
céus, algumas passagens bíblicas sustentavam o fato de que os santos viveriam em Cristo: as
Escrituras dizem claramente que Abraão, Isaque, Jacó e todos os fiéis vivem, por isso é
necessário que acreditemos que a Mãe de Deus vive; mas como isso aconteceu, devemos
delegar ao nosso amado Deus
361
.
Sem dúvida, porém, a característica mais marcante da pregação de Lutero
sobre Maria era a ênfase dada na humildade da Virgem em contraposição a sua grandiosidade.
A interpretação de Lutero sobre o termo humildade, entretanto, era um pouco diferente do que
se acreditava naquele momento. No seu Comentário sobre o Magnificat, Lutero defende que,
apesar de a Vulgata falar da humilitas (humility) de Maria, que pode ser compreendida como
uma virtude, o correto seria falar de sua Nichtigkeit ou lowliness ou baixeza
362
. Lutero queria
enfatizar que Deus havia preferido escolher Maria, uma moça pobre, desprezível e sem
atrativos a uma moça rica e poderosa, filha de reis, duques e senhores. Segundo Lutero, a
consideração de Deus para com a baixa posição social de Maria era central: por isso não
devemos enfatizar a palavra humilitatem, mas a palavra respexit, porque sua baixeza não deve
358
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648, p. 56;
359
KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth
century. New York: Oxford University Press, 2004, p. 73-76.
360
Ibid., p. 241-245. Essa posição de Lutero parece mudar mais tarde, em sermões de 1539 e 1540. Cf. HEAL,
op. cit., p. 56.
361
HEAL, op. cit, p. 56.
362
DIGITALE Bibliothek Band 63. Martin Luther: Das Magnificat verdeutscht und ausgelegt (1521). Martin
Luther: Gesammelte Werke, p. 3544.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
124
ser exaltada, mas a preocupação de Deus para com ela
363
. Assim, uma vez traduzida
corretamente, o Magnificat provia uma lição de humility e de confiança em Deus. Outros
pregadores repetiram mensagens similares, a exemplo de Veit Dietrich em Nuremberg, que
chamou o texto de um belo sermão, no qual a Virgem Maria nos ensina como devemos ir a
graça de Deus
364
.
Diferente da Salve Regina, Lutero defendeu a manutenção da Ave Maria
365
,
apesar de enfatizar que esse texto não deveria mais ser entendido da forma tradicional, como
uma oração a Maria, mas apenas como uma forma de expressar puro louvor e honra. Em seu
Livro pessoal de oração, de 1522, que provia uma alternativa evangélica à tradicional coleção
de invocatórias, Lutero disse que a Ave Maria não deveria ser pronunciada como uma prece
ou uma invocação porque seria inapropriado interpretar as palavras além de seus significados
e além do significado dado a elas pelo Espírito Santo
366
. Assim como o Magnificat,
entretanto, a Ave Maria servia para exemplificar a graça de Deus e para fazer os cristãos
reconhecerem a significância de Maria
367
.
Como Erasmo, Lutero acreditava que o termo gratia plena, escolhido para a
Vulgata, reservava uma posição muito alta a Maria
368
. E, apesar de não ter abandonado esse
termo completamente, em seu Testamento de Setembro, de 1522, o ex-monge substituiu cheia
de graça por holdselige (bem-aventurada). Lutero defendeu essa tradução em 1530, na Carta
sobre Tradução, argumentando que a graça divina tinha sido concedida a Maria, o humilde
receptáculo
369
.
Assim, para Lutero, por serem fundamentados nas Escrituras, o Magnificat e a
Ave Maria continuavam sendo importantes porque, quando interpretados corretamente,
ensinavam os cristãos sobre graça, e humildade
370
: É um bom costume, também, que este
363
Tradução nossa de: ―Darum liegt das Schwergewicht nicht auf dem Wörtlein “humilitatem” (Nichtigkeit),
sondern in dem Wörtlein “respexit” (er hat angesehen). Denn ihre Nichtigkeit ist nicht zu loben, sondern
Gottes Ansehen‖. DIGITALE Bibliothek Band 63. Martin Luther: Das Magnificat verdeutscht und ausgelegt
(1521). Martin Luther: Gesammelte Werke, p. 3545.
364
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648, p. 62.
365
É importante lembrar que, como vimos no capítulo um, a terceira parte da Ave Maria, que pede para a
Virgem rogar pelos pecadores, só foi inserida anos mais tarde.
366
HEAL, op. cit, p. 62.
367
KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran sermons of the sixteenth
century. New York: Oxford University Press, 2004, p. 55-64.
368
Em sua tradução do Novo Testamento (1519), Erasmo substituiu gratia plena por gratiosa. HEAL, op. cit., p.
52.
369
Ibid., p. 63. OBERMAN, Heiko The Impact of the Reformation. Edinburgh: Eerdmans Publishing Company,
1994, p. 241.
370
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648, p. 62. Cf. PELIKAN, Jaroslav Jan. Mary Through the Centuries: Her Place in the History of Culture.
New Haven: Yale University Press, 1996.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
125
cântico seja entoado em todas as igrejas diariamente nas vésperas, e em um local particular e
apropriado que faça distinção entre ele e os outros cânticos
371
.
Portanto, apesar de algumas críticas terem sido direcionadas ao culto mariano,
uma análise dos sermões sobre o tema
372
, a partir de 1520, mostra que Maria continuou sendo
um modelo de fé, obediência, humildade e boa conduta. Todas essas questões discutidas por
Lutero e outros pregadores a partir, especialmente, de 1520, obviamente não podem ter
surtido efeito nas gravuras produzidas até este mesmo ano. A partir de 1520, porém, uma
grande queda na produção de Albrecht rer (reveja os gráficos 3.1 e 3.3, nas páginas 112 e
113) e uma mudança em seu estilo que é consensual entre os autores
373
. Mas vários
motivos para a mudança e diminuição da produção de Dürer.
Jane Hutchison sugeriu que um desses motivos está explícito em uma carta de
Dürer endereçada a Spalatin, em 1520. Com quarenta e nove anos de idade, Dürer diz:
Conforme perco a minha visão e a liberdade das mãos, meus interesses não aparentam muito
bem
374
. A autora explica que Dürer provavelmente sofria de prebiopia, um dos sintomas da
meia-idade e, hoje, um pequeno problema. Dürer, entretanto, tinha sua reputação artística
construída a partir da precisão e riqueza de detalhes de suas gravuras. Assim, a perda de sua
visão de perto era algo muito sério e a simples suspeita de um tremor nas mãos, sintoma de
uma doença mais grave
375
. Em outra carta, datada de janeiro de 1519, Willibald Pirckheimer
diz ao seu amigo Thomas Venatorius que Dürer está em má forma (Turer male stat).
Panofsky interpretou a frase como uma referência a crise espiritual de Dürer em decorrência
371
Tradução nossa de: ―It is a fine custom, too, that this canticle is sung in all the churches daily at vespers, and
to a particular and appropriate setting that distinguishes it from the other chants‖. Trecho de carta que dedica
o Comentário sobre o Magnificat a João Frederico, Duque da Saxônia. Acesso pelo site:
http://www.godrules.net/library/luther/NEW1luther_c5.htm, mencionada em: DIGITALE Bibliothek Band 63.
Martin Luther: Das Magnificat verdeutscht und ausgelegt (1521). Martin Luther: Gesammelte Werke, p. 3620.
372
Beth Kreitzer resume: ―apesar de [Lutero] desejar que Maria fosse honrada, especialmente como Mãe de
Deus, ele negou qualquer sugestão de que ela fosse mediatriz ou coredemptrix. Enquanto encorajava os
cristãos a imitarem Maria, ele eventualmente rejeitou qualquer invocação a ela‖
372
. Tradução nossa de:
―although he wished that Mary be honered, especially as the Mother of God, he denied any suggestion that she
is a mediatrix or coredemptrix. While he encouraged Christians to imitate Mary, he eventually came to reject
any invocation to her‖ KREITZER, Beth. Reforming Mary: changing images of the Virgin Mary in lutheran
sermons of the sixteenth century. New York: Oxford University Press, 2004, p. 9.
373
PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The
University of Michigan Press, 2003.
374
Tradução nossa de: ―Dan som ir ab get am gesicht vnd freiheit der hant, würd mein sach nit wolsten‖.
DIGITALE Bibliothek Band 28. Lebenszeugnisse: Briefwechsel (Auszüge). Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk.
Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1803.
375
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
127.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
126
da morte de Maximiliano
376
. Mas Fedja Anzelewsky interpreta a passagem como sendo uma
referência à doença física de Dürer
377
, coerente com a informação de Dürer a Spalatin
378
.
A saúde de Dürer parece ter sido duramente afetada também em sua viagem
aos Países Baixos. A caminho de Zeeland, onde tinha a intenção de ver uma baleia encalhada,
Dürer parece ter passado mal, com febres e náuseas. Diversos autores apontam que o gravador
teria sido infectado pelo vírus da malária e, apesar de ter dado continuidade a sua viagem,
indícios de que sua recuperação nunca foi completa
379
.
Ao voltar para Nuremberg, Dürer dedica-se a produção de livros sobre teoria
da arte, publicando o Curso sobre a Arte da Medida, em 1525, o Tratado de Fortificações, em
1527, e, postumamente, os Quatro Livros sobre Proporções Humanas, em 1528. Poucas são
as obras desse período e, com a técnica da gravura em cobre, Dürer produz apenas retratos de
376
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948, p.
198.
377
DIGITALE Bibliothek Band 28.Fedja Anzelewsky: Dürer - Werk und Wirkung: IX. Neue Wege 1518-1520.
Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 297.
378
HUTCHISON, Jane Campbell. Albrecht Dürer: a biography. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.
128.
379
PANOFSKY, Erwin. The life and art of Albrecht Dürer. New Jersey: Princeton University Press, 1948, p.
198.
Figura 3.19 Albrecht Dürer. A Sagrada Família no
banco de grama, 1526. Xilogravura, 14,5 x 11,3
cm. Sem procedência.
Figura 3.20 Albrecht Dürer. Maria e a Criança
com a pera, 1526. Óleo sobre madeira, 43 x 32 cm.
Florença, Galleria degli Uffizi.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
127
pessoas importantes do referido momento
380
, como os de Willibald Pirckheimer, Erasmo de
Roterdã e Philip Melanchton, e conclui a quase série de apóstolos, iniciada em 1514. Ainda
assim, Dürer produz duas últimas imagens de Maria com a Criança: uma pintura de meio-
corpo e uma xilogravura da Sagrada Família (Figuras 3.19 e 3.20).
Na xilogravura de 1526 (Figura 3.19), Dürer retoma o tema de uma de suas
primeiras gravuras em metal (Figura 2.4) e o que mais se repete na técnica da xilogravura: A
Sagrada Família. Tal como nas gravuras produzidas entre 1518 e 1520, a presença de
anjos e dos raios que partem das cabeças de Maria e Jesus. Há, ainda, o banco de grama e a
maçã. Na pintura de 1526 (Figura 3.20), vemos, mais uma vez, uma Maria de meio-corpo,
segurando uma pera e seu filho, que carrega uma pequena flor. Chamam-nos a atenção os
contornos clássicos da mãe e do filho, bem diferente das primeiras pinturas produzidas por
Dürer (vide Capítulo 1). Há de se afirmar, portanto, que as principais características de
composição permanecem. Não parece haver mudanças muito significativas na produção de
Dürer antes e depois da adoção das ideias de Lutero. Autores como David Price, por exemplo,
comentam que o que mais o intriga após 1520 é a relativa falta de partidarismo por parte do
gravador e explica:
com isso, não pretendo sugerir que ideias reformadoras não tiveram
impacto [na obra de Dürer], mas que [o gravador] não produziu arte para
polemizar contra a Igreja Católica. Essa ausência é ainda mais notável
porque acontece em um tempo quando muitos artistas estavam
compromissados em influenciar as massas. Enquanto outros artistas,
principalmente aqueles que dominavam a especialidade de Dürer, as artes
gráficas, contribuíram com imagens polêmicas que frequentemente
atingiam o papado e o clero, Dürer nunca impugnou explicitamente a
Igreja Católica nem sua doutrina em seus últimos trabalhos, apesar de sua
correspondência privada e de seu diário demonstrarem descontentamento
em relação ao papa diante dos permanentes abusos da Igreja
381
.
380
John Dillenberg comenta que a produção de retratos de pessoas importantes foi uma campanha para
popularizar as figuras centrais da Reforma na Germânia. DILLENBERGER, John. Images and Relics:
Theological Perceptions and Visual Images in Sixteenth-Century Europe. New York: Oxford University Press,
1999, p. 70.
381
Tradução nossa de: ―By that I do not mean to suggest that Reformational ideas did not have an impact but
rather that he did not produce art to polemicize against the Catholic Church. This absence is all the more
noticeable because it comes at a time when many artists were engaged in the efforts to influence opinion
among the masses. Whereas other artists, especially from Dürer‟s special domain of graphic design,
contributed harshly polemical images aimed most frequently at the papacy and clergy, Dürer never explicitly
impugns the Catholic Church or its doctrine in any of his late works, even if his private correspondence and
diary do pour out bitter contempt on the pope over perceived abuses in the church‖. PRICE, David Hotchkiss.
Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith. The University of Michigan
Press, 2003, p. 226.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
128
Dürer poderia unir arte a teologia e assim o fez de certa forma, especialmente
em um momento em que nada ainda estava definido. Ao representar Maria, Dürer representou
seu poder de intercessora e mediadora, sem imaginar que essas funções seriam mais ou menos
condenáveis nos anos que seguiriam. A mudança na sua produção a partir de 1520, entretanto,
sugere que Dürer não quis se posicionar, ou melhor, que seu posicionamento não pretendia ser
contra nenhum dos dois lados.
Ao mesmo tempo, Bridget Heal lembra que as imagens de Maria produzidas
por Albrecht Dürer, de uma maneira geral, eram perfeitamente compatíveis com o
sentimento luterano. Para alguém que seguia a antiga fé, essas imagens poderiam fazer
referência tanto a divina intercessão de Maria quanto a sua maternidade, mas não continham
nada que poderiam ofender as sensibilidades luteranas
382
. Dürer não produziu, por exemplo,
imagens com temas que valorizavam doutrinas que poderiam contrariar o posicionamento de
Lutero como a representação da Nossa Senhora das Mercês ou da Nossa Senhora do
Rosário
383
, ambas muito populares nesse período.
Em Nuremberg, após a Reforma, a liturgia mariana sobreviveu. A posição de
Lutero sobre as festas dedicadas a Maria era moderada. Em 1520, em seu Endereçado a
Nobreza Cristã da Germânia, o reformador advogou a abolição de todos os dias festivos,
exceto o domingo. Mas acrescentou que se o povo quisesse manter os festivais marianos e
àqueles dedicados aos grandes santos, esses festejos deveriam ser celebrados aos domingos ou
observados como feriados de meio-período
384
.
Segundo Bridget Heal, na prática, a maioria das igrejas que se tornaram
luteranas mantiveram pelo menos três festividades marianas em seus calendários litúrgicos:
Anunciação, Visitação e Purificação de Maria. Essas três festas eram consideradas legítimas
porque comemoravam eventos descritos na Bíblia e que eram significativos tanto para Jesus
quanto para Maria. Dias festivos que comemoravam eventos que não estavam nas Escrituras
Concepção de Maria, Natividade de Maria, Apresentação de Maria no templo, Assunção
foram frequentemente abandonados. Em abril de 1525, o conselho de Nuremberg pediu aos
pregadores e deres da igreja para que discutissem sobre que festas comemoradas antes da
Reforma deveriam ser mantidas. Os pregadores responderam que se no passado as festas
382
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648, p. 99.
383
Dürer produziu apenas uma pintura de Maria com a Criança que tem sido relacionada ao Rosário: a Festa
das guirlandas de rosa (Das Rosenkranzfest) produzida em 1506, por encomenda da Irmandade do Rosário
para a Igreja Paroquial de São Bartolomeu, em Veneza. DIGITALE Bibliothek Band 28.Lebenszeugnisse:
Briefwechsel (Auszüge). Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1812.
384
HEAL, op. cit., p. 84.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
129
teriam levado ao mal, ao vício, à desgraça, à bebedeira e a assassinatos, esse número deveria
ser reduzido drasticamente. Assim, além do domingo, dia de descanso instituído pelo Senhor,
seriam mantidos apenas a Páscoa, Ascenção, Petencostes, Natal e Circunsição. Em todos os
outros dias festivos, os cidadãos estariam livres para trabalhar ou não. Como quisessem. Não
satisfeito com essa resposta, o conselho perguntou se os dias da Anunciação e dos Doze
Apóstolos também não deveriam ser mantidos. Com alguma relutância, os pregadores
acabaram por permitir essas duas festas, junto com a Purificação, Visitação, São João Batista
e Santo Estevão. Estes eram os festivais listados no mandado do Conselho de 24 de maio de
1525
385
.
A festa da Assunção, que como vimos era frequentemente abolida, causou
muitos problemas ao Conselho de Nuremberg. Este recomendou que, apesar de a Visitação
estar mais pautada nas Escrituras que a Assunção, esta última tem muito mais apoio da
população comum. Seu dia, 15 de agosto, que era o da celebração da colheita e um feriado
importante, deveria ser apropriado para a comemoração da Visitação. E uma descrição
anônima da liturgia da cidade, escrita em 1527, reitera que a Assunção era tolerada por causa
da vontade da população
386
.
A defesa de Lutero às imagens era certamente conhecida em Nuremberg. Seu
tratado central sobre esse assunto, Contra os santos profetas, foi impresso nesta cidade por
duas vezes em 1525
387
. Imagens tornaram-se parte da pedagogia popular dos pregadores da
Reforma, uma maneira de atingir toda a população. De acordo com Lutero, as imagens de
Maria estavam entre aquelas que mais teriam um propósito devocional e didático. Em
Contra os Profetas Celestes de 1525, ele critica:
Os destruidores de imagem devem permitir-me guardar, vestir e olhar
para um crucifixo ou uma Madonna, sim, até para uma imagem de ídolo,
de acordo com a estrita lei mosaica, contanto que eu não os adore, mas
apenas as tenha como memoriais
388
.
Desde o início das discussões, Albrecht Dürer esteve alinhado às ideias de
Martinho Lutero e, em seus últimos anos, apesar da desistência de Pirckheimer, que se
385
HEAL, Bridget. The Cult of the Virgin Mary in Early Modern Germany: Protestant and Catholic Piety, 1500-
1648, p. 85.
386
Ibid., p. 86.
387
Ibid., p. 92.
388
Tradução da autora de: ―my image breakers must let me keep, wear, and look at a crucifix or a Madonna, yes,
even an idol‟s image, in full accord with the strictest Mosaic law, as long as I do not worship them, but only
have them as memorials‖. PELIKAN, Jaroslav. Against the heavenly prophets. Martin Luther‟s works, vol. 40.
Philadelphia: Fortress Press, 1958, p. 88. apud HEAL, op. cit., p. 93-94.
As Marias de Albrecht Dürer
Capítulo 3
130
frustrou especialmente pelo mal que a Reforma fez aos seus parentes
389
, Dürer manteve suas
posições em acordo com o discurso luterano moderado. Na carta-dedicatória de seu Curso
sobre a arte da medida (1525), Dürer assim se expressa:
[...] entre nós, e em nosso tempo, muitas pessoas têm caluniado a arte da
pintura e clamado que ela serve à idolatria. Mas todos os cristãos
[christenmenschen] estão inclinados à superstição por causa de uma
pintura ou uma escultura tanto quanto um bom homem esinclinado a
assassinar porque ele carrega uma arma ao seu lado. Seria a mais estúpida
pessoa aquela que adoraria uma pintura, pedaço de madeira, ou pedra
390
.
Além de estar atento às inovações e práticas artísticas, Albrecht Dürer
envolveu-se com círculos humanistas tendo, a sua própria maneira, participado e contribuído
para o mesmo. Através desse grupo, Dürer foi um dos primeiros a aderir às críticas de Lutero
e sua proposta de fé. Quando isso acontece, a produção do tema Maria com a Criança
aumenta e de maneira diferente.
As últimas gravuras analisadas são diferentes das anteriores por enfatizarem
principalmente um aspecto mais majestoso de Maria, mais vinculado a um tema não bíblico e
a sua posição de mediatriz. O tema não contradizia as ideias de Lutero que se posicionou
sobre o papel de Maria a partir de 1521, quando Albrecht Dürer não mais produziu Marias.
Ainda assim, a produção de Albrecht Dürer evidencia que sua expectativa de final dos tempos
estava associada à sua experiência de que Maria intercederia ao seu Filho em seu favor. Maria
era intercessora e advogada como diziam as antífonas Regina Coeli e Salve Regina. Esse
papel de Maria, reconhecido por Dürer e por sua sociedade, também era um motivo para o
nuremberguês priorizar esse tema em suas gravuras. Se havia o medo do final dos tempos, os
fiéis ainda precisavam de Maria como sua mediatriz.
389
Pirckheimer tinha muitos parentes envolvidos com ordens religiosas que haviam escolhido a vida reclusa.
Entre estes, Caritas Pirckheimer, a abadessa do Convento de Santa Clara. O fim das ordens monásticas abalou
essas pessoas. Cf. BARKER, Paula S Datsko. Caritas Pirckheimer: A Female Humanist Confronts the
Reformation. Sixteenth Century Journal, Kirksville, v. 26, p. 259-272, 1995.
390
Tradução da autora: ―now among us and in our own time several people have scorned the art of painting and
it is claimed that it serves idolatry. For every Christian person [christenmenschen] is draw to superstition
because of painting or statue as little as a good man is draw to murder because he carries a weapon at his
side. It would be a most stupid person who would worship a painting, piece of wood, or stone‖. RUPPRECHT,
Hans (ed.) Dürer: Schriftlicher Nachlass. vol. I. Berlin: Deutscher Verein für Kunstgeschichte, 1956, p. 115.
apud PRICE, David Hotchkiss. Albrecht Durer's Renaissance: Humanism, Reformation, and the Art of Faith.
The University of Michigan Press, 2003, p. 231.
Conclusão
magens de Maria com a Criança estiveram presentes em todas as fases da
vida produtiva de Albrecht Dürer. As análises quantitativas demonstradas
nos capítulos dois e três comprovam, inclusive, que o tema foi um dos mais relevantes, tendo
sido produzido muitas vezes em todas as técnicas trabalhadas pelo artista. Em pinturas,
desenhos e gravuras, Dürer dialogou com diferentes tradições iconográficas e produziu
Marias de meio-corpo, Marias no campo, Marias no crescente de lua e Marias coroadas. As
diferentes representações cumpriam funções igualmente distintas, muitas vezes associadas ao
suportes e tamanhos em que se encontravam. Quando produzidos em gravuras, o tema de
Maria com a Criança estava essencialmente associado ao uso pessoal e privado, uma
característica importante dessa nova técnica.
Tendo esta grande produção de Marias com a Criança como premissa, todos
os três capítulos desta dissertação perseguiram o objetivo de investigar que práticas culturais
teriam conduzido Albrecht Dürer a priorizar a produção de imagens com esse tema. O
primeiro capítulo concentrou a análise em práticas de devoção. A importância dada a Maria
ao longo dos séculos pelos principais líderes da Cristandade, juntamente com movimentos que
promoviam a diversificação e popularização de práticas de devoção, como aqueles
desencadeados pelas Ordens Mendicantes e pela Devotio Moderna, ocasionou o surgimento e
adoção de inúmeras preces, litanias e festividades que envolviam seu nome e sua história. No
século XVI, elas estavam entre as mais valorizadas de toda a Cristandade. Nesse mesmo
contexto, as imagens também foram ganhando cada vez mais importância e as diferentes
formas de representá-la destacavam características específicas da Virgem: sua maternidade,
sua humildade ou sua majestade. A importância dessas práticas para a sua sociedade, sem
dúvida, foi um fator importante para que Dürer elegesse Maria com a Criança para muitas de
suas gravuras.
Outro fator importante, discutidos nos capítulos um e dois, foi a popularidade
do tema Maria com a Criança, o que possibilitava inspiração e um constante e intenso
diálogo de rer com a produção de outros artistas, marcadamente com aqueles inseridos nas
tradições a que ele admirava, como a do gravador germânico Martin Schongauer e a do pintor
italiano Giovanni Bellini. O esmero de Albrecht Dürer para com a sua produção, em um
I
As Marias de Albrecht Dürer
Conclusão
132
momento de valorização da imagem como objeto de arte, elevou o status de suas gravuras
técnica que era vista como menor e, consequentemente, sua própria posição e
reconhecimento perante a sociedade. Assim, Dürer gravador e aspirante ao título de artista
teria se dedicado ao tema de Maria com a Criança porque a produção de Marias era uma
prática recorrente entre os maiores artistas de sua época.
Como gravador, Dürer não produzia a partir de encomendas e instruções
específicas de mecenas, até certo ponto tinha liberdade de criar, ao mesmo tempo em que
precisava planejar sua produção. Da venda de suas gravuras provinha a maior parte de seu
sustento e suas gravuras deveriam necessariamente agradar às pessoas que as comprariam.
Assim, por motivos econômicos, Dürer teria priorizado a produção de imagens de Maria com
a Criança e, este mesmo motivo o incentivava a optar por produzir diferentes tipos de
representação, de diferentes tamanhos e em diferentes técnicas.
Há de se lembrar que no período em que Albrecht Dürer havia conquistado um
significativo reconhecimento profissional, a ponto de o imperador do Sacro Império Romano-
Germânico conceder-lhe uma bolsa anual como incentivo ao seu trabalho e no exato momento
em que sua produção de gravuras chega a ser tão bem-sucedida que novas matrizes não
seriam mais essenciais para o seu sustento, porque bastaria reproduzir as gravuras
existentes, Dürer continua e chega a aumentar sua produção de Marias. Essa contínua
produção em um primeiro momento pode parecer desconexa diante do envolvimento do
artista nos primeiros acontecimentos relacionados à Reforma. No entanto, como demonstrado
no capítulo três, acontece precisamente o contrário.
Como qualquer homem comum de seu tempo e de sua cidade, Dürer era
cristão, buscava a aprovação de Deus e preocupava-se com a vida após a morte. Muitos
parecem ter sido os caminhos, no início século XVI, que prometiam uma maior aproximação
do fiel com Deus: cultos, preces, peregrinações e indulgências foram algumas das práticas
estimuladas, direta ou indiretamente, por esses movimentos. O caminho escolhido por
Albrecht Dürer, entretanto, problematizava algumas dessas práticas. Por ser amigo de
Willibald Pirckheimer e poder fazer parte do círculo de homens letrados de sua cidade, o
Humanismo Cristão, como movimento que buscava uma interpretação do Cristianismo a
partir de textos originais, constituiu-se em uma opção concreta para Dürer, especialmente
através do grupo de discussão intitulado Sodalitas Staupitziana.
Quando Martinho Lutero tornou pública as suas Noventa e Cinco Teses contra
a Igreja Católica, o papel de Maria não foi abalado. A princípio, as críticas luteranas diziam
respeito apenas à maneira como a Igreja Católica permitia e incentivava práticas como a
As Marias de Albrecht Dürer
Conclusão
133
venda de indulgências. As discussões que relativizaram a importância de Maria só começaram
a acontecer a partir de 1521. Dürer, portanto, também priorizou a produção de Marias porque
a Virgem exercia um papel fundamental em sua busca por uma aproximação com Deus. Para
o artista de Nuremberg e a maioria das pessoas, a Virgem continuou sendo a mais poderosa
intercessora, advogada e mediatriz entre os homens e Deus. Ela continuou sendo a Mãe de
Deus e, portanto, digna de veneração. Quando a Reforma tornou-se oficial, imagens de Maria
com a Criança continuaram a adornar casas e ruas da cidade, a população de Nuremberg
ainda celebrava pelo menos três importantes festas marianas e blasfemar a Maria continuou
sendo uma ofensa digna de punição. Ainda demorariam muitos anos para que os luteranos de
Nuremberg enxergassem Maria de maneira diferente. Quando isso aconteceu, Dürer estava
habitando ao lado da Regina Coeli.
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APÊNDICE A - Preços de gravuras segundo
Diário de Viagem aos Países Baixos de Albrecht Dürer (1520)
391
Quando viaja em 1520 para os Países Baixos, Albrecht Dürer leva consigo uma
grande quantidade de gravuras para vender e, em seu diário de viagem, registra o valor de
venda dessas gravuras. A partir desse documento, portanto, podemos refletir sobre o preço de
uma gravura naquele período. Em geral, Dürer vendia suas gravuras sempre em grandes
quantidades talvez porque um exemplar fosse muito mais barato do que a principal moeda
corrente. Mas, com base nesse diário, queremos fazer pelo menos duas comparações
elucidativas, sabendo que o florim era uma moeda de prata usada na Holanda, Bélgica e
Alemanha também chamada de gulden e, por corruptela, gilder ou guilder
392
e que um jantar
muito caro custava 10 florins
393
.
1. Para o agente português Rodrigo d’Almada, Dürer deu: um Adão e Eva, um Jerônimo em
seu estudo, um Hércules, um Eustácio, uma Melancolia e um Nemesis. Das de meia-folha:
três novas Marias, a Verônica, o Antonio, Weinachten e A Crucificação. Também as oito
melhores gravuras de ¼ de folha e os três livros: Vida de Maria, Apocalipse e a Grande
Paixão, também a Pequena Paixão e a Paixão em cobre, ―todas juntas valendo 5
florins‖
394
.
Enquanto toda essa quantidade de gravuras valia 5 florins, cada retrato desenhado por
Dürer durante a viagem, de uma maneira geral, custava 1 florim. As telas a óleo, por sua
vez, ficavam em torno de 30 florins. Este valor, por exemplo, foi o que Dürer recebeu pelo
391
DÜRER, Albrecht. Journeys to Venice and Low Countries. Versão digital (e-book) disponível em:
www.gutenberg.org. Acesso em: 20 de junho 2005.
392
KNIGHT, C. (ed.) Penny cyclopaedia of the Society for the Diffusion of Useful Knowledge, vol. 15-16. Great
Britain, 1839. p. 233. Digitalizado em 12 de novembro de 2007. Original na Universidade de Wisconsin
Madison. Disponível em: http://www.books.google.com.br Acesso em: 26 de junho de 2009.
393
Master Bernhard, the painter, invited me to dinner, and had prepared a meal so costly that I do not think 10
florins will pay for it‖. DÜRER, op. cit.
394
Baseado no trecho: ―Ich hab dem Faktor von Portugal geschenkt ein kleines geschnittenes Kindlein97. Mehr
hab ich ihm geschenkt ein Adam und Eva, den Hieronymum im Gehäus, den Herculem, den Eustachium, die
Melancholie, die Nemesin; darnach auf den halben Bogen drei neue Marienbild, die Veronicam, den
Antonium, die Weihnachten und das Kreuz98; darnach die besten aus den Viertelbogen, der sind 8 Stücklein;
darnach die drei Bücher: Unser Frauen Leben, Apokalypsin und den großen Passion; darnach den klein
Passion und den Passion in Kupfer. Das ist alles wert 5 Gulden‖. In: Lebenszeugnisse: Tagebuch der Reise in
die Niederlande Anno 1520. Dürer: Das Gesamtwerk, p. 1642.
As Marias de Albrecht Dürer
Apêndice A
143
retrato a óleo feito para o Rei da Dinamarca, Frederico I
395
. a face de Verônica a óleo
valia aproximadamente 12 florins
396
. Há, portanto, uma grande diferença de valor entre
gravuras e pinturas.
2. Se para Sebald Fischer, Dürer vendeu: 16 gravuras da ―Pequena Paixão
397
por 4 florins e
6 gravuras da ―Paixão Gravada‖
398
por 3 florins
399
; então uma gravura da ―Pequena
Paixão‖ custava por volta de ¼ de florim, enquanto que uma gravura da ―Paixão Gravada‖
custava ½ florim. Uma gravura em metal, portanto, poderia ser vendida pelo dobro do
preço de uma xilogravura.
395
Baseado no trecho: Ich hab 12 Stüber vors Königes Futtral geben. Und ich hab dem König von Ölfarben
konterfet, der hat mir 30 Gulden geschenkt‖. DIGITALE Bibliothek Band 28. Lebenszeugnisse: Tagebuch der
Reise in die Niederlande Anno 1520. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1707.
396
Baseado no trecho: ―Ich hab ein gutes Veronica Angesicht235 von Ölfarben gemacht, das ist 12 Gulden wert
DIGITALE Bibliothek Band 28. Lebenszeugnisse: Tagebuch der Reise in die Niederlande Anno 1520.
Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1674.
397
Conjunto de 27 xilogravuras de 12,7 x 9,7 cm.
398
Gravuras em cobre de 11,7 x 7,5 cm.
399
Baseado no trecho: ―Sebald Fischer hat mir zu Andorff abkauft 16 kleiner Passion64 pro 4 Gulden. Mehr 32
großer Bücher65 pro 8 Gulden. Mehr 6 gestochene Passion66 pro 3 Gulden. Mehr 20 halb Bogen aller
Gattung gleich durcheinander pro 1 Gulden, der hat er für 3 Gulden genommen. Mehr für ein Ort und 5
Gulden viertel Bögenle, alleweg 45 pro 1 Gulden. Für ein Ort und 5 Gulden der großen Bogen aller Gattung,
gleich 8 Bogen pro 1 Gulden‖. DIGITALE Bibliothek Band 28. Lebenszeugnisse: Tagebuch der Reise in die
Niederlande Anno 1520. Albrecht Dürer: Das Gesamtwerk. Berlin: DirectMedia, 2000, p. 1635.
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