Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
BRUCE LEE:
A APROPRIAÇÃO OCIDENTAL DE UM MITO
NO FILME OPERAÇÃO DRAGÃO
AGNES DE SOUSA ARRUDA
SÃO PAULO
2010
Dissertação de Mestrado, para a obtenção do
título de Mestre em Comunicação,
apresentada à Universidade Paulista – UNIP
Orientador: (Prof.ª Dr.ª Anna Maria Balogh)
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Arruda, Agnes de Sousa
Bruce Lee: a apropriação ocidental de um mito no filme Operação
Dragão / Agnes de Sousa Arruda – São Paulo, 2010.
112 f.: il. color.
Dissertação (mestrado) – Apresentada ao Instituto de Ciências
Sociais e Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2010.
Área de Concentração: Configuração de linguagens e produtos
audiovisuais na cultura midiática
“Orientação: Profa. Anna Maria Balogh”
1. Filmes de Kung Fu. 2. China. 3. Operação Dragão. I. Título.
ads:
3
AGNES DE SOUSA ARRUDA
BRUCE LEE:
A APROPRIAÇÃO OCIDENTAL DE UM MITO NO FILME OPERAÇÃO DRAGÃO
Dissertação de Mestrado, para a obtenção
do título de Mestre em Comunicação,
apresentada à Universidade Paulista – UNIP
Orientador: (Prof.ª Dr.ª Anna Maria Balogh)
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________ ___/___
Prof. _______________________________________________________________
UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
____________________________________________________________ ___/___
Prof. _______________________________________________________________
UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
____________________________________________________________ ___/___
Prof. _______________________________________________________________
UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
4
Este trabalho é dedicado aos meus pais...
Por acreditarem em mim sempre;
incondicionalmente.
5
Agradeço aos meus queridos amigos que me acompanharam nesta jornada;
também aos alunos que nesse período confiaram a mim parte de sua formação.
Por fim, agradeço a todo o corpo docente da Unip e, em especial, à Prof.ª Dr.ª Anna
Maria Balogh, por toda a paciência com que orientou este trabalho.
6
São as atrizes de cinema autênticas "estrelas", como Vênus e Marte, são "divas",
como Juno. Não podemos julgar os novos mitos a partir da nossa alienação, mas
somente a partir do empenho autêntico que provocam.
Vilém Flusser
7
RESUMO
Bruce Lee, estrela de filmes de kung fu na década de 70, ainda hoje é reconhecido
como o melhor em sua arte. Referência para diretores contemporâneos, mantém
viva a milenar arte chinesa. Curioso é que Lee morreu 40 anos. Suas estórias de
enredo simples cativavam pela plasticidade das coreografias dos combates; mas
apenas chutes e socos seriam capazes de gerar tanta identificação com o público?
Neste trabalho, a obra de Lee é submetida às teorias de Vladimir Propp, Algirdas
Julien Greimas, José Luiz Fiorin e Joseph Campbell, no nível da narrativa, e de
Marcel Martin, Ismail Xavier, Jacques Aumont no nível fílmico, casando ambos com
os ensinamentos da professora Anna Maria Balogh, a fim de conhecer como a arte
de Lee se desenvolve e gera tamanha identificação com o público.
Palavras-chave: Bruce Lee, audiovisual, filmes de kung fu, China
8
ABSTRACT
Bruce Lee, kung fu star in the 70s, is still recognized as the best in his art. Reference
to contemporary directors, keeps alive the ancient chinese art. It is curious that Lee
died 40 years ago. His stories captivated by the simple plot of the plasticity of
choreography of the fighting, but just kicks and punches would be able to generate
so much identification with the public? In this work, Lee’s art is submitted to the
theories of Vladimir Propp, Algirdas Julien Greimas, José Luiz Fiorin and Joseph
Campbell, the narrative level, and Marcel Martin, Ismail Xavier, Jacques Aumont
level film, both associated with the teachings of the teacher Anna Maria Balogh, to
know how the art of Lee develops and produces such identification with the public.
Keywords: Bruce Lee, audiovisual, kung fu, China
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11
1. UM OLHAR OCIDENTAL SOBRE UMA TERRA DESCONHECIDA ........... 13
2.1 A NAÇÃO GUERREIRA .......................................................................... 16
2.2 BREVE HISTÓRIA DO WUSHU / KUNG FU ........................................... 21
2. EM BUSCA DO BRUCE LEE DEFINITIVO .................................................. 23
2.1 O PRINCÍPIO ........................................................................................... 24
2.2 SOBRE OS FILMES DE LUTA ................................................................ 24
2.3 A IDA PARA SÃO FRANCISCO .............................................................. 25
2.4 O INÍCIO DA CARREIRA ARTÍSTICA ..................................................... 26
2.5 O PRECONCEITO E O GRANDE DRAMA: UM NOVO CAMINHO ........ 26
2.6 A VOLTA PARA A CHINA ....................................................................... 27
2.7 A TRAJETÓRIA DO DRAGÃO ................................................................ 27
3. OPERAÇÃO DRAGÃO PARTE I ................................................................. 31
3.1 O CINEMA E SEU ENCANTO ................................................................. 31
3.2 A DECUPAGEM CLÁSSICA .................................................................... 33
3.3 O DISCURSO CINEMATOGRÁFICO ...................................................... 61
SOM E FÚRIA ..................................................................................... 66
OUTROS RECURSOS ........................................................................ 67
CEÁRIO, PERSONAGENS E INDUMENTÁRIA ................................. 67
10
4. OPERAÇÃO DRAGÃO PARTE II ................................................................. 70
4.1 O CONTO MARAVILHOSO ..................................................................... 71
4.2 A JORNADA DO HERÓI .......................................................................... 79
A PARTIDA ......................................................................................... 81
A INICIAÇÃO ...................................................................................... 81
O RETORNO ....................................................................................... 82
4.3 ANÁLISE DAS ESTRUTURAS ................................................................ 85
NÍVEL FUNDAMENTAL ...................................................................... 87
NÍVEL NARRATIVO ............................................................................ 87
MANIPULAÇÃO ....................................................................... 89
COMPETÊNCIA ....................................................................... 89
PERFORMANCE E SANSÃO .................................................. 90
NÍVEL DISCURSIVO .......................................................................... 90
TEMA ........................................................................................ 90
TEMPORALIZAÇÃO ................................................................ 91
ESPACIALIZAÇÃO ................................................................... 92
ACTORALIZAÇÃO ................................................................... 92
4.4 O HERÓI DE HOJE ................................................................................. 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 97
REFERÊNCIAS ........................................................................................... 100
ANEXOS ...................................................................................................... 102
11
INTRODUÇÃO
Li Jun Fan, artisticamente conhecido como Bruce Lee, foi filósofo, professor
de artes marciais e ator de filmes de kung fu. Estrela nas décadas de 60 e 70, ainda
hoje é reconhecido como o melhor em suas artes: a de lutar e a de encenar as lutas.
Referência para renomados diretores contemporâneos, como Quentin
Tarantino, Ang Lee e os irmãos Wachowski, em filmes aclamados pelo público e
pela crítica, Bruce faz manter viva a milenar tradição de seu país de origem, a China,
num ocidente tão distante geográfica e culturalmente. Curioso, no entanto, é o fato
de que “o dragão chinês”, como Lee é chamado, morreu há cerca de 40 anos.
Suas histórias de enredo simples cativavam, em princípio, pela plasticidade
das encenações e coreografias dos combates, mistura enérgica das diversas
modalidades praticadas pelo ator, que também dirigia, roteirizava e editava as
películas. Além do kung fu, ensinado às crianças chinesas na própria escola como
educação física, Bruce lutava com maestria boxe, judô, kara e jiu-jitsu. Tanto
conhecimento em artes marciais deu a ele embasamento para iniciar sua própria
arte, o jet kune do.
Mas apenas chutes, voadoras, socos e pontapés seriam capazes de gerar
tanta identificação com o público, característica do cinema, para fazer um nome
permanecer tão longo tempo como modelo a ser seguido? Existe rmula para
alcançar tal sucesso?
Fórmula talvez não seja a palavra adequada, mas padronização pode ser. Na
obra Morfologia do Conto Maravilhoso, o russo Vladimir Propp (1984) identificou um
sistema formal em contos de fadas e folclóricos. Em sua teoria, estabelece que os
personagens do conto maravilhoso, por mais diferentes que sejam, realizam
frequentemente as mesmas ações. O meio em si, pelo qual se realiza a função,
varia: trata-se de grandeza variável.
Assim, tratando-se os filmes de Lee de histórias de heróis e monstros,
mocinhos e vilões, vencer ou morrer, dualidades recorrentes aos contos analisados
por Propp, sob a perspectiva do teórico russo a obra do ator será submetida e
analisada. O estudo foi aprofundado com as metodologias que surgiram
posteriormente a Propp, como de Algirdas Julien Greimas, traduzidas por José Luiz
Fiorin (2002).
Antes, no entanto, foi realizada a decupagem clássica do filme-guia para a
dissertação, Operação dragão, conforme ensina a professora Anna Maria Balogh
12
(2005). Analisados os recursos fílmicos, de acordo com Marcel Martin (2003), Ismail
Xavier (2008) e Jacques Aumont (1995). Outros autores, como Gilles Deleuze
(1985), Ralph Stephenson e Jean Debrix (1969) também foram consultados como
fonte de referência.
Por fim, complementando os estudos, a obra de Lee foi submetida ao que o
mitólogo Joseph Campbell (1992) chamou de “jornada do herói”. Como Propp,
Campbell também encontrou similaridades em um corpus de contos, mas sob a
perspectiva mítica. Nada mais apropriado quando o objeto de estudos trata de uma
China misteriosa, que envolve histórias dragões e imperadores, bem como de um
personagem-herói que se confunde com o próprio ator, criando espécie de mito
moderno, do qual falam Harry Pross, na tradução de Norval Baitello Jr. (2010) e
Vilém Flusser (2009), que encerram este trabalho.
1. UM OLHAR OCIDENTAL SOBRE UMA TERRA DESCONHECIDA
O que o homem ocidental sabe hoje a respeito do oriente muito se deve aos
contos registrados no diário de bordo de Marco Polo, mercador, embaixador e
13
explorador italiano (Veneza, 15 de setembro de 1254 29 de janeiro de 1324).
Durante o século XIII, ele e seu pai, Nicolau Polo, percorreram a rota da seda.
No ano de 1969, os Polo chegam à Veneza, onde Nicolau
finalmente encontra seu filho Marco, um rapaz inteligente, que sonhava com
a possibilidade de viajar pelo mundo com o pai. Seu desejo foi atendido: em
1271 partiu com Nicolau e Mateus rumo ao Império de Catai (China). Para
os dois mercadores, a liberdade de circular livremente em território tártaro
oferecia uma esplêndida oportunidade de comerciar. Para o jovem Marco,
que observava e anotava suas impressões durante o percurso, era a
realização do grande sonho de sua vida. (MACHADO, 1996, p. 3).
Assim, encantado com tudo com o que se deparava, Marco Polo escreveu
suas crônicas e histórias, que povoaram intensamente a imaginação de vários
povos, chamando a atenção pela riqueza de detalhes e emoção gerada em suas
narrativas sobre o que seria aquela terra até então desconhecida.
Desde a morte do primeiro Khan até o momento em que lhes narro
minhas viagens, seis khans sucederam a Gengis no trono. O sexto, Kublai
Khan, é o mais poderoso: mesmo somadas todas as conquistas dos
imperadores anteriores, elas nunca perfariam a extensão de seus domínios
e riquezas. E mesmo que todos os senhores do mundo, cristãos e
muçulmanos, se reunissem, não teriam tanto poder quanto Kublai, o Khan
que reina atualmente.
Quando os khans e os grandes senhores de linguagem morrem, são
enterrados perto de uma montanha chamada Altai. Durante o cortejo
fúnebre, todos os homens encontrados no caminho são mortos, para
servirem ao senhor no outro mundo. Quando o antecessor de Kublai
morreu, foram sacrificadas mais de 20 mil pessoas.
Como estamos falando mais particularmente dos tártaros, vou
contar-lhes outras coisas sobre eles. Durante o inverno, permanecem nas
planícies, onde muito pasto para os animais. No verão, buscam lugares
mais frios, nas montanhas e nos vales, onde não insetos, e a água e as
pastagens são abundantes. Moram em pequenas casas em forma de tenda,
erguidas sobre armações de varas recobertas de couro. Essas tendas o
montadas e desmontadas com grande facilidade, podendo assim ser
carregadas para onde o clima for melhor. Mas uma vez montadas, as portas
ficam sempre voltadas para o sul.
Os tártaros usam carroças cobertas de couro preto, que as protege
das chuvas. São puxadas por bois ou camelos e nelas viajam mulheres e
crianças. As mulheres, aliás, é quem compram, vendem e fazem inúmeras
outras tarefas, porque os homens se ocupam da caça e dos combates.
Alimentam-se de carne, leite e frutas. Por nada no mundo um tártaro tocaria
a mulher do outro; seria uma ofensa gravíssima. As mulheres são fiéis e
zelam pela honra dos maridos, que podem ter tantas esposas quanto
puderem sustentar; mas a primeira é sempre considerada a melhor. Ao
casar-se, o homem dá um dote à mãe da esposa, mas esta nada oferece ao
marido. Como os tártaros possuem muitas mulheres, eles têm mais filhos do
que os outros povos. (Idem, p. 50-51).
Não bastasse a riqueza de detalhes, que imerge o leitor no universo em que
se passa a inusitada experiência, dando a ele nitidez sobre quem era aquele povo,
14
como ele vivia, em qual espaço estava inserido, é creditada a Polo a introdução no
Ocidente da pólvora, que ele trouxe dessa viagem.
Dessa forma, o oriente, em especial a China, tornou-se um lugar fantástico,
com histórias maravilhosas; uma nação avançada, capaz de inventar algo que
mudaria o destino de todo o mundo.
John King Fairbank e Merle Goldman (2006, p. 19), por sua vez, explicam que
“o fato de a história chinesa ser mais conhecida na China, da mesma forma que a
história do Ocidente é mais conhecida na América e na Europa, gera pontos de vista
discordantes entre a China e o resto do mundo”. Em um resumo comparativo sobre
a história política dos dois hemisférios os autores relatam:
(...) os chineses sabem que os líderes tribais manchus batizaram
seu novo país de Qing (“Puro”) em 1636, justamente o ano que os norte-
americanos (pelo menos aqueles residentes na região de Boston) lembram
como o da fundação de Harvard, a primeira universidade do Novo Mundo.
Após cerca de dois milhões de manchus dominarem mais de 120 milhões
de chineses, a dinastia Qing governou o povo chinês por 267 anos, período
durante o qual houve aumento populacional de cerca de quatrocentos
milhões de pessoas. Na metade da década de 1770, o império de Qing,
com sede em Beijing, consumou a conquista da Mongólia, da Ásia Central e
do Tibete, enquanto alguns milhões de rebeldes nas treze colônias
americanas declararam sua independência do Império Britânico.
Agora que os Estados Unidos são a nação der do mundo,
sucedendo a França do século XVIII e a Grã-Bretanha do século XIX, a
perspectiva histórica faz-se ainda mais importante. A economia de mercado
dos Estados Unidos enfrenta na China o último regime ditatorial comunista,
embora por trás do comunismo chinês haja uma tradição de autocracia
bem-sucedida que é a mais longa do mundo.
(...) o presidente Mao matava milhões de chineses em nome de uma
luta de classes em prol da revolução. Em 1989, seu sucessor estava de tal
forma arraigado à tradição autocrática da China que, ao ser confrontado
com protestos de pessoas desarmadas que reivindicavam a democracia,
cometeu o erro de ordenar o envio de tanques para massacrar centenas
delas em pleno horário nobre de televisão. (Idem, p. 19-20)
2.1 A nação guerreira
Ambos relatos, tanto dos historiadores, quanto o trecho extraído da literatura
infanto-juvenil de Ana Maria Machado, que interpretou a obra de Marco Polo,
escolhido apenas para mostrar a riqueza de detalhes de seus contos, apresentam,
uma característica que parece ser inerente ao povo chinês: as raízes bélicas.
Compare-se: “As mulheres, aliás, é que compram, vendem e fazem inúmeras outras
tarefas, porque os homens se ocupam da caça e dos combates.” (MACHADO,
1996, p. 50). Ou então:
Quando os khans e os grandes senhores de linguagem morrem, são
enterrados perto de uma montanha chamada Altai. Durante o cortejo
fúnebre, todos os homens encontrados no caminho são mortos, para
15
servirem ao senhor no outro mundo. Quando o antecessor de Kublai
morreu, foram sacrificadas mais de 20 mil pessoas. (Idem, p. 50-51).
Como esses dois trechos extraídos da obra de Polo, livremente traduzida por
Machado, muitos outros que comentam o mesmo fato: “Na capital de Fuchu, o
Grande Khan costuma manter um exército bem equipado, porque seus habitantes
são muito rebeldes.” (Ibid., p. 90). Ou ainda:
Quero agora falar dos muitos feitos de Kublai, Khan, cujo nome
significa “rei dos reis”. (...) Descendente direto de Gengis Kam, tem
portanto, o direito de ser senhor de todos os tártaros. (...) Antes de ser rei
participou de diversas batalhas, com grande bravura. Mas, depois de ocupar
o trono, Kublai só foi à guerra uma vez, em 1286.
Nessa época, um jovem chamado Naian, bisneto de um irmão de
Gengis Khan, tinha recebido muitas terras do Grande Khan. Aos 30 anos,
achando-se poderoso, decidiu o mais ser súdito do imperador, e quis
arrebatar de Kublai seu poder e seus domínios. Propôs então a Kaidu, um
ambicioso sobrinho de Khan, um ataque conjunto, para que o derrotassem
mais facilmente. Reuniram assim muitos cavaleiros e soldados para
combater o Grande Khan.
Quando Kublai soube da cilada que lhe preparavam, teve uma
surpreendente reação: declarou que não mais reinaria se não conseguisse
matar os dois traidores. Em segredo, sem que ninguém soubesse, a não ser
seus conselheiros, equipou um exército em apenas 22 dias, com 360 mil
cavaleiros e 100 mil soldados. Eram poucos, se comparados a todo o seu
exército. Porém, pretendendo que tudo ficasse em sigilo, Khan reuniu
apenas os homens de sua confiança. Chamou então os astrólogos, os quais
lhe disseram que venceria a batalha, e partiu com seus homens por
estradas secretas, para que ninguém os visse. Em 20 dias chegou à
planície onde estava Naian com seus 460 mil cavaleiros, sem saber que
estava prestes a ser atacado. Por isso mesmo, seu acampamento não tinha
guardas.
Antes de o dia amanhecer, enquanto Naian ainda dormia, o Grande
Khan começou a avançar com uma torre fortificada, sustentada por quatro
elefantes. No alto da torre tremulavam suas bandeiras, que podiam ser
vistas de longe. Kublai Khan distribuiu seus homens em volta do
acampamento e foi se aproximando. Quando Naian o avistou, pressentiu
que estava perdido; mas, para não desapontar seus soldados, ordenou que
se pusessem em posição de combate, empunhando sua bandeira com a
cruz de Cristo, pois era cristão batizado. Os exércitos esperavam apenas
que soassem os grandes tambores, os quais, segundo o costume tártaro,
marcariam o início da batalha. Enquanto aguardavam, cantavam e tocavam
vários instrumentos. Quando os tambores rufaram, iniciou-se a luta com
espadas e lanças. Foi uma batalha cruel, na qual morreu muita gente.
Venceu-a o Grande Khan. Naian foi preso e seus barões renderam-se.
(Ibid., p. 58-59).
Não certeza se os relatos de Marco Polo são totalmente fiéis à história. No
entanto, para validar seus contos, a China apresentou à humanidade dois
monumentos literalmente concretos do que vem a ser seu fascínio pelas guerras: o
Exército de Terracota e a Grande Muralha (anexos 1 a 4), ambos idealizados e
materializados pelo primeiro imperador chinês, Shi huangdi, ou Qin, responsável
16
pela unificação do país, normalização da escrita, instituição de moedas, pesos e
medidas, conforme afirmam Fairbank e Goldman (2006, p. 69):
Se tudo isso soar exagerado, e soa, nossas dúvidas devem
confrontar-se com fatos como os 7.500 soldados de cerâmica em tamanho
natural encontrados em 1974 e ainda hoje sendo desenterrados na tumba
do Primeiro Imperador próximo a Xi’an. (...) As muralhas foram construídas
por Qin e outros Reinos Combatentes e, mais tarde, por algumas dinastias.
Resta saber, no entanto, de onde vem essa origem bélica, como ela se
formou, qual o contexto dessa nação que, além de tudo, precisa representar-se de
forma tão magnífica.
Ao estudar as histórias que alimentam o imaginário dos povos do mundo todo,
o mitólogo norte-americano Joseph Campbell (1994) lançou os três volumes de As
máscaras de Deus. No volume Mitologia oriental, ele conta que, na época de
Confúcio (551 a 478 a.C), havia nada menos que 770 Estados monárquicos em luta.
Bem antes disso, no período dos 10 Grandes (sec. XXVI a.C. a 1.730 a.C.),
aparecem histórias que podem ter deixado arraigado no povo chinês o espírito
guerreiro. O mitólogo apresenta Yen Ti. Destronado por seu irmão, Huang Ti, era
conhecido como Imperador Amarelo. Teve 25 filhos, e a ele eram comuns os
sacrifícios. É creditada a Yen Ti a invenção do fogo que, com ele, queimou florestas
e montanhas, limpou as matas, incendiou os pântanos e expulsou os animais
selvagens para a criação de gado.
Posteriormente, na época feudal (1.500 a 500 a.C.), aparece a história do
imperador Yü, morto por um de seus vassalos ocidentais. P’ing, seu sucessor,
transferiu a capital para Loyang, no leste. O único poder no oeste era o Estado
bárbaro de Ch’in, que no período subsequente a Confúcio dominaria toda a China,
estabeleceria o primeiro império militar chinês, construiria a Grande Muralha,
queimaria os livros dos filósofos e iniciaria em grande estilo a política de despotismo.
Apesar disso, na Dinastia T’ang, de 618 a 906 d.C., aconteceu o maior
massacre chinês. O período foi amplamente cosmopolita, com o florescimento da
ordem budista achinesada, demolição de mosteiros e santuários, confisco de terras
e alforria de escravos dos templos.
Posterior a T’ang, Wu-tsung assumiu o trono, e mais de quatro mil favorecidos
pelo imperador anterior foram mortos. No ano seguinte apoiou o clero taoísta contra
o budista e, em 842, começou a acabar com a doutrina estrangeira no país.
17
Queimou as escrituras e eliminou as imagens de Buda, dos Bodhisattvas e dos Reis
Celestiais das Quatro Direções. Iniciou uma época de terror.
1.2 Breve história do wushu/kung fu
Um povo que, durante séculos viveu e ainda tantos conflitos, desenvolveu
uma arte marcial própria, adequada à sua realidade, para os combates. Assim é o
wushu, que como quase tudo o que envolve a China, tem origens envoltas em
histórias e contos, lendas e fantasias. Apesar de não ser fácil ter certeza quanto ao
real surgimento e desenvolvimento do wushu, todas as histórias se convergem no
mesmo ponto: criada nos templos budistas da Índia, foi na China se desenvolveu de
forma consistente, sendo hoje obrigatória, por exemplo, na carga horária escolar das
crianças chinesas como educação física.
Como uma arte tradicional, o Kung fu faz parte da grande herança
cultural do povo chinês. Sua origem pode ser encontrada na pré-história,
onde nossos ancestrais eram obrigados a lutar contra animais e outros
homens a fim de garantir sua sobrevivência (Ji,1986). Na luta entre tribos,
os guerreiros compreenderam que, para derrotar o inimigo, era importante
não possuir boas armas, mas também melhorar a capacidade física e as
habilidades de combate através de treinamento intensivo nos tempos de
paz. Este treinamento melhorou essas capacidades e habilidades e
propiciou o surgimento de várias artes marciais ao longo dos séculos,
dentre elas o Kung fu.
Alguns livros afirmam que essa arte marcial é conhecida pela
inspiração nos movimentos dos animais e com preocupações de saúde e
defesa pessoal mais de 5000 anos (Minick,1975). A Federação Paulista
de Kung fu (emA Origem da Expressão Kung fu”, 2003) explica a utilização
desta palavra e a equivocada utilização da mesma em associação à arte
marcial. O Kung fu é uma expressão antiga que genericamente, no dialeto
cantonês, significava tempo e esforço desprendido numa atividade” ou
“grau de perfeição alcançado em qualquer área de atuação”, ou ainda,
“conhecimento profundo de um assunto”. Na década de 70 essa expressão
utilizada para denominar as artes marciais chinesas, ficou mundialmente
conhecida através dos filmes de artes marciais. Entretanto, a expressão
gramaticalmente correta para designar a arte marcial é Wushu (arte
marcial), originária do mandarim.
Complementarmente, Ortega (1997) observa que essa arte marcial
deve ser vista como atividade esportiva sistematizada e com regras
próprias, medidas que permitiram a organização de torneios e
campeonatos. Pode-se caracterizar as competições em três tipos, formas
ou rotinas (Kati), Lutas combinadas (Toi Chat) e os Combates (Kuoshu e
Sanshou). A primeira diz respeito às seqüência de movimentos inspirado
nos movimentos dos animais contra um ou mais adversários imaginários; a
segunda, confronto envolvendo dois ou mais atletas com movimentos de
ataque e defesa pré-determinados; e a terceira, que é o embate direto entre
dois adversários, no qual são avaliadas as qualidades técnicas, táticas e
físicas de cada um. (HIRATA, 2009, p. 3-4)
Para iniciar o capítulo seguinte, a revisão do que foi dito até agora é
indispensável. Falou-se que, depois que a Europa percebeu que não estava sozinha
18
no mundo e seus exploradores passaram a ganhar esses espaços, seus contos
povoaram a imaginação daqueles que, sem a coragem ou as condições de
embarcar nas mesmas aventuras, ficavam fascinados com os diários de bordo e
relatos das viagens.
Marco Polo e seu pai, Nicolau Polo, por exemplo, foram os responsáveis por
essa construção no que diz respeito ao oriente e à China, mais especificamente.
Eles percorreram a rota da seda no século XIII e ficaram conhecidos por trazerem
para o ocidente a pólvora.
Mesmo nos relatos mais despretensiosos de Polo, sempre ricos em detalhes,
que imergiam o leitor naquele universo, uma característica daquele povo ficou
claramente acentuada: as raízes bélicas. Registradas na história de forma concreta,
com a Grande Muralha e o Exército de Terracota, os chineses cultivam a arte da
guerra, conforme ressaltado por Campbell (1994), mais de dois mil anos antes de
Cristo.
Os chineses desenvolveram o Wushu, no ocidente chamado Kung fu. Envolto
em lendas sobre sua origem, a arte marcial hoje é, inclusive, considerada esporte
obrigatório nas aulas de Educação Física das crianças chinesas e, nas Olimpíadas
de Pequim, tornou-se oficial na competição.
2. EM BUSCA DO BRUCE LEE DEFINITIVO
19
Outro fato curioso sobre o wushu é que, ameados da década de 70, era
ensinado apenas para chineses. Considerava-se heresia o fato de popularizar a arte
para ocidentais e europeus. No entanto, o ator e praticante de artes marciais Li Jun
Fan, artisticamente conhecido como Bruce Lee, rompeu paradigmas ao fundar, nos
Estados Unidos, uma rede de escolas que ensinava a luta e, depois, mostrá-la em
filmes e seriados de televisão para todo o mundo conhecer.
quase 40 anos fora de cena, Bruce Lee ainda é lenda. Encontrar pôsteres
seus nas academias dos mais diferentes estilos, não é tarefa difícil. Isso porque sua
presença ainda hoje é extremamente lembrada pelos amantes das lutas e das
películas, outrora consideradas lado b”, mas hoje fonte de inspiração para
produções impecáveis aos olhos da crítica e do público.
Sino-americano (filho de chineses, mas nascido em São Francisco), seus
olhos puxados e seu 1,60m, em tela pouco se assemelhavam com o que o público
estava acostumado a ver quando se diz respeito aos filmes de ação em que um
herói precisa salvar a mocinha indefesa ou a cidade em perigo.
Naquela época (fim da década de 60 e início da década de 70), o gênero
“filmes de kung fu estava relegado a segundo plano. Foram lançados clássicos
como A primeira noite de um homem, de Mike Nichols, A bela da tarde, de Luis
Buñel, Rebeldia indomável, de Stuart Rosenberg, À queima-roupa, de John
Boorman, Bonnie e Clyde, de Arthur Penn, Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone,
O planeta dos macacos, de Franklin Schaffner, O be de Rosemary, de Roman
Polanksi, 2001, uma odisséia no espaço e Laranja mecânica, de Stanley Kubrick,
Solaris, de Andrei Tarkovsky e O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola.
A relação está na obra 1001 filmes para ver antes de morrer, de Steven Jay
Schbeider, lançada em 2008. O livro compila crônicas, numa espécie de catálogo,
daquilo considerado relevante em produções audiovisuais, desde Viagem à lua, de
George Méliès, a Desejo e reparação, lançado em 2007 na Inglaterra, por Joe
Wright.
2.1 O princípio
A biografia mais recente de Lee foi lançada em 2006 pela editora Conrad.
Bruce Lee Definitivo é uma compilação de tudo publicado sobre esse que ficou
conhecido como “o rei do kung fu”. A obra mostra uma personalidade à frente de seu
20
tempo e, principalmente, à frente de tradições milenares, do primeiro encontro de
seus pais até sua morte, ainda hoje questionada por muitos fãs.
É importante ressaltar, no entanto, que a obra tem apelo comercial, como
praticamente todo material produzido pelo e a respeito do ator. O filme que conta
sua trajetória, Dragão, a história de Bruce Lee (1993), também foi utilizada como
fonte para o breve resumo a seguir sobre quem foi Bruce Lee, mesmo sendo difícil
separar realidade de ficção, fato de fantasia, verdade ou mentira nesse contexto.
2.2 Sobre os filmes de luta
A história começa por volta de 1760, época da violenta dinastia Ching. Para
eliminar eventuais opositores do regime, os soldados do imperador destruíram o
templo budista Shaolin. Ele, o imperador, queria que a religião taoísta fosse a única
na China. Apenas três restaram para dar continuidade à doutrina. Um deles era Zhi
Shan, que ensinou a técnica aos atores da Ópera de Pequim. A ideia era os atores
denunciarem a violência da dinastia Ching apresentando as lutas do templo Shaolin
de forma coreografada nos palcos.
A tradição bélica dos chineses, ressaltada por Campbell (1994) em As
máscaras de Deus, misturou-se com a arte, também amplamente difundida na
milenar nação. Como o próprio mitólogo afirma, “o lado do que se chama de
civilização, transpõe-se o abismo entre o caminho da religião e o da arte” (Ibid., p.
255).
Li Hoi Cheun, pai de Bruce, era cantor da Ópera Chinesa. Exercendo a
profissão conheceu sua mulher, Grace, filha de alemão com chinesa. A família se
formou nessa mistura de raças.
Na manhã de 27 de novembro de 1940 nasceu um garoto, mas por
superstição recebeu nome de menina. Aquele era, no horóscopo chinês, o ano do
dragão. O bebê foi rebatizado de Li Jun Fan, mas o nome que ficou marcado para
sempre no meio audiovisual foi Bruce Lee, dado pela enfermeira.
Bruce era um garoto inquieto. Sua irmã, Agnes, deu a ele o apelido Siu Lung,
ou pequeno dragão. Ainda criança fez várias apresentações em filmes e seriados de
Hong Kong.
Na adolescência, a criança agitada se tornou um jovem encrenqueiro. Não
raro, a polícia surgia e interrompia as brigas. Foi expulso ou transferido de escola
cerca de 10 vezes, com broncas severas de seus pais.
21
Aos 13 anos resolveu deixar as ruas para levar a luta mais a sério. Bruce se
interessou pelo estilo wing chun, modalidade que exige movimentos mais rígidos e
econômicos, mas ao mesmo tempo contundentes. Aprendeu a desferir golpes
potentes, dados a curta distância. As aulas envolviam filosofia oriental, autocontrole
e métodos de defesa.
O professor e os outros alunos ficaram impressionados com a rápida
evolução de Bruce nas aulas; mais ainda com sua elasticidade, reflexos e
habilidades para socos e chutes. Para aprimorar equilíbrio e movimentos do corpo,
aos 14 anos foi aprender a dançar chácháchá, e ficou em primeiro lugar no
campeonato da Coroa da Colônia. Ele também lutava karatê e decidiu treinar boxe.
2.3 A ida para São Francisco
Apesar de ter se acalmado, Lee, de vez em quando arrumava brigas na rua.
Seu pai, furioso com a rotina que durou até os 18 anos de Bruce, decidiu puni-lo. O
garoto que saiu de São Francisco, nos Estados Unidos, e foi para a China com
apenas três meses de vida, seria mandado de volta para a América.
Bruce arrumou emprego temporário como professor de dança. Para dar aulas
de artes marciais, precisava melhorar o idioma. Cinco meses depois se mudou para
Seatle, na casa de amigos de seus pais, que lhe arrumaram emprego no
restaurante. Lee discutia frequentemente com os clientes e funcionários.
Aos 21 anos, foi aprender filosofia na Universidade de Washington, onde dava
aulas particulares de lutas para amigos do campus. Abriu uma academia, o Instituto
Lee Jun Fan Gung Fu. Na época conheceu Linda, por quem se apaixonou. De
família tradicional protestante, Linda teve o romance proibido pela mãe, mas
ignorou-a e seguiu adiante com a história de amor.
Gente de todos os tipos aparecia para treinar com Bruce, e justamente a
mistura de raças incomodou os chineses mais tradicionais. Bruce e Linda, agora sua
companheira e sócia, recebiam ameaças constantes. Eles eram acusados de
cometer heresia ao ensinar a arte milenar oriental a não chineses.
Um dos mais temidos atletas de kung fu da comunidade chinesa de Seatle,
Wong Jack, desafiou Lee. Caso vencesse poderia continuar dando aulas. O duelo
durou apenas três minutos. Lee venceu.
2.4 O início da carreira artística
22
Em agosto de 1964 Bruce foi participar de um torneio de artes marciais em
Long Beach, Miami. Na plateia estava o cabeleireiro da série Batman, que viu nos
movimentos de Lee algo que nunca havia presenciado nos sets de filmagem do
seriado. Com isso, logo foi convidado pelo produtor William Dozier para um teste nos
estúdios da 20th Century Fox, em Los Angeles. Em setembro de 1966, Bruce
ganhou um papel na série Besouro verde. Ele fazia Kato, motorista e guarda-costas
do herói da série.
Nos primeiros meses de 1967 ele e Linda abriram uma academia em Los
Angeles. Semanas depois da inauguração, o lugar parecia um set de filmagem, com
atores e figuras famosas. Era disputado por professores de artes marciais, como
Chuck Norris, o gigante do basquete Kareem Abdul-Jabbar e até mesmo o diretor
Roman Polanski.
2.5 O preconceito e o grande drama: um novo caminho
Mesmo com o sucesso de Besouro verde e da academia, seus amigos e ele
próprio perceberam que não o chamavam para produções cinematográficas por ser
de origem oriental. Na época, em um dos treinos, Bruce caiu de mau jeito e bateu as
costas. A lesão ria o fez ficar seis meses, de bruços, no hospital. O momento foi
de descanso e de reflexão, e serviu para colocar no papel algo que vinha elaborando
nos últimos anos: as bases de um novo estilo de luta oriental.
Bruce sabia lutar com desenvoltura de atleta bem treinado o boxe oriental,
karatê, jiu-jitsu, muay thay e até esgrima. Com isso, moldou o jeet kune do, mistura
de tudo o que essas lutas tinham de melhor. Fazia rascunhos de combates e golpes,
desenhando os movimentos com minúcias. No hospital, Linda anotava o que Bruce
ditava, pois ele, de bruços, estava impedido de escrever.
O livro, uma espécie de manual, chamado O Tao de Jeet Kune Do, foi
lançado em 1975, dois anos após sua morte. A base da arte é lutar com
simplicidade: atacar e ao mesmo tempo neutralizar os golpes do adversário. Deve-
se lutar sempre em movimento, ficar atento aos contragolpes, desenvolver
manobras com a elasticidade dos felinos, forçar o oponente a lutar do seu jeito e
exigir que ele pense sempre em se defender.
2.6 A volta para a China
23
As coisas não iam bem para Bruce e sua família nos Estados Unidos. Eles
eram vítima de preconceito. Por sugestão do amigo e ator James Coburn, Bruce
decidiu investir na Ásia. Acertou com uma promissora produtora de Hong Kong, a
Golden Harvest. Reuniu-se com o produtor Raymond Chow, que se tornaria seu
grande parceiro e incentivador, e acertou três produções. A empresa era pequena e,
com isso, Bruce teria liberdade para, além de atuar, participar ativamente das
filmagens, dando palpites nas câmeras, produtores e técnicos, para os filmes
apresentarem lutas de grande apelo plástico, autenticidade e emoção.
A participação de Lee atrás das meras nas produções foi definitiva para o
sucesso das películas. Segundo Marcel Martin (2003, p. 24) explica que: “quando o
diretor pretende fazer uma obra de arte, sua influência sobre a coisa filmada é
determinante.” E foi isso que aconteceu com os filmes de Lee.
2.7 A trajetória do dragão
O dragão chinês (1971) foi a estreia de Lee na produtora chinesa Golden
Harvest. Filmado na Tailândia, conta a história de Cheng Chao, um camponês que
se muda com os tios e primos para trabalhar numa fábrica de gelo. O dono da
fábrica, o grande vilão do filme, está envolvido com tráfico de drogas e de mulheres.
A quadrilha do criminoso, no entanto, é inferior ao Wushu de Cheng e seus primos.
Do filme ficou célebre e muito repetida a cena em que Bruce Lee derrota 20 inimigos
em meio a saltos sobre blocos de gelos, estilhaçados pelos golpes.
Exuberante nas lutas, a estreia causou frenesi no público. “Alçado à condição
de herói indestrutível, Bruce virou estrela máxima do cinema asiático, e a partir
daquele filme virou o rei do kung fu” (LOPES, 2006, p. 48).
O magnetismo exercido por Lee em seu público tem explicação nos estudos
do teórico de cinema Marcel Martin (2005). O autor afirma que a direção de atores é
um dos meios à disposição do cineasta para criar seu universo fílmico. Ele classifica
cinco diferentes formas de atuação. De acordo com essa classificação, Bruce Lee se
enquadraria na atuação frenética e na atuação excêntrica:
- frenética: pressupõe experiência gestual e verbal propositalmente
exagerada: é o caso de certos filmes de Kurosawa e Kobayashi, mas também de
Sternberg e Welles, e mais recentemente de Ken Russell e Zulawski;
24
- excêntrica: lembremos o estilo de desempenho praticado nos anos 20 pela
escola soviética da FEKS (Fábrica do Ator Excêntrico), que tinha por objetivo,
seguindo a tradição de Meyerhold, exteriorizar a violência dos sentimentos ou da
ação.
Segundo o autor, “a fascinação exercida pelo cinema advém, sobretudo, da
possibilidade que oferece ao espectador de se identificar com os personagens
através dos atores. Mas o que faz o prestígio do grande ator é que ele consegue
impor sua personalidade a seus personagens” (Idem, p. 74).
Bruce teve êxito nas telas novamente em 1972, quando lançou A ria do
dragão. O diretor Lo Wei colocou-o para lutar mais vezes. No roteiro estava a
rivalidade entre China e Japão: na Xangai de 1908, Chen e seus amigos enfrentam
uma turma de alunos japoneses de uma escola de artes marciais.
Também lançado em 1972, O vôo do dragão teve Bruce como diretor. Ele
desenhou todas as sequências e criou o roteiro, que narra a história de Tang Lung,
lutador que viaja a Roma para ajudar a família de um amigo ameaçado pela máfia
local. Bruce Lee chamou seu ex-aluno Chuck Norris para um papel que eternizou os
dois atores: gravada em três dias, por causa do perfeccionismo de Bruce, a
sequência de luta no Coliseu tornou-se um clássico dos filmes de kung fu. A luta era
aplaudida no set por figurantes, câmeras e produção. O filme foi o primeiro asiático
em território ocidental.
No mesmo ano, Bruce foi trabalhar no projeto de O jogo da morte. No enredo,
o herói tinha que salvar a namorada das mãos de gângsteres e, para isso, criou
mais uma sequência clássica muito imitada posteriormente nos filmes do gênero: em
cada andar da torre da morte, ele enfrentava um adversário diferente. Trata-se, na
verdade, de uma instância simbólica do que vêm a ser os altos e baixos na vida de
um herói. Conforme ensina a professora Anna Maria Balogh (2002, p. 79):
A cultura pode ser concebida como um vasto tecido de relações
existentes entre os textos das diferentes séries culturais que a compõem: a
literatura, as artes, a ciência, a filosofia etc. As relações podem limitar-se a
obras de uma única série cultural, como a literatura, por exemplo, ou
envolver diversas simultaneamente, como cinema, pintura e arquitetura.
(...)
Os entrelaçamentos não se limitam, no entanto, aos textos de
criação; existem também entre correntes metalinguísticas aparentadas e,
como bem observa Leyla Perrone Moysés (Poetique, 1976), tem contribuído
para a compreensão de fenômenos e movimentos culturais mais
abrangentes.
25
À medida que ele sobe as escadas, ficando, portanto, no alto e mais próximo
metaforicamente de um possível Deus, para alcançar esse Deus é necessário
vencer um desafiante cada vez mais poderoso. E Bruce Lee conquista, de fato, a
vitória.
As referências a esse filme são tão recorrentes que o costume que o ator
usava foi vestido também por Uma Thurman em Kill Bill I (anexo 5), singela
homenagem do cineasta Quentin Tarantino à sua fonte inspiradora. A coreografia
das lutas, os cenários e os diálogos do volume II de Kill Bill também remetem ao
trabalho de Lee.
As filmagens de O jogo da morte se estenderam por meses, e a fita foi
concluída em 1978, anos após a morte de Bruce Lee. Dois atores foram chamados
para dublês, e Robert Clouse terminou a edição do longa.
Durante as gravações, os executivos da Warner, Fred Weitraub e Paul Heller
convidaram Bruce para um projeto em Hollywood: Operação dragão. Ansioso, pois
finalmente havia conquistado o que desejara, chegou a faltar aos primeiros dias de
gravações. Quando finalmente decidiu seguir adiante com o filme, mostrou a Clouse
alguns de seus desenhos de lutas para as sequências. O diretor não tinha dúvidas
de que aquele seria um grande filme.
A história era corriqueira dos filmes de artes marciais: para vingar o
assassinato da irmã, um lutador vai a uma fortaleza repleta de bandidos. É desse
filme a cena na sala com mais de 8 mil espelhos, muito imitada em produções
posteriores. “Esse filme tornou Bruce Lee ainda mais popular e definitivamente uma
lenda como ator e lutador nos EUA” (LOPES, 2006, p. 57).
Em abril de 1973, agora com apoio da Warner, Bruce voou para Hong Kong
para finalizar as filmagens de O jogo da morte. No dia 10 de maio entrou em coma e
se recuperou dias depois, mas em 20 de julho tomou um analgésico para dor de
cabeça, foi se deitar e o acordou mais. A causa da morte foi edema cerebral,
provocado por reação alérgica a um componente químico do remédio.
O jogo da morte, filme concluído e lançado após a morte de Bruce Lee, foi
seu maior sucesso de bilheteria. Ficou meses em cartaz. “Bruce virou lenda, mito, e
sua influência é forte até hoje” (Idem, p. 66-67).
26
3. OPERAÇÃO DRAGÃO – PARTE I
3.1 Formas de abordagem
Antes de apresentar o filme-guia desta análise e dissecá-lo a fim de tentar
descobrir se realmente Bruce Lee, por meio de seus filmes, pode ser considerado
um mito contemporâneo e, em caso afirmativo, como o ocidente se apropriou desse
mito, uma pausa para explicar como se guiará o estudo:
a. Com base nos ensinamentos da professora Anna Maria Balogh (2005)
será realizada a decupagem clássica do filme-guia.
27
b. Decupagem pronta, os elementos fílmicos expostos serão analisados de
acordo com os estudos de Marcel Martin (2003), Ismail Xavier (2008) e
Jacques Aumont (1995). Outros autores, como Gilles Deleuze (1985),
Ralph Stephenson e Jean Debrix (1969).
c. Para analisar a narrativa, três aproximações teóricas foram feitas: a do
russo Vladimir Propp (1994), sob a perspectiva do conto maravilhoso; a do
mitólogo norte-americano Joseph Campbell (1992), objetivando descobrir
os elementos míticos presentes no filme e, por fim, a de José Luiz Fiorin
(2002), que elucida importantes pontos da geração de sentido em uma
narrativa.
Ressalta-se que, tanto no item “b”, quanto no item “c”, a teoria é apresentada
e, logo em seguida, é realizada sua aplicação prática no objeto de estudo. A
opção por tal estrutura se deu como forma de oferecer ao leitor facilidade em
associar os ensinamentos teóricos com a interpretação do filme. Além disso, em
alguns pontos, são apresentados como os elementos estudados se manifestam em
outros filmes do ator. Os objetivos são fornecer uma visão mais ampla da obra de
Bruce Lee e confrontar a análise para se chegar a uma conclusão mais sensata do
que significam, hoje, os filmes do ator.
3.2 O cinema e seu encanto
“Apagam-se as luzes, cria-se a atmosfera. Dispostos a submeter-se ao
desconhecido que virá da tela, estão eles, os espectadores, prestes a entrar em
um mundo novo, com todos seus aspectos. Quiçá cheiros e sabores” (ARRUDA e
BONITO, 2009, p. 6). “O cinema, essa máquina de fazer sonhos, como Edgard Morin
(1973) a definiu, é capaz também de mostrar realidades e de, cena a cena, trazer à
tona universos inimagináveis” (Idem).
Marcel Martin (2003) afirma que, do ponto de vista social, o cinema é a arte
mais importante e influente da contemporaneidade. Hoje, a conhecida sétima arte
faz parte do dia a dia das pessoas. Usa-se o cinema para tudo: de ensinar a
entreter. Assim, estudar seus processos e formas acaba por se tornar mais uma
maneira de entender esses tempos, o que é essencial para quem se dedica aos
estudos sociais da comunicação.
O autor defende a existência de uma linguagem própria do cinema,
que, segundo ele, foi arte desde suas origens. Inicialmente a serviço da
28
magia e da religião, antes de tornar-se uma atividade específica, criadora da
beleza” (MARTIN, 2003, p. 16).
A linguagem por ele defendida deu-se por conta de uma escrita
própria, que se manifesta em cada realizador sob a forma de estilo, e que
fez o cinema tornar-se, por isso mesmo, meio de comunicação, informação
e propaganda. (Ibid.)
Segundo a professora Anna Maria Balogh, em ensaio publicado na obra O
feitiço do cinema, organizada por Andrade e Droguett, “a mídia contemporânea
transformou o processo de falar sobre os filmes em algo leve, lúdico até”, mas “nem
sempre foi tudo tão leve” (ANDRADE e DROGUETT (Org.), 2009, p. 29-30). Ela
explica:
Uma linguagem nascente vai criando uma gramática e uma sintaxe
próprias que a tornam inteligível ao público-alvo.
(...)
A criação da unidade narrativa envolve estratégias de enunciação
básicas sobre formas de entrada e saída dos atores, formas de transmitir os
diálogos dos personagens, do ponto de vista de cada um dos interlocutores
campo-contra-campo –, que pressupõem suas reações dentro de uma
narrativa dada.
(...)
Para a compreensão da linguagem fílmica é necessário, pois,
conceber a montagem não como simples ato mecânico de unir sequências
fílmicas, mas, sim, como um procedimento determinante, imprescindível
para a organização da significação no cinema.
Ainda conforme a autora,
A forma de organização sintático-narrativa deu origem à decupagem
clássica, entendida como um processo de decomposição do filme em suas
unidades menores, os planos, e que espelha a montagem fílmica. O ato de
fazer a decupagem de um filme significa dividi-lo nas sequências que o
organizam e, nesse sentido, guarda similaridades com a palavra krinein,
que significa quebrar, sendo que essa mesma palavra está também na raiz
do termo “crise”. Quando se faz uma crítica, uma transcodificação da
linguagem cinematográfica, também se faz a decupagem da obra em
pedaços e se põe temporariamente em crise os seus significados para
poder compreendê-los e explicá-los melhor (Idem, p. 31).
Para esta apreciação específica, conforme elementos de análise que serão
detalhados a seguir, escolheu-se, da curta carreira de Bruce Lee, o filme-guia Enter
the dragon (Operação dragão), lançado em 1973 nos Estados Unidos. Naquele ano,
conforme ressaltou Schneider (2008) em seu catálogo 1001 filmes para assistir
antes de morrer, foram sucesso de bilheteria filmes como Golpe de mestre, de
George Roy Hill, Terra de ninguém, de Terrence Malick, Loucuras de verão, de
George Lucas, Caminhos perigosos, de Martin Scorsese, e o thriller de terror de
maior repercussão no mundo: O exorcista, de Willian Friedkin. No entanto, apenas
um filme de Lee constou em sua seleta. Foi ele Operação dragão, do diretor Robert
Clouse.
29
O fato de Operação dragão ser a primeira produção de Lee a contar com
apoio dos produtores dos estúdios Warner foi outro motivo que levou à escolha.
Além disso, esse foi o último filme rodado pelo ator
1
.
O convite feito pelos produtores Fred Weintraub e Paul Heller concretizava o
sonho de Bruce em realizar um projeto em Hollywood.
O ator aceitou o trabalho e voltou então para os EUA. Ele poderia
afinal tentar fazer o que sempre sonhara: trabalhar para uma gigante da
indústria do cinema americano, com orçamento alto, número maior de
figurantes, além de locações e cenários grandiosos, para realizar seu
melhor longa. (LOPES, 2006, p. 54).
Apesar de a história ser corriqueira dos filmes de artes marciais, de acordo
com o autor, esse é o filme responsável pela notoriedade de Bruce Lee. O autor
conta que Bruce estava inseguro e achava que não conseguiria completar seu
primeiro filme hollywoodiano, chegando a faltar nas primeiras gravações, e só depois
de 15 dias decidiu aparecer no set.
“Queria repensar melhor o roteiro”, desculpou-se, antes de mostrar
a Clouse alguns desenhos que fizera em casa para as cenas de luta. O
diretor topou as sugestões, que apontavam desde golpes em embates entre
Bruce e dezenas de figurantes armados até posições de câmera para as
tomadas de saltos e acrobacias (Idem, p. 54).
O roteiro incluía cenas ousadas, como a da sala com os oito mil espelhos,
que exigiam alguém que soubesse como coreografar e filmar uma luta, deixando-a
plástica e eletrizante. “Bruce contribuiu com seus palpites e foi decisivo para que a
ideia desse certo” (Ibid., p. 57).
Sobre o filme, Schineider (2008, p. 563) resenha:
Tendo estabelecido suas credenciais de superestrela de filmes de
ação com produções precárias de Hong Kong, como A fúria do dragão e O
dragão chinês, Bruce Lee, campeão de cháchác(e também de karatê e
kung fu), teve a oportunidade de completar um filme com os padrões de
produção de Hollywood.
(...)
O diretor Robert Clouse possui o estilo esperado de alguém que
esteja dirigindo uma aventura de Brock Landers (uso intenso de zoom e
reflexos de luz batendo nas lentes), e Lee, cujo inglês de Hong Kong da
vida real possuía um forte sotaque, mas era fluido e característico, fica
preso aos diálogos de Charlie Chan”, que consistem de sábios
pronunciamentos enigmáticos. A ação continua sendo formidável, contudo,
que, sem a ajuda de fios ou dos efeitos usados em filmes recentes, como
O tigre e o dragão, Lee executa magnificamente seus movimentos, usando
seus nunchakos característicos e movimentando o seu tórax oleado.
Influente sobre todo um gênero de filmes de artes marciais que veio depois,
1
Apesar de Game of death (Jogo da morte) ter sido lançado em 1978, o filme começou a ser gravado
em 1972. As filmagens foram interrompidas justamente para Bruce rodar Operação dragão e
concluídas após sua morte com auxílio de dublês.
30
e também um padrão para todos os games “de briga”, Operação dragão
merece o seu lugar na história dos filmes puramente pela presença
carismática de Lee e pelas sequências de luta impossíveis de serem
imitadas.
Do roteiro à atuação, a participação de Bruce Lee foi determinante para o
sucesso desse filme, seu primeiro em solo americano, em que interpretou o próprio
lutador de artes marciais, com princípios éticos e seguidor da filosofia do Templo
Shaolin.
3.3 A decupagem clássica
Anna Balogh (2005, p. 31), ao estudar as conjunções, disjunções e
transmutações da narrativa, da literatura ao cinema e à TV, afirmou que a relação
entre o cinema e seus metatextos correspondentes é desafiadora. Segundo ela, “o
cinema é um objeto complexo, no qual convergem dois tipos de evolução: a das
artes e a da tecnologia”.
Para a autora, as artes visuais, em especial o cinema, tem uma
característica que dificulta os estudos metalinguísticos de origem semiótica. Essa
característica é dita impressão de realidade. Ela diz:
A sensação de mimese da realidade é muito mais forte no cinema
do que em qualquer outra arte visual em virtude da possibilidade de criar a
ilusão do movimento e combiná-lo com o áudio. Por essa razão, o cinema
foi entusiasticamente saudado pela crítica em seus primórdios.
(...)
aos poucos é que se vai apontando o caráter iniludivelmente
manipulatório das imagens fílmicas e o consequente distanciamento desta
visão mimética do real que tal manipulação pressupõe. Apontam-se a
passagem da tridimensionalidade para a bidimensionalidade, a seleção
implícita em enquadramentos e angulações, a existência da perspectiva, a
potente ão da montagem na produção do sentido, entre outros. (Ibid., p.
33).
A fim de revelar quais são esses elementos presentes em Operação dragão,
filme-guia deste trabalho, fez-se a decupagem clássica da obra, plano a plano,
conforme modelo apresentado pela própria professora Balogh na análise de Vidas
secas, adaptado da obra de Graciliano Ramos. Isso significa que o filme foi
esmiuçado, que seus elementos foram separados para uma posterior análise fílmica,
narrativa e geradora de sentido, conforme segue:
PLANO
IMAGEM
SOM
CÂMERA
AÇÃO
FALA
RUÍDO
QUADRO
ÂNGULO
MOVIMENTO
31
1 Plano
geral
FRENTE
Travelling
Mansão
chinesa
vermelha com
detalhes em
dourado. Está
atrás de galhos
e folhagens.
Música
tradicional
chinesa, com
cítaras e
percussão,
cria clima de
suspense
2 Plano de
conjunto
FRENTE
Fade p/
câmera fixa
Grupo assiste
demonstração
de artes
marciais. Há
homens de
azul, preto,
vermelho e
amarelo. No
alto, o mestre
veste traje na
cor laranja. O
ambiente é ao
ar livre, natural,
entre árvores,
pedras e terra.
Está ventando.
Ao centro,
estão dois
lutadores, que
vestem apenas
calção, bota e
luvas.
Som
ambiente
3 Plano
americano
FRENTE Câmera fixa Chinês com
vestimentas
tradicionais na
cor marrom e
um ocidental
com terno
preto. Uma
bandeira
amarela, com
ideograma
oriental em
preto, farfalha
ao fundo.
Música
tradicional
chinesa, com
cítaras e
percussão,
cria clima de
suspense
4
Close
FRENTE
CIMA
Câmera fixa
Câmera
subjetiva
Mestre
observando a
demonstração
de artes
marciais.
Visão em plano
de conjunto
que Bruce tem
de seu
adversário.
Sons de luta
e música
tradicional
chinesa, com
cítaras e
percussão,
criam clima
de suspense
ao fundo
5 Câmera
subjetiva
Close
FRENTE Câmera fixa Sequência de
socos, chutes,
esquivas.
Pés de Bruce,
que se mexem
estrategicamen
Sons de luta
e música
tradicional
chinesa, com
cítaras e
percussão,
criam clima
32
Plano de
conjunto
te.
Homens e
mestre
observam a
demonstração.
de suspense
ao fundo
6 Plano de
conjunto
Close
Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Alunos em
vermelho
observam ao
fundo Bruce
derrubar seu
adversário e
aplicar nele
uma chave de
braço.
Rosto de Bruce
aparenta que
ele está
fazendo força.
Seu oponente
não aguenta
segurar o golpe
e desiste da
luta sob os
olhos dos
alunos e do
mestre.
Lutadores
levantam,
cumprimentam-
se e
cumprimentam
quem está fora
de campo.
Com um gesto,
o mestre indica
que todos
podem se
levantar e
deixar o local.
Sons de luta
e música
tradicional
chinesa, com
cítaras e
percussão,
criam clima
de suspense
ao fundo
7 1º plano FRENTE Câmera fixa
Câmera lenta
Bruce sorri.
Os estudantes
que outrora o
observavam
agora o
cumprimentam
pelo feito
Eles formam
uma fila e
Bruce dá um
salto, em
câmera lenta,
passando por
cima de todos
eles.
Sons de luta
e música
tradicional
chinesa, com
cítaras e
percussão,
criam clima
de suspense
ao fundo
8 Plano de
Travelling
Mestre em um Passos e
33
conjunto belo jardim
repleto de
árvores de
folhada verde e
flores brancas
chama Bruce
para conversar.
Um ocidental
aparece no
quadro. Os três
caminham.
pássaros.
9 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Conversa entre
mestre e
Bruce.
Mestre explica
a Bruce que ele
deve honrar o
Templo Shaolin
em que treina,
vingando-se,
em um torneio
de artes
marciais, de
um ex-aluno
que usou os
ensinamentos
do Templo para
conseguir
dinheiro, poder
e mulheres
ilegalmente.
Bruce: Mestre.
Ms.: Vejo que seu talento
ultrapassou os limites
físicos. Suas habilidades já
têm intuição espiritual.
Tenho algumas perguntas:
qual a técnica que deseja
alcançar?
Bruce: Não ter técnica.
Ms.: Ótimo. O que pensa ao
enfrentar seu adversário?
Bruce: Não existe
adversário.
Ms.: E por quê?
Bruce: Porque a palavra
“eu” não existe.
Ms.: Bem, continue.
Bruce:Uma boa luta deve
ser... Como uma pequena
peça de teatro; porém
desempenhada a sério. Um
bom lutador não fica tenso,
mas preparado.
Está preparado para tudo.
Quando o adversário
expande, eu contraio.
Quando ele contrai, eu
expando. E quando há uma
oportunidade... Não o
atinjo. Ele mesmo se
atinge.
Ms.: Ouça, deve-se
lembrar... O inimigo apenas
tem imagens e ilusões. Por
trás do que se esconde
estão seus motivos
verdadeiros. Destrua a
imagem e acabará com o
inimigo.
34
O “atingir” a que se referiu é
uma arma poderosa,
facilmente mal usada pelo
lutador que foge de suas
falhas.
Há séculos, o código do
Templo Shaolin é
preservado. Lembre-se: a
honra de nossa irmandade
tem sido mantida. Diga-me
o mandamento número 13
do Templo Shaolin :
Bruce: O lutador deve se
responsabilizar por si e
aceitas as consequências
de seus próprios feitos.
Ms: Envergonho-me em
dizer que, dentre todos que
ensinei, um distorceu o
conhecimento adquirido
para fins pessoais. Ele
perverteu tudo o que
consideramos sagrado.
Chama-se Han. Ele desafia
todas as nossas crenças.
Trouxe desgraça ao Templo
Shaolin. Por isso você deve
recuperar a nossa honra
perdida.
Bruce: Sim, eu entendo.
Mestre: Há um homem aqui
a quem deve procurar.
10 Plano
americano
1º plano
Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa
Shot-reaction-
shot
Câmera fixa
Bruce caminha
entre as
árvores.
O ocidental que
outrora
observava a
demonstração
de artes
marciais corta
o campo da
cena.
Conversa entre
Bruce e
ocidental
É servido chá;
o ocidental
observa as
características
do ambiente
em que está.
Olá, Sr. Lee, meu nome é
Sr. Braithwaite.
Bruce: Olá, Sr. Braithwaite.
Sr. Braithwaite: Vim lhe
falar sobre um assunto de
grande importância, sobre
um torneio de artes
marciais. Um torneio para o
qual já recebeu um convite.
Trata-se do torneio
realizado pelo Sr. Han.
Nós gostaríamos que
participasse dele, sr. Lee.
Bruce: “Nós”, mr.
Braithwaite?
11 Plano FRENTE CIMA Um aluno do
35
americano
Plano de
conjunto
Templo
aparece para
que Bruce dê
nova lição de
arte marcial,
dessa vez
envolvendo
concentração e
sentimento.
O ocidental
observa
sorrindo a
atuação de
Bruce.
12 Panorâmi
ca
Travelling
Há um corte
brusco de
realidades
nesse
momento do
filme.
Aparece Hong
Kong, uma
grande cidade.
Entram os
créditos em
letra vermelha.
Sons de luta
e música
tradicional
chinesa, com
clima de ação
e aventura ao
fundo
13 Plano
geral
TRÁS Câmera fixa
BAIXO
Travelling
Grande feira
livre, com
crianças
brincando e
carros
passando.
Um avião corta
a cena.
O avião se
aproxima da
tela,
Música
tradicional
chinesa, com
clima de ação
e aventura ao
fundo
Também se
ouve o som
do avião
14 Plano
geral
LADO
Close
gradativo
Observa-se de
uma janela
pessoas
descendo do
avião. Entre
elas um
homem alto,
negro, vestido
de couro
vermelho com
cabelo black
power.
Música
tradicional
chinesa, com
clima de ação
e aventura ao
fundo
15 Plano
geral
Câmera se
afasta em
travelling
Esquina da
cidade, com
muitos
letreiros, todos
escritos com
ideogramas. O
homem negro
entra em
Música
tradicional
chinesa, com
clima de ação
e aventura ao
fundo
36
campo pelo
lado esquerdo,
de costas para
o espectador.
Ele se vira
observando os
letreiros com
estranheza, faz
um sinal com a
mão e
caminha.
16 Close
Plano de
conjunto
FRENTE
TRÁS
Travelling
Câmera
subjetiva
Malas no chão
carregadas por
um chinês no
aeroporto.
Um homem
bem vestido
aponta outras
malas que o
carregador
deve levar. Ele
surge em uma
charrete
humana, típica
dos grandes
centros
urbanos
chineses. Há
outra charrete
apenas para
carregar suas
malas. O
pedaço da
cidade é
diferente do
mostrado nas
cenas
anteriores.
Entre os
letreiros,
alguns já
aparecem em
inglês.
Viagem na
charrete
Música
tradicional
chinesa, com
clima de ação
e aventura ao
fundo
17 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa A locação é
interna, uma
sala escura.
Bruce e o
ocidental que o
abordou no
início do filme
assistem a uma
projeção. O
espectador vê
imagens em
preto e branco
na parede. O
Mr. Br.: Ali, esse é Han. É a
única imagem que temos
dele. Sabemos que foi
membro do seu Templo.
Um monge Shaolin. Hoje,
um renegado.
Esse é O’Hara, atrás dele.
Seu guarda-costas. Duro,
impiedoso. O que se espera
do guarda-costas de Han.
(...)
Aqui é para onde irá. É uma
37
rosto de Lee
aparece em
close entre as
luzes da
projeção e as
sombras em
movimento
formadas pelo
projetor. Na
sala, há alguns
objetos de
decoração
tipicamente
chineses, como
um baú
vermelho com
detalhes em
dourado e uma
peça de
porcelana
sobre a mesa
central.
ilha-fortaleza. Após a
guerra, a nacionalidade da
ilha era incerta. E, algum
tempo depois, Han a
comprou.
Bruce: O que sabe sobre
Han?
Mr. Braithwaite: Vive como
rei nessa ilha, totalmente
autossuficiente. Todos os
seus esforços, parece, são
para sustentar o que chama
de sua escola de artes
marciais. Seu único contato
externo é esse torneio, que
faz a cada três anos.
Esta aeromoça, Mary King,
foi achada boiando no
porto. Isso é um fato
corriqueiro; mas foi vista,
pela última vez, numa festa
num barco de Han.
Informaram o
desaparecimento antes de
o corpo ser encontrado.
Creio que escolhem
garotas, as tornam
dependentes de drogas e,
depois, as vendem para
uma clientela de elite.
Bruce: suponho que não
tenham provas para
prendê-lo.
Mr. Br.: Sabemos de tudo,
não podemos provar nada.
Queremos que vá lá como
nosso agente e consiga as
provas.
(...)
Há um rádio na ilha. Vamos
ficar na frequência, caso o
encontre.
Bruce: E depois entrará lá?
Mr. Br.: Alguém irá. Não
somos policiais, mas sim
coletores de informações.
provas com as quais os
governos interessados
podem agir.
A propósito, há dois meses
infiltramos uma agente na
ilha. Desde então perdemos
contato. Se estiver lá, talvez
38
saiba de algo. Seu nome é
Mei Ling.
18 Plano
geral
Primeiro
plano
CIMA
FRENTE
Câmera fixa
Embarcação
que está se
movendo
sozinha no mar
entre várias
outras
estacionadas
na marina.
Barquinho que
leva Bruce e
uma espécie
de ‘gondoleiro’
com
aproximada-
mente 80 anos.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
19 Plano de
conjunto
FRENTE Fusão Bruce aparece
se consultando
com um
senhor, que
está sentado
em uma
cadeira de
madeira, com
estofado
vermelho e
detalhes em
dourado. Todo
o restante do
cenário
também é
vermelho. O
senhor, a quem
Bruce chama
de tio, tem um
flash back que
endossa a
missão do
lutador.
Guru: e, agora, chegou a
hora de lhe contar algo
muito difícil. Fico feliz que
tenha decidido participar do
torneio de Han. O último
torneio foi realizado há três
anos. Eu estava na cidade,
com a sua irmã, na época.
Bruce: Eu não sabia disso.
Guru: Pois é...
20
Flash
back
Mostra a irmã de Bruce sendo acuada pelos lutadores do torneio anterior ao
qual o herói do filme irá participar. Ela luta entre as escadarias de uma
espécie de favela. A irmã de Bruce corre, tenta se esconder, mas, vencida,
tira a própria vida sob os olhares dos lutadores. O’Hara foi o último a tentar
atacar-lhe. Há muitos movimentos de câmera, eles alternam entre câmera
subjetiva, closes nos olhos da personagem e em determinadas partes de seu
corpo ao lutar. Predominam os ruídos de luta e sonoplastias de socos e
chutes.
21 1º flano FRENTE Câmera fixa Bruce chora
emocionado.
Guru: faça justiça.
Bruce: eu farei.
21 Plano de
conjunto
CIMA
Câmera fixa O espectador vê
Bruce em um
cemitério. Uma
mulher vestida
de preto e com
um chapéu de
abas bem largas
varre
Bruce: Não
concordará
com o que
eu vou
fazer; é
contrário a
tudo o que
me
Som
ambiente, da
vassoura de
folhas
raspando o
chão, com
trilha sonora
chinesa que
39
Close
FRENTE
vagarosamente
as folhas do
local. Bruce a
observa. O
túmulo,
descobre-se, é
da mãe de Lee, a
quem ele pede
autorização para
ingressar na
jornada.
Pés da faxineira,
com a vassoura
e as folhas
sendo varridas.
ensinou e
ao que Su
Ling
acreditava.
Preciso ir.
Por favor,
tente me
perdoar.
incita um
pouco de
suspense no
background
22 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa Bruce sai do
cemitério
pisando em
outros túmulos.
Ele carrega uma
mala.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
23 Plano de
conjunto
FRENTE Fusão
Câmera
subjetiva
Bruce está
novamente no
pequeno barco.
Dessa vez há
outros barcos,
como o que ele
está, em
movimento.
Bruce viaja no
barco que
balança
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
24
Flash
back
Em um campo de golfe aparece o homem de terno cinza que apareceu com
muitas malas no começo do filme. Seu nome é Roper, um apostador
endividado que decidiu ir ao torneio atrás do prêmio em dinheiro, pois está
sendo jurado de morte por seus cobradores.
25 Plano de
conjunto
Close
FRENTE Câmera fixa Willians, o
homem negro
que desceu do
avião, está numa
das
embarcações de
transporte.
Senhora grávida
rema a
embarcação.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
26
Flash
back
O flash back de Willians mostra que ele é um karateca que sofre de
preconceito e decidiu participar do torneio por autoafirmação.
27 Plano de
conjunto
LADO Câmera fixa Em outro barco,
agora cargueiro
para mais
passageiros,
Roper avista
Willians de cima.
O dia ficou
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
40
ensolarado. background
28 Plano de
conjunto
FRENTE
Shot-
reaction-shot
A conversa trata
do tempo em que
ambos foram
companheiros de
guerra no Vietnã.
O barco em que
se encontram irá
levar todos os
competidores
para a ilha onde
vai acontecer o
torneio.
Roper: Soldado, sempre
alerta!
Willians: Roper! Ei, como
está, cara?
Roper: Como estou, cara?
Estou feliz em te ver!
Quanto tempo faz? Cinco?
Willians: Seis anos, não
parece tanto tempo assim.
O que fez depois do
Vietnã?
Roper: Venho me virando.
Willians: Toda essa
bagagem é sua?
Roper: Sempre de primeira
classe.
Willians: O mesmo velho
Roper.
(...)
Willians: As favelas são
iguais em todos os lugares.
Elas fedem.
Roper: O mesmo velho
Willians.
29 Plano
geral
TRÁS
Travelling
para trás
A embarcação
parte sentido à
ilha. Vários
outros barcos
como esse
atravessam o
campo.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
30 Plano
geral
FRENTE
Travelling
Kong se
distanciando ao
fundo.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
31 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa Em alto-mar,
algumas ondas
mais fortes
balançam o
barco.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
32
Close
LADO Câmera fixa Dois louva-deus Ouvem-se
41
duelam alguns
homens
conversando,
mas não se
identifica
exatamente o
que falam.
O áudio
precede a
cena seguinte
33 Plano de
conjunto
CIMA
Travelling
Homens
sentados no
convés com as
ondas fortes
jogando água
sobre eles e
prestando
atenção no duelo
dos louva-deus.
A câmera se
afasta mais um
pouco e Roper e
Willians integram
o campo.
Burburinhos e
risos
34
Close
FRENTE Câmera fixa Os homens
estão apostando
para ver qual
deles vence a
disputa. Bruce
chega e aposta
no menor dos
louva-deus,
surpreendendo
Roper. Seu
escolhido vence
a luta e Roper,
inconformado,
paga a Bruce o
que lhe deve.
Burburinhos,
risos e
aplausos
35 Plano de
conjunto
FRENTE
CIMA
Câmera fixa Um homem,
Parsons, arruma
confusão com a
tripulação. Um
dos homens com
quem ele mexe
cai no convés.
Ele olha para o
arruaceiro
Sons de luta
36 Plano
americano
FRENTE Câmera fixa Bruce observa a
cena e mostra
seu desprezo,
assim como
Roper, que
analisa a
situação.
Sons de luta
37 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Os criados da
embarcação têm
medo do
arruaceiro, que
Parsons: Estou te
incomodando?
Bruce: Não se desgaste.
42
provoca Bruce.
Eles conversam.
Bruce se mostra
desinteressado
em confusão,
mas o homem
não o deixa sair
em paz.
Bruce aponta
para fora do
campo.
Ele apontava
para uma ilha e
um barco,
desafiando o
adversário. Era
uma armadilha,
que serviu para
que o homem
ficasse à deriva
no meio do mar.
Parsons: Qual seu estilo?
Bruce: Meu estilo?
Podemos chamar de lutar
sem lutar.
Parsons: Lutar sem lutar?
Mostre-me isso.
Bruce: Depois. Não acha
que aqui é muito pequeno?
Parsons: Mas onde?
Bruce: Naquela ilha, na
praia. Podemos levar esse
barco.
38 Plano de
conjunto
CIMA CIMA Homem percebe
que foi pego e
que vai ficar à
deriva no mar.
Parsons:
Ei. Você é
louco? O
que pensa
que está
fazendo?
Gargalhadas
39 Plano de
conjunto
CIMA CIMA Todos os
tripulantes o
veem e caçoam
dele.
Gargalhadas
40 Plano de
conjunto
Baixo BAIXO O homem
observa Bruce
fazendo pose em
cima do barco e
o restante dos
tripulantes
sorrindo e
aplaudindo
Gargalhadas
e aplausos
41 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa Embarcação,
que continua a
viagem em mar
aberto.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
42 Plano
geral
FRENTE Câmera
subjetiva
Avista-se a ilha
ainda do mar. A
formação é
rochosa e há
homens
esperando para
descarregar a
bagagem. A
câmera se
aproxima do
local de ação
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
43
com o travelling
para frente.
43 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa Embarcação
aportando no
local.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
44 1º plano FRENTE Câmera fixa Mulher loira com
trajes chineses
azul e branco.
Trilha de
suspense
45
Close
LADO Câmera fixa Roper e Bruce
de perfil
Trilha de
suspense
46 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Criados chineses
descarregam
muitas malas da
embarcação
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
47 Plano
geral
FRENTE Câmera
aberta
Travelling
Os tripulantes
descem em fila,
um a um. Eles
observam o
local, que está
fora de campo. A
câmera vai se
afastado até
chegar numa
panorâmica da
ilha: um local
rochoso, com
diversos campos
para a prática de
artes marciais.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
48 Plano
geral
CIMA
Travelling
Há lutadores. A
ilha é decorada
com flores
vermelhas e
leões dourados.
Os gritos dos
lutadores
durante o
treino são
muito fortes.
49 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Por uma aresta
na formação
rochosa da ilha
observam-se os
tripulantes das
embarcações
chegando para o
torneio. Ao
fundo,
praticantes
continuam o
treinamento.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
50 Plano
geral
CIMA
Travelling
Mansão da ilha:
arquitetura
tipicamente
chinesa em meio
à mata verde.
Som
ambiente com
trilha sonora
chinesa que
incita um
44
Paredes e muros
vermelhos com o
telhado em preto.
pouco de
suspense no
background
51 Plano de
conjunto
FRENTE
Travelling
Luta de Sumô. A
locação agora é
interna. O
ambiente é
vermelho com
detalhes em
cobre e em
dourado, além da
prataria; a
câmera passeia
pelo salão,
mostrando ao
espectador as
atrações que
recebem os
lutadores:
comida,
mulheres e
artistas. Há
muitas gaiolas
com pássaros.
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
52
Close
FRENTE Câmera fixa Willians observa
com olhos
atentos o local
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
53 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Roper aparece
em plano de
conjunto
aproveitando as
regalias
oferecidas. Com
ele há bebida e
mulheres
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
54 1º plano FRENTE Câmera fixa Dois homens se
esbaldando em
comida. O
cenário é rico em
objetos em
porcelana
chinesa.
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
55
Close
FRENTE Câmera fixa Bruce demonstra
olhar de
desaprovação
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
56 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Roper caminha
até ele, Bruce. A
câmera continua
a captar todos os
detalhes do
ambiente
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
57
Close
FRENTE Câmera fixa Willians
desaprova a
A música
chinesa se
45
comida que lhe é
oferecida
mistura ao
burburinho
das
conversas.
58 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Todos param.
Aqueles que são
funcionários da
ilha congelam
seus movimentos
exatamente
como estão. No
plano de
conjunto
observa-se ainda
a cor vermelha
nas roupas dos
criados, em
algumas flores e
em uma bacia de
prata repleta de
maçãs.
A câmera vai se
aproximando do
homem que
veste preto,
vermelho e
dourado. Ele é
seguido por
mulheres
vestidas de
branco e
amarelo, que
agora compõem
o quadro com
frutas tropicais,
como laranja,
banana e
abacaxi.
O homem é Han,
que dá boas
vindas aos
lutadores.
Han:
Senhores,
bem-
vindos!
São uma
honra para
nossa ilha.
Anseio por
um torneio
de
proporções
verdadeira
mente
épicas.
Somos
únicos,
senhores,
naquilo
que nós
criamos.
Através de
longos
anos de
treino e
sacrifício,
negação e
dor.
Forjamos
nossos
corpos no
fogo da
vontade.
Mas, hoje,
vamos
comemorar
Senhores,
vocês têm
nossa
gratidão.
Após a
tocada do
gongo, tudo
fica em
silêncio e
apenas o
anfitrião fala
59 Plano
geral
CIMA Câmera fixa Mostra
novamente as
gaiolas. As
mulheres que
acompanham
Han demonstram
suas habilidades
com dardos e
adagas.
Som das
adagas
cortando o ar,
algumas
gargalhadas.
60 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa O anfitrião deixa
o salão e as
coisas voltam a
se mover.
A música
chinesa se
mistura ao
burburinho
das
conversas.
61 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Já em seus
aposentos,
46
rústicos, porém
luxuosos, com
objetos
tipicamente
orientais, como
lamparinas e
cortinas de
bambu, os
lutadores
recebem oferta
de prostitutas. A
cafetina é a loira
que recepcionou
os lutadores ao
chegarem à ilha.
Ela veste preto.
Ao entrar no
quarto de Bruce,
ele está
escrevendo.
62
Close
FRENTE Câmera fixa Willians, que
ouve música com
grandes fones de
ouvido, escolhe
três prostitutas
para a noite.
63 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Ao manusear um
dardo que uma
das mulheres
atirou na
recepção dos
lutadores, Bruce
pede para ver a
dona do dardo.
Cafetina: Se não gostou de
nenhuma...
Bruce: Gostei de uma que
estava no banquete. A dona
deste dardo.
Cafetina: Ah, sim, sei quem
é. Vou trazê-la até você.
64 Plano de
conjunto
TRAS Câmera fixa Roper conversa
consigo mesmo
em frente ao
espelho.
65 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Dentro do quarto
de Bruce
aparece uma
gaiola com um
passarinho.
66 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Abre-se a porta
do quarto e
aparece a mulher
que Bruce pediu
para ver. É
Mei Ling, e ela e
Bruce
conversam.
Rosto do herói.
Bruce: Quero falar com
você... Mei Ling.
Mei Ling: de onde você
veio?
Bruce: Braithwate.
Mei Ling: Vamos falar
baixo.
Bruce: Você viu alguma
coisa?
Mei Ling: Não muito, estou
sempre vigiada. Nada sei
47
das atividades de Han fora
do palácio, mas posso te
dizer que pessoas
desaparecem por aqui. As
garotas, todas elas. São
convocadas por Han à noite
e, no dia seguinte,
desaparecem. Sei que não
tenho muito tempo.
67 Plano de
conjunto
CIMA
Travelling
Espectador
observa Bruce
treinando chutes
e socos no ar. A
câmera
acompanha seu
movimento de
perna, que
congela quando
um homem abre
a porta do
quarto.
Sons dos
movimentos
feitos no ar e
um grito de
Bruce
68
Close
FRENTE Câmera fixa O homem é um
dos que
causaram a
morte de sua
irmã. Ele tem
uma cicatriz do
lado esquerdo da
face.
69 Plano de
conjunto
FRENTE
Shot-
reaction-shot
Discussão de
Bruce com o
assassino da
irmã.
Lee o tira do
quarto, abaixa a
cabeça, e parece
sentir raiva.
O'Hara: Você deve se
apresentar amanhã cedo
vestindo uniforme.
Bruce: Fora daqui.
70 Plano
geral
CIMA
Travelling
Alunos treinando
Karatê
Gritos e
gemidos dos
alunos
71 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Lee é
repreendido por
não usar o
uniforme da ilha.
Homem: Sr. Lee, por que
não está usando uniforme?
72
Close
FRENTE Câmera fixa Ele olha feio pra
quem o
repreende. A
pessoa sai de
cena
Gritos e
gemidos dos
alunos ao
fundo
73 Plano de
conjunto
CIMA
Travelling
Os alunos
continuam
treinando socos
e chutes,
queimam suas
mãos em brasas
Gritos e
gemidos dos
alunos
74 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Lutadores do
torneio apenas o
observam.
Gritos e
gemidos dos
alunos
75 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa Han entra em
campo. Ele se
Han diz:
Cava
Toca o gongo
e segue trilha
48
senta em uma
cadeira dourada
e dá início ao
torneio.
lheiros,
que o
torneio
comece!
de suspense
76
Close
FRENTE
Travelling
Rostos dos
lutadores
Trilha de
suspense
77 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Uma mulher de
roxo serve uvas
a Han, que
observa a luta.
Ao fundo,
bandeiras
amarelas com
dragões em
preto farfalham.
Trilha de
suspense
78 Plano
geral
FRENTE
Travelling
Os lutadores
vestem quimono
amarelo com o
mesmo desenho
de dragão.
Trilha de
suspense
79 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Público observa
a luta de Willians
Sons de luta
e trilha de
suspense ao
fundo
80 Plano de
conjunto
CIMA
Travelling
Willians vence a
luta. A câmera
vai até o close
para seu rosto
sério.
Trilha de
suspense
81 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera
subjetiva
Luta de Roper. O
público assiste
atento.
Aplausos do
público e
sons de luta.
82
Close
CIMA Câmera fixa Pés femininos
massageiam as
costas de Roper.
O quarto é bordô
com carpete de
veludo e cortina.
Gemidos de
Roper
83 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa No quarto de
Willians
passeiam
mulheres nuas. A
câmera mostra
apenas suas
silhuetas.
Jazz song
84 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce tira de
uma mala uma
corda e a põe
dentro de um
saco preto. Ele
se veste todo de
preto. Sorri para
Mei Ling e sai
pela janela
Som
ambiente com
trilha de
suspense.
85 1º plano FRENTE Câmera fixa Mei Ling parece
apreensiva.
Som
ambiente com
trilha de
suspense.
86 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce entra na
sala do banquete
Som
ambiente com
49
de recepção. O
plano dá
profundidade,
com leões
dourados
enfileirados. Um
guarda portando
nunchako
2
aparece em cena
e se posta ao
centro do
quadro.
trilha de
suspense.
87
Close
FRENTE Câmera fixa Olhos de Lee
espreitam atrás
de uma cadeira
vermelha.
Som
ambiente com
trilha de
suspense.
98 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Gaiolas cobertas
com panos
Som
ambiente com
trilha de
suspense.
89 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce consegue
sair da mansão.
No
enquadramento
apenas uma
árvore à direita.
A noite é bem
escura. Um
cachorro tenta
atacá-lo. O
barulho chama a
atenção dos
guardas. Entre
luz do luar e
sombras, Bruce
ataca um vigia.
Som
ambiente,
com passos
na noite, com
clima de
suspense.
Sons de luta
90 Plano de
conjunto
FRENTE
Travelling
Vitorioso, Bruce
corre no escuro.
Ele encontra
uma passagem
subterrânea, pela
qual desce com
auxílio de sua
corda. A câmera
acompanha seus
movimentos,
incluindo o vai e
vem para
despistar os
guardas. Do alto
ele vê dois
homens
carregarem num
carrinho um
barril.
Som
ambiente,
com passos
na noite, com
clima de
suspense.
Sons de luta
91 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce ataca o
guarda e outros
três que chegam.
Som
ambiente,
com passos
2
Arma originalmente japonesa, com duas hastes de madeira ligadas por uma corrente.
50
Seus
movimentos de
luta são muito
rápidos.
na noite, com
clima de
suspense.
Sons de luta
92 1º plano FRENTE Câmera fixa Willians
treinando ao ar
livre. Ainda é
noite. Ele senta e
relaxa e faz sinal
para alguém que
está fora de
campo.
Som
ambiente
93 Plano de
conjunto
BAIXO Câmera fixa É um guarda que
recebe o
cumprimento de
Willians.
Som
ambiente
94 Plano de
conjunto
BAIXO Câmera fixa Willians avista
Bruce escalando
uma parede e o
chama de
‘mosca humana’.
Willians: a
mosca
humana!
95 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Já é dia. No local
do torneio Han
fala sobre a noite
anterior.
Han:Cavalheiros: parece
que um de vocês não se
satisfez ontem com a
hospitalidade do palácio e
foi procurar diversão em
outro canto da ilha. Quem
foi, não importa neste
momento. O que importa é
que meus guardas
desempenharam seu dever
incompetentemente. E,
agora, devem provar ser
merecedores de
permanecer entre nós.
96
Close
FRENTE Câmera fixa Rosto de Bruce
97
Close
FRENTE Câmera fixa Rosto de Willians
98
Close
FRENTE Câmera fixa Rosto de Roper
99 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Os guardas da
ilha são postos
na berlinda. Com
um leão dourado
às suas costas,
um asiático forte
tira o quimono
para lutar contra
os guardas.
100 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Homem
caminhando até
os guardas
101 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Os guardas
observam o
homem se
aproximando.
Alguns já estão
com ferimentos.
102 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Guarda atacando
o lutador,
enquanto os
Sons de luta
51
demais
competidores,
Han e as
mulheres,
apenas assistem.
103 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa O homem finaliza
a luta em poucos
segundos e
segue em
direção aos
outros guardas,
que começam a
ser atacados
Sons de luta
104 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Lee é convocado
para lutar, mas
por conta do
torneio de artes
marciais. Os
enquadramentos
privilegiam seu
rosto
Trilha tensa
105 Plano
americano
FRENTE Câmera fixa Mostra o
adversário de
Bruce: o homem
com a cicatriz
Trilha tensa
106
Close
FRENTE Câmera fixa Han
cumprimenta os
lutadores
Trilha tensa
107 1º plano FRENTE Câmera fixa Lutadores
cumprimentam
alguém que está
fora do campo
Trilha tensa
108 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera
subjetiva
Shot-
reaction-shot
Sequência de
luta com
alternância entre
público e
lutadores
Sons de luta,
aplausos e
trilha tensa ao
fundo
109
Flash
back
Lee tem um flash back da morte da irmã e acerta de primeira um soco na
cara do adversário.
110 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa O homem cai e
se levanta
espantado.
Sons de luta,
aplausos e
trilha tensa ao
fundo
111
Close
FRENTE Câmera fixa Han tem o
mesmo olhar de
espanto do
adversário de
Bruce
Sons de luta,
aplausos e
trilha tensa ao
fundo
112 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Lee continua a
desferir golpes
certeiros.
Sons de luta,
aplausos e
trilha tensa ao
fundo
113 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa O adversário de
Bruce tenta
golpe baixo.
Sons de luta,
aplausos e
trilha tensa ao
fundo
114 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Han repreende
com um gesto a
atitude do lutador
Sons de luta,
aplausos e
trilha tensa ao
fundo
52
115 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce o ataca
com um chute no
peito. No golpe
final, seu rosto é
visto de baixo.
Trilha
dramática
116 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa O adversário de
Bruce está no
chão, um homem
aparece e
confere que ele
está morto.
Trilha
dramática
117 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Willians é
chamado ao
escritório de
Han, uma sala
decorada com
muitos objetos e
espelhos,
desenho de
dragão e gaiolas.
Willians: Mr. Han?
Han: Lutou bem ontem. Seu
estilo não é ortodoxo.
Willians: Mas é eficiente.
Han: Não é a arte, mas sim
o combate que aprecio
Estamos preparados para
vencer. Assim que
nascemos, isso nasce
conosco. Mas é para a
derrota que você deve
aprender a se preparar.
Willians: Não perco tempo
com isso. Quando
acontecer, nem vou
perceber.
Han: É? Como assim?
Willians: Estarei ocupado
me exibindo.
Han: O que procurava
quando atacou meus
guardas?
Willians: Não fui eu.
Han; Foi o único homem a
sair do palácio.
Willians: Eu saí sim, mas
não fui o único.
Han: Irá me dizer quem
mais!
Willians: Sr. Han, de
repente estou me cansando
da sua ilha.
Han: Não é possível.
Willians: Cara, você saiu
direto de uma história em
53
quadrinhos!
118 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Após a
discussão,
guardas de Han
aparecem para
atacar Willians.
Sons de luta,
trilha de ação.
119 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Novamente
Roper aparece
refletido no
espelho, dessa
vez ao lado de
uma das gaiolas.
120 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Willians e Han
discutem.
Guardas para
atacar Willians
Trilha de
ação
121 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Há uma dinâmica
sequência de
luta e, quando
todos os guardas
são derrotados,
Han passa a
lutar contra
Willians
Sons de luta
122 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera
subjetiva
Campo de visão
dos lutadores
123 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Eles destroem
uma das paredes
e eles continuam
a luta no quarto
vermelho das
prostitutas.
Risos das
mulheres
124 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Plano das
prostitutas da
ilha que,
aparentemente
drogadas, riem e
parecem não se
importar com o
que está
acontecendo.
Seus rostos têm
pinturas
coloridas.
O som das
mãos de Han
batendo em
Willians é
metálico.
125 Plano de
conjunto
FRENTE
Travelling
Em meio a
objetos que
parecem ser de
tortura medieval,
Roper conversa
com Han, que
tem um gato
branco nas
mãos. A câmera
se aproxima e
coloca Roper em
primeiro plano. A
conversa se
segue em frente
ao museu de
Han. A câmera
Roper: Meu amigo Willians
me espera.
Han: Quero falar com você.
Verá seu amigo mais tarde.
(...)
Han: Aqui, por favor.
Roper: Quer que eu ponha
minha cabeça na
guilhotina?
Han: Um ato de fé.
54
sempre
enquadra os
olhos de Roper.
Roper: Sou um homem de
pouca fé.
Han: Poucos podem ser
totalmente impiedosos. Não
é fácil. Exige mais força do
que pode imaginar.
Há um ponto o qual não
pode ultrapassar?
126 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Por um elevador,
Han e Roper
descem a outro
nível da mansão.
Som
ambiente
127 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa A câmera
continua a
mostrar os
objetos de tortura
de Han.
Som
ambiente
128 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa Han e Roper
passam para
uma nova sala,
um harém em
vermelho e
dourado
129 1º plano FRENTE Câmera fixa Olhos de Roper
observam a
fábrica de ópio
de Han
Estamos investindo em
ópio, Sr. Roper, O ramo da
corrupção é como qualquer
outro.
Roper: Fornece a seus
clientes produtos que eles
necessitam e estimula essa
necessidade para fomentar
o mercado e logo tem
clientes dependentes,
precisando de você. É uma
lei da economia.
Han: Certo, e aqui
estimulamos outra
necessidade.
Está se perguntando por
que estou me expondo
tanto assim?
Espero que se junte a nós,
que nos represente nos
EUA.
Roper: Começo a entender
essa coisa de torneio, é só
uma armação. Ótimo modo
de recrutar novos talentos,
não é?
Han: O sr. deixou muitas
dívidas nos Estados
Unidos, não é?
130
Close
BAIXO
Travelling
Roper vê Willians Trilha de horror
55
morto,
sangrando,
pendurado em
correntes no teto.
Ainda em close
ele olha com
raiva para Han.
Han: Fui obrigado a fazer
algumas perguntas para
ele.
Roper: E quer que eu
participe disso?
Han: Há certas realidades
que precisam ficar claras,
sem mal-entendidos
Roper: Não, não há mal-
entendido entre nós.
131 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa À noite, Bruce
volta a investigar
a ilha, com a
corda, a noite
escura e sua
leveza para
despistar os
guardas
Som
ambiente,
trilha de
suspense
132
Close
FRENTE Câmera fixa Cobra naja Trilha de
suspense
133 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce domina a
cobra
Som
ambiente,
trilha de
suspense
134 Plano de
conjunto
ALTO Câmera fixa O protagonista
desce pela
corda, mas
dessa vez vai a
um nível mais
abaixo e chega à
fábrica de ópio.
Som
ambiente,
trilha de
suspense
135 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce encontra
uma cabine de
rádio
Som
ambiente,
trilha de
suspense
136
Close
FRENTE Câmera fixa Rosto de Bruce,
que boceja
Som
ambiente,
trilha de
suspense
137 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce solta a
cobra dentro da
cabine, dispara o
alarme, solta
prisioneiros da
ilha e começa a
lutar com os
guardas.
Alarme e
sons de luta
138 Plano de
conjunto /
Close /
Primeiríssi
mo plano
FRENTE Câmera
subjetiva
Ele luta com
vários
adversários de
uma só vez
Sons de luta
e trilha de
ação
139 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce encontra
um bastão,
parte-o em dois e
domina todos os
Sons de luta
e trilha de
ação
56
adversários.
140 Plano de
conjunto
BAIXO Câmera fixa Bruce vê Han,
que sugere ao
lutador se unir a
ele e ao seu
bando.
Han: A luta com os guardas
foi magnífica. Sua
habilidade é extraordinária.
Eu ia convidá-lo a se juntar
a nós.
Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Sr. Braithwate
recebe a ligação
de Bruce e passa
para o recado
para o coronel da
polícia.
Som
ambiente
141 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Roper caminha
pelo campo das
competições. Ele
e Han se
estranham.
Som de
pássaros
142 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa No torneio, Han
coloca Roper
para lutar contra
seu amigo Bruce.
Trilha tensa.
143 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Roper se nega a
lutar com Bruce.
Som
ambiente,
trilha tensa.
144 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Han manda outro
lutador para
disputar com
Roper. Todos
estão assistindo.
Som
ambiente,
trilha tensa.
145 Plano de
conjunto
BAIXO Câmera fixa Roper e Lee
observam
Som
ambiente,
trilha tensa.
146 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera
subjetiva
A luta de Roper
começa
Som
ambiente,
trilha tensa.
147
Close
Sequênci
a paralela
FRENTE Câmera fixa Mãos da agente
Mei Ling, que
liberta outros
prisioneiros da
ilha
Som
ambiente,
trilha tensa.
148 Plano de
conjunto
Sequênci
a paralela
FRENTE Câmera fixa Os prisioneiros
saem correndo
Som
ambiente,
trilha tensa.
149 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Luta de Roper
ainda em
andamento
Sons de luta,
trilha tensa.
150 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Han, ao ver seu
capanga
perdendo a
disputa, manda
que o restante
dos alunos
ataque Roper.
Sons de luta,
trilha tensa.
151 Plano
geral
FRENTE Câmera fixa No continente,
polícia corre para
helicópteros.
Eles receberam
mensagem de
Som
ambiente e
dos
helicópteros
57
Bruce sobre o
que estava
acontecendo na
ilha.
152 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa A luta na ilha
continua. Os
prisioneiros
brigam com os
guardas. Todos
se enfrentam.
Sons de luta,
trilha tensa,
muito barulho
pela
quantidade
de pessoas
envolvidas.
153 Plano de
conjunto
BAIXO Câmera fixa Han troca a
prótese de sua
mão por uma
garra e chama
Bruce para uma
luta, mas foge.
Bruce vai atrás
Sons de luta,
trilha tensa.
154
Na sala de espelhos (foram
usados 8 mil para essa
sequência) uma tomada que
ficou imortalizada nos filmes de
artes marciais. Bruce era levado
a lutar com seu próprio reflexo
até localizar Han e finalmente
vingar sua família e o Templo
Shaolin, cumprindo a missão.
Além dos espelhos, na sala
ficava o material de tortura de
Han. Quando eles se encontram,
o vilão usa tudo o que tem em
mãos para atacar Bruce. O clima
é de perseguição e suspense,
mas com o jogo de reflexos
Bruce consegue atacar Han, que
morre
Bruce:
Ofendeu
minha
família e
ofendeu o
Templo
Shaolin.
Sons de luta
e os gritos de
Lee.
Trilha tensa
em alguns
momentos
155 Plano
geral
CIMA Câmera fixa Tudo está
destruído e
acabado e os
helicópteros
começam a
chegar à ilha.
Trilha down,
fúnebre
156 Plano de
conjunto
FRENTE Câmera fixa Bruce olha para
cima. Começam
a subir os
créditos.
A trilha se
acelera,
ouvem-se os
helicópteros.
3.4 O discurso cinematográfico
Com a decupagem clássica executada, é chegado o momento de se debruçar
sobre o filme e entender, com os elementos apresentados, como se configura a arte
de Bruce Lee. Aqui, o objetivo é reconstruir o objeto de estudos de acordo com as
teorias sobre o cinema de forma mais objetiva possível.
58
De todos os elementos que podem compor as produções audiovisuais, a
característica inerente ao cinema é a imagem em movimento. Conforme Ismail
Xavier (2008, p. 18) afirma:
Se já é um fato tradicional a celebração do realismo da imagem
fotográfica, tal celebração é muito mais intensa no caso do cinema, dado o
desenvolvimento temporal de sua imagem, capaz de reproduzir, não só
mais uma propriedade do mundo visível, mas justamente uma propriedade
essencial à sua natureza – o movimento.
O autor explica ainda que se o filme é um composto de sucessão de
fotogramas, a relação entre elas se imposta pelas duas operações básicas na
construção de um filme: a de filmagem e a montagem. Esta última envolve a escolha
do modo como as imagens obtidas nos registros da primeira serão combinadas e
ritmadas. É inegável que a montagem faz o cinema ser cinema em termos de
sentido.
Segundo ele, a montagem dissolve, transforma e reorganiza tudo aquilo que,
no ambiente privilegiado da filmagem, foi possível ser executado. O set é, segundo
ele, o lugar da descontinuidade, da repetição e da desordem. “O corte dentro da
cena é o ato inaugural da arte cinematográfica”. (Idem, p. 29).
Para Jacques Aumont (1995, p. 84), também a montagem é “o princípio único
e central que rege qualquer produção de significado e que organiza todos os
significados parciais e produzidos num determinado filme”.
A montagem consiste de três grandes operações: seleção, agrupamento e
junção, de acordo com critérios de ordem e duração. Sua função principal é de dar
sentido à narrativa. Ela garante o encadeamento dos elementos da ação. Outra
grande função da montagem é a expressiva. “A montagem cria o movimento, o ritmo
e a idéia” (Idem, p. 65).
Com a montagem, cria-se uma sintaxe, a partir das relações formais entre os
elementos, que reúne com efeitos de alternância ligação ou de disjunção; funções
semânticas, que abrangem produção de sentido denotado e conotado, bem como
funções rítmicas temporais e plásticas.
Um bom exemplo pode ser visto nos planos 11 e 12 do filme-guia. Após dar
lições de luta e de filosofia para um aluno do Templo Shaolin, é dado um corte seco
do bucólico ambiente em que Bruce se encontra para uma grande e caótica cidade
(Hong Kong). Obviamente, as cenas não foram gravadas em sequência, mas para
59
dar ritmo e sentido à história, elas foram postas lado a lado, como de fato se no
trabalho da montagem.
Existe ainda a montagem paralela, recorrente em filmes de suspense e ação,
como os de Lee. A situação solicita uma montagem que estabeleça uma sucessão
temporal de planos correspondentes a duas ações simultâneas que ocorrem em
espaços diferentes; no final será sempre produzida a convergência entre as ações.
Xavier (2008) afirma que o recurso foi um dos elementos de desenvolvimento da
narração cinematográfica, sendo responsável pela popularidade de muitos filmes.
Para o espectador, o adiamento da ação leva a um desfecho fulminante, aliviando o
efeito de suspense e expectativa, sempre na base da corrida contra o tempo.
Tal recurso pode ser percebido em uma das sequências finais de Operação
dragão: Entre os planos 142 e 153, vários acontecimentos aparecem
simultaneamente, a começar pela luta do torneio que ocorre no pátio da mansão do
vilão Han, enquanto a agente Mei Ling liberta os prisioneiros da ilha. Ao mesmo
tempo, no continente, o policial que solicitou ao herói sua participação para tentar
solucionar os crimes de Han, recebe a mensagem que Lee havia lhe mandado via
rádio. Os acontecimentos culminam no duelo entre Lee e Han na sala espelhada,
enquanto os prisioneiros outrora libertos por Me Ling iniciam uma luta generalizada
com os capangas do dono da mansão.
Além da montagem, os realizadores têm em mãos uma série de recursos que,
com o passar dos anos e avanço da tecnologia, auxiliam a geração dos sentidos
pretendidos. O primeiro desses recursos é o próprio quadro da tela. “Para entender
o espaço cinemático, pode revelar-se útil considerá-lo como de fato constituído por
dois tipos diferentes de espaço: aquele inscrito no interior do enquadramento e
aquele exterior ao enquadramento” (BURCH apud. XAVIER, 2008, p. 19).
Segundo o autor,
O retângulo da imagem é visto como uma espécie de janela que
abre para um universo que existe em si e por si, embora separado do nosso
mundo pela superfície da tela. Esta noção de janela (ou às vezes de
espelho), aplicada ao retângulo cinematográfico, vai marcar a incidência de
princípios tradicionais à cultura ocidental, que definem a relação entre o
mundo da representação artística e o mundo dito real (XAVIER, 2008, p.
22).
A preocupação com o equilíbrio e expressividade na composição do quadro é
determinante para transmitir a impressão de realidade tão própria do cinema. Roland
Barthes (1984), em seu A câmara clara, apresentou dois importantes conceitos ao
60
estudar fotografias e suas composições. As ideias de studium e punctum ajudam a
compreender, principalmente, a geração de sentidos decorrente de uma imagem.
Studium se refere a uma leitura com critérios e objetivos definidos, a leitura cultural
da imagem, partidos de uma metodologia, para a abordagem da imagem, punctum
representa algo que decorre da própria imagem em si; que alfineta, independe
daquilo que o olhar busca. Relacionado ao afeto, transmite algo difícil de comunicar
e, sobretudo, de compartilhar. Segundo Barthes, o punctum está na imagem e opera
por conta própria.
No caso dos filmes de Lee, a composição do quadro ganha, ainda, função
explicativa. Isso porque as histórias se passam em universo distante do espectador
ocidental, que precisa, então, reconhecer pistas da orientalidade naquele ambiente.
Tal preocupação se mostra, por exemplo, na primeira cena de Operação dragão:
O plano geral da típica mansão chinesa entre folhagens e flores de um
imenso jardim ambienta o espectador onde vai se passar a ação. Em se tratando de
uma cultura distante da ocidental, a visão é ainda mais reveladora, pois as cores
vermelho e dourado da construção têm características daquela civilização.
Outro exemplo é a sequência entre os planos 51 e 60, na qual os
competidores são recebidos pelo vilão Han, com grande festa em sua mansão. O
lugar oferece um deslumbre para os olhos, repleto de elementos da cultura chinesa,
das artes marciais à culinária e à decoração. Os elementos no quadro imergem o
espectador nesse novo território, encantando-o e o tornando parte daquilo que está
acontecendo.
A profundidade de campo e os movimentos de câmera (travelling e
panorâmica) também são recursos dos cineastas para a impressão de realidade.
Aumont (1995) explica que a representação fílmica supõe um sujeito que a
contempla e, assim, destina-se ao olho um lugar privilegiado.
Com o tempo, as câmeras ficaram cada vez menores e mais leves de se
carregar, e deixaram de ser apenas testemunhas passivas para se tornarem atrizes.
O imobilismo do enquadramento no cinema dos primórdios passou então a ser
compensado com os diferentes tipos de planos e ângulos. Os movimentos de
câmera têm funções descritivas, dramáticas, de penetração ou encantatórias,
conforme Xavier (2008) enumera para posterior interpretação:
61
Acompanhar um personagem ou objeto: no plano 15 do filme, Willians, um
norte-americano afrodescendente, é visto de costas em Hong Kong, em meio a
letreiros escritos em ideogramas chineses. A câmera acompanha seu olhar perdido
naquela cidade desconhecida e chega até a fazer com que o espectador se coloque
em seu lugar, imaginando como seria estar na mesma situação.
Descrever um espaço ou uma ação: no plano 20, quando o tio de Bruce
tem um flash back que explica a morte da irmã do herói, a câmera, antes de enfocar
os personagens, descreve o ambiente hostil de uma favela, seus casebres,
escadarias, moradores... O mesmo acontece na gôndola (planos 18, 23 e 28),
quando a câmera mostra a pobreza das famílias que vivem nas margens do oceano
e sobrevivem transportando passageiros em pequenas gôndolas até as
embarcações que saem pelo oceano. São sequências que mostram, ainda, os
contrastes de um país-nação como a China, com ambiente naturalmente belo como
o Templo Shaolin ou ostensivamente rico, como a mansão de Han, mas, em sua
capital, há fome, pobreza e miséria.
Definir relações espaciais: logo na sequência da cena da embarcação, a
câmera muda sua perspectiva (plano 29) e apresenta Hong Kong se distanciando ao
fundo em travelling para trás.
Realçar dramaticamente um personagem: aqui, o jogo de câmera pode ser
associado também a um recurso da montagem, como o famoso efeito Kuleshov.
Cineasta e professor de cinema na Rússia, trabalhou com uma série de
experimentações, de testes da “capacidade da montagem para criar a significação e
a maleabilidade do plano” (BALOGH, 2009, p. 32). No efeito Kuleshov, o cineasta
acopla “o plano de um rosto a diferentes outros planos para provar que o sentido era
induzido pela imagem acoplada, ou seja, a sintaxe criada pela montagem é mais
importante que o plano singular” (Ibid., p. 32).
Expressar subjetivamente o ponto de vista de um personagem ou sua
tensão mental: a câmera subjetiva é muito presente em Operação dragão nas
sequências de luta, revezando o olhar dos combatentes para seus adversários.
Conforme Xavier (2005), esse recurso é capaz de intensificar a identificação do
espectador com o personagem, fazendo com que se sinta ainda mais dentro da
história.
Outro exemplo de câmera subjetiva em Operação dragão está na cena 16,
quando Roper, lutador que participará do torneio de artes marciais na ilha de Han
62
embarca em uma charrete assim que chega a Hong Kong. A câmera é como se
fossem seus olhos, balançando dentro do carro puxado por um homem. O
espectador embarca na viagem, como se ele estivesse no veículo.
Percebe-se ainda, nos filmes de Lee, que os closes são predominantemente
do herói. O restante dos personagens aparece composto nos planos gerais ou de
conjunto. Tal saída também é forma de enaltecer o protagonista em produções de
estética sem muitos recursos visuais, como as noir da década de 40, mas que usam
tudo o que tem em mãos para garantir perfeita identificação público-personagem.
Também porque o close é imagem-afeição e cria vínculo com o espectador.
Para Xavier (2008), o movimento de câmera é dispositivo reforçador da
tendência à expansão. Segundo ele, as mudanças de direção, avanços e recuos
permitem as associações entre o comportamento do aparelho e os diferentes
momentos de um olhar intencionado, fator importante para a construção de
referenciais para o espectador. Nesse esquema fazem parte os recursos de
shot/reaction-shot e câmera subjetiva.
O primeiro (shot/reaction-shot) acontece quando o novo plano explicita o
efeito no comportamento de alguma personagem causado pelos acontecimentos
mostrados anteriormente. a câmera subjetiva assume o ponto de vista de uma
das personagens, observando os acontecimentos de sua posição, e, diga-se, com
seus olhos.
Em boa parte das situações em que ela (a câmera subjetiva) é
utilizada, o fato de que o espectador observa as ões através do ponto de
vista de uma personagem permanece fora do alcance de sua consciência. É
neste momento que o mecanismo de identificação torna-se mais eficiente
(XAVIER, 2008, p. 35).
Câmera subjetiva e shot/reaction-shot podem ser combinados. Uma maneira
clássica é chamada de campo/contra-campo, que insere o espectador para dentro
de um diálogo. Ora a câmera assume o ponto de vista de um, ora de outro dos
interlocutores, fornecendo a cena por meio da alternância dos pontos de vista.
Som e fúria
Os críticos mais conservadores dos primórdios do cinema questionaram, na
época, a introdução do áudio no, até então, cinema mudo. “Ao mesmo tempo em
que os cineastas viam com certo receio essa nova realidade, eles demonstravam
63
interesse e entusiasmo no potencial sonoro introduzido às produções
cinematográficas” (FRUGOLI, 2010, p. 18).
Segundo Martin (2005), o som nas produções audiovisuais é mais do que um
recurso técnico, “apodera-se de características: descritivas no decorrer das cenas;
contrastes em relação às imagens; e até mesmo a propriedade de tornar os
ambientes mais realistas ou menos realistas dentro de cada produção” (Idem, p. 22).
Para Ralph Stephenson e J.R. Debrix (1969), o som é como se fosse uma
quinta dimensão no universo fílmico, seja sob a forma de fala, música ou ruído. No
entanto, os autores são enfáticos ao dizer que as imagens continuam
predominantes. Tal fato é extremamente perceptível no caso dos filmes de Bruce
Lee. Isso por que, originalmente gravados em mandarim, os diálogos, bem como os
sons e os ruídos das lutas, foram dublados para o inglês nos Estados Unidos,
perdendo assim parte suas características originais.
No entanto, os tambores e instrumentos de corda tradicionais do oriente se
fazem presentes na trilha sonora do filme; mais um elemento que reforça a tentativa
de explicar ao espectador um pouco desse mundo chinês desconhecido. No entanto,
as músicas servem mais como pano de fundo para as ações, claramente voltadas
para o apelo visual.
Talvez por isso, as onomatopeias de socos e chutes ocupam papel importante
na interpretação dessas cenas. “A clássica ‘cena de briga’ tem cada vez mais
baseado sua credibilidade no som dos golpes desferidos de parte a parte, tanto
quanto ou mais do que na precisa simulação visual dos gestos” (XAVIER, 2008, p.
35).
Outros recursos
As elipses, principalmente em filmes de ação e suspense, como são os de
Bruce Lee, objetivam dar ao espectador a noção de que algo está sendo omitido. É
a arte de explicar sem mostrar, de deixar subentendido. Elas, assim como as
ligações e transições, asseguram a fluidez da narrativa e evitam os encadeamentos
errôneos.
No caso de Operação dragão as fusões e transições indicam mais do que
isso; elas situam o espectador de hoje à época em que o filme foi produzido. Isso
porque recursos datados e praticamente fora de uso, com o fade, por exemplo, são
recorrentes em algumas cenas, tornando a produção, por vezes, obsoleta.
64
Por sua vez, as metáforas consistem em duas imagens que, confrontadas na
mente do espectador, constituem nova imagem e produzem um choque psicológico,
que deve facilitar a percepção e a assimilação de uma ideia apresentada. Como os
símbolos, que sugerem “uma significação secundária e latente sob o conteúdo
imediato e evidente da imagem” (MARTIN, 2005, p. 105).
Em Operação dragão, o recurso foi muito utilizado, principalmente, para que o
espectador entendesse a condição das mulheres aprisionadas e feitas prostitutas na
ilha. Toda vez que alguma delas aparece, sempre são vistos, antes ou em
sequência, um ou vários passarinhos presos em gaiola (cenas 50, 58, 64 e 65).
Além disso, a própria ilha de Han, local do torneio, é metáfora literal de prisão.
Exemplos como os presídios de segurança máxima como a ilha de Alcatraz, Ilha
Grande (RJ) e Ilha Anchieta (SP) reforçam a ideia.
Cenário, personagens e indumentária
Antes de falar dos personagens e de como se apresentam, é preciso discorrer
sobre o cenário no cinema. Das autênticas estações de trem e fábricas filmadas
pelos irmãos Lumière, até os teatrais cenários de Méliès, passando pelas locações
dos westerns e tantos outros exemplos que podem ser citados, é o cenário “capaz
de nos dar uma reprodução fotográfica de locais autênticos, porções verdadeiras da
Natureza” (DEBRIX e STEPHENSON, 1969, p. 144-145). No cinema clássico, pois
hoje grande parte pode caber à computação gráfica.
Segundo os autores,
O mundo representado na tela é uma criação nova, não apenas
uma cópia da realidade, e frequentemente força o realizador
cinematográfico a fazer mudanças e inovações na composição, que
fornecem campo para a imaginação artística (Idem, p. 146).
Tal afirmação se dá pelo fato de que,
apesar de sua tendência para o cenário natural, o cinema faz uso
considerável de palcos de estúdio. (...) No estúdio, por mais fiel que o
cenário possa parecer no filme terminado, a semelhança é quase totalmente
ilusória. Para começar, as dimensões são diferentes; a fim de fortalecer a
perspectiva e a impressão de profundidade, é vantajoso fazer cenários de
dimensões anormais. Além disso, esses cenários são invariavelmente
fabricados com materiais leves, fáceis de manipular e desmontar.
(...)
E essa textura diferente, juntamente com o fato de que são apenas
uma cópia aproximada de cenários autênticos, tem que ser levada em conta
quando da iluminação. Também, são pintados em tonalidades artificiais com
valores de luz e de cor.
(...)
65
Finalmente, para facilitar a tarefa dos engenheiros de som e
eletricistas, os palcos de estúdio geralmente não têm teto. Isso significa que
alguns ângulos habituais ascendentes ficam excluídos. Uma exceção a
essa regra é Orson Welles, que frequentemente usa notáveis ângulos
ascendentes em que o teto é um elemento importante na composição da
tomada (Ibid., p. 145 - 146).
Apesar de hoje a computação gráfica e toda a tecnologia à disposição dos
realizadores terem mudado o resultado final nas telas
3
, os filmes de Lee se passam
na realidade descrita pelos autores; em artificialidade quase teatral potencializada,
como visto, pela falta de recursos financeiros para a produção dos cenários. Tal
artificialidade,
Se não for extremamente bem executada, poderá tornar-se
chocante. É o emprego de várias formas tradicionais de trucagem planos
em espelho, o processo Schuftan, panos de fundo fotográficos,
retroprojeção e semelhantes (Ibid., p. 145 - 146).
Observam-se, em Operação dragão, três possibilidades de locação: a
primeira delas é o Templo Shaolin, em que Bruce treina e ensina seus aprendizes; a
segunda, Hong Kong da década de 70 e, por fim, a espetaculosa mansão de Han
(anexos 6 a 8).
Templo Shaolin
Por não ser local de ostentação e não depender de muitos objetos para
compor o quadro, necessitando apenas da natureza capaz de transmitir paz e a
força interior dos praticantes das artes marciais, o Templo Shaolin talvez seja o mais
autêntico representado no filme. É cil, ainda hoje, encontrar essas instalações não
somente na China. Um exemplo está em Ubatuba, município do litoral Norte de São
Paulo. Lá, o mestre de kung fu Tsao Apo mantém seu espaço de treinos e
ensinamentos, muito parecido com o apresentado no filme; ou seja: amplo espaço
para a prática dos movimentos de luta ao ar livre, com muito verde, pedras, quedas
d’água e contato com a terra; além de um espaço interno para meditação e lições de
taoísmo ou budismo, dependendo da doutrina seguida pelo mestre.
Hong Kong
3
Sobre o tema, a designer e professora do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo, Sueli
Garcia, discorre no livro O feitiço do cinema, organizado por Juan Guilhermo D. Droguett e Flavio F.
A. Andrade. Ela apresenta um estudo sobre o pós-moderno de temática futurista Aeon Flux, de Karyn
Kusama (2005). O filme se passa em 2415, com uma cidade, portanto, construída artificialmente.
66
Quando, no entanto, Hong Kong e a mansão de Han aparecem no filme, tem-
se percepção estereotipada do que vem a ser o país. O fato pode ser justificado pela
falta de tempo em explicar milênios de história em um espaço de tempo tão curto
como um filme comercial. Após a China ter se tornado a principal potência
econômica mundial e sediado uma majestosa Olimpíada, a atenção do ocidente
novamente se voltou para o oriente, como espécie de resgate histórico das
navegações de 1500, já abordadas neste trabalho.
No entanto, em 1970, o que se conhecia da realidade desse país-nação era
insuficiente para retratá-lo a todos os espectadores, afoitos, de fato, para ver nas
telas os golpes voadores de Bruce Lee. Há, então, verdadeiras impressões
americanizadas, estereótipos do povo chinês. Segundo Commager e Nevis (1986), o
homem médio americano sempre viu a imigração como um problema. Achava que
os Estados Unidos tinham gente e dificuldades suficientes para procurar mais. O
operariado a via como concorrência, os governos percebiam novos problemas de
habitação, saneamento e policiamento, e o sistema escolar sofria com o
analfabetismo e o desajustamento social.
Assim, dos planos 12 a 16, tem-se uma Hong Kong desordenada, barulhenta,
inadequada para estrangeiros, com muitos letreiros em mandarim e pessoas de
costumes diferentes. Além disso, nos planos 18, 23 e 27, por exemplo, vê-se uma
pobreza muito grande, crianças, idosos e mulheres grávidas impulsionando as
pequenas embarcações com uma favela sobre as águas ao redor.
Mansão de Han
Por último, a mansão de Han é um palácio dourado remetendo à Cidade
Proibida (anexo 9). No entanto, sua representação é tão caricata que, no próprio
filme, tal fato é comentado quando, no plano 117, Willians diz ao vilão: “Cara, você
saiu direto de uma história em quadrinhos!”. A afirmação leva a outro recurso dos
cineastas: a caracterização dos personagens.
Parte desta caracterização se com o vestuário que, no cinema, de acordo
com Debrix e Stephenson (1969, p. 147), tem funções predominantemente estéticas
ou dramáticas. “Um exemplo supremo é Charlie Chaplin. Basta desenhar uma
bengala, um chapéu-coco e um par de sapatões para que todos saibam a quem o
desenho se refere”.
67
Segundo os autores, a identificação de um homem com seu estilo de roupas
ou acessórios ocorre, até certo ponto, na vida real, mas no cinema ela se revela
mais marcante. Edgard Morin (1989), em As estrelas, reitera a afirmação dizendo
que, no caso especial dos astros e estrelas, o traje é um ornamento, uma versão
idealizada da coisa autêntica, por mais modesto que seja.
No caso dos filmes de Bruce Lee, é indispensável um pouco mais de atenção
nesse aspecto. Suas produções falam de uma realidade e de costumes antes pouco
ou nunca vistos. Na China cheia de cores, as roupas são trabalhadas com bordados
em dourado e têm forma diferente do jeans Levi’s e da camisa de botões. Elas
“fazem parte do arsenal dos meios de expressão” (MARTIN, 2005, p. 60) para dar ao
espectador a noção de como é a realidade daquele povo. Pode-se dizer, de acordo
com o autor, que os cenários e figurinos dos filmes de Bruce Lee são do tipo realista.
“Ou seja, de acordo com a realidade histórica, pelo menos nos filmes em que o
figurinista se reporta a documentos de época e demonstra a preocupação de
exatidão ante as exigências indumentárias dos artistas”. (Idem, p. 61).
A preocupação com o figurino é vista em Operação dragão. Logo no início do
filme (anexo 10), os lutadores do Templo Shaolin se vestem com i-fus (tradicional
traje chinês) em vermelho e amarelo. Ambas estão representadas na bandeira do
país (vide anexo 11). Nela, a cor predominante é a vermelha, que simboliza a
revolução e o Partido Comunista da China, que tomou o poder na guerra civil de
1949. No canto superior esquerdo estão dispostas uma estrela grande e quatro
pequenas, todas na cor amarela e de cinco pontas. O amarelo das estrelas
representa o brilho da luz no solo chinês. O mestre, no entanto, veste i-fu laranja
(anexo 12), que também é cor de energia, mistura das cores representadas
mostrando sua integração com as coisas de seu país.
Mais adiante, no plano 51, quando o vilão Han entra na sala, ele veste capa
preta e dourada, referência aos antigos imperadores da Cidade Proibida, sempre
revestidos de ouro (anexo 9). Além de Han, as mulheres que o acompanham,
também em trajes orientais, vestem roupas monocromáticas, em combinação com
as frutas que estão por perto, na intenção de ostentar ainda mais o poder de Han
(anexos 13 e 14). A presença de laranja, abacaxi e banana, por exemplo, é sinônimo
de sua riqueza, pois essas frutas não são nativas da região.
68
Bruce, por sua vez, está sempre de preto, numa referência clara à sua
seriedade como praticante de arte marcial, ao seu luto familiar e à sua inadequação
àquele universo ostentoso que é o de Han (anexo 15), ou sem camisa, deixando seu
tórax malhado à mostra (anexo 16). De acordo com os ensinamentos taoístas
seguidos por Lee, inclusive, o abdome é, inclusive, o ponto central de energia do
corpo, onde Yin e Yang se encontram, fazendo o chi kung (força interior)
amadurecer e florescer. Exibi-lo é forma de enaltecer o herói à maneira oriental.
A mensagem que Lee transmite com seu corpo, ademais, pode ser melhor
compreendida se forem considerados os estudos do alemão Harry Pross, que
desenvolveu uma teoria da mídia que a divide em mídia primária, secundária e
terciária.
(...) o autor afirma que as raízes do processo comunicativo estão no
próprio corpo. Segundo Norval Baitello Jr. (2009), que interpretou e traduziu
sua obra,
o que se denomina comunicação nada mais é do que a ponte entre
dois espaços distintos. A consciência desse espaço inicia-se no momento
do nascimento, que deveria ser definido como o momento inaugural de toda
comunicação social. (ARRUDA e BONITO, 2009, p. 4).
Baitello (2010, p. 12) explica que,
Para o recém-nascido não outro objeto senão seu próprio corpo.
É o corpo que transmite suas mensagens, é a respiração, a temperatura, é
a vibração das cordas vocais que produz o choro que se transformará mais
tarde em sons articulados. E talvez os seus primeiros e mais importantes
sentidos receptores neste momento não sejam nem a visão, nem a audição
ou o olfato, mas o tato e a propriocepção. A partir de sua inteligência tátil e
perceptiva, desenvolverá a consciência de corpo e, consequentemente, seu
primeiro meio de comunicação.
O corpo, então, é dado como mídia primária. Relegada a segundo plano pelos
estudiosos de comunicação, nele os indivíduos se encontram cara a cara.
“Corporalmente e imediatamente, toda comunicação retorna para lá” (PROSS, apud.
BAITELLO, 2010, p. 12).
Apesar de extremamente complexa, a mensagem na mídia primária dura
muito pouco e, como o homem tem a necessidade de se perpetuar no tempo e no
espaço, de vencer a morte nas sucessivas gerações, complexificou seu sistema de
comunicação.
O uso de ferramentas comunicativas com a finalidade de amplificar
suas mensagens no tempo, no espaço ou na intensidade. Em princípio,
cores e pinturas corporais, máscaras e vestimentas festivas, adornos e
69
outros objetos com a função de acrescentar ao corpo uma informação são
um prolongamento da mídia primária e, assim, inauguram a mídia
secundária. (BAITELLO, 2010, p. 13).
Segundo Pross, a mídia secundária é caracterizada pela existência de
aparato mediador entre o receptor e o emissor da mensagem; das pinturas rupestres
para a escrita. com o surgimento da eletricidade, inaugurou-se a mídia terciária.
Na teoria apresentada, a mídia terciária necessita de aparato emissor e codificador
da mensagem e outro receptor e decodificador da mesma, ampliando as escalas
espaciais e do receptivo da mensagem. Tal impacto foi tão grande que hoje o
próprio conceito de comunicação passou a ter versão que, por muitas vezes,
restringe-se apenas à mídia terciária
Como visto, Bruce era um homem do corpo”. Ao usar sua intensa
mídia primária, potencializada pela secundária (figurinos e cenários) e
terciária, com o fascínio exercido pelo cinema, seus socos, chutes e
acrobacias, além da sua própria figura, com olhos puxados, pele amarela,
cabelo liso e preto, que já traz milênios de história sem dizer uma palavra, o
ator, campeão de kung fu e de chácháchá Li Jun Fan, mais conhecido como
Bruce Lee, sincronizou, usando o termo cunhado por Pross, uma geração,
ou seja, povoou o imaginário dessas pessoas com suas histórias. (ARRUDA
e BONITO, 2009, p. 10).
Expostos e analisados os elementos fílmicos utilizados em Operação dragão,
é necessário traçar uma abordagem narrativa a respeito da obra. Tal tarefa
complementará o estudo em busca de uma melhor compreensão de sua obra. Para
isso, foi feita a aproximação com o estudo do russo Vladimir Propp (1984), que ao
analisar os componentes básicos do enredo dos contos populares, visando
identificar os seus elementos narrativos mais simples e indivisíveis, a fim de melhor
compreender essas histórias, afirmou que “não se pode falar da origem de um
fenômeno, seja ele qual for, antes de descrevê-lo” (Idem, p. 14).
70
4. OPERAÇÃO DRAGÃO – PARTE II
4.1 O conto maravilhoso
Em um corpus de mais de 400 contos, Propp identificou um sistema formal
com base nos elementos constantes nessas narrativas e sobre eles se debruçou
para a análise. Segundo o autor, é o método adequado de pesquisa: estudar os
fragmentos mais curtos que constituem o conto.
Segundo Propp, a classificação é uma das primeiras e principais etapas da
investigação, seguida da descrição propriamente dita. Para ele, também é preciso
estudar as bases abstratas antes de se ater aos fatos concretos. Se na descrição a
parte deve vir antes do todo, deve-se em seguida isolar os elementos primários.
Propp desenvolveu metodologia particular, identificando partes constituintes
dos contos e depois as comparando, obtendo como resultado uma morfologia, “isto
é, uma descrição do conto maravilhoso segundo as partes que o constituem e as
relações destas partes entre si e com o conjunto” (Ibid., p. 25).
O autor encontrou grandezas constantes e variáveis nas histórias. Segundo
ele, mudam os nomes (e, com eles, os atributos dos personagens; o que não muda
são suas ações ou funções). “Daí a conclusão de que o conto maravilhoso atribui
frequentemente ações iguais a personagens diferentes. Isto permite estudar os
contos a partir das funções dos personagens(Ibid., p. 24). Por função compreende-
71
se o procedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua
importância para o desenrolar da ação.
É possível, a partir da teoria de Propp, dividir narrativamente o filme-guia
desta análise, chegando à interpretação de seus pontos mais relevantes e, ainda,
compará-lo aos demais filmes de sua obra, identificando quais as recorrências nos
filmes de Lee.
Na teoria de Propp, estabelece-se que os personagens do conto maravilhoso,
por mais diferentes que sejam, desempenham frequentemente as mesmas ações. O
meio em si, pelo qual se realiza uma função, varia: trata-se de grandeza variável.
Importa mesmo é saber o que fazem os personagens.
As funções representam as partes fundamentais do conto maravilhoso, e para
destacá-las é preciso defini-las. A definição é designada por um substantivo que
expressa ação. Em segundo lugar, a ação não pode ser definida fora de seu lugar
no decorrer do relato. Deve-se tomar em consideração o significado que possui uma
dada função no desenrolar da ação.
Além de definir as funções, Propp observou que elas são limitadas e que suas
aparições respeitam sequência idêntica. Como exemplo, Propp diz: “O roubo não
pode ser efetuado antes de se arrombar a porta (...). A liberdade neste terreno é
limitada por regras bastante rígidas e que podem ser determinadas com precisão”
(Ibid., p. 27).
No entanto, antes de descrever as funções, é necessário alertar que nem
todos os contos apresentam todas as funções. Apesar disso, “a ausência de
algumas funções não muda a disposição das demais” (Ibid., p. 27). Serão mostradas
quais das 31 funções aparecem no filme-guia Operação dragão, com breve
descrição e indicando o momento de sua recorrência.
Explica-se, ainda, que o conto maravilhoso começa, habitualmente, com certa
situação inicial. Enumeram-se os membros de uma família ou o futuro herói.
É apresentado simplesmente pela menção de seu nome ou
indicação de sua situação. Embora esta situação não constitua uma função,
nem por isso deixa de ser um elemento morfológico importante. (...)
Definimos este elemento como situação inicial (Ibid., p. 31).
Em Operação dragão, o herói é apresentado de maneira que o qualifica
para a ação, ou seja, lutando. Vê-se, logo na segunda sequência, que ele faz uma
72
demonstração de artes marciais para alunos do Templo Shaolin e, em seguida, é
convocado por seu mestre, que tece elogios a ele e à sua impecável arte de lutar.
Após a situação inicial há as seguintes funções:
1. Afastamento (um dos membros da família sai de casa)
Vê-se, a partir das sequência 22, o herói ingressar em sua jornada,
embarcando literalmente em sua aventura ao ir para o torneio de artes
marciais na mansão de Han.
2. Proibição (impõe-se ao herói uma proibição)
No caso de Lee, sua proibição envolve assassinato e, assim, é sempre
moral/ética; afinal, suas lutas são sempre fatais. Em Operação dragão,
ele visita o mulo da mãe para pedir, antecipadamente, perdão, pelo
que pretende fazer (cena 21). Sendo então um herói-vítima, ou seja,
obrigado a ingressar na jornada, é este mais um motivo para gerar a
empatia do público.
3. Transgressão (a proibição é transgredida)
Bruce hesita ao máximo combater, até que ele se torna inevitável. Vê-
se que em Operação dragão ele teve várias oportunidades de atacar
O’Hara, responsável direto pela morte de sua irmã, mas só o fez
oficialmente em combate. O mesmo acontece em A fúria do dragão.
Investigando a morte de seu mestre, depara-se com várias gangues
criminosas, mas apenas do meio do filme em diante as lutas fatais
passam a acontecer.
4. Interrogatório (antagonista procura obter informação)
Em Operação dragão essa função não está muito bem definida, pois
Bruce terá seu confronto com Han apenas nos dez minutos finais.
5. Ardil (antagonista tenta ludibriar sua vitima para apoderar-se dela
ou de seus bens)
três maneiras para o antagonista realizar essa função. No caso do
filme-guia, ele o faz por meio de persuasão, ou seja, tentando
convencer o herói de que seus propósitos são válidos. Isso acontece,
no filme-guia, quando o grupo de lutadores chega à mansão de Han e
ele os recebe com grande festa e banquete, muitas mulheres, música
73
e bebida (planos 51 a 60). Ou quando, em combate, Han tenta
convencer Bruce a se juntar a seus capangas (plano 140).
6. Cumplicidade (vítima se deixa enganar, ajudando
involuntariamente seu inimigo)
Aqui, a proposta enganosa e a aceitação correspondente tomam
forma particular no pacto ardiloso. Nessas circunstâncias, o acordo é
obtido à força e o inimigo se aproveita de alguma situação difícil em
que se encontra a vítima. Às vezes a situação difícil é criada
propositadamente pelo inimigo. O elemento pode ser definido como
desgraça prévia.
Em apenas um dos filmes de Lee isso acontece. É ele O dragão
chinês, quando se vende por bebidas e prostitutas e se esquece de
investigar o mafioso que está matando seus primos. Em nenhum outro
ele se torna cúmplice de seu antagonista, forma de preservação da
superioridade do herói.
7. Dano (antagonista causa dano ou prejuízo a um dos membros da
família)
Propp explica que a função dano é extremamente importante porque
É ela, na realidade, que movimento ao conto maravilhoso. O
afastamento, a infração, a informação e o êxito preparam esta função,
tornando-a possível, ou simplesmente a facilitam. Por isso as sete primeiras
funções podem ser consideradas como parte preparatória do conto
maravilhoso, enquanto o nó da intriga está ligado ao dano (Ibid., p. 35).
19 formas apresentadas pelo autor de se obter o dano. Em
Operação dragão e em todos os outros filmes de Lee, o antagonista
realiza uma porção delas: infringe danos corporais, ordena matar,
assassina, mantém reféns e declara guerra. Essas são, inclusive, as
mesmas formas de dano ocorridas nos demais filmes, mostrando
uma recorrência temática em sua obra.
Senão compare-se: em O dragão chinês o vilão é um traficante que
usa sua fábrica de gelo como fachada e não teme tirar do seu caminho
quem quer que o atrapalhe; em A fúria do dragão, Bruce também lida
com traficantes que foram os mandantes do assassinato de seu
mestre de artes marciais. Por sua vez, em O vôo do dragão Bruce tem
que lidar com a máfia italiana, que intimida sua família com ameaças
74
de morte e saques frequentes; e, por fim, no filme Jogo da morte a
rivalidade entre China e Japão é explicitada com sindicalistas
opressores que querem que Bruce entre em um esquema de
corrupção. Quando ele nega, sofre um atentado e é obrigado a forjar
sua própria morte para poder planejar e fazer sua vingança.
8. Mediação/momento de conexão (divulgada a notícia do dano ou da
carência; faz-se pedido ao herói ou lhe é dada uma ordem,
mandam-no embora ou deixam-no ir. O significado desse
momento é provocar a partida de casa do herói)
Segundo o autor, é a função que introduz, no conto, o herói, que pode
ser de dois tipos: buscador ou herói-vitima. Em Operação dragão e
nos demais filmes de Lee, está-se diante de um herói-vitima e sua
partida pode se dar das seguintes maneiras:
Herói é enviado imediatamente. O que acontece em A fúria do
dragão e em O vôo do dragão e em Jogo da morte, em que ele
embarca na jornada por conta própria.
Envio do herói é dado em forma de ordem ou pedido. É o
caso do filme-guia desta análise, em que o encaminhamento da
jornada é feito primeiramente pelo mestre (plano 9), depois pelo
policial (planos 10 e 17) e depois pelo seu tio/guru (plano 19). A
triplicação também é abordada por Propp. É maneira de reforçar
determinada função. Neste caso, intensifica a ideia de que o herói não
tem escapatória a não ser embarcar na jornada.
Início da reação (herói aceita ou decide reagir)
Os filmes de Bruce pressupõem essa reação e, nesse ponto, todos a
apresentam de forma semelhante: após coletar todas as informações
e se segurar ao máximo para não causar mortes desnecessárias, ele
passa a fazer jus ao título de dragão chinês e apresenta toda a sua
performance para honrar família, Templo, nação... Todos os preceitos
de temática oriental.
9. Partida (herói deixa a casa)
É interessante observar que em todos os filmes, Bruce se desloca
para longe. Em Jogo da morte, por exemplo, o herói está em Los
Angeles. Mesmo em Operação dragão, em que ele vai para uma ilha
75
da própria Hong Kong, o fato de toda aventura se passar numa
mansão com regras próprias faz o reino parecer muito mais distante
do que efetivamente é.
10. Deslocamento no espaço entre dois reinos (herói é transportado,
levado ou conduzido ao lugar onde se encontra o objeto que
procura)
Em Operação dragão e em O dragão chinês ele o faz de barco. Em
Jogo da morte e em O vôo do dragão, o transporte é aéreo.
11. Combate (herói e seu antagonista se defrontam em combate
direto)
O combate pode acontecer de quatro formas: em Operação dragão
a luta em campo aberto.
É o momento pelo qual todos esperam nos filmes de Lee. Seus
antagonistas são sempre tão bons quanto ele, e é interessante
observar que todos aparentam ter mais idade. Lee entra em
combate direto com seu antagonista após passar por todos seus
capangas, mortos um a um, com seus golpes de luta.
12. Marca (herói é marcado e a marca fica em seu corpo)
Momento interessante de Operação dragão é quando o vilão Han, que
sofreu um acidente alguns anos e, por isso, não tem uma das
mãos, sendo obrigado a usar próteses cambiáveis, fere o tórax e as
duas faces de Lee. Nessa sequência, especificamente, Han escolheu
uma garra para lutar com Bruce que, ao perceber que estava
sangrando, toca a ferida e leva o dedo à boca, provando seu próprio
sangue. Cheio de raiva, dá o golpe derradeiro no vilão (plano 154).
13. Vitória (antagonista é vencido no combate em campo aberto)
Lee sempre vence seus combates com a transgressão da proibição;
ou seja, ele mata os vilões.
14. Reparação de dano ou carência (dano inicial ou carência são
reparados)
Nesse momento, o objeto da busca se consegue mediante força ou
mediante astúcia. Ao matar o vilão, o protagonista utiliza os mesmos
meios do malfeitor quando este causou o dano inicial. No entanto, por
76
ele, como visto, ter sido forçado a fazê-lo, o público o quer bem, gosta
dele, gerando a identificação da qual Edgard Morin (1973) tanto fala.
Além das funções recorrentes no filme de Lee, outras 16 foram apresentadas
por Propp (1984). A maioria delas surge posteriormente à reparação do dano. Além
do autor explicar que nem todos os contos contêm todas as funções, no caso de
Bruce Lee seus filmes acabam, geralmente, de forma semelhante: abruptamente.
Funções como regresso, reconhecimento e casamento não são recorrentes em seus
filmes.
Distribuição das funções entre os personagens
Todas as funções e partes constituintes da narrativa se agrupam logicamente
segundo determinadas esferas. As esferas correspondem, grosso modo, aos
personagens que realizam as funções. São as esferas de ação. Propp (1984)
apresenta sete delas; ou seja, sete personagens básicos:
1- Antagonista (ou malfeitor): compreende o dano, o combate e as
outras formas de luta contra o herói e a perseguição.
Em Operação dragão, pode-se dizer que essa esfera é ocupada
por Han e todos os seus capangas.
2- Doador: preparação da transmissão do objeto mágico e fornecimento
do objeto mágico ao herói.
Aqui uma triplicação de personagens: o oficial da polícia que
convocou Bruce ao torneio; seu mestre, que pediu para que o
herói honrasse o nome do templo Shaolin, e seu tio, que, ao
revelar a verdade sobre a morte da irmã de Lee deu a ele
motivos suficientes para buscar vingança.
3- Auxiliar: deslocamento do herói no espaço, reparação do dano ou da
carência, salvamento durante a perseguição, resolução de tarefas
difíceis, transfiguração do herói.
Willians e Roper ocupam esse papel no filme, bem como Mei
Ling. Essa última também se encontra na esfera de ação da
Princesa.
77
4- Princesa e seu pai: proposição de tarefas difíceis, imposição de
estigma, desmascaramento, reconhecimento, castigo e casamento.
Basicamente são os mesmos personagens da esfera de ação
dos doadores; que aqui se inclui Mei Ling, que Bruce
encontra já na ilha.
5- Mandante: inclui o envio do herói
Repete-se a triplicação da esfera de ação dos doadores.
6- Partida para realizar a procura: reação perante as exigências do
doador, casamento.
Junto a Lee, Willians e Roper, seus auxiliares, passam a
desvendar os mistérios da ilha dentro da história.
7- Falso-herói: partida para realizar a procura, reação perante as
exigências do doador e pretensões enganosas.
Han, desmascarado como vilão, esconde pela fachada de seu
torneio um esquema de tráfico de drogas e mulheres e pretende,
com a realização do evento, recrutar mais soldados para seu
exército.
As funções da parte preparatória também estão distribuídas entre esses
personagens, mas Propp explica que ela não é uniforme nos contos, não podendo
ser utilizada como recurso para compreensão da geração de sentido de uma obra.
Nas esferas de ação existem as possibilidades de serem exatamente
correspondentes ao personagem, de uma única esfera se dividir entre vários
personagens ou de um só personagem ocupar várias esferas de ação.
Sobre os personagens, Propp (1984) a eles ainda atributos que explica ser
o conjunto de suas qualidades externas: idade, sexo, situação, aspecto exterior com
suas particularidades etc. “Estes atributos proporcionam ao conto colorido, beleza e
encanto” (Idem, p. 81).
Para estudá-los, o que o autor considera “extraordinariamente importante”
(Ibid., p. 84), é preciso atentar para três rubricas fundamentais: aparência e
nomenclatura, particularidades da entrada em cena e habitat.
No entanto, como visto, no conto um personagem pode facilmente tomar o
lugar do outro, ou seja, ocupar várias esferas de ação. Propp explica que isso muito
tem a ver com as narrativas da vida real, conforme segue:
78
Estas trocas têm suas próprias causas, por vezes muito complexas.
A vida real cria sempre figuras novas, brilhantes, coloridas, que se
sobrepõem aos personagens imaginários; o conto sofre influência da
realidade histórica contemporânea, do epos dos povos vizinhos, e também
da literatura e da religião, tanto dos dogmas cristãos, como das crenças
populares locais. O conto guarda em seu seio traços do paisagismo mais
antigo, dos costumes e ritos da antiguidade. Pouco a pouco, o conto vai
sofrendo uma metamorfose e suas transformações também estão sujeitas a
determinadas leis (Ibid., p. 81)
Bruce, em tela, era vivo, ávido, sagaz. Fruto de uma cultura pop, como dito,
as histórias geradas e difundidas a seu respeito se confundem ainda hoje com as da
ficção, ficando difícil separar o real da fantasia; do mito que representa Bruce Lee
para milhares de pessoas. Para tentar entender esse aspecto de sua obra, outra
aproximação teórica será feita sobre o filme Operação dragão. Desta vez, utilizando-
se dos estudos do mitólogo Joseph Campbell, conforme apresentado a seguir.
4.2 A jornada do herói
Aplicar a metodologia de Vladimir Propp, que estudou contos populares
russos, nessas histórias, mostrou-se extremamente útil para, fragmentada a
narrativa, fazer análise posterior de sua estrutura. Isso porque o corpus de Propp
abordava uma temática de transformação, sempre com lição a ensinar, construindo
um percurso de aprendizagem. Apesar de ser mais velho do que os personagens
das histórias estudadas, Bruce, ao deslocar-se do oriente para o ocidente, tornou-se,
por assim dizer, criança novamente, tendo que aprender novos costumes e
transmitir os de sua cultura em terra desconhecida. Como bom lutador, tentou impor
sua arte, hoje mundialmente conhecida.
Apesar disso, toda narrativa permite a aproximação sob várias perspectivas
teóricas. No caso dos filmes de Lee, outra abordagem possível é apresentada pelo
mitólogo norte americano Joseph Campbell (1992). No final da década de 40, ao
analisar histórias míticas de todo o mundo, constatou similaridade estrutural sica
nessas narrativas. “Seja o herói ridículo ou sublime, grego ou bárbaro, gentio ou
judeu, sua jornada sofre poucas variações no plano essencial” (Idem, p. 42).
A jornada do herói de Campbell apresenta os mitos como “viva inspiração de
todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente humanos”
(Ibid., p. 15). Segundo ele, a função primária da mitologia é fornecer os símbolos
que levam o espírito humano a avançar. O que se verá a seguir é uma
complementação da teoria narrativa de Propp acima esmiuçada e, em grande parte,
79
semelhante a ela: ambas constituem modelos em que se buscam os elementos
constantes da narrativa e reconhecem, nos objetos analisados, um relato modelar
para a compreensão da trajetória humana.
No caso específico da teoria de Campbell, é importante atentar,
principalmente, aos esquemas míticos apresentados, que reservam elementos de
análise que complementam o estudo previamente realizado. O autor explica que o
herói surge em oposição ao monstro-tirano, familiar às mitologias. Sua principal
característica é ser o acumulador do benefício geral e querer tudo para si. Segundo
o autor, a ruína que atrai é descrita como generalizada, que pode ir além de sua
psique torturada e atingir toda a civilização. “Onde quer que ponha a mão, há um
grito em favor do herói redentor, o portador da espada flamejante, cujos golpes, cujo
toque e cuja existência libertarão a terra” (Ibid., p. 25).
O mitólogo afirma ainda que o herói é o homem da submissão
autoconquistada, ou seja, ele se entrega à sua missão e sua primeira tarefa consiste
em retirar-se da cena cotidiana e iniciar sua jornada. Como personagem de dons
excepcionais, frequentemente honrado pela sociedade da qual está inserido, após a
jornada ele deve voltar para sua comunidade e ensinar a lição de vida que
aprendeu.
O retorno e reintegração à sociedade, que é indispensável à
contínua circulação da energia espiritual no mundo e que, do ponto de vista
da comunidade, é a justificativa do longo afastamento, pode se afigurar ao
próprio herói como o requisito mais difícil. Pois se ele conseguiu alcançar o
profundo repouso da iluminação completa, perigo de que a bem-
aventurança de sua experiência aniquile toda lembrança, interesse ou
esperança ligados aos sofrimentos do mundo; do contrário, o problema de
tornar conhecido o caminho da iluminação junto a pessoas envolvidas com
problemas econômicos pode parecer muito difícil de resolver. Por outro
lado, se o herói, em lugar de submeter-se a todos os testes da iniciação,
tiver simplesmente alcançado seu alvo e levado a graça obtida para o
mundo que ele desejou, então os poderes que desequilibrou podem reagir
tão violentamente que ele será destruído tanto a partir de dentro como de
fora. Ou, se o herói, em terceiro lugar, fizer um voluntário e seguro retorno,
poderá deparar-se com uma tal incompreensão e desconsideração por
parte daqueles que a quem foi auxiliar que sua carreira entrará em colapso.
(Ibid., p. 41).
Como visto, a jornada do herói possui percurso-padrão de separação-
iniciação-retorno, que podem ser considerados a unidade do monomito.
Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de
prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória
decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer
benefícios aos seus semelhantes (Ibid., p. 36).
80
O tripé apresentado pelo mitólogo é subdivido em 17 etapas, conforme
resumo apresentado pela professora Mônica Martinez (2008) e aqui retomadas,
reiterando a análise já feita a partir dos estudos de Propp.
A partida
a) O chamado da aventura: Após ser apresentado ao público
qualificado como exímio e sábio lutador de artes marciais, um oficial da
polícia procura por Lee para que ele se infiltre em um torneio de lutas
que, na verdade, serve como fachada para o tráfico de drogas e de
mulheres.
b) Recusa do chamado: Mesmo com o vilão Han tendo desonrado o
nome do templo Shaolin do qual Lee faz parte, ele parece não
totalmente intencionado a aceitar a missão e procura seu tio, uma
espécie de guru, para aconselhá-lo.
c) O auxílio sobrenatural: Esse papel é ocupado pelo tio de Lee, que ao
explicar-lhe que Han, indiretamente, foi o causador da morte de sua
irmã, o dá forças para embarcar na aventura.
d) A passagem pelo primeiro limiar: Aqui, Lee embarca com demais
competidores do torneio em direção à ilha/mansão de Han, onde
acontecerá o torneio. Durante a viagem, ele enfrenta seu primeiro
desafio com sabedoria, ao evitar uma briga com outro lutador
encrenqueiro.
e) O ventre da baleia: Esse é o momento em que Lee chega à mansão
de Han e, ao invés de se esbaldar com comida, bebida e mulheres,
como os outros fazem, ele procura observar o novo ambiente, traçando
sua estratégia de ações.
A iniciação
a) O caminho das provas: Aqui podem ser elencadas uma série de
provas cujo Lee é submetido. Já na mansão, treinando em seu
quarto, o herói se depara com O’Hara, responsável direto pela morte
de sua irmã, e precisa se controlar para não atacá-lo ali mesmo,
burlando não as regras do torneio, quanto éticas e morais. Além
disso, todas as lutas do torneio representam tais provas.
81
b) O encontro com a deusa: Na mansão de Han, as mulheres são
prostitutas oferecidas como presente de boas vindas aos
participantes do torneio. Lee, compromissado com seu propósito de
desvendar o que de fato acontece na ilha e terminar seu trabalho,
não se envolve com nenhuma delas, o fazendo permanecer firme
aos olhos do público.
c) A mulher como tentação: Nesse ponto, Operação dragão é bem sutil.
A espiã infiltrada na ilha, Mei Ling, é o par romântico do ator na
trama. Entre eles, no entanto, há apenas troca de olhares e diálogos
que subentendem ao espectador o relacionamento.
d) A sintonia com o pai: Ao matar O’Hara em uma das lutas do torneio,
Lee se com a vingança familiar terminada. Aqui, ele está pronto
para concluir a outra parte de sua tarefa: honrar o Templo Shaolin e
descobrir de que forma se dão os negócios escusos do vilão Han;
e) A apoteose: Aqui, Lee batalha contra Han. Entre um golpe de luta e
outro, ele ainda mostras de sua sabedoria oriental. Ao explicar
princípios morais e éticos do Templo Shaolin, ele deixa o vilão sem
argumentos para discussão e vence-o na batalha.
f) A benção última: No pátio da mansão, onde aconteciam os combates
do torneio de artes marciais, Lee depara-se com uma confusão
generalizada: corpos de soldados e prisioneiros, alguns ainda
lutando, enquanto a polícia, de helicóptero, começa a chegar à ilha.
Neste momento, ele se torna responsável pela libertação daqueles
prisioneiros, tendo vingando a morte de sua irmã, honrado o Templo
Shaolin e livrado Hong Kong de um grande criminoso.
Esse é o acontecimento central da narrativa. Segundo Martinez (2008, p. 93),
que interpretou a jornada de Campbell para a construção de histórias biográficas no
jornalismo, a pessoa entra em contato com seu principal medo e confronta os vilões,
que são
símbolos dos atributos temidos ou odiados, que na verdade
representam os aspectos negativos e não trabalhados da própria
personalidade, projetadas no outro. (...) De alguma forma a pessoa está
acertando contas com a sua sombra.
82
A autora afirma que, após esse confronto, o protagonista se torna, de fato, um
herói.
Antes, no entanto, de elencar quais são as etapas do retorno, é importante
ressaltar que, em Operação dragão, elas não aparecem. A terceira parte da jornada
do herói de Campbell se assemelha às 16 funções que Propp (1984) apontou em
seus estudos e que, como visto, também não são recorrentes no filme-guia. Tal fato
será abordado mais adiante, após análise feita com o estudo narrativa de José Luiz
Fiorin (2002).
O retorno
a) A recusa do retorno.
b) A fuga mágica.
c) O resgate com auxílio externo.
O herói pode ser resgatado por meio da assistência externa, o que leva à
crise final do percurso.
Trata-se da paradoxal e supremamente difícil passagem do herói
pelo limiar do retorno, que o leva do reino místico à terra cotidiana. Seja
resgatado com ajuda externa, orientado por forças internas ou
carinhosamente conduzido pelas divindades orientadoras, o herói tem de
penetrar outra vez, trazendo a benção obtida, na atmosfera muito
esquecida. (...) Ele tem de enfrentar a sociedade com seu elixir e receber o
choque do retorno. (CAMPBELL, 1992, p. 213)
d) A passagem pelo limiar do retorno.
e) Senhor de dois mundos.
f) Liberdade para viver.
Diferente do herói-vitima de Propp (1984), Bruce enquadra-se no padrão
herói-guerreiro, apresentado por Campbell como dono da façanha capaz de aniquilar
o tirano e abalar a visão de mundo do momento. Cabe ao herói-guerreiro tirar os
monstros do caminho. Segundo o autor, o poderoso herói, no entanto, é cada um
dos seres humanos.
Não o eu físico, mas o rei que se encontra no nosso íntimo (...), mas
o poder de fazer o percurso regressivo por inteiro depende do caráter do
homem quando vivo. O mito fala de uma perigosa jornada de alma, com
obstáculos a serem transpostos (CAMPBELL, 1992, p. 352-353).
83
Dessa forma, pode-se dizer que, enquanto Propp (1984) oferece visão técnica
sobre o trabalho, Campbell (1992) envereda pelo mundo mítico. Com corpus
semelhantes, os contos de fadas, histórias maravilhosas, fábulas que tratam de
heróis para toda uma comunidade, ambos mostraram-se extremamente úteis para o
entendimento da obra de Lee.
Ao coordenar, em um trabalho acadêmico, uma visão narrativa e outra com
perspectiva mítica, ganha-se em repertório de análise, possibilitando que a
compreensão seja, de certa forma, mais completa, mais complexa. No entanto,
ainda é preciso compreender por que os filmes de Lee, e não Operação dragão,
terminam de forma tão repentina. Para tal, será feita a aproximação a partir do que
José Luiz Fiorin apresentou em seu Elementos de análise do discurso, conforme
segue.
3.7 Análise das estruturas
Como visto, Propp (1984) foi o primeiro a se debruçar sobre as invariantes
narrativas de um conto, contribuindo para o aprimoramento das teorias futuras que,
hoje, permitem estudo aprofundado de histórias, como as dos filmes de Lee.
Ao enfatizar os aspectos mitológicos dos contos, a teoria de Campbell (1992)
apresenta, além de certa clareza sobre o porquê de as histórias de herói gerarem
tanto fascínio no público afinal a similaridade em sua estrutura remete às
narrativas transmitidas de geração em geração durante os culos, um paralelo ao
estudo do teórico russo.
As funções apresentadas por Propp são similares às etapas da jornada de
Campbell, bem como os personagens de um se assemelham aos auxiliares, deusas
e duendes aos quais o mitólogo norte-americano se refere; isso sem comentar a
estrutura de separação, realização das provas e retorno, que ambos os teóricos
dissertam.
Evolução desses estudos foi feita por Algirdas Julien Greimas, linguista
lituano de origem russa que contribuiu para a teoria da semiótica e da narratologia, e
inspirou José Luiz Fiorin (2002) em seu Elementos de análise do discurso.
A proposta sugerida por Greimas inclui que a narrativa seja gerativa de
sentido, sintagmática, explicando não as unidades lexicais que entram na feitura das
frases, mas a produção e a interpretação do discurso, e geral, tendo como postulado
84
a unicidade do sentido, que pode ser manifestado por diferentes planos de
expressão.
Segundo Fiorin, há percurso gerativo de sentido, conforme segue:
Na análise caminhamos do mais concreto ao mais abstrato, do mais
complexo ao mais simples (...) O percurso gerativo de sentido é uma
sucessão de patamares, cada um dos quais suscetível de receber uma
descrição adequada, que se mostra como se produz e se interpreta o
sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo. No
modelo que estamos apresentando, os patamares do percurso são três.
Vamos agora descrevê-los. O esquema do percurso é o seguinte:
Componente Sintáxico
Componente Semântico
Estruturas
sêmio-
narrativas
Nível profundo Sintaxe fundamental
______________________________
Nível de Sintaxe narrativa
Superfície
Semântica fundamental
Semântica narrativa
Estruturas
discursivas
Sintaxe discursiva
Discursivização (actorialização,
temporalização e espacialização)
Semântica discursiva
Tematização
Figurativização
(FIORIN, 2002, p. 17)
Observa-se nos níveis apresentados a existência de componentes sintáticos e
semânticos. Suas distinções ficarão claras a partir do momento em que, embasados
nas teorias de Fiorin, for feita a análise dos níveis fundamental, narrativo e
discursivo de Operação dragão.
Nível fundamental
O autor explica que a semântica do nível fundamental abriga as categorias
que estão na base da construção do texto. Ela se baseia em uma diferença, uma
oposição. Fiorin explica que, para que dois termos sejam apreendidos
conjuntamente, é preciso que tenham algo em comum, “e é sobre esse traço comum
que se estabelece uma diferença” (FIORIN, 2002, p. 19).
Típico dos filmes de luta, em Operação dragão o nível fundamental está na
contradição bem versus mal (vida e morte). Nesse caso, ambos se situam no
domínio dos juízos de valor.
Além disso, no filme-guia, Lee busca não prender um criminoso envolvido
com tráfico de drogas e prostituição, mas também vingar a morte de sua irmã e
honrar o nome da família. Na categoria semântica esses elementos recebem a
qualificação /euforia/ versus /disforia/, em que /euforia/ é considerado o valor positivo
85
e /disforia/ o valor negativo. Fiorin explica ainda que a sintaxe do nível fundamental
abrange as opções negação e asserção, aparecendo das seguintes maneiras:
a) Afirmação de a, negação de a, afirmação de b;
b) Afirmação de b, negação de b, afirmação de a.
Em Operação dragão há o seguinte quadro:
Semântica do Nível Fundamental
Euforia
Vs.
Disforia
Desmascarar e prender o vilão
Han por seus crimes
Não conseguir desmascarar e
prender o vilão Han por seus
crimes
Oposição semântica: Bem versus Mal
Nível narrativo
Nesse ponto, é analisada a narratividade, ou seja, a transformação situada
entre dois estados sucessivos e diferentes. Na sintaxe narrativa há, de acordo com
Fiorin, dois tipos de enunciados elementares:
a) Enunciados de estado: o os que estabelecem relação de junção
(disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto;
b) Enunciados de fazer: são os que os mostram as transformações, os que
correspondem à passagem de um enunciado de estado a outro.
O autor explica que, como dois tipos de enunciados de estado, existem
duas espécies de narrativas mínimas: a de privação e a de liquidação de uma
privação. “Na primeira, ocorrem um estado inicial conjunto e um estado inicial
disjunto (...). Na segunda espécie, sucede o contrário: um estado inicial disjunto e
um final conjunto” (FIORIN, 2002, p. 22).
Ainda de acordo com o autor, os textos são narrativas complexas em que os
enunciados estão organizados hierarquicamente. “Uma narrativa complexa
estrutura-se numa sequência canônica, que compreende quatro fases: a
manipulação, a competência, a performance e a sanção” (Idem, p. 22).
86
Para explicar melhor, segue abaixo o esquema de Everaert e Desmedt,
analisado pela professora Anna Maria Balogh (2005), referência aos estudos das
estruturas e transformações do nível narrativo:
Segundo Balogh (2005), as sequências narrativa canônicas acima, aliadas a
um sujeito e a um objeto, constituem o Programa Narrativo. É preciso ainda levar em
consideração que um Programa Narrativo acarreta um Programa Narrativo Contrário
“ou seja, um Antiprograma Narrativo, constituído este último por um sujeito também
contrário (Antissujeito), que luta pelo mesmo objeto valor, sendo o PN constituído
das etapas (ou não) desse objeto” (FRUGOLI, 2010, p. 93).
Apresenta-se, então, o Plano Narrativo principal de Operação dragão:
Sujeito: Lee
Antissujeito: Han
Objeto de valor: Vingança/Justiça
Manipulação:
Nessa fase, um sujeito age sobre outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer
alguma coisa. É importante lembrar que o sujeito é papel narrativo e não uma
87
pessoa. Um sujeito pode ser o ódio que leva a matar, o amor que leva a fazer
loucuras e daí por diante. inúmeros tipos de manipulação. Os mais comuns são
tentação, intimidação, sedução e provocação.
É imperativo que o caminho percorrido por um personagem discorra
em função de uma necessidade ou de um querer, pois é através dessa
necessidade que ele será impulsionado a agir, determinando
consequentemente o seu percurso narrativo. Quanto mais complexo for o
desejo, maiores serão as complicações em atingir o objeto valor, mais
difíceis serão os caminhos a serem percorridos, maior será a riqueza do
personagem. (FRUGOLI, 2010, p. 94)
No caso de Operação dragão, o ódio manipula Lee, o manipulado, a ir atrás
de Han, pois a princípio ele estava intencionado a declinar do convite de participar
de uma investigação policial. No entanto, ao consultar seu tio, uma espécie de guru,
descobre que Han, além de ser criminoso, foi responsável pela morte de sua irmã.
Decide embarcar na aventura (plano 20).
Competência
Segundo Balogh (2002, p. 63), não basta que o sujeito tenha um querer ou
um dever de executar, “é necessário também que ele tenha aptidões, a competência
para levar adiante o que quer”.
Conforme explica Frugoli (2010, p. 97-98):
Em muitas obras, presenciamos o desenvolvimento da competência
do sujeito à medida que o personagem vai aprimorando seus
conhecimentos e técnicas para uma finalidade específica. Podemos verificar
isso muito nitidamente em filmes de ação, no qual o guerreiro ou lutador vai
melhorando seu desempenho em função das necessidades de lutar, até que
em um determinado momento do filme o personagem é apresentado com
amplos conhecimentos e habilidades, ou seja, já se encontra preparado
para a grande batalha que terá de enfrentar. Nas obras que apresentam
esse modelo de aquisição de uma modalidade de competência, que o
sujeito ainda não tenha, e nas quais ele desenvolva essa competência
durante um período da narrativa, estamos diante de um Programa Narrativo
de Uso.
O Programa Narrativo de Uso caracteriza-se pela função da
aquisição da competência do personagem no decorrer da trama, ou seja, o
espectador da obra é envolvido e praticamente participa do processo de
preparo do personagem, o qual, quase sempre, lhe contempla ao final da
narrativa com uma apresentação digna da superação que resultou no nível
da competência desejado e, conseqüentemente, a obtenção de seu objeto
valor.
O personagem de Bruce Lee se mostra qualificado à sua vingança à medida
que surgem sucessivas cenas de serenidade, sabedoria e filosofia, como quando, no
88
plano 11, ensina um jovem aprendiz a ter concentração e sentimento em suas
ações, nunca abaixar a cabeça para o adversário e sempre olhá-lo nos olhos, e
habilidade nas artes marciais. Esse ponto, especificamente, aparece em muitas
sequências. Logo no começo do filme Lee faz demonstração de artes marciais para
os alunos do templo Shaolin (planos de 2 a 6). Nos planos 67 e 68, enquanto os
outros competidores estão entretidos com mulheres, bebida e comida, Lee treina
golpes de luta em seu quarto.
Performance e sanção
Fase em que se a transformação central da narrativa. Na performance, o
sujeito, que passou pela manipulação, ou automanipulação, no caso de Lee, e
provou ter competência, executa a ação que o colocará em conjunção ou disjunção
com o objeto de valor.
Em Operação dragão, a performance começa no momento em que, pela
segunda noite consecutiva, Lee escapa de seu quarto para investigar o que
acontece na ilha (plano 131), e se estende até o momento da batalha entre o herói e
o vilão Han, na sala espelhada (plano 154). O vilão morre e Bruce é posto em
disjunção com seu sentimento de ódio, pois aniquila o bandido.
Feito isso, Lee está pronto para a última fase da narrativa, a sanção. Aqui
“ocorre a constatação de que a performance se realizou e, por conseguinte, o
reconhecimento do sujeito que operou a transformação. Eventualmente, nessa fase,
distribuem-se prêmios e castigos. Nas narrativas conservadoras, o bem é sempre
premiado e o mal, punido” (FIORIN, 2002, p. 23).
O autor explica ainda que, na fase da sanção, a narrativa pode pôr em ação
um jogo de máscaras: segredos a serem desvelados, mentiras reveladas etc. Nesse
ponto os falsos heróis são desmascarados e os verdadeiros reconhecidos.
É importante ressaltar, no entanto, “que as fases da sequência canônica não
aparecem sempre bem arranjadas (...) muitas fases ficam ocultas e devem ser
recuperadas a partir das relações de pressuposição” (Idem, p. 24). Como muitas
narrativas que não se realizam completamente
4
, a de Operação dragão não é
diferente. Os créditos começam a subir, em caracteres na cor vermelha, no
4
Fiorin (2002) dá o exemplo das três tentações de Cristo: nas três vezes em que o demônio lhe
aparece, Ele não aceita a manipulação “e a história não prossegue, para nessa fase” (FIORIN, p. 25,
2002).
89
momento em que o herói, tendo derrotado o vilão Han na sala espelhada, vai para o
pátio e contempla a liberdade dos prisioneiros da ilha.
No entanto, isso não significa que o houve a sanção. Retomando que a
narrativa possuiu seus enunciados de estado que, conforme visto, estabelecem
relação de junção (disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto, neste
momento da análise pode-se dizer que:
Se o ódio serviu de manipulador para que Lee (sujeito) enfrentasse o vilão
Han (anti-sujeito) realizasse sua vingança, fizesse justiça, aqui ele entrou em
conjunção com seu objeto de valor, pois alcançou o objetivo que tinha ao embarcar
na jornada.
Nível discursivo
Aqui, as formas abstratas do nível narrativo são revestidas de termos que dão
concretude ao texto. O nível discursivo retoma aspectos que na análise narrativa
“foram deixados de lado, tais como a cobertura figurativa dos conteúdos narrativos,
os temas, mecanismos de delegação do saber, modos de organização dos atores,
da espacialidade e da temporalidade etc.” (BALOGH, 2002, p. 80). Dele fazem parte
o Tema, a Temporalização, a Espacialização e a Actoralização, conforme segue:
No nível discursivo o produzidas variações de conteúdos narrativos
invariantes, ou seja: em filmes de ação, por exemplo, o herói é levado a salvar sua
comunidade, enfrentando desafios e vilões, para chegar ao êxito. Nas palavras de
Fiorin (2002, p. 29): “Uma fotonovela, por exemplo, tem uma estrutura narrativa fixa:
X quer entrar em conjunção com o amor de Y, X não pode fazê-lo (há um obstáculo),
X passa a poder fazê-lo (o obstáculo é removido), o amor realiza-se”.
O autor explica que a estrutura invariante é revestida de personagens
distintas, colocadas em tempos e espaços diferentes, bem como a natureza do
obstáculo pode mudar. É aqui que a história se diferencia e, unidos aos demais
recursos analisados, talvez nesse momento seja possível explicar tamanho
magnetismo gerado por Lee em seu público, fiel até os dias de hoje.
Tema
Como visto, a oposição característica no nível fundamental de Operação
dragão é uma das mais corriqueiras para filmes do gênero: o bem versus o mal. A
partir dessa oposição ocorre todo o desenvolvimento da obra. Nela, Lee é
90
manipulado pelo ódio, pelo desejo de vingar a morte de sua irmã, embarcar na
aventura e ir ao torneio de artes marciais, considerado mortal, na ilha do vilão Han.
Frugoli (2010), citando Greimas, explica que essa é uma das principais forças
temáticas de enredo, dividindo espaço com, por exemplo:
- Amor;
- Desejo de riquezas;
- Inveja e
- Curiosidade.
Temporalização
Em 1973, a relação do homem com o tempo não era a mesma ressaltada por
Paul Virilio (1996) a partir de suas constatações sobre as mudanças sociais,
econômicas e tecnológicas; o encolhimento do mundo, com todos os lugares
aparentemente tão próximos, fez surgir a ‘lógica da corrida’.
Especificamente no âmbito do audiovisual, a afirmação de Virilio é constatada
no fato de que, conforme comenta a professora Balogh (2009, p 28):
Um longo caminho foi trilhado desde o tempo em que os ingênuos
espectadores dos filmes dos Lumière saltaram apavorados diante da
imagem de um trem que vinha em sua direção na tela, e os espectadores
de hoje (não sendo mais) necessário introduzir o espectador pela mão
através da suave passagem do plano geral em lentas aproximações
progressivas até o plano próximo: as lições de clássicos como Shane Os
brutos também amam já foram há muito internalizadas pelo público.
De acordo com Debrix e Stephenson (1969, p. 87) pode-se definir o tempo no
cinema como físico, psicológico, que “a impressão subjetiva, emocional, de
duração que o espectador experimenta ao assistir ao filme” e dramático, que é “a
compreensão do tempo levado pelos acontecimentos narrados”.
No primeiro caso,
a coisa importante (...) consiste em ter inscrito uma movimentação
que pode ser manipulada com tanta liberdade, em que os diferentes valores
de tempo podem ser registrados, e diferentes momentos de tempo podem
ser registrados, e movimentos de tempo divididos e reunidos para formar
novos todos (Idem, p. 89).
A afirmação está relacionada a alguns recursos fílmicos como, a variação de
tempo dentro do plano, que pode ser acelerado, lento ou reverso, dependendo do
sentido que se quer fazer gerar.
91
Sobre esse aspecto, em particular, talvez seja interessante resgatar uma das
histórias que Marco Antônio Lopes (2006) afirma circula a respeito da figura de
Bruce Lee: Diz-se que, com movimentos de artes marciais muito rápidos, as
gravações deveriam ser, então em câmera lenta, para que o espectador pudesse
assimilá-los da melhor forma.
Verdade ou não, em Operação dragão, o desenrolar dos acontecimentos
segue uma sequencia cronológica similar à real, exceto pelos flash backs que alguns
personagens têm. No caso, servem para inserir o espectador no universo fílmico; ou
seja, dar detalhes sobre os personagens (ou sobre os acontecimentos, como é o
caso do retrospecto sobre a morte da irmã de Lee) que, se acontecessem
cronologicamente, certamente entediariam o espectador.
No caso do tempo psicológico, responsável também pelo ritmo e pelo
andamento do filme, Debrix e Stephenson (1969, p. 106) explicam que:
No mundo real, nosso estado mental determina a maneira pela qual
o tempo passa. No cinema, dá-se o contrário: a maneira como o tempo
passar na tela irá afetar nosso estado mental. Fazendo o tempo andar
depressa usando cortes rápidos, volume ou vivacidade na música,
composição dinâmica das imagens e ação rápida (cômica ou emocionante)
– o realizador induz a platéia a estados de diversão ou riso para uma
comédia, emoção para um filme de aventuras, horror e consternação para
uma tragédia. Fazendo o tempo andar lentamente com cenas moderadas
ou monótonas, usando música suave, composição estática de imagens e
cortes lentos – ele induz a estados de lirismo, contentamento, tristeza,
nostalgia ou desgosto; o estado precisamente evocado depende em grande
parte do contexto e natureza do filme.
Em Operação dragão, pode-se dizer que o estado mental esperado para o
espectador é o de suspense. Para tal efeito, é “necessário retardar o desfecho de
uma situação, a fim de despertar e manter o interesse do espectador” (Idem, p. 106-
107), como acontece nas sequencias de luta, principalmente na final, na qual Lee
enfrenta Han.
Espacialização
Como a relação do homem com o tempo não é mais a mesma desde 1973,
sua forma de ver o espaço também mudou. É também Virilio (1996) quem fala dessa
alteração. A ligação entre tempo e espaço é muito íntima. Segundo o autor, a
virtualização do corpo (os avatares na internet, as redes sociais) estimula as
92
diversas distâncias e trocas. Se antes, por exemplo, medíamos uma viagem em
quilômetros, hoje queremos saber quanto tempo leva para se chegar ao destino.
No cinema, é característica sua aparente reprodução da realidade. A designer
de interiores, mestra em Comunicação e professora do Centro Universitário Belas
Artes de São Paulo, Sueli Garcia (2009), em texto publicado na obra O feitiço do
cinema, organizada por Andrade e Droguett, explica
O espaço cenográfico no cinema, apesar de sua construção
realizada por meios geométricos, definiu uma linguagem singular, que
possibilita que o espectador compartilhe deste espaço e recrie, através de
sensações visuais, emoções capazes de transcendê-lo... (ANDRADE e
DROGUETT (Org.), p. 97, 2009).
Aqui, fala-se então da recriação de um universo que, conforme os contos de
Marco Polo, é grandioso, mágico, lendário. Além disso, trata-se de um povo de
características físicas diferentes das dos ocidentais, não apenas costumes. Toda
espacialização de Operação dragão imerge o espectador nesse universo, conforme
explanado nas páginas 64 a 66 deste trabalho, desde a primeira sequência do
templo Shaolin (planos 2 a 11), passando pela cidade grande e miserável Hong
Kong (planos 12 a 16), pela casa do tio de Lee, que está sentado em uma cadeira
de madeira com estofado vermelho e detalhes em dourado (cena 19), até a mansão
de Han, leões dourados no jardim, arquitetura oriental, objetos de decoração em
bambu e outras fibras nativas da região (planos 49, 50 a 57, 60 e 76 a 80).
Actoralização
Se a análise no nível narrativo trata os personagens como sujeitos,
antissujeitos, oponentes, ajudantes e objetos valor, no nível discursivo esses
personagens recebem investimentos semânticos, ou seja, nomes, figurinos, perfil e
características figurativas para a composição dos personagens.
Como afirmado por Fiorin, o nível discursivo apresenta variantes de uma
invariável, tornando comum a sensação de déjà vu quando se assiste a uma
comédia romântica, por exemplo. As ações e transformações dos filmes são
praticamente as mesmas; o que as diferencia a é exatamente actorialização dos
personagens. “o gênero delimita o percurso e estilo narrativo pelo qual discorrerá a
trama narrativa, e as ações, transformações e actorializações das obras é que
diferenciam um título antigo de uma produção inovadora” (FRUGOLI, 2010, p. 112).
93
Sendo assim, segue abaixo uma relação dos principais personagens de
Operação dragão e suas características:
Personagem
Característica
s
Lee
A personagem leva o mesmo nome do ator, reforçando
a linha nue entre realidade e ficção que, como visto,
está relacionada a Bruce Lee e as histórias sobre ele.
No filme, Lee é um exímio lutador de artes marciais, que
domina seus adversários com facilidade. Todos o
temem. No entanto, o herói evita lutas e brigas em vão,
entrando em uma disputa quando realmente se
sem outras alternativas.
Com poucos diálogos, suas falas se resumem a alguns
enigmáticos provérbios chineses. No entanto, não são
elas que os espectadores procuram e sim, como visto,
as frenéticas cenas de luta.
Lee sempre entra em cena de forma misteriosa,
sorrateira. Ao vestir sempre preto, reafirma essa
característica, bem contrária ao universo mágico e
colorido apresentado em cena.
Mei Ling
A espiã da polícia de Hong Kong infiltrada na ilha onde
transcorre a história apresenta-se também como o par
romântico do herói na jornada. No entanto, esse
relacionamento fica apenas subentendido pelo
espectador.
Esperta, ela se manteve prisioneira sem permitir que o
vilão Han a usasse como as demais mulheres, feitas de
prostitutas para os convidados da mansão.
Mei Ling dá a Lee dicas sobre os acontecimentos da ilha
e age como sua parceria nas investigações; auxilia-o a
desvendar alguns mistérios e em algumas ações, como
a libertar presos. No entanto, não tem participação
fundamental na obra.
Willians
Willians é norte-americano ex-combatente da guerra do
Vietnã. Negro, é vitima de preconceito em seu país-
origem; no entanto, não se deixa abater. Passa, por
vezes, como arrogante.
Vai ao torneio buscando, além do prêmio em dinheiro,
auto-afirmação. Willians, no entanto, não é um inimigo,
mas sim um dos que o admira.
Dono de um ostensivo Black Power, usa roupas de
couro e se diverte com as mulheres oferecidas pelo
94
vilão Han.
Por se deixar ludibriar pelas artimanhas de Han, é o
primeiro coadjuvante a ser morto na trama.
Roper
Esse apostador perdeu todo o dinheiro que tinha no jogo
e se inscreveu no torneio para tentar recuperar parte de
seus bens. Seu flash back mostrou, inclusive, que
estava sendo perseguido por agiotas.
Roper combateu no Vietnã com Willians, onde se
conheceram. Ao reencontrar o amigo no barco que
levava os combatentes para a ilha de Han, integrou o
hall dos admiradores de Lee.
Apesar de estar financeiramente falido, Roper não perde
a pose. Usa roupas caras, escolhe as melhores bebidas,
refeições e mulheres e, junto com Lee, ajuda a
desmascarar Han.
Han
Reúne em um personagem todas as características
que um vilão pode assumir. Seu estereótipo é abordado
no próprio filme, quando Willians comenta que ele
parecia ter saído de uma história em quadrinhos.
Frio e calculista, Han é ex-membro, mestre em artes
marciais, pelo mesmo Templo Shaolin que Lee, o que o
faz ser um adversário a altura.
Pode-se dizer, inclusive, que o nome Han é uma
referência à segunda dinastia a imperar a China,
responsável por desenvolver o comércio e as relações
estrangeiras no país. (FAIRBANK e GOLDMAN, 2006,
p. 69-75).
Além da maldade e ambição naturais a um vilão, Han
tem um “quê” bizarro de que poucos sabem: ele perdeu
a mão direita em um acidente e, por isso, usa próteses
cambiáveis de acordo com a conveniência.
Na sequencia final em que luta contra Lee, Han utiliza a
prótese em forma de garra, que marca o herói,
deixando-o furioso (anexo 16).
Ao analisar a obra de Lee de forma lógica e ordenada, de acordo com o
percurso gerativo de sentido greimasiano, elucidado por Fiorin (2002), é possível ter
uma visão clara de como o filme Operação dragão se desenvolve. Sem muitas
inovações, seguindo o modelo canônico de construção da narrativa, Bruce Lee, que
95
além de atuar colaborou na direção do elenco e das câmeras nessa e em suas
outras obras, optou pelo estereótipo para apresentar-se para o mundo.
Dos cenários aos personagens, suas roupas e características psicológicas,
tudo é extremamente caricato; a começar pelo próprio Lee fílmico: um lutador
Shaolin de poucas palavras, mas sempre sábias quando as provém; que não aceita
ordens, não segue regras, a não ser as suas próprias. Sempre de preto, ou seja,
sério, sóbrio nesse mundo inebriante de cores que é o chinês, Lee desfere golpes
com rapidez e eficácia e, para se garantir em uma terra estrangeira, exibe seu corpo,
seu tórax, como forma de se prender àquilo que o faz forte ou, como diria Baitello
(2010, p. 12), de gerar “vínculos fortes”.
Após a morte de Bruce Lee, os filmes de kung fu entraram em decadência.
Apenas nos anos 90 e início de 2000, os longas com lutas plásticas, no melhor estilo
estrelado pelo sino-americano, voltaram à tona com sucesso milionário,
modernizados com efeitos especiais de última geração. Entre eles estão O tigre e o
dragão, de Ang Lee, a triologia Matrix, dos irmãos Wachowski, os dois volumes de
Kill Bill, de Quentin Tarantino, além de O quinto elemento, de Luc Besson. Outros
tantos buscaram ao seu modo fazer referência, como comenta Lopes (2006, p. 76):
Muitos tentaram seguir o caminho do ‘Dragão’. os que
mereceram fama pela desenvoltura técnica e carisma em cena, como
Jackie Chan, Jet Li e Yuen Bia, cada um a seu estilo. Outros apostaram na
imitação descarada de se lançar no cinema usando o Bruce’ no nome
artístico ou na paródia folclórica.
Entretanto, quase nenhum desses foi capaz de repetir a habilidade
comunicativa de Bruce Lee e perpassar mídia primária, secundária e terciária (dos
movimentos de luta com o corpo à magia do cinema) de forma tão solene quanto a
que se observa na obra do sino-americano Li Jun Fan.
4.4. Heróis de hoje
Como surgem e se mantém vivos os mitos contemporâneos
A jornada do herói de Campbell apresenta os mitos como “viva inspiração de
todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente humanos”
(CAMPBELL, 1992, p. 15). Segundo o autor, a função primária da mitologia é
fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar.
96
Para o autor, “são (os mitos) meros símbolos destinados a despertar e a pôr a
mente em movimento, bem como chamá-la a ir ao seu encontro” (Idem, p. 255).
Durante todo o desenvolvimento deste trabalho, foi discutido como a obra de
Lee segue modelos canônicos de construção de narrativa e geração de sentido,
reiterando as teses apresentadas e confirmando que o sucesso de seus filmes muito
se deve a esses elementos e recursos fílmicos e de textos, com os quais os
espectadores já estão acostumados.
No entanto, enquanto Campbell fala dos mitos da antiguidade, dos grandes
heróis e sua influência nas pessoas hoje, é Vilém Flusser que explica que
manifestações como as de Bruce Lee podem sem enquadradas em uma nova
categoria mítica.
Segundo o autor, os mitos novos são variações dos mitos antigos, que
surgem como uma reinvenção da história, fazendo esses modelos permanecerem
presentes até os dias atuais. A afirmação está no texto Peleologia, publicado no O
Estado de São Paulo de 4 de julho de 1964, acerca da adoração popular ao jogador
de futebol Pelé.
(...) a figura de Pelé seria apenas a reencarnação de um arquétipo
mítico, por exemplo, de Hermes; como a figura de Brigitte Bardot, que seria
a reencarnação de Afrodite, aquela nascida da espuma. Não se trataria,
"sensu strictum", de mitos novos, mas do aparecimento cíclico de mitos
primordiais e antigos.
(...)
Para nós intelectuais o novo mito não desvenda um aspecto sacro
do Ser, mas, pelo contrário, obstruiu a visão da sacralidade por sua
vulgaridade. A glorificação e o endeusamento de Pelé é, para nós
intelectuais soberbos, uma inautenticidade. Mas a vivência de milhares de
pessoas desaprova o nosso ponto de vista. Para estas milhares de pessoas
são as atrizes de cinema autênticas "estrelas", como Vênus e Marte, são
"divas", como Juno. Não podemos julgar os novos mitos a partir da nossa
alienação, mas somente a partir do empenho autêntico que provocam.
(FLUSSER, 2010)
Flusser a autenticidade desses novos mitos na medida em que neles
“um novo senso de festividade, de aventura, de beleza, por ora inarticulado(Idem).
Para o autor, “enquanto aparecem novos mitos em nossa civilização estaremos
sempre dispostos para novas aberturas imprevisíveis” (Ibid.)
Sendo assim, o Bruce Lee fílmico seria uma variação contemporânea do mito
do herói, numa história de luta e vitória muito recorrente nos tempos atuais: as
dificuldades que alguém enfrenta ao tentar se adaptar em um ambiente fora de seu
97
habitat natural. Essa batalha pode ser em um outro país, em um novo trabalho ou na
própria escola, já que o ser humano sempre se encaixar para viver em sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar esta jornada, separar o Bruce Lee fílmico do real foi uma das
principais tarefas difíceis apresentadas. Fruto de uma cultura pop, a bibliografia
apresentada sobre o ator segue a mesma linha, isentando-se da responsabilidade
de apresentar apenas fatos para uma posterior interpretação. Não há, sobre Lee,
livros de história, documentários que relatam uma realidade próxima ou registros
fiéis aos fatos. A verdade é que, quando o assunto é Bruce Lee, todos são unânimes
ao enaltecê-lo, colocá-lo num pedestal e, sem pestanejar, considerá-lo, de fato, o rei
do kung fu.
Praticante da arte marcial há alguns anos, campeã paulista de 2008 na
modalidade sanshou (combate) e carregando o título de tsu tiau (monitora) ingressei
na aventura tendo esse Bruce Lee como referência: realizador de feitos mágicos
com o corpo, com a luta, com a arte, cujos poucos questionaram. Assim, tentar
entender de quem realmente estávamos falando e chegar a um desmembramento e
análise de sua obra, tomou grande parte do tempo e do esforço neste trabalho.
Entendeu-se, no final, que o Bruce Lee fílmico tinha muito do Bruce Lee real e
vice-versa e que, em suas obras, as manifestações dessa intrinsecidade estão ora
no nome da personagem de Lee em um dos filmes, ora na história de vida do jovem
briguento que é mandado para a casa dos tios como forma de punição em outro, ora
na exímia habilidade nas artes marciais.
Além disso, outra tarefa importante foi encontrar, na milenar e, por isso
mesmo, gigantesca história chinesa, extratos que abordassem a atividade praticada
por Lee e a relação e interação entre oriente e ocidente, complementando o estudo
e deixando-o, de certa forma, contextualizado para a análise que viria adiante.
Entendeu-se, então, a China como uma nação guerreira, que deixou claro aos olhos
do mundo seu processo de auto-defesa, ao edificar uma muralha gigante ou ao
enterrar, junto ao seu imperador, um exército em terracota completo, com soldados,
cavalaria e armamentos.
Com receio de se abrir ao mundo estrangeiro, a China era então uma
incógnita aos olhos ocidentais, até o momento em que as navegações da Idade
Média passaram a fornecer um panorama do que vinha a ser aquele país de
98
dimensões continentais, mas sempre envolto em mistérios, lendas e histórias, como
as que Marco Polo relatou de suas viagens.
Dessa forma, os filmes de Lee, produzidos no oriente, mas destinados ao
público do ocidente, apegaram-se ao estereótipo para traduzir, em 120 minutos em
tela, milênios de história. Tal fato, explica, por exemplo, alguns personagens tão
caricatos quanto o vilão Han, segundo o próprio roteiro, que “parece ter saído de
uma história em quadrinhos”.
Sobre a análise, especificamente, é importante ressaltar a escolha de três
aproximações teóricas para o estudo, uma complementar a outra, que, apesar de
todas trabalharem com o desmembramento da narrativa para posterior
interpretação, seus focos são distintos entre si.
Descobriu-se, por exemplo, que de acordo com a teoria de Vladimir Propp o
personagem de Bruce Lee em Operação dragão é um herói do tipo vítima, ou seja,
obrigado por forças externas a fazer justiça. no modelo de Joseph Campbell, o
Lee fílmico é um herói-guerreiro, capaz de aniquilar o tirano em benefício de toda a
comunidade na qual está inserido.
Ambas as teorias combinam, no entanto, quando o filme não deixa explícita
as fases do retorno do herói transmutado para a convivência com os que deixou ao
embarcar na aventura; o que também acontece na aproximação teórica greimasiana
de acordo com José Luiz Fiorin. Nesse caso, procurou-se entender que a sanção
acontece do ponto de vista do sujeito do plano narrativo e que, se ele entrou em
conjunção ou disjunção com seu objeto de desejo, ou seja, se consegui cumprir sua
tarefa, ela foi sim realizada e, de fato, cumpriu-se o ciclo do percurso gerador de
sentido da narrativa.
No que diz respeito à análise dos recursos fílmicos, procurou-se olhar para a
obra levando em consideração a época em que foi lançada, mas sem deixar de
atualizar os conceitos para os dias atuais. Exemplo disso é quando se estuda a trilha
musical e os efeitos sonoros, muito escasso nos meados da década de 70, o que,
para o espectador de hoje, acaba ficando claro que se trata de um filme antigo. O
mesmo acontece com os fades e fusões de cena.
Com a decupagem clássica, Operação dragão revelou-se um filme de poucos
recursos, quase zero efeitos especiais, diálogos mínimos e uma linearidade temporal
simples, exceto pela quebra com a inserção de três flash backs explicativos no início
99
da trama. O que se percebe, na verdade, é o foco na figura de Lee, suas expressões
faciais com muitos closes e super closes e, principalmente, em seus movimentos de
luta, executados com maestria e enaltecendo a personagem, glorificando o herói.
Dessa forma, torna-se possível, baseando-se no que Vilém Flusser apontou
como a transmutação dos mitos antigos para os mitos contemporâneos, afirmar que
Bruce Lee é uma espécie de versão atualizada do mito do herói, tão forte, que 40
anos após sua morte ainda é lembrado por seus feitos, sejam eles realizados dentro
ou fora de cena.
A metáfora da luta e da vitória com as etapas da vida que cada indivíduo
enfrenta, faz-se presente nesse enredo e, com isso, sobrevive a gerações,
referendado em outros filmes sucesso de bilheteria ou em sua forma original,
pendurado nas paredes das academias de artes marciais mundo a fora.
100
REFERÊNCIAS
ARRUDA, Agnes e BONITO, Marco. Bruce Lee e a apropriação de um novo mito.
In: XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Anais... Curitiba: 2009.
1 CD-ROM.
AUMONT, Jacques. A estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995.
BALOGH, Anna Maria. O discurso ficcional na TV. São Paulo: Edusp, 2002.
_______. Conjunções Disjunções Transmutações: Da Literatura ao Cinema
e à TV. São Paulo: Annablume, 2005.
BAITELLO, Norval Jr. Comunicação, mídia e cultura. Disponível em: <
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v12n04/v12n04_02.pdf>. Acesso em: 28 fev.
2010.
BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa: Edições 70, 2008.
CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus – Mitologia oriental. São Paulo: Palas
Athena, 1994.
_______. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 1992.
COMMAGER, Henry Steele e NEVIS, Allan. Breve história dos Estados Unidos.
São Paulo: Alfa-Ômega, 1986
CONTRERA, Malena Segura. Titanismo na Comunicação Os maiores e
melhores do mundo. Disponível em <
http://www.cisc.org.br/html/modules/mydownloads/viewcat.php?op=&cid=9#l5>.
Acesso em 28 fev. 2010.
DEBRIX, Jean. e STEPHENSON, Ralph. O cinema como arte. Rio de Janeiro:
Zahar, 1969.
DROGUETT. Juan Guilhermo e ANDRADE, Flávio (Org.). O feitiço do cinema
Ensaios de griffe sobre a sétima arte. São Paulo: Saraiva, 2009.
FAIRBANK, John King e GOLDMAN, Marle. China, uma nova história. Porto
Alegre: L&PM, 2006.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2002.
FLUSSER, Vilém. Peleologia. Disponível em <
http://textosdevilemflusser.blogspot.com/2008/08/peleologia.html>. Acesso em 28
fev. 2010.
FRUGOLI, Ivan Daliberto. Lisbela e o prisioneiro Do texto verbal à
transmutação audiovisual. Disponível em <
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp011179.pdf>. Acesso em 28 fev.
2010.
GREIMAS, Algirdas Julien. A semântica estrutural. São Paulo: Cultrix, 1976.
HIRATA, Daniel Shenji. Preparação física para lutadores de Sanshou: Proposta
baseada no sistema de periodização de Tudo O. Bompa. Disponível em <
http://74.125.155.132/scholar?q=cache:wOoiBnSncnsJ:scholar.google.com/&hl=pt-
BR&lr=lang_pt&as_sdt=2000>. Acesso em 02 abr. 2010.
LOPES. Marco Antonio. Bruce Lee Definitivo. São Paulo: Conrad, 2006.
MACHADO, Ana Maria. As aventuras de Marco Polo. São Paulo: Matriz, 1996.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.
MARTINEZ, Mônica. Jornada do herói estrutura narrativa mítica ma na
construção de histórias de vida em jornalismo. São Paulo: Annablume, 2008.
MORIN, Edgard. O cinema ou O homem apaixonado. Lisboa: Relógio DÁgua,
1973.
101
_______. As estrelas mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olimpo,
1989.
_______. O método 4. Lisboa: Europa América, 2002.
PROPP, V. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1984.
SCHNEIDER, Steven Jay. 1001 filmes para ver antes de morrer. Rio de Janeiro,
Sextante: 2008.
VIRILIO, P. Velocidade e política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
XAVIER, I. O discurso cinematográfico. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
Dragão, a história de Bruce Lee. EUA: Universal Pictures, 1993. DVD, 120 min.,
som, colorido.
Operação dragão. China/EUA: Warner Movies, 1973. DVD, 98 min., som, colorido.
102
ANEXOS
1. Exército de terracota
Warriorexc04.JPG. Altura: 975 pxl. Largura: 720 pxl. 96 dpi. 24 bits RGB. 282
Kb. Compactado. Disponível em <
http://www.enciclopedia.com.pt/images/warriorexc04.jpg>. Acesso em 12 abr. 2010.
103
2. Detalhe de um dos guerreiros
Officer_Terrakottaarmén.JPG. Altura: 600 pxl. Largura: 450 pxl. 96 dpi. 24 bits
RGB. 35 Kb. Disponível em <
http://sites.google.com/site/extremos0opostos/_/rsrc/1233479416275/Home/religiao/
china/o-exercito-de-terracota/Officer_Terrakottaarm%C3%A9n.jpg>. Acesso em 12
abr. 2010.
104
3. Cavalaria em terracota
0,,21028906-EX,00.JPG. Altura: 495 pxl. Largura: 375 pxl. 96 dpi. 24 bits
RGB. 26,8 Kb. Disponível em <
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/foto/0,,21028906-EX,00.jpg>. Acesso em 12
abr. 2010.
105
4. A Muralha da China
full-1-aa67c0d564.JPG. Altura: 900 pxl. Largura: 1200 pxl. 96 dpi. 24 bits
RGB. 776 Kb. Compactado. Disponível em <
http://www.infoescola.com/files/2009/08/full-1-aa67c0d564.jpg>. Acesso em 12 abr.
2010.
106
5. Homenagem de Quentin Tarantino a Bruce Lee
Kill_Bill_-_Vol._1JPG. Altura: 272 pxl. Largura: 480 pxl. 96 dpi. 24 bits RGB.
72,3 Kb. Disponível em <
http://psp.88000.org/69__Kill_Bill_-_Vol._1.htm>. Acesso
em 12 abr. 2010.
Submarino_21258657 (1).JPG. Altura: 600 pxl. Largura: 600 pxl. 96 dpi. 24
bits RGB. 72,3 Kb. Compactado. Disponível em <
http://www.tudomercado.com.br/tm/aviso/img_avisos/Submarino_21258657.jpg>.
Acesso em 12 abr. 2010.
107
6. No exterior do Templo Shaolin, os alunos assistem ao início da
demonstração de luta de Bruce Lee
(Extraído de Operação dragão)
7. Vista aérea de Hong Kong
(Extraído de Operação dragão)
108
8. A mansão de Han
(Extraído de Operação dragão)
9. A Cidade Proibida
lion-forbidden-city_1.JPG. Altura: 489 pxl. Largura: 397 pxl. 96 dpi. 24 bits
RGB. 45,4 Kb. Compactado. Disponível em
<
http://notasaocafe.files.wordpress.com/2008/03/lion-forbidden-city_1.jpg>. Acesso
em 12 abr. 2010.
109
10. O vermelho e o amarelo ouro da bandeira da China estão representados
nas roupas dos alunos do Templo Shaolin.
(Extraído de Operação dragão)
11. Bandeira da China
China.GIF. Altura: 288 pxl. Largura: 432 pxl. 96 dpi. 8 bits RGB. 4 Kb.
Compactado. Disponível em <
http://www.webbusca.com.br/atlas/bandeiras/china.gif>. Acesso em 12 abr. 2010.
110
12. O mestre e seu i-fu laranja.
(Extraído de Operação dragão)
13. Han, uma caricatura de vilão.
(Extraído de Operação dragão)
111
14. Se a Han são servidas uvas, suas empregadas vestem roxo.
(Extraído de Operação dragão)
15. Bruce, de preto, entre os demais competidores uniformizados do torneio.
(Extraído de Operação dragão)
112
16. Bruce e seu tórax à mostra.
(Extraído de Operação dragão)
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo