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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL - MESTRADO
MARACÁ E CUNANI: IMAGENS INSTITUCIONAIS PARA O AMAPÁ
Lídia Lobato Leal
Goiânia/GO
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2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL - MESTRADO
MARACÁ E CUNANI: IMAGENS INSTITUCIONAIS PARA O AMAPÁ
Lídia Lobato Leal
Goiânia/GO
2009
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Leal, Lidia Lobato.
L435q Maracá e cunani [manuscrito]: imagens institucionais para o
Amapá / Lidia Lobato Leal. – 2009.
105f..: il., color., imagens.
Orientador: Prof. Dr. Luis Edegar de Oliveira Costa.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Fa-
culdade de Artes Visuais, 2009.
.
Bibliografia.
Inclui lista de imagens e siglas.
1. Maracá (cerâmica) – Amapá [Estado] 2. Cunani (cerâmica) – Amapá
[Estado] 3.Identidade 4. Cultura visual 5. Imagem I. Título.
CDU: 738(811.6)
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL - MESTRADO
MARACÁ E CUNANI: IMAGENS INSTITUCIONAIS PARA O AMAPÁ
Lídia Lobato Leal
Dissertação apresentada à banca Examinadora da
Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de
Goiás, como exigência parcial para a exigência do título
de MESTRE EM CULTURA VISUAL, sob orientação do
professor Dr. Luís Edegar de Oliveira Costa.
Goiânia/GO
2009
4
TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E
DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG
Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás
(UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei
9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura,
impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir
desta data.
11. Identificação do material bibliográfico: [X ] Dissertação [ ] Tese
2.
3. 2. Identificação da Tese ou Dissertação
Autor (a): Lídia Lobato Leal CPF.595181892-34
m
C.I.nº 2666260-PA
Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [ ]Sim [ X] Não
Vínculo empregatício do autor Gov. Do Estado do Amapá
Agência de fomento: Sigla:
País: Brasil UF: AP CNPJ:
Título: Maracá e Cunai: Imagens institucionais para o Amapá
Palavras-chave: Identidade, Cultura Visual, Imagem, Maracá, Cunani
Título em outra língua: Maracá and Cunani: Institutionals Images for Amapá
Palavras-chave em outra língua: Identity, Visual Culture,Image, Maracá, Cunani.
Área de concentração: História, Teoria e crítica da Imagem
Data defesa: (dd/mm/aaaa) 23/10/2009
Programa de Pós-Graduação: Em Cultura Visual- Mestrado ( Faculdade de Artes
Visuais)
Orientador (a): Dr. Luís Edegar de Oliveira Costa
Co-orientador (a):
E-mail:
3. Informações de acesso ao documento:
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[ ] Capítulos. Especifique:
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disponibilização, receberão procedimentos de segurança, criptografia (para não permitir
cópia e extração de conteúdo, permitindo apenas impressão fraca) usando o padrão do
Acrobat.
________________________________________ Data: ____ / ____ / __
Assinatura do (a) autor (a)
1 Em caso de restrição, esta poderá ser mantida por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste
prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Todo resumo e metadados ficarão sempre
disponibilizados.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL - MESTRADO
MARACÁ E CUNANI: IMAGENS INSTITUCIONAIS PARA O AMAPÁ
Lídia Lobato Leal
Dissertação defendida e aprovada em 23 de Outubro de 2009
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________
Prof. Dr. Luis Edegar de Oliveira Costa. (UFRGS/UFG)
Orientador e presidente da Banca Examinadora.
________________________________________________
Profª. Dra. Priscila Rossinetti Rufinoni (UNB)
Membro externo
________________________________________________
Profª. Dra. Irene Tourinho (FAV/UFG)
Membro interno
______________________________________________
Profª. Dra. Bianca Knaak (UFRGS)
Suplente do membro externo
______________________________________________
Profª. Dra. Maria Elízia Borges (FAV/UFG)
Suplente do membro interno
6
AGRADECIMENTOS
Escrevo em ordem alfabética para tentar ser menos injusta.
Agradeço:
A Alice Martins, por que com sua vozinha meiga sempre conseguia tirar de mim mais
do que eu pensava que podia, pelas caronas, pelo Tai Chi Chuan, pelos abraços e
enorme carinho;
Alexandre Pereira, pois sem ele eu não teria descoberto essa oportunidade no
Centro- Oeste, pelas conversas inspiradoras, pelo enorme apoio, por me socorrer
sempre que precisei, pelas revisões e pelo amigo incansável que é;
Alzira Martins por me atender mesmo depois do expediente, pela diligência com
todos, pelas caronas, pelos abraços sinceros e pela preocupação e amizade que
demonstra;
Emerson Viana Junior pelas cópias, pela gostosa preocupação comigo, por guardar
minhas coisas, pelos jantares e a amizade;
Eliane Superti pelas revisões, pelas orientações de leitura, pelos abraços e sorrisos,
por dedicar-me um pouco de seu tempo sempre raro, pela enorme generosidade e
pela amizade que mesmo à distância nutrimos;
Gabriel Sena que apenas com sua existência me fez querer seguir adiante e mesmo
distante sempre foi o motivo para concluir este trabalho;
Getúlio Chartier, por me acolher, por me aturar nos momentos difíceis, pela
generosidade e por me mostrar que a alegria faz milagres;
Irene Tourinho pelo estágio, pela confiança que em mim depositou, pelas conversas
amistosas, pelo exemplo de trabalho e pelas enormes possibilidades que abriu;
João Saldanha pela oportunidade e atenção a mim dirigida durante a escavação e
pelo bom humor que fazia o trabalho parecer mais leve;
Liana Leal, Lúcia Leal e Lucy Leal mulheres lutadoras, generosas e iluminadas, que
nos momentos nebulosos, mesmo sem saber me sustentaram afetivamente;
Luís Edegar que me orientou neste trabalho, superando meus hiatos e silêncios
mostrando-se compreensivo e solícito. Obrigada pela enorme paciência e força!
Maria Domingas, minha mãe, que mesmo com seu pouco estudo sempre
preocupou-se em dar essa oportunidade a seus filhos e sem perguntar o porque das
lágrimas – acolhe, e ainda que eu diga que está tudo bem – permanece. Você me
7
ensinou muito!
Mariana Petry, que com sua objetividade ensinou alguns meandros da escavação,
deu broncas necessárias, exigiu disciplina e se mostrou generosa;
Manoel Figueira, que segurou a barra, sabendo medir a importância deste trabalho;
Raimundo Ferreira, meu pai (in memoriam) que mesmo ausente fez parte deste
trabalho;
São dele as lembranças onde os mistérios do rio e da mata se mostravam
desafiadores;
Raimundo Martins, que abriu horizontes e me jogou cada vez mais fundo nessa teia
da visualidade, de conversa mansa e amiga com quem tive a oportunidade de
trabalhar e aprender;
Wolney Fernandes, pelo talento, pessoa generosa que dividiu chocolates, anseios,
receios e risadas;
A todos os docentes do programa de Pós-Graduação em Cultura Visual - Mestrado;
Aos colegas docentes da E. E. Sagrado Coração de Jesus, em Macapá;
Aos amigos do Coletivo Palafita, do Grupo Nervo, da UNIFAP, da turma do mestrado
2007, do Ser-tão;
Aos funcionários da FAV.
Obrigada!
8
À minha mãe Domingas, meu
pai Raimundo e Gabriel, que me
deram força apenas com o que
representam para mim.
9
Minha família anda longe,
Com trajos de circunstâncias.
Uns converteram-se em flores,
outros em pedra, água, líquem;
Alguns de tanta distância,
nem tem vestígios que indiquem
uma certa orientação.
Minha família anda longe,
_ na Terra, na Lua, em Marte _
Uns dançando pelos ares,
outros perdidos no chão (...)
(Cecília Meireles,1983)
1
RESUMO
A tentativa de entender como ocorre a construção da identidade no estado do
Amapá a partir, da campanha institucional pelo sentimento de amapalidade, orienta
este trabalho. O governo atual (2009) do estado do Ama assumiu seu primeiro
mandato em 2002, sua tônica e slogan estavam voltados ao empreendedorismo, no
intuito de valorizar as parcerias público-privadas, por iniciativa do Governo Federal.
Neste sentido, observa-se uma forte intenção institucional a fim de gerar dividendos
econômicos a partir da exploração de aspectos culturais locais. Dentro deste
contexto, a partir de 2006 as imagens das cerâmicas Maracá e Cunani “ressurgem”
como elementos locais com perspectivas mercadológicas, pois o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), com a intenção de fornecer
subsídios técnicos que colaborassem com o sucesso das micro e pequenas
empresas, iniciou um programa de capacitação para os empresários do setor
artesanal, com a realização de diversas oficinas, incentivando-os a promover a
construção de diferenciais que não agregassem valor econômico a seus produtos
e/ou serviços, como possibilitassem a construção de uma identidade para seus
produtos e/ou empresas. Através da análise da publicação do SEBRAE/AP, 2006, do
jornal A Gazeta e das exposições das peças produzidas pelos artesãos que
participaram das oficinas do SEBRAE, o objetivo é compreender a utilização destas
imagens em seu contexto historiográfico (séc. XV a XVII) e também em seu contexto
contemporâneo; bem como refletir a respeito do discurso institucional produzido
sobre tais imagens, correlacionando-as com os conceitos de identidade, linguagem e
cultura visual.
Palavras-chave: Identidade, Cultura Visual, Imagem, Maracá, Cunani.
11
ABSTRACT
The attempt to understand how the construction of identity in the state of Amapá
from, the institutional campaign for the feeling of Amapalidade, guides this work. The
government acts (2009) of the State of Amapá have taken his first term in 2002, his
tonic and slogan were turned to entrepreneurship in order to enhance public-private
initiative by the Federal Government. In this sense, there is a strong institutional
intention to generate economic dividends from the holding of local cultural issues.
Within this context, from 2006 images of ceramics and Maraca Cunani "reappear" as
local elements with the prospect of market, because the Brazilian Service of Support
to Micro and Small Enterprises (SEBRAE), with the intention of providing technical
support to collaborate with the success of micro and small enterprises, has launched
a training program for entrepreneurs of small-scale sector, with the holding of several
workshops, encouraging them to promote the construction of spreads not only add
value to their economic or products and services, such as enabled the construction of
an identity for your products and or companies. Through analysis of the publication of
SEBRAE / AP, 2006, The Journal “A Gazeta” and the exhibition of items produced by
craftsmen who participated in the workshops of SEBRAE. The goal is to understand
the use of these images in their historiographic context (XV to XVII) and also in its
contemporary context and reflect on the institutional discourse on such images
produced by correlating them with the concepts of identity, language and visual
culture.
Key-words: Identity, Visual Culture, Image, Maracá, Cunani.
1
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01: Mapa com as fases arqueológicas encontradas no Amapá......................... 21
Imagem 02 e 03: Etapas de produção da cerâmica......................................................... 23
Imagem 04: Cerâmica doméstica inciso ponteada........................................................... 26
Imagem 05: Urnas funerárias da tradição Policroma, utilizadas para enterramento
secundário.........................................................................................................................
29
Imagem 06: Perfil de caverna onde urnas Maracá foram encontradas............................ 32
Imagem 07: Sítio – cemitério com urnas funerárias Maracá............................................ 33
Imagem 08: Recorte com vista superior e lateral dos poços artificiais da cerâmica
Cunani...............................................................................................................................
34
Imagem 09: Exposição equinócio 2006 na 43ª Expofeira agropecuária do Amapá......... 40
Imagem 10: entrada da exposição “O Legado da civilizações Maracá e cunani: O
Amapá revelando sua identidade”, 2006........................................................................... 48
Imagem 11: Panfleto de apresentação da exposição “O Legado das civilizações
Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade".................................................... 50
Imagem 12: Apresentação do panfleto da exposição “O Legado das civilizações
Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade”.................................................... 51
Imagem 13: Catálogo das peças artesanais da exposição “O Legado das civilizações
Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade”.................................................... 52
Imagem 14: Panfleto da campanha eleitoral 2006........................................................... 58
Imagem 15: Programa impresso do III Adeia SESC – Povos da Floresta........................ 59
Imagem 16: Capa da Revista Casa da Amapalidade....................................................... 61
Gráfico 1: Notícias do jornal A Gazeta sobre cerâmica Maracá e Cunani 63
Imagem 17: Imagem de notícia do jornal A Gazeta......................................................... 66
Imagem 18: Imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 67
Imagem 19: Imagem de notícia do jornal A Gazeta......................................................... 69
Imagem 20: imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 70
Imagem 21: Imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 71
Imagem 22: Imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 71
Imagem 23: Imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 73
Imagem 24: Imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 74
1
Imagem 25: Imagem de notícia do jornal A Gazeta.......................................................... 75
Imagem 26: Prato e Bandeja Cunani................................................................................ 79
Imagem 27: Grafismo Cunani feito pelo artesão Tony...................................................... 80
Imagem 28: Urna antropomorfa Maracá ......................................................................... 81
Imagem 29: Negativos de prato Cunani........................................................................... 82
Imagem 30: Quadro com motivo Cunani feita pelo artesão Tony..................................... 83
Imagem 31: Bandeja em madeira com motivo Maracá.................................................... 84
Imagem 32: Negativo e espelhamento de perfis Maracá ................................................ 84
Imagem 33: Urna Funerária Maracá................................................................................. 85
Imagem 34: Jóia em ouro e tucumã................................................................................. 86
Imagem 35: Urna zoomorfa Maracá................................................................................. 87
Imagem 36: Artesanato em cerâmica com motivo Maracá............................................... 89
Imagem 37: Reserva técnica do IEPA.............................................................................. 91
Imagem 38: Propaganda no jornal A Gazeta.................................................................... 95
1
1
LISTA DE SIGLAS
SEBRAE/AP: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas / Amapá
PPP’S: Parcerias Público-Privadas
GEA: Governo do Estado do Amapá
CECON: Comissão de Economia do Amapá
IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
DETUR: Departamento de Turismo do Amapá
PROECOTUR: Programa de Ecoturismo do Governo Federal
MMA: Ministério do Meio Ambiente
CEAP: Centro de Ensino Superior do Amapá
SEAMA: Sistema Educacional da Amazônia
IEPA: Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá
SESC: Serviço Social do Comércio
SETE: Secretaria de Estado de Trabalho e Empreendedorismo
AFAP: Agência de Fomento do Amapá
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 15
CAPÍTULO 1
1 Historiografia das imagens Maracá e Cunani....................................................... 20
1.1 Fases Arqueológicas do Amapá .................................................................... 20
1.1.1 Aruá.......................................................................................................... 20
1.1.2 Aristé ....................................................................................................... 22
1.1.3 Mazagão.................................................................................................. 24
1.1.4 Maracá..................................................................................................... 25
1.2 Enterramento e sepultamento......................................................................... 28
1.2.1 Sepultamento primário............................................................................. 28
1.2.2 Sepultamento secundário........................................................................ 28
1.3 Pesquisas nos Sítios arqueológicos de Maracá............................................. 30
1.4 Pesquisas nos Sítios arqueológicos em Cunani............................................ 33
1.5 descobertas de Goeldi aos dias de hoje......................................................... 35
2 Identidade............................................................................................................ 37
2.1 As imagens Maracá e Cunani e sua condição identitária.............................. 43
CAPÍTULO 2
2 O discurso de re-significação das imagens Maracá e Cunani.............................. 47
2.1 SEBRAE e Governo do estado em articulação.............................................. 47
2.2 Discurso e ideologia........................................................................................ 53
2.3 A imagem na cultura visual............................................................................. 56
CAPÍTULO 3
3 Análise do discurso da mídia impressa A Gazeta................................................ 63
3.1 A produção do discurso midiático................................................................... 63
3.2 Representação e visualidade.......................................................................... 72
CAPÍTULO 4
4 O jeito de ser do povo daqui................................................................................. 77
4.1 Imagens Maracá e Cunani: comparações e análises.................................... 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse rio é minha rua............................................................................................ 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 98
REFERÊNCIAS VISUAIS........................................................................................ 102
1
INTRODUÇÃO
Maracá e Cunani: Imagens Institucionais para o Amapá
Imaginar o mundo como era há 2.000 anos atrás é ter certeza de que era bem
diferente do que é hoje. “Entre 2.000 e 1.000 anos atrás começaram a predominar
povos de cultura baseada na agricultura e na cerâmica” (SEBRAE, 2006, p. 14) e o
ser humano teve que se adaptar ao seu meio ao mesmo tempo em que tentava
preservar sua espécie. O domínio do fogo, o estabelecimento do diálogo, as
primeiras representações feitas em forma de desenhos nas paredes das cavernas
foram apenas algumas das etapas iniciais para o ser humano afirmar-se enquanto
consciente de suas ações. No passado a pintura rupestre, a cerâmica, o trabalho
com fibras e sementes era como se registrava no tempo a sua cultura, através das
quais também trocavam mensagens, ideias e transmitiam desejos e necessidades.
Em vários períodos o ser humano buscou representar seu mundo, sua
geografia, seu imaginário, suas formas de fazer as mais diversas atividades e suas
ideias. Seu trabalho foi lento, esporádico ou acelerado, dependendo de cada ponto
geográfico, aldeia, tribo, agrupamento humano. Muitas culturas imagéticas
sobrevivem hoje a partir dos vestígios que nos vieram através do tempo, como a
cultura Maia, Inca e Asteca, por exemplo. No estado do Pará ainda existem traços
fortes da cultura imagética Marajoara, fruto do trabalho de grupos indígenas que
perpetuaram sua cultura em traços e linhas que se transformaram em cerâmica,
cestos, objetos religiosos e cotidianos. Essas identidades e sentidos de outros
povos e grupos marcam uma época, um contexto, uma cultura que sobreviveu por
longos períodos, sendo lentamente apagada da memória individual e coletiva,
perdendo-se no tempo.
Este trabalho visa estudar o “sentimento de amapalidade” como construção
identitária na campanha intitulada “O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: o
Amapá Revelando sua Identidade” (publicação SEBRAE, 2006), através da
exposição homônima ocorrida em junho/julho de 2006 na Fortaleza de São José de
Macapá, na exposição de peças artesanais na 43ª Expofeira agropecuária do
1
Amapá, no Salão do Design do Amapá, e sua repercussão na mídia amapaense
espacialmente no jornal impresso A Gazeta”. As imagens Maracá e Cunani
sofreram diversas influências ao longo do tempo e, atualmente estão passando por
uma fase de re-significação a partir de uma campanha institucional do estado do
Amapá o sentimento de amapalidade. Nessa campanha a identidade é um
fenômeno motivado por interesses, geralmente vinculado a jogos de poder, e no
momento contemporâneo a interesses políticos e financeiros.
O estado do Amapá é banhado a leste pelo Oceano Atlântico e ao sul pelo rio
Amazonas e a capital Macapá são banhados pelo braço norte do rio Amazonas,
sendo até 1840 um destacamento militar que servia como marco mais setentrional
do Brasil. Os grupos indígenas que habitam o estado do Amapá possuem suas
reservas demarcadas e sem invasões de madeireiros, pecuaristas ou agricultores e
estão distribuídos em 49 aldeias através das etnias Galibi, Palicur, Karipuna, Tiryó,
Kaxuyana, Wayana, Apalaí e Waiãpí. De acordo com os estudos de Pardi & Silveira
(2005), em 2005 o Amapá possuía 116 sítios arqueológicos registrados pelo IPHAN,
sendo seus ocupantes classificados como “Horticultores da Floresta Tropical e
Agricultores Subandinos, além das populações históricas” (PARDI & SILVEIRA,
2005, p. 23).
Quando o atual Governo do estado do Ama assumiu seu primeiro mandato
em 2002, seu programa de governo estava voltado ao empreendedorismo, com o
objetivo de valorizar as parcerias público-privadas (PPP’S), contando com o apoio
do Governo Federal. Observava-se uma forte intenção institucional, a fim de gerar
dividendos econômicos a partir da exploração de aspectos culturais locais. Dentro
desse contexto, a partir de 2006, as imagens Maracá e Cunani “ressurgem”
2
como
elementos locais, com perspectivas mercadológicas, a partir de uma parceria entre o
governo estadual e o SEBRAE/AP. Essa parceria gerou subsídios que promoveriam
o sucesso das micro e pequenas empresas a partir da capacitação dos empresários
do setor artesanal, através de diversas oficinas, incentivando a criação de
diferenciais que agregassem valor – não somente econômico – a seus produtos e/ou
serviços e que possibilitassem a consolidação de uma identidade para o seu produto
e/ou empresa - seria o marketing Cultural.
Através das informações fornecidas pela publicação do SEBRAE/AP “O
2 Ressurgem porque ganham o apoio institucional, através do Governo Federal em articulação com as diversas
Secretarias de Estado( Meio Ambiente, Turismo, Economia, Empreendedorismo).
1
legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua Identidade”, pelas
matérias do jornal A Gazeta”, a exposição na Fortaleza de São José de Macapá
(junho/julho, 2006), na 43ª Expofeira Agropecuária do Amapá, no Salão do Design
Amapaense, busca-se analisar o fenômeno “construção de identidade” de um modo
específico, tendo por referência principal a Campanha da Amapalidade lançada pelo
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRE/AP) em
parceria com o Governo do Estado do Amapá (GEA), a partir do ano de 2006, e que
ainda está em fase de execução.
Considerando as peculiaridades
3
das imagens Maracá e Cunani, estas foram
escolhidas para serem a marca, não somente de um projeto de marketing, mas a
partir da visão institucional (Governo do Estado do Amapá - GEA), da identidade do
povo amapaense. O que se confirma na fala Antonio Waldez Góes da Silva
4
,
governador do Estado, quando afirma que “a partir de agora daremos início a um
processo de sensibilização e estímulo a nossos empreendedores – sejam artesanais
ou industriais – , para que incorpore essa nossa identidade cultural em seu processo
produtivo” (SEBRAE, 2006). Esta fala do Governador do Estado demonstra o
interesse institucional em estimular, sensibilizar e promover, no setor produtivo
5
, não
somente o sentido de pertencimento, mas principalmente de gerar dividendos
econômicos através da utilização das imagens Maracá e Cunani.
As estratégias utilizadas pelo GEA e pelo SEBRAE/AP foram demonstradas
através de oficinas ministradas aos artesãos (setor que recebeu estímulos através
de linhas de crédito específicas para quem utilizasse as imagens Maracá e Cunani),
exposições em diversos espaços públicos e privados, tais como agências bancárias
Banco da Amazônia - BASA), faculdades (SEAMA e CEAP), praças (Beira Rio e
Floriano Peixoto) e até mesmo uma casa noturna (Choperia da Lagoa).
A investigação documental e bibliográfica dá-se a partir de dados primários e
secundários, especificamente o livro publicado pelo SEBRAE/AP, “O legado das
civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade”. Como dado
secundário, utiliza-se a análise do periódico impresso, de circulação no Estado do
3 As peculiaridades estão ligadas a fatores como ocorrência das imagens apenas na área do Estado do
Amapá, as imagens Cunani estarem localizadas geograficamente ao norte do Estado e as Imagens Maracá
ao sul. As imagens Cunani serem depositadas em poços artificiais e as Maracá possuírem forma
antropomorfas.
4 Esta fala consta na apresentação do livro “O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando
sua identidade”. SEBRAE, 2006
5 O setor produtivo aqui é demonstrado pelo Governador Waldez Góes como “artesanais ou industriais”
(SEBRAE/AP, 2006, p. 05)
1
Amapá: jornal A Gazeta”, compreendendo o período de março a outubro de 2006,
período em que mais veiculou informações sobre as imagens Maracá e Cunani, do
Panfleto da Campanha à reeleição (Governo Waldez Góes) de 2006, do panfleto da
Exposição na Fortaleza de São José de Macapá, do Programa do III Aldeia SESC -
Povos da Floresta e da revista Casa da Amapalidade.
A análise do jornal A Gazeta como documento secundário remete à
classificação de periódicos como elemento relevante para a compreensão da
pesquisa partindo “do lugar em que nos encontramos” (COSTA, 2002, p. 93) e do dia
a dia, no sentido deste estudo ser mediado pelo olhar, inicialmente da imprensa
escrita e pela publicação do SEBRAE/AP e, finalmente, do suporte bibliográfico
necessário pra compreender o uso de imagens. Esta investigação foi desenvolvida
utilizando-se a estratégia da pesquisa qualitativa. Na pesquisa qualitativa, o
pesquisador interpreta a realidade a partir dos dados coletados, buscando descrever
os fenômenos estudados, fazendo as citações diretas das pessoas sobre suas
experiências e opiniões, quando não for possível quantificar as informações obtidas
(NEVES, 1996).
Este trabalho está dividido em capítulos, sendo que o primeiro trata das
imagens Maracá e Cunani em seu processo historiográfico e imagético situado no
período de tempo que vai da pré-história até o contato com os colonizadores, nos
séculos XIV e XV. Busco contrapor o discurso antropológico/arqueológico através do
discurso identitário institucional para compreendê-lo como um fenômeno
contemporâneo. Para contrapor esse discurso me utilizo das informações de Emílio
Goeldi (naturalista que analisou as urnas Maracá e Cunani no fim do século XIX) e o
discurso de Rostain (século XXI). O discurso historiográfico colocado no primeiro
capítulo visa ser dissolvido no decorrer do trabalho para encontrar no quarto capítulo
um discurso personalizado, com minhas impressões da pesquisa. Assim, vou
tentando situar nos dias de hoje os usos e utilidades das imagens Maracá e Cunani,
entrecruzando informações sobre essas representações imagéticas, a partir do livro
“O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade”, as
pesquisas no periódico A Gazeta e os autores eleitos para esta discussão.
No segundo capítulo analiso o discurso e as imagens produzidas para a
Campanha da Amapalidade, os conceitos utilizados para definir Discurso e
Ideologia, além de sua articulação com a Cultura Visual. Analiso também as imagens
colhidas na exposição “O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
1
revelando sua Identidade” (junho/julho, 2006), ocorrida na Fortaleza de São José de
Macapá, os panfletos da exposição, da campanha eleitoral (2006), no programa do
III Aldeia SESC (2008) e na revista Casa da Amapalidade (2008).
O terceiro capítulo expõe a construção do sentimento de amapalidade, a
trajetória e as estratégias presentes no discurso das matérias do jornal A Gazeta”,
colhidos na Biblioteca Pública Elcy Lacerda em Macapá, nos meses de maio a
novembro de 2006, a fim de compreender como ocorre a impregnação de identidade
partindo dos meios de comunicação.
O quarto capítulo traz a análise das imagens contidas no livro do SEBRAE/AP
2006 (O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua
Identidade), as peças produzidas pelos artesãos (treinados pelo SEBRAE/AP) e sua
exposição na 43ª Expofeira Agropecuária do Amapá e no Salão do Design
Amapaense, ocorridas em outubro de 2006.
1
CAPÍTULO 1
1 HISTORIOGRAFIA
6
DAS IMAGENS MARACÁ E CUNANI
1.1 FASES ARQUEOLÓGICAS DO AMAPÁ
Fase arqueológica é um termo usado para indicar uma complexidade cultural
associada entre si, relacionada no tempo e no espaço, localizado em um ou mais
sítios, visando facilitar a pesquisa, através da classificação por semelhança de
materiais, traços, grafismos, formas etc. No Amapá, através de estudos
arqueológicos, foram encontras quatro (4) fases ceramistas representando a pré-
história da região.
Os arqueólogos Betty Meggers e Clifford Evans, Mario Simões, Peter Hilbert
trabalharam na interpretação dos vestígios materiais encontrados e, nesse estudo,
estabeleceram quatro fases arqueológicas para o Amapá, sendo: Aruã, Aristé,
Mazagão e Maracá. Essas fases arqueológicas demarcam a existência de grupos
humanos que expressavam seu modo de vida, suas crenças e interpretações sobre
o mundo até o contato com o europeu colonizador, após esse confronto os grupos
ceramistas foram assimilados ou dizimados, não restando vestígios materiais de sua
produção depois do século XV. As produções encontradas após o século XV
demonstram o contato dos grupos humanos daquela região com o colonizador, a
sua gradual extinção.
Betty Meggers e Clifford Evans (1957) consideraram que as
comunidades pré-históricas do baixo Amazonas foram apenas reflexos
distantes de centros culturais mais poderosas (..). Portanto parece que
as culturas do baixo Amazonas têm evoluído de forma irregular,
entrando eventualmente em contato uns com os outros povos
(ROSTAIN,1994, p. 423, tradução nossa).
Apesar de seu contado irregular com outros povos do baixo Amazonas a
relação com o colonizador fica evidenciada através de objetos de metal e vidro
encontrados nas urnas funerárias. Mario Simões, em 1972, identificou as urnas
6 A historiografia aparece no contexto do Renascimento e “marca o interesse pela investigação crítica em
torno dos documentos de época” (KNAUSS, 2006, p. 100).
2
Maracá existentes no Museu Emílio Goeldi como fase Maracá, pois seria uma fase
flutuante e não se enquadraria em nenhuma das grandes tradições ceramistas da
Amazônia (NUNES FILHO, 2005).
Imagem 01: Fases arqueológicas no Amapá
Fonte: Adaptado de Pardi & Silveira (2005)
Na imagem 01 são apresentadas as fases arqueológicas do Amapá, de
acordo com Pardi & Silveira (2005). A fase Maracá, localizada ao sul, tendo em seu
entorno a fase Mazagão; a fase Aristé, na qual está inserida a cerâmica Cunani; a
fase Aruã, que também ocorre nas ilhas do Marajó, Mexiana e Caviana; além das
fases pré-cerâmicas e das áreas de florestas protegidas. Para realizar esta pesquisa
visitei em 2006 o Parque do Solstício, localizado no Município de Calçoene, onde os
pesquisadores Marian Petry e João Cabral (IEPA) encontraram urnas funerárias
protegidas por lages de pedra provavelmente vinculadas à fase Aristé.
2
As fases arqueológicas existentes no Estado do Amapá são:
1.1.1 Aruã
Datação relativa aos séculos XIII a XVII. Essa fase cerâmica representa a
mais antiga evidência de ocupação humana no estado do Amapá, de acordo com as
pesquisas realizadas por P. Hilbert, na década de 1960.
Essa fase está localizada nos estados do Amapá e Pa (Ilhas Mexiana,
Caviana e Marajó). Na ilha de Marajó ocupou uma boa parte litorânea, do município
de Chaves (PA) para leste seguindo ao cabo Maguari e em direção sul até a cidade
de Soure (PA). Nessa fase foram identificados grupos de caçadores-coletores com
agricultura incipiente, apenas de subsistência. Os sítios são pequenos e rasos, o
número de pessoas é reduzido, demonstrando uma curta permanência em cada
local de ocupação. É importante ressaltar que na Campanha da Amapalidade a fase
Aristé é valorizada através da Cerâmica Cunani, observe que na imagem 01 a fase
Aristé está localizada na parte superior do mapa (norte do Estado) e que a fase
Maracá está localizada na parte inferior do mapa (sul do Estado), de modo que não
valeria a pena para os interesses institucionais valorizar a fase Aruã, pois esta
ocorre também no estado do Pará (ilha do Marajó). Porém esse discurso da
ocorrência vem à baixo quando analisamos os estudos arqueológicos realizados na
Guiana Francesa, pois também ocorre a cerâmica Cunani da fase Aristé, de
acordo com os estudo realizados por Rostain.
Nessa fase predomina a cerâmica simples, ou seja, sem decoração e, a
freqüência de cerâmica triturada no tempero da argila utilizada para confecção dos
vasilhames. E quando decoravam as peças elas se apresentavam escovadas,
ponteadas, incisas e, com aplicações. Essas peças apresentavam tiras de pastas
que são aplicadas ao redor do gargalo ou do ombro das peças.
2
São usadas como assadeiras utilizadas, provavelmente, para cozer pão de
mandioca; algumas figuras, possivelmente, relacionadas às práticas religiosas;
contas de pendentes de jadeíta, lâminas de machado polido; algumas peças se
Imagem 02 e 03: etapas de produção de cerâmica da fase Aruá
Fonte: SEBRAE/AP (2006, p.24)
2
assemelham a cabeça de um urubu; outras formavam alinhamentos de pedras
trabalhadas representando sítios-cerimoniais, onde ocorria a prática de
sepultamento secundário em urnas colocadas na superfície do solo formando
cemitérios. As Imagens 02 e 03 demonstram a técnica básica de produção da
cerâmica, essa técnica é utilizada em todas as culturas ceramistas. A argila depois
de tratada, com adição de cinzas ou areia, e a retirada de pedaços de fibras, é
amassada e preparada em roletes que são sobrepostos para depois serem alisados.
Quanto ao enterramento “é singular que somente sejam representados os
ossos compridos das extremidades (...). A quantidade total contida em cada vaso é
sempre diminuta, importando n’uns punhados sómente [sic] e está longe de
representar o equivalente de um esqueleto inteiro” (GOELDI, 1905, p. 29). Essa
descrição de Emílio Goeldi demonstra que o enterramento secundário
7
era realizado
após um longo ritual de sepultamento e que as urnas funerárias eram utilizadas
somente como último recurso de enterramento. As filiações
8
desta fase são
encontradas nas Guianas e nas Antilhas. Com a identificação da fase Aristé e
Mazagão na região, os grupos ligados à fase Aruã iniciaram imigração descendente
em direção as ilhas situadas no Pará, onde os sítios localizados neste estado são
mais recentes (NUNES FILHO, 2005).
1.1.2 Aristé
9
Relacionada à Tradição Policroma
10
, os grupos indígenas desta fase
ceramista estabeleceram-se no extremo norte do Amapá, na mesma época em que
os grupos da fase Mazagão se estabeleceram parte sul do Estado. Sua localização
geográfica situa-se numa parte do estado do Amapá, limitada ao norte pelo rio
Oiapoque e ao sul pelo rio Araguari - Amapari (NUNES FILHO, 2005). A cerâmica
Cunani está relacionada à fase Aristé.
Os sítios de habitação localizados nesta região são rasos, sugerindo curto
período de ocupação. Estão localizados ao longo dos rios e igarapés, em uma
distância dos cemitérios. Esses grupos humanos deslocavam-se rapidamente, fosse
7 O enterramento secundário ocorre após o enterramento primário e consiste na colocação dos ossos em
urnas cerâmicas, o enterramento primário é feito colocando-se o corpo em uma cova no solo, protegido
apenas por uma espécie de colcha feita de trançados de fibra vegetal.
8 As filiações são as características estilísticas semelhantes que enquadram as peças nas respectivas fases.
9 O nome Aristé faz referência à Montanha de Aristé, localizada ao norte do rio Flexal e que apresenta três
sítios funerários em grutas (B. Maggers & C. Evans, 1957). Os demais sítios também recebem seus nomes
pela localização geográfica, por exemplo: monte Cunani, rio Mazagão.
10 A tradição Policroma é representada por objetos cerâmicos que apresentam policromia em seu trabalho de
pintura e acabamento (B. Maggers & C. Evans, 1957).
2
por ameaças de outros ou por esgotamento dos recursos de subsistência.
Os vestígios arqueológicos foram encontrados à superfície do solo e sugerem
habitações palafíticas como as residências caboclas e os habitantes dessa região
que ainda residem ali, continuam às margens dos rios, caracterizando essa
população como ribeirinha (NUNES FILHO, 2005).
Os sítios-cemitérios são caracterizados pela disposição de urnas funerárias
encontradas em abrigos artificiais ou cavernas. Os sítios encontrados Revestem-se
de uma importância de todo excepcional pela circunstância, de constituírem o
primeiro e único exemplo, achado até hoje (ao que saiba pela literatura que me é
disponível) em território (...) andino da sul-america septentrional” (GOELDI, 1905,
p.23, itálico do original). Aqui Goeldi comenta o que para a época desses achados
arqueológicos era inédito: a localização de urnas funerárias em cavernas artificiais.
Mais tarde, Maggers e Evans encontrariam outros sítios na região da Guiana
Francesa com essas características, mas, ainda representando a filiação cultural
Aristé. Nas urnas, foram encontradas, além da terra preta e ossos de enterramento
secundário, pequenas lâminas de machado, figuras de argila ou contas e pendentes
de jadeíta ou de vidro, fruto do contato com os colonizadores.
Essa fase como a Mazagão apresenta diferenciações que podem ser
diagnosticadas com a modificação observada tanto na pasta dos vasilhames como
na decoração. “O barro é pouco queimado, quasi [sic] como chamuscado sómente
[sic] por dentro e por fora, chegando quando muito à silificação superficial e
incipiente” (GOELDI, 1905, p. 31). Na primeira fase, era usada somente areia como
tempero da pasta, na segunda fase, as peças apresentam, como tempero,
fragmentos de cerâmica moída. Ocorrendo ainda, a incorporação da cremação dos
mortos e substituição gradativa da decoração incisa e raspada pela pintura a qual,
inicialmente, é feita em grandes faixas e seções, ficando assim mais complexas e
com curvilíneos. Como nas demais fases registradas no Estado do Amapá, nesta
igualmente, ocorrem contas de vidros de procedência européia demonstrativa de
contatos com europeus no século XIV e XV.
1.1.3 Mazagão
A fase arqueológica Mazagão está relacionada à Tradição Cultural Inciso -
Ponteada
11
e Policroma. Foi nos séculos XV e XVI, que grupos da fase Mazagão
11 A tradição Inciso-Ponteada é aquela cujos traços são feitos através de incisões na argila ainda mole ou seca
2
vindo do Amazonas ou alguns de seus afluentes, imigraram para o sul do estado do
Amapá, ocupando a área limitada ao norte do rio Araguari Amapari, e ao sul pelo
rio Jarí. Logo depois, concentrou-se no rio Vilanova, e assim entrando na fase
Maracá, onde copiaram alguns padrões da cerâmica Mazagão (NUNES FILHO,
2005). Para este autor:
Foi nessa fase que as cerâmicas mostram na pasta, como tempero
ou antiplásticos, areia, quartzo triturado e uma casca de árvore que
contêm sílica que se chama cariapé ou caraipé, esse material era
usado em percentagem variável. Pode perceber através da
decoração, modificações temporais: no primeiro estágio caracteriza-
se por sulcos, geralmente profundos e largos, obtidos pelo desbaste
da superfície das peças com cacos, conchas, etc. (raspagem) e, por
incisões grosseiras. Mais tarde observa-se um aprimoramento na
decoração, que se torna mais precisa. São entalhes bem definidos,
ás vezes preenchidas com tabatinga (argila mole). Os motivos variam
entre desenhos retilíneos, linhas paralelas e pontilhadas (2005, p.
39).
Imagem 04: Cerâmica doméstica inciso-ponteada, com pratos e alguidares de borda incisa
Fonte: ROSTAIN, 1994 (anexo, s/p)
Seus artefatos líticos limitam-se a lâminas de machados, martelos e polidores.
Nos sítios-cemitérios encontram-se urnas funerárias com enterramentos secundários
em cavernas. Relacionados aos rituais funerários aparecendo contas de vidro
sem queima quando da incisão- ver imagem 04.
2
européias, machados de pedras e, pequenos vasilhames, como os mostrados na
Imagem 04 onde aparecem no número 1 e 2 alguidares e nos números de 3 a 14
fragmentos de bandejas e cerâmicas cerimoniais.
É possível fazer relação entre a fase Mazagão e outras registradas na
Colômbia e Venezuela, pois a decoração incisa pode ser relacionada com os estilos
Arauquim e Rounquim, próximo do Orinoco; quando a cerâmica Mazagão tem suas
incisões preenchidas com argila, pode ser comparada com cerâmicas colombianas
de Medelím e Tierradentro, sendo realizada sua difusão possivelmente pelo rio
Amazonas (NUNES FILHO, 2005). A presença de contas de vidros no local das
urnas funerárias que inferem a contemporaneidade com a Europa se deu nos
séculos XV a XVI.
1.1.4 Maracá
Essa fase ocorre na região que ainda predomina a fase Mazagão. É
representada por sítios-cemitérios, localizados em grutas onde eram colocadas as
urnas funerárias, as mesmas sendo zoomorfas, tubulares, antropomorfas e
antropozoomorfas. As tubulares são simples, apresentam forma de cilindro oco, já as
zoomorfas representam a forma de jabutis e tartarugas (NUNES FILHO, 2005)
As antropomorfas representam a forma humana sentada em um banco. O
corpo e os braços são cilíndricos, e as mãos apoiam-se sobre os joelhos. As
panturrilhas extremamente grossas representam as pernas e os pés apoiados no
solo. Os pés e as mãos são estilizados, e os dedos em numeração de 3 a 7,
definidos por incisões. os órgãos genitais estão apresentados com realismo. A
cabeça é apresentada na tampa das urnas, mostrando um disco plano ou às vezes
não. As urnas antropozoomorfas representam uma mistura de características
animais (corpo) e humanos (cabeça) e, segundo Nunes Filho (2005, p. 41):
As urnas desta fase, comumente, guardam ossos cremados. Eram
lacrados através de cordões que, enfiados por orifícios executados
na parte inferior da tampa e, na superior do corpo uniam-se também,
pela aplicação de argila na junção o que a tornava hermeticamente
vedada. Para confecção da cerâmica utilizavam como tempero da
pasta, areia, cinza preta e cariapé. As superfícies das peças são
ásperas e, as paredes dos recipientes espessas e irregulares.
Há comparações com a fase Maracá que podem ser encontradas no Equador,
Colômbia e Venezuela. Os séculos XVI e XVII representam a datação relativa,
2
intrusiva na fase Mazagão, pois estima-se que as migrações forçadas pelas
invasões dos colonizadores empurraram os grupos humanos cada vez mais para o
interior do Estado, o que em muitos casos gerou apropriações de traços e técnicas
de queima, pintura ou preparação da argila (ROSTAIN, 1994). Rostain nos permite
perceber que as apropriações do Governo do Estado do Amapá, no sentido da
contribuição com o ‘Sentimento de Amapalidade’ não levou em consideração as
“contaminações” e contatos entre povos ocorridos no processo de ocupação da
Amazônia, pois as comparações feitas em seu trabalho possibilitam dialogar com
produções ceramistas de outros povos de outros países como é o caso da Guiana
Francesa), o que torna o discurso da amapalidade uma ficção.
1.2 ENTERRAMENTO e SEPULTAMENTO
1.2.1 Sepultamento Primário
Os sepultamentos às vezes são as únicas maneiras de estudar os vestígios
de grupos pré-históricos. Essa prática de sepultamento varia de região para região,
mesmo assim, de modo geral, os grupos enterravam seus mortos sepultando o
corpo no solo, acompanhado ou não de rituais que se o nome de enterramento
ou sepultamento primário. Nos sambaquis é comum encontrar esqueletos humanos
enterrados na própria aldeia, resultante de sepultamento primário (NUNES FILHO,
2005). Os rituais funerários dos diversos grupos humanos da região do Amapá
baseiam-se em práticas complexas e diversificadas variando de grupo para grupo, e
em alguns casos ”Lês divers rites funéraires s’accompagnent de la destruction de
tous lês biens du défunt et notamment de sés poteries” (ROSTAIN, 1994, p. 284), e,
na maioria dos casos preservam-se para o enterramento secundário os objetos de
maior estima para o falecido. Esta teoria encontrada em Rostain refere-se a um dos
ritos, pois em outras urnas foram encontradas contas de vidro, muiraquitãns de
jadeíta, e também vestígios de cerâmicas com trabalho mais elaborado.
1.2.2 Sepultamento Secundário
Essa forma de sepultamento consistia no enterramento do corpo em vasos
preparados para esse ritual, que são chamadas de urnas funerárias. Este tipo de
enterramento ocorria depois do enterramento primário. Essa pratica funerária varia
2
de região para região e de grupo para grupo (NUNES FILHO, 2005).
A Imagem 05 apresenta urnas funerárias Cunani, com traços antropomorfos,
sendo o número 1, o desenho da peça inteira, o número 2 o desenho esquemático
do contorno da peça, o 3 a parte inferior da outra urna Cunani, o número 4 a tampa
da urna e o número 5 o desenho de mais uma urna Cunani. O enterro secundário
era realizado em duas etapas: a primeira é o enterramento primário acompanhado
de festas durante o período em que se decompõe o cadáver e pode-se ainda
incinerar o corpo; a segunda é quando após o ritual de enterramento primário
depositam-se os restos dos ossos do indivíduo falecido em urnas funerárias em
locais considerados sagrados para determinado grupo, geralmente uma elevação,
um poço artificial ou grutas naturais.
As fases Aruã, Aristé, Mazagão e Maracá, compreendem grupos pré-
históricos que praticaram o sepultamento secundário, depositando os ossos dos
cadáveres em urnas funerárias produzidas especialmente para este ritual, logo
depois as urnas eram colocadas em locais diferentes, dependendo da tradição
2
Imagem 05: urnas funerárias da tradição policroma, utilizadas para enterramento secundário
Fonte: ROSTAIN, 1994 (ANEXO)
cultural da tribo, podendo ser: no subsolo, cavernas, ou poços funerários (NUNES
FILHO, 2005). A partir das descobertas dos vestígios funerários destes grupos é que
se puderam constatar estes fatos. Foram encontradas várias formas e tamanhos de
urnas. Este ritual de sepultamento foi encontrado em rios lugares da Amazônia, e
alguns com níveis de tecnologia diferentes, não ocorrendo apenas no estado do
Amapá.
1.3 PESQUISAS NOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DE MARACÁ
A região do Igarapé do Lago e Maracá e foi motivo de pelo menos treze (13)
missões arqueológicas, quatro (4) no final do Século XIX. O primeiro registro de um
sítio arqueológico Maracá foi feito, em 1872, por Domingos Soares Ferreira Penna
(NUNES FILHO, 2005).
Ferreira Penna foi duas vezes à região do rio Maracá, em 1872, onde
localizou três sítios arqueológicos, com presença de urnas funerárias de cerâmica
colocadas em abrigo, sob rochas, uma ao lado da outra e de embaixo de lapas
próximas ao Igarapé do Lago. As urnas encontradas tinham características
diferentes: foram encontradas urnas tubulares antropomorfos e outra zoomorfa. Os
objetos recolhidos foram urnas em perfeito estado, para comporem as coleções do
Museu Paraense Emílio Goeldi (NUNES FILHO, 2005). As urnas Maracá foram
encontradas em cavernas próximas ao Igarapé do Lago e do Holanda e, conforme a
Imagem 06, possuindo escala entre 1 a 2 metros de altura.
3
3
Imagem 06: Perfil de caverna onde urnas funerárias Maracá foram encontradas
Fonte: ROSTAIN, 1994 (anexos)
No ano de 1877, Ferreira Penna retornou ao rio Maracá com objetivos de
novas pesquisas, e recolheu mais urnas. Nas urnas encontradas, duas delas
continham cinco crânios, as mesmas foram levadas para o Museu Nacional a fim de
serem analisadas.
Anos depois em 1896, o tenente coronel Aureliano Lima Guedes que
trabalhava como auxiliar do Diretor do Museu Paraense, Emílio Goeldi, realizou um
levantamento geral na área. O Igarapé do Lago e seus afluentes foi uma das regiões
exploradas. Nelas, Guedes localizou três sítios arqueológicos que, pela presença de
urnas funerárias, chamou-se de “necrotérios de indígenas”. Guedes encontrou duas
urnas onde havia uma pulseira de contas de vidro brancas e azuis. O achado destas
pulseiras evidenciou o contato do grupo com europeus nos séculos XVI e XVII
(NUNES FILHO, 2005).
Segundo Guapindaia (1997), o etnólogo alemão Kurt Nimuendaju explorou o
rio Maracá/Igarapé do Lago em 1915. Neste percurso registrou cinco sítios e fez
uma coleção de duzentos e quarenta e oitos (248) fragmentos de cerâmica. Os sítios
foram localizados na terra firme, em área de “terra preta”, possuindo vestígios de
material cerâmico e lítico. Considerou a possibilidade dos locais não terem sido
abandonados há muito tempo, uma vez que, a mata ainda estava se recompondo.
A região de Maracá em 1988 foi alvo de um projeto de pesquisa onde na
coordenação estava o pesquisador Klaus Hilbert, que tinha como objetivo detectar
sítios pré-cerâmicos pertencentes a um estágio caçador-coletor. Realizou cortes
estratigráficos, em um local conhecido como Buracão do Laranjal, que continha um
abrigo sob rocha, onde se encontrou objetos líticos e vestígios de fogueira. Além do
sítio pré-cerâmico foram encontrados e registrados oito sítios com restos de
cerâmicas ao longo do rio Maracá, onde se realizou coleta de material cerâmico.
Nunes Filho (2005, p. 57- 58) relata que:
No ano de 1995 teve inicio um levantamento arqueológico
sistemático na área do Igarapé do Lago, região do Maracá,
resultado do Projeto “Estudos arqueológicos no Amapá: tentativa de
resgate de pré-histórica da região do rio Maracá-Igarapé do Lago”, o
qual foi realizado pela arqueóloga Ana Lúcia da Costa Machado do
3
Museu Paraense Emílio Goeldi. O resultado inicial desse projeto
sistemático em 1995 1996 foi à localização de vários sítios
arqueológicos sítios cemitérios e um grande número de urnas
tubulares antropomorfas e zoomorfas e, outras artefatos
arqueológicos que se encontra na reserva técnica do Museu
Paraense Emílio Goeldi.
Imagem 07: Sítio-cemitério com urnas funerárias Maracá
Fonte: SEBRAE/AP (2006, p. 48)
As descobertas dos sítios arqueológicos na região do rio Maracá, próximo ao
Igarapé do Lago, possuem uma característica especial, uma vez que as margens do
igarapé são dilatadas na época das chuvas que em muitos casos fez com que as
urnas fossem deterioradas por essas exposição à umidade no decorrer do tempo em
que ficaram no sítio (vide Imagem 07).
1.4 PESQUISAS NOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM CUNANI
A descoberta do sítio arqueológico do Monte Curú ou Renovado foi realizada
por Emílio Goeldi e o tenente Coronel Aureliano Pinto de Lima Guedes nos anos
de 1848 a 1912, em Cunani
12
. Nos meses de outubro e novembro de 1895, foi
realizada uma nova expedição científica, que ficou conhecida do então Museu
Paraense de Historia Natural e Etnographia, atualmente conhecido como Museu
Paraense Emílio Goeldi (NUNES FILHO, 2005).
Essa expedição tinha como objetivo a realização de levantamento científico
na região, que naquela época encontrava-se em uma disputa territorial entre a
França e o Brasil. As pesquisas aconteceram de forma otimista, com descobertas
sobre os repositórios sepulcrais. Goeldi relata que:
12 Monte Cunani no Município de Calçoene.( O nome da cerâmica Cunani está relacionado à localização
geográfica)
3
Procuravam-se elevações e colinas idôneas; a identidade de
circunstancias exteriores nos dous casos (alto do Morro da Igreja de
Cunany e monte Curú no igarapé do Holanda) o denota
distinctamente, eliminando logo qualquer duvida de que se poderia
tratar talvez de um caso excepcional e único em relação ao monte
Curú . (GOELDI, 1905, p. 23)
Nessa expedição foram encontrados no monte Curú dois túmulos
subterrâneos (poços artificiais), ou seja, dois poços com câmera com dezoito peças
de cerâmica conservadas, e além dos fragmentos de cerâmica, uma asa zoomorfa
(NUNES FILHO, 2005).
Imagem 08: recorte com vista superior e lateral dos poços artificiais da cerâmica Cunani
Fonte: ROSTAIN, 1994 (anexos)
As urnas Cunani foram encontradas em poços artificiais, como demonstra a
imagem 08, pois o corte lateral (1) explicita não apenas a distância em relação ao
rio, a altura dos poços e a proximidade entre elas; o corte superior (2) mostra uma
visão por sobre o poço, deixando clara a intenção de proteger as peças das águas
do rio e com a colocação das lages de granito por sobre os poços, a tentativa de
proteger de violações e das águas pluviais.
Goeldi fez um relatório especificando a quantidade de urnas encontradas em
cada poço, generalizando as peças como se fossem encontradas somente em um
poço, como esta em seu relato:
3
Retiramos 19 (18) vasos inteiros de ambas ellas, além de cacos e
fragmentos de outros. Aplicando provisoriamente para estes vasos
nomes da nossa actual terminologia domética trivial, distinguimos
entre elles bandejas (1), alguidares (4) [...], potes (12) e moringas. E
embora tão diversas na forma, quase todos os vasos continham em
maoir numero de quantidade fragmentos de ossos humanos, sendo
por isto evidente, que elles tinham antes de tudo um fim funerário
( GOELDI, 1905, p. 23-24).
Este relato de Goeldi esclarece não apenas a finalidade da expedição, mas
também a finalidade das peças encontradas, ressaltando ainda que as cerâmicas
faziam parte de rituais funerários, buscando evidenciar que as cerâmicas Cunani
eram encontradas em poços artificiais. Esse era o ponto excepcional da expedição:
encontrar cerâmicas com finalidade funerária e seu local de depósito (os poços
artificiais).
1.5 DAS DESCOBERTAS DE GOELDI AOS DIAS DE HOJE
O local em questão é o hoje chamado estado do Amapá, que em 1637 foi dada
a um português, porém ficou em litígio com ingleses, holandeses e franceses,
mesmo após a assinatura do tratado de Utrecht
13
em 1713, o que motivou a
construção da Fortaleza de São José de Macapá. Com a descoberta de ouro e a
intensificação do ciclo da borracha motivou-se a invasão francesa em 1895 e, na
tentativa de provar a posse da terra, as expedições dos naturalistas também se
intensificaram. Em 1900, o Laudo Suíço
14
foi emitido a favor do Brasil, deixando
aquela porção de terra como parte do estado do Pará. Em 1943, foi nomeado
Território Federal do Amapá, sendo eleito estado em 1988, através da Constituição
Federal do mesmo ano (SANTOS, 1994).
Desde os períodos conturbados de disputa territorial até a eleição de 2001 as
cerâmicas Cunani e Maracá eram objetos de estudo, principalmente de
pesquisadores estrangeiros como Betty Meggers, Clifford Evans e Peter Hilbert,
salvo os trabalhos realizados através dos pesquisadores do Museu Joaquim
Caetano e do Museu Paraense Emílio Goeldi. Sendo que essas pesquisas estavam
confinadas aos relatórios do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
13 Em 1713 foi reconhecida em Ultrecht ( nos países baixos) a soberania de portugal sobre as terras brasileiras
compreendidas entre os rios Amazonas e Oiapoque ( SANTOS, 1994).
14 O presidente da Suíça (Confederação Helvética), Walter Hauser, após exposição feita pelo Barão do rio
branco, expede em 0/12/1900 o Laudo Suiço dando ganho de causa ao Brasil na Questão do Contestado
Franco-Brasileiro ( SANTOS, 1994).
3
(IPHAN) através do Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Histórico do IPHAN; O
que aqui chamo de círculos acadêmicos.
No ano de 2001,
O então Departamento Estadual de Turismo - DETUR pretendia
desenvolver turismo cultural em sítios arqueológicos, discutia
juntamente com o PROECOTUR/ MMA [Programa de ecoturismo do
Ministério do meio ambiente], ações que permitissem a gestão do
patrimônio histórico e arqueológico com vistas ao desenvolvimento
das comunidades próximas aos pólos turísticos (PARDI & SILVEIRA,
2005, p. 01).
Assim, com um impulso institucional, tanto federal como estadual, acontecia o
incentivo ao turismo cultural. As estratégias desses parceiros incluia criar equipes
mistas das diversas secretarias do governo local e representante da instância
federal através dos superintendentes locais, do Instituto de Estudos e Pesquisas
Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA); com contatos pessoais e relatórios
sobre o andamento das atividades, trabalhando por amostragem, buscando
conhecer o que estava introjetado pela comunidade, tentando ainda saber quais
os sítios existentes no Estado. Esse envolvimento entre as diversas Secretarias
possibilitou fazer o levantamento dos Sítios Arqueológicos, e, através dessas
informações a exploração política, turística e econômica das imagens das cerâmicas
Maracá e Cunani.
Através de uma política de acervo Pardi & Silveira (2005), juntamente com os
parceiros institucionais
15
, procederam as ações de guarda, levantamento, políticas
de análise das padronagens, estimulando a criação de ”casas de memória”,
higienização, numeração, catalogação, armazenamento e exposição das peças
encontradas e das que eventualmente fossem descobertas; tentando sempre
recontextualizá-las.
A contribuição do SEBRAE/AP se através das Parcerias Público-Privadas
(PPP’ s), incentivadas pelo Governo federal, com o intuito de trabalhar onde o poder
público não atuasse - principalmente na qualificação a micros e pequenos
empresários. O SEBRAE, como parceiro do governo local, percebeu como
“identidade local” as imagens da cerâmica Mara e da cerâmica Cunani, e as
aglutinou a seu plano nacional “Quem tem conhecimento vai pra frente”, com a
finalidade de conferir características únicas às peças artesanais produzidas no
15 Os Parceiros Institucionais internos: Secretaria de Turismo, Secretaria de trabalho e Empreendedorismo, do
Meio ambiente, o Museu Joaquim Caetano e o IEPA. Os parceiros externos: SEBRAE, BASA, SESC, Tv e
Jornal A Gazeta, Faculdade Seama e Faculdade CEAP.
3
Amapá.
O Presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE/AP em 2006, Sr. Jaime
Nunes assim se pronuncia:
As motivações atuais pela compra de produtos artesanais, por parte
dos visitantes de nosso Estado, envolvem não apenas as
necessidades de uso, mas também interesse e curiosidade
despertados por aspectos que expressem, de forma clara e
sintética, nossa identidade cultural (SEBRAE/AP, 2006, p. 7).
O turismo cultural acabou sendo o reforço necessário ao atendimento dos
interesses institucionais locais e do Governo Federal, promovendo um incentivo a
utilização das imagens Maracá e Cunani, por parte dos artesãos.
2 IDENTIDADE
O conceito de identidade defendida por Castells, entende por identidade a
fonte de significado e experiência de um povo ou de um indivíduo.
Castells (2000, p. 9-10) assim se pronuncia:
Não temos conhecimento de um povo que não tem nomes, idiomas
ou culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro,
nós e eles, não seja estabelecida[...] O auto-conhecimento -
invariavelmente uma construção, não importa o quanto possa
parecer uma descoberta - nunca está totalmente dissociado da
necessidade de ser conhecido, de modos específicos, pelos outros.
Quanto aos atores sociais, Castells entende por identidade o processo de
construção do significado com base em um atributo cultural. Ele ainda fala que pode
ser um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre
outras fontes de significados. Ou seja, para um determinado indivíduo, ou ainda um
ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. No entanto essa pluralidade é fonte
de tensão e contradição, tanto na autorrepresentação quanto na ação social.
O conhecimento sobre quem eu sou e o quê ele é produz a diferenciação
necessária para demarcar as questões de identidade, sendo que esse quem eu sou
é uma construção delimitada por condicionantes temporais, espaciais de gênero, de
sexualidade, de etnia, de violência, de classe e o quê ele é também participa desse
mecanismo de construção, seja prático, linguístico ou imagético.
É necessário estabelecer distinção entre identidade e o que tradicionalmente
os sociólogos chamam de papéis (ser trabalhador, dona de casa, vizinho,
sindicalista, ambientalista, etc.), que seguem normas estruturadas por instituições e
3
organizações da sociedade.
Castells (2000), afirma que as identidades constituem fonte de significados
para os próprios atores por eles organizadas e construídas por meio de um processo
de individuação. Diferente dos papéis, cuja importância relativa no ato de influenciar
pessoas, em seu comportamento, depende de negociações e acordos entre
indivíduos e essas instituições e organizações.
Em uma primeira aproximação parece ser fácil definir “identidade”. A
identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou negro”, “sou
homossexual”, “sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim
concebida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”) uma
característica independente, um “fato” autônomo. Nessa perspectiva
a identidade só tem com referência a si própria (SILVA, 2000, p. 74).
Considerando esse viés, a identidade e a diferença estão convivendo lado a
lado, pois a diferença é aquilo que o outro é, do mesmo jeito a diferença é concebida
com auto referenciada, e assim com a identidade, a diferença é fruto da relação
entre os sujeitos. Na concepção legitimadora o que é relacional passa a ser
unilateral. E isso revela o outro lado da questão identitária: o outro fica marcado
como aquele que não possui as mesmas características que eu. Para Homi Bhabha
(1998), esse outro é a representação fetichista daquilo que me atrai, mas ao mesmo
tempo recuso a ver, gerando um constante movimento de ida e vinda (na maioria
dos casos só de ida) e consequentemente as tensões ou recusas violentas.
Para compreender esse processo de identidade, de recusa entre eu e o outro,
é preciso ver a definição de Castells:
Defino significado com a identificação simbólica por parte de um ator
social, da finalidade da ação praticada por tal ator. Ou seja, do ponto
de vista sociológico, toda identidade é construída. A principal
questão diz respeito a como, a partir do que, por quem e para quê
isso acontece (CASTELLS, 2000, p. 23).
Nesta pesquisa qual a finalidade institucional quando pretende “resgatar” a
identidade do Amapá? Ainda baseada em Castells a partir de que ideia? E para quê?
Vale ressaltar que o Estado do Amapá, sendo um estado jovem, passou por diversas
disputas territoriais com a França, levando-o assim a assinar o Tratado de Utrecht
(1713) e o Laudo Suíço (1900), que, finalmente, delimitaram suas fronteiras
enquanto território brasileiro. Questões como o desmembramento da província do
Grão Pará e Maranhão e sua transformação em Território Federal, em 1943, de
3
acordo com Carvalho (1998), acarretaram um forte fluxo migratório. Surge daí então
a necessidade de as instituições amapaenses, lideradas pelo Governo do estado
“delimitarem” as questões de identidade.
A partir da questão da identidade, Tomaz Tadeu da Silva afirma que “na
perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas,
cristalizadas, essencializadas” (2000, p. 73), ou, para ser sucinta, homogeneizadas.
Se, a partir de uma perspectiva histórica, a consolidação do estado do Amapá
precisou ser “solucionada” na metade do século XX com o Território Federal do
Amapá, a questão da identidade permanecia em aberto, necessitando-se consolidá-
la. Este autor argumenta que, declarar uma identidade, um adjetivo que me defina e
às minhas crenças, é muito mais simples do que declarar o que “não sou”. Partindo
desse princípio, ao tentar homogeneizar identidades diversas, as demais identidades
são negligenciadas à medida que se colocam à margem dessa afirmação.
A campanha da criação da identidade amapaense, que tem por título “O
Legado das Civilizações Maracá e Cunani - O Amapá Revelando sua Identidade”, foi
lançada com um livro, cartazes e uma exposição itinerante. Ao analisarmos as ações
da linguagem num sentido de impressão de identidade, podemos recorrer a
Saussure (apud SILVA, 2000, p. 77), que alerta para o fato de que os elementos
(signos) de uma língua não possuem valor isoladamente, eles precisam de um
conjunto de significações para de fato existirem. O conjunto de significações
articulados na “campanha do sentimento de amapalidade” é muito extenso e utiliza-
se dos meios que institucionalmente estão em seu poder. Nesse caso em particular,
a linguagem constrói imagens tanto escritas, quanto faladas.
3
Imagem 09: Exposição Equinócio 2006 SEBRAE/AP,
na 43ª Expo-feira agropecuária do Amapá, de 14 a 23 /10/2006
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2006)
A Imagem 09 apresenta um adesivo com uma urna Cunani em primeiro plano,
e as inscrições referentes ao Salão do Design Amapaense. Nessa exposição foram
colocadas as peças realizadas pelos artesãos nas oficinas promovidas pelo
SEBRAE/AP, baseadas nas urnas Cunani. A impressão de identidade aparece na
palavra “Amapalidade”, que explicita uma gama de “características peculiares ao
povo ou ao modo de ser amapaense”. As peculiaridades são uma tentativa
institucional de determinar o modo de sentir e viver para o povo amapaense, ou seja,
as características obrigatórias impostas pela Campanha da Amapalidade, partindo
do que Castells chama de Identidade Legitimadora.
Castells (2000) apresenta três diferentes formas de construção da identidade,
entendendo que essa construção sempre ocorre em um contexto marcado por
relações de poder:
1 – Identidade legitimadora – introduzida por instituições dominantes
da sociedade, no intuído de expandir e racionalizar sua dominação
em relação aos atores sociais, tema este que está no cerne da
teoria da autoridade e dominação de Sennet (1986) e se aplica a
diversas teorias do nacionalismo.
2 Identidade de resistência Criada por atores que se encontram
em posições/condições desvalorizadas e/ou marginalizadas pela
4
lógica da dominação construindo, assim, trincheiras de resistência e
sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam
as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos
conforme propõe Calhoun ao explicar o surgimento da política de
identidade.
3 – Identidade de projeto - Quando os atores sociais utilizando-se de
qualquer material cultural ao seu alcance, constroem uma nova
identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-
lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social.
Segundo Castellls (2000, p. 24), cada tipo de processo de construção da
identidade produz um resultado distinto quanto à construção da sociedade. A
identidade legitimadora lugar a uma sociedade civil, ou seja, a um conjunto de
organizações, bem como uma série de atores sociais estruturados e organizados
que embora, às vezes de modo conflitante, reproduzem a identidade que racionaliza
as fontes de dominação estrutural.
O segundo tipo que trata da resistência enquanto mecanismo de defesa e
construção da identidade, leva a formação de comunas, ou comunidades, e segundo
Castells (2000), possivelmente, é o mais importante perfil de construção de
identidade de nossa sociedade, justamente por ser forjado nas diferenças e
dificuldades de ser reconhecido, por ser estigmatizado e por estar em constante
movimento, numa lógica dialética que busca sempre a superação de obstáculos e
dificuldades para ser reconhecido.
O processo de construção de identidade de projeto produz sujeitos conforme
fala Castells (2000, p. 26):
Chamo de sujeito o desejo de ser um indivíduo de criar uma estória
pessoal de atribuir significados a um conjunto de experiências da
vida individual [...] A transformação de indivíduos em sujeitos resulta
da combinação necessária de duas afirmações, a dos indivíduos
contra as comunidades e a dos indivíduos contra o mercado.
O reconhecimento, portanto, da capacidade de mudar, de criar e forjar uma
identidade, uma cultura, um significado, a partir de ações individuais e coletivas, está
além dos segmentos racial, de gênero, de etnia, de sexualidade, de classe ou credo.
Mas vincula-se a interesses em comum dos atores sociais através de uma
consciência de existência coletiva. O que não é o caso aqui, uma vez que não são
os atores sociais os protagonistas dessas mudanças, mas seus governantes, pois o
GEA apresenta modelos identitários a serem seguidos.
4
O sentimento de Amapalidade, está relacionado a uma Identidade
Legitimadora para fazer referência a Castells-, pois as instituições governamentais
se utilizam de suas secretarias(de turismo, economia, de meio ambiente de trabalho
e emprego), de seus colaboradores privados (SESC, SEBRAE/AP, BASA,
SEAMA,CEAP) de seus funcionários e de todo o aparato financeiro, nesse caso do
departamento de turismo (DETUR), do Ministério do Meio Ambiente, do IPHAN e do
apoio midiático.
Para Castells (2000), esses elementos em si não fornecem as bases para os
paraísos comunais da sociedade em rede, por que considera que ela esteja
fundamentada nos vínculos primários que perdem sentidos quando extraídos de seu
contexto histórico, com base para a reconstrução do significado em um mundo de
fluxos e redes de novas combinações de imagens e novas atribuições de sentidos.
Não bastasse que:
Em meio a comunas culturais e unidades territoriais de autodefesa,
as raízes étnicas são distorcidas, divididas, reprocessadas,
misturadas, estigmatizadas ou recompensadas de maneiras
distintas, de acordo com uma nova lógica de
informacionalização/globalização de culturas e economias que
reproduzem compostos simbólicos a partir de identidades não
claramente discerníveis. Raça é um fator muito importante, mas
dificilmente se pode dizer que seja ainda capaz de construir
significados (CASTELLS, 2000, p. 78).
As imagens Maracá e Cunani que pertenciam até recentemente ao universo
acadêmico
16
, através dos estudos iconográficos arqueológicos, passaram a ser
utilizadas pelo SEBRAE/AP e pelo Governo do Estado do Amapá, a partir de 2006,
com a finalidade de promover um movimento no sentido de construir um “sentimento
de amapalidade”, a partir da massificação dessas referências visuais que
simbolizam o resgate da história do Amapá. Esse sentimento de amapalidade, na
visão dos representantes do governo estadual, seria o vínculo identitário que
estabeleceria a noção de pertencimento dos indivíduos à sociedade amapaense. O
estabelecimento deste vínculo dá-se a partir da exposição ostensiva das imagens
Maracá e Cunani em atividades cotidianas como no jornal impresso, em
propagandas de eventos, em revistas como a Casa da Amapalidade”, em
grafismos presentes nas fachadas de prédios públicos como a Casa o Artesão,
16 Quando exponho o universo acadêmico, explico que estavam presentes em teses e dissertações ou relatos
de pesquisa e não como imagens que invadem o cotidiano.
4
Centro de Convenções João Batista de Azevedo Picanço, na lataria dos ônibus
urbanos e até mesmo nas lixeiras das praças públicas.
Para Stuart Hall, o sentimento de pertencimento a uma nação está vinculado
a uma composição de instituições culturais, símbolos e representações. O que ele
chama de narrativa da nação, pois esta é contada e recontada através de “estórias,
imagens, panoramas, cenários [...], triunfos e desastres que dão sentido a nação”
(2003, p.52, grifo do autor).
Aqui faço uma apropriação do termo nação para utilizá-lo analogamente em
termos de localidade, ou seja: o uso das imagens pelo GEA e SEBRAE/AP ajuda a
construir um sentido de localidade, que para Hall, seria um sentimento de
pertencimento à nação. A narrativa da nação, neste caso, poderia ser uma narrativa
local com estórias, imagens, símbolos e ressignificações elaboradas
institucionalmente.
Zygmunt Bauman (2005) - diferentemente de Castells (2000), compreende a
identidade (para ele identidades) o como uma construção, mas como um
fenômeno decorrente de fatores como a globalização, os deslocamentos
populacionais (migratórios), os meios de comunicação de massa e as mudanças nos
meios de transportes, sobretudo da metade do século XX até aqui. Aqui trato desse
fenômeno como uma construção, baseada em Stuart Hall ( apud SILVA, 2000, p.
106), que diz: é “construída a partir do conhecimento de alguma origem comum, ou
de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a
partir de um mesmo ideal”, surgindo assim o agenciamento, no sentido de “produzir”
um sentimento pertencente a todos.
2.1 AS IMAGENS MARACÁ E CUNANI E SUA CONDIÇÃO IDENTITÁRIA
As imagens
17
Maracá e Cunani vêm sendo extensamente expostas nas
cidades do estado do Amapá através do SEBRAE, com apoio do Governo do Estado
do Amapá (GEA) e instituições privadas de ensino. O que remete este estudo a fazer
uma ligação com a análise não somente da Indústria Cultural, mas do papel que
esta vem tendo na produção e veiculação imagética e artística.
17 De acordo com Flusser (2002), a imagem é resultado de uma técnica e depende de um aparelho, de uma
escolha do olhar de quem as produz, da forma de reprodução e de sua relação com a recepção. Flusser revela
uma preocupação com uma “filosofia da fotografia”.
4
Alfredo Bosi (1992, p. 322) nos diz que estas instituições: “são organizações
modernas complexas que administram a produção e a circulação de bens
simbólicos”. Desse modo faz-se necessário a compreensão sobre as questões de
identidade, das instituições e de sua articulação para tentar construir um sentido
identitário através do uso de imagens específicas (Maracá e Cunani).
Bauman (2005) nos demonstra o caráter ficcional da identidade, pois as
posições de sujeito, de sentido de pertencimento, de identidades sexuais e de
gênero não foram naturalmente gestadas e, como foi esboçado, a identidade
somente se consolida com a fratura ou a ameaça de quem eu sou. “Nascida como
ficção, a identidade precisava de muita coerção e convencimento para se consolidar
e se concretizar numa realidade” (p. 26). É desse modo, que os binômios ou
categorias lingüísticas e representacionais se prestam à fixação dessa ficção que é
no momento contemporâneo a identidade. O Estado moderno (que neste estudo é
tratado como instituição
18
), para concretizar, gerir e legitimar seu poder sobre seus
indivíduos necessita de instrumentos para melhor alcançar esse empreendimento, e
assim garantir sua continuidade.
Para isso são criados sistemas de representação, que para Stuart Hall (2003)
é concebido em seu nível significante e se expressa por meio de pinturas,
fotografias, textos, filmes, imagens em geral e também da expressão oral, sendo um
traço visível e exterior. Ao analisar pelo pensamento pós-estruturalista o conceito de
representação, podemos ainda entendê-la como sendo qualquer sistema de
significação, uma atribuição de sentidos, fazendo parte de todo um arcabouço
lingüístico e cultural.
Assim, “quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar
a identidade” (SILVA, 2000, p.91). E isto nos faz refletir em questões como: quem
tem, em nossa sociedade, o poder da representação? Com quais sistemas de
representação essas ‘entidades’ estão comprometidas? A quem interessa dominar
os meios que veiculam as representações? Entender as imagens como
representações é dotá-las de sentidos.
Do sentido da imagem, Vilém Flusser anuncia que “imagens são superfícies
que pretendem representar algo” (2002, p. 7). Seria muito ingênuo imaginar que as
instituições do estado do Amapá teriam a intenção de apenas “resgatar” imagens
que estavam esquecidas. Quando sua exposição passa a ser frenética, essas
18 De acordo com Alfredo Bosi (1992)
4
imagens são incorporadas no imaginário e, por que não dizer, passa a imprimir e
representar conceitos e servindo de alienação, na medida em que estas são
substituições de sua imaginação, pois o sujeito passa “a ser incapaz de decifrar
imagens” ( p. 7) aceitando o que lhe é “dado” por aqueles que detêm os mecanismos
de reprodução e reorientação dessas imagens. Esses conceitos servem de
alienação, pois acabam por afastar os sujeitos do contato real e significativo,
conduzindo-os a visões parciais ou distorcidas sobre outros sujeitos e objetos que
lhe são dados a ver.
No caso das imagens Maracá e Cunani, estamos lidando com uma produção
que não se auto designava deste modo, visto que as intenções de sua produção
estão vinculadas a elementos cotidianos completamente diversos da produção visual
contemporânea. Nesta tentativa de aproximação, as instituições “financiam” a
produção de design com as referências imagéticas Maracá e Cunani.
Para Canclini (2006), o fascínio gerado pelo primitivismo ou o retorno ao
modernismo, no sentido de justificar a utilização de imagens de culturas primitivas
ou pré-históricas nos remete a essa tentativa oficial de demonstrá-las como
identidade de um povo no momento contemporâneo. É análoga a exposição de
Canclini no livro “Culturas Híbridas”, pois nos revela uma prática não somente dos
museus, mas nesse caso, das instituições do Estado do Amapá e perpassa a
questão levantada por Canclini que de maneira direta se relaciona com esta
investigação.
E Canclini (2006, p.56), pergunta: “A que se deve essa insistência na
unicidade, na pureza, na inocência, no selvagem [...]?”. No autor e neste trabalho a
resposta está vinculada ao valor econômico do investimento, pois é necessário que
estas produções alcancem altas cotações que elas estão cada vez mais
relacionadas a grandes companhias, a antiguidades, a promoções de eventos, a
venda de produtos, enfim, muito mais do que a valores estéticos, as produções
visuais primitivas precisam estar vinculadas a valores econômicos. No caso das
imagens Maracá e Cunani o Governo do estado do Amapá e seus parceiros
institucionais apenas reproduzem o que o modernismo brasileiro fez: utilizou
modelos de plantas, cores, formas e grafismos locais para reproduzir faixas
decorativas nos moldes europeus, por exemplo.
Desse modo, o investimento feito pelas instituições estatais e ou privadas do
Amapá tendem a soterrar as ações das identidades de resistência (CASTELLS,
4
2000), uma vez que ao ganharem o título de exóticos e paralelamente serem
massivamente reproduzidos perdem o sentido. Os valores econômicos atrelados às
imagens Maracá e Cunani assumem então o papel não de democratizante, mas de
excludente. A vinculação dos artesanatos produzidos a partir das imagens Maracá e
Cunani produzem determinações sociais que ficam atreladas a essas
representações e são o reflexo das políticas culturais institucionais, gerando um
distanciamento entre as imagens das cerâmicas e os objetos produzidos a partir
desse grafismo, esvaziando-as de sentido e por fim tornando-se objetos
massificados.
4
CAPITULO 2
2 O DISCURSO DE RESSIGNIFICAÇÃO
19
DAS IMAGENS MARACÁ E CUNANI
NO AMAPÁ
2.1 SEBRAE e Governo do Estado em articulação
Neste capítulo trago como objeto de análise a exposição “O legado das
civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade” (realizada na
Fortaleza de São José de Macapá em junho/julho de 2006), a publicação homônima
do SEBRAE/AP (lançada por ocasião da exposição), o panfleto desta mesma
exposição, um fragmento de panfleto da campanha eleitoral ao governo do Estado
do Amapá de 2006, o programa do III Aldeia SESC povos da floresta (ocorrido em
agosto de 2008) e a primeira edição da revista “Casa da Amapalidade”. A intenção é
compreender como esses elementos de propaganda são utilizados na Campanha da
Amapalidade.
Na introdução do livro “O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
revelando sua identidade”, editado em 2006 pelo SEBRA/AP, o então governador
Waldez Góes fala da necessidade de se resgatar a identidade de seu povo:
Ao falarmos de identidade cultural do Amapá, imaginamos de
imediato, mundos e povos surpreendentes, habitantes de tempos
passados que por aqui deixaram suas marcas e seus ensinamentos,
dos quais a essência das qualidades espirituais, modos de vida,
sistemas de valores, crenças e tradições, romperam a barreira do
tempo e ainda se fazem presentes entre nós (SEBRAE, 2006, p. 5).
O termo “civilização” presente no título da exposição e da publicação do
SEBRAE/AP nos remete ao discurso do Governador Waldez Góes no texto acima:
“mundos e povos surpreendentes”. Esse discurso tenta heroicizar os povos que
habitaram a região de Maracá e Cunani com a clara finalidade de elevar a
autoestima de seus descendentes – a população residente no Amapá.
Com essa fala o Governador direciona seu discurso para um retorno às
19 Ressignificação denota a mudança de uma estrutura usada como referência para dar-lhe um novo
significado.
4
produções artesanais dos povos ceramistas que habitaram o Amapá (Maracá e
Cunani), a partir de seu legado artístico e cultural. Em sua apresentação fala da
necessidade de se reescrever a história das descobertas, exaltando a riqueza dos
sítios arqueológicos do Amapá, em especial os de Maracá e Cunani, a
expressividade de sua arte e simbologia. Como não podia deixar de falar, além do
trabalho que vem sendo realizado no sentido desse resgate, dessa ressignificação
das obras. Tendo “cada vez mais a certeza da missão ética de sermos os guardiões
desses valores”, afirma (SEBRAE, 2006, p. 5).
Na fala do governador Waldez Góes, os povos que legaram as imagens
Maracá e Cunani são romantizados e, na imagem 10 as urnas funerárias são
reproduzidas específicamnete para esse fim: serem expostas. Para atingir os
visitantes da exposição trabalhou-se com uma elevada qualidade técnica de
reprodução através das cerâmicas, dos banners da exposição e de seu catálogo,
ajudando a imprimir uma sensação de sobrevivência magnífica desses povos.
A Imagem 10 traz a entrada da exposição dia 23 de junho de 2006, na
Fortaleza de o José de Macapá. A exposição estava dividida em três partes: sítio
arqueológico Maracá, a reprodução de peças e banners explicativos sobre os sítios;
sítio arqueológico Cunani, a reprodução de peças e banners explicativos; a terceira
parte era das peças feitas pelos artesãos que participaram das oficinas do
SEBRAE/AP.
4
Imagem 10: entrada da exposição (O
legado das civilizações Maracá e
Cunani: o Amapá revelando sua
identidade
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo
pessoal, 2006)
Um dos conceitos fundamentais para a análise do discurso é o de ideologia,
que tem o papel crucial de regular os sentidos possíveis para o sujeito em
determinadas condições. Segundo Pêcheux (1997), a ideologia é um modo de
transformação dos indivíduos em sujeitos, “sujeitos de seu discurso” ou dos
discursos dos outros, os que possuem discursos legitimadores. Assim, pode-se
afirmar que essa noção é intrínseca às noções de sujeito e de discurso.
O indivíduo pode ser sujeito de diversas situações e em cada uma posicionar-
se de forma diferente. O sujeito posiciona-se a partir de determinado prisma
ideológico, muitas vezes até mesmo inconsciente. Somos sujeitos no processo
quando somos obrigados a tomar posições desta ou daquela maneira, escolhendo
palavras, usando determinado tom. Para Althusser (1985, p. 96), “toda ideologia
interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concretos, através do
funcionamento da categoria de sujeito”. Assim sendo, o sujeito vai se posicionar de
um determinado lugar, do qual fala. E essa interpelação traz a marca, segundo
Mikhail Bakhtin (1986), do horizonte social de uma época e de um grupo. Na fala do
Governador do Amapá a ideologia explicitada é a de uma origem comum, através
das imagens Cunani e Maracá, que resgatariam o sentido de ser amapaense.
Quando as instituições do Amapá (GEA e seus parceiros) enfatizam o discurso
ideológico de uma origem comum, heróica e romantizada, quer convencer sujeitos
através de grandes feitos, de uma origem distante no tempo e comum a todos.
Falar de uma ressignificação das imagens cerâmicas encontradas nos sítios
arqueológicos de Maracá e Cunani é falar de um discurso que aponta um resgate,
uma ressiginificação, uma nova roupagem para os objetos de uma cultura que em
outro tempo e para outro povo teve um significado diverso. A presença da ideologia
como base de fundamentação para a produção do discurso é significativa do ponto
de vista social, especialmente pelo fato de apresentar valores e visões que
caracterizam grupos sociais ou sujeitos enquanto atores sociais, os quais se
difundem nos meios de comunicação, tornando-se, em muitos casos, universais,
uma vez que esses discursos acabam impregnando os sujeitos mais vulneráveis
socialmente e transformando esse discurso repetitivo em verdade.
Não por menos o governador Waldez Góes fala de sua equipe, mostrando
que um longo caminho ainda a ser trilhado. Por isso também cita os técnicos do
Governo envolvidos neste projeto, através do Museu Joaquim Caetano da Silva, e
4
do SEBRAE, e que desde 2003 vinha trabalhando para esse momento da
publicação do livro e exposição das peças arqueológicas.
Imagem 11: Capa do panfleto de apresentação da exposição das peças arqueológicas
Fonte: Dados da Pesquisa (arquivo pessoal, 2006
A Imagem 11 mostra a capa do panfleto da exposição “O legado das
civilizações Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua Identidade” e, à esquerda
(superior) metade de uma urna Cunani, à direita (inferior) metade de uma urna
Maracá; na contracapa os parceiros do Governo do estado Banco da Amazônia S.A.,
Banco do Brasil e o SEBRAE/AP. Essa exposição teve sua abertura em 23 de junho
de 2006, na Fortaleza de São José de Macapá, principal marco histórico da
colonização portuguesa no norte do país.
Do ponto de vista da ideologia e das imagens como passíveis de serem
elementos de difusão ideológica, o discurso institucional através do governo e seus
demais parceiros, essa aglutinação de “coincidências” corrobora para a fixação do
sentido de amapalidade.
5
5
Imagem 12: Apresentação do panfleto da exposição das peças cerâmicas
feitas pelo SEBRAE/AP e governo do Amapá
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2006)
Na apresentação do panfleto (imagem 12) o discurso visa sensibilizar a
população e a sociedade amapaense para este “novo” momento como um resultado
de esforços e de rias contribuições, no sentido ainda de envolver os pequenos
empreendedores artesanais ou industriais: “para que incorporem essa nossa
identidade cultural em seu processo produtivo”. Com isso, o representante do poder
executivo estadual do Amapá quer dizer que os amapaenses devem se tornar cada
vez mais singulares e expressivos. (SEBRAE, 2006, p. 5).
O discurso da singularidade está estreitamente vinculado a uma identidade
também singular e única; e o discurso da unicidade transforma os amapaenses nos
seres que devem, através das imagens Maracá e Cunani, difundi-las para atrair mais
5
turistas e mais dividendos econômicos, além de diferenciarem-se dos outros. A
referência econômica (imagem 12) está intrinsecamente relacionada ao sentido das
imagens Maracá e Cunani, pois os empresários artesanais e industriais deverão
utilizar-se delas para tornarem seus negócios mais rentáveis.
)
A
imagem 13 mostra o interior do panfleto e ilustra o tom do discurso adotado pelo
Governo do Amapá, quando da apresentação da exposição das peças e utilitários
em cerâmica para a sociedade. Todas as peças são numeradas, classificadas em
fibras e sementes, madeira e cerâmica; a numeração remete aos artesãos que as
produziram, ou seja, aqueles que participaram das oficinas realizadas pelo
SEBRAE/AP. Ao mesmo tempo em que imprime uma marca comercial sobre os
produtos, visa também interligar o passado e o presente, a partir da relação que se
estabelece com os artesãos da sociedade amapaense.
2.2 DISCURSO E IDEOLOGIA
Originalmente, a ideologia estava ligada à faculdade de pensar, tratando as
5
Imagem 13: Catálogo das peças da exposição, interior do panfleto
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2006)
ideias como se fossem naturais, contudo, Karl Marx (1998) vem se contrapor a essa
idéia, salientando que a ideologia faz parte das relações de poder e se consolida no
Estado em diferentes aparelhos que servem para difundir as ideias do grupo
dominante, de maneira que ela contém o modo de pensar que se universaliza,
dependendo das intenções e das condições materiais.
Para os frankfurtianos Adorno e Horkheimer (1985) o indivíduo constrói seu
mundo interior a partir daquilo que a realidade externa lhe aos sentidos, e
gradualmente, esse exterior passa a ser internalizado, uma internalização
transformada pelo indivíduo que a partir desse entrelaçamento constrói o eu. Porém
esse eu está em constante tensão com a coletividade, o social. A relação com o
outro é a condição de sua sobrevivência individual num mundo onde pretende
transformar a natureza e retirar dela riquezas _ isso é a vida em sociedade.
Tanto o discurso marxista quanto o frankfurtiano abordam a relação da
transformação dos recursos naturais em benefícios não apenas individuais, mas de
um projeto que legitima economicamente, socialmente (coletivamente), travestido
também de uma reflexão sobre a realidade, onde a direção está previamente
traçada. No discurso institucional ser amapaense significa conhecer as imagens
Maracá e Cunani, divulgá-las, dar lembrancinhas aos amigos e visitantes de outro
lugar com essa “identidade”.
O discurso intermediado pela ideologia manifesta a forma de ver a realidade
em função dos interesses de classe e, para Marx (1998), a classe que detém o
poder dos meios de produção da vida material, também detém o poder sobre os
bens espirituais, e assim, é possível afirmar o quanto ele expressa interesses e
intenções, os quais contribuem para massificar uma forma de viver e pensar na
sociedade. Tanto os discursos Frankfurtianos como os Marxistas apontam neste
trabalho, para a Identidade Legitimadora (CASTELLS, 2000), onde a classe que
detém o poder ou a tensão entre o social e o individual atua para um direcionamento
da construção identitária.
Dependendo das relações de poder, o discurso hegemônico é legitimado e
difundido nos meios de comunicação, universalizando o pensamento de um grupo
como se ele fosse válido para toda sociedade, envolvendo situações triviais, as
quais contribuem para internalizar o modo de pensar do grupo hegemônico. As
5
situações triviais aqui envolvidas estão no nível do cotidiano: utilizar o transporte
público que é “decorado” com faixas Maracá e ou Cunani, ir às praças e ver os
grafismos nas lixeiras ou nos bancos, visualizar os motivos Maracá e ou Cunani nas
fachadas dos prédios públicos. Ir a uma festa cujo logotipo faz parte de uma das
orientações da publicação SEBRAE/AP (2006). Enfim, as situações envolvidas são
pequenas e constantes contribuindo para a fixação das imagens na memória
visual/afetiva dos sujeitos.
Assim é preciso, também, entender o que é discurso:
O discurso não é a língua, embora seja com ela que se
fabrique discurso e que este, num efeito de retorno, a
modifique. A língua é voltada para sua própria organização, em
diversos sistemas que registram os tipos de relação que se
instauram entre as formas (morfologia), suas combinações
(sintaxe) e o sentido, mais ou menos estável e prototípico de
que essas formas são portadoras segundo suas redes de
relações (semântica). Descrever a língua é, de um modo ou de
outro, descrever regras de conformidade, a serem
repertoriadas em gramáticas e dicionários (CHARAUDEAU,
2006, p.40).
Para Charaudeau (2006), o discurso está acima do uso de regras da língua a
qual pertence. Ele é resultado da combinação das circunstâncias em que se fala ou
escreve, havendo uma troca, uma relação de intencionalidade que os liga, a partir da
maneira pela qual se expressa. Descrever sentido de discurso consiste, portanto,
em proceder a uma correlação entre dois polos. No caso da informação repassada
pelas mídias, é importante questionar sobre a mecânica de construção do sentido,
sobre a natureza do saber que é transmitido e sobre o efeito de verdade que pode
produzir no receptor. Entendido dessa forma o discurso é um coadjuvante na fixação
da identidade legitimadora, pois as imagens assumem o papel de protagonistas na
Campanha da Amapalidade.
O discurso do presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE, Jaime
Domingues Nunes, aponta para o setor empreendedor da sociedade amapaense, no
qual ele acredita estar acontecendo uma transformação em seu modo de produção.
Para “isso ele deve estar atento á construção de diferenciais que agreguem valor a
seus produtos e serviços e que promovam a consolidação identidade para o seu
trabalho e sua empresa.” (SEBRAE, 2006, p. 6). Os diferenciais apresentados são
5
os grafismos, ou seja, as imagens com temática Maracá e ou Cunani.
Essa visão mercadológica com valorização cultural é o mote do discurso
apresentado pelo SEBRAE/AP em sintonia com o governo estadual. Por isso falam
do artesanato amapaense que está sintonizado cada vez mais com o mercado,
usando matérias primas diversificadas, formas leves, acabamentos refinados, mas
com referência cultural. Diz ele que “com a difusão da importância deste legado,
pretende-se fortalecer a auto-estima da população e ampliar o repertório das
referências visuais e simbólicas dos artesãos, instigando seu potencial criativo,
associado ao fortalecimento da expressividade de suas criações” (SEBRAE, 2006, p.
6).
Essa visão comercial (compreendida e divulgada pelo GEA e seus parceiros)
dos produtos recriados pelos artesãos e pequenos comerciantes amapaenses, de
forte expressividade e relação com a identidade cultural do Amapá, deve se tornar
um diferencial competitivo dentro e fora do estado. Com isso as duas principais
instituições (Governo e SEBRAE), são inter-locutores do povo do Amapá oferecendo
um discurso de aproximação, mesmo sendo um processo de reconhecimento ou
estranhamento, diante das diversas correntes ideológicas que permeiam qualquer
sociedade de classes.
Essa necessidade de estar ligado ao outro a partir da fala, do discurso, muitas
vezes pode desvirtuar a relação de troca, de transmissão de informações. Quando
se está ligado ao outro, seja por reconhecimento, diferenciação ou estranheza,
uma interação que permite ambos se posicionar livremente. Como disse Bakhtin
(1986, p. 113), “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros”.
Segundo Helena Brandão (1998, p. 43-44), “o sujeito, movido pela ilusão do centro,
pela ilusão de ser a fonte do discurso, por um processo de negação, localiza o outro
e delimita o seu lugar para circunscrever o próprio território”.
O “esquecimento” sobre a autoria dos discursos passa a fazer parte do
processo de construção discursiva do sujeito e fortalece a tese de que todo discurso
é o encontro de muitas vozes - não somente as que falam pelo sujeito, mas também
as que não falam. O silêncio contribui para a formação dos sentidos. Nesse caso o
silêncio é mantido por aqueles a quem o discurso da amapalidade é dirigido.
Para Charaudeau (2006), a busca pelo sentido é algo extraordinário no
5
decorrer desse processo. O sentido nunca se mostra antecipadamente. Ele vai
sendo construído pela ação linguageira do homem e é perceptível através de
formas. Toda forma remete a um sentido, todo sentido remete à forma.
Segundo este autor, todo discurso, antes de representar o mundo, representa
uma relação, ou, mais precisamente, representa o mundo ao representar uma
relação. E isso também é aplicado no discurso da informação. O sujeito informador,
sob as malhas do processo de transação, vai construir sua informação em função
dos dados específicos da situação de troca. Olhando por esse prisma, é impossível
prender a informação sob a égide da fidelidade aos fatos ou a uma fonte de
informação. Estaria à informação não isenta à transparência, à neutralidade ou à
factualidade. Essa forma de receber a informação faz com que a interpretação seja
processada segundo parâmetros próprios do receptor, e que não foram
necessariamente previstos pelo sujeito informador.
É preciso encontrar as congruências entre os temas aqui tratados:
Identidade ► Ideologia ► discurso►Identidade
O discurso (todo discurso) produz identidade, que por sua vez produz
ideologia, que constrói identidade, e esse ciclo faz com que o sujeito se reconheça
enquanto ser pensante, participante de uma sociedade. Analiso as estratégias
utilizadas e os mecanismos tacitamente empregados para alcançar uma mudança
identitária ou uma homogeneização da comunidade.
2.3 A IMAGEM NA CULTURA VISUAL
Os anúncios publicitários, as revistas e os panfletos fazem parte dessa
sociedade de gente que enxerga e para Douglas Kellner (1995) embora os
publicitários divulguem a idéia do anúncio como basicamente informativo, essa
informação acaba não resistindo a um exame mais aprofundado. Durante a
campanha para a reeleição ao governo do estado do Amapá, em 2006, foi divulgado
um panfleto (imagem14) sobre benfeitorias realizadas no setor pesquisa e cultura no
mandato anterior, em que, num sentido de correlação, aparece o logo da campanha
eleitoral e, ao fundo, o título da exposição com uma imagem Maracá por trás da
5
imagem do candidato. A mensagem deixa muito clara a necessidade de avanço,
tanto cultural quanto científico, pois “o incentivo à pesquisa científica, o corredor da
biodiversidade são outras ações que estão firmando a cultura, a pesquisa e o
crescimento científico e intelectual do nosso povo” (G.E.A., 2006).
Tanto o discurso textual quanto o imagético contribuem para a fixação de
verdades ou ficções que interessam ao candidato e seus parceiros. Knauss afirma
que “a imagem é capaz de atingir todas as camadas sociais ao ultrapassar as
diversas fronteiras sociais pelo alcance do sentido humano da visão” (2006, p.99 ).
Esta afirmação nos lembra que na Idade Média européia as imagens eram utilizadas
para confirmar o poder monárquico e religioso, justamente por ser um modo
abrangente de comunicação. É justamente pela abrangência, pela importância e
frequencia das imagens em nossa sociedade, que trago a discussão sobre as
imagens Maracá e Cunani como identidade institucional (legitimadora) para o estado
do Amapá, pois as imagens apresentadas representam as formas de circulação
(panfletos, livros, jornais, mídias, veículos móveis ou imóveis de propaganda) e
produção (impressos, adesivos, objetos) participando da tentativa de impregnação
do sentimento de amapalidade.
5
Os anúncios impressos: folhetos, panfletos, out-doors, além dos televisivos
buscam agrupar um sistema simbólico, através do convencimento a respeito de uma
situação superlativizada. “Assim, as representações oficiais do Amapá tendem para
realizações imagéticas ditas ‘tradicionais’ que colaboram para a manutenção de uma
ideologia burguesa” (SUPERTI, et al, 2006), pois, ao veicular determinada imagem,
negligencia-se outras. Não o que vemos, mas o que é ocultado ao nosso olhar,
também nos conduz a reflexões.Na imagem 14 o texto demonstra a tentativa de
elevar a auto-estima da população através das atuações do GEA, pois seu trabalho
levou “o Amapá para o ranking dos lugares mais belos do Brasil “, além da
enumeração da importância da exposição O Legado das Civilizações Maracá e
Cunani: O Amapá revelando sua identidade”, da criação de parques e do discurso
legitimador cientifico, e justamente nesse quesito o incentivi da pesquisa cintifica
5
Imagem 14: Panfleto da Campanha eleitoral de 2006
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2006)
[sic]” está com erro de grafia. Além do texto a imagem do panfleto funde o logo do
candidato “W12” com a imagem onde está o próprio candidato e a capa do livro do
SEBRAE/AP em tamanho equivalente.
Na ótica da Cultura Visual, Mitchell (2003, p. 39- tradução nossa) vem reforçar
este caráter da imagem:
A "cultura” visual coloca sua atenção em todas as coisas estranhas
que fazemos enquanto olhamos, contemplamos , mostramos e
presumimos - ou, pelo contrário, enquanto nos escondemos,
encobrimos ou recusarmos a olhar. Em particular, ela nos ajuda a ver
que mesmo algo tão amplo como "imagem" não esgota todas as
possibilidades de visualidade.
Podemos concluir a partir dessa colocação de Mitchell e outros estudos de
Hall, (2003) no que se refere à audiência: a recepção da imagem dependerá de
vários fatores, inclusive das construções (e ocultações) sociais, simbólicas,
psicológicas e históricas desenvolvidas, tanto a partir de quem vê, como de quem é
visto, deste modo, o que vemos e o que nos mostra, constroem sentidos que
mutuamente modificam o modo como observamos e o modo como somos
observados, tornando esta relação dinâmica, mas, ainda dependente, pois o
observador é socialmente localizado e suas posições demonstram os parâmetros de
suas observações.
Imagem 15: Programa impresso do III Aldeia SESC - Povos da floresta
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2008)
6
No Programa de apresentação do III Aldeia SESC - Povos da floresta
(imagem 15), que ocorreu em agosto de 2008, toda programação visual do evento
obedeceu criteriosamente às orientações do livro do SEBRAE/AP (2006), com a
urna Maracá em espelhamento, com os grafismos no alto e ao pé da página e com a
cor de cerâmica, além do título: Aldeia - SESC Povos da floresta. Esse evento
buscava reunir os produtores de cultura do estado, tendo sido convocados atrizes,
performers, contadores de estórias, artistas plásticos, poetas, dançarinos e bandas
de vários ritmos para participarem de palestras, oficinas, mostras de vídeos e
também para apresentarem seus trabalhos ao público em geral.
As estratégias institucionais (panfletos, publicações, exposições, oficinas,
ação das secretarias) começam a ser mais extensivas a partir de 2007, não sendo
mais apenas pontuais, elas também invadem as salas de aula e, os professores da
Rede Estadual de ensino começam a ministrar aulas onde as imagens Maracá e
Cunani são expostas, principalmente nas aulas de arte ( pois apublicação do
SEBRAE/AP foi distribuida a todas as escolas da Rede Estadual, através da
Secretaria de Estado da Educação). Ou seja, o que se pode verificar é uma invasão
dessas imagens em todos os aspectos discursivos da vida cotidiana das pessoas,
principalmente, as que estão mais vulneráveis à ação midiática institucionalizada.
Uma vez que o próprio Secretário Especial de Desenvolvimento Econômico Alberto
Góes declara ao jornal Diário do Amapá: “O que queremos é a colaboração dos
profissionais da imprensa na construção do sentimento de amapalidade e na
massificação dessas referências iconográficas, que simbolizam o resgate de nossa
verdadeira história” (MELO, 2006). Fica evidente o esforço institucional para
massificar essas imagens com sentido de identidade.
6
A primeira edição bilíngüe (português/francês) da revista Casa da
Amapalidade (imagem 16) é um exemplo de que não apenas os artesãos mas
também os arquitetos, lojistas, moveleiros e empresários do setor da construção
participam ativamente do projeto institucional. A revista traz ambientes decorados
com peças, padronagens gráficas, cores, e móveis inspirados nas imagens Maracá
e Cunani. Esta revista foi financiada e produzida pelo SEBRAE/AP em 2008, as
imagens da revista, foram resultadas de stands decorativos montados na Feira do
Empreendedor no pátio do prédio do SEBRAE/AP em 2007. Nela é possível ver a
tentativa de demonstrar o “jeito de ser do Amapá”. O “jeito de ser” do Amapá é
sofisticado, que as residências são decoradas com motivos Maracá e Cunani, os
moradores são dotados de “bom gosto” pois valorizam suas “raízes culturais”, porém
6
Imagem 16: Revista Casa da Amapalidade, set/2008
Fonte: dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2008)
esse jeito de ser está relacionado a um determinado poder aquisitivo, que não está
necessariamente voltado à maioria da população do estado, que é de baixa renda.
Assim, ao veicular determinada imagem, utilizando-se dos meios de
comunicação em poder da instituição, o Governo do estado do Amapá cria códigos
que negligenciam as múltiplas identidades culturais locais por não valorizá-las, ou
mesmo, por não reconhecê-las, uniformizando essas identidades com propósitos
claramente econômicos.
O ser humano chega ao conhecimento a partir da construção e do exercício
da linguagem, visando tornar o mundo inteligível, categorizando-o a partir de
parâmetros dentro de uma complexidade ímpar. O saber vai sendo construído
segundo o olhar do ser. Voltado para o mundo, o olhar cataloga esse mundo em
categorias de conhecimento; mas, voltado para si mesmo, o olhar tende a construir
categorias de crença. O saber se estrutura simultaneamente, conforme a atividade
discursiva usada pelo o indivíduo para interpretar o mundo. O indivíduo pode
descrever contar ou explicar. Pode estar bastante envolvido no que diz ou pode
tomar cuidado com o que dizer. Essas formas de discursar através da linguagem se
constituem nos sistemas de interpretação do mundo, sem os quais não
significação.
O discurso utilizado pelas instituições para apresentar e argumentar sobre
essa nova visão da identidade cultural do Amapá, deixa claro que uma
preocupação mercadológica a partir desse resgate histórico e iconográfico, mas que
também tem um viés de identidade cultural marcante e singular, que pode ser
concebido e incorporado nas produções artesanais e industriais do Amapá, como
forma de expressar sua identidade, e ainda assim, gerar produtos agregados que
valorizem tanto sua cultura com produção comercial.
6
CAPÍTULO 3
3 ANÁLISE DO DISCURSO DA MÍDIA IMPRESSAA GAZETA
3.1 A Produção do discurso midiático
Os textos jornalísticos escolhidos foram aqueles considerados mais
significativos dentro da proposta institucional. O jornal A Gazeta foi escolhido por
que nos arquivos da biblioteca pública Elcy Lacerda eram os que continham o maior
número de reportagens sobre o assunto Maracá e Cunani. Os exemplares
analisados cobriram os meses de fevereiro a novembro de 2006, ano da Exposição
“O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade” e o
ano de lançamento da campanha. A intenção era avaliar o período de início da
exploração midiática. Dos 313 exemplares que deveriam ser analisados, cerca de
5% (verde - gráfico 1) não estavam nos arquivos da biblioteca, 40% (azul - gráfico
1) apresentavam outras notícias sem relação ao tema, 25% (vermelho - gráfico 1)
apresentavam notícias correlacionadas como pequenas notas em zonas mais
periféricas do jornal, e 35% (amarelo - gráfico 1) apresentavam notícias, entrevistas
ou até cadernos inteiros, como foi o caso do Caderno de Cultura sobre a cerâmica
Maracá e a cerâmica Cunani.
Gráfico 1
O maior número de notícias ocorreu em maio, junho e julho de 2006, pois
6
outras notícias
nocias correlacionadas
nocias sobre o tema
não constavam
foram os meses que antecederam o lançamento da Campanha da Amapalidade,
com a Exposição “O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando
sua identidade”, ocorrida na Fortaleza de São José de Macapá (junho/julho-2006) e
o lançamento do livro homônimo (SEBRAE/AP -2006). Também houve um grande
número de matérias em setembro e outubro de 2006, por ocasião da 43ª Expofeira
Agropecuária do Amapá e o salão do Design Amapaense promovido pelo
SEBRAE/AP detro da 43ª Expofeira.
As matérias aqui analisadas referem-se aos meses de abril, junho, julho,
agosto, setembro e novembro de 2006, a fim de buscar nas notícias alinearidade do
início e desenvolvimento da parceria institucional (SEBRAE/AP e GEA). A Exposição
na Fortaleza de São José de Macapá, a preparação dos artesãos para o trabalho
com projetos na área de cultura, as repercussões na sociedade, a exposição na 43ª
Expofeira, no Salão do Design Amapaense e as inserções de notícias que pudessem
abranger o ano de 2006. Os cadernos em que estavam distribuídas as matérias
eram: Cidades, Política e Cenários.
Com o levantamento desse material de pesquisa procedi à análise que segue.
A palavra mídia, oriunda do termo inglês media, significa meio. E meio, de
acordo com os dicionários, pode ter duas definições: veículo para transmissão de
alguma coisa ou centro, ponto de equilíbrio entre dois extremos (FERREIRA, 2000).
A partir do conceito de mídia enquanto veículo, podemos dizer que o papel dela é
organizar, produzir e disseminar informações que possam servir para a
compreensão e/ou transformação de determinados fatos sociais. Por outro lado,
tomando como base a idéia de mídia como centro, pode-se imaginar que ela cumpre
a função de difusora do equilíbrio. Assim, a mídia é um veículo, um meio, que
poderia contribuir para o equilíbrio entre as diversas partes que compõem a
sociedade, através da difusão da informação. Daí, que o que se pode esperar da
mídia, particularmente do jornalismo, é uma contribuição para a promoção do
diálogo e para a mediação de conflitos, através de procedimentos técnicos, como
checagem (a chamada apuração), edição e divulgação - de fontes e informações.
Ela nos passa as informações de maneira muitas vezes multifacetada, que
ocorre de acordo com a visão do receptor:
A maneira com vemos as coisas é afetada pelo que sabemos ou pelo
que acreditamos. Na Idade Média, quando o homem acreditava na
existência sica do inferno, a visão do fogo deve ter significado algo
6
diferente do que significa hoje. Não obstante, a idéia que fazia do
inferno devia-se muito a visão do fogo consumindo e das cinzas que
permaneciam... Assim como a sua existência da dor das
queimaduras (BERGER, 1999, p. 10).
Olhar é um ato de escolha. Mesmo que muitas vezes não nos demos conta
de que essa “escolha” tem bases culturais. Como resultado dessa escolha, aquilo
que vemos é trazido para o âmbito de nosso alcance, ainda que o
necessariamente ao alcance das mãos.
Ao dar visibilidade a fatos do dia-a-dia, a mídia influencia na opinião das
pessoas. No que se refere ao jornal impresso, objeto desta análise, isso acontece de
maneira mais forte ainda do que em outros veículos, por tratar-se de um meio
bastante acessível. Nesse caso, o texto jornalístico baseia-se em recursos
lingüísticos tecnicamente trabalhados para sustentar o discurso construído. O jornal
está escrito e assinado, muitas vezes pelo próprio jornalista ou pela empresa
jornalística. Trabalha com fontes que, no processo de elaboração textual, tornam-se
personagens, com referentes reconhecidos no mundo real. O que veremos a seguir
é um conjunto de matérias sobre o assunto pesquisado e as diversas maneiras de
tratar do assunto pela mídia do Amapá, em especial, o jornal A Gazeta.
6
Imagem 17: SEBRAE/AP lança campanha aos artesãos
Fonte: Jornal A Gazeta, 18 de agosto de 2006, Caderno Cidades
Aqui (imagem 17), vemos o lançamento dos projetos para a comunidade de
Macapá e do município de Santana, dando ampla divulgação do fato político. O
discurso busca um envolvimento com artistas locais, nesse caso, dos dois maiores
municípios do Amapá para dar visibilidade ao projeto. O pano de fundo é a
sustentabilidade financeira. O SEBRAE/AP é o gestor do projeto Empreendedorismo
Cultural e, desde 2005, vem implementando parcerias com o Governo do estado do
Amapá. O SEBRAE/AP participa com o treinamento de gestão, apresentação do
produto, agregação de valores simbólicos aos produtos; e o GEA entra com o
fomento através da Secretaria de Estado do Trabalho e Empreendedorismo (SETE),
da Agência de Fomento do Estado do Amapá (AFAP) com o programa Amapá
Empreendedor que é coordenado pela SETE, com juros de 1,5 % ao mês, para os
artesãos associados à Casa do Artesão (Associação dos Artesãos do Amapá)
Esses discursos são construídos por profissionais (jornalistas) que projetam
no trabalho a sua visão de mundo e a visão das instituições em que trabalham. A
representação do fato ocorre a partir da construção de um texto jornalístico,
organizado estruturalmente por respostas resultantes das seguintes perguntas: O
quê? Quem? Onde? Quando? Como? E Por quê? Essas respostas ajudam a
construir o chamado lide (do inglês lead). Sobre isso, Elcias Lustosa diz que:
A definição do modelo do lide com seis interrogações
básicas, representou uma solução inovadora para a
construção de um texto de notícia padronizado e homogêneo
[...]. Ele ainda é defendido por alguns autores como um
recurso de grande valia para a construção de uma boa cabeça
de matéria. (LUSTOSA, 1996, p.78).
O conjunto formado pelo lide e o restante do texto caracteriza a formação da
notícia, isto é, “a
6
informação transformada em um produto de consumo” (LUSTOSA, 1996). Um
veículo de comunicação oferece informações transformadas em notícias, e os textos
contém algum tipo de informação, principalmente os de opinião, como editoriais. Na
imagem 18, a casa do artesão é mostrada com sua arquitetura circular e pintura de
grafismos Maracá. A Casa do Artesão foi inaugura em 30/12/2005 e antecipava a
Campanha da Amapalidade, pois sua forma circular de choça, os grafismos Maracá
que circundam o prédio e também sua parceria com o Governo, através dos
benefícios de seus cooperados. A imagem 18 é uma notícia do Caderno Cidades, e
convida o leitor à visitação e reforça a parceria institucional.
Nesta nota do jornal fica claro o lide falado acima. O quê? Quem? Onde?
Como? E por quê? São respondidos chamando para a exposição. É o momento do
encontro entre a população e as peças agora transformadas em artesanato e
bijuterias. A relação entre presente e passado se liga a partir de um “resgate” que
busca identificar traços culturais. Presente e passado agora frente a frente.
(...) Consequentemente o medo do presente conduz a mistificação do
passado. O passado não é para viver nele; trata-se na verdade, de
um poço de conclusões, dele extraídas, para nosso intuito de agir. A
mistificação cultural do passado acarreta uma dupla perda. As obras
de arte são tornadas desnecessariamente remotas. E o passado
oferece-nos menos conclusões a serem completadas pelas ações
(BERGER, 1999, p. 13).
6
Imagem 18: SEBRAE/AP E Governo do estado em parceria
Fonte: Jornal A Gazeta, 05 de novembro de 2006, Caderno Cidades
O chamado do jornal é algo que parece banal, algo corriqueiro na cidade, mas
que traz um fato importante para a sociedade local. Isso equivale a dizer que a mídia
absorve os fenômenos sociais, embalando-os de uma roupagem especial,
tecnicamente trabalhada para agradar aos mais diferentes gostos e expectativas. O
texto do jornal, assim como a imagem nele impressa e reproduzida buscam ilustrar a
vida cotidiana.
A construção da representação do fato, ou seja, a forma através da qual o
mundo é retratado pela mídia sofre fortes influências de quem opera com os
elementos que compõe a informação. É, por isso, que veículos de comunicação,
bem como os profissionais da imprensa, estão cada vez mais sob os olhares atentos
de diversos organismos reguladores. No embate informação-notícia, a mídia tem
explorado, muitas vezes, os dramas humanos, chegando, inclusive, a provocar
acontecimentos, na tentativa de chamar ainda mais a atenção ou mesmo de
arrebatar novos consumidores.
Durante o ano de 2006 o jornal A Gazeta divulgou informações sobre o livro e
a exposição que tratava das peças arqueológicas encontradas nos sítios Maracá e
Cunani. Foram inserções em diversas páginas e cadernos, sempre divulgando ou
falando do assunto relacionando-o a outros, como ao empreendedorismo, fato que
fica claro em algumas reportagens como na imagem 19:
6
Na imagem 19, volto ao mês de abril para delinear o percurso da construção
do discurso do Empreendedorismo Cultural: agregar valor monetário a bens
simbólicos. Se, na imagem 17, o SEBRAE/AP traz o lançamento dos projetos, aqui,
na imagem 19, os projetos são esboçados, ou seja, é traçada a metodologia que
norteará os projetos. A pretensão é grande: tornar o projeto um fato cultural com
marca registrada, com contrato, termos técnicos, através de capacitação e estímulos
financeiros com a parceria também do SESC Amapá.
Os discursos jornalísticos são construídos a partir do posicionamento de um
veículo. Para analisar este comportamento, a teoria da Análise do Discurso aponta
elementos que podem ser considerados no decorrer deste processo. Um deles é
estudado por Milton José Pinto (1999), pois mais importante do que “o que se fala” é
“como se fala”, considerando que toda informação está relacionada a circunstâncias
e contextos históricos e sociais. Assim sendo, a Análise do Discurso não se
7
Imagem 19: SEBRAE/AP lança projeto de cultura
Fonte: Jornal A Gazeta, 30 de abril de 2006, Caderno Política
interessa tanto pelo texto, no que diz ou mostra, que não se preocupará com sua
interpretação semântica, mas sim em “como” e “por que” o diz e mostra (Pinto, 1999,
p. 23). No caso da imagem 20, o “como” está relacionado à expo-feira e às
oportunidades de negócio que surgirão a partir do contato com empreendedores
vindos de diferentes estados do Brasil e da Guiana Francesa; o “por que” relaciona-
se às necessidades econômicas dos empreendedores do estado, além de a
instituição estatal e seus parceiros demonstrar engajamento e preocupação com a
geração de emprego e renda.
Nesta reportagem (Imagem20) fica clara a intenção de envolver outros
segmentos no processo de construção e re-significação da identidade cultural do
Amapá. Basta para isso verificar que os empresários também são chamados para se
beneficiar das descobertas e da divulgação dos achados arqueológicos. A tentativa
de reconhecimento da identidade Amapaense é objeto de intercâmbio com
empresas nacionais e internacionais. No discurso da imagem 20 aconteceria na 43ª
Expofeira Agropecuária do Amapá a exposição e da Cultura Maracá e Cunani, o que
demonstra um enorme equívoco, pois as peças dos artesãos que participaram das
7
Imagem 20 – Chamada para os empresários amapaenses
Fonte: Jornal A Gazeta, 29 setembro de 2006, Caderno Cidades
oficinas do SEBRAE/AP é que foram mostradas.
Imagem 21: Artesãos são chamados para participar de oficina
Fonte: Jornal A Gazeta, 06 de agosto de 2006, Caderno Cenários
Nesse sentido, a imagem 21 nos revela a preparação dos artesãos para a 43ª
Expofeira. As oficinas foram ministradas por designs do SEBRAE de são Paulo, para
agregarem a “iconografia Maracá e Cunani” a suas peças.
Na imagem 21 os artesãos são chamados também para participar do projeto
relacionado identidade cultural do Amapá. Vemos então um discurso sendo
trabalhado no sentido de envolver segmentos que podem utilizar o projeto e se
beneficiar com isso. Na imagem o típico momento de aprendizagem, onde uma
pessoa, localizada no centro da imagem orienta através de exemplo prático os que
estão a sua volta.
7
Imagem 22: Convite para Exposição “O legado
Maracá e Cunani”
Fonte: Jornal A Gazeta, 21 de junho de 2006,
Caderno Política
A imagem 22 não apresenta uma imagem, mas apenas um pequeno texto
convidando para a exposição “O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá
revelando sua identidade”. Uma parte do texto afirma: que as imagens Maracá e
Cunani “retratam a identidade genuinamente amapaense”. Essa afirmação nos
remete à compreensão das imagens “como resultado de um trabalho social de
produção de sentido, pautado sobre códigos convencionalizados culturalmente”
(MAUAD, 1996, p.84), o jornal passa a ser um porta-voz do governo do Amapá,
fortalecendo os laços e enfatizando todas as informações que vão ao encontro do
projeto de massificação da proposta institucional.
3.2 representação e visualidade
A obra “Análise Automática do Discurso”, do francês Michel cheux, do final
da década de 60, deu início à teoria da Análise do Discurso. Uma nova forma de ver
o “discurso abriu espaço para que as Ciências Sociais se confrontassem com
outras ciências, entre elas a História, a Psicanálise e a Lingüística. Essa maneira de
ver o discurso de forma diversificada em suas potencialidades de sentidos é prevista
em Pinto (1999, p.24), que trabalha a multiplicidade de significações do enunciado,
ou seja, as “práticas sociais”, nas quais os discursos estabelecem relações com as
representações sociais, gerando as idéias que um determinado grupo ou classe.
No caso deste trabalho, o sentido de representar passa pela visualidade - é
seu eixo central - “As representações visuais são formas culturais de apresentar,
narrar ou referir, caracterizando ou nomeando grupos de indivíduos, sujeitos,
conceitos, valores e identidades” (MARTINS, 2008, s/p). As representações o
construídas a fim de substituir o objeto ou ser representado e está intrinsecamente
ligada à linguagem e à visualidade de determinada cultura.
7
Imagem 23: Governador defende o projeto em prol do povo amapaense
Fonte: Jornal A Gazeta, 30 de julho de 2006, Caderno política
7
O governador aparece em um discurso direto (imagem 23), incisivo e político.
“O Amapá e seu povo merece [sic] ter sua história registrada, protegida e restaurada
e para tal o Governo do estado busca com esse projeto manter sob a guarda e
proteção do poder público todo esse acervo existente em seu território” (A Gazeta,
2006, p. A-3). Ou seja, o Governo toma frente diante dessa fase da política
amapaense. A notícia da imagem 23 deixa claro que é dever institucional estar
adiante com a preocupação relativa aos bens artístico-culturais, dever tanto Federal,
quanto Estadual e, valendo-se das PPP’s, a iniciativa privada também participa
dessa preocupação. Muito mais que a proteção e restauração dessa história,
também está em jogo como o povo amapaense será representado, como a cultura
amapaense deverá ser vista pelos demais.
Essa dinâmica social pela qual passa não a imprensa, como também a
sociedade, permite afirmar que os discursos se transformam e se moldam de acordo
com a circunstância no momento da produção do enunciado (LIMA & SOUZA, 2006).
Para Bakhtin (1986), a língua é um elo de interação social entre o sujeito do
enunciado e o destinatário. Esse contato lhe permite desenvolver o papel de ser um
signo decodificador da realidade e não somente um instrumento de comunicação.
Cada um desses elementos interfere no processo de formação do outro.
Sendo a linguagem um código que é decifrado por seus decodificadores, ela
passa a ser utilizada para o entendimento da informação jornalística, no tempo ideal
para atingir o objetivo de influenciar os leitores. Com isso é propício chamar para a
necessidade do resgate cultural dos amapaenses. Através de um discurso direto ao
destinatário, um incentivo a mais para ser convencido do trabalho realizado pelas
instituições na busca pela aceitação das imagens Maracá e Cunani agora vistas de
outra maneira. Considerando que a produção do sentido discursivo depende do
contexto, neste caso, o sujeito está inserido nos processos sociais e, portanto, não
está imune à influência de suas expressões e formas de linguagem.
7
Imagem 24: 43 ª Expofeira e Equinócio 2006
Fonte: Jornal A Gazeta, 21 de outubro de 2006, Caderno Política
O Jornal, então, massifica a informação sobre o que deve ser entendido
como legado cultural. Um retorno ao passado para que haja um reencontro com a
percepção do presente e a produção cultural do passado. A imagem 24 mostra os
stands de exposição das peças produzidas pelos artesãos e, apela para a
sensibilidade dos visitantes, para que eles estejam em busca do conhecimento
sobre essas imagens e esses povos.
É o sujeito o objeto da Análise do Discurso, pois dele provem os discursos,
mesmo que este não tenha o poder de decisão, não tenha o poder de escolha sobre
as estratégias de discussão, pois não é o centro do discurso. Ele atua como quem
imagina ter autonomia sobre o que pronúncia, mas o inconsciente e as ideologias é
que determinam seus discursos (LIMA & SOUZA, 2006).
7
Imagem 25: a volta ao passado toma rumo no discurso em forma de Exposição
Fonte: Jornal A Gazeta, 05 de novembro de 2006, Caderno Política
Os discursos construídos para os sujeitos obedecem as estratégias de
impregnação de sentidos e lhes transmitem a ilusão de que são eles próprios os
construtores desses discursos. Não existe neutralidade nos discursos sejam eles
orais, escritos ou visuais, pois o sujeito (tanto emissor quanto destinatário) estará
invariavelmente, comprometido com alguma questão que envolva a situação em
foco. E, dessa forma acabarão por revelar, sua origem, seus interesses, as cores de
que gosta ou ainda aquilo que repele.
Na imagem 25 é possível visualizar que junto aos elementos expostos estão
modelos profissionais vestidos e maquiados no que se pode chamar de visualidade
Maracá e Cunani, digo visualidade porque essa forma de vestimenta fez parte de um
desfile onde as bijuterias foram apresentadas no Equinócio 2006
20
. A Fotografia que
ilustra a matéria (imagem 25), não é da exposição anunciada, mas do Salão do
Design Amapaense, realizado durante a 43ª Expofeira, no mês de outubro.
20 O Equinócio é uma feira de negócios que no ano de 2006 aconteceu concomitantemente com a 43ª Expofeira
Agropecuária do Amapá e o Salão do Design Amapaense no espaço do Parque de Exposições localizado em
Fazendinha (distrito de Macapá).
7
A superexposição de imagens ajuda no convencimento, pois quanto mais se
repetir a informação, maior será o entendimento favorável. Seguindo essa mesma
linha de raciocínio ao expor de forma crua as manifestações dos enunciados, pode-
se supor que os sujeitos nascem dentro de um contexto onde a repetição é
estratégia para tornar ordinário, cotidiano, comum aquilo que se quer massificar.
A superexposição então toma forma de discurso e o que resta à população é
recebê-la como algo instituído e estabelecido pelos poderes constituídos da
sociedade amapaense, por fim, afirmando-se como identidade Legitimadora.
Como foi visto neste capítulo, as notícias presentes no jornal A Gazeta”, em
meses e cadernos diferentes trabalharam para convencer o leitor, através da
freqüência do discurso da amapalidade, “informando” ao leitor que ele também faz
parte desse “legado das civilizações Maracá e Cunani”.
7
CAPÍTULO 4
4 O jeito de ser do povo daqui
21
4.1 Imagens Maracá e Cunani: Comparações a análise
A cultura visual entende a imagem como uma representação carregada de
sentidos para a qual converge “uma rie de propostas intelectuais em termos das
práticas culturais relacionadas ao olhar e às maneiras culturais de olhar a vida
contemporânea” (HERNANDEZ, 2007, p. 22). Com esse esclarecimento inicio este
capítulo a fim de compreender que maneiras de olhar instigaram as instituições
envolvidas na Campanha da Amapalidade a iniciá-la. Pois, a “demanda de imagens’
é tão absoluta na sociedade ocidental que uma casa que não possua televisão (de
preferência a cores) se qualifica normalmente de desfavorecida” (GOMBRICH,
1999, p.7- tradução nossa). Isso exemplifica como as imagens invadem
cotidianamente os espaços cumprindo diversas funções e, atendendo às
expectativas daqueles que as recebem e daqueles que as produzem, mas não sem
contaminações dos caminhos já trilhados.
Para a Cultura Visual as práticas cotidianas atuais permitem refletir sobre as
práticas cotidianas do passado. A imagem possui discursos múltiplos e abrangentes,
porém seu entendimento também está condicionado a um aprender a ver. O ser
humano desde épocas remotas sempre produziu e observou↔participou↔fruiu
imagens e mesmo com o advento da linguagem escrita elas continuaram revelando-
se como portadoras de relações sociais complexas. Aqui, torna-se conveniente a
comparação entre as imagens das cerâmicas Maracá e Cunani presentes na
publicação do SEBRAE/AP (2006) “O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: o
Amapá Revelando sua Identidade” (mais precisamente o último capítulo - Caminhos
das formas: como usar a iconografia) com a produção dos artesão para o Salão do
Design Amapaense (na 43ª Expofeira - 2006) .
O título do capítulo VI nos revela que a intenção é montar uma “receita”
para ser seguida e na parte ”como usar a iconografia” (SEBRAE/AP, 2006, p. 98)
21 Trecho de música “Jeito Tucuju”, Joãozinho Gomes, AP.
7
aparece a explicação: a partir da escolha de uma peça de referência, a forma mais
simples de se trabalhar é transpor o grafismo da superfície planificada da urna para
outra superfície” (p. 98) e assim em todo esse último capítulo as formas práticas de
trabalho são apresentadas como espelhamento, combinação de grafismos, positivo
e negativo, deslocamento e rotação, mudança de escala, enfim as possibilidades de
trabalho são apresentadas para os artesãos.
As imagens Maracá e Cunani apresentadas no livro do SEBRAE/AP (2006)
demonstram a higienização das peças arqueológicas que se encontravam no Museu
Joaquim Caetano, em Macapá, e na reserva técnica do IEPA, através de um fundo
azul e iluminação especial. É possível ver na imagem 26, um prato Cunani em
primeiro plano e uma bandeja Cunani em segundo plano, a iluminação favorece
ambas as peças mesmo que existam dois planos na imagem. A borda da imagem foi
tratada como se fosse uma moldura com arabescos, conferindo um aspecto de
nobreza e remetendo ao tradicionalismo. Esta moldura (imagens 26, 28, 33 e 35)
está presente nas imagens Maracá e Cunani, inclusive nos mapas e gráficos da
publicação do SEBRAE/AP (2006) fazendo parte da programação visual do livro,
mas não em outras imagens trazidas para análise neste capítulo, pois as
comparações propostas são entre as peças produzidas pelos artesãos e expostas
no Salão do Design Amapaense, da exposição na 43ª Expofeira Agropecuária e no
Equinócio 2006, que ocorreu dentro da 43ª Expofeira, além de outras imagens do
capítulo VI da publicação do SEBRAE/AP.
8
As peças são decoradas com os grafismos característicos da cerâmica
Cunani: formas virgulares, volutas pintadas, obedecendo à tradição policroma e com
aplicações zoomorfas. Estas peças (imagem 26) foram produzidas para serem
expostas na exposição que ocorreu em junho/julho de 2006 na Fortaleza de São
José de Macapá (O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando
sua identidade) e para a publicação do SEBRAE/AP (2006). De modo que ao
produzir peças com a finalidade da exposição e não utilizar os achados
arqueológicos da cerâmica Maracá e Cunani, a intenção institucional é simular uma
realidade para atender um interesse seu. Pois ao escolher usar réplicas acaba
retirando das peças sua carga temporal, higienizando-as visualmente e assim
podendo construir um discurso em conformidade com sua vontade.
8
Imagem 26: Prato e bandeja Cunani
Fonte: SEBRAE/AP, 2006, p.29
Na imagem 27 o grafismo encontrado na borda da bandeja Cunani na
imagem 26 é totalmente reproduzida nesta peça do artesão Tony, que a apresenta
em uma placa de cerâmica aplicada a uma tela vermelha, sendo este um artigo
decorativo. Encontramos essa receita na página 108 da publicação SEBRAE/AP
(2006); diz: “O rico e sinuoso grafismo da face frontal desta peça original [?], pode
dar origem a um recorte a partir de seu próprio eixo de simetria. No exemplo o
recorte é apresentado em negativo”. A proposição da publicação é levada a termo
como podemos ver na imagem 27. Neste trecho aparece a palavra original se
referindo à peça, que conforme nos foi informado pelo artesão Alexandro Xavier,
todas as peças foram reproduzidas, portanto não se trata de peças originais.
Outro exemplo é imagem 28, uma urna funerária Maracá, alongada e em
forma mais tubular que outros exemplos dessa cerâmica, representam uma figura
8
Imagem 27: grafismo Cunani em peça do artesão Tony, exposta na
43ª Expofeira agropecuária do Amapá
Fonte: Dados da pesquisa (arquivo pessoal, 2006)
antropomorfa feminina sentada em um banco zoomorfo, aqui o que seria a canela
aparece bastante alargada. Possuindo furos nas articulações dos joelhos e
cotovelos, novamente o ambiente profundo em degradê de azul (uma das cores do
Governo) transmite a sensação de tranqüilidade, a borda da imagem na publicação
do SEBRAE/AP também remete a uma borda considerada clássica. De acordo com
a publicação do SEBRAE/AP “os membros superiores e inferiores são aplicados no
tronco apresentam-se flexionados” (2006, p.56) em posição ereta e imponente.
Na imagem 29 existe uma indicação de como trabalhar com as imagens
pintadas nos pratos Cunani, a imagem isola o anfíbio representado no prato, e o
torna bidimensional, para ser utilizado através de pirografia em bijuterias, o desenho
passa a ser repetido. Ao comparar imagem 29 com a imagem 30, pode-se observar
que o sentido de repetição foi assimilado pelo artesão, que apenas reproduziu a
imagem, isolada por SEBRAE/AP (2006). A novidade na imagem 29 é o trabalho
8
Imagem 28: Urna antropomorfa Maracá
Fonte: SEBRAE/AP, 2006, p. 57
com a cerâmica em forma de placa e a ela adicionada uma tela para ser colocada na
parede. Este trabalho foi produzido por um artesão e exposto na 43ª Expofeira
Agropecuária do Amapá, em 2006.
8
Imagem 29: Negativo de pratos Cunani
Fonte: SEBRAE/AP, 2006, p. 100
A imagem 29 representa a receita da publicação SEBRAE/AP que segue:
“gera-se uma padronagem combinando a silhueta chapada do vaso com um
elemento gráfico figurativo (a rã) representado em traço” (2006, p. 100). A imagem
30 por sua vez, traz o elemento gráfico figurativo (a rã) representado em traço, ou
seja, o artesão isolou a rã e a reproduziu.
Na imagem 31 a bandeja em madeira apresenta perfis de urnas Maracá
conforme receita apresentada no livro do SEBRAE/AP e na imagem 31 o
espelhamento dos perfis demonstra a obediência ao manual prático que consta no
capítulo VI do livro do SEBRAE/AP.
8
Imagem 30: Quadro com motivo Cunani, 43ª Expofeira
Agropecuária do Amapá, 2006, artista Tony
Fonte: Dados da Pesquisa (arquivo pessoal, 2006)
Imagem 31: Bandeja em Madeira com motivos Maracá, exposta na 43ª Expofeira
em 2006 no Salão do Design e no Equinócio 2006.
Fonte: Dados da pesquisa (Arquivo pessoal, 2006).
Imagem 32: negativo e espelhamento de perfis Maracá.
Fonte: SEBRAE/AP, 2006, p.99.
Na imagem 33 a urna funerária antropomorfa Maracá é apresentada em
vários ângulos, privilegiando a visualização dos grafismos ao longo da peça, a
cabeça que também é a tampa da peça foi fotografada detalhadamente, tanto
8
frontal como de perfil.
Imagem 33: Urna funerária Maracá
Fonte: SEBRAE/AP, 2006, p.60
A imagem 34 apresenta uma jóia feita com ouro e tucumã, uma semente
bastante utilizada para fazer anéis e bijuterias. A jóia apresentada é feita com
motivos de urna funerária Maracá. Apresenta justamente o que representaria a
8
cabeça do indivíduo na urna antropomorfa. Observe que a imagem 33 relaciona-se
com imagem 34, pois a cabeça da urna é repetida quase completamente na jóia. As
cores são marcantes na peça da imagem 33, e ao olharmos a figura de perfil
podemos observar a complexidade do equilíbrio conseguido, pois o banco funde-se
a figura humana.
Imagem 34: Jóia em ouro e tucumã, 43 ª Expofeira, 2006
Fonte: Dados da pesquisa (Arquivo pessoal, 2006)
Na figura 35 é mostrada uma urna zoomorfa Maracá, com um animal
quadrúpede que emerge da direita para a esquerda e apresenta o fundo azul em
degradê; para tampar esta urna era utilizada uma tampa solta, provavelmente presa
por fibras. A utilização desta urna era em rituais funerários. A imagem 36 é uma
representação da urna zoomorfa (imagem 35), apenas modificada em escala e
função, pois a imagem da urna funerária também possui uma perfuração na parte
superior da peça, porém essa perfuração não aparece na fotografia da publicação
do SEBRAE/AP (2006).
8
Imagem 35: urna zoomorfa Maracá
Fonte: SEBRAE/AP, 2006, p. 65
A imagem 36 mostra um “porta-treco” em cerâmica. Essa peça foi
apresentada no Salão do Design Amapaense, dentro do Equinócio 2006. É
simplesmente uma reprodução da peça apresentada na imagem 35, com algumas
modificações como trabalho de alisamento em torno.
O livro do SEBRAE/AP em seis capítulos contempla: no primeiro “As origens
do povoamento amazônico”, no segundo “Os sítios arqueológicos de Cunani”, no
terceiro capítulo “Os sítios arqueológicos de Maracá”, no quarto capítulo a
“Simbologia das formas e grafismos”, no quinto capítulo “Artesanato, cultura e
identidade” e no sexto “Caminhos das formas: como usar a iconografia”.
O capítulo I contextualiza os achados arqueológicos no Brasil, no Amapá e
demonstra as teorias de povoamento da Amazônia, obedecendo aos autores de
8
referência dentro da área da arqueologia e história. No discurso do livro, no primeiro
capítulo, aparece a afirmação de que “todas as fases parecem ter sido
contemporâneas em determinado período e geograficamente contíguas” (2006,
p.17). O que nos uma dimensão mais abrangente sobre a questão da identidade,
pois não trata a identidade de forma tão limitada nem as imagens Maracá e Cunani
como apartadas entre si. Mas como processos imagéticos que foram sendo
construídos às vezes com contato mais próximo com outros povos às vezes mais
afastados.
No Capítulo II os locais dos achados das cerâmicas Cunani, as divisões de
categoria com análise das peças e, por fim, os vasos antropomorfos são
apresentados ao leitor.
Imagem 36: Artesanato em cerâmica com motivo Maracá.
43ª Expofeira Agropecuária do Amapá. Salão do Design, 2006
Fonte: Dados da pesquisa (Arquivo pessoal, 2006)
No capítulo III os sítios arqueológicos Maracá, sua localização, análise,
técnicas empregadas, significados, os motivos decorativos, tendo uma atenção
especial às urnas antropomorfas e às zoomorfas, além de discorrer também sobre
as peças utilitárias. Até aqui os autores apenas apresentam seu objeto de estudo.
O capítulo IV apresenta nessa publicação, o universo mítico e simbólico
interpretado pelos autores, com a mística das formas, grafismos, dos objetos
utilizados, sua relação com o corpo, com a vida e o seu conhecimento de mundo. Do
quarto capítulo em diante as inferências sobre a simbologia Maracá e Cunani como
sendo simbologias universais são expostas e inicia comparações como a caverna
9
sendo uma catedral e as urnas como elementos carregados de valor espiritual.
O capítulo V faz um passeio pela produção artesanal do Amapá, enfatizando
a “vocação natural“ dos artesãos locais para trabalharem com cerâmica, sementes,
fibras e madeira. Como se esses materiais não ocorressem em outros locais do
Brasil. O diferencial, segundo a publicação seria justamente a proposta de dar uma
identidade local às peças produzidas pelos artesãos.
No capítulo VI o caminho das formas é ensinado, é aqui que se localiza o
maior ponto de crítica dessa publicação: o manual, a receita pronta para ser
utilizada. Isso foi demonstrado nas comparações presentes nas figuras 26 a 35,
neste quarto capítulo.
Todas as imagens apresentadas em SEBREA/AP (2006) são réplicas
produzidas pelo artesão Alexandro Xavier obedecendo ao resultado das pesquisas
sobre a composição da massa, queima e pintura das peças. São peças
especialmente fabricadas para serem fotografadas e apresentadas ao público na
exposição “O legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua
identidade”. As peças encontradas pelos pesquisadores foram retiradas de seu
lugar de depósito, na maioria dos casos em pequenos pedaços, pois não resistiram
à ação do tempo e ao processo de escavação e transporte (imagem 37).
9
9
Imagem 37: visão das peças arqueológicas no laboratório do IEPA
Fonte: CABRAL & SALDANHA, 2008, p. 69
Dessa foram, ao disseminar imagens que “substituem” as peças originalmente
encontradas pelos pesquisadores, cria-se um imaginário higienizado sobre a
cerâmica Maracá e Cunani. Esse imaginário acaba sendo apartado das
possibilidades de reflexão sobre o processo de resgate arqueológico, sobre o
trabalho dos outros pesquisadores e sobre as informações derivadas dos objetos em
si e produzindo interpretações distorcidas no que se refere à identidade. O perigo
dos manuais é a não reflexão sobre aquilo que se está reproduzindo, sobre seu
impacto, suas implicações e sobre quais os interesses que regem essa repetição e
perpetuação de imagens carregadas de sentido legitimador.
O próprio texto adverte sobre sua universalidade, afirmando que “o conteúdo
das visões difere para cada indivíduo e para cada cultura” (SEBRAE/AP, 2006, p.
75). Uma das contradições está em justamente tentar disseminar extensivamente as
imagens Maracá e Cunani através da imprensa, das instituições estatais ou
privadas, dos artesãos, dos empresários, justificando como um sentido universalista
e legitimador do pensamento governamental. Porém a contradição aparece quanto
ao mostrar-se diferente através das imagens que representam a amapalidade e ao
mesmo tempo, ser universalista, uma vez que estas imagens simbólicas estariam
presentes no imaginário coletivo não apenas do Amapá.
Mas, o que diferencia a publicação do SEBRAE/AP (2006) de outros manuais
e receituários de caráter notadamente modernista? Não existe diferença. A questão
colocada é em como a instituição GEA e seus parceiros se utilizam desse material
para difundir o sentimento de pertencimento à população amapaense. A publicação
do SEBRAE é mais um elemento (talvez o mais pedagógico) entre as várias
estratégias pensadas e executadas com a finalidade de levar a cabo o sentimento
de amapalidade. A publicação “O Legado das civilizações Maracá e Cunani: o
Amapá revelando sua identidade” não pode ser desprezada por trazer um
receituário, pois é possível transgredir esse formato a partir da ressignificação da
metodologia a apresentada. Como ressignificar? Trazendo possibilidades de
discussão dos itens apresentados, sobretudo nos capítulos IV, V e VI.
9
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse rio é minha rua...
22
Ao iniciar esta pesquisa - posso dizer que o fiz antes mesmo de pensar que
ela seria uma dissertação - apenas me movia a curiosidade. Curiosidade por saber o
que motivava as instituições amapaenses para tão vorazmente tentar “resgatar” a
identidade local. Conforme essa pesquisa foi ganhando corpo percebi que era eu
que buscava também saber de minhas origens. E fui buscando... Descobri, por
exemplo, que eu sou descendente daqueles povos que foram assimilados, pois os
indígenas que fugiam ou se desviavam de seus parentes acabavam vivendo como
ribeirinhos. Ribeirinho, na região amazônica é a população também chamada de
cabocla e que mora em casas palafíticas à beira dos rios da região. Embora eu
tenha nascido e vivido em Belém, capital do Pará, meus pais e meus avós moraram
grande parte de suas vidas às margens do rio Mojú (minha e) ou às margens do
rio Mamangá próximo do município de Igarapé Miri (meu pai). Sempre tive a
curiosidade por saber como aquelas pessoas puderam ir viver em paragens tão
afastadas de vizinhança ou cidade. Para mim era um tanto difícil compreender que
elas eram vítimas da colonização, descendentes de pessoas que tiveram que
abandonar o litoral da região Amazônica para esconderem-se nas matas e à beira
22 Trecho de carimbó ( música cabocla do estado do Pará ). Domínio público.
9
de rios mais distantes e com acesso mais complicado.
Compreender esse deslocamento me permitiu visualizar que as imagens da
cerâmica Maracá e da cerâmica Cunani, no sentido pessoal, representavam essa
busca por um conhecimento mais íntimo, pois os sítios estão localizados próximo de
rios. As residências palafíticas, os trançados em fibras e sementes além dos
utensílios em cerâmica, que tanto fizeram parte de minha infância quando eu ia
visitar meu pai em sua casa no interior à beira do rio Mamangá, são cada vez mais
presentes.
Como caminho das águas, as ocupações dos ameríndios (ROSTAIN, 1994),
também estavam nesses cursos fosse pelo acesso, ou pela praticidade de ter a vida
cotidiana facilitada. As produções da visualidade
23
Maracá e Cunani estavam
vinculadas a sentidos cotidianos como a coleta de frutos, a caça de pequenos
animais, o armazenamento de líquidos, os rituais funerários e cerimoniais.
Assim, os elementos visuais que são apresentados pela instituição governo
estadual e seus parceiros divulga suas fontes, mas utiliza essa visualidade para
outras finalidades a fim de incutir uma ressignificação aos grafismos e aplicações
presentes nas peças cerâmicas encontradas. Essa ressegnificação vem de forma
contraditória, na medida em que os discursos apontam para um resgate
24
dessa
visualidade e também da identidade, o que torna essa aspiração mais complexa
Fica evidente que os suportes teóricos à que se apegam essas instituições
estão em consonância com os autores da antropologia e da sociologia, pois a
ressignificação é ponto forte do trabalho dos designers; mas deixam de lado os
trabalhos arqueológicos ao definirem resgate como um retorno ao passado.
As imagens mostradas no quarto capítulo desta dissertação remetem a um
fazer mecânico, pois, apenas se retiraram as mesmas imagens do “manual”
impresso pelo SEBRAE/AP, e as colocaram em outro contexto, porém repetindo-as.
O termo civilizações também foi algo que me instigou não apenas neste
capítulo quanto em todo o texto, principalmente no título da publicação do
SEBRAE/AP; e durante as pesquisas bibliográficas que realizei, em momento
algum_ salvo na publicação do SEBRAE/AP_ aparece a palavra civilização. As
palavras que servem para definir os produtores da cerâmica Maracá e da cerâmica
23 Conjunto de elementos visuais de determinada cultura sendo um conceito dentro da Cultura Visual que pode
ser definido “como o estudo das construções culturais da experiência visual na vida cotidiana, assim como
nas mídias, representações e artes visuais” (KNASSUS,2006,p. 108)
24 “O registro do legado da civilizações Maracá e Cunani é mais um passo no trabalho de resgate de nossa
história” (SEBRAE/AP,2006, p.5)
9
Cunani são – de acordo com os autores estudados: ameríndios, caçadores/coletores
(ROSTAIN, 1994), povos ceramistas (NUNES FILHO, 2005), grupos humanos
caçadores-ceramistas (PARDI & SILVEIRA, 2005), índios (GOELDI, 1905). Essa
observação foi feita para demonstrar como as instituições pretendem, ao trabalhar
com identidade, aumentar-lhe a autoestima com um passado glorioso, pois ao falar
em Civilização o conceito encontrado no dicionário (FERREIRA, 2000) remete a uma
idéia de evolução do mais alto grau, e em Terry Eagleton (2005, p.20) denota “artes,
vida urbana, política cívica, tecnologias complexas” sendo invariavelmente descritiva
e normativa. Isso acontece por que nos termos presentes na publicação do
SEBRAE/AP a noção de cultura e civilização ocorre em separado, mas em Eagleton
(2005, p. 21) “A cultura vai de mãos dadas com o intercurso social” e esse intercurso
coloca os indivíduos em situações e relações cada vez mais complexas. O que
ocorre é que em grupos populacionais menores ou constituídos essencialmente por
parentes, a complexidade das relações está longe de ser o elemento motivador de
desavenças que exijam regras mais estreitas. em se tratando de grupos maiores
ou ainda de grupos sem parentesco ou e sem interesses semelhantes ou se produz
regras para a convivência ou as guerras serão constantes.
As imagens que pretendem retratar uma cultura são elas mesmas ficções,
assim como a identidade também é uma ficção (BAUMAN, 2005) no sentido que são
construções de realidades, recortes e recortes possuem bordas, bordas são
delimitações, ocultam aquilo que foi excluído. Essa ocultação também revela
interesses. Aqui, trato das imagens Maracá e Cunani que foram recortadas pelas
instituições e que longe de qualquer inocência possuem a devida dimensão de que
esses recortes produzem identidade. A produção de identidade é evidenciada pela
diferença e a “produção da diferença [...] pode ser concebida como um processo
relativamente complexo que mobiliza pelo menos dois planos” (LANDOWISKI, 2002,
p.41): os níveis são biológicos (de natureza, genético) e/ou social (herança cultural).
Esses dois marcos da diferença são somados para evidenciar o outro. Ao me referir
ao outro estou me dirigindo a todos aqueles que não fazem parte do estado do
Amapá, seja no plano biológico ou no plano social. Marcar essa diferença significa
SER amapaense – ao menos na intenção institucional.
Essas imagens são inseridas na vida cotidiana através da massificação da
imprensa local (conforme capítulo 3 desta dissertação), das exposições em diversos
locais, das publicações do SEBRAE/AP como a revista Casa da Amapalidade, de
9
eventos como o Aldeia - SESC, como o Decreto Estadual n/1508/2005, que cria e
regulamenta o programa estadual de preservação do patrimônio arqueológico com
gerência do IEPA, das aulas dos professores da rede pública e das peças dos
artesãos. Enfim, a identidade é construída paulatinamente através desses exemplos
práticos, a que são expostos os indivíduos do Amapá. Pois, a “vida cotidiana divide-
se em setores que são empreendidos rotineiramente e outros que se apresentam a
mim com problemas desta ou daquela espécie” (BERGUER & LUCKMANN, 1985,
p.41) e os setores da vida cotidiana do amapaense foram invadidos com as imagens
Maracá e Cunani. As pessoas se movimentam na vida cotidiana através da
linguagem, seja ela visual, escrita ou oral apontando sempre de volta para o
momento presente e a temporalidade é agenciadora da consciência da realidade
25
.
Desse modo, as produções que apresentam as imagens aqui em estudo produzem
um senso de realidade que vai das imagens, passa pelas representações que o
impregnadas a elas, voltam para o indivíduo que reordena essas informações em
seu cotidiano e retornam para as imagens. Na imagem 38 o cotidiano é invadido
pelas representações do sentido de ser amapaense; um sentido construído nos
momentos de diversão, como a apresentação dos Aviões do Forró e a banda
Babado Novo, nos momentos em que se o jornal, nas exposições dos artesãos,
nas exposições itinerantes das réplicas do SEBRAE. A identidade é construída a
partir da diversidade do mundo das imagens.
25 O conceito de realidade aqui empregado é a realidade sociológica ou seja a definição de “uma qualidade
pertencente a fenômenos que reconhecemos terem um ser independente de nossa própria volição”
(BERGER & LUCKMANN., 1985,p.11)
9
Imagem 38: propaganda do Maracá Fest, 2006
Fonte: Jornal A Gazeta, 25/09/2006, caderno de esportes
É importante ressaltar que esta propaganda (imagem 38) do “Maracá Fest
Music 2006” foi exposta durante um longo período, pois desde setembro vinha
sendo pulicada no Jornal “A Gazeta” e na mpidia televisiva. O Maracá Fest reuniu,
em novembro de 2006, as bandas Babado Novo (25/11/2006), Aviões do Forró
(25/11/2006) e levou para o Sambódromo cerca mais de 20
26
mil pessoas por show;
sendo um evento de grandes proporções.
Ao trazer a imagem 38 tenciono para a observação da silhueta de uma urna
Maracá, que de acordo com a proposta institucional e das argumentações propostas
nesta pesquisa, como mais um mecanismo de impregnação de sentidos, de
exploração dos bens simbólicos e como a divulgação massiva do projeto do
Sentimento de Amapalidade. Ao detectar que as imagens Maracá e Cunani foram
expostas de maneira frequente e por isso cotidianamente, fazendo parte da vida das
pessoas tanto na cidade de Macapá como no estado do Amapá, o posso deixar
de entendê-las como estratégias válidas e eficientes na construção da Identidade
Legitimadora (CASTELLS, 2000), uma vez que estão envolvidas no dia a dia dos
26 De acordo com o Portal na Balada (www.portalnabalada.com/eventos/maracafest). Acesso em março de
2009
9
sujeitos.
Observando o que Terry Eagleton (2005) expõe sobre a cultura podemos
ainda entender como a partir de determinados pontos muito específicos, as
diferentes idéias de cultura foram sendo modificadas, demonstrando que esse
conceito acompanha as mudanças das diversas sociedades, mas que ainda
permanecem tipologias hegemônicas que induzem a um entendimento de cultura
como valoração entre: alto/baixo, bom/ruim, popular/erudita e outros binômios
bastante utilizados. “(...) os grafismos que decoram as urnas analisadas [Maracá e
Cunani] são também expressões artísticas. Como tal, sintetizam uma experiência,
visão e apreensão da realidade, de maneira controlada, a partir de um impacto
qualitativo provocado no artista” (SEBRAE, 2006, p. 75). Essa divisão maniqueísta
de ser humano centrado, controlado e com posições bastante definidas, que coloca
as imagens no campo do qualitativo é uma herança cartesiana que através da
Cultura Visual pode ser repensada, se tornando no que Stuart Hall (2003) chama de
“múltiplas identidades”, ou seja, para entender o ser humano contemporâneo é
necessário analisar as relações que se estabelecem ao seu redor no momento
contemporâneo.
A Cultura Visual trabalha com epistemologias de fronteira e, em decorrência,
gera situações de muita instabilidade, cria dinâmicas e trânsitos que não tem como
ser demarcados ou previstos. Por essa razão, ao tentar delimitar a identidade
amapaense, acaba-se negligenciando as dinâmicas contemporâneas sobre
identidade, compreensão de cultura e tenta inaugurar habitus
27
. Pela prática social,
pelas experiências e relações que trava com outros indivíduos e com o meio em que
vive; o ser humano interioriza a história social de todos os outros humanos seres, ou
as estruturas constituídas da sociedade da qual faz parte. Essa história social
interiorizada orienta a prática desse retransmissor que segue reproduzindo e
construindo essa mesma história por meio do habitus adquirido. Partindo dessa
visão as imagens o portadoras de significados socialmente construídos. As
imagens da cerâmica Maracá e da cerâmica Cunani participam dessa tentativa de
reordenar o habitus identitário amapaense.
O habitus identitário passa a ser o que o poder legitimador ordena e constrói
como verdadeiro e válido. Se para a Cultura Visual o embate e a instabilidade são as
27 A noção de habitus é formada pela história de vida dos indivíduos e da coletividade (BOURDIEU, 1983,
2004).
9
condições ideais para se trabalhar a compreensão das diferenças, na reconstrução
desse habitus identitário legitimador amapaense a unicidade é a palavra de ordem,
que sustenta essa construção e que justifica a utilização das imagens Maracá e
Cunani como portadoras de todo um imaginário glorioso para o passado do povo
amapaense.
Desse modo, o habitus legitimado pela mídia impressa, pelos empresários
(tanto industriais como artesanais), pelas secretarias do Governo do estado do
Amapá torna-se cada vez mais o registro físico e material da Campanha da
Amapalidade.
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Amapá: Patrimônio, Gestão Estadual e Pesquisas. 2005, ilustração, color, p.28.
Imagem 02 e 03: Etapas de produção da cerâmica............................................. p. 23
SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO AMAPÁ
SEBRAE/AP. O Legado das civilizações Maracá e Cunani: O Amapá revelando
sua identidade. Macapá, 2006, ilustração, p. 24.
Imagem 04: Cerâmica doméstica inciso ponteada............................................... p.26
ROSTAIN, Stéphen. L’Ocupation amérindienne ancien du litoral de Guyane.
Thèse de doctorat. U.F.R. D’art et D’archeologie, Centre de recherche em
archeologie precolombienne. Universite de Paris I- Pantheon/Sorbone, 1994. 938p.
(anexos)
Imagem 05: Urnas funerárias da tradição Policroma, utilizadas para enterramento
secundário............................................................................................................ p. 28
ROSTAIN, Stéphen. L’Ocupation amérindienne ancien du litoral de Guyane.
Thèse de doctorat. U.F.R. D’art et D’archeologie, Centre de recherche em
archeologie precolombienne. Universite de Paris I- Pantheon/Sorbone, 1994. 938p.
Ilustração (anexos).
Imagem 06: Perfil de caverna onde urnas Maracá foram encontradas................. p.30
ROSTAIN, Stéphen. L’Ocupation amérindienne ancien du litoral de Guyane.
Thèse de doctorat. U.F.R. D’art et D’archeologie, Centre de recherche em
archeologie precolombienne. Universite de Paris I- Pantheon/Sorbone, 1994. 938p.
Ilustração (anexos).
Imagem 07: Sítio – cemitério com urnas funerárias Maracá. ................................p.32
SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO AMAPÁ
SEBRAE/AP.O Legado das civilizações Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua
identidade. Macapá, 2006, fotografia, color p.48.
Imagem 08: Recorte com vista superior e lateral dos poços artificiais da cerâmica
Cunani.................................................................................................................... p.33
ROSTAIN, Stéphen. L’Ocupation amérindienne ancien du litoral de Guyane.
Thèse de doctorat. U.F.R. D’art et D’archeologie, Centre de recherche em
archeologie precolombienne. Universite de Paris I- Pantheon/Sorbone, 1994. 938p.
Ilustração (anexos).
Imagem 09: Exposição equinócio 2006 na 43ª Expofeira agropecuária do Amapá
1
p.39
LEAL, Lídia. Exposição Equinócio 2006 na 43ª Expofeira agropecuária do
Amapá. Arquivo pessoal. Macapá/AP, set. 2006, fotografia digital, color.
Imagem 10: entrada da exposição “O Legado das civilizações Maracá e Cunani: o
Amapá revelando sua identidade” , 2006 .............................................................. p.47
LEAL, Lídia. Exposição O Legado das civilizações Maracá e cunani: O Amapá
revelando sua identidade”. Arquivo pessoal. Macapá/AP, jun. 2006, fotografia digital,
color.
Imagem 11: Panfleto de apresentação da exposição “O Legado das civilizações
Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade"..........................................p.49
GOVERNO DO ESTADO DO AMAPÀ. Exposição “O legado das civilizações
Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade”. Programa. Macapá/AP,
Jun. 2006, impresso, color.
Imagem 12: Apresentação do panfleto da exposição “O Legado das civilizações
Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade”. ....................................... p.50
GOVERNO DO ESTADO DO AMAPÀ. Exposição “O legado das civilizações
Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade”. Programa. Macapá/AP,
Jun. 2006, impresso, color.
Imagem 13: Catálogo das peças artesanais da exposição “O Legado das
civilizações Maracá e Cunani: O Amapá revelando sua identidade”..................... p.51
GOVERNO DO ESTADO DO AMAPÀ. Exposição “O legado das civilizações
Maracá e Cunani: o Amapá revelando sua identidade”. Programa. Macapá/AP,
Jun. 2006, impresso, color.
Imagem 14: Panfleto da campanha eleitoral 2006................................................p. 56
GOVERNO DO ESTADO DO AMAPÀ. Panfleto de Campanha Eleitoral.
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Imagem 15: Programa impresso do III Adeia SESC – Povos da floresta..............p. 58
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO (SESC). III Aldeia SESC Povos da Floresta.
Programa. Macapá/AP, ago. 2008, impresso, color.
Imagem 16: capa da Revista Casa da Amapalidade..............................................p.59
SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO AMAPÁ &.
GOVERNO DO ESTADO DO AMAPÀ. Revista Casa da Amapalidade. Edição
Especial. Macapá/AP, set. 2008, impresso, color.
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ELIAS, Joel. Amapalidade. A GAZETA. Macapá, 21/06/2006, caderno Política,
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SEBRAE/AP. O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: O Amapá Revelando
sua identidade. Macapá, 2006, p.57, fotografia, color.
Imagem 29: Negativos de prato Cunani ............................................................... p.80
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SEBRAE/AP. O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: O Amapá Revelando
sua identidade. Macapá, 2006, p.100, ilustração, color.
1
Imagem 30: Quadro com motivo Cunani feita pelo artesão Tony ......................... p.81
LEAL, Lídia. Grafismo Cunani na 43ª Expofeira agropecuária do Amapá. Arquivo
pessoal. Macapá/Ap set. 2006, fotografia digital, color.
Imagem 31: Bandeja em madeira com motivo Maracá ........................................ p.82
LEAL, Lídia. Artesanato em madeira Salão do Design na 43ª Expofeira
agropecuária do Amapá. Arquivo pessoal. Macapá/Ap set. 2006, fotografia digital,
color.
Imagem 32: Negativo e espelhamento de perfis Maracá ..................................... p.82
SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO AMAPÁ
SEBRAE/AP. O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: O Amapá Revelando
sua identidade. Macapá, 2006, p.99. ilustração, color.
Imagem 33: Urna Funerária Maracá...................................................................... p.83
SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO AMAPÁ
SEBRAE/AP. O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: O Amapá Revelando
sua identidade. Macapá, 2006, p.60, fotografia, color.
Imagem 34: Jóia em ouro e tucumã...................................................................... p.84
LEAL, Lídia. Jóia em ouro e Tucumã exposto na 43ª Expofeira agropecuária do
Amapá. Arquivo pessoal. Macapá/Ap set. 2006, fotografia digital, color.
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SERVIÇO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO AMAPÁ
SEBRAE/AP. O Legado das Civilizações Maracá e Cunani: O Amapá Revelando
sua identidade. Macapá, 2006, p. 65, fotografia, color.
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LEAL, Lídia. Artesanato em cerâmica Salão do Design na 43ª Expofeira
agropecuária do Amapá. Arquivo pessoal. Macapá/Ap set. 2006, fotografia digital.
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INSTITUTO DE PESQUSAS CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS DO ESTADO DO
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joão D. de M. Prjojeto de Investigação Arqueológica na Bacia do rio Calçoene e seu
entorno Amapá.. Relatório final. IPHAN n. 27- 08/02/06. Macapá, março de
2008.107 p. Fotografia digital, color.
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A GAZETA. Propaganda do Maracá Fest. A GAZETA. Macapá, 25/09/2006, Cad. de
Esportes. Impresso P&B.
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