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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
MESTRADO
Porto Alegre
2010
VERONI TERESINHA DE MEDEIROS
ALTERIDADE E ÉTICA CRISTÃ:
A NOVIDADE PARA
UM SER HUMANO SOLIDÁRIO
NA TEOLOGIA DE BRUNO FORTE
Prof. Dr. Leomar Antônio Brustolin
Orientador
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1
VERONI TERESINHA DE MEDEIROS
ALTERIDADE E ÉTICA CRISTÃ:
A NOVIDADE PARA
UM SER HUMANO SOLIDÁRIO
NA TEOLOGIA DE BRUNO FORTE
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação
em Teologia da Faculdade de Teologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul como
requisito para obtenção do grau de Mestre em Teologia.
Orientador: Prof. Dr. Leomar Antônio Brustolin
Porto Alegre
2010
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VERONI TERESINHA DE MEDEIROS
ALTERIDADE E ÉTICA CRISTÃ:
A NOVIDADE PARA
UM SER HUMANO SOLIDÁRIO
NA TEOLOGIA DE BRUNO FORTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação da
Faculdade de Teologia, da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Teologia, na Área de Concentração em
Teologia Sistemática.
Orientador: Prof. Dr. Leomar Antônio Brustolin
Aprovada em 23 de março de 2010, pela Comissão Examinadora
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Leomar Antônio Brustolin – PPG-FATEO/PUCRS
__________________________________________________
Prof. Dr. Érico João Hammes
– PPG-FATEO/ PUCRS
__________________________________________________
Prof. Dr.
Remi Klein - PPG- TEOLOGIA /EST
3
GRATIDÃO
À minha comunidade religiosa,
pela compreensão e apoio nos desafios da pesquisa.
Ao meu orientador,
Prof. Dr. Leomar Antônio Brustolin
pela firmeza, incentivo e visibilidade futura.
À minha família,
por acreditar que a busca renova a mente e o coração.
A Deus,
fonte de luz e origem solidária do amor.
4
Cuidar do espírito significa cuidar dos valores que dão
rumo à nossa caminhada e alimentar significações que
enchem de sentido a nossa vida e que levaremos
conosco até o fim de nossa existência.
Cuidar do espírito implica colocar os compromissos
éticos acima dos interesses pessoais ou coletivos. Cuidar
do espírito demanda acender a brasa interior da
contemplação e da oração diuturnamente para que
nunca se apague.
Significa especialmente cuidar da espiritualidade, que é
a capacidade de sentir Deus a partir do coração e de vê-
lo nascer a cada momento no outro que está à minha
frente.
A espiritualidade nos ajuda a manter a serenidade e a
jovialidade diante da derradeira travessia, a morte, que
nos abre as portas para o Mistério que não é aterrador,
mas cheio de enternecimento e amor.
Leonardo Boff
5
RESUMO
A Dissertação apresentada para o Mestrado em Teologia discorre sobre as fronteiras
da alteridade e da ética cristã como novidade para um ser humano solidário. É preciso
remontar raízes preliminares, no tocante à consciência reflexiva, que olha a história concreta
da humanidade e percebe os desafios do mundo contemporâneo. À luz da teologia de Bruno
Forte, alicerçado na eficácia da fé, urge uma sensibilidade ética que saiba discernir e
encontrar ressonância de transformação evangélica. Aborda o ser humano e a sociedade da
incerteza, no qual vive as controvérsias do mundo secular e o inegável sofrimento pelo qual
atravessa a humanidade. Ainda referencia o universo de encontro entre o êxodo humano e o
advento divino. Sublinha um processo de conversão necessária para alcançar o Transcendente.
Remonta à ideia de comunhão e solidariedade. Propõe-se à superação do individualismo por
uma alteridade vivida na civilização do amor.
Palavras-chave: Alteridade. Ética cristã. Solidariedade. Ser humano
6
ABSTRACT
The Dissertation presented for Master in Theology converses over the boundaries of
Alterity and the Christian ethic as newness to a solidary human being. It is necessary to
ascend to the preliminary roots, regarding the reflexive consciousness, that looks the concrete
history of the humanity and perceives the challenges of the nowadays’ world. In the light of
Bruno Forte’s theology, based in the efficiency of faith, it urges a sensitive ethic that knows
how to discern and to find resonance of Evangelical transformation. It presents the human
being and the society of uncertainties in which lives the contestations of the lay world and the
undeniable suffering through which the humanity is going through. Furthermore it refers to
the universe of the encounter between the human exodus and the divine coming. Underlines a
process of necessary conversion in order to reach the Transcendent. Ascends to the idea of
communion and solidarity. Proposes the overcoming of the individualism by an Alterity lived
in a civilization of love.
Keywords: Alterity. Christian Ethics. Solidarity. Human being
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
1 O SER HUMANO E A SOCIEDADE DA INCERTEZA 14
1.1 Na história de ontem os valores de hoje 16
1.1.1 As controvérsias do mundo secular 19
1.1.2 O desafio humano diante da dor 21
1.1.3 À procura do sentido da vida 23
1.2 O horizonte humano na experiência cristã 25
1.2.1 O ser humano e a crise da modernidade 27
1.2.2 As antropologias: as crises do tempo 30
1.2.3 O humano e a revelação cristã 33
1.3 O humano e a identidade do êxodo 36
1.3.1 Silêncio: uma presença no evento do amor 38
1.3.2 O horizonte do êxodo aberto à esperança 41
1.3.3 Diálogo no encontro das religiões 43
2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA 47
2.1 O lugar da alteridade no cenário religioso 48
2.1.1 Escuta e presença do outro 50
2.1.2 Êxodo e advento: lugar de encontro 53
2.1.3 Testemunhas de sentido: a linguagem da esperança 55
2.2 Transcendência: encontro e ética 57
2.2.1 O éthos do futuro 61
2.2.2 Advento e beleza no caminho da salvação 64
2.2.3 Êxodo: vida que se renova no amor 66
2.3 Servos solidários: o amor na história 68
2.3.1 Descobrindo o Outro que habita em nós 70
2.3.2 Encontro que transforma a vida 73
2.3.3 Identidade: espelho da Trindade 75
3 A NOVIDADE DA SOLIDARIEDADE CRISTÃ 79
3.1 Aproximação entre atualidade e eternidade 80
3.1.1 A singularidade solidária de Jesus 83
3.1.2 Profecia: êxodo solidário 85
3.1.3 A vida como lugar do Evangelho 88
8
3.2 O ser humano em busca do essencial 90
3.2.1 Em busca do esplendor de Deus 92
3.2.2 A companhia da fé solidária 94
3.2.3 A via do amor solidário 96
3.3 O específico do ser cristão hoje 98
3.3.1 A dimensão da fé entre êxodo e advento 100
3.3.2 Em busca da Pátria Trinitária 102
3.3.3 Um pacto pela vida: solidariedade e comunhão 103
CONCLUSÃO 106
REFERÊNCIAS 110
9
INTRODUÇÃO
Pensar o destino da humanidade para o século XXI requer um reposicionamento que
saiba contemplar as profundas e descontínuas mudanças que afetam pessoas e instituições.
As incertezas tornaram-se onipresentes na mente de homens e mulheres que necessitam fazer
opções e escolhas diante de tantos desafios. Urge uma capacidade ética que saiba operar
estrategicamente em tempo real e responder de forma eficaz, possíveis alternativas às
circunstâncias inesperadas e imutáveis.
No desafio de gestar a história, o encontro entre alteridades não se exime das graves
crises de relacionamentos que cercam a humanidade, o que vem exigindo mudanças de
paradigmas, resultando em profundas e verdadeiras conversões a um novo estilo de vida
fundamentado na civilização do amor solidário. Subjacente a todas as exigências da
contemporaneidade, esconde-se uma autêntica aspiração universal, que suplante as crises da
existência humana. Talvez o caminho a ser percorrido possa mover-se na dimensão da fé, ao
orientarem-se pela luz do Espírito de Deus, no propósito de fazer novas todas as coisas.
Bem por isso, o peregrinar humano precisa do olhar teológico, alicerçado na eficácia
da fé, que faz conhecer os desígnios de Deus acerca da vocação humana. Mergulhados num
tempo de perplexidade e rápidas mudanças, a humanidade reflete questões históricas
presentes nas controvérsias da sociedade contemporânea e busca razões de esperança para
encontrar o sentido da vida. A razão que fundamenta a lógica do viver é profundamente atenta
às questões da ética e da alteridade, sem as quais não haverá dignidade. A esse patamar
teológico há um novo consenso em torno das evidências éticas, que define as razões do viver
junto e do comprometer-se com o outro na perspectiva do Transcendente.
O horizonte humano na experiência cristã compreende o sentido da existência, capaz
de sair de si mesmo para ir ao encontro do outro, associando-se aos complexos desafios do
mundo e da história. Nesse sentido a maior contribuição da Teologia virá no nível da
interpretação, à luz da fé cristã, o que permite olhar as questões de fundo que perpassam a
existência e a diversidade histórica da humanidade. Impõem-se propostas concretas de uma
prática que contribua com respostas às questões existenciais, fundadas nas relações de
alteridade solidária, a qual testemunha o encontro do êxodo humano e do advento divino.
10
Ao longo da história, a humanidade enfrenta grandes interrogações e insere-se no
mundo das incertezas. A lógica do individualismo produz fenômenos opostos. De um lado, o
império da razão sustentado pelo viés das competências autônomas e responsáveis; de outro, a
supervalorização do efêmero, maior desregramento e descuido total com a pessoa do outro. É
nesse contexto histórico que Bruno Forte desafia, frente ao inquietante presente, a buscar
alternativas de esperança que saibam escutar o clamor do povo sofrido ao deixar-se interpelar
pelo Outro Soberano e Transcendente. Bruno Forte nasceu em 1949, em Nápoles na Itália.
Este teólogo foi ordenado sacerdote em 1973, doutorou-se em Teologia no ano de 1974 e em
Filosofia no ano de 1977. Atualmente ele é arcebispo de Chieti-Vasto (Itália). Forte é teólogo
de renome internacional, professor de Teologia Dogmática na Pontifícia Faculdade Teológica
da Itália Meridional e membro da Pontifícia Comissão Teológica Internacional.
1
Essa pesquisa busca analisar os princípios da alteridade e da ética cristã no intuito de
formar um ser humano mais solidário, à luz de alguns princípios, da teologia de Bruno Forte.
Esse aspecto possibilita um novo olhar, capaz de ressignificar o agir humano em relação aos
valores evangélicos professados por Jesus Cristo. A presente pesquisa conclama para escutar
o outro, que perfaz a história e desafia a humanidade a penetrar no mistério de escuta do
inefável, do insondável e do Outro, sempre pronto para deixar-se encontrar.
Uma pesquisa voltada aos princípios da teologia cristã, atenta às questões da ética e da
alteridade, o que contribui efetivamente para a constituição de um ser humano mais solidário.
1
Em relação ao seu pensamento, destacam-se algumas influências: “Em primeiro lugar, o pensamento da Itália
meridional. Sendo napolitano, exerce-lhe especial influência a escola napolitana, que tem em seus pensadores
uma ampla valorização da história como fio condutor de suas elaborações. A isso, soma-se a formação
acadêmica realizada na Universidade de Tübingen, caracterizada, de modo geral, pelo retorno e pela valorização
da história por meio da redescoberta do dado bíblico e patrístico. Em Tübingen, Forte recebeu a influência de
uma teologia eclesial, reflexo da tradição viva da fé, bem como da exigente abertura teológica aos problemas do
próprio tempo e do diálogo com as culturas. A elaboração teológica de Tübingen é marcada especialmente pela
eclesialidade, cientificidade e abertura aos problemas do tempo. Foi igualmente de grande valia o diálogo de
Bruno Forte com os teólogos evangélicos, especialmente Jürgen Moltmann e E. Jüngel, que lhe deram percepção
de como a forma histórica do pensar teológico não pode se realizar à margem da emergente questão ecumênica.
Bruno Forte foi também influenciado pelo contato e pela aproximação com a Teologia parisiense, com seus
grandes precursores da renovação conciliar. O retorno às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas empreendidas
pela “nova teologia”, que tanto influenciaram e prepararam a renovação empreendida pelo Vaticano II, vão ter
na história a expressão da atualidade de tal renovação. De fato, o pensamento de teólogos como M. D. Chenu, Y.
Congar e H. de Lubac são testemunhas de como a memória teológica pode ser inovadora. Para Bruno Forte, o
encontro com este mundo significou um aprofundamento do sentido da história, já presente no seu pensamento
teológico. A teologia de Bruno Forte é evidentemente uma teologia conciliar enquanto se coloca em
continuidade com a renovação da própria Teologia em seu diálogo ecumênico, bem como com o mundo plural,
cada vez mais desafiador e problemático. “Napoli, Tübingen e Paris, os meus itinerários de pensamento, que
estão unidos entre si sob o sinal da fé e da história”. (Cf. FORTE, Bruno. Teologia Viatorum. SARTORI, L.
Essere Teologi Oggi, p. 71).
Essencialmente, “a teologia de Bruno Forte pode ser caracterizada pelo seu forte acento histórico, na linha da
grande tradição italiana marcada pelo pensamento e pela reflexão sobre a história, podendo aqui ser
exemplificada por G. B. Vico e, propriamente na área teológica, Joaquim de Fiore, Tomás de Aquino e Afonso
de Ligório.” (Cf. MONDIN, Battista. Dizionario dei Teologi, p. 244).
11
Ao abordar as relações humanas presentes na história, abrem-se caminhos de atenta escuta e
diálogo sincero de modo que possa fixar com maior clareza seus desdobramentos, seus
conceitos e suas limitações. Isso permite deixar-se interpelar pelo Totalmente Outro frente aos
grandes desafios a serem enfrentados com realismo e profetismo. A coragem de arriscar na fé
implica ousadia de constituir possibilidades de sair de si mesmo e de ir ao encontro do outro,
reconhecendo-o na concretude de sua alteridade.
A obra teológica de Bruno Forte vem carregada da simbologia eclesial na qual
aprofunda a cristologia trinitária abrindo-se à consciência histórica. Reportando-se ao passado
nascente da fé, a teologia é pensada como ‘memória, companhia e profecia’, esperança que
fundamenta o pensamento do encontro entre o êxodo humano e o advento divino. Ao mesmo
tempo, é uma teologia aberta ao futuro, impregnada da escuta da Palavra e das surpresas do
Transcendente, no qual a humanidade participa impulsionada pelo amor que se faz comunhão
no encontro entre alteridades.
Essa dissertação, consciente de seus próprios limites, busca compreender o ser
humano e as crises existenciais, na concretude histórica de seu tempo, a partir da teologia de
Bruno Forte. O teor da presente pesquisa delineia-se da reflexão teológica sobre os fenômenos
existenciais do viver e do morrer que cercam a humanidade, na inquietante busca pelo sentido
da vida. Diante desses desafios, impõe-se abertura para novos paradigmas e aportes para uma
humanidade mais solidária, capaz de enfrentar crises civilizacionais do agir cotidiano. Nesse
cenário pergunta-se: como desenvolver uma teologia cristã, atenta às questões da ética e da
alteridade para um ser humano mais solidário? Como proclamar Deus para uma sociedade
esvaziada do sentido do ser? Terá hoje, a humanidade, lugar na História da Salvação?
O teólogo italiano mostra-se aberto e atento à complexidade histórica, a qual
testemunha o tempo de Deus à condição humana. A especificidade do método teológico inclui
uma antropologia eclesial, científica, histórica e dialógica, cujo método sintético se vale de
uma leitura contemporânea, fundamentando-se em alguns conceitos teológicos. No que se
refere às obras
2
, dar-se-á ênfase àquelas que mais se adequarem ao tema da pesquisa e da
realidade evangelizadora da América Latina.
Cumpre o resultado de pesquisa bibliográfica articulada em três capítulos centrados no
itinerário antropológico, designando fidelidade aos valores inerentes ao ser humano na visão
2
Tais são os três grupos sistemáticos que compõem a obra de Bruno Forte: “A Simbólica da Fé, a Dialógica do
Amor e a Poética da Esperança, correspondendo ao pensamento das três virtudes teologais. Evocam [...] três
formas de pensar: o argumentar narrado da simbólica, o dialogar argumentado da dialógica e o narrar dialogado
da poética.” (Cf. FORTE, Bruno. La Parola della Fede, p. 254).
12
teológica de Bruno Forte. Os colóquios aqui desenvolvidos supõem maior compreensão do
outro ao constatar a situação paradoxal da sociedade contemporânea.
O primeiro capítulo aborda o ser humano e a sociedade da incerteza. Uma análise
centrada na teologia de Bruno Forte situada na história e nas controvérsias do mundo secular.
As críticas do iluminismo despertam para encontrar o sentido da vida. São inegáveis os
desafios e os inúmeros sofrimentos, pelos quais passa a humanidade. Vive-se imerso em um
tempo de crise, tanto no âmbito social como no eclesial. Diante da experiência cristã, as
diferentes antropologias investigam a fragmentação humana em busca da novidade
transcendental. Sublinha questões de alteridade no evento de aproximação entre tempo e
eternidade. Descreve a identidade do êxodo como o mundo da temporalidade, o humano
andar que se abre ao futuro. Um horizonte de abertura e esperança que na fé demonstra buscar
a pátria. Em nível existencial, a pluralidade da diversidade religiosa remete ao processo de
conversão e mediante o diálogo reconhece o rosto de Deus em suas relações com o próximo.
O segundo capítulo apresenta o ser humano e a alteridade solidária. A linha diretriz
capaz de gerir solidariedade remonta à ideia de comunhão, especialmente com os mais
empobrecidos. Recorda a plenitude do amor que se faz solidário até as últimas consequências.
Para Forte o Outro é acolhido na pureza de sua alteridade, no advento de seu dom na
originalidade de seu oferecer-se. Foca o lugar da alteridade, como relação e pensamento da
aliança do tempo de Deus à condição humana, na inquietante busca pela pátria. Evidencia a
ética solidária, na dialética da vida, iluminada pela fé. Refere-se às categorias de êxodo e
advento como lugar de encontro. Entende-se o advento como o divino vir, no gratuito dom
da autocomunicação divina à criatura. E o êxodo humano, um colocar-se a caminho em busca
pelo sentido da vida em sua relação de alteridade. É, então, em Jesus de Nazaré que o
encontro da vida e da história se abre ao Mistério de amor do Deus Trindade. A escuta do
Outro redimensiona o núcleo da fé e provoca atitudes proféticas. Na escuta da Palavra torna-
se possível auscultar o Totalmente Outro. Cumpre olhar o ser humano, com identidade
própria, inserido na história e na ética transcendente. No espelho da Trindade, transforma a
vida em atitude de servos solidários do amor.
O terceiro capítulo apresenta a novidade da solidariedade cristã. Uma interpelação
evangélica que marca a originalidade de Deus na história e testemunha o amor pela
humanidade. O amor assumido na solidariedade vai ao encontro do outro e transforma-o.
Busca uma teologia atenta às questões da ética e da alteridade, recupera o sentido da beleza e
da contemplação no mistério da vida. Redescobre o eixo da ética e da alteridade no exercício
da comunhão e da solidariedade com o outro. O paradigma da solidariedade humaniza e evoca
13
a ideia de comunhão fraterna, essencial para a vida do cristão. Pensar um pacto pela vida
viabiliza uma espiritualidade em defesa da justiça evangélica e da dignidade humana. É para
os excluídos da história que perfazemos um itinerário ético solidário em vista de uma
transformação que transcende. A novidade consiste num ser humano mais solidário e
comprometido com a causa do Evangelho.
Uma das razões instigantes da pesquisa consiste no desafio de mostrar que o futuro
pode ser melhor que o passado, quando alicerçado em uma perspectiva humanista, capaz de
reaproximar humano e divino. Tal atitude de comunhão convoca o outro para reinventar
relações benevolentes de solidariedade. Quando o outro irrompe à nossa frente, nasce o desejo
de aliança que revigora o amor como fonte inspiradora de vida. Nessa linha, dever-se-á fazer
um pacto pela sensibilidade solidária, capaz de salvaguardar a ética cristã, como princípio
norteador e sustentável da dignidade humana.
A pesquisa redefine ideias chave, no intuito de melhor compreender o ser humano, no
viés da ética e da alteridade solidária, para que se realize o encontro com o Deus da vida.
Apresenta considerações instigantes a respeito do mundo contemporâneo e da história,
segundo o pensamento do teólogo italiano Bruno Forte. Ainda essa pesquisa explicita uma
relação de encontro entre êxodo humano e advento divino, compreendidos, nos termos da
aliança que se faz comunhão. Enfatiza a percepção de relações mais solidárias, permitindo
que a humanidade recupere o sentido da vida, contribuindo para a civilização do amor.
14
1 O SER HUMANO E A SOCIEDADE DA INCERTEZA
O mundo contemporâneo é, ao mesmo tempo, fascinante e estarrecedor, marcado pela
efervescência das experiências cotidianas, das quais os seres humanos fazem parte
3
. Vive-se o
tempo de agudas perplexidades e grandes interrogações sobre os fenômenos existenciais de
onde viemos, onde estamos e para onde vamos. A estes questionamentos impõe-se abertura
para novos paradigmas no intuito de delinear perfis e inspirar ideais nos quais se inclui, de
maneira diversificada, o sonho de uma humanidade mais solidária, capaz de enfrentar a
abrangente crise civilizacional do mundo de hoje. Diante desse cenário, pergunta-se: pode a
Teologia contribuir para uma ética solidária? Em nossos dias, é possível repensar uma
sociedade justa e solidária? Talvez se encontre resposta nas obras do teólogo italiano Bruno
Forte, o qual situa a Teologia como lugar de comunhão entre o horizonte do êxodo humano e
o advento divino, quando assinala a inquietante busca humana pelo sentido da vida e delineia
as frequentes aspirações humanas frente às mudanças históricas, como nos dizia o Concílio do
Vaticano II:
O gênero humano encontra-se hoje em uma fase nova de sua história, na qual
mudanças profundas e rápidas estendem-se progressivamente ao universo inteiro. Elas
são provocadas pela inteligência do homem e por sua atividade criadora e atingem o
próprio homem, seus juízos, seus desejos individuais e coletivos, seu modo de pensar
e agir tanto em relação às coisas quanto em relação aos homens. Já podemos falar
então de uma verdadeira transformação social e cultural, que repercute na própria
vida.
4
Esse conjunto de inquietudes atinge a humanidade, em busca do sentido perdido da
vida, ao mesmo tempo em que aprofunda o caráter humano do mundo secularizado, cuida
para não negligenciar a verdade do conhecimento teológico e dispõe de tempo para formalizar
atitudes responsáveis e sensíveis ao exercício solidário. É nesse cenário da humanidade que a
3
A história compreendida na idade contemporânea demonstra um novo lugar para o conhecimento científico e
teológico, o que a qualificou como era da perplexidade e da incerteza. “A idade contemporânea foi dominada
pelo problema da sua relação com o mundo. [...] Não se tratava só do relacionamento político, destinado a
afirmar o direito de a Igreja existir como sociedade pública, o confronto ocorreu num plano mais profundo, em
torno dos valores fundamentais do cristianismo.” (Cf. ZAGHENI, Guido. A Idade Contemporânea: curso de
história da igreja IV. São Paulo: Paulus, 1999, p. 15).
4
Gaudium et Spes, n. 206.
15
Constituição Pastoral Gaudium et Spes sugere um cuidado pelas questões humanas: “O
homem se fortalece, quando compreende as inevitáveis necessidades da vida social, assume as
exigências multiformes da solidariedade humana e se responsabiliza pelo serviço à
comunidade humana”
5
. Isso constitui os fundamentos e os princípios norteadores da fé cristã e
das relações de convivência segundo os pressupostos que aliam tradição e
contemporaneidade, fé e razão, cientificidade e práxis solidária.
A Teologia vista a partir da história testemunha o tempo de Deus à condição humana,
trazendo presente toda trajetória da História da Salvação, na qual sintetiza o horizonte
humano na experiência da fé. A emergente crise da secularização não se restringe à esfera
socioestrutural, mas engloba a totalidade da vida, podendo ser percebida no declínio religioso
e, sobretudo, na ascensão da ciência e do relativismo contemporâneo, o que pode resumir-se
na civilização da racionalidade e da emancipação.
6
É na história do peregrinar humano que se dá o encontro com o Eterno como fonte de
libertação e salvação, despertando-se a esperança. Assim, o ser humano pode recuperar o
sentido perdido da vida. Trata-se de caminhar sob o olhar da pretensão cristã, entre os
diversos dilemas que cercam as narrativas da fé na respeitosa ulterioridade do Mistério,
permitindo que aconteça o específico do êxodo e do advento no caminho para encontrar o
sentido perdido da vida.
Rumo à vida desdobra-se o caminho do desenvolvimento e da formação; rumo à vida
volta-se tudo o que cada um se empenha em realizar debaixo do céu. O homem é um
ser para a vida. E porque a este seu êxodo se opõe, duro e pesado, o malho da morte
com toda a obscuridade que lhe é inerente, não menos fielmente se pode dizer que ele
é problema para si mesmo, ‘coração inquieto’ aprisionado na contradição entre o
anseio de viver e o inexorável aproximar-se da morte.
7
Ao desenvolver o pensamento teológico diante dos desafios da vida, desdobram-se os
rumos da humanidade no palco da existência, entre o peregrinar da vida e o mistério da morte.
A vida, em toda sua plenitude, desde o nascimento carrega o germe da morte; no entanto,
confirma em si mesmo a esperança escatológica do porvir. Desde a dor da morte que marca
os rumos da vida, o ser humano reaproxima-se da inquietante busca do futuro, para enfim
5
Gaudium et Spes, n. 295.
6
No processo histórico da modernidade comporta rever a influência da crise de secularização no meio religioso.
“Uma das pretensões da modernidade foi retirar a questão de Deus do horizonte da humanidade. Tentando
defini-la, foi dito que a secularização é justamente o processo, ativo ou passivo, de retorno ao saeculum, ou seja,
ao mundo profano, de uma realidade que estava estreitamente ligada a Deus e à religião.” (Cf. BINGEMER,
Maria Clara. Um Rosto para Deus? São Paulo: Paulus, 2005, p. 20).
7
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 35.
16
despertar o possível mistério da vida que sinaliza o verdadeiro sentido do viver humano. É
nessa trajetória que a humanidade encontra na história de ontem os valore de hoje.
1.1 Na história de ontem os valores de hoje
A pluralidade do tempo e da história contribui para mudanças de paradigmas
8
e
aborda problemas de fronteiras entre o mundo da fé e as crises que interferem nos valores
da sociedade atual. Assim, a história humana requer cuidados redobrados. De um lado se
estabelece os questionamentos existenciais e culturais que afligem a humanidade e por
outro lado decorre uma busca incessante de horizontes, que apontam para os valores éticos
indispensáveis à convivência solidária. É nesse contexto histórico que o teólogo Bruno
Forte retoma os princípios emergentes, frente aos desafios do tempo e da consciência, em
vias de comunhão e solidariedade.
O núcleo essencial do método teológico inclui uma antropologia na perspectiva
eclesial, científica, histórica e dialógica, podendo-se perceber que “na história real de um
povo é possível o encontro paradoxal do Absoluto e da história, de Deus e do fato
humano.”
9
A célula central, que permeia a identidade espiritual, difunde-se na ‘economia
da salvação’ e realiza-se no mistério da Trindade que alcança o humano no aconchego da
comunidade. Não obstante, todos estes méritos inegáveis da História da Salvação, do
êxodo e do advento, constituem um modo de explicitar a ‘economia da salvação’ como
sinal do amor de Deus pela humanidade e reconhece esta corrente infinita de vida que flui
da Trindade no tempo e na história. Forte esclarece o teor de seu método quando afirma:
“A minha teologia que ser uma teologia bíblica e eclesial, em diálogo com o meu tempo,
aberta ao novo e nutrida do desejo ecumênico.”
10
O caráter teológico nutrido pela esperança do método contextualiza os fatos do
passado que se atualizam no presente, para interpelar e orientar o futuro. Olha a história
como reflexão crítica, situada no tempo, e a conceitua identificando registros das
experiências do sujeito. A história é condição de existência, pela qual o sujeito, radicado no
8
O termo paradigma quer significar um modelo ou um padrão de sentido. “Na história da ciência o termo foi
introduzido por Tomas Kuhn, designando uma teoria, sistemas ou modelos que orientam mudanças em
atividades. Em linguística, a relação paradigmática, correlativa à de relação sintagmática, refere-se ao elemento
num determinado padrão. (Cf. DINIS, Alfredo. Paradigma. In: CHORÃO, João Bigotte (Org.). Logos:
Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. v.3. São Paulo: Verbo, 1991, p. 1332).
9
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 5.
10
Idem. Theologia Viatorum. SARTORI, L. Esseri Teologi Oggi, p. 74.
17
passado, toma posição diante dele e se projeta na liberdade para o futuro. A reflexão crítica
teológica deriva-se de categorias da razão histórica, possibilitando traçar um itinerário
desafiador para situar-se criticamente, superando modos de ser do individualismo
paradoxal que impede a comunicação. A pergunta que se impõe é: como proclamar Deus
para um povo sofrido sem esperança? Como superar conflitos e investir em frentes
solidárias? Quais compromissos serão assumidos? O fato de constatar novas questões
significa uma reaproximação da teologia e da história do povo que luta para enfrentar
crises e superar conflitos. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no capítulo VI,
apresenta os princípios de solidariedade e os valores em vista do bem comum, ou seja, uma
problemática vivida pela humanidade como raiz basilar da construção solidária.
11
A complexidade histórica na Teologia supõe manifestação do espírito e interpelação
profética no fecundo dom da reciprocidade que experiencia a fidelidade de Deus na esperança
e na fragilidade humana. A teologia como consciência crítica revive a experiência da cruz e da
ressurreição ao fazer memória do mistério pascal no amor trinitário. A história de hoje enfatiza
uma teologia comprometida com o tempo, com a vida e com a cultura do povo.
Uma teologia que escute o mundo, uma consciência reflexa da oração do pobre brotada
da história, onde Deus fala através dos sinais dos tempos. Enquanto consciência crítica
de uma Igreja que dá testemunho. [...] A teologia deve ser memória do Crucificado-
Ressuscitado e memória do Pai, na força do Espírito, ou seja, deve ser uma teologia
que atualize a mensagem da fé cristã e a testemunhe diante das expectativas do tempo,
anunciando e denunciando corajosamente, livre diante dos sistemas deste mundo,
subversiva da subversão da cruz e da alvorada pascal.
12
A teologia integra os elementos da profecia e da memória do mistério revelado na
Palavra de Deus e presente na história humana. É a Teologia o lugar da hermenêutica, da
reflexão, da escuta e do diálogo, que animam o povo de Deus, não só na capacidade
interpretativa, mas na dimensão transformadora. O pensar histórico requer um olhar teológico
voltado para a práxis, capaz de encorajar atitudes proféticas de quem anuncia e proclama a
verdade, por saber que “a história é incapaz de suportar a novidade do amor.”
13
Os traços que
orientam a vida cristã perfazem o caminho da fé e impulsionam os princípios da teologia
11
Pode-se construir a solidariedade a partir de princípios norteadores e determinantes do bem comum. “A
solidariedade eleva-se ao grau de virtude social fundamental, pois se coloca na dimensão da justiça, virtude
orientada por excelência para o bem comum.” (Cf. CONSELHO PONTIFÍCIO “JUSTIÇA e PAZ” Compêndio
da Doutrina Social da Igreja, n. 193).
12
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 40- 41.
13
Ibidem, p. 35.
18
profética inserida na história e comprometida com a luta do povo no exercício da cidadania
solidária.
Neste ponto, a história configura uma experiência de limitação e impotência da ação
transformadora do sujeito no mundo. A Teologia contribui para minimizar a dor da
humanidade de modo que possa recuperar a identidade perdida e devolver a dignidade tecida
no conjunto dos oprimidos. A análise destas questões encaminha para reflexões teológicas
capazes de criar e recriar práticas intrínsecas ao processo de libertação. Bruno Forte entende
que o pobre faz-se “sujeito da própria história quando recupera a identidade de sua memória,
que o faz perceber a imensa dignidade da dor dos vencidos, quando aprende a ler com olhos
novos, o presente.”
14
Este modo de pensar a teologia contempla o reverso da história e
encaminha o processo de libertação do ‘outro’, permitindo que a pessoa humana possa
gerenciar o protagonismo da transformação geradora de vida, quando impregnado da Palavra
de Deus, em favor da justiça e da solidariedade. Insere-se na práxis da vida a dimensão do
mistério, que sintetiza uma história tão singular e ao mesmo tempo tão semelhante a tantas
outras:
Um fragmento de história, como tantos, carregado de alegrias e de dores, de fadigas,
e de lágrimas, de vida e de morte. Mas, ao mesmo tempo a história do Nazareno foi de
uma dimensão singular, desconcertante, que se resume na sua pretensão, no seu
anunciar em palavras e obras a vinda do reino na sua pessoa. Não é só a singularidade
de um amor, que chega a dar vida pelos amigos (
Cf. Jo 5,13). É o mistério de um apelo à
decisão, a ansiedade por encontrar-se diante de uma exigência absoluta, de uma oferta
inaudita.
15
Atualmente o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil. O futuro enfrenta,
ao mesmo tempo, grandes perigos e promessas. É preciso somar forças para gerar uma
sociedade sustentável, global e solidária. Baseada no respeito pela natureza, nos direitos
humanos universais, nos princípios da justiça e na construção de uma cultura de paz. É
fundamental desenvolver identidades éticas, comprometidas e conscientes dos impactos de suas
atitudes no mundo. O grande desafio inerente a essa cultura baseia-se nos princípios da teologia
revelada no “Deus que tem traços de ternura até quando julga. Pois o seu julgamento é feito de
verdade e amor, que te diz a verdade sobre ti mesmo”
16
.
14
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 26.
15
Idem. Jesus de Nazaré, p. 211.
16
Ibidem, p.79.
19
É nesta história revelada que se constituem os traços da ternura de Deus e se define em
linguagem simples, o quanto a criatura humana é importante para o Criador. Na busca da
verdade e na experiência da fé, o ser humano deixa-se encontrar pelo Deus da vida e o
reconhece como Senhor da história. Na sua pequenez, acolhe o infinito Amor de Deus que
perscruta e conhece suas criaturas no âmago da vida. Todo itinerário da convivência solidária
acontece a partir do olhar de Deus para o humano, que intervém na história, envia seu Filho
Único e manifesta cuidadosamente todo seu amor.
1.1.1 As controvérsias do mundo secular
A era das revoluções históricas caracteriza o período da secularização na formação da
sociedade contemporânea. Consideram-se os séculos XVIII e XIX palco de várias mudanças,
influenciado pela expansão do Iluminismo,
17
o qual trouxe o espírito anticlerical e
antirreligioso, que pretendia tirar o povo da escravidão, da superstição religiosa e levá-lo à
autodeterminação, supervalorizando os princípios ideológicos e a universalidade. Esta
ideologia, sustentada por crenças e mitos, provocou o confisco dos bens da igreja e a
secularização dos conventos e escolas. No seio da família também se originam grandes
tensões, quer pelas dificuldades econômicas, sociais ou pelas crises de relacionamento entre
as diferentes gerações. Evidentemente, as rápidas mudanças sociais põem em cheque os
princípios e os valores tradicionais, alargando os muitos questionamentos sobre os benefícios
e as dificuldades do mundo urbanizado que prioriza a técnica e esquece o humano.
O surgimento da nova mentalidade inaugurou a revolução científica quando se
estabeleceram os novos métodos de investigação da física e da astronomia. As civilizações
constituíram o conhecimento pelo uso da razão, como forma mais rigorosa e com maior
objetividade. O mundo intelectual utiliza-se de hipóteses testáveis e atinge a precisão da
mecânica no ideal da sistematização. No entanto, o conhecimento pode ser ilusório por
resultar de concepções fragmentadas e por desprezar opiniões divergentes e nem sempre
coerentes. A questão da secularização impõe um jeito de viver no mundo sem precisar de
Deus, como Forte afirma:
17
Forte percebe a dialética do iluminismo como período de luzes e sombras em que se opera a luta da razão
contra aos princípios da tradição cultural e institucional. Tratou-se de um movimento intelectual ocorrido no
século XVIII e que desenvolveu a centralidade da ciência e da racionalidade no período.
20
O homem ‘secular’, que experimentou a autonomia do mundano em todos os campos
do pensamento filosófico e científico, levou até às últimas conseqüências o processo
de ‘emancipação’ iniciado pelo iluminismo. Esse homem chegou a captar, com
relação a Deus, a autonomia da própria existência crente, chamada a viver no mundo
como se Deus não existisse.
18
Afastando a suspeita de que a razão torna-se impotente para vencer as ilusões do
conhecimento, é possível trilhar o caminho da criticidade, olhar as dificuldades do povo, em
situação de extrema penúria e a barbárie nazista, que de certa forma influenciou o pensar e o
fazer teológico no processo de libertação. Dada a crescente aceleração histórica, hoje mais do
que nunca, os tempos assinalam grandes ambiguidades e relativizam os valores fundamentais
do ser humano. Nessa trajetória existem convicções de que o mundo pode ser mudado pela
transformação das pessoas. Nesta perspectiva, a Teologia sintetiza os problemas da dialética,
vivenciando as questões de ausência e presença, podendo alcançar a tendência emancipatória
iluminista do ateísmo moderno
19
, que se mostra não mais contra Deus, mas na ausência de
relação do homem com Deus.
A partir deste fenômeno de secularização acelerada, o mundo torna-se privado da
intervenção do Sagrado e do Religioso, da mesma forma que recebe a influência efetiva das
atrocidades totalitárias. Estas mostram que “a história da emancipação pode tornar-se
tragicamente a história de novos ídolos, de novas e mais cruéis alienações.”
20
Nesse contexto
histórico, o grande desafio consiste em desenvolver os princípios éticos da alteridade. Essa
relação de alteridade implica no acolhimento do outro, respeitando a integralidade e as
convicções pessoais de cada um. Caso contrário, a sociedade encontrar-se-á em clima de
desorientação sem o específico da essência do ser e do reconhecimento do Outro na sua
transcendência.
18
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p.11.
19
Forte desenvolve a emancipação da razão como um foco central da ambiciosa pretensão de dominar o todo.
“Emancipação é uma espécie de palavra-chave, capaz de identificar toda a época, que está sob o signo do
Iluminismo: ela exprime o projeto característico da razão moderna de tornar o homem finalmente adulto, livre de
hipotecas ultramundanas, capaz de querer e ser sujeito da própria história. [...] como tal, ela significa o processo
de autolibertação e de auto-afirmação do homem, quer considerado individualmente numa espécie de triunfo da
subjetividade, quer entendido coletivamente nos dinamismos históricos de mudança revolucionária. [...] A
emancipação é o projeto de fundo, a ânsia e a meta cobiçada da modernidade.” (Cf. FORTE, Bruno. Para onde
vai o Cristianismo? São Paulo: Loyola, 2000, p. 81).
20
Idem. Jesus de Nazaré, p. 12.
21
1.1.2 O desafio do humano diante da dor
Nas diferentes dimensões da sociedade contemporânea a humanidade experiencia um
processo histórico aliado a um conjunto de transformações radicais, interferindo diretamente
no modo de pensar e agir da comunidade humana. Os parâmetros que orientavam o mundo de
modo linear mostram-se, agora, confusos, indefinidos e decorrentes das grandes crises
culturais e ideológicas. Tais crises ressurgem de uma concepção predominantemente mítica
para o conhecimento crítico reflexivo, vindo desembocar na civilização tecnicista. O
monopólio dessa concepção formava o império comportamental de autocontrole,
inviabilizando as contingências que constituíam a história humana em seus princípios
fundamentais.
Essas e outras questões contribuíram para o advento de crises em relação à formação
da consciência religiosa, no que se refere à experiência do sofrimento humano. Delineiam-se,
assim, as aspirações da consciência histórica, em que a humanidade busca reconstruir o
passado com a firme pretensão de superar a obscuridade futura. É nesse contexto de
sofrimento que o ser humano enfrenta os combates temporais na inquietante busca pelo
sentido do existir sintetizado na dramática expressão dor e morte, na qual a pessoa
experiencia o implacável enigma da condição humana.
A própria história se reconhece nos preâmbulos da dor, quando impregnada de uma
realidade complexa e contraditória, ao enfrentar conflitos inerentes às guerras entre os povos,
etnias e classes sociais. A dor, que Forte evidencia, revela-se como categoria universal do ser
humano, quer seja de caráter físico, moral ou social. Afinal, o que é o sofrimento para o ser
humano? Como ressoa a voz de Deus às dores do mundo? O Deus crucificado é a única
novidade do viver humano? Diante da interrogação da dor, como ressoa o Evangelho? A
humanidade não encontra resposta para todos os seus questionamentos, mas nem por isso
deixa de se questionar.
O homem de hoje é provado pelo sofrimento de sempre, é deixado sozinho no silêncio
do Deus que foi declarado ‘morto’, é oprimido pela injustiça e pela iniqüidade. Esse
homem tem necessidade do sofrimento, tanto quanto o homem de sempre. [...] Diante
da interrogação da dor, diante da tragicidade do nada que dela emerge, a palavra da
cruz ressoa como ‘evangelho’ também para os homens de hoje.
21
21
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 27.
22
Através dos questionamentos, a vida humana parece experienciar o caminho da
angústia e do medo, envolto pelo abismo do nada. Diante da interrogação da dor, a cruz
ressurge como sinal de esperança futura. É na experiência da dor que o ser humano partilha
dos mesmos questionamentos e da mesma fragilidade em que Jó se encontrava. “Por que tudo
isso? Por que a dor? E, sobretudo, por que a dor do inocente? É o ‘problema de Jó’, a eterna
questão que desde o peso da morte eleva-se para a ansiada plenitude da vida.”
22
Olhar a vida
na perspectiva de Jó, leva-nos a perceber a inevitável direção do sofrimento que atinge os
processos históricos em relação à dignidade humana, pois o lamento de Jó ecoa por todo
universo diante da dor do mundo.
Inevitavelmente, a cristandade convive com as grandes barbáries sustentadas pelo
trágico vazio do niilismo pós-moderno. Encontram-se num êxodo sem advento, invadidos
pelo império do efêmero e do imediato que habita a história. Diante da dor do mundo, os
cristãos ainda têm esperança de alcançar o sentido da vida. No campo do sofrimento, a
história busca encontrar caminhos capazes de superar o sentido do nada. Assim, “se
afirmássemos a morte de Deus em sentido ateu, falaríamos de um Deus sem advento,
prisioneiro da miséria deste mundo doloroso.”
23
No entanto, se tivermos outra versão, será
possível confessar a paixão de Deus pela história de dor da humanidade.
A questão do futuro volta-se para a pretensão cristã e percebe a desconcertante visão
do inocente que sofre a miséria da cruz, mas não perde a referência do Deus da cruz. Um
Deus compassivo com as dores e o sofrimento da humanidade. Um Deus que mergulha na dor
do mundo para oferecer-lhe o consolo e a esperança. Segundo Forte, o Evangelho da cruz não
se esvazia do êxodo e não reprime o sentido do advento.
O evangelho da cruz não esvazia o valor da condição de êxodo em que se acha o
homem: entrando na vida dos homens, o Filho faz sua a saída deles da morte, até ao
último e doloroso êxodo da paixão. Igualmente, o evangelho da cruz não enfraquece o
sentido do advento: Deus continua Deus, até ‘sujando as mãos’ na história dos
vencidos e dos sem Deus, que ele faz sua e redime, a fim de que os que estão longe se
tornem vizinhos e seja anunciada a boa- nova aos prisioneiros.
24
Em relação ao mistério do mal e da morte a teologia não pretende encontrar soluções
prontas para os conflitos que afligem a humanidade, mas suscitar perguntas e aproximações
em relação ao êxodo e ao advento. A pergunta sobre a morte reaproxima o divino dos
sofredores em companhia do crucificado, podendo rever as profundidades e transformar a dor
22
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 38.
23
Ibidem, p. 40.
24
Ibidem, p. 41.
23
em misericórdia, o desespero em esperança, a história do sofrimento em história de vida para
o mundo. Na esperança deste caminhar, a razão e o sentido do existir não transitam por
‘atalhos’, mas perfazem a companhia de Deus como centro do existir humano.
A raiz histórica da pretensão cristã explicita a obscuridade do futuro e se apóia no
Deus crucificado, quando a própria exegese traduz a confiança incondicional do Filho no
aconchego do Pai e apresenta na interrogação do Filho a angustia de todos os sofredores da
história. “Jesus abandonado na cruz vive a sua dor em profunda comunhão com todos os
crucificados da terra e, ao mesmo tempo, em oblação confiante a seu Pai, por amor ao
mundo.”
25
Diante do sofrimento do mundo a humanidade não perde a perspectiva do
transcendente. O caos do desespero e da presunção se esvanece com o ressurgimento da
esperança vigilante que dá sentido à dor do mundo e o liberta para a promessa vindoura da
ressurreição. Diante destes “sinais de desespero ou de falsas esperanças de nossos dias, os
cristãos julgam sensato, ou melhor, indispensável, falar do seu Senhor crucificado e
ressuscitado.”
26
1.1.3 À procura do sentido da vida
A teologia de Bruno Forte questiona o sentido da vida, abre-se ao mistério e desce as
profundezas do coração humano. “A pergunta que habita no fundo de nosso coração, aquela
que nos torna inquietos e pensativos, é a interpelação da infinita dor do mundo, a pergunta
inevitável sobre a morte e sobre o fim de tudo.”
27
Esta fragilidade que se experiencia no
sentimento da dor e da morte, suscita no coração humano a pergunta, desperta para o desejo
de busca e abre-se para encontrar o sentido perdido da vida. O desafio da morte conduz ao
altruísmo da eternidade, pois esta questão nasce do sentimento ferido e do vazio que cerca as
interioridades. Nesta consciência é que acontece o pleno chamado à vida como Forte enfatiza.
A luta contra a morte se perfila nas questões que nascem dentro do coração como
feridas lancinantes, muitas vezes de improviso ou inesperadas: o que será de mim?
Que sentido tem a minha vida? Para onde vou com a bagagem dos meus sentimentos,
das consolações e alegrias? E quando eu houver enfim conquistado o alvo dos meus
desejos, o que ainda poderei desejar senão a última vitória, a vitória sobre a morte?
[...] Justamente o fato de que a morte nos faz pensativos e de que sentimos a
25
FORTE, Bruno Jesus de Nazaré, p. 26.
26
Ibidem, p. 34.
27
Idem. A Essência do Cristianismo, p.22.
24
necessidade de dar um sentido às obras e aos dias é o sinal de que no mais fundo do
coração os peregrinos da morte são na realidade chamados à vida.
28
O itinerário que percorremos nos põe a caminho, em busca da vida, na luta permanente
do aparente triunfo da morte.
29
Considerando os limites e as fragilidades que cercam o fato do
existir, vai nascendo a consciência do quanto a morte dá sentido à própria vida. Nos
questionamentos a humanidade explora o drama das crises de sentido e dos vazios de
esperança. Sabe-se ainda que o grande esforço do existir parece estar envolto pela repulsa do
nada, impregnado da trágica ideia de uma vida sem rumo e sem sentido. Abrir-se ao êxodo
cumpre a inexaurível verdade que ampara a vida, de que a morte não é fim de tudo, mas o
começo da plenitude que se cumpre no advento divino.
No peregrinar humano, a busca pelo sentido da vida mostra-se aberta ao futuro e
constitui os prodígios da vida ao longo da história. “Sempre que o êxodo da condição humana
se abrir para o Advento, cumprir-se-á o milagre da vida nova e as humildes histórias de
alegria e dor, de contradição e pecado, serão transformadas em história da salvação.”
30
O ser
humano apropria-se das possíveis indagações sobre o sentido perdido da vida e irrompe o
cerco de compreensão do quanto estar em êxodo torna-se porta aberta para alcançar o futuro.
Em todo este peregrinar, convive com inquietantes questões da existência e busca refúgio no
amparo do Eterno. Forte, inspira-se em Santo Agostinho ao assinalar a inquietante busca do
ser humano.
31
Abordar o sofrimento humano e as questões da escatologia futura interfere no
profundo movimento da existência humana, quando situada no tempo. O viver carrega
consigo o sonho de um dia encontrar a pátria definitiva, de poder experienciar a face oculta do
Pai, na felicidade perfeita. Nessa concepção, estar em êxodo significa não desistir da luta,
estabelecer metas de persisncia que possam aclarar consistência do caminhar. Forte
considera a ‘qualidade do ser’, na expressão de Ernst Bloch, como o não-programável na
imprevisível obscuridade do amanhã. Não obstante, “a teologia cristã, em sua qualidade de
28
Ibidem, p. 24.
29
A questão da morte é vista aqui como o verdadeiro resgate do sentido da vida no desejo de transcender. “A
morte coloca o ser humano diante de seu limite. Arranca-o da fascinação diária, e revela como a onipotência do
seu desejo ou a infinitude de sua imaginação devem ser verificadas pelo princípio da realidade. Se, por um lado,
há uma ânsia de plenitude e infinito, por outro, a experiência de decadência e falimento marcam a existência.
(Cf. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Morte: uma abordagem para a vida. Porto Alegre: EST. 2007, p. 98).
30
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 31.
31
Assim expressa Santo Agostinho: “Nos fizeste para Ti e o nosso coração está inquieto enquanto não encontrar
em ti descanso.” (Cf. SANTO AGOSTINHO. Confissões, 1984, p. 41).
25
pensamento da esperança, não anula a inquieta experiência do futuro, mas a assume da forma
mais radical e também mais aberta ao advento.”
32
Muitas vezes, a busca pelo sentido da vida, se dá pelo viés do sofrimento. Faz-se
necessário reconhecer que a dignidade humana tem sua expressão na Cruz de Cristo. Diante
disso, é necessário um olhar de totalidade, capaz de acolher por inteiro as amarguras que
sussurram o sentido da vida.
Diante da paixão do homem não é qualquer teologia que parece ter sentido, uma
teologia disposta a fáceis conciliações ideais, mas aquela ‘theologia crucifixa’,
narrativa e contemplativa da cruz, que respeita o êxodo da dor do homem e o advento
de Deus na profundeza do sofrer. [...] Verdadeiramente, se quisermos saber quem é
Deus, deveremos ajoelhar-nos aos pés da cruz!
33
1.2 O horizonte humano na experiência cristã
O horizonte humano que compõe a sociedade contemporânea sobreviveu às crises da
perplexidade e continua buscando alternativas possíveis para um peregrinar consciente e
transformador. Nota-se, então, o quanto o ser humano experiencia angústias e esperanças no
cumprimento de sua vocação ao contribuir para a transformação e aperfeiçoamento do
mundo.
34
O movimento da experiência cristã, ainda hoje, formaliza impactos relativos à
consciência histórica e contextualiza o universo humano nas realidades metafísicas,
enfatizando o racionalismo moderno e a formulação de diferentes epistemologias do
conhecimento. Em vista da historicidade de nosso tempo, Forte destaca fatores que poderão
influenciar a reflexão crítica da fé: “o impacto com a ciência histórica, que caracteriza o
pensamento moderno, [...] e as mudanças ocorridas nestes últimos anos na situação da
Igreja.”
35
A partir deste postulado, história e teologia abrem-se a diferentes perspectivas, mas
também enfrentam dificuldades ao preverem as transformações eclesiais.
32
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 42.
33
Ibidem, p. 41.
34
No percurso da história angústias e esperanças acompanham o ser humano. “Para desempenhar tal tarefa,
incumbe à Igreja, em todas as épocas, perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, para
ser capaz de oferecer, de forma apropriada ao modo de ser de cada geração respostas às eternas perguntas do ser
humano a respeito do sentido da vida presente e futura e as relações de ambas. É preciso, portanto, conhecer e
compreender o mundo em que vivemos, suas expectativas, seus desejos e sua índole, muitas vezes dramática.
[...] O gênero humano se encontra hoje numa nova época de sua história, em que rápidas e profundas mudanças
se estendem progressivamente ao mundo inteiro”. (Cf. DH, n. 4304).
35
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 42.
26
O pensamento teológico do século XIX deve ser compreendido não só a partir do
Iluminismo, mas também de outras
correntes que caracterizaram o tempo eclesial e a formação da
consciência. A dialética da complexidade e a aceleração dos processos históricos assinalam
transformações profundas em relação à subjetividade, aos conflitos existenciais e aos diversos
impactos susceptíveis à ação humana. A profundidade e a rapidez dessas transformações
parecem tornar incompreensíveis as verdades eternas que, ao longo da história, são
consideradas imutáveis. Entre estas múltiplas acelerações encontra-se o ser humano em busca
de verdades existenciais que ajudem a responder às angústias e às crises de sentido.
36
Diante da pluralidade deste universo, a sociedade humana convive no mesmo espaço
social, com enorme diversidade cultural, ocasionando experiências cristãs amplas e de
diferentes conotações históricas. A essa questão a História desafia a própria Teologia e
pergunta-se: Quais os novos caminhos da teologia? Quais os impactos que a consciência
histórica coloca aos teólogos de hoje? Sabe-se o quanto estes questionamentos exigem maior
compreensão e influência do pensamento moderno na história da Igreja e no alargamento
teológico para os dias de hoje, incluindo toda a busca humana na sua relação com a fé cristã.
Compreender o horizonte humano, neste contexto teológico, refere-se à inquietante
aventura de ver na existência o perfil da condição do mundo e do ser em busca de uma
circularidade que move a vida humana em torno de um sentido. “Falando de filosofia e de
teologia na era da pós-modernidade, um pensar não negligente investigará então, antes de tudo,
não tanto que respostas oferecem, mas, sobretudo as verdadeiras questões com que se
deparam.”
37
Compreende-se então, que a pergunta torna-se o exercício nutritivo do
pensamento o que possibilita ao ser humano, interrogar-se, em relação ao seu próprio mistério,
origem e finalidade.
Observa-se o quanto as perguntas existenciais são fundamentais para pôr-se à escuta do
outro e assim, perceber as inquietações que cercam o mundo moderno. Talvez se tenham
elaborado muitas respostas e poucas perguntas às interrogações da humanidade. Quando nos
deparamos com a condição humana no patamar da dignidade, surgem questões relacionadas à
existência. Afinal, quais as perguntas, angústias, e crises de sentido que movem o ser humano?
36
Ao falar do ser humano ao alcance da história, essencialmente mergulha-se em questões dramáticas que
sinalizam a profundidade do ser. “Se o homem é um ser paradoxal que só encontra seu cumprimento para além
da humanidade, para além, portanto, do alcance histórico de toda faculdade humana, então é preciso dizer o
mesmo da história, na medida em que ela constitui o espaço no qual são dados a existência humana. O ser-junto,
o ser-no-mundo. Na fé, o cumprimento do humano é atestado como salvação divina.” (Cf. HÜNERMANN,
Peter. Reino de Deus. In: LACOSTE, Jean Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola; Paulinas.
2004, p. 1507).
37
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p.7.
27
Tais questionamentos exigem escutar as grandes e pequenas inquietações que trilham o
caminho da humanidade. É necessário reconsiderar a dramática dor da existência presente na
história humana e não perder de vista a força que abre o ser humano ao Mistério. Para Forte,
esse vazio da existência agrega o medo da paixão e a carência da verdade, pois se percebe
nitidamente que “se o homem é estruturalmente um peregrino da vida, o que constitui a
verdadeira tentação paralisante é sentir-se chegado, não mais ‘em êxodo’ neste mundo, mas
possuidores, dominadores de um hoje que busca a permanente transcendência do caminho.”
38
Na caminhada humana falta-lhes o sonho da busca e do desejo profundo de viver a experiência
do êxodo.
O desenvolvimento humano na ótica do pensamento histórico retoma os princípios da
identidade cristã ao vencer as ideologias ofuscantes e ao enfrentar ambições e violências
totalitárias que constituem o niilismo. A grande virada, entretanto, consiste na persistência e no
desejo de alçar o voo da liberdade. Na esfera do encontro com o Transcendente, o ser humano é
chamado para viver a plenitude da sua liberdade na opção feita para escutar o Outro e
compreender que a “memória da transcendência pode constituir a evocação permanente crítica
contra toda alienação. [...] e experimentada no advento e no acolhimento do Outro.”
39
O domínio do fascinante desejo de liberdade ecoa pelos caminhos do sujeito histórico e
o responsabiliza pelo triunfo de seu potencial emancipatório, colocando-o em total atitude de
confiança. É nesse caminhar que o ser humano abdica das concepções niilistas e se abre à
possibilidade do êxodo, deixando-se convencer pelos valores pertinentes à infinita dignidade da
pessoa. A consciência humana recusa a concepção niilista quando sente-se chamada à aliança
com o Eterno, pois situa a humanidade como artífice do próprio destino, em comunhão com os
outros, num autêntico êxodo de si e no acolhimento do outro.
1.2.1 O ser humano e a crise da modernidade
O tempo da modernidade refere-se à construção de uma nova imagem do ser humano e do
mundo centrada na mentalidade antropocêntrica com ênfase no desenvolvimento da razão. Do
ponto de vista teológico, a crise da modernidade caracteriza-se pela quebra da unidade
religiosa atribuída ao movimento da emancipação. Recebe a influência da dialética iluminista
e a legitimação das crises estimuladas pela razão, vista como extensão do poder divino. De
38
FORTE, Bruno. La Parola della Fede, p. 17.
39
Idem. Para onde vai o Cristianismo?, p. 101.
28
fato, é necessário recuperar a pessoa em sua totalidade e devolver-lhe a dignidade, pois
nenhum ser humano pode estar sujeito à coerção, seja de outras pessoas, da sociedade ou
mesmo de ideologias dominantes. É fundamental que o ser humano possa garantir seu direito
de respeito e liberdade, inclusive a religiosa.
40
Forte convida a repensar a crise da modernidade e faz sua reflexão sobre a história atual,
reapropriando-se da busca pelo sentido do ser e do existir. Entende que é preciso revisitar a
história a partir da concretude do ser humano na procura sistemática do existir. O teólogo
italiano une dois modelos paradigmáticos traduzidos pelo movimento histórico e filosófico.
Pressupõe a modernidade e o Iluminismo, focado no idealismo de Hegel. O que aparece como
chave de leitura no período pós-moderno, quando retoma o triunfo da razão e do Iluminismo.
Neste cenário da autonomia da razão F. Nietzsche anuncia a ‘morte de Deus’ e suprime os
princípios da alteridade. “A razão absorvendo Deus afogou em si toda alteridade possível:
agora ela é a única responsável do tornar-se mundano. Todo limite lhe é insuportável.”
41
A crise da modernidade concentra-se na dimensão social da existência humana situando-
se no movimento civilizacional da complexidade e incertezas postuladas pela eficácia da
razão e a suposta economia global. A idade moderna considera três grandes fatores que
influenciaram a história da Igreja e o alargamento teológico para os dias de hoje. Considera a
síntese dos conceitos epistemológicos medievais para a emergente subjetividade moderna.
Evidencia a formalização do pensamento subjetivo no uso da razão e as reações da teologia
cristã e ainda estrutura a práxis no axioma da fé. Pode-se, então, perceber que na história da
Igreja há um entrelaçamento de questões eclesiológicas, dogmáticas e de correntes filosóficas
que exerceram grande influência na visão e estruturação do ser humano.
A diversidade peculiar da idade moderna emana de tendências forjadas no mundo da
secularização e de resistência às relações sociopolíticas da época. O surgimento da corrente
humanista promulga o reaparecimento do pensar positivista e o movimento de reação ao
desafio da Reforma como emergência do sujeito e do mundo histórico concreto. Grandes
interrogações e controvérsias provocam crises existenciais no ser humano. A explosão
cultural da modernidade assume caráter turbulento, intensificando mudanças de valores e
gerando uma cultura conturbada pelos ideais da razão. Neste sentido Forte adverte:
40
Cumpre saber que, para o enfrentamento das crises, o direito à liberdade é fundamental no processo
transformador, seja ele social ou religioso. “Como todos os seres humanos são pessoas, isto é, dotados de razão e
de vontade livre e, por isso, destacados com a responsabilidade pessoal, são, de acordo com sua dignidade, por
natureza, impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo de ordem religiosa. São igualmente
obrigados a aderir à verdade reconhecida e a orientar toda a vida segundo as suas exigências.” (Cf. DH, n. 4241).
41
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 84.
29
Sob a influência das ciências positivistas, que mostram como o saber nos múltiplos
campos vitais devem ser cada vez mais diferenciados e circunscritos, e também por
reação às abstrações e presunções sistematizantes do idealismo e do liberalismo do
século XIX, assiste-se a uma volta às fontes da teologia cristã, como redescoberta do
dado originário e originante.
42
Essa sistematização de voltar às fontes põe em foco a teologia tradicional e busca
entender a novidade como possibilidade do presente. Outro fator importante é a forma de
pensamento em que as questões hermenêuticas esquecem o horizonte do tempo e enfatizam a
dialética do esclarecimento, cujo desdobramento é amplamente ambíguo. De um lado, a
questão da emancipação, de outro, as interferências ideológicas na manipulação da práxis
humana. O sonho do totalitarismo racional situa no presente os conflitos existenciais que
acompanham o ser humano, podendo assim a criatura rebelar-se contra o Criador, tornando-se
independente e distante do plano salvífico de Deus. Torna-se, então, conflitante a dicotomia
do bem e do mal, da escravidão que aprisiona e da liberdade que o chama à conversão.
43
A humanidade, ao experienciar a crise da modernidade, rompe com a monotonia do
tempo mitológico, remonta um novo tempo, estendendo-se do triunfo da razão à difusão
fragmentada das fortes ideologias que afetaram os grandes movimentos políticos, filosóficos e
religiosos da época. O universo da religião e da metafísica cede lugar ao racionalismo
positivista. A razão dirige o processo de civilização ocidental intitulado ‘século longo’,
começando pela Revolução Francesa e estendendo-se à Primeira Guerra Mundial. Diante das
crises de sentido e de totalitarismos ideológicos, surge o individualismo exarcebado, marcado
pelo vazio do naufrágio humano: “Eis porque o grande desafio que parece se delinear nestes
anos para a consciência cristã, sobretudo da Europa ocidental, é o de oferecer horizontes
unificadores, não ideológicos nem violentos, capazes de motivar o compromisso comum para
a construção de uma sociedade equânime e solidária com todos.”
44
42
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 44.
43
Forte, referidas vezes, retoma o pensar do filósofo Bonhoeffer, no que tange às crises enfrentadas pelo ser
humano. “O ser humano não pode viver, ao mesmo tempo, na reconciliação e na desunião, na liberdade e sob a
lei, na simplicidade e na discordância. [...] Portanto, do caráter oculto do próprio bem, significa o chamamento
para sair da dicotomia, da defecção, do saber do bem e do mal, para a reconciliação, a unidade, para a origem, a
nova vida que está somente em Jesus. È o chamado libertador para a simplicidade para a conversão.” (Cf.
BONHOEFFER, Dietrich. Ética. São Leopoldo: Sinodal. 2005, p. 25).
44
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 17.
30
1.2.2 As antropologias e crises do tempo
As diferentes antropologias
45
sistematizam o conhecimento a respeito da humanidade.
Nesse sentido, a antropologia atribui valores às influências da secularização, da historicidade
e do pragmatismo, funcional e prático, entre os elementos que constituem o ser humano. É a
Teologia quem une e os capacita para vencer as crises e os conflitos. Sabe-se que ela
desenvolve não só uma identidade própria, mas concilia diversos modos de pensar. No
cenário do humanismo cristão ressurgem questionamentos sobre a condição humana,
incluindo o sofrimento e a dor da história. Outro desafio é a capacidade de atribuir valores à
vida e à história vivenciada no cotidiano. Ainda pode-se considerar que no crepúsculo das
ideologias venha a acontecer a diminuição das esperanças utópicas e revolucionárias que
envolvia o ser humano em toda sua perplexidade existencial.
A novidade com que hoje se estabelece está em seu apresentar-se ‘entre os tempos’,
entre o declínio de uma antropologia que celebrará o triunfo do sujeito histórico e a
aparente alternativa de uma concepção do homem amadurecida na prova da negação,
renunciatória diante de todo o fundamento.
46
Nesta perspectiva, a visão do ser humano se firma como antropologia da identidade e
encontra sua definição no processo altruísta do sujeito histórico. De outro lado, a antropologia
da diferença absorta pela inquietação da razão inspira-se na recusa do domínio programático e
na exuberância do nada. A lógica dos dois eixos esclarece o movimento da tradição judaico-
cristã que remonta à visão situada entre a identidade de sujeito e o protagonismo da diferença.
A investigação crítica deste período contempla o movimento de abertura à novidade
Transcendental, mas convive com a oposição pós-moderna do niilismo ideológico. Pensar o
ser humano, nesta transição de diferença e identidade, atribui valor à razão totalizante e ao
humanismo ‘novo’. Forte traduz a antropologia como a Eternidade no Tempo.
45
Forte apresenta a antropologia teológica como uma forma de conceber o ser humano tal como brota da
revelação quanto a sua origem, condição e destino. Vista como uma doutrina do ser humano mostra-se em
diferentes antropologias. “O termo ‘antropologia teológica’ hebraico-cristã precisa ser entendido como uma
perspectiva específica neste imenso universo de antropologias. Seu principal diferencial é o seu ponto de
referência nas Sagradas Escrituras do AT e do NT enquanto auto-revelação de Deus Trino. Como antropologia
teológica ela pressupõe, portanto, uma antropologia bíblica. Sua principal tarefa é a de resgatar os dados do
testemunho bíblico, articulando-os com as discussões existentes na igreja e na sociedade em geral na forma de
um diálogo crítico.” (Cf. SCHWAMBACH, Claus. Antropologia teológica. In: BORTOLLETO, Fernando Filho.
Dicionário Brasileiro de Teologia. São Paulo: ASTE. 2008, p. 46).
46
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 97.
31
Entre o triunfo da identidade, próprio das visões ideológicas, e a apologia da diferença,
resolvida no domínio onicompreensivo do nada, a causa da pessoa exige que se procure uma
via diferente, capaz de escapar tanto à sedução do pensamento solar como à fascinação da
vitória das trevas. É a tradição judeu-cristã que oferece a possibilidade dessa concepção do
homem, fruto do encontro entre identidade e diferença: o Absoluto entra na história e a redime.
[...] A glória se anuncia aos dias dos homens, abrindo-os ao dom da vida eterna, a aliança une
Deus ao homem e o homem a Deus. É a antropologia da eternidade no tempo.
47
A antropologia que protagoniza Tempo e Eternidade apreende relações de mútuo
envolvimento e mostra-se entre o ir e o vir do êxodo ao advento, na gratuidade do incidir de
Deus. É importante pensar, o inaudito e transformador ingresso da Eternidade no Tempo
como possibilidade de revelação no tempo que se eterniza. A antropologia bíblica recusa o
pensar niilista e estabelece uma nova aliança com o Eterno, num verdadeiro êxodo de si ao
outro. Assim, o teólogo italiano vê na cristologia a essência última do encontro: “É nela (na
cristologia) que o homem aparece revelado a si mesmo na relação mais autêntica entre
identidade e diferença, assim como se realizou no único, no qual o céu e a terra encontraram-
se sem por isso confundir-se: Jesus Cristo, o Filho Eterno entrando no tempo para que o
tempo entrasse na eternidade”.
48
Esta questão a Gaudium et Spes assim expressa:
Na realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do
Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro homem era figura daquele que haveria
de vir, isto é, de Cristo Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e
de seu amor, Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre
a sua altíssima vocação. Não é, portanto, de se admirar que em Cristo estas verdades
encontrem sua fonte e atinjam o seu ápice.
49
A esta realidade da condição humana busca-se configurar em Cristo a manifestação do
próprio homem em sua vocação. No contorno da dialética, os pólos da identidade e da
indiferença unem-se pelo mistério da aliança, diferente do que acontece na antropologia
niilista e no domínio da identidade. Embora haja um distanciamento, molda-se um cenário de
negação e superação do tempo na eternidade. A ação divina não apenas confirma a
transcendência, mas ignora o acolhimento da criatura na suposta capacidade de acolher o
mistério na simplicidade. Por sua vez, advento e êxodo negam o modelo de soberba por parte
47
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 105.
48
Idem. L’Eternità nel tempo: per un’etica ed un’antropologia sacramentale. Revista di Szience Religiose, v.8,
1994/1, p. 33.
49
Gaudium et Spes, n. 264.
32
da humanidade ao longo da história o que permite a alteridade humana encontra-se com a
sublime alteridade divina, podendo assim, divinizar a condição humana nas diferentes
antropologias.
No encontro e no desencontro das diferentes antropologias o ser humano emerge da
complexidade cultural e espiritual ao expressar de modo visível, a grande esfera de
interrogações sobre o sentido da existência, ao longo da história. A abrangente busca de si
mesmo reveste-se em questionamentos. Afinal, quem somos? Qual o sentido da vida no
universo? Qual o sentido da história? Que valores a humanidade precisa desenvolver? Há
lugar para uma cultura solidária? A estas questões da fragmentação social e cultural, a
antropologia, sem nenhuma pretensão, busca na teologia a reflexão que possibilite respostas.
O teólogo italiano empreende sua análise ao delinear a persistência do paradigma da
modernidade em relação à antropologia existencial, de modo dialógico subjacente à escuta e
aos sinais dos tempos. Da mesma forma, a antropologia transcendental, retoma o objetivismo
clássico em relação à subjetividade moderna e como realização da autotranscendência. Nessa
visão antropológica considera-se “o homem como o ser da transcendência e a história como o
lugar do possível encontro com a alteridade do Outro na palavra.”
50
Para a antropologia existencial, a pessoa é promotora de decisão, situada na história,
aderindo ao apelo da revelação. Atende ainda à irrupção do outro e busca compreender a
identidade no mundo numa aplicação dialética. Nesta mesma linha, a antropologia
transcendental revela-se na autotranscendência, considerando a pessoa aberta à
transcendência. Ocorre na história, então, o possível encontro da alteridade do outro pela
Palavra. A teologia existencialista de Bultmann propõe que a irrenunciável herança da
modernidade compactue com a valorização do pensamento emancipatório e adulto o que se
contrapõe ao compromisso dogmático. Na antropologia transcendental, a fé cristã é repensada
no prisma da modernidade, e a questão emancipatória fica muito evidenciada no plano da
razão.
51
Forte, baseia-se em Rahner ao considerar a estrutura da exisncia, situando-a na
linha da superação dialética.
O homem não é nem um sujeito prisioneiro do próprio mundo interior incomunicável
ao outro, nem um simples caso do universal, regrado e medido em tudo pela
50
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 60.
51
Forte delineia os princípios da antropologia transcendental inspirado no pensamento do teólogo alemão Karl
Rahner. “Considera necessária a transformação antropológica por motivos não só ‘metafísicos’, mas também
‘históricos’, como a tremenda crise de inteligibilidade e credibilidade que atingiu a mensagem cristã. Em seu
parecer, só se pode superar tal crise traduzindo o kerygma no esquema mental antropocêntrico. [...] Esta posição
antropológica transcendental é necessária para toda a teologia. (Cf. MONDIN, Battista. Antropologia Teológica:
história, problemas, perspectivas. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 34-35).
33
objetividade: ele é o ser da absoluta abertura ao Transcendente. [...] Essa abertura
transcendental encontra sua plena realização na cristologia: em Jesus, o Cristo,
portador absoluto da salvação, é oferecido ao homem a possibilidade suprema de
transcender-se ao Transcendente que lhe vem.
52
A reflexão rahneriana segundo Forte, constitui o ser humano como espírito, pois nesta
visão a diferença ontológica abre-se ao absoluto de Deus, o que favorece atitudes de possível
revelação, ao constatar a escuta da palavra ou do silêncio de Deus. Nesse sentido, “a
antropologia não é reduzida à fenomenologia do processo universal do espírito absoluto. O
‘ouvinte da Palavra’ é projetado fora de si, aberto à exterioridade, em um êxodo livremente
orientado para o advento.”
53
Nas crises que marcam o tempo pode-se considerar o domínio
da identidade que prioriza a ideologia moderna assim como a diferença presente no niilismo
pós-moderno, ainda valoriza a antropologia de um novo humanismo cristão.
Na crise do tempo, no reverso de tantos conflitos existenciais pelos quais atravessa o
ser humano, a antropologia aborda a questão da autotranscendência como lugar concreto e
situado historicamente. No encontro da autocomunicação e revelação de Deus denota-se a
cumplicidade da palavra humana e a relação de alteridade na supremacia e apelo ao advento
do Outro. Com este resultado percebe-se que a antropologia do existencialismo não é diversa
da antropologia transcendental, mas ambas encontram-se em pontos similares. Faz-se
importante, “mediar entre identidade e alteridade, de tal modo que a alteridade não destrua a
identidade, mas também que a identidade não absorva a alteridade.”
54
1.2.3 O humano e a revelação cristã
No intinerário da vida humana, perfilam-se sinais de busca em diferentes contextos.
Há uma espécie de inquietação do presente como uma busca renovada pelo sentido da vida.
Reflete-se aqui o esforço humano em resgatar o sentido para além da crise, capaz de
vislumbrar o reconhecimento último em vista da esperança. Nesse sentido o ser humano
caminha e assume a história como lugar de encontro e transformação religiosa e sociocultural.
Confirma-se, então, o quanto o horizonte do tempo permite as indagações hermenêuticas no
entendimento da revelação para a humanidade. Para Forte, essa busca intrínseca da
52
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 70.
53
Ibidem, p. 73.
54
Ibidem, p. 75.
34
humanidade é “o tempo no horizonte totalizante do ser, mas o ser no horizonte do tempo que
é o quadro hermenêutico dessas indagações, que nem por isso deixam de estar atentas ao fazer
da verdade, à unidade entre teoria e práxis.”
55
A unidade que se desenvolve entre teoria e práxis retrata na história a absoluta
revelação da transcendência e o poder de Deus sobre a história da humanidade. A verdade
revelada transforma a experiência do povo que caminha, e deixa correr em suas veias o
sangue da esperança, da fidelidade e da libertação. Graças ao dom da revelação, que se realiza
no tempo, formaliza-se uma ligação de fidelidade ao advento que habita o êxodo e o
manifesta na concretude da aliança. É nessa comunicação que a Palavra se faz presente na
história da humanidade. A experiência teológica, vista por Forte, revela um Deus acima de
qualquer domínio humano, mas fiel ao seu plano de salvação da humanidade. O novo se
mostra na vitalidade da mística e reafirma uma identidade justa e libertadora. Minimiza a
automatização de estruturas injustas que impedem a comunicação com Deus na Palavra
revelada e nos acontecimentos cotidianos. A construção da justiça e da liberdade estabelece a
relação que se firma entre o humano e o divino. O êxodo abre-se para o encontro, busca o
sentido, e rompe o círculo da identidade absoluta na travessia do peregrinar, conforme a
dialética de Hegel assumida no pensamento de Bruno Forte
56
.
O verdadeiro peregrinar da humanidade encontra-se no êxodo. Sensivelmente
constata-se que de um lado acontece o drama da angústia, da perplexidade e das interrogações
do existir humano; por outro o possível aproximar-se do Eterno e experienciar a esperança
reveladora do Deus vivo. Abrir-se à autotranscendência significa entrar em conexão com o
lugar específico e concreto para o encontro com o mistério “onde a existência como êxodo se
disponha à escuta de um possível advento do Outro no horizonte do tempo.”
57
Evidencia-se,
deste modo, uma abertura transcendental do ser humano para o encontro da Palavra revelada
em sua caminhada de fé cristã. Bruno Forte conduz a reflexão para a comunidade como lugar
da revelação e da vida cristã.
A comunidade se torna lugar vivo da Palavra, que por ela alcança e suscita outros
filhos para Deus. Nesse sentido, a tradição é transmissão da fé, transmissão da vida
cristã: graças a ela a memória da fé se faz presença e experiência atual, pelas quais o
55
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p.26.
56
Considerando a travessia do peregrinar humano, Bruno Forte busca a contribuição dialética. “Com decisão e
coragem, Hegel quer pensar a vida, levando à palavra o movimento, a contradição, o superamento, que são o
sangue quente de nosso existir na história. Nele, a verdade não é contemplação asséptica de essências imutáveis
e eternas, não é um objeto: ela é devir perene, que afirma, nega e completa, para novamente superar-se a si
mesmo.” (Cf. FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia: introdução ao sentido e ao
método da teologia como história. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 115).
57
Idem. La Parola della Fede, p. 15.
35
advento realizado uma vez por todas em Jesus Cristo vem fazer-se contemporâneo ao
hoje das pessoas na força do Espírito Santo.
58
Olhando o peregrinar humano em busca da revelação cristã, constata-se o quanto a
tradição, presente na história e na fé, contribui para perceber o advento divino nos diferentes
patamares da própria teologia. É importante que a comunidade possa abrir-se à compreensão
da fé cristã, no cotidiano da vida, e assim, verificar o quanto a história é inseparável da fé.
Sem dúvida, a comunidade torna-se o lugar na qual a Palavra se atualiza e contribui para
revelar o amor e a misericórdia de Deus à humanidade.
Repensar o humano, na linha fundante da fé cristã, exige abertura interior e profusão de
comunhão que inclui os princípios da revelação cristã no constante desafio do tempo. Nesta
inserção, a humanidade sofre as consequências da triste divisão da comunidade cristã e do
processo de secularização que desumaniza e provoca as injustiças situadas no tempo e na
história. O grande desafio da humanidade, em toda sua complexidade, consiste em “reconstruir
a unidade de conjunto, aquela que no plano de Deus revelado em Cristo foi, ao mesmo tempo,
doada e prometida ao mundo.”
59
Em todo contexto, o sentido da revelação cristã encontra seu
apogeu no coração humano e reconstrói a singularidade do êxodo no sentido do existir humano
em busca do fim último, a salvação.
A revelação, como matriz cristã, expressa-se na linguagem hodierna como um
acontecimento de autocomunicação divina no relacionamento recíproco da Trindade. Nessa
situação também se reconhece na história da humanidade o princípio da autocomunicação
divina, que formam o conjunto complexo e vivo ao qual se pode dar o nome de dinamismo
constitutivo da revelação. Para desenvolver essa concepção de revelação Forte busca a
sistematização na filosofia hegeliana que apresenta a dialética da autodistinção do divino no que
compõe a ideia:
O processo dialético da autodistinção e da auto-identificação do Sujeito absoluto
coloca ao mesmo tempo Deus como Pai, Filho e Espírito e como Revelador, Revelado
e sua Reconciliação. A revelação é ato com o qual o Espírito absoluto medeia a si
mesmo para chegar à consciência de si e superá-la no amor, num processo que
envolve e liga Deus e a história do mundo.
60
58
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 52.
59
Idem. Um pelo Outro, p. 108.
60
Idem. Nos Caminhos do Uno, p. 249.
36
Cuidadosamente realiza-se a reflexão sobre o ato da revelação, como abertura do
Espírito para o encontro com a consciência humana, que acontece à luz da história. A
pretensão da revelação cristã encontra sentido no peregrinar humano e constitui sua
manifestação no tempo. Todavia, vai percebendo-se que a revelação de Deus desdobra-se na
história e nasce de um ato livre e gratuito, associado ao projeto salvífico de amor pela
humanidade. Um pressuposto basilar para a automanifestação de Deus na história é o
entendimento de que a revelação é maior do que a história, porém é nela que Deus revela seu
amor pelas pessoas, enviando seu próprio Filho, Jesus Cristo pela libertação de todos.
61
1.3 O humano e a identidade no êxodo
A compreensão humana em busca da identidade, na teologia de Bruno Forte, é
entendida como categoria de êxodo e expressa a partir de verdadeiras exigências que orientam
a vida humana, em sua rede de relações. Seus relatos constituem uma teologia inserida na
história, pois o mistério que se esconde no Deus da vida alcança a humanidade, podendo desta
forma, acolher as interrogações do tempo e do existir humano. O desígnio teológico, no
critério do êxodo eleva o sujeito da história e restaura o sentido da memória. “O pobre faz-se
sujeito da própria história quando recupera a identidade de sua memória, que o faz perceber a
imensa dignidade da dor passada, da dor dos vencidos, quando aprende a ler com os olhos
novos o presente
.”
62
Neste sentido, a abrangência do êxodo humano, prescindindo da experiência sofrida
no passado e no alento do presente, torna-se ao mesmo tempo aberta à perspectiva futura.
Igualmente, pode-se protagonizar o quanto a compreensão histórica será sucessivamente
carregada de significado existencial, interpelada pelo hoje e pelo que virá depois. Considera-
se, aqui, a história crítica, podendo contribuir teologicamente para orientar o futuro da
humanidade. Procede, dessa forma, encaminhar dúvidas e esperanças para anunciar o
pensamento da companhia da vida como perspectiva dialógica na comunidade. Enquanto
identidade singular precisa-se desenvolver o êxodo humano, como referência essencial para a
teologia da história, entendida como memória, companhia e profecia, no retorno à revelação e
à fonte da fé.
61
Conforme Forte, a revelação de Deus ocorre no seio da história. “Esta economia da revelação se concretiza
através de acontecimentos e palavras intrinsecamente conexos, de sorte que as obras realizadas por Deus na
história da salvação manifestam e corroboram os ensinamentos e as realidades significadas pelas palavras, que,
por sua vez, proclamam as obras e elucidam o mistério nelas contido.” (Cf. DH, n. 4202).
62
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 26.
37
[...] é a história da entrada de Deus nos assuntos humanos, história da aliança entre o
humano ir e o divino vir, entre o êxodo e o advento. Pensamento da caridade, a
teologia leva a falar o que é vivido na história do amor:docta caritas’. Pensamento
da fé, ela se volta para exprimir no conceito a experiencia crente: ‘fides quaerens
intellectum’,docta fides’. Pensamento da esperança,
[...] aberto às surpresas do
advento e à imponderabilidade do caminho de êxodo do homem, a teologia é ‘docta
spes’. Por isso, na teologia, de modo inteiramente singular, a vida do pensamento é
pensamento da vida, que nasce do clima da escuta, do louvor e do amor vivido, [...]
para a glória de Deus.
63
Na identidade histórica realiza-se uma intencionalidade de teor teológico em sua
especificidade reveladora como “memória” (docta fides), que traduz a escuta como adesão do
crente à revelação transmitida pela Tradição viva da Igreja. Pode-se, também, considerar a
Teologia como “companhia” (docta caritatis), chamada a discernir os sinais dos tempos e
responder aos desafios de modo significativo e rigoroso. Em última análise, a Teologia é
convidada a estender o olhar para a dimensão escatológica futura, evidenciando a missão
“profética” (docta spes), onde acontece o encontro do advento divino com o êxodo humano.
Forte compreende esta estrutura quando se refere à “palavra do homem a Deus na companhia
da existência do êxodo; palavra de Deus ao homem na memória transformadora do advento;
palavra sobre Deus e sobre o homem, de Deus com o homem e do homem com Deus na
profecia da vida que há de vir.”
64
Pensar a identidade cristã na perspectiva dialógica formaliza aproximações de
diferentes alteridades e apresenta, de modo muito singular, as categorias de êxodo, advento e
encontro. A compreensão dessas categorias supõe uma ligação entre graça e natureza, divino e
humano, tempo e eternidade. Com este rigor, a teologia procura entender o ser humano, sua
história e sua busca transcendental, o que permite vislumbrar os ponteiros de um novo
horizonte, de sentido e de esperança.
Reencontrar os horizontes perdidos supõe buscar uma identidade que, ao se
manifestar, contempla as diferenças e propõe novas alianças para o humano. Esse cenário
requer capacidade de compreender que “abrir-se ao advento, significa para o sujeito histórico,
ir ao encontro do não-dedutível e do novo, debruçando-se sobre a impossível possibilidade do
63
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 6.
64
Idem. La Parola della Fede, p. 63.
38
Eterno.”
65
O sentido do advento confere o poder de abrir-se ao outro, na percepção do Deus,
que entra na história e participa de todo o mistério da própria humanidade.
66
O caráter originário da identidade que sustenta a humanidade em sua fidelidade cristã,
insere-se no movimento histórico que carrega consigo as marcas de uma sociedade
fragmentada e complexa, fortemente influenciada pela sedução do nada e pelas crises de
sentido que traduzem as incertezas da humanidade. Forte percebe os apelos humanos e
confirma que “a estrutura que sustenta a existência humana é um movimento de êxodo, sua
autotranscendência, a permanente tensão de sair de si, de superar-se rumo ao Mistério
absoluto.
67
A princípio toda via de relação e comunicação revela de forma incondicional a
identidade que se firma ao longo da história num fio conciliador entre humano e divino,
sinalizando num ícone a entrada do eterno na história humana.
1.3.1 Silêncio: uma presença no evento do amor
No peregrinar humano o desafio do silêncio emerge como princípio norteador do
eterno evento do amor. A história acolhe o silêncio do ser, permitindo perscrutar as
misteriosas profundezas da Palavra que ressoa no tempo e na eternidade, pois toda tradição
anuncia a solene entrada do Silêncio que ecoa em toda terra.
68
É a história o lugar reservado
para que aconteça o advento possível da Palavra. À luz destas reflexões, a fé cristã
compreende a dimensão da escuta e confere ao ser humano a sabedoria para acolher o êxodo
do Pai presente na história em que acontece a revelação do amor. Portanto, segundo Bruno
Forte, “o silêncio é o seio fecundo do advento, o cenário em que ressoa a Palavra, o espaço do
65
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 107.
66
O advento abre-se ao outro e entra na história humana. “O advento lembra, antes de tudo, a dimensão histórico-
sacramental (História da salvação). O Deus do advento é o Deus da história, o Deus que veio plenamente para a
salvação do homem em Jesus de Nazaré, em quem se revela a face do Pai. (cf. Jo14, 9). A dimensão histórica da
revelação recorda a concretude da salvação plena do homem. [...] O advento, enfim, ao mesmo tempo, que nos
revela as verdadeiras, profundas e misteriosas dimensões da vinda de Deus, recorda também o compromisso
missionário da igreja e de todo o cristão para o advento do reino de Deus.” (Cf. BERGAMINI, A. Advento. In:
SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 13).
67
FORTE, Bruno. O Mendicante do Céu, p. 176.
68
Em Forte a expressão Silêncio revela o Deus oculto e presente. “Por meio da Palavra, o Deus do Silêncio se
apresenta como o mistério do mundo, como o seio obscuro que envolve todas as vidas e a todas dá existência e
energia. O divino Silêncio, escutado através da Palavra como e para além dela, é a densa escuridão da via
negativa, as trevas luminosas do amor irradiante da via positiva, o Pai que é origem e fonte, princípio sem
princípio do Filho e do Espírito na eternidade divina e de todas as coisas no tempo, segundo a via dialética da
casualidade, que une e distingue os dois pólos. Contra o pano de fundo deste Silêncio divino, o Verbo se
apresenta como a luz que vem às trevas, como a revelação do amor primordial realizada mediante o seu amar até
ao fim, como o Filho que só nos pode tornar filhos abrindo-nos o acesso para o mistério do Pai.” (Cf. FORTE,
Bruno. Teologia da História: ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1995, p. 73).
39
último dia. O silêncio, porém, é assim porque ele é eco de outro Silêncio. [...] Aquele de onde
a Palavra procede na eternidade e no tempo.”
69
Diante da Palavra revelada no tempo, emerge o gesto admirável e libertador de Deus
para com os seres humanos para garantir a dignidade da vida. O essencial do silêncio, não
consiste na fartura e na vitória dos dias felizes, mas sim na capacidade de compreender a dor
dos caminhantes, na aliança oculta, que Deus faz com o seu povo. É o silêncio o ícone da
escuta, da espera, que suscita o advento da Palavra que se revela. A aparente ausência do
rosto de Deus não esgota a certeza do silêncio na história da humanidade.
O silêncio de Deus tem um valor teológico, é um radical desafio sobre o mistério, um
convite a crer e confiar em sua Presença-ausente e a perseverar na procura de seu
rosto, mesmo quando sua face faz sentir todo o peso trágico de seu ocultamento:
“Aguardarei pelo Senhor, que escondeu o rosto à casa de Jacó e nele esperarei” (Is.
8,17). Este silêncio é um experimentar, na dramaticidade da falência, que o caminho
de Deus não é só o da Palavra e da resposta, mas também o caminho perturbador do
silêncio, a quem devemos corresponder no espaço vazio da escuta fiel.
70
A experiência do silêncio é desafiadora e põe a humanidade em êxodo da história, no
qual acontece o convite inevitável de encontro entre humano e divino. Não obstante, a história
perfaz a distância infinita, conduzindo a humanidade ao aconchego da receptividade e
humildade, de modo que possa participar do êxtase que sai das profundezas para alcançar o
divino em seu mistério de plenitude e amor. É pela fé que a teologia resgata a Palavra que sai
do silêncio, firmando o êxodo de Deus como presença aberta ao mistério da Trindade. Forte
aponta o Deus que irrompe o domínio humano e radicaliza a novidade da revelação em
abertura ao Transcendente.
Escutar o silêncio acolhendo a Palavra nada tem a ver com o aprisionar a
Transcendência nas malhas da imanência, isto é, nas limitações de tudo o que existe
como disponível e certo; significa, pelo contrário, abrir-se radicalmente para a
insondável novidade de Deus, para as profundezas rumo às quais a revelação abre as
portas e nos encaminha, sem, contudo esgotar sua possível compreensão e
entendimento.
71
A escuta da Palavra liberta a humanidade, para participar da novidade do amor, pois é
somente pela fé na revelação que acontece a dialética envolvente da Palavra e do Silêncio.
Esta dimensão da fé no Deus Trindade, desperta a consciência e o desejo de alcançar a Pátria.
69
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 95.
70
Idem. O Mendicante do Céu, p.179.
71
Idem. Teologia da História, p. 101.
40
A cada dia emerge o silêncio, além do verbo encarnado presente no êxodo que se põe a
caminho, entre a diligência da espera e a esperança da Pátria. O silêncio do Eterno emerge da
fé na Palavra, um conhecimento revelado no oculto e na abertura ao êxodo humano. A ideia
de revelação abraça o divino, e abre-se à plena manifestação de Deus.
72
A dialética da ausência e presença, contida na revelação, carrega em si, a essência do
revelado e do escondido. “A revelação do Deus que vem tira o véu que oculta, mas é também
um mais forte esconder, é comunicação de si, que inseparavelmente se oferece como um
novamente ‘velar’.”
73
A revelação divina se dá num tirar o véu que se torna presença, mas
também numa possibilidade de oferecer-se como o novo esconder-se. A Palavra que sai do
Silêncio estabelece uma relação de tempo entre o divino que vem à historia para tecer uma
aliança comunicada na História da Salvação.
É o Deus que, embora se comunique nas palavras e nos acontecimentos da história da
salvação, está sempre além de qualquer domínio humano. [...] Esta dialética de
abertura e de ocultamento atinge seu ponto culminante na autocomunicação pessoal de
Deus no Filho Encarnado: A Palavra que se diz nas palavras remete ao abissal
Silêncio de onde procede. O Deus em carne humana é ao mesmo tempo revelado e
escondido
74
Na história moderna surge especialmente, o traço do sofrimento marcado pelo
pensamento racional e totalizante. O mundo dividido pela secularização esquece a beleza do
silêncio e perde as referências do êxodo que busca o Mistério. Neste sentido, as crises
humanas perpassam a história e perguntam-se: Se Deus existe, por que o sofrimento? O que
significa o silêncio de Deus diante da dor humana? Mesmo que haja sofrimento Deus caminha
com o seu povo e mostrar-se-á disposto a ir ao seu encontro e abraçá-lo.
Diante das crises ideológicas e do vazio gerado pelo nada, nasce um sentimento de
impotência diante das estruturas injustas do mundo. No entanto, no silêncio é possível
perceber o grito do profeta que supera os males. Ao lado do inocente que sofre é possível
juntar-se a cruz de Cristo e perceber que o Deus da cruz faz-se compassivo e misericordioso
com as dores humanas. Forte atualiza o silêncio de Deus como presença solidária no Seu
ocultamento.
72
Forte observa que a Revelação acontece na remoção do véu e exibe-se em toda sua pureza. “Desta forma, [...] o
conhecimento da fé vem se manifestar como “secundum”: o Filho nos remete ao Pai; a Palavra ao Silêncio; o
Revelado no ocultamento, ao Oculto na revelação. O duplo significado de “re-velatio” vem, aqui, à tona com
toda a sua riqueza: no retirar o véu há um colocar o véu; no mostrar-se, um retrair-se no revelar-se um ocultar-se.
A escuta daquele que crê encontra o Revelado para, graças a Ele e através d’Ele, caminhar para o Oculto.” (Cf.
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 63).
73
Idem. A Essência do Cristianismo, p. 50.
74
Ibidem, p. 49.
41
O ocultamento da face divina, [...] em que Deus parece retirar a sua proteção do povo
escolhido; [...] equivale a crer e confiar na Presença ausente, a perseverar no abandono
à Face oculta, mesmo quando esta face nos faz sentir todo o peso histórico trágico do
seu ocultamento. [...] Equivale a experimentar, na dramaticidade da falência, que os
caminhos de Deus não são apenas os da palavra e da resposta, mas que também o nada
do silêncio e do ocultamento pode estar cheio da divina Presença.
75
Deus continua presente, mesmo de forma oculta, na caminhada histórica de todos os
vencidos, como também dos que ainda não superaram a cultura do niilismo. É o Deus da
divina presença que instaura o dinamismo do êxodo e vai traçando, no silêncio, o peregrinar
cuidadoso de sua providência.
1.3.2 O horizonte do êxodo aberto à esperança
No horizonte do êxodo surge um sinal de esperança, que permite à humanidade sonhar
com a Pátria, apesar do aparente triunfo da dor e da morte. A vida parece estar impregnada de
nostalgia que habita o tempo envolto no abismo do nada, orientando-se pelas incertezas e
crises de sentido em que “o ser humano se torna uma pergunta a si mesmo, uma interpelação
diante da qual se abrem ambiguamente as sendas daquilo que poderá ser ou não será jamais.
[...] É assim que o pensamento nasce da morte, a consciência da paixão de quem não se rende
ao final triunfo do nada.”
76
Ressurge aqui, uma nova esperança de vida, uma possibilidade de
buscar o Totalmente Outro através da redescoberta do sagrado, que impõe a abdicação da
ideia niilista e a dependência da dialética iluminista.
77
Na visão realista da vida é preciso que a crise da modernidade formule o fim das ideias
absolutistas da razão, para assim, contribuir na redescoberta do Outro. Para tanto, colocar-se
na escuta do Totalmente Outro exige mergulhar no mistério da salvação e compreender
também o mistério humano. A salvação inserida na história transcende e ultrapassa os limites
75
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 89.
76
Idem. A Essência do Cristianismo, p. 23.
77
Forte refere-se ao Totalmente Outro para expressar a presença Transcendental. “A expressão ‘Totalmente
Outro’ faz referência a Deus. Sua origem próxima como compreendem os teólogos dialéticos, remete à diferença
qualitativa infinita que separa o homem e Deus, segundo Kierkegaard. No entanto as origens da expressão são
longínquas referindo-se sempre à transcendência de Deus ou do Uno como o ‘outro’ (thatéron em Plotino) ou
‘Totalmente Outro’ (aliud Valde em Agostinho). Em 1917 no seu livro intitulado O Sagrado, o filósofo neo-
Kantiano R. Otto resgata a expressão que será utilizada abundantemente pela teologia da Crise do Jovem Barth e
de seus amigos.” (Cf. LACOSTE, Jean-Yves. Totalmente Outro. In: Idem. Dicionário Crítico de Teologia. 2004,
p. 1737).
42
do êxodo. Esquecendo o peso do passado, a humanidade constitui uma nova esperança o que
exige estar atento às surpresas do advento.
Igualmente, para que a memória do futuro não seja forma vazia, e sim experiência
densa e real do que é vindouro e capaz de mudar o mundo e a vida, é preciso que ela
não seja produzida só pelo coração ou pela mente do homem, mas, de certo modo, se
enraíze em uma promessa, em que se indique e se doa o amanhã absoluto e
transcendente, sem por isso ser reduzida às malhas do mero projetar-se no mundo.
Este advento real, que corresponde ao êxodo mais profundo do homem, realiza-se,
para a fé cristã, na ressurreição do Crucificado.
78
O entendimento dessa experiência é percebido pela escuta da Palavra revelada. A
história eterna do amor divino estabelece aliança de fidelidade com o povo e abraça as
configurações éticas necessárias à formalização das relações interpessoais. “Aquilo que então
todos devemos fazer para sermos peregrinos na história, em direção à Pátria da promessa de
Deus, é escutar as perguntas verdadeiras que estão no coração da própria história.”
79
Pela
aliança, formalizada no êxodo, Deus guia o seu povo na fidelidade, na visibilidade do Espírito
e na encarnação do Filho Jesus Cristo.
Tal certeza aproxima o divino do êxodo humano e restabelece a fragilidade humana.
Saber ouvir e deixar-se tocar pela força da Trindade no âmago da história humana, significa
participar do processo da criação que também espera por libertação. Toda a criação reconhece
o poder de Jesus Cristo e espera que a história também possa contemplar a presença do
Espírito que renova todas as coisas. É pela magnitude do Espírito que a criatura torna-se
participante do plano da salvação.
Abrir-se à esperança significa não perder de vista a possibilidade de caminhar na
história em direção à pátria e perscrutar as perguntas verdadeiras que moram no coração do
Pai. A busca que emana destas palavras é aquela que está situada entre o peregrinar que busca
o rosto do Outro e o fechar-se sobre os medos da solidão humana. “A vida ou é peregrinação
ou é antecipação da morte. Ou é paixão, busca e, portanto inquietação, ou é deixar-se morrer
um pouquinho dia após dia, fugindo para todas as evasões possíveis de que está enferma a
nossa sociedade.”
80
Diante da linguagem dialética, é admissível constatar que, no mais profundo do ser
humano, pairam questões significativas sobre a vida e a morte. Afinal, o que é a vida? Qual é
a contribuição humana para este complexo universo? Qual o sentido da morte para a vida
78
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 45.
79
Idem. Deus Pai no Amor quer todos salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p. 718.
80
Idem. A Essência do Cristianismo, p. 28.
43
humana? Existe vida além da morte? Estes e outros questionamentos, sobre as razões da
existência e a perspectiva escatológica, emanam também, do desejo de superar a morte, de
vencer os sofrimentos da vida cotidiana e de enfrentar as desilusões. O teólogo italiano,
consciente do drama humano, amplia o sentido do êxodo em busca da pátria desejada. O
êxodo abre-se em perspectiva de quem caminha em direção ao Totalmente Outro. Assim,
Forte expressa:
O importante não é a colheita; o importante, para quem crê em Deus, é a sementeira:
ela dará os seus frutos a seu tempo, quando e como Deus quiser. Portanto, é necessário
dizer não à frustração e sim à paixão pela verdade que nos leva a levantar as
verdadeiras questões do coração dos homens, para que procurem o rosto escondido, o
rosto do pai-mãe no amor.
81
1.3.3 Diálogo no encontro das religiões
A paixão pela verdade anuncia o rosto de Deus e aponta para as questões mais
profundas do coração humano. Chama-o para a religiosidade e valoriza a capacidade de
transcender. É na perspectiva do êxodo que o diálogo torna-se reciprocidade e comunicação
de dons ao ser enriquecido pelo outro. Desse modo, a ética contribui para a unidade das
religiões e abre para outras experiências religiosas. O confronto das religiões tem seu início
no século XIX, assinalado pelos grandes desafios do Oriente, quando encontra sua expressão
na vasta pluralidade de manifestações religiosas, nas quais se distinguem diferentes credos,
ritos, mitos e deuses. Apesar da diversidade de suas revelações, as religiões apresentam traços
comuns, o que favorece “o diálogo com as demais religiões universais que poderá ser de
grande utilidade para discernir a essência do cristianismo.”
82
O empenho por um testemunho comum e dialógico emerge da urgente visão da
globalização em reunir as diferentes religiões em torno da mesma unidade. A experiência de
fé, realizada no âmbito das tradições religiosas, constitui-se no campo da ética uma nova
perspectiva de vida. A humanidade defronta-se, no cotidiano, com diferentes conflitos
doutrinários e dogmáticos sobre os quais a tradição seria a guardiã da verdade. A
religiosidade nessa abordagem suscita uma nova compreensão do universo e busca na
história, outras formas de interpretar o divino, defrontando-se com a diversidade de
81
FORTE, Bruno. Deus Pai no Amor quer todos salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p. 724.
82
Idem. A Essência do Cristianismo, p. 29.
44
manifestações do fenômeno religioso. A humanidade procura resposta aos profundos enigmas
e mistérios da condição humana, como recorda o Concílio Vaticano II:
Por meio de religiões diversas procuram os homens uma resposta aos profundos
enigmas para a condição humana, que tanto ontem como hoje afligem intimamente os
espíritos dos homens, quais sejam: que é o homem, qual o sentido e fim de nossa vida,
que é bem e que é pecado, qual a origem dos sofrimentos e qual sua finalidade? Qual
o caminho para obter a verdadeira felicidade, que é a morte o julgamento e a
retribuição após a morte? E, finalmente, que é aquele supremo e inefável mistério que
envolve nossa existência, donde nos originamos e para o qual caminhamos.
83
No campo das tradições religiosas, a humanidade convive com os diferentes conflitos
éticos e os profundos enigmas que afligem a humanidade no mistério que envolve a vida.
Então, pergunta-se: o que leva o ser humano a buscar Deus? Como a religião dá sentido à
vida? Quais os caminhos para o diálogo entre as religiões? Esses e outros questionamentos
desafiam a teologia a atualizar suas respostas e reconstruir diálogos possíveis. Aprecia-se
aqui, o diálogo como uma forma de compreensão mútua e tolerância de modo que se
evidencia “a questão da comunhão universal com as outras situações históricas do
cristianismo na unidade da fé e da missão, inclusive em relação ao desafio crescente da
globalização cultural.”
84
No que se refere à crescente globalização cultural é preciso considerar o conhecimento
das doutrinas e práticas das outras tradições religiosas, em permanentes processos dialógicos,
que permite irradiar unidade. No encontro das religiões o diálogo é um dos caminhos
possíveis para traçar um novo mapa do universo da fé, o que permite ao ser humano sair do
seu mundo individualista para confrontar-se com a pluralidade religiosa. O paradigma
teológico pluralista não só enriquece os estudos e as investigações das religiões, mas
constitui também um desafio para uma compreensão mais adequada da história e do
significado contemporâneo das religiões. Aprofundando o estudo específico de cada cultura
religiosa, pode-se crescer na compreensão das crenças individuais e romper as barreiras dos
preconceitos entre as religiões, em seus valores éticos e espirituais. O que não impede que
cada religião tenha um estatuto essencialmente igual, mas com identidade específica.
85
83
Declaração Nostra Aetate, n. 1580.
84
FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo?, p. 31.
85
As diferentes tradições religiosas têm sua especificidade, no que se refere ao pluralismo religioso. “O
pluralismo aceita e reconhece a desigualdade real das religiões concretas com seus diferentes desenvolvimentos,
sensibilidades e capacidades, com itinerários e evoluções mais ou menos avançadas ou atrasadas em cada caso.
O pluralismo não se encerra nesta evidente desigualdade, é realista. Nem todas as religiões são iguais, nem
sequer para o pluralismo [...] O pluralismo reconhece e aceita as diferenças reais e valoriza as identidades
específicas, muitas vezes incomparáveis, intraduzíveis, irredutíveis.” (Cf. VIGIL, José Maria. Teologia do
pluralismo religioso. São Paulo: Paulus, 2006, p. 89).
45
O pluralismo reconhece as diferenças reais e valoriza o específico das religiões. No
entanto, será difícil fazer uma teologia das religiões sem uma prévia aproximação
fenomenológica que ajude a compreender os acontecimentos religiosos e localizá-los no cerne
da experiência humana. O importante é fazer a reflexão do espaço teológico como lugar de
experiência do sagrado, nas manifestações dos fenômenos religiosos.
86
Para Forte, em nível existencial, a questão da pluralidade dialógica, inclui o processo
de conversão, o que implica no reconhecimento do rosto de Deus, podendo arriscar sua
autocompreensão atual diante do desafio que acompanha a alteridade. Não há como conhecer
outra tradição religiosa, senão mediante o diálogo inter-religioso que requer abertura
espiritual e uma espécie de conversão ao universo do outro. “No âmago do Evangelho de
Jesus está o amor, reconhecido não apenas como revelação do rosto de Deus, mas também
como dever prioritário nas relações com o próximo.”
87
É importante considerar a singularidade de Jesus e seu amor pela humanidade no
contexto histórico. Forte valoriza princípios de autêntica relação dialógica, o que permite a
proclamação da verdade salvífica em benefício da humanidade. Ele também enaltece atitude
de respeito às religiões, e amplia o plano divino, além dos limites visíveis.
Atitude de respeito e de atenção para com as diferentes religiões não justifica
nenhuma indébita confusão entre a plenitude da revelação divina que se realizou em
Cristo e as eventuais luzes presentes nas outras tradições religiosas e nos seus textos
sagrados em virtude do único plano salvífico universal do Pai, da única e irrepetível
mediação do Cristo e da ação do Espírito operando inclusive além dos limites visíveis
da comunidade de salvação, a igreja.
88
As diferentes tradições religiosas colocam-se em diálogo e participam do plano
amoroso de Deus. Entende-se que “o diálogo com os não-crentes que estão à procura pode
estimular nos discípulos de Cristo a vigilância da fé e torná-los mais humildes e ativos na
busca diante d’Aquele a quem se entregam no amor e na fé.”
89
Da parte dos cristãos, faz-se
86
Croatto contribui na reflexão do espaço teológico como lugar de experiência do sagrado e manifestações dos
diferentes fenômenos religiosos. “Convém distinguir entre a simples teologia e a teologia da (s) religião (ões):
esta é uma área da teologia que se ocupa em fazer uma reflexão, a partir da fé cristã, de outras religiões,
examinando-as como qualitativamente diferentes (perspectiva antiga) ou como parte de uma só revelação global.
Será difícil fazer uma teologia das religiões sem uma prévia aproximação fenomenológica que ajude a
‘compreender’ os acontecimentos religiosos e localizá-los no núcleo da experiência humana” (Cf. CROATTO,
José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo:
Paulinas, 2001, p. 23).
87
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 35.
88
Idem. La Parola della Fede, p. 42.
89
Idem. Para onde vai o Cristianismo?, p. 117.
46
necessário pôr-se à escuta e em diálogo discernir os caminhos do Espírito, de modo que todos
possam sair de si para alcançar o transcendente. O diálogo visto como experiência humana
supõe reciprocidade e um voltar-se para o outro no acolhimento de diferentes alteridades.
90
A
questão dialógica pressupõe alteridade, o que enriquece as relações de convivência no mútuo
relacionamento. Essa abertura para o diálogo também compreende o ser humano e a
alteridade solidária.
90
O diálogo no encontro das religiões pressupõe reciprocidade e alteridade. “O diálogo supõe e impõe um
esforço e o desejo de completa reciprocidade. A reciprocidade existencial pressupõe a semelhança e a diferença,
dado que só o que é em parte igual e em parte diferente pode enriquecer-se com a mútua relacionação. Assim, a
propriedade e a alteridade são dois momentos ou dois pressupostos desta condição relacional do homem.” (Cf.
DUARTE, Joaquim Cardozo. Diálogo. In: CHORÃO, João Bigotte. Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de
Filosofia. v.1. São Paulo: Verbo, 1989, p. 1404-1405).
47
2 O SER HUMANO E A ALTERIDADE SOLIDÁRIA
É importante compreender que desde sempre o ser humano busca encontrar o rosto do
Totalmente Outro. Para tanto é preciso acolher nas experiências da vida o outro que,
peregrinando na história, busca relações mais humanizadoras. A pergunta que se impõe
desafia-nos à reflexão: como Bruno Forte desenvolve uma teologia cristã atenta à questão da
ética e da alteridade para um ser humano solidário? Como podemos contribuir para um ser
humano mais solidário? Com nova intensidade e riqueza de sentido, desenvolvem-se relações
éticas e responsáveis pelo destino da humanidade, enquanto entendimento da alteridade na
perspectiva de encontro com o Totalmente Outro. Em continuidade com o pensamento de
Levinas, Forte encaminha as questões ética como alternativa de encontro com o outro.
[...] a ética é a explosão da unidade original e absoluta do eu, a abertura para além da
experiência, o lugar do testemunho e não da caracterização, do infinito a partir da
responsabilidade para com os outros do sujeito que suporta tudo, sofre por todos e é
responsável por tudo. [...] É seguindo este caminho que Deus nos vem à mente, pelos
vestígios deixados por ele e que se nos apresentam na figura do outro.
91
O traço mais surpreendente é a percepção do Outro, alinhado à condição humana
podendo assim, levar o outro a um lugar imprescindível para o encontro com Deus. Tal
testemunho torna possível o encontro do êxodo de si com a experiência fundante do
Totalmente Outro, no desafio de viver a beleza do Evangelho. A este conhecimento do outro,
em relação a sua própria alteridade, faz-se necessário encaminhar a ideia do advento. Pode-se,
assim, situar o outro na história buscando um novo protagonismo em via de comunhão
solidária, especialmente com os mais empobrecidos. O teólogo italiano impregnado desta
convicção propõe uma igreja comunitária voltada para a dimensão do outro.
Querer-se Igreja, [...] é tornar-se a Igreja comunidade habitável, acolhedora, atraente,
onde nos sintamos todos acolhidos, respeitados, pessoalmente reconciliados na
caridade. O mundo saído do naufrágio dos totalitarismos ideológicos tem necessidade
como nunca dessa caridade concreta, discreta e solidária, que sabe fazer-se companhia
na vida e sabe construir a via em comunhão.
92
91
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 177-178.
92
Idem. Para Onde vai o Cristianismo?, p. 139.
48
Para que tais ideias, de convivência e solidariedade, se tornem realidade no mundo,
alguns paradigmas, de uma nova ordem planetária, precisam ser adotados. Entre eles está à
objetivação de uma alteridade solidária, que estimule novas formas de convivência sem violar
os princípios de parceria entre o uno e o múltiplo. Pode-se então, constatar a dor dos sofridos
e a esperança de um caminhar solidário na concretude do êxodo que acolhe o advento.
Registra-se, aqui, a presença de um Deus que não acumula, mas doa e, principalmente,
expande-se em relações profundas e complexas, onde não há dominação, mas o exercício da
caridade fraterna. Isso “significa reconhecer o Outro, confessar que a razão moderna não é
tudo, abrir-se para uma consciência de êxodo e de advento.”
93
Ao conjunto de relações faz-se necessário o exercício do pensamento que acolhe o
êxodo, que se põe a caminho na escuta do Outro, para o encontro possível da alteridade.
Nesse exercício, o “protagonista da modernidade é o eu, o mundo da identidade tanto em seu
aspecto subjetivo, como em seu aspecto absoluto, a questão da emergente e inquieta pós-
modernidade é o Outro,”
94
resta-nos indagar sobre o modo como o outro se apresenta.
Afinal, como acolher a alteridade que se manifesta em condição de dignidade? Onde habita o
outro? Qual a intersubjetividade necessária para uma alteridade solidária? O acolhimento do
outro pressupõe alteridade e originalidade.
O outro deve ser acolhido na pureza de sua alteridade, no advento de seu dom na
originalidade de seu oferecer-se. Se o outro constitui o objeto de nossa capacidade de
pensamento, fruto da força de conceito; se o outro, pelo contrário, nos chega ao
intelecto, alcançando-nos na interrupção da continuidade esplêndida de nosso pensar;
se o outro se oferece no mundo da revelação e, portanto, esta é concebida como lugar
de seu advento, de seu surpreendente exibir-se calando-se: essas são as verdadeiras
questões com que temos de nos ajustar, para além da parábola da modernidade.
95
2.1 O lugar da alteridade no cenário humano
Pensar o universo da alteridade cumpre instalar paulatinamente um horizonte mediador
que situa o pensamento da aliança entre o encontro do êxodo, que testemunha o tempo de
Deus à condição humana, na inquietante busca pela pátria, enquanto o advento divino se
aproxima da longínqua Transcendência. É nessa relação com o outro, e entre os múltiplos
93
FORTE, Bruno. Nos Caminhos do Uno, p. 191.
94
Idem. À escuta do Outro, p. 7.
95
Ibidem, p. 8.
49
desafios, que o ser humano dispõe de tempo para formalizar aproximações de diferentes
alteridades. Com a revolução do imaginário desdobram-se contornos da teologia na convicção
de que o mundo pode ser mudado pela transformação das pessoas.
O despertar da alteridade coloca-se no lugar do outro, na relação interpessoal, favorece o
diálogo e experiencia possibilidades e limites. A alteridade conecta-se aos fenômenos
holísticos da interdependência e da complementaridade no modo de ser e agir. Por essa razão,
o sujeito, radicado no passado, toma posição diante dele e se projeta na liberdade para o
futuro. A pessoa alteritária torna-se mais fraterna e solidária, supera modos de ser do
individualismo paradoxal, presente na dor do sentido perdido que, por vezes, impede a
experiência pascal. Forte apresenta uma teologia reconciliadora e solidária.
A cruz remete deste modo à Páscoa: a hora do hiato remete àquela da reconciliação, o
império da morte ao triunfo da vida! A alteridade do Filho do Pai na Sexta-Feira
Santa, que se consuma na dolorosa entrega do Espírito, o êxodo de si mesmo sem
retorno até o abandono supremo da Cruz, [...] na solidariedade com todos os que
foram, são e serão prisioneiros do pecado e da morte, são orientados, na unidade do
mistério pascal.
96
A humanidade experiencia o sofrimento imposto pelo sistema opressor e pela cultura
niilista perdendo de vista o Totalmente Outro. Ao longo da história impõem-se as perguntas:
como apontar o Transcendente aos homens e às mulheres de nosso tempo? Como falar de
alteridade para uma sociedade individualista? É possível solidarizar-se com o outro? Pode-se
perceber que as linhas de tempo se fragmentam e se confundem com a sociedade individualista,
porém, faz-se necessário resgatar o sentido da vida e colocar-se no desafio do profeta que não
perde a esperança. O teólogo italiano lembra que “entre o presente da fé e o futuro do Reino está
a vigilante expectativa da esperança, [...] abrindo-os para o futuro prometido com o Ressuscitado;
entre a fé e o Reino prometido e esperado está a continuidade da caridade.
97
As consequências da história exigem justiça e impelem ricos e fortes a despojarem-se
dos bens em favor dos outros. É preciso redescobrir meios de agregar pessoas para conviver
na esperança e proclamar que a justiça é possível. Nesse sentido, a história exige que a
reflexão crítica se situe em relação ao passado, na eloquência do presente, para orientar o
futuro. A Igreja continua seu peregrinar ao conjugar esforços para que aconteça uma tomada
de consciência das reais situações em que se encontra a humanidade. Para isso, “é preciso
96
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p.67.
97
Idem. Teologia da História, p. 19.
50
promover a tomada de consciência dos oprimidos para que, de objetos de alienação, se tornem
sujeitos da própria história.”
98
No fascínio das rápidas conquistas, a história identifica-se com a aridez do
pensamento liberal e prisioneiro de si mesmo. O tempo dos modelos inéditos parece decretar
a falência da ideologia dominante e assim o naufrágio da condição humana. Sem dúvida, as
mediações históricas da teologia retratam a realidade em que a humanidade vai se afastando
da mística transcendental. Aos poucos, podem sucumbir no êxodo da existência e nada mais
lhe resta do que permanecer no exílio. “[...] o verdadeiro exílio não começa quando se deixa a
pátria, mas quando não há mais no coração a nostalgia, o desejo pela pátria, o exílio é de
quem esqueceu o destino, a meta maior, o céu e o desejo de esperança.”
99
Os exilados viviam
o perigo do desânimo e da desconfiança nas promessas de Deus. A fidelidade era condição
necessária à identidade da fé.
100
2.1.1 Escuta e presença do outro
A teologia valoriza a escuta do Outro como itinerário para alcançar a vida e perscrutar
os caminhos da ‘economia da salvação’. A escuta da Palavra fundamenta os critérios para o
discernimento das escolhas éticas em atitudes decisivas do cristão. O ato de escutar Deus, em
Jesus Cristo, preside a caminhada da fé durante todo o peregrinar humano. O desabrochar
reflexivo da escuta da Palavra é que a torna capaz de um conhecimento místico, que brota do
próprio dinamismo da fé. A revelação de Deus, originária da escuta, entende que “acolher a
palavra de Cristo significa então escutar o silêncio da Origem da qual provém: o Verbo do
Pai.”
101
O que constitui a esperança profética é a condição da escuta, capaz de responder aos
desafios que surpreendem a vida na Igreja e no mundo. A reflexão crítica da fé, em Forte,
compreende que “a escuta da Palavra e do discernimento da complexidade vem constituir a
98
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 20.
99
Idem. Confessio Theologi ai Filosofi, p.17.
100
Forte aborda a condição do exílio como quem perdeu a saudade da Pátria. “O exílio é talvez ainda mais a
situação de tensão que veio depois da volta à pátria – fez que Israel tomasse consciência da verdadeira face de
Deus; obrigou-o a recuperar a verdadeira ideia de Deus e, por conseguinte, a verdadeira ideia de povo eleito e de
esperança messiânica. [...] A verdadeira esperança se apóia em Deus e não nas ilusões. [...] Iahweh estabelecerá
uma aliança nova. Nela ele empenhará todo o seu amor e todo o seu poder criador. Para arrancar o homem da
infidelidade e do pecado, o Espírito de Deus repetirá aquele gesto transformador, gratuito e salvífico, que se
manifestou na criação e no êxodo.” (Cf. MAGGIONI, B. Experiência espiritual na Bíblia. In: FIORES, Stefano
de; GOFFI, Tullo. Dicionário de Espiritualidade, 1989, p. 402- 403).
101
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 34.
51
profecia teológica para o hoje da Igreja e do mundo.”
102
O fio condutor da escuta consiste na
abertura para comunicar-se com Deus e colocar-se também na condição de ouvinte da Palavra
que faz aliança e alcança as últimas fronteiras do ser humano, na capacidade de transcender os
limites do tempo.
O radical comprometimento com a escuta do Outro requer uma visão histórica do
pensar pós-moderno e a compreensão da ética humana, considerando os valores axiológicos
inerentes à pessoa do outro. Nesse sentido, a dinâmica da alteridade reverencia a presença do
Transcendente na história. Preocupa-se com relações solidárias, acolhe o outro e cultiva o
respeito pela dignidade humana.
Escutar o outro é a condição de alteridade no amor, que olha a pessoa na sua
totalidade, em busca do equilíbrio e da sensibilidade no entendimento da verdade que liberta
da opressão. Para a teologia, o “amor significa uma unidade que não absorve o outro, mas
aceita-o exatamente na sua alteridade, confirma-o assim como é, e justamente desse modo o
constitui na sua verdadeira liberdade.”
103
É, então, pela Ressurreição que se firma o
testemunho de quem viu o Crucificado e agora caminha na luz do Ressurreto. Escutar o Outro
pressupõe saber escutar a si mesmo, escutar o universo e descobrir a importância do silêncio
para perceber a fragilidade que existe nas relações de convivência. Nesse espaço da fé, a
pessoa deixar-se plasmar por Deus ao escutá-Lo no silêncio do coração. Forte desvela a ideia
de proximidade entre humano e divino, ao sublinhar o envolvimento do transcendente com a
criatura humana que a deseja libertar de toda opressão e lhe oferece sinais de salvação na
história:
Na medida em que cada ser humano é criado para transcender a si mesmo em direção
ao Mistério último, é também chamado à escuta do Outro transcendente e soberano,
que vem a ele nos sinais da criação e na história da salvação. [...] Mas isso implica
também a urgência de abrir-se ao valor de toda alteridade que nos congrega e nos
visita como seres singulares e como comunidade, compreendendo-a não como
concorrência ou ameaça, mas como promessa e como dom.
104
O abrir-se para a alteridade remete para o encontro com o Outro que se revela, e
encaminha para a experiência da promessa e do dom. A escuta do Outro tem uma dimensão
transcendente e uma dimensão histórica que acentua a totalidade mais profunda: o Reino de
Deus. Assim, a esperança que se estabelece com o Outro inclui o núcleo da fé que alimenta a
102
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 57.
103
Idem. A Trindade como História, p.107.
104
Idem. A Essência do Cristianismo, p.146.
52
vida e reafirma a aliança de fidelidade com o povo que espera a salvação. Nesse transcurso
da fé, o segredo da reverência pelo Outro provoca atitudes proféticas de anúncio,
reconciliação e comunhão, ao estabelecer uma correlação entre o Reino e os peregrinos da
história.
O termo ‘escutar’ constitui redes, em busca da criação de sentidos e indagações sobre
o novo modo de envolver as ciências humanas baseados no paradigma ético-estético e
religioso. Isso confronta e interroga a respeito da diversidade de perguntas que assolam a
vida humana na pós-modernidade. Na contribuição histórica e hermenêutica, Cristo é o
horizonte de sentido capaz de instaurar uma consciência cristã em busca de luzes para
reconhecer a manifestação do amor de Deus. Ao contemplar a alteridade, olha-se a pessoa na
sua fragilidade e oferece-lhe a força iluminadora da escuta como acesso para o encontro com
a própria vida, permitindo um pensar em duas vias, no que Forte afirma:
Não se trata de uma escolha intimista, puramente subjetiva que se dá exclusivamente
entre a alma e Deus, mas de uma tomada de posição consciente e livre diante de um
dado externo ao sujeito. [...] Neste sentido a teologia é duplamente pensamento do
outro: do Outro transcendente que se revela e convoca, e de outro próximo, imediato
ou remoto, ao qual a revelação da alteridade divina destina o coração de quem crê.
105
Essas categorias do humano e divino estão intimamente ligadas, e uma alteridade não
convive sem a outra. Para fazer a experiência do Outro que reconhecemos como Deus, é
intimamente necessário caminhar lado a lado com o outro. Essa experiência da teologia,
como pensamento do outro, contribui para uma convivência harmoniosa, o que permite
experimentar a fecundidade do silêncio, aceitar a alteridade e formar comunhão.
O ponto de partida da fecundidade e do silêncio tem sua expressão no Totalmente
Outro, que busca vencer a obscuridade da vida, conferindo dignidade à sua obra, face à
fragilidade do viver e do morrer. Mostra-se, ainda, a condição histórica dos peregrinos, que,
em condição de exilados, buscam a terra prometida. Nessa visão, o teólogo italiano define o
movimento de autotranscendência que se manifesta na capacidade de escutar o outro em
direção ao novo advento. Assim, a recepção da Palavra coincide com o dinamismo do
aprofundamento da fé e repousa sobre o coração humano. Neste sentido, a fé sendo a resposta
do homem é, também, um dom de Deus, porque nasce e cresce ao ritmo do Espírito. Ouvir o
Outro, em seu interior, permite sintonizar-se com Ele.
105
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 35.
53
2.1.2 Êxodo e advento: lugar de encontro
Êxodo e advento como lugar de encontro suscitam uma realidade, em que a novidade e
a diferença só se incorporam à vida pela dimensão da dor e do amor. Nessa direção, o êxodo
humano é o peregrinar sedento que retorna ao manancial do advento, sem o qual não
encontraria a fonte que sacia e dá sentido ao existir. O teólogo, ao refletir essa questão, propõe
o caminho do êxodo, para que o ser humano, em sua alteridade, busque o ponto de partida
pertinente ao Totalmente Outro. O olhar de um pelo outro reconhece no sujeito histórico o
cuidado pela vida e os sinais do Outro na transcendência.
106
O indivíduo humano rende glória ao Infinito por quem foi feito, do qual, antes, foi
originalmente estruturado em ser um-pelo-outro. [...] reconhecido no rosto dos outros
- na mais profunda estrutura do sujeito histórico, que é protagonista enquanto refém,
livre enquanto chamado, responsável enquanto inspirado pelo outro nas profundezas
de si e de sua participação no destino do Dizer original: no sentido, ao mesmo tempo,
mais original e mais escatológico, ‘um-pelo-Outro’.
107
Desta forma, um ponto de partida pertinente parece ser o domínio necessário à
significação do êxodo, que encontra o Outro e se deixa tocar por Ele, numa reaproximação do
advento que vem no reconhecimento, do ser humano, em sua total fragilidade. Constata-se
aqui uma teologia do encontro de alteridades que se desafiam e se ajudam mutuamente. Forte
não propõe um mundo inatingível, mas uma relação de encontro, permitindo que diferentes
identidades possam ser compreendidas nos termos da aliança na revelação do amor.
O mundo fechado do indivíduo, nem o mundo inatingível do Outro, mas a sua relação,
em razão da qual o indivíduo é inquietado e lançado para fora de si sem retorno, e o
Outro mostra-se a ele em seu possível, impossível advento, no ato de seu afirmar-se
calando e desvelando-se. [...] na qual a dialética entre a identidade e a Transcendência
é compreendida nos termos da aliança entre êxodo humano e advento divino, sempre
desigual em favor da absoluta supremacia de Deus, que é, além de toda ideia e
medida, o outro que livremente vem a nós.
108
106
Em relação ao outro, assim Levinás se pronuncia: “Não pode haver nenhum conhecimento de Deus que
prescinda da relação com os homens. O outro é justamente o lugar da verdadeira metafísica indispensável a
minha relação com Deus. [...] O outro não é a encarnação de Deus, mas precisamente por seu rosto no qual está
desencarnada, a manifestação da majestade em que Deus se revela.” (Cf. LEVINÁS, Emmanuel. Totalidade e
Infinito. Lisboa: Edições 70, 1980, p. 65).
107
FORTE, Bruno. Um pelo Outro, p. 158.
108
Ibidem, p. 148.
54
Desenvolvendo a dimensão do encontro entre identidade e Transcendência pode-se
concluir que há uma linguagem contida na revelação do silêncio e da escuta que pode traduzir
o lugar do encontro com o Outro. Forte espelha-se em Barth, o qual restaura a compreensão
do ‘lugar’ como possibilidade do humano ser alcançado pelo divino. Nessa concepção o
mundo conhecido, carente de salvação, é o mundo da pessoa, do tempo, das coisas e o
desconhecido é o mundo do Pai, da criação e da redenção. O ponto de interseção e “o lugar de
impacto entre o mundo conhecido por nós e aquele desconhecido é o Jesus histórico.”
109
Pode-se verificar então, que o Totalmente Outro não se esgota, mas é reverenciado pelas
alteridades que caminham em busca do infinito, em direção à Pátria.
Frente à complexidade vazia da pós-modernidade, a fé cristã encontra em Jesus Cristo
um logradouro indicativo da condição experienciada pelo êxodo humano. O pensamento
multidimensional da plena realização do advento da Palavra e do Silêncio se revela no
encontro entre alteridades. Sem dúvida, desenvolve-se aqui a consciência preliminar do
sentido do êxodo para o ser humano. Transcorrendo, assim, uma abertura transcendental para
encontrar na Palavra revelada a mística da solidariedade, o que pressupõe uma pedagogia
ativa e transformadora. Nessa visão, o êxodo da condição humana caminha na esperança do
profeta que confia e ousa o encontro com o Totalmente Outro. Forte propõe uma teologia de
horizonte humano capaz de subverter o movimento da morte em atitudes de vida:
As questões decisivas e permanentes, como as atuais e contingentes do viver humano,
são assumidas pela teologia com seriedade radical, no horizonte que em tudo as
ilumina e inquieta: o horizonte de Deus. [...] Enfim, pensamento da aliança entre
êxodo e advento, a teologia tende a provocar sempre mais na igreja, lugar da aliança, a
acolhida consciente e purificante do advento na vivência, com frequência custosa e
exigente, da solidariedade com o êxodo humano.
110
A temática chave da teologia considera o lugar da aliança, que se firma entre o êxodo
humano e o advento divino no que o tríplice êxodo de Jesus se estrutura na busca incessante
pela Pátria. Os cristãos são admoestados a viver seu próprio êxodo na condição de ‘discípulos
do único’, ‘servos do amor’ e ‘testemunhas de sentido’ num pensamento trinitário de
autocomunicação na qual a alteridade confessa o êxodo como sinal do encontro fundante com
o Outro. A teologia busca orientar o ser humano, em seu peregrinar rumo à Pátria definitiva
considerando Cristo como horizonte último. Frente ao vazio da pós-modernidade, do
abandono de sentido, das crises existenciais e da morte, a fé cristã busca não só respostas para
109
FORTE Bruno. À Escuta do Outro, p. 38.
110
Idem. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 147.
55
o sentido da vida, mas o tríplice êxodo em Jesus Cristo. Forte abre ao diálogo e assinala a
vida do Verbo feito carne:
[...] o êxodo do Pai (“existus a Deo); o êxodo de si mesmo (“exitus a se”); e o êxodo
para o Pai (“reditus ad Deum”). É esse tríplice êxodo que vem quebrar o círculo
fechado da razão ideológica ou do pessimismo niilista e, de modo geral, a prisão de
um mundo sem Deus: e é à luz desse êxodo que se pode compreender em toda a sua
profundidade a revelação que Jesus faz do Pai e do Espírito Consolador e, portanto, a
boa-nova do Deus Trindade, história eterna do amor que se oferece também às outras
religiões como a plena autocomunicação da vida divina.
111
O êxodo humano, presente na história, encontra o advento de Deus que se revela. Na
expressão ‘discípulos do Único’ Forte manifesta o percurso do êxodo em direção à Pátria. O
cristão é chamado a solidarizar-se com a dor do outro, escutar suas crises e angústias, para
que no tempo, possa testemunhar o Cristo, fazendo-se discípulos. O segundo propósito do
tríplice êxodo ressurge da caridade e os cristãos são chamados a serem ‘servos do amor’.
Revela-se, na entrega total de Jesus, no êxodo de si, por amor à humanidade. Torna-se
marcante no período pós-moderno, do niilismo e da decadente condição em que vive a
humanidade. Na caminhada do discipulado todos assumem o seguimento de Jesus e as dores
do povo sofrido, “vivendo o êxodo de si mesmos, sem retorno seguindo o exemplo d’Ele,
solidários especialmente com os mais fracos e os mais pobres dos seus companheiros de
caminhada, dos quais Ele se fez próximo.”
112
A expressão ‘testemunhas de sentido’
caracteriza-se pela esperança e adverte para que o cristão se torne testemunha da vida e da
história, a exemplo da verdade revelada em Cristo em sua entrega total ao Pai.
2.1.3 Testemunhas de sentido: a linguagem da esperança
O tríplice êxodo de Jesus exprime a categoria de ‘êxodo’ que se manifesta no
caminhar humano em direção ao horizonte último, no qual o ser humano encontra o sentido e
fundamento do próprio existir. No âmago da fé cristã, faz-se necessário situar-se no tempo
histórico, onde a cultura racionalista e a eficácia da técnica voltam-se para as crises das
certezas ideológicas. As pretensões emancipatórias e o caráter individualista surgem a partir
da prepotência do niilismo pós-moderno impedindo o fluxo da esperança. Ser presença de
111
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 47.
112
Ibidem, p. 112.
56
esperança neste mundo de mutações aceleradas, tanto no plano pessoal como eclesial, exige
atitude que testemunhe o sentido maior, no seguimento do tríplice êxodo de Jesus Cristo.
O mundo ressurgido do naufrágio dos totalitarismos ideológicos deseja encontrar
caminhos, para estar no mundo e viver intensamente como ‘testemunhas de sentido’. Trata de
perceber-se, como discípulo de Cristo, no êxodo de si, até a entrega total à morte de cruz. O
teólogo Forte, encoraja o ser humano, a tornar-se testemunha de sentido, fiel à verdade,
proclamada pela fé no êxodo para o Pai.
Frente à trágica ausência da paixão pela verdade, é-nos pedido sermos testemunhas de
sentido maior da vida e da história, na fé que realizou o seu êxodo para o Pai e nos
abriu as portas do Reino, como profecia viva de Deus conosco. Isso exige amar a
verdade e estar prontos a pagar o preço por ela no cansaço quotidiano que nos
relaciona com aquilo que é penúltimo: Só assim se poderá ser suas testemunhas para
os outros. É necessário reencontrar a força da paixão pela verdade, na qual se funda da
maneira mais autêntica, a dimensão da vida eclesial.
113
Diante da condição histórica é preciso assumir o preço da fidelidade no cotidiano e
revelar adesão amorosa pela Pátria vislumbrada na ressurreição de Cristo. Disponibilidade
interior, abertura de coração e experiência solidária serão motivos imprescindíveis, para que
os cristãos se tornem testemunhas proféticas da esperança para o mundo. Ser testemunha da
esperança exige consciência fiel e responsável pela causa de Deus, quando se manifesta
gratuidade pela vida. Para Forte “a fé e a caridade - vividas respectivamente em união com o
êxodo de Jesus do Pai e com o êxodo de Jesus de si mesmo - se unem deste modo à
esperança, no discípulo do êxodo de Jesus para o Pai, ao qual está unido na força do
Espírito.”
114
A linguagem da esperança, vivenciada pelo cristão, não é simples atitude de
espera em que se projetam os desejos do coração. Ela é dom do alto, vista como esperança
futura, porém antecipada no aqui e agora da experiência histórica.
A verdadeira dimensão do ser testemunha tem o pretexto de considerar que a
esperança da ressurreição é também ressurreição de esperança. Ser testemunha evidencia vida
em todas as suas proposições, liberta das malhas que aprisionam, causam julgamentos e morte
dos ídolos pretensiosos do coração humano. A meta revelada no êxodo de Jesus para o Pai
exige dos cristãos, peregrinos ou estrangeiros, adesão ao Evangelho e à causa da justiça.
Então, a linguagem da esperança estimula posicionamentos comprometidos com os princípios
da sensibilidade solidária, o que desafia para o cuidado das emergências ecológicas, como
113
FORTE, Bruno. Anunciar hoje Jesus Cristo, único Salvador. Teocomunicação, p. 764
114
Idem. A Essência do Cristianismo, p. 116.
57
também salvaguardar a integridade criadora do mundo do qual fazemos parte. Portanto, “a
vida nova, que nasce do encontro com o Deus da esperança, ganha visibilidade, sobretudo na
opção pela pobreza evangélica. [...] condição dos pobres do Senhor que colocam totalmente
em Deus a sua confiança.”
115
A expressão ‘testemunhas de sentido’ delineia princípios do êxodo humano, que
graças ao dom da Revelação cumpre a linguagem da esperança e acolhe o advento do Eterno
como uma afirmação do próprio êxodo humano. Não obstante, o ser humano abre-se para uma
aliança que acolhe o Eterno, podendo, na dimensão do tempo, encontrar Deus. Compreende-
se, então, que o advento do Eterno é também afirmação do êxodo, capaz de formar unidade
com todos os seres. Na dimensão do tempo o homem encontra Deus e se torna consciente de
que cada momento da vida é precioso e torna-se um ato de criação, um início que abre novos
caminhos. Na verdade, o Deus Eterno confirma ser o êxodo a expressão da sua própria
temporalidade podendo compreender-se como acolhimento do sempre novo, que se faz
presença no dom de existir. Originalmente Deus acolhe o ser humano e faz uma aliança de
amor. Forte propõe uma abertura mais radical da autotranscendência humana em direção ao
Mistério absoluto.
Se o Deus bíblico se dirige ao homem e o chama à aliança consigo, é porque
evidentemente o tornou originalmente capaz desse pacto, livremente destinando-o
desde toda eternidade à comunhão consigo. A verdadeira consistência da criatura está
então na sua “existência” na sua capacidade, isto é, de “estar fora” (ex-sistere), e “ir
para”, de abrir-se ao Outro e de hospedá-lo em si.
116
2.2 Transcendência: encontro e ética
Abrir-se ao Outro significa transitar pela ética da centralidade histórica e hospedar em
si a própria Transcendência.
117
A cristologia antropológica encaminha em Cristo a suprema
autocomunicação de Deus às pessoas. A essa visão teológica, o ser humano torna-se
fundamentalmente autotranscendência permanente, podendo superar-se e avançar em direção
ao Absoluto. É no encontro entre a pergunta humana e a resposta divina que acontece a
115
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 117.
116
Idem. L’ Eternità nel Tempo, p. 31.
117
Transcendência para Forte surge na consciência do movimento da autocomunicação que lhe é própria
enquanto manifestação divina. “O termo transcendência deriva do latim ‘transcendere’, etmológicamente
significa ação de transcender, superar.
[...] transcendente significa o suprasensível e o inexperimentável. O
âmago essencial das coisas visíveis e o que transcende a experiência. [...] transcendental é tudo aquilo que se
refere ao transcendente. (Cf. LOTZ, Johannes B. Transcendência. In: BRUGGER, Walter. Dicionário de
Filosofia. São Paulo: ed. Herder. 1969, p. 414- 417).
58
realização da salvação. Assim, “a autotranscendência não se realiza como uma
autodeterminação moral exterior: essa é a condição de possibilidade do encontro, que exige,
para efetuar-se, a decisão livre de abertura e acolhimento da transcendência.”
118
No caminhar histórico da humanidade não há uma abertura transcendental que
encontre necessariamente Cristo na resposta; nem é um logos universal onde Cristo já esteja
presente. A dialética das vivências humanas transcorre entre quedas e recomeços, pecado e
graça, sujeitos e objetos da história. Trata-se, então, de valorizar a história corpórea, concreta,
tecida de impulsos e de limitações, de vida e de morte, que corresponde à vida de todos os
seres humanos. Se verdadeiramente se quer respeitar a pessoa, deve-se respeitá-la em toda sua
humanidade concreta. Na compreensão ética a pessoa não é um esquema pronto, nem uma
autotranscendência unidirecional, e muito menos um logos derramado na história. Percebe-se
que em toda existência humana há um caminho original, criativo, simultaneamente doloroso e
alegre. Sabe-se, então, que a humanidade carrega consigo o peso da dor e entende-se que “a
cruz é o lugar em que Deus fala no silêncio, o silêncio da finitude humana, que por amor se
tornou a Sua finitude! O mistério escondido nas trevas da cruz é o mistério da dor de Deus e
do Seu amor.”
119
A aventura da própria existência carrega consigo a cruz do Ressuscitado, envolvida no
silêncio e aberta, ao encontro, disponível para acompanhar e transformar a cruz da história.
Manifesta-se, assim, o mistério absoluto da vida, o horizonte que envolve o existir humano e
o caminho silencioso em busca da Pátria tão esperada. Inquietamente atraído pelo horizonte
último, o ser humano se revela como ser aberto ao transcendente. Diante da realidade e da
existência experimenta a autotranscendência como capacidade de pôr-se em êxodo em direção
ao mistério que envolve a vida, na procura do inefável.
Ao transcorrer o pensamento da transcendência ética, Forte enfatiza o relevante
diálogo que se estabelece entre o pensar de K. Rahner e E. Levinás. A concepção de
transcendência para K. Rahner é postulada na dimensão da vida e das estruturas do sujeito que
desenvolve e afirma a consciência universal e subjetiva. Conforme Rahner, o transcendente
refere-se à pura exterioridade do objeto e a imanência, à interioridade do sujeito.
Compreende, então, que transcendental é a mediação entre sujeito e objeto, uma relação entre
subjetividade e objetividade. Assim o teólogo alemão determina a estrutura fundamental da
existência humana e entende o transcendental como estrutura do fundamento antropológico
em que “o existencial entendido como condição pela qual o homem constitutivamente se
118
FORTE, Bruno. Teologia della Storia, p.166.
119
Idem. Na Memória do Salvador, p.74.
59
autotranscende.”
120
Ou seja, a humanidade é constantemente colocada no desafio do sair de si
e superar-se.
Nessa perspectiva, Rahner situa-se em via de superação dialética e entende que a
pessoa não é dependente do seu mundo interior, nem mesmo incomunicável com o outro, mas
também não é um caso universal regado pela objetividade. O ser humano é percebível como
ser de absoluta abertura ao transcendente, tornando-se um sujeito capaz de relacionar-se com
o Mistério Absoluto. Na busca pelo transcendente constata-se uma rede de relações das quais
fazemos parte:
Nesse movimento de transcendência do eu para o outro, descobre-se que a rede dos
outros que circundam o eu é a nascente de um conjunto complexo de exigências
éticas. [...] O movimento de transcendência em direção ao outro que me transcende e a
rede dos outros na qual fomos colocados juntos são reconhecidos em seu caráter de
exigência infinita e, portanto, a autotranscendência. [...] Essa transcendência absoluta
e essa absoluta necessidade de amor são o umbral que fortalece a ética.
121
A esse movimento transcendental do eu para o outro K. Rahner articula três ideias
chave: numa primeira instância ressalta que a transcendência do ser constitui essencialmente a
pessoa enquanto espírito. O que possibilita um maior conhecimento da consciência de si
mesmo e do abrir-se para Deus. “O existir do homem enquanto espírito é, portanto, o evento
da tematização da transcendência do ser: nessa ótica, a diferença ontológica permite ser
compreendida como ‘analogia da posse do ser’.”
122
A segunda ideia da antropologia rahneriana remete à pessoa que livremente se
encontra diante de Deus revelado e se coloca em atitude de escuta da Palavra ao abrir-se ao
silêncio de Deus. Rahner contraria a visão da autotranscendência realizada na liberdade e trata
o mistério do ser, como condição objetiva, no exercício subjetivo da liberdade pela pessoa,
como fundamento ontológico. Com isso a autotranscendência pode se realizar na liberdade no
abrir-se da pessoa à infinitude divina. Então, autotranscendência é condição de encontro que
exige livre decisão de abertura e acolhida da transcendência.
Há ainda uma terceira ideia antropológica transcendental, na qual vemos que não basta
ter apenas liberdade, mas uma decisão, um evento visível. Um lugar de encontro, que seja
determinado e concreto. Nessa concepção o ser humano, inserido na história deve estar atento
à revelação de Deus por meio da comunicação humana. Compreende-se então, que a autêntica
120
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 70.
121
Idem. Um pelo Outro, p. 188-189.
122
Idem. À Escuta do Outro, p. 71.
60
autocomunicação de Deus acontece na história efetiva, não só na essência da revelação, mas
também na comunicação e nos sinais da própria revelação. É fundamental dizer que na escuta
da Palavra e do Silêncio que comunica e transcende, a pessoa abre-se a autocomunicação com
Deus, porque a própria pessoa vem ao encontro da autotranscendência divina, num processo
histórico de autêntica liberdade. Importa aqui o encontro do humano e do divino.
Bruno Forte busca em Levinas os argumentos éticos para a fundamentação, de
categorias sobre o êxodo humano e a mística do Outro.
123
A visão transcendental desafia o
ser humano e o coloca em perspectiva de encontro, podendo considerar o retorno ao amor
como essência do êxodo de si, responsável pelo outro na espiritualidade do “sujeito que se
deixa habitar pelo Outro e este vem nele habitar.”
124
Levinas, um dos expoentes da
fenomenologia, volta-se para o terreno da ética e questiona a relação tradicional entre sujeito e
objeto propondo abertura de um para com o outro, centrando-se na alteridade entendida como
reconhecimento do Outro.
O ser humano no campo da ética e da transcendência assume atitude de encontro e
responsabilidade pelo outro e desejo de sair de si, libertando-se do próprio egoísmo. Busca
superar-se tanto em sua esfera particular como o perder-se no outro. O viés da ética é o
intinerário para que se realize o encontro com o Deus da história. Nessa via Levinas entende
que “não pode haver algum conhecimento de Deus que prescinda da relação com os homens.
O outro é exatamente o lugar da verdade da metafísica, indispensável para o relacionamento
com Deus.”
125
Considera-se a responsabilidade pelo outro, no distinto sair de si mesmo em
abertura aos fundamentos da ética.
A ética é a “filosofia primeira” não no sentido de que ela permite definições
indiscretas do inexprimível, e sim porque é o caminho ao longo do qual se abre a
origem última do significado, aquela experiência da exterioridade radical – significada
pelo semblante dos outros – na qual a verdade se mostra em sua originalidade.
126
A discussão da alteridade ética presente em Levinas, como o caráter da antropologia
transcendental de Rahner, entram em sintonia e colocam-se em diálogo e acolhimento.
123
Forte confere importância à ética, por estar no fundamento moral da estrutura humana. “Ética é o estudo
sistemático da moral. Pode ser normativa e querer sistematizar as regras, ou descritiva e querer sistematizar o
conjunto de obrigações, valores e virtudes. [...] A ética cristã, por sua vez é o estudo do que constitui a vida
moral à luz da crença de Deus, criador e redentor. [...] É enraizada na escritura e na tradição, mas recorre
evidentemente à filosofia. (Cf. BAELZ, Peter. Ética. In: LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia.
São Paulo: Loyola; Paulinas, 2004. p. 672).
124
FORTE, Bruno. Teologia della Storia, p. 172.
125
Ibidem, p. 172.
126
Idem. Um pelo Outro, p. 149.
61
Entende-se que as duas categorias constituem disposições fundamentais para o encontro,
mostrando exatamente o que acontece na relação entre êxodo e advento, sem deixar de lado o
horizonte de sentido do existir humano. A exigência ética de não absolutizar a si mesmo
realça uma relação de correspondência de um para com outro.
Através da simples presença do seu rosto, o outro fundamenta a exigência ética de não
absolutizar a si mesmo. [...] Nesse movimento de saída de si e de acolhida do outro
manifesta-se propriamente também o imperativo ético da justiça.[...] A ética da
transcendência, mediada pelo rosto dos outros, torna-se também e inseparavelmente o
fundamento de direito, a realização de uma justiça que não cabe somente aos dois,
mas enlaça as condições de seu viver juntos e de seu estar com os outros.
127
2.2.1 O éthos do futuro
A humanidade atravessa o percurso da vida na imensa aventura de encontrar o outro,
para recuperar o sentido do futuro como esperança, o que significa romper com o pensamento
idealista moderno para entrar na dinâmica do éthos.
128
Há um esforço na mediação do
dualismo que aparece, entre o ser e o nada, o humano e o divino, a razão e a fé, o bem e o
mal, no intuito de encontrar o éthos do existir humano. Ao delineá-lo é necessário
compreender o significado da palavra éthos como capacidade ética e responsável da estrutura
humana. A questão do éthos configura uma atitude de responsabilidade, cuidado com a vida e
com os seres que compõe o universo. A lógica do pensamento duplo constrói-se num
contínuo modificar-se, entendida como releitura do próprio conhecimento humano e acolhida
nas diferenças que emergem da modernidade.
Forte
129
resgata em Mancini, na obra Teologia do duplo pensar
130
, as memórias do
Ocidente que aborda a duplicidade teológica como outra gênese do encontro, que favorece a
estrutura do pensamento, no domínio exercido pela hermenêutica. Essa complexidade
127
FORTE, Bruno. Um pelo Outro, p. 172-173.
128
A expressão éthos manifesta a forma interior da moral humana em que se realiza o próprio sentido do ser.
“Cremos, contudo, que a categoria do éthos coincide com a moralidade, se esta designar o estado ou a situação
moral da pessoa. [...] o éthos é aquilo que dá unidade à vida moral. Diante duma ética que diversifica muito os
conteúdos e as instâncias morais, é necessário dar importância a um tipo de moral unificadora, que constitui a
personalidade ética. Contudo, é necessário ter em conta que a personalidade moral não se dá duma vez; vai
acontecendo pouco a pouco.” (Cf. VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes: moral fundamental. São Paulo:
Santuário, 1978. v.1, p. 487).
129
FORTE, Bruno. Um pelo Outro, p. 159.
130
Compreende-se aqui a expressão do duplo pensar: “a dura verdade dos duplos sentidos pode ser elevada à
estrutura do pensamento, como aquela que não possui mais um valor e um ato únicos, mas sempre se rompe em
valores duplos que não necessariamente revelam duplicidade, mas dualidade, falta de olhos simples,
transparentes, necessidade séria de levar em conta a simplicidade das coisas.”(Cf. MANCINI, I. Teologia Dei
doppi pensieri. In: Essere Teologi Oggi; dieci storie. Casale Monferrato: Marietti, 1986, p. 91s).
62
teológica refere o éthos na dialética da fé e da razão. Esse dualismo é narrado de um lado,
numa visão grega com todo seu arsenal de conhecimento, voltada para a perspectiva
ontológica.
131
De outro lado, a visão judaico-cristã se inspira nas questões do ser humano e
nas relações de convivência com a terra. Na junção dos diferentes jeitos de pensar, a lógica
dos pensamentos duplos constrói-se na ação hermenêutica. Podendo emergir no mundo da
identidade, ao considerar os fundamentos: na linguagem a riqueza, na oposição o limite e na
duplicidade o escândalo.
A questão do éthos do futuro inclui uma complexidade teológica, envolvendo as
pessoas numa nova maneira de ser e viver. O éthos não é um valor único, rompe-se em
valores duplos numa espécie de fidelidade ao ser humano e a própria terra. Forte coloca-se
em diálogo com Mancini, e o reconhece como um defensor da epistemologia teológica, o que
assinala toda sua luta humana e espiritual ao delinear as tendências para o éthos do futuro.
Se quiserem delinear, realmente possíveis convergências para um éthos do futuro, que
proteja a dignidade do humano e nos defenda do risco sempre iminente da barbárie, a
linha do conceito, empenhada em fazer coexistir no mundo vida jurídica e vida moral
deverá juntar-se à linha da esperança, aberta para reconhecer no rosto dos outros a
medida com a qual se deve analisar a justiça e o bem.
132
A linha do éthos, entendida como estilo vital da humanidade, situa-se numa visão
antropoética, capaz de reconhecer, em todo ser humano, o sujeito responsável pelo seu lugar
no universo ao alcance do transcendente. Compreende-se como uma forma interior da moral
que pondera as falsas realizações não autênticas das realidades humanas e, ao mesmo tempo,
configura um ideal normativo para diferentes realizações que perpassa a consciência do
próprio ‘eu’ pessoal e coletivo.
O desafio ao qual se abre o éthos do futuro enfrenta os naufrágios dos vários
totalitarismos ideológicos, as crises de incertezas, o ateísmo moderno, no qual o mundo é
privado de seu caráter sagrado e religioso. É inevitável resgatar a soberania do éthos a partir
do outro, fundado no direito e na justiça. Nesse sentido, a primeira ideia chave do éthos inclui
a palavra ‘nómos ’que significa ‘designar’. Primeiramente, exprime uma norma vigente, que
131
Entende-se aqui a ontologia como determinação do sentido do ser, o que permite questionamentos ao próprio
ser humano. Em Heidegger “a compreensão do ser é em si mesma uma determinação do ser da pré-sença. [...]
Ser ontológico, ainda não diz aqui elaborar uma ontologia. Por isso, se reservarmos o termo ontologia para
designar o questionamento teórico explícito do sentido do ser, então este ser ontológico da presença deve
significar pré-ontológico. Isso, no entanto, não significa simplesmente sendo um ente, mas sendo no modo de
compreensão do ser.” (Cf. HEIDEGGER, Martin. Ser e o Tempo: pensamento humano. Petrópolis: Vozes, 1988,
p.38).
132
FORTE, Bruno. Um pelo Outro, p. 161.
63
regula as relações fundamentadas no respeito a cada um e a tudo que indica ordem, costumes
e o próprio habitat. Voltando-se também para a objetividade da justiça. Uma segunda ideia
centraliza-se na ‘torah’, força presente na Palavra, motivada pelo emergir do Eterno no
tempo. A torah traz consigo um apelo negativo, marcado pela idolatria e uma força positiva
que liberta e humaniza no cumprimento da aliança. Em última análise refere-se a ‘iustitia’,
significando a justiça que vem de Deus. Uma justiça impregnada da solidariedade humana
que contempla os menos favorecidos da história. Forte remete ao éthos pronunciado na
história como modo de agir dos redimidos.
A verdade do amor salvífico de Deus motiva a exigência do amor operoso para com o
próximo: indicativo teológico que fundamenta o imperativo moral; como a raiz e a
fonte do novo agir dos redimidos: a verdade que salva é o éthos, ‘morada’ acolhedora
e vivificante no mistério da autocomunicação divina e ‘costume’, compreendido como
comportamento habitual e constante, que se origina desta experiência.
133
A experiência do éthos na autocomunicação divina caminha em direção ao êxodo
humano e neste vasto horizonte pergunta-se: é possível uma justiça que enlaça um viver
juntos com os outros? Pode-se repensar relações solidárias a partir do éthos? Qual a relação
do éthos com a Boa Nova do Evangelho? A estes questionamentos fica o desafio de recuperar
o éthos, como novidade ética, na qual se abrem possibilidades de salvar a terra e cuidar da
humanidade. A responsabilidade pela vida está indissoluvelmente ligada aos problemas que
afligem a sociedade contemporânea. A humanidade é chamada a contribuir para uma nova
ordem mundial, favorecendo aos princípios da justiça e da solidariedade. Nesse evento,
emerge um novo éthos, uma revolução possível em tempos de globalização.
134
O éthos da
histórica alcança o mistério e faz a experiência salvífica do Eterno que vem ao encontro para
revelar o grande mandamento do amor.
É na eloquência da cruz que o Filho de Deus deseja fazer das relações humanas, o
lugar da convivência solidária, no possível éthos do futuro. “Essa palavra, última e primeira,
essa língua na qual se diz um-pelo-outro da maneira mais autêntica e realizadora em todas as
formas da comunhão dos rostos, é a palavra ‘amor’.”
135
Assim, o éthos do futuro é a ternura
que tem cuidado pelo outro, no gesto amoroso, que protege a vida. É, então, no amor que o
133
FORTE, Bruno. L’ Eternità nel Tempo, p. 246.
134
No paradigma civilizatório urge o entendimento do éthos como urgência transformadora. “Por éthos
entendemos o conjunto das inspirações, dos valores e dos princípios que orientarão as relações humanas para
com a natureza, para com a sociedade, para com as alteridades, para consigo mesmo e para com o sentido
transcendente da existência: Deus.” (Cf. BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os
humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 17).
135
FORTE, Bruno. Um pelo Outro, p. 174.
64
advento se revela no caminho da salvação, um peregrinar atento, capaz de perceber no Outro,
a fonte de toda beleza.
2.2.2 Advento e beleza no caminho da salvação
A reflexão sobre o caminho da salvação é a essência do amor presente na história e
contempla Aquele que é a fonte e a via de toda a beleza. A própria teologia sinaliza-a como
relação originária e constitutiva da revelação e do amor solidário. A essa questão pergunta-se:
qual a beleza que salva o mundo? Como reconhecer a beleza de Deus na história humana?
Pode o Infinito solidarizar-se com a humanidade? Esses e outros questionamentos buscam o
sentido da beleza, percebida no Criador. Forte sinaliza que “a beleza verdadeira e eterna
abraça o homem interior”.
136
O teólogo Forte configura um percurso do caminho interior para expressar a beleza
como redenção e a entende como via de salvação. Somente a pessoa interiorizada é capaz de
transcender de si e abrir-se ao advento do Outro. Podendo, assim, verificar uma dicotomia,
que reúne, ao mesmo tempo, amor e sofrimento, vida e morte. A essa manifestação da beleza
acontece a redenção solidária da cruz realizada no amor para dar sentido à vida. É nessa
perspectiva que Forte faz a reflexão.
Na rocha do Calvário se ergue a cruz da Beleza: o Verbo se diz nesse mundo por via
da sua ‘quenose’ suprema, daquele ‘diminuir-se’, graças ao qual – em nada
constrangido pelo infinitamente grande – se deixou conter pelo infinitamente pequeno,
para que o esplendor eterno viesse oferecer-se na noite do mundo. Este ‘extase do
divino‘ é ao mesmo tempo o apelo mais alto que se possa conceber ao ‘extase do
mundo‘ [...] que é o arrebatado na beleza que salva. [...] O Deus Crucificado é a
‘quenose’ e o esplendor da eternidade no tempo, o Todo divino no fragmento da
forma humana (Cf. Fl 2,6s), a revelação da beleza que salva.
137
Essencialmente o divino assume as dores da humanidade, na suprema entrega total do
dom de si mesmo e do amor, que remete a beleza vitoriosa da ressurreição, pois, para além do
tempo, permanece à beleza oculta e silenciosa. A beleza que salvará o mundo passa, pela via
da cruz, mas resplandece vitoriosamente, o que significa colocar-se na soleira da beleza
crucificada.
136
Idem. A Porta da Beleza, p.17.
137
Idem. A Essência do Cristianismo, p. 168-169.
65
O limiar da beleza crucificada remete assim à Beleza finalmente vitoriosa. Além das
inúmeras palavras do tempo está e permanece a divina Custódia, a Beleza oculta. No
final ela será tudo em todas as coisas e o mundo inteiro será a sua pátria, quando o seu
Silêncio, mais eloqüente do que qualquer palavra abraçará tudo.
138
A beleza crucificada, síntese do amor, assume o sofrimento e os males que cercam o
ser humano inserido na história. Com a própria morte Jesus redime e salva a humanidade. Em
Cristo revelou-se a beleza solidária que salva e liberta, diferente das ambições da beleza
perecível. É justamente na beleza crucificada que se mostra o Todo divino no fragmento do
sofrimento humano. Sabe-se que a “única beleza que salvará o mundo é a beleza do Homem
das dores, é a beleza do amor crucificado, da vida doada, da oferta total de si ao Pai e aos
homens”.
139
Nesse sentido a beleza da cruz revela-se no amor de Deus para com a
humanidade. Isso exige um discipulado humilde e fiel ao Senhor da história.
No trilhar da história humana, revestida pelo sofrimento, o Invisível revela-se no
visível. O advento divino, em toda sua expressão vem habitar o coração humano e assume o
supremo ingresso desde a encarnação até o mistério Pascal, podendo assim o visível hospedar
o Invisível e o Silêncio encontrar-se na concretude humana. Desse modo, no plano salvífico, o
cristão é chamado para viver na esperança do Ressuscitado. A beleza de Cristo, como dom-
de-si, revela-se no advento que vem e se abre para acolher o outro. Essa visão de redenção
solidária eleva o humano à condição de participante da vida divina por garantir que “Cristo é
o lugar supremo do advento, onde, de uma vez por todas, a Beleza veio para resplandecer em
todo o seu fulgor salvífico.”
140
Paradoxalmente o belo revela-se misteriosamente na profundidade do ser, o que faz
emergir luz e trevas no qual se expressa, à total entrega no amor. Esse fulgor da beleza do
qual Forte fala é a vida nova que encontra o divino. Uma beleza que vê a exterioridade, mas
privilegia o íntimo, a interioridade mais profunda, capaz de encontrar a luz. A beleza pode ser
entendida como o Todo no fragmento, contribuindo para o encontro entre humano e divino.
Então, o reconhecimento da beleza que salva, abre para relações de alteridade solidária
expressa na ética cristã.
A conversão do coração torna-se mediação para encontrar a beleza do Cristo solidário.
Eis que a maior beleza que salvará o mundo, encontrar-se-á na doação plena do divino que,
por amor, recupera o sofrimento de toda humanidade. Ele é a verdadeira beleza que salva e
138
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 174.
139
Idem. Confessio Theologi ai Filosofi, p. 35.
140
Idem. A Porta da Beleza, p. 99.
66
liberta. “Não tinha beleza nem formosura que atraísse os nossos olhares, aniquilou-se a si
mesmo, assumindo a condição de escravo, tornando-se solidário com os homens” (cf.Fl.2,7).
Somente o amor é a verdadeira expressão da beleza que não tem ocaso. É pelo amor à
humanidade que acontece a ressurreição, a transfiguração. Essa capacidade autêntica de
tornar-se solidário até as últimas consequências e doar a vida totalmente por amor sem
exclusão de ninguém. O teólogo reflete sobre a figura do ‘Bom Pastor’, o amor crucificado é a
beleza que salva. Aquele que ama morre abandonado na cruz. É o advento que vem ao
encontro da criatura humana, que o rejeita em sua fragilidade e não o reconhece. Para Forte, a
beleza do ser é aquela provada pelo amor e invocada na fé.
A beleza dos entes que passam é o limiar que dá acesso aos horizontes da Beleza que
não passa, já aprovada no amor, invocada na fé. O Todo se oferece no fragmento, o
fragmento se abre para o Todo pelo caminho da Beleza que salvará o mundo. A
eternidade entrou no tempo, para que o tempo pudesse entrar na eternidade. Esta é a
essência do cristianismo, sua verdade simples e grandiosa tão eloqüente hoje como
nos primórdios do movimento cristão. A beleza que salvará o mundo é a do ‘Bom
Pastor’, crucificado e ressuscitado por amor a cada um de nós, a todos nós.
141
2.2.3 Êxodo: vida que se renova no amor
A Beleza que salva o mundo tem compaixão pela dor do outro e, na cruz solidariza-se,
com a humanidade. Com o tríplice êxodo, Jesus revela o rosto de Deus, na história. Ele firma
as bases da fé e confirma a essência do amor à vida. Tendo entrado na história e amando os
seus que estavam no mundo, Jesus experiencia o êxodo de si, num gesto supremo de
abandono e morte de cruz. A essa questão pergunta-se: o que é a vida? Como superar a dor e
o sofrimento presente na história? Qual a contribuição da ética e da alteridade para um ser
humano solidário? A esses questionamentos é que Jesus acolhe incondicionalmente, a vontade
do Pai e assume a dimensão do amor. Jesus em sua liberdade amorosa vive o êxodo de si sem
retorno e paga, um alto preço. Ao longo da história a humanidade faz a experiência da
fragilidade dos filhos dispersos. Emancipados pela força da razão, construíram uma
identidade ilusória, sustentados pelo sistema opressor que desconhece as vias do verdadeiro
amor. A visão utilitarista da ideologia dominante se contrapõe a uma opção radical e solidária
141
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 178.
67
do amor. “Cristo é aquele que fez a opção radical por Deus, livre de si, livre para existir para
os outros em um êxodo de si sem retorno, vivido até a obediência suprema da cruz.”
142
Livre e sem reserva, Jesus faz a experiência do êxodo de si para o Pai e para os outros,
em atitude solidária, no extremo abandono da cruz. É exatamente essa opção radical de Jesus
que o torna ‘homem livre’ para renovar a vida do mundo. A cruz é a história do amor vivida e
compartilhada que dá sentido à vida. O êxodo de si mesmo, abandonado na Cruz, torna-se
livre para amar a todos. Um Deus capaz de assumir a miséria humana e solidarizar-se com a
dor do mundo. Forte faz a reflexão do Deus que assume a dor da humanidade.
O Deus vivo assume e vive o sofrimento de suas criaturas no modo mais intenso,
como sofrimento ativo, dom e oferenda da qual surge à vida nova do mundo. [...] Ele
está presente na história, sofrendo com o ser humano e contagiando-o com o valor
imenso do sofrimento oferecido por amor. É este o Deus que dá sentido ao sofrimento
do mundo, porque o assumiu a tal ponto que fez dele o próprio sofrimento de amor.
143
O Deus do êxodo assume a história da salvação, caminha com a humanidade e estabelece
uma aliança de amor. Parece-nos ser este o Deus que dá sentido à vida por ter assumido sobre
seus ombros a fragilidade humana. Nessa caminhada de sombras e luzes, Jesus compartilha a
dor dos oprimidos e tudo entrega ao Pai por amor. E, assim, confronta a história do
sofrimento humano com a história do Deus cristão. Em seu advento desce ao chão da
humanidade, permitindo que a pessoa participe do valor imenso do sofrimento oferecido por
amor. Deus não é amorfo ao sofrimento do êxodo humano, mas escuta e encaminha a dor da
história. Pressupõe esperança, fé e amor capaz de renovar a vida. Isso confirma que o “Deus
crucificado torna o homem capaz de um sofrimento ativo, de um sofrimento vivido na
comunhão com todos os desolados da terra.”
144
Assim a história sofrida do êxodo humano é
transformada na história do amor solidário, que salva e liberta. Nesse caminhar humano “a
teologia se torna a consciência evangelicamente crítica da práxis cristã e eclesial, capaz de
incidir na transformação do real e não apenas de interpretá-lo.”
145
O êxodo em seu peregrinar põe-se a caminho, movido pela caridade e pela esperança ao
abrir-se ao Transcendente. O verdadeiro encontro entre êxodo e advento, não acontece de
modo claro, mas vai se cumprindo na escuta da Palavra e na opção pela fé em Jesus Cristo. É
nesse peregrinar cotidiano que a pessoa se volta para o amor e na liberdade, se encontra frente
142
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 57-58.
143
Ibidem, p. 65.
144
Idem. Jesus de Nazaré, p. 27.
145
Idem. Para onde vai o Cristianismo?, p. 27.
68
a Deus diante de uma possível revelação, a caminho da salvação. A consciência do êxodo
renova-se no amor, porém sem o consentimento da gratuidade de Deus essa relação torna-se
inviável, pois é Ele quem atrai a criatura e a ama com amor eterno. Percebe-se então que a
condição de êxodo acontece quando a pessoa se põe diante daquele que é a novidade para o
mundo no livre e gratuito oferecimento do Eterno. Assim, “o advento do Deus vivo visita o
êxodo da condição histórica e o abre na fé e na esperança a um sentido possível e sempre
novo: o amor.”
146
A essa condição de encontro entre êxodo e advento acontece o movimento que passa pelos
limites que acompanham a história humana, como as demandas do mal e da morte que
perpassam o mundo em sua trajetória. Isso não elimina o dinamismo da busca e da esperança
para quem assume essa condição de êxodo. Confrontam-se, então, dois contextos: de um lado,
o ser humano no rol da perplexidade, envolvido pelas interrogações existenciais e, por outro,
a possibilidade de abrir-se ao advento divino. Aquele que é sempre o amor maior.
2.3 Servos solidários: o amor na história
O advento que visita o êxodo reconhece os servos solidários da história e os confirma
em seu amor. Sabe-se que o horizonte histórico da humanidade é tecido na lógica do lucro e
perpetua o sistema de opressão. Convive-se com estruturas injustas e perversas numa relação
de manipulação da consciência. As organizações político-sociais mantêm os privilégios das
forças dominantes e radical fechamento, diante de opções, que apontam para uma nova ordem
de respeito e integridade do universo. A essa realidade, pergunta-se: como desenvolver uma
teologia cristã atenta à questão da ética e da alteridade? Quais caminhos deverão ser
percorridos para o exercício da solidariedade? Do interior dessas tensões nasce o desejo de
justiça e solidariedade, numa perspectiva de mudança necessária. Diante dessa realidade,
Forte encaminha o cristão para expressar Deus com todo ardor, seja pela palavra, pelo
sentimento, ou pelo testemunho da própria vida.
E ao mesmo tempo, como homem ele adverte a solidariedade ampla e profunda não
apenas com a universal condição de êxodo da vida, mas também concretamente com a
história e a cultura em que se situa: na escuta e no respeito de todos, por todos ele
146
FORTE, Bruno. Teologia della Storia, p. 6.
69
ousa esperar que sejam apelo do eterno, sentinela e artífice da justiça do Reino, com a
palavra e com a vida, pela vida de todos, em diálogo com todos.
147
A solidariedade vista como princípio permanente do peregrinar humano, rumo ao
advento de Deus, realiza-se na concretude histórica.
148
Esta consciência solidária também se
manifesta e tem suas repercuções no sofrimento da humanidade. O tempo de mudanças
inéditas põe de modo inesperado, a inevitável decadência moral e decreta, por sua vez, o êxito
do niilismo. Parece não haver saída possível, mas, no entanto, o advento de Deus vem para
libertar e revelar a verdade expressa no amor. Deus olha as criaturas, manifesta compaixão, e
ama-as até as últimas consequências. Nesta visão o teólogo italiano expõe a dimensão da
caridade para com o outro:
Tal como o amor divino é motivado somente pela alegria irradiante de amar, assim
também a caridade do discípulo é tanto mais verdadeira e digna de crédito quando
mais rejeita o cálculo e o interesse egoístico e se efetua sem reserva no êxodo de si
sem retorno. ‘A caridade é paciente, a caridade é benigna, não é invejosa; a caridade
não é orgulhosa, não se ensoberbece; não é descortês, não é interesseira, não se irrita,
não guarda rancor; não se alegra com a injustiça, mas se compraz com a verdade’. (Cf.
1Cor 13, 4-6).
149
O amor que se doa na gratuidade abre-se ao servo solidário. Tal como no amor prevê a
pura gratuidade do sair de si na generosidade do dom e torna-se livre para viver a beleza do
amor. Somente quem faz a experiência de comunhão e liberdade avança no caminho da vida e
encontra o sentido do viver e do morrer humano. Nesse peregrinar, o segmento de Jesus se faz
servo por amor e vigia as esperanças do mundo. Somente o amor de Deus é capaz de olhar os
últimos e os fracos tornando-se solidário com os pobres, evocando uma esperança que renova
a história. Este estilo de caridade paciente assume um posicionamento responsável, quando
testemunha o amor e denuncia as injustiças.
No limiar da história sofrida do povo, é preciso amar concretamente, o que possibilita
subverter o modo de pensar e agir. No plano de Deus a caridade encontra eco no âmago da
vida e testemunha a expressão máxima do amor solidário no alto da cruz. Aqui é possível uma
urgência solidária que sai de si e se coloca na dimensão do outro que se revela na Trindade do
amor. Entende-se, então, que “na hora da cruz também o Espírito faz história: história em Deus,
147
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 137.
148
A práxis solidária realiza-se na concretude histórica e na valorização das pessoas. “A prática da solidariedade
é eficaz, quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas. Aqueles que contam mais,
dispondo de uma parte maior de bens e de serviços comuns, devem sentir-se responsáveis pelos mais fracos e
estar dispostos a compartilhar com eles o que possuem. [...] Deste modo, a solidariedade que nos propomos é
caminho para a paz e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento.” (Cf. DH, n. 4818).
149
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p.114.
70
porque entregue ao Pai possibilita a alteridade do Filho por ele gerado na solidariedade com
os pecadores.”
150
A cruz de Deus, que liberta e salva, é também a cruz da nossa história
concreta.
A história acolhe o outro, oferecendo sua identidade e participando da vida de Deus
que nos salva. Como servos solidários, o grande desafio é colocar-se em êxodo, abrir-se para
acolher o Outro e juntos salvaguardar a fé. Desse modo o discípulo de Jesus entende que “o
amor é êxodo sem retorno, oferta radical de si; o amor é advento sem saudade, acolhimento
radical do outro”
151
Dessa forma, o cristão é chamado a ser vigilante, conservando a
esperança da pátria futura e protagonista do mundo presente, marcado pelas crises
existenciais. E, ainda, busca ser fiel ao mundo que há de vir, manifestado na esperança do
Cristo Ressuscitado.
A revelação de Deus como Amor no êxodo de Jesus de si, até o abandono da cruz,
também acontece da mesma forma na vida do cristão. O batizado, igualmente, é responsável
por viver a liberdade do amor, no dom supremo de Deus. Jesus, no êxodo de si, expressa seu
amor pela humanidade e forma “vínculo de comunhão e solidariedade com a criação que,
enquanto dá graças pelos dons que nela já se realizaram, se abre para a Transcendência
inexaurível do Eterno.”
152
A vida que se renova na comunhão solidária congrega êxodo e
advento e participa do silêncio que se eterniza na plenitude do amor.
2.3.1 Descobrindo o Outro que habita em nós
Abrir-se ao advento e disponibilizar-se para o Outro requer, do sujeito histórico, um
voltar-se para o Transcendente na possibilidade do Eterno. É preciso ser livre para descobrir o
Outro que habita em nós. E ainda, reconhecer os desafios do tempo, na angustiante armadilha
do nada. Nesse horizonte de busca, o judaísmo cristão introduziu a ideia da experiência
religiosa a uma nova categoria que a chamamos de fé. Entende-se por fé a emancipação
absoluta de toda espécie de ‘lei’ natural e, portanto, a mais alta liberdade que a pessoa possa
imaginar: a de poder intervir sobre o mesmo estado ontológico do universo. Somente a
liberdade é capaz de proteger a humanidade do moderno terror da história, isto é, uma
liberdade que tem sua expressão na fonte e na garantia de Deus.
150
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 66.
151
Idem. A Teologia, como Companhia, Memória e Profecia, p. 49.
152
Idem. Teologia da História, p. 295.
71
Todo esse movimento da liberdade moderna, por mais que possa dar satisfação a quem
a possui, torna-se impotente para justificar a história, na qual a humanidade busca ser sincera
consigo mesmo, o que equivale às dores vivenciadas ao longo da história. Longe de fazer
“concorrência à criatura, a transcendência do Deus vivo constitui a condição de possibilidade
da sua liberdade, e por isso nela fundamenta a autêntica dignidade. Diante de Deus e com Ele,
o homem decide por si mesmo, no horizonte do tempo e da eternidade.”
153
Dentre a
incessante busca pela liberdade, nasce o desejo, intrínseco do ser humano de ir descobrindo
o Outro que habita em nós, e aponta o caminho em direção à Pátria, como condição do amor.
Nessa visão teológica Forte propõe uma abertura ao discipulado no seguimento da liberdade:
[...] tal revelação de liberdade do mestre requer do discípulo o segmento da liberdade
no amor e exige que a comunidade dos fiéis e o cristão singular sejam livres e
libertadores. [...] Uma igreja livre significa, acima de tudo, uma comunidade que vive
na radical obediência à Palavra de Deus; sua força e sua riqueza estão na
incondicional dedicação ao Senhor. [...] Quem é verdadeiramente livre para o Pai e
para os outros sabe se comportar diante do desconhecido, ou seja, crê para além de
cada possibilidade, da possibilidade impossível, aquela que é a liberdade de Deus,
revelada em Jesus Cristo, prometida na história.
154
Colocar-se na liberdade para o Pai e para os outros redime a história e contribui para a
expansão da justiça e da esperança na trajetória humana. Perfilam-se assim alguns sinais que
se reconhece nas inquietações do tempo como uma espécie de busca pelo sentido perdido da
vida. Não se trata, porém, de um retorno à história, do limitar-se a olhar as crises e os sistemas
orgânicos individualistas que esqueceram as razões da solidariedade. É preciso minimizar as
estruturas capitalistas, que enaltecem a razão como única fonte de alcançar o mundo
globalizado, esquecendo o lugar de Deus na existência. Trata-se aqui de encontrar um esforço
capaz de resgatar a vida e reconhecer o horizonte último, em vista do qual se possa encontrar
o Outro que habita em nós. Sobretudo, salvaguardar a esperança “para ser testemunho do
Outro na companhia da vida e da fé das pessoas reais.”
155
A novidade de reconhecer o Outro, que acolhe a humanidade, aproxima-se da história
do êxodo e tem a missão de transformar a vida, sob o impulso da cruz libertadora. Sabe-se,
então, que Deus se revela e “Jesus oferece-se como a Palavra saída do Silêncio, o êxodo de
Deus saído de si por amor a nós, o santuário vivo e santo, no qual a alteridade do Filho em
relação ao Pai nos abre à Trindade de Deus”
156
No encontro do êxodo humano que caminha
153
FORTE, Bruno. L’ Eternità nel Tempo, p. 28-29.
154
Idem. Exercícios Espirituais no Vaticano, p. 39-40.
155
Idem. Teologia em Diálogo, p. 87.
156
FORTE, Bruno. Anunciar hoje Jesus Cristo único Salvador. Teocomunicação, p. 758.
72
em direção ao advento divino sente-se a manifestação da ternura do Transcendente que
sustenta e anima o humano, ainda que seja pela Cruz solidária.
Esse itinerário que revela o rosto do Outro para a humanidade testemunha o tempo de
penúria que aflige o coração humano. Entende-se que a crise, da modernidade, no reinado da
exploração e da miséria, provém dos sistemas opressores. Como diminuir a dor pela qual
passa a humanidade? Como falar de justiça para homens e mulheres sem esperança? Talvez o
desafio ensine a agir corretamente segundo a prática da justiça. A essa concepção da crise
existencial, Forte assinala um sistema opressor que precisa ser denunciado em caráter único,
para um possível resgate de uma nova identidade.
O sistema de dependência e opressão é um sistema que procura manter os atuais
privilégios das forças dominantes e o radical fechamento e defesa diante de tudo o que
possa ser verdadeiramente novo. Para as massas oprimidas, é o sistema do medo e da
resignação fatalista diante da condição do presente. [...] A lógica do lucro, alma dos
processos que constituem as dependências, revela o seu poder desumanizante; mas ela
se revela não menos alienante nas contradições da sociedade opulenta.
157
Das profundezas dessas tensões surge uma nova consciência, podendo adotar o que
constitui a práxis da justiça e da solidariedade que escuta o lamento do povo oprimido. É
fundamental educar para atitudes transformadoras e acreditar que a utopia é possível. É ainda
preciso redescobrir a beleza que salva, para que se tenha a consciência de que o Outro habita
em nós. Em relação à dimensão da fé, a solidariedade é indubitavelmente uma virtude cristã
que acompanha os seres humanos, no específico da gratuidade e da reconciliação com todo o
universo. A carta encíclica Caritas In Veritate desafia a Igreja e a própria sociedade, neste
crescente e de incisiva globalização, a repensar alternativas éticas para um desenvolvimento
mais humano, no qual a caridade se expresse no amor.
158
É pela luz da fé e por convicções
humanizadoras que se promovem encontros que têm por meta transformar a vida e
impulsionar mudanças necessárias nas relações comunitárias, tão esquecidas no mundo atual.
157
Idem. Jesus de Nazaré, p. 19.
158
Bento XVI reflete na carta encíclica Caritas In Veritate: “Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e
da fé, é possível alcançar objetivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora.
A partilha dos bens e recursos, do qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurado pelo simples
progresso técnico e por meras relações de convivência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem
(Cf. Rm.12,21) e abre a reciprocidade das consciências e das liberdades.” (Cf. Carta Encíclica Caritas .In
Veritate, n. 9).
73
2.3.2 Encontro que transforma a vida
A teologia do encontro situa-se na história e constrói um diálogo ininterrupto com o
Deus da esperança. É na utopia do encontro que o Outro remete a uma nova aliança do amor
incondicional para com toda a humanidade. Frente a isso, pergunta-se: o que é preciso para
transformar a vida? Qual a contribuição da ética cristã para a humanidade? O rigor dessas
questões supõe as bases da fé e da esperança, na qual acontece a manifestação no êxodo de si,
para o outro, no possível encontro com “o Deus que é e será sempre fiel e novo pela sua
presença salvífica na variedade das situações humanas.”
159
Um Deus que não negligencia o
amor, mas está sempre pronto ao gesto da misericórdia.
No cenário histórico do encontro, a economia da Palavra se completa mediante
relações conjugadas com a economia do Espírito, no qual acontece a atualização de Cristo no
tempo. Isso supõe a graça, capaz de compreender a verdade e anunciar as coisas futuras. É o
Espírito que torna possível o encontro vivificador em relação à Palavra. Aberto ao próprio
Silêncio, o Espírito vem anunciar ao mundo o que escutou da Palavra. Forte sintetiza a
sintonia existente entre o mistério do Espírito e da Palavra revelada:
Poder-se-ia dizer que o Espírito é o outro Silêncio, não o Silêncio da Origem da
Palavra, mas aquele em que a Palavra proferida na eternidade e no tempo vem ressoar
e repousar, para ir recolher-se no Silêncio da Pátria, nos silêncios profundos e
sublimes de Deus, depois de ter percorrido o caminho para o qual fora enviado. Por
isso uma teologia trinitária da revelação, não estaria completa [...] se ela não
aprofundasse também o mistério do Encontro de ambos no – tempo e na eternidade.
160
Para tecer encontros que transformam a vida é preciso considerar a complexidade
histórica que supõe manifestação do espírito e interpelação profética. O fecundo dom da
reciprocidade experiencia a fidelidade de Deus e a fragilidade humana. A teologia, enquanto
consciência crítica revive a experiência da cruz e da ressurreição ao fazer memória do
mistério pascal no amor trinitário. Essa compreensão teológica supõe uma consciência que
escute o mundo, no qual Deus fala através da história e dos sinais dos tempos.
Eminentemente, a teologia integra os elementos da profecia e do memorial como
espiritualidade do mistério revelado na Palavra de Deus e presente na história humana. É a
teologia o lugar da hermenêutica, da reflexão, do diálogo e da espiritualidade que anima e
conduz o povo, não só na capacidade interpretativa, mas na dimensão transformadora.
159
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 71.
160
Idem. Teologia da História, p. 157-158.
74
O sentido unificador do encontro e do silêncio emerge da escuta da Palavra, das
profundezas da terra, e da promessa salvadora de Deus. Esse pensar desafia a criatura humana
para escutar o lamento do povo sofrido. O chamado à consciência fraterna perscruta o advento
e deixa emergir de suas profundezas a força vital da vida. A dinâmica do encontro tem a
função de abrir o mundo de Deus, para o mundo da humanidade, tornando possível, o
ingresso de Jesus ao exílio, podendo, assim, unificar o que está dividido, na esfera da
reconciliação pascal. O Deus se aproxima e revela-se na misericórdia, capaz de acolher o
êxodo humano, que caminha na temporalidade em direção à Pátria definitiva. Segundo Forte a
perspectiva do encontro abre para a comunhão com o Transcendente.
O encontro pressupõe, então, dupla condição fundamental: a primeira é que seja dado
ao eu caminho para sair de si, abertura para o além do seu próprio mundo e, portanto,-
estruturalmente falando - o eu esteja feito para Ouvir a Palavra do Outro e interpretá-
la e deixar-se interpelar e habitar por ela.[...] A segunda condição do encontro é que
o Outro possa se apresentar como Outro ao mundo do eu, rompendo sua clausura
totalizadora, provocando-o a morar fora de si e a deixar-se habitar pelo advento de
tudo que for irredutível a ele e, portanto, novo.
161
Percebe-se numa primeira instância que o encontro, pressupõe abertura transcendental
do eu, enquanto a segunda condição se identifica com a transcendência do Outro. Isso permite
um olhar sobre a totalidade do mundo interior e a exterioridade infinita, podendo juntas
revelar a verdade do amor. A dimensão do encontro reflete as possibilidades da missão que
conduz a humanidade para assumir atitude de misericórdia para com o outro. Enquanto
cristão, há um desafio para experienciar o tempo da graça, da salvação e da reconciliação. É
hora de inaugurar um novo tempo, que favoreça o encontro e o diálogo com o Outro. Um
encontro que provoque a comunhão e a reconciliação de todos, sem exclusão de ninguém. Um
tempo de “diálogo eclesial ao serviço da missão, mas também do diálogo ecumênico com as
outras confissões cristãs e do diálogo inter-religioso.”
162
O encontro que transforma a vida centra-se na apologia da comunhão que gera
fraternidade. A essência do amor revela o cuidado de Deus pelas suas criaturas e lembra um
dos tesouros mais ricos e preciosos da humanidade. O amor purifica, fecunda e capacita para
o discernimento de escolhas da realidade. O poder transformador do espírito é pleno e
contagiante na autêntica escuta dos apelos divinos que iluminam a caminhada humana. Nesse
sentido, o que qualifica a identidade cristã é a capacidade de estabelecer relações fraternas que
161
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 169.
162
Idem. Deus Pai no Amor quer todos salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p. 731.
75
comungam do mesmo pão e experimentam os sinais de comunhão na promoção da caridade
fraterna.
Ao tratar da experiência do encontro, o advento de Deus coloca-se em parceria com os
pobres do tempo. É preciso voltar-se aos pobres não só materialmente, mas também urge um
cuidado com os pobres da verdade, com os que perderam a esperança da filiação de Deus. É
necessário resgatar a Igreja da solidariedade que tem sensibilidade pelo outro. É lacônico
superar o paradoxo da fragilidade humana e crer na força transformadora de homens e
mulheres que têm paixão pela causa do Reino e promovem a Boa Nova até o martírio. “É
preciso redescobrir o primado evangélico da pobreza e dos pobres, com todas as possíveis
consequências.”
163
É no encontro do êxodo humano e do advento que acontece o caminhar em
busca da Pátria definitiva.
2.3.3 Identidade: espelho da Trindade
A Trindade como origem, espelho e alvo da história, vislumbra a transcendência como
o fundamento de uma nova identidade.
164
A caminho da Pátria trinitária o ser humano
encontra-se diante do vazio e das fragilidades existenciais. Percebe-se atingido pela carência
da verdade e envolvido pelas atitudes fragmentadas na vida. A estes sinais, como repensar
uma identidade que alcance a dimensão do êxodo? Como reconhecer o Deus Trindade no
coração humano? Qual a ética necessária para uma identidade cristã? Essas questões suscitam
abertura para perceber que da cruz sucede uma história trinitária marcada por amor generoso.
Na teologia de Bruno Forte a Trindade é compreendida como Origem, Seio e Pátria de
um amor que não tem medida. A vida, em perspectiva trinitária, é expressão de amor do Pai
pelo Filho, solidificada pelas luzes do Espírito Santo. Assim, torna-se espelho do mundo que
deseja corresponder à felicidade do Pai com o Filho no Espírito Santo que se revela em todas
as coisas. A beleza da Trindade revela-se no evento pascal e inclui toda criação na história
trinitária de Deus.
163
FORTE, Bruno. Deus Pai no Amor quer todos salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p. 732.
164
A Trindade como expressão do amor eleva o ser humano para fazer parte do seu mistério em direção à Pátria.
“A Trindade é o mistério de um só Deus em Três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, reconhecidas como
distintas na unidade de uma só natureza, ou essência, ou substância. [...] O mistério trinitário só é conhecido por
revelação. Ele distingue o cristianismo das duas religiões monoteístas que são o judaísmo e o islã. Ele está na
origem da noção de pessoa, distinta da de natureza. Leva a pensar em sua forma mais elevada, o ser (ou seu
além) é dom, troca, relação de amor.” (Cf. WOLINSKI, Joseph. Trindade. In: LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário
Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola; Paulinas, 2004, p. 1760).
76
O evento pascal, história de Deus na história dos seres humanos, revela como a
história do mundo está envolta na história trinitária de Deus. O devir do advento
revela que o sentido e a meta da caminhada humana para o futuro não está suspenso
no vazio: está recolhido em Deus. Na distinção entre o Amante e o Amado, o mundo
é criado pelo primeiro Princípio, o Pai, com vistas àquele no qual amará eternamente à
sua criatura e por meio dele. Pelo Filho tudo é entregue ao Pai no tempo do fim, para
que o senhorio do amor triunfe sobre todas as coisas.
165
Um dos aspectos mais evidentes que recorda a presença da Trindade é a dimensão da
fé, que aparece no limiar da distinção entre o mundo criado e a transcendência do Criador.
Somente a “fé contempla a figura do Espírito, que une um ao outro no vínculo do Amor
eterno e conjuntamente os abre ao dom de si, ao generoso êxodo da criação e da salvação”.
166
A vivência da esperança e da fé trinitária recorda a condição peregrinante em direção à Pátria.
Para Jesus a realidade última tem uma dimensão transcendente e uma dimensão histórica. O
advento de Deus vem para relacionar-se com a história. O próprio Deus em si, no êxodo,
escuta os clamores do povo para libertá-los. É Deus que pretende defender os oprimidos e
anunciar uma nova aliança com o seu povo.
Nessa relação de alteridade o advento abraça o êxodo humano e conjuga a história de
Deus com a identidade histórica dos caminhantes. Postula aqui o entendimento do mistério
como a revelação que acontece no Filho e no Espírito Santo presente na Trindade. Isso
denota um puro oferecer-se como: origem, seio e pátria de amor. Ao referir-se à origem,
coloca-se como raiz no centro do universo e da espiritualidade. O verbo que saiu do Silêncio
para armar sua tenda no meio de nós. A ideia de seio vista como seiva que alimenta a fé na
aliança de amor sob o impulso do Espírito. A pátria torna-se, então, a meta definitiva para
todo o universo. Sob a premissa dessa unidade intrínseca, o teólogo Forte reflete o possível
abrir-se do êxodo ao advento no dom solidário, que escuta e acolhe o amor trinitário pela
humanidade.
[...] quando o êxodo da existência humana se abre ao advento proclamado e dado, eis
que a gratuidade se torna nova e possível no dom da caridade do Pai; a gratidão abre-
se maravilhosamente na fé, que evoca a obediência do Filho; e a liberdade da
comunhão, realiza-se na verdadeira esperança, marca do Espírito, que une todos os
tempos na eternidade do amor e abre-os todos à perene novidade divina.
167
A essência do amor trinitário de Deus abrange o sentido de comunhão que compõe o
tempo e a Eternidade. Em vista dessa unidade trinitária realiza-se a revelação do Deus Trino
como sentido último, o que se completa na vida humana e se perpetua no mundo. Um amor
165
FORTE, Bruno. A Trindade como História, p. 203.
166
Idem. Na memória do Salvador, p.134.
167
Ibidem, p.135.
77
que restabelece o sentido da vida, as relações comunitárias e reconstrói identidades.
168
Essa
Imagem que constitui a identidade do amor no coração humano, se firma na palavra: “O amor
jamais passará” (Cf.1Cor 13, 8). Então amar verdadeiramente é, sobretudo, um colocar-se na
presença do Deus Trino, o que dá sentido à dor humana ao longo da história.
169
Justifica-se,
então, de que somente pelo amor o ser humano é capaz de vencer os obstáculos e trilhar com
alegria o caminho do êxodo ao encontro do advento.
O amor trinitário é experienciado no mistério da fé. Um Deus em constante interação
com os seres humanos, no tocante à própria história. É um Deus pessoal que acolhe a pessoa
na sua totalidade e a convoca para assumir as bem-aventuranças do evangelho. Essa relação
de êxodo e advento faz com que as pessoas se deixem tocar pela fonte indivisível de amor e
eterna beleza. É na trindade que acontece o eterno evento do amor para os chamados à
eternidade. Nessa dinâmica da fé a identidade espelha-se na Trindade para conviver com os
múltiplos fenômenos existenciais que compreendem a vida presente e a vida futura. Todavia
“o amor, que resplandece na Trindade, é a vocação do coração humano e do mundo. Somente
ele dá verdadeiramente sentido à vida e à história.”
170
As faces da alteridade solidária, na perspectiva humana, constituíram o cenário de
reflexão no encontro entre o êxodo humano e o advento divino. A pesquisa em pauta, nesse
capítulo, se propôs a buscar possíveis respostas no paradigma da teologia cristã, no que atenta
à questão da ética e da alteridade para nossos dias. Em consonância com o sentido da vida
interroga-se o sentido da própria história. Numa ascensão de êxodo e advento, como lugar de
encontro, constrói-se a identidade tecida pela beleza que salva e liberta. Enquanto evento de
comunicação entre alteridades descobre-se que a história é escrita no dualismo de dor e
alegria, vida e morte, o que constitui o caminho em direção à Pátria. A teologia de Forte
procura recuperar a plenitude de seu vigor e desenvolve, com profundidade, o desejo de
conviver uns com os outros, adentrando nos meandros do coração humano e nos eventos
168
A identidade do sujeito constitui o núcleo dialógico, na busca permanente pelo transcendente. “Falar da
identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em
andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos,
mas de uma falta de intereza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós
imaginamos ser vistos por outros.” (Cf. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A, 2005, p. 39).
169
A grande pergunta existencial do ser humano refere-se ao sentido do viver e do morrer, mediante ao amor.
“No presente as pessoas vivem de encontros e desencontros, estão abertas em busca do sentido da existência,
vivem o tempo do risco e do livre - arbítrio para o bem para o mal. Somente na morte se realiza a grande síntese
da vida, quando no encontro íntimo entre a criatura e o seu criador se faz a grande decisão.” (Cf. BRUSTOLIN,
Leomar Antônio. Quando Cristo Vem: a parusia na escatologia cristã. São Paulo: Paulus, 2001, p.139).
170
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 348.
78
históricos. A teologia supõe relações de alteridade como elemento constitutivo da convivência
humana, interligando ética e solidariedade. Ainda responde a questão da responsabilidade
humana e educa para a ética cristã capaz de ouvir o clamor do mundo.
O teólogo italiano abre o caminho da novidade solidária e resgata o específico do
cristão na escuta do outro em busca da Pátria trinitária que se revela no amor. Sabe-se, então,
que Deus cuida da criatura e manifesta todo seu amor, fazendo-se companheiro de jornada,
pois “a solidariedade total do Nazareno com a condição humana ensina que nada do que é
humano é estranho ao Deus que nele se revela e, por isso, nada do humano pode ser estranho
à Igreja do Deus trinitário.”
171
É essa fecundidade da fé trinitária que marca a originalidade
de Deus na história e testemunha o amor pela humanidade. Ao vislumbrar um pacto solidário
em defesa da vida é fundamental abrir-se aos problemas do tempo e crer que a única solução
possível será o amor de uns para com os outros, no peregrinar dos que reencontram a beleza
no aqui e agora em face da eternidade.
171
FORTE, Bruno. O Mendicante do Céu, p. 60.
79
3 A NOVIDADE DA SOLIDARIEDADE CRISTÃ
A cultura antropocêntrica e o império da razão compartilham de uma visão
secularizada e individualista. Paradoxalmente, a civilização do presente ostenta sinais de
poder e prosperidade a favor dos países ricos, enquanto, na outra margem, estão os
empobrecidos e oprimidos marcados por ambições e explorações injustas. Frente a isso, se
impõem as questões: como Bruno Forte desenvolve uma teologia cristã atenta a questão da
ética e da alteridade para os nossos dias? É possível educar para uma cultura solidária? Para
tanto, os princípios da solidariedade precisam ocupar lugar em nosso modo de ser e viver.
“Diversamente de qualquer ideologia, que aprisiona o homem, a fé é um contínuo converter-
se ao Outro, uma contínua entrega do coração a Deus na oração.
172
Nesse contexto de
conversão é possível ser contraponto para a civilização pós-industrial. Vivendo em um
suposto tempo de autonomia e auto-consumação, perdeu-se a consciência de heteronomia e
transcendência. Os seres humanos, de modo geral, deixam-se orientar pela imanência e por
atitudes egoístas, gerando, assim, uma ruptura nas relações solidárias entre os sujeitos.
Consideravelmente, Forte reflete a experiência histórica, da práxis humana, o que faz
repensar um novo jeito de conviver, desenvolvendo a consciência e o despertar para uma
responsabilidade ética, solidária e transformadora do ser humano. Aprofunda uma
espiritualidade que os mantenha juntos no compromisso de constituir uma via de comunhão
solidária, especialmente com os mais pobres e os mais fracos do Reino, como possibilidade de
salvaguardar a vida. Esses desafios, porém, não pretendem ser soluções imediatas, mas
apontam para possibilidades de colocar Cristo no centro da história para um novo jeito de ser
e viver, entre os múltiplos desafios do tempo e da Eternidade.
173
No protagonismo do Reino há um desejo de instaurar uma sociedade de tal maneira
ética e solidária que visualize o sentido do existir. Nessa via inevitável de acesso às crises da
humanidade, acontecem as fortes pretensões da história contemporânea, a qual manifesta o
desejo de retirar Deus da história. O secularismo e o vazio da insatisfação ameaçam a vida em
toda a sua plenitude. Nesse evento, o mais assustador é o transbordamento da barbárie e o
172
FORTE, Bruno. O Mendicante do Céu, p. 187.
173
Bingemer reflete a ideia de uma sociedade nova, na qual todos possam fazer parte do Reino: “A nova
sociedade, que proclama o anúncio do Reino de Deus, é uma sociedade apoiada na igualdade, na fraternidade e
na solidariedade. por conseguinte, no Reino de Deus não se toleram marginalizações de nenhum tipo. [...] a
sociedade que Jesus quer instaurar é de tal maneira solidária e fraterna que nela o que quiser ser o primeiro deve
ficar em último lugar. (Mc. 9, 35 par; Mt.19,30-20,16; Lc.13,20). E por isso nessa sociedade os preferidos são os
mais desprovidos e os mais infelizes.” (Cf. BINGEMER, Maria Clara L. Jesus Cristo: Servo de Deus e Messias
glorioso. São Paulo: Paulinas; 2008, p. 45).
80
fascínio dos paradigmas ideológicos que esvaziam verdades eternas e imutáveis. Não
obstante, a comunidade cristã necessita voltar-se para Deus e retomar o caminho da
transmutação fazendo a escolha do Eterno.
“Para poder atrair as pessoas a Deus, a Igreja necessita voltar continuamente a Ele,
pertencer-Lhe sem reservas e sem vínculos e tomar o caminho da reforma e da
conversão, no reconhecimento das próprias culpas e na alegre confissão do Eterno que
visitou o tempo, para que o tempo acolha o Eterno. É esse o paradoxo do Evangelho,
que dá sentido à vida de forma não-ideológica e funda um horizonte de motivações
éticas capazes de fazer enfrentar o cansaço de viver e de existir para os outros. Voltar
a proclamar essa verdade simples e grandiosa é o dever mais urgente solicitado dos
que creem, seja qual for sua experiência e sua responsabilidade na história.”
174
Sem dúvida a insistente raiz do evangelho, do voltar-se para Deus, inclui uma
profunda consciência crítica e teológica. Na visão de pertença do Reino a prerrogativa de
Forte “faz a experiência Daquele que é fogo devorador e advento que sempre surpreende.”
175
Definindo as razões do viver juntos conclama para uma atitude ética de doação sem medidas.
Isso compromete a humanidade a buscar e reencontrar a paixão pela verdade e pelo amor.
Percorrendo os caminhos do advento nota-se que na teologia do despojamento total, na Cruz
de Cristo encontra-se o sentido da vida. É dessa forma que acontece o encontro de alteridades
na aliança do amor e da responsabilidade ética pelo outro. Forte delineia, a partir de Levinas,
a relação ética que se estabelece entre o finito e o infinito.
A ética é o campo que delineia o paradoxo de um infinito em relação ao finito sem se
negar nessa relação. A ética é a explosão da unidade original da percepção
transcendental - isto é, além da experiência. Testemunhado – e não tematizado – no
sinal feito para o outro, o Infinito exprime-se a partir da responsabilidade para com os
outros, de um pelo outro, em um sujeito que tudo suporta - submetido a tudo -, ou
seja, que sofre por todos e é responsável por tudo.
176
3.1 Aproximação entre atualidade e eternidade
Os complexos paradigmas do tempo atual interferem na sociedade e a desafiam na
inquietante busca do Eterno. O drama e o fascínio das presunções ideológicas podem
ocasionar a opção pelo efêmero, o qual ameaça a humanidade. Vive-se a era do vazio interior
e, incessantemente, os sujeitos da história dispensam-se dos problemas existenciais, das
174
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 13.
175
Ibidem, p. 14.
176
LEVINAS, Emmanuel. Altrimenti Che Essere, p. 186.
81
preocupações e responsabilidades adjuntas, do mundo globalizado. Nessa abordagem há uma
“hipótese de que o outro seja a verdadeira questão de nossa atualidade.”
177
Para Forte o outro
encontra-se em condição de êxodo, em situação de emergência, em busca de referência
existencial. Na crise da modernidade, o ser humano encontra-se em busca de referências que
evidenciem o sentido da vida e aponte para o Transcendente.
[...] o ser humano abandonado à mercê de si mesmo, o desejo de poder da razão
ideológica encontra campo favorável: onde se perdeu a relação com o Transcendente
está aberto o caminho para qualquer manipulação. Na base da crise da modernidade
detonada em plena evidência na parábola trágica da ideologia em todas as suas
expressões, tanto da esquerda quanto de direita – situa-se, em suma a perda do sentido
da verdade e, consequentemente, o esquecimento do valor infinito da pessoa e de sua
autêntica liberdade.
178
A pretensão absoluta da razão moderna cultua na humanidade a ‘teologia da solidão’ e
um aguçado individualismo, no qual se perde a perspectiva solidária de uns para com os
outros e a própria relação com o Transcendente. No decorrer da história, a corrida pela
autonomia racional e a luta pelo poder esvaziam-se do sentido do bem, perderam os
fundamentos da esperança, o que redunda no ceticismo excludente da verdade, a ponto de
negar Deus. Forte faz sua reflexão, a partir da visão de Guardini, referindo-se a uma única via
coerente para sair da crise.
Para sair da crise só existe um caminho: abrir os olhos diante da verdade, sem se
fechar na asfixiante hipertrofia da subjetividade. É preciso sair do eu, olhar com
coragem para fora de si, para a verdade das coisas confrontar-se com o outro próximo
e imediato e com o Outro Transcendente e soberano. [...] Mantém sempre fortalecido
e elevado o sentimento pelo valor da consciência e pelos legítimos direitos da
subjetividade, [...] em grandes modelos, que souberam reunir a força objetiva da
verdade à valorização do mundo interiorizado.
179
Todavia, o paradigma transformador, é sem dúvida, a coragem de olhar a verdade do
Evangelho, solidariza-se com o outro e abre-se ao Transcendente e Soberano da história. Essa
contínua e irrecuperável crise da humanidade versa sobre a emancipação iluminista, de
verdades absolutas em versão burguesa, que menospreza o outro e minimiza o sentido da
esperança. Isso significa dizer que “onde a posse é tudo, não existe espaço para o êxodo, [...] e
a ditadura do proletariado não está aberta à novidade do advento.”
180
A complexidade dessa
177
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 11.
178
Idem. Um pelo Outro, p. 128.
179
Ibidem, p. 129.
180
FORTE, Bruno. Nos Caminhos do Uno, p. 192-193.
82
questão, permeia os riscos da globalização, e do manejo das superpotências do mundo que
valorizam uns, em detrimento de outros e esquecem a relação com o Transcendente. O grito
profético necessário, de aproximação entre tempo e eternidade, certamente será o desafio de
buscar o Transcendente. Forte acrescenta que, juntos, os diferentes grupos sociais encontram
pontos comuns de libertação e salvação.
Fica claro que não são apenas os ricos e os poderosos que comandam a sorte dos
outros: a barca do mundo é habitada por todos, e é pela união de todos que ela pode
ser erguida para o naufrágio coletivo ou para portos comuns. Só se crescerá juntos:
não é possível um mundo onde a expansão econômica, social, cultural e política de
alguns possa prescindir do escândalo da miséria de outros.
181
A união de todos pode ajudar a formar redes de interdependência, para uma tomada de
consciência nas quais, a sobrevivência do mundo será possível pela unidade dos povos, onde
não acontecerá discriminação e injustiça. Que haja equilíbrio e tolerância para viver com
dignidade e alcançar o Transcendente. Talvez o caminho que ajude a se voltar para o Eterno
consista na capacidade de reconciliação entre os povos. A reaproximação entre tempo e
eternidade conduz para o amor e interpela para interiorizar mudança de vida e conversão
interior. O perdão ajuda-nos a viver de maneira intensa, livre e amorosa, podendo repensar
soluções para a questão da irreversibilidade.
182
Essa atitude reconciliadora busca a superação da injustiça social, gera atitudes éticas e
comportamentos compatíveis com os valores do reino de Deus. Sem dúvidas, vive-se uma
crise, sem precedentes na história humana, o que suscita dúvidas para um agir coerente no
propósito de escutar o Transcendente. O fato de escutar evidencia uma urgência de decisão e
consciência histórica que saiba enfrentar as falsas seguranças do próprio existir, na superação
do individualismo que pode gerar a morte do coração. O senso de responsabilidade do sujeito
histórico remete à transformação de uma nova decisão solidária do indivíduo.
181
Idem. A Guerra e o Silêncio de Deus, p. 40.
182
Diante dos conflitos da sociedade contemporânea a capacidade de perdoar e indispensável ao ser humano. “A
única solução possível para o problema da irreversibilidade – a impossibilidade de se desfazer o que se fez, [...] é
a faculdade de perdoar. A solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica incerteza do futuro, está
contida na faculdade de prometer e cumprir promessa. As duas faculdades aparentadas, pois a primeira delas –
perdoar – serve para desfazer os atos do passado, cujos ‘pecados’ pendem como espadas de Dâmocles sobre cada
nova geração; segunda – obrigar-se através de promessas - serve para criar, no futuro, que é por definição um
oceano de incertezas, certas ilhas de segurança, sem as quais não haveria continuidade, e menos ainda
durabilidade de qualquer espécie, nas relações ente os homens.”
(Cf. ARENDT, Hannah. A Condição Humana.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 248-249).
83
A urgência da decisão impede o homem de confiar em um sentido já disponível, em
um quadro já dado: diante do anúncio do Reino que vem, [...] só encontra o sentido do
próprio existir quando decidindo-se à acolhida, à autenticidade de uma vida, que
liberta da prisão das falsas seguranças e da morte do coração. A responsabilidade do
sujeito humano em sua singularidade resulta de tal sorte acentuada que dá a impressão
de uma ‘teologia da solidão’ em que, no fim, o poder do reino do futuro é entregue nas
mãos do presente da decisão solitária do indivíduo.
183
Essa urgência de decisão trata do arrefecimento da alteridade de Deus, no qual a
pessoa deixa de abrir-se ao Reino. É preciso alcançar uma historicidade aberta, sob o prisma
do presente humano e do futuro de Deus. A humanidade encontra-se em transição e, por
vezes, vive o mundo do caos.
184
A esse contexto pergunta-se: como encontrar a esperança
perdida? Como ser protagonista de um novo Reino? Como apontar os caminhos de Deus para
uma sociedade secularizada? Frente a tais questionamentos, existe, quem sabe, a
possibilidade de estar atenta aos sinais dos tempos e buscar a verdadeira face do Cristo
Ressuscitado.
3.1.1 A singularidade solidária de Jesus
Falar da singularidade de Jesus, em perspectiva solidária, significa olhar a história não
só do ponto de vista da novidade imutável, mas em sua manifestação do amor de Deus pela
humanidade. Um Deus que acolhe a humanidade em seu filho Jesus e por Ele revela todo seu
amor. “Não se compreenderá a vida de Jesus, sem a cruz, como também não se compreenderá
a cruz sem o caminho para ela. E por isso que a comunidade das origens pode reconhecer no
Nazareno ‘o homem das dores’ de que fala o profeta. (cf. Is.53,3).
185
É na singularidade da
cruz que a humanidade poderá encontrar o maior gesto de solidariedade e amor possível pela
salvação de todos. O sofrimento e a morte na cruz tornam-se, certeza e esperança na
Ressurreição. Uma história de amor revelada na luz trinitária.
A história da paixão aparece então como a consumação suprema da entrega de Jesus
ao Pai por nosso amor: na luz trinitária revelada plenamente na Páscoa, mas já
presente na relação filial única e exclusiva do Nazareno com Deus, ela é a história do
Filho na carne, o seu caminho para a alteridade, ao encontro da morte do
183
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 141.
184
A Igreja, através da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, olha à condição humana. “Na verdade, os
desequilíbrios que atormentam o mundo moderno se vinculam com aquele desequilíbrio mais fundamental
radicado no coração do homem. Com efeito, no próprio homem muitos elementos lutam entre si. Enquanto, de
uma parte, porque criatura experimenta-se limitado de muitas maneiras, por outra parte, porém, sente-se
ilimitado nos seus desejos e chamados a uma vida superior.” (Cf. Gaudium et Spes, n. 230).
185
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 277.
84
despojamento incondicional de si para dar-se ao Pai e levar-nos consigo para sua vida.
186
A história da paixão solidária encontra o êxodo e despoja-se até as últimas
consequências o que garante a plenitude da vida. O amor que se revela na ternura do Pai e na
compaixão por todos da terra se expressa na “singularidade única e irrepetível do Nazareno,
funda-se no fato de que Ele, na Páscoa, foi proclamado Senhor e Cristo, isto é, foi
ressuscitado, recebendo aquela abundância do Espírito (cf. Rm. 1,4).”
187
Esse
reconhecimento da história, nas origens da comunidade cristã, orienta o presente e encaminha
o futuro, na experiência Pascal de Jesus de Nazaré, na qual todos participam. Forte assim a
expressa:
Esse processo de ‘releitura pascal’ da história desenvolveu-se segundo um duplo
movimento: de um lado, partiu do presente da comunidade em direção a Cristo,
interrogando-se sobre a razão por que ele constitui o objeto de um interesse supremo;
de outro, foi do Ressuscitado ao hoje dos crentes, para reconhecer os sinais e os
instrumentos de sua presença. [...] Singularidade e contemporaneidade do
Crucificado-Resssuscitado constituem, assim, as duas dimensões fundamentais,
segundo as quais se exprime o alcance do evento pascal para todo o caminho do
tempo.
188
A singularidade de Cristo constitui o alcance do evento pascal para a humanidade. Da
mesma forma, em que traduz a redenção subjetiva da decisão humana no tempo. A questão
fundamental da singularidade de Jesus Cristo centra-se em ser Ele o ungido do Pai na
plenitude do Espírito Santo. A confissão originária dessa singularidade solidária de Jesus “é
aquela que acolheu o dom de Deus, como ninguém jamais tinha acolhido, na história de sua
obediência incondicional e dedicação voluntária ao Pai.”
189
Nessa tendência a teologia situa a
própria alteridade de Deus que reserva tempo aos homens e às mulheres da atualidade. É aqui
que Deus faz um pacto, oferecendo-se, incondicionalmente, na força do Espírito Santo.
Assim, todos participam do seu amor solidário no oferecimento da vida.
Em Jesus há possibilidade de reler a história e abrir-se ao outro, que não despreza o
mundo, mas o acolhe em toda sua originalidade. Cuida do que é terreno e pressupõe salvação.
Considera também a cristologia da fé no Ressuscitado. Um Deus que supera a morte e
186
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 284.
187
Ibidem, p. 307.
188
Ibidem, p. 305.
189
Ibidem, p. 308.
85
anuncia no horizonte histórico a libertação da humanidade.
190
A esperança na ressurreição é
sinal de vida e salvação. O que lembra a presença do Redentor, como imagem revelada e o
primogênito de toda criatura. Portanto, Jesus é o enviado do Pai para cumprir a sua vontade e
resgatar todos pelo seu amor.
191
Outro aspecto imprescindível da singularidade de Jesus de Nazaré é, sem dúvida, a
presença da comunidade nascente que se revela impregnada de esperança pascal. Esse
mistério contém toda caminhada de Jesus presente na história como também a nossa própria
história. Sonda-se aqui a história trinitária que cuida e edifica o Reino, de modo que a história
humana possa ir ao Pai por Cristo no Espírito. Para Forte “a ressurreição não encerra a
história na revelação antecipada do fim, mas abre o caminho do tempo, na promessa da
presença consoladora do Deus trinitário, para o futuro, que ele prepara para o homem e com o
homem.”
192
A excelência do ser humano encontra seu fundamento no amor solidário de Deus,
que assume a vida até as últimas consequências. Não obstante, a mudança do coração e da
vida acontece pelo encontro com a Palavra da cruz libertadora. É a presença de um Deus fiel
que abraça o êxodo e a possui na comunhão de sua própria alteridade.
Jesus é o Cristo, o Ressuscitado o Senhor da Vida, que vive o êxodo deste mundo para
o Pai, o “reditus” à gloria da qual veio. Ele é a testemunha da alteridade de Deus em
relação a este mundo, do Último em relação ao penúltimo, revelado como tal no
julgamento da Cruz e Ressurreição do Pobre. Ele é o doador do Espírito Santo, a água
viva que brota das fontes eternas para atualizar no tempo o dom de Deus e conduzir os
homens à glória dele, todo em todos.
193
3.1.2 Profecia: êxodo solidário
Profecia e êxodo um paradigma, cujo fenômeno se reveste da historicidade que
emerge no tempo e proclama as verdades de fé, no encontro de reaproximação entre êxodo e
advento, sobretudo, no caminhar humano e no divino vir. Assim, a teologia torna-se profecia
190
A singularidade de Jesus recapitula o mistério pascal e tem sua ênfase na ressurreição. “A própria fé na
ressurreição é um poder vivo que ergue pessoas e que, em vista do futuro da vida, as liberta das ilusões mortais
do poder e do ter. O anúncio da’ ressurreição de Cristo’ é um enunciado que faz sentido no horizonte da história
da libertação dos homens dos poderes da destruição e da morte por ela mesma inaugurada. Como acontecimento
descobridor do futuro e inaugurador de História, a ressurreição de Cristo é razão e promessa da vida em meio à
história da morte.” (
Cf. MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo: cristologia em dimensões messiânicas.
Petrópolis: Vozes, 1992, p. 324).
191
Um Deus que se faz humano pela salvação de todos. “Veio portanto o Filho, enviado pelo Pai. Foi n’Ele que,
antes da constituição do mundo, o Pai nos escolheu e predestinou a sermos filhos adotivos, por quanto foi de Seu
beneplácito restaurar n’Ele todas as coisas. [...] Para cumprir a vontade do Pai Cristo inaugurou na terra o Reino
dos céus, revelou-nos Seu mistério e por sua obediência realizou a redenção.” (Cf. Lumen Gentium, n.3).
192
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 314.
193
Idem. Anunciar hoje Jesus Cristo, único Salvador. Teocomunicação, p. 760-761.
86
e reafirma relações de convívio na companhia, à luz da memória da Palavra de Deus, que se
realiza na história. Para Forte a junção entre memória e companhia é ao mesmo tempo
pensamento profético.
O impacto do advento divino sobre o êxodo humano é de tal sorte que abre novo
futuro em todo ‘hoje’ da história em que se realiza. Se a reflexão crente fosse memória
sem companhia, seria nostalgia estéril, recordação morta; se fosse companhia sem
memória, seria ideologia presunçosa ou pura sociologia; enquanto é ao mesmo tempo
memória e companhia, ela é também e propriamente pensamento profético,
significativo e transformante para o pensamento do mundo.
194
O encontro entre advento e êxodo abre-se à história e instaura o trinômio da
memória, companhia e profecia, capaz de transformar o mundo. Nessa manifestação profética
compreende-se: que “êxodo é o mundo da temporalidade, o humano caminhar que se abre ao
futuro e, na fé, demonstra procurar uma pátria. [...] O advento é o mundo da eternidade
enquanto se volta para o homem e visita sua casa, é o livre autodestinar-se de Deus para a
criatura e o gratuito dom da autocomunicação divina:”
195
Essas duas categorias compõem
uma relação de identidade e diferença, numa só unidade. Sob esse encontro, acontece a
profecia, na qual o êxodo se abre para o surpreendente dom de Deus, o que permite o ingresso
divino na história. Nesse sentido a profecia torna-se uma força nova do viver, que impulsiona
o peregrinar humano e o ingresso divino na história.
A profecia é movida pela exigência de pensar o encontro entre êxodo e advento de
forma que o caminho de êxodo da existência humana sempre mais se abra ao dom
surpreendente de Deus e o ingresso divino na história cada vez mais ofereça um
horizonte de sentido e uma força nova de viver a condição de peregrinos. Êxodo e
advento apelam, com efeito, um ao outro. A revelação divina não acontece no vazio, e
sim na história, para voltar-se a homens concretos e oferecer-lhes o dom gratuito e
maravilhoso da vida que vem do alto: por nós homens e por nossa salvação.
196
A profecia como lugar de encontro revela-se na história, e integra todos no coração
solidário de Deus para serem protagonistas do amor, na gratuidade da vida. Diante das
ambiguidades do mundo, Deus revela-se, através da Palavra e por meio dos profetas, para
instaurar a cultura do amor e anunciar que Deus se ocupa da condição humana. É graças à
profecia teológica que a salvação entrou no coração inquieto e sofrido da humanidade.
194
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 176.
195
Idem. L’Eternità nel tempo, p. 29.
196
Idem. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p.176-177.
87
Nesse peregrinar, a Escritura é fundamento profético e proclama o Reino, de modo
que possa transformar a vida, ao apontar uma aproximação entre o humano e o divino. Ao
longo da história os profetas exerciam formas distintas de anunciar a Palavras de Deus e
proclamar o tempo de conversão. Pode-se considerar a profecia um fenômeno reconhecido
nas origens das comunidades cristãs, cuja missão versa sobre o anúncio de Deus na história
humana.
197
A profecia, iluminada pela Palavra de Deus, assume o dinamismo de anunciar as
verdades do Evangelho, denunciar as injustiças da história e proclamar o tempo da Graça do
Senhor.
O hoje da salvação vem impregnado do espírito profético, de conversão e libertação,
capaz de mudar o estilo de vida. O caminho de alteridade do ser humano passa pelos
crucificados da história e busca serem introduzidos de maneira nova na Ressurreição de Jesus.
Uma esperança que tem suas raízes no anúncio da Boa Nova, fundado no Evangelho. Para
Forte, Jesus Cristo é o centro da história no qual, a humanidade experiencia a companhia de
um Deus que não abandona os seus discípulos.
Se Cristo está no centro de nossa vida e da vida da Igreja inteira, se ele é Aquele ao
qual permanecemos agarrados, unidos à sua Cruz, iluminados pela sua Ressurreição,
então não podemos colocar-nos fora da história de sofrimento e de lágrimas na qual
Ele veio e onde consolidou a sua Cruz para nos estender a potência da sua vitória
pascal. Os discípulos da Verdade que salva nunca mais estão sós: eles estão com Ele,
a serviço do próximo, vivendo assim a companhia do Deus conosco.
198
A companhia do Deus conosco coloca-nos em atitude de escuta. Ele veio para
restaurar o coração humano e proclamar o anúncio de seu reinado perene e universal. No
mundo da temporalidade, o êxodo humano abre-se ao futuro da fé em busca da verdadeira
Pátria. Enquanto exodal o peregrinar humano, busca vencer a obscuridade e encontrar o
sentido da vida e da morte. É, então, no mistério da fé que Jesus, o profeta do Pai, faz sua
oferenda na Cruz pela redenção da humanidade e proclama o reino do Pai.
199
Deus, no seu
197
O profeta torna-se o mediador da palavra entre o divino e o humano. “O profetismo é um, fenômeno comum
nas culturas do antigo Oriente e, sobretudo, no antigo Israel, com manifestações em tempos posteriores. [...]
Trata-se da existência de pessoas que se sentiam, apresentavam e falavam perante a comunidade como
portadoras de mensagens divinas. Tais pessoas recebem designações diferentes nas suas respectivas culturas e
línguas.
[...] O termo profeta, que deriva da tradução que a versão grega da Septuaginta atribui aos nomes
semíticos originais: prophetes. Este termo deriva do verbo pro-phemi, significando ‘ falar diante de’, ‘falar em
nome de’. De uma forma geral, profetas são mediadores entre divindades e seres humanos.” (Cf. REIMER,
Haroldo. Profetismo In: BORTOLLETO, Fernando Filho. Dicionário Brasileiro de Teologia. São Paulo: ASTE,
2008, p. 813).
198
FORTE, Bruno. Anunciar hoje Jesus Cristo, único Salvador. Teocomunicação, p.763.
199
Jesus proclama o reino do Pai e realiza a missão profética. “Cristo, o grande profeta, que pelo testemunho da
vida e a força da palavra proclamou o Reino do Pai, realiza a sua missão profética, até a total revelação da glória,
[...] a fim de que a força do Evangelho resplandeça na vida.” (Cf. DH, n. 4161).
88
infinito amor, envia seu Filho para revelar o Evangelho aos pobres e curar os de coração
contrito. Deus, em seu advento, entra na história humana para transformá-la e revelar o seu
amor, o que evidencia uma relação de amor entre o divino e o humano, o qual não se esgota.
O êxodo humano em sua história espera ser libertado e caminha na esperança do
Ressuscitado. Em sua fidelidade, Jesus mostrou o caminho para que a humanidade possa
refugiar-se no coração solidário de Deus e assim participar do seu mistério de amor. É nesse
tempo exodal que Deus faz aliança com o povo e favorece a liberdade de todo o tipo de
escravidão. Em Forte vai-se percebendo que o Deus da Cruz é também o Deus da esperança.
“O Deus que age e se revela na morte de seu Filho dileto
[...] é também a esperança
vivificante da existência humana e cristã.”
200
Essa manifestação da esperança, em Jesus
Cristo, dignifica a vida e a reafirma como lugar do evangelho.
3.1.3 A vida como lugar do Evangelho
As potencialidades múltiplas e diversas do humano implicam diretamente na
valorização da vida e na exigência de pôr-se à escuta do outro. É preciso reconhecer no tempo
o pensamento da companhia que o envolve como lugar e expressão do Evangelho. A vida
humana, no contexto paradoxal da sociedade atual, necessita de princípios éticos fundados na
civilização do amor, o que favorece o encontro entre humano e divino. Nesse sentido, o lugar
do Evangelho requer unidade e diversidade para compreender a dimensão do amor. Exige
ainda, abertura para uma permanente escuta, o que formaliza diálogo autêntico entre êxodo e
advento. Nessa perspectiva evangélica da vida, “o diálogo será baseado como exigência
imprescindível da vocação humana e cristã.”
201
Narrar o amor e abrir-se ao diálogo solidário, contribui para alimentar a práxis da vida
como lugar de escuta e anúncio do Evangelho. A escuta do tempo é fundamental para o
discernimento de opções que permeiam a história humana. Já no Antigo Testamento, o ser
humano é exortado a proclamar o amor a Deus, na promessa de amá-lo de todo o coração e de
todo o entendimento. Forte propõe o amor como condição de vida e plenitude:
O amor é por si mesmo irradiante, difusivo, origem primeira e sempre nova de todas
as vidas, de todas as saídas da morte. Nascemos por amor; vivemos por amor; sermos
amados é alegria da vida não o ser e não saber amar é infinita tristeza. “Quem não ama
200
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p.192.
201
Idem. Na Memória do Salvador, p. 130.
89
permanece na morte”(1Jo.3,14.), não nasce para a vida, pois o amor é a experiência
original e originante da existência, o êxodo original que é, ao mesmo tempo, o
misterioso e original advento do dom de existir.
202
Na complexidade do mundo moderno, a essência da vida fundamenta-se na virtude do
amor, sem o qual a dialética da alteridade e da comunhão não encontraria eco no coração
humano. O lugar do Evangelho, nos patamares da vida, cria pontes de comunicação e revela o
amor de Deus como fonte geradora de vida.
203
É na trajetória humana que a misericórdia de
Deus manifesta todo seu amor pela humanidade. Um amor assumido na solidariedade, e em
sua essência, vai ao encontro do outro e o transforma. A alegria da vida consiste na
capacidade de enaltecer o outro, valorizá-lo e formar consciências protagonistas do amor
evangélico. Forte confirma a Palavra, ao referir-se ao grande mandamento:
Jesus quer afirmar que o amor é o resumo de todos os mandamentos: ‘amarás o
Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento. Esse é o
grande e primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os
profetas’
(Mt. 22,37- 40). Por isso, o Nazareno critica a hipócrita abolição dos deveres
filiais mediante a oferenda sagrada (Mc. 7,9-13), e denuncia os doutores da Lei como
mentirosos, devido às suas obras, que contradizem o bem que pretendem ensinar
(Mt.23,3). Censura a sua presunção de serem justos (Lc.18,9-14), recordando ao
homem a exigência moral de agradar ao Pai, que vê no segredo.
204
O chamado para viver a dimensão do amor é a síntese do Evangelho e a premissa da
vida humana. A vida doada de Jesus, toda orientada para a cruz, tem seu fundamento no amor
que se doa na plenitude. “Jesus de Nazaré é o Servo, o inocente que sofre por puro amor sob o
peso da injustiça do mundo.”
205
para salvar a todos e devolver-lhes a vida. É no âmago da
vida divina que Jesus anuncia a misericórdia do Pai para com todos os sofredores da história e
202
FORTE, Bruno. Na memória do Salvador, p. 131.
203
A vida como lugar do Evangelho se fundamenta no amor de Deus pela humanidade. “O amor de Deus é
aquela parte da Sua natureza que O move a doar-se a Si mesmo, em termos de afeição, e a manifestar Seu
interesse em atitudes de cuidado e auto-sacrifício pelo objeto do Seu amor. O primeiro e principal objeto do
amor de Deus é o Seu próprio Filho, Jesus Cristo
(Mt. 3,17). [...] Deus ama aquele que crê em Seu Filho com
especial amor. Os que são unidos, mediante a fé em Jesus Cristo, são objetos especiais do amor divino.
[...] A
humanidade inteira é objeto de amor de Deus. Ele o expressou enviando Seu Filho, a fim de redimi-la o amor
divino é mais que misericordioso e compaixão; implica ação e identificação com o objeto do amor.” (Cf.
CARREIRO, Vanderli Lima. Amor. In: BORTOLLETO, Fernando Filho. Dicionário Brasileiro de Teologia.
São Paulo: ASTE, 2008, p. 32-33).
204
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 269.
205
Ibidem, p. 277.
90
convida para o seguimento em seu desígnio de amor. Em Jesus cumpre-se o mistério de seu
amor benevolente, o qual manifesta o reconhecimento do amor do Pai.
206
Na história, a vida redentora também se faz redimida e busca libertação dos males que
ameaçam a vida e o que impede de viver na liberdade dos filhos de Deus. O ser humano,
consciente de sua missão, retoma os valores do Evangelho e acolhe o outro em sua alteridade,
na partilha solidária dos dons. A mística da vida gesta sonhos de esperança e fortalece as
vivências éticas, portadores de valores e interpelações que nascem do coração humano. Nasce
aqui o desejo de caminhar juntos em conformidade com o Evangelho, no seguimento de uma
nova consciência responsável e comprometida em atender aos apelos da realidade ferida.
A vida, como lugar do Evangelho, desafia para uma compreensão ética na qual todos
precisam compreender-se mutuamente e reconhecer-se frágeis e abertos ao advento divino. O
Deus da vida é fiel e permanece imutável em seu amor. Sua compaixão divina acolhe a todos
e jamais os abandona. Um Deus, que, além do tempo, ama o seu povo e o exorta para viver no
amor. “É o mistério da eternidade divina, perene presença da vida que é fonte geradora de
toda a vida.”
207
É nesse mistério de amor que a vida se renova. A fonte do esforço criativo e
dinâmico é exatamente a consciência de deixar-se envolver pela história eterna do amor de
Deus para que haja transformação e renovação da vida.
3.2 O ser humano em busca do essencial
Buscar o essencial na história humana significa colocar-se na esfera do amor de Deus
e solidarizar-se com o outro que peregrina em direção à pátria. Em qualquer que seja o tempo
histórico, a esperança sempre apontará para a escatologia futura, que relembra a relação de
convivência do Criador com suas criaturas. Uma vez que o ser humano é imagem de Deus,
então, sua vocação é ser espelho de relações comunitárias abertas e favoráveis à vida, ao invés
de alienar-se às ideologias escravizadoras. O supremo valor da vida traz em si a
consciência das raízes terrestres e o desejo do convívio fraterno, condição necessária para
humanizar e civilizar a terra. Para tanto o essencial consiste em salvaguardar o amor como
206
A transformação da vida acontece no amor misericordioso de Deus. “Reconhecer o amor do Pai significa para
Jesus inspirar a Sua ação na própria gratuidade e misericórdia de Deus, geradoras de vida nova, e tornar-se
assim, com Sua própria existência, exemplo e modelo para os Seus discípulos. Estes são chamados a viver com
Ele e, depois de sua Páscoa de morte e ressurreição, também nEle e dEle, graças ao dom sobreabundante do
Espírito Santo, o Consolador que interioriza nos corações o estilo de vida de Cristo.” (Cf. CONSELHO
PONTIFÍCIO “JUSTIÇA e PAZ” Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 29).
207
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p.84.
91
atitude que nos aproxima do absoluto e de nossos semelhantes, o que propõe o maior
mandamento: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos tenho amado (Jo.15,12).”
A essência humana precisa encontrar seu lugar no universo. O valor humano deve ser
recuperado de modo que o essencial encontre o seu lugar no plano salvífico de Deus. É
preciso re-despertar a dignidade humana presente em cada ser, muitas vezes esquecida pela
sociedade atual. Em qualquer situação da vida, o ser humano precisa ser cuidado e a
dignidade ética ressaltada. Saber cuidar da vida é tarefa complexa e diversifica, porém ajuda a
colocar os dons para conviver equilibradamente com as incertezas, além de saber lidar com a
crise de civilização pela qual passa a humanidade. Diante das crises e utopias do tempo
emerge a consciência crítica da história, pois “diante das ruínas da cultura moderna, nasce o
problema de uma nova cultura, de um novo mundo a ser construído, no qual todos tenham
como viver.”
208
O fio condutor para os desafios da vida reveste-se do tempo histórico e inclui o éthos
como base e riqueza da alteridade do outro. Sabe-se, então, que a condição necessária para o
enfrentamento das crises da modernidade são os princípios fundados no amor e na tolerância.
Nesse sentido, a teologia cristã focaliza o desenvolvimento ético e uma possível alteridade para os
nossos dias, favorecendo as relações de convivência e os colocando em sintonia com Deus. Para o
teólogo italiano a questão da alteridade faz relação entre o Tu e o nós, o que, confirma a origem
do amor como fonte inspiradora de vida.
A alteridade reclamada pelo amor é um verdadeiro tu, um verdadeiro nós. A
comunidade é a casa do amor; ela traduz no concreto dos nossos dias a verdade da
história do amor. Como tal, a comunidade requer ser a soma de muitas livres
proveniências do amor; para percorrer um caminho comum, exige-se não apenas uma
mas muitas gratuidades.
209
A dimensão do amor caminha pelo foco da gratuidade e na história cotidiana estende-
se aos problemas reais e angustiantes da condição humana. Sabe-se, então, que a sociedade
fragmentada afasta o ser humano de seu centro de relações com Deus. Diante do desejo de
retorno a esse centro, o melhor caminho parece ser o de uma educação abrangente e
transcendente, que leve em conta a plenitude do ser humano como sujeito espiritual. Tal como
vemos, o dom da gratuidade, mostra-se na relevância ética, e faz a experiência subjacente da
solidariedade o que possibilita uma prática transformadora. A verdadeira consistência do
208
FORTE, Bruno. À escuta do Outro, p. 11.
209
Idem. Na memória do Salvador, p. 132.
92
êxodo humano adere à prática de abrir-se ao Outro e de hospedá-lo em si. A manifestação da
fé cristã exige esforços conjuntos que privilegie o desenvolvimento humano sustentável com
base em princípios éticos. Forte assim propõe:
A qualidade ética da ciência não está em suas possibilidades nem em suas pretensões
de absolutidade, mas em estar consciente dos próprios riscos e das próprias
capacidades no campo ético e social, para inserir-se ordenadamente em um projeto de
humanidade solidária e de responsabilidade moral com todo ser humano.
210
Em se tratando da vida, o essencial consiste num projeto ético solidário cuja
responsabilidade moral possa gerir interpelações de unidade entre o humano e o divino.
Talvez o primeiro impacto de salvação possa estar sustentado pelos princípios de
solidariedade, unido à gratuidade cristã que acontece no exercício da caridade fraterna.
211
Cristo torna-se, então, a permanente revelação do Pai e a concreta ação do Espírito Santo,
podendo a humanidade participar, no vínculo do amor solidário, que os torna irmãos uns dos
outros.
3.2.1 Em busca do esplendor de Deus
A reflexão teológica procura compreender o essencial e mostra-se atenta às questões
da ética e da alteridade solidária para os dias atuais. Mesmo na consciência de seu limite,
busca respostas, às situações angustiantes e perplexas da humanidade. A época atual exalta a
cientificidade da razão, supervaloriza a beleza estética e impõe como verdade a paixão pelo
virtual e por tudo aquilo que triunfa. Vive-se a era da vulnerabilidade e da fragilidade
humana. Há que se repensar uma nova perspectiva cristã que vença o individualismo e
encontre a essência do belo no esplendor de Deus, compreendendo a beleza como experiência
que salva a humanidade. “Será preciso recuperar o sentido da beleza e da contemplação.
210
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p. 132.
211
O essencial emerge da solidariedade que doa a vida por amor. “O vértice insuperável da perspectiva indicada é
a vida de Jesus de Nazaré, o Homem novo, solidário com a humanidade até à ‘morte de cruz’ (Fl.2,8): nEle é
sempre possível reconhecer o Sinal vivente daquele amor incomensurável e transcendente do Deus-conosco, que
assume as enfermidades do seu povo, caminha com ele, salva-o e o constitui na unidade. NEle a solidariedade
alcança as dimensões do próprio agir em Deus. NEle, e graças a Ele, também a vida social pode ser redescoberta,
mesmo com todas as suas contradições e ambigüidades, como lugar de vida e de esperança, enquanto sinal de
uma graça que de contínuo é a todos oferecida e que, enquanto dom, convida às formas mais altas e abrangentes
de partilha. [...] À luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir as dimensões
especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da reconciliação.” (Cf. CONSELHO PONTIFÍCIO
“JUSTIÇA e PAZ” Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 196).
93
Encontrar as raízes que permitam viver nos tempos do mundo virtual, sem, contudo, perder o
fio condutor da vida que tende ao belo.”
212
A beleza entendida no mistério divino recupera a entrega solidária de Deus que se doa
na totalidade do mistério pascal, para enaltecer a beleza do Amor. Esse mistério da beleza se
revela na Cruz de Jesus Cristo e dá novo sentido ao sofrimento humano. É então, na
complexidade do esplendor divino, que “Deus faz seu o sofrimento infinito do mundo. [...] Ele
entra nas trevas da miséria humana, o sofrimento é redimido e a morte vencida.”
213
O grande
desafio da humanidade hoje é compreender: qual a verdade que salva? A Cruz Redentora,
ainda, tem sentido? Se Deus é bom, de onde provém o mal? A reflexão teológica não tem
respostas prontas para os questionamentos existenciais, mas coloca-se aberta, numa atmosfera
de redenção do ser em toda sua alteridade.
Forte sintetiza o esplendor de Deus, em toda sua beleza, no desejo fascinante que
busca incessantemente encontrar Deus dentro de si mesmo.
214
O esplendor do amor de Deus
exala o bom perfume em toda a sua profundidade. Assim a mística cristã referenciada no
amor de Deus, assume o compromisso com o outro, o que justifica a beleza salvífica, da
verdade eterna do mundo em transformação.
Em tempos de crise é preciso arriscar e confiar com paciência, encontrar os meios de
salvação e remissão da humanidade. O evento do amor revela-se na história, mostrando sua
insondável profundidade divina. Nessa perspectiva o esplendor de Deus tem sua manifestação
no amor trinitário. Confirma-se então, que “a Trindade é a origem e a casa do mundo, o lugar
transcendente de tudo o que existe.”
215
É a Trindade o lugar do amor solidário que se doa em
toda sua plenitude. Na história humana, a Cruz torna-se o ícone do amor revelado, que salva
e liberta de toda opressão. “A dor da cruz é a quênose do amor trinitário de Deus, o
aniquilamento de si que é dom de si, para que a glória da graça e da liberdade triunfe sobre a
morte do pecado e do medo.”
216
O desejo de encontrar o Outro se revela em Jesus Cristo que acolhe o coração humano
ao plasmá-lo e modelá-lo sob o olhar do amor infinito de Deus. No plano salvífico a força
incontestável do testemunho e da verdade coerente são sinais concretos deste amor
212
BRUSTOLIN, Leomar Antônio. A Beleza que Salva o Mundo. Teocomunicação, p. 30.
213
FORTE, Bruno. A Porta da Beleza, p. 67.
214
No fascínio de encontrar a beleza de Deus S. Agostinho assim a expressa: “Tarde te amei, Beleza tão antiga e
tão nova, tarde te amei! E, no entanto, estavas dentro de mim, e eu fora, a te procurar! [...] Estavas comigo, e eu
longe de ti. Prendiam-me longe de ti coisas que nem existiriam, se não existissem em ti. Tu me chamaste,
gritaste por mim. E venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor pôs em fuga minha cegueira. Exaltaste teu
perfume, respirei-o, e agora suspiro por ti.” (Cf. SANTO AGOSTINHO. Confissões, p. 337-338).
215
FORTE, Bruno. Teologia da História, p. 256.
216
Idem. Jesus de Nazaré, p. 294.
94
incondicional de Deus pela humanidade. É fundamental internalizar o sentido da quênose,
para compreender o rebaixamento de Deus que acolhe a humanidade. Um Deus que desce, em
toda sua beleza solidária, até o sacrifício da morte.
217
É preciso entender o fundamental
princípio do mistério da encarnação que revela a dimensão quenótica em sua intrínseca
dimensão dialogal com o outro na simbologia da cruz presente na história. Um Deus
infinitamente divino se faz humano para redimir, os homens e as mulheres de boa vontade.
A beleza poderá estar na quênose como manifestação da grande solidariedade de Deus
em relação à humanidade,
218
como sentimento capaz de rebaixamento e esvaziamento. Hoje
mais do que nunca se torna necessária a reconstrução do conceito de beleza e de uma nova
estética teológica, em vista de uma ética mais autêntica da fé cristã. É preciso redescobrir os
valores éticos que iluminam a vida em toda sua concretude. A beleza que o mundo mais
precisa é aquela que sintetiza o amor, rompe os limites estreitos da indiferença e acolhe os
laços fecundos da alteridade solidária, que carrega consigo o esplendor da ternura de Deus.
3.2.2 A companhia da fé solidária
A pretensão teológica, da companhia da fé, aventura-se a caminhar num mundo sem
beleza, muitas vezes equivocado pelo sentido do belo e perplexo diante das tantas
inquietações que afligem a vida em toda sua essência. É preciso redescobrir o eixo da ética e
da alteridade que suscitem possibilidades de comunhão e solidariedade com o outro. Forte
propõe uma teologia de inserção na história no movimento do amor.
A teologia, consciência reflexiva dessa comunhão toda ministerial, nasce e se realiza
no serviço. A teologia nasce do serviço enquanto deve dar-se conta, como serva fiel,
de todas as interrogações, as esperanças, as inquietudes e os dons que a comunidade
venha a ter no impacto com as situações humanas. [...] Uma teologia asséptica,
217
No divino vir a Palavra rompe o silêncio e assume a vida e a história humana. “O termo Kenose formado pelos
padres gregos a partir do verbo Kénoó, “esvaziar de si mesmo”, encontra sua origem numa expressão do hino de
Fl 2,7. A designação de Jesus como Senhor (2, 9) é precedida nesse contexto de uma sequência que descreve a
humilhação daquele que era “de condição divina”(2,6). Uma humilhação até a obediência de morte na Cruz. [...]
Jesus vem de Deus e retorna à glória de Deus, depois de ser despojado numa existência de homem. [...] No
evangelho de João, o intinerário de Cristo é também representado como uma descida e uma ascensão.” (Cf.
BRITO, Emílio. Kenose. In: LACOSTE, Jean Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola;
Paulinas, 2004, p. 983).
218
O esplendor da beleza tem sua manifestação no amor do crucificado. “A divina beleza se apresenta na cruz e
na ressurreição do Filho do Homem, quando a beleza é crucificada. [...] Na cruz encontra-se o fundamento do
amor pelo belo, que embeleza os sofredores e revoluciona o conceito de beleza. Pela fé, experimenta-se na dor e
paixão de Cristo um amor de Deus totalmente diferente: o amor totalmente altruísta. “Não há maior amor do que
dar a vida pelos amigos.” (Jo 15,13). É o amor que torna tudo o que é pecaminoso, malvado e débil, em beleza,
sabedoria e justiça.” (Cf. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. A Beleza que Salva o Mundo. Teocomunicação, p.
42).
95
construída fora da luta do impacto entre o Evangelho e a história real corre o risco de
ser infiel tanto à Palavra de Deus como à situação concreta dos homens.
219
A caminhada cristã insere-se nesse movimento adjacente entre o Evangelho e a
experiência histórica do povo. Ser companheiro de fé requer fidelidade ao amor do Pai e
coerência junto às pessoas, que caminham na dor das injustiças sociais. A sociedade
contemporânea experiencia a era do vazio e das incertezas, convive com o paradigma do
racionalismo e a dinâmica da secularização moderna, o que torna o ser humano insensível ao
plano da fé. Nesse sentido a teologia desafia para viver no tempo o anúncio da verdade cristã,
sobretudo, o amor solidário e libertador. Diante da inquietude humana a aventura de “crer é
entrar nesta companhia da fé solidária,
[...] e expressa pelo testemunho, na comunhão daqueles
que servem.”
220
O caminho da companhia percorre o senso da fé, alimenta-se da escuta e do silêncio
para narrar no tempo histórico o cuidado de Deus pela humanidade sofrida. Nessa via, o
pensamento reflexivo da fé acolhe as dicotomias de cruz e ressurreão, vida e morte que
acompanham a existência. Nesse caminhar o pensamento reflexivo da fé, enaltece a
misericórdia e a ternura de Deus, a partir de sua imensa compaixão para com a dor do povo
sofrido na experiência do êxodo.
221
A boa notícia quer ser o testemunho e sinal de esperança
como também a possibilidade de denunciar tudo aquilo que impede a manifestação do amor
de Deus pela humanidade. A partilha solidária com os irmãos sofredores, talvez seja uma
forma de confrontar as atitudes da humanidade com a dimensão ética do Evangelho.
Todo o envolvimento da fé acompanha a trajetória divina, do nascer ao morrer. Deus
vem para proclamar seu amor e fazer chegar à salvação ao conhecimento de todos.
222
Deus,
não se contentou em dizer que amava a humanidade, preferiu entrar na história e erguer sua
tenda no meio do povo que andava nas trevas. Com o gesto da encarnação Deus inundou toda
a realidade terrestre, até no íntimo dos cosmos. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em
mim.” (Gl 2,20) É no Menino vulnerável de Belém que Deus fala de modo claro e definitivo
219
FORTE, Bruno. A Teologia como Companhia, Memória e Profecia, p. 65.
220
Ibidem, p. 60.
221
A transformação necessária à companhia da fé requer consciência da misericórdia de Deus pelo povo. “O
Deus que se aproxima é um Deus amoroso, com mais ternura do que uma mãe que quer acolher a todos aqueles
que pensam que não podem se aproximar dele por causa do seu pecado. É um Deus que sai ao encontro do
pecador, abraça-o e organiza uma festa. A vida do Reino é verdadeiramente uma boa- notícia.” (Cf. SOBRINO,
Jon. Jesus, o Libertador: a história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes, 1994, p.149).
222
Pelo gesto da encarnação Deus revela todo seu amor. “Deus, que ‘quer salvar e fazer chegar ao conhecimento
da verdade todos os homens. ( 1Tim 2,4)’ [...] Quando veio a plenitude dos tempos, enviou seu Filho, Verbo
feito carne, ungido pelo Espírito Santa, para evangelizar os pobres, curar os contritos de coração. [...] Mediador
entre Deus e os homens. Sua humanidade, na unidade da pessoa do Verbo, foi o instrumento da nossa
salvação.”(Cf. Constituição Sacrosantum Concilium, n. 526).
96
de si mesmo: Ele é o grande solidário da humanidade que vem para humanizar a terra e
inaugurar um novo tempo, no qual, os povos aprendem a essência cristã e desenvolvem a
consciência ética que considera a alteridade do outro.
3.2.3 A via do amor solidário
As relações de convivência e alteridade exigem fé e testemunho para proclamar que o
Reino de Deus está entre nós. Essa epifania do amor supera o individualismo e constrói
comunidade comprometida com o Reino. A convivência pacífica e solidária entre a
humanidade depende da flexibilidade e da construção de pontos comuns na formação de redes
fundadas no amor. A ética cristã pergunta-se: como perceber o rosto de Deus, se não
reconhecemos o rosto sofrido dos irmãos? A questão da solidariedade é uma utopia ou pode
ser vivenciada na história? Se crermos no amor, como via de transformação, por que o
egoísmo é tão forte em nossos dias? Afinal, o que é a vida? E como a cuidamos? A essas
questões urge o desafio de superar qualquer atitude submissa, seja em relação a doutrinas ou
regimes que se impõe sobre a vida impedindo a circulação do amor.
A dignidade humana consiste em abrir-se à solidariedade para compreender o supremo dom
da vida no amor.
223
A vida doada no Espírito é viva e presente na história. Por isso, a
convivência humana, coaduna-se com a experiência coletiva que faz comunhão, na qual o ser
humano se encontra. Em defesa da vida, cresce a relação do Deus Trindade, que entra na
história, caminha com o povo e ama singularmente cada pessoa. Na liberdade dos filhos de
Deus oferece-lhes a libertação e a salvação histórica, mas, sobretudo, oferece seu próprio
Filho em solidariedade perfeita, expresso no texto citado por Forte:
[...] o Deus trinitário não é estranho e distante com relação à história; é o Deus-
conosco, o Deus próximo totalmente Outro na sua liberdade e transcendência, mas ao
mesmo tempo totalmente dentro no seu amor e na sua busca do homem. É o Pai que
chama o homem a si em Jesus e, nele lhe oferece a salvação e a libertação na história,
antes de dá-la no mundo futuro; é o Filho, que em tudo se fez solidário com os
223
Urge cuidar da vida em toda sua dimensão. “A vida é extremamente rara e extremamente bela. Se existe uma
nova moral que tem que ser adotada o quanto antes é justamente o dever de celebrar a vida e sua raridade. Creio
que a grande lição que aprendemos com a ciência moderna é justamente essa, que temos uma casa que, apesar de
tão insignificante, é
profundamente importante no universo. A vida é rara, a vida é preciosa. Nós temos a
obrigação moral de preservar essa vida e esse nosso planeta. Essa é a essência do ensinamento científico para o
século XXI.” (Cf. GLEISER, Marcelo. Ciência, humanidade e sobrevivência. In: SCHÜLER, Fernando. AXT,
Günter. SILVA, Juremir Machado da. (org). Fronteiras do Pensamento: retratos de um mundo complexo. São
Leopoldo: Unisinos, 2008, p. 144).
97
homens, exceto no pecado, para levá-los á comunhão divina já no seio das inauditas
contradições do presente.
224
No âmbito teológico o Filho se fez solidário com os homens, exceto no pecado, para
levá-los à comunhão divina já no seio das inauditas contradições do presente. Nessa via do
amor a conquista da alteridade é, sem dúvida, fundamento da pluralidade e razão das opções e
definições que evidenciamos ao longo do peregrinar histórico.
225
Isso postula diálogo
constante no interior da comunidade, gerando autocomunicação e ternura de Deus na história
humana. Compreende-se então, o encontro de alteridades, entre humano e divino, como fator
indispensável para que aconteça a civilização do amor.
Dessa forma, a essência do amor compreende a profunda presença cristã que
contempla a alteridade do Outro, enquanto Deus revela todo seu amor. É imprescindível que
a ideia do amor, como via solidária, torne-se realidade transformadora nos tempos atuais.
Sabe-se então que a força do amor transparece na Cruz que redime toda humanidade. Assim
se expressa o teólogo: “a cruz é a história do amor de Deus pelo mundo: um amor que não
padece a diferença, mas opta por ela.”
226
Na via do amor a ética, contribui na formação de
uma sociedade justa e solidária. É importante ainda, o desafio de priorizar a pessoa em sua
essência de vida, oferecendo-lhe os meios específicos para viver o amor.
Uma peculiaridade, na teológica de Bruno Forte situa-se na criticidade histórica ao
referendar a singularidade de Jesus Cristo na ótica do amor como fundamento evangélico. É
na história que acontece o consenso “das evidências éticas, cuja necessidade é tão difusa e
profunda em nosso presente, [...] construída sobre as inalienáveis e verdadeiras razões da
solidariedade.
227
Percorrendo essa trajetória pode-se observar o quanto a teologia cristã,
firmada em Jesus Cristo, tem contribuído para a questão da ética e da alteridade em nossos
dias. Talvez se encontre aqui, o paradigma necessário para desenhar a vida, na esfera da fé, de
modo que os sujeitos tornem-se mais comprometidos com a transformação e a justiça
proferida no Evangelho.
224
FORTE, Bruno. Jesus de Nazaré, p. 237.
225
A via do amor compreende a alteridade na concretude da vida. A alteridade é, sem dúvida, aspecto
importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não
podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la de outra. [...] Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa
diferença e distinguir-se; só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa – como
sede, fome, afeto, hostilidade, medo. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a
distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidade, e a pluralidade humana é a paradoxal
pluralidade de seres singulares.” (Cf. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008, p.189).
226
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 64.
227
Idem. Teologia em Diálogo, p. 146.
98
3.3 O específico do ser cristão hoje
A perspectiva teológica de Bruno Forte enfatiza a dimensão ética do cristão como
expressão do amor e da misericórdia de Deus. Incorpora-se também, a ideia de que não somos
felizes sozinhos, mas necessitamos uns dos outros. O espírito de coletividade desenvolve a
consciência crítica e trabalha noções de responsabilidade do cristão para enfrentar as crises do
mundo moderno. Frente aos desafios impõe-se, novamente a questão: como Forte desenvolve
uma teologia cristã atenta as questões de ética e da alteridade para os nossos dias? De que
forma os discursos éticos contribuem para uma formação cristã mais autêntica? Na liquidez
do mundo moderno há espaço para os sólidos princípios da alteridade? Diante das muitas
inquietações e da fragilidade humana urge encontrar o específico do ser cristão nos dias
atuais.
O referencial teológico investiga a especificidade cristã e evidência a questão ética ao
tentar compreender as relações socio-históricas dos sujeitos, quando articula vias de
objetividade que favoreçam o encontro entre alteridades. O evangelho propõe um novo
sentido de buscarmos no Deus Pai e Mãe, Jesus Cristo e Ruah / Espírito Santo, o equilíbrio de
uma espiritualidade que incomoda e inquieta, mas que considera o ser humano como criatura
integral, que os tira da superfície e os faz mergulhar na essência.
228
No Antigo Testamento esse vento do Espírito é uma brisa suave em outras ocasiões
pode ser um vento forte
(Is. 57,13), é o sopro da vida, é a presença de Deus. O amor de Deus flui da
economia
trinitária e, na reciprocidade, constitui relações de alteridade entre o êxodo humano
e o advento divino. Trata-se, então, de construir comunhão de modo que os que acreditam no
Deus Trindade se convertam cada dia e busquem conhecer e experimentar os seus mistérios.
Nesse caso, “a boa notícia da comunhão trinitária é que vai ressoar como a resposta
verdadeira às exigências mais profundas emergentes da crise da época presente.”
229
Quando o texto se refere ao amor de Deus, convoca a pessoa para um movimento
infinito e sem retorno. É o amor o critério pelo qual se medirá a fidelidade e a alteridade do
ser cristão. Propõe-se ao cristão, deixar-se tocar pela aliança de amor, que Deus firma, com o
228
Sintetiza-se aqui a compreensão do termo Roûah: “No Antigo Testamento, Roûah lembra o feminino e tem o
sentido físico de vento ou sopro. [...] Designa também o espírito do homem, no sentido psíquico do termo. A
presença divina do Espírito. [...] No novo Testamento, designa o sopro, o espírito de vida (Mt 27,50), mas
também o homem em sua totalidade ou ainda o homem visto sob o aspecto de sua interioridade.” (Cf.
BEAUCHAMP, Paul. Espírito Santo. In: LACOSTE, Jean Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo:
Loyola; Paulinas, 2004, p. 650).
229
FORTE, Bruno. A essência do Cristianismo, p. 102.
99
seu povo. “[...] a pessoa se torna capaz de amar quando se descobre amada primeiro, abraçada
e conduzida pela força do amor que não anula as diferenças, mas antes as valoriza na
unidade.”
230
Essa aproximação de Deus configura uma ligação, um pacto de amor com a
humanidade sofrida. Por isso, o específico do cristão, volta-se para a essência do amor nas
profundezas do Evangelho.
A essência do Deus vivo é, pois, seu amor em eterno movimento de saída de si, como
Amor amante, de acolhimento de si, como Amor amado, de retorno de si e de infinita
abertura ao outro na liberdade, como Espírito do amor trinitário: a essência do Deus
cristão é o amor em seu processo eterno, é a Trindade como história eterna de amor,
que suscita e assume e invade a história do mundo, objeto de seu puro amor.
231
A Trindade como história de amor invade a história humana e suscita no cristão o desejo de ir
além das categorias humanas, além das normas éticas estabelecidas pelos vínculos culturais e sociais.
É preciso despojar-se de si mesmo e deixar-se conduzir pela proposta de amor de Jesus Cristo. Em
Jesus encontra-se a síntese perfeita, entre o humano e o divino, o que se torna referência para o cristão.
O desafio consiste em viver na práxis o grande mandamento do amor. “Eu vos dou um novo
mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim deveis vós amar-vos uns aos
outros. Se tendes amor uns pelos outros, todos reconhecerão que sois meus discípulos” (Jo
13,34-35).
A especificidade do cristão para os dias atuais se configura com os princípios
evangélicos propostos por Jesus Cristo e atinge a humanidade em sua originalidade e
coerência radical no amor do Pai. O projeto evangélico para o cristão de hoje, supõe adesão à
missão de Jesus Cristo e compromisso de fidelidade ao Reino, o que desafia a viver, não
apenas a prática da caridade, mas abrir-se à solidariedade incondicional e considerar que “a
vida nova, proporcionada por obra de Cristo solidário conosco, nos atinge porque estamos em
Cristo: nele, por ele, com ele se opera a nossa salvação.”
232
O peregrinar humano fundamenta sua utopia na ética cristã. O conhecimento dialético
e participativo exige um pensamento comunicativo e sistemático, que reconheça a alteridade
entre o êxodo humano e o advento divino. Com isso, compreende-se a subjetividade da vida, e
os princípios éticos necessários, para uma visão mundial e um senso de responsabilidade
global. Cumpre-se aqui, o desejo de suprimir o individualismo e possibilitar o resgate de
pessoas íntegras, comprometidas com o Evangelho e com a transformação social. A questão
230
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo, p. 102.
231
Idem. A Porta da Beleza, p. 112.
232
Idem. Nos Caminhos do Uno, p. 71.
100
ética contribui para o desenvolvimento da consciência solidária e torna os sujeitos atentos e
responsáveis pela dignidade do outro. É então pela fé, que o fragmento da história busca o
Transcendente. O infinito irrompe no finito. Um encontro entre êxodo e advento capaz de
renovar o coração humano.
3.3.1 A dimensão da fé entre êxodo e advento
O desejo de transcender que acompanha o ser humano firma-se na fé e coloca-se no
limiar do êxodo e do advento. A essência do cristão tem seu fundamento no Evangelho e nos
valores norteadores da existência. Afinal, como Bruno Forte visualiza as questões éticas em
relação à fé cristã? É possível uma educação solidária que escute os gritos da criação? Quais
os impactos da fé na transformação das pessoas? Entende-se que as crenças seculares e a
supervalorização das ciências nem sempre apontam para o mundo da fé. Urge desse modo o
resgate integral da pessoa para que possa viver bem e confrontar-se com o Evangelho.
A dimensão da fé é decorrente da Palavra revelada em Jesus Cristo, narrada no amor e
na misericórdia de Deus pela humanidade, a qual une o diferente e reaproxima o distante. É
nesta perspectiva que êxodo e advento promovem o encontro da comunicação no evento do
amor de Deus pelas suas criaturas. O amor evangélico valoriza o próximo, escuta sua dor e
age em função da regeneração do outro. Essa atitude rompe as fronteiras culturais e cria
novas atitudes solidárias capazes de viver o amor. Em outras palavras, o humano volta-se para
o divino.
Em Jesus Cristo, o humano se refere continuamente ao divino, sem mescla ou
confusão, mas também sem divisão ou separação. [...] É assim que Jesus fala de Deus,
narrando Seu amor, remetendo a Seu Silêncio transcendente, e ao mesmo tempo
propondo-o como mistério santo de graça e misericórdia, que se oferece e atrai na
liberdade o que se deixa co-envolver na fé. É na realidade o amor que une os
diferentes e aproxima os distantes, sem eliminar a diferença ou a distância. [...] É
preciso falar de Deus narrando Seu Amor e, ao mesmo tempo se deve transpor o
sentido do relato às mais verdadeiras perguntas que nascem do coração humano.
233
A fé expressa na dinâmica do amor reconsidera a valorização do próximo como
elemento básico para o encontro entre o êxodo humano e advento divino. O evangelho
adverte para
amar o próprio inimigo. Isso significa assumir a responsabilidade por aquele que é
hostil e, numa relação de alteridade, estabelecer vínculos de entreajuda, de modo que aconteça
233
FORTE, Bruno. Teologia em Diálogo, p.63.
101
ajuste nas relações de reciprocidade solidária. Deus quer entrar livremente na história humana,
acolher o êxodo, e definitivamente estabelecer aqui a sua tenda. Sabe-se que esta ideia difere da
lógica da sociedade na qual a pessoa não é reconhecida nem tão pouco valorizada, enquanto
cidadãos do projeto de Deus. Amar o próximo, independente de quem seja, pode significar o
primeiro passo para a concretude de uma aliança ou de um pacto. Em termos concretos a
espiritualidade da aliança, da solicitude para com o outro, renova possibilidade do encontro, entre
alteridades.
Não se pode ignorar a solidão e o sofrimento pelo qual passa a humanidade. O mundo
moderno, em sua dimensão histórica, produziu o desencantamento do ser humano e o
descuido pela pessoa do outro. Com a secularização da razão, impõe-se a pretensão da
ciência, como única via de acesso à verdade, em contraste com a luz da fé. Nasce aqui, o
desejo de recuperar relações equilibradas entre fé e razão na qual possam redefinir pontos
comuns para o encontro de alteridades.
234
Desse modo, as categorias de êxodo e advento
formalizam o encontro com o Outro no horizonte de sentido e realizam a memória da
poderosa presença do Deus vivo no meio de nós. Compreende-se então, que o êxodo da fé,
liberta a humanidade das posses obsessivas e das falsas seguranças, produzidas pelas
ideologias sociais e culturais.
Entre êxodo e advento, pode-se situar, o lugar do encontro. Um espaço de convivência
solidária percebido na ótica das mudanças civilizatórias. Um espaço para fomentar a
reconciliação e incentivar o diálogo entre os povos. Em face desses múltiplos desafios, é
preciso firmar relações éticas voltadas para os princípios da alteridade e da solidariedade. Na
proposição de novos paradigmas é essencial que se pense em novas formas de conviver
abertas ao futuro e formar elos de comunhão. Por
esse arquétipo de convivência faz-se
necessário ir às fontes deste ideário
profético do Reino e intuir que a evangelização para os
nossos dias tem “necessidade de unidade e de diálogo interno para servir credivelmente à
causa do Evangelho.”
235
Movidos pela novidade do advento divino que revela toda a sua
beleza inexplicável aos seres humanos, caminhamos na fé e na esperança de ter contribuído
pra uma ética mundial mais justa e mais solidária.
234
O fundamento da ética cristã supera pretensões individualistas e articula possibilidades de encontro. “A
modernidade tardia volta a descobrir o nexo entre Deus e verdade, entre fé e razão mesmo na distinção dos
níveis lógicos e experimentais. Constata-se que o total desencantamento da razão reduz, até negá-la, o alcance da
verdade da razão. A separação entre razão e fé ameaça tanto a autenticidade da fé como a racionalidade da razão.
[...] As bases de uma nova relação são basicamente duas: por um lado, a fé não é contra a razão, nem a razão é
contra a fé, porque o funcionamento racional da razão pressupõe uma confiança na própria razão, que não pode
ser justificada de maneira puramente racional; por outro lado, a fé em Deus não é um risco racional, cego, mas
antes uma confiança justificável diante da razão e fundada na própria realidade.” (Cf. BRIGHENTI, Agenor. A
Igreja Perplexa: a novas perguntas, novas respostas. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 99-100).
235
FORTE, Bruno. Deus Pai no Amor quer todos Salvos em Cristo, o Filho Amado. Teocomunicação, p.730.
102
3.3.2 Em busca da Pátria Trinitária
A novidade do advento formaliza aliança de amor e antecipa a ideia de pátria. Esse
Deus do qual falamos, entra na história humana, abre-se ao ‘tempo da Cruz’ e caminha para a
Glória oferecida a todas as criaturas. A história da salvação constrói-se, fundada no mistério
do advento, o que garante que o próprio Deus fez sua, a história da humanidade. A condição
de buscar a Pátria Trinitária exige voltar-se para o mais profundo da existência e rever as
próprias finalidades. Interroga-se: como pensar a condição humana em busca da Pátria
Trinitária? Qual a contribuição ética, para compor a civilização do amor? Frente a essas
questões, a ‘dor histórica’ ganha novo significado em Cristo. É, então pela fé, que se dá o
encontro, entre o Solidário da Cruz e o sofrimento humano que assume a dimensão da
‘imitação de Cristo’
A noite da dor foi visitada pelo Outro em seu advento, antecipação da pátria; não a
nostalgia ou o lamento, mas a realização que não decepciona. Aquele que é aliança em
pessoa, faz sua a ‘cruz do tempo’, abrindo no ‘tempo da cruz’ o caminho para a Glória
oferecida a toda a criatura: o fragmento do tempo que o Crucificado faz seu é o
instante do êxodo humano enquanto visitado e habitado pelo Advento divino.
Precisamente porque a cruz é a cruz do Ressuscitado, ela é o lugar aonde a diferença
vem encontrar e transformar a identidade, o lugar da decisão salvífica diante da graça
oferecida ao mundo, que se atualiza continuamente no kerigma, graças à força do
Espírito Santo.
236
O êxodo humano quando visitado pelo advento divino, proclama a gratuidade do Pai,
abre-se à dimensão solidária do Filho e torna-se protagonista do evento de comunhão. É então
na esperança dos filhos de Deus que o amor se realiza. Nesse peregrinar humano acontece a
luta permanente para enfrentar o sofrimento e a própria morte. Aqui, a vida busca respostas, e
vislumbra possibilidade de encontrar a pátria. Na Palavra revelada acontece a comunicação do
encontro no tempo e na eternidade. Para Forte, a pátria não é a simples expectativa do
‘amanhã’ e sim a novidade do amor infinito e absoluto de Deus. Entende-se aqui “a pátria
como horizonte final pertence ao mundo do advento, aquele ‘futuro absoluto’ que é meta da
caminhada, ao mesmo tempo em que vem, por iniciativa divina, ao encontro do ser
humano.”
237
236
FORTE, Bruno. Fede e Ragione, tra Parola e Silenzio. Humanitas, v.54, 1999, p. 398.
237
Idem. Teologia della Storia, p. 338.
103
O viver na esperança dos filhos de Deus implica no entendimento da revelação como
promessa que anuncia a transcendência de Deus e comunica a plenitude da vida. O grande
desafio no horizonte da pátria consiste em empreender esforços para viver a radicalidade do
Evangelho e superar o mundo da relatividade das ideologias niilistas, que sufocam as pessoas
em suas buscas mais autênticas. É preciso remeter-se ao amor infinito de Deus Trindade o
qual permite entender que êxodo e advento serão firmados para sempre no eterno amor. A
verdade do salmista lembra, “Amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam. [...] da
terra germinará a verdade, e a justiça se inclinará ao céu” (Sl. 85,11-12). Assim, firma-se uma
profunda relação da Pátria Trinitária com a terra e com a humanidade presente na história.
Em atitude de escuta e abertura, a humanidade busca ouvir o clamor do mundo.
Embora sendo obra preciosa e bela no plano de Deus, a terra e seu povo estão, hoje, numa
condição fragilizada e fragmentada. Torna-se necessário firmar um acordo de renovação e
redescobrir princípios éticos como condição de sobrevivência na fé, o que permite reencantar
a humanidade. A história da salvação recupera o vigor do encontro com Deus, na oração, que
nutre e sustenta a vida dos que creem, e caminham em direção à pátria do amor trinitário.
Enquanto caminheiros da esperança, somos responsáveis para proclamar na terra o amor
solidário e testemunhar profeticamente, a unidade possível entre irmãos. Forte propõe uma
espiritualidade fundada na fidelidade e no amor.
A ética e a espiritualidade que são consequência desta perspectiva poderia nos
reconduzir a dupla e, ao mesmo tempo, à única fidelidade: fiel ao mundo presente o
cristão deve ser não menos fiel ao mundo que há de vir. O “já” da salvação o
compromete a construir o hoje, com os dons de Deus, o amanhã, organizando a
esperança nos dias dos homens e na história do mundo. [...] Não perder jamais a
confiança na vitória final de Deus e, portanto, da justiça e do amor.
238
3.3.3 Um pacto pela vida: solidariedade e comunhão
Ao longo desta pesquisa procurou-se constatar elementos fundamentais da cultura
ocidental, emergente de uma sociedade pós-moderna, cada vez mais complexa, com riscos de
supervalorização do efêmero, do descartável, fundada numa civilização baseada no
individualismo.
239
Convocados à transformação, é preciso uma nova disposição ética, novos
238
Ibidem, p. 347.
239
O pensar pós-moderno legitima um individualismo hedonista. “A sociedade pós-moderna é a sociedade em
que reina a indiferença de massa, em que domina o sentimento de saciedade e de estagnação, em que a
autonomia privada é óbvia, em que o novo é acolhido do mesmo modo que o antigo, em que a inovação se
banalizou em que o futuro deixou de ser assimilado a um progresso inelutável.” (Cf. LIPOVETSKY, Gilles. A
Era do Vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Artes Gráficas, 1983, p. 11).
104
pontos de partida para alcançar referenciais eficazes que transcendem para a civilização do amor.
A teologia preconizada por Bruno Forte busca com fidelidade o núcleo essencial, quando situa a
humanidade no universo de Encontro entre alteridades, reunindo numa mesma teia de relações, o
êxodo humano e o advento divino.
O itinerário teológico neste capítulo refletiu a novidade da solidariedade cristã, numa
possível reaproximação, entre tempo e eternidade, o que propõe o específico do cristão, na
dimensão ética do encontro. A chave para dar sentido à existência e à singularidade solidária
encontra-se no amor proposto por Jesus Cristo, no Evangelho. A luz da consciência ética
compreende uma nova civilização centrada na espiritualidade da escuta do Outro, o que
permite encontrá-lo e deixar-se encontrar. Diante dessa utopia solidária é preciso “colocar-
se à espera, à escuta temerosa e maravilhada de seu possível advento.”
240
Uma das formas mais impactantes na sociedade é a capacidade de tornar-se próximo
do outro. O paradigma da solidariedade humaniza e evoca a ideia de comunhão fraterna,
essencial para a vida do cristão, o que permite viver de maneira positiva o ideal evangélico.
Nesse sentido, para manter a coesão de uma sociedade desestabilizada internamente, é
preciso que a humanidade se dê conta de que há um futuro ético, exercido na fé, que testemunha
a verdade e torna-se responsável pela vida.
241
Pensar um pacto pela vida significa viabilizar
uma espiritualidade em defesa da justiça evangélica e da dignidade humana. Esse conjunto
emerge da história concreta do povo sofrido que ainda acredita que a libertação em Jesus Cristo é
possível. Em Forte, a teologia é vista como história no pensamento do êxodo e advento, por uma
ética do encontro.
Pensamento da vida no tempo, a teologia como história é pensamento do Eterno
entrado no tempo e, sobretudo, é pensamento do encontro entre o humano andar e o
divino vir. Ela nasce da história, mas não se resolve nela: assumindo-a, a interpreta e
a orienta graças ao encontro transformador com a Palavra saída do Silêncio, que vem
habitar as palavras dos homens e iluminar os silêncios do ser e as interrupções dos
acontecimentos históricos. [...] Nessa perspectiva, a história é percebida como o
lugar do encontro com a verdade.
242
240
FORTE, Bruno. À Escuta do Outro, p. 8.
241
A ética necessária para uma nova civilização do amor exige uma espiritualidade capaz de unir o humano e o
divino. “Essa visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo,
mundo e ser humano, ser humano e espiritualidade.” (Cf. BOFF, Leonardo. Ética da Vida. Brasília: Letraviva,
1999, p. 34).
242
FORTE, Bruno. La Parola della Fede, p. 58.
105
A história carrega consigo a força elementar da Palavra, saída do Silêncio, que vem
habitar os caminhos da humanidade, o que permite o encontro entre alteridades. Nessa visão,
pensar o êxodo humano é também pensar a história em todo o seu contexto social, a qual
carrega em suas entranhas as dores e as alegrias, de todos aqueles que acreditam num mundo
mais humano e mais solidário. O evento da solidariedade é um princípio fundamental, com
base evangélica, responsável pela transformação da sociedade. Nesse sentido, há de se levar
em conta a fragilidade da vida na história da humanidade e o desejo salutar por uma ética
transcendente que seja capaz de apontar horizontes de esperanças. Um pacto pela vida, em defesa
da solidariedade e da comunhão com o outro, acontece quando entendemos que a dimensão do
amor é possível.
243
Solidarizar-se com o outro, significa restaurar a vida, em toda sua integridade
e garanti-la para as futuras gerações. No plano libertador de Deus temos o direito inegável à vida,
de modo que todos possam participar do projeto solidário de Deus em todo seu amor.
A teologia de Forte confirma que o mistério se esconde na história, na qual a glória
de Deus não se manifesta no triunfo dos vencedores, mas na força dos fracos e no rosto do
Crucificado. Cumpre-se aqui o pacto pela vida capaz de reconsiderar que Deus caminha com
os excluídos da história. Um Deus solidário, capaz de doar-se até as últimas consequências
por amor. Constrói-se um itinerário ético fundado na mística do amor que tem por finalidade
encaminhar a vida para os princípios da sensibilidade solidária. É fundamental um pacto
pela vida, atento aos aspectos teológicos que considera a ética cristã para os dias atuais. Da
mesma forma, o imperativo categórico exige voltar-se para um possível encontro entre
alteridades, numa reaproximação entre o humano e o divino.
243
A solidariedade compartilha a vida em todas as suas dimensões. “Solidarizar-se com aquele que sofre, com os
carentes de determinadas necessidades, com aqueles que sofrem injustiça, Nesse sentido consideramos a
solidariedade como qualidade de humanização e, portanto, como um aspecto que deve estar presente na vida das
pessoas para que sejam plenamente humanas e felizes.” (Cf. JARES, Xesús R. Educar para a Verdade e para a
Esperança: em tempos de globalização. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 99-100).
106
CONCLUSÃO
Ao percorrer o itinerário da obra de Bruno Forte, a presente pesquisa desenvolveu um
conjunto de reflexões, fundamentando-se nos princípios teológicos da ética e da alteridade na
perspectiva de um ser humano mais solidário. O primeiro pensamento a ser abordado foi o da
sociedade da incerteza, a qual evidencia potencialidades e limites da história humana. A
atualidade e complexidade do tema, inserção do ser humano, no contexto histórico de ontem,
aberto aos desafios de hoje, faz um percurso original de indagações sobre o sentido
existencial. O ponto de partida desse estudo recupera os questionamentos da grande pergunta
introdutória e propõe-se a encontrar algumas ressonâncias possíveis que favoreçam novos
caminhos para a humanidade.
Impossível não retomar os passos desafiadores da pesquisa no percurso do processo.
Do início ao fim, devem ter ficado claros alguns posicionamentos pertinentes ao pensamento
de Bruno Forte. Configurou-se um horizonte humano frente às crises da modernidade, no
entanto aberto para encontrar o sentido da vida. O ponto de partida desse estudo remete à
ressignificação de novos conceitos e compreende o processo de escuta do outro no cotidiano
da história. Doravante a pesquisa tem a pretensão de encontrar respostas possíveis para os
questionamentos inevitáveis sobre a possibilidade de uma teologia cristã, atenta aos princípios
da ética e da alteridade para um ser humano solidário.
Diante das crises existenciais que acompanham a humanidade, do nascer ao morrer,
um ponto importante a ser sublinhado são os esforços e iniciativas para mudanças necessárias.
Atualmente, é fundamental considerar a fé cristã uma oportunidade de revitalização da
esperança, na perspectiva do Transcendente, o que resulta em modificações das estruturas
vitais que afetam a dignidade humana.
O convite para um ser humano mais solidário passa pelo viés das crises culturais e
ideológicas que afligem a sociedade da qual fazemos parte. Tais crises evocam o desafio de
olhar o humano diante da dor. É evidente que não há respostas para todo o sofrimento
humano, mas é possível encontrar no Deus crucificado um sentido para enfrentar a dor que
circunda a história. É preciso ampliar o horizonte e perceber o sofrimento do povo excluído
da América Latina, superando a dor do povo sofrido. O desafio é vencer o vazio do niilismo e
recolocar Deus no centro da vida. Diante da dor, a cruz solidária de Jesus Cristo ressurge
como evangelho de esperança para o povo.
107
Inevitavelmente, é preciso devolver ao ser humano o sonho de reconhecer-se filho de
Deus e ser livre para assumir o compromisso evangélico de transformar a realidade. Pode-se
então constatar, que a dor e a fragilidade vivida na esperança ressurgem como sinal de vida
nova. Peregrinar na liberdade do êxodo implica na lógica de que a morte não é o fim de tudo,
mas plenitude e certeza no advento divino. Não obstante, a teologia cristã, impulsiona um
viver feliz, apesar das cruzes que pesam nos ombros da humanidade ferida pela dor.
Manifesta-se como teologia da fé, radicada no amor de Deus para com os povos de toda a
terra.
A perplexidade de uma época marcada pelas crises de sentido delineia claramente
caminhos possíveis de mediações entre o humano e o divino. Trata de um novo paradigma
que convoca a teologia a reavivar suas relações de alteridade. Uma teologia capaz de
encontros éticos responsáveis e solidários pela causa do Evangelho de Jesus Cristo, de modo
que atualize a mensagem cristã. O caminho, que se configura, para responder a questão da
ética cristã, como valor necessário ao ser humano solidário, exige escolhas conscientes e
responsáveis para um novo jeito de ser na sociedade contemporânea.
Nessa caminhada teológica, o traço mais surpreendente acontece no possível encontro
do êxodo humano que faz a experiência do Totalmente Outro. Um Deus que se faz
‘companhia’ de vida, que se doa e se revela por amor, torna-se presente na história para
resgatar a humanidade. A teologia na perspectiva da ‘memória’ assume a presença histórica e
viva no tempo e na eternidade, vem acompanhada da ‘profecia’ que traz consigo a dimensão
salvadora e profética do Evangelho. Essa reflexão evoca no ser humano o compromisso de
solidarizar-se com o outro da história.
Uma teologia que atualize a mensagem da fé cristã para os dias atuais e restitua o
senso de comunhão e solidariedade fraterna. É preciso abrir condições para que homens e
mulheres possam imbuir-se da solidariedade evangélica e experienciar comunhão. Tornou-se,
fundamentalmente, uma ética capaz de gerar vida e responsabilidade de uns para com os
outros. Uma ética que constitui pessoas voltadas para a concretude da história, que ensine a
pensar e agir conforme os princípios da civilização do amor. Uma ética que saiba transitar
pelos caminhos da dor humana e assim compreender que Deus revela e comunica o amor aos
que buscam o Transcendente.
Um foco fundamental da pesquisa e necessário à condição humana consiste nas
relações de alteridade, vista, como encontro de identidades e aproximação com o Totalmente
Outro, que se encarna para solidarizar-se com a vida humana e libertá-la à Pátria definitiva. A
compreensão da alteridade pressupõe responsabilidade nas relações, o que favorece o diálogo
108
e abertura ao novo. O princípio da alteridade resgata a singularidade e estabelece conexão de
uns para com os outros, de modo que unidade e diversidade possam conviver
equilibradamente. Em nosso tempo as pessoas são desafiadas a assumir a reverência pelo
outro, o que desarma o espírito e recupera o sentido do viver.
A reflexão percorrida vem contribuir para estabelecer o ritmo da escuta e perspectivas
de encontros. A essa convicção, pode o ethos do futuro ser um caminho percorrido pelos
homens e mulheres do século XXI. Um lançar luzes na consciência humana induz para uma
moral comprometida com a vida, capaz de enfrentar os totalitarismos ideológicos na
devolução da dignidade humana. A questão do éthos, visto como imprescindível na história,
designa respeito e tolerância nas relações de convivência enquanto morada do humano. É
basilar que a Palavra revelada, torne-se luz na história da humanidade.
Não haverá práxis solidária se não houver compromisso fiel de escutar as moções do
Espírito. É preciso deixar-se conduzir pela atitude da escuta e assim discernir escolhas
capazes de transformar o modo de ser e viver. Escutar pressupõe silêncio interior para fazer a
experiência do perdão que reconcilia todas as coisas. A ideia de aproximação entre humano e
divino ecoa por toda terra e atualiza o significado da paixão de Jesus como sofrimento
solidário a favor da humanidade.
O itinerário da pesquisa passa pelo critério da reconciliação, do voltar-se para o
Transcendente, pela via da solidariedade humana. Em sua trajetória buscou efetivar a
valorização da pessoa em sua totalidade, formalizando encontros e aproximações entre o
êxodo humano e o advento divino, o que desencadeia relações de aliança e gera o verdadeiro
amor. Emerge aqui uma teologia humanitária, aberta ao outro e impregnada dos valores do
evangelho, capaz de subverter o sofrimento e as dores humanas em esperança transformadora.
Outro aspecto a ser considerado consiste na luta diária e no sofrimento que atinge a
humanidade, em busca pelo sentido da vida. Para tanto é preciso uma peculiar aderência ao
evangelho de Jesus Cristo. A vida acontece sempre que a humanidade coloca-se a serviço do
Reino, tornando-se protagonista da justiça ao proclamar a vida. Esse peregrinar vislumbra a
possibilidade da Pátria, o encontro definitivo com o Absoluto de Deus. A perspectiva
solidária é fruto dessa adesão e das escolhas realizadas pela humanidade. Entende-se a utopia
evangélica, porém é preciso crer na força interior da humanidade que ainda acredita na
sensibilidade solidária.
Ao concluir essa trajetória teológica em meio às profundas transformações e grandes
incertezas, considera-se que houve cumplicidade do tema com a espiritualidade profética.
Portanto, a pesquisa reportou-se às questões da fé repensadas como memória, companhia e
109
profecia. A busca pelo Transcendente favorece a aliança entre tempo e eternidade, o que
constitui uma unidade entre o êxodo e o advento, possibilitando experienciar na história os
princípios da alteridade e da ética cristã. O percurso sugerido por Forte para uma profunda
radicalidade solidária inclui rever os pressupostos a cerca da condição humana e visualizar
uma teologia ecumênica, que favoreça o diálogo com diferentes credos e culturas, capaz de
escutar o mundo emergente da vida real dos pobres da história. O grande desafio consiste no
pacto da novidade evangélica para ter-se um ser humano solidário e feliz.
110
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