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O conceito fundamental da lingüística saussuriana afirma-se na noção de valor, o que
significa dizer que “na língua só há diferença”, isto é, que ela só comporta diferenças de
conteúdo e de expressão, que nela só existem relações. Isso faz considerar a língua como
forma, não como substância. Esse princípio exclui os elementos pertencentes à linguagem,
pois esta é multiforme e heteroclítica, e, por isso mesmo, a Lingüística não poderia se ocu-
par dela, já que ela estaria no domínio individual e no domínio social, e não na inscrição de
um sistema de formas. Ao contrário da linguagem, a língua é única e homogênea e não
constitui, portanto, “uma função do falante”; a língua é um produto passivamente registrado
por ele
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, que, por isso mesmo, não pode promover nela nenhuma interferência.
A Lingüística estrutural, pelo método da comutação, viabilizou análises rigorosas nos
diferentes planos da linguagem, que vão da fonologia à semântica da palavra. Mas, a des-
peito de todo o seu mérito – justificadamente, diga-se de passagem –, reconhecemos que,
num certo estágio, os estudos lingüísticos precisavam transpor os espaços de atuação por
ela estabelecido, porque seus métodos apresentam certas limitações, próprias do seu objeto
de estudo, o aparelho formal da língua. Ao estabelecer a oposição langue x parole e privi-
legiar a primeira, já que a segunda é da ordem do acontecimento, ela descarta a História e,
com isso, elimina o falante das suas investigações.
Para Saussure, a Lingüística deve limitar-se ao estudo da língua em si mesma, e esta
deve ser definida e analisada como um sistema de signos e regras, como um conjunto de
convenções próprias de todos os locutores, um código invariável, único e homogêneo, à
disposição de uma comunidade de falantes. Assim, por esse método, a Lingüística estrutu-
ral não inclui um modelo de atualização, isto é, de conversão da língua em discurso e, a-
firmando que a parole é o espaço da liberdade de criação, não dá conta de que existem leis
de organização do discurso. Além disso, considera que cada ocorrência lingüística é uma
sucessão de operações previstas pelo código, o que exclui dos seus estudos os componentes
da comunicação que sejam externos a ele.
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Mas, como afirma Fiorin (2002: 29), é preciso considerar que cada manifestação da
langue põe em jogo um enunciador e um enunciatário com pontos de vista, que ela ocorre
num tempo e num espaço precisos, que se refere a uma semiótica do mundo natural, visan-
do, em última instância, à persuasão. Além disso, diz o lingüista, “sendo sociais os pontos
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SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1969, p. 22.
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Cf. CERVONE, Jean. A Enunciação. São Paulo: Ática, 1989, p. 10.