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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ-UECE
CENTRO DE HUMANIDADES
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA E CULTURAS - MAHIS
LUANA CARVALHO DE MORAIS
FERROVIA E CIDADE, PROGRESSO E MODERNIDADE:
A Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité em Fortaleza– 1873-1917.
FORTALEZA
2010
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LUANA CARVALHO DE MORAIS
FERROVIA E CIDADE, PROGRESSO E MODERNIDADE:
A Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité em Fortaleza– 1873-1917.
Dissertação submetida à Coordenação do
Curso de Pós-graduação em História e
Culturas do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em História.
Orientação:
Prof. Dr. José Albio Moreira de Sales
Fortaleza
2010
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LUANA CARVALHO DE MORAIS
FERROVIA E CIDADE, PROGRESSO E MODERNIDADE:
A Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité em Fortaleza - 1873-1917
Dissertação submetida à Coordenação do
Curso de Pós-graduação em História e
Culturas do Centro de Humanidades da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em História.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________
Prof. Dr. José Albio Moreira de Sales (Orientador)
Universidade Estadual do Ceará
_____________________________________________
Prof. Dr. Antonio Germano Magalhães Júnior
Universidade Federal do Ceará
_____________________________________________
Profª. Drª. Lucili Grangeiro Cortez
Universidade Estadual do Ceará
SUMÁRIO
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES..................................................................................................8
RESUMO/ABSTRACT..........................................................................................................10
AGRADECIMENTOS............................................................................................................14
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................15
1. A FERROVIA CHEGA À CIDADE: FATORES QUE POSSIBILITARAM A
CONSTRUÇÃO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA CENTRAL.........................................29
1.1. História, Arquitetura e Espaço.......................................................................................29
1.2. As várias plantas da cidade de Fortaleza.......................................................................41
1.3. Produção e comércio no Ceará: a influência inglesa e a estruturação do espaço
agroexportador na Província.................................................................................................50
1.4. O Progresso chegou ao Ceará: da ferrovia à construção da Estação Central............67
1.5. Tempo de progresso, tempo de modernidade................................................................74
2. O PRÉDIO DA ESTAÇÃO CENTRAL: CONSTRUÇÃO, ARQUITETURA,
FOTOGRAFIA E SEUS SIGNIFICADOS...........................................................................88
2.1. As mãos que construíram o Prédio.................................................................................88
2.2. Arquitetura Neoclássica..................................................................................................97
2.3. O Edifício: história da construção, os traços arquitetônicos e espaço
interno....................................................................................................................................105
2.4. O Edifício e a arquitetura através da fotografia.........................................................120
3. A ESTAÇÃO: O ESPAÇO ENTRE A FERROVIA E A CIDADE.............................129
3.1. O relógio entre o tempo e o espaço...............................................................................129
3.2. Estação, lugar de passagem, espera e partida.............................................................135
3.3. Na Estação: os usos do espaço.......................................................................................147
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................160
8
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figura – 1: Planta da cidade de Fortaleza organizada por Simões de Farias, em 1850...................... 43
Figura 2: Planta da Cidade de Fortaleza levantada no ano de 1856, pelo padre Manoel do Rego
Medeiros................................................................................................................................................44
Figura – 3: A Planta Exacta da Capital do Ceará de abril de 1859 de Adolpho Herbster.................... 46
Figura – 4: Planta preparada por Adolpho Herbster em 1863.............................................................. 47
Figura – 5: Planta da Cidade de Fortaleza e subúrbios de Adolpho Herbster..................................... 48
Figura 6: Planta da Cidade de Fortaleza de Adolpho Herbster de 1888. Fonte: Biblioteca
Nacional.................................................................................................................................................49
Figura – 7: Tabela das Principais Companhias Ferroviárias Implantadas na Segunda Metade do
Século XIX. Fonte: As primeiras Ferrovias do Nordeste Brasileiro: Processo de implantação e o caso
da Great Western Railway, Tagore Villarim siquera..............................................................................55
Figura 8: Demonstração do escoamento do café no Ceará, organizado por Barão de
Studart...................................................................................................................................................59
Figura – 9: Foto que representa a frente da Estação Central.............................................................. 86
Figura 10: Vista diagonal da Estação Ferroviária Central, primeiro prédio da Estação, em estilo
colonial e segundo prédio da Estação.................................................................................................106
Figura – 11: Planta baixa da Estação de 1873....................................................................................108
Figura 12: A esquerda vista de parte central da estrutura da rotunda da Estação Central, e a direita
vista da entrada do galpão de embarque e desembarque..................................................................112
Figura – 13: Planta da Estação Central do início do século XX......................................................... 114
Figura – 14: Rotunda poligonal. Fonte: PERDONNET (1856)........................................................... 116
Figura 15: Rotunda de 1873, fotos de 1888, sem a cobertura de telha no centro da
estrutura...............................................................................................................................................116
Figura 16: A esquerda vista do alto da lateral rotunda, parte externa, e a direita, vista da entrada da
rotunda, onde se observa a bifurcação de trilhos que se dirigem aos armazéns.............................. 117
Figura –17: Vista em diagonal direita do Prédio da Estação.............................................................. 123
Figura – 18: Foto da Estação Central, com vista diagonal direita...................................................... 124
Figura – 20: Vista diagonal direita do Prédio da Estação com ângulo mais frontal........................... 125
Figura – 21: Vista da Estação a partir do canto direito do Campo da Amélia.................................... 126
Figura 22: Vista em diagonal esquerda da Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité em
Fortaleza.............................................................................................................................................127
Figura 23: Foto da Estação com vista diagonal, destacando-se a parada do bonde que era
elétrico................................................................................................................................................132
9
Figura 24: Fotos das locomotivas 102 e 511 e do vagão 687, que funcionavam com trabalhos
exclusivos da Inspetoria de Federal de Obras contra as Seccas....................................................... 139
Figura – 25: Relação do Pessoal em primeiro de Janeiro de 1815.................................................... 140
Figura – 26: Tabela de Funcionários da Estação de Arronches........................................................ 141
Figura – 27: Foto da lateral da Estação Central, vista do portão lateral do armazém....................... 148
Figura – 28: Fotografia da oficina de reparação..................................................................................150
Figura – 29: Vista da serraria, foto do final do século XIX...................................................................151
Figura – 30: Vista geral das oficinas, foto do final do século XIX....................................................... 152
10
RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a relação entre a construção do Prédio da
Estação Central e a consolidação da cidade de Fortaleza como pólo hegemônico do
comércio agroexportador, funcionando como o ponto de chegada e de partida na
distribuição e transporte de mercadorias e pessoas ligadas a esta função. Foi
definido como marco cronológico o período de 1873 a 1917, datas que marcam sua
construção, funcionamento inicial e a primeira reforma. O objetivo é evidenciar como
se deu a inserção da edificação e de sua arquitetura na cidade de Fortaleza,
compreendendo numa perspectiva histórica o simbolismo que passa a assumir nos
seus primeiros anos de funcionamento, tornando-se a materialização da idéia de
cidade, centro do comércio agroexportador na Província do Ceará. Como aporte
teórico, utilizamos os seguintes autores: Françoise Choay, Michael de Certeau e
Jacques Le Goff, tendo como enfoque os conceitos de monumento, espaço e
memória acerca da mesma. Do ponto de vista metodológico o estudo trabalha com
análise de fontes diversas, destacando-se documentos como jornais, relatórios,
textos de memorialistas, fotografias e mapas. Busca compreender as razões para a
escolha das características formais do projeto e do modo como foi construído,
analisando as fontes e dialogando com trabalhos e autores diversos. Além disso,
busca compreender as idéias que orientaram a concepção de seus espaços e usos,
a idéia de lugar praticado e planejado e a mão-de-obra dos retirantes da seca
utilizada estrategicamente na sua construção. A análise e a discussão das fontes a
partir deste enfoque sobre a Estação Central e sua relação com a cidade
evidenciaram a influência econômica da produção agrícola para exportação,
experimentada pela província na segunda metade do século XIX, e as relações de
comércio de importação e exportação na cidade, como principal motivação para a
implantação da ferrovia e construção do prédio da Estação. Verificou-se também
que a implantação da ferrovia está relacionada às atividades comerciais exercidas
na província sob influência do capital inglês e que a construção do aparato
ferroviário se deu de forma mínima nos primeiros anos de sua implantação e
somente após a encampação pelo Estado é que foram ocorrer as mais significativas
transformações. Observa-se nos discursos da época, sejam os oficiais, de jornais ou
dos cronistas, uma inclinação para a demonstração de uma atmosfera de progresso
e civilidade que a implantação da ferrovia impõe à capital da Província, justificando,
portanto os esforços para a construção de uma edificação com características
monumentais, seguindo o padrão das construções em estilo neoclássico.
Palavras-chave: Estação, arquitetura, progresso, monumento e espaço.
11
ABSTRACT
This research has as object of study the relationship between the construction of the
building from the Railway Station Central and the consolidation of the city of
Fortaleza as hegemonic pole of agro-export trade, acting as the point of arrival and
departure in the distribution and transport of goods and persons connected with this
function. We chose as chronological mark the period from 1873 to 1917, dates that
mark the construction, operation and the first initial reform. The goal is to show as it
was entering the building and its architecture in the city of Fortaleza, including a
historical perspective about the symbolism of taking over in their first years of
operation, becoming the embodiment of the idea of city as the center of agro-exports
trade in the province of Ceara. As theoretical contribution, use the following authors:
Françoise Choay, Michael de Certeau and Jacques Le Goff. Having as focus the
concepts of monument, space and memory about the same. From the
methodological point of view the study works with analysis from various sources,
especially documents such as newspapers, reports, texts of memoirs, photographs
and maps. Seeks to understand the reasons for the choice of the formal
characteristics of the project and how it was built by analyzing the sources and in
dialogue with various works and authors. In addition, seeks to understand the ideas
that guided the design of spaces and their uses, the idea of planned and practiced
place and the labor force for the refugees from drought strategically used in its
construction. The analysis and discussion of the sources from this approach about
the John Philip Station and his relationship with the city showed the economic
influence of agricultural production for export, the province experienced the second
half of the nineteenth century, and the relations of trade import and exportin the city,
as the main motivation for the arrival of the railroad and construction of the building of
the station. It was also verified that the arrival of the railroad is related to commercial
activities conducted in the province under the influence of British capital and that the
construction of the rail apparatus occurred in a minimum in the early years of its
implementation and only after the takeover by the state is that they were occur the
most significant transformations. It can be seen in the speeches of that days, are
they official, from newspapers or from the chroniclers, a tendency for the
demonstration of an atmosphere of progress and the civility that the railroad imposes
to the provincial capital, thus justifying the efforts to construct a monumental featured
building, following the pattern of buildings in neoclassical style.
Keywords: Station, architecture, progress, monument and space.
12
EPÍGRAFE
“Todos os dias é um vai e vem
a vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar”
Milton Nascimento Fernando Brant
Encontros e despedidas.
13
A meu Pai, in Memorian
DEDICO
14
AGRADECIMENTOS
Primeiramente à Deus, pois que sem o seu infinito amor nada seria possível, e à
mim por crê-Lo.
Aos meus Pais. À minha Mãe por seu amor e sua grandeza ao ensinar- me que os
estudos são o único caminho para a vitória. A meu Pai, in Memoriam, pelo
imensurável amor e por me guiar pelas veredas da retidão, paciência e fé.
Ao meu companheiro, Mário Júnior, pela paciência e incentivo.
Ao professor Albio, meu orientador, que estendeu a mão quando nem eu mesma
acreditava.
Aos meus filhos, Beatriz e Mário Neto, pela compreensão das muitas ausências.
À Nenem, meu braço direito e esquerdo.
À Madalena bibliotecária da Academia Cearense de Letras e do setor de obras raras
da Biblioteca Menezes Pimentel, por sua grande ajuda e atenção.
À Gertrudes, funcionária do setor de microfilmagem da Biblioteca Menezes Pimentel,
que sempre me recebeu com muita atenção.
Às amigas Paula e Roxélia, pelos muitos puxões de orelha.
Ao Professor Carlos Jacinto, por sua disciplina, pela segunda chance e suas
contribuições.
Ao Ciro, pela atenção e apoio.
À Dona Telma, por sua “empatia”, carinho e torcida.
À Luciana Ximenes, pelas longas conversas.
Aos alunos da turma: Alex, Camila, Felipe, Flávia, Jucilane, Karla, Letícia,
Raimundo, Raquel e Villarin, pela acolhida e instigações.
Aos Professores Assis Lima e Hamilton Pereira, que pacientemente me receberam e
me forneceram subsídios para a pesquisa.
Ao professor Germano Magalhães, por aceitar participar de minha banca e por sua
contribuição.
À professora Lucili Grangero, por aceitar participar de minha banca e por suas
anotações e correções.
E a todos que, de alguma forma, contribuíram para o meu sucesso.
15
INTRODUÇÃO
O interesse por prédios históricos da cidade de Fortaleza surgiu no curso
de graduação em História, quando da realização do projeto de monografia
1
de
conclusão de curso. A pesquisa desenvolveu-se no âmbito do Instituto Histórico do
Ceará, no Arquivo Público e na Academia Cearense de Letras principalmente,
proporcionando assim, uma proximidade com historiadores e arquitetos que
trabalham com a história e o patrimônio da cidade de Fortaleza. Dessa forma, os
estudos sobre o Patrimônio e Cidade despertaram nosso interesse pela história dos
equipamentos urbanos do centro de Fortaleza em termos culturais e materiais.
Desta relação com a história do centro de Fortaleza e das conversas com
o professor orientador surgiu a ideia de realizar o estudo sobre a Estação
Ferroviária. Nas leituras iniciais, para a reformulação do projeto de dissertação, até
chegar ao processo de delimitação e problematização sobre o tema, observamos a
escassez de produção historiográfica sobre a Estação Central em Fortaleza. Por
outro lado, nas buscas iniciais foram encontradas fontes importantes, que nos
estimularam a prosseguir com o projeto, especialmente pela necessidade de
abordagens acadêmicas sobre esta temática.
Estudar a implantação da Estação Central significa compreender as
relações entre a implantação da ferrovia no Ceará e o desenvolvimento de Fortaleza
como pólo de comércio agroexportador. Buscamos, a partir de uma perspectiva
histórica, os fatores de desenvolvimento das atividades que propiciaram o
desenvolvimento de Fortaleza, que incluem a influência estrangeira sobre a cidade,
neste caso a influência inglesa, e o impacto da atividade econômica do comércio
agroexportador, que fez a cidade emergir de pequeno povoado a núcleo
hegemônico da Província.
A imponência e elegância do prédio da Estação Central desperta, no
mínimo, a curiosidade daqueles que às suas portas adentram ou simplesmente
delas se aproximam. Daí o nosso objetivo central e a importância de alçar o olhar
para além da contemplação, em busca da História da Estação e sua relação com a
1
Monografia de conclusão de curso de Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Ceará que teve o
seguinte título: FORTALEZA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO: História e Patrimônio (1726- 1822).
16
cidade, o que requereu um estudo mais voltado aos fatores motivadores de sua
construção.
O pressuposto central deste trabalho é demonstrar num contexto de
progresso e modernidade que a construção da Estação Ferroviária Central em
Fortaleza é o principal elemento, no plano simbólico, que configura a idéia de
consolidação da cidade de Fortaleza como o centro irradiador do comércio
agroexportador da Província, funcionando também como local de atividade
comercial e de convívio social, para as pessoas que se deslocavam para os demais
pólos econômicos da Província do Ceará. Para efetivar este objetivo foi necessário
abordar as várias frentes de discussão relacionadas ao prédio. Para tratar da
Estação Central e do progresso que ela representou como pólo de ligação e
irradiação das atividades econômicas da Província, foi preciso tratar de aspectos
essenciais à materialidade do prédio, como a abordagem cartográfica da cidade que
apontou o local apropriado para receber a Estação, os significados da arquitetura
utilizada na construção, assim como a mão-de-obra empregada nas obras do prédio
e do uso da Estação por seus passageiros, empregados e passantes.
Tecer a história da Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité tendo
como fio condutor a ideia de progresso e modernidade, perpassa por várias tramas,
desde a implantação da ferrovia, como via de ligação comercial da cidade de
Fortaleza a todo o interior da Província, ao processo de construção do prédio e seus
usos, envolvendo as práticas sociais que articulavam todo esse contexto.
Seguidas da Estação Central podemos observar as datas de inauguração
de outras estações importantes da Província e que estavam ligadas à Capital. Em
1873 temos a inauguração das estações de Aronches (Parangaba); em 1875, a de
Mondubim e Maracanahú; em 1876, Monguba; em 1879, Guayúba, Agua-Verde,
Acarape; em 1880, as estações de Bahú, Canafístula e Aracoiaba (Canôa) e em
1882, a de Baturité, de acordo com Octavio Memoria (1923). Vale ressaltar que os
trilhos chegavam às localidades antes mesmo que as Estações existissem. Partindo
das datas de inauguração é perceptível que a maioria delas foi construída no
período de seca para empregar a mão-de-obra dos retirantes.
A Estação era materialização da força do progresso comercial e da
relação da ferrovia com o espaço urbano. A ferrovia surgiu como elemento facilitador
do transporte de mercadorias, fazendo emergir uma nova mentalidade e velocidade
17
nas relações de produção e consumo, impulsionando o comércio através da
velocidade dos transportes de produtos.
Os comerciantes da Praça de Fortaleza investiram diretamente na
implantação da ferrovia, que esta traria maior rapidez ao transporte de
mercadorias e matéria-prima, dando mais lucratividade à atividade comercial em
franco desenvolvimento naquele período.
Aqui a relação entre ferrovia e cidade se consolida na medida em que,
com o desenvolvimento da cidade, as linhas da ferrovia se expandiam e com a
ampliação ferroviária a cidade se dinamizava e crescia, inclusive na construção de
novos equipamentos urbanos como praças e abertura de ruas.
Os aspectos simbólicos de cidade hegemônica e progressista podem ser
identificados na imponente construção do prédio da Estação e na sua estrutura de
funcionamento e espaço interno.
Para traçarmos a História da Estação Central destacaremos a sua
construção a partir da implantação da ferrovia no Estado. O domínio regional de
Fortaleza amplia-se com a ferrovia e a extensão de seus trilhos; a importância
econômica da Capital aumenta com a ligação da mesma ao Interior. Articulando a
relação entre Ferrovia e cidade, podemos perceber a primeira como elemento novo
introduzindo a velocidade, o produto industrial, o controle do espaço e do tempo no
cotidiano, instrumentos esses de propagação do desenvolvimento comercial
vivenciado no momento.
A implantação da Estrada de Ferro de Baturité possibilitou a expansão do
comércio de Fortaleza na captação de produtos para o mercado externo e na
distribuição de produtos importados. A atividade comercial na Capital era intensa,
principalmente os negócios de importação-exportação e trocas mercantis em geral, o
que atraía um grande número de comerciantes, que em geral eram estrangeiros.
A edificação da Estação, projetada e construída com planta do engenheiro
Henrique Foglare, teve início em 1873 e foi inaugurada em 1880, permanecendo
sem alterações até 1917. Tomando estas datas como referência, delimitamos o
marco temporal da pesquisa, entendendo que o período marca simbolicamente a
fase de hegemonia da cidade de Fortaleza sobre as demais cidades que foram
interligadas pela Estrada de Ferro do Ceará.
Ao longo da pesquisa bibliográfica em banco de dissertações e teses que
tratam da ferrovia e do trem como elemento propulsor de mudanças e
18
desenvolvimento no meio urbano, os trabalhos localizados, em sua maioria,
focalizam a ferrovia e o a estação. Algumas produções do domínio da história
abordam o tema da ferrovia resgatando a implantação das estradas de ferro e seu
papel econômico no Brasil e no Ceará. Sob esse enfoque estão os trabalhos de
Azevedo (s.d), Um Trem corre para Oeste, em que o autor traça um panorama geral
da implantação da ferrovia no Brasil e desenvolve questões sobre a Estrada de
Ferro do Noroeste. O estudo desenvolvido por Lima e Pereira (2007), Estradas de
Ferro no Ceará, que apresenta a implantação de estradas de ferro no Ceará e dados
sobre o transporte ferroviário. Por outro lado, a história da Arquitetura segue suas
produções isolando as ferrovias e os prédios das estações ferroviárias de sua
interação com a cidade, restringindo-se à arquitetura ferroviária, à descrição e
análises dessas tipologias. Destacamos os trabalhos de Geraldo Gomes da Silva
(1986) e Beatriz Mugayar Kühl (1998).
Os trabalhos escritos sobre o prédio da Estação Central o
predominantemente depoimentos de memorialistas
2
. Também se encontram breves
narrativas que simplesmente descrevem seu estilo arquitetônico, sua fundação,
localização, engenheiro responsável e outras características isoladas que não
ressaltam a historicidade, a inserção da edificação na cidade, os interesses que
resultaram na sua construção e seus aspectos simbólicos, culturais e econômicos.
Buscando preencher essa lacuna, nosso enfoque recai sobre o prédio da
estação: sua concepção, implantação na cidade, construção e apropriação pela
população nos seus primeiros anos de funcionamento. E assim, do edifício como
fenômeno artístico e arquitetônico, nas suas relações como a cidade e os fatores
econômicos culturais e simbólicos. (Zevi, 2009; Argan, 1998).
Dessa forma, o propósito da pesquisa é examinar a relação do prédio
enquanto espaço que também proporcionou a urbanidade da cidade, pois esta
experimentou nesse momento a introdução de alguns serviços urbanos
fundamentais como serviço de água, iluminação, calçamento, que de alguma forma
estão ligados à chegada do progresso material, implementado pelo incremento do
comércio e com a chegada da ferrovia na Província. Essa relação entre cidade e
ferrovia com as suas decorrentes transformações urbanas, que trazemos aqui como
destaque a Estação, gerou representações do urbano gestadas no âmbito das elites
2
Podemos citar Eduardo Campos (1988), Raimundo de Menezes (2006), Raimundo Girão (1979,
1985 e 2000).
19
políticas, econômicas e intelectuais, como jornalistas, cronistas, representantes da
Província, responsáveis em grande medida pela difusão da imagem escrita da
cidade. Pretendemos, dessa forma, historicizar o prédio da Estação, utilizando os
conceitos de espaço e memória que podem ser compreendidos a partir de
percepções e narrativas sobre o urbano, também como jornais e documentos da
época.
Aspectos Metodológicos
Para este estudo, utilizamos como fonte principal a produção da imprensa
fortalezense da época, especificamente jornais
3
e revistas. Grande parte desse
material encontra-se ainda preservado no setor de microfilmagem da Biblioteca
Pública Menezes Pimentel. Utilizamos a documentação produzida pelos poderes
públicos, especificamente os códigos de posturas municipais, relatórios dos
Presidentes de Província, relatórios organizados pelos engenheiros da Província.
Neste último caso, os relatórios oficiais encontram-se no setor de obras raras da
mencionada biblioteca e tiveram que ser fotografados para o manuseio durante a
pesquisa por se encontrarem em delicado estado de conservação e também fora de
ordem. Encontramos alguns esses documentos no Arquivo Público, na caixa
reservada às obras públicas. Todas essas fontes foram de crucial relevância para a
pesquisa, pois nelas estão registradas não descrições do prédio, mas também o
significado de sua construção para o desenvolvimento da cidade, seus usos e os
balanços de passagens e passageiros. Esses balanços serviram de base para
entendermos a Estação como espaço, no sentido de lugar praticado de Certeau
(1999).
Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção,
quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento
de veis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que
se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o
orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em
unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades
3
Os jornais utilizados são O Cearense e A Constituição, exemplares das três últimas décadas do
século XIX. Desse período temos ainda algumas edições do Jornal Pedro II, mas infelizmente o
exemplar citado pelos contemporâneos que escreveram sobre a Estação não se encontra micro
filmado, mas parte de seu conteúdo foi compilado para a Revista do Instituto do Ceará e é também
objeto de análise em nosso trabalho. Do início do século XX utilizamos o jornal A República que
também encontra-se no setor de microfilmagem da referida Biblioteca.
20
contratuais. (...) Em suma, o espaço é um lugar praticado. (CERTEAU,
1999, p. 201-202).
Temos, então, através das páginas da imprensa da época, uma grande
quantidade de informações que passam evidentemente pelo contexto político
daquele momento, ou melhor, de uma determinada leitura daquele contexto como,
também, um conteúdo de caráter oficial, pois na falta da imprensa específica que
cumprisse esse papel, quase todos os relatórios da Província, sessões, atos e leis
eram publicados nos jornais, pelo menos no caso de Fortaleza. Além disso, a partir
desses periódicos foi possível apreender um pouco do impacto sentido pela
população, ou pelo menos de alguns segmentos dela, em decorrência da
modernização e das transformações urbanas que estavam acontecendo na cidade
Utilizamos também, como fonte, a imagem fotográfica
4
. De maneira geral
as fotos localizadas expressam o entusiasmo progressista e o interesse de “registrar
para o futuro” as imagens de uma cidade moderna, que tinha o prédio da Estação
como símbolo de progresso e modernidade.
A fotografia aqui é apresentada como documento incontestável do
progresso da cidade e da grandiosidade do prédio. Isso é perceptível ao verificarmos
que as imagens que prevalecem, tanto nas fontes iconográficas quanto nas fontes
escritas, apontam para as transformações ocorridas a partir do desenvolvimento do
comércio, com a chegada da ferrovia e a construção da Estação.
Utilizamos o termo imagem como forma de comunicação e expressão que
se complementam, mas que também são autônomos. Destacamos ainda o fato de
que a produção de determinada imagem depende do olhar de quem fotografa, assim
como do olhar de quem observa, levando em consideração o contexto histórico de
sua produção. Deve-se ter em mente que: “a imagem pode ser entendida e pensada
na relação com o texto que a acompanha ou no amplo contexto que a circunda”
(CARRIJO, 2004 apud BRANDÃO 2005 p.22).
Como trataremos de arquitetura monumental se faz necessário definirmos
sucintamente o conceito de monumento. De acordo com Françoise Choay (2006
p.18) “chamar-se-á monumento tudo aquilo que for edificado por uma comunidade
de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas rememorem
acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças.”
4
As fotos em sua maioria foram cedidas pelo professor Assis Lima e fazem parte de seu acervo pessoal.
21
Um aspecto importante a ser apontado é a relação íntima que existe entre
as transformações urbanas do período e o contexto econômico e político, pela
dificuldade de desvincular esses dois termos. Isso significa que um estudo
minimamente percuciente sobre o Prédio da Estação e o desenvolvimento urbano da
cidade de Fortaleza deve procurar analisar também o cenário político e econômico.
Além do que, no caso de ser ignorada essa relação corre-se o risco de se realizar
uma leitura equivocada, para não dizer ingênua, do que foi publicado na imprensa
local sobre implantação da ferrovia, o Edifício da Estação e os melhoramentos
urbanos da cidade, pois tudo que foi escrito nesse período passa pelo filtro do
posicionamento econômico e político de cada publicação.
Assim, esta pesquisa coloca-se no âmbito de uma história sociocultural do
urbano, onde os conceitos de arquitetura monumental, espaço e modernidade que
caracterizam a materialidade da ferrovia na Estação se configuram aqui como
fundamental para a investigação dos aspectos do prédio e sua relação com o
desenvolvimento urbano de Fortaleza. Para Benjamin “modernidade caracteriza uma
época; caracteriza ao mesmo tempo a força que age nesta época, aproximando-a da
antiguidade” (BENJAMIN, 1985, p. 105). O conceito de arquitetura monumental
fundamenta-se na observação de Françoise Choay , o qual entende que em relação
às obras de Arquitetura, o termo “designa um edifício construído para eternizar a
lembrança de coisas memoráveis, ou concebido, erguido ou disposto de modo que
se torne um fator de embelezamento e de magnificência das cidades” (CHOAY,
2006, p. 19).
No primeiro capítulo, partimos do pressuposto de que a construção do
prédio da Estação se deveu à chegada da ferrovia à cidade, daí entendermos
porque a ferrovia se implantou na Província e a Estação foi construída na cidade de
Fortaleza, o ponto central que interligava todo o Estado. Portanto, pretendemos
destacar o processo de implantação das bases estrangeiras no Brasil e no Ceará a
partir de premissas que demonstrem que as características assumidas pelo
investimento estrangeiro no País e na Província foram frutos, em primeiro plano, da
expansão das economias centrais estrangeiras com a exportação e investimentos de
capitais em países como o Brasil e, em segundo plano, do desenvolvimento,
crescimento e diversificação da economia brasileira, que propiciaram oportunidades
atraentes para esses investimentos.
22
Realçamos, assim, que o permanente surgimento de oportunidades de
investimentos, derivadas das transformações em curso na economia, não no
Brasil, mas em particular na Província cearense e em sua Capital, foram
aproveitadas pelas empresas estrangeiras. Nesse sentido, a opção se apresenta
pelo intento de mostrar como se fez a penetração do capital estrangeiro no Ceará,
ou de que forma os segmentos da economia cearense passaram a compreender
empresas sob controle externo.
Este capítulo trata da consolidação definitiva da expansão
agroexportadora com o incremento da comercialização e produção do algodão na
Província, devido à interrupção das exportações americanas, gerada pela Guerra de
Secessão nos Estados Unidos, fato esse que destacou Fortaleza como núcleo
hegemônico do Ceará, passando esta a dispor do comércio direto com a Europa, o
que fortaleceu a necessidade da construção da ferrovia e da Estação que ligou
diretamente as zonas interioranas produtoras à cidade para o escoamento da
produção.
A ferrovia teve grande importância para a gradativa ampliação do domínio
regional de Fortaleza. Com a extensão dos trilhos, a influência da capital
aumentou imediatamente, utilizando a nova via como lança de penetração
para o interior. (CASTRO, L. 1982 p. 55).
A atividade comercial na capital era promissora, principalmente os
negócios de importação-exportação e trocas mercantis em geral, o que atraía
grande número de comerciantes, esses que no geral eram estrangeiros. Desde 1835
a Casa Inglesa, filial da Singlehurst & Co., tornara-se a mais antiga na Cidade.
O processo de implantação das estradas de ferro no Ceará foi financiado
pelos investimentos estrangeiros, em particular de empresas britânicas, para atender
aos interesses comerciais do sistema agrário-exportador e para o escoamento da
produção de café da região serrana de Baturité. Os ingleses encontraram nas
estradas de ferro uma alternativa eficiente como meio de transporte mais rápido,
aumentando as margens de lucro, além dos benefícios de incentivos fiscais,
garantias de monopólio dos serviços, grandes períodos de concessões, dentre
outras vantagens.
No caso específico da estrada de Ferro de Baturité, entre os seus
contratantes estava Henrique Brocklehurst, sócio da casa de comércio inglesa
Singlehurst & Co., demonstrando que os investimentos ingleses não se limitavam
23
ao comércio, mas estavam diretamente ligados à construção da rede ferroviária e ao
Prédio da Estação. Assim, com o emprego do capital privado surgiu a Companhia da
Via Férrea de Baturité responsável pela construção da Estação. Em 1898 a
administração da Companhia passou a outro grupo privado, a Novis & Porto, e
novamente em 1910 o comando operacional passou a ser da South American
Railway Construction Company Ltd., encerrando o ciclo de investimento do capital
privado em 1915, quando a empresa passou a ser administrada pelo Governo
Federal, o que foge ao escopo da pesquisa.
Articulando ferrovia e cidade, percebemos a chegada da via férrea como
elemento novo introduzindo a velocidade, o controle do espaço e do tempo ao
cotidiano, mesmo que timidamente, levando-se em consideração o que ocorreu em
capitais como São Paulo e Rio de janeiro. Não se tem a pretensão de afirmar que a
construção da ferrovia foi uma condição sine qua non de demonstração da chegada
da modernidade na Província, mas destaca-se a premissa de que com base no
crescente desenvolvimento econômico do setor comercial e a tida compreensão
estrangeira de que a cidade se demonstrava atraente para investimentos, pode-se
afirmar a construção do prédio da Estação como representante desses mesmos
interesses.
Diante do contexto histórico e econômico vivenciado no período, é
salientado o desenvolvimento das atividades comerciais e industriais e, em
decorrência destas, alguns conceitos vigentes como progresso, disciplina,
modernização, que podem ser observadas nas características arquitetônicas visíveis
na construção como ícones desse momento.
Utilizando os conceitos de Pesavento (1997 p. 41) tornou-se possível
afirmar que o progresso e a modernização ou modernidade são entendidos como
expressão da civilização capitalista industrial, ou seja, ela remete ao processo
histórico pautado no desenvolvimento tecnológico, comercial e na constituição da
relação social capitalista em várias partes do mundo, especificamente ao longo da
segunda metade do século XIX, o que gerou mudanças nos hábitos, estilos de vida,
maneiras de perceber e entender esse mundo em transformação.
5
5
Nesse contexto, a modernidade é um fenômeno do domínio da cultura, da expressão do
pensamento, das sensações, das mentalidades e da ideologia.
24
Nesse capítulo é abordado o caminho percorrido para a implantação da
ferrovia e do prédio da Estação observando através das várias plantas de Fortaleza
como foi pensada e planejada a sua localização.
A edificação da estação ferroviária era uma das obras constantes da
Planta de 1875 de Adolfo Herbster, que ampliava a de 1859 em estilo xadrez, uma
característica da cidade organizada e formatada nos moldes disciplinares da
modernidade, aparato urbanístico que conjugava com a arquitetura da Estação o
espaço produzido pelo contexto econômico e cultural do momento em destaque.
No segundo capítulo é analisado o pdio da Estação a partir de sua
construção, sendo focalizada a sua materialidade e monumentalidade, a partir da
observação da arquitetura, das plantas, da noção de espaço.
“Cada edifício caracteriza-se por uma pluralidade de valores: econômicos,
sociais, técnicos, funcionais, artísticos, espaciais e decorativos.” (ZEVI, 2009 p. 26).
Esses elementos foram observados através da análise das fontes escritas e
principalmente das fotografias de época em vários ângulos da Estação e seu
entorno.
Buscamos demonstrar, também, que a mão-de-obra empregada para a
construção não da linha férrea, mas também do edifício, era constituída por
imigrantes da seca de 1877-1879. Assim, percebe-se a intenção de organizar, limpar
e banir a cidade de desocupados que não representavam o progresso e a
modernidade de acordo com os discursos encontrados nos relatórios dos
engenheiros responsáveis pelas obras da ferrovia.
A ferrovia era vista como uma imagem poderosa de promessa de
progresso e civilização industrial. Essa imagem de certa forma, para os padrões de
construção da Cidade à época, pode ser bem observada na imponência do edifício
da Estação, erigido em estilo dórico-romano, característica essa comum a todas as
estações ferroviárias em geral.
Através da análise das fotografias são demonstradas as diversas
inovações técnicas, os equipamentos, as soluções arquitetônicas, os materiais
empregados. A ferrovia compunha-se de uma estrutura complexa de edificações que
se constituíam de acordo com sua utilidade, tais como, os edifícios da administração
de passageiros e as edificações para abrigar atividades que envolviam manutenção,
oficinas, depósito das locomotivas, armazéns de mercadorias.
25
A utilização da arquitetura da Estação para pensar a sociedade da época
foi uma tarefa efetivada através das imagens que representam a frente do edifício,
mostrando a extensão da sua fachada, evidenciando a estrutura de grande porte e
linhas classicizantes com um corpo central e dois laterais.
De 1873, início da construção da Estação, até 1917, momento que foi
determinado para delimitar a pesquisa, pode-se constatar o emprego do capital
privado na construção do prédio. Observamos que a cidade de Fortaleza no século
XIX e início do século XX recebia bastantes investimentos estrangeiros, em
particular o capital inglês, esses bem interessados nas negociações comerciais de
importação e exportação como podemos ressaltar:
Interessados em tudo aquilo que beneficiasse a atividade comercial de
modo geral a favorecer a expansão de seus negócios na província, os
comerciantes estrangeiros estiveram envolvidos em iniciativas como, por
exemplo, a criação de bancos (para facilitar o desconto de títulos, as
operações de câmbio, etc.), o estabelecimento de estradas de ferro (para o
escoamento da produção para os portos litorâneos) (TAKEYA, 1995 p.
113).
Com as transformações econômicas a partir do desenvolvimento
comercial e industrial, mudanças significativas ocorreram no Brasil e em suas
capitais, que passaram por um grande processo de construção da uma ordem
política, econômica e social.
Este capítulo mostra que Fortaleza, a partir de meados do século XIX
também foi palco dessas transformações para atender aos anseios das classes
dominantes de modernização, padrões de civilização e progresso disseminados pelo
mundo europeu.
Ainda no segundo capítulo relacionamos as transformações urbanas
sofridas na cidade de Fortaleza a partir do surgimento da Estação Ferroviária e suas
atividades.
De certo a ferrovia demonstrou-se como vetor para o desenvolvimento e
domínio da capital em relação às cidades interioranas. Através da extensão dos
trilhos como nova via de penetração para o Interior, a Cidade experimentou um
sugestivo momento de desenvolvimento urbano e de suas atividades comerciais e
investimentos estrangeiros.
Demonstramos que, com a edificação do prédio da Estação Ferroviária e
sua plena atividade, a cidade adquiriu melhoramentos materiais que podem ser
26
percebidos a partir da análise das plantas da cidade de 1859, 1875 e 1888. Mesmo
ainda no início de seu processo de urbanização a cidade procurava organizar-se
sócio-culturalmente.
A organização sócio-cultural destacada neste capítulo será associada
diretamente à aplicação do capital estrangeiro nas atividades econômicas. A
perspectiva é demonstrar que a rede de relações sociais estabelecidas neste espaço
implica na adaptação da cidade às novas transformações, principalmente no que se
refere ao prédio da Estação.
Entendemos o surgimento da ferrovia não como ampliação do
desenvolvimento da cidade, mas de modo inverso: a cidade cresce após
investimentos econômicos estrangeiros que podem ser observados a partir do
interesse desses investidores, e com esse crescimento, a ferrovia se faz necessária,
trazendo consigo além da velocidade e facilidade no transporte de mercadorias, a
edificação que materializa todos esses significados.
A ferrovia imprime nos indivíduos um impacto provocador de choque e
estranhamento que se estabelece pela presença da tecnologia da sociedade
capitalista industrial no maquinismo ferroviário. Essas transformações exigem da
sociedade mudanças em todas as suas dimensões. A cidade é, na verdade, a
primeira destas, ela se constrói e define com essas novas tecnologias, o aparato
urbano se modifica, as relações se tornam mais complexas. A urbanização foi um
fator decisivo para o surgimento de necessidades que teriam de ser atendidas e
desempenhavam um papel importante para a comercialização de produtos
industrializados, pois essa nova forma de investimento de capitais criou um mercado
para o sistema ferroviário.
Em Fortaleza observamos, inicialmente, a produção algodoeira e,
posteriormente, o café como ponte de ligação Interior e Capital, fazendo desta o
ponto hegemônico da Província. Essa produção, juntamente com o couro, passa a
ser exportada à medida que Fortaleza torna-se, à vista de franceses e ingleses, um
mercado consumidor de seus produtos. Destacamos a utilização da o-de-obra
dos retirantes da seca de 1877-1879 na construção do edifício da Estação,
informação constante nos jornais e relatórios da época como projeto para a
ocupação dos que perambulavam pelas ruas nesse período e solução para a
limpeza e higienização das ruas da cidade. A medida chega a parecer uma
contradição: A Estação Ferroviária - ícone da modernização - que ocupa o espaço
27
do Cemitério dos Ingleses, em prol do desenvolvimento, é erigida, a partir das mãos
dos flagelados que se pretende esconder.
No terceiro capítulo a intenção é observar a Estação naquele momento
enquanto espaço, enquanto lugar praticado (CERTEAU, 1999). As pessoas
modificam o lugar de acordo com os diversos usos que impõem a ele com suas
práticas cotidianas. Por si, a Estação é um ponto de convergência da cidade e, no
caso da Estação Central, ponto de convergência de todo o Estado. É de suma
importância conhecer esses usos, essas passagens para entendermos a história da
Estação e seu status de monumento para a cidade.
Utilizando as noções de espaço e lugar fornecidas por Michel de Certeau
(1999), estudamos a Estação como ambiente de concentração das atividades
ligadas a cidade e a ferrovia. Observamos num primeiro momento quais as funções
essenciais de uma estação e classificamos a Estação Central como estação
terminal, pois que esta era o ponto que interligava toda a Província com o porto para
a exportação.
Demonstramos que a concepção de espaço não se dissocia da noção de
tempo e daí a presença arquitetônica do relógio para que a Estação funcionasse em
concordância com os horários do trem e até mesmo dos passantes e frequentadores
desse espaço, mesmo que não fossem apanhar o trem. Esse horário do trem será
relacionado ao novo modo de funcionamento do tempo levando em consideração as
atividades econômicas desenvolvidas, no caso de Fortaleza, o comércio.
Entendemos que através da estação transitam todos que estão de
passagem para outro local, assim como aqueles que estão a espera de alguém ou
de alguma mercadoria. Lugar de chegada e partida, onde se determinam encontros
e desencontros, se carregam e descarregam vagões inteiros de mercadorias para
fomento do comércio e ainda a via de distribuição de socorros aos vitimados pelas
secas.
Por último, e não menos salutar, os usos dados ao prédio, que não se
restringiam simplesmente a lugar de partida, espera e chegada, mas também às
salas reservadas à diretoria, aos cafés e até mesmo à realização de leilões como
observaremos.
Em termos metodológicos cabe salientar que este trabalho se baseou na
pesquisa bibliográfica sobre o tema abordado, levantamentos e sistematização
obtidos através de documentos e periódicos da época e de material iconográfico. A
28
pesquisa bibliográfica reuniu instrumental teórico que nos forneceu subsídios às
investigações dos dados específicos sobre o tema, permitindo-nos analisar as
informações obtidas. Estas informações foram organizadas a partir das ideias de
progresso e modernidade que norteiam o trabalho, relacionadas ao Prédio da
Estação e sua inserção na cidade de Fortaleza, partindo do desenvolvimento
econômico da Capital. A abrangência desta pesquisa se deu através de obras de
História e Arquitetura que tratam da ferrovia e da arquitetura ferroviária no final do
século XIX e início do século XX, principalmente no Brasil, e que investigam os
impactos da inserção dessa estrutura no ambiente urbano.
Dessa forma pudemos compor a História da Estação Ferroviária Central a
partir da análise de sua arquitetura através de fotografias, jornais e documentos
oficiais da época, assim como , a partir destas fontes, observar a Estação como
espaço de novas técnicas e usos que a tornaram um monumento para a cidade.
Por fim, consideramos que a pesquisa realizada se justifica como um
esforço de compreensão do significado da Estação Central na cidade de Fortaleza e
das mudanças correlatas à sua construção e a seu espaço. Além disto, com este
estudo buscamos abordar o tema de forma interdisciplinar, enfocando os aspectos
históricos, econômicos, arquitetônicos e sociais que compõem a complexidade de se
tratar da relação ferrovia e cidade a partir de sua materialidade
6
a Estação Central
da Estrada de Ferro de Baturité em Fortaleza.
6
Deve-se entender por materialidade a ideia de concretização da ferrovia a partir de sua estrutura física e
arquitetônica principal que serve como base para seu funcionamento, ou seja o prédio para o embarque e
desembarque de passageiros e mercadorias transportados.
29
1. A ferrovia chega à cidade: fatores que possibilitaram a
construção da Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité.
1.1. História, Arquitetura e Espaço
Para tratarmos da chegada da ferrovia à cidade é necessário entendermos
a trajetória do assunto nas demais produções historiográficas, assim como a relação
arquitetura e espaço no contexto das ferrovias e estações.
Considerando os trabalhos sobre as ferrovias no Brasil é consenso que a
chegada das estradas de ferro e de suas estruturas afetou com grande intensidade e
de múltiplas maneiras os lugares onde foram implantadas. Talvez por isso tenha
suscitado múltiplas interpretações sobre como se processaram essas mudanças. A
leitura de algumas obras
7
que tratam da implantação dessas ferrovias e das
transformações por elas trazidas nos permite, no caso brasileiro, evidenciar as
tendências de análise do fenômeno ferroviário no País, bem como afirmar, que os
estudos produzidos nas últimas décadas do século XX podem ser tomados como
exemplo da dinâmica historiográfica nas produções nacionais.
Assim, podemos ordenar as produções em três grandes grupos da
historiografia nacional. No primeiro grupo uma preocupação em descrever quase
que factualmente o estabelecimento das ferrovias no Brasil, marcar as diferentes
rotas e assinalar as principais companhias organizadas. Destacam-se os trabalhos
de Adolfo Pinto (1903), de Octavio Memória (1923) e de Francisco de Assis Silva e
José Hamilton Pereira (2007). O segundo grupo privilegia o interesse sobre as
questões econômicas decorrentes da implantação das ferrovias no País, como
Odilon Nogueira Matos (1990), Ulysses Semeghini (1991), Douglas Tenório (1996).
O terceiro grupo, cujos trabalhos datam do final da década de 1980, caracteriza-se
pela produção de obras que buscam apontar novos caminhos e possibilidades de
estudo sobre as ferrovias. Da produção de pesquisas que abordaram pontos de
7
São muitas as obras que tratam da implantação das ferrovias no Brasil, como mais importantes
podemos destacar: Café, ferro e argila de Fábio Cyrino; Café e ferrovias de Odilon Nogueira Matos;
Capitalismo e Ferrovias no Brasil, de Douglas Tenório; e História de uma Estrada-de-ferro do
Nordeste de Estevão Pinto.
30
vista voltados para questões sociais, políticas e culturais, dentre as quais podemos
destacar Fernando de Azevedo (s.d) e Fábio Cyrino (2004).
De certa forma, os estudos do segundo grupo passaram a refletir sobre a
grande quantidade de dados e informações coletadas pelo primeiro, interpretando-os
para responder questões que dizem respeito à economia gerada em torno das
estradas de ferro. O terceiro grupo nos parece estabelecer uma crítica às produções
do segundo, tendo-os, porém, como referência para muitos dos estudos posteriores,
seja como contraponto, seja como complemento. Desse modo, não se invalida
nesse grupo os estudos sobre ferrovias que foi produzido no segundo, mas,
sobretudo, evidenciam-se outras visões possíveis sobre as transformações
provocadas pelas ferrovias e suas estruturas.
8
Assim, nas análises do segundo grupo da historiografia sobre o processo
ferroviário no Brasil encontra-se uma sistematização que enfatiza a ideia das
ferrovias terem sido adotadas em decorrência da expansão produtiva, de modo que
seu desenvolvimento e das vias férreas estaria ligado à necessidade de garantir um
meio de transporte mais eficiente e mais barato. Salienta-se, como afirma Castro,
que “as ferrovias construídas fora da área de produção para o mercado externo,
consagraram-se com a expressão ‘ferrovias de penetração’, pois estariam ajudando
a ocupação de terras incultas, das quais se dizia que, com a chegada dos trens,
veriam florescer culturas e cidades” (CASTRO, 1993, p. 06).
Um autor exemplar das interpretações historiográficas é Odilon Nogueira de
Matos. Para ele, a ferrovia teria nascido “intimamente ligada ao café, pois seus
promotores (...) foram fazendeiros, e toda a rede ferroviária, com raras exceções, foi
construída em função da cultura cafeeira”. Assim,
“construída, pois, atendendo aos interesses e às conveniências dos
fazendeiros, a rede ferroviária paulista, no seu aspecto arboricular, dá-nos,
hoje, a impressão de total ausência de plano, o que explica que superado o
fundamento econômico que o motivou, pela natural intinerância do café, ou
por decorrência de fatores externos que condicionaram o apelo às rodovias,
elas tenham se tornado antieconômicas, praticamente sem função em
muitos trechos, que acabaram sendo suprimidos” (MATOS, 1974 p. 14-15).
8
A análise do primeiro grupo é importante para a pesquisa na medida em que permite compreender a
forma como as ferrovias foram implantadas no País, mas são as interpretações do segundo e terceiro
grupos das análises com as quais se quer dialogar.
31
Neste sentido, Ulysses Semeghini (1991, p. 28) acrescenta que o
desenvolvimento urbano da cidade de Campinas, em São Paulo, esteve relacionado,
não apenas ao “fato de Campinas ser uma das principais ou a principal produtora de
café do Estado”, “mas também por ser um centro de comunicação desde as épocas
do cultivo de açúcar, com a rota entre Goiás e parte do quadrilátero do açúcar”.
Além de Matos e Semeghini, destacamos Benedito Genésio Ferreira
(1989, p. 27), cujo trabalho tem como objetivo: “colocar as ferrovias no contexto da
economia cearense nos seus aspectos infra e interestaduais bem como intra e
internacionais.”, este autor trabalha especificamente com o Estado do Ceará.
Encontram-se, também, argumentos nas produções de José geres Magalhães
(2006), Sérgio Milliet (1982, c. 1940), Flávio Saes (1974). Todos se utilizam da
interpretação econômica no que se refere ao fenômeno ferroviário no Brasil, sendo
que o último desenvolve um trabalho especificamente sobre a Companhia Paulista.
Sob a perspectiva desses autores, as ferrovias teriam sido introduzidas pela
necessidade de expansão do mercado e de achar meios de transporte para diminuir
os custos e aumentar a velocidade de entrega de seus produtos.
Portanto, a implantação de ferrovias está preponderantemente relacionada
ao aspecto econômico, na maioria dos casos através do desenvolvimento industrial
ou, como no Ceará, através da atividade comercial, facilitando o transporte de
pessoas e mercadorias para a exportação e importação.
O terceiro grupo da historiografia ampliou o campo de estudo sobre as
ferrovias no País, sobretudo a partir do fim da década de 1980. Pode-se perceber
isso por meio das análises de Francisco Foot Hardman (1988), Simone Narciso
Lessa (1993), Maria Inês Malta Castro (1993) e Liliana Segnini (1982), por exemplo,
cujas análises estão voltadas para as questões culturais, políticas e sociais.
Liliana Segnini (1982) busca evidenciar como as companhias ferroviárias e
suas estruturas figuraram-se em um novo espaço de conflito social, no qual
emergiam lutas entre grupos com interesses opostos, evidenciando o espaço
ferroviário como sendo altamente controlador sobre os que nele trabalhavam.
Para Hardman, a implantação e estrutura ferroviária, especificamente a
construção da ferrovia Madeira-Mamoré, só pode ser entendida ao inseri-la no
“espetáculo de exibição de mercadorias”. Sua obra permite pensar a ferrovia pelo
ponto de vista das ideologias de progresso e modernidade que, segundo o autor,
seriam dominantes ao fim do século XIX e início do século XX. Assim, ao mesmo
32
tempo em que busca salientar a dramaticidade que se constituiu a construção
daquela ferrovia, pelo grande número de vidas perdidas, por exemplo, Hardman
mostra que apenas a análise dos aspectos econômicos não abarca a complexidade
dos fatores que envolveram aquele empreendimento. (HARDMAN, 2005).
Lessa tenta entender a ferrovia a partir de sua imagem como mensageira
do progresso e da modernidade nos sertões do País e do mundo. “Símbolo da era
industrial, a ferrovia se estabelecerá na ordem simbólica da sociedade que a criou”
por meio das imagens que carrega. Sua ênfase recai sobre as imagens de
“trem/civilização” e “sertão/barbárie” que aparecem na construção da Estrada de
Ferro Central do Brasil, tomada na época como um “instrumento da civilização
industrial” que levaria o progresso emergente nas grandes cidades “do Brasil, e do
mundo” para o interior inóspito e atrasado do País. (LESSA, 1993, p. 06)
Nesse sentido, Hardman tenta demonstrar a visão de que a ferrovia
Madeira-Mamoré seria o símbolo do desejo do homem de subjugar a natureza e
levar a civilização aos lugares mais afastados. A barbárie instituída pela construção
da estrada de ferro, com a perda de muitas vidas foi gestada a partir da própria
modernidade que motivou a sua construção (HARDMAN, 2005). O estudo de Castro
dialoga com a obra de Hardman justamente nessa perspectiva, pois sua pesquisa se
refere à tentativa de entender “como se articulam barbárie e civilização” na história
da construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil. Essa autora procura
evidenciar de que modo os ideais de progresso e civilização vincularam-se à
construção da ferrovia, buscando entender o processo de construção de sua
imagem como símbolo de progresso e veículo da confiança nas virtudes da técnica.
A partir dessas informações ela busca compreender a dimensão da barbárie,
“impulsionada, ela própria, pelos ideais de progresso e civilização”. (CASTRO, M.
1993, p. 08)
A ideia de que a ferrovia configura-se como um mbolo dos ideais de
modernidade, progresso e civilização é trabalhada pelos três autores, bem como a
ideia de barbárie. Porém, se por um lado, Hardman e Castro M. tratam da barbárie
como sendo criada em virtude do progresso e da modernidade, por outro lado,
Lessa trabalha a ideia de barbárie como existente aos olhos dos contemporâneos
para representar os lugares onde o progresso, seja material ou cultural, ainda não
tivesse chegado.
33
Dessa forma, o impacto causado pela transformação nos transportes teria
se dado pelo fato de que, mesmo os lugares mais remotos, começavam a
interligarem-se por meios de comunicação sem precedentes no que se refere à
velocidade, capacidade de transporte, circulação de pessoas, mercadorias e culturas
as mais diversas. Em meio a essas transformações, em que se fazem presentes
também os navios a vapor e o telégrafo, a ferrovia aparece como um símbolo
inserido no cotidiano, não apenas por “servir aos meios de produção”, mas por
transformar de maneira profunda, comportamentos e percepções.
De acordo com Lessa, a ferrovia como “símbolo do progresso e civilização
da sociedade ocidental” se propagou pelo planeta sob toda forma de produção de
imagens. Imagens que se caracterizavam por sua fluidez, por sua capacidade de
aparecer e desaparecer, por seu caráter inconstante, mas que viabilizaram e
inauguraram um novo modo de a humanidade se relacionar com o mundo e no
mundo. (LESSA, 1993, p. 13)
Tais estudos dialogam muito entre si e com o mesmo posicionamento,
uma vez que as interpretações buscam aspectos que vão além da importância
econômica das estradas de ferro e suas estruturas. Esses autores buscam
interpretar as ferrovias como um meio transformador da realidade, que podem
evidenciar diversas indagações sobre a relação do homem em meio às
transformações que este presencia.
Matos, Semeghini, Saes, Hardman, Lessa e Castro ao trabalharem
aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos como partes do processo de
implantação das estradas de ferro colocam, apenas sutilmente, questões como as
implicações da inserção dos trilhos e estruturas ferroviárias nas cidades e mesmo
como a arquitetura das edificações estava relacionada com a arquitetura local, caso
essa já existisse.
Assim, muito embora a partir da década de 1980 tenham surgido autores
na historiografia ferroviária brasileira com uma clara preocupação com as relações
simbólicas estabelecidas pela ferrovia, nos lugares pelos quais esta passou, e quais
as implicações sociais de sua instalação nesses lugares, as estruturas ferroviárias,
como as estações, foram tratadas nos trabalhos como conseqüência do processo
por eles examinado.
Em outras palavras, a historiografia, sobretudo no que foi descrito acima
como segunda fase, apresenta em seus estudos uma realidade praticamente
34
“imaterial”. A preocupação com as questões econômicas parece ter
desmaterializado a história das ferrovias no sentido de que inseriu suas estações,
por exemplo, em um processo histórico produtor de um sentido avassalador e quase
inexorável. Esses discursos dão a impressão de que, no momento em que houvesse
diminuição de acúmulo de capitais a partir das matérias-primas que as
sustentassem, associados ao crescente investimento no transporte rodoviário, era
esperado que essas ferrovias entrassem em decadência e suas estruturas caíssem
em desuso. Nesses trabalhos as pessoas e seus referenciais culturais são meros
coadjuvantes e as edificações são meros cenários, enquanto a acumulação
capitalista é o ator principal no teatro da história ferroviária.
Portanto, apesar do volume de obras que se pode encontrar sobre
ferrovias, ainda são escassos os trabalhos que tratem do seu passado por meio de
sua materialidade. Raros também são os trabalhos sobre as estruturas ferroviárias,
que estabeleceram relação com as construções das edificações das estações com o
processo de modernização das cidades do Brasil.
Isso, entretanto, não significa que não houvesse esforços nesse sentido,
pois existem pesquisas em outras áreas do saber que dialogam com a história e que
têm como foco a cultura material produzida pelas ferrovias no País, como aqueles
produzidos nos campos da arquitetura e da arqueologia.
Destacam-se assim, obras como as de Christian Barman
9
(1950) e Carrol
Meeks (1964). Entretanto, embora sejam fundamentais para que se compreenda a
trajetória do desenvolvimento das estruturas ferroviárias, esses autores, além de
concentrarem suas análises nos casos europeus e norte-americanos traçaram a
história da arquitetura das edificações ferroviárias sem a preocupação de questionar
sua inserção no cotidiano dos locais aos quais as ferrovias haviam chegado.
No que se refere às pesquisas produzidas no Brasil destacam-se três
exemplos que podem ser citados, dois deles desenvolvidos no campo da arquitetura
e um na arqueologia. O trabalho de Beatriz Mugayar Kühl (1998) trata das estações
ferroviárias sob a ótica industrial. O livro é dividido em duas partes: na primeira a
autora busca compreender a história da arquitetura do ferro dando enfoque à
arquitetura ferroviária, tanto no contexto internacional quanto no caso brasileiro,
mais especificamente no Estado de São Paulo. A segunda parte do trabalho
9
Barman preocupa-se exclusivamente com o desenvolvimento da arquitetura ferroviária na Inglaterra.
35
preocupa-se em produzir reflexões sobre a preservação da arquitetura do ferro,
discutindo o conceito de preservação do patrimônio histórico, de restauração e seus
aspectos técnicos, apresentando, ao final, exemplos de restaurações realizadas
tanto no Brasil como no exterior. Nessa pesquisa é observada a preocupação em
traçar a trajetória de um patrimônio que está sendo destruído e perdido e indicar
possibilidades para a sua preservação.
Ainda na área da arquitetura, há a dissertação de mestrado em Arquitetura na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, de Ana
Villanueva (1996), que tem como objeto a antiga Estação da Companhia Paulista em
Campinas. O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de produzir propostas de
intervenção na área do pátio ferroviário central da cidade. Houve então, uma
preocupação em compreender a história da área sobre a qual se fez a proposta de
estudo e, para tal, a autora traçou a história do município de Campinas desde sua
fundação tendo como referência estudos produzidos sobre o assunto. A pesquisa
bibliográfica desenvolvida é extensa, porém a autora enfrentou dificuldades em
fundamentar historiograficamente a história do desenvolvimento da cidade, muitas
vezes questionável por não ter subsídios documentais nas suas fontes originais,
10
o
que não seria um problema se houvesse uma análise crítica sobre os discursos das
obras utilizadas. O trato com a estação, especificamente, segue o mesmo padrão no
que se refere a não utilização de “documentação primária”, sustentando-se nos
textos de alguns historiadores, memorialistas e textos jornalísticos recentes sobre a
cidade, apesar de dialogar com a pesquisa desenvolvida pela Planart
11
em 1976
para a reforma da edificação. De todo modo, é uma obra que permite compreender o
processo de construção de uma proposta de intervenção em um espaço como o do
pátio ferroviário e também para que se tenha um referencial bibliográfico sobre
Campinas e sua estação.
Outra obra que chama a atenção é o livro e de Daisy Morais (2007), no
qual é estudada a estação ferroviária de Piraju-SP. Na pesquisa a autora analisa a
edificação sob perspectiva da Arqueologia da Arquitetura, interpretando-a no
contexto social e econômico da cidade e da região em que está situada. São
10
O que também quase sempre ocorre na historiografia cearense. o grande problema de as obras
produzidas não terem uma preocupação com o que se poderia chamar de “rigor metodológico”, como a
citação das fontes ou simplesmente a referência de onde provêm esta ou aquela informação.
11
Empresa de Planejamento e Arquitetura Ltda, com sede em Campinas.
36
indicadas as unidades estratigráficas e os horizontes cronológicos do edifício
principal, bem como as modificações decorrentes das adaptações ao uso e
ocupação. Para a autora, o estudo da estação contribui para a compreensão do
processo cultural que resultou na cidade de hoje”, pois “sua recuperação e a
implantação de um centro regional de memória integram o planejamento para o
desenvolvimento turístico do município”. Esse trabalho permite a melhor
compreensão do processo de análise arqueológica de uma edificação, evidenciando
cada etapa de pesquisa. Entretanto, pelo próprio método adotado, uma
separação nítida entre os diversos documentos, quando poderiam ser integrados de
forma crítica para a melhor compreensão da edificação (MORAIS, 2007).
Assim, tais obras ao tratarem de aspectos arquitetônicos e urbanísticos
tenderam a restringir as análises ao âmbito destas disciplinas em que são
desenvolvidas e deixaram em grande medida, em segundo plano a historicidade
desses espaços, senão apenas como contexto. Tal como os trabalhos em História,
os objetivos, as preocupações, questionamentos e problemas propostos aos seus
respectivos objetos de análise são diferentes daqueles que guiaram esta pesquisa e,
embora contribuam singularmente para a melhor compreensão de uma edificação
como a Estação Ferroviária de Fortaleza, à medida que tratam da arquitetura e da
urbanização no mesmo período, mas ainda são insuficientes para compreender as
implicações simbólicas daessa estrutura somada aos fatores que se referem à sua
implantação na cidade.
Em resumo, na busca por uma bibliografia adequada às necessidades de
uma pesquisa que se preocupe com a história das estações ferroviárias inseridas no
contexto da cidade, levando em conta suas diversas implicações, sejam elas
culturais, sociais, arquitetônicas ou urbanísticas dentre muitas outras, três tipos
de trabalhos que podem ser encontrados: estudos que findaram por inserir as
estruturas ferroviárias em um processo que desmaterializou a história das ferrovias,
por não tratarem dos prédios das estações; estudos em que as relações sociais,
culturais e simbólicas, entre outras, são abordadas, mas que deixam o espaço das
ferrovias e de seus prédios em segundo plano; e, por fim, estudos em que a
materialidade das ferrovias é central, mas a historicidade das mesmas é secundária,
tratando somente do aspecto arquitetônico.
Para que haja um equilíbrio e não se produza excluindo aspectos
importantes, se faz necessário um estudo preocupado com a materialidade da
37
Estação, ou qualquer outra estrutura ferroviária, que aprofunde a compreensão de
sua história no sentido mais amplo possível observando o contexto dessas
edificações e o que enfim elas representam.
As transformações econômicas e sociais deixam nas cidades, em suas
construções, marcas ou sinais que contam uma história não verbal ilustrada por
imagens que têm como significado o conjunto de valores, usos, hábitos e crenças
que nutriam o quotidiano de seus habitantes e suas pretensões em determinados
momentos históricos.
Se levarmos em consideração as palavras de Bruno Zevi (2009), que
afirma que a arquitetura age com um vocabulário tridimensional que inclui o homem,
devemos entender que, não podemos analisar e historicizar o prédio da Estação
sem o observarmos como espaço, lugar que foi planejado e que será utilizado em
acordo com os usos dados por seus frequentadores.
Dessa forma, a arquitetura é como uma grande escultura escavada, em
cujo interior o homem penetra e caminha (ZEVI, 2009 p. 17). O prédio é planejado, é
construído e vai ser com a ação do homem que se tornará espaço, lugar com
sentido, que tem seus usos ditados conforme o dia a dia e sua relação com o
elemento humano.
Indagar a espacialidade de um edifício da cidade é considerá-lo como um
texto que nos fala através dos dados culturais, sociais e econômicos da sociedade,
esculpidos simbolicamente em sua arquitetura, dados estes que, sutilmente são
percebidos em jornais e fotografias.
A cidade abriga dentro de sua estrutura uma complexa rede de
articulações culturais, transformadas a partir da mente do ser humano,
reorganizando ao seu modo as noções de tempo e de espaço. Parafraseando Lewis
Mumford, a cidade é uma obra de arte consciente (MUMFORD, 1998).
Como imagem viva, a cidade está sujeita ao desgaste, mas configura-se
como um legado da história por apresentar em seu tecido, monumentos
simbolicamente significativos, aqui especificamente, o prédio da Estação Ferroviária
Central, exprimindo as marcas de um espaço e de um tempo em que o desejo de
arte se afirma como presença tangível e memória.
Um monumento é algo que se inscreve um sentido intencional, ou seja, uma
idéia pré-concebida que vai se procurar materializar no espaço
transformando-o muitas vezes num lugar, ou seja, num espaço qualificado,
com densidade de vivência antropológico-histórica. Um monumento existe,
38
antes de ser concretizado, na mente do(s) seu(s) autor (es), e perdura
depois, quer como lembrança de si próprio, do próprio gesto de construir,
quer por referência a outros sentidos e narrativas que evoca. (JORGE,
2002, p. 15).
A Estação Ferroviária Central da Estrada de Ferro de Baturité em
Fortaleza foi construída para ser um monumento, intencionalmente ou não. Sua
estrutura e arquitetura a caracterizaram dessa forma, além de seus usos, assim
como toda simbologia em torno de sua localização, imponência e utilidade. A
Estação, no período em estudo, funcionava como ponte que interligava todo o Ceará
em suas atividades econômicas e sociais, situada com vista para o mar em sua
lateral. Chegar à Estação era chegar ao ponto de referência e de encontro da
Cidade.
O Prédio da Estação apresentava-se como um modelo espacial, social e
cultural configurado pelo desejo de uma sociedade empenhada em construir
referenciais ideais, projeções de uma visão de mundo, de um anseio social de
projetar-se como moderna e importante, na tentativa de transformar-se em
realidade, conforme posicionamento de Francisco d’Assis Maciel:
Estão em andamento os trabalhos d’esta estrada de ferro. Já aprovei a planta
da estação d’esta capital. Creio que em breve, esta província contará com a
realisação d’este melhoramento de tanto futuro para ella (MACIEL, 1873, p.
15).
Não se trata apenas da arquitetura, estrutura e seu planejamento, mas da
prática do que foi planejado, que não pode ser visto como algo estático, que não
tenha com sua cotidianidade uma apresentação peculiar. É a expressão mais
acabada da vontade daqueles que estavam a frente da sociedade fortalezense,
dessa forma conferindo à arquitetura da Estação uma dimensão nova, heróica ao
espaço urbano. O moderno e a velocidade para o progresso dos negócios e da
capital, mas ao mesmo tempo popular, utilizável, diário e vivaz.
O século XIX representou indubitavelmente o século da modernidade,
período em que as cidades ganharam vigor e se tornaram fonte de ostentação.
Nesse século as cidades foram contempladas e admiradas como a realização de
uma história que se desenvolveu com uma trajetória progressista, como uma síntese
de toda capacidade realizadora dos homens. Assim, à vista desse progresso, as
cidades tiveram seus espaços reformulados, transformando-se de acordo com
aspirações advindas das práticas capitalistas.
39
A cidade de Fortaleza também passava por transformações que eram
inspiradas nos moldes parisienses do século XIX, mas com todas as limitações de
uma Província emergente, a partir do comércio e não da indústria, avançava para o
progresso e a modernidade. Toda essa potencialidade em lucros para o comércio,
que levaria ao desenvolvimento da cidade de Fortaleza, é destacado por Takeya, ao
descrever uma carta de um comandante naval francês de 1859, que tecia
comentários sobre o movimento dos portos:
Os navios estrangeiros o vão em número suficiente para aprovisionar o
mercado de produtos europeus, que são levados, em parte, por
embarcações de cabotagem saídas de Pernambuco (...) e a produção local
não tendo uma colocação fácil.” (TAKEYA, 1995, p. 71)
Os sinais desses avanços estavam presentes nas paisagens urbanas, visto
na densidade das edificações, na ordenação e organização das ruas, na arquitetura
dos edifícios públicos. Os hábitos aburguesados e refinados da nova sociedade que
estava se delineando podem ser identificados através da fala de Sebastião Ponte:
Em 1908, um álbum com fotografias de Fortaleza circulava pela cidade.
Para gáudio dos agentes locais da modernização urbana, o livro,
confeccionado em papel nobre, trazia 160 estampas de tudo o que
representava o aformoseamento e o progresso da Capital no começo do
século: praças recém-modeladas, jardins públicos, ruas alinhadas com
bondes, transeuntes, sobrados e estabelecimentos comerciais, Passeio
Público e Parque da Liberdade e seus elegantes freqüentadores, estação
Central Ferroviária, mansões e fachadas art-noveau, cafés, templos,
escolas, porto, praias, lagos, etc. (o asilo e o cemitério não aparecem).
Este Álbum de Vistas do Ceará, 1908, editado pela Casa Boris Frères &
Cia., a mais poderosa das firmas estrangeiras do Ceará, e impresso na
França, significava, formalmente, uma homenagem à Capital, em
reconhecimento à sua beleza e ao seu desenvolvimento. Confeccionado na
Europa por uma consagrada companhia francesa e distribuído em vários
lugares, o álbum não deixava de ter um desejo de divulgação de uma
cidade que era, na leitura capitalista, um próspero mercado urbano.
(PONTE, 2001, p. 131).
Fortaleza, não imune aos encantos da modernidade, tinha Paris e Londres
como modelos de onde as novidades eram trazidas comercialmente, tendo como
porta de entrada o porto por onde chegavam as últimas modas, as ideias filosóficas
e principalmente as tendências arquitetônicas.
A capital fortalezense com todo seu potencial para o comércio recebeu de
abertamente as novidades vindas da Europa, mas seu caráter provinciano foi
transformado lentamente, mesmo que o desejo ostentado pela sociedade fosse de
uma rápida transformação que representasse o modelo de modernidade.
40
As características da cultura francesa e inglesa em Fortaleza
manifestaram-se nos costumes e bitos da população da cidade, principalmente
entre as elites que aprenderam novas maneiras de comer, vestir e se comportar em
público, o que se refletiu diretamente nos traços arquitetônicos dos equipamentos
urbanos erigidos na cidade a partir do século XIX.
Nas ruas de Fortaleza proliferavam as casas comerciais francesas, na
Cidade quase todos os artigos comerciais eram importados da França ou da
Inglaterra, assim como os modelos culturais, para orientar as sociabilidades urbanas
e inclusive a imagem arquitetônica que convinha ao governo fixar na cidade,
representando uma grande característica da modernidade.
José Liberal de Castro nos permite observar essa ampla repercussão da
cultura européia na nossa sociedade que será materializada na arquitetura dos
edifícios, aqui em destaque a Estação Ferroviária Central.
Em arquitetura as coisas caminham de outro modo. As alterações no
sistema de vida ou nas relações sócio-econômicas repercutem em dias
mais a frente. Assim, a presença cultural e econômica anglo-francesa
somente vai refletir-se, em termos de influência formal mais ampla na
arquitetura praticamente depois da primeira metade dos oitocentos, até
então restrita a poucos exemplos de procedência oficial. (CASTRO, L.,
1982, p. 50).
Dessa forma, podemos afirmar que o processo de implementação da
Estrada de Ferro de Baturité que culminou na construção do Edifício da Estação
Central, assim como as características arquitetônicas do prédio, tem um significado
cultural que testemunho do passado, do relacionamento existente entre os
indivíduos e seu meio e ajuda a especificar a representação da cultura, prática,
sensibilidade e tradições locais.
A cidade, processo de construção coletiva, acumula em sua paisagem os
momentos da história de uma coletividade e os elementos da paisagem urbana,
manifestações da vida social, e, portanto, prova viva de valores, da cultura, das
memórias e identidades de uma época.
A arquitetura da cidade, ou mesmo um edifício especificamente, composto
por traçados e volumes, possibilita a interpretação de fatos urbanos, únicos para
cada lugar e remete ao debate de temas como espaço, memória e
monumentalidade. Vários são os aspectos que influenciam a arquitetura de um
edifício e a sua grandiosidade, dentre eles destacamos como de suma importância a
41
sua localização, característica primordial sem a qual a história da Estação seria
outra. Dessa forma se faz necessário entender e observar como se deu a escolha do
local onde foi instalado o Prédio da Estação Central.
1.2. As várias plantas da cidade de Fortaleza.
Antes mesmo que a ferrovia chegasse ao Ceará, podemos perceber através
das plantas da cidade e das várias falas dos cronistas os planos para a construção e
a demarcação do possível local apropriado para a instalação da Estação. A
observação das várias plantas da cidade de Fortaleza indica as intenções de
implantação quando deixam indicações técnicas nos mapas, como a expressão
“largo da manobra” que observaremos mais a frente.
Os primeiros a produzirem uma escrita sobre a cidade visando a dar conta de
sua trajetória no tempo foram os cronistas, jornalistas e literatos que, desde o século
XIX, denunciavam os problemas urbanos, exigiam certas melhorias dos poderes
públicos e já percebiam mudanças significativas nos espaços e nas formas de
sociabilidades públicas urbanas. As falas desses cronistas deixam bem claras as
intenções de se implantar a ferrovia no Ceará e a possível localização da Estação
Central.
Na obra Fortaleza Velha, nas crônicas de João Nogueira, algumas linhas
são traçadas sobre o cemitério São Casemiro que desapareceu para a construção
da Estrada de Ferro de Baturité e do prédio que, na fala do autor, deveria situar-se
em local com vista para o mar e ser visto por quem viesse por ele.
O Cemitério devia desaparecer para ceder lugar às construções da
Estrada. Esta dispunha de locais muito melhores que o atual, onde
pudesse se estabelecer.
Quer a tradição que tenham colocado a Estação Central onde ela está para
que também fosse vista do mar, como já o eram a Fortaleza, a Misericórdia
e a Cadeia. Completavam-se com a Estação um certo quadro que obrigaria
o navegante, bem de longe, a aproximar-se com respeito, pois aqui
também havia Força e Humanidade, Rigor das leis e Autoridade.
Idéias do tempo...
Na reforma por que passou a Central em 1879, construiu-se parte da
oficina sobre túmulos antigos e catacumbas cujo local era bem conhecido;
42
e daí sucessivamente até hoje as construções que se tem feito pesam,
impiamente sobre os mortos. Quando se cava a terra, é raro não se
encontram restos humanos. (NOGUEIRA, 1981, p. 76)
A melhor forma de analisar a evolução urbana de uma cidade é através de
seus mapas, pois estes oferecem imagens diretas de todas as dimensões urbanas
da cidade.
A delineação urbana ocorrida em Fortaleza até os dias de hoje tem sua
origem no traçado urbano de Antonio José da Silva Paulet. O Plano de Paulet
caracteriza-se pelo traçado xadrez, de vertente greco-romana, utilizado na Europa
desde o século XIX por influência neoclássica.
As diretrizes de Paulet
12
foram amplamente empregadas, acolhendo
favoravelmente a sua nova forma urbana, o que facilitou a expansão urbana da
cidade a partir de meados do século XIX.
O traçado xadrez teve continuidade na elaboração das outras plantas da
cidade, dentre as quais podemos destacar a de 1850 de Simões Farias; a de 1856,
levantada pelo Padre Manuel Medeiros; a Planta Exacta de 1859 de Adolfo Herbster,
e as de 1875 e 1888, também de Herbster.
Simões Farias era arruador
13
e conheceu muito bem as plantas e
diretrizes de Paulet. Analisar o desenho de Farias de 1850 possibilita um melhor
entendimento do espaço urbano fortalezense em meados do século XIX.
Conforme a planta de 1850 (Fig. 1), a cidade se encerrava a norte, na Rua
Nova Fortaleza (hoje Rua João Moreira) e a oeste na Rua da Amélia (atual Rua
Senador Pompeu). O limite a oeste esbarra na região da atual localização da
Estação Ferroviária, lugar que na época ainda era ocupado pelo Cemitério dos
Ingleses. De acordo com Liberal de Castro:
Por razões desconhecidas, a planta de 1850 esquece alguns marcos
urbanos significativos. Bastaria citar a omissão do cemitério de São
Casemiro, implantado em 1844 e utilizado em 1849, bem como do
cemitério inglês, complementar. Também falta o contiguo Campo da Amélia,
amplo vazio urbano, doado à cidade pela família do Brigadeiro Francisco
Xavier Torres, a fim de servir como zona de exercícios da tropa da fortaleza
da Assunção. Ainda que o arruamento não ultrapasse a rua Amélia
(Senador Pompeu), um pequeno retângulo posto um pouco mais a oeste,
na continuação da rua Municipal (Guilherme Rocha), deve indicar a futura
igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, cujas obras estavam começando
naquele ano de 1850. (CASTRO, L. 1982, p. 113)
12
Segundo José Liberal de Castro, “Lamentavelmente, o desenho de plano elaborado por Paulet, nem mesmo
em copia, chegou aos dias presentes.” (RIC t. CVIII, 1994 p.49).
13
Arruador era aquele que alinhava as ruas e construções sem possuir formação técnica.
43
FIGURA 1: Planta da cidade de Fortaleza organizada por Simões de Farias, em 1850. Desenhada em
escala reduzida por J. J. de Oliveira em 1883. Original da cópia guardado no Arquivo Nacional do Rio
de Janeiro. O círculo de vermelho destaca a região que em 1873 será construída a Estação. Fonte:
Revista do Instituto Histórico do Ceará, 2005.
A planta de 1850 pode ser vista como um projeto de expansão urbana da
cidade que experimentou um período de crescimento diretamente relacionado ao
fato de que, entre 1845 e 1877, não ocorreram grandes secas gerais que
devastassem a produção agrícola e exportadora responsável pelo progresso
comercial da Província.
A planta de 1850 refletiria, assim, um clima de expectativa de progresso,
subjacente no imaginário da população. Deste modo, ficaria explicada a
decisão da Câmara de querer contar com um instrumento de exame da
organização física da Capital, a fim lhe de planejar um desenvolvimento
urbano controlado. Farias, o velho arruador da cidade, integrado às
aspirações gerais, não apenas procurou providenciar o levantamento da
44
realidade material que deparava, mas decidiu propor uma expansão do
quadro urbano tanto evidenciando o prolongamento previsto para as
‘travessias’ na zona ocidental da cidade, continua, mas principalmente,
oferecendo um riso em reticula para vasta área quase desabitada, de além
Pajeú. (CASTRO, L., p.108).
O traçado de Simões pode ser complementado com o exame da planta de
1856 (Fig. 2), preparada por Padre Manuel do Rego Medeiros datada de 1856, que
mostra, materializada, a sugestão discretamente insinuada na Planta de 1850.
Também se sobrepondo à Planta Exacta de 1859 (Fig. 3), percebemos as
indicações da planta de Simões, levando em consideração que seu desenho se
utilizou de processos tradicionais e sem possuir formação técnica qualificada como
Adolfo Herbster.
FIGURA 2: Planta da Cidade de Fortaleza levantada no ano de 1856 pelo padre Manoel do Rego
Medeiros. Na área ampliada, a seta vermelha, indica a Praça da Amélia e, a seta azul, indica o
cemitério São Casemiro. Fonte: Revista do Instituto do ceará, 2005.
45
No mais, as três plantas refletem o progresso urbano da cidade e
esclarecem o caminho tomado mais tarde para oeste pela Estação. Além de
refletirem três momentos da vida da cidade. Na primeira (Fig. 1), as ligações de um
simples arruador com velhos métodos de representar. Na segunda (Fig. 2), o anseio
de expansão material da cidade, que foi possível com algum conhecimento de suas
estruturas urbanas e na última (Fig. 3), a presença de um profissional, diante do
quadro físico da cidade, buscando a representação correta da organização do
espaço, condição essa fundamental que norteou as futuras intervenções na cidade
amparadas em dados concretos e imbricadas na realidade.
A observação da planta de 1856 nos permite verificar a Praça da Amélia e o
cemitério São Casemiro que não eram vistos na planta de Simões de 1850, lugar
onde seria estabelecido o prédio da Estação.
Em 1857 a Câmara Municipal contrata os serviços do Engenheiro Adolpho
Herbster, para que as alterações na planta de Fortaleza fossem empregadas de
forma técnica.
As incorreções do mapa preparado pelo Padre Rego Monteiro em 1856,
quando Herbster vivia na cidade demonstravam a impossibilidade de se
querer nortear ou mesmo acompanhar de modo controlado a expansão
urbana fortalezense em um meio que não contava com um mínimo de
recursos humanos. Na verdade, o recente processo de crescimento da
cidade impunha encerrar o ciclo de atividades desempenhadas por práticos
sem condições de entender as transformações teóricas, explicita ou
implicitamente. Também não havia lugar para leigos vontadosos,
amadores sem compromisso com o rigor que o momento exigia,
principalmente ante os desentendimentos causados pelas desapropriações
necessárias ao enquadramento da cidade à malha urbana proposta, fosse
quanto às localizações e aos alinhamentos fosse quanto ao valor das
indenizações. (CASTRO, L., 1994, p.57)
A planta Exacta de 1859 elaborada por Herbster continuidade ao plano
xadrez, que fora aceito e defendido com rigor pela Câmara com a indicação dos
logradouros e edifícios, mas não fazia qualquer menção de localização, mesmo que
futura, do assentamento da Estação, indicando somente o cemitério que ainda se
encontrava no local.
Mas, incluída no Atlas do Império do Brasil, de Cândido Mendes de
Almeida, editado em 1868, consta uma planta da cidade de Fortaleza elaborada por
Adolpho Herbster de 1863 (Fig. 4), essa planta é uma transcrição da planta
46
reformada da cidade de 1861, que veio a resolver problemas surgidos com o
crescimento de Fortaleza.
FIGURA 3: A Planta Exacta da Capital do Ceará de abril de 1859 de Adolpho Herbster. O círculo de
vermelho indica o local ainda não ocupado que vai abrigar a Estação Central da Estrada de Ferro de
Baturité. Fonte: Revista do instituto do Ceará, 1994, t. CVII, p. 68.
Observando a planta podemos atentar para a referência “Largo da
Manobra”, que, por sua localização e a julgar pelo recuo da indicação do Cemitério
São Casemiro e o Cemitério anexo dos ingleses, tudo indica se tratar da projeção do
que viria a ser a Estação Ferroviária.
Ainda se mantinham em uso o Cemitério de São Casemiro e o anexo dos
ingleses, ambos localizados no desenho um pouco mais para o oeste do
local onde realmente se implantavam. Também permaneciam junto do
morro do Croata o Paiol da Pólvora e o Matadouro, este com o respectivo
‘curral’, logo mudados para a ‘estrada de Soure’. Entre o Cemitério e o Paiol
constava a indicação de um Largo da Manobra’, espaço talvez sugerido ou
provavelmente reservado para uma curva de trilhos de trem,
47
melhoramento ainda embrionário, pois somente entraria em funcionamento
dez anos depois. (CASTRO, L., 1994, p. 87).
FIGURA 4: Planta preparada por Adolpho Herbster em 1863. O círculo vermelho retrata a referência,
Largo da Manobra, local reservado ao Prédio da Estação Central. Fonte: Atlas do império do Brasil,
edição Fac-similar, encontrado na Biblioteca Pública Meneses Pimentel.
Já a planta de 1875 (Fig. 5), um pouco maior que a de 1863, configurou-se
como um plano de expansão urbana, pois retratou a cidade o apenas como ela
era, mas como que viria a ser.
Herbster predispõe o documento iconográfico de modo a dar indicações
quanto à localização dos edifícios públicos, talvez por já serem numerosos ou
porque as repartições funcionassem em casas particulares ou alugadas.
48
FIGURA 5: Planta da Cidade de Fortaleza e subúrbios de Adolpho Herbster. Marcado com o círculo
vermelho está o local ocupado pelo prédio da Estação Central, a seta vermelha indica o Cemitério
São João Batista e a seta azul o Paço Municipal, obras novas constantes da planta. Fonte: Revista do
instituto do Ceará, 1994, t. CVII, p. 69.
Podem ser vistas obras novas, como o Cemitério São João Batista, o Paço
Municipal, o também novo prédio da Estação Ferroviária, situado onde hoje fica a
atual Estação Professor João Felipe. A planta de 1888 (Fig. 6) é uma atualização de
1875, mostrando muitas novidades do período que se intercala entre a seca e o ano
de sua impressão. Como novidades apareciam assinaladas na planta as linhas de
bondes de tração animal que foram inauguradas em 1882. Do centro, saiam linhas
curtas, destinadas à Estação Ferroviária e à zona do porto, demonstrando que a
região da Estação fazia parte do movimento econômico da cidade.
49
FIGURA 6: Planta da Cidade de Fortaleza de Adolpho Herbster de 1888, destaque da área da
Estação, ampliação nossa. Fonte: Biblioteca Nacional.
O espaço aberto para uso comum da população, espécie de ponto de
encontro da vida urbana com a vida rural, destinado à chegada e saída de
mercadorias e pessoas, que em Portugal era denominado “rossio”, em Fortaleza
além de seus rossios tínhamos também os “campos”. O campo do Paiol da Pólvora,
50
junto ao Forte Nossa Senhora da Assunção, que foi posteriormente transformado em
Passeio Público e o Campo da Amélia, onde a tropa do exército fazia o “alardo”
(exercícios), onde hoje está a Praça da Estação, que se tornou local de encontro e
movimento depois de sua edificação.
A observação das várias plantas da Cidade, desde a de 1850 que não
destacava o local para Estação, passando pela planta de 1863 que previa a
localização do prédio, demonstra que houve planejamento, e que o local onde se
estabeleceu a Estação Central era um ponto estratégico da cidade para o embarque
e desembarque de passageiros e mercadorias.
1.3. Produção e comércio no Ceará: a influência inglesa e a
estruturação do espaço agroexportador na Província.
Observada a demarcação do local que abrigaria a estrutura da Estação é
preciso entender as condições que desenvolveram um ambiente propício à
instalação da ferrovia no Estado. O jornal Cearense, assim publicou as
características da futura Estação:
Venceo-se igualmente que se fizesse demarcar do termo destinado a
estação central o que fosse de mister para o edificio das officinas,
providenciando-se no sentido de ser ella concluida até o ultimo de agosto,
de conformidade com a planta, que deve levantar o sobre dito engenheiro
machinista, de modo a poder-se recolher ahi o material encommendado.
Resolveo-se mais que se desse auctorização aos Srs. R. Singlehurst & C.ª
de Liverpool, para despender as quantias necessarias com a acquisição e
transporte dos objectos bem como as de mais a effectuar para o completo
desempenho da comissão do Sr. Stangn (CEARENSE, 14 mar., 1872, p. 1).
A influência inglesa nas transformações na cidade de Fortaleza pode ser
observada diretamente com o investimento de capitais para fazer funcionar a
ferrovia, a estrutura de funcionamento e manutenção.
As cidades têm seus espaços construídos em sintonia com o tempo vivido,
seus equipamentos urbanos são representações das transformações ocorridas no
momento da construção de cada um. O prédio da Estação Ferroviária Central tem
51
sua origem, tipologia, características estéticas, funcionais e sua representatividade
no contexto urbano introduzido pela ferrovia.
Dessa forma, é essencial entendermos a trajetória da implantação das
ferrovias no Brasil e em especial no Ceará, partindo da influência econômica
internacional que a motivou, buscando as relações simbólicas por ela exercidas na
arquitetura e as implicações de sua instalação, como a própria Estação.
O Brasil, desde sua formação, esteve integrado à expansão capitalista
mundial, revelando uma estreita ligação entre a economia interna e internacional,
recebendo em particular, a influência britânica no período em estudo.
No século XIX, é incontestável que os interesses ingleses no Brasil eram
de ordem econômica. O capitalismo inglês buscava, com a divisão internacional do
trabalho, escoar seus produtos industrializados e encontrar países fornecedores de
matéria-prima. A partir de 1870 o Brasil experimentou um período de prosperidade
nacional com o empreendimento de atividades comerciais e principalmente
agrícolas, tornando-se receptor importante de capitais estrangeiros.
Os ingleses estavam diretamente ligados a quase todos os aspectos do
sistema de exportação no Brasil. Exerciam o controle sobre as estradas de ferro, as
firmas importadoras e exportadoras, quase todo o comércio era movimentado com o
capital inglês, em navios ingleses e por firmas inglesas, além dos lucros, os juros
sobre o capital, o pagamento de seguros, os dividendos provindos das operações
financeiras. Mas, o fato do Brasil estar iniciando o seu processo de industrialização,
demonstra que o controle exercido não era estrangulador, pois para funcionar
precisou de uma estrutura que foi montada aqui pelos próprios ingleses,
representando ganhos materiais de suporte às transformações necessárias ao
processo de industrialização do próprio Brasil. Assim Castro explica a influência do
capital inglês na economia brasileira:
Os investimentos ingleses se destacaram, sobretudo, nas atividades de
intermediação comercial e bancária, a primeira com a instalação das Casas
Comerciais Inglesas e a segunda com empréstimos aos particulares ou
diretamente ao Estado. Destaca-se também no processo de implantação de
empresas estrangeiras no Brasil, o investimento britânico em setores básicos de
infra-estrutura (ferrovias, serviços de comunicação, energia elétrica, portos). As
ferrovias, as empresas de obras públicas, o comércio importador-exportador e a
agroindústria do açúcar explicam 90% do total de entradas. A Inglaterra é
responsável por 88% do investimento, a França por 10%, e os demais por apenas
2%. (CASTRO, C., 1979, p. 41)
52
Contando com ampla gama de direitos e proteção, além da pouca
concorrência, os negócios britânicos prosperaram no Brasil. Esses eram dirigidos
para a facilitação das exportações, daí sua intensa participação na melhoria dos
serviços portuários e na construção da ferrovia brasileira.
No Brasil havia uma mobilização direta do Governo na captação de
investimentos estrangeiros para fins produtivos, em especial na contratação para
construção de estradas de ferro. O fluxo de capitais admitidos no País gozava de
completa liberdade, excluindo-se, assim, a relação entre Estado e Estado, que as
somas voltadas para os investimentos no Brasil tinham como origem, basicamente,
senão exclusivamente as fontes privadas, o que gerou alguns conflitos internos e
externos, no que diz respeito ao cumprimento das relações contratuais para o
fornecimento de serviços e equipamentos de interesse do País. É o que demonstra a
transcrição do engenheiro João Viriato de Medeiros ao Ministro Paula Souza:
As nossas relações com as companhias inglesas são deploráveis e decididamente
não podem continuar no mesmo pé em que m se achado e atualmente se
acham. As pretensões dessas companhias não encontram termo em sua
exageração e elas consideram o Governo do Brasil como uma entidade existindo
apenas para dar-lhes dinheiro, conforme elas o exigirem, sem considerarem-se,
por um momento, sujeita a nossa lei alguma, que para os diretores o menos
do que letra morta. (...) As concessões às companhias, que devem regular e de
fato regulam os mútuos direitos e deveres entre elas e o Governo Imperial, para as
diretorias não existem senão em um ponto O governo do Brasil deve dar-lhes
todo o dinheiro que pedirem, seja qual for a forma debaixo da qual o peçam, não o
determinem.
14
( MEDEIROS, 1865 apud ALMEIDA, 2005, p. 295)
Dessa forma, a construção da rede ferroviária brasileira tornou-se
possível, em sua grande maioria, em virtude desses investimentos britânicos e
desses empréstimos, que na verdade facilitavam as exportações brasileiras,
beneficiando direta e economicamente os ingleses. Raras foram as construções da
rede ferroviária brasileira que não contaram com a interferência inglesa, seja essa
como proprietária direta das companhias férreas, seja como financiadora.
É importante perceber que o advento das ferrovias trouxe a idéia de
desenvolvimento, velocidade e modernidade, transformando o espaço físico das
cidades brasileiras, mudanças que são reveladas nas características arquitetônicas
das estações ferroviárias como um todo.
14
Teor da correspondência dirigida ao Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de
Londres em 12 de outubro de 1865.
53
Não tardou muito para que essas questões relacionadas à invenção da
locomotiva e à construção de estradas de ferro fossem conhecidas no Brasil.
Podemos constatar que as primeiras iniciativas nacionais relativas à construção de
ferrovias remontam ao ano de 1828, quando o Governo Imperial autorizou por Carta
de Lei a construção e exploração de estradas em geral. O propósito era a
interligação das diversas regiões do País.
De acordo com Richard Graham (1973), no que se refere especificamente à
construção de ferrovias no Brasil, o Governo Imperial consubstanciou na Lei n.º 101,
de 31 de outubro de 1835, para a concessão, com privilégio pelo prazo de 40 anos,
às empresas que se propusessem a construir estradas de ferro, interligando o Rio
de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. O incentivo não
despertou o interesse desejado, pois as perspectivas de lucro não foram
consideradas suficientes para atrair investimentos. É importante destacar que, até a
chegada das ferrovias no Brasil, o transporte terrestre de mercadorias se
processava no lombo dos burros em estradas carroçáveis. Naquela época os portos
fluminenses de Parati e Angra dos Reis exportavam cerca de 100 mil sacas de café,
provenientes do Vale do Paraíba. Em São Paulo, anualmente, chegavam ao Porto
de Santos cerca de 200 mil bestas carregadas com café e outros produtos agrícolas.
Em 26 de julho de 1852, o Governo promulgou a Lei 641, na qual foram
prometidas vantagens de isenções e garantia de juros sobre o capital investido às
empresas nacionais ou estrangeiras que se interessassem em construir e explorar
estradas de ferro em qualquer parte do País.
Através de incentivos do governo e de investimentos nacionais com a
importação de maquinário inglês, fez-se possível a construção das primeiras
ferrovias.
Dessa forma, as principais vias férreas foram construídas, tornando-se
empreendimentos rendáveis e duradouros, e com isso, também o Brasil ingressou
em uma nova era de progresso. Em todos os períodos da história surgem vultos que
se destacam e fazem a diferença. Dentre eles, destacamos a figura ímpar de Irineu
Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, considerado sem dúvida, o pai da ferrovia
no Brasil. Com autorização do Imperador D. Pedro II (entusiasta do incremento
desse meio de transporte em nosso País), iniciou com uma resolução, a construção
da primeira ferrovia brasileira, aberta ao tráfego em primeiro de maio de 1854,
conhecida com “Estrada de Ferro Petrópolis”. (CASTRO, C., 1979)
54
Embora o Brasil tenha apresentado várias leis favoráveis aos investimentos
em ferrovias já na primeira metade do século XIX, nenhuma delas se mostrou
suficiente para deflagrar o processo de instalação e expansão das estradas de ferro
no País. Por exemplo, a Lei Feijó, de 1835, concedia isenção, por 15 anos, de taxas
de importação de material ferroviário e dava uma concessão por 40 anos às
companhias que construíssem linhas férreas ligando as capitais do Rio Grande do
Sul, Minas Gerais e Bahia.
Apenas com a promulgação da Lei nº 641, de junho de 1852, após 17 anos da
primeira iniciativa institucional foi deflagrada a construção de ferrovias em território
nacional. Os principais fatores estabelecidos pela nova lei que estimulou a
realização de investimentos na área de transporte ferroviário foram: o aumento do
período de concessão para 90 anos, com a possibilidade de a companhia negociar a
compra da linha após 30 anos; a garantia do monopólio dos serviços na região em
que a via férrea fosse implantada, proibindo-se concorrentes numa distância de 32
km de cada lado dos trilhos; a garantia da não intervenção do Governo na tarifa
cobrada e a garantia de uma taxa de retorno de 5% sobre o capital investido na
construção da ferrovia.
Em 1854, a primeira estrada de ferro era inaugurada por Mauá no Rio de
Janeiro e, em 1858, abriu-se ao tráfego à segunda do País e primeira do Nordeste, a
Recife São Francisco Railway, que ligava Recife à cidade do Cabo, em
Pernambuco, realizando a comunicação entre uma área produtora de açúcar com o
principal porto de escoamento da produção para os principais mercados
consumidores do País e do Exterior.
A Lei 2.450, de 1873, confirmando a garantia de 7% de juros sobre os capitais
investidos na construção de vias férreas, deflagrou uma segunda fase de sua
expansão. A partir de então, observou-se um grande aumento da kilometragem
ferroviária na região e o surgimento de novas empresas.
Dessa forma, pode-se dizer que os investimentos em ferrovias no Nordeste
foram uma alternativa atraente para as aplicações dos capitais britânicos frente às
alternativas concorrentes que existiam em outras partes do País e do mundo. Por
exemplo, o setor ferroviário nordestino foi capaz de atraí-los quando eles tinham a
opção de serem aplicados em países latino-americanos como Argentina e México.
No quadro a seguir (Fig. 7) podemos perceber a origem do capital investido
nas diversas ferrovias, no caso do Ceará, apesar de ser destacado como capital
55
privado local, os investimentos ingleses eram claros que um dos comerciantes era
inglês e os empréstimos aos outros contratantes eram de procedência inglesa.
Em 1872 Chega a Fortaleza, no vapor "Cruzeiro do Sul", o comendador João
Wilkens de Matos, nomeado por Carta Imperial de 15 de dezembro de 1871,
tomando posse no Governo da Província no dia seguinte. São inaugurados os
trabalhos da Viaférrea de Baturité, iniciando a construção. A empresa foi autorizada
a funcionar, inicialmente pelo Decreto nº 4.780 de 30 de agosto de 1871.
Diversas inovações do século XIX tiveram papel fundamental para tais
mudanças, dentre as quais a própria ferrovia, cujas estruturas alteraram o meio em
que viviam os homens, suas sensações e percepções sobre a realidade que os
cercava.
Nordeste: Principais Companhias Ferroviárias Implantadas na Segunda Metade do Século XIX.
COMPANHIA ORIGEM DO
CAPITAL
CAPITAL
(Libras)
ESTADO DATA DA
INAUGURAÇÃ
O
PRINCIPAIS ITENS
TRANSPOTADOS
Recife to São Francisco
Railway Co. Ltd.
Reino Unido/
capital privado
1.685.000
(capital inicial)
Pernambuco 1858 Passageiros, Cana-de-
açúcar, Açúcar e Madeira
Bahia and San Francisco
Railway
Reino Unido/
capital privado
1.800.000
(capital inicial)
Bahia 1863 Passageiros, Cereais,
Animais e Madeiras
Brazilian Imperial Central
Bahia Railway
Reino Unido/
capital privado
1.462.500
(Capital em
1887)
Bahia 1866 Passageiros, Cereais,
Animais e Madeiras
Via Férrea Su de
Pernambuco
Governo do
Estado
- Pernambuco Década de 1870 Passageiros, Água e
Alimentos.
Cia. Cearense da Via
Férrea de Baturité
Capital Privado
Local
- Ceará 1871 Passageiros, Água e
Alimentos.
Ferrovia de Sobral Governo do
Estado
- Ceará 1881 Passageiros, Água e
Alimentos.
The Great Western of
Brazil Railway Co. Ltd.
Reino
Unido/capital
privado
562.500 Pernambuco 1882 Passageiros, Cana-de
açúcar, Açúcar, Algodão,
Tecidos e Madeiras.
Alagoas Railway Co. Ltd. Reino Unido/
capital privado
512.200 Alagoas 1882 Passageiros, Cana-de
açúcar, Açúcar, Algodão,
Tecidos e Madeiras.
Conde d’Eu Railway Co.
Ltd.
Reino Unido/
capital privado
675.000 Paraíba 1882 Passageiros, Água, Cereais,
Sal, Animais e Açúcar.
Imperial brazilian and
Nova Cruz Railway Co.
Ltd.
Reino Unido/
capital privado
618.305 Rio Grande
do norte
1883 Passageiros, Água e
Alimentos.
Central de Pernambuco Governo do
Estado
- Pernambuco 1885 Passageiros, Água e
Alimentos.
Prolongamento da Estrada
de Ferro Bahia ao São
Francisco
Governo do
Estado
- Bahia 1896 Passageiros, Água e
Alimentos.
FIGURA 7: Tabela das Principais Companhias Ferroviárias Implantadas na Segunda Metade do
Século XIX. Fonte: As primeiras Ferrovias do Nordeste Brasileiro: Processo de implantação e o caso
da Great Western Railway, Tagore Villarim Siquera.
Na historiografia brasileira as interpretações são múltiplas na tentativa de
esclarecer, particularmente, como o Brasil participou das diversas transformações do
56
século XIX. Observando interpretações mais amplas, considerando-se a Europa e a
América Latina, é possível fazer um contraponto sobre tais mudanças no Brasil.
Segundo Hobsbawm (1996, p. 177), nos países latino-americanos, o
crescimento econômico da Europa na segunda metade do século XIX, teria
fortalecido as minorias detentoras de poder devotadas à modernização do
continente. Impostas por uma elite culta e urbana em um continente rural, as
ideologias de progresso envolviam a América Latina, de modo que se teria tentado
transformar a sociedade por meio da modernização institucional imposta pelo poder
político, o que fracassaria pelo fato de o existir suporte de uma independência
econômica.
De acordo com esse argumento, a implantação dos modelos de
modernidade e modernização europeus em qualquer parte do mundo, tinha como
pré-requisito a implantação das bases ideológicas e das estruturas materiais para o
seu desenvolvimento. Daí construções caracterizadas pelos padrões clássicos do
sistema capitalista.
Dessa forma há, por um lado, a idéia de que a Europa se constituía em
um modelo a ser seguido. De outro lado, porém, não se pode afirmar que haveria
uma cópia exata desse modelo e sim uma assimilação de valores a partir das
possibilidades e necessidades específicas ao País, cujas referências o
nitidamente européias.
Desse modo, para Richard Graham (1973, p. 42), o fato de o Brasil ter
sido influenciado por modelos europeus não o coloca como receptor passivo de tais
modelos: “Ser envolvido nas correntes dos pensamentos europeus não diminuiria o
valor brasileiro, mas, pelo contrário, reafirmaria o lugar ocupado pelo país dentro da
civilização ocidental.” Trata-se de uma seleção que eliminou os elementos
desnecessários e selecionou os mais aptos a cumprirem sua função no novo
contexto. Um grupo de modernizadores, incluindo diversos estrangeiros e brasileiros
a eles ligados, que crescia aos poucos, concentrou seus esforços na construção de
ferrovias e outras estruturas a partir das necessidades múltiplas do comércio
exportador.
No Ceará todo esse processo descrito no âmbito brasileiro pode ser
verificado. Também eram necessárias instituições de crédito capazes de fornecer
estradas e transportes aos agricultores para possibilitar o escoamento rápido de
gêneros.
57
A primeira casa exportadora estrangeira que se estabeleceu em Fortaleza,
em 1811, era pertencente ao irlandês Willian Wara, segundo João Brígido (2001).
Mas foi a partir de 1850 que o movimento comercial em Fortaleza cresceu mais
intensamente e, assim, o Estado procurou de várias maneiras de apoiar e estimular,
através de medidas concretas, a exportação com a isenção de impostos, privilégios
para o estabelecimento de linhas de transportes de gêneros, subvenções às
companhias de navegação, satisfazendo aos interesses das firmas exportadoras,
que aqui estavam em grande número.
Não eram raros os estrangeiros interessados no comércio da Província. (...).
Em 1862, havia um total de 23 casas comerciais brasileiras para 84
estrangeiras. No entanto, predominavam os estrangeiros nos escritórios de
negociantes e armazéns, justamente naquelas firmas que cuidavam da
exportação e importação e do abastecimento de gêneros em grosso
(GUABIRABA, 1989, p. 54-55).
Apesar da crise financeira enfrentada pelo Ceará após a Guerra do
Paraguai e o enfrentamento de secas, no período que se estendeu de 1870 a 1910,
Fortaleza gozou de significativa prosperidade com o aumento das exportações de
algodão, café e peles.
No bojo das contradições do período de 1870-1909, ressalta o crescimento
do movimento comercial da Praça de Fortaleza. O movimento exportador
desta praça suplantava o importador. (...). O crescimento da praça de
Fortaleza foi uma decorrência do aumento das exportações, destacando-se
o algodão entre os produtos mais exportados. Dentre as casa comerciais
que se estabeleceram no período, destacam-se a firma Boris Frères, criada
em 1869 e Singlehurst e Cia. que iria desempenhar papel valioso no
suprimento de gêneros de primeira necessidade durante os anos de seca
(GUABIRABA, p. 67-68).
A solução para facilitar as exportações consistia em encurtar distâncias
através de um meio eficiente e veloz que, ao mesmo tempo, colocaria Fortaleza
como cidade centralizadora no transporte de mercadorias e pessoas, confirmando a
Cidade como núcleo hegemônico da economia da Província através da ferrovia e
suas vias de comunicação, que tinha em sua Estação Central da Estrada de Ferro
de Baturité a materialização de todos os seus significados.
Na luta travada pelo Governo com o fim de manter sempre em elevação o
nível das exportações, ressaltam as atenções dispensadas à instalação de
estradas de ferro e de companhias de navegação, responsáveis diretas pelo
escoamento da produção da Província/Estado, no período de 1870-1909. A
partir da década de 70, são instaladas, no Ceará, as primeiras estradas de
ferro, situando-se o esforço no amplo contexto das iniciativas adotadas pelo
Governo em todo o Império. Os estatutos da Companhia Cearense da Via
58
Férrea de Baturité foram aprovados por decreto de 30 de agosto de 1871. A
9 de março de 1872 a Companhia começou a funcionar legalmente, tendo
sido, porém, antes desta data, a 20 de janeiro daquele ano, que ocorreu a
inauguração do leito da via - férrea (Id., 1989, p.90).
A imagem da ferrovia e de suas estruturas, como a própria Estação, que
chega ao Brasil e particularmente ao Ceará, estava ligada ao ideal de progresso,
modernização, industrialização e comércio, representando, portanto, as
transformações ocorridas no século XIX.
As vantagens das ferrovias eram cantadas em expressões grandiloqüentes
e abstratas, com as quais se pretendia convencer os capitalistas e a opinião
pública em geral da necessidade de confiar nos investimentos feitos no
setor. Palavras como progresso, prosperidade e solidariedade mundial eram
repetidas exaustivamente e parecem terem calado fundo na mente dos
homens que viveram no século XIX. Logo tornou-se comum associar o
vapor e as ferrovias à abertura de uma nova era, na qual o progresso
atuaria como mola propulsora da história (CASTRO M., 1993, p. 29).
As idéias de progresso e modernidade estavam associadas neste
momento à expansão das atividades econômicas deste período. Nas principais
Províncias do Brasil como São Paulo e Minas, além do comércio agroexportador, o
surgimento da indústria era o ponto de partida para o desenvolvimento, já nas
províncias interioranas como o Ceará, o comércio agroexportador era o maior
atrativo para os investimentos estrangeiros.
Durante a última metade do século XIX as mudanças sociais e
econômicas no Brasil foram impulsionadas pelas exportações de café. E graças às
estradas de ferro, tornou-se possível produzir café e outros gêneros para satisfazer
a demanda mundial em terras cada vez mais distantes da costa, de acordo com
Douglas Tenório (1996).
A última metade do século XIX, mais intensamente a última década, foi
marcada pela expansão da economia industrial capitalista, cujo avanço acelerado
sobre as sociedades, de economia agrícola, impulsionou surtos modernizadores em
nações periféricas como o Brasil. Tais fenômenos buscaram, sobretudo por trás de
idéias de desenvolvimento e progresso, a formação de novos mercados com hábitos
de produção e consumo conforme o novo padrão da economia de base científico-
tecnológica centrada nos países mais desenvolvidos da Europa e nos Estados
Unidos.
Para Faoro (1992), a adoção da modernização como modelo de
desenvolvimento, ao contrário da idéia de modernidade que compromete, em seu
59
processo, toda a sociedade, ampliando, expandindo, revitalizando ou mesmo
removendo os papéis sociais, acaba por privilegiar setores dominantes em
detrimento dos menos abastados, que por sua vez passam por um processo amplo
de domesticação e adequação a novos paradigmas ditados. Segundo esse autor, a
primeira versão histórica da modernização no Brasil iniciou-se com a transferência
da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, e culminou, em meados do século XIX,
com a febre das estradas de ferro e dos melhoramentos urbanos, adiando, inclusive,
o “sonho das manufaturas”
15
e sua mais urgente reforma social o fim do sistema
escravista. Dessa maneira, viu-se deslocar, na política do Império, com o apoio do
capital estrangeiro, o centro da economia para os empreendimentos ferroviários,
considerados importantes instrumentos de cunho civilizatório na crescente economia
cafeeira (FAORO, 1992, p. 10).
De acordo com Raimundo Girão, o café foi introduzido no Ceará por José
de Xerez Fuma Uchoa, após uma de suas viagens à Europa, onde conseguiu uma
muda que plantou em 1747, em um sítio na Serra da Meruoca. Inicialmente as
plantações limitaram-se acanhadamente aos quintais, até que, da Meruoca
transplantaram-se para a Serra Grande, daí para a Serra do Araripe e, finalmente,
foi levada pelo Capitão Antonio Pereira de Queirós, em 1822, para Baturité. A
cafeicultura se desenvolveu principalmente no Cariri, nas serras de Ibiapaba, de
Uruburetama e de Baturité, tornando-se esta última, o centro produtor mais
importante da Província. (GIRÃO, 2000, p. 378).
Após 1846 o café cearense, produzido em Baturité, entrou para a pauta da
exportação. Segundo Girão (2000, p. 379), na safra de 1846-47, “escorreram-se”
pelo Porto de Fortaleza 9.795 sacas e logo em 1848-49 foram remetidas 113.625
sacas de café para a Europa. Podemos observar no quadro abaixo (Fig. 8),
organizado por Barão de Studart, demonstrando o índice de influência do café na
economia cearense:
Anos Sacas valores
1848-47 9.795 2.4044$000
1848-49 113.625 17.317$680
1849-50 23.306 3.17$000
1860-61 1.293.300 506.091$000
1862-63 2.810.940 1.678.054$000
1863-64 1.605.651 670.261$620
1881-82 3.937.980 1.253.148$440
1882-83 2.694.316 639.108$008
15
Termo utilizado por Faoro (1992, p.10)
60
1883-84 2.710.955 919.172$453
1891 2.599.751 1.479.026$150
1895 2.106.549 2.600.756$800
1899 16.964 15.275$150
1905 2.877 3.020$500
FIGURA 8: Demonstração do escoamento do café no Ceará, organizado por Barão de Studart. Fonte:
Raimundo Girão, História econômica do Ceará, p.382.
E de acordo com Raimundo Girão( 2000), nasce, assim, uma pequena
nobreza dos cafezais baturiteenses, com o surgimento de famílias ricas com hábitos
e costumes mais apurados e desejosa de projeção social.
Além do café é importante destacar a cotonicultura, líder na pauta de
exportação do Ceará e que foi estimulada, especialmente, pela interrupção da
produção americana devido à Guerra de Independência dos Estados Unidos.
O algodão definiu o perfil da economia cearense, assim como foi o
responsável pela hegemonia da cidade de Fortaleza e a autonomia do Estado do
Ceará em relação a Pernambuco, o que resultou no comércio direto entre Fortaleza
e a Europa.
Tendo como referência Denise Takeya (1995), podemos afirmar que no
Ceará, inicialmente, o algodão foi o grande beneficiado da Guerra da Secessão
(1861-64), que prejudicou a produção algodoeira dos Estados Unidos. Com o
aumento da demanda pelo algodão do Ceará no mercado internacional, para
alimentar a indústria têxtil européia, então em plena expansão, Fortaleza passou a
ser o principal porto exportador da produção regional. O incremento dessa atividade
dinamizou a economia cearense e repercutiu no crescimento da capital, originando a
construção de novas edificações e a implantação de modernos serviços urbanos. Os
investimentos públicos e privados conseguiram atrair importantes casas comerciais
exportadoras e empresas estrangeiras interessadas na exploração de concessões
do poder público.
Até meados do século XIX a economia de Fortaleza era irrelevante
economicamente para o País, desempenhando apenas funções administrativas e
defensivas e servindo de apoio logístico à navegação entre as províncias de
Pernambuco e Maranhão. Localizada ao norte da Província, a Cidade estava isolada
até mesmo de suas grandes áreas produtoras. O Ceará possuía então, como
principais atividades econômicas, a pecuária e a cultura de algodão, além de
61
exportar carne, couro e animais de tração para as regiões canavieiras e algodão
para o Exterior.
A expansão algodoeira favoreceu o comércio direto com a Europa e
propiciou a estruturação do Ceará para as trocas mercantis, integrando a economia
cearense ao comércio internacional. Da mesma forma, o algodão permitiu a
Fortaleza dotar-se dos meios necessários para desempenhar seu papel de principal
pólo comercial do Ceará, concentrando as relações das atividades comerciais da
Província e o comércio exportador, principalmente com os ingleses.
A predominância britânica na navegação do Porto de Fortaleza é
destacada em 1888, pelo agente consular Boris:
[A marinha à vapor inglesa] é quase proprietária deste porto [Ceará] para a
navegação a longo curso, com ela é dos portos do Maranhão, Pará e
Manaus. (...) De diversos países expede-se para o Ceará via Liverpool,
porto de matrícula dos vapores que põem o Ceará em comunicação com a
Europa e a América (...). A Inglaterra continua a ser a principal compradora
dos produtos cearenses, o que é devido: ao fato de que a navegação
entre Ceará, Europa e América é quase exclusivamente feita por vapores
da Red Cross Line e da Both’s Line, ambas matriculadas no porto de
Liverpool; os únicos concorrentes dos vapores ingleses são veleiros; o
principal produto do Ceará, o algodão, tem 9/10 de sua produção comprada
por Liverpool (apud TAKEYA, 1995, p. 78-80).
A estreita relação da cidade de Fortaleza com a Europa, através do
comércio direto nas linhas de vapores ingleses, e em particular com os britânicos,
trouxe à capital o aumento do número de comerciantes, incluindo-se as casas
comerciais estrangeiras que eram as principais interessadas na atividade
agroexportadora, elo de ligação Interior-Capital.
Complementando a questão do aumento do número de comerciantes e
referindo-se ao fortalecimento do mercado interno de Fortaleza, tendo como base a
dinamização do comércio e o crescimento do material que era importado com o
enriquecimento de famílias cearenses, Auxiliadora Lemenhe afirma:
Pode-se concluir que Fortaleza era o maior mercado para os produtos
importados que chegavam ao Ceará, através de seu porto. A ampliação da
capacidade de acumulação dos maiores comerciantes, associada à
expansão do pequeno comércio e dos serviços públicos, gerais provinciais,
na capital, ampliara a faixa de consumidores do núcleo. Além do mais, a
migração para a capital de proprietários rurais e seus dependentes
contribuiu para fortalecer o comércio interno. (...)Independentemente da
inexistência de informações precisas, pode-se imaginar a insignificância de
bens manufaturados fora da capital. (...)Fora de seus limites, restaria às
casas importadoras de Fortaleza suprir as demandas dos proprietários
mais ricos e mais de restrita parcela dos habitantes dos núcleos urbanos
62
intermediários. É também Freire Alemão que dá notícia da nobreza do
interior, orgulhosa em ostentar as quinquilharias da Europa. (LEMENHE,
1995, p. 78-80).
As casas comerciais privadas, estrangeiras ou nacionais, trouxeram
dinamismo ao comércio da Capital que, baseado, na importação de manufaturados e
exportação agrária a partir de seu Porto, buscou a diminuição da distância entre o
Interior e a Capital através da ferrovia como meio de transporte mais rápido e
lucrativo.
O processo de integração da província às correntes do comércio
internacional, através da produção agrícola se dá, não somente pela
cotonicultura, mas pelo cultivo do café. Presente no Ceará e limitado ao
uso doméstico desde o século XVIII, foi a partir de 1846 que passou a fazer
parte da pauta de exportações, após 1846 entra o café para as listas de
exportação, cingindo-se o seu consumo até então ao território da província
(GIRÃO, 2000, p. 379).
Além do algodão e do café podemos destacar a diversidade nas
exportações no Ceará acrescentando a borracha. Extraída de plantas nativas da
região, como a maniçoba e a mangabeira, podia ser encontrada em certas áreas do
sertão e nas serras de Maranguape, Uruburetama e Baturité e figuraria entre os
produtos na pauta de exportação até 1912, início da concorrência internacional.
Acompanhando esse crescimento da produção e do comércio, e a este
intimamente articulada, ocorreu uma série de medidas que visavam a uma
estruturação dos meios de transporte de forma a estabelecer na Província caminhos
que facilitassem o escoamento das mercadorias em direção ao litoral, favorecendo
as exportações. Assim como os comerciantes de Fortaleza, os ingleses que também
atuavam diretamente no comércio da cidade, demonstravam interesse direto nas
facilidades de transporte de mercadorias que a ferrovia poderia oferecer.
Segundo Auxiliadora Lemenhe, “a concessão de liberdade de comércio
resultou dos interesses da Metrópole em fazer prosperar a agricultura do Ceará, há
tantos anos reclamada, e do efetivo início da comercialização do algodão.” E
acrescenta:
Assim, desde o início das transações diretas com Lisboa, por volta de
1803, a administração da capitania dota a vila [Fortaleza] de infra-estrutura
para as transações mercantis: são feitos estudos do porto e construção de
mole. Para controlar o movimento das mercadorias instala-se alfândega e
cuida-se do prédio da Tesouraria da Fazenda.. No que se refere às
63
transações internas, constrói-se mercado público e regula-se a realização
de feiras semanais. Inaugura-se na vila uma repartição de correio,
agregada à Tesouraria da Fazenda, possibilitando, com os limitados
recursos da época, ligar a vila-capital com outras vilas e as unidades de
produção. (LEMENHE, 1991, p.62)
Dessa forma, o surgimento e a expansão da cotonicultura, à medida que
propiciou o comércio direto do Ceará com a Europa, ensejou o começo de um
desenvolvimento e aparelhamento da Província para renovadas trocas mercantis.
Lançou as bases da futura integração da economia cearense no comércio
internacional, o que se concretizou também com a produção do café e com a
importância gradativa que Fortaleza vai ganhando no contexto da economia da
Província, como é demonstrado a seguir:
A dinamização do comércio, que decorreu de maior integração do Ceará à
economia internacional, ampliará as bases de acumulação da burguesia
comercial estabelecida, principalmente, nos núcleos urbanos do litoral e dos
grandes proprietários, assim como favoreceu o aumento das rendas
publicas. Resta analisar como as condições tão mais favoráveis ao
fortalecimento dos núcleos urbanos principais (Fortaleza e Aracati),
tenderam a intensificar o processo de dominação da capital, iniciado na
primeira metade do século. A decadência de Aracati, mostra mais evidente
que a hegemonia de Fortaleza no Ceará, esteve associada às pautas
político-administrativas do Estado brasileiro nesse tempo (LEMENHE, 1991,
p. 104-105).
A cidade de Fortaleza despontava na segunda metade do século XIX,
como núcleo hegemônico do Ceará se sobrepondo a Aracati. Portanto, as
produções de algodão e café escoariam pelo porto de Fortaleza direto para a
Europa. De acordo com Lemenhe, “A análise da distribuição espacial das unidades
produtoras de algodão e café das fazendas traz evidências da situação
comparativamente mais favorável a Fortaleza para centralizar produtos a seu
mercado.” (LEMENHE,1991, p 111).
Não o algodão, mas o café e a sua comercialização externa permitiram
ampliar as atividades econômicas de Fortaleza. As áreas de cultivo do café
(Maranguape e Baturité), relativamente próximas de Fortaleza, favoreciam a
centralização dessa atividade na Capital e o escoamento pelo Porto.
Mesmo com áreas de cultivo relativamente próximas à Fortaleza, tanto o
café como o algodão eram transportados precariamente até a Capital, através de
carroças ou lombo de burro, o que dificultava o transporte. Além de o transporte ser
lento, as dificuldades aumentavam diante da situação das estradas que não eram
64
pavimentadas e não facilitavam para que as comunicações fossem rápidas, pois a
grande maioria não permitia a condução pesada.
O café, mesmo apresentando menor volume, caracterizava-se pelos
preços mais altos que o algodão, daí o provimento de um montante complementar
de lucros aos comerciantes e aos cofres provinciais.
Dessa forma, a partir de 1858, inicia-se a mobilização em torno da idéia da
criação de uma empresa de transporte de mercadorias e passageiros entre Aracati,
Icó e Crato, tendo à frente o médico Pedro Théberge, com a denominação de
Sociedade União Cearense, mas que não chegou a se concretizar. Segundo
Raimundo Girão:
Fundada semelhante sociedade falava Silveira de Sousa outra igual se
deverá estabelecer desta capital para a vila de Baturité, e pode-se afiançar
que muito de seus comerciantes estão somente à espera que aquela se
realize com feliz sucesso; para inverterem nesta os seus capitais
demasiadamente tímidos e cautelosos. Desde , porém e enquanto isto
não se e em pratica, não seria fora de propósito que se organizasse
alguma sociedade, embora em ponto menor, para efetuar-se, em carros
mais maneiros e expedidos do que os atuais, o transporte da grande
produção do café, açúcar, algodão e outros gêneros daquela vila. Essa
sociedade poderia empregar outros meios de condução além de carros, e,
tendo estabelecimentos de mudas regularmente mantidos, se avantajaria
pelos seus recursos a todos os que se empregam hoje neste mister; seria a
única procurada pelos negociantes que comerciam entre as duas praças, e
daí tiraria inúmeros lucros (GIRÃO, 2000, p. 357).
Ficou cada vez mais nítida a necessidade de construção de uma estrada
de ferro que ligasse o Porto de Fortaleza a Baturité. O comércio direto com os
ingleses, a saída dos navios a vapor, a autonomia comercial cearense e a influência
de comerciantes ingleses na Praça de Fortaleza, tudo isso requereu urgência nos
esforços para a implantação da via férrea e com ela a construção do Prédio da
Estação Central.
Podemos constatar todo esse interesse na fala de Raimundo Girão:
A estrada de Baturité é capítulo obrigatório das Falas dos Presidentes.
Encetada em 1854, para substituir o caminho de posto existente, muito
nela se trabalhou, mas ainda em 68 o engenheiro provincial declarava a sua
inexistência, ou melhor, a sua imprestabilidade às exigências da tração por
veículos.
A estrada de Baturité dizia com justa razão tem ocupado a atenção e há
de continuar a ser objeto das mais serias investigações da parte dos
poderes públicos. A fertilidade da serra de Baturité, a importância do café
que ali se desenvolve e aumenta numa escala progressiva, uma extensa
cordilheira de serras dando importância a uma larga e extensa zona de
terrenos atravessados pela estrada Pacatuba, Guaiúba, Acarape e outras
todos de uma espantosa uberdade, são estes os títulos que recomendam
65
a estrada de Baturité e lhe dão uma máxima importância. A circunstância de
poder ser essa estrada mais tarde prolongada em demanda das regiões
meridionais da Província a aproximar dos centros de exportação as imensas
riquezas naturais do vale do Cariri, é mais uma razão poderosa que
concorre para dar à estrada de Baturité um dos melhoramentos que a
Província reclama para o seu engrandecimento e prosperidade.
E aduziu: A maior importância do melhoramento que deriva de uma via
férrea para Baturité, em minha opinião, liga-se ao futuro dessa linha.
Baturité e os municípios adjacentes, tão importantes pela cultura do café,
não é somente sob o ponto de vista do comércio e da indústria que convém
ser ligados à capital, mas especialmente sob o ponto de vista social e
político. A linha que se dirigir a Baturité há de ser necessariamente uma
seção do traço de maior extensão que se encaminhar ao Crato, e esta por
sua vez de aspirar entroncar-se numa grande linha que fizer parte do
sistema geral, quando realizar-se o grande pensamento de ligar o Rio de
Janeiro às províncias do Império (GIRÃO, 2000, p. 360-361).
Fica claro que os interesses para a construção da ferrovia e a edificação
do prédio da Estação é de amplo interesse econômico dos negociantes de
Fortaleza, obra essa que começa a ser finalmente efetivada a partir de 1870.
Assinado em julho do referido ano, entre a Província e a Companhia
Cearense da Via Férrea de Baturité, o contrato para a execução da obra pública foi
fundamentado pela Resolução Legislativa 1.332, de 11 de outubro, com a
responsabilidade dos diretores da Companhia. Como podemos observar em Octavio
Memoria.
Assim, a 25 de julho de 1870 for firmado entre o Governo Cearense da
então Província e a sociedade anonyma – Companhia Cearense da Via
Ferrea de Baturité, - o cotrato de construcção da alludida estrada.
A Companhia compunha se dos seguintes membros: senador Thomaz
Pompeu de Sousa Brasil, bacharel Gonçalo Baptista Vieira, (depois Barão
de Aquiraz), coronel Joaquim da Cunha Freire, (mais tarde Barão de
Ibiapaba), Henrique Brocklehurst,
16
(negociante) e o engenheiro José
Pompeu de Albuquerque Cavalcante, os quaes constituíram a primeira
Directoria (MEMORIA, 1923, p. 15).
Podemos concluir que a construção da via férrea e logo da Estação
Ferroviária está intimamente relacionada à atividade comercial desenvolvida na
cidade de Fortaleza, que era estabelecida pela classe social elitizada da Província.
Uma questão que observamos em relação à construção da ferrovia e da
Estação foi ao mesmo tempo o melhoramento do Porto da Capital. Tal
questionamento foi motivo de discussão para a Associação Comercial do Ceará em
14 de outubro de 1872, “Se o melhoramento do Porto d’esta Cidade é preferível a
16
Sócio da firma inglesa R. Singlehurst & Cia., cuja sucursal, com sede nesta capital, dirigido por longos annos.
Retirando-se, depois, para Liverpool, ficou sendo representado, perante a Companhia, pelo membro daquella
firma, John Mackee (Referência feita pelo próprio autor).
66
qualquer via de comunicação” (MATTOS, 1872, p. 3). No referido documento de
número 6974, o colocadas as argumentações sobre a Via Férrea de Baturité, a
partir da qual se afirma que a prosperidade no Ceará depende das estradas de ferro,
mas que o melhoramento do Porto é uma obra muito necessária ao comércio da
Capital.
Encarada a questão conforme V. Excª. A collocou << se é possível esse
melhoramento a qualquer via de communicação >> não nos afastaremos da
opinião que, julga que em primeiro lugar estão as vias de communicação
porque n’ellas é que está o verdadeiro progresso da Província (MATTOS,
1872, p. 5).
Percebemos que, mesmo o Porto sendo a via de escoamento de tudo que
era produzido e transportado pelos trilhos das ferrovias, o melhoramento do Porto foi
adiado, pois que a ferrovia e a Estação eram mais importantes porque trariam
rapidez e facilidade no transporte de mercadorias, o que enquadrou Fortaleza como
cidade moderna por conta do desenvolvimento do comércio garantido pela
implantação de transportes mais rápidos que a tração animal.
A aspiração para que Fortaleza se tornasse uma cidade moderna
enquadrada nos moldes do progresso foi também concretizado na aparência, ou
seja, na arquitetura do Prédio da Estação. Além do prédio representando essa
modernidade, observamos também esses anseios nos discursos dos jornais, nas
falas dos presidentes de Província, nos Códigos de Posturas e no comportamento
da sociedade nos encontros intelectuais que aconteciam nos cafés, nos salões.
O que podemos observar é o espaço urbano como representação dos
anseios sociais. A arquitetura empreendida na estação corresponde a um esforço
despendido na resolução dos aspectos técnicos do edifício, conferindo a ele
características de importância e fascínio:
As estações ferroviárias eram de fato templos da nova tecnologia e seus
espaços se multiplicavam pela criação de serviços, utilizado por indivíduos
de todos os veis sociais. Não era, pois estranho que os arquitetos
passassem a tratar as estações como faziam com os demais edifícios
públicos, tais como ministério, palácios da justiça, onde os espaços eram
dominados por arranjos decorativos quase sempre carregados de um alto
teor simbólico. (SILVA, 1986. p. 35)
De fato, a arquitetura ferroviária se expressava de acordo com a
representatividade, principalmente no campo econômico. Pode-se dizer que o Prédio
da Estação Central foi construído sob uma relação de grande simbolismo,
67
considerada a sala de visita ou mesmo a porta de entrada da cidade de Fortaleza.
Todas as personalidades ilustres que chegavam, forçosamente desembarcavam no
seu recinto.
Fortaleza estava diretamente relacionada à sua função comercial,
relacionada diretamente à Europa, revelando-se cada vez mais moderna. A cidade,
então, carecia de melhorias urbanas para racionalizar a circulação de mercadorias,
transportes e pessoas incluindo, portanto, o Prédio da Estação, de suma importância
para a ordenação da Capital.
Dessa forma, observamos nitidamente que os principais interessados na
implantação da ferrovia e, consequentemente, na construção do prédio da Estação,
o elo entre Interior e Capital para o escoamento de mercadorias de exportação e
importação, eram os comerciantes que lucravam nas praças de Fortaleza e nas
cidades pólos interioranas, inclusive de comerciantes estrangeiros que também
praticavam o comércio agroexportador. O Estado, de certa forma, também figurava
como interessado já que a permissão para implantar certos serviços, como o
transporte ferroviário, dependiam de sua anuição.
Portanto, os discursos de progresso e modernidade professados com a
chegada da ferrovia, bem ilustrados através dos projetos da arquitetura da Estação,
eram palavras não dos representantes do Estado, mas também dos negociantes
que detinham o poder econômico naquele momento.
Foi a partir dos interesses dessas personalidades responsáveis pelo
ambiente econômico do Estado que surgiram os esforços para a construção da
ferrovia no Ceará e a edificação da Estação Ferroviária Central da Estrada de Ferro
de Baturité em Fortaleza.
1.4. O Progresso chegou ao Ceará: da ferrovia à construção da
Estação Central.
A inauguração da Via Férrea da província, de que V. Exa. digno presidente,
merece uma era notável na sua existência, quem diz estrada de ferro diz
progresso, civilização, riqueza e prosperidade: quem trabalha para este
68
resultado é um benemérito, que bem merece o respeito e a admiração de
seus concidadãos.( Cearense, 03 mar., 1872, p. 03).
A partir da implantação da ferrovia e sua promessa expressa de
progresso, se fez necessário a materialização dessa via - férrea em um prédio, a
Estação, ligando a Capital às demais cidades produtoras sob o signo da
prosperidade e do progresso, demonstrando que, para podermos trazer à tona a
história da Estação, é preciso entender como se deu a chegada desse progresso ao
Ceará.
A rentabilidade foi um dos fatores principais para a implantação das
ferrovias. Estas transportam, a partir dos portos, os bens industrializados para o
interior dos novos mercados consumidores, de onde escoam para os mesmos portos
as matérias-primas, alimentando os produtores de onde saíram aqueles bens
industrializados.
Como observamos anteriormente, os ingleses foram os maiores
financiadores na construção das ferrovias no Brasil, seja diretamente através de
suas empresas, ou indiretamente, por meio de empréstimos ao Governo ou a
particulares. Esses investimentos foram efetivados por força de incentivos
ofertados pelo poder público para estabelecimento das ferrovias. De acordo com
Benedito Genésio (1989), pela Lei 641, de 26 de junho de 1852, foram
concedidas concessões de linhas férreas, garantia de juros de 5% sobre o capital
empregado e ainda a isenção de impostos na compra de material necessário para
as construções das ferrovias e suas estações.
Soma-se a esses benefícios o despontar de uma atividade agrícola para
exportação, o café, matéria prima importante para dar a base da prosperidade
ferroviária.
A expansão agroexportadora consolidada com a produção e
comercialização do algodão e do café, além de outros gêneros, complementada com
os interesses dos comerciantes privados estabelecidos na Praça de Fortaleza,
demonstra nitidamente a necessidade de estruturação de vias de transporte que
ligassem a Capital ao Interior. No que se refere à carência de meios de escoamento
das produções interioranas, podemos destacar:
As estradas, ruins não permitiam comunicações favoráveis e rápidas e
nalgumas rodavam os carros de bois(...), a inexistência de pontes e os
atoleiros obrigavam a que eles trafegassem nos meses de verão(...) do
69
Aracati a Icó e do Acaraú a Sobral, restringia-se o seu movimento, em
vaivém incessante. ( GIRÂO, 2000, p. 345)
Em 1857, a Província conseguiu autorização do Governo Imperial para a
construção de uma estrada de ferro, que drenasse a produção da serra da Ibiapaba
ao pequeno porto de Camocim. O decreto nº 1983, de 3 de outubro de 1857,
concedeu a Companhia Thomaz Dixon Lowdem a primeira concessão para a
construção de estradas de ferro no Ceará, com um benefício de exploração por um
período de 50 anos, mas assim como outros no Brasil, o referido projeto foi
arquivado.
Raimundo Girão escreve sobre a iniciativa de Pedro Theberge, em 1858, que
cogitou a ideia de criação de uma empresa de transportes entre Fortaleza e Baturité,
a qual, caso fosse implantada, traria amplos benefícios à Província.
17
Fundada semelhante sociedade falava o presidente Silveira de Sousa
outra igual se deverá estabelecer desta capital para a vila de Baturité, e
pode-se afiançar que muitos de seus comerciantes estão somente à espera
que aquela se realize com feliz sucesso; para intervirem nesta os seus
capitais demasiadamente tímidos e cautelosos. Desde já, porém, e
enquanto isto se não põe em prática, não seria fora de propósito que se
organizasse alguma sociedade, embora em ponto menor, para efetuar-se,
em carros mais maneiros e expeditos do que os atuais, o transporte da
grande produção do café, açúcar, algodão e outros gêneros daquela vila.
Essa sociedade poderia empregar outros modelos de condução, além dos
carros, e, tendo estabelecimentos de mudas regularmente mantidos, se
avanjataria pelos seus recursos a todos os que se empregam neste mister;
seria a única procurada pelos negociantes que comerciam entre as duas
praças, e daí tiraria inúmeros lucros. A regularidade de suas viagens
animaria a produção, pela certeza de que todos os produtos viriam
facilmente ao mercado; o comércio estenderia proporcionalmente as suas
relações, redundando tudo em vantagem daquela sociedade. E se os seus
capitais fossem suficientes para comprarem ali gêneros por sua própria
conta e exportá-los para os mercados estrangeiros, os seus interesses
seriam então muito superiores. Para montar-se uma empresa dessa ordem
não são necessários recursos extraordinários e a brilhante perspectiva que
ela oferece é um estímulo bastante poderoso para que alguns dos
capitalistas e fazendeiros da Província devam tentar. (GIRÃO, 2000, p. 357-
358).
É possível observar que, em torno da ideia de construir uma ferrovia, que sem
dúvida levou à existência e à edificação da Estação, o que temos são conjecturas,
estimativas e vontades de pessoas da época que imaginavam como seria a
17
Raimundo Girão faz essa referência a partir do Relatório do Presidente Silveira de Sousa à
Assembléia em 1858, p.11 e 22.
70
Província com os caminhos de ferro e o que essa construção traria de mudanças
para o comércio e aos negociantes exportadores de uma forma geral.
Nesse ano verifica-se a tentativa novamente infrutífera de construção de
uma nova estrada de ferro, dessa vez o eixo comercial estava voltado para o lado
leste da Província:
É do referido ano de 58 a maior cogitação em torno da idéia da criação de
empresas de transportes de mercadoria e passageiros entre Fortaleza e
Baturité e entre Aracati, Icó e Crato, a última de iniciativa do dico Pedro
Théberge, com a denominação de “Sociedade União Cearense” Fundada
semelhante sociedade – falava o presidente Silveira de Sousa – outra igual
se deverá estabelecer desta capital para a vila de Baturité, e pode se
afiançar que muitos de seus comerciantes estão somente à espera que
aquela se realize com feliz sucesso (GIRÃO, 2000, p. 357).
Em 1868 segundo Girão houve outra tentativa de organizar uma Estrada de
Ferro no Ceará:
Esse engenheiro mesmo, que era o dr. José Pompeu de Albuquerque
Cavalcante e demorou no Recife comissionado para observar a organização
duma estrada de ferro, associou-se a John James Foster e ambos
contrataram com o presidente Leão Veloso (14 de abril de 1868) a
incorporação duma empresa para construir a primeira seção da estrada
(Fortaleza-Pacatuba, com o ramal até Maranguape), pelo sistema trans-
road, a vapor mediante a garantia de juros de 5% do capital investido, e
outros favores, sem, no entanto, conseguirem a meta, pois que a lei que
aprovou o contrato não recebeu a sanção presidencial do governante
sucessor, ciosa muito comum na incorrigível arritmia que tão
lastimavelmente caracterizou até os nossos dias a administração brasileira
(GIRÃO, 2000, p. 361).
A fundação da Estrada de Ferro de Baturité teve ligação direta com os
primórdios dos planos de se implantar ferrovias no País, apesar das primeiras
tentativas terem fracassado. Porém não é necessário que se remonte a toda história
ferroviária no Brasil para que se compreenda a questão. O primeiro projeto para a
fundação da Estrada de Ferro de Baturité, foi iniciado em 1870 com a assinatura do
contrato que deu início à construção da primeira ferrovia da Província – A Estrada de
Ferro de Baturité – que, ligando a Capital à vila do mesmo nome, ampliou as
facilidades do comércio de Fortaleza na captação de produtos para o mercado
externo e a distribuição dos bens importados.
Somente em julho de 1870 é que devido aos trabalhos do advogado João
Brígido veio a ser assinado entre a Província e a “Companhia Cearense da
Via - Férrea de Baturité” contrato para a execução de obra pública tão
desejada. A resolução legislativa 1.332, de 11 de outubro, aprovou esse
71
contrato nas pessoas dos diretores da Companhia: Padre Tomaz Pompeu
de Sousa Brasil (o Senador Pompeu), o Dr. Gonçalo Batista Vieira (Barão
de Aquiraz), os comerciantes Joaquim da Cunha Freire, Barão de Ibiapaba
e Henrique Brocklehurst
18
, sócio da R. Singlehurst & Cia., e o engenheiro
José Pompeu de Albuquerque Cavalcante, antigo concessionário (GIRÃO,
2000, p. 361-362).
A estrada foi concluída em 1882 e a notícia da assinatura do contrato foi
publicada na primeira página do Jornal A Constituição, na terça-feira 26 de julho de
1870. A publicação destaca e se desculpa por não ter publicado o contrato na
integra por falta de espaço, mas que o fará no número seguinte.
19
De acordo com o relatório manuscrito, elaborado por Ernesto Antônio
Lassance Cunha, denominado Synopse Histórica da Estrada de Ferro de Baturité, é
possível observar a função e os fins da ferrovia.
A Estrada de Ferro de Baturité é a artéria destinada a servir o sul do Ceará,
tendo por ponto inicial a capital, cidade marítima de Fortaleza, e por
objectivo o Rio de S. Francisco, que por seu turno é a artéria fluvial que em
futuro não muito remoto ligará o Norte ao Sul do Brazil.
Esta estrada preenche três fins diversos:
- Ligar o Ceará ao Sul da República por meio do Rio São Francisco.
- Proporcionar o maior desenvolvimento da lavoura e da indústria do
Estado do Ceará até então atrophiada pela falta de meios faceis de
transporte para a conducção dos productos do interior para a Capital.
- É também uma estrada estrategica, permita-se a expressão, para
minorar os effeitos das seccas periodicas que assolam o Estado.
Reportando-se ao 2° objetivo, Lassance acrescenta:
A grande producção de café e outros generos das serras de Baturité,
Acarape, Pacatuba e Maranguape indicaram a necessidade urgente da
construcção de uma estrada de ferro que ligasse esses pontos ao litoral.
20
Observa-se a nítida preocupação em escoar as produções agrícolas
interioranas para o litoral de Fortaleza, o que caracterizava a atividade comercial
exportadora vivenciada pelos investidores privados e estrangeiros aqui no Ceará,
em particular os ingleses. Dessa forma o fim principal da Estrada de Ferro de
Baturité era que, com a facilidade e velocidade dos transportes, os lucros
18
Sócio da firma inglesa R. Singlehurst & Cia, cuja sucursal, com sede em Fortaleza dirigiu durante
anos. Retirando-se depois para Liverpol, ficou sendo representado, perante a Companhia, pelo
membro da mesma firma John Mackee.
19
Jornal A Constituição. Ano VIII. 26/julho/1870.
20
Relatório Manuscrito de Ernesto Lassance Cunha, denominado “Synopse Histórica da Estrada de
Ferro de Baturité” In FERREIRA, Benedito Genésio. A Estrada de ferro de Baturité: 1870 1930;
Projeto História do Ceará, política, indústria e trabalho 1930 1964. Fortaleza, Edições UFC, Stylos
Comunicações,1989. O original do referido relatório encontra-se no setor de obras raras da Biblioteca
Menezes Pimentel.
72
aumentariam e as perdas com o transporte lento, antes feito pela estrada carroçável
de Baturité em lombo de burro, seriam minoradas.
A cidade de Fortaleza, de acordo com o referido relatório, era o ponto
inicial para a comunicação com toda a Província, a cidade com abertura marítima,
daí a sua importância hegemônica que a beneficiaria com a facilidade dos
transportes. Era também o local estratégico através do qual se poderia minorar os
efeitos da seca. A Capital receberia por fim, a materialização da estrutura da ferrovia
para efetivar todas essas funções: a Estação.
Os comerciantes estrangeiros estiveram relacionados a tudo o que
beneficiasse a atividade comercial de um modo geral e que favorecesse a expansão
de seus negócios na Província. Portanto, envolvidos em iniciativas como a criação
de bancos, portos e a própria ferrovia, a qual se figura como um símbolo dos ideais
da modernidade e do progresso, no Ceará, representando o impacto causado pela
transformação nos transportes passando a interligar Interior e Capital, no que se
refere à velocidade, capacidade de transporte, circulação de pessoas, mercadorias e
culturas as mais diversas, além da sua materialidade personificada no prédio da
Estação, representando todas essas articulações suscitadas.
Em 1870, tomando como base a reportagem publicada no jornal A
Constituição, intitulada “Caminhos de Ferro no Ceará”, na qual o autor não está
identificado, podemos perceber a utilização das vantagens observadas por ele na
implantação das rias ferrovias na Inglaterra, em 1859, para justificar a
necessidade da instalação da estrutura ferroviária aqui no Ceará.
Como seriamente hoje se agita a questão de construir um caminho de ferro
nesta província, e sendo vehemente o meu desejo de ser realisada uma
empreza tão útil, venho offerecer á apreciação, dos que acceitão a Idea, as
linhas seguintes, que trazem muitos esclarecimentos sobre a materia.(...)
Quer sob um ponto de vista nacional, ou social, que consideremos os
caminhos de ferro, elles produzem importantes melhoramentos. Elles
tendem a equilibrar os valores terrenos em todo o paiz, trazendo mais perto
dos pontos de consumo as fontes de abastecimento; elles ttem dado
extraordinario estimulo a industria fabril; e trazendo mais intimamente
unidas todas partes do paiz; a communicaçao por vias-ferreas tem assim
concentrado a energia do povo, e materialmente aumentado a riqueza, seus
gosos e sua relações sociaes. (A CONSTITUIÇÃO, 19 abr., 1870, p. 01).
O comunicado do jornal de 1870 caracteriza-se mais como um desabafo
final de todos os esforços, para enfim, instalar o transporte ferroviário no Ceará, que
começa a ser efetivado com a assinatura do contrato de fundação da Estrada de
73
Ferro de Baturité e a construção da via férrea, que também teve a notícia publicada
no jornal A Constituição:
Hontem no palácio da presidencia, pelas 2 horas da tarde o senador
Pompeu por seu procurador Dr. Joaquim Felicio, coronel Joaquim da Cunha
Freire, Dr. Gonçalo Baptista Vieira, negociante H. Brocklehurst e engenheiro
José Pompeu contratam com o Exm.° Sr. Desembargador presidente da
provincia a construcção de uma via-ferrea, pelo systema trans-road ,
d’esta capital até o municipio de Baturité. (...) Hontem completou justamente
um anno que o Sr. Desembargador Freitas Henriques assumiu as redeas
d’administração d’esta provincia; e devia possuir-se de nobre
desvanecimento por ter solenisado esse dia com á data do mais agigantado
passo que o Ceará deu na senda do seu progresso material. (A
CONSTITUIÇÃO, 26 jul., 1870, p.01).
Tendo como referência Octavio Memoria (1923), constatamos que em
1872 foi contratado pela Companhia, o engenheiro civil José Gomes Calaça,
considerado de classe
21
e funcionário da Estrada de Ferro D. Pedro II( Estação
Central do Brasil), que veio substituir o engenheiro inglês Edmund Compton, até
então responsável pelo levantamento das plantas e orçamento das obras de
construção.
Depois da aprovação das respectivas plantas, em 21 de outubro de 1871,
pelo presidente da Província, as obras do edifício iniciaram-se a 20 de janeiro de
1872, e ao que tudo indica sob a inspeção do engenheiro José Gomes Calaça,
que este esteve a serviço até 12 de junho de 1874, data de sua exoneração. De
acordo com Memoria (1923), Calaça foi auxiliado pelo engenheiro Jeronymo Luiz
Ribeiro, contratado por empreitada e responsável pelos serviços de nivelamento do
barranco do terreno em frente à Estação.
Aqui, estamos tratando da construção do primeiro prédio da Estação que
foi inaugurado em 1873. Este era bem menor, de arquitetura simples e colonial. O
segundo prédio, bem maior e que apresenta arquitetura neoclássica tem o início de
suas obras em 1879.
A construção de 1873 corresponde ao empreendimento financiado pelo
capital dos comerciantes que constituíram a primeira diretoria da Viação Férrea
Cearense. Esses empresários professavam ideias de progresso, mas antes,
estavam interessados diretamente nos lucros que viriam obter com os transportes de
21
Não encontramos nenhuma colocação que explicitasse o que seria um engenheiro de classe,
mas que estes eram nomeados por Portaria e estas denominavam os engenheiros de e classe.
Na Portaria de 10 de maio de 1879, temos a nomeação de Henrique Foglare como um engenheiro de
2ª classe.
74
mercadorias. A Ferrovia e a Estação, neste momento inicial, atendiam a sua função
primordial de encurtar as distâncias e trazer velocidade ao transporte de
mercadorias. A beleza do edifício ficaria para a construção de 1879, custeada pelo
Estado.
Após se endividar por conta de vários empréstimos com o Banco do Brasil,
a Estrada de Ferro de Baturité foi encampada
22
pelo Governo do Estado no dia 3 de
junho de 1878. Através de um acordo celebrado na Secretaria de Estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, a empresa passou a se
chamar Companhia da Via Férrea de BaturiS.A. Foi durante o período em que a
empresa esteve na responsabilidade do poder público que a maioria das
construções se efetivou, como as inúmeras novas seções de linhas férreas e a
edificação do prédio da Estação Central.
A inauguração da Estação Central vem a público no noticiário do Jornal
Cearense na quinta-feira de 10 de junho de 1880, anunciada pela direção da
Estrada de Ferro de Baturité, tendo destacados seus “merecimentos artísticos”,
“honrando a cidade por sua solidez e elegância”, características essas que retratam
os ideais de progresso e modernidade destacados pelo trabalho como
representativos do contexto histórico da época e que serão discutidos no tópico a
seguir.
1.5. Tempo de Progresso, Tempo de Modernidade.
Uma estrada de ferro para o Ceará foi o sonho dourado de todos os bons
patriotas, o pensamento constante dos que melhor refletiram sobre as
condições desta terra rica de tantos dotes da natureza, povoada de uma
raça tão intrépida e inteligente, porém a mais desprovida das vias de
comunicação e transporte, artérias do comércio, condição essencialíssima
da indústria e do progresso (JORNAL PEDRO II, 6 ago., 1873, p. 1).
As casas comerciais, o serviço de águas, a iluminação, o Liceu (1845), a
Caixa Econômica, todas essas melhorias foram instaladas para adequar o cidadão
fortalezense aos novos tempos, às novas temporalidades, aos novos gostos e
22
Com a falência da Empresa Via Férrea de Baturité em 3 de junho de 1878 foi celebrado, na Secretaria de
Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas o contrato que passava a Empresa para o
Estado, ou seja o contrato de Encampação.
75
costumes. As organizações comerciais, as obras públicas e o consequente aumento
dos empregos e serviços, figuravam como práticas introduzidas num tom bem
otimista na tentativa de domesticar e disciplinar a população pobre cada vez mais
numerosa e integrá-la às novas atividades econômicas.
Um elemento importante na cultura da sociedade fortalezense durante o
período estudado pode ser encontrado nos jornais de época e nos álbuns editados
no início do século XX.
23
. Essas publicações são de suma importância, pois como
eram amplamente divulgadas no cenário local da época, difundiam modelos de
comportamento correspondentes aos novos padrões sócio-culturais correlatos à
sociedade moderna. Essas publicações abrangiam assuntos desde novas
tendências de vestuário, lançamento de produtos para o mercado de consumo,
anedotas e até ideias políticas e modelos moralizadores.
Sob essa análise, os jornais, os álbuns e digos de posturas refletiam a
tentativa de construção de uma identidade da cidade, que as situasse em relação às
sociedades industrializadas e perante a população. A elaboração de uma imagem da
sociedade segundo os ideais da elite local pode ser vislumbrada através da
descrição feita por Antonio Bezerra de Menezes:
A cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, está situada, segundo o
Senador Pompeu, a , 42’, 58” de lat. sul e 38°, 37’, 3” de longitude
ocidental, e segundo o Dr. José Pompeu Cavalcanti, a 3°, 43’, 36” de lat. sul
e , 39’, 11” de longitude oriental do Rio de Janeiro, numa planície a beira-
mar distante mais de 6 quilômetros a oeste da ponta do Mucuripe.(...)
À exceção de pequeno defeito de alinhamento no trecho onde se acha a rua
Sena Madureira, defeito de edificação dos tempos coloniais, a área média
da cidade até onde tem chegado a construção alinhada pela câmara
municipal contêm 5 km quadrados e 985.000 metros idem em 34 ruas, que
se dirigem proximamente do norte a sul , a 27 de nascente a poente, todas
paralelas, bem alinhadas com 13,33m de largura cada uma, formando
quadras, cuja regularidade lhes imprime certo ar de elegância e harmonia.
(...)
A cidade estende-se principalmente para a parte do sul e oeste.(...)
É iluminada a gás hidrogênio carbonado desde 17 de setembro de 1867,
tendo sido feita a primeira experiência no dia 7 do mesmo mês pela
iluminação parcial da cidade e de alguns edifícios, entre os quais o Clube
Cearense.
Foi contratada pelo presidente dr. José Bento da Cunha Figueiredo em 16
de janeiro de 1864 com Joaquim da Cunha Freire por si e por seu sócio
Thomas Rich Brandt, os quais transferiam o privilégio à companhia inglesa
“Ceará Gás Company Limited”, incorporada em 1860 em Londres, onde
tem a sua sede. (...)
É servida interiormente pela Estrada de ferro, começada a 20 de janeiro de
1872, que a põe em comunicação com diversas cidades, vilas e povoações
23
Os álbuns estão disponíveis na biblioteca da Academia Cearense de Letras, no centro da cidade de Fortaleza.
São os álbuns de 1908, 1925 e 1931, todos editados com o financiamento das casas comerciais da época.
76
num percurso de 262km 396m e no exterior pela companhias inglesas
Booth Steam Company Limited e Red Cross Line of Mail Steamers, que
mandam diretamente cada uma dois vapores por mês ao porto de
Fortaleza, a primeira desde 6 de abril de 1866, e a segunda de 12 de junho
de 1869.
A sua navegação costeira é feita pelo Lloyd Brasileiro, cujos vapores fazem
8 a 9 viagens por mês ao mesmo porto, por força do contrato de 13 de
outubro de 1890, que regularizou o serviço daquela companhia e anda
pelas companhias Pernambucana e Maranhense, que fazem vir cada uma
mensalmente dois vapores dos seus ao referido porto; a Pernambucana
desde 1856 pelo contrato celebrado com o Governo autorizado pela lei
754 de 5 de agosto de a856 e art. 10 da lei 796 de 26 de setembro do
mesmo ano e a Maranhense desde 1859 por força do art. da lei 922
de 5 de dezembro do mesmo ano. (...)
Seu porto, que começou ser construído, em 10 de agosto de 1886, segundo
o plano do engenheiro John Hawkshaw, pela companhia “Ceará
Corporation Limited”, à qual o Governo geral concedeu garantia de juros
sobre o capital de 2.500 contos que foi elevado a 4.000, continua em
trabalhos, e a referida companhia fez entrega do prédio da Alfândega,
feito de granito e cimento, onde funciona aquela repartição federal desde o
de abril de 1893. (...)
-Dois lindos prédios, pequenos mas atraentes pela forma elegante de suas
construções e asseio, que servem de Escolas públicas e foram concluídos,
um no bairro do Outeiro da Prainha, na administração do Coronel Luis
Antonio Ferras, Governador do Estado, no ano de 1890, e o outro no
Boulevard do Visconde do Rio Branco, na administração do Presidente dr.
José Freire Bezerril Fontenele, no ano de 1893.
(...)
-Num prédio particular, o de 1 da praça dos Mártires e 2 da rua da Boa
Vista (Rua Floriano Peixoto), funciona o Correio.
É um edifício espaçoso e elegante, com dois, pavimentos, se prestando
perfeitamente ao fim a que é destinado, e nesse sentido não tem igual nos
Estados, sendo somente excedido pelo em que funciona a repartição chefe
no Rio de Janeiro. (...)
-Alegre associação de rapazes de talento, que se reúnem, todas as sextas-
feiras à noite, ora em casa de outro sócio para a agradável palestra sobre
literatura, e, tudo que faz assunto de recreação entre aqueles que se
dedicam seriamente às letras na terra cearense. (...)
-Na capital publicam-se diversos jornais, sendo diários a República, que
apareceu em 9 de abril de 1892, da fusão dos diários Libertador e Estado
do Ceará; Ceará, órgão dos políticos representados outrora pelo Cearense
e Norte; Diário do Ceará, folha popular, criada em 12 de novembro de 1894;
- hebdomadário A Verdade, folha católica que se publica sob os auspícios
de Sua Exc. O Sr. Bispo; - quinzenais o Ceará Ilustrado, revista artística,
literária e cientifica com gravuras, que fez sua aparição a 20 de janeiro de
1894, O Pao órgão da “Padaria Espiritual”, fundado em 20 de julho de 1892
e A Pena, cujo número é de 15 de outubro; - trimensal a Revista do
Instituto do Ceará, cuja publicação teve começo em abril de 1877 e contém
trabalhos relativos ao trimestre daquele ano; - irregularmente o Iracema,
revista do Centro Literário, que começou a ser publicada em 2 de abril
último, e a Fênix Caixeral, da associação deste nome, que chamou-se
primeiramente Atleta e veio a lume em 2 de dezembro de 1891.
A indústria fabril começa a desenvolver-se à medida que aumentam os
capitais e a população.
funcionam regularmente duas fábricas de fiação e tecidos. Uma
inaugurada em princípios de novembro de 1883, à rua de Santa Isabel
(Dona Isabel), pelo Dr. Antonio Pompeu de Sousa Brasil, a que se
associaram os Drs. Tomás Pompeu de Sousa Brasil e Antonio Pinto
Nogueira Acioli. (...)
77
À noite iluminaram-se todos os edifícios públicos e grande número de casas
particulares. (...)
-Há na cidade um teatro de propriedade particular, situado à rua Formosa,
esquina da Misericórdia, onde se levam operetas e dramas de pequeno
aparato, 1 Passeio público, que ocupa a praça dos Mártires, o Parque da
Liberdade e 1 prado de corridas, à leste do Boulevard do Visconde do Rio
Branco, inaugurado em 1893.
Além das fábricas já mencionadas, tem mais a capital 3 fábricas de
cigarros, sendo uma filial da de S. Lourenço do Rio de Janeiro, 1 de louça, 1
de cal, 3 de licores, 5 de vinho de caju, 1 de gelo, 1 de refinação, 1 de óleo,
2 de sabão, 2 fundições a vapor, 1 de vidros, 1 de calçados, 1 de
carruagens, e as oficinas seguintes: 11 carpinteiros, 8 de sapateiros, 4 de
ferreiros, 13 de alfaiates, 9 de ourives, 2 de marmoristas, 2 de chapeleiros,
16 de cabeleireiros, 1 de seleiro, 1 de colchoeiro, 8 de funileiros, 5 de
encadernação, 1 de bauleiros, 3 de relojoeiros, 5 de tanoeiros, 9 de
pedreiros, 4 de mestres-de-obras, 2 de torneiros, 3 de pintores e 8 de
marceneiros.
Tem 23 médicos, 17 advogados, 5 desenhistas, 4 dentistas, 9 professores
de piano, 12 despachantes, 16 guarda-livros.
Tem 6 tipografias, 2 bancos, 1 litografia, 2 drogarias, 2 hotéis, 3
restaurantes, 8 cafés, 6 hospedarias, 14 quiosques, 2 casas de jóias, 4
agencias de leiloes, 3 bilhares, 4 livrarias, 13 escritórios comerciais, 2
companhias de seguro de vida, ditas contra o fogo, 1 dita de seguro
marítimo, 2 casas de pastos, 14 açougues, 14 padarias, 2 maquinas de
imprimir algodão, 2 estabelecimentos de destilação, 6 engenhos de ferro e 2
alambiques e 9 farmácias.
Tem 179 estabelecimentos em que se vendem a grosso e a retalho
fazendas, objetos de luxo, ferragens, mobília, louças e quinquilharias, 174
tavernas, 54 armazéns de deposito e 181 quitandas.
A cidade da Fortaleza, no domínio republicano, tem tomado um incremento
admirável; sua edificação cresce prodigiosamente e por toda parte a vida, o
movimento dão-lhe ar de grandeza e prosperidade; prosperidade essa que
já em 1871 o sábio Luís Algassis reconheceu nas seguintes palavras do seu
livro Voyage au Brézil: Ceará n’a pás cet air morne, endormi qu’ont
beaucoup de villes brésilennes; on y sent mouvement, l avie et la
prospérité.” (MENEZES, 1992, p. 35-38, 40, 181, 186-187).
A partir de vários fragmentos do livro Descrição da cidade de Fortaleza,
podemos destacar ideias-chave que articulam as transformações empreendidas e
que delineavam a absorção do modo de vida na cidade. Percebe-se a construção de
uma imagem elaborada através de ideias de progresso e exaltações românticas.
Enquanto se destaca o desenvolvimento das atividades industriais e comerciais da
cidade, amparadas pelos investimentos no aparelhamento da estrutura urbana, é
revelada uma relação da cidade e de sua paisagem natural com os grandes “heróis”
que a construíram no passado. A afirmação de novos valores sociais e culturais
pode ser notada, a partir do destaque da atividade que caracteriza a sociedade
moderna como a intelectualidade e a instrução. A presença de profissionais,
engenheiros, médicos, advogados, a instalação de instituições de ensino, uma
notável produção da imprensa, destaque para desenvolvimento industrial e
78
comercial, tudo isso, demonstra o processo modernizador pelo qual passava a
cidade.
No que se refere a urbanização e a arquitetura, essas transformações se
deram de forma notável, com o aparelhamento de infra-estrutura que garantiu os
novos empreendimentos daquele período, como podemos perceber por toda a
descrição de Bezerra. A estruturação do espaço urbano, assim como medidas
saneadoras que refletiam a doutrina higienista, pode ser verificada através da
descrição feita por Eduardo Campos do Código de Posturas de 1865.
A secção I dessas posturas de 1865 organiza um leque de providências
sobre ‘edificações, limpeza, alinhamento, desempachamento das ruas,
praças, cais; reparos e demolições de edificações’, após especificar várias
normas de construção civil. São infrações: manter empanadas (tendas), que
causem incômodo aos transeuntes; idem, hastes ou paus de bandeiras
fincados nas calçadas; montar a cavalo sobre calçadas e passeios; conduzir
carroças sem estarem identificadas pelos seus números; idem, sem seus
respectivos guias; estacionar objetos volumosos nas calçadas e ruas;
carregar ou rolar pedras, sacos, pipas, fardos, caixões ou outros objetos
pelas calçadas e passeios; manter fogareiros nas vias públicas; entulhar de
cisco os quintais; estender couros, para salgar, nas ruas, exceto na da
praia; lançar água dos sobrados, ou mesmo das casas térreas, ainda que
limpa, ‘até as 10 horas da noite’; divertir-se com o jogo do entrudo; deixar de
‘varrer a areia das frentes’ das casas, iniciativa a ser cumprida até o meio
da rua; a venda de laranjinha d’água, para a brincadeira do entrudo; a o
demolição de muros em risco de ruir etc. (CAMPOS: 1988, p. 94).
A instalação da ferrovia da Companhia da Via Férrea de Baturité veio
reforçar as funções da cidade de Fortaleza como centro polarizador das atividades
comerciais e de produção da Província. E como aparato do desenvolvimento dessas
atividades, os melhoramentos urbanos, que datam da segunda metade do século
XIX, quando o engenheiro Adolfo Herbster foi contratado com o fim de ordenar e
racionalizar o crescimento urbano, consistindo, basicamente no alinhamento e
nivelamento das ruas, na elaboração de plantas da cidade, na demarcação de
praças e logradouros públicos e na previsão para o traçado da expansão a partir de
sua área central. Esta preocupação com a contratação do engenheiro demonstra
que, a cidade estava crescendo e que esta expansão era pensada e planejada pelos
governantes responsáveis, assim como por um grupo da sociedade diretamente
ligado a esses interesses.
Os discursos produzidos na época deixam muito claro o desejo de
progresso e de modernidade, sejam nos relatórios de presidentes de Província, nos
jornais, em revistas, as falas são bastante incisivas. Assim o jornal Cearense, de 03
79
de março de 1872, trata da Estrada de Ferro e de sua relação com os
melhoramentos da Cidade:
O importante melhoramento que à esta província promette a via-ferrea ora
emprehendida com grande sacrifício, tem sido justamente aplaudido por
todos quantos apreciam os progressos industriaes, e amam o Ceará. Um de
seus filhos distinctos, o Dr. Castro Carreira, dirigiu ao senador Pompeu a
carta junta, que com sua licença publicamos, porque honra, aos
sentimentos generosos do autor.
Ilmo Exm. Sr. Senador Thomaz Pompeu de Sousa Brazil A pezar de
ausente bem distante da Patria, onde tive o berço, meu coração de
cearense se expandio ao saber do feliz acontecimento, que teve lugar
n’essa capital no dia 20 do passado.
A província do Ceará registrará mais uma vez sua historia, o nome de V.
Exc., e de seus dignos companheiros da empreza como filho da intelligencia
e do progresso.
A inauguração da via férrea da província, de que é V. Exc. digno presidente
merece uma era notavel na sua existencia quem diz estrada de ferro diz
progresso, civilisação riquesa e prosperidade: quem trabalha para este
resultado, é um benemerito que bem merece o respeito e a admiração dos
seus considadãos. (CERARENSE, 03 mar. 1872, p. 02).
Os comerciantes e representantes da Praça de Fortaleza ou seus
representantes, em grande parte, compunham o grupo de acionistas que assinaram
o contrato da fundação da Companhia da Via Férrea de Baturité. Não é de causar
estranheza que o relatório da Associação Comercial do Ceará de 1872, publicado
em 1873, como apenso G, no relatório do Presidente de Província da 21ª legislatura
da Assembléia Provincial do Ceará, do dia 20 de outubro de 1872, seja efusivo ao
responder aos ofícios de 27 e 28 de maio do Comendador João Wilkens de Mattos,
em consulta à Associação, com o seguinte questionamento: “qual a influência da Via
Férrea de Baturité sobre a indústria e comércio da Província?”; A associação
responde com a seguinte constatação:
É fora de questão que para o Ceará attingir ao grao de prosperidade que lhe
assegura a actividade de seus filhos, e a fertilidade de seu solo, não pode
prescindir das estradas de ferro.
As forças da província se acham desaproveitadas por falta de meios de
transporte, ou por tamanha difficuldade d’este, que toda producção se
aniquilla em parte ou no todo em face das despezas.
O Ceará tem uma longa costa, mais ou menos accessível às embarcações
de pequeno Callado, mas os seus terrenos férteis e mais habitados ficam,
no interior do paiz, à distancia do littoral, e para ahi, à falta de rios
navegáveis, só há a conducção por animaes.
Poderá attenuar a difficuldade, que lutam o commercio e a lavoura, um bom
systema, uma rêde de estradas de rodagem; a província não possue, pois
que o merecem o nome de estradas esses maus caminhos, que o
governo, com enorme despendio, mandado fazer ou tem sido abertos
pelos transeuntes e sem plano.
80
É para ver de quanto incremento é susceptível o commercio da província,
considerar ainda assim a somma de seus productos,
A via-ferrea de Baturité, primeiro ensaio do melhoramento da nossa viação,
foi concebido no melhor plano que se poderia adaptar. Essa estrada vai
como que cortando a província pelo seu dorso, se approximando das
regiões mais férteis as serras de Maranguape, da Pacatuba e da Baturité,
que produzem café e os vastos terrenos assucareiros do soope d’essa
cordilheira, muito aptos tambem para o cultivo do algodoeiro.
Considerando esse melhoramento debaixo do ponto de vista da reducção
de preço dos transportes, veremos que muitos artigos da nossa industria
vão ter agora um mercado que até hoje lhes faltava, ex-vi da excessiva
despeza da conducção. (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO CEARÀ, 1872, p.
3 e 4).
É perceptível a ideia de progresso e modernidade embutida no discurso
da Associação, mas podemos também observar com clareza que o advento da
estrada de ferro está diretamente relacionado àqueles que lidavam com as
atividades comerciais e produtivas da Província, tornando dessa forma,
imprescindível o melhoramento da velocidade dos transportes que até antes eram
precários. Fica claro quem eram os interessados na melhoria dos transportes e nos
caminhos que traziam e levavam os gêneros produzidos no Interior e as mercadorias
importadas. O advento da ferrovia e de toda sua estrutura era de interesse direto
dos negociantes, comerciantes importadores e exportadores da Capital.
Havia de forma unânime em todos os discursos pesquisados, a íntima
ligação do estabelecimento da via férrea e o progresso da Província, não só nas
falas da Associação, mas nos documentos oficiais, dos quais podemos citar o
relatório do comendador João Wilkens Mattos, justificando à Assembléia Provincial
do Ceará os motivos pelos quais esta deveria conceder a elevação da garantia de
juros a 7% antes de 5%, o que seria não vantajoso ao futuro da Província e do
Brasil, mas que seria, na verdade, um meio de proteção à empresa, que até então
era privada.
Prestareis um valiosos serviço ao progresso material d’esta província, si
concederdes a elevação da garantia de juros a 7¢ devendo, porem, haver a
mais severa fiscalização, para que a província não venha a pagar juros de
sommas mal despendidas.
Devem os que desejam ver esta província marchar à passos acelerados
nas vias do progresso, empenhar-se para que as estradas de ferro sejam
auxiliadas racionalmente.
O futuro d’esta bella província, como o Brazil todo, está dependendo das
emprezas que teem por base principal encurtar as distancias, aproximar os
centros productores dos mercados consumidores, e diminuir os sacrifícios
dos transportes, que actualemnte absorvem uma grande parte dos valores
dos productos.
81
A garantia de juros, sendo quase sempre nominal, torna-se apenas um
meio de protecção às empresas. Não deve haver receio de semelhantes
concessões; ellas serão de certo, o meio de elevar a província mais
depressa à escala de prosperidade que a natureza lhe marca. (1872, p. 46)
Grande parte dos atos legislativos e resoluções, assim como os códigos
de posturas da Cidade eram publicados nos jornais de circulação local. Dessa forma
podemos nos utilizar do texto original do Código de Posturas de 1897, o qual
deixava clara a preocupação de higienização, limpeza e aparência, não das
moradias particulares das quais seus proprietários podiam ser punidos com multa e
até prisão caso não obedecessem às regras do código, mas também, o interesse
com a aparência e limpeza de ruas e praças. O que o código nos permite concluir é
que alguns comportamentos, inconcebíveis para uma sociedade que se pretendia
moderna, eram praticados, e por isso precisavam de regulação para que não
ocorressem abusos. Comportamentos tais, como: lançar nas ruas, praças e becos
animais mortos, assim como o despejo de materiais fecais ou de lixo em locais que
não fossem legalmente demarcados.
Devem os que desejam vêr esta provincia marchar á passos accelerados
nas vias do progresso, empenhar-se para que as estradas de ferro sejam
auxiliadas raccionalmente. O futuro d’esta bella provincia, como do Brazil
todo está dependendo das emprezas que teem por base pricipal encurtar as
distancias, aproximar os centros productores dos mercados consumidores,
e diminuir os sacrifícios dos transportes, que actualmente absorvem uma
grande parte dos valores dos productos. (RELATÓRIO, 1873, p. 46).
Os discursos proferidos nos jornais e relatórios, sejam do Governo ou das
associações comerciais, deixam bem claro a visão de progresso oriunda das novas
práticas econômicas exercitadas no século XIX. As falas destes veículos de
informação estavam impregnadas dessas ideias, o que nos deixa transparecer que
os protagonistas desse período histórico acreditavam que estas transformações
significavam realmente progresso e modernidade, ou mesmo, queriam que todos
acreditassem na veracidade de suas afirmações.
Presumimos que, mesmo se os comerciantes da cidade de Fortaleza não
acreditassem nessa prosperidade e transformação, com certeza sabiam que a via
férrea e sua ideia de progresso traria benefícios comerciais e lucrativos para suas
empresas, o que por si só, fundamentaria a confirmação e pregação dessa
atmosfera de progresso, como demonstra o Relatório da Associação Comercial de
1872:
82
A via-ferrea de Baturité, primeiro ensaio de melhoramento da nossa viação,
foi concebida, no melhor plano que se poderia adaptar. Essa estrada vai
como que cortando a província pelo seu dorso, se aproximando das regiões
mais férteis - as serras de Maranguape, da Pacatuba e de Baturité, que
produzem café e os vastos terrenos assucareiros do soope d’essa
cordilheira, muito aptos tambem ao cultivo do algodoeiro. Considerando
esse melhoramento debaixo do ponto de vista da reducção de preço dos
transportes, veremos que muitos artigos da nossa industria vão ter agora
um mercado que até hoje lhes faltava, ex-vi da excessiva despeza da
conducção. (RELATÓRIO DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL, 1872, p. 3-4).
Seja por almejar e acreditar no progresso trazido pelos trilhos da ferrovia
ou por saber que esta abriria os horizontes comerciais, os empresários, negociantes
e representantes do Estado investiram diretamente na sua implantação o que,
juntamente com todas as transformações fez erigir a Estação Central, vista aqui
como símbolo direto de todos os ideais dessa modernidade.
O importante melhoramento que à esta província promette a via-férrea ora
emprehendida com grande sacrifício, tem sido justamente aplaudido por
todos quantos apreciam os progressos industriaes, e amam o Ceará. (...)
Permita pois, quem no meu enthusiasmo pela inauguração dos trabalhos da
primeira linha férrea estabellecida no Ceará daqui saude a prosperidade e o
progresso da Província; e bem assim aquelles de seus filhos, que mais se
distinguirão para a realisação de tão util, quão importante melhoramento.
(CEARENSE, 03 mar., 1872, p. 03).
O Prédio da Estação Ferroviária Central e sua estrutura é um marco de
representação da modernidade dos habitantes da cidade de Fortaleza do período
em estudo. Essa relação está associada à ideia de que tempo e espaço não são
dissociáveis. Tempo e espaço constituem dimensões que se alternam e se
sobrepõem a todo instante. Ao questionar determinada interpretação social do
tempo, está sendo discutida, mesmo que não explicitamente, uma dimensão
espacial com a qual certo tempo social está se relacionando.
As transformações econômicas que ocorreram no Brasil no final do século
XIX foram responsáveis pela mudança da paisagem das cidades. Essas
modificações materiais foram intensificadas pela impressão do ideal de novidade e
progresso e dominaram tanto o imaginário popular do homem do povo, quanto dos
mais eruditos ou intelectuais. Isto significa o estabelecimento de toda uma rede de
relações, e esse indivíduo, antes acostumado à calmaria da pacata vida longe das
transações comerciais do capitalismo moderno, vê-se agora em meio da velocidade
que surge no cotidiano das cidades.
83
Na modernidade, o espaço é o resultado de uma produção que está
diretamente relacionada a seu tempo e a seu resultado objetivo, concreto e material.
O desejo de “civilização” para as autoridades brasileiras significava integrar o país
ao “trem da história”, aqui entendido como adequação às novas tecnologias e
transformações da era industrial. Uma das principais faces desse (di) lema consistia
na modernização dos centros urbanos, ou seja, investir pesadamente contra os
diversos sintomas de “atraso”. Apropriando-se dos referenciais imaginários da
modernidade, principalmente os projetos e as experiências de reforma urbana na
Europa do século XIX, os detentores dos poderes econômico e político brasileiros
tentaram realizar intervenções urbanas em todas as cidades. Essas intervenções
eram sustentadas pela construção de discursos e imagens “desejadas” em
detrimento dos vestígios de um passado colonial a ser eliminado. As ferrovias, por
seu turno, aceleraram os ritmos temporais e os circuitos de trocas mercantis e
ampliaram as redes internacionais de negócios, e, com elas, as “maravilhas” do
mundo moderno, que chegavam até aos rincões mais longínquos do Estado,
“civilizando” o País.
O crescimento e renovação de Fortaleza podem ser observados através
da fala que descreve o olhar de um visitante, a qual destaca o calçamento, a
limpeza, a sociabilidade, vista por ele na cidade, como sinônimo de modernização
urbana.
O progresso da cidade era, agora, evidente. Nessa época visitou-a o sábio
Agassiz, o afamado autor de A journey in Brazil (1865-1866), que pôde
escrever esta impressão: ‘gostei do aspecto da cidade do Ceará. Agradam-
me as suas ruas largas, limpas, bem calçadas, ostentando toda a sorte de
cores (...) Aos domingos e dias de festas, todas as sacadas se enchem de
alegres toilettes e grupos masculinos enchem as calçadas, conversando e
fumando (...) Sente-se aqui, movimento, vida e prosperidade. Fora da
cidade o traçado das ruas se continua através dos campos, que belas
montanhas limitam ao longe. (GIRÃO, 1979, p. 105)
De aspectos rurais e pacatos, Fortaleza transformou-se: modas,
comportamentos, edificações e objetos de consumo, um conjunto de experiências
singulares de choque, fantasia e (des) ilusão denominada de Belle Époque. Todas
essas transformações podem ser notadas a partir da segunda metade do século
XIX, como podemos perceber na fala de Sebastião Ponte.
As tentativas de remodelar e regular Fortaleza registraram-se, lenta e
crescentemente, de 1860 em diante, partindo tanto dos poderes blicos
84
como particulares, mas não de forma conjugada, pois não houve um
planejamento sistematizado entre governantes, burgueses e dicos para
tal fim. O que os alinhava era o objetivo de civilizar a capital e a população,
estando ou não aqueles setores politicamente afinados.
Sob o influxo do crescimento comercial, da concentração de capital na
Cidade e da simulação de novos padrões e valores europeus, as novas
elites se voltaram para a construção de novas e suntuosas edificações que
evidenciavam seu poderio econômico e seu alinhamento com o senso
estético do mundo moderno (PONTE, 2001, p. 27).
Com a chegada da ferrovia e a extensão dos trilhos que interligavam as
regiões produtoras de algodão e café a Fortaleza, a cidade foi gradativamente
ampliando seu domínio regional e centralizando as atividades comerciais tão
importantes ao desenvolvimento e urbanização. Esse processo de urbanização inclui
a construção do Prédio da Estação, que irremediavelmente representa os anseios
da sociedade por progresso e modernidade como bem destaca o trecho do jornal
Cearense, de 10 de junho de 1880:
A estação é um edifício de muito merecimento artístico, que faz honra a
esta cidade e por sua solidez e elegância, accomodações e aceio pode ser
equiparada as melhores estações das estradas de ferro do Império
(CEARENSE 10 jun., 1880, p. 1).
A modernidade está, sem sombra de dúvida, relacionada com aspectos
econômicos, mas faz mais referência a amplas realidades culturais. A dependência
ou incorporação de valores europeus na cultura da realidade brasileira não era
novidade, desde o período colonial a Europa era vista como referência nos padrões
de cultura e comportamento. Como, de fato, as tendências ou "modas" intelectuais
de uma época sempre procuram citar uma tradição, um passado onde certas
insinuações e ensaios foram feitos até efetivar-se a explosão do inusitadamente
novo. Nesse contexto podemos observar a influência direta dos ingleses no Brasil e
em especial no Ceará, assim como a relação dos ingleses com o progresso:
Cabe acrescentar que a identificação entre progresso e estradas de ferro
atendia aos interesses dos capitais estrangeiros na busca de investimentos
rentáveis nos países atrasados. A crescente exportação de capitais, via
implantação de companhias ferroviárias, encontrou terreno propício nesta
associação e dela muito se serviu. O apelo à modernização no Brasil
vinculava-se estreitamente a tais interesses. (CASTRO, M., 1993, p. 21)
Os investimentos diretos ou indiretos de capitais ingleses na efetivação da
ferrovia e na construção da Estação Ferroviária a partir de 1873 indicam as fontes
85
que influenciaram a busca pela modernidade tão bem representada pela construção
de seu prédio, de acordo com a arquitetura européia. “Sob o influxo do crescimento
comercial, da concentração de capital na cidade e da assimilação dos novos
padrões e valores burgueses europeus, as novas elites se voltaram para a
construção de novas e suntuosas edificações que evidenciaram seu poderio
econômico e seu alinhamento com o senso estético do mundo moderno.”
24
(PONTE, 2001, p. 27)
De modo singular, as ferrovias e os prédios das estações contribuíram
para a utilização de novos materiais e novas técnicas que caracterizavam a ideia de
modernidade. No corpo central da Estação Central pode-se observar um elemento
que se mostrou fundamental na composição arquitetônica das estações em geral: o
relógio, como afirma Kühl:
Em forma de torre ou inserido na fachada, a presença do relógio, elemento
ao mesmo tempo funcional e simbólico, denotava a aplicação precisa e
racional dos horários das ferrovias, que em muitos países foi responsável
pela unificação do horário e pela criação de uma hora oficial (KÜHL 1998,
p. 59).
O relógio nessa perspectiva é utilizado pelo homem e colocado a serviço
de seus próprios fins, não se trata simplesmente de aferir o tempo, pois se considera
que ele não existe por si só, mas nesse caso, do poder coercitivo deste tempo, que
o relógio representa sobre os homens. O relógio compondo o corpo central do
edifício da Estação vem ratificar a presença do moderno e da velocidade exercida
por essa construção do século XIX. Como bem observa Norbert Elias:
É essa uma das fontes do poder coercitivo que o “tempo” exerce sobre o
indivíduo. Este é sempre obrigado a pautar seu próprio comportamento no
“tempo” instituído pelo grupo a que pertence e, quanto mais se alongam e
se diferenciam as cadeias de interdependência funcional que ligam os
homens entre si, mais severa torna-se a ditadura dos relógios. (ELIAS,
1998, p. 97)
Assim, longe de constituir uma coincidência, a ascensão do comércio
agroexportador como novo setor dominante e a implantação do relógio no corpo
central da Estação o fatos correlatos e mutuamente dependentes. Este relógio,
requintado e esplendidamente instalado, para além de um marco artístico ou estético
24
Afirmação feita por Sebastião Ponte ao tratar a ideia de remodelação da cidade de Fortaleza, com
o título: Disciplinar a expansão urbana e aformosear a cidade.
86
na paisagem urbana, era o mbolo da supremacia do tempo linear e progressivo,
materialização de um processo histórico determinado pela velocidade das relações
comerciais e do próprio transporte que era ordenado por ele.
A partir da observação das características arquitetônicas do prédio da
Estação podemos pensar a sociedade da época, as percepções dessa sociedade, o
que ela almejava. A figura abaixo (Fig. 9) retrata o prédio e nela há um destaque
para a data de 25 de julho de 1870. Através dos estudos sobre o prédio podemos
constatar um erro, pois o primeiro prédio da estação foi inaugurado em 1873 e
não correspondia ao prédio da figura. Esta representação é da edificação
inaugurada somente em 1880. Ou estamos diante de um erro gráfico que passou
despercebido, ou a ilustração foi feita com o intuito de retratar como ele seria ou
deveria ser num momento em que a sociedade queria transmitir uma ideia de
progresso e modernidade.
FIGURA 9: Foto que representa a frente da Estação Central. Na Estação Ferroviária João Felipe, no
prédio reservado a administração atualmente encontra-se um quadro com esta imagem. Fonte: site:
http://www.ofipro.com.br/preservando/estacao.htm.
De acordo com as ideias de progresso e civilização adotadas nesse
momento podemos destacar o emprego da mão-de-obra dos retirantes da seca de
1877-1879 na construção do edifício da Estação. A mão-de-obra dos retirantes da
seca utilizada para a construção da Estação foi uma decisão do Imperador D. Pedro
II, através do Decreto 6.918, de 19 de junho de 1878, artigo 17: “Nos trabalhos
dessa estrada serão de preferência empregados segundo sua aptidão e natureza do
serviço os habitantes da província que estiverem sofrendo os effeitos da secca, e
87
como taes socorridos pelo Estado”.
25
José Olivenor destaca os interesses da elite
local no uso dessa mão-de-obra:
A política de “controle” do flagelo da seca, tanto no âmbito provincial como
imperial, foi toda ela perpassada pelos interesses políticos da elite local,
que objetiva apropriar-se do poder do Estado para implementar um número
significativo de obras capazes de levar Fortaleza à condição de cidade
moderna e civilizada. (...) o governo provincial, detendo o monopólio da
distribuição dos neros alimentícios destinados a socorrer a população,
passou a condicionar o seu fornecimento à prestação de serviços em obras
públicas. Do ponto de vista provincial, eles seriam transformados no
mecanismo mais eficaz de combate à ociosidade da população, de
manutenção da ordem pública e privada, além de contribuírem para o
progresso e desenvolvimento da província. (OLIVENOR, 2002, p. 63-64)
Em todo o texto foi ressaltado que a modernidade brasileira baseou-se nos
modelos e ideais europeus de progresso. Mas não seria plenamente possível uma
europeização e não podemos afirmar que somos cultura importada integralmente. O
exemplo dessas abordagens pode ser tomado na reflexão sobre a centralidade da
questão do tempo e da modernidade representando esse contexto histórico.
Dessa forma, se a percepção do tempo não é inata ao homem e se o
tempo é resultado de toda uma experiência anterior, transmitida de geração em
geração através do processo de aprendizagem, significa que tudo que produzimos
em um determinado contexto histórico está, da mesma forma, carregado dos
mesmos significados sociais e culturais desse processo que caracterizou a relação
tempo e espaço.
A implantação das ferrovias culminou no que podemos definir como a
integração dos territórios através de suas linhas de rodagem. Essa integração
caracterizou-se com a construção dos edifícios ferroviários que eram as sedes da
ferrovia em cada cidade por onde os trens passavam trazendo a velocidade, as
novas técnicas e facilidades econômicas. São essas características que imprimem
às estações o seu status monumentalidade, daí porque a arquitetura utilizada
nesses edifícios serem importantes na construção de sua história.
25
In CAMPOS, Eduardo. Estrada de Ferro de Baturité: História e ação social. Conferência realizada
em Baturité, na sessão comemorativa dos 100 anos da Estação Ferroviária de Baturité, Fortaleza,
1982.
88
2. O Prédio da Estação Ferroviária Central da Estrada de Ferro de
Baturité: Construção, Arquitetura, fotografia e seus significados.
2.1. As mãos que construíram o Prédio.
Antes de tratarmos diretamente do prédio da Estação é importante
observarmos como se deu a sua construção, pois levando em consideração os
demais discursos em relação à mão-de-obra empregada, as condições dos
trabalhadores e por que eles estavam a serviço dessa obra, podemos perceber a
atmosfera de interesses da Cidade nesse momento e o que de certa forma essa
relação de trabalho significou para a edificação da Estação.
Entendemos que, o emprego da mão-de-obra dos flagelados que
perambulavam pela Cidade, demonstra o nítido interesse das elites comerciais no
poder para manter a cidade limpa e organizada, além de dar a ela novos
equipamentos e novos ramais de estradas de ferro ligando-a com outros centros
produtores. Todos esses aparatos correspondiam à imagem de cidade referência,
centralizadora das atividades comerciais.
A construção do sistema ferroviário do Estado do Ceará, com destaque à
Estação Ferroviária da cidade de Fortaleza, pode ser vista ao mesmo tempo como
ápice de um processo de avanço da cidade de um modo geral, e da agricultura
latifundiária em particular, mas também como o início de um novo ciclo na vida social
e econômica da cidade que a partir de então se abre a uma nova forma de
progresso.
Era necessário construir um monumento que representasse todo o
progresso e modernidade pelo qual Fortaleza passava naquele momento, mas o
símbolo de modernidade foi construído com a mão de obra indigente que fugia da
seca. Esse fato é explicado por Benjamin, ao comentar sobre a sociedade francesa
desse período: “nunca houve um monumento da cultura que o fosse também um
monumento da barbárie” (BENJAMIN, 1994, p. 115).
89
Tratando do desenvolvimento das províncias no norte do Brasil, Evaldo
Cabral destaca que, no que corresponde a implantação da rede ferroviária, o Norte
estava bem atrasado em relação ao Sul, pelo menos em termos quantitativos.
E, entretanto, a posição das províncias do norte no desenvolvimento
ferroviário teria sido ainda mais modesta, não fosse a grande seca de 1878,
que compeliu o ministério Sinimbu a construir, por conta do Governo, as
ferrovias de Baturité e Sobral, no Ceará (MELLO, 1984, p. 192-193).
A ferrovia de Baturité havia iniciado sua construção desde 1873. O que
aconteceu em 1878 foi o prolongamento das vias da Estrada de Ferro de Baturité.
Fica claro que, a partir da seca de 1878, por conta da seca, o Governo decide
investir na construção de novas seções das ferrovias, pois era necessário ocupar a
população atingida pela seca, e não deixar a cidade ser invadida pela grande
quantidade de pessoas que fugiam do Interior do Estado.
No início da segunda metade do século XIX a urbanização da cidade de
Fortaleza tornou-se crescente, embora ainda lentamente, e a vida comercial passou
a ganhar peso e volume. Nesse período, com o aumento dos preços internacionais
do café, os negociantes apresentaram uma taxa bem elevada de acúmulo de capital.
A arquitetura das novas edificações está intimamente ligada a este fator e é, a partir
desse momento, que a aparência da cidade começa a se modificar e,
paulatinamente, através das transformações nas edificações da Cidade pode-se
sentir o processo de modernização e progresso característicos do século XIX.
Para compreender como era a cidade de Fortaleza nesse período, é
essencial termos em mãos a obra de Antonio Bezerra, Descrição da cidade de
Fortaleza, datada de 1895. O livro elenca vários equipamentos urbanos da Cidade
no referido período, como as ruas, a iluminação, os meios de comunicação. Enfim,
todos os aparatos necessários a uma cidade moderna, além da temperatura.
Podemos constatar na fala de Antonio Bezerra como seria Fortaleza
nesse período:
Além destes tem ainda 3 boulevards, ruas largas de 22,22m, verdadeiros
ventiladores da cidade, que a circundam pelo lado de leste, sul e oeste e
concorrem de modo poderoso para sua reconhecida salubridade.
Muitas dessas ruas são empedradas, e as casas, em grande parte de
agradável construção, tem as frentes elevadas sobre as quais coroam
elegantes cimalhas, sendo todas bizarramente pintadas de cores alegres,
que atraem a simpatia dos visitantes, e modificam a intensidade da luz do
sol, deliciando a vista com a doçura de variegado cambiante.
90
Tem 14 praças, algumas devidamente arborizadas, entre as quais
distinguem-se a do Marquês do Herval, a dos Voluntários da Pátria, a do dr.
Caio Prado, o Parque da Liberdade com o seu belo jardim, seu ligeiro
pavilhão erguido do meio das águas, e a praça do Ferreira, em cujos
ângulos campeiam mimosos bosques, lugares de recreação e de café.
A mais notável de todas é a dos Mártires, ocupada hoje pelo Passeio
Público, na face setentrional da cidade e no cimo da colina, donde se
descortina vista sempre agradável, sempre nova do oceano a perder-se
além nas extremas do horizonte.
Cercada de grades de ferro, à sombra das grandes arvores, os caprichosos
alegretes matizados de variadas flores, os grupos de palmeiras, as
pequenas ruas de Mirtácias, por entre as quais sobressaem as estatuas
brancas das deusas do Olimpo ao lado de vistosos pavilhões, tornam este
lugar concorrido e atraente, principalmente nas noites de quinta-feiras e
domingos, em que a população da capital, sem distinção de classe ou
condição, vem a recrear-se na mais doce cordialidade.
Das sete às nove horas da noite ouvem os freqüentadores escolhidos
trechos de boa música.
O Passeio se prolonga ainda em plano no meio da colina, para o qual se
desce por uma espaçosa escada no centro, e deste para o 1° na praia, ao
nível do mar.
Tanto um como o outro são revestidos de árvores de sombra, de muitas
flores e de grupos de diversas espécies de palmeiras. (BEZERRA, 1992, p.
36).
Tomando como referência a descrição dada pelo autor, podemos ter um
melhor entendimento do progresso que a cidade de Fortaleza conheceu na segunda
metade do século XIX. Também podemos observar que no campo da produção
agrícola, a Província foi beneficiada pela tranquilidade e otimismo assinalados, pelo
longo período de mais de trinta anos, entre 1845 e 1877, em que não se verificou
propriamente secas no Ceará. Esse fato, por si só, bastaria para justificar toda
uma série de empreendimentos nascidos da possibilidade de capitalização e, por
conseqüência, do surgimento de novos estratos sociais com novas aspirações.
A cidade de Fortaleza estava incluída no âmbito das cidades
progressistas, modernas, pois se adiantava na obtenção de novidades que a
tecnologia e o comércio ofereciam e participava das transformações
socioeconômicas características dos oitocentos e seus correspondentes símbolos
arquitetônicos.
Fortaleza escalava em busca de conforto urbano, influenciada pelas
inovações européias. O novo aspecto da paisagem urbana da Capital se compunha
de ruas pavimentadas a partir de 1857; disponibilizava em 1863, o serviço de águas
pela companhia inglesa Ceará Water Works. Co Ltd.; a Iluminação pública e
domiciliar a gás em 1865; o assentamento dos primeiros trilhos da Estação
91
Ferroviária a partir de 1873, e assim, iam se somando as modificações na estrutura
da Cidade.
Para disciplinar a crescente urbanização de Fortaleza, o engenheiro-
arquiteto Adolfo Herbster, contratado pelo governo cearense, elaborou em 1875, a
“Planta Topográfica de Fortaleza, e subúrbios”
26
com o objetivo de adaptar
Fortaleza ao seu crescimento econômico na figuração do mercado internacional,
viabilizando a circulação e o controle de mercadorias e pessoas.
Esse processo foi interrompido temporariamente de 1877 a 1879, devido à
trágica seca que assolou a Província e expulsou dos sertões cerca de 100 mil
retirantes. Estes migraram, em sua maioria, em direção à capital em busca de
sobrevivência. Instalaram-se em barracos localizados na periferia de Fortaleza,
criados pelo Governo da Província, ou ficaram desabrigados, dormindo embaixo das
árvores e perambulando pelas ruas da Capital, a grande maioria estavam doentes e
com fome. Quadro este descrito pelo farmacêutico Rodolpho Theóphilo: “Poucos
eram os retirantes abarracados. A quase totalidade delles morava em ruins
palhoças, ou vivia de todo desabrigada, à sombra dos cajueiros, nos subúrbios da
Capital.” (THEOPHILO, 1997, p.7).
Até 1876, Fortaleza passava por um período de bastante prosperidade
econômica e material, mas de 1877-1879, a Província experimentou uma severa
seca. Diante do cenário desolador, foi necessária a adoção de medidas para que a
Cidade não fosse tomada pelo grande número de retirantes que fugiam da fome e
falta de água nos vários municípios da Província.
Nos jornais da época, nas falas emitidas pela Assembléia Legislativa e nos
relatórios dos engenheiros chefes de obras em toda a Província, o discurso
justificava a utilização da mão-de-obra dos retirantes nas diversas obras no Ceará,
fossem elas estradas, açudes ou prédios públicos.
Nos limitaremos a apresentar as nossas idéias quanto ás necessidades da
provincia em geral, aos seus melhoramentos materiaes, aos meios de
suavisar o effeito das grandes seccas, mediante a execução de certas obras
planejadas e mais discutidas; trabalho em que entramos com tanto mais
animação, quando vemos o espirito publico envolto em um labyrinto de
projectos, cada qual o mais excentrico e phantastico, que, durante e após a
26
Adolfo Herbster manteve o traçado urbano da cidade, acrescentou-lhe algumas avenidas, corrigindo ruas
sinuosas e becos, incorporando também ao projeto três boulevards, seguindo os moldes elaborados por
Haussman em Paris (PONTE, p.166)
92
ultima secca, invadiram a imprensa e pertubaram a opinião.
(VASCONCELLOS, 1881, p. 3-4).
A cidade que possuía aproximadamente 25 mil habitantes passou a ter
cerca de 130 mil pessoas durante o período da seca. Quase a metade dos retirantes
morreu vitimada pela epidemia de varíola que se alastrou, devido às precárias
condições higiênicas e condições subumanas em que viviam na Cidade superlotada.
Rodolpho Theóphilo também atesta as consequências desse infortúnio
que desestabilizou a economia da Província e provocou problemas e modificações
no cotidiano da Cidade.
Tinha Fortaleza o aspecto da sombria desolação. A tristeza e o luto estavam
em todos os lares. O commercio completamente paralisado dava as ruas
mais publicas a feição de uma terra abandonada. Os transeuntes que se
viam eram vestidos de preto ou mendigos sahidos dos lazaretos com os
sinaes recentes de bexiga confluente que lhes esburacou a cara e deformou
o nariz. (THEÓPHILO, 1997, p.23).
Com a grande “seca dos três setes” (1877, 1878, 1879), houve uma
desarticulação da economia estadual com acentuada queda na produção agrícola e
declínio da pecuária. Cerca de um terço da população assolada pela seca migrou
para a cidade de Fortaleza ou morreu. O Governo Imperial, no sentido de minimizar
os efeitos dessa calamidade e reorganizar a cidade de Fortaleza, iniciou a
construção de açudes, estradas, ferrovias e alguns prédios que trariam uma
estrutura para suportar a seca e, ainda, utilizar a mão-de-obra dos próprios retirantes
para ocupá-los, não os deixando perambular pela cidade.
N’esta capital muitos milhares de indigentes viviam agglomerados nas ruas
e praças, em varios edificios publicos, ou casas alugadas pelo Governo, por
já não caberem nos abarracamentos do suburbio. Todos imploravam o pão,
o vestido, um abrigo, ou passagem para fora da provincia. A população
faminta semi-nua, desvairada, precipitava-se do centro para o litoral, como
uma torrente, alastrando de cadaveres as estradas; porque chegara a todos
a noticia de que, por falta de transporte, somente se distribuirião socorros
nas cidades proximas ao mar. A agglomeração desenvolvera a peste, e a
mortalidade era enorme. (BARROS, 1879, p. 39).
Antes de a seca assolar a Província, a Cidade vivia um momento em que
a vida sociocultural começava a se organizar, mas a multidão de retirantes da seca
se colocava como um empecilho para o seu progresso e desenvolvimento.
A seca de 1877-1879 fez descer ao índice mais rasteiro a curva ascensional
da riqueza cearense, assim como a das províncias limítrofes. As forças
93
infernais se confiem para uma devastação sem termos, obrigando o
despovoamento da terra pelo homem, pela fauna, também pela própria flora
que se oculta numa hibernação paradoxal da secura, a seiva retraída para o
imo, como ultimo reduto da defesa orgânica, a galhada nua, sem fruto, sem
flor, sem folhas, que o vento sacudiu e o sol calcinou: ‘Até as aves
arribaram. Não era raro ver-se nos arrebaldes da capital bandos de
papagaios, jandaias e pombas d’as branca que, forçados pelo instinto de
conservação, tinham deixado os sertões em procura das praias”.
A capital intumescia duma população adventícia enfarrapada e esquálida,
afluída incessantemente de todos os cantos da Província e das vizinhas. A
7 de julho, por via marítima, chegam-lhe de Mossoró 168 retirantes. Pelas
fronteiras, dir-se-ia uma invasão militar, tanta gente entrando dos sertões
em Pernambuco, Paraíba, do Rio Grande do Norte.
Cedo Fortaleza converteu-se na metrópole da fome, capital dum pavoroso
reino, o reino macilento do martírio coletivo duma raça em penúria. Em
dezembro estavam aí, a mais, 85.000 pessoas, que em março de 78
eram 100.000 e em setembro 114.000. a sua população normal pelo censo
de 72, orçava em 21.000. Agora podia ser de 25000. (GIRÃO, 2000, p. 400-
401).
A Cidade, que ao longo de 31 de anos se desenvolveu e emergiu sócio-
cultural e arquitetonicamente, rapidamente se transformou. A densidade
populacional extrapolou todos os limites e a organização espacial se desestruturou,
surgindo assim os subúrbios.
Faziam-se necessárias algumas medidas para que a situação fosse
amenizada. A elite da Capital se via diante de um impasse: de um lado, a cidade de
Fortaleza que respirava ares modernos, invadida por uma enorme quantidade de
pessoas fugidas da seca; e de outro lado, havia a necessidade de fazer algo para
dar suporte a esses retirantes, mas não se podia abrir mão do progresso
experimentado pela Capital.
E para retirar a multidão que se aglomerava nas ruas e praças da Cidade,
sem a menor estrutura e higiene, facilitando a disseminação de doenças, o Governo
utilizou grande número dessa população nos trabalhos de obras como estradas,
açudes e na construção da Estação Central de Fortaleza. É o que podemos
observar no documento que data de abril de 1880, denominado Synopse Histórica,
organizado pela secretaria da Estrada de Ferro de Baturité.
27
Entre as graves difficuldades com que teve de lutar a comissão sobresahe
em primeiro logar o estado sanitario da Provincia por todo o anno de 1878
até maio de 1879. O obituario da Capital attingio no ano de 1878 á
espantosa cifra de 58, 756 pessoas, das quaes 25,230 forão em quasi sua
totalidade victimas da variola nos mezes de Novembro e Dezembro. Uma
observação feita durante essa quadra veio attestar com a maior evidencia
as vantagens resultantes dos trabalhos da construcção. E vem a ser que:
27
Uma cópia original do documento encontra-se no setor de obras raras da Biblioteca Menezes Pimentel.
94
emquanto esta perdia 10% de seos operários, o trafego perdeo 30% no
curto espaço de 60 dias. Ora, si a população da capital forão victimas das
epidemias reinantes cerca de 30%, é licito admittir que se as 50 mil pessoas
distribuidas ao longo da linha estivessem recolhidas aos abarracamentos,
terião sido dizimadas na mesma proporção, d’onde se infere que os
trabalhos de construção salvaram cerca de 8 mil vidas. (MORSING, 1880, p.
06).
Nos relatórios apresentados nas sessões da Assembléia Legislativa a
ideia de utilização da mão-de-obra dos retirantes também é uma constante. O
relatório de 1877 intitulada, “Melhoramentos publicos, resultantes da secca” e relata:
A coveniencia de ocupar as classes laboriosas que a sêcca reduzia
inactivas, despertam o pensamento fecundo de tornar producticos os gastos
a fazer com a assistencia publica. Conciliava-se assim a necessidade moral
do trabalho que, aproveitando tantos braços validos, distrahia-os da
ociosidade, elemento creador de vícios e perversão dos sentimentos
humanos. Aceita egualmente essa Idea como meio mais prolicno de realisar
a manutenção dos indigentes, foram-se levantando por toda a parte
officinas de trabalho, onde o povo tem encontrado os instrumentos
necessarios a exercer sua actividade (RELATÓRIO, 1877, p. 22).
O relatório do engenheiro chefe da Estrada de Ferro de Baturité deixa bem
claro que colocar os retirantes no trabalho da Estrada e da Estação era a salvação
para que não morressem de fome e doenças.
Na construção da estrada encontrarão os desvalidos o mais seguro abrigo
contra as adversidades da crise originada pela secca. Enquanto recebião
sufficiente alimentação que lhes era distribuída com o mais escrupuloso
cuidado e sob a mais rigorosa fiscalisação, adquirião o habito do trabalho,
covertendo os socorros recebidos em legitimo salario. A consideração de
que, sem os trabalhos da construcção da estrada, dar-se-hião os mesmos
senão mais amplos socorros aos indigentes ali empregados, milhares dos
quaes se tornarião viciosos ou succumbirão na mizeria e ás epidemias
reinantes, attesta sobejamente que esses trabalhos forão da maior
importancia para o Estado, e sua realisação uma verdadeira economia.
(MORSING, 1880, p.06)
Mas nem todos concordavam que a atitude do governo de tomar os
indigentes como mão-de-obra, foi a melhor forma de minorar os problemas
causados pela seca. A Cidade com certeza deu continuidade ao seu crescimento
material através da construção de muitos edifícios públicos, inclusive o prédio da
Estação que foi destaque por sua arquitetura no período. Mas, as críticas
denunciavam que os trabalhadores eram maltratados, mal recebiam o que comer e
por seu trabalho não recebiam remuneração nenhuma: “Que também se exalte
contra o chibateamento dos infelizes indigentes, e o duro trato de escravo que lhes é
95
infligido desde a estação central até Canôa, limite provisório da linha.” (ECHO DO
POVO, 1879, p. 02).
O ofício enviado pelo engenheiro chefe da Estação demonstra que os
trabalhadores retirantes que trabalhavam na Estação estavam dias sem o que
comer, alimento este que era denominado ração, curiosamente, por Amarílio Olinda
de Vasconcellos, engenheiro chefe da Estação em 1879, e por isso o tinham
condições de trabalho.
Comunicamos a V.S. que ha tres dias os emigrantes, serventes das obras
da Estação Central a meu cargo não recebem as respectivas rações sendo
no dia (2ª feira) estiverão os armazens de depositos fechados; no
segundo dia (3ª feira) porque o havia generos no deposito central, e hoje
porque não comparecerão no dito armazém o empregado que deve verificar
o pezo dos gêneros e porque o conmissario geral não pode assignar a
competente guia. Vindo dizer que V. que nessas condições não pode o
serviço marchar regularmente nem posso responsabilizar-me pela
manutenção da boa ordem. (VASCONCELLOS, 10/12/1879).
As autoridades do governo eram constantemente criticadas nos jornais do
período pela falta de estrutura física e higiene dispensada aos retirantes nos
abarracamentos, isso no que diz respeito aos que estavam alojados, que eram
poucos, pois a grande maioria perambulava pelas ruas e praças da Cidade.
Olivenor assim explica o conflito:
Portanto, a presença de milhares de retirantes na cidade, antes de ser a
expressão de uma suposta modernidade, é o retrato vivo da miséria. Feios,
sujos e quase irreconhecíveis, os retirantes chocavam os olhos de uma elite
citadina. Nesse sentido, acentua-se o desejo de criar uma cidade limpa,
arejada, espaçosa e habitada por pessoas sãs que não colocassem em
risco o progresso material e o desenvolvimento moral da população de
Fortaleza. Era preciso, pois higienizá-los e policiá-los com o intuito de torná-
los mais obedientes e mais úteis ao progresso da cidade.
Dessa forma, não foi sem propósito que a seca de 1877-79 constituiu-se no
momento propício para trazer à luz a problematização de todas essas
questões. O encaminhamento das “devidas” soluções por parte dos
poderes (imperial e provincial) representava, pois, o objetivo, por parte da
elite local, de assegurar um conjunto de obras indispensáveis ao processo
de modernização de Fortaleza e de consolidação de seu poder. Fortaleza
passava, assim, a ser o centro de um jogo de interesses políticos, no qual,
regularmente, prevaleciam as preferências estratégicas da elite, que
procurava determinar as mudanças no sentido de uma reeducação social e
de um reordenamento físico da cidade (OLIVENOR in SOUZA, 2002, p. 50-
51).
Completando a série de melhoramentos urbanos ocorridos em Fortaleza
desde o início da segunda metade do século XIX, mesmo durante o período de seca
1877-79, várias construções foram iniciadas e concluídas, dando continuidade ao
96
projeto de modernização da cidade, assim, relacionando seca e economia, em um
momento de crise em que o Estado assumia uma política de subsídios, no sentido
de intensificar o processo de modernização.
Várias eram as justificativas para que o retirante atuasse como mão-de-
obra nas demais obras da Província em atividades como: a construção de açudes,
prédios públicos, estradas e as estações. Uma cidade como Fortaleza que se
colocava em desenvolvimento, não podia ser palco de cenas desoladoras
retirantes a mendigar nas ruas, infestados de varíola e outras doenças. Era o “fio da
morte” assombrando a Cidade. Nesse sentido, era necessário ocupar todos sem
onerar os cofres públicos.
E, diante desse cenário, a cidade e seu crescimento não podiam parar.
Dava-se continuidade ao progresso material da cidade com as demais obras
empreendidas pelo Governo Imperial e Provincial e, ao mesmo tempo, retiravam-se
das ruas e praças os indigentes, dando-lhes ocupação e alimentação.
Por isso Fortaleza passou, nesse momento, por um grande crescimento
material. Podemos citar através da fala do Presidente da Província do Ceará, José
Julio de Albuquerque Barros (1879), a construção da Estação Central, a cavalaria do
Quartel de Polícia, o muro do Cemitério, a reforma do Palácio do Governo, o muro
do Palácio Episcopal, reforma na Cadeia blica, uma fonte artificial na Praça do
Barão de Ibiapada, o calçamento de várias ruas da cidade e várias outras obras, o
que demonstra a vasta utilização dos retirantes com o intuito de tentar limpar e
organizar a cidade.
As obras que se empregam nesta capital os indigentes soccorridos pelo
Estado, em falla de outras obras geraes autorisadas pelo Governo e
sufficientes para darem occupação a todo o povo são as seguintes:
Empredamentos. Prosegem os das estradas de Mecejana e do Soure. (...)
Cemiterio Em substituição aos lanços de cerca mandado fazer pelo meu
antecessor no fundo do cemitério d’esta capital.(...) Muro e cano de esgoto
da Cadeia Pública, (...) Muro do pal´cio Episcopal, (...) Palácio do Governo,
(...) Quartel de Polícia, (...) Fonte artificial, (...) Azylo dos Alienados; Obras
na Santa Caza de Mizericódia (BARROS, 1879, p. 60-61).
Essa estratégia de empregar a mão-de-obra das vítimas da seca se coloca
aqui, de forma bem clara, como via para entendermos o jogo de interesses e a
atmosfera em que foi construído o edifício da Estação Central. A seca assolava a
Província, os empresários da iniciativa particular alegando prejuízos entregaram a
Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité S.A. ao Estado, que promoveu a
97
sua encampação e, ao mesmo tempo, as obras de prolongamento e construção de
várias linhas, assim como a construção de novas sete estações, dentre elas a da
Estação Central. Com a encampação e as novas construções, tentou-se controlar a
situação caótica imposta pela seca, além de sanar as finanças na Estrada de Ferro
de Baturité, que voltou a ser uma empresa lucrativa e voltou à posse da iniciativa
privada em 1898.
A Cidade e seu progresso não podiam parar. Para isso tentava-se
esconder a qualquer custo os emigrantes doentes e esfarrapados que sujavam a
cidade, as ruas e as praças. Foram construídos prédios belos e grandiosos, para
expressar através de sua arquitetura, a superação do infortúnio natural e que
Fortaleza era uma cidade moderna e salubre que dispunha das mais avançadas
inovações urbanas como a estação de trem, a iluminação pública, os largos
boulevards, ruas pavimentadas, bem como edificações públicas necessárias ao seu
bom funcionamento, como a Santa Casa de Misericórdia, a cadeia, o cemitério e que
compunham um cenário que podia ser traduzido como uma cidade organizada pelo
espírito de civilidade.
Assim, a primeira pedra do Prédio da Estação foi alicerçada em 1879 e
toda a sua estrutura foi concluída até 09 de junho de 1880, data da inauguração do
edifício, ocasião que foi comemorada e noticiada nos jornais, os quais descreviam a
beleza e estilo arquitetônico utilizado, o que discutiremos a seguir nos demais
tópicos.
2.2. Arquitetura Neoclássica
As estações ferroviárias são símbolos de um determinado momento
histórico e como o podiam deixar de ser, sua arquitetura exprime todas as
novidades, técnicas e transformações que a sociedade experimentou no final do
século XIX e início do século XX.
A estação ferroviária é, provavelmente, entre as novas edificações
emergentes que se encontram no cenário urbano, aquela que, mais do que
outros, exprime o impulso para a inovação técnica e econômica. (ZUCCONI,
2009, p. 172-173).
98
É assim que Guido Zucconi descreve as estações ferroviárias no âmbito das
cidades do século XIX. E, a partir dessa ideia, o autor caracteriza a estrutura desses
edifícios.
A estação ferroviária (...) é composta por duas partes distintas: a plataforma
para os trens e o edifício para os viajantes. O primeiro pertence ao campo
da engenharia, o segundo ao da arquitetura monumental, evidenciando
claramente o contraste do século XIX entre a técnica e a arte. (Id., 2009, p.
173)
Essa descrição reflete claramente o complexo da Estação Central de
Fortaleza, no qual podemos verificar as duas partes distintas de que trata o autor e,
além do que devemos acrescentar, ao que se refere a parte da engenharia, as
estruturas que abrigavam os armazéns e as oficinas, as quais estavam diretamente
relacionadas às novas técnicas desenvolvidas com a implantação da ferrovia,
assunto que retomaremos mais a frente num tópico específico. a parte relativa à
arquitetura monumental deve ser tratada aqui a partir da análise da arquitetura
neoclássica, que é o estilo arquitetônico utilizado na construção da Estação Central
e elemento determinante da monumentalidade do edifício.
Para compreendermos porque a arquitetura neoclássica foi utilizada na
construção da Estação Central, exprimindo a ideia de grandiosidade, é necessário
conhecermos um pouco do que se entende por esse tipo de arquitetura.
De acordo com Graça Proença (2005), o estilo neoclássico foi introduzido no
Brasil pelo arquiteto Grandjean de Montigny autor do projeto do prédio da Academia
Imperial de Belas Artes.
O neoclassicismo expressou os valores próprios de uma nova e fortalecida
burguesia, que assumiu a direção da sociedade européia após a Revolução
Francesa e com o Império de Napoleão I.
Desde a Idade Média é considerada clássica a arte ou cultura dos antigos
gregos e romanos e, modernamente, por extensão tudo aquilo que se relaciona com
os padrões oriundos da arte greco-romana na Antiguidade.(PROENÇA, 2005).
Dentro do processo de modernização econômica e social sem
precedentes no século XIX, decorrente das transformações provocadas pela
Revolução Industrial, o Brasil se apropriou do estilo neoclássico que foi bastante
utilizado na Europa no início do século XIX.
99
Desde a transferência da corte portuguesa para o Brasil podemos
observar uma maior influência européia em quase todos os aspectos da sociedade
brasileira. Na arquitetura, ao longo desses anos, não seria diferente. O País
experimentou, a partir de meados do século XIX, um período de modernização e
revolução na produção agrícola que o levou nas últimas décadas desse século à
instauração de um processo que visava ao remodelamento urbano, refletindo os
interesses político-econômicos das elites dirigentes que aspiravam a idéia de
civilização.
A partir das afirmações de Graça Proença (2005), podemos afirmar que o
estilo simples colonial revelou-se arquitetonicamente inadequado para representar o
desenvolvimento de uma sociedade industrial e comercial. O estilo neoclássico
concentrava a ampliação dos referenciais urbanísticos do belo, do útil, do simétrico,
do racional que a nova ordem deveria expressar.
A arquitetura brasileira ganha grades de ferro, vidros nas janelas,
platibandas com balaústres
28
de cimento, cimalhas, cornijas, profunda simetria de
fisionomia oficial, frontispícios nos portais e arcos plenos. Em fim, as rudimentares
fachadas coloniais portuguesas locais se revestem com nobres e elegantes
características arquitetônicas classicizantes.
Na grande maioria das nossas construções urbanas o “Estilo Neoclássico”
se apresenta apenas nas fachadas frontais. É o que se entende como “Neoclássico
de Fachada”, pois a estrutura construtiva dessas edificações ainda é a mesma da
arquitetura colonial, rudimentar tanto na concepção funcional, quanto no uso de
materiais e mão de obra escrava, sem técnicos qualificados.
Muitas destas edificações já existentes sofreram apenas reformas
externas para se adequar à moda da Corte, que tardiamente chegava à Colônia.
Segundo José Liberal de Castro (1980), é possível afirmar que a influência
neoclássica se deu no Brasil em dois níveis diferentes: nos centros maiores do
litoral, especialmente Rio de Janeiro, Belém e Recife que tinham contato direto com
a Europa. Nessas províncias foi desenvolvido um nível mais complexo de arte e
arquitetura e se integrou nos moldes internacionais da sua época; e no restante das
províncias, caracterizada de forma mais simples, não necessariamente neoclássica,
mas de feições neoclássicas.
28
São elementos de ornamentação muito usados na arquitetura que têm como base uma tendência
estética, no caso da Estação Central, dórico-romana.
100
Existia preocupação pelo aperfeiçoamento técnico, mas ocorria a
dependência de materiais importados, pois ainda que se pretendesse realizar obras
neoclássicas, na maioria dos exemplos, esta vinculação com a temática e linguagem
do neoclássico era muito superficial. Por isso, o estilo não chegou a corresponder a
um aperfeiçoamento maior da construção no Brasil, ainda que tenha provocado
transformações de importância no plano formal. As inovações técnicas seriam
introduzidas somente mais tarde com o ecletismo
29
, como pode ser compreendido
de acordo com Nestor Goulart.
Considerando à primeira vista que o neoclassicismo no Brasil ou era
produto da quase totalidade importação e portanto extremamente raro
ou sem profundidade (...) a análise mesmo superficial, da distribuição pelo
território nacional, de edifícios que têm sido considerados como
neoclássicos, demonstra que foram erigidas com essa intenção, durante o
século XIX (GOULART, 2006, p. 136).
A arquitetura elaborada sob a referência neoclássica era caracterizada
pela clareza construtiva e simplicidade de formas, até mesmo devido às dificuldades
de se obter materiais adequados e técnicas especializadas. Apenas alguns
elementos construtivos como cornijas e platibandas
30
eram explorados como
recursos formais.
Para o neoclassicismo arte é aparência. Os arquitetos e engenheiros
brasileiros almejavam um estilo ideal, que tivesse mais que a utilidade, mas que
garantisse a concordância entre a beleza e simbologia da cidade moderna. A
relação entre a arquitetura e a racionalidade para a composição dos estilos nas
construções reflete não só a escolha do engenheiro ou arquiteto da obra, mas
também um estilo que representasse a ideia de modernidade da época adequada a
funcionalidade da estrutura do prédio.
Partindo das informações de Nestor Goulart (2006), constatamos que no
Brasil a arquitetura neoclássica, utilizada no século XIX em grande parte dos
edifícios públicos, foi também um veículo comunicador. Através de sua rigorosa
disciplina, da nobreza austera e pomposa de sua aparência exterior, as construções
29
Movimento arquitetônico predominante desde meados do século XIX até as primeiras décadas do
século XX, que se caracterizava pelo uso e mistura de estilos estéticos históricos, a arquitetura
eclética de maneira geral se caracterizou pela simetria, busca de grandiosidade, rigorosa
hierarquização dos espaços internos e riqueza decorativa.
30
A cornija é uma faixa horizontal que se destaca da parede, a fim de acentuar as nervuras nela
empregadas, a platibanda designa uma faixa horizontal (muro ou grade) que emoldura a parte
superior de um edifício e que tem a função de esconder o telhado.
101
modernas deviam permitir a todos a leitura do programa civilizador juntamente com a
ideia de modernização das cidades.
Podemos perceber que a arquitetura neoclássica caracterizou-se como
uma expressão própria para a grande maioria das estações ferroviárias do final do
século XIX, pois se buscava nos estilos arquitetônicos do passado uma linguagem
que correspondesse aos novos programas e posturas da época. Os espaços das
estações estavam relacionados a condições meramente funcionais, elementos como
a circulação de passageiros, mercadorias, locomotivas que se destacavam como
pontos centrais para a estruturação de todo o pensamento arquitetônico como a
disposição, a distribuição e forma de edificações, a composição e decoração destes
edifícios. Era necessário conjugar novas tecnologias nestes espaços sem abdicar de
se utilizar da beleza e grandiosidade que a Estação representava. Para Mignot
(1983), as estações eram “catedrais dos tempos modernos”, pois suas estruturas
caracterizavam-se pelo caráter sublime de suas proporções e por sua
monumentalidade.
Vários tratados
31
sobre arquitetura foram escritos a partir de meados do
século XIX, abordando questões funcionais e estéticas dos novos usos, como as
estações ferroviárias influenciando diretamente nos projetos e na produção da
arquitetura. Enquanto a Inglaterra liderava o avanço tecnológico e a expansão
industrial do sistema ferroviário durante o século XIX, a França encabeçava a
produção teórica sobre o tema.
Os estudos sobre os tipos de estações estavam baseados na análise dos
edifícios construídos até o momento, nos quais a ideia de composição estava
intimamente ligada às necessidades e aos critérios de economia, como sinônimo de
simetria regularidade, comodidade e simplicidade, equivalente aos conceitos de
solidez, salubridade e bem estar, ideias estas aplicáveis aqui no Brasil.
Dos vários tratados escritos no século XIX, podemos destacar um dos
primeiros engenheiros franceses a desenvolver uma investigação tipológica que
aborda a interação dos fatores distributivos e estéticos sobre as estações
ferroviárias, August Perdonnet, em seu Traité Élémentaire des Chemins de Fer
31
Como exemplos desses tratados podemos citar: Les chemins de fer de Amédée Guillemin (1869),
Traité pratique de l'entretien et de l'exploitation des chemins de fer de C. Goschler (1874), Des
Chemins de fer em France ou Traité a leur construction et a leur exploitation de Jean Lobet (1845),
Traité D´architecture: Éléments de l´architecture, types d´edifices – Esthétique,. Composicition et
Pratique de l´architecture, de Louis Cloquet (1898) e por último Traité Élémentaire des Chemins de
Fer, de August Perdonnet (1856) que serviu de base para este estudo.
102
(1856) Tratado elementar das estradas de ferro que utilizaremos neste trabalho
para estudo da rotunda, construção que fazia parte estrutura do Prédio da Estação
Central em Fortaleza.
Até meados do século XIX, o alto custo de transporte no interior do País
especialmente nas regiões produtoras de bens exportáveis, como açúcar, algodão,
cacau e café, representava uma desvantagem que deveria ser superada para
garantir uma posição competitiva desses produtos nos mercados externos. A
estrada de ferro, como um meio de transporte mais rápido e seguro, era a forma
mais eficiente encontrada para modernizar o país.
O processo de implantação de ferrovias no Brasil só seria realmente
deflagrado no início da segunda metade do século XIX, a despeito da necessidade
de tornar os meios de transporte mais modernos e da disponibilidade da nova
tecnologia, desde a década de 1830.
Com a implantação das ferrovias no século XIX criou-se um aspecto
estrutural para o pleno funcionamento das linhas. Esse aparato se materializou nas
sedes destas ferrovias, ou seja, nos prédios das estações, nos quais geralmente
funcionavam a administração, o embarque, o desembarque, os galpões.
Embora as estradas de ferro sejam basicamente caracterizadas como um
meio de transporte, suas edificações são elementos determinantes para o
andamento e desenvolvimento das mesmas, uma vez que estas dependem
da operação da estação de passageiros, independente da classe a que
pertençam, armazéns e depósitos para cargas, oficinas de reparo do
material rodante, depósito de locomotivas e composições, bem como as
diversas edificações secundárias de apoio a estas primeiras (CYRINO,
2004, p. 123).
As estações ferroviárias são reflexos de seu tempo. As edificações
seguiam as tendências arquitetônicas que influenciaram as construções em
determinado momento histórico, artístico e cultural e por isso dizem muito a respeito
da sociedade que as construíram.
A arquitetura da cidade, composta de traçados e volumes, com suas ruas,
praças e edifícios, possibilita a leitura e interpretação de fatos urbanos,
únicos para cada lugar, e remete ao debate de temas como a
individualidade, o desenho, a memória e a identidade do lugar e seus
habitantes (ROSSI, 1995, p. 03).
103
Foi a partir da segunda metade do século XIX, que surgiram em Fortaleza
os edifícios urbanos de função pública e estes se caracterizaram por se revestirem
de funções neoclássicas.
Nesse período a capital da Província se evidenciou como ponto de
centralização política e econômica. Dessa forma o acervo de obras de programas
administrativos cearenses permaneceu praticamente restrito a Fortaleza. As
realizações tentadas no interior do Estado foram da iniciativa municipal e por isso
tiveram dimensões materiais e acabamento limitados às possibilidades locais.
Entre as construções que representam o neoclassicismo administrativo e
cultural cearense, podemos arrolar na Capital, segundo Liberal de Castro (1980), os
prédios da Cadeia Pública, da Assembléia Provincial e da Estação Ferroviária, além
do Mercado Público, este último, obra de Silva Paulet, atualmente desaparecido e
das residências particulares. Nessas obras se refletiu o gosto neoclássico imperante
no País desde o começo do século e concebidas segundo risco erudito e acadêmico
estilo.
As edificações neoclássicas de função pública tiveram geralmente a
autoria de estrangeiros, como o Prédio da Assembléia Provincial de autoria de
Adolpho Herbster e o Prédio da Estação Ferroviária do austríaco Henrique Foglare.
A influência do neoclassicismo no Ceará, assim como em outros lugares, foi fruto de
uma aspiração geral. O momento histórico vivido facilitava a adesão à simplificação
neoclássica, consequência do próprio espírito da época, impregnada de conceitos
iluministas e renascentistas.
Nos comentários de José Liberal de Castro (1980), pertinentes às obras
representativas do neoclassicismo oficial cearense, encontramos ênfase nos
aspectos físicos e as indicações biográficas relativas aos projetistas, o que, em se
tratando de obras públicas feitas por profissionais de formação erudita, deixa dados
de ampla relevância para a compreensão de muitas soluções formais propostas.
Isso porque, a formação do engenheiro e a sua forma de pensar, influência a obra
por ele projetada.
Os engenheiros fazem a obra porque empregam um cálculo saído das leis da
natureza e suas obras nos fazem sentir harmonia. Existe então uma estética
do engenheiro, pois é preciso, ao calcular, qualificar certos termos da
equação, e é o gosto que intervém. Ora, quando se maneja o cálculo
estamos num estado de espírito puro e , neste estado de espírito, o gosto
segue caminhos seguros (LE CORBUSIER, 2004, p. 7).
104
De acordo com Liberal de Castro, a exemplo de Antonio José da Silva
Paulet que, por ordem cronológica, pode ser considerado a primeira figura do
neoclassicismo cearense. Sua condição de tenente-militar português, ingressado no
Brasil como membro do séquito de D. João VI, nos leva a crer que Paulet tenha tido
ligações profissionais com os grupos construtores responsáveis pela recuperação e
ampliação de Lisboa. A reconstrução e a ampliação de Lisboa, destruída por um
terremoto em 1755, marca o início oficial do emprego da nova linguagem no mundo
luso-brasileiro, na arquitetura.
Paulet é responsável pelo traçado xadrez da capital cearense, de ampla
influência neoclássica e autor como mencionamos do Mercado Público, obra
desaparecida da paisagem da Cidade. O edifício da Cadeia Pública é a mais antiga
obra do neoclassicismo cearense, e foi projetada pelo engenheiro militar Caetano de
Gouveia, que segundo Liberal de Castro era neoclassicista convicto (CASTRO,
1980).
O outro prédio também do mesmo período é o edifício da antiga
Assembléia Provincial, hoje Academia Cearense de Letras, como um exemplar
refinado do neoclassicismo cearense. Foi projetado por Adolpho Herbster, o
engenheiro da Província desde 1857, que deu continuidade ao traçado xadrez da
cidade e ordenou o planejamento do desenvolvimento urbano da cidade de
Fortaleza até 1888.
A Estação Ferroviária Central é aqui destacada, também, como uma
representação do neoclassicismo cearense. Conhecida como Estação Central é uma
edificação do último quartel do século XIX (1879-1880), cujo projeto e construção se
remetem ao engenheiro austríaco Henrique Foglare. A Estação é, em si, um
pequeno edifício térreo de composição simétrica, em que avulta um pórtico saliente
32
de inspiração paladiana. A autoria da obra está ratificada na placa alusiva à
inauguração do prédio.
O engenheiro Henrique Foglare era austríaco e veio ao Ceará participando
de uma comissão para realizar estudos sobre as secas. Quando em 1878 foi extinta
a comissão, Foglare foi absorvido pelos serviços da Estrada de Ferro. Autor,
também, da Estação Ferroviária da cidade de Baturité, que curiosamente não mostra
32
Pórtico é a entrada do edifício nobre, na Arquitetura Neoclássica o pórtico se sobressaia de forma a
se destacar do restante da fachada.
105
claras evidências do neoclassicismo. Foglare é citado várias vezes por Thomaz
Pompeu de Sousa Brasil, constituindo-se sua obra voltada para problemas da
pequena açudagem denominada: O prolongamento da estrada de Ferro de Baturité
ao Cariry feita em parceria com o engenheiro Amarílio de Vasconcelos.
A portaria de 10 de maio de 1879, do Ministério da Agricultura que
nomeou Henrique Foglare, foi publicada no noticiário do Jornal Cearense em 01 de
junho de 1879. Foglare substituiu o engenheiro Amarílio Olinda de Vasconcellos que
pela mesma portaria foi nomeado Chefe de Tráfego da estrada de ferro, com quem
em 1881 trabalhou no prolongamento da estrada de ferro e na construção de açudes
na Província.
O fato de Foglare ser o autor dos projetos das estações de Fortaleza e
Baturité e esta não apresentar os traços neoclássicos da Estação Central, nos
demonstra que a Estação de Fortaleza foi planejada para ser realmente um
monumento, pois não teria como, nem porque, o mesmo engenheiro desenhar no
mesmo período estações tão diferentes. Portanto, a Estação Ferroviária Central
possui marcos visuais significativos da Cidade, demonstrando que as elites, aqui
representadas pelos comerciantes e o próprio Estado, ocupam o espaço urbano e
constroem sobre ele suas aspirações, escolhendo seus mbolos, seus heróis,
construindo também um passado que legitima sua presença na cidade.
2.3. O Edifício: história da construção, os traços arquitetônicos e o
espaço interno.
A história e a arquitetura do edifício da Estação são as evidências mais
marcantes da consolidação da cidade de Fortaleza como pólo de concentração da
atividade importadora e exportadora da Província. A Estação era o ponto de
convergência do transporte de mercadorias e pessoas no Ceará. O comércio
agroexportador movimentado pela ferrovia passava obrigatoriamente por ela, que
era a porta de entrada da Cidade. Dessa forma as tramas de sua construção e os
traços de sua arquitetura, trarão consigo essa simbologia, a materialização da
relação ferrovia e cidade.
106
A edificação dos prédios das estações ferroviárias estava diretamente
relacionada à implantação das ferrovias. No Ceará, em 1870, foi fundada primeira
Companhia Ferroviária, cuja assinatura do contrato entre a Província e a Companhia
da Via - Férrea de Baturité para a execução da obra pública.
O contrato foi celebrado e reuniu personalidades importantes da Província, os
quais em sua maioria eram empresários e comerciantes.
A 7 de Novembro subseqüente, os accionistas fundadores assignaram os
Estatutos para incorporar a companhia, sendo aberta a subscrição das
acções para os emprezarios se dirigiam a pessôas importantes de varias
localidades da Província e outras praças do Império que, igualmente
subscreveram os alludidos Estatutos (Memoria – 1923 p.18).
Com a fundação da Via Férrea de Baturité, empresa que faria o transporte da
produção agrícola, de mercadorias e de pessoas por toda a Província com destino a
Fortaleza, inicia-se a construção da Estação Central, o aparato material para o
funcionamento da ferrovia. O primeiro Prédio da Estação que foi inaugurado em 29
de novembro de 1873. Era uma construção simples em estilo colonial e que seria
substituída pela atual Estação em estilo neoclássico em 1880.
FIGURA 10: Vista diagonal da Estação Ferroviária Central, destaque a esquerda, apontado pela seta
vermelha, para o primeiro prédio da Estação, em estilo colonial, indicado com a seta verde, está o
segundo prédio da Estação Central, construído em 1879 e inaugurado em 1880 em estilo
Neoclássico. Fonte: Arquivo Professor Assis Lima, cedida gentilmente.
107
De acordo com Octavio Memoria, o engenheiro responsável pelos primeiros
traçados da ferrovia foi o engenheiro inglês Edmund Compton, mas a definição do
terreno para a construção da estação foi indicada pelo engenheiro do Império José
Gomes Calaça, que assumiu o cargo em 1872, tornando-se responsável pelo
traçado do ramal da praia. A localização da Estação Central foi determinada pela
diretoria da empresa Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité, como destaca
Memoria.
Isto posto, a diretoria, escolheu na actual Praça Castro Carreira, antigo
Campo da Amélia, o local onde se acha a estação central, adquirindo com a
municipalidade, mediante aforamento dico, os terrenos que necessitava,
inclusive os da mencionada praça. (MEMORIA, 1923, p. 21).
O Campo
33
da Amélia era o espaço utilizado pelas tropas para fazer
exercícios. Foi inaugurado em 29 de junho de 1830, em homenagem à imperatriz D.
Amélia de Leuchtmeberg. Segundo Noélia Cunha, o local era um campo onde as
tropas coloniais e depois imperiais treinavam as suas milícias e também onde o
povo fazia o seu esporte de cavalhadas
34
e torneios hípicos da argolinha
35
. (1990, p.
106). O campo podia ser visto do mar. Localizado a nordeste da Cidade, perto do
morro do Moinho, possuía do lado poente o Cemitério São Casemiro e ao lado deste
o pequeno cemitério dos protestantes ingleses, local onde foi edificada a Estação.
Os serviços de nivelamento do terreno para que se desse a construção do
edifício foram de responsabilidade do engenheiro Jeronymo Luiz Ribeiro que acabou
por abandonar os serviços, os quais foram terminados pelo engenheiro José Privat.
Do período de 29 de novembro de 1873, quando se deu a inauguração do
Prédio da Primeira Estação Central, até 10 de junho de 1880, data da inauguração
do segundo Prédio, encontramos uma grande lacuna nos documentos. Não existem
registros de aprovação e construção desse segundo prédio. Os autores que tratam
desse processo acabam confundindo os dois prédios, mas utilizando-se de
informações desencontradas desses autores
36
quase que contemporâneos da
construção, e de informações obtidas pelos jornais da época, conseguimos tratar
33
Uma espécie de “rossio”, lugar amplo, sem edificações dentro da cidade, utilizado para uso comum
da população como ponto de encontro para diferentes práticas.
34
Folguedo popular que consta de uma espécie de justa ou torneio.
35
Jogo popular que lembra a justa medieval.
36
Podemos destacar, como autor quase contemporâneo a consecução do prédio, Otávio memória
que escreveu seu trabalho de monografia: Origem da Viação Férrea Cearense em 1923 e o
contemporâneo, autor João Brígido, que esteve presente nas negociações de fundação da ferrovia,
pois foi o primeiro advogado da empresa.
108
dos dois prédios separadamente. Aqui, o primeiro edifício deve ser destacado, pois
o local de sua sede nos remete à localização da construção do segundo, que é
destaque por sua arquitetura, isso porque este foi edificado na lateral direita do
primeiro, portanto na extensão do mesmo terreno.
Na figura 11 temos a reprodução da planta do prédio de 1873, nela
podemos perceber um título: Estrada de Ferro de Baturité, o que nos indica que a
Estação está diretamente atrelada à estrada, à ideia de escoamento do comércio.
Da estrutura física localizamos o local do primeiro prédio da Estação circulado de
vermelho e de laranja o local da primeira rotunda construída em 1872, a qual
observaremos mais detalhadamente longo a frente. A Estação Central de Fortaleza
era tratada como Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité, para que não
fosse confundida com a Estação Central da Bahia, por isso a legenda Estrada de
Ferro de Baturité, pois se tratava da Estação Central desta estrada, localizada em
Fortaleza.
FIGURA – 11: Planta baixa da Estação de 1873. Fonte: Arquivo pessoal Professor Assis Lima,
Cedido gentilmente.
As dificuldades para compor a história do Prédio da Estação Central
desde seus primórdios se devem a um incêndio criminoso que destruiu a maior parte
109
dos documentos sobre a Companhia férrea. Do prédio não encontramos os projetos,
as plantas do Engenheiro Foglare, e pouco sobre as planilhas de gastos.
A deficiência de documentos attinentes ao assumpto, nos archivos
particulares, visto como os da Baturité foram mandados criminosamente
incinerar por um os representantes da «The South American Railway
Construction Company Limited» foi um dos óbices com que tivemos de
arcar na consecução do nosso desideratum
37
. (MEMÓRIA, 1823, sem
página).
Tecer a história de um prédio sem estar de posse das informações oficiais
de sua construção, no que se refere ao edifício de 1880, como as plantas do edifício,
o projeto, as planilhas de gasto e custos, os desenhos originais, é uma tarefa um
tanto quanto complicada, mas a sociedade sempre deixa rastros do que edifica.
Dessa forma, conseguimos montar um grande e desorganizado quebra cabeças de
informações e delineamos a representação da história do prédio da Estação Central.
De acordo com as informações de Octavio Memoria e a observação das
datas, o planejamento da construção do segundo edifício da Estação Ferroviária
aconteceu no período em que a Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité foi
encampada pelo Governo do Império, ou seja, a partir de junho de 1878 a 30 de abril
de 1898.
A previsão para a construção da Estação Central da Estrada de Ferro de
Baturité, na cidade de Fortaleza, consta na Portaria do então Ministro da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, José Lins Cansanção de Sinimbú de 3 de junho de
1878, de acordo com o capítulo II, da Execução das obras.
Art. 15 – Na construcção do leito da estrada serão observadas as condições
technicas adaptadas nas estradas de ferro do Estado; ficando expresso e
muito recommendado que a construcção das obras de arte, estações e mais
edificios presidirá a maior economia e simplicidade, sem prejuiso da precisa
solidez (MEMORIA, 1923, p.51).
Podemos determinar esse período como o do início das obras do Prédio
da Estação observando que, em 1877, segundo João Nogueira, teve início a
demolição do cemitério São Casemiro e em 1878 este já não mais existia.
Daí por diante jazeu em completo abandono, até que em 1877 se resolveu a
sua demolição (...). Em 1878 já estava quase tudo em ruínas: túmulos
desmoronados, catacumbas abertas deixando ver seu horripilante conteúdo,
37
A explicação dada por Otavio Memória dá-se no que seria o prefácio de sua obra, intitulada ‘ao
leitor’ sem numeração de página.
110
ossos dispersos pelo chão, onde animais pastavam tranquilamente.
(NOGUEIRA, 1981, p. 74-75)
Fica notório que o prédio da Estação teve sua obra iniciada após a
demolição do cemitério, pois que ela ocupa hoje o mesmo espaço ocupado pelo
cemitério São Casemiro até 1878, o que fica claro que o Governo Imperial tinha
encampado a Companhia Férrea.
A Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité enfrentou muitas
dificuldades financeiras desde a sua fundação até ser encampada, de acordo com o
Decreto 6.919, de de junho de 1878, momento em que se inicia a construção
de várias obras de ampliação dos ramais da ferrovia e também do período, que
utilizou como já observamos a mão-de-obra dos flagelos da seca.
A construção do Prédio da Estação se deu na lateral direita do antigo
prédio da Estação Central, portanto a mesma localização, no denominado Campo
d’Amélia, onde ficava o cemitério São Casimiro. Os abrigos de apoio à construção,
como podemos verificar no ofício expedido por Carlos Alberto Morsing, de 7 de
fevereiro de 1879, eram armados aproveitando os sacos dos “socorros públicos”.
Constando-me que existe grande quantidade de saccos vasios nos
differentes depósitos dos socorros publicos, rogo a V.E. que expeça suas
ordens no sentido de serem fornecidas ás obras novas do trafego 200
desses saccos para o fim de serem armados alguns toldos provisorios na
estação central proximamente as respectivas officinas. (MORSING,
7/02/1879).
Em 1872 podemos perceber a preocupação de embelezamento da
cidade, a presença do prédio da Estação ligado diretamente à ferrovia e todas as
ideias de progresso embutidas nela, trazendo modificações à cidade e,
principalmente no seu entorno, é o que deixa bem claro a matéria publicada no
jornal Cearense de 29 de fevereiro de 1872.
Praça da Amélia S.Exc, o Sr. Commendador Wilkens de Mattos projecta
mandar regularizar a Praça da Amélia, onde actualmente se prepara a
estação central da viaférrea de Baturité, atterrando-a e fazendo correr o
calçamento, assim nas quatro faces da praça, como do lado do mar, em
prolongação do que corre ao norte da cadeia em rumo ao morro do Crautá.
Esta obra é de reconhecida vantagem para o embelezamento da cidade, e
deve incitar os edificadores, que em poucos anos converterão aquelle
campo em uma praça magnífica. O que converia era fazer o plantio de
árvores, logo ao começar as obras, assim na praça como ao longe nos
edifícios do hospital da caridade, cadeia e estação central, com vistas para
o mar. Ali converia sobretudo o plantio de palmeiras imperiaes. (Jornal
Cearense, 29 fev., 1872, p. 2).
111
Ainda sobre a escolha da localização do prédio, a Planta de Fortaleza de
1865, de Adolpho Herbster, fazia sua previsão demarcando o local com a
referência “largo da manobra”, que já observamos no primeiro capítulo, encontramos
também a explicação para essa escolha.
Nas grandes cidades a necessidade de espaço explica a demolição de
muita coisa velha. Na Fortaleza daquele tempo nem esta razão se podia
apresentar; não se podia dizer que o cemitério devia desaparecer para
ceder lugar às construções da Estrada. Esta dispunha de locais muito
melhores que o atual, onde pudesse se estabelecer. (NOGUEIRA, 1981, p.
75-76).
Certo é que, a tão desejada e esperada via férrea foi implantada, e no ano
de 1871, teve início a construção de seu primeiro prédio da Estação por decisão
tomada pelo governo no ano anterior. Também em 1871 chega a primeira
locomotiva da estrada de ferro a Fortaleza que suas primeiras voltas para a
população da cidade em 03 de agosto de1873 e, meses depois, em 29 de novembro
de 1973, a inauguração do primeiro prédio, que se figurava como uma simples
construção em estilo colonial. Sete anos depois é inaugurado o segundo prédio da
estação de passageiros, cuja localização encontra-se à direita do primeiro. Também
foram inaugurados nesse mesmo momento os edifícios das oficinas novas, dois
armazéns, um galpão de material rodante e a casa de locomoção, de acordo com o
noticiário do jornal Cearense de 10 de junho de 1880.
Considerando Noélia Cunha, no ano de 1882 a parte sul do Campo da
Amélia passa a se chamar oficialmente de Praça Senador Carreira, mas em razão
de se situar à margem da linha férrea recebeu o nome de Praça da Via Férrea em
1890, por resolução do Conselho da Intendência Municipal. Mas, seis meses depois,
a praça volta a ser denominada Senador Carreira, e em 1932, Praça Senador Castro
Carreira, por lei, na gestão do prefeito Raimundo Girão. (CUNHA, 1990, p. 106). Mas
a praça sempre foi e ainda é popularmente conhecida como Praça da Estação, o
que se deve à construção da Estação Central em 1873 e em 1880.
A intelligente direcção do distincto engenheiro Dr. Amarilio Olinda de
Vasconcellos, e do notável engenheiro da locomoção Dr. Henrique Foglare,
encarregado da execução das obras de trafego e da montagem das
machinas, deve-se a perfeição com que foram realisados estes importantes
melhoramentos. Os edificios construidos são:
Estação de passageiros.
Officinas novas.
Dois armazéns.
Um galpão para material rodante.
Casa de locomoção. (CEARENSE, 10 jun., 1880, p. 1).
112
Também podemos verificar a preocupação com o aspecto estético da
região onde estava localizada a estação com o Ofício 243, de 17 de novembro de
1879, direcionado ao Presidente de Província José Júlio de Albuquerque Barros, por
Carlos Alberto Morsing, diretor da Estação:
Informando sobre o objeto do incluso officio, cumpre-me declarar a V. E.ª
que entendendo Sr gerente da companhia de gaz com o engenheiro
encarregado das obras raras dessa estrada, este procurando naturalmente
corresponder ao sentimento esthetico da capital desta Província sugerio a
coveniencia de colocar-se em frente ao vestíbulo da nossa estação quatro
combustores especiais em lugar de combustores comuns (MORSING, 17
nov., 1789).
Ainda com referência à iluminação do entorno da Estação podemos citar
um ofício de 18 de novembro de 1879 que solicita a devida iluminação indispensável
ao local.
Em adiantamento ao officio desta diretoria sob 238, de 31 de outubro
último, cumpre-me ainda pedir a V.Eª se digne de ordenar também a
colocação dos combustores necessários a iluminação indispensável no
prolongamento da rua do gazomentro e no lado poente das praças da
Estação e Amélia (MORSING, 18 nov., 1789).
Diferente da grande maioria das estações ferroviárias do País e do
mundo, a Estação Ferroviária Central não se compunha de uma estrutura metálica.
Essa característica pode ser explicada pelo fato de que os interesses relacionados à
construção da Estação, como afirmamos várias vezes, eram comerciais e não
industriais como nos outros lugares. Aqui o ferro era utilizado nas linhas dos trilhos
da ferrovia e como solução para ampliar os vãos, que se tornavam maiores quando
a estrutura de madeira, menos resistente, era substituída pela estrutura dos trilhos,
mas não podemos falar numa arquitetura de ferro, assim como podemos perceber
no comentário de Walter Benjamin.
Com o ferro aparece, pela primeira vez na história da arquitetura, um
material artificial. A isto subjaz uma evolução cujo ritmo se acelera no
decorrer do século. Isto recebe o decisivo impulso quando fica claro que a
locomotiva, com a qual se faziam experiências desde o final dos anos 20, só
era utilizável sobre trilhos de ferro. O trilho se torna a primeira peça
montável de ferro, sendo o precursor da viga de sustentação (BENJAMIN,
1985, p.32).
113
O uso do ferro na Estação estava relacionado propriamente a estrutura da
ferrovia e seus trilhos, como se pode observar no pavilhão interno, na figura 12, foto
de 1888, que retrata a rotunda
38
do prédio.
FIGURA – 12: A esquerda vista de parte central da estrutura da rotunda da Estação Central, com a
seta apontando para o girador e a direita vista da entrada do galpão de embarque e desembarque
com seta vermelha apontando para a tesoura de 15 metros feita de trilho de ferro belga.Fonte:
Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
No que se refere à arquitetura da Estação Ferroviária Central, não
podemos enquadrá-la na vertente racionalista da arquitetura do ferro, difundida e
empregada em larga escala na construção das estações em quase todo o país. A
arquitetura do ferro segundo Silva (1988) era o estilo mais utilizado nas construções
das estações, pois aliava a praticidade e utilidade às edificações que eram a
representação do desenvolvimento industrial e tecnológico do século XIX.
O Ceará foi um caso particular, o desenvolvimento aqui não esteve
relacionado à indústria, como em outras províncias do Brasil, mas ao comércio
agrário exportador. Teremos o emprego do ferro nas edificações, e particularmente,
na Estação Central, mas não nas mesmas proporções que as cidades
industrializadas do País.
O noticiário do jornal Cearense, de 10 de junho de 1880, ao tratar da
inauguração do edifício, descreve as edificações que compunham o prédio. Além
das tesouras ou cobertas de 15 metros de vão que eram de ferro, o texto destaca
38
A casa de máquinas da estação.
114
que atrás das colunas da parte central existem três arcadas que davam entrada para
o vestíbulo
39
, estas eram fixadas por grades de ferro e, de acordo com o texto,
ricamente ornamentadas. Por mais que o Ceará não se enquadrasse na rota das
províncias de capitais industrializadas, o desenvolvimento do comércio para
exportação exigia a implantação de estradas de ferro e sua velocidade, e com estas
o emprego de materiais mais resistentes e práticos como o ferro. A partir das
possibilidades arquitetônicas que esse material apresentava, os vãos poderiam ficar
maiores e com menos pontos de apoio, o que antes não era possível com as
tesouras de madeira. Com os vãos maiores e com menos pontos de apoio como
com as tesouras de 15 metros inauguradas na estação em 1880, a circulação não só
de passageiros, mas principalmente de mercadorias foi facilitada.
A construção dos edifícios principais das estações ferroviárias seguia
um projeto de orientação básica para sobrepor, o menos possível a circulação de
embarque, de desembarque, de mercadorias, de funcionários e bagagens. Essa
distribuição interna orientava-se de acordo com a ordem das operações a serem
efetuadas pelo viajante, como a entrada pelo vestíbulo, a compra da passagem e
entrega de bagagens, a permanência na sala de espera e o embarque nas
plataformas. Os serviços gerais da estação, preferencialmente, eram localizados
separadamente das áreas de passageiros (KÜHL, 1998; PERDONNET, 1856).
A disposição dos serviços na Estação Central se orientava dessa forma,
basta observarmos a descrição da estação de passageiros do noticiário do jornal
Cearense de 10 de junho de 1880 e a planta da Estação.
Estação de passageiros. A sala da diretoria, com uma sala de espera
escriptorio com archivo para o pessoal administrativo contadoria
almoxarifado telegrapho agencia vestíbulo sala de espera de 2ª
classe idem de 1ª – uma sala para senhoras com respectivo toillet
botequim. (...) O edifficio consta de uma parte central e duas alas reunidas
por corredores. Atraz das columnas tem três arcadas que o entrada para
o vestíbulo, que são fixados por grades de ferro ricamente ornamentadas.
Em uma face do vestíbulo opposto achasse a agencia e as duas bilheterias
para a 1ª e 2ª classe. Duas portas lateraes dão entrada para um dos
corredores, uma para sala de espera, outra para as diversas repartições da
directoria. Esses corredores são cada um formado de 5 arcadas sobre
columnas quadrados, ornamentadas sobre uma parede de parapeito que
divide os corredores em duas partes, uma das quês é coberta e outra
descoberta. A essas cinco arcadas correspondem cinco portas que dão
para os diversos compartimentos que ficão mencionados. (CEARENSE, 10
jun., 1880, p. 1).
39
A porta principal do prédio, o espaço entre a rua e a entrada principal do edifício.
115
FIGURA – 13: Planta da Estação Central do início do século XX, a área apontada pela seta vermelha
e colorida de amarelo corresponde a parte central do prédio, o vestíbulo; a seta laranja indica a gare,
ou seja, a plataforma de embarque e desembarque e a verde indica a oficina de locomotivas
(rotunda). Fonte: foto constante do arquivo do professor Assis Lima.
A Estação Central era de primeira classe, e se classificava de acordo com
as observações de Perdonnet, como estação terminal ou de extremidade, já que
concentrava como pólo centralizador de todas as atividades de transporte da
Província. As estações terminais também eram divididas em classes de acordo com
o tamanho e importância da localidade.
Quanto à disposição do edifício, em relação ao serviço de embarque e
desembarque, a Estação Central apresentava a disposição lateral, de forma que a
localização dos serviços de passageiros concentrava-se em um único edifício, o
embarque acontecia na parte central do prédio e o desembarque nas laterais do
mesmo edifício. A Estação Central dispunha de seu edifício principal paralelamente
às vias, o que lhe rendia a vantagem de reduzir consideravelmente o percurso dos
passageiros no movimento de embarque, desembarque e os de despacho de
bagagens e mercadorias, pois a composição do trem se detinha em frente à sala de
espera e aos depósitos.
Além do edifício para passageiros e a administração, o transporte
ferroviário exigia um complexo de edificações para seu pleno funcionamento, tais
116
como depósitos, armazéns e oficinas, esses aparatos foram também inaugurados
conjuntamente com o prédio da Estação em 1880.
Os depósitos e armazéns eram grandes compartimentos para guardar os
diversos materiais das máquinas e de sua manutenção, portanto a arquitetura era
simples pela particularidade e funcionalidade da utilização desses galpões. Os
depósitos das locomotivas destacaram-se por terem uma composição arquitetônica
diferenciada dos depósitos para vagões. Estes consistiam em simples hangares, que
tinham pequenas oficinas para simples reparos. o depósito para locomotivas era
denominado rotunda, que na Estação Central, na construção de 1879, possuía 9
cavas, sendo 7 para locomotivas.
Essa composição arquitetônica nos chama atenção, dela temos uma
fotografia que data de 1888, mas que foi construída em 1873. Objeto de discussão
do autor francês August Perdonnet (1856), o qual caracterizou a rotunda como um
depósito de locomotivas bastante difundido no século XIX. Esses edifícios permitiam
uma racionalização do espaço do depósito, pois que, a partir da disposição de cada
locomotiva, ao girar a placa de manobra, todas as linhas convergiam ao centro
facilitando assim, a retirada das locomotivas para a linha de saída. Nas figuras a
seguir podemos visualizar a estrutura da rotunda descrita por Perdonnet, que retrata
a mesma estrutura da rotunda da Estação Central, a qual apenas difere pela
cobertura do centro da edificação, que a rotunda da Estação Central não possuía
como também podemos observar, na figura a seguir.
FIGURA – 14: Rotunda poligonal. A seta vermelha indica a projeção do telhado central, que não existia no
telhado da Estação Central de Fortaleza. Fonte: PERDONNET (1856).
117
FIGURA – 15: Rotunda de 1873, fotos de 1888, sem a cobertura de telha no centro da estrutura. A seta vermelha
indica o fim do telhado, mostrando que a rotunda da Estação Central não tinha a cobertura de telhado como na
FIGURA de Perdonnet. Fonte: Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
FIGURA – 16: A esquerda vista do alto da lateral rotunda, parte externa, apontada com a seta e a
direita, vista da entrada da rotunda, onde se observa a bifurcação de trilhos que se dirige aos
armazéns. Fonte: Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
De acordo com Perdonnet (1856), os depósitos poligonais, ou seja, as
rotundas, na maioria dos casos eram totalmente cobertas e dispunham de uma
lanterna no centro da cobertura. A estrutura era totalmente coberta por conta das
chuvas que atrapalhava os trabalhos e causava vários danos às máquinas.
O primeiro depósito poligonal inteiramente coberto localizava-se no caminho
esquerdo da estrada ferro de Versalhes a Paris. Desde então todos os
novos depósitos poligonais foram cobertos. As dificuldades que os
trabalhadores encontravam durante o inverno e os danos causados às
118
máquinas levaram a abandonar inteiramente os depósitos descobertos
(PERDONNET, 1856, p.38-39).
A rotunda da Estação Central, construída em 1873, não era totalmente
coberta, pois no Ceará existiam longos períodos de estiagem e o aproveitamento da
luz do sol era muito importante para um melhor desempenho dos trabalhos nos
depósitos das locomotivas.
Em 1880, de acordo com a fala do Presidente da Província José Júlio de
Albuquerque, para a sessão da Assembléia Provincial, a Estação Central foi quase
reconstruída e recebeu novas edificações. Observamos no texto as edificações que
faziam parte do complexo da Estação em 1880, estas foram modificadas em
1917.
A 9 do foi inaugurada e aberta ao público a nova estação central, um dos
melhores edifícios d’esta Capital, começando a funccionar no mesmo dia a
nova officina da estrada. A estação construída com muita solidez e
elegância offerece as precisas accomodações e pode ser considerada egual
às melhores estações centraes das nossas estradas de ferro. A officina está
perfeitamente montada e satisfaz as necessidades do serviço (...).
construíram-se dois armazéns para deposito de ferramentas e generos e 1
olaria; abriram-se 9 cacimbas; transportaram-se 684m³ para as obras d’arte
e estenderam-se 28 kilometros de fio telegraphico. Com a estação central
quasi reconstruída pela Commissão, conta o prolongamento 6 estações
edificadas nas melhores condições de segurança, elegância e
accomodação, medindo o compartimento total de 1421m e ocupando uma
extençãi de 12:810, 40m², Officinas 2; Casa para o encarregado da
locomoção 1; Gyradores 3; Casas para Engenheiros de conservação 3;
Casas para Agentes de estações 3; Depósitos de lenha 5; Cobertas para
locomotivas 1; Latrinas 2; Armazens 2; Depósito de material rodante1;
Cacimbas permanentes 5; Caixas d’agua 8. (BARROS, 1880, p. 44-45).
As oficinas também eram edificações de relevância que compunham as
estações. Segundo Perdonnet (1856), mesmo nas linhas de grande movimento,
existia apenas uma única oficina de grandes reparos. Na Estação Central existiam
duas oficinas: uma que foi construída em 1880, que de acordo com o jornal
Cearense, O edifício das officinas tem vastas proporções e acham-se montadas
excellentes machinas que funcionavam com a desejável regularidade” (CEARENSE,
10 jun., 1880), e a outra que ao que as informações indicam era a antiga oficina
construída em 1873, que ficou para pequenos reparos. A oficina de 1880, possuía
“uma rotunda para 7 locomotivas e 9 cavas, um depósito para materiaes, um dito
para lenha, um escriptorio da locomoção, dois reservatórios para água, quatro forjas”
119
(CEARENSE, 10 jun., 1880), o que nos demonstra que ela abrigava inúmeros
serviços de manutenção, reparo e preparo das locomotivas.
O pátio ferroviário também era composto por outras edificações como as
caixas d’água, armazéns e depósitos e outros menos comuns como vimos acima. Os
armazéns eram dois, segundo consta o quantitativo da fala do Presidente da
Província José Júlio de Albuquerque em 1880, que também destaca que o um
armazém foi concluído com 162m² e o outro com 1248m² de superfície com linha
dupla para os carros e 384m² de plataformas para a carga e descarga, com uma
saída para a Rua General Sampaio na lateral do edifício da Cadeia Pública. Era uma
construção com ornamentação simplificada, afirmando seu aspecto utilitário, que
possuía aberturas para a escoação de mercadorias e eram compostos, cada um, por
um único pavimento.
A Estação Central possuía um depósito de material rodante, de
construção simples, com a função de guardar objetos, ferramentas e materiais para
a manutenção das máquinas, locomotivas e vagões. A partir das informações do
jornal Cearense podemos ter esta percepção: “No depósito existe grande quantidade
de ferro, cobre, antimônio, tintas diversas, vernises e sobresalentes das locomotivas”
(CEARENSE, 10 jun., 1880, p. 1).
Sobre essas estruturas o relatório apresentado à Assembléia Legislativa
pelo Presidente da Província Senador Pedro Carneiro Leão, de 1881, afirma que:
A officina funcciona hoje em um vasto edifício que satisfaz plenamente às
actuais necessidades do serviço; entretanto o armazém de deposito dos
materiaes sobresalentes, e o depósito de material rodante não dispõe das
dimensões precisas para proporcionar abrigo seguro e commodo ao
material existente, sendo de gande utilidade o augmento do primeiro e a
construção de um outro depósito: que se realizará logo que o permittam os
recursos da estrada (VELLOSO, 1881, p. 73).
As caixas d’água constituíam-se, importantes elementos entre as
construções ferroviárias, principalmente neste momento, pois as locomotivas que
rodavam na estação eram locomotivas à vapor e precisavam sempre estar
abastecidas com água. Os documentos não nos deixaram pistas dos materiais
utilizados para a construção dessas caixas d’água que eram 8 no total. Apesar de os
relatórios da companhia fornecerem diversas informações sobre o que se estava
fazendo na ferrovia, o menção alguma sobre como eram construídas as
120
edificações, embora haja grande destaque para as questões técnicas referentes às
linhas ferroviárias.
A arquitetura empreendida na Estação reuniu características específicas
que se relacionavam, aos aspectos de funcionamento da ferrovia e às atividades
efetivadas por ela, assim como o aspecto estético que revelava a monumentalidade
da construção.
O processo de construção do prédio nos fez perceber a relação do edifício
e a cidade levando em consideração os anseios da elite comercial que estava à
frente, não dos negócios em Fortaleza, mas direta ou indiretamente no Governo.
Descrevemos a ideia do prédio que foi erguido para ser um monumento, assim,
como as publicações dos jornais e ofícios demonstram esse desejo, os traços da
arquitetura que compõem o mesmo também o deixam claro. Mas, para que não
reste dúvida no que foi afirmado, analisaremos visualmente o prédio destacando
suas características marcantes.
2.4. O Edifício e a arquitetura através da fotografia
A cidade industrial ou comercial no início do século XIX, e a incorporação
da máquina no cotidiano urbano alteraram não somente a imagem da cidade, mas
principalmente o olhar sobre ela. A fotografia foi um dos instrumentos que
representou este novo olhar. A estética da fotografia, aliada ao próprio processo
fotográfico, contribuiu para as mudanças de relação entre o olhar e o espaço. O
aparelho fotográfico passa a funcionar como uma extensão da visão. Um elemento
de aproximação e de distanciamento do objeto.
O objeto de investigação da pesquisa foi constituído a partir do
conhecimento sobre a cidade e a Estação e não a partir de um acervo de fotografias.
Não temos a intenção de trabalhar o tema somente a partir de fontes visuais, mas
diante da boa quantidade fotos, entendemos que não podemos completar a
pesquisa sem utilizá-las.
121
A sociedade das imagens, que na atualidade impõe sobremaneira o
imagético sobre o escrito, faz pensar, porém, se é possível para a história
abdicar desses documentos. Mais que isso, a investigação das imagens,
sejam estas obras de arte ou fotografias, pode abrir para o historiador um
universo a ser explorado, principalmente no campo da memória e do
imaginário. As imagens visuais são portadoras daqueles elementos que se
aproximam mais do sonho, da imaginação e das sensibilidades. Moldadas
pelas figurações históricas e sociais de sua produção, suas intenções
ultrapassam o desejado no momento de sua elaboração pelas múltiplas
possibilidades que são oferecidas pelo ato de olhar. Como representações
do real, as imagens visuais constroem hierarquias, visões de mundo,
crenças e utopias e, neste sentido, podem constituir-se em fontes preciosas
para a compreensão do passado (POSSAMAI, 2008).
Não se trata de privilegiar o texto escrito em relação às imagens, mas o
estudo a partir da fotografia exige ao historiador, para trabalhar com fontes visuais,
um referencial teórico e metodológico diferenciado e uma pré-seleção de fotografias
que nem sempre está disponível. A necessidade de obedecer a um critério único de
seleção, evitando misturar fotografias de diferentes procedências, analisar um
conjunto próprio para o agrupamento de várias variáveis e através do fotógrafo
conhecer as suas escolhas técnicas que influenciaram a fotografia, são atributos que
nem sempre são possíveis ao historiador.
Conseguimos selecionar cerca de 180 fotografias da Estação Central. São
fotos em vários ângulos e momentos, além de diferentes locais do complexo
ferroviário. A grande maioria das fotos foi cedida por funcionários da Estação, e
estão soltas, sem um referencial de procedência. Na verdade, o existe um museu
ferroviário em Fortaleza, e todos os documentos históricos referentes à ferrovia e à
Estação, encontram-se em salas de um dos edifícios do complexo ferroviário da
Estação João Felipe. Estão em péssimas condições de conservação e boa parte
deles são manipulados sem nenhum rigor técnico por particulares, à espera da
organização do museu que terá sede no prédio da antiga estação de 1873. Essa
dificuldade compromete as práticas de pesquisa e a documentação, que, retirada de
sua ordem original perde as características contextuais.
Colhemos informações sobre a existência de álbuns antigos organizados
pela administração da Estação no início do século XX, mas as dificuldades de
acesso a esses materiais nos impediram manuseá-los, os quais seriam de extrema
utilidade. De todo modo, conseguimos muitas fotografias que estão separadas do
contexto de documentação original, mas que são de grande importância para o
estudo da Estação e, principalmente, como meio para observar e entender como a
122
sua arquitetura representou um momento de progresso e modernidade pelo qual
Fortaleza passou.
As fotografias que dispomos propiciam um olhar sobre a Estação que
pode nos revelar muito sobre a relação ferrovia e cidade, a indicação de que elas
devem ser evitadas, por não termos sua procedência, e o excluídas, nos deixa
margem para analisá-las, pois, entendemos que mesmo não conhecendo a intenção
do fotógrafo ou de quem o contratou, a fotografia continua sendo uma imagem do
real, mesmo que parcial. “A fotografia congela uma imagem, imortalizada como
cena que será objeto de investigação para o historiador. No caso das vistas urbanas,
a imagem fotográfica permite observar as transformações ocorridas num
determinado espaço através do tempo” (POSSAMAI, 2008).
As fotografias funcionam como sinais de orientação, como linguagem.
Para Eliza Borges (2008) a fotografia possibilita “o constante desejo de eternizar a
condição humana” e “desperta sentimentos de medo, angústia, paixão e encanto”
(BORGES, 2008, p. 37). O olhar do fotógrafo e a sua escolha é que decide o que vai
ser registrado, daí uma intenção para cada imagem, que precisamos conhecer para
analisá-las. Mas nem sempre é possível conhecer a autoria das fotografias e assim
as intenções de sua existência, como afirma Eliza Borges.
Houve, também, aqueles que, movidos por um misto de encantamento e
pragmatismo, não se preocuparam com os debates teóricos que a
circundavam. Lançaram mão da câmera escura, profissional ou
amadoristicamente, para celebrar as conquistas da modernidade e
embalsamar frações de tempos que rapidamente iam se perdendo no
turbilhão das mudanças em curso (BORGES, 2008, p. 39).
“A fotografia comunica e simboliza. Representa” (BORGES, 2008, p. 37).
Dessa forma não podemos nos furtar da apreciação e análise das fotos que retratam
a Estação Ferroviária, pois elas são documentos visuais que testemunham um lapso
de tempo que deve ser estudado.
As imagens fotográficas devem ser vistas como documentos que informa
sobre a cultura material de um determinado período histórico e de uma
determinada cultura, e também como uma forma simbólica que atribui
significados às representações e ao imaginário social (BORGES, 2008, p.
73).
Para trabalhar com as fotografias selecionadas podemos destacar,
metodologicamente, para facilitar a análise, descritores icônicos como localização,
123
tipologia urbana, abrangência espacial, temporalidade, elementos naturais, móveis e
transportes. As fotografias retratam a frente da Estação Central da Estrada de Ferro
de Baturité localizada na Rua da Misericórdia entre as Ruas Vinte e Quatro de Maio,
à esquerda, e General Sampaio, à direita, numa região de grande tráfego devido a
própria atividade da ferrovia e sua comunicação com o Porto de Fortaleza. As
imagens analisadas são todas do final do século XIX e início do século XX.
Os descritores formais estão relacionados à intenção do fotógrafo, e por
isso, só poderemos identificá-los no que se refere às posições das fotografias sob o
ponto de vista do enquadramento da imagem.
Destacamos seis imagens representando a frente do edifício: a primeira é
uma imagem que provavelmente seja do final do século XIX, pois nela podemos
observar que a Praça Castro Carreira ainda o existia e sua inauguração ocorreu
em 1900. Também podemos perceber a linha do bonde que passava em frente à
Estação, mas que ainda era puxado à burro, pois não temos a presença dos postes
elétricos que só foram implantados em 1911. Observamos bem à direita a mureta do
jardim e, simetricamente à direita a mesma mureta, que se configura como uma
característica do estilo clássico utilizado na arquitetura do prédio.
FIGURA – 17: Vista em diagonal direita do Prédio da Estação.
Fonte: http://fortalezanobre.blogspot.com/2010_02_01_archive.html.
124
A segunda, apesar de evidenciar grande parte da Estação de um ângulo
um pouco diferente, pois centraliza um pouco melhor a vista do prédio, não tem
autoria certa e nem data. As duas imagens mostram a extensão da fachada do
edifício e que a estrutura era de grande porte e de linhas classicizantes com um
corpo central e dois laterais simétricos. A fig. 18, comparada à fig. 19, mostra uma
diferença de tempo significante, se analisarmos o jardim da lateral direita do prédio.
Na primeira fotografia, o jardim se apresenta com uma Ravenalia, comumente
conhecida por, bananeira de salão e uma pequena árvore que provavelmente está
visível na segunda foto.
A figura 18 retrata a Estação antes de 1900, pois a Praça Senador Castro
Carreira ainda não existia, a esquerda bem ao fundo, indicado com a seta vermelha,
está o primeiro prédio da Estação construído em 1873. O espaço em a frente a
Estação ainda era um campo aberto sem a construção da Praça que foi
inaugurada em 1900.
O corpo central que ocupa o pavimento térreo possui três portas no centro
da edificação e quatro janelas de cada lado, além de dois corpos laterais, um de
cada lado com três janelas cada um na parte frontal e três janelas na lateral, como é
possível observar. Obedecendo a esse padrão simétrico, temos ao lado de cada
corpo lateral um jardim na esquerda e outro na direita.
FIGURA – 18: Foto da Estação Central, com vista diagonal direita. Fonte: Arquivo pessoal do
professor Assis Lima, cedida gentilmente.
125
As colunas do corpo central deixam claros os traços neoclássicos do
prédio, assim como a repetição simétrica de portas e janelas. O frontão triangular,
indicado com a seta azul, também característica essencial neoclassicista forma um
emblema significativo do edifício, pois carrega em seu centro o relógio, que era um
elemento fundamental na composição arquitetônica das estações.
FIGURA 19: Foto frontal da estação, com vista do jardim da Praça Castro Carreira. Fonte: Arquivo
pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
Todas as figuras retratam a Rua da Misericórdia, essa presença aponta
para a importância dos aspectos relacionados à circulação urbana no contexto das
imagens fotográficas. Observamos a presença de pedestres que transitam à vontade
pela via. O lapso temporal representado corresponde ao período em que
circulavam os bondes em Fortaleza. Caso tivéssemos informações do fotógrafo e da
intenção desta fotografia, poderíamos afirmar que o enquadramento da Praça e o
centro do Edifício da Estação, talvez, de forma proposital, representavam o
desenvolvimento material da Capital e a harmonia da monumentalidade da Estação
ao seu entorno.
Mas não podemos deixar de observar que o conjunto da Praça e a
Estação formam um conjunto arquitetônico cuja materialidade representa os anseios
de progresso e modernidade, tão proclamados nos jornais e documentos da época.
126
FIGURA 20: Vista diagonal direita do Prédio da Estação com ângulo mais frontal. Fonte: Fonte:
Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
A presença de pessoas no espaço urbano é uma variável a se
considerar nas imagens fotográficas, pois é um elemento móvel captado pelas lentes
do fotógrafo que criam sentido de mobilidade e dinamicidade. A fig. 21 mostra a
presença de duas pessoas, uma está caminhando em direção ao acesso principal
da estação, e a outra, é um homem que está parado em frente a Estação, sua
posição e enquadramento da fotografia nos leva a crer que foi uma fotografia
encomendada, até porque em nossa seleção temos mais seis fotografias com o
mesmo homem vestido à inglesa com chapéu e sombrinha. Não podemos afirmar ao
certo quem era o indivíduo, mas segundo informações, pode se tratar do
arrendatário da Estação em 1898. As fotos referidas nos foram cedidas e não
sabemos a sua procedência, retiradas de seu contexto original, o que não nos
permite fazer afirmações concretas sobre elas.
Também a partir da mesma figura podemos observar a arquitetura do
prédio, visualizamos detalhes como a utilização de vidros nas janelas, que é uma
característica da arquitetura neoclássica, as portas e as janelas arqueadas são outra
característica da arquitetura neoclássica. Na fachada principal destacam-se quatro
colunas em estilo dórico e um frontão com o relógio no centro, ornamentado em seu
127
redor por uma cornija e, separando as colunas e o frontão, um friso com detalhes
que embelezam a arquitetura do prédio.
FIGURA – 21: Vista da Estação a partir do canto direito do Campo da Amélia. Fonte: Fonte: Arquivo
pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
A figura 21 retrata praticamente o mesmo ângulo das fotografias
anteriores, também visualizamos a Rua da Misericórdia e pessoas que transitam por
ela, ao fundo da imagem podemos observar um bonde puxado a burro, o que nos
remete a temporalidade da mesma, que, como a anterior, deve datar de 1898.
Novamente a presença do homem vestido à inglesa da foto anterior, e a mesma
impressão de que ele está posando para o fotógrafo. A presença de um animal que
circulava livremente pelo campo em frente à estação. A presença de um animal no
entorno da Estação nos leva a crer e confirmar que Fortaleza apesar de contar com
prédios monumentais como a Estação Central, ainda vivia de forma provinciana e
ainda estava em desenvolvimento.
E, por último, uma imagem da Estação sob o ângulo esquerdo, nela
podemos confirmar informações colocadas a partir das outras imagens e avistar o
relógio presente no frontão do acesso principal do prédio de forma mais nítida.
Também observamos a presença de pessoas em frente à Estação, o que demonstra
que a via era um ponto de bastante trânsito que em todas as fotografias
visualizamos pessoas como elementos móveis da fotografia. Se observarmos a
presença dos combustores de iluminação que ainda eram a gás, o jardim que se
128
identifica com o das figuras anteriores a data provável da fotografia também se
encaixa no final do século XIX.
FIGURA 22: Vista em diagonal esquerda da Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité em
Fortaleza. Fonte: Fonte: Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
A análise das fotografias buscou demonstrar que a arquitetura do prédio
por ela retratado caracterizava-se pelo estilo neoclássico que representava o novo, o
ideal de modernidade chegado à cidade com o desenvolvimento comercial e a
ferrovia.
No Brasil, de edifícios de tradição colonial, composições dentro da estética
neoclássica representavam o novo, a intervenção com os impulsos
progressistas, modernizadores. (...) a fotografia sempre esteve presente no
registro do novo, daquilo que representasse transformação. No mesmo
espírito foram fotografados não apenas edifícios, mas obras de grande porte
(CARVALHO; WOLFF, 2008, p.164-165).
Dessa forma, “a imagem fotográfica da arquitetura tornou-se fundamental
para a percepção do espaço arquitetônico (CARVALHO; WOLFF, 2008, p. 133).
129
3. A Estação: O espaço entre a Ferrovia e a Cidade.
3.1. O relógio entre o tempo e o espaço.
O progresso chega às cidades, embalado pelos trilhos do trem, que traz
em si o sentido do mundo moderno, alterando por onde passa toda a forma de vida
instalada no lugar. A chegada do trem a Fortaleza, em 1873, foi motivo de grandes
comemorações. Octavio Memoria (1923) destaca a repercussão desse evento
apresentando as cenas da inauguração do assentamento dos primeiros trilhos.
A experiência da locomotiva “Fortaleza”, a primeira que rodou sobre os
trilhos na “Batirité”, realizou-se no dia 3 de agosto de desse anno, com a
presença de oito mil pessoas, movido por justo sentimento de curiosidade.
Essa locomotiva circulou cinco vezes seguidas, entre a Estação Central e a
parada do Xico Manuel. (MEMORIA, 1923, p. 24).
Por onde passa, o trem cria um movimento imaginário ligado ao novo ritmo
imposto pela época, de maior velocidade, a locomotiva representava o novo símbolo
da modernidade no início do século XIX, alterando substancialmente o modo de vida
da população fortalezense. “O tempo passa a ser ditado pelo movimento do trem e
se cronometra pelos horários estipulados pelas viagens.” (GARDIN, 1999, p. 72).
Fortaleza de 1870, quando não andava a pé, montava cavalo, burro ou
jumento. A locomoção pessoal e a movimentação de mercadorias tinham a
marca da lentidão. A integração da Província marcava passo. A circulação
da riqueza que se formava era precária ao extremo. (ARARIPE, 1973, p.
267-268).
O trem chega com sua lógica de funcionamento e sua especificidade
espacial e temporal atribuindo uma velocidade que até então não era conhecida. As
locomotivas, aqui no Ceará, atingiam uma velocidade de vinte e seis quilômetros por
hora podendo chegar até trinta e dois ou mais, dependendo do peso que ela
carregava como podemos observar nos relatos de Memória (1923):
A velocidade dos trens era regulada em vinte e sei kilomentros por hora,
podendo pelas condições do traçado e do perfil da linha, attingir a trinta e
130
dois kilomentros. As locomotivas Pacatuba e Acarape, adquiridas no
primeiro semestre de 1875, foram igualmente consttruidas por aquella
Fábrica (Hunster Company, Leeds); pesavam 18 toneladas, quando
providas de combustível e água, e tinham capacidade para desenvolver 36
kilometros por hora e, em casos de necessidade, mais um terço, ou fossem
48 kilometros, o que aliás nos parece sobremodo inexeqüível. Esses
informes eram prestados pela própria companhia construtora das alludidas
locomotivas. (MEMORIA, 1923, p. 24-25).
A ferrovia modifica a noção do tempo pela imposição de uma nova
velocidade relacionada à modernidade nos transportes e adéqua as atividades da
cidade em função dos horários de partida e chegada dos trens. Por isso o relógio
aparece sempre como um elemento essencial na composição arquitetônica dos
prédios das estações em toda parte do mundo. A ideia de tempo também se
confunde com o tempo de progresso, este que era justificado a partir da chegada da
ferrovia: “Devem aos que desejam ver esta província marchar à passos accelerados
nas vias do progresso, empenhar-se para que as estradas de ferro sejam auxiliadas
racionalmente” (MATTOS, 1873, p.46).
A velocidade e a noção de tempo inserida com a implantação da ferrovia
está intimamente relacionada a forma de comportamento da sociedade e sua
orientação em relação às atividades econômicas e de trabalho, como observa Elias:
“o tempo, ou, mais exatamente, sua determinação, aparece como meio de
orientação, elaborado pelos homens com vistas a realizar certas tarefas sociais”
(ELIAS, 1998, p. 67). Além de todos os significados que a ferrovia trás com sua
implantação, tais como, modernidade, progresso, transformações urbanas o mais
presente é o papel de encurtar distâncias, seja através do espaço diferenciado a ser
percorrido ou da velocidade diminuindo o tempo a cada viagem.
A província do Ceará, que sempre tem andado na vanguarda dos
progressos do paiz; que antes de outra qualquer vai realisando a grande
reforma do trabalho livre; a unica onde é familiar á seus habitantes a
importante reforma do systema metrico o podia por mais tempo
desconhecer e apreciar o sybillo da locomotiva que por onde passa
desperta o enthusiasmo, anima o trabalho, encurta as distancias e
economisa tempo: a estrada de ferro, o fio electrico são sem dúvidas os
primeiros inventos do seculo XIX: quem dedica as suas locubrações a
realisação de tão importantes descobertas, tem bem merecido dasquelles, a
quem lhes leva o beneficio (CERARENSE, 03/03/1872, p. 03).
Com a implantação da ferrovia na Província cearense, o ritmo das
atividades se modifica, o comércio ganha um dinamismo que antes não era possível
com a lentidão dos transportes nas estradas carroçais e pelo transporte animal. A
131
cidade de Fortaleza, que recebe a Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité,
por ser a localidade centralizadora de todo o transporte de cargas e de passageiros
tem sua noção de tempo alterada de forma significativa. A cidade pacata passa a
testemunhar o movimento de chegada e partida de passageiros, cargas e
mercadorias numa quantidade e velocidade até então não conhecida.
Partindo da experiência com o lento transporte puxado por animais é
indubitável, quanto à velocidade, que as noções de tempo e de espaço se
modificaram com o advento ferroviário. Nesse sentido, Hardman, afirma que “o
poder transfigurador da locomotiva, os efeitos da velocidade sobre a percepção
espaço-temporal, o deslocamento rápido propiciado pela força do maquinismo,
alteram a visão da paisagem e dos passantes” (2005, p. 34). Para Schivelbusch
(1896), a ferrovia, ao ser inserida no cotidiano, proporcionou novas formas de
percepção da realidade, especialmente quanto a relação com o tempo e o espaço.
As tecnologias do transporte são a base material da potencialidade, e
igualmente a base material de percepção do espaço-tempo do viajante. Se
um elemento essencial de um determinado momento sócio-cultural-
espacial contínuo sofre alterações, isto vai afetar toda a estrutura, a nossa
percepção do espaço-tempo também vai perder a orientação a que
estávamos acostumados. (SCHIVELBUSCH, 1896, p. 36, tradução nossa).
Quem nos demonstra essa ideia de percepção de velocidade no espaço e
tempo a partir da ferrovia é Adolpho Caminha, no romance escrito por ele em
Fortaleza, em 1893. Uma história que se passava na Rua do Trilho de Ferro nas
proximidades da Estação.
E na manhã seguinte, muito cedo, pulou da rede e foi no bico dos pés,
embrulhada no lençol, ver passar o trem através da vidraça. A locomotiva
disparou numa rapidez crescente, soltando rolos de fumo e fagulhas que
pareciam uma irrisão aos olhos da normalista. A sineta, num badalar
contínuo, acordava os moradores do Trilho, àquela hora ainda nos lençóis.
Maria viu passar a enfiada de vagões estralejando sobre os trilhos e esteve
muito tempo em ouvindo o silvo longínquo da locomotiva que ia, como
uma coisadoida, sertão adentro! Começou então a sentir-se só; teve
vontade de abrir num choro histérico como se lhe houvessem feito uma
grande injustiça. Voltou para a tepidez do seu quarto e deixou-se ficar
até sair o sol, com um peso no coração, encolhida na rede, sem ânimo
para levantar-se, desejando um querer que era vago, extraordinário, que
lhe punha arrepios intermitentes na pele. Que bom se o Zuza estivesse ali
com ela, na mesma rede, corpo a corpo, aquecendo-a com seu calor...
Àquela hora onde estaria ele? Talvez em Arronches...; o, devia ter
chegado a Mondubi... Imaginava-o metido num comprido guarda-pó de
brim pardo, tomando leite fresco na estação, ao lado do presidente, tirando
do bolso da calça um maço de notas de banco, muito amável, rindo...
Depois o trem apitava. Havia um movimento rápido de gente que
embarcava às pressas, e... ia outra vez por aqueles descampados afora,
caminho da serra que se via ao longe, rente com as nuvens, como aquelas
132
cadeias colossais de montanhas onde há gelos eternos e que na geografia
têm o nome de Alpes... (CAMINHA, 1893, p. 28).
A regularização da noção de tempo em relação à nova velocidade
atribuída as atividades de transporte e de comércio de mercadorias, foi materializada
pela figura do relógio presente na fachada do prédio da Estação. O relógio na frente
da estação uniformiza as horas que eram reguladas de acordo com o horário do
trem. O tempo a ser observado é um tempo comum, as relações sociais não podem
mais se pautar a partir dos vários tempos individuais.
Em nossa vida social, é bem cil observar, (...), a relativa autonomia do
“tempo” indicado pelos relógios: sua relativa autonomia como instituição
social e como dimensão de um movimento de caráter físico. Assim como
uma língua pode sua função enquanto é língua comum de todo um
grupo humano, e viria a perdê-la se cada individuo fabricasse para si sua
própria linguagem, os relógios exatamente, podem exercer sua função
quando as figurações cambiantes formada por seus ponteiros veis
portanto, numa palavra “horas” indicadas por eles– são comuns à
totalidade de um grupo humano. Eles perderiam seu papel de instrumentos
de medida do tempo se cada indivíduo confeccionasse para si o seu
próprio “tempo”. (ELIAS, 1998, p. 97).
O relógio é um elemento que se mostra fundamental na composição
arquitetônica da Estação. “Em forma de torre ou inserido na fachada, a presença do
relógio, elemento do mesmo tempo funcional e simbólico, denotava a aplicação
precisa e racional dos horários das ferrovias, que em muitos países foi responsável
pela unificação do horário e pela criação de uma hora oficial”, como confirma Kühl
(1998, p. 59). O relógio em destaque nas imponentes fachadas das estações
simbolizava como afirma Bresciani (1985) a inserção de uma nova temporalidade.
Temporalidade colocada em destaque pelo jornal Pedro II, em sua edição de 6 de
agosto de 1873, por ocasião da inauguração da seção Fortaleza-Arronches, quando
rodou a primeira locomotiva em Fortaleza. “Conceba-se o benefício de uma
comunicação rápida, de um transporte cômodo e barato desde o Porto do Ceará, e
se terá a Via-férrea cearense” (ARARIPE, 1973, p. 269).
Para Correia (2000) a presença do relógio na cena urbana, fosse nas
fachadas das fábricas, estações ferroviárias, igrejas, escolas ou prédios públicos,
representava a tendência da “contaminação das atividades cotidianas pela disciplina
do tempo reinante na produção fabril”. Sua proliferação estava relacionada à gestão
do tempo correlata as sociedades industrializadas cujos novos hábitos de trabalho e
nova disciplina do tempo dividindo-se em tempo consagrado ao trabalho e tempo
133
para atividades relacionadas à reposição das energias buscaram assegurar os
ritmos impostos pela produtividade. Em sincronia com o “tempo” da fábrica estavam
os horários da estação e das demais atividades urbanas. Em evidência, a máquina,
“que preside o novo regime de tempo, informando e alertando os citadinos acerca da
inelutável marcha das horas, converte-se em elemento de valorização estética de
prédios monumentais, competindo com os recursos ornamentais tradicionais”
(CORREIA, 2000, p.23).
Nesse sentido, Whitrow (1993, p. 181) lembra que a ferrovia foi decisiva
para a regulamentação dos horários entre as cidades, principalmente a partir do
momento que ela passou a ser responsável pela entrega das correspondências. O
autor ainda exemplifica que alguns relógios das estações eram adiantados em cinco
minutos para prevenir possíveis atrasos dos passageiros.
A imagem a seguir mostra um momento movimentado. Nota-se na cena
um bonde parado em frente a estação e pessoas dirigindo-se a porta do prédio. A
necessidade de se estar na estação para esperar o trem, de se buscar ou de
esperar encomendas ou correspondências, de ir do centro à Estação em bondes,
por conforto ou necessidade, pressa ou requinte, dentre outras atividades do
cotidiano da estação expressam a sensação de movimento e evidenciam a
transformação da própria temporalidade da cidade.
FIGURA – 23: Foto da Estação com vista diagonal, destacando-se a parada do bonde que já era
elétrico. Fonte: Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
134
Além disso, o elemento regulamentador por excelência, o relógio, bem
como as características da imagem da foto, expressando a sensação de movimento,
trazem consigo a ideia de que novos referenciais de velocidade surgiram no
cotidiano da cidade.
A arquitetura do prédio figurava-se como representante do progresso e
modernidade que caracterizavam a velocidade trazida pelos trens. Compondo essa
arquitetura, estava o relógio, elemento que confirmava a ideia de tempo
regularizando e disciplinando as atividades. Mas, esse relógio, que à noite era
iluminado, expressava em sua representação o progresso como signo de beleza
compondo a fachada da Estação. Essa relação de grandiosidade entre arquitetura e
o relógio, podemos perceber na descrição publicada no jornal Cearense de 10 de
junho de 1880: “A parte central é formada por 4 columnas dóricas sobre pillares que
recebem a archi-trave e o frontão dentro do qual se acha collocado o mostrador do
relógio que é illuminado à noite” (CEARENSE, jun., 1880, p. 1)
O relógio era em Fortaleza o elemento regulador do tempo. Podemos
destacar o relógio da Catedral da Sé, de acordo com João Nogueira (1981):
“Primitivamente, era o elemento regulador da cidade, espécie de coração da aldeia
da pequenina e tranquila Fortaleza” (NOGUEIRA, 1981, p. 65). O relógio foi doado
em 1854 por João da Costa e Silva, segundo Noelia Cunha (1990): “Existia também
um grande relógio, o primeiro chegado a Fortaleza, doado à irmandade de São José
pelo agricultor pacatubano João da Costa e Silva, logo que ficaram prontas as obras
da Matriz” (CUNHA, 1990, p. 344)
Adolfo Caminha em seu romance também faz menção ao relógio da
como o regulador das horas na cidade: “Deram dez horas no relógio da Sé, cujas
badaladas faziam-se ouvir, graves e sonolentas, em todo o âmbito da cidade. Dez
horas! Carvalho & Cia. consultou o relógio. Havia uma pequena diferença de dez
minutos. Safa! o tempo voava!” (CAMINHA, 1893, p.81). Mas, segundo a descrição,
as badaladas eram graves e sonolentas. Essas características manifestam a ideia
de lentidão, de calma o que não retrata de forma alguma a percepção do tempo em
relação ao movimento do trem e seus horários na Estação. “O trem era movimento,
correria, era pressa. João da Mata almoçou às carreiras, como quem vai tomar o
trem, e abalou, enfiando-se no inseparável e velho chapéu-chile (CAMINHA,
1893, p. 22).
135
Partindo da percepção de velocidade e movimento que o trem impõe e do
testemunho de João Nogueira afirmando que o relógio da vivia atrasado. “São
freqüentes as diferenças de 15 minutos, dentro de poucas horas, entre esse relógio
e os outros acertados por ele; e não raramente esses desacordos, atingem
subitamente, meia hora” (NOGUEIRA, 1981, p. 66), podemos afirmar que os
horários dos trens não poderiam ter o relógio da como referência. Portanto,
existiam, em Fortaleza, dois relógios que regulamentavam o tempo, o da Catedral da
Sé, simplesmente marcava as horas, o que dava a população um noção do tempo
de forma despreocupada e o relógio da Estação que regulava o tempo, pois estava
relacionado ao controle geral do tráfego da Estrada de Ferro, para os empregados
da Estação, passageiros e trabalhadores de forma geral, era o relógio a ser
consultado, pois não podia atrasar.
Dessa forma, o relógio da fachada da Estação Central, por muito tempo,
funcionou como o grande regulador das horas na cidade e na Província
indiretamente, já que o horário dos trens das demais estações do Interior tinha como
referência os horários dos trens da Capital. Somente em 1933, com a inauguração
da reforma da Praça do Ferreira, empreendida pelo prefeito Raimundo Girão, que
mandou construir a Coluna da hora com 13 metros de altura e quatro relógios, um
para cada lado da praça, a cidade passa a ter outro ponto da cidade como referência
de tempo.
3.2. Estação, lugar de passagem, espera e partida.
Após observarmos a representação arquitetônica do prédio da Estação,
podemos afirmar que, de fato, a arquitetura se expressou de acordo com a
representatividade, principalmente econômica daqueles que a planejaram e a
construíram. A Estação Ferroviária Central através de sua imponência fincou-se
como marco urbano, e, sua influência arquitetônica se deu de maneira bastante
ampla e diversificada. Como bem observa Cacilda Costa (1994), as estações eram
construídas sob relações de enorme simbolismo. Comumente eram consideradas
136
“salas de visita”, ou mesmo a “porta de entrada das cidades”, “todas as
personalidades ilustres que chegassem a cidade, forçosamente desembarcavam no
seu recinto, sempre tomados por populares curiosos em saber quem chegava ou
partia” (COSTA, 1994, p. 113).
Tomar a Estação como lugar de passagem nos remete diretamente às ideias
que costuram o trabalho. Tratamos da história da Estação, seguindo da implantação
da ferrovia, construção e arquitetura até a concepção de lugar, que não existiria sem
toda a estrutura destacada, mas que se materializa pelas práticas experienciadas no
espaço planejado em consonância com o tempo, seja o da velocidade trazido com o
transporte ferroviário ou a regulação dele através dos horários marcado pelo relógio.
A chegada, a espera e a partida estão carregadas da relação de todas as tramas
que se deram em torno do prédio da Estação.
Na relação ferrovia-cidade, o apito do trem determinando sua partida ou
chegada, revelava todo o simbolismo de modernidade contido naquele espaço de
desenvolvimento socioeconômico e de relacionamento com o novo e o diverso. As
estações ferroviárias constituem-se como símbolos particulares da cidade, sendo
vistas como elementos que introduzem uma relação dialética entre o dentro e o fora
se revelando como ícone de modernidade.
A reprodução da cena da primeira volta da locomotiva a Fortaleza pelo jornal
D. Pedro II, é bastante elucidativa em relação ao simbolismo de chegada e partida
do trem.
Às cinco horas em ponto a locomotiva FORTALEZA fez sinal de partir da
estação provisória e foi geral o alvoroço. O sibilo da máquina como que
pretendendo despertar a todos, que ainda estão surdos aos reclamos da
sua Pátria, sopitou todo o ruído, abafou o som das músicas, que lhe faziam
as honras e atravessou todos aqueles tímpanos, na forma de uma
saudação do dia de hoje ao dia de amanhã, dos pais aos filhos e netos, da
energia dos contemporâneos à prosperidade dos vindouros! uma
eloqüência inexcedível no ruído desse autômato, que a ciência vivifica.
Ouvindo-o, o homem surpreende-se da sua própria obra, ergue os olhos
aos Céus, tocado de reconhecimento ao mesmo tempo confuso e
admirado. (ARARIPE, 1973, p. 270).
A classificação da estação nos diz muito a respeito de toda essa significação
da ferrovia para aqueles que a utilizaram nesse momento. De acordo com Perdonnet
(1856), as estações ferroviárias eram organizadas segundo dois grandes grupos, “as
estações de extremidades terminais” e as “estações intermediárias ou de
passagem”, sendo que as primeiras se situavam nos pontos finais das linhas e as
segundas em pontos intermediários do trajeto. Além da divisão em classes de
137
acordo com a importância e tamanho da localidade. Também se diferenciavam entre
as estações que mesclavam usos de passageiros e mercadorias e as estações
destinadas exclusivamente ao transporte de mercadorias. Mas, era comum às
estações que na distribuição, buscasse separar o máximo possível a circulação de
passageiros, bagagens e mercadorias.
A Estação Central enquadra-se no perfil de estação terminal ou de
extremidade de linha como denominou Perdonnet. Assim podemos afirmar pela
complexidade e quantidade de serviços envolvidos na estação e pela descrição do
que deveria compor basicamente esse tipo de estação:
Além das vias principais da estrada sobre as quais partem e chegam os
trens, vias de serviço para a manobra de locomotivas e para poder guardá-
las, ou os vagões. Essas vias são em maior ou menor número, de acordo
com a maior ou menor atividade e de acordo com a natureza do movimento
da ferrovia; Edifícios contendo os guichês de distribuição de passagem
salas de espera, salas para o depósito de bagagens na partida e na
chegada, e outros acessórios; Edifícios especiais para guardar as
locomotivas e vagões; Reservatórios de águas e gruas hidráulicas para
a alimentação das quinas locomotivas; Nas grandes linhas, sempre
na parte da estação destinada ao serviço de passageiros, edifícios para
serviço de mercadorias expressas, chamadas expedição. (PERDONNET,
1856, p.237, tradução nossa).
A classificação e caracterização do prédio facilitam o entendimento da
Estação como lugar, pois dessa forma podemos perceber como se deu a
apropriação do espaço pelos visitantes e passageiros. De acordo com Certeau
(1999), o lugar se constrói a partir de práticas, da relação do indivíduo e do espaço
que por ele é utilizado de forma habitual. “Esses praticantes jogam com os espaços
que não se vêem; (...) Tudo se passa como uma espécie de cegueira caracterizasse
as práticas organizadoras das cidades.” (CERTEAU, 1999, p. 171).
Partimos do prédio da Estação, o espaço físico constituído por uma
arquitetura que lhe é peculiar, toda uma estrutura intencional que abriga atividades
específicas da função a qual lhe foi destinada, que lhe é precípua. Uma estação
terminal de primeira classe, que concentra o transporte de mercadorias e pessoas à
capital da Província. Para além desse espaço arquitetônico, observamos a
integração deste, as formas de uso e apropriação que foram se caracterizando e se
modificando à medida que os usuários da ferrovia se utilizaram do prédio, como trata
Certeau:
138
Escapando às totalizações imaginárias do olhar, existe uma estranheza do
cotidiano que não vem à superfície, ou cuja superfície é somente um limite
avançado, um limite que se destaca sobre o visível. Neste conjunto, eu
gostaria de destacar práticas estranhas ao espaço “geométrico” ou
“geográfico” das construções visuais, panópticas ou teóricas. Essas
práticas do espaço remetem a uma forma específica de “operações”
(“maneiras de fazer”), a “uma outra espacialidade” (uma experiência
“antropológica”, poética, mítica do espaço) e a uma mobilidade opaca e
cega da cidade habitada. (CERTEAU, 1999, p. 172).
Por ser uma estação terminal, a Estação Central subdividia-se em duas
partes principais, a primeira destinava-se aos serviços de passageiros, aos pátios,
escritórios, sala de espera e bagagem e as plataformas de embarque e
desembarque. Na segunda, situada além das plataformas, estavam localizados os
serviços de carregamento de linha, reservatórios, edifícios especiais para o depósito
de vagões e locomotivas, as oficinas, os armazéns e as demais dependências
reservadas às mercadorias. Essa estrutura fora planejada, tinha uma lógica
particular de funcionamento, mas que se modificava à medida que seu uso se dava
de diferentes formas por pessoas que dinamizavam cotidianamente este espaço.
O ofício de n° 240 da Estrada de ferro de Baturité, datado de 12 de novembro
de 1879, deixa bem claro que o local que fora destinado à Estação Central da
Estrada de Ferro de Baturité era insuficiente no caso da necessidade de extensão
de suas atividades. O mencionado documento trata de forma literal a possível
ampliação do espaço por conta das práticas de circulação no local.
Dois espaços se offerecem a primeira vista para o augmento da estação e
de suas dependências, a praça que lhe fica em frente e o quadro murado
do cemitério velho, com os terrenos invadidos pelas câmaras de areia, ao
monte do mesmo quadro. Julgo que a praça deve ser conservada e
somente aplicada àquele fim em último recurso, resta, portanto, o segundo
espaço apontado, que nenhuma outra servidão pode ter. Assim para
prevenir futuros embaraços ao engrandecimento da Estação Central,
proporcionando-lhe desde campo suficiente para acomodação do
material rodante e de construção que ali já embaraça a circulação e porque
me parece opportuna a ocasião para proceder, sem grande despendio, ao
aterramento e ao nivelamento d’aquele quadro ora inútil.
A circulação que se destaca embaraçada em 1879, caracteriza a relação do
espaço como lugar de práticas e a alteração que estas induziram ao espaço. O
trânsito em frente a Estação, além de caracterizar a passagem e circulação de
pessoas em torno da Estação, demonstra a necessidade de se tomar, à época,
medidas preventivas para se evitar acidentes em uma área de grande circulação. É
139
o que fica claro no ofício 238 da Estrada de Ferro de Baturité de 31 de outubro de
1879.
Estendendo-se a illuminação pública d’esta capital na Rua da Misericórdia,
somente até o ângulo & 0 da cadeia e sendo de reconhecida necessidade
o prosseguimento na citada rua, pela frente da Estação e das novas
officinas, a bem da boa ordem e fiscalização que deve haver naquella área
de grande tranzito e para previnir desastres, accidentes e extravios em
noites escuras, rogo a VExª se digne de ordenar a collocação dos
combustores necessarios à illuminação indispensável na area indicada,
convindo que os pontos em que devem ser assentados os lampeões em
frente a nova Estação, sejam marcados de acordo com o engenheiro
encarregado das respectivas obras.
A frente da Estação como demonstra o referido documento era uma área de
grande circulação, inclusive à noite, daí a necessidade do posicionamento dos
combustores naquela região. Podemos também perceber que a medida não se
limitava apenas a questão da iluminação para facilitar o trânsito daqueles que por ali
passavam, havia também a nítida preocupação com a aparência do local que devia
ser condizente com a importância atribuída ao recinto.
Informando sobre o objeto do incluso officio, cumpre-me declarar a VEª que
entendendo-se Sr gerente da companhia de gaz com o engenheiro
encarregado das obras raras desta estrada, este procurando naturalmente
corresponder ao sentimento esthetico da capital desta Província sugerio a
coveniência de colocar-se em frente ao vestíbulo da nossa estação quatro
combustores speciais em lugar de combustores comuns, sem, todavia
pensar nunca, visto que trata-se de iluminação pública, em sobrecarregar o
orçamento da Estação, onerado com vultosas despesas de
encanamento de gaz no interior. Assim deixo ao arbítrio de VEª a
quantidade dos alludidos combustores. (OFÍCIO 243, 18/11/1879).
A preocupação com o senso estético demonstra que o local de circulação não
precisava somente estar iluminado, mas deveria ser um local belo, com combustores
diferenciados, que dariam ao local uma aparência singular aos olhos daqueles que
por ali transitassem ou mesmo parassem.
Os que chegavam e partiam da Estação o faziam sempre de forma relacionada
aos horários dos trens e ao que estes transportavam. Era muito comum em períodos
de seca o transporte de gêneros alimentícios destinados aos socorros públicos ou
para os próprios funcionaram que trabalhavam na Capital ou no Interior nas
construções das linhas e estruturas da ferrovia. Os trabalhadores e retirantes
estavam quase sempre à espera dos gêneros que eram seu pagamento, que muitas
vezes demoravam ou simplesmente não chegavam no tempo esperado. Por essa
espera e por conta da distribuição, por vezes, acontecia que os retirantes
140
provocavam tumulto e atiravam pedras aos trens. É o que apresenta o ofício
270J, o qual pede a representação de um dos membros da diretoria, da necessidade
de competente providência para repreender os retirantes que por vezes promoviam
algazarra e atiravam pedras aos trens.
Além dos gêneros para os socorros públicos, chegavam diariamente à Estação
retirantes fugidos da seca e estes se demoravam alguns dias na Estação enquanto
encontravam abrigos, neste caso o edifício da Estação acomodava os retirantes
como demonstra outro ofício de 28 de fevereiro de 1878 do Presidente da Província
Paulino Borges.
Para accudir a necessidades dos retirantes que chegão diariamente pelos
trens da via-ferrea e demorão-se alguns dias no edifício da estação central,
emquanto não encontrão (...) e abrigo nas (...) rogo a VEª de mandar
fornecer para a Estação Central como foi estabelecido pelo antecesor de
VExª os seguintes gêneros para socorrer a aquelles infelises. 30 saccas de
farinha, 8 fardos de carne, 4 barricas de bacalháo, 8 saccas de arroz (...)
FIGURA 24: Fotos das locomotivas 102 e 511 e do vagão 687, que funcionavam com trabalhos
exclusivos da Inspetoria de Federal de Obras contra as Seccas.
Fonte: Arquivo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
A subseção de Arronches (Parangaba) foi aberta ao tráfego em 14 de setembro
de 1873. De acordo com Memoria (1923) a subseção era considerada linha de zona
suburbana e fazia o percurso Arronches- Maracanaú com parada intermediária no
Mondubim. Na finalização da linha as paradas do Chico Manuel e Amaral eram as
mais movimentadas e próximas da Estação na altura sul da Praça da Lagoinha.
141
O percurso da linha da subseção Central-Arronches, segundo Memória (1923)
se dava em 20 minutos na ida e o mesmo tempo para a volta, e a partir do dia de
dezembro do referido ano, o horário de saída dos trens se daria em número de
cinco: um pela manhã, às 7 horas; à tarde, um às 5 e outro às 6 horas; e à noite, um
às 7 horas e 30 minutos e outro às 8 horas. Os horários de volta de Arronches a
Estação Central também se davam em cinco saídas de trens: a primeira pela
manhã, às 7 horas e 30 minutos; à tarde, uma às 5 e outra às 6; e à noite, um trem
às 8 horas e outro às 9 horas.
Partindo das informações dos horários de trens nesta linha comum cotidiana da
Estação verificamos que havia um grande movimento todos os dias da Central até
Arronches, caso esse movimento realmente não existisse não seria necessário a
implementação da saída diária de trens em cinco horários por dia. O ofício 544,
de dezembro de 1882, nos vem confirmar o grande fluxo a partir da parada do Chico
Manuel, quando , o engenheiro da Estação, Lassance Cunha, vem pedir
providências ao Presidente da Província, por conta da grande aglomeração de
“gente do povo”, que envie seis praças para o momento da chegada dos trens.
A análise do quadro de pessoal de 1875, transcrito por Memoria (1923), nos
remete, a partir do número de seus empregados e suas funções, a uma visão do que
seria o ambiente da Estação em funcionamento. O que fica bem mais nítido ao
compararmos com o mesmo quadro de funcionários da Estação de Arronches que
era bem mais simples.
NOMES EMPREGADOS
DIREÇÂO GERAL
José Privat Engenheiro Chefe
Antonio Leal de Miranda Escripturario
CONTABILIDADE E CAIXA
João da Costa Weyne Guarda-livros
João Eustachio Vieira Escripturario
CONSTRUÇÃO (TURMA DOS INSTRUMENTOS)
Manuel de Freitas Ramos Feitor
4 serventes
TRAFEGO
John James Foster Inspetor Geral
Francisco Candido Pereira Lins Chefe da Estação da Capital
Augusto José de Sousa Almoxarife
2 serventes (agulheiros)
8 serventes (40$000)
6 serventes (1$200)
Coriolano Sousa de Leão Feitor de 1ª
6 serventes
Ladislau Sarmento Feitor de 2ª
6 serventes
TURMAS VOLANTES
142
OFFICINAS
Francisco H Erich Ferreiro fundidor
Francisco Carlos da Silva Ferreiro
José Soares Malhador
Carlos Affonso Bernay Ajuntador
2 serventes
Demetrioi Pereira da Silva Mestre carpinteiro
Felippe Sebastião Carpinteiro
Raymundo Diógenes Carpinteiro
Antonio Gomes Carpinteiro
João Fagundes Carpinteiro
José Francisco da Silva Carpinteiro
Francisco Gomes dos Santos Carpinteiro
José Luiz Gonçalves da Justa Chefe da Estação de Arronches
1 servente (agulheiro
40
)
Nelson Brigido dos Santos Chefe da Estação de Modubim
1 servente (agulheiro)
Joaquim Lopes dos Santos Júnior Chefe da Estação de Maracanahú
2 serventes (agulheiros) 40$000
3 serventes (agulheiros) 45$ e 40$
Eloy João Alves Ribeiro Chefe de trem
Domingos Lins Brito de Vasconcellos Condutor de trem
2 Guarda freios
CONSERVAÇÃO DA LINHA
Ernesto Mary Condutor Geral
Albino Rodrigues Mestre de linha
Pedro Borges Feitor de 1ª turma
6 serventes
Silvano Sabino Feitor de 3ª turma
6 serventes
Juvenal Garcia Feitor de 4ª turma
Joaquim Pereira Carpinteiro
Antonio Francisco Pereira Modelador
TRACÇÃO
José da rocha Silva Machinista
Mileno Amâncio de Lima Machinista
Henrique Pedro da Silva Foguista
41
Joaquim Ferreira Lima Foguista
Bonifácio José da silva Accendedor e vigia
FIGURA – 25: Relação do Pessoal em primeiro de Janeiro de 1815. Fonte: Octavio Memória (1923).
QUADRO E TABELLA DE VENCIMENTOS SUB-SECÇÃO CENTRAL-ARRONCHES
1 Engenheiro 250$000
1 1° machinista 200$000
1 2° dito 150$000
1 chefe de Estação da Capital 45$090
1chefe de Estação d’ Arronches 45$000
2 foguistas a 60$000 120$000
2 guarda freios a 50$000 100$000
1 chefe de trem 45$000
2 guardas da Estação a 50$000 100$000
1 dito dos armazéns da estação da Capital 45$000
9 trabalhadores de trafego a 40$000 360$000
1 condutor de conservação 120$000
40
Empregado que faz o serviço das agulhas (sitema de trilhos móveis para facilitar, nas linhas férreas a
passagem dos trens de uma via para outra) nos caminhos de ferro.
41
Encarregado das fornalhas nas locomotivas a vapor.
143
8 operários de conservação a 40$000 320$000
4 agulheiros a 45$000 180$000
1 mestre ferreiro 150$000
1 malhador 50$000
FIGURA – 26: Tabela de Funcionários da Estação de Arronches. Fonte: Octavio Memória (1923).
Observando o quadro de funcionários da Estação Central, na linha de
trafego podemos contar como serventes 28 encarregados, um inspetor geral e
dois feitores que são auxiliados por mais três feitores que estão na conservação da
linha. Para uma Estação denominada de classe, o efetivo de funcionários era
condizente com a classificação, mas, para uma recém inaugurada Estação e que
estruturalmente ainda estava em construção, podemos observar um quantitativo
significante de funcionários, o que demonstra um bom fluxo de movimento neste
espaço e suas dependências. Em comparação com uma pequena Estação que é a
de Arronches somente na seção de tráfego, a Estação central possui 33
encarregados, aproximadamente o total de funcionários que possui Arronches que
conta com apenas 37 empregados.
Além do quadro de funcionários que nos remete ao movimento da
Estação, nos utilizamos também da publicação do jornal Cearense, de 07 de
fevereiro de 1879, de um relatório de tráfego da Estação Central. É perceptível que,
mesmo num período de secas, o movimento da ferrovia era bastante considerável.
A despeito das immensas difficuldades que se accumularam, o serviço do
tráfego não sofreu a menor interrupção, devido incontestavelmente a sua
boa direcção. (...) Felizmente, não obstante os males innumeros que
assoberbam esta província, cuja energia e vitalidade admiram tanto, quanto
assombram seus desastres, a secca, a estagnação de todas as fontes de
producção, a falta absoluta de colheitas, a repressão de transito, pela
devastação honrosa da peste, e ainda a perda extraordinária de mais de
30% que nos últimos dous mezes soffreu o trafego em seus empregados e
operários, precioso pela necessidade de tirocínio do serviço, que lhe
incumbe pela conseqüente differença de substituição; não obstante tudo
isto, repito, não tenho hoje mais do mencionar a continuação dos
resultados favoráveis, exhibidos em meu último relatório de 1° de outubro
do anno findo. (CEARENSE, 07 fev., 1879, p. 02)
O levantamento publicado na imprensa em 1879 demonstra que, mesmo com
as dificuldades enfrentadas pela Província, a Estação continuava com seu
funcionamento normal e nos mostra, a partir do movimento de trens de setembro a
dezembro do ano de 1878, que de todo o transporte feito pela ferrovia os gastos por
144
conta do Governo são bem significativos, sendo 15,5% com passagens de 1ª classe,
37,67% com passagens de classe, 23% com bagagens e 16,6% com transporte
de animais.
Além da publicação do jornal Cearense citada acima, outro indicativo das idas e
vindas de passageiros pela Estação Central está no Arquivo Público. Centenas de
ofícios tratam da cessão de passagens, por conta do Estado, a funcionários,
autoridades e seus familiares, assim como a condução e escolta de presos do
Interior e/ou para o Interior do Estado, desde que fosse conveniente. Agrupando
documentos de 1882 a 1915, as viagens pagas pelo Estado a essas autoridades e
seus familiares são inúmeras. Muitas delas são viagens apenas de ida, o que pode
significar talvez a mudança de domicílio de alguns funcionários do Estado, até
porque quando se tratava de passagens de ida e volta a requisição do chefe da
Estação ao Presidente da Província para tal autorização era bem clara. Assim, o
direito de transporte de bagagens, se fosse necessário, deveria vir expresso na
requisição, caso contrário, as despesas para o transporte destas, corriam por conta
não dos cofres públicos, mas do passageiro que pagaria em separado. Todas as
colocações aqui, estão de acordo com a regulamentação proferida pelo Presidente
da Província em 1887, em 11 artigos, os quais regulamentam as passagens de trem
de ferro por conta da Província. O documento também se encontra no Arquivo
Público e, por ser um original de 1887, está em estado bastante delicado não nos
sendo possível tratar de todas as regras, mas somente aquelas que nos deram
indícios da movimentação na Estação.
A quantificação da documentação não foi feita por entendermos que não era
necessária, pois o objetivo não era verificar a frequência com que as viagens eram
feitas na Estação, mas sim, observar o intuito dessas viagens. Se a Estação era
somente um espaço utilizado para o simples transporte ou era também um espaço
onde se davam práticas de sociabilidade e convivência.
Do levantamento, foi verificado que as passagens cedidas pelo Estado eram
em sua quase que totalidade de classe, pois não havia carros de classe. Os
presos escoltados viajavam na 2ª classe, já que os soldados precisavam estar
sempre com eles. As requisições para carros de classe acontecem com certa
frequência. Geralmente são para os capitães do Batalhão de Segurança, mas estas
passagens são requisitadas em maior número para as esposas de autoridades do
145
Batalhão de Segurança ou, simplesmente, não há nenhuma informação que possa
identificar quem seria a autoridade cuja esposa ou mãe recebia a passagem.
As Estações mais requisitadas em todos os documentos são Quixeramobim,
Maranguape, Quixadá, Guaiúba e Humaytá, talvez porque nem todos os
documentos tenham sido conservados, mas os que foram analisados nos dão
bastante informações sobre as chegadas e partidas da Estação.
As viagens com escolta de criminosos foram verificadas e recorrentes somente
da Central para a Estação de Maranguape e também para Quixadá, se tratava de
requisição de passagens de 2ª classe somente de ida para dois guardas (que
podiam ser cabos ou praças) e o criminoso e em todas as ocorrências de escolta
não havia previsão de bagagem. As requisições determinavam a quantidade de
passagens e se seriam de ou classe, determinavam a autoridade pelo cargo e
pelo nome, a grande maioria eram sargentos ou soldados do Batalhão de Segurança
da Capital ou da própria estação de destino, mas não era explicitado o porquê das
viagens.
A Estação de Humaytá foi a Estação que mais recebeu passagens a saídas da
Estação Central de Fortaleza, para as esposas, mães e filhos de autoridades, quase
sempre em grande número, e muitas vezes sem sequer apresentar identificação.
Uma dessas requisições chamou atenção pelo fato de ser uma passagem de
classe e ao mesmo tempo uma reserva para a 2ª classe, na qual ia uma responsável
pela bagagem da passageira.
Secretaria de Justiça do Estado do Ceará em 08 de junho de 1901,
Secção, Ilmo Sr Agente da Estação Central da Estrada de Ferro de
Baturité. Requisito uma passagem de classe dessa Estação a de
Humaytá, para a D Rosa Jardim de Abreu mulher do Alferes do Batalhão
de Segurança João Baptista de Abreu; bem assim a de classe até a
referida estação para Maria Amélia com direito ao transporte das
respectivas bagagens. Correndo as despesas por conta do Estado.
Secretaria da Justiça, Desembargador (...). (Requisição 08/06/1901)
As irmãs de sargentos também eram agraciadas com passagens de classe
de ida e volta para outras estações da Província. Assim, como havia solicitação para
toda a família de soldados, e até mesmo cidadãos sem identificação, alguns
documentos registravam as passagens para irmãs, esposa e filhos determinando a
idade das crianças, mas não sabemos de que autoridade se tratava. O certo é que,
essas pessoas se utilizavam do espaço da Estação e dos seus trens à custa do
146
Estado e se estavam em família, de alguma forma principalmente naquelas que iam
a esposa, a mãe e as crianças, a viagem acabava como um passeio.
Em contraste aos registros de viagens custeados pelo Governo, se faz de
suma importância, para observamos mais sobre os passageiros que passavam pela
Estação Central, a reclamação que se refere aos altos preços das passagens o que
inviabilizava aqueles mais desprovidos à possibilidade de transportar-se nos trens.
As passagens estão por um preço exorbitante, impossível para o pobre,
sobretudo por não haver 3ª classe: até o commercio está impossibilitado de
servi-se da estrada para o transporte de seus gêneros e mercadorias, por
quanto um volume que pagava 240 réis foi elevado para 600 réis, e assim
em proporção. De Maranguape e Pacatuba se está transportando em
carros communs e costas de cavallos, por que segundo a nova tabella é
impossível fazer face as despezas. (ECHO DO POVO, 1879, p. 3).
Analisando a reportagem do jornal Echo do Povo de 09 de junho de 1879
observamos a descrição da Estação como espaço coercitivo, disciplinado, onde
um devido tratamento para os engenheiros responsáveis diretos pela Estação,
sendo que aqueles que estavam no espaço da estação deveriam se portar de tal
maneira, demonstrando a hierarquia entre funcionários e de certo até mesmo com
passageiros.
Cada engenheiro é um suzerano da linha, que trata o publico
especialmente os trabalhadores e empregados como escravos, sendo
obrigados alevantarem-se quando passam, chapéos nas mãos, e olhos
cravados no chão em sinal de obediência absoluta; e notadamente um
certo Sr. Amarílio que se tem tornado celebre por suas insolências, até com
os passageiros respeitáveis, em seus dias de mau humor. (ECHO DO
POVO, 1879, p.3).
Também pelos trens chegavam a Fortaleza, fugindo do Interior, os retirantes
em tempos de seca, estes, como foi observado em linhas anteriores, ficavam
alguns dias na Estação até que conseguissem abrigo e ocupavam os corredores da
Estação durante o dia, e os armazéns à noite. Podemos pensar o olhar desse
retirante pelas plataformas da Estação ao barulho das chegadas e partidas das
locomotivas com seus apitos e fumaça, a esperança do fim da seca e a chegada do
abrigo, tudo isso diante da modernidade e velocidade representadas por aquele
espaço.
O vai e vem do trem faz a ligação das demais localidades que confluem para
as estações, espaço dos encontros, das vendas, das entregas. Eduardo Campos
147
(1982) destaca de forma bem poética os significados dessas práticas no espaço das
estações.
É alegre e espontâneo o trabalho daqueles que fazem o expediente não
remunerado das madrugadas, ferroviários “honoris causa”, mestras e
mestres de guloseimas especiais, e donas de tabuleiros, ou simplesmente
vendedores ambulantes, gente que acode às estações para comprovar que
existe realmente uma deliciosa cozinha popular. Assim se tem amendoim
cru ou torrado em Modubim; pão-de- em Maracanaú; banana seca em
Pacatuba; uvas, em Baturité, doce de leite e arroz doce, em Reriutaba. Daí
por diante, porque um trem não é simplesmente um trem. È toda a
envolvência de estilos de vida, de sobrevivência, de trocas de
conhecimentos; estabelecimento de novos hábitos e costumes. (CAMPOS,
1982, p. 08).
A Estação Central era um lugar de passagem, que conectava dois espaços
de tráfego: o espaço da cidade com o da ferrovia, interiores de todo o Estado. Uma
parte neoclássica e suntuosa de um edifício, um lugar físico, remetendo-se à ideia
de cidade, lugar que vai se transformando em espaço de vivências, socialização,
práticas. Basta ao passageiro sentar e esperar alguns minutos o horário do trem,
que este ao chegar anunciava com o silvo de seu apito o que e quem havia
chegado, trazendo as notícias de longe.
3.3. Na Estação: os usos do espaço.
Todo lugar tem uma dinâmica espacial e social que lhe é característico,
seus ocupantes e a forma como estes a fazem, atribuem ao lugar aspectos
peculiares de espaço social. Através da tipologia arquitetônica e dos usos atribuídos
a eles além das experiências individuais e ou coletivas vivenciadas nele, podemos
interpretá-lo e representá-lo.
Os vários usos do espaço demonstram como ele é utilizado e que nem
sempre o planejamento original para qual se destinava a projeção do lugar é seguido
a risca. Para além do planejamento arquitetônico as experiências vividas modificam
o espaço. Os prédios são objetos sociais, e como tais estão carregados de valores
e sentidos próprios de cada sociedade.
148
Ao estudarmos a Estação como espaço, se faz necessário entendermos
que o prédio não deve ser somente identificado como um lugar de viajantes, mas um
espaço de articulação de inúmeras atividades que se desenvolvem em determinados
locais da estrutura do prédio, estes que são ocupados de acordo com suas funções,
manutenção do material e transporte, oficinas, armazéns de estocagens, salas da
administração, nos quais se inserem atores que transformam e significam o espaço.
A Estação antes de ser um abrigo para aqueles que chegam ou partem
dela, é uma estrutura que envolve técnicas e práticas sociais voltadas para a
organização do espaço, as atividades, as relações e o tempo de seus trabalhadores,
usuários, passageiros e passantes. Portanto, a Estação expressa em sua ordem
espacial formas de gestão do tempo, despendido nas atividades que têm lugar nos
seus interiores e que legitimam aquele espaço.
Ao caracterizarmos a Estação Central a partir de sua tipologia,
observamos que seus aspectos funcionais e sua dimensão estavam de acordo com
a importância econômica do local onde ela foi implantada. Fortaleza era a Capital, e
neste momento, com o desenvolvimento comercial, a cidade crescia e tornava-se o
núcleo hegemônico das atividades de maior importância da Província. Por ser do
tipo terminal, a Estação enquadrava-se como de grande porte e de 1ª classe.
Possuía a plataforma coberta de embarque e desembarque de passageiros e
mercadorias, localizada paralelamente e junto à via - férrea, elevada com relação ao
nível do terreno e de forma que permitisse o perfeito embarque e desembarque,
compartimentos para a administração, bilheterias, oficinas, armazéns, casa de
locomoção, galpões para material rodante. Cada espaço remete a especialização
das atividades e a disciplina desses.
Utilizando-se da imagem podemos observar como se davam os usos do
armazém e seu entorno. A seguir destacamos um momento de bastante movimento
na rua lateral direita do Prédio da estação, a movimentação caracteriza-se por um
momento de carga e descarga de diversos produtos pelo portão lateral dos
armazéns da Estação, pela Rua General Sampaio ao lado da Cadeia Pública. A
fotografia não tem data certa, mas observando as características, podemos perceber
que a iluminação ainda é de combustores a gás, pela presença do combustor bem
no canto do jardim do prédio pela Rua da Misericórdia e outro ao final da Rua
General Sampaio em direção à praia. Além dos combustores, é de nítida
identificação os postes condutores de energia dos bondes, o que nos leva a crer que
149
a foto data de pelo menos 1912, data que correm os primeiros bondes elétricos pela
cidade. As carroças carregadas demonstram que da Estação para outras áreas da
cidade ainda era comum a tração animal, até por que nem todos podiam pagar pelo
transporte de mercadorias em vagões de carga. Estamos diante de um momento
bem movimentado no entorno da Estação, pessoas transitam carregando
mercadorias, outras estão sentadas sobre os pacotes, a espera e verifica-se a
presença de crianças e mulheres conversando. É possível perceber, pessoas bem
vestidas e que o uso do chapéu é bastante comum. A apropriação da rua se dá de
forma bem peculiar, já que ela está ocupada não para fluir o trânsito, mas como local
de carga e descarga do armazém da Estação.
FIGURA – 27: Foto da lateral da Estação Central, vista do portão lateral do armazém, as setas verdes
indicam as pessoas sentadas sobre as mercadorias; as setas rosa, as mulheres; as setas vermelhas,
algumas crianças; as setas amarelas, os dois combustores, a azul, os postes de energia elétrica dos
bondes e a marrom aponta o mar. Fonte: Acervo pessoal do professor Assis Lima, cedida
gentilmente.
A utilização dos espaços especializados também caracteriza um aspecto
que deve ser ressaltado, a fotografia (Fig. 28) a seguir também não tem data certa,
mas segundo informações prestadas pelo cedente da mesma, a data provável é do
150
final do século XIX, ao que nos apresenta, trata-se da folha de um álbum da própria
Estrada de Ferro de Baturité, e se trata da oficina de reparação da Estação Central
que fora inaugurada em 1879. Apesar de não podermos afirmar com certeza que se
trata de uma foto encomendada, para o referido álbum, a arrumação dos
funcionários na foto nos aponta para uma provável pose estratégica para a mesma.
A imagem mostra cada um dos empregados efetuando sua atividade, as peças de
ferro estão dispostas de forma que podemos bem observá-las, a presença do ferro é
uma constante da fotografia e mais uma vez podemos perceber o uso do chapéu
pelos funcionários. Ao fundo da foto a caldeira, a frente um empregado com um
martelo de ferro e a peça trabalhada de ferro fundido, em destaque, chama a
atenção na imagem.
As fotos seguintes retratam ambientes de trabalho, mas os usos desses
espaços não se modificam em razão do lugar, as sociabilidades neles se o
através da relação dos comportamentos cotidianos entre pessoas comuns e suas
sociabilidades, o que se difere nestes lugares, o as ações atribuídas às funções
de acordo com a especificidade do trabalho. O uso do espaço, seja para o lazer, ou
para o trabalho, não se diferenciam, o um fazer comum, que se dão a partir das
sociabilidades.
Deste ponto de vista, o corte não passa agora entre o trabalho e os lazeres
Essas duas regiões de atividades se homogenizam. Elas se repetem e se
reforçam uma à outra. Nos locais de trabalho se vão difundindo as técnicas
culturais que camuflam a reprodução econômica sob ficção de surpresa (o
“happening”), de verdade (“a informação) ou de comunicação (“ a
animação”). Reciprocamente, a produção cultural oferece um campo de
expansão para as operações racionais que permitem gerir o trabalho
mediante a divisão (uma análise), mapeando-o (uma síntese)
massificando-o (generalização). Outra distinção se impõe, além daquela
que distribui os comportamentos segundo o seu lugar (de trabalho ou de
lazer) e os qualifica então pelo fato de se colocarem nesta ou naquela casa
do tabuleiro social no escritório, na oficina ou no cinema. Existem
diferenças de outro tipo. Elas se referem às modalidades da ação e às
formalidades das práticas. Atravessam as fronteiras que permitem as
classificações do trabalho ou de lazer. (CERTEAU, 1999, p. 92-93).
As oficinas, armazéns e demais edifícios especializados da Estação eram
espaços de disciplina, os trabalhadores obedeciam a uma rígida hierarquia em
relação ao engenheiro chefe, a quem deviam cumprimentar quando passassem
levantando os chapéus e baixando a vista em sinal de respeito.
Esses espaços caracterizados pelas suas funcionalidades, caracterizam-
se por ser um espaço “que não pode ser conhecido a não ser por uma experiência
151
direta, é o protagonista do fato arquitetônico” (ZEVI, 2009,p. 18). São as vivências
dentro dos espaços que caracterizam seus usos e não tão somente o planejamento
da arquitetura.
FIGURA – 28: Fotografia da oficina de reparação, a seta laranja indica a peça de ferro fundido
trabalhado, a azul, o funcionário com o martelo, e as verdes, indica os empregados de chapéu. Fonte:
Acervo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
A próxima foto (Fig. 29), que parece ter sido retirada do mesmo álbum,
mostra a imagem de frente da oficina de serraria da Estação Central, mais visível
que a anterior, deixa transparecer a organização dos empregados, numa arrumação
frontal como se realmente estivessem posando propositalmente para o flagrante,
como se trata de uma serraria, a presença do ferro é bem menos característica.
152
FIGURA – 29: Vista da serraria, foto do final do século XIX. As setas laranja apontam para os
empregados que usam chapéu. Fonte: Acervo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
Fechando a mostra de fotografias que ilustram o ambiente das oficinas, a
figura 30, destaca uma visão geral das oficinas, aqui os funcionários estão
localizados no lado direito da oficina que é de manutenção das locomotivas,
observamos a presença do ferro como elemento em destaque e podemos ter a
mesma percepção que tivemos das duas anteriores, ao observarmos que se trata da
folha de um álbum. O que pode nos indicar fotografias tiradas com o propósito de
retratar as oficinas na posteridade. Os empregados ao fundo também trabalham de
chapéu.
153
FIGURA 30: Vista geral das oficinas, foto do final do século XIX. As setas laranja apontam para os
empregados que usam chapéu. Fonte: Acervo pessoal do professor Assis Lima, cedida gentilmente.
Certeau (1999) afirma que as pessoas se apropriam dos mais variados
espaços de circulação, inventando maneiras de fazer e de estar nestes ‘lugares’. O
prédio Estação é o lugar destinado às atividades de embarque e desembarque de
mercadorias e passageiros, além dessa finalidade, desenvolvem-se na Estação,
atividades administrativas, gerenciais, que possibilitam o seu funcionamento. Mas as
relações cotidianas, as práticas e sociabilidades naquele local, fazem surgir outras
formas de uso. A Estação Central era o ponto terminal da Estrada de Ferro de
Baturité. Era a Estação que concentrava todo o fluxo transporte da Província, pois o
Porto localizava-se em Fortaleza. Essa centralização destacava a Estação Central
como referência em relação as demais estações do Estado, que na sua maioria,
eram intermediárias. Dessa forma, ações que relacionavam as demais estações
ocorriam na Estação Central. Podemos demonstrar a utilização do espaço do prédio
para uma prática que o era específica das estações e que foi publicado no jornal
154
Cearense de 1879: “No dia 26 do corrente, às 11 horas da manhã, terá lugar na
Estação central a arrematação de mercadorias e objetctos abandonados nas
estações” (CEARENSE, 22 mai., 1879. p.2).
Aqui temos a utilização da Estação Central, para um leilão de objetos
deixados nas estações e que não foram resgatados por seus donos, trata-se de uma
experiência, que, de algum modo aglomeraria pessoas que chegariam até ali, não
como passageiro, mas para participar da arrematação ou mesmo por curiosidade.
O relatório dos engenheiros Amarílio de Vasconcellos e Henrique Foglare,
denominado O prolongamento da Estrada de Baturité e os açudes na Província do
Ceará, destacam outro fim para as estações que não só os transportes.
De facto seria um absurdo suppor, que cada morador do sertão possuísse
bom senso e previsão para precaver-se contra eventualidades, prováveis
sim, mas indeterminadas quanto a sua ephoca. Muitos não o farão e muitos
não o poderam fazer, por se acharem longe da estrada ou nas províncias
visinhas. Para estes servirão as estações da estrada. Como tantos pontos
de reunião, onde com mais facilidade poderão prover suas nessecidades,
demandando a Capital e os grandes centros, que por essa rasão não se
constituirão mais nunca, como se succedeu a ultima secca. O receptáculo
de uma grande massa de emigrantes, tão prejudicial á salubridade quanto
á ordem publica. (VASCONCELLOS, 1881, p. 7).
Nos vários documentos utilizados podemos constatar que o espaço da
Estação estava diretamente relacionado aos retirantes que fugiam das secas no
interior da Província. O relatório de 28 de fevereiro de 1878, já destacado
anteriormente, do Presidente da Província Paulino Borges afirmava que os
flagelados fugidos da seca que assolava o Interior chegavam a Estação e nela
ficavam abrigados até encontrarem para onde ir.
Além dos retirantes que chegavam a Estação fugidos da seca, nela
encontravam-se também os retirantes que estavam ocupados dos trabalhos de
construção do prédio e dos ramais de seção de linhas. Os alimentos para os
imigrantes eram transportados pela Estrada de Ferro e também eram armazenados
nas dependências da Estação, como mostra a Diretoria Geral do tráfego da Via-
férrea de Baturité em resposta ao despacho da requisição do Presidente de
Província.
Cumprindo-me asseverar a VExª não se acham armazenados na Estação
Central, gêneros destinados ou para Pacatuba, ou para Baturité, deve, no
entanto seintificar a VExª que o número de volumes alimentícios que
actualmente se achão depositados atualmente nesta estação são os
seguintes com o destino indicado. Maranguape, 200 saccas de farinha,
155
Pavuna, Monguba, 50 fardos de carne. Estes gêneros fazem parte de uma
remessa que foi hoje entregue a estação central e que não pode seguir
toda por falta de espaço nos vagões de carga. (PRIVAT, 10/01/1878, p. 2).
Outra atividade que se destaca aqui como uso do espaço da Estação
Central diferente da lógica dos transportes, é a parada para um café. Em 1898, foi
inaugurado nas dependências da Estação Central, um café, local que pode ser visto
como lugar de lazer e distração. Transcrevendo a reportagem do jornal A República,
observamos a inauguração do Café é Baturité na Estação Central da Estrada de
Ferro de Baturité, localizada em Fortaleza.
Cá é Baturité, com esta denominação, acha-se aberto ao público, um
modesto Café, na Estação Central da E. de Ferro de Baturité, no salão
onde funcionou a pagadoria e thesouraria da mesma. O proprietário bem
conhecido neste ramo de negocio o poupa sacrifício para bem servir
aquelles que lhe honrarem com sua freguesia. Outro sim, pode ser
procurado ali para tratar de negocios concernentes a olaria a vapor S:
Amarom de sua propriedade, em Modubim. Contrata fornecimento de toda
sorte de materiaes de construção qualquer que seja a quantidade. Ceará
22-10-1898. José Brasil de Mattos. (A REPÚBLICA, 17 nov., 1898).
O anúncio deixa bem claro que no espaço do café, também os interessados
em negócios com materiais de construção podem tratar diretamente no Café. O que
se destaca para além dos serviços Café, na Estação, são as relações comerciais
que também aconteciam.
Os locais de venda e consumo de café possuem características específicas
relacionadas às sociabilidades neles presentes. São espaços de encontros,
discussões, lazer, negócios, de espera.
Em Fortaleza existiam vários cafés, eram pontos de encontro, considerados
locais de prestígio, onde se dava o intercâmbio de amizades, trocas de ideias e uma
boa prosa. De acordo com Raimundo Girão (1979), constituíam-se como pontos de
reuniões da gente fina e de intensa movimentação intelectual, era uma atividade
social tão intensa que o autor denomina a atividade social como “irreparável vício da
vida de Café” (Girão, 1979, p.199).
A abertura de outros Cafés e de algumas livrarias proporcionou, bem se
compreende, a formação de pequenos blocos de habitués intelectuais,
boêmios, caixeiros, políticos, estudantes que se compraziam, matando o
tempo, em bate papo, sem hora marcada, nem ordens-do-dia prefixadas.
(GIRÂO, 1979, p. 185).
156
O período de abertura desses novos Cafés que destaca Raimundo Girão é
exatamente a partir de 1898, momento de inauguração do Ca é Baturité, o Café da
Estação. O espaço reservado ao Café na Estação figurava-se como esse lugar de
encontros intelectuais de reunião, conforme o que conceituamos nos parágrafos
anteriores, mas era também um lugar de lazer intermediário, já que a grande maioria
das pessoas que ali passavam devia estar com alguma pressa ou porque estavam
desembarcando na Estação e queriam seguir para casa ou porque estavam a
espera do trem para que pudessem partir.
O Café como um lugar peculiar de sociabilidades nos aponta para mais
um uso da Estação de forma a nos deixar bem claro que se tratava de um espaço
comum, que anunciava a presença de equipamentos e práticas associadas ao
progresso. Dessa forma a Estação era de fato um templo da modernidade, pois seus
espaços se multiplicavam pela criação de serviços diversos, utilizados por indivíduos
de toda a Província, de modo que para além de suas funções inerentes ao serviço
de transportes, ela desempenhava uma função social, servindo de ponto de
encontro da população, atenta aos viajantes, mercadorias e até as notícias que
chegavam de um ponto a outro da Província.
157
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o princípio, esta pesquisa objetivou tecer a história da Estação. A
grande questão era saber se partiríamos do Prédio e de sua arquitetura, ou da
chegada da ferrovia, mas à medida que as fontes foram se revelando, percebemos
que o objeto de estudo suscitava estratégias de análise plurais. Dessa forma, se
tornou difícil partir de um de um questionamento, que para tratar da Estação
teríamos que abordar várias questões para entendermos como o Prédio da Estação
havia se tornado, naquele momento, a materialização da relação ferrovia e cidade.
O Estudo da Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité em
Fortaleza nos permitiu constatar alguns aspectos relevantes acerca da implantação
da ferrovia e sua relação com a cidade. O primeiro deles diz respeito à chegada da
ferrovia no Ceará. Constatamos que Fortaleza foi a sede para a instalação da
Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité, pois era a Capital em pleno
desenvolvimento econômico a partir das atividades comerciais agroexportadoras
para a exportação e importação de produtos industrializados vindos da Europa.
Buscou-se dentro de uma perspectiva histórica os fatores para o desenvolvimento
da cidade. Verificamos que a atividade econômica comercial fomentada pelos
investimentos estrangeiros, principalmente franceses e ingleses, exerceu impacto
determinante para que Fortaleza se destacasse como núcleo hegemônico da
Província e concentrasse o transporte de produtos, como algodão e café.
Fortaleza se colocou como centro irradiador do comércio. Foi necessária a
implantação da ferrovia, como elemento facilitador do transporte de mercadorias,
que até então era lento e precário feito em animais e estradas carroçais. O
assentamento dos trilhos trouxe a velocidade que representava o progresso e a
modernidade. Todas essas ideias eram constantes nos jornais de circulação da
época, assim como nos relatórios de Presidentes de Província, o que nos permitiu
tais conclusões.
Outro aspecto importante refere-se ao local da construção do prédio,
embora a cidade de Fortaleza apresentasse, no momento da instalação do
complexo ferroviário, um traçado urbano consolidado, a sua localização já estava
prevista pelo menos 10 anos antes, desde 1863, como pudemos observar a
158
demarcação do espaço com a referência “largo da manobra”, na planta do mesmo
ano do engenheiro Adolpho Herbster. Observamos também nas obras dos
memorialistas as várias tentativas de implantação da ferrovia na Província. Dessa
forma, verificamos que, a chegada da ferrovia e de sua estrutura de funcionamento
foi prevista e planejada.
Também foi possível constatar o estilo arquitetônico utilizado na
construção da Estação e seus significados para o contexto histórico, econômico e
social da época. O estilo neoclássico, quase que predominante na arquitetura das
estações do final do século XIX, caracterizado pela beleza, grandiosidade e
racionalidade, foi tomado como o estilo ideal para constituir a Estação Central, que
precisava ser monumental e bela, representando o progresso e a modernidade
trazidos pelo desenvolvimento comercial e pela velocidade do trem e funcional,
internamente, de forma a facilitar os transportes de cargas, mercadorias e pessoas
com maior rapidez.
Entre os anos de 1877 e 1879, a Província passou por momentos difíceis,
pois foi assolada por um período de seca severa. Tão logo os efeitos da seca se
apresentaram, medidas foram tomadas para dirimi-los ou pelo menos amenizá-los. A
Capital em desenvolvimento virou abrigo para a multidão que fugia da seca, vinda do
interior. A atmosfera de progresso e modernidade estava ameaçada, diante do
exposto. Verificamos que foi durante este período que Fortaleza ganhou vários
equipamentos urbanos, construídos com a mão-de-obra dos retirantes, inclusive o
novo Prédio da Estação em estilo Neoclássico. O Governo tratou de ocupar os
flagelados da seca com o trabalho nas construções de edifícios públicos e várias
seções de vias para a ferrovia. Foi, portanto, a forma de dar continuidade ao
processo de crescimento da cidade e ao mesmo tempo esconder os retirantes que
sujavam as ruas e se acumulavam nas praças.
Em termos arquitetônicos, a composição do Prédio principal da Estação é
definida por três partes simetricamente dispostas. Na área central, localizava-se o
vestíbulo, a sala da diretoria, as salas de espera, entre outros. A estrutura da
Estação também reservava espaços para as atividades especializadas, como as
oficinas, depósitos e armazéns, que como vimos, tinham uma composição
arquitetônica mais simples voltada para o aspecto funcional. Todo esse estudo
arquitetônico do prédio nos remete a sua inserção nos ideais de progresso e
modernidade. A análise arquitetônica do Prédio da Estação Central, a partir de suas
159
características, constatou que a estrutura do complexo ferroviário encaixava-se nas
linhas gerais arquitetônicas seguidas no final do século XIX pelas ferrovias em todo
o mundo. Foi o que verificamos levando em consideração o tratado sobre ferrovia do
engenheiro francês August Perdonnet (1856) e outros autores de referência.
Apresentamos também a Estação central através de fotografias do final do
século XIX, mesmo dispondo de um acervo fotográfico que não foi possível
identificar com precisão a procedência, conseguimos apontar nas fotografias
características visuais indicativas da monumentalidade do prédio e de como sua
arquitetura simbolizava as ideias de progresso da época.
Outro elemento da composição arquitetônica que representa as ideias de
progresso e modernidade envoltas à estação era o relógio, o qual compunha a
fachada do prédio, bem na entrada da Estação. Percebemos o relógio como um
elemento que simbolizava um novo ritmo e relacionava comportamentos da cidade à
disciplina e horários do trem.
Não seria possível ter tratado da Estação, partindo da ótica do progresso,
sem tratar do espaço da mesma, espaço conceituado por Certeau (1999), lugar
praticado. A Estação como um lugar de passagem, partida, chegada, espera.
Através de pistas sutis encontradas nos jornais e fotografias, foi possível mostrar
que o espaço da Estação era um lugar de sociabilidades, nesse espaço se davam
relações de trabalho ou de pessoas, que o valoravam, o impunham uma significação
própria. Notamos também que o uso desse espaço confirma a ideia de progresso e
modernidade incorporada ao discurso de jornais e relatórios naquele momento.
Dessa forma, buscou-se compreender a Estação por meio de sua inserção
na cidade tendo como enfoque o desenvolvimento de Fortaleza a partir das
atividades comerciais e das ideias de progresso e modernidade percebidas em torno
das questões que envolviam a mesma. Procurou-se também entender a
historicidade da Estação para compreender o simbolismo que ela adquiriu ao longo
do período estudado.
Chegamos, enfim, ao final deste trabalho sem, entretanto, colocar um
ponto final a todas as indagações, pois sabemos que, ao resolver cada uma delas,
nos colocamos diante de outras tantas.
160
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