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SERGIO RACHMAN
A interface entre psiquiatria e literatura na
obra de Lima Barreto
São Paulo
2010
Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Mestre em Ciências
Área de concentração: Psiquiatria
Orientador: Prof. Dr. Francisco Lotufo Neto
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Capa: O Hospício de Pedro II em gravura de Pieter Godfried Bertichen, do
livro Rio de Janeiro e seus arrabaldes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
reprodução autorizada pelo autor
Rachman, Sergio
A interface entre psiquiatria e literatura na obra de Lima Barreto / Sergio Rachman. -- São Paulo,
2010.
Dissertação (mestrado)--Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Departamento de Psiquiatria.
Área de concentração: Psiquiatria.
Orientador: Francisco Lotufo Neto.
Descritores: 1.Psiquiatria/história 2.Medicina na Literatura
3.Linguística/estatística & dados numéricos
USP/FM/SBD-070/10
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Dedico esta dissertação a duas memórias, a
de meu pai e a do escritor que é tema das páginas
que seguem. Tenho certeza de que meu pai ficaria
muito feliz por ver este trabalho concluído.
Quanto ao escritor, não estou o convicto disso.
Peço-lhe desculpas se em algum momento incorri
em alguma forma de reducionismo e esclareço
que não aqui nenhuma intenção de se fazer
crítica literária, área da qual o pesquisador não
possui qualquer domínio.
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Francisco Lotufo Neto, orientador deste trabalho e sem o qual
ele não teria sequer começado. Sou grato por sua paciência, cordialidade,
generosidade e ousadia, que permitem o estabelecimento de novos e
fundamentais ares dentro da ciência psiquiátrica;
Aos Profs. Drs. José Paulo Fiks, Monica Levit Zilberman e Danilo Antonio
Baltieri, pelas valiosas contribuições apresentadas no exame de
qualificação;
Ao Prof. Dr. Alexandre Saadeh, grande incentivador de minha carreira
acadêmica e profissional;
Ao Prof. Dr. Sergio Paulo Rigonatti, apreciador de ópera e artes em geral,
que não escondeu seu entusiasmo pelo tema deste trabalho;
Ao Prof. Dr. Tony Berber Sardinha, pessoa de incrível simpatia e
disponibilidade, que me apresentou ao Wordsmith Tools;
Ao meu grande amigo Marcello Berland, que contribuiu com a execução dos
gráficos. Sem sua ajuda, estaria ao fim dos tempos tentando aprender a
mexer no Excel;
Ao Rafael Izbicki, jovem estatístico que, com sua incrível solicitude, me
socorreu em um momento de desagregação numérica, quadro
psicopatológico dos mais temíveis e que ainda não foi validado nos sistemas
CID e DSM;
Ao Renato Akerman, que me escutou pacientemente todas as semanas nos
últimos anos, e me ajudou a dar mais vazão ao meu Id e a dissolver o meu
Superego;
À Sra. Eliza Sumie Sogabe Fukushima, cuja dedicação integral à pós-
graduação do IPq nos ajuda a não esquecer dos trâmites e dos prazos;
Ao Porgy, que mesmo sem entender nada do que eu estava fazendo,
acompanhou-me noites a fio e me deu o prazer de sua agradabilíssima
companhia, mesmo sem receber biscoitos em troca;
A todos os meus amigos, que sempre me apoiaram e que o citarei
individualmente para não cometer nenhuma omissão injusta;
À minha família, Marlene Rachman (mãe) e Luciano Rachman (irmão), que
me deram os subsídios para eu ser quem sou;
À minha segunda família, Sr. Reynaldo, Sra. Rachela e Srta. Priscila
Eisenstadt, que me receberam em seu seio familiar como a um rei;
E por fim, um agradecimento especial ao amor de minha vida e que
acompanhou todo o processo, torcendo e sofrendo comigo. Se essa
dissertação fosse um poema, você, Paula, seria minha musa inspiradora.
“As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis
quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos
acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que
nenhuma palavra jamais pisou. Menos suscetíveis de expressão
do que qualquer outra coisa são as obras de arte seres
misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.”
(Rainer Maria Rilke – carta a Franz Xaver Kappus)
SUMÁRIO
Lista de siglas
Lista de figuras
Lista de tabelas
Lista de gráficos
RESUMO
SUMMARY
1.INTRODUÇÃO...........................................................................................01
2.OBJETIVOS...............................................................................................06
3.REVISÃO DA LITERATURA.....................................................................07
3.1 - A psiquiatria da época de Lima Barreto............................................07
3.2 - A obra literária como fonte histórica..................................................09
3.3 - Relação entre temperamento artístico e alcoolismo.........................12
3.4 - Efeitos cognitivos do uso crônico de álcool.......................................13
3.5 - Linguística como instrumento de avaliação psicopatológica.............14
3.6 - Análise psicopatológica do artista em função de sua obra...............17
3.7 - O programa Wordsmith Tools...........................................................18
3.8 - Vida e obra de Lima Barreto..............................................................22
4- METODOS................................................................................................33
4.1- Elementos linguísticos extraídos dos corpora através do uso
do software WordSmith Tools....................................................................34
5- RESULTADOS..........................................................................................38
5.1- Análise do conteúdo...........................................................................38
5.1.1- Evolução da representação da doença mental na obra
de Lima Barreto.........................................................................................38
5.1.2- A visão de Lima Barreto sobre a Psiquiatria...................................61
5.1.3- O Hospício Pedro II retratado em O cemitério dos vivos................70
5.1.4 - A visão de Lima Barreto sobre o caráter da doença mental..........75
5.1.5- Aspectos psicológicos de Lima Barreto presentes no
Diário Íntimo e em O cemitério dos vivos..................................................80
5.2- Análise da forma: Resultados das análises linguísticas com
o uso do Wordsmith Tools........................................................................84
6- DISCUSSÃO.............................................................................................92
6.1 - Lima Barreto, psiquiatria e doença mental........................................92
6.2- As trajetórias dos protagonistas barretianos....................................100
6.3- As análises linguísticas das obras com o uso da
ferramenta computacional.......................................................................103
7- CONCLUSÕES.......................................................................................107
8 – REFERENCIAS.....................................................................................108
LISTA DE SIGLAS
CE Corpus de Estudo
CR Corpus de Refência
DSM-III Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders- 3
rd
edition
HNA Hospício Nacional de Alienados
MBE Medicina Baseada em Evidências
p página
pp páginas
Unifesp Universidade Federal de São Paulo
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
Figura 01-
Lima Barreto internado.................................................................26
Figura 02
-
Lima Barreto no auge da carreira................................................26
Figura 03 - Esquema mostrando o processo de geração dos
subcorpora a partir dos corpora literários......................................................35
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Valores de types, tokens e índice type-token para
cada uma das partes das obras literárias de referência................................85
Tabela 2- Valores de types, tokens e índice type-token para
as obras de Lima Barreto..............................................................................86
Tabela 3- Palavras-chave, confrontando-se o corpus de estudo
com o corpus de referência...........................................................................89
Tabela 4- Ocorrências da palavra mania no corpus de estudo.....................90
Tabela 5- Ocorrências da palavra mania no corpus de referência................91
Tabela 6- Síntese dos achados da ocorrência da palavra mania
no corpus de estudo (CE) e no corpus de referência (CR)...........................91
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1- Valores evolutivos de type e token para
as obras analisadas.......................................................................................87
Gráfico 2- Valores evolutivos de type e token para
as obras de Lima Barreto..............................................................................88
RESUMO
Rachman S. A interface entre psiquiatria e literatura na obra de Lima Barreto
[dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São
Paulo; 2010. 117p
INTRODUÇÃO: As humanidades médicas têm sido cada vez mais
valorizadas mundialmente. No entanto, são poucos os estudos psiquiátricos
nessa área no Brasil. A obra de Lima Barreto (1881-1922) reveste-se de
importância para o psiquiatra pelo fato de este escritor ter tido grande
contato com o meio psiquiátrico de sua época, em virtude da doença mental
de seu pai e de seu quadro de alcoolismo, que motivou duas internações no
Hospício Nacional de Alienados do Rio de Janeiro. Neste trabalho,
procuramos relacionar a obra de Lima Barreto ao contexto histórico da
psiquiatria e à sua biografia, testando ainda a hipótese de que o autor tenha
apresentado declínio cognitivo expresso na elaboração de sua última obra,
em virtude do alcoolismo. MÉTODOS: A obra do autor foi pesquisada, sendo
analisadas as representações de doença mental. Como referencial teórico,
utilizou-se os conceitos de carnavalização e de cronotopo de Mikhail
Bakhtin. Foi usado, ainda, um software (WordSmith tools 3.0) para encontrar
variáveis linguísticas que pudessem ter relação com declínio cognitivo do
autor. RESULTADOS: Nas primeiras obras, há tendência para caracterizar a
doença mental de forma idealizada ou caricatural; nas últimas, de forma
mais naturalista e objetiva. Os percursos dos personagens dos últimos
romances têm tendências mais fatalistas, com menor grau de mudança
psicológica dos personagens, quando comparados com os romances
iniciais. Com os relatos do autor sobre sua internação, tem-se acesso a uma
descrição das condições do Hospício Nacional de Alienados, de seus
internos e do caráter das internações. Observou-se, também, menor
diversidade lexical na última obra do autor, aferido pelo software.
CONCLUSÕES: A obra de Lima Barreto é uma fonte representativa para
aqueles que estudam história da psiquiatria brasileira do início do culo XX
e fornece elementos diversos daqueles presentes em vários estudos,
principalmente ligados a ideologias críticas à psiquiatria. As diferenças nas
representações da doença mental no início e no fim da obra provavelmente
refletem elementos biográficos e psicológicos do autor. O achado de menor
diversidade lexical presente na última obra pode ter relação com declínio
cognitivo do autor.
Descritores: Psiquiatria/história, Medicina na Literatura,
Linguística/estatística & dados numéricos.
SUMMARY
Rachman S. The interface between psychiatry and literature in the work of
Lima Barreto [dissertation]. São Paulo: “Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo”; 2010. 117p
INTRODUCTION: The medical humanities have been increasingly valued
worldwide. However, there are few psychiatric studies in this area in Brazil.
The work of Lima Barreto (1881-1922) is important to the psychiatrist
because this writer had great contact with the psychiatric medium of his time,
because of his father’s mental illness and because of his picture of
alcoholism, which led him to two hospitalizations in the National Asylum for
the Insane in Rio de Janeiro. In this paper we try to relate the work of Lima
Barreto to the historical context of psychiatry and his biography, testing also
the hypothesis that the author had cognitive decline expressed in the
preparation of his latest book, due to alcoholism. METHODS: The author's
work was investigated, and the representations of mental illness analyzed.
The theoretical framework used included Mikhail Bakhtin’s concepts of
chronotope and carnivalization. It was also used a software (WordSmith tools
3.0) to find linguistic variables that could be related to cognitive decline of the
author. RESULTS: In early works, there is a tendency to characterize mental
illness in an idealized or caricatured way, and in the late ones, in a more
naturalistic and objective way. The paths of the characters in later novels
have more fatalistic tendencies, with lower levels of psychological change of
the characters, when compared to the early novels. With the reports of the
author on his admission in the psychiatric hospital, we have access to a
description of condition of the National Asylum for the Insane, its internals
and the character of admissions. It was also observed that there was less
lexical diversity in the last work of the author, as measured by the software.
CONCLUSIONS: Lima Barreto’s work is a representative source for those
studying the history of psychiatry of the early twentieth century and provides
different elements compared to those present in several studies, mainly
linked to ideologies critical to psychiatry. The differences in the
representations of mental illness at the beginning and the end of the work
probably reflect biographical and psychological elements of the author. The
finding of lower lexical diversity present in the latest work may be related to
cognitive decline of the author.
Descriptors: Psychiatry/history, Medicine in literature, Linguistics/statistics &
numerical data.
1
1- INTRODUÇÃO
um debate contemporâneo a respeito do papel que as artes, e
especialmente a literatura, teriam na prática clínica e psiquiátrica em um
ambiente científico em que aumenta a influência da medicina baseada em
evidências (MBE) (Geddes, 1998).
Beveridge (2003) enumera várias razões pelas quais a leitura de
textos literários é importante para os psiquiatras. Ela daria: possibilidade de
explorar as vidas e os mundos internos de uma grande variedade de
personagens das estórias, acesso a uma perspectiva existencial e emocional
que um modelo biocientífico puro não oferece, ajuda na criação de
capacidade de empatia, abordagens éticas de questões que os psiquiatras
normalmente enfrentam, elementos estéticos que normalmente estão
presentes nos discursos de pacientes e possibilidade de humanização de
um contato com o paciente que muitas vezes é excessivamente técnico.
No entanto, não existem apenas argumentos favoráveis à
incorporação da literatura na prática psiquiátrica, pois não construções
inocentes de significados a partir de obras literárias. Claramente, a ficção
pode levar o leitor a desenvolver compreensões errôneas acerca de um
assunto. Existem riscos quando são entendidos como fonte de
conhecimento textos em que a narrativa flui facilmente com persuasão, de
modo que o processo de busca da verdade é deixado de lado e perdido no
fluxo dos acontecimentos envolvendo os personagens da ficção (Roberts,
2
2000). Outra autora (Gersie, 1997) também alerta para esse problema e
afirma que a tendência do escritor de atribuir seus sofrimentos a certas
experiências pode dar origem a narrativas que contribuam para a
valorização de uma cultura de vitimização. Do mesmo modo, a tendência
que os leitores têm de aceitar interpretações falsas como sendo pertinentes
se elas se adequarem às suas expectativas ou preferências também é
obstáculo importante para a utilização de narrativas ficcionais como fonte de
conhecimento. Beveridge (2003), por fim, argumenta que o hábito de ler
ficção não garante a um médico que ele desenvolverá maior empatia por
seus pacientes, que a leitura em si é um hábito solitário e que pode estar
associado a motivações egoístas de expansão dos horizontes intelectuais,
sem que isso se traduza em maior sensibilidade em relação a outras
pessoas.
De qualquer modo, o conhecimento médico baseado nas artes tem
sido valorizado desde a década de 1990, tendo sido criados jornais de
humanidades médicas no Reino Unido, na Europa e ao longo da costa
atlântica nos Estados Unidos. Também não é mais incomum encontrar
colunas de poemas incluídas nos principais jornais científicos e centros
de humanidades médicas e cursos sobre esse tema na graduação em
escolas de medicina nos Estados Unidos (Oyebode, 2002).
No Brasil, existem também iniciativas em algumas das mais
importantes faculdades de medicina para valorizar disciplinas que
contemplem as humanidades. Na Universidade Federal de São Paulo,
Unifesp, funciona um grupo denominado Laboratório de Humanidades, a
3
cargo do professor Dante Marcello Gallian, com o objetivo de discutir textos
clássicos de filosofia e literatura.
1
Na Faculdade de Medicina da USP, com a
implementação de uma reforma curricular em 1998, passaram a ser
ministradas disciplinas com o objetivo de propiciar conteúdo humanístico e
social à formação do médico
2
.
No entanto, ao mesmo tempo em que a interface entre as artes e a
medicina em geral passou a ser mais valorizada, a psiquiatria adotou
caminho contrário, havendo uma guinada em direção a uma ciência rigorosa
como base para conhecimento estável e o ensino da prática em psiquiatria
(Green, 2008). É nesse contexto que foi elaborado o DSM-III, com o objetivo
maior de criar um sistema compreensivo para avaliar e diagnosticar os
pacientes psiquiátricos, que fosse mais confiável e que tivesse mais validade
e consistência para ser usado em âmbito internacional. Como consequência,
as formas de ensino e de prática psiquiátricas se tornaram mais mecânicas e
reducionistas, com desvalorização dos aspectos singulares de cada
indivíduo que adoece mentalmente (Zoppe, 2007). Neste sentido, a
psiquiatria estaria de forma surpreendente se afastando do restante da
medicina.
Alguns críticos em relação a essa tendência na psiquiatria têm
tentado reintroduzir as artes, e a literatura em particular, como aspectos
significativos na prática e na formação psiquiátrica. Surgem, então, algumas
questões de suma importância e que não foram ainda respondidas: Qual é o
1
Informação disponível no sítio http://labhum.blogspot.com, consultado em 31/12/2009.
2
Informação disponível no sítio http://www.fm.usp.br/cedem/hum, consultado em 31/12/2009
.
4
papel que as artes teriam na psiquiatria? A psiquiatria é uma ciência
pragmático-empírica em que interpretações subjetivas não teriam vez ou ela
teria um caráter subjetivo cujas bases poderiam se alimentar de uma
interface produtiva com as artes? (Green, 2008).
Como se vê, essa é uma questão complexa e que vem ganhando
cada vez mais importância para aqueles que trabalham em psiquiatria. No
entanto, é um tema abordado em poucos estudos no Brasil. É por essa
razão que uma dissertação acadêmica sobre a interface entre psiquiatria e
literatura é tão importante.
A escolha do autor estudado se justifica por sua biografia e obra.
Lima Barreto viveu a maior parte de sua vida em contato íntimo com a
psiquiatria e a doença mental, seja por causa de seu pai que sofria de
quadro delirante (Barbosa, 2003), seja por seu próprio histórico de
alcoolismo e internações psiquiátricas, que foram tão bem retratadas em seu
romance inacabado O Cemitério dos Vivos. Outras obras suas, Recordações
do Escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma e Clara dos
Anjos, também trazem representações da doença mental, que podem ser
relacionadas ao momento em que os romances foram escritos.
Analisando-se o conteúdo literário de O cemitério dos vivos,
encontram-se várias referências à psiquiatria da época e descrições de
doentes mentais com os quais conviveu no hospital psiquiátrico. Assim, tem-
se um importante relato literário, com base nas experiências do autor, da
história da psiquiatria. Outro aspecto importante a ser destacado são as
5
referências autobiográficas que permeiam grande parte das narrativas de
Lima Barreto, o que permite uma melhor compreensão de aspectos
psicológicos de um autor importante na literatura brasileira e do sofrimento
mental do qual padeceu.
Quanto à forma das narrativas, o seu estudo permite que se
comparem diferentes momentos da obra do autor, em busca de mudanças
no modo de escrever. Sabendo-se os anos em que foram escritos os livros,
e correlacionando os mesmos com o momento de vida e de doença do
autor, pode-se testar a hipótese de que o alcoolismo tenha interferido na
cognição do mesmo e, consequentemente, na obra com o passar do tempo.
Dessa forma, esta dissertação tem como objetivo a busca do
contexto histórico-psiquiátrico em que estão inseridas as obras de Lima
Barreto, além dos aspectos cognitivos e biográficos do autor, que
interferiram na representação da doença mental nas obras literárias.
6
2- OBJETIVOS
Tomando como ponto de partida a obra de lima Barreto:
1- Correlacioná-la com o momento histórico da psiquiatria e apresentá-la
como possível fonte de pesquisa em história da psiquiatria;
2- Analisar a evolução da representação da doença mental, correlacionando-
a com elementos biográficos do autor;
3- Comparar alguns parâmetros linguísticos de diferentes romances e
correlacioná-los a possíveis aspectos cognitivos na ocasião em que foram
escritos.
7
3- REVISÃO DA LITERATURA
3.1- A psiquiatria da época de Lima Barreto
Até a primeira metade do século XIX, os doentes mentais no Brasil
não recebiam tratamento em instituições especificamente concebidas para
esse fim. No Rio de Janeiro, a Santa Casa de Misericórdia cumpria até então
o papel de acolher alienados, mas as condições precárias enfrentadas pelos
internos motivaram reações por parte da sociedade, que culminaram na
criação do primeiro hospital psiquiátrico do Brasil, o Hospício Pedro II
(futuramente renomeado Hospício Nacional de Alienados [HNA], após a
Proclamação da República), em 1852 (Paim, 1991). O Pedro II foi construído
de acordo com o molde francês, inclusive em seus estatutos de
funcionamento. Segundo essa concepção, idealizada por Pinel e Esquirol, o
hospital psiquiátrico cumpriria sua função terapêutica através do trabalho
dos médicos, que seriam ajudados pelos enfermeiros e pela estrutura física
adequada do manicômio (Pessotti, 1996).
A abordagem preconizada para os doentes mentais pela escola
francesa era o tratamento moral, termo que foi criado por Pinel em 1801. O
doente seria, de acordo com esse todo, retirado de seu convívio social
para se afastar do excesso de estímulos emocionais de sua vida cotidiana.
Experimentando uma realidade sem excessos, com rotina regrada e sujeitos
à ordem e à disciplina impostos pelo alienista e pelos limites do manicômio,
8
os internos teriam as condições necessárias para a recuperação (Short,
1997).
Em seu Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a
mania, publicado pela primeira vez em 1800, Pinel divide a mania em cinco
categorias: melancolia, mania sem delírio, mania com delírio, demência e
idiotismo. O termo isolado mania se referia às chamadas loucuras gerais ou
furiosas.
Segundo Oda e Dalgalarrondo (2007), o discurso médico no Brasil
na época da criação dos primeiros hospitais psiquiátricos estava impregnado
com o ideal pineliano. A filiação do HNA a este modelo, no entanto, teria sido
apenas nominal, não chegando a ocorrer de fato. E assim como em
inúmeras outras instituições para tratamento de alienados espalhadas pelo
mundo, vários problemas surgiram nesse manicômio, sendo o mais
conhecido deles a superlotação, que fez com que, em 1862, o provedor da
Santa Casa, que aentão administrava o HNA, proibisse novas admissões
de internos. A mesma situação foi observada em várias outras capitais das
Províncias.
Segundo Paim (1991), o fator decisivo para o surgimento de uma
psiquiatria com características nacionais foi o aparecimento de Juliano
Moreira, especialmente a partir da época em que assumiu a direção do HNA,
em 1903, permanecendo em tal função até 1930. Esse médico foi
responsável pela introdução no meio psiquiátrico brasileiro de ideias da
escola alemã, representada por Emil Kraepelin (1826 – 1926).
9
Os diagnósticos mais comuns entre os internos do HNA em 1875
eram demência, mania, monomania, lipemania, epilepsia, alcoolismo,
imbecilidade, histeria e paralisia geral, sendo que grande parte dos internos
eram indigentes (Rey apud Postel e Quétel, 1987). Em relatório enviado por
Juliano Moreira ao Ministro da Justiça do Brasil em 1922, aquele afirma que
“o alcoolismo conservou o primeiro lugar entre as causas predominantes de
novas internações do Hospício Nacional.”
3.2- A obra literária como fonte histórica
Pretende-se, nesta dissertação, tomar a obra de Lima Barreto como
fonte histórica da psiquiatria do início do século XX. Existem alguns
historiadores que endossam essa conduta.
Em artigo de 2006, Pesavento, professora aposentada de história da
UFRGS, contrapõe as narrativas históricas às literárias, e conclui que estas
também são importante fonte de conhecimento para a compreensão de um
determinado período histórico. Ela afirma: “A literatura é, pois, uma fonte
para o historiador, mas privilegiada, porque lhe da acesso especial ao
imaginário, permitindo-lhe enxergar traços e pistas que outras fontes não lhe
dariam." Mais adiante, ela declara que não é necessário, para que um texto
literário tenha valor como documento histórico, que seja demonstrada a real
existência de todos os fatos ou personagens nele contidos: "A verdade da
ficção literária não está, pois, em revelar a existência real de personagens e
fatos narrados, mas em possibilitar a leitura das questões em jogo numa
10
temporalidade dada. (...) Admitimos que a literatura é fonte de si mesma
enquanto escrita de uma sensibilidade, enquanto registro, no tempo, das
razões e sensibilidades dos homens em um certo momento da história". E
conclui: "A verdade da ficção literária não está, pois, em revelar a existência
real de personagens e fatos narrados, mas em possibilitar a leitura das
questões em jogo numa temporalidade dada."
Guimarães (2007), em trabalho baseado em sua tese de doutorado,
aplica a ideia de avaliar um momento histórico através do estudo de obra
literária ao examinar como o território amazônico era visto na sociedade
brasileira da Primeira República. Para isso, utiliza um conjunto de escritos de
Euclides da Cunha como "exemplar dos discursos circulantes à época sobre
a floresta." Analogamente, pode-se, então, considerar obras literárias que
abordem a psiquiatria como documentos que ilustram o modo como a
mesma era vista ou compreendida na época em que a obra foi escrita.
Em artigo de 2007, Beveridge mostra vários aspectos das doenças
mentais que foram retratados na obra de Dostoievski e sugere que este
autor forneceu um quadro complexo e sofisticado da doença mental, que
tem relevância no modo como os médicos contemporâneos concebem a
mesma. Em sua obra, "assim como incontáveis casos de insanidade,
descrições de alcoolismo, epilepsia, idiotia, abuso sexual, suicídio, jogo
patológico e transtorno de personalidade." Segundo o autor, Dostoievski
tinha interesse em psicologia e leu escritores contemporâneos que versavam
sobre o assunto. Dessa forma, em vários momentos de sua obra o leitor tem
acesso a teorias psicológicas da época e ao modo como a loucura era vista.
11
Outro aspecto enfatizado por Beveridge é a importância de se considerar a
atitude de Dostoievski com relação à ciência, que rejeitava o materialismo
puro e não via na mesma a possibilidade de descoberta de todos os
enigmas humanos, para que se possa compreender a sua visão da loucura,
não reducionista.
Uma obra bastante conhecida nos meios acadêmicos psiquiátricos
brasileiros é A psiquiatria de Machado de Assis, escrita por José Leme
Lopes (1974). Nesse livro, o autor faz uma análise de vários personagens
machadianos em sua relação com a psiquiatria e mostra que o leitor
encontra através dos mesmos vários subsídios à compreensão do adoecer
psíquico.
No caso específico da obra de Lima Barreto, sua relevância histórica
é apontada por Fábio Lucas, no prefácio de uma edição de 2004 de O
cemitério dos vivos:
O simples fator autobiográfico da publicação dá-lhe cunho
historiográfico, já que as memórias, diários e confissões não passam
de textos ancilares da historiografia, mormente agora, quando se
busca a história das mentalidades. Na mesma linha, os romances de
Lima Barreto contribuem para o desenho de época da cidade do Rio
de Janeiro, num dos melhores painéis da aparência física e moral da
cidade.
Teixeira (2001), comentando O triste fim de Policarpo Quaresma,
afirma: “A sondagem do desequilíbrio de Quaresma permitiu [a Lima Barreto]
12
construir com traços fortes as alucinações, os desejos, e as manias que
caracterizavam a noção de loucura conforme os padrões de seu tempo.”
Percebe-se, assim, como a obra de Lima Barreto pode ter importância para
o estudo das representações da doença mental durante o tempo em que
viveu o escritor.
3.3- Relação entre temperamento artístico e alcoolismo
O quadro de alcoolismo que Lima Barreto sofreu é bastante descrito
em artistas, por vários estudiosos.
Post (1996) encontrou alta prevalência de alcoolismo e transtornos
afetivos em uma amostra de 100 escritores americanos e britânicos. O
mesmo autor, em 1994, ao investigar a vida de 291 homens mundialmente
famosos nas artes, ciências, política e pensamento, havia formulado uma
relação causal entre tendências à depressão e alcoolismo e alguns tipos de
criatividade. Ludwig (1994), entrevistando 59 escritoras e 59 pessoas de um
grupo controle, chegou à conclusão de que as escritoras eram mais
propensas a sofrer de distúrbios do humor, abuso de drogas, ataques de
pânico, ansiedade generalizada e transtornos alimentares, o que, de acordo
com o autor, sugere uma correlação direta entre criatividade e doença
mental.
As relações entre produção artística e alcoolismo são bastante
complexas. Davis (1986) e Lester (1991) relatam a mortalidade prematura
em autores americanos proeminentes por alcoolismo. O segundo autor
13
ressalta ainda os altos índices de suicídio nessa população. Ambos expõem
os custos sociais decorrentes da perda precoce desses indivíduos. Day e
Smith (2002) analisam as relações entre literatura e alcoolismo e apontam
para o caso de F. Scott Fitzgerald, em que o abuso de álcool levou a um
declínio tanto na saúde quanto na produção escrita. Ludwig, em estudo
publicado em 1990, baseado na análise das biografias de 34 escritores,
artistas e compositores famosos do século XX que eram abusadores de
álcool, chegou à conclusão de que essa substância comprometeu a
produtividade de suas carreiras, principalmente na fase final, em 75 por
cento da amostra.
Por outro lado, Brunke et al (1992), analisaram as produções
escritas de 11 indivíduos sóbrios e sob efeito do álcool, encontrando maior
quantidade de escritos criativos após a ingesta de álcool.
Dessa forma, ainda é motivo de debate o quanto o ato de beber
poderia ou não favorecer a criatividade artística, em certos momentos. No
entanto, é consenso que o uso abusivo e prolongado de álcool leva a
declínio cognitivo, como mostrado a seguir.
3.4- Efeitos cognitivos do uso crônico de álcool
Baltieri, em dissertação de mestrado de 2002, afirma que "prejuizos
cognitivos são freqüentemente observados em pacientes dependentes
crônicos de álcool etílico. Múltiplas funções cognitivas são afetadas pelo
consumo crônico dessa substância, como capacidade de planejamento,
14
pensamento abstrato e crítica. Muito semelhante à Demência de Alzheimer,
a síndrome demencial alcoólica manifesta-se por prejuízo progressivo da
memória, da atenção e da orientação."
Sullivan et al (2000) constataram que o tempo de consumo de álcool
se relaciona a prejuízos graves no desempenho de indivíduos em testes
psicológicos, principalmente com relação às memórias verbal e não-verbal.
Vieira el al (2007) confirmaram esses achados em estudo de caso clínico de
um indivíduo que possuía histórico de 26 anos de uso pesado de bebidas
etílicas. Estes mesmos autores citam estudo de Riege, de 1987, em que foi
constatado que indivíduos alcoolistas apresentam menor comprometimento
relativo para execução de tarefas simples; à medida que se eleva a
complexidade das tarefas, aumentam os prejuízos aferidos, inclusive em
memória verbal, para palavras.
Cunha e Novaes (2004) afirmam: "Indivíduos que fazem uso crônico
do álcool, porém assintomáticos do ponto de vista neurológico, podem
apresentar disfunções em áreas pré-frontais do cérebro, implicando em
déficits neuropsicológicos em fluência verbal (linguagem expressiva) e no
controle inibitório. Tais problemas parecem estar relacionados a alterações
nas funções executivas e também na memória operativa."
3.5- Linguística como instrumento de avaliação psicopatológica
A linguística é definida como a disciplina que estuda cientificamente
a linguagem (Martelotta, 2008). Para Critchley (1994), “linguagem é o
15
resultado de atividade neural complexa que permite a expressão ou
percepção de estados emocionais e psicológicos através de sinais auditivos,
gráficos ou gestuais, usando funções sensitivas ou motoras não
especializadas inicialmente para esse fim.”
O modo como a linguagem é estruturada reflete o pensamento de
quem a produz. Dessa forma, seu estudo é muito importante na psiquiatria,
pois permite que se tenha acesso ao estado mental dos indivíduos, bem
como a outras esferas psíquicas e cognitivas. Dentre as fontes de material
linguístico, podem-se citar as produções verbais faladas e escritas,
incluindo-se nessa última categoria as obras literárias.
Andreasen (1976) descreve, por exemplo, algumas diferenças entre
os discursos falados de pacientes com quadro clínico de depressão e mania,
utilizando método de linguística quantitativa. Os primeiros usaram mais
verbos de ligação, ao passo que os pacientes com mania usaram mais
verbos de ação e adjetivos, o que aponta para uma linguagem mais
“colorida”. Associado ao quadro de depressão, de-se constatar a maior
incidência de advérbios, enquanto na mania ocorreram mais substantivos,
principalmente os concretos. Os pacientes deprimidos também tenderam a
usar mais verbos no pretérito e a mostrar uma maior preocupação consigo
mesmos, o que é evidenciado pelo maior uso de pronomes na primeira
pessoa. Os deprimidos também tiveram os índices razão verbo-adjetivo
(número de verbos dividido pelo número de adjetivos), razão verbo-
substantivo e razão verbo de ligação-verbo de ação maiores que os
maníacos.
16
Estudos de linguística aplicada à psiquiatria são raros na literatura
científica. De acordo com Thomas et al (1994), a linguagem constitui a
principal ferramenta investigativa e terapêutica na prática dos psiquiatras,
mas o estudo da linguística ainda não faz parte da educação desses
profissionais. Para compreender importantes desenvolvimentos da ciência
cognitiva, alguma familiaridade com a linguística é essencial.
Existem duas vertentes fundamentais na linguística: a chomskyana
(fundada por Noam Chomsky no final dos anos de 1950 e estruturada em
teorias racionalistas) e a linguística de corpus, que ganhou força na década
de 1960, com o desenvolvimento dos computadores e de softwares
especialmente aplicados à área. A linguística de corpus contrapõe-se à
chomskyana por ser empirista, demonstrando as alterações de linguagem
por meio de tratamento estatístico das variações linguísticas encontradas
nos corpora. Um corpus é definido como “um conjunto de dados linguísticos
(pertencentes ao uso oral ou escrito da ngua, ou ambos), sistematizados
segundo determinados critérios, suficientemente extensos em amplitude e
profundidade, de maneira que sejam representativos da totalidade do uso
linguístico ou de algum de seus âmbitos, dispostos de tal modo que possam
ser processados por computador, com a finalidade de propiciar resultados
vários e úteis para a descrição e análise” (Sardinha TB, 2004). Dessa forma,
quando um determinado escritor produz obras literárias, ele coloca à
disposição do pesquisador em linguística empirista vários corpora passíveis
de análise quantitativa, em função do interesse da pesquisa a ser conduzida.
17
3.6- Análise psicopatológica do artista em função de sua obra
Até os dias atuais, existem poucos registros no banco de dados do
Medline de estudos de linguística aplicados à psiquiatria com base em
corpora extraídos de obras literárias. Esse tipo de estudo permite fazer uma
análise da biografia do autor em função das propriedades linguísticas de
suas obras, trazendo informações muito importantes em psicopatologia
aplicada, além de apresentar algumas vantagens em relação à análise de
produções escritas ou verbais de indivíduos submetidos a avaliação médica:
as obras literárias são escritas voluntariamente e presumivelmente vêm
naturalmente ao sujeito, o escritor não tenta compensar supostas
deficiências intelectuais porque não se sente avaliado e a disponibilidade de
materiais literários anteriores e posteriores ao desenvolvimento da doença
mental traz a oportunidade de comparações dentro do mesmo indivíduo.
Na presente dissertação, foi realizada uma busca nas bases
Pubmed e PsycInfo usando os termos “linguistics analysis”, “literature”,
“corpus linguistics” e “creative writing”, sendo encontrado o estudo de
Garrard et al (2005), que analisou obras literárias usando a linguística de
corpus. Não foram encontrados outros trabalhos que tenham usado
metodologia semelhante. Esses autores fizeram uma análise de três
romances da escritora britânica Iris Mordoch: Under the net, The sea, the
sea e Jackson’s dilemma, citados em ordem cronológica na qual foram
escritos. Essa escritora começou a apresentar sintomas de Demência de
Alzheimer na época em que estava concluindo a última dessas obras, que
de acordo com a crítica literária é bastante inferior às demais. A própria Iris
18
afirmou que durante a elaboração desse romance apresentou o “branco do
escritor”, não conseguindo desenvolver a narrativa com a mesma fluidez.
Jackson’s dilemma foi publicado em 1995. Um ano depois, a escritora
apresentava pontuação no Mini-exame do Estado Mental de 20/30. Em
1997, seu desempenho na mesma avaliação foi de 10/30, evidenciando
déficit cognitivo rapidamente progressivo. O diagnóstico de Demência de
Alzheimer foi confirmado com exame post-mortem de amostras de seu
tecido cerebral.
O estudo em questão mostrou que o último livro de Iris apresentou
algumas características compatíveis com empobrecimento semântico
atribuído ao quadro demencial. Comparado aos dois outros livros, existe
menor incremento de palavras novas com o avançar da narrativa, maior
número de repetições de palavras e tendência ao uso de sentenças mais
simples e curtas. As proporções de classes gramaticais usadas nos três
romances não variaram substancialmente.
3.7- O programa Wordsmith Tools
Um dos recursos mais utilizados para a análise de textos no
computador, em Windows, é o software Wordsmith Tools, que foi
desenvolvido por Mike Scott, da Universidade de Oxford. Este programa
permite que os corpora sejam analisados através do uso de três
ferramentas: wordlist (lista de palavras), keywords (palavras-chave) e
concord (análise de concordâncias). Em seu livro Linguística de corpus
19
(2004), Tony Berber Sardinha apresenta de maneira bastante didática o
modo de operação do Wordsmith Tools, bem como os dados fornecidos por
este. Nos próximos itens, transcrevo alguns trechos de interesse dessa obra.
3.7.1- Wordlist
"Propicia a criação de listas de palavras. O programa é pré-definido
para produzir, a cada vez, duas listas de palavras, uma ordenada
alfabeticamente e outra classificada por ordem de frequência das palavras
(com a palavra mais frequente encabeçando a lista). Cada uma dessas listas
é apresentada em uma janela diferente, e, juntamente com as duas janelas
correspondentes à lista alfabética (A) e por frequência (F), o programa
oferece uma terceira janela (S) na qual aparecem estatísticas relativas aos
dados usados para produção das listas. Assim, para cada vez que o wordlist
é chamado para fazer uma lista de palavras, três janelas são produzidas:
uma contendo uma lista de palavras ordenadas por ordem alfabética, outra
com uma lista classificada pela frequência das palavras, e uma terceira
janela com estatísticas simples a respeito dos dados."
Alguns dos itens que constam na lista de estatísticas fornecida por
essa ferramenta são:
- Tokens: número de itens (ou ocorrências) ; por exemplo,
a frase o João viu o Pedro possui cinco itens : o (1), João (2), viu (3),
o (4), Pedro (5).
20
- Types: número de formas (ou vocábulos) ; a frase acima
possui quatro formas : o (1), João (2), viu (3), Pedro (4).
- Type-Token Ratio : a razão forma/item (ou
vocábulo/ocorrência) expressa em porcentagem; a razão forma/item
(cuja abreviação é TT em inglês, e VO ou FI em português), na sua
forma tradicional, é obtida dividindo-se o total de formas pelo total de
itens. Na frase acima, a razão FI é 0,8 (4/5). No wordlist, entretanto,
transforma-se esse valor em porcentagem; assim, divide-se o total de
formas pelo total de itens dividido por cem. Na frase o João viu o
Pedro, portanto, o valor da razão fornecido pelo programa seria 80, ou
seja, 4 / (5 / 100). Na prática, a razão forma / item indica riqueza
lexical do texto. Quanto maior o seu valor, mais palavras diferentes o
texto conterá. Em contraposição, um valor baixo indicará um número
alto de repetições, o que pode indicar um texto menos rico, ou
variado, do ponto de vista de seu vocabulário.
Textos maiores por natureza apresentam mais repetições e, por
isso, tendem a possuir valores de FI mais baixos do que textos curtos. A
razão FI é, portanto, sensível à extensão do material textual, não sendo
confiável para uso em comparações entre textos de tamanhos diferentes
(que são a norma, aliás; textos autênticos de extensão igual são
extremamente raros)."
Congzhou (2006) aponta que a medida quantitativa de repetições
em corpora mais comumente utilizada é a razão FI.
21
3.7.2- Keywords
"Permite a seleção de itens de uma lista de palavras (ou mais) por
meio da comparação de suas frequências com uma lista de referências. O
resultado do contraste é uma lista de palavras-chave, ou palavras cujas
frequências são estatisticamente diferentes no corpus de estudo e no corpus
de referência.
O tamanho recomendado de um corpus de referência é cinco vezes
o tamanho do corpus de estudo. Um pesquisador não precisa,
necessariamente, coletar ou procurar um corpus de referência maior, pois a
quantidade de palavras-chave obtidas seria igualável a quantidades obtidas
com corpora maiores.
Para cada palavra-chave encontrada, o programa fornece um valor
chamado Keyness (que é o valor do teste estatístico, que o usuário pode
escolher entre qui-quadrado ou log-likelihood) e o valor do p (Sardinha,
2004).
3.7.3- Concord
Essa ferramenta produz concordâncias ou listagens das ocorrência
de um item específico (chamado palavra de busca ou nódulo, que pode ser
formado por uma ou mais palavras) acompanhado do texto ao seu redor (o
cotexto).
22
3.8- Vida e obra de Lima Barreto
3.8.1- Vida
Como relatado por Francisco de Assis Barbosa (2003) em sua
biografia A vida de Lima Barreto, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu
na cidade do Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881, filho de dois mulatos,
João Henriques de Lima Barreto e Amália Augusta Pereiras de Carvalho.
Conheceu desde cedo as adversidades da vida. Perdeu a mãe em 1887, aos
seis anos de idade, vítima de tuberculose, golpe do qual jamais se
recuperaria totalmente e sentiu-se desde criança discriminado pela cor de
sua pele. Em 1890, seu pai, que era tipógrafo da Imprensa Nacional, foi
exonerado do cargo em decorrência de divergências políticas na República
incipiente, para ser nomeado no mesmo ano escriturário das Colônias de
Alienados da Ilha do Governador, lugar para o qual a família se mudou em
1891, quando João Henriques foi promovido a almoxarife. Em 1893 ele se
tornou administrador das Colônias.
Em 1899, Lima ingressou na Escola Politécnica, mas não conseguiu
passar do segundo ano do curso, tendo sido reprovado cinco vezes em
mecânica. Ele atribuiu seu insucesso acadêmico ao preconceito racial
vigente na escola.
Em 1902, o pai de Lima Barreto passou a sofrer de uma séria
doença mental de natureza psicótica, cujo surto é relatado a seguir:
Logo após o jantar, [João Henriques] foi deitar-se. (...) Tudo
parecia normal, sem surpresas. o passaria pela cabeça de
23
ninguém que a desgraça estivesse o próxima. No meio da noite,
porém, o silêncio da pequena casa (...) foi cortado bruscamente por
gritos lancinantes que vinham do quarto de João Henriques. O
almoxarife delirava. Por entre as frases desconexas que proferia,
percebia-se que o pobre homem, alucinado, estava possuído pelo
pavor de ser preso. Era a loucura!
o deixem a polícia entrar! Não deixem! gritava e
chorava, ao mesmo tempo.
(...) João Henriques continuava imerso e via pela frente o
delegado e os soldados de polícia, armados até os dentes, e todos
queriam levá-lo de qualquer jeito para a cadeia. (Barbosa, 2003).
Lima Barreto conviveu durante grande parte de sua vida com a
doença de seu pai, que passou a ser uma pessoa reclusa, vítima de surtos
psicóticos de tempos e tempos. Na descrição de Barbosa, “João Henriques
passava dias inteiros na sua cadeira de balanço, sem falar, nem comer. Sem
se mexer sequer, como se fosse um boneco. E deixava a imobilidade e o
mutismo, a que se entregava, para o delírio, quando, transido de pavor, abria
a boca no mundo, gritando de inimigos inexistentes.”
Em 1903, em decorrência de sua doença mental, João Henriques foi
aposentado do cargo de administrador das Colônias de Alienados da Ilha do
Governador e Lima Barreto foi aprovado em segundo lugar no concurso de
amanuense na Diretoria do Expediente da Secretaria de Guerra, sendo
24
nomeado e empossado. No mesmo ano, os dois foram morar em Todos os
Santos, sendo a residência deles conhecida como “a casa do louco.”
Em 1905, Lima Barreto começou a escrever Recordações do
escrivão Isaías Caminha, obra que seria publicada pela primeira vez em
1909 e, em 1906, iniciou a escrita de Vida e morte de M. J. Gonzaga de .
Entre novembro de 1910 e abril de 1911, foram escritas as principais obras-
primas do autor: os contos A Nova Califórnia e O homem que sabia Javanês
e o romance Triste fim de Policarpo Quaresma.
Francisco de Assis Barbosa estabelece o ano de 1911 como um
marco na vida do escritor: “Não será demais fixar o ano de 1911 como uma
nova fase na vida de Lima Barreto, a fronteira que delimita o período mais
fecundo de sua atividade de romancista com os primeiros desregramentos
boêmios, saturado desde então pelo aborrecimento e pelo desgosto de
viver.”
A dependência de álcool foi um problema gravíssimo, a partir de
então, na vida dele. Nas palavras de Barbosa, ele se transformaria num
“pobre homem, viciado no álcool, que lhe consome não somente a saúde,
como em grande parte lhe sacrifica a carreira de escritor.”
Imerso num ciclo de decadência física e mental, Lima Barreto
passou a perambular pela cidade do Rio de Janeiro de bar em bar,
apresentando “um aspecto desnutrido, próprio dos alcoólatras.” Em 1914,
ele revela no Diário Íntimo: “O maior desalento me invade. Tenho sinistros
pensamentos. Ponho-me a beber; paro. Voltam eles e também o tédio da
25
minha vida doméstica, do meu viver quotidiano, e bebo. Uma bebedeira
puxa outra e vem a melancolia. Que círculo vicioso! Despeço-me de um
por um dos meus sonhos...”
No mesmo ano, Lima Barreto passou por sua primeira internação
psiquiátrica, após ter alucinações visuais e idéias persecutórias,
acompanhadas de agitação psicomotora. Permaneceu internado durante
dois meses. Voltando a beber, apresentou crise idêntica em 1916, quando
foi levado para a Santa Casa de Ouro Fino.
A decadência física de Lima Barreto é muito bem descrita por
Ribeiro Couto (1950), em carta a Francisco de Assis Barbosa: “Eu, com 20
anos, tendo lido o Isaías Caminha, o Policarpo Quaresma e o Gonzaga de
, não podia compreender como aquele grande escritor, de tão puro estilo,
tão natural, precisamente o ‘antimulato’ em matéria de estilo, fosse o mesmo
‘Lima’ de barba por fazer, chapéu de palhinha encardida, camisa suja e
manchada no peito, roupa coçada mal cheirosa, como uma morrinha que
não se sabia se era de vômitos da véspera ou suor azedo.”
Até o final de sua vida, Lima Barreto seria internado mais uma vez
no Hospital Psiquiátrico, no final de 1919, onde começaria a escrever as
anotações para seu livro O Cemitério dos Vivos. O próprio romancista é
quem descreve a crise que motivou essa internação: “No começo, eu
gritava, gesticulava, insultava, descompunha... a minha agitação, uma
frase ou outra desconexa, um gesto sem explicação denunciavam que eu
não estava na minha razão.” (extraído de O Cemitério dos Vivos).
26
Lima Barreto morreu em 1º de novembro de 1922, 2 dias antes de
seu pai, em decorrência de colapso cardíaco.
A seguir, são reproduzidas duas fotos de Lima Barreto do sítio
www.sobresites.com, a primeira delas, obtida no auge de sua carreira, e a
segunda, retirada de sua ficha de internação no Hospício Dom Pedro II:
Fig. 1- Lima Barreto internado Fig. 2- Lima Barreto no auge da carreira
A seguir, pode-se ver a anamnese extraída do prontuário de Lima
Barreto (Livro de Observações 64, da Seção Pinel do Hospital Pedro II,
pp. 144 e segs.), realizada pelo Dr. José Carneiro Airosa, de sua última
internação no Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, em 1919:
27
É um indivíduo precocemente envelhecido, de olhar
amortecido; fácies de bebedor, regularmente nutrido.
Perfeitamente orientado no tempo, lugar e meio, confessa
desde logo fazer uso, em larga escala, de parati; compreende ser
um cio muito prejudicial, porém, apesar de enormes esforços, não
consegue deixar a bebida.
Por este abuso passou certa vez três meses no Pavilhão,
o que, entretanto, nada adiantou, voltando desde a saída a
embriagar-se. Informa que as suas perturbações quando aparecem
são em forma de delírios, sempre conseqüentes a um abuso mais
forte e mais demorado.
Foi o que sucedeu desta vez, alarmando um seu irmão, que
julgou conveniente a sua internação, apesar de seus protestos.
Indivíduo de cultura intelectual, diz-se escritor, tendo
quatro romances editados, e é atual colaborador da Careta.
Fala em seus últimos delírios, reconhecendo perfeitamente o
fundo doentio deles, e diz-se certo que tal sucedeu graças às
suas perturbações mentais.
Estes delírios que são facilmente descritos pelo paciente são
de caráter terrificante, perseguidor, etc.
Geralmente a amnésia em relação às fases de embriaguez é
completa, porém estes últimos delírios, segundo o próprio,
28
passaram-se sem que estivesse em completo etilismo, motivo por
que é capaz de descrevê-los.
Mãe falecida tuberculosa. Pai vivo, aposentado no serviço
da administração das Colônias de assistência a Alienados; há 18
anos não sai de casa, preso de psicastenia ou lipemania, como
informa o examinado.
São notáveis os tremores fibrilares da língua e das
extremidades digitais apresentados pelo paciente, bem como abalos
e tremores dos músculos da face, mormente quando fala. Palavra
algo arrastada e meio enrolada, certas vezes. Teve blenorragia e
cancro mole, icterícia e febres palustres.
Diagnóstico: Alcoolismo.
3.8.2- Obra
A obra de Lima Barreto é composta de romances (Recordações do
escrivão Isaías Caminha [1905], Vida e morte de M.J. Gonzaga de
[1907], Triste fim de Policarpo Quaresma [1911], Numa e a ninfa [1914], O
cemitério dos vivos [1921] e Clara dos Anjos [1922]), artigos para revistas e
jornais, contos, sátiras reunidas nos livros Os bruzundangas e Coisas do
Reino do Jambom e um Diário íntimo.
Tradicionalmente, Lima Barreto é classificado como um escritor
pertencente ao período literário do Pré-Modernismo. Trata-se, porém, de um
29
termo genérico, que não constitui uma escola literária, e que é associado à
literatura crítica que rompe com a linguagem acadêmica e busca
diagnosticar e retratar a realidade brasileira, denunciando a existência de
dois “brasis”, o rico e o pobre (Blanc, 2007). Ainda segundo esse autor, as
características dos escritores desse período são espontâneas, individuais,
isoladas e carecem da intenção de constituir um movimento artístico.
As obras de Lima Barreto o caracterizadas pela escrita em tom
direto, simples, cujas narrativas muitas vezes se confundem com o estilo
jornalístico ou da crônica e com conteúdo de forte crítica à elite e aos
políticos. Tais características são opostas às dos movimentos literários
anteriores, o parnasianismo e o simbolismo, e antecipam algumas marcas
do modernismo, que seria fundado pouco tempo depois da morte de Lima
Barreto, com a Semana de Arte Moderna de 1922. Vasconcelos (2001),
assim caracteriza o estilo do escritor:
Os romances de Lima Barreto punham em relevo as zonas
suburbanas e se engajava, pela ironia e pela sátira, nessa filosofia
nacionalista que não poupava a caturrice dos gramáticos e dos
puristas, que ainda teimavam em escrever como os portugueses de
Portugal... Daí porque os modernistas de 1922 viram na obra de
Lima Barreto uma das possibilidades de renovação da narrativa,
extraindo dela exemplos de espontaneidade de expressão e uma
consciente utilização da linguagem cotidiana, a mais comum e clara
possível. O tom zombeteiro, um tanto rancoroso, do autor de Numa
e a Ninfa vinha mesmo a calhar nos tempos modernistas, quando
30
não se sabia bem em que sentido se devia renovar a narrativa de
ficção.
Lima Barreto não obteve em vida o prestígio e o reconhecimento que
esperava. Carlos Drummond de Andrade (1981), em artigo no Jornal do
Brasil comemorativo do centenário de nascimento do escritor, escreveu: “(...)
valho-me de Lima Barreto, cujo centenário de nascimento se comemora hoje
com honras que lhe negaram em vida.” Francisco de Assis Barbosa destaca
que “Lima Barreto passou a figurar em histórias de literaturas e
compêndios escolares na década de 1930.”
3.8.3- O caráter autobiográfico da obra de Lima Barreto
Hidalgo (2008), em seu livro Literatura da Urgência Lima Barreto
no domínio da loucura, afirma: “[Lima Barreto] utilizou o eu como origem da
escrita, sendo o inventor de uma narrativa que tem em si mesmo a causa
principal.” Ainda de acordo com essa estudiosa, “Lima criou uma zona de
interseção literário-existencial, unindo personagens inventados e questões
pessoais.” Barbosa (2002), por sua vez, refere que Lima Barreto pertence à
categoria dos escritores que mais se confessam através de suas obras e
que o próprio romancista teria dito certa vez que tudo o que escrevia eram
capítulos de sua memória.
Toda a obra de Lima Barreto é permeada de elementos
autobiográficos. Para citar os protagonistas de três de seus mais importantes
romances, Tristão de Ataíde (1966) afirma que Isaías Caminha, Policarpo
31
Quaresma e Gonzaga de são três “encarnações de sua própria
personalidade.” Hidalgo reforça essa observação ao afirmar que “Lima
escreveu pelo menos quatro romances autobiográficos: Recordações do
escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma, Vida e morte de
M. J. Gonzaga de Sá e O cemitério dos vivos.”
Ainda segundo Hidalgo, um dos romances mais autobiográficos de
Lima Barreto é Recordações do escrivão Isaías Caminha, “cujo protagonista
seria um personagem-representação da faceta do eu pobre e negro do
autor”. Barbosa (2002), ao comparar Recordações do escrivão Isaías
Caminha e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de afirma: “Os três
personagens, Isaías, Gonzaga e Augusto Machado, o narrador de Vida e
morte, se confundem com o seu criador.”
Com relação a Triste fim de Policarpo Quaresma, Blanc (2007)
afirma: “Dos muitos traços autobiográficos nos personagens de Lima
Barreto, a loucura do pai (e futuramente a sua) é refletida, em dado
momento, em Policarpo Quaresma. A internação do major é, na verdade, um
pretexto para uma reflexão sobre essa condição mental sempre tão
presente na vida de Lima Barreto. Lúcia Pereira (1948) cita Leonardo
Flores, um dos personagens de Clara dos Anjos, último romance do autor,
que nele colocou alguns traços seus, notadamente o alcoolismo e o histórico
familiar de loucura, transformando-o em uma “caricatura do seu criador”.
Essa coletânea de relatos autobiográficos na obra de Lima Barreto
não poderia excluir aquele que foi provavelmente o livro em que o autor mais
32
se expôs, o romance inacabado O cemitério dos vivos. Nele, o leitor é
apresentado a Vicente Mascarenhas, personagem que é internado no
hospital psiquiátrico por causa de seu problema envolvendo o alcoolismo.
Como aponta Hidalgo (2008): “o protagonista de O cemitério dos vivos,
Vicente Mascarenhas, traz inúmeras similaridades com o seu autor, num
excesso que leva à conclusão: um é o outro. A comparação entre as
anotações do diário e o romance flagra inúmeras passagens em que a ficção
tange a vida e vice-versa. Assim como Lima, Vicente ingressou no hospício
no Natal, reclamando da polícia e contando como o obrigaram a tirar a roupa
no ritual de admissão.”
3.8.4- O declínio intelectual de Lima Barreto manifesto em sua última
obra, Clara dos Anjos
Com relação a Clara dos Anjos, último romance escrito em apenas
dois meses por Lima Barreto, Barbosa (1981) afirma: "O argumento é pobre,
a fabulação um quase nada. [Lima Barreto] pensara em escrever na
mocidade um grande romance da escravidão, de que chegou a esboçar
alguns capítulos. Não pôde fazê-lo no declínio da vida. O escritor entrara em
visível decadência, já não apresentava a força dos primeiros tempos, o
ímpeto de que estão impregnadas, por exemplo, as páginas frementes do
Recordações do escrivão Isaías Caminha." E complementa: "O livro nasceu
fraco. Sem o élan dos primeiros romances."
33
4- MÉTODOS
Para efeito de estudo, a obra de Lima Barreto foi abordada em dois
componentes: a forma e o conteúdo. Como forma, entende-se a estrutura
básica (Dalgalarrondo, 2008), que será estudada através do uso de técnica
linguística. Quanto ao conteúdo, foi feita a análise de trechos de O cemitério
dos vivos e do Diário Íntimo de Lima Barreto, suas obras em que a
correspondência entre o autor e o narrador é quase completa e em que é
descrita a experiência da internação no manicômio. Foram evidenciados os
fragmentos em que o autor expressa dados importantes a respeito da
realidade encontrada no hospital psiquiátrico, bem como as descrições dos
doentes mentais, as visões a respeito da psiquiatria e da loucura e aspectos
psicológicos de interesse para a compreensão do que é exposto na obra.
Foram analisadas também as formas como a doença mental é representada
nos demais romances, através de seus personagens e dos rumos que eles
tomam na narrativa.
Na análise dos personagens e de seus percursos foram utilizados
conceitos desenvolvidos pelo linguista russo Mikhail Bakhtin (1895-1975),
como carnavalização e cronotopo. Motta (2006), em sua tese de doutorado,
mostra a pertinência da aplicação de conceitos bakhtinianos em relação à
obra de Lima Barreto.
Em relação à forma, foram obtidos alguns padrões de comparação
linguística entre as obras iniciais de Lima Barreto (Recordações do escrivão
34
Isaías Caminha e Triste Fim de Policarpo Quaresma) e a última que ele
escreveu, Clara dos Anjos. O cemitério dos vivos não entrou nessa análise
por tratar-se de obra inacabada, o que poderia enviesar os resultados. Foi
usado o software de estudos linguísticos Wordsmith Tools, em sua versão
3.0.
4.1- Elementos linguísticos extraídos dos corpora através do uso do
software WordSmith Tools
Para uso do software, as obras de Lima Barreto Recordações do
escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma e Clara dos
Anjos foram baixadas do sítio da internet www.bibvirt.futuro.usp.br
(Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa da USP). Também
foram baixadas as seguintes obras de outros escritores da língua
portuguesa, escritas em prosa, para constituírem corpora de referência: A
profissão de Jacques Pedreira (1911), de João do Rio, O Ateneu (1888), de
Raul Pompéia, Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, Inocência
(1872), de Visconde de Taunay, A escrava Isaura (1875), de Bernardo
Guimarães, Luzia-Homem (1903), de Domingos Olimpio, O cabeleira (1876),
de Franklin Távora, O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, O missionário
(1891), de Inglês de Souza, O Primo Basílio (1878), de Eça de Queirós, Os
sertões (1902), de Euclides da Cunha e Senhora (1875), de José de Alencar.
Tais obras foram escolhidas por terem sido escritas em época próxima
35
àquela em que Lima Barreto viveu, ilustrando o universo linguístico em que
ele esteve imerso.
Cada uma dessas obras foi dividida em sete partes
aproximadamente do mesmo tamanho. Cada uma dessas obras, então, deu
origem a sete subcorpora, que abrangem o início da obra até o limite de
cada uma dessas sete partes. Assim, o primeiro subcorpus engloba o
primeiro sétimo da obra, o segundo, os dois primeiros sétimos e assim em
diante. O esquema a seguir ilustra esse processo para os três primeiros
subcorpora gerados de uma obra em que cada sétima parte possui dois
capítulos de igual tamanho:
Fig. 3- Esquema mostrando o processo de geração dos subcorpora a partir dos
corpora literários.
Foram criados também dois corpora, um que foi chamado de corpus
de estudo (CE) e o outro nomeado corpus de referência (CR).
36
O CE foi elaborado a partir da junção das três obras de Lima
Barreto: Recordações do escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo
Quaresma e Clara dos Anjos. O CR, por sua vez, é o resultado da união das
demais obras literárias baixadas: A profissão de Jacques Pedreira, O
Ateneu, Dom Casmurro, Inocência, A escrava Isaura, Luzia-Homem, O
cabeleira, O cortiço, O missionário, O Primo Basílio, Os sertões e Senhora.
4.1.1- Uso da ferramenta Wordlist
Sobre os subcorpora criados como ilustrado na figura 3, foi utilizada
a ferramenta wordlist do programa WordSmith Tools. Dessa forma, foram
obtidas duas listas de palavras para cada subcorpus (uma em ordem
alfabética e outra ordenada por freqüência), além de dados estatísticos,
como número de types, tokens e índice type-token. Então, foi construída
uma tabela para cada obra literária, constando a evolução desses
parâmetros no decorrer da obra. Os dados ilustrados na tabela foram
também convertidos em gráfico. Dessa forma, foram comparados os índices
type-token das obras de Lima Barreto entre si e dessas com as obras do
corpus de referência, procurando-se por diferenças estatísticas.
Considerando-se a possibilidade de um empobrecimento semântico
no autor, a hipótese levantada é a de que ocorra uma diminuição do índice
type-token comparando-se a obra inicial com a obra final de Lima Barreto.
Para a análise estatística, foi usado o teste qui-quadrado para as
curvas do gráfico construído (type x token), tomando-se como referência um
37
mesmo valor no eixo das abscissas. O valor de significância foi estabelecido
em 5% (p<0,05).
4.1.2- Uso da ferramenta Keywords
As listas de frequência de palavras obtidas para o corpus de estudo
e o corpus de referência foram confrontadas, obtendo-se palavras-chave
através da utilização do teste estatístico do qui-quadrado (com nível de
significância de 5%). Essas palavras-chave foram então analisadas, em
busca daquelas que tinham relação com psicopatologia ou psiquiatria.
4.1.3- Uso da ferramenta Concord
Esse recurso foi usado com a finalidade de se encontrar todas as
ocorrências das palavras-chave, analisando o contexto em que elas
ocorreram.
38
5- RESULTADOS
5.1- Análise do conteúdo
5.1.1- Evolução da representação da doença mental na obra de Lima
Barreto
a) As obras iniciais (Recordações do escrivão Isaías Caminha e Triste
fim de Policarpo Quaresma)
Em Recordações do escrivão Isaías Caminha, observam-se duas
passagens que aludem explicitamente a situações que são estudadas pela
ciência psiquiátrica. Na primeira delas, o narrador em primeira pessoa faz
referência a um louco de rua nos seguintes termos:
(...) aparecia, na famosa subdivisão do velho quotidiano,
uma clareira de desinteresse, de afastamento do mundo, das cousas
vis e baixas. Era (...) um louco que parecia sorrir, na sua loucura,
das nossas brutais preocupações de cada dia. Pairava alto, muito
longe. (p. 208)
E mais adiante:
Os moços, como eu, tinham um grande prazer em ver como
superiormente brilhava, com altas virtudes, a loucura, naquele
39
trevoso enquadramento de baixos interesses, de injúrias e sordícia
monetária. (p.208)
Pode-se ver, nesse caso, que o autor idealiza a doença mental,
como sendo um estado superior que apresenta virtudes em relação à
vivência da realidade.
Em outro momento da mesma obra, o personagem Floc
(pseudônimo de Frederico Lourenço do Couto), crítico literário de O Globo,
comete suicido na redação do jornal. Tal incidente é interpretado pelo
narrador Isaías Caminha como uma espécie de redenção diante das
mazelas e da desonestidade intelectual que eram características da
sociedade da época, e mais especificamente do meio profissional em que
ele trabalhava, que as notícias do jornal eram fabricadas de acordo com
os interesses e as vaidades do dono e de seus protegidos. Assim, apesar da
antipatia que Isaías nutria por Floc no início do romance, ele passa a ter por
ele até certa admiração após seu suicídio, como aponta o seguinte excerto:
(...) fiquei tendo um imenso desprezo, com grande nojo, por
tudo quanto tocava às letras, à política e à ciência, acreditando que
todas as nossas admirações e respeitos não são mais que
sugestões, embustes e ilusões, fabricados por meia zia de
incompetentes que se apoiam e se impuseram a credulidade pública
e à insondável burrice da natureza humana.
Mas, se o meu desprezo e o meu aborrecimento por tudo
isso se não fizeram totais, foi porque por vezes senti neles, naqueles
40
redatores e repórteres que tinham o cofre das graças, grandes
dúvidas, grandes desesperos e fortes vacilações de consciência
sobre o próprio valor.
Houve um caso que, por trágico, me ficou eternamente
gravado e foi como a demonstração de que ainda havia no fundo de
alguns deles uma crença no rio, no Verdadeiro, na Perfeição.
(p.242)
Logo em seguida a essa passagem, Floc se mata com um disparo
de revólver na cabeça.
Outra situação relacionada à psiquiatria que ocorre em Recordações
de Isaías Caminha é o adoecimento mental de Lobo, gramático do jornal.
Diante dos inúmeros erros gramaticais cometidos por seus colegas, ele
enlouquece:
Lobo enlouquecera e estava recolhido ao hospício. A sua
mania era não falar nem ouvir. Tapava os ouvidos e mantinha-se
calado semanas inteiras, pedindo tudo por acenos. Ao médico que
lhe perguntou porque assim procedia, explicou, a muito custo:
Isto não é língua... o a posso ouvir... Tudo errado...
Que vai ser disto!
— E por que não fala?
41
Os erros são tantos, e estão em tantas bocas, que temo
que eles me tenham invadido e eu fale esse calão indecente...” (p.
251)
Aqui, observamos o caráter caricato e cômico da loucura manifesta
por esse personagem.
Em Triste fim de Policarpo Quaresma, são dois os personagens que
sofrem de distúrbios mentais: o próprio major Quaresma e Ismênia, filha do
general Albernaz.
Quaresma, patriota ardoroso, começa a estudar a cultura nacional e
o folclore, sem se dar conta de que estava sozinho nessa empreitada.
Assim, ao tentar incorporar tradições desconhecidas por todos, começa a
ser visto por seus vizinhos e colegas como excêntrico, como ilustrado na
seguinte passagem:
Tornava-se (...) preciso arranjar alguma coisa própria
original, uma criação da nossa terra e de nossos ares.
Essa ideia levou-o a estudar os costumes tupinambás; e,
como uma ideia traz a outra, logo ampliou o seu propósito e eis a
razão por que estava organizando um código de relações, de
cumprimentos, de cerimônias domésticas e festas, calcados em
preceitos tupis.
Desde dez dias que se entregava a essa árdua tarefa,
quando (era domingo) lhe bateram à porta, em meio de seu trabalho.
42
Abriu, mas não apertou a mão. Desandou a chorar, a berrar, a
arrancar os cabelos, como se tivesse perdido a mulher ou um filho.
A irmã correu lá dentro, o Anastácio também, e o compadre e a filha,
pois eram eles, ficaram estupefatos no limiar da porta.
— Mas que é isso compadre?
— Que é isso, Policarpo?
— Mas, meu padrinho...
Ele ainda chorou um pouco. Enxugou as lágrimas e, depois,
explicou com a maior naturalidade:
Eis aí! Vocês não têm a mínima noção das coisas da
nossa terra. Queriam que eu apertasse a mão... Isto não é nosso!
Nosso cumprimento é chorar quando encontramos os amigos, era
assim que faziam os tupinambás.
O seu compadre, a filha e dona Adelaide entreolharam-se,
sem saber o que dizer. O homem estaria doido? Que extravagância!
Mas senhor Policarpo disse-lhe o compadre —, é possível que
isto seja muito brasileiro, mas é bem triste compadre. (p.277)
Em outro momento, Quaresma também se expõe ao ridículo ao
tentar encenar, na festa de seu amigo Albernaz, uma brincadeira chamada
Tangolomango, aprendida de um velho poeta:
43
Quaresma fez o Tangolomango, isto é, vestiu uma velha
sobrecasaca do general, s uma imensa máscara de velho,
agarrou-se a um bordão curvo em forma de básculo, e entrou na
sala. (...)
Por aí, o major avançava, batia com o báculo no assoalho,
fazia: hu! hu! hu!; as crianças fugiam, afinal ele agarrava uma e
levava para dentro. Assim, ia executando com grande alegria da
sala, quando, pela quinta estrofe, lhe faltou ar, lhe ficou a vista
escura e caiu. Tiraram a máscara, deram-lhe algumas sacudidas e
Quaresma voltou a si. (p.277)
Por fim, o episódio em que Quaresma é internado em um
manicômio e torna-se alvo de chacota por parte de seus colegas de trabalho,
após escrever um ofício à mara dos Deputados em que solicita que a
língua oficial do Brasil passe a ser o tupi-guarani. Os deputados não
conseguem se conter diante da proposta absurda que é apresentada a eles:
O burburinho e a desordem que caracterizam o recolhimento
indispensável ao elevado trabalho de legislar, não permitiram que os
deputados o ouvissem; os jornalistas, porém, que estavam próximo
à mesa, ao ouvi-lo, prorromperam em gargalhadas, certamente
inconvenientes à majestade do lugar. O riso é contagioso. O
secretário, no meio da leitura, ria-se discretamente; pelo fim já ria-se
o presidente ria-se o oficial da ata, ria-se o contínuo toda a mesa
44
e aquela população que a cerca riram-se da petição, largamente,
querendo sempre conter o riso, havendo em alguns tão franca
alegria que as lágrimas vieram. (p.291)
Assim, nota-se que a loucura de Policarpo Quaresma é retratada de
modo bastante cômico, sendo a caricatura o recurso mais utilizado pelo
autor.
O outro personagem do mesmo romance que passa a sofrer de
distúrbios mentais no desenrolar da história é Ismênia, após ser deixada
pelo noivo, um estudante de odontologia. O sofrimento causado pelo
abandono é tão grande que ela definha progressivamente, até morrer. Seu
adoecimento mental é assim caracterizado:
(...) enlouquecera de uma loucura mansa e infantil. Passava
dias inteiros calada, a um canto, olhando estupidamente mudo, com
um olhar morto de estátua, numa atonia de inanimado, como que
caíra em imbecilidade; mas vinha uma hora, porém, em que se
penteava toda, enfeitava-se e corria à mãe dizendo:
Apronta-me, mamãe. O meu noivo não deve tardar... é
hoje meu casamento. Outras vezes recortava papel, em forma de
participações e escrevia: Ismênia de Albernaz e Fulano (variava)
participam o seu casamento.
45
O general consultara uma dúzia de médicos, o espiritismo
e agora andava às voltas com um feiticeiro milagroso; a filha, pom
não sarava, não perdia a mania e cada vez mais se embrenhava o
seu espírito naquela obsessão de casamento, alvo que fizeram ser
da sua vida a que não atingira, aniquilando-se, porém o seu espírito
e a sua mocidade em pleno verdor. (p. 367)
Vê-se, aqui, a loucura sendo decorrente do rompimento de uma
relação afetiva e tendo a função de afastar o indivíduo da insuportável
realidade de não ter sido desejado pelo outro. No interior da obra, fica claro
que Ismênia não nutre um amor genuíno por seu noivo, mas sente-se na
obrigação de casar-se por uma imposição social. Lima Barreto faz, portanto,
por intermédio desse personagem e de seu adoecimento mental, uma crítica
aos valores da sociedade da época.
b) As obras finais (O cemitério dos vivos e Clara dos Anjos)
b.1) A psicopatologia presente em O cemitério dos vivos e no Diário
Íntimo
Durante a permanência de Lima Barreto no Hospital Nacional de
Alienados, o mesmo descreveu vários pacientes que observou, e
futuramente eles passaram a figurar em sua obra. No início do capítulo III
46
das anotações para O cemitério dos vivos, o leitor é apresentado aos
companheiros de internação, retratados pelo narrador como “delirantes cujos
delírios mal compreendo, nessa incoerência verbal de manicômio, em que
um diz isto, outro aquilo, e que, parecendo conversarem, as idéias e o
sentido das frases de cada um dos interlocutores vão cada qual para o seu
lado” (p.1386), ao passo que “outros nada diziam, ou balbuciavam coisas
ininteligíveis” (p.1392). Essas o descrições de pessoas com associação
frouxa de idéias. Na mesma linha, é descrito um doente no capítulo VI do
mesmo livro, que
delira, e o seu delírio é típico, passa das coisas mais opostas e sem
intermédio algum logo, presente ou oculto. É muito difícil reproduzir
um delírio de um louco, principalmente o deste, que é de uma
incoerência inacreditável. Eu quis segui-lo e guardá-lo, de
memória, por escrito; mas nada pude conseguir, mesmo
aproximadamente. Ele acaba em casas de alugar, passa para o
curso dos rios, história da Guerra do Paraguai, etc. etc. (p.1399)
Essas alterações psicopatológicas também podem corresponder ao
que é chamado atualmente de fuga de ideias.
Outro paciente é descrito mais adiante, com estereotipia verbal e
desorganização do pensamento: “(...) um doente que esteve na minha seção
foi transferido para outra e lá espiava o A., que vivia pelas salas e corredores
a dizer coisas desconexas, palavrões, e repetir, a espaços, a palavra
47
pinacoteca, derivada e/ou acompanhada de outras, que não fazem sentido
com ela.” (p.1421)
O próprio Lima Barreto caracteriza como sendo próprio do delírio,
“não ligar nunca as idéias, às vezes só às palavras, outras vezes nem a uma
nem a outra coisa, para continuar a sua manifestação em estilhaços de
pensamentos, de uma que arrebentou sob a pressão da loucura” (p.1467), o
que é uma descrição do fenômeno de desagregação do pensamento.
Um paciente com alucinações é mostrado assim no capítulo IX: “Era
um rapaz pálido, de feições delicadas, franzino, que vivia sempre com um
lenço na cabeça, bem molhado (...) Uma noite, delirando, ele gritou: - Estão
me queimando a cabeça! Atinei logo com o seu delírio, e em breve ele
explicou todo o seu sofrimento imaginário (...)” (p.1411)
Ao se referir a um dos colegas de internação que cometeu um
homicídio, Lima Barreto descreve uma manifestação de atitude alucinatória
da seguinte forma:
(...) simples assassinos me apontaram três [pacientes]; um,
na Seção Pinel, e os dois restantes aqui.
O da Seção Pinel é um velho, que anda sempre
irrepreensivelmente vestido, muito limpo, engravatado e foi
empregado na Central, não sei com que título. Matou um colega,
não me disseram por que motivo; mas o certo é que a sua aparência
calma, de homem normal, causa um engano à primeira vista.
48
Passa assim dias, meses; mas vem um minuto, à noite ou
de dia, em que ele sai da seção, fazendo gestos de fúria, de raiva e
raivosamente a exclamar referindo-se à sua vítima:
— Dá-me um descanso, miserável! (p.1400)
Lima Barreto teve contato desde muito cedo com um indivíduo que
sofria de quadro delirante, seu próprio pai. Ele é assim retratado no Diário
Íntimo: “(...) não lhe afrouxa a mania que, cada vez mais, é uma só, não
varia: vai ser preso; a polícia vai matá-lo; se ele sair à rua, trucidam-no.
Coitado, o seu delírio cristalizou-se, tomou forma. Pobre de meu pai! Uma
vida cheia de trabalhos, de afanosos trabalhos, acabar assim nesse
misterioso sofrimento que compunge!” (p.1248). Aqui o autor fala de
cristalização do delírio, que tomou forma, mostrando seu caráter estável e
estruturado. Um pouco mais adiante, nova referência ao delírio do pai:
“Pobre insano. Não quer comer e é preciso forçá-lo, e as perseguições que
ele tem no espírito não o deixam sossegar.” (p.1249) Voltando ao Cemitério
dos Vivos, o leitor é apresentado a outro paciente delirante: “É um louco
clássico, com delírio de perseguição e grandeza. É um homem inteligente,
mas com cultura elementar, e o seu delírio desde que não se o interrogue
pela base, parece à primeira vista a mais pura verdade. No começo, ele me
enganou; e julguei certo tudo o que dizia, mas, por fim, ele me revelou toda a
sua psicose” (p.1391). Aqui, o autor demonstra compreender que o delirante
pode ser um indivíduo inteligente e que o derio necessita ser diagnosticado
pela sua base, a partir da qual surgem os conteúdos que o paciente
expressa, que podem ser verossímeis, dependendo do caso. Em outro
49
trecho, chama à atenção de Lima Barreto, o seguinte aspecto: “Os loucos
me pareciam pouco emotivos (...)” (p.1410), o que possivelmente
correspondia a uma alteração psicopatológica correspondente aos sintomas
negativos encontrados em psicóticos crônicos.
Encontramos também descrições de pacientes com quadros que
correspondem à catatonia. Como exemplo, pode-se destacar a seguinte
passagem do capítulo V:
Outro [paciente] silencioso interessante é um matuto de Cabo Frio,
que parece uma estátua. É de uma grande atonia, de uma inércia
que não se concebe. Para deitar-se, é preciso ser trazido para a
cama, mas logo se levanta e encosta-se à parede de um corredor e
fica, até que o tragam de novo. Ama o silêncio e estar de pé.
Encostado à parede, hirto, olhos parados, sem brilho nem expressão
qualquer, parece uma estátua egípcia, um cimélio de templo.
(p.1395)
Ou ainda: “Meu vizinho de dormitório é um rapaz cuja loucura reagiu
sobre o seu aparelho vocal a ponto dele mal falar e com esforço. Olha-me
estupidamente, e com um olhar parado e de um único brilho, e tem a mania
de incapacidade de ingerir qualquer alimento. Tudo se tem experimentado:
leite, frutas, até um irrigador; mas é em vão. Ele não ingere nada e, se
ingere à força, logo vomita, debilita-se e em suar às catadupas.” (p.1408)
50
No próximo excerto, do capítulo IV, Lima Barreto declara que o mutismo era
uma condição comum no Hospital Nacional de Alienados, como nos diz:
Coisa curiosa, entretanto, os formados nisto ou naquilo, que
me apontam aqui, quase todos eles são possuídos de uma mania
depressiva que lhes tira não só a enfatuação doutoral, como também
se voltam, em geral, a um silêncio perpétuo. Mostraram-me vários, e
todos eles eram de um mutismo absoluto. Contudo, um deles,
bacharel, o mais mudo de todos, na sua insânia, não se esquecera
do anel simbólico e, com um pedaço de arame e uma rodela de não
sei o quê, improvisara um, que ele punha à vista de todos, como se
fosse de esmeralda. (p.1391)
A puerilidade é também relatada em um paciente com idéias de
grandeza, no capítulo VIII de O Cemitério dos Vivos: “O Gato, era um velho,
a roçar pelos sessenta anos, cheio de uma loucura infantil de insultar, fazer
caretas e julgar-se muito (...)” No final do capítulo, o autor acrescenta um
diálogo que teve com Gato:
Ontem, ele me chamou confidencialmente e me disse:
— Você sabe de uma coisa?
— Não.
— Vou para São Paulo e lá me casar com uma filha do S. L.,
que tem noventa milhões de contos.
51
Ele não se contentava com pouco. (p.1409)
Mais um quadro clínico na galeria de personagens de O Cemitério
dos Vivos é a oligofrenia, descrita assim:
Era este um menino, moreno, completamente idiota. Tinha as
feições regulares, a não ser a boca, os olhos negros cravados nas
órbitas, e balbuciava que nem uma criança. Tinha poucas ideias e
quatro ou cinco palavras. Parece que tinha mais ideias que palavras.
Repetia:
— Papai é mau!
—F. é mau!
—Papai tem dinheiro!
—É mau!
—Que pena! (p.1410)
Um dos pacientes do Hospital que recebem descrição mais extensa
é F. P., com quadro de idéias de grandeza, irritabilidade, erotização,
labilidade afetiva e insônia, correspondendo muito provavelmente ao que
atualmente é conhecido como mania:
52
Há um doente aqui, F. P., em que eu vejo misturados o amor
e a presunção de inteligência e de saber. É o mais barulhento e
rixento da casa. Desde as cinco horas da manaté às sete ou oito
da noite, ri, vive a gritar, a berrar, proferindo as mais sórdidas
pornografias. Compra barulho com doentes e guardas, descompõe-
nos, como disse; mas, dentro em pouco, está ele abraçado com
aqueles mesmos com que brigou há horas, há dias.
muita coisa de infantil nas suas atitudes, nas suas
manias de amor, na estultice de se julgar com grande talento e
saber, de provir de uma raça nobre ou parecida. Diz-se descendente
de um revolucionário pernambucano, em sexta geração, e que foi
fuzilado.
Vi-lhe a letra e uma carta que escreveu a uma pessoa da
família. A letra é positivamente de tolo, graúda e redonda. Tem
sempre na boca a palavra formidável: meu talento é formidável;
tenho uma força formidável; o poder de Deus é formidável; H. é um
general formidável. A sua prosápia de educação, de homem fino e
de sala, não impede que, por aquela palha, empregue os
termos mais chulos e porcos. Uma hora diz do médico, do chefe da
seção, dos companheiros e amigos os maiores elogios; daqui a
pouco, está a descompô-los com os seus termos habituais.
Fila os jornais do médico, mas para tê-los embaixo do
braço, pois não os e nota-se mesmo em todos os seus atos,
53
gestos e palavras, uma falta de seriação, uma instabilidade mental,
mais fácil de perceber, quando se lhe expõe qualquer coisa, do que
quando ele pretende narrar um fato ou contar uma anedota. O
orgulho dele, além do pai, que é totalmente desconhecido, está nos
irmãos, formados nisso e naquilo; entretanto, não o pai, mas estes
últimos não escapam da sua língua nas horas de fúria. Tem a
acompanhá-lo um guarda particular, que faz pena vê-lo sofrer com
ele. A toda a hora e a todo instante, além de outros insultos, está a
pôr-lhe na cara que ele ganha sessenta mil-réis para servi-lo.
O velho quer despedir-se, mas, ao que parece, ele precisa
muito dessa miséria de ordenado. Não é lá muito velho, mas sofre já
de decrepitude. Foi guarda-civil, guarda do hospício e, nesse seu
último quartel da vida, para ter com o que viver, tem de aturar o mais
insuportável louco que eu tenho conhecido na minha longa
convivência com os loucos. Mania de grandeza, delírio de saber, de
família, de valentia e de coragem, uma agitação que não o faz
dormir, nem deixa o seu guarda dormir, tudo nela concorre para
fazê-lo, nesta sombria cidade de lunáticos, uma espécie à parte, e
supliciar os que são encarregados de sua vigilância. (p.1389)
Neste trecho, Lima Barreto mostra o quanto é difícil lidar com
pacientes com excitação psicomotora e quadros que atualmente são
54
caracterizados como maníacos. A seguir, é apresentado mais um paciente
com idéias de grandeza:
Há, em muita coisa, um fundo de verdade, mas a exaltação
da sua personalidade, a grande conta em que ele tem dos seus
talentos, ora de médico, ora de dentista, ora de engenheiro, o seu
delírio de grandeza monetária, soa, na verdade que se sente em
algumas de suas palavras, como uma nota falsa. A mãe é rica,
acaba de receber dois mil contos, os irmãos, cada um tem dois mil
contos, etc. etc. Ele mesmo tem tido muito dinheiro e tem dado.
Promete-me mundos e fundos. Pijamas de seda, passeios a
Petrópolis, dinheiro a qualidade tudo bom e fino, vindo do
estrangeiro para ele (...). Em toda a sua narração de passeios, etc.,
não se esquece nunca de dizer o preço do custo das coisas. Apesar
de sua prosápia sabichona, é de uma ignorância crassa. Erra na
ortografia como uma criança de colégio e a sintaxe é um deus-nos-
acuda. (p.1393)
Encontram-se também no Cemitério dos Vivos pacientes que o autor
caracteriza como epilépticos (“Este último [paciente], que já foi do meu
dormitório, é um rapazola de seus dezoito anos, que tem uns ataques de
forma epiléptica”), paralíticos, que na época eram comuns em virtude da alta
prevalência de neurossífilis (“Era este um estudante, que tivera um ataque e
vivia no hospital, para curar os efeitos do insulto, que o deixara
55
semiparalítico.”) e simuladores (“O outro uxoricida militar parece-me não ter
nada [referente a doença mental]. Creio que ele está aqui para fugir a
cárcere mais duro. Não se pode compreender este homem assassino; é
polido, culto, gosta de leitura e de conversar coisas superiores.”).
Enquanto a maior parte dos quadros psicopatológicos é descrita por
Lima Barreto em pacientes que conheceu durante a sua internação
psiquiátrica, a depressão é apresentada ao leitor no relato em primeira
pessoa, sendo o narrador o próprio escritor ou seu alter-ego Vicente
Mascarenhas, protagonista de O cemitério dos vivos. O estado afetivo deste
fica evidente na seguinte passagem daquele romance, no início do capítulo
VII:
Dia de São Sebastião. Um dia feio, nevoento. Olho a baía de
Botafogo, cheio de tristeza. Não acho tão bela como sempre achei.
Os longes dos Órgãos não se vêem; estão mergulhados em névoa.
As montanhas de Niterói estão sem o cobalto de sempre; e as
manchas de cortes e chanfraduras nelas aparecem como chagas. O
casario está mergulhado, confuso, não se desenha bem no
horizonte. Tudo é triste (...).” Fica claro, aqui, como o estado de
humor influencia na percepção da realidade, acentuando o caráter
cinzento e feio daquele “dia de São Sebastião”. (p.1401)
No Diário Íntimo, aparecem outras descrições evidentes de vivências
depressivas intensas por parte do escritor, como na seguinte passagem
escrita em 16 de outubro de 1908:
56
Vai me faltando a energia. não consigo ler um livro
inteiro, já tenho náuseas de tudo, já escrevo com esforço. Só o
álcool em dá prazer e me tenta... Oh! Meu Deus! Onde irei parar?
Tenho um livro (trezentas ginas manuscritas), de que falta
escrever dois ou três capítulos. Não tenho ânimo de acabá-lo. Sinto-
o besta, imbecil, fraco, hesito em publicá-lo, hesito em acabá-lo.
É por isso que me dá gana de matar-me; mas a coragem me
falta e me parece que é isso que me tem faltado sempre. (p.1283)
Em 20 de abril de 1914, o tom pessimista e de fracasso persiste,
além do conteúdo de morte e a associação do uso de álcool:
Não tenho editor, não tenho jornais, não tenho nada. O
maior desalento me invade. Tenho sinistros pensamentos. Ponho-
me a beber; paro. Voltam eles e também um tédio da minha vida
doméstica, do meu viver quotidiano e bebo. Uma bebedeira puxa a
outra e lá vem a melancolia. Que círculo vicioso! Despeço-me de um
por um dos meus sonhos. prescindo da glória, mas não queria
morrer sem uma viagem à Europa, bem sentimental e intelectual,
bem vagabunda e saborosa, como a última refeição de condenado à
morte. (p.1305)
57
Voltando ao Cemitério dos Vivos, o autor mostra como a vivência
depressiva interferia negativamente na produção criativa, deixando-o em um
estado de apatia e desalento:
Atolava-me na bebida, no desgosto e na apreensão...
Pensava bem em morrer, mas me faltavam forças para buscar a
morte. Comprava livros e não os lia. Planejava estudos e não os
fazia. Delineava obras e não as realizava. Minha capacidade
inventiva e criadora, a minha instrução técnica e a minha pretensão
eram insuficientes para fabricar um Náutilus, e eu bebia cachaça.
(p.1407)
Talvez o relato mais pungente do sofrimento do escritor seja o
seguinte, em que nem a morte é capaz de trazer o alívio:
Veio-me, repentinamente, um horror à sociedade e à vida;
uma vontade de absoluto aniquilamento, mais do que aquele que a
morte traz; um desejo de perecimento total da minha memória na
terra; um desespero por ter sonhado e terem me acenado tanta
grandeza, e ver agora, de uma hora para outra, sem ter perdido de
fato a minha situação, cair tão, tão baixo, que quase me pus a chorar
que nem uma criança. (p.1448)
58
Por fim, a doença que levaria Lima Barreto à decadência física e à
morte, o alcoolismo, é relatada por ele em anotação do dia 5 de setembro de
1917 no Diário Íntimo:
De muito sabia que não podia beber cachaça. Ela me
abala, combale, abate todo o organismo, desde os intestinos até à
inervação. Já tenho sofrido muito com a teimosia de bebê-la. Preciso
deixar inteiramente.
No dia 30 de agosto de 1917, eu ia para a cidade, quando
me senti mal. Tinha levado todo o s a beber, sobretudo parati.
Bebedeira sobre bebedeira, declarada ou não. Comendo pouco e
dormindo sabe Deus como. Andei porco, imundo.
Ia para a cidade, quando me senti mal. Voltei para casa,
muito a contragosto, pois o estado de meu pai, os seus incômodos,
junto aos meus desregramentos, tornam-me a estada em casa
impossível. Voltei, porque não tinha outro remédio.
Deitei-me, vomitei e andava com fluxo de sangue, que me
levava à latrina freqüentemente. Numa das vezes em que fui, caí e
fiquei como morto. Meus irmãos acudiram-me e trouxeram-me a
braços(...). Não sei o que se passou; o que sei é que as senhoras da
vizinhança acudiram e eu despertei duas horas depois com
equimoses nos tornozelos e cercado por elas, cheias de susto.
59
Chamaram médico (...); e estou sofrendo a medicação mais
penosa que me podia ser imposta. Estou em dieta de fruta e água de
arroz, pois o meu organismo tem déficit.
Se não deixar de beber cachaça, não tenho vergonha.
Queira Deus que deixe. (p.1318)
Observa-se aqui o sofrimento físico e mental por que passou Lima
Barreto em função do alcoolismo, com relato de sintomas gerais e
gastrointestinais. As equimoses relatadas, bem como o sangramento
digestivo são manifestações comuns em doentes terminais, em função de
comprometimento hepático.
b.2) A doença mental em Clara dos Anjos
O quadro psicopatológico predominantemente descrito em Clara dos
Anjos é o alcoolismo. Um dos personagens apresentados ao leitor com esse
transtorno é Leonardo Flores. Assim ele é descrito pelo narrador:
Aparecia, também, em certas ocasiões, o Leonardo Flores,
poeta, um verdadeiro poeta, que tivera o seu momento de
celebridade no Brasil inteiro e cuja influência havia sido grande na
geração de poetas que se lhe seguiram. Naquela época, porém,
devido ao álcool e desgostos íntimos, nos quais predominava a
loucura irremediável de um irmão, não era mais uma triste ruína de
60
homem, amnésico, semi-imbecilizado, a ponto de não poder seguir o
fio da mais simples conversa. (p.677)
O narrador expõe, através das características de Flores, as
consequências cognitivas do consumo prolongado de álcool, em um quadro
semelhante ao que atualmente se chama demência alcoólica. Outro
personagem que sofre das sequelas tardias do alcoolismo é Meneses:
Meneses (...) estava amalucado, monomaníaco. Fugia de
todas as conversas e teimava em expor o seu sistema de carro
motor, sem rodas, absolutamente sem rodas (...). Suprimo as rodas
da minha “andotiva” assim que o meu aparelho se chama) e imito
o meio de locomover-se dos animais terrestres (...). Falava, falava
sobre a sua sonhada — andotiva — e bebia parati. (p.736)
Os destinos de Leonardo Flores e de Meneses são trágicos. Após
uma noite em que ambos bebem juntos, Meneses morre e Leonardo
enlouquece definitivamente, após ver o cadáver do amigo:
Leonardo (...) ao dar com Meneses ao lado, procurou
acordá-lo. Foi em vão; o velho estava morto. Um colapso cardíaco o
tinha levado (...).
Não dera fé, Leonardo, que alguns transeuntes haviam
parado, para ouvir as suas palavras e ver os seus estranhos
trejeitos. Os mais curiosos se aproximaram e deram com aquele
61
estranho e bizarro espetáculo de um homem, que parecia louco ou
bêbedo, a pronunciar coisas incompreensíveis e a gesticular, diante
de um pobre velho morto. Chamaram a pocia, e foi Leonardo,
gesticulando, e falando só, para a delegacia. Meneses tomou o
caminho do necrotério, após fotografias e outras precauções
policiais.
O primeiro movimento do policial que recebeu Leonardo foi
recebê-lo incontinenti para o hospício ou lugar equivalente. Na
verdade, o poeta não dizia coisa com coisa; nem mesmo quem era,
informava. (p.740)
Percebe-se que o alcoolismo é retratado, através dos personagens
mencionados, como uma condição que leva o indivíduo à degradação física
e mental, à morte ou à loucura. Aqui, ela é vista não como um escape, mas
como a via final de uma deterioração da pessoa.
5.1.2- A visão de Lima Barreto sobre a psiquiatria
O modo como Lima Barreto enxergava a instituição hospitalar
psiquiátrica e os fundamentos da Psiquiatria são evidenciados em várias
partes de seu Diário Íntimo e do Cemitério dos Vivos.
Duas figuras conhecidas na história da psiquiatria, Juliano Moreira e
Henrique Roxo, são mencionadas logo no início de O Cemitério dos Vivos.
62
Ao se referir ao primeiro, queixa-se do modo como ele supostamente
aplicaria de maneira cega conceitos que vinham da Psiquiatria européia e da
pouca empatia que, a seu ver, ele desenvolvia com os pacientes:
Tinha que ser examinado pelo Henrique Roxo. quatro
anos, nós nos conhecemos. É bem curioso esse Roxo. Ele me
parece inteligente, estudioso, honesto; mas não sei por que não
simpatizo com ele. Ele me parece desses médicos brasileiros
imbuídos de um ar de certeza de sua arte, desdenhando
inteiramente toda a outra atividade intelectual que não a sua e pouco
capaz de examinar o fato por si. Acho-o muito livresco e pouco
interessado em descobrir, em levantar um pouco o véu do mistério
que mistério! que na especialidade que professa. os
livros da Europa, dos Estados Unidos, talvez; mas não lê a natureza.
Não tenho por ele antipatia; mas nada me atrai a ele. (p.1380)
Juliano Moreira é retratado de maneira mais positiva, e a ele o
autor é grato por -lo deixado permanecer na Seção Calmeil, com acesso à
biblioteca que o ajudou a passar a tempo durante a sua permanência no
hospital: “Na segunda-feira, ates que meu irmão viesse, fui à presença do
doutor Juliano Moreira. Tratou-me com grande ternura, paternalmente, não
me admoestou, fez-me sentar a seu lado e perguntou-me onde queria ficar.
Disse-lhe que na Seção Calmeil. Deu ordens ao Santana e, em breve,
estava eu.” (p.1382)
63
De uma maneira geral, os médicos são vistos com grande
desconfiança pelo narrador de O Cemitério dos Vivos, que os considera
pessoas pouco reflexivas que, guiadas por modismos científicos, poderiam
usar os pacientes como objetos de teste para tratamentos inadequados,
como mostra o trecho abaixo:
Eu passei, desde a minha entrada no pavilhão, nas mãos de
cinco médicos. Os daquela primeira dependência, já falei; os da
Seção Pinel, aludi. Principalmente ao adjunto ou que outro nome
tenha. Não falei do chefe do serviço. Era um moço da minha idade,
conhecido da rua, mas conforme meu hábito, que ele não se deu
a conhecer, eu o me dei também. Em rigor, ali, doente indigente,
pária social, a mais elementar dignidade fazia eu não o fizesse e, por
estar em tal estado, temia-o muito. Sentia, não sei por quê, nesse
rapaz, um grande amor à novidade, uma pressa e açodamento,
muito pouco científicos, em experimentar o “remédio novo”.
Percebia-se pelo seu ar abstrato, distraído, que era homem de
leituras, de estudos; mas também, por não sei que ar de fisionomia,
ou de olhar, que era inquieto e sôfrego. Faltavam-lhe a capacidade
de meditação demorada, da paciência de examinar durante muito
tempo o pró e o contra de uma questão; não havia nele a
necessidade da reflexão sua, de repensar o pensamento dos outros
até admitir como sua a evidência, tida por um outro como tal. Essa
sua falta de método, junto a minha condição de desgraçado, davam-
me o temor de que ele quisesse experimentar em mim um processo
64
novo de curar alcoolismo em que se empregasse uma operação
melindrosa e perigosa. (...) Pouco lógicos, por isso demasiadamente
objetivos; impacientes, por isso aceitando em globo a “autoridade”
arriscam-se a de boa fé cometer os erros mais grosseiros e funestos
no exercício de sua profissão. Falta-lhes crítica, não a mais
comum, mas também a necessária do grau de certeza da
experiência e dos instrumentos em que as refazem. (p.1483)
Ao ser entrevistado por Henrique Roxo na admissão ao hospital,
Lima Barreto responde com ironia: “(...) disse-lhe que tinha sido posto ali por
meu irmão, que tinha na onipotência da ciência e a crendice do hospício.
Creio que Ele não gostou.” (p.1380) Ele também desqualifica a psiquiatria
em: “Caído aqui, todos os médicos temem r logo o doente na rua. A sua
ciência é muito curta, muito prevê; mas seguro morreu de velho e é melhor
empregar o processo da Idade Média: a reclusão.” (p.1399)
A crítica que se observa acima aos psiquiatras é parte de uma crítica
maior, que o autor faz reiteradamente ao cientificismo e à doutrina filosófica
que o apoiava e estava em voga na época, o Positivismo de Augusto Comte:
“Esqueci-me um momento dos meus propósitos de alto debate metafísico,
de ferir a Ciência nas suas bases e contestar-lhe esse caráter de confidência
dos Deuses, que os pedantes querem dar-lhe, para justificarem a vaidade de
que tresandam, por saber dela um poucochito, levando, com as suas
asserções arrogantes, tristeza no coração dos outros e discórdia entre os
65
homens.” (p.1436) No mesmo livro de onde é tirada essa citação, O
Cemitério dos Vivos, encontramos outra em que Lima Barreto admite ter sido
adepto do Positivismo em sua juventude, para depois se distanciar do
mesmo por considerá-lo dogmático, assim como as religiões: “A minha
passagem pelo positivismo foi breve e ligeira. Frequentei o apostolado cerca
de um ano; mas, apesar de me ter convencido de muita coisa na escola, eu,
até hoje, nunca pude acreditar que aquele conjunto de doutrinas, capazes de
falar e seduzir inteligências, fosse capaz de arrebatar corações com o ardor
e o fogo de uma fé religiosa.” (p.1432)
No entanto, observa-se que a postura de Lima Barreto em relação à
ciência e à psiquiatria é ambivalente. Ao mesmo tempo em que as ataca,
manifesta crença de que futuramente existiriam tratamentos eficazes para
controlar a doença mental e para tornar a internação do doente menos
traumática. Ao contar como foi levado ao hospital psiquiátrico dentro de um
carro blindado, complementa: “Por mais passageiro que seja o delírio, um
ergástulo ambulante [o carro-forte] dessa conformidade pode servir para
exacerbá-lo mais e tornar odiosa aos olhos do paciente uma providência que
pode ser benéfica. A medicina, ou a sua subdivisão que qualquer outro
nome possua, deve dispor de injeções ou que for, para evitar esse
antipático e violento recurso, que transforma um doente em assassino nato
involuído para fera.” (p.1444)
Podem-se fazer com relação a esse fragmento, algumas
considerações importantes. Em primeiro lugar, o uso da palavra ergástulo
que segundo o dicionário Houaiss, em sua versão eletrônica, significa “na
66
Roma antiga, cárcere em que se confinavam os escravos”, denota que o
autor atribuía ao preconceito racial o modo como foi tratado antes de sua
internação. No entanto, ao escrever que esse ato “só pode servir para (...)
tornar odiosa aos olhos do paciente uma providência que pode ser benéfica”,
reconhece que em determinadas situações a internação é necessária, e não
necessariamente recurso cruel ou destituído de propósito humanitário. Por
fim, ao se referir à “medicina, ou a sua subdivisão que qualquer outro nome
possua”, reconhece que a psiquiatria é um ramo daquela, em consonância
com o pensamento da época. O desejo de que fosse encontrada uma cura
para as doenças mentais aparece no próximo fragmento, também de O
Cemitério dos Vivos: “(...) o queria que determinassem a origem, ou
explicação [da loucura]; mas que tratassem e curassem as mais simples
formas.” (p.1389)
O autor deixa entrever que, antes de ser internado, pertencia a um
círculo da intelectualidade que possuía preconceito contra os psiquiatras,
mas após ter contato com um deles no hospital, é obrigado a rever as suas
posições: “No dia seguinte à minha entrada na seção e no outro imediato, fui
à presença do médico. É um rapaz do meu tempo e deve ter a minha idade;
conheci-o estudante; ele, porém, não me conheceu por esse tempo. Nos
nossos jornalecos troçamo-lo muito. Eu, porém, não me lembro de qualquer
pilhéria a seu respeito feita por mim. Ele me tratou muito bem, auscultou-me,
disse-lhe tudo o que sabia das conseqüências do meu alcoolismo e eu saí
do exame muito satisfeito por ter visto no moço uma boa criatura, que não
guardava rancor das troças que ele bem podia atribuir a mim.” (p.1384)
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Como argumento contrário às teses de que os internos do hospital
psiquiátrico necessariamente sofriam violência e que não havia motivação
humanista que justificasse as internações, cita-se o seguinte trecho que
descreve o estado de alguns pacientes: “Olham-se os quartos e todos
aqueles homens, muitas vezes moços, sem moléstia comum, que não falam,
que não se erguem nem da cama para exercer as mais tirânicas e baixas
exigências da nossa natureza, que se urinam, que se rebolcariam no próprio
excremento, se não fossem os cuidados dos guardas e dos enfermeiros
(...)”. (p.1463)
Inclusive, Lima Barreto chega a se referir aos funcionários do
hospital que eram responsáveis por tomar conta dos internos com alguma
ternura e comiseração:
Dias, desde esse tempo, e parece que já mesmo antes,
nunca largou esse ofício de pajear malucos. Não é dos mais
agradáveis e é preciso, além de paciência e resignação para aturá-
los, uma abdicação de tudo aquilo que faz o encanto da vida de todo
o homem. É ele, por assim dizer, obrigado a viver no manicômio,
podendo ir ter com a família, ou o que com isso se parece, a longos
intervalos, demorando-se pouco no lar. Ouvir durante o dia e a noite
toda a sorte de disparates, receber as reclamações mais
desarrazoadas e infantis, adivinhar as manhas, os seus truques e
dissimulações tudo isto e mais o que se pode facilmente
adivinhar, transforma a vida desses guardas, enfermeiros, num
verdadeiro sacerdócio.
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Estive mais de uma vez no hospício, passei por diversas
seções e eu posso dizer que me admirei que homens rústicos, os
portugueses, mal saídos da gleba do Minho, os brasileiros, da mais
humilde extração urbana, pudessem ter tanta resignação, tanta
delicadeza relativa, para suportar os loucos e as suas manias. Nem
todos são insuportáveis; na maioria, são obedientes e dóceis; mas
os poucos rebeldes e aqueles que se enfurecem, de quando em
quando, são por vezes de fazer um homem perder a cabeça.
Tratarei deles mais minuciosamente. Pois o meu Dias, apesar dos
gritos, dos gestos de mando, é um homem talhado para pastorear
doido, tanto ele como Santana, cuja seção é mais trabalhosa, mas
que eu deixei, não porque ele não me tratasse bem, o que ele fez
espontaneamente, mas para ter às ordens a biblioteca da Seção
Calmeil (...) (p.1383)
Quanto ao tratamento que recebeu durante a internação, Lima
Barreto afirma: “Aborrece-me este hospício. Eu sou bem tratado; mas me
falta ar, luz, liberdade.” (p.1402) Porém, mais uma vez o autor é
ambivalente, e em outra parte afirma: “Os guardas, em geral, principalmente
os do pavilhão e da seção dos pobres, têm os loucos na conta de sujeitos
sem nenhum direito a um tratamento respeitoso, seres inferiores, com os
quais eles podem tratar e fazer o que quiserem.” (p.1396)
Para ilustrar que a internação de Lima Barreto não foi desmotivada,
pode-se citar várias falas em que ele mostra o estado de degradação física
ao qual chegou devido ao uso abusivo de álcool:
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Não me preocupava com o meu corpo. Deixava crescer o
cabelo, a barba, não me banhava a miúdo. Todo o dinheiro que
apanhava bebia. Delirava de desespero e desesperança; eu não
obteria nada.
Outras muitas [coisas] me aconteceram, mas são banais a
todos os bebedores. Dormi em capinzais, fiquei sem chapéu
roubaram-me mais de uma vez quantias vultuosas. Um dia,
furtaram-me cerca de quinhentos mil-réis e eu amanheci sentado a
uma soleira, na praça da Bandeira, com mil-réis no bolso, que, creio,
me deixaram por comiseração os que me roubaram. (p.1387)
A seguir, ele descreve a situação em que se encontrava quando foi
internado: “(...) penetrei no pavilhão calmo, tranqüilo, sem nenhum sintoma
de loucura, embora toda a noite tivesse andado pelos subúrbios sem
dinheiro, a procurar uma delegacia, a fim de queixar-me ao delegado das
coisas mais fantásticas dessa vida, vendo as coisas mais fantásticas que se
possa imaginar. No começo, eu gritava, gesticulava, insultava,
descompunha; dessa forma, vi-as familiarmente, como a coisa mais natural
deste mundo. Só a minha agitação, uma frase ou outra desconexa, um gesto
sem explicação denunciavam que eu não estava na minha razão.” (p.1388)
Dessa forma, percebe-se, pelo relato do próprio autor, que ele sofria
de alterações mentais importantes, que colocava sua vida em permanente
risco. Ele mesmo reconheceu isso e passou a ter medo do que lhe poderia
acontecer se recebesse alta prematura da internação: “O médico me
70
ofereceu alta, mas não aceitei já, porque quero sair depois do carnaval.
Demais, eu penso que o tal delírio me possa voltar, com o uso da bebida.”
(p.1388)
5.1.3- O Hospício Pedro II retratado em O cemitério dos vivos
Lima Barreto, após ter sido internado duas vezes no Hospício Pedro
II, deixa a seguinte descrição do mesmo no Capítulo 3 de O cemitério dos
vivos:
O hospício é bem construído e seria adequado, se não
tivesse quatro vezes o número de doentes para que foi planejado. É
obra de iniciativa individual, e a sua construção, pode-se dizer, foi
custeada pela caridade pública. Nas dádivas e doações, como
sempre, nas obras, muito concorreram os portugueses que
enriqueceram no comércio. Os chãos parece que eram da Santa
Casa, mas o edifício propriamente é resultado de dádivas e
doações. É grande de fachada, com fundo proporcional, acabamento
e remates cuidadosos, um pouco sombrio no andar térreo, mais
devido aos acréscimos, do que ao plano primitivo, que se adivinha.
Acabado de construir em 1852, todo ele trai, no aspecto exterior, ao
gosto pseudoclássico da Revolução e do Império Napoleônico. O
seu arquiteto, Domingos Monteiro, foi certamente discípulo da antiga
Academia de Belas-Artes e certamente d arquiteto Grandjean de
Montigny. É de aspecto frio, severo, solene, com pouco movimento
71
nas massas arquiteturais. Custou naquela época cerca de mil e
quinhentos contos, e por aí se pode avaliar a tenacidade de José
Clemente [Pereira], que o que o ideou e o ergueu, no espaço curto
de dez anos (...) Interiormente é dividido em salões e quartos,
maiores e menores, com janelas todas para o exterior, e portas para
os corredores, que olham para os pátios internos. O meu dormitório
ficava no extremo da ala esquerda do edifício (...) e as camas
ficavam encostadas ao longo das quatro paredes. Tinha três janelas
de sacada para a rua, mas eram inteiramente gradeadas. Via-se o
jardim, a rua, os bondes e a montanhas de Niterói e Teresópolis.
(p.1465)
No final do Capítulo 1, outra referência com relação às
qualidades arquitetônicas do hospital, que Lima Barreto considerava
adequadas para seu propósito:
O hospício é bem construído e, pelo tempo em que o
edificaram, com bem acentuados cuidados higiênicos. As salas são
claras, os quartos amplos, de acordo com a sua capacidade e
destino, tudo bem arejado, com o ar azul dessa linda enseada de
Botafogo que nos consola na sua imarcescível beleza (...). (p.1382)
Lima Barreto conta que dividia quarto com mais dezenove internos.
Apesar de elogiar a construção do hospício, o autor reclama das condições
72
enfrentadas pelos doentes em seu interior, na maioria pessoas dos
segmentos inferiores da sociedade:
O mobiliário, o vestuário das camas, as camas, tudo é de
uma pobreza sem par. O acúmulo dos doentes, o sombrio da
dependência que fica no andar térreo e o pátio interno é quase
ocupado pelo pavilhão das latrinas de ambos os andares tirando-
lhe a luz tudo isso lhe dá má atmosfera de hospital, de emanação de
desinfetantes, uma morrinha terrível. Os loucos são de
proveniências as mais diversas; originam-se, em geral, das camadas
mais pobres da nossa gente pobre. São pobres imigrantes italianos,
portugueses, espanhóis e outros mais exóticos; são negros roceiros,
que levam a sua humildade, teimando em dormir pelos desvãos das
janelas sobre uma esteira ensebada e uma manta sórdida; são
copeiros, são cocheiros, cozinheiros, operários, trabalhadores
braçais e proletários mais finos: tipógrafos, marceneiros, etc.
(p.1381)
Outro dado interessante fornecido por Lima Barreto é a grande
proporção de negros na população internada e o fato de vários deles
andarem nus: “Alguns não suportam roupa no corpo, às vezes totalmente,
outras vezes em parte. Na Seção Pinel, num pátio que ficavam os mais
insuportáveis, dez por cento deles andavam nus ou seminus. Esse tio é a
coisa mais horrível que se possa imaginar. Devido à pigmentação negra de
73
uma grande parte dos doentes recolhidos, a imagem que se fica dele, é
que tudo é negro. O negro é a cor mais cortante, mais impressionante; e
contemplando uma porção de corpos negros nus, faz ela que as outras se
ofusquem no nosso pensamento.” (p.1463)
De acordo com o autor, o número de internos na Seção Pinel, a
primeira pela qual ele passou, era “de quase duas centenas.” (p.1459)
De certa forma, a estrutura do manicômio reflete a da sociedade, ao
haver pacientes que o autor denomina como “de primeira classe”, que têm
tratamento diferenciado e direito a trazerem seus próprios enfermeiros, com
os quais Lima Barreto não simpatiza: “Os enfermeiros, na seção em que
estou, são em geral bons. Há, porém, uma casta deles que não presta. São
os tais particulares. Estes são aqueles que os doentes abastados das
primeiras classes são autorizados a trazer.” (p.1395)
Com relação à rotina, é destacado que a maior parte do tempo era
marcada pelo ócio ou por atividades referentes à manutenção do
funcionamento da instituição, como a limpeza de pátios e dos banheiros e a
preparação da comida:
Vivi assim cerca de uma semana, condenado ao silêncio e
ao isolamento mais estúpidos que se podem imaginar, junto a uma
quase imobilidade de preso na solitária. Foram dias atrozes e por
isso, por isso, os que padeci no pavilhão; mas, em breve, depois
que um dico (...) ter-me minuciosamente examinado o estado
74
mental e nervoso, a monotonia do pátio foi quebrada com o fazer eu
as refeições no comedouro dos enfermeiros. (p.1449)
Em outros fragmentos: “(...) e fui com outros levado a lavar o
banheiro. Depois de lavado o banheiro, intimou-nos o guarda (...) a tomar
banho.” (p.1447) e “Os corredores, salões e quartos são encerados e, de
manhã, antes e depois do café, de parceria, empregados e doentes dão cera
ao assoalho e esfregam-no com escovas presas a grandes tocos de madeira
pesada ou aos pés, por atilhos.” (p.1477) Não foi encontrado no texto de O
cemitério dos vivos nenhuma referência ao tratamento moral como
concebido por Philippe Pinel.
Um hábito muito comum entre os internos era o de fumar, que é
relatado várias vezes no texto de Lima Barreto, como a seguir: “Os cigarros
que [eu] tinha, fumava-os um sobre o outro, guardando as pontas para
fabricar novos, com papel comum de jornal. Fumar assim era um meio de
afastar o tédio.” (p.1448) Ou ainda: “A loucura do cigarro. Um doente,
homem rústico, tipo de nosso roceiro, veio para o meu dormitório. Nos
primeiros dias, passou bem; mas, não recebendo visitas e,
consequentemente, fumo ou cigarro, perdeu a quietude e ficou doido.”
(p.1424)
A monotonia da rotina no manicômio era superada quando ocorria
uma fuga de internos, ou quando havia um motim, que é descrito na
seguinte passagem:
75
Revolta dos presos na casa-forte, às sete horas da noite.
Baderna, etc. A revolta é capitaneada pelo D.E., o tal que subiu no
telhado. Estão chegando bombeiros e força de polícia. Previ isto. Os
revoltosos são vizinhos de quase metade da Seção Pinel. Armaram-
se de trancas. Vejo-os de cima. O resto da Seção Pinel mantém
calma. A nossa está quase sem guardas nem enfermeiros, mas a
atitude de todos é de curiosidade. Um acontecimento desses quebra
a rotina e distrai. (...) A rua encheu-se; um movimento de carros,
automóveis com personagens, e força de polícia e bombeiros; há
toques de corneta — um aspecto de grosso motim. (p.1422)
5.1.4 - A visão de Lima Barreto sobre o caráter da doença mental
Lima Barreto, apesar de ter descrito vários estados psicopatológicos
durante o tempo em que permaneceu internado no Hospício Dom Pedro II,
afirma em O cemitério dos vivos que o percebe maneira de classificar os
loucos: “Que dizer da loucura? Mergulhado no meio de quase duas dezenas
de loucos, não se tem absolutamente uma impressão geral dela. Há, como
em todas as manifestações da natureza, indivíduos, casos individuais, mas
não ou não se percebe entre eles uma relação de parentesco muito forte.
Não há espécies, não há raças de loucos; há loucos só.” (p.1388)
Mais adiante, ele pondera que não uma explicação para a
loucura, e que sua origem é incerta: “Há uma nomenclatura, uma
terminologia, segundo este, segundo aquele; há descrições pacientes de tais
76
casos, revelando pacientes observações, mas uma explicação para a
loucura não há.” (p.1389) Em seguida, complementa: “Todas as explicações
da origem da loucura me parecem absolutamente pueris. Todo o problema
de origem é absolutamente insolúvel.” No entanto, em vários momentos,
Lima Barreto tenta compreender uma explicação para a doença mental,
abordando as vertentes psicológica e orgânica e apresentando elementos
como o ambiente, a hereditariedade e a teoria da degenerescência, em voga
na época.
Com relação à hereditariedade como causa das doenças mentais, o
autor se mostra bastante incrédulo, como se observa no seguinte trecho de
O cemitério dos vivos: “Apela-se para a hereditariedade que tanto pode ser
causa nestes como naqueles; e que, se ela fosse exercer tão
despoticamente o seu poder, não haveria um homem de juízo na Terra
(...) A explicação por hereditariedade é cômoda, mas talvez seja pouco
lógica.” (p.1389) Entretanto, mais adiante, Vicente Mascarenhas apresenta
dúvida com relação à influência que seus genes teriam tido para o pouco
desenvolvimento mental de seu filho, que não conseguiu se alfabetizar: “Era
pela minha descendência que eu sofria particularmente. Que culpa oculta
haveria em mim no tenebroso destino que eu augurava para o meu
pequeno? A tal hereditariedade dos sábios...” (p.1478)
Os aspectos familiares revelados pelo personagem Vicente
Mascarenhas ilustram uma possível influência da teoria da degenerescência.
Este apresenta quadro de alcoolismo grave que motiva sua internação
psiquiátrica e sua sogra manifesta sinais de loucura em idade avançada. Em
77
seu filho, as alterações mentais ocorrem desde a infância. Vicente afirma:
“Voltava-me para trás da minha vida e via minha sogra louca, às vezes,
delirando; às vezes, calada, a olhar tudo com um olhar intraduzível e
sobretudo meu filho, seu neto, que passava dos dez anos e não sabia
absolutamente nada.” (p.1462)
Em outras partes de O cemitério dos vivos, o autor entende que a
origem da loucura possa estar em sentimentos vivenciados pela pessoa, em
algo que se aproxima da concepção pineliana da gênese dos distúrbios
mentais: “Por que os médicos não encontram no amor, desde o mais baixo,
mais carnal, até a sua forma mais elevada, desdobrando-se num verdadeiro
misticismo, numa divinização do objeto amado; por que pergunto eu
não é fator de loucura também?” (p.1389) Mais adiante, o autor afirma com
relação a outro doente: “A sua loucura veio-lhe da vaidade doentia.” (p.1421)
Um fator ambiental que é destacado como possível causador dos
distúrbios mentais é o contato com os loucos. Nesse caso, dúvida se a
loucura seria um fenômeno transmissível: “Haverá contágio na loucura? Ouvi
sempre falar que alienistas notáveis atribuíam a loucura de velhos guardas à
ambiência dos hospitais; aqui, contaram-se vários casos. A imitação,
contaram-se vários casos. A imitação, que é um poderoso fator de progresso
social útil, positivo, pode bem ser contada em sentido contrário, um fator de
regresso do indivíduo, e aqui sobra inteligência débil de modo a fazê-la
copiar gestos e coisas dos loucos que a cercam.” (p.1399)
78
O autor complementa essa idéia da gênese da loucura da seguinte
forma: “Não sou psicólogo, nem psiquiatra, nem coisa parecida; mas tenho
para mim que não é toda estúpida essa hipótese. É preciso levar em linha de
conta a capacidade e a resistência mental dos guardas e enfermeiros.”
(p.1400) Assim, vê-se uma antecipação das teorias contemporâneas do
surgimento das psicoses, segundo as quais o bom funcionamento psíquico
depende do balanço entre a resistência psíquica e os estressores ambientais
a que o indivíduo é submetido.
Talvez o fator etiológico mais importante da doença mental e que foi
a origem das crises vivenciadas por Lima Barreto é o vício em álcool. Além
das descrições do próprio quadro de alteração mental que motivou suas
internações, Lima Barreto apresenta o caso de outro doente que viu no
hospital: “(...) um colega de manicômio me chamou para ver um doente da
Seção Pinel, que fica na loja, limpando no telhado. fui e vi-o. Era o D.E.,
parente de um funcionário da casa, de real importância. Tinha o vício da
bebida, que o fazia louco e desatinado. saíra e entrara no hospício mais
de vinte vezes.” (p.1404)
Todos os elementos apresentados anteriormente são, por fim,
sintetizados na expressão “desarranjo funcional”, que se aplica ao
pensamento e à inteligência, levando o indivíduo a um estado de
degradação praticamente inexorável: “(...) o nosso próprio pensamento, a
nossa própria inteligência, que, por um desarranjo funcional qualquer, se
de encarregar de levar-nos àquela depressão de nossa própria pessoa,
àquela depreciação da nossa natureza, que as religiões querem semelhante
79
a Deus, àquela quase morte em vida.” (p.1464) A inexorabilidade da loucura
fica mais evidente no seguinte fragmento, em que ela é comparada à morte:
“Não dinheiro que evite a Morte, quando ela tenha de vir; e não
dinheiro nem poder que arrebate um homem da loucura. Aqui, no hospício,
com as suas divisões de classes, de vestuário, etc. eu vejo um cemitério:
uns estão de carneiro e outros de cova rasa. Mas, assim e assado, a
Loucura zomba de todas as vaidades e mergulha todos no insondável mar
de seus caprichos incompreensíveis.” (p.1401)
Quanto ao caráter da loucura expresso em O cemitério dos vivos,
Lima Barreto não na mesma qualquer essência positiva. Pelo contrário,
caracteriza-a como fundamentalmente e alienante, como se pode
perceber nos seguintes fragmentos: “O maluco é em geral mau e egoísta,
especialmente o Porto, cujo delírio é de grandeza. Raro é o liberal e
agradecido.” (p.1423) Ou: “O F.P. batuca no piano coisas tão estúpidas
como a sua loucura. Não sei como o povo julga que a loucura é sintoma de
inteligência e de muito estudo. No hospício, não se vê tal coisa.” (p.1414) Tal
caráter alienante da doença mental, que retira de seu portador a capacidade
de se comunicar coerentemente é ressaltada no seguinte trecho, em que o
autor se convence de que, devido à ausência de um interlocutor possível, o
melhor é desistir de tentar estabelecer contato com alienados: “Cá estou na
Seção Calmeil oito dias. Raro é o seu hóspede com quem se pode travar
uma palestra sem jogar o disparate. Ressinto-me muito disto, pois gosto de
conversar e pilheriar; e sei conversar com toda a gente, mas, com esses que
deliram, outros a quem a moléstia faz tatibitate, outros que se fizeram mudos
80
e não há nada que o faça falar, outros que interpretam as nossas falas de
um modo inesperado e hostil, o melhor é calar-se (...)” (p.1385) Em outra
parte da obra, o pátio do manicômio é caracterizado como “aquele curral de
malucos vulgares”.
5.1.5- Aspectos psicológicos de Lima Barreto presentes no Diário
Íntimo e em O cemitério dos vivos
Um dos elementos mais presentes na obra de Lima Barreto é a
questão racial. Em várias passagens, são contadas estórias com o objetivo
de comprovar que existia discriminação racial, da qual o autor se sentia
vítima, como pode ser visto a seguir:
Hoje, comigo, deu-se um caso que, por repetido, mereceu-
me reparo. Ia eu pelo corredor afora, daqui do Ministério, e um
soldado dirigiu-se a mim, inquirindo-me se era contínuo. Ora, sendo
a terceira vez, a coisa feriu-me um tanto a vaidade, e foi preciso
tornar-me muito sangue-frio para que não desmentisse com
azedume. Eles, variada gente simples, insistem em tornar-me como
tal (...). Por que essa gente (...) continua a me querer contínuo, por
quê? Porque... o que é verdade na raça branca, não é extensivo ao
resto; eu, mulato ou negro, como queiram, estou condenado a ser
sempre tomado por contínuo. Entretanto, não me agasto, minha vida
será sempre cheia desse desgosto (...). (p.1225)
81
Apesar de reclamar de preconceito, Lima Barreto se considera
superior em relação às pessoas de seu nível social, como apontado no
seguinte excerto do Diário Íntimo: “Eu tenho muita simpatia pela gente pobre
do Brasil, especialmente pelos de cor, mas não me é possível transformar
essa simpatia literária, artística, por assim dizer em vida comum com eles,
pelo menos com os que vivo, que, sem reconhecerem a minha
superioridade, absolutamente não têm por mim nenhum respeito e nenhum
amor que lhes fizesse obedecer cegamente.” (p.1242)
Em outro momento da mesma obra, pode-se ver que o próprio Lima
Barreto se refere aos mulatos de forma pejorativa, e acha que sua gente é
vulgar e sórdida:
“Ontem, eram onze horas, eu estava no meu quarto,
escrevendo, passou um pequeno da vizinhança. Chegando em
frente à nossa casa, deu boas-noites. Pelo jeito, pareceu-me que o
dera para a minha irmã ou para a tal Paulina, que é uma vulgar
mulatinha, muito estúpida, cheia de farofas de beleza e de
presunção, que é ou que pode ser namorada. Achei aquilo
inconveniente. Que um sujeito, passando por uma casa fechada,
desse boas-noites a moças recolhidas num quarto de dormir. Nesse
sentido, inquiri minha irmã, que desmentiu. em minha gente toda
uma tendência baixa, vulgar, sórdida. Minha irmã, esquecida que,
como mulata que quer se salvar, deve ter um certo recato, uma certa
timidez (...).” (p.1241)
82
O autor acredita que será valorizado se for reconhecido em seu
trabalho de escritor, preferencialmente entre os brancos, na Europa: “Temo
muito em pôr em papel impresso a minha literatura. Essas ideias que me
perseguem de pintar e fazer a vida escrava com os processos modernos do
romance (...). Ah! Se eu alcanço realizar essa ideia, que glória também!
Enorme, extraordinária e — quem sabe? — uma fama europeia.” (p.1247)
O sentimento de inferioridade e a timidez interferiram em outro
aspecto da vida de Lima Barreto, a sexualidade. Não se sabe de algum
relacionamento duradouro que ele tenha tido com mulheres durante a sua
vida. No Diário Íntimo, ele afirma: “Tenho vinte e seis anos e, até hoje, ainda
não me encontrei com uma mulher de qualquer espécie de maneira tão
íntima, de maneira tão perfeitamente a sós; mesmo quando a cerveja, a
infame cerveja, me embriaga e me faz procurar fêmeas, é um encontro
instantâneo, rápido, de que saio perfeitamente aborrecido e com a bebedeira
diminuída pelo abatimento.” (p.1276) Nota-se aqui que nessa época a
bebida alcoólica estava sendo utilizada pelo autor como refúgio e a forma
depreciativa com que se refere às mulheres.
Diante das intempéries da vida, Lima Barreto adota em alguns
momentos a fantasia de lutar de forma heroica contra inimigos imaginários,
situações estas em que a desproporção de forças entre o opressor e o
oprimido é colossal, como no seguinte fragmento: “Havia-me preparado para
todas as eventualidades da vida (...). Imaginei-me amarrado para ser
83
fuzilado, esforçando-me para não tremer nem chorar; imaginei-me assaltado
por facínoras e ter coragem para enfrentá-los; supus-me reduzido a maior
miséria e a mendigar (...).”
Outro aspecto que pôde ser constatado em O cemitério dos vivos foi
uma tendência à vitimização do autor, que é visto no excerto: “(...) atribuo a
mim mesmo a culpa do que me sucede, ao mesmo tempo culpo F., culpo Z.,
culpo X. e toda a humanidade, a sociedade em que vivo, mas não quero.”
(p.1403)
Por fim, percebe-se no seguinte fragmento o papel que a escrita
desempenha para Lima Barreto, que é o de conferir sentido existencial para
sua vida marcada por sofrimento: “Guardando [essas anotações], eu poderei
fazer delas como pontos determinantes da trajetória da minha vida e do meu
espírito (...)” (p.1242)
84
5.2- Análise da forma: Resultados das análises linguísticas com o uso
do Wordsmith Tools
5.2.1- Índices type-token
Usando-se o processo descrito na seção 4.1.1, de-se construir a
seguinte tabela com os valores de types, tokens e índice type-token para
cada uma das obras analisadas :
85
obra/parte type token índice t/t
obra/parte type token
índice t/t
os sertões 1 5787 18656 31,02
escrava isaura 1 1035 2712 38,16
2 10221
40413 25,29
2 2724 10203
26,7
3 13723
62268 22,04
3 4133 18158
22,76
4 16090
83014 19,38
4 5419 26223
20,67
5 17997
104695
17,19
5 6419 34101
18,82
6 19912
128148
15,54
6 7178 42209
17,01
7 21743
151648
14,34
7 7780 48345
16,09
o primo basílio 1 3627 13506 26,85
dom casmurro 1 1441 4296 33,54
2 6114 30597 19,98
2 3142 13519
23,24
3 7647 46053 16,6
3 4388 22592
19,42
4 9390 64513 14,56
4 5581 32557
17,14
5 10470
81569 12,84
5 6451 41802
15,43
6 11896
99284 11,98
6 7282 50774
14,34
7 12795
116734
11,12
7 8190 61711
13,27
o missionario 1 3445 10117 33,85
ateneu 1 2914 7157 40,76
2 6228 24934 24,98
2 5621 17121
32,83
3 8580 40319 21,28
3 8246 28340
29,1
4 10746
56703 18,95
4 9981 36026
27,7
5 12186
71719 16,99
5 11446
43734
26,17
6 13559
87993 15,41
6 12624
51080
24,77
7 14797
103029
14,36
7 13607
57500
23,66
o cortico 1 2335 7229 32,3
a profissão 1 1080 2547 42,4
2 4536 19294 23,51
2 2655 9198 28,86
3 5991 30005 19,97
3 3993 15939
25,05
4 7618 41550 18,33
4 5030 22415
22,44
5 8756 52625 16,64
5 6049 29238
20,69
6 9915 65175 15,21
6 6998 37720
18,55
7 10800
76647 14,09
7 7732 44917
17,21
o cabeleira 1 1527 3855 39,61
2 3483 12622 27,59
3 4733 19672 24,06
4 5092 22713 22,42
5 6377 30825 20,69
6 7183 37770 19,02
7 8060 45106 17,87
Tabela 1- Valores de types, tokens e índice type-token para cada uma das
partes das obras literárias de referência.
86
Para as obras de Lima Barreto, os valores foram os seguintes:
obra/parte type token índice t/t
clara dos anjos 1 957 2319 41,27
2 2884 9316 30,96
3 4148 15944 26,02
4 5344 23105 23,13
5 6075 29751 20,42
6 6976 37145 18,78
7 7890 45131 17,48
isaías caminha 1 1473 3749 39,29
2 3627 12158 29,83
3 5396 22032 24,49
4 6824 30846 22,12
5 8000 38854 20,59
6 9121 48069 18,97
7 10231 57078 17,92
triste fim 1 1670 4846 34,46
2 3824 14878 25,7
3 5469 24063 22,73
4 6802 33395 20,37
5 8105 42944 18,87
6 9219 52443 17,58
7 10235 61924 16,53
Tabela 2- Valores de types, tokens e índice type-token para as obras de
Lima Barreto.
87
Os valores de types e tokens foram colocados em um gráfico de
linha para cada uma dessas obras, sendo que as obras de Lima Barreto
estão destacadas :
Gráfico 1- Valores evolutivos de type e token para as obras analisadas. (Verde-
Triste Fim de Policarpo Quaresma; Amarelo- Recordações do Escrivão Isaías
Caminha; Vermelho- Clara dos Anjos).
88
A seguir, são representadas apenas as curvas referentes às obras
de Lima Barreto:
Gráfico 2- Valores evolutivos de type e token para as obras de Lima Barreto.
(Verde- Triste Fim de Policarpo Quaresma ; Amarelo- Recordações do Escrivão
Isaías Caminha ; Vermelho- Clara dos Anjos).
Percebe-se no gráfico que a partir de 25.000 tokens, Clara dos Anjos
passa a ser a obra com o menor número de types, ocupando o lugar de
Triste fim de Policarpo Quaresma. Por volta de 20.000 tokens, não houve
diferença estatisticamente significativa entre Clara dos Anjos e Triste fim
(p=0,33), mas houve significância estatística (p<0,05) entre os outros dois
pares (Recordações do escrivão Isaías Caminha e Clara dos Anjos e
89
Recordações e Triste fim). Em 30.000 e 40.000 tokens, diferença
estatística entre todas as obras (p<0,05).
5.2.2- Uso da ferramenta Keywords
Comparando-se o corpus de estudo (CE) com o corpus de referência
(CR), o relacionadas as 10 primeiras palavras-chave em ordem
decrescente do índice do valor do qui-quadrado. Também é incluída a 130ª
palavra (mania), de interesse para o presente estudo:
palavra
frequência
(CE)
%
(CE)
frequência
(CR)
%
(CR)
Qui-
quadrado
p
1 quaresma
273 0,17 6 955,4 <0,000001
2 cassi 239 0,15 0 885,3 <0,000001
3 ricardo 163 0,1 8 541,8 <0,000001
4 doutor 259 0,16 146 0,02 479,7 <0,000001
5 meneses
142 0,09 21 407,9 <0,000001
6 ele 928 0,57 2155 0,24 402,1 <0,000001
7 jornal 160 0,1 46 389,5 <0,000001
8 major 157 0,1 52 364,7 <0,000001
9 floc 76 0,05 0 281,5 <0,000001
10 albernaz 76 0,05 0 281,5 <0,000001
130
mania 27 0,02 18 41,7 <0,000001
Tabela 3 - Palavras-chave, confrontando-se o corpus de estudo com o corpus
de referência.
90
5.2.3- Uso da ferramenta Concord
As ocorrências da palavra mania foram procuradas, utilizando-se a
ferramenta Concord. Para cada ocorrência, foi analisado o contexto em que
ocorreu, sendo atribuída a etiqueta p nos casos em que mania possuía o
significado de doença mental e n para as demais situações. São
relacionadas a seguir a ocorrências no corpus de estudo e no corpus de
referência.
Sig livro palavra n° %
1 a ma comou a definhar, e, se a mania parecia um pouco atenuada, o seu o p triste fim 56.431 72
2 loucura declarada, a exaltação do eu, a mania de não sair, de se dizer perseguid p triste fim 18.068 23
3 não corria alegre. Meneses tinha a sua mania Flores, a dele; e ambos, durante e n clara dos anjos 45.664 77
4 ocêncio Bustamante também tinha a mesma mania demandista. Era renitente, teimoso n n triste fim 11.457 15
5 uase formavam cauda na redação. Era uma mania A uns dizia: "Procure me em casa" n recordações 56.168 72
6 o como uma extravagância, uma pequena mania se apresentou logo em insânia dec n triste fim 13.292 17
7 nário de caricaturas... Havia nisso uma mania pueril ou o que ra? Não se manife n recordações 6.640 9
8 outro Florêncio. Aqueles livros, aquela mania de leitura... Pra que el n triste fim 13.043 17
9 tros, tão simples e tão inocente na sua mania de violão, ele não poria mais os o n triste fim 64.468 83
10 entreesrito que ele queria ter. A sua mania era ser um ironista, à moda ingles n recordações 39.647 51
11 Entretanto ele cultivava. Era a sua mania o seu vício, uma teimosia de cadu n triste fim 58.271 75
12 fazia mal experimentar. É uma mania de seu amigo, Senhor Ricardo, esta n triste fim 3.403 5
13 iculdade de locomover se, não deixava a mania inócua da política e ia votar, com n clara dos anjos 3.308 6
14 filha, porém, não sarava, não perdia a mania e cada vez mais se embrenhava e se p triste fim 47.159 61
15 tude e a ternura no falar, mas quando a mania lhe tomava ficava um tanto seco e p triste fim 18.875 24
16 rdem, delicada, entretanto, suportava a mania de Ricardo, mesmo porque já coma n triste fim 20.115 26
17 vam se voltados para o calhamo, têm a mania livresca, e não conhecem a verdade n recordações 45.016 58
18 isso Quaresma, meu Concubi! Volta à mania antiga de redigir em Tupi. p triste fim 33.103 42
19 ocaso em que ele exprobou essa nossa mania de empregos e doutorado, citando o n recordações 14.722 19
20 contecimentos que assistia. A sua única mania era beber e dizer se valente. Topa n clara dos anjos 8.083 14
21 ra e estava recolhido ao hoscio. A sua mania era não falar nem ouvir. Tapava os p recordações 61.726 79
22 escrever, meteu se na palestra. Tinha a mania do "esrito"; mas não era própria n recordações 39.633 51
23 riste e absorvido no seu sonho, e na sua mania Seu pai a trazia às vezes, aos do p triste fim 17.547 23
24 bém. Aquele tal preto continuava na sua mania de querer fazer a modinha dizer al n triste fim 26.757 34
25 tor" Meneses, um velho hidrópico, com a mania de saber todas as ciências, vivend p clara dos anjos 14.403 25
26 "esquentados", cada um dava para a sua mania Meneses explicava a mecânica suti p clara dos anjos 45.499 77
27 ia pior, cada vez mais abismada na sua mania enfraquecendo se de corpo. O gene p triste fim 52.452 67
Contexto
Tabela 4 - Ocorrências da palavra mania no corpus de estudo. (P=significado de
doença mental ; N= outros significados ; palavra n°= posição que a palavra
ocupa na ordem do livro ; %= porcentagem da obra que é anterior à palavra).
91
Sign. livro palavra n° %
1 ra isto. Sempre a mesma coisa! Sempre a mania de fazer bem, em prejuízo próprio. n o missionário 71.334 60
2 veis antigos. Acácio tornara-se a sua mania admirava a sua figura e a sua gra n o primo basílio 7.961 6
3 ho da civilização"! O português tem a mania da retórica...- disse Jorge n o primo basílio 93.345 65
4 o aos pés de Nossa Senhora, escapavam à mania geral do selo, melhor, à geral nec n o ateneu 34.687 48
5 de folha; achava despropositada aquela mania de se porem a chafurdar todos os d n o primo basílio 20.551 14
6 eve na moda, e para alguns degenerou em mania Como um dos leões portugueses es p senhora 44.650 47
7 omo uma visita e ele não podia perder a mania de que era muito superior ao amigo p a profissão 11.911 19
8 abores! Fonseca arrependia-se daquela mania que tinha de servir a toda a gente n o missionário 71.138 60
9 adas fazer pelo governo e tinha a dupla mania dos automóveis e das mulheres. Bel n a profissão 6.832 11
10 do ela morresse... Jorge zangou-se. Que mania de falar em coisas ridículas! Ma n o primo basílio 92.987 64
11 o catita. O pé era o seu orgulho, a sua mania a sua despesa. Tinha-o bonito e p n o primo basílio 20.696 14
12 rá isso, observou o mineiro, curá lo da mania
de não ouvir os outros que que conhece
n inocência 26.836 35
13 os mordomos, os flirts dos prínciper, a mania que o imperador tinha de trair a i n a profissão 16.675 27
14 á-lo. - Não tinha que fazer... Deu-me a mania da limpeza... Estava aborrecida, n o primo basílio 92.878 64
15 to enfastiada: - Quer mais água! Olha a mania pôs-se agora a chafurdar à meia-n n o primo basílio 31.854 22
16 causa primeira, pois se não fora a sua mania de passar o S. João nas praias, o n o missionário 70.060 59
17 que o velho estava sonhando com chuva, mania de sertanejos, que não pensam nout n luzia-homem 58.643 73
Contexto
Tabela 5 - Ocorrências da palavra mania no corpus de referência.
Os achados das ocorrências da palavra mania no corpus de estudo
e no corpus de referência podem ser resumidos na seguinte tabela:
ocorrências de "mania"
Significado como loucura
Porcentagem
CE
27 10 37,04%
CR
17 2 11,76%
Tabela 6- Síntese dos achados da ocorrência da palavra mania no corpus de
estudo (CE) e no corpus de referência (CR).
Foi observada uma tendência (p<0,10) na direção do uso maior
da palavra mania com significado de doença mental no corpus de estudo
com relação ao corpus de referência.
92
6- DISCUSSÃO
6.1- Lima Barreto, psiquiatria e doença mental
Serão divididas, para efeito de discussão, as análises das
representações da doença mental e da psiquiatria por Lima Barreto em dois
grupos: relatos documentais (O cemitério dos vivos) e relatos ficcionais
(Recordações do escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo
Quaresma e Clara dos Anjos). Até certo ponto, essa divisão é arbitrária,
porque o limite entre a ficção e o relato documental é impreciso. No entanto,
em virtude das características de O cemitério dos vivos, que é
predominantemente descritivo e calcado diretamente na experiência inaudita
do autor com a doença mental, optou-se por essa forma de agrupamento de
sua obra.
6.1.1- Relatos documentais da doença mental: O cemitério dos vivos
Procurou-se mostrar neste trabalho vários trechos da obra O
cemitério dos vivos de Lima Barreto em que é retratada a visão do autor
sobre a doença mental e a ciência psiquiátrica de sua época. Esse romance
fornece elementos bastante próximos da realidade do distúrbio mental e do
tratamento psiquiátrico por ter sido escrito com base na experiência do autor
durante a sua internação no Hospício Nacional dos Alienados. Para o
pesquisador em história da psiquiatria, tal visão é extremamente
93
enriquecedora, por permitir o acesso a concepções sobre esses temas por
parte de um sujeito perspicaz, bem articulado, ótimo observador e que não
fazia parte da classe psiquiátrica da época. Assim, não se estaria diante dos
vieses de uma exposição feita por um alienista, o que confere grande
credibilidade ao relato do autor.
Inicialmente, podem-se fazer algumas considerações com relação à
rotina do hospital psiquiátrico retratado em O cemitério dos vivos. Apesar
dos relatos de maus tratos e até mesmo de tortura empregados contra os
doentes mentais do Hospício Nacional de Alienados na República Velha
(Engel, 2001), Lima Barreto não faz qualquer menção aos mesmos. Pelo
contrário, às vezes até refere ter sido bem tratado pelos funcionários do
hospital e se compadece deles. Outro aspecto interessante diz respeito à
rotina dos internos, marcada por atividades relacionadas ao funcionamento e
à manutenção da instituição. o são mencionados outros elementos
terapêuticos relacionados ao tratamento moral, que estava em voga na
época por influência da psiquiatria francesa, de Pinel e Esquirol
(Dalgalarrondo e Oda, 2007). Lima Barreto faz menção, também, à
superlotação do hospital psiquiátrico e à predominância de elementos das
classes sociais mais baixas, fato que está documentado em estudo de Rey,
de 1875, citado por Postel e Quétel (1983).
Quanto às condições em que os doentes mentais se apresentavam
na instituição, Lima Barreto descreve em inúmeras passagens a degradação
pela qual passavam. No entanto, atribui a mesma predominantemente à
alienação mental, e não à internação. No momento atual, em que várias
94
práticas psiquiátricas, especialmente a internação, são contestadas, por
influência do movimento antipsiquiátrico (Berlim et al, 2003), é importante a
constatação de que vários colegas de internação de Lima Barreto não se
encontravam reclusos sem que houvesse uma razão humanitária ou
terapêutica para tal. Assim, as internações não eram simplesmente um
instrumento de “exclusão que reinava absoluta sobre qualquer objetivo de
recuperação e/ou integração”, como afirmam Engel (2001) e muitos
antipsiquiatras. Em relação ao aspecto supostamente libertador da loucura,
que seria um “veículo de crescimento pessoal” (Laing, 1967), a leitura atenta
de O cemitério dos vivos deixa clara a inadequação desta visão quando se
tem a experiência de viver próximo do adoecimento mental.
Ainda no campo da antipsiquiatria, é interessante discutir sobre o
“mito da doença mental”, tal como apresentado por Thomas Szasz,
psicanalista que é um dos ícones da antipsiquiatria norte-americana.
Segundo esse autor (1960), as “doenças mentais não são nada além de
imposições fraudulentas perpetradas por psiquiatras cuja intenção central é
a de preservar seus status profissionais”. Em todo O cemitério dos vivos,
Lima Barreto chama atenção para o caráter de existência da loucura, não o
associando a priori aos psiquiatras. Outro elemento presente na obra do
escritor é o desejo de que surja uma cura para o sofrimento causado pelo
adoecimento mental, que limita as possibilidades existenciais do indivíduo,
trazendo sua inexorável deterioração.
Ao mesmo tempo em que atesta a existência de vários pacientes
portadores de doença mental no manicômio, Lima Barreto fornece
95
descrições bastante acuradas dos quadros psicopatológicos manifestados.
Como exemplo, pode-se mencionar o paciente F.P., que se encontra em
passagem transcrita na página 52 desta dissertação. Este apresenta os
seguintes critérios diagnósticos para episódio maníaco, segundo o DSM-IV-
TR (2002): humor persistentemente expansivo (“É o mais barulhento e
rixento da casa. Desde as cinco horas da manhã até às sete ou oito da noite,
ri, vive a gritar, a berrar”), auto-estima inflada ou grandiosidade (“mania de
grandeza”, nas palavras do autor), redução da necessidade de sono (“uma
agitação que não o faz dormir, nem deixa o seu guarda dormir”) e agitação
psicomotora. Tais critérios o suficientes, atualmente, para se fazer o
diagnóstico de episódio maníaco. O estudo das manifestações
psicopatológicas descritas por Lima Barreto pode ser uma ferramenta de
ensino interessante para aqueles que estudam psiquiatria, como alunos de
medicina e médicos residentes.
Por fim, é oportuno fazer referência ao modo como a relação de
Lima Barreto com a psiquiatria foi vista pelo próprio e por pesquisadores de
sua obra e vida. Luciana Hidalgo (2008), afirma na introdução de seu livro
Literatura da urgência, Lima Barreto no domínio da loucura: “Perdoem-me,
pois, os excessos, mas ao acompanhar o escritor do indizível, um dos
grandes nomes da literatura brasileira e sua escrita de percalços, sobretudo
no domínio da loucura, o pude ignorar o caráter épico deste heroísmo”. A
própria autora admite, pouco antes, que recebeu uma crítica de uma
professora que apontou sua “tendência a heroicizar Lima Barreto”. A postura
de considerar ex-internos de hospitais psiquiátricos vítimas, heróis ou
96
“sobreviventes” é comum (Rissmiler, 2006). Esse último termo é aplicado
atualmente por sua associação aos sobreviventes do holocausto. Vendo o
paciente psiquiátrico dessa forma, o leitor passa a ter uma visão direcionada
e parcial, ou preconceituosa em relação à psiquiatria. Assim, torna-se
necessário um afastamento afetivo, que nem sempre é possível. Nessas
situações, a leitura de obra literária, no calor afetivo, pode trazer mais
confusão do que esclarecimento com relação a determinado tema
(Beveridge, 2003).
A própria ambigüidade de Lima Barreto com relação à prática
psiquiátrica é reflexo de conflitos e de posicionamentos que nem sempre são
justificados por fatos empíricos. O preconceito que o autor possuía fica
bastante claro quando ele associa a psiquiatria ao positivismo. Desse modo,
a crítica à psiquiatria pode ser entendida como deslocamento de uma crítica
maior ao sistema positivista. Em certos momentos, ao se dar conta da
necessidade de ser cuidado e das qualidades de alguns dicos e
enfermeiros, sente-se impelido a rever a sua posição. Nota-se em sua obra
certa tendência a ver-se como herói ou como vítima da psiquiatria, mas tal
visão é relacionada à sociedade como um todo que ele enxergava como
racista; não sem razão, que a escravidão foi abolida depois que ele
havia nascido.
O ressentimento do autor quanto ao tratamento que recebia da
sociedade por conta de sua condição racial fica evidente na seguinte
anotação do Diário Íntimo, datada de seis de novembro (o ano não é
fornecido):
97
Na estação, passeava como que me desafiando o C.J. (puto,
ladrão e burro) com a esposa ao lado. O idiota tocou-me na tecla
sensível, não há negá-lo. Ele dizia com certeza:
Vê, “seu negro”, você me pode vencer nos concursos,
mas nas mulheres, não. Poderás arranjar uma, mesmo branca como
a minha, mas não desse talhe aristocrático.
Suportei o desafio e mirei-lhe a mulher de alto a baixo e,
dentro de alguns anos, espero encontrar-me com ela em alguma
casa de alugar cômodos por hora. (p.1221)
6.1.2- Relatos ficcionais da doença mental: Recordações do escrivão
Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma e Clara dos Anjos
Em Recordações do escrivão Isaías Caminha e Triste fim de
Policarpo Quaresma, as obras iniciais de Lima Barreto, observam-se duas
características principais dos transtornos mentais apresentados pelos
personagens: eles são apresentados de forma ora idealizada, ora
caricatural. Em ambos os casos, o adoecimento mental serve como uma
defesa que leva o indivíduo para fora da realidade, que esta seria
insuportável por conta de todos os problemas e mazelas sociais enfrentadas
na época. Assim, existiria certa virtude na condição de louco.
Talvez o personagem mais característico dessa concepção seja o
major Policarpo Quaresma. Diante das situações que ele protagoniza,
98
claramente absurdas aos olhos do outro, fica evidente sua comicidade. A
esse propósito, é interessante a relação que pode ser estabelecida com o
conceito de carnavalização e de grotesco, proposto por Mikhail Bakhtin.
Para Bakhtin, as representações carnavalizadas o referência
importante para a literatura ocidental e têm em comum o fato de provocar o
riso, que por sua vez leva a uma relativização da verdade e de concepções
dominantes do mundo; ao ridicularizar tudo o que é referido como imutável e
transcendente, o Carnaval traz a celebração da renovação do mundo
(Soerensen, 2008). Segundo a mesma autora, “o espetáculo carnavalesco
sem atores, sem palco, sem diretor – derruba as barreiras hierárquicas,
sociais, ideológicas, de idade e de sexo. Representa a liberdade, o
extravasamento; é um mundo às avessas no qual se abolem todas as
abscissas entre os homens para substituí-las por uma atitude carnavalesca
especial: um contato livre e familiar entre as pessoas.”
Outra característica da representação carnavalizada é o uso das
máscaras. A esse propósito, Bakhtin (2008) afirma: “É o motivo mais
complexo, mais carregado de sentido da cultura popular. A máscara traduz a
alegria das alternâncias e das reencarnações, a alegre relatividade, a alegre
negação da identidade e do sentido único (...); a scara é a expressão das
violações das fronteiras naturais, da ridicularização (...).” O episódio em que
Policarpo Quaresma encena o Tangolomango, na tentativa de resgatar
elementos do folclore brasileiro, é bastante representativo da
carnavalização.
99
Dentro da visão bakhtiniana, Policarpo Quaresma pode ser tomado
como um personagem grotesco, na medida em que subverte a realidade de
seus contemporâneos. A loucura, para Bakhtin, é característica de qualquer
grotesco, e acaba por tornar-se inofensiva e alegre, em vez de terrível e
atemorizadora, através do uso dessa abordagem, que “liberta da falsa
verdade desse mundo e permite a contemplação com um olhar liberto dessa
verdade.”
Dessa maneira, o uso da carnavalização da loucura, tão presente na
obra inicial de Lima Barreto, pode ser entendido como uma tentativa de vê-la
de uma forma menos ameaçadora. A obra literária cumpre aqui uma função
de sublimação. Isso é compreensível tendo em vista que na época em que
foi escrito Triste fim de Policarpo Quaresma, o autor sofria com a doença
do pai.
A idealização da doença mental que ocorre em outros personagens
deve ser interpretada também no contexto de vida do autor. Tendo em vista
as características psicológicas do mesmo, que possuía uma sensação de
ser excluído pela elite da sociedade, a loucura adquire o tom de fuga de uma
realidade ruim e por vezes insuportável. Possivelmente quando a
sublimação de seus sentimentos pela arte não foi suficiente, Lima Barreto
caiu no vício por álcool.
Em contraste a esses aspectos de como a alienação mental é
mostrada na fase inicial da obra de Lima Barreto, em suas últimas obras a
mesma aparece de forma mais realista e naturalista. Quanto aos relatos de
100
doença mental presentes em Clara dos Anjos, é interessante observar que
ela é decorrente do vício em bebidas alcoólicas, tanto em Leonardo Flores
como em Meneses. Em ambos os personagens, o leitor se depara com a
decadência e com o destino trágico dos personagens: a morte e a internação
no manicômio. Aqui, a doença passa a mostrar sua face mais sombria,
deixando de ser atribuído a ela algum componente positivo. Nota-se aqui
evidente referência à biografia do autor do romance, que na época vivia em
constante estado de degradação.
6.2- As trajetórias dos protagonistas barretianos
Para abordar o tema do rumo que os personagens tomam dentro de
uma trama, recorrer-se-á ao conceito de cronotopo, estabelecido por
Bakhtin. Em Questões de literatura e estética, esse autor conceitua os
cronotopos da seguinte forma: “são os elementos temporais e espaciais que
constroem os acontecimentos de uma obra, que trazem concretude a ela”
(Bakhtin, 2002). Silva (2008) complementa essa definição, afirmando que os
cronotopos são o tempo e os lugares que influenciam as ações das
personagens e impulsionam o enredo.
Ao enumerar os tipos de cronotopos, Bakhtin destaque a dois: o
presente no “romance de aventura e provação” e no “romance de aventuras
de costumes”. No primeiro, “o tempo das aventuras vivido pelo protagonista
ou herói é um tempo à parte do curso normal da vida; enquanto tenta livrar-
se das maldições divinas, de perseguições comandadas pelo acaso ou pelo
101
destino, o personagem não se transforma internamente. Nesse tempo da
aventura, o homem é passivo e imutável.” (ibid., pg. 31). Já nos romances de
aventuras ou de costumes, “há uma relação cronotópica diferente, pois as
aventuras vividas pelo herói se incorporam à sua biografia (...), alterando-a.
Neste tipo de romance é comum ocorrer a metamorfose do herói, ou seja, a
transformação do homem em outro ser, o que implica a reflexão sobre a
identidade do indivíduo, além de alteração na forma de pensar da
personagem e revelação de aspectos seus nunca antes vistos.” (ibid., p. 32)
Sob a perspectiva do conceito de cronotopo, pode-se afirmar que os
protagonistas dos romances iniciais de Lima Barreto se aproximam mais
daquele presente no romance de aventura e provação, ao passo que nos
romances finais está mais presente o cronotopo de romance de aventura ou
de costumes.
Tanto Isaías Caminha como Policarpo Quaresma passam por várias
situações difíceis e provações. Isaías tenta conseguir um lugar na sociedade
carioca racista do início do século XX e no fim consegue uma colocação. Ao
final desse processo, encontra-se transformado, tendo adquirido uma maior
compreensão dos mecanismos que regulam as relações sociais e
abandonado sua concepção ingênua da vida. Para que isso tenha
acontecido, vivenciou inúmeros conflitos psicológicos e sofrimentos.
Policarpo Quaresma, por sua vez, apresenta durante quase todo o enredo
convicções patrióticas plenas e tenta colocá-las em prática de diversas
maneiras: propondo a adoção do tupi-guarani como língua oficial do Brasil,
promovendo o folclore, cultivando aquela que ele acreditava ser a melhor
102
terra do mundo e alistando-se nas Forças Armadas para combater a Revolta
da Armada. Após inúmeras decepções ele é forçado, no entanto, a rever
suas posições, adquirindo um tom amargo diante da vida e da realidade: “a
sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de
decepções.” Por fim, morre como mártir, incompreendido e por um país que
não o merece.
Em Clara dos Anjos, por outro lado, a protagonista não passa por
transformações semelhantes àquelas vivenciadas pelos personagens
anteriormente comentados. Como analisa Sergio Buarque de Holanda
(1996), “o romancista procurou fazer de sua personagem uma figura
apagada, de natureza amorfa e pastosa, como se nela quisesse resumir a
fatalidade que persegue tantas criaturas de sua casta (...). E Clara dos Anjos
torna-se, assim, menos uma personagem do que um argumento vivo e um
elemento para a denúncia.” Percebe-se aqui como o crítico literário destaca
a natureza passiva de Clara, que não passa de um joguete nas mãos do
destino, sem capacidade de incorporar suas experiências em novas atitudes
diante da vida. O autor assume, então, uma concepção fatalista do destino
das pessoas, que seria determinado por fatores sociais. Essa visão é
diferente daquela expressa em Recordações do escrivão Isaías Caminha,
em que havia possibilidade de mudança no herói, apesar das intempéries.
Considerando-se a biografia de Lima Barreto, tal mudança pode estar
associada a uma visão mais pessimista do autor, que estava no final de sua
vida e em franco declínio físico.
103
Pelo fato de O cemitério dos vivos ser uma obra inacabada, não é
possível fazer considerações mais amplas quanto ao percurso do
protagonista Vicente Mascarenhas, tomando sua linha existencial como um
todo. No entanto, pode-se constatar que o fatalismo está presente em
diversas passagens, sendo feitas menções ao determinismo biológico e
social em vários trechos da obra.
6.3- As análises linguísticas das obras com o uso da ferramenta
computacional
Foi verificado que existe uma diminuição do índice type-token
comparando-se as obras iniciais (Recordações do escrivão Isaías Caminha
e Triste fim de Policarpo Quaresma) e a final, Clara dos Anjos, a partir de
30.000 tokens. Antes desse valor, não existe uma distinção clara no
comportamento das curvas relacionadas às três obras de Lima Barreto. Esse
achado é interessante, que sugere que a comparação dos índices type-
token entre produções escritas de um mesmo indivíduo pode ser
realizada entre corpora grandes, do tamanho de um pequeno romance.
A queda do índice type-token em Clara dos Anjos pode ter
correlação com declínio cognitivo leve do autor. Sabe-se que na época em
que esse romance foi escrito, no final da vida de Lima Barreto, este
apresentava sinais evidentes de decadência física em virtude do alcoolismo,
tendo apresentado inclusive manifestações de desnutrição e de delirium
tremens. A gravidade do quadro de alcoolismo está, assim, documentada.
104
Quanto a Clara dos Anjos, foi visto pela crítica como uma obra fraca,
segundo Francisco de Assis Barbosa. Sendo assim, é pertinente supor que
efeitos crônicos da dependência alcoólica tenham interferido na cognição do
autor e, por consequência, na execução do romance, apesar de não terem
sido descritos sinais de demência em Lima Barreto por seu biógrafo (ele é
descrito como uma pessoa intelectualmente ativa até o final de sua vida).
O único estudo encontrado na literatura médica que relacionou
queda de índice type-token com declínio cognitivo expresso na obra de um
autor, o de Garrard et al (2005), apontou sinais de demência de Alzheimer
subclínica expressos no último livro de Iris Murdoch. No entanto, em virtude
de algumas dificuldades metodológicas na execução do presente trabalho, é
dificultado o estabelecimento de correlação entre queda do índice type-token
na obra de Lima Barreto e declínio cognitivo associado a alcoolismo. Uma
das principais é o fato de que esse escritor não sofria apenas do quadro de
alcoolismo, mas também de depressão, que pode levar a alterações
neuropsicológicas muito semelhantes àquelas encontradas em quadros
demenciais (Raskind, 1998). Outro problema relaciona-se à edição das
obras. Diferentemente do estudo com a obra de Iris Murdoch, em que havia
a certeza de que as obras analisadas não haviam recebido interferência no
processo de edição, não se pode afirmar a mesma coisa com relação aos
romances de Lima Barreto.
Uma possível aplicação do índice type-token, na clínica, seria o
rastreamento de demência, em sua fase inicial. Para que isso ocorra, no
entanto, é importante que sejam realizados estudos que mostrem o
105
comportamento do índice em corpora extraídos dos discursos de pacientes,
que os achados em textos escritos não são facilmente extrapoláveis para
a linguagem oral. Como afirma Chafe (1994), os textos escritos o refletem
a espontaneidade presente nos relatos orais, e podem não ser a melhor
fonte para se estudar alterações de linguagem presentes no autor do
discurso. Uma limitação para o uso clínico da técnica e que é sugerida nesta
dissertação é o fato de alterações estatísticas no índice type-token terem
sido constatadas apenas em corpora grandes, o que poderia inviabilizar sua
aplicação no consultório.
Quanto à confusão entre alterações nos índices type-token
produzidas por demência ou por quadros depressivos, uma ferramenta que
poderá ser útil na diferenciação é a determinação de palavras-chave
(keywords). Na obra de Lima Barreto, esse recurso, através da comparação
com um corpus literário de referência formado por textos de autores
contemporâneos a ele, mostrou-se capaz de identificar um tema bastante
presente em sua obra: a doença mental representada na palavra mania, que
no tempo desse autor era usada para denominar loucura de maneira geral
(Teixeira, 2005). Na aplicação em pacientes, poder-se-á formular uma
hipótese de depressão, e não de demência, nos casos em que forem
encontradas muitas palavras-chave relacionadas a termos negativos ou
depreciativos. A análise dos contextos em que os termos ocorrem, com a
ferramenta concord, pode, por sua vez, permitir uma melhor compreensão
do modo como esses termos se articulam ao restante do discurso.
106
Além do estudo de Garrard et al, não foram encontrados outros na
base de dados Pubmed que procurem relacionar índice type-token com
demência. Por outro lado, há trabalhos que mostram queda desse índice em
pacientes com esquizofrenia, o que ilustra o fato de que eles possuem
menor variabilidade do léxico (Adewuya e Adewuya, 2008; Congzhou, 2006;
Linscott, 2005).
Cumpre mencionar que, comparando-se os índices type-token das
obras de Lima Barreto com os dos autores que fizeram parte do Corpus
Referência, observou-se uma variação muito grande das obras
individualmente, o que mostra que o estilo pessoal tem muita influência nos
valores encontrados. Por exemplo, Os sertões de Euclides da Cunha e Dom
Casmurro de Machado de Assis apresentaram grande diferença dos índices
type-token, sendo que Os sertões teve maior diversidade lexical. Isso não
significa, evidentemente, que uma obra seja melhor que a outra. Assim, ao
se comparar os discursos de pacientes na clínica, devem-se procurar
valores de referência confiáveis, sendo necessários estudos adicionais para
que possam ser identificadas as variáveis que influenciam nesses valores.
107
7- CONCLUSÕES
1- A obra de Lima Barreto, especialmente O cemitério dos vivos, é uma fonte
representativa para aqueles que estudam história da psiquiatria brasileira do
início do século XX e fornece elementos diversos daqueles presentes em
vários estudos, principalmente ligados a ideologias críticas à psiquiatria;
2- As obras ficcionais desse autor fazem várias referências a personagens
que apresentam quadro de doença mental. As características da
representação dos transtornos mentais são diferentes nas obras iniciais e
finais, provavelmente refletindo elementos biográficos e psicológicos do
autor;
3- A última obra de Lima Barreto apresenta diversidade lexical menor que as
iniciais, apontada através de um menor índice type-token. Esse achado pode
ter relação com declínio cognitivo secundário ao alcoolismo;
4- A extrapolação do uso da ferramenta computacional usada na pesquisa
para o rastreamento de alterações cognitivas na população depende da
validação do método em indivíduos no contexto clínico.
108
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