Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
PROPAGANDA E HUMOR: SUAVIZANDO AS
RELAÇÕES DE GÊNERO.
ANA CAROLINA BERNARDO MACEDO
SÃO PAULO
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
PROPAGANDA E HUMOR: SUAVIZANDO AS
RELAÇÕES DE GÊNERO.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Comunicação da Universidade
Paulista UNIP para a obtenção do tulo de mestre
em Comunicação.
Orientadora: Profª Dra. Barbara Heller
ANA CAROLINA BERNARDO MACEDO
SÃO PAULO
2010
ads:
ANA CAROLINA BERNARDO MACEDO
Propaganda e humor: suavizando as relações de
gênero.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Comunicação da Universidade
Paulista UNIP para a obtenção do título de mestre
em Comunicação.
Orientadora: Profª Dra. Barbara Heller.
Aprovado em: _____/_____/________
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________
Profª Drª Barbara Heller (Orientadora)
Universidade Paulista UNIP
_____________________________________________
Profª Drª Tânia Hoff (Convidada)
Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM
_____________________________________________
Profª Drª Carla Longhi (Convidada)
Universidade Paulista - UNIP
Dedico este trabalho aos meus pais que
souberam entender o quão importante é,
para mim, vencer mais este desafio.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me ajudado a chegar em São Paulo, e a ter conseguido
concluir esta dissertação, pois só Ele sabe o que passei para isto.
Aos meus pais, pelo apoio, investimento e lágrimas saudosas gastas, sem medir
esforços, pensando apenas em me proporcionar um futuro profissional melhor.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por ter
me concedido a bolsa PROSUP e auxiliado na produção deste trabalho.
À Barbara Heller, minha orientadora, amiga e companheira das horas vagas, e das
não vagas tamm.
A todas as mulheres que por muita boa vontade estiveram presentes na pesquisa
apresentada neste trabalho. Sem elas o poderia ter todo o material humano que
tanto contribuiu para as análises feitas.
Ao Bruno Ranieri, por me aguentar todos os dias, tanto nos momentos difíceis,
quanto nos em que comemoramos nossas conquistas, formando, comigo, uma dupla
mais do que dinâmica.
A Cristina Freire, que soube dar a mão a quem estava chegando de Fortaleza. Sem
ela, talvez, não teria vindo morar em São Paulo.
Aos professores Kalu Chaves e Márcio Acselrad que, mesmo sem saber, me
incentivaram a continuar a estudar o humor.
Por fim, a todas as pessoas que direta ou indiretamente me ajudaram na produção
desta dissertação, e que não citarei os nomes para não ser injusta com os que eu,
provavelmente, irei esquecer.
“O humor é filho da surpresa, do inesperado, do que quebra a
linearidade e previsibilidade do mundo; uma forma de vermos o mundo
como ele não é. É parceiro da utopia quando mostra o mundo como deveria
ser. É parceiro do esclarecimento quando nos leva a questionar o porque de
as coisas, estranhamente, serem como são e não de qualquer outra forma. É
estratégia de comunicação porque nos coloca a todos na mesma situação,
seres comuns em busca do outro.”
(Márcio Acselrad)
“Tendo rido Deus, nasceram os sete deuses que governam o
mundo...Quando ele gargalhou, fez-se a luz...Ele gargalhou pela segunda
vez: tudo era água. Na terceira gargalhada, apareceu Hermes; na quarta, a
geração; na quinta, o destino; na sexta, o tempo. Depois, pouco antes do
sétimo riso, Deus inspira profundamente, mas ele ri tanto que chora, e de
suas lágrimas nasce a alma.”
(Autor anônimo do papiro de Leyde século III apud Georges Minois)
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo investigar, nas campanhas das sandálias para
mulheres da marca Havaianas, veiculadas na mídia impressa feminina, a utilização
do humor e seus efeitos entre as consumidoras. Por se tratar de estudo que envolve
questões de linguagem, de gênero e de recepção, o método empregado
compreende pesquisa bibliográfica sobre linguagem e a relação com o discurso
humorístico, dando ênfase a autores como Sigmund Freud, Daniel Kuperman, Abo
Slavutsky, Valdimir Propp, Sírio Possenti, assim como, sobre estudos de gênero,
através dos ideais de Michelle Perrot, Joan Scott e Gilles Lipovetsky. Foram feitos,
ainda, análise de conteúdo dos anúncios de Havaianas e estudo de recepção a
partir de grupos focais com mulheres de 20 a 45 anos, leitoras de revistas femininas
e consumidoras desta marca. Os resultados indicam que o humor suaviza as
relações de gênero, pois as entrevistadas, embora reconheçam que as campanhas
muitas vezes representam as mulheres pejorativamente, acham-nas divertidas e
adquirem o produto.
PALAVRAS-CHAVE: propaganda; humor; feminino; mídia impressa; recepção.
ABSTRACT
This dissertation aims to investigate, through ad campaigns for women‟s flip-flops -
brand Havaianas, broadcast in the female press media, the use of humor and its
effects among consumers. As it is a study which involves issues of language, of
gender and of reception, the method employed includes a bibliographic research on
language and the relationship with humorous speech, emphasizing authors as
Sigmund Freud, Daniel Kuperman, Abram Slavutsky, Vladimir Propp, Syrian
Possenti, as well as on gender studies, through the ideals of Michelle Perrot, Joan
Scott and Gilles Lipovetsky. An analysis of Havaianas ads was, yet, carried out
together with a study of reception from focus groups with women aged 20 to 45 years
old, readers of female magazines and consumers of this brand. The results indicate
that humor softens gender relations, as the interviewees, although acknowledging
that campaigns often stand in for women pejoratively, find them entertaining and
purchase the product.
KEYWORDS: advertisement, humor, female, press media, reception.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09
1. HUMOR: UM DISCURSO ALÉM DA PROPAGANDA ................................................ 21
1.1 HUMOR E ANÁLISE DO DISCURSO .................................................................................. 27
1.2 BRASIL: UM PAÍS DE GENTE BEM-HUMORADA .................................................................. 31
1.3 A PROPAGANDA BRASILEIRA: ONDE O HUMOR É O SUCESSO ........................................... 36
2. O FEMININO, A PROPAGANDA E A “GUERRA DOS SEXOS”. ................................ 53
2.1. O SEXO FORTE DA SOCIEDADE DE CONSUMO PÓS-MODERNA .......................................... 53
2.1.1 Identidade e comunidade pós-moderna ............................................................. 55
2.1.2- Legitimação da mulher: a criação das Amélias .................................................... 59
2.1.3. O feminismo e a identidade de resistência.......................................................... 68
2.1.4 Identidade de projeto: mulher-mãe-bem-sucedida-linda-sarada- .......................... 75
amada-desejada-........................................................................................................... 75
2.2. IDENTIDADE DE GÊNERO E PROPAGANDA: ESTEREÓTIPO OU REFLEXO DA SOCIEDADE PÓS-
MODERNA? ........................................................................................................................ 83
2.2.1 Identidade feminina e a propaganda ..................................................................... 90
2.2.2. A propaganda e a “guerra dos sexos”. ............................................................... 101
3. AS HAVAIANAS, AS MULHERES E O HUMOR. ..................................................... 118
3.1 A PROPAGANDA HUMORÍSTICA E A GUERRA DOS SEXOS .............................................. 122
3.2. HAVAIANAS E O HUMOR PARA AS MULHERES ................................................................ 136
3.2.1. Análise do discurso............................................................................................ 138
3.2.2 Estudo de recepção ............................................................................................ 153
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................161
ANEXOS...............................................................................................................................166
INTRODUÇÃO
Nesta dissertação analisaremos o humor empregado na propaganda de
produtos voltados ao público feminino, assim como o processo de recepção desse
tipo de linguagem pelas mulheres. O pesquisador pode se perguntar, por exemplo,
se relação entre mulheres e humor, se os homens riem, e, ainda, se ao sorrir,
homens e mulheres reforçam estereótipos, alimentando a chamada “guerra dos
sexos”. São algumas perguntas que nos motivaram a estudar e pesquisar o assunto.
Portanto, buscamos compreender o humor como estratégia de linguagem e discurso
criativo na propaganda voltada ao público feminino. Para isso, selecionamos as
propagandas dos produtos da marca Havaianas, veiculadas em mídia impressa e
destinadas à mulher. Essa marca, desde 1994 mudou o estilo da sua comunicação e
se reposicionou, procurando alcançar a liderança de mercado, ao utilizar o humor
como recurso criativo em suas campanhas.
O humor é tema fascinante e vem crescendo nos estudos acadêmicos como
objeto de análise. Alguns trabalhos já se dedicaram a observar seu emprego na
propaganda, e o caráter persuasivo na mensagem. Estudos de gêneros também são
frequentes na comunicação, não pelo feminismo ter sido um dos maiores
movimentos sociais do século 20, mas pela importância das mulheres como
receptoras e produtoras na sociedade de consumo pós-moderna. Porém, poucos
trabalhos se propõem a relacionar ambas as temáticas: humor e feminino.
Para responder às questões anteriores, dividiremos a dissertação em três
capítulos. No primeiro capítulo, humor: um discurso além da propaganda”, será
abordado o humor e como consegue ser partícula apaziguadora quando
administrado na linguagem da propaganda. Para isso, observaremos as teorias e
conceitos acerca do humor, abordados por diversos campos da ciência, como a
filosofia, psicologia, sociologia e a antropologia, por autores como Vladímir Propp,
Sigmund Freud, Henri Bergson, Verena Alberti, Georges Minois, Gilles Lipovetsky
etc, para se conseguir ter visão mais ampliada sobre o assunto. Além disso,
veremos como é abordado na análise do discurso. Para o processo da linguagem
ser efetivado, o entendimento pelo receptor da mensagem precisa ser total e isento
de ruídos. O mesmo ocorre com o entendimento de uma piada, ou qualquer tipo de
discurso humorístico. Quem recebe a mensagem precisa decodificar a partir de seu
referencial para que o riso ocorra. Por isso, uma piada traduzida acaba correndo o
risco de perder a graça. E, numa cultura historicamente humorística, como a
brasileira, a propaganda procura retratar esse costume tão arraigado, utilizando em
demasia esse tipo de discurso.
No segundo capítulo, “o feminino, a propaganda e a „guerra dos sexos‟”,
analisaremos como se o processo de construção da identidade feminina e como
a propaganda ressalta as diferenças existentes entre os hábitos masculinos e
femininos. A “guerra dos sexos” “invade” a sociedade do consumo pós-moderna e se
torna base para a criação e lançamento de vários produtos no mercado. A
propaganda disso se apropria e reforça o caráter da diferença para aumentar a
segmentação e um maior número de compradores. Para concluir esta análise nos
apoiaremos em Manuel Castells, Stuart Hall, Gilles Lipovetsky, Michelle Perrot, Joan
Scott, Alain Touraine e Heloísa Buarque de Almeida, entre outros.
No terceiro capítulo, “as Havaianas, as mulheres e o humor”, analisaremos
como o humor, a propaganda e os gêneros se convergem. Outras dúvidas surgem,
como, por exemplo, se esse tipo de linguagem consegue tamm ser partícula
apaziguadora” de mensagens machistas e estereotipadas. E, ainda, se a sociedade
humorística cool, como afirma Lipovetsky (1983), perde seu poder crítico frente a um
sorriso aberto, o que acaba anestesiando uma das mais antigas “guerras” que
existem, ou pode se tornar poderosa arma na mão das mulheres. Para tentar
responder a estas e outras questões, também serão analisadas as propagandas
femininas de Havaianas. A marca é considerada um case de sucesso, pois aos
anos 80 era reconhecida como popular, mas a partir da década de 90 volta a
comunicação e estratégias de marketing para públicos de diversas classes
econômicas, e caminha para o mercado exterior, calçando amesmo os s de
belas atrizes hollywoodianas. E não perdeu nessa trajetória o humor na
comunicação, desde a contratação do humorista Chico Anysio, na década de 70, até
hoje. As propagandas não perderam a graça e entretêm, ao mesmo tempo em que
vendem as sandálias plásticas. Apesar de não serem mais somente elas as que não
soltam cheiro nem as tiras, ainda são “as legítimas”. Por fim, o capítulo contemplará
o estudo de recepção, produzido a partir de grupos focais feitos com consumidoras
de Havaianas, para se observar não o discurso das propagandas, como a sua
recepção. No último capítulo utilizaremos autores como Roman Jakobson,
Dominique Maingueneau e Vladímr Propp, entre outros.
Assim, observaremos o discurso publicitário sob duas óticas: a da análise do
discurso e a da recepção. O discurso publicitário não se constrói apenas com base
no texto, mas tamm na relação texto e imagem. A imagem, quase sempre, auxilia
o entendimento do texto e vice-versa. Isso será útil, principalmente, ao se analisar o
humor empregado no discurso publicitário, pois a piada pode não morar na frase ou
no texto utilizado na peça publicitária, mas na imagem. Aumont (1993) ressalta essa
necessária relação texto e imagem
:
[...]o problema do sentido da imagem é pois o da relação
entre imagens e palavras, entre imagens e linguagem. Ponto
bastante estudado, do qual vamos lembrar que não imagem
„pura‟, puramente icônica, que para ser plenamente compreendida
uma imagem necessita do domínio da linguagem verbal. (AUMONT,
1993, p.248)
A simbiose entre imagem e texto embasará a análise do discurso do humor
como estratégia de linguagem nas propagandas de Havaianas para o público
feminino. É indispensável, para entender o processo de recepção citado, a pesquisa
qualitativa, feita por meio do método Grupo Focal.
Com esta metodologia, pretendemos entender como as mulheres se sentem
atraídas pelas peças publicitárias de mídia impressa, e se o humor é o método
criativo mais comum entre os que observaram como persuasivo. A entrevista
abordará temas subjetivos e de análise psicossocial, o que discerne ainda mais a
importância da pesquisa qualitativa para atingir esse estudo. O Grupo Focal é
altamente recomendável quando se quer ouvir as pessoas, explorar temas de
interesse em que a troca de impressões enriquece o produto esperado, quando se
quer aprofundar o conhecimento de um tema(COSTA, 2008, p. 183). As mulheres
serão escolhidas pelo método snowball (bola de neve): informantes-chave indicarão
outras mulheres e assim sucessivamente, acompletarmos de 3 a 5 grupos, que
contenham em média 8 mulheres de idade de 20 a 45 anos, classe média alta
urbana, leitoras de revistas femininas e consumidoras da marca Havaianas. A
dinâmica ocorrerá de forma a deixá-las à vontade para opinar e dar depoimento
sobre os anúncios dispostos. Todas as sessões serão gravadas em vídeo a fim de
serem documentadas e analisadas a posteriori. Elas verão 10 anúncios, veiculados
entre os anos de 2000 a 2009, das sandálias Flash, Slim, Fit e High, das Havaianas,
escolhidas por serem os modelos mais femininos da marca. Seo dispostos
anúncios com intensidades diferentes de humor, para “despistar” a intenção da
pesquisa e traçarmos análise comparativa entre os diferentes tipos de linguagem
utilizados na propaganda, verificando se caráter diferenciador ao utilizar o humor
mais explícito ou não.
Assim, analisaremos o objeto deste estudo, tentando propor uma conclusão à
problemática levantada, observando as possíveis variantes que porventura
apareçam no decorrer da pesquisa.
1. Humor: um discurso além da propaganda
"Ver naufragar as naturezas trágicas e ainda poder
rir, apesar da mais profunda compreensão, da
emoção e da compaixão, isto é divino".
(Nietzsche)
"O homem é o único animal que ri e rindo ele
demonstra o animal que é".
(Milr Fernandes)
"Para se fazer humor é preciso haver cumplicidade
com o público. Ninguém ri da piada que você
conta, se não existe um código prévio entre você e
seus ouvintes. Muitas vezes este código está
baseado no mais repugnante dos preconceitos,
mas ele - o vínculo - deve existir".
(Gilberto Maringoni)
Humor, humoris, linfa, bílis, cômico, riso, escárnio, chiste, piada etc. São
alguns sinônimos ou palavras usadas por filósofos, antropólogos, psiquiatras,
médicos, linguistas, que tentaram definir e/ou nomenclaturar o que acontece dentro
de cada um quando se esquece, mesmo por um instante, a seriedade e são
mostrados os dentes em ato de liberdade e leveza. Apesar de algumas diferenças
entre as palavras, optaremos por usá-las como sinônimos, seguindo Verena Alberti
(2002), em sua obra que relaciona o riso e a história do pensamento:
São muitas as categorias ligadas ao nosso objeto de estudo:
humor, ironia, comédia, piada, dito espirituoso, brincadeira, sátira,
grotesco, gozação, ridículo, nonsense, farsa, humor negro,
palhaçada, jogo de palavras ou simplesmente jogo. [...] Chamo de
risível o objeto do riso em geral, aquilo de que se ri seja a
brincadeira, a piada, o jogo, a sátira etc. Assim, risível aqui, na
maioria dos casos, corresponde ao que também recebe o nome de
cômico. (ALBERTI, 2002, p. 25)
Esse recurso apenas facilita que não sejamos levianos por não abordar algum
desses conceitos sem contemplar toda a larga tentativa de definição, e os diversos
autores que buscaram traduzi-los em palavras.
Toda piada, quando explicada, perde um pouco a sua graça. Por isso, neste
capítulo, o definiremos o que é o humor, mas mostraremos como é abordado e
utilizado pelos campos da ciência acima citados, e como essas teorias podem ser
aplicadas ao se analisar a propaganda humorística.
O humor, em si, tanto no significado como no sentido da palavra, possui
várias definições e contextos de interpretação. Desde Aristóteles, grandes
pensadores investigam as encruzilhadas do sentimento que se encontra entre físico
e psíquico, individual e social, divino e diabólico, determinante e indeterminado.
Nietzsche dizia que é possível classificar o filósofo segundo o escalão de seu riso.
Achava que os filósofos não davam a importância que o humor deveria ter, pois
apesar de seu caráter lúdico ele deveria ser analisado com seriedade. "Rir sobre si
mesmo, como se deveria rir para sair de toda a verdade, para isso os melhores não
tiveram até agora o suficiente sentido de verdade e os mais capazes, muito pouco
gênio." (NIETZSCHE apud ALBERTI, 2002, p.15)
O humor atravessa os tempos e continua extremamente ligado ao homem. O
homem ri de suas mazelas e das coisas que soam ridículas nele mesmo.
Jankélévitch, filósofo francês contemporâneo e pupilo de Bergson, propôs definição
do humor:
"O humor caminha sem alvo sobre a terra, não tem tese, não
advoga, vai sempre mais além, está sempre a caminho; mesmo no
fundo da infelicidade extrema e da vergonha, o gracioso arabesco, o
bizarro, faz emergir o sorriso do deslumbramento. A ironia é a arma
dos fortes, enquanto o humor é a única arma dos fracos, pois a
humildade humorística permite ultrapassar a humilhação. O humor é
a arma dos desarmados e não triunfa, pois o humor goza a si
mesmo. O humorista traz à tona a vida e a precariedade, sempre
busca a liberdade de brincar com o poder de qualquer ordem. O
humor não leva a sério nada, nem a si mesmo" (JANKÉLÉVITCH
apud SLAVUTZKY, 2005, p. 208)
Henri Bergson, também filósofo francês, produziu seus estudos sobre o riso
no início do século XX, compilados no livro “O riso: ensaios sobre a comicidade”,
uma das obras mais utilizadas nos trabalhos sobre humor. O autor afirma que para
compreender o humor é preciso colocá-lo em seu meio natural, a sociedade. “Não
há comicidade fora daquilo que é humano”. (BERGSON, 2007, p. 2)
O riso sempre acontece entre duas presenças, do objeto ridículo e do homem.
O cômico está, de algum modo, ligado ao espírito do homem. Aristóteles já afirmava:
"De todos os seres vivos somente ao homem é dotado rir". (ARISTÓTELES apud
PROPP, 1992, p. 40)
Segundo Propp (1992), o riso é provocado pela revelação de algum defeito
oculto. Quando esse defeito não existe ou não o identificamos, não rimos. As coisas
e os animais se transformam em objeto de riso caso revelem defeito ou
característica humana. O ridículo provoca o riso, e apenas o homem consegue ter
consciência e ver as atribuições que definem o ridículo. O homem ri de si mesmo e
das suas falhas. Vladímir Propp, filósofo e etnólogo soviético, dedicou-se a estudar
as teorias e histórias do folclore, observando a arte narrativa. Por isso, ele analisa a
comicidade a partir de categoria filosófica estética, percebendo o caráter cognitivo e
humano do riso.
As pessoas de vida econômica mais simples e as mais idosas são geralmente
as que mais expressam o riso, menos centradas nas futilidades da vida
contemporânea, como o cuidado com a aparência. Propp propõe essa afirmativa,
pois a atual geração jovem e narcísica dos plásticos e descartáveis, como refere o
autor, perde a fonte da verdadeira alegria que advém da humildade e da criatividade,
passando a buscar apenas o prazer individual e ligado ao presente. Esse conceito
era retratado por Freud, como nessa citação, na qual ele propõe que apenas quando
se vence o caráter narcísico e os pontos vulneráveis se atingir a grandeza que
eleva ao estado de contemplação do cômico:
"Como os chistes e o cômico, o humor tem algo de libertador
a seu respeito, mas possui também qualquer coisa de grandeza e
elevação, que faltam às outras duas maneiras de obter prazer da
atividade intelectual. Essa grandeza reside claramente no triunfo do
narcisismo, na afirmação vitoriosa da invulnerabilidade do ego".
(FREUD, 1927, p. 190)
Freud aborda esse diferencial do humor em seu artigo “O humor”, publicado
em 1927 no livro O futuro de uma ilusão. O mal-estar na civilização e outros
trabalhos.” A obra envolveu de forma mais própria a sua relação com o humor, pois
anteriormente ele se dedicou no livro “O chiste e sua relação com o inconsciente” a
estudar a piada em si e seu efeitos no homem.
Portanto, para Freud (1927), duas maneiras pelas quais pode ser
construído o humor: 1) quando a pessoa adota a atitude humorística, ao passo que
uma segunda pessoa, o espectador, deriva-se o prazer. Ou seja, uma pessoa faz o
papel do humorista, tornando a vida do espectador mais prazerosa, pois é dele que
se origina o prazer nesta situação; ou 2) pode-se dar entre duas pessoas: uma
delas, não participante do processo humorístico, é tornada objeto de contemplação
humorística da outra, como, por exemplo, quando um humorista toma uma pessoa
como alvo de suas anedotas, referindo-se a algo ridículo ou diferente nela.
O humor faz piada das dificuldades e diferenças, por isso diminui a tensão
dos problemas. Exatamente em meio a essa propriedade do humor o homem
consegue se mostrar nu de tudo que o rodeia, indicando seu dom divino de
transformar o narcisismo e diminuir sofrimentos. KOHUT (1988), em estudos
psiquiátricos do narcisismo e sua influência na construção do self
1
, reforça o ideal do
humor revelando no homem sentimentos de segurança e de tolerância frente à sua
finitude, engrandecendo-o.
"O humor genuíno pode ser alcançado quando formas
primitivas de grandeza ou grandiosidade forem abandonadas, quer a
grandeza tenha previamente estado ligada ao self grandioso do
sujeito ou enfocada num objeto idealizado (magnificado) do self".
Ainda recorremos a Freud que complementa afirmando ser o humor o
objeto de resignação, mas rebelde. Ele ultrapassa o ego, sendo o princípio do
prazer, amenizando o impacto da realidade. O processo é a essência do humor, que
poupa os afetos, que as situações naturalmente dariam, e que se afastam por meio
da pilhéria. Esse processo deve acontecer no que diz respeito ao humorista e ao
ouvinte. Diante do mundo conturbado e conturbador, o humor representa inibidor de
possíveis sofrimentos e lamúrias, servindo como encorajador. O autor resume com a
exclamação: "Olhem! Aqui eso mundo, que parece o perigoso! Não passa de
um jogo de crianças, digno apenas de que sobre ele se faça uma pilhéria!". (FREUD,
1927, p. 193)
Os campos da literatura e do teatro foram os dois maiores responsáveis pelo
desenvolvimento e crescimento do uso do humor. A imprensa e o Renascimento
1
Entende-se por self, resumidamente, palavra que designa o eu, o ego.
tamm ajudaram, pois a partir de visão mais humanista e mais voltada ao indivíduo
surge a necessidade de se entender fenômenos próprios do homem.
O riso é comunitário. Serve a todos, divertindo e captando o melhor do
homem. Para isso é preciso reversão de expectativas. A surpresa do espectador faz
com que haja a mola propulsora do riso. Historicamente, segundo Lipovetsky (1983),
vê-se distinção entre costumes e riso. Na era medieval, dos espetáculos ao ar livre,
da vida feudal, o riso era comunitário e sempre ligado a objetos do profano e da
violação. A cultura do grotesco e das anomalias representadas pelos humoristas de
rua fazia com que todos, sem importarem cor ou credo, rissem de boca aberta e em
altas gargalhadas.
A relação do popular e do grotesco também foi ressaltada por Bakhtin
2
em
seu estudo sobre Rebelais. Ele define o riso, carnavalesco ou grotesco, como o que
havia de mais próprio na Idade Média e no Renascimento. Inspirado na obra de
Rebelais, analisou como a cultura popular era cômica, pois a sociedade da época,
tão vinculada à Igreja e ao Estado, se opunha, pelas gargalhadas despudoradas, às
seriedades a serem obedecidas.
Reforçando o caráter libertador e popular do riso, Sodré afirma:
Seja nas manifestações grosseiras do riso, seja nas mais
sutis, o grotesco pode comparecer, indicando a derrocada do sentido
estabelecido das coisas, levantando uma suspeição sobre a tradição
metafísica que coloca o homem no comando absoluto do centro do
mundo, incitando ao diálogo permanente entre as pontas altas e
baixas da „corda sobre o abismo‟ (Nietzsche) que constitui a
existência humana. (SODRÉ, 2002, p. 63)
O grotesco era ressaltado por outros pensadores, desde Aristóteles, que
depositava na relação das partes altas com as baixas e no gozo da grosseria ou da
baixaria os fatores do riso do homem. “O grotesco oblitera bruscamente o intelecto.
De fato, os risos recebem qualificativos que designam a atividade desgraciosa das
tendências mais vulgares. (ARISTÓTELES apud JEUDY, 2001, p. 80)
Lipovetsky (1989) retrata que com o início da civilização, na era clássica, a
moda e a etiqueta das altas pompas sociais recriminavam o riso, tornando-o
domesticado. O riso se torna ato comedido, disfarçado entre leques e lenços. Os
dentes mal apareciam, pois gargalhadas eram restritas ao povo, pobre e mal
2
apud (KUPERMANN, 2003, p. 339)
letrado. O cômico já não é simbólico, torna-se agora o riso contemporâneo, crítico e
irônico, subjetivo e lúdico.
Atualmente, enfrentam-se todos os dias padrões socioculturais estipulados,
tornando o humor e a alegria a mesmo o melhor remédio”. Alguns campos da
medicina retomam os estudos feitos por Hipócrates
3
e desenvolvem novas terapias
no tratamento de doenças utilizando o humor para cura ou atenuar dores.
Hoje, os centros de terapia pelo riso se multiplicaram por
todos os continentes. O riso libera catecolaminas,
neurotransmissores, que põem o organismo em estado de alerta e
aumentam a produção de endorfinas, as quais diminuem a dor e a
ansiedade. O riso levanta o diafragma, acelera a circulação
sanguínea, favorece a condução do oxigênio; ele facilita a ereção e
reduz a insônia. (MINOIS, 2003, p. 616)
É o caso de várias instituições e centros de terapia, como Doutores da
Alegria, Terapia do Riso, Doutores Cidadãos, Yoga do Riso etc. Os Doutores
Cidadãos, por exemplo, marcam na sua publicidade a cumplicidade do riso com o
tratamento de doenças, acreditando no poder do riso, como nas imagens a seguir:
3
Primeiro estudioso da medicina ocidental a dedicar importância aos humores do corpo como
principal causa de enfermidades, dando a essa doutrina o nome de humoralismo ou humorismo.
(POLLOCK, 2003, p. 15).
Imagem 1 Anúncio dos Doutores Cidadãos, cujo slogan é: A gente acredita
no poder do sorriso. Essa campanha objetivou divulgar os dez anos deste
programa sociocultural que procura atender a todo paciente, adulto ou infantil,
buscando pelo riso atenuar a dor das doenças, “fazendo até a dor sorrir”
metáfora ilustrada no monstro da peça publicitária.
São diversas as áreas que se dedicaram e se dedicam a estudar o humor.
Para sintetizar, Ariano Suassuna analisou o riso com relação à estética:
... o Risível é uma desarmonia de forma e significado, de
caráter, de valor ou de procedimento, na qual, pelo inesperado, pelo
disparate, pela abstração, pela desumanização ou pela idealização
de sentido inverso, as pessoas, as ações e as ideias são
apresentadas como se tivessem sido retiradas de uma ordem lógica,
real ou pressuposta, de encorados como meros personagens, figuras
não humanas, inferiores ao padrão comum e imunes ao sofrimento."
(SUASSUNA, 1979, p.151)
O sentido e a eficácia do dito humorístico não podem ser reduzidos a
significado ou conteúdo suposto, dependendo de determinada forma de dizer que
configura a sua dimensão estética, componente essencial e indissociável do
procedimento humorístico e de sua transgressão.
Muitas foram as tentativas de se traduzir a palavra humor, com múltiplos
sentidos no latim, italiano, inglês e francês. Mas será adotada neste estudo a
definição de Pirandello: “[o humor] se determinará por si, caso por caso, segundo a
personalidade do poeta ou o objetivo da representação. (1996, p. 136)
A preocupação é verificar na linguagem publicitária como o humor estabelece
comunicação próxima e sedutora do blico feminino, e isto somente se dará frente
ao entendimento do significado da piada caso a caso, anúncio a anúncio.
1.1 Humor e análise do discurso
Fiorin e Platão (2003) afirmam que a produção de significado durante a leitura
de qualquer texto se faz em detrimento do entendimento a partir da construção de
sentidos por parte de quem lê. Porém, textos que possibilitam mais de uma
leitura, a marca do texto humorístico.
Um texto pode ter várias leituras, bem como pode jogar com leituras distintas
para criar efeitos humorísticos. Entretanto, o leitor não pode atribuir-lhe o sentido
que bem entender. Ele contém marcas de possibilidades de mais de um plano de
significação”. (FIORIN&PLATÃO, 2003, p. 129)
A partir do duplo sentido, uma anedota pode demonstrar malícia e fazer o
leitor rir por conhecer o significado explícito e/ou implícito (pressupostos e
subentendidos). Os autores apontam outras possibilidades de fazer humor por meio
das figuras de linguagem
4
:
a) antítese/paradoxo o contrário e o diferente como partículas necessárias
ao humor. Propp (1992) adiciona a este contrário o defeituoso (entendido também
como diferente) como característico do riso. “[...] nem todos os defeitos provocam o
riso, somente os mesquinhos” (PROPP, 1992, p. 44). O autor chama a atenção é
que este defeito deve aparecer de forma repentina e inesperada para que ocorra o
riso;
b) Prosopopeia o animal, quando utilizado com atitudes humanas, ou o
contrário, é bom recurso humorístico, assim como o homem-coisa e o homem-
animal. Propp (1992) afirma que o animal ou o inanimado provocam o riso caso
revelem algum traço humano, pois o homem pode ser e perceber o que é o
4
Para exemplificar cada caso descrito, colocaremos propagandas referentes a cada figura, apesar de
não nos aprofundarmos em suas análises, visto que apenas mais adiante iremos falar do humor em
relação à propaganda.
Imagem 2 Antítese causada pelo contrário das palavras grosso e educado.
ridículo. O animal pode alegrar-se, regozijar-se, até mesmo manifestar sua alegria
com bastante impetuosidade, mas ele não pode rir. Para rir é preciso saber ver o
ridículo. (PROPP, 1992, p. 40).
c) Metonímia/Metáfora a semelhança também pode suscitar o riso. Tanto a
semelhança que se pelo significado de base (metáfora), como a que se faz em
relação de contiguidade (metonímia). Propp também fala sobre isso, mas
ressaltando o caráter da repetição (ou melhor, duplicidade). A semelhança, em
Propp e em Bergson, é mais relacionada à aliteração, se fosse em imagens. É o
caso do riso ao ver gêmeos, ou quando dois palhaços são idênticos e ficam se
xingando num jogo de espelhos.
Imagem 3 Prosopopeias por meio da humanização de coisas inanimadas.
Imagem 4 - Semelhança que suscita
prosopopeia também, mas o riso está na
similaridade.
Essas seriam algumas formas pelas quais o riso e as palavras se relacionam.
Outras figuras, como paródia e hipérbole, serão analisadas como tipos de humor,
abordadas mais adiante.
Bergson (2007) ressalta que é preciso analisar a relação da língua e seus
tipos de linguagens com suas idiossincrasias.
Mas é preciso distinguir a comicidade que a linguagem
exprime da comicidade que a linguagem cria. A rigor, a primeira
poderia ser traduzida de uma ngua para outra, com a possibilidade
de perder a maior parte do seu brilho ao passar para uma sociedade
nova, diferente em termos de costumes, literatura, e, sobretudo,
associações de ideias. Mas a segunda é geralmente intraduzível. Ela
deve tudo que é à estrutura da frase ou à escolha das palavras.
(BERGSON, 2007, p. 76)
Como a língua, o humor é fenômeno eminentemente social, pois envolve o
sujeito e mais alguém, como ouvinte ou mote da piada. “O riso ocorre em presença
de duas grandezas: de um objeto ridículo e de um sujeito que ri ou seja, do
homem. (PROPP, 1992, p. 31) O alvo do chiste é quase sempre ridicularizado,
quando não humilhado e ofendido. Prova disso são as rias anedotas, feitas com
grupos de minorias ou étnicos (portugueses, negros, mulheres etc.), geralmente
resumidos a única característica, formando estereótipos. O português burro, judeu
avarento, negro malandro e mulheres que não sabem dirigir carro. O humor tange a
sociedade, fazendo-se sentir em todas as culturas; cada uma cria o seu estilo e a
forma de se fazer rir. O humor carioca, o humor judeu, o humor inglês e o humor
alemão se diferenciam a partir de suas características, épocas e experiências. É o
que resume Propp nesta citação:
Cada época e cada povo possuem seu próprio e específico
sentido de humor e de cômico, que às vezes é incompreensível e
inacessível em outras épocas. Pode-se dizer que o riso francês
distingue-se pelo refinamento e pelo espírito (Anatole France), o
alemão, por um certo peso (as comédias de Hauptmann), o inglês,
pela zombaria ora bonachona ora cáustica (Dickens, Bernard Shaw),
o russo, pelo amargor e o sarcasmo (Griboiédov, Gógol, Saltikóv-
Schedrin). É evidente que no âmbito de cada cultura nacional
diferentes camadas sociais possuirão um sentido diferente de humor
e diferentes meios para expressá-lo. (PROPP, 1992, p. 32)
A cultura brasileira tem sua forma de fazer humor. Cultura carnavalesca,
bonachona, que se institui, cada vez mais, arraigada à voz do humor, como define
Saliba (1997). Não apenas na arte ou nos movimentos artísticos, principalmente os
modernos, que vai se instituir o riso. Os meios de comunicação e a sociedade
brasileira fazem, sempre que podem, fazer valer a boa risada.
1.2 Brasil: um país de gente bem-humorada
O humor se revela no estado individual e no coletivo. Cada época e cada
povo possuem seu estilo e maneira de rir. O riso ocupa lugar de destaque na
expressão da identidade cultural brasileira. Sem dúvida, o povo brasileiro tenta
amenizar a dor e dureza de vida com o humor. Isso se reflete até na formação dos
nossos humoristas. Há um grande número deles vindos do nordeste, como os
cearenses: Chico Anysio, Tom Cavalcante, entre outros. O próprio Chico Anysio
define o humor como:
uma coisa que até pode ser engraçada, mas que seu dever
primeiro é o da denúncia. Os humoristas não m o direito de
consertar as coisas, mas o dever de citar os problemas. Esse é o
humor social, que é feito com base nos problemas. Por isso, tantos
humoristas vindos do Ceará, um local onde muitos problemas.
Somos uma sociedade que sofre muito, mas que consegue ser
visada e ter motivo de se orgulhar pela sua maneira leve e cômica de
ver e enfrentar a vida.
5
Pirandello (1996) confirma a observação do comediante sobre o lado mais
“humano” e frágil do humorista, que tem no humor “partícula apaziguadora” muitas
vezes da sua própria dor:
Quanto mais difícil é a luta pela vida, e mais é sentida nesta
luta a própria fraqueza, tanto maior se faz, portanto, a necessidade
do engano recíproco. A simulação de força, de honestidade, de
simpatia, de prudência, em suma, de cada máxima virtude de
veracidade, é uma forma de adaptação, um hábil instrumento de luta.
O humorista extrai rapidamente estas várias simulações para a luta
da vida: diverte-se em mascará-las; não se indigna é assim!
(PIRANDELLO, 1996, p. 157)
5
Citação e opinião sobre o humorista retiradas da entrevista feita no Programa Altas Horas, da Rede
Globo de Televisão, do dia 18/04/04.
No Brasil, na cultura construída pela colonização e subdesenvolvida, as
pessoas encontram na suavização a partir do humor o elixir que lhes força para
continuar contornando os problemas e alimentando o espírito. A própria
popularidade do humor se deve à grande participação do povo brasileiro em querer
e gostar de ser espectador de si mesmo.
Sendo um gênero que incentiva a participação, o expediente
cômico, ao contrário da tragédia, alimenta-se dos sinais dos
espectadores assim motivados. A popularidade do cômico está na
participação social do espectador e em sua forma de responder aos
estímulos estereotipados. A deformação física ou moral, uma vez
exibidas, alimentam o espírito cômico e põem em xeque o estatuto
social. (RIBEIRO, 1999, p. 114)
O riso desarma mostrando as fragilidades individuais. Nessa característica
estreita as relações humanas, nascendo de situações inusitadas, escondidas,
transgredindo autoridades, o rio e inatingível. O humor é irreverente, brinca com a
vida, gostando sempre de surpreender, provocar o riso espontâneo e fazer a pessoa
relaxar.
A capacidade humorística do brasileiro é observada do o início da colonização
aos dias de hoje. As metáforas contidas nos folclores e lendas indígenas
provocavam risos no homem branco civilizado, pois tudo que ele via e ouvia lhe
parecia distante de sua realidade. Porém, somente muito tempo depois, no fim do
século XIX e início do século XX, o Brasil adquire novas dimensões para o cômico. A
vida privada e todas as simbologias dos costumes da civilização servem de
inspiração e reflexão sobre os modos de ser e agir dos brasileiros.
Segundo Saliba (1997), a República, quando implementada, resultou no povo
brasileiro certa ansiedade pelo desejo de mudanças, na esperança de se tornar
nação desenvolvida como as europeias, exacerbando o querer ser estrangeiro. A
independência e o conhecimento de uma cultura cosmopolita e moderna, ao invés
de gerar no brasileiro “busca das raízes nativistas”, manifestaram, paradoxalmente,
o “desejo de ser estrangeiro”. Perde-se a noção identitária do ser brasileiro. Uma
sociedade moderna e provinciana, antiquada e cosmopolita, liberal e oligárquica. A
alternativa que se tinha para representar tal povo era o cômico. Mediante o
incremento da imprensa e o aparato tecnológico gráfico se reforça o humor, como
modo de representatividade do brasileiro. Ressalta Saliba:
A tradão da representação humorística, que já vinha do
jornalismo satírico da Regência e dos folhetins cômicos do Segundo
Reinado, ganha maior força e se aprofunda com o desenvolvimento
da imprensa e com a proliferação das revistas ilustradas e do
réclame publicitário, no início da República. (SALIBA, 1997, p. 298)
Uma das formas principais nacionais de se fazer humor era a paródia. O estilo
toma forma na época do início da República, e ainda é grande divulgador do humor.
"A paródia predominou, na representação cômica tanto dos espaços públicos por
meio do imaginário privado quanto dos espaços privados para o meio público."
(SALIBA, 1997, p. 306)
Outra grande forma de retratação do humor brasileiro é a caricatura. Segundo
o mesmo autor, a relação do visual e do verbal é tão forte que a caricatura reforça
ainda mais o sucesso da revista Fon-Fon! que, em 1908, foi considerada a
“representação caricatural do Brasil”. Seus concursos públicos disseminavam a
comicidade para grande parte da “intelligentsia” brasileira. Talentos eram revelados
em desenhos que parodiavam a cultura nacional, como Nair de Teffé, primeira
caricaturista mulher do mundo. Entre a sátira e o humorismo, o caminho do humor
nacional.
Símbolo ou caricatura, sisuda ou mica, de qualquer
maneira a representação do país passava forçosamente pelos
caminhos da inversão e da recriação de sentidos, pelo jogo dialógico
e tenso entre o real parodiado e a representação paródica. (SALIBA,
2002, p.125)
A caricatura e a paródia fazem surgir grandes representações do povo
brasileiro, como Jeca Tatu e Mané Xiquexique. Dois sertanejos, com traços fortes,
que demonstravam a miséria e o sofrimento do povo que desde cedo tem que
aprender a lidar com os desafios da vida e da própria natureza. Mas seus autores
assim o os retratavam. Eles se tornavam personagens humorísticos. Saliba
denomina de via-crúcis paródica. Um humor negro que satirizava e parodiava o
sofrimento do povo, não de forma preconceituosa, mas procurando atenuar o
cenário de vida do homem do campo. Essa característica do brasileiro se
destacada também, pouco mais à frente, com o personagem Mazzaropi, no cinema.
Ele demonstrava a capacidade de rir mesmo nos momentos mais difíceis. O homem
do campo, batalhador, lutador de sol a sol, que vive a labuta de semear e colher,
porém sorrindo disso tudo e cantarolando numa roda de viola. Na vida colhe certas
mazelas que somente pela busca de maior leveza, pela música caipira ou anedotas
contadas de maneira natural e quase sem querer, encontra esperança em dias
melhores. O que nos diverte e faz pensar em nós mesmos.
Não apenas na literatura ou no cinema a paródia representava os costumes.
O rádio vem afirmar ainda mais a maneira bem-humorada da vida privada brasileira,
que se encontrava entre o tradicional e o popular dos programas humorísticos e de
auditório das emissoras. Tudo era motivo para boas anedotas, principalmente a
política. Para exemplificar o modo de fazer piada do brasileiro, eis uma que tem
como personagem principal Getúlio Vargas, presidente da época:
Getúlio, cansado de ouvir anedotas sobre sua pessoa, manda
chamar um grande piadista da cidade, que gostava de fazer piadas
utilizando-o como personagem. Ele diz: Então é o senhor que
inventa essas piadas a meu respeito? Essas piadas acabam com
minha imagem. Logo eu que tanto faço pelo trabalhador brasileiro,
dando um alto nível de vida, assistência social e leis de proteção....
O autor das anedotas interrompe dizendo: Depois, presidente, vão
dizer que também fui eu que inventei essa... (SALIBA, 1997, p.352)
Esse traço do humor brasileiro, de fazer pilhéria de tudo e de todos,
principalmente da alta sociedade e do meio político, é bem semelhante à maneira de
se fazer humor dos judeus. O povo judeu passou por vários desafios e provações,
tornando o humor de sua cultura a revelação de poderosa arma para criticar e expor
seus pensamentos, lhes proporcionando mais esperança e alegria. Coincidência ou
não, a piada judaica a seguir refere-se ao seu mais odiado inimigo, Adolf Hitler, que
quis exterminar os judeus no mundo inteiro:
Hitler estava furioso com um comediante que vivia inventando
piadas sobre ele e mandou chamar o fulano. Hitler: você, judeu
imundo, que está fazendo piadas a meu respeito? Comediante: Sim,
sou eu. Hitler: Mas vonão sabe que sou Adolf Hitler, o Führer do
Reich que vai durar mil anos? Comediante: Esta não fui eu que
inventei não! (MEZAN, 1993, p.134)
O humor judaico, segundo Mezan (1993), se exerce sobre temas variados
(negócios, família, política etc.), desnudando o estreito passo que separa o nacional
do absurdo, mostrando indiretamente o caráter convencional das regras e das
normas. Ele expõe os recursos infindáveis do homem comum na sua luta contra
seus "inimigos" buscando o prazer e seu destino, indo contra as figuras de
autoridade. Mistura de earthiness ("pé no chão"), sutileza, sabedoria popular e
esperança.
É notável que as características do humor judaico sejam bem semelhantes às
do humor brasileiro. As nossas paródias não deixam de discutir verdades de
maneira sutil e popular. Não estas, mas as ironias advindas dos sambas de Noel
Rosa e Lamartine Babo, grandes representantes do samba-canção, sempre cheios
de piadinhas sobre o cotidiano da sociedade. As chanchadas também podem ser
outro exemplo, enfim todo o "jeitinho brasileiro" de fazer humor e suas diversas
formas de apresentação. Até mesmo na dura época de ditadura militar, o humor foi
uma forma de as pessoas se comunicarem um pouco mais livremente. O impulso
que tiveram as publicações alternativas de humor se deveu ao fato de que a grande
imprensa comprometida com o poder estava censurada. A charge, contos ilustrados
humorísticos, funcionava como crítica imediata de um fato ou acontecimento, em
geral de natureza política. Os anos duros da ditadura impunham a necessidade de
abertura das portas da comunicação. Durante a década de 70 é inegável a
existência de um boom editorial de revistas de humor. Publicações irônicas,
divertidas e, ao mesmo tempo, profundamente sérias, marca na história da imprensa
alternativa brasileira, como o O Pasquim. Não apenas no Brasil, mas em outras
culturas, o humor foi utilizado como maneira de se fazer crítica aos governos.
O riso e a reflexão estabeleceram um casamento que
acompanhou todo o percurso destes produtores engajados, e
terminaram se transformando na receita ideal para as épocas de
crise. Afinal, o humor sempre foi uma das poucas armas do oprimido
contra os opressores. o é a toa que as piadas de comunista na
antiga União Soviética, piadas de Pinochet no Chile ditatorial, da
mulher de Figueiredo aqui no Brasil, veiculadas cada qual no seu
país de origem, sempre reafirmaram o uso do humor entre a
sociedade para ilustrar as críticas à política. (PIERONI, 1998, p. 22)
O humor brasileiro revela o "inexplicável orgulho de ser brasileiro", segundo
MÁXIMO (1999). O brasileiro, piadista vocacional, como no humor judaico, é
autocrítico e gosta de rir de suas próprias mazelas. Somos o país do "jeitinho”,
malandro por natureza, pois "todo político é desonesto, todo médico é charlatão,
todo grande cantor desafina, todo poeta é analfabeto, todo Pelé é meio perna de
pau. Mas se os bem-sucedidos morrem, cessam-se os poréns". (MÁXIMO, 1999, p.
23)
O humor permite à vida cotidiana e à sociedade se livrarem das situações
difíceis com irreverência, dando ao indivíduo a sensação de alívio momentâneo. O
riso humaniza, faz parte da integridade humana. Saliba resume o humor e a cultura
brasileiros:
Esse humor não lhes daria também, como se sabe, nenhum
traço de identidade, mas, ao que parece, ajudava a soldar os
brasileiros ao tempo, possibilitando-lhes, se não um porto seguro,
pelo menos algumas ilhas de sobrevivência. Ilhas onde, afinal,
predominava aquela ética de fundo emotivo - e onde a solução era rir
- , talvez a fórmula brasileira para manter a esperança e afugentar a
morte. (SALIBA, 1997, p. 365)
Analisamos algumas definições sobre o humor e entendemos que a
sociedade se utiliza do riso como forma de amenizar os problemas do cotidiano,
uma partícula apaziguadora”, como Freud definiu. O aspecto fica ainda mais visível
quando se estuda a cultura brasileira. Assim, passaremos agora a relatar o humor
na propaganda brasileira.
1.3 A propaganda brasileira: onde o humor é o sucesso
"Se as pessoas não estão sorrindo, não estão
comprando"
Jonh Hegarty
Como observado anteriormente, o humor funciona como válvula de escape
para a angústia, pois mostra a realidade sem seu peso cotidiano, a faz mais leve,
com menos pessimismo frente à vida. Essa propriedade do humor é muito presente
na vida do brasileiro. Povo social e economicamente instável, que tem posição
cômica e abstrata de ver seu sofrimento na tentativa de amenizá-lo.
O humor é mutante, depende da cultura, momento e modo em que é utilizado.
O que é risível no Brasil pode não ser na Inglaterra e assim por diante. O mesmo
acontece com uma piada que no século passado era engraçada. Hoje já não é mais.
Das várias teorias destacadas, característica comum é que o humor deve ser levado
a sério, tendo que ser estudado e analisado com critério. Washington Olivetto (2003,
p. 38), um dos mais conhecidos publicitários do Brasil, diz que em tempos difíceis,
como o que vivemos, o humor cresce e se torna quase serviço de utilidade pública.
O humor, portanto, é estado de espírito. As pessoas o buscam para alimentar
uma forma de viver que para elas é absorta dentro de um mundo demasiadamente
sério. Os que possuem o humor não se cansam de, até mesmo, voltarem-se para si
e rir da própria desgraça. É o que afirma Maria Dias Castro: "A intenção do humor é
sempre retirar do real seriedade e dramaticidade e imprimir ludicidade e postura
crítica". (CASTRO, 2003, p. 132)
Por isso, fazer humor é tão complexo e difícil. Uma arte, que se divide em
emocional e intelectual. A intelectual atua na quebra da rigidez social, de padrões do
cotidiano e das regras impostas. a emocional trabalha com o alívio das tensões
do mundo e do indivíduo, na busca de demonstrar o prazer derivado das ações
humorísticas. Resume a autora:
O humor hiperboliza, acentua, exagera, mas não inventa ou
cria a partir do nada: seu fundamento é a realidade, a vida de todos
nós. É nessa direção que pode, muitas vezes, converter-se em um
caminho para se chegar à verdade. Nesse caso, não é a verdade
que é engraçada, e sim a maneira como o humor faz chegar a ela.
(CASTRO, 2003, p. 133)
O humor não é só forma de desnudar a mentira, mas seu êxito está na alegria
provocada pela descoberta inesperada e surpreendente da verdade. Nada mais do
que maneira rebelde, lúdica, surpreendente, superior, feliz e engrandecedora de ver
a vida e o mundo.
E nessa característica maior do humor a propaganda ganha terreno. Ela inova
e persuade melhor quando expressa a necessidade e os desejos do consumidor de
maneira leve, com toque humorístico. Segundo Washington Olivetto (2003, p. 29), a
propaganda começa a despertar para o humor no momento em que deixa de ser
apenas informação e passa a ser persuasão. O que o publicitário afirma condiz com
o fim da era dos classificados, para o início da propaganda persuasiva, que utilizava
recursos linguísticos mais bem trabalhados.
O anúncio de propaganda no Brasil data oficialmente da introdução do
primeiro jornal no país, o Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808. “Era a dinastia dos
classificados. Onde alguns apresentavam mensagens em inglês ou francês”
(RAMOS, 1990, p. 2).
Além dos jornais, os anúncios também eram fixados em lugares públicos,
como praças, igrejas e, pouco mais tarde, em bondes elétricos. Marcondes explica
quais características tinham os anúncios:
Na maioria dos casos, os anúncios consistiam em texto puro,
mas datam dessa época as primeiras ilustrações trabalho
original de artistas plásticos da época, que se transformaram assim
no primeiro contato produtivo entre arte e propaganda.
(MARCONDES, 2002, p. 15).
RAMOS (1990) esclarece que a partir de meados do século XIX os
classificados começam a mudar. Deixam de ter como principal característica a
informação e ganham versos, quadrinhos, espaços definidos e “rimas”. Em 1875, os
jornais Mequetrefe e O Mosquito inauguravam os reclames ilustrados. Eis exemplo
de anúncio dito puramente informativo, e outro de 1895:
O anúncio dos classificados apenas informava a venda, enquanto o outro,
pela ilustração, se observa a tentativa de persuasão, afirmando que se a pessoa
tomar o xarope ficará com aparência bem melhor.
Imagem 6 Classificados de 1808
Imagem 7 Anúncio
ilustrado de 1895
Logo mais, surgem as revistas. Inovam no formato e na linguagem, com
ilustrações e informações transmitidas de forma leve e solta, como resume
Marcondes:
No início de 1900, aparecem as primeiras revistas no país,
menos voltadas à notícia clássica e mais a crônicas sociais, sátiras,
charges, sonetos, fatos comentados [...] Também o espírito do
anúncio é outro, bem mais leve [...] irreverente, solto, eventualmente
com um toque de humor e a primeira presença daquilo que mais
tarde se chamaria de criatividade publicitária. (MARCONDES, 2002,
p. 17).
A partir de linguagem mais persuasiva, mais bem trabalhada, e utilizando a
relação texto e imagem, se observa de maneira mais válida a presença do humor na
propaganda nacional. Vejamos os exemplos a seguir:
Três propagandas que utilizam o humor, mas deve-se ver com os olhos do
início do século XX. As imagens utilizam ilustrações que remetem à charge, ao traço
do cartunista, muito característico dos ilustradores (ou layoutmans, como eram
chamados). Olhos assustados, boca exageradamente aberta, para demonstrar que
Imagem 8 Anúncio do começo do
século XX.
Imagem 9 Anúncio
de elixir contra
pigarro de 1912.
Imagem 10
Anúncio de meias de
Mousseline de 1916.
estava cantando ópera, ou a expressão de medo da mulata da moto Rex, assim
como os corpos obesos, dela e do motorista, tornam engraçados os anúncios.
Representam o toque do “jeitinho brasileiro” da época.
Segundo CADENA (2001), com o ciclo do café, a cidade de São Paulo
cresceu, passando a ser a maior urbe brasileira após a Primeira Guerra Mundial,
junto com outras cidades em desenvolvimento urbano e consumidor, como Rio de
Janeiro, Salvador e Recife. Para atender aos negros recém-abolidos, imigrantes que
vinham de várias partes do mundo e à elite crescente, a comunicação tinha que se
tornar massiva, de fácil acesso e atenta aos novos nichos de consumidores que se
formavam. Cartazes colados em armações de aço, destaque de um anúncio nos
bondes, cartões-postais enviados pelo correio com a marca do anunciante (quando
dados como brinde eram bem guardados em álbuns de família) e o crescente
número de veículos - jornais e revistas - seduziam e comunicavam às pessoas o que
tanto “precisavam”. Os maiores anunciantes eram as indústrias alimentícia,
farmacêutica e de higiene.
Esse cartão-postal de 1921 tem linguagem bem coloquial, como se realmente
um garoto estivesse contando suas aventuras ao tio. A venda fica implícita, feita
apenas por meio de seu comentário ao final da história. Atual, bem-humorado,
propõe a venda de forma leve e criativa.
Imagem 11 Cartão-postal 1921.
Com o desenvolvimento das indústrias e do comércio, o mercado publicitário
sente a necessidade de acompanhar as inovações. Anúncios de oportunidade
apareciam, aproveitando as inovações tecnológicas que surgiam. A literatura, então,
se une à publicidade. “O poeta rende-se à propaganda, assim como Olavo Bilac,
Machado de Assis e outros ícones da literatura brasileira” (CADENA, 2001, p.65).
Para dar continuidade aos desenvolvimentos e inovações que surgiam na
comunicação, novo aliado para contribuir com a o procurada mídia de massa, o
rádio. Assim, não a elite ficava com maior acesso à propaganda e ao desejo do
consumo, mas tamm a grande massa.
O Brasil continuava sua caminhada em direção ao progresso e a propaganda
à sua ascensão. Mesmo depois de uma Guerra Civil, na década de 30, e da entrada
do país na Segunda Grande Guerra, a propaganda continua inalterada, e se torna
arma de persuasão e mudança de comportamento ainda mais eficaz.
Para RICHERS (2000), o consumidor dos anos 40 e 50 era ingênuo e
despretensioso. Muito propício à aceitação dos produtos internacionais em
detrimento dos nacionais, sem diferenciar os produtos com relação à qualidade. A
nossa propaganda tenta trazer esses produtos para a realidade nacional e usa a
rima e bom humor em slogans como "Com guarda-chuva Ferretti, pode chover a
Imagem 12 Jeca Tatuzinho, paródia de Monteiro
Lobato ao seu personagem Jeca Tatu. O objetivo era
vender Biotônico Fontoura de uma forma leve e bem-
humorada, mostrando como as crianças deveriam se
alimentar e cuidar da higiene para não pegar vermes
e nem ficar anêmicas.
canivete"; “Se é Bayer é bometc. Slogans, textos, imagens, entre outras inovações
da linguagem da propaganda, fazem com que se torne grande arma econômica,
incentivando compras e gerando novos e modernos negócios. “No final da década
de 40, a propaganda brasileira movimenta 1,8 bilhão de cruzeiros, o que
corresponde hoje a 650 milhões de dólares” (CADENA, 2001, p.110).
No início da década de 50 surge o veículo que desbravará até mesmo o tão
popular rádio: a televisão. “Como acontecera nos Estados Unidos, a TV
revolucionaria mais que o rádio - a cultura, o comportamento, a economia e,
consequentemente, a publicidade brasileira de forma como nunca havíamos visto”
(MARCONDES, 2002, p. 31). A propaganda começa a retratar mais fielmente a
sociedade nacional. Criam-se agências e é aberto o primeiro curso formador de
publicitários, com a fundação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e
Marketing).
A publicidade começa a ter na sociedade o papel que exerce
tão bem hoje: de espelho no qual todos nos olhamos e onde temos
uma referência aceita e comum de quem somos, o que andamos
fazendo de bom, o que é moderno e o que não devemos perder de
jeito nenhum, sob o risco de ficarmos por fora dos avanços da
história. (MARCONDES, 2002, p. 38).
Em meio a inovações em mídia e crescimento de empresas concorrentes, a
propaganda começa a investir mais intensamente no setor de criação. A produção
de textos persuasivos e de imagens bem dispostas em design moderno faz crescer
a qualidade das campanhas, que se reflete nas agências, modificando os
departamentos. A criação vira a “grande estrela” da agência. O consumidor está
ávido por novos produtos, procura status e dá muito valor a inovações, sabendo
diferenciar e entendendo as mensagens publicitárias. Não se "engana" com tanta
facilidade, favorecendo a modificação de estratégias para agradar ao público.
Em meados da cada de 60, surge o conceito norte-americano trazido pelo
publicitário Alex Periscinotto: as duplas de criação. Agências como DDB, Alcântara
Machado (futura Almap/BBDO), Norton, Leo Burnett, entre outras, assimilam o modo
de criação londrino e norte-americano, revelando duplas de criação talentosas,
tornando-se empresas consistentes e donas das maiores contas nacionais.
Marcondes complementa:
Diretores de arte e redatores, a então atuando em
departamentos separados e estanques, passam a atuar na mesma
sala [...] Para a propaganda, os frutos dessa nova conformação
viriam em breve, na forma de maior qualidade da mensagem final,
Imagem 13 Anúncio, de 1958,
que remete a uma fotonovela
bem humorada. Uma
estratégia diferenciada de se
fazer uma propaganda criativa.
maior afinação de textos, conceitos e imagens, maior inventividade e
originalidade em tudo (MARCONDES, 2002, p. 43).
O duplo sentido, figuras de linguagem e famosos trocadilhos utilizados na
propaganda ganham corpo, colocando em suas peças fórmulas bem acabadas e
criatividade peculiar. Estratégias ousadas em peças que ganhavam layouts
equilibrados.
De acordo com CADENA (2001), os anos 70, na verdade, são os anos de
ouro” da mídia no Brasil. O outdoor se renova, aumentando a eficiência. O rádio
reencontra suas origens a partir do surgimento do modelo de programação FM, com
96 emissoras em operação ao final do período. A TV atinge, finalmente, audiências
compatíveis com a grandeza do país, captando quase 60% dos investimentos
disponíveis em mídia, em detrimento de outros veículos de comunicação, como
rádio, revistas e jornais.
Imagem 5 Anúncio do Fusca
de 1967. Através de uma antítese
eles mostram como o carro é
compacto, mas ao mesmo
tempo muito bom. Tanto o
tamanho é exageradamente
pequeno, quanto a qualidade no
acabamento é excelente. A peça
ainda finaliza com uma frase que
remete o bom humor do texto:
“Tanto assim que estão rodando
no Brasil mais de 400.000 VW.
Sem exagêro.
Imagem 15 Outro anúncio
do Fusca. Este é de 1964.
Usando uma metáfora, o
anúncio compara o fusca a
uma tartaruga, porém afirma
que é a tartaruga mais
rápida do mundo.
Imagem 5 a marca
Adams anuncia seu
Chicletes pela rima. Um
trocadilho que afirma: “A
quem trabalha com alma,
Chicletes os nervos
acalma.”
Toda essa mudança vai refletir diretamente na criação publicitária. No final da
década de 70 e parte da década de 80, houve a busca de criar campanhas mais
originais e imaginativas. Campanhas com conceitos fortes, baseadas em
planejamentos eficientes e atrelados a novas mídias. Marcondes exemplifica:
“Mas a verdade é que, a partir dos anos 80, com crise ou sem
ela, o Brasil nunca mais deixaria de ser reconhecido como um dos
países mais criativos da propaganda mundial. Comerciais como
Morte do orelhão (1981), da DPZ para a Telesp, sobre vandalismo
contra os orelhões e Primeiro Soutien (1978), da W/GGK para a
Valisère, sobre a emoção de uma menina ao ganhar seu primeiro
soutien, ficariam registrados como alguns dos melhores comerciais
brasileiros de todos os tempos” (MARCONDES, 2002, p. 54).
Em 1990, inicia-se a era do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor
é outorgado e com ele surge a necessidade de se adequar a propaganda e suas
promessas à mudança. O consumidor pesquisa, sempre atrás do menor preço.
Começa a reclamar quando se acha prejudicado, e a classe média cresce nos meios
urbanos. Ao mesmo tempo, essa classe, que surge com grande força, tem certo
poder aquisitivo, e entre planos econômicos e tentativas de se esquivar das
inflações que aumentam, adquire bens, como imóveis. Sempre que pode, deposita
na poupança o que sobra do salário. Cadena resume:
“A década da afirmação das marcas não parece propriamente
uma Brastemp, mas seria realmente uma. Se nos anos 70 e 80 o
consumidor se identifica com personagens como o garoto Bombrill, o
baixinho da Kaiser, o Sebastian da C&A e o barbudinho do
Bamerindus, nos anos 90 a cumplicidade do consumidor se com
situações, emoções e comportamentos através de campanhas que
lhe tocam a alma”( CADENA, 2001, p. 240).
Segundo RICHERS (2000), o consumidor, depois do Plano Real, a
possibilidade de aumento da sua qualidade de vida, e mais livre para comprar o que
realmente necessita e o que o satisfaz. Procura melhoria mental e sica, em
academias e novas terapias e filosofias de vida. Está mais atento às mudanças e
aberto a conviver com elas.
Assim, os criativos conseguem maiores possibilidades para, com mais
liberdade, produzir campanhas concretas e inovadoras. A criatividade, aliada ao
famoso “jeitinho brasileiro” seduz, persuade e encanta os consumidores, fazendo
com que a propaganda brasileira desponte no mercado internacional. Elucida
Marcondes:
“O Brasil é considerado, desde então, a terceira potência
mundial em criação publicitária, pelo volume de prêmios que
conquistou (e segue conquistando) nos festivais internacionais do
setor e pelos elogios que recebe até mesmo de países do Primeiro
Mundo, donos de uma inveja sem tamanho” (MARCONDES, 2002, p.
59).
a necessidade de seduzir, acima de tudo, para fazer comprar. Por isso, a
propaganda tem que andar sempre paralelamente com tudo que rodeia e simboliza
a vontade do consumidor, para conseguir retratá-la fielmente. Entendendo o
consumidor se consegue atingi-lo e fazer uma comunicação válida. A eficncia vai
ao encontro do poder de identificação do blico com a propaganda. Para isso, é
preciso emocionar esse público, tocá-lo da maneira mais direta possível. Fazer com
que gere comentários e vire, de puro consumismo, notoriedade. Como exemplo, as
campanhas do Fusca. Um carro pouco atrativo visualmente, pequeno e de imagem
Imagem 7 - Anúncio da Pepsi de 1995. O
texto faz paródia dos anúncios
promocionais, e a brincadeira está em a
pessoa participar da promoção, mas não
ganhar nada, ou seja, nem um quilo extra,
pois a Pepsi é diet. Isso se reforça na
imagem, pois a tipologia disposta vai
ficando mais fina, para fazer uma alusão
metafórica ao emagrecimento.
Imagem 7 Anúncio de 1999
para o catchup picante Parmalat.
Por meio de metáfora, simula o
ato de ao comer algo picante se
colocar a língua fora da boca.
negativa, mas que teve propagandas "na boca do povo" e encontrou grande índice
de recall, tornando-se líder de vendas.
Segundo CADENA (2001), o Fusca parecia feito por encomenda para as
precárias estradas brasileiras e o traçado íngreme dos bairros de periferia nas
capitais. Além disso, consumia menos combustível e mantinha o design durante
anos, diferentemente da concorrência, que estimulava a troca pelos novos modelos,
em uma época em que o bolso do brasileiro estava apertado. Pela propaganda se
conseguiu traduzir tudo isso, aliado ao estado de espírito do consumidor, mais
voltado à funcionalidade. Os anúncios tinham humor e ironia e, como mplices,
persuasão, informação e grande frequência de mídia. Com o slogan "o bom senso
em automóvel", a Volkswagem conseguiu ser líder de vendas, e as campanhas
sempre foram premiadas. Não no Brasil, mas também nos Estados Unidos, onde
nasceu o conceito da propaganda do Fusca.
A eficácia de uma propaganda não é gerada apenas em torno de uma criação
preocupada com efeitos e necessidades da sociedade de consumo, mas tamm
como a sociedade agirá diante da mensagem. Muitas vezes, a compreensão daquilo
que é comunicado não consegue ser percebida. Afirma Jeremy Bullmore:
O humor pode ser generoso ou cruel, direto ou sutil, bem
visual ou totalmente dependente de um jogo de palavras. Pode ser
trivial e malicioso, ou mortalmente sério em suas sugestões. Entre os
extremos da sátira e do pastelão há um mero quase infinito de
possibilidades e variações de humor. E, como em todos os tipos de
comunicação, cada forma de humor seentendida e saboreada
se o ouvinte (ou telespectador) for capaz de realizar aquele ato final
e necessário de compreensão. (BULLMORE, 2002, p. 188)
Imagem 8 Outdoor da década de 70, divulgando a
confiabilidade e segurança no Fusca, “o carro que aguenta
tudo”.
Expectativas, necessidades, traços pessoais, experiências passadas e
atitudes sobre o produto e o objeto, e o estímulo determinarão a percepção. Um dos
fatores utilizados na comunicação e que bem a representa é o impacto da emoção.
A propaganda emocional fala ao coração, que muitas vezes gosta de se expressar
em tom mais alto do que a razão.
O humor é um dos caminhos da emoção. Pode ser utilizado em suas vastas
divisões: sátira, charge, absurdo ou nonsense, trocadilho/a paródia, humor negro,
humor sexual, hipérbole (exagero), além de outros como o agressivo e o irônico,
sempre surpreendendo e quebrando expectativas. Um anúncio é perfeitamente
capaz de comunicar algo sério de maneira humorística e simpática. Esse foi o
grande gancho da campanha do Fusca. O humor suavizou o que era ruim no carro,
tornando-o simpático, minimizando os aspectos negativos e afirmando que era a
melhor escolha.
Não se deve usar a piada pela piada. Objetiva-se vender produtos. Para
tanto, este deve ser muito bem comunicado. Segundo Hegarty,
O segredo é capturar algo único do produto que cativar e
que seja memorável e articulado. Não estamos tentado escrever uma
série de piadas, mas sim criar uma peça de comunicação que seja
única para o produto que estamos anunciando. A ideia precisa se
entrelaçar com a trama da marca. Não pode ser apenas a piada que
poderia ser usada para qualquer um. [...] Unir o consumidor ao
caráter da marca. Isso é o que verdadeiramente constrói os valores
da marca. (HEGARTY, 2003, p. 72)
A propaganda deve sempre se lembrar de que a mensagem não se destina a
máquinas, sem sentimentos, problemas e confusões, mas a humanos, que precisam
ser cativados. O humor, quando surpreende e vem do inesperado, encanta,
tornando-se verdadeiro como a vida. Grande parte dos humoristas faz piada com
situações amplas do cotidiano, aumentando o poder de identificação do público,
provocando risadas e sucesso. A maior parte do público volta para ver novamente o
espetáculo. O mesmo ocorre na propaganda. Comenta Augusto Bier:
Também é fundamental que o grupo a desfrutar da piada
esteja culturalmente identificado. É imprescindível que seus
componentes tenham condições de se comunicar e entender entre si
através do domínio de códigos e linguagens de uso comum. Aqui
entramos na questão de identidade. (BIER, 2003, p. 140)
A propaganda com humor tem que atender a duas premissas: chamar a
atenção do consumidor e fazê-lo se identificar de forma mais próxima do retratado
pelo anúncio. Nesse enlace atua o humor. Facilita o estímulo à comunicação. "Ao
emocionar e surpreender, o humor na propaganda pode seduzir o consumidor. Se
chegar a exaltar e entusiasmar, ele pode conquistá-lo por muito mais tempo".
(ROSSI, 2003, p. 149)
Outro fator do riso social é o fato de que até mesmo entre os gêneros
observa-se a diferenciação da atuação do riso. As mulheres são mais propensas a
rir, e o homem a fazer rir. Pesquisa do canal Oxygen Media e a MediaCom
6
ressalta
que as mulheres preferem propagandas com humor. Os resultados preliminares,
antecipados pela revista especializada Adweek, revelam que 93% das mulheres com
idade de 18 a 49 anos afirmam que se um comercial é engraçado, gostam de assisti-
lo novamente. Cerca de 90% falam com outras pessoas sobre um filme publicitário
engraçado que tenham visto.
O estudo diz ainda que 88% das mulheres tendem a não trocar de canal
durante o intervalo se o comercial é divertido. As mais jovens, de 18 a 34 anos,
avaliam que o sarcasmo é engraçado. Entre as mulheres mais velhas, é considerado
menos divertido.
O humor, quando dá certo, faz as pessoas reconhecerem um lado familiar de
ponto de vista não familiar. Pensam não apenas em dificuldades, mas com prazer.
Prazer que não deriva apenas da revelação em si, mas da satisfação que surge do
fato de ter colaborado com o entendimento da piada: “Ah, entendi!” O cuidado é com
a piada que não foi compreendida, pois se deve ter exigido demais do receptor. O
que não quer dizer que a clareza deve ser exacerbada, sem fazer com que o
consumidor reflita. Pelo contrário, sorri quando entende a piada. Se for explicada,
nega-se ao ouvinte a chance de participar, e o há o momento da percepção e do
prazer. Por isso os princípios do humor e da persuasão estão muito relacionados.
6
Esse assunto será mais discutido no capítulo desta dissertação. A pesquisa citada foi divulgada
no site: http://www.adweek.com/aw/esearch/article_display.jsp?vnu_content_id=1000475212, Acesso
em 30 de março de 2004, às 20h.
Ocorre, às vezes, é que os publicitários fazem campanhas que somente eles
entendem, não se preocupando com o público. Como se verá nos anúncios a seguir:
Ambos os anúncios tentam ser engraçados, mas confundem o público a
respeito da real intenção da propaganda. Paula Pierce (2002) reforça que o fato
ocorre com alguns anunciantes:
O humor é um negócio sério. Muito dinheiro é perdido na
publicidade que reflete quanto uma agência é engraçadinha, com
piadas que só são entendidas pelo pessoal do ramo ou com diversão
gratuita que não está ligada à estratégia, que é a força matriz da
marca. (PIERCE, 2002, p. 204)
Situações mais sutis e verossímeis dão ao consumidor a oportunidade de rir
com o anunciante e não dele. Situações divertidas do cotidiano, da vida real,
conseguem promover a produção de forma significativa. Humor leve, afetivo ou
apelos de imagens podem ser mais eficientes. A paródia ou zombaria tendem a ser
Imagem 20 Anúncio da pasta de dente Evan Kids,
de 2010, mostrando que a mesma deixa os dentes
da criança tão fortes que ele não consegue arrancá-
los, nem prendendo com um barbante na porta. Ele
acabou quebrando a porta e não arrancando o
dente. É argumento equivocado, pois os dentes de
leite devem cair naturalmente para a formação da
dentição permanente.
Imagem 21 Anúncio da Unimed Rio
para o carnaval de 2010. A piada vai
sendo contada aos poucos, mas ao
final evidencia que a própria pessoa
não se conhece. Algo surreal, porém
não consegue ser muito engraçado.
bom meio de criação humorística, porque "toma emprestada" a familiaridade de algo
já conhecido, e do qual todos gostam.
O riso ocupa lugar de destaque na cultura e na sociedade brasileiras. Nada
mais apropriado do que a propaganda se valer dessa característica inerente ao
povo. Washington Olivetto (2003, p. 32) defende que o povo brasileiro, assim como
o inglês, gosta da propaganda comercial. Eles comentam e conversam sobre isso no
dia a dia, nas conversas de bar, salões de beleza, em qualquer momento. Essa é a
grande questão da propaganda: a pertinência. Não usar o humor apenas pelo
humor.
O que não se pode deixar de notar é que realmente a propaganda,
principalmente no Brasil, funciona bem quando elementos de humor e
sensualidade. Pesquisa feita pela ABP
7
, em 2006, mostra que os brasileiros,
indagados sobre as transformações ocorridas na propaganda nos últimos anos, de
modo geral afirmaram que evoluiu, cada vez mais criativa, inteligente, bem-
humorada, surpreendente, moderna, divertida, inusitada e com enredos bem
elaborados. Observa-se que os elogios à propaganda brasileira englobam diversos
aspectos:
- principais pontos fortes: qualidade da informação (85%), qualidade da
imagem (85%), beleza das imagens (83%), inteligência (83%), humor (80%)
qualidade do texto (79%), efeitos especiais (79%), qualidade da música (77%) e
originalidade (76%). Foi ressaltado também que a propaganda adquiriu mais toques
de inteligência (80% em 2002, 79% em 2004 e 83% em 2006). Outro dado
interessante é a percepção de que ela está mais ética/transparente (68% em 2002,
64% em 2004 e 70% em 2006).
- pontos que devem ser melhorados: o aspecto sensualidade ainda está muito
alto (74% em 2002, 82% em 2004 e 72% em 2006), além de perder gradativamente
o toque de emoção (77%, 75% e 71%, respectivamente).
Maioria representativa continua sinalizando como a propaganda exerce algum
tipo de influência no comportamento (87% em 2002, 84% em 2004 e 89% em 2006).
A interação do público com as mensagens publicitárias se manifesta de diversas
formas, e os efeitos alcançados pelas mensagens veiculadas são percebidos de
distintas maneiras: lembrança e estreitamento de vínculos entre as marcas e
7
Última pesquisa feita pela ABP (Associação Brasileira de Propaganda) contida no site
http://www.abp.com.br/downloads/Pesquisa%202006.pdf. Acesso em 29 de setembro de 2009, às 9h.
consumidores; aquisição de conhecimento das características de determinados
produtos e nas preferências por determinada marca durante a decisão de compra.
Além disso, a propaganda brasileira continua sendo avaliada como muito divertida,
que merece fazer parte das conversas com amigos e familiares. A estratégia de
utilizar testemunhais na propaganda pode ser interessante, pois 36% afirmam que
os mesmos geram confiabilidade no produto. A afirmativa se aplica aos
testemunhais de pessoas famosas e aos de pessoas anônimas.
Na pesquisa, o humor foi citado como elemento positivo da propaganda
nacional, assim como característica própria da produção cultural.
O humor é grande componente para se entender a vida. É preciso ser crítico
e fazer das situações alvo de grandes ideias que vendam produtos. Saber com
quem e como lidar, para que a comunicação, no seu sentido mais amplo, se faça
eficiente. A melhor maneira para isso é usar linguagem pesada e séria? Não existem
outras maneiras de se fazer valer uma venda?
Quebrar expectativas, surpreender e tornar o cotidiano alvo da comédia, a fim
de aliviar a dureza da vida, utilizar linguagem leve e de fácil compreensão, é muito
mais persuasivo e comunicacional.
Para exemplificar as teorias propostas neste capítulo, discorremos sobre a
marca Havaianas e as propagandas de mídia impressa voltadas para o público
feminino. Porém, é indispensável analisar o perfil identitário da mulher na sociedade
de consumo pós-moderna, para entender melhor o porquê de as propagandas terem
sido criadas utilizando o humor como linguagem, e como as propagandas
geralmente refletem o comportamento estereotipado feminino.
2. O feminino, a propaganda e a “guerra dos sexos”.
“Que diferença da mulher o homem tem?
(Sei não)
Espera ai que eu vou dizer meu bem.
É que o homem tem cabelo no peito, tem o peito
cabeludo e a mulher o tem.”
Luiz Gonzaga
Amélia, sexo frágil, segundo sexo, pilota de fogão, rainha do lar, multimulher,
mulher maravilha, feiticeira, Luluzinha etc. Nomes usados para a mulher, o ser
humano que gera outras vidas, inclusive a de quem inventou esses nomes. O
grande mero de substantivos e adjetivos sugere a histórica dominação masculina
sobre as mulheres, pois boa parte é pejorativa.
Estudos de nero ganham espaço no mundo acadêmico, pois por meio
deles a história das mulheres, conquistas, fracassos e desafios são analisados,
compreendidos e expostos a um grande mero de leitores, haja vista a crescente
publicação de livros e artigos especializados.
„Gênero‟ refere-se à institucionalização social das diferenças
sexuais; é conceito usado por aqueles que entendem não apenas a
desigualdade sexual, mas muitas das diferenciações sexuais, como
socialmente construídas. (OKIN, 2008, p. 306)
Não se quer, nesta dissertação, repetir o que foi dito e redito sobre o tema,
mas procurar novas análises, relacionando mulheres, humor e propaganda na
histórica guerra dos sexos. Guerra que não tem vencedores ou perdedores, vítimas
ou vilões, mas imposições que ditam o que a mulher e o homem devem ser perante
a sociedade e a cultura. Clichês desatualizados e arraigados, que insistem em usar
para determinar e representar ambos os sexos.
2.1. O sexo forte da sociedade de consumo pós-moderna
O sexo, que antes era frágil, dominado, privado
8
e colocado à margem da
sociedade, mudou. Hoje, as mulheres trabalham, conquistaram independência
8
O conceito privado utilizado neste momento tem a intenção de representar doméstico, restrito ao
interior, ao contrário de público ou externo. (OKIN, 2008, p. 307)
econômica e compram em abundância, adquirindo espaço entre os grandes
guerreiros masculinos. Vestem calças, colocam ombros largos (ombreiras viraram
mbolo da moda nos anos 80, e voltaram em lingeries na moda primavera-verão de
2009
9
), usam ainda gravatas e cuecas, caso queiram, sem mais nenhum
impedimento, apesar de ainda existir muito preconceito e machismo espalhados
mundo afora. As mulheres ocidentais de classe média alta e nível superior detêm o
poder de consumo e estão, cada dia mais, contribuindo para a produção de
conteúdos, ambientando o espaço público, mostrando-se como seres capazes.
Segundo Queiróz (2008), o jornal The New York Times publicou matéria cujo título
era: Sorry, Boys, this is ours domain.” (Desculpem meninos, este é nosso território).
O estudo apontou que entre a nova geração de meninos e meninas, dos Estados
Unidos, de 12 a 17 anos, 32% da produção de conteúdo, por meio de sites e blogs,
são feitos pelo gênero feminino, contra 22% do masculino. entre os de 15 a 17
anos, o número sobe para 70%, contra 57%. Os números se refletem também no
Brasil, visto, por exemplo, o grande sucesso da série Mothern
10
do canal GNT,
advinda de um blog no qual jovens mães publicavam a aventura que é cuidar de um
bebê e ainda serem esposas, funcionárias, mulheres bonitas e bem-cuidadas,
verdadeiro retrato das mães modernas.
Os homens, ao observarem isto, manifestam certo temor, pois sentem que
correm o risco de perder sua posição na sociedade. Exemplos de que existe o
sentimento de ameaça são observados em produções cinematográficas, como em
Esposas em conflito
(
The Stepford Wives
)
11
, de 1975. Neste longa-metragem,
rodado na época em que os ideais feministas ganharam força no mundo ocidental,
os maridos transformavam as esposas, que estavam em processo de emancipação,
desejando entrar no mercado de trabalho e adeptas do feminismo, em robôs. no
filme
O
Diabo veste Prada
(
The devil wears Prada
)
12
, de 2003, a personagem
9
Ver Anexo 1, figura 1.
10
Mothern é a primeira série de dramaturgia do canal GNT, e começou em agosto de 2006.
Apresentava de forma bem-humorada o cotidiano de quatro mulheres que descobrem o real
significado da maternidade nos dias atuais: como ser mãe, mulher e moderna ao mesmo tempo?
Baseada no blog www.mothern.blogspot.com e no livro: Mothern - Manual da mãe moderna, escrito
por Laura Guimarães e Juliana Sampaio.
11
The Stepford Wives (Esposas em Conflito) foi lançado em 1975. O diretor Bryan Forbes adaptou o
romance de Ira Levin, de mesmo título, um thriller de suspense e ficção científica, e procurou mostrar
a fictícia cidade de Stepford, lugar onde a vida é perfeita, pelo menos para os homens. Em 2004, este
filme foi novamente rodado, mas com roteiro adaptado para referenciar a realidade da mulher do
culo XXI. O filme manteve o mesmo nome do original, The Stepford Wives, porém seu título foi
modificado no Brasil - Mulheres Perfeitas.
12
Filme lançado em 2003, adaptação do best-seller homônimo da autora Lauren Weisberger.
Miranda Priestly, protagonizada por Meryl Streep, é editora-chefe de uma grande
revista de moda e obcecada pelo seu trabalho. Com isso, acaba deixando a família
em segundo plano, fracassando nos casamentos, pois os maridos não conseguem
suportar o sentimento de abandono e, muito possivelmente, o enorme êxito
profissional e financeiro. Esse é um dos grandes conflitos da mulher pós-moderna,
ser multifuncional e excelente em todos os papéis. Se antes a mulher era vista como
“a responsável pela boa alimentação do lar”, hoje se preocupa com a beleza e a
busca da perfeição em tudo o que faz. Touraine (2007, p. 49) reforça esse
pensamento:
A nova dominação, como o movimento de afirmação das
mulheres, é de orientação individualista, mas é esta dominação que
transforma a mulher em consumidora, tornada mais vulnerável ainda
por sua liberação provocada pela independência financeira que lhe
abre outros horizontes, maiores que o casamento e a maternidade.
Mas até que ponto a mulher se identifica com a imagem como hoje é
retratada na mídia, na propaganda e a faz, muitas vezes, ser a dona de casa
subordinada às tarefas domésticas ou a dura executiva de calças e cabelos curtos
que combate os homens?
2.1.1 Identidade e comunidade pós-moderna
Os conceitos acerca das questões que envolvem identidade e sujeito são
objeto de estudo de sociólogos, psicólogos, filósofos, antropólogos, entre outros, o
que tornam múltiplas as teorias em torno da definição de indivíduo e identidade.
Stuart Hall, um dos fundadores dos estudos culturais contemporâneos, aponta três
concepções de identidade:
- o sujeito do Iluminismo advindo da valorização do ser humano, cujo centro
das aspirações teóricas era o indivíduo e sua formação intelectual, racional e
sensorial. “O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.” (HALL, 2005,
p.11)
- o sujeito sociológico o núcleo interior do indivíduo sofre alterações com o
mundo moderno e é influenciado por este, não sendo mais tão autônomo e
autossuficiente, mas fruto das relações com outras pessoas. “O sujeito ainda tem um
núcleo ou essência interior que é o „eu real‟, mas este ainda é formado e modificado
num diálogo contínuo com os mundos culturais „exteriores‟ e as identidades que
esses mundos oferecem.” (HALL, 2005, p.11)
- o sujeito pós-moderno sujeito oriundo dessas relações sociais que acaba
por se tornar múltiplo, se adequando a cada circunstância vivida. “O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas
ao redor de um „eu‟ coerente.” (HALL, 2005, p.13)
Além das mudanças sociais e culturais, o desenvolvimento das tecnologias
tamm colabora para que o indivíduo se torne cada vez mais multifacetado. O
sujeito, hoje, pela internet, por exemplo, pode construir tantos perfis de si mesmo
quantos quiser e estar em inúmeros e diferentes lugares em questão de segundos. A
relação tempo-espaço se torna fluida, mutante e individualizada na identidade do
homem pós-moderno.
As medidas que definiam tempo e espaço hoje não são mais
determinantes. [...] Também o equipamento relativo aos serviços de
telecomunicações, aliado à expansão informacional, consolida essa
situação, alterando não apenas o espaço, mas também o tempo,
além de introduzir a possibilidade de nova e impensada realidade, o
virtual. (PAIVA, 1998, p.42)
para Manuel Castells (2000), identidade é o processo de construção de
significado com base nos atributos culturais e sociais que, relacionados, favorecem a
criação de outros significados e de identidades múltiplas. O indivíduo, ao representar
seus diversos papéis na sociedade, adquire várias máscaras e fachadas, sendo
definido, por quem o observa, a partir dessas atuações. Portanto, identidade é a
construção de um indivíduo sendo representada em suas várias performances
diante da sociedade ou em seus grupos de convívio.
Hall (2005) e Castells (2000) concordam que a multirrepresentatividade do
caráter da identidade é exercida pelo indivíduo de forma a se modificar com o passar
do tempo e nas relações sociais e culturais. Todas essas formas de relacionamento
do indivíduo em grupo se reorganizam mediante as alterações sofridas não em si
(construção do eu), como em função das mudanças de significados da sociedade.
Castells (2000) propõe três formas de origem e construção da identidade:
- identidade legitimadora: construída a partir do caráter de ordem e de leis,
disseminada e imposta pelas instituições de poder. Ex: igreja, Estado, família etc.
- identidade de resistência: construída por meio de valores que, geralmente,
vão contra as identidades legitimadoras, pois concerne em ir contra estigmas
impostos. Grupos de minoria e desvalorizados se unem e se impõem contra essa
lógica dominante. Ex: movimento hippie, movimento feminista, movimento
antirracismo etc.
- identidade de projeto: construção de novas formas de se reorganizar uma
nova forma de identidade. A partir dessa proposta, a sociedade é transformada e
novos valores são implantados. Ex: o papel da nova mulher, o homossexual mais
atuante e representado sem maiores preconceitos etc.
Esses conceitos acerca de identidade não são fixos e nem imutáveis.
Correspondem aos momentos que a sociedade está vivenciando e às experiências
históricas, que induzem a formação de um imaginário coletivo. Zygmunt Bauman
(2005, p.17) indica que o conceito de identidade:
[...] não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos por
toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as
decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a
maneira como age e a determinação de se manter firme a tudo isso
são fatores cruciais tanto para o „pertencimento quanto para a
„identidade‟.
A noção de pertencimento, para o autor, indica a formação de uma
comunidade a partir da união de pessoas com interesses e pertencentes a
imaginários coletivos igualitários, ou seguidos de mesma proposta de valores. O
conceito de comunidade nasce da noção moderna de sociedade, representado por
um conjunto de indivíduos com identidades comuns, fusão de ideias, como outra vez
propõe Bauman (2005, p.17):
É comum afirmar que as „comunidades‟ (as quais as
identidades se referem como sendo as entidades que as definem)
são de dois tipos. Existem comunidades de vida e de destino, cujos
membros „vivem juntos numa ligação absoluta‟, e outras que são
„fundidas unicamente por ideias ou por uma variedade de princípios‟.
Para Raquel Paiva (1998), o conceito de comunidade é pomico por gerar
inúmeras controvérsias, principalmente sobre a relação sociedade/comunidade. Ela
afirma que a noção de comunidade pode-se dividir em três perspectivas: psicológica,
ecológica e sociológica. As duas primeiras são influenciadas diretamente pelo
sentimento de comunhão, em que a psicológica descende do pensamento romântico
de identidade, altruísmo, solidariedade, enquanto a ecológica se relaciona mais com
as questões espaciais do grupo em seu território. a sociológica representa o
primeiro nível de organização social completo e autossuficiente.
Os conceitos de comunidade colaboram para o entendimento de como o
sujeito se relaciona e interage com seu grupo e se deixa pertencer a uma união que
represente sua identidade. “Pertenço ao grupo que me simboliza, no qual eu me
sinto confortável e protegido.” Assim, estabelecem-se relações mais estreitas e que
geram união e satisfação em preencher espaço que é meu, dentro de um todo.
Porém, com o pós-modernismo e sua individualidade escancarada, as comunidades
perdem elos e o interesse coletivo, e o indivíduo acaba se voltando apenas para o
seu próprio umbigo, para seus problemas. O coletivo perde para o individual.
Segundo Bauman (2001), o individualismo do homem pós-moderno se torna a única
questão blica remanescente e o único objeto de interesse público. Os jantares em
família viram “jantares fast foods”, os casamentos eternos em pidos divórcios, a
religião em várias crenças individuais efêmeras.
Tudo isso com o objetivo de entender melhor como se o processo de
construção identitária, tanto a criada pelo sujeito, como a partir do seu convívio em
comunidade. O que influencia diretamente a identidade estabelecida entre os
gêneros. Clube da Luluzinha x Clube do Bolinha, Mulheres x Homens. Cada grupo
com valores semelhantes e traçando estratégias para conquistar o outro território.
Títulos de livros como O manual para moças em fúria, Guia da mulher superior, Ele
não está tão a fim de você, Mulheres são de marte, Homens são de Vênus, entre
outros títulos, indicam que a “guerra dos sexos” ainda proporciona boas vendas. A
comunidade feminina luta contra a comunidade dos homens, que não ligam no dia
seguinte, ou os que não notam o novo penteado.
A identidade feminina e masculina o é fruto apenas da diferença biológica
que envolve o ser homem e o ser mulher, mas todas as relações sociais e culturais
que determinarão papéis e atuações.
Hoje, à medida que as fronteiras entre papéis tornaram-se
muito mais fluidas, a identidade de homens e mulheres também se
tornou mais flexível e aberta à mudança. A redefinição de espaços e
fronteiras e a permanente reorientação de projetos são levadas ao
extremo sob as condições históricas contemporâneas, e isso vem
afetando o modo das pessoas se relacionar entre si, nas várias
esferas de sociabilidade e afetividade. (VAITSMAN, 2001, p. 18)
Hall (2005) indicou suas concepções sobre a identidade do sujeito pós-
moderno, que torna o que é público, consensual, socialmente definido em algo
híbrido, multifacetado, e que permeia vários universos. A transexualidade difundida
em nosso tempo acarreta desestruturação social - o rosa se mistura com o azul,
traços biológicos de uma mulher estão no corpo de um homem e os relacionamentos
são tão passageiros quanto a cor e o tamanho dos cabelos.
Para figurar o processo de construção da identidade feminina nas diferentes
funções e papéis, ora outorgados pela sociedade e pela cultura, ora escolhidos por
sua própria vontade, gostaríamos de abordar não só Hall, mas outro autor
anteriormente citado, Castells. Aplicaremos sua divisão da origem da concepção de
identidade em legitimadora, resistência e projeto, para contextualizar os diversos
momentos e aspectos que contemplam a formação dos papéis ditos femininos.
2.1.2- Legitimação da mulher: a criação das Amélias
“Às vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer, e
quando me via contrariado dizia: Meu filho, o que se há de fazer? Amélia não tinha a
menor vaidade, Amélia que era a mulher de verdade.” A letra da música de Mário
Lago e Ataulfo Alves definiu uma mulher que tinha como missão servir ao marido e
ao lar. A mulher Amélia era a dona de casa obediente, servil, que fazia tudo para ver
o marido feliz, mesmo se não o amasse. Mas isso era algo natural, dever da mulher.
Não podia ser vaidosa, nem ter muitos luxos, para não comprometer a alimentação e
o cuidado com a família. Ela até poderia cuidar de si, mas só se o orçamento do mês
estivesse folgado. O marido era quem definia o caminho do dinheiro da casa e suas
atribuições.
Todas as entidades legitimadoras falavam a mesma língua. A Igreja, o
Estado, a mídia, a política e, principalmente, a família patriarcal. Esta última era
formada por normas e regras impostas, em que casamentos por interesse monetário
e/ou político mantinham a unidade da ordem e do progresso. O que o se pensava
era no quanto a mola capitalista rodaria ainda com mais velocidade, caso se
libertassem a vaidade e a liberdade dessas mulheres.
As religiões e as mitologias têm representações femininas: Eva, Pandora,
Amazonas, Afrodite, Medusa etc. Mulheres, deusas, que por mais que tivessem um
tom de celestiais e divinas, eram pecadoras, erravam e deviam pagar amargamente
por seus defeitos. O livro Gênesis, na Bíblia, fala: “Multiplicarei os sofrimentos de tua
gravidez. Entre dores darás a luz os filhos, a paixão arrastar-te-á para o marido e ele
te dominará” (Gn 3, 16). Para o homem se afirmou: “Por que ouviste a voz da mulher
e consiste da árvore, cujo fruto te proibi comer, amaldiçoada será a terra por tua
causa. Com fadiga tirarás dela o alimento durante toda sua vida” (Gn 3, 17). No fim,
a culpa é da mulher. Por isso, a ela a dor do parto, o silêncio, a amargura, o cinto de
castidade, o aprisionamento doméstico, o cuidado com os filhos e a exclusão das
decisões políticas e públicas. Nickhorm e Nora (2003) citam uma das justificativas
que os homens da época apregoavam ao fato de a mulher ser o sexo frágil, e que
ainda era utilizado até o início do século XX:
O fato de ter permanecido algumas centenas de anos
„protegidas‟ dentro de seus lares preocupando-se somente com a
casa, como enfrentá-la e o cuidado com seus bebês, sem participar
das decisões do mundo fora, sem fazer cursos, ler, participar de
reuniões, enfim, sem qualquer capacidade decisória, acabaram
ficando um pouco „débeis‟ também. (NICKHORM E NORA, 2003,
p.42)
A sociedade patriarcal foi incentivada pela força da Igreja, principalmente a
católica, nas pregações, no discurso, e pela instauração do monoteísmo. A Igreja se
dirige ao homem (“Não roubarás a mulher do próximo”). Várias passagens bíblicas
são formuladas pensando apenas no homem como leitor. As mulheres, no Brasil,
comumente eram analfabetas e não tinham como se desenvolver intelectualmente.
Durante séculos, a produção bibliográfica, filosófica, teatral, entre outras
manifestações culturais, eram feitas em sua maioria pelos homens. Às mulheres
cabia, na maior parte das vezes, o lugar de deusas e de contemplação pelo seu dom
de parir ou beleza. Deus é o Pai.
A dominação masculina se desenvolve ainda mais com a ajuda da biologia e
da ciência. No século XIX, surge a doutrina da frenologia, que foi empregada para
explicar a superioridade masculina.” (ROSA, 2004, p. 27) Esses estudos, segundo o
autor, consideravam que cada faculdade mental era classificada conforme o
tamanho da caixa craniana, e conseguiram provar que o cérebro da mulher pesava
181 gramas a menos do que o do homem, portanto eram seres inferiores. Análises
semelhantes continuaram por todo culo XX e, até hoje, ainda aparecem usando,
inclusive, ressonância magnética como prova.
A valorização do masculino e o menosprezo pelo feminino
reduziram no homem sua capacidade de reconhecer e lidar com
suas próprias emoções. O culto da razão desbalanceado do
sentimento produziu muitos homens tão frios, calculistas, insensíveis
com os outros, como consigo mesmos. (ROSA, 2004, p. 27)
Pierre Bourdieu (2002) ressalta o quanto as diferenças ditas “naturais”
favorecem que os papéis ainda permaneçam a legitimar a relação de dominação
masculina, construindo sociedade que baseia as diferenças de gênero na
naturalidade:
A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo
masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença
anatômica dos órgãos sexuais, pode assim ser vista como
justificativa natural da diferença socialmente contruída entre os
gêneros, e, principalmente, da divisão social do trabalho.
(BOURDIEU, 2002, p. 16)
O que demonstra o quanto as imposições legitimadoras da sociedade não
vitimaram apenas as mulheres. Os homens também sofrem com a diferenciação. A
eles não é dada a opoutunidade e nem o direito de chorar ou de dizer que não
querem ir à guerra ou servir ao exército, pois “não é para homem macho”. Poucas,
mas existentes pedras, que feriram como os calvários aos quais as mulheres foram
submetidas ao longo dos tempos. Michelle Perrot (2007) contextualiza como os
homens tamm sofrem, ao descrever alguns casos nos quais eles também foram
vítimas, pois ao se tolher a mulher, se castra também o homem, embora essas
“regras” tenham sido cultivadas por eles:
Em todos esses casos, trata-se, sobretudo, das mulheres às
voltas com a violência, a guerra, e com formas de dominação
masculina, das quais também os homens são timas. Entretanto,
isso não esgota as relações entre os homens e as mulheres, do
mesmo modo que o status de vítima não resume o papel das
mulheres na história, que sabem resistir, existir, construir seus
poderes. (PERROT, 2007, p. 166)
Os convocados às guerras e lutas, assim como o homem pré-histórico, saíam
à caça e deixavam as mulheres presas à casa, à família e à solidão. Porém, com
eles carregavam o medo, a incerteza e a morte prematura. Mas se observa que tais
sentimentos não eram demonstrados nos séculos passados, pois o orgulhoso
homem tentava disfarçar seu “lado feminino” e documentava apenas o heroísmo, a
coragem e a força dos guerreiros.
Julio Lobos (2004) comenta que mesmo as raríssimas escritoras que surgiram
a partir do século XV, na Europa, não conseguiam fugir dos clichês machistas.
“Christine de Pizan, em Livre des trois vertus, aconselha as filhas a se conservarem
„limpas, humildes, prudentes, quietas, obedientes, moderadas e castas‟; e as
esposas, „pacientes, sóbrias, piedosas, modestas e, sobretudo, discretas‟.” (LOBOS,
2004, p. 67) Ideário repetido entre os tempos, que desde as eras antes de Cristo são
colocadas como verdade absoluta. Aristóteles, Galeno, Platão, entre outros filósofos
e estudiosos, afirmavam a figura feminina como imperfeita, irresponsável,
sexualmente demoníaca etc.
Lipovetsky (2000) classifica a mulher depreciada pela dominação masculina
como a Primeira Mulher. Para ele, ela sofria com os estigmas por apresentar nela
mesma poderes que os homens não tinham, e que, por isso, exerciam uma forma de
diferenciação divina que amendrotava ou afastava os homens. Elas davam à luz a
outras vidas e isso era algo mágico. Na pré-história, foram representadas pelas
esculturas da Grande-Mãe. Mas todo esse feitiço era encarado tamm como
misterioso e, por vezes, diabólico. Surgem as representações de Eva e Pandora,
mulheres que carregavam segredos mórbidos, sombrios e cheios de astúcia.
Quando os homens se exprimem a respeito das mulheres é
no mais das vezes para estigmatizar seus vícios: de Aristófanes a
Sêneca, de Plauto aos pregadores cristãos, domina uma tradição de
diatribes e de sátiras contra a mulher, apresentada como ser
enganador e licencioso, inconstante e ignorante, invejoso e perigoso.
Mulher, mal necessário confinado nas atividades sem brilho, ser
inferior sistematicamente desvalorizado ou desprezado pelos
homens: isso desenha o modelo da „primeira mulher‟. (LIPOVETSKY,
2000, p. 234)
Mesmo homens vanguardistas e que fizeram a diferença com seus estudos,
como Freud e Darwin, entre outros, não conseguiram tirar dos ombros das mulheres
o estigma. Freud afirmava que nunca conseguiu entender plenamente o que se
passava na cabeça de uma mulher. A mulher é aquela que Freud suspeita,
lucidamente, de ter permanecido como uma verdade impermeável ao saber que ele
produziu a seu respeito.” (ASSOUNT, 1993, p. 17)
Assount (1993), em seu trabalho que relaciona as ideias de Freud e seus
estudos sobre as mulheres, reproduz um de seus questionamentos: “A grande
indagação que ficou sem resposta, e a qual eu mesmo nunca pude responder,
apesar dos meus 30 anos de estudo da alma feminina, é a seguinte: que quer a
mulher?” (idem, p. 20)
Freud classificava as mulheres como socialmente invisíveis, pois até o fim do
século XIX deixaram de participar das grandes tarefas da cultura”. Ao renunciar ao
“falo da fala” as mulheres aceitaram a posição do outro no discurso.
Quando tentaram ocupar voluntariamente a posição de
mantenedoras da ordem e da harmonia do lar, na retaguarda do
campo de batalhas onde se define a vida social, as mulheres se
inscreveram sob duas formas de alienação. A primeira, no sentido
político, [...] sem acesso ao poder político, as mulheres não teriam
meios de garantir os outros direitos fundamentais para se tornarem
sujeitos de suas próprias histórias. A segunda forma é subjetiva. Ao
aceitar a posição do „outro do discurso‟. (KEHL, 1998, p. 82)
Freud não colocou em consideração que o próprio homem a colocou nesse
lugar, proibindo-a de votar e excercer direitos como cidadãs. Mesmo após ter
adquirido direitos e, hoje, exercer cargos públicos e chefiar nações, 14% dos
americanos de média alta idade não votariam em uma mulher, independentemente
de quem seja
13
.
Segundo Maria Rita Kehl (1998), o que está impedido para a mulher, segundo
a visão freudiana, é outra possibilidade de evolução em relação ao estímulo de seus
desejos e às dificuldades que têm de enfrentar a fase de Édipo, reforçados na
cultura ocidental dos séculos XVIII, XIX e começo do século XX.
13
Dado retirado de pesquisa do Instituto Rasmussen nos EUA, citada na matéria Medo de mulher,
publicada na revista Veja Especial Mulher, de junho de 2007.
[...] a única identificação permitida para a menina, de acordo
com os ideais de seu gênero, e que lhe promete alguma perspectiva
de gratificação libidinal, é a identificação à mãe, não enquanto
mulher no sentido amplo (esta mulher ainda não existia), mas
enquanto mãe. (KEHL, 1998, p. 262)
Embora Freud apresentasse ideais inovadores, insistia na “natureza sexual
da mulher. Segundo Kehl, ele, talvez, traga algo novo às teorias da feminilidade ao
abordar as “disposições bissexuais
14
na construção de uma saída diferente à fase
do Édipo. Assim, a menina poderia constituir uma identidade que não a obrigasse
apenas a permanecer identificada com os traços que compõem a mãe e o ideal de
seu gênero (na mãe e em outras mulheres), mas abrindo a possibilidade de se
identificar com traços masculinos.
Assim também é possível se preservar relativamente o que
Freud chama a „bissexualidade das mulheres‟, um destino mais
plástico, mais aberto, por um lado; e bem mais impossível de se
realizar na cultura no início deste século [século XX], onde a
„masculinidade‟ na mulher, quando não recalcada, nem por isso
encontrava um acervo significante a seu alcance onde pudesse fazer
sentido para o própio sujeito, tendo de fazer efeito de significante sob
forma de quê? Sob a forma de sintonia [referência à histeria]. (KEHL,
1998, p. 265)
Essa histeria a que Kehl se refere é condizente com a disposição da própria
sociedade em julgar comportamentos. Dirigir carros, pilotar avião, ou ser pedreira em
uma construção são tarefas masculinas, mesmo nos dias de hoje. Apesar de já
haver mulheres que conseguem romper barreiras legitimadoras e encarar a
identificação com uma referência masculina, ou desempenhar um papel a princípio
executado apenas pelos homens.
Além da ciência, religião e sociedade, a cultura e a política tamm são
fatores que interferirão no estabelecimento das regras e normas do comportamento
humano. A concepção da família ditará qual papel cada um terá e como cada um
será em suas relações privadas e públicas.
14
Kehl (1998 p. 264) chama a atenção que a tradução de bissexual se à leitura do que ainda não
foi submetido ao recalque normalizador, e que não foi produtor de uma sexualidade estável para o
sujeito.
Uma mulher deve trabalhar se o marido não puder suprir
as necessidades da família, seu verdadeiro lugar é „em seu lar‟. [...]
Se o homem, dizia Xenofonte, é destinado às funções do exterior, à
mulher são atribuídas, por natureza, as do interior. (LIPOVETSKY,
2000, p. 206)
Segundo Lipovetsky, o modelo normativo da mulher de interior foi construído
no século XIX. Surge uma nova cultura, a da esposa-mãe-dona-de-casa, que dedica
sua vida aos filhos e à construção de uma família eternamente feliz, mulher lar doce
lar, ou a mulher enaltecida, ou, como Lipovetsky prefere, a Segunda Mulher.
No século XVIII e, sobretudo no século XIX, sacraliza-se a esposa-mãe-
educadora. Apesar de ser reverenciada e representada em figuras enaltecidas como
Nossa Senhora, a Grande Madona, mãe sublime, musa inspiradora, a mulher que
ilumina o universo, entre outras expressões que tornam a mulher alvo de sonetos,
músicas, e de inspiração para a produção masculina, ela está em posição irreal.
Lipovetsky a intitula segunda mulher, pois não é mais tão diabólica, mas bela
e divina, suave e doce, bondosa e leve. Porém, flutua, e assim se torna algo
desejado, inatingível. Sua imagem é representada por santas, grandes mães e
figuras que inspiram fantasia, não a realidade.
Força civilizadora dos costumes, senhora dos sonhos
masculinos, „belo sexo‟, educadora dos filhos, „fada do lar‟, ao
contrário do que ocorria no passado, os poderes específicos do
feminino são venerados, colocados num pedestal. Depois do poder
maldito do feminino, edificou-se o modelo da segunda mulher‟, a
mulher enaltecida, idolatrada, na qual as femininstas reconhecerão
uma última forma de dominação masculina. (LIPOVETSKY, 2000, p.
236)
Fato que reforça como a mulher foi representada pela imposição de papéis.
Mediante tantas revoluções, guerras e revoltas instauradas no mundo após o culo
XVIII, era preciso que as mulheres ficassem mais no lar e cuidassem dos interesses
dos homens ausentes. O homem precisava ocupar funções e lugares maiores que o
da mulher para demonstrar a sua superioridade. Sem ele não se vivia, pois era ele
quem trazia a segurança, o poder, o equilíbrio, e por ele as mulheres deviam tecer,
esperar e rogar, pois só por meio de um bom casamento ela seria salva.
Estabilidade e simplificação na distribuição dos papéis eram
necessidades psicológicas dos indivíduos que precisavam fortalecer
suas personalidades para travar batalhas requeridas pelos negócios
e pela vida pública, daí a insistência na harmonia do lar, pelo qual a
mulher deverá zelar sacrificando todos os componentes excessivos
de sua „natureza‟ caracterizada sobretudo pela sexualidade. (KEHL,
1998, p. 84)
Mas nem sempre a mulher ocupou papel passivo e protetor na formação do
lar. Kehl (1998) ressalta que isso era diferente no culo XVII, até meados do século
XVIII. Ela afirma que os ideais iluministas e advindos da Revolução Francesa
influenciaram a emancipação de algumas mulheres, que ora por serem pobres
precisavam trabalhar nas bricas longe de suas residências, ora eram burguesas e
atraídas pela vida urbana. O que se via, na verdade, era a tendência de os filhos
serem criados por amas de leite, sendo considerados estorvo à saúde, à liberdade e
à beleza da mãe. Isto acabaria na modernidade, que trouxe às mulheres o seu
“destino natural”:
[...] o destino das mulheres está muito mais veementemente
associado ao dever para com os filhos para com a continuidade da
espécie, diríamos do que o deles. Em nome deste dever elas são
censuradas por quererem limitar o número de filhos, por não
desejarem se casar, por terem vida social ou profissional, e mesmo
por estudar. (KEHL, 1998, p. 91)
Um dos grandes influenciadores dessa mudança foi a religião e seus dogmas
agregados à fecundidade, à não contracepção e à manutenção das normas
familiares dos tementes a Deus. Kehl (1998) afirma que seria ingênuo pensar nessa
imposição como algo aceito apenas passivamente, mas o destino era intensamente
desejado, e para muitos foi considerado rapidamente como o caminho da verdadeira
realização pessoal.
Lipovetsky (2000) reforça esse momento e acrescenta que até metade do
século XIX algumas mulheres o se encarregavam apenas do lar, mas auxiliavam
os homens nos estabelecimentos comerciais, na contabilidade das empresas, não
sendo encarregadas somente da casa e dos filhos, como nos dias de hoje. A
multiplicidade de papéis que a mulher exerce não vem de pouco tempo, com raízes
em outras épocas.
No Brasil, o papel da mulher na família sofre alterações não sociais e
políticas, mas também ecomicas. Segundo Nara Widholzer (2006), a substituição
da família patriarcal se deu em função da decadência do modelo do engenho e do
café, sendo substituída pela “família conjugal moderna”, pois o avanço urbano
reduziu a vasta família. Porém, mesmo com a transição posterior para a “família
econômica”, de poucos filhos, a responsabilidade do lar permaneceu com a mulher,
e o homem de comandar e sustentar essa mulher. Modifica-se um pouco na família
pós-moderna. Os valores individualistas se proliferarão, e a sexualidade se
modificará, como retrata Jeni Vaitsman (2001, p. 13):
As relações conjugais não formalizadas legalmente haviam se
expandido, bem como o mero de pessoas que passaram a viver
com parceiros que não eram os pais ou as mães dos próprios filhos.
[...] Os casais homossexuais e as pessoas que viviam sós, as mães
solteiras e os „descasados‟ de ambos os sexos haviam conquistado
espaço social.
Embora a aceitação seja fachada que vela a rejeição e a desaprovação
social, ela existe. A possibilidade de uma família descentralizada da figura da mãe, e
com outras pessoas ocupando este papel, traz certa libertação do estigma da
esposa-mãe-dona-de-casa. Hoje, um homem pode ocupar este lugar e se orgulhar
de ser pãe (expressão coloquial que significar ser pai solteiro e que exerce a função
de mãe tamm na educação do filho).
A fragmentação contemporânea que tornou-se uma
característica atravessando a cultura e a identidade agora seria mais
centrada em torno do lazer, na aparência, na imagem e no consumo.
As identidades estão cada vez mais deixando de ser fixas, referidas
a funções públicas masculinas ou privadas femininas, ou seja,
referidas aos papéis sexuais correspondentes ao período do
capitalismo clássico e da família conjugal moderna. (VAITSMAN,
2001, p. 18)
Ao não se perceber tão pressionada a ocupar um único papel, a mulher se
sente um pouco mais livre do jogo do Deus-Pai, das expectativas exigentes de uma
sociedade masculina e, agora, procura valores e diferenciais mais individualizados,
não apenas para a família e seu esposo. Resistência ao caráter legitimador do
patriarcalismo.
2.1.3. O feminismo e a identidade de resistência
Movimentos de resistência acarretam descentramentos nos sujeitos, ruptura
na forma das relações sociais e culturais. O indivíduo desenvolve nova ótica,
adequando-se melhor às mudanças. Hall (2005) classifica o feminismo como um dos
cinco principais descentramentos da sociedade mundial.
Surgido na década de 60, tornou-se público o grito calado de diversas
mulheres no mundo todo. Elas não só queimaram sutiãs, como tamm abalaram as
estruturas paternalistas vigentes da cultura ocidental. Segundo Hall, o feminismo:
[Ele] abriu, portanto, para a contestação política, arenas
inteiramente novas de vida social: a família, a sexualidade, o trabalho
doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as
crianças etc. [...] O feminismo questionou a noção de que os homens
e as mulheres eram parte da mesma identidade, a „Humanidade‟,
substituindo-a pela questão da diferença sexual. (HALL, 2005, p. 45
e 46)
O feminismo acabou sendo um movimento o importante para o mundo, pois
não levou à tona as questões relacionadas às mulheres, mas tamm as ligadas
aos grupos de minoria de forma geral. Minoria marginalizada e colocada aquém da
sociedade, por mais que totalize 52% da população
15
, como é o caso do mero de
mulheres no Brasil. Joan Scott fala sobre a luta em favor das “minorias”:
Eu acrescentaria que é devido a diferenciais de poder entre
homens e mulheres que as feministas têm-se referido às mulheres
como uma minoria, mesmo que elas perfaçam mais da metade da
população. Gostaria de acrescentar também e esse é o ponto-
chave que os eventos que determinam que minorias são minorias o
fazem através do status de minoria a algumas qualidades inerentes
ao grupo minoritário, como se essas qualidades fossem a razão e
também a racionalização de um tratamento desigual. (SCOTT, 2005,
p. 18)
Questões de raça, nero e etnia são tratadas não somente com
discriminação, como acabam sendo representadas apenas com traços
18
Segundo dados do último censo do IBGE, no Brasil (2008).
estereotipados, reforçando ainda mais a proposta que essas minorias pertencem a
classes submissas e menores. A identidade feminina representada sob suas
diversas formas sofre com isso. Fórmulas e clichês predominam o olhar sobre as
mulheres. Pinheiro e Maximiliano (2006) reforçam esta ideia:
Outro efeito colateral do feminismo dos anos 60 foi uma certa
perda de identidade das mulheres. À medida que buscavam espaço
igual ao dos homens, elas começaram a reproduzir posturas
tipicamente masculinas. (...) Surgiu recentemente até um termo para
definir mulheres que se comportam sexualmente como homens:
„predadoras‟. Assim são chamadas as que agem como os machistas
de antigamente, contabilizando como feitos dignos de menção
pública suas aventuras amorosas. (PINHEIRO E MAXIMILIANO,
2006, p. 91)
Marie Suzuki Fujisawa (2006) ratifica esse pensamento e afirma que as
mulheres ocidentais se masculinizaram para competir em igualdade com os homens
no mercado de trabalho, e passaram a adotar o modelo das executivas americanas:
cabelos curtos ou bem presos, terninhos acinturados, frias, calculistas e implacáveis.
“Ela precisava ser a melhor em tudo: a melhor profissional, a melhor empresária, a
secretária mais eficiente, a executiva mais sagaz, a melhor na cama, sempre
disposta, sem desespero, sem tédio, sem fim.” (FUJISAWA, 2006, p. 40) Para
exemplificar o que Fujisawa comenta, eis duas imagens:
Imagem 22 Capa da Edição Especial Investidora da Revista Cláudia e
anúncio da Fundação Getúlio Vargas.
Em ambas estão vestidas como executivas, com ternos. A capa da revista
Investidora mostra a executiva “cabeça fria”, que pensa racionalmente como investir
seu dinheiro. Ela tem o “lado masculino aguçado para ver “melhor” o mundo dos
negócios. O discurso colocado no título ao lado da imagem transmite a ideia.
Reafirma que a mulher para entrar no universo dos negócios deve se trajar e pensar
como homem. Assim como a propaganda da Fundação Getúlio Vargas. Novamente
a mulher ocupando a “posição do homem”, procurando cursos de pós-graduação e
MBAs em gerência empresarial, conhecimento que a destacará no mercado de
trabalho.
Camille Paglia, feminista e professora de Ciências Humanas e Mídia na
Universidade de Artes da Filadélfia, em entrevista à revista Cláudia
16
, afirma que a
diferença biológica entre os gêneros existe, sempre existirá e deve ser respeitada.
Ela critica afirmações feministas como “a mulher precisa do homem como um peixe
de uma bicicleta”, pois para ela a mulher não precisa ser contra o homem para
conquistar mais espaço no mundo. Deve entender suas limitações e, principalmente,
perceber que nas diferenças estão os pontos que devem ser reforçados como
diferencial feminino. “Um dos maiores erros cometidos pelo feminismo
contemporâneo é supor que a alta pressão do mundo do trabalho pode garantir a
felicidade e a satisfação de todas as mulheres, em todas as culturas”. A feminista
afirma que o problema vem da natureza, pois biologicamente a maternidade recai
sobre a mãe, ou seja, é dela a responsabilidade da educação dos filhos, e a
sociedade não lhe mais a possibilidade de apenas se dedicar ao lar. A cobrança
de ser multifacetada é enorme. As mulheres de hoje vivem outros aprisionamentos:
sempre superar o homem e ter na maternidade uma atividade menor e que deve ser
colocada de lado em favor de uma vida profissional. “Nos EUA uma série de
ensaios e memórias de mulheres bem-sucedidas entre os 40 e 50 anos que
expressam arrependimentos por não terem filhos, declarando que se sentem agora
isoladas e sozinhas”.
Em outra matéria da revista Cláudia
17
, esse ponto é ressaltado. O assunto é a
relação sucesso profissional x vida amorosa. A jornalista Isabela Leal cita pesquisa
feita, em 2008, pela professora Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral, em Belo
16
SABOIA, J. Ela tem razão. In: Revista Cláudia, Ano 47, nº1, novembro de 2008, p. 58-63.
17
LEAL, I. Sucesso profissional atrapalha a vida amorosa das mulheres. In: Revista Cláudia, ano 48,
nº 7, julho de 2009, p. 138-141.
Horizonte, com superexecutivas, sobre o tema. O resultado comprovou a dificuldade
de aliar carreira e vida pessoal; as mulheres colocam a profissão em primeiro lugar e
deixam de lado os filhos e o marido; 40% dessas mulheres não m filhos, contra
19% dos homens executivos. A pesquisa tamm observou as 500 maiores
empresas segundo a revista Você S/A, e revelou que 36% das mulheres que
trabalham nessas empresas estão sozinhas, enquanto apenas 13% dos homens não
têm parceiras estáveis. A matéria mostra a opinião do psicanalista Luiz Cuschnir,
que indica o fato como perda irreparável para a mulher: Todas as conquistas são
importantes para elas. A carreira e o convívio em família são realizações diferentes
que se complementam.
As mudanças culturais e sociais desencadearam na mulher a perda de
identidade e de foco nas decisões. Depoimentos como abandonei minha profissão
para não perder o casamento”, meu sucesso ficou insuportável para ele”,
conquistei o título de doutora, mas perdi o amor da minha vidase tornam cada vez
mais frequentes nas revistas femininas e na vida das mulheres pós-modernas.
Todas as mulheres têm consciência do que representa o feminismo como
movimento de resistência? Elas com ele se identificam e observam se o machismo
ainda existe na sociedade? Perguntas que nortearam o estudo da Fundação Perseu
Abramo intitulado A mulher brasileira nos espaços público e privado, publicado em
2004, e analisado pela pesquisadora Vera Soares em seu artigo O feminismo e o
machismo na percepção das mulheres brasileiras. Foram entrevistadas mulheres
em todo o Brasil, observando as diferenças geográficas, se viviam em ambiente
urbano ou rural, a renda familiar e o grau de instrução, além de outros parâmetros,
como cor da pele e situação conjugal. Os resultados da pesquisa foram divididos em
tópicos de análise:
a) feminismo: diante dos dados, os que expressaram distinção mais significativa
foram os referentes ao nível de escolaridade, faixa etária e renda familiar. As
mulheres mais jovens, com escolaridade acima do grau e renda familiar
acima de dois salários mínimos, definiram melhor o conceito de feminismo e
se consideram feministas.
b) percepções sobre o machismo: em todos os aspectos a consciência que
ainda existe machismo na sociedade é alta (89%); para 73% muito
machismo e pouco para 17%.
c) percepção da condição de ser mulher: “As respostas mostram que duas em
cada três brasileiras (65%) avaliam que a vida das mulheres melhorou nos
últimos 20 ou 30 anos”. (SOARES, 2004, p. 167) As que moram no campo
mostraram ter menor percepção em relação às que moram nas cidades.
Quando solicitadas a definir “como é ser mulher hoje”, a maioria associa a
condição da mulher atual à possibilidade de se inserir no mercado de
trabalho, à independência econômica, à liberdade, à independência social de
agir como quer, ou ainda de ter direitos políticos e iguais aos homens. Os
papéis tradicionais de mãe e esposa também aparecem na definição de ser
mulher, com aspectos positivos e negativos, pois o relacionados à
dificuldade e excesso de responsabilidades. A possibilidade da maternidade é
percebida como uma das melhores coisas de ser mulher, embora seja vista
como obrigação e com isso se revele, também, um aspecto negativo (16%),
ao lado de outros aspectos ruins” em ser mulher, como machismo e
discriminação social (18%), discriminação no mercado de trabalho (14%) e da
violência sofrida pelas mulheres (11%).
A mulher, portanto, gosta de ser mulher”, mas não deixa de observar que
acarreta preconceitos, discriminação e rejeição social.
Em suma: a maioria das mulheres brasileiras convive bem
com sua condição feminina, tem consciência das conquistas obtidas
(direito ao trabalho e à autonomia social), mas reclama do peso da
dupla jornada e reivindica o fim das discriminações, seja no mercado
de trabalho, seja sob a forma de violência, e a divisão de
responsabilidades no cuidado com os filhos e da casa. (SOARES,
2004, p. 170)
A antológica formulação de Simone de Beauvoir (1970, p.7), "sejam mulheres,
permaneçam mulheres, tornem-se mulheres", ressalta que a mulher é definida com
relação ao desempenho do papel social referente ao que a cultura da época julga
ser o melhor. A noção de identidade cultural propõe o que é esperado dos papéis de
cada gênero. Nem sempre a mulher teve o privilégio de estar no papel de disputa
igualitária com os homens, tornando-se até mesmo alvo de inveja. Era inadmissível,
antigamente, uma mulher, até mesmo de classes sociais mais altas, não saber
cozinhar ou não gerenciar as atividades domésticas.
A dona de casa dos subúrbios tornou-se a concretização do
sonho da americana e a inveja, dizia-se, de suas congêneres do
mundo inteiro. A dona de casa americana, libertada pela ciência dos
perigos do parto, das doenças de suas avós e das tarefas
domésticas, era sadia, bonita, educada, e dedicava-se
exclusivamente ao marido, aos filhos e ao lar, encontrando assim sua
verdadeira realização feminina. Dona de casa e mãe era respeitada
como companheira no mesmo plano que o marido. Tinha liberdade
de escolher automóveis, roupas, utensílios, supermercados, e
possuía tudo o que a mulher jamais sonhou. (FRIEDAN, 1971 p. 19)
Não a toa a capa das principais revistas femininas do século XXI é voltada ao
cuidado com a beleza, com a estética e a sexualidade. O poder de aparentar ter a
idade que quiser, a magreza que suportar e a quantidade de parceiros sexuais que a
agenda do mundo dos negócios permitir. Pouco se debate, por exemplo, em relação
ao desnível do salário das mulheres e dos homens, que ainda existe. Nos Estados
Unidos, elas ganham 25% a menos do que os homens na mesma atividade
profissional. No Brasil, 30%.” (PINHEIRO E MAXIMILIANO, 2006, p. 93)
Lipovetsky (2000) afirma que caracteriza a mulher pós-moderna a recusa da
identidade constituída exclusivamente pelas funções de mãe e esposa. O que talvez
tenha colaborado para legitimar outros processos, como a sociedade de hoje
desprezar a mulher que não trabalha e/ou estuda.
Ao contrário do que ocorria nos anos 60, os pais de nossos
dias declaram conferir tanta importância aos estudos das meninas
quanto aos dos meninos, e a maioria deseja que suas filhas
ingressem em uma carreira profissional ambiciosa. (LIPOVETSKY,
2000, p. 220)
O reflexo é o aumento do índice de mulheres que chegam a completar o
ensino superior no Brasil. Segundo o último PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios IBGE), de 2008, verificou-se que, entre mulheres de 20 a 24 anos, o
nível de escolaridade superior atinge 20,3%. Elas representam 39,43% da
população, chefiam economicamente 25% dos lares no Brasil, e apenas 30,7%
desejam ter filhos. O aumento significativo do percentual da mulher que estuda
favorece o crescimento da educação, pois elas também incentivam a educação
formal dos filhos.
A mulher das camadas médias da população vem adquirindo independência
financeira, com a entrada no mercado de trabalho, e se torna, cada vez mais,
mbolo do consumo, principalmente da indústria da moda. Se antes era vista como
“a responsável pela boa alimentação do lar”, agora se preocupa com o traço
vulnerável da beleza e da busca pela representação do perfeito. A mulher do século
XXI se desamarra das limitações do sexo e entra de cabeça no aprisionamento do
belo, como confirma Fujisawa (2006, p. 48)
Outro conflito da mulher do século XXI é a obsessão pela
beleza, que vai persistir e se aprofundar, porque se trata de um
comportamento coletivo e cultural. Histórica e culturalmente, o belo
sempre foi associado ao bom, e o feio ao ruim. Nos dias de hoje, as
mulheres buscam maior escolaridade e profissionalização,
conhecimento e informação, equilíbrio entre profissional e o pessoal,
resgate do universo doméstico e materno.
Mulher que não consegue ser apenas uma, mas quer estar bela, se destacar
no mercado de trabalho e ser esposa exemplar. Lipovetsky (2000) chama essa
mulher contemporânea de a Terceira Mulher.
Nossa época iniciou uma transformação sem precedente no
modo de socialização e de individualização do feminino, uma
generalização do princípio de livre governo de si, uma nova
economia dos poderes femininos: é esse novo modelo histórico que
chamamos de a Terceira Mulher. (LIPOVETSKY, 2000, p. 231)
Porém, mesmo com toda a revolução social, a mulher ainda não consegue
ocupar, substancialmente, cargos públicos, políticos, militares e sacerdotais. O autor
afirma que o poder ainda é soberania masculina. Embora tenha conseguido sair do
estigma de ser a representada (segunda mulher) para ter o poder de representar e
produzir conhecimento (terceira mulher).
Esta época [época da mulher que tem caminhos naturalmente
pré-traçados] termina sob os nossos olhos: com a pós-mulher no lar,
o destino do feminino entrou pela primeira vez em uma era de
imprevisibilidade ou de abertura estrutural. [...] Tudo, na existência
feminina, tornou-se escolha, objeto de interrogação e de arbitragem;
nenhuma atividade mais está, em princípio, fechada às mulheres,
nada mais fixa imperativamente seu lugar na ordem social; ei-las, da
mesma maneira que os homens, entregues ao imperativo moderno
de definir e inventar inteiramente sua própria vida. (LIPOVETSKY,
2000, p. 237)
O que talvez a mulher de hoje não deva esquecer é que os processos de
identidade são mutantes e devem procurar acompanhar as mudanças sociais e
culturais que se instauram. Outros ideais que o feminismo não alcançou acabam por
ser esquecidos nessas mulheres, que se preocupam tanto em individualizar e travar
guerras próprias, deixando de lado necessárias batalhas coletivas. Esse é um traço
da individualidade pós-moderna que deve ser amenizado em prol de busca do
reconhecimento de seus importantes papéis.
Liberdade com seu corpo, aborto, salários iguais para homens e mulheres
com a mesma função, maior entrada na vida política, entre outras, são causas que
ainda estão para ser alcançadas pelas mulheres pós-modernas, e a adesão de mais
projetos ligados a essas causas é essencial.
2.1.4 Identidade de projeto: mulher-mãe-bem-sucedida-linda-sarada-
amada-desejada-...
Obviamente, alguns projetos que ensejam novos debates acerca das
necessidades atuais da mulher, porém em quantidade insuficiente e atribuídos de
forma fechada, como, por exemplo, o 85 Broads
18
, com sede nos EUA e filiais em
vários países. No Brasil, o grupo é formado por executivas líderes de mercado, que
falam fluentemente o inglês e são graduadas em grandes universidades. O princípio
é a ajuda mútua, pois trocam informações e conhecimentos, assim como indicações
de vagas para presidências e chefias de corporações multinacionais, cargos que
seriam tradicionalmente preenchidos por homens.
outros projetos para unir as mulheres em favor de interesses comuns.
Comunidades e corporações são criadas para facilitar que aumente a igualdade
21
VALLERIO, C. O salto quantitativo. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 31 de
maio de 2009, caderno Feminino, p. 14.
entre homens e mulheres. A maioria ainda se concentra nos Estados Unidos, mas o
Brasil começa a criar grupos, como o Grupo de Mulheres deres Empresariais.
Nadir Moreno, presidente da UPS Brasil, observa a necessidade da interação entre
profissionais do nero feminino, pois falta de oportunidades e desigualdade de
propostas na ocupação de altos cargos empresarias: “Dois dos maiores desafios são
abdicar da vida pessoal e da criação dos filhos de forma mais próxima e aceitar
muitas vezes salários menores do que o de executivos homens”, afirma a
empresária
19
.
Segundo Pires (2003), o crescimento dos movimentos de libertação das
mulheres na Europa e nas Américas modificou o panorama ocidental pós-industrial
das relações de gênero. Deve-se à integração dos movimentos de reivindicação
social em sua luta por igualdade, cidadania e emancipação, aliados ao ingresso no
mercado de trabalho.
A identidade feminina na pós-modernidade é representada pela imagem de
uma mulher perdida e confusa. Por mais liberdade que tenha conquistado, talvez
não tenha decidido que caminho tomar. Ora é a executiva determinada e dominante,
ora a dona de casa moderna que tem na figura da babá a nova ama de leite.
Segundo a pesquisa Mães Contemporâneas, realizada pelo Ibope Mídia
20
, em
2007, que reuniu mulheres de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Curitiba, Salvador e Recife, 68% das mães consideram difícil conciliar casa e
trabalho. Ao mesmo tempo, 90% acham que o trabalho é realização pessoal e porta
para a total independência (82%), até mesmo tornando possível que ela cuide da
família (67%). Por mais que essas mulheres estejam satisfeitas com o papel de mãe,
no papel de funcionária do mês que observam maior possibilidade de crescimento,
independência das amarras sociais e realização pessoal. Ela não mais se sente
satisfeita em executar bem um único papel, mas todos os que puder.
A revista Veja, edição especial Mulher, de maio de 2006, trouxe na capa uma
executiva amamentando.
19
In: BARROS, L. O papel da mulher no mundo pós-crise... Revista Cláudia, ano 48, nº 12,
dezembro de 2009, p. 138
20
Pesquisa citada no Caderno Economia do jornal O Povo, de 13 de maio de 2007.
Chama mais atenção na capa o tulo da matéria principal: “O que sobrou do
feminismo”, e a imagem de uma mulher mãe e executiva. Ela está em seu ambiente
de trabalho, sentada na cadeira de escritório, ao lado da maleta,. Quebra a imagem
padrão da mulher que trabalha fora, de tailler, o bebê que amamenta. Dilema da
mulher contemporânea: ser mãe ou se realizar como profissional? Ao mesmo tempo
que quer ser excelente profissional, também almeja ser mãe. Afinal, essa foi a luta
feminina que sobrou do feminismo, como o título da revista sugere, transmitindo
mensagem implícita de que é aspecto polêmico que o feminismo trouxe para a
mulher.
Em contraponto, pesquisa da editora Abril e do Ibope Inteligência, chamada
“Movimento Feminino”
21
, realizada no ano de 2008, em sete Estados, com cerca de
2 mil mulheres entrevistadas, indocpu que a mulher, hoje em dia, se vê mais
preocupada com a casa e a família, deixando, em alguns momentos, um pouco de
lado a carreira. Para elas, a satisfação pessoal e espiritual e a valorização das
21
Pesquisa divulgada na matéria Abril apresenta o novo “Movimento Feminino”, publicada no site
http://www.mmonline.com.br/noticias.mm?url=Abril_apresenta_o_novo__Movimento_Feminino,
acessado em 11 de junho de 2008, às 15h34.
Imagem 23 Capa da revista Veja Edição Especial Mulher (maio 2006)
relações sociais se encontram no mesmo patamar da estabilidade profissional. Essa
relação antagônica acabou modificando a legitimadora família patriarcal tradicional.
A mulher, tendo sua independência financeira e se tornando, muitas vezes, chefe de
família, de certa forma se transformou na figura masculina, deslocando a posição de
poder no âmbito não profissional, mas familiar. Os filhos acabam sentindo isso.
Célia Silvério, vice-presidente de Recursos Humanos da Philipps, contou, na
palestra a mulher na liderança: ela quer e pode ser CEO
22
”, durante o evento HSM
Expo Manegement 2009, que a professora do seu filho chamou sua atenção, pois os
desenhos da criança apresentavam a mãe como uma gigante e o pai era bem
menor. Supervalorização da figura da mãe, que trabalha e se destaca em sua
profissão, e do pai que no momento o exercia nenhum cargo de chefia, nem no
trabalho e, pelo que o desenho mostra, nem em casa. Confortin (2003, p. 117)
confirma o momento que as famílias pós-modernas vivenciam:
As transformações mudaram significativamente as relações
sociais familiares. À medida que a mulher entrou para o domínio
público, levou sua visão e seus valores para a política, para o
esporte, para o trabalho; o homem viu-se obrigado a ingressar no
domínio privado, sendo parceiro nas atividades familiares, sobretudo
na educação dos filhos. [...] A criança já não vê mais o pai mandando
e a mãe obedecendo, mas sim dois centros de poder diferentes
atuando com igual dignidade.
É um novo projeto de modelo familiar. Por mais que melhore as condições de
educação da criança, pois, como abordado anteriormente, a mãe tendo maior nível
escolar pode proporcionar educação melhor para os filhos, a mulher acaba sofrendo
por não conseguir participar ativamente de todos os momentos que eles têm. Este é
um dos grandes confitos das mães-profissionais. Dilema que, muitas vezes, não é
atribuído ao papel do pai. O homem sempre ocupou mais o espaço público e nunca
foi pressionado para exercer a função de educador e responsável pela criação dos
filhos. Por que, então, a mulher tem ainda que ser a única a se sentir culpada por
não doar mais seu tempo à família? A figura do pai tamm não é de suma
importância para o desenvolvimento da criança?
22
CEO (Chief Executive Officer) é um termo em inglês para designar a pessoa com a mais alta
responsabilidade ou autoridade numa organização, geralmente o presidente ou o diretor geral da
empresa.
Apesar de a sociedade e as próprias mulheres se responsabilizarem sempre
pelos papéis desenvolvidos no âmbito familiar de cuidar (da casa, dos filhos, do
orçamento da família etc), os filhos veem nelas espécie da reconfiguração da
imagem do herói. Cynthia Greiner, chefe de redação e diretora da revista Nova,
tamm estava na palestra do evento HSM Expo Manegement 2009. Ela dividiu com
o público sua experiência familiar. Seus filhos fizeram-lhe uma homenagem usando
a figura da Mulher Maravilha, pois estavam orgulhosos de ter a mãe atuante e
decisiva na vida deles, embora, em muitos momentos, ausente por ter que viajar a
negócios, ou inúmeras reuniões.
A mulher multifuncional ganha representatividade na identidade feminina
contemporânea. Helena Confortin (2003, p. 120) arrisca, até mesmo, a traçar o que
se espera que essa mulher seja:
[...] ela deve estar preparada para o mundo cosmopolita, para
o pluralismo, a participação e a cooperação. [...] A mulher do futuro
deve aprender a pensar globalmente e a atuar localmente, a ter
abertura ao mundo e respeito à realidade, estar disposta e ser capaz
de atuar em qualquer lugar [...] Quer-se uma mulher ativa, atuante,
cooperativa, que saiba ocupar seu espaço na sociedade na qual se
insere. [...] É preciso que saiba dar ênfase ao trabalho cooperativo e
estabeleça estratégias inovadoras nas suas relações, sejam no
trabalho, sejam familiares, incrementando a convivência social e a
autoestima, que saiba discutir propostas e apresentar ideias.
Por fim, a autora completa a sua definição de como as mulheres atuais
“devem ser”:
A mulher dos novos tempos deve possuir novos
conhecimentos, comportamentos e atitudes para assumir novas
tarefas e responsabilidades como membro de comunidades e agente
de mudança no sistema social. [...] ter sólido equilíbrio emocional [...]
ter „cabeça feita. (CONFORTIN, 2003, p. 120)
A figuratividade da Mulher Maravilha talvez se encaixe muito bem, a partir das
definições dos padrões que a sociedade espera que a mulher tenha ou deva ser. Ela
tem que ser mãe-mulher-funcionária-do-mês-magra-jovem-...
Isabelle Anchieta, jornalista e mestre pela UFMG, afirma, em entrevista ao
programa Saia Justa, de 23 de agosto de 2009, que a mulher se encontra em nova
fase, ultrapassando a terceira mulher e se tornando a quarta mulher. Esse
imaginário idealizado e reproduzido modifica a identidade contemporânea feminina,
deixando de ser apenas a mãe que trabalha fora ou pertencer a três estereótipos
principais: beleza, juventude eterna e multifuncionalidade. Afirma que a quarta
mulher é a imagem de uma mulher mais consciente do espaço que ocupa, menos
preocupada com os valores pregados pela sociedade, presente nas campanhas que
divulgam uma beleza mais real. “É a mulher emancipada, de fato, mais preocupada
com a totalidade da vida do que com a beleza do corpo, mais preocupada em
construir uma identidade do que ficar em busca de identificações”, afirmou Isabelle.
Porém, se observa na comunicação um delay com a imagem dessa mulher.
Ela quer se ver na capa de uma revista e o se identifica mais com a imagem de
modelo anoréxica. Não se reflete na publicidade, mas em todas as áreas da
comunicação. Algumas capas da revista Veja exemplificam o atraso:
A mídia continua formatando a mulher, mostrando o certo e o errado, sem se
preocupar com os efeitos que isso pode causar. A Veja é uma das revistas de maior
circulação nacional e se intitula a maior revista semanal de informação do Brasil”.
Essas são algumas de suas capas, todas a partir de 2000, com algum tipo de
mensagem direcionada à mulher, pois é revista destinada a ambos os gêneros. Nas
capas, constata-se como a comunicação ainda não conseguiu emancipar a mulher,
colocando como amarras beleza, juventude eterna e valores legitimadores
(casamento e filhos). Se observarmos as capas 1 e 3, ambas falam sobre a
manutenção dos ideais do casamento e da criação dos filhos. É preocupante para a
sociedade ter mulheres que não querem mais ter filhos ou se casar. Preferem
ocupar altos postos profissionais, o que gera temor, pois se as famílias continuarem
pequenas haverá menos consumidores no futuro e, portanto, possibilidade de
crise econômica. As capas 2 e 4 insistem em colocar a mulher como alvo da estética
e da indústria da beleza. Ela tem que ser magra e o corpo dentro do padrão exigido
pela mídia. As matérias induzem sobre receitas inventadas pela ciência que tornam
o corpo da mulher ainda mais bonito, e que emagrecer é delicioso. O importante é
não parar de consumir, nem os alimentos que ajudama emagrecer, nem mesmo
as novas pílulas da beleza. As capas 5 e 6 destinam-se ao estereótipo da juventude
eterna. Não se consegue mais distinguir facilmente quem é a mãe e a filha, pois a
pele do rosto se equipara. “É ter 60 anos com carinha de 30”. A eterna busca da
fonte da juventude e da beleza.
Embora as mulheres busquem, de fato, tratamentos estéticos e casamento,
seus sonhos a isso se resumem? Não pode ser feliz com carinha de 60? Ou
simplesmente privilegiar ter profissão a se casar? Se realmente a mulher passou por
processo de emancipação e, hoje, é livre para fazer o que quer com seu corpo e sua
vida, as capas não as empurram para um aprisionamento do ideal de que a mulher
continua tendo que ser o exemplo de beleza, juventude, ternura e mãe exemplar,
que cuida do marido?
Lipovetsky (2000) afirma que a mulher ainda não chegou a galgar grandes
posições profissionais, em sua maioria por conta da dicotomia casamento + filhos x
carreira profissional. Uma equação nem sempre equilibrada e que, muitas vezes, faz
com que a mulher tome partido de um desses caminhos. O império industrial não
toma partido válido, pois ao mesmo tempo que estimula a mulher a ser
independente e a entrar no mercado de trabalho, tamm reforça que deve estar
casada, com filhos e com seu príncipe encantado, aumentando o estresse. Fujisawa
(2005) cita pesquisa da CPM Research Centro de Pesquisa Motivacional,
patrocinada pela Avon, Eletrolux e Sadia, realizada de abril de 2001 a março de
2002, nas principais capitais brasileiras, e em cinco comunidades rurais.
O resultado da pesquisa mostra, ao investigar os sonhos das
mulheres urbanas adultas, que elas estão sempre atarefadas,
cansadas e sozinhas. Os motivos estão mais relacionados com a
vida privada do que com as realizações alcançadas por meio da
atuação profissional. Como elas trabalham com duplas jornadas,
faltam amigos e tempo para si. Para muitas, os finais de semana se
traduzem em realizar as tarefas domésticas que não puderam ser
realizadas durante a semana. (FUJISAWA, 2005, p. 49)
A pesquisa também afirma que, apesar de os homens estarem mudando e
colaborando com as tarefas domésticas, ainda é da mulher a obrigação maior,
tornando as tarefas executadas por eles apenas alívio e favor, e não um fazer
conjunto. Por mais que essa mulher esteja preocupada com a comunidade, a falta
de tempo é a desculpa mais utilizada por não estar engajada em nenhum movimento
ou atuações partidárias. O processo da nova mulheré se reconstruir e achar sua
real identidade.
2.2. Identidade de gênero e propaganda: estereótipo ou reflexo da sociedade
pós-moderna?
Até este momento muito se falou acerca da construção da identidade
contemporânea feminina e como se encontra, até certo ponto, confusa, ou ainda,
como projeto identitário de uma “nova mulher”. Mas não se abordou como esta
mulher está inserida na sociedade de consumo.
Segundo Lipovetsky (2000), um dos motivos que auxiliaram a mulher em sua
emancipação foi o crescimento do seu poder de consumo individual e independente
do marido, graças à participação no mercado de trabalho. Consequentemente, a
mulher passou a ser mais visível e em condições de conquistar postos de trabalho
antes impensáveis. A imagem da mulher mudou: de passiva a ativa e, em boa
parcela da população, nos mais diversos estratos sociais, em consumidora, se
tornando a “nova consumidora”.
As marcas atentas a essas mudanças se tornaram ainda mais “rosadas”. Para
atraí-las a todo custo, chegam a reforçar a multiplicidade dos papéis ditos femininos
impostos às mulheres pós-modernas, como nesta propaganda:
No anúncio, a atriz Malu Mader representa três papéis diários dos vários
listados no enunciado: a mulher de negócios, a que malha e a chef de cozinha.
Apesar de os homens estarem, cada dia mais, consumindo produtos de linha
branca, a mulher ainda é o alvo das campanhas desses produtos. No exemplo, a
função da “multimulher” é destacada no slogan da marca. As ações descritas no
enunciado (título) ditam o que as mulheres fazem no dia a dia e, no fim, reforça-se
que a grande quantidade de tarefas não torna o dia da mulher chato, mas que “é
vida de mulher”. Ou seja, as mulheres se acostumaram a fazer tantas coisas, que
isso é algo normal, é “coisa de mulher”.
Buarque de Almeida (2003) comenta entrevista com um grupo de mulheres.
Elas expressaram o que pensam sobre a “multimulher”:
Imagem 24 Ancio veiculado na revista Contigo
de novembro de 2009.
Pelo discurso das entrevistadas, a figura da super-mulher,
que trabalha fora, cuida da casa e dos filhos, conta de ser bonita
etc., é „o sonho de toda mulher‟. É porque a mulher brasileira hoje
quer ser assim, que algumas donas de casa sentem-se culpadas por
não trabalhar, ou buscam refoar que m a vida ocupada.
(BUARQUE DE ALMEIDA, 2003, p. 288)
A sociedade cobra que a mulher trabalhe exacerbadamente. A pressão de ser
boa em tudo está implícita em seu cotidiano. O discurso, quando colocado na
propaganda, anuncia certa tipificação dessa identidade feminina, como se existisse
a multimulher em oposição à mulher comum ou às outras mulheres. Criam-se tipos
de consumidoras, as que compram eletrodomésticos que facilitam a vida e permitem
que cumpram a apertada agenda do dia a dia, e as que compram eletrodomésticos
comuns, pois como vivem para o lar têm mais tempo para a lida doméstica. A
propaganda e o marketing criam estilos de compra, fórmulas e rótulos de como a
mulher compra e por que ela compra. “[...] recorre-se tanto a modelos tradicionais,
como a mulheres modernas, trabalhadoras, independentes.” (BUARQUE DE
ALMEIDA, 2003, p. 262)
Ainda segundo a autora, a tipificação de gênero na publicidade constitui parte
de uma “tecnologia de nero”, discurso disciplinar e normativo, que constrói
algumas representações hegemônicas. A nomenclatura tecnologia de nero” foi
utilizada por Buarque de Almeida (2003), inspirada na criação de Teresa de Lauretis,
em sua obra The Practice of Love: Lesbian Sexuality and Perverse Desire (1994),
que por sua vez criou o termo com base na tecnologia sexual de Foucault. Lauretis
queria entender o processo de construção de gênero na sociedade contemporênea
e chegou a algumas análises:
- gênero é representação, apesar de ter implicações bem reais e concretas;
- a representação de gênero é construída histórica e culturalmente;
- essa construção é obtida na mídia, na escola, na religião, na família, no
Estado, na arte e até mesmo no feminismo.
- é construção que também se faz pela sua desconstrução, pois essa
construção também se faz pelo efeito do excesso de representações, o que acaba
por desestabilizar qualquer representação.
Buarque de Almeida (2003) complementa os estudos de Lauretis e afirma ser
no consumo o lugar em que se faz a primeira representação da mulher. “Os manuais
de marketing e propaganda norte-americanos constumavam chamar o consumidor
de „she‟, como se fosse a mulher sempre a compradora.” (BUARQUE DE ALMEIDA,
2003, p. 268)
Anteriormente, citou-se estudo feito pela Editora Abril, denominado
“Movimento Feminino”. Segundo a pesquisa, observa-se divisão das mulheres em
categorias de consumidoras, traçadas segundo os principais impulsos de compra:
1) o do preço geralmente mulheres casadas, com filhos, com idade
de 35 a 44 anos, que pesquisam preço;
2) o da diferenciação mulheres com faixa etária de 35 a 49 anos,
que visam em primeiro lugar destacarem-se entre as demais por
meio da compra de acessórios e objetos que as permitem ter estilo
próprio e moderno;
3) o da inclusão mulheres mais jovens que buscam enquadrar-se
nas atuais tendências de moda para valorizar sua condição
feminina;
4) o da indulgência abrange fatia de mulheres que assimilam a
compra como ato de prazer e fazem aquisições muitas vezes
supérfluas.
Outras pesquisas também tentam classificar as mulheres para buscar
entender o que querem e quem são, como a desenvolvida pelo Ibope Solutions,
entre julho e agosto de 2004, com 2 mil mulheres, de idade entre 18 e 49 anos,
classes A e B, intitulada “A mulher do novo século”
23
. O objetivo era investigar os
desejos e sonhos femininos e, posteriormente, indicava divisão dos seus momentos
de vida:
a) “Tenho a força”: o grupo representava 25% das entrevistadas. Mulheres
que buscam realização, principalmente no trabalho, a vida pessoal em
processo de descoberta. Não pensam em constituir família, mas sonham
com isso para seu futuro, mostrando-se preocupadas com a educação que
proporcionarão aos filhos. Elas valorizam a individualidade e desejam
relacionamento amoroso que faça parte do seu crescimento pessoal;
23
PERRONE, R. Quer falar com uma mulher? In: Meio&Mensagem especial mulheres, 7 de março de
2005, p. 4-8.
b) “Não brinco mais”: representavam 19% das entrevistadas e, no momento,
não valorizam a família e o trabalho, e nem buscam crescimento pessoal.
Não buscam alternativas para o futuro, estão saturadas da vida no
trabalho e cansadas de conciliá-lo com a família. Contestam os modelos
femininos, se mostram entediadas, submissas e com baixa autoestima,
insatisfeitas nos planos sexual e afetivo e m dificuldades em fazer
amizades.
c) “Sou mais eu”: 19% das entrevistadas, valorizam mais a vida pessoal e o
trabalho, apesar de realizadas também no âmbito familiar, porém julgam
esse papel menos relevante do que outros. Investem na carreira e no
crescimento profissional, assim como em roupas de grife, pois são
vaidosas e voltadas para o mundo exterior, exigentes consigo e com os
outros.
d) “De luta”: somaram 15%. Valorizam a família, o trabalho e o pessoal,
embora tenham dificuldades em conciliar os três papéis, por serem muito
exigentes. Julgam não ter tempo para a família, pois se dedicam bastante
ao trabalho e se sentem sozinhas, estão estressadas e fragilizadas,
adiando vontades e desejos.
e) “De bem comigo”: equilibradas e autoinvestidoras, totalizando 14% das
entrevistadas. Mesmo sozinhas não se sentem solitárias, estão satisfeitas
e realizadas no trabalho, são vaidosas, preocupadas com seu corpo e o
priorizam a vida sexual.
f) “Família é tudo”: para 8% das mulheres o significado da vida está
fundamentalmente ligado ao seu papel na família. É a típica dona de casa
por opção, valoriza a religião e não tem aspirações no trabalho.
Os pesquisadores afirmam que as mulheres estão em permanente mutação
entre essas fases, ou escolhem um desses momentos para formar o seu estilo.
Observa-se que apesar de ainda quererem formar família e se sentirem realizadas
na vida pessoal, apenas 8% se identificam com a típica mãe dona do lar. A
importância de entender esses estudos está na procura de compreender melhor
como as consumidoras percebem seus papéis, tanto os ligados ao trabalho, como
na vida pessoal e em família. Por isso, profissionais do marketing e da propaganda
observam com lente de aumento aspirações, sonhos e desejos dessas mulheres.
Mas essas categorizações contemplam todos os tipos possíveis de mulher? Ou
apenas as resumem a certos estereótipos formatados como nichos de mercado,
estimulados com produtos que, muitas vezes, não resolvem seus problemas?
Fato interessante, no anúncio da marca Mabe, é percebido no slogan a
marca da multimulher”. Com o crescimento do consumo de geladeiras, fogões,
artigos domésticos e estéticos pelo homem, não estaria a marca restringindo seu
público, ao invés de focá-lo? A maior parte das representantes na pesquisa acima
citada não se identifica com a figura da dona de casa que cuida da sua cozinha
como ninguém. Pelo contrário, são minoria. “Assim, mais do que pelas suas
propriedades físicas, o produto passa a valer pela imagem de si projetada no
mercado e na vida dos consumidores.” (PINTO, 1997, p. 23), ou seja, o valor de uma
marca não está apenas no usufruto físico dos produtos, mas em seu valor simbólico.
Portanto, quando a marca se intitula a “marca da multimulher”, quer transmitir que o
valor de uso dos seus produtos está na possibilidade e na maior facilidade trazidas
ao dia a dia, várias em uma só: atende ao telefonema do emprego enquanto busca
os filhos no colégio, e ainda passa batom no espelho retrovisor.
Com efeito, ao usarmos os objetos como indícios de
identidade, estes passam a circular na comunicação interpessoal
como lubrificadores do processo cognitivo de categorização do outro,
a que invariavelmente procedemos para convenientemente
moldarmos o nosso comportamento. (PINTO, 1997, p. 24)
A autora ainda reforça que o consumo alimenta as necessidades de
pertencimento social dos indivíduos, perpetuando símbolos de prestígio e
promessas de satisfação. Para Christiane Gade (1998), o comportamento de
consumo é explicado pela necessidade de expressar significados mediante a posse
de produtos que comunicam à sociedade como o indivíduo se percebe enquanto
interage com diversos grupos sociais.
Segundo a pesquisa Top of Mind, feita todo ano pelo Ibope Inteligência, as
três marcas mais lembradas pelas consumidoras brasileiras, em 2008 e 2009, foram,
em sequência, Seda, Zero Cal e Dove. Se se observar este dado, a preferência de
consumo das mulheres ainda é o segmento beleza e estética.
Fujisawa (2006) frisa que um dos principais conflitos das mulheres do século
XXI é a obsessão pela beleza; afinal é comportamento coletivo e cultural instaurado,
porém não deixam de buscar profissionalização, equilíbrio entre profissional e
pessoal, e procuram resgatar o universo doméstico e materno.
Vestergaard & Schroder (2000) afirmam que a propaganda parece ter
mudado a preferência feminina, da vontade de ser mãe e cuidar da sua família, para
a conservação da boa aparência física:
Esse ideal da beleza e da boa forma transfigurou-se na nova
camisa de força da feminilidade, exigindo que as mulheres entrem
em competição, mediante a aparência, pela atenção do marido, do
namorado, do patrão e de todo espécime do sexo masculino que por
acaso encontrem. (VESTERGAARD & SCHRODER, 2000, p. 83)
Para os autores é isso que a propaganda transmite, porém, “a mulher se
embeleza para agradar a si mesma, e não para agradar aos homens.” (idem, p. 92)
De certa forma, a busca da mulher pelo padrão de beleza, tirando seu foco da
maternidade, indica transição entre a “mulher doméstica para a mulher fascinante”.
A publicidade, portanto, funciona como catalisador dos padrões atuais e
adequa as imagens aos diferentes tipos de blico que almeja atingir. Flailda
Garboggini (2005) definiu com propriedade a relação:
Partimos do pressuposto que a publicidade, como linguagem
plurissígnica, reforça os padrões de comportamento estabelecidos
pela sociedade, refletindo a realidade e refratando-a de forma
idealizada a fim de que seja atraente e venda o produto anunciado.
Instigado pelo desafio das provas qualificantes, o receptor é
persuadido a atingir a glória com a posse de objetos de valor o
produto transforma-se no adjuvante máximo do seu sucesso e de
sua felicidade. (GARBOGGINI, 2005, p. 98)
Buarque de Almeida (2003) tem uma opinião semelhante a de Garboggini e
complementa:
Porém, isso não significa que a publicidade apenas reflete tais
construções simbólicas, pois trata-se de uma via de mão dupla: não
o anúncio se utiliza de certas ideologias, mas certamente também
aceita estes valores e, ao representá-los, os naturaliza e reforça.
(BUARQUE DE ALMEIDA, 2003, p. 261)
Como vimos, as mensagens publicitárias objetivam atingir nichos de mercado
determinados. Quando este é a mulher, voltam-se à tentativa de equilibrar a esfera
da vida pública e privada, sempre linda, maquiada e pronta para o próximo papel
que a vida lhe exigirá.
2.2.1 Identidade feminina e a propaganda
Apesar dos avanços das mulheres, a propaganda apresenta certo delay em
algumas de suas criações. A autora Heloísa Buarque de Almeida (2003, p. 264)
pesquisou profissionais de pesquisa e criação do mercado publicitário e chegou às
seguintes reflexões sobre a propaganda e sua relação com o gênero feminino:
a) “[...] a publicidade reflete as tendências sociais, mas não muda nem
influencia a sociedade.
b) “Diferentemente da ideia de que a publicidade criaria necessidades e
construções simbólicas para os produtos, os entrevistados destacaram
que a publicidade precisa estar de acordo com o que acontece na
sociedade, com os valores e comportamentos já em circulação social.
Onde ela tem espaço para ampliar e criar é a partir da ideia de sonho, mas
este também já deve estar em circulação na sociedade.”
O levantamento de Buarque de Almeida (2003) reflete o ponto de vista dos
produtores da mensagem. Para eles, a propaganda anda em conjunto com a moda,
mas não a cria, pois se fosse totalmente vanguarda afetaria a cognição da
mensagem. Objetivam-se a venda e a sedução, para assim motivar o consumidor à
compra. O senso comum e o inconsciente coletivo garantem a percepção de todos
os elementos ali colocados, para evidenciar o que se deseja; caso não haja o
referencial para o entendimento da mensagem, não há comunicação.
Mas não se deve esquecer é que a mulher contemporânea o se identifica
mais com o padrão estipulado em épocas anteriores. A propaganda deveria,
portanto, não estar am do que a sociedade criou como consenso, mas ao seu lado,
mostrando que entende o que a mulher deseja e com qual imagem ela, realmente,
se identifica.
Buarque de Almeida (2003) conclui sua pesquisa afirmando que a
propaganda não cria estereótipos, apesar de saber muito bem reforçá-los.
Ela promove sem dúvida novos comportamentos, pelo menos
em termos de compra de produtos [...] No entanto, para atrair o
consumidor ao seu produto, ela tem que trabalhar com valores
sociais que existem, estão em circulação social, ao mesmo tempo
que pode promover comportamentos e produtos novos. (BUARQUE
DE ALMEIDA, 2003, p. 265)
Os fatores acerca de como a propaganda estimula ou manipula as imagens
colocadas na mídia contribuem para entender como se deu o percurso da
representação da mulher nos anúncios.
Assim como foi visto um breve relato do processo de construção da
identidade feminina se modificando diante da história e das mudanças sociais e
culturais, constata-se que as mesmas influências são observadas na propaganda.
Na época em que a identidade legitimadora era mais predominante na
sociedade, a imagem da mulher era sempre ligada à cuidadora do lar, a bela, serena
e delicada. Os anúncios a seguir, veiculados no Brasil nos anos 50 e 60, ajudam a
exemplificar:
Imagem 25 - As mantenedoras do lar.
As donas de casa zelosas e cuidadosas não podiam consumir qualquer
produto. Tinham que levar o melhor para o lar. A elas era dirigida a grande maioria
dos anúncios da indústria alimentícia, produtos de higiene e limpeza, além dos
eletrodomésticos, objetos de consumo favoritos. Pyr Marcondes (2002) ratifica: “É
essa mulher, correta e careta no lar, que vai sustentar a grande tendência da
comunicação nesse início de década. Ela no papel coadjuvante, carente e submissa,
a que venera e admira.” (MARCONDES, 2002, p. 33)
A admiração do homem pela mulher domesticada” é percebida nos anúncios
de beleza da época. A mulher, além de manter a casa sempre em ordem, também
tinha que estar perfumada e bela para o marido. Uma cútis delicada, um suave tom
de voz e a doçura de quem sabe lidar com todos os momentos vividos em família.
Essa é a mulher dos anúncios de Gessy Lever, frequentemente ilustrados por
celebridades. Abaixo, o anúncio de Lever estampa Elizabeth Taylor, símbolo de
beleza e romantismo, pelos filmes em que atuava. “[...] o testemunho de mulheres
belas e famosas credibilidade ao produto e desperta o desejo de identificação da
mulher-consumidora com a estrela insinuante que ela gostaria de ser.” (CARVALHO,
1998, p. 25)
O homem, por outro lado, era retratado como o Deus Apolo, viril, forte,
determinado e com poder de compra. Era ele quem sabia dirigir, indicar o futuro
Imagem 26 As doces donzelas desejadas pelos homens.
político de toda nação e comprar joias para presentear e cortejar as damas. A
propaganda vai reproduzir fielmente esses valores, escolhendo modelos de porte
atlético e colocando os homens, sempre que possível, em primeiro plano nas
imagens dos anúncios e dando-lhes mais importância na comunicação”.
(MARCONDES, 2002, p. 33)
Nos exemplos seguintes, as propagandas falam diretamente aos homens.
São os protagonistas, pois tinham poder monetário para comprar carros e joias. O
anúncio do Fusca usa o senso comum de que as mulheres não sabem dirigir,
estereótipo que, até hoje, ainda é usado pelos homens.
Esses fatores indicam uma sociedade baseada na cultura patriarcal, que tinha
o homem como único detentor do poder de compra. Com os movimentos de
resistência (feminismo), inauguraram-se novas formas de se colocar a mulher na
propaganda, obtidas de forma um pouco tardia no Brasil, se considerarmos a
propaganda mundial.
Exemplos de propagandas do fim dos anos 60 e início dos anos 70:
Imagem 27 A mulher aparece como reforço à venda.
Os anúncios de sabonete continuam com o mesmo discurso: “perfume e
beleza para sua pele.” Assim como na propaganda de Walita: a enceradeira o
melhor presente para a mulher. “A versão da mulher moderna da época é a da que
sabe fazer compras, domina o uso dos mais novos lançamentos eletroeletrônicos
[...] e atualiza-se sobre as novidades, via garotas-propaganda.” (MARCONDES,
2002, p. 35)
Mas uma juventude rebelde começa a aparecer em algumas propagandas. O
lema liberdade com o corpo desponta, e os produtos se preocupam com os novos
padrões de beleza, como no anúncio de Adocyl. (Imagem 28)
Imagem 28 Anúncio dos sabonetes Lux -
1966
Imagem 29 Ancio da
enceradeira Walita - 1967
Imagem 30- anúncio de Adocyl -
1971
De seu canto, também elas irão em busca de um
comportamento menos servil. Para desespero dos pais e da moral
vigente, passam a usar calças compridas justas no corpo, pintam-se
com maquiagem importada, usam ousados maiôs nas praias [...].
(MARCONDES, 2002, p. 35)
em meados da década de 70, a propaganda sente as mudanças advindas
do cinema e dos processos de emancipação feminina internacional. De certa forma,
tenta atualizar seu discurso, como se verá adiante.
Obviamente, a atualização do discurso acompanha a moda e a tradição das
marcas. Enquanto Ponds estimula as mulheres a usar cremes antirrugas e pararem
de mentir a idade, a Tergal lança um anúncio ousado para a época. Demonstra de
forma denotativa e conotativa a luta das mulheres por sua emancipação, e a guerra
às coisas comuns, ou aos estereótipos, como sugere o título do anúncio. A imagem,
além de mostrar mulheres armadas como guerrilheiras, traz o título pichado no muro,
exibindo ainda mais o caráter revolucionário contra o atual sistema. O movimento
feminista e algumas de suas conquistas da época vão expressar-se na comunicação
publicitária de forma atenuada e adaptada às leis do mercado.” (MARCONDES,
2002, p. 49)
Imagem 31 Molico (1974)
Imagem 32 Ponds (1975)
Imagem 33 Tergal (1977)
Molico mantém comunicação de cuidado com a beleza e com a estética do
corpo, que passa a modificar padrões, saindo da mulher “violão”, de cintura fina e
quadril largo, para as magras e formas esguias, padrão mais norte-americano.
Ao final da década de 70 e início da de 80, a mulher se sente mais livre das
amarras sociais, dona do seu corpo. E o início da degradação da imagem
feminina por meio da erotização (Imagem 34). Até então, os dogmas legitimadores
estavam vigentes, mas com o final do período militar e as manifestações das
“Diretas Já‟, começou-se a fomentar sentimento de liberdade, de expressão e maior
exposição do corpo da mulher.
Porém, mesmo tentando acompanhar as mudanças sociais, a propaganda
não deixa o seu eterno delay. Em meados e final dos anos 80, ainda reproduz
Imagem 34 Avon
(1979)
Imagem 35 Assugrin
(1978)
Imagem 36 UsTop (1978)
Imagem 37 Sabonete Lux (1986)
imagens que colocam a mulher ora como cuidadora dona do lar, ora como a moça
que está sempre à procura de um casamento:
Com efeito, naquele período [anos 70 e 80], retratavam
fundamentalmente dois tipos de mulher: de um lado a solteira, bela e
jovem era mostrada de forma erotizada, servindo mais como objeto
de desejo sexual. [...] Por outro lado, a mulher adulta era
apresentada de forma mais recatada, sugerindo-se seu estado civil
casada, portanto, séria. Percebia-se que ela era como mãe e dona
de casa. Esse estereótipo servia para anunciar, sobretudo, produtos
das categorias de limpeza e de serviço doméstico, além de
alimentação. (GARBOGGINI, 2003, p. 145-146)
A autora comenta o assunto nos exemplos que se seguem:
Enquanto a marca Doriana mostra a mulher como a dona de casa
preocupada em agradar à família, as toalhas Artex apresentam uma mulher mais
jovem, sedutora, e que deseja logo se casar, mesmo que seu namorado o
aparente querer.
Até 1992, a marca Doriana apresentou esse discurso, em que
a mulher fazia todo o serviço doméstico, destacando-se a preparação
dos alimentos e servir a família à mesa. A recompensa para ela,
segundo a publicidade, eram os elogios e o sorriso dos filhos e do
marido. (GARBOGGINI, 2003, p. 148)
Imagem 38 Doriana (1988)
Imagem 39 Toalhas Artex (1987)
Nos anos 90 se intensificam as campanhas de produtos de beleza, moda,
eletrodomésticos e produtos de limpeza, como os principais anunciantes para o
público feminino. A mulher conquista seu espaço no mercado de trabalho e começa
a adquirir sua independência financeira, portanto, colocada como autora da compra.
No exemplo da H.Stern (Imagem 39), a mensagem volta-se para a mulher. No
anúncio citado anteriormente (Imagem 25), o foco é o marido, que presenteará a
esposa. A maior independência financeira da mulher faz com que seja mais ouvida e
se torne um dos principais alvos do consumo.
Hoje é vista a partir de um múltiplo olhar. Ora as marcas se apresentam como
atuais, ora permanecem como se ainda vivêssemos nos anos 50.
Imagem 40 Título do anúncio de Sucaryl (1989)
“Flagrante de uma obra-prima de Renoir morrendo de
inveja de uma obra-prima de Sucaryl.”
Imagem 41 Título do anúncio de
H. Stern (1996) “Mulheres são
como estrelas, têm brilho próprio.
Mas adoram uma luz extra.”
Imagem 42 Título do anúncio de
Tio João (2008) “As coisas
mudaram muito na vida das
mulheres. De repente, a atividade
mais relaxante do dia é cozinhar.”.
Imagem 43 O anúncio da Volkswagen
(2008) em homenagem ao dia da mulher
apresenta uma bolsa e ao lado os vários
itens que a mesma contém, como:
maquiagem, esmalte, calculadora, etc. no
carro tem uma seta com 18 porta-objetos.
Isto transmite a ideia de que a VW entende
de mulher pois coloca muitos porta-objetos
em seus carros, como se apenas isto fosse
observado na hora da compra.
Imagem 44 Center Norte (2008)
Imagem 45 Lingerie Un.i (2008)
“Sabemos que você tem várias
mulheres dentro de você. A nossa
coleção é ampla para vocês não
brigarem.
A propaganda da Panex (Imagem 45) apresenta a mulher como mbolo do
privado, mesmo fazendo relação com “a nova geração de mulheres”. Desde a
infância, a referência para a criança é brincar de panelinha, fogãozinho,
geladeirinha, amesmo com bua e ferrinho de passar-roupa. A criança aprende
com os contos de fadas que sempre a princesa acaba em um final feliz com o
príncipe encantado, e que este deve ser o seu futuro: casar-se com um homem de
prestígio e viver feliz para sempre, cuidando dele. A propaganda usa a seu favor,
justificando modos bem antigos que ainda permanecem, assim como a de Confort
(Imagem 44), mantendo a visão que a mulher é a especialista nos cuidados
domésticos.
Uma das imagens mais estereotipadas das mulheres, hoje em dia, é a de ser
ávida consumidora. Nos anúncios do Center Norte (Imagem 42) e Volkswagen
(Imagem 41) percebe-se que o mote principal é fazer brincadeira com a mulher que
gosta de gastar muito. De fato, as mulheres contribuem com isso, afinal são as que
mais gastam usando cartões de crédito
24
, por exemplo.
24
Segundo pesquisa feita pelo banco Itaú e divulgada em matéria no site do Clube de Criação de São
Paulo: http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=25345. Acessado em 6 de fevereiro às 3h47.
Imagem 46 Confort (2008)
Imagem 47 Panex (2009)
Deve-se destacar, também, que apesar das várias faces da
vida de uma mulher mãe, profissional, esposa, dona de casa -, a
publicidade bate sempre na mesma tecla: para ser feliz e bem-
sucedida, a mulher precisa estar sempre bela e ser (ou parecer)
jovem. Podemos observar que os anúncios e campanhas
publicitárias dirigidas ao público feminino são centrados no sucesso,
na vaidade e na aparência. (CARVALHO, 1998, p. 24)
Por mais que se discorra sobre o caráter intimidador da propaganda,
manipulando mensagens a fim de fazer valer seu principal objetivo, a venda, não se
deve esquecer um dos mais importantes ditados citados pelas empresas quando
propõe uma nova criação às agências de publicidade: “Não vamos mexer em time
que está ganhando”. Se a propaganda insiste em repetir imagens estereotipadas e
retrógradas, quase sem alterar seus anúncios
25
, é porque estão conseguindo vender
para seu público. Confirmam Vestergaard & Schroder (2000, p. 93):
[...] A melhor prova de que elas ainda concebem a si mesmas
em termos da imagem tradicional é o fato de não recorrerem ao
poder que têm de provocar a derrocada dos anúncios ofensivos:
optamos por não comprar os produtos que eles vendem‟.
Os autores ressaltam a importância de as mulheres reagirem contra as
imagens impostas pela mídia, não comprando produtos de quem não consegue
respeitar a identidade feminina. Quanto aos homens, a mídia tenta instaurar a
imagem do “novo homem”, isto é, do que assume algumas funções ditas femininas
sem perder a virilidade.
2.2.2. A propaganda e a “guerra dos sexos”.
A relação homem x mulher sempre gerou divergências e convergências em
vários âmbitos. A mídia enche sua programação de programas, seriados, novelas,
entre outros, para discutir essas relações. Em 1983 e 1984, a novela Guerra dos
Sexos, transmitida pela Rede Globo de Televisão, apresentava esses
questionamentos de forma bem-humorada e ainda atual. Marte x Vênus é o que
25
Se observarmos as propagandas de sabonetes neste capítulo, pouco foi modificado em sua
linguagem e estratégia. Lever, nos anos 50, apresentava a atriz Elizabeth Taylor e falava em frescor,
perfume e suavidade. Lux, nos anos 80, com a imagem da atriz Sônia Braga Imagem 35 - usa a
mesma estratégia e continua ressaltando os mesmos valores.
mais aparece nas páginas da maioria das publicações da atualidade. Perguntas
como deve-se valer do instinto da mulher nos negócios, aproveitando suas
qualidades perceptivas, ou deve-se privilegiar o poder racional do homem? sempre
surgem como forma de se julgar quem está mais certo.
Esses questionamentos sobre a relação entre os gêneros influenciam como
mulher e homem são vistos pela sociedade. Mas os debates só foram criados depois
que o gênero feminino passou a disputar os postos de trabalho, como comenta
Lipovetsky (2000).
...na medida em que os valores individualistas-competitivos-
meritocráticos são estendidos às mulheres, ei-las de agora em diante
em concorrência aberta com os homens e entregues ao imperativo
de provar seu valor profissional, de ganhar o reconhecimento social
pelas “obras“, de construir seu lugar e sua identidade profissional da
mesma maneira que os homens. (LIPOVETSKY, 2000, p. 224)
A propaganda assimilou a polêmica discussão e a implementou nos anúncios.
Vestergaard & Schroder, em seu livro, apresentam tabela comparativa entre as
publicações femininas e masculinas, e a porcentagem de anúncios de cada
segmento de mercado anunciante. Apesar de a edição do livro ser de 2000, os
autores desenvolveram a pesquisa em 1977. Nesta pesquisa, fizemos a mesma
análise comparativa, porém usando as publicações brasileiras, e os anúncios
veiculados nos meses de novembro e dezembro de 2009.
Na tabela dos autores três revistas norte-americanas: Cosmopolitan (no
Brasil representada pela revista Nova); Woman (revista cujo editorial abrange a
mulher mais tradicional, dona de casa, que acompanha a vida das celebridades e
gosta de experimentar receitas publicadas na mesma), e Playboy (revista de mesmo
nome no Brasil). Para adequar as revistas nacionais, tivemos de adaptar outras
revistas, pois a Woman se assemelha à extinta Mulher de Hoje. Por isso, elegemos
Tabela 2 Quadro comparativo. (VESTERGAARD & SCHRODER,
2000, p. 75)
Tabela 2 Tabela comparativa entre publicações nacionais dos meses de novembro e
dezembro de 2009, com as porcentagens da quantidade de anúncios de cada segmento
de mercado.
as revistas Cláudia e Marie Claire, por ambas disporem de conteúdo mais voltado à
mulher adulta, e trazerem receitas e entrevistas com celebridades.
Com relação aos segmentos de mercado analisados, Vestergaard & Schroder
utilizaram os anunciantes da época. Hoje, por exemplo, anúncio de cigarros é
proibido, assim como não se colocam mais anúncios de empregos nessas
publicações. Portanto, foram essenciais algumas modificações nas categorias.
Quando se observam dados das duas tabelas, constatam-se mudanças na
quantidade dos anúncios veiculados nessas publicações, como:
- Revista Nova/Cosmopolitan: diante dos dados levantados, grande
diferença dos anúncios de moda e vestuário. A moda, hoje, tem um trabalho maior
de marketing e investimento em comunicação, para diferenciação das marcas no
mercado. Nas décadas de 70 e 80, ainda era comum o consumo de tecidos para a
fabricação das roupas, ao invés de comprar a peça feita. A moda, atualmente, se
aliou ao consumo de luxo e virou artigo de diferenciação identitária e status, e
tamm o aumento ao acesso às lojas em shoppings centers, e à informação sobre
como se vestir. Além do vestuário, observa-se decréscimo dos anúncios de
alimentos. A revista Nova adequou seu conteúdo para falar com a mulher moderna,
focando nas que priorizam a carreira profissional ao invés do cuidado com a família
e com a alimentação.
- Revistas Marie Claire/Cláudia/Woman: a Woman tinha linha editorial voltada
à dona de casa. A imagem de dona de casa é uma das mais rejeitadas pelas
mulheres atuais. Elas priorizam o crescimento profissional e pessoal, estão
inteiradas às novas tecnologias e cada dia mais preocupadas com investimentos e
planos de previdência privada. Além disso, buscam melhor qualidade de vida em
atividades de lazer. Portanto, modificações entre os dados, com os anúncios de
casa, alimentos, lazer, tecnologia, bancos/investimentos e serviços.
- Revista Playboy das revistas analisadas, a Playboy é a de menor
quantidade (frequência) de anúncios por publicação, tendo apenas 44 propagandas,
contra 98 da revista Cláudia, por exemplo. Ainda se investe mais na comunicação de
produtos ditos femininos. O homem de hoje volta-se para si, e cresce o consumo de
produtos de beleza e moda. Por isso, itens nos quais mudança o higiene,
beleza e vestuário. Os anúncios de bebidas alcoólicas, apesar de permanecerem
com alto índice, tiveram declínio, assim como os ligados à tecnologia. Outro dado
curioso são os anúncios de lazer. Hoje, o homem procura mais saídas para fugir do
estresse dos grandes centros urbanos; investem muito em viagens, entretenimento e
produtos culturais.
Os quadros demonstram mudanças não apenas mercadológicas, mas
originadas de transformações históricas, sociais, culturais e de consumo. A
propaganda capta essas diferenças com relação aos gêneros e as expõe nas
páginas das revistas. Nos anos 60, as marcas estampavam os homens como os
bem-sucedidos, galãs, cheios de força e coragem. À mulher eram destinados
cozinha, avental, eletrodomésticos e, no fim do dia, um banho com a espuma suave
dos produtos de beleza para agradar o marido.
A diferença entre o que é do homem e o que é da mulher permanece atual.
Mesmo as mulheres estando mais “livres” do caráter legitimador nos anos 70, não
era transmitido em algumas propagandas, como se observa adiante.
Imagem 48 Sopas Knorr - 1960
Imagem 49 Aero-Willys - 1967
A partir das décadas de 80 e 90 essa concepção mais machista vai se
alterando e começa a aparecer a imagem do novo homem”, preocupado consigo,
com sua saúde e a estética.
Imagem 52 Anúncio de requeijão light Nestlé
1994/1995, cujo título é: “45% menos gordura. 30%
menos calorias. Novo Requeijão Nestlé Light. Para
quem quer manter a forma e o sabor.” Na imagem
um homem no reflexo da faca, apresentando-o com
uma forma física fina, mostrando que o produto pode
ajudá-lo a emagrecer.
Imagem 50 Engov - 1978
Imagem 51 Skol - 1978
O exemplo retrata um homem preocupado com a forma física e beleza.
Preocupações até então destinadas à mulher.
Hoje, os papéis masculino e feminino não são mais tão
definidos. Em muitos países, a participação no trabalho doméstico e
na educação dos filhos começa a ser indiferente para o casal. A
representação dos sexos é afetada, transformada. Veiculam-se, cada
vez mais, imagens masculinas tingidas de feminilidade e as imagens
femininas de masculinidade. (GARBOGGINI, 2005, p. 99)
No anúncio do It o homem ajuda a mulher, ocupando a função de pai,
demonstrando a emoção de ganhar o primeiro filho, e deixando transparecer seu
Imagem 9 Mitsubishi 4X4 Revista Marie Claire
(novembro de 2009)
Imagem 53 Banco Itaú (novembro de 2009).
lado mais delicado, cena difícil de ser vista em propagandas. No anúncio da
Mitsubishi não nada que ressalte a relação de gêneros, a não ser a revista na
qual foi veiculado. O carro é robusto e próprio para quem gosta de aliar qualidade
em maquinaria e aventura, propriedades de produto dito masculino. Porém, este
anúncio foi veiculado na revista Marie Claire, ou seja, a indústria consegue ver a
mulher como possível consumidora desses atributos.
Mesmo com as transformações, ainda na propaganda do século XXI
características segmentadas entre os gêneros, e a permanência da exposição do
corpo feminino como argumento de venda para os homens.
O tema “guerra dos sexos” tamm existe na produção de alguns produtos. É
o caso do salgadinho da Elma Chips, Ruffles. A nova embalagem exibe fotos e
sabores diferentes para que seja identificada como sendo para o homem ou para a
mulher.
Imagem 55 Itaipava Revista Playboy
(novembro de 2009)
“Ruffles é do seu jeito” foi fabricado a partir de pesquisa de mercado, na qual
procurou se identificar qual sabor era mais adequado à mulher e ao homem. As
meninas foram representadas pelo símbolo de Vênus, simbolizando a feminilidade,
numa embalagem com figuras de menina, como borboletinhas e estrelinhas. Em
um fundo da cor Pink, a garota em pose feliz e angelical. O sabor do salgadinho é
mais suave e cremoso, com a adição de cream cheese na batata, lisa e delicada. Os
rapazes são identificados com o mbolo de Marte, masculinidade, e ícones como
bola e guitarra. A embalagem tem as cores marrom e laranja, que enfatizam o sabor
costelinha barbecue, mais picante e rústico. A batata é cortada mais grossa e com
mais ondas.
Em uma sociedade pós-moderna que consome o virtual e o tecnológico, um
produto se “renova” e lança versão repleta de ideais ultrapassados e clichês acerca
da diferença entre os gêneros.
A publicidade de televisão do produto é ainda mais polêmica, tentando fazer
um raio X do que se passa pela cabeça dos garotos e das garotas, com imagens
sensuais, que reforçam o senso comum da “liberdade” juvenil.
Embalagem Ruffles
Feminina.
Embalagem Ruffles
Masculina.
Símbolo
de marte
homem.
Símbolo
de vênus
mulher.
O sexo frágil e o sexo forte ainda são conceitos que diferenciam os gêneros.
Por mais que a mulher procure demonstrar seu lugar na sociedade, as novas
gerações têm que consumir um produto do seu jeito”, mas que, na verdade, reforça
mbolos e estereótipos do século passado.
Outras marcas repetem a façanha de especificar o gênero para ampliar a
identificação com o segmento de mercado correspondente. É o caso da marca
Albany. Com o posicionamento de mercado, um com a cara do homem e o outro
com o jeito da mulher”, a marca produz cosméticos com propriedades distintas para
cada gênero. A robustez do homem e a suavidade da mulher são dispostas na
embalagem e no aroma do produto. Ultrapassando a barreira das diferenças
genéticas e hormonais, a marca desenvolve propriedades específicas, e enfatiza, na
sua comunicação, como cada um se relaciona com os cosméticos. A publicidade da
marca demonstra o senso comum: mulheres consumistas versus homens práticos.
Imagem inicial do comercial de televisão.
Imagem 56 Ancio de revista página dupla da marca
Albany, publicado na Revista Cláudia, maio de 2007.
A representação da mulher fútil, que muito se preocupa com os ideais
estéticos, foge da proposta comparativa do produto, pois o consumo de cosméticos
pelo público masculino cresce a cada ano. Segundo pesquisa divulgada pelo
Ibope
26
, o homem contemporâneo gasta, com itens pessoais, cerca de 15% mais do
que as mulheres, em valor absoluto. Ou seja, por mais que as mulheres comprem
mais, os homens investem em produtos mais caros e com valor de marca agregado.
Os homens, por sua vez, estão não correndo em esteiras para diminuir a
velha barriguinha, como também no consumo. Enquanto eles compram mais
produtos femininos, elas decidem o consumo de bens antes masculinos.
Os conteúdos da divisão dos gêneros variam de uma cultura
a outra, mas os processos de diferenciação e segregação sexual são
universais. Ainda que nossas sociedades denunciem agora os
estereótipos dos gêneros e as distinções não igualitárias entre os
sexos, é ingênuo crer que possam escapar à construção das
categorias de sexo assim como à edificação correlativa dos
estereótipos sexuais. (LIPOVETSKY, 2000, p. 196)
26
Pesquisa citada em matéria publicada no site http://www.
cosmeticaemfoco.com.br/2007/10/homem-moderno.html. Acessado em 27 de julho de 2009, às
14h45min.
Imagem 57 Anúncio de revista página dupla da marca
Albany, publicado na Revista Cláudia, fevereiro de 2008.
Lipovetsky (2000) quer dizer nesta citação é que as diferenças entre os
gêneros continuaram a formar seus estereótipos, porém, como ele mesmo aborda
em sua obra, a sociedade se moderniza e novas imagens do homem e da mulher
surgem, adaptando seus papéis às características ditas naturais. Os homens são
fortes, robustos e sticos, porém, a cada dia se tornam mais vaidosos, cuidando da
estética.
O próprio homem está sofrendo da síndrome de ser um novo homem”. Não
só a mulher é múltipla e tem várias representações imagéticas, mas o homem
tamm sofre a influência pós-moderna da multiplicidade. Enquanto algumas
marcas insistem em apenas exibir o machão robusto, outras mostram um homem
imbuído de traços femininos. Além da imagem masculina de avental, auxiliando a
mulher no cuidado com os filhos, eles também aparecem com semblantes mais
andrógenos, para vender produtos antes exclusivos das mulheres. A propaganda de
Vichy - linha masculina - apresenta produtos para o cuidado da pele do homem,
naturalmente mais oleosa, portanto, diferente da pele da mulher. O título questiona:
por que o homem não pode cuidar da pele como a mulher? O anúncio de Paco
Rabanne, veiculado na Playboy, apresenta um homem dito pelo senso comum como
“playboy”. Rico, bem-vestido e que usa produtos de luxo, gastando seus “ouros” em
Imagem 58 Anúncio de Vichy
Homme (Revista Cláudia
outubro/2009)
Imagem 59 Anúncio de Paco
Rabanne (Revista Playboy
novembro/2009)
cassinos e clubes noturnos. Porém, esse símbolo masculino dos anos 50 e 60, o
playboy, é representado por um modelo que em nada se assemelha aos antigos
“garanhões”. Ele tem a pele clara e fina, os cabelos estão penteados de forma a
deixar a franja bem aparente e seu corpo tem porte mais franzino. Diferente do
homem de Vichy que, apesar de vender cosméticos, tem traços fortes e másculos.
Ambos os anúncios demonstram que os homens estão procurando se cuidar e
participar efetivamente da realidade da mulher. Lipovetsky (2000) comenta o
momento. Apesar de discorrer sobre dados relativamente antigos, de 1995,
demonstra ser significativa a mudança desse segmento de consumo:
A evolução do consumo de cosméticos ilustra igualmente o
processo pós-moderno de reabilitação da aparência masculina. Em
1965, os produtos masculinos de perfumaria e de toalete
representavam 5,7% do faturamento total de negócios do setor de
cosméticos; 30 anos mais tarde, sua participação se eleva a mais de
10%. As loções e águas de toalete representavam 10% das vendas
globais da perfumaria alcoólica em 1965 e mais de 30% em 1995. De
266 milhões de francos em 1973, o faturamento da indústria de
cosméticos masculinos passou para 3 bilhões de francos em 1995.
(LIPOVETSKY, 2000, p. 189)
A análise de Lipovetsky se aplica no caso brasileiro. Pesquisa do Ibope
Mídia
27
constatou os comportamentos e os bitos do homem do culo XXI. Foram
pesquisados homens das classes A, B, C, D e E, de 12 a 64 anos, em 11 capitais
brasileiras. Dentre as principais conclusões está a de que o dia a dia da família é
considerado importante para o “novo homem, e que ele procura o cuidado com a
aparência. Mas se por um lado muitos homens m atitudes igualitárias, realizando
atividades domésticas (70%), por outro lado ainda mantêm atitudes machistas:
"lugar de mulher é dentro de casa" (21%). Mas, no geral, os homens afirmam
participar ativamente da educação dos filhos e declaram que, se possível, deixariam
de trabalhar para dedicar-se exclusivamente à família. Acabam caindo em
contradição quando declaram que aproveitam quando surgem novas oportunidades
de trabalho e 52% afirmam que estão dispostos a sacrificar o tempo com a família
para progredir profissionalmente.
27
Pesquisa divulgada em matéria no site http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=27699. Acessado
em 13 de outubro de 2007, às 13h. Pode ser vista na íntegra no site
http://mktmidia.ibope.com.br/novo_homem/index.html, acessado em 14 de fevereiro de 2010, às 22h.
No Brasil, 47% dos pais que trabalham dizem ter dificuldade em conciliar
trabalho, paternidade e casamento. Mais da metade dos pais concorda que são
capazes de cuidar da casa e dos filhos sozinhos. O “novo homemé companheiro e
afirma que sua parceira pode contar com ele em qualquer situação (93%). Com
relação à carreira, para 57% dos homens que trabalham, o dinheiro é a melhor
medida do sucesso.
Apesar da ascensão profissional feminina, 57% dos cargos de direção e
gerência são ocupados por homens. Enquanto metade do público feminino concorda
que ambos os sexos têm as mesmas oportunidades profissionais, mais de 80% dos
homens partilham essa opinião. O novo homem considera-se preparado para lidar
com mulheres mais bem-sucedidas do que ele.
A pesquisa indica ainda que mesmo sendo independentes financeiramente,
61% dos homens preferem morar com os pais, e o interesse pela cozinha ganhou
importância. Fazem compras no mercado (60%) e executam tarefas domésticas
(70%). O novo homem faz sozinho algumas compras da casa, mas o dispensa a
opinião feminina. Eles planejam mais as compras do que as mulheres e são fiéis às
marcas que gostam.
São cautelosos, mas o preço não é fator determinante, pois valorizam
produtos de qualidade e preferem marcas refinadas. Os homens vão menos às
compras, porém, quando vão, gastam mais. A média de gasto mensal com cartão de
crédito é de R$ 482. Costumam gastar em compras pessoais cerca de 15% mais do
que as mulheres.
Segundo o estudo, o homem procura manter alimentação saudável. No
geral, eles estão muito satisfeitos com a aparência, consideram importante manter-
se jovens, e a maioria pagaria qualquer preço pela sua saúde. Apesar disso, um
terço é fumante regular, principalmente os solteiros, e 56% afirmam usar algum
produto para cabelo, corpo ou rosto, e 23% estão dispostos a fazer cirurgia plástica.
Com relação à mídia radiofônica, os homens preferem programas esportivos
e noticiários. Nos jornais, os temas mais procurados pelos casados são esportes,
automóveis, construção e imóveis, enquanto os solteiros leem páginas de
entretenimento, informática e turismo.
Alguns fatores, na pesquisa, reforçam o estereótipo do homem robusto, que
ainda quer a mulher na cozinha, e associa seu poder à conta bancária. O trabalho,
para ele, é orgulho, e quanto maior a posição que ocupa, mais prazer sente.
A pesquisa também afirma que os homens pedem dicas às mulheres do que
consumir. Sobre isso, outro fato interessante nas peças mostradas anteriormente.
O anúncio de Vichy foi publicado na revista Cláudia. O objetivo, talvez, seja fazer
com que as mulheres estimulem os homens a usar mais produtos de beleza. Pois o
anúncio também foi veiculado em revistas masculinas. Por que veiculá-lo em revista
feminina?, é questão a ser refletida, mas quase impossível de ser respondida sem
se saber a real estratégia da marca. Mas as mudanças de padrão no
comportamento de consumo masculino foram, em parte, causadas pela mulher.
Baudrillard (1982) defende que o processo de consumo se por meio da
tentativa do indivíduo em ser aceito dentro do grupo de convívio. Pelas motivações
profundas e dos modelos culturais, o indivíduo tenta "vencer" necessidades, que
visam mais aos valores e à satisfação do poder de ter determinado produto do que
aos benefícios que ele traz. Homens e mulheres o procuram para, pelo consumo,
marcar identidades.
Estereótipos ainda ditam o que eles e elas devem consumir. Um exemplo de
ainda haver antigas representações é a estratégia de marketing para vender os
boxes de DVD da temporada da série Desperate Housewives, ao associar o
produto midiático a um avental como brinde:
A iniciativa reflete a falta de projetos sociais que buscam um caráter
modificador da estrutura social e de percepção da mulher, a fim de que os
estereótipos arraigados sejam esquecidos. Como citado anteriormente, alguns
projetos estão sendo criados, embora engajados em iniciativas corporativas e
empresariais. Com relação à imagem da mulher na mídia, alguns projetos
paralelos, mas que não recebem incentivo maior da iniciativa pública, como na
Europa, por exemplo. O Parlamento europeu votou, em setembro de 2008, a favor
de relatório que defende menos estereótipos sexistas na publicidade
28
. O
texto indica o quanto o marketing afeta a relação de igualdade entre homens e
mulheres ao “perpetuar estereótipos”. O projeto foi iniciativa do Comitê pelos Direitos
das Mulheres, e, embora não seja obrigação legal, a União Europeia enviará
recomendações aos governos dos países membros para reforçar o monitoramento
do uso de nudez e estereótipos de gênero em campanhas publicitárias. No Brasil
algumas leis em processo de aprovação, mas inexiste consenso no meio publicitário,
empresas e sociedade em relação à utilização do corpo da mulher na mídia. Pelo
contrário, segundo Touraine (2007), parcela crescente da publicidade recorre ao
tema da mulher “liberada” para seduzir e agradar.
O fato é que elas detêm, hoje, 80% das decisões de compra
29
, e estão
sempre à frente das novas tecnologias e lançamentos de produtos. Por isso,
grandes marcas foram forçadas a reavaliar a comunicação e as estratégias de
marketing feitas para esse segmento de público.
Aliás, se o assunto o compras, o poder é das mulheres.
Para dimensionar o tamanho desse poderio econômico, basta
lembrar que as mulheres no Brasil possuem 46% dos cartões de
crédito, escolhem 95% das marcas de alimentos e quase 100% dos
produtos de limpeza para a casa. Estudo realizado pelo Grupo NPD
em 51 mil lares norte-americanos, e divulgado pela Reuters em
janeiro de 2006, mostra que são as mulheres que tomam a maior
parte das decisões sobre as compras e o lazer da falia. (MELO E
SANEMATSU, 2006, p.77).
Sobre essa reavaliação da comunicação, a agência Leo Burnett, presente em
vários países, também no Brasil, desenvolveu pesquisa denominada Miss
Understood, em 2004. A publicitária Marlene Bregman, diretora de planejamento da
Leo Burnett no Brasil, concedeu entrevista à revista Cláudia
30
e abordou alguns dos
resultados obtidos na pesquisa. O estudo foi desenvolvido em sete países (Brasil,
México, Estados Unidos, Japão, China, Índia e Inglaterra); 180 mulheres foram
entrevistadas, classes A e B, de 16 a 40 anos de idade. Eles levantaram cinco áreas
referentes à mudança de percepção feminina: autenticidade, humor, emoção, sexo e
28
Segundo matéria publicada no site http://ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=34273. Acesso em 5
de setembro de 2008, às 17h.
31
Dado levantado em pesquisa realizada em 2004, com o título de Miss Understood.
30
In: Cláudia entrevista a publicitária Marlene Bregman. Revista Cláudia. Janeiro de 2005, p. 42-45.
dinheiro. Baseada nisso, a equipe da Leo Burnett propôs cinco atitudes para uma
boa comunicação com as mulheres:
1) Ser verdadeiro. Mulher não gosta de enrolação”. Para conquistá-las ouse,
use poesia, pode até usar o exagero, só não pode ser falso, ou soar como mentira;
2) Uso do humor. Mulheres adoram rir, inclusive de si mesmas;
3) Emoção deve ser um recurso usado, mas sem tornar a peça publicitária
piegas;
4) Sexo vende, mas é preciso ter limites e não ser vulgar;
5) A mulher nunca teve tanto dinheiro como hoje em dia, e ela gosta de ser
colocada numa posição de poder.
Apesar de a agência ter tido boa ideia ao estudar o atual comportamento das
mulheres, ainda existe no mercado publicitário grande dúvida sobre como falar com
essas mulheres. Grande parte da cultura feminina consumista vem da necessidade
da mulher se firmar e mostrar que tem o poder de decisão e a liberdade de escolha
nas mãos. Bauman (2008) afirma que os mercados de consumo se concentram na
desvalorização imediata de suas ofertas, fabricando produtos que geram certa
insatisfação, realçando contínuos desejos e necessidades nunca supridas
completamente.
Consumo, gênero e propaganda, tríade que ainda deixa transparecer
problemas ao identificar a relação que sempre estará em “guerra”, mantendo a
individualização e o caráter separatista da pós-modernidade, favorecendo a
segmentação de mercado e a geração de infinitas compras. Porém, um dos pontos
abordados da pesquisa Miss Understood vem obtendo sucesso em ambos os
gêneros: o humor. O caráter apaziguador do humor, ressaltado por Freud,
conseguiria minimizar os efeitos dessa “guerra dos sexos”? É o que será abordado
no capítulo seguinte.
3. As Havaianas, as mulheres e o humor.
“A descrença pós-moderna, o neonihilismo
que ganha corpo, não é nem ateu nem
mortífero, mas doravante humorístico.”
(Gilles Lipovetsky)
“[...] se um assunto como o riso não admite
a fantasia, onde iremos procurá-la?”
(Georges Minois)
As marcas estabelecem com seu público um elo, uma relão firme e fiel.
Penetram suas mentes para que, quando estiverem no ponto de venda, se lembrem
qual produto devem levar. Não importa o caminho que as transportam para o
inconsciente do consumidor, o essencial é despertar o que de mais estreito entre
os sonhos e o que as marcas oferecem.
Nabholz e Barros (1996) afirmam que penetrar no mundo de expectativas dos
consumidores é o grande desafio da propaganda. Dentre as rias portas de
acesso, ressaltam: razão, emoção, humor e sonho. O objetivo é projetar imagem
favorável, que por mais inatingível que pareça, seja possível de se tocar, mesmo
pela tela da televisão ou do papel da revista. “Poderíamos sugerir que a busca do
Paraíso Perdido, espaço de felicidade eterna, é o arquétipo básico da propaganda,
seu motor, sua motivação mais intrínseca”. (NABHOLZ E BARROS, 1996, p. 156)
A felicidade “líquida” e “efêmera” do consumo parece ter sido re-descoberta,
ultimamente, pela propaganda. Os meios de comunicação ecoam alegria, satisfação,
“bem estar bem
31
”, viver melhor, discursos empregados para tornar o produto a
solução ideal à vida estressante e sacrificada”. Nos exemplos a seguir, a utilização
dessas expressões:
31
Slogan da marca Natura.
Os anúncios pregam que a mulher, pelo consumo, amplia os momentos de
felicidade e satisfação. Reforça-se o estigma da “compradora desmedida”, e
transmite-se o ideal da fórmula da alegria.
Embora baseados em pesquisas que „supostamente‟
mapeiam os desejos dos consumidores, menos do que descrever a
„realidade‟, além da marca/logo, os chamados às identificações na
publicidade brasileira parecem mais um projeto que informa ao
consumidor quem ele é. As justaposições às marcas/logos „vendem‟,
além dos produtos, formas de alcançar afelicidade‟ e, no geral,
remetem ao assujeitamento a padrões socialmente aceitos. (BELELI,
2007, p. 24)
“Viver o lado positivo”, o belo, sem problemas e sem desgraças. A
propaganda elabora significados a partir dos já existentes, e promove valores que
interessam ao estímulo do perpétuo consumo. Valores plurais que ampliam o campo
que a publicidade atinge, relacionando determinado estilo de vida ao público,
segmentando a mensagem.
Imagem 58 Anúncio da
Capemisa Previdência (Revista
Cláudia Nov/2009) Título: “Nada
reflete mais felicidade do que
você mesma. Se a felicidade é
questão de momentos, amplie os
seus. Capemisa. As pessoas
seguras são mais felizes.”
Imagem 59 Anúncio de
hidratante Nivea Happy Time
(Revista Criativa Out/2009) Além
do fato de as modelos estarem
em um momento feliz e sorrindo,
o próprio nome do produto
remete à felicidade (Happy Time).
Esse processo relaciona-se inclusive à possibilidade
crescente de segmentação pelo consumo, fornecendo diferentes
estilos de vida através de produtos particulares para blicos que
podem se diferir em termos de valores, expectativas e identificações,
com símbolos usados nos anúncios. (BUARQUE DE ALMEIDA,
2003, p. 266)
Henri-Pierre Jeudy (2001) complementa, afirmando que essa é uma das
características da sociedade pós-moderna individualista, mas que ao mesmo tempo
se preocupa com a opinião alheia. A mídia ensina a serem positivos e pertencerem
àquele mundo mágico; quem ousar sair estará no vazio. É preciso saber se manter
popular para evitar a confusão mental! [...] O indivíduo está lá, face a um espelho
midiático que lhe confirma sua posição e suas aspirações.” (JEUDY, 2001, p. 49-50)
O indivíduo não só pertence à sociedade midiatizada e consumidora de
imagens, mas participa da nova forma de se entender a cotidianização atual, a
“sociedade humorística”. O termo é empregado por Lipovetsky em sua obra “A era
do vazio”, como também por Jeudy, Minois, Kupermann, entre outros estudiosos do
riso e da comunicação, que o utilizam quando categorizam o excesso de felicidade
empregado na mídia. Sociedade do fun e cool, na qual tudo tem que ser agradável,
belo e provocador de risadas, tornando a vida urbana pós-moderna algo mais leve.
A sociedade em que a felicidade de massa se converte em
valor cardial é inelutavelmente levada a produzir e a consumir a
grande escala de signos adaptados a este novo ethos, ou seja,
mensagens bem dispostas, felizes, capazes de proporcionar a todo o
momento, para a maioria, um prêmio de satisfação direta.
(LIPOVETSKY, 1983, p. 146)
Daniel Kupermann (2003), complementando Lipovetsky, categoriza a
sociedade como depressivo-humorística. Como se vivesse em bipolaridade diária,
entre querer e necessitar, satisfazer e alimentar, sempre desenvolvendo um
consumo baseado na busca de felicidade momentânea. Mas depois da satisfação
vem a culpa, sensação de desejo ainda não completo, o que acarreta a geração de
novas compras para completar o vazio.
Nada pode ser sério demais, por isso o humor vem dominando todos os
discursos, principalmente o midiático. Fuga da dura realidade que circunda o
indivíduo. “O humor pós-moderno é, assim, uma espécie de lubrificante social. [...] é
sobretudo cínico.” (KUPERMANN, 2003, p. 16-17) Os filmes de terror apresentam
vilões irônicos e sádicos. Os heróis o são mais os grandes vencedores, mas há
neles características ditas dos seres normais. Nos filmes “O homem de ferro” e
“Hancock”, os personagens centrais são super-heróis com antecedente de
alcoolismo, e bebem durante algumas cenas. Eles se tornam mais próximos, mais
divertidos, pois a sociedade humorística aprecia rir de si mesma. Lipovetsky (1983,
p. 146) comenta como se chegou a este momento social:
Se o código humorístico se impôs, (pegou) é porque
corresponde a novos valores, a novos gostos (e não somente aos
interesses de uma classe), a um novo tipo de individualidade que
aspira ao ócio e à descontração, alérgico à solenidade do sentido, ao
cabo de meio século de socialização via consumo.
O autor afirma que o caráter humorístico torna a sociedade mais democrática,
pois faz com que os homens sejam mais iguais entre si. Não o herói inatingível,
todos somos heróis do dia a dia. “O humor pacifica as relações entre os seres,
desarma os motivos de fricção, conservando a exigência da originalidade individual.”
(LIPOVETSKY, 1983, p. 148)
Resgatam-se teorias abordadas no primeiro capítulo deste trabalho, quando
se tratou do caráter “suavizador” do humor, estudado por Freud. Apesar de
ocasionar certo anestesiamento à crítica social, nivelando os indivíduos a partir de
momentos nos quais se vivenciam o prazer, a alegria e a diversão, em detrimento da
informação analítica, o humor democratiza quando relativiza as figuras do sentido,
deixando aparecer fraquezas, desvendando a solidão, ou amplificando o código cool
e fun. “A dualidade pós-moderna reaparece aqui: o código privilegiado de
comunicação com o outro estabelece-se de modo humorístico, enquanto a relação
do indivíduo consigo próprio se baseia no trabalho e no esforço (terapias, regimes
etc.).” (LIPOVETSKY, 1983, p. 150)
A proposição do autor faz refletir como a sociedade humorística trabalha os
gêneros, pois o humor é democrático e acessível, sem diferenciações. Mas a
propaganda emprega esta característica do humor nas peças, ou apenas usa a
linguagem para reafirmar padrões e estereótipos antiquados? Nabholz e Barros
(1996) estavam certas quando afirmavam que o humor é uma das chaves para se
chegar aos consumidores, sem importar o gênero? Como o humor é ponto de união
que descontraí, retirando o peso, não poderia amenizar uma das mais antigas
guerras existentes, a “guerra dos sexos”?
3.1 A propaganda humorística e a “guerra dos sexos”
A propaganda se vale da persuasão para atingir seu maior objetivo, que é a
venda de um produto, marca, ideologia, informação etc. No momento em que busca
novas formas de trabalhar essa persuasão surge o humor como elemento que traz
mais leveza e ludicidade ao discurso argumentativo.
O fazer rir, aliando subversão e emoção, produz uma
comunicação menos rígida em que predomina a falta de solenidade e
a leveza do discurso, elementos indispensáveis ao efeito do prazer.
A ludicidade bem-posta, a celebração das superfícies, a futilidade do
sentido, tornam-se os ingredientes da fantasia, da originalidade, do
espetáculo, em detrimento da demonstração objetiva dos produtos.
(CASTRO, 2003, p. 137)
O mundo da fantasia, aliado ao desejo de consumo, torna o produto sedutor e
motivo de compra. Lipovetsky (1983) afirma que o código humorístico cerca de mais
realidade o produto, a partir da inverossimilhança e da irrealidade espetacular. Os
antigos discursos argumentativos e sérios são desarmados pelo não trágico, ou não
enfadonho. Rod Martin (2007) concorda e afirma que a importância do humor na
propaganda não está apenas em aumentar seu caráter persuasivo, mas suavizar
uma venda, que seria chata, com elementos de entretenimento. Porém, Lipovetsky
(1983) ainda ressalta que o humor o serve apenas como anestesiador,
demonstrando somente o caráter lúdico, mas que requer raciocínio:
Em contrapartida, o código humorístico e a distância que ele
produz entre o sujeito e a informação revelam-se correspondentes ao
funcionamento de um sistema que exige a atividade, ainda que
nima, dos indivíduos: não há, como efeito, humor que não requeira
uma parte da atividade psíquica do receptor. [...] com o código
humorístico, a publicidade apela para a cumplicidade espiritual dos
sujeitos, dirige-se a eles utilizando referências (culturais), alusões
mais ou menos discretas, pressupondo que se endereça a sujeitos
esclarecidos. (LIPOVETSKY, 1983, p. 141)
Realmente, peças publicitárias que pedem repertório do receptor. Como
neste exemplo:
O título do anúncio, “Para combinar com o sorriso do seu vizinho”, só é
entendido como piada se o receptor se lembrar da expressão popular “sorriso
amarelo”, isto é, sorriso sem graça, geralmente de pessoa invejosa. Ao ver que o
carro é amarelo, completa-se a intenção da mensagem. Porém, não é anúncio cil
de codificar, caso não haja repertório anterior.
Essa percepção do humor está estreitamente ligada ao nível do senso de
humor de quem recebe a mensagem. Como dito no primeiro capítulo da dissertação,
o humor tem diferentes possibilidades de leitura e diferentes tons de intensidade do
riso. A piada deve ser engraçada, mas nem sempre o riso ocorre na mesma medida,
em distintas histórias. Por isso, o uso desmedido é condenável, pois nem sempre
predisposição em relacionar sua marca favorita a uma piada. Não se deve, tamm,
fazer uso de piada agressiva quando a propaganda trata de produto que transmite
delicadeza. “[...] a eficácia do humor na publicidade depende dos objetivos que se
pretende alcançar, do público-alvo, do produto que está sendo anunciado, bem
como do tipo de humor que é utilizado.” [tradução nossa] (WEINBERGER&GULAS
apud MARTIN, 2007, p. 136)
Imagem 60 Anúncio da campanha de
lançamento do New Beatle, o novo
Fusca. Título: “Para combinar com o
sorriso do seu vizinho.”
Essa é uma das características do caráter social do riso. Rod Martin (2007)
observa a relação do humor com a psicologia social e afirma que alguns temas se
relacionam com ambos:
- percepção social;
- atração interpessoal;
- persuasão;
- atitudes e preconceitos;
- relacionamentos íntimos;
- gêneros (ambos os sexos).
Dentre estes pontos, iremos nos deter na ligação do humor com persuasão e
gêneros. No que se refere à persuasão, o autor relata uma série de pesquisas feitas
para averiguar se o humor interfere no caráter persuasivo da mensagem publicitária.
Concluiu:
- há poucas evidências de aumento da credibilidade da mensagem;
- evidências consideráveis de que o humor emociona o público e o coloca
em estado espiritual mais positivo;
- o humor faz com que as pessoas achem os produtos mais simpáticos;
- chama mais atenção para a mensagem;
- libera mais o estado emocional do que o cognitivo em relação à propaganda
observada.
O autor ainda ressalta questão relevante sobre o humor social: auxilia na
formação de comunidades. As piadas, gírias e apelidos engraçados unem as
pessoas em pequenos e coesos grupos. Constrói-se uma realidade privada
compartilhada entre seus integrantes, fortalecendo as relações. Até mesmo o som
de uma risada pode se tornar algo contagiante. O site francês http://hahahaha.fr/
trabalha essa perspectiva. O objetivo do site é despertar no internauta a vontade de
rir a partir de vários estilos de risadas dispostas ao toque de qualquer letra do
teclado, formando uma corrente do riso.
Talvez seja este um dos principais fatores relacionados à diferença de gênero
e à produção/recepção do riso. Os homens menosprezam as mulheres em suas
piadas para alcançar o sorriso de outro homem e sua identificação com o grupo por
meio daquele elo. Georges Minois (2003) comenta as teorias de Dupréel
32
sobre o
riso e afirma concordar com sua “distinção sexista”, a qual diz que a feminilidade
exclui o cômico. “Não mulheres-palhaças, não mulheres-bufas. [...] Mesmo
vestidas de homem, a mulher não é engraçada, ao passo que o homem vestido de
mulher faz rir. Só a mulher velha, justamente aquela que perdeu a feminilidade, pode
fazer rir.” (MINOIS, 2003, p.611)
As teorias que relacionam gênero e humor são controversas, pois após a
maior libertação das mulheres, com o feminismo, se mostraram também como
engraçadas. O fato é que, mesmo depois da década de 70, o número de mulheres
humoristas, no Brasil, ainda é irrisório, se comparado ao de homens. Eles ainda se
vestem de mulher para fazer rir, mas as mulheres não se consagraram nesta
posição. A humorista Dani Calabresa afirmou, em entrevista à revista Cláudia
33
, que,
muitas vezes quando é anunciada como a próxima comediante a entrar em cena as
pessoas demonstram decepção, uma das grandes dificuldades que encontra no
trabalho. Dani comentou que a minoria de mulheres comediantes se porque as
mulheres são mais vaidosas e têm medo de se expor ao ridículo. O fato é
confirmado por uma de suas colegas de profissão, Carol Zoccoli, entrevistada na
mesma matéria. Carol faz parte de um grupo de humoristas chamado “Humor de
salto alto”, formado apenas por mulheres, que abordam temas que dizem respeito
ao universo feminino, como celulite, homens etc. O que a humorista ressaltou
mostra uma possível avaliação do que foi dito: as mulheres se sentem mais à
vontade em fazer humor sobre seu cotidiano e com os temas que favorecem uma
maior identificação entre si. Mas o que elas m que combater, no mercado de
trabalho, são opiniões machistas, como a do colega Danilo Gentili, citado na mesma
reportagem: “O humor é uma habilidade que o homem desenvolve para conquistar a
mulher. Mulher não precisa disso. O homem pode até dizer que gosta de mulher
bem-humorada. Mas, no fundo, o que ele quer mesmo é que ela ria das piadas
dele!”
O curioso é que o ponto observado por Gentili é um dos mais abordados em
pesquisas que relacionam humor e gênero. Martin (2007) cita estudo de 2006, do
psicólogo Eric Bressler, da Universidade McMaster, no Canadá, com homens e
32
O sociólogo Eugéne Dupréel é autor de vários livros, inclusive “O problema sociológico do riso”
(1928), ao qual Geoges Minois faz referência.
33
GIL, M.A. Os novos reis do riso. Revista Cláudia, nº 12, ano 48, dezembro de 2009, p. 214-217.
mulheres de 17 a 25 anos. As mulheres preferiam homens que as faziam rir, pois
creditavam ao bom humor inteligência e disposição. E os homens gostavam de
mulheres que encaravam a vida com leveza e riam de suas piadas, mas que o
passavam o tempo todo produzindo humor.
Martin (2007) afirma que este ponto era mais difundido nas pesquisas feitas
antes do feminismo. A grande maioria ressaltava:
- os homens são mais propensos a fazer piada, e as mulheres a serem a
plateia;
- os homens apreciam mais do que as mulheres o humor grotesco, o erótico e
o agressivo;
- as mulheres preferem o humor sutil, inteligente e nonsense;
- os homens fazem mais piadas com o tema mulher do que o contrário.
As críticas atuais a esse tipo de estudo é que a visão sexista estereotipa um
tipo de mulher, a mais voltada ao seu lado privado. Porém, a mulher emancipada
lida melhor com seu lado sexual e aprecia piadas eróticas, contanto que não sejam
vulgares. O fato é que a maioria das piadas ridiculariza a mulher. Mas quando
produzida de forma a não inferiorizar o feminino, agradam a ambos os sexos. Outro
ponto observado pelo autor é que, ultimamente, os estudos tendem a observar o
humor mais naturalista, obtido de situações do cotidiano, não apenas se limitando às
piadas prontas. Nestes não foram observadas distinções entre os gêneros, apenas
notou-se propensão dos homens a apreciar mais o humor hostil, com maior
tendência às piadas “enlatadas” e prazer com as comédias “pastelão”. as
mulheres relatam o uso do humor anedótico, ou seja, o tirado de histórias
engraçadas sobre coisas que acontecem com elas mesmas ou pessoas próximas. A
humorista Carol Zoccoli abordou isso na fala citada anteriormente. A série
americana Sex in the city reforça o ponto, com enredo composto de situações
engraçadas da vida amorosa e íntima da personagem-narradora Carrie Bradshaw e
de suas fiéis amigas, o que acabou se tornando um sucesso entre as mulheres do
mundo inteiro.
Nos estudos, constata-se que a diferença não é abordada entre quem produz
ou recepciona o humor, mas no conteúdo. Enquanto as mulheres apreciam o humor
inteligente e intimista, os homens o mais preocupados com a sua
autoapresentação positiva, buscando impressionar os amigos, o chefe etc.
O humor e sua relação com os gêneros se encontram nas propagandas.
Usando estes princípios, os anúncios, em sua maioria, quando destinados à mulher,
visam seduzi-las, ao passo que quando empregados para os homens, evidenciam
clichês machistas e pontos de vista mais agressivos.
Imagem 61 Anúncio da Eletrolux que busca
seduzir a mulher, mostrando o duplo sentido, entre
encontrar uma lavadora forte e delicada, assim
como um marido. Título: Exatamente do jeito que
as mulheres gostam: forte quando elas precisam,
gentil quando elas querem.”
Imagem 62 Anúncio da academia Companhia Atlética,
cujo título reforça o estereótipo que as mulheres se
casam por interesse financeiro: “As mulheres não ligam
se a sua barriga encosta no volante do carro. (Se for
uma Ferrari)”
Mesmo que as teorias sexistas de produção/recepção dos gêneros sobre o
humor sejam retrógradas ou ultrapassadas, ainda são usadas em demasia na
propaganda. Talvez, resultado do delay natural que a publicidade sofre, ou de visões
estereotipadas de quem a produz. A própria mídia auxilia na manutenção desses
padrões, estimulando as diferenças e ressaltando teorias que de nada ajudam a
“guerra dos sexos”, como na capa da Veja:
As “outras diferenças” são abordadas como biológicas e comportamentais,
ressaltando os fatores como os mantenedores da distância que ainda deve existir
entre os gêneros. Embora homens e mulheres devam permanecer com as
idiossincrasias de seus sexos, a guerrilha não os levará a nenhuma evolução ou
modificação social positiva. Mas a mídia estampa o que deve ser do homem e da
mulher: mesmo suavizados pelo humor, observam-se padrões de estereótipos
formados.
Pela observação de vários anúncios publicados em revistas femininas e
masculinas, de 2008 a 2010, levantamos quesitos classificatórios de estereótipos
tematizados nos conteúdos das propagandas humorísticas que abordam a relação
entre os gêneros
34
, como:
A mulher sexo-forte:
34
Estas categorias não esgotam os estereótipos, nem os tipos de humor utilizados pela propaganda.
Apenas, quando estas são relacionadas a gênero o os mais comuns de se observar.
Imagem 63 Capa da revista
Veja de 3 de março de 2004.
É a mulher que se cuida e mantém relação saudável com os homens, embora
não seja sua prioridade se casar e ter filhos, mas se destacar no mercado de
trabalho. Ela é sedutora e deixa marcada sua personalidade por onde passa,
sabendo bem o que quer e o que deseja consumir. Alguns exemplos:
Imagem 64 Anúncio do absorvente Intimus Gel
veiculado na revista Nova de dezembro de 2008. O
texto reforça que a mulher enfrenta muita coisa no
seu dia a dia e, por isso, precisa usar um absorvente
como ela, que suporta tudo e muito mais.
Imagem 65 Anúncio da Electrolux, veiculado na revista Marie Claire de
janeiro de 2008. O texto insinua que a Electrolux sabe o que a mulher
quer e oferece o que deseja, como o fogão com duplo forno. O humor
es na metáfora entre o eletrodoméstico dos sonhos e o homem
perfeito: “Todo homem deveria ter detector de liquidação, emissor de
borboletas, ombros ultra-acolchoados e a exclusiva função adoro-sair-
para-dançar.” Neste caso, a mulher tem o poder de ditar como o homem
e o fogão devem ser para que ela seja agradada com isso.
Imagem 66 Anúncio para o portal itodas, veiculado na revista Uma de
fevereiro de 2008. O humor está na antítese presente no tulo:
“Algumas preferem uma relação curta. Outras, escova definitiva.” A
propaganda demonstra a “nova mulher”, que procura informação
sobre tudo, desde filhos, beleza, economia etc. Uma mulher atenta ao
seu mundo, que cuida de si e que tem desejos antagônicos.
As feministas castradoras:
Os homens são menosprezados e colocados como algo menor. Ora como
cafajestes, ora como bobos e desnecessários. Uma forma de diminuir a força da
figura masculina para a feminina se sobressair.
Imagem 67 Anúncio de Intimus Gel, veiculado
na revista Contigo de setembro de 2009. A
mulher representada por Intimus é dona de si.
Ela caminha sem olhar para trás, e parece não
se importar com os olhares bestificados dos
homens.
Imagem 68 Anúncio da revista Cláudia, veiculado na revista
Cláudia de março de 2009. O tulo: “Compras: um prazer que as
mulheres não precisam fingir” apresenta um humor irônico,
insinuando que elas fingem outros prazeres, como o sexual.
Neste caso, o homem é posto de lado, pois ele não consegue
realizar prazerosamente a mulher, como as compras conseguem.
Clichês machistas:
Normalmente, aparecem nas propagandas destinadas aos homens e
veiculadas em revistas masculinas. Reafirmam padrões de identidade
estereotipadas, mantendo a imagem da mulher como objeto sexual ou as
representando como interesseiras e consumistas. Prevalecem o poder e a visão do
homem como verdade.
Imagem 69 Anúncios da academia para mulheres
Contours Express. Em ambos os casos os homens são
diretamente atacados, inclusive fisicamente, caso não
sejam “exclusivos”.
Imagem 70 Anúncio do carro Punto da Fiat, veiculado na revista Trip de
dezembro de 2008. O título do anúncio apresenta a frase: “O Fiat Punto até
fala, e isso explica por que as mulheres vão querer tanto andar nele.” A
imagem apresenta um casal de fantoches, em que a figura feminina puxa a
masculina em direção ao carro. O fantoche foi usado para demonstrar que no
Punto é você quem está no comando. A intenção machista do anúncio é o
reforço textual que mostra a mulher seduzida por carros potentes e
tecnologia inovadora.
Humor agressivo:
Representa a guerra dos sexos de forma mais escancarada e pouco
amistosa. A figura feminina quase sempre é a mais atingida, normalmente com
Imagem 71 Anúncio do carro Sandero da Renault,
veiculado na revista Trip de agosto de 2009. O título do
anúncio é “A primeira coisa que as mulheres reparam
no corpo de um homem é dentro de que carro ele está.
Novo Sandero. Nunca um carro exerceu tanta atração.”
Assim como o exemplo anterior, este reforça a figura da
mulher apenas preocupada com o carro que o homem
tem e não o corpo do mesmo.
Imagem 72 Anúncio de Aspirina, veiculado na revista Playboy de
maio de 2009. O anúncio se apresenta no estilo All type, ou seja,
apenas há o elemento texto na sua concepção. Porém, este texto
discursa imageticamente, visto que entendemos a mensagem através
das setas, onde “Ex-mulher” simboliza a dor de cabeça que a Aspirina
cuida, e “Ex-mulher advogada” a que Cafiaspirina trata. A mulher,
neste caso, significa dor de cabeça para o homem, pois caso ela seja
uma boa advogada pode querer se vingar tirando muitos dos seus
bens.
clichês machistas ou críticas diretas. Diferentemente das peças “Clichês machistas”,
estas foram veiculadas, em sua maioria, em revistas voltadas ao público feminino.
Imagem 73 Anúncio do carro Agile da Chevrolet, veiculado na revista Marie Claire
de novembro de 2009. O título da peça é “Você superou a crise do México, a crise
asiática, a crise da Rússia. Agora a gente vai ajudar você a superar a crise dos 30.”
As mulheres, geralmente, o vaidosas e não gostam de aparentar a real idade.
Não à toa vários cremes e tratamentos anti-idade no mercado. A peça brinca,
exatamente, com um dos pontos mais delicados, numa revista cujo público-alvo é
a mulher adulta acima dos 30 anos, como se ela, por ter essa idade, estivesse
passando por uma crise existencial. Isto torna o humor mais agressivo e pouco
atraente para elas.
Imagem 74 Anúncio da lingerie Liz, veiculado na revista Nova de fevereiro de
2008. O anúncio, apesar de não usar texto, fala com a imagem. A peça mostra
como os novos sutiãs Liz levantam os seios, e, para isto, mostra a antiga marca
de biquíni da modelo, cujos seios deveriam ser bem caídos. Apesar de estar
vendendo um apelo forte às mulheres vaidosas que querem levantar mais os
seios, ele agride com a “brincadeira” ao generalizar que as mulheres têm os
seios caídos. A propaganda sugere que seios caídos não são bem aceitos em
qualquer mulher, independente de que idade tenha.
Estas classificações foram criadas para observar melhor como o humor se
relaciona com os gêneros. Obviamente, há anúncios que ultrapassam a essas
categorias. Outro aspecto é que os adjetivos “agressivo” e “machista”, ressaltados
nas classificações, indicam categorizações figurativa e subjetiva, a partir de análise
comparativa entre as peças. A análise proposta dos anúncios é de caráter
identificador dos elementos das categorias, e o se trata de uma análise
aprofundada.
O humor, portanto, é utilizado de forma a determinar o que é ou não aceito
entre os gêneros e, em alguns momentos, se torna agressivo. O que se constata nas
peças classificadas como “humor agressivo”, “clichês machistas” e “feminismo
castrador”. Porém, não devemos esquecer que as peças “feminismo castrador” e
“clichês machistas” são dispostas para o público correspondente, com o objetivo de
elevar seu ego narcisista. Apenas as pertencentes ao “humor agressivo” são
Imagem 75 Anúncio sequencial da lingerie Lupo, formado por 3ginas em
sequência. O anúncio apesar de usar pouco texto, apresenta uma metáfora visual,
relacionando o tamanho dos seios das mulheres com frutas. Na última página o
título: “Lingeries Lupo. Perfeito para todas as mulheres.” O humor está no uso da
metáfora, pois um senso popular em comparar os seios das mulheres a frutas.
O que o torna agressivo é o uso deste clichê criado pelos homens, como se as
mulheres fossem classificadas pelo tamanho do seu seio, e ainda, comparada essa
parte do corpo a uma fruta. Não há essas “brincadeiras” em relação aos homens.
utilizadas com o objetivo de transformar um elemento negativo em algo risível, para
o próprio público. Ou seja, fazer “brincadeira com a cara” do consumidor do produto.
Algo mais arriscado, pois os receptores podem rejeitar a mensagem e não captar o
caráter suavizador do humor.
Estas categorias irão nos auxiliar na análise dos anúncios da marca
Havaianas direcionadas ao público feminino.
3.2. Havaianas e o humor para as mulheres
A empresa São Paulo Alpargatas S.A. foi fundada em 1907, em São Paulo. O
objetivo inicial da empresa era produzir no Brasil um calçado de origem espanhola
chamado alpargata: estrutura de lona grossa e solado de cânhamo. Foi considerado
na época um dos calçados mais baratos do país. A empresa, de início, teve bom
crescimento, mas passou por momentos difíceis durante as décadas de 30 e 40.
Nos anos 50, a empresa diversificou suas linhas de produtos, aproveitando as
oportunidades do momento e, em 1962, foram lançadas as sandálias Havaianas,
com design inspirado no modelo de uma sandália japonesa, conhecida como Zori
35
,
composta por um fino solado de palha e tiras de tecido. Para a adaptação do modelo
japonês ao mercado brasileiro utilizaram como matéria-prima a borracha natural e
sintética. Embora o design das sandálias Havaianas fosse de origem oriental, seu
nome foi inspirado no Havaí, nome ideal para um produto adequado ao uso em
países de clima quente, evitando o excesso de transpiração.
Os concorrentes tentavam copiar as sandálias, mas não conseguiam obter
uma boa imitação. Para combater as cópias, a agência de publicidade JW
Thompson, que detinha a conta da marca na época, criou os slogans: “As únicas
que não deformam, não m cheiro e não soltam as tiras” e Legítimas,
Havaianas, anunciados por muitos anos na televisão pelo humorista Chico Anysio.
Entretanto, em 1988, com o avanço dos concorrentes, a empresa teve forte
queda nas vendas (de 88 milhões de pares para 65 milhões). Além disso, a empresa
manteve por 32 anos o mesmo produto, sem nenhuma inovação, e concorrentes
como os chinelos Rider, da empresa Grendene, cresciam no mercado, diversificando
os tipos oferecidos. O volume e a rentabilidade das sandálias Havaianas iniciaram
um processo cíclico de declínio: o foco em redução de custos para aumento da
35
Ver Anexo, figura 2 e 3.
rentabilidade fez com que o preço do produto fosse seu único diferencial no
mercado, e seu uso acabou restrito às classes de menor poder aquisitivo. As
pesquisas indicavam que a imagem das sandálias Havaianas era de um produto
bom, confiável, porém associado a um atestado de pobreza, sem apelo de charme e
glamour
36
.
Em 1994, a Alpargatas definiu estratégia para reposicionar as Havaianas. Em
decorrência da queda das vendas e de imagem negativa sobre o produto, percebeu-
se que, além das classes D e E, alguns formadores de opinião pertencentes à classe
A usavam as sandálias. A estratégia, então, seria reposicionar a marca, exigindo
investimento em novo produto, nova embalagem, distribuição, comunicação e
alteração no preço. A estratégia de revitalização da marca teve seu início com o
lançamento do produto chamado Havaianas Top e mudança de agência, que até
hoje cuida da sua comunicação, a Almap/BBDO. O modelo Top era monocromático
e foi criado porque alguns consumidores viravam a sola do produto para ficar com
uma única cor. Logo, surgiram novas linhas como as Havaianas Fashion, Surf, Kids,
Brasil, entre outras. Hoje, a marca possui cerca de 40 modelos
37
.
As mudanças no produto não foram apenas na diversificação do modelo
tradicional de Havaianas. Foi criado, de fato, um novo produto, que se diferenciava
das sandálias anos no mercado. Com tiras e solados monocromáticos, houve
aumento de 30% na espessura da sola, tornando o novo produto mais confortável,
além de ter o nome da marca gravado na tira.
Mudaram as sandálias, as embalagens, os pontos de venda, e as Havaianas
começaram a fazer sucesso no mundo da moda nacional e internacional. O produto
passou a ter preço mais alto: hoje varia de R$ 5 a R$ 35, dependendo do modelo,
chegando a ter sandálias até mesmo com tiras cravejadas de pedras
semipreciosas
38
.
Com a nova agência de publicidade, a estratégia de comunicação foi alterada.
Deixou-se de falar das qualidades do produto e resolveu-se mostrar quem o usa,
atrelando credibilidade e qualidade ao produto, trazendo mensagens lúdicas e
menos funcionais, tornando a compra mais impulsiva. As propagandas são feitas em
forma de testemunhal, por celebridades de diversas áreas. A característica principal
36
Este breve resumo foi retirado de material enviado pela assessoria de imprensa das Havaianas.
Ver Anexo, figura 4.
37
Ver Anexo, figura 5.
38
Ver Anexo, figura 6.
da comunicação era que todos os testemunhais parecessem verdadeiros. As
pessoas apareciam usando Havaianas no seu dia a dia, na vida real. Além disso, a
comunicação era feita com humor, doses de irreverência e certa sensualidade.
Sempre houve a preocupação em valorizar as coisas do Brasil, utilizando praias
como cenário e cores vivas por meio da comunicação da marca. As propagandas de
Havaianas tentam enfatizar características nacionais e reforçam as identidades da
cultura brasileira. Por isso, o humor é uma das linguagens que mais aparecem nas
campanhas. A sociedade brasileira, historicamente, vivencia o riso.
Outro passo importante foi a volta à mídia impressa, o que não acontecia
desde a década de 60. No entanto, o retorno à revista teve foco apenas no produto.
Houve cuidado em não mostrar o produto em situação de uso, o foco era mostrar as
linhas de sandálias, destacando-as como objeto de desejo, enquanto na televisão o
foco eram as pessoas que as utilizavam em diversas situações.
Dentre estas propagandas de mídia impressa da marca escolhemos para
analisar algumas peças voltadas ao público feminino, de 2000 a 2010, dos modelos
high, flash, slim e fit. Estas serão estudadas a fim de se perceber como o humor se
inseriu em seu discurso, e qual a recepção das mulheres em relação às mesmas.
Segue-se a proposta de J.B. Thompson (2000) a partir dos três aspectos que devem
ser considerados na análise dos meios de comunicação: em primeiro lugar, as
observações acerca das circunstâncias cio-históricas (mencionadas nos capítulos
anteriores); em segundo, a construção do discurso, ou seja, os elementos
discursivos; e, em terceiro, os efeitos da recepção.
3.2.1. Análise do discurso
Os estudiosos do humor classificam as situações e as piadas determinando o
que faz ou não rir, nas mais diversas formas de se fazer rir, desde o palhaço,
passando pelos humoristas, incluindo algumas peças publicitárias. Serão citadas
algumas classificações para, posteriormente, verificar se são encontramos no
discurso publicitário dos anúncios das Havaianas.
Os autores modificam a nomenclatura das classes do riso, porém quase todos
separam as estruturas da mesma forma, alterando apenas, em alguns momentos, o
objeto de análise.
Propp (1992) divide os fatores que revelam possibilidades de comicidade:
- a natureza física do homem: quando o foco muda para uma característica
deformadora ou predominante no corpo do homem. Ex: o gorducho barrigudo.
- a comicidade da semelhança: quando as igualdades são inesperadas ou
ficam se repetindo. Ex: o palhaço começa a repetir tudo o que uma pessoa diz
(como um papagaio) para tirar risadas da plateia.
- a comicidade das diferenças: os pontos de distinção são visíveis e gritantes,
como nas deformidades. Ex: um estrangeiro tentando se comunicar com os nativos,
mas ninguém se entende.
- o homem com aparência de animal: o homem é comparado a animais e/ou
coisas. Ex: uso de prosopopeias, tanto no que discerne ao homem coisificado como
na coisa humanizada.
- ridicularização das profissões: traços característicos comuns a profissões
são satirizados e/ou modificados para ficar ridículos.
- paródia: imitação exagerada das peculiaridades individuais. Ex: o travesti
não deixa de ser a paródia de uma mulher.
- exagero-cômico: traço característico da caricatura. O traço da pessoa é
exagerado, gerando o cômico.
- malogro da vontade: quando o personagem procura que as coisas deem
certo, mas só dão errado.
- fazer alguém de bobo: existência de um personagem que é sempre feito de
bobo. No humor é chamado de “escada”. É o que sempre leva a torta na cara.
- alogismos: humor nonsense, absurdo, ilógico e insensato. Ex: referência
desse tipo de humor é o grupo Monty Phyton, citado neste trabalho.
- mentira: procura-se enganar o interlocutor ou zomba-se dele.
- quiproquó: significa “um pelo outro”, ou seja, um personagem pode estar no
lugar do outro, gerando confusão. Recurso muito utilizado pelo teatro clássico, por
meio de máscaras e disfarces.
Os mesmos quesitos são verificados, com algumas diferenças, em Bergson e
em autores que tentaram classificar as diversas possibilidades do riso. Esses
estudos se localizam em um momento que o humor estava em maior presença na
literatura e no teatro, sem diversificações discursivas ou atualizações no modo de se
fazer humor. Porém, várias dessas formas de comicidades estão presentes até hoje.
A mesma concordância teórica é observada quando eles incitam o humor e a
linguagem. Propp (1992) afirmava que alguns instrumentos linguísticos eram
responsáveis pelo riso, como trocadilhos, paradoxos, tiradas e ironia. Para Jeudy
(2001), o humor surge da quebra de expectativa, da reversão do sentido e do efeito
de sentido pelo uso do argumento por meio da lógica (ou seja, da ironia). Freud
(1905), em sua obra dedicada ao estudo dos chistes, afirma que as fontes de
mecanismo das piadas são os jogos lúdicos; os gracejos (trocadilhos/nonsense) e
chistes obscenos (advindos dos impulsos sexuais). A teoria dos mecanismos
tamm é abordada por Bergson (2007). Para ele, o cômico é revelado pela
repetição (aliteração), inversão (antítese) e interferências das séries (duplo
sentido/quiproquó).
Sírio Possenti (1998) amplia as teorias sobre o mecanismo do humor e as
estende em divisões pela linguagem, como fonologia (aliteração); morfologia das
palavras; repertório léxico (ambiguidade/duplo sentido); dêixis (quando o sujeito da
enunciação é o ponto principal); sintaxe; pressuposições; inferência (o enunciatário
deve ter conhecimentos prévios para entender a piada); variações linguísticas
(gírias/sotaques); tradução de palavras feita de forma errada, ou apenas pela leitura,
como se fosse na língua local (Ex: un cannibal cest une personne qui va au
restaurant et commande... un garçon). A tradução normal seria commande =
pede/chama, porém, para alguém que não conhece a língua e a frase como se
fosse português pode traduzir commande por comer o garçon. O que daria um outro
sentido e o tom do humor apareceria).
Bergson (2007) afirma que estas possibilidades de relação do humor com a
linguagem é resultando de uma maior flexibilidade da forma como se obtêm os
discursos e de como podem ser lidos. Se a linguagem fosse algo imutável, em que
as palavras tivessem apenas um único sentido literal, não haveria a possibilidade de
se obter um duplo sentido de uma expressão, por exemplo.
Pelas possibilidades de se implementar uma linguagem humorística, vários
tipos de discurso se apropriam, inclusive a propaganda. É uma forma de se trazer
ludicidade e leveza. É “vender”, mas sem ter que ser extremamente “vendedor”,
como resume Adilson Citelli (1999):
Consideremos que esta seria a forma mais aberta e
„democrática‟ de discurso. Residiria aqui um menor grau de
persuasão, tendendo, em alguns casos, ao quase desaparecimento
do imperativo e da verdade única e acabada. Lúdico significa jogo.
Seria, pois, um tipo discursivo marcado pelo jogo de interlocuções.
Vale dizer, o movimento dialógico eu-tu-eu se dinamiza e passa a
conviver com signos mais abertos: menos verdade de um, logo,
menos desejo de convencer. Nesse caso, o signo ganha uma
dimensão múltipla, plural, de forte polissemia: os sentidos se
estilhaçam, expondo as riquezas de novos sentidos. Os signos se
abrem e revelam a poesia da descoberta; a aventura dos significados
passa a ter o sabor do encontro de outros significados. (CITELLI,
1999, p. 38)
No humor o prevalece a transmissão do convencimento, por isso talvez
seja menos persuasivo. Entreter se eleva ao vender e argumentar. E as marcas que
escolhem este tipo de linguagem acabam passando estes valores para sua
identidade.
Portanto, para analisar as peças de Havaianas propostas neste estudo, será
utilizado o percurso de geração de sentido de um texto, citado por Orlandi (2001, p.
57):
a) análise de palavras;
b) análise de construções;
c) construção de uma rede semântica, intermediária entre o social e o
gramatical;
d) consideração da produção social do texto como constitutiva de seu
sentido.
Esta divisão será adaptada para que possamos compreender o discurso
publicitário e suas propriedades. Primeiramente, será ressaltada uma visão
denotativa e conotativa dos anúncios, para posteriormente compreender essas
categorias, não abordando o texto em si como a imagem utilizada,
complementando a geração de sentido das peças. Por último, será abordado o
humor, remetendo as teorias e definições citadas anteriormente. A ordem que está
disposta abaixo foi a mesma da demonstração dos anúncios às mulheres, portanto,
quando houver, no estudo de recepção, uma referência às peças a numeração se
esta abaixo.
1) Anúncio das Havaianas Flash, veiculado na revista Cláudia de setembro
de 2004.
Observando o anúncio, no sentido denotativo, a partir de uma percepção
primária, visualizam-se um com estampas coloridas calçado com sandálias
Havaianas Flash branca e um círculo laranja, no qual se encontra a parte textual da
propaganda.
Como título: “Se você está vestindo estampa, vai bem com estampa. Se você
está vestindo algo liso, vai bem com algo liso. Se você não está vestindo nada,
espere que já estou indo pra aí.” A palavra “estampa”, empregada no título, remete à
imagem, pois o que calça as Havaianas representa metáfora hiperbólica de
tecido estampado. É como se o pé da modelo estivesse “vestido de moda” por calçar
Havaianas. Isto faz compreender que as cores que compõem a estampa devem ser
as da moda contemporânea ao anúncio. Ele tamm configura uma metonímia, visto
ser uma parte do corpo da mulher que não se vê.
A peça remete diretamente à sedução. A mulher estará na moda combinando
as Havaianas com o que estiver vestindo, estampa ou algo liso, mas o que
conseguirá a mais com esta produção é a conquista de um homem, principalmente
se estiver nua.
O texto deixa claro que apenas se a mulher estiver nua é que ele, o
interlocutor oculto do título, irá à sua procura. Categoriza um anúncio com humor, e
dentro dos quesitos criados por nós, clichê machista”, pois usa uma sedução
apelativa: o homem vê a mulher apenas como objeto sexual.
O humor é obtido pela quebra de expectativa, pois a frase vai sendo
composta como se o discurso fosse formado de dicas de moda. Ao final, há a
reversão e a revelação do interlocutor oculto, que se convida a visitar a receptora,
caso ela esteja “vestindo nada”.
2) Anúncio das Havaianas Flash, veiculado na revista Nova de dezembro de
2004.
A primeira impressão ao observar este anúncio se conjuga em duas sandálias
Havaianas, dispostas sob uma estrutura formada por folhas de bananeira, com flores
ao redor, numa disposição simétrica. Vê-se em uma das folhas, que se situam no
meio da peça, o texto da propaganda e, logo após, abaixo, a marca Havaianas.
Começando a análise pela palavra, o título “Para conquistar os homens,
muitas mulheres usam os pés. Para dispensar, também remete à expressão popular
“dar um na bunda” na pessoa que se deseja dispensar. Neste caso, a sandália
não está calçada, mas apenas está disposta como um par. Uma ao lado da outra,
mas com cores diferentes. Elas indicam uma simetria, porém, ao inverso. A imagem
da direita complementa a da esquerda se for invertida a ordem de cima para baixo
em um dos lados. Isso indica que existe uma completude entre ambos os lados,
assim como na relação homem e mulher, além desta relação estar clara no texto.
Outros índices dessa complementaridade estão nas folhas e nas flores. As folhas de
bananeira se tornam, ao centro, um símbolo fálico, numa postura ereta e direcionada
às flores, que estão rodeando o anúncio. A flor é um símbolo do feminino, pois
nessa parte da planta é gerado o fruto. Elas estão ao redor e em maior quantidade,
sobressaindo-se na peça. O mesmo ocorre no texto, pois é dada à mulher a posição
de dispensar o homem quando quiser.
Seguindo os quesitos propostos, o anúncio se classifica como “feminista
castrador”, pois as mulheres seduzem com seus s e utilizam a mesma parte do
corpo para dispensá-los. O uso dos pés maximiza a inferiorização da figura
masculina, como se elas pudessem pisar em cima, bastando ter vontade.
O humor está presente na repetição, pois para conquistar e para dispensar,
as mulheres usam os pés, assim como fazer com isto o homem de bobo (“fazer
alguém de bobo”). Apesar do humor ser leve, não gerando gargalhadas, ele se
pronuncia, principalmente no público feminino, de forma a saciar o ego delas,
tornando-as superiores, e, de certa forma, vingadas, visto que o comportamento de
dispensar é mais masculino.
3) Anúncio das Havaianas Slim, veiculado na revista Nova de dezembro de
2006.
A primeira impressão consiste em observar um fundo de madeira estampado
e colorido. Sob ele foi adicionada uma tira de borracha azul, formando a silhueta de
uma Havaianas. Escrito sobre este fundo estão o título e a assinatura da marca, no
canto inferior direito.
O texto é se ele elogia seus olhos, está pensando nos seus peitos. Se elogia
seu sorriso, está pensando nos seus peitos. Se ele elogia suas Havaianas, ou o cara
é tarado por pés ou está pensando nos seus peitos.” Este discurso se apresenta
pela repetição da palavra “peito”, reforçando a ideia central da mensagem, que se
traduz em uma máxima do senso comum: “Todo homem pensa em sexo”. O
clichê “todo homem, na verdade, é um tarado” está claro na propaganda.
Ideologicamente, se sobressai a figura masculina como o grande conquistador.
Neste caso, a mulher está sendo seduzida e o pensamento do homem, naquele
momento, é revelado, pois apesar de estar olhando para ela, elogiando-a e a
admirando, ele, na verdade, está pensando nos seus peitos.
A imagem não complementa o texto. A estampa usada no fundo de madeira
remete à moda verão, lembrando elementos rústicos ligados à praia. Esta campanha
contemplava outros anúncios, onde o elemento central da mensagem era o novo
modelo slim com 5 milímetros de tira. A grande maioria dessas peças transmitia a
ideia de s quase nus; talvez, por isso, no texto haja o reforço de elementos
sexuais.
O humor é obtido pela repetição da palavra “peitos”, podendo ser considerado
um “chiste obsceno”, ligado diretamente ao sensual e sexual. Dentro dos quesitos
propostos se traduz em um anúncio clichê machista”, pois evidencia
comportamento masculino para produção de venda direcionada, na verdade à
mulher. Este anúncio também pode ser considerado “humor agressivo” por causa do
mesmo motivo. Mensagem que agride verbalmente a quem se destina; por mais que
haja a presença de comportamento ligado ao senso comum, tem elemento agressivo
à mulher, resumindo-a a um estereótipo de objeto sexual.
4) Anúncio das Havaianas High, veiculado na revista Cláudia de setembro de
2007.
O anúncio consiste em uma sandália de salto alto na posição vertical e
apoiada sobre um livro aberto. Do livro também saem flores de papel e um sol.
Acompanhando a borda da sandália o título do anúncio e, no canto superior
direito, a assinatura da marca de Havaianas.
O texto da peça é: “Você vai adorar. Suas amigas vão adorar. Os homens vão
adorar. Bom, os baixinhos nem tanto.” A repetição da palavra “adorar” reforça que
todos elogiarão a mulher que calçar estas Havaianas, porém, como ela se tornará
mais alta, os homens de estatura baixa não irão gostar. Neste caso, a mulher não é
colocada numa posição superior a todos os homens, apenas aos baixinhos. Mesmo
assim, o anúncio induz que a mulher seduzirá a todos (ela mesma, amigas e
homens). Por essa posição superior, pode-se classificar este anúncio, segundo os
quesitos propostos, como mulher sexo-forte”, pois ela está seduzindo, em cima de
seu salto alto e com todo poder nas mãos, apenas não irá agradar os “baixinhos
inferiores”.
O humor se encontra na repetição e na quebra de expectativa, pois o texto
caminha afirmando que todos o adorar, e ao final comenta que “os baixinhos
nem tanto”. A reversão causa o efeito do riso. Além disso, os homens baixos estão
em posição inferior, portanto, “feitos de bobo”. O que reforça o caráter humorístico
da peça.
5) Anúncio das Havaianas High, veiculado na revista Nova de dezembro de
2007.
Primeiramente, vê-se no anúncio um par de sandálias Havaianas de salto
alto, sendo impulsionadas por uma explosão de flores e borboletas, favorecendo
uma imagem impactante. O texto se confunde com a estrutura de fundo, quase
mimetizado, assim como a assinatura da marca, logo abaixo.
O tulo: “Todas as vantagens de ter 1,80m sem precisar calçar 39” transmite
a ideia de que as mulheres que calçam esta sandália são de estatura baixa, portanto
calçammeros menores que 39, e, muito provavelmente, meçam menos que
1,80m. A estatura média da mulher brasileira, segundo a pesquisa “Saúde Brasil
2008”, do Ministério da Saúde, é de 1,58m. Geralmente, estas mulheres usam
calçados de salto alto para se tornar mais altas, sentindo-se mais poderosas e
autoconfiantes. Porém, a expressão “sem precisar” ocasiona certo preconceito com
a mulher que calça 39. O senso comum afirma que mulher que tem o maior é,
geralmente, homossexual “calça 44”. Apesar de no título não ter o número 44, esta
partícula da frase demonstra que as mulheres não precisam mais ser naturalmente
altas, pois o salto alto as tornará superiores.
Neste anúncio, diferentemente dos anteriores, não se nota presença do
cômico de uma forma mais clara, muito menos a “guerra dos sexos”. Por ter apenas
um humor leve, ele foi utilizado para despistar a intenção da pesquisa feita neste
estudo.
6) Anúncio das Havaianas Slim, veiculado na revista Cláudia de setembro de
2008.
Este anúncio, denotativamente, apresenta uma sandália Havaianas inserida
num fundo estampado por estruturas circulares coloridas. O texto está tamm
imerso neste fundo, e a assinatura da marca se encontra no canto inferior direito.
O título é: “Os homens vão ficar bobos. (E desculpe pela redundância)”. Ou
seja, entende-se que todo homem é bobo, pois redundância significa repetição,
portanto, homem=bobo. Com isso, classificaremos esta peça como feminista
castradora”, pois coloca os homens em posição inferior.
A imagem da estampa sobre a sandália demonstra que os desenhos fazem
parte dela, transformando o produto que antes era vendido monocromático.
O humor é revelado pela quebra de expectativa: “E desculpe pela
redundância” e por estar “fazendo alguém de bobo” (os homens). O riso tamm
reside em elemento social, ressaltando certa vingança feminina, pelo poder de
chamar os homens de bobos.
7) Anúncio das Havaianas Fit, veiculado na revista Cláudia de novembro de
2008.
um par de Havaianas calçado por uma mulher disposto sob um fundo da
mesma cor da sandália, com elementos que remetem a pavões estilizados. Ao lado
do direito da modelo o texto está escrito sob uma estrutura semelhante à tira da
sandália, e a marca Havaianas está no canto inferior direito.
O título “Combina com biquíni, shortinho, vestido, calça, minissaia. E se o
namorado da sua amiga olhar para você, com saia-justa”, remete à mulher que
estará, em várias ocasiões, bem vestida com as sandálias, e que seduzirá todos a
sua volta, inclusive o namorado da amiga. O discurso não transmite a moda de
Havaianas, mas o quanto ela deixou de ser apenas uma sandália de borracha e
passou a ser acessório que combina com vários estilos.
A mulher do anúncio é a “mulher sexo-forte” que conquista por se sentir bem
consigo mesma e com o que veste.
O humor aparece na inversão e no duplo sentido da expressão popular “saia
justa”. As palavras “saia” e “justa” se unem formando saia justa”, ou seja, uma
situação complicada ou difícil de resolver. A frase vai sendo composta por várias
peças de roupa, logo depois aparece a inversão, “e se o namorado da sua amiga
olhar para você”, complementando com o duplo sentido da expressão “saia justa”.
8) Anúncio das Havaianas Fit, veiculado na revista Gloss de setembro de
2009.
O anúncio apresenta uma sandália Havaianas Fit flutuando sob um fundo que
remete à pichação urbana, ainda com os borrões da tinta escorrendo em algumas
partes. O título é colorido no mesmo padrão estético, assim como a assinatura da
marca no canto inferior direito.
Pelo título Você vai deixar os homens mudos. E, acredite, muitos ficam bem
melhores assim, a peça transmite a ideia de que os homens apenas falam asneiras
e o bobos. O verbo “acredite” chama a atenção do leitor, pedindo sua adesão ao
enunciado. Ao afirmar que os homens são desinteressantes quando se expressam
verbalmente, a propaganda inverte o estereótipo da mulher que fala muito e o
homem pouco, configurando o humor. A mulher do anúncio é a mulher sexo forte”,
pois ela seduz e tem a capacidade de, por sua segurança em saber que está na
moda, “deixar os homens mudos”. Além disso, a presença de um “feminismo
castrador”, tornando o homem algo inferior, que não precisa falar, pois diz
besteiras.
9) Anúncio das Havaianas Fit, veiculado na revista TPM de outubro de 2009.
Este anúncio pertence à mesma campanha do anterior, e apresenta igual
concepção estética.
O tulo “Escolha uma saia, uma blusinha, um par de Havaianas Fit e pronto.
Em apenas 3 horas e meia, você está arrumada” evidencia o costume da mulher
demorar muito para se vestir. Um “clichê machista” e estereotipado de que a mulher
passa horas se arrumando. O senso comum adotou como verdade e o classifica
como traço feminino. No entanto, cada dia mais, a indústria cosmética produz
produtos voltados ao homem, avidamente consumidos, como abordou-se
anteriormente, portanto, o comportamento tamm pode ser masculino.
O humor é reforçado pelo exagero e quebra de expectativa que a fração “Em
apenas 3 horas e meia, você está arrumada” provoca, pois até então imagina-se que
apenas por se vestir com uma saia, uma blusinha e um par de sandálias a mulher
rapidamente estaria pronta.
10) Anúncio das Havaianas Slim, veiculado na revista Cláudia de novembro
de 2009.
O anúncio contém como elementos um par de sandálias Havaianas coloridas,
cuja estampa vaza para uma mesa rústica ou ponte de madeira (esta parte não está
clara) sobre a qual está apoiada. O texto acompanha as figuras da estampa e a
assinatura da marca está no canto inferior direito.
O tulo “o visual das Havaianas chama tanta atenção que você deve ter sido
a única pessoa a ler o título deste anúncio” não expõe uma relação de gênero direta,
nem mesmo um humor mais acentuado, porém, nota-se a presença do cômico pela
quebra de expectativa e por fazer o leitor de bobo”, fazendo-o rir de si mesmo. Por
isso, ele foi escolhido para fazer parte das peças analisadas.
Pela análise dos anúncios percebe-se que cada propaganda usa o humor e a
relação de gênero de forma própria. Algumas propagandas foram inseridas para
enganar as mulheres pesquisadas, fazendo-as não perceber qual era o real objetivo
da pesquisa, a fim de não se manipular ou tor-las tendenciosas. E o resultado
desta pesquisa está a seguir.
3.2.2 Estudo de recepção
Para contemplar os objetivos deste trabalho desenvolvemos um estudo de
recepção a partir de grupos focais
39
, com participação de mulheres de 20 a 45 anos,
classe média alta, consumidoras de Havaianas e leitoras de revistas femininas.
Reunimos 4 grupos com 8 mulheres em média, nas cidades de São Paulo e
Fortaleza. A divisão geográfica se deu a partir da tentativa de se averiguar se
diferença nos padrões comportamentais e de recepção.
Quando o receptor não está imerso na cultura veiculadora de
uma mensagem, não tem condições de distinguir uma opacidade
parcial e não-redutora de uma opacidade total. Mas a competência
cultural e pragmática decodificadora dos sentidos muitas vezes não
pressupõe apenas imersão em termos de nacionalidade. Pode ser
uma questão regional e até local. (CARVALHO, 2004, p. 99)
As entrevistas foram feitas mediante um roteiro que serviu de base para a
dinâmica da pesquisa. “O roteiro funciona como um prompter
40
para que o
moderador se guie durante a entrevista.” (COSTA, 2008, p. 183)
As perguntas foram feitas na ordem preestabelecida pelo roteiro, porém a
discussão se deu de forma dinâmica, havendo alterações conforme as entrevistadas
abordassem outros assuntos pertinentes. Estas foram elaboradas de maneira tal
que, primeiramente, fossem feitas as de cunho geral e, posteriormente, as
específicas, com relação ao que se desejava contemplar com a pesquisa.
“Recomenda-se que o roteiro de perguntas tenha um ritmo que começa com
perguntas amplas, divergentes, desestruturadas; na metade do roteiro, perguntas
focais, convergentes e estruturadas; e perguntas genéricas, amplas, na finalização
do roteiro.” (COSTA, 2008, p. 184) A produção deste roteiro foi baseada na
necessidade de se abordar temas além da recepção, tais como a percepção das
mulheres sobre sua identidade feminina, a relação delas com a mídia e com a
propaganda.
39
Os grupos foram divididos em 1, 2, 3 e 4 e o nome das mulheres foram alterados para garantir a
privacidade das participantes. Portanto, aparecerão nas citações o nome fictício, a respectiva idade e
em qual grupo ela estava.
40
Aparelho utilizado, na maioria dos casos, em televisão, para o apresentador ler o que deve ser dito
frente àsmeras. Fonte: Wikipédia.
Em alguns assuntos houve unanimidade nos grupos, que responderam de
forma parecida, destacando aspectos semelhantes, mesmo se considerar a
diferença geográfica entre eles, apresentando apenas alguns pontos com pequena
discrepância.
Foram estes os assuntos abordados na pesquisa (em seguida serão listados
os resultados):
a) Machismo no Brasil:
O tema foi discutido com a intenção de levantar aspecto genérico, para
posteriormente haver objetividade mais específica dentro do objeto de pesquisa.
Observou-se unanimidade em todos os grupos sobre a questão, constatando que no
Brasil ainda de forma intensa a presença dominante do homem. As mulheres
ressaltaram que elas mesmas são machistas. Algumas citações sobre o assunto:
- “Não, imagina, não existe machismo nenhum (ironizando).” (Cristiane 33 grupo 3)
- “A sociedade ainda mantém a mulher muito vigiada e o homem livre. Principalmente
os mais velhos acham que têm que ser assim.” (Josi 32 grupo 3)
- Quando eu vejo um homem fazendo barbeiragem na rua, eu grito: sai daí e vai
pilotar fogão que é melhor! para me vingar de quando acham que as mulheres não
sabem dirigir.” (Danielle 42 – grupo 2)
- “Nós, mulheres, somos machistas e desunidas. Não nos unimos como classe.”
(Maria 45 grupo 4)
- “Para mim não interessa ser igual ao homem, o que eu quero é ser respeitada pelas
minhas diferenças, tendo os mesmos direitos e deveres, mas principalmente podendo ser
quem eu quiser ser.” (Maria 45 grupo 4)
Elas abordaram rios aspectos da sociedade nos quais o machismo ou a
dominação do pensamento masculino se tornam mais presentes, como em certas
religiões:
- “Eu conheço várias meninas, com 20, 22 anos, que o pai não deixa que ela trabalhe
e nem saia de casa. É para ficar em casa ajudando a mãe e cuidando dos irmãos, só sai se
for pra casar. Muitas delas são da minha igreja, mas isso tem que mudar, independente da
sua religião.” (Milena 23 – grupo 4)
Na família tamm se encontra, ainda, a dominação masculina arraigada,
legitimando certas tarefas e comportamentos, transmitidos de pai para filho.
Abordaram como os casos decrescem com as novas gerações, pois as crianças são
criadas com novos conceitos sobre família, em que muitas vezes nem presenciam a
figura masculina (pai) em seu dia a dia.
- “Até mesmo como filhos, pai é o legal, não manda escovar os dentes, não manda
tomar banho, não manda fazer a lição, não manda fazer nada. Meu pai é o legal. A chata
sempre é a mãe.” (Andrea 45 anos – grupo 1)
- “Uma vez, quando eu namorava o pai da minha filha, ele falava assim: mãe, faz o
meu prato?! Eu falava assim: gente, votem duas mãos, duas pernas, por que você não
levanta e faz? Aí, ele dizia: minha mãe me criou desde pequeno fazendo meu prato e eu era
só sentar e comer.” (Fernanda 27 anos – grupo 1)
- “Eu vejo o machismo presente em casa. Meu pai é muito machista com a minha
mãe. Não com a gente, eu e minha irmã, mas com a minha mãe sim. Nunca deixou ela fazer
cursos, nem ter um desenvolvimento profissional, era para cuidar da gente e da casa. Ele
mesmo participou zero da nossa educação.” (Carla 26 grupo 4)
Assim como nas relações amorosas, o homem tem a posição de querer ser o
atuante, o que decide tudo, o garanhão, o que tem várias namoradas etc. Esses
comportamentos ressaltam revolta nas mulheres, que desejam se vingar, ou impor
que não serão mais as “Amélias” de antigamente. Nota-se posição contraditória
quando se constata que um dos sonhos é se casar e ter filhos. São românticas e
preferem acreditar no amor.
- “Os homens aproveitam a evolução das mulheres para acabar com a gentileza.”
(Alba 23 grupo 2)
- “Eu tenho um amigo que acha normal trair a namorada, e todo mundo sabe que ele
trai, mas ninguém critica e também acha normal, pois ele é homem.” (Gabriela 24 grupo 2)
- “Meu problema é sair de noite. As pessoas me olham como se eu fosse um
monstro só porque eu sentei sozinha num bar. Ainda vem um cara e pergunta: cadê as suas
amigas? Ué?! Só porque sou mulher não posso sair só?!” (Valéria 45 grupo 3)
- Eu acho contraditório, mas quem não quer um homem pra cuidar de você? Por
mais emancipada que a mulher seja, ela ainda sonha com isso. Até porque com tanta coisa
no seu dia, ter um ombro que te ajude é algo que toda mulher deseja.” (Maria 45 grupo 4)
- “Eu posso servir a comida do meu homem, ou lavar a roupa dele como
demonstração de carinho, mas quando o homem repercute isso como uma obrigação da
mulher, aí não dá.” (Conceição 45 – grupo 4)
Outra grande manifestação da dominação masculina se no mercado de
trabalho. Não basta as mulheres terem menores salários ou menos acesso a cargos
de chefia, os homens impõem certo machismo, embora, em algumas situações, seja
velado. Mas no trabalho elas veem a possibilidade de não ser como as antigas
gerações de mulheres na família, sustentadas pelo marido.
- “Eu acho que é mais difícil de impor respeito, é difícil, acredito que seja. Acho que o
homem consegue fazer isso mais fácil. Às vezes, em certas áreas do conhecimento, você
não pode imaginar que uma mulher também possa saber sobre aquilo, você acha que isso é
assunto de homem. Também há machismo nas mulheres.” (Cristina 27 grupo 4)
- “Você uma ordem a um funcionário e ele olha bem para sua cara, como quem
diz: „voestá me mandando fazer isso?‟ porque você é mulher, né?! Porque se você
fosse homem eles obedeceriam de imediato.” (Danielle 42 grupo 2)
- “Eu era vendedora de uma concessionária de carros e tinha que saber muito mais
sobre os produtos do que meus colegas homens, pois os clientes chegavam e se negavam
a ser atendidos por uma mulher, então tinha que mostrar que sabia do que estava falando.”
(Elaine 32 grupo 3)
- “Como minha área de trabalho é a psicologia, o que ainda se é a discriminação
das mulheres ao verem um profissional homem, pois a minha profissão é de maioria
feminina.” (Fernanda 25 – grupo 2)
- “Eu sempre tive a impressão de que meu chefe não se sente bem quando, no
trabalho, uso uma roupa feminina. Nem precisa ser decotada, mas feminina. Ele me trata
bem diferente quando estou usando calças ou com uma roupa mais masculina. Ele já me
encara mais como profissional.” (Heloísa 32 grupo 3)
- “Hoje em dia eu acho um absurdo uma mulher o trabalhar. Uma coisa que eu
tenho para mim é a meta de conquistar minha independência financeira para nunca
depender de homem nenhum. Desde pequena eu tenho isso na minha cabeça.” (Cecília 28
grupo 2)
Portanto, as mulheres identificaram que machismo mais visível em alguns
momentos - trânsito, trabalho, relacionamentos amorosos e divisão dos trabalhos
domésticos/cuidados com os filhos.
b) A mulher e a mídia em geral:
A mídia, por sua vez, ressalta padrões machistas da sociedade e coloca a
mulher em posição de objeto sexual. A busca do corpo perfeito é outra imposição
que as revistas femininas estampam na capa. Muitas, inclusive, o receitas de
“como perder a barriginha”, ou como “ser melhor” (o slogan da revista Woman‟s
Health é: Você, que melhor). Esta revista tem linha editorial voltada a dietas e
exercícios sicos, ou seja, a mulher pode ser melhor se estiver com o corpo
dentro do padrão).
- “Eu acho que é um culto ao corpo, à magreza e à beleza, como se as pessoas não
tivessem mais nada a transmitir, só cabelo, bumbum, corpo.” (Andrea 45 anos grupo 1)
- “Também acho que é assim, no geral acho que em revista o que eles colocam pra
mulher é sobre emagrecimento. Muitas também direcionam pra casa, como fazer uma
comidinha e tal. Isso me irrita, sabia? Eu fico irritada, não pode colocar uma coisa mais
interessante?” (Cíntia 25 grupo 1)
- “Engraçado é a manchete assim: emagreça dois quilos em uma semana, assim tipo
fora da nossa realidade. Você vai olhar pra ela e vai falar: funciona com ela, então vou
tentar. Só que é uma coisa meio surreal assim.” (Cristiane 33 grupo 3)
- “Eu concordo com tudo que as meninas falaram porque eu fui dessa fase de saber
o que está acontecendo, e eu concordo com a influência de todo mundo. E eu percebo
também que tem muita coisa de autoajuda, muito manualzinho: manualzinho pra emagrecer,
manualzinho pra conquistar, manualzinho pra ter filho, tudo tem autoajuda, tudo tem uma
receitinha e isso também me irrita, é como na televisão, as novelas, do jeito que eles
colocam as coisas também.” (Vanessa 35 grupo 1)
Ressaltaram como as matérias e editorias das revistas precisam melhorar
para se adequarem a elas. Muitas não se identificam com nada que ali é publicado,
e usam as revistas para se informarem sobre moda e vida das celebridades, pois
quando vão ler matéria cuja manchete as interessou, desistem. Quando, realmente,
querem se manter informadas sobre assuntos da atualidade e com maior relevância,
procuram revistas como Veja, Isto é, Superinteressante etc.
- “Aí tem uma matéria: fui traída pelo meu namorado. Entendeu? Assim eu não me
identifico. É muito difícil eu pegar uma revista que eu diga: olha, eu gosto dessa!” (Vanessa
35 grupo 1)
- “Eu me identifico sim com algumas imagens de mulheres na mídia, mas o que
existe é que algumas revistas colocam a mulher num patamar muito alto, e você se identifica
com algumas coisas dessa mulher, mas ela é inalcançável.” (Danielle 42 grupo 2)
- “Tem muita revista que ainda tem matérias interessantes que eu me identifico,
outras são bem machistas. Mas acho que em alguns momentos a mulher é machista
também quando ela aceita aquela condição que é colocada pra ela.” (Mariana 29 grupo 3)
- “Até que as manchetes das capas das revistas femininas me chamam a atenção,
mas quando eu leio a matéria nunca fico satisfeita com o conteúdo. Sempre são
superficiais.” (Heloísa 32 grupo 3)
- “Uma coisa é a revista, outra coisa é o real. A revista seria o ideal, digamos assim.”
(Maria 45 grupo 4)
c) A mulher e a propaganda
A futilidade e a frivolidade usadas na representação das mulheres na mídia
foram justificativas dadas por não se interessarem em ver propaganda. Elas se
classificam como não manipuláveis, e veem na publicidade sedutor barato, pois
mudam o canal ou viram a página para não ver. Porém, quando perguntadas sobre
qual propaganda é inesquecível, várias contaram empolgadas sobre anúncios e
comerciais que acharam inteligentes ou que as tenham emocionado de alguma
forma.
Fato curioso é que, quando perguntadas sobre propaganda, a maioria se
remetia instantaneamente a comerciais de televisão, como se a publicidade não
existisse em outras mídias.
As poucas marcas que não trabalham com o padrão estético feminino não
demonstraram mulheres realmente “reais”, como o caso da Dove. As que já são mãe
explicitam preocupação extra com a propaganda: quando seduz os filhos elas
pagam a conta, mas nem sempre podem comprar tudo que pedem. Daí, criança e
mãe frustradas. Elas se mostraram críticas e com opiniões consistentes, inclusive
algumas afirmaram que se reportaram ao CONAR (Conselho de
Autorregulamentação Publicitária) para que certas propagandas fossem retiradas da
programação.
- “Eu acho que a propaganda vende muita ilusão, o sonho. O que a gente tem de
melhor pra mostrar como pessoa, com o nosso melhor, além da estética? Eu acho que
propaganda vende isso, a ilusão.” (Vanessa 35 grupo 1)
- “Depende da propaganda. Você vai pegar uma propaganda na Nívia, por exemplo,
o foco da propaganda é o bem-estar da mulher, que sempre depende do homem, então são
sempre mulheres em um determinado padrão e ela bem, mas assim, ela não está bem
pra ela, ela bem porque ela com alguém, e ela sempre magrela, naquele padrão. E se
você pegar, por exemplo, também uma propaganda de cosmético da Natura, ela tem uma
vertente completamente diferente.” (Carolina 33 – grupo 3)
- “Há a falta de personalidade na propaganda. A mulher é muito mais do que ser
feminina, ela tem várias personalidades, então, quando se fala com todas as mulheres, não
consegue ter a essência.” (Luciana 27 – grupo 2)
- “Mesmo Dove, que tentou fazer uma campanha pela real beleza, acabou usando
mulheres lindas, e mesmo a gordinha não tinha celulite. Que mulher é real sem celulite?”
(Luciana 27 grupo 2)
- “Se você for realmente mostrar a real beleza, pra que vou comprar o xampu da
propaganda? Fico eu do jeito que sou mesma e pronto.” (Elaine 32 – grupo 3)
- “Ela pega várias faixas etárias e classes sociais. Eu acho assim um absurdo que,
por exemplo, eles colocam propaganda de bala, biscoito e chocolate, tudo na hora do
desenho, eu falo pro meu filho assim: a mãe não pode comprar uma bala, não pode ir no Mc
Donald‟s. Então isso eu acho assim muito perigoso.” (Andrea 45 anos grupo 1)
- “Eu acho que as propagandas têm caído muito..., mas assim a empresa Havaianas,
tem aquela do argentino que é boa, a da Fernanda Lima é boa, aquela da velhinha é boa. Aí
é que tá, o Conar tem que tirar porque a velhinha falou sexo, mas a novela das 6 passa
sexo, drogas e rock n´roll, aí pode. Agora, a propaganda que é legal, uma coisa divertida,
pra quebrar o tabu que pessoas de idade podem fazer sexo e falar de sexo, tiram.
Quando a mulher é bonita quando tem silicone pode, mas quando é uma senhora...
gente jovem faz sexo, só gente jovem é bonita e faz sexo.” (Andrea 45 anos grupo 1)
A propaganda e sua relação com a “guerra dos sexos” foram alvo de
comentários. Não houve consenso, mas faltam à propaganda elementos que
agradem mais esse exigente público.
- “As propagandas deviam usar mais homens para agradar ao público feminino. Por
exemplo, as propagandas da Marisa que usaram galãs famosos.” (Assislene 45 grupo 2)
- “O que eu noto é que nem sempre o homem na propaganda é muito bonito, mas a
mulher sempre é. O baixinho da Kaiser é um exemplo. Vai colocar uma mulher feia na
propaganda?! Nunca.” (Mariana 29 grupo 3)
- “O público feminino hoje é tão variado que às vezes o que não me marca pode
marcar outras mulheres, então temos que ver essas variações de gostos.” (Ivna 33 grupo
2)
- “A propaganda pro homem ainda é poder e mulher. É o poder do dinheiro e o poder
de ter a mulher que quer.” (Heloísa 32 grupo 3)
Portanto, os aspectos negativos da propaganda, para elas, são:
- apologia ao corpo da mulher para vender qualquer coisa;
- o caráter manipulador da mensagem. Elas não gostam de se sentir
persuadidas a fazer algo;
- elementos sexuais e/ou machistas, assim como representá-las através da
imagem de dona de casa.
Positivos:
- humor (quando usado com inteligência, quebrando expectativas);
- música (jingle
41
e trilha)
- emoção (romantismo e elementos que remetem aos sentimentos e
sensações);
- glamour e beleza (embora citada pela minoria, acham que a beleza é item
importante para despertar o desejo de compra).
Indicaram propagandas como referência do que gostam. As mais comentadas
foram:
- Dove (apesar de algumas afirmarem que não se trata de uma real beleza,
pois todas as mulheres eram perfeitas);
- Havaianas (humor e descontração. Citaram a marca mesmo desconhecendo
que seriam analisadas as propagandas);
- Palio Adventure (muito citado pela música utilizada na trilha do comercial
“Selva louca”, e pela descontração da produção feita com bichos em uma floresta);
- Perfumes importados (algumas marcas de perfumes importados que
produzem comerciais veiculados nos canais de televisão a cabo, que utilizam em
demasia glamour, sensualidade, luxo e beleza).
Deve ser citado que sabiam todo o enredo da propaganda, mas muitas vezes
não identificavam a marca do anunciante. Portanto, acabam se prendendo à história
e se esquecem de que produto se trata.
41
Jingle é uma mensagem publicitária musicada e elaborada com um refrão simples e de curta
duração, a fim de ser lembrado com facilidade. Música feita exclusivamente para um produto ou
empresa.
Quando perguntadas se comprariam produtos por influência da propaganda, a
maioria afirmou que não o manipuláveis, embora se deixem levar em alguns
momentos. Porém, quando questionadas se comprariam Havaianas, todas gritaram:
“Sim!”
d) A mulher e as propagandas de Havaianas:
Algumas marcas fixaram a sua comunicação com elementos que procuram
diferenciar as mensagens. Usam a emoção, outras o glamour, ou argumentos
racionais e o humor. As Havaianas utilizam o humor em alguns anúncios, quase
sempre remetendo à “guerra dos sexos”. Talvez isso se pela tentativa de usar o
riso como suavizador da mensagem, tornando-a mais leve e descontraída, gerando
simpatia com o público feminino.
- “Adorei todas as propagandas que você mostrou, pois elas são descontraídas e
bonitas. O jeito como a pessoa escreveu fala com a mulher, como se a gente tivesse
conversando entre amigas.” (Danielle 42 grupo 2)
- “Essas propagandas acabam sendo engraçadas, mas ainda preservam o
estereótipo de que a mulher para ter poder é através da aparência física e o homem
poderoso é o que tem grana.” (Heloísa 32 grupo 3)
- “Aqui uma traz o contraponto da outra: aqui [propaganda 3] é como se o homem
tivesse feito, e aqui [propaganda 6] é como se uma mulher tivesse feito. Muito guerra dos
sexos.” (Milena 23 – grupo 4)
Uma das peças que mais levantaram polêmica foi a “dos peitos” (Propaganda
3). Por ser a mais escrachadamente machista, várias mulheres a citaram como
propaganda agressiva à mulher, mas afirmaram que o humor auxiliou a peça a ficar
mais leve e com um tom de brincadeira, permitindo que muitas constatassem que se
tratava de uma verdade.
- “Foi engraçada, não foi agressiva.” (Adriana 26 – grupo 1)
- “Não é assim, a gente não acostumada a ouvir... Não é que não está
acostumada, mas não é uma coisa normal que nem essa da propaganda dos peitos é
verdade, mas é um choque, porque você não está acostumada a ver isso.” (Fernanda 27
anos grupo 1)
- “Mas é machista... O homem vê a mulher como um peito. O homem sempre vê só o
corpo da mulher, não adianta. É a mais pura verdade.” (Andrea 45 anos grupo 1)
- “Gostei de várias e achei várias lindas, mas essa daí [ propaganda 3] eu não gostei
do texto não. fala em peito. O que eu quero saber de peito? ressalta o homem
cafajeste.” (Carla 26 grupo 4)
- “Eu achei que o humor refoou o machismo aqui [propaganda 3], ficou como uma
piadinha de um homem idiota.” (Milena 23- grupo 4)
Quando perguntadas sobre a preferência, a maioria assinalou peças que
continham humor mais acentuado, e que mostravam elementos que as faziam se
identificar com os anúncios.
- ”Gostei dessa [propaganda 3], mas essa daqui [propaganda 10] eu me identifiquei
mais porque eu nunca tinha prestado atenção nos dizeres que tinham nas Havaianas.”
(Cristiane 33 grupo 3)
- “Essa propaganda aqui é engraçada, mas é bem forçada [propaganda 8]. Eu não
quero um homem mudo.” (Valéria 45 – grupo 3)
Todas as participantes ressaltaram características que importavam,
abordando o humor. A maioria afirmou que o humor foi o caráter diferencial das
peças, outras acharam que o visual era o mais importante. Algumas mulheres não
consideraram o humor como suavizador da mensagem, abordando que, pelo
contrário, contribuiu com o “canalhismo” presente no texto.
- “Olha eu acho que pelo anúncio eu não compraria, eu compraria pelo modelo.
Mesmo que essa fosse a mais engraçada, com o modelo que eu mais gostei, ainda assim
pudesse ser que eu não comprasse pela forma que ela ficou no pé.” (Patrícia 30 grupo 1)
- “Acho desnecessário recorrer a sexo, beleza, pra vender um chinelo. As
propagandas não ressaltam o que é o melhor do produto, que é o conforto. Mas pelo menos
elas transmitem esses valores que eu acho negativos através do humor.” (Heloísa 32
grupo 3)
- “O visual das propagandas é uma festa para os olhos, mas a obrigação de ter
sempre uma sacadinha, algumas ficam forçadas, às vezes sendo até agressivas.” (Mariana
29 grupo 3)
- “As mulheres reclamam tanto do machismo que acham que ir contra é pagar na
mesma moeda, aí falam: o homem é mudo, bobo... É como se quisesse virar o jogo, mas faz
isso no mesmo baixo nível, sem ressaltar nada positivo.” (Mariana 29 grupo 3)
Portanto, além do humor destacado nas peças, as consumidoras sinalizaram
o visual nos novos modelos das sandálias e na arte-final do anúncio. Um fato
importante ressaltado por elas é que se não estivessem neste estudo não teriam lido
o tulo dos anúncios. Os mesmos são bem pequenos, sem destaque. Mas
exatamente no texto das peças que se encontra o humor, elemento principal
abordado como diferenciador.
Os pontos positivos verificados nos anúncios:
- identificação gerada por algumas frases,
- o colorido e o uso das imagens,
- e o humor.
Os atributos listados como os principais de Havaianas foram:
- o visual das sandálias;
- o conforto;
- a qualidade e a confiança na marca;
- o humor colocado em suas campanhas publicitárias.
Porém, a maioria a acha supérflua, pois suas sandálias resistem ao tempo,
ainda permanecendo novas. Além disso, o acham que as sandálias sejam
utilizadas em qualquer situação, mantendo o estigma do uso para a praia.
Em resumo, observou-se:
1- As mulheres ainda procuram o romantismo, evidenciam emoções e
sentimentos, apesar de se defenderem e afirmarem que são fortes e mais
racionais.
2- Não houve diferenças significativas entre as respostas das mulheres que
moram em São Paulo ou em Fortaleza. Apenas em alguns pontos, como
no machismo no relacionamento amoroso e na família, sobressaíram as
críticas mais arraigadas vindas das mulheres do Nordeste. as paulistas
abordaram o machismo velado do dia a dia, trânsito e relações de
trabalho.
3- O machismo está diminuindo, pois as novas gerações estão sendo
educadas de forma mais igualitária.
4- A mídia ainda precisa se adequar mais à mulher moderna e multifacetada,
ofertando informações mais amplas, sem se restringir ao superficial. E
observar que elas não gostam de ser ditadas pela moda e padrão
corporal, apesar de perseguirem a diminuição de peso, testando a maioria
das dietas publicadas em revistas.
5- A propaganda precisa entender que a mulher gosta e sonha com o
romantismo e elementos como a beleza e a música fazem participar desse
mundo fantástico. O humor é elemento de diferenciação da mensagem,
pois apresenta uma grande aceitação do público, porém deve ser usado
de forma mais consciente, sem precisar ser agressivo.
6- As propagandas de Havaianas despertaram o riso e mostraram que o
humor suaviza o caráter negativo ou agressivo de algum texto. Porém,
isso se nos primeiros instantes de contato com o anúncio, pois depois
disso elas percebem que o riso apenas disfarçou o machismo ou o
estereótipo feminino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Ah, mas você falou isso só porque sou mulher?!” Quantas vezes ouvimos algo
semelhante? Mesmo nos dias atuais o machismo existe, ainda que velado e imbuído em
nosso cotidiano. Em algumas ocasiões do dia-a-dia, é revelado de uma forma “torta”, seja
numa piada, seja numa brincadeirinha”. Nesses casos, a mulher não sabe se ri ou se
simplesmente rejeita e ignora o que acabou de ouvir. Vimos em nossa análise de grupo
focal que algumas se acomodaram, por acharem que o adianta fazer nada, “isso
sempre vai existir”. Mas será que a risada provocada por uma piada com mensagem
desfavorável à mulher, ou a indiferença revelam que o humor suaviza a sensação de ser
posta à margem da sociedade?
Vimos que a guerra dos sexos vem sendo cultivada em nossa sociedade séculos.
A mulher lutou e conquistou seus direitos, favorecendo algumas mudanças. Ao rir quando
recebe uma crítica disfarçada em forma de piada, reforça a propriedade do humor em
atenuar a dor e a infelicidade, embora esse efeito seja efêmero. Como o humor é social, ele
tanto permite aproximar e integrar as pessoas como o seu contrário, não eliminando a
crítica, apenas a amortecendo.
O riso pode ser visto como um modo de comunicação que ocorre em uma ampla
variedade de contextos sociais diários. O humor pode ter múltiplas funções interpessoais
sugerindo que pode ser visto como um tipo de habilidade social e competência interpessoal.
O amigo engraçadinho sempre é o mais requerido pelas mulheres. Se as metas de um
indivíduo em uma situação particular são estabelecer relacionamentos significativos,
aumentar a intimidade e resolver conflitos, a utilização do humor pode ser um instrumento
eficaz para promover estes objetivos. No entanto, também pode ser útil para ganhar
vantagem, manipular, dominar, ou desmerecer os outros devido à sua ambiguidade. Como
dissemos anteriormente, ele tanto pode ser usado para aproximar as pessoas como para
dominá-las e manipulá-las ou mesmo para insinuar-se com os outros. O humor pode
também ser usado para reforçar ou combater estereótipos e preconceitos, para resolver
conflitos nos relacionamentos ou evitar lidar com problemas, para transmitir os sentimentos
de afeto e tolerância, ou denegrir e expressar hostilidade. O uso do humor, portanto,
depende do objetivo de quem o utiliza, entendendo que esse “jeitinho” ajuda na hora de sair
de uma situação difícil.
As agências de propaganda, cientes do humor arraigado na cultura brasileira,
utilizam-no para atrair a atenção do público e para seduzi-los através do sorriso. A
mensagem com elementos de humor, como demonstramos longamente na análise da
campanha das sandálias Havianas, ajudou a vender seus produtos para diversos públicos, e
ainda suavizou a famosa “guerra dos sexos” embora, possamos avaliar que, em alguns
casos, estimulou-a ainda mais.
Mas esses fatores de nascente natural não podem ser limitadores, ou apenas
os únicos a serem observados e utilizados para criar os estereótipos respectivos. É
notório que é mais cil abordar esses estereótipos, que são mais comuns e já estão
arraigados na sociedade, a se tentar mudar isto, porém o que não pode ocorrer é um
“aprisionamento” dos gêneros a esses únicos pontos sempre abordados pela mídia,
e pelo senso comum.
A publicidade se aproveita do imaginário coletivo, a fim de estabelecer um elo
referencial nivelando a comunicação e tornado-a mais fácil de entender. Usa dos
elementos de persuasão para vender seus produtos e cria os mais variados
enunciados a fim de ganhar a adesão do consumidor e transmitir melhor suas idéias
criativas. Assim, como as propagandas de Havaianas. Tanto na mídia televisão,
como nos anúncios de revista utilizam o humor para fazer com que o público
simpatize com a marca. As pessoas comentam entre si as publicidades procurando
saber qual foi o artista escolhido, qual o novo modelo criado, ou qual a piada que foi
contada. Uma piada que nem sempre é apenas ilustrativa, mas que transmite
ideologias e conteúdos implícitos. Ora ressalta a mulher sedutora, forte e dominante,
ora a feminista atuante e, em algumas vezes, se mostra machista e agressiva.
Mas a mulher de verdade” é muito mais. Ela se caracteriza por ser multi:
multimulher, multipersonalidades, multiestilos, multimães,
multimulheresapaixonadas. Como observamos nos grupos focais, elas afirmam que
o machismo existe no Brasil, mas, ao mesmo tempo, quando a amiga usa um decote
maior acentuado do que o normal, é criticada afirma-se que se trata de uma
mulher “promíscua”. Afirmam que a mídia corrompe a imagem feminina por apenas
tratar a mulher como corpo e sexo, ressaltando quem deve cuidar do lar (já que
quase todas as revistas femininas apresentam receitas em seus conteúdos), mas
elas não deixam de preparar a comidinha” do marido, de gastar parte do salário
com vários cremes e tratamentos estéticos e de mostrar o corpo em decotes, roupas
justas ou na academia tentando manter a boa forma. Mulheres que afirmam o se
deixarem manipular pela mídia uma vez que não compram produtos pela
propaganda. No entanto, ao serem apresentadas aos novos modelos de sandálias,
mostram o desejo de adquiri-los. Antagônicas, sim. Mas tamm inseguras de
demonstrar fraqueza, por saber que muito tempo são consideradas o sexo frágil.
Não podem dizer que preferem ser donas de casa, pois sabem o quanto seriam
criticadas se o dissessem.
O que podemos observar com tudo o que foi apresentado nesta dissertação é
que este segmento de mercado, determinado pelo sexo feminino de 20 a 45 anos,
classe média-alta, não pode ser dividido dessa forma. Talvez fosse mais propícia
uma divisão “multi”, o que a representaria melhor:
- Mulheres que se emocionam apenas ao ouvir na trilha de um comercial
42
sua música favorita, ou a música que marcou seu primeiro beijo na adolescência.
- Mulheres que se arrepiam apenas em ver que na propaganda a mulher que
está lá é a que ela queria ser: exuberante, bela e cheirosa.
- Mulheres que de tão conscientizadas e intelectualizadas buscam o raciocínio
lógico para fazer uma compra, e de dizem não influenciadas pela sociedade de
consumo ou pela mídia, mas estão calçadas com o tênis da moda.
- Mulheres que não se importam com a beleza e a estética, mas com o
conteúdo. Não um conteúdo qualquer; deve ser inteligente e que as façam imaginar
que tudo ali é muito mais do que podem imaginar.
- Mulheres que gostam de comprar e se sentem bem comprando (mesmo
objetos que nem sempre usam), mas que as “diferenciam” das demais.
- Mulheres que buscam algo diferente, mesmo sem identificar o que seja, mas
a criatividade e a inovação chamam a atenção e as levam a consumir.
Enfim, nosso objetivo é demonstrar que não se deve mais definir a mulher em
padrões preconcebidos. Elas gostam de se sentir únicas. Mesmo quando compram
roupa igual à da amiga, combinam para nunca se vestirem do mesmo modo, na
mesma ocasião.
Quando estudamos a identidade feminina não podemos dizer que só um tipo
de linguagem é eficiente. A forma de chamar a atenção delas tem que ser múltipla,
assim como os seus rios papéis na sociedade. Então, não podemos dizer que
apenas o humor é eficiente na hora de se vender um produto para as mulheres,
porque isso seria pouco. Elas buscam mais, trabalham mais, cuidam mais de si
mesmas, procuram coisas melhores todos os dias, numa corrida que nem elas
42
Como foi dito anteriormente, várias participantes, ao falar de propaganda, usavam os comerciais de
televisão como exemplo do que gostavam. Apenas a minoria afirmou observar os anúncios de mídia
impressa.
mesmas sabem onde vai dar. Tem dias que elas vão dizer que o humor é a melhor
forma de comunicar, mas, em outros, chorar é a saída que as deixarão mais leves.
O humor quebra paradigmas e expectativas, torna o discurso mais suave. Ele
é uma importante ferramenta que deixa as vidas de todos um pouco mais divertida,
alegre, fazendo-nos esquecer, mesmo que só por alguns instantes, dos nossos
transtornos diários, daquela briga no trânsito, daquele namorado que nunca mais
ligou, do cliente que o quis assinar o contrato, do filho que acordou com febre, da
barriguinha que insiste em evitar que a calça jeans feche, ou dos cheques que
voltaram por não ter saldo na conta.
A mulher, público-alvo da campanha que analisamos, quer rir, chorar, se
arrepiar de emoção, gritar, se sentir livre, solta, poderosa, sem ser agredida,
menosprezada ou ridicularizada. Ela quer ser múltipla, poder ser quem quer, na hora
que quer, ter suas diferenças e ocupar seu lugar na sociedade. Mas parece que a
propaganda, apesar de sua dose de humor, ainda não entendeu totalmente, ais
expectativas femininas, pois ainda reforça os velhos estereótipos. Mesmo ela
sorrindo e dizendo que aquilo é verdade, ela não deixa de sentir no seu íntimo certo
rancor. Falar com elas é respeitá-las, fazê-las sorrir, sem alimentar antigas “guerras”,
ressaltando, apenas, a alegria da paz.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTI, V. O riso e o risível na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.
ALMEIDA, H.B de Telenovela, consumo e gênero: muitas mais coisas. Bauru:
EDUCS, 2003.
AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 1993
ASSOUN, P. Freud e a Mulher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1982.
BAUMAN, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
__________. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2003.
__________. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005.
BEAUVOIR, S. O segundo sexo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, edição,
1970.
BELELI, I. Corpo e identidade na propaganda. In: Revista estudos femininos, v.15,
nº 1, Florianópolis, jan-abril 2007, p 1-30.
BERGSON, H. O riso. Ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
BIER, A. Humor e identidade na propaganda. In: FEDRIZZI, A.(org). O Humor abre
corações e bolsos. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 139-142.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BULLMORE, J. O humor na propaganda de televisão. In: A publicidade como
negócio. São Paulo: Nobel, 2003. p. 188-193.
CADENA, N. Brasil - 100 anos de propaganda. São Paulo: Edições Referência,
2001.
CARVALHO, N. Publicidade. A linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2004.
CASTELLS, M. O poder da identidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
CASTRO, M. D. Coma palavra, o humor. In: FEDRIZZI, A. (org). O Humor abre
corações e bolsos. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 131-137.
CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006.
CITELLI, A. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1999.
CONFORTIN, H. Discurso e gênero: a mulher em foco. In: GHILARDI-LUCENA, M. I.
(org.) Representações do feminino. Campinas-SP: Átomo, 2003, p. 107-123.
COSTA, M.E.B. Grupo focal. In: DUARTE, J.; BARROS, A. (org). Métodos e
técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2ª Edição, 2008. p. 180-
192.
FIORIN, J.L. / PLATÃO, F. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática,
2003.
FIORIN, J.L. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão. O mal-estar na civilização e outros trabalhos.
O Humor (1927). in E.S.B., Vol. XXI, Rio de Janeiro, Imago, 1980.
__________. O chiste e sua relação com o inconsciente. (1905) E.S.B., Vol. XIII,
Rio de Janeiro, Imago, 1980
FRIEDAN, B. Mística Feminina. Petrópolis RJ: Vozes Limitada, 1971.
FUJISAWA, M.S. Das amélias às mulheres multifuncionais. São Paulo: Summus,
2006.
FUJISAWA, M.S. Das amélias às mulheres multifuncionais. São Paulo: Summus,
2006.
GABE C. Psicologia do consumidor e da propaganda. São Paulo: EPU, 1998.
GARBOGGINI, F. B. “Era uma vez” uma mulher margarina. In: GHILARDI-LUCENA,
M. I. (org.) Representações do feminino. Campinas-SP: Átomo, 2003, p. 107-123.
_______________. Novos rumos da representação humana na publicidade da TV
brasileira. In: BARBOSA, I. S. (org.) Os sentidos da publicidade: estudos
interdisciplinares. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 97-110.
HALL, S. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1
edição, 2005.
HEGARTY, J. Quando eles não estão sorrindo. In: FEDRIZZI, A. (org). O Humor
abre corações e bolsos. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 71-74.
JEUDY, H.P. A ironia da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2001.
KEHL, M.R. Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a
modernidade. Rio de Janeiro:Imago, 1998.
KOHUT, H. Psicologia do self e a cultura humana. Porto Alegre: Artes Médicas,
1988.
KUPERMANN, D. Ousar rir: humor, criação e psicanálise. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
LIPOVETSKY, G. Império do Efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
______________. A terceira mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
______________. Era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo.
Lisboa: Relógio D'Água. 1983.
LOBOS, J. A mulher e os tempos. In: Revista da ESPM, v.11, ano 10, edição 4,
julho-agosto/2004, p. 66-68.
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São paulo: Cortez, 2001.
MARCONDES, P. Uma história da propaganda brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro,
2002.
MARTIN, R. The psychology of humor: an integrative approach. Oxford: Elsevier
Academic Press, 2007.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2ª Ed., 2001.
MÁXIMO, J. Nossa filosofia nasceu no carnaval. Revista Época. 24 de maio de
1999. p. 23.
MELO, J. / SANEMATSU, M. Fragmentos da mulher na publicidade: um corpo sem
cabeça e sem alma. Revista Democracia Viva, nº 31, abril-junho/2006, p. 76-81.
MEZAN, R. Humor judaico: sublimação ou defesa? In: TOKER, Eliahu (org). Do
éden ao divã - O Humor Judaico, São Paulo: Editora Shalom, 1993. p. 133-153
MINOIS, G. História do riso e do escárnio. São Paulo:Editora UNESP, 2003.
NABHOLZ, M. T. B. / BARROS, V. M. As faces eternas do feminino: no cinema e
na propaganda. São Paulo: TRIOM, 1996.
NICKHORN, I. R. / NORA, H. A. Mulher questões de gênero. A construção de
modelos femininos. Revista temas sociais em expressão, 2, maio/2003, p. 29-
50.
OKIN, S. M. Gênero, o púbico e o privado. In: Estudos Feministas, Florianópolis,
16(2):440, maio-agosto/2008, p. 305-332.
OLIVETTO, W. Uma conversa séria sobre humor. Favor não rir. In: FEDRIZZI,
Alfredo (org). O Humor abre corações e bolsos. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p.
29-61.
ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso.
Campinas: Pontes, 2001.
PAIVA, R. O espírito comum: Comunidade, mídia e globalismo. Petrópolis: Ed.
Vozes, 1998.
PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
PIERCE, Paula. O humor na propaganda de televisão - uma visão de pesquisa. In:
JONES, John. A publicidade como negócio. São Paulo: Nobel, 2003. p. 193-205
PIERONI, C. O pasquim e suas influências nas charges baianas. UFBA, 1998.
Estudo disponível em: http://www.facom.ufba.br/pex/cristiane.doc. Acessado em 15
de agosto de 2009, às 12:53.
PINHEIRO, D. / MAXIMILIANO, A. O feminismo na crise dos 40. Revista Veja
Edição Especial Mulher, maio/2006, p. 91-95.
PINTO, A.G. Publicidade: um discurso de sedução. Portugal: Porto Editora, 1997.
PIRANDELLO, L. O humorismo. São Paulo: Experimento, 1996.
PIRES, V. L. A Identidade do Sujeito Feminino: uma leitura das desigualdades. In:
GHILARDI-LUCENA, M. I. (org) Representações do feminino. Campinas-SP:
Átomo, 2003. p. 201-213.
POLLOCK, J. ¿qué es el humor? Buenos Aires: Paidós, 2003.
POSSENTI, S. Os humores da língua. Campinas:Mercado das letras, 1998.
PRATA, M. Nada escapa ao nosso piadismo. Revista Época. 24 de maio de 1999.
p. 21.
PROPP, V. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992.
QUEIRÓZ, R. A internet de saias. Revista Meio Digital, edição n º 5, maio/junho
2008, pg 27 29.
RAMOS, R. 1500-1930 - Vídeo clipe das nossas raízes. In: BRANCO, R. C. História
da propaganda no Brasil. São Paulo: TA. Queiros, 1990.
RANDAZZO, S. Criação de mitos na publicidade. Rio de janeiro: Rocco, 1996.
RIBEIRO, J. L. Riso e simulacro em Sai de Baixo. Lumina, Facom/UFJF, v.2, n.3,
jul./dez. 1999. p. 109-124.
RICHERS, Raimar. Marketing, uma visão brasileira. São Paulo: Negócio, 2000.
ROSA, L.E.P. A revolução do feminino. In: Revista da ESPM, v.11, ano 10, edição
nº 4, julho-agosto/2004, p. 24-37.
ROSALDO, M. Z. A mulher, a cultura e a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979.
ROSSI, C. A. O humor e o comportamento do consumidor. In: FEDRIZZI, A.(org). O
Humor abre corações e bolsos. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 145-156.
SALIBA, E. Raízes do riso. A representação humorística na história brasileira:
da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras,
2002.
__________A dimensão cômica da vida privada na república. In: História da vida
privada no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, v.3, 1997. p. 289-365
SCOTT, J. W. O enigma da igualdade. Revista Estudos Feministas, Florianópolis,
nº 216, janeiro-abril/2005, p. 11-30.
SEVERIANO, M. F. V. Narcisismo e publicidade: uma análise psicossocial dos
ideais do consumo na contemporaneidade. São Paulo: Annablume, 2001.
SLAVUTZKY, A. O precioso dom do humor. In: KUPERMANN, D., SLAVUTZKY, A.
(org). Seria trágico...se não fosse cômico: humor e psicanálise. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
SOARES, V. O feminismo e o machismo na percepção das mulheres brasileiras. In:
OLIVEIRA, S., RECAMÁN, M., VENTURI, G. A mulher brasileira nos espaços
público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 161-182.
SOBRÉ, M. Império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
SUASSUNA, A. Iniciação à estética. Recife: Universitária, 2ª ed., 1979.
TOURAINE, A. O mundo das mulheres. Petrópolis: Vozes, 2007.
VAITSMAN, J. Gênero, identidade, casamento e família na sociedade
contemporânea. In: MURARO, R.M.; PUPPIN, A.B. (org) Mulher, gênero e
sociedade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
VESTERGAARD, T. / SCHRODER, K. A linguagem da propaganda. São Paulo:
Matins Fontes, 2000.
WIDHOLZER, N. Publicidade e modelo de falia patriarcal:unidos até que a morte
os separe. Trabalho apresentado no evento Fazendo Gênero nº7, Universidade
Federal de Santa Catarina, agosto/2006.
ANEXOS
Anexo Figura 1 Lingerie com ombreiras coleção HOPE 2009.
Anexo Figura 2 Modelo do chinelo Zori e a patente de criação das sandálias
de borracha Havaianas.
Anexo Figura 3 Modelo tradicional de
Havaianas que permanece até os dias de
hoje.
Anexo Figura 4 Parte do material enviado pelas Havaianas com o histórico da
marca.
Anexo Figura 5 Imagem retirada do site de Havaianas que demonstra o
quantas novas sandálias existem no mercado.
Anexo Figura 6 Imagem das Havaianas entregue em prêmios
como o Oscar. A da esquerda tem pedras semi-preciosas e a
da direita é banhada em ouro.
GRUPO FOCAL
ROTEIRO DE PERGUNTAS:
1- Vocês acham que ainda há muito machismo no Brasil?
2- Como vocês vêem a mulher na mídia?
3- Vocês se identificam com as propagandas em geral que são destinadas à
mulher?
4- Citem 1 propaganda inesquecível, e por que ela marcou. (verificar se a
mesma tinha humor.)
5- Quando uma propaganda é engraçada vocês gostariam de revê-la ou
comentam sobre a mesma com amigos?
6- Vocês já compraram algum produto por causa da propaganda? Qual?
(verificar se a mesma tinha humor.)
7- Todas vocês conhecem a marca Havaianas, não é mesmo? Vocês irão ver 10
propagandas da marca Havaianas. Qual delas vocês mais gostaram? Por
quê?
8- Vocês se identificam com essas propagandas, ou alguma utilizou de algo que
foi desagradável para vocês?
9- Podem apontar algum tipo de machismo, clichê, ou algo que chamou a
atenção por isso? (O humor “aliviou” alguma das tensões citadas?)
10- Quais fatores mais chamaram a atenção de vocês nos anúncios?
11- Vocês comprariam algum modelo de Havaianas por causa de alguma dessas
propagandas? Se sim, qual?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo