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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Faculdade de Ciências Econômicas
Daniel Mejdalani Follain
Os Impactos da Distribuição dos Royalties e Participações Especiais do
Petróleo sobre os Gastos dos Municípios Brasileiros
Rio de Janeiro
2009
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2
Daniel Mejdalani Follain
Os Impactos da Distribuição dos Royalties e Participações Especiais do
Petróleo sobre os Gastos dos Municípios Brasileiros
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências
Econômicas, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Economia Internacional.
Orientador: Prof. Dr. Honório Kume
Rio de Janeiro
2009
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3
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCS/B
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
_________________ _______________
Assinatura Data
4
Daniel Mejdalani Follain
Os Impactos da Distribuição dos Royalties e Participações Especiais do
Petróleo sobre os Gastos dos Municípios Brasileiros
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências
Econômicas, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Economia Internacional.
Aprovado em ____________
Banca Examinadora:
__________________________________________
Prof. Dr. Honório Kume (Orientador)
Faculdade de Ciências Econômicas - UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Antônio Salazar Pessôa Brandão
Faculdade de Ciências Econômicas - UERJ
__________________________________________
Prof. Dr. Albino Lopes d’ Almeida
Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS
Rio de Janeiro
2009
5
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação de mestrado à minha mãe Lidia Maria Mejdalani Neves.
6
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por ter iluminado o meu caminho
em todos os momentos da minha vida. Gostaria de agradecer também ao apoio irrestrito
que tive da minha mãe, Lidia Maria Mejdalani Neves, que sempre se esforçou ao
máximo para que eu pudesse ter sucesso na minha carreira profissional;
Ao meu orientador, Honório Kume, que teve grande participação no
desenvolvimento e conclusão desta dissertação, além de ter sido um dos professores
mais competentes e pacientes à época da graduação e do curso de mestrado;
Ao economista Fernando Antonio Postali que gentilmente me auxiliou tirando
dúvidas relativas aos seus trabalhos acadêmicos, os quais utilizei como base para
desenvolver este trabalho de dissertação.
À minha amiga Rebeca que me auxiliou com os dados deste trabalho, aos meus
colegas de turma do mestrado, principalmente ao Tiago e à Lidiane, que me auxiliaram
no desenvolvimento do modelo utilizado na dissertação e à Milena que sempre se
mostrou disposta a me ajudar desde os tempos da graduação na UERJ;
À todos os amigos e familiares que contribuíram para a elaboração desta
dissertação;
À economista Sonia Terra Figueiredo e ao engenheiro Albino Lopes d’ Almeida,
ambos da Petrobras, por terem me incentivado continuamente a seguir em frente no
curso de mestrado;
E, finalmente, agradeço a todo o corpo docente do programa de pós-graduação
em Ciências Econômicas da UERJ, especialmente aos professores Alexandre Marinho,
Antônio Salazar, Luiz Fernando, Maria Beatriz e Leo da Rocha que tiveram
contribuição de destaque na minha formação acadêmica.
7
RESUMO
FOLLAIN, Daniel Mejdalani. Os Impactos da Distribuição dos Royalties e
Participações Especiais do Petróleo sobre os Gastos dos Municípios Brasileiros, 2009.
Dissertação de Mestrado em Economia Internacional - Faculdade de Ciências
Econômicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 2009.
O objetivo desta dissertação de mestrado é avaliar os impactos das receitas de royalties
e participações especiais de petróleo e gás distribuídas aos municípios brasileiros sobre
seus gastos em investimentos, educação & cultura, saúde & saneamento e despesas com
pessoal a partir da aprovação da Lei 9.478. Visando alcançar este objetivo, serão
apresentadas as principais teorias a respeito da Maldição dos Recursos Naturais” e as
discussões acerca das regras de distribuição das participações governamentais do
petróleo produzido em território nacional. Os municípios brasileiros serão divididos em
dois grupos (tratamento e controle) e será utilizada a metodologia de diferenças em
diferenças com o intuito de captar os efeitos da nova lei sobre seus gastos.
Palavras chave: Royalties. Estimador de diferenças em diferenças. Petróleo.
8
ABSTRACT
The goal of this thesis is to evaluate the impacts of oil revenues to municipalities on
their spending on investment, education & culture, health & sanitation and wages from
the adoption of Law 9478, using the differences in differences methodology. In order to
achieve this goal, we will cover the main theories about the "curse of natural resources”
and discussions about the domestically government shares rules. The municipalities will
be divided into two groups (treatment and control) and will be used the methodology
differences in differences in order to capture the effects of the new law on these
spending.
Keywords: Royalties. Estimator differences in differences. Oil.
9
SUMÁRIO
1. Introdução ......................................................................................................10
2. A “Maldição da Abundância de Recursos Naturais”.....................................12
2.1. A “Maldição dos Recursos Naturais” e os Estudos de Sachs e Warner................................................. 12
2.2. Críticas à Ocorrência da “Maldição”..................................................................................................... 16
3. O Petróleo e as Regras de Distribuição das Participações
Governamentais no Brasil..............................................................................20
3.1. O Petróleo no Brasil............................................................................................................................... 20
3.2. As Regras Atuais de Distribuição.......................................................................................................... 25
4. As Receitas de Royalties e Participações Especiais e o Desempenho
Econômico e Social dos Municípios Brasileiros ...........................................31
4.1. As Distorções Causadas pelas Regras Atuais ........................................................................................ 31
4.2. Os Efeitos nos Indicadores Econômicos e Sociais dos Municípios....................................................... 38
5. Os Impactos da Distribuição dos Royalties e Participações Especiais
sobre os Gastos dos Municípios Brasileiros..................................................51
5.1. Metodologia ........................................................................................................................................ 51
5.2. Fonte dos Dados ................................................................................................................................. 54
5.3. Análise dos Resultados Obtidos ......................................................................................................... 56
6. Resumo e Conclusões ....................................................................................60
7. Referências Bibliográficas.............................................................................63
10
1. Introdução
A chamada “Maldição dos Recursos Naturais” é um dos temas mais intrigantes
do mundo acadêmico e vem sendo objeto de estudo dos economistas vários anos.
Podem ser encontrados na literatura inúmeros casos de países que possuem em seus
territórios grandes reservas de recursos naturais e que, apresentaram nas últimas
décadas, taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita abaixo da
média mundial. Como utilizar as receitas geradas pelas atividades relacionadas à riqueza
natural de forma a melhorar os indicadores econômicos e sociais, principalmente em
países subdesenvolvidos, é a questão central deste enigma.
Patillo, Gupta e Carey (2006) destacam que, depois de décadas de estagnação
econômica, o crescimento na África Subsariana (ASS) acelerou consideravelmente,
chegando a um período de oito anos consecutivos de alta em 2005. Mesmo
apresentando esses bons resultados, os autores destacam que a maioria dos países da
ASS ainda não será capaz de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM)
1
, de reduzir para metade o nível de pobreza de 1990 até 2015. O referido
trabalho avalia o desempenho do crescimento dos países da África nos últimos 40 anos,
questionando se as taxas apresentadas realmente são suficientes para reduzir a pobreza
no continente.
Este artigo põe em destaque a discussão acerca do tema relacionado ao
crescimento e às questões sociais dos países. Como reduzir os problemas sociais
utilizando os recursos gerados pelas altas taxas de crescimento econômico? E se forem
considerados os países ricos em recursos naturais, tais como petróleo, gás natural, ouro,
entre outros, veremos que o desenvolvimento de estratégias no sentido de traduzir tal
vantagem em melhorias sociais para a população, ganha importância ainda maior.
Angola e Nigéria são países africanos relativamente ricos em recursos naturais
que parecem sofrer com a “Maldição” pois, apesar de possuírem grandes reservas de
petróleo, apresentam graves problemas econômicos e sociais. Por outro lado, Botsuana
demonstrou algum êxito na utilização das rendas geradas por suas jazidas de diamantes,
sendo o país que apresentou a maior taxa de crescimento da renda per capita nos
últimos 40 anos. O país representa uma das economias mais dinâmicas da África,
1
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio nasceram das grandes conferências internacionais dos anos 90, sobre população,
meio ambiente, gênero, direitos humanos, desenvolvimento social. Eles integram os compromissos assumidos nessas conferências
numa grande agenda mundial de desenvolvimento, definindo metas claras, prazos nos quais devem ser cumpridas, e indicadores do
progresso alcançado por cada região, país, comunidade do planeta. Contemplam a redução da pobreza, a luta contra a fome, a
redução das mortalidades infantil e materna, a questão de gênero, a reversão do progresso da Aids, a sustentabilidade do meio
ambiente. Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em
http://www.pnud.org.br.
11
devido não só às jazidas de diamantes, mas às suas políticas progressivas e forte
governo civil que se seguiu à sua independência. Apesar disso, Botsuana ainda
apresenta sérios problemas sociais que demandarão tempo para serem resolvidos.
A “Maldição dos Recursos Naturais” pode afetar também os estados e os
municípios, não sendo um problema exclusivo dos países. Assim, o objetivo desta
dissertação é avaliar como os municípios brasileiros estão direcionando os recursos
gerados pela atividade petrolífera. Será observado se tais rendas estão sendo utilizadas
em gastos que melhorem a qualidade de vida da população e promovam a justiça entre
gerações, avaliando os impactos das receitas de royalties e participações especiais
distribuídas a estes municípios sobre seus gastos em investimentos, educação & cultura,
saúde & saneamento e despesas com pessoal, a partir da aprovação da Lei 9.478/97
2
.
Além desta breve introdução a dissertação esta dividida da seguinte forma: no
segundo capítulo são discutidos os estudos de Sachs e Warner (1995, 1997 e 2001),
mostrando os resultados obtidos através de modelos econométricos que procuraram
corroborar a existência da “Maldição”. No mesmo capítulo são introduzidos os estudos
de autores que criticam os resultados encontrados por Sachs e Warner e utilizam
modelos alternativos que buscam refutar tal hipótese.
O terceiro capítulo resume a história da exploração e produção de petróleo em
território nacional, além de expor a discussão sobre as atuais regras de distribuição das
participações governamentais provenientes da atividade petrolífera e as mudanças
promovidas pela nova lei do petróleo.
No quarto capítulo é apresentada uma resenha contendo os principais trabalhos
que abordam a questão da distribuição das receitas do petróleo e seus efeitos sobre os
indicadores econômicos e sociais dos municípios brasileiros beneficiados. O quinto
capítulo contém a análise dos resultados obtidos pela aplicação do estimador DD nos
dados de gastos dos municípios brasileiros e, por fim, a conclusão do trabalho.
2
A Lei 9.478 de 06 de agosto de 1997, conhecida como a Nova Lei do Petróleo, dispõe sobre a política energética nacional, as
atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo
(ANP). Fonte: ANP.
12
2. A “Maldição” da Abundância de Recursos Naturais
2.1. A “Maldição dos Recursos Naturais” e os Estudos de Sachs e Warner
A descoberta de grandes reservas de recursos naturais pode parecer a princípio
uma grande bênção para a economia de países em desenvolvimento, já que tais regiões
poderiam almejar melhorias em seus indicadores econômicos e sociais, utilizando como
base as receitas provenientes da exploração destas riquezas. Os efeitos encadeadores
gerados por estas atividades também poderiam ser aproveitados para beneficiar a
economia do país alavancando diversos setores.
Entretanto, com freqüência, podem ser observados casos de países que detêm
riquezas naturais em quantidades acima da média mundial e experimentam ao longo de
décadas, taxas de crescimento da renda per capita inferiores aos demais. Além disso,
muitos destes países, apesar de possuírem grandes reservas de petróleo, gás natural,
entre outros, convivem com graves problemas econômicos e sociais, não conseguindo
traduzir tal vantagem em melhorias em seus indicadores sociais, tais como os índices de
desenvolvimento humano (IDH)
3
.
A observação do “fenômeno” motivou a criação do termo “Maldição dos
Recursos Naturais” na literatura mundial, sugerindo que a descoberta de reservas
naturais poderia levar o país a uma trajetória de crescimento abaixo do seu potencial.
Gelb (1988) e Auty (1990) haviam explorado tal relação e seus trabalhos
serviram como base para os estudos de Sachs e Warner (1995) que buscaram provar a
existência da correlação negativa entre a abundância de recursos naturais e as taxas de
crescimento da renda per capita.
Sachs e Warner (1997, p.2) apresentam a “Maldição dos Recursos Naturais” da
seguinte forma
4
:
3
Criado por Mahbub ul Haq e Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) pretende ser uma medida geral e sintética
do desenvolvimento humano. Am de utilizar o PIB per capita, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a
longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o indicador utiliza números de expectativa de vida ao nascer. O item educação
é avaliado pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é mensurada pelo PIB per
capita, em dólar PPC. Essas três dimensões têm a mesma importância no índice, que varia de zero a um. Fonte: Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em http://www.pnud.org.br/idh/.
4
As traduções das citações em inglês podem ser encontradas na página 65.
13
“One of the surprising features of modern economic growth is that economies abundant
in natural resources have tended to grow slower than economies without substantial
natural resources.”
Sachs e Warner (1997) se apóiam no trabalho de Barro (1991) (utiliza modelos
dinâmicos de transição que buscam medir a velocidade de convergência do crescimento
da economia do país para o seu estado estacionário) e definem inicialmente como proxy
para a variável abundância de recursos naturais do modelo, o percentual de exportações
de produtos primários sobre o PIB.
Os resultados mostram que as economias que possuíam elevadas taxas de
exportações de produtos primários em relação ao PIB em 1970 (ano base), apresentaram
um ritmo de crescimento mais lento do que os demais países durante os 20 anos
posteriores (de 1970 a 1990). Esta relação negativa ainda persiste, mesmo após o
controle de algumas variáveis que poderiam tornar os resultados da regressão espúrios,
que estes poderiam refletir a associação entre a riqueza de recursos e outras variáveis
omitidas que afetariam as taxas de crescimento da renda per capita.
Além disso, outro problema seria a inadequação da variável exportação de
produtos primários sobre o PIB como proxy da abundância de recursos naturais, pois o
nível de diversificação da pauta de exportações de cada economia pode ser afetado por
outros fatores que podem distorcer o resultado.
Visando contornar tais problemas Sachs e Warner (1997) utilizam outras
variáveis, tais como a participação da produção mineral no PIB e a participação das
exportações de produtos primários no total de exportações (ambas em 1971), e
verificam que os efeitos negativos permanecem, mesmo utilizando tais medidas
alternativas.
Com o intuito de definir os principais determinantes que provocariam a
ocorrência da Maldição”, Sachs e Warner (1997) desenvolvem um modelo
considerando uma economia com três setores básicos: setor 1 - bens transacionáveis e
que utilizam recursos naturais (setor primário); setor 2 - bens comercializáveis (sem
recursos naturais) que é a indústria de bens manufaturados; e o setor 3 - de bens não
transacionáveis.
Os insumos capital e trabalho são utilizados somente na indústria manufatureira
e nos setores não comercializáveis. Utilizando um modelo de acumulação de capital
humano intertemporal que seria gerado somente no setor industrial (bens
manufaturados) e dependeria exclusivamente da proporção de capital humano, os
14
autores afirmam que quanto maior a dotação de recursos naturais e, conseqüentemente,
a riqueza gerada por este setor, maior seria a demanda por bens não transacionáveis e
menor seria a alocação de trabalho e capital no setor manufatureiro.
Portanto, quando se decide explorar os recursos naturais em abundância, a
produção ficaria concentrada no setor primário e os trabalhadores e o capital acabariam
sendo direcionados para o setor de bens não transacionáveis. Para Sachs e Warner isto
reduziria o dinamismo da economia do país, pois a concentração no setor primário não
contribuiria para o desenvolvimento econômico.
Sendo assim, quando um país descobre grandes reservas de petróleo ou grandes
minas de diamantes, o setor da indústria manufatureira tenderia a sofrer uma redução,
enquanto que o setor dos bens não transacionáveis tenderia a expandir-se, mergulhando
a economia numa trajetória de crescimento do PIB per capita mais lenta do que antes da
descoberta dos recursos naturais. Sachs e Warner acreditam que os setores ligados a tais
recursos não possibilitam a acumulação de capital humano e o conseqüentemente
desenvolvimento econômico sustentável.
A “Maldição” resultante do mecanismo descrito acima é chamada na literatura
econômica de “Doença Holandesa”. O termo surgiu a partir da descoberta de jazidas de
gás natural na Holanda na década de 1960, onde o incremento nas exportações
contribuiu para uma apreciação cambial que reduziu a competitividade das exportações
holandesas. Segundo esta teoria um aumento de receita decorrente da exportação de
recursos naturais contribui para desindustrializar uma nação devido à valorização
cambial, pois torna o setor manufatureiro menos competitivo aos produtos externos.
Além da Doença Holandesa”, outros argumentos que explicariam a relação
negativa seriam, por exemplo, o desvio de investimentos do setor manufatureiro,
dinâmicas de extração dos recursos naturais com base em Hotelling (1931), trajetórias
de crescimento picas de países ricos em recursos e a solidez das instituições. [Postali
2007].
Entretanto, Sachs e Warner (1997) destacam que se os fatores institucionais e as
práticas de gestão pudessem por si explicar a ocorrência da “Maldição”, todos os
países que apresentassem instituições sólidas e desenvolvidas e realizassem uma gestão
adequada de seus recursos deveriam ter escapado deste problema e este fato não é
verificado nos estudos empíricos.
Outras duas hipóteses apontadas por Sachs e Warner (1997) seriam de que a
abundância de riquezas naturais incentivaria os países em desenvolvimento a serem
15
mais protecionistas, resultando em baixas taxas de investimento ou menores taxas de
crescimento, ou que a demanda global por seus bens primários abundantes aumentaria,
fato que elevaria os preços dos bens não transacionados e também afetaria os preços
relativos dos bens de investimento (que têm uma grande componente transacionável no
PIB).
Sachs e Warner (1997) reafirmam a ocorrência da relação negativa entre a
abundância de recursos naturais e o crescimento do PIB, destacando a robustez de suas
regressões principalmente pelo fato de terem controlado diversas variáveis relevantes
que poderiam influenciar nos resultados. Baseiam-se, ainda, no fato de que os resultados
do estudo demonstraram que existem pouquíssimos casos de países abundantes em
recursos naturais que apresentaram crescimento sustentado de até 2% ao ano durante o
período de 1970 a 1990 (apenas Malásia e Ilhas Maurício de um total de 18 países).
As conclusões de Sachs e Warner (1997) indicam que uma eventual descoberta
de novas fontes de recursos naturais levaria inevitavelmente a economia para uma
trajetória de crescimento do PIB mais lenta ao longo dos anos, sugerindo que, neste
caso, a melhor iniciativa a ser tomada pelos governantes seria a não exploração de tais
recursos.
Sachs e Warner (2001) introduzem novas variáveis de controle - tais como a
tendência dos preços das commodities e as características geográficas de cada região - e
os resultados das regressões seguem apontando para a ocorrência da “Maldição”.
Cruz e Ribeiro (2008) analisam os IDHs em 2005 dos países membros da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e mostram que do total de
onze países membros naquele ano, apenas quatro poderiam ser considerados de alto
desenvolvimento humano e dois estariam entre os países mais pobres do mundo.
No mesmo estudo os autores utilizam regressões relacionando os dados de
crescimento da renda per capita com a participação de produtos primários exportados
sobre o PIB (variável utilizada como proxy da abundância de recursos naturais) para
144 países (dados obtidos no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU
2007/2008) e encontram uma relação negativa entre estas variáveis para um grupo de 57
países.
Aproximadamente 40% dos países teriam sofrido impactos negativos em suas
taxas de crescimento do PIB per capita no período compreendido entre 1975 a 2005,
16
apresentando crescimento abaixo da média mundial e corroborando a relação negativa
encontrada por Sachs e Warner (1995).
2.2. Críticas à Ocorrência da “Maldição”
Stijns (2002) critica os estudos de Sachs e Warner por não apresentarem
alternativas para a exploração dos recursos naturais, principalmente no caso dos países
em desenvolvimento. Segundo Stijns (2002) estes autores sugerem que a iniciativa ideal
dos governos dos países em desenvolvimento seria manter intactas as reservas naturais e
direcionar os investimentos para o setor de bens manufaturados, pois este seria o único
com capacidade de gerar externalidades para a economia, impulsionando o crescimento
econômico desses países.
Sendo assim, qualquer investimento realizado em setores produtores de bens
primários poderia levar a economia para uma trajetória de crescimento abaixo de sua
real capacidade. Stijns (2002) considera que as regressões não são capazes de captar os
efeitos da exploração de recursos naturais de maneira correta. O autor relaciona a
capacidade de um país no uso eficiente dos recursos naturais com o processo de
aprendizado envolvido, sugerindo que quanto maiores os níveis de desenvolvimento das
instituições de um país, menores as chances da ocorrência de problemas em sua
trajetória de crescimento.
A forma como cada país explora suas riquezas teria maior importância nas
análises de crescimento do que simplesmente possuir ou não abundância de recursos
naturais. Utilizando variáveis como os combustíveis, as reservas minerais e uma série
de determinantes do crescimento econômico, o autor obtém resultados que indicam que
os recursos naturais podem afetar o crescimento econômico tanto positivamente quanto
negativamente.
Entretanto, a abundância de recursos naturais é freqüentemente associada
positivamente com indicadores do Estado de Direito e do desempenho burocrático dos
países, destacando mais uma vez o papel das instituições como determinantes do
crescimento econômico.
Para Atkinson e Hamilton (2003), a qualidade das instituições de um país
também seria a grande responsável pela ocorrência ou não da “Maldição”. Dessa forma,
a abundância de riquezas naturais poderia ser transformada em bênção desde que o país
17
tenha instituições sólidas e confiáveis que fizessem bom uso das receitas provenientes
desta riqueza.
Em um estudo com 91 países, Atkinson e Hamilton (2003) também identificam
que os efeitos da “Maldição” ocorrem normalmente em países que têm indícios de
problemas em suas instituições. Como exemplo, os autores citam países que utilizam as
rendas provenientes da exploração dos recursos naturais para elevar os gastos correntes
do governo, tais como despesas com salários de funcionários públicos.
O mesmo estudo mostra que países que utilizaram tais rendas em investimentos
em capital humano, infra-estrutura e desenvolvimento & pesquisa, conseguiram escapar
da “Maldição”, transformando a renda gerada pela exploração da riqueza natural em
crescimento econômico ao longo de dezesseis anos.
Kronenberg (2004) associa a ocorrência do fenômeno da “Maldição” aos altos
níveis de corrupção dos países e à negligência dos gestores públicos em relação aos
investimentos na educação básica. O autor sugere que países em desenvolvimento
devem combater a corrupção e garantir que as receitas oriundas da exploração dos
recursos naturais sejam investidas em capital humano, garantindo uma trajetória de
desenvolvimento sustentável ao longo dos anos.
Mehlum, Moene e Torvik (2006) também apontam o papel decisivo das
instituições, citando os casos de países como Botsuana, Canadá, Austrália e Noruega,
ricos em recursos naturais e que, por terem instituições sólidas e baixos níveis de
corrupção, conseguiram apresentar altas taxas de crescimento da renda per capita,
transformando sua riqueza em uma fonte de prosperidade econômica.
Brunnschweiler (2006) reexamina os estudos de Sachs e Warner utilizando
medidas alternativas como proxy da dotação de tais recursos. Além disso, a autora
adiciona controles na equação visando considerar o papel da qualidade das instituições
no resultado e apresenta dois argumentos principais contra a utilização das variáveis
utilizadas por Sachs e Warner.
Primeiro, a participação das exportações de produtos primários no total das
exportações ou no PIB pode não ser adequado, que existem exemplos de diversos
países, tais como Austrália e Alemanha, considerados países ricos em recursos naturais
e que possuem um percentual baixo dessas medidas.
Sendo assim, tal medida apenas refletiria o fato de que a economia do país é
extremamente especializada no comércio do bem e, em conseqüência disso, o
18
crescimento lento destes países estaria relacionado com o elevado grau de dependência
do setor primário, e não simplesmente ao fato de possuírem recursos naturais em
abundância.
Segundo, pelo fato da variável exportação apresentar um comportamento volátil,
o ideal seria utilizar a média dos dados ao longo de um período determinado com o
intuito de suavizar as oscilações e captar suas variações ao longo dos anos, ao contrário
do que é utilizado na literatura em que são os dados de início de período.
A autora propõe uma nova forma de relacionar a abundância de recursos naturais
e o crescimento econômico dos países, sugerindo que a forma funcional e a medida de
abundância de recursos naturais sugeridas por Sachs e Warner seriam as responsáveis
pela associação negativa encontrada, e a simples utilização de outras medidas poderia
alterar os resultados.
Como exemplo de medidas alternativas para a variável abundância de recursos
naturais, Brunnschweiler (2006) utiliza os dados da produção de minerais combustíveis
e não combustíveis de 1970 (World Mineral Statistics e British Petroleum) e a variável
“capital natural” (calculada pelo banco mundial em 1997 e 2005) nas equações
desenvolvidas por Sachs e Warner.
Os resultados encontrados refutam a hipótese da “Maldição” demonstrando
fortes relações positivas entre a riqueza de recursos naturais e o crescimento econômico
para um grupo de países no período de 1970 a 2000. Além disso, é incluída uma
variável que representa o papel da qualidade das instituições - nível de corrupção dos
países. É observado que países com instituições sólidas e com baixos níveis de
corrupção tendem a transformar a abundância de recursos naturais em bênção,
apresentando taxas satisfatórias de crescimento da renda per capita.
Com base em seus resultados, Brunnschweiler (2006, p.12) afirma que:
“The coeficients for our rule-of-law and government-efectiveness measures suggest that
a one-point increase on the institutional quality index would have had a large positive
growth efect on average, again assuming a direct causal relationship.”
Neste capítulo foram apresentadas as principais explicações teóricas encontradas
na literatura para a chamada “Maldição dos Recursos Naturais”. É importante destacar
que a ocorrência de tal fenômeno nas regiões que possuem abundância de recursos não é
uma unanimidade entre os especialistas. Ao mesmo tempo em que encontramos vários
19
estudos que procuram corroborar tal relação, existe uma série de trabalhos que
objetivam refutar tal hipótese através da utilização de variáveis alternativas nos modelos
econométricos utilizando também como argumento dados empíricos de países que não
foram afetados pela “Maldição”.
20
3. O Petróleo e as Regras de Distribuição das Participações
Governamentais no Brasil
3.1. O Petróleo no Brasil
A história do petróleo em território nacional inicia-se em 1858 com o decreto
assinado pelo Marques de Olinda concedendo o direito a José Barros Pimentel de extrair
mineral betuminoso para a fabricação do hidrogênio no estado da Bahia. Este fato
acabou levando, em 1859, o inglês Samuel Alport a observar o primeiro gotejamento de
óleo em Lobato, na Bahia. Todavia, o primeiro poço com o objetivo de encontrar
petróleo no Brasil foi perfurado somente em 1897 em São Paulo. Daí em diante foram
perfurados aproximadamente 80 poços até 1939 (Thomas, 2001).
A partir de 1953, a criação da Petrobras, no governo Vargas, impulsionou a
atividade de exploração e produção de petróleo no Brasil. A empresa que focava
inicialmente suas atividades no segmento downstream (abastecimento e transporte)
precisou desempenhar um novo papel a partir da primeira crise do petróleo, em 1973,
quando os preços dispararam, gerando forte impacto nas contas externas do país que
eram altamente dependentes do petróleo importado.
Desde então, estas atividades, que no Brasil eram realizadas principalmente em
campos terrestres (basicamente do nordeste do país), passaram a receber um novo
direcionamento visando reduzir tal dependência. Assim, foi necessário investir na
exploração de novos campos, o que estimulou a exploração em alto mar.
Segundo D’Almeida (2006), a descoberta da Bacia de Campos (figura 1) em
1974, imensa área sedimentar de 100.000 quilômetros quadrados, que se estende do
Espírito Santo (nas imediações de Vitória), até Arraial do Cabo (no litoral norte do Rio
de Janeiro), pode ser considerada como um divisor de águas para a produção de petróleo
no país.
21
Figura 1: Mapa com Data das Descobertas dos Campos de Petróleo do Brasil
Fonte: Petrobras
5
.
Nesta bacia existe um dos maiores complexos petrolíferos do mundo, contendo
45 campos de produção, cerca de 2.350 poços perfurados (petróleo e gás) e 45
plataformas marítimas, das quais 41 de produção e 4 de processamento de petróleo,
segundo dados divulgados pela Petrobras. A Bacia de Campos é atualmente responsável
por aproximadamente 84% da produção nacional de petróleo, sendo extraídos cerca de
1,49 milhões de barris de petróleo diários (bpd) e 22 milhões de m
3
de gás diários.
A tabela 1 mostra a produção de petróleo do Brasil e do estado do Rio de Janeiro
em barris equivalentes de petróleo (bep) dos campos em mar e em terra no período
2000-2008.
Tabela 1: Produção de Petróleo em Milhões bpd.
Brasil
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Mar 1,06 1,12 1,28 1,32 1,31 1,48 1,58 1,61 1,69
Terra 0,22 0,22 0,22 0,23 0,22 0,21 0,20 0,20 0,19
Total 1,27 1,33 1,50 1,55 1,53 1,69 1,78 1,81 1,88
Estado do Rio de Janeiro
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Mar 1,01 1,08 1,24 1,27 1,25 1,42 1,50 1,48 1,55
Terra - - - - - - - - -
% do Total 79,6% 80,6% 82,6% 81,7% 82,0% 84,2% 84,2% 81,6% 82,5%
Fonte: ANP
6
. Elaboração própria.
5
Disponível em http://www2.petrobras.com.br/Petrobras/portugues/plataforma/pla_bacia_campos.htm. Acesso em 27/04/2009.
6
Dados disponíveis em www.anp.gov.br. Elaboração própria. Acesso em 26/05/2009.
22
A produção do petróleo desta bacia foi de extrema importância para o equilíbrio
da balança comercial brasileira. Em 1981, por exemplo, o Brasil gastou U$ 11,7 bilhões
com importações de petróleo, que na época o país produzia apenas 213 mil bpd,
aproximadamente 19% do volume necessário para atender a demanda interna, sendo que
naquele ano o Brasil precisou importar 884.700 bpd. Em 2008, o consumo nacional de
petróleo alcançou em média 1,8 milhão de bpd e considerando o preço a US$ 70 por
barril, se o país tivesse que importar todo esse volume, o impacto seria da ordem de
US$ 126 milhões por dia na balança comercial.
A produção de óleo no campo de Garoupa deu início à produção offshore
(exploração em alto mar) na Bacia de Campos e impulsionou a busca da empresa por
novas descobertas. Em 1975, foi descoberto o campo de Namorado, enquanto que no
campo de Enchova, em 1977, teve início a produção comercial na Bacia de Campos.
Em seguida, foram descobertos os campos gigantes de Albacora (1984) e
Marlim (1985), em águas profundas. A produção nestes novos campos representou um
grande salto tecnológico em escala mundial por terem sido desenvolvidas novas
técnicas de extração em regiões de grande profundidade.
Devido ao tamanho e à complexidade do projeto para produção no campo de
Marlim, o seu desenvolvimento foi planejado em cinco módulos com sete unidades de
produção. O desenvolvimento definitivo iniciou-se pelo Módulo 1, com a instalação da
plataforma P-18 em maio de 1994. O pico de produção de óleo foi de 586.315 bpd, em
2002, com a implantação do Módulo 5.
O óleo de Marlim é tratado nas suas unidades e transferido para navios-
aliviadores que transportam a produção para o continente e também para o mercado
externo. Todo o gás produzido associado ao óleo é comprimido nas plataformas/FPSOs
"Floating, Production, Storage and Offloading" - e escoado para o continente através
de gasodutos da Bacia de Campos.
Em 2005, foi instalado mais um "Floating, Storage and Offloading" (FSO) sendo
que essa unidade, além de ampliar a capacidade de tratamento de óleo de Marlim, o
especifica dentro dos teores de água e salinidade desejáveis, o que permite entregar um
óleo com a qualidade requerida pelas refinarias além de exportá-lo dentro dos padrões
internacionais.
Apesar de já ser um campo maduro Marlim tem sido, mais de 10 anos, o
maior campo petrolífero brasileiro, representando aproximadamente 20% da produção
nacional em 2008 atingindo uma média de 350 mil bpd. No final dos anos 1980 e na
23
década de 1990, foram descobertos os campos de Albacora Leste, Marlim Leste,
Marlim Sul, Barracuda, Caratinga e Roncador. Posteriormente foram encontrados os
campos de Jubarte, Cachalote, Baleia Franca e Papa-Terra.
Desde a descoberta da Bacia de Campos, já foram produzidos mais de 6,5
bilhões de barris de óleo e gás nesta bacia e, ainda assim, ela é responsável por cerca de
80% das reservas de petróleo descobertas no Brasil. Visando o aumento da
recuperação do petróleo de seus campos, a Petrobras vem investindo em estudos e
desenvolvimento de tecnologias capazes de aumentar ao máximo a vida útil dessas
áreas. Dos 55 campos existentes hoje na Bacia de Campos, 36 são considerados
maduros, pois já atingiram o pico de produção.
Em 2008, as reservas provadas de óleo do país (Gráfico 1) atingiram 14,09
bilhões de boe (barris de óleo equivalente - critério SPE - Society of Petroleum
Engineer), sendo que a maior parte destas reservas encontra-se atualmente em campos
localizados no mar e, ainda segundo dados da Petrobras, estudos recentes mostram que
50% das reservas ainda por descobrir no Brasil podem estar em águas profundas.
Até o final de 2009, deverão entrar em operação, na Bacia de Campos, duas
novas plataformas de produção que aumentarão a produção diária em 360 mil barris de
petróleo e 15 milhões de metros cúbicos de gás, volume equivalente a 20% da produção
atual no Brasil, o que contribuirá para a manutenção da auto-suficiência de petróleo no
país, atingida em 2006.
Gráfico 1: Reservas de Óleo e Gás no Brasil Critério SPE (Society of Petroleum Engineer)
0,02
0,70
0,97
2,73
6,18
12,60
14,09
0
2
4
6
8
10
12
14
16
1953 1963 1973 1983 1993 2003 2008
Bi boe
Fonte: Petrobras. Elaboração Própria.
7
7
Disponível em http://www2.petrobras.com.br/ri/port/CentralDownloads/downloads.asp. Acesso em 17/11/2009.
24
Existem atualmente grandes expectativas em relação ao petróleo descoberto na
camada pré-sal brasileira, que consiste em uma faixa que se estende ao longo de 800 km
entre Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do nível do mar, englobando três bacias
sedimentares: Espírito Santo, Campos e Santos (Figura 2). O petróleo encontrado nesta
área está localizado a profundidades que superam os sete mil metros, abaixo de uma
extensa camada de sal. Dentre os campos descobertos destacam-se: Tupi, Guará,
Bem-Te-Vi, Carioca, Júpiter e Iara.
Segundo dados divulgados pela Petrobras em seu Plano de Negócios 2009-
2013
8
, as reservas recuperáveis estimadas para Tupi seriam de 5 a 8 bilhões boe e de 3 a
4 bilhões boe para Iara. As estimativas apontam que somente o campo de Tupi teria
mais de 50% das reservas atuais de óleo do país.
Essas novas descobertas podem em alguns anos colocar o país entre os maiores
países produtores de petróleo, reforçando ainda mais a preocupação com os possíveis
impactos da destinação dos recursos gerados pela renda petrolífera.
Figura 2: Bacia de Santos - Pólo Pré Sal
Fonte: Petrobras
9
.
8
Disponível em http://www.petrobras.com.br. Acesso em 23/05/2009.
9
Disponível em http://www2.petrobras.com.br/ri/port/ConhecaPetrobras/EstrategiaCorporativa/pdf/PN_2009-2013_Port.pdf.
Acesso em 23/05/2009.
25
Como os números expressivos da Bacia de Campos mostram, ela concentra a
maior parte da produção nacional de petróleo e s e, conseqüentemente, os municípios
desta região são os mais favorecidos pela renda gerada pela atividade petrolífera no
país. Parte da renda obtida com a comercialização do óleo é repassada aos governos que
têm como principal finalidade a compensação, buscando contrabalançar os efeitos da
exploração de um recurso não renovável.
3.2.
As Regras Atuais de Distribuição
Com a vigência da Lei 2.004 de 1953, o monopólio da União na exploração e
produção de petróleo e gás em território nacional era exercido, exclusivamente, pela
Petrobras até 1995. A Emenda Constitucional 9 alterou o artigo 177 da Constituição
de 1988, mantendo o monopólio da União, mas permitindo que empresas privadas
pudessem também executar as atividades de exploração e produção.
O modelo vigente atualmente foi estabelecido pela Lei 9.478, de 6 de agosto
de 1997, conhecida como Lei do Petróleo. Neste modelo, o Estado transfere as
atividades de exploração e produção para as empresas, por meio de contratos de
concessão.
Essa Lei também foi responsável pela criação da Agência Nacional do Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) cuja finalidade é “promover a regulação, a
contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do
petróleo” (artigo 8°, Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997). A ANP, entidade reguladora
governamental, tem a incumbência de realizar as licitações para a concessão de
exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, celebrar os contratos
delas decorrentes e fiscalizar a sua execução.
Neste modelo o Estado é remunerado através das compensações financeiras
pagas pelos concessionários também aos estados e municípios brasileiros, à Marinha e
ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Foram estabelecidos quatro tipos de
arrecadação: bônus de assinatura, ocupação ou retenção da área, participações especiais
e royalties.
O bônus de assinatura consiste na determinação do valor mínimo estabelecido no
edital de licitação do bloco ofertado (regiões delimitadas pela ANP para a concessão de
licenças para a exploração de petróleo e gás), devendo ser pago na assinatura do
26
contrato. Sua função principal é a seleção competitiva das empresas que atuam no setor
e corresponde ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão.
A ocupação ou retenção de área é um pagamento devido anualmente pelos
concessionários. Os valores variam de acordo com as características geológicas,
localização da bacia sedimentar em que se encontra o bloco e outros fatores
relacionados. O objetivo é desestimular a retenção de concessões, em que não
interesse de exploração.
as participações especiais incidem sobre campos de alta rentabilidade ou de
grandes volumes de produção como, por exemplo, o campo de Marlim, como forma de
arrecadação adicional. O valor devido oscila com base em uma alíquota progressiva,
que varia de 10% a 40%, aplicável ao volume trimestral de produção.
As participações especiais se aplicam nos seguintes casos: campos em terra com
produção acima de 10 mil barris/dia, campos marítimos em lâmina d’água até 400
metros e produção acima de 20 mil barris equivalentes/dia e campos marítimos em
lâmina d’água acima de 400 metros e produção acima de 31 mil barris equivalentes/dia.
Os royalties tiveram seu patamar de cobrança alterado com o artigo 47 da Lei
9.478/97, de 5% para 10% da produção de petróleo e gás, podendo a ANP reduzir o
valor para um montante não inferior a 5% da produção, atendendo a critérios de riscos
geológicos e outros fatores pertinentes. Os pagamentos dos royalties devem ser
realizados mensalmente, em moeda nacional, a partir da data de início da produção
comercial de cada campo. O cálculo do valor apurado passa a seguir os preços do
mercado internacional de petróleo, com base nas especificações do produto.
Seguem abaixo os percentuais definidos pela atual legislação quanto ao tipo de
compensação financeira relacionado aos recursos provenientes da renda petrolífera,
alíquotas e distribuição entre as esferas de governo:
Percentuais definidos para a distribuição das participações especiais:
1. Estados confrontantes com campos produtores - 40%
2. Municípios confrontantes com campos produtores - 10%
3. Ministério de Minas e Energia - 40%
4. Ministério do Meio Ambiente - 10%
Percentuais definidos por lei para a distribuição dos royalties na
plataforma continental:
Parcela obrigatória - 5%
1. Estados confrontantes com poços produtores - 1,5%
27
2. Municípios (embarque e desembarque) - 0,5%
3. Municípios confrontantes - poços áreas geoeconômicas - 1,5%
4. Ministério da Marinha 1,0%
5. Fundo Especial - 0,5%
Parcela não obrigatória - 5%
1. Estados confrontantes com campos produtores - 1,13%
2. Municípios confrontantes com campos produtores - 1,13%
3. Ministério da Marinha 0,75%
4. Municípios (embarque e desembarque) - 0,38%
5. Fundo Especial - 0,38%
6. Ministério da Ciência e Tecnologia - 1,25%
Percentuais definidos para a distribuição dos royalties em campos
terrestres, lagoas ou rios:
Parcela obrigatória - 5%
1. Estados - 4,0%
2. Municípios - 1,0%
Parcela não obrigatória - 5%
1. Estados onde ocorrerá produção - 2,63%
2. Município onde ocorrerá produção - 0,75%
3. Municípios utilizados para embarque e desembarque - 0,38%
4. Ministério da Ciência e Tecnologia - 1,25%
Dessa forma, a lei estabeleceu novas fontes de receitas através da introdução de
três novas participações governamentais (bônus de assinatura, pagamento pela ocupação
ou retenção de área e participação especial). Com relação aos recursos dos royalties, foi
incluído como beneficiário o Ministério da Ciência e Tecnologia e os recursos
destinados aos estados e municípios foram elevados, em virtude na nova alíquota. Além
disso, foi estabelecido um novo critério para o cálculo do preço de referência do
petróleo brasileiro, que passou a considerar o preço no mercado internacional.
Com relação às limitações impostas à aplicação dos recursos provenientes dos
royalties, a Lei 2.004/53 determinava que os recursos fossem aplicados na produção de
energia elétrica e rodovias. A Lei n° 7.453 (artigo 1°) de 1985 modificou a Lei 2.004/53
obrigando os estados e municípios a aplicarem essas participações governamentais,
28
preferencialmente, em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento
de água, irrigação, proteção ao meio-ambiente e saneamento básico.
A Lei 7.525 de 1986, atribuiu ao Tribunal de Contas da União (TCU) a
competência para a fiscalização da utilização dos recursos de royalties. Os royalties
destinados aos estados e municípios deviam ser aplicados exclusivamente, em energia,
pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao
meio ambiente e em saneamento básico. Em 1989, através da Lei 7.990/89, foi
instituída a compensação financeira sobre a exploração de petróleo e gás natural e,
através de seu artigo 8°, foi vedada a aplicação dos royalties em pagamentos de dívidas
e no quadro permanente de pessoal.
A Lei do Petróleo de 1997 não especificou os setores nos quais os recursos
provenientes dos royalties devessem ser aplicados, aumentando o poder de atuação dos
gestores municipais e estaduais e ampliando o grau de liberdade para a utilização destes
recursos. Entretanto, a lei manteve as restrições relacionadas à destinação dos recursos
para o pagamento de dívidas e quadro permanente de pessoal. Com relação à
fiscalização, atualmente o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que, como os
royalties do petróleo pertencem ao estado, compete ao Tribunal de Contas local a
fiscalização da receita arrecadada (Fernandes, 2007).
A maior parte das reservas brasileiras de petróleo e gás encontra-se em mar,
conseqüentemente as compensações financeiras recebidas pelos entes federativos
provêm em sua maioria da produção na plataforma continental. Segundo a Lei 8.617 de
1993, a plataforma continental brasileira compreende o leito e o subsolo das áreas
submarinas, que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do
prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem
continental ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base, a partir das
quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem
continental não atinja esta distância.
Segundo Piquet (2003), este conceito, que consta na legislação, é utilizado para a
apuração do pagamento das participações governamentais que as empresas produtoras
de petróleo e gás devem repassar aos entes federativos. A lei 7525 de 1986 introduziu
os limites litorâneos dos municípios da plataforma continental, utilizando a metodologia
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto que a lei 7990 de
1989 remanejou os recursos provenientes de royalties incluindo uma parcela para os
29
municípios onde embarque e desembarque de óleo, alterando também o percentual
dos estados.
Os campos onde são apurados os valores dos royalties são delimitados por uma
área geográfica sendo que para os estados, esta área atende a linha geodésica enquanto
que para os municípios depende também da linha paralela. Em 2008, o município de
Campos dos Goytacazes, por exemplo, foi o maior beneficiado dentre os municípios do
Norte Fluminense em virtude de sua localização geográfica privilegiada (ortogonais e
paralelos - figura 3).
Figura 3: Regras de Distribuição dos Royalties: Ortogonais e Paralelos
Fonte: Barbosa (2001).
A tabela 2 mostra que o estado do Rio de Janeiro foi o grande beneficiado com
recursos oriundos dos royalties e das participações especiais em 2008, atingindo 82,6%
do total. Dos dez municípios brasileiros que mais receberam receitas provenientes
destes recursos, em 2008, nove estão localizados no estado do Rio de Janeiro (Tabela
3).
30
Tabela 2: Valores de Royalties e Participações Especiais em Valores Correntes 2008 - Estados.
Posição Estado Valores em R$ milhões %
1 Rio de Janeiro 5.876,7 82,6%
2 Espírito Santo 404,0 5,7%
3 Rio Grande do Norte 230,1 3,2%
4 Bahia 204,5 2,9%
5 Amazonas 179,5 2,5%
6 Sergipe 148,2 2,1%
7 Alagoas 41,4 0,6%
8 Ceará 16,8 0,2%
9 Paraná 5,4 0,1%
10 São Paulo 4,2 0,1%
Total 7.110,8
Fonte: Universidade Cândido Mendes (UCAM)
10
. Elaboração Própria.
Tabela 3: Valores de Royalties e Participações Especiais em Valores Correntes 2008 - Municípios.
Posição Município Estado Valores em R$ milhões %
1
Campos dos Goytacazes Rio de Janeiro 1.067,5 22,9%
2
Macaé Rio de Janeiro 485,6 10,4%
3
Rio das Ostras Rio de Janeiro 303,9 6,5%
4
Cabo Frio Rio de Janeiro 184,5 4,0%
5
São João da Barra Rio de Janeiro 145,2 3,1%
6
Quissamã Rio de Janeiro 140,1 3,0%
7
Angra dos Reis Rio de Janeiro 87,9 1,9%
8
Casimiro de Abreu Rio de Janeiro 77,0 1,7%
9
Presidente Kennedy Espirito Santo 71,3 1,5%
10
Rio de Janeiro Rio de Janeiro 66,2 1,4%
Total 4.657,6
Fonte: Universidade Cândido Mendes (UCAM)
11
.
Elaboração Própria.
10
Dados disponíveis em www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br/. Acesso em 26/05/2009.
11
Dados disponíveis em www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br/. Acesso em 26/05/2009.
31
4. As Receitas de Royalties e Participações Especiais e o
Desempenho Econômico e Social dos Municípios Brasileiros
A “Maldição dos Recursos Naturais” pode manifestar-se de diversas maneiras,
inclusive nas esferas regionais. Estão disponíveis na literatura diversos trabalhos que
abordam esta questão, analisando os impactos da atividade petrolífera na economia dos
municípios brasileiros. Nesses casos a explicação da “Doença Holandesa”, discutida no
capítulo 2, que relaciona a ocorrência da “Maldição” com o comércio exterior perde
sentido, pois o foco da análise passa a ser os municípios e principalmente a destinação
dada à renda do petróleo pelos gestores locais.
Sendo assim, as explicações mais recorrentes para a ocorrência da “Maldição”
na esfera regional recaem principalmente sobre a qualidade dos gastos das rendas
provenientes da tributação da atividade petrolífera. Paralelamente existe uma ampla
discussão a respeito das características da tributação da indústria petrolífera no Brasil e
seus impactos nas economias locais.
4.1. As Distorções Causadas pelas Regras Atuais
Serra (2003) utiliza a frase “cidade rica, povo pobre” para sintetizar o problema
da utilização ineficiente dos recursos gerados pela atividade petrolífera e repassados aos
municípios brasileiros. O autor destaca a situação dos municípios chamados “novos
ricos” que apesar de terem obtido aumentos substanciais nas receitas de royalties e
participações especiais a partir da Lei do Petróleo, não apresentaram melhorias
expressivas na qualidade de vida da população, no setor educacional e de saúde.
Serra critica as atuais regras de rateio dos royalties e argumenta que a forma de
pagamento destes recursos aos municípios explica-se muito mais pelo pacto federativo
almejado na Constituição de 1988 (federalismo fiscal) do que propriamente pela busca
de instrumentos de caráter compensatório e de justiça intergeracional.
Desta forma, o atual formato para as participações governamentais não se mostra
sensível às características específicas de cada região, ou seja, não se caracteriza por
apresentar alternativas que compensem cada local separadamente pelos impactos
gerados pela atividade petrolífera. Para Serra, a lógica que envolve a indústria do
petróleo não é a principal determinante da distribuição dos royalties do petróleo aos
32
municípios, que esta expressão está relacionada ao pagamento ao proprietário de um
ativo não renovável, que o cede para ser explorado por outras empresas ou indivíduos.
O autor cita as principais características da indústria petrolífera: barreiras à
entrada de novas firmas, tendência à cartelização, elevados custos dos investimentos e
longa maturação dos mesmos, altos riscos associados à atividade, indivisibilidade dos
investimentos e barreiras institucionais entre outras; e sugere que neste caso a cobrança
dos royalties deva ser interpretada como um instrumento de captação das rendas
diferenciais desta indústria como apresentadas por Ricardo (1817)
12
.
Além disso, a cobrança dos royalties nesta indústria teria a função de regular o
ritmo da exploração das reservas de óleo, alinhando o interesse privado ao planejamento
estratégico do país e garantindo ao investidor ganhos pela opção de espera de futuras
elevações de preços do petróleo no mercado.
Esta idéia está alinhada com o modelo desenvolvido por Hotteling (1931), que
tenta definir uma trajetória ótima de extração dos recursos exauríveis, onde a taxa ótima
de exploração deve igualar-se à taxa de juros internacional. Nesse caso, considera-se
que o país é indiferente entre explorar o petróleo ou investir o dinheiro rendendo a taxa
de juros internacional.
No modelo de Hotteling existiria um planejador central que maximizaria a
satisfação de um consumidor que vive infinitamente, ponderando a exploração ótima
dos recursos, a taxa de juros, os custos de extração da riqueza natural e os preços de
negociação no mercado internacional. Neste modelo a exploração dos recursos no
tempo presente pode ter um peso maior na tomada de decisão do planejador e haveria
um conflito com o conceito de justiça intergeracional de Hartwick (1977).
De acordo com a regra de Hartwick, do ponto de vista de promover a justiça
entre as gerações presente e futura, a opção ideal seria manter, na ausência de
crescimento populacional e progresso técnico, o poder de consumo da população
constante ao longo do tempo.
Serra argumenta ainda que não existe ligação entre a cobrança de royalties e a
distribuição destes aos municípios e defende que esta regulamentação foi fortemente
influenciada pela busca da redemocratização política e descentralização fiscal da época
da Constituição de 1988, que acabou fortalecendo os municípios em termos fiscais sem
grandes preocupações em inserir um sentido econômico ao sistema de cobrança.
12
Maiores detalhes sobre rendas diferenciais em: RICARDO, David (1817) Principles of Political Economy, Capítulo 2.
33
Outra função dos royalties destacada pelo autor seria prover os governos locais
com os recursos necessários ao atendimento do aumento da demanda por serviços
públicos, ocasionado pelas externalidades geradas pela atividade petrolífera. Serra
afirma que no atual sistema, levando em consideração a natureza esgotável do petróleo,
a manutenção do pagamento aos municípios deve ter como objetivo:
“prover os governos locais e regionais dos recursos necessários para financiar
investimentos que gerem riqueza alternativa para substituir a riqueza mineral
exaurível”. [Serra (2003). Página 8].
O autor critica ainda o conceito de municípios produtores, pois a forma utilizada
atualmente (explicada no capítulo anterior) para o cálculo da repartição dos royalties
não atenderia ao propósito de preparar as regiões mais afetadas pela exploração do
petróleo para a fase de esgotamento do recurso natural, já que esta solução não distingue
os impactos sofridos por cada município obedecendo a um critério puramente
geográfico.
Não existe, portanto, nenhuma relação entre os impactos específicos em
determinada área e a localização geográfica dos poços. A única definição que é sensível
aos efeitos sofridos por determinada área é o conceito de municípios onde se localizam
instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo.
No mesmo sentido, Gobetti e Afonso (2008) apontam que os dois conceitos
utilizados nas regras atuais de distribuição dos royalties, o impacto sobre a localidade
de embarque e desembarque e, principalmente, a produção, são restritivos e
desvinculados dos impactos socioeconômicos da atividade petrolífera. Inclusive a
parcela distribuída a todos os municípios brasileiros através do Fundo Especial do
Petróleo (FEP) veio sendo reduzida ao longo dos anos.
Gobetti e Afonso (2008) destacam ainda que as participações especiais em 2008
foram distribuídas apenas a 2 estados e 13 municípios favorecendo ainda mais a
hiperconcentração espacial dos recursos. O Gráfico 2 ilustra esse problema: 72,6% do
total de royalties e participações especiais foram distribuídos aos municípios
localizados no Estado do Rio de Janeiro, em 2008.
34
Gráfico 2 - Royalties e Participações Especiais Distribuídos aos Municípios por Estados em 2008.
RJ; 72,6%
ES; 6,4%
SP; 3,8%
RN; 3,6%
SE; 3,4%
RJ ES SP RN SE
Fonte: Boletim Petróleo, Royalties e Região, UCAM, Campos dos Goytacazes. Elaboração Própria.
Os municípios localizados no Espírito Santo, que somados ocupam a segunda
colocação, receberam apenas 6,4% destes recursos. A Tabela 4 mostra os valores dos
royalties distribuídos aos municípios localizados nos referidos estados. Considerando os
valores per capita em 2008, verifica-se a persistência da grande concentração de
recursos nos municípios localizados no Estado do Rio de Janeiro. Dos dez maiores
recebedores, apenas dois localizam-se em outros estados da federação (Tabela 5).
Tabela 4 - Distribuição de Royalties e Participações Especiais aos Estados em 2008
Posição Municípios por Estado Valores em R$ miles
1 Rio de Janeiro 3.380,6
2 Espirito Santo 296,2
3 Sao Paulo 177,2
4 Rio Grande do Norte 169,7
5 Sergipe 158,8
6 Bahia 149,3
7 Amazonas 71,8
8 Pernambuco 68,9
9 Ceara 49,5
10 Rio Grande do Sul 43,7
Fonte: Boletim Petróleo, Royalties e Região, UCAM, Campos dos Goytacazes. Elaboração Própria.
35
Tabela 5 - Distribuição de Royalties e Participações Especiais per capita aos Municípios em 2008
Posição Municípios Beneficiários Estado Valor Per capita
1 Quissamã Rio de Janeiro 7.598,7
2 Presidente Kennedy Espirito Santo 6.754,2
3 Sao Jo da Barra Rio de Janeiro 4.972,2
4 Rio das Ostras Rio de Janeiro 3.401,5
5 Carapebus Rio de Janeiro 3.127,9
6 Casimiro de Abreu Rio de Janeiro 2.706,8
7 Mac Rio de Janeiro 2.701,2
8 Campos dos Goytacazes Rio de Janeiro 2.476,7
9 Armação dos Búzios Rio de Janeiro 2.379,0
10 Carmópolis Sergipe 2.123,0
Fonte: Boletim Petróleo, Royalties e Região, UCAM, Campos dos Goytacazes. Elaboração Própria.
As regras atuais acabaram concentrando nos municípios localizados na região do
Norte Fluminense a maior parte dos recursos provenientes dos royalties e participações
especiais. A Figura 4 mostra a situação atual da localização dos beneficiários das
participações governamentais no estado do Rio de Janeiro. Fica claro o destaque da
região do Norte Fluminense frente às demais, em termos de arrecadação das rendas
provenientes da atividade petrolífera.
Figura 4 - Regiões do Estado do RJ - Situação Atual do Recebimento das Participações Governamentais
Fonte: TCE, 2008.
36
De acordo com os dados da Tabela 6 os cinco municípios brasileiros que
receberam a maior parte destes benefícios, no ano de 2008, estão localizados na região
confrontante com os poços da Bacia de Campos, no estado do Rio de Janeiro. Esta
elevada polarização de recursos para alguns municípios produtores ocorre
principalmente em virtude da falta de uma medida adequada de impacto da atividade
petrolífera sobre o território.
Tabela 6 - Distribuição de Royalties e Participações Especiais aos Municípios em 2008
Posição Municípios Beneficiários Valores em R$ milhões
1 Campos - RJ 1.067,5
2 Mac- RJ 485,6
3 Rio das Ostras - RJ 303,9
4 Cabo Frio - RJ 184,5
5 São Jo da Barra - RJ 145,2
Fonte: Boletim Petróleo, Royalties e Região, UCAM, Campos dos Goytacazes. Elaboração Própria.
Gobetti e Afonso (2008) criticam as atuais regras de distribuição dos royalties,
dado que estas não atenderiam a nenhum objetivo de justiça intergeracional e gerariam
excesso de recursos concentrados em alguns governos locais. Além disso, o governo
federal também promove distorções, pois descumpre as vinculações para os programas
sociais, buscando atingir as metas financeiras de superávit primário do setor público.
Os autores citam Hartwick (1977) para propor que as decisões de políticas
públicas deveriam proporcionar às gerações futuras uma compensação pela exploração
presente de um recurso exaurível através, por exemplo, da criação de fundos soberanos
que permitem a formação de poupança ou a realização de investimentos em outras
atividades.
Os fundos soberanos do Alaska (EUA), de Alberta (Canadá) e da Noruega são
considerados bons exemplos de como manter as vantagens geradas pela exploração do
petróleo conservada ao longo dos anos, para que as gerações futuras também possam
usufruir da renda gerada por esta atividade.
Analisando os casos dos fundos soberanos percebe-se que tais soluções estariam
ligadas à explicação da Maldição” pelos fatores institucionais, pois a utilização destes
com uma gestão comprometida com o futuro das regiões e com mecanismos de controle
pela população pode ser um caminho que livre as regiões dos problemas causados pela
riqueza esgotável, desestimulando a corrupção e a malversação dos recursos públicos.
37
Utilizando dados disponibilizados no Sistema Integrado de Administração
Financeira do Governo Federal (SIAFI)
13
da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) pela
ANP, Gobetti e Afonso (2008) mostram que as rendas provenientes do petróleo
cresceram de 2000 a 2007, com exceção do último, em virtude da valorização da taxa de
câmbio; e que entre 60% e 65% vêm sendo repassados aos estados e municípios. Esses
números reforçam o alto grau de descentralização das regras atuais, bem superiores à
média da carga tributária nacional que, segundo o autor, 40% da receita disponível é
direcionada a estes entes federativos.
Cruz e Ribeiro (2008) analisam a partilha das compensações provenientes da
renda petrolífera e também destacam que os critérios válidos atualmente vêm
promovendo a concentração espacial dos recursos financeiros em determinadas regiões
e a descentralização de recursos entre as esferas estaduais e municipais.
Outro ponto importante discutido pelos autores é a questão distributiva dentro
das próprias regiões que, além dos recursos dos royalties estarem concentrados em
poucos municípios, a maior parte deles (aproximadamente 84,1% do total dos royalties
distribuídos aos municípios) estaria direcionada a regiões classificadas como Alta
Renda e Dinâmica, segundo a tipologia adotada pelo Ministério da Integração Nacional.
Deste modo, estas regiões seriam consideradas não elegíveis utilizando-se os critérios
da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR)
14
.
E mesmo nessas regiões, os royalties são alocados em sua maior parte para
municípios de PIB per capita mais elevado. Segundo dados da ANP e do IBGE, em
2007, a distribuição de royalties para as regiões, por classe de nível de renda, foi a
seguinte: Baixa Renda 3,2%, Estagnada 12,7%, Dinâmica 26,8% e Alta Renda 57,3%,
mostrando uma clara concentração nas regiões mais ricas. As regiões consideradas de
Alta Renda e Dinâmicas somadas corresponderam, em 2007, a 82% do total distribuído.
Os argumentos dos que defendem as atuais regras de distribuição giram em
torno da necessidade de se compensar os efeitos nocivos da atividade petrolífera sobre
13
O Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI é um instrumento utilizado para registro,
acompanhamento e controle da execução orçamentária, financeira e patrimonial do Governo Federal. A STN em conjunto com o
SERPRO implantou o SIAFI em 1987. Disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/SIAFI/index_conheca_siafi.asp.
14
A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) tem como objetivo a redução das desigualdades regionais como
estratégia principal de desenvolvimento do país. O foco das preocupações incide sobre a dinamização das regiões e a melhor
distribuição das atividades produtivas no território brasileiro. Trata-se de iniciativas pioneiras de desenvolvimento integrado e
sustentável, em que podem ser citados os Arranjos Produtivos Locais (APLs) que se desenvolvem nas diferentes mesorregiões.
Dados disponíveis em http://www.integracao.gov.br.
38
as regiões localizadas próximas aos campos de exploração ou aos terminais de
embarque ou desembarque de óleo. Desta forma, a maior concentração da destinação
dos recursos para os municípios do Rio de Janeiro se justificaria, que estes estão
localizados em regiões mais próximas aos campos. Mesmo considerando que a maior
parte dos campos brasileiros de óleo e gás são offshore, não afetando diretamente o
território do município, as instalações de embarque e desembarque construídas nessas
regiões poderiam ser consideradas como ônus da atividade petrolífera, tornando justa a
compensação via royalties.
Existe ainda a necessidade de que os municípios envolvidos na produção de
petróleo invistam no desenvolvimento de infra-estrutura de suporte ao grande número
de pessoas que trabalham nessa área e que freqüentemente vêm de fora. Além da
discussão acerca da questão das regras de distribuição, é necessário desataca r a
importância para tais localidades de que seja aumentada a qualidade da fiscalização
visando o aumento da qualidade dos gastos
4.2. Os Efeitos nos Indicadores Econômicos e Sociais dos Municípios
Além das distorções causadas pelas regras atuais de distribuição das
participações governamentais entre os entes federativos, a destinação dada aos recursos
provenientes das receitas provenientes dos royalties e participações especiais, pelos
gestores públicos, é outra questão de extrema importância para o desenvolvimento
econômico das regiões beneficiadas. Os impactos gerados por tais receitas nos
indicadores econômicos e sociais dos municípios e a falta de vinculações legais destes
recursos vêm sendo objeto de estudo de diversos autores.
Pacheco (2003) critica o fato de que a atual lei do petróleo não faz nenhuma
menção específica, apontando os setores nos quais os recursos provenientes dos
royalties devam ser aplicados. Sendo assim, a nova lei teria aumentado as
possibilidades de aplicação destes recursos, dando maior liberdade de decisão aos
gestores públicos, mesmo permanecendo as poucas restrições impostas pelas leis
anteriores quanto à aplicação de recursos em pagamento de dívidas e no quadro
permanente de pessoal.
Ainda segundo a análise de Pacheco (2003), os recursos das participações
governamentais estariam sendo utilizados conforme a determinação da lei, que estes
não estão sendo direcionados para o pagamento de pessoal e de dívidas dos entes
39
federativos. Entretanto, tal condição não seria suficiente para garantir que estes recursos
estejam sendo utilizados de forma eficiente que dificuldade para a viabilização de
mecanismos eficazes de fiscalização. Além disso, as vinculações da lei o consideram
aspectos sociais locais e tampouco obrigam o gestor público a destinar verbas para
investimentos que promovam a diversificação produtiva na região.
Aquino (2004) avalia o impacto das receitas de royalties referentes à exploração
e produção de petróleo es natural recebidas por 59 municípios fluminenses, no
período 1996-2001, sobre os indicadores sociais de saúde e educação destas regiões. Os
resultados indicam que os royalties apresentam uma influência significativa sobre a
composição dos gastos nessas áreas sociais mas, ao investigar a sua influência sobre os
indicadores sociais (taxa de mortalidade e taxa de reprovação na rede municipal), esta se
mostrou pouco significante.
Costa Nova (2005) analisa se a evolução do bem-estar social em municípios
baianos produtores de petróleo (São Francisco do Conde, Madre de Deus, Pojuca e São
Sebastião do Passe) foi maior do que a observada em outros municípios do estado no
período 1991-2003. O autor verifica que apesar da receita adicional, quando estas
regiões são comparadas aos outros municípios do estado, os resultados não mostram
vantagem para os indicadores sociais dos recebedores de royalties.
Fernandes (2007) analisa os impactos da arrecadação dos royalties sobre os
gastos dos municípios localizados no Norte Fluminense, destacando a forte dependência
que as finanças destas regiões apresentam em relação aos recursos do petróleo. Na
maior parte dos casos analisados estes recursos superam as receitas tributárias
municipais e os repasses das outras esferas do governo, estimulando os gestores
públicos a reduzirem os esforços fiscais que poderiam garantir outras receitas não
derivadas da atividade petrolífera.
Ainda segundo Fernandes, os recursos dos royalties permitiram às prefeituras
localizadas na região do Norte Fluminense ampliar substancialmente suas despesas com
Educação & Cultura e Saúde & Saneamento, no período 1999-2003. Além disso,
também foram verificados aumentos nos investimentos per capita dos principais
municípios beneficiados, além da melhoria do Índice de Qualidade dos Municípios
(IQM)
15
.
15
O Índice de Qualidade dos Municípios (IQM) apresenta um panorama diversificado em termos de análise de dados sobre os
municípios do Estado. Visa subsidiar um planejamento mais estratégico no sentido de se atingir um desenvolvimento econômico
mais equilibrado para o Estado do Rio de Janeiro. Teve sua primeira edição em 1998 e é calculado pela Fundação Centro de
Informações e Dados (Cide). Disponível em http://www.cide.rj.gov.br/secao.php?secao=8.1.
40
Os gastos em Educação & Cultura e Saúde & Saneamento dos municípios
localizados na zona principal de produção do Norte Fluminense aumentaram,
respectivamente, 498,67% e 1.075,15% no período analisado, merecendo destaque o
município de Macaé (aumento de 373,62% nos gastos com Educação & Cultura e de
1.192,90% nos gastos com Saúde & Saneamento).
Com relação aos investimentos per capita, a autora constata que, com exceção
de Cardoso Moreira e São Fidélis, todos os outros municípios da região apresentaram
aumento na capacidade de investimento na comparação entre os períodos 1999-2001 e
2002-2004. Novamente Macaé apresenta papel de destaque, sendo o município que
mais investiu, triplicando os valores de um período para o outro (de R$ 2 mil per capita
para R$ 6 mil per capita).
Analisando os resultados encontrados Fernandes verifica que as receitas
provenientes dos royalties constituem-se atualmente em importantes fontes de recursos
para o desenvolvimento destes municípios. Entretanto a autora observa que a falta de
transparência à aplicação de tais recursos pode causar sérios problemas, que dificulta
a fiscalização das decisões dos gestores, que deveriam investir na diversificação
produtiva dos municípios e na construção de infra-estrutura de longo prazo de
maturação, que possam gerar receitas para o período pós esgotamento do petróleo.
Bregman (2007) procura avaliar a adequação da aplicação dos recursos
provenientes de royalties e participações especiais recebidos pelos estados e municípios
aos critérios que devem orientar a aplicação destas receitas. O autor avalia o grau de
dependência das regiões através das variáveis royalties per capita (RPC) e a relação
royalties-receita orçamentária (RRO). Além disso, Bregman utiliza, ainda, variáveis de
avaliação da despesa, argumentando que um município dependente das rendas
petrolíferas deveria aumentar a sua proporção das despesas de capital (PDK) e reduzir a
proporção de despesas de overhead (PDO) (despesas gerais de funcionamento da
máquina administrativa).
O resultado demonstra que os municípios mais dependentes aumentaram sua
despesa de capital com o aumento tanto dos royalties per capita quanto da relação
41
royalties-receita orçamentária. Os municípios do segundo grupo, mais dependentes, e os
estados apresentaram uma relação negativa entre essas duas variáveis.
O estudo aponta ainda que os municípios mais dependentes da renda petrolífera
estão destinando maior parte desse aumento de receita às despesas de capital, enquanto
que os estados e os municípios de dependência intermediária estão destinando a maior
parte desses recursos às despesas correntes.
Os dados também mostram que não mudança na proporção das despesas de
overhead para a quase totalidade dos entes. O resultado é surpreendente para os
municípios muito dependentes dos royalties, em que não houve mudança na estrutura
das despesas.
Postali (2007) encontra evidências quantitativas da ocorrência da “Maldição dos
Recursos Naturais” nos municípios brasileiros. O estudo consiste em avaliar se os
royalties distribuídos aos municípios, em virtude do aumento proporcionado pela
aprovação da lei 9478, contribuíram para o crescimento do seu PIB per capita. O
autor compara a evolução do PIB per capita nos municípios afetados e não afetados
pela aprovação da lei, assumindo que esta legislação constitui um “experimento
natural”. Os dados utilizados referem-se às taxas de crescimento do PIB per capita
municipal antes e depois do evento e os resultados encontrados confirmam a
“Maldição”, mostrando que os municípios contemplados com royalties cresceram
menos que os municípios que não receberam tais recursos.
Postali (2007) destaca ainda a grande heterogeneidade na distribuição dos
royalties entre os municípios que fazem jus ao benefício, além da sua concentração no
estado do Rio de Janeiro, o maior produtor nacional. Segundo o autor, trata-se de um
reflexo da localização de grandes bacias produtoras neste estado, como a Bacia de
Campos e parte da Bacia de Santos.
Os resultados mostram que, em geral, para cada 1% adicional de royalties
observa-se uma redução de cerca de 0,06% na taxa de crescimento do município.
Segundo o autor o resultado corrobora a existência de uma versão da “Maldição
dos Recursos Naturais” que afeta a esfera subnacional:
“Os resultados indicam a manifestação de um fenômeno análogo à maldição
dos recursos naturais: municípios que recebem receitas de royalties a título de
compensação por serem regiões produtoras de petróleo tendem apresentam
desempenho inferior em termos de crescimento do PIB e cada acréscimo de receita
42
tende a reduzir o crescimento do produto em relação ao grupo de controle. Este
resultado se mantém quando se estuda o efeito das receitas de royalties no interior dos
três estados mais beneficiados.” (Postali, 2008).
Postali sugere ainda que a explicação voltada para a “Doença Holandesa” não se
aplica ao caso dos municípios brasileiros, visto não estar diretamente vinculada ao
comércio exterior, na medida em que se trata de um fenômeno interno da economia
brasileira.
Entretanto, segundo o autor, deve-se realizar uma pesquisa mais criteriosa nestes
resultados antes de culpar as instituições locais pelo mau aproveitamento destas receitas,
destacando principalmente a grande heterogeneidade na distribuição dos recursos entre
outras distorções do atual sistema de distribuição dos royalties.
Postali e Nishijima (2008), também utilizam a metodologia de diferenças em
diferenças visando avaliar se os royalties distribuídos na forma da atual lei do petróleo
contribuíram para melhorar os indicadores sociais dos municípios brasileiros
contemplados com estes recursos em relação à média nacional. Os autores utilizaram
dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), do IBGE e da ANP, para
os anos de 1991 e 2000.
Os resultados mostram que no caso do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) e da porcentagem da população com energia elétrica instalada, quanto maior o
volume de royalties recebido por um município, menor a evolução de seu indicador
social em relação à média nacional, o que seria, mais uma vez, uma manifestação de
algo semelhante à “Maldição dos Recursos Naturais”. Outros indicadores sociais dos
municípios que receberam royalties, como a taxa de mortalidade infantil e o número de
indigentes, não apresentaram diferenças significativas quando comparados com a média
nacional.
Cruz e Ribeiro (2008) apontam que os recursos recebidos pelos municípios não
têm gerado retornos às localidades beneficiadas nas áreas social e ambiental. Além
disso, com relação ao aspecto da justiça intergeracional, não existem ações concretas,
por parte dos gestores locais, em realizar investimentos que compensem as gerações
futuras pela exploração da riqueza exaurível ou que promovam a formação de poupança
de longo prazo.
O alto grau de dependência das receitas de royalties e participações especiais,
por parte dos municípios, também preocupa. Analisando dados de 2007 da STN e do
43
Tribunal de Contas do Estado do Rio de janeiro (TCE-RJ), Gobetti e Afonso (2008)
salientam que 40 municípios do total de 79 do Rio de Janeiro possuem mais de 50% de
suas receitas públicas provenientes destes recursos.
Nesse sentido, as idéias de Gobetti e Afonso (2008) se assemelham às de
Atkinson e Hamilton (2003) que consideram que países com problemas fiscais e que
utilizam as receitas provenientes da atividade petrolífera para financiar gastos correntes
têm maior probabilidade de sofrerem com a “Maldição dos Recursos Naturais”.
Atkinson e Hamilton (2003) destacam ainda que países que investem estes recursos no
desenvolvimento de capital físico e humano tendem a superar este tipo de problema.
Gobetti e Afonso (2008) realizam um estudo visando testar a hipótese de que os
municípios mais beneficiados pelos recursos provenientes de royalties apresentam
menor eficácia tributária e, além disso, também apresentam um perfil de gasto pior que
a média. Os autores dividem os municípios brasileiros em dois grupos: os “autônomos”,
que apresentam receita tributária superior à de royalties, e os “dependentes”, municípios
que recebem rendas provenientes do petróleo que representam 50% ou mais do
somatório entre receitas tributárias e royalties.
O resultado mostra que 173 municípios em 20 estados podem ser considerados
“dependentes”, de acordo com os critérios utilizados pelos autores. Em média, os
municípios do grupo “dependentes” apresentam receita tributária per capita de R$ 67,52
enquanto que os “autônomos” têm em média R$ 71,65. Isto pode ser explicado pelo fato
de que regiões com elevadas rendas provenientes da atividade petrolífera acabam tendo
menos incentivos para arrecadarem de forma eficiente os recursos derivados de outras
formas de tributação.
Gobetti e Afonso (2008) destacam ainda que os gastos com pessoal são mais
elevados nos grupo dos cem principais beneficiários dos royalties, superando em 33% a
média per capita dos demais municípios que também recebem esta compensação. No
município de Campos, por exemplo, no período de 2002 a 2006, as despesas com
pessoal cresceram aproximadamente 307%.
Enquanto os gastos correntes com pessoal apresentam grande expansão nessas
localidades, os gastos com a expansão dos serviços públicos oferecidos à população não
acompanham tal comportamento, que quase não diferença de investimentos em
obras e equipamentos per capita entre os grupos de municípios que recebe dos que não
recebem royalties.
44
O estudo de Gobetti e Afonso indica que os gastos com educação são
praticamente uniformes entre os municípios e os de saúde são inferiores entre os
recebedores de royalties. Os investimentos na preservação do meio ambiente são
irrisórios em todos os grupos de municípios, inclusive naqueles onde produção de
petróleo. Gobetti e Afonso afirmam:
“As evidências reunidas indicam, portanto, que sobrefinanciamento de alguns
nichos da esfera municipal e que isso não está gerando nem retorno social à população
das localidades impactadas pelas atividades petrolíferas nem ações preventivas para
preparar economicamente essas regiões para um futuro sem petróleo. Mais do que isso,
pode-se dizer que, em alguns casos específicos, fortes indícios de desperdício de
recursos públicos, o que coloca na ordem do dia a discussão sobre novos critérios de
partilha e aplicação das rendas do petróleo.” [Gobetti e Afonso (2008) Página 248].
Gobetti e Afonso (2008) também apontam o problema da ausência da vinculação
dos recursos dos royalties nas diversas esferas, incluindo a União. No caso do governo
federal, a vinculação que deveria ser verificada, é desobedecida através de
desvinculações formais e contingenciamentos do orçamento dos ministérios, já que
desta forma o Tesouro Nacional acaba desviando para o superávit primário grande parte
da receita dos royalties.
Segundo os autores, esse alto grau de “financeirização” da renda dos royalties
não é adequado, pois estes recursos deveriam ser direcionados aos investimentos ou
formação de poupança de modo que pudessem beneficiar as gerações futuras. A
definição de parâmetros bem definidos para utilização destes recursos e a consideração
na divisão também das regiões que não produzem, poderiam ser soluções para a
desvinculação e o planejamento descentralizado. Neste caso poderiam ser evitados os
problemas de equidade e ineficiência decorrentes da concentração de recursos apenas
nas regiões produtoras.
Duque (2008) avalia o desempenho da alocação da renda petrolífera nas
principais cidades produtoras de petróleo, concentrando o estudo nos cinco municípios
localizados no norte fluminense que obtiveram a maior receita oriunda das participações
governamentais em 2006
16
: Campos, Macaé, Rio das Ostras, Cabo Frio e Quissamã.
16
Dados da Secretaria de Pós Graduação da Universidade Candido Mendes de Campos, disponibilizados no site: Petróleo, Royalties
e Região; em dezembro de 2006.
45
O autor verifica uma mudança de patamar na arrecadação da renda petrolífera ao
longo dos últimos anos, principalmente a partir do período 2004-2006. Em 2000, estes
cinco municípios detinham valores abaixo de R$ 200 milhões. De 2000 a 2006, a maior
taxa de crescimento das participações governamentais ocorreu em Cabo Frio, 835%,
enquanto Campos, com aproximadamente 500%, atingiu uma receita acima de R$ 800
milhões. No período 2000-2008, o município de São João da Barra obteve o maior
aumento nas participações governamentais entre os municípios fluminenses (Tabela 7).
Tabela 7 - Evolução de 2000 a 2008 nos Royalties e Participações Especiais
Municípios Evolução %
o João da Barra 2831,9%
Cabo Frio 945,8%
Campos 676,2%
Macaé 537,5%
Rio das Ostras 446,2%
Quissamã 434,1%
Fonte: Boletim Petróleo, Royalties e Região, UCAM, Campos dos Goytacazes. Elaboração Própria.
Analisando os indicadores econômicos destes municípios, em 2007, Duque
afirma:
“Os municípios analisados nesse estudo são beneficiários de uma renda advinda do
petróleo, que está sendo capaz de levar essas localidades a obterem patamares de
crescimento econômico muito superior às taxas observadas nas demais regiões do
país.” [Duque (2008) Página 37].
O autor destaca que a produção de petróleo e gás da Bacia de Campos
contribuiu, em 2004, com 19% do PIB do Estado do Rio de Janeiro e que Macaé
registrou a maior taxa de crescimento do PIB, entre esses cinco municípios (193%, de
2001 a 2004). Na média do período, observa-se nesta cidade um aumento de 48% do
PIB, sendo que os demais municípios analisados apresentaram taxas próximas a de
Macaé.
Em uma primeira impressão não existem indícios da chamada “Maldição dos
Recursos Naturais” quando analisamos a relação ente as receitas provenientes dos
royalties e o crescimento da renda destes municípios. Entretanto, outros fatores além do
crescimento do PIB devem ser considerados. Uma das críticas é a falta de alternativas
para uma utilização eficiente dos recursos provenientes das riquezas naturais.
46
Nas idéias defendidas por Stijns (2002) e Atkinson e Hamilton (2003), a
qualidade da destinação dos recursos provenientes da exploração dos recursos naturais
teria papel crucial nos resultados positivos obtidos por cada região. Neste sentido, os
números impressionantes de taxas de crescimento do PIB comentadas acima podem não
ser suficientes para concluirmos que estes municípios estão realmente se desenvolvendo
com sustentabilidade.
Aspectos relacionados à saúde, educação, saneamento básico, investimentos
sustentáveis e ações que protejam o meio ambiente podem ser ofuscados por tais
indicadores e merecem ser avaliados com mais atenção. Mesmo que tenhamos
observado nos últimos anos aumentos substanciais nos gastos com educação dos
municípios do Norte Fluminense, Duque (2008) destaca que o número de alunos
matriculados nestes cinco municípios pesquisados não registrou aumento significativo
nesse período:
“No ensino fundamental, o número de alunos que estudaram na rede municipal entre
2001 e 2006 aumentou em 6%, enquanto na rede estadual houve queda de 20%. No
ensino médio, a rede estadual mostrou aumento de 10% e a rede municipal acusou
redução de 15% no mero de alunos matriculados para o período citado acima.”
[Duque (2008) Página 40].
Visando analisar os investimentos em educação e capital humano destas regiões,
Duque utiliza a evolução dos números de matrículas no ensino fundamental e do ensino
médio ao longo dos anos. No município de Campos, o número de matrículas total
apresentou redução comparando 2005 a 1998. As escolas da rede municipal
apresentaram queda no número de matrículas no ensino fundamental e estagnação no
ensino médio. As escolas da rede estadual também registraram queda no número de
matrículas no ensino fundamental e aumento próximo de 50% no ensino médio (TCE,
2006).
Duque (2008) analisa os indicadores econômicos e sociais dos cinco municípios
citados. Campos dos Goytacazes recebeu a maior renda petrolífera em 2007, com uma
receita de R$ 765 milhões. Entretanto, a renda per capita e a distribuição de renda
apresentam indicadores relativamente inferiores aos encontrados nos outros municípios
analisados. A receita de Campos no período 2000-2006 elevou a dependência do
município pelos recursos das participações governamentais que passaram de 56% para
47
73% do total, o que mostra a relevância da indústria do petróleo para a sustentação do
orçamento municipal.
no caso de Macaé, em 2006, houve um aumento de 8% na participação da
renda petrolífera no total das receitas. A participação das transferências correntes do
estado foi menor e a receita tributária elevou sua contribuição relativa. Alguns
investimentos como, por exemplo, o pólo educacional de Macaé, é considerado por
Duque como um bom indício de que parte dos recursos é direcionada de forma correta
pelos gestores municipais para investimentos em capital humano.
As escolas da rede municipal de Macaé, assim como Campos, também
reduziram o número de matrículas no ensino fundamental de 1998 a 2005. Com relação
ao ensino médio, não houve modificações relevantes no mesmo período. Duque salienta
ainda que o crescimento populacional de 1998 a 2005 foi de aproximadamente 40% e
mesmo assim houve queda do número de alunos no município. Entretanto deve-se
avaliar estes números com um pouco mais de cuidado, pois a cidade de Macaé apresenta
algumas peculiaridades. O fluxo migratório adulto para esta região e o alto de custo de
vida na cidade (que provoca uma ocupação dos municípios próximos), são fatores que
podem distorcer a análise. Com relação ao mercado de trabalho, os empregos formais
apresentaram elevação de 58% entre 2001 e 2007 (TCE, 2007).
Em Rio das Ostras, os recursos são direcionados principalmente para
investimentos em urbanismo, com o objetivo de dinamizar o turismo e aumentar o
número de habitantes do município. Segundo Duque, a criação da Zona Especial de
Negócios, área próxima à divisa com Macaé, que tem a capacidade de abrigar várias
empresas de diversos setores da economia, que contarão com abastecimento de água,
tratamento de esgoto, energia e sistema de telecomunicações, são exemplos dessa
política. A participação da renda petrolífera na receita total manteve-se no patamar de
73% no período 2000-2006. Vemos assim a relevância das participações
governamentais no orçamento municipal e a criação de novas fontes de renda.
Esta cidade foi uma das poucas do Norte Fluminense que apresentou destaque na
evolução dos indicadores educacionais analisados por Duque. No ensino fundamental
houve crescimento de 100 alunos, dos que terminaram o ensino fundamental, entre os
anos de 1998 e 2005. No caso do ensino médio, em 1998, 200 alunos concluíram essa
etapa escolar enquanto que sete anos depois, o número subiu para 500 alunos,
alcançando um crescimento de 150% no período, mostrando o destaque alcançado por
esta modalidade de ensino na região.
48
no mercado de trabalho a expansão do emprego formal no município foi da
ordem de 20%, entre os anos de 2001 e 2007. Estes dados demonstram que as
estatísticas que envolvem o mercado de trabalho na região não acompanharam a
evolução dos indicadores de crescimento econômico.
Em Cabo Frio, a arrecadação com as participações governamentais em 2007
alcançara R$ 178 milhões, contra R$ 13 milhões em 1999, revelando uma taxa de
crescimento de 1.269% no período. A participação dos royalties na arrecadação total do
município praticamente dobrou entre 2001 e 2006. Entretanto, caiu a relevância das
transferências correntes do Estado, enquanto as receitas tributárias apresentaram leve
crescimento.
Neste mesmo município, em 1998, o número de estudantes que completava o
ensino fundamental era de 2.500 alunos enquanto que, em 2005, apenas 1.500 alunos a
completaram, uma queda de 67%. O ensino médio teve um crescimento acima de 50%,
quando partiu de aproximadamente 1.000 alunos, em 1998, para 1.400 alunos, em 2005,
que conseguiram completar esta modalidade de ensino.
Em Quissamã as participações governamentais possuem expressivo peso na
arrecadação total. Em 2006, os royalties e participações especiais passaram a
representar 64,4%, um crescimento acima de 13% em relação a 2001. A receita
tributária, excetuando-se a proveniente do petróleo, exibe níveis irrelevantes. Nesse
caso, vemos que a alta dependência desta região pelas rendas provenientes da atividade
petrolífera causa preocupação e é necessário que sejam desenvolvidos mecanismos para
estimular atividades produtivas e sustentáveis que gerem recursos de outras fontes para
o município.
Ainda segundo Duque, o número de estudantes que concluíram o ensino
fundamental em 2005 foi inferior em relação a 1998. no ensino médio, houve uma
importante elevação dos alunos que completaram o curso em 2004, mas em 2005, o
indicador retornou para o nível de 1998, em torno de 100 estudantes.
Avaliando principalmente os indicadores educacionais utilizados por Duque
(número de matrículas), verifica-se uma versão diferente da “Maldição”. Os municípios
analisados, apesar de terem apresentado taxas elevadas de crescimento do PIB,
experimentaram resultados desfavoráveis em outros aspectos não captados pelos
indicadores de crescimento da renda.
Caselli e Michaels (2009) utilizam dados dos municípios brasileiros para
investigar os efeitos das receitas provenientes da atividade petrolífera sobre os
49
indicadores econômicos destas regiões. Os autores estimam seus resultados através de
Áreas Mínimas Comparáveis (AMCs), visando contornar o problema da falta de dados
para todos os municípios em determinados anos.
Os resultados encontrados neste caso específico excluem a hipótese da
ocorrência da “Doença Holandesa” (desindustrialização), pois a produção de óleo
offshore não afeta o PIB proveniente de outras atividades, enquanto que as atividades
onshore realocam apenas parte dos fatores de produção locais dos setores
manufatureiros para os setores de serviços, provavelmente em virtude do aumento da
demanda por serviços dos trabalhadores e empresas do setor petrolífero.
Segundo Caselli e Michaels (2009), tanto as atividades onshore como as
offshore aumentam consideravelmente as receitas dos governos locais, principalmente
na forma de royalties, e, por sua vez, estas receitas possibilitam aumentos expressivos
nos gastos dos governos locais principalmente associados às áreas de infra-estrutura
urbana, habitação, educação e serviços de saúde.
Todavia é importante frisar que os resultados do estudo demonstram que vários
indicadores sócio-econômicos que deveriam apresentar melhorias não respondem na
mesma proporção a estes aumentos nos gastos e, em alguns casos, até pioram. O
aumento na renda familiar associado às receitas provenientes da atividade petrolífera é,
por exemplo, apenas 1/5 do que seria esperado dado o aumento de gastos. Segundo os
autores os resultados sugerem fortemente que grande parte da renda gerada por estas
atividades seja desperdiçada e, talvez, até desviada ilicitamente.
O estudo mostra que um modelo de patrocínio, em que o emprego municipal
aumenta sem um incremento da qualidade e da quantidade de serviços recebidos pela
população em geral. Mesmo assim o aumento global dos empregos, medida pelo
aumento dos gastos, é pequeno e o salário por hora dos trabalhadores do município
permanece inalterado.
Caselli e Michaels (2009) sugerem que a teoria que melhor explica os resultados
do modelo é a de que as rendas provenientes do petróleo são mais sujeitas aos desvios
ilícitos do que outros tipos de receitas. Os cidadãos seriam mais tolerantes às práticas de
corrupção quando os recursos desviados não provêm dos tributos sobre suas rendas ou
riquezas ou quando eles têm poucas informações a respeito da quantidade de recursos
transferidos ao governo na forma de royalties.
Os autores destacam a atual ênfase dada na transparência pelas instituições
doadoras internacionais, principalmente nas suas relações com os países pobres que
50
possuem recursos abundantes. É cada vez mais comum para programas de
financiamento baseados em condições de uso dos recursos, a exigência de relatórios
rigorosos detalhando as necessidades dos projetos de exploração.
Nesse caso, o estudo indica que a transparência da contabilidade por si só pode
ser insuficiente, e que é necessária a preparação de relatórios confiáveis contendo os
valores dos desembolsos efetivos de verbas, visando a minimização das práticas de
corrupção por parte dos gestores.
Percebe-se que a ausência de vinculações legais da receita proveniente dos
royalties aumenta a liberdade dos gestores públicos no direcionamento desta renda e os
possíveis impactos negativos no desenvolvimento econômico e social dos municípios,
decorrentes da administração do dinheiro público. Sendo assim, os chamados
municípios “petrorentistas” acabam sendo extremamente dependentes da qualidade de
suas instituições e do poder de decisão dos gestores local.
51
5. Os Impactos da Distribuição dos Royalties e Participações
Especiais sobre Gastos dos Municípios Brasileiros
5.1. Metodologia
Neste trabalho será utilizada a metodologia de diferenças em diferenças (DD)
17
visando comparar os efeitos da distribuição dos royalties
18
, antes e depois da aprovação
da Nova Lei do Petróleo de 1997, sobre os gastos
19
em investimentos, educação &
cultura, saúde & saneamento
20
e despesas com pessoal dos municípios brasileiros. As
Portarias STN/SOF Nº 163, de 04 de maio de 2001 e nº 101, de 23 de fevereiro de 2007,
definem a forma de consolidação, pelos municípios, de tais despesas
21
. Os municípios
serão divididos em dois grupos: tratamento (municípios que receberam royalties a partir
dos critérios da atual lei) e controle (municípios que não receberam royalties nos
moldes da atual lei).
17
Maiores detalhes a respeito da metodologia em Postali (2007) e Postali e Nishijima (2008).
18
A partir deste momento o termo “royalties” englobará “royalties e participações especiais”.
19
A partir deste momento o termo “gastos” fará referência aos gastos dos municípios com investimentos e inversões financeiras;
educação & cultura; saúde & saneamento e despesas com pessoal de acordo com os critérios utilizados pela Secretaria do Tesouro
Nacional, disponíveis em: www. http://www.tesouro.fazenda.gov.br/legislacao/leg_estados.asp.
20
A partir deste momento o termo “gastos em investimentos” fará referência aos gastos dos municípios com investimentos e
inversões financeiras; “gastos em educação” fará referência aos gastos dos municípios com educação e cultura; enquanto que o
termo “gastos em saúde” fará referência aos gastos dos municípios com saúde e saneamento de acordo com os critérios utilizados
pela Secretaria do Tesouro Nacional, disponíveis em: www. http://www.tesouro.fazenda.gov.br/legislacao/leg_estados.asp.
21
Pessoal e Encargos Sociais - Despesas de natureza remuneratória decorrentes do efetivo exercício de cargo, emprego ou função de
confiança no setor público, do pagamento dos proventos de aposentadorias, reformas e pensões, das obrigações trabalhistas de
responsabilidade do empregador, incidentes sobre a folha de salários, contribuição a entidades fechadas de previdência, outros
benefícios assistenciais classificáveis neste grupo de despesa, bem como soldo, gratificações, adicionais e outros direitos
remuneratórios, pertinentes a este grupo de despesa, previstos na estrutura remuneratória dos militares, e ainda, despesas com o
ressarcimento de pessoal requisitado, despesas com a contratação temporária para atender a necessidade de excepcional interesse
público e despesas com contratos de terceirização de mão-de-obra que se refiram à substituição de servidores e empregados
públicos.
Investimentos e Inversões Financeiras - Despesas com o planejamento e a execução de obras, inclusive com a aquisição de imóveis
considerados necessários à realização destas últimas, e com a aquisição de instalações, equipamentos e material permanente,
despesas com a aquisição de imóveis ou bens de capital já em utilização; aquisição de títulos representativos do capital de empresas
ou entidades de qualquer espécie, constituídas, quando a operação não importe aumento do capital; e com a constituição ou
aumento do capital de empresas.
Saúde - Atenção básica, assistência hospitalar e ambulatorial, suporte profilático e terapêutico, vigilância sanitária, vigilância
epidemiológica, alimentação e nutrição e demais subfunções.
Saneamento - Saneamento básico rural, saneamento básico urbano, demais subfunções.
Educação - Ensino fundamental, ensino médio, ensino profissional, ensino superior, educação infantil, educação de jovens e adultos,
educação especial, demais subfunções.
Cultura - Patrimônio histórico, artístico e arqueológico, difusão cultural, demais subfunções.
52
Os gastos em saúde e educação foram escolhidos para a análise por poderem
representar melhorias na qualidade de vida da população destes municípios,
principalmente nas faixas menos favorecidas. Além disso, existem estudos que
demonstram haver uma correlação positiva entre investimentos em educação e aumento
de renda.
As despesas com investimentos foram incluídas por sua importância em gerar
possibilidades alternativas de geração de renda para a fase em que os recursos do
petróleo se esgotarão enquanto que as despesas com pessoal, pelo fato de seu aumento
descontrolado poder representar sérios problemas às finanças dos municípios.
Meyer (1995) destaca que vários estudos econômicos recentes vêm utilizando os
conceitos de experimentos aleatórios os quais, segundo o autor, também são chamados
freqüentemente de “experimentos naturais”. Meyer, Viscusi e Durbin (1995) aplicam o
estimador para estudar o efeito do aumento do teto dos benefícios sobre o tempo em que
os trabalhadores com licença por ferimentos recebem pagamento, enquanto Slaughter
(2001) estuda o efeito de liberalizações comerciais sobre a convergência de renda.
Segundo Meyer (1995) o sucesso deste tipo de estudo depende principalmente
da existência de fontes exógenas que impacte nas variáveis dependentes do modelo,
viabilizando a introdução do tratamento. Um “experimento natural” pode ser induzido,
por exemplo, por mudanças de política econômica ou alterações na legislação que
provoquem efeitos diferenciados em mais de um grupo em análise
22
.
A possibilidade de considerar a lei 9.478 como um evento exógeno, que afeta de
forma distinta os municípios brasileiros, reconfigurando as regras de distribuição dos
royalties, abre espaço para a realização de tal análise no âmbito da indústria petrolífera.
O objetivo do modelo sedeterminar o tamanho do efeito do tratamento, ou seja, qual
o impacto do volume de royalties sobre os gastos dos municípios.
Para um melhor entendimento do funcionamento do estimador DD consideremos
a seguinte equação:
y
it
= f
i
+ g
t
+
1
Z
it
+
2
x
it
+ e
it (1)
Onde:
y
it -
variável explicada ou dependente.
22
Para maiores detalhes a respeito da metodologia utilizada em “experimentos naturais” e possíveis problemas que podem invalidar
a utilização este método ver em: MEYER, B.D. 1995. “Natural and Quasi-experiments in Economics”. Journal of Business and
Economic Statistics vol. 13, pp. 151-161.
53
x
it -
variável explicativa ou independente.
1 -
parâmetro associado a
Z
it.
2 -
parâmetro
que
representa o efeito do volume de royalties per capita (x
it
)
recebidos pelos municípios sobre a taxa de crescimento dos gastos per capita do
município i no período t.
Z
it
- esta variável possibilita a comparação entre os dois grupos, sem a
necessidade de definirmos todas as variáveis que afetariam a variável
dependente além dos recursos dos royalties. É considerada o vetor de todas as
outras variáveis que afetam yit em cada município.
f
i
- representa os efeitos fixos do municípios i.
g
t
- efeitos macroeconômicos do período t.
e
it
- erro aleatório.
O estimador DD elimina o efeito de outras covariadas que teriam efeito sobre
yit, isolando o efeito do tratamento através da aplicação de diferenças:
y
t
,
T
-
y
t
,
C
=
2
x
it
(2)
Rearrumando as variáveis, temos:
2 =
y
t
,
T
-
y
t
,
C
(3)
x
it
A equação (3) fornece o efeito do tratamento (
2
) sem que seja necessária a
adição de outras variáveis de controle na regressão. No procedimento utilizado
(diferenças em diferenças), a variável que capta o efeito de outros fatores sobre yit,
desaparece (Z
it
). Os efeitos destes demais fatores sobre o crescimento da variável
dependente (y
it),
de cada município, são eliminados dos resultados com a utilização
desta metodologia. Neste caso a equação utilizada captará apenas o efeito da variável de
interesse do modelo.
Neste estudo, o modelo utilizado será:
y
it
= α
+
α
1dt
+
α
2
x
i
+
β
dt
x
i’
+
e
it (4)
Onde:
dt - variável dummy que pode assumir os seguintes valores:
54
1 se o município receber recursos de royalties a partir dos critérios da nova lei;
0 caso o município não seja observado após o tratamento, ou seja, não receba
tais recursos a partir de 2000.
β - fornece o efeito do tratamento nos municípios afetados.
βdtxi’ - o parâmetro β, multiplicado pelo volume de royalties per capita (xi’)
recebidos pelos municípios, possibilita a medição do tamanho do efeito desta
variável sobre yit (gastos per capita).
Aplicando a primeira diferença na equação (4) chegamos à forma funcional do
modelo:
y
it
= y
i
1
- y
i
0
=
α
1
+
βx
i
+
e
it (5)
Onde:
α
1
- mede a mudança no padrão de crescimento dos gastos dos municípios como
um todo nos períodos considerados.
β - coeficiente que capta efeito do volume de royalties per capita (x
it
) recebidos
pelos municípios sobre a taxa de crescimento dos gastos com investimentos,
saúde, educação e pessoal (valores per capita).
e
it
- erro aleatório.
5.2. Fontes dos Dados
Os dados de gastos em investimentos, educação, saúde e despesas com pessoal
dos municípios brasileiros foram extraídos do site da Secretaria do Tesouro Nacional
23
e
seus valores per capita foram calculados com base nos dados populacionais dos
municípios em 1996 e 2000
24
. As variáveis estão corrigidas pelo IGP-DI
25
a valores de
janeiro de 2009.
As receitas de royalties per capita recebidas por cada município foram extraídas
diretamente do site Info Royalties da Universidade Candido Mendes (Campos)
26
, e
também são corrigidas pelo IGP-DI a valores de janeiro de 2009.
23
Disponíveis em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp.
24
Fonte: Censos de 1996 e 2000 - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em http://www.ibge.gov.br.
25
Fonte: Fundação Getulio Vargas - FGV (IGP-DI) disponível em: http://www.fgvdados.fgv.br/.
26
Os dados utilizados pelo site Info Royalties baseiam-se nos dados fornecidos pela ANP (royalties e participações especiais),
pela FGV (IGP-DI) e pelo IBGE (dados populacionais).
55
O número de municípios difere para cada grupo de gastos estudado e para cada
ano analisado em virtude da indisponibilidade de dados destas despesas para alguns
deles, em determinados anos. Realizando os cruzamentos dos dados disponíveis para os
quatro gastos com os dados de royalties têm-se no total, 4.604 observações de gastos
em investimentos, 4.523 em educação, 4.509 em saúde e 4.621 em despesas com
pessoal para os anos analisados.
Destes totais, 696, 682, 675 e 689 fazem parte dos grupos de tratamento
respectivamente de investimento, educação, saúde e pessoal, pois haviam dados
disponíveis dos referidos gastos além de terem recebido royalties no formato da atual lei
(de 2000 a 2003), conforme pode ser observado nas tabelas 8, 9, 10 e 11.
Tabela 8 - Estatísticas Descritivas - Gastos com Investimentos
Total Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 4.604 1,4 7,3 -1,0 260,8
Crescimento 01-04 4.604 0,1 1,7 -1,0 65,2
Controle Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 3.908 1,3 6,4 -1,0 229,9
Crescimento 01-04 3.908 0,0 1,6 -1,0 65,2
Tratamento Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 696 2,0 11,1 -1,0 260,8
Crescimento 01-04 696 0,1 1,9 -1,0 39,6
Tabela 9 - Estatísticas Descritivas - Gastos com Educação
Total Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 4.523 0,6 1,9 -1,0 115,6
Crescimento 01-04 4.523 -0,3 2,5 -1,0 139,6
Controle Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 3.841 0,6 2,0 -1,0 115,6
Crescimento 01-04 3.841 -0,3 1,1 -1,0 58,2
Tratamento Nº de observações Média Desv Pad Mínimo ximo
Crescimento 97-00 682 0,6 0,9 -1,0 13,3
Crescimento 01-04 682 0,0 5,9 -1,0 139,6
Tabela 10 - Estatísticas Descritivas - Gastos com Saúde
Total Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 4.509 1,1 12,5 -1,0 622,4
Crescimento 01-04 4.509 0,4 19,3 -1,0 1.278,9
Controle Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 3.834 0,4 21,0 -1,0 1.278,9
Crescimento 01-04 3.834 1,1 13,5 -1,0 622,4
Tratamento Nº de observações Média Desv Pad Mínimo ximo
Crescimento 97-00 675 0,9 3,3 -1,0 53,5
Crescimento 01-04 675 0,0 0,7 -1,0 10,9
56
Tabela 11 - Estatísticas Descritivas - Gastos com Pessoal
Total Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 4.621 1,7 95,3 -1,0 6.480,1
Crescimento 01-04 4.621 -0,1 0,9 -1,0 56,7
Controle Nº de observações Média Desv Pad Mínimo Máximo
Crescimento 97-00 3.932 1,9 103,4 -1,0 6.480,1
Crescimento 01-04 3.932 -0,1 1,0 -1,0 56,7
Tratamento Nº de observações Média Desv Pad Mínimo ximo
Crescimento 97-00 689 0,3 0,6 -0,9 6,9
Crescimento 01-04 689 -0,1 0,2 -1,0 1,8
Fonte dos Dados: STN, ANP, IBGE e FGV. Elaboração Própria.
Postali (2007) destaca que embora a Lei 9.478 seja de 1997, a partir de 2000
torna-se possível perceber de maneira substancial os seus efeitos sobre as receitas de
royalties dos municípios. Sendo assim, o experimento da lei será introduzido no modelo
neste ano e yit será calculada como a taxa de crescimento dos gastos no quadriênio
anterior a 2000 (1997-2000; t=0) e no quadriênio posterior ao evento (2001-2004; t=1).
Aplicando a primeira diferença em yit tem-se y
it,
que representa a variação na taxa de
crescimento de cada gasto, antes e após o experimento.
5.3. Análise dos Resultados Obtidos
Nas tabelas abaixo podem ser encontrados os resultados das regressões, obtidos
após a aplicação do estimador DD nos dados dos municípios brasileiros. A variável
dependente do modelo estimado y
it,
corresponde à primeira diferença dos referidos
gastos nos dois períodos analisados. A variável independente roy, representa o log de 1
mais o valor dos royalties acumulados de 2001 a 2003. Utilizou-se no modelo a função
log 1 + royalties (que o apresenta grandes alterações da função log original, que a
função log é definida para números positivos) com o intuito de preservar o maior
número de municípios recebedores destas receitas na amostra.
Tabela 12 - Resultados Gastos com Investimentos e Royalties
Variável dependente yi1 - yi0 (t=0: 97 a 00; t=1; 01 a 04)
Coeficientes Erro Padrão t-student
Constante
(
α
)
-1,260862 0,115418 -10,924300
Log (1+ royalties per capita acumulados de 00 a 03) (β) -0,437767 0,212557 -2,059521
R
2
0,000921
Total de Municípios 4.604
Número de Municípios do Grupo de Controle 3.908
Número de Municípios do Grupo de Tratamento 696
57
Tabela 13 - Resultados Gastos com Educação e Royalties
Variável dependente yi1 - yi0 (t=0: 97 a 00; t=1; 01 a 04)
Coeficientes Erro Padrão t-student
Constante(α) -0,916273 0,048380 -18,939080
Log (1+ royalties per capita acumulados de 00 a 03) (β) 0,277730 0,089772 3,093720
R
2
0,002113
Total de Municípios 4.523
Número de Municípios do Grupo de Controle 3.841
Número de Municípios do Grupo de Tratamento 682
Tabela 14 - Resultados Gastos com Saúde e Royalties
Variável dependente yi1 - yi0 (t=0: 97 a 00; t=1; 01 a 04)
Coeficientes Erro Padrão t-student
Constante(α) -0,732743 0,356783 -2,053752
Log (1+ royalties per capita acumulados de 00 a 03) (β) -0,156324 0,667128 -0,234323
R
2
0,000012
Total de Munipios 4.509
Número de Municípios do Grupo de Controle 3.834
Número de Municípios do Grupo de Tratamento 675
Tabela 15 - Resultados Gastos com Pessoal e Royalties
Variável dependente yi1 - yi0 (t=0: 97 a 00; t=1; 01 a 04)
Coeficientes Erro Padrão t-student
Constante(α) -1,938289 1,461075 -1,326619
Log (1+ royalties per capita acumulados de 00 a 03) (β) 0,837008 2,709870 0,308874
R
2
0,000021
Total de Munipios 4.621
Número de Municípios do Grupo de Controle 3.932
Número de Municípios do Grupo de Tratamento 689
Analisando os resultados dos gastos em investimentos (Tabela 12), percebe-se
que o coeficiente β, que tem o objetivo de captar o efeito marginal dos royalties
distribuídos sobre as taxas dos gastos, é negativo e significativo.
Sendo assim é possível inferir que o montante de royalties distribuídos aos
municípios impactou negativamente nas taxas de investimento das regiões beneficiadas
com os recursos dos royalties, quando comparados aos municípios do grupo de
controle. Cada 1% de aumento dos royalties, representa uma redução de 0,43% nos
gastos em investimentos destes municípios.
Para os dados de educação, o coeficiente β é significativo e apresenta um
resultado positivo, indicando que houve aumento destes gastos para os municípios do
grupo de tratamento. Para cada 1 % de aumento dos royalties, houve um aumento de
0,28% nos gastos em educação (Tabela 13).
58
Os resultados de saúde e de despesas com pessoal (Tabelas 14 e 15) não são
estatisticamente significativos como mostram os valores da estatística t student de
ambos os casos. Sendo assim é possível verificar que tais despesas não seriam afetadas
pelas receitas de royalties nestas regiões, dadas as premissas utilizadas no modelo.
Para testar se os resultados encontrados foram influenciados pelos municípios
outliners, ou seja, municípios que receberam royalties muito acima ou abaixo da média,
as regressões foram refeitas retirando tais dados, porém não houve alterações
significativas.
De acordo com a teoria econômica apresentada nos capítulos anteriores, pode-se
perceber que os resultados relacionados aos gastos em investimentos geram
preocupações com o futuro destas regiões. Os municípios que recebem royalties estão
gastando menos em investimentos em relação aos demais municípios brasileiros. Ou
seja, os recursos gerados pela riqueza natural não estão sendo direcionados para
despesas que preparem tais regiões para a fase pós esgotamento do petróleo.
o aumento demonstrado nos gastos em educação pelos municípios
recebedores de royalties, a princípio, é um ponto positivo, demonstrando que parte do
capital gerado pela atividade petrolífera nestas localidades está sendo investido em
capital humano. Essa postura dos gestores municipais vai de encontro às idéias de
Atkinson e Hamilton (2003) e Kronenberg (2004) que defendem o direcionamento de
recursos para o desenvolvimento do capital humano como uma forma de se evitar a
ocorrência da “Maldição”.
Entretanto, como se pode observar nas informações do capítulo anterior, alguns
municípios do Estado do Rio de Janeiro, que concentram a maior parte das receitas de
royalties, mostraram redução no seu número de alunos mesmo com o aumento, em
geral, destas despesas entre os recebedores de royalties. Tal constatação pode sugerir
que tais gastos, em alguns municípios, não estariam sendo direcionados de forma
eficiente e nem apresentando resultados práticos em relação ao acesso de alunos à
educação.
Os resultados relacionados às despesas com pessoal e saúde não foram
estatisticamente significativos, portanto inferimos que tais gastos não seriam afetados
pelos recursos dos royalties do petróleo. Entretanto estes resultados podem estar
distorcidos, em função da indisponibilidade de dados para uma quantidade grande de
municípios no sistema da STN, e da variação do número destes ao longo dos anos
59
pesquisados. Neste sentido, a utilização de Áreas Mínimas Comparáveis
27
poderia
torná-los mais consistentes.
Todavia, conforme a teoria aqui discutida é notória a importância de direcionar
parte destes recursos para investimentos que aumentem a qualidade de vida da
população local e que se evite o aumento das despesas de custeio do setor público,
como por exemplo, as despesas com pessoal, que aumentam a dependência destas
regiões em relação aos recursos esgotáveis da atividade petrolífera.
27
As alterações ocorridas no número, área e fronteira dos municípios podem tornar inconsistentes as comparações intertemporais
em nível geográfico estritamente municipal. Portanto, para possibilitar tais de forma consistente pode ser necessário agregá-los em
áreas geográficas mais abrangentes denominadas de áreas mínimas comparáveis (AMC). O IPEA fornece um cálculo de AMCs para
os municípios brasileiros.
60
6. Resumo e Conclusões
Analisando os indicadores econômicos dos municípios localizados na região do
norte fluminense, que receberam a maior parte dos recursos de royalties e participações
especiais distribuídos nos últimos anos (a partir da atual Lei do Petróleo), percebe-se
que, a princípio, a renda gerada pela atividade petrolífera tem impactado de forma
positiva na renda per capita destas regiões. Além disso, tal renda gerada e distribuída
aos municípios tem elevado, em geral, os gastos em investimentos, saúde, educação e
despesas com pessoal nestas localidades.
Entretanto existem evidências de que tal vantagem econômica não tem
aumentado a qualidade de vida da população destes municípios e tão pouco gerado
investimentos na diversificação do parque industrial destas regiões. Seria de extrema
importância reverter tais vantagens em benefícios no curto prazo para os cidadãos destas
localidades e ainda realizar ações que pudessem preparar tais municípios para a época
em que as reservas de petróleo e gás se esgotarão.
Estudos mostram que, apesar da elevação em alguns destes gastos, indicadores
relacionados à educação (alteração do número de matrículas, alteração do número de
pessoas alfabetizadas, entre outros) e à saúde não têm acompanhado esses aumentos. Os
dados sugerem que os recursos ainda não estão sendo utilizados de forma eficiente pelos
gestores municipais e que existe, ainda, a possibilidade de que os recursos estejam
sendo desviados para outros fins.
Utilizando o estimador de diferenças em diferenças (DD), visando medir os
efeitos dos royalties distribuídos a todos os municípios brasileiros, sobre as taxas de
crescimentos de seus gastos em investimentos, educação, saúde e despesas com pessoal,
são verificados resultados diferentes para cada tipo de despesa.
De forma geral os municípios que receberam royalties no formato da nova lei,
sofreram impactos negativos nos gastos em investimentos quando comparados aos
demais municípios. Já os gastos em educação apresentaram resultados positivos quando
comparados aos demais.
Os resultados relacionados às despesas com pessoal e saúde não foram
estatisticamente significativos, portanto verificarmos com a metodologia de diferenças
em diferenças e com os dados utilizados, que as receitas de royalties não impactariam
sobre tais gastos.
61
Revendo a literatura internacional e aplicando no caso dos municípios
brasileiros, pode-se interpretar que parte destes resultados (impactos nos gastos em
investimentos) representa um risco de que estas regiões sofram futuramente com a
ocorrência da chamada “Maldição dos Recursos Naturais”, que os recursos gerados
pela riqueza do petróleo estariam impactando negativamente nestas despesas.
O crescimento das despesas com educação aparece de forma positiva,
demonstrando que os gestores municipais têm aumentado o direcionamento de recursos
públicos para o desenvolvimento do capital humano nestas localidades. Apesar dos
resultados relativos aos gastos em pessoal e saúde não terem se mostrado
estatisticamente significantes, existem evidências empíricas de que os municípios
beneficiados pelos royalties do petróleo têm aumentado seus gastos em pessoal e têm
dado menor importância para os gastos em saúde.
Sendo assim, é necessário que os gestores municipais ajam com
responsabilidade destinando os recursos provenientes da atividade petrolífera
preferencialmente para os gastos que aumentem a qualidade de vida da população,
melhorem a infra-estrutura local e promovam setores industriais dinâmicos que
possibilitem a diversificação produtiva da região. Além disso, devem evitar o aumento
das despesas de custeio do setor público, pois tais gastos tendem a aumentar a
dependência da região dos recursos finitos do petróleo.
Este estudo teve o objetivo de fornecer evidências quantitativas, mostrando
através de ferramentas econométricas os efeitos da distribuição de royalties sobre os
principais gastos sociais dos municípios brasileiros. Entretanto os indicadores sociais
ligados à saúde, educação, investimentos, entre outros, merecem ser investigados com o
objetivo de que seja medido como estes gastos têm influenciado a qualidade de vida da
população.
Algumas melhorias podem ser inseridas no modelo, como por exemplo, a
utilização das Áreas Mínimas Comparáveis (AMCs), que não dados disponíveis
para as despesas de todos os municípios no sistema do STN. Além disso, outras
possibilidades seriam: focar o estudo em regiões específicas do país; a redefinição do
período a ser considerado na análise; a redefinição do formato das variáveis: valores
nominais ou reais, absolutos ou per capita.
Outra sugestão de estudo seria o desenvolvimento de um modelo que associasse
os impactos dos gastos aos indicadores sociais (IDHs municipais, indicadores de saúde
62
e educação, entre outros) dos municípios, mostrando como tem sido o retorno gerado à
sociedade por estas despesas.
É necessária e urgente uma ampla discussão acerca do tema que possibilite o
desenvolvimento de mecanismos transparentes de controles sobre as ações dos gestores
municipais. Além disso, é de extrema importância a criação de vinculações legais que
direcionem adequadamente estes recursos para áreas sociais e investimentos que
promovam a diversificação industrial nestas áreas, limitando a atuação dos gestores e
impedindo os desvios de recursos para outras finalidades.
63
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Acesso em: 31/01/2009.
68
Traduções das Citações
Capítulo 2 - Página 10
“One of the surprising features of modern economic growth is that economies abundant
in natural resources have tended to grow slower than economies without substantial
natural resources.” [Sachs e Warner (1997). Página 2).]
Uma das surpreendentes características do crescimento econômico moderno é o fato de
que as economias abundantes em recursos naturais tendem a crescer mais lentamente do
que as economias que não possuem quantidades substanciais de tais recursos.
Capítulo 2 - Página 17
“The coeficients for our rule-of-law and government-efectiveness measures suggest that
a one-point increase on the institutional quality index would have had a large positive
growth efect on average, again assuming a direct causal relationship.”
[Brunnschweiler (2006). Página 12].
Os coeficientes para as nossas medidas da qualidade do estado de direito e da eficiência
governamental sugerem que um aumento de um ponto percentual no índice de qualidade
institucional teria um grande efeito positivo no crescimento, em média, assumindo uma
relação causal direta.
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