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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
PARAHIBA, UMA CIDADE ESQUECIDA NO IMPÉRIO DO
BRASIL (1822-1859)
Ligia Maria Tavares da Silva
Niterói
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
PARAHIBA, UMA CIDADE ESQUECIDA NO IMPÉRIO DO
BRASIL (1822-1859)
Ligia Maria Tavares da Silva
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia do Departamento
de Geografia da Universidade Federal
Fluminense, para obtenção do título de
Doutor em Geografia.
Orientador: Professor Dr. Ruy Moreira
Niterói
2007
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S586
Silva, Ligia Maria Tavares da
Parahiba, uma cidade esquecida no Império do Brasil
(1822-1859) / Ligia Maria Tavares da Silva. -- Niterói :
[s.n.], 2007.
209 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2007.
1.Paraíba (Estado) - Urbanização 2.Urbanização –
Aspecto Histórico – Paraíba (Estado) – Séc. XIX. 3. Obras
Públicas – Brasil Império 4. História da Paraíba - Séc. XIX
I.Título.
CDD 307.76098133
3
Ligia Maria Tavares da Silva
PARAHIBA, UMA CIDADE ESQUECIDA NO IMPÉRIO DO BRASIL
(1822-1859)
Aprovada em ____/_____/_____
Banca Examinadora
__________________________________
Prof. Dr. Ruy Moreira
(orientador)
___________________________________
Prof. Dr. Francisco Foot Hardman
____________________________________
Prof. Dr. Jacob Binsztok
___________________________________
Prof. Dr. Werther Holzer
____________________________________
Prof. Dr. Rui Erthal
_____________________________________
Prof. Dr. Floriano José Godinho de
Oliveira
Niterói
2007
4
Dedico este trabalho aos seres, de todos os
tempos, esquecidos da história.
Dedico ainda aos meus antepassados, pais,
filhos, mestres e companheiros.
5
Agradecimentos
Agradecer é uma virtude necessária para alcançar qualquer coisa na vida e um
processo connuo de reconhecimento por todas as coisas que temos. Aprendi sobre o sentido
do agradecimento na adolescência com um amigo que, nascido pobre em uma favela do Rio
de Janeiro, sentia-se eternamente grato por ter conseguido superar as dificuldades que teve na
vida e, por isso, sempre exclamava por onde passava: Obrigado, Senhor!
Agradecer é também um processo difícil, pois são muitas as ajudas que temos nas
caminhadas que escolhemos, sobretudo na árdua caminhada de produzir uma tese, que
representa a ntese de rios processos existenciais, profissionais e emocionais e que recuam
dos tempos ancestrais aos mais imediatos.
Agradecendo inicialmente ao amigo que me ensinou a gratidão, ao Senhor do
Universo por ter me dado a permissão dessa compreensão e a todos os seres que me ajudaram
a trilhar esse caminho, que me trouxe até aqui, tentarei, a seguir, focar nos agradecimentos
mais imediatos que tornaram possível a execução desse projeto.
Ao povo brasileiro, cujos impostos permitiram, através da Capes, viabilizar a minha
bolsa de estudos e manter o meu salário de professora assistente, possiblitando materialmente
o privilégio de me aperfeiçoar intelectualmente. Espero, sinceramente, fazer jus, com
trabalho, a essa permissão concedida.
Ao Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba, ao qual
pertenço, pela aprovação de meu afastamento para qualificação e aos colegas por assumirem a
minha carga horária de aulas.
Aos meus pais, pelo estímulo à educação e à cultura, sempre presentes em minha vida
e pelo apoio prático na organização de minha vida doméstica e familiar nestes dois últimos
anos, quando pude contar com as deliciosas refeições diárias da minha mãe, enquanto me
dedicava à pesquisa.
Aos meus filhos, que tiveram que enfrentar as minhas ausências físicas e emocionais,
as quais espero recompensar ao longo de nossas vidas.
À minha irmã, amiga querida, Olga Maria Tavares, da Universidade Federal da
Paraíba, pelo apoio espiritual, emocional e por ter me auxiliado com conversas, leituras e
sugestões na edição e revisão final do texto.
Ao meu amigo Eduardo Pazer Jr., da Universidade Federal da Paraíba, pela leitura e
correções do texto.
Aos meus mestres, que ao longo dessa trajetória acadêmica me estimularam a pensar
e, sobretudo, a acreditar que esse caminho valia a pena. São eles: Eduardo Pazera Jr,
orientador de pesquisa na graduação e grande incentivador da minha profissionalização na
6
geografia; Ruy Moreira, meu orientador, que me alertou, desde a graduação, a pensar sobre a
relação entre o tempo e o espaço; Francisco Foot Hardman, que despertou a historiadora que
existia em mim e com quem fiz as primeiras reflexões sobre o esquecimento das cidades
brasileiras; Emília de Rodat Moreira, com quem aprendi a ser uma intelectual comprometida;
Annio Augusto de Almeida, com quem aprendi a me comprometer com os problemas da
cidade de João Pessoa; Antônio Carlos Robert de Moraes, pelas aulas de método em geografia
na graduação; Edvânia Torres de Aguiar, pelos insights e aberturas intelectuais no mestrado
da Universidade Federal de Pernambuco e Werther Holzer pelos ensinamentos sobre a
fenomenologia, pela presença marcante em todos os seminários do doutorado e pela
disponibilidade irrestrita aos diálogos e empréstimos de seu acervo, cujas bibliografias, raras,
foram absolutamente imprescindíveis para essa pesquisa.
No processo de realização da tese quero agradecer ainda ao professor Maurício de
Abreu, por ter me recebido gentilmente para uma conversa, Roberto Lobato Correia pela
disponibilidade de seu acervo particular na biblioteca da Pós-Graduação em Geografia na
Universidade Federal do Rio de Janeiro e Rogério Haesbaert pelas trocas bibliográficas e
permissão para participar das reuniões de seu grupo de estudos na Universidade Federal
Fluminense.
Ao meu orientador, Ruy Moreira, pela confiança incondicional e por ter me deixado
livre para pensar, mudar e elaborar a tese, orientando pontualmente, sem restrições
conceituais ou filosóficas.
Ao professor Rui Erthal pela significativa contribuição na qualificão.
Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense
pela amizade dos professores e pelo apoio cnico do Laboratório de Geografia Urbana, do
Laboratório de Biogeografia e da secretaria.
Aos funcionários das bibliotecas por onde passei: Biblioteca Nacional, Biblioteca da
Pós-graduação em Geografia da UFRJ, Biblioteca da Pós Graduação em Ciências Sociais da
UFF, Biblioteca de Geografia da UFF, Biblioteca Central da UFPB, Biblioteca Setorial do
Departamento de Geociências da UFPB, Biblioteca Central Gragoatá da UFF, Biblioteca
Pedro Calmon do Fórum de Ciência e Cultura (UFRJ), Biblioteca José Alencar da Faculdade
de Letras (UFRJ), Biblioteca do Museu Nacional, Biblioteca do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional (UFRJ), Biblioteca Francisca Keller do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social (UFRJ), Arquivo Público Nacional, Biblioteca do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco (Recife),
Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Arquivo Público do Estado da
Paraíba.
À Nahya Cajú, da Oficina Escola de João Pessoa, pelo empréstimo da pia do mapa
de 1857, para que eu pudesse copiar e trabalhar.
7
Às professoras Ariane Menezes e Serioja Mariano, coordenadoras do Grupo de
Estudos sobre o Século XIX na Paraíba, do Departamento de História da Universidade
Federal da Paraíba, do qual participei por um ano, pelas discussões do meu projeto no grupo e
pelas contribuições bibliográficas tão fundamentais para este estudo.
Ao amigo e colaborador Saullo, pela assessoria de pesquisa no Arquivo Público
Estadual da Paraíba e aos ex-alunos Leonardo e Elaine, da Axis Consultoria, pela
competência profissional na elaboração do mapa da cidade que integra a tese.
Aos amigos que me acompanharam nas angústias e me alegraram o espírito, a amiga
Penha da minha turma da pós e demais colegas, os amigos do Rio de Janeiro, de Niterói e de
João Pessoa.
Por último, um agradecimento especial ao amigo Cláudio Bohrer, o Claudinho, que
me acolheu em sua casa em Niterói, me deu todo o apoio logístico e emocional para cumprir
todas as etapas do processo de realização da tese em Niterói, além de quebrar todos os galhos.
A todos vocês, muito obrigada!
8
Resumo
Esta é uma pesquisa sobre a urbanização da cidade de João Pessoa, chamada de
Parahiba, na primeira metade do século XIX (1822-1859). A proximidade geográfica com a província
de Pernambuco e sua capital, Recife, que era o principal centro produtor e exportador da cana-de-
açúcar do Nordeste Oriental, contribuiu para que a Parahiba se tornasse periferia do sistema urbano-
regional, sendo este fato apontado na historiografia paraibana como a causa do esquecimento da
Parahiba, narrada nos livros como pobre, atrasada e sem urbanização. Analisamos o esquecimento e a
urbanização na cidade da Parahiba, através dos documentos acerca da administração das obras públicas
após a independência do Brasil, quando um aparato administrativo provincial é criado, investigando as
administrações até o ano de 1859, sob a ótica das práticas urbanísticas, chegando à conclusão de que
havia uma urbanização em curso e de que existiam mecanismos administrativos capazes de reverter a
situação do esquecimento da cidade, implementando um processo de urbanização mais eficiente,
apesar das dificuldades financeiras, mas que não havia interesse potico no investimento em infra-
estrutura, haja visto que as obras da ponte de ligação com o interior da província e do cais do porto,
consideradas fundamentais para o desenvolvimento comercial da cidade e da província, não se
realizaram como deveriam. Analisamos ainda a paisagem urbana e suas práticas sociais, que
representamos através do mapa dos lugares urbanos na primeira metade do século XIX, que acompanha
este estudo.
PALAVRAS–CHAVES: Urbanização Paraibana; Paraíba no culo XIX; Obras blicas no
Império.
Abstract
This is a study of the urbanization process of the city of João Pessoa, known as Parahiba, in
the first half of the 19th century (1822-1859). The geographical proximity with the province of
Pernambuco contributed for Parahiba to become periphery of the urban-regional system which had its
capital, the city of Recife, as the main producer and exporter of sugar-cane in the easternmost northeast
of Brazil. This fact is pointed by local historians as the main reason why the city remained poor and
underdeveloped through the 19th century. We analyze the consequences of this situation in the city of
Parahiba, through documents about the administration of public works, after the independence of Brazil
in 1822, until 1859, and despite most books about the city refer to that period as lacking urbanization,
we bring to light all the public works at that period, arriving to a conclusion that, although there were
economical problems, there was an urbanization process and there were means thru the imperial
administration in the province to launch a more efficient urbanization process, but there was no
political interest for realizing the necessary investments in the public works of the infra-structure of the
port and the bridge to the interior, which were considered essential for the commercial development of
the city and the province of Parahiba. We also analyze the landscape of the city in the period as well as
its social practices which we represent in a map of the urban places of Parahiba that accompany this
study.
KEY-WORDS: Urbanization of Paraiba; 19th century Paraiba; Public Works in Imperial
Brazil.
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Sumário
Introdução 1
Capitulo Um: Geografias, Tempos e Esquecimentos 7
1.1. Sobre o tempo histórico e o tempo do ser 8
1.2. Sobre o tempo e o espaço na geografia brasileira 11
1.3. Tempo histórico, civilização e esquecimento 13
1.3.1. Dos métodos para o estudo do tempo histórico 17
1.4. Tempo do ser, paisagem e lugares esquecidos 18
1.4.1. A paisagem: entre o ser e a história 21
1.4.2. Os lugares urbanos esquecidos 23
Capitulo Dois: A Cidade Brasileira Colonial: Esquecimentos e Processos 25
2.1. Os esquecimentos da cidade brasileira colonial 25
2.2. Os antecedentes da urbanização brasileira 30
2.3. A economia urbana colonial 33
2.4. Urbanização brasileira: processos e especificidades 35
2.4.1. A legislação urbana colonial 38
2.4.2. O traçado urbano colonial 39
Capitulo Três: O Esquecimento da Parahiba 43
3.1. Açúcar e urbanização no Nordeste Oriental 43
3.2. A civilização pernambucana do açúcar 44
3.3. A bacia urbana de Recife 48
3.3.1. A cidade de Recife na primeira metade do século XIX 49
3.3.1.1. O engenheiro francês e as obras blicas 53
3.4. A rede urbana de Recife: Goiana, Olinda, Igarú e Parahiba 57
3.5. Os antecedentes do esquecimento da Parahiba 60
Capitulo Quatro: Esquecimento e Urbanização: Obras Públicas na Parahiba 68
4.1. A Parahiba no Império 69
4.1.2. O ato adicional e a autonomia provincial 73
4.2. Obras públicas e práticas urbanísticas 75
4.2.1. A administração das obras públicas 77
4.2.2. Os urbanistas esquecidos 88
4.2.3. Os impasses nas obras públicas 91
4.3. Beaurepaire Rohan: administrador, geógrafo e urbanista 96
10
4.3.1. A administração de Beaurepaire Rohan na Parahiba 99
4.3.1.1.Os relatórios 100
4.3.1.2. As obras públicas 102
4.4. As práticas urbanísticas na Parahiba 105
4.4.1. A infra-estrutura urbana: abastecimento de água 105
4.4.2. Iluminação 109
4.4.3. Alinhamento, calçamento e pavimentação das ruas 110
4.4.4. Comunicações 116
4.4.5. Coleta de lixo e esgotamento sanitário 117
4.4.6. As edificações públicas e religiosas 118
4.4.7. As obras do cais do porto, do aterro e da ponte do Sanhauá 129
Capitulo Cinco: Lugares Urbanos Esquecidos na Parahiba 137
5.1. Varadouro 141
5.2. Portinho 144
5.3. Cidade Alta 147
5.4. Arrabaldes 152
Considerações finais 154
Bibliografia 161
Documentos 173
Anexos 174
11
Abreviaturas
(AP) ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL DA PARAÍBA. Anos 1822 a 1860
(RP, FP, EP) RELATÓRIOS, FALLAS E EXPOSIÇÕES DOS PRESIDENTES DA
PROVÍNCIA DA PARAÍBA
IHGPB – Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Introdução
Esta tese se propõe a fazer uma investigação sobre a urbanização da cidade da
Parahiba na primeira metade do século XIX, uma cidade esquecida pela civilização de
seu tempo, pela Geografia e pela História. Muito próxima de Recife, a cidade
permaneceu na periferia da rede urbana de cabotagem da civilização canavieira do
Nordeste Oriental, comandada por Recife, principal centro produtor e exportador.
Nessa época pouco se sabia sobre a geografia da Província e a história paraibana só se
consolidaria na segunda metade do século XIX. Vamos, assim, estudar um espo
esquecido em um tempo também esquecido, sendo o esquecimento aquilo que é posto
de lado temporariamente, descuidado, desprezado e sem estima, conforme descrito no
dicionário Aurélio, e que nos propomos a resgatar, na medida das possibilidades
metodológicas. Tirar do esquecimento é ainda um sentimento de amor pela cidade e
por isso um desejo de trazer luz à sua história.
Ao nos referirmos a essa cidade esquecida, adotaremos o nome Parahiba, cuja
escrita com “hinas fontes documentais pesquisadas é tão comum quanto Parahyba,
com “hy”, oficialmente utilizada pela historiografia paraibana. Percebemos que os
documentos vindos da Corte escreviam Parahyba com hy, mas muitos dos
documentos administrativos da Província continham em seu selo a escrita Parahiba,
adotada também por muitos funcionários blicos. E por que essa grafia ficou
esquecida na historiografia paraibana, consolidada a partir da segunda metade do
século XIX, preferimos adotar a grafia Parahiba, enquanto elemento de distinção e
diferenciação do período aqui estudado.
Escolhemos iniciar nossa pesquisa em 1822 por ser o ano da Independência do
Brasil, quando as antigas Capitanias passaram a ser Províncias e a contar com verbas
12
para as obras públicas, tornando essa preocupação da administração pública a maneira
pela qual as práticas urbanísticas eram pensadas e executadas. Outro aspecto que
justifica o interesse pelo estudo da cidade, na primeira metade do século XIX, é o
esquecimento dos historiadores paraibanos com esse período histórico na cidade, visto
que a mesma era considerada pouco civilizada e atrasada, mitos que justificaram a
pouca atenção dada à cidade na primeira metade do século XIX. A administração
pública mais destacada na historiografia do século XIX é a do Presidente Henrique de
Beaurepaire Rohan, que governou de 1857 a 1859, quando finda também a nossa
investigação.
Além da pouca informação garimpada na historiografia paraibana sobre a
dimensão urbana da cidade da Parahiba, na primeira metade do século XIX, somamos
a precária conservação das fontes documentais, sendo este um esquecimento perverso,
cujas conseqüências dificultam as pesquisas sobre o passado da cidade e que, por isso,
merece aqui algumas considerações.
Os suportes materiais para o resgate da memória administrativa estadual
encontram-se em estado lastimável na Paraíba, conforme pudemos constatar ao longo
da pesquisa realizada no Arquivo Público Estadual, onde se encontram os documentos
da administração pública. Testemunhamos que ao invés de as pastas serem
formatadas para os documentos, eles é que têm que ser dobrados para caberem nelas,
esfarelando-se ao serem manuseados. (anexo 1). Não rigidez na vigilância. Poucos
documentos têm cópias transcritas dos originais, e cada pessoa, seja pesquisador,
curioso, professor ou aluno, os manipula como quer nas caixas, não havendo
climatização no arquivo, que se encontra numa sala subterrânea úmida. Tudo isso
tornou muito penosa e deficiente a pesquisa documental sobre a administração pública
no século XIX. A maior dificuldade foi com os documentos da Câmara Municipal,
muito raros e em péssimas condições de manuseio, o que os tornará inutilizáveis em
pouco tempo, caso não sejam transcritos e proibidos os manuseios dos originais.
Partimos, então, para a pesquisa documental dos relatórios presidenciais, oferecidos
gratuitamente pelo Brazilian Government Document Digitization Project do Center
for Research Libraries
1
, um consórcio de universidades americanas. Em Recife,
encontramos a Fundação Joaquim Nabuco fechada para reformas havia dois anos,
1
http://www.crl.edu/content/provopen.htm
13
estando o seu acervo encaixotado. Tivemos, portanto, que trabalhar com o que estava
disponível e ao alcance do público em geral.
Isso tudo, na verdade, mostra-nos que a causa mais cruel do esquecimento é a
pouca preocupação com a memória estadual, por parte do setor público no presente e
no passado.
2
Constatamos, ainda, em alguns relatos de presidentes da província no
século XIX, sobre o mau estado de conservação dos documentos administrativos
antigos.
Esta cidade esquecida, a Parahiba, precisa ser relembrada não apenas pela
academia universitária e paraibana, mas também pelos professores e estudantes do
ensino fundamental e médio. Por esta razão, este é um trabalho orientado com a
intenção de chegar aos meios estudantis, visando assim diminuir a defasagem tão
comum no Brasil, sobretudo em lugares mais esquecidos, entre o saber acadêmico e o
saber local. Para isso abrimos mão da sofisticação e dos modismos o atraentes na
atual Geografia, preferindo a simplicidade de uma Geografia necessária, contando de
um mapa, que sirva de referência àqueles que querem conhecer melhor uma cidade
que é carente da sua própria história e, portanto, de sua valorização e estima.
O nosso estudo começa com a investigação, no primeiro capítulo, sobre a
relão entre o tempo e o esquecimento na Geografia, partindo de uma visão
filofica sobre o tempo. Visamos com isso construir uma ampla base metodológica
que nos permita estudar os diversos tempos do passado esquecido, seja o tempo
histórico propriamente, que é o tempo da civilização e das práticas administrativas e
urbanísticas, e o tempo das pessoas e dos lugares, que inclui o tempo da pesquisadora
e o tempo dos administradores e dos lugares pesquisados.
Relacionamos o tempo cronológico ao de uma civilização que se impôs num
ambiente tropical, tendo por alavanca um estado imperial centralizador, moldado no
espaço- movimento do capitalismo cristão ocidental. Fundamentamos o conceito de
civilização na noção de tempo empírico em Milton Santos que, assim como Maurício
de Abreu, alertou para os elementos da produção material de um determinado tempo.
Foi necessário contextualizar a pesquisa histórica na perspectiva da transição
capitalista e para tal utilizamos a noção de tempo tripartide de Fernand Braudel, que
abarca ao mesmo tempo a sociedade, a economia e a cultura, alertando para a variação
2
Escrevia Gilberto Freire (1960) em 1939: “Não é pouco o que se tem perdido em Pernambuco, em Alagoas,
na Paraíba, em Sergipe, na Bahia, no Marano, em arquivos blicos, eclesiásticos e de família, com
material interessantíssimo para a história social e administrativa do Brasil."
14
da velocidade dos eventos no tempo. No tempo lento reside o esquecimento de uma
cidade situada na periferia econômica de um centro exportador, que busca essa
civilização por meio da administração pública, analisada neste estudo sobre a ótica
das obras públicas.
Por outro lado, na perspectiva dos lugares e das pessoas, identificamos o
espaço das vivências sociais de uma população que se instalou por força desse
movimento colonizador e cuja conseqüência foi uma cidade sendo forjada no
esquecimento por essa mesma civilização, que, por sua vez, pouco narrou sobre esse
período esquecido. Sendo assim, tornou-se necessário recorrer ao método
fenomenológico. Nele, utilizamos o conceito de lugar tal qual proposto por Relph e
aos recursos para o estudo fenomenológico do passado em Lowental e Holzer.
Existe uma tensão latente na utilização desses dois métodos, que um é
cronológico e, o outro, é fenomenológico. Este último é o tempo da pesquisadora em
contato com o seu objeto de estudo, visando conectar com os lugares do passado, a
partir das poucas fontes disponíveis no presente. Por isso, foi preciso recorrer a todos
os recursos disponíveis, fossem os métodos históricos, fossem os fenomenológicos,
onde a imaginação e a intuição são elementos fundamentais no auxílio ao estudo de
uma realidade distante no passado e pouco narrada. Mas foi Heiddegger, com seu
conceito de tempo enquanto possibilidade, que estimulou essa aventura ao alertar para
os “perigos” da tradição filosófica que nos prendem às mesmas histórias e à
necessidade de se libertar dos parâmetros conceituais temporais vigentes contidos na
produção das histórias sobre os lugares. Neste estudo, estes dois todos se
complementam, já que devido a pouca disponibilidade de material, não havia como
identificar lugares de vivências sem recorrer a narrativas históricas. A tensão é
amenizada ao compreendermos que toda hisria contada é fruto da conexão entre o
pesquisador e o seu tempo, portanto, todos fazem essa conexão fenomenológica. A
diferença, ao se utilizar o método fenomenológico é a consciência desse ato, que
pressupõe uma recorrência inevivel à filosofia fenomenológica, que fazemos neste
primeiro capítulo.
No segundo catulo, fazemos uma referência ao esquecimento na produção
intelectual sobre as cidades brasileiras coloniais, um estudo pouco privilegiado pelas
ciências humanas que, num esforço teórico para explicar o Brasil, consideraram as
cidades pouco importantes na formação do país, cuja base econômica agrícola teria
gerado uma sociedade mais agrária que urbana. Os esforços recentes na direção dos
15
estudos sobre a história do urbanismo e das cidades no Brasil, materializados nos
Seminários que vêm ocorrendo periodicamente desde 1990, m buscado preencher
esse esquecimento temporário e este estudo se insere nessa linha que pretende
contribuir nesses esforços. Para tal, analisaremos os processos de formação das
cidades brasileiras, constatando as suas singularidades, visando com isso desmistificar
certas idéias responsáveis por considerar as cidades atrasadas e sem planejamento e
valorizar os diferentes processos de urbanização das cidades brasileiras, abrindo
caminho ao estudo de caso da urbanização da cidade da Parahiba de 1822 a 1859,
valorizando, assim, os esforços empreendidos naquela época, resgatando-os do
esquecimento.
No terceiro catulo, tratamos do nosso objeto de estudo propriamente, o
esquecimento da Parahiba no tocante à sua própria história de inserção no sistema
colonial e, posteriormente, imperial. A proximidade com o eixo Olinda-Recife e as
precárias condições de operação do porto da Parahiba contribuíram para que esta se
tornasse periferia do sistema urbano-regional que teve, após a saída dos invasores
holandeses, Recife como principal cidade, em função do comércio portuário,
tornando-se o mais importante centro produtor e exportador de açúcar do Nordeste
Oriental, comandando uma rede urbana que abarcava algumas cidades, dentre elas, a
Parahiba. E porque foi marginalizada pela economia regional, torna-se esquecida pelo
Governo Imperial, sobretudo após o Ato Adicional de 1834, quando passa a gerar e a
administrar os seus poucos recursos, dificultando a solução dos seus problemas
urbanos, que agravavam a cada dia, sobretudo os referentes às obras públicas
necessárias para tornar a cidade mais civilizada, conforme os padrões da época, e que
tinham no topo da hierarquia regional a cidade de Recife, considerada por muitos
viajantes estrangeiros, a melhor cidade no Brasil da primeira metade do século XIX.
No quarto capítulo, trataremos das conseências deste esquecimento no
ordenamento interno da cidade, na primeira metade do século XIX, um período pouco
valorizado na historiografia da cidade, descrita à época como uma urbe pobre,
atrasada e com ares coloniais, conceitos que chegam a sugerir que a cidade enquanto
objeto de estudo não valesse a pena. Do esquecimento deste período na história da
cidade. Não obstante, existia uma administração pública que cuidava dos aspectos
urbanísticos nessa época, sobretudo após a Independência do Brasil, quando um
aparato institucional provincial foi estabelecido numa cidade com características de
vila colonial. Vamos, portanto, resgatar do esquecimento as práticas urbanísticas da
16
primeira metade do século XIX, tendo por base os relatórios presidenciais e os
arquivos acerca das Obras Públicas e veremos que muitas questões urbanísticas eram
pensadas, algumas executadas e muitas não colocadas em execução por problemas de
diversas naturezas que analisaremos. O fato constatado é que a cidade, nas limitações
das suas especificidades e singularidades temporais e espaciais, crescia em população,
construções e extensão, o que por si justifica a necessidade da investigação deste
processo e, para tal, analisamos as práticas urbanísticas à época, isto é, o urbanismo
de então: a infra-estrutura, as edificações, os arruamentos e as obras públicas mais
importantes, a exemplo do Cais do Porto e da ponte sobre o rio Sanhauá. Esta análise
nos levou, ainda, a constatar uma estreita relação entre as obras públicas e o
esquecimento da província.
Por outro lado, vamos resgatar também, tendo por base as práticas sociais
típicas da sociedade brasileira na Colônia e no início do Império Brasileiro, alguns
lugares urbanos significativos na cidade, que identificaremos e mapearemos, trazendo
esses lugares esquecidos de volta à memória e à história da cidade, sendo a elaboração
de um Mapa dos Lugares Urbanos, na Primeira Metade do século XIX, o objetivo do
nosso quinto e último capítulo.
17
Capítulo Um
Geografias, Tempos e Esquecimentos
Se a história é aquilo que fica do passado, o que está no esquecimento é o que
foi, em algum momento, posto de lado e por isso precisa ser resgatado de seu próprio
tempo para voltar a ser lembrado. Pesquisar o esquecimento, ou seja, resgatar o que já
passou numa cidade que foi esquecida pela civilização de seu tempo e,
conseqüentemente, pela história e pela geografia, é um desafio que envolve algumas
reflexões iniciais de caráter filosófico propriamente, relativas à própria concepção de
tempo. Isto porque pretendemos não trabalhar com o tempo datado dos
documentos hisricos, mas também com o tempo dos lugares urbanos que foram
pouco narrados e que queremos resgatar. Sendo assim, a nossa investigação vai
começar pelas diferentes concepções de tempo que vão servir de suporte para os
conceitos que utilizamos na pesquisa: Civilização, Paisagem e Lugar.
Refletindo sobre o tempo e o esquecimento, nos deparamos com Fernand
Braudel na trilogia Civilização Material, Economia e Capitalismo, séculos XV-XVIII
(BRAUDEL, 1996, a,b,c) e a sua concepção dos diferentes tempos num mesmo
espaço. A sua relação entre o tempo e o espaço nos conduziu ao conceito de
civilização enquanto espaço-movimento, fundamental para o entendimento dos
diferentes tempos que co-existem numa cidade, expressos em sua paisagem.
Na Geografia Brasileira, vimos que esta tem pouca tradição nos estudos sobre
o tempo, pois, segundo o ggrafo Maurício de Abreu (2000), a maioria dos estudos
nessa linha é realizada com o objetivo de melhor compreender o presente. Sendo
assim, o estudo do passado na Geografia Brasileira tem se caracterizado recentemente
pelo enfoque das transformações no tempo, que vem caracterizando a Geografia
Cultural no país. Contudo, encontramos algumas pistas interessantes sobre o tempo
social na geografia, com o nosso mestre Milton Santos (1986).
Por fim, encontramos na Geografia Histórica as ferramentas metodológicas
para o estudo do passado hisrico na cidade e na Geografia Fenomenológica as
ferramentas para a identificação dos lugares significativos àquela época, sendo que a
primeira nos fornece as bases para o estudo sistemático das informações empíricas e a
segunda nos fornece possibilidades metodológicas de resgatar aquilo que está
esquecido pela história, além de nos transportar para os lugares urbanos de uma
cidade esquecida. Apesar de fazermos uma diferenciação para efeito de
18
demonstração, esses dois tempos, esses dois métodos e essas duas geografias não se
dividem, ao contrário, se complementam constantemente no processo de produção da
história que vamos contar.
1.1. Sobre o Tempo Histórico e o Tempo do Ser
A concepção mais antiga de tempo considera-o como ordem mensurável do
movimento que, na Antigüidade, vinculava-se ao conceito cíclico do mundo e da vida
do homem e, na Idade Moderna, ao conceito científico de tempo enquanto sucessão.
Enquanto Platão começa com o tempo eterno, definindo-o como a “imagem vel da
eternidade” e os ciclos planetários, o ciclo das estações e das gerações como
reproduções da imutabilidade do ser eterno, a definição de Aristóteles é a expressão
mais perfeita da concepção que identifica tempo com movimento: “tempo é o número
do movimento segundo o antes e o depois” (ABBAGNO, 2000, p.945). Ou seja,
quando percebemos um antes e um depois, então dizemos que existe o tempo
Foi nessa linha que Kant desenvolveu a sua noção de tempo, considerado por
ele uma intuão: “absolutamente primeiro princípio formal do mundo sensível, sem o
qual a nossa intuição de objetos sensíveis seria impossível” (KANT, apud CAYGILL,
2000, p. 306).
O filósofo Kant trata de espaço e tempo em conjunto, como princípios da
forma do mundo senvel, sendo esquemas e condições de tudo o que é sensível no
conhecimento humano” (KANT apud CAYGILL, 2000, p.123). Sustenta também que
tempo e espaço são intuições puras; intuições porque coordenam objetos dos sentidos,
mas não os submetem aos conceitos e puras porque estão pressupostas nas sensações
das coisas e não podem ser abstraídas dessas sensações exteriores. Sendo assim para
Kant ( apud HANSEN, 2000, p. 63):
Espaço e tempo são elementos que fazem parte desse aparato da razão e que tornam possível o
próprio conhecimento; sem eles não é viável qualquer tipo de conhecimento. Eles se
encontram no âmbito da sensibilidade, pois são os elementos que permitem o contato da razão
com o que há e que primeiro organizam a experiência advinda da relação cognitiva; o espaço
como organização externa e o tempo como organização interna dos objetos de conhecimento.
Abbagno (2000), por sua vez, argumenta que a principal contribuição de Kant
na interpretação do conceito de tempo está na Analítica dos Princípios, no estudo da
segunda analogia ou o princípio da série temporal segundo a lei da causalidade, onde
19
ele reduz a ordem de sucessão à ordem causal assim descrita por Abbagno (IBIDEM,
p.946):
A série temporal não pode inverter-se porque, uma vez posto o estado precedente, o
acontecimento deve seguir-se infalível e necessariamente [...] condição formal de todas as
percepções que o tempo precedente determine necessariamente o seguinte.
Sendo a ordem causal a mais importante proposição filofica apresentada no
campo da concepção do tempo como ordem, e sendo a moral em sua obra submetida à
finitude do tempo, fica evidente a natureza objetivista da obra de Kant. Apesar da sua
tese sobre o tempo como intuição pura suscitar algum subjetivismo, este de fato não
existe, pois, para ele, o campo da intuição está separado do humano e tem realidade
empírica indubitável, como esclarece na sua Crítica à Razão Pura. Sua contribuição,
no entanto, foi inestimável para a concepção de tempo na ciência moderna positivista.
Norton (1984, p. 18) aponta a influência Kantiana como sendo responsável
pelo esquecimento do tempo na Geografia, quando a separou do corpo das outras
ciências sociais.
Segundo Heidegger (1977, p.55), a concepção Kantiana de tempo se move
dentro das estruturas apresentadas por Aristóteles, cujo Tratado sobre o Tempo é a
primeira interpretação desse fenômeno que determinou, de maneira essencial, toda a
concepção posterior do tempo no pensamento ocidental. A compreensão do tempo
enquanto sucessão de acontecimentos, por sua vez, é fundamental para o
conhecimento e a organização dos fatos históricos.
Heidegger, por outro lado, interpretou o tempo enquanto projeção ou
possibilidade. As inovações dessa abordagem são de acordo com Abbagno (2000) as
seguintes: O tempo já não é integrado numa estrutura necessária, como a ordem
causal, mas na estrutura da possibilidade; na interpretação do tempo, o passado e o
futuro não devem ser achatados pelo presente, mas podem ser entendidos em suas
naturezas específicas: futuro como futuro e passado como passado; o passado pode ser
o ponto de partida para as possibilidades vindouras e o futuro como possibilidade de
conservação ou de mudança do passado. Sendo assim, o passado pode ser reescrito e,
portanto, modificado.
O filósofo Martin Heidegger sugeriu a destruição da história da ontologia para
se chegar a uma explicação do Ser, ou seja, das coisas em si mesmas, das essências,
mostrando em seu Tratado, que o Ser só pode ser compreendido a partir do Tempo.
20
No entanto, entendê-lo implica em estabelecer alguns conceitos, que sua
obra tem uma lógica própria, de base fenomenogica. O primeiro conceito é o de
pre-sença entendido enquanto o ente que possui em seu ser a possibilidade de
questionar. O ente são as muitas coisas em seus sentidos diversos. Ser está naquilo
que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado (HEIDEGGER, 1997, p.32).
O tempo nesse contexto é o ponto de partida do qual a pre-sença sempre compreende
e interpreta implicitamente o ser e a temporalidade é o sentido da pre-sença.
Heidegger faz uma explicação originária do tempo enquanto horizonte da
compreensão do ser a partir da temporalidade. Reproduziremos a seguir algumas
passagens interessantes sobre a sua concepção de tempo (IBIDEM, p. 45-46):
De há muito que o tempo funciona como critério ontológico, ou melhor, ôntico para uma
distinção ingênua das diversas regiões dos entes. [...] Até hoje não se questionou como o
tempo veio a desempenhar essa função ontológica fundamental e com que direito funciona
como um critério dessa espécie, e por fim e, sobretudo, como se exprime uma possível
importância ontológica verdadeira do tempo nessa utilização ontologicamente ingênua. Dentro
do horizonte da compreensão vulgar, o tempo caiu, por assim dizer, por si mesmo nessa
função ontológica evidente e nela se manteve até hoje.
A temporalidade, por sua vez, é também a condição de possibilidade da
historicidade enquanto um modo de ser temporal próprio da pre-sença (IBIDEM,
p.48).
Em cada um de seus modos de ser e, por conseguinte, também em sua compreensão do ser, a
pre-sença já nasceu e cresceu dentro de uma interpretação de si mesma, herdada da tradição. A
pre-sença se compreende a partir da tradição. Essa compreensão lhe abre e regula as
possibilidades de seu ser. Seu próprio passado, e isso diz sempre o passado de sua geração,
o segue, mas precede a pre-sença, antecipando-lhes os passos.
Nesta citação, ele esclarece sobre a dificuldade do ser humano em pensar e
produzir conhecimento fora de suas limitações culturais e dos parâmetros mentais
filoficos pré-estabelecidos, que ele chama de tradição. Para ele, essa tradição é
responsável pelo obscurecimento da passagem para as fontes originais do passado
(IBIDEM, p. 50).
A tradição desarraiga de tal modo a historicidade da pre-sença que ela acaba se movendo
apenas no interesse pela multiplicidade e complexidade dos possíveis tipos, correntes, pontos
de vista da filosofia, no interior das culturas. Como consequência dessa busca por uma
interpretação filologicamente objetiva, a pre-sença já não é capaz de compreender as
condições mais elementares que possibilitam um retorno positivo ao passado”
Também critica Kant e suas limitações (IBIDEM: 53):
21
Kant fracassou na tentativa de penetrar na probletica da temporariedade. Duas coisas o
impediram: em primeiro lugar, a falta da questão do ser e, em íntima conexão com isso, a falta
de uma ontologia expcita da pre-sença ou, em terminologia Kantiana, a falta de uma analítica
prévia das estruturas que integram a subjetividade do sujeito. Ao invés disso, Kant aceita
dogmaticamente a posição de Descartes, apesar de todos os progressos essenciais que fez. Sua
análise do tempo, embora tenha reconduzido o fenômeno ao sujeito, permanece orientada pela
concepção vulgar de tempo, herdada da tradição. A conexão decisiva entre o tempo e o eu
penso permaneceu envolta na mais completa escuridão, não chegando sequer uma vez a ser
problematizada.
Em suma, Heiddegger nos alerta, em primeiro lugar, que o ponto de partida da
produção de um conhecimento é a consciência de que a história contada é fruto da
conexão do pesquisador com o seu próprio tempo, que neste estudo identificamos
como o Tempo do Ser. Em segundo, que é difícil, porém possível, estudar o passado
enquanto uma realidade diferente daquela herdada pela tradição, visto que o ser se
move na tradição de sua civilização e a produção do conhecimento prévio pesquisado
se realizou nos limites de uma tradição onde o tempo, enquanto sucessão de
acontecimentos, repete o ciclo de causa e efeito dos acontecimentos históricos,
influenciando geração após geração. Por fim, aprendemos que cada período histórico
possui a sua historicidade, ou seja, a totalidade dos diversos tempos ali contidos, ao
mesmo tempo inter-relacionados entre si e com a conscncia do Ser.
1.2. Sobre oTempo e o Espaço na Geografia Brasileira
Santos (1986), em seu estudo “A Noção de Tempo nos Estudos Geográficos”,
refere-se à negligência da dimensão temporal nos estudos geográficos, cujo erro,
segundo o autor, Carl Sauer atribuía ao Geógrafo americano Richard Hartshorne para
quem o tempo não importava na geografia. Santos (1986) vai mais além e atribui a
dificuldade metodológica dos ggrafos históricos e retrospectivos à ausência de um
conceito de tempo social, defendendo, portanto, a necessidade de um enfoque espaço-
temporal, já que os enfoques espaciais e temporais isoladamente são insuficientes.
Para tal ele atribui algumas característ( )-48(p)-11(a)2mpo m dac2(ó)-32(g)31(i)22(c)-3(a)-24( )-69(d)-11(o)-32(s)5( )-69(g)31(3m112(8o)-11ib)-11(i)22(c)-3(ie)-3e
21
Kant fracassou na tentativa de penetrar na probletica da temporariedade. Duas coisas o
impediram: em primeiro lugar, a falta da questão do ser e, em íntima conexão com isso, a falta
de uma ontologia expcita da pre-sença ou, em terminologia Kantiana, a falta de uma analítica
prévia das estruturas que integram a subjetividade do sujeito. Ao invés disso, Kant aceita
dogmaticamente a posição de Descartes, apesar de todos os progressos essenciais que fez. Sua
análise do tempo, embora tenha reconduzido o fenômeno ao sujeito, permanece orientada pela
concepção vulgar de tempo, herdada da tradição. A conexão decisiva entre o tempo e o eu
penso permaneceu envolta na mais completa escuridão, não chegando sequer uma vez a ser
problematizada.
Em suma, Heiddegger nos alerta, em primeiro lugar, que o ponto de partida da
produção de um conhecimento é a consciência de que a história contada é fruto da
conexão do pesquisador com o seu próprio tempo, que neste estudo identificamos
como o Tempo do Ser. Em segundo, que é difícil, porém possível, estudar o passado
enquanto uma realidade diferente daquela herdada pela tradição, visto que o ser se
move na tradição de sua civilização e a produção do conhecimento prévio pesquisado
se realizou nos limites de uma tradição onde o tempo, enquanto sucessão de
acontecimentos, repete o ciclo de causa e efeito dos acontecimentos históricos,
influenciando geração após geração. Por fim, aprendemos que cada período histórico
possui a sua historicidade, ou seja, a totalidade dos diversos tempos ali contidos, ao
mesmo tempo inter-relacionados entre si e com a conscncia do Ser.
1.2. Sobre oTempo e o Espaço na Geografia Brasileira
Santos (1986), em seu estudo “A Noção de Tempo nos Estudos Geográficos”,
refere-se à negligência da dimensão temporal nos estudos geográficos, cujo erro,
segundo o autor, Carl Sauer atribuía ao Geógrafo americano Richard Hartshorne para
quem o tempo não importava na geografia. Santos (1986) vai mais além e atribui a
dificuldade metodológica dos ggrafos históricos e retrospectivos à ausência de um
conceito de tempo social, defendendo, portanto, a necessidade de um enfoque espaço-
temporal, já que os enfoques espaciais e temporais isoladamente são insuficientes.
Para tal ele atribui algumas característ( )-48(p)-11(a)2mpo m dac2(ó)-32(g)31(i)22(c)-3(a)-24( )-69(d)-11(o)-32(s)5( )-69(g)31(3m112(8o)-11ib)-11(i)22(c)-3(ie)-3e
23
Abreu (2000), por sua vez, analisando o estudo de Santos, “A Natureza do
Espaço Geográfico” (1996), oferece sugestões metodológicas para o estudo do tempo
na Geografia Histórica, ou seja, do “presente de então”. Argumenta esse autor,
citando Santos, que o estudo geográfico do passado pode ser realizado a partir de um
sistema de conceitos que conta do todo e das partes em sua interação,
acrescentando o autor que esse sistema deve ser trans-temporal, perspectiva essa que
rompe com o paradigma ditatorial do presente, estabelecido, sobretudo, na tradição
francesa. Abreu (p.15) analisando as ferramentas metodológicas propostas por Santos,
entende que elas possibilitam o estudo de qualquer temporalidade, partindo do
conceito de espaço definido enquanto um “conjunto indissociável de sistemas de
objetos e sistemas de ação, sendo os primeiros os objetos naturais e os acréscimos
impostos pelos homens e os segundos os sistemas de processos dotados de
propósitos”.
Assim, para este estudo, Santos e Abreu nos fornecem uma orientação para o
estudo do tempo passado, ou seja, do presente de então, alertando para o estudo de
todas as variáveis que compõem um sistema temporal, sobretudo as técnicas,
responsáveis pela empirização do tempo.
Veremos a seguir que o conceito de civilização, tal qual proposto por Braudel,
encontra paralelo no conceito de espaço geográfico, tal qual proposto por Santos,
inserindo a pesquisa histórica na perspectiva da longa duração da transição capitalista,
considerada essencial para a compreensão do estudo de uma realidade urbana
brasileira no século XIX.
1.3. Tempo Histórico, Civilização e Esquecimento
Fernand Braudel (1996, a,b,c) abordou a temática das diversas temporalidades
de uma realidade histórica destacando três tempos: os tempos longos, o tempo
intermediário e os tempos curtos, sendo a sua concepção temporal inovadora, apesar
de se mover dentro das estruturas temporais do tempo enquanto sucessão dos
fenômenos, variando apenas a velocidade dos eventos no tempo.
O tempo curto, ou tempo breve, dos acontecimentos, busca situar os
indivíduos e os eventos num contexto. O segundo tempo, o tempo social, das
civilizações, é o tempo das estruturas, ou seja, dos sistemas econômicos, dos estados e
das sociedades, que ocorre mais lentamente, ou seja, no tempo de gerações e mesmo
24
de séculos, mas que podem também ser carregados pela corrente da hisria, conforme
destacou Braudel. E o tempo longo, de “uma história quase imóvel lenta, e feita de
retornos insistentes, que se situa na dimensão cotidiana da realidade e que ele
denominou de Geo-história.
Braudel nos ensina que entre o passado, mesmo o mais longínquo e o presente,
não existe descontinuidade. Se antes do século XV, as civilizações eram realidades à
parte, a unificação do mundo em função da expansão capitalista a partir do século XV
não significou uma ruptura histórica, mas a necessidade do uso das diversas escalas de
tempo e espaço na análise de um fenômeno particular. Para este autor, o capitalismo é
um importante elemento no estudo de uma civilização, mas ele achou importante até
mesmo para exemplificar o tempo de longa duração, desmistificar a idéia do
capitalismo sendo a causa da desigualdade social (COLÓQUIO DE
CHÂTEAUVALLON, 1985, p. 79):
A desigualdade social eu a encontro desde as primeiras sociedades, antes da própria história,
de modo que a desigualdade se apresenta como um problema fundamental da coletividade
humana. Não há coletividade humana sem desigualdade, sem hierarquia. A desigualdade
econômica é conseqüência da desigualdade social.
Por outro lado, o próprio capitalismo não é uma aventura historicamente
recente. Sempre houve economias-mundo e estas sempre foram capitalistas, mesmo as
que antecederam a Revolução Industrial. Por isso, para Braudel, não existe forma
definitiva de capitalismo. Sendo assim, tanto a desigualdade social quanto o sistema
capitalista são elementos de longa duração, de continuidade, que permanecem na
história das sociedades.
O estudo das civilizações, portanto, permite identificar os elementos relativos
ao tempo da longa duração, que para Lacoste (1989, p. 190):
uma civilização é basicamente um espaço trabalhado, organizado pelos homens e pela história.
Por isso ela é, nos limites e nos espaços culturais, de uma extraordinária perenidade [...] As
civilizações são espaços e podem ser localizadas num mapa
Neste estudo, entendemos civilizações como espaços geográficos que nos
conduzem a uma reconstrução dinâmica e abrangente da geografia do passado, e por
isso aceitamos de Braudel (1996, a,b,c) o conceito de civilização, entendida enquanto
economia-mundo, que abarca não o tempo de uma civilização material, mas o de
espaço em expansão, que, em seu movimento, segue preenchendo vazios e criando
conflitos.
25
Lacoste (1989) afirma que nas obras mais importantes de Braudel, as
representações espaciais estão associadas a movimentos rápidos ou lentos, conforme a
distância. No estudo das civilizações, esses movimentos são resumidos no conceito de
“espaço-movimento” (p.109) onde a velocidade do tempo depende da velocidade do
espaço, da ênfase, em seus estudos, nas trocas, no comércio e no mercado, motores
da velocidade do tempo e da extensão no espaço. Lacoste adverte também para o
“princípio da espacialidade diferencial” na obra de Braudel, onde as diversas
configurações, sejam naturais, sociais, econômicas e culturais não correspondem
umas às outras, apresentando uma série de interseções que denunciam a complexidade
do real (BRAUDEL,1996c, p.53).
As culturas (ou civilizações) são também uma ordem organizadora do espaço do mesmo modo
que as economias. Embora coincidam com estas (particularmente no conjunto das economias-
mundo, em toda a sua extensão tende a partilhar uma mesma cultura, pelo menos certos
elementos de uma mesma cultura, em oposição às economias-mundo vizinhas) também se
distinguem delas: mapas culturais e mapas ecomicos não se sobrepõem sem diferenças, o
que é bastante lógico. Uma cultura procede de uma extensão temporal interminável que
ultrapassa e de longe a longevidade, todavia impressionante, das economias-mundos. Ela é o
mais velho personagem da história dos homens: as economias se substituem, as instituições
poticas se rompem, as sociedades se sucedem, mas a civilização prossegue o seu caminho. A
civilização é o ancião, o patriarca da história do mundo. A cultura é feita de uma multidão de
bens, materiais e espirituais. E para que tudo seja ainda mais complicado, ela é ao mesmo
tempo sociedade, potica, expansão econômica.
Isto posto, nos fundamentamos no conceito de civilização enquanto espaço-
movimento, que inclui a cultura e a economia-mundo ao fazer, no capítulo dois, a
análise da expansão da civilização latina nos trópicos brasileiros, a partir da
urbanização brasileira enquanto elemento da colonização portuguesa.
É importante ressaltar, no método espacial de Braudel, a diferença entre
economia mundial e economias-mundo: sendo a primeira o mercado de todo o
universo, a segunda envolve apenas um fragmento do planeta economicamente
autônomo, capaz de bastar a si próprio onde as suas ligações e trocas internas
conferem certa unidade orgânica, sendo também a soma de espaços individualizados,
econômicos e o-econômicos agrupados por ela. Esse é o caso do Nordeste Oriental
Açucareiro de que tratamos no capítulo três, inserido na economia mundial, mas
individualizado enquanto espaço regional.
Braudel foi influenciado e inspirado pelas idéias de Vidal de La Blache, para a
construção da sua Geo-hisria. No entanto, a sua compreensão de espacialidade foi
26
na direção oposta a dos geógrafos regionalistas formados por La Blache. Enquanto
estes buscavam coincidências para delimitar o espaço regional, Braudel buscava o
sentido inverso das diferentes escalas e suas interseções para a compreensão do
espaço-movimento das economias-mundo.
Apesar do caráter geográfico da obra de Braudel, evidenciado acima, o debate
e a crítica à sua obra permaneceu no campo da história e das ciências sociais. A maior
delas foi acerca do caráter determinista da Geo-história, onde o homem, na longa
duração, é prisioneiro do meio físico e de sua estrutura mental. No último colóquio
que participou em 1985, afirmou que reescreveria a Geo-história se tivesse tempo,
mas ele morreu naquele ano. No entanto, o debate sobre os limites da liberdade e do
determinismo é um daqueles que deverão permanecer até quando a historiografia e a
geografia existirem. A ênfase de sua obra no “tempo geográfico” alertou muitos
historiadores, e permanece como a sua maior conquista pessoal combinar o estudo de
uma longa duração com o de uma complexa interação entre o meio, a economia, a
sociedade, a política, a cultura e os acontecimentos (BURKE, 1997, p.55).
Na relação entre a civilização e o esquecimento, existe oposição, conflito e
complementação. Estando a civilização ligada à expansão dos interesses do mercado
internacional, ou seja, da economia mundial, nesse movimento, algumas cidades
levam vantagens econômicas sobre outras, tornando-se, assim, mais sintonizadas com
a civilização de seu tempo, enquanto outras permanecem à margem desse tempo, na
lentidão de seus lugares. O comércio, os transportes e as vias de comunicação são as
forças propulsoras do espaço - movimento da civilização (BRAUDEL, 1996, a,b,c),
que no Nordeste Oriental, até meados do século XIX, era comandado pelo transporte
fluvial e portuário marítimo, característico da civilização açucareira que ali se
implantou. As cidades que ofereciam as maiores vantagens naturais portuárias
encabeçaram as relações comerciais, tornando-se os centros dessa civilização. Foi o
que aconteceu com Recife, que superou Olinda e estabeleceu o comando da rede
urbana do Nordeste Oriental, tornando-se a cidade mais civilizada e levando ao
esquecimento temporário cidades como a Parahiba, Olinda e Igarassú, para citar
algumas, conforme veremos adiante, no capítulo três.
No mais, o esquecimento tem uma estreita relação com o tempo da longa
duração. As populações esquecidas pela civilização tornam-se mais dependentes do
meio natural para sobreviver, têm pouco acesso às inovações e à tecnologia e por isso
permanecem enredadas em seus tempos ancestrais, como os índios aldeados e os
27
negros, em suas lentas e forçadas inserções na civilização, mas ainda imersos em suas
teias simbólicas ancestrais, construídas durante séculos nas tribos e sistemas culturais
específicos, sendo assim, prisioneiros das estruturas mentais, de acordo com a
linguagem de Braudel, sendo essa uma história lenta e cada vez mais conflituosa, na
medida em que a civilização, ao excluir, cria defasagens culturais difíceis de serem
administradas. Esses conflitos e dificuldades são estudados na perspectiva da análise
da administração das obras públicas na Parahiba, conforme veremos no capítulo
quatro.
Na perspectiva da civilização, enquanto espacialidade material, o tempo,
portanto, é o tempo histórico, empírico e social da economia, da tecnologia e da
ideologia que alavanca o espaço-movimento da civilizão.
1.3.1. Dos métodos para o estudo do tempo histórico
Pesquisamos inicialmente a produção intelectual da Geografia anglo-saxônica
cujo principal periódico sobre esse campo temático, o Journal of Historical
Geography, apontou uma variedade de temas e métodos evidenciando a riqueza deste
campo na Geografia, fornecendo os instrumentos metodológicos para a organização
das informações históricas. Considerando a amplitude teórica e temática da disciplina,
a definição de Butlin (1993, IX) parece muito apropriada (tradução nossa):
A geografia histórica é o estudo das geografias do passado, envolvendo a reconstrão
imaginada de uma ampla gama de fenômenos e processos centrais para a compreensão
geográfica do dinamismo das atividades humanas, tais quais as mudanças de avaliações e os
usos de recursos naturais e humanos nas formas de estabelecimentos humanos e ambientes
construídos, a partir do avanço das diversas formas de conhecimento geográfico e do exercício
de poder e controle sobre povos e territórios.
E a de Darby (1979, 33) também (tradução nossa):
O termo Geografia Histórica tem se tornado cada vez mais identificado com uma abordagem
em que os dados são históricos, mas o método é geográfico. O propósito do Geógrafo
Histórico, de acordo com esta visão, é reconstruir as geografias do passado. Enquanto a
Geografia em si corta através do tempo no presente, a Geografia Histórica corta o tempo em
algum período precedente.
Os estudos de Geografia Histórica foram classificados por Norton (1984, p.27)
em três principais linhas: Os estudos do passado, os estudos das transformações no
tempo, e o estudo do passado no presente. O segundo enfoque, das transformações no
tempo é o que prevalece atualmente sobre os estudos do passado. Nessa linha, muita
28
ênfase é dada à cultura enquanto agente da transformação da paisagem natural ao
longo do tempo, criando as paisagens culturais, sendo a escola cultural de Berkeley a
mais influente nessa linha (p.21). No terceiro enfoque, do passado no presente,
utiliza-se o método de retrogradação para reconstruir o passado através do presente.
Uma espécie de leitura histórica para trás sendo apropriado para estudar as diferentes
leituras e significados da paisagem no tempo.
O nosso enfoque nessa pesquisa é o estudo do passado, onde a técnica mais
utilizada é a cross-section ou corte transversal, que consiste na descrição e análise de
uma paisagem do passado, num período particular, sem referências explícitas aos
períodos anteriores ou posteriores (NORTON, 1984, p.30). Esses cortes transversais
têm o objetivo de orientar a pesquisa documental. Assim, podemos ter vários cortes
de uma mesma paisagem. A utilização desse método tem orientado a geografia
histórica em vários países, cabendo a Darby o mérito de ter desenvolvido o corte
transversal sucessivo (ERTHAL, 2003, p.32). Assim foi definido o método
(DARBY,1979, p. 36) (tradução nossa):
Cross-section (corte transversal) é o estabelecimento das fases sucessivas no desenvolvimento
da utilização da terra. No caso da cidade, das construções. O problema deste método é que os
diferentes elementos da paisagem urbana não mudam ao mesmo tempo e na mesma
velocidade. No entanto o problema é resolvido com bom senso e o método das sucessivas
cross-sections pode ser utilizado, levando-se em conta que elementos serão escolhidos).
No caso da nossa pesquisa, escolhemos para o estudo do passado, ou como
diria Abreu (2000), do “presente de então”, o período de 1822 a 1859. Para a análise
das informações históricas, realizamos o corte transversal tendo por fontes a
bibliografia e os documentos históricos existentes relativos à urbanização, que na
época eram as obras públicas, considerando como elementos da paisagem urbana as
edificações, as pontes, as fontes e as obras urbanas em geral, como calçamento e
iluminação e, principalmente, a urbanização do Porto. Para a identificação dos lugares
urbanos representativos da cidade, escolhemos os eventos sociais, as festas cívicas e
religiosas.
1.4. Tempo do Ser, Paisagem e Lugares Esquecidos
O tempo do Ser a que nos referimos anteriormente fundamenta-se na
fenomenologia, cujo postulado básico a noção de "intencionalidade", ou seja, aquilo
que um objeto é, constitui-se espontaneamente na consciência. Essa noção sugere que
29
cada indivíduo é o foco do seu próprio mundo, que não existe neutralidade científica e
que por trás de tudo está o sujeito, ou a pre-sea (o ente que questiona, na linguagem
de Heidegger). Com este postulado surge uma nova relação entre sujeito e objeto,
homem e mundo, ambos inseparavelmente ligados e onde a consciência não é um
passivo depositário de idéias e imagens, mas ativa, dando sentido às coisas, dando
"significado" (GILLES, 1975).
A fenomenologia é, portanto, fundamentada na própria experiência vivida.
Tanto do observador quanto do observado, sendo o conceito essencial o de "mundo
vivido", entendido como o domínio das evidências originais. É o mundo das
experiências imediatas, onde cada indivíduo descobre o mundo vivido prescindindo
de todo suposto cienfico ou de senso comum. Husserl critica o emprego
indiscriminado das abstrações não apoiadas na experiência, que geram uma
defasagem entre a ciência e o mundo vivido. O rigor do método, portanto, consiste no
" voltar para as próprias coisas". Os fatos devem ser considerados fora de todos os
preconceitos, de todas as teorias que, complicando ou simplificando a realidade,
deforma-a (GILLES, 1975, p.19).
Dartigues (apud HOLZER, 1998), que definia a fenomenologia como o estudo
da constituição do mundo na consciência, via como tarefa da fenomenologia analisar
as vivências intencionais da consciência para perceber como se produz o sentido
dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global que se chama mundo. Por isso, um
primeiro aspecto relativo à reconstituição dos lugares urbanos na Parahiba, na
primeira metade do século XIX, é o sentido do mundo para aqueles que lá viviam, d
a importância da contextualização histórica material e cultural, que o conceito de
civilização pode abarcar.
Relph (1976) foi o primeiro autor a relacionar uma rie de possibilidades de
utilizão da fenomenologia pela Geografia e caracterizava a fenomenologia como
um procedimento útil na descrição do mundo cotidiano da experiência humana. Para
Relph (1976, p.30), o espírito do lugar está na sua paisagem, mas dificilmente pode-se
compreender as experiências dos lugares através da paisagem, que ao voltar a um
lugar, a paisagem pode ser a mesma enquanto a experiência ser diferente, pois a sua
qualidade depende da experiência de “estar dentro” insideness” (RELPH, 1976, p.
49).
Isto posto, as questões metodológicas que indagamos inicialmente para o
estudo dos lugares das vivências cotidianas de uma realidade urbana do passado
30
seriam: Como vivenciar uma realidade que aconteceu? Se o pesquisador deve
supostamente viver a experiência do lugar, como reconstituir o queo viveu?
Quem respondeu a estas questões sobre a experiência do passado, do ponto de
vista da fenomenologia, foi o geógrafo David Lowental em sua obra “The Past is a
Foreign Country(1985), escrito com o objetivo de investigar sobre o sentido e a
necessidade humana de buscar e preservar o passado. Segundo esse autor, é tão
comum pensar o passado hisrico em termos de narrativas, seqüências, datas e
cronologias que estamos aptos a supor que isso é o próprio passado, o que não é
verdade, pois nós é que organizamos as coisas dessa maneira. A habilidade e a
propensão em colocar eventos em seqüências datáveis seria uma aquisição cultural
recente. Fatos históricos são atemporais e descontínuos até serem costurados em
histórias.s não experimentamos o tempo fluir, mas a sucessão de eventos e
acontecimentos. A ordem seqüencial dá a tudo um lugar no tempo, empresta forma e
modelo à história e nos permite viver no contexto dos eventos externos
(LOWENTAL, 1985, p. 219-220). O autor aborda ainda as diversas subjetividades na
relão do sujeito com o passado que investiga: a nostalgia, a memória ancestral, a
reencarnação e a memória cósmica, levando à reflexão sobre as relações
intersubjetivas no processo da pesquisa sobre o passado. Lowenthal (1985, p.185)
observa, assim como vimos em Heiddeger, que: “séculos de tradição repousam em
cada instante de percepção e criação, penetrando não apenas os artefatos e a cultura,
mas cada célula do nosso corpo”. Sendo assim, o passado investigado passa a ser
também, parte da memória de quem o estuda.
Lowental (1985) discute ainda acerca das formas de conhecimento do passado
que são a história, a memória e as relíquias. A memória e a história são consideradas
processos de introspecção, cada uma envolvendo componentes da outra sendo suas
fronteiras nebulosas. A memória pode ser duvidosa, visto que é inteiramente pessoal e
a história, contingente, pode ser testada empiricamente. Diferente dessas,
consideradas enquanto processos, estão as relíquias, consideradas resíduos de
processos.
A intersubjetividade apresenta-se, então, como recurso metodológico na
abordagem fenomenológica do passado, como propõe Holzer (1998, p.32):
A intersubjetividade se revelaria a partir do momento em que o corpo, enquanto complexo
móvel, se põe em contato com o exterior e localiza o outro. Este outro nunca pode ser
31
apreendido de modo direto, é pela intropatia (Einfühlung) que se a relação entre eu e o
outro que é por mim percebido.
De acordo com Capalbo (2007), a intropatia é um termo relativo ao sentimento
interior, usado pelos contemporâneos de Husserl para falar do problema da percepção
dos outros por intermédio dos corpos. Isso significa que o meu Ser pode ser dado
como interioridade e como exterioridade e isso se de uma forma imediata, e o
por um pensamento mediatizado. Esta é, portanto, a maneira pela qual se chega às
evidências originais, ao mundo vivido, de que falava Husserl.
Entendemos ainda que, por trás da concepção de intersubjetividade, está a
idéia de rede. Essa concepção tem seu foco na idéia da Terra enquanto um organismo
vivo autocriativo distinto da concepção mecanicista do planeta inanimado com vida
em sua superfície (SAHTOURIS, 1998, p.73). A idéia de rede une todos os seres
vivos na teia da vida seja do ponto de vista da ecologia como da cultura e de suas
redes simlicas impostas, através das ideologias, sendo a idéia de civilização a mais
poderosa influência na historicidade do Ser. O passado nesse caso é apenas um
aspecto dessa rede.
Sendo assim, os lugares urbanos na cidade, que nos propomos a identificar e
mapear, serão identificados e interpretados a partir da bibliografia, dos documentos e
das imagens disponíveis, fios condutores numa rede simbólica, onde a memória
ancestral, conectada na tradição cultural do pesquisador, em sincronicidade com os
múltiplos fios dessa rede, permite uma maior aproximação com o objeto de estudo, o
presente de então.
1.4.1. A Paisagem entre o Ser e a História
Holzer (2000) chama a atenção para o fato de que, no caso brasileiro,
sobretudo no culo XIX, a paisagem foi observada, descrita e comentada por vários
viajantes europeus que nos deixaram o seu legado. Estes viajantes, deparando-se com
uma realidade diferente das suas, observam-na a partir de seus pprios conceitos,
estruturas mentais e parâmetros culturais, o que leva a uma característica implícita ao
conceito de paisagem: quem a observa. No caso dos estrangeiros, é a observação do
outsider, no caso do nativo, quem vivencia a paisagem, é o insider. Outsider e insider
estão em tempos diferentes e ambos devem ser considerados no estudo de uma
32
paisagem. Tal perspectiva abre caminho para a crítica ao discurso de um determinado
tempo.
Para Cosgrove (apud HOLZER, 1998), a idéia de paisagem representa uma
maneira de ver: “uma maneira pela qual muitos europeus representaram para si
próprios e para os outros o mundo ao seu redor e suas relações para com ele, e através
do qual comentaram suas pprias relações sociais.”
Do ponto de vista metodológico, a utilização do conceito de paisagem no
estudo das leituras de um determinado período histórico, permite a desconstrução do
discurso do presente de então, trazendo à tona o jogo da consciência da vida material
na construção de lugares, que por sua vez, são impregnados de cultura e ideologia
(GROTH, 1997).
Na perspectiva do tempo histórico, ao processo de criação e de representação
de paisagens nos lugares, corresponde uma manifestação material de um tempo, ou
melhor, de um período histórico específico (BAKER, 1992, p. 2). Tal especificidade
pode ser entendida como o sustentáculo da individualidade de uma paisagem. Sendo
assim, o estudo histórico de paisagens deve ser fundamentado na análise das
estruturas materiais, incluindo as atividades econômicas e as atividades sociais
cotidianas. Considerando-se que as estruturas materiais são criadas e recriadas num
contexto ideológico civilizatório e cultural, uma compreensão apropriada da paisagem
deve considerar também a recuperação histórica dessas ideologias. Ideologia, neste
estudo, é entendida enquanto “um sistema de significação que facilita a aquisição de
interesses particulares e que sustenta relações específicas de dominação” (BAKER,
1992, p.3).
Um obstáculo para a leitura de paisagens históricas cotidianas refere-se,
portanto, ao fato de que a maior parte da documentação escrita sobre o passado das
cidades brasileiras nos foi transmitida pelos estrangeiros europeus, os outsiders, e que
até pouco tempo havia uma desconsideração acerca da contribuição que os nativos
tenham dado para a construção da espacialidade brasileira (HOLZER, 2000, p.4), o
que torna ainda mais difícil a recuperação da dimensão cotidiana do lugar no passado.
A paisagem, uma vez construída, impõe significados sendo, portanto, um
símbolo concreto de um tempo ou de vários tempos, conforme as transformações e as
intervenções realizadas. Enquanto um dos elementos que permanecem na longa
duração no estudo de uma civilização, a paisagem pode expressar cotidianos,
costumes, poderes estabelecidos e culturas, de diversas temporalidades, que podem
33
permanecer pela própria força da paisagem e/ou se transformar, ao representar novos
significados e ideologias.
Por tudo isso, devemos, no estudo geográfico do passado, considerar a
paisagem enquanto documento concreto e simbólico, conscientes de que, na leitura da
representação dos diversos tempos ali contidos, existem contextos ideológicos e
culturais específicos. Por ser concreta e possuir historicidade, a paisagem é
documento histórico, enquanto marco da civilização, é ideologia, e por representar
diferentes significados, de acordo com as vivências e usos cotidianos, é
fenomenologia. Sendo assim, a paisagem possui a historicidade de quem a observa, o
empirismo de quem a produz e o sentido de quem a vivencia.
1.4.2. Os lugares urbanos esquecidos
De acordo com Relph (1976, p. 31), a persistência do caráter do lugar é
aparentemente relacionada à continuidade da nossa experiência de mudança, que
serve para reforçar um senso de associação e apego àquele lugar. Os significados
mudam com o crescimento e declínio dos lugares que são redefinidos simbolicamente,
mas quase toda forma de tradição repetida restabelece o lugar e expressa sua
estabilidade e continuidade mesmo em tempos de mudanças violentas, o que vai
depender, no entanto, da facilidade com que os tempos ancestrais se mantém,
particularmente através de rituais e tradições que persistem na longa duração, sendo
estes elementos importantes pistas na reconstituição dos lugares.
Para esse autor, os três componentes fundamentais dos lugares são os
interesses particulares, as experiências e os pontos de vista. Sendo assim, os
significados dos lugares podem ser enraizados nos ambientes físicos, nos objetos e
nas atividades, mas não são propriedades destes, são propriedades das intenções
humanas e das experiências. Trabalhar com o conceito de lugar é, portanto, buscar a
perspectiva do nativo (insider) na construção da origem do sentido, sendo essa
perspectiva adequada para o estudo da dimensão do tempo cotidiano ao qual a escala
do lugar encontra correspondência. No entanto, o próprio autor reconhece que a
essência do lugar o repousa apenas na experiência de dentro que é distinta da de
fora, mas de qualquer coisa que delimita à parte os lugares no espaço e define um
sistema particular de características físicas, atividades e significados (RELPH, 1976,
p. 49), o que torna possível o resgate do sentido dos lugares no passado.
34
Para Tuan (1983), o lugar é um espaço identificado através de fundamentos
orgânicos, cognitivos, afetivos e simbólicos, fruto da experiência individual vivida no
espaço. Sendo assim, interessam no lugar os valores simbólicos, afetivos e cognitivos
que os indivíduos usuários vêm construindo no espaço, a partir de suas práticas
cotidianas.
Holzer (1998) preocupou-se, assim como os humanistas, em definir o lugar
enquanto uma experiência referente, essencialmente, ao espaço como é vivenciado
pelos seres humanos. Um centro gerador de significados geográficos, que para ele está
em relação dialética com o constructo abstrato que ele denomina “espaço”. No caso
da cidade que estudamos, a relação dialética se entre as ideologias implantadas
pela civilização, através, sobretudo, da administração pública e as vivências dos
moradores nos lugares da cidade, sendo esta última o resultado dessa imbricação
simbólico-dialética e a paisagem a sua forma visível.
O contato do mundo europeu com o mundo tropical americano, na construção
da cidade e da vida urbana propriamente, originou, numa época em que a vida social
rural predominava no Brasil, um Ser urbano que, inserido num contexto cultural
impregnado de ideologia civilizatória, buscava sobreviver nesse ambiente tropical
esquecido, construindo e delimitando seus lugares urbanos de interesse e significação,
através de suas práticas sociais. Definimos lugar esquecido como um lugar não
vivenciado por quem o interpreta através da experiência direta, mas pela conexão
fenomenológica com o passado, através da intersubjetividade.
Onde, na cidade da Parahiba, as pessoas estabeleceram seus fios com a teia da
civilização, a partir de lugares urbanos significativos, que lugares e que fios são esses,
é a história que vamos contar e mapear no capítulo 5. Para isso vamos nos deter
inicialmente no sentido do mundo para os habitantes da cidade, considerando a
religião e a urbanização de um lado, enquanto elementos da civilização e, de outro, as
necessidades básicas de sobrevivência, como habitar e trabalhar, bem como os
aspectos da vida social.
35
Capítulo Dois:
A Cidade Brasileira Colonial: Esquecimentos e Processos
Sendo o Brasil um país de formação econômica essencialmente agrária, o
estudo das cidades foi durante muitos anos esquecido pela intelectualidade brasileira.
Isto porque a maioria dos estudos econômicos e sociais mostrava que vida econômica
colonial brasileira girava em torno da produção agrícola de alguns produtos como a
cana-de-açúcar, o cacau, a borracha e o café, nas áreas de maior aptidão agrícola e da
crião de gado nas de menor aptidão. São estudos de hisria, economia e sociologia,
que veremos adiante, e que relacionam o ambiente tropical brasileiro ao
estabelecimento de uma economia agrícola, capaz de tornar o espaço colonizável.
Aos poucos, ao longo do século XX, alguns estudos pioneiros questionaram a
importância da cidade brasileira na formação do país e teve início uma reflexão sobre
as especificidades do processo de urbanização brasileiro, considerando a sua história,
a partir do avanço da civilização latina na América com os portugueses e os
espanhóis.
Vamos entender as razões para o esquecimento da cidade brasileira na
produção intelectual brasileira, rever uns clássicos que questionaram esse
esquecimento e a partir de então compreender os processos de estruturação das
cidades brasileiras do passado.
2.1. Os esquecimentos da cidade brasileira colonial
Um primeiro aspecto que em muito contribuiu para a ausência e o desinteresse
pelo estudo das cidades na formação brasileira foram os relatos de viajantes europeus
durantes os séculos XVIII e XIX. Omegna (1961, p.5) observou que os cronistas
passavam pelas vilas sem perceberem traços marcantes e diferentes, vendo-as com as
mesmas igrejas, as mesmas casas de engenho, as mesmas ruas tortuosas e os mesmos
sobrados, denunciando os mesmos problemas econômicos, religiosos, militares e
demográficos, descrevendo e registrando, num mesmo quadro, cidades situadas em
regiões distintas. Essas descrições, em sendo os primeiros relatos sobre as cidades e a
vida brasileira, influenciaram sobremaneira os estudos urbanos no Brasil e
contribuíram para a ênfase dada aos aspectos negativos das cidades brasileiras do
36
passado. Veja por exemplo como se refere Azevedo (1994, p. 58) sobre o aspecto
social da vida urbana brasileira, no início do Império:
Salvo Rio de Janeiro e Salvador, tais centros urbanos (com menos de 10000 habitantes) não
mereciam realmente a classificação como cidades, no sentido rigoroso e moderno da palavra;
eram simples vilas, quando muito, vilas grandes e pitorescas [...] A vida urbana, sonolenta e
obscura, chocada no funcionalismo burocrático e parasitário e num comércio desconfiado e
ratinhão”, arrasta-se na monotonia das ruas e das estradas, cujo silêncio é apenas quebrado de
longe pelo chiar de carros de bois, pelo tropel de cavalos e burros de carga e pelas cantigas de
africanos e de tropeiros. É toda primitiva, na sua simplicidade rústica, a vida dessas cidades:
negras lavando roupas nas bicas no centro, muares e cangalhas, junto às lojas e animais soltos
pelas ruas, tortuosas e estreitas.
Um segundo aspecto para o esquecimento das cidades é relativo aos estudos
pioneiros que buscavam uma teoria geral para explicar o país. Destacamos aqui os de
Oliveira Viana e de Gilberto Freire, no primeiro quartel do século XX. O sociólogo
Oliveira Viana (1973) buscava, em seus estudos pioneiros, uma teoria social para
explicar o Brasil, e partiu da premissa de que, se a economia brasileira girava
predominantemente em torno da atividade agrícola, a vida social brasileira, por sua
vez, girava em torno das fazendas, dos engenhos, das estâncias e dos currais,
fundamentando assim a tese de que o Brasil era uma civilização agrária.
Em seu estudo, marco científico da produção sociológica no país, Oliveira
Viana (1973) demonstra como a elite das cidades foi migrando para o interior do país
nos dois primeiros séculos da colonização, identificando a origem desse movimento
no sistema de sesmarias. Argumenta que nos três primeiros séculos a vida social
ocorria no espaço rural e que a estrutura da genética parental estava na sociedade
agrária. No quarto século, as propriedades rurais estariam no ápice de suas feições
autônomas, absorvendo as atividades artesanais e industriais e produzindo o suficiente
para a sua auto-subsisncia. O autor argumenta que o comércio sofre com a
autonomia das fazendas, impedindo o florescimento de uma burguesia comercial
capaz de contrabalançar a hegemonia dos proprietários rurais e que a cidade, nesse
contexto, era dirigida por uma casta de magnatas proprietários de terra, que detinha o
direito político. Sobre as cidades brasileiras e a vida urbana, faz referência aos relatos
de viajantes sobre a “mesquinhez das cidades do interior” e sobre a “canalha mais vil
que as freqüenta (IDEM, p.124).
Oliveira Viana é fortemente influenciado pelas teorias raciais da época. Alega
que a poligamia foi fundamental para a potencialidade expansionista brasileira, mas
37
que a propriedade da terra caberia aos elementos etnicamente superiores da massa
emigrante, a começar pela nobreza vicentista, que formou núcleos geminais de novos
proprietários de terra em todo o território, estando assim o seu conceito de
“civilização agrária” inserido num contexto intelectual de forte fundamentação teórica
evolucionista e de ideologia racista.
Outro sociólogo, Gilberto Freire, ainda no início do século XX, publicava nos
Estados Unidos a sua monografia de graduação na Universidade de Columbia
intitulada: “Vida Social no Brasil nos Meados do século XIX”, que viria a dar origem
ao clássico “Casa Grande & Senzala” e cujo cater inovador consistia no uso dos
relatos orais de idosos sobre o século XIX, que viviam nos engenhos nos arredores de
Recife, onde nascera o autor. Novamente apresenta-se uma visão da situação
predominante de um Brasil rural, patriarcal e escravocrata. O caráter inovador dessas
duas obras, de peso na sociologia brasileira, influenciou uma geração de estudos que
privilegiaram o enfoque agrário na formação social brasileira.
Para o brasilianista Charles Boxer (2000), o Brasil era uma civilização agrária,
em função do predomínio do rural sobre o urbano, sendo exceções cidades portuárias,
os centros burocráticos e militares, e posteriormente no século XVIII, as cidades
mineiras, onde uma classe de homens livres, comerciantes, militares, sacerdotes e
funcionários públicos e particulares compunham uma elite urbana.
Em “O Povo Brasileiro” Darci Ribeiro (1995, p.193) argumenta também que
as vilas e cidades do Brasil colonial eram meros centros de dominação colonial e
agências de uma “civilização agrário-mercantil” e que, apesar das imensas diferenças
que mediavam as formações socioculturais européias e brasileiras, ambas eram frutos
de um mesmo movimento civilizatório.
Esses esforços de abstração e generalização teórica, portanto, deixaram pouco
espaço para o estudo das cidades, do urbanismo e do modo de vida urbano na
formação espacial e cultural brasileira, tendência essa que seguiu ao longo do século
XX como aponta Vasconcelos (1997, p. 274):
A discussão dos agentes modeladores das cidades coloniais brasileiras podelevar para o
debate geográfico mais geral das questões atuais a necessidade de trabalhar com categorias
mais detalhadas, considerando que as grandes categorias (como, por exemplo, Capital, Estado,
População) embora possam facilitar o raciocínio, podem também ocultar questões
importantes.
38
Um terceiro aspecto relativo ao esquecimento das cidades é oriundo dos
estudos ligados ao urbanismo e à morfologia das cidades. O estudo de Holanda (1984)
tem sido uma referência fundamental, pois as suas críticas estimularam as reflexões
sobre as singularidades do processo de formão urbana no país, a partir da
comparação entre a urbanização espanhola e a urbanização portuguesa. Segundo ele,
os espanhóis construíram cidades planejadas enquanto no Brasil essas foram criadas
na espontaneidade, na desordem e no desleixo. Tal provocação suscita até hoje
polêmicas e para Delson (1997), foi responsável pela criação do mito negativo da
cidade brasileira sem planificação, diminuindo assim a necessidade da investigão
científica sobre as origens da cidade brasileira ao induzir à generalização de que elas
eram historicamente retrógradas. No entanto, a partir do estudo de Holanda (1984),
desenvolveram-se os estudos críticos sobre a cidade brasileira do passado a partir da
comparação histórica e cultural.
Um estudo pioneiro de Geografia Urbana Histórica, “Cidades e Vilas no Brasil
colonial”, do ggrafo Aroldo de Azevedo (1994), escrito em fins dos anos de 1950,
critica a visão de Oliveira Viana quando este autor refere-se à tendência
antiurbanizante do Brasil colonial, que levava as pessoas a fugirem das cidades para o
campo, num movimento contrário ao que se verificava nas metrópoles. Seu
argumento, no entanto, é matemático, que seu estudo mostra o aumento numérico
das vilas e cidades no Brasil colonial e imperial. Esse estudo, pioneiro na Geografia
Urbana Retrospectiva Brasileira, está fundamentado no conceito de urbanização
enquanto crescimento do número de cidades e o respectivo aumento populacional nas
cidades. Não obstante, ele faz uma comparação do caso brasileiro no contexto da
urbanização mundial e argumenta (AZEVEDO, 1994, p.70):
A geografia geral não nos ensina, comprovadamente que a concentração urbana é um
fenômeno recente, apenas registrado a partir do século XIX? Por que motivo imaginar-se que
o Brasil colonial, na modéstia de sua posição demográfica e com as alternâncias contrastantes
de sua evolução econômica, haveria de constituir uma regra à exceção universal?
Este estudo, ao mesmo tempo em que denuncia a determinão de Oliveira
Viana quanto ao fato de o Brasil ser uma civilização agrária, em função da ausência
de elementos relativos a uma civilização urbana no Brasil, aponta para o processo em
curso no Brasil de uma sociedade agrária para uma sociedade urbana, justificando-se
no aumento do número de cidades.
39
Outra crítica quanto ao aspecto agrário da civilização brasileira veio em
Raízes do Brasil, de 1936. Sérgio Buarque de Holanda (1984, p.18) afirma que a
sociedade agrária brasileira teria sido criada a contragosto, por três razões: não ter
sido essa a intenção que conduziu os aventureiros à América, mas a exploração de
riqueza às custas de ousadia e não de trabalho; a escassez de população no reino, que
permitisse a migração em larga escala para a lavoura na colônia; e, por fim, o fato de
a atividade agrícola em Portugal o ocupar posição de primeira grandeza. O autor
associa a estes fatores, inclusive, ao fato de a lavoura no Brasil ter estagnado e
permanecido sem progressos técnicos durante séculos.
Na crítica quanto à ausência de planejamento nas cidades no Brasil, destacamos
o estudo “Evolução Urbana no Brasil”, de Reis Filho (1968), que contesta os
argumentos de Holanda (1984) de que os portugueses não planejavam as cidades na
Colônia brasileira e mostra que a política urbanizadora de Portugal, até meados do
século XVII, contrastou com a que os portugueses adotaram na Índia e os espanhóis
na América. Comenta ainda este autor que a política francesa no Canadá assemelhou-
se à Portuguesa e que quando os Holandeses estiveram no Brasil adotaram a mesma
ordem portuguesa.
Paulo F. Santos (2001, p.76), em seu clássico livro “Formação de Cidades no
Brasil Colonial”, definiu-nos os três grupos principais de comentadores acerca da
construção da cidade Brasileira colonial:
No primeiro, estão os que consideram tais cidades como não chegando a contradizer o quadro
da natureza, exprimindo bem o desleixo do povoador. No segundo estão os que encaram com
complacência, como exprimindo soluções de canhestra ingenuidade do colono. No terceiro
grupo estão os que consideram um progresso as cidades construídas com traçados regulares.
s aspiramos pertencer a um quarto grupo, partindo do princípio de que a sedução que as
cidades de plano informal despertam no homem moderno, resulta da genuinidade dessas
cidades como expressão sincera da vida, e da sua autenticidade como interpretação de um
sistema de conceitos urbanísticos cujas raízes recuam até os obscuros tempos da idade média
peninsular – mulmana e cristã.
Esses autores, de formação urbanística, são influenciados pelo humanismo de
Lewis Mumford (1961) que combatia a racionalidade abstrata na análise urbana,
mostrando a necessidade da investigação dos processos históricos e culturais
responsáveis pelo tipo de urbanismo que se deu no Brasil.
Aprendemos então que o esquecimento das cidades brasileiras foi resultante da
visão negativa dos primeiros viajantes e cronistas, associados a uma posterior
40
tendência generalizante dos estudos sociológicos e históricos que privilegiaram mais o
enfoque agrário que o enfoque urbano na formação do país e do mito acerca do
descaso dos próprios portugueses com as cidades no processo de colonização. Esse
esquecimento, por sua vez, vem sendo preenchido aos poucos por estudos recentes
que vêm resgatando o passado urbano no país, a partir das particularidades históricas,
que veremos a seguir.
2.2. Os antecedentes da urbanização brasileira
O historiador Frederic Mauro argumenta que as diferenças entre a colonização
portuguesa e a espanhola dizem respeito à etnologia e à história do direito e que
resultam na vocação ultramarina diferente dos dois povos, ambos romanizados por
sar, e faz uma rápida diferenciação entre essas duas formões históricas. A
Espanha, segundo o autor, foi invadida por visigodos romanizados vindos da Gália,
que possuíam um código regido pela Igreja, que controlava a monarquia e que mesmo
com a chegada dos muçulmanos em 711 não foi apagado, sendo restaurado com a
reconquista ( Mauro apud DUBY, 1986, p.150):
Esta matriz natural da Espanha nova de Fernando e Isabel explica a força, em Espanha, desde
o culo XVI, da idéia de Estado, de Império e da Cristandade, assim como o fato do regime
feudal não ter sido tão forte, tão constrangedor como em França ou na Alemanha. Daí a
concepção territorial e religiosa da expansão e não da ambição comercial e econômica….
Quanto a Portugal, continua Mauro (apud DUBY, 1986, p.150), este foi
invadido em 408 pelos Suevos, que eram menos romanizados que os Visigodos e
conheciam menos ainda que a Espanha o regime feudal: “É, portanto, a combinação de
uma tradição mais germânica com as necessidades de um país novo que explica a
prioridade do econômico sobre o político dos portugueses”.
Para o autor, outro aspecto diferenciador da colonização espanhola e
portuguesa foi o papel desempenhado pelos cristãos novos, expulsos da Espanha pelos
reis católicos, que em Portugal exerceram a influência no comércio e na atividade
financeira (DUBY, 1986, p. 154):
Em relação à expansão da civilização latina, há um Estado, Portugal, cujas preocupações o
são essencialmente poticas ou militares, mas agrícolas e especulativas, marítimas e
econômicas, um Estado que não foi atingido pelo feudalismo, e que adota uma visão
modernista do mundo, ou seja, o capitalismo mercantil. Mais uma vez o espírito latino cedeu
41
perante outras influências, influências judias, em particular? Ou devemos falar de uma
admirável adaptação dos Latinos a circunstâncias e exigências novas?
A política colonizadora portuguesa desenvolve-se, portanto, mais levemente
que a espanhola, mas dela se aproxima em muitos aspectos prevalecendo, em ambas, a
tradição romana clássica, pois foi, através da língua latina, que o direito romano
impôs-se por toda parte. A urbanização, enquanto instrumento da colonização, tem
seus fundamentos na legislação vigente em Portugal que, transplantada para os
trópicos brasileiros, adquirira características próprias e influenciara sobremaneira a
cultura política e a administração territorial brasileira (CIRNE LIMA, 2002).
O urbanismo colonial, enquanto instrumento da colonização, contém os
elementos e as heranças da civilização latina que se implantou nos trópicos
brasileiros. O Brasil é, portanto, fruto da mudança cultural que passa a ocorrer no
mundo, quando as cidades estão superando o campo na economia e na cultura,
sobretudo enquanto símbolos nacionais dessa nova ordem civilizadora e capitalista. A
colonização portuguesa impôs a civilização latina nos trópicos brasileiros, através do
Mercantilismo, do Cristianismo e da lingua Latina através dos Direitos Romano e
Eclesiástico (MONBEIG, 1985, p. 26):
A história do Brasil é a de europeus vindos em épocas diferentes de diversos países do Velho
Mundo, com sua herança européia. O meio natural certamente determinou muitas mudanças
em suas cnicas e em suas mentalidades, mas eles conservaram o essencial do
comportamento social dos povos do Atlântico. Cada grande fase histórica da civilização
européia teve um eco imediato no Brasil, que foi sucessivamente dependente, em termos
poticos ou econômicos de todas as grandes potências nascidas nas margens opostas do
oceano. Para compreender o passado do Brasil é preciso olhar freqüentemente para além dos
mares.
Através da língua latina, o direito romano impôs-se por toda parte. Na abertura
do ocidente ao mundo, a Igreja Católica apresentou-se como árbitro das potências
temporais e dos Estados (DUBY, 1986). A sociedade das nações criss medievais
tendeu a dissolver-se em Estados que precisavam ser financiados, colocando a
economia ao seu serviço. Assim, o Ocidente passa, no século XV, da cristandade
imperial para as realezas mercantilistas. Foi, portanto, com uma face latina,
fundamentada, de um lado, na reconstituição do direito romano e, de outro, no
cristianismo, que o ocidente partiu para a conquista de novas terras, deixando como
legado mais importante desta expansão uma herança cultural, cuja mistura de raças
42
criou uma espiritualidade própria e hábitos de vida e pensamentos originais e ricos de
particularismos locais ou regionais e mais tarde nacionais.
Segundo Braudel (1996, a,b,c), foi o Mediterrâneo que impôs o seu modelo de
vida às terras conquistadas, com as suas plantas cultivadas, as regras do consumo, a
religião monoteísta, o conjunto de suas técnicas, de seu equipamento mental e
cultural, sua língua, seu direito, as instituições do Estado e um urbanismo que
afirmava o peso e a autoridade das cidades sobre um território, expandindo, assim, a
civilização cristã ocidental.
Sendo os povos latinos os mais precoces na exploração do além-mar, o
principal papel coube aos portugueses. A posição geográfica em muito contribuiu para
isto, pois na extremidade Sudoeste da Europa, Portugal localiza-se na encruzilhada
entre os circuitos mediterrâneos e os do mar do Norte e Báltico, posição propícia aos
contatos. Descobriram os ventos alísios, que no hemisfério norte sopram de nordeste
para sudoeste.
Devido às forças ltiplas que contribuíram para a formação de Portugal,
existem divergências quanto à exisncia ou não de um sistema feudal em Portugal na
Idade Média. Portugal, fortalecido com a derrota das forças de Castela em 1383,
realiza, segundo Moraes (2000, p.134) a primeira revolução burguesa da história, cuja
viria das classes de mentalidade marítima e comercial leva ao trono a dinastia de
Avis. A coroa, fortalecida, age em consonância com a burguesia, mas também com a
nobreza de base agrária, cuja demanda por terras uniu coroa, burguesia, nobreza e
clero no projeto de “dilatação territorial”: A expansão propiciou terras e mercados,
novos produtos e saques, elevação da honra e aquisição de bens”.
O avanço português nas várias regiões do globo se deu através de um sistema de
rotas onde eram instaladas feitorias. Abrindo as primeiras “estradas oceânicas”,
Portugal foi o precursor da formação da economia-mundo capitalista, através,
inicialmente, de um sistema de trocas comerciais planetário. A colonização
propriamente, executada por iniciativas privadas, inicia-se com a atividade extrativa,
sendo a atividade agrícola canavieira experimentada pela primeira vez em Cabo
Verde, descoberto em 1446, tendo por base produtiva o escravismo negreiro. Ao fim
do século XV, estavam colonizados: Cabo Verde, Açores e Madeira. Desta forma, em
Portugal, a vocação marítima superou a agrícola, conduzindo à vocação comercial,
que veio depois, tornando-se o setor mercantil, no século XIV, responsável pela maior
parte da riqueza do reino.
43
O mercantilismo, por sua vez, passa a estimular a urbanização (MORAES, 2000,
p. 127):
A efervescência mercantil alimenta um incremento da urbanização […] No final do século XIV,
Portugal já possui uma organizada rede urbana, que recobre todo o seu território e um ativo
espaço de relações (onde se sobressai a navegação fluvial de cabotagem e oceânica). Vê-se que o
quadro formativo de Portugal é denso de particularidades adaptações, influências, tradições
existindo grande polêmica acerca da sua caracterização rigorosa. Todos os analistas acatam estar
diante de um jogo de forças múltiplas num movimento de grande dinamismo.
Mas o urbanismo colonial tem pouca importância no Brasil até meados do século
XVI, quando a cobiça estrangeira pelos circuitos além-mar leva Portugal a uma
mudança de política quanto ao Brasil. A necessidade de defesa estimula a colonização
e as experiências agrícolas desenvolvidas em Madeira e São Tomé são desenvolvidas
no Brasil. A colonização vem, portanto, com a urbanização.
2.3. A Economia Urbana Colonial
Foi no rocio das vilas pioneiras que se deram as primeiras práticas agrícolas nos
trópicos brasileiros e introduzidas as diferentes espécies vegetais, agrícolas e animais.
Nelas surgiram também as primeiras engenhocas rústicas para moer cana, embriões
dos engenhos de açúcar, cujo valor comercial passou a atrair cada vez mais imigrantes
para a Colônia. A vida econômica brasileira teve sua origem nas vilas, que
representavam então o esforço prático da vida na colônia tropical (HOLANDA,
1984). Este mesmo autor afirma que, após o sucesso das experiências econômicas
agrárias das vilas e da imigração das elites lusitanas para as áreas onde inicialmente a
cana-de-açúcar se desenvolveu, a vida social passa a se concentrar nas áreas rurais.
Reis Filho (1968) mostra que, nos dois primeiros séculos de ocupação do
Brasil, a cana-de-açúcar representou a atividade econômica mais rentável e que seu
rendimento ficara concentrado quase exclusivamente nas mãos dos empresários
rurais, já que estes não faziam pagamentos de salários e resolviam internamente todos
os problemas relativos à atividade agrícola, e apresenta certas peculiaridades dessa
economia para o desenvolvimento dos centros urbanos: na época de entressafra, por
exemplo, a mão-de-obra disponível era reorientada para construções e atividades
urbanas, e a produção de subsistência, responsável pelo abastecimento urbano,
oscilava de acordo com a cotação da cana-de-açúcar no mercado internacional, ou a
44
presença de pragas no canavial. Qualquer coisa que exigisse uma maior intensificação
do trabalho escravo na lavoura, resultava em desabastecimento urbano.
Se o espaço brasileiro, na condição de colônia servia de retaguarda rural do
mundo europeu e os núcleos urbanos como instrumentos de ação político-
administrativa (REIS FILHO, 1968, p. 92), na rede urbana, os núcleos tinham por
objetivo criar condições para a implantação de uma economia de exportação, sendo
que nos maiores, outras atividades de serviços se desenvolviam, enquanto nos
menores, habitados por colonos, predominava a paisagem rural.
Os mercados urbanos, por sua vez, ficavam à mercê dos negócios de
exportação, que o meio urbano era abastecido pelos excedentes da produção de
subsistência das propriedades rurais, realizada por escravos. Quando essa mão-de-
obra tinha que se dedicar exclusivamente à lavoura de exportação, então as fazendas
também precisavam comprar produtos. Tal dinâmica gerava instabilidade e
insuficiência do mercado de abastecimento urbano, o que, em alguns casos,
significava desabastecimento. Assim, o sistema de auto-abastecimento das unidades
rurais de exportação representava um obstáculo para o incremento dos núcleos
urbanos, cujo mercado não se comportava como o das cidades européias, gerando
mal-estar em muitos cronistas e viajantes europeus.
Para Reis Filho (1968), a ausência de uma economia urbana impediu o
florescimento de camadas sociais urbanas até meados do século XVII, cuja população
permanente era pouco numerosa: o funcionalismo blico, um comércio incipiente e
alguns oficiais mecânicos. Nos pequenos núcleos, o quadro administrativo e político
era bastante reduzido, sendo os membros da câmara escolhidos entre os próprios
colonos. A existência de grande número de habitações destinadas ao uso temporário
dos proprietários rurais demonstra o interesse destes em participar numa política em
que eles eram os maiores beneficiários. Em muitas vilas, as atas antigas das Câmaras
registram simples reuniões sem qualquer conteúdo administrativo. Para Reis Filho
(1968), os núcleos urbanos eram instrumentos dos colonos como meio de afirmação
de camada social e raça, no novo mundo. Ou seja, os colonos eram agentes do
processo de colonização, e os centros urbanos os instrumentos de justiça e de
representação da ordem metropolitana. Sendo assim, para Reis Filho (1968, p.101), os
grandes proprietários constituíam uma camada urbana não apenas por serem
considerados moradores das vilas ou cidades, onde tinham residências e se
beneficiavam do poder, mas pelo caráter industrial e mercantil de suas atividades
45
econômicas, já que estes proprietários rurais eram empresários. Oliveira (1982)
reafirma o poder das cidades sobre o campo no Brasil, que elas concentravam as
trocas e o comércio de exportação, sendo as cidades menores as extensões da
influência de uma cidade maior e, portanto, parte de sua rede urbana.
Omegna (1971, p. 27), por outro lado, argumenta que a cidade, por menor que
fosse, tinha uma missão pedagógica de orientar a vida pública e política. Isso porque
tinham certas tarefas a realizar como ordenar caminhos, regular as ruas, os pesos, as
medidas, o uso da água, o assentamento dos pobres, o rodízio das culturas da roça, a
conservação das defesas, que caberiam ser executadas pelos senhores de terras, pela
Igreja, ou pelo Rei. Para esse autor, apesar do domínio da classe rural, cresciam nas
cidades os grupos políticos, impedindo a dominação absoluta do poderio rural,
fomentando a democracia e a economia urbana.
2.4. Urbanização Brasileira: Processos e especificidades
Entende-se por urbanização colonial, um processo político de intervenção do
Estado Português atrelado às necessidades da colonização. Desde os primórdios da
ocupação do espaço brasileiro, a política de urbanização foi um dos principais
instrumentos do Estado Português para estimular a fixação e a ocupação do espo
colonial brasileiro, sendo a principal estratégia espacial de colonização e, portanto, de
civilização do novo mundo (ROMERO, 2004, p. 100):
O ciclo das fundações é, de modo preciso, o período do desenho do novo mapa do Novo Mundo,
um mundo urbano e intercomunicado, como nunca fora anteriormente. É também o da primeira
ideologia criada por esse mundo urbano: o que negava a realidade de um universo sociocultural
existente de modo inequívoco para propor a criação de um outro novo, segundo o modelo das
metrópoles. Pom, se essa ideologia perdurou e ganhou importância foi porque introduziu no
modelo variantes adequadas às novas situações.
O estudo da cidade brasileira deve, portanto, ser conduzido na busca das
especificidades dos processos sociais fundamentados de um lado numa base legal,
jurídica e administrativa consubstanciada nos direitos romano e eclesiástico, e de
outro numa economia mercantilista, considerando-se as adaptações aos casos locais,
numa base regional. No capítulo três analisaremos a rede urbano-regional que nos
interessa particularmente: a bacia urbana de Recife.
Segundo Reis Filho (1968, p.66), o estabelecimento do regime das Capitanias no
Brasil visava alcançar não apenas a sua ocupação, mas também a urbanização como a
46
solução mais eficaz de colonização e domínio. A política de urbanização de Portugal
fazia parte de um esfoo de descentralização cujas responsabilidades dos centros
menores ficariam ao cargo dos donatários e dos próprios colonos através das maras
municipais. Assim, havia na Colônia brasileira, políticas, planos e ordens adaptados
às condições locais e às necessidades da Metrópole colonizadora de atender à
demanda do mercado externo.
Com a conquista, Portugal transplantou para o Brasil práticas de controle
territorial, adotando um sistema municipalista de base urbana e de raízes romanas,
cujas manifestações materiais foram o arraial (ou povoado), a vila e a cidade. Dentre
estes, os arraiais, ou fogos, tiveram origem espontânea, enquanto a vila e a cidade
surgiram a partir da intervenção direta ou indireta do Estado (ABREU, 1997, p. 213),
como é o caso da Parahiba. Disto resultou uma grande semelhança entre as cidades
brasileiras e as portuguesas.
A implantação das vilas e cidades no Brasil, portanto, foi essencial nos três
primeiros séculos da ocupação territorial, sendo responsável pelo sucesso do processo
de colonização. Quando uma aglomeração surgia, ia galgando diferentes estágios
hierárquicos, num processo norteado pela Igreja, até o momento de criação do
município: uma concentração de moradas com uma capela visitada por um padre até
ser uma paróquia mais tarde, ou seja, uma freguesia, e então alcançar a autonomia
municipal, com o pelourinho, a casa de câmara e a cadeia. Tudo isso era regido
quanto à implantação, orientação e relação com o casario e entre si, pelas mesmas
normas do Concílio de Trento uniformizadas nos anos quinhentos e que tardiamente
foram codificadas, em 1707, como as Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia (MARX, 1991, p. 12).
As cidades e vilas eram criadas com termo e dotadas de rocio. O termo era o
território municipal, dentro do qual se situavam os arraiais ou fogos. O rocio, segundo
Abreu (1998, p. 217), refere-se tanto às terras do conselho municipal, para que fossem
divididas em glebas e aforadas aos moradores, impulsionando assim o crescimento
das formões urbanas, como também às áreas públicas que serviam para pastagens e
o uso comum, de moradores mais pobres, de reservas de lenha e que viriam a ser os
logradouros públicos. Estas terras eram protegidas da Coroa que as fiscalizava,
através dos ouvidores, de acordo com as ordenações. Outra forma de ocupação urbana
nas vilas e cidades era através da doação de sesmarias de chão, pequenos lotes
urbanos para moradia e quintal, livre de dízimo, que este era cobrado pela
47
produção. No entanto, poucos são os registros deste tipo de ocupação, pouco estudado
por historiadores do passado.
As vilas eram erigidas pelas iniciativas dos donarios e as cidades pela Coroa
Portuguesa. Os templos constituíam a edificação mais destacada, conforme a
orientação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Vilas e cidades
diferenciavam-se em muito de arraiais, pois somente nelas estaria a sede de um poder
local, onde se fazia justiça em nome do Rei, que na paisagem urbana era a presença de
um pelourinho.
O ambiente escolhido para a implantação do núcleo urbano, o sítio, em muito
influenciava o ordenamento espacial e tinha que dispor de alguns elementos básicos
para a reprodução da vida, como água potável e terrenos próprios para a agricultura e
para as construções. O transporte exigia a proximidade com cursos d’água, portos,
ancoradouros, rios, mares e baías. O relevo iria condicionar a expansão da malha
urbana e definir áreas socialmente diferenciadas na cidade. No Brasil, a tendência dos
núcleos mais antigos foi de ocupar terrenos elevados, de acordo com as ordens
militares de defesa e controle das vias de comunicação.
As cartas de doação das capitanias declaravam que os donatários podiam criar
povoações. As doações eram distribuídas pelas câmaras, sob a forma de lotes na parte
urbana propriamente dita, na parte central, e na parte extramuros, mais afastada, e
eram concedidas pequenas sesmarias que originariam as chácaras. As concessões
eram feitas num ritual público, para quem melhor alegasse o aproveitamento que faria
do chão “que resultaria no aumento e ornato da cidade”, conforme descreve Sampaio
(apud Reis Filho, 1968, p. 113):
Dado o terreno por carta de sesmaria de que se fazia registro em livro especial, o Tabelião da
cidade dava a posse dele ao concessionário, com as formalidades todas da lei, tomando a este
pela mão, andando a passear pelo terreno de uma parte a outra, tomando a terra e alguns ramos
que nela havia e perguntando em altas vozes, uma, duas, três e mais vezes se havia alguma
pessoa ou pessoas que a tal posse contradissesse, e por não haver contradição, dava por metido
na posse do terreno o concessionário, e disso lavrava um termo que este com as testemunhas
assinavam juntamente com o mesmo Tabelião Público do Judicial e Notas.
Às doações correspondiam algumas obrigações, como o pagamento de foros
às câmaras, que os moradores evitavam pagar, já que os valores eram nimos, sendo
freqüentes, inclusive, os casos de abandono da terra, que eram postas em leilão nesses
casos. Esses esforços elementares funcionavam como estímulos para a urbanização da
Colônia, propiciando controle sobre o crescimento das vilas e cidades.
48
2.4.1. A Legislação Urbana Colonial
As Leyes de Índia” eram as principais fontes de orientação do urbanismo
colonial formal e seus princípios foram aplicados por espanhóis, holandeses,
franceses, ingleses e portugueses. A Plaza Mayor como centro da composição urbana
e do seu traçado em xadrez eram os princípios desse conjunto de leis esparsas,
compiladas posteriormente por Felipe III, no começo do século XVII, quando veio a
ser o principal código legislativo: As ordenações Filipinas, que reproduziremos a
seguir, conforme Santos (2001, p.43):
Desciam as Leys de Índias” no seu livro quarto, tulos quinto e sétimo, a muitas minúcias.
Tratavam da escolha do local para a povoação tendo em vista a salubridade, a terra, o clima,
os pastos, os animais, etc (lei I); das facilidades de acesso e comunicação (lei II); dos seus
habitantes - índios ou cristãos e da condão civil deles (leis III, IV e V); do governo da
povoação com alcaides e regedores (lei VI); da maneira porque deveria ser distribuída a terra
pelos vizinhos, conforme a sua condição, e da jurisdição que sobre eles se concedia ao
povoador (leis VII, VIII, IX, X e XI). O título seis tratava, todo ele, dos direitos dos
descobridores e povoadores. O título sete tratava da qualidade das novas povoações (lei I); se
“cidade”, “vila” ou “lugar” (lei II); da salubridade do terreno circundante (lei III); que se
alijassem os portos que não fossem bons para o comércio e a defesa (lei IV); que se procurasse
a proximidade dos rios (lei V); que o território não se tornasse em porto de mar nem em parte,
se pudesse causar prejuízo de alguma espécie (lei VI); que o território se dividisse entre o que
fizesse a capitulão e os povoadores (lei VII); que se construíssem o templo principal e
outras igrejas e monastérios (lei VIII); do sítio, do tamanho e da disposição da praça (lei IX);
da forma das ruas (lei X); que os terrenos para as casas se repartissem por sorteio (lei XI); que
o se edificasse até 300 passos das muralhas (lei XII); dos rocios para o povo (lei XIII); das
defesas e terras do patrinio e da povoação (lei XIV); que havendo semeado, os povoadores
começassem a edificar (lei XV); que, feita a planta, cada qual armasse toldo em seu terreno, e
se fizesse paliçadas na praça (lei XVI); como dispor das casas (lei XVII); que pessoas
deveriam ir como povoadores da nova Colônia e como deveriam ser descritas (lei XVIII); da
justiça e do regimento (lei XIX); particularidades de execução, Governo e Justiça (leis XX e
XXI); das pessoas que haviam de solicitar a ereção da povoação (lei XXII); caso em que os
naturais da terra pretendessem impedir a ereção da povoação que os persuadisse a consentir
nela (lei XXIII); que durante a construção se evitasse a comunicação com os naturais (lei
XXIV); que não acabando a ereção da povoação dentro do prazo, se pudesse ele prorrogar (lei
XXV); que os povoadores semeassem logo e prendessem seu gado nas cercas, onde não
pudesse fazer danos os índios (lei XXVI). Fazia-se também uma referência aos hospitais que
eram tratados no livro I (título IV, lei II).
49
As Ordenações Filipinas, baixadas em 1603, quando da união das duas coroas
ibéricas, representava um esforço dos juristas em compilar as leis precedentes e
vigoraram por muitos anos, sendo, no entanto, a sua aplicação na cidade muito
parcimoniosa, conforme Marx (1991, p.30), para quem as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia tiveram maior influência, a partir de 1710, quando foram
elaboradas. Primeiras porque foram as primeiras codificadas e realmente aplicadas
por mais tempo e por todo o território e que refletiam a orientação do Vaticano,
unindo a Igreja aos Estados nacionais que se formavam na Europa, passando a
representar as normas aceitas pelo poder temporal.
Para Marx (1991, p. 20) as normas, no que tange à configuração de nossas
cidades, atravessaram todo o período monárquico. Para ele, assim como também para
Vasconcelos (1997), o papel da igreja tem sido pouco destacado nos estudos urbanos,
considerando-se que “seu papel foi determinante na estruturação das cidades” sendo a
Igreja e o Estado os principais modeladores do espaço urbano colonial brasileiro.
Segundo Vasconcelos (p. 270), a relação da Igreja com o Estado se dava através do
“Padroado”, um acordo entre o Papado e a Coroa Portuguesa, em que a mesma
recebia os dízimos relativos à Igreja, e ficava responsável pela manuteão das
despesas da Igreja no Brasil. Segundo Abreu (1997, p. 210):
O dízimo era um ônus sobre a produção um em dez dos frutos da terra e incidia sobre a
agricultura e a pecuária coloniais. Era, na realidade, um tributo eclesiástico, que deveria ser
pago inclusive por quem não possuísse terra, já que, como cristãos, todos os produtores
deveriam contribuir para o programa de propagação da fé. E como gestora da missão
evangelizadora sob a qual obtivera do papado a legitimação de suas conquistas, cabia à Coroa
fazer a sua cobrança.
O Bispado, ou Arcebispado, definia a localização da catedral e das Igrejas
Matrizes, assim como delimitava as áreas territoriais correspondentes (paróquias),
sendo essas as divisões administrativas do passado colonial.
2.4.2. O Traçado Urbano Colonial
Enquanto elemento de longa duração na paisagem, o traçado urbano das
cidades brasileiras remete, sobretudo, ao cristianismo medieval, constituindo-se em
importante elemento para o estudo das vivências urbanas, já que as ruas eram traçadas
a partir do estabelecimento das ordens religiosas e, conseqüentemente, dos trajetos
das casas às Igrejas, adaptando à topografia local os diferentes meios de locomoção.
50
Marx (1991, p. 22) estudou a influência das ordens eclesiásticas, na construção
de edificações religiosas no traçado urbano das cidades brasileiras. Para ele, as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, delegava à Igreja o
desenvolvimento sico de nossos arraiais, vilas e cidades na confecção de sua
paisagem familiar:
A Igreja he cidade fabricada sobre o monte, patente a todos: he candeaposta sobre o castiçal,
que alumea a todos”. As igrejas paroquiais “deveriam estar livres também de casas
particulares e de outras parades, em distância que possão andar as procissões ao redor delas.
Criada por decreto de El Rei, as cidades deveriam, portanto, ficar no alto das
colinas, aumentando assim a confiança do nativo no colonizador. Além disso, nas
ordenanças de Filipe II, de 1573, as Igrejas deveriam ostentar ornamentos para que,
vistas de longe, causassem nos nativos e nos viajantes a impressão de civilização
(OMEGNA, 1961). Assim, além da Igreja destacada pelas alturas, ou seja, pelo sítio
urbano, o arraial passava a ter um espaço livre em volta da Igreja, condicionando
desta feita o tecido urbano, a partir do sistema de ruas e de edificações.
Com o crescimento das cidades a partir do século XVII, quando uma
economia urbana começa a se formar nos grandes centros, a cidade começa a ter
problemas para se expandir além dos centros. Isto porque era cercada de pequenas
sesmarias, em geral chácaras dos conventos que proviam seu abastecimento e que
possuíam edificações que barravam o crescimento urbano. Esse conventos, por sua
vez, tiveram uma importante função social na cidade colonial, como observa
Vasconcelos (1997, p.252):
diante da precariedade das cidades coloniais, sobretudo no início da colonização, serviram de
local de hospedaria, sobretudo para viajantes importantes; serviram também de local de
depósito de dinheiro, e foram transformados em quartéis, desde o século XVII com as
invasões holandesas. Mas, sendo grandes consumidores de terrenos, tanto pelo seu porte como
pelas suas atividades complementares (hortas, estábulos, etc), os conventos tiveram um papel
de ponta na expansão urbana colonial: localizados nas periferias, nos finais dos eixos de
crescimento urbano, tendiam a atrair o crescimento das cidades em sua direção.
Os acidentes naturais representavam obstáculos também para o crescimento
das cidades, como no Rio de Janeiro e Salvador. As áreas de expansão passaram a ser
os caminhos de saída das vilas e cidades, contribuindo para distorções nos traçados
urbanos de muitas cidades brasileiras.
No começo da colonização, o traçado se mantinha regular, mas à medida que
se expandia, a cidade crescia espontaneamente. O controle local, exercido pelas
51
câmaras municipais, manifestava-se por meio das posturas, apoiando-se nos
engenheiros e mestres existentes. As posturas determinavam os arruamentos,
alinhamentos e desapropriações. Alinhamentos eram respeitados em parte e as
posturas caíam no esquecimento. Assim cada um edificava na medida de suas
comodidades, sendo comum invadir ruas e áreas públicas devido ao abandono e ao
desuso em que essas se encontravam.
O tema do traçado urbano colonial brasileiro foi amplamente tratado por Paulo
F. Santos (2001) em sua obra pioneira “Formação de Cidades no Brasil Colonial”,
como resposta à provocação de rgio Buarque de Holanda acerca da ausência de
planejamento no urbanismo colonial brasileiro. Seus estudos suscitaram trabalhos
posteriores, e aqui destacamos os de Murilo Marx acerca da influência eclesiástica na
formação dos traçados urbanos brasileiros.
Para entender a lógica da formação do traçado das cidades brasileiras no
passado, que Santos (2001) chama de cidades portuguesas no Brasil, ele distingue a
dupla origem de cidades vigentes à época da colonizão: a informal da Idade Média
e a formal da Renascença. Partindo de Holanda (1984), que acusou a cidade brasileira
de crescer na desordem e no desleixo, Santos (2001, p.18), ao contrário, questiona a
idéia de ordem, contrapondo a lógica retilínea do tabuleiro de xadrez à “coerência
orgânica, correlação formal e uma unidade de espírito que lhe dão genuinidade”. Tal
crítica tem seus fundamentos em estudos que exaltam os méritos da cidade informal
medieval, numa tentativa de contrapor à racionalidade abstrata do planejamento com
uma perspectiva humanista, como fez, por exemplo, Lewis Munford (1961, p. 260):
Quando o urbanista viu-se livre para desenhar uma cidade inteira, desprezou a variedade das
funções humanas, bem como as limitações estéticas do espaço, tornando-se a vida um
instrumento da ordem e não ao contrário como ainda o era no Renascimento.
Santos (2001, p.19) argumenta ainda que os arquitetos medievos, assim como
os mestres coloniais no Brasil, tinham experiência na irregularidade, visto que esta
trazia soluções e perspectivas na valorização de determinados ângulos para as
edificações:
Em conjunto, o traçado da cidade medieval era logicamente concebido, e expressava com
eloqüência as condições da vida contemporânea. Cada rua, cada passagem, cada ângulo, cada
praça eram lugares urbanos bem conhecidos pelos cidadãos da comunidade. O traçado não era
para eles confuso, senão pelo contrário, funcional, prático, familiar e, sobretudo, intimamente
agradável, como devia ser a amada vila natal.
52
Para esse autor, a cidade colonial brasileira deve ser julgada na perspectiva de
então, ou seja, a partir do aconchego proporcionado pelos trajetos a pé, a cadeirinha e
o cavalo, característicos da cidade medieval. As ruas, nesse processo, vão sendo
traçadas de acordo com as necessidades cotidianas de ir e vir da casa à igreja, do
tanque de água, do despejo de dejetos, das visitas, sendo assim, mais humana e menos
fruto de uma racionalidade abstrata.
Além disso, contribuem para a especificidade da cidade brasileira: a
centralização política gerada pelo absolutismo português, a sua contrapartida, o
Conselho, que representava o coletivo municipal, a Igreja, que unia a todos e
organizava os rituais da vida social nas cidades e o instinto de defesa contra os índios
e os invasores estrangeiros. Os engenheiros militares, por sua vez, contribuíram
sempre para a ordenação e regularidade nos traçados das ruas e na arquitetura erudita,
seja nas cidades planejadas ou nas informais.
Se, para Sergio Buarque de Holanda (1984, p. 76), no urbanismo tropical
americano, “A rotina e a não razão abstrata foi o princípio que norteou os
portugueses” e que “Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre
esse significativo abandono que exprime a palavra desleixo, para Luís Silveira (apud
SANTOS, 2001, p. 46),
a cidade orgânica portuguesa, com suas características medievais, tende para a cidade
perfeita, aquela em que cada um dos elementos exerce função natural, sobrepondo-se, assim,
às plantas em xadrez ou traçados lineares longitudinais, que, freqüentemente, manifestam
incompreensão da cidade como ser vivo, funcional e intelectualmente ativo.
Considerados os processos históricos e humanísticos e traçados os principais
processos estruturadores das cidades brasileiras coloniais, partiremos para o estudo da
Parahiba que, fundada com status de cidade, permaneceu como periferia na bacia
urbana de Recife. Sendo assim, a cidade da Parahiba possuía, ainda no Império, os
elementos típicos das menores cidades coloniais, mesmo sendo capital de província e
desfrutando de um esquema administrativo que incluía ações urbanísticas. Iremos, no
capitulo quatro, analisar essas ões urbanísticas, na busca das especificidades de sua
urbanização.
Antes, porém, trataremos da bacia urbana de Recife, onde estava inserida a
Parahiba, investigando sobre algumas cidades do Nordeste Oriental, no contexto de
uma civilização agrária açucareira que orientou a sua urbanização.
53
Capítulo Três:
O Esquecimento da Parahiba
A Parba do Norte é, como algumas províncias do Brasil, sem importância e esquecida de
todos, principalmente do Governo. Sujeita a Pernambuco, assim no comércio como eclesiástica
e juridicamente, compunge-nos vê-la feita quase que uma colônia desta província.
Esta citação publicada em Joffilly (1978, p. 18) foi o primeiro artigo do
jornalista e escritor paraibano Irineo Joffilly, originalmente publicado na revista
Acadêmico Parahybano, em 4 de julho de 1886. Joffilly é considerado um pioneiro da
ideologia nativista paraibana e por isso expressa a realidade do esquecimento de que
passaremos a tratar neste capítulo. Na busca dos antecedentes deste esquecimento
temos, por sua vez, que situar a cidade da Parahiba em seu contexto hisrico urbano-
regional e necessariamente nos remeter à vizinha província de Pernambuco.
3.1. Açúcar e Urbanização no Nordeste Oriental
Entende-se por Nordeste Oriental a rego que compunha as capitanias de
Pernambuco, Itamaracá e Rio Grande do Norte, e posteriormente as províncias de
Pernambuco, Parahiba, Rio Grande do Norte e Alagoas. O processo de ocupação
desta região, a exemplo das outras regiões brasileiras, deu-se, conforme vimos no
capítulo anterior, de acordo com os interesses portugueses, que eram basicamente
dois: a conquista do território e a inserção econômica no sistema mercantilista,
efetivada a partir da implantação da atividade canavieira. Vimos anteriormente como,
através de Portugal, a civilização latina cristã cruzou os mares e chegou ao Brasil,
impulsionada pelo capitalismo mercantil e pela urbanização que se seguiu. Neste
capítulo, veremos como essa civilizão chegou ao Nordeste, criou a civilização do
açúcar e as cidades.
O Nordeste canavieiro, que vai do Rio Grande do Norte à Bahia e também é
conhecido por Zona da Mata, foi a primeira região a se desenvolver economicamente,
devido a fatores como as condições naturais de clima e solo propícios à atividade
canavieira, a facilidade da navegação favorecida pelas correntes oceânicas e as
condições históricas e sociais que permitiram o florescimento econômico da região,
que, no caso do Nordeste Oriental, teve origem com o estabelecimento da Capitania
de Duarte Coelho.
54
O processo de urbanização nordestino, a exemplo do restante do país, foi
iniciado no litoral, com a implantação de fortalezas para o sistema de defesa. No
século XVI, o interesse mercantilista justificou a organização espacial voltada para a
produção e comercialização da cana-de-açúcar, sendo a ocupação do litoral feita a
partir da ocupação das planícies fluviais onde estava o solo de massapé, ideal para a
sua cultura. O litoral foi ainda ocupado pelos missionários de diversas ordens
religiosas, a partir da construção de capelas e conventos que originavam as futuras
vilas e cidades. Destacam-se nesse processo os Jesuítas, os Beneditinos, os Carmelitas
e os Franciscanos, cujos monumentos religiosos construídos nas cidades,
representavam a civilização cristã que se instalava nos trópicos e orientava o
desenvolvimento físico e social das cidades, conforme vimos no capítulo 2.
Região de engenhos e missões, assim caracterizou-se o litoral nordestino, em
sua ocupação inicial, tendo relevância econômica, política e cultural, além das sedes
administrativas, nas cidades localizadas próximas aos rios, principais vias de
escoamento da produção açucareira no sistema de navegação de cabotagem. Esse
sistema criou regiões econômicas, chamadas de Bacias urbanas por Andrade (1979),
onde a cidade portuária exercia influência até onde a navegação de cabotagem era
possível. Dessas cidades saíam os produtos que seriam reexportados pelos principais
portos para o mercado internacional, bem como os produtos que iriam abastecer o
mercado urbano.
De acordo com Andrade (1979), eram três as bacias urbanas no Nordeste: a de
Salvador, a de Recife e a de São Luís. O sistema de portos fluviais nas bacias
litorâneas nordestinas existiu até a construção das estradas que conduziam a produção
aos principais portos. Além disso, o assoreamento dos rios próximos ao litoral tornou
esse tipo de transporte inviável já na segunda metade do século XIX (anexo 2).
Se a qualidade do solo tornou possível o avanço civilizado da cana em várias
partes do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Ilhéus, a estabilidade de sua
cultura no Recôncavo Baiano e no Nordeste Oriental foi maior pelas excelentes
condições de solo, atmosfera e de situação geográfica, sendo essas regiões as
primeiras a ensaiarem um processo de urbanização.
3.2. A Civilização Pernambucana do Açúcar
55
Nessas manchas de terra pegajenta foi possível fundar-se a civilização moderna mais cheia de
qualidades, de permanência e ao mesmo tempo de plasticidade que se fundou nos trópicos.
(FREYRE, 2004, p. 47).
Para Freyre (2004), o solo de massapé justificou a fixação dos portugueses nos
trópicos, bem como a água abundante e os ventos constantes que possibilitaram o
estabelecimento da civilização moderna mais sedentária que o português fundou nos
trópicos: a do açúcar no Nordeste do Brasil. E não foi apenas a base de uma
civilização regional; na verdade, o massapé foi base física de uma nacionalidade
inteira (IDEM, p.50).
Ao avanço da civilização açucareira, correspondeu a devastação das matas. A
coivara, ou queimada, já praticada pelos índios, foi adotada em larga escala na cultura
nordestina e passou a fazer parte da paisagem civilizada do Nordeste. A rapidez com
que as matas iam sendo destruídas já preocupava Duarte Coelho ainda no século XVI,
tamanha a violência praticada. Poucas madeiras eram aproveitadas na indústria
canavieira e de construção, em comparação com o tanto que simplesmente queimava.
Cercas de madeira de lei eram construídas e criou-se uma crença de que tamanhas
matas não iriam se acabar. Tal cultura afastou o homem civilizado do seu meio
natural, tornando-o incapaz de reconhecer as árvores, os animais e os demais
elementos de seu meio, o que foi constatado por viajantes estrangeiros, responsáveis
pelos primeiros estudos sobre o meio natural brasileiro. Esse conhecimento da
natureza ficou restrito ao caboclo descendente de índio e ao negro quilombola que
precisava da floresta para se esconder, cultivar a policultura alimentar e obter o
máximo conhecimento junto aos nativos para as atividades extrativas e de moradia,
tendo o mocambo tornado-se tão ecológico quanto às palhoças indígenas. O
mocambo veio a ser moradia para as populações mais pobres nas cidades,
representando o extremo social da vida urbana nordestina, onde num extremo ficavam
os sobrados e no outro, os mocambos. (Freyre, 2004, p. 83).
Singularidades históricas e sociais explicam porque a Capitania de Pernambuco
prosperou tanto, enquanto outras não. Para Freyre (2004, p.129), a capitania de
Pernambuco foi a mais bem-sucedida porque a conquista por Duarte Coelho foi de
uma colonização criadora, pois ele se afeiçoou à terra, animado por um sentido
profundo de permanência e não apenas de aventura, como a maioria dos colonos que
só queriam desfrutar e deixar tudo destruído. No século XVI, a capitania de Duarte
Coelho ganhou relevo inicialmente nas várzeas do Rio Capibaribe onde, estabelecido
56
um importante “nervo” da população colonial, criou raízes a primeira aristocracia
brasileira de senhores de engenho e povoaram-se as margens com sucessivas casas
grandes, ligadas pelo rio e pelos casamentos, que foram se consolidando.
As sesmarias e datas de terras, concedidas pelo primeiro donatário Duarte
Coelho, seguiram as várzeas e margens dos rios em Pernambuco, atingindo a
Parahiba, onde a lavoura canavieira nasceu nas margens e planícies fluviais do rio
Paraíba, seguindo ao norte para a várzea do Mamanguape. Em se tornando as regiões
mais dinâmicas economicamente, em função da cultura canavieira, elas vieram a ter
os principais centros urbanos, denominados pelos rios que lhe deram origem.
A civilização do açúcar no Nordeste criou nesta região, juntamente com a casa
grande nobre, característica dos engenhos, o seu tipo de aristocrata, o seu tipo de
escravo e o seu sistema regional de relações entre senhores e escravos. No entanto,
assim como o engenho nasceu para a literatura quando quase não existia, o
senhor de engenho virou personagem histórica quando estava reduzido a
bangüêzero e fornecedor de cana (MELLO, apud NOVAIS, 1997, p.391).
Descreveram-nos os viajantes e posteriormente os seus descendentes, a partir de
diários familiares, naquilo que Mello (apud NOVAIS, 1997) denominou de nostalgia
senhorial, onde a família patriarcal era, sobretudo, o produto de uma concepção
autoritária da natureza das relações entre seus membros, que ocorria tanto na casa
grande rural quanto nos sobrados urbanos, onde os homens de negócios não eram
menos patriarcais que os senhores de engenho.
Na primeira metade do século XIX, o patriarcado senhorial dos engenhos de
cana-de açúcar estava no auge. De acordo com Freire (1985, p.62), Pernambuco teve
um aumento na produção de açúcar de 10.000 toneladas, em 1821, para 70.000, em
1853, sendo Recife o mais importante mercado açucareiro do Império. Do Recife ao
Rio Una estendiam-se, em 1855, cerca de trezentas grandes plantações de cana-de-
açúcar, cujas técnicas eram ainda rudimentares e rotineiras, fabricando-se o açucar
mascavo de inferior qualidade (ANDRADE, 1979, p.73). De acordo com Hadfield
(apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1993, p.179), que escreveu em 1854, o bem-estar
da região devia-se aos proprietários das áreas maiores serem dedicados e
empreendedores e não terem o fardo de dívidas e hipotecas como nas Antilhas,
cultivando suas próprias terras, vivendo entre os trabalhadores, superando
dificuldades locais que não seriam superadas por agentes pagos ou procuradores,
como ocorria na Jamaica e ilhas adjacentes durante os períodos de prosperidade.
57
Sendo Pernambuco a mais importante província do Nordeste Oriental, graças
ainda ao úcar, seus políticos gozavam de grande influência no Rio de janeiro na
primeira metade do século XIX. Entretanto, a concentração fundiária em Pernambuco
era tal, que um terço dos engenhos era propriedade de uma única família: os
Cavalcantis. Desse modo, a totalidade dos pernambucanos dependia direta ou
indiretamente de um punhado de famílias que conduzia a sociedade tendo em vista
exclusivamente os seus interesses. Dada a importância de Pernambuco desde a época
colonial, ali se concentrava um numeroso grupo de comerciantes, na maioria
portugueses, que monopolizava as trocas mercantis. A concentração da propriedade
fundiária e a monopolização do comércio pelos portugueses foram os fatores de
permanente insatisfação das camadas populares em Pernambuco.
Em Pernambuco, os partidos Liberal e Conservador eram representados pelas
principais oligarquias da época: os Cavalcanti e os Rego Barros que, apesar das
diferenças partidárias, faziam acordos políticos com muita facilidade. Assim,
Francisco de Paula Cavalcanti tornou-se presidente da província em 1837, através de
um acordo com os Rego Barros; e, em 1840, foi a vez de Francisco Rego Barros
(Barão da Boa Vista). Os Cavalcanti de Albuquerque possuíam maioria absoluta no
Senado do Império, onde a província tinha cinco cadeiras.
Em 1842, membros do Partido Liberal se rebelaram e fundaram o Partido
Nacional de Pernambuco - que seria conhecido como Partido da Praia. Esses
inconformados pertenciam a famílias que haviam feito fortuna em época recente, ao
longo da primeira metade do século XIX, e tinham como eleitores senhores de
engenho, lavradores, comerciantes e bacharéis. Eles deixaram claro o motivo de sua
atitude: acusavam o presidente da província Rego Barros de distribuir os melhores
cargos administrativos somente entre os membros do Partido Conservador e a cúpula
do Partido Liberal, isto é, os Cavalcanti e seus aliados mais próximos. E, segundo os
praieiros, faziam o mesmo com os contratos de obras públicas, consideradas inúteis.
Segundo Mello (apud NOVAIS, 1997, p. 400), a revolução praieira foi:
Movimento que constituiu manifestação precoce do antifamilismo político, menos por causa de
mudanças de mentalidade ou de reivindicações populares do que por causa da exigência de
setores da oligarquia rural, marginalizados ou insuficientemente representados pelo sistema de
poder que dominava a província.
A parentela, ou política familiar tem na cultura patriarcal a sua principal
característica, constituindo-se em elemento fundamental dessa civilização açucareira
58
pernambucana. Mello (apud NOVAIS, 1997, p. 414), cita um texto de Nabuco de
Araújo, de 1848, onde ele defende o domínio da família na política imperial como
sendo uma coisa natural:
não é obra do poder ou da revolução, mas precede da natureza das coisas. É a influência que
sempre teve e de ter uma família numerosa, antiga e rica e cujos membros sempre figuraram
nas posições sociais mais vantajosas. Esses Cavalcantis antes de nossa emancipação política
(independência) figuravam como capies –mores, tenente-coronéis, coronéis e oficiais de
ordenanças e milícias e em todos os cargos da governança. Os engenhos que a maior parte deles
tem...vos damos fiança que um terço deles pertence aos Cavalcantis. Nessas circunstâncias e
com esses predicados e elementos e no estado normal da sociedade, é impossível que essa
família o exerça influência. Uma família antiga, rica, numerosíssima, composta de membros
que sempre ocuparam as melhores posições sociais ....só não terá influência quando a sociedade
estiver transtornada, quando todos esses elementos de uma influência regular e legítima
estiverem obliterados pelo predomínio da violência, pela confuo da anarquia, pelo
revolvimento da sociedade.
Ainda segundo Mello, o patriarcalismo tem seu correspondente social na
aristocracia renascentista e não há relação com a ruralidade, que tanto na casa
grande como no sobrado urbano o patriarcalismo era o mesmo, haja vista a classe de
homens de negócios portuários serem tão patriarcais quanto os senhores de engenho,
tendo apenas ficado menos expostos às deformações que a escravidão impunha à
família rural.
A relação que existia entre os senhores de engenho e a “praça” do corcio, ou
seja, o mercado recifense, se dava através do correspondente, que comercializava as
safras e fornecia os suprimentos que careciam os engenhos. Esta relação extrapolava,
em geral, o âmbito comercial, para incluir quase todos os vínculos entre o proprietário
e a praça, incluindo os vínculos sociais, sendo o correspondente o responsável direto
por todos os assuntos do senhor na cidade (NOVAIS, 1997, p. 422).
Tudo indica que o patriarcalismo brasileiro era semelhante ao da península
ibérica, sendo, portanto, um dos elementos da civilizão latina nos trópicos.
3.3. A Bacia Urbana de Recife
No Nordeste Oriental, Olinda e Recife foram as principais cidades a
comandarem a rede urbana, formando centros culturais promissores juntos aos
estuários dos rios, que formavam a rede de transporte e comunicação, a partir da
navegação de cabotagem. Do conjunto Olinda-Recife, que se constituiria como a área
59
central da Capitania de Duarte Coelho, partiriam expedições para o sul e para o norte,
povoando alguns pontos ao longo dos vales dos rios, que viriam a ser vilas e cidades.
Ao sul de Recife, antes da invasão Holandesa (1630), já havia as povoações de
Muribeca, Cabo, Ipojuca, ocupadas por índios e brancos e alguns aldeamentos
indígenas. Para o oeste, em direção às matas, nas várzeas do Rio Capibaribe, havia
São Lourenço da Mata e Santo Antão da Mata. No território alagoano, então parte da
capitania de Pernambuco, existia uma série de povoações como Porto Calvo, no
vale do rio Manguaba, a de Alagoas, na lagoa de Manguaba hoje Marechal
Deodoro, a de Atalaia, ao oeste, habitada por indígenas, e Penedo, na margem do Rio
São Francisco. Para o norte, a expansão pernambucana provocou o surgimento de
Goiana, que por muitos anos disputou com Itamaracá a sede do Governo da Capitania
e as cidades de Felipéia de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, e Natal,
fundada em 1598. Em Itamaracá, havia pequenas povoações. Na Parahiba, havia uma
série de pequenas vilas, oriundas de aldeamentos indígenas, como Alhandra, Conde,
Baía da Traição e Montemor, que viria a ser Mamanguape, e pequenas povoações
como Taipu e Pilar (ANDRADE, 1979, p. 24).
A partir dessa regionalização histórica proposta por Andrade e dos estudos de
Gilberto Freire, Mário Souto Maior, Leonardo Dantas Silva e Evaldo Cabral de
Mello, que organizaram e compilaram os principais estudos realizados sobre
Pernambuco, na primeira metade do século XIX, a partir de autores como Antônio
Pedro de Figueiredo, João Alfredo Correia de Oliveira, e dos relatos de viajantes pela
região como Koster, Tolenare, Henderson, Gardner e Hadfield, além do engenheiro
francês Louis Léger Vauthier, aprendemos que Recife comandava os negócios em sua
praça comercial portuária, que Goiana era a principal cidade em sua área de influência
mais próxima, que Olinda já estava decadente e esquecida no período, constituindo-se
mais como um bairro de Recife, e que a Parahiba era uma periferia açucareira de
Pernambuco, portanto, à margem do espaço-movimento da civilização do açúcar, mas
que nem por isso era menos influenciada por esta civilização.
3.3.1.A cidade de Recife na primeira metade do século XIX
Com a abertura dos portos para as nações amigas em 1808, Recife, que possuía
uma população de 25 mil habitantes, veio a se tornar o maior centro portuário
canavieiro da Colônia, e depois do Império e, portanto, uma metrópole nacional à
60
época, sendo visitada por muitos viajantes e por isso uma das cidades brasileiras mais
bem descritas no século XIX.
Hadfield (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992, p. 177) lembra quando
aportou no Recife pela primeira vez aos vinte anos, em 1821:
o desembarque entre rostos estranhos de toda possível e diferente cor; as ruas curiosas e as casas
singulares e habitadas por gente de cor tão diferente daquela deixada para trás todos gritando
aparentemente ao máximo de suas vozes, enquanto centenas de papagaios coloridos e outros
animais multicores, tudo a agravar o extraordinário e perpétuo ruído, sendo tal cena, como se
pode imaginar, para ficar gravada indelevelmente neste espectador pelo resto de sua vida.
No seu texto: Pernambuco 1854, Hadfield (apud SOUTO MAIOR & SILVA,
1992, p.178) assim descreveu a cidade de Recife, para onde retornou e que ele
chamava de Pernambuco:
Em geral a cidade é bem construída. Altas casas brancas com telhados vermelhos, amplas
varandas e janelas por onde corre a brisa; por milhas e em todas as direções para o interior
existem sítios confortáveis, alguns imensos, construídos com considerável bom gosto. Quando
pela primeira vez estive aqui em 1821 existiam apenas duas ou três carruagens já superadas
pertencentes a igualmente superados portugueses...há agora 200 veículos de todos os tipos e
tamanhos, alguns muito bons para alugar....Em todos os aspectos Pernambuco tem sido cidade
o próspera como também progressiva, tanto assim que alguém que fosse visitá-la agora
pela primeira vez dificilmente acreditaria ser ela a mesma que Koster, relativamente pouco
tempo atrás descreveu como tendo lojas sem janelas, recebendo iluminação apenas pela porta,
o havendo distinções no comércio nem regulamentações municipais que assim pudessem ser
chamadas.
Gardner (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1993, p.142) descreveu assim a
cidade de Recife em 1840:
A cidade divide-se em 3 grandes partes: a do comércio principal está situada em uma lingua de
terra que se projeta de Olinda entre o mar e um rio e chama-se Recife; outra ocupada
principalmente por lojas e contendo o Palácio do Presidente, ergue-se em uma ilha e é conhecida
pelo nome de Santo Antônio; a terceira, chamada Boa Vista, constituída principalmente por uma
rua, assenta no continente e em tudo é a mais bela do conjunto. Ligam-se todas por duas pontes
de madeira. Como Pernambuco está situado na parte mais oriental do continente americano, fica
completamente exposta à influência das monções e goza, por isso, de clima fresco. É
considerado mais saudável que o Rio ou a Bahia. Contém muitos poucos edifícios públicos com
duas ou três igrejas; e ao tempo de minha visita não contava com um hotel digno de menção. O
Palácio que hora se executam os trabalhos do governo da Província foi outrora o colégio dos
jesuítas e está edificado à beira do rio: é um casarão de aspecto tristonho com paredes de grande
espessura.
61
A vida urbana de 1840 a 1850 na cidade havia se requintado com o governo do
Barão da Boa Vista, educado em Paris, que assumira a presidência da Província em
1840. Se o viajante Henderson, em 1820, escrevera das dificuldades do governador na
promoção de bailes públicos nos quais poucos freqüentavam sendo “os habitantes,
pela pouca relação com o mundo, ainda inimigos de qualquer sistema social refinado
(apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992, p.113), as recepções do Conde da Boa Vista
nos anos 40 e as apresentações do Teatro Santa Isabel, recém-construído, nos anos 50,
exibiam o luxo inspirado em modelos europeus. No Nordeste, somente a cidade de
Salvador rivalizava com Recife em riqueza.
No sobrado urbano da classe alta, por exemplo, o número de escravos era de 15
a 20 que preparavam tudo em casa: confecção de roupas e utilidades em geral,
destilação de vinhos, fabrico de doces e bolos (anexo 3). A dona de casa ocupava-se
integralmente das atividades e raramente saía de casa, somente com o marido
(FREIRE, 1985). A ausência das mulheres na vida pública brasileira, com exceção de
alguns eventos sociais, é bastante notada pela maioria dos viajantes, sendo inclusive
um costume comparado à cultura mourisca na península ibérica.
Apesar de ser a terceira cidade do país em importância econômica à época, a
questão da sujeira das ruas afastou, por exemplo, Gardner, naturalista e médico, do
centro do Recife em meados do século XIX, que mudou para as margens do Rio
Capibaribe. Ave-Lallemant, em 1859, após referir-se à sujeira das ruas do Recife,
acreditava que a classe alta sabia evitar esses inconvenientes da cidade, morando no
campo (apud AQUINO, 1980, p. 62).
Essa questão, no entanto, não era uma característica somente de Recife. Freyre
(1985, p. 128) encontrou a seguinte descrição do Rio de janeiro, feita por Ewbank em
1845: “Uma cidade imunda, na qual pode-se dizer, não havia ar, nem luz, nem
esgotos, nem limpeza das ruas. Uma cidade construída sobre pântanos, onde os
mosquitos proliferavam livremente”. Ewbank acrescentou: Nesse particular, o Rio é
o que Lisboa é e o que Edimburgo costumava ser”. A fonte pública era
considerada arcaica na Europa, enquanto no Rio de Janeiro havia escravos
carregadores de água e os tigres, que despejavam os dejetos nos rios e mares e que
trabalhavam sem parar na cidade. Este mesmo viajante passou um dia inteiro na
Secretaria de Obras Públicas à procura de documentos sobre o grande aqueduto
carioca e nada encontrou (EWBANK, 1976, p. 209). Para ele, que descreveu o
Imperador como um cacique moderno (p.211), o catolicismo tal qual se apresentava
62
no Brasil era uma barreira ao progresso, numa refencia aos nichos nas esquinas,
adorados pela população como se fossem “diminutas divindades” e a colocação das
casas, comércios e edificações sob a proteção de algum santo, o que para ele era
considerado uma prática pagã (p. 143) (anexo 4).
Henderson (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992, p.107), ao descrever a
ponte da Boa Vista em Recife em 1820, assim se refere:
Possui em cada extremidade um arco de pedra elegantemente construído, acima do qual existem
pequenas capelas , nichos e santos onde são celebradas missas. Na rua, em frente aos nichos com
as imagens dos santos, muitos habitantes se prostam ao anoitecer, por algum tempo, numa
atitude de devoção.
Nos arredores de Recife, na parte continental a partir do bairro da Boa Vista,
iniciava a área rural, ou seja, o campo, para onde fugiam os moradores da cidade em
busca dos banhos de rio, onde os canaviais ocupavam a extensa várzea do rio e onde
também proliferavam sítios e roças. Ou seja, o rural e o urbano conviviam em certa
harmonia numa cidade que era, no século XIX, a terceira do país. Sobre a expansão
suburbana da cidade, assim descreve Mello (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992,
p. 195):
Entre 1782 e 1850 a população recifense passou de 18000 a 70000 habitantes. Nesse período, a
cidade ultrapassou os limites holandeses, que eram os mesmos até o final do século XVIII. Nesta
época, incorporou-se à cidade a várzea do Capibaribe, indo da Madalena e Boa Vista até a
Caxan e Várzea, retalhando os antigos engenhos, loteados a partir de 1840. A motivação
inicial era a cura e os banhos de rio, ou seja, a fuga das condições anti-higiênicas. Além disso,
somavam-se os problemas decorrentes do preço do açúcar que estimulou o loteamento de
antigos engenhos e a expansão suburbana.
Waterton, que esteve em Pernambuco em fins de 1816, observou que os banhos
de rio eram do gosto de todos os habitantes da cidade, ricos e pobres, jovens e velhos,
estrangeiros e nativos. Tolenare observava em suas notas de domingo: “O prazer de
que se parece desfrutar com mais sensualidade é o dos banhos” (apud SOUTO
MAIOR & SILVA, 1992, p.197).
Annio Pedro de Figueiredo, escritor, professor e crítico literário
pernambucano, nascido pobre em Igarassu em 1821, tornou-se amigo do engenheiro
Francês Louis Léger Vauthier, diretor de obras públicas da província, de quem muito
aprendeu sobre as idéias reformistas e socialistas do francês, e escreveu
detalhadamente sobre a cidade em 1857 (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992,
p.169):
63
A divisão das três partes da cidade pelos dois rios -lhe um aspecto raro e encantador, cuja
beleza singular torna-a sob a relação da natureza uma das mais lindas cidades conhecidas [...]
que pode vir a ser, sob a dupla relação da arte e da natureza, a mais bela cidade do mundo. [...]
A cidade, em virtude de sua situação topográfica, podia ter canos de esgoto em todas as
direções, e ser uma cidade eminentemente asseada, a xícara de prata da América meridional,
nem por isso é mui limpa, especialmente em tempo de inverno. Sem embargo da fecundidade
do terreno e do sistema de plantar árvores nas ruas, praças e cais, hoje geralmente adotado em
todos os pses, nada se tem feito entre nós a este respeito.
As críticas de Antônio Pedro, um nativo apaixonado pela sua terra, confirmam
os relatos sobre a sujeira, a falta de saneamento e de paisagismo. Um outro problema
sério na cidade era o fornecimento de água potável. A água de poços era salobra na
cidade e, por isso, dependia do fornecimento do Rio Beberibe, a partir de Olinda: “a
câmara de Olinda era a primeira a reconhecer que as águas eram mui impuras devido
a plantas aquáticas, bichos e mil outras imundícies que na represa do Varadouro se
corrompem” (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992, p. 211).
Tais relatos sobre as cidades brasileiras, influenciaram sobremaneira a ênfase
dada aos aspectos negativos das cidades. Freire (1985, p. 48), por exemplo, quando
escreveu em 1922, comenta que os sociólogos se prenderam mais aos aspectos que ele
considerava menores, como a grosseira técnica de produção do úcar, o desprezo
pela higiene pública, a corrupção do clero, a falta de gosto literário e preferência pela
retórica e a quase total ausência de pensamento crítico entre as elites, e referiu-se aos
meados do século XIX como sendo de lento, mas definido progresso material,
argumentando sobre o progresso e bem-estar econômico do Império, a partir do
aumento das exportações e da relativa paz política. A isso acrescentamos o
crescimento das cidades e o seu ordenamento através das obras públicas (anexo 5).
3.3.1.2. O Engenheiro Francês e as Obras Públicas
A presença do engenheiro frans Louis ger Vauthier, contratado pelo Barão
da Boa Vista para chefiar as obras públicas na província de Pernambuco de 1840 a
1846, juntamente com a sua equipe técnica, sendo recém-formado na Escola
Politécnica de Paris, considerada a mais adiantada do mundo foi, de acordo com
Freire (1960), um grande estímulo à influência francesa na região.
Além disso, o estudo sobre as suas ações e reflexões acerca das obras públicas
na província de Pernambuco nos fornece subdios para a análise do cotidiano deste
64
setor da administração pública na província de Pernambuco, de forma a auxiliar na
compreensão deste setor da administração também na Parahiba, o que faremos no
próximo capítulo.
Dentre as realizações de Vauthier destacam-se o Teatro Santa Isabel, a ponte
Caxangá e a de Santo Amaro de Jaboatão, estradas planas, aterros urbanos para evitar
as umidades das habitações, sepultamento em cemirios por enterramento e uma
repartição organizada, com todo o instrumental necessário ao andamento de planos e
projetos de engenharia social, que contemplava um plano regional de melhoramentos,
enriquecido com mapas, plantas, perfis e desenhos, estatísticas e cálculos. Sua
repartição era diferente, operante e dinâmica.
As obras, por sua vez, não caminhavam com a rapidez que desejava, devido ao
sistema de arrematação, por ele considerado inadequado para as condões de
urgência de um país que precisava se modernizar e, sobretudo, investir em estradas e
pontes. Argumentava Vauthier que as obras por arrematação fragmentavam-se,
dispersavam-se, espalhavam-se por várias mãos, com sacrifício da unidade e da
perfeição (FREIRE, 1960, p. 390). Ao governo não era possível senão a construção
um tanto morosa de uma ou outra obra de reparo dos arrombos das cheias e de
prevenção contra novas enchentes, um ou outro reparo de edifícios, uma ou outra
ponte ou cadeia do interior, enquanto o trabalho das estradas avançava sempre aos
poucos e não com a rapidez desejada pelo engenheiro. Vauthier revoltava-se ainda
com as irregularidades no pagamento quer das arrematações, quer das obras
administradas. Não o andamento das obras sofria com essa irregularidade, como os
licitantes ou concorrentes às arrematações tornavam-se poucos, o que naturalmente
aumentava o preço das obras. No seu relatório de 1846 (ibidem, p. 361) dedica
páginas de análise sobre os dois processos, o de arrematação e o de administração,
inclinando-se sempre para o de administração, uma vez que este método impunha
maior unidade de direção, o que neste caso demandaria uma eficiente direção na
administração das obras públicas.
Mas as suas preocupões não eram meramente cnicas. De acordo com Freire
(1960, p. 228), ele foi um dos pioneiros na América das “Policy Sciences”, isto é,
tentativa de aplicação de ciências sociais à administração blica. No entanto, essa
influência não se fez sentir sem atritos, ressentimentos e choques, em conseqüência da
competição com agentes de outras culturas e, principalmente, com os cnicos
65
nacionais, os burocratas e os políticos oposicionistas da terra, a exemplo das críticas a
ele pelos revoltosos praieiros, de tendência liberal.
Contudo, a sua presea influenciou muitos intelectuais, a exemplo de Antônio
Pedro de Figueiredo, alguns senhores de engenho e políticos, sobretudo pela sua
competência técnica, prontidão das obras executadas, detalhamento dos relatórios das
obras por ele realizadas na província, que muitas vezes irritavam os políticos pela
clareza de sua compreensão quanto aos processos políticos e sociais que impediam o
desenvolvimento da província. O seu nome, portanto, está intimamente ligado ao
período áureo da civilização açucareira pernambucana e seus relatórios constituem um
acervo inestimável da memória da administração das obras públicas no nascente
Império do Brazil.
Antes de Vauthier, no governo de Francisco de Paula Cavalcanti, em 1830,
havia estado na província o engenheiro alemão Bloem, um sargento prussiano. Ele foi
chamado para realizar melhoramentos no porto e iniciou um plano de europeização e
modernização, dentro da mesma preocupação da câmara municipal de alargar ruas,
alinhar edifícios, acabar com altos e baixos. Depois de Bloem, veio o francês Boyer,
que deu continuidade a esse trabalho, mas que, segundo os críticos da época, nada
fizera. A sua obra do cais do colégio, feita em 1837 já estava arruinada quando
Vauthier chegou em 1840.
Em 1839, a câmara havia votado as leis de “Architectura, Regularidade, e
Aforamento da cidade”, uma série de posturas bastante avançadas e, na mesma época,
chegou à cidade uma companhia de trabalhadores e mecânicos da Alemanha, uma
equipe técnica de 105 artistas e técnicos de diversas habilidades (FREIRE, 1960).
A suburbanização da cidade no continente foi um primeiro estímulo à abertura
de estradas, que por sua vez, acabaram com o transporte das canoas, conforme Mello
em seu belíssimo estudo sobre o cotidiano do transporte urbano da cidade, na primeira
metade do século XIX, através das canoas (apud SOUTO MAIOR & SILVA, 1992).
Não havia interesse nas estradas para o interior, conforme Vauthier relata
(FREIRE, 1960), alegando que a cultura canavieira era concentrada nas margens dos
rios e riachos, não interessando às elites promoverem a construção de estradas, o que
denota a visão curta da elite e o descaso com outras atividades agrícolas do interior,
que abasteciam o mercado urbano e precisavam das estradas para serem
comercializadas na praça comercial de Recife.
66
A população, e sobretudo os oposicionistas, reclamavam que se gastava muito
com os cnicos estrangeiros que pouco realizavam. Freire (1960, p.295) reproduz as
queixas expressas em jornal da época em Recife sobre a obra do cais do colégio
realizada em 1837 pelo engenheiro francês Boyer, que custara muito cara aos cofres
provinciais e que estava arruinada em 1840, enquanto o cais dos trapiches executada
por oficiais engenheiros pernambucanos resistia magnificamente às águas e ao tempo,
assim como a ponte da Boa Vista, executada por naturais da terra. Para Freire (1960),
essas afirmações externam a irritação nativista contra os estrangeiros.
Tais polêmicas quanto às obras públicas evidenciam uma certa confusão e
mistura de assuntos técnicos, políticos e sociais numa sociedade onde os interesses
pessoais e de família se misturavam com os interesses econômicos, a exemplo das
arrematações das obras públicas feitas por parentes de políticos que pouco ou nada
entendiam do assunto e os cargos públicos técnicos, pleiteados por aliados políticos
sem a formação técnica necessária. Enquanto os oposicionistas reclamavam que em
seis anos de serviço, Vauthier havia ganho com seu salário um total de 30 contos de
réis, seus cálculos precisos para obras, em seis anos, haviam economizado aos cofres
provinciais cerca de 300 contos de réis (FREIRE, 1960, p.346). No entanto, os
oposicionistas reclamavam que com o seu salário, a província poderia empregar
quatro funcionários.
Tais queixas evidenciam a cultura política do império fundamentada na
parentela e no rodízio dos cargos públicos, típica dessa civilização açucareira e que
alastrou-se pelas planícies cultivadas a partir das ligações familiares e políticas, em
prejuízo da realização das obras públicas necessárias às cidades e à região. Como
resultado, a cidade de Recife, apesar de contar com equipes técnicas especializadas na
primeira metade do século XIX, possuía os mesmos problemas urbanos que a maioria
das cidades brasileiras e a sua área de influência, a exemplo da Parahiba, que pouco se
beneficiou da presença desses técnicos. Olinda, cujo caminho era de barcaça em maré
cheia e a pé na restinga, na maré baixa, recebeu estrada e consertos no Varadouro para
abastecimento d’água e Goiana teve melhorias em suas estradas. A Parahiba
permaneceu esquecida, enquanto periferia pernambucana e, por isso, não chegou a ter
a opulência da aristocracia açucareira de Pernambuco. Mello (apud NOVAIS, 1997,
p. 393) nos dá um exemplo do domínio parental de Pernambuco na Parahiba:
Existiu em Goiana, da segunda metade do século XVII até os fins do século XIX, um núcleo
coeso de mercadores lusitanos. Gregório era português, mas bem-nascido” e foi aceito em
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família pernambucana depois de ter feito fortuna como comerciante em Goiana. O seu
casamento, porém, o se realizou em família rural de Goiana, mas com gente da periferia
açucareira da Paraíba e do Ceará, que invocava, contudo, parentescos pernambucanos.
3.4. A Rede Urbana de Recife: Goiana, Olinda, Igaraçú e Parahiba
Mello (apud NOVAIS, 1997, p. 402), tendo por base João Alfredo Correia de
Oliveira, descreve Goiana como uma comarca pacífica e harmônica, onde os senhores
de engenho, com patentes na guarda nacional, mantinham o policiamento, sendo
apoiados pela população de notáveis existentes na cidade, composta por proprietários
urbanos, grandes comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, além da
camada popular. O clero compunha-se de letrados e virtuosos. Arruda Câmara era
Padre no seminário de Goiana, no final do século XVIII e, na metade do século XIX,
havia muitos cantores, um compositor e um autor de gramática latina. A religiosidade
popular era muito intensa e existia um grande número de Igrejas na cidade relativo ao
tamanho da mesma. Koster passou por por volta de 1810 (apud AQUINO, 1980,
p.66) e assim a descreveu:
A Vila de Goiana é uma das mais florescentes da Capitania de Pernambuco, é situada sobre uma
margem do rio do mesmo nome, em uma grande curva local, quase a rodeando. As casas com
uma ou duas exceções, têm apenas um andar. As ruas são largas, mas não são calçadas. Uma das
principais é tão ampla que admitiu a construção de uma grande igreja numa das extremidades, e
a extensão da rua é considerável em ambos os lados do edifício. A Vila possui o convento das
Carmelitas e várias outras casas destinadas ao culto. Os habitantes são de 4 a 5 mil e esse
número cresce diariamente. também lojas, e o corcio com o interior é intenso. Nas ruas,
sempre são encontrados numerosos matutos, camponeses que vêm vender seus produtos e
comprar objetos manufaturados dos de que têm necessidade.
Aquino (1980) destacou Henry Koster, em seus estudos, por ter permanecido
por mais de dez anos no Nordeste, morando em Recife, e viajando por todas as
províncias e cidades da região no início do século XIX, fazendo referência às cidades
menores que se desenvolviam na área de influência do Recife. Ele cita Olinda, que
apesar de ser cidade irmã, era uma cidade menor, comparada a Recife.
Olinda cresceu muito no século XVI. Construída nas colinas e ladeiras que
desciam para as águas do Rio Beberibe, no Varadouro, e que abasteciam a população.
Seu período áureo, de acordo com Andrade (1979) foi 1630, quando possuía 4800
habitantes, sendo 4000 negros escravos. Até que, durante a ocupação holandesa, a
cidade foi incendiada e os holandeses preferiram a comodidade da península donde se
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comunicava melhor com a Europa e controlava a saída de todos os açúcares da várzea
do Capibaribe. Em 1637, moradores puderam reconstruir as suas casas e o golpe fatal
na cidade foi em 1639 quando a Câmara dos Escabinos (nome dos membros) foi
transferida para a capital holandesa, alegando ser esta cidade mais populosa que
Olinda. Em 1857, Olinda foi descrita por Hadfield (apud SOUTO MAIOR & SILVA,
1992, p.169) como “um bairro ou subúrbio a leste em relação à Santo Annio, que
seria outro bairro a oeste onde se situam os escririos e secretarias do governo. O
Recife, por sua vez, é o local de negócios e onde todos os comerciantes estrangeiros
estão instalados.”
Koster (apud AQUINO, 1980) passou também por Igaraçú, vila à época de sua
viagem, em 1810:
Igarassú demonstra claramente ter usufruído de maior prosperidade que a presentemente possui.
Muitas casas têm dois pavimentos mas estão deterioradas e algumas com aspecto de decadência
e ruína. As ruas são calçadas, mas carecem de reparos em vários lugares. Constam muitas
igrejas, um convento, o recolhimento ou retiro para as mulheres, casa de câmara e prisão. Sua
prosperidade era devido antigamente à feira semanal do gado que reunia num plaino vizinho
mas, poucos anos, mudou-se para os arredores de Goiana. Igarassú tem muitos moradores
brancos, várias lojas, um bom cirurgião, educado em Lisboa. É o local de reunião dos
agricultores, na distância de muitas léguas, seja para embarcar suas safras de açúcar, seja para
adquirir objetos de necessidade. Esta vila contará cerca de oitocentos habitantes, computando as
choupanas esparsas pelas imediações.
Em Igaraçú estava a feitoria de Crisvão Jacques, fundada em 1516, que serviu
de referencial para a instalação do marco divirio entre as capitanias de Pernambuco
e Itamaracá, que abarcava a Parahiba e Rio Grande do Norte. Foi ainda nesse ponto
que desembarcou o primeiro Donatário de Pernambuco, Duarte Coelho, como ainda
aqueles que o acompanhavam com a missão de dar início ao povoamento da Colônia.
Muitos seguiram para as várzeas dos rios Capibaribe e Beberibe, mais apropriados ao
cultivo da cana, tornando-se Olinda a capital dessa civilização em formação.
Se no século XIX, Recife, que era uma grande cidade brasileira, apresentava
tantos problemas, a Parahiba, afinal não estava tão atrasada. Era maior que Igaraçú,
igualava-se a Olinda, e só perdia mesmo para Goiana. Ademais, foi visitada por
Henry Koster, Daniel Kidder e Ave-Lallemant que enxergaram, segundo Aquino (
1980, p.16) :
a estagnação de seu crescimento, a feição sacral de seu centro, a insipidez dos arredores
assinalados por fétidos mangues, as excelências do o, propiciado pela água que brotava das
fontes, algumas das quais dotadas de propriedades medicinais e, principalmente o isolamento da
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cidade, visto que se chegava pelo complexo mar-rio, visto que a estrada proveniente de Recife
bifurcava à altura de dois rios.
Assim descreveu Koster a Parahiba em 1811(apud AQUINO, 1980, p.67):
A cidade da Paraíba (lugares de menos população nesse país gozam desse predicamento) tem
aproximadamente dois a três mil habitantes, compreendendo a parte baixa. Há vários indícios de
que fora mais importante que atualmente. Trabalham para embelezá-la mas o pouco que se
realiza é à custa do governo, ou melhor, por querer o governador deixar uma boa lembrança de
sua administração. A principal rua é pavimentada com grandes pedras, mas devia ser reparada.
As resincias m geralmente um andar, servindo o térreo para loja. Algumas delas possuem
janelas com vidros, melhoramento há pouco tempo introduzido no Recife. O convento dos
jesuítas é utilizado como palácio do Governador e o Ouvidor tem também a sua repartição e
residência. Os conventos das ordens Franciscana, Carmelita e Beneditina são amplos edifícios
quase desabitados. O primeiro tem quatro ou cinco frades, o segundo dois, e o terceiro apenas
um. Além desses, a cidade possui seis igrejas. As fontes blicas na Paraíba foram as únicas
obras desse gênero que encontrei em toda a extensão da costa por mim visitada. Uma foi
construída, creio, por Amaro Joaquim, Governador recente, tem rias bicas e é muito bonita. A
outra que se está fazendo é bem maior. A fiscalização das obras públicas era a melhor ocupação
do Governador.
As observações de Koster apontam para o fato de que a cidade da Parahiba
tinha menor porte que Goiana. Talvez por isso entendesse que a palavra cidade se
referia às pequenas aglomerações, desconhecendo que a Parahiba nascera cidade, por
ordem real, com o nome de Nossa Senhora das Neves e que, apesar de pequena, era
uma capital. Para ele, era um lugar esquecido pela civilização que ele nem
considerava cidade, mas, para o Governador, as obras públicas refletiam a
importância de seu ofício, que incluía o de urbanista.
O Reverendo Daniel Parrish Kidder esteve no Nordeste e Amazônia no final dos
anos de 1830 e início de 1840 propagando a sua evangélica. Suas observações são,
portanto, permeadas de valores morais protestantes, sobretudo ao descrever os festejos
do dia da padroeira da Parahiba, achando tudo ridículo e, sobretudo, imoral, posto que
realizado em nome da religião. No tocante à educação, encontrou um jovem que havia
terminado os estudos e não sabia ler nem escrever, assim como seus irmãos. Para ele,
essas foram as mais penosas observações da Parahiba. Seu texto segue descrevendo os
passeios a cavalo pela cidade e cercanias com certa neutralidade de observador até
perceber a suntuosidade das Igrejas, destacando-se na paisagem da pequena cidade
(Kidder apud AGUIAR & OCTÁVIO, 1989, p. 88):
À medida que caminhávamos pelas paredes solitárias, refletíamos sobre as somas colossais
empregadas na construção de conventos em todas as cidades deste país inexplorado e retrógrado
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[...] O Governo demonstrou critério utilizando esses edifícios para fins utilitários, sempre que
possível, e, se ao fim de mais um século não passarem eles de montões de ruínas, a culpa caberá
inteiramente ao Estado.
Aquino (1980) nos informa ainda sobre a presença de Ave-Lallement na cidade
da Parahiba em 1859. Subindo o rio Paraíba viu a cidade aparecendo entre os
mangues e achou-a bonita vista de longe, mas dissera que não vira ainda capital de
província com arredores o insípidos.
A natureza tropical era muito marcante na Parahiba, pelo fato de a província não
ter prosperado tanto quanto a rica província vizinha de Pernambuco, onde as matas
foram rapidamente consumidas pelo fogo para a expansão dos canaviais, como vimos
anteriormente. Koster assim descreveu (apud AGUIAR & OCTÁVIO, 1989, p. 77):
A paisagem vista das janelas é uma linda visão peculiar ao Brasil. Vastos e verdes bosques,
bordados por uma fila de colinas, irrigados pelos vários canais que dividem o rio, com suas
casinhas brancas, semeadas nas margens, outras nas eminências, meio ocultas pelas árvores
soberbas. As manchas dos terrenos cultivados são apenas perceptíveis.
Conscientes de que a característica implícita ao conceito de paisagem é quem a
observa e que, no caso brasileiro, sobretudo no século XIX, a paisagem foi observada,
descrita e comentada por viajantes estrangeiros que, deparando-se com uma realidade
diferente das suas, observaram-na a partir de seus próprios conceitos, estruturas
mentais e parâmetros culturais, vimos que esses relatos influenciaram sobremaneira o
pensamento e os discursos sobre as cidades brasileiras do passado, consideradas por
vários autores como retgradas, conforme analisado no capítulo dois.
Conscientes ainda de que na leitura da representação da paisagem existem
contextos ideológicos e culturais específicos, faremos um breve passeio pela história
da cidade da Parahiba, a partir dos seus principais autores e das principais fontes
bibliográficas publicadas e disponíveis para a população. Considerando as descrições
da paisagem enquanto documento concreto e simbólico, tentaremos relativizar os
discursos mistificados sobre o passado numa tentativa de maior aproximação com a
realidade daquele presente de então.
3.5. Os antecedentes do esquecimento da Parahiba
A cidade da Parahiba, atual João Pessoa, já nasceu com o título de cidade real.
Com o nome original de Nossa Senhora das Neves, em 5 de Agosto de 1585, passou a
Felipéia de Nossa Senhora das Neves meses depois, em função do domínio espanhol
71
sobre Portugal, mudando para Frederica no período da invasão holandesa e finalmente
Parahiba, após a saída deles. A resistência indígena na área conseguiu deter quatro
expedições dos portugueses, com muitas lutas e massacres, a exemplo do massacre de
Tracunhaém. A quinta expedão só obteve sucesso em função da briga entre as tribos
Tabajara e Potiguara. Aproveitando-se da situação, o capitão João Tavares, escrivão
de Olinda, a serviço de Martim Leitão, ouvidor da Capitania, conseguiu negociar com
os índios Tabajara, cujo cacique era o índio Piragibe, a aliança contra os Potiguaras e,
sobretudo, contra os franceses, que extraíam o pau-brasil da costa, possibilitando
assim a consolidação do processo de ocupação do sítio, pelos portugueses.
Pela necessidade de controle e defesa da região, João Tavares, Martim Leitão e
Duarte Gomes da Silveira, escolheram um sítio colinoso acima do rio Sanhauá para
instalar a Igreja Matriz. Tal atitude era comum no Brasil do século XVI, tendo
ocorrido o mesmo em Olinda, Salvador e Rio de Janeiro, de acordo com a legislação,
que vimos anteriormente. Essas colinas (o tabuleiro) possuiam também água doce e
pedra calcárea para construção. Uma parte dos indígenas, os Tabajaras, ficaram
aldeados do outro lado do rio Sanhauá.
Na parte baixa da cidade, na Baía do Varadouro do Rio Sanhauá, braço do Rio
Paraíba, ficava o antigo Porto da Parahiba, e ficavam as atividades comerciais, na
"Rua do Passo", nome comum à época dado para as áreas que possuíam armazéns de
pau-brasil e açúcar. Um engenho logo foi criado para a Fazenda Real no mesmo ano
da fundação (engenho Tibiry), e rapidamente multiplicou-se o número de engenhos e
sítios. O período compreendido entre 1585 e 1587 foi a época das lutas contra os
potiguaras, da construção do forte e da organização da vida social da cidade
(AQUINO, 1988, p.41).
Os trabalhadores da construção e os soldados da conquista passaram a solicitar terras na cidade
e nos arredores e, em 1588, a povoação possuía outra rua: a rua Nova, que começava na chã
(tabuleiro) onde estava situada a capela de Nossa Senhora das Neves. Também os frades de São
Bento requereram um terreno que ia do início da rua Nova até encontrar o rio, e aí instalaram um
pequeno mosteiro em 1599. Os franciscanos também construíram um pequeno convento no
terreno que lhes foi doado na parte alta da cidade de onde teve início a terceira rua, a rua Direita,
isto em 1589.
De 1600 a 1630, a cidade descansou de tantas guerras e prosperou muito.
Ocupava o terceiro lugar em produção e comercialização do açúcar no Brasil. Muitos
senhores de engenho e comerciantes enriqueceram. As edificações aumentaram em
número e melhoraram de qualidade as construções em pedra e cal. Quanto à
72
população da Capitania e da cidade, Almeida (1980,p.163) , esclarece sobre a
situação no início do século XVII:
Vinte e cinco anos depois de fundadada a Paraíba, havia em seu território 12 engenhos correntes
e moentes, fora os que estavam em montagem. A produção do açúcar dava para carregar 22
navios. O número de moradores brancos, em toda a capitania, se eleva a 700, havendo 80
vizinhos brancos da cidade. O mosteiro dos capuchos prometia ser suntuoso, vindo a seguir o
dos beneditinos, o dos carmelitas e a igreja da Misericórdia. Havia além disso alguns edifícios
nobres que iam em aumento. ... Tinha oito aldeias de índios nessa época nas quais doutrinavam
os religiosos regulares. Calculava-se em 14.000 os índios aldeados .
Existe porém outro documento citado em Aquino (1988, p.44), que, referindo-se
à cidade de Filipéia, fala em cem vizinhos portugueses, oitocentos religiosos nos
"distritos" Beneditino e Franciscano, além de 14.000 índios e trinta guardas de
guarnição. São confusas estas anotações referentes ao número da população que se
procurava esconder a confusão étnica reinante, evitando-se computar no censo as
mulheres brancas, que eram poucas, índias, negras, mulatas esposas ou mancebas dos
colonizadores e sua confusa procedência.
No entanto, é certo que o número da população indígena superava muito a
população branca e negra, ao contrário de Olinda, por exemplo, que à época possuía
uma população majoritariamente negra, sinônimo de riqueza nos tempos coloniais.
A proximidade com o eixo Olinda-Recife é apontado por historiadores como um
dos elementos responsáveis pelo atraso da Parahiba. Uma carta Régia do El Rey de
Portugal, escrita em Lisboa a 13 de novembro de 1675, considerado o documento
mais antigo do Arquivo Público do Estado da Paraíba, trata da transferência do Paço
do úcar do Tibiri para o Varadouro, na cidade da Parahiba. Um dos trechos da carta
refere-se à necessidade de tornar mais dinâmico o comércio portuário da cidade
evitando que o açúcar fosse para Pernambuco (apud SOBRINHO, 2002, v. II, p. 93):
Havendo visto o que me representaram os officiaes da Câmara e moradores desta Capitania
sobre o muyto que convinha a meu serviço e ao comércio desta Praça, mudar-se a balança do
peso dos assucares do Paço do Tibery aonde hoje estava, tres legoas distante da cidade, para o
Paço do Varadouro, no porto della, para que com menos oppressão e mais verdade se possam
carregar nos navios que he hua das causas porque se não frequenta aquelle porto e que se não
divirtirão os assucares daquela capitania para a de Pernambuco e poderem vir todos em direitura
ao Reyno.
Um relatório do século XVII, de Ambrósio Fernandes Brandão já antecipava o
esquecimento da Parahiba pelos próprios paraibanos que preferiam negociar com a
praça comercial de Recife (apud AGUIAR E OCTÁVIO, 1989, p. 54):
73
Antes isso é a causa de não haver ido ela em mais crescimento: porque como tem Pernambuco
tào chegado, os seus moradores se costumam prover dela das cousas de que tem necessidade,
fazendo levar para este efeito, muitos açucares que comutam pelo o que compram com o que
engrandecem cada vez mais a capitania de Pernambuco e diminuem na sua.
Durante a invasão holandesa, de 1634 a 1654, a população não colaborava com
a gestão vigente e por isso boicotava a produção queimando as plantações e fazendo
guerrilha constantemente ao entrincheiramento dos holandeses no Convento de São
Francisco e posterior rendição dos "invasores"( LEAL, 1989). A figura de destaque da
resistência lusa foi André Vidal de Negreiros.
Os holandeses, por sua vez, deixaram registros importantes sobre a cidade à
época. O governador Herckman escreveu sobre a cidade em 1639 e deixou plantas
que evidenciam a trama ortogonal da cidade, sendo essa uma evidência de que havia
um planejamento quanto ao traçado urbano, rejeitando assim o mito negativo da
cidade brasileira sem planejamento, que vimos no capítulo dois (anexos 6/7).
Rodriguez (1994, p. 17) comenta que, depois da ocupação holandesa, a cidade
ficou em estado de penúria, com os conventos saqueados e profanados, sobretudo o de
São Francisco, onde esteve alojada a cavalaria das tropas flamengas. Depois da
rendição, novas sesmarias e doações de chãos para residência são concedidas, sendo
esse período chamado de “restauração”.
Assim descreveu Mello (1990, p.22) a cidade, as a expulsão dos holandeses:
“A congênita mediocridade do aglomerado que [...] insere-se na condição de
verdadeiro fundo de quintal dos engenhos e fazendas que lhe subjugavam as forças”.
O fato é que após o domínio holandês, a capitania não conseguia soerguer-se
que vivia sob austera vigilância da Coroa que não permitia nenhuma atividade
econômica que não fosse o cultivo da cana. Havia ainda a extorsão praticada pela
Companhia de Comércio de Pernambuco e Parahiba, criada pelo Marquês de Pombal,
por sua vez inspirado nas companhias holandesas, e as rendas da Coroa para a
Parahiba, que passaram a ser arrematadas em Pernambuco a partir de 1753
(ALMEIDA, 1978, V. II, p. 74), e que eram utlizadas em seu proveito, devendo
sempre à Parahiba, que por fim acabou anexada a Pernambuco, por sugestão do
Conselho Ultramarino em 1755, perdendo, assim, a sua autonomia e ficando
dependente até 1799. Esse foi o principal fato histórico doculo dezoito, "sem
dúvida a medida mais odiosa e de mais profundas conseqüências para o futuro da
região", observa Leal (1989, p.94), ao referir-se à exploração a que ficou submetida a
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Parahiba, quanto ao escoamento da produção agrícola para a capitania e depois
província vizinha, bem como as transações comerciais da capital sempre submetidas
aos comerciantes vizinhos.
Sobre o século XVIII, encontramos em Rodriguez (1994, p. 14) uma referência
a um documento de 1730, do então administrador de Pernambuco Duarte Sodré
Pereira, que, ao querer anexar a Parahiba, a descreveu como muito pobre, justificando
assim a necessidade de administrá-la.
Jaime D’Altavilla (apud RODRIGUEZ, 1994, p. 14), por sua vez, escrevendo
sobre a extinção da Capitania da Parahiba, argumentou que tamanha pobreza não era
verdade, elencando os elementos da civilização existentes na então Capitania da
Parahiba:
Naquela fase construtiva já as esporas de prata dos senhores de engenho retiniam sobre os tijolos
r de brasa dos alpendres das boas casas coloniais; ardiam, perenemente, nos santuários
entalhados de jacarandá as lâmpadas votivas dos santos que haviam protegido as caravelas da
colonização através dos mares americanos; olhavam, por trás dos caixilhos azuis das
janelinhas, os formosos olhos negros patrícios à espreita do cavaleiro destemoroso que sabia
morrer, gloriosamente, pela sua dama, pela sua pátria, pelo seu rei; já se viam através das
mantilhas floradas, nas igrejas, os colos de senhoras adornados de filigranas e as mãos enlaçadas
de anéis; havia, nas bainhas lustrosas, as espadas de mpera, vindas de Toledo;
repousavam, nos vastos prateleiros, de vinhático, a louçaria indiana; havia arcas que
guardavam prataria de fino lavor e já, nas mansões senhoriais, os pêndulos sonoros marcavam as
horas e recordavam os passos airosos do minuete da Côrte.
Essa citação coloca a questão dos interesses econômicos de Pernambuco na
produção do discurso sobre a pobreza, o atraso e o lento crescimento da Parahiba.
Mas o fato é que a província foi anexada a Pernambuco, realizando-se assim, 25 anos
depois, a intenção do administrador pernambucano.
Em Aguiar e Octávio (1989, p.52), encontramos uma referência sobre as
dificuldades do Porto da cidade da Parahiba, que não possuía condições ideais para o
ancouradouro, pois os terraços fluviais acumulavam bancos de areia e se fazia
necessário navegar dezoito kilômetros até alcançar o mar (Cabedelo), onde
eventualmente ficavam os navios de madeira e vela esperando o carregamento,
justificando assim a preferência de muitos senhores de engenho pelo corcio
portuário de Recife.
Almeida (1978, V. II, p. 71) assim se refere ao porto da cidade da Parahiba:
Por longos anos viveu a Paraíba sangrada em sua economia. Os produtos de exportação saíam
quase todos pelo porto do Recife, tais como açúcar, algodão, couro curtido e fumo de rolo. Até
75
as boiadas que desciam do sertão iam em direitura das feiras de Igaraçu e Goiana. No porto da
Paraíba escasseavam os navios. Quando chegava um, não havia carga porque os atravessadores
desviavam as mercadorias para o comércio de Pernambuco. Ao produtor tanto fazia pagar o
imposto na alfândega da Paraíba como na de Pernambuco. O que mais importava era reputar
melhor preço pelo produto de exportação ou ter, pelo menos, certeza do pronto embarque.
Um relatório de 1799, escrito pelo governador da Capitania da Parahiba,
Fernando Delgado Freire de Castilho, à rainha de Portugal, opinando sobre a
autonomia da Capitania, destaca vários aspectos positivos como a qualidade e
abundância dos pescados, da água potável e das madeiras de lei e da pedra calcárea
para as construções e edificações urbanas. Assim se refere ao porto da cidade (apud
AGUIAR, 2002, p. 73):
O seu porto oferece os mais seguros ancoradouros desde a barra do Cabedelo até a cidade de tal
sorte, que não memória e nem sepossível que enchente alguma do rio possa prejudicar a
qualquer navio ancorado com a mais débil amarra, resultando daqui que as cargas e descargas se
fazem com a maior segurança e livres de todo o perigo.
Contorvérsias à parte sobre o porto da Parahiba, a sua inserção periférica na
bacia urbana de Recife e a conseqüente exploração comercial a que ficou submetida,
são os elementos responsáveis pelo esquecimento da cidade durante o período
colonial. Por isso a cidade, apesar de capital, era como uma pequena povoação,
composta de sítios, na maioria com pomares e rodeada pela floresta tropical,
contando, no início do século XIX, com apenas 3000 habitantes, conforme a
descreveu Rodriguez, no século XVIII (1994, p.11):
Positivamente, fora da Rua do Passo, no Varadouro e da Rua Nova que, começando junto à
primitiva capela de Nossa Senhora da Neves se estendeu, em demanda do sul e da avoenga Rua do
Colégio, ou de São Goalo, depois conhecida muitos anos por Direita, a cidade não possuiu, até o
culo XVIII, nenhum conjunto de residências que se pudesse chamar de rua. Existiam aqui e alí,
chácaras e vivendas emtios, cujos nomes ainda perduram...
Cavalcanti (1975, p.29) ao analisar a Parahiba no período da independência,
estimula a versão sobre o atraso da cidade e o seu lento crescimento:
Dentro daquele panorama econômico, era natural que o crescimento urbanístico, a promoção
cultural da cidade e sua evolução social fossem lentos, muito lentos....Recebia sopros de vida,
algumas vezes, e logo se via às voltas com uma dispnéia que parecia crônica e prostrava o
organismo social numa letargia invenvel.
Não obstante, admite as disparidades que ensejam controvérsias, a exemplo do
aumento populacional da cidade entre 1817 e 1822 de 3000 para 5000 habitantes.
Esse mesmo autor adiante justificou o atraso social da cidade: As novidades sociais,
76
urbanísticas e culturais que iam surgindo na Capital eram esporádicas e retardatárias
com relação a centros mais adiantados” (ibidem, p. 31).
Veja como se expressou Rodriguez (1994, p. 33) sobre a cidade durante o
século XIX:
Nos últimos dias do século XIX a nossa urbe ainda apresentava as características das velhas
cidades do Império Colonial Português....Tudo faltava na cidade, se assim podemos chamar
aquele conjunto de poucas e tortuosas ruas e caminhos, abertos na mataria quase virgem, onde as
casas eram raras.
Assim descreveu Aquino (apud AGUIAR e OCTÁVIO, 1989, p. 75) a
paisagem da cidade no século XIX :
Em grande parte do século XIX, a visão que vamos encontrar da cidade da Paraíba, pouco difere
da descrição feita pelos primeiros cronistas e viajantes do início da centúria: cidade pequena,
antiquada, carente de diversos equipamentos urbanos e que chama a atenção apenas por aspectos
exóticos de sua paisagem natural e peculiaridades de umas poucas edificações [...]Poucas eram
as ruas calçadas e a ocupação do espaço urbano era descontínua, ficando, freqüentemente, entre
os prédios, intervalos desabitados. As casas residenciais eram modestas, segundo a arquitetura
típica das residências coloniais e despidas de muitos dos elementos básicos necessários a prédios
urbanos destinados a moradias. Poucos sobrados que ostentavam a imponência da sua
arquitetura e o status mais elevado de seus moradores. Logo depois do centro, iniciavam-se os
sítios, alguns deles com vários hectares, o que bem demonstra a origem rural da urbe e que
perduraria por todo o século XIX. E logo depois a mata emoldurava a pequena cidade, às vezes
seccionando-a, isolando pequenos conjuntos de habitações, que passavam a constituir povoados
quase que independentes.
Ainda no início da segunda metade do século, também a descreveu Almeida
(1982, p. 39): “A cidade da Paraíba era como as demais capitais das menores
províncias do Império: um aglomerado urbano, pequeno, dos mais pobres e
atrasados”.
E Aguiar (2002, p. 75) igualmente escreveu em um artigo:
Até o começo do século XX foi lenta a evolução da Capital. Os seus usos e costumes ainda eram
rurais. Os bichos viviam soltos pelas ruas. Porcos, perus, galinhas escavacavam as nossas
enlameadas artérias, misturando-se ao lixo que era atirado nas vias públicas”.
Em outro artigo, Aguiar (2002, p.75) escreveu sobre a Parahiba:
Era pequena e pobre. Ruas esburacadas quase todas sem calçamento. Economia incipiente.
Muitos terrenos vazios entre as casas residenciais. Apenas a rua Direita nesse aspecto fazia
excessão. E tudo piorava no período do inverno. A lama tomava conta das artérias, o que fazia
os pedestres caminharem com dificuldade. Animais andavam soltos costumeiramente. Nas ruas
a vegetação rasteira. As moradias eram limpas, mas o lixo se atirava às vias públicas.
77
Aquino (apud AGUIAR & OCTÁVIO, 1989, p. 76), por sua vez reconheceu
que:
Este aspecto das ruas não era específico da Paraíba, mas comum às cidades brasileiras. Nas
cidades de maior porte a sujeira constituía uma verdadeira calamidade pública contribuindo para
as constantes epidemias que grassavam nos tempos da Colônia e do Império.
E continua Aquino, antropólogo, que escreveu sobre os viajantes estrangeiros no
Nordeste na primeira metade do século XIX, relativizando no espo:
O aspecto deplorável das ruas da Paraíba não chamou a atenção de viajantes mais apressados, o
que não acontecia com a Bahia, Recife e Rio de Janeiro, onde a imundície das ruas geralmente
era a observação que iniciava as notas destes visitantes.
E finaliza relativizando no tempo: “Lamentavelmente o descaso dos poderes
públicos e mesmo dos habitantes com as nossas cidades tornou-se uma constante que
ainda persiste.” (ibidem, p. 76)
Ao pesquisar sobre a cidade no seu passado colonial e, sobretudo, durante o
século XIX, que é o nosso objeto de estudo, percebemos que prevalece nesses estudos
uma tendência à ênfase nos aspectos negativos da cidade, que Gilberto Freire já havia
chamado a atenção igualmente para o Recife. Vimos que os relatos dos viajantes
foram implacáveis quanto aos aspectos urbanísticos da cidade da Parahiba, porém
generosos quanto ao seu aspecto paisagístico natural e bucólico. Além disso, vimos
que as cidades mais adiantadas como o Rio de Janeiro e Recife também não
escapavam às duras críticas dos viajantes, acostumados às suas realidades européias
ou norte-americanas.
A cidade pode não ter alcançado os padrões urbanísticos mais avançados da
civilização de seus respectivos tempos, mas o fato é que a cidade cresceu obedecendo
a seu próprio ritmo e idiossincrasias, tendo a historiografia paraibana enfatizado na
descrição da paisagem os aspectos urbanos negativos, repetindo as impressões de
viajantes acostumados a outras realidades urbanas ou então justificando a vitimada
exploração por Pernambuco. Faremos eno, no próximo capítulo, uma investigão
de seu crescimento urbano tendo por base os documentos primários, visando uma
maior aproximação com o presente de então.
Partindo deste esquecimento regional a que ficou historicamente submetida a
Parahiba, veremos ainda aque ponto ela foi esquecida pelo Império do Brasil na
primeira metade do século XIX e quais as consequências deste esquecimento nas
ações urbanísticas, a partir da análise das obras públicas na província da Parahiba.
78
Capítulo Quatro:
Esquecimento e Urbanização: Obras Públicas na Parahiba (1824-1859)
Escolhemos para o estudo sistemático das obras públicas na cidade da Parahiba,
o período que vai de 1824 a 1859, por melhor representar o contexto conflituoso de
uma civilização latina que se ime através da religião, da língua, da administração
pública e de um urbanismo incipiente em uma cidade esquecida e situada num
ambiente tropical difícil, nas imediações do extremo oriental das Américas.
Este é ainda o período das reformas do Estado Brasileiro, em uma época de
transição para a Monarquia Federativa. Foi o tempo em que os governantes queriam
apressar o espaço-movimento da civilização com os seus discursos, mas tinham
muitas dificuldades de realizar na esfera propriamente administrativa. Alguns
governantes conheciam as necessidades da cidade, na medida dos conhecimentos de
seus próprios tempos, discursavam sobre elas, mas careciam dos recursos e da
necessária competência técnica para realizar as obras públicas.
Apesar de ser capital de uma Província, o que significava obter maiores recursos
do governo central, bem como criar o seu próprio sistema de arrecadação para as
obras públicas, admitir engenheiros e corpo técnico, a cidade da Parahiba era como
uma vila do interior, se comparada às maiores capitais das províncias do Império, a
exemplo de Recife, que vimos anteriormente. Sendo assim, o esquecimento se
justifica na própria realidade de uma cidade brasileira, como tantas, num vasto
império que precisava se consolidar territorialmente e que em nome dessa unidade
territorial de enormes dimensões, não conseguia abarcar as dimensões locais, nem
estimular as suas necessidades econômicas e sociais e muito menos ordenar o espaço
urbano das cidades.
Neste período, pouco se sabia sobre a história e a geografia da Província da
Paraíba. Os limites geográficos da Província não eram precisos e a sua história
daria os seus primeiros passos com Irineo Joffilly, a partir da segunda metade do
século XIX, e com Maximiano Lopes Machado, no final do século XIX (MENEZES
SÁ & MARIANO, 2003).
Interessante notar que Joffilly (1910) referiu-se à falta de conhecimento sobre a
província como um empecilho ao seu desenvolvimento econômico. Em suas andanças
pelo interior pôde constatar a forte relação comercial do interior paraibano com a
79
cidade do Recife, chegando a afirmar que a Paraíba era colônia de Pernambuco e que
a política econômica da Província deveria se voltar para o estímulo do comércio das
feiras, sobretudo as do brejo e agreste onde a vida econômica era bastante estimulada
pelo corcio entre o sertão e o litoral (MENEZES SÁ & MARIANO, 2003).
Joffilly considerava fundamental também o reconhecimento dos limites geográficos
da província para um melhor aproveitamento dos seus recursos e fez uma série de
acertos nos mapas geográficos do Senador Cândido Mendes de Almeida e do Barão
Homem de Melo, referências territoriais no período monárquico. Nesse aspecto, o
esquecimento da província se dava pela falta de conhecimentos dos próprios
paraibanos sobre a província.
Neste capítulo tratamos da documentação referente às obras públicas na
província, destacando as obras na cidade da Parahiba. Resgatamos na íntegra as
citações objetivando uma maior aproximação com a realidade daquele presente de
então. O nosso objetivo é demonstrar que havia uma urbanização em curso e que
importantes questões urbanísticas da cidade eram pensadas na primeira metade do
século XIX, apesar das dificuldades, cujas causas serão identificadas e resgatadas a
partir dessa documentação. Devido ao esquecimento desse período na história da
cidade, resgataremos ainda personagens e hisrias esquecidas.
Se no capítulo três fizemos uma contextualização regional, faremos a seguir
uma contextualização política nacional, visando com isso introduzir a realidade da
administração das obras públicas ao nível provincial.
4.1. A Parahiba no Império
Após a Independência do Brasil, em 1822, não havia acordo entre as
lideranças políticas no país sobre as linhas básicas que deveria ter a organização do
Estado brasileiro. Assim, de 1822 a 1824, os esforços se concentraram em torno da
aprovação de uma Constituição. A disputa entre os poderes acabou resultando na
dissolução da Assembléia Constituinte e a primeira Constituição nascia imposta pelo
Imperador ao povo, sendo o povo uma minoria de brancos e mestiços que votava e
tinha participação na vida política.
O país ficou então dividido em províncias (anexo 8), cujos presidentes seriam
nomeados pelo Imperador. Instituíram-se o Conselho de Estado e o Poder Moderador,
que, no Brasil, tinha poder para eleger senadores, dissolver a Câmara e aprovar ou não
80
as decisões da Câmara e do Senado. Os tumultos que ocorreram em todo o país após
a Independência, denunciavam a falta de legitimidade do Imperador Pedro I, que
acabou abdicando do trono em 1831.
O período regencial tem início com a saída de Pedro I em 1831 e vai até 1840,
quando Pedro II, com apenas 14 anos assume o Trono, dando início ao período do
Segundo Império. Este foi o período mais agitado da história do país quando esteve
em jogo a sua unidade territorial, com a eclosão das revoltas provinciais. Estas se
relacionavam com as dificuldades da vida cotidiana, nas diferentes regiões em que
ocorriam, e com as incertezas da vida política nacional, que não oferecia legitimidade
e soluções, estando, portanto, diretamente relacionadas às realidades regionais
específicas e às possibilidades de soluções dos problemas locais. Sendo assim, o
debate político girou em torno da centralização ou não do Governo Imperial. De 1835
a 1840, ocorreram as seguintes revoltas: Cabanagem, no Pará de 1835 a 1840;
Cabanos, em Pernambuco, de 1832 a 1835; Sabinada na Bahia, de 1837 a 1838;
Balaiada no Maranhão, de 1838 a 1840; e Farroupilha, no Rio Grande do Sul, de 1836
a 1845.
Não nos interessa neste estudo aprofundar as questões referentes às revoltas
provinciais, mas é mister saber que durante este período os esforços e os recursos do
Governo Imperial estavam direcionados para a solução destes problemas,
considerados prioritários, por estar em jogo a unidade territorial do país. Pode-se,
portanto, afirmar que também às províncias não envolvidas nas revoltas caberia pagar
as contas da supressão das mesmas, ou seja, pagar o preço pela unidade nacional
significava atolar na pobreza provincial e na falta de recursos para implementar o seu
desenvolvimento.
Do ponto de vista da economia nacional, entre 1821 e 1860
excepcionalmente ocorrem anos com balanços positivos e este período se encerra com
um déficit global de 233. 933 contos de réis. O ficit será pago com a entrada de
capital estrangeiro, a partir de empréstimos públicos que se encaminham para o
Brasil, franqueados ao exterior, o que agravava a situação futura com juros,
dividendos e amortizações e, portanto, como fatores de desequilíbrio na balança
externa de contas. Como resultado, em 1808 o mil-réis valia em moeda inglesa 70
dinheiros, em 1822, 49, em 1831, 20 e em 1850, 28 (SODRÉ, 1998, p.133).
O panorama econômico da Parahiba na época da independência era, portanto,
muito ruim, acarretando enormes dificuldades na organização das instituições
81
públicas. As secas são citadas pela maioria dos historiadores como responsáveis pela
fome, doenças e pobreza da província. Cavalcanti (1972), depois de deter-se na
análise dos problemas econômicos da agricultura, agravados pelas secas periódicas,
que transformavam os ricos em pobres e jogavam na miséria os menos abastados,
aponta outros problemas econômicos que vinham sendo acumulados da época da
colônia (CAVALCANTI, 1972, p. 18):
A cobrança de dízimos, arrematada por terceiros em processo especulativo nos “passos dos
açúcares” do Tibiri e mais tarde no porto do Varadouro, e a taxação escorchante em cima de
outros produtos nativos e diferentes operões mercantis, motivava o desvio de carregamentos
para Pernambuco, mormente nas zonas limítrofes, beneficiando açambarcamentos e a velha e
incorrigível espoliação por parte da praça do Recife, em detrimento dos interesses e do
desenvolvimento da capital paraibana. Um barco qualquer contornava o forte de Cabedelo e já
tributavam-no. Quem pagava, no fim de contas, era o exportador da Cidade da Parahyba,
onerado em excesso.
E refere-se o mesmo autor às perdas cambiais face às conversões vigentes,
alegando que o comerciante ao mesmo tempo exportador e importador tinha que
receber mercadorias numa moeda e vendê-las em outra, sendo a operação mais
favorável à produção do reino e não ao comerciante que comprava em moeda forte o
que exportava em moeda fraca.
A situação de pobreza se agravava também com as constantes revoltas. O
movimento revolucionário de 1817 tirou das ruas o comércio, as carnes, a farinha,
aumentou as taxas de exportação, suprimiu a produção agrícola e aumentou a fome na
província. A cidade da Parahiba, com os vales férteis do rio e o clima sempre ameno,
sofria com o aumento dos preços da alimentação.
Também decaíra a produção do açúcar e a economia voltara-se para a
produção de algodão para a Inglaterra. Com isso, muitos ingleses vieram à capital,
quando passaram a dominar o comércio exportador. Segundo Cavalcanti (1972), essa
hegemonia dos ingleses na capital se deu por mais de cem anos.
Havia três comarcas na Província à época: a da capital, compreendendo os
termos da Parahiba, Conde, Alhandra, Pilar, Monte-mór e Baía da Traição; a segunda
em Areia, com os termos de Campina Grande, S.João do Cariri, Bananeiras, Areia; e a
terceira, com sede em Pombal, abrangendo Patos, Piancó e Souza (anexo 9).
Em 1824, toma posse o primeiro governador nomeado pelo Imperador Pedro I,
Felippe Néri Ferreira, que em seu discurso de posse chama a Parahiba de “Luminosa
Estrela do Norte”. A sua gestão terminou cedo devido aos conflitos entre os
82
brasileiros e os adeptos do lusitanismo, inimigos declarados do Brasil. Ele tomou
posse em 9 de abril de 1824 e em 22 de abril deste ano, a Câmara de Campina Grande
o declara suspeito de lusitanismo juntamente com seu secretário, dando início a
levantes que se agravam pelo interior sob a liderança de pernambucanos. Fellipe Néri
faz um pronunciamento sobre a ameaça representada pelos portugueses, que atacavam
em diferentes pontos, denuncia uma invasão de esquadras portuguesas; em 3 de julho,
declara estado de sítio na cidade e chega a fazer planos para evacuá-la. Age contra os
portugueses ou brasileiros que não concordavam com as medidas contra os
portugueses declarados inimigos do Brasil e expulsa residentes portugueses da
província.
Mariz (1980, p.126) assim narra o epidio:
Algumas câmaras da Província o obedecem à ordem de Fillipe Néri para a eleição, na
forma da lei, de seu conselho de governo. Areia rompe a desobediência em sessão de 20 de
abril. Campina a 22, levanta sobre aquele presidente e seu secretário Xavier de Carvalho a
suspeita de lusitanismo em que agora, de norte a sul, se envolvia o próprio imperador. O
receio neste particular era de que tendo caído a Constituição portuguesa, não viesse D. João
VI, assim livre e absoluto, entender-se com o filho para a união do Brasil com Portugal e uma
autonomia confusa de nossa pátria. As câmaras de Areia e Campina logo aderem as de Pilar,
o João do Cariri e Mamanguape, não valendo proclamações nem deputações pacificadoras.
A 5 de maio o povo e tropa de Areia aclamam um governo temporário sob a presidência de
lix Antônio Ferreira de Albuquerque…. A 2 de Julho Félix Antônio oficia à Câmara da
Capital seus intentos sobre a cidade, requisitando logo a prisão de Filipe Néri e os cofres do
erário, em nome da liberdade que queria consolidar o Brasil. No interior, não cessam os
levantes e correrias dos amotinados.
Com apenas três meses de governo, o presidente foge ao abandonar a
presidência, expressando ao Imperador “...a falta quase absoluta de todos os víveres
ou a fome mais cruel que assola todos habitantes” e ainda “...o pouco de forças que
nela (na Proncia) em armas para defender de inimigos superiores em força e
número que tentam o ataque em diferentes pontos”. (MARIZ, 1980, p.127).
Desta feita, o presidente justificou na pobreza da província a sua própria
incapacidade em lidar com os conflitos políticos.
No Paço do Conselho Municipal da Capital, na Cidade Alta, faz-se o
juramento solene da Constituição Política do Império e nomeado o presidente, o
Conselheiro Alexandre Francisco de Seixas Machado, que toma posse em 21 de julho
de 1824.
83
Fausto (2003, p. 146) comenta que na historiografia brasileira a consolidação
da Independência fora bastante fácil e fruto de lutas nas províncias contra os
movimentos autonomistas e os que sustentavam a permanência da união com
Portugal: “As objeções têm o mérito de chamar a atenção para o fato de que a
Independência não correspondeu a uma passagem pacífica”. Os fatos ocorridos na
cidade da Parahiba, após a Independência, confirmam isso.
Passados esses primeiros tempos iniciais tumultuados do nascente Império do
Brasil na Parahiba, cujos fatos demonstram os conflitos decorrentes dessa civilização
que se impõe na realidade de uma cidade esquecida, começam os trabalhos da
assembléia provincial e da câmara municipal, responsáveis pelas obras públicas e o
ordenamento interno na cidade.
4.1.2. O Ato Adicional e a Autonomia Provincial
No Brasil, havia duas correntes políticas: a colonial absolutista que sustentava
o primeiro imperador e afiliação a Portugal, e a nativista liberal que desejava o
desenvolvimento do país. Em 24 de maio de 1824, teve lugar um confronto nas ruas
da cidade da Parahiba entre estas duas facções. Posteriormente foi criada na capital
uma sociedade intitulada “Sociedade Federal da Parahiba do Norte” pela federação
das províncias e pelo poder junto ao governo central. Nesta época, as revoltas
provinciais eclodiam pela reivindicação de maior poder das províncias, tendo a
mara Municipal da Cidade da Parahiba publicado, inclusive, parecer favorável à
federação das províncias.
O Ato adicional, uma emenda constitucional, aprovada em 1834, viria como
solução política para essas reivindicações federalistas, tendo por objetivo privilegiar
as províncias, que passariam a ter poder e autonomia para a solução de seus
problemas locais. Em seu artigo primeiro, o Ato Adicional declarava que “o governo
do Império do Brasil será uma monarquia federativa” (DOLHNIKOFF, 2005, p.93).
Para essa autora, a autonomia provincial em uma proposta de monarquia federativa
foi capaz de garantir a representatividade apenas para os grupos dominantes,
mantendo-se a exclusão social e o sistema escravista, ponto de comum acordo entre os
grupos políticos. Essa autonomia incidia sobre a tributação, as decisões referentes a
empregos provinciais e municipais, as obras públicas e a força policial, de modo que
os governos das províncias dispunham de capacidade financeira para autonomamente
84
decidir sobre os investimentos em áreas vitais para a expansão econômica, o exercício
da força coercitiva e o controle da máquina pública.
O governo provincial autônomo seria composto de duas instâncias: as
assembléias legislativas e a presidência da província. A composição das assembléias
era proporional à população. A Assembléia na Parahiba tinha 28 deputados. Cada
eleitor (escolhido pelo juiz de paz) deveria votar no número de vagas disponíveis para
evitar as preses municipais e dos grandes fazendeiros. Esse mecanismo visava
eleger os que tinham votos por toda a província e não apenas em suas bases
municipais, mas não foi suficiente para evitar a influência das elites rurais, que os
juízes de Paz eram, em geral, eleitos entre eles.
As atribuições das Assembléias eram as seguintes: determinar as despesas
municipais e as provinciais, bem como os impostos que deveriam ser cobrados para
fazer frente a tais despesas; fiscalizar o emprego efetivo das rendas públicas, tanto
municipais quanto provinciais, além do controle final das contas. Tinham a obrigação
de, com esses impostos, fazer construir as obras necessárias ao desenvolvimento da
província, prover a segurança da população, promover a instrução pública (com
exceção do ensino superior de competência do governo central), controlar os
empregos provinciais e municipais, estabelecer os ordenados, decretar suspensão ou
demissão em caso de queixas. Cabiam às assembléias as divisões civil, judiciária e
eclesstica da província, a desapropriação por utilidade municipal ou provincial; a
regulação da administração dos bens provinciais; a promoção das estatísticas, da
catequese e civilização dos indígenas, além do estabelecimento de colônias, e, por
fim, a representação perante a assembléia e o governo central contra leis de outras
províncias que ofendessem os seus direitos (DOLHNIKOFF, 2005, p.99). As
províncias passariam a ter condições legais para a promoção de seu desenvolvimento.
O cargo de presidente foi criado na Assembléia Constituinte de 1823, sendo as
suas atribuições as seguintes: convocar a Assembléia provincial para reunir-se no
prazo marcado para suas sessões, convocá-la extraordinariamente, prorrogar ou adiar
a sessão anual a seu critério, expedir ordens, instruções e regulamentos adequados à
boa execução das leis provinciais, am de sancionar as leis aprovadas na Assembléia.
Com a nova lei promulgada em 1834 para especificar as funções do presidente, pouco
mudou, mantendo-se as atribuições executivas. A rotatividade e a prevalência de
presidentes de fora era uma realidade, embora uns fossem locais. Como a legislação
provincial, inclusive a referente a temas fiscais, ficava sob o controle das elites
85
provinciais através dos seus deputados, o presidente ficava, na prática, impedido de
ter poder ativo, o que explica, em parte, as muitas frustrações expressas dos
presidentes, em seus relatórios.
Quanto às câmaras municipais, estas tiveram suas atribuições reduzidas com a
lei de 1828. Cabia a elas administrar a cidade ou a vila prestando contas ao conselho
de província. o podiam decidir livremente sobre a arrecadação de impostos ou a
sua aplicação. Tornavam-se, portanto, meros agentes administrativos. O compromisso
com a autonomia municipal ficou restrita ao judiciário com os juízes de paz.
Para Sod, (1989, p. 89), o Ato Adicional não fora rigorosamente cumprido,
sendo na verdade um paliativo em tempos de regência, que dava a ilusão que concedia
poderes às províncias, numa época crítica, de transição política e de revoltas
regionais. Dolhnikoff (2005), ao analisar as províncias de Pernambuco, Rio Grande
do Sul e São Paulo, no século XIX, concluiu que nessas províncias a autonomia foi
um grande incentivo à dinâmica econômica e que, em São Paulo, por exemplo, as
verbas foram orientadas para a crião de infra-estrutura para a produção e
escoamento do café. Veremos em que medida a Parahiba se beneficiou, através das
obras públicas, dessa autonomia provincial.
4.2. Obras Públicas e Práticas Urbanísticas
Os relatórios dos presidentes da província da Parahiba representam a principal
fonte de informações sobre a cidade, pois neles estão relatadas as ações da
Assembléia legislativa, de caráter legislativo e da Presidência, de caráter executivo.
Cabia à Assembléia Provincial legislar, aprovar e decidir sobre as prioridades da
província. Se, na teoria, a província deveria arrecadar e decidir sobre o emprego dos
recursos, na prática ficava requerendo recursos do Governo Imperial para a realização
das obras públicas na província e na capital, a Parahiba. Isso ocorria pela
incapacidade da província em gerar recursos suficientes.
Assim, os relatos sobre as obras públicas nos relatórios presidenciais nos dão
uma idéia da ação do Estado sobre a organização do espo urbano, embora à idéia de
intervenção estatal, esteja relacionado o termo planejamento urbano. Mas esse é outro
tempo e por isso não se pode falar em planejamento urbano na primeira metade do
século XIX. o termo urbanismo é entendido enquanto um conjunto de saberes e
técnicas sobre o espaço urbano e as ideologias que criam as necessidades de
86
intervenção desse espaço, visando o atendimento da lógica econômica (SILVA,
1995). Tambémo podemos nos referir a um conjunto de técnicas no período
estudado, que as ações eram pontuais e na medida das urgências que se faziam.
Podemos, no entanto, falar de um urbanismo incipiente, germinal, caótico e em
formação, na medida em que se esboçava, a partir das obras públicas, um pensamento
sobre os problemas da cidade e uma forma de agir politicamente no que se refere ao
estabelecimento de prioridades quanto às obras públicas e à cidade.
Por isso, entendemos as obras públicas como práticas urbanísticas, e
destacaremos na escolha dos documentos aqui apresentados, os referentes às
necessidades quanto à organização interna da cidade e a dotação de infra-estrutura
urbana, evidenciando assim a existência dessas práticas e os que possuem
considerações ideológicas e morais, voltadas para a necessidade de “civilizar” a
cidade, de acordo com o espaço-movimento da civilização.
Um outro aspecto a ser considerado é acerca da distância entre o discurso
político e a realização das obras em si, que pode ser elucidado a partir da exposição
dos presidentes ao deixar o governo provincial e dos orçamentos aprovados para as
obras. Vimos, por exemplo, que os discursos sobre certas necessidades da província
se repetiam durante as gestões, mas que a solução para essas necessidades levavam
anos para se efetivar, ficando algumas obras públicas esquecidas, por cadas.
Decorre que os presidentes da província assumiam cargos por um ou dois anos, no
máximo. Passavam parte do tempo analisando os problemas da província e quando
começavam as realizações, era tempo de serem substituídos. Para Sodré (1998,
p.180), “tratava-se de um sistema político flexível que permitia o rodízio dos dois
principais partidos no governo”. A Assembléia provincial reunia-se, em geral, uma
vez em cada legislatura que durava dois anos. A cada votação, eram eleitos até três
vice-presidentes e estes se revezavam na presidência. Observamos legislaturas em que
o presidente assumia poucas vezes e o rodízio dos vice-presidentes era tão intenso que
praticamente impossibilitava qualquer esfoo de realização administrativa. Foi o
caso, por exemplo, de Antonio Joaquim de Melo, que deveria governar de março de
1833 a 1836, mas esteve doente por todo o período, que foi governado por nove vice-
presidentes em sistema de rodízio, como veremos adiante.
Sendo a esfera administrativa responsável por alavancar o tempo da
civilização, inserindo os lugares na dinâmica de ponta da economia e
consequentemente da urbanização, a utilização do sistema enquanto fim em si mesmo,
87
privilegiando pessoas e cargos em detrimento de investimentos públicos, sobretudo
em infra-estrutura urbana, concorreu para a permanência e manutenção de um lado, de
uma elite mais afinada com as idéias de civilização e, portanto, com o seu tempo
social e, de outro, uma massa populacional de pobreza relativa, que a abundância
de caça, pesca e frutas era tamanha que impedia as pessoas de morrerem de fome,
mantendo-as dependentes do meio ambiente para a sobrevivência, no tempo longo de
uma hisria quase imóvel, de acordo com Braudel (1996, a,b,c).
4.2.1. A Administração das obras Públicas
Conforme vimos anteriormente, no capítulo dois, as cidades eram, em geral,
mais beneficiadas que as vilas com um esquema administrativo mais complexo. E
que, apesar de ser cidade, a realidade urbana da Parahiba era de uma vila, pelos
fatores mencionados que foram responsáveis pelo seu esquecimento. Não obstante,
possuía uma administração pública estruturada nos moldes do Governo Imperial, com
todos os direitos jurídicos e administrativos das demais capitais do Império,
compartilhando assim da civilização de seu tempo.
Os documentos sobre as obras públicas e os relativos ao ordenamento da
cidade da Parahiba foram encontrados no Arquivo Público Estadual e nos relatórios
dos presidentes da província durante o período estudado. Os documentos do Arquivo
Público são correspondências encontradas de diversos setores da administração
pública, em geral encaminhadas à presidência da Junta Governativa, Conselho Geral
e, depois do Ato Adicional, à Assembléia Provincial. São pastas com documentos
soltos, incompletos e desordenados, de todo o período estudado.
Os relatórios são relatos de realizações e exposições ou falas sobre os
problemas e as sugeses de soluções a serem votadas, dos presidentes da Província
da Parahiba, que constam ou não de documentações anexas, como mapas
demonstrativos e relatórios de algumas repartições, referentes aos vários setores da
administração pública, sendo neste estudo selecionados os relatos e exposições acerca
das obras blicas da província, com ênfase para a capital, a cidade da Parahiba. A
impressão desses relatórios presidenciais teve início a partir de 1837, quando então
passamos a trabalhar com eles. Estes documentos nos informam sobre os
procedimentos das obras mais importantes na cidade, à época, além de mostrarem,
através dos discursos dos presidentes, o contexto ideológico do governo, com ênfase
88
na necessidade de civilizar a cidade e nas dificuldades financeiras e técnicas para a
sua urbanização. Observamos também, nos discursos, a enorme defasagem entre a
fala dos políticos letrados e civilizados e as suas dificuldades frente ao cotidiano de
uma cidade com características de vila colonial.
Os presidentes da Província da Parahiba no período estudado eram, em geral,
militares ou bacharéis que se destacaram no Império, sendo uns combatentes de
revoltosos nas diversas regiões do país, outros senadores, ou deputados gerais, alguns
engenheiros e advogados, com formação no exterior tendo, a maioria, exercido a
presidência em outras províncias.
Poucas são as referências sobre a urbanização da cidade no período anterior à
impressão dos relatórios presidenciais, em 1837. A principal fonte dessas informações
é do historiador Irineo Pinto, no clássico livro Datas e Notas para a Paraíba (PINTO,
1977), e os documentos pesquisados no Arquivo Público Estadual.
adiantamos que o período inicial de formação do Império Brasileiro foi, na
Parahiba, bastante tumultuado, destacando-se, portanto, as queses políticas, em
detrimento das obras públicas e das preocupações urbanísticas. Contudo, com o
Império e a Constituição, a vida cívica torna-se regida por personalidades locais, mais
conhecedoras dos problemas provinciais e portanto mais dispostas a realizar ações em
prol da província e de sua capital. Sendo assim, nos limites das possibilidades
disponíveis e na ausência de relatórios entre 1822 e 1837, faremos um panorama das
ações urbanísticas neste período.
De 25 de outubro de 1821 a 18 de Julho de 1822, João de Araujo da Cruz foi
o Presidente da 59a. Junta Governativa da Parahiba. Tenente Coronel, foi
revolucionário do movimento da Independência. Entre os membros desta Junta, estava
Galdino da Costa Vilar, que assumiu a presidência, governando até janeiro de 1823.
Posteriormente, foi um dos organizadores das forças legalistas que enfrentaram os
revolucionários de 1824. Dentre as ações desta junta, destaca-se a manutenção de
duas escolas na Capital, uma na cidade alta e outra na cidade baixa; a regularidade dos
Correios entre a Parahiba e o Rio Grande do Norte; a necessidade de construção de
uma ponte sobre o rio Sanhauá, sendo a primeira refencia encontrada sobre a ponte
uma correspondência de 16 de agosto de 1822, quando é levada à presença de S.
Alteza Real essa necessidade; a iluminação pública na cidade, iluminada com 20
lampiões de azeite de mamona. Nesta gestão chega ainda, em 27 de novembro, a
89
aclamação do Sr. D. Pedro I, Imperador do Brasil, havendo iluminação nas casas e
festejos pela cidade.
Em 3 de fevereiro de 1823, toma posse a junta governativa criada em virtude
da carta régia de 5 de outubro de 1822, cujo presidente era Estevão José Carneiro da
Cunha (PINTO, 1977, p. 35). Militar e político brasileiro, foi senador do Império do
Brasil de 1826 a 1832. Combateu ainda os revoltosos de 1817 na Parahiba, junto com
Amaro Gomes Coutinho, este último revolucionário morto pela coroa e pendurado na
cidade, no lugar Zumbi. Durante sua gestão, ocorreu o “Tumulto de pastorinha”: Em
frente ao convento do Carmo, que era o quartel da cidade, um tenente atacou o
comandante das armas a golpe de espada para matá-lo. Este conseguiu fugir e
subjugar o agressor (PINTO, 1977, p.45). Os sublevados levantavam a bandeira de
Portugal, mas foram vencidos pelas tropas do governo, “evitando assim uma guerra
civil na Província”.
De 9 de abril a julho de 1824, governou Fellipe Neri Ferreira, o primeiro
Governador indicado pelo então Imperador do Brazil, Dom Pedro I. Comerciante e
político, nasceu em Recife, onde participou do movimento revolucionário de 1817,
sendo preso e remetido à Bahia, onde foi libertado em 1821, quando retornou a
Recife. Participou ainda da Convenção de Beberibe. Renunciou ao cargo de
presidente da Parahiba, como vimos anteriormente, e por isso não foi recebido pelo
Imperador que o julgou covarde. Posteriormente, o Governo imperial mandou realizar
uma devassa sobre o ocorrido e, segundo PINTO (1977, p. 86), no dia 16 de
novembro de 1824 fica provada a razão do dito abandono e Fellipe se sai bem. Felix
Antonio Ferreira de Albuquerque, um liberal revolucionário, foi o presidente
temporário das forças revolucionárias que acusaram Fellipe Nery de adepto do
lusitanismo (PINTO, 1977, p.63).
Assume por ordem do Imperador, ainda em 1824, o Coronel Alexandre
Francisco de Seixas Machado, que atuou durante a conciliação entre Pernambuco e
Parahiba, cujas tropas se enfrentavam nas fronteiras. Morreu em 1827, quando assume
o vice Dr. Francisco. Durante a sua gestão houve a grande seca de 1825, quando
ocorreu o bizzaro evento na cidade em que morreram de fome 30 escravos no
Convento de São Bento. Pinto (1977, p. 95) narra ainda que, em 29 de novembro, o
padre que pregava na Igreja do Carmo levou uma pedrada na cabeça, e segundo ele,
correu a vero de que teria rogado uma praga de que a cidade não prosperaria
enquanto o seu sangue estivesse na parede! Contudo, sua gestão foi marcada pelas
90
festas. Ocorreram as festas pelo reconhecimento de Portugal da independência
nacional. Em 20, 21 e 22 de janeiro de 1826, houve festa pelo nascimento de Dom
Pedro de Alntara com cortejo na sala do governo, grande parada, Te Deum
Laudamus, na Matriz, salvas e iluminação pública e particular.
Após a Independência houve um surto grande de festas em todo o país e na
Parahiba o foi diferente, conforme vimos acima. Estas festas, de acordo com Souza
(1999, p.270) indicavam que o país se inseria num fluxo de civilização e essas festas
revelavam o grau de civilização do país através do comportamento e do civismo dos
habitantes. A organização das festas, ao cargo da Câmara Municipal e da Igreja,
evidenciavam o conteúdo desse fluxo, fundamentado de um lado na religião cristã e
de outro na administração pública tornando-se representações simbólicas e, portanto,
ideológicas dessa civilização latina nos trópicos.
Quanto às ações urbanísticas no período, por deliberação da junta, é mandado
edificar a Casa da Alfândega, que ficou, quando pronta, muitos anos depois, chamada
de Alfândega Nova. Na área da saúde pública, foi criada a Casa de Vacinação pública
e nomeado seu diretor: Jacques Dupuis. Em fevereiro de 1826, foi criado o primeiro
periódico regular na cidade, a Gazeta Do Governo Da Paraíba Do Norte, impresso na
Typographia Nacional da Parahyba, saindo aos sábados, a 80 réis o exemplar.
Assume, em 5 de março de 1827, o Desembargador Francisco de Assis Pereira
Rocha, que havia sido presidente de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. Em sua
administração, a 31 de Julho, o governo publicou um edital na cidade e na província,
proibindo as pessoas de andarem à noite pelas ruas depois do toque do sino de
recolhimento, sem justa e legítima causa e/ou trazendo armas proibidas. A pena era
de prisão, processo judicial e punição. Em 11 de setembro, o conselho provincial
resolveu solicitar verbas imperiais para a construção de um cais no porto da capital,
dando início ao longo processo dessa construção, analisada em detalhes ao final deste
capítulo. Em 26 de novembro, a provisão do tesouro público aprova edificar a Casa da
Alfândega, já deliberada na gestão anterior.
De 1828 a 1830, governou Gabriel Getulio Monteiro de Mendoa, deputado
na Assembléia Geral Legislativa do Império e presidente das Províncias da Parahiba,
do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Em reunião a 28 de fevereiro de 1828 o
Conselho decide pedir ao Imperador a aprovação das obras do Cais do Varadouro,
aludindo ser uma obra muito requisitada pela população para o embelezamento da
cidade e melhor comodidade da navegação. Em primeiro de novembro de 1828 chega
91
um aviso da secretaria dos Negócios do Império, autorizando o Governo da Província
e fazer o Cais e outra em 17 de novembro, autorizando a fazer um armazém e um
trapiche no Varadouro. (PINTO, 1977, p.103). Em 13 de maio de 1828, em reunião do
Conselho, fica estabelecido pedir ao governo imperial para mandar edificar uma ponte
sobre o rio Sanhauá e o aterro contíguo, que levou o Conselho a estabelecer a tabela
de passagem da ponte Sanhauá, quando pronta. Em 18 de abril do mesmo ano é criada
a 1
a
. escola pública para o sexo feminino na cidade. Segundo notas não oficiais, o
presidente se ausentou da província de abril a dezembro ficando na Corte tomando
assento na cadeira de deputado que era. (PINTO, 1977, p. 103).
Pinto (1977, p.101) chama atenção neste período ao fato de que o algodão
vinha se tornando um produto mais renvel que o açúcar, tendência essa que foi se
acentuando durante a primeira metade do século XIX. A sua produção, no entanto, era
realizada no interior da província e talvez por isso tenha sido levantada pela primeira
vez a necessidade da construção da ponte Sanhauá, que faria a ligação do porto da
capital com o interior da província. Sendo assim, destacaremos nesse estudo a obra de
construção da ponte, do aterro contíguo à mesma e do cais do porto, um conjunto
arquitetônico de fundamental importância para o escoamento da produção do interior
da província, contribuindo para uma maior arrecadação e consequente
desenvolvimento econômico da província.
Em 20 de março de 1829, é publicado um edital convidando proponentes para
a construção da ponte Sanhauá, a qual foi orçada em 13:060$000. Na mesma gestão,
em 1829, o presidente da província consegue dinheiro para tirar cópias dos
documentos do arquivo da secretaria de governo que ainda prestassem e ficamos a
imaginar o quanto foi perdido da hisria da província nesse processo. Um aviso
imperial autoriza a presidência a deduzir a oitava parte da sobra de suas rendas para o
estabelecimento e manutenção da iluminação na cidade baixa e alta, com 50 lâmpadas
alimentadas com óleo de mamona. Este ano é ainda considerado o nascimento do
correio no Brasil. O regulamento de 5 de março criou administrações nas províncias
dando-lhes pessoal e mandando fazer o serviço no interior. Em 15 de julho, é
instalada na Parahiba a administração dos correios (PINTO, 1977, p. 107). Quanto às
obras públicas na capital, em 1830, o presidente da província manda colocar sessenta
travessões de pedra nas ruas, conforme concessão feita pelo aviso imperial de 29 de
outubro de 1828 (dois anos atrás) e realizados melhoramentos n
91
um aviso da secretaria dos Negócios do Império, autorizando o Governo da Província
e fazer o Cais e outra em 17 de novembro, autorizando a fazer um armazém e um
trapiche no Varadouro. (PINTO, 1977, p.103). Em 13 de maio de 1828, em reunião do
Conselho, fica estabelecido pedir ao governo imperial para mandar edificar uma ponte
sobre o rio Sanhauá e o aterro contíguo, que levou o Conselho a estabelecer a tabela
de passagem da ponte Sanhauá, quando pronta. Em 18 de abril do mesmo ano é criada
a 1
a
. escola pública para o sexo feminino na cidade. Segundo notas não oficiais, o
presidente se ausentou da província de abril a dezembro ficando na Corte tomando
assento na cadeira de deputado que era. (PINTO, 1977, p. 103).
Pinto (1977, p.101) chama atenção neste período ao fato de que o algodão
vinha se tornando um produto mais renvel que o açúcar, tendência essa que foi se
acentuando durante a primeira metade do século XIX. A sua produção, no entanto, era
realizada no interior da província e talvez por isso tenha sido levantada pela primeira
vez a necessidade da construção da ponte Sanhauá, que faria a ligação do porto da
capital com o interior da província. Sendo assim, destacaremos nesse estudo a obra de
construção da ponte, do aterro contíguo à mesma e do cais do porto, um conjunto
arquitetônico de fundamental importância para o escoamento da produção do interior
da província, contribuindo para uma maior arrecadação e consequente
desenvolvimento econômico da província.
Em 20 de março de 1829, é publicado um edital convidando proponentes para
a construção da ponte Sanhauá, a qual foi orçada em 13:060$000. Na mesma gestão,
em 1829, o presidente da província consegue dinheiro para tirar cópias dos
documentos do arquivo da secretaria de governo que ainda prestassem e ficamos a
imaginar o quanto foi perdido da hisria da província nesse processo. Um aviso
imperial autoriza a presidência a deduzir a oitava parte da sobra de suas rendas para o
estabelecimento e manutenção da iluminação na cidade baixa e alta, com 50 lâmpadas
alimentadas com óleo de mamona. Este ano é ainda considerado o nascimento do
correio no Brasil. O regulamento de 5 de março criou administrações nas províncias
dando-lhes pessoal e mandando fazer o serviço no interior. Em 15 de julho, é
instalada na Parahiba a administração dos correios (PINTO, 1977, p. 107). Quanto às
obras públicas na capital, em 1830, o presidente da província manda colocar sessenta
travessões de pedra nas ruas, conforme concessão feita pelo aviso imperial de 29 de
outubro de 1828 (dois anos atrás) e realizados melhoramentos n
93
Artigo Nenhum dos habitantes desta cidade, e das povoações do seu termo que possuir ou
administrar qualquer chão, possam servir, ou tenham servido para edificar casas e
alinhamentos das ruas, poderá conservar cercas, ou de pedra e de cal ou de taipa que se possa
rebocar e caiar...Artigo Todos são obrigados a caiar todos os anos no mês de setembro as
frentes de suas casas, fronteiras e habitadas; cercas de pedra, ou taipa, que estiverem no
alinhamento das ruas, a pena de ser caída a sua custa, e de pagar mil reis, para cada vez, que
deixar de caiar...”(Código de Postura Nº13, 1831) Artigo Qualquer pessoa, que fabricar
alguma casa nova, que for boco, deverá deixar espaço de 24 (vinte quatro) palmos cravercos
para sua largura, tanto na frente como no fundo, se, pom neste lugar existir casa, que se
queira reedificar, não poderá a propriedade da mesma casa tornar terreno do boco se este tiver
menos dos vinte quatro palmos”.Artigo A pessoa que transgredir o artigo antecedente será
multado em dez mil reis, e a obra que fizer será demolida a sua custa. As multas secundárias
impostas nos artigos antecedentes serão aplicadas as despesas da mara Municipal, e serão
comutados em prisão quando o diligente não tiver meios de satisfazer em dinheiro e que
qualquer incidência será a pena o duplo da multa, e quando esta for satisfeita com prisão será
contada a mil reis, para cada vinte quatro horas”. (Código de Postura Nº14, Câmara
Municipal da cidade de Parahyba do Norte, 18 de setembro de 1830).
Galdino da Costa Vilar volta à presidência da Província de novembro de 1831
a outubro de 1832. Durante a sua gestão é instalada a Tesouraria da Fazenda. No seu
curto período de governo, o Padre Galdino da Costa Vilar criou, a 3 de fevereiro de
1832, o Corpo Municipal de Permanentes, origem da Polícia Militar da Paraíba, aliás,
a segunda a ser criada, cronologicamente, no Brasil, depois da de Minas Gerais. De
29 de outubro de 1832 a 1833, governou a província André de Albuquerque
Maranhao Jr., filho do líder revolucionário de 1817, And de Albuquerque
Maranhão, cujo domínio territorial se estendia na faixa Litorânea ao sul de Natal e
norte da Parahiba. Em sua gestão é assinado um termo de declaração e modificação
feito no contrato das obras da ponte, cais e aterro do rio Sanhauá, datado de julho de
1833 para vigorar a partir de 1 de janeiro de 1834 (AP, 1833).
De 16 de março de 1833 a 1836, deveria governar Antonio Joaquim de Melo,
que por motivo de doença, passou o governo da província aos vice-presidentes na
seguinte sequência: de 29 de agosto de 1833 toma posse o vice por motivo de doença
do titular, em 7 de janeiro de 1834 assume outro vice, Affonso de Albuquerque
Maranhão. Em 26 de junho, toma posse o vice Jo Luis Lopes Bastos. Em 7 de abril
de 1835, toma posse o vice presidente Bento Correia Lima, que instalou a primeira
sessão da assembléia 35/37 e constituiu a mesa, de abril a junho de 1835. Os vice
presidentes, segundo a carta de lei de 3 de outubro de 1834, passam a ser os seis
94
deputados provinciais mais votados (PINTO, 1977, p. 133). Em 14 de abril de 1835,
toma posse o primeiro vice eleito pela Assembléia reunida em primeira sessão:
Manoel Maria Carneiro da Cunha. Em 12 de junho, toma posse o 2º. vice Luis
Álvares de Carvalho. Em 10 de setembro, toma posse o 3º. vice Francisco José Meira.
Em 1º de fevereiro de 1836, toma posse novamente o primeiro vice Manoel Maria
Carneiro da Cunha. Em 18 de abril, retorna o 3º. vice. Foram nove governantes em
três anos, o que torna difícil saber quem realizou o quê durante este período. Por isso,
vamos considerar esses nove governos como sendo apenas um, no que concerne às
práticas urbanísticas.
No ano de 1834, foi feita a ponte do Rio Miriri e uma calçada no beco do
Machado e no mesmo ano a câmara da capital pede para o presidente Bento Correa
Lima apresentar um plano de edificação e reedificação dos edifícios a ser elaborado
pelo engenheiro recém-chegado.
Em outra correspondência do mesmo ano, datada de 12 de abril de 1834, a
câmara apresenta ao presidente as obras realizadas por arrematação como a colocação
de travessões na cidade e as obra da Ponte, cais e aterro na passagem do rio Paraíba. E
faz chegar ao conhecimento da presidência a relação das obras públicas necessárias ao
município, como o açougue da cidade, “que se acha inteiramente deteriorado e
imundo, fazendo ele vergonha que em semelhante casa se corte carne para o sustento
de um povo civilizado. Seguia ainda o orçamento para os dois aterros necessários aos
lados da ponte de passagem sobre o rio Gramame na estrada para a vila do Conde e a
planta e o orçamento para uma cacimba nas Trincheiras,
no lugar da vertente denominada “do Povo”, cuja vertente consta ser assaz abundante de muito
boa água e do que se alimentam os habitantes daquele lugar e seus subúrbios e que lhes é muito
gravoso irem buscar água em outra parte”. O documento cita ainda a necessidade de edificação
de uma cadeia nova (AP, 1834).
Na sessão de 26 de maio de 1834, assim se expressa a Câmara à presidência
sobre o andamento de algumas obras na cidade:
Tendo sido arrematada a obra dos travessões das ruas desta cidade pelo cidadão Elias José
Cabral o qual para começo deles e na forma do auto de sua arrematação feita perante este
governo em 6 de julho de 1830, recebeu a quantia de 1:348$600 réis e vendo esta câmara que
aquela obra se está fazendo imperfeita pela falta de não serem os espessos que medeiam de um a
outro travessão aterrados, pelo que encharcadas, se acham as ruas desta cidade, de cujos charcos
e lamaçais exalam mortíferos vapores a que em verdade é contrário à saúde pública, roga esta
mesma câmara a vossa excelência que se digne tomar em consideração este objeto de interesse
95
blico, mandando fazer os necessários aterros e aplainamento das mencionadas ruas.(AP,
1834).
Dentre as correspondências enviadas à Presidência pela Câmara, no ano de
1834, encontra-se uma de 4 de agosto cobrando a restauração de parte do mosteiro de
São Bento que serve de quartel; outra de 7 de agosto comunicando sobre o estado do
Mosteiro de São Bento, onde serviu a Legião de Guardas nacionais; outra de 18 de
agosto, sobre um requerimento do Juiz de Direito da comarca de uma casa decente
para a sua aposentadoria na forma do artigo 47 do código do processo criminal; e por
fim, correspondências diversas do inspetor do trem sobre consertos e obras no
mosteiro São Francisco e nas guardas nacional e municipal. O inspetor do trem era o
responsável pela pólvora e tudo o mais que se referisse à Guarda Nacional.
Nas correspondências gerais à Presidência no ano de 1835, destacamos:
correspondência da tesouraria da fazenda para o vice-presidente denunciando
irregularidades no hospital militar; correspondência sobre as condições em que foi
arrematada a iluminação da cidade; correspondência da tesouraria requisitando a
nomeação de uma comissão tirada do corpo do comércio para arbitrar os preços das
mercadorias; correspondência da tesouraria ao vice-presidente comunicando não ter
efetuado o pagamento da quarta parte do contrato feito pelo arrematante da ponte do
Sanhauá por não ter sido cumprida a 6
a
. condição do contrato (o especificado);
correspondência enviando a relação das despesas com obras públicas;
correspondência da tesouraria para o presidente, pedindo relação das faltas
encontradas na iluminação da cidade, e outra da mesma repartição, comunicando a
decisão de montar a alfândega da cidade.
O que podemos concluir sobre este período é que existiu um rodízio muito
intenso entre presidentes e vice-presidentes, dando a impressão de que mais
importante que realizar algo era estar assentado na cadeira da Presidência. As disputas
políticas foram muito significativas num período de transição ao nível nacional, onde
o estado monárquico estava se consolidando politicamente. Destas disputas terem
adquirido maior relevo que as realizações na esfera das obras públicas. Por outro lado,
vimos que as principais obras que se desenvolveram no período estudado, como o cais
do porto, a ponte e o aterro do rio Sanhauá, foram iniciadas neste período, além das
preocupações com as posturas, o alinhamento das ruas e a necessidade de uma planta
para o nivelamento da cidade e as citadas necessidades de uma nova cadeia e da casa
da alfândega.
96
Destacamos a gestão urbana de Gabriel Getúlio Monteiro de Mendonça,
quando houve uma preocupação em integrar o Varadouro com a Cidade Alta, levando
iluminação ao Varadouro, reparando a ladeira da Matriz, que unia as duas áreas da
cidade e propondo a construção do cais do porto. Além disso, destacamos a
consolidação da expansão da cidade alta em direção ao sul, às Trincheiras, a partir da
colocação de uma fonte, posteriormente chamada de cacimba do povo.
Observamos ainda, no período, uma intensa correspondência entre a câmara
municipal da Capital e a Presidência, dando a impressão de que a primeira trabalhava
ativamente em prol das questões urbanísticas da cidade. Mas o podemos chegar a
essa conclusão de fato, considerando as péssimas condões do Arquivo Público
Estadual, onde realizamos a pesquisa. Não podemos saber se é coincidência ou não,
que nas pastas da década de 1830 foram encontradas mais correspondências da
câmara ou se essas desapareceram das pastas em outros anos. De qualquer maneira,
fica a impressão de que neste período anterior ao Ato Adicional, a câmara da Capital
da Parahiba era mais ativa que em períodos posteriores, conforme veremos adiante.
Em virtude do Ato Adicional de 1834, em 1835 é feita a primeira apuração
dos votos de todos os colégios eleitorais da província da Parahiba para os primeiros
deputados à Assembléia Legislativa Provincial. Os deputados eram eleitos em suas
comarcas pela província, sendo proprietários rurais e filhos da terra. Estes colégios
eram os seguintes na Província: Capital, Monte-mór, Pilar, Areia, Campina Grande,
São João e Pombal. Com o Ato Adicional, a Assembléia Provincial passou a elaborar
as leis, inclusive as posturas e tudo o mais que dissesse respeito à cidade, dando a
impressão de que as províncias passariam a ter uma maior autonomia, na medida em
que promovessem a economia e arrecadassem impostos suficientes para a realização
das obras necessárias. Do ponto de vista político, no entanto, a centralização do poder
Imperial era representada na centralização do poder provincial, que os presidentes
eram indicados pelo Imperador, sendo portanto, representantes diretos da ordem
civilizatória na província. Por outro lado, o poder executivo era subordinado ao
legislativo, ou seja, tudo dependia da aprovação dos deputados provinciais que
vinham de toda a província para as sessões anuais. Estes por sua vez, eram eleitos por
eleitores escolhidos pelos Juízes de Paz.
Na prática, tudo na administração blica passava pela aprovação de leis na
Assembléia Provincial, fosse através do orçamento ou através de leis específicas para
a dotação de infra-estrurura urbana e de construções públicas, incluindo as Igrejas,
97
cujas construções e reformas ficavam também ao cargo da Província, conforme a lei
do Padroado, que vimos no capítulo dois. Os recursos para as obras públicas e as
demais necessidades, no entanto, devido à dificuldade da província em gerar recursos,
dependiam da liberação de verbas do Governo Imperial e do interesse do presidente
em exercício quanto ao que considerasse mais importante para a cidade, tendo o apoio
da Assembléia Provincial. Assim, quando uma obra era aprovada por lei e sancionada
pelo presidente, dependia dos recursos, seja da província ou do governo imperial, e da
competência técnica para se realizar, ou seja, da existência de engenheiros e de
trabalhadores.
Resgatamos inicialmente alguns discursos dos presidentes, que consideramos
significativos, no sentido de introduzir o cotidiano da administração das obras
públicas na cidade, no período estudado.
No discurso de abertura dos trabalhos da Assembléia Provincial em janeiro de
1837, o presidente Basílio Quaresma Torreão expressa a dificuldade em administrar
obras sem um corpo de engenheiros e operários (ortografia atualizada):
As obras decretadas, ou não tiveram princípio, ou se acham em um andamento tardio e
vagaroso, para o que muito contribui, além da falta de operários, a de um engenheiro, de que a
Província não pode dispensar-se (DP, 1837, p.14).
Aprovou então uma lei que tratou da gratificação de um engenheiro que o
presidente requisitaria do governo geral a fim de ser empregado na Inspeção das obras
públicas da Província, dando preferência ao que tivesse conhecimento de fontes
artesanais (AP, 1837).
o presidente Francisco Xavier Monteiro da Franca, em 1840, na fala de
abertura dos trabalhos de sua administração, disse que a Parahiba ainda estava na
“idade agrícola”, e que por isso o precisava de engenheiros (ortografia atualizada):
Tenho razões e experiência pra opinar que nesta província, que ainda agora se acha na idade
agrícola das nações, muito mais proveitoso será o estabelecimento de um naturalista diligente
e hábil para ensinar a melhor direção nos trabalhos e as operações de maior lucro, do que o
estabelecimento de engenheiros, que serão, quando muito, precisos na idade mais provecta e
florescente para edifícios suntuosos. (FP, 1840, p. 7).
Francisco Xavier Monteiro da França foi um dos poucos paraibanos a assumir
a Presidência da Província. Era mom e foi líder revolucionário republicano de 1817.
Talvez pela intimidade com o território se achasse possuidor de razões e experiências
para opinar sobre a idade” da província, que o considerava civilizada ao ponto de
precisar de grandes edificações. No entanto, foi esse mesmo presidente que sancionou
98
o decreto de 20 de abril de 1840, encontrado no Arquivo Público, com partes
ilegíveis, que criava, pela primeira vez, um órgão responsável pelas obras públicas da
província e as atribuições quanto às execuções, que reproduziremos integralmente por
se tratar da primeira tentativa legal de criação de um órgão administrativo, e de suas
funções, para as obras públicas na Parahiba (ortografia atualizada):
Artigo 1
o
Fica criada uma repartição de obras públicas nesta província; Artigo 16: As obras
públicas provinciais menos as estradas gerais, se distribuirão por municípios; Artigo 17: O
governo fica autorizado a mandar indenizar os proprietários e benfeitorias existentes se for
mister destruir nos alinhamentos das estradas, nos termos da Lei de 9 de setembro de 1826;
Artigo 19: Ficam sujeitas à direção da Câmara Municipal da cidade as obras determinadas nos
parágrafos (ilegível); e a cada uma das câmaras da Província o alinhamento das estradas
laterais que lhe disserem respeito; Artigo 20: as obras blicas na província se farão: por
empresas; por arrematação; por administração quando não se possa efetuar os outros meios;
Artigo 27 o presidente da província fica autorizado a contratar com qualquer companhia a
fatura das “estradas” e mais obras públicas provinciais e municipais ouvindo a administração
de rendas e submetendo o contrato à aprovação da Assembléia; artigo 28: é também
autorizado a conceder uma gratificação na vazão de 500$000 réis anuais ao administrador das
obras blicas; artigo 44 na distribuição das quotas votadas para obras públicas, o governo
ordenará as que forem indispensáveis atendendo ao estado da caixa provincial. (AP, 1840).
Apesar da legislação acima, criada em 1840, em 1855, o presidente Francisco
Xavier Paes Barreto aludiu à necessidade de regulamento para as obras públicas,
evidenciando o desconhecimento e/ou o não cumprimento do decreto citado acima
por parte dele e por seus antecessores. Conclui-se, portanto, que a repartição de fato
não existia, a despeito da lei que a criou.
O mesmo ocorreu com o decreto de 1840, que determinava o pagamento da
décima urbana, cujo recurso deveria ser utilizado para o calçamento da cidade, mas
que na prática o arrecadava nada, pois ninguém pagava. Essa, como outras leis de
ordenamento urbano, a exemplo do Código de Posturas, não fôra cumprida.
4.2.2. Os urbanistas esquecidos
Um dos relatórios mais completos do período estudado é do tenente coronel de
engenharia Frederico Carneiro de Campos, de 1846, com 131 ginas. Nascido na
Bahia, combateu os revoltosos de 1822 e se destacou posteriormente como herói na
guerra do Paraguai, sendo preso a bordo do navio Marquês de Olinda, quando
Presidente do Mato Grosso. Ele foi presidente de dezembro de 1844 a março de 1848,
99
tendo tido assim, tempo suficiente para identificar os problemas urbanos e buscar
soluções. Deixou três relatórios (maio de 1845, maio de 1846 e maio de 1847) e uma
exposição ao passar a Presidência em 1848. Possuidor de uma mentalidade de
planejamento, compreendeu os problemas da cidade, alertando sobre a necessidade da
planta de nivelamento para a regularização do traçado urbano pelo alinhamento e
demarcação de áreas públicas como praças e mercados. Mas no seu relatório final de
1847 expressou muita frustração pelo não seguimento das obras do cais que deveria
contornar parte da cidade no Varadouro, “que desgraçadamente não se realizaram
apesar das disposições do orçamento geral”, e sobre os consertos das ladeiras, fontes,
cadeia e continuação do aterro do Sanhauá, que seguiam “mui vagarosamente”. Por
falta de verbas teve de dispensar os serviços do engenheiro da província que havia
requerido, circunstância que considerou deplorável. Ele alega ter perdido tudo o que
se fez na construção da casa de rendas por desconhecimento da arte de construir”.
Em seu relatório, percebe-se muita frustração pelas dificuldades enfrentadas.
Outro presidente com mentalidade de planejamento foi o Dr. Antonio Coelho
de Sá e Albuquerque, que governou de julho de 1851 a abril de 1853. Político
pernambucano, foi ministro dos Transportes no Império, sendo responsável pela
abertura à navegação internacional dos rios Amazonas, Negro, Madeira e São
Francisco. Laou a pedra fundamental do teatro na cidade e destacou-se na
administração das obras públicas. Durante sua gestão irrompeu o movimento “Ronco
da Abelhaem consequência da lei promulgada que exigia os registros de nascimento
e óbito, considerada uma lei escravizante pela população que se rebelou em rios
pontos da província. As suas análises sobre esse movimento são interessantes para
sintonizar com as idéias de sua época.
Em agosto de 1851, este presidente acabara de assumir a Presidência e
apresentou um extenso e detalhado relario de obras públicas, tendo por base os
relatórios anteriores apresentados pelo engenheiro da província, e nos deu alguns
detalhes sobre o sistema de construção na província, que vem, através de informações
valiosíssimas, que reproduziremos, explicar as causas dos atrasos e das extrapolações
nos orçamentos das obras públicas na província (ortografia atualizada):
É indispensável, senhores, que confeccioneis um regulamento para as obras públicas. O atual
sistema de construção é extremamente vicioso. O sistema de construção por arrematação é ao
meu ver mais econômico do que o outro por administração; mas como a economia não deve
ser a única vantagem nas obras, como a solidez e a perfeição são as verdadeiras compensações
100
da despesa, convém: primeiro que as obras arrematadas fiquem sempre debaixo da
fiscalização do engenheiro; segundo, que esse examine os materiais antes de ser começada a
obra; terceiro, que nos contratos feitos perante as tesourarias sejam conservadas intactas as
condições de construção; quarto, que haja uma entrega provisória da obra ficando em depósito
nas tesourarias uma parte do valor da obra até a entrega definitiva dela. Convirá, enfim, que
tomeis outras providências para que a população não desconceitue esses benefícios que lhes
quereis fazer. Recomendo-vos a esse respeito o Relatório do Engenheiro da Província. O fato
de perecer a responsabilidade do arrematante na hora em que faz a entrega da obra é na
realidade muito nocivo. Sirvam como exemplo a estrada desta cidade a Areia arrematada por
18:580$000 réis e a calçada do Varadouro por 1:100$000 réis. As regras de solidez foram
inteiramente desprezadas, além de outros defeitos; sendo certo que não foi prudente por-se em
arrematação de um só lance uma estrada de trinta léguas de extensão. A calçada ainda não está
concluída e tenho pesar de dizer-vos que não durará muito tempo depois de sua entrega. Achei
tão malfeitas algumas braças do calçamento que ordenei ao engenheiro que as fizesse arrancar
e com efeito assim se fez; e se consenti que permanecesse o resto, foi porque a obra está quase
no fim e no contrato de arrematação se designou a pedra da construção. Segue o presidente
alertando que as obras da província necessitavam de atenção do Governo Imperial (RP,
2/8/1851, p. 13-14).
Na sua exposição ao passar a Presidência em 29 de abril de 1853, insistiu
ainda nesse ponto assim se expressando:
A experiência me demonstrado que nesta província o sistema de construção de obras
públicas por arrematação o produz as vantagens de economia, que regularmente costumam
resultar de tal sistema; porquanto o conluio entre os pretendentes remove a competência entre
eles, não consentindo destarte que os preços das arrematações sejam menores dos que os dos
orçamentos, dando em resultado nehuma vantagem de economia para os cofres blicos,
lucros aos especuladores, que se retiram da praça por qualquer soma que lhes o
arrematante, real diminuição de preço para o empresário e finalmente o estudo da parte deste
de atender na construção a economia, desprezadas todas as outras condições que não forem
compatíveis com esta. (EP, 29/4/1853, p. 12).
Para a obra da cadeia a solução encontrada por este presidente foi não colocá-
la em arrematação e nem fazê-la por administração, mas dividi-la em diferentes
seções e fazer empreitadas com diferentes empresários.
Em seu relatório de 1852, expressou que a sua maior frustração, como
presidente na Parahiba, foi quanto às obras públicas da Província (ortografia
atualizada):
Tenho vivido em perfeito martírio neste ramo do serviço público. Homem de movimento,
entusiasta de benefícios materiais em seu país, tendo no espírito largos projetos de obras
públicas o necessários em vossa província, tenho sido obrigado a permanecer quase inativo,
adiando sempre a realização de meus cálculos. Os vossos cofres constantemente exaustos,
101
furtam-se inexoráveis à prática de meus pensamentos e infelizmente sem essa poderosa
coadjuvação, nada se pode fazer. (RP, 3/5/1852, p. 16).
Dentre os seus feitos está a criação de uma companhia de oito empregados e
um fiscal para as obras públicas e o pagamento das obras que antecederam a sua
administração, que, segundo ele, impossibilitaram-no de realizar outras.
Estes dois presidentes citados acima ficaram em exercício no cargo durante
todo o período de suas gestões. Nota-se ainda que apesar das dificuldades
encontradas, esses presidentes avançaram na realização de obras públicas. Seus
relatórios, contendo muitos mapas demonstrativos e informações detalhadas,
evidenciam a competência administrativa destes presidentes bem como a importância
dos mesmos para a história do urbanismo paraibano.
4.2.3. Os impasses nas obras públicas
As atribuições da Presidência no tocante às obras públicas eram de priorizar as
obras de acordo com os recursos disponíveis, bem como a fiscalização das obras de
edificações e da infra-estrutura urbana. Dentre as muitas dificuldades para administrar
as obras públicas na cidade, além da falta de capacidade de gerar recursos e do rodízio
entre os presidentes, podemos destacar: os conflitos da administração provincial com
a câmara municipal, cujas diferenças de funções no tocante à administração do espaço
público não eram muito claras; o desconhecimento por parte dos administradores e
construtores das dinâmicas do ambiente tropical onde está situada a cidade; a lentidão
na execução das obras por falta de recursos, de um sistema de construção eficiente, de
engenheiros e de mão de obra qualificada, e o não cumprimento das legislações
urbanas pela maioria da população, incluindo os homens-bons, que compunham a
elite local e ocupavam os cargos públicos.
Vejamos alguns exemplos dos conflitos entre a Câmara Municipal e a
Assembléia Provincial no tocante às responsabilidades sobre as obras públicas na
cidade. Na fala de 1838, o presidente Dr. Joaquim Teixeira Peixoto de Albuquerque
refere-se às câmaras municipais, que deveriam tomar conta do melhoramento dos
edifícios, ruas, calçadas, estradas, fontes e da saúde, conforme as suas posturas, mas
que a quantia dispensada do orçamento para que pudessem realizar tais tarefas era
ínfima (ortografia atualizada): “Não temos ainda ruas capazes de se andar pelo seu
102
mau estado, faltam algumas calçadas, praça de mercado. É preciso que habiliteis as
câmaras para tornar melhor este país.” (FP, 1838, p.22).
Apesar da falta de recursos para implementar as melhorias urbanas, com a
festa de Corpus Christi, em 1839, a Câmara municipal gastou com a cera para a
procissão, armação da Igreja, Vigário para a festa e procissão, fogos e música. De
acordo com o orçamento, a quantia paga ao vigário era muito significativa.
Na sua fala, ao assumir o governo em 1839, o Dr. João José de Moura
Magalhães refere-se assim às câmaras municipais (ortografia atualizada):
estes corpos a quem a constituição incumbe o regime da Polícia local, e governo econômico
das cidades e vilas, mal podem preencher suas importantes funções relativamente à limpeza e
salubridade dos lugares, segurança e comodidade dos cidadãos, sem rendas suficientes. (FP,
1839, p.20).
Neste mesmo ano, os vereadores da câmara municipal da capital são suspensos
pelo presidente da província por faltas e irregularidades cometidas na apuração da
eleição. Mas a suspensão não durou muito e em decreto de 23/10/40, com artigo
único, pelo presidente Monteiro da Franca: “As câmaras municipais não estão sujeitas
a suspenes e demissões por atos do poder executivo” (AP, 1840)
Com esse decreto, os presidentes deixam de ter poder para suspender as
atividades da câmara como havia feito o presidente anterior. Esse presidente foi
rápido em atender às demandas da câmara remetendo à mesma todas as
responsabilidades quanto às obras públicas municipais, ficando o governo provincial
com a responsabilidade das estradas. o obstante, cabia à Assembléia Provincial
destinar os recursos do orçamento das câmaras municipais, que não possuíam
autonomia econômica.
Em 1841, o presidente Dr. Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, elogiou as
câmaras, que em sua gestão não “mancharam as eleições com fraudes” como havia
ocorrido anteriormente e comenta que elas marcham sofrivelmente” pela falta de
recursos, sugerindo que sejam fixadas as despesas por uma lei especial para
aumentarem as suas rendas, promovendo uma melhor arrecadação.
Na disputa política entre a Câmara e a Presidência, a intensidade do conflito
variava de presidente para presidente. Na fala presidencial em 1843, por exemplo, o
presidente Ricardo Jo Gomes Jardim, sobre a administração municipal na Câmara
dos Vereadores, diz que os vereadores se sentem cada um, presidentes, donde resulta
falta de unidade de pensamento e de ação sendo esta a maior causa, apontada por ele,
103
da dificuldade da administração municipal, que o promove as obras de
melhoramentos e que, por isso, deveriam ser promovidas e dirigidas sob imediata
inspeção do governo.
O presidente Agostinho da Silva Neves, em 1844, disse que a Câmara
Municipal, enquanto instituição pública, estava quase morta (ortografia atualizada):
As câmaras municipais não têm correspondido às esperanças que fez nascer a lei de sua
criação. D’entre as variadas e aliás mui importantes atribuições que a Lei orgânica de 31 de
outubro 1828 lhes confiou, só as mais insignificantes tem ela podido desempenhar. O vício de
sua eleição; o número excessivo dos camaristas; a falta de unidade de pensamento e de ação
nos negócios municipais, a limitadíssima cota que lhes concede para as suas despesas, a
penúria de homens inteligentes e o nenhum caso em que são tidos os serviços municipais, são
além de outras causas, as que mais tem concorrido para ferir quase de morte tão bela
instituição. (RP, 1844, p.6).
O presidente tenente coronel Frederico Carneiro de Campos teve, durante sua
gestão, em 1845, muitos conflitos com as câmaras municipais que, segundo ele, foi
uma das maiores dificuldades de sua administração (ortografia atualizada):
tive de lutar com a contrariedade e recarcitação de certos indivíduos membros de câmaras que
habituados a dirigir a seu prazer a opinião dos lugares disputavam por todos os meios ao seu
alcance a realização de uma nova época, que calculavam ser-lhes contrária….Muitos homens
entendem, senhores, adquirir importância tornando-se temíveis em seus municípios por se
rodearem de fascínoras, e com eles, desrespeitarem as autoridades. (RP, 1845, p. 8/9).
Em seu relatório final de 1848, o bacharel João Antonio de Vasconcellos
critica as câmaras municipais, por considerarem-nas defraudadas em benefícios
particulares e que por isso não promoviam o município, apesar do patriotismo de
poucos membros.
Para concluir, o que se observa na leitura dos documentos é que, apesar de
delegar responsabilidades à Câmara, o Governo Provincial continuava, durante o
período estudado, a legislar sobre a cidade e a administrar as obras públicas, enquanto
a câmara assumia maiores responsabilidades financeiras quanto à produção das festas
religiosas e cívicas da cidade, promovendo assim a civilidade entre a população, como
vimos anteriormente.
A questão da mão-de-obra representava outro fator de atraso para as
realizações das obras públicas devido à escassez de engenheiros, como vimos
anteriormente, na direção dos trabalhos. Para executá-los, era uma prática comum o
alistamento de índios, presos e escravos fugidos para serem operários das obras
públicas. Uma correspondência de 1839 do Sr. João José de Moura Magalhães tem
104
ordens para o prefeito interino de Alhandra mandar oito índios para o serviço de obras
públicas com jornada diária de 480 réis. Vimos, ainda, em outros documentos, o
alistamento de “índios vadios” para as obras públicas na cidade, que viviam sob o
jugo das autoridades civis. Reproduziremos a maneira pela qual se expressou sobre
eles o presidente ao governo Imperial em 1845, para nos situarmos no contexto
ideológico da época quanto à realidade indígena por parte da administração pública:
Os índios que existem nesta província estão todos aldeados e habitam em maior parte em vilas
sujeitas às autoridades civis, pois que o todos civilizados ou ao menos tanto quanto o são
ordinariamente os indivíduos da classe ínfima da população do interior e são eles restos de
algumas das tribos que habitavam essa província e já tão degenerados da origem primitiva que
a maior parte nem o idioma de suas tribos falam: estão hoje confundidos na massa da
população e apenas nas vilas de Alhandra, Conde e antiga Bahia da Traição vivem no meio
das outras raças que inteiramente os sobrepujam em número e importância. Afora esses
lugares somente a povoação da Preguiça, antiga sede de Monte Mor, hoje Mamanguape é
quase exclusivamente habitada por índios os quais bem que perfeitamente domesticados e
também sujeitos às autoridades civis, conservam ainda raros e desfigurados alguns dos
bitos da vida selvagem. (Pinto, 1977, p.173).
Quanto aos presos e escravos fugidos, a Presidência, em 16 de agosto de 1841,
manda que sejam empregados para aplainarem e limparem as ruas e praças da cidade
(ortografia atualizada):
Encarregado de mandar aplainar e limpar as ruas e praças desta cidade empregando para este
fim todos os escravos fugidos ou presos existentes na cadeia, na inteligência de que pelo
Capitão Gonçalo Severo lhe serão fornecidos os instrumentos necessários para este trabalho…
(AP, 1841).
Além dos índios, presos e escravos, era comum o emprego dos flagelados da
seca nas obras públicas, como mostra a seguinte correspondência de 1846 do Palácio
do Rio de Janeiro ao presidente da província, autorizando o emprego dos flagelados
da seca nas obras públicas. Esta correspondência tem um caráter discriminatório
quanto à ociosidade da população atingida pela seca, necessitada de socorro público, e
aos prejuízos que representam para os cofres públicos. Alistá-los seria uma forma de
compensar esses prejuízos (ortografia atualizada):
tendo presente a sua majestade o Imperador, que em conseqüência da horrível seca porque tem
passado essa província, se acham aglomerados na capital e em outras povoações dela muitos
habitantes do campo sem meio algum de subsistência, por falta de trabalho em que possam
proveitosamente empregar-se e para prevenir dos efeitos de contraírem tais indivíduos o
bito de viver em perfeita ociosidade à custa dos socorros públicos que até aqui lhes têm sido
ministrados e se continuem enquanto durar a calamidade que infelizmente paira sobre a
105
província, passe Vossa Excelência a organizar dentre eles e de outras pessoas a quem falte
ocupação, uma companhia de trabalhadores que se empreguem na abertura de estradas e em
quaisquer outras obras públicas gerais de que esta província tenha mais necessidade, ficando
Vossa Excelência na inteligência de que logo que se começo às mencionadas obras
públicas, deverá suspender todos os socorros blicos aos indivíduos, que forem alistados
para nelas trabalhar. Palácio do RJ em 18 de setembro de 1846. (AP, 1846).
Mas o problema da qualificação da mão-de-obra não se dava apenas no campo
das obras gerais, mas também no funcionalismo público, conforme uma das
preocupações do presidente Agostinho da Silva Neves, quando abriu a sessão da
assembléia de 1844:
Não me parece possível a conservação dos livros (seis livros de datas de sesmarias) no estado
em que se acham: força é que consigneis alguma quantia para se tirarem cópias autênticas dos
mesmos, enquanto é possível ainda conhecer as letras, o que vai sendo tarefa difícil….será
preciso marcar com precisão os deveres do arquivista, para que se consiga o objeto acima
mencionado e se evite o extravio dos livros, documentos e papéis, que devem ficar fechados e
confiados a sua guarda, sobre sua responsabilidade. (RP, 1844, p. 5).
As dificuldades da o-de-obra e da ausência de um corpo de engenheiros ou
de um que fosse, somados às dificuldades do ambiente natural do sítio da cidade,
composto em muitas partes de áreas de mangue, arrastaram algumas obras públicas
por décadas, como a casa das rendas, a cadeia nova, o cais do porto, a ponte e o aterro
sobre o rio Sanhauá, gerando muito desperdício de recursos, conforme adverte o
presidente Frederico Carneiro de Campos, em 1845, sobre o mal uso de recursos
obtidos, com sacrifícios nos orçamentos, para obras aprovadas que não se
concretizavam ou não ofereciam segurança (ortografia atualizada):
desta minha proposição que emito, não para culpar alguém, mas para fundamentar o que
vou expor-vos, existem as mais irrefregáveis provas, na obra de um cais no Varadouro, o
qual por desconhecidas as regras da arte teve de fundir-se no lodo que forma o leito do rio
Parahiba em frente à cidade; já na casa para a administração das rendas provinciais, da qual
apenas se aproveitem os materiais, e mesmo outros edifícios, que com quanto construídos
estejam, não lhes posso atribuir melhor segurança e duração. (RP, 1845, p.18).
106
4.3. Beaurepaire Rohan: Administrador, Geógrafo e Urbanista
Quando o Engenheiro Beaurepaire Rohan assumiu a presidência da Província
da Parahiba em 1857, o Império Brasileiro já se consolidara e esboçava-se uma classe
política e intelectual capaz de diagnosticar os problemas do país e oferecer soluções
racionais para os problemas das cidades e vilas brasileiras.
De acordo com o Visconde de Taunay (apud GILLES, 1998), Beaurepaire
Rohan chegava a abraçar algumas idéias utópicas, mostrando-se, em certo período,
adepto decidido também de Fourier (assim como o engenheiro francês Vaulthier,
diretor das obras Públicas em Recife, conforme vimos no capítulo 3). Fourier foi um
socialista utópico da primeira metade do século XIX, crítico do sistema comercial e
da sociedade industrial, que propôs a reestruturação da sociedade francesa em novas
bases, defendendo a criação de falanstérios: palácios pra o povo com áreas coletivas
que preservava a propriedade privada e que eram ao mesmo tempo organizações
coesas, bem equipadas e organizadas para a vida coletiva de até 2000 pessoas. Cada
falange se ocuparia de um tipo de produção numa espécie de comunidade auto-
gestora. Seu sucessor, Godin, inspirado em suas idéias, criou o familistério, que durou
até o final dos anos 90, portanto, mais que o socialismo soviético (FREITAG, 2006).
Assim como os letrados brasileiros da época, Beaurepaire Rohan era
influenciado, de um lado pelo cientificismo, cuja noção de progresso baseava-se
numa inabalável crença no poder da ciência como o caminho para a emancipação
humana, e no Romantismo rousseauniano, cuja influência na literatura, na história e
na política elevava os sentimentos nativistas e nacionalistas. O que mais caracterizava
este período no pensamento urbanista era a preocupação com as obras públicas e os
prédios institucionais, símbolos do progresso do Império Brasileiro, as preocupações
sanitárias e de saúde coletiva e as intervenções urbanísticas.
O engenheiro Beaurepaire Rohan nasceu a 12 de maio de 1812 em São
Gonçalo, Niterói, RJ, sendo seus padrinhos o Príncipe Real Dom Pedro de Alcântara e
a rainha, Dona Carlota Joaquina. Seu pai, Jacques Antônio Marco, o Conde de
Beaurepaire e Marechal de Campo, nascera em Toulon, na França, em 1771. Em
1793, fugiu para a Itália, em meio ao turbilhão da Revolução Francesa e depois para
Portugal, quando, por amizade de um influente fidalgo, tornara-se 1º. Tenente da
Brigada Real da Marinha, partindo para o Brasil com a família Real. Em 1835
107
publicava o Compêndio de Geographia Universal em dois volumes, deixando também
diversos manuscritos sobre suas viagens pelo Brasil. Serviu na Bahia e em Oeiras, no
Piauí. Contribuiu para o ensino secundário e superior, criados no Rio de Janeiro, com
destaque para as Academias Militar e da Marinha, onde seu filho estudou.
Beaurepaire Rohan tornou-se cadete ainda com sete anos, sob a graça especial
de D. João VI. Sua propensão maior era para os estudos geográficos, sendo
influenciado pelas viagens de campo que fazia com seu pai, tornando-se exímio
topógrafo e observador meticuloso, conforme os seus relatos das inúmeras viagens
que fez pelo país. Na Bahia, onde serviu junto ao pai nas inspeções que fazia por
aquelas regiões, encontrou o ponto exato do verdadeiro ancoradouro da esquadra do
descobridor, refutando as versões infundadas sobre este fato, de acordo com a
História Geral do Brasil de Ayres de Casal. Esse estudo, “Breve discussão
chronológica acerca da Descoberta do Brasil”, foi lido na sessão do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual fazia parte, em 23/11/1877, constando no
Tomo XLIII da Revista do IHGB. Posteriormente, em 1888, foi nomeado chefe do
levantamento da Carta Geral do Brazil, trabalho premiado na exposição de Viena. Por
esses trabalhos é considerado, por muitos, o pai da cartografia brasileira.
Tornou-se 1º. Tenente em 1835 e em 1837 já era Capitão do Corpo de
Engenheiros. Seu caráter era austero, de inteligência fina, energia rara, aptidão para as
letras, vasta cultura matemática, filosófica e literária. De modéstia incomparável,
possuía talento para o exercício das mais altas funções, mas nunca o seduziu a
política. Em ciências naturais tinha predileção para a botânica. Por várias vezes
exerceu, em São Paulo e no Rio de Janeiro, o lugar de professor de aulas de história,
geografia e geometria.
Como urbanista, destacou-se como diretor das obras municipais do então
Município neutro do Rio de Janeiro, em 1842. Na primeira parte do relatório abordou
os problemas da salubridade pública: esgoto das águas, a canalização dos mangues, o
morro do Castelo (sendo o primeiro a sugerir a sua remoção), o matadouro público, os
cemitérios, a arborização e os despejos públicos. Na segunda parte, abordou a questão
estética da paisagem urbana destacando o aformoseamento público, as vias blicas
de comunicação, as praças e pontes. Quando publicou em 1877 “Considerações
acerca dos melhoramentos de que, em relação às seccas, são susceptíveis algumas
províncias do Norte do Brasil”, condenava a construção de canais de comunicação
com o rio São Francisco e as fontes artesianas.
108
Em 1845, publicou o Ensaio Chorografico de Mato Grosso, destacando a
exploração do Baixo Paraguai. Tornou-se deputado suplente e casou-se com D.
Guilhermina Muller das Chagas, sendo seu filho o Visconde de Taunay. Em 1852 foi
promovido a Tenente Coronel e publicou: “Conquista, Catequese e Civilização dos
selvagens no Brasil”, onde refutou a doutrina de Vanhagen de levar os índios no
Brasil a ferro e fogo. Não obstante, de acordo com GILLES (1998), teria revisto suas
idéias quando assumiu a Presidência do Paraná em 1856.
Tornou-se Diretor de Obras Públicas no Paraná em 1853, 2º. Vice- presidente
da Província do Paraná em 1855 e Presidente em exercício em 1856. Assumiu a
Presidência do Pará nos anos de 1856 e 1857. Em 1857, foi nomeado presidente da
Província da Parahiba do Norte.
A sua atuação como Diretor de Obras Públicas e Presidente da Província do
Paraná foi estudada por Gillies (1998). A autora, através desse estudo, demonstrou a
ambigüidade pica do século XIX, numa sociedade onde conviviam formas
modernas e arcaicas de socialização, estruturas sociais avançadas e atrasadas, idéias
nacionais e importadas. Uma sociedade escravista cuja elite queria preservar o status
quo, mas ao mesmo tempo progredir para estágios mais avançados, mais civilizados.
Beaurepaire, segundo a autora, teria vivido todos os momentos dramáticos do século
XIX, como personagem atuante dessa ambiguidade da história nacional.
No Pará, onde foi presidente antes de vir à Parahiba, demitiu o diretor de
Obras Públicas, Gustavo Ode, colocando os engenheiros Bless e Polemann em seu
lugar, resultando no adiantamento das obras que vinham sendo executadas.
A sua passagem pela Parahiba evidenciou a ambiguidade vivida por esse
homem de visão progressista em uma realidade provinciana onde viviam, segundo
Rodriguez (1994, p. 88), “caturras adversários amantes do deixa assim mesmo” (sic).
No seu relatório de 1858, na Parahiba, refere-se à falta de estatísticas
censitárias, sem as quais o legislador e administrador se viam embaraçados no
desempenho de suas funções e na ausência de uma carta corográfica com limites
administrativos definidos, tanto provinciais quanto municipais, sugerindo assim uma
metodologia para a elaboração do censo e dando início ao mapa da província. Os
censos eram levantados nas paróquias o que, para ele, homem de mentalidade
científica, não eram informações exatas e muito menos seguras, sobretudo
considerando as epidemias que constantemente vinham afligindo a província àquela
época.
109
4.3.1. A Administração de Beaurepaire Rohan na Parahiba
Vimos anteriormente que a província da Parahiba tivera, na primeira metade
do século XIX, alguns bons administradores empenhados em realizações na esfera
das obras públicas. No entanto, Beaurepaire Rohan é considerado por Pinto (1977) o
presidente mais operoso que teve a Província, por Leal (1989) um dos poucos
administradores que se empenharam em realizar algo pela Província e por Rodriguez
(1994) um maravilhoso administrador e homem de larga visão. Rodriguez (1994, p.
87) chega a afirmar que nada foi feito na cidade até meados do século XIX, o que não
é verdade, conforme pudemos constatar neste estudo. Vidal (2004, p. 13) afirma que
Beaurepaire Rohan destacou-se na administração porque a cidade era pequena e
carente de infra-estrutura urbana. Em seu estudo afirma ainda que ele foi o primeiro
urbanista cirúrgico da Parahiba.
Na cidade da Parahiba, Beaurepaire Rohan desempenhou a sua habilidade de
urbanista ao conseguir aprovação da Assembléia Provincial para o levantamento da
primeira planta da cidade, feita pelo 1º. Tenente de engenheiros Alfredo de Barros e
Vasconcelos (anexo 10). Contratou ainda os dois engenheiros estrangeiros que
trabalharam com ele no Pará: Bless e Polemam, para auxiliá-lo na administração das
obras públicas. Segundo Rodriguez (1994, p.88), com B. Rohan “surgiu uma nova
era no sentido de arrumar, embelezando aqueles caminhamentos distantes, tornando-
os dignos de sua finalidade.”
Como urbanista, realizou, ainda, vários estudos e obras de infra-estrutura,
embelezamento, saneamento, abertura e nivelamento de ruas e preocupões
sanitárias acerca do matadouro público e do cemitério. Planejou a demolição de casas
e becos para a abertura de ruas e prolongamento de avenidas, planos esses
considerados avançados para a época, o que levou os adversários a tentar sujar
moralmente a sua administração, chamando-o de louco sonhador.
Como botânico e educador, criou o Jardim Botânico, que deveria ser a sede da
Escola de Agricultura Theorica e Pratica para meninos pobres, e recebeu do Ministro
do Império mudas de café. Definiu a área para o jardim botânico, que não teve
continuidade (anexo 11). Em uma das salas do Lyceo Parahybano estabeleceu a
Biblioteca Pública, contando com 1010 volumes de obras literárias, e criou o Colégio
Nossa Senhora das Neves, para mulheres.
110
Como geógrafo, preocupou-se com os limites provinciais, trocando
correspondências com as províncias vizinhas para esclarecimentos acerca dos pontos
exatos das fronteiras e elaborou parte da Carta Chorográfica da Província, pois
segundo ele, as existentes não eram dignas de crédito.
De acordo com a sua biografia feita pelo Barão Homem de Mello (1899),
Beaurepaire Rohan pediu exoneração do cargo de presidente da Parahiba a 24 de
janeiro de 1859, tendo governado a Província de 6 de dezembro de 1857 a 4 de junho
de 1859. Chegou ao Rio de Janeiro em 24 de junho do mesmo ano para ser diretor das
obras militares da Corte.
Não obstante ter saído antes do fim do mandato, sua passagem pela Província
foi marcante. Como era de seu costume, viajou por toda a Província e escreveu um
trabalho, a “Chorographia da Parahyba”, que ficou desaparecido até o início do culo
XX, quando foi resgatado na Biblioteca Nacional. Nesse trabalho, expressa as
mesmas idéias de progresso e bem-estar social, como fizera no Mato Grosso, no
Paraná e no Pará, onde administrara.
4.3.1.1.Os Relatórios
Em seu relatório de 1858, B. Rohan referiu-se à questões como a navegação,
sugerindo estudos para a criação de represas (açudes) e canais dos rios no interior, à
crião de estradas de rodagem e à exploração de minerais.
As divisões administrativas à época eram as seguintes: divisão judiciária com
sete comarcas, que segundo ele, deveriam obedecer os seus nomes locais, por serem
mais naturais, ao invés de serem trocados para outros nomes, quando de sua criação,
gerando confusão; a divisão policial, contando a província com 16 delegacias e 45
sub-delegacias; a divisão municipal, contando a província com 18 municípios:
Parahiba, Mamanguape, Jacoca, Bahia da Traição, Taipú, Pilar, Natuba, Ingá,
Independência, Araruna, Cuité, Areia, Alagoa-Nova, São João, Pombal, Pattos,
Pian e Souza, 4 cidades e 14 vilas; a Divisão Eclesiástica contando a província 29
freguesias e, por fim; a Divisão eleitoral com cinco colégios eleitorais, 593 eleitores e
29.837 votantes, sendo a representação geral de dois senadores, cinco deputados e 30
membros da Assembléia Provincial.
Em seu relatório, percebe-se o aumento da renda provincial passando de
225:972$980 (225 contos e 972 mil e 980 réis) em 1852 a 520:450$879 (520 contos e
111
450 mil e 879 réis) em 1857. Para 1859 o orçamento da despesa foi de 304:816$730 e
a despesa orçada em 235:310$191, havendo um saldo de 69:506$534 (soma não
confere!). Esses dados diferem, mas se aproximam dos dados em Mello (1995, p.
115), para quem os indícios de prosperidade na metade do século na província eram
aparentes e tratava-se de mero crescimento vegetativo. Isto porque, segundo o autor,
enquanto na área açucareira as técnicas de produção não se renovavam, a cultura do
algodão experimentava crescimento extensivo, ocupando mais terras.
Quanto aos dados numéricos e censitários, existem diferenças nas diversas
fontes pesquisadas ao longo desse estudo, confirmando aquilo que o presidente
Beaurepaire Rohan afirmava à época, quanto à não credibilidade das informações
fornecidas, ausentes de um método confvel. Essas informações dúbias, sobretudo as
censitárias, repassadas ao longo do tempo por diversos autores variam e por isso,
neste estudo, não nos preocupamos em repassa-las com exatidão, mas como
referência comparativa das mudanças no período estudado. Além do mais, nas fontes
historiográficas consultadas, não indicação das fontes originais das informações
numéricas. Sendo assim, confiamos mais nos dados presentes nos relatórios dos
presidentes e nos documentos das repartições públicas do período estudado, que
certamente apresentam falhas também, decorrentes de impressão gráfica ou de
erro do funcionário público daquele tempo, pouco qualificado, conforme visto
anteriormente.
Sobre o tema agricultura, o relatório presidencial apresenta a cultura do trigo
para diminuir as despesas de exportação deste cereal para a cidade da Parahiba, que
poderia consumir o trigo cultivado em Teixeira, assim como a cevada, a aveia e o chá
(sic). Costumes alimentícios europeus nas terras paraibanas! o obstante, alguns
agricultores estavam fazendo experimentos com o trigo, mas esbarravam nas
seguintes limitações: ausência de arado, visto que contavam apenas com a enxada, e
ausência de capital para instalação de moinhos, contando apenas com pilões manuais.
Disse o Sr. Carvalho, agricultor, ao presidente: “o arado seria aqui tão admirado
quanto a estrada de ferro em Pernambuco” (RP, 1858, p.10).
Quanto ao comércio, o relatório mostra uma diferença a favor da exportação
no triênio 57/59 de 7:835:669$003 (sete mil oitocentos e trinta e cinco contos,
seiscentos e sessenta e 9 mil e três réis), quantia bastante significativa para a
Província, não fosse o fato de o comércio estar sujeito ao entreposto de Pernambuco.
112
Esses aspectos evidenciam o círculo vicioso de uma economia dependente e
estagnada, fonte de muitas frustrações para os administradores mais afinados com as
idéias de progresso, conforme pudemos constatar, mas que nem por isso
impossibilitaram alguns presidentes de imprimirem a sua marca nas administrações e
de realizar as obras públicas, de acordo com o possível, como foi o caso dos
urbanistas esquecidos mencionados anteriormente e de Beaurepaire Rohan, o mais
lembrado dos urbanistas do século XIX na Parahiba. No entanto, ao contrário de
outros presidentes progressistas que muito reclamavam das limitações financeiras e
técnicas da província, B. Rohan buscava, ao contrário, soluções possíveis para a
realização de seus projetos. Seus relatórios são meticulosas análises da realidade
cotidiana da cidade no tocante aos aspectos de sua urbanização, e que por isso
reproduziremos, com a intenção de nos aproximarmos daquela realidade
administrativa, além de fornecer subsídios para estudos posteriores, ao chamar a
atenção para determinados aspectos da administração e do planejamento das obras
públicas naquele tempo.
4.3.3.2. As Obras Públicas
Ao chegar B. Rohan na Parahiba, estavam em comissão na Província os dois
primeiros tenentes do corpo de engenheiros, Sebastião de Souza e Mello e Alfredo de
Barros e Vasconcellos. Reconhecendo serem insuficientes apenas dois engenheiros,
mandou chamar do Pará os estrangeiros Bless e Polemann. No entanto, os dois
tenentes, alegando motivos de saúde, deixaram o cargo, permanecendo apenas os dois
estrangeiros, considerados insuficientes para tocar as obras públicas em toda a
província, que o presidente considerava “um meio seguro de gastar sem proveito”
mandar executar obras sem a devida avaliação de engenheiros.
Em seu relario, considerou indispenvel a criação de uma repartição
especial encarregada da direção das obras públicas, com pessoal profissional e
ramificações nos diversos municípios e freguezias, com comissões compostas de
cidadãos de confiaa interessados nos melhoramentos materiais de seus lugares e
que poderiam informar e fiscalizar o estado das obras públicas, a exemplo do que já
ocorria em São Paulo e no Paraná, através dos inspetores das estradas. Percebe-se
claramente a sua predileção pela adoção do sistema de administração para a condução
113
das obras públicas, a exemplo do Engenheiro Vauthier, em Recife, conforme
analisamos no capítulo 3.
Assim referiu-se o então presidente sobre o Arquivo e o Gabinete em seu
relatório de 1858, que reproduziremos na íntegra para nos situarmos melhor na
realidade das práticas urbanísticas de então e para uma melhor compreensão do estilo
do urbanista:
Em falta de um archivo e gabinete de obras publicas, os quaes so poderão existir depois que
for creada a respectiva repartição, estão dispersos os papeis e instrumentos que a elles devem
naturalmente pertencer. Uns se achão em palacio, outros na secretaria, além dos que existem
em poder dos engenheiros. Por semelhante systema nunca será possível haver a desejada
ordem na guarda, conservação e distribuição desses objetos.
Quando aqui cheguei, um só instrumento não existia de observação o trabalho de engenheiros.
Quanto a plantas, algumas achei na secretaria, evidentemente truncadas. Para dar uma idéia
do desmantelamento, que a tal respeito se observava, basta dizer que ainda não pude descobrir
o plano do theatro; de sorte que haveria grande trabalho na continuão d’esta obra, se por
ventura se tratasse de lhe dar andamento.
Não requisitei ao Exmo. Minsitro do Imperio, como tambem mandei comprar os
instrumento e mais objectos, que julguei necessarios para o serviço dos engenheiros. Hoje
possui a província os que constam da relação seguinte:
2 theodolitos, 2 planchetas, 1 bussola com eclimetro, 1 nivel d’Egault, com regra de mira, 1
bussola prismatica, 4 bussola de algibeira, 1 higrometro de Sausurre, 1 Thermometro, 1 Nivel
cavalleiro, 6 Trenas, de 150, 100, 50 palmos, 2 Cadêas de 10 e 5 braças, 1 estojo completo, 2
transferidosres, 2 reguas sortidas. Alem disto, existe mais uma caixa de tintas, papel marca
grande e pequena e os mais apparelhos para o desenho.
Como objetos de archivo, existem, alem de algumas plantas antigas, mais as seguintes, que
foram levantadas depois que tomei posse da administração.
Mappa das principais vias de comunicação da provincia da Parahyba, por Bless e Polemann;
Planta da cidade da Parahyba, por lfredo de Barros e Vasconcellos; Planta do andar terreo da
casa da câmara municipal do Pilar, por Bless; Planta da ponte de Mamanguape, por Bless;
Planta da cadeia d’Areia, por Bless; Projecto de uma cadeia para Alagoa Nova, por Bless;
Projecto para casa das camaras e cadeias das villas da Independência e São João, por Bless;
Planta de uma nova Matriz para Bananeiras, por Bless, Planta do cemiterio publico, por Bless;
Planta de um muro de receinto para a cadeia nova, por Bless; Planta da margem direita do do
rio Sanhauá, desde a ponte do mesmo nome até a gameleira, por Alfredo de Barros e
Vasconcellos; Planta e fronstispício da cadeia de Souza, por Sebastião de Souza e Mello;
Planta e fronstispício da casa da camara, idem; Planta e fronstispício da casa da pólvora,
idem; Planta e fronstispício da capela do cemiterio desta capital, idem; Planta e fronstispício
das casas situadas entre o Beco do Serinhaem e o Largo do Varadouro, por Polemann; Planta
e nivelamento da ladeira do Rosario e dos terrenos circunvizinhos, por Polemann; Esboço de
114
differentes projectos sobre a fortificação dos alicerces do edificio da nova cadeia desta cidade,
por Bless; Projecto de novo caes da cidade da Parahyba por Polemann; Nivelamento de parte
da rua do Varadouro, por Alfredo de Barros e Vasconcellos; nivelamento da rua da baixa, por
Polemann; nivelamento da rua do Rosario, por Polemann; nivelamento da rua ultimamente
aberta, em continuação da rua Nova, por Alfredo de Barros e Vasconcellos; Planta da Igreja
Matriz da Villa de Independência, por Bless; Planta da Igreja da villa de São João do Cariry,
por Bless; Planta da Igreja da villa do In, por Polemann.
Ha mais diversos orçamentos para as matrizes, cadeias, udes e outras obras que se devem
executar nos municipios, por onde transitarão os engenheiros Polemann e Bless. (RP, 1858,
p. 17-19).
Observa-se que o número de plantas e projetos realizados pelos dois tenentes
que estavam na província quando da chegada de B.Rohan eram mínimos, comparados
à produção de plantas e projetos pelos estrangeiros Bless e Polemann.
O aspecto de desorganização dos arquivos e documentos da administração
pública provincial, comentado por B. Rohan, explica porque alguns presidentes não
davam continuidade a determinadas obras, como o teatro, por exemplo, e não sabiam
das medidas aprovadas por outras administrações, que caiam no esquecimento, como
a própria criação da repartição das obras públicas, criada por decreto de 20 de abril de
1840 pelo então presidente Francisco Xavier Monteiro da Franca, que não chegou a
ser criada mas que poderia ter sido, se B. Rohan tivesse conhecimento desse decreto.
Em seu relatório de 1859, percebe-se que a Direção de Obras Públicas não fôra
aprovada, conforme sua intenção expressa no relatório de 1858. Ao invés, surgira a
figura de Francisco Soares da Silva Retumba e sua equipe de operários, para realizar
as obras públicas, pelo sistema de arrematação como alternativa possível para a
realização das obras:
A execução dos projectos tenho, em geral, confiado ao Sr. Francisco Soares da Silva
Retumba, unica pessoa que tem nesta cidade um serviço organisado em relão à construcção.
Não mantem uma esquadra de operarios, muitos dos quaes tem mandado vir de
Pernambuco, como tem constantemente um deposito de materiaes promptos para qualquer
occurrencia. Em falta de uma repartição especial de obras publicas, é o unico recurso e mui
valioso que temos nessa cidade. (RP, 1859, p.8).
Quanto às plantas, destacamos no relario de 1859 a “Copia da Planta da
Parahyba”, por Bless:
Nesta planta da cidade da Parahyba, levantada pelo engenheiro Alfredo de Barros e
Vasconcellos, traçaram-se os novos alinhamentos e notarão-se as alterações que sofrerão os
arruamentos depois que se iniciou este trabalho. Pretendia enviar ao Exmo. Ministro da guerra
tanto esta como a copia tirada pelo engenheiro Bless, rogando-lhe a graça de as mandar
115
lithographar, a fim de se multiplicar o numero de exemplares. Não tendo porem, até o
presente, realisado esta intenção, V. Exc. fará o que lhe parecer conveniente. (RP, 1859, p.8).
Neste relato, observamos o caráter abstrato da planta da cidade e de sua cópia,
feita depois da planta original, que não retratava a cidade na íntegra, mas sugeria o
alinhamento futuro da cidade. Cabe ressaltar aqui que a planta levantada por Alfredo
de Barros e Vasconcelos foi realizada em 1857 e não em 1855 conforme consta na
cópia de 1905, sendo esta cópia, a única refencia cartográfica do período, que a
original está desaparecida.
Outros aspectos relativos à infra-estrutura urbana e de edificações, em seus
relatórios de 1858 e de 1859, estão contidos nos sub-ítens relativos às obras públicas
a seguir.
4.4. As Práticas Urbanísticas na Parahiba
As dificuldades administrativas e técnicas, ou seja, a falta de recursos, os
conflitos institucionais, a desqualificação da mão-de-obra em todos os setores e as
dificuldades em lidar com o ambiente natural são encontradas nas análises mais
detalhadas das obras públicas, a partir dos elementos estruturadores do espaço urbano
da cidade da Parahiba, na primeira metade do século XIX, a saber: as edificações
públicas, necessárias ao estabelecimento da administração pública provincial e da
representação da ordem civilizaria na paisagem urbana, bem como as edificações
religiosas; a construção da ponte sobre o Rio Sanhauá e do cais do Varadouro,
essenciais para a dinâmica econômica da cidade e o desenvolvimento da província e,
por fim, a infra-estrutura urbana de abastecimento de água, iluminação, alinhamento,
calçamento, pavimentação e limpeza das ruas, para o atendimento das necessidades da
população.
4.4.1. A Infra-estrutura Urbana: Abastecimento de Água
Consta na bibliografia sobre a cidade que o sítio escolhido para a sua fundação
era excelente por possuir pedra calcárea para as construções, além da disponibilidade
de água potável e da proximidade com o rio, que oferecia abrigo seguro. Consta ainda
que a primeira bica utilizada pela população foi a Bica dos Milagres, conforme
referência de 1599, no caminho do Varadouro para a cidade alta. Com o crescimento
116
da povoação, foram abertas a fonte do Gravatá, construída em 1782, a do Tambiá e a
cacimba do Povo. A fonte de Tambiá era a mais utilizada pela população pela vazão
de suas águas, muito abundantes.
Os chafarizes públicos da Parahiba chamavam a atenção, por serem
considerados únicos na arquitetura e qualidade das águas. Ao contrário do que ocorria
em Recife e Olinda, que tinham problemas de abastecimento de água, a cidade da
Parahiba era provida de um bom abastecimento de água, conforme relatou Koster em
sua viagem à Parahiba: “Os chafarizes públicos da Paraíba são as únicas obras desse
gênero que vi nos lugares onde fui ao longo desta costa” (COELHO FILHO, 1948,
p.62).
A população recorria às muitas cacimbas existentes, para o abastecimento de
água e dos tanques para banho, nas partes baixas do relevo da cidade. A localização
está naturalmente associada aos olhos d’água encontrados nos terrenos baixos ao
das colinas, de onde escorre a água, por infiltração e gravidade. A zona do Tanque,
nas proximidades do cais, é um exemplo onde havia um enorme tanque de água.
Durante o período estudado, a cidade permaneceu abastecida apenas por
fontes e cacimbas. Algumas eram particulares e cobravam pela água e pelo banho. Por
isso, as populações mais pobres pegavam água na beira do rio. Os caminhos
percorridos para o abastecimento da água originaram caminhos que posteriormente
vieram a se tornar ruas da cidade.
Um fragmento de documento do engenheiro militar João Claudino, sem data,
provavelmente do Segundo Império, dise de informações sobre o abastecimento,
que segundo ele, não era suficiente na cidade, mal dando para o suprimento das
primeiras necessidades. O preço cobrado era caro pela péssima qualidade oferecida
das cacimbas e tanques, que não dispunham de um sistema de fiscalização para
salvaguardar a qualidade da água potável.(COUTINHO, 1932, p. 112/113):
Qualquer animal ou vegetal que por descuido se precipite em seu interior será em breve
decomposto e viciará a água, fato que poderá prejudicar muito a saúde pública....Além disso a
constituição do leito onde são abertas essas cacimbas pode não ser a mesma em todas elas, por
conter alguma substância mineral.
Sobre a qualidade das águas, as referências são unânimes em exaltá-la. Sobre a
quantidade é que alguns autores apresentam versões variadas. Uns consideravam as
águas abundantes e outros, insuficientes.
117
Os banhos eram tomados em alguma fonte, em geral a do Gravatá e a do
Tambiá.
A Lei no. 18 de 29/4/1837 trata no artigo 4 #19 do encanamento e condução
das águas do Tambiá Grande para o lugar do tanque desta cidade. Para este fim ficava
o presidente autorizado a receber contribuões voluntárias (seria este o primeiro
serviço de encanamento de água na cidade). Mas em 1838, o mesmo presidente
sugere que seja construída a Bica dos Milagres, na Cidade Baixa, ao invés da
condução das águas do Tambiá, na Cidade Alta, para o Varadouro. Somente em 1849
a fonte dos Milagres foi construída, portanto mais de dez anos depois de constatada a
sua necessidade.
Na administração do Dr. João José de Moura Magalhães, foi mencionada a
necessidade da compra dos terrenos nas proximidades da Bica de Tambiá para que se
conservassem as matas, garantindo a qualidade das águas. Reforçou a idéia do
presidente anterior de construir uma fonte na Bica dos Milagres e consertar os canos
arruinados da fonte do Gravatá, conforme orientação da Câmara Municipal.
Uma correspondência de 1
o
. de fevereiro de 1839 autoriza o plantio de árvores
próximo à Bica de Tambiá bem como a compra do terreno, que reproduziremos por se
tratar de um exemplo precursor de uma prática urbanística ambiental na cidade:
A comissão de obras públicas e fazenda e orçamento à vista do requerimento do vigário José
Gonçalves de Medeiros, que alegando estar privado de gozo e utilidade que lhe poderiam
prestar as matas adjacentes do chafariz de Tambiá, pede lhe sejam compradas e indenizado o
suplicante do preço em que forem justamente avaliadas, sendo para isso autorizado o governo
da província, são de parecer que, sendo como é, reconhecida a vantagem que terá a capital da
conservação das sobreditas matas, que, ainda virgens, e bastantemente crescidas e copadas
concorrem grandemente para o curso perene das águas do dito chafariz, que indubitavelmente
secará, se destruídas pelo proprietário as mesmas matas, ficarem expostas as águas ao calor e
ardor do sol, um reconhecido dano dos habitantes da cidade que são providos quase no seu
todo, pelas referidas águas, seja o governo da província autorizado para a compra referida
da parte do terreno e matas absolutamente necessárias à conservação das mesmas águas, não
obstante a falta de lei regulamentar ao #3 do artigo 10 do Ato Adicional, guardando-se neste
contrato a fiel execução dos princípios do Direito e disposições legislativas sobre casas
semelhantes a bem das rendas provinciais. Sala de Comissões, 1
o
de fevereiro de 1839.
Antônio José Henriques, relator (AP, 1839).
Em 1854, o presidente Paes Barreto, argumentando que as águas do Tamb
não eram mais tão abundantes, faria a primeira observação sobre a necessidade de
118
aproveitamento do Rio Marés, que reproduziremos pelo caráter pioneiro da
constatação dessa necessidade (LEAL, 1989, p. 263):
Observando a falta d’água, que sofrem os habitantes desta capital e a dificuldade como bem a
de fonte do Tambiá, que segundo me informam, não é tão boa, e nem o abundante, como
alguns anos passados, procurei examinar se era possível, sem grandes dispêndios, trazer
para aqui por meio de encanamento a água de algum rio, que existe nas proximidades da
cidade. Creio que o rio denominado Marés, de excelente água e que fica talvez a uma légua de
distância, presta-se a ser encanada sem avultadas despesas.
Somente passado um século foi que se realizou o aproveitamento do Rio
Marés, diante da incapacidade do Rio Jaguaribe em fornecer a quantidade necessária.
Não obstante a sua necessidade foi pensada no período estudado.
O presidente Flávio Clementino, em 1855, relata que as fontes do Tambiá e
Grava foram consertadas naquele ano. Quanto à última, referiu-se o presidente
dizendo que estava sempre ameaçada pelas areias das enxurradas que se depositavam
nela (situada na cidade baixa, recebia as areias das ladeiras). Sendo ela a de maior
utilidade às populações menos abastadas (na área do portinho), merecia por isso que
fosse melhorada. Ele insiste, porém, na aprovação da obra de encanamento do Rio
Marés, pelas precárias condições das fontes de água da cidade e sugere que a
Assembléia aprove a contratação de particulares para a realização deste benefício.
O Presidente Beaurepaire Rohan, no entanto, não deu seguimento à idéia,
alegando que deveriam ser feitos estudos comprovando que o riacho não secaria na
estação seca. Sobre o abastecimento de águas potáveis assim pronunciou-se (PINTO,
1977, p.263):
Além das três fontes públicas Tambiá, Gravatá e Cacimba do Povo, algumas fontes
particulares há, que abastecem de água potável essa cidade. Todavia, reconhece-se que é de
toda a vantagem proceder-se a uma distribuição mais geral deste alimento. O parágrafo 10 do
artigo 1º. da lei do orçamento vigente, indicou o encanamento do rio Marés; e havendo-me
dirigido aquele rio em companhia de um engenheiro e mais alguns cidadãos, reconheci que
suas águas, além de excelentes na qualidade, eram também, quanto à quantidade, mais que
suficientes para o abastecimento da cidade. Cumpre-me porém averiguar se a proporção
diminui na estação seca.
Essa averiguação era necessária, pois o presidente havia sido informado por
um habitante que parte do leito do rio secara alguns anos (RP, 1858, p.20). Sendo
assim, nada fazendo quanto a essa questão, permaneceu a cidade abastecida das águas
das fontes, cacimbas, tanques e rios.
119
4.4.2. Iluminação
Antes de se tornar pública, a iluminação da cidade à noite era restrita aos
frontispícios dos conventos, das Igrejas, nas portas dos quartéis e nas casas das
guardas do Palácio dos Governantes. Algumas residências mais abastadas mantinham
nichos de luz em suas frentes. Assim eram esses nichos (COELHO FILHO, 1953, p.
95):
saíam dos cunhais das casas, dependurados em largos varões de ferro, todos em madeira,
pintados de negro, engalanados de flores de papel e de pano, vistosos, amplos e envidraçados.
Na parte superior, rompendo do ângulo da fachada, junto à cimalha, avançava um cegonho, de
onde pendia a lanterna de azeite.
Essas lanternas ou nichos eram acesos à hora do Ângelus, que representava o
toque de recolher, pois sair à noite era considerado muito perigoso. Os que saíam à
noite, carregavam uma tocha.
Assim, predominava a escuridão. Como a maioria da população desconhecia o
conforto de uma cidade iluminada, cada um ficava em sua casa depois do trabalho
diurno, sendo a vida noturna restrita ao descanso doméstico. A iluminação pública
chegou inicialmente na Cidade Alta em 1822, permanecendo o Varadouro sem
iluminação até 1829.
Em 1822, a Cidade Alta foi iluminada por 20 lampiões de azeite de mamona,
o que representava notável progresso. No entanto, continuava muito irregular e a
Junta Governativa pediu a D. Pedro I que a décima urbana da cidade revertesse para o
preparo de uma iluminação que principiasse na quarta noite da lua cheia e acabasse na
sexta noite da lua nova, vindo a ser, portanto, dezoito noites iluminadas.
Mesmo iluminada, a cidade o era segura à noite e por isso, a 31 de julho de
1827, o Governo publicava um edital determinando que ninguém andaria na rua
depois do toque de recolher, conforme vimos anteriormente.
Em 1829, um aviso Imperial mandou deduzir a oitava parte das sobras de suas
rendas ao estabelecimento e manutenção da iluminação nas cidades alta e baixa, que
seria feita por 50 lâmpadas de óleo de mamona. A cláusula 4 do contrato rezava que a
iluminação seria feita nas noites que forem de escuro, das 7 da noite às 5 da manhã.
“Nas outras noites a luz ficaria acesa antes da lua sair ou depois que ela se fosse”.
(COELHO FILHO, 1953, p 96).
120
Sobre as condições em que foi arrematada a iluminação blica da cidade em
1835 (ortografia atualizada):
Que as luzes se achavam acesas quatro em cada lampião todas as noites às seis horas e meia
impreterivelmente, quer da cidade, quer do Varadouro, dividindo-se e aumentando-se o
número de serventes empregados nelas, conservando-se até às cinco horas da manhã. Que o
arrematante não deixará a conservação de vidros quebrados nos lampiões, pondo logo outras
no lugar d’aqueles contanto que sejam conhecidamente claras e abranjam perfeitamente as
faces dos mesmos lampiões. (AP, 1835).
Sobre a arrematação do azeite: Que o arrematante receberá cem mil réis
adiantados para fornecimento das ditas luzes, sendo cada uma pelo preço de cinqüenta
réis a preço de contrato pago em cédulas” (AP, 1835). A tesouraria aprovou o contrato
de arrematação no valor de 2 contos de réis em 22 de maio de 1835.
Em 1838, assim era a iluminão na cidade (ortografia atualizada):
A nossa iluminação é um pouco defeituosa e por isso não preenche bem o fim para que foi
estabelecida. Os lampiões, além de serem postos sobre estacas de madeira, que sempre se
deterioram, o conservam o plano necessário, não guardam entre si uma distância
proporcional e razoável, sendo necessário que a lei do orçamento destine uma quota não
para aumentar o número deles como para se construírem pilares de pedra e cal nos lugares
onde não houver casas. (RP, 1838, p.15).
Em 1840 o serviço de iluminação ainda era irregular, visto que as festividades
do entronamento de Pedro II foram produzidas com iluminação particular.
Em 1851, a Presidência manda fabricar 100 lampiões em Recife para reforçar
a iluminão. No entanto, não apareceu licitante para o contrato de iluminação e o
governo não pode arcar com o alto preço do azeite para manter os lampiões acesos.
Somente em 1854, o governo pôde colocar esses lampiões nas ruas e cumprir a lei do
orçamento que determinava a imediata iluminação da cidade. Em 1856, o preço do
azeite sobe muito por causa da epidemia da cólera e os lampiões são apagados.
Nenhuma referência à iluminão faz o Presidente Beaurepaire Rohan em seus
relatórios de 1858 e 1859.
4.4.3. Alinhamento, Calçamento e Pavimentação das Ruas
A questão do alinhamento, calçamento e pavimentação das ruas, elementos
básicos da urbanização, em geral não eram prioridades da administração pública
durante o período estudado, com exceção dos poucos presidentes citados
121
anteriormente, os urbanistas esquecidos e de Beaurepaire Rohan, cujas preocupações
urbanísticas já expressavam a importância destas práticas urbanísticas.
Já vimos que a cidade da Parahiba assemelhava-se mais às vilas interioranas que
às capitais e, portanto, nela prevalecia aquilo que os historiadores urbanos chamavam
de cidade à moda dos burgos medievais, conforme vimos no capítulo 2, sendo por isso
assim descrita por Coelho Filho (1948, p.63):
uma aldeia acanhada e suja, atropelada de becos e vielas, de designações pitorescas e
espreguiçando-se na periferia, nos seus ranchos e caminhos de tropas, nas suas chácaras e sítios
que marcam a transição entre a paisagem urbana e a solidão envolvente dos campos.
Apesar do planejamento original da cidade de Nossa Senhora das Neves em
trama ortogonal (MENEZES, 1985), à medida que a cidade foi crescendo, caminhos
foram se constituindo, já que predominava a inexistência de definição quanto ao
traçado urbano e ao alinhamento. O que não significou, porém, que algumas
administrações públicas não pensassem no assunto, conforme vimos anteriormente.
De fato, alguns documentos encontrados ao longo da administração pública no
período estudado evidenciam a preocupação de alguns governantes com a matéria,
esbarrando, porém, nas dificuldades expostas como a falta de recursos, de
competência técnica, de fiscalização eficiente e de dificuldades em lidar com o meio
ambiente, além dos conflitos administrativos entre a câmara e a assembléia.
Cavalcanti (1979, p.39), em sua descrição da cidade em 1822, refere-se à
Ladeira de São Francisco e à rua da Areia, como sendo parcialmente beneficiadas
com um imperfeito calçamento de pedras pontiagudas:
Um pouquinho de calçamento rudimentar cobria trechos que se contavam nos dedos da mão...
Somente dois ou três pontos centrais mais concorridos ou “lordes” (decentes), como diziam de
cousas e homens bem arranjados, cobriam-se de pedras de ponta, mal aparelhadas e seixos de
maior porte.
Segundo esse mesmo autor, as idéias urbanístistas de alinhamento, obediência
às posturas e abertura planejada de espaços era coisa para doidos e ninguém dava
ouvidos (sic).
Em 1834, a Câmara de Vereadores envia à Assembléia um documento
pedindo que esta apresente um plano de edificação e reedificação para a cidade. Neste
documento, a Câmara alega ser obrigada, em virtude do artigo 66 # 1
o
. da Lei de
Regimento, a prover sobre limpeza, desempachamento e alinhamento das ruas, mas
que isso não é possível pois “se está diariamente edificando e reedificando as casas
nesta cidade e povoões deste município sem nenhuma regularidade”. Alega ainda
122
que, por falta de um plano geral, não havia como fiscalizar e coordenar as ações
previstas no Regimento citado. Por isso, pedia à presidência que encarregasse o
engenheiro recém-chegado de:
levantar e se apresentar um plano pelo qual se possa esta Câmara dirigir na edificação e
reedificação de edifícios nesta cidade, tendo em vista os existentes devendo fincar-se postes
que assinalem não o cumprimento e largura das ruas e praças como também os palmos que
devem ter as casas e becos e isto com a brevidade que for possível. (AP, 1834).
Nesses documentos, percebe-se a dificuldade na gestão urbana, em função da
falta de competências designadas da Câmara e da Assembléia, quanto ao alinhamento
das ruas da cidade, condição preliminar obrigatória para o calçamento e a
pavimentação das ruas.
Em 1838, o presidente fala sobre as câmaras municipais, que deveriam tomar
conta do melhoramento dos edifícios, ruas, calçadas, estradas, fontes e da saúde,
conforme as suas posturas, mas que a quantia dispensada do orçamento para elas era
ínfima.o temos ainda ruas capazes de se andar pelo seu mau estado, faltam
algumas calçadas, praça de mercado. É preciso que habiliteis as câmaras para tornar
melhor este país”. (FP, 1838, p.22).
Em 1840, o presidente Francisco Xavier Monteiro da Franca, que criou a
repartição de obras públicas da Província, por decreto, aprovou em assembléia o
orçamento de obras na capital, que neste ano incluíram: alinhamento da cidade e
colocação das praças; chafarizes na cidade baixa e conserto das existentes e das
cacimbas dos Milagres e do Povo; e o calçamento das ruas da capital preferindo as de
maior comércio, sem especificar. Esse presidente foi pido em atender às demandas
da câmara quanto à necessidade de legislação urbana, remetendo, porém, à câmara,
todas as responsabilidades quanto às obras públicas municipais, ficando o governo
provincial com a responsabilidade das estradas.
Apesar de o decreto de 20 de abril encarregar a câmara dos serviços urbanos, a
Presidência, em 16 de agosto de 1841, manda aplainar e limpar as ruas e praças da
cidade empregando os escravos fugidos e três meses depois, em 23 de novembro, o
Presidente pede informações acerca da ordem sobre a limpeza da cidade. Em sua
gestão, mandou alargar a ladeira de São Francisco, que desce por trás da Matriz para o
Varadouro, e consertar o cano que atravessava a Rua das Mercês, sendo este coberto
de pedra e cal. Essas pequenas ações isoladas do governo provincial evidenciam a
123
incapacidade da câmara municipal de administrar as necessidades mínimas da cidade
e evidenciam também o grau de centralização administrativa do governo provincial.
Em 1845, o problema da falta de alinhamento da cidade continuava, conforme
o relatório presidencial do Tenente Coronel Frederico Carneiro de Campos. O
presidente discursa longamente sobre a necessidade de uma planta e nivelamento para
a cidade da Parahiba, que considera um dos trabalhos mais importantes para a cidade,
sem a qual não se poderá fazer os alinhamentos das casas, marcar praças de mercado,
de recreio e nem ter ela regularidade.
sem um nivelamento sistetico, não os edifícios oferecerão pouca solidez como
principalmente a salubridade pública terá de ser muito alterada; por isso que sem essa
operação as habitações terão , quando se haja de calçar as ruas, ou mesmo de se dar o declive
para escoante das águas, de ficar umas enterradas, e perfeitamente humidas. (RP, 1845, p. 22)
Sem recursos para contratação de engenheiros, em sua gestão, limitou-se a
reparar algumas ladeiras.
Citadas em alguns relatórios, as ladeiras da cidade representavam verdadeiras
ameaças nas épocas de chuva. O relevo argiloso abria fendas de erosão que
carregavam detritos para o leito do rio contribuindo para o seu assoreamento. As
enxurradas também carregavam o lixo que se depositava nas ruas e que ofereciam
perigo à saúde pública.
Em 1850, de acordo com o relatório presidencial de 2 de agosto deste ano,
realizou-se a abertura de uma rua por trás do palácio, em direção à do Fogo, com o
nome de rua do Lyceo, onde havia uma passagem muito freqüentada. Iniciaram-se
os trabalhos para a abertura da Rua da Imperatriz, na continuação da rua da Ponte, que
ficou chamada de Estrada Nova.
O presidente, Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, na abertura da
Assembléia em maio de 1854, expressa uma certa tolerância quanto à realidade
urbana daquela época (ortografia atualizada):
As ruas desta cidade estão com o calçamento em péssimo estado. Não são elas percorridas por
grande concurso de pessoas nem por muitos veículos, como nas grandes cidades, e isso
pode explicar a tolerância de um semelhante estado, incompatível com o aformoseamento da
cidade e tão contrário a comodidade pública. (RP, 1854, p.24).
Sobre o calçamento, cita a legislação aprovada no ano anterior de que as
décimas urbanas serviriam para calçar a cidade, mas, passado um ano, não houve
nenhuma arrecadação deste imposto e por isso nada foi feito. Mandou este presidente,
124
no entanto, consertar a estrada de Tambiá e a de Tambaú, ambas intransitáveis,
segundo ele.
A solução pensada pelo presidente Antônio da Costa Pinto Silva, em 1856,
para o calçamento da rua do Varadouro, foi a criação de uma comissão de negociantes
que, com a colaboração de todos os proprietários, realizariam a tarefa sem ônus para
os cofres públicos (FP, 1856, p. 38). No entanto, em sua exposição ao entregar o
cargo em 1857, referindo-se ao calçamento da cidade diz que a Rua do Varadouro iria
ainda ser consertada. Expõe ainda que a Câmara Municipal iria dar começo ao
calçamento de outras ruas. Ou seja, conseguiu o presidente em sua gestão consertar
apenas uma rua, a ladeira do Manema. A única referência encontrada sobre essa rua
foi na descrição do atentado ao Presidente Pedro Rodrigues Chaves, que ia ao
caminho do Tibiri, sendo esse lugar em Santa Rita.
o presidente urbanista Beaurepaire Rohan, ao assumir a Presidência em
1857, identificou os problemas dos arruamentos da cidade e a falta de alinhamento e
nivelamento. Percebeu ainda que as edificações da cidade ocorriam à vontade do
construtor e à revelia das posturas municipais e partiu para a solução técnica destes
problemas. Assim se expressou em seu relatório de 1858, que reproduziremos
(ortografia atualizada):
Os arruamentos nesta cidade nunca foram, nem ainda estão sujeitos a plano algum, quer em
relação aos alinhamentos, quer em relação ao nivelamento. Cada um edifica à sua guisa, e
d’ahi resulta esse labirinto, em que se vai sensivelmente convertendo a cidade . Verdade é que
a construção de qualquer predio é sempre precedida de uma cerimonia, a que chamam
cordeação (e não coordenação como trancreveu Rodriguez, 1994, p. 87, observação nossa) à
qual comparecem os fiscais da camara municipal; mas essa intervenção oficial, longe de
produzir um bem, nenhum outro resultado apresenta, senão o de sancionar a vontade do
edificador, e legalizar os defeitos dos alinhamentos.
Este inconveniente tão palpavel já foi sentido pelos legisladores da Parahyba, e o # 6 do artigo
5º. da Lei no. 22 de 15 de outubro de 1857 autorizou a Presincia a mandar levantar a planta
da cidade com o alinhamento das ruas e designão das praças.
A planta mandei-a levantar, e se acha prompta, trabalho primoroso divido ao Sr. 1º. Tenente
de engenheiros Alfredo de Barros Vasconcellos. Cumpre agora realizar a segunda parte
daquela disposição, e é justamente o que me preoccupa.
Depois de marcados os novos alinhamentos, mandarei proceder ao nivelamento geral da
cidade, em relação a um sistema de esgoto, questão que interessa sobre-maneira a salubridade
pública, como bem o faz observar o digno provedor da saúde. Por ora, tenho quatro
nivelamentos parciais, relativos as obras que estão em andamento. (RP, 1858, p. 22).
125
B. Rohan conseguiu autorização da Assembléia para mandar executar a
primeira planta da cidade qua havia sido aprovada em Lei, no dia 15 de outubro de
1857. Depois de estudar a planta levantada por Alfredo de Barros e Vasconcelos,
manda o engenheiro Bless fazer uma cópia projetando abrir várias ruas e melhorar
outras. Mandou abrir o prolongamento da rua Nova até a cacimba do povo. Para tal
recebeu em doação terrenos do Sr. Capitão João JoD’Almeida. Recebeu doação
também de parte dos quintais de vários outros moradores das ladeiras do Varadouro à
Cidade Alta, que pediram que a reconstrução dos muros fosse feita pelos cofres
públicos e de proprietários de prédios a serem demolidos no Beco do Serinhaém (não
identificado em nosso mapa), que pediram em troca outros terrenos. Isto reflete a boa
vontade para com a administração blica, que em muito contribuiu para que este
urbanista conseguisse trabalhar na cidade, apesar da referência aos “caturras
adversários amantes do deixa assim mesmo”, em Rodriguez (1994, p.89), como
vimos anteriormente. Elogiou em relatório esses cidadãos, referindo-se a eles como
“dignos de louvor por tão distintas provas de patriotismo” (RP, 1858, p. 23). Demoliu
ainda um casarão na Rua Direita, em frente à Igreja do Rosário, com recursos do
“thesouro provincial”, sendo que os entulhos de demolição seriam vendidos para
ressarcir à província ou servir para outras obras públicas. Essa demolição, seguida de
remoção do aterro, serviu para tornar praticável o trânsito da ladeira e torná-la menos
abrupta. Planejava ainda melhorar o acesso do porto à cidade alta, cuja ladeira
considerava muito íngreme.
No relario de 1859, podemos acompanhar o que foi realizado quanto ao
alinhamento e abertura de ruas na cidade (ortografia atualizada):
Examinando-se a planta da capital, antes e depois dos alinhamentos que mandei executar,
reconhece-se desde logo, que em lugar de algumas ruas estreitas e tortuosas, outras se abriram
perfeitamente regulares com oitenta palmos de largura. Estas ruas a que a Câmara municipal
já deu denominação são as seguintes:
1º Rua dos Quintaes, ao occidente e paralela à rua direita de S. Gonçalo;
2º Rua do Imperador, ao norte e parallela à da Imperatriz;
Rua Formosa, perpendicularmente a estas, compreendida entre o Largo do Quartel e o
trilho (deve ser trilha) que do largo do Palacio conduz ao cemiterio publico;
4º Rua da Concilião, entre a da Areia e o Largo do Quartel;
5º Rua do Jardim, entre o mesmo largo e a rua do Imperador;
Rua da Palma, desde a ladeira do Rozario até o largo do Quartel, passando ao sul da actual
rua do Fogo. Para completar a abertura desta rua cumpre ainda demolir o quintal da casa em
que reside o Sr. José Bento Meira de Vasconcellos.
126
A íngreme ladeira do Rozario está hoje convertida em uma ladeira suave por onde já podem
transitar carros; mas ainda não está completa na sua parte inferior, pela demora que houve na
desappropriação de umas casas no como da rua do Fogo. A da Medalha está sensivelmente
melhorada, pelos aterros, desaterros e alargamento que mandei executar. (RP, 1859, p. 12-13).
Estas novas ruas não constam do mapa que apresentamos, mas consideramos
importante mencioná-las, que fizeram parte das práticas urbanísticas deste
presidente. Vidal (2004, p.12) representou essas transformações (anexo 12).
O presidente refere-se ainda à necessidade do calçamento das ruas, o que não
conseguiu executar, alegando o alto preço cobrado de um conto a braça quadrada pelo
empresário que se apresentou, que era certamente o Retumba, único construtor na
cidade, conforme havia mencionado em relatório anterior. Além do mais, havia a
necessidade de deixar o aterro exposto algum tempo antes de calçar, tempo em que o
presidente já não mais estaria na Parahiba. Encarregou, portanto, Bless e Polemann de
proceder a um nivelamento geral da cidade, que pudesse servir de base de cálculo
para a quantidade de braças necessárias ao calçamento a ser realizado no futuro.
Dito isto, podemos concluir que o mapa original elaborado por Alfredo de
Barros e Vasconcellos, não corresponde à cidade real da primeira metade da centúria,
visto que fôra elaborado contendo um alinhamento ainda a ser realizado, sendo
portanto um mapa a orientar futuramente o alinhamento da cidade. Ademais sofreu
várias cópias ao longo do tempo, sendo a primeira executada pelo engenheiro Bless,
logo após ter sido feita, ficando a dúvida sobre o fato dela ter sido modificada antes
mesmo da cópia de 1905, por Arthur Januário Gomes de Oliveira, a única disponível
para identificar a cidade no século XIX. Não obstante, as ruas demarcadas neste mapa
são as existentes antes das aberturas que mandou efetivar logo após a elaboração do
mapa.
4.4.4. Comunicações
Cavalcanti (1972, p. 36) nos informa que as comunicações funcionavam da
seguinte maneira: as notícias da Europa vinham direto no correio Lisboa-Sanhauá
através de cartas, jornais e revistas, levando de dois a três meses na travessia. Do Rio
de Janeiro e da Bahia a espera era mais curta. Na pressa por notícias, o melhor era
montar a cavalo e ir até Recife. Um elemento muito importante nas comunicações
internas na cidade era o moleque de recados, o corta-jaca. Os correios foram
127
estabelecidos em 1821 entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte, ampliando o
intercâmbio que já existia com Pernambuco. Foram empregados índios treinados
inicialmente e depois mensageiros a cavalo ou postilhões.
Continua Cavalcanti (1979, p. 42):
Diversos moradores da capital, no louvável intuito de concorrer para o desenvolvimento
intelectual da província, abrem uma pública subscrição, oferecendo o seu produto à Câmara
municipal para comprar uma tipografia.
Tendo encomendado Richard Rogers, a Câmara arrematou-a em 1831, sendo a
segunda tipografia da Paraíba. A primeira foi de iniciativa da junta governativa e
funcionou em 1826, editando a Gazeta do Governo da Parahyba do Norte.
A Igreja tinha a função de regular a vida social e isso era feito através dos
sinos. No Convento de São Bento, tocavam às 18 horas, para o Ângelus; e às 22
horas, avisando que era hora de se recolher. Os sinos eram também os meios de
comunicação. Avisavam das mortes, das chegadas, dos eventos e, nas festas,
badalavam sem parar. Era o barulho da cidade, na época, e os responsáveis pelo
controle da vida social.
Existiu na torre da antiga capela de São Gonçalo, que compunha o conjunto
arquitetônico jesuíta, posteriormente transformado em Palácio, um ‘telégrafotico”,
onde, em um mastro de ferro, eram anunciados, por meio de bandeiras, os navios que
chegavam no porto. Não encontramos referência, no entanto, da data de sua
instalação.
4.4.5. Coleta de Lixo e Esgotamento sanitário
Não havia uma coleta sistemática do lixo urbano pela administração pública.
Havia ações isoladas de limpeza na cidade, que, conforme visto em alguns
documentos, eram de iniciativa da Assembléia Provincial, quando recursos do
orçamento anual eram destinados à essa função. A limpeza sistemática limitava-se às
repartições do governo e áreas adjacentes onde estas se localizavam. Em 1848, por
exemplo, quando da criação da Capitania dos Portos, o presidente encarregou este
órgão da limpeza das praias sob sua fiscalização, ou seja, os lugares de embarque e
desembarque e aqueles que são transitados pelos habitantes da província, o
consentindo que se fizessem escavações e nem tão pouco que se fincassem morões ou
outro qualquer pau ou ramos.
128
Sendo assim, o lixo se acumulava nos terrenos baldios, que nem todos os
moradores tinham a vala no fundo dos seus quintais para despejo do lixo. Em época
de chuvas, as enxurradas levavam o lixo para as partes baixas da cidade e para o rio,
contribuindo para o seu assoreamento.
Por outro lado, a questão da higiene e da saúde pública era levada em
consideração apenas em períodos de surtos de epidemias como a malária, a febre
amarela e a cólera, quando medidas emergenciais sanitárias como a limpeza das ruas e
a caiação das casas eram ordenadas, apesar de serem previstas no Código de Posturas.
Por causa da emergência da ameaça da febre amarela, o vice-presidente em exercício,
Flávio Clementino da Silva Freire, em 1855, tomou algumas medidas sanitárias na
cidade como a remoção de lixo e de estercos nas ruas da cidade, a caiação de edicios
públicos e pedidos aos particulares que fizessem o mesmo, medidas estas previstas
no código de posturas de 1831, mas que não eram fiscalizadas pela câmara, cujas
deficiências já apontamos anteriormente. A limpeza das ruas foi contratada este ano a
um particular pela quantia de cinquenta mil réis mensais, paga pelo cofre da tesouraria
provincial sob a verba de salubridade pública (RP, 2/10/1855, p. 10).
O primeiro presidente a mencionar questão do saneamento urbano foi
Henrique de Beaurepaire Rohan: “mandarei proceder ao nivelamento geral da cidade
em relação a um systema de esgoto, questão, que interessa, sobre-maneira a
salubridade pública, como bem o faz observar o digno provedor da saúde”, e continua
mais adiante em seu relatório: “Além disto, cumpre dar nova direção às águas que
afluem para a rua da Baixa, as quais não embaraçam o transito, como tendem a
prejudicar a saúde publica, pelas suas exalações miasmáticas” (RP, 1858, p. 22).
4.4.6. As Edificações Públicas e Religiosas
De acordo com Coelho Filho (1948, p.61), as primeiras construções da cidade
teriam sido o forte na baía do Varadouro e na cidade, no alto da colina, a Igreja Matriz
de Nossa Senhora das Neves, sendo a primeira rua o íngreme caminho entre uma e
outra. Ainda na cidade baixa ficavam o armazém e a residência do almoxarife. Essas
construções teriam ainda alicerces e cunhais de pedra e o mais de taipa.
A partir daí, delimitados os pontos de ocupação do sítio urbano, aos poucos
foram sendo construídas as principais edificações religiosas, que definiriam o traçado
129
urbano da cidade, onde foram sendo construídas também as principais edificações
públicas e particulares.
Na primeira metade do século XIX, era da responsabilidade do governo
provincial construir e cuidar tanto das edificações religiosas como das públicas.
As Edificações religiosas
Havia as seguintes edificações religiosas na cidade, em 1824, além da Matriz:
Igreja e Casa da Misericórdia; Mosteiro e Igreja de o Bento, Igreja e Convento de
Santo Antônio, Palácio do Governo e antiga escola dos Jesuítas, que veio a ser o
Lyceo e a respectiva Igreja de São Gonçalo, Convento e Igreja da Ordem dos
Carmelitas. Existia ainda a Capela do Senhor Bom Jesus das Trincheiras, iniciada
pelos militares que a abandonaram, sendo ocupada pelos jesuítas por ficar no centro
da cidade e nas proximidades de suas terras, que compreendiam o vale do Rio
Jaguaribe.
A Igreja de Frei Pedro Gonçalves, no Varadouro, teve a primeira pedra
lançada em 1843, evidenciando a importância do Varadouro na cidade à época. Antes
havia a capela, cujo Largo era bastante freqüentado.
A Igreja de São Gonçalo foi uma das primeiras da cidade (RODRIGUEZ,
1994, p.6), rebatizada de Nossa Senhora da Conceição, em 1828, e demolida em
1928.
Em 1858, a cidade contava ainda com a Igreja das Mercês, a Igreja da Mãe
dos Homens e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
As Edificações Públicas
As edificações públicas eram precárias, sendo as mais importantes edificações
públicas na cidade em 1824 o Palácio do Governo, o edifício do Tesouro e a cadeia.
Em função da existência de poucas edificações, as atividades e serviços
públicos ocorriam em mosteiros e nos poucos prédios públicos existentes, como, por
exemplo, os Correios, que funcionavam no edifício do Tesouro, depois transferidos
para o Palácio do Governo, onde também funcionava em seu primeiro andar a
Assembléia provincial. Em 1837, o presidente transferiu a Escola da cidade Alta para
130
o Convento do Carmo, onde funcionavam também as sessões do Júri e os trabalhos da
mara Municipal.
Em 16 de abril de 1833, é instalada na Capital a Thesouraria da Fazenda, no
Largo da Cadeia, o espaço público mais freqüentado da cidade, onde ficava, por trás,
a quitanda e, no meio, o pelourinho, sendo também o local de execuções da cidade.
Aquino (1980, p.16), referiu-se a essa área como o Centro da cidade.
Quando ficou pronto o novo pdio do Tesouro da Fazenda provincial, em
1857, em frente ao porto, no Varadouro, os Correios foram transferidos para lá.
Havia ainda o antigo prédio da Companhia de comércio Pernambuco e
Parahiba, desativado com a emancipação da Parahiba, em 1799 e o Quartel.
Escolas
Consta que em 1821 havia duas escolas, uma no Varadouro e outra na cidade
alta. Segundo Cavalcanti (1979), o salário era de cem mil is por ano, enquanto o
sermão do Padre Meira, por exemplo, era de dezenove mil réis por missa.
O Lyceo foi criado em 1836 e ficava na antiga escola dos Jesuítas, junto ao
palácio do governo. Em 1837, a escola Lencastriana da cidade alta mudou-se para o
Convento do Carmo, bem como as sessões do Jury e a Câmara municipal, conforme
determinação do Presidente no cargo.
Em 1843, o Presidente mandou construir duas salas no Lyceo para que ficasse
livre a sala reservada para os “actos”, que a carência de ambientes para abrigar as
repartições era muito grande. Em 1855, a escola pública da cidade alta teve que ser
transferida, pois o pdio arruinou-se.
De acordo com o relatório do Presidente Beaurepaire Rohan, de 1859, havia
na capital seis escolas particulares do sexo masculino e quatro do sexo feminino.
Quanto à qualidade do ensino, este Presidente considerava que a instrução pública
deveria possuir escolas industriais, ou seja, escolas técnicas para formar pessoas
capazes de serem qualificadas para o desenvolvimento econômico das localidades,
cujas vocações ele considerava providencialmente mais numerosas que as vocações
literárias, que não faziam outra coisa a não ser criar uma classe importuna dos
aspirantes a empregos públicos. Por isso, sob sua gestão, foi criada uma escola de
agricultura teórica e prática, que existia por uma lei de 1854, cuja referência não foi
encontrada no relatório deste ano. Ao tomar conhecimento desta lei, B. Rohan
131
mandou chamar o chefe dos jardineiros franceses, em serviço no Pará, para a criação
do Jardim Botânico da capital, que serviria de sede à escola. No entanto, em seu
relatório posterior referiu-se apenas ao colégio para mulheres, Nossa Senhora das
Neves, e nenhuma referência fez à escola industrial que intencionara criar, deixando a
entender que esta não fora criada, assim como o jardim botânico o teve
continuidade.
Casa da Alfândega e Casa das Rendas
A Nova casa da Alfândega, que a junta governativa havia deliberado construir
em 1825, somente em novembro de 1827, o governo requisita recursos ao tesouro
público para a construção. Ainda na fala presidencial de 1838, é citada a necessidade
de uma nova Casa da Alfândega, do cais do Varadouro e das obras do aterro da ponte.
Ou seja, não havia sido construída.
Em 1842, o Presidente Pedro Rodrigues Fernandes Chaves mandou construir
uma grande edificação que pudesse reunir o Tesouro Provincial e a inspeção do
açúcar e Algodão, de acordo com a Lei de 8 de novembro de 1841. “O novo edifício
tendo 160 palmos de frente sobre 75 de fundo essituado na praça da Alfândega
Velha e acha-se com os alicerces no respaldo das soleiras…” (RP, 1842, p. 17). Esta
edificação era denominada nos relarios posteriores como a Casa das Rendas.
Na gestão seguinte, o Presidente Ricardo José Gomes Jardim, em 1843, ao
relatar o andamento das obras públicas na cidade, deu continuidade à Casa das
Rendas, suspendendo, porém, as obras na estação chuvosa. Isto porque o terreno em
que a obra estava sendo construída foi considerado inapropriado pelo mestre de obras
que tinha dúvidas se o prédio cederia ou não depois de pronto. Sendo assim, concluiu
o presidente: “Não julgo prudente continuar semelhante obra sem primeiro examinar-
se bem se a depressão do terreno não terá de aumentar com o peso do madeiramento e
telhado” (RP, 1843, p .19).
Em 1845, foram designadas verbas para a consolidação do terreno e as
madeiras para a sua construção, cujo antecessor alertou sobre o perigo do terreno. O
presidente apresentou à assembléia a planta do projeto, que foi aprovada. Em 1846, o
tenente coronel Frederico Carneiro de Campos relata que avançou na consolidação do
terreno, mas que considerava ter sido perdido tudo o que se fez por “desconhecimento
da arte de construir”.
132
Em 1854, a obra do edifício das rendas permanecia parada por problemas
estruturais, quando os fundamentos cederam no terreno pouco consolidado, rachando
as paredes e os arcos. O engenheiro da província aconselhava a sua demolição. No
ano seguinte, o presidente Antônio da Costa Pinto Silva sugeria ainda a demolição e a
construção do cais na margem do rio para que então pudesse ser a obra reiniciada.
Enquanto isso, a Casa das Rendas funcionava em uma casa alugada que, segundo esse
mesmo Presidente, gerava muita despesa para a província.
Em 1857, portanto quinze anos depois, é lançada a primeira pedra de um outro
edifício destinado ao Tesouro Público, em frente ao porto do Varadouro. Sua
construção foi contratada a Francisco Soares da Silva Retumba pela quantia de
38:000$000 (trinta e oito contos de réis).
Cadeia
Em 1834, foi aprovado o plano para a construção da cadeia nova, mas não
apareceu arrematante. Além do mais, o terreno para a edificação era particular,
devendo o governo comprar o terreno e construir a cadeia com dinheiro público.
No relatório de 1853 do Dr. Antonio Coelho de e Albuquerque, ele o
colocou a obra da cadeia em arrematação, mas dividiu as várias seções da obra com
diferentes empresários, por empreitada. Comenta ainda neste relatório que o sistema
de arrematação não era interessante para o governo, devido ao conluio dos
arrematantes que mantêm os orçamentos das obras blicas igual ao que é feito por
administração. Em 1853, o novo presidente, Dr. João Capistrano Bandeira de Mello,
considerava a obra da cadeia a mais importante na votação do orçamento futuro e deu
continuidade à obra.
O lançamento da primeira pedra do edifício foi em 31 de janeiro de 1853, no
lugar Sobradinho, uma pequena colina na área do Portinho. Assim se pronunciou o
Presidente na ocasião sobre a importância da obra e o processo de aquisição do
terreno (PINTO, 1977, p. 218):
Esta obra orçada em 47:000$000 (quarenta e sete contos deis) é uma das obras mais
altamente reclamadas pelo público e que eu tenho maior consideração. O estado de ruína e
asquerosidade em que se acha a atual cadeia tem me dado contínuos trabalhos em minha
administração, porque tema uma evasão eminente de presos, e porque me angustiava os
sofrimentos dos que a ocupam, os quais a justiça quer possuir mas não flagelar. Este edifício é
133
um quadrado regular de 156 palmos. O lugar escolhido para ele reúne todas as condições de
salubridade, tendo mais a vantagem de estar perto do quartel de polícia. Mandando eu adquirir
por aforamento perpétuo para a província o terreno necessário para a esplanada circular, a
proprietária quis mais de novecentos réis por braça de frente por quinze de fundo, preço que
lhe foi oferecido depois de alguma resistência por parte da fazenda provincial e parecendo-me
conveniente dar começo a obra, determinei-o independentemente do consentimento da dita
proprietária, resolvido a mandar intentar pela fazenda provincial a desapropriação no caso de
continuar a sua recusa; hoje, porém, cessavam essas dificuldades e ela conveio no preço
oferecido e está lavrada a escritura de aforamento perpétuo.
Quando assume o 2
o
. Vice-presidente, Sr. Flávio Clementino da Silva Freire, o
Barão de Mamanguape, em 5 de agosto de 1853, sugere que a obra da cadeia fosse
feita lentamente de acordo com o ínfimo orçamento da província.
Em 1854, o governo altera os planos do hospital militar que seria construído
junto com a cadeia e manda dar continuidade à obra que apenas tinha os alicerces.
Segundo o plano adotado pelo seu antecessor, o hospital devia ser térreo e ter uma
sala. Alterou ele este plano, adotando algumas divisões e mandando que o edifício
fosse construído com sobrado, devendo ser o andar superior para enfermarias e o
térreo para desito de artigos bélicos. (PINTO, 1977, p. 232).
Em 1855, as obras da cadeia e do hospital militar continuavam.
A cadeia foi concluída a 2 de dezembro de 1857, sendo removidos os presos
da antiga cadeia na ocasião. Assim se expressou o presidente: “Com esta obra
avaliada primitivamente em 47:000$000 há de se dispender a soma de 89:000$000,
concorrendo os cofres gerais para ela com cerca de 30:000$00” (PINTO,1977, p.256).
Essa, como outras obras que vimos anteriormente, foi realizada muito além do
orçamento previsto.
Palácio do Governo
Em 1839, achou-se concluída a obra da frente do Palácio do Governo, por
conta das rendas gerais, porém tendo que se vender a pedra que foi tirada do alpendre
em frente ao Palácio, para diminuir a despesa da obra. Consta que era uma obra de
arte muito valorosa. Consta também que a Presidência mandara, em 1840, realizar
outras obras no Palácio do Governo. Contudo, o Presidente da província, em 1841,
pede ao Governo Imperial para consertar o palácio, que segundo ele (PINTO, 1977, p.
158):
134
é um casebre indecente e tão velho que estou vendo o momento em que me cahe em cima de
toda minha família….não tem mobília….não preparada uma sala para cortejo, nenhum
retrato de sua Magestade. posso assegurar que mesmo particular, nunca vivi em casa o
ordinária e desmontada….
Esta mesma citação foi repetida por outros autores a exemplo de Mello (1983)
e Aguiar (2002). Investigamos um pouco e vimos que Pedro Rodrigues Fernandes
Chaves foi deputado e senador do Império. Na Parahiba, ele foi atacado na ladeira do
Manema, a meia légua do Engenho Tibiri e disse ao Imperador que era crime de
natureza política, pois queriam tira-lo do governo (PINTO, 1977, p. 160), sendo essa a
única referência encontrada acerca de um atentado de morte a um presidente durante o
período estudado. O seu irmão, Dr. Annio Rodrigues Fernandes Braga, enquanto
presidente da província do Rio Grande do Sul, aprovou leis que sobretaxavam os
campos, sendo essa uma das causas da insurreição farroupilha. Consta que Pedro
Rodrigues Fernandes Chaves irritou os gaúchos com suas atitudes prepotentes em
defesa da política oficial, ou seja, possuía um temperamento considerado prepotente
por seus conterrâneos e certamente não era popular na Parahiba, que sofreu um
atentado. As suas referências sobre o palácio devem, portanto, refletir o seu nível de
exigência de conforto, acostumado nas cortes mais refinadas. No entanto, a sua
referência sobre as condições do palácio parece ter sido eleita para representá-lo no
passado.
Passados dez anos, se o Palácio não se encontrava em melhores condões,
pelo menos foi como referiu-se a ele, em 1852, o presidente Sá e Albuquerque,
relativizando as suas condições de acordo com a realidade da província: “...parece-me
poder dizer que nas províncias de igual categoria a esta não encontrará uma casa que
preencha tão bem os seus fins como o edifício de que me refiro, depois de concluídas
as obras de que precisava...” (PINTO, 1977, p. 209)
Em 1858, o presidente Beaurepaire Rohan mandou construir o muro do jardim
do Palácio, compreendendo a parte do edifício que servia ao Lyceo. Em 1859,
relatava ter realizado importantes melhoramentos, tendo em mente a questão da
salubridade e do melhor aproveitamento do espaço:
Os repartimentos térreos, a excepção dos da frente, que estão pela maior parte occupados pelo
correio geral, estavão de tal sorte immundos, que não erão inhabitaveis, como também
contribuião para entreter a insalubridade do palácio. Hoje estão convertidos em areiados
salões, onde se acha estabelecida a secretaria. Para ligar entre si as duas alas do edifício, no
intento de acommodar melhor esta repartição, mandei construir mais um repartimento com um
135
terraço ao vel do pavimento superior, communicando-se com a sala de recepção e as duas
alas do edifício. Na parte em que se achava dantes a secretaria e onde não entrava nem ar nem
luz, mandei abrir quatro janellas sobre o palco interior e fiz as divisões necessárias de sorte a
construir um salão que sirva hoje de gabinete do presidente, com communicação direta com a
secretaria. (RP, 1959, p.9-10).
Com Beaurepaire Rohan, percebe-se que a edificação mais importante da
cidade se encontrava de fato em estado de sujeira e desordem. Mas isso não se devia
às precárias condições financeiras da província, sempre reclamada nos relatórios
anteriores, haja vista este Presidente ter revertido a situação do mesmo em sua gestão,
com poucos recursos.
Capitania dos Portos
O Governo Imperial criou, através do decreto 358 de 14/ 8/1845, as Capitanias
dos Portos em todas as províncias que tivessem portos. Em 11 de julho de 1857, na
gestão do Vice-presidente Manoel Clementino Carneiro da Cunha, foi restabelecido o
juramento da Capitania dos Portos, pelo Decreto 2 1.944, de 11 de julho de 1857.
Mas esta foi criada de fato na gestão de Frederico Carneiro de Campos, em 1848.
Cemitério
O primeiro cemitério da cidade localizava-se junto à Igreja da Misericórdia,
fato comum nas cidades brasileiras, que possuíam os cemitérios próximos das igrejas.
As pessoas mais importantes da cidade, em geral membros de ordens religiosas, eram
enterradas dentro das próprias igrejas.
Em 1850, foi liberada a verba para a construção do cemitério da cidade, que
sofria com surto de febre amarela, o que ocasionou muitas mortes no período, sendo
nomeada uma comissão de médicos para examinar e escolher o local. A situação
agravou-se ao ponto de, em 1852, de acordo com Leal (1989, p. 256), o mau estado
sanitário da capital impediu a abertura da sessão da Assembléia Provincial na data
determinada, por receio dos deputados de se exporem ao contágio das várias
epidemias que grassavam, dentre elas, a febre amarela.
136
Quando assume o 2
o
. Vice-presidente, Sr. Flávio Clementino da Silva Freire,
em 5 de agosto de 1853, ressaltou a necessidade da construção do cemitério, criando
outra comissão para iniciar os trabalhos.
Este foi inicialmente edificado em 1855 na administração Paes Barreto
(PINTO, 1977, p. 238):
Autorizado pela lei no. 36 de 10 de julho do anno passado (1854) mandei edificar por
empreitada o cemitério público desta cidade, no lugar denominado Matinha, que me pareceu o
mais apropriado para este fim. Esta obra foi contratada pela quantia de 7:100$000, dividida
em três prestações, das quais já foi paga a primeira. O Governo Imperial a solicitações
minhas, dignou-se auxiliar essa obra com 3:500$000.
O cemitério foi terminado em 1856.
Um documento da secretaria do Ministério dos Negócios do Império sobre as
leis da Assembléia da Parahiba, promulgadas em 1855, questiona o artigo 14 da lei 33
de 4 de Novembro, que regulamentava o cemitério público da capital. Este artigo
determinava que “se não possa exumar um novo cadáver nas sepulturas reservadas e
catacumbas sem que tenham decorridos dois anos sendo de adulto e 18 meses
menores de 8 anos” (AP, 1856). Notifica este documento que essa seção deveria ser
alterada haja vista ser excessivamente curto o prazo de 18, 24 e 30 meses para a
renovação de enterramentos. O regulamento dos cemitérios da corte marcou o prazo
de cinco anos para que fosse permitida a exumação. Sendo assim, o governo imperial
recomendou que o governo da província fizesse a alteração na respectiva lei.
De acordo com o relatório de B. Rohan, de 1858, o cemitério da capital era
murado, com mais de duzentas catacumbas, faltando apenas uma capela, orçada em
oito contos de réis. Assim referiu-se às catacumbas: “O systema de catacumbas deve
ser prescripto, porque além de dispendioso pecca pelo lado da salubridade.” (RP,
1858, p.24).
Teatro
Leal (1989, p. 220), referindo-se ao ano de 1831, diz que o primeiro teatro da
cidade funcionou à Rua da Areia, tendo por empresário Francisco de Freitas Cambôa,
a quem o presidente da província recomendou “todo cuidado em que em cena não se
apresente desmandos imorais e equívocos indecentes, pois que o teatro deve ser
137
escola de moral e bons costumes e não poço de imoralidade e corrupção” . O
presidente era o Marechal Manoel Joaquim Pereira da Silva.
A pedra fundamental para a construção do teatro público da cidade, no Largo
do Quartel, depois Campo do Diogo, foi lançada em 1853 pelo presidente Dr. Antonio
Coelho de e Albuquerque. No entanto, o vigário negou-se a abençoa-la: “a ella
não se prestaria por ir de encontro aos sagrados cânones da igreja e as doutrinas dos
santos padres que se opõem e reprovam as casas de teatro(PINTO, 1977, p 218). O
bispo de Pernambuco e Parahiba aprovou o procedimento do vigário.
Em 13 de dezembro de 1853, o Presidente, Dr. João Capistrano Bandeira de
Mello, reclama das obras do teatro, que segundo ele, não teriam prioridade possuindo
um orçamento muito caro; e por isso, em 1854, a obra continuava parada, o que,
segundo este Presidente, não significava estar abandonada, mas apenas aguardando
que outras obras mais urgentes tivessem a prioridade. Em seu relatório, escreve que
havia na cidade aqueles que não acreditavam que o teatro fosse freqüentado, mas que
ele particularmente considerava um importante elemento de sociabilização e portanto
de civilidade, argumentando que:
Não há nesta cidade passeios, sociedades de qualquer genero. Nenhum ponto de reunião. O
Theatro offereceria à Cidade um gozo social, quero dizer, um gozo que se não limitaria ao
individualismo, ou as affinidades da família. Dahi nasceriam relações nas quaes muito
ganharia o sentimento de sociabilidade. (RP, 1854, p.25).
Em 1857, havia na cidade duas casas de espetáculos, que, de acordo com Pinto
(1977, p.252), não mereciam o nome de teatros. Não obstante a existência dos
mesmos e de artistas evidenciam o gosto pela arte na cidade.
No relatório de 1858, Beaurepaire Rohan referiu-se ao início das obras do
teatro na gestão de Antônio Coelho de e Albuquerque que não tiveram
continuidade. Ao relatar sobre a desorganização do arquivo público, mencionou estar
desaparecida a planta de tal obra. Este Presidente acreditava que a obra não devia
continuar enquanto não houvesse o melhoramento das vias de comunicação da cidade.
A ele parecia justo que a cidade tivesse um teatro, mas lhe parecia mais justo ainda
que tivesse, antes disso, melhoramentos que beneficiassem a todas as classes,
principalmente as menos favorecidas, que habitavam na área do Portinho (RP, 1858,
p.20). Se não houve ação concreta quanto à construção do teatro, o haveria porque
mencioná-lo em seu relatório. No entanto, fez questão de fazê-lo para que ficassem
gravadas as suas idéias de reformista social que era.
138
Mercado
O Dr. João Capistrano Bandeira de Mello mandou levantar a planta, orçar e
por em arrematação a casa do mercado em 1854, executando uma antiga preocupação
sanitária de outros administradores:
Entre as obras mais neccessarias d’esta Cidade era sem dúvida uma casa de mercado. Mandei
levantar a planta e orça-la. Depois do que posta a obra em arrematação, contractou João José
de Almeida a sua factura pelo preço de 4:113$reis e deve conclui-la em Setembro do corrente
ano. O lugar mais conveniente para ella pareceu-me a praça que chamam da quitanda onde o
pôvo já está acostumado a reunir-se para a compra diária de viveres e objectos que costumam
ali serem offerecidos. Esta obra pode considerar-se como a secção de um edificio de maiores
proporções, no entretanto é tal que se nada exigir maior desenvolvimento, a obra poderá
reputar-se completa em seu genero. Parece-me que por ora bastam as dimenções que lhe
foram dadas. Ellas ao mesmo tempo que attendem aos recursos de que a província pode
dispor, satisfazem as necessidades que actualmente reclamam essa construcção. Todavia ao
depois poder-se hão adicionar-lhe dous quartos para açougue, que deverão existir na mesma
praça para commodidade do vo e melhor fiscalisação das carnes expostas à venda. (RP,
1854, p.24).
Em abril de 1855, em exposição ao passar a Presidência, consta no relatório
que o arrematante já havia feito a entrega e recebido a última prestação. Faltava o
empedramento do edifício, que não constava do contrato e que o Presidente então
encarregara ao engenheiro da obra que deveria entregar à Câmara Municipal,
conforme o artigo 4º. Do título 3 da Lei 36 de 1854.
Matadouro
O Matadouro Público, assim como o mercado era outra preocupação de
natureza saniria na cidade citada pelos administradores e que foi transferido em
1855 das Trincheiras, donde “exalava miasmas para a cidade”, para as proximidades
da ponte do Rio Sanhauá, na estrada das Barreiras. O pronunciamento do Vice-
presidente Flávio Freire sobre o assunto, revela a natureza dessa preocupação com a
sde pública. (PINTO, 1977, p.239):
O Exmo. Presidente da Província, julgando com rasão que o matadouro publico no lugar em
que estava era summamente inconveniente e prejudicial, tanto pela falta d’água tão necessária
em estabelecimento desta naturesa, como pela posição, collocado em uma das ruas da cidade e
139
quasi a barlavento della, para onde por conseguinte erão muitas vezes trazidos os miasmas que
delle emanava, e que o nocivos eram a saude publica, contratou o fazimento de um novo
matadouro em lugar, que apesar de ter tambem alguns inconvenientes que não desconheço, me
parece com tudo o mais apropriado ao fim para que foi escolhido. Acha-se elle
completamente construido e removida para ahi a matança de gado. Gastou-se com essa obra a
quantia de 3:120$000 sendo 1:500$000 pelo cofre da Thesouraria Geral.
O presidente encarregou a Câmara de elaborar o respectivo regulamento.
Pontes
As pontes na comarca da Parahiba eram as seguintes: de Tambaú, sobre o Rio
Jaguaribe, de Mandacaru, do Gramame e do Sanhauá. Esta última analisaremos em
tópico separado.
As demais pontes estavam sempre precisando de consertos após a estação
chuvosa, conforme observado nos relatórios.
4.4.7. As Obras do Cais do Porto, do Aterro e da Ponte do Sanhauá
Vimos anteriormente que o conjunto arquitetônico do cais, aterro e ponte do
rio Sanhauá era fundamental para o desenvolvimento econômico da província. Por
isso, os problemas de sua execução nos instigam e levam a refletir e a imaginar a
quem interessava de fato o esquecimento da Parahiba, haja visto esta obra ser a
alavanca para o desenvolvimento comercial da província.
Vimos que em 1828 o antigo Conselho decidiu pedir as verbas ao Imperador
para a construção do cais para o Varadouro e para a construção da ponte sobre o Rio
Sanhauá. No pedido havia menção à necessidade de aformoseamento da cidade,
sendo esta a primeira referência encontrada quanto ao pensamento estético urbano na
cidade.
O Conselho chegou, ainda neste ano, a estabelecer a seguinte tabela de
passagem da ponte Sanhauá, quando pronta, que segundo Pinto teria sido a primeira
ponte a cobrar pedágio no país (PINTO, v.II, 1977, p.103):
Cada pessoa, 20 réis, cada cavalo sem carga, 20 réis, com carga 40 réis, um carro vazio 100
réis, carregado 200 réis, cada boi sem carga 20 réis, carregado, 40 réis, cada porco 10 réis,
cada uma cabeça de gado ovelhum e cabrum, 10 réis.
140
Chega ainda este ano um aviso da Secretaria de Estado dos Negócios da
Fazenda, autorizando o governo provincial a fazer um armazém e um trapiche no
Varadouro.
Em 29 de março de 1829, é publicado um edital convidando proponentes para
a construção da ponte Sanhauá, a qual foi orçada em 13:060$000 (treze contos e
sessenta mil réis), um valor significativo para uma província que à época arrecadava
155.245$592. No entanto, não tendo aparecido contratante, o governo fez novo edital
em 1830 para a construção da ponte em madeira, que, segundo Rodriguez (1994),
ficara pronta em 1831. Consta, porém, que em 1834 compareceram à câmara
municipal os contratantes das obras da ponte, cais e aterro do Rio Sanhauá, a respeito
da alteração dos prazos para começo daquelas obras, concedendo a câmara o
alargamento do prazo para 1 de janeiro de 1834.
Em 11 de julho de 1835 a Tesouraria informa à Presidência que não pagou a
quarta parte do contrato feito pelo arrematante da ponte, cais e aterro do Rio Sanhauá
por não ter sido cumprida uma das condições do contrato, não especificada na
correspondência. Uma outra correspondência da Tesouraria, em 20 de junho de 1835,
envia a relação das despesas com obras públicas referentes ao ano de 1834 (ortografia
atualizada):
Por não se acharem ainda devidamente verificadas e suposto que tenha dispendido com as
ditas obras somente 2.456$960, quantia inferior a de 7.000$000 que for a orçada no # 7 do
artigo 18 da lei de 8 de outubro de 1833 todavia devo observar a V. Excia que constando-se já
com a sobra que restaria da referida quota orçada. (AP, 1834).
As obras da ponte, cais e aterro foram iniciadas em 1834, em 1835 o contrato
não estava sendo cumprido e sobrou dinheiro do orçamento que deveria ser destinado
às obras públicas. Segundo Leal (1989), a construção da primitiva ponte do Sanhauá
ficou concluída esse ano, tendo sido aberta ao tráfego em maio. Consta, porém, na
fala presidencial de 1838, de 24 de junho, que ainda estava por ser concluída a ponte
com um guindaste para o embarque e desembarque dos objetos que tem que passar
pela alfândega, argumentando ainda a importância da obra para o comércio e as
rendas públicas, mas que só a ponte não seria suficiente para dispensar a obra do cais,
o qual além da utilidade lembrada, contribuiria para o “aformoseamentoda cidade.
Este presidente sugere que sejam utilizados os recursos provenientes dos pedágios da
ponte “que tanto tem animado aos agricultores, pela facilidade do transporte de seus
gêneros agrícolas, demanda toda a segurança no aterro, contíguo a mesma ponte, pois
141
faz parte dela; por isso é de absoluta necessidade que se rectifique, antes que mais se
arruíne”.
Nesta fala está constatada a importância econômica da ponte para a comarca e
para a província. Vê-se ainda que os trabalhos iniciados em 1834 ou não tiveram
prosseguimento ou se arruinaram, pois nem a ponte, nem o cais e nem o aterro
estavam em boas condições, apesar dessas obras terem sido arrematadas no ano
citado.
No mesmo ano, uma correspondência do 1
o
. secretário ao presidente, pede
providências quanto à segurança da ponte Sanhauá, havendo necessidade de um
guarda para impedir a passagem de dois carros ao mesmo tempo.
Em 1839 foi (novamente) iniciada a obra do cais, orçada em 30 contos de réis,
que, segundo o engenheiro, não seria suficiente. No entanto, haviam sido compradas a
madeira e as pedras de cantaria para os alicerces da obra. O aterro contíguo à ponte
Sanhauá necessitava de conserto também.
Em 1843, não podendo a câmara mandar consertar a ponte do Sanhauá cuja
madeira estava apodrecendo e o tráfego impedido, o governo assumiu o conserto. O
aterro feito no ano anterior já apresentava problemas em diversos pontos, precisando
de reparos. Sobre o conserto da ponte Sanhauá, o Presidente à época relatou ter dado
ordens há mais de dois meses para o conserto da ponte do Sanhauá, o que não ocorreu
por descuido do encarregado de cortar a madeira. Relata ainda que os consertos
naquela tornavam-se todos os dias mais freqüentes e mais dispendiosos por ela ter
sido feita com madeira de inferior qualidade, o que ele lastimava visto ser ela a obra
que ele considerava a “mais útil ao comércio e à agricultura” (RP, 1843).
Um ofício com a folha de despesa da ponte datado de 6 de agosto de 1844 diz
o seguinte:
Cumprindo-me informar que não foi possível fazer um conserto com o estado das ruínas da
ponte [...], por ser pouca a madeira nova que teve, quando todos os paus da velha estão mais
ou menos arruinados, pelo que empreguei um mês de trabalho [...],partes para aproveitar
alguns paus da estiva velha, e tirando do fundo do canal novos pedaços de madeira que pode
encontrar com os quais fez remontar o melhor que pude, ficando a ponte por hora em estado
de passar o verão, e julgo ser muito conveniente que se mande aprontar madeira com tempo
para o conserto que se deve fazer para o inverno do ano vindouro. (AP, 1844).
Esse documento indica que, novamente, a ponte será reparada
provisoriamente, apesar do discurso do presidente referindo-se à “melhor obra da
província e a mais útil ao comércio e à agricultura”.
142
Tendo justificado as dificuldades técnicas das construções na área do
Varadouro, o presidente tenente coronel Frederico Carneiro de Campos, pediu, em
1845, ao Ministro da Guerra, um oficial do Imperial Corpo de Engenheiros para
chefiar e fiscalizar as obras públicas. Dentre as tarefas consideradas prioritárias
estavam as pontes de ligação da cidade com outras localidades, dentre elas a ponte
Sanhauá, além do levantamento da planta e nivelamento da cidade da Parahiba.
Posteriormente ele teve que suspender esse pedido por falta de verbas para o
pagamento do referido engenheiro.
O Presidente critica a suspensão do pagamento das taxas que deveriam servir
para a manutenção da ponte, por parte dos agricultores que não podiam pagar, e que,
por isso, levaram à ruína da ponte. Sugere que para que ela não se arruinasse
completamente que fossem restabelecidos os pedágios, apesar dos clamores que se
possam levantar contra a sua existência e cujo produto deverá ser aplicado
exclusivamente para os reparos da ponte e aterro” (RP, 1845, p.13). O seu pedido foi
atendido e as taxas voltaram a vigorar na ponte, conforme o artigo 3 parágrafo 38 da
Lei de 19 de julho de 1844.
Consta ainda a seguinte correspondência em 4 de agosto de 1845 do
Presidente Frederico Carneiro de Campos ao Inspetor da Administração de Rendas,
sobre a diminuição do valor arrecadado com as taxas da ponte do Sanhauá:
um me enviou a nota do rendimento por meses da taxa da ponte do Sanhauá. E como observo
que essa renda tem ido gradualmente decrescendo da do primeiro mês em que começou a
arrecadação a ponto de no curto espaço de 7 meses aparecer uma diferença maior de 100 $ rs
entre o primeiro e o último mês, tenho que recomendar a vós que com a presidência e zelo que
lhes são próprios empregue os meios necessários a fim de conhecer a causa de tão avultada
diminuição…(AP, 1845).
Uma correspondência do Inspetor da Alfândega ao Presidente, em 30 de maio
de 1846, informa que havia uma cancela na ponte ao sugerir que para ficar em bom
estado a cancela na ponte do Sanhauá, bastava usar a cancela existente no trem de
guerra e que serviu à mesma ponte, não havendo necessidade de uma nova. Em
novembro do mesmo ano, o Inspetor da Alfândega comunica ao Presidente que foi
arrematado o imposto de uso e passagem da ponte do Sanhauá pela quantia de 2
contos.
No mesmo ano chega à província notícia de auxílio do Governo Imperial para
a obra do cais do Varadouro, a reparação do Palácio da Presidência e a manutenção da
força policial, no valor de quarenta contos de réis. Não obstante, em seu relario de
143
1846, o Tenente-coronel Frederico Carneiro de Campos expõe que contava com a
verba imperial para dar andamento à obra do cais que se encontrava ainda em
alinhamento, mas que ao término de sua administração, os recursos ainda não haviam
chegado e rogava aos parlamentares que votassem para a continuidade das obras que
iniciou em sua administração. Em 1847, essas verbas ainda não haviam chegado ou
tiveram outros fins, pois em seu relario de 1847 notifica que não teve seguimento a
obra do cais que deveria contornar parte da cidade no Varadouro. Sobre a ponte
Sanhauá, notificou que esta carecia de reparos pequenos todos os dias, os quais
consistiam na substituição das peças de seu estrado.
Em seu relatório final de 1848, o Presidente bacharel João Antônio de
Vasconcelos mostra-se frustrado por não ter podido realizar as obras que considerava
mais importantes na província, como o cais do Varadouro, na capital. Deixou, porém,
em andamento as obras do aterro do Sanhauá com previsão para finalizarem em
setembro de 1848; ficaram ainda alinhados e estacados os terrenos para a construção
do cais, cuja ausência de verbas não permitiu a sua construção.
No relatório apresentado pelo Presidente João Annio de Vasconcelos, em
primeiro de agosto de 1849, observa-se no “Mappa Demonstrativo” das obras
públicas da província que o aterro da ponte do Sanhauá foi concluído, bem como o
reparo na ponte, não havendo referência à obra do cais (anexo 20).
Nada fez o presidente José Vicente de Amorim Bezerra quanto ao cais. Alguns
documentos evidenciam o descaso com o porto da cidade em sua administração. Um
ofício da alfândega ao presidente, por exemplo, comunica acerca da reclamação sobre
barro e pedra que se encontram no porto do Varadouro em terreno de marinha:
.nada se sabe nesta repartição a respeito de onde começa e termina as terras da marinha,
mas o certo é que por costume constantemente se deixam e se tiram naquele porto materiais,
sem que a alfândega se obtenha licença acrescendo mais ainda que essa porção de barro e
pedras. (AP, 24/5/1851).
Num outro ofício da Alfândega, em 16 de abril, pede o Inspetor ao Presidente
mais segurança para a casa, pois havia somente três sentinelas para cuidar do porto.
O Governo Imperial chegou a enviar um ofício à Presidência, solicitando informação
sobre o melhoramento e a conservação da barra do porto da capital.
Na gestão seguinte da Província, ao abrir os trabalhos, o Dr. Antonio Coelho
de Sá e Albuquerque, 2
o
. Vice-presidente, relatou a situação do cais:
144
[…]a obra do Cais do Varadouro, da qual foram arrematadas em data de 20 de novembro do
ano passado por Francisco Antônio Fernandes….pela quantia de 8:815$000, oito braças em
continuação ao cais. Tive intenção de fazer esta obra por administração, mas tantos
inconvenientes apareceram que julguei mais acertado pô-la em arrematação, embora seja
convicção minha que a construção de certas obras, que demandam conhecimentos especiais,
que os arrematantes em geral, podem não ter, deve ser feita por administração e não por
arrematação…É sem dúvida conveniente que o governo fiscalize essa obra….se não for de
acordo com as condições estabelecidas, muito imperfeita ficará…O arrematante oferece
garantias suficientes de sinceridade para o fiel cumprimento do seu contrato. (RP, 1853).
Assume o 2
o
. Vice-presidente, Sr. Flávio Clementino da Silva Freire, abrindo
a sessão ordinária em 5 de agosto de 1853. Dando continuidade à obra da ponte que
havia sido posta em arrematação, um novo orçamento foi feito, pois o estrago era bem
maior que havia percebido o arrematante. Em 1854, a ponte ainda estava sendo
reparada.
O presidente Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, em 1854, relata que o
cais era a única obra em andamento na sua administração. Ressalta a importância
econômica e ambiental da obra:
A continuação do cais é necessária não a bem do comércio, senão também para evitar o
esboroamento das terras pelas chuvas, terras que unidas às que vem das ribanceiras do rio
Parahyba,ocasionam bancos de areia que dificultam a navegação daquele rio” (RP, 1854,
p.26).
Sobre a obra do cais assim se achava em abril de 1855:
Esta obra arrematada pela quantia de 8:815$000 rs, depois de se achar quase concluída, abateu
alguma coisa do lado do rio, abrindo uma grande fenda na muralha. Em virtude deste
contratempo teve o arrematante de desmanchar quase toda a obra para construí-la de novo
com a necessária solidez (Ibidem).
O arrematante conseguiu alargamento de prazo, sendo obrigado a entregar a
obra pronta. Continua sobre o cais em seu relato:
O cais do Varadouro não deve ficar no lugar em que se acha, mas convém leva-lo até a ponte
Sanhauá. assim será possível evitar que as terras arrastadas pelas enxurradas e que descem
de diversos pontos da cidade alta, continuem a obstruir o porto que já começa a ser
impraticável às grandes embarcações. A este respeito já tive a honra de dirigir-me ao Governo
Imperial e espero que ele prestará benigno acolhimento às minhas observações. (Ibidem).
As obras do cais continuaram depois do desmoronamento citado, com duas
extensões de prazo ao arrematante e a esperança de chegada de verbas do Governo
Imperial para que a obra se prolongasse até a ponte, medida imprescindível para que
se evitasse o entulhamento do leito do rio. Entendeu, o então Vice-presidente em
145
exercício, Flávio Clementino da Silva Freire, assim como os outros, que esta obra era
considerada “vital para o comércio e profícuo engrandecimento e prosperidade da
capital” (RP, 1855).
É difícil crer que uma obra tão importante para a economia provincial
encontrasse tantas barreiras para ser realizada, apesar do interesse da maioria dos
presidentes em realizá-la e da disponibilidade de tantos recursos para conserto e
reparação da ponte, aterro e início das obras do cais. O ambiente natural oferecia
dificuldades, mas isso ocorria também em Recife, onde obras de pontes e cais foram
realizadas tanto por estrangeiros como por pernambucanos. Nos relatórios do
engenheiro Vaulthier, que chefiava as obras públicas em Pernambuco, onde havia
recursos provinciais, o engenheiro criticava o sistema de arrematação que considerava
responsável pelo atraso das obras, realizadas por etapas e por pessoas aparentadas
politicamente, que pouco sabiam da técnica de construir. Considerava mais eficiente
as obras realizadas pela administração pública, e considerava fundamental haver uma
equipe de trabalhadores sob o comando de uma chefia responsável que fiscalizasse o
andamento das obras constantemente. Na Parahiba, não havia essa repartição de obras
públicas, que só foi criada em 1871. Pelo que foi observado, as obras não tinham uma
direção, nem fiscalização e nem equipe fixa de trabalhadores, ficando a província na
mão dos arrematantes, que, conforme vimos, recebiam seus pagamentos, mesmo o
concluindo as obras.
Um outro aspecto a ser observado nas leituras dos relatórios é quanto à falta de
interesse no acerto e conclusão dessas obras. Vimos que chegavam verbas suficientes
para encaminhá-las e que havia interesse de muitos presidentes em realizá-las.
Percebemos ainda que as verbas não eram suficientes porque as obras eram mal
administradas, dando a impressão que isso ocorria de propósito, haja visto a frustração
dos presidentes mais sintonizados com os interesses públicos. Com base nos
documentos pesquisados não podemos afirmar conclusivamente porque essas obras
não se concretizaram, apesar de termos identificados os problemas relativos à
administração dessas obras. No entanto, considerando que os poderes locais através
dos deputados estavam nas mãos dos produtores rurais de toda a província e que o
algodão vinha ganhando importância econômica frente ao açúcar das várzeas
próximas da cidade, o desinteresse pela ponte de ligação com o interior da província e
com o cais do porto de sua capital, pode estar relacionado ao fato de que os
proprietários rurais, representados pelos deputados provinciais, preferiam negociar
146
com a praça comercial de Recife e escoar os seus produtos através do porto de Recife,
pouco se importando com o desenvolvimento comercial do porto da Parahiba e,
portanto, com o desenvolvimento da província. Sendo assim, o esquecimento da
cidade teve suas origens na própria organização administrativa da província, nas mãos
dos proprietários rurais.
Se aos produtores paraibanos coube a opção de negociar com a praça de Recife,
ao invés de comercializar a produção na praça comercial de seu próprio terririo,
preferindo enriquecer antes aos seus próprios bolsos e à província vizinha ao invés da
sua própria província, a sua capital, a cidade da Parahiba, nada mais era do que o
reflexo desta opção. Por isso talvez as obras da ponte do Sanhauá, que ligava a cidade
com o interior e do cais do porto, tornaram-se o polêmicas na administração
provincial. E por isso também concordamos com Cavalcanti que, prefaciando Aguiar
(2002, p. 13), escreve que “A cidade se parece muito com seus habitantes ou tem a
cara de sua gente. [...] Mostra o indivíduo como se o víssemos num espelho.
Dito isto, temos ainda algumas considerações a fazer sobre a urbanização da
Parahiba no período estudado. Nos anos 20 do século XIX, quando a Junta
Governativa assume o poder provincial, de acordo com a nova Constituição Imperial,
a cidade passa a contar com iluminação, correios e a manter as escolas. Existe ainda
uma preocupação com a saúde pública, através da instituição da casa da vacinação. As
principais discussões urbanísticas que nortearam o período foram iniciadas nessa
dácada, como por exemplo, a preocupação estética com a cidade, através do
embelezamento do cais e a necessidade de melhoramento do porto para estimular a
economia provincial, além da observação quanto à necessidade de edificações
públicas. Foi ainda nessa década que a cidade expandiu-se para as Trincheiras e que
passou a circular o primeiro periódico regular da cidade. Os anos 30 foram
caracterizados pelos trabalhos da câmara municipal em prol da cidade, com a
aprovação do digo de posturas e os pedidos para a realização de um plano de
edificação e reedificação para a cidade. Surgiram as primeiras preocupações com
alinhamento e aplainamento de ruas e com a necessidade de uma nova cadeia pública.
Nos anos 40 as obras públicas passaram por muitas dificuldades financeiras e
técnicas, acarretando muitos prejuízos aos cofres públicos, sendo esse período
caracterizado pela incompetência técnica e administrativa tanto da câmara quanto da
assembléia provincial. Não obstante, por decreto, foi criada a primeira repartição de
obras públicas da Província que, por sua vez, não saiu do papel. Os anos 50 foram os
147
mais dinâmicos em termos de ações urbanísticas na cidade. O Império já estava
consolidado e as preocupações com o progresso material das cidades era uma
realidade no país, sendo o urbanista Henrique de Beaurepaire Rohan um ilustre
representante deste tempo, cujos benefícios foram sentidos na Parahiba. A cidade
expandiu-se muito neste período, fato demonstrado com a abertura de várias ruas na
cidade. As questões higienistas passaram a estimular uma série de ações, na medida
em que os surtos de febre amarela e de cólera mostravam a necessidade de medidas
emergenciais de limpeza da cidade. A construção do cemitério público e a
transferência do matadouro público para uma área mais afastada da cidade são desse
período, assim como a inauguração da nova cadeia blica. Além disso, destacamos
os primeiros pensamentos acerca da encanação das águas do rio marés e a importância
do saneamento público para a saúde coletiva.
148
Capítulo Cinco
Lugares Esquecidos
Neste capítulo, vamos além das práticas urbanísticas, e penetraremos um pouco
nos lugares do cotidiano urbano da cidade, na primeira metade do século XIX,
identificando e mapeando esses lugares. O mapa que acompanha este capítulo é o
resultado dessa investigação.
Vimos em Relph (1970), no capítulo 1, sobre as possibilidades de utilização da
fenomenologia pela Geografia na descrão do mundo cotidiano e que a questão
metodológica colocada para o estudo de uma realidade urbana do passado seria o de
como vivenciar uma realidade que já aconteceu, sobretudo considerando que as
principais fontes disponíveis sejam as escritas e documentais. Foi Lowenthal (1985)
quem nos levou à reflexão sobre as relações intersubjetivas no processo da pesquisa
sobre o passado, observando que o passado investigado passa a ser, também, parte da
memória de quem o estuda, que, quem o estuda, possui em seu ser a tradição das
gerações passadas, conforme vimos em Heiddegger (1990). Sendo assim, as leituras e
releituras das fontes disponíveis foram tornando-se parte da memória da pesquisadora,
gerando aos poucos a capacidade de imaginar, localizar e identificar ruas e lugares
esquecidos, entendidos aqui enquanto lugares de vivências urbanas, resgatados do
esquecimento.
Sabendo que a cidade da Parahiba no século XIX possuía ainda características
coloniais, podemos, por analogia, do ponto de vista das vivências urbanas, relacionar
a cidade da Parahiba com elementos e situações do Brasil colonial, sobretudo as festas
cívicas e as celebrações religiosas. E, nesse caso, concordamos com Wehling (1999,
p.49), quando comenta que a história da colonização brasileira é um capítulo de um
processo que mistura diferentes universos-tempos, o europeu, o africano e o indígena,
cujos resultados são sociedades e culturas absolutamente miscigenadas e sincréticas.
Não obstante, não nos deteremos nos aspectos da cultura propriamente, que seria
um estudo à parte e que necessitaria uma metodologia mais apropriada ao estudo da
cultura. O nosso interesse é fundamentalmente geográfico e nesse momento remete à
localização e identificação dos lugares urbanos, a partir de vivências urbanas que
foram detectadas ao longo deste estudo, conforme as possibilidades disponíveis nas
fontes consultadas e na capacidade imaginativa e de penetração na rede simbólica da
149
realidade daquele presente de então. Identificaremos apenas os lugares e os tipos de
vivências ou práticas urbanas, no sentido de fazer um contraponto às práticas
urbanísticas da administração pública, analisadas anteriormente.
As dificuldades na identificação dos lugares esquecidos na cidade são grandes
porque a bibliografia consultada e disponível nega a necessidade do estudo deste
período, conforme observamos anteriormente, aludindo mais aos aspectos negativos
da cidade. Conseqüentemente, poucas são as referências cronológicas exatas e as
poucas existentes serviram de bússola temporal para a recomposição deste mosaico
que veio a ser o mapa dos lugares urbanos da cidade na primeira metade do século
XIX.
Essas dificuldades se dão também porque, de uma maneira geral, é somente na
segunda metade do século XIX que ocorrem as transformações mais estruturais nas
cidades brasileiras, sobretudo nas capitais, com a modernização, o fim da escravidão,
o surgimento das pequenas indústrias e as novas concepções estéticas e filosóficas
oriundas do urbanismo europeu e norte-americano, que por sua vez, justificaram o
estudo das mesmas. Na cidade da Parahiba, as grandes transformações estruturais
ocorreram somente nas primeiras décadas do século XX (Silva, 1995). Antes disso,
em termos de urbanismo, é como se a cidade estivesse numa espécie de pré-história
urbana, sendo o estudo deste período na cidade pouco estruturado cientificamente e,
portanto, longe de ser esgotado.
Talvez por isso muitos autores referem–se ao século XIX na cidade da
Parahiba, como se neste século nada tivesse acontecido na cidade. A bibliografia
pesquisada, cheia de julgamentos negativos ou realistas, a julgar por outras realidades
mais civilizadas, acerca do atraso da cidade, precisou ser relativizada, conforme
fizemos no capítulo três, para uma maior aproximação com o real. Nessa bibliografia,
os registros sobre o século XIX se misturam como se todo esse século fosse um
mesmo tempo, sendo muitas descrições realizadas para todo o século XIX. Ao
discriminar essas descrições, percebe-se que muitas mudanças ocorreram, conforme
detalhamos no capítulo quatro, utilizando ambas as fontes documentais, as primárias e
as bibliográficas. E se considerarmos a relativizão do tempo e do espaço, veremos
que a realidade da Parahiba era mais comum do que menos comum à maioria das
cidades brasileiras.
Dito isto, vamos fazer a nossa representação cartográfica da cidade, partindo da
análise da planta de Alfredo de Barros e Vasconcelos, de 1857, comparando-a com as
150
referências mais precisas que encontramos quanto às datações dos fatos urbanos do
cotidiano e dos nomes das ruas, tendo por base os registros históricos bibliográficos
sem, no entanto, desconsiderar as referências sem datas pois, em muitos casos, foi
possível localizá-las no tempo, como peças de um mosaico. A isso soma-se a
constante troca dos nomes das ruas da cidade, gerando muita confusão na
identificação e reconstituição da memória urbana da cidade. Vale salientar ainda que a
planta disponível para este estudo foi uma cópia de 1905 e que antes dessa cópia,
outras haviam sido feitas, conforme detalhamos no capítulo quatro.
Muitas ruas da cidade se estruturaram na primeira metade do século XIX, já que
até o século XVIII a cidade era composta de sítios e caminhos, sendo as ruas
existentes concentradas nas imediações da área do porto, no Varadouro, e nas
imediações das igrejas na Cidade Alta, que representavam os limites urbanos. A
ocupação e integração da área do Portinho (vide mapa) é uma caractestica da
primeira metade do século XIX. Dito isto, até a primeira metade do século XIX, os
nomes das ruas permaneceram os mesmos, com algumas exceções a exemplo do
caminho das Cacimbas, que virou Ladeira do Rosário, Rua do Fogo e Rua das Flores.
As mudanças nos nomes das ruas da cidade começaram a ocorrer após a Guerra do
Paraguai, na década de sessenta, e com o advento da República, no final do século
XIX. A partir de então, as mudanças dos nomes não pararam mais de ocorrer, o que
dificultou muito o trabalho de reconstituição da cidade nestes tempos tão remotos para
citar uma palavra muito usada na bibliografia pesquisada, mas que não identifica
exatamente em que tempo se situam os citados “remotismos ou “tempos de
antanhos”, ou mesmo os “tempos idos”. Depois de leituras e releituras percebemos
que qualquer tempo até o final do século XIX era considerado remoto para os autores
pesquisados.
Rodriguez (1994) e Aguiar (2002) são as principais referências para a
reconstituição dos nomes das ruas e dos lugares da cidade. O primeiro, cuja primeira
edição do livro é de 1962, não cita as fontes utilizadas, mas identificamos em seu
livro as descrições de Vicente José Gomes Jardim (1910), agrimensor de terrenos da
marinha, que realizou um estudo sobre a cidade, identificando e medindo as ruas da
cidade em 1889. Através das medições de Jardim (1910), pudemos tirar várias
dúvidas quanto aos nomes antigos e localidades das ruas e praças. Aguiar (2002), por
sua vez, remete à Rodriguez (1994) e a Coriolano de Medeiros, que viveu no início do
século XX na cidade da Parahiba, criou um gabinete de estudinhos de História e
151
Geografia da Parahiba, cujas publicações nos anos de 1930 serviram de base para a
reconstituição das ruas da cidade no século XIX realizada por Aguiar (2002).
Esses autores citados, além de outros que são utilizados neste estudo, bem como
a documentação primária, informaram-nos sobre algumas vivências urbanas que
contribuíram para a identificação desses lugares esquecidos que mapeamos.
Começamos a nossa análise pelas primeiras plantas da cidade feitas pelos
holandeses no século XVII (anexos 6 e 7), mostrando uma cidade planejada, de trama
retilínea, ortogonal, com a escolha do sítio obedecendo aos critérios estabelecidos
pela Coroa para a defesa e pela Igreja, ou seja, foi implantada no alto de uma colina,
fato comum às cidades brasileiras, conforme visto no capítulo dois (AGUIAR, 2002, p.
147):
O mestre de obras Manoel Fernandes recebeu ordem no sentido de logo encontrar um sítio
adequado à construção de uma capela. O terreno escolhido situava-se no topo da bela colina que
os primeiros conquistadores avistavam do Forte.
Uma outra planta, de 1682, de autoria de Manoel Francisco Granjeiro (anexo
13), feita para estabelecer os limites das terras dos Beneditinos na cidade, mostra uma
cidade menos retilínia e mais integrada nas suas partes alta e baixa, o que para Tinem
(2006, p.274) significou uma percepção de zonas com características próprias e
diferentes entre si, em contraponto à simples separação topográfica entre parte alta e
baixa. Observamos nos relarios algumas referências à separação entre as partes alta
e baixa da cidade, que foi se tornando mais marcante ao longo do século XIX,
quando, a partir da segunda metade, ganha importância comercial a Rua Direita.
vimos que a planta de 1857, levantada por Alfredo de Barros e Vasconcelos,
por ordem do Presidente Beurepaire Rohan, sugeria uma cidade a ser ainda
organizada quanto ao alinhamento das ruas, que na realidade não existia em alguns
trechos da cidade. Na época, a primeira metade do século XIX, a cidade
apresentava duas faces, uma mais organizada e a outra mais espontânea (VIDAL,
2004, p.12), sendo essa a característica espacial de uma sociedade cujo processo de
formação é excludente. A parte mais arruada e com edificações mais lidas era o
Varadouro e a Cidade Alta a a altura do Palácio e a parte espontânea era o Portinho
e os prolongamentos urbanos de Tamb e Trincheiras, que constituíam arrabaldes
bem próximos à cidade. Talvez por isso o Presidente Beaurepaire Rohan, cuja
administração analisamos no capítulo quatro, tenha se preocupado muito com o
ordenamento e alinhamento das partes mais espontâneas da cidade, na área do
152
Portinho e nas imediações do Palácio, na Cidade Alta, em direção à Cacimba do
Povo nas Trincheiras.
Com base nessas considerações, que contribuem para um zoneamento mais
aproximado da realidade da cidade no período estudado, vamos dividir a cidade nas
seguintes áreas: Varadouro, Portinho e Cidade Alta, esta última compreendendo
também a área das Trincheiras e Tambiá, que ainda não haviam se tornado bairros, o
que ocorreu somente na segunda metade do século XIX, mas que se integravam a
cidade através de ruas e moradas. Devido à característica rural e à exuberância da
vegetação tropical da urbe, somaremos ao nosso zoneamento os “arrabaldes”, áreas
com número expressivo de moradas de casas ou “fogos” e de sítios, separados pela
densa floresta que recobria e distanciava esses núcleos de sítios e moradas que
compunham os arrabaldes.
No geral, os lugares urbanos na cidade na primeira metade do século XIX, ou
seja, os mais frequentados pela população, e portanto locais de vivências cotidianas,
foram os largos (antigas praças), as bicas ou cacimbas, os portos e as principais ruas,
cujas características são as ligações entre lugares e atividades comerciais e de
serviços, além de alguns entroncamentos.
Tendo por base a cópia de 1905 do mapa levantado por Alfredo de Barros e
Vasconcelos na gestão de Beaurepaire Rohan e na bibliografia disponível, citada
acima, identificamos esses lugares urbanos, localizando-os num mapa que
apresentamos neste estudo sob o título de “Lugares Urbanos na Cidade da Parahiba na
primeira metade do século XIX”, cuja leitura faremos a seguir, intercalando com
algumas referências que conseguimos resgatar deste remoto cotidiano urbano.
5.1. Varadouro
O Varadouro é a área onde foi originalmente estabelecido o forte para a defesa
da cidade, compreendendo a área do cais do Porto até o Largo do Quartel. No cais,
havia o porto principal e o porto da Gameleira. No Varadouro estava o “passo” (grafia
da época), com a balança dos produtos agrícolas, sendo o açúcar o mais importante; o
Largo Frei Pedro Gonçalves; o Largo da Gameleira, onde atracavam embarcações; a
Rua da Areia; das Convertidas; a Bica do Gravatá; e as ladeiras que iam para a parte
alta da cidade, incluindo o Largo do Quartel. Nesta área, ficavam os sobrados, os
153
armazéns, o comércio, as residências da elite comerciante e a vida econômica da
província. O Varadouro, para os autores paraibanos pesquisados é, portanto, a parte
mais rica, do cais do porto e adjacências, que inclui não apenas a parte baixa da
cidade, mas as ladeiras para a Cidade Alta, que em alguns trechos era mais suave e
ocupada em suas partes planas, quase constituindo uma Parte Média”, como era o
caso do Largo do Quartel. Essa referência à parte média da cidade foi feita pelo
engenheiro João Claudino de Oliveira Cruz, num texto-fragmento, sobre os
melhoramentos da capital, que foram achados incompletos e sem data, reproduzidos
na revista número sete do IHGPB, provavelmente da segunda metade do século XIX,
sendo uma sugestão para uma possível subdivisão da área do Varadouro.
Para Aguiar (2002, p. 149), o significado de Varadouro que melhor se aplica ao
caso da Parahiba é: “Lugar baixo de pouca água, à beira mar ou à margem de um rio,
onde se varam embarcações”. E continua o autor (AGUIAR, 2002, p. 147):
Velho varadouro do nosso povo de quatrocentos anos, verdadeiro construtor da cidade.
Varadouro do nosso porto de triste história. Varadouro da alfândega, de ruas antigas, do
corcio, de casas familiares também. Varadouro triste à noite, almas penadas dentro dos
sobradões. Almas de escravos, ioiôs e sinhasinhas.
O Varadouro não identificava apenas o cais do Sanhauá e as ruas próximas,
mas, segundo Cavalcanti (1972, p. 39), abarcava todo o bairro comercial que se
plantou e floresceu. O Varadouro também era centro residencial. Famílias de
negociantes e caixeiros viviam nos pisos superiores dos sobrados e embaixo ficavam
os estabelecimentos comerciais: armazéns, boticas, e barbearia.
No Varadouro estavam a Alfândega, o Tesouro Provincial (Casa das Rendas), o
Trapiche do Cais, o Quartel, a Igreja de São Frei Pedro Gonçalves, o Hospital, anexo
ao Quartel de linha e a Bica dos Milagres. As ruas mais importantes eram a das
Convertidas, da Areia, da Viração, do Varadouro, do Carro e a Ladeira de São
Francisco, também conhecida por Rua do Tanque. Na parte mediana desta ladeira
ficava a Casa da Pólvora e, em frente desta, a Ladeira da Matriz, que Jardim (1910, p.
95) confundiu com a Ladeira de São Bento, que parte da Rua da Areia. Na planta de
1858, o que Jardim (1910) chamou de Ladeira da Matriz consta como Ladeira de São
Bento, que, pela localização, faz mais sentido. Outras ruas: do Zumby, da Gameleira,
do Mata-Negro, também conhecida por Rua da Alegria, da Conciliação, do Consumo
e alguns becos como o da Bica dos Milagres, do Tanque, que consta como Travessa
do Tanque na planta de 1857, de João Magro, que ligava a Rua das Convertidas ao
154
antigo Largo da Gameleira e da Quitandinha, onde havia um pequeno mercado e
açougue.
O lugar mais importante e movimentado era o “Passo do Varadouro, onde
havia a balança do peso dos produtos da terra, onde pesava-se principalmente o
açúcar, provindo da Várzea do rio Paraíba.
Dentre as ruas mais importantes está a Rua das Convertidas, cuja proximidade
com o Porto estimulou o seu caráter comercial, acentuado a partir do final do século
XVIII, com a independência da província, consolidando-se na primeira metade do
século XIX. A origem do nome, no entanto, está ligado ao século XVIII, quando esse
lugar desempenhara função social-religiosa (AGUIAR, 2002, p. 157):
A rua das Convertidas, no Varadouro teve, em meados do século XVIII, uma espécie de abrigo
destinado a receber mulheres públicas que, arrependidas, ali se recolhiam com a finalidade de
mudar de vida. O tal abrigo ajudava-as a converterem-se a uma vida normal, através de orações
e penitências.
O recolhimento das convertidas foi regulado pelos estatutos das Ursulinas e
funcionou alguns anos com regularidade. Quando o Bispo de Olinda, D. Luiz de Santa
Thereza, retirou-se para Lisboa, em 1754, este ficou sem recursos, o edifício arruinou-
se e foi abandonado, ficando apenas a lembrança no nome da rua que ali se abriu
posteriormente.
Das ladeiras para a Cidade Alta destacava-se a Rua do Carro, o principal
caminho das carroças na ligação da cidade Alta para o porto do Varadouro, sendo a
sua rampa a mais suave e por isso a mais utilizada, ao contrário da Ladeira de São
Francisco, de declive bastante acentuado. A Rua da Areia, cujas areias das enxurradas
se acumulavam na parte baixa da rua, originando o seu nome, era também uma das
vias de ligação com a Cidade Alta, possuía algum comércio, muitas residências e
terminava na Ladeira das Pedras, fazendo ligação com a Rua Nova, na Cidade Alta.
Por ser essa ladeira uma das primeiras empedradas da cidade, originou o nome
Ladeira das Pedras (AGUIAR, 2002, p. 180). Outra ladeira bastante freqüentada era a
Ladeira de São Bento, partindo da Rua da Areia. Destacamos ainda a Rua do Zumby,
na área do Passo cuja continuação era a Rua do Varadouro. Estas faziam um semi-
círculo no sopé da colina da capela de Frei Pedro Gonçalves.
Além do Passo do Varadouro, destacam-se como lugares urbanos importantes os
Largos da Gameleira, onde se situava o porto da Gameleira, e o de São Frei Pedro
Gonçalves, onde existia a antiga capelinha.
155
Para o abastecimento de água da população, havia a Bica dos Milagres. Segundo
Rodriguez (1994, p. 109), pelas crônicas dos primeiros dias da cidade, a bica dos
Milagres, construída em 1784, foi a primeira a servir os moradores da cidade, mas,
segundo o mesmo autor, o nome de Bica dos Milagres consta a partir do início do
século XIX. Essa Bica foi o lugar do crime mais chocante na cidade no início do
século XIX e comentado ainda por muitos anos. Aconteceu em 1801. Uma mulher de
nome Tereza foi encontrada morta na Bica, transpassada por um pedaço de pau na
genitália. Foi um crime passional cometido por um frade, com ajuda de um índio e um
escravo, cuja chocante hisria chegou aos nossos dias.
Outras cacimbas no Varadouro eram a cacimba da Jaqueira, no pé da Ladeira de
São Bento, e a de José Holmes, à Rua da Gameleira, que deu origem ao Beco de
mesmo nome.
Da Bica Gravatá para o sul começava a área de um pequeno porto de canoas
numa gamboa do Rio Sanhauá, conhecido como Portinho.
5.2. Portinho
De acordo com Cavalcanti (1972, p.39):
A rua das Convertidas não tinha o comprimento atual, pois havia uma pequena Gamboa que se
alimentava de mananciais de água doce. Um pequeno ancoradouro dela formado motivou o
nome da rua que ficava mais perto a leste, a Rua do Portinho.
Nessa área, moravam os canoeiros que faziam o comércio de frutas e alimentos,
desde o século XVIII e durante a primeira metade do século XIX, para abastecer o
mercado urbano, dinamizando assim a economia local das populações menos
privilegiadas. Percorriam o antigo Caminho das Cacimbas, que originou a ocupação
dessa área da cidade, vindo a ser depois Rua das Flores e do Fogo até a Ladeira do
Rosário, sendo esta rua a divisória entre o Varadouro e o Portinho. Em sendo a parte
mais pobre da cidade, as casas eram modestas, com telhados de palhas e projetadas na
calçada de forma irregular, conforme se percebe no mapa. Devido às poucas
mudanças ocorridas em algumas áreas da cidade, uma foto do final do século XIX
pode nos dar uma idéia mais exata daquela paisagem (anexo 14).
A área do Portinho compreendia a Rua do Sobradinho, na continuação sul da
Rua das Convertidas, as ruas da Raposa, subindo até a Rua da Palha, a Rua das Flores
até o Curral das Éguas (antigo caminho das cacimbas que também incluía a Rua do
156
Fogo, na parte alta da cidade), a Rua do Portinho, que consta como Rua do Quartel no
mapa de Alfredo de Barros, a rua do cemitério e os caminhos do Cajueiro de Cima e
de Baixo, na subida para as Trincheiras, pelo cemitério. Consta que a área que
compreende as proximidades do cemitério era coberta de mata. O sítio existente no
local antes de sua compra para o cemitério chamava-se Sítio Matinhas. Jardim (1910,
p. 108) informa que a rua do cemitério foi aberta na administração e Albuquerque,
em 1853, para facilitar o transporte de pedras para a construção da cadeia nova.
Nessa área da cidade ficava o quartel, o cemitério, a cadeia nova na pequena
colina e a Bica do Gravatá no sopé da mesma colina. A Bica do Grava foi
construída mediante contribuição do povo, sob administração da câmara municipal,
em 1785, e assim foi descrita (RODRIGUEZ, 1994, p. 112):
O seu formato era de um quadrado murado de pedras com cornijas, ficando a superfície das
águas abaixo do vel da rua e tendo torneiras de bronze com lavores nas três faces das paredes
de leste, norte e sul. No paredão do lado oeste, servindo de frontão mais elevado, ostentava as
armas imperiais em pedra e cantaria. Nessa parede estavam colocados os canos de esgoto das
águas servidas.
O Caminho das Cacimbas teve a sua designação devido ao fato de que os
moradores da parte alta da cidade se abasteciam nos poços ou cacimbas existentes nas
proximidades do portinho do rio Sanhauá. Assim, abriram a comprida via blica
(anexo 14) para apanhar água ainda no século XVII (RODRIGUEZ, 1994, p.110):
Esse caminho que se na planta mandada levantar pela direção do mosteiro de o Bento, em
1692, servia para delimitar o então patrimônio daquela instituição, bem assim as vertentes da
cidade. Identifica-se positivamente, ser essa a denominação primitiva da antiga Ladeira do
Rosário. Aliás, está na dita planta bem legível: “estrada que vai das cacimbas até a porta da
Igreja do Rosário dos Pretos, a qual descendo passava pela rua que depois chamou das Flores,
indo terminar no Portinho do Sanhauá. Lá estavam situadas as cacimbas da velha cidade baixa,
onde, segundo as praxes portuguesas, se tomava banho aos domingos a dez réis.
Vimos, no capítulo dois, como a localização das igrejas foi determinante na
expansão urbana das cidades Brasileiras (MARX, 1990). A localização da Igreja dos
Escravos (Igreja do Rosário dos Homens de Cor) pode ter sido o fator que
condicionou a ocupação dessa área para as populações mais pobres, originando o
Caminho das Cacimbas.
As cacimbas eram lugares urbanos muito freqüentados pela população,
sobretudo as famílias sem escravos e pessoas que não podiam nem queriam ir às
fontes prover-se de água e que apanhavam nas cacimbas do Rio Sanhauá as porções
necessárias às suas atividades.
157
Outro lugar urbano mencionado pelos autores citados é o “Curral das Éguas”,
um quarteirão nas proximidades do Largo do Quartel, entre as ruas do Fogo, da Palha
e da Macahyba. De acordo com Aguiar (2002, p.193), era o lugar das prostitutas.
Posteriormente elas migraram para a Rua das Flores, a continuação sul da Rua do
Fogo, mas ainda nas imediações do antigo “curral” e do quartel.
O lugar Sobradinho ficava na área da ponte do Sanhauá, onde foi construída a
cadeia e que originou o nome da Rua do Sobradinho, continuidade da Rua das
Convertidas. Sobre a Rua do Melão, Aguiar (2002, p.186), que a descreve como
sendo constituída de choupanas esparsas e de terrenos baldios cobertos de melão de
São Caetano, informa que esta é a Rua Formosa, aberta pelo Presidente Beaurepaire
Rohan e que o povo chamava Rua do Melão. Não consta da nossa planta essa Rua
Formosa, que foi uma intervenção desde a Rua da Conciliação, seguindo em frente ao
quartel, emendando com a Rua do Quartel, indo encontrar com a Rua da Imperatriz,
na direção paralela à Rua da Macahyba (anexo 12). No entanto, consta na legenda do
mapa de Alfredo de Barros, anterior, portanto, à abertura da Rua Formosa, uma Rua
do Melão, que investigamos a localização, visto que na pia da planta de 1905 não
deu pra localizar. Jardim (1910, p. 107), ao descrever a Rua Formosa, informa sobre
“o Becco do Melão, assim chamado porque dava sahida a extincta rua deste nome
(Melão) que foi destruída com a abertura da rua Formosa e formação do Jardim
botânico, que não existe, senão o nome”. Supomos que a antiga Rua do Melão
fosse uma transversal existente no mapa de 1857, saindo da rua do Quartel para a rua
da Ponte na mesma direção “sueste nordestedo beco descrito. Imaginamos ainda
que o povo teria rebatizado posteriormente a Rua Formosa de Rua do Melão, em
memória desta.
158
5.3. Cidade Alta
Enquanto o Varadouro se consolidava, nas primeiras décadas do século XIX,
como a área comercial da cidade, a Cidade Alta abrigava os principais prédios
públicos e as igrejas da cidade, além de se caracterizar como área residencial da
população mais abastada. Descrita por Aquino (1980, p.16) como o centro sacral da
cidade, a cidade Alta foi se conformando em torno das igrejas.
De acordo com a tendência geral da cidade brasileira, a expansão da Parahiba na
Cidade Alta seguiu, portanto, o padrão estabelecido pela localização das igrejas e de
seus largos, que por sua vez obedeciam à topografia local e pelas necessidades
cotidianas de ir e vir, das casas às igrejas ou às cacimbas, ou de um arrabalde a outro,
criando suas ruas tortuosas, onde se construía à vontade, sem alinhamento e por
desconhecimento às normas e posturas existentes desde os tempos da Colônia. Poucas
áreas apresentavam algum ordenamento, de iniciativa de alguns poucos ricos
residentes nas ruas Nova e Direita.
As principais ruas da Cidade Alta eram a Rua Nova, a Rua Direita e a Rua da
Cadeia. Destacamos ainda a Rua da Misericórdia e o beco, que fazia a ligação entre a
Nova e a Direita, o Beco da Companhia, a Rua da Medalha, continuação da Rua
Nova, a Rua das Trincheiras, que possuía alinhamento por ser a estrada sul em direção
à Recife e a Rua do Tambiá, no caminho para o leste, ou seja, para os povoados dos
pescadores de Tambaú, Bessa e Penha.
A Rua Nova era a principal, larga, calçada de grossas pedras, sendo as casas
de um andar térreo e algumas com janelas envidraçadas, que era à época (referindo-se
ao ano de 1822) , uma novidade recente até mesmo no Recife (CAVALCANTI, 1972,
p. 31). Consta que era separada da Rua da Areia por uma mata fechada.
Aguiar (2002, p. 22) afirma, no entanto, que em 1830 não havia ruas calçadas
na cidade. Mas Henri Koster (apud Aquino, 1980), viajante inglês que veio à Paraíba
em 1810, conforme vimos anteriormente, referiu-se à rua principal, que era a Rua
Nova, sendo pavimentada com grandes pedras, mas que devia ser reparada, provando
que a Rua Nova era pavimentada. A não ser que em 1830 as pedras não existissem
mais.
A Rua Nova terminava no Beco da Miserirdia, limite natural da parte mais
alta do relevo com o começo do antigo caminho das cacimbas, a Ladeira do Rosário.
Neste local ficava o conjunto arquitetônico que reunia a capela do Salvador, a Igreja
159
da Misericórdia e o hospital, ocupando uma grande área que se estendia ao cemitério
por trás do hospital. Aguiar (2002, p.192) refere-se ao Cemitério dos enforcados, por
trás da Igreja da Misericórdia, indo na direção da Igreja do Rosário dos Homens de
Cor.
A Rua Direita foi descrita por Leal (1961), no tempo do Império, como a
preferida para a instalação de certas atividades sem uma conotação comercial mais
explícita, tendência que se acentuou mais a partir da segunda metade do século XIX.
As tipografias que reproduziam os relatórios presidenciais e os jornais eram ali
localizadas. Estes últimos, a maioria não tinha continuidade e seus assuntos prediletos
eram as desaveas políticas, que inflamavam as conversas masculinas nos pontos de
reunião, a exemplo de “O Constitucional Paraibano”, de 1841 que, segundo Leal
(1961, p. 86), o possuía nenhum anúncio ou informação comercial ou menção a
acontecimentos sociais, limitando-se à politicagem. Nessa época, outro jornal também
se instalou na Rua Direita, o “Diário da Assembléia”. Na Rua da Baixa, continuação
da Rua Direita, ficava ainda a tipografia de José Rodrigues da Costa, que editou,
dentre outros, “O Publicador”, um jornal diário. Dos poucos anúncios destes jornais
da época havia menção a uma botica nessa rua e uma agremiação recreativa, de 1858,
que realizava saraus. Informa ainda Leal (1961) que havia na década de 1850 as
redões dos jornais “O Despertador”, o “Liberal Paraibano”, “A Opinião e “O
Monitor”, este último de impressão mais cuidada, embora “a indigência de notícias
continuasse predominando”. Havia ainda três escritórios de advocacia e o estúdio de
fotografia Italiana de João Firpo. Segue o autor informando que em 1856 havia o
“Depósito Apolo”, na Rua Direita, que vendia cigarros, charutos, rapé e fumo e que
perdurou por toda a segunda metade do século XIX. Sabendo que a partir dos anos 20
do século XX, a Rua Direita foi-se constituindo na área comercial e de serviços mais
importantes da cidade (SILVA, 1995), constatamos que a tendência dessa transição
comercial do Varadouro para a Cidade Alta teve início ainda na primeira metade do
século XIX.
As ruas da Cidade Alta eram habitadas pelas pessoas mais importantes da
cidade, os políticos e funcionários públicos. Os sobrados eram em número reduzido e
nas ruas Nova e Direita, as principais da cidade, o passavam de três ou quatro em
cada rua.
Além da Matriz de N. Sra. das Neves, havia na Cidade Alta a Igreja e Convento
do Carmo, a Igreja e Mosteiro de São Bento, a Igreja do Rosário dos Pretos, a Igreja
160
da Mãe dos Homens, em Tambiá, onde havia um Largo com um cruzeiro bastante
freqüentado, a Igreja das Mercês, que também possuía um cruzeiro onde a população
rezava, acendia velas e fazia promessas, a Igreja da Misericórdia, a Igreja de São
Gonçalo e a Igreja do Bom Jesus, nas Trincheiras. Todas possuíam largos à frente, de
acordo com as Leis Eclesiásticas, que tratamos no capítulo dois, que definiram o
traçado e a expansão da cidade. Sendo as igrejas os lugares mais freqüentados na
cidade, esses largos constituíam-se em áreas freqüentadas pela população, sobretudo
em períodos de festas religiosas e missas sendo, portanto, lugares urbanos
significativos numa época em que as Igrejas regulavam, motivavam e limitavam a
vida social. No Largo da Matriz, desde os primórdios da cidade, se realizava a festa
da padroeira Nossa Senhora das Neves. O Reverendo Kidder, pastor protestante norte
americano, esteve na cidade em 1839 e foi analisado por Alves (1948, p. 111) como
um observador diferente por notar detalhes despercebidos de outros viajantes.
Vejamos como descreveu a festa (ortografia atualizada):
Essas festas como todas as outras de grande importância foram precedidas de uma novena, isto
é, nove rezas realizadas em noites sucessivas. Em cada uma dessas noites havia um divertimento
diferente do qual se encarregava um cidadão que, naturalmente procurava exceder o outro na
pompa e no brilho da festa ao seu cargo. Convidaram-nos para sair à noite a fim de ver aquilo
que achavam não poder deixar de nos ser profundamente interessante. A Matriz onde se
celebrava a festa, ficava mesmo nas vizinhanças. Postamo-nos na extremidade de um pátio
oblongo. A frente da Igreja estava iluminada por velas em lanternas quebradas, dispostas em
torno da porta e à frente de uma imagem colocada em um nicho preso à cúpula. Grandes
fogueiras ardiam em vários pontos do pátio. Em torno dela acotovelavam-se negros ansiosos por
queimar baterias de foguetes a certos trechos dos atos litúrgicos que se realizavam na igreja.
Terminada a novena, todo o povo acorreu ao campo para apreciar os fogos de artifício que se
queimavam desde as nove horas até a meia noite. Os que tivemos ocasião de ver eram muito mal
feitos. Não obstante o povo se pasmava e aplaudia freneticamente. Se se tratasse de divertimento
para africanos ignorantes, seriam mais compreensíveis essas funções, mas como parte de festejos
religiosos, celebrados em dia santificado e com a presença entusiástica de padres, monges e do
povo, temos que confessar francamente que nos chocou bastante.
O julgamento do cronista reflete o estranhamento cultural quanto à mistura de
festejos profanos e religiosos tão comuns em nossa formação cultural, mas sua
descrição é a única capaz de nos levar a imaginar como era realmente a festa na
primeira metade do século XIX. No mais, a algazarra dos negros era uma
característica das cidades brasileiras, conforme apontara Gilberto Freire (1985). o
161
obstante, a Festa das Neves tinha uma característica mais popular e democrática que
as festas cívicas.
Vimos anteriormente que as festas vicas eram organizadas pela câmara
municipal que se encarregava de produzir tanto a parte religiosa como a profana.
Eram as festas públicas compostas de Te Deum Laudamus na Igreja Matriz (hino
litúrgico católico, iniciado com as palavras "Te Deum Laudamus" (A Vós, ó Deus,
louvamos), cortejo na sala do Governo, parada com banda de música, salvas e
iluminação pública e particular. Algumas celebrações duravam até três dias como o
nascimento de príncipes e princesas da família imperial e os festejos pela
Independência. Através desses festejos é que a civilização marchava no país,
conforme esclarece Souza (1999, p. 217):
A festa bem comportada, bem organizada, celebrativa da união brasileira, também comprovava
o bom andamento da civilidade entre os brasileiros, sem escorregar nos riscos da anarquia ou na
fratura do território brasileiro.
Essas cerimônias cívicas eram delineadas pela etiqueta real e pelo uso repetido
ao longo do período colonial. Com a Independência, o verde e amarelo foi sendo cada
vez mais usado e as festas foram ganhando cada vez mais magnitude, conforme
comentou ainda Souza (1999, p. 270):
A independência, a adoção da monarquia constitucional, a manutenção da integridade territorial
do Brasil, indicavam que o país se inseria num fluxo de civilização, e esse gênero de festas
revelava o grau de civilização do país, graças ao tipo de comportamento e civismo apresentados
por seus habitantes no espaço público.
Em caso de morte de algum membro da família imperial, realizavam-se
exéquias, os sinos badalavam o dia inteiro e os canhões da Fortaleza de Cabedelo
ficavam atirando de 5 em 5 minutos, como no caso da morte de Dona Maria
Leopoldina, em 1826, cuja notícia chegou em 1827. Nesta cerimônia, participavam
funcionários do Estado, membros da Câmara, de luto, com capas pretas, levando uma
haste preta com uma bandeira negra arrastada pelo co, percorrendo a cidade em
festejo fúnebre (anexo 15).
Outros largos significativos na cidade Alta eram o Largo do Mercado e o Largo
da Cadeia. Consta que atrás do mercado jogava-se lixo e assim foi se constituindo em
área de residências pobres na Cidade Alta.
No Largo da Cadeia ficava o pelourinho, coluna de alvenaria onde se
castigavam e expunham à execração pública os ladrões, escravos fugidos ou
162
comprometidos em delitos. Na Rua Direita havia um terreno onde se sepultavam os
justiçados nos tempos da realeza e condenados à morte (AGUIAR, 2002, p. 221).
Existia na Rua da Cadeia, o prédio do Senado da Câmara, que tinha um
pavimento superior. No térreo funcionava a cadeia pública e no piso superior as
sessões da câmara. Este largo foi o Paço Municipal, onde ocorriam eventos cívicos,
até a mudança da prefeitura para o Varadouro.
A Assembléia Provincial instalou-se em 1835, funcionando num prédio colonial
no Largo da Cadeia (AGUIAR, 2002, p. 339). Antes dela existia o Conselho
Provincial, instalado em 1826 e antes deste a Junta Governativa.
Na Cidade Alta, ficava ainda o principal prédio público da cidade, o Palácio,
antigo colégio dos Jesuítas, onde funcionava o Palácio do Governo, as repartições e a
residência do Presidente com a igreja ao centro. Reparado em 1828, funcionavam as
escolas de geometria e primeiras letras. Posteriormente em 1836 passou a abrigar o
Lyceo. No Largo do Palácio, também chamado de Largo do Colégio, havia as
comemorações cívicas, com apresentação da banda de música, existente desde 1809.
As fontes principais na Cidade alta eram a do Tambiá, e a de Santo Antônio, no
pátio interno do convento de São Francisco. Havia também a Cacimba do Povo, um
tanque de pedra de cantaria, situado por trás da Rua das Trincheiras, muito utilizado
por ser público e por isso bastante citado nos relatórios presidenciais.
Haviam outras cacimbas citadas na bibliografia pesquisada. No entanto, não foi
possível identificar os locais precisos e os tempos em que elas existiam. Podemos
afirmar que nessas cacimbas particulares cobrava-se pela água que era conduzida por
escravos e pelas pessoas que as vendiam nas portas, em barris e potes. Geralmente o
banho era tomado em alguma fonte, como Tambiá ou Gravatá, ou em riachos
próximos onde também as lavadeiras cuidavam das roupas. Era comum as pessoas
tomarem banhos nuas até 1860 quando foi promulgada uma legislação proibindo as
pessoas de tomarem banhos nuas nas bicas, andarem nuas da cintura para cima e
realizar enterros em redes (Silva, 1995, p. 39).
A cidade terminava na Lagoa dos Irerês, limitando-se assim com a lagoa e a
mata, praticamente fechada, onde a população urbana não avançava a o ser para a
atividade da caça. Desta forma o avanço leste da cidade se deu por Tambiá. O nome
Lagoa dos Irerês se refere ao nome tupi, que designa um tipo de marreco que
abundava na lagoa.
163
Nas proximidades do Largo do Quartel, na parte média da cidade, havia a Rua
do Consumo, onde no como do século XIX desapareceu um comerciante português
que ali morava, aparecendo o seu corpo apunhalado nos mangues do Sanhauá
(AGUIAR, 2002, p. 183). A Rua do Boi Choco tem essa denominação porque ali
morava um francês Ms. Bois Sault, dando origem a corrutela Boi Choco (AGUIAR,
2002, p. 188). A Rua da Tesoura, no caminho de Tambiá, ganhou esse nome porque
ali uma mulher matou um soldado com uma tesoura (AGUIAR, 2002, p. 188).
5.4. Arrabaldes
Os arrabaldes constituíam os arredores da cidade onde havia sítios, agrupamento
de moradas ou “fogos” e pequenas vias de acesso. Alguns possuíam lugares
importantes de concentração de pessoas. Na época, Trincheiras, que limitava a cidade
ao sul, e Tambiá, que a limitava a leste, já se integravam à cidade, apesar de existirem
ainda vários sítios na área. As áreas mais próximas a cidade que se constituíam em
arrabaldes e que são citados na bibliografia pesquisada eram Jaguaricumbe,
Mandacaru, Cruz do Peixe, Riacho e Cruz das Almas.
Sobre o arrabalde de Cruz do Peixe, Aguiar (2002, p. 277) faz referência a um
importante lugar urbano, nele situado onde se vendia pescado. Conta que a origem do
nome vem de uma cruz colocada no local em que foi morto certo caboclo da Praia da
Penha, acusado de homicídio. Nessa cruz, os pescadores, cansados da caminhada das
praias à cidade, colocavam os seus peixes para descansar, surgindo assim a
denominação Cruz do Peixe. Grandes árvores havia em toda essa área.
Ao sudoeste do cemitério era o arrabalde do Riacho, onde havia o Sítio Matinha,
que deu origem ao nome da área que veio abrigar o cemitério a oeste. Ao leste,
situava-se o morro do Forte, que separava as Trincheiras do Riacho.
Ao sul, na direção da estrada para Recife, pelas Trincheiras, estava o arrabalde
de Cruz das Almas (NOVAES, 1937). Consta que por muitos anos ali existia um
cruzeiro, uma espécie de sentinela avançada da Capela das Graças no Engenho do
mesmo nome, às margens do riacho das Graças, afluente do Sanhauá. Ele ficava na
parte mais alta do planalto que dividia os vales do Rio Jaguaribe e do Rio Sanhauá,
sendo ainda a encruzilhada que dividia os caminhos para Goiana e para o interior da
Parahiba. Consta que deve ter sido construído ainda pelos jesuítas que eram
proprietários de toda a área da margem esquerda do vale do Jaguaribe, incluindo as
164
Trincheiras. Estes padres foram os construtores da Igreja da Graça e este cruzeiro
ainda existia na primeira metade do século XIX, assim como várias moradas ou fogos.
Sobre a origem do lugar assim se refere Aguiar (2002, p. 319):
Ali era, em tempos remotos, o caminho para Goiana, à margem do qual se ergueu um cruzeiro,
onde os viandantes depositavam suas esmolas para as almas do purgario. Acendiam-se
também muitas velas ao pé do significativo cruzeiro, em pagamento de promessas.
Rodriguez (2002, p.11) nos fala de sítios existentes no final do século XVIII e
que perduraram até o início do século XIX na cidade. Fica difícil identificar a
localização destes, haja vista existirem poucas referências sobre as suas localizações
exatas. Como a cidade cresceu muito do início aos meados do século XIX, podemos
situar alguns destes sítios como o Sítio Matinha, vendido para ser edificado o
cemitério público, e o sítio Portinho, onde foi construída a cadeia nova. Outros
passíveis de localização o: O Sítio Paul, citado como o maior da cidade, quando foi
registrado em maio de 1856, junto à Bica de Tambiá, (dando a entender que os sítios
nas proximidades da cidade eram pequenos, constituindo-se em chácaras, como era
comum às cidades brasileiras, conforme vimos no capítulo dois); o Sítio dos Frades,
junto ao Convento de São Francisco; o Sítio da Lagoa, na Lagoa dos Irerês; o sítio
Jaguaricumbe, nos arrabaldes do rio Jaguaribe; o sítio Riacho, nas proximidades ao
oeste das Trincheiras; e o sítio Aburinoza, comprado pelo inglês Richard Rogers nos
arrabaldes de Mandacaru. Rodriguez (1994, p. 13) menciona ainda o Sítio Tanque,
pertencente ao Mosteiro de São Bento, e junto a ele o Sítio Pedreiras sem, no entanto,
referir-se à data. Em sendo patrimônio do mosteiro, achamos que faz sentido a sua
existência no período estudado, e por isso incluiremos esses dois em nosso mapa.
165
Considerações finais
Partimos, neste estudo, da premissa de que a cidade da Parahiba, na primeira
metade do século XIX, era uma cidade esquecida. Investigamos a causa deste
esquecimento e as consequências deste na urbanização da cidade da Parahiba. Um
esquecimento de raízes distantes onde, na busca de suas origens, constatamos que o
período de vitalidade maior, em que a cidade prosperou, foi o período desde a
conquista, em 1585, até a chegada dos holandeses, em 1630. Depois disso, consta que
a cidade estagnou, assim como Olinda que, muito próspera antes da chegada dos
holandeses, passou a ser periferia de Recife, que surgiu como o grande entreposto
comercial do Nordeste Oriental, cuja urbanização deixada pelos flamengos não tinha
rival, ao contrário da Parahiba, onde ficaram pedras entrincheiradas na cidade e
plantações arrasadas no campo, devido à resistência heróica dos paraibanos. Essa
situação periférica na economia regional durante todo o período colonial levou a
Parahiba a ser anexada a Pernambuco, confirmando assim a sua posição de
subordinação na economia regional, condição que prevaleceu durante todo o período
colonial e imperial, cujos reflexos na cidade foi a sua estagnação na condição aparente
de vila colonial.
Contudo não podemos afirmar que a proximidade e a conseqüente
subordinação de Recife foi a única causa do esquecimento da Parahiba no então
período imperial, pois vimos que as mudanças políticas que ocorreram no Império,
sobretudo após o Ato Adicional, tornaram as províncias capazes de gerar, até certo
ponto, uma autonomia que possibilitava a tomada de decisões no sentido de direcionar
as obras públicas para o seu desenvolvimento econômico, sendo as províncias de
Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, exemplos bem-sucedidos desta política.
Fizemos neste estudo uma relação entre o esquecimento e a urbanização,
tratando da administração pública no que se referiu às obras públicas e vimos que a
administração pública da cidade, apesar da existência da câmara municipal, se fazia
na Assembléia Legislativa, composta por deputados eleitos pelos proprietários
(homens bons) de toda a província, enquanto a câmara cuidava da vida cívica, através
das festas e comemorações do período imperial. Observamos também que até a
década de 30 do século XIX havia uma participação mais competente da câmara
municipal nos assuntos da cidade, e que depois do Ato Adicional, conflitos entre a
câmara e a presidência passaram a ocorrer freqüentemente.
166
Desde que a primeira Junta Governativa se reuniu após a Independência,
discutiu-se sobre a necessidade de incremento do porto da cidade, com a construção
do cais, do trapiche e do armazém. Aliado ao porto, destacou-se ainda a necessidade
da construção da ponte sobre o Rio Sanhauá e do aterro contíguo à mesma, formando
um complexo arquitetônico o de fundamental importância econômica para a
cidade como de embelezamento estético urbano. A ponte serviria de ligação da capital
com o interior da província visando facilitar o escoamento da produção agrícola do
interior da província para o porto da capital, aumentando assim a sua dinâmica e
arrecadação, que a estrada para a capital se bifurcava no interior com a estrada que
seguia para Recife.
Sabemos, por outro lado, que uma administração tende a refletir os interesses
econômicos vigentes e que, apesar dos discursos e da clareza, sobretudo dos
presidentes, cuja maioria não era nascido na província, quanto à necessidade das obras
do cais do porto e da ponte de ligação com o interior da Província, para alavancar o
desenvolvimento econômico e, portanto, a autonomia provincial, estas obras não se
realizavam a contento evidenciando assim a falta de interesse pelo desenvolvimento
portuário. Isso nos leva a concluir que o esquecimento da província era interessante
para determinados grupos não ligados à cidade da Parahiba e para quem convinham a
manutenção deste esquecimento, que do ponto de vista da economia, significava a
manutenção da dependência do porto de Recife.
Sendo assim, apesar do empenho de alguns presidentes, as obras caíam num
círculo vicioso, pois o Ato Adicional fizera com que as províncias tivessem que
arrecadar os seus próprios impostos para aplicá-los na medida de suas necessidades e
estes, por sua vez, dependiam da arrecadação do porto, que por sua vez dependia das
negociações entre os produtores rurais e os atravessadores e exportadores, que não
eram satisfarias, pois, alegavam alguns especuladores do Passo, o porto não oferecia
condições, preferindo os produtores ir para Recife, deixando a Província de arrecadar,
empobrecendo os cofres públicos, que, assim, ficavam sem condões de priorizar a
realização das obras necessárias. Vimos que as condições ambientais ofereciam certas
dificuldades portuárias, mas que, por outro lado, não impediam grandes navios e
vapores de atracarem no porto. Apesar das queixas observadas em relatórios
presidenciais, na prática o porto funcionava regularmente e mantinha rotas regulares,
sobretudo com a Inglaterra.
167
Com isso, perdiam todos, menos aqueles interessados na manutenção dessa
situação. Na cidade, ganhavam alguns especuladores dos negócios de exportação e
167
Com isso, perdiam todos, menos aqueles interessados na manutenção dessa
situação. Na cidade, ganhavam alguns especuladores dos negócios de exportação e
169
são relativamente recentes, datando do final dos anos sessenta. Estudos que mostram
que as cidades brasileiras refletiam a comodidade da vida urbana de então, de habitar,
arruar, abrir caminhos para ir e vir, pegar água, frutas, pescar etc. E que as cidades
foram sendo desenhadas de acordo com a vida urbana e as necessidades imediatas e
que, neste sentido, eram mais humanas até que cidades desenhadas e planejadas onde
a vida tinha que se adaptar ao plano. Tal perspectiva abriu espaço para uma nova
história das cidades brasileiras, que deixaram de ser retrógradas e sem planejamento e
passaram a ser humanas, diferentes e adaptadas, cada uma ao seu jeito, reagindo à
imposição de uma civilização que cruzou mares e aqui chegou trazendo a religião, a
política, a economia e a cultura. Sendo assim, a falta de um planejamento mais
explícito e implantado a priori, como ocorreu na colonização espanhola, passa a ser
vista como um elemento de flexibilização e de maior adaptação às diversas condições
regionais, considerando assim as enormes variações existentes no Brasil.
A produção do conhecimento sobre a cidade da Parahiba seguiu as mesmas
linhas das tendências tradicionais, cujo resultado são as contínuas repetições sobre o
atraso, a pobreza, a lentidão, a carência, a falta disso e daquilo, obscurecendo assim a
realidade sobre esse passado. Observamos em nosso estudo que a Parahiba era uma
cidade tropical e plena de diversidade de flora e fauna. Tomava-se banho nu nas
fontes da cidade, costume indígena, pouco civilizado para uma cidade de tradição
política de heis da nacionalidade e, portanto, ícones da civilização que, por sua vez,
construíram a tradão historiográfica paraibana. Vimos, por exemplo, em Recife, que
a descrição destes aspectos mais exóticos das vivências cotidianas numa civilização
tropical ficavam ao cargo dos estrangeiros. Alguns visitaram a Parahiba. De tudo isso
resultou uma lacuna na produção do conhecimento sobre os aspectos urbanos da
cidade na primeira metade do século XIX, sejam os mais técnicos, sejam os das
vivências e práticas sociais, gerando muitas incertezas quanto aos aspectos
urbanísticos da cidade na primeira metade do século XIX, conforme representamos no
mapa que apresentamos neste estudo.
Enquanto o método do corte-transversal foi fundamental para a organização e
sistematização das informações pesquisadas, o método fenomenológico abriu-nos as
possibilidades de realizar diferentes releituras do conhecimento tradicional existente,
permitindo a identificação provável de muitos lugares na cidade da Parahiba na
primeira metade do século XIX. O contato, o manuseio, as leituras e releituras de
textos de documentos originais permitiram um contato maior com a realidade daquele
170
presente de então, permitindo que esse conhecimento fosse, aos poucos, como num
mosaico ou quebra-cabeças, fazendo parte da nossa memória, permitindo assim que a
imaginão fosse além do conhecimento tradicional, para a construção do mapa que
apresentamos neste estudo.
O nosso mapa, que partiu da única referência cartográfica da época, foi
adaptado de acordo com o que tratamos nos capítulos quatro e cinco. E como nos
propomos inicialmente, muitas localizações imaginadas foram incluídas numa
tentativa de representar o maior número possível de informações daquela época.
Fizemos um zoneamento inicial da cidade e a dividimos em três partes: Varadouro,
Cidade Alta e Portinho, além dos arrabaldes, sendo o Portinho a parte mais pobre, e
por isso sem alinhamento. Foi a área privilegiada por Beaurepaire Rohan para fazer
suas intervenções, que na verdade consistiram em derrubadas de muros e quintais para
arruamentos, até então inexistentes, apesar de, na planta, constar as ruas e seus nomes.
Por isso, pensamos até em desfazer todo o alinhamento existente para representar
melhor a cidade real, visto o alinhamento de partes da cidade fora, realmente,
projetado. Cabe salientar que essa planta com que trabalhamos é, na verdade, uma
cópia mal copiada em 1905 da planta original de 1857. Dizemos que foi mal copiada
porque a data está errada. Nela consta 1855 e faltaram ser identificadas algumas ruas,
cujos nomes constam na legenda da cópia, como a Rua do Melão, a Rua do Carmo, a
Travessa do Rorio (que também não incluímos, pois imaginamos que seja a
continuação da Ladeira de mesmo nome) e a Rua do Zumbi, cuja dificuldade de
identificação constituiu no fato de que a rua era circular. No mais, incluímos outras
ruas que encontramos em bibliografias e documentos, sendo algumas identificadas
como localizações prováveis. O mapa apresenta ainda outros lugares que
reconhecemos serem importantes por se tratarem de lugares que refletiam a vida
urbana da época, cuja vida social era predominantemente religiosa e política,
conforme os padrões da civilização cristã ocidental. São esses lugares os cruzeiros, os
largos e as ruas comeciais mais frequentadas pela população. Por fim, os arrabaldes,
as bicas e as cacimbas, a mataria tropical e os mangues, bem como as declividades
topográficas, foram incluídas no mapa.
Torcemos para que esse mapa e esse tempo sejam constantemente preenchidos
por mais elementos na legenda, mais histórias e muitas outras representações nas
diversas áreas do conhecimento que têm na cidade o seu objeto de estudo,
estimulando assim a memória urbana, servindo de suporte para pesquisas futuras nas
171
diversas áreas do saber e também de estímulo para o aperfeiçoamento do ensino
escolar através do reconhecimento e da valorização das identidades locais. Por isso
também, preferimos colocar os nomes das ruas dentro do mapa, ao invés de
permanecer ao lado como na cópia do original, facilitando assim a leitura da cidade e
permitindo maior facilidade de visualização comparativa com plantas de outras
épocas, para um estudo evolutivo das transformações no tempo.
Cabe ainda salientar aqui sobre a disponibilidade dos relatórios, falas e
exposições presidenciais disponíveis na Internet, o que pode ser um grande estímulo
ao surgimento de novos estudos e novas histórias sobre a Parahiba, haja vista a
dificuldade em acessá-los antes desta formidável disponibilidade on-line. Não fosse
isso, essa tese teria requerido mais tempo para a sua realização.
Por fim, esperamos que mais informações possam brotar das mais diversas
fontes e que cada vez mais esse passado pouco narrado e de forma obscura possa ser
trazido à luz do conhecimento, afinal, vimos que a cidade da Parahiba, enquanto
capital de Província, era muito dinâmica, possuía vida própria, repleta de
singularidades, resultantes do processo de civilização da humanidade, que,
materializadas na Parahiba, assim como em qualquer outro lugar do mundo,
produzem uma História e Geografia únicas, portanto, dignas de serem contadas e
reveladas.
172
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