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O sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil é o
misto
439
. Aqui se acolheu tanto o modelo difuso (americano) de controle de
constitucionalidade, quanto o modelo concentrado (austríaco)
440
. Nessa configuração,
três principais características apartam cada um desses sistemas, na linha das
considerações aduzidas no Item 2 deste capítulo. A primeira é que o controle difuso
realiza-se a partir de um caso concreto, em que os interesses das partes envolvidas
conflitam. Já o concentrado é exercido em abstrato, sem qualquer interesse subjetivo
em jogo, independentemente de um suporte fático. Resulta que o efeito da decisão no
primeiro limita-se às partes litigantes
441
, enquanto no último abrange todos os
interpretar a Constituição (como se todas as leis não resultassem de interpretação constitucional). E, mais
adiante, o Min. SEPÚLVEDA PERTENCE defendeu: “Quando (...) a lei interpretativa da Constituição acresça
o [vício] de opor-se ao entendimento da jurisdição constitucional, às razões dogmáticas acentuadas se
impõem ao Tribunal razões de alta política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua
missão de intérprete final da Lei Fundamental. (...) Quando, ao contrário, a lei ordinária (ou o ato de
governo) é que pretendem inverter a leitura da Constituição pelo órgão da jurisdição constitucional, não
pode demitir-se este do seu poder-dever de opor o seu veto à usurpação do seu papel. (...) Admitir
pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a
interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição
– como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia –, só constituiria Lei
Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao
contrário, submetido aos seus ditames”. É de se ressaltar ainda o voto do Min. EROS GRAU que não
deixou de registrar ser o Supremo Tribunal Federal o detentor da última palavra em matéria de
interpretação constitucional, conquanto não negue aos juízes (controle difuso) e ao legislador ordinário a
condição de intérpretes autênticos da Constituição. E, na seqüência, apresentou a única hipótese em que o
legislador ordinário pode divergir da orientação seguida pelo Supremo: “exclusivamente quando não se
tratar de hipóteses nas quais esta Corte tenha decidido pela inconstitucionalidade de uma lei, seja porque
o Congresso não tinha absolutamente competência para promulgá-la, seja porque há contradição entre a
lei e um preceito constitucional”. Dentro dessa mesma compreensão, na ADI n.º 2.223-7 MC/DF, o Min.
NELSON JOBIM recordou: “Quero lembrar o seguinte: somos os únicos da República, conforme dito várias
vezes aqui, que podemos errar por último”.
439
Cf.: CLÈVE, 2000, p. 71 e ss; BARROSO, 2004, p. 60 e ss; BONAVIDES, 1998, p. 293 e ss.
Aprofundar o exame das formas de controle de constitucionalidade, definitivamente, não constitui um dos
objetivos desta dissertação, fato já ressaltado na Introdução. O escopo aqui perseguido é perceber as
ligações entre as formas de controle de constitucionalidade em conexão com o exercício da autonomia
pública e privada dos cidadãos.
440
Conforme já destacado em nota de rodapé anterior, embora afetos a diferentes critérios de
classificação, o controle difuso e o incidental (por via de exceção ou de defesa) representam o mesmo
modo de exercício da jurisdição constitucional; igualmente, o controle abstrato e o concentrado. É que
essa correlação se aplica ao Brasil, onde “a fiscalização difusa é desencadeada incidentalmente (por via
de exceção ou de defesa), sendo certo que a concentrada é provocada por via de ação (principal)”
(CLÈVE, 2000, p. 75 e ss).
441
Sobre a “vocação expansiva” das decisões constitucionais em controle incidental, vide: ZAVASCKI,
2001, p. 25-39. TEORI ALBINO ZAVASCKI argumenta que a decisão do Supremo Tribunal Federal, em
sede de controle difuso, possuiria uma “eficácia reflexa” porque seus efeitos se transmitem (refletem)
para além do caso julgado. Também GILMAR FERREIRA MENDES (2004b, p. 5-31) reconhece que a
decisão em controle difuso tem “efeito transcendente” ao caso concreto. Em sua visão, a necessidade de
notificação do Senado Federal para suspender com eficácia geral os efeitos da norma (art. 52, X, da