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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
LARISSA MACIEL GONÇALVES SILVA
DEFICIÊNCIA MENTAL: PRÁTICA EDUCATIVA E REFLEXÕES DE
UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA
UBERLÂNDIA
2009
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LARISSA MACIEL GONÇALVES SILVA
DEFICIÊNCIA MENTAL: PRÁTICA EDUCATIVA E REFLEXÕES DE
UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial para a obtenção
do título de mestre em Educação.
Área de Concentração: Linha de Pesquisa em Saberes
e Práticas Educativas.
Orientadora: Professora Dra. Arlete Aparecida
Bertoldo Miranda
Uberlândia
2009
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S586d Silva, Larissa Maciel Gonçalves, 1975-
Deficiência mental: prática educativa e reflexões de uma professora
alfabetizadora / Larissa Maciel Gonçalves Silva. - 2009.
162 f.
Orientadora: Arlete Aparecida Bertoldo Miranda.
Dissertação (mestrado) –
Universidade Federal de Uberlândia, Programa de
de Pós-Graduação em Educação.
Inclui bibliografia.
1. Deficientes mentais - Educação - Teses. 2. Inclusão em educação -
Teses. 3. Prática de ensino - Teses. 4. Vygotsky, L.S. (Lev Semenovich),
1896-1934 - Teses. I. Miranda, Arlete Aparecida Bertoldo. II.
Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em
Educação. III. Título.
CDU: 376.43
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
Toda pessoa sempre é as marcas das
lições diárias de outras tantas pessoas.
E é tão bonito quando a gente entende
que a gente é tanta e diferente gente
onde quer que a gente vá. É tão bonito
quando a gente sente que nunca está
sozinho por mais que pense estar.
(Gonzaguinha, 1982)
O fragmento da letra da música do cantor Gonzaguinha expressa bem este momento,
em que dedico este trabalho a cada pessoa que fez parte deste caminhar, tornando minha vida
mais feliz e mais completa.
Aos meus pais, Orestes e Mary, pelas muitas lutas enfrentadas para que os filhos
tivessem a oportunidade de cursar o ensino superior. Pelos esforços e orações.
Ao meu esposo Wanderley, meu porto seguro, meu grande incentivador, que
acompanhou de perto as angústias, foi cúmplice nos esforços e fundamental para que eu
alçasse este vôo.
Aos meus filhos amados, Mathews e Lowise, que com sua vivacidade enchem de
alegria nossos dias, que encontrem em seus caminhos um mundo mais inclusivo, e que eles
encontrem em seus estudos um objetivo maior.
Aos meus irmãos, Orestes Júnior e Marêssa, pelo carinho e incentivo nesta
caminhada. Aos queridos sobrinhos, Gustavo e Luís Felipe que acrescentam mais alegria em
nossos dias.
E a todas as crianças com deficiência, aos muitos Thiagos que se encontram nas
escolas, que eles tenham a oportunidade de terem uma Anita, disposta a ampliar o olhar,
possibilitando uma ótica mais inclusiva. A essas crianças que revelaram em mim as muitas
possibilidades de ser melhor como ser humano e despertaram meu desejo de saber, de
compreender.
Minha gratidão...
A Deus, meu guardião e minha fortaleza. Obrigada, Senhor, pelas muitas vezes em
que em Ti me refugiei. Só nós sabemos das dificuldades encontradas no caminho.
À minha orientadora Professora Doutora Arlete Aparecida Bertoldo Miranda um
especial agradecimento por me apoiar, me compreender, e com muita generosidade, respeito,
profissionalismo e competência me conduzir na construção deste trabalho.
Às participantes da banca de qualificação Professoras Doutoras Myrtes Dias da
Cunha e Marília Villela de Oliveira, pela leitura cuidadosa, contribuições e respeito com meu
trabalho.
Às Professoras Doutoras Luciana Pacheco Marques e Myrtes Dias da Cunha pela
gentileza com que aceitaram o convite para a defesa.
A minha querida amiga Lílian Calaça por me fazer acreditar que seria possível. Aos
professores e colegas de mestrado, pela convivência amiga, pelas trocas e pela oportunidade
de aprender algo novo todos os dias. Em especial à Márcia e Sangelita, pela amizade
construída, pela cumplicidade, pelas alegrias e dissabores partilhados.
Aos funcionários da escola, cenário desta pesquisa, que de forma direta ou indireta
oportunizaram a realização deste trabalho. Em especial à professora Anita e aos alunos pela
aceitação do trabalho e da pesquisadora em sala de aula, pelo respeito, confiança e atenção
com que sempre nos acolheram. Aos profissionais do NADH, pela disponibilidade e respeito
com que atenderam à pesquisadora.
À Maria de Lourdes pelas conversas, indagações e incentivo e pelas várias vezes em
que se dispôs a me ouvir. À Cláudia, querida amiga e ouvinte.
Enfim, a todos aqueles que talvez não estejam contemplados aqui, mas que torceram,
acreditaram que seria possível, a minha gratidão e afeto.
Assim eu sou feliz. Principalmente por poder voltar a
todos os lugares onde já cheguei. Pois lá deixei um prato de
comida, um abraço amigo, um canto pra dormir e sonhar.
E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente
gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de
outras tantas pessoas.
(Gonzaguinha, 1982)
DEFICIÊNCIA MENTAL: prática educativa e reflexões de uma professora
alfabetizadora
RESUMO
Considerando a inclusão escolar do aluno com deficiência mental no ensino regular, este
estudo tem como objetivo discutir e compreender a prática educativa do professor que atua
na alfabetização de alunos deficientes mentais, sendo a prática educativa compreendida como
fundamental para a adequada inclusão escolar destes alunos. Para atingir o objetivo proposto,
optamos como orientação para as análises, os estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento
e aprendizado. Como metodologia de pesquisa este estudo está pautado em uma abordagem
qualitativa e envolveu a participação da professora alfabetizadora que tinha em sala de aula
um aluno com deficiência mental. Para construção dos dados foram utilizadas observações
em sala de aula com registro em notas de campo, e entrevistas reflexivas. As notas de campo
foram disponibilizadas para a professora regente para leitura e reflexões. As análises dos
dados indicam a fundamental importância da prática educativa no processo de inclusão do
aluno com deficiência mental, demonstrando em seu percurso que uma mudança na
concepção da professora promove uma modificação de atitude que reflete uma prática
educativa mais inclusiva. O presente estudo possibilitou uma modificação na maneira da
professora perceber aspectos da sala de aula e o aluno deficiente mental, assim como
possibilitou um olhar para as possibilidades e potencialidades e não mais nas limitações
provenientes da deficiência. Consideramos que essas mudanças, tão necessárias para a
efetiva inclusão dos alunos com deficiência na sala de aula, extrapolam a questão da
especificidade do aluno com deficiência mental e devem ser consideradas na totalidade do
contexto escolar. Desse modo, a construção deste estudo revela que é possível uma prática
educativa inclusiva. Este trabalho contribui para a percepção de que o professor pode
oferecer a seus alunos uma prática educativa que se caracterize por ser inclusiva,
contribuindo dessa forma com o trabalho docente e com a inclusão escolar.
Palavras-chaves: Prática Educativa - Inclusão Escolar – Vygotsky - Deficiência Mental
MENTAL DISABILITIES: educational practice and reflections of a literacy
teacher
ABSTRACT
Considering the school inclusion of students with mental disabilities in regular education,
this study aims to discuss and understand the educational practice of the teacher who works
in the literacy of mentally deficient students, the educational practice understood as essential
for the proper school inclusion of these students. To achieve the proposed objective as a
guideline for analysis, the Vygotsky studies about development and learning were chosen.
As methodology of this research this study is based on a qualitative approach and involved
the participation of the literacy teacher who had in classroom a student with mental
disabilities. To construction the data, classroom observations were used with registers in field
notes, and reflective interviews. The field notes were available to the conductor teacher for
reading and reflections. The analysis of data indicates the crucial importance of educational
practice in the process of inclusion of students with mental disabilities, demonstrating in their
way that a change in the conception of the teacher promotes a
change in attitude that reflects a more inclusive educational practice. The present study
enabled a change in the way the teacher understands aspects of the classroom and the
deficient student, as well as made possible a look at the possibilities and potentiality rather
than the limitations from the disability. It is considered that these changes, so necessary for
the effective inclusion of students with disabilities in the classroom, extrapolates the issue of
specificity of students with mental disabilities and must be considered in the whole
school context. Thus, the construction of this study shows that an inclusive educational
practice is possible. This work contributes to the perception that the teacher can offer his or
her students a practical education that characterizes itself by being inclusive, thereby
contributing with teaching and school inclusion.
Keywords: Educational Practice – School Inclusion - Vygotsky -- Mental Disabilities
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Entrevistas com os temas significativos abordados nas notas de campo do
período................................................................................................................................. 77
QUADRO 2 – Atividades realizadas pelos alunos em 02/04/08........................................... 96
QUADRO 3 – Atividades realizadas pelos alunos em 19/05/08........................................... 97
QUADRO 4 – Cartaz afixado na parede lateral esquerda da sala de aula de Anita ............... 98
QUADRO 5 – Atividades realizadas pelos alunos em 04/06/08......................................... 101
QUADRO 6 – Atividades realizadas pelos alunos em 04/06/08......................................... 101
LISTA DE SIGLAS
AAMD - Associação Americana de Deficiência Mental (American Association on Mental
Deficiency)
ADA - Atendimento ao Desenvolvimento da Aprendizagem
AEE - Atendimento Educacional Especializado
APAE - Associação de Pais e Amigos do Excepcional
BRAILLE – Sistema de leitura com o tato para cegos (inventado por Louis Braille)
CEMEPE - Centro de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz
CNE/CEB – Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica
CENESP - Centro Nacional de Educação Especial
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA – Educação de Jovens e Adultos
INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
MEC – Ministério da Educação
NADH – Núcleo de Apoio às Diferenças Humanas
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
OPS – Organização Pan-americana de Saúde
PEA – Programa Ensino Alternativo
PNE – Plano Nacional de Educação
PNEE – Plano Nacional de Educação Especial
SEESP - Secretaria de Educação Especial
SME – Secretaria Municipal de Educação
UFU – Universidade Federal de Uberlândia
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
Introdução: MUITAS VIDAS EM UMA HISTÓRIA ............................................................. 12
Capítulo I: PERCORRENDO TRILHAS HISTÓRICAS E LEGAIS DA DEFICIÊNCIA
MENTAL.................................................................................................................................... 21
1.1 - Considerações sobre a Educação Inclusiva............................................................... 34
1.2 - A Complexidade do Conceito de Deficiente Mental e suas Implicações para a Prática
Educativa............................................................................................................................. 46
Capítulo II: VYGOTSKY – uma concepção orienta o caminho ........................................ 51
Capítulo III: EM BUSCA DE UM CAMINHO METODOLÓGICO: o contexto e as pessoas
em foco........................................................................................................................................ 65
3.1 – Delineando um percurso............................................................................................. 65
3.2 – Desenvolvimento da pesquisa ................................................................................... 69
3.3 – Os sujeitos da pesquisa e seus espaços....................................................................... 78
3.3.1 - Escola Municipal Bom Jardim: a escola em questão......................................... 78
3.3.2 - O Atendimento Educacional Especializado (AEE) .......................................... 80
3.3.3 – Conhecendo Thiago........................................................................................... 83
3.3.4 – A professora de Thiago: Anita .......................................................................... 85
3.3.5 – A sala de aula da professora Anita ................................................................... 87
3.3.6 - Um dia típico de trabalho na sala de aula da professora Anita
....................... 88
Capítulo IV: A PRÁTICA EDUCATIVA NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DO
DEFICIENTE MENTAL ........................................................................................................... 91
4.1 - Implementação da prática educativa................................................................................... 93
4.1.1 - O planejamento das aulas ....................................................................................... 93
4.1.2 - A rotina das aulas.................................................................................................... 99
4.1.3 - Estrutura disponível para realização do trabalho educativo................................... 103
4.1.4 - A presença de Thiago ............................................................................................ 105
4.2 - O pensar e o fazer do professor alfabetizador: implicações no processo de desenvolvimento
dos sujeitos................................................................................................................................ 111
4.2.1 - Concepções e expectativas de Anita e sua disposição para fazer a diferença ...... 112
4.2.2 - O trabalho educativo: um ato coletivo ou solitário? ......................................... 115
4.2.3 - Quando o esforço pessoal nos move para além de onde nos encontramos........... 121
4.2.4 - Redescobrindo Thiago ......................................................................................... 126
4.3 - Prática educativa: um olhar para a inclusão escolar do aluno deficiente mental .............. 128
Considerações Finais............................................................................................................... 135
Referências............................................................................................................................... 140
Documentos.............................................................................................................................. 147
Apêndices ................................................................................................................................. 149
Aos que virão
Desarrumar as pedras no chão
Para marcar minha passagem
Vida é suor e paixão
Coração e coragem.
Juntar cada mito na mão
E quebrar a sua imagem
Recusar a ilusão
De toda e qualquer miragem.
Virar a terra pelo avesso
Descobrir novos caminhos
Inventar outro começo
E repovoar os ninhos.
Ir por aí plantando idéias
Para gerar um fruto novo
Que deixa um gosto de riso
Na boca e na alma do povo.
Fazer do amor a razão
A missão e a mensagem
Que interrompe a tensão
De regressiva contagem.
Depois repartir o pão
Recompor a paisagem
Deixando aos que virão
Um mundo sereno e seguir viagem...
Hardy Guedes Alcoforado Filho
12
MUITAS VIDAS EM UMA HISTÓRIA
Na realidade, não há percepção que não
esteja impregnada de lembranças.
(Henri Bergson, 1959)
No anseio de identificar pistas que conduziram o caminhar para o presente trabalho
apresentamos a epígrafe supracitada, em que o autor sugere que as percepções dos sujeitos
estão impregnadas de lembranças, far-se-á necessário voltar em alguns momentos marcantes,
quer pela intensidade com que ocorreram, quer pelos profundos questionamentos deles
surgidos.
As questões acerca da Educação Especial e, mais especificamente, da deficiência
mental, têm sido constantes desde o início da trajetória profissional da pesquisadora. Por
volta do ano de 1994, no término do curso normal que formava professores no ensino médio
na época, durante a realização do estágio em uma escola estadual de um pequeno município
mineiro, cidade interiorana, com uma população que, na época, não chegava a 80 mil
habitantes, aconteceu o primeiro contato da pesquisadora com um aluno deficiente mental. A
escola em questão ficava na região central da cidade e atendia a uma clientela tanto da região
central quanto da periferia. Observamos que muitos pais ansiando por uma escola pública
que atendesse as suas expectativas migravam seus filhos para as escolas centrais, julgando
que desta forma estes teriam melhores oportunidades de acesso às informações e a uma
melhor educação.
Na escola mencionada, a proposta era realizar o estágio em uma sala de aula com o
intuito de experimentar e compreender as interações provenientes da prática educativa, bem
como a relação professor-aluno e as implicações desta no processo de ensino e
aprendizagem. A supervisora da escola, porém, nos incumbiu da tarefa de acompanhar
durante todo o estágio um aluno de uma sala de primeira série do ensino fundamental que
apresentava Síndrome de Down. A proposta era que se fizesse um trabalho com o aluno fora
da sala de aula, de modo que a presença deste não atrapalhasse o desenvolvimento da aula na
sala regular. Desta forma, a professora seguiria seu planejamento sem se ocupar desse aluno,
seus colegas ficariam atentos às atividades propostas, pois a atenção destes não seria
13
desviada pela presença da criança com Síndrome de Down, e dessa forma prestaríamos um
serviço à escola.
Neste percurso, muitas dúvidas começaram a surgir, dentre elas: o fato da mãe querer
manter seu filho numa escola regular facilitaria seu desenvolvimento? Aquelas condições
encontradas na escola, mesmo sendo excludentes poderiam favorecer sua aprendizagem e
promover seu desenvolvimento? Ou a escola estaria correta ao afirmar que numa escola
especial ele se desenvolveria melhor, com profissionais preparados para lhe ensinar? Quem é
o profissional preparado nesse caso e onde está ele? Não deveriam ser preparados todos os
que se dispõem a ensinar e, portanto, todos os que estão nas escolas com esta finalidade?
Sempre com novas dúvidas e velhas respostas nada convincentes. O ano letivo terminou e o
estágio também, e não houve mais possibilidade de se ter acesso livre àquela escola.
Sabemos que a criança continuou freqüentando a escola.
Cerca de dois anos depois, em 1996, no primeiro ano de Pedagogia na Universidade
Federal de Uberlândia, realizamos um estudo monográfico abordando as conquistas legais
sobre a educação de alunos deficientes mentais nas escolas regulares. A partir de então,
iniciamos nosso contato com algumas leituras, análises e reflexões sobre a educação, a escola
e o processo de ensino e aprendizagem. As discussões começavam a ganhar força a partir de
confrontos com autores que acreditavam e acreditam numa mudança de percepção do ensino
e mais ainda, numa mudança de paradigma para além do ensino normatizante e
homogeneizante predominante nas escolas. Em conseqüência desse ensino, aquela criança do
período de estágio encontrou em seu processo de inclusão, numa escola pública de ensino
regular, a exclusão de suas possibilidades e potencialidades, ficando assim, marginalizada e o
seu direito à educação violado.
Uma vez que, as políticas educacionais para o atendimento aos alunos deficientes
mentais foram o foco da monografia, constatamos que estas se tornaram mais concretas no
Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, que apresenta como um de seus objetivos a
garantia, o acesso e a permanência de todos na escola, sem distinção de raça, gênero, sexo,
origem etc. Esse trabalho contribuiu para a constatação de que as políticas avançaram no
sentido de garantir aos deficientes o direito de participarem do ensino regular e, desse modo,
a educação especial segregada em instituições passou a ser entendida como complementar na
educação desses alunos.
Após a conclusão do curso de Pedagogia, atuando como professora de educação
infantil na rede de ensino particular em Uberlândia houve a possibilidade de troca de
14
experiências com colegas, também professoras, que tinham em suas salas de aula crianças
deficientes mentais. Verificamos que o fato de se garantir em lei a educação do deficiente
mental preferencialmente na rede regular de ensino não é suficiente para garantir sua
aprendizagem. Constatamos que a Constituição não faz nenhuma menção à formação de
professores, nem a alterações curriculares tanto para a formação docente, quanto para a
aprendizagem do aluno deficiente mental.
Algum tempo após a conclusão da graduação, com o ingresso por meio de concurso
público na rede municipal de ensino de Uberlândia, tivemos a oportunidade de trabalhar
como professora alfabetizadora, na série do ensino fundamental (hoje ano do ensino
fundamental de 9 anos), e assim atuar com alunos deficientes mentais incluídos. Ao atuar
diretamente com eles, observamos que o olhar sobre a deficiência e sobre a pessoa deficiente
representa um ponto fundamental capaz de guiar as escolhas pedagógicas, bem como a
atuação em sala de aula com estes alunos, refletindo em sua aprendizagem. Esta ação do
professor vai atingir diretamente o desenvolvimento desses alunos, representando um
diferencial no processo de ensino e aprendizagem deles. O trabalho como professora
alfabetizadora e as muitas reflexões acerca desse trabalho se tornaram pontos decisivos na
definição dos objetivos e dos problemas a serem considerados e analisados no presente
estudo, resultantes de uma busca por qualidade e eficiência no atendimento a alunos
deficientes mentais incluídos nas escolas regulares de ensino público.
Assim, na pretensão de aprofundar questões acerca do ensino e aprendizagem de
alunos deficientes mentais incluídos na rede pública municipal de Uberlândia, pleiteamos o
ingresso no Mestrado em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. O ingresso no
Mestrado, o desenvolvimento da pesquisa e as orientações recebidas, as disciplinas cursadas,
os vários caminhos e possibilidades representaram uma oportunidade de crescimento pessoal
e profissional, o que possibilitou um olhar mais amplo com focos mais precisos sobre a
educação. Esse olhar proporcionou reflexões e questionamentos também sobre a educação de
deficientes mentais e principalmente sobre a prática do professor alfabetizador que atua com
alunos deficientes mentais nas primeiras séries do ensino fundamental. O interesse pelas
ações docentes nas primeiras séries do ensino fundamental se deve a dois fatores importantes
a serem considerados: são as séries em que a ênfase está no desenvolvimento da leitura e
escrita e em que os alunos que apresentam deficiência mental são reprovados por três, quatro,
até cinco anos ou mais, ficando em sua maioria, predestinados a Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
15
Em 2008, iniciamos o trabalho junto ao Atendimento Educacional Especializado
(AEE), que atende alunos com deficiência em salas de recursos instaladas na própria escola
onde estes alunos freqüentam o ensino regular. O ingresso nesse projeto se deu por meio de
uma seleção através de análise de títulos, na escola de atuação, realizada pelo então Núcleo
de Apoio às Diferenças Humanas (NADH). O Atendimento Educacional Especializado
(AEE) nas escolas é uma reestruturação do Programa Ensino Alternativo (PEA). O PEA era
um programa de iniciativa do Ministério da Educação (MEC), junto à Secretaria de Educação
do Município de Uberlândia que visava ao atendimento dos alunos com deficiência no ensino
regular, o programa foi implantado em 1993, com o objetivo minimizar as principais
barreiras que o educando com deficiência encontrava no ensino regular.
O Programa Ensino Alternativo foi reestruturado em 2005, e a partir de então foi
denominado Atendimento Educacional Especializado (AEE), e coordenado pelo Núcleo de
Apoio às Diferenças Humanas (NADH). O PEA passou por uma ressignificação,
promovendo entre outras adequações, a distinção entre o atendimento destinado aos alunos
com dificuldades de aprendizagem, denominado Atendimento ao Desenvolvimento da
Aprendizagem (ADA), e o atendimento aos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, o Atendimento Educacional Especializado
(AEE). O município passou a utilizar, em conformidade com a Constituição Federal e o
MEC, o termo Atendimento Educacional Especializado, e não mais ‘Programa Ensino
Alternativo’.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um projeto do MEC e pelo qual o
NADH é o responsável em Uberlândia e cidades vizinhas, uma vez que Uberlândia é
considerada pioneira no projeto na região e multiplicadora deste nas cidades vizinhas. O
núcleo conta hoje em Uberlândia com o AEE em 33 escolas
e está em fase de seleção de
profissionais para ampliação para mais escolas da rede. O AEE é composto pelos seguintes
especialidades para o atendimento dos alunos: psicomotricista, arteterapeuta, pedagogo e
professor especialista (professores que tenham cursos de pós-graduação em Educação
Especial/Inclusão Escolar e áreas afins), instrutor e intérprete de LIBRAS e BRAILLE. Os
professores que atuam no AEE participam de formação continuada, um encontro dos
profissionais que acontece uma vez ao mês, com palestras e oficinas, alguns desses encontros
são propostos pelo NADH em parceria com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) que
visam a aperfeiçoar e a melhorar a qualidade de atendimento oferecido a alunos e professores
do ensino regular.
16
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) constitui-se de atividades e
recursos como: ensino e interpretação de LIBRAS, sistema BRAILLE, comunicação
alternativa, tecnologias assistivas (expressão utilizada para identificar os recursos e serviços
que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com
deficiência), enriquecimento e aprofundamento curricular, oficinas pedagógicas, entre outros,
considerando as diferenças individuais. Os alunos que participam do projeto freqüentam as
salas de aula do ensino regular no horário normal e, no período extra-turno, recebem o
atendimento educacional especializado dentro da própria escola.
Este trabalho reforçou nossas inquietações acerca da inclusão de tais alunos, ao
compreendermos que a inclusão escolar deve contemplar o desenvolvimento e a
aprendizagem desses alunos e não simplesmente garantir a presença na escola comum.
Adotamos neste estudo, o ponto de vista de vários autores como Dechichi (2001), Schneider
(2002), Mantoan (2003), Miranda (2003) e Padilha (2004) sobre a inclusão, como a
oportunidade
de contemplar as diferenças em todos os espaços, não somente na escola. Ao
compreender a escola como um espaço público que tem uma função social e formativa,
consideramos que ela deve assumir um compromisso com as mudanças sociais, com o
aprimoramento das relações, ensinando aos alunos a compartilhar o saber, os sentidos
diferentes das coisas, as emoções e a trocar pontos de vista, e destacamos que na escola se
desenvolve o espírito crítico, a observação e o reconhecimento do outro em todas as suas
dimensões.
Devem ser analisados os critérios exeqüíveis ao se pensar em acolher as diferenças
nas salas de aula das escolas, pois, não podemos negligenciar os vários fatores que interferem
no funcionamento da escola, como a estrutura física e material, o apoio pedagógico e
financeiro dado ao professor, os componentes curriculares que vêm determinados em sua
maioria, e a formação docente que muitas vezes não oferece o suporte necessário para que o
professor atenda às demandas e heterogeneidade que compõem a sala de aula. Tais fatores
são acrescidos de outro quando se trata de atender alunos deficientes mentais, a queixa de
despreparo dos professores para lidarem com esse aluno, o que gera medo e insegurança em
relação à postura a ser adotada, o que pode levar a atitudes de defesa que resultam em
preconceitos.
O aluno deficiente mental deve ser considerado como qualquer outro aluno envolvido
no conjunto das relações que se estabelecem na escola. Dessa forma, seu bom ou mau
desempenho acadêmico não deve ser analisado tomando como ponto de partida suas
17
características individuais ou familiares. E no caso do aluno com deficiência, a presença
desta não deve representar instrumento paralisador das práticas e nem ser considerada fator
decisivo em seu desempenho acadêmico, o que levaria a desconsiderar o desenvolvimento
das ações na escola, bem como as relações interpessoais nos seus mais diversos espaços e
grupos.
A sala de aula representa na escola um espaço constantemente criado e recriado de
acordo com as ações de alunos e professores, e no qual a construção do conhecimento não
pode ser considerada inflexível nem estática. Representa assim, um espaço de execução de
um planejamento prévio, que seria uma aula, espaço este que será preenchido por ações
definidas no planejamento. O planejamento por sua vez deve ter o propósito de atingir
objetivos aos quais alunos e professores perseguem. A aula, nesses termos, deve ser
organizada pensando-se no aluno como um ser interativo, assim, o professor deve considerar
no planejamento da aula o modo como os alunos aprendem, e estar atento às particularidades
dos processos de aprendizagem de cada aluno e à diversidade na sala de aula.
O desejo de realização do presente estudo surgiu a partir da consideração de três eixos
extremamente relacionados entre si e presentes na trajetória acadêmica e profissional da
pesquisadora: a certeza da importância do processo de inclusão escolar para o
desenvolvimento da criança deficiente mental; a importância do professor e de sua prática
educativa no processo de ensino e aprendizagem do deficiente mental, pessoa fundamental
para que realmente este aluno seja incluído; e a possibilidade de constante crescimento em
qualidade e eficiência proporcionado pela reflexão advinda da prática educativa.
O ensino no referido estudo é compreendido como uma prática social, o que segundo
Paulo Freire (1921-1997) é uma ação cultural que se concretiza na interação entre
professores e alunos, refletindo a cultura e os contextos sociais a que pertencem. Assim,
entendemos que a prática educativa não se reduz a ações de responsabilidade do professor e
que, normalmente ocorrem em sala de aula. A ação educativa transcende às ações dos
professores e extrapola os limites da sala de aula. Sacristán (1995) define esta visão e amplia
a idéia de prática educativa propondo uma análise esclarecedora na medida em que
sistematiza a real dimensão da prática educativa, e delimita como cada parte do sistema afeta
a prática em sala de aula e as ações do professor, pontuando dessa forma: a) a existência de
uma prática de caráter antropológico, anterior e paralela à escola; b) práticas institucionais
desenvolvendo-se no ambiente cultural em que a escola se insere; c) a existência de práticas
concorrentes que, embora não sejam da esfera pedagógica, afetam de forma marcante a ação
18
educativa, com currículos elaborados fora da sala de aula e materiais didáticos elaborados por
quem não está presente no cotidiano das escolas.
Zabala (1998) se contrapõe à idéia de que o professor é um aplicador de fórmulas e
recomenda uma reflexão do trabalho por parte do próprio professor. Esse autor analisa a
prática educativa como uma prática de caráter processual em que assumem uma posição
relevante todos os condicionantes do contexto educativo. A prática educativa analisada neste
trabalho deve ser entendida em um sentido específico, que vai além do fazer na sala de aula,
mostrando que os conceitos e concepções da professora, seus saberes, sua experiência, o
envolvimento desta e de seus alunos com o trabalho. O trabalho da professora na sala de aula
é muito mais do que o que acontece no final do processo.
Como Paulo Freire (1921-1997) dizia, é preciso lembrar que toda prática educativa
deve seguir no sentido de levar o homem a refletir sobre seu papel no mundo e assim ser
capaz de mudar este mundo e a si próprio.
No presente estudo a opção por discutir e compreender a prática educativa do
professor alfabetizador que atua com alunos deficientes mentais incluídos se deve
principalmente ao fato de se compreender o professor como fundamental no processo de
inclusão destes alunos. Na inclusão escolar a perspectiva é ir além da presença física em sala
de aula, é favorecer o desenvolvimento e o aprendizado destes alunos e dos demais que
podem neste contexto participar de experiências de escolarização que se traduzam em atender
não às exigências curriculares, mas também que considerem as especificidades e
características dos alunos.
Baseando-nos nas implicações do processo de inclusão escolar do deficiente mental,
muitas são as questões que condicionam este trabalho, entre as quais: de que maneira as
concepções que o professor alfabetizador apresenta sobre o aluno deficiente mental e sobre a
deficiência mental influenciam seu trabalho com o aluno deficiente mental e com os demais
alunos e interferem no desenvolvimento e na inclusão escolar destes? Como a percepção do
professor acerca do aluno deficiente e da deficiência pode interferir no trabalho que ele
realiza com seus alunos? Que importância tem o fato de se conhecer o aluno e sua
deficiência, bem como de compreender o conhecimento que este aluno possui para suas
escolhas didáticas? Qual o peso da credibilidade do professor no potencial de seu aluno
deficiente mental para o processo de desenvolvimento do aluno na sala de aula do ensino
regular? Quais as implicações da presença do aluno deficiente mental na sala de aula do
ensino regular para os demais alunos, para o professor e para o processo de ensino e
19
aprendizagem de todos? De que forma o pensar do professor sobre a escola e a
aprendizagem, sobre o deficiente e a inclusão, e sobre seu papel, se relaciona com o seu
trabalho em sala de aula, uma relação entre o que o professor pensa e o que ele faz? De
que forma o trabalho em conjunto, do ensino regular e do atendimento educacional
especializado viabilizado nas escolas está comprometido com a inclusão do aluno deficiente
mental? Se a inclusão acontece ou não a contento, em que medida o esforço pessoal do
professor é responsável?
O problema de pesquisa apresentado neste estudo se delineou no decorrer da
pesquisa, se construindo à medida que percebemos que, ao tratar de inclusão de alunos
deficientes mentais o trabalho do professor em sala de aula é fundamental e embora não
esteja desconectado de um todo maior, o professor é quem inclui na sala de aula. E mesmo
que isso não aconteça em detrimento de tudo que acontece para além da sala de aula, ele é a
pessoa fundamental na inclusão destes alunos. Portanto, estudar a prática do professor e o
dia-a-dia dele na sala de aula, é perceber como a inclusão está acontecendo e ver acontecer,
em função de uma busca pela qualidade no ensino oferecido às crianças deficientes mentais,
o que reflete na qualidade daquele oferecido às crianças de modo geral, e na possibilidade de
fazer todos aprenderem. O aluno deficiente na sala de aula é a oportunidade de o professor
refazer todo seu trabalho para todos os alunos e não para o deficiente, assim o objetivo
deste estudo é discutir e compreender a prática educativa de uma professora alfabetizadora
que trabalha com aluno deficiente mental em sua sala de aula no ensino regular.
O trabalho aqui apresentado compõe-se de quatro capítulos. Nesta introdução ‘Muitas
vidas em uma história’ pretendemos refazer uma trajetória e demonstrar que não se está
sozinho no percurso de vida e da pesquisa. Em toda caminhada as influências e experiências
são compartilhadas, interferências são partilhadas em outras vidas de forma recíproca. O
sujeito em sua constituição faz parte de muitas vidas e de muitas vidas ele é feito.
No primeiro capítulo ‘Percorrendo trilhas históricas e legais da deficiência mental’, o
objetivo é situar o leitor e propor reflexões sobre questões históricas e políticas que
permearam e permeiam a vida do deficiente, fazendo um retrocesso desde a era pré-cristã,
procurando tornar perceptível o quanto a história, a legislação e as concepções sobre
educação, deficiência mental e prática educativa caminham juntas e se fundamentam. Ainda
neste capítulo propomos discussões sobre a complexidade que envolve a definição de
deficiência mental, o papel social da escola e a relação estabelecida entre esta, o
conhecimento, e a inclusão do deficiente mental.
20
No segundo capítulo ‘Vygotsky: uma concepção orienta o caminho’ apresentamos os
autores utilizados para a fundamentação deste trabalho a partir da perspectiva histórico-
cultural e de pesquisas atuais respaldadas nesta abordagem, que nos ajudaram a pensar,
analisar, compreender e discutir a prática educativa de uma professora alfabetizadora, que
trabalha com aluno deficiente mental incluído em sua sala de aula.
No terceiro capítulo ‘Em busca de um caminho metodológico: o contexto e as pessoas
em foco’ a proposta é discutirmos sobre a pesquisa qualitativa, focando os instrumentos e
procedimentos utilizados no desenvolvimento do estudo e a caracterização do espaço de
pesquisa.
O quarto capítulo contém as análises e a interpretação dos dados e é intitulado ‘A
prática educativa no processo de inclusão escolar do deficiente mental’. Os eixos de análises
e suas subdivisões estão organizados de modo a favorecer a percepção da prática educativa,
do pensar e do fazer docente e a relação destes com o processo de desenvolvimento dos
sujeitos. A metodologia que utilizamos neste trabalho proporcionou a mudança de alguns
pontos de vista, bem como possibilitou outra forma de a professora pensar sobre o deficiente
mental, sobre a inclusão deste no ensino regular e sobre a deficiência.
Nas ‘Considerações Finais’, apresentamos uma síntese das constatações provenientes
desta pesquisa.
Por fim relacionamos todas as referências e documentos utilizados na composição
desta dissertação e os Apêndices.
21
CAPÍTULO I
PERCORRENDO TRILHAS HISTÓRICAS E LEGAIS DA
DEFICIÊNCIA MENTAL
É preciso que tenhamos o direito de sermos
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza
e o direito de sermos iguais quando
a diferença nos inferioriza.
(Boaventura de S. Santos)
A escola, no momento atual, se apresenta como um cenário de grande importância
para a inclusão ao se deparar com uma disseminação de conceitos como o de diferença,
abrangendo assim não somente aqueles alunos com alguma deficiência, mas todos os sujeitos
que fazem uso da educação promovida pela instituição escolar.
Atender às diferenças em seu contexto sem, contudo, inferiorizar ou descaracterizar o
aluno e seu processo de desenvolvimento e aprendizado é, certamente, um dos maiores
desafios que a escola tem de enfrentar atualmente, uma vez que o paradigma da educação
inclusiva vem alcançando um espaço significativo no cenário da educação mundial.
Neste contexto, vivemos um processo de discussões amplas sobre uma Política
Nacional de Educação Especial, que refletem um momento em que paralelamente ao
fenômeno da globalização se estender para todas as esferas da sociedade, as minorias
alcançam visibilidade e reconhecimento. Isto se deve ao fato de que nas últimas décadas, a
sociedade tem sofrido inúmeras modificações; os valores e as formas de conceber o homem e
o mundo passaram por alterações significativas, percebemos um movimento de transição que
transpõe a idéia de conceber a realidade de forma homogeneizada para um movimento mais
complexo, um movimento de defesa da diferença e da diversidade.
Tradicionalmente a sociedade percebe a deficiência como uma doença crônica, e o
deficiente como inválido e incapaz, uma vez que pouco contribui para o meio econômico e
social. Ao se rever a história da humanidade nas obras de Bueno (1993), Mazzotta (2001) e
Jannuzzi (2004), constatamos a presença das pessoas deficientes nas diferentes épocas da
história.
22
Segundo Kirk e Gallagher (1996), podem ser reconhecidos quatro estágios de
desenvolvimento das atitudes em relação às deficiências. Na era pré-cristã, tendia-se a
negligenciar e a maltratar os deficientes. Na Antiguidade, por não corresponderem aos
padrões estéticos, muitos deficientes foram abandonados ou eliminados; com a difusão do
Cristianismo, na Idade Média, a deficiência viveu momentos ambivalentes. Em alguns, os
deficientes eram considerados criaturas divinas, que não poderiam ser desprezados ou
abandonados por possuírem alma. Mas
em outros, representavam forças malignas e, por isso,
deveriam ser eliminadas. Esta época foi marcada por atitudes paradoxais entre a proteção e a
eliminação, sobressaindo a visão do aspecto sobrenatural. Segundo Ferreira e Guimarães
(2003, p. 65), “os indivíduos epiléticos e psicóticos, por exemplo, eram considerados
portadores de possessões demoníacas. os cegos eram muitas vezes tidos como profetas ou
videntes”. Com a difusão do Cristianismo, passou-se a proteger os deficientes e a
compadecer-se deles; entre os séculos XVIII e XIX, foram fundadas instituições para
oferecer-lhes uma educação à parte; e na última metade do século XX, observa-se um
movimento que tende a aceitar as pessoas deficientes e a integrá-las, tanto quanto possível,
na sociedade.
Ainda na contextualização histórica, de acordo com Pessotti (1984), no século XVI
houve um redimensionamento do modo de pensar e de ver a deficiência, passando da
abordagem moral para a abordagem médica, o que assinalou que o modelo de análise da
deficiência era o da doença. As pessoas que apresentavam alguma anormalidade eram
tratadas considerando a possibilidade de cura. Os diferentes permaneciam abandonados à
própria sorte, isolados e com pouca atenção por parte do governo e dos familiares.
não se pode, justificadamente, delegar à divindade o cuidado de suas
criaturas deficitárias, nem se pode, em nome da e da moral, levá-las à
fogueira ou às gales. Não mais lugar para a irresponsabilidade social e
política, diante da deficiência mental, mas ao mesmo tempo, não
vantagens para o poder público, para o comodismo da família, em assumir a
tarefa ingrata e dispendiosa em educá-lo. A opção intermediária é a
segregação; não se pune, nem se abandona, mas também não se
sobrecarrega o governo e a família com sua incômoda presença.
(PESSOTTI, 1984, p.24).
Assim, governos e familiares optam pela prática asilar, em que se abrigam em
leprosários e hospitais toda pessoa considerada diferente. Os hospícios isolavam todos os
sujeitos considerados anormais e mantinham o controle social. Isso pelo fato de a sociedade,
23
na época, se sentir incomodada com a presença do diferente, do que fugia às regras e aos
padrões vigentes.
As instituições fundadas entre os séculos XVIII e XIX marcam o surgimento de uma
nova modalidade de ensino a Educação Especial, fruto de ações isoladas dos profissionais
envolvidos na área médica. O caso mundialmente conhecido do “Selvagem de Aveyron”
representou uma importante contribuição para visualizar uma educação voltada para o
deficiente, quando da elaboração, pelo médico francês Jean Itard (1774 1838), do primeiro
programa sistemático de educação especial.
O primeiro especialista em deficiência mental e em ensino para deficientes mentais é,
segundo Pessotti (1984), Edouard Seguin (1812-1880) destacando sua obra
Traitement
moral, hygiène et éducation des idiots et des autres enfants arriérés, (1846), mais conhecida
como Traitement moral. Foi discípulo de Itard, suas sólidas observações e argumentos
apontam fatores ou causas pós-natais, acidentais, para várias formas de oligofrenia Antes de
sua obra
Traitement moral vir a público, Seguin se dedicara à educação sistemática de
idiotas, primeiro no Hospital dos Incuráveis em 1842 e depois em Bicêtre, onde organizara
uma verdadeira escola especial. Seguin insistia na necessidade de uma observação cuidadosa
do aluno (PESSOTTI, 1984, p.110). Uma clara inovação da doutrina de Seguin para a
evolução do conceito de deficiência mental é a aceitação de que qualquer que seja o grau de
deficiência o sujeito é educável.
No Brasil, desde o período colonial, os deficientes foram considerados seres distintos,
e à margem dos grupos sociais. Mas na medida em que os direitos do homem à igualdade e à
cidadania tornaram-se motivo de preocupação dos pensadores, algumas mudanças na história
começaram a ocorrer. Segundo Mazzotta (2001), a Educação Especial surgiu
institucionalmente no conjunto das concretizações possíveis das idéias liberais que tiveram
divulgação no Brasil no fim do século XVIII e começo do século XIX.
De acordo com Jannuzzi (2004), no Brasil, o movimento em prol da Educação
Especial se concretiza com a criação por parte de D. Pedro II, do Imperial Instituto dos
Meninos Cegos (atual Instituto Benjamin Constant), em 1854, e do Imperial Instituto de
surdos-mudos atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em 1857, que
funcionam até hoje no Rio de Janeiro. A autora ressalta ainda que a preocupação com a
educação das pessoas diferentes iniciou-se no final do Império e início da República, quando
os ideais liberais começaram a ser discutidos e consolidados. Todavia, mesmo assim, as
24
instituições foram incipientes e foram fortalecidas na segunda metade do século XX. A
educação escolar do deficiente teve início apenas no século XX.
Entre as décadas de 1920 e 1930, o ensino primário se expandiu e se popularizou,
assim como o movimento da Escola-Nova começou a se concretizar no Brasil. Esse
movimento, preocupado em reduzir as desigualdades sociais, incorporava em suas
metodologias pedagógicas ações baseadas em concepções de profissionais que trabalhavam
com deficientes, como por exemplo, Montessori (1870 -1952) e Decroly (1871-1932).
(JANNUZZI, 2004).
Assim, várias reformas educacionais foram implementadas, segundo os princípios da
Escola-Nova, influenciando os rumos da Educação Especial Brasileira. Contudo, mesmo
defendendo a diminuição da desigualdade social, o movimento da Escola-Nova acabou por
contribuir com a exclusão do deficiente das escolas regulares, pois enfatizava o estudo das
características individuais, propondo um adequado e especializado ensino para aqueles
alunos que não atendiam às exigências da escola regular (MAZZOTTA, 2001).
O início do século XX também foi marcado por críticas à segregação e à exclusão das
pessoas que apresentavam alguma deficiência. Nesse sentido, pais e parentes dos deficientes
começaram a lutar por melhores condições de vida para aqueles que apresentavam alguma
“anormalidade”. Seguia-se o princípio de “normalização”, base filosófica ideológica da
integração que não trata de normalizar as pessoas, mas sim o contexto em que elas se
desenvolvem. Ou seja, oferecer aos deficientes modos e condições de vida diária o mais
parecido possível com as formas e condições de vida do restante da sociedade, implica em
adaptação dos meios e das condições de vida às necessidades destes. A defesa da
participação do deficiente na sociedade e o respeito à sua cidadania não foram suficientes
para provocar mudanças no tipo de atendimento predominante, continuava-se com o
atendimento de forma assistencial, com o predomínio a hegemonia médico-clínica (BUENO,
1993; MAZZOTTA, 2001 e JANNUZZI, 2004).
Mais tarde, nos anos de 1940 e 1950 uma série de questionamentos refletiu
indagações não sobre a origem constitucional do enquadramento de um indivíduo como
“deficiente”, mas também sobre sua própria incurabilidade. Após a Segunda Guerra, no
governo de Juscelino Kubitschek, a Educação Especial passou a fazer parte das preocupações
do governo. Foram obtidas melhorias nos serviços educacionais por meio de ações do estado
e do legislativo federal, confirmando assim, o desejo da sociedade em oferecer justiça às
famílias dos deficientes. (MAZZOTTA, 2001).
25
No Brasil, até a década de 1940 não havia uma preocupação no panorama da
educação nacional com as crianças deficientes. Somente na década de 1950 ocorreu uma
considerável expansão das classes e escolas especiais, assim como a criação de instituições
filantrópicas, como a Associação de Pais e Amigos do Excepcional APAE (1954). A partir
daí, com o surgimento das escolas e, mais tarde, das classes especiais no interior do ensino
regular, houve uma divisão no sistema educacional em dois subsistemas que funcionavam
paralelamente: ensino regular e ensino especial.
As escolas especializadas, assim como as classes especiais dentro da escola regular,
cresceram significativamente devido ao aumento da população urbana e ao processo de
democratização do ensino. O crescimento das instituições especiais fortaleceu a segregação
dos alunos, assim como a resistência da sociedade em promover práticas mais inclusivas, a
inserção destes alunos em escolas ou classes especiais pouco exigia da sociedade em termos
de mudanças em suas atitudes e valores, uma vez que, caberia à pessoa deficiente moldar-se
às exigências do meio social. (PESSOTTI, 1984; MAZZOTTA, 2001; JANNUZZI, 2004).
As propostas da Educação Especial em seus primeiros anos de funcionamento se
baseavam em duas vertentes: médico-pedagógica e psicopedagógica. A primeira caracteriza-
se pela preocupação higienizadora, refletindo na instalação de escolas em hospitais e
promovendo maior segregação no atendimento aos deficientes. A vertente psicopedagógica
caminhava em defesa da educação dos “anormais”, buscando identificar essas pessoas por
meio de escalas psicológicas e de inteligência para selecionar aquelas que freqüentariam as
escolas especiais. Mesmo visando à educação do deficiente, essa vertente também se revelou
segregadora, dando origem às classes especiais. (JANNUZZI, 2004).
Constatamos algumas alterações na legislação, que a partir de 1960 e 1970 começam
a promover mudanças que alcançam a Educação Especial. Esses anos, portanto, são
marcados por várias iniciativas nessa área e refletem num aumento considerável de serviços
de ensino especial.
A partir do final dos anos 1960, e de modo mais destacado nos anos 1970,
as reformas educacionais alcançaram a área de educação especial sob a
égide dos discursos da normalização e da integração. A educação especial
constou como área prioritária nos planos setoriais de educação, após a
Emenda constitucional de 1978 e a Lei nº. 5692/71, de reforma do e
graus, e foi contemplada com a edição de normas e planos políticos de
âmbito nacional: as definições do Conselho Federal de Educação sobre a
educação escolar dos excepcionais, as resoluções dos Conselhos Estaduais
de Educação sobre diretrizes de educação especial, com a criação dos
setores de educação especial nos sistemas de ensino, das carreiras
26
especializadas em educação especial na educação escolar (os professores
dos excepcionais) e também no campo de reabilitação (a constituição das
equipes de reabilitação/ educação especial) (FERREIRA, 2006, p. 87).
A institucionalização da Educação Especial no Brasil em 1973 se efetivou com a
criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Toda expansão das escolas e
classes especiais que ocorreu no Brasil, representou para o ensino regular uma resposta à sua
inadequação e seu fracasso frente às necessidades dos seus alunos. As classes especiais
serviam como um depósito que excluía das escolas comuns os alunos que fracassassem em
seus estudos.
A partir da década de 1970, alguns estudiosos, baseados na idéia da modificabilidade
cognitiva, passaram a acreditar no potencial de aprendizagem da pessoa com deficiência.
Houve assim uma mudança de paradigma, não mais baseado na segregação do aluno em
instituição especializada, mas sim, na idéia de uma educação integrada, fundamentada na
possibilidade de que as escolas regulares inserissem os alunos que apresentavam
necessidades especiais nas salas comuns. Com isso, promoveu-se uma intensificação em
torno da discussão sobre a integração/inclusão das crianças que apresentam necessidades
educacionais especiais no sistema regular de ensino (PESSOTTI, 1984).
Na década de 1980 e início dos anos 1990, questões acerca dos direitos legais dos
deficientes levaram pais e pessoas com necessidades especiais a se organizarem em favor da
garantia dos direitos conquistados, reivindicando o cumprimento dos mesmos. Na década de
1980 as propostas de definição das políticas públicas foram norteadas pelos princípios da
normalização e da integração.
O movimento pela integração social iniciou-se com a inserção
das pessoas que apresentavam deficiência nos sistemas sociais como a educação, o trabalho,
a família e o lazer, tendo como fator fundamental a elaboração do princípio da normalização.
Tal princípio se opunha aos modelos de segregação, além de defender a idéia de possibilitar
às pessoas que apresentavam deficiência, condições de vida as mais normais possíveis,
assemelhando-se com a de todas as pessoas consideradas normais (SASSAKI, 2006;
MIRANDA, 2003). A integração escolar nestes termos relaciona-se à idéia de uma inserção
condicionada às possibilidades de cada pessoa, o que significa que o aluno deverá se adequar
às condições sociais, mais especificamente, ao contexto escolar.
Esse período foi marcado pela promoção de muitos encontros e congressos
internacionais no intuito de mobilizar os países a reestruturarem suas políticas em prol da
inserção dos deficientes na esfera social. O ano de 1981 constituiu-se um marco para os
27
deficientes de todo o mundo, pois a Organização das Nações Unidas - ONU o proclamou
como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, tendo como lema “Participação Plena e
Igualdade”. Assim, a partir dos encontros internacionais, sobre a defesa dos direitos das
pessoas com necessidades especiais e pessoas com deficiência, o Brasil passou a incorporar
em seus dispositivos legais garantias de atendimento a essas pessoas.
No Brasil o marco, em se tratando da legislação, brasileira é a Constituição de 1988,
que garante a democracia e os direitos dos cidadãos, inclusive o direito à educação. A
Constituição Federal estabelece ainda, em seu artigo 206, inciso I, como um dos princípios
para o ensino, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. E em seu artigo
208, garante como dever do Estado a oferta do atendimento educacional especializado,
estabelecendo ainda a integração escolar como preceito constitucional e preconizando o
atendimento às pessoas com deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino. O
termo “portadores de deficiência”
1
é utilizado na Constituição para se referir às pessoas com
deficiência sendo condizente com o contexto de 1988.
A partir da Constituição Federal de 1988, toda escola, reconhecida como tal pelos
órgãos legais, deve atender aos princípios constitucionais, não podendo, portanto, excluir
nenhuma pessoa em razão de sua raça, cor, sexo, origem ou deficiência. No entanto ao
analisarmos a evolução do atendimento educacional para alunos com deficiência observamos
que, ainda hoje, os princípios estabelecidos pela Constituição não estão sendo atendidos
conforme preconizam. A Constituição Federal de 1988 é promulgada em momento em que o
país estava saindo de um regime militar e veio garantir os direitos dos cidadãos, e foi clara ao
prever o atendimento educacional especializado à população de deficientes.
Em 1990, quase dez anos depois de proclamado o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes, foi divulgada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, resultado da
Conferência Mundial de Educação para Todos, que aconteceu na Tailândia, neste mesmo
ano. Este documento, embora não tenha sido elaborado visando à educação especial e os que
dela fazem parte, apresentou importantes objetivos que acabaram beneficiando os deficientes,
pois, estabeleceram princípios, diretrizes e normas que direcionaram as reformas
educacionais em vários países. Alguns exemplos dos benefícios provenientes desta
Conferência são: a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem; a expansão do
enfoque da educação para todos; a universalização do acesso à educação; o oferecimento de
um ambiente adequado para a aprendizagem (BRASIL, 1990). O conceito de Educação para
1
O termo condiz com o referencial teórico e político da época.
28
Todos nestes termos não se refere apenas ao âmbito da educação, mas consegue neste
momento da história e da política mundial fazer pensar sobre políticas sociais, distribuição de
renda e o acesso diferenciado aos bens materiais e a cultura em diversos países.
Segundo Miranda (2003), somente em meados da década de 1990, iniciou-se no
Brasil as discussões em torno do novo modelo de atendimento escolar denominado inclusão
escolar. Esse novo paradigma surge como uma reação contrária ao processo de integração e
sua efetivação prática tem gerado muitas discussões e controvérsias.
O conceito de inclusão refere-se a uma inserção total e incondicional e indica uma
adequação da escola e da sociedade. A inclusão escolar possui um posicionamento que difere
em sua essência da integração escolar, pois respeita as diferenças individuais e mostra a
necessidade de uma transformação da escola que deve se adaptar às necessidades dos alunos.
É preciso considerar os momentos históricos e as conjunturas políticas que começam a
disseminar no Brasil teorias de aprendizagem e políticas educacionais promotoras de um
ensino menos autoritário e unilateral que o tradicional.
O movimento pela inclusão no Brasil foi intensificado por dois eventos significativos
dessa proposta, que trataram de questões referentes à educação para todos. Esses eventos
foram a “Conferência Mundial de Educação para Todos”, realizada em Jontiem, na
Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial de Educação Especial: acesso e qualidade, em
Salamanca, na Espanha, realizada em 1994 Neste segundo evento as discussões sobre a
Educação Especial assinalaram a inclusão de crianças que apresentam necessidades especiais
nas escolas comuns. Neste evento participaram noventa e dois governos, inclusive o Brasil e
vinte e cinco organizações internacionais, as discussões serviram de base para formulação de
importantes documentos, entre eles a Declaração de Salamanca
2
, com o objetivo de promover
a atenção às pessoas com Necessidades Educacionais Especiais.
O compromisso firmado na Declaração de Salamanca (1994) reforça os propósitos da
oferta educacional destinada a todos os grupos de pessoas, buscando assim “o compromisso
de viabilização de uma educação de qualidade, como direito da população, que impõe aos
sistemas escolares a organização de uma diversidade de recursos educacionais” (SOUSA,
PRIETO, 2002, p.124-125). Propõe-se nas linhas de ação deste documento uma
ressignificação da escola, de tal modo que se conceba como prioridade a modificação de seus
padrões, considerados até então homogêneos, para atender à prerrogativa da educação para
2
Este documento não tem poder legal em si mesmo, ele oferece diretrizes para os Estados-membros das Nações
Unidas que podem, ou não, incorporar em suas políticas públicas as orientações ali apresentadas.
29
todos, oportunizando às pessoas com diferentes necessidades as devidas condições de
inserção no sistema educacional.
O documento supracitado também propõe uma mudança de paradigma da escola
integrativa para a escola inclusiva. Segundo Rodrigues (2001), a escola integrativa apesar de
ter alertado a escola tradicional para a discussão sobre as diferenças, fica aquém do objetivo
de incluir todos os alunos. Daí este autor considerar a Declaração de Salamanca como uma
“magna carta” da mudança de paradigma da escola integrativa para uma educação inclusiva.
A Declaração aponta para um novo entendimento do papel da escola regular na educação de
alunos com necessidades educacionais especiais. “As escolas regulares seguindo esta
orientação inclusiva constituem os meios mais capazes para combater atitudes
discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade
inclusiva e atingindo a educação para todos” (RODRIGUES, 2001, p. 19-20). A educação
inclusiva nessa perspectiva não deve ser entendida apenas como algo isolado, referente
apenas ao campo educacional, e nem ligada somente a pessoas com necessidades
educacionais especiais ou pessoas deficientes, deve abranger todos os estratos sociais.
Um dispositivo legal de grande importância para a educação do aluno deficiente no
Brasil foi, a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96. Dentre
os avanços que ela contempla estão a extensão da oferta de educação especial de zero a seis
anos e a necessidade do professor estar preparado e com recursos adequados, de forma a
compreender e atender a diversidade dos alunos. Todo o conteúdo do capítulo V da referida
lei trata especificamente da Educação Especial, preconiza que a mesma deve ser oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino e, quando necessário, deve haver apoio
especializado. E em seu artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino deverão assegurar aos
alunos currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para
atender às suas necessidades. Deixa ainda claro, em seu artigo 24, a “possibilidade de avanço
nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” como uma tarefa da escola
(BRASIL, 1996, p.44). Infelizmente percebemos que, na maioria dos casos, a escola usa
desta atribuição não para avançar os alunos especiais e sim para fazer com que retornem a
uma, a duas e até três séries anteriores.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 para não ferir a
Constituição, ao usar o termo Educação Especial faz referência a ele como uma modalidade
de educação escolar, segundo a nova interpretação, com base no que a Constituição inovou,
ao prever o ‘atendimento educacional especializado’ e não mais ‘Educação Especial’ como
30
constava nas legislações anteriores. A LDBEN 9.394/96 utiliza o termo “educandos com
necessidades educacionais especiais, por influência da Declaração de Salamanca e
influências internas, numa compreensão circunscrita nos documentos que em 1994 traziam os
termos “pessoas com deficiências, condutas típicas, superdotação/ altas habilidades”,
caracterizando que não somente o deficiente teria o direito ao atendimento educacional
especializado, abandonando assim um referencial restrito. A LDBEN 9.394/96 mantém o
Atendimento Educacional Especializado ‘preferencialmente’ na rede regular de ensino, e
acrescenta serviços de apoio especializado para atender às peculiaridades da clientela de
Educação Especial. Faz ainda menção à existência de classes, escolas e serviços
especializados fora da classe comum.
Em termos legais, podemos observar que a Educação Especial no Brasil encontra-se,
de certa forma bem amparada, no entanto, é necessário garantir a efetivação das garantias
legais. Não se constata ainda a democratização do ensino garantida pela lei, pois são poucos
os deficientes que têm acesso à escola, e os poucos que nela estão encontram ainda grandes
dificuldades para alcançar o sucesso escolar. Para Bueno (1993), aqueles alunos com
deficiência que conseguem o acesso à educação, embora permaneçam na escola durante
longos períodos de tempo, não conseguem aprender.
Observamos que os alunos com deficiência mental são aqueles que engessam a fila
dos que não se sobressaem na escola, reforçando o aumento do índice de reprovação escolar,
e nesse caso específico são repetentes da mesma série por várias vezes e essa situação passa a
ser rotineira e normal para a escola e justificada como conseqüência da deficiência. Segundo
Bueno (1993), as justificativas apresentadas pelos especialistas da educação é a de que eles
não aprendem porque são deficientes mentais, deixando de questionar sobre os métodos
empregados e a atuação dos professores em relação ao processo de ensino e aprendizagem.
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução
CNE/CEB nº. 2/2001 determinam no art. 2º que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas
organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades
educativas especiais, assegurando as condições necessárias para uma
educação de qualidade para todos (MEC/SEESP, 2001).
A CNE/CEB nº. 2/2001, ao referir-se aos alunos com deficiência utiliza o termo da
LDBEN 9.394/96 “alunos com necessidades educativas especiais”, entendendo-o como
‘dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que
31
dificultem o acompanhamento das atividades curriculares’. Tais dificuldades podem ser,
segundo a Resolução, de causas orgânicas e não orgânicas (CNE/CEB nº. 2/2001, p.44).
Quanto ao ensino, esta Resolução entende a Educação Especial como modalidade de ensino,
permanecendo o que decreta a LDBEN 9.394/96. Essa modalidade de ensino é entendida
como processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure todo um
conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, garantindo a educação escolar e
promovendo o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam
necessidades educacionais especiais.
A Resolução acrescenta ainda que o sistema de ensino deve constituir um setor
responsável pela Educação Especial, dotado de recursos humanos, materiais e financeiros
que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da educação inclusiva. O
atendimento a estes educandos, segundo a CNE/CEB nº. 2/2001 deve ser feito nas escolas
regulares. É o que está sendo vivenciado em 33 escolas da rede municipal de ensino de
Uberlândia que contam com este serviço e para o qual são selecionados através de análise de
currículo, os profissionais que possuam cursos de pós-graduação nas áreas de educação
especial/inclusão escolar ou áreas afins, para atuarem com alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação em salas de recursos
instaladas na própria escola onde o aluno freqüenta o ensino regular.
Em 2001, o Plano Nacional de Educação PNE, Lei nº. 172/2001 delega funções no
âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo objetivos e metas
para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades educacionais
especiais dos alunos. No seu diagnóstico, aponta um déficit nos sistemas de ensino em
relação à política de educação especial, referente à oferta de matrículas para alunos com
deficiência nas classes comuns do ensino regular, à formação docente, às instalações físicas e
ao atendimento especializado.
Um encontro internacional também de grande importância para a educação do
deficiente foi a Convenção da Guatemala (BRASIL, 2001), promulgada no Brasil pelo
Decreto nº. 3.956/2001. Tal convenção reafirma que as pessoas com deficiência têm os
mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo
discriminação como:
(...) toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência,
antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou
percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou o
propósito de impedir ou anular o reconhecimento, o gozo ou exercício por
32
parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas
liberdades fundamentais (p. 03).
Esse decreto apresenta importantes repercussões na educação, exigindo uma
reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação adotada
para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização. De acordo
com este documento não se pode impedir ou anular o direito à escolarização nas turmas
comuns do ensino regular, pois se estaria configurando discriminação com base na
deficiência (BRASIL, 2001).
No ano de 2004, a OPS/OMS (Organização Pan-americana de
Saúde e Organização Mundial de Saúde), se reuniu entre os dias 05 e 06 de
outubro de 2004, em Montreal, Canadá, e utilizou o termo deficiência intelectual e não mais
deficiência mental, declarando que:
Pessoas com Deficiência Intelectual, assim como outros seres
humanos, nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A deficiência
intelectual, assim como outras características humanas constitui parte
integral da experiência e da diversidade humana. A deficiência intelectual é
entendida de maneira diferenciada pelas diversas culturas o que faz com a
comunidade internacional deva reconhecer seus valores universais de
dignidade, autodeterminação, igualdade e justiça para todos. Garantindo
‘(...) para as pessoas com deficiências intelectuais, assim como para as
outras pessoas, o exercício do direito à saúde, a inclusão social, uma vida
com qualidade, acesso à educação inclusiva, acesso a um trabalho
remunerado e equiparado, e acesso aos serviços integrados da comunidade’
(p.01-03)
.
Em 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela
ONU, da qual o Brasil é signatário, desloca a idéia da limitação presente na pessoa para a sua
interação com o ambiente, avançando ao deslocar a deficiência do indivíduo para a sua
relação/interação com atitudes e ambientes, os quais ao produzirem barreiras, podem impedir
sua plena participação cidadã. A Convenção define em seu artigo 1º que:
Pessoas com deficiências são aquelas que têm impedimento de natureza
física, intelectual ou sensorial, os quais em interação com diversas barreiras
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais
pessoas (p.03).
Ainda em 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Ministério da
Educação, o Ministério da Justiça, e a UNESCO lançam o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, inserindo o Brasil na Década da Educação em Direitos Humanos prevista
33
no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos. O Plano define ações para
fomentar, no currículo da educação básica, as temáticas relativas às pessoas com deficiência
e para desenvolver ações afirmativas que possibilitem a inclusão.
No ano de 2007, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial apresenta
o documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
propondo diretrizes que devem se traduzir em políticas educacionais que produzam o
deslocamento de ações e que possam atingir os diferentes níveis de ensino, constituindo
assim políticas públicas promotoras do amplo acesso à escolarização.
Com o objetivo de assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, este documento busca orientar
os sistemas de ensino de modo a garantir a esses alunos o acesso com participação e
aprendizagem no ensino comum, a oferta de atendimento educacional especializado, a
continuidade dos estudos e acesso a níveis mais elevados de ensino, a promoção da
acessibilidade universal, a transversalidade da modalidade educação especial desde a
educação infantil até a educação superior, e a articulação intersetorial na implementação das
políticas públicas.
Ainda em 2007, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva na versão preliminar de 2007 (PNEE/2008) promove uma mudança de
terminologia retomando o PNEE/1994 ao caracterizar as necessidades educativas especiais
como: deficiências, transtornos globais do desenvolvimento (que substitui o termo condutas
típicas da referida lei), superdotação /altas habilidades. O referido documento considera a
Educação Especial como modalidade de educação escolar, e como campo de conhecimento,
buscando o entendimento do processo educacional de alunos com deficiência e com altas
habilidades. Tal modalidade deve, de acordo com o documento, estar presente em todas as
etapas do ensino básico e superior, e essa modalidade de educação passa a ser entendida
como complemento na formação de alunos com deficiência, perdendo sua condição de
substituir o ensino comum, curricular em escolas e classes especiais. Também é substituído o
termo classes e escolas especiais por salas de recursos multifuncionais nas escolas regulares e
centros de apoio. O atendimento exclusivo, individualizado de herança clínica, também se
configura nesta Política como trabalho colaborativo, com apoio extra-turno aos alunos. O
documento propõe também um currículo flexível e dinâmico e não uma adaptação curricular
como nas leis anteriores. Essas mudanças de nomenclaturas refletem ou buscam refletir
mudanças de postura da sociedade frente a essas pessoas excluídas. Percebemos que quando
34
o direito do cidadão não está assegurado na cultura da sociedade, deve estar garantido em lei,
para ser efetivamente consolidado.
Em julho de 2008, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(ONU/2006) foi ratificada pelo presidente do Brasil e aprovada unanimemente na Câmara
dos Deputados e no Senado Federal, e vem ao encontro das políticas desenvolvidas pelo
Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP). É o primeiro
tratado internacional a vigorar com status constitucional no Brasil sendo destaque no âmbito
da educação com a afirmação da Educação Inclusiva em todos os níveis, comprometendo os
Estados a assegurarem dentre outros que, as pessoas com deficiência não sejam excluídas do
sistema educacional sob alegação da deficiência, que recebam o apoio necessário para
facilitar sua efetiva educação e que se adotem medidas de apoio individualizadas e efetivas
que possibilitem o desenvolvimento acadêmico e social, visando à inclusão plena.
Podemos observar que nos aspectos legais muito se avançou. No Brasil, desde a
promulgação da Constituição Federal muito se caminhou no sentido de promover a inclusão
das pessoas com deficiência no sistema de ensino. Tais avanços oportunizam repensarmos
ações e mesmo analisarmos sobre a necessidade de se elaborar e decretar leis que garantam
direitos de pessoas e deveres de outras, leis que propagam a convivência com a diversidade,
diversidade esta que é própria dos seres humanos, e com a qual se deveria aprender a lidar
desde sempre, sem necessariamente precisarmos de uma lei para promover esta convivência.
1.1- Considerações sobre a Educação Inclusiva
A Inclusão Escolar neste estudo é compreendida numa perspectiva inclusiva em que
se problematizam as práticas educacionais hegemônicas e são utilizados conceitos
interligados à diferença como possibilidade de compreender a relação eu/outro na
constituição da identidade e subjetividade do sujeito. Assim, de acordo com Guimarães e
Ferreira (2003), antes de motivar qualquer definição conceitual, é necessário repensar sobre
as finalidades da mesma a fim de evitar alguns problemas, como a utilização do termo no
intuito de mascarar ou aprisionar o pensamento. Assim, ao tratarmos de conceitos como
igualdade, diferença e desigualdade, é preciso nos atentarmos para as possibilidades de
equívocos, discriminações e contradições. Neste sentido, é importante levarmos em
consideração que os limites e sentidos reservados aos conceitos estão intimamente ligados à
cultura de uma determinada época, ou seja, são conceitos construídos historicamente.
35
Uma discussão conceitual das autoras de grande relevância para nossas reflexões, diz
respeito aos conceitos de ‘’igualdade x diferença’’ e ‘’igualdade x desigualdade’’. A dupla de
conceitos de igualdade e desigualdade parece mais ligada aos aspectos econômicos e
políticos. os conceitos igualdade e diferença, de acordo com Ferreira e Guimarães (2003),
são tratados como binários, cujas relações são antagônicas e se opõem dialeticamente. Se
muitas diferenças são explícitas, como por exemplo, o formato do rosto, a cor, o sexo,
sotaque, enfermidade e a deficiência, não caberia então, desconsiderá-las em prol de uma
igualdade, neste sentido, não existente.
Na perspectiva de Candau (2002), a articulação entre igualdade e diferença, também
requer uma visão dialética. Para a autora não contraposição entre igualdade e diferença,
mas sim entre igualdade e desigualdade, pois a diferença na verdade, se opõe à padronização.
Sua proposta se baseia, sobretudo, na luta pela igualdade através do reconhecimento dos
direitos básicos de todos, que jamais são vistos sob a dimensão da padronização, e das suas
diferenças. Assim, a diferença é a parte constitutiva da igualdade, e não a sua negação.
Candau (2002, p.129), afirma ainda que:
Não se pode mais pensar numa sociedade que não incorpore o tema de
reconhecimento das diferenças, o que supõe lutar contra todas as formas de
desigualdade, preconceito e discriminação.
Tal concepção defende o conhecimento e a convivência com a diferença como
promotoras de situações que ultrapassem as práticas rotuladoras, classificatórias da
aprendizagem e dos preconceitos historicamente construídos em relação à pessoa com
deficiência.
As concepções anteriores indicam, portanto, uma revisão na definição da função da
escola, na concepção do conhecimento, do ensino e da aprendizagem. A Educação Especial,
quando presente no ensino regular, atinge a escola comum em seus fundamentos e práticas
(SCHNEIDER, 2002; MANTOAN, 2003; PADILHA, 2004).
Ocorre que a exclusão escolar como afirma Mantoan (2003, p.18):
(...) manifesta-se de diversas e perversas maneiras, e o que está em jogo
quase sempre é a ignorância do aluno diante dos padrões de cientificidade
do saber escolar. Exclui, então, os que ignoram o conhecimento que ela
valoriza... não se abre a novos conhecimentos que não couberam, até então
dentro dela.
36
Rodrigues (2001) avalia que os momentos da crise paradigmática atual transpõem a
Educação Especial em direção a uma Educação Inclusiva, destacando seus reflexos na
educação com as modificações e críticas sofridas pela escola tradicional e especial, passando
pela escola integradora até chegar à escola inclusiva.
Na perspectiva deste autor, a escola tradicional desenvolveu práticas e valores que,
progressivamente, tornaram mais evidentes as diferenças, o que gerou, na própria escola,
diferentes meios de exclusão, principalmente para aqueles cujas necessidades educativas não
se enquadravam nas oportunidades homogêneas propostas a todos. As escolas especiais
surgem encarregadas de atender às deficiências sob os mesmos princípios da escola
tradicional: ensino homogêneo voltado para uma mesma categoria de deficiência.
Rodrigues (2001) apresenta ainda o modelo de escola integrativa que une, numa
mesma realidade escolar, alunos com e sem deficiências. Esta escola surge sob importantes
aspectos, como o de considerar mais uma visão educativo-pedagógica que médico-
psicológica, voltada, sobretudo para as necessidades educativas especiais e não mais,
estritamente, para as deficiências. Por mais que a escola integrativa fosse, na concepção deste
autor, uma experiência de sensibilização para a diferença, as contradições eram evidentes:
Os alunos que tinham uma deficiência identificada tinham o direito a um
atendimento personalizado e condições especiais de acesso ao currículo e ao
sucesso escolar; pelo contrário, os alunos sem uma deficiência identificada
(mesmo que com dificuldades específicas de aprendizagem, problemas de
comportamento, insucesso escolar, oriundos de minorias étnicas, etc.) não
encontravam apoio, permanecendo esquecidos e muitas vezes
marginalizados (p.18).
Este modelo de escola integrativa não foi suficiente para atender à diversidade em
todas as suas formas, furtando-se de seu intuito maior de integrar todos os alunos; sua falha
maior, segundo Rodrigues (2001), reside no fato de focalizar muito mais o aluno que o
próprio sistema escolar. Neste sentido, a escola inclusiva abre espaço para tentar abarcar a
diferença das mais diferentes formas, numa perspectiva de garantir qualidade para todos.
A partir da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva (2007), que visa à construção de sistemas educacionais inclusivos, a Educação
Especial não é mais substitutiva à escolarização e propõe uma reorientação pedagógica das
instituições especializadas e escolas especiais em centros de apoio, recursos e serviços.
Devemos considerar que as instituições especializadas e escolas especiais têm grande
experiência e estrutura a ser aproveitada na proposta de educação inclusiva. E estas na nova
37
Política terão seu papel no atendimento educacional especializado, o que difere das
atividades acadêmicas do ensino regular, com função complementar e/ou suplementar na
formação dos alunos, que visem à autonomia e a independência desses na escola e fora dela.
Ao pensarmos numa escola inclusiva é necessário não perder de vista neste contexto,
a educação como representante de mudança social e a escola é uma dentre várias instituições
sociais que representa todas as contradições presentes na sociedade. Assim, seria
inconseqüente colocar na escola a responsabilidade pela inclusão, pois como esclarece
Rodrigues (2005, p.48) “a escola não é pela sua história, seus valores e suas práticas uma
estrutura inclusiva e ela mesma foi criada de exclusão.” A escola apresenta ainda outros
dilemas presentes no seu cotidiano, que vão desde salas lotadas, poucos recursos à
disposição, até a própria formação dos professores.
Outro importante desafio a ser superado é o fato de a escola considerar o aluno como
um ser pronto e acabado e o seu papel limitado a executar atividades pré-fixadas pelo
professor; o professor, por sua vez, é visto como detentor do saber e tem o papel principal de
informar e conduzir os alunos em direção a objetivos que lhes são externos, não
considerando os sujeitos em processo. Nesta perspectiva se estabelece uma relação de poder
entre quem ensina e quem aprende, na qual aquele que tem o poder, no caso o conhecimento,
desautoriza, conforme Dechichi (2001), a capacidade cognoscente do outro e espera que ele
apenas receba e aceite as informações sem questionar ou refletir a respeito delas. A
construção do conhecimento, o aprender como se aprende, o saber pensar e a criatividade,
neste contexto ficam abolidos e muitas vezes são considerados como desvios.
De acordo com Padilha (2004, p.119):
A escola nunca esteve preparada para quem é diferente dela. A escola
preparou-se para ensinar a quem aprende igual. Comporta-se igual. Mas
igual a quem? Os professores são todos iguais? As necessidades são todas
iguais? Mas os programas são iguais e, se não são, dizemos que estamos
fazendo adaptações, modificações, concessões...
Atualmente temos observado grandes mudanças e avanços, embora recentes, na
legislação visando garantir ao deficiente seus direitos inerentes; e pode-se observar também
que o olhar sobre a deficiência obteve mudanças em anos recentes, quando a abordagem
médica deu lugar ao que Kirk e Gallagher (1996, p.9) chamam de Enfoque Ecológico, que
“vê a criança excepcional em interações complexas com as forças ambientais”. Essa nova
perspectiva desloca o lócus da deficiência da pessoa, para todo o contexto sócio-político-
38
econômico, educativo e cultural em que este sujeito está inserido, em que será valorizada, ou
não, a diferença de que é portador. Sob o aspecto educacional, esta mudança de enfoque tem
importante significado: o objetivo de intervir pedagogicamente no aluno, compensando suas
limitações, evolui para objetivos mais amplos de repensar o processo de ensino-
aprendizagem que lhe é proporcionado e a qualidade dos vínculos estabelecidos. A inclusão,
portanto, implica uma mudança de perspectiva educacional, as escolas inclusivas de acordo
com Mantoan (2003), propõem um modo de organização do sistema educacional que
considera as necessidades de todos os alunos.
É necessário reconhecer primeiramente que alunos não são virtuais, objetos
categorizáveis, eles existem de fato, são pessoas que provêm de contextos culturais variados,
representam diferentes segmentos sociais, produzem e ampliam conhecimentos e têm
desejos, aspirações, valores, sentimentos e costumes com os quais se identificam. Esses
grupos de pessoas não são criação da razão, mas existem em tempos e lugares não ficcionais,
e evoluem. Geralmente a escola frente a esses grupos de pessoas reflete sua incapacidade de
atuar diante da complexidade, da diversidade, da variedade, do que é real nos seres humanos
(SCHNEIDER, 2002; MANTOAN, 2003; PADILHA, 2004).
A proposta da educação inclusiva é uma ampliação da perspectiva educacional, pois
sua meta é incluir todos aqueles que estão em situação de exclusão, ou seja, todos aqueles
que por um motivo ou outro não estejam usufruindo o direito à educação, e tal situação não é
vivenciada pelos deficientes. A educação inclusiva não deve ser entendida como uma
denominação moderna da Educação Especial, e sim como uma ressignificação que pretende
atender a todos no sistema educacional, sem nenhuma restrição.
Correia (2001, p.12) chama atenção para o fato desta nova visão paradigmática
lucidar pontos de vista divergentes. Para este autor:
Uma escola inclusiva é, assim, aquela que pretende dar respostas às
necessidades de todos os alunos, sejam quais forem suas características, nas
escolas regulares das suas comunidades e, sempre que possível, nas classes
regulares dessas mesmas escolas.
A escola inclusiva se apresenta ainda como realidade distante, cuja complexidade
implicaria uma reestruturação tanto do sistema educacional, envolvendo todos os agentes que
dele fazem parte, quanto da própria sociedade. É importante considerarmos que a inclusão de
alunos deficientes não é um processo rápido e fácil, requer uma preparação adequada e
mudanças de atitude por parte de todos que atuam diretamente ou indiretamente com estes na
39
escola, buscando um ensino que reconheça as diferenças e que valorize as potencialidades de
cada um. A inclusão exige ações educativas que tenham como eixo o convívio com as
diferenças, capaz de promover a aprendizagem como experiência que produza sentido para o
aluno e que seja construída no coletivo da sala de aula (DECHICHI, 2001; SCHNEIDER,
2002; PADILHA, 2004).
uma necessidade de se preparar para a inclusão, na tentativa de cumprir a lei e
respeitar os deficientes em diferentes espaços, independente de terem ou não imperfeições
físicas, sensoriais ou mentais. Assim sendo, toda escola deve atender aos princípios
constitucionais, não podendo excluir nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça, sexo,
cor, idade ou deficiência.
Stainback (1999, p.25) esclarece que:
Em geral, os locais segregados, são prejudiciais, pois alienam os alunos. Os
alunos com deficiência recebem afinal, pouca educação útil para a vida real,
e os alunos sem deficiência experimentam fundamentalmente uma educação
que valoriza pouco a diversidade, a cooperação e o respeito por aqueles que
são diferentes. Em contraste, o ensino inclusivo proporciona às pessoas
com deficiência a oportunidade de adquirir habilidades para o trabalho e
para a vida em comunidade. Os alunos aprendem como atuar e interagir
com seus pares, no mundo ‘real’. Igualmente importante, seus pares e
professores também aprendem como agir e interagir com eles.
A diversidade é um fator humano, e todos devem lidar com ela e percebê-la
conscientemente, fazendo-se sentir parte desta diversidade e aceitando-a como parte de
todos. assim não será necessário decretar leis para que todos possam lidar com a
diversidade, e será possível uma sociedade em que todos ocupem uma posição mais
confortável pelo simples fato de se perceberem parte de um todo ao mesmo tempo em que
este todo representa cada um.
Neste contexto, a educação inclusiva constitui uma proposta educacional que
reconhece e garante o direito de todos os alunos de compartilhar um mesmo espaço escolar,
sem discriminação de qualquer natureza. Neste trabalho compreendemos a educação especial
como um campo de conhecimento e uma modalidade ‘transversal’ de ensino, perpassando
todos os níveis e etapas. Uma modalidade de ensino em que se realiza o atendimento
especializado, disponibilizando o conjunto de serviços, recursos e estratégias específicas que
favoreçam a escolarização dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas turmas comuns do ensino regular, e a
sua interação com o meio escolar, familiar, social e cultural (BRASIL, 2007).
40
O movimento pela inclusão refere-se não apenas às pessoas com deficiência; trazendo
à tona a questão do direito de todos à educação ao valorizar a diversidade como um fator de
qualidade educacional e enfatizar o acesso, a participação e a aprendizagem. Assim,
promover o respeito às diferenças significa enriquecer o processo educacional, reconhecendo
a importância do desenvolvimento das potencialidades, saberes, atitudes e competências de
todos os alunos.
A escola na perspectiva inclusiva não se restringe a um ambiente socializante,
constituindo-se também em espaço favorável ao desenvolvimento de habilidades acadêmicas
e conteúdos básicos de aprendizagem, necessários para a promoção do educando como ser
humano atuante na sociedade em que vive. De acordo com Zabala (1998), é na instituição
escolar, através das relações construídas que são estabelecidos os vínculos e as condições que
definem as concepções pessoais sobre si e sobre os demais. A autora critica ainda a ênfase
atribuída pela escola ao aspecto cognitivo.
Segundo Miranda (2003, p.53):
O convívio escolar proporciona à criança experiências ricas em interações
sociais, levando-a a conviver com novos papéis sociais, estabelecendo
novos vínculos afetivos, aprendendo a conviver em grupo, tendo contato
com as igualdades e diferenças e, principalmente aprendendo o respeito
pelo outro. E considerando a importância que a escola representa para todas
as pessoas, acreditamos que o indivíduo que apresenta deficiência mental
não pode ser privado do seu direito de usufruir de todas as vantagens que a
escola tem a oferecer.
A escola, numa perspectiva inclusiva, opta por modelos educativos com ênfase no
processo interativo, capazes de promover práticas de ensino adequadas às diferenças dos
alunos em geral, oferecendo alternativas que contemplem a diversidade, além de recursos de
ensino e equipamentos especializados que atendam a todas as necessidades educacionais dos
alunos com ou sem deficiências, mas sem discriminações.
Apesar de o conceito de inclusão visualizar uma educação para todos, em que o
ensino especializado deve atender ao aluno, a sua realização exige o enfrentamento de
desafios importantes, e o maior deles recai sobre o fator humano, sobre o sensível. Na adoção
do paradigma da inclusão, as mudanças no relacionamento pessoal e social e na maneira de
efetivar processos de ensino e aprendizagem têm prioridade sobre o desenvolvimento de
recursos físicos e os meios materiais para a realização de um processo escolar de qualidade
(DECHICHI, 2001). Acrescentamos que o desafio é pessoal, profissional e institucional, e
41
diz respeito a questionamentos e mudanças de concepções, práticas, compromissos, educação
e ensino e aprendizagem.
Ainda segundo Dechichi (2001), essas novas atitudes e formas de interação na escola
dependem de fatores, tais como: aprimoramento da capacitação profissional dos professores
em serviço; instituição de novos posicionamentos e procedimentos de ensino, baseados em
concepções e práticas pedagógicas mais modernas; mudanças nas atitudes dos educadores e
no modo de avaliação do progresso acadêmico de seus alunos; assistência às famílias dos
alunos e a todos os outros que estejam envolvidos no processo de inclusão.
Defensores do modelo inclusivo inferem que, em relação aos alunos com deficiência
mental, a meta final da educação inclusiva é a conquista da autonomia social e intelectual. Os
propósitos da inserção desses alunos no sistema regular, portanto, “devem ir além dos
aspectos físicos e sociais, garantindo a ênfase nos aspectos relativos ao desenvolvimento
acadêmico, pois, assim, o processo de autonomia poderá ocorrer por completo” (DECHICHI,
2001, p.57).
A escola comum é o ambiente mais adequado para se garantir o relacionamento dos
alunos com ou sem deficiência, quebrar qualquer ação discriminatória e propiciar todo tipo
de interação que possa beneficiar o desenvolvimento cognitivo, social, motor, afetivo dos
alunos em geral (MANTOAN, 2003).
A escola, neste estudo é compreendida como uma instituição que tem um importante
papel social a cumprir, além de promover a acessibilidade do indivíduo a um conjunto de
informações científicas, históricas e culturais acumuladas pela espécie humana, constituindo-
se um campo de construção de novos conhecimentos.
Ao longo dos tempos a escola tem sido considerada um lugar de cultura, de aquisição
do conhecimento socialmente válido e um local privilegiado para realização do trabalho de
caráter ideológico de internalizar nos educandos as normas, valores e atitudes hegemônicos
em uma dada sociedade, o que não supera o peso de sua função de produtora e transmissora
de conhecimento. A escola deve ser considerada o local, por excelência, de experiências e
interações necessárias à constituição do sujeito.
Neste sentido, Padilha (2004, p.125) se refere ao papel da escola como:
(...) identificar o que deve ensinar; qual a importância do que pretende
ensinar; que bens culturais precisam ser assimilados pelos alunos; quais as
formas mais adequadas para atingir esses objetivos; que conteúdos, em que
espaço, em que tempo, e com quais procedimentos vamos cumprir tais
42
objetivos. Será que pensamos que tudo isso está nos livros didáticos? Está
também, mas só? Ensinar não é um ato de violência, mas é um ato de força.
Força para superar o saber espontâneo.
A escola inclusiva deve proporcionar situações em que os alunos, de modo geral, se
constituam a partir de relações intra e interpessoais, pois é na troca com outros sujeitos e
consigo próprio que se vão internalizando o conhecimento, os papéis e funções sociais. O
ensino da língua portuguesa e das noções matemáticas representa apenas uma das muitas
funções que a escola tem a desempenhar. É necessário que numa perspectiva inclusiva, o
olhar esteja voltado para o aluno, não somente para o aluno deficiente, um olhar sensível
capaz de observar as muitas faces do desenvolvimento de cada um e as várias possibilidades
de aprendizagem de cada aluno, é necessário que o ser humano se sensibilize, uma escola
inclusiva deve ser uma escola do sensível.
Ao retratarmos a escola comum numa perspectiva de escola inclusiva é preciso
ressaltar a importância do professor e de suas escolhas didáticas na inclusão de seus alunos,
pois, a inclusão escolar não se restringe à presença do aluno na sala de aula da escola regular,
mas sim a efetiva participação no processo de aprendizagem que valida sua inclusão. Padilha
(2004) ressalta que a presença do aluno deficiente mental na sala de aula causa um impacto
que pode definir-se como recusa em aceitá-lo ou pode constituir para o professor um desafio,
pois desestabiliza práticas cristalizadas e requer todo um trabalho de reflexão. Acrescentamos
que é fundamental que os professores não construam sua intervenção baseada no déficit, mas
sim, naquilo que o aluno é capaz de fazer para além de sua dificuldade.
Rodrigues (2008, p.11-13) afirma que assumir uma postura inclusiva demanda do
professor conhecer as relações que tem o processo de aprendizagem de um aluno com
deficiência mental, por exemplo, com o de outro aluno sem deficiência. Assim, o professor
pode perceber o que lhe é similar, os pontos em comum de desenvolvimento e que, aqueles
pontos que não são comuns requerem muitas vezes um trabalho em conjunto. Numa proposta
inclusiva de ensino e aprendizagem, ao elaborar e determinar o planejamento, o professor
encontra dificuldades, pois estes planejam mais em termos de conteúdos e menos em termos
de organizar estratégias necessárias para ensinar esses conteúdos, nesse aspecto o autor
evidencia que o trabalho cooperativo entre professores pode ser determinante.
Numa perspectiva inclusiva, é essencial que o professor conheça estratégias capazes
de eliminar e contornar barreiras e dificuldades e que a partir deste trabalho, possa acreditar e
43
fazer acreditar no aluno para além de suas dificuldades e na existência de variadas formas de
sucesso.
O processo de ensino e aprendizagem requer do docente não somente conhecimentos
didáticos, como também a flexibilidade para propor estratégias pedagógicas que configurem
apoio aos seus alunos nas mais variadas situações de aprendizagem e nas diversas áreas do
conhecimento. Ao lidar com o conhecimento o professor deve entendê-lo como algo que
pode e deve ser questionado, analisado e negociado, algo interligado ao significado humano e
à troca intersubjetiva.
O questionamento do professor se faz necessário uma vez que a imprevisibilidade e a
flexibilidade são características marcantes do cotidiano escolar, o que possibilita aos
educadores e alunos produzirem novas relações pedagógicas pensando na educação como
prática social, com nítida função política, o que requer a necessidade de desempenhá-la
competentemente. As análises e questionamentos que o professor se propuser a fazer sobre o
conhecimento e sobre seu aluno levá-lo-á a propor uma prática educativa em que as escolhas
didáticas serão construídas para um contexto real, pensando no grupo com o qual trabalha.
Sobre as escolhas didáticas do professor, Kramer (2002, p.100) afirma:
(...) a escolha de como se ensina deve estar então, relacionada à
compreensão de como a criança aprende e também ao entendimento de que
na prática da alfabetização pessoas (professores e alunos, adultos ou
crianças) que são criadores de cultura e que são criados na cultura. O ponto
crucial é além do domínio por parte dos professores daqueles
conhecimentos que serão adquiridos pelas crianças, a sua confiança nas
possibilidades de elas se desenvolverem e aprenderem.
O professor deve ser capaz de tornar o conhecimento acessível a seus alunos traçando
o caminho de um ensino comprometido com a aprendizagem do aluno. Cabe à escola avaliar
até que ponto o conhecimento dado é produtivo para o aluno e que significado esse
conhecimento tem para ele, compreendendo que não é o único válido, permitindo uma
relatividade do pensamento sobre a verdade, sobre a realidade.
Uma proposta seria saber quem são essas crianças que se pretende alfabetizar para
então propor atividades com sentido, com significado, para professores e alunos, de tal modo
que, como alerta Kramer (2002), não se restrinja a valorizar as diferentes manifestações das
crianças, mas que se busque ampliar progressivamente seus conhecimentos e garantir a
aquisição da leitura e da escrita com significado.
44
A escola inclusiva se legitima também ao voltar o olhar para o fato de que para
muitos dos alunos, a escola é o único espaço de socialização com seus pares e de promoção
de experiências com o conhecimento. Ela representa na vida desses alunos um lugar onde
terão condições de se desenvolverem e se tornarem cidadãos, que lhes dará oportunidades de
viver livre e dignamente.
Na tentativa de tornar efetiva a escola inclusiva, é preciso considerar e analisar vários
aspectos de seu posicionamento teórico-metodológico para que se tenha a certeza de que é, a
melhor opção para todos os alunos e não somente para alunos com deficiência.
Compreendemos que, a ação do professor recebe entre outras influências, a de sua história de
vida, a de sua experiência como aluno e a do contexto em que está inserido. Sabemos
também que essa ação é regida, por vezes, pelo improviso e pela flexibilidade por ser o seu
lócus de trabalho, a sala de aula, um ambiente extremamente dinâmico e complexo. Outra
característica da prática educativa é o fato de, segundo Sacristán (1991), os professores não
produzirem o conhecimento a que são chamados a reproduzir, nem determinarem
autonomamente as estratégias práticas de sua ação.
As práticas educativas, segundo Rodrigues (2005) apenas se redefinirão através de
uma profunda reflexão sobre o diálogo com o outro no cotidiano escolar. Os estudantes
precisam, portanto ser vistos não como sujeitos que realizam as atividades propostas e
sobre elas opinam, mas como sujeitos que participam do desenvolvimento de todo o
processo, inclusive da produção de significados e valores que atravessam a relação ensino-
aprendizagem e orientam a avaliação. Ainda segundo o autor é necessária a flexibilidade e a
possibilidade de adaptação às capacidades e motivações das pessoas a quem se destinam as
práticas educativas. Dessa forma podemos inferir que o trabalho educativo é como diz
Saviani (2000, p.17) “o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens”.
O professor em sua atividade diária é acometido por momentos de reflexão que
acontecem de diferentes maneiras e produzem resultados diversos. Essa reflexão não leva
instantaneamente à conscientização, ou a alterações em sua prática educativa ou ao
entendimento de sua função e nem determina diretamente o resultado de seu trabalho. Essa
conscientização acontece gradualmente e é construída diariamente de forma relativa e
imprevisível. Assim, a prática educativa compreendida como um processo social e histórico
45
construído nas interações terá sua transformação também de forma gradual, à medida que o
professor se conscientiza de sua função, e vai se constituindo sujeito professor.
O sucesso da aprendizagem das crianças deficientes mentais incluídas no ensino
regular se apóia em estratégias capazes de explorar talentos, atualizar possibilidades, e
desenvolver as predisposições naturais de cada aluno.
Segundo Ferraço (2002, p.130):
(..) o conhecimento é um fato inquestionável que tem por característica ser
prático, social e histórico. Dessa forma aprendemos com nossos sujeitos
cotidianos que o que são possibilidades de aprender e ensinar, incluindo
aqui, os casos patológicos. Além disso, também escolhas por aprender e
ensinar determinados saberes (...) essas escolhas e possibilidades são
determinadas e determinantes dos espaços e tempos habitados pelos sujeitos
que conhecem.
O que nos permite compreender que, para se atender às diferenças na sala de aula não
é preciso propriamente diferenciar o ensino para cada um. Trata-se muito mais de um desafio
em que o professor esteja atento ao modo como seus alunos aprendem, percebendo as
particularidades dos processos de aprendizagem de cada aluno para que assim ele possa
nortear suas reflexões no sentido de abandonar o ensino transmissivo. Necessário se faz
pensar em uma educação escolar mais dinâmica, ativa, dialógica e interativa, contrapondo-se
a uma visão de educação em único sentido, de transferência unicamente do professor para o
aluno, com práticas individualizadas e promotoras de uma hierarquia do saber
(SCHNEIDER, 2002; MANTOAN, 2003; PADILHA 2004).
Na inclusão escolar a escola se depara com um grande desafio que é alcançar a meta
da autonomia social e intelectual para os sujeitos. Dessa forma os propósitos da inclusão
escolar não se direcionam apenas para os aspectos físicos e sociais, abrangem também o
acadêmico.
Devemos considerar que o contexto escolar formado por múltiplas e complexas redes
de saberes (FERRAÇO, 2002) organizadas, produzidas, reproduzidas e continuamente, feitas
e refeitas em seu interior, enfraquece ações individualizadas dos sujeitos. Neste caso, tais
redes colaboram para efetivação da inclusão escolar de forma coletiva em que todos os
sujeitos do cotidiano são socialmente responsáveis.
Desse modo, constatamos que a escola e os seus meios representam um modo
importante de promoção do conhecimento dos alunos, instrumento de aquisição de múltiplas
46
competências, meio de socialização e, sobretudo, um meio de promoção da cidadania e da
mobilidade social.
É natural a produção de um temor e uma inquietude que acompanham o modelo
identitário e promovem um desamparo quando se trata da diferença nas escolas, quando se
pensa para além da homogeneização, de forma consciente, compreendendo a diferença como
característica natural dos seres humanos. Em instantes nos vemos abandonados de certezas e
conhecimentos que nos davam suporte até então. Esse momento perplexo e fascinante do
novo que se apresenta deve ser aproveitado, pois são estes os mesmos sentimentos que deram
origem a todo o conhecimento que há em nós, como fortes motivos para pensarmos e
agirmos numa perspectiva de educação inclusiva.
1.2- A complexidade do conceito de deficiente mental
3
e suas implicações
para a prática educativa
Ao propormos este trabalho faz-se necessário considerarmos as condições que
estruturam e definem o tipo de atendimento educacional oferecido aos alunos deficientes,
pois estas estarão sempre fundamentadas nas concepções de sociedade, de educação, de
homem, de desenvolvimento humano e de processo de ensino e aprendizagem que os
educadores que planejam e estruturam esse serviço possuam.
No caso da prática educativa proposta para o indivíduo considerado deficiente mental,
também exercerão importante influência nesse processo de considerações e deliberações as
concepções de deficiência mental e de indivíduo deficiente mental no contexto social e
histórico em que tais discussões estão ocorrendo. Daí a pertinência de
questões como: De
quem se está falando? Quem é este aluno deficiente mental que se encontra incluído em
nossas escolas de ensino regular, nas salas de alfabetização? Quem é o professor, que atua
junto a esse aluno em sala de aula no ensino regular?
3
Existe atualmente uma tendência mundial de se substituir o termo deficiência mental por deficiência
intelectual, uma vez que o termo intelectual refere-se ao funcionamento do intelecto especificamente e não o
funcionamento da pessoa como um todo.
O termo deficiência intelectual foi oficialmente utilizado em 1995, quando a Organização das Nações Unidas
realizou em Nova York o simpósio chamado Deficiência Intelectual: Programas, Políticas e Planejamento para
o futuro. Em outubro de 2004, a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde
realizaram um evento, com a participação do Brasil, em Montreal, no Canadá, aprovando o documento
‘Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual’.
Tendo em vista que a Secretaria de Educação Especial – SEESP/MEC ainda utiliza em seus documentos oficiais
o termo deficiência mental, neste estudo manter-se-á a terminologia deficiência mental.
47
A deficiência mental se apresenta como uma incógnita para o ensino na escola
comum e para a definição do atendimento educacional especializado que deverá ser
destinado a estas crianças, pela complexidade de seu diagnóstico e pela variedade de
conceitos do mesmo. Essa dificuldade em diagnosticar a deficiência mental tem se traduzido
numa série de revisões do seu conceito.
Dentre as referências conceituais, destacamos a definição da Associação Americana
de Deficiência Mental (American Association on Mental Deficiency AAMD), sediada nos
Estados Unidos, devido à sua importância histórica nos eventos relacionados à educação
especial e também pelo fato dessa definição ser adotada pela Secretaria de Educação Especial
do MEC e vigorar como princípio norteador de trabalhos e pesquisas da área. Em 1992, a
AAMD apresentou uma revisão de sua definição sobre deficiência mental. O novo texto,
reformulado, ampliado e com maior detalhamento, afirma que a deficiência mental:
(...) caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral
significativamente abaixo da média, oriundo do período de
desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais
áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo de responder
adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos:
comunicação, autocuidados, habilidades sociais, desempenho na família e
comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho
escolar, lazer e trabalho. O Retardo Mental possui etiologias diferentes e
pode ser visto como uma via final comum de vários processos patológicos
que afetam o funcionamento do sistema nervoso central (MEC, 2008, p.07).
Essa nova definição propõe uma importância secundária aos graus de
comprometimento intelectual, ao passo que prioriza as medidas de apoio necessárias às
pessoas com déficit cognitivo, destacando o processo interativo entre as limitações funcionais
próprias dos indivíduos e as possibilidades adaptativas que lhe são disponibilizadas em seus
ambientes de vida. Segundo Mantoan (1998), essa nova concepção de deficiência mental
implica transformações importantes no plano de serviços e chama a atenção para as
habilidades adaptativas, considerando-as como um ajustamento entre as capacidades dos
indivíduos e as estruturas e expectativas do meio em que vivem,
aprendem, trabalham e se
aprazem.
Ao propor a nova definição, a AAMD sugere diminuir o peso do rótulo e
conseqüentemente a estigmatização, a marginalização e o preconceito. Além disso, aponta
para a possibilidade de aumentar a crença na capacidade de aprendizagem das pessoas com
48
deficiência mental, na medida em que os apoios serão baseados nas necessidades individuais
desses sujeitos (ALMEIDA, 2004).
Notamos também uma visão inovadora, pois
retira a ênfase do critério quantitativo do
Coeficiente de Inteligência (QI) como principal indicador da deficiência mental, sendo este
considerado somente como indicador de diagnóstico quando estiver associado a limitações
das habilidades adaptativas desse indivíduo em interação com o meio.
Surge daí a necessidade de repensarmos o conceito de inadaptação. A inadaptação
resulta da interação entre os hábitos de vida da pessoa e os obstáculos impostos pelo meio.
Ao repensarmos este conceito, podemos alcançar os espaços da escola e eliminar ou reduzir
estes obstáculos do ponto de vista cognitivo. Pois, de acordo com Mantoan (1998), assim
como o meio físico e a arquitetura das escolas estão sendo preparadas para atender aos alunos
em cadeiras de rodas, o ambiente cognitivo destas também precisa ser planejado para o
atendimento às pessoas com deficiência mental.
Assim, de acordo com Batista & Mantoan (2006, p.10), o conceito de deficiência
mental:
(...) não se esclarece por uma causa orgânica, nem tão pouco pela
inteligência, sua quantidade, supostas categorias e tipos. Tanto as teorias
psicológicas desenvolvimentistas, como as de caráter sociológico,
antropológico têm posições assumidas diante da condição mental das
pessoas, mas ainda assim não se consegue fechar um conceito único que
conta dessa intricada condição.
Para um diagnóstico consistente é necessário o conhecimento das características do
sujeito e das demandas de seu ambiente. De acordo com Ferreira (1995), ocorre falta de
sensibilidade no diagnóstico que se faz diante da realidade social dos diagnosticados e
uma reduzida relevância dos dados obtidos para a programação educacional. Torna-se
imprescindível, portanto, um estudo sobre o porquê desse aluno não aprender, quais as
formas de aprendizagem que esse aluno consegue e/ou conseguiu desenvolver ao longo da
vida estudantil e quais mecanismos compensatórios estão sendo estabelecidos para favorecer
seu desenvolvimento. É questionável um diagnóstico que não considere o modo pelo qual
seus diagnosticados aprendem e nem se atenha a esses indivíduos como seres históricos e
sociais que são.
Góes (2002) fala de um equivocado modelo educacional, em que o diagnóstico tende
a empregar parâmetros para identificar características estáveis com o fim de classificar.
49
Dessa forma, uma negligência para com os aspectos dinâmicos e as potencialidades das
crianças, estabelecendo níveis predeterminados para o seu desenvolvimento. O que leva,
segundo a autora, a um condicionamento do planejamento educacional, ao apontar limites do
que e do quanto pode ser ensinado ao aluno, conseqüentemente instalando no contexto
educacional propostas pedagógicas minimalistas, centradas na falta de algo na criança e
orientadas para habilidades básicas e hábitos automáticos.
De acordo com Ferreira (1995, p.49):
O sistema educacional nem sempre cumpre os critérios mínimos para o
diagnóstico. De um lado, não é sempre que se recorre a profissionais
especializados. De outro, nas ocasiões em que se recorre ao diagnóstico
‘científico’, a simples operacionalização, ou aplicação prática, da definição
oficial tende a ensejar a aplicação do rótulo de Deficiente Mental, com
conseqüente encaminhamento para classes especiais.
Podemos afirmar que são frágeis as conclusões de um diagnóstico nesses moldes. A
situação do aluno com deficiência no contexto escolar é desconsiderada, ao mesmo tempo em
que não se apresenta como alvo orientar e instrumentalizar os professores para que trabalhem
os conflitos que transcorrem do diagnóstico. É imprescindível que o diagnóstico favoreça a
identificação das características do potencial de aprendizagem da criança, permitindo refletir
sobre suas aquisições e capacidades adaptativas, bem como o professor ser capaz de
compreender e/ou acreditar na flexibilidade e a plasticidade de suas competências, o que
contribui com o planejamento e implementação de programas educacionais eficazes
(FERREIRA, 1995).
Mantoan (1998) levanta a hipótese de que a deficiência mental não repousa sobre o
déficit estrutural, mas sobre a capacidade funcional da inteligência. Em se tratando do
funcionamento mental e habilidades cognitivas algumas hipóteses que demandam mais
estudos sobre os aspectos diferenciais e funcionais da inteligência do deficiente mental como,
por exemplo, na fixação do raciocínio que parece ser incontestável, ou as oscilações de
pensamento que são próprias da deficiência mental (MANTOAN, 1998).
Tal desconhecimento leva conseqüentemente a práticas educativas e organizações
curriculares que dificultam ou empobrecem os processos de elaboração conceitual destes
sujeitos. Observamos que nos processos escolares excludentes, os alunos com histórico de
deficiência mental são ainda mais alijados face ao desconhecimento de suas características de
aprendizagem e da crença na sua incapacidade de pensamento abstrato. Ainda segundo
Mantoan (1998), esse déficit no funcionamento intelectual não configura retardo mental em
50
si mesmo, que é de natureza estrutural. O desenvolvimento intelectual dos deficientes
mentais produz reações mais ou menos eficientes, dependendo do contexto, da situação
vivenciada ou dos conteúdos envolvidos na execução de uma tarefa.
As representações sociais da deficiência como incapacidade e/ou desvantagem,
determinadas por valores e crenças historicamente construídos, permeiam as relações de
ensino e aprendizagem. Elas interferem na imagem que o aluno deficiente constrói sobre si
mesmo concorrendo com a forma como se relacionará com o conhecimento e com as
situações-problema que encontrar ao longo de sua formação.
Várias pesquisas (DECHICHI, 2001; MANTOAN, 2003; MIRANDA, 2003;
SANTOS, 2007) apontam para o direito de a criança deficiente mental estar inserida na
sociedade, usufruindo de condições dignas de sobrevivência, sendo participativa e produtiva
em seu contexto, de modo que se considerem suas habilidades e potencialidades, e que se
garanta o devido auxílio e respeito ante suas dificuldades e limitações.
A possibilidade de acesso do deficiente mental ao ensino define o início de sua
relação com o saber (CHARLOT, 2000), com o mundo, com ele mesmo e com os outros. Um
momento de partilha que descreve uma relação histórica e social na construção de sua
identidade, uma vez que a aquisição do saber leva o deficiente não à apropriação como
também à produção de bens históricos e sociais da cultura, como conhecimento e saberes, o
que vai auxiliá-lo na construção de sua identidade.
51
CAPÍTULO II
VYGOTSKY - uma concepção orienta o caminho
Tua caminhada ainda não terminou... A realidade te acolhe
dizendo que pela frente o horizonte da vida necessita de
tuas palavras e de seu silêncio. Teus passos ficaram... Olhe
para trás, mas vá em frente, pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te.
(Charles Chaplin 1889-1977)
Destacamos nesta pesquisa os estudos de Vygotsky, pela grande importância de suas
obras e seus pensamentos que transcenderam seu tempo e como diz Charles Chaplin na
epígrafe acima citada, a vida necessita de suas palavras e seus passos ficaram para guiar os
rumos para uma educação de qualidade. Assim, na busca de bases teóricas que sustentem as
reflexões propostas e que possam nortear as análises de ações implicadas na organização da
prática educativa do professor que atua com o aluno deficiente mental, reportamos neste
capítulo à abordagem histórico-cultural. Além disso, ressaltamos as contribuições de
Vygotsky sobre o desenvolvimento humano, e enfatizamos as relações entre
desenvolvimento e aprendizagem, pensamento e linguagem, bem como seus estudos sobre a
deficiência mental apresentados em sua coletânea Fundamentos da Defectologia. Para isso, é
necessário retomar as teses gerais da teoria de Vygotsky e de pesquisadores atuais que
embasam suas pesquisas nestes pressupostos.
Nas suas pesquisas sobre o desenvolvimento humano Vygotsky (2007) rejeita a idéia
de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção do cérebro como um sistema
aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao
longo da história da espécie e do desenvolvimento individual.
Os estudos de Vygotsky (2007) sobre a aprendizagem e desenvolvimento têm
fundamentado os trabalhos de muitos autores brasileiros que tratam de questões vinculadas
ao que Vygotsky investigou em suas pesquisas, como a defesa de que o aprendizado
organizado de forma adequada resulta em desenvolvimento mental e movimenta vários
processos desse desenvolvimento. Processos estes que, sem o aprendizado, seriam
impossíveis de acontecer.
52
As funções psicológicas superiores, de acordo com Vygotsky (2007), são
especificamente humanas se originam nas relações do indivíduo com seu contexto cultural e
social. De acordo com Padilha (2004), as origens das funções psicológicas superiores podem
ser encontradas nas relações sociais das quais o indivíduo participa. No entanto, o meio não
determina o comportamento do indivíduo; sendo assim o homem altera e cria instrumentos,
participando da criação do meio e, por esta relação perpassam as mediações simbólicas,
destacando-se especialmente a linguagem.
Assim, as funções psicológicas superiores se desenvolvem no contexto cultural que
representa uma esfera importante para a compensação da deficiência. Este desenvolvimento
pode se dar tanto pelo domínio dos meios externos da cultura (linguagem, escrita e
aritmética) quanto pelo aperfeiçoamento interno das próprias funções psíquicas (atenção
voluntária, memória lógica, pensamento abstrato, conceito, liberdade e vontade). As
manifestações sociais e afetivas na conduta coletiva das crianças ativam as funções
psicológicas superiores e são fontes de novas formas de desenvolvimento destas funções.
Vygotsky (2007) parte do princípio de que todas as funções do desenvolvimento da
criança surgem duas vezes, primeiramente no plano social, na relação da criança com as
pessoas (interpsicológico), e, posteriormente, no individual (intrapsicológico). De acordo
com o autor, as funções psicológicas superiores originam-se nas relações reais entre as
pessoas. Vygotsky não fala em etapas de desenvolvimento, mas de momentos de
funcionamento que impulsionam o sujeito a avançar paulatinamente a níveis mais elevados
de desenvolvimento, os quais são construídos graças à interação do sujeito com a
coletividade. Nesse referencial, o conhecimento é antes de tudo social e ao ser internalizado
pelo sujeito passa para o plano individual.
Para a compreensão de como se a aquisição das formas superiores de
desenvolvimento faz-se necessário abordar o conceito de mediação. Para Vygotsky (2007), a
relação do homem com o meio é sempre mediada por elementos referentes ao uso de
instrumentos ou signos. De acordo com Vygotsky (2007), o uso de instrumentos é
especificamente humano, compreendendo por instrumentos elementos sociais e externos que
são utilizados pelo homem a princípio para facilitar a adaptação e transformação do meio
cultural e social em que está inserido. No caso dos signos, estes são mediadores de ordem
psicológica que auxiliam no desenvolvimento de tarefas que exigem atenção ou memória,
uma vez que interpretam ou representam dados da realidade, os signos auxiliam nos
processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos. As funções
53
psicológicas superiores criam estímulos artificiais, ou seja, signos, que atuam como
mediadores da relação com o meio.
Segundo Oliveira (1997; p.30-31):
São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos que auxiliam
no desempenho de atividades psicológicas. Fazer uma lista de compras por
escrito, utilizar um mapa para encontrar determinado local, fazer um
diagrama para orientar a construção de um objeto, dar um num lenço
para não esquecer um compromisso, são apenas alguns exemplos de como
constantemente recorremos à mediação de vários tipos de signos para
melhorar nossas possibilidades de armazenamento de informações e de
controle de ação psicológica.
Com o tempo as mediações vão se tornando mais complexas, o que caracteriza
mudanças qualitativas fundamentais no desenvolvimento do indivíduo. A linguagem nesse
sentido torna-se fundamental como sistema de signos, com função mediadora da percepção
humana e como fator estruturante do seu desenvolvimento cognitivo. É através da linguagem
que o homem se constitui como sujeito, uma vez que, segundo as pesquisas de Vygotsky
(2007), ela está intimamente ligada ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores
e à regulação do comportamento. A linguagem ocupa um lugar de destaque no
desenvolvimento da atividade mental prática da criança que, inicialmente aprende os
conhecimentos construídos, pertinentes à sua cultura, tal como os conceitos dos objetos,
através do contato com os adultos (caráter externo). Normalmente esse aprendizado
relaciona-se com as necessidades de vida impostas à pessoa. Essas experiências ao serem
internalizadas constituem a base do ato intelectual, ou seja, a linguagem desempenha aí o seu
papel de estruturar o pensamento.
Ao fazer uso da linguagem, o sujeito ordena o real e amplia sua capacidade de
comunicação e de pensamento. A linguagem é um instrumento de pensamento, a
compreensão das relações entre pensamento e linguagem é segundo Oliveira (1997, p.43),
essencial para a compreensão do funcionamento psicológico do ser humano. Os hábitos e os
costumes do grupo em que a criança interage interferem no desenvolvimento do pensamento
da criança, uma vez que o desenvolvimento da linguagem está intimamente ligado à
convivência social (VYGOTSKY, 2001).
Ao discutir a questão do conhecimento, Vygotsky (2001) coloca um lugar central para
a linguagem, que desempenha um papel fundamental na apropriação e construção de
54
conceitos. Outros autores também trazem em seus estudos relatos direcionados aos
referenciais vygotskyanos, como Smolka (2000, p.51) que afirma:
Mais do que objeto e meio/modo de abordagem, a linguagem é constitutiva
dos processos cognitivos e do próprio conhecimento, uma vez que a
apropriação social da linguagem é condição fundamental do
desenvolvimento mental. Isso permite conceber a linguagem como
condição de cognição, e leva-nos a indagar sobre a linguagem como lugar
de origem da conduta simbólica.
Segundo Santos (2007), o ser humano constitui-se como tal por meio de suas
interações sociais, portanto, são as interações estabelecidas com o outro que podem explicar
seu modo de ser no mundo. Dessa forma, observamos que a aprendizagem assume papel de
suma importância no processo de desenvolvimento humano, uma vez que a apropriação das
aquisições humanas não é fixada hereditária e morfologicamente, mas sim realizada pela
atividade prática, através da linguagem e da interação com outros sujeitos e com o meio em
que se está inserido.
Ao percebermos os sujeitos como seres sociais e ao compreendermos o processo de
desenvolvimento e aprendizagem como produto de uma construção social, o aprendizado
passa a significar muito mais do que adquirir capacidade para pensar, significando aquisição
de capacidade para pensar sobre várias coisas. Nessa percepção de aprendizado
compreendemos que os sujeitos constroem seus conhecimentos a partir da inter-relação ativa
com o meio sociocultural no qual exercem um papel concreto (SCHNEIDER, 2002;
PADILHA, 2004).
Compreendemos neste estudo o desenvolvimento e a aprendizagem como fenômenos
interdependentes, fundamentalmente sociais que ocorrem na interação dos sujeitos, e a
linguagem como papel central na apropriação das habilidades e conhecimento socialmente
disponíveis para a construção das funções psicológicas superiores. De acordo com Vygotsky
(1989, p.101), “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
Vygotsky (2007, p.83) rejeitou a visão do desenvolvimento como resultado uniforme,
contínuo de mudanças isoladas. O autor acredita que:
(...) o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo,
caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de
diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma
em outra, imbricamento de fatores externos e internos, e processos
adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra.
55
Os estudos de Vygotsky (2007) sobre o aprendizado demonstram que este possibilita
o despertar de processos internos, levando ao desenvolvimento. Enfatizando que esses dois
processos não coincidem; embora o aprendizado esteja diretamente relacionado ao
desenvolvimento da criança, os dois nunca se realizam da mesma forma.
Schneider (2002, p.59) pondera:
(...) o aprendizado escolar tem suas próprias seqüências e sua própria
organização, segue um currículo e um horário, tem suas regras específicas e
não pode esperar que essas regras coincidam com as leis internas de
desenvolvimento que desencadeia.
O desenvolvimento para Vygotsky (1997) é um processo sociocultural, uma vez que
as funções psicológicas se originam na vida social. Vygotsky em seus escritos esclarece que
desenvolvimento e aprendizagem não são iguais, a aprendizagem não está subordinada ao
desenvolvimento, porém, tais processos se constituem reciprocamente. Para Vygotsky (1997,
p.99), “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam.”
O desenvolvimento mental da criança enquanto processo de apropriação da
experiência humana evidencia que as funções da aprendizagem não são funções específicas
limitadas à aquisição de habilidades; elas possuem uma organização intelectual que permite a
transferência de um princípio geral, descoberto durante a solução de uma situação, para
outras tarefas ou situações (PADILHA, 2004).
De acordo com Góes (2002, p.99), as formulações de Vygotsky sobre o
desenvolvimento recusam a concepção de um curso linear, evolutivo; ao contrário:
(...) trata-se de um processo dialético complexo, que implica evolução,
crises, mudanças desiguais de diferentes funções, incrementos e
transformações qualitativas de capacidades. A criança é desde sempre um
ser social, sendo que sua singularização como pessoa ocorre juntamente
com sua aprendizagem como membro da cultura, ou seja, o
desenvolvimento implica o enraizamento na cultura e na individualização.
O desenvolvimento no sistema educacional é compreendido como o nível
adquirido, como os avanços consolidados, assim, o que uma criança é capaz de resolver
serve como indicativo do nível de desenvolvimento no qual se encontra, essa compreensão é
inadequada na perspectiva de Vygotsky. Na abordagem histórico-cultural o conjunto de
56
capacidades da criança é compreendido como nível de desenvolvimento real e não é
considerada a totalidade de seu desenvolvimento, pois não nos revela o potencial da criança,
aquilo que se encontra em processo de desenvolvimento. Assim, nesta abordagem, Vygotsky
chama a atenção para o nível de desenvolvimento potencial, entendido como a capacidade de
realizar determinada tarefa com o auxílio de outra pessoa. Padilha (2004) corrobora
Vygotsky reinterpretando em sua obra que é necessário considerar não apenas o nível de
desenvolvimento já conquistado, consolidado, mas também o nível de desenvolvimento
potencial, ou seja, a capacidade do sujeito de resolver situações com a ajuda de outras
pessoas, situações estas que ele ainda não consegue resolver sozinho. É a partir destes
princípios que Vygotsky apresenta a definição de Zona de Desenvolvimento Próximo, que se
refere ao desenvolvimento em processo de consolidação, daí o papel fundamental da
interação social na construção das funções psicológicas.
O fato de que as crianças não conseguem realizar algumas tarefas sozinhas, mas
conseguem realizar com ajuda, para Vygotsky, é um indicativo de que ela poderá resolver
autonomamente, no futuro, situações em que agora requer colaboração de outrem.
Assim, considera Vygotsky (2007, p.114):
(...) o que a criança pode fazer hoje com o auxílio de um adulto, poderá
fazê-lo amanhã por si só. A área de desenvolvimento potencial permite-nos,
pois determinar os futuros passos da criança e a dinâmica de seu
desenvolvimento e examinar não o que o desenvolvimento produziu,
mas também o que produzirá no processo de maturação.
Na zona de desenvolvimento próximo são colocados em ação os processos de
desenvolvimento que se tornam funcionais à proporção que a criança interage com as pessoas
de seu meio, aprendendo (procedendo à internalização) os conhecimentos socialmente
disponíveis. O conceito de zona de desenvolvimento próximo refere-se, portanto, a caminhos
possíveis de serem trilhados no processo de desenvolvimento (PADILHA, 2004).
Dizer que a zona de desenvolvimento próximo possibilita o processo de
internalização (transição do interpsicológico para o intrapsicológico) representa uma
mudança de enfoque na própria teoria do desenvolvimento e da aprendizagem, permitindo
deslocar a ênfase do desenvolvimento para a prática social. Em termos educacionais, a noção
da zona de desenvolvimento próximo deve ser uma preocupação pedagógica, uma vez que o
professor tem a tarefa explícita de interferir no processo de desenvolvimento e aprendizagem
de seus alunos, considerando que a interação social e a linguagem são decisivas para o
57
desenvolvimento. O professor deve considerar o nível de conhecimento real, adquirido,
determinante do que a criança é capaz de fazer por si própria e o nível de conhecimento
potencial, ou seja, sua capacidade de realizar uma atividade com o auxílio de outra pessoa.
Assim, a zona de desenvolvimento próximo pode ser compreendida como a distância entre o
que a criança pode fazer sozinha e o que pode realizar com a ajuda de outro, que não é a
mesma para todas as pessoas, e na qual a interação social tem papel central (VYGOTSKY,
2007).
Para Vygotsky (2007, p. 102):
[...] o aprendizado orientado para níveis de desenvolvimento que foram
atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança.
Ele não se dirige a um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas,
ao invés disso, vai a reboque desse processo. Assim, a zona de
desenvolvimento próximo, capacita-nos a propor que o bom aprendizado é
somente aquele que se adianta ao desenvolvimento.
Para Vygotsky (2007), o papel do outro no processo de desenvolvimento e
aprendizado é fundamental, sua mediação é condição para o desenvolvimento, pois, por
intermédio do outro o mundo adquire significado e suas significações são aprendidas pelo
indivíduo. O indivíduo converte-se em um ser social e cultural, que faz uso de funções
psicológicas superiores, pois o desenvolvimento de tais funções é uma construção coletiva
que se converte em funções intra-psíquicas. A principal relação da teoria de Vygotsky com a
prática educativa está no conceito de mediação apresentado por essa perspectiva.
Numa reflexão sobre as análises que Vygotsky propôs em seu tempo, podemos pensar
numa perspectiva que implica novas formas, concepções e práticas educacionais diante da
deficiência mental. Vygotsky (1997) revela em seus estudos que a educação das crianças com
deficiência mental representa dificuldades maiores que a de crianças com outras deficiências,
pois neste caso, está afetado seu aparato central e sua reserva compensatória é pobre. O que
determina segundo o autor que, a educação do deficiente mental seja modificada
qualitativamente no próprio conteúdo de trabalho da instituição, uma vez que o processo de
compensação depende da educação e da orientação que se a este processo. A educação
desta criança deve se apoiar no que ela é, e não no que lhe falta.
O estudo de crianças com deficiência, de acordo com Vygotsky (1997), deve basear-
se na tese de que toda deficiência cria estímulos para a compensação, não estabelecendo
prioridade no grau ou gravidade da deficiência, e sim considerando os processos
58
compensatórios no desenvolvimento da criança. Deve ser de interesse da educação a criança
como um todo e um estudo integral de sua personalidade em interação com o ambiente que a
rodeia. É necessário, de acordo com o autor, estruturar todo o processo educativo seguindo a
linha das tendências naturais de compensação.
Góes (2002) afirma que para Vygotsky a idéia de compensação é um processo
fundamental do desenvolvimento de indivíduos com deficiência, enfatizando que esse
processo se faz presente em qualquer ser humano, havendo as compensações de ordem
orgânica, pelas quais um órgão substitui outro ou realiza as funções deste. Tais
compensações estão presentes em todos os seres humanos e que para os deficientes elas são
essenciais pela possibilidade de autonomia e desenvolvimento que representam.
Góes (2002) afirma ainda que para compreender as proposições sobre as
compensações no funcionamento humano é necessário considerar fundamentalmente as
compensações sociopsicológicas, que têm um papel central no desenvolvimento da criança
com deficiência, e que são distintas das orgânicas apesar de muitas vezes serem percebidas
como análogas:
No plano sociopsicológico, as possibilidades compensatórias do indivíduo
concretizam-se na dependência das relações com outros e das experiências
em diferentes espaços da cultura. O desenvolvimento constitui-se então,
com base na qualidade dessas vivências. A questão compensatória, assim
concebida, não é uma instância complementar da formação da criança com
deficiência, ao contrário, deve ser assumida como central (p.99).
A compensação para Vygotsky (1997) é uma reação da personalidade ante a
deficiência, e inicio a novos processos de desenvolvimento que substituem,
superestruturam e equilibram as funções psíquicas, portanto o resultado dos processos de
compensação e do desenvolvimento em geral dependem não somente do caráter e da
gravidade da deficiência da criança, mas também da realidade social, ou seja, das
dificuldades que a conduzem do ponto de vista da realidade social. Nesta concepção, o
deficiente mental não deve ser considerado de forma generalizada, uma vez que dentro desta
complexa formação de pessoas deficientes mentais se incluem fatores diferenciados. Assim,
de acordo com a complexidade de sua estrutura é possível não um, mas vários tipos
qualitativamente diferentes de deficiência mental, e, portanto, devido a esta complexidade do
intelecto, suas estruturas admitem a ampla compensação de diferentes funções. Desta forma,
um deficiente mental não é igual e nem se desenvolverá conforme outro deficiente mental.
59
Assim sendo, o funcionamento humano da criança com deficiência depende das
condições concretas oferecidas pelo grupo social, e estas condições são promotoras ou não de
seu desenvolvimento. As impossibilidades nesse caso estão vinculadas à significação que o
grupo social tem da deficiência, à educação oferecida às crianças e às experiências que lhes
são propiciadas pelo/no grupo.
De acordo com os estudos de Vygotsky (1997), a educação de pessoas com
deficiência deve voltar-se para a construção de funções psicológicas superiores e não
privilegiar as funções elementares. Segundo Góes (2002), isso se justifica pelo fato de que o
núcleo orgânico da deficiência não é modificável pela ação educativa, visto que as funções
elementares prejudicadas são sintomas que derivam diretamente deste núcleo e, por isso, são
menos flexíveis. Em contrapartida, o funcionamento superior está secundariamente ligado ao
fator orgânico e depende das possibilidades de compensação concretizadas pelo grupo social,
daí mostrar-se suscetível à ação educativa.
Em seus estudos, Vygotsky (1997) afirma que a deficiência gera um impacto em seu
meio, e dependendo das mediações com o seu ambiente físico e social, poderá produzir na
pessoa sentimentos, com destaque para os de menos-valia, podendo ativar os mecanismos
compensatórios. O interesse de Vygotsky centrava-se na tentativa de explicar o nível de
compreensão da pessoa com deficiência, a ponto de acionar os seus mecanismos
compensatórios, ou seja, como as crianças consideradas inaptas trabalham o seu sentimento
de inferioridade. Esse posicionamento nos permite afirmar que o impacto gerado pela
deficiência em seu ambiente poderá se configurar em fonte geradora de possibilidades ou
limitações.
Para Vygotsky (1997), a tríade deficiência, sentimento de inferioridade e
compensação é resultado de um duplo condicionamento social que delimita o
desenvolvimento da criança com deficiência: primeiro, a realização social da deficiência e o
sentimento de menos-valia envolvido nessa situação; e segundo, a tendência da adaptação às
condições do meio, criadas e formadas para o tipo humano dito normal.
Segundo Vygotsky (1997) é importante que, diante da condição de deficiência, sejam
criadas formas culturais singulares que permitam mobilizar as forças compensatórias e
explorar caminhos alternativos de desenvolvimento, o que implica o uso de recursos
especiais. O déficit orgânico não pode ser ignorado, mas é a vida social que abre
possibilidades ilimitadas de desenvolvimento cultural, o qual de acordo com Góes (2002,
60
p.100) “borra a dominação natural da insuficiência orgânica ou, falando com mais exatidão,
torna-a histórica”.
Vygotsky argumenta que caminhos alternativos e recursos especiais envolvem o
grupo social, as outras pessoas e o educador. Podemos entender que caminhos alternativos e
recursos especiais não são secundários na compreensão do desenvolvimento do deficiente
mental. Segundo Góes (2002), esses caminhos e recursos podem ser concebidos amplamente,
no entendimento de que os caminhos alternativos podem envolver recursos especiais,
particulares, sob a forma de procedimentos de ação ou de instrumentos, equipamentos,
técnicas, códigos etc.; mas, fundamentalmente, sob forma de caminhos explorados com o
propósito de promover a interação social e a participação na cultura, desenvolver a
linguagem e as formas de significar o mundo, e elevar os níveis de pensamento.
De acordo com Vygotsky (1997, p.198):
(...) entre a criança com deficiência e a criança dita normal não nenhuma
diferença essencial, uns e outros seguem as mesmas leis de
desenvolvimento, a diferença consiste somente no modo em que se
desenvolve o desenvolvimento. O modo como se educa e se desenvolve a
criança com deficiência é essencialmente distinto do que apresenta a criança
normal, por isso a técnica de ensino da criança com deficiência se
distinguirá sempre por sua originalidade, embora a natureza psicológica
deste processo seja, enquanto seus princípios, absolutamente idêntica ao da
criança normal. O que fortalece a necessidade de se elaborar um projeto
específico de educação e ensino da criança com deficiência (tradução
nossa).
Para este autor, a relação estabelecida com a criança deficiente difere da relação com
a criança não deficiente, porque a deficiência modifica antes de mais nada sua posição social,
sua aceitação no meio. Com isso, todas as funções de seu ser social se reestruturam. A
deficiência envolve um fator biológico, frente ao qual o educador tem pouco ou nada a fazer,
devendo se dedicar a um trabalho direcionado para as conseqüências sociais e os processos
compensatórios que surgem na criança por influência deste fator, enfrentando não a
deficiência, mas os conflitos que dela surgem. Segundo o autor, a educação da criança com
deficiência deve ser uma educação social que viabilize a superação psicológica e a conquista
de seu espaço social.
Schneider (2002) afirma que nos textos de Vygotsky, há uma ênfase nos meios
auxiliares, específicos para cada criança, que desempenham um papel decisivo nos processos
de substituição em todo o desenvolvimento infantil. Ressalta ainda que com um programa
61
adaptado às suas peculiaridades, ensinando de outra maneira, aplicando métodos e
procedimentos especiais, elas aprendem o mesmo que todas as demais crianças.
Vygotsky considera que as leis que regem seu desenvolvimento são as mesmas leis
que regem o desenvolvimento das crianças sem deficiência, no entanto, peculiaridades na
organização sociopsicológica desta criança (GÓES, 2002). Assim, “a criança cujo
desenvolvimento está comprometido por uma deficiência não é simplesmente uma criança
menos desenvolvida do que as crianças normais, mas sim desenvolvida de outro modo”
(VYGOTSKY, 1997, p. 12).
Nas discussões de Vygotsky (1997) sobre deficiência e educação o autor enfatiza que
os pontos fortes do funcionamento da criança são relevantes para uma proposta pedagógica,
daí a importância de o professor ter um olhar sensível sobre seu aluno, perceber e considerar
suas dificuldades e potencialidades no processo de aprendizagem, o que deverá nortear suas
escolhas didáticas. O professor deve verificar as possibilidades de compensação de seu aluno,
considerar o que ele consegue fazer com ajuda e o que realiza sozinho, para escolhas
didáticas que almejem incluir verdadeiramente bem como auxiliar o desenvolvimento de
todos os alunos de modo geral.
Góes (2002) faz importante relato ao considerar que, no caso da deficiência mental,
Vygotsky avalia algumas técnicas e procedimentos, enfatizando a idéia de que o educador
invista na compensação para libertar a criança das impressões perceptuais concretas,
desafiando seu nível de capacidade e conduzindo-a ao pensamento de alta generalidade, para
as funções psicológicas superiores.
Ainda segundo Góes (2002, p.103):
O educador precisa privilegiar suas potencialidades e talentos [da criança],
recusando a suposição de limites para o que pode ser alcançado. Mesmo nas
limitações intelectuais graves, é possível manter uma concepção prospectiva
e a diretriz de mobilização de forças compensatórias, partindo de atuações
em que o outro faz pela criança o que ela não pode fazer (Acréscimos
nossos).
Vygotsky (1997) afirma que é preciso reconhecer como a criança se desenvolve, e
não delimitar seu desenvolvimento com base na deficiência em si mesma. A criança não se
forma apenas pela sua deficiência, seu organismo como um todo está em constante
reorganização e reestruturação. Sendo assim, a escola não poderia restringir-se somente às
adaptações curriculares, ou mesmo à redução de conteúdos, simplificações e facilitações de
62
métodos e técnicas. Schneider (2002) afirma que a escola, para Vygotsky, teria o papel de
levar a criança a perceber o processo de seu pensamento por meio de seus conteúdos e de
atividades que tenham significado e sejam motivadoras. A escola para a autora tem como
finalidade proporcionar aos alunos a consciência reflexiva. Vygotsky atribui à escola,
segundo a autora, o papel de sistematização e reflexividade dos conceitos científicos.
De acordo com Padilha (2004), a percepção de Vygotsky a respeito da deficiência
está orientada para a superação do ‘defeito’
4
, assim:
Em suas discussões sobre deficiência e educação, Vygotsky enfatiza que os
pontos fortes do funcionamento da criança são relevantes para uma proposta
pedagógica. A preocupação é com o funcionamento emergente. E as metas
da educação deveriam ser as mesmas, tanto para as crianças consideradas
normais quanto para as que apresentam alguma deficiência (p.22).
Em situação de ensino e aprendizagem faz-se necessário a promoção de experiências
que por caminhos diferentes, invistam nas mesmas metas gerais de aprendizagem para todos
os alunos, o que de fato é indispensável para o desenvolvimento da criança. Sobretudo, de
acordo com Vygotsky (1997), as metas educacionais devem ser aquelas estabelecidas para a
criança normal. Deve ser uma educação numa visão prospectiva, que considere o
desenvolvimento em sua dinâmica, que privilegie os potenciais e talentos da criança, uma
educação voltada, antes de tudo, para a criança e não para a criança deficiente. Essa visão
colabora tanto no desenvolvimento da criança deficiente quanto da criança dita normal, a
criança deficiente ajuda a entender o aluno dito normal e possibilita um olhar mais próximo
deste.
De acordo com Vygotsky (1997), a criança com deficiência mental apresenta um
comportamento baseado na relação de escolha "este ou aquele" em decorrência da rigidez de
sua psique; esta se estende tanto ao aspecto cognitivo quanto ao afetivo, incapacitando-a para
relativizar seus pontos de vista e realizar generalizações a partir de conceitos ou vivências.
Nesse sentido, são importantes as atividades que exigem abstração, e que possibilitam maior
flexibilidade, com vistas à transformação qualitativa das capacidades cognitivas.
Ao observar os trabalhos de várias crianças com deficiência mental, Vygotsky (1997)
percebeu que um número expressivo de suas atividades eram interrompidas e substituídas por
outras. Segundo ele, esse comportamento pode ser resultante dos baixos índices
motivacionais, bem como do alto grau de ansiedade, insegurança, frente a situações novas ou
4
Termo utilizado por Vygotsky para designar deficiência orgânica.
63
mesmo difíceis. Essa constatação levou-o a afirmar que as funções psicológicas superiores
são influenciadas pelos aspectos afetivos e cognitivos. A relação com os outros (pessoas e
objetos) é dinâmica e aciona os mecanismos de compensação, oferecendo possibilidades para
que a intervenção educativa ocorra.
As pesquisas feitas por Vygotsky apresentam outra forma de pensar a deficiência, não
pela via dos defeitos, mas pela possibilidade de se encontrar processos edificadores e
equilibradores no desenvolvimento e na conduta da criança. O foco do autor está nas
necessidades e possibilidades envolvidas no desenvolvimento e na educação desses sujeitos.
Seus estudos sobre a deficiência tinham não somente o objetivo de contribuir com a
reabilitação das crianças, mas se tornaram significativos uma vez que se tornaram uma
excelente oportunidade de compreensão dos processos mentais humanos.
Para a alfabetização da criança deficiente mental incluída na sala de aula da escola
regular é imprescindível que o professor caminhe em direção à priorização de suas
potencialidades e do conhecimento real que esta criança apresenta, bem como de seu modo
de aprender e apreender. É necessário que o professor se disponha a conhecer essa criança,
possibilitando uma compreensão de como as mediações influenciam o indivíduo na
organização de seu potencial intelectual. O que se constitui essencial ao processo de
desenvolvimento e aprendizagem.
Ainda de acordo com Góes (2002, p.107), nas discussões de Vygotsky várias formas
de atuação pedagógicas são propostas:
(...) sobressaindo um esboço de imagem do educador capaz de enfrentar
desafios, podendo ser caracterizado em termos gerais como aquele
orientado prospectivamente, atento à criança, às suas dificuldades e,
sobretudo, às suas potencialidades, que se configuram na relação entre
plasticidade humana e as ações do grupo social [ao qual pertence]. É aquele
que é capaz de analisar e explorar recursos especiais e de promover
caminhos alternativos; que considera o educando como participante de
outros espaços do cotidiano, além do escolar, que lhe apresenta desafios na
direção de novos objetivos; que o considera integralmente, sem se centrar
no não, na deficiência. E quanto aos educandos, se condições especiais são
necessárias, nem por isso ele deve ser visto como uma pessoa com algo a
menos, a quem se oferece uma pedagogia menor (Acréscimos nossos).
A escola tem uma função muito importante na constituição do sujeito e deve voltar a
prática educativa para os processos de desenvolvimento ainda não consolidados, favorecendo
assim, novas conquistas psicológicas do sujeito. O que o aluno domina é apenas o ponto de
partida para alcançar seu potencial, o qual será consolidado mediante situações adequadas de
64
aprendizagem. É imprescindível nessa perspectiva, a disponibilidade do professor para
desempenhar o papel de mediador, propondo situações de interação que possibilitem
negociar sentidos e significados para a apropriação do conhecimento. Assim, ao planejar sua
prática educativa o professor precisa considerar seu papel de mediador entre o aluno e o
conhecimento.
Em situações escolares, a intervenção que o professor é capaz de promover nos alunos
é decisiva para o avanço na aprendizagem do aluno deficiente mental. A
interferência do
professor deve ter o objetivo de preparar situações de aprendizagem, e oferecer
paulatinamente pistas aos alunos no desenvolvimento das atividades em que esses forem
encontrando dificuldades, colaborando assim para que as crianças tenham condições de
avançar nas tarefas acadêmicas.
65
CAPÍTULO III
EM BUSCA DE UM CAMINHO METODOLÓGICO: o contexto
e as pessoas em foco
O percurso de crescimento se faz
tanto pela atividade do sujeito,
fundada em estratégias e conhecimentos
já construídos, quanto pela participação de
agentes mediadores, em especial
aqueles presentes no contexto escolar.
(
Góes, 2002)
3.1 - Delineando um percurso
A inclusão tal como a compreendemos contempla as diferenças no mesmo espaço,
resguardando a garantia de direitos, e é uma prática social que se concretiza nas dimensões
micro e macro, como qualquer ação social. Nestes termos, pesquisar como o professor
alfabetizador pensa e pratica a inclusão do deficiente mental presente em sua sala de aula,
conduzirá o estudo ao objetivo de discutir e compreender a prática educativa de uma
professora alfabetizadora, que trabalha com o aluno deficiente mental incluído numa sala de
aula de ensino regular.
Pesquisar sobre como se a prática educativa do professor que atua com aluno
deficiente mental incluído no cotidiano da escola regular de uma sala de alfabetização
implica conhecer os conceitos e preconceitos do docente, suas escolhas didáticas e o trabalho
educativo realizado. Assim discutir e compreender da prática educativa na inclusão escolar
de um aluno deficiente, nos permitirá vislumbrar situações em que seja possível verificarmos
se a prática educativa considera a diferença ou a reforça, e poderá nos informar sobre como
está se dando a inclusão desse aluno no meio escolar.
Com intuito de compreender as determinações que envolvem os sujeitos esse estudo é
desenvolvido no âmbito de uma abordagem qualitativa utilizando aspectos do referencial
etnográfico, por se compreender que, na investigação qualitativa, os fatos e os locais são
analisados e compreendidos no contexto histórico aos quais pertencem. Na abordagem
qualitativa as ações, as palavras, os gestos possuem significado ao serem analisados em
66
relação ao seu contexto. Nesse sentido, Geertz (2001) fala sobre a construção de uma leitura
de acontecimentos, de modo que não se pode separar essa leitura do que se passa no contexto
pesquisado, e daquilo que em determinado momento as pessoas afirmam, fazem ou sofrem;
pois se o fizer a pesquisa se torna vazia.
Certamente as investigações sobre o homem e seu modo de agir mostraram e mostram
que não existe uma verdade universal e neutra a esse respeito, e que o sujeito que conhece e
aquele que é conhecido são marcados profundamente por suas identidades culturais,
entendidas como inserção em uma sociedade e uma história, portadoras de várias
características identitárias: classe social, gênero, raça, religião (GARCIA, 2003).
A pesquisa qualitativa nesse estudo pretende mais do que simplesmente constatar e
descrever. Pretendemos promover, por meio de um diálogo entre o pesquisador e os sujeitos
da pesquisa, uma aprendizagem em conjunto com a realidade estudada.
Sobre a construção da informação na pesquisa qualitativa, o autor González Rey
(2005, p. 114-115) ajuda a refletir melhor:
As dificuldades implícitas no processo de construção da informação têm
muito a ver com o fantasma empirista que ainda circula, com grande força,
no imaginário da pesquisa científica em psicologia e nas ciências sociais em
geral: a prioridade dada à descrição como função principal do pesquisador
em relação a seus resultados. A atribuição de um caráter indutivo-descritivo
à pesquisa qualitativa retira dela o que considero sua principal virtude: o
desenvolvimento de modelos teóricos sobre a informação produzida, que
nos permitam visibilidade sobre um nível ontológico não acessível à
observação imediata através da construção teórica de sentidos subjetivos e
de configurações subjetivas envolvidas nos diferentes comportamentos e
produções simbólicas do homem.
A pesquisa qualitativa em educação está constantemente a questionar os sujeitos de
investigação com o objetivo de perceber aquilo que eles experimentam, o modo como eles
interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em
que vivem. O outro é participante da pesquisa, pois esta é um trabalho coletivo (GARCIA,
2003; GONZÁLEZ REY, 2005).
O comportamento humano é demasiadamente complexo e a pesquisa qualitativa
permite apreender o caráter essencialmente interpretativo das experiências humanas.
Tentando compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e em
que estes consistem, o pesquisador pode ainda avaliar em que medida tal processo de
significação afeta os resultados na educação. Esse tipo de pesquisa permite uma postura
67
crítica/interpretativa e não apenas uma descrição da realidade. Uma peculiaridade é a
possibilidade, nesse tipo de pesquisa, de combinar os métodos de coleta de dados utilizados,
maximizando o alcance e minimizando a limitação de cada um destes, quando utilizados
separadamente (GARCIA, 2003; GONZÁLEZ REY, 2005).
Ao ponderarmos sobre a característica da análise proposta, podemos dizer que a
escolha pela pesquisa qualitativa se deu primeiramente por reconhecermos que os dados
construídos na pesquisa qualitativa são ricos em pormenores relativos a pessoas, locais e
conversas, tanto quanto pelo fato de que, ao se pesquisar o cotidiano escolar, mantemos um
contato próximo com um complexo contexto, e pela diversidade de estratégias de
investigação proporcionadas por esse tipo de pesquisa.
De acordo com Esteban (2003, p.203-204):
A escola é a própria teoria do caos em realização. Tudo acontece ao mesmo
tempo e, freqüentemente, fora da hora em que deveria acontecer. Os
sujeitos da pesquisa teimam em não se deixar traduzir como objetos de
pesquisa e se movem segundo suas próprias definições, não seguem nosso
roteiro, nossas previsões, nem mesmo nossos acordos. (...) A sensação de se
estar à deriva, o que significa seguir a direção possível no âmbito das
interações
efetivamente realizadas, dependendo da história das interações
recorrentes que vai sendo constituída pelas coordenações consensuais de
conduta que se estabelecem quando os sujeitos interagem: o papel
determinante do encontro com o outro. (...) A deriva evidencia que os
sujeitos do cotidiano não podem ser considerados insignificantes, pois o
conjunto de interações cotidianas vai orientando o nosso caminho.
Pesquisar as práticas educativas numa sala de alfabetização de um professor
alfabetizador de crianças com alunos com deficiência mental requer entrar em contato com o
cotidiano dos sujeitos envolvidos na pesquisa, interagir e se envolver com eles. O cotidiano
da escola é conforme Zaccur (2003), um cotidiano aberto a encontros e desencontros, aberto
ao previsível e ao imprevisível, em que se depara constantemente com o repetível e o
irrepetível. Um cotidiano que se abre ao inesperado, e ao se observar o acaso, o contexto, um
detalhe pode fazer a diferença, marcar um momento único, uma fala, um gesto forte, uma
cena marcante, um encontro, uma ruptura, o que é único e também o que é comum no dia-
dia. Entramos em contato com as tensões nos acontecimentos, nos encontros e desencontros,
nas interações entre sujeitos o que repercute em linguagens e relações de poder que se
imbricam no tempo e espaço pesquisado. Na pesquisa em um contexto escolar a palavra traz
as marcas do uso que dela se faz. Ainda sinaliza Zaccur (2003), que é preciso mergulhar nas
redes de ações, representações e saberes das redes tecidas/compartilhadas no cotidiano.
68
Ainda conforme Zaccur (2003), quem pesquisa o cotidiano pode perceber que este
incide sobre o não-pensado, sobre os desvios, os achados inesperados. Ao longo de
caminhos, errâncias e desvios, redes se tecem, destecem e retecem produzindo conexões. É
impossível conhecer sem relacionar quem conhece com o que conhece. O discurso implica o
“eu” e o “outro”, cada qual com uma história de encontros e desencontros. O pesquisador do
cotidiano não pode apresentar resultados conclusivos e continua a fazer perguntas infinitas.
Por se tratar de uma pesquisa realizada no cotidiano de uma escola, convém lembrar
que, conforme afirma Zaccur (2003, p.196):
As metodologias do cotidiano deixam de ser um campo de aplicação do
dado para se tornarem um vasto território em que persiste a
problematização, onde o pesquisador está implicado, onde as questões não
se resolvem como dois e dois são quatro e os desafios continuam cobrando
respostas e provocando novas questões.
A dinâmica da pesquisa no cotidiano escolar é marcada pela incerteza, ressaltando
que, em muitos momentos, pode não ser possível dar visibilidade aos traços que conectam as
relações que o formam. Os sujeitos se cruzam, se tecem, se aproximam, se distanciam,
indicam rupturas, promovem encontros, convivem nas contradições e criam um movimento
difícil de ser percebido, acompanhado, apreendido, interpretado, compreendido e traduzido
(ESTEBAN, 2003).
Ao relatar sobre a pesquisa no cotidiano e a multiplicidade de processos que nele se
articulam, Esteban (2003, p.201) considera que:
O cotidiano escolar indica que um mesmo processo coletivo pode dar
margem a diferentes procedimentos individuais, marcados pela
singularidade das experiências, que também fazem com que os
procedimentos individuais semelhantes configurem processos coletivos
distintos. A imprevisibilidade e a invisibilidade tecem o cotidiano, rede em
que também se atam previsibilidade e visibilidade.
A autora ressalta ainda a importância do olhar, do recorte e das perguntas que são
tecidas sobre as relações sociais mais amplas que se conectam na invisibilidade da vida
cotidiana. Esteban (2003) considera que indagar o fato cotidiano pode dar visibilidade a fios
e nós que compõem o emaranhado de relações que se traduzem no episódio insignificante.
A pesquisa no cotidiano parece sempre se colocar diante do risco especialmente
porque as idéias não são reflexos do real, mas traduções dele e toda tradução comporta risco
69
de erro (MORIN, 1996). A tradução é um processo tecido pela negociação e pela negação,
portanto é instável e liminar, resultado de uma compreensão que sempre pode ser modificada
por ter como origem a diferença.
De acordo com Brandão (2003), se é apenas um lado do todo, um lado cujo outro lado
não é dos sujeitos passíveis de serem arbitrariamente “objetivados” pelo/para o
conhecimento. Mas sim, o múltiplo e complexo lado de outros sujeitos que desafiam a
aprender, a substituir a transferência de informações entre sujeitos desiguais pela troca de
conhecimento entre pessoas diferentes.
Os métodos para se produzir informações necessárias para responder aos
questionamentos da pesquisa não são únicos, nem exclusivos e tampouco são sempre os mais
adequados a qualquer situação, o que fez diferença ao pensar quais métodos iriam nos
conduzir o mais próximo possível de produzir a compreensão que esta pesquisa pretende.
3.2 – Desenvolvimento da Pesquisa
Para efetivarmos esta pesquisa alguns caminhos precisaram ser dimensionados,
redimensionados, avaliados e reavaliados, o que aos poucos foi dando forma ao percurso
apresentado. Primeiramente buscamos identificar as escolas municipais que possuíam alunos
deficientes mentais incluídos em salas de alfabetização e, para tanto, procuramos o núcleo
responsável pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE
5
) das escolas municipais de
Uberlândia, o então Núcleo de Apoio às Diferenças Humanas (NADH), situado no CEMEPE
(Centro Municipal de Estudos e Pesquisas Julieta Diniz), núcleo este que prontamente se
dispôs a oferecer as informações necessárias para a pesquisa.
A opção neste trabalho pela prática educativa de um professor alfabetizador se deve
não apenas a trajetória profissional da pesquisadora, mas à importância da alfabetização para
a vida das pessoas. Alfabetizar-se é conhecer o mundo, comunicando-se e expressando-se.
Para qualquer criança, a alfabetização significa embrenhar-se formalmente na cultura e os
seres humanos são seres de cultura, portanto, essa inserção representa para o deficiente
mental um desafio. Deve-se considerar que a alfabetização tem um valor social e, como tal,
seu maior ou menor domínio acarreta inclusões/exclusões. O aluno em questão era um aluno
incluído na sala de aula da professora que se dispôs a participar da pesquisa, aluno este que
5
AEE – sigla utilizada para referir-se ao Atendimento Educacional Especializado que atende alunos com
deficiência nas escolas do município.
70
apresenta tetraparesia, se locomovendo em uma cadeira de rodas, e apresenta rigidez nos
membros superiores. A professora não considera este fator determinante para o processo de
alfabetização do aluno, ressaltando a deficiência mental deste como o grande desafio para seu
trabalho, sendo assim, a pesquisa foi focalizada na deficiência mental a que a professora se
referia. Para a realização deste trabalho o ano de escolarização escolhido foi o ano do
ensino fundamental de nove anos
6
por se tratar de um período significativo para a
alfabetização e desenvolvimento infantil. A escola selecionada para o presente estudo é uma
escola pública pertencente à rede municipal. A opção pela rede municipal de ensino se deveu
ao fato de ser o lócus de trabalho da pesquisadora, e também pelo município ter instituído o
‘Atendimento Educacional Especializado’ disseminando nas escolas públicas da rede
municipal a concepção de inclusão escolar.
Alfabetização significa de acordo com Kramer (2002, p. 98):
Que uma criança começa a ler quando descobre que o mundo é feito de
coisas que pode cheirar, pegar, apertar, morder etc... e que pode ser imitado,
dramatizado, expresso na música, na dança, no desenho, na fotografia, na
colagem, na montagem, na palavra falada, na palavra escrita.
Ser professor alfabetizador nessa perspectiva consiste em uma constante busca por
favorecer o processo de aprendizagem da leitura/escrita. Como afirma Kramer (2002), este
processo envolve uma dimensão simbólica, expressiva e cultural, propiciando que as crianças
realizem atividades sistemáticas, organizadas de tal modo que as diferentes formas de
representação e expressão infantis sejam ampliadas gradativamente, até que elas
compreendam o que é leitura/escrita e façam uso desse objeto cultural para sua comunicação
e expressão.
Com a colaboração das coordenadoras de roteiro
7
do projeto apuramos os dados sobre
quantas escolas municipais ofereciam o Atendimento Educacional Especializado e em quais
escolas do ensino regular havia alunos deficientes mentais matriculados, preferencialmente
no segundo ano do ensino fundamental de nove anos.
No total são trinta e três escolas municipais que oferecem o atendimento para as
crianças com deficiência. Com o documento em mãos, contendo a relação das escolas, as
6
A partir do ano de 2006, alunos com idade de 06 anos começaram a ser atendidos nas escolas de ensino
fundamental na rede pública municipal, sendo então denominado ano do ensino fundamental de nove anos, e
a 1ª série como identificada anteriormente passou a ser denominada 2º ano do ensino fundamental de nove anos.
7
São coordenadoras responsáveis entre outras funções por visitar as escolas que contam com o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), coordenando as atividades realizadas, bem como propondo estudos,
reflexões e formação continuada para os profissionais que atuam com esses alunos.
71
visitas nas escolas foram agendadas para que pudéssemos apresentar a pesquisa,
conseguimos agendar em três escolas que se dispuseram a nos receber. Porém a receptividade
maior pela pesquisa foi na escola que se tornou nosso campo de pesquisa. A escola tem o
Atendimento Educacional Especializado fisicamente bem estruturado e equipado, com
professores que apresentam experiência no trabalho com crianças deficientes, pois
atuavam nesse tipo de atendimento quando o projeto AEE ainda se intitulava Programa
Ensino Alternativo. A direção da escola e os supervisores demonstraram interesse pela
pesquisa, e se propuseram a apresentar para os professores a proposta da pesquisa a ser
realizada em suas salas de aula. Dos professores com quem mantivemos contato apenas um
se dispôs a participar da pesquisa e a receber a pesquisadora em sua sala de aula.
Neste estudo investigativo, utilizamos a observação participante do contexto escolar,
entrevistas reflexivas e análises de documentos da escola como: pasta documental do aluno e
o regimento da escola. Em relação aos dias e horários, a professora do ensino regular aceitou
que as observações fossem realizadas às segundas-feiras e quartas-feiras, adequando, tais
momentos à presença do aluno que, devido ao atendimento de fisioterapia e equoterapia que
realizava nas quintas e sextas, participava do ensino regular de segunda-feira à quarta-
feira. Tal singularidade nos leva a questionar o lugar ocupado pela aprendizagem escolar na
vida desta criança, ou mesmo que importância a escola ao desenvolvimento e
aprendizagem do aluno deficiente mental, e nos leva a inferir que esta flexibilidade de
tratamento caracterizaria a exclusão do aluno do processo de ensino e aprendizagem por
compreendermos que é complicado dar seqüência a um trabalho educativo nesses termos.
Ao questionarmos a professora regente sobre o quadro de horários dos alunos com
intuito de observar as aulas de português, ela disse que não possuía horário fixo para tal e que
trabalhava sistematicamente a disciplina por entender que nessa fase da alfabetização
se as
crianças aprenderem a ler e a escrever terão mais facilidade nas outras disciplinas’.
A professora que se dispôs a ser sujeito da pesquisa nos deixou muito à vontade em
sua sala de aula. Percebemos durante a pesquisa momentos em que se fazia necessário uma
maior aproximação entre a professora e a pesquisadora, como no fato de ter sido observado
que quando a turma se encontrava organizada em grupos o aluno deficiente mental ficava de
costas para a turma, para o quadro e para o professor, o que não era percebido pela
professora. Pela necessidade de se criar um instrumento de participação, para que esse
detalhe não ficasse despercebido e a pesquisa não deixasse de cumprir seu objetivo de
proporcionar uma discussão e compreensão da prática educativa em função de uma busca
72
pela qualidade no ensino, as anotações relativas às observações foram levadas à leitura da
professora para discussão e reflexão da prática educativa. Por vários momentos a professora
apresentava questionamentos sobre seu trabalho em sala de aula, demonstrando dúvidas e se
propondo a reflexões, relatando suas angústias e suas expectativas sobre o desenvolvimento
de todos os seus alunos e não só do aluno com deficiência mental, o que foi fundamental para
a organização e constituição da metodologia do presente trabalho.
As observações, registradas em diário de campo, foram realizadas com autorização da
professora, da supervisora e da diretora da escola (Apêndices 3, 4 e 5). As observações
aconteciam as segundas e quartas-feiras como citado anteriormente, das 13 horas às
17h25min, conforme combinado com a professora regente, por um período de cinco meses e
meio (fevereiro, março, abril, maio, junho e julho de 2008). Foi totalizada uma média de 35
observações no período, o que remete a uma somatória de aproximadamente 170 horas-aula
observada.
A partir do episódio do aluno sujeito da pesquisa ter ficado disposto de costas,
sugerimos à professora que pudesse ler as notas de campo, grifar dúvidas, ou mesmo
sublinhar situações sobre as quais gostaria de conversar com a pesquisadora. Esse
procedimento representou grande importância para a pesquisa, pois conforme podemos
observar na metodologia e nas análises esse foi o fio condutor de toda a pesquisa, conduzindo
a pesquisa a novos rumos. Possibilitando descobertas importantes que conduziram
(professora e pesquisadora) a percepções que foram determinantes na elaboração de
atividades que favoreceram o desenvolvimento do aluno, e que de certa forma, influenciaram
as concepções da professora.
Ficou agendado que às segundas-feiras, sempre no primeiro horário, ia acontecer o
momento de discutir e conversar sobre as notas de campo, a pesquisa e o desenvolvimento do
aluno. Esse dia é o módulo
8
da professora e se refere a um horário de cinqüenta minutos que
ela cumpre na escola, fora da sala de aula, enquanto os alunos têm aula com a professora de
Ciências. Várias vezes ela não cumpriu seu módulo fora da sala, por falta do professor de
Ciências, e as discussões com a pesquisadora aconteciam dentro do possível, durante suas
8
Módulo Período de carga horária mensal de trabalho que o professor tem para fazer planejamento, elaborar
atividades para os alunos, estudar, dentre outras atividades inerentes à atuação profissional. Cada professor tem
direito a seis módulos semanais de cinqüenta minutos cada, sendo que dois destes módulos são cumpridos na
escola com o pedagogo (supervisor e/ou orientador). Os outros quatro módulos restantes são cumpridos onde
melhor lhe convier e deverão ser utilizados para sua formação continuada.
73
atividades em sala, por esta razão as entrevistas a partir dos registros das notas de campo
foram somadas em dez, e se referem em alguns momentos a mais de uma nota de campo.
Assim, de acordo com Rodrigues (2008, p.11):
Para se promover a Educação Inclusiva a questão não é talvez, a de
encontrar novos recursos ou recursos diferentes; é, sobretudo, por meio de
estratégias reflexivas, do trabalho cooperativo, [de se] lançar um novo olhar
sobre as práticas educativas, sobre a equipe e os recursos que a escola
dispõe.
A observação participante representa para a pesquisa um eixo revelador e de grande
importância para a construção e a análise dos dados. É uma fonte de informação que exige
fundamentação teórica consistente, tempo e envolvimento do pesquisador, registro
sistemático de dados, verificação de todo o processo e da confiabilidade dos resultados.
Demanda um contato maior entre observador e observado, e possui importância fundamental
na apuração de informações no cotidiano escolar, por possibilitar a construção de dados de
natureza não-verbal (VIANNA, 2003).
A observação participante realizada é compreendida conforme Brandão (2003, p.47):
(...) toda investigação que envolve alguma dimensão de abordagem
qualitativa centrada na observação participante representa notável abertura
de horizontes frente a todos os procedimentos precedentes; uma experiência
de criação de novos saberes em que o outro, sujeito de minha investigação
científica, passa a ser também um praticante direto de nossa pesquisa. E,
juntos, diferentes, buscando reduzir o que em nós é ainda desigual, criamos
e vivemos uma pesquisa participante.
Sabemos que o ambiente da sala de aula é influenciado pelo comportamento dos
alunos, pelo próprio professor, sua formação, seus interesses, sua personalidade, seus
conhecimentos, suas predileções e até por suas estratégias na solução de diferentes
problemas.
De acordo com Bogdan & Biklen (1994, p.70), neste tipo de pesquisa:
O objetivo do investigador é o de melhor compreender o comportamento e
experiência humanos. Tentar compreender o processo mediante o qual as
pessoas constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos
significados.
74
É interessante destacarmos que as construções de instrumentos e análises vão se
caracterizando e se constituindo no decorrer da pesquisa, concomitantemente aos diálogos
que o pesquisador estabelece com os teóricos e à própria relação que vai se estabelecendo
com a temática em estudo.
Conforme afirma González Rey (2005, p. 191):
Isso significa que, desde o início, o pesquisador entra no processo de
construção da informação por meio de construções e interpretações que
desenvolveu em sua relação com essa informação.
As observações participantes aliadas às entrevistas reflexivas a partir da leitura pela
professora das notas de campo produzidas pela pesquisadora possibilitaram o surgimento de
reflexões que demonstraram no decorrer da pesquisa significativas mudanças no modo de a
professora perceber seu aluno deficiente mental e seu desenvolvimento. Fundamental
também foi constatarmos as percepções da professora sobre seu próprio trabalho e o fato de
que suas escolhas didáticas começaram a ser fundamentadas no que foi percebido em sua
prática através da leitura das notas de campo. Os desdobramentos a partir das reflexões sobre
as notas de campo se refletiram em suas atividades didáticas, nos objetivos de seu
planejamento, no que a professora foi identificando em sua prática como possível e
necessário mudar, ou reforçar, levando a uma ressignificação de seu papel, em sua percepção
do aluno deficiente mental, da deficiência e dos demais alunos. Diante da experiência
vivenciada foi possível inferirmos que esse instrumento investigativo oferece grande
oportunidade de reflexão, percepção e pode ser uma oportunidade de redimensionar o olhar
para outro ângulo, de outra forma, com outro peso.
Szymanski (2002) amplia e aprofunda o conceito de entrevista, focalizando-o dentro
de uma perspectiva que destaca a relação reflexiva e dialógica estabelecida entre os
protagonistas, relacionando-a à produção de conhecimento/significado ocorrida naquela
situação interacional, surgindo assim o conceito de entrevista reflexiva.
Szymanski (2002, p.14) ao referir-se à entrevista reflexiva e suas características
reveladoras para a pesquisa, afirma:
O movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o
entrevistado diante de um pensamento organizado de uma forma inédita até
mesmo para ele.
75
Diante deste conceito de entrevista como um espaço de interação social entre o
pesquisador e o sujeito, esta se torna um instrumento importante na investigação em ciências
humanas por se tratar de um sujeito interativo, motivado e intencional. Este instrumento se
tornou fundamental neste trabalho, pois permitiu perceber a construção de significados na
narrativa, a intencionalidade e as estratégias de ocultamento.
A entrevista por si representa um processo interativo, complexo e com caráter
reflexivo, que possibilita uma relação reflexiva capaz de suscitar informações objetivas e
subjetivas que remete à construção de significado, e de conduzir o processo dialógico para
que o tema discutido seja ampliado e aprofundado. Essa reflexividade da entrevista implica a
compreensão da fala do entrevistado pelo pesquisador, e a submissão de tal compreensão ao
entrevistado. As entrevistas devem, para tanto, ser disponibilizadas para análise
(SZYMANSKI, 2002).
A entrevista reflexiva, segundo Szymanski (2002), deve ser conduzida de forma que o
pesquisador apresente o quadro que está se delineando, mantenha uma postura descritiva e
busque uma imersão no discurso do entrevistado. Esta entrevista permite o esclarecimento de
questões por parte dos protagonistas e um aprofundamento destas questões de tal forma que
não se fique num discurso superficial. Dá ao pesquisador a oportunidade de trazer o discurso
para o foco da pesquisa e permite a devolução, ou seja, a exposição posterior da compreensão
do pesquisador sobre a experiência relatada pelo entrevistado. A preocupação em produzir
um trabalho que revertesse para a produção do conhecimento refletiu no delineamento de
uma metodologia que foi fundamental e propiciou um redimensionamento da pesquisa em
que os dados mais importantes da pesquisa são construídos a partir das reflexões da
professora sobre sua prática.
Foram formuladas aproximadamente dez entrevistas reflexivas a partir das
observações registradas em notas de campo sendo estas disponibilizadas à professora regente
proporcionando a ela a possibilidade de olhar para sua prática e conversar com a
pesquisadora sobre essa prática. O trabalho de discussão com a professora foi baseado nestas
notas de campo, com a seguinte organização para permitir as leituras e reflexões: ao mesmo
tempo em que a professora lia as notas de campo e demarcava o que gostaria de conversar, as
notas eram também demarcadas pela pesquisadora salientando pontos importantes que
possibilitariam a formulação das entrevistas, que possuíam como pano de fundo as notas de
campo e direcionavam sempre para os objetivos da pesquisa. Essas entrevistas com a
professora aconteceram no seu horário de módulo, quando os alunos tinham aula de ciências
76
com outro professor e a professora regente ficava cinqüenta minutos livre para estudar,
organizar seu material e/ou se reunir com a supervisora. A professora levava as notas de
campo para casa, e as lia para o encontro da segunda-feira. Dessa forma as observações feitas
em sala de aula foram fonte de dados para a entrevista reflexiva e as conversas com a
professora e puderam indicar pontos ou questões a serem observados e analisados. Todas as
notas de campo foram disponibilizadas para leitura, mas o tempo foi insuficiente para a
reflexão e discussão dos dados de todas. Alguns contratempos foram delineando esses
momentos, como o fato de que a escola ficou sem professor de ciências e a professora
regente não tinha mais o primeiro horário da segunda-feira disponível para as reflexões e
discussões.
Essas leituras possibilitaram à professora regente a mudança de alguns pontos de vista
e foi se delineando outra forma de pensar sobre o deficiente, sobre a inclusão deste no ensino
regular e sobre a deficiência. Não se trata de mudanças repentinas e radicais no pensar e o
agir da professora, mas representaram grande contribuição para a pesquisa, pois, a partir dos
registros de observação e das entrevistas reflexivas, a professora pôde enxergar-se
implementando sua prática educativa em sala de aula.
O próprio aprendizado no percurso levou a pesquisadora a redirecionar a pesquisa
num sentido mais amplo que o inicialmente proposto. Foram realizadas discussões sobre os
registros de observação da prática educativa da professora, em uma metodologia para além
da entrevista reflexiva, com um sentido maior de pesquisa participante, que possibilitou o
surgimento de novos rumos para um trabalho em que o foco é discutir e compreender a
prática educativa da professora. Szymanski (2002) afirma que o entrevistador pode
considerar o entrevistado como um parceiro no processo de construção do conhecimento,
propondo momentos de reflexão que se ampliam não durante as entrevistas, mas que
adentram a sala de aula e passam a fazer parte das aulas.
Na maioria das vezes as entrevistas se referiram a mais de uma nota de campo, devido
ao fato de a professora nem sempre ter disponível o horário combinado para as entrevistas.
Assim, apresentamos no quadro a seguir alguns exemplos de temas que nortearam as
entrevistas reflexivas a partir dos registros das notas de campo com a professora de Thiago
9
.
9
Para não citar de maneira impessoal os sujeitos dessa pesquisa (professora, aluno, professora do AEE),
criamos nomes fictícios: Thiago o aluno em questão e Anita, a professora regente de Thiago no ensino
regular.
77
QUADRO 1 - Entrevistas com os temas significativos abordados nas notas de campo do período.
Datas das
entrevistas:
Notas de
campo:
Percepções e questionamentos da
professora:
Temas abordados pela
pesquisadora:
03/03/2008 Início da
pesquisa
Ansiedade com o trabalho e com os
resultados de sua prática educativa.
Como organiza suas aulas.
Histórico da vida profissional.
Expectativas sobre seus alunos.
24/03/2008 10/03, 12/03,
17/03 e
19/03/2008
O fato de
Thiago estar de costas na
sala de aula. Os primeiros sinais de
exclusão são percebidos. A falta de
tempo para trabalhar de forma
diferenciada, com material concreto. As
interações começam a ser percebidas.
O que representa Thiago de costas
na percepção da professora. Como
driblar a falta de tempo. O fazer
para favorecer o desenvolvimento
de Thiago. O que se espera dele.
14/04/2008 26/03; 31/03;
02/04; 07/04
e
09/04/2008;
Thiago não participa das atividades
desenvolvidas em sala. A aula de
informática representa um grande
momento para Thiago. A necessidade
do mouse adaptado.
Por que ele não participa das aulas.
O que fazer para que ele participe.
Reflexões sobre contribuições das
aulas de informática no
desenvolvimento e aprendizagem
de Thiago.
05/05/2008 14/04; 16/04;
23/04 e
30/04/2008;
O que Thiago já sabe. Demonstração de
angústia sobre o fato de Thiago não
reter o que é trabalhado em sala.
Reorganização do material de Thiago.
Reflexões sobre o que Thiago já
sabe, sobre quais conhecimentos
ele domina. Discussões sobre de
que ponto partir.
19/05/2008 05/05; 07/05;
12/05 e
14/05/2008;
Como trabalhar partindo do que Thiago
já sabe? A falta de estrutura é percebida
como um fator que dificulta o trabalho.
O que Thiago assimila com mais
facilidade.
O que Thiago sabe. O que é
importante ele saber. Quais os
conhecimentos ele domina mais
facilmente e como isso acontece,
por que, de que forma.
02/06/2008 19/05; 21/05;
26/05 e
28/05/2008;
Contínua procura por modificações na
prática educativa que possam favorecer
o desenvolvimento de Thiago. O anseio
cresce na mesma medida da percepção
de seu potencial.
O que Thiago deve saber. Como
fazer para que ele retenha o
conhecimento. O que é
significativo para ele. Como as
palavras, sílabas e letras podem se
tornar significativas para ele.
16/06/2008 02/06; 04/06;
09/06 e
11/06/2008;
Percepção e requisição do apoio do
AEE. Para que serve o AEE? Então
posso pedir ajuda ao AEE?
Quais suas necessidades para
trabalhar com Thiago. E as
necessidades dele.
23/06/2008 16/06 e
18/06/2008;
Credibilidade no potencial de Thiago.
Percepção das facetas da exclusão.
Questionamentos sobre as atitudes dos
envolvidos com Thiago.
O que seria a inclusão escolar para
Thiago. Na escola quais as
situações de inclusão e exclusão a
que Thiago é submetido.
07/07/2008 23/06; 25/06;
30/06 e
02/07/2008;
Thiago começa a ser comparado
consigo mesmo. Seu desenvolvimento é
percebido como único assim como dos
demais colegas.
O desenvolvimento dos colegas de
Thiago é o foco desta entrevista
que levam a percepções acerca de
Thiago.
14/07/2008 07/07 e
09/07/2008;
As atitudes de exclusão do sistema
educacional são relatadas. O futuro de
Thiago é fator que gera ansiedade na
professora. Um balanço da pesquisa e
do desenvolvimento de Thiago e da
própria professora.
Término da pesquisa. Questões
sobre os pontos positivos e
negativos percebidos pela
professora com relação à pesquisa,
a Thiago, aos outros alunos e à sua
prática educativa.
Fonte: Anotações da pesquisadora.
78
Como estratégia, objetivos e procedimentos o olhar da pesquisadora sobre a realidade
da sala de aula pela via do registro de observação, propiciou à professora observar essa
realidade por outra perspectiva e oportunizou-lhe espaço de reflexão e discussão mediada,
em que ela pôde refletir e discutir suas idéias, dúvidas, impressões e percepções advindas
dessa nova perspectiva da sala de aula, além de trocar informações sobre aspectos
relacionados à prática educativa da professora e suas implicações no processo de inclusão do
aluno deficiente mental.
É importante destacarmos que uma pesquisa investigativa apresenta constantes
construções e redefinições, que implicam escolhas fundamentais nos estudos investigativos,
especialmente quando se desenvolve pesquisa em ambientes dinâmicos e imprevisíveis como
é o caso da escola.
3.3– Os sujeitos da pesquisa e seus espaços
3.3.1
- Escola Municipal Bom Jardim
10
: a escola em questão
Os dados sobre a escola foram obtidos por meio do Regimento Escolar, de conversas
informais com supervisores e de observações. A escola em questão oferecia o ensino
fundamental de nove anos. Foi criada no ano de 2002, iniciando em 2003 seu funcionamento
como anexo de outra escola que fica nas proximidades. A partir de 2004 obteve autorização
de funcionamento próprio.
Está situada em um terreno espaçoso e possui área construída com 22 salas de aula,
dependências de secretaria, 2 salas de supervisão, 1 sala para a direção, cozinha,
almoxarifado, cantina, uma quadra e quiosque cobertos, jardins, estacionamento, sala de
informática, três salas reservadas ao AEE, sendo duas para atendimento e uma para a
supervisora do projeto, sala de Atendimento às Dificuldades de Aprendizagem (ADA), 2
banheiros femininos e 2 masculinos, além de 2 banheiros de uso dos funcionários, uma
biblioteca e uma sala para os professores.
A escola oferecia dois turnos de aula: um matutino e outro vespertino. No turno
matutino, em 2008, apenas uma sala era dedicada ao ano do ensino fundamental de nove
anos, as outras salas deste período do dia eram reservadas às turmas do 3º ao 9º ano. No turno
10
Nome fictício para se referir à escola, nosso campo de estudo.
79
vespertino, havia um total de 7 salas do ano do ensino fundamental de nove anos; neste
turno havia uma maior disseminação das turmas do ao ano do ensino fundamental de
nove anos. O quadro de funcionários era composto pela diretora da escola, duas vice-
diretoras, uma no turno da manhã e outra no turno da tarde, 5 supervisores dos quais 2
atendem as turmas da manhã e 3 as turmas da tarde, o supervisor do AEE; um secretário e
cinco assistentes, que eram distribuídos por turno, na secretaria; um total de 24 Assistentes de
Serviços Gerais (ASGs), 80 professores, sendo que deste total, 22 eram contratados por
tempo determinado, além do vigia que trabalhava à noite e da inspetora escolar que fazia
visitas periódicas na escola.
O uso da biblioteca estava restrito a pesquisas esporádicas pelos alunos no período
extra-turno e por professores em seus módulos, pois estava em fase de catalogação das obras.
Na área externa da escola, havia um quiosque e uma quadra de esportes coberta e um
refeitório amplo.
Em agosto de 2007 houve a tentativa de realização da pesquisa no período matutino,
com um primeiro contato com a supervisora do Atendimento Educacional Especializado e a
aceitação da professora. No dia e horário marcados para iniciar a pesquisa na escola, a
recepção foi feita pela professora Ana
11
do AEE, que apresentou à pesquisadora as demais
professoras do AEE, uma psicomotricista e uma arte terapeuta, na ocasião foi pedido
informações sobre a pesquisa.
Ana disse da dificuldade de realizar trabalhos consistentes, pois a rotatividade de
profissionais na escola é grande, o que ela atribuiu em parte à distância que a escola fica do
centro da cidade. Segundo Ana ninguém quer vir trabalhar em um lugar tão longe. Na
primeira sala Ana disse que essa seria a “mina” e ao apresentar a pesquisadora disse que essa
faria um estágio na sala de aula.
O fato de a apresentação ter acontecido como um trabalho de estágio é um bom
exemplo do que explica Carvalho (2003, p.207):
(...) a escola é uma instituição hierarquizada, tratando-se de um campo
delicado para o posicionamento do pesquisador, merecendo especial
atenção quando as reações dos sujeitos à pesquisa e ao pesquisador passam
a ser objetos de reflexão, pensados como expressões de sua inserção social e
institucional, que envolvem relações de poder e subordinação, saber e não-
saber, e são perpassadas pelas relações de classe, gênero, etnia, geração, etc.
11
Ana – nome fictício para identificar a professora do AEE, que faz o atendimento extra-turno de nosso sujeito.
80
Em seguida na sala da diretora a apresentação se deu novamente como estagiária,
porém foi mencionado que se tratava de uma pesquisa referente ao Mestrado em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia. Logo após a conversa com a diretora da escola, fomos
encaminhadas para a sala da supervisora do turno da manhã. Durante a conversa a
supervisora disse que não era fácil comprometer-se com a inclusão de alunos deficientes, e
que os deficientes mentais não deveriam ser incluídos de jeito nenhum, pois, segundo ela,
eles desestabilizam a sala.
Esta visita à escola se referiu ao primeiro contato que ocorreu em agosto de 2007, a
pesquisa, porém não pôde ser realizada no referido ano por problemas de saúde da professora
em questão e pelo fato de a aluna deficiente mental que seria sujeito da pesquisa ter se
afastado das aulas para morar com uma tia.
Em fevereiro de 2008 voltamos à escola para dar continuidade ao estudo. O contato
foi com a supervisora do turno vespertino. Esta se mostrou receptiva à pesquisa, marcou
outro dia para que pudéssemos conversar com as professoras e informar-lhes sobre a
pesquisa além de verificarmos a disposição destas para participar da pesquisa, primeiro a
supervisora queria conversar com os professores e diante da aceitação deles faria o
encaminhamento da pesquisadora para a sala de aula.
Devido à receptividade que segundo a supervisora a pesquisa teria em todas as salas
de aula, seguimos à sala do AEE a fim de verificar quais eram as salas de ano do ensino
fundamental de nove anos em que havia crianças deficientes mentais. A partir de então houve
a disponibilidade de conversar com as professoras da sala regular desses alunos. Na sala de
Thiago, a professora Anita se mostrou receptiva e preocupada com o desenvolvimento dele.
Disse que havia feito um trabalho no ano anterior com crianças com dificuldade de
aprendizagem no ADA, em outra escola também do município, e que em outras escolas
havia atuado com deficientes mentais. Para a escolha dos sujeitos da pesquisa foi decisiva a
receptividade da professora à presença da pesquisadora na sala de aula e o fato de ela se dizer
aberta a aprender e modificar o que fosse preciso para ajudar Thiago.
3.3.2
- O Atendimento Educacional Especializado (AEE)
Em algumas situações pode ser que o aluno com deficiência, além de freqüentar a sala
de aula do ensino regular, também necessite de um atendimento educacional especializado. A
Constituição Federal garante esse atendimento que deve ser oferecido preferencialmente na
81
rede regular de ensino. É importante ressaltarmos que essa preferência estabelecida pela
Constituição Federal refere-se ao atendimento educacional especializado e não à educação da
pessoa com deficiência.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) não se constitui em um sistema
paralelo de ensino com níveis e etapas próprias. Com efeito, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996 define tal atendimento como uma modalidade educacional que
perpassa por todos os níveis escolares, desde a educação infantil ao ensino superior. Dessa
forma, o referido atendimento diferencia-se substancialmente da escolarização, devendo ser
oferecido em horário diverso para possibilitar que os alunos atendidos possam freqüentar as
turmas de ensino regular, pois esse trabalho não pode funcionar como substitutivo da
educação escolar.
Tal modalidade de atendimento deve ser entendida como um instrumento, um
complemento que deve sempre estar presente na educação básica e superior para os alunos
que dela necessitarem. O Atendimento Educacional Especializado presente em muitas
escolas públicas municipais de Uberlândia corresponde a uma proposta idealizada pelo MEC,
e implantada no município de Uberlândia primeiramente como Ensino Alternativo. A
Secretaria Municipal de Educação, no uso de suas atribuições ressignificou tal projeto para o
atendimento exclusivo de crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento,
altas habilidades/superdotação, deixando as dificuldades de aprendizagem a cargo de outro
projeto denominado ADA (Atendimento ao Desenvolvimento da Aprendizagem) também
presente nas escolas e com atendimento das crianças em período extra-turno. A Secretaria
Municipal de Educação utiliza o termo ‘Atendimento Educacional Especializado’, em
conformidade com a Constituição Federal que o utiliza como modalidade de ensino que tem
como objetivo atender às crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento,
altas habilidades/superdotação.
No Regimento da escola Bom Jardim, verificamos as deliberações do funcionamento
do AEE. No artigo 53 do regimento, a equipe pedagógica da escola é definida em
consonância com a Assessoria de Educação Especial e, de acordo com uma avaliação
sistêmica, deve, entre outras coisas: localizar e analisar as causas das dificuldades dos alunos
em todo o contexto de suas atividades educacionais, realizando um trabalho em equipe
assistindo o professor da classe comum nas práticas que são necessárias para promover a
inclusão dos alunos. Determina ainda, que os serviços educacionais de apoio oferecidos pelo
AEE na classe comum sejam realizados em turno escolar e em dias letivos conforme
82
calendário escolar. Para a identificação das deficiências dos alunos e a tomada de decisão
quanto ao atendimento necessário, o regulamento determina que a escola realize uma
avaliação pedagógica com o aluno no processo de ensino e aprendizagem, considerando que
esta avaliação focalize os aspectos relativos ao seu desenvolvimento e seja feita pelo
professor do ensino regular.
O espaço onde funciona, na escola, o Atendimento Educacional Especializado é uma
construção de três salas afastadas do corpo da escola. Em uma das salas funciona a
supervisão do atendimento, outra é para uso da arteterapia e psicomotricidade (onde atuam
profissionais com formação específica, especialistas) e a outra para os professores de PPLM,
termo usado pelo Atendimento Educacional Especializado para se referir ao Pensamento,
Percepção, Linguagem e Memória. Esses profissionais apresentam graduação em Pedagogia
e/ou Normal Superior, e pós-graduação Lato Sensu em Educação Especial/Inclusão Escolar e
áreas afins. A formação de Ana, professora que atende Thiago é a mesma formação da
professora Anita, regente do ensino regular. Notamos que as duas apresentam especialização
na área de Educação Especial, porém ressaltamos que o NADH oferece formação continuada
a todos os profissionais que atuam nas salas de atendimento educacional especializado.
Além do atendimento aos alunos com deficiência, o NADH (Núcleo de Apoio às
Diferenças Humanas) responsável pelo Atendimento Educacional Especializado apresenta
uma proposta de trabalho que deve abranger o atendimento e apoio aos familiares de alunos
com deficiência e ao professor da classe regular. Numa proposta legalmente instituída de um
trabalho colaborativo, ou conforme afirma Rodrigues (2008, p. 10), cooperativo.
O papel que desempenha o trabalho cooperativo nas comunidades de
professores é um dos desafios atuais. O professor tem a tendência para
considerar seus sucessos ou insucessos como feitos pessoais. O
planejamento, a programação, as estratégias, a gestão da sala de aula, a
avaliação, entre outros, são processos que cada professor tem por tradição
reservar para si. Ora, a crescente complexidade dos programas, a
heterogeneidade do comportamento dos alunos, das respostas institucionais
das novas áreas curriculares etc. implicam que a profissão docente não seja
desempenhada por professores sozinhos, mas por professores que trabalhem
cooperativamente com colegas, outros profissionais, famílias.
Ficou bem explícito na entrevista com a coordenadora de roteiro do NADH que é
responsabilidade do AEE verificar a necessidade que o aluno apresenta em sala de aula e
providenciar todos os recursos necessários para a aprendizagem e o desenvolvimento do
aluno, garantindo e facilitando sua inclusão escolar.
83
3.3.3 - Conhecendo Thiago
Thiago era um menino de 11 anos em uma sala de aula em que a faixa etária variava
entre 07 e 08 anos, magro, cabelos pretos e curtos, estatura média, semblante sempre
sorridente e observador.
Thiago teve paralisia cerebral, o que ocasionou tetraparesia e o deixou numa cadeira
de rodas; e segundo sua anamnese ele teve anóxia no nascimento. Acoplada à sua cadeira
estava uma prancha de madeira que funcionava como mesa para a realização de atividades;
segundo a professora Anita, Thiago chegara à escola com essa prancha que foi
confeccionada pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Thiago possuía
os movimentos dos membros superiores, com um pouco de rigidez nas mãos. O fato de estar
na cadeira de rodas o destacava entre os demais alunos. Demonstrando curiosidade, sempre
olhava ao redor observando o que os colegas faziam. Interagia com os colegas e por várias
vezes era o centro das atenções, gostava de ficar à frente da fila e dar voz de comando aos
colegas. Durante o intervalo das aulas, no recreio não interagia com os colegas, pois devido
aos movimentos rígidos das mãos, precisava da ajuda de algum funcionário da escola que o
levava ao recreio e lhe oferecia o lanche, ele comia devagar.
Falante, Thiago apresentava um vocabulário amplo, razoavelmente compreensível,
pois tinha dificuldade na dicção. Conseguia fazer inter-relações com fatos ocorridos em seu
dia-a-dia, não esquecia fatos que marcaram por algum motivo o seu dia. E, às vezes, passava
horas e até dias repetindo tais fatos. Questionava sempre a professora e os colegas. Por várias
vezes quando a professora lhe perguntava sobre algo ele respondia que ela sabia e emendava
questionando o porquê dela perguntar-lhe, se ela sabia a resposta. Como quando ela lhe
mostrou um desenho com a figura da personagem dos quadrinhos Mônica e lhe perguntou
quem era aquela personagem, Thiago lhe devolveu a pergunta “- Você sabe, por que está me
perguntando?”
Segundo informações obtidas junto às professoras do AEE, Thiago viera de uma
escola estadual, onde freqüentava a terceira série (4º ano do ensino fundamental de nove
anos). Segundo essas informações ele ficava lá, sentado, olhando. Ao chegar à escola Bom
Jardim, no segundo semestre de 2007, foi encaminhado para o ano do ensino fundamental
de nove anos após uma avaliação diagnóstica, uma prova elaborada pela própria escola, com
atividades de português e matemática, igual para todos os alunos do mesmo ano, que foi
aplicada pela supervisora e, neste caso a avaliação foi acompanhada por Ana.
84
O atendimento educacional especializado oferecido a Thiago era composto por um
professor de arte terapia, outro de psicomotricidade e Ana que realizava trabalhos, que de
acordo com os objetivos do AEE, visam favorecer o desenvolvimento do pensamento,
percepção, linguagem e memória (PPLM). Thiago, a princípio era atendido as terças e sextas-
feiras pela manhã, sendo às terças-feiras o atendimento com a arte terapeuta e psicomotricista
e às sextas-feiras com Ana. Os trabalhos com a arteterapeuta objetivam proporcionar
momentos de manuseio com os materiais expressivos, que agucem a criatividade e valorizem
suas potencialidades. a proposta de um trabalho direcionado aos pais e ou profissionais,
com o oferecimento de oficinas de arte com enfoque em temas como relacionamento
familiar, auto-estima, autoconhecimento. O trabalho da psicomotricista envolve pensamento
e ato motor. Busca-se construir com esse trabalho uma sintonia fina que coordena e organiza
as ações gerenciadas pelo cérebro e as manifesta em conhecimento e aprendizado.
Thiago demonstrava gostar de participar das aulas de informática que eram no turno
em que freqüentava o ensino regular sempre no segundo horário todas as quartas-feiras, com
Anita. Na sala de informática tinha um profissional especializado na área, que ajudava os
alunos e atendia aos professores regentes quanto à programas e atividades que estivessem
conectadas com o que eles estavam trabalhando em sala de aula. Segundo Anita, Thiago
nunca faltava nestas aulas, mas apresentava dificuldades em manusear o mouse, devido à
coordenação motora rígida. Ainda segundo Anita, os profissionais do AEE estavam
providenciando um mouse adaptado para ele, e todos os dias de aula do primeiro semestre
observamos Thiago dizendo a Anita que queria ir até a sala do AEE saber se o mouse estava
pronto.
Ana, professora do AEE confirma essa preferência de Thiago pelas aulas de
informática e menciona que na casa dele tem um computador, mas que o irmão usa e
Thiago fica do lado olhando. Sugerimos à professora Ana que providenciasse um mouse
adaptado e a resposta foi de que estavam esperando a mãe dele resolver se o levaria embora
para Brasília ou não. Fica o questionamento sobre o porquê dessa espera, por que não
providenciavam o mouse de uma vez. Até o término da pesquisa na escola o mouse não tinha
sido providenciado.
Em relação à dinâmica familiar, Thiago vivia com a mãe e, segundo Ana, ela sofria de
depressão e não atendia às necessidades de Thiago, ficando os cuidados com ele em segundo
plano. Ele tinha mais dois irmãos menores, e um padrasto que estava por um tempo em
Brasília passando por tratamento de saúde no Hospital Sarah Kubitscheck. Thiago fazia uso
85
de fraldas, às vezes a mãe esquecia-se de levar uma troca para a sala de aula e por várias
vezes, ele chegava à sala de aula molhado e sem troca. Algumas vezes em que trouxera
uma troca, presenciamos uma inadequação por parte da escola para que se efetivasse essa
troca, pois não havia local adequado e pessoal disposto a realizar tal serviço. Segundo a
professora Anita, uma auxiliar de serviços gerais, quando estava presente na escola, sempre o
trocava. O profissional do AEE, responsável por esta tarefa, por vezes, segundo Anita falava
que executaria tal tarefa depois do recreio, mas raramente aparecia. E Thiago ficava inquieto
falando que queria trocar a fralda.
Mas em algumas ocasiões observamos que Thiago chamava um colega dizendo: -
“Q
uero fazer xixi”! O que nos induz a pensar que ele tenha noção de seus esfíncteres e os
pudesse controlar, dispensando assim a fralda. Esse fato não foi percebido pelos professores.
Segundo Anita, ela percebia em seu trabalho com Thiago na sala de aula que ele não
memorizava as letras, as cores, os números e não apresentava noção de quantidade acima de
dois e não reconhecia as letras. Junto a esses fatores, a professora percebia a repetição do que
ela falava por Thiago; segundo ela
ele repete a última palavra que eu falo, se eu pergunto
alguma coisa afirmando ele afirma, se eu pergunto negando ele nega, e por vezes repete o
mesmo assunto ou frase a aula toda.”
3.3.4 - A professora de Thiago: Anita
Anita tinha 43 anos de idade, atuava como professora há 24 anos. Era uma professora
extrovertida, que conversava com todos, emitia com facilidade sua opinião sobre assuntos da
escola. Era casada, morava com seu marido e dois filhos jovens.
Anita possuía graduação em Normal Superior, com habilitação de pré à série.
Terminou em 2007 o curso de especialização (Lato Sensu) em Psicopedagogia: Inclusão e
Educação Especial.
A carreira do magistério foi pretendida, primeiro por vontade da mãe, e depois por
paixão” pelo que faz. Já atuou como docente nas primeiras séries do ensino fundamental (1ª
e séries). Estava nesta escola 2 anos. atuou com deficientes mentais, quando
trabalhou em escola particular, a criança foi colocada em sua sala e disse que não teve outra
opção.
86
Sobre as informações e conhecimentos a respeito da deficiência mental disse que
diante do que já estudou e vivenciou, o aluno deficiente mental tem grandes possibilidades de
aprendizagem, considerando as limitações de cada pessoa. Ao falar sobre Thiago era enfática
ao dizer que ele era muito esperto, assimilava o que vivia, possuía boa vivência de mundo,
mas tinha dificuldade de fixar o
aprendizado, segundo ela tinha dificuldade com a leitura e
escrita.
Quanto a sua turma, definiu-a como um belo laboratório, onde se tem prazo para
realizar o trabalho. Quando tinha um aluno diagnosticado como deficiente ela deixava de ser
cobrada pelo desenvolvimento dele, é como se o aluno diagnosticado deficiente mental não
tivesse potencial, então não tem muito que fazer e daí não precisar de cobrança. Observava
que poderia trabalhar ainda mais e de maneira diferente, mas ressaltava que o tempo é curto.
As dificuldades que encontrava na realização de seu trabalho são apontadas como
falta de material e principalmente de um/uma auxiliar. Ao se referir a alguma alteração
necessária em sua prática dizia que precisaria trazer material concreto para trabalhar em sala.
Avaliava seu trabalho em sala de aula como um trabalho bom, mas que lhe causava muita
ansiedade; ficava ansiosa para ver mais aprendizagem, mas afirmou que é um processo lento.
Quanto à sua formação, Anita afirmou que os cursos de formação e de especialização
forneceram informações que auxiliavam seu trabalho alfabetizador com deficientes mentais.
Questionada sobre tais informações definiu: postura, como agir e, principalmente, perceber
que as crianças com necessidades especiais são muito capazes e que não ficam sentadas num
cantinho. Elas produzem, desenvolvem-se dentro de suas limitações. Ao mesmo tempo em
que Anita acreditava no potencial de Thiago, ainda tentava estabelecer limites para seu
desenvolvimento, notamos que no desenvolver da pesquisa ela começou a perceber o quanto
é questionável atribuir limites para quem quer que seja.
Ao retratar seu dia-a-dia e sobre como lida com as diferenças entre as crianças Anita
dizia que procurava sempre trabalhar com Thiago tal como trabalha com os outros, usando o
mesmo material. Sempre procurando ficar de frente, trabalhando oralmente com ele as
atividades mimeografadas. Mas dizia sentir que ainda poderia fazer mais e buscar formas que
melhor se adaptassem ao trabalho com Thiago. Anita dizia a respeito de suas concepções
sobre o aluno com deficiência em sua sala de aula que “
o que tenho feito é acreditar que são
capazes e iguais aos outros; pelo menos é o que quero passar para eles.”
87
Ao descrever o aluno deficiente mental Anita dizia sobre suas possibilidades
são
ilimitados quanto ao conhecimento.” Anita demonstra vacilar em suas concepções, pois
havia anteriormente afirmado que esses alunos aprendem dentro de suas limitações; esse
vacilar de afirmações caracteriza uma abertura em suas concepções, uma vez que a incerteza
pode ser um sinal de que há crenças não cristalizadas. Anita em sua primeira entrevista disse
ainda que, trabalhava com as mesmas atividades dos outros alunos com Thiago e que sua
preocupação principal era com sua socialização.
A professora Anita recebeu a pesquisa e a presença da pesquisadora com atenção, se
colocando à disposição para o que estivesse ao seu alcance. Inicialmente, justificava com
freqüência suas atitudes. Parecia, no entanto que se sentia à vontade com nossa presença ali.
Com o passar do tempo suas justificativas foram diminuindo e a relação transcorreu com
mais naturalidade.
3.3.5 - A sala de aula da professora Anita
A sala inicialmente contava com 26 alunos, sendo 16 meninas e 10 meninos. No
espaço da sala de aula encontrava-se um armário de aço com portas e fechadura; tratava-se
de uma sala ampla, porém não era arejada; contava com quatro janelas do tipo basculante,
sem cortinas, com os raios solares penetrando na sala ocasionando reflexos no quadro e nas
carteiras dos alunos. Havia cartazes fixados nas paredes, que a professora colocava de acordo
com a família silábica estudada. Acima do quadro-negro havia o alfabeto ilustrado, com as
letras maiúsculas e minúsculas. A faixa etária dos alunos girava em torno de 07 a 08 anos,
com exceção de Thiago que estava com 11 anos.
No início da pesquisa, durante os primeiros dois meses, a turma ficava disposta em
seis grupos de quatro alunos. No grupo foi observado que Thiago sempre era colocado de
costas para a porta e conseqüentemente, para o quadro e para a professora que,
automaticamente, pela facilidade em locomover a cadeira de rodas em linha reta, o levava da
porta ao grupo diretamente. Anita também colocava os alunos em alguns momentos
enfileirados, justificando que gostava de mudar sempre a disposição da sala; e pelo fato de o
reflexo do sol atrapalhar aqueles que ficavam próximos às janelas de vidro, as fileiras
ficavam quase sempre próximas o máximo possível da porta. Durante os 3 meses seguintes
em que observamos sua sala as carteiras continuaram enfileiradas. Apenas havia mudanças
88
na mesa de Anita que oscilava entre perto das janelas ou da porta, dependendo da incidência
do sol.
3.3.6 Um dia típico de trabalho na sala de aula da professora Anita
Por volta das 12 horas e 50 minutos as crianças começam a chegar à escola, o início
das aulas é às 13 horas. Elas aguardam no portão pelo sinal. Logo que é dado o sinal, elas se
agrupam no pátio da escola onde os professores aguardam para formarem as filas de cada
sala de aula. Assim que são organizadas as filas, as crianças se dirigem à classe,
acompanhados pela professora.
Assim que entravam em sala, se acomodavam em suas carteiras, e seus lugares não
eram predefinidos, quem vai entrando por último senta atrás daqueles que já se acomodaram.
Nesse momento a professora segue o mesmo ritual. Ela pede aos alunos que coloquem os
cadernos de recado sobre as carteiras e avisa que vai entregar os cadernos de sala que estão
no seu armário. Alguns cadernos ficam guardados em seu armário porque segundo a
professora se os alunos os levassem para casa não os trariam de volta, e o restante da turma
coloca o caderno de sala sobre as carteiras. Os alunos usam somente o caderno de sala, não
observamos durante o período da pesquisa nenhum comentário sobre atividades para casa, ou
mesmo um caderno que fosse específico para esse fim. Em seguida, a professora conversava
com os alunos sobre assuntos do dia-a-dia das crianças, como passaram o final de semana, o
que eles fizeram no dia anterior, fatos ocorridos em casa ou na rua, datas comemorativas,
passeios, etc.
A professora iniciava as atividades do dia seguindo a mesma rotina, primeiro escrevia
o cabeçalho no quadro, contendo o nome da cidade, a data, o nome da escola, da professora,
o número total de alunos, o número de meninas, o número de meninos. Seguia com os alunos
na contagem dos alunos para completar no cabeçalho a quantidade de crianças naquele dia.
Em seguida, ela escrevia no quadro pequenos textos ou exercícios para serem copiados e
resolvidos no caderno de sala. Cópias do quadro de pequenos textos com ênfase em palavra-
chave, exercícios para formar palavras ou copiar tantas vezes algumas palavras
representavam as atividades de português realizadas na sala de Anita. A professora não
apresentava um horário elaborado, justificava que trabalhava mais o português por acreditar
que se os alunos aprendessem a ler sair-se-iam bem nas outras disciplinas.
89
As aulas de Educação Física, Artes, e Ciências eram ministradas por outros
professores, portanto essas aulas não foram observadas e não fazem parte deste estudo. Anita
era responsável por ministrar português, matemática, história e geografia. Durante a pesquisa
foram observadas as aulas de português e as estratégias de trabalho seguiam o mesmo
ritual, cópias no caderno e leituras do quadro, separação de sílabas, ditado, auto-ditado,
escrever nomes de figuras, formação de palavras, exercícios em folhas fotocopiadas são
raros, uma vez que segundo Anita a maioria destas atividades elaboradas por ela e enviadas
para xerocar ou mimeografar não retornavam às suas mãos, e a quantidade de folhas
disponíveis era insuficiente para a turma toda. Durante as observações constatamos que os
alunos não utilizavam livros didáticos e a biblioteca não fazia empréstimos para os alunos, o
único contato deles com a leitura eram as atividades no quadro e cartazes confeccionados
pela professora e afixados nas paredes da sala.
O recreio acontecia às 14h40 e tinha duração de quinze minutos. Nesse momento a
professora acompanhava os alunos em fila para o pátio, em direção ao refeitório, onde era
servido o lanche. A professora se dirigia à sala dos professores, onde o assunto era quase
sempre sobre a indisciplina de algum aluno ou sobre aquele aluno que não aprende.
Raramente eram feitos comentários positivos sobre os alunos ou estratégias que estivessem
dando certo em sala de aula.
Assim que voltavam do recreio, a professora pedia que os alunos abaixassem as
cabecinhas nas carteiras por alguns instantes, propunha alguns exercícios respiratórios para
tranqüilizar a agitação do recreio. Passados alguns minutinhos as atividades eram retomadas.
Todas as atividades eram realizadas individualmente. A professora acompanhava todas as
atividades propostas, seja olhando e corrigindo os exercícios, esclarecendo dúvidas ou
orientando a atividade.
As atividades de cópia propostas não eram realizadas por Thiago que por sua
dificuldade motora não conseguia copiar as atividades que eram escritas no quadro em letra
cursiva. Assim, Thiago ficava na sala somente observando atentamente o que os colegas
faziam e falavam, poucos eram os momentos em que Thiago realizava alguma atividade e
quando o fazia, deixava pela metade, logo se cansando devido ao grande esforço que
representava para ele copiar utilizando a letra cursiva. Nas atividades que Anita trabalhava
oralmente com Thiago ele demonstrava interesse inicialmente, mas logo se dispersava,
algumas vezes por lhe serem cansativas ou porque Anita tinha que sair de perto dele para ir à
mesa de algum outro colega ou mesmo continuar a corrigir ou a escrever no quadro as
90
atividades. Nos momentos finais da aula, Anita pedia aos alunos que lhe entregassem os
cadernos de sala para que ela guardar novamente no armário. Thiago era o primeiro a ir
embora, sua mãe costumava buscá-lo por volta das 17h. Assim que era dado o sinal, às
17h20, os alunos saíam em direção ao portão da escola, onde alguns pais os aguardavam para
irem para casa.
91
CAPÍTULO IV
A PRÁTICA EDUCATIVA NO PROCESSO DE INCLUSÃO
ESCOLAR DO DEFICIENTE MENTAL
Sempre existe a possibilidade de as pessoas se
transformarem, mudarem suas práticas de vida,
enxergarem de outros ângulos, sentirem-se capazes de
realizar o que tanto temiam, serem movidas por novas
paixões. Essa transformação move o mundo, modifica-o,
torna-o diferente, por que passamos a enxergá-lo e a vivê-lo
de outro modo, o que vai atingi-lo concretamente e mudá-
lo, ainda que aos poucos e parcialmente.
(Mantoan, 2003)
A epígrafe escolhida retrata bem os dados que a presente pesquisa traz como a
possibilidade de transformar, de enxergar outros ângulos, além da percepção da capacidade
de cada um e da importância de sentir-se capaz. Neste capítulo, serão apresentadas a análise e
a discussão dos dados obtidos com base nas entrevistas reflexivas com a professora a partir
dos registros de observação que correspondem às observações realizadas na sala de aula e
registradas em notas de campo no decorrer da investigação. Foram consideradas também as
conversas informais entre a pesquisadora, as professoras e as supervisoras que trabalham
com Thiago.
Para a construção da análise foram lidas por várias vezes as notas de campo, e
ouvidas, transcritas e lidas por diversas vezes as gravações das entrevistas com a professora
regente e a professora do AEE, buscando identificar os eixos temáticos que poderiam
conduzir as análises, de acordo com o que os dados apresentavam.
O conjunto de registros de observação da sala de aula do ensino regular e das
entrevistas reflexivas realizadas com Anita (regente do ensino regular) e uma entrevista
realizada com Ana (professora do AEE) e outra com uma das coordenadoras de roteiro do
NADH permitiu a organização de três eixos temáticos. Estes, de forma a facilitar as análises,
foram reorganizados em subdivisões interligadas. Os eixos temáticos e suas subdivisões
foram identificados mediante cuidadosa reflexão e leitura dos dados.
No primeiro eixo ‘Implementação da prática educativa’, serão discutidos os seguintes
aspectos vivenciados pela professora e por seus alunos no contexto da sala de aula: o
92
planejamento das aulas, a rotina das aulas, a estrutura disponível para realização do trabalho
educativo e a presença de Thiago.
O segundo eixo ‘O pensar e o fazer docente: implicações no processo de
desenvolvimento dos sujeitos’, refere-se às representações na prática educativa, no pensar e
no fazer da professora no decorrer das reflexões durante esse estudo investigativo por meio
das entrevistas reflexivas e das leituras das notas de campo. Nessas entrevistas ocorreram
situações de reflexão da professora a respeito de sua prática educativa, caracterizando sua
percepção sobre esta e sobre o aluno deficiente mental, bem como sobre a compreensão dos
avanços de Thiago. Este eixo apresenta as seguintes subdivisões que foram sendo construídas
no decorrer da pesquisa: ‘As concepções e expectativas de Anita, e sua disposição para fazer
a diferença’, buscando demonstrar que Anita apresenta desde o início da pesquisa uma
predisposição para refletir e identificar aspectos que podem contribuir para a melhoria de sua
prática educativa, Anita demonstra também uma predisposição para rever conceitos e analisar
constantemente suas expectativas. Outra subdivisão neste eixo foi ‘O trabalho educativo: um
ato coletivo ou solitário? foi construída a partir das reflexões de Anita no eixo anterior,
levando-a a requerer e questionar o apoio do Atendimento Educacional Especializado
disponível na escola. Outra subdivisão foi se delineando quando Anita ao perceber as
fragilidades do seu contexto se dispõe a realizar a diferença, mesmo que para isso contasse
apenas com seu esforço pessoal: ‘Quando o esforço pessoal nos move para além de onde nos
encontramos’.
Em meio às muitas reflexões, as subdivisões anteriores proporcionaram um
redescobrir, em que Anita foi se redescobrindo professora ao mesmo tempo em que
redescobria Thiago, fato evidenciado na subdivisão ‘Redescobrindo Thiago’.
Caminhando nessa perspectiva de reflexões contínuas da prática educativa através dos
registros de observação construímos um terceiro eixo ‘A prática educativa e o olhar sobre a
inclusão do aluno deficiente mental’ que representa em nesse estudo o ponto em que todos os
eixos e suas subdivisões anteriores se interligam e se definem como parte de um todo e os
desdobramentos do trabalho educativo se configuram interdependentes; levando a uma
percepção da prática educativa como parte de um todo muito maior. O trabalho de reflexão
sobre a prática educativa representa um diferencial uma vez que possibilita o repensar e o
perceber a prática e oportuniza implementar alterações e ponderações necessárias para que o
processo educativo seja de qualidade para todos os alunos e não somente para o aluno
deficiente mental.
93
Os eixos e suas subdivisões serão expostos e analisados em itens separados apenas
por uma questão de organização e análise dos dados, pois na escola, como na vida, os eixos
aparecem de maneira imbricada, sendo difícil separá-los.
Utilizamos o registro em itálico para a transcrição das falas dos sujeitos e, conforme
mencionado, atribuímos nomes fictícios tanto para as professoras quanto para o aluno
deficiente mental ou outra pessoa mencionada nas entrevistas reflexivas.
4.1– Implementação da prática educativa
Essa subdivisão trata da implementação da prática da professora, discutindo os
aspectos relacionados com o planejamento das aulas, a rotina das aulas, a estrutura disponível
para a realização do trabalho educativo e a presença de Thiago na sala. Os dados aqui se
referem à prática educativa e ao pensamento da professora sobre sua prática educativa, sobre
o aluno deficiente mental, sobre o conhecimento, sobre suas escolhas didáticas. Nesse
primeiro momento de análise inicia-se o processo de reflexão da professora e ficam bem
nítidos os reflexos de seu pensamento em sua prática educativa e em suas escolhas didáticas.
Fatos que no início da pesquisa são apenas relatos e verificações, ao longo do caminho se
transformam em reflexões e atitudes diferenciadas.
4.1.1 - O planejamento das aulas
Esta subdivisão refere-se ao modo como a professora planeja e implementa as
atividades que realizará com seus alunos em sala, considerando o conteúdo acadêmico que
precisa ser trabalhado. Tal conteúdo é definido pelo planejamento geral previsto para cada
etapa da escolarização. No início do ano letivo cada professora recebe de sua respectiva
supervisora uma cópia do planejamento anual, com uma relação de conteúdos acadêmicos
que deverão ser trabalhados com os alunos daquela série durante o ano letivo, pela professora
regente.
De acordo com Schneider (2002) a inclusão de alunos deficientes mentais requer que
os objetivos específicos da aprendizagem curricular sejam individualizados para se adequar
às necessidades, habilidades, interesses e capacidades singulares de cada um, enquanto que
os objetivos educacionais básicos para todos os alunos podem continuar os mesmos. Este
94
posicionamento da autora nos remete ao planejamento das aulas e sua importância quando se
trata de proporcionar ao aluno com deficiência mental o acesso ao conhecimento.
Apesar da obrigatoriedade de seguir a relação de conteúdos apontados por este
planejamento geral, Anita afirmava que tinha liberdade para desenvolvê-lo do modo que
julgasse mais conveniente, de acordo com o desenvolvimento de sua turma. A construção do
planejamento diário das aulas ficava a cargo da professora. Anita optava por elaborar um
planejamento único, que desenvolvia com todos os alunos da sala. Sobre o planejamento
único, não é algo considerado questionável nesse estudo, pois quando se trata de práticas
educativas de caráter inclusivo entendida não para o aluno deficiente, o planejamento não
precisa ser diferenciado, o que se deve alterar são as estratégias utilizadas pelo docente para
atingir os objetivos deste planejamento. Anita em seu planejamento dava ênfase à disciplina
de Língua Portuguesa, que trabalhava incansavelmente, pois, acreditava que
se eles
aprenderem a ler e escrever, vão se sair bem nas outras disciplinas’. Anita reconhecia que
seus alunos apresentavam importantes diferenças entre si, que estavam diretamente
relacionadas ao desempenho escolar, aos níveis de dificuldades de aprendizagem, à forma de
participação e envolvimento nas atividades propostas. Assim, segundo ela, buscava elaborar
um planejamento único
respeitando as diferenças entre os alunos, porém observamos a
princípio que as estratégias de ensino também eram as únicas, o que é questionável visto que
as características de aprendizagem são individuais, cada um aprende a seu modo e em seu
tempo. E apesar de reconhecer as diferenças entre seus alunos, Anita contava que não
recorria a nenhum tipo de atividade diferenciada ou adaptada, ou qualquer outro recurso extra
elaborado para atender aos alunos que apresentavam mais dificuldades.
Anita relatava que:
Às vezes, penso em fazer alguma coisa diferente, sinto a necessidade de
trabalhar com material concreto, sei que poderia trabalhar de modo
diferente, mas o tempo é curto (Entrevista 02, 24/03/08).
O material concreto relatado por Anita diz respeito a jogos, material dourado, enfim,
materiais que possam ser manipulados pelos alunos e que facilitem a compreensão e
aprendizagem dos conteúdos. Ela ainda reconhecia que não conseguia realizar atividades
especialmente planejadas para os alunos considerados por ela como
mais fracos’ ou para
Thiago. A respeito de Thiago, Anita dizia que:
95
Procuro sempre trabalhar com ele como trabalho com os outros, o mesmo
material, sempre fico de frente para ele, trabalho com ele as atividades
mimeografadas oralmente (Entrevista 01, 03/03/08).
De acordo com Vygotsky (2007), planejar a atividade é fundamental para se efetivar
relações de interação de modo a impulsionar o desenvolvimento da criança. Uma atividade
proposta nessa perspectiva assume a função de mediadora da construção do conhecimento,
sendo que a professora é quem significará o conhecimento que poderá ser apropriado pelo
aluno. O significado dado pela professora ao eleger um conteúdo e a demonstração de sua
relevância é que proporcionará a construção de sentido pessoal para o aluno (SCHNEIDER,
2002).
As atividades propostas por Anita eram transcritas no quadro por ela e copiadas pelos
alunos, pois as folhas disponíveis para Xerox eram insuficientes ou desviavam do destino, ou
seja, Anita entregava para a supervisora as atividades que gostaria que fossem xerocadas,
porém muitas delas sumiam e não se sabia o que ocorria, às vezes eram até trocadas com
outros professores de outros turnos.
Durante as observações notamos uma significativa freqüência de atividades de cópia
de palavras soltas, no sentido de que não apresentavam ligação com nenhuma atividade
anterior ou posterior, havendo grande ênfase na cópia mecânica. Não observamos no início
da pesquisa a consideração sobre os processos pelos quais as crianças aprendem como
fundamentação para o planejamento. O professor, de acordo com Vygotsky, deve ser capaz
de analisar e explorar recursos especiais e promover caminhos alternativos de modo a
possibilitar o desenvolvimento e o aprendizado de todos os alunos, e estes recursos especiais
e caminhos alternativos devem ser considerados na elaboração do planejamento das aulas.
A atividade a seguir (quadro 02) fez parte da aula do dia 02 de abril de 2008, copiada
no quadro e transcrita pela pesquisadora na nota de campo nº 12. Ressaltamos que no
exemplo demonstrado não foram sugeridas estratégias didáticas capazes de favorecer a
aquisição de sentido pelos alunos, a professora não estabeleceu nenhum diálogo que pudesse
inferir significado para esta atividade. Foi sugerido para a realização da atividade apenas a
cópia das palavras, uma atividade como esta permite uma amplitude de conexões como, por
exemplo, a importância de uma alimentação saudável, pesquisa oral sobre as frutas
conhecidas e saboreadas pelas crianças, comparações entre sabores, preferências, tudo isto
possibilitaria que as crianças encontrassem significado ao realizar a atividade.
96
QUADRO 2 – Atividade realizada pelos alunos em 02/04/08
Copie três vezes as palavras:
Caju –
Melancia-
Banana-
Laranja-
Cenoura-
Morango-
Fonte: cópia do quadro pela pesquisadora
A perspectiva de Vygotsky sobre o desenvolvimento e o aprendizado é contrária a
posturas educacionais que limitam o ensino a atividades repetitivas e sem significado. De
acordo com Schneider (2002), este tipo de atividade não ajuda a criança a superar suas
dificuldades e exclui toda atividade que exige pensamento abstrato por parte destas crianças.
O ensino nesse aspecto não estimula experiências e nem vivências que poderiam culminar
em novos conhecimentos.
Conforme Padilha (2004, p.94) afirma:
Algumas das tendências para a aprendizagem deixam as crianças expostas a
exercícios descontextualizados e pobres em conteúdo. Como conseqüência
de tal visão, outras marcas se fazem notar no ensino: infantilização das
propostas pedagógicas, ênfase nas atividades psicomotoras, objetivos pouco
claros com metas reduzidas.
A alta freqüência de atividades de cópia resultava na não participação de Thiago nas
tarefas, uma vez que ele não conseguia realizar os movimentos que a cópia da letra cursiva
exigia, perdendo assim motivação e fechando o caderno, ficando, portanto, ocioso e se
limitando a observar os colegas durante as atividades.
Em outro modelo de atividade apresentado a seguir podemos observar uma
preocupação com as sílabas, consideradas como eixo central do texto. Os alunos copiaram do
quadro o texto abaixo, depois de alguns minutos Anita pediu que fizessem uma leitura em
97
grupo. Ocorreu que enquanto alguns faziam a leitura, outros repetiam o que os colegas
falavam e outros ainda somente olhavam os colegas lendo. A atividade foi transcrita pela
pesquisadora na nota de campo nº 24, de 19/05/2008.
QUADRO 3 – Atividade realizada pelos alunos em 19/05/08
Leia e copie o texto:
DEDÉ E BICUDO.
Dudu deu o bicudo a Dedé.
Bicudo é uma ave.
Dedé dá comida ao bicudo.
Bicudo bicou o dedo de Dedé.
O dedo de Dedé doeu.
Fonte: cópia do quadro pela pesquisadora.
Após a cópia do texto, Anita passou entre as carteiras verificando o caderno dos
alunos. Depois escolheu alguns alunos e apontou aleatoriamente algumas palavras e pediu
que estes alunos lessem no quadro. Os alunos leram e, logo, Anita passou para a atividade
seguinte em que eles deveriam copiar três vezes cada palavra que ela colocou no quadro, tal
cópia serviu como atividade de fixação de algumas palavras do texto, cujas sílabas estão
acompanhadas das letras B e D: canudo, bola, Dedé, comida, bicudo, dedo.
Anita sempre fazia no início das aulas a leitura dos cartazes com as sílabas já
trabalhadas em aulas anteriores, acompanhadas de vogais; são estes os cartazes que
compunham o ambiente da sala. Todo o grupo seguiu lendo junto enquanto Anita com uma
régua apontava as sílabas. Tais atividades de leitura em grupo não pareciam provocar
interesse em Thiago, ele apenas ficava olhando os colegas lerem, observando a
movimentação deles e parecia não se interessar em ver o que estes tanto olhavam e falavam.
Podemos inferir que tal atividade não atingia Thiago assim como também não interessava a
seus pares, uma vez que muitos dos alunos ficavam olhando para outros lugares que não o
cartaz e repetindo os trechos que ouviam os colegas lerem. A participação da sala nestes
98
momentos era pequena, e observamos que alguns daqueles alunos que liam os cartazes, o
faziam mecanicamente, pois o cartaz não sugeria significados, pois simplesmente
apresentava as famílias silábicas sem que propiciasse um sentido para seus leitores.
Um exemplo de um dos cartazes afixados na parede da sala e que os alunos liam
todos os dias:
QUADRO 4 – Cartaz afixado na parede lateral esquerda da sala de aula da professora Anita
M – MA – ME - MI – MO – MU - MÃO
F – FA – FE – FI – FO – FU
B – BA – BE – BI – BO – BU – BÃO
D – DA – DE – DI – DO – DU
J – JA – JE – JI- JO- JU- JÃO
L – LA – LE – LI – LO – LU – LÃO
P – PA – PE – PI – PO – PU –PÃO
R – RA – RE – RI –RO – RU
Outro tipo de cartaz existente na sala de aula é o de numerais com desenhos
exemplificando a quantidade que cada numeral representa; os números são apontados com a
régua, assim como as palavras que representam os números e os alunos lêem juntos e depois
contam os desenhos de cada cartaz exposto para verificarem se a quantidade está correta.
Esse tipo de ação diária faz com que os alunos decorem o conteúdo de cada cartaz. Cagliari
(2001, p.145), em seus estudos, propõe que se aproveitem nas escolas a grande capacidade
que as crianças têm de decorar, colocando como preconceito o fato de se pensar que não se
deve dar atividades para o aluno decorar e ainda afirma que “não há ciência sem decorar, não
se aprende sem decorar, depois de se ter entendido, entender o que significam os nomes das
letras é o segredo da decifração do sistema de escrita.” O que percebemos nestes casos é que
alguns alunos ainda não compreenderam o significado das letras, seguindo apenas decorando,
repetindo o que os colegas vão dizendo, por vezes nem olhando para os cartazes.
A partir da leitura dos cartazes a aula segue seu curso. Observamos que Anita não
utilizava cartilhas ou livros didáticos e/ou literários com seus alunos. Outra observação
99
importante é que Anita utilizou letra de forma
12
apenas no início do ano, logo levando seus
alunos a escreverem com letra cursiva
13
. O que contraria o posicionamento de Cagliari
(2001) que afirma que nas classes de alfabetização é necessário o uso da letra de imprensa
maiúscula, pois de acordo com o autor estas letras apresentam uma forma gráfica mais clara e
distinta o que facilita sua identificação e grafia. Cagliari (2001, p.141), ainda ressalta que
‘ensinar a ler usando letras cursivas é uma maldade muito grande para com as crianças; na
escrita cursiva é mais difícil saber onde acabam ou começam os traçados das letras’, além de
em muitos casos levar o aluno a se confundir, pois o uso da letra cursiva deforma certas letras
quando agrupadas, dificultando a identificação dos elementos gráficos que constituem as
palavras.
No caso específico de Thiago, a dificuldade motora que ele apresenta torna muito
difícil o traçado da letra cursiva, prejudicando também sua visualização das letras e palavras,
uma vez que ele ainda não conhece as letras. De acordo com Cagliari (2001, p.141) “as letras
cursivas devem ser usadas apenas para quem já sabe ler e escrever”; o autor afirma que “letra
cursiva é ponto de chegada e não ponto de partida.”
4.1.2 - A rotina das aulas
Havia uma situação ritualística vivenciada em sala de aula, pois na discussão das
atividades propostas os hábitos apontavam para um ambiente apático, sem dinamismo, desde
tarefas mais simples como a cópia do cabeçalho até a cópia de textos. Os alunos entravam na
sala em fila, sentavam-se, alguns pegavam o material na mochila; outros tinham seu material
guardado pela professora no armário e estes lhes eram entregues no início da aula. Anita
seguia conversando com alguns perguntando sobre o dia anterior, sobre o final de semana,
sobre fatos da vida deles. Os alunos e a professora cumprimentavam-se, a professora se
dirigia ao quadro e ali escrevia o cabeçalho. Os alunos copiavam o cabeçalho contendo o
nome da escola, o nome da cidade, a data com dia, mês e ano, o nome da professora e o
quantitativo de meninos separado do quantitativo de meninas seguido pelo total de alunos.
A seqüência das atividades se repetiu em todos os dias observados. Os alunos
contavam o quantitativo de meninos e meninas no dia, depois faziam a contagem do total de
12
Termo utilizado por Cagliari (2001) e por muitos professores do ensino fundamental, referindo-se às letras do
tipo bastão ou imprensa utilizadas no processo de alfabetização.
13
Cursivo é o nome que se a qualquer estilo de escrita à mão, projetado para a confecção de letras, onde as
mesmas são ligadas umas às outras, o que pode fazer da mesma palavra um único traço.
100
alunos, ouviam as explicações da atividade seguinte, faziam os exercícios e conversavam
com os colegas próximos, a professora passava entre as carteiras olhando os cadernos e
resolvia as atividades no quadro. Ao mesmo tempo alguns alunos nem abriam os cadernos, a
maioria não tinha o material organizado, não traziam lápis, não tinham lápis de cor, alguns
cadernos estavam rasgados e sujos. Durante todo o período de observação esta rotina se
repetia. No cabeçalho ainda havia o espaço para o aluno escrever seu nome; aqueles alunos
que não sabiam escrever o nome deixavam o espaço em branco. Observamos que nessas
situações não era dado estímulo para que as crianças completassem o que estava faltando.
Em seguida ao cabeçalho era proposta uma atividade de cópia. A professora explicava a
atividade para todos os alunos, dava um tempo para que eles a realizassem sozinhos, e
enquanto isso percorria as carteiras olhando os cadernos, logo depois se dirigia ao quadro
para que os alunos pudessem ler em coro o que estava escrito. Schneider (2002, p.115)
demonstra que ‘ao limitar-se a uma atividade mecânica, a cultura socialmente produzida fica
quase que inacessível a esses alunos, isto é, não há oportunidade para a apropriação de
conceitos. ’
Uma questão importante é o fato de se ter na sala de aula as letras do alfabeto coladas
acima do quadro. As letras apareciam escritas de várias formas e tamanhos e com um
desenho cujo nome da figura começava com a respectiva letra. De acordo com alguns autores
(KRAMER 2002; CAGLIARI 2001) apresentar o alfabeto é uma das coisas mais importantes
para quem pretende alfabetizar seus alunos, é preciso que os alunos conheçam esse conjunto,
pois escrevem usando as letras. A professora Anita explorava em suas aulas as letras do
alfabeto sempre mostrando nos cartazes os diferentes tipos de grafia das letras, porém sempre
reforçando o uso da letra cursiva.
Na prática educativa de Anita grande importância era dada às sílabas para ensinar os
alunos a escrever e ler as palavras; atividades como juntar sílabas para formar palavras,
formar palavras utilizando diferentes sílabas, separar sílabas e textos cujo eixo central eram
as sílabas como no caso da seguinte atividade (quadro 05), realizada no dia 04 de junho de
2008, escrita no quadro pela professora Anita, transcrita pela pesquisadora na nota de campo
nº 28:
101
QUADRO 5 – Atividades realizadas pelos alunos em 04/06/08:
Leia e copie o texto:
Vovó Ana faz farofa.
Farofa de banana.
Fábio come tudo, tudo.
E canta: comprei um quilo de farinha, prá fazer farofa, fá, fá.
Fonte: cópia do quadro pela pesquisadora.
Após a leitura em grupo com os alunos, Anita selecionou algumas palavras e pediu
que alguns alunos lessem. Depois ela deixou um tempo disponível para que os alunos
copiassem o texto do quadro. Anita passou entre as carteiras para olhar os cadernos dos
alunos, e logo que terminou de olhar os cadernos se dirigiu ao quadro para dar
prosseguimento às atividades seguintes (quadro 06), escrevendo no quadro as sílabas abaixo
para que os alunos copiassem e formassem palavras, a atividade foi transcrita pela
pesquisadora na nota de campo nº 28, de 04 de junho de 2008:
QUADRO 6 – Atividades realizadas pelos alunos em 04/06/08:
Forme frases juntando a sílaba FA:
_______la,
_______tia,
_____rofa,
_____mosa,
______vela,
_______ca,
Fonte: cópia do quadro pela pesquisadora.
102
Esse tipo de atividade com sílaba merece um planejamento mais criterioso, numa
estratégia que permita a identificação e o reconhecimento das palavras, não se reduzindo à
cópia mecanizada de sílabas não despertando o interesse no aluno em ler e reconhecer a
palavra inteira, estratégias que proponham significado às atividades são essenciais no
processo de alfabetização, e neste tipo de atividade, segundo Cagliari (2001, p. 140):
É preciso saber cortar as unidades de fala que vão ser representadas na
escrita: as palavras e os segmentos consonantais e vocálicos, deixando de
lado as sílabas, uma vez que estas não têm vez em nosso sistema de escrita.
A segmentação da escrita é feita através de espaços em branco.
Na leitura de textos observamos uma preocupação de Anita para que o grupo pudesse
ler junto. Isso acabava por colaborar para que alguns repetissem o que o outro lia e nem
sequer olhassem para o texto. Nessas atividades de leitura e escrita Thiago não participava;
ou porque não sabia ler ou porque não conseguia escrever, mas no início das observações não
parecia ser motivo de preocupação para Anita, pois de acordo com seus relatos, a
socialização de Thiago com os colegas estava acontecendo.
As atividades de cópia de palavras soltas que acontece de forma freqüente, a leitura
em grupo de textos muito simples sem conteúdo interpretativo e centrados em palavras-
chave, feita somente com os alunos seguindo a professora no quadro, não havendo a leitura
do texto escrito no caderno da criança; essas atividades acompanhadas de separação de
sílabas ou ajuntamento destas para formar palavras, ajudam a montar o cenário apático e
desestimulante das aulas, mostrando uma rotina que se repete sistematicamente dificultando
o desenvolvimento dos alunos, pois restringe o envolvimento desses nas aulas.
Não observamos nas atividades propostas ou mesmo na prática educativa de Anita
uma preocupação em mostrar aos alunos o significado social da leitura e da escrita, ou
mesmo em enfatizar a importância destas de forma a promovê-las entre seus alunos.
Observamos uma grande ênfase na silabação como meio de decodificação e fixação
de leitura das palavras, o que a nosso ver restringiu o uso da leitura e escrita pelos alunos. A
cópia, os exercícios, a correspondência letra-fonema e a gramática não são atividades
mecânicas em si mesmas; fazem parte do ensino e são importantes à aprendizagem, desde
que partam de situações em que a leitura e a escrita se apresentem contextualizadas e
significativas.
103
É preciso, porém ressaltar uma preocupação de Anita em esclarecer aos alunos que a
nossa fala nem sempre está evidenciada na escrita de determinadas palavras, como quando
explica aos alunos sobre a forma convencional de escrita:
a forma como vocês escreveram
está correta, não precisa apagar, precisamos corrigir algumas, pois temos que escrever
de modo convencional, que é a forma com que todos lêem e escrevem, eu disse isso aqui
muitas vezes. ’ (Nota de Campo nº 25, de 26/ 05/ 2008).
Podemos observar nessas atitudes que Anita procura não enfatizar o erro,
demonstrando preocupação com que os alunos compreendessem a forma convencional de
escrita utilizada por todos, ainda que não deixe claro que a escrita e o uso convencional desta
é necessário devido à sua função social, como defende Cagliari (2001, p. 143) “o valor
funcional das letras é determinado pela ortografia.”
o uso de diferentes grafias pelos alunos representa na fala de Miranda (2005, p.54)
“uma organização lógica e esforço de compreensão” o que não é considerado pela escola,
uma vez que esta avalia como correta a palavra escrita com uma ortografia convencional. A
autora ainda afirma que “ninguém aprende a escrever sem ter ‘erros’ de ortografia e que para
escrever alfabeticamente as crianças cometem faltas ortográficas.” (MIRANDA, 2005, p. 54)
Devemos considerar que as letras são abstratas e não concretas como sugerem
algumas atividades que dão ênfase nas sílabas e palavras separadas de um contexto ou
mesmo textos pobres em conteúdo, dificultando ainda mais a compreensão do aluno sobre o
uso funcional da leitura e escrita.
4.1.3 – Estrutura disponível para realização do trabalho educativo
Algumas peculiaridades foram observadas também na estrutura física da escola e na
disponibilidade e organização social do ambiente, aspectos que chegam a dificultar o
trabalho da professora. Dessas peculiaridades se sobressaem algumas, dentre as quais o fato
de que o armário da professora era constantemente arrombado nos finais de semana e seus
materiais e/ou materiais dos alunos eram roubados e a ausência de chaves nas portas das
salas. As chaves haviam sumido e outras não foram providenciadas sob o argumento da
direção da escola de que ‘
não adianta trancar, isso não segura ladrão’ (nota de campo nº 30,
11/06/08).
104
Nas entrevistas reflexivas parece claro o descontentamento da professora Anita com a
falta de uma estrutura que a auxilie em sua prática educativa:
Falta material, não tenho folhas para rodar as matrizes, peço e o que
mandam é insuficiente, minha cota para xérox sempre acaba sem eu ter
terminado de usar, somem (Entrevista 06, 02/06/08).
As salas não têm chaves, todo fim de semana meu armário é revirado por
pessoas que entram aqui, reviram e roubam algumas coisas, livros,
materiais dos alunos, até meu caderno de plano foi roubado (Entrevista 05,
19/05/08).
Durante o período na escola, muitos foram os professores contratados e outros tantos
que abandonavam seus postos sem justificativa, deixando os alunos em prejuízo, sem
professores regentes ou especialistas. Estes alunos eram divididos e espalhados por outras
salas, o que tumultuava e comprometia o planejamento e rendimento desses, e dos outros
alunos das salas que os recebiam. As atividades que a professora fazia em matrizes para
serem mimeografadas na escola, por várias vezes sumiam. Quando a professora precisava de
folhas sulfite para elaborar atividades com os alunos, o número disponível era insuficiente
para atender a todos. Na escola contavam com uma máquina de Xerox e cada professor tinha
uma cota de cópias preestabelecida pela direção da escola, e por várias vezes Anita reclamou
de que
‘as atividades que elaboro e peço para xerocar somem, ninguém sabe cadê’.
Anita ainda relata:
Não tem condição de trabalhar, estou desmotivada, vontade de fazer
como esses professores fazem: largar tudo e ir embora, só não faço isso por
causa dos alunos, fico com pena de deixá-los. Eu deixo atividade para
xerocar, some tudo. Peço na supervisão folhas para fazer atividades com
eles, me mandam uma quantidade que não para todos, ficam regulando.
Encapei o caderno do Thiago, elaborei algumas atividades diferenciadas
para ele, e roubaram o caderno, roubaram os adaptadores de lápis dele
(Entrevista 05, 19/05/08).
De acordo com Góes (2002), o bom andamento da inclusão escolar depende, em
grande parte, da disposição individual dos educadores e de alguma circunstância local
favorável quer seja recursos humanos e materiais suficientes ou projetos pedagógicos
inovadores da escola como um todo.
Realmente as observações comprovaram as falas de Anita, pois, durante a pesquisa
alguns alunos de outras salas eram colocados na sala de Anita pela falta de professores em
105
outras salas, assim dividiam-se o número de alunos e os colocavam nas salas que tinham
professor, o que comprometia o andamento da sala e o planejamento de Anita. Uma parte do
material que o AEE enviou para Anita a pedido da mesma, como o caderno de Thiago, sumiu
de seu armário, além de seu caderno de planejamento. A sala de aula ficava localizada bem
ao fundo do terreno da escola, ao lado de uma área institucional e sua sala não tinha chaves,
condições que favoreciam a ação de infratores.
4.1.4 – A presença de Thiago
São vários os aspectos relacionados ao fenômeno da presença de Thiago na sala de
aula de Anita. Segundo as observações realizadas predomina na sala de aula a interação
espontânea entre os alunos, constituindo-se em momentos de conversas rápidas e/ou
empréstimos de materiais, bem como brincadeiras como toque de mãos e manipulação de
objetos. Observamos algumas vezes que alguns alunos se prontificavam a ajudar Thiago na
realização das atividades propostas. Essa ajuda passava despercebida pela professora.
A aluna Joana pega o caderno de Thiago e começa a lhe explicar a atividade
e a fazer questionamentos, mostra uma figura de boneca e pergunta a
Thiago que figura é aquela, Thiago responde que é uma boneca. Joana diz a
ele que vai ajudá-lo a colorir a boneca, e pergunta de que cor ele quer que
ela pinte o chapéu da boneca, Thiago diz que quer a cor azul, Joana pega o
lápis azul e colore o chapéu da boneca (Nota de Campo 04, 05/03/08).
A ajuda dos colegas auxiliava muito Thiago na realização de atividades psicomotoras,
pois ele possuía um enrijecimento das mãos, o que dificultava sua coordenação motora fina,
tornando difícil para ele colorir pequenas áreas e copiar palavras usando a letra cursiva. Ao
considerarmos o desenvolvimento como mediado socialmente, podemos perceber as
implicações imediatas da zona de desenvolvimento próximo, concepção de Vygotsky, no
desenvolvimento de Thiago, uma vez que a mediação feita pelos colegas se fosse bem
estimulada e orientada, seria muito produtiva para todos os envolvidos no processo de
desenvolvimento e aprendizagem. Segundo a abordagem histórico-cultural, o sujeito não é
apenas ativo, mas interativo, porque articula conhecimentos e se constitui a partir de relações
inter e intrapessoais, é, portanto através das mediações estabelecidas com outros sujeitos que
se internalizam conhecimentos, papéis e funções sociais. Trata-se de um processo que
106
caminha do plano social das relações interpessoais, para o plano individual, das relações
intrapessoais.
Anita no início da pesquisa ainda não conseguia perceber que as atividades
psicomotoras e o uso da letra cursiva dificultavam a efetiva participação de Thiago, o que
acabava por desmotivá-lo, pois desistia de realizar a tarefa, fechando o caderno. E como as
atividades não aconteciam em grupo ou mesmo não se oportunizava situações de interação
entre os alunos, Thiago ficava sem fazer as atividades e sem participar das aulas, tal
procedimento restringia o acesso de Thiago ao conhecimento, como explicita a transcrição da
nota de campo abaixo:
Thiago parece alheio às atividades que são orientadas para ele colorir. Não
termina as atividades propostas e em pouco tempo de aula fecha o caderno e
diz que não quer fazer mais nada (Nota de Campo 05, 10/03/08).
As atividades propostas e apresentadas para os alunos davam indícios de que Anita
não elaborava as atividades pensando em Thiago na sala de aula, pois, havia o excesso de
cópias e tarefas que requeriam uma coordenação motora fina bem desenvolvida e que eram
de difícil execução para Thiago, assim como a falta de significado destas atividades tanto
para Thiago quanto para os demais alunos. Consideramos também o fato de Anita não
parecer incomodada com o fato de Thiago fechar o caderno e não realizar as atividades. As
atividades propostas e a dinâmica da sala de aula conduzem as análises aos estudos de
Vygotsky que considera o fato de que por intermédio de momentos de interação e mediação,
além de se favorecer a comunicação, algo mais é produzido: o conhecimento.
A necessidade de perceber as concepções da professora que fundamentaram suas
escolhas didáticas levou a pesquisadora a questionar Anita sobre sua experiência com Thiago
em sala de aula, e ela então faz um relato que evidencia como foram os primeiros contatos
com Thiago:
No início, quando Thiago chegava na sala eu pensava o que vou fazer?
Depois fui me acostumando a tê-lo na sala, não me incomoda mais
(Entrevista 03, 14/04/08).
Em relação ao desenvolvimento e aprendizagem de Thiago, Anita inicialmente
demonstrava preocupação somente com sua socialização, que ela entendia como o fato de
107
integrar o aluno no grupo. De acordo com Dechichi (2001, p.57), os propósitos da inserção
desses alunos no sistema regular, ‘devem ir além dos aspectos físicos e sociais, garantindo a
ênfase dos aspectos relativos ao desenvolvimento acadêmico, pois, assim, o processo de
autonomia poderá ocorrer por completo’.
Quando Anita relata estar preocupada com a socialização de Thiago, fica
compreensível o fato de a não participação de Thiago nas aulas e nas atividades não
incomodar Anita. Segundo a abordagem histórico-cultural, a escola deveria exercer o papel
de principal mediadora, para que o indivíduo se aproprie de conteúdos sistematizados de sua
cultura, que lhe permitam refletir sobre o significado do mundo, do grupo social e de si
mesmo. Portanto, a escola não é importante apenas para a socialização da pessoa com
deficiência, mas também para sua constituição como sujeito, por seu contato com as
experiências que a escola oferece, ou deveria oferecer, a importância da escola reside na
socialização e democratização do conhecimento.
O relato de Anita demonstra sua preocupação com a socialização de Thiago:
Preocupo-me com a socialização dele, penso que é importante esse contato
dele com os outros alunos, até mesmo para os outros alunos é muito
importante, e eles são carinhosos, cuidadosos com Thiago (Entrevista 03,
14/04/08).
A simples inserção do aluno na escola regular não garante sua inclusão, entendida
aqui como participação efetiva no seu processo de ensino e aprendizagem. De acordo com
Góes (2002), os indicadores de êxito no processo de inclusão são ainda muito restritos: “há
professores que valorizam alguns ganhos do aluno em ‘sociabilidade’ e subestimam o fato de
que ele está aprendendo quase nada em termos de conhecimentos sistematizados previstos no
plano curricular (p.109-110).”
Thiago não apresentava as tarefas coladas no caderno, seu caderno era todo rasgado,
amassado; observamos no início da pesquisa que ele não fazia questão de ter o caderno
consigo, e Anita justificava
as tarefas vão coladas para casa e as folhas são arrancadas, e
as tarefas não voltam’. Observamos também que seus materiais escolares não eram bem
cuidados, seu caderno não tinha capa, seu estojo não tinha lápis de cor. Essas observações
demonstraram que a oportunidade de se estabelecer na escola a relação de Thiago com o
108
saber estava em segundo plano, visto que tais fatos não tinham efeito preocupante e nem
eram objeto de inquietação no professor.
Observamos inicialmente que não haviam momentos de interação entre Anita e
Thiago, o que se observava eram pedidos de Anita para que Thiago realizasse as atividades
propostas, diante do que ele ensaiava começar, mas logo desistia e fechava o caderno,
ficando o restante da aula sem fazer nada, observando os colegas e conversando com
alguns mais próximos. Anita sempre perguntava a Thiago se ele não ia fazer mais nada, ao
que ele respondia que não, e ela não insistia, deixava como ele queria. De acordo com a
abordagem vygotskyana, o professor deve conhecer a realidade social, cognitiva e afetiva dos
alunos, para que possa propor estratégias de ensino que os motive e desafie. Anita e Thiago
estavam deixando de vivenciar momentos importantes de mediação que poderiam levar
Thiago a um maior envolvimento com as atividades propostas e auxiliar Anita no
planejamento de sua prática, pois a mediação possibilita ao professor ajudar os alunos a
construírem significados, e a compartilharem o conhecimento socialmente elaborado,
contextualizando os conteúdos escolares.
Quando a professora lhe perguntava algo sobre alguma atividade, a resposta vem
logo: ‘-você sabe, então porque está me perguntando?’ Como quando em uma aula de
informática, Anita colocou na tela do computador a figura da personagem Mônica para
Thiago colorir e lhe perguntou quem era o personagem e Thiago sorrindo respondeu: ‘-você
sabe, porque está me perguntando
? As falas de Thiago demonstravam que o fato de ele ser
uma criança com deficiência mental não faz dele uma pessoa que não possua conhecimento
de mundo e que não tenha a capacidade de desenvolver o pensamento crítico. O que
corrobora a premissa de que a deficiência mental representa uma condição limitadora e que
uma baixa qualidade na formação escolar multiplica essa condição.
Segundo a abordagem de Vygotsky, a aprendizagem antecede a vida escolar e através
de diversas interações a criança se desenvolve aprendendo sobre as coisas e o mundo em que
vive. A criança, antes de seu ingresso no mundo letrado possui uma concepção de mundo,
de escola e uma percepção das situações e circunstâncias que a rodeiam.
Nas situações de interação entre Thiago e seus pares, eles estão sempre interagindo
quer seja para conversar ou para repetir as ordens dadas pela professora. Observamos
algumas atividades que foram realizadas em grupos pequenos ou maiores. O trabalho em
grupo é um importante aspecto do desenvolvimento do trabalho educativo em sala de aula e é
reconhecido por Vygotsky como capaz de favorecer a segurança e a socialização por sua
109
dinâmica e as experiências que propicia. O autor evidencia que no processo de troca com o
outro é internalizada a linguagem e essa linguagem vai constituindo o sujeito e organizando a
consciência, num processo ativo e criador, em que professores e alunos interpretam-se,
atribuindo sentidos às suas ações de modo que a mediação se num contexto de busca por
significados compartilhados. Aprendizagem e linguagem nesta perspectiva são
indissociáveis.
Anita se referia ao trabalho em grupo como o momento quando os alunos estão em
grupos de quatro ou cinco sujeitos realizando a mesma atividade. Ela relatou que sempre
mudava a posição dos alunos em sala e que às vezes os colocava em grupos, ressaltando que
gostava de realizar trabalhos desse tipo, pois a organização e disciplina da sala ficam
melhores.
Ao planejar o trabalho em grupo Anita se baseava em dois aspectos: agrupar os
alunos para estimular a maior interação possível entre eles, considerando o objetivo principal
do trabalho em grupo, e organizá-los de modo a colocar um colega colaborando com o outro.
A colocação de Anita pode ser confirmada em uma de nossas entrevistas, quando ela fala a
respeito dos alunos trabalharem em grupo:
penso num trabalho em grupo como uma forma
de os mais fortes ajudarem os mais fracos, e eles gostam’ (Entrevista 02, 24/03/08). Anita
neste momento não se posiciona sobre a riqueza do trabalho em grupo para o
desenvolvimento e aprendizado de seus alunos, pois na interação com o outro, são
produzidas novas relações com o ambiente, com o conhecimento e uma nova organização do
próprio comportamento. A construção do conhecimento acontece, de acordo com Vygotsky
(2007), através da interação mediada por várias relações estabelecidas com o meio e o
desenvolvimento do indivíduo é resultado desse processo sócio-histórico em que a linguagem
tem papel fundamental.
Um fato importante relatado por Anita em uma das primeiras entrevistas reflexivas foi
sua surpresa ao constatar através do registro de observação feito pela pesquisadora que nos
trabalhos em grupo, Thiago sempre ficava de costas para ela e para o quadro, assim, ele não
conseguia ver as explicações que ela dava sobre as atividades propostas para o grupo.
Thiago no grupo fica numa posição de costas para a porta, para a professora
e para o quadro. Ele se vira com dificuldade tentando ver a letra E que a
professora mostra no quadro, depois olha para sua ficha e percebe nela a
letra E, apontando com o dedo, mesmo com dificuldade (Nota de Campo
07, 17/03/08).
110
Nossa! Eu não percebi que Thiago ficava de costas, interessante como as
coisas passam despercebidas pelo professor. Li as observações em casa
e fiquei pensando: coitado, eu não vi, e ele nem reclamou. É muito
interessante, penso que vou aprender muito com essa pesquisa, até
comentei com a supervisora, pois fiquei realmente surpresa (Entrevista 02,
24/03/08).
Percebemos neste primeiro momento que, a pesquisa deveria seguir rumo a uma
mudança de estratégias na sala de aula, pois unicamente a observação das aulas de Anita
permitiria a permanência de fatos como este, e não ocasionaria mudança alguma. Podemos
observar que Anita se angustia quando ela própria leva o fato ao conhecimento da
supervisora e se mostra bastante surpresa por não ter se dado conta que Thiago ficava de
costas e não conseguia vê-la à frente da turma. Anita percebeu com isso que Thiago estava na
verdade sendo excluído de todo o processo que acontecia em sala, e até mesmo sua
preocupação de socialização estava levando-o a uma exclusão de contato visual com os
colegas e com as aulas. Anita percebeu que a rotina de suas aulas não lhe permitia uma
visualização do que estava realmente acontecendo com seus alunos e a ansiedade por cumprir
um programa e por obter resultados estava lhe impossibilitando a perceber seus alunos,
perceber Thiago.
Os trabalhos em grupo da sala de Anita duraram pouco mais de um mês e segundo
ela, a opção por colocar as carteiras enfileiradas, deveu-se ao fato de que gosta de estar
sempre modificando a disposição da sala. Porém, a sala de aula permaneceu a maior parte do
tempo da pesquisa (3 meses e meio) com as carteiras enfileiradas, o que aproximava os
alunos e facilitava a conversa e os contatos entre eles, porém tais conversas e contatos se
resumiam a brincadeiras e empréstimos de materiais.
O ideal para se privilegiar as interações seria organizar as aulas de forma que
ocorressem trocas de experiências e de conhecimentos entre os alunos, alunos dispostos em
duplas que se alternassem freqüentemente, em trios, ou mesmo a sala toda formando meio
círculo, onde uns pudessem ver e ouvir os outros, pois de acordo com Schneider (2002,
p.124), que em sua pesquisa fala sobre as carteiras enfileiradas constatando que “a maneira
como as aulas estavam organizadas (com carteiras enfileiradas) não oportunizava as trocas
que ocorreriam se fossem estimulados a sentar lado a lado, discutir tarefas, buscar soluções,
ou seja, estabelecer trocas dialógicas.”
De acordo com Ferraço (2002, p. 131):
111
A força do ser humano não está no indivíduo particular, mas no grupo aos
quais pertence. (...) os cotidianos escolares revelam sua força... nas ações e
reações de companheirismo e cumplicidade. (...) É nesses processos que
devemos participar, ajudar e intervir.
Reportando-nos aos estudos de Vygotsky sobre o valor das relações sociais para o
desenvolvimento dos sujeitos, destacamos que é nas relações sociais das quais o indivíduo
participa que tem origem as funções psicológicas superiores e o aprendizado de um
conhecimento pode provocar o desenvolvimento das funções mentais para além dos limites
do conceito. Ele argumenta ainda que este meio social não determina o comportamento do
indivíduo, pelo contrário, o indivíduo o modifica utilizando-se da linguagem como
mediadora de toda esta relação. Na visão de Vygotsky (2007), pensamento e linguagem
caminham juntos na interiorização do mundo.
4.2 - O pensar e o fazer do professor alfabetizador: implicações no
processo de desenvolvimento dos sujeitos
Os dados aqui presentes são referentes à discussão e à análise que a professora
apresenta sobre sua prática educativa. Por meio das entrevistas reflexivas a partir dos
registros de observação e dos próprios registros de observação, a professora reflete e analisa
fatos ou aspectos do trabalho desenvolvido em sala, avalia sua participação na pesquisa, com
comentários ou ponderações sobre fatos, impressões e sentimentos referentes a esta
participação. Destacamos neste eixo, a posição de Vygotsky (2001), que a transformação na
consciência do ser humano acontece primeiro no funcionamento interpessoal entendido como
social, para atingir então o intrapessoal. Assim, acreditamos que as ações do sujeito são
mediadas pelo outro e passam ao plano intrapessoal pelo processo de aprendizado.
Optamos então por participar das condições de aprendizagem em sala de aula, quando
se pode perceber que a observação por si não favoreceria o trabalho do professor e nem o
desenvolvimento do aluno, e conforme citado, a pesquisa foi sofrendo mudanças e
seguindo caminhos a partir das entrevistas com a professora apresentando como foco as notas
de campo. Assim, iniciamos um período de questionamento e vontade de mudança por parte
da professora que, à medida que lia as notas de campo se questionava, questionava o sistema
educacional e foi se envolvendo com a prática educativa de uma forma mais reflexiva. Este
eixo e suas subdivisões se referem não apenas às entrevistas, mas também às observações,
112
uma vez que as entrevistas acabaram por influenciar a prática educativa e as percepções da
professora.
Tais influências se tornaram perceptíveis no decorrer das observações da sala de aula
e nas notas de campo subseqüentes, inspirando de forma positiva a prática educativa, o que
conseqüentemente refletiu nas entrevistas seguintes, nas percepções advindas destas e nas
práticas educativas que se sucederam, assim sucessivamente. São analisados alguns pontos
relevantes neste eixo, que foram construídos e sistematizados e apresentam como referência
as entrevistas reflexivas a partir do registro de observação e também as observações
registradas nas notas de campo.
Nas conversas iniciais com a professora em questão, ela solicitava ajuda e dizia
esperar aprender com nossa presença. Realmente, a cada encontro, ela questionava seu
próprio trabalho e, no caminho, novos significados para nossa participação no processo eram
constituídos e as próprias conquistas de Thiago ganhavam novos significados.
Este eixo e suas análises trazem em sua composição as mudanças observadas na
forma da professora refletir, analisar, planejar e atribuir significados. Ou seja, as informações
provenientes dos registros de observação e/ou das entrevistas reflexivas realizadas com a
professora regente do ensino regular revelam modificações na maneira dela conduzir e/ou
perceber seu trabalho educativo.
4.2.1 Concepções e expectativas de Anita e sua disposição para fazer a
diferença
Este eixo relaciona-se com as expectativas, ansiedades, dúvidas, inseguranças e
constatações que Anita apresenta desde o início da pesquisa e percorrem um caminho que vai
aos poucos favorecendo mudanças de postura, de atitudes e até mesmo de expectativas e
concepções.
Anita, a princípio reconheceu que não estava conseguindo diversificar as atividades
para atender às necessidades de Thiago e propiciar sua participação em sala, e demonstrou
dúvidas sobre atividades que auxiliem Thiago a superar suas dificuldades, diante das quais
acaba padronizando e generalizando o conteúdo para todos os alunos. O professor nas
considerações de Kramer (2002) possui a autonomia de escolher como vai ensinar, e esta
113
escolha deve se pautar no modo como o aluno aprende, além da compreensão de que na
prática educativa estão envolvidos seres humanos que são criadores e criados na cultura.
A busca de sentido e significado foi aos poucos se refletindo na prática educativa no
cotidiano da sala de aula e pudemos então perceber as mudanças que foram acontecendo nas
interações, entre professora e aluno, entre eles e os outros alunos e então entre todos e o
conhecimento. Ocasionando mudanças também na análise que a professora fazia sobre sua
programação de ensino e sobre a aprendizagem de seu aluno, o que refletiu no seu conceito
de conhecimento adquirido pelos alunos, favorecendo para que o ambiente da sala de aula se
torne o mais próximo possível de um ambiente de aprendizagem, participação e inclusão das
diferenças. O conhecimento na abordagem de Vygotsky representa a ação do sujeito pela
mediação feita por outros sujeitos, assim, o outro social apresenta-se por meio de objetos, da
organização do ambiente e do mundo cultural que rodeia o indivíduo. Neste sentido, o
processo de ensino e aprendizagem envolveu um processo de relação interpessoal que
envolveu ao mesmo tempo alguém que aprende, alguém que ensina e a própria relação
ensino e aprendizagem.
Observamos durante as entrevistas reflexivas e as observações na sala de aula que
Anita vivenciou muitas expectativas com o desenvolvimento e a aprendizagem de seus
alunos, o que lhe causou certa ansiedade, pois esperava um retorno mais rápido do que
geralmente conseguia, mas a princípio ainda não questiona sua prática.
Meu trabalho eu considero um bom trabalho, mas que me causa muita
ansiedade. Fico louca para ver mais e mais aprendizagem, mesmo sabendo
que é um processo lento (Entrevista 03, 14/04/08).
Anita revelou ainda algumas concepções ao definir sua sala como um ‘belo
laboratório, onde se tem prazo para realizar um trabalho. Observo que poderia trabalhar
ainda mais... de maneira diferente...mas o tempo é curto (Entrevista 04, 05/05/08).
Anita percebeu sua sala positivamente e nas reuniões com a supervisora destacou que
se sentiu constrangida, pois todos os professores reclamavam de suas salas e ela não
reclamava:
‘vejo que meus alunos estão caminhando, no ritmo deles, mas não tenho o que
reclamar, eles estão indo’
(Entrevista 06, 02/06/08). Percebemos aqui uma afinidade e
afetividade de Anita com seus alunos; ela usava de afetividade para se dirigir às crianças,
com bom humor e paciência, mudando seu tom de voz, demonstrando sensibilidade para com
as dificuldades de seus alunos. Segundo Kramer (2002), a afetividade entre professores e
114
alunos deve ser aproveitada para se trabalhar a questão da confiança, tentando fazer com que
tenham confiança em si mesmo. E Anita usava com sabedoria a afetividade, considerando
até mesmo as carências afetivas de seus alunos, criando em sua sala um laço de amizade,
companheirismo e tornando o ambiente amigável.
Quando as entrevistas caminhavam por assuntos referentes ao conhecimento de
Thiago, Anita dizia que
Thiago não aprende, não fixa conhecimento, trabalho com ele uma
coisa hoje, e amanhã pergunto e ele não sabe. (Entrevista 03, 14/04/08). Justificava que o
motivo era a deficiência mental de Thiago destacando assim, suas limitações. Anita neste
momento ainda não conseguia perceber o que Thiago sabia e, Anita ao ser questionada
sobre os conhecimentos de Thiago, começava a vislumbrar fatos do dia-a-dia dele na escola
que lhe deram pistas sobre o que ele já sabia. Anita no início da pesquisa, ainda não
conseguia visualizar alguma possibilidade de desenvolvimento para Thiago, embora em seu
discurso evidenciasse o contrário, como quando dizia
dentro do que estudei e do que
vivenciei grande aprendizagem dentro das limitações de cada um’
(Entrevista 04,
05/05/08). Observamos aqui a necessidade de, como afirma Ferreira (1995), o professor ser
capaz de compreender e acreditar nas competências de seu aluno, o que irá contribuir com o
planejamento das aulas e com a implementação da prática educativa.
No que concerne à sua prática, Anita estava apenas começando a se preocupar, pois,
ao perceber suas aulas no registro de observação, reconheceu que elas eram ociosas,
‘paradas’, e ressaltou: através das leituras e das conversas com a pesquisadora pude ver
alguns erros meus como regente, que errava na certeza de estar fazendo o melhor pelo meu
aluno’
(Entrevista 08, 23/06/08). Assim, de acordo com Rodrigues (2008), é por meio de
estratégias reflexivas e do trabalho cooperativo que se lança um novo olhar para as práticas
educativas a serem implementadas, o que favorece a efetivação de uma educação inclusiva.
Anita iniciou então um processo de dúvidas e observações em relação aos avanços de
Thiago, sempre com uma proposta de compará-lo com ele mesmo. De acordo com
Rodrigues (2008), as comparações entre os alunos somente se justifica quando a disposição
por fazê-la implica conhecer as relações entre os processos de aprendizagem, percebendo as
semelhanças, os pontos em comum do desenvolvimento, o que também é válido ao se
comparar um aluno com deficiência mental com outro aluno sem deficiência. Durante a
pesquisa podemos perceber avanços e retrocessos nas análises de Anita, mas sua disposição
em promover um espaço educativo mais adequado a Thiago representou a ajuda para que
esse percurso de análises e reflexões fosse trilhado com mais segurança. Anita começou um
115
processo de questionamento de sua prática, dos conhecimentos com os quais trabalha, do
desenvolvimento e do aprendizado de Thiago, das estratégias utilizadas, começou a pensar
outras formas de conseguir mais avanços de Thiago. Anita se surpreendeu ao constatar no
meio do processo, o quanto Thiago já sabia. A partir de então, ensinar Thiago passa a não ser
mais impossível, passa a ser diferente e muito gratificante para ela, que vibra a cada
conquista dele. De acordo com Vygotsky, a criança com deficiência é uma criança que se
desenvolve de outro modo, então a necessidade de meios auxiliares, específicos para a
criança e suas necessidades, bem como considerar a relevância de seus pontos fortes numa
proposta pedagógica.
Não se trata de afirmar mudanças repentinas, mas progressos paulatinamente
alcançados. A pesquisa possibilitou sugerir que a grande descoberta da professora foi a
compreensão do valor do conhecimento que o aluno já tem e de se questionar e refletir sobre
o conhecimento a ser trabalhado, o seu olhar, portanto, sobre o conhecimento que seus alunos
(principalmente o aluno deficiente mental) compartilhavam. Então o papel do
conhecimento no desenvolvimento de cada um começou a se modificar positivamente. Góes
(2002) afirma que o professor deve considerar integralmente a criança, sem centrar-se na
deficiência, e de acordo com Vygotsky, deve-se educar a criança, e não a criança deficiente.
Essa descoberta propiciou um novo modo de olhar a sala de aula e os seus participantes e
uma nova forma de conceber o conhecimento que cada um apresenta, levando a uma reflexão
sobre o conhecimento válido para a escola, bem como um questionamento em relação às
cobranças do sistema de ensino se contrapondo às diferenças individuais de seus alunos.
4.2.2 - O trabalho educativo: um ato coletivo ou solitário?
Anita começou a questionar durante a pesquisa sobre o que fazer para ajudar Thiago,
e para colaborar com seu desenvolvimento. Falava de como se sentia ansiosa e apresentava
dúvidas sobre o seu trabalho com Thiago, o que era comentado em muitas entrevistas
reflexivas. Ela apontava ainda a necessidade que sentia de ter uma auxiliar
falta material e
principalmente uma auxiliar que fique na sala comigo e me ajude com Thiago’(Entrevista
01, 03/03/08)
, diante do que, perguntamos sobre o Atendimento Educacional Especializado
oferecido pela escola, se este não poderia auxiliá-la no seu trabalho com Thiago. Anita
demonstrou desconhecer as funções, o trabalho e as atribuições do atendimento, embora
116
tenha afirmado saber que a escola conta com esse atendimento e que Thiago recebe o
atendimento pela manhã.
De acordo com Gomes (2007, p.25):
O objetivo do Atendimento Educacional Especializado é propiciar
condições e liberdade para que o aluno com deficiência mental possa
construir a sua inteligência, dentro do quadro de recursos intelectuais que
lhe é disponível, tornando-se agente capaz de produzir
significado/conhecimento.
Conforme explicitado, a escola oferece o Atendimento Educacional Especializado
(AEE) para atender os alunos que tenham alguma deficiência e Thiago recebia esse
atendimento num turno extra. Segundo os coordenadores do AEE e o Regimento da escola,
este atendimento apresenta uma proposta de trabalho que auxilia o professor regente na tarefa
com o aluno deficiente, tanto nas dinâmicas de sala de aula quanto na aquisição de material
adaptado de que o aluno necessite. Reforçando assim, o PNEE/2008 que considera a
educação especial como complemento na formação dos alunos com deficiência e devendo
acontecer em salas multifuncionais, num trabalho colaborativo. Porém observamos que
Thiago tinha dificuldade motora e adorava as aulas de informática, por isso ele próprio
havia pedido um mouse adaptado que é de responsabilidade do AEE confeccionar e
disponibilizar, contudo, não o recebeu, aliás, durante todo o período da pesquisa ele foi
insistente nos pedidos pelo mouse e até o final da pesquisa na escola não foi atendido.
Thiago é insistente ao pedir o mouse adaptado. Fechou o caderno e aguarda
o recreio, dizendo para Anita: ‘vai demorar o recreio, tenho que cobrar Ana
o mouse adaptado. ’ (Nota de campo 04, 05/03/08)
Thiago mal entra na sala e diz para Anita ‘tenho que te pedir uma coisa,
quero ir lá na sala da Ana cobrar o mouse’. (Nota de campo 31, 01/07/08)
Pelas datas das notas de campo descritas, podemos perceber que a insistência de
Thiago não resolveu um problema que muito lhe incomodava, tendo em vista que em todas
as aulas observadas Thiago queria cobrar o mouse, e efetivamente o cobrava, mas o mouse
não foi providenciado até o término desta pesquisa. De acordo com a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência ratificada no Brasil em 2008, as pessoas com
deficiência devem receber apoio necessário para sua efetiva educação, bem como devem ser
adotadas medidas de apoio individualizadas e efetivas visando à inclusão plena, com seu
desenvolvimento acadêmico e social.
117
Na entrevista com Ana (professora que atende Thiago no AEE), ao falar sobre o
mouse ela relatou que estava aguardando, pois segundo ela
a mãe de Thiago disse que vai
embora vamos ver se vai ou não’. Tal afirmação contradiz a função do AEE de apoio ao
docente do ensino regular e ao aluno com deficiência, pois se é um direito e uma necessidade
do aluno, se a escola tem como fazer, e é função do AEE fornecer o material adaptado, por
que estão esperando? Se o aluno vai ou não embora é uma opção familiar dele, a escola tem
que fazer o possível por este aluno hoje, do amanhã não se tem controle, nem uma visão
confiável do que virá a ser.
Outro ponto a ser considerado na entrevista com Ana é o fato de se buscar
justificativas para as dificuldades de Thiago no trabalho da professora regente sem que sejam
oferecidas alternativas, como na fala seguinte:
A professora Anita, colocou Thiago no meio da sala, onde ele fica com a
cabeça suspensa se quiser enxergar no quadro. Não coloca o apoio das
costas nele. Aquele lugar é muito incômodo para ele (Entrevista com AEE,
04/06/2008)
Importante salientarmos que essas observações são pertinentes, porém não foram
levadas à Anita pelos profissionais do AEE para que ela pudesse corrigir o fato e nem lhe
foram sugeridas estratégias que melhor atendessem às necessidades de Thiago.
Compreendemos que, Anita colocou Thiago no centro da sala na intenção que ele se sentisse
junto dos colegas, entre os colegas e pudesse se beneficiar da proximidade e localização do
quadro, que ficava disposto no centro da parede.
De acordo com entrevista realizada com a coordenadora de roteiro do NADH sobre a
função dos professores que atuam no Atendimento Educacional Especializado ela é bem
clara ao afirmar que é:
Responsabilidade do professor especialista do AEE providenciar e
disponibilizar as tecnologias de que o aluno precisa, bem como orientar o
professor em formas diferenciadas e propícias para que aquele aluno
aprenda, sem esperar que o professor regente solicite, pois nós entendemos
que o professor especializado do AEE tem o conhecimento das
necessidades daquele aluno, afinal, como o nome diz ele é especializado
(Entrevista 01/NADH, 27/06/08).
Mediante entrevistas com a coordenadora de roteiro do NADH e com Ana, e às
dúvidas de Anita, ponderamos sobre a atitude de informar Anita sobre as atribuições e
funções dos profissionais que atuam no Atendimento Educacional Especializado, objetivando
que houvesse uma socialização entre Anita e Ana em que o maior beneficiado seria Thiago.
118
Ao saber da função dos profissionais do AEE de auxiliá-la, Anita se mostrou surpresa
e relatou que em uma reunião da escola as professoras atuantes no AEE lhe disseram para
pedir o que ela precisasse para trabalhar com Thiago que elas providenciariam. Anita então
perguntou à pesquisadora o que poderia pedir ao AEE que não sabia o que seria melhor
para Thiago.
Na reunião do Conselho de classe da escola as professoras do AEE me
falaram que se eu precisasse de alguma coisa para trabalhar com Thiago,
poderia procurá-los, mas o quê? (Entrevista 06, 02/06/08).
As dúvidas de Anita foram conduzindo a pesquisa a questionamentos sobre que tipo
de informação o AEE teria para ajudá-la em seu trabalho com Thiago, uma vez que conforme
relatado, os profissionais que atuam no AEE desta escola têm bastante tempo de
experiência, alguns, inclusive Ana, atuaram no projeto quando era denominado Ensino
Alternativo. O fato de termos esclarecido Anita sobre as funções do AEE e a incentivado
para que procurasse o que era direito de Thiago, mesmo fazendo o caminho inverso (o AEE
deve oferecer a ajuda necessária e não esperar que o professor peça), pareceu mostrar-lhe
quais seriam as funções, a responsabilidade e a abrangência do AEE, no decorrer da
pesquisa:
Com essa pesquisa é que fui descobrir a função do Atendimento
Educacional Especializado. (Entrevista 07, 16/06/08).
De acordo com a coordenadora do NADH, o professor especialista do AEE deve
também oferecer apoio e mostrar ao professor regente como trabalhar determinado recurso,
ou mesmo fazer trocas com ele especificando a forma peculiar com que determinado aluno
aprende.
Observamos também em entrevista com Ana, professora do AEE, algumas
peculiaridades a analisar. Uma delas, quando relato sobre a ansiedade de Anita em seu
trabalho com Thiago, uma ansiedade pelo desenvolvimento dele; Ana justifica que o não
aprendizado de Thiago se deve também ao fato de ele ter, de acordo com os profissionais do
AEE, uma deficiência visual conforme descreve para explicar o diagnóstico:
Colocamo-no para jogar um jogo no computador e pedimos para que ele
apertasse o botão esquerdo do mouse para jogar. Para facilitar, eu lhe
mostrei uma ‘sujeirinha’ de cola que está no mouse (me mostra a
sujeirinha, que me parece um resto de cola seca, em cima do botão
esquerdo do mouse), ele tentou, mas não conseguiu apertar o botão,
perguntei Thiago, você está enxergando a sujeirinha, aperte aqui’, ele
ficou olhando ao redor, ele não viu a sujeirinha. Por isso ele não aprende,
119
ele não vê. Se ele não enxerga as cores, as letras, como ele vai saber?
(Entrevista 01 (AEE) 04/06/08)
Questionamos aqui o diagnóstico feito pelos profissionais do AEE, reportando a
Ferreira (1995), que demonstra grande preocupação pela falta de sensibilidade com a
realidade social dos diagnosticados, e questionamos também os procedimentos empregados
pelo AEE. Podemos ressaltar que quanto à deficiência visual, talvez Thiago até precise usar
óculos, mas o que se observou foi que ele não possui nada que o impeça de ver as cores, as
letras e até mesmo aquela sujeirinha de cola no mouse. O que ele não possui é uma
coordenação motora que o permita fazer o movimento fino como apertar um botão do mouse.
Notamos que foi desprezado o entendimento de que sua condição física limitadora de seus
movimentos. Quando os profissionais encarregados de auxiliar o professor em seus trabalhos
e colaborar com o desenvolvimento de Thiago desprezam esse fato incorrem no desrespeito
às suas limitações e desconsideram suas potencialidades, acabam por limitar suas
possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem.
Durante a entrevista com Ana, professora do AEE que atende Thiago, colocamos
questionamentos sobre o apoio e os esclarecimentos de que os professores do ensino regular
necessitam para trabalharem com estes alunos, e que é de função do Atendimento
Educacional Especializado realizar este papel.
Ana nos respondeu que:
Eu estive na sala de Anita com uns joguinhos para ensiná-la como
trabalhar em grupo com Thiago, nesse dia Thiago faltou, mas eu fiz a
dinâmica com os outros alunos para Anita ver que é possível. Também
tem a professora do AEE que atende os alunos da tarde, ela vai ficar com
Thiago na sala de aula nos dias em que ele vem só para ajudar Anita e dar
um suporte para Thiago. Nessa segunda-feira você vai não é?
(Entrevista AEE, 04/06/08)
A professora em questão confirmou que iria para a sala de aula de Thiago. Na
segunda-feira mencionada Anita aguardou pela professora do AEE conforme combinado,
mas ela não veio e não se justificou. Até as férias do mês de julho em 15/07/08 ela ainda não
havia aparecido. Vale salientar que o momento da dinâmica de que Ana falou que foi
realizada na sala de Anita pelos profissionais do AEE, segundo Anita não aconteceu:
Não veio ninguém de me oferecer ajuda ou me indicar o que fazer para
melhorar a aprendizagem de Thiago, me deram o material porque eu
pedi, e eu pedi aquelas coisas por incentivo seu, se não fosse isso nem o
120
copo adaptado para Thiago beber água ele não teria. Interessante é que
elas ficam com ele no recreio, pelo menos o que ele precisa para se
alimentar elas deveriam ter arrumado sem precisar pedir (Entrevista 09,
07/07/08).
Mediante as observações das dificuldades encontradas para a efetivação de um
trabalho consistente pelo Atendimento Educacional Especializado junto ao professor do
ensino regular, neste caso Anita, imbuímo-nos da tarefa de tentar colaborar com Anita e
Thiago. Então ajudamos Anita a compor uma lista com alguns materiais adaptados para que
os professores do AEE providenciassem e que nesse primeiro momento iriam auxiliar o
trabalho de Anita e minimizar as dificuldades encontradas por Thiago. Na lista constaram
adaptadores de lápis que ajudariam a dar maior firmeza para Thiago pegar os lápis, lápis de
cor, copo e colher adaptados para facilitar o lanche e para Thiago tomar água na sala sem
precisar sair com sua cadeira, tesoura adaptada e, claro, o mouse adaptado. A lista foi
encaminhada pela professora à supervisora do AEE, e todos os materiais pedidos foram
entregues uma semana depois de solicitados, menos a tesoura adaptada e o mouse adaptado
segundo a justificativa que relatada anteriormente de que os professores do AEE estavam na
dúvida se o aluno ia sair da escola ou não. Até o término da pesquisa na escola a tesoura
adaptada e o mouse adaptado não foram providenciados.
Como registrado em uma das entrevistas, Anita fala sobre os materiais adaptados:
A lista de material que fizemos, chegou, mas ainda falta o mouse adaptado.
Thiago não pára de perguntar por ele. Vieram umas borrachinhas para
adaptar os lápis dele, vou guardar no escaninho para não roubarem. A
supervisora me entregou o material, mas ninguém veio me explicar como
usar, agora, você me ajudou a listar então me mostra prá que servem e
como eu uso para o Thiago (Entrevista 08, 23/06/08).
Destacamos que não houve durante a pesquisa uma comunicação entre os
profissionais do AEE e Anita, contradizendo as próprias leis que vêm tratando da inclusão
escolar como um trabalho de colaboração, um trabalho coletivo, que envolve todo o sistema
educacional nos seus mais diferentes níveis e reconhecendo que um trabalho de qualidade
para os alunos é um trabalho em conjunto. A pesquisa mostra uma falha na comunicação, na
interlocução entre o AEE e a professora regente, não uma conexão entre esses
profissionais. Os profissionais que coordenam esse projeto fazem um amplo e efetivo
trabalho de conscientização, formação e sensibilização dos profissionais que atuam ou que
irão atuar no atendimento a essas crianças, e todo esse trabalho se perde quando chega à
121
escola, ao espaço da sala de aula, ao convívio diário, quando enfim, depende da cooperação
entre os pares. Ressaltamos neste estudo algumas das leis sobre a inclusão de pessoas com
deficiência no ensino regular. Essas leis trazem em alguns de seus textos menção ao trabalho
colaborativo, sugerindo uma rede que envolva o ensino regular e as salas multifuncionais em
que os profissionais envolvidos realizem um trabalho em parceria, colaborativo, que favoreça
o desenvolvimento e o aprendizado destes alunos, e possibilite a inclusão plena. É importante
que haja uma comunicação, com trocas e diálogos entre os profissionais envolvidos nesse
processo de inclusão, aprendizagem e desenvolvimento dos alunos. Questionamos até que
ponto a própria estrutura não é responsável por essa desconexão entre os profissionais da
escola, já que os alunos são atendidos extra-turno. Até que ponto o esforço pessoal também é
responsável por essa falta de conexão.
4.2.3 - Quando o esforço pessoal nos move para além de onde nos encontramos
Anita por várias vezes se mostrou aberta à pesquisa e disposta a promover mudanças
em sua prática educativa. Tal disposição foi precedida por reflexões a respeito de sua prática
educativa. Ao longo das entrevistas reflexivas, Anita foi, cada vez mais, assumindo uma
postura de reflexão. Ela comentou que ‘
está sempre se questionando’ e ‘refletindo sobre suas
atitudes’ e acredita que está descobrindo coisas interessantes acontecendo em sua sala, o que
não percebia antes. Anita também falou de sua vontade de ler mais sobre deficiência mental
para entender melhor meu aluno e conseguir trabalhar melhor com ele’.
Compreendendo o ensino como um ato de planejamento, tomada de decisão e
reflexão e ao observamos nas descrições supracitadas a vontade de Anita de se superar,
pontuamos a afirmação de Gómez (1995) de que a vida de qualquer profissional depende do
conhecimento que mobiliza e elabora durante sua própria ação.
Anita começou a se questionar sobre o melhor meio de conseguir atingir seu objetivo
de ensinar todos os alunos e começa a testar algumas atividades mais concretas e práticas,
principalmente com Thiago. Primeiramente ela se propôs a procurar na internet atividades
que tinham uma significação maior para Thiago e que pudessem envolvê-lo na sua
realização, considerando sempre sua dificuldade motora. A primeira preocupação lançada por
Anita foi o fato de não ter certeza se Thiago conhecia as cores. Foram elaboradas atividades
de delimitação de espaço com barbante na forma de figuras geométricas e Anita pediu que
Thiago utilizando o gizão de cera fosse colorindo nas cores ditadas por ela. Atividades de
122
recorte e colagem no caderno de papéis de diversas cores e texturas também foram realizadas
com o propósito de desenvolver a noção espacial e o reconhecimento das cores, entre outros
objetivos destacados por Anita. Segundo Mantoan (1998), o desconhecimento do professor
sobre a deficiência de seu aluno contribui para práticas educativas que empobrecem e
dificultam a elaboração de conceitos destes alunos.
Anita ao se deparar com as situações de aprendizagem de Thiago e ao vivenciar suas
conquistas, seguia persistindo com o trabalho de maneira sempre motivadora e criativa. Aos
poucos novas estratégias foram sendo propostas por Anita e outras estratégias não muito
propícias foram sendo analisadas, reelaboradas, ou mesmo descartadas, quando não atingiam
o objetivo proposto. Assim, Anita iniciou a conscientização de que o processo de
aprendizagem e desenvolvimento é flexível e deve ser sempre revisto com criticidade e
objetividade, analisado, transformado numa perspectiva de atender aos alunos, sujeitos de sua
prática educativa. De acordo com Ferreira (1995), a identificação das características do
potencial da criança, permite que o professor reflita sobre suas aquisições e sua capacidade.
Anita ao aceitar a presença da pesquisadora em sua sala de aula, mostrou-se
predisposta a, usando um termo de Padilha (2004), rever-se como professora. Expôs-se ao
concordar com a participação da pesquisadora em sua sala de aula e ao participar das
entrevistas reflexivas, isentou-se de qualquer orgulho ou desconfiança e abraçou a pesquisa
com consciência e determinação, reconhecendo o desafio que ali estava posto.
Anita demonstrou uma flexibilidade para reorganizar seu trabalho deixando
transparecer sua preocupação com o desenvolvimento de Thiago, como podemos observar
nas entrevistas a seguir:
Estou aberta a corrigir o que estiver faltando para conseguir melhores
resultados com Thiago (Entrevista 03, 14/04/08).
Observo que poderia trabalhar mais, de maneira diferente, sinto que posso
fazer mais, e estou buscando formas que melhor se adaptem ao que ele
precisa (Entrevista 05, 19/05/08).
Vou procurar na internet algumas atividades de alfabetização para
trabalhar com Thiago (Entrevista 06, 02/06/08).
Anita começou a querer entender como se o aprendizado de Thiago e a se
questionar por que ele consegue memorizar algumas coisas e outras não; pensa em procurar
atividades que possam fazer com que Thiago se desenvolva e avance.
123
Thiago é muito esperto, crítico, assimila o que vive. Engraçado... ele
esquece as letras, mas não esquece o que acontece no seu dia mesmo que se
tenha passado muito tempo (Entrevista 05, 19/05/08).
O interesse da professora em efetivar uma modificação estratégica almejando a
qualidade de sua prática educativa também pode ser ilustrado pelas iniciativas que tomou
para ampliar as oportunidades de participação de Thiago, promovendo um maior contato dele
com atividades de seu interesse e promotoras de seu desenvolvimento. Atividades elaboradas
com material concreto, jogos, atividades em auto-relevo, com barbante, giz de cera, tinta, que
permitiam que Thiago desenvolvesse sua memória e percepção, bem como organizasse seu
pensamento e linguagem, atividades estas que independiam da cópia.
Anita dizia ter percebido que Thiago memoriza aquilo que tem significado para ele, ‘
o
que acontece no seu dia, o que lhe chama a atenção’. Em consenso Anita e a pesquisadora
elaboraram outras atividades tendo como foco o nome de Thiago, por se entender que o nome
tem significado para ele. Por isso foram elaboradas em conjunto atividades como, por
exemplo, seis fichas onde foram escritas com letra de forma seis palavras compostas de
quatro a seis letras, todas com a inicial T, pela proximidade com o nome Thiago (Tatu, Terra,
Tio, Toca, Tucano e Thiago) todas acompanhadas das figuras que as representam. Na ficha
com o nome de Thiago, pedimos que ele escolhesse uma gravura de um menino que se
parecesse com ele e colasse ali. Optamos pela colagem em face da dificuldade que desenhar
representa para Thiago. Essas atividades foram sendo trabalhadas diariamente com Thiago,
que no primeiro momento lia as figuras e logo foi percebendo o T de Thiago assim como foi
reconhecendo algumas vogais. O desenvolvimento de Thiago foi se tornando explícito para
Anita, que foi se empenhando cada vez mais e com mais entusiasmo. As conquistas de
Thiago que antes passavam despercebidas por Anita se tornaram motivo de grande motivação
de seu trabalho. Ela agora assume outra perspectiva quando escolhe as atividades que vai
trabalhar com Thiago, Anita começa a propor uma prática educativa flexível, dinâmica e
comprometida com o aluno, uma prática educativa que é pensada, elaborada, repensada,
reelaborada, descartada, dinamizada, numa perspectiva de aprendizagem e desenvolvimento
do aluno.
Podemos diante dos dados construídos e analisados, inferir que as entrevistas se
mostraram essenciais e promotoras deste processo de mudança na perspectiva educativa de
Anita, pois, ao iniciar a leitura dos primeiros registros de observação Anita relatou que ficou
admirada com a quantidade de informações e detalhes registrados’. Anita disse que, as
124
leituras das notas de campo foram muito interessantes e à medida que lia conseguia visualizar
sua aula e seus alunos e considerou impressionante a quantidade de situações que acontecem
em uma aula, enfatizando que muito daquilo que estava escrito ela não tinha percebido. Ao
final, Anita reconheceu que o registro de observação lhe proporcionou uma nova visão sobre
si mesma, a partir do olhar da pesquisadora. Tais registros, segundo Anita foram importantes
uma vez que
parei para pensar nos acontecimentos descritos, e pude ver os acontecimentos
em minha sala de uma forma como nunca havia imaginado’.
Assim, podemos afirmar como
Oliveira (1997, p. 79) que o desenvolvimento do indivíduo “está baseado no aprendizado
que, sempre envolve interferência, direta ou indireta, de outros indivíduos e a reconstrução
pessoal da experiência e dos significados.”
Anita disse que foi vendo-se nas descrições e percebendo-se de outra forma,
conforme notamos nas entrevistas reflexivas que se seguem:
É interessante como alguns detalhes da sala de aula passam despercebidos
pelo professor, como o fato de Thiago ficar no grupo de costas, não havia
percebido (Entrevista 02, 24/03/08).
Parece que eu estava revendo minha aula pelo que eu ia lendo e notando
algumas coisas que eu não tinha percebido (Entrevista 04, 05/05/08).
Estou gostando muito de ler essas anotações e ter essas conversas, pois, me
vejo, vejo meu trabalho e meus alunos como se eu estivesse assistindo à
minha aula (Entrevista 06, 02/06/08).
Ao comentar sobre Thiago, Anita relatou que percebeu no registro de observação que
são poucos os momentos em que ele participa da aula, ficando ‘por fora do que está
acontecendo na aula’
. Ela disse ter ficado ‘muito tocada e surpresa ao constatar a
freqüência dos momentos em que Thiago não presta atenção à aula, parece que ele não es
ali’
(Entrevista 05, 19/05/08).
Anita nos pediu a indicação de algum livro sobre deficiência mental, buscou algumas
atividades diferenciadas na internet, com outros colegas professores. Aceitou sugestões de
atividades para trabalhar com os alunos. A partir das reflexões e análises propiciadas pelas
entrevistas reflexivas iniciou-se outro ciclo na pesquisa, uma vez que as atividades propostas
ao aluno começaram a ser elaboradas tendo em vista suas necessidades e principalmente
enfatizando suas possibilidades de realização. O objetivo de Anita passou a ser
preferencialmente a participação de Thiago nas atividades elaboradas para ele. Assim cada
125
avanço seu foi sendo percebido, aplaudido e orgulhosamente reconhecido por Anita. Para
Padilha (2004), isso se caracteriza como mediações especiais para a constituição destes
alunos como aprendizes, cabendo à escola dispor de recursos e procedimentos diferenciados
para que os alunos tenham possibilidade de caminhar além de seus limites.
Essas experiências não foram isentas de tensão, dúvidas e como relatou a professora
Anita em uma de nossas entrevistas:
Conversei com a supervisora, pois estou angustiada com o fato das provas
estarem chegando e Thiago não vai conseguir escrever nada, temos que
arrumar uma alternativa de fazer uma prova oral com ele, disponibilizar
alguém. Sabe o que ela me disse? Não precisa ficar angustiada não, Thiago
não vai muito longe mesmo. Senti ela jogando um balde de água fria em
todo o trabalho que nós estamos fazendo (Entrevista 08, 23/06/08).
Para analisarmos a fala da supervisora, é preciso recorrer a Vygotsky que, em seus
estudos sobre a Defectologia (1997), fala dessa priorização do déficit limitando a
consideração da criança em si, não considerando a pessoa como um todo, com suas
possibilidades e a complexidade que lhes são próprias. Vygotsky (1997) insiste que é
necessário educar a criança e não a criança deficiente, e no caso da educação do deficiente
mental esses equívocos presentes são acentuados quando não se espera que esta aprenda a
pensar, “mas a distinguir odores, matizes de cor, sons, etc.” (p.181).
É preciso nos considerar o fato de que não se sabe de antemão como, quando e quanto
alguém será capaz de aprender e por quais meios esse alguém chegará a atingir determinado
grau de conhecimento e/ou habilidade, nem a partir de quais relações com o outro, colocar-
se-á a pensar, a distinguir, a comparar, a se compreender enquanto sujeito de um processo
formativo.
Anita reconheceu em uma das entrevistas que
acredito que as crianças deficientes
mentais não ficam num cantinho sentados, elas produzem, se desenvolvem’ (Entrevista 04,
05/05/08). Porém a prática educativa proporcionada a este aluno promovia o tipo de situação
contrária ao que Anita relatou na entrevista e talvez para os outros alunos também. As
atividades propostas eram difíceis de serem realizadas por Thiago devido à sua limitação
motora, o que colaborava para que ele então ficasse num cantinho sentado em sua cadeira de
rodas, sem produzir nada, isso não o ajudava no seu desenvolvimento. Durante o processar
da pesquisa notamos pequenos avanços na prática educativa de Anita com Thiago; ela o
colocou sentado no meio da sala, para que segundo ela, ele ficasse junto com os colegas.
126
Sempre depois de colocar as atividades para os alunos ela se sentava de frente para Thiago e
o orientava no que estivesse sendo trabalhado com ele naquele dia. Anita fazia questão de lhe
perguntar assuntos pertinentes à aula ao que ele respondia com muito entusiasmo.
4.2.4 - Redescobrindo Thiago
Anita, nas primeiras entrevistas reflexivas deixava transparecer que Thiago não
avançava na aprendizagem e que, portanto, ela centrava esforços na sua socialização,
entendendo por socialização o fato de Thiago estar na classe comum e participar do espaço,
das conversas com os colegas. A princípio não observamos que o objetivo da professora seria
o avanço na aprendizagem de Thiago e conseqüentemente no seu desenvolvimento, pois seu
caderno não apresentava as tarefas coladas
e Anita não se preocupava mais em colar tarefas
nele. Foi possível presenciar algumas vezes em que a folha de tarefa entregue a Thiago caiu e
no chão permaneceu. Anita não viu, a aula terminou e não se lembraram da tarefa que fora
colada nos cadernos dos outros alunos, também deveria ter sido colada no caderno de Thiago.
O que também chamou a atenção no início da pesquisa foi o fato de Thiago parar de tentar
fazer as atividades quando bem entendia.
Não podemos perder de vista que qualquer aprendizagem se quando o sentido
estiver presente. A maioria das atividades propostas a ele era de colorir e/ou copiar, o que,
segundo a própria Anita, seriam um dos motivos de sua falta de estímulo, pois, devido à
dificuldade motora, naquele momento; traçar uma letra cursiva se tornava impraticável para
ele. Iniciamos durante as entrevistas algumas reflexões sobre o conhecimento que Thiago
possuía e sobre como se poderia auxiliá-lo em seu processo de alfabetização. Anita, a partir
das leituras dos registros de observação e através dos questionamentos promovidos, foi
percebendo o que Thiago dominara, chegando a enumerar tudo que ele sabia e a se
sentir entusiasmada.
Foram propostos questionamentos sobre o que Thiago conseguia realizar, e essas
questões foram tornando visíveis para Anita o desenvolvimento de Thiago. Ela começou a
pensar sobre o que Thiago sabia e daí o que ele não sabia passou para um segundo plano na
percepção de Anita. Anita buscou caminhos para descobrir alternativas e estratégias que
favorecessem o desenvolvimento e o aprendizado de Thiago. Alguns autores, entre eles
Dechichi (2001), Mantoan (2003), Miranda (2003), Padilha (2004), e Santos (2007),
consideram que a criança com deficiência deve usufruir de um contexto escolar de modo
127
participativo e produtivo, em que sejam consideradas suas potencialidades e garantidos o
auxílio e o respeito às suas limitações e dificuldades.
A partir das reflexões propostas, Anita começa a redescobrir Thiago:
Thiago sabe diferenciar letra de número e a escrita de desenhos. Possui bom
vocabulário, embora tenha dificuldade na fala, mas eu entendo tudo que
ele fala. Thiago tem noção de quantidade até três, mas tem, tanto se eu
acrescentar como se eu tirar algum objeto que ele esteja contando. Nas
condições dele acho que isso é um grande avanço, ele sabe muito.
(Entrevista 05, 19/05/08)
Algumas observações são interessantes para demonstrar o caminho percorrido por
Anita no reconhecimento dos avanços de Thiago, bem como sua percepção dele como um
todo. A seguir evidenciamos alguns relatos das entrevistas reflexivas e algumas observações
registradas nas notas de campo.
Anita diz para a pesquisadora: ‘
Olha, ele mudou o lápis de mão, nossa, isso para ele é
difícil’
(Nota de campo 26, 16/06/08).
Preocupo-me com a aprendizagem dele, comecei a perceber que seu
caminhar é mais lento na sua aprendizagem, mas que ele aprende
(Entrevista 04, 05/05/08).
Acredito que tenho descoberto que Thiago é capaz como os outros alunos,
ele é mais lento sua aprendizagem, pois ele tem dificuldade em fixar o
aprendizado, a leitura e escrita (Entrevista 06, 02/06/08).
Thiago sabe diferenciar número de letra, tem noção de quantidade, e
reconhece o conjunto de vogais no meio das outras letras. Isso para ele é um
grande passo, por todas as dificuldades que ele tem (Entrevista 08,
23/06/08).
Tais reflexões levaram Anita a perceber que instaurar um limite de aprendizagem para
Thiago é tão absurdo como fazê-lo para qualquer um de seus alunos. Anita após algumas
reflexões reconheceu que:
O descaso, o não querer e a vontade são bem visíveis e sentidos quando
se trata de um aluno deficiente mental. A maioria dos profissionais acredita
que ele não aprende e não tenta e não quer fazer nada. Precisamos
reconhecer que essas crianças são muito capazes e que não ficam sentados
num cantinho. Eles produzem, se desenvolvem (Entrevista 10, 14/07/08).
Conforme foi discutido sobre a presença do aluno deficiente mental na sala de aula
salientamos os estudos de Padilha (2004), que lembram o impacto da presença deste aluno
128
que desestabiliza práticas cristalizadas e requer todo um trabalho de reflexão. Ressaltamos
que a educação da criança com deficiência mental representa um desafio para os professores,
pois, de acordo com Vygotsky (1997), sua reserva compensatória é pobre, e seu aparato
central está afetado, o que implica segundo o autor que o trabalho educativo deve ser
modificado de maneira qualitativa, para atender ao que ela é, considerando que o núcleo
orgânico da deficiência não pode ser modificado pela ação educativa. A dificuldade
encontrada por muitos professores está relacionada ao fato de que ao olhar para o deficiente
se fixa o olhar na deficiência e não se percebe a criança como um todo.
Podemos observar com este trabalho de pesquisa que a presença do aluno deficiente
mental em sala de aula, requer do professor uma dinâmica de trabalho que se caracteriza pela
coletividade. Sozinho será mais difícil o professor se encontrar neste processo, sendo
necessário haver uma mediação, uma possibilidade de interação com o outro que leve à
reflexão, favorecendo uma troca que poderá ajudá-lo neste novo caminho que se apresenta.
Entendemos que os cursos de formação inicial e/ou continuada não conseguiram ainda atingir
o âmago do trabalho educativo deste professor. A inclusão se apresenta como uma mudança
de atitude, de postura diante do outro, essa é uma mudança ímpar que ocorre de dentro para
fora e a reflexão é um instrumento facilitador que abre algumas possibilidades para que essa
mudança ocorra de forma mais prazerosa, proporcionando um aprendizado mútuo.
4.3- Prática educativa: um olhar para a inclusão escolar do aluno
deficiente mental
Anita comentou que relendo os registros de observação, foi percebendo a rotina
maçante em sala de aula e constatou que ela permaneceu exigindo as mesmas coisas dos
alunos e passando os conteúdos da mesma forma. Anita relatou que estava procurando
encontrar alternativas diferentes para trabalhar os conteúdos, mas que não estava sendo fácil.
Ela comentou ainda que está mais confiante no progresso de Thiago e que tem conseguido
progressos diários, aplaudindo cada passo do aluno. O que para ela parecia pouco para ele era
muito, reconheceu que não mais compara seu desenvolvimento com o dos outros alunos.
Reconheceu ainda, que precisa mudar algumas coisas em sua postura, mesmo entendendo
que tais mudanças não são fáceis de serem implementadas. Anita comentou que até começar
a fazer as leituras das notas de campo
achava que Thiago não sabia nada, não conseguia
reter nenhum conhecimento’. Porém, foi mudando a compreensão que tinha do aluno, à
129
medida que os registros de observação foram revelando-lhe muitas coisas que Thiago
sabia. E disse:
não quero me apressar ou parecer presunçosa e dizer que foi minha
motivação, mas eu percebi que ele estava mais independente e conseqüentemente mais feliz,
sentindo-se capaz de realizar muitas coisas” (Entrevista 09, 07/07/08). Percebeu também que
o fato de Thiago começar a participar mais das atividades propostas em sala melhorou sua
auto-estima. Ela lembrou ainda que no início ficava pensando que não conseguiria realizar
um trabalho com Thiago, e ainda acrescentou: alguns resultados positivos que
comemoramos com grande alegria tanto para ele quanto para mim’
(Entrevista 08,
23/06/08).
Anita demonstrou novas percepções e compreensões acerca de seu aluno e do
desenvolvimento dele, conforme observamos em uma das últimas entrevista, quando ela faz
uma retrospectiva de seu trabalho com Thiago:
Conquistei a confiança de Thiago na medida em que fomos trabalhando,
tendo assim alguns resultados positivos que comemoramos com grande
alegria tanto para ele quanto para mim. Penso que Thiago está mais feliz,
conseguiu mais autonomia, se sente mais capaz, apresenta desejo por fazer
as tarefas e sente-se melhor. (Entrevista 10, 14/07/08).
As estratégias didáticas para favorecer a participação e o desenvolvimento de Thiago
e facilitar seu acesso à programação estabelecida no planejamento da série, passaram a
orientar-se cada vez mais para uma organização e busca partilhada de conhecimento em sala
de aula, resultando no desenvolvimento da confiança e autonomia de Thiago. O que, segundo
os estudos de Vygotsky, significa que o aprendizado depende da penetração das crianças na
vida intelectual das pessoas que as cercam.
De acordo com Góes (2002), o educador deve investir na compensação para que a
criança ultrapasse as percepções concretas conduzindo-a às funções psicológicas superiores,
privilegiando as potencialidades e talentos não estabelecendo limites para o que se quer
alcançar.
As discussões e reflexões provenientes das notas de campo representam neste estudo
instrumentos de grande importância, pois ajudaram a estabelecer percepções sobre o papel do
educador, sobre o desenvolvimento dos alunos, sobre o que eles são capazes de realizar,
sobre o que a escola espera deles. Vale ressaltar o fato de as reflexões tornarem-se freqüentes
e não mais reduzirem-se às entrevistas, devido às intercorrências que tomavam o horário
preestabelecido para entrevistas, Anita, em momentos propícios durante as aulas, sempre
130
questionava sua prática educativa, expunha dúvidas se colocando sempre uma posição
investigadora de seu papel e da importância de suas escolhas didáticas. Por tudo isso, foi-se
estabelecendo interlocuções que delinearam um novo modo de olhar a sala de aula e os seus
participantes e uma nova maneira de conceber o desenvolvimento, de forma que se deixou de
estabelecer limites para o desenvolvimento, perseguindo, no planejamento das aulas, um
desenvolvimento sem limites.
Fato de destaque foi a percepção da professora de que as comparações entre o
desenvolvimento de seus alunos eram inúteis e lhe causavam mais angústia. Em uma das
entrevistas, a pesquisadora questionou:
o desenvolvimento do Pedro é igual ao de quem?
Anita respondeu:
Acho que ao de ninguém’, assim a pesquisadora perguntou: então o
Thiago vai se desenvolver na mesma velocidade de quem?’Ao que Anita respondeu:
De ninguém também. Acho que essa ansiedade de que todos têm que saber
as mesmas coisas e acompanhar a turma é que me angustia ainda mais. O
tempo é curto para fazer tanta coisa. Se eu comparar Thiago com ele mesmo
como você me disse eu consigo perceber o quanto ele tem avançado.
Ainda estou tentando ver por este lado, mas de vez em quando me pego
pensando que ele poderia ir mais e mais; e volto e penso de novo, ele
avançou tanto no tempo dele, né (Entrevista 07, 16/06/08).
Anita passou a compreender melhor Thiago e sua deficiência. No início da pesquisa,
trata Thiago como um doente, preocupando-se somente com sua socialização, e esta é
percebida como o simples fato de ele estar no mesmo espaço que os demais, conforme sua
fala dizendo
ele cortou o cabelo, não gostei, ficou com mais cara de doente ainda.”. No
decorrer da pesquisa ela vai construindo uma nova concepção sobre Thiago e seu
desenvolvimento. Anita compreendeu que não deve comparar desenvolvimento e
aprendizagem do deficiente mental ou de qualquer outro aluno com ninguém a não ser com
ele próprio, uma vez que cada indivíduo é único.
Na concepção de Vygotsky (2007), o aprendizado organizado de forma adequada vai
resultar no desenvolvimento mental e movimentar vários processos deste desenvolvimento, o
que sem o aprendizado seria impossível acontecer. E ao se pensar numa proposta pedagógica
que atenda aos preceitos de uma abordagem histórico-cultural, esta deve ressaltar os pontos
fortes da criança.
Ao final da pesquisa, Anita acreditava que o deficiente mental ‘
tem dificuldades,
aprende mais lentamente que os outros alunos, mas aprende’
, porém ressaltava que dentro
de suas limitações’. No processo da pesquisa algumas concepções cristalizadas e
131
reconhecidas na fala de Anita foram repensadas, modificadas. Ressaltamos que se trata de
um processo lento e que alcançou avanços significativos, mas o processo de reflexão tem que
ser contínuo no dia-a-dia do professor. As reflexões promoveram uma mudança de postura
levando a rupturas de concepções historicamente cristalizadas e por vezes limitadoras de um
trabalho de qualidade.
Durante o trabalho de reflexão com a professora Anita, foram grandes os avanços
observados em suas concepções que acabaram por modificar sua prática educativa como, por
exemplo, o fato de que ela vê Thiago agora conseguindo grandes avanços que ela não
percebia como tal. Ressaltava a característica de Thiago quando dizia que
‘ele se posiciona,
critica e fala o que pensa’.
Que, segundo ela, é uma qualidade que irá ajudá-lo ao longo da
vida acadêmica. Anita passou, no decorrer da pesquisa, a reconhecer a possibilidade de
aprendizagem do deficiente mental e a reconhecer pequenos avanços como uma
aprendizagem significativa naquele momento, mudando, dessa forma, seu jeito de ver
Thiago, depois que começou a refletir sobre ele, reconhecendo que a situação de Thiago era
complicada: ele veio de uma terceira série para uma primeira série.
Anita percebeu ao longo da pesquisa que a dificuldade em aprender que Thiago
apresenta relaciona-se ao fato dele apresentar outro funcionamento cognitivo, e que, portanto,
ela precisa usar de outros meios para que o conteúdo lhe seja significativo. Ela apareceu
muitas vezes questionando-se sobre o que Thiago sabe e sobre o que ele não sabe,
observando que ele tem outra relação com o conhecimento.
A professora começou a se questionar mais, a refletir sobre o seu comportamento e
suas atitudes com relação ao aluno deficiente mental, com os outros alunos e a analisar as
atitudes das outras pessoas com Thiago. Ela começou a perceber a necessidade de oferecer a
Thiago atividades de seu interesse que possibilitem a realização autônoma, de modo que
começa a procurar estratégias que auxiliem Thiago a assimilar o conteúdo.
Anita começou a preocupar-se com a inclusão escolar e a concepção das outras
pessoas sobre o deficiente mental, relatando que
a inclusão está acontecendo de maneira
muito lenta. Algumas pessoas falam em inclusão com muita convicção, mas falta muita
vontade para viver a inclusão, pois o descaso e a vontade são bem visíveis quando se
trata do aluno com deficiência, principalmente deficiente mental.
Diz ainda que todos os
profissionais que atuam com alunos deficientes mentais
deviam saber como realizar esse
trabalho. ’ Ela ainda avaliou a escola como despreparada para promover a inclusão escolar.
132
A professora falou da necessidade de se estabelecer melhor comunicação entre os
profissionais da escola, principalmente entre os professores e o aluno deficiente mental para
favorecer a aprendizagem desse aluno, e acredita que
o professor deve conseguir se
comunicar com o aluno de maneira que aquilo que ele está ensinando tenha significado para
o aluno, e descobrir o que tem significado para ele próprio é muito importante também
(Entrevista 10, 14/07/08)’.
Anita ao falar do Atendimento Educacional Especializado afirma:
Depois de muitas entrevistas e conversas com a pesquisadora é que eu fui
entendendo a função do AEE. Eu estou aqui nessa escola dois anos e
não sabia, não vieram na minha sala me informar, eles atendem meu aluno,
mas eu não sei nada sobre este atendimento, eu não sabia e ainda não sei
muito sobre como trabalhar com ele, não recebi nenhuma informação deles
sobre meu aluno. me falaram que se eu precisasse poderia procurá-los,
mas o quê? Com ajuda da pesquisadora montamos uma lista de alguns
itens que poderiam auxiliar no desenvolvimento do trabalho e fomos
atendidos em parte (Entrevista 09, 07/07/08).
A interlocução entre os profissionais do AEE e a professora do ensino regular é
praticamente inexistente e representa o maior problema de relacionamento profissional da
escola, o que é grave em se tratando de crianças ditas normais, quanto mais de alunos com
deficiência. Não existia um canal de comunicação entre a professora regente e a professora
do AEE, que é um objetivo do projeto. Segundo a coordenadora de roteiro, a supervisora
pedagógica é a encarregada de fazer essa conexão, mas pelo que observamos não está sendo
suficiente, o trabalho educativo acaba se tornando solitário.
Notamos também que nem tudo foi avanço, algumas situações permaneceram e
não foram refletidas ou ponderadas por Anita em sua prática educativa, até porque a pesquisa
foi encerrada por falta de mais tempo. Ficou evidente a falta, em sua prática educativa, de um
momento lúdico e descontraído com os alunos, que estão no segundo ano do ensino
fundamental de nove anos e ainda ávidos por ludicidade. Percebemos a ausência de livros de
literatura infantil em sua aula, além de pouca disponibilidade de textos diversificados como:
poesias, histórias mudas, quadrinhos, adivinhas, parlendas, etc. O brinquedo, a ludicidade
apresenta relação direta com o desenvolvimento. De acordo com Oliveira (1997, p. 65),
“comparada com a situação escolar, a situação de brincadeira parece pouco estruturada e sem
função explícita na promoção de processos de desenvolvimento.” A zona de
desenvolvimento próximo na criança também é criada através do brinquedo tanto pela
situação imaginária quanto pela definição de regras específicas, representando grande
133
influência no seu desenvolvimento. Em situações de brincadeira a criança também lida com
os significados dos objetos e aprende a separar objeto e significado.
Outro ponto que merece ser revisto na prática educativa da professora Anita é o fato
de que as estratégias encontradas para auxiliar Thiago foram utilizadas exclusivamente com
ele, tais atividades diversificadas não foram planejadas pela professora para os demais
alunos. Ficaram evidentes as dificuldades para realização a contento de uma prática
educativa que possibilite a efetiva inclusão escolar do deficiente mental no cotidiano escolar.
Góes (2002) pondera sobre a responsabilidade da escola com a inclusão de alunos
considerados deficientes, e que apesar de possuir essa responsabilidade, não se pode esperar
que a escola assuma e responda sozinha como a principal instituição transformadora.
Precisamos avançar na transformação de mentalidades, em iniciativas
político-sociais, dos vários segmentos sociais e institucionais para que
propiciem às crianças com deficiência um conjunto de experiências que se
orientem para o processo de tornar-se humano, no sentido proposto por
Vygotsky (p.114).
Importante ressaltarmos que, o processo de formação do professor deve lhe
proporcionar um conjunto de experiências que não só lhe revelem novas perspectiva teóricas
sobre o conhecimento (perspectiva acadêmica), mas que também o impliquem em situações
empíricas que lhe permitam aplicar estes conhecimentos num contexto real (perspectiva
profissional) (RODRIGUES, 2008, p. 08).
Rodrigues (2008) descreve três dimensões de formação que devem ser consideradas
para se capacitar os professores no apoio à Educação Inclusiva tanto no âmbito de
especialização quanto na graduação: os saberes, as competências e as atitudes. A dimensão
dos saberes segundo o autor, se refere ao conjunto de conhecimentos de índole mais teórica
que fundamentam as opções de intervenção; a dimensão das competências relaciona-se com
o ‘saber fazer’, conhecimentos que o professor deve ter para conduzir com sucesso processos
de intervenção em contextos assumidamente heterogêneos, nessa visão estão presentes a
avaliação, o planejamento e a intervenção, juntamente com as competências caminham no
sentido de considerar em termos de avaliação, planejamento e intervenção que a
heterogeneidade é própria do grupo; e a dimensão das atitudes no que diz respeito ao fato de
ser essencial que os professores tenham atitudes positivas face à possibilidade de progresso
dos alunos, acreditando que o aluno é muito mais do que as suas dificuldades e que existem
formas variadas para se chegar ao sucesso.
134
Nesse sentido podemos afirmar que esta pesquisa colaborou para a discussão,
compreensão da prática educativa, bem como auxiliou na reflexão da professora regente
sobre sua prática educativa, e na percepção da prática educativa como instrumental do
processo de inclusão do aluno deficiente mental.
Anita foi convidada pela direção da escola a trabalhar no projeto ADA (Atendimento
ao Desenvolvimento da Aprendizagem), projeto este também de responsabilidade do NADH
que atende alunos com dificuldades de aprendizagem no extra-turno, função que ela havia
exercido em outra escola no ano anterior. Outra professora assumiu a sala. Essa atitude
sugere uma desconsideração do processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, e
é, portanto, contraditória aos preceitos do que se espera de uma escola. Ao se retirar da sala
de aula uma professora empenhada e comprometida com seu trabalho, em pleno final do
primeiro semestre desconsiderando o quanto aqueles alunos estariam perdendo em
afetividade, conhecimento e desenvolvimento, foi cortado o vínculo afetuoso que Anita
construiu com todos seus alunos. Não se considerou que para muitas daquelas crianças Anita
representava mais que uma professora. Importante salientarmos que de acordo com a
abordagem histórico-cultural, as funções psicológicas superiores são influenciadas pelos
aspectos afetivos e cognitivos, assim, as interações são fundamentais para acionar os
mecanismos de compensação, favorecendo a intervenção educativa. Os vínculos
estabelecidos por Anita com seus alunos representavam grande diferencial em sua prática
educativa e são compreendidos neste estudo como fundamentais para o desenvolvimento e
aprendizagem dos sujeitos.
A inclusão é um caminho, uma estrada a ser viajada, uma estrada com muitos
obstáculos e barreiras, alguns dos quais estão localizados no íntimo dos indivíduos, em suas
mentes, enraizados, povoando os corações e outros na estrutura da escola e do sistema
escolar como um todo. Entendemos que a inclusão provoca uma crise de identidade na
instituição escolar, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e provoca uma
ressignificação da identidade dos alunos.
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O importante não é chegar, é ir.
(Charles Chaplin)
Considerando a inclusão escolar de alunos com deficiência mental no ensino regular,
nos propomos a discutir e compreender a prática educativa de uma professora alfabetizadora
que atua com alunos deficientes mentais incluídos, evidenciando algumas das redes que
envolvem a inserção destes alunos na sala de aula no ensino regular. A opção neste estudo
por discutir e compreender a prática educativa do professor que atua na alfabetização de
alunos deficientes mentais é por entendermos que, os professores e suas práticas educativas
são essenciais para que a inclusão escolar se concretize, sendo a prática educativa
compreendida como uma ação que pode ser facilitadora ou não a inclusão destes alunos no
sistema educacional. Algumas considerações são necessárias para uma compreensão o mais
fidedigna possível da realidade encontrada pela pesquisa, considerações estas que
influenciaram e interferiram na implementação da prática educativa, quais sejam a formação
da professora, que mesmo tendo concluído o curso de especialização em Psicopedagogia:
Inclusão e Educação Especial não se diz preparada adequadamente para lidar com alunos
com deficiência; e a existência de situações de impossibilidades e desencontros na
comunicação no ambiente escolar.
Importante considerarmos a precariedade da formação profissional que parece ter
influenciado a concepção da professora sobre a deficiência mental, apontando para uma
centralização na capacidade intelectual, onde atribui possibilidades e impossibilidades ao
deficiente mental, reforçando os limites para sua aprendizagem e desenvolvimento. A
princípio as atividades desenvolvidas eram mecânicas onde se sobressaía a cópia de
pequenos textos e palavras, e o fato de Thiago não conseguir realizá-las não representava
preocupação para Anita. Assim, este estudo revelou que de fato as concepções do professor
influenciam sua prática, pois, suas escolhas didáticas corroboram a crença do que os alunos
precisam aprender e como vão aprender, além é claro de estabelecer nessas escolhas o ponto
de partida e chegada dos conteúdos, estabelecendo assim um limite para o desenvolvimento e
aprendizado do aluno.
A partir das reflexões possibilitadas por este estudo, iniciou-se o interesse de Anita
para que Thiago participe das atividades, a dificuldade motora de Thiago começa a ser
136
considerada quando Anita escolhe as atividades a serem desenvolvidas. Anita não
estabeleceu relação entre as atividades, o desenvolvimento de Thiago e os demais alunos.
Supomos que, devido à transferência de sua função na escola, o tempo tenha sido insuficiente
para que Anita percebesse que aquelas atividades que favoreciam a compreensão de Thiago
poderiam ser também utilizadas com os demais alunos, assim como os trabalhos e atividades
coletivas que envolvessem toda a turma seriam muito proveitosos e promotores de
desenvolvimento de todos.
As reflexões propostas levaram Anita a repensar sua concepção de escola, de
aprendizagem, a concepção de seu papel, a maneira como concebe o aluno deficiente, sua
concepção de inclusão, o que irá interferir em sua prática educativa e conseqüentemente na
aprendizagem e no desenvolvimento de seus alunos e não do aluno com deficiência. A
pesquisa neste sentido promoveu reflexões e questionamentos que se interligaram as
concepções de Anita, essa interlocução foi fundamental para um repensar da prática
educativa viabilizando uma mudança de postura e de concepções cristalizadas. Caminhamos
no sentido da escola inclusiva, que atende a todos e que tem o papel de ensinar o ainda não
sabido. Uma escola fundamentada nos princípios da inclusão, que se adéqua para atender seu
aluno, uma escola democrática, igualitária e que atende a todos, possibilitando o aprendizado
e reconhecendo que inclusão sem o aprendizado se caracteriza como exclusão, pois o papel
da escola ultrapassa a socialização.
A escola nesse estudo é reconhecida como local social privilegiado para o
desenvolvimento dos conceitos científicos, que por meio das diversas interações escolares
a criança pode partilhar suas experiências imediatas e seu conhecimento espontâneo com os
conhecimentos sistematizados e acumulados historicamente pela humanidade. Ocorre
gradativamente, a elaboração de diversos níveis de abstrações e generalizações representando
um ambiente de grandes possibilidades para o aluno deficiente mental.
Neste sentido o trabalho de Anita foi se direcionando para a importância de se
compreender os progressos de Thiago e a busca de indícios que lhe apontassem as
possibilidades de Thiago aprender e se desenvolver, na escola. Constatamos neste estudo que
uma linha tênue entre o pensamento do professor e sua ação e acreditamos que o sujeito
pode realizar melhor um trabalho que esteja diretamente relacionado com suas concepções, o
professor nesse sentido realiza melhor, com mais afinco, uma tarefa em que acredita. Desse
modo, podemos inferir que a concepção do docente está atrelada ao seu trabalho e quando ele
se conscientiza disso seu trabalho pode se tornar mais eficiente.
137
Ainda, por meio deste estudo percebemos que os colegas de Thiago não apresentavam
atitudes discriminatórias nem excludentes, ao contrário, gostavam de estar com ele e
estabeleciam diálogo quase ininterrupto com ele, o que não era favorecido pelas atividades
individuais que representam mais de oitenta por cento das aulas observadas. Acreditamos que
a presença do aluno com deficiência em sala de aula é uma oportunidade rica em
conhecimento, relacionamento pessoal e crescimento social dos alunos e professores, além de
representar uma grande oportunidade de o professor regente repensar sua prática educativa e
suas concepções.
Vale destacar que na prática educativa Anita não utiliza uma metodologia específica
para ensinar seus alunos sobressai, entretanto, um modelo tradicional de prática educativa
com predomínio da silabação. Apesar de os professores se sentirem incomodados em admitir
que suas práticas sejam tradicionais, tais práticas quando bem fundamentadas, planejadas são
melhores do que se executar uma prática educativa que não esteja fundamentada, organizada
ou que não permita vislumbrar objetivos ou metas educacionais a serem alcançados. Durante
as aulas observadas percebemos a ausência de músicas, momentos de contação de histórias,
textos diversificados, histórias em quadrinhos, poesias, teatro. Não observamos o uso de
livros literários e/ou didáticos pelos alunos ou mesmo pelo professor, assim como não foi
observado qualquer outra prática que evidenciasse momentos lúdicos que, são de grande
importância na faixa etária em que os alunos se encontram, representando assim, prática
fundamental para favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças.
Alguns importantes fatores a serem considerados são a função e a responsabilidade
que representa o Atendimento Educacional Especializado (AEE), no ensino regular bem
como as expectativas e angústias dos professores do ensino regular. Observamos, porém a
falta de comunicação entre o AEE e o ensino regular não havendo, portanto, a percepção do
trabalho educativo como uma ação colaborativa, como um trabalho coletivo o que culmina
num esforço pessoal, solitário, para tentar dar conta do universo inclusivo com que se
deparam as escolas.
Cabem alguns questionamentos sobre se o Atendimento Educacional Especializado
(AEE) instituído pela Secretaria Municipal de Educação têm cumprido seu papel no auxílio
ao professor do ensino regular, facilitando assim a inclusão escolar do deficiente na rede
regular de ensino. Os dados e as análises apresentados neste estudo demonstram a falta de
comunicação entre os professores que prestam o atendimento ao aluno e o professor regente,
as falas anunciam mais uma defesa de território do que uma ação coletiva que vise ao
138
desenvolvimento dos alunos. Uma defesa de território no sentido de um professor não ter
acesso ao trabalho do outro, um espaço em que não são propiciados momentos que
possibilitem repasses sobre o aluno e suas necessidades, sobre o seu desenvolvimento.
Predomina a falta de interlocução entre os professores ensino regular e os profissionais do
Atendimento Educacional Especializado, o que poderia favorecer a prática educativa dos
profissionais envolvidos com o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos e amenizar
dúvidas e angústias quanto às dificuldades e potencialidades dos alunos com deficiência. No
contexto pesquisado as ações em prol da aprendizagem e desenvolvimento do aluno
deficiente acontecem de forma isolada, cada um faz seu trabalho sem que haja uma interação
entre os núcleos envolvidos na escolarização dos alunos com deficiência.
No tocante às entrevistas reflexivas realizadas nesta pesquisa, estas revelaram
situações promotoras do desenvolvimento da professora, pois suscitaram modificações em
sua forma de pensar sua prática educativa, desencadeando mudanças desenvolvimentais no
aluno deficiente mental. Porém transformações envolvendo todos os alunos da sala de aula
demandariam trabalho maior.
Anita começou a se questionar mais e a questionar sua prática educativa, bem como
os resultados obtidos com Thiago. Iniciou um processo de reconhecimento do conhecimento
que Thiago tem estabelecido, para então planejar um ponto de partida. A ansiedade e as
dúvidas de Anita diminuíam à medida que ela percebia os avanços de Thiago que aos olhos
alheios podiam ser considerados ínfimos, mas que para ele e para Anita eram
importantíssimos. À medida que Anita começou a acreditar nas possibilidades de Thiago
verificamos uma mudança em sua postura frente a ele e aos demais profissionais da escola.
Anita passou a não mais comparar o desenvolvimento de Thiago com o dos demais alunos,
sua ansiedade diminuiu e ela começou a questionar a supervisão da escola sobre o
aprendizado de Thiago. Anita se mostrou indignada com as concepções excludentes que
passou a perceber com maior clareza, começando a observar o tratamento de outros
professores com Thiago e com outros alunos com deficiência que estudam em outras salas.
Podemos inferir que Anita desenvolveu seu olhar e percebeu as situações em seu meio de
maneira diferenciada.
Ao final deste trabalho podemos afirmar com certeza que o processo de inclusão
escolar do aluno deficiente mental na sala de aula do ensino regular é um fenômeno
extremamente complexo para se pretender esgotar todas as considerações sobre o assunto.
139
A transformação ocorrida nas concepções da professora promoveu uma mudança de
atitude que refletiu uma mudança significativa em sua prática educativa com o aluno
deficiente mental, passando pela modificação na maneira da professora perceber aspectos da
sala de aula. Porém, as mudanças na prática educativa da professora, infelizmente, não foram
estendidas aos demais alunos. Consideramos que essas mudanças, tão necessárias para a
efetiva inclusão dos alunos com deficiência na sala de aula, extrapolam a questão da
especificidade do aluno com deficiência mental e devem ser considerados na totalidade do
contexto escolar.
Mas, as mudanças ocorridas no fazer e no pensar da professora não foram mudanças
bruscas e radicais, porém representaram grande contribuição para a pesquisa, pois, a partir
dos registros de observação e das entrevistas reflexivas, ela pôde enxergar-se implementando
sua prática educativa em sala de aula. A professora apresentou durante toda a pesquisa a
tentativa de viabilizar, favorecer e possibilitar o processo de aprendizagem e
desenvolvimento de seus alunos. Acompanhamos também a ausência de um trabalho
conectado do Atendimento Educacional Especializado com os professores regentes do ensino
regular, o que acaba por comprometer o trabalho de ambos (ensino regular e AEE), pois para
que o processo de inclusão se efetive com qualidade para os alunos é imprescindível a
participação da escola como um todo. A inclusão requer um trabalho colaborativo.
A importância deste estudo está na possibilidade de considerar a prática educativa
como instrumento para a inclusão do aluno deficiente mental no ensino regular. Quanto aos
recursos dos quais o aluno necessita para auxiliar seu desenvolvimento e garantir sua
escolarização, constatamos a necessidade de se efetivar os dispostos legais que se referem à
função e à responsabilidade do Atendimento Educacional Especializado na escola regular.
Observamos a necessidade de se reestruturar o trabalho, tanto do AEE quanto do professor
regente, numa perspectiva de trabalho coletivo, que é uma prerrogativa legal,
possibilitando aos profissionais envolvidos com a escolarização destes alunos a busca em
equipe de bases teóricas que sejam capazes de lhes oportunizar reflexões, embates e novas
percepções. Um trabalho coletivo que vise pensar, repensar, construir, reconstruir o contexto
educacional, proporcionando práticas educativas que sejam realmente promotoras de
aprendizagem e desenvolvimento de todos os alunos e não somente dos alunos com
deficiência. Esperamos que os dados levantados neste trabalho contribuam com o
questionamento de posturas cristalizadas, e que se possa visualizar novos caminhos
educacionais.
140
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APÊNDICES
150
APÊNDICE I
NOTA DE CAMPO Nº. 3
Escola Municipal Bom Jardim
Data: 23/04/08
Horário: Das 13hs às 17hs e 25 minutos
Quando se chegou à escola e Thiago se encontrava na sala, os alunos estão tendo
aula de ciências, eles estão dispostos em 05 fileiras, o horário termina e a professora entra na
sala, todos estão envolvidos terminando de fazer a tarefa de ciências. A professora começa a
organizar os alunos em fileiras dispostas de modo que se sentem em dupla para que eles não
fiquem expostos ao sol, pois neste horário o sol chega ao meio da sala. Thiago está em sua
cadeira bem à frente. Ela o coloca ali junto a uma colega. Ele diz à professora que tem uma
coisa pra lhe contar, ela pergunta o que é e ele diz que vai cobrar o mouse adaptado hoje de
novo na hora do recreio. Após a sala arrumada, a professora pega o caderno de Thiago na
mochila dele e começa a folheá-lo, chegando a uma tarefa que lhe deu na última aula para
que ele colorisse em casa, foram carimbos com várias imagens. Ele não coloriu. A professora
aponta para uma figura de boneca e pergunta-lhe que figura é aquela, ele responde
corretamente. Então ela pede que ele comece a colorir agora, ele diz não ter lápis de cor, a
professora pergunta à colega que está do seu lado se ela o empresta, ela diz que sim, e coloca
o estojo com os lápis sobre a mesa de Thiago. Ele começa a mexer dentro do estojo, pega o
lápis vermelho, a professora lhe pergunta que cor é aquela, ele responde corretamente, ela me
olha com um semblante afirmativo, e se aproxima dizendo
vamos observar, parece que na
primeira vez em que ele é questionado sempre acerta, depois começa a não querer responder
e a errar ou chutar, vamos observar’
. A professora se dirige à turma e pede que coloquem o
caderno de recados sobre a mesa, guardem o de ciências e peguem o caderno de sala. Anita
pega alguns cadernos de sala que ficam em seu armário, começa chamar pelos alunos para
entregar. A professora neste momento passa pela mesa de Thiago e lhe mostra o lápis
amarelo e pergunta que cor é aquela, ele repete
‘vermelho’. Ela me olha e diz ‘vermelho é
uma cor difícil para ele, ele fala muito amarelo e azul, parece que a primeira pergunta ele
acerta, vamos observar. Tudo que pergunto a primeira vez ele acerta.
A professora se
dirige ao quadro e começa a fazer linhas e escrever o cabeçalho que contém o nome da
151
escola, o nome do município, o número de alunos juntos e separados meninos e meninas.
Pede para os alunos copiarem. Thiago fecha o caderno e olha para a professora enquanto ela
explica a atividade que será contar primeiro os meninos e depois as meninas. A professora vê
que Thiago fechou o caderno e pede que ele o abra onde está a atividade que ele estava
fazendo. Ele começa a tentar abrir, a colega que está sentada ao seu lado tenta ajudar, a
professora pede que não o ajude que deixe abrir sozinho e diz
ele fechou sozinho não foi?
Ele consegue abrir o caderno e passar as folhas uma a uma. Ela diz a Thiago que vai pegar
seu lápis (este fica em seu armário, pois é adaptado e se for para casa não volta, segundo a
professora), ele pega o lápis com a mão direita, ela pergunta que mão ele quer usar, ele
coloca o lápis na esquerda, mas prefere à direita, diz que é mais fácil. A professora começa a
contar os alunos, meninos e meninas separados, ela gira a cadeira de Thiago para que ele
fique de frente para a turma para acompanhar a contagem, ao girar a cadeira ela diz
‘para
não cair no mesmo erro’ (na última vez ela deixou ele de costas e então ele não participou da
contagem) e me olha. Thiago segue a professora com os olhos. A contagem termina, hoje são
26 alunos, 16 meninas e 10 meninos. Thiago pede para contar, e começa a fazê-lo, porém não
continuidade. A professora o volta para o lugar e pergunta por que ele não quis colorir a
tarefa e ele se diz cansado. Ela pergunta se ele teve aula no AEE hoje, ele diz que não, que
sua aula é amanhã. A professora entrega uma folha com uma atividade de auto-ditado, com
desenhos de lua, luva, ovo, boca, mala, e banana. A professora entrega a folha para Thiago e
diz que é para colorir as figuras e escrever o nome delas na frente. Mostra a folha para a
classe e vai apontando uma a uma as figuras perguntando do que se trata, enquanto isso os
alunos vão respondendo em coro, Thiago está sentado de frente à professora e observa os
dedos da professora sobre os desenhos, e coloca o lápis sobre algumas figuras, mas sem
fazer. Ele vira a folha e tem dificuldade para desvirá-la. A professora olha, se dirige a ele e
desvira a folha, e pergunta
‘você não quer colorir?Ele olha para uma colega e pergunta a
ela ‘- me empresta?colocando a mão sobre o estojo de lápis da colega, que responde que
sim, pega então o lápis azul, a professora pergunta que cor é aquela e ele responde ‘azul’, e
começa a colorir. Mais um tempo depois ela passa pela mesa dele e pergunta de que cor ele
vai pintar o desenho ele diz novamente, com o lápis azul na mão
‘azul’. Ele observa a sala e
principalmente a professora.
A professora pega o lápis vermelho e lhe pergunta que cor é aquela, ele não quer
responder. Depois que ele já guardou o azul e tenta tirar outro lápis do estojo, ele pega o lápis
amarelo e começa a colorir, a professora pergunta que cor é aquela e ele responde que vai
152
colorir primeiro e depois responde. Ele pergunta se está na hora do recreio, pois tem que
cobrar o mouse. Alguns alunos se aproximam de mim com a tarefa acabada ou quase, a
maioria destes com suas tarefas bem feitas, em letra cursiva e as palavras escritas
corretamente. Bate o sinal para o recreio. No recreio a professora do AEE fica com Thiago,
mas antes dela chegar, a professora se senta com ele no refeitório e começa a lhe dar o
lanche.
O recreio termina, a professora se dirige para a sala com seus alunos em fila, Thiago
chega trazido pela professora que ficou com ele no recreio e ela trás um copo com água e
pede que a professora lhe dê a água, pois ‘
ele tomou muito pouco durante o recreio, e veja se
tem fralda na mochila dele e me avise que se tiver eu vou trocá-lo’
. Ao chegar à sala a
professora pede que os alunos se sentem com a cabeça abaixada na mesa por dois minutos,
pede a Thiago que abaixe a cabeça também. Ao final dos minutos pede que fechem os olhos,
respirem pelo nariz, expirem pela boca, e recomecem a tarefa. Thiago começa a mexer no
estojo da colega, pega uma tesoura, me olha e depois guarda. Olha para o tempo.
A
professora dá água a Thiago. A professora passa nas mesas dos alunos com uma caneta e diz
que vai passar um traço nas palavrinhas, mas que é para não apagarem, pois depois ela vai
passar as palavras no quadro e quer que eles copiem na frente. Ela explica
‘a forma como
vocês escreveram está correta, mas precisamos corrigir algumas, pois temos que escrever no
modo convencional, que é a forma que todos lêem e escrevem não é; eu disse isso aqui
muitas vezes.
A professora chama a atenção de dois alunos que estão de pé, Thiago procura-
os, olhando em sua direção. A professora diz que vai copiar as palavras da atividade do auto
ditado no quadro para eles copiarem na frente. A professora se dirige ao quadro e pergunta
qual o nome de cada desenho e escreve no quadro pedindo que copiem na frente sem apagar
o que fizeram. Thiago nem olha para o quadro. Permanece colorindo, agora com o azul
escuro. A supervisora entra na sala conversando com a professora que está na mesa de um
aluno no fundo da sala e Thiago segue sua voz com os olhos virando com dificuldade o
pescoço.
Thiago permanece parado, olhando para os colegas. A supervisora passa pelas mesas
olhando as tarefas e ela elogia os alunos, a professora pergunta se tem na escola um tecido
para fazer uma cortina para diminuir o sol na sala. A supervisora responde que tem e depois
de passar em todas as fileiras, sai da sala. Uma colega empurra um pouco a cadeira de Thiago
para frente para conseguir passagem, ele pede para que a pesquisadora retorne a cadeira para
o lugar, demoro a entender, mas ao entender eu volto-a para o lugar.
153
A professora olha na mochila para ver se tem fralda e ao constatar que tem pede que
um aluno chamar a professora do AEE para trocar Thiago. Ela água a Thiago. A
supervisora chega com um tecido vermelho que poderá ser usado para cortina na sala. Ela
entrega à professora e se retira.
Thiago não faz mais nada, somente conversa com a colega ao lado, que se esforça
para entender. A folha da tarefa de Thiago cai. Ele reclama que está molhado. E diz que vai
fechar o caderno. Ele fecha o caderno, chama a professora e diz que fechou o caderno, ela
não escuta. Ele e a colega ao lado conversam e sorriem.
A professora se dirige ao quadro e escreve treino ortográfico e pede que copiem as
palavras da tarefa da folha três vezes, e começa a copiá-las no quadro enquanto os alunos vão
falando uma a uma, Thiago repete e chama a professora, mas ela não ouve. A professora
termina de escrever as palavras no quadro (lua, ovo, luva, mala, banana).
Tentamos colocar o pano na janela, mas desistimos da idéia por que a fita crepe não
estava fixando-o.
Thiago pede que a professora guarde o lápis dele no estojo. A professora diz que vai
guardar o lápis no armário, senão some, ele insiste que ela coloque em seu estojo, ele quer
levá-lo para casa, ela coloca o lápis dele no estojo e pede que tenha cuidado: ‘amanhã quero
este lápis de volta viu?’ Ele confirma com a cabeça. Os colegas ressaltam que o estojo de
Thiago tem o formato de lápis e que ao guardar o lápis lá dentro serão dois lápis. A
professora pergunta se ele não vai fazer a atividade do quadro, ele diz que está molhado. Ela
diz que a professora deve estar vindo. Thiago pede à colega para tirar o lápis de seu
estojo, a colega não entende, ele repete em vão. A colega pega na mão dele, ele sorri e depois
reclama, chama a professora e diz que a colega está pegando na sua mão, a professora
pergunta se ele não gostou e ele diz que não. A professora pergunta por que e ele diz que sua
mão dói. Alguns alunos com curiosidade se levantam e vão em direção a Thiago para ouvir a
história da mão, e começam a acariciar seus cabelos. Daí um pouco a professora pede para se
sentarem em seus lugares.
Neste momento começa o horário da aula de informática dos alunos, e a professora
pede que eles deixem as fichas e as tampinhas sobre as carteiras e se dirijam para a fila. Ela
leva a cadeira de Thiago. Quando a fila está pronta e fora da sala, Thiago está com a
professora na frente dos outros alunos e diz aos colegas
‘venham comigo’. Ao chegar à sala
154
de informática a professora pede que a fila das meninas espere a fila dos meninos entrarem
primeiro, pois estão conversando muito, ao que Thiago repete a ordem dada.
Na sala de informática as crianças se organizam nos computadores, alguns sozinhos e
outros em dupla. A professora fala com Thiago para irem
‘vamos nós, não é Thiago!’ Ela se
lembra que deve retirar a bancada de mesa que fica acoplada à cadeira, e se dirige a Thiago
‘tem que tirar me esqueci’, e ele responde ‘ tem que saber tirar’.
Ela se dirige com Thiago para um computador e se senta ao lado, ficamos ao lado
deles.
A tela do computador mostra as vogais, figuras das quais os nomes começam por
vogais (elefante, ovo, igreja, urubu e abelha). Essa atividade ele havia feito na aula de
informática da semana anterior, e os jogos neste programa vão sendo continuados à medida
que se avança na resolução deles. E como Thiago já estava no momento de colorir, a intenção
da professora era rever para avançar e chegar onde Thiago havia parado na aula anterior. A
professora pergunta se Thiago se lembra daquele jogo, ele responde
‘são as vogais’. Dessa
vez a professora vai passando para frente, e fazendo por ele explica para ele que é para que
tempo dele colorir. No segundo jogo devem-se levar as vogais que estão embaralhadas ao
pote em que tem a vogal desenhada. A professora começa a levar as vogais conversando com
Thiago, dizendo o nome da vogal e para onde ela vai levá-la. Ele pede para levar uma, e ela
o ajuda a levar a letra U ao pote, ele tem muita dificuldade motora. Ao terminar de colocar a
letra U no pote, Thiago reclama com a professora: ‘
Você levou para mim, eu quero levar’. A
professora sorri. Ela então o ajuda menos um pouco dando a oportunidade de ele forçar um
pouco mais seus movimentos, e assim, com muita dificuldade ele consegue levar outra letra
ao pote e sorri contente, ela pergunta: ‘
você levou?’ Ele responde contente levei, agora você
pode levar’.
A próxima atividade, ele ainda não tinha feito, é uma atividade que apresenta figuras
partidas ao meio, a intenção é juntar as partes e ler o nome da figura. Ela explica a atividade
para Thiago, e começa amostrar cada metade e dizer o nome da figura. Depois pergunta a
Thiago que figura é essa, apontando com o cursor na metade do avião, Thiago responde
corretamente que é um avião. A professora mostra uma metade do ônibus e pergunta que
figura é aquela, ele diz
‘ônibus’. A professora propõe a Thiago procurarem a outra metade do
ônibus, e mostra a metade do elefante e pergunta
‘essa é a outra parte do ônibus?’ Thiago
responde que ‘é’, ela mostra a metade do índio e pergunta é a metade do ônibus’. Ele volta a
dizer que
‘é’. Ao mostrar a metade do ônibus, Thiago afirma demonstrando mais certeza e
155
não pura repetição
‘esse é o ônibus’. A professora comenta comigo que nessas atividades têm
percebido que Thiago repete a fala dela sempre afirmando, mas que quando tem certeza de
algo ele afirma acrescentando outra palavra (mesmo, sim, etc.) além das que ela tenha falado
e/ou demonstra mais certeza afirmando de forma mais firme. E a professora ficou
impressionada com a descoberta que acabara de fazer.
Agora a professora mostra uma metade do avião, e pergunta que figura é aquela, ele
confirma. Mostra a metade do urso e pergunta se é a metade do avião e ele diz que:
‘é o
avião’
, e quando ela mostra a outra metade do avião, Thiago responde: ‘esse é mesmo o
avião’.
Thiago diz para continuar que ele quer colorir. A professora de informática coloca na
tela um desenho da Mônica (do Maurício de Sousa), e a professora pergunta ‘que
personagem é esta?’ Thiago afirma: ‘Você sabe! É a Mônica.’ Em seguida ele pede à
professora que peça à Ana para arrumar um mouse adaptado pra ele.
O horário da aula de informática chega ao fim, os alunos são chamados para fazerem
a fila e se dirigirem a sala de aula. De volta à sala de aula, a professora pede aos alunos para
se sentarem, coloca Thiago de volta ao seu lugar e pergunta à turma se pode recomeçar, ao
que todos afirmam que sim. Thiago permanece mais quieto nesse momento. A bolsa da
professora está na mesa acoplada de Thiago. Ele a pega e mostra à professora chamando-a, a
professora vê, mas como está com outra folha na mão para iniciar outra atividade pede que
ele espere um pouco que ela já irá pegar.
Thiago e Rony conversam, e a professora chama a atenção deles dizendo:
‘vou ter que
separar vocês dois, adivinha por quê?’
Thiago responde: ‘porque a gente ta fofocando’,
Rony diz: ‘você ta fofocando comigo’, e Thiago retruca: ‘é você, eu te conheço’, e Rony
desafia: ‘então fala onde eu moro?’ e Thiago fala: ‘perto da minha casa’. A professora se
aproxima de mim e pergunta: ‘será que eu separo os dois nesta situação ou deixo pra gente
ver o que e se Rony ajuda ele conforme havíamos conversado no módulo’. Tentamos não
dar resposta e apenas perguntamos se não vai atrapalhar Rony e ela diz que não, e ela
acrescenta:
‘ Rony dá conta de copiar e ajudar o Thiago, ele é esperto. ’ Ela decide deixar os
dois juntos e explica a eles que vai deixá-los juntos para que Rony copie para Thiago as
palavras que Thiago escolher do quadro. Rony demonstra dúvida nessa tarefa de ajudar
Thiago, não ficou muito claro pra ele, e Thiago diz
‘pode copiar Rony’, mas não diz
nenhuma palavra (ele ainda não lê). A professora explica novamente para Rony ‘você vai
156
copiar as palavras que Thiago ler e falar pra você copiar’. Thiago diz para Rony ‘pode
copiar as palavras’ e fica olhando para o tempo enquanto Rony copia todas.
Thiago está todo molhado de urina, a pessoa que ficou com ele hoje não veio trocar
ainda. A professora segue para o quadro para que os alunos sigam a leitura das palavras,
pergunta a Thiago se ele está conseguindo ver, ele confirma com a cabeça. Mas durante a
leitura ele permanece alheio, olhando para os lados a maior parte do tempo. Olha para Rony
que lê. A professora pergunta aos alunos mostrando a palavra lua, com que letra termina esta
palavra, eles respondem:
‘a’ e ela pergunta a Thiago que junto com alguns colegas
respondem: ‘a’. Agora ela mostra a letra O da palavra ovo e pergunta a Thiago que letra é
aquela, ele diz:
H’, ela então o leva até o quadro e mostra a letra A e pergunta: ‘que letra é
essa, Thiago?’, ele diz: ‘A’. Ao mostrar novamente a letra O, e perguntar que letra é aquela
ele responde: ‘B’.
A professora escreve então em um canto do quadro, bem embaixo as vogais em letra
de fôrma, e lhe pergunta
como são chamadas essas letras, todas juntas?’, ele responde
‘vogais’. Agora ela mostra uma de cada vez e vai perguntando como se chamam, para o E
ele diz
‘H’, para o A ele diz ‘esqueci’, ela mostra a letra O e ele responde: ‘esse é O, o bola’.
A professora então, girando sua cadeira para voltá-la ao lugar pergunta: ‘você gosta de bola,
Thiago?’ Ele responde que sim. O sinal soa, e os alunos começam alvoroçados a arrumar o
material. Fazem a fila no corredor do lado de fora da sala. Anita conduz Thiago para que
fique à frente da fila, no caminho da saída encontram a mãe de Thiago que o leva consigo. O
restante da turma é conduzido pela professora ao portão de saída. Alguns se despedem com
beijos e abraços e se vão. Termina o horário.
157
APÊNDICE II
Roteiro de entrevista inicial com o professor regente
Bloco I – Identificação do entrevistado:
Nome do professor
entrevistado:________________________________________________________________
Idade:________________________
Estado civil:__________________________ Filhos:______________________
Escola em que leciona:________________________________________________________
Série em que leciona:_____________________
Bloco II – Formação profissional, carreira e concepções:
2.1 - Formação Acadêmica:________________________; Ano de conclusão: ____________
(curso de graduação)
Cidade:_____________
Habilitação:_________________________________________________________________
2.2 – Curso de especialização:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Ano de conclusão:_____________
2.3 - Outros cursos:___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.4 - Porque escolheu esta formação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.5 - Há quanto tempo atua como professora?
__________________________________________________________________________
2.6 - Em quais séries já atuou?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.7 - Qual importância da alfabetização para seus alunos?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
158
Bloco III – Concepções para o trabalho com o deficiente mental:
3.1 - Já atuou com alunos deficientes mentais antes? Se já, quais experiências traz deste
momento?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.2 – Quais contribuições dos cursos de formação para seu trabalho alfabetizador com o
deficiente mental?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.3 - O que você sabe sobre crianças com deficiência mental?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.4 - Como você descreve seu aluno deficiente mental?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.5 - O que você espera no desenvolvimento e aprendizagem do aluno com deficiência
mental?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
BLOCO IV – A prática educativa e a presença do aluno deficiente mental:
4.1 - Que informações lhe foram dadas sobre o aluno deficiente mental que está em sua sala?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
159
4.2 - Como você define sua sala de aula?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.3 - Quais as dificuldades que você visualiza neste momento em sua sala de aula?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.4 - Você considera que trabalhar com alunos deficientes mentais pode alterar algo em sua
prática ou em seus objetivos didático-pedagógicos? Caso altere, especifique o quê.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.5 - No seu curso você obteve informações que lhe auxiliem no trabalho alfabetizador com
alunos deficientes mentais? Quais?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.6 – Você conta com ajuda para amenizar as dificuldades? Caso receba ajuda, especifique
que tipo de ajuda recebe e de que forma contribui com seu trabalho.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.7 - Fale um pouco sobre o dia-dia da sua sala de aula. Como você lida com as diferenças
entre as crianças?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.8 - O que você espera de seu trabalho com essa turma durante este ano?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
160
APÊNDICE III
Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Educação
Av. João Naves de Ávila, nº 2121. Campus Stª Mônica. Bloco “G”. CEP 38408-100
Uberlândia/MG. Telefax: (034) 3239-4197
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (para a Diretora da
Escola)
Pelo presente declaro que fui informado (a), de forma clara e detalhada dos objetivos e
da justificativa do Projeto de Pesquisa intitulado: Prática Educativa: um olhar para a
inclusão escolar do aluno deficiente mental, desenvolvido pela mestranda Larissa Maciel
Gonçalves Silva, do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, da sob a orientação da professora Dra. Arlete Aparecida Bertoldo
Miranda .
Tenho conhecimento de que receberei respostas a quaisquer dúvidas sobre
procedimentos e outros assuntos relacionados com esta pesquisa, e de que desta não
decorrerão ganhos e nem ônus financeiros para a Escola e seus sujeitos e de que a
participação da instituição podeser interrompida a qualquer momento sem nenhum tipo de
prejuízo pessoal. Entendo que a escola, seus professores e alunos não serão identificados e
que garantir-se-á o caráter confidencial das informações registradas, mesmo quando os
resultados da investigação forem publicados.
Concordo com a realização da presente pesquisa na escola e autorizo, para fins
exclusivos de pesquisa, a utilização de imagens e dados relativos à instituição, respeitando-se
normas éticas devidas.
Uberlândia, ...... de ..........2008
________________________________
(Diretora da Escola)
161
APÊNDICE IV
Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Educação
Av. João Naves de Ávila, nº 2121. Campus Stª Mônica. Bloco “G”. CEP 38408-100
Uberlândia/MG. Telefax: (034) 3239-4197
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (destinado à professora)
Pelo presente declaro que fui informado (a), de forma clara e detalhada dos objetivos
e da justificativa do Projeto de Pesquisa intitulado: Prática Educativa: um olhar para a
inclusão escolar do aluno deficiente mental, desenvolvido pela mestranda Larissa Maciel
Gonçalves Silva, do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, da sob a orientação da professora Dra. Arlete Aparecida Bertoldo
Miranda.
Para realização do presente trabalho será preciso observar o trabalho docente e a
rotina de sua turma, entrevistar você e em alguns momentos gravar em áudio o trabalho de
sala de aula. As entrevistas e as gravações em áudio serão previamente combinadas. Nesse
caso tais registros serão destruídos logo após a reconstrução dos mesmos. Em nenhum
momento você será identificado. Mesmo quando os resultados desse trabalho forem
publicados sua identidade será preservada. Você não terá ganhos e nem ônus financeiros por
participar dessa pesquisa e sua participação poderá ser interrompida a qualquer momento sem
nenhum tipo de prejuízo pessoal. Uma cópia deste documento ficará com você.
Os responsáveis por esta pesquisa colocam-se à sua disposição para quaisquer outros
esclarecimentos que se fizerem necessários. Em caso de dúvida entre em contato conosco
pelos telefones: (34) 3239-4163, 3239-4197, ou por intermédio do Comitê de Ética e
Pesquisa da UFU, bloco “J”. Campus Santa Mônica. Telefone: (34) 3239-4531.
Uberlândia, ...... de .......de 2008
_______________________________ ________________________________
Profª. Dra. Arlete Apda Bertoldo Miranda Larissa Maciel Gonçalves Silva
Após ter sido devidamente esclarecido, eu aceito participar voluntariamente da
pesquisa apresentada acima.
_________________________________________________________________________
Professor participante da pesquisa
162
APÊNDICE V
Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Educação
Av. João Naves de Ávila, nº 2121. Campus Stª Mônica. Bloco “G”.CEP38408-100
Uberlândia/MG. Telefax: (034) 3239-4197
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (destinado aos
responsáveis pelas crianças)
Seu filho (a) está sendo convidado para participar da pesquisa Prática Educativa:
um olhar para a inclusão escolar do aluno deficiente mental, desenvolvido pela
mestranda Larissa Maciel Gonçalves Silva, do Programa de Pós-Graduação Mestrado em
Educação da Universidade Federal de Uberlândia, da sob a orientação da professora Dra.
Arlete Aparecida Bertoldo Miranda.
Para realizar o presente trabalho será preciso observar o trabalho que a professora de
seu filho/filha realiza na sala de aula, e em alguns momentos gravar em áudio o trabalho de
sala de aula. O esquema das gravações em áudio será previamente combinado com a
professora e tais registros serão destruídos logo após a reconstrução dos mesmos. Em
nenhum momento seu filho/filha será identificado. Mesmo quando os resultados desse
trabalho forem publicados a identidade das crianças e de suas famílias serão preservadas.
Você não terá ônus e nem ganhos financeiros por seu filho/filha participar dessa pesquisa e
participação dele/dela poderá ser interrompida a qualquer momento sem nenhum tipo de
prejuízo pessoal. Uma cópia deste documento ficará com você.
Os responsáveis por esta pesquisa colocam-se à sua disposição para quaisquer outros
esclarecimentos que se fizerem necessários. Em caso de dúvida entre em contato conosco
pelos telefones: (34) 3239-4163, 3239-4197 ou por intermédio do Comitê de Ética e Pesquisa
da UFU na Avenida João Naves de Ávila, n.2121, bloco “J”. Campus Santa Mônica. Caixa
Postal 593. Telefone: (34) 3239-4531.
Uberlândia, ...... de .......de 2008
__________________________ ___________________________
Profª. Drª. Arlete Apda. Bertoldo Miranda Larissa Maciel Gonçalves Silva
Após ter sido devidamente esclarecido, eu autorizo a participação de meu/minha
filho/filha ____________________________ na Pesquisa apresentada acima.
_____________________________
Responsável pelo aluno
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