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UNIVERSIDADE GAMA FILHO - UGF
VÓLIA BOMFIM CASSAR
RIO DE JANEIRO
2010
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
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UNIVERSIDADE GAMA FILHO - UGF
FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
Orientador: Arion Sayão Romita
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5
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS..............................................................7
RESUMO..................................................................................................8
INTRODUÇÃO........................................................................................11
CAPÍTULO I – GLOBALIZAÇÃO.......................................................15
1. FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO.............................................15
1.1. Conceito de Globalização.................................................................15
1.2. Aspectos da Globalização.................................................................16
1.2.1. Econômico...................................................................................16
1.2.2. Relações de trabalho....................................................................20
1.2.3. Política.........................................................................................33
1.2.4. Cultura e meios de comunicação.................................................33
2. CONSEQUÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE OS ESTADOS
NACIONAIS...........................................................................................34
2.1.Influência dos organismos financeiros internacionais......................35
2.2.A globalização e a desnacionalização...............................................39
2.3.Crise imobiliária nos EUA................................................................40
CAPÍTULO II – FLEXIBILIZAÇÃO.................................................42
1. FLEXIBILIZAÇÃO..........................................................................42
2. ESPÉCIES DE FLEXIBILIZAÇÃO..............................................53
6
2.1. Flexibilização de adaptação............................................................53
2.2. Flexibilização de proteção..............................................................54
2.3. Flexibilização por desregulamentação...........................................54
2.4. Flexibilização autônoma e heterônoma .........................................54
2.5. Flexibilização condicionada e incondicionada...............................54
2.6. Flexibilização interna e externa.......................................................55
2.7. Flexibilização jurídica e flexibilização real, ou de fábrica ou
Produtiva.................................................................................................55
3. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CONDIÇÃO MAIS FAVORÁVEL
COMO LIMITE À FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
TRABALHO.........................................................................................56
CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS...........................................................67
1. CONCEITO DE PRINCÍPIOS........................................................67
2. CONCEITO DE PRINCÍPIO DE DIREITO.................................67
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .............................................68
3.1. Eficácia dos princípios constitucionais............................................70
3.1.1. Visão pós-positivista.....................................................................73
3.2. Princípios como espécie de normas constitucionais........................74
3.3. Função dos princípios......................................................................80
4. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO DO TRABALHO..81
4.1. Princípios universais de Direito do Trabalho..................................82
4.2. Princípios constitucionais gerais de Direito do Trabalho...............82
4.3. Princípios constitucionais específicos de Direito do Trabalho.......83
4.4. Princípios gerais aplicáveis ao Direito do Trabalho ......................84
CAPÍTULO IV – PRINCÍPIOS DE DIREITO DO TRABALHO...86
7
1. INTRODUÇÃO...............................................................................86
2. ESPÉCIES.......................................................................................89
2.1. Princípio da prevalência da condição mais benéfica ao
Trabalhador...........................................................................................89
2.1.1. Condição favorável.....................................................................93
2.1.2. Habitualidade na concessão do benefício...................................94
2.1.3. Concessão voluntária e incondicional........................................94
2.1.4. Inexistência de impedimento legal.............................................96
2.1.5. Exceções ao princípio da prevalência da condição mais
favorável ao trabalhador......................................................................97
2.2. Princípio da norma mais favorável...............................................99
2.2.1. Exceções....................................................................................103
2.3. Princípio in dubio, pro misero......................................................104
2.3.1. Requisitos..................................................................................105
2.4. Princípio da primazia da realidade..............................................109
2.5. Princípio da integralidade e da irredutibilidade salarial.............114
2.6. Princípio da continuidade da pessoa jurídica ou da
função social da sociedade empresarial............................................116.
2.7. Princípio da inalterabilidade contratual......................................125
2.7.1. Exceções..................................................................................127
2.8. Princípio da irrenunciabilidade e da intransacionabilidade........128
2.8.1. Das comissões de conciliação prévia e da súmula 330
do TST..............................................................................................137
2.8.1.1. Da Súmula 330 do TST.......................................................137
2.8.1.2. Das comissões de conciliação prévia..................................139
CAPÍTULO V REFLEXOS DO AVANÇO DA TECNOLOGIA E DA
GLOBALIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO............149
1. INTRODUÇÃO............................................................................149
2. DIGITADOR.............................................................................149
8
3. OPERADOR DE TELEATENDIMENTO.............................153
4. TELETRABALHADOR..........................................................154
5. DIREITO À DESCONEXÃO.................................................159
6. PRESERVAÇÃO DA INTIMIDADE E PRIVACIDADE...162
6.1. Email corporativo...................................................................163
6.2. Controle telefônico.................................................................166
6.3. Controle por meio de câmeras...............................................168
CAPÍTULO VI – CONCLUSÃO..............................................170
REFERÊNCIAS.........................................................................173
9
LISTA DE ABREVIATURAS
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ART – Artigo
CC – Código Civil
CCP – Comissão de Conciliação Prévia
CF – Constituição da República Federativa do Brasil
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CPC – Código de Processo Civil
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social
EC – Emenda Constitucional
EUA – Estados Unidos da América
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
LER – Lesão por esforço repetitivo
LRJF – Lei de Recuperação Judicial e Falência
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NR – Norma Regulamentar
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OJ – Orientação Jurisprudencial
PDV – Programa de demissão Voluntária
PIS – Programa de Integração Social
PROC – Processo
RE – Recurso Extraordinário
REL - Relator
RR – Recurso de Revista
SDI – Seção de Dissídios Individuais
SDC – Seção de dissídios coletivos
T – Turma
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Regional do Trabalho
10
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de apontar o princípio da função social da
empresa como fundamento e limite à flexibilidade das normas trabalhistas. A
preservação da empresa deve ser a única motivação capaz de autorizar a redução ou
supressão, pelas próprias partes, dos direitos legais trabalhistas que, por sua natureza,
são indisponíveis. Os conceitos, finalidade, função e eficácia dos princípios
constitucionais foram estudados, assim como a possibilidade de colisão entre eles e a
forma de solução. Foram selecionadas diversas jurisprudências e opiniões doutrinárias
para demonstrar a forte tendência à flexibilização abusiva, isto é, a redução de direitos
trabalhistas sem nenhuma justificativa econômica ou jurídica.
11
ABSTRACT
This paper aims to point the principle of social function as the foundation of the
company and limit the flexibility of labor regulations. The preservation of the company
is the only motivation able to authorize the reduction or withdrawal, the parties
themselves, legal rights for workers that by their nature, are unavailable. The concepts,
purpose, function and effectiveness of the constitutional principles were studied, as well
as the possibility of collision between them and the form of solution. We selected
several court decisions and doctrinal views to demonstrate the strong tendency to abuse
relaxation, ie the reduction of labor rights without any economic or legal justification.
12
RÉSUMÉ
Cetta tèse vise à souligner le principe de la fonction sociale en tant que
fondement de la société et de limiter la flexibilité de la réglementation du travail. La
préservation de la société est la seule motivation la possibilité d'autoriser la réduction ou
le retrait, les parties elles-mêmes, les droits légaux pour les travailleurs qui, par leur
nature, ne sont pas disponibles. Les concepts, la finalité, la fonction et l'efficacité des
principes constitutionnels ont été étudiés, ainsi que la possibilité de collision entre eux
et la forme de solution. Nous avons sélectionné plusieurs décisions de justice et points
de vue doctrinal de démontrer la forte tendance à la détente abus, à savoir la réduction
des droits des travailleurs sans aucune justification économique ou juridique.
13
INTRODUÇÃO
A maior característica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador por
meio da regulamentação legal das condições mínimas da relação de emprego, dos
princípios trabalhistas e de medidas sociais adotadas e implantadas pelo governo e
sociedade. Por isso, é marcado por seu caráter tuitivo e socializante, pois, ao mesmo
tempo que defende os direitos individuais do trabalhador, também se preocupa com a
classe como um todo, sob uma ótica coletiva. Foi o pioneiro no intervencionismo e
dirigismo estatal nas relações contratuais eminentemente privadas, até então relegadas
às leis do mercado, individualistas e patrimonialistas, para, por meio de uma farta
legislação imperativa, garantir direitos mínimos e fundamentais à pessoa humana.
Sua função não se restringe à proteção dos direitos do trabalhador, pois, também
combate o desemprego, luta pela saúde e função social da empresa. Para tanto, em
determinados casos, o Direito do Trabalho prioriza a preservação da empresa, tomando
medidas que visem atenuar a crise econômica e relativiza os direitos e princípios
trabalhistas.
As sucessivas crises econômicas, a globalização da economia, as modernas
tecnologias, a robotização, a informática, a necessidade de redução de custos para
aumentar a competitividade, são fatores que modificam os meios de produção e de
trabalho, e, como consequência, o próprio Direito do Trabalho. Daí a necessidade de
adaptação.
O aumento das terceirizações, a criação de novas atividades e profissões, o
fortalecimento das normas coletivas como mecanismos eficazes para relativização de
direitos trabalhistas, demonstram uma tímida acomodação do Direito do Trabalho às
circunstâncias sociais e econômicas que o Brasil enfrenta.
Todavia, para enfrentar a grave crise econômica, para adaptar os trabalhadores
aos novos meios de produção; para melhorar a produtividade e a qualidade do serviço,
para dar maior competitividade às empresas, é necessário fazer mais. Uma das soluções
14
possíveis é a de maior adaptação da gida legislação trabalhista às realidades sociais e
econômicas do país.
Daí porque o primeiro Capítulo conceitua globalização e aponta alguns dos seus
efeitos na economia, na política interna e externa e no Direito do Trabalho.
O segundo Capítulo conceitua e classifica as espécies de flexibilização de
direitos trabalhistas, aduz a sua diferença para a desregulamentação e propõe uma
limitação ao abuso do direito de flexibilizar, apontando os princípios constitucionais
como patamares limitadores de redução e revogação de direitos trabalhistas. Serve como
barreira de contenção, impedindo o retrocesso de direitos duramente conquistados pelos
trabalhadores.
Na verdade, flexibilidade das normas trabalhistas ocorre por meio de
mecanismos jurídicos, políticos e econômicos de ajuste da lei e de sua interpretação ao
novo modelo social. Também depende de procedimentos do Estado, principalmente do
legislador, na elaboração de leis que excepcionem a regra geral para micro e pequenas
empresas, para situações transitórias, para situações especiais, ou para as empresas que
enfrentam grave crise econômica. O Judiciário também tem importante papel nesta
adaptação, pois dele depende a interpretação e aplicação do direito, de forma menos
protetiva ao trabalhador nas hipóteses de choque dos seus interesses com os da atividade
empresarial em situação econômica precária, sempre com a finalidade econômica e
social, de adaptação e ponderação dos interesses do trabalhador e os do empresário, para
tentar ajustar as condições de trabalho às contingências da sociedade empresarial
empregadora.
A flexibilização não se limita à elasticidade da norma e princípios para a
necessária adaptação às realidades econômicas e sociais concretas de cada empresa, mas
também na mudança da mentalidade excessivamente protetiva.
O terceiro e quarto Capítulos foram destinados aos princípios constitucionais e
trabalhistas, respectivamente. Abordam desde seus conceitos, classificações, funções,
utilidade até sua importância para o direito e como fator limitador da ação dos infratores
dos direitos fundamentais do trabalhador.
No terceiro Capítulo foi destacada a normatividade dos princípios
constitucionais, assim como seu caráter valorativo e diretivo e representativo da
mudança de paradigma. Valores éticos, sociais e morais foram resgatados com a
ascensão dos princípios constitucionais à categoria de norma. O positivismo excessivo
foi superado e questionado.
15
No quarto Capítulo foi relatada a relativização do princípio da proteção ao
trabalhador, bem como dos demais princípios trabalhistas pelos tribunais trabalhistas.
Foram transcritas diversos acórdãos e Súmulas que os contrariam.
O quinto e último Capítulo aborda novas profissões e métodos de trabalho, bem
como direitos criados, ou mais valorizados a partir das novas tecnologias e da
globalização da economia mundial. A flexibilidade dos direitos trabalhistas não elimina
os direitos destes trabalhadores, não altera o conceito de emprego, nem exclui aquele
novo tipo de produção da proteção trabalhista. Pretende-se, ainda, com este capítulo,
demonstrar que é possível a adaptação de novas profissões e direitos ao novo modelo
econômico, assim como a manutenção da proteção ao trabalhador, mesmo diante de
técnicas tão invasivas da privacidade do empregado.
A metodologia do trabalho baseou-se na pesquisa bibliográfica, legislativa e
jurisprudencial e no método comparativo, explicativo e crítico. Pretendeu-se destacar a
crise econômica mundial e a do país, bem como a globalização como pontos de partida
para a problemática, que é a crise do Direito do Trabalho, para, então, apontar o atual
esforço do legislativo e Judiciário na tentativa de adaptação da legislação trabalhista ao
novo modelo econômico e social, bem como a mudança de perfil dos tipos
trabalhadores, dos meios de produção e das novas profissões e, por fim, propor, como
medida impeditiva do uso abusivo do direito de flexibilidade a função social da
empresa, isto é, apontar como exceção ao princípio da proteção ao trabalhador a
necessidade de manutenção da atividade empresarial que se encontra em risco de
extinção.
Não se trata de uma pesquisa empírica, mas sim uma tentativa de descrever a
literatura existente a respeito dos princípios trabalhistas e suas contradições frente à
necessidade de se proteger a empresa e a economia do país, para, a partir daí, sugerir
uma flexibilização responsável, pautada em critérios justos que influenciariam não
uma legislação menos rígida para casos especiais, mas também as decisões judiciais.
Os temas relacionados com a flexibilização das relações trabalhistas e a sua
limitação pelo princípio constitucional da proteção do trabalhador merecem maior
reflexão em todos os sentidos. A análise dos casos concretos e a formação da doutrina e
jurisprudência consequente darão com o tempo melhor retorno a estas questões. O
Direito do Trabalho, por suas peculiaridades, tem mecanismos suficientes para
ponderar, no caso concreto, os conflitos que surjam entre a flexibilização e a proteção
aos direitos fundamentais do homem que trabalha, buscando materializar a justiça
16
social. Assim, poder-se-ão garantir melhores relações de trabalho e a manutenção de dos
direitos do trabalhador.
17
CAPÍTULO I
GLOBALIZACÃO
1. O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO
1.1. Conceito de globalização
A globalização é o processo mundial de integração de sistemas, de culturas, de
produção, de economias, do mercado de trabalho, conectando comunidades e
interligando o mundo por meio de redes de comunicação e demais instrumentos
tecnológicos, quebrando fronteiras e barreiras. Acarreta transformações na ordem
econômica e política e econômica mundial, abalando principalmente países de
economia mais frágil.
É uma “onda” que traduz uma nova cultura global no quadro das transformações
do capitalismo liberal e da economia mundial. É um produto inevitável da alta
tecnologia nas áreas da informática e das comunicações. É uma ordem econômica e
tecnológica transnacional.
Luiz Gonzaga
1
afirma que este fenômeno tem raízes antigas, sendo apenas um
termo novo para prática antiga, como se fazia e se faz com o Cristianismo, onde o
Papa o reafirma pelo mundo para globalizar e unificar a Igreja Católica. Neste sentido, a
globalização existia, mas ganhou força, agressividade e velocidade incomparável nos
últimos 20/30 anos.
Charbonneau
2
observa que “vivemos certamente numa encruzilhada de
civilizações. Tudo é questionado, profundos rodamoinhos sacodem nossa época que
1
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória Jurídica,
2001, p. 49.
2
CHARBONEAU, Paul-Eugène. Entre o capitalismo e o socialismo: a empresa humana. São Paulo:
Livraria Pioneira, 1983, p. 73.
18
passa pelas mais agudas crises.” Dentro deste sistema empresarial novo, questiona-se o
papel de institutos antigos: Estado, soberania, direito.
Alguns pensadores do passado (Karl Marx, Max Weber e Durkheim) afirmaram a
interdependência do Direito com o Estado e a Economia. A ciência jurídica depende do
modelo de Estado praticado. Este, por sua vez, também é moldado pela economia
interna e externa.
1.2. Aspectos da globalização
1.2.1. Econômico
A globalização da economia acarreta a quebra das barreiras entre os países, em
que suas fronteiras e limites perdem a importância. Relevante característica da
globalização é sua influência na economia mundial e o “supercapitalismo”
3
.
No sentido econômico, o Dicionário de Ética Econômica
4
explica os efeitos da
globalização:
... são uma
rede cada vez mais densa de entrelaçamentos das
economias nacionais, uma crescente internacionalização da produção,
no sentido de que os diferentes componentes de um produto final
possam ser manufaturados em diferentes países, e a criação de
mercado mundiais integrados para inúmeros bens e produtos
financeiros.
Nos dias atuais, ainda se discute acerca da possibilidade de um
“supercapitalismo”, como mencionado por Lênio Streck
5
, gerido e dominado pelas
grandes potências que disputam o poder e a riqueza mundial. A competição entre
potências sempre marcou a história e destas pode-se tirar lições: 1) A união do capital
privado com o poder político serviu como fator decisivo para a origem do sistema
capitalista; 2) A consequência desta união foi a “extraterritorialidade” do poder dos
territórios que passaram a competir entre si, na busca de mais poder e concentração de
3
A globalização também é marcada pela expansão mundial de grandes corporações internacionais, como, por
exemplo, o Mcdonalds que hoje possui 18 mil restaurantes em 91 países e atende cerca de 47 milhões de clientes por
dia, segundo informações obtidas no site
http://kdezinho.blogspot.com/2009/09/40-campanhas-publicitarias-
do-mcdonalds.html, acessado em 05.02.2010.
4
Apud ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 48.
5
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre. Livraria do Advogado,
2000, p. 59.
19
riqueza; 3) Esta disputa acabou por formar alianças fortes entre príncipes, mercadores e
banqueiros; 4) Todavia, a competição entre os “blocos” formados por estas alianças
gerou uma estrutura hierarquizada de poder e riqueza, em que de um lado se encontram
as grandes potências e de outro a periferia de países retardatários
6
.
Neste particular, vale invocar a lição de Celso R. Duvivier de Albuquerque
Mello
7
:
Em um outro sentido, a palavra globalização pode ser
entendida como uma decorrência dos interesses planetários de poucos
Estados, ou ainda, como uma decorrência do programa de meios de
comunicação de massa. Pode-se dizer que é praticamente uma
interpretação ecológica das relações internacionais. Se no mundo
físico a globalização pode ser um fato, no mundo dos homens, isto
é, político, é um ato que poderíamos dizer de livre-arbítrio. se
globaliza o que se quer. E mais: a globalização é sempre realizada no
interesse de umas poucas grandes potências que, em seu nome, passam
a agir em todo o planeta, a fim de salvaguardar os seus interesses. É
óbvio que esta afirmação não pretende ser absoluta, vez que existem
sempre as eternas exceções, como as crises econômicas em grandes
potências
8
.
Apenas aqueles Estados que souberam resistir e aproveitar, ao mesmo tempo
destas potências, tiveram sucesso econômico-político. Esse processo de polarização da
riqueza se deu com muita velocidade e intensidade aumentando o contraste social.
Alguns Estados abandonaram as barreiras tarifárias para proteger sua produção
da concorrência dos produtos estrangeiros e abriram-se ao comércio e ao capital
internacional, endividando-se.
Em ritmo jamais percebido, a globalização se apresenta como um processo de
aceleração da economia, prestigiando os países capitalistas, em que o produtor compra a
matéria prima em qualquer lugar do mundo, buscando melhores preços, qualidade e
condições de pagamento. Desta forma, compra ou instala suas fábricas em países cujo
custo da mão-de-obra é barata e, a partir daí vende sua mercadoria, em melhores
condições de competição
9
, para o mundo inteiro.
6
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p. 60.
7
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Aspectos Jurídico-Políticos da Globalização. Revista de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, v. 2, n. 2, dez. 1996.
8
Em 2009 a economia americana encolheu 2,4%, maior queda desde 1946, como informou o Jornal O
Globo de 30/01/2010, Caderno Economia, p. 23.
9
Reduzir gastos públicos, diminuir salários, suprimir vantagens sociais, desregulamentar e cortar despesas
com a assistência social tem sido as medidas utilizadas por alguns países para oferecer vantagens e atrair
empreendedores contratantes.
20
Empresas que necessitam de serviço de processamento de dados, de
teleatendimento ou de atendimento à distância, por exemplo, aproveitam-se das
excelentes ofertas existentes do outro lado do planeta, como China, Singapura, Egito,
Hong Kong, Índia
10
, etc.
A busca por salários menores, pela redução de custos
11
e ínfima legislação
social, conjugada com as facilidades da tecnologia, permitiu a contratação de
trabalhadores do outro lado do mundo. Hans-Peter
12
informa que o salário de um suíço
equivale ao de três indianos e que muitos indianos são enviados para a Califórnia para
baratear o custo da mão-de-obra local. Outra medida que tem sido tomada é o
deslocamento de partes do setor, do projeto ou do estabelecimento diretamente para a
Índia ou países de baixo custo de mão-de-obra e com fraca ou nenhuma legislação
protetiva dos trabalhadores. Hans-Peter
13
lembra que o governo de Nova Délhi ofereceu
para algumas empresas americanas grandes parques industriais urbanizados, infra-
estrutura, ar condicionado, laboratórios e até conexão via satélite para atraí-las e, com
isso, aumentar a empregabilidade, movimentar bens e serviços e aquecer a economia
local, o que acabou ocorrendo. Por isso, em pouco tempo Bangalore (Índia) se tornou
conhecida e atraiu outras empresas como Compaq, Toshiba, Microsoft e Lotus
14
que,
além de outras, têm filiais ou terceirizam, por meio de empresas locais, boa parte de sua
mão-de-obra por meio de indianos.
É possível encontrar câmeras de vídeo da Coréia, tênis e roupas de marcas
famosas como Nike, Reebok, Adidas e outros fabricados em Hong Kong, China,
Taiwan e Cingapura. Bolsas de estilistas italianos feitas na China e até na Tailândia.
Com o rápido aumento dos níveis de desemprego
15
pela importação de mão-de-
obra estrangeira (muitos com entrada ilegal), pela contratação de trabalhadores
estrangeiros para execução de todo e qualquer trabalho que possa ser executado à
10
A contratação da mão-de-obra indiana contribuiu, e muito, para a expansão da Índia que, além de treinar
bem, dar formação acadêmica em suas universidades em língua inglesa e especializar seus trabalhadores,
os oferece a um baixo custo e sem ou quase nenhuma proteção trabalhista.
11
Hans-Peter noticia que em vez dos 23 a 30 marcos alemães de praxe, os bancários da Alemanha
recebem 16 marcos por hora, pouco mais do que se paga para o serviço de limpeza. MARTIN, Hans-
Peter, SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar
social. São Paulo: Globo, 1999, p. 140. Acrescenta que mais de 40 marcos por qualquer trabalhador é
muito caro, pois os britânicos pagam a metade disso, os checos um décimo. Ob. Cit. p. 15.
12
MARTIN, Hans-Peter, SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e
ao bem-estar social. São Paulo: Globo, 1999, p. 143.
13
Idem, p. 142.
14
Idem, p. 143.
15
A taxa de desemprego da Espanha pode chegar a 20% em 2010 (em 2009 chegou a 18,8%), admitiu o
Secretário de Estado de Economia, JoManuel Campa, conforme Jornal O Globo, 30/01/2010, Caderno
Economia, p. 23.
21
distância, facilidade permitida pelas novas tecnologias e pela expansão da telefonia; e
pelo deslocamento da produção para o exterior; desempregando a mão-de-obra local,
alguns Estados tornaram-se alvo de chantagens
16
, extorsões ou necessitaram tomar
medidas políticas extremadas. A desregulamentação, a flexibilização, as privatizações,
um estado reducionista, ausente ou quase ausente das relações de trabalho são exemplos
de instrumentos utilizados pela política Européia, Brasileira e até americana
17
.
Este processo de entrelaçamento acarreta, de fato, o aumento da
competitividade, a busca incansável por maior tecnologia, eficiência, produtividade,
sempre com foco no enriquecimento, no aumento de riqueza, de poder. O capital
internacional procura lugar seguro para fazer sua aposta, para ganhar mais capital.
nítida migração de fluxos monetários ou financeiros para locais que oferecem melhor
remuneração do capital. Assim, investidores aproveitam as vantagens dos sistemas
bancários e monetários para enriquecerem ainda mais. Estas medidas podem abalar a
economia de um país ou ter efeitos devastadores sobre economias menos fortes. Mais de
90%
18
dos fluxos financeiros globais são especulativos. O mercado financeiro mundial
funciona 24 horas por dia, ultrapassando os limites de fusos horários por meio da
interconexão dos computadores, da internet. A descentralização da produção e o
aproveitamento de mão-de-obra em países que oferecem custos trabalhistas mais baixos,
também produziu lucros maiores e acirrou a competição. A Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) avaliou que em média 40.000
sociedades empresárias mantêm fábricas em mais de três países para redução de custos.
As cem maiores já contabilizam para si receitas anuais de quase 1,4 trilhão de dólares.
As multinacionais (ou transnacionais) dominam 2/3 de todo o comércio mundial.
Apenas dez destas maiores corporações, que noticiam faturamento superior a 1 trilhão
de dólares, são suficientes para superar o PIB do Brasil.
19
Este processo de globalização da economia pode significar a “expropriação de
vastas regiões e de povos inteiros”
20
, transformando o Estado no guardião da economia,
buscando incansavelmente um equilíbrio. Com isso, os governos tornam-se mais
16
Governos aderem pactos leoninos, com juros extorsivos para acesso ao sistema financeiro internacional
para terem acesso às reservas disponíveis de capitais. Endividam-se para investimento interno em suas
políticas. Em troca, permitem a entrada de empresas estrangeiras, submetem-se à divisão internacional do
trabalho, privatizam estatais etc.
17
MARTIN, Hans-Peter, SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e
ao bem-estar social. São Paulo: Globo, 1999, p. 154.
18
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 63.
19
Revista Veja de 07.07.99, p. 136.
20
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 63.
22
vulneráveis à influência das corporações e instituições financeiras globais, que detêm o
poder econômico. Nas palavras de Luiz Gonzaga
21
, trata-se da substituição de uma
ideologia de Estado por uma ideologia de Mercado, pois a cada dia discute-se mais o
mercado que o Estado. Com isso, as políticas públicas nacionais, as questões sociais,
ficam abandonadas e pioram a cada dia.
1.2.2. Relações de trabalho
Outro efeito da globalização é sentido nas relações de trabalho, pois a dinamização
do mercado mundial, o avanço tecnológico e científico, a revolução na comunicação,
substituição do homem pela máquina automatizada e outros fatores impactam de forma
negativa os países de economia mais frágil, abalam seus níveis salariais, exigem mão-
de-obra cada vez mais especializada, aumentam o índice de desemprego, conduzindo à
desintegração social. Medidas são adotadas sob o manto da incansável busca de custos
mais baixos, aumento da produção, melhor qualidade do produto, tudo para incrementar
a concorrência.
A decadência do Welfare State foi gerada também pelo endividamento externo e
interno das nações, alta inflação dos países de terceiro mundo e crise econômica gerada
pela alta do preço do petróleo, quebra da bolsa de Nova Iorque e degradação da
economia interna.
Como reação nasce a crise filosófica que questiona os fundamentos em que se
baseia o modelo do bem-estar social do trabalhador. O excesso de proteção ao
trabalhador torna-se alvo de questionamentos.
Convém relembrar que o Direito do Trabalho nasceu do Estado Social, calcado
numa sociedade dita industrial. Ocorre que, hoje, o Estado tem fortes tendências
neoliberais e a sociedade é pós-industrial.
Como consequência, percebe-se um projeto de rearranjo das relações
intersubjetivas que está calcado no fortalecimento da economia interna, o que é de
consenso democrático, mas, também, na idéia de um viver comunitário em que todos
compartilham lucros e prejuízos. As regras de mercado para regerem relações de
trabalho voltam a ser discutidas.
21
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 62.
23
A partir daí governos neoliberais começaram a surgir e novos teóricos a explorar
o tema.
Os maiores defensores do neoliberalismo foram Milton Friemann e Friedrich
von Hayek, ambos da Escola de Chicago, sendo que Hayek foi o criador dos princípios
da nova onda liberal: a) Estado mínimo; b) lei de mercado sobrepondo-se à lei do
Estado; c) submissão do social ao econômico; d) ataque ao sindicalismo de combate
22
.
O Brasil aderiu ao neoliberalismo em 1989 quando, endividado, foi buscar
empréstimos no FMI e BIRD. A liberação de verbas para o nosso país ficou
condicionada a: a) privatizações; b) quedas das barreiras alfandegárias; c) livre
circulação de bens, serviços e de trabalhadores; d) facilitação ao capital especulativo
internacional; e) desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas.
Enquanto no início do século XX
23
percebeu-se uma constitucionalização dos
direitos sociais e fundamentais do trabalhador, explicitada pela Constituição, hoje se
constata o gradativo processo de desuniversalização e desconstitucionalização destes
mesmos direitos.
Ressalte-se que alguns direitos trabalhistas são espécies do gênero direitos
humanos e, como tais, devem ser tratados e incluídos em cláusulas pétreas contidas na
Constituição de 1988, isto é, no núcleo imodificável. Sua alteração para prejudicar não
pode ser permitida nem por emenda constitucional
24
.
Todos os argumentos que levam os defensores da corrente neoliberal à defesa
da minimização do Estado nas relações do trabalho, à omissão total ou parcial do Estado
para defesa e proteção dos direitos do homem, são falaciosos e tentam esconder os
verdadeiros fatores do desemprego e da miséria. A questão é estrutural.
A consequência deste processo é sentida pela população mundial,
principalmente pelos países mais pobres.
O desemprego é um dos problemas mais sérios da atualidade. Atinge níveis tão
alarmantes que a Igreja Católica
25
incluiu na sua pauta de discussões “a campanha da
22
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de Conjuntura Socioeconômica e o impacto no Direito
do Trabalho. DALAGRAVE NETO, José Affonso. Coordenador. Direito do Trabalho contemporâneo.
Flexibilização e efetividade. São Paulo: LTr, 2003, p. 9.
23
A Constituição do México de 1917 foi a primeira a elevar a nível constitucional os direitos sociais. Em
seguida, em 1919 a Constituição de Weimar.
24
O artigo , parágrafo da CRFB determina que os tratados internacionais sobre direitos humanos
aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, com quorum de três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes à emenda constitucional.
25
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 72.
24
fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil”, evento ocorrido em 1999
com o tema “Sem trabalho... por quê?”
Segundo Luiz Gonzaga
26
o resultado do desemprego em massa, em face da
significativa redução de pessoas trabalhando no mercado, mesmo que de maneira
informal, acarretou “extrema pobreza, formação de uma categoria de indigentes,
aumento e extensão do consumo de drogas e da criminalidade, enfim, tudo que conduz à
desintegração social.”.
A OIT divulgou um relatório
27
no segundo semestre de 1996, estimando que o
total de desempregados e subempregados equivalia, naquela época, a um bilhão de
pessoas, correspondendo a 30% da força de trabalho mundial. Em 2000, o número de
desempregados (só de desempregados) chegou a 800 milhões no mundo
28
. A média de
desemprego na União Européia era de 11,3% e na América Latina cerca de 10%, na
qual o Brasil aparecia com o índice de 5,2%. Já em 2006, o país registrou taxa
29
de
desemprego superior a 8% demonstrando a desintegração social. O Brasil colocava-se
em 3º lugar no ranking mundial de desemprego.
Outro problema que agrava a crise é a migração de mão-de-obra.
Antônio Celso lembra que
30
Considerável número de trabalhadores com formação técnica ou
superior procura mercados de trabalho onde ainda existe demanda
para certas atividades, como propaganda e marketing, enfermagem e
odontologia, como acontece com o mercado de trabalho português,
para onde profissionais brasileiros dessas áreas têm se transferido,
muitas vezes em situação ilegal.
O aumento do fluxo migratório em todo mundo é um fenômeno preocupante.
Estima-se que hoje há cerca de 4 milhões
31
de brasileiros emigrantes ao redor do
26
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 66.
27
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, lio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 21ª ed., Vol. 1, 2003, p. 202.
28
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 116.
29
Índice divulgado pelo IBGE. Consulta no site http://www.ibge.gov.br/ em 22/07/06.
30
PEREIRA, Antônio Celso Alves. Os direitos do trabalhador imigrante indocumentado à luz da opinião
consultiva 18/03 da Corte Interamericana de Direitos Humanos CIDH. Publicado na coletânea “O
direito internacional contemporâneo. Organizadores: Carmem Tibúrcio e Luís Roberto Barroso. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006, p. 86.
31
ON LINE, Jornal O Globo. Crise estimula retorno de emigrantes brasileiros e governo estuda criar
centros de requalificação em EUA, Japão e Europa.
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/12/06/crise_estimula_retorno_de_emigrantes_brasileiros_go
verno_estuda_criar_centros_de_requalificacao_em_eua_japao_europa-586879859.asp. Acesso em
15/02/2010.
25
mundo. A maioria busca a sorte em outros países na esperança de encontrar trabalho e
melhores condições de vida. Os preferidos são Estados Unidos
32
, Europa e Japão.
No Japão, por exemplo, havia cerca de 330 mil brasileiros em 2008
33
. O
crescimento do número de brasileiros no Japão ocorreu após a mudança da lei de
imigração (1990), ocasião que foi liberado visto de residente para os descendentes de
japoneses, os chamados decasséguis. Todavia, com as demissões
34
em massa ocorridas
desde outubro 2008, retornaram ao Brasil 50 mil brasileiros. Com isso, a comunidade
brasileira no Japão despencou de 330 em 2008 para 270 mil em 2009
35
.
Decepcionados com as condições de trabalho, os baixos salários, o isolamento
natural da comunidade estrangeira local, muitos têm retornado ao país natal.
Incentivos
36
são criados e praticados pelos países para estimular a saída dos imigrantes
de seu território, na tentativa de melhorar as chances dos nacionais no mercado de
trabalho.
Outra consequência da dura realidade econômica é o aumento do trabalho
informal. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
37
afirma que existem atualmente (2010) no mundo, 1.8 bilhão de trabalhadores no setor
informal, ou seja, 60% da força de trabalho global trabalham sem vínculo de emprego,
enquanto 1,2 bilhão com contrato de trabalho formalizado. Muitas pessoas são
obrigadas, para sobreviverem, a aceitarem empregos informais, com baixos salários,
sem proteção e de alto risco. O aumento do número de trabalhadores no setor informal
poderá ocasionar graves consequências nos países pobres ou em desenvolvimento. Na
América Latina, mais da metade dos trabalhadores está no setor informal
38
. Isto se
explica, segundo a OCDE, porque empregos formais acarretam num “pacote de
programas, alguns dos quais eles nem querem”. É o que ocorre com o Brasil, em que
um trabalhador formalizado, isto é, com carteira assinada, onera o patrão
32
Em 2005 cerca de vinte mil brasileiros foram detitos por imigração ilegal. PEREIRA, Antônio Celso
Alves. Obra citada. p. 90
33
GLOBO, Jornal O. Cerco apertado aos decasséguis. Caderno Economia. 15/02/2010, p. 12.
34
O Japão amarga atualmente (2010) taxa de 5,1% de desemprego. GLOBO, Jornal O. Cerco apertado aos
decasséguis. Caderno Economia. 15/02/2010, p. 12.
35
Idem, p. 12.
36
O Japão, por exemplo, paga ao imigrante um auxílio retorno de 300 mil ienes por trabalhador, mais 200
mil por dependente para retornarem ao seu país. GLOBO, Jornal O. Cerco apertado aos decasséguis.
Caderno Economia. 15/02/2010, p. 12.
37
ON LINE, Jornal O Globo. Informais serão dois terços da força de trabalho em 2010, diz OCDE.
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/04/08/informais-serao-dois-tercos-da-forca-de-trabalho-em-
2020-diz-ocde-755191155.asp. Acesso em 15/02/2010.
38
ON LINE, Jornal O Globo. Ob.cit.
26
excessivamente com os impostos incidentes sobre os salários (COFINS, SESC,
SENAC, SESI, PIS, INSS, FGTS etc).
Muitos emigrantes vivem de forma clandestina fora de seu país. Preocupado
com tal fato e com a política migratória adotada por alguns países, principalmente nos
EUA, o governo do México
39
solicitou, em 2003, com fundamento no artigo 64.1 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a manifestação formal da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sobre os direitos trabalhistas
40
assegurados aos imigrantes que vivem em situação ilegal em outro país e, em paralelo,
para que a Corte esclarecesse acerca da obrigação dos EUA de garantir tais direitos. O
motivo da consulta foi a decisão exarada em março de 2002 pela Corte Suprema dos
Estados Unidos
41
, que retirou todos os direitos do trabalhador imigrante ilegal, salvo
quanto aos salários pelo efetivo serviço prestado. Para tanto, a Suprema Corte declarou
ilegal a prática da National Labor Relations Board (NLRB)
42
que reconhecia os direitos
trabalhistas e a indenização do trabalhador imigrante ilegal, que este órgão federal
nunca fez distinção entre trabalhadores norte-americanos, imigrantes ilegais ou legais
43
para o gozo dos direitos trabalhistas.
Em resposta (Opinião Consultiva OC-18/03), a CIDH declarou que os
trabalhadores imigrantes em situação ilegal nos países em que trabalham possuem os
mesmos direitos laborais concedidos aos nacionais, em face do princípio da igualdade e
da não discriminação (princípios que fazem parte do Direito Internacional Geral e que
são essenciais para garantia dos direitos humanos), competindo aos Estados, inclusive
os norte-americanos, suprimir medidas e práticas que limitem ou violem direitos
fundamentais, pois a norma é imperativa, isto é, a CIDH remete tais princípios ao
domínio do jus cogens.
Recomenda que os Estados tomem medidas para impedir discriminações e
empregadores privados de violarem os direitos de tais trabalhadores e os obriguem a
respeitar os padrões mínimos internacionais de proteção aos direitos humanos. Logo,
39
De acordo com Antônio Celso, em 2003 cerca de 2.500.000 mexicanos viviam clandestinamente em
outros países, principalmente nos EUA. PEREIRA, Antônio Celso Alves. Obra citada. p. 91.
40
Entre tais direitos estão: horas extras, indenização ou direitos decorrentes do tempo de serviço, salários,
licença maternidade etc.
41
PEREIRA, Antônio Celso Alves. Obra citada. p. 91.
42
NLRB é a entidade federal competente para dirimir lides decorrentes dos contratos coletivos de
trabalho, com poder de obrigar o empregador ao pagamento de indenizações trabalhistas ao trabalhador
imigrante ilegal.
43
A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e seus
Familiares define, em seu art. 128, trabalhador migrante como: “toda pessoa que pretenda realizar,
realize, ou haja realizado uma atividade remunerada em um Estado do qual não é nacional.”
27
não pode o empregador, valendo-se da vulnerabilidade do imigrante ilegal
44
, contratar
este trabalhador para se beneficiar livrando-se dos direitos trabalhistas que seriam
garantidos aos nacionais.
Na verdade, a globalização que é oferecida no campo externo não vem
acompanhada de um comportamento liberal, onde impera a liberdade da autonomia da
vontade entre os países, ante as barreiras monetárias, alfandegárias e os blocos
econômicos que se formam contra os interesses econômicos de países mais fracos. Em
contrapartida, a globalização fomenta cada vez mais defensores da corrente neoliberal.
Argumentam os neoliberais que a alta proteção trabalhista e o bem-estar social
como praticados pelo Brasil ocasionaram sociedades ocidentais não (ou menos)
competitivas em relação às economias industrializadas sem garantias e, por isso, tais
direitos devem ser drasticamente reduzidos, diminuindo os gastos, o que possibilita uma
melhor competitividade no mercado. “Esse processo leva ao fenômeno da
desregulamentação, variante menor de propostas de desconstitucionalização.
45
O
Direito do Trabalho passa a ser o vilão da história. Passa-se a adotar expressões como
“custo trabalhista”, “risco trabalhista”, “passivo trabalhista” como entraves à maior
lucratividade.
Apesar das crises, é necessário firmar um projeto nacional, para que os Estados
não fiquem à mercê das exigências externas, fazendo triunfar os interesses do povo,
mesmo num mundo globalizado. A nossa Constituição estabelece um Estado forte,
intervencionista e regulador. A desregulamentação desmedida e a minimização dos
direitos enfraquecem o Estado, único agente capaz de, por meio de políticas públicas,
erradicar as desigualdades sociais que se avolumam em nosso país.
Ademais, promessas de modernidade atingem alguns brasileiros. Daí a
existência de duas espécies de brasileiros, segundo Streck: “o sobreintegrado ou
sobrecidadão, que dispõe o sistema, mas a ele não se subordina, e o subintegrado ou
subcidadão, que depende do sistema, mas a ele não tem acesso.”
46
Sofre, também, o Direito ante os desdobramentos das problemáticas acima,
entrando em crise.
44
Normalmente o trabalhador imigrante ilegal é mais vulnerável que os nacionais, daí porque aceitam
piores condições de trabalho e as condições precárias e, muitas vezes de risco, durante a execução do
serviço. Tal fragilidade decorre de vários fatores: medo de represálias do empregador que o ameaça com a
possibilidade de denúncia às autoridades para fins de deportação, seja pelo medo da privação de
liberdade, ou pelo desconhecimento de seus direitos trabalhistas, pela dificuldade de acesso ao Judiciário
ou o pouco ou nenhum domínio da língua e cultura locais.
45
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p.72.
46
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica, cit., p.72.
28
Nas palavras de Arnaldo Süssekind
47
Esse verdadeiro dumping social preocupa a OIT, que propôs, sem
êxito, à novel Organização Mundial do Comércio a introdução de
cláusulas sociais nos tratados e contratos de comércio, visando a
condicionar a execução destes instrumentos à manutenção de
sistemas mínimos de proteção social por parte dos países
exportadores .... Segundo advertiu o antigo Diretor Geral da OIT,
Michel Hansenne, perante a Conferência de 1994, ‘a desigualdade
social entre as nações e no seio das mesmas se acentuou devido à
diferente capacidade dos países e das categorias de trabalhadores de
adaptar-se à evolução das grandes tendências econômicas. Existe o
perigo de que numerosos países, que se encontram atualmente entre
os menos desenvolvidos, fiquem completamente marginalizados do
sistema econômico mundial que se está configurando’.
Como as propostas de inserção de garantias mínimas aos trabalhadores nos
tratados internacionais e contratos de comércio foram rejeitadas pela OMC (Conferência
de Cingapura de março de 1997), a OIT aprovou apenas uma Declaração sobre
princípios de direitos fundamentais do trabalho.
É certo que a nova ordem econômica exige uma revisão da legislação trabalhista
brasileira para harmonizar os interesses profissionais e empresariais, flexibilizando
algumas regras até então rígidas e inflexíveis. Todavia, não se pode admitir a inteira
desregulamentação ou a flexibilização ampla de direitos trabalhistas, sem uma garantia
mínima.
Como afirma Süssekind
48
“há normas fundamentais que, independentemente
das prioridades nacionais, são inseparáveis do esforço da humanidade em favor da
justiça social.” direitos básicos do trabalhador, hoje previstos constitucionalmente
(art. da CRFB), sem os quais não se pode conceber a vida do trabalhador com um
mínimo de dignidade.
A partir daí um grande paradoxo se instala: de um lado uma população carente e
de outro, uma Constituição que lhe garante direitos básicos, essenciais à uma vida
digna. A solução estaria, então, na execução destes direitos, efetivando-se o Estado
Social preconizado pela Constituição. No Estado Democrático de Direito a lei passa a
ser, privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como método
47
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 21ª ed., Vol. 1, 2003, p. 201.
48
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 21ª ed., Vol. 1, 2003, p. 201.
29
assecuratório de sua efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela
ordem jurídica.
Entretanto, constata-se que não há interesse político do Estado na efetivação
destes direitos. Nem a sociedade brasileira reage
49
a esta minimização do Estado, pois
não dispõe de uma mentalidade cívica e de cultura política democrática para a aplicação
de seus direitos constitucionais fundamentais.
Seguindo estas premissas, é fácil concluir que a “onda” neoliberal abala o próprio
Estado, pois o torna incapaz de manter o povo com condição nima de reação, de
subsistência, de preservação da uma vida independente e digna. É preciso lembrar que o
direito de trabalhar e a proteção contra o desemprego são garantias contempladas na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e que a Lei Magna de 1988 também
contemplou os princípios da valorização do trabalho humano e da proteção ao
trabalhador (arts. 7º e 170 da CRFB).
Luiz Gonzaga
50
adverte que:
(...) políticas neoliberais globalizantes aumentam a desigualdade
social, restringindo ou eliminando direitos trabalhistas.
Paralelamente, submetem-se ou flexibilizam as organizações sociais
dos trabalhadores e impõe fortes restrições salariais. É uma política
de plena liberdade interna e mobilidade mundial de capital e, ao
mesmo tempo de plena submissão dos trabalhadores.
Como consequência, percebe-se que as condições de trabalho e as de emprego
passaram a ter contornos diferentes: a) maior mero de trabalhadores executando seus
serviços à distância (teletrabalhadores). São contratados pela internet para trabalharem
em suas próprias casas, alguns em outro país, sem sequer conhecer o estabelecimento do
empregador. O trabalho hoje se dá “além-fronteira”. O motivo da contradição é a
necessidade de reduzir custos sociais, procurando-se o país que oferece mão-de-obra
mais barata
51
; b) impessoalidade
52
na prestação do trabalho, valorizando-se mais o
49
Diferentemente dos brasileiros, os franceses reagiram à tentativa do Governo de modificar (reduzir) os
direitos dos trabalhadores jovens para o seu primeiro emprego (março de 2006). Acuado o governo
revogou a lei, como noticiou a Revista Veja On Line.
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/conheca_pais/franca/arquivo.html, acesso em 22/03/2010. A
mesma reação foi percebida quando a França quis modificar as regras da previdência (abril de 2007).
50
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 67.
51
A Nike (indústrias de produtos esportivos) e a Martel (indústria de brinquedos) não produzem mais por
sua conta. Terceirizam a produção, habilitando fornecedores da Indonésia à Polônia, sempre procurando o
país que oferece mão-de-obra mais barata. Normalmente pagam salários baixíssimos, inferior a 50
centavos de lar por hora, sem qualquer encargo social. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise
30
serviço (o fim) que a pessoa que o exerce (o meio), incentivando a terceirização de mão-
de-obra, o que também enfraquece a força sindical, em face da pulverização da
categoria em diversos sindicatos; c) preferência pelas máquinas e pelos trabalhadores
que sabem manuseá-las, que interagem com a linguagem mecânica dos programas; d)
menor tempo de duração do trabalho em decorrência da facilidade de substituição do
trabalhador, como se fosse uma máquina. A pessoa do trabalhador passa a ser
secundária em relação aos benefícios da máquina; e) exigência de trabalhadores cada
vez mais qualificados ou de maior escolaridade, com salários cada vez menores; f)
trabalhadores multifuncionais que sabem fazer de tudo um pouco, evitando contratação
de outros, passando do modelo fordista para o modelo toyotista
53
.
Diante deste preocupante cenário brasileiro, percebe-se uma linha político-
legislativa no sentido da desregulamentação ou da flexibilização mais ampla dos
direitos trabalhistas. Numa destas tentativas, o então Ministro Francisco Dornelles
elaborou um projeto de emenda constitucional para reforma da legislação trabalhista, a
de Conjuntura Socioeconômica e o impacto no Direito do Trabalho. DALLEGRAVE NETO,
coordenador. Direito do Trabalho contemporâneo. Flexibilização e efetividade, cit., p. 15.
52
O job sharing é uma das conseqüências da crise econômica. É a divisão do posto de trabalho por mais
de uma pessoa, medida que poderia reduzir os efeitos do desemprego e atenuar a pessoalidade do
trabalhador em relação ao serviço (jamais a pessoalidade inerente do contrato de trabalho). Sergio Pinto
Martins, de forma diversa, defende que o job sharing importa na quebra do elemento pessoalidade,
inerente do contrato de trabalho. MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das Condições de Trabalho.
ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 121.
53
A Toyota alterou estruturalmente os métodos de trabalho até então adotados pelo chamado sistema Ford
(fordismo) introduzindo a produção flexível. Isto ocorreu entre os anos 1950 até 1970 e foi exemplo para
várias outras empresas que passaram a adotar o mesmo sistema de trabalho. Na estrutura de trabalho
adotada pela Ford e chamada, por isso, de fordista, o trabalho era fragmentado, os trabalhadores
construíam em série as peças, de forma quase mecânica, em movimentos repetitivos, sem qualquer
alteração na forma de executar o serviço, tudo gerenciado por um superior hierárquico. A produção era
maior que a demanda de forma que se fazia estocagem do produto. A empresa era verticalizada, pois
controlava todas as etapas da produção, desde a matéria prima até a entrega final e transporte de seus
produtos, tudo dentro de um mesmo espaço geográfico. No modelo adotado pela Fábrica de veículos da
Toyota, chamada de “toyotismo”, a produção é feita sob medida, de acordo com o pedido feito pelo
cliente, de maneira a evitar as sobras e os estoques, economizando com uma produção enxuta. As
empresas passam a ser horizontalizadas, pois terceirizam mão-de-obra e subcontratam o maior número de
serviços possíveis, no país que for mais barata a mão-de-obra, não mais fazendo a produção do início ao
fim num mesmo estabelecimento e país. No toyotismo o trabalhador não tem superior hierárquico e é
polivalente, fazendo de tudo um pouco, manuseando várias máquinas e exercendo várias funções, daí a
criação da expressão trabalhador “multifuncional”, que, na verdade, quer dizer com treinamento
multifuncional, de para executar múltiplas funções, hoje usada na Lei 8.630/93. As tarefas múltiplas são
mais rápidas, mais estressantes e não são uniformes, o que demanda maior atenção do trabalhador,
habilidade, ocasionando mais fadiga. Enquanto no modelo fordista os trabalhadores gozavam de
vantagens concedidas acima da lei, que a economia naquele momento era propícia para tanto e também
porque os sindicatos eram mais fortes, no modelo toyotista as normas coletivas, ao contrário, quando
muito garantem pequenos direitos além da lei, ou apenas repetem aqueles previstos em lei e, em
algumas passagens, reduzem direitos legais, flexibilizando o Direito do Trabalho. No modelo toyotista os
sindicatos já não mais têm força representativa, pois os trabalhadores estão pulverizados em sindicatos
diversos, ante a descentralização da produção, por meio de subcontratação de mão-de-obra e do
aproveitamento de mão de obra externa, de países cujo custo trabalhista é menor. Este modelo toyotista
está sendo adotado hoje por diversas empresas e se tornou o padrão.
31
pedido do então Presidente Fernando Henrique (que não chegou a ser apresentado ao
Congresso Nacional por não ter conseguido a adesão das centrais sindicais, salvo da
Força Sindical) para alteração do artigo da CRFB e retirar ou alterar alguns direitos,
como o de férias (para reduzir seu período), FGTS, aviso prévio, autorizar que o
negociado prevalecesse sobre o legislado, etc. Depois, outro projeto (Projeto n.
5.483/01) que visava alterar o artigo 618 da CLT, enviado ao Congresso em 3/10/01,
para autorizar que as condições de trabalho, ajustadas mediante convenção e acordo
coletivo, prevalecessem sobre o disposto em lei. Esta proposta demonstrou a
despreocupação estatal com os trabalhadores, pois é sabido que no Brasil a legislação
impõe o sistema de sindicatos únicos, monopolistas, a maioria corrupta ou com visíveis
fragilidades sobre o poder econômico empresarial o que coloca em risco o pressuposto
da igualdade nas negociações.
A Emenda Constitucional 45/04 alterou o artigo 114 da Constituição para, em
seu parágrafo segundo amputar ou exterminar o poder normativo
54
da Justiça do
Trabalho.
Em fevereiro de 2005, foi encaminhado um anteprojeto de reforma
constitucional e de lei de reforma sindical para alterar os artigos 8º, 11 e 114 da CRFB,
sob o argumento de adaptações à realidade e modernização do sistema das relações
sindicais, como base da ampla liberdade e autonomia sindical, dando mais liberdade de
negociação, criando mais contribuições. A proposta é menos gravosa que a anterior,
mas também pode caminhar para máxima do “negociado sobre o legislado”.
Percebe-se que a redução de custos com a mão-de-obra não acarretou, como se
esperava, a diminuição dos preços; a descentralização na contratação de trabalhadores
(terceirização) não conduziu à melhoria da situação econômica do país, ao contrário,
pulverizou os trabalhadores em sociedades empresárias diferentes e em categorias
sindicais diversas; a diminuição de alguns direitos trabalhistas não aumentou os níveis
de emprego ou possibilitou maior concorrência com o mercado internacional.
55
54
Até então a Justiça do Trabalho poderia estabelecer novas condições de trabalho por meio das sentenças
normativas proferidas nos autos de um dissídio coletivo de natureza econômica. Este poder delegado à
Justiça do Trabalho acirrava a necessidade de o empregador (classe econômica), de negociar, ante o
receio de cláusulas paternalistas impostas pelo Judiciário. Com a amputação do poder normativo os
trabalhadores não mais podem, por meio de seus respectivos sindicatos, ajuizar o dissídio coletivo
unilateralmente. A ação agora depende da concordância da outra parte, equiparando o Judiciário ao
árbitro por elas escolhido.
55
Dos anos 90 para percebe-se clara redução dos direitos trabalhistas como criação do contrato para
estímulos de novos empregos, que não produziu nenhum efeito prático; revogação da natureza salarial de
algumas utilidades; possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para curso de especialização do
trabalhador; criação do banco de horas para compensação das horas extras em aum ano, provocador de
32
Na verdade, a liberdade preconizada pela corrente neoliberal leva ao retrocesso
de direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores e coloca os trabalhadores
em estado de desamparo. A população ativa e inativa se sente abandonada, desprezada,
reduzida a um plano secundário.
O Ministro Almir Pazzionotto
56
alertou que “estas reformas podem conduzir a
um período anterior ao velho Código Civil, que tratava as partes com absoluta
igualdade, desde que capazes, já que poderiam contratar em igualdade de condições...”.
A globalização colocou em crise o Direito do Trabalho que, para manter seu
formato anterior, agoniza e sofre. O Direito do Trabalho estaria passando por uma
transformação ou por uma deformação?
Luiz Gonzaga
57
assevera que
A liberalização do Direito do Trabalho, com palavras-chave
como livre negociação, banco de horas e outras, pode levar a um
retrocesso em vários direitos que os trabalhadores historicamente
conquistaram em nosso país. Evidentemente está em cena um novo
paradigma também de emprego, mais flexível, precário e desprovido
das garantias e estabilidade vinculadas ao padrão convencional.
Há mais.
No mesmo momento em que os operadores trabalhistas apontam o Direito do
Trabalho como grande causador do retrocesso econômico, como ultrapassado,
excessivamente protecionista, rígido e distorcido da realidade social, paradoxalmente, o
Código Civil vem permeado de um fio condutor de ética, moral, não abuso do direito,
de função social do direito, da proteção ao hipossuficiente, ao mais vulnerável da
relação contratual, optando por normas socializantes, protetivas, menos privatistas e
individualistas, priorizando o bem estar da pessoa humana em detrimento dos interesses
econômicos.
Nas palavras de Miguel Reale
58
grandes lucros e de poucos efeitos para a criação de empregos ou no incentivo para criação de novas
empresas; contrato por tempo parcial possibilitando a redução da jornada com a conseqüente redução do
salário; criação das comissões de conciliação prévia com possibilidade do trabalhador renunciar seus
direitos com efeito de quitação geral do contrato de trabalho; perda do status de credor privilegiado na
falência, salvo para créditos de até cento e cinquenta salários-mínimos; possibilidade de dedução do
salário de empréstimos bancários; aumento das hipóteses de terceirização; etc.
56
Apud ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 73.
57
Idem p. 73,
58
REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil: tramitação do projeto. Revista dos Tribunais, n.
752, jun. 1998, p. 22-30.
33
Se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da
"socialidade", fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os
individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana.
Por outro lado, o projeto se distingue por maior aderência à realidade
contemporânea, com a necessária revisão dos direitos e deveres dos
cinco principais personagens do Direito Privado tradicional: o
proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.
Torna-se imprescindível ultrapassar esta crise de duas faces do Direito, superando
o obstáculo imposto pelo velho modelo do direito individualista, pronto, com soluções
rápidas, assim como deve ser afastado o obstáculo hermenêutico, que limita os
operadores do direito a fazer uma interpretação mais ampla dos novos direitos,
negando-lhe eficácia, efetividade ou amplitude. O direito do trabalhador a uma garantia
mínima não pode ser ponderado nem apontado como o culpado do desemprego
enfrentado pelo país, pois a crise é estrutural. O desemprego ocorre em virtude de uma
política econômica interna recessiva (juros altos); baixos valores das aposentadorias que
acabam incentivando a permanência do aposentado no mercado de trabalho; início
precoce do trabalho infantil
59
-
60
para aproveitamento na renda familiar
61
; falta de
investimento interno em políticas públicas, de modo a incentivar a criação e
manutenção de pequenas e médias sociedades empresárias.
Diante deste grave problema, várias propostas para solucioná-lo surgem:
redução da jornada de trabalho
62
; adoção de políticas públicas de geração de emprego;
59
O artigo , XXXIII da CRFB proíbe o trabalho do menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz,
limitado a 14.
60
A exploração do trabalho de crianças caiu quase pela metade no Brasil em 15 anos, informou o Jornal O
Globo On Line de 16/12/2009. O trabalho infantil no Brasil caiu de 8,42 milhões para 4,85 milhões.
Considerou-se infantil, para fins desta pesquisa crianças entre 5 e 17 anos. O trabalho de crianças entre 10
e 14 anos no país passou de 20,5% em 1992 para 8,5% em 2007, de acordo com o estudo "Perfil do
Trabalho Decente no Brasil", da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Considerando crianças
entre 5 e 14 anos, a parcela das que trabalham caiu de 12,1% para 4,9%, na mesma base de comparação.
Mesmo assim, o percentual ainda é considerado preocupante pela instituição, que alerta para a redução do
ritmo de queda nos últimos sete anos. O jornal noticia ainda que:
“A OIT garante que a incidência de trabalho infantil, em geral, resulta em
menor renda na idade adulta. Pessoas que começam a trabalharam antes dos 14 anos
têm uma probabilidade muito baixa de obter rendimentos superiores a R$ 1 mil ao
longo da vida. A maioria daquelas que entrou no mercado antes dos nove anos tem
poucas chances de ganhar mais de R$ 500 por mês. Em média, quem começou a
trabalhar entre 15 e 17 anos não chega aos 30 anos com uma renda muito diferente de
quem ingressou com 18 ou 19 anos.”
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/12/16/trabalho-infantil-caiu-quase-pela-metade-no-brasil-
em-15-anos-diz-oit-915236967.asp , acesso em 15/02/2010.
61
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de Conjuntura Socioeconômica e o impacto no Direito
do Trabalho, cit., p. 19.
62
Após 14 anos, em 30/06/2009, foi aprovada a proposta de redução da jornada de trabalho de 44 para 40
horas semanais na Comissão de Constituição e Justiça (PEC 231/95).
34
incentivo fiscal para pequenas e médias empresas com legislação diferenciada
63
e
menos rígida; flexibilização de regras trabalhistas para diminuir o custo social de um
trabalhador; incentivos fiscais para diminuir a informalidade
64
, etc.
Por outro lado, algumas medidas poderiam melhorar a crise econômica do nosso
país como: a) diminuição da pirataria de CDs e softwares que, no Brasil, chega a 56%,
segundo a ABES. Em face disto, em 2000 a indústria perdeu U$1.38 bilhões. Para cada
ponto percentual uma perda de 1200 empregos direitos e indiretos
65
; b) punir e
impedir o desvio de verbas do FAT, do programa de seguro desemprego
66
e de outros
programas sociais; c) cobrar e punir entidades pela falta de recolhimento dos encargos
sociais. Somente cinco clubes de futebol estão em dia com o recolhimento do INSS
67
,
por exemplo; d) diminuição da corrupção nos altos e baixos escalões
68
; e)
aprimoramento da fiscalização para aumentar a arrecadação de impostos
69
, evitando a
sonegação fiscal e previdenciária; f) diminuição dos encargos sociais do salário
70
, como
extinção do Confins, PIS, Sesc, Sesi, e Senai.
63
O artigo 58-A, parágrafo 3º da CLT é um exemplo de tratamento diferenciado para as microempresas.
64
Com o propósito de aumentar os índices de formalização do trabalho doméstico, o Governo Federal (Lei
11.324/06) criou incentivo fiscal, possibilitando ao contribuinte o abatimento dos valores devidos à
Previdência na qualidade de empregador doméstico. Pelos mesmos motivos, foi acrescido o artigo - A,
à Lei 5.889/73, concedeu benefícios fiscais aos produtores rurais formalizassem o contrato de trabalho
dos trabalhadores temporários contratados para determinados períodos da safra. Assim também a Lei
Complementar 128/08 (lei do pequeno empreendedor).
65
Revista Veja de 21.02.01, p. 49.
66
Estima-se o desvio de R$220 milhões do seguro desemprego nos anos de 1999 a 2001. Agência do
Estado, 23/03/01, apud DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de Conjuntura Socioeconômica e
o impacto no Direito do Trabalho, cit., p. 28.
67
Jornal Gazeta do Povo, Curitiba, 22/03/01. In DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de
Conjuntura Socioeconômica e o impacto no Direito do Trabalho, cit., p. 28.
68
Veja-se, a propósito, a denúncia de pagamento de “mensalãoa deputados e senadores para aprovação
de leis de interesse do governo. A trágica notícia de que 112 parlamentares (20% do Congresso), além de
prefeitos e um ministro, estavam envolvidos diretamente no “esquema dos sanguessugas”. Recebiam
suborno para desviar recursos do orçamento federal a prefeituras compradoras dos veículos. Com tal
medida, o governo liberou, pela última vez, cerca de 1 milhão de reais para compra das Ambulâncias. In
Revista Veja, 26.07.06, p. 56-63.
69
Os partidos políticos não escondem mais a existência de caixa 2. Aliás, o Presidente Lula disse que
esta prática é comum e pareceu até incentivá-la em discurso feito ao público no ano de 2005.
70
O valor do salário mínimo brasileiro é um dos mais baixos e aviltantes do mundo. A pesquisa abaixo
bem retrata tal fato:
Se convertermos o salário mínimo para uma moeda referência, como o dólar, o menor
seria o de Serra Leoa, na África, que não passa de 60 dólares. o maior seria o da
Bélgica, que vale cerca de 1040 dólares. O Brasil pode não ser o último do ranking, mas
a comparação com outros países não é nada animadora. ‘No país, o piso mínimo tem
variado entre 60 e 80 dólares nos últimos anos, o que nos deixa à frente apenas de Serra
Leoa. Na América Latina, é o pior valor: todos os outros países pagam pelo menos 100
dólares’, diz o senador Paulo Paim (PT-RS), um especialista no assunto. Os Estados
Unidos, apesar de terem a maior economia do mundo, não lideram o ranking do
mínimo, pois lá se pagam cerca de 890 dólares, valor inferior ao piso não só da Bélgica,
como também de outros países europeus, como Holanda, França e Irlanda.
http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/pergunta_286477.shtml, acesso em 26/02/1020.
35
Na verdade, o país atravessa uma crise moral
71
e ética
72
, em que a corrupção
tomou conta de quase todas as faixas da sociedade. Para tentar recuperar os prejuízos da
sonegação, dos desvios, da informalidade e dos rombos, sobretaxa-se o empresário,
onera-se o contrato de trabalho. E, o trabalhador paga o preço com redução de sua
qualidade de vida, de seus direitos arduamente conquistados, assim como a população,
com o desemprego.
1.2.3. Política
No plano formal, os Estados continuam a exercer suas soberanias, mas no plano
real e substancial muitos deles não tem mais autonomia para estabelecer a política
interna desejada, tornando-se incapazes de executar seus objetivos. Esta crise acarreta a
‘transnacionalização’ da economia que reduz a capacidade decisória do Estado,
alterando o significado das palavras soberania, hegemonia e cidadania ou simplesmente
as tornando fictícias.
Nota-se uma maior preocupação com o espaço global, externo, que com o
espaço local, interno.
1.2.4. Cultura e meios de comunicação
A globalização está interferindo também na cultura, nos costumes e
comportamentos. Os meios atuais de comunicação possibilitam informações
instantâneas, produzidas e recebidas no mesmo momento do fato e transmitidas ao
mundo todo. São mais de quinhentos satélites ativos cobrindo toda a superfície do
planeta com sinais de rádio
73
.
71
José Roberto Arruda, governador de Brasília, foi preso em fevereiro de 2010, sob a suspeita de
distribuir mensalão aos deputados. Logo após, o vice (Paulo Octávio) renunciou por temer um processo
de impeachment, sob a acusação de também fazer parte do esquema de corrupção.
72
O STF no ano de 2001 declarou que a CEF corrigiu erroneamente os valores existentes nas contas
correntes do FGTS de todos os trabalhadores em virtude dos Planos Verão e Collor. O valor da dívida foi
estimado em R$40 bilhões de reais, o que gera a presunção de que este também foi o valor lucrado pelo
Governo com tal medida. Em face disto, foi editada a Lei Complementar 110/01 com a ilusória proposta
de repor o prejuízo causado. Indecentemente a lei prevê que é de responsabilidade do Governo o
pagamento de apenas R$6 bilhões, repassando ao empresário a responsabilidade pelo restante do valor,
com o aumento das alíquotas de recolhimento do FGTS, inclusive para aquelas empresas criadas após
1990. Ressalte-se que a lei ainda prevê que o trabalhador receberá tal direito com um deságio de 15%.
Transferir ao empresário uma conta que não é sua é medida contrária a boa-fé e a ética.
73
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de Conjuntura Socioeconômica e o impacto no Direito
do Trabalho, cit., p. 14.
36
É possível encontrar um adolescente na Europa que dança e canta a música da
Britney Spears exatamente como uma adolescente brasileira. Imagens uniformes são
replicadas em milhões de telas ao mesmo tempo. A contaminação global por um padrão
não é na música e filmes, mas também no modo de vida, na maneira de vestir e de se
comportar. Com isso, esvazia-se a cultura nacional e regional para uma identidade
global. Perde-se a identidade, as tradições, as características pessoais. A indústria da
propaganda movimenta milhões de dólares ao ano para seduzir e tentar a todos
74
. O
tempo está cada vez menor. O ritmo imposto é frenético. Tudo é instantâneo e ao
mesmo tempo descartável. O trabalho cada vez exige mais tempo do trabalhador, que se
submete, para não ficar desemprego e para complementar a renda (quando a hora extra é
paga). Os jogos eletrônicos, TVs a cabo com mais de 100 canais e entretenimentos
isolados proporcionados pelos computadores e máquinas também exigem tempo e
retiram o tempo. Não se tem mais tempo para o lazer, para os amigos, para os encontros
sociais.
2. CONSEQUÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE OS ESTADOS
NACIONAIS
Como resultado do cenário atual decorrente da globalização da economia as
instituições estão passando por uma redefinição política, afetando a função do Estado,
sua competência, liberdade e capacidade de decisão.
Se parcelas do poder do Estado-Nação são articuladas fora dele, pois dominado
pelo controle do FMI, de bancos internacionais ou organismos estrangeiros, etc, correto
concluir que haverá um divórcio entre o poder e a política
75
, reduzindo o Estado à
política sem poder.
As forças do mercado colaboram para aumentar as diferenças sociais entre os
países e diminuir as forças dos Estados menos favorecidos.
A mídia também tem influenciado neste processo. Os meios de comunicação
têm tentado criar mitos ou personagens que representem o poder e a moral, na tentativa
de atingir à expectativa da população, manipulando ou induzindo a discussão social da
população.
74
A maior prova disto é a moda do McDonald’s. Todas as crianças estão interessadas nos brindes e nas
guloseimas oferecidas por esta cadeia de lanchonetes. A Microsoft é uma febre que contaminou o mundo,
em face do produto final que todos querem ter – programa Windows, assim como Iphone, da Apple.
75
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 84.
37
2.1. Influência dos organismos financeiros internacionais
Diante disto, é possível constatar a brutal redução do Direito à Economia. “Em
nome de certas urgências de adequação do Estado à realidade, prega-se sua
implosão.”
76
. A incapacidade de reação dos Estados é cada vez maior, ante a sua
dependência econômica.
Com o Estado mercadológico os conceitos de Estado e soberania também são
flexibilizados e mudam de acordo com a necessidade. Limita-se a soberania de um
Estado quando ele se obrigado a cumprir preceitos políticos impostos do exterior
com nítida violação da lei nacional, de direitos fundamentais. Perde-se a dependência de
um país quando ele se subordinado às regras da OMC ou às decisões dos blocos
econômicos do qual o Brasil faz parte.
Novos atores sociais aparecem para criar “centros militantes concorrentes de
poder que, antes de sujeitarem o Estado, atuam paralelamente a este, diminuindo-lhe a
autoridade e a supremacia, e ainda questionando-lhe a soberania”
77
. O interesse destes
grupos é o de dispersar o poder e o local de atuação da política. Dentre eles temos os
sindicatos e organizações empresariais que patrocinam certas atividades e tomam
decisões que se incluem no rol de poderes do Estado. O papel político econômico do
sindicato é inquestionável
78
. Há também as organizações não-governamentais – ONGs –
76
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 89.
77
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 89.
78
No projeto de reforma sindical se pretendia conceder legitimação sindical às centrais sindicais para
aturarem nos contratos coletivos para estipulação de regras mínimas de trabalho. A negociação coletiva
também tomaria novos contornos, com mais força e impacto social nacional.
As centrais sindicais são órgãos classistas, que representam e coordenam classes trabalhadoras,
para ajudar no diálogo político-econômico. A partir da Lei 11.648/09, seu reconhecimento foi conferido
às entidades com filiação mínima de 100 sindicatos nas 5 regiões do país. Apesar da nomenclatura
“centrais sindicais” elas não pertencem ao sistema sindical e, por isso, não podem efetuar acordo coletivo,
convenção coletiva, contrato coletivo, homologar rescisão ou negociar coletivamente. Isto se explica
porque o sistema confederativo, a unicidade sindical e a sindicalização por categoria foram recepcionados
pela Constituição de 1988 e as centrais sindicais não estão organizadas em sistema de monopólio, pois
todas representam os trabalhadores (pluralidade), não respeitam o paralelismo sindical e não se organizam
por categoria, ao contrário, representam uma classe, a dos trabalhadores. Por isso, não m legitimidade
sindical para atos típicos e não pertencem ao sistema confederativo sindical. Na verdade, o objetivo da
Lei no 11.648/08 foi a participação das centrais sindicais na esfera política para orientar os sindicatos e
usufruir de parte da contribuição sindical. Isto porque as contribuições sindicais recolhidas são
distribuídas da seguinte forma: 60% pertencem ao sindicato; 15% às federações; 5% às confederações;
10% ao Estado (Conta Especial Emprego e Salário) e 10% para a central sindical que for indicada pelo
sindicato cuja representação gerou o recolhimento da contribuição. De acordo com o Jornal O Globo de
19/08/08, p. 3, as centrais sindicais tinham a receber (ano de 2008) cerca de R$ 56,9 milhões do imposto
sindical obrigatório. A maior beneficiária será a CUT, recebeu cerca de R$ 20 milhões. Não satisfeito
38
e missões religiosas, atuando sempre na defesa de interesses sociais ou de minorias. É
claro que muitas agem com outros propósitos e se escondem no véu de protetoras
sociais, quando, na verdade, pretendem desviar recursos públicos
79
-
80
, confiscar nossas
riquezas naturais ou explorar as minorias.
A globalização também interfere no Direito Privado, que muitas vezes sofre a
influência de interpretações tendenciosas para refletirem o interesse de grandes grupos
econômicos. Alguns renomados doutrinadores ou advogados nos Estados Unidos
chegam a cobrar US$ 500,00 por hora trabalhada
81
para darem um parecer favorável a
uma corporação influenciando toda a doutrina e a jurisprudência. O mesmo tem
acontecido no Brasil
82
.
A globalização da economia também influencia nos orçamentos públicos e no
aumento de tributos internos. Tais medidas acabam por prejudicar o próprio país e
levam a economia do país à ruína. Tudo é pensado a curto prazo, na procura de um
ganho imediato, de um caminho mais breve à melhoria da economia interna, mesmo
que em detrimento de direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.
Segundo Luiz Gonzaga
83
A conseqüência é a defesa, em nível internacional, do chamado
Estado Mínimo, que desde o século XVIII se constitui no núcleo
central da doutrina liberal, definindo a própria essência do projeto
liberal, direcionando para um tipo ideal no qual o Estado governaria o
mínimo possível, restando seu domínio sobre a esfera das relações
econômicas reduzido ao estritamente indispensável.
As propostas neoliberalistas são no sentido de criação de um Estado que não
interfira no funcionamento do mercado. Entretanto, a concepção de um Estado mínimo
acaba acarretando num mercado máximo, isto é, na fragilização das políticas públicas
com o vultoso valor, o Governo enviou para o congresso proposta para aumentar o imposto sindical, que
hoje está fixado em um dia de trabalho, para quatro dias de salário, que correspondea 13% de um
salário (notícia veiculada no Jornal O Globo de 22/08/08, p. 14).
79
Pesquisa da FGV revela que 55% das ONGs se mantêm com recursos públicos. As brechas para ação de
instituições inidôneas levaram o governo federal a buscar uma forma de disciplinar a atuação dessas
entidades. Informações obtidas no endereço eletrônico:
http://www2.uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/terceiro/noticias/ge300804.htm#1, acesso em
26/02/2010.
80
O jornal Folha On Line informou que as investigações feitas pela CPI das ONGs apontam desvio de
recursos públicos e existência de entidades de fachada. FOLHA ON LINE, O Jornal. Investigações da
CPI indicam desvio de dinheiro e ONGS de fachada, diz senador. 10/01/2008.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u364915.shtml, acesso em 26/02/2010.
81
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 96.
82
No final de 2009, um renomado doutrinador emitiu parecer favorável à Souza Cruz, defendendo o
procedimento adotado pela empresa em só promover aos cargos de chefia os fumantes.
83
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, cit., p. 100.
39
internas e das relações sociais. As condições sociais da população ficam num segundo
plano, acessório e secundário à economia externa. Nas palavras de Streck
84
“quanto
mais precisamos de políticas públicas
85
em face da miséria que se avoluma, mais o
Estado, único agente que poderia erradicar as desigualdades sociais, se encolhe.”
Com isso, o Estado perde sua legitimidade, pois não atende às demandas e
necessidades internas. Daí nasce a tendência ao neoliberalismo. Entrementes, é
necessário se questionar se este modelo atende às necessidades e desejos das
comunidades nacionais.
Partindo da premissa que no Brasil não houve de fato o Estado Social, pois
nunca chegou a ser totalmente efetivado, a busca do Estado Liberal é precoce. O
Welfare State seria aquele Estado que garantiria direitos mínimos, como trabalho, renda
mínima, alimentação
86
, saúde, habitação, educação a todos, independentemente de sua
situação social ou da condição de estar ou não empregado, não como forma de caridade
e sim como direito de ser protegido pelo Estado. Estudos da OIT
87
indicam que o
trabalho escravo
88
-
89
no Brasil é encontrado, principalmente nas zonas de
84
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da crise do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 25.
85
De forma sucinta, políticas públicas ou políticas sociais significa um conjunto de ações praticadas com
o objetivo de orientar decisões em assuntos públicos, políticos ou coletivos, com a finalidade de garantir
direitos sociais.
86
A EC 64/2010 incluiu os alimentos como direito social, alterando o artigo 6º da Constituição.
87
ON LINE, Jornal O Globo. Trabalho escravo é usado para desmatamento no Brasil, dia OIT.
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/08/21/trabalho-escravo-usado-para-desmatamentos-no-brasil-diz-
oit-765252357.asp, acessado em 15/02/2010.
88
Um total de 3.571 pessoas de 19 estados foram resgatadas em 2009, como informa o Ministério do
Trabalho, em condições análogas à da escravidão. O Rio de Janeiro é o estado com o maior número de
trabalhadores nestas condições com 521 (14,5% do total). Em 2008, o estado com maior número de
trabalhadores resgatados foi Goiás, com 867. A Região Centro-Oeste também ficou à frente, com 1.681,
seguida por Nordeste (1.498), Norte (1002) e Sudeste (536). Em 2009, o Sudeste tomou a dianteira
(1.022), seguido por Nordeste (875), Norte (702), Centro-Oeste (658) e Sul (315). Informações retiradas
do ON LINE, Jornal O Globo. O Rio é o Estado com mais trabalho escravo.
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/01/25/rio-o-estado-com-mais-trabalho-escravo-915704146.asp,
acesso em 15/02/2010.
89
O art. 149 do Código Penal considera crime “reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer
submetendo-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção
em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.” O Brasil adotou a teoria de que trabalho
em condição análoga à de escravo ou “formas contemporâneas de trabalho escravo” é gênero do qual o
degradante ou o sem liberdade (obrigatório) podem ser espécie.
Convém relembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, art. XXIII,
recomenda a liberdade de trabalho, o direito à remuneração e a tratamento digno. Logo, todos os tipos,
sinônimos ou não, são ilegais ou abusivos.
Por outro lado, o art. da Convenção n. 29 da OIT dispõe que: “Para fins desta Convenção, a
expressão trabalho forçado ou obrigatório, compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa
sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.”
Portanto, para a OIT, trabalho forçado ou obrigatório pode ser remunerado ou não, mas é sempre
compulsório, isto é, não livre escolha do trabalhador, excluído, é claro, o decorrente de condenação
judicial, o serviço militar obrigatório, os serviços comunitários e o trabalho em situação de emergência.
40
desmatamento da Amazônia e para o trabalho na terra, tanto na pecuária quanto na
agricultura. Segundo a OIT, a forma mais utilizada pelo Brasil para submeter seus
trabalhadores ao trabalho forçado é por meio da intimidação por dívidas. As vítimas são
recrutadas em áreas de extrema pobreza, normalmente no norte ou nordeste do país,
pelos chamados gatos”, que são contratados pelos proprietários rurais para tanto. A
região sudeste
90
foi recordista do trabalho escravo em 2009.
Universalmente se busca a proteção dos direitos humanos, assim entendidos
como aqueles princípios “que podem ser aceitos por todas as culturas, não se chocando
com o que têm de essencial a cada princípio encontrado em cada comunidade do
Planeta.”
91
Nasce assim, o direito de ingerência, que se refere à possibilidade de a ordem
internacional intervir, de alguma forma, em assuntos internos, quando os países
violarem os direitos humanos ou praticarem atos contrários a estes
92
.
O conceito de soberania está ligado ao princípio da não-interferência externa em
assuntos internos de um país. Logo, para proteção dos direitos humanos é necessária a
idéia de ingerência, sem, contudo, arranhar a soberania de um país, mas a torna relativa.
Desta forma, a soberania não é mais interpretada em sentido absoluto, mas como
dependente da ordem jurídica internacional. Por isso, sugere-se abandonar a palavra
soberania pela expressão independência, que a soberania absoluta conduz à negação
do Direito Internacional.
As perspectivas são as seguintes:
a) aumento da interferência nas políticas públicas e econômicas dos organismos
financeiros internacionais;
b) rápido desenvolvimento de novas tecnologias, de computadores e automação
industrial para incremento da produção;
c) aumento dos índices de desemprego e de subempregos, bem como
transformações dos métodos e tipos de trabalho;
Para a OIT o que diferencia o trabalho obrigatório do degradante é que aquele pode ser degradante, mas
esse nem sempre é obrigatório, uma vez que pode existir trabalho voluntário degradante.
90
De 2008 para 2009, o total de trabalhadores resgatados que trabalhavam em condição forçada, análoga
à escrava no país, caiu de 5.016 para 3.571. Segundo o Ministério do Trabalho, as indenizações também
caíram de R$ 9 milhões para R$ 5,5 milhões. Informações extraídas do ON LINE, Jornal O Globo. Rio é
o Estado com mais trabalho escravo. http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/01/25/rio-o-estado-com-
mais-trabalho-escravo-915704146.asp, acesso em 15/02/2010.
91
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória Jurídica,
2001, p. 107.
92
Um bom exemplo foi a criação pela França, Inglaterra, EUA e União Soviética, de um Tribunal
Internacional Militar ou Tribunal de Nuremberg. para julgar crimes contra a humanidade.
41
d) formação de blocos econômicos para defesa e proteção de direitos de uma
comunidade (UE, Mercosul, etc);
e) necessidade de constante atualização e aperfeiçoamento da mão-de-obra, em
face das novas exigências do mercado;
f) reavaliação da atividade sindical que perde força em períodos de desemprego
e com a pulverização das categorias decorrente do grande número de
terceirizações praticadas pelos empregadores;
g) aumento das fontes de informação, por meio do desenvolvimento dos meios
de comunicações e telecomunicações;
h) legislação trabalhista mais liberal, menos rígida em determinados casos e
legislação especial para pequenas e médias empresas;
i) necessidade de se dar novos contornos ao conceito de soberania.
2.2. A globalização e a desnacionalização
Após o governo Fernando Henrique Cardoso o país passa por uma tendência à
desnacionalização, cujo principal aspecto reside na privatização e perda de sócios
administradores brasileiros nas sociedades empresárias privadas. Tais eventos
propiciam a formação de grandes grupos econômicos, alguns compostos de empresários
nacionais com submissão, entrada ou associações ao capital estrangeiro, como ocorreu
com a compra da Companhia Vale do Rio Doce, pelo grupo Steinbruch, que tomou
empréstimo de 1,2 bilhões de dólares do Naticionals Bank
93
.
No contexto de crise econômica e de grave instabilidade financeira do país, o
processo de desnacionalização da economia brasileira é reforçado com a extinção de
alguns grupos privados nacionais ou pela quebra (falência) ou pela venda de suas
sociedades empresárias ao investidor estrangeiro. Muitas
94
se envolveram no processo
de fusão em que o empresário brasileiro perde a direção da empresa. Algumas leis ou a
desregulamentação de algumas normas favoreceram a entrada de capital estrangeiro em
outros setores, como no setor de seguros, energia elétrica, telefonia, supermercados etc.
93
GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 137.
94
O grupo Metal Leve (setor de autopeças) foi vendido para o grupo Alemão Mahle em 1996. O grupo
Vilares (siderurgia) para a Acesita, perdendo o controle acionário etc.
42
Projeções
95
estimam que as operações de fusões e incorporações no Brasil no
ano de 2000 superaram US$18 bilhões com maior participação do capital estrangeiro.
Segundo Reinaldo Gonçalves
96
, entre 1995 e 1998 o número de bancos estrangeiros
passou de nove, em 1994, para vinte, em 1999, em que onze eram brasileiros e vendidos
para estrangeiros. Hoje a concentração do capital muda de mãos, mas sempre entre os
estrangeiros
97
.
2.3. Crise imobiliária nos EUA
A falência do sistema imobiliário dos EUA agravou uma crise mundial em efeito
cascata, agravando aquela já vivenciada por alguns países.
Explica-se.
Nos Estados Unidos o processo de compra de imóvel é bem mais complexo que
no Brasil. De maneira indireta o sistema criado em 1933 de securitização permite que os
imóveis sejam adquiridos com dinheiro do mercado de capitais, entrelaçando as
economias do mercado com a imobiliária.
Notícias
98
informavam que:
Funciona assim: as instituições financiadoras – que nem sempre
são bancos captam recursos à base de depósitos, que emprestam a
mutuários e construtoras. Em seguida, emitem títulos, lastreados nos
créditos que têm a receber, que vendem a fundos de investimento no
mercado de capitais. Cotas desses fundos, por sua vez, são vendidas a
pessoas físicas e jurídicas. Quando tem algum problema nesse
sistema, é uma queda de dominós.
No Brasil, a aquisição de um imóvel ocorre pela alienação fiduciária, pois o
mutuário toma um empréstimo junto a um banco e dá o imóvel como garantia. Isto quer
dizer que, se não for paga a dívida, o banco retoma o bem e o vende a outro,
recuperando o dinheiro emprestado.
Por estar vinculada a diferentes instrumentos financeiros, a crise imobiliária
enfrentada pelos Estados Unidos se espalhou pela economia mundial, potencializando
95
Informações obtidas no site http://www.ceaee.ibmecmg.br/wp/wp8.pdf acessado em 27.11.09.
96
Ob.cit. p. 138.
97
Há pouco o Armo Bank foi incorporado pelo Santander.
98
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL757709-9356,00-
TAMANHO+DO+MERCADO+IMOBILIARIO+DOS+EUA+ALIMENTA+A+CRISE+DE+CREDITO.
html. Acesso em 29/11/09.
43
as crises, principalmente em países menos desenvolvidos, pois dependem da economia
saudável dos EUA.
Em agosto de 2008
99
foram contabilizados cerca de 600 mil pedidos de seguro
desemprego semanais nos EUA, enquanto em 25 de novembro de 2009
100
caíram para
466 mil pedidos na semana, o que demonstra a rápida reação positiva do mercado
americano.
A crise do desemprego foi sentida também no Brasil que registrou
101
, em
dezembro de 2008, 654.946 demissões; em janeiro, 101.748; em fevereiro, 1,22 milhão;
e em março, 1,38 milhão. No primeiro semestre de 2009, foram gastos R$10 bilhões
102
em pagamento de seguro desemprego, o maior valor na última década. Março de 2009
foi apontado como o mês que contou com o maior número de demissões, efeito da crise
global iniciada no final de 2008 nos EUA, ocasião que o FGTS teve fluxo negativo: a
arrecadação líquida ficou negativa em R$ 440,281 milhões, decorrente de receita bruta
no valor de R$ 4,416 bilhões e saques no montante de R$ 4,856 bilhões no mês
passado.
103
Em janeiro de 2010 o Brasil registrou o primeiro superávit nominal
104
, assim
como a menor taxa de desemprego desde a crise iniciada em agosto de 2008, como
informou o Jornal O Globo
105
.
Tais fatos apenas reafirmam a crise econômica e a necessidade de rearranjo das
relações de trabalho com a flexibilização de sua legislação de forma responsável e
limitada.
99
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1256819-5602,00-
PEDIDOS+SEMANAIS+DE+SEGURODESEMPREGO+CAEM+EM+MIL+NOS+EUA.html Acesso
em 29/11/09.
100
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1256819-5602,00-
PEDIDOS+SEMANAIS+DE+SEGURODESEMPREGO+CAEM+EM+MIL+NOS+EUA.html. Acesso
em 29/11/09.
101
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/04/29/materia.2009-04-29.9234533717/view . Acesso
em 29/11/09.
102
http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1241027-10406,00-
PEDIDO+DE+SEGURODESEMPREGO+BATE+RECORDE+NO+GOVERNO+LUL
A.html. Acesso em 29/11/09.
103
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1103422-9356,00-
DEMISSOES+GERARAM+FLUXO+NEGATIVO+DE+R+MI+NO+FGTS+EM+MARCO.html .
Acesso em 29/11/09.
104
GLOBO, Jornal O. Brasil tem em janeiro superábi nominal desde a crise, de R$2,2 bi. Caderno
Economia, 26/02/2010, p. 26.
105
GLOBO, Jornal O. Desemprego tem menor taxa de desemprego para janeiro: 7,2%. Caderno
Economia, 26/02/2010, p. 32.
44
CAPÍTULO II
FLEXIBILIZAÇÃO
1. FLEXIBILIZAÇÃO
Os últimos 40 anos foram marcados por grandes modificações que variam desde
processos de dominação de umas nações por outras, por migração de recursos, de mão-
de-obra e de investimentos econômicos até em modificações nas relações de trabalho
106
.
A revolução tecnológica, a globalização da economia e a crise econômica
enfrentada por alguns países, acirraram as disputas entre os mercados internacionais,
aumentando a competitividade, demandando inovações constantes e revisão da
legislação interna, obrigando a redução de custos, na busca de melhores preços e
qualidade do produto. Por outro lado, a união entre as telecomunicações e a informática
permitiu acelerar o acesso às informações, aumentar os negócios financeiras, que podem
até ser simultâneas e quebrar barreiras internacionais para facilitar a compra e venda de
qualquer produto, mesmo que oferecido em outro país. Todos esses processos
favorecem a integração dos mercados.
Um importante reflexo da crise econômica enfrentada por países menos
desenvolvidos foi a necessidade de diminuir os custos com a mão-de-obra e isto
significou a redução de benefícios aos trabalhadores, a revisão da legislação trabalhista
e dos princípios protetores do trabalhador, a adoção de novas medidas de contratação e
novas tendências. O perfil de algumas atividades foi alterado, como, por exemplo, maior
contratação de trabalhadores à distância (teletrabalhadores); de motoentregadores
107
ou
106
Tais aspectos serão estudados no Capítulo V deste trabalho.
107
A nova profissão foi motivo de regulamentação pela Lei 12.009/09.
45
mototaxistas
108
, de digitadores e teleatendentes
109
, etc. Os meios tecnológicos
possibilitaram uma maior fiscalização do trabalho
110
, a invasão na privacidade do
trabalhador.
Pastore
111
, referindo-se ao Direito do Trabalho, afirma que o “excesso de
legislação no Brasil conspira contra a ampliação do espaço da negociação.” Defende a
livre negociação como parte de solução dos problemas econômicos por nós enfrentados.
A flexibilização nasce com uma das possíveis soluções para enfrentamento da
crise, facilitando a disputa no processo econômico e, com isso, a competitividade.
Flexibilizar significa criar exceções, dar maleabilidade à rígida lei trabalhista,
autorizar a adoção de regras especiais para casos diferenciados. Catharino
112
afirma que
a flexibilização é o antônimo de rigidez e, por isso, flexibilizar é fazer do rígido flexível
ou tornar mais flexível o que há. Conceitua como “flexibilização a adaptação de normas
jurídicas trabalhistas para atender às alterações na economia, refletidas nas relações
entre trabalho e capital.
113
Entretanto, a redução de direitos trabalhistas deve ser utilizada de forma criteriosa,
e, em alguns casos, apenas para a manutenção da saúde da sociedade empresária
114
ou
empresário e a preservação de direitos absolutos e universais que são: o direito à
dignidade humana, os direitos fundamentais do trabalho e a preservação da proteção do
trabalhador.
Os defensores da corrente neoliberalista, sob o argumento de que é o excesso de
encargos trabalhistas que dificulta a gestão empresarial e o crescimento econômico, têm
insistido na tese de que a negociação coletiva deve prevalecer sobre as correspondentes
leis, vulnerando a hierarquia das fontes formais de direito e revogando, pela vontade
108
Algumas destas modificações e características dos novos métodos de trabalho e das novas profissões
serão abordadas no Capítulo V deste trabalho.
109
O crescimento assustador do número de teleatendentes (call center) exigiu nova regulamentação, o que
foi feito pelo anexo II da NR 17 do MTE.
110
A nextel oferece às empresas a possibilidade de localizar, mesmo com o aparelho desligado, seus
empregados.
111
PASTORE, José. Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva. o Paulo: LTr,
1995, p. 15.
112
CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela. São Paulo: LTr, 1997, p. 49.
113
CATHARINO, José Martins. Neoliberalismo e sequela , cit., p. 51.
114
Convém ressaltar que nos dias atuais a flexibilização tem sido utilizada pelas empresas como forma de
aumento de lucro e diminuição dos direitos dos trabalhadores. Não há a preocupação de limitar as
hipóteses de flexibilização àquelas efetivamente previstas na Lei Maior ou apenas em casos de
comprovada dificuldade econômica da empresa. farta jurisprudência no sentido de que se a
Constituição possibilitou o mais (redução de salário por meio de normas coletivas) os convênios coletivos
podem o menos, isto é, renunciar, reduzir, suprimir qualquer outro direito, pois de menor importância
frente ao salário.
46
coletiva dos sindicatos, os direitos arduamente conquistados e constitucionalmente
garantidos.
Para aumentar o lucro, a utilização da força de trabalho tem se realizado em
condições absurdas, denominada por Ianni
115
de superexploração, que ele caracteriza da
seguinte forma:
Superexploração: salários ínfimos, longas jornadas de trabalho
“legitimadas” pelo instituto das horas extras, aceleração do ritmo de
trabalho pela emulação do grupo de trabalho e pela manipulação da
velocidade das máquinas e equipamentos produtivos, ausência ou
escassez de proteção ao trabalhador em ambientes de trabalho,
insegurança social.
A “superexploração” acarreta excesso de trabalho e pouco descanso para repor o
mínimo de energia. A recuperação física e mental do trabalho e do estresse dele
decorrente fica esquecida, e este desconforto é agravado pelos salários cujos valores são
cada vez mais insuficientes para uma subsistência mínima. Tais práticas são realizadas
em nome e em busca da maior lucratividade.
Na verdade, a flexibilização nas relações de trabalho e principalmente sobre a sua
legislação, vem suscitando muitos debates e introduzindo novos conceitos e modelos de
trabalho.
Como analisado no Capítulo anterior, diversos foram os motivos que
impulsionaram a defesa da flexibilização, tais como: recuo da economia, aumento do
desemprego, busca de maior competitividade, novos métodos de produção em virtude
das mudanças tecnológicas, etc.
A partir daí, algumas soluções são apontadas como a precarização dos contratos,
seja por meio da terceirização, do excesso de trabalho, dos baixos salários, seja por
meio de contratos temporários; e a prevalência contratual sobre a estatutária,
enfatizando-se o negociado sobre o legislado. Dentro desta premissa, a
desregulamentação ocupa maior espaço.
Enquanto na flexibilização se ameniza os efeitos rígidos da lei, permitindo
exceções em casos especiais, na desregulamentação é retirada toda proteção normativa
concedida pelo Estado ao trabalhador. A desregulamentação se caracteriza pela total
ausência do Estado (da lei) disciplinando as condições mínimas de trabalho. O tema será
abordado novamente adiante.
115
IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 174.
47
A flexibilização pode ser classificada, segundo Arnaldo Süssekind
116
em:
1) flexibilização funcional, que corresponde à capacidade da sociedade empresária
ou empresário de adaptar seu pessoal para que assuma novas tarefas ou aplique novos
métodos de produção. É a era da multifuncionalidade
117
, isto é, aproveitamento máximo
do mesmo trabalhador para diversas tarefas;
2) flexibilização salarial, que consiste na vinculação dos salários à produtividade e
à demanda dos seus produtos. Desta forma, o salário varia de acordo com a produção de
cada trabalhador, estimulando a competição e premiando o mais produtivo;
3) flexibilização numérica, que consiste na faculdade de adaptar o fator trabalho à
demanda dos produtos da empresa.
Além destas, há outras.
4) flexibilização para manutenção da saúde da pessoa jurídica. Consiste na
redução ou supressão de vantagens
118
para superação da crise econômica enfrentada
pela empresa. A extremada medida deve ser autorizada por meio de norma coletiva. Isto
porque as demais flexibilizações visam o aumento da lucratividade sacrificando direitos
dos trabalhadores, enquanto a flexibilização necessária é medida de manutenção dos
empregos, é remédio paliativo ou de cura, que visa garantir direitos nimos do
trabalhador, como forma de vida digna, em troca da recuperação da sociedade
empresária ou do empresário.
Quanto aos agentes, a flexibilização pode ser dividida em três tipos: a) unilateral,
quando imposta por autoridade pública ou pelo empregador, como ocorre no Chile,
Panamá e Peru; b) negociada com o sindicato (Espanha e Itália); c) mista, isto é, pode
ser unilateral ou negociada (Argentina).
116
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 49.
117
O art. 57 da Lei 8.630/93 é expresso nesse sentido.
118
O art. 503 da CLT autorizou a redução dos salários, em caso de força maior e prejuízos devidamente
comprovados, em 25%. Por outro lado, o art. 2o da Lei 4.923/65 permitiu a redução do salário, também
em 25%, por três meses (prorrogáveis por mais três), desde que reduzida proporcionalmente a jornada,
em casos de comprovada dificuldade econômica. Tais regras não foram recebidas pela Constituição, pois
contrariam a parte final do inciso VI do artigo 7º da Constituição, que exige que a redução seja autorizada
por norma coletiva. Também infringe o princípio constitucional da função social da empresa. A redução
proposta (25%) é pequena e, muitas vezes não socorre a economia da empresa.
Aliás, o artigo 58-A, parágrafo da CLT, que trata do contrato por tempo parcial, autoriza a
redução dos salários em mais de 50%, desde que haja a correspondente redução da jornada, autorização
normativa e individual do empregado. Ressalte-se, ainda, que a Lei no 11.101/05 (Lei de Recuperação
Judicial, Extrajudicial e Falência), em seu art. 50, VIII, também admite a redução salarial, compensação
de horários e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.
48
Amauri Mascaro Nascimento
119
sugere outra classificação: a) quanto à finalidade:
será de proteção para preservar a ordem social; de adaptação com acordos derrogatórios;
e de desproteção quando suprimir direitos; b) quanto ao conteúdo divide-se:
flexibilização do modelo jurídico-normativo de relações de trabalho, passando-se de um
totalmente legislado para um misto ou aberto; c) quanto às formas de contratação, a
flexibilização ocorre pelo uso de contratos por prazos determinados, pela terceirização,
pelo contrato por tempo parcial, pelo emprego dividido, empregos flutuantes; d) quando
aos direitos do trabalhador a flexibilização recai sobre a compensação de jornada,
supressão de horas extras e de sua integração ao salário, redução dos salários por acordo
coletivo, desindexação dos salários, remuneração variável, suspensão do contrato e
reclassificação dos modelos de dispensa.
Alice Monteiro de Barros
120
divide a desregulamentação, que para ela é sinônimo
de flexibilização, em “normativa” e “de novo tipo”. A primeira (normativa) equivale à
flexibilização heterônoma, isto é, imposta unilateralmente pelo Estado. A segunda
(“novo tipo”), que para ela é sinônimo de flexibilização autônoma, pressupõe a
substituição das garantias legais pelas garantias convencionais, com primazia da
negociação coletiva.
Süssekind
121
e Alice Monteiro de Barros
122
defendem que o Brasil adotou a
flexibilização negociada ou autônoma, sob o argumento de que a Constituição apenas a
autorizou em três hipóteses e sempre com a chancela sindical (art. 7º, VI, XIII, XIV).
De fato, há tendência jurisprudencial neste sentido:
RECURSO DE REVISTA - HORAS EXTRAORDINÁRIAS -
TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO JORNADA
FIXADA EM ACORDO COLETIVO. Este Tribunal Superior do
Trabalho pacificou seu entendimento no sentido de que, quando há na
empresa o sistema de turno ininterrupto de revezamento, é válida a
fixação de jornada superior a seis horas mediante a negociação
coletiva. Recuso de revista conhecido e provido .TST, T, RR -
45074/2002-900-09-00, Min. Vieira de Melo Filho, DEJT -
14/08/2009.
RECURSO DE REVISTA. LABOR AOS DOMINGOS E
FERIADOS. RESTRIÇÃO. NORMA COLETIVA. A
flexibilização do Direito do Trabalho, fundada na autonomia
119
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 1ed. Revista e atualizada. São
Paulo, 1999, p. 127.
120
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 82.
121
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho, cit., p. 51.
122
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, cit., p. 82.
49
coletiva privada, acabou por prestigiar o pactuado entre os
empregados e empregadores, por intermédio das convenções e
dos acordos coletivos de trabalho, sob pena de violação do
disposto no art. 7º, XXVI, da Constituição da República.
Portanto, se as partes decidiram negociar o labor aos domingos
e feriados, não se pode ignorar o que foi entabulado, nos termos
do entendimento fixado por intermédio de precedentes desta
Corte. TST, T, RR - 83876/2003-900-04-00, Rel. Min. Dora
Maria da Costa, DEJT - 31/07/2009
PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. NATUREZA
DA PARCELA. ACORDO COLETIVO. VOLKSWAGEN DO
BRASIL LTDA. Deve-se prestigiar o pactuado entre empregados e
empregadores por meio de convenções e acordos coletivos de
trabalho, sob pena de violação ao disposto no art. 7º, inc. XXVI, da
Constituição da República. A flexibilização no Direito do Trabalho,
fundada na autonomia coletiva privada, permite a obtenção de
benefícios para os empregados com concessões mútuas. Portanto, em
que pese o disposto no art. 3º, § 2º, da Lei 10.101/00, que veda o
pagamento da participação nos lucros e resultados em periodicidade
inferior a um semestre, se as partes decidiram pactuar o seu
pagamento em duodécimos, não se pode pretender por isso atribuir-
lhe natureza salarial, conferindo interpretação elastecida ao
instrumento normativo. TST, SDI-I, E-RR - 1709/2004-102-15-00,
Min. João Batista Brito Ferreira, DEJT 07/08/2009.
HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. A cláusula
convencional que retira do empregado o direito de desfrutar do
intervalo para descanso e alimentação é ineficaz em face da norma
legal, de ordem pública, que obriga a concessão desse descanso. A
Constituição da República de 1988 admite a flexibilização do salário
(art. 7º, VI) e da jornada de trabalho (art. 7º, XIV), garantida, por
certo, a manifestação da categoria ou grupo profissional, por
intermédio de assembléia devidamente convocada para esse fim. As
normas que regulam as medidas referentes à medicina e segurança do
trabalho escapam, porém, da esfera negocial conferida aos sindicatos.
Essas disposições o de ordem pública, revestem-se de caráter
imperativo para a proteção do hipossuficiente, motivo pelo qual são
inderrogáveis pela vontade das partes. Compete ao legislador tutelar
o trabalhador, impedindo-o de concordar com a redução desse
descanso, em detrimento de sua própria segurança e saúde. A
finalidade do intervalo intrajornada é proporcionar ao trabalhador
oportunidade de se alimentar, descansar e repor suas energias. Sua
manutenção é indispensável, na medida em que o trabalho realizado
em jornadas prolongadas contribui para a fadiga física e psíquica,
conduzindo à insegurança no ambiente de trabalho. Nesse sentido é a
Orientação Jurisprudencial nº 342 da SDI-1 do TST. TRT/MG -
Processo n.º 01873.2003.003.03.00.3 Rel. Designado: Juíza Alice
Monteiro de Barros. DJ/MG 26.4.2005.
50
A tese foge da realidade, pois a flexibilização praticada no Brasil é tanto a
heterônoma (por meio da lei) quanto a negociada e não se restringe às hipóteses da
Constituição. A supremacia da norma coletiva tem que ser relativizada. Não se pode
conceder tantos poderes a um sindicato monopolista, sob pena de se abrir as portas às
fraudes.
A OJ 342, II da SDI-I do TST excepcionou a regra da prevalência da norma
coletiva sobre o legislado, quando se tratar de supressão de intervalo, salvo em casos
especiais:
INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E
ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO.
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. EXCEÇÃO
AOS CONDUTORES DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS,
EMPREGADOS EM EMPRESAS DE TRANSPORTE COLETIVO
URBANO.
I É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada
porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do
trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art.
7º, XXII, da CF/88) infenso à negociação coletiva.
II Ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais
de trabalho a que são submetidos estritamente os condutores e
cobradores de veículos rodoviários, empregados em empresas de
transporte público coletivo urbano, é valida cláusula de acordo ou
convenção coletiva de trabalho contemplando a redução do intervalo,
desde que garantida a redução da jornada para, no mínimo, sete horas
diárias ou quarenta e duas semanais, não prorrogada , mantida a
mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores
e fracionários ao final de cada viagem, não descontados da jornada.
Maurício Godinho
123
, em outra posição, divide os direitos trabalhistas em direitos
de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade (ou disponibilidade)
relativa
124
, na tentativa de restringir a flexibilização ampla. Para o autor, apenas estes
poderiam ser flexibilizados, enquanto aqueles não, pois fazem parte de um patamar
mínimo civilizatório
125
. Esse é o limite para negociação coletiva, fundamento do
princípio da adequação setorial negociada citada pelo autor.
123
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 212.
124
São direitos de indisponibilidade absoluta todos aqueles previstos na Constituição, princípios e valores
constitucionais, leis, decretos, normas de medicina e segurança do trabalho, etc. De disponibilidade
relativa são os direitos de caráter privado, isto é, não previstos constitucionalmente, em lei etc, como os
estipulados em normas coletivas, regulamento de empresa, contrato de trabalho, etc.
125
Patamar mínimo civilizatório é a garantia de direitos mínimos à existência digna dos trabalhadores ou
mínimo existencial.
51
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA.
FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS DE INDISPONIBILIDADE
RELATIVA. O princípio da adequação setorial negociada, que retrata
o alcance da contraposição das normas coletivamente negociadas
àquelas de cunho imperativo, emanadas do Estado, viabiliza que as
normas autônomas construídas para incidirem no âmbito de certa
comunidade econômico-profissional possam prevalecer sobre aquelas
de origem heterônoma, desde que transacionem parcelas de
indisponibilidade apenas relativa, como, e.g, as concernentes à
manutenção da hora noturna em sessenta minutos, vez que não
caracteriza alteração em patamar prejudicial à saúde do trabalhador e
desde que não traduza simples renúncia, mas transação de direitos.
TRT/MG - Processo n.º: 01512.2001.018.03.00.4 Rel. Designado:
Juiz Júlio Bernardo do Carmo. DJ/MG 07.6.2002.
Assim também entende o TST:
INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. Previsão da hora
corrida em acordos coletivos. A Constituição Federal de 1988
conferiu maiores poderes aos sindicatos, de modo que essas entidades
podem, no interesse de seus associados e mediante negociação
coletiva, restringir certos direitos assegurados aos trabalhadores a fim
de obter outras vantagens não previstas em lei. Não obstante, tal
flexibilização não autoriza a negociação coletiva que atente contra as
normas referentes à segurança e saúde no trabalho. De fato, o
estabelecimento do intervalo mínimo de uma hora para refeição e
descanso dentro da jornada de trabalho é fruto da observação e
análise de comportamento humano, e das reações de seu organismo
quando exposto a várias horas de trabalho. Doutrina e jurisprudência
evoluíram no sentido da necessidade desse intervalo mínimo para que
o trabalhador possa não apenas ingerir alimento, mas também digeri-
los de forma adequada, a fim de evitar o estresse dos órgãos que
compõem o sistema digestivo, e possibilitar o maior aproveitamento
dos nutrientes pelo organismo, diminuindo também a fadiga
decorrente de horas de trabalho. Se de um lado a Constituição Federal
prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho como direito dos trabalhadores urbanos e rurais (art. ,
XXVI da Constituição Federal), de outro estabelece ser a saúde um
direito social a ser resguardado (art. da Carta Política). Recurso de
Revista não reconhecido. TST, T, RR 619.959.99.7, Rel. Rider
Nogueira de Brito, DJU 14.03.03.
Todavia, ainda jurisprudência do TST no sentido de aceitar a flexibilização de
qualquer direito. Argumentam que se o constituinte autorizou o mais, isto é, se a
Constituição autorizou a redução do maior de todos os direitos (salário), mediante
convenção ou acordo coletivo, logo, o menos também é permitido. Neste sentido, tudo
que não seja o próprio salário base do empregado é menos
126
e, por isso, o direito pode
126
A Súmula 364, II do TST comprova esta tendência, pois autorizou a prevalência da norma coletiva
sobre a lei, para autorizar a redução do percentual do adicional de periculosidade. Esta medida implica
violação às regras de medicina e segurança do trabalho, direito também garantido constitucionalmente
52
ser suprimido ou reduzido, mesmo que seja apenas para aumentar a lucratividade da
sociedade empresária ou do empresário.
Existe, também, jurisprudência que, embora admita a corrente acima, exige como
requisito mínimo para validade do ajuste, concessões recíprocas. É a chamada Teoria da
Conglobalização dos Pactos Coletivos.
RECURSO DE REVISA. ABONO. REAJUSTE SALARIAL.
NORMAS COLETIVAS. PREVALÊNCIA DE ACORDO
COLETIVO EM DETRIMENTO DE CONVENÇÃO COLETIVA.
Decisões ordinárias rejeitando a pretensão dos reclamantes,
empregados aposentados, de perceberem majoração salarial no
importe de 5,5% (cinco vírgula cinco por cento) e de abono no valor
de R$ 1.100,00 (mil e cem reais). Pedidos formulados com apoio na
Convenção Coletiva de Trabalho da Fenaban. Circunstância em que
foi dada prevalência ao acordo coletivo formalizado em decorrência
da privatização do reclamado em detrimento da convenção coletiva
aludida, haja vista o princípio do conglobamento. TST, T, RR -
933/2002-095-15-00, Rel. Min. Horácio Sena Pires, DEJT -
14/08/2009
AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO
DE REVISTA. ACORDO COLETIVO 93/94. PREVALÊNCIA.
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO 93/94. De com a
teoria do conglobamento e em respeito ao princípio da unicidade da
norma coletiva, não se mesclam cláusulas de instrumentos coletivos
diferentes, devendo prevalecer o acordo coletivo como norma mais
favorável, em sua totalidade, conforme reconhecido pela instância
ordinária. Precedentes desta Corte. Violação aos artigos 611, § 2º, e
620 da CLT não configurada. TST, 7ª T, AIRR - 35003/2002-900-01-
00, Rel. Min.Caputo Bastos, DEJT - 14/08/2009
INDENIZAÇÃO DO ARTIGO 71, § 4º, DA CLT. CONVENÇÃO
COLETIVA. LIMITES. É salutar que os sindicatos assumam a
responsabilidade pela representação de classe que lhes foi conferida
pela Constituição Federal de 1988 no inciso III do art. 8º.
Conquistada a representação irrestrita da categoria, é certo que os
sindicatos que representam os trabalhadores devem exercê-la com
maior consciência e zelo, em especial ao negociarem os acordos
coletivos com o sindicato patronal. Convencionado entre as partes
intervalo intrajornada de quinze minutos e comprovado nos autos que
o autor usufruía de tal intervalo, não que se falar na indenização
prevista no § 4º, do art. 71, da CLT. TRT/DF - Processo n.º:
00191.2002.011.10.00.9 – Rel. Designado: Juíza Elaine Machado
Vasconcelos. DJ/DF 22.11.2002.
art. 7º, XXII da CRFB. Em novembro de 2009, o TST acresceu o inciso II à Orientação Jurisprudencial n.
342, para autorizar a supressão ou redução do intervalo intrajornada para empregados em serviços de
transporte rodoviário, desde que autorizado por norma coletiva e não ultrapasse a jornada de 7 horas por
dia.
53
REAJUSTE SALARIAL DIFERENCIADO PREVISTO EM
ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE DE
EXTENSÃO À FUNÇÃO GRATIFICADA INCORPORADA.
Decorrem as negociações coletivas de concessões recíprocas, em que
observada a autonomia das partes convenentes, sedimentada na Carta
Magna, as quais podem abrir mão, inclusive, de uma vantagem, em
prol de condições que lhes tragam maiores benefícios. Tal
flexibilização, ajustada, patenteia-se, a exemplificar, nas disposições
do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal. Há, pois,
que prevalecer o Acordo Coletivo do Trabalho, que determina índices
de reajuste diferenciados para as diferentes rubricas salariais,
estabelecendo que o reajuste de 25% tem pertinência, tão-somente, à
tabela de empregos permanentes da Reclamada EP, não se
estendendo à gratificação de função incorporada. TRT/DF - Processo
n.º: 00704.2004.011.10.00.3 Rel. Designado: Juiz Alexandre Nery
de Oliveira. DJ/DF 14.01.2005.
Na verdade, a flexibilização deveria ser aceita para casos excepcionais, isto é,
apenas para garantia da saúde da pessoa jurídica. Por isso, será possível flexibilizar,
excepcionar ou tratar especialmente aqueles casos em que a existência ou a boa saúde
da empresa está em risco, pois sua extinção, em último caso, prejudicará todos os
empregados. Se o empregador, realmente, estiver em sérias dificuldades financeiras e
isto restar robustamente comprovado, podem ser aceitas as reduções de vantagens
trabalhistas, com o único objetivo de manter todos os empregos existentes (princípio da
função social da empresa). Porém, por ser medida de exceção, tal situação será mantida
apenas durante o processo de recuperação da saúde da sociedade empresária, não
importando quanto tempo isto represente.
A lei tem autorizado, cada vez mais, outras hipóteses de flexibilização além
daquelas previstas na Constituição, seja por meio de acordo entre as partes, sem
intervenção sindical, como é o caso do acordo de compensação de jornada (art. 7º, XIII
da CF c/c Súmula 85, I e II do TST), seja mediante opção do empregado, apenas com a
chancela sindical, como ocorre no contrato por tempo parcial art. 58-A, parágrafo
da CLT e a suspensão do contrato para curso – art. 476-A da CLT, seja pela redução ou
revogação de benesses, como ocorreu com a natureza salarial de algumas utilidades (art.
458, parágrafo 2º da CLT) ou com redução do FGTS para os aprendizes (art. 15,
parágrafo 7º da Lei 8036/90), com a possibilidade de descontos no salário em virtude de
empréstimo bancário, etc.
54
Como apontado, a desregulamentação do Direito do Trabalho não se confunde
com a flexibilização
127
das regras trabalhistas, apesar de alguns autores não
identificarem esta distinção
128
.
A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado (Estado mínimo), revogação
de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre
manifestação de vontade, a autonomia privada para regular a relação de trabalho, seja de
forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupõe intervenção estatal, mais ou
menos intensa, para proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para
garantia de direitos básicos. Na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública
permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com
dignidade, sendo fundamental à manutenção do Estado Social.
Este mínimo constitui o patamar mínimo civilizatório referido por Maurício
Godinho e o mínimo existencial mencionado por Barroso
129
:
A dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores
civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo
jurídico dos princípios vem associado aos direitos fundamentais,
envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu
núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução
que identifica o conjunto de bens e utilidades sicas para a
subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade.
Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não
dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo
existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o
elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda
mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um
elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a
exigibilidade e efetivação dos direitos.
Alguns países, como a Dinamarca, França e Espanha, têm buscado novas soluções
e modelos para soluções mais amenas da crise. Apesar da nomenclatura por eles adotada
e do instituto guardar alguns pontos de contato, não se confunde com a flexibilização
em estudo ou com a que se pretende aplicar no Brasil. A flexissegurança ou fexsécurité
ou flexsecurity é uma combinação de flexibilidade com a segurança, segundo Pinho
127
Neste sentido Süssekind. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho, cit., p. 51.
128
Aparentemente Alice Monteiro defende que a desregulamentação normativa, isto é, imposta
unilateralmente pelo Estado, é sinônimo de fexibilização heterônoma.
129
BARROSO, Luis. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Jus
Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, outubro de 2002, disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208, acesso em 12.12.06.
55
Pedreira
130
. A nosso ver, a flexissegurança, na verdade, repousa sobre uma relação
triangular: mercado flexível pela desregulamentação das regras trabalhistas; sistemas de
indenização generosos proporcionados por um Estado social; política estatal de
“ativação” do mercado de trabalho, isto é, o estado oferece cursos de qualificação e
métodos de motivação à procura de novo emprego.
Na tentativa de conciliar interesses antagônicos entre o Estado, trabalhadores e
empresários, este modelo social está avançando na Europa desde 1990, ante a
necessidade de redução dos custos da mão-de-obra e o peso do excesso de proteção
legal ou coletiva aos trabalhadores, que prejudicou o crescimento econômico de alguns
países, garantindo ao trabalhador, em troca, acolhimento social público, tanto no que diz
respeito à percepção de um seguro desemprego por longo tempo, como o preparo e
profissionalização para nova colocação no mercado. Em 1997, na Espanha, por exemplo
um acordo confederal ampliou as hipóteses das causas de dispensa por motivo
econômico, reduzindo o custo da despedida e o número de hipóteses de dispensa
imotivada. Meses depois, foi garantido aos trabalhadores temporários um salário
equivalente àquele praticado na empresa cliente.
Os demais países deveriam se inspirar no modelo dinamarquês, uma vez que não
se pode pretender a reforma ou a desregulamentação das leis trabalhistas, sem antes
repensar o conjunto do sistema de proteção social público e de política de emprego.
Um mercado flexível, regido pelas leis de mercado, é possível num país em
que as taxas de desemprego sejam pequenas e que adote medidas protetivas para
amparar e capacitar o trabalhador desempregado, visando e buscando a sua recolocação
no mercado.
2. ESPÉCIES DE FLEXIBILIZAÇÃO
Além da divisão acima apontada a flexibilização também pode ser analisada sob
outros aspectos:
2.1. Flexibilização de adaptação
130
PEDREIRA, Pinho. Um novo modelo social: a flexissegurança. São Paulo: Revista LTr, Publicação
mensal de legislação, doutrina e jurisprudência, Vol.69, n. 6, p. 645, junho de 2005.
56
Este tipo de flexibilização não visa, tão somente, derrogar os benefícios
trabalhistas previstos em lei ou na Lei Maior. Pretende mais: fazer adaptações por
intermédio da autonomia coletiva.
2.2. Flexibilização de proteção
Preconiza que a norma trabalhista, por proteger direitos mínimos do trabalhador,
é rígida e só permite a flexibilização quando, em última análise, favorecer o operário. É
utilizada nos casos em que estiver em risco a existência do empreendimento. Apenas
nesta hipótese, os interesses do empresário prevalecerão sobre os dos empregados.
2.3. Flexibilização por desregulamentação
Nesse tipo de flexibilização ocorre a derrogação da legislação rígida ou a
substituição desta por uma menos vantajosa aos empregados. Leis trabalhistas protetivas
são revogadas e, os vazios legislativos dão espaço à negociação entre as partes.
2.4. Flexibilização autônoma e heterônoma
A flexibilização autônoma é a autorizada por meio de instrumentos coletivos
particulares, tais como acordos e convenções coletivas. A heterônoma, por sua vez, é
derivada de leis ou decretos, com imposição ou autorização unilateral do Estado,
podendo inclusive, permitir a derrogação ou substituição de normas, mesmo que
unilateralmente, pelo empregador. O Brasil adota os dois modelos, pois cada vez mais
cria exceções às regras gerais, derrogando direitos trabalhistas e permite a redução de
vantagens por meio de normas coletivas.
2.5. Flexibilização condicionada e incondicionada
57
A flexibilização condicionada enseja uma renúncia ou perda de direitos com
compensação por parte da empresa ou do próprio Estado. Ao fazer a renúncia, o
trabalhador tem a garantia de que o Estado cumprirá a condição imposta, mas, se acaso
não cumprir, restará ao trabalhador o direito de reaver os direitos previstos nas normas
suprimidas. A flexibilização incondicionada é aquela em que os direitos dos
trabalhadores são retirados ou abdicados sem que haja qualquer tipo de compensação.
Os trabalhadores dispõem de seus direitos na esperança de resistirem no emprego. Este
é o modelo adotado pelo Brasil. Normas são revogadas ou modificadas, e direitos
suprimidos, sem que nenhuma garantia seja dada aos trabalhadores.
2.6. Flexibilização interna ou externa
A flexibilização interna permite que as cláusulas previamente ajustadas na
contratação possam sofrer alteração na constância do contrato de trabalho, mesmo que
cause prejuízo ao empregado. A flexibilização externa subdivide-se em flexibilidade de
entrada e flexibilidade de saída. Enquanto aquela se verifica no momento de ingresso do
trabalhador em algum emprego, ou seja, flexibilizam-se normas na contratação, esta se
manifesta por meio do aumento das formas pelas quais se pode demitir o obreiro.
2.7. Flexibilização jurídica e flexibilização real, ou de fábrica, ou produtiva
Entende-se por flexibilização real aquela decorrente da automatização da
produção, ou seja, abandona-se o antigo modelo “fordista” de produção, dando lugar ao
modelo do just in time, segundo o qual não se armazenam produtos em estoque, a
produção é dinâmica, feita na medida da encomenda. Como conseqüência, utiliza-se
uma mão-de-obra flexível uma vez que se atende a uma demanda incerta.
A flexibilização jurídica, por sua vez, seria uma espécie de apoio à flexibilização
real. É aplicável à mão-de-obra flexível das fábricas, que passa a ser composta por
trabalhadores temporários e terceirizados. Nesse novo modelo de produção, ainda
permanecem alguns trabalhadores altamente especializados, que têm a função de
58
coordenar as turmas de trabalho responsáveis pelo manuseio das máquinas. A esses
trabalhadores mais qualificados não se impõe, necessariamente a flexibilização real.
Para estes ainda continua vigorando o protecionismo.
3. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
131
DA CONDIÇÃO MAIS FAVORÁVEL
COMO LIMITE À FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
TRABALHOR
As transformações decorrentes do processo de globalização, informatização e
avanços tecnológicos, conjugadas com a crise econômica mundial, exigiram adaptações
dos direitos trabalhistas às novas realidades do mercado. Muitas propostas foram
lançadas e a principal é a da flexibilização das rígidas regras trabalhistas para melhorar
a economia empresarial. A partir dsurge o conflito entre dois importantes valores: a
proteção do trabalhador e a da empresa, analisada como meio de criação e manutenção
de empregos.
Na verdade, o desemprego é conseqüência não só da escassez de dinheiro, mas
também pela falta de mão-de-obra qualificada e eliminação de postos de trabalho. A
intervenção de máquinas no ambiente de trabalho, quando não o substitui, aumentando
o desemprego, automatiza o trabalho, modifica os antigos métodos, cria novas
profissões e exige esforços para integração do homem à máquina, para redução dos
riscos inerente do trabalho e para melhor qualificação.
Diante de todos esses fatores, a flexibilização passa a ser a principal ferramenta
para manejo da situação.
De acordo com Süssekind
132
:
(...) na flexibilização os sistemas legais prevêem fórmulas opcionais
de estipulação de condições de trabalho, ampliando o espaço para a
contemplação ou suplementação do ordenamento legal, permitindo a
adaptação de normas cogentes às peculiaridades regionais,
empresariais ou profissionais e admitindo derrogações de condições
131
O artigo 7º, caput da CRFB garante os direitos ali mencionados aos trabalhadores, mas faz referências
a “outros que visem a sua melhoria de condição social”. Este comando abraça e eleva ao status
constitucional o princípio da condição mais favorável ao trabalhador.
132
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
direito do trabalho. São Paulo: LTr. 19ª ed., Vol. 2, 2000, p. 211.
59
anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais,
métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia,
possibilitando a intervenção estatal, com normas gerais abaixo das
quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade.
O Estado garante, por meio da legislação, direitos mínimos aos empregados, o que
torna o Direito do Trabalho rígido. Se a flexibilidade de alguns ou todos estes direitos
ficarem a mercê dos atores sociais (empregados e empregadores diretamente ou seus
respectivos sindicatos), de acordo com as regras do mercado, haverá grande risco de se
abalar este mínimo existencial que garante a dignidade humana. Muitos trabalhadores,
pressionados pela pobreza, fome, escassez de emprego e de ofertas de trabalho, abrem
mão de benefícios, se submetem a condições ínfimas de trabalho, muitas de risco, com
salários baixíssimos. Este cenário constitui um retrocesso de garantias conquistadas a
duras penas. Logo, é questão prioritária defender o direito ao trabalho digno e em
condições justas, já que sua falta deixa a pessoa em estado de apatia, um verdadeiro
fantoche nas mãos do poder econômico do empregador.
A sociedade brasileira tem demonstrado conformismo com as alterações
legislativas e conseqüentes revogações de direitos do trabalhador, sob o argumento de
que a legislação é antiga e inadequada ao momento atual, quando, na verdade, falta
de perspectiva em relação às oportunidades de trabalho, de investimento do Estado nas
políticas públicas sociais, de preparo e acolhimento do desempregado, de incentivo às
sociedades empresárias de se formarem e expandirem. A flexibilização vem sendo
apontada como única solução para redução do desemprego e fortalecimento da
economia. Por isso, deveria ser aceita da forma que vier (mais ou menos drástica), sob
pena de redução, ainda maior, dos postos de trabalho, aumentando o desemprego, a
marginalização. Com isso, o trabalhador perde sua dignidade, sua auto-estima
profissional e desacredita no Estado. “Não é um bom sinal do caminho que o mundo vai
seguindo quando os homens perdem a confiança no futuro, e cenários de
Götterämmerung tomam o lugar das utopias
133
”.
133
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução por Gilmar
Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 51.
60
Percebe-se o conflito
134
de princípios constitucionais, pois de um lado o comando
de proteção ao trabalhador (art. 7º, caput) e de outro o de proteção à preservação da
empresa (art. 170).
Por outro lado, princípios e regras fundamentais, garantidoras de direitos sociais
estão previstas na Constituição e devem embasar as decisões relativas a conflitos de
normas (lato sensu
135
), ou seja, quando não houver possibilidade de solucionar o
conflito, estes serão solucionados com base nos princípios constitucionais e com base na
moderna Teoria da Ponderação de Interesses na Constituição Federal
136
.
Defender a flexibilidade dos direitos trabalhistas sem impor limites, entregar
direitos tão importantes e que garantem uma existência digna para que pessoas desiguais
os negociem é uma irresponsabilidade. Por isso, poderá ocorrer quando a lei
autorizar, quando não ferir direitos constitucionais ou quando negociada pelos
sindicatos, mas, em todos os casos, desde que a medida seja excepcional, respeite à
dignidade do trabalhador, que a motivação seja apenas para a manutenção do emprego e
saúde do empregador. Portanto, inconstitucional será a cláusula de convenção ou acordo
coletivo, ou mesmo o dispositivo legal que não obedeça tais objetivos mínimos, seja
porque viola o princípio da proteção ao trabalhador, hoje explícito no caput do artigo
da CRFB, seja porque viola valores maiores, como o da dignidade da pessoa humana e
o do não abuso do direito.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo
137
, princípio é:
O mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se erradia sobre diferentes normas
compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
134
Havendo conflito entre bens e valores constitucionais, deve-se buscar uma harmonização entre estes,
impedindo o sacrifício de um bem em benefício de outro Não sendo possível, deve-se optar pela
subordinação e não a exclusão de um bem sobre outro, hierarquizando e ponderando os valores
constitucionais. A ponderação de princípios exige o sopesamento de valores e interesses em conflito.
135
Segundo Ronald Dworkin regras e princípios têm conteúdo normativo. As primeiras diferem dos
segundos por serem aplicados ao caso concreto na dimensão “tudo ou nada”, ou seja, havendo conflito
entre normas, uma delas deve ser excluída em prol da outra. Já com os princípios, que têm “dimensão de
peso”, isto não ocorre, pois deve-se fazer uma ponderação entre princípios conflitantes e ambos serão
aplicados ao caso concreto, preservando-se o núcleo de cada princípio e ponderando sua amplitude. Em
caminho semelhante seguiu Robert Alexy ao constatar que as regras m natureza “biunívoca” e os
princípios são “mandados de otimização”. Apud HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A
sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e
“procedimental” da Constituição, cit., p. 51.
136
SARMENTO, Daniel. Ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen juris,
2000, p.147.
137
MELLO, Celso Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11ª ed., São Paulo: Malheiros, Ltda,
1999, p. 136.
61
racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica e lhe
dá sentido harmônico.
A valorização dos princípios e sua incorporação, implícita e explicitamente, no
texto constitucional acarretou no seu reconhecimento pela ordem jurídica e na sua
normatividade, pois já abandonada a idéia de que normas sem eficácia na
Constituição. Portanto, superada foi a crença de que os princípios tinham apenas
dimensão axiológica, sem eficácia e vinculação.
Por outro lado, verifica-se que a legislação trabalhista tem sido flexibilizada
tempos, como nos exemplos abaixo:
a) Possibilidade de redução dos salários por negociação coletiva
(Lei 4.923/65);
b) Criação do sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), pela Lei 5.107/66, benefício substitutivo da indenização
do tempo de serviço prevista no art. 478 da CLT e que
acarretava na renúncia à estabilidade decenal;
c) Revogação de normas protetivas ao trabalho da mulher,
permitindo o trabalho insalubre, perigoso e noturno;
d) Criação de mais hipóteses de contrato determinado com a
alteração ocorrida no artigo 443 da CLT, por meio do Dec.-Lei
229/67, que lhe acrescentou todo parágrafo 2º;
e) Autorização de terceirização de trabalhadores para contração
temporária, na forma da Lei 6.019/74. A CLT, até então, só
previa uma modalidade de terceirização (art. 455 da CLT);
f) Programa de alimentação do trabalhador afastando a natureza
salarial da alimentação in natura ou equivalente, fornecida pelo
empregador – Lei 6.321/76;
g) Imposição da terceirização do vigilante, na forma da Lei
7.102/83;
h) Modificação do conceito de empregado de confiança para fins
de exclusão do capítulo “Da Duração do Trabalho”;
i) Autorização constitucional para redução dos salários por meio
de convenção e acordo coletivo – art. 7º, IV da CRFB;
62
j) Adoção do regime de trabalho por tempo parcial, isto é, até 25
horas semanais, com a possibilidade expressa na lei de redução
do salário durante o contrato de trabalho art. 58, parágrafo
da CLT;
k) Criação do “banco de horas” que é uma espécie de acordo de
compensação de jornada, variável ou fixo, com possibilidade de
compensação máxima de um ano - art. 59, parágrafo 2º, da CLT;
l) Possibilidade de ampliação da jornada de seis horas para os
turnos ininterruptos de revezamento quando autorizada por
negociação coletiva – art. 7º, XIV da CRFB;
m) Autorização, mediante acordo entre as partes e desde que
notificado o sindicato, da habitação do rural não ter natureza
salarial – art. 9º, parágrafo 5º, da Lei 5.889/73;
n) Criação do contrato provisório para estímulo a novos empregos
– Lei 9.601/98;
o) Ampliação das hipóteses de terceirização pela jurisprudência,
com relativização do conceito de subordinação (direta e indireta)
– Súmula 331 do TST;
p) Redução das hipóteses de salário utilidade art. 458, parágrafo
2º da CLT;
q) Suspensão do contrato de trabalho para realização de curso art.
476-A da CLT;
r) Limitação do poder normativo da Justiça do Trabalho e
proibição de dissídio de natureza econômica unilateral – EC
45/04;
s) Lei beneficiando microempresas com isenção de controle de
ponto, de livro de inspeção, contratação facultativa de
aprendizes, descaracterização das horas in itinere etc;
t) Limitação da integração das gorjetas ao salário – Súmula 354 do
TST, restringindo a interpretação do artigo 457 da CLT;
u) Autorização de transação e renúncia de direitos trabalhistas,
durante ou após a extinção do contrato, nas Comissões de
Conciliação Prévias – art. 625-E da CLT;
63
v) Aumento das hipóteses de descontos salariais Súmula 342 do
TST e Lei 10.820/03, que autoriza desconto no salário e nas
parcelas da rescisão, mediante adesão voluntária e irretratável,
para fins de empréstimo e financiamento concedidos por
instituições financeiras e desde que não ultrapassem 30% da
remuneração do empregado;
w) Inclusão do trabalhador rural no inciso XXIX do artigo da
CRFB por meio da EC 28/00, estendendo a prescrição parcial ao
rural;
x) Código Civil capacitando o menor entre 16 e 18 anos empregado
que tiver renda suficiente para sua própria subsistência,
alterando as regras de representação pelo responsável legal para
alguns atos do contrato de trabalho;
y) Limitação do valor do crédito trabalhista a 150 salários mínimos
para fins de crédito privilegiado na falência art. 83, I da Lei
11.101/05;
z) Redução do percentual do FGTS para os aprendizes e exclusão
das hipóteses previstas nos artigo 479 e 480 da CLT, bem como
aumento da idade para 24 anos (Lei 11.180/05);
aa) Autorização legal para as normas coletivas disciplinarem a
natureza do tempo despendido no itinerário casa trabalho,
quando o empregador for empresa de pequeno porte art. 58,
parágrafo 3º da CLT;
bb) Entendimento de que o intervalo intrajornada pode ser suprimido
ou reduzido por norma coletiva para empregados em empresas
rodoviárias – OJ 342, II do TST;
O bem estar social sentido em alguns países da Europa não foi totalmente
implementado no Brasil, seja por falta de vontade política, seja por conta de suas
sucessivas crises econômicas ou por ser um país com grande área territorial, com
contraste econômico e social, pois regiões subdesenvolvidas e outras desenvolvidas.
64
É possível encontrar no país trabalhadores em situações análogas a de escravos
138
,
trabalho degradante, trabalho infantil e forçado.
A este propósito, a Folha Online
139
de São Paulo, de 25/11/09, noticiou que:
Cerca de 530 trabalhadores foram flagrados em condições
precárias de segurança e saúde em fazendas de cana-de-açúcar
arrendadas pela multinacional francesa LDC (Louis Dreyfus
Commodities) em quatro municípios de Minas Gerais. Dez fazendas
foram fiscalizadas por uma força-tarefa da Polícia Federal, Ministério
do Trabalho e Ministério Público do Trabalho. Seis foram
interditadas, além da usina de açúcar e álcool da companhia em
Lagoa da Prata (197 km de Belo Horizonte), uma das 13 empresas
instaladas no Brasil.
A Polícia Federal diz já ter recebido relatórios de auditores-
fiscais referentes a 286 trabalhadores. A PF afirma ter identificado,
na maioria, indícios de exploração de mão de obra em condição
análoga a escravidão.
Mesmo nas regiões mais desenvolvidas, como Rio de Janeiro e São Paulo, os
direitos dos empregados são desrespeitados. Dados do Ministério do Trabalho
140
noticiam que entre janeiro e setembro de 2009, dos 2.216 trabalhadores encontrados em
situação degradante e resgatados, 729 deles (33%) estavam na região mais populosa e
rica do país. Com isso, a região Sudeste passa a figurar no topo do ranking de
trabalhadores em situação análoga à de escravo resgatados neste ano (2009), a maior
parte nas áreas de plantio e corte de cana. “A quantidade de resgates no Sudeste é
puxada pelo Rio de Janeiro (361) e Minas Gerais (270). Somente uma operação do
grupo móvel de fiscalização no interior fluminense resgatou 280 trabalhadores na cana-
de-açúcar.”
141
Por outro lado, raros são os sindicatos com espírito sindical e reivindicatório, para
defesa dos interesses da categoria profissional, e isentos da influência do poder
econômico dos empresários. Os mais atuantes se encontram nas grandes cidades, em
que desenvolvimento econômico e grandes concentrações operárias, sobretudo no
setor industrial. Por isso, prestigiar a máxima do negociado sobre o legislado é crer que
138
Foi noticiado na imprensa, em 08/09/09, o resgate de 98 trabalhadores no sul de Goiás que não
recebiam salários e acumulavam dívidas em troca de comida, numa obra do PAC (Programa de
Aceleração Econômica). http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1295841-5598,00-
FISCALIZACAO+FLAGRA+TRABALHO+ESCRAVO+EM+OBRA+DO+PAC+DIZ+JORNAL.html.
Acesso em 06/12/09.
139
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u657130.shtml. Acesso em 06/12/09.
140
http://www.mte.gov.br/fisca_trab/est_resultado_quadro_divulgacao2009.pdf . Acesso em 11/09/09.
141
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u643728.shtml Acesso em 06/12/09.
65
todos os sindicatos brasileiros têm condições e capacidade de negociar, que são fortes e
independentes dos interesses e pressões
142
econômicas, o que não é verdade.
O fato de a Constituição ter reconhecido formalmente as convenções e acordos
coletivos de trabalho, como expresso no inciso XXVI, do artigo 7º da CRFB, não
significa que teve o objetivo de prestigiar ou incentivar a flexibilização. Isto quer dizer
que, a Lei Maior não teve a intenção de permitir que a negociação coletiva pudesse
sobrepor-se a lei, seja porque esta interpretação fere uma visão sistêmica, seja porque o
inciso deve ser interpretado em consonância com o caput, e este expressa com clareza o
princípio da norma mais favorável, quando dispõe que “são direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social”. Sendo
assim, incabível interpretação que possa prejudicar o trabalhador por frontalmente
contrário a norma constitucional.
Há mais.
Entre trinta e quatro incisos disciplinando direitos trabalhistas, o legislador
constituinte apontou apenas três incisos autorizando a redução de direitos ou sua
flexibilidade, a maioria pela via sindical. Logo, a medida é excepcional e, como tal,
deve ser tratada.
Frágil o argumento de que o salário do empregado pesa sobre a economia da
sociedade empresária ou empresário. O custo de um trabalhador formal perpassa por
outros elementos, como os encargos conexos
143
. Estes sim, é que poderiam ser
reduzidos, suprimidos ou flexibilizados, para aliviar a carga tributária sofrida pelo
patrão. O trabalhador pouco ou nada aproveita de algumas destas contribuições que
compulsoriamente atingem ou sobretaxam o salário, como SESC, SESI, SENAC, por
exemplo.
Diferentemente da previsão piramidal formal de Kelsen e dos critérios do direito
comum, ao Direito do Trabalho não aplica a norma hierarquicamente “superior”, ou a
especial em detrimento da geral, mas sim a mais favorável ao trabalhador ou até mesmo
a situação fática mais benéfica ao empregado, salvo disposições estatais, imperativas e
142
Em 02/04/08 foi noticiado pela imprensa a prisão do presidente do sindicato dos motoristas e
cobradores de Campinas, sob o argumento de ter cobrado propina (R$100.000,00) para “vender”
cláusulas normativas à empresa. http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL384721-5605,00-
PRESIDENTE+DE+SINDICATO+ACUSADO+DE+COBRAR+PROPINA+E+LIBERADO.html.
Acesso em 06/12/09.
143
É bom lembrar que quase metade do salário é destinada a pagamento do INSS, Sesc, Senac, Sesi,
Senai, Sebrae, Incra e salário-educação. Ora, para que tantas contribuições para tais órgãos, salvo a
previdência, se não têm relação direta com o contrato de trabalho?
66
de ordem pública em contrário
144
. Assim, a pirâmide normativa da hierarquia das
normas jurídicas trabalhistas se afasta do modelo clássico e tradicional para assegurar ao
trabalhador, no ápice, a melhor condição e direito, sob um critério dinâmico que varia a
cada caso, afastando-se do direito civil em que as normas são estáticas em suas
hierarquias. É o chamado Princípio da Hierarquia Dinâmica das Normas
145
. Em
consequência, toda vez que houver conflito entre normas autônomas, isto é, as
confeccionadas pelas próprias partes ou seus sindicatos, prevalecerá a mais favorável ao
trabalhador
146
. Da mesma forma, um conflito entre as normas previstas na Constituição
e aquelas previstas no contrato individual de trabalho, prevalecerá a mais favorável ao
trabalhador, pouco importando sua hierarquia formal.
Os artigos 5º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 estabelecem direitos irrenunciáveis e preservadores da dignidade
humana
147
e, por isso, forma um núcleo mínimo que deve ser garantido a toda pessoa
empregada. Em uma sociedade desigual e injusta como a do nosso país, todo esforço é
necessário para criar e fortalecer os instrumentos que permitam a garantia de direitos e
proteção dos menos abastados.
O que não se deseja em uma sociedade civilizada é que haja maiores desrespeitos
à dignidade humana e, particularmente, na sociedade brasileira, em que a desigualdade é
flagrante, que não se viabilizem meios para conquista da igualdade substancial.
A flexibilidade de normas trabalhistas de forma responsável, utilizada como
medida excepcional para a manutenção ou recuperação da saúde da sociedade
empresária ou empresário, é a resposta que mais harmoniza com os postulados
constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao
princípio fundamental ao trabalho. A medida também ajuda a evitar uma crise social
mais grave e o aumento do desemprego. Exagerada a tese de total liberdade, de ausência
do Estado, como pretende a corrente neoliberal. O Estado deve se manter presente nesta
relação particular, para evitar abusos, impor limites e direitos mínimos a serem
respeitados (estado social de direito).
144
Em conflito com esta tese as OJs 123, 154, 159, 163, 169, 224, 258, 308, 322, 325, 339 e 342, II da
SDI-I do TST, que autorizam a redução de benesses anteriormente concedidas ao trabalhador.
145
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: LTr, 2002, p.
105.
146
Neste caso, o intérprete deve optar por uma das teorias para o conflito: do conglobamento, atomista ou
intermediária. posicionamentos, baseados na nova vertente sobre flexibilização, que o acordo coletivo
sempre prevalecerá, mesmo sobre a sentença normativa, pois mais adequado ao caso concreto daquela
empresa, por ser regra especial.
147
SAAD, Eduardo Gabriel, CLT Comentada, 37ª ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 24.
67
Diante da força do poder econômico e dos abusos que têm sido cometidos em
busca da maior lucratividade e competitividade é imprescindível que a flexibilização
seja permitida quando respeitar os direitos fundamentais do trabalhador, praticada de
forma ética e de acordo com a justiça social, sempre inspirada na ordem democrática.
Desta forma, o não abuso do direito aparece como barreira de contenção aos atos que
violem a garantia de um mínimo, sempre analisada sob a ótica constitucional, sob a
interpretação conforme e os princípios da proteção ao trabalhador. Ademais, o direito
deve servir ao homem e não o homem ao direito.
De acordo com o artigo 187 do Código Civil de 2002: “Art. 187 - Também comete
ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
O ato abusivo é reprovável porque ultrapassa os limites do razoável, da moral, dos
bons costumes, da boa-fé objetiva, do bem comum, da ética, do comportamento que se
espera do homem comum, viola valores inerentes a um direito ou uma prerrogativa
individual, contraria a função social do direito. O direito não pode ser utilizado como
mecanismo de vingança, de humilhação, de arma para violar outro direito. O ato
abusivo infringe deveres morais de justiça, de eqüidade e de humanidade, que se
encontram num patamar superior ao plano da legalidade. O abuso do direito
corresponde ao exercício de um direito ou prerrogativa individual, de maneira
exagerada, além dos limites axiológico-normativos.
Gustavo Tepedino
148
acrescenta que:
(...) A intenção do legislador foi a de abarcar as diferentes
concepções de abuso de direito, impondo limites éticos ao exercício
das posições jurídicas, seja por meio do princípio da boa objetiva,
da noção de bons costumes ou da função socioeconômica dos
direitos.
Em resumo: a flexibilizão é um direito garantido ao empregador, com amparo
constitucional, mas que não pode, nem deve ser utilizado de forma irresponsável e
gananciosa para, suprimindo ou reduzindo direitos legais, constitucionais e
fundamentais do trabalhador, aumentar ou manter seus lucros do empreendimento.
Nenhum direito é absoluto. A norma ordem determina a submissão dos direitos ao fim
social, à ética, à moral, à valoração do trabalho.
148
TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloísa Helena, MORAES, Maria Celina Bondin de. Código Civil
Interpretado conforme a Constituição. Volume I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 554.
68
Conclui-se, pois, que a flexilização só deve ser utilizada como medida excepcional
e como mais um remédio a ser ministrado para tentar manter ou recuperar a saúde
econômica da sociedade empresária ou do empresário. O não abuso do direito, a
transparência nas negociações coletivas
149
, a preservação da saúde do empresário,
aparecem neste cenário como barreira de contenção da flexibilidade abusiva, que visa
restringir ou suprimir direitos trabalhistas. A dignidade do trabalhador depende disto.
149
Aliás, a proposta de reforma sindical, encaminhada ao Presidente da República em fevereiro de 2005
pelo então Ministro de Estado do Trabalho e do Emprego, Ricardo JoRibeiro Berzoini, expressamente
garante aos trabalhadores, durante a negociação coletiva, o direito à informação e pugna pelo princípio da
boa-fé:
Art. 99. A conduta de boa-fé constitui princípio da negociação coletiva.
§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se boa-fé o dever de:
I - participar da negociação coletiva quando regularmente requerida, salvo justificativa
razoável;
II - formular e responder a propostas e contrapropostas que visem a promover o diálogo
entre os atores coletivos;
III - prestar informações, definidas de comum acordo, no prazo e com o detalhamento
necessário à negociação;
IV - preservar o sigilo das informações recebidas com esse caráter;
V - obter autorização da assembléia para propor negociação coletiva, celebrar contrato
coletivo de trabalho e provocar a atuação da Justiça do Trabalho, de árbitro ou de órgão arbitral para a
solução do conflito coletivo de interesses.
§ 2º A violação ao dever de boa-fé equipara-se à conduta anti-sindical.
69
CAPÍTULO III
PRINCÍPIOS
1. CONCEITO DE PRINCÍPIO
De acordo com o Dicionário Houaiss
150
princípio corresponde a: “... o que serve
de base a alguma coisa; causa primeira, raiz, razão, ... ditame moral; regra, lei, preceito
...”.
2. CONCEITO DE PRINCÍPIO DE DIREITO
O princípio é uma postura mental que leva o intérprete a se posicionar desta ou
daquela maneira, é uma orientação, uma diretriz. É critério de ordenação que inspira
todo o sistema jurídico e não se dirige ao juiz, aos intérpretes, aos legisladores e aos
demais operadores do direito, mas também aos agentes sociais a que se destinam. Não
se aplicam apenas para formação de novas normas jurídicas, mas também de orientação
para a interpretação e aplicação das normas já existentes. Servem de alicerces da
engenharia do Direito, sustentando o sistema ou preenchendo-o. Designam a
estruturação de um sistema jurídico por meio de uma idéia mestre que ilumina e irradia
as demais normas e pensamentos acerca da matéria.
Miguel Reale
151
ensina que
A nosso ver, princípios gerais de direito são enunciados
normativos de valor genérico, que condicionam e orientam a
150
Dicionário Houaiss em DVD.
151
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 304-305
70
compreensão do ordenamento jurídico, que passa a sua aplicação e
integração, quer para elaboração de novas normas.
(...)
Alguns deles se revestem de tamanha importância que o
legislador lhes confere força de lei, com a estrutura de modelos
jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a nossa
Constituição sobre os princípios da isonomia (igualdade de todos
perante a lei), de irretroatividade da lei para proteção dos direitos
adquiridos, etc.
Para Arnaldo Süssekind
152
:
(...) são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos, do
ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o
legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como ao
intérprete, ao aplicar as normas ou sanar as omissões (grifos nossos).
Por fim, importante mencionar a definição de Américo Plá Rodriguez
153
:
(...) linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram
direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir
para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a
interpretação das existentes e resolver os casos não previstos. (grifos
nossos).
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
No final do século XIX, o jusnaturalismo
154
é superado e o excessivo
positivismo
155
acirrado na busca da criação de uma ciência jurídica, com características
análogas às ciências exatas e naturais. A necessidade de se dar ênfase à realidade
observável e não à especulação filosófica e a busca de objetividade científica acabaram
por afastar o direito da moral. É neste cenário que se recebia o conceito e a finalidade
dos princípios jurídicos. Por não se constituírem em regra, aqui entendida como aquela
que prevê a hipótese e a conseqüência, os princípios estavam relegados ao segundo
plano e, não tinham força normativa. Logo, não ocupavam muito espaço no positivismo.
A decadência do positivismo, além da influência filosófica e jurídica, foi associada
à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, pois os movimentos políticos
152
SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª. ed. São Paulo: LTR, 2003, p.142.
153
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Cit., p. 36.
154
Jusnaturalismo significa direito natural, que é o que se baseia na existência de valores e de pretensões
humanas legítimas que não decorrem de norma emanada do Estado. É inerente ao homem.
155
Positivismo é a vinculação do direito à lei vigente.
71
e as barbáries praticadas se deram dentro de um quadro de legalidade
156
. O ponto final
para a mudança de mentalidade se deu com o fim da Segunda Guerra Mundial. Retoma-
se a necessidade de garantias de valores éticos, de direitos humanos além dos previstos
em lei. Nesta esteira de raciocínio, a lei era vista como estrutura formal aplicável a
qualquer um sem valores morais e éticos, como embalagens que servem a todos os
produtos.
A função social do direito, a ética, a moral, os valores humanos passam a ser a
preocupação de uma nova fase do direito, o pós-positivismo
157
e a ordenar uma nova
hermenêutica constitucional.
Por isso, os diversos conceitos de princípios acima apresentados pecam, porque
formulados num momento histórico do direito positivo. Por isso, sua definição se
prende a uma condição acessória, pois a visão positivista era apegada às regras de
direito, ao texto legal, em que para toda hipótese há sempre um comando e uma
conseqüência prevista e em que é proibido aos julgadores se afastar da lei
158
. Pelo
antigo prisma, os princípios constitucionais são apenas fontes de inspiração, de
dedução, encaminhamento, integração e interpretação da lei ou do legislador.
Toda trajetória sucintamente narrada acima, conduziu os princípios ao status de
norma e passaram a pertencer ao centro do sistema jurídico. As regras continuam tendo
suma importância em nosso ordenamento, seja porque conferem paz social seja porque
estabelecem normas de conduta, ordenando a sociedade. Todavia, os princípios
constitucionais permitem ao direito solucionar um número maior de casos e independem
de processo legislativo de atualização constante, que são mais abertos, plásticos,
adaptáveis e com maior carga valorativa que as regras e, por isso, não devem ficar no
plano de fonte secundária. Apesar do seu reconhecido papel, a doutrina majoritária e os
Tribunais Trabalhistas pouco ou quase nada reconhecem acerca da eficácia normativa
dos princípios constitucionais.
As regras têm estrutura objetiva, fechada, com incidência restrita a algumas
situações específicas às quais se dirigem, enquanto os princípios são abertos, plásticos,
maleáveis, aplicáveis a uma gama de situações, pois com maior teor de abstração.
156
Muitos dos acusados no Tribunal Internacional de Nuremberg alegaram, em suas defesas, que estavam
cumprindo a lei e a ordem de autoridades estatais.
157
Pós-positivismo é um movimento iniciado após o positivo em busca de novos ideais e na relativização
do positivismo, dando espaço a valores e princípios inerentes ao homem e a sua dignidade.
158
Para tanto, basta lembrar que o juiz se move dentro do direito como o prisioneiro dentro de seu
cárcere, isto é, tem liberdade para mover-se, porém não pode ultrapassar dos limites da lei.
72
Por tais motivos, a doutrina
159
pós-positivista diferencia os princípios
constitucionais dos princípios jurídicos, já que estes apenas orientam, iluminam, ajudam
na interpretação e no caminho a ser tomado tanto pelo aplicador (intérprete) quanto pelo
legislador, aquele tem forma normativa, obriga, incide sobre os agentes sociais
obrigando-os a um comportamento. Os princípios são espécies de norma jurídica. Estas
se dividem em: princípios, regras, valores e postulados.
O direito e a justiça vão além do positivismo e, por isso, os princípios devem ser
recebidos no sistema também como norma.
A partir daí, os princípios deixam de ser formulações filosóficas e passam a fazer
parte do núcleo normativo do direito. Os princípios constitucionais com maior status
que os demais, pois com maior valor axiológico e fundamental. Além disso,
posicionados no ápice da hierarquia das normas. Se antes os princípios serviam à lei,
dela eram dependentes e, por isso, apenas utilizados como fonte subsidiária ou
secundária, hoje são elevados à esfera de fundamento e eleitos para encabeçarem o
sistema constitucional e do direito. Sua função é de grande relevância e deve pautar
comportamentos e decisões.
3.1. Eficácia dos princípios constitucionais
Fábio Gomes
160
resume a evolução do Direito Constitucional e sugere o quadro
abaixo:
Ascensão do Direito Privado
Publicização do Direito Privado
Marco Histórico Socialização dos Direitos Constitucionais
Constitucionalização do Direito
Jusnaturalismo
Marco filosófico Positivismo
Pos-positivismo (Paulo Bonavides)
159
No Brasil Paulo Bonavides retratou com fidelidade todos os autores estrangeiros que defendiam a
normatividade dos princípios e demonstrou a tendência brasileira se curvando para tanto Dos princípios
Gerais de Direito aos Princípios Constitucionais.
160
GOMES, Fábio Rodrigues. Eficácia Horizontal dos Princípios Constitucionais. Palestra proferida no
Metta Cursos Jurídicos em de 15/02/07 às 9h.
73
Normatividade dos princípios constitucionais Eficácia irradiante
Dimensão objetiva dos direitos fundamentais Deveres de Proteção
Marco teórico
Doutrina Diluição da divisão entre o direito público e o privado
Força expansiva dos direitos fundamentais
Quatro fases marcam a evolução do direito constitucional, como resumidas
abaixo:
A criação de um Estado moderno com poderes independentes foi uma das
consequências da Revolução Francesa, movimento que eliminou a idéia de um Estado
absoluto, com poderes ilimitados sobre todos e tudo. Para defender seus direitos do
próprio Estado, obrigando-o a abster-se de determinados atos, são criados os Direitos
Fundamentais, as garantias e liberdades dos particulares. Para tanto, o Estado deveria
ser contido de intervir em determinadas relações privadas, respeitar e reconhecer certos
direitos.
A “liberdade de contratar e a defesa da propriedade” passam a ser os valores
fundamentais do liberalismo conquistado e acaba por influenciar o Código Civil da
época. Como o trabalhador e seu serviço eram tratados como mercadoria e, diante da
liberdade a todos assegurada no ato de contratar, abusos do poder econômico
submeteram a pessoa do trabalhador a condições desumanas, expressadas pelas
péssimas condições de trabalho, jornadas excessivas e contraprestação ínfima pelo
trabalho prestado. O Direito do Trabalho surge para compensar esta inferioridade
jurídica do trabalhador garantindo-lhe direitos mínimos, impostos por uma legislação
rígida. A partir daí o Estado passa a dirigir esta relação contratual privada, quando é
abandonado o fenômeno da “abstração” a que era submetida a relação de emprego, pois
o indivíduo era separado da atividade por ele exercida , isto é, a partir daí o trabalhador
passou a ser protegido, acolhido pelo Estado.
Este momento marca a segunda fase, que é o da publicizacão do direito. Isto é,
aquele direito até então privado e individualista, cuja relação contratual era lançada às
leis do mercado com ampla liberdade, passa a ser regulado por lei, dirigido pelo Estado,
agora preocupado com os direitos e a pessoa do trabalhador.
Alguns países elevam à categoria constitucional os direitos trabalhistas, como o
México (1917) e a Alemanha (1919). Desta forma, os direitos sociais passam a ser
74
incluídos no corpo da Constituição, marcando a terceira fase. Apesar deste esforço,
algumas normas sociais constitucionais eram interpretadas como normas não auto-
aplicáveis, portanto, serviam apenas de válvulas de escape, sem eficácia, sem efeito
prático.
A Segunda Guerra Mundial, o nazismo, o fascismo e outros atos contrários aos
direitos humanos modificaram profundamente a forma de pensar o direito constitucional
até então existente, mesmo aqueles aparentemente amparados na ordem jurídica vigente
na época e, em nome desta, barbáries eram perpetradas
161
. A partir daí percebeu-se que
a lei não era suficiente para regrar comportamentos, para delimitar direitos e proteger a
dignidade da pessoa humana. A mudança de paradigma era necessária, que por meio
desses vazios axiológicos, éticos e de critérios de justiça, os infratores de direitos
humanos se beneficiaram, pois permaneciam impunes, uma vez que a lei autorizava ou
não previa punição. A valorização dos princípios, impregnados de carga axiológica, foi
a solução. A proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana passa a prioridade
do direito.
A importância do assunto começa com o uma decisão prolatada em 1958 pelo
Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como explicado abaixo:
o chamado “Caso Lutz”. Eric Lutz, presidente do Colégio de
Cineasta, contrapôs-se publicamente ao filme “Amantes Imortais”,
produzido por outro cineasta alemão, sob o argumento de que o
produtor participara ativamente do movimento nazista. Lutz enviou
carta aberta aos jornais conclamando a todos contra o cineasta
nazista. O ofendido, por meio de sua produtora, reagiu e impetrou
ação com base no parágrafo 826 do Código Civil Alemão, para
impedir Lutz de continuar o “boicote”. O parágrafo referido proibia a
prática de atos contrários aos bons costumes. A produtora ganhou a
causa nas duas primeiras instâncias. Lutz, então, ajuizou queixa no
Tribunal Federal Alemão, alegando o seu direito fundamental de
liberdade de expressão, previsto Constituição. A decisão da mais alta
Corte Alemã foi histórica e marcou o início de uma nova era no
direito, pois, pela primeira apontava o equívoco de se interpretar a lei
ignorando os direitos fundamentais previstos na Constituição,
determinando que a interpretação da lei deve-se dar conforme à
Constituição. Declarou, ainda, que o sistema de direitos fundamentais
representa ordem objetiva de valores e como tal influencia o direito
infraconstitucional e vincula todas as funções e órgãos estatais
162
.
161
Em agosto de 1945 foi assinado acordo que criou o Tribunal de Nuremberg, ajustado por grandes
potências (ingleses, americanos, franceses e soviéticos) para julgamento (ex post facto) de crimes contra a
humanidade. Os réus foram acusados não de terem exterminados milhões de pessoas, mas também por
terem planejado e espalhado a guerra na Europa.
162
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 161.
75
A constitucionalização do direito nasce a partir deste momento, marcando a quarta
e última fase.
3.1.1. Visão pós-positivista
163
Como retratado, o direito constitucional não pode mais ser estudado sem o viés
filosófico e a historicidade dos direitos fundamentais, em face da modificação de seu
conteúdo e formato. Da mesma forma, a Constituição não pode ser mais vista como
mera Carta Política, com normas sem eficácia ou de pouca aplicabilidade, mas sim
como norma de comportamento, que impõe padrões éticos, sociais e equânimes. Todos
os seus comandos têm eficácia
164
e regulam o direito. Não serve apenas de direção e
inspiração, mas também é norma de conduta. “Hoje o Estado é personalista, pois leva
em conta o homem, historicamente situado, vislumbrando os interesses e necessidades
do indivíduo concreto, abandonando a idéia do homem ideal, do bom pai de família, que
o direito civil preconizava.”
165
163
Luis Roberto Barros e Ana Paula de Barcellos entendem o pós-positivismo como “a designação
provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores,
princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos
fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua
incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica
de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre o Direito e a Ética.”
BARROSO, Luis Roberto e BARCELLOS, Ana Paula. “O começo da história. A nova interpretação
Constitucional e os princípios no Direito brasileiro. In. BARROSO, Luis Roberto, organizador. A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p.336.
164
A eficácia das normas constitucionais pode ser analisada sob três aspectos: as normas de eficácia plena,
as de eficácia contida e a de eficácia limitada.
As de eficácia plena são aquelas que possuem todos os elementos capazes de fazer com que a
norma produza os efeitos desejados, isto é, têm aplicabilidade direta, imediata e integral, tendo em vista
que elas podem ser aplicadas ao caso concreto, independentemente de uma norma regulamentadora que
sobre elas disponha. As normas de eficácia contida são aquelas que possuem aplicabilidade direta,
imediata, tendo sua eficácia independente da interferência do legislador ordinário, isto é, não dependem
de lei ulterior para ter eficácia, mas ficam abertas à possibilidade da lei estabelecer limites ou
circunstâncias restritivas. As de eficácia limitada são as que dependem de outras providências para que
possam surtir os efeitos essenciais desejados pelo legislador constituinte. A sua força normativa está
presente, porém, não a concretude necessária para a sua aplicação ao caso prático, devido à
necessidade de lei que sobre ela disponha.
Para a doutrina moderna, a Constituição da República sempre é fonte de direito, com normas de
execução imediata e outras que se situam apenas na moldura constitucional. Mesmo essas não podem
sofrer violação por nenhuma norma infraconstitucional. Caso ocorra a infração, a norma é tida como
inconstitucional, ou não será recepcionada, devendo ser extirpada do nosso ordenamento jurídico
(barreira de contenção). Logo, todas as normas constitucionais têm eficácia. Neste sentido, não existe
norma constitucional ineficaz ou não auto-aplicável, isto é, totalmente imprestável”, pois tem alguma
finalidade Até as normas constitucionais dependentes de regulamentação, institutivas e programáticas,
têm força de impedir que o legislador infraconstitucional contra elas legisle.
165
CASSAR, Vólia Bomfim. Obra citada, p. 162.
76
Na fase pós-positivista o direito abre espaço para a moral, a ética, centraliza o
homem como principal preocupação, estando acima do patrimônio e do Estado e se
aproxima da Justiça. É a retomada de valores há muito abandonados. A idéia da
normatividade dos princípios é adotada e respeitada. O moderno constitucionalismo
reaproxima a ética do direito e, por isso, promove o retorno de valores agora
incorporados e materializados em princípios explícitos ou implícitos na Constituição.
3.2. Princípios como espécie de normas constitucionais
O reconhecimento dos princípios pela ordem jurídica remonta de longa data e
com variadas funções, que Barroso
166
resume em três: “a)condensar valores; b) dar
unidade ao sistema e c) condicionar a atividade do intérprete.” A novidade está no
reconhecimento de sua normatividade pela dogmática jurídica atual, que divide as
normas em geral em duas grandes categorias: regras e princípios.
Os princípios têm fundamento ético e, por isso, com maior conteúdo valorativo.
Situam-se na base do sistema jurídico e possuem natureza normogenética, que
constituem motivo e fundamento das regras.
A superação do positivismo legalista decorreu do reconhecimento de sua
normatividade e da mudança de mentalidade
167
.
Os principais valores e diretrizes fundamentais da ordem jurídica estão
concentrados nos princípios constitucionais que se irradiam por todo sistema jurídico,
contaminando as demais normas infraconstitucionais. Por isso, têm uma dimensão de
maior peso ou importância. De acordo com José Afonso da Silva a norma pode ser
aplicada quando eficaz
168
, que quer dizer que ela possui elementos suficientes para que
ela produzir efeitos. Os princípios constitucionais têm força normativa, isto é,
funcionam como norma eficaz.
A eficácia dos princípios pode ser dividida em positiva e negativa: Positiva
quando seu papel é de inspirar, iluminar, dirigir o intérprete, o legislador ou o julgador
166
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 329.
167
Ronald Dworkin foi reconhecido como o responsável pela mudança de paradigma nesta matéria.
168
Convém ressaltar as diferenças entre positividade, eficácia e vigência. Positividade do direito exprime a
característica de um direito que rege a conduta humana concretamente, mediante normas atributivas
atuais ou históricas. Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como
metas.Vigência refere-se à norma atual, ao tempo de existência específica da norma, do aqui e agora.
77
em determinado sentido. Também tem o papel de normatizar e determinar normas de
condutas. A eficácia negativa dos princípios apresenta-se como moldura, limite barreira
de contenção contra atos que os viole. Isto quer dizer que o princípio pode ser utilizado
para limitar a atuação do juiz e dos agentes sociais.
Além desta, os princípios têm outras finalidades como: a estrutural, diretiva e
normativa. Joaquim Canotilho ampliou a função dos princípios quando afirmou sua
normatividade, tema, aliás, primeiramente explorado por Crisafulli (1952). No Brasil,
Paulo Bonavides explorou o assunto com muita propriedade.
Ana Paula de Barcellos
169
divide os princípios em três tipos de eficácia:
interpretativa; negativa e vedativa de retrocesso. Referindo-se a sua eficácia, acrescenta
que:
(...) princípios constitucionais, pois aqui estarão associadas
suas características de norma-princípio com a superioridade
hierárquica própria da Constituição. Como conseqüência da eficácia
interpretativa, cada norma infraconstitucional, ou mesmo
constitucional, deverá ser interpretada de modo a realizar o mais
amplamente possível o princípio que rege a matéria.
A eficácia negativa exige mais elaboração quando se trata dos
princípios, igualmente por força de seus efeitos indeterminados (...)
funciona como barreira de contenção, impedindo que sejam
praticados atos ou editadas normas que se oponham aos propósitos do
princípio. (...).
A vedação de retrocesso por sua vez, desenvolveu-se
especialmente tendo em conta os princípios constitucionais e em
particular aqueles que estabelecem fins materiais relacionados aos
direitos fundamentais, para cuja consecução é necessária a edição de
normas infraconstitucionais.
Para José Joaquim Gomes Canotilho
170
as normas se subdividem em regras e
princípios, sendo que as regras “(...) são normas que, verificados determinados
pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer
excepção (direito definitivo) ...”, ao passo que princípios “(...) são normas que exigem a
realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e
169
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.59.
170
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª edição, 1998,
Almedina, Coimbra, p. 86 - 88.
78
jurídicas (...)”. Ressalte-se que Canotilho não incluiu o “valor” como espécie de norma,
tarefa que coube a Paulo Bonavides
171
.
Canotilho
172
aponta os critérios necessários para distinguir os princípios das
regras
173
:
a) grau de abstração: os princípios apresentam grau de
abstração elevado, enquanto as regras possuem grau de
abstração reduzida;
b) grau de determinabilidade na aplicação do caso
concreto: as regras permitem aplicação direta, pois criam um
direito subjetivo, enquanto os princípios, por serem vagos e
indeterminados, são suscetíveis de mediações concretizadoras;
c) caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de
direitos: os princípios desempenham um papel fundamental no
ordenamento jurídico face à sua posição hierárquica no sistema
das fontes (ex: princípios constitucionais) ou mesmo em função
da sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex:
princípio do Estado de Direito);
d) proximidade da idéia de direito: os princípios estão
vinculados às exigências de justiça ou idéia de direito, ao passo
que regras podem ser normas vinculativas com conteúdo
meramente funcional;
e) natureza normogenética: os princípios servem de
fundamento para as regras, ou seja, os princípios representam a
razão da existência de regras jurídicas, e serve de base para
estas.
De acordo com Canotilho
174
os princípios são normas jurídicas de otimização,
compatíveis com vários graus de concretização, que variam de acordo com as condições
fáticas ou jurídicas; as regras, por sua vez, estabelecem coercitivamente uma exigência
(impõem, permitem ou proíbem) que pode ou não vir a ser cumprida. Afirma que a
convivência dos princípios é conflitual, ao passo que das regras é antinômica,
estabelecendo a possibilidade de coexistência de princípios que sejam conflitantes,
enquanto que no que se refere às regras ocorre a exclusão. Isto é, ou a regra vale,
devendo ser cumprida na medida estabelecida ou não tem validade. Segundo o autor
175
:
“Os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento
171
Numa abordagem mais moderna, Paulo Bonavides, aprimorando os estudos de Canotilho, divide a
norma em três espécies: as regras, os princípios e os valores.
172
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 1124 -
1230.
173
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 164.
174
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit.,
p. 1035.
175
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 1035.
79
de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada),
consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios textualmente conflitantes.”
Enquanto as regras têm incidência restrita às hipóteses previstas, os princípios têm
maior grau de abstração. As regras são aplicadas sob a forma do “tudo ou nada”, pois
dependem da ocorrência dos fatos previstos em lei para a sua incidência, isto é, se a
hipótese criada pelo legislador se realizar concretamente, automaticamente haverá
incidência da regra. Sua aplicação se dá mediante subsunção. O comando é claro,
objetivo, dando pequena margem a elaborações mais sofisticadas. Por isso, Barroso
176
afirma que as “as regras normalmente são relatos objetivos, descritivos de determinadas
condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações.”
A regra
177
vale ou não vale, pois uma situação fática não pode ser regida por duas
ou mais regras, sob pena de se conflitarem. Havendo colisão entre regras a solução está
no sistema tradicional, que impõe três critérios: o da hierarquia, o cronológico ou o da
especialização.
Tais critérios não se aplicam quando conflito entre princípios aplicáveis a uma
mesma situação. Havendo antagonismos inevitáveis o intérprete deverá ponderar
valores ou interesses. Ocorrendo antagonismo entre princípios, Barroso
178
ensina:
Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa,
um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam
determinada direção a seguir. Ocorre que, em ordem pluralista,
existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou
fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de
princípios, portanto, não é possível, como faz parte da lógica do
sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta
em termos de tudo ou nada, de validade ou importância. A vista dos
elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas
fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitáveis,
como os que existem entre a liberdade de expressão e privacidade, a
livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e a sua
função social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente,
mediante ponderação.
O melhor método para solucionar o conflito entre princípios é o critério da
ponderação de valores, interesses e normas
179
, já que os métodos clássicos não se
176
BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p.353.
177
De acordo com de Robert Alexy as regras são mandados de definição, ao passo que os princípios são
mandados de otimização.
178
BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, cit., p. 329.
80
adequam nem ajudam na resolução das tensões. Para tanto, deve-se considerar os
elementos do caso e, para cada situação, o intérprete deve pesar o valor do princípio que
melhor solucionará o caso para, a partir de então, escolher o melhor, sempre pautado na
razoabilidade e na proporcionalidade da medida.
Willis Santiago Guerra Filho
180
leciona:
(...) é ele que permite fazer o “sopesamento” dos princípios e
direitos fundamentais, bem como dos interesses e bens jurídicos em que
se expressam, quando se encontram em estado de contradição,
solucionando-a de forma que maximize o respeito de todos os
envolvidos no conflito.
Daniel Sarmento
181
acrescenta:
Na ponderação, a restrição imposta a cada interesse em jogo,
num caso de conflito entre princípios constitucionais, se justificará
na medida em que: (a) mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do
interesse contraposto, (b) não houver solução menos gravosa, e (c) o
benefício logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de
sacrifício imposto ao interesse antagônico.
O sopesamento de interesses deve ser pautado pelo respeito aos direitos
fundamentais e pela razoabilidade.
Convém ressaltar que não hierarquia entre as categorias (regras e princípios),
nem distinção qualitativa, pois conjuntamente fazem parte de um sistema contaminado
de valores suprapositivos, baseados na idéia de Justiça, de garantia de direitos
fundamentais, todos para a manutenção da dignidade da pessoa humana.
179
A necessidade de criação de um método de ponderação entre os interesses que devem prevalecer,
nasceu de casos concretos em que havia conflitos de princípios constitucionais. O fato que bem ilustrou
ocorreu na França no “caso Morsang-sur-Orge ou “caso do anão”, cuja lide era a seguinte: uma boate
organizou um concurso de “arremesso de anão” que consistia em uma prova na qual venceria o freguês
que conseguisse lançar mais longe o anão, a partir do palco da discoteca. Entretanto, o prefeito da cidade,
na condição de guardião da ordem pública, interditou o espetáculo, baseando-se no argumento de que
aquele ato era contrário ao princípio da dignidade da pessoa humana. Inconformada com a decisão
administrativa, a empresa organizadora do concurso, em litisconsórcio com o anão, seu empregado
contratado como “projétil”, impugnou na justiça administrativa o ato do prefeito. O empresário alegava a
seu favor o princípio constitucional da “livre iniciativa” e o trabalhador anão o princípio, também
constitucional, da liberdade de exercício de ofício e profissão e, que não havia lei que proibisse o trabalho
de “projétil humano”. A partir dtrês princípios constitucionais poderiam ser aplicados ao mesmo caso,
mas que almejavam objetivos diversos. Presente estava o conflito de princípios. Por fim, o Conselho de
Estado francês manteve o ato do Poder Público (do prefeito), afirmando a indisponibilidade da dignidade
humana pelo seu próprio titular e a preponderância deste princípio sobre os demais.
180
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza, UFC, Imprensa
Universitária, 1989, apud Daniel Sarmento. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris. 2003, p. 96.
181
SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, p. 96.
81
A este respeito Daniel Sarmento
182
acrescenta:
(...) no plano da fluidez, os princípios situam-se entre os
valores e as regras jurídicas. Excedem os valores, em termos de
concretização, por já delinearem indicações sobre as suas
conseqüências jurídicas, mas ainda não alcançam o grau de densidade
normativa das regras, pois não têm delimitadas, com precisão
necessária, as respectivas hipóteses e incidência e conseqüências
jurídicas.
Apesar da explanação acima, a força normativa dos princípios Constitucionais
ainda encontra resistência no Direito do Trabalho.
Américo Plá Rodriguez
183
e Sérgio Pinto
184
sustentam a força normativa supletiva
e não a autônoma dos princípios, negando a necessária independência normativa destes.
Maurício Godinho
185
afirma que a prevalência dos princípios sobre as regras legais
é relativa, “sob pena de criar-se total insegurança na ordem jurídica e meio social
regulado.” Em virtude disto, sustenta que os princípios têm força normativa
concorrente, e não autônoma ou própria.
Em posição antagônica, Amauri Mascaro
186
e Délio Maranhão
187
negam a
normatividade dos princípios.
Negar a normatividade dos princípios é ignorar a nova ordem constitucional, seus
valores.
Em posição minoritária, mas numa corrente mais moderna, a norma constitucional
pode ser dividida em quatro espécies: princípios, regras, valores e postulados, cada um
com função e objetivo diverso, como abaixo explicado
188
:
O princípio diz o fim almejado, mas não diz o meio, o caminho
para se chegar àquele fim. É mais plástico, mais aberto, de maior
dimensão e mais irradiante. Possui um grau mais alto de generalidade
e abstração que as regras. Aplica-se a vários casos. Ex. Princípio da
dignidade da pessoa humana. Como se chegar a este fim desejado
pela norma constitucional?
182
SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, p. 43.
183
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Traduzido por Wagner Giglio. São
Paulo: LTr, 1978, p. 17.
184
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 74.
185
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 188-190.
186
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27ª ed. São Paulo: LTr, 2001, p.
115.
187
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 18ª ed., Vol. 1, 1999, p. 173.
188
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Impetus, 2009, p. 132
82
A regra é aquela que contém a hipótese de incidência e a
conseqüência, é o chamado “se... então”. Por isso, são mais
concretas, menos irradiantes e menos abertas. Ex. Se trabalhar mais
que oito horas por dia, então terá direito a horas extras com
acréscimo de 50%.
Valor é um axioma subjetivo que impregna toda a constituição,
é o que é bom para a pessoa e quando incorporado ao direito ele se
torna norma. Alguns se incorporam ao direito por meio dos
princípios. Ex: justiça, valorização do ser sobre o ter.
Os postulados são critérios de ponderação, estabelecendo
apenas o meio e não o fim almejado.
Humberto D’Ávila
189
distingue os princípios dos postulados, apontando como
exemplo destes: o da proporcionalidade e da razoabilidade. Afirma que os postulados
não apontam um fim e sim o meio pelo qual se deve chegar a melhor solução. É método
de ponderação, de sopesamento, de raciocínio.
Desta forma, fácil concluir que os princípios constitucionais são fontes formais de
direito porque são normas
190
e, desta forma, agem de forma coercitiva sobre os agentes
sociais. A normatividade dos princípios também pode ser estendida a alguns princípios
gerais de direito ou específicos de Direito do Trabalho, embora a doutrina e
jurisprudência trabalhistas ainda não reconheçam esta função normativa.
3.3. Função dos princípios
Diversas são as funções dos princípios, sob a ótica moderna: informadora,
interpretadora, diretiva e normativa.
Informadora
Interpretadora
Função Diretiva e unificadora
Supletiva
Normativa
Autônoma
A função informadora se baseia no fato do princípio inspirar o legislador a legislar
a favor de um determinado bem ou valor jurídico que deve ser tutelado ou prestigiado,
189
D’ÁVILLA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo, 5ª ed, revista e ampliada. Malheiros, 2005, p. 121-123.
190
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 165
.
83
servindo de fundamento para o ordenamento jurídico. Ex: Princípio da proteção ao
trabalhador: privilegia o trabalhador, o hipossuficiente.
Diretiva e unificadora porque unifica o ordenamento e indica a direção a ser
tomada pelo legislador, operadores do direito e intérpretes. Não permite analisar a
norma de forma isolada. Ex: O inciso XXVI do art. 7º da CRFB deve ser interpretado de
acordo com o caput do mesmo artigo, sob pena de se ignorar o princípio da unidade da
interpretação constitucional (mais tarde estudada).
Também tem função interpretadora porque age como critério de orientação do juiz
ou do intérprete. Ex: princípio in dubio pro misero: quando a norma comportar mais de
uma interpretação razoável, o intérprete deverá optar por aquela mais favorável ao
trabalhador.
Normativo supletivo, acessório ou secundário quando supre e integra as lacunas
legais, servindo como fonte supletiva. A regra concreta existe, mas não prevê
determinada nuance ou hipótese. O princípio preenche esse vazio normatizando o caso.
Ex: o artigo 10, II, b do ADCT concede estabilidade à gestante desde a confirmação da
gravidez até cinco meses após o parto. Porém, não informa qual deve ser o
procedimento quando a gravidez é interrompida pela morte do feto ou quando nasce
morta ou, ainda, quando a confirmação se após a rescisão contratual, mas com data
de concepção anterior à dispensa. O intérprete deve ponderar se deve aplicar o princípio
da proteção à maternidade ou à trabalhadora (que não teve sequer a oportunidade de ser
mãe, em virtude do falecimento do feto).
A função normativa autônoma atua criando um direito subjetivo, preenchendo o
vazio existente no ordenamento jurídico e não na regra. Ex. Não existe lei que proíba
um anão aceite trabalhar como um projétil a ser arremessado pelos fregueses do
empregador. Todavia, tal comportamento parece ferir o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana. Nesse caso, a aplicação do princípio funcionará para
impedir o trabalho, atuando como fonte normativa autônoma.
4. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO DO TRABALHO
84
Os princípios atingem todos os ramos do direito interno e externo e, como são
espécies de norma, contaminam todo o ordenamento jurídico, respeitando cada matéria.
Abaixo transcreveremos os princípios compatíveis com o Direito do Trabalho
191
:
4.1. Princípios universais de Direito do Trabalho
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Proibição de trabalho escravo – art. IV;
Direito ao trabalho
192
– art. XXIII, caput;
Liberdade de Trabalho – art. XXIII, 1;
Direito à condição favorável de trabalho – art. XXIII, 1;
Proteção contra o desemprego – art. XXIII, 1;
Não discriminação de salário – art. XXIII, 2;
Garantia de um salário digno além de outros meios de proteção social
ao trabalhador – art. XXIII, 3;
Direito à organização sindical e a livre associação – art. XXIII, 4.
Tratado de Versailles
O trabalho não pode ser considerado como mercadoria
193
ou artigo de
comércio – art. 427, 1;
Direito de associação sindical – art. 427, 4;
Direito a salário que assegure nível de vida conveniente - art. 427, 3;
Jornada de 8horas e 48h semanais - art. 427, 4;
Descanso semanal de 24 horas - art. 427, 5;
Supressão do trabalho infantil e limitação ao trabalho do menor - art.
427, 6;
Salário igual sem distinção de sexo - art. 427, 7;
Salário igual entre trabalhadores residentes legalmente no mesmo
país - art. 427, 8.
4.1. Princípios gerais constitucionais de Direito do Trabalho
Art. 1° da CRFB
191
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo: Impetus, 2009, ps. 138 – 141.
192
Artigo XXIII da Declaração Universal dos Direitos do Homem assim se refere:
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas
e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual
trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe
assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e
a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de
seus interesses.
193
Este princípio é a base de todo o Direito do Trabalho como afirmou Mario de La Cueva “contém a
essência do Direito do Trabalho. O trabalho não é uma mercadoria; equivale a sustentar que, em todos os
casos, deve respeitar-se a dignidade da pessoa humana.” Apud SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito
Internacional do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 103.
85
Respeito à Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III);
Valores Sociais do Trabalho (art. 1º, IV);
Livre Iniciativa (art. 1º, IV);
Art. 5° da CRFB
Inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade (...) art.
5º, caput;
Da anterioridade legal: fazer ou deixar de fazer algo, salvo em virtude
de lei – art. 5º, II;
Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante (...) -art. 5º, III;
Livre manifestação do pensamento (...) - art. 5º, IV;
Direito a indenização por dano moral, material ou à imagem (...) - art.
5º, V;
Liberdade de consciência e de crença (...)- art. 5º, VI;
Da isonomia de tratamento: Ninguém será privado de direitos por
motivos de crença religiosa (...)- art. 5º, VIII;
Inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (...)-
art. 5º, X;
Livre exercício de qualquer trabalho ou ofício (...)- art. 5º, XIII;
Livre reunião pacífica, sem armas... em locais abertos (...)- art. 5º,
XVI;
Direito à associação para fins lícitos (...)- art. 5º, XVII;
Criação de associações e cooperativas (...)- art. 5º, XVIII;
Associações dissolvidas apenas por decisão judicial (...)- art. 5º, XIX;
Ninguém será obrigado a associar-se ou permanecer associado (...)-
art. 5º, XX;
Legitimidade das associações (...)- art. 5º, XXI;
A lei não excluirá do Judiciário lesão ou ameaça de direito (...)- art.
5º, XXXV;
Respeito ao Direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa
julgada (...)- art. 5º, XXXVI;
Direito de resposta, o contraditório e ampla defesa (...) - art. 5º, V e
XXXV.
Art. 170 da CRFB
Justiça Social – art. 170, caput;
Valorização do Trabalho Humano – art. 170, caput;
Livre iniciativa – art. 170, caput;
Dignidade da pessoa humana – art. 170, caput;
Função social da empresa – art. 170, III;
Busca do pleno emprego – art. 170, IV.
4.3. Princípios constitucionais específicos de Direito do Trabalho
Art. 8° da CRFB
Liberdade Sindical – art. 8º, caput;
Não interferência estatal nos sindicatos – art. 8º, I
Unicidade Sindical – art. 8º, II;
Representação Sindical – art. 8º, III;
86
Contribuição sindical compulsória – art. 8º, IV;
Livre filiação Sindical – art. 8º, V;
Necessária intervenção sindical nas negociações coletivas – art. 8º,
VI;
Proteção ao dirigente sindical – art.8º, VIII;
Garantia do sistema confederativo – art. 8º, IV;
Subordinação do sindicato à vontade da assembléia – art. 8º, IV.
Artigo 9° da CRFB
Direito de Greve
Artigo 11 da CRFB
Representação dos trabalhadores na empresa
Artigo 7° da CRFB
Da proteção ao trabalhador e prevalência da condição mais favorável
(art. 7º caput);
Da proteção contra a despedida arbitrária (art. 7º, I );
Periodicidade de reajuste do salário mínimo – (art. 7º, IV);
Da irredutibilidade salarial (art. 7º, VI);
Proteção do mercado de trabalho da mulher – (art. 7º, XX);
Do reconhecimento dos Convênios Coletivos (art. 7º, XXVI);
Da proteção ao trabalhador em face da automação (art. 7º, XXVII);
Da isonomia salarial e de tratamento (art. 7º XXX);
Da não discriminação (art. 7º incisos XXX, XXXI, XXXII);
Da proibição do trabalho infantil e proteção de trabalho noturno,
perigoso e insalubre ao adolescente (art. 7º XXXIII);
Da redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º XXII);
Do seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador (art.
7º XXVIII).
4.4. Princípios gerais aplicáveis ao Direito do Trabalho
Não alegação da ignorância da lei – art. 3º LICC;
Função social do direito – art. 5º da LICC;
Respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada –
art. 6º da LICC;
Da irrenunciabilidade dos direitos da personalidade – art. 11 do CC;
Da inviolabilidade da vida privada – art. 21 do CC;
Da prevalência da intenção sobre a forma – art. 112 do CC;
Boa fé e lealdade nos contratos – art. 113 do CC;
Livre consentimento – 138 e seg. CC;
Da não alegação da própria torpeza – art. 150 CC e outros;
Proibição do abuso do direito e do enriquecimento sem causa – art.
187 do CC;
Da força vinculante dos contratos (pacta sunt servanda) e da sua
inalterabilidade;
Da exceção do contrato não cumprido;
Da razoabilidade, ponderação, prudência e sensatez na avaliação das
condutas humanas;
Da tipificação legal das penas e ilícitos;
Da proteção a incapacidade ou das minorias;
87
Do aproveitamento dos atos a favor do hipossuficiente;
Da proteção à criança e ao adolescente;
88
CAPÍTULO IV
PRINCÍPIOS DE DIREITO DO TRABALHO
1. INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho protege o trabalhador em face do desequilíbrio jurídico e
econômico existente na relação travada entre empregado e empregador, por ser aquele
economicamente mais fraco em relação a este. A partir daí consagrou-se o princípio da
proteção ao trabalhador, na tentativa de equilibrar esta relação desigual. Para compensar
esta desproporcionalidade econômica desfavorável ao trabalhador, o Direito do
Trabalho destinou uma maior proteção jurídica ao trabalhador. Para corrigir as
desigualdades a medida ideal é criar outras desigualdades, igualando as partes.
Os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida de suas
desigualdades para que possam sofrer menos sua condição de desigual. Esta máxima
não se restringe à relação travada entre empregado e patrão, mas também é o norte, o
núcleo principal do princípio da isonomia.
José Afonso da Silva
194
afirma que é exatamente "porque existem desigualdades,
é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das
condições desiguais", portanto, o fim igualitário é buscado por vários ramos do direito e
para diversos fins.
Kelsen
195
ensinava que:
(...) a igualdade dos indivíduos sujeitos a ordem pública, garantida
pela Constituição, o significa que aqueles devem ser tratados por
forma igual nas normas legisladas com fundamento na Constituição,
especialmente nas leis. Não pode ser uma tal igualdade aquela que se
194
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT, 1993, p.195.
195
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1974, p.203.
89
tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir
os mesmos direitos a todos os indivíduos sem fazer quaisquer
distinções, por exemplo, entre crianças e adultos, sãos de espírito e
doentes mentais, homens e mulheres.
Pelos mesmos argumentos, não podem empregado e empregador terem o mesmo
tratamento pela lei, Judiciário e intérprete, em face da vulnerabilidade do trabalhador
frete ao patrão.
Canotilho
196
acrescenta que o principio da igualdade de tratamento ocorre:
(...) quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente
(proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o
princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento
surge como arbitrária (...). Existe violação arbitrária da igualdade
jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: fundamento
sério; não tiver um sentido legítimo; estabelecer diferenciação
jurídica sem um fundamento razoável.
Tratar igualmente as partes da relação de emprego é ignorar, desprezar e tirar
proveito da condição de hipossuficiência do trabalhador.
Para compensar sua fragilidade jurídica e econômica o princípio da proteção ao
trabalhador é a base do Direito do Trabalho. Uma das finalidades do Direito do
Trabalho é a de alcançar uma verdadeira igualdade, a igualdade chamada de substancial
entre as partes. Para tanto, é necessário proteger o trabalhador, por ser a parte mais
frágil desta relação.
A intensa intervenção estatal é a principal característica do princípio da proteção
ao trabalhador, pois limita a autonomia da vontade das partes. O contrato mínimo de
trabalho está regulamentado
197
por lei, que o Estado dirige, por meio da legislação
imposta, as regras mínimas do contrato, não deixando as partes livres para a negociação,
para o ajuste. O princípio da proteção visa equilibrar esta relação que, desde a sua
origem, é desigual. Plá Rodriguez
198
afirmava que“(...) historicamente, o Direito do
Trabalho surgiu como conseqüência de que a liberdade de contrato entre pessoas com
196
CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995.
p.401
197
A natureza jurídica da relação de emprego é controvertida, em face da intensa regulamentação que
sofre o contrato de trabalho. Daí porque há corrente negando a natureza contratual da relação de emprego,
apontando a natureza institucionalista como fundamento básico desta.
198
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner Giglio. São
Paulo: LTr, 1978, p. 40.
90
poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração.
Inclusive, às mais abusivas e iníquas.”
Para PRodriguez
199
o princípio da proteção ao trabalhador, que é o fundamento
e a base do Direito do Trabalho, se divide em:
- Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador;
- Princípio da prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador;
- Princípio da interpretação: in dubio, pro misero.
O autor acrescenta que
200
:
(...) além do princípio protetor, no qual se inserem as regras in
dubio pro operario, da norma mais favorável e da condição mais
benéfica, o Direito do Trabalho consagra os princípios da
irrenunciabilidade, da continuidade da relação de emprego, da primazia
da realidade, da razoabilidade e da boa-fé.
Diante da natural desigualdade jurídica existente entre as partes, que o capital
possui certa segurança garantida pelo poder econômico do patrão e, levando-se em
contra, do outro lado, a vulnerabilidade econômica do trabalhador, necessário um
princípio para tutelá-lo. A necessidade de subsistência muitas vezes contamina a
vontade do trabalhador que acaba se submetendo às péssimas condições de trabalho,
aceitando baixos salários e alterações contratuais que lhe são prejudiciais. Assim, o
Direito do Trabalho pretende igualar as partes desiguais desta relação.
Diante da crise econômica e a necessidade de flexibilização, assunto
enfrentados nos primeiros Capítulos desta, o princípio da proteção do trabalhador tem
sido relativizado e, algumas vezes até afastado
201
.
A crise realmente enfraqueceu o princípio da proteção ao trabalhador, fato que
pode ser facilmente constatado pela jurisprudência e súmulas mais recentes dos
tribunais trabalhistas que, não mais defendem ferozmente o trabalhador como outrora
faziam, permitindo em alguns casos, a redução de seus direitos ou a alteração in pejus.
Será analisado abaixo cada um dos princípios trabalhistas.
199
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. cit., p.41.
200
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. cit., p.44
.
201
Arion Romita neste sentido. ROMITA, Arion Sayão. O princípio da Proteção em xeque e outros
ensaios. São Paulo: LTr, 2003, p. 23/27.
91
2. ESPÉCIES
2.1. Princípio da prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador
Todo tratamento favorável ao trabalhador, concedido habitualmente, de forma oral
ou tácita, considera-se ajustado, não podendo mais ser suprimido, porque incorporado
ao patrimônio do trabalhador art. 468 da CLT. A benesse que explicitamente consta
do contrato independe o requisito da repetição, pois expressa (escrita) no contrato. Se
o tratamento mais favorável for concedido espontaneamente pelo patrão, mesmo após a
admissão, prevalecerá sobre os menos favoráveis previstos no contrato, na lei, nas
normas coletivas ou no regimento interno, salvo lei em sentido contrário ou
flexibilização autorizada por norma coletiva
202
O princípio da prevalência da condição mais favorável ao trabalhador encontra
respaldo no artigo 468 da CLT e se funda no princípio do direito adquirido, apontado no
inciso XXXVI do art. 5º da CRFB.
Ex1: empregador que concede alimentação in natura e graciosa ou plano de saúde
com desconto módico, ambos de forma habitual ao empregado, via de regra não pode
mais suprimir tais benefícios, por causar prejuízo ao empregado – art. 468 da CLT.
Ex2: empregador que habitualmente e de forma incondicional permite que o
empregado trabalhe apenas seis horas por dia, apesar da previsão contratual de jornada
de 8h, ajusta tacitamente a jornada reduzida, tendo que pagar como extras as laboradas
após a 6ª diária.
As benesses acima mencionadas se incorporaram de forma definitiva ao contrato
de trabalho, pois ao permitir que o empregado usufrua desta condição que lhe é mais
favorável que a prevista no contrato de trabalho e/ou na lei, o patrão limitou seu poder
202
Apesar da tendência da jurisprudência em aceitar que a norma coletiva reduza direitos previstos em lei,
no contrato ou em regimento interno, há decisões em sentido contrário:
RECURSO DE REVISTA. 1. HORA NOTURNA REDUZIDA. REGIME 12 x 36.
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA DE EQUIPARAÇÃO DA HORA NOTURNA À
HORA DIURNA. O art. 73, § 1º, da CLT estabelece que a hora de trabalho noturno será
computada como de 52 minutos e 30 segundos. Trata-se de norma de caráter tutelar, cuja
observância é obrigatória, mesmo que haja previsão em norma coletiva de equiparação da hora
noturna à hora diurna. Recurso de revista conhecido e desprovido. TST, 3ª T, RR - 3642/2004-
004-12-00, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, DEJT - 14/08/2009.
92
potestativo de variar e vinculou-se ao cumprimento desta nova condição, por
tacitamente ajustada pela habitualidade.
A jurisprudência também é nesse sentido:
RECURSO DE REVISTA. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO.
APOSENTADORIA. COMPLEMENTAÇÃO. CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL. CONTRARIEDADE À OJT 51 da
SBDI-1 do TST. A OJ Transitória 51 da SDI-1/TST preceitua a
impossibilidade da supressão do auxílio-alimentação tanto em relação
àqueles ex-empregados que percebiam o benefício, e estavam
aposentados à época da alteração, quanto àqueles que ainda não
haviam sido jubilados, mas que foram admitidos durante a vigência
da norma que instituiu a mencionada benesse. Recurso de Revista
provido. TST, T, RR - 1527/2005-008-01-00, Rel. Maurício
Godinho Delgado, DEJT - 14/08/2009.
RECURSO DE REVISTA. 1. PLANO DE SAÚDE. NORMA
COLETIVA. O Regional deixou evidenciado que a reclamada, por
mais de três anos, quitou integralmente o plano de saúde do
reclamante, não podendo norma coletiva posterior excluir tal
benefício. Assim, não falar em contrariedade à Súmula 277 do
TST. De outra parte, os arestos trazidos a confronto afiguram-se
inespecíficos à luz da Súmula 296 desta Corte Superior. Recurso de
Revista não conhecido. TST, T, RR - 980/2007-010-17-00, Rel.
Min. Dora Maria da Costa, DEJT - 07/08/2009
Ressalte-se que esta é uma regra geral que vem encontrando, cada vez mais,
exceções
203
, que serão analisadas mais tarde.
A prevalência do tratamento mais favorável depende do preenchimento de alguns
requisitos: a) existência de uma condição concreta anterior ou de uma norma anterior
aplicável àquela situação concreta; b) situação ou norma nova, distinta da anterior, e
aplicada voluntariamente, de forma habitual pela empresa, e que seja mais vantajosa que
a anterior para aquele mesmo trabalhador, desde que inexista lei proibindo a
incorporação da benesse ou que não contrarie norma de ordem pública. Em alguns casos
a norma coletiva também pode suprimir a benesse, como estudado no Capítulo da
“Flexibilização”.
Do contexto acima quatro elementos são fundamentais, podendo ser apontados
como requisitos:
a) Condição mais favorável que a legal ou a contratual;
203
A OJ 308 da SDI-I do TST autoriza o retorno à jornada contratual, mesmo que em prejuízo do
trabalhador. Da mesma forma, a OJ 159 da SDI-I do TST permite a mudança da data do pagamento do
salário, mesmo que em prejuízo do trabalhador. Esses são exemplos de exceções à regra estudada.
93
b) Habitualidade na concessão da benesse, salvo quando o benefício foi concedido
de forma expressa (escrita);
c) Concessão voluntária e incondicional;
d) Não haver impedimento legal para sua incorporação ao contrato.
Apesar do princípio ainda ser adotado, percebe-se uma mudança de interpretação
quando de sua aplicação pelo Poder Judiciário.
A incorporação definitiva de benefícios concedidos por liberalidade do patrão
pode causar, em alguns casos, iniquidade e onerar demasiadamente o patrão. Muitos
optam pela despedida do empregado, pois sua manutenção em condições menos
favoráveis gera direitos ao trabalhador prejudicado e maiores gastos ao patrão.
Se, por exemplo, o empregador fornece plano de saúde aos seus empregados,
atitude louvada e merecedora de elogios e incentivo, pois a lei não o obriga a tanto,
mesmo atravessando dificuldades econômicas ou em momentos em que é necessário
cortar os custos para manutenção da saúde da empresa, não poderá, salvo norma
coletiva em contrário, suprimir a parcela, mesmo nas hipóteses de suspensão contratual,
como vem entendendo a jurisprudência.
Explica-se.
Na suspensão contratual as principais cláusulas do ajuste permanecem
paralisadas, suspensas, sem execução. Tecnicamente, durante a suspensão contratual
não trabalho nem pagamento de salário
204
ou de qualquer outra vantagem
205
. Isto
autorizaria ao patrão a suprimir as vantagens antes concedidas.
Imagine-se um empregado acidentado e gravemente ferido que, por força disto,
entra em gozo de auxílio-doença. Pergunta-se: terá ele direito à manutenção do plano de
saúde e da moradia concedida pelo empregador durante o período de suspensão
contratual? Deveria ser aplicada a regra geral que autoriza a suspensão todos os efeitos
patrimoniais do contrato?
Assim, de acordo com essa visão fria e literal, pode o empregador suprimir o
plano de saúde, ter restituída a moradia, deixar de conceder o vale-transporte, tíquete-
refeição etc. Todavia, a jurisprudência não é unânime neste sentido, sob o argumento de
204
Parte da doutrina entende que o acidente de trabalho, a licença maternidade e o serviço militar
acarretam a suspensão contratual. Independentemente do entendimento, haverá a obrigatoriedade de
depósito do FGTS.
205
O artigo 476-A da CLT autoriza a concessão de benefícios durante a suspensão para curso, sem que tal
parcela tenha natureza salarial.
94
que é nesta fase que o empregado mais precisa do plano de saúde, assim como dos
demais benefícios concedidos pelo empregador. Desta forma, parte da jurisprudência
inclina-se no sentido de garantir ao trabalhador com o contrato suspenso as benesses
relacionadas à proteção à saúde.
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA RENAL
CRÔNICA. MANUTENÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. Nos termos
do art. 475 da CLT, a aposentadoria por invalidez opera a suspensão
do contrato de trabalho. Suspenso o ajuste, paralisam-se apenas os
efeitos principais do vínculo, quais sejam, a prestação de trabalho, o
pagamento de salários e a contagem do tempo de serviço. Todavia, as
cláusulas contratuais compatíveis com a suspensão continuam
impondo direitos e obrigações às partes, porquanto subsiste intacto o
vínculo de emprego. Considerando que o direito ao acesso ao plano
de saúde, tal como usufruído antes da aposentadoria por invalidez,
não decorre da prestação de serviços, mas diretamente do contrato de
emprego resguardado durante a percepção do benefício
previdenciário –, não há motivo para sua cassação. Recurso de revista
conhecido e provido. TST, T, RR 2818/2003-037-12-00, Rel.
Rosa Maria Weber Candiota, DJ 29/09/ 06.
Sugere-se que o intérprete analise o motivo da suspensão contratual para decidir
a questão. Desta forma, se o empregado está com seu contrato suspenso porque foi
eleito dirigente sindical, todas as benesses podem ser suspensas. O mesmo raciocínio
deve ser utilizado caso ele tenha tido seu contrato suspenso por serviço militar
obrigatório ou por desempenhar qualquer cargo público civil etc. Por outro lado, caso a
suspensão tenha ocorrido por motivo de acidente ou doença, a questão se torna mais
difícil, que algumas utilidades, como as relativas à saúde (plano de saúde), foram
concedidas exatamente para atender a essas situações excepcionais. Daí porque,
excepcionalmente, algumas utilidades, dependendo do motivo e da duração da
suspensão contratual, devem continuar a ser concedidas.
A manutenção da utilidade para os casos de doença e acidente se coaduna com o
princípio da proteção ao trabalhador. Entrementes, a medida, pode se tornar
extremamente onerosa para o bom empregador que, ao contrário dos demais, forneceu o
plano de saúde. Isto se explica porque pode um trabalhador permanecer em auxílio-
doença durante anos e mais tarde aposentar-se por invalidez (motivo de suspensão do
contrato) e, nesta condição também permanecer muitos anos. Não é justo obrigar o
empregador por todo este período 5, 10, 15 anos. Ademais, norma benéfica interpreta-
se restritivamente.
95
Logo, se o empregador não foi expresso na manutenção da benesse durante toda
a suspensão do contrato, a interpretação deverá ser no sentido de que as utilidades
fornecidas para o trabalho podem ser suprimidas nos longos períodos de suspensão
contratual, e apenas nestes, ou que o empregado passe a custeá-las.
Abaixo os requisitos para a incorporação de uma benesse ao contrato de forma
definitiva.
2.1.1. Condição mais favorável
O primeiro requisito é a concessão de uma vantagem melhor que a prevista em lei
ou no contrato. Assim, a concessão de uma utilidade ou de um tratamento será
considerada benéfica se não ferir as regras gerais de direito do trabalho, seus princípios
e bons costumes, de forma que não cause prejuízos diretos ou indiretos ao empregado.
Distinguir o que é bom para o trabalhador nem sempre é uma tarefa fácil, pois a
análise do caso concreto pode perpassar por fundamentos diversos e mascarar a
vantagem, ou seja, algumas vezes é difícil analisar se a condição é realmente benéfica
para o trabalhador ou não. As preferências pessoais de cada trabalhador não devem
pautar a valoração. O olhar do intérprete deve levar em conta o bem estar do empregado
segundo as normas de direito, de medicina e segurança do trabalho e sua saúde.
Entende-se por bem estar do empregado tudo que proteja sua saúde mental, física,
biologia e social. A concessão habitual de drogas, cigarros ou bebidas alcoólicas,
mesmo que de forma graciosa, jamais se incorporará ao contrato, porque constitui
malefício à saúde do empregado, mesmo que para ele seja vantajosa a concessão
graciosa, pois mantém seu vício sem ônus – Súmula 367, II do TST c/c art. 458, fine da
CLT.
A supressão de labor extra, por exemplo, foi motivo de discussão na
jurisprudência, pois se, de um lado propicia menor tempo de trabalho, favorecendo o
descanso, por outro lado o trabalhador deixa de receber o pagamento das horas extras
206
e respectivo adicional. A Súmula 291 do TST espelha bem a confusão, pois ao invés de
permitir a supressão, obriga ao pagamento de uma indenização, como se tivesse
ocorrido prejuízo. Outro exemplo: a alteração da jornada de 12 horas de trabalho por 36
horas de descanso para a de 8 horas diárias; ou, a mudança do turno ininterrupto de
206
A cancelada Súmula 76 do TST, pela Súmula 291, determinava a incorporação definitiva das horas
extras ao contrato de trabalho, obrigando os patrões ao pagamento mesmo sem o respectivo labor.
96
revezamento de 6 horas diárias e 36 semanais, para turnos fixos de 8 horas diárias, 44
semanais e 220 mensais, proporciona benefício ao trabalhador, pois, no primeiro caso
houve redução do labor excessivo extra (4 horas extras) e no segundo, apesar do
aumento de quantidade de horas de trabalho por dia, a nocividade do revezamento
cessou Súmula 391, II do TST. Isto porque o trabalho em diversos horários, ora
manha, ora tarde, ora noite, ora madrugada, afeta drasticamente o relógio biológico do
trabalhador e, com isso, sua saúde.
2.1.2. Habitualidade na concessão do benefício
Alguns benefícios são concedidos sem ajuste escrito. Quando isso acontece, a
presunção do ajuste (tácito ou oral) depende da concessão da vantagem habitualmente,
pois este é um critério objetivo (a repetição).
Desta forma, o fornecimento de uma benesse por curto espaço de tempo, não
acarreta a presunção de prévio ajuste de concessão, porque habitual é o que se repete no
tempo.
Há decisão neste sentido:
CONDIÇÃO MAIS FAVORÁVEL HABITUAL SE INCORPORA
AO CONTRATO DE TRABALHO. A concessão de jornada
reduzida de forma habitual e incondicional constitui condição mais
favorável ao trabalhador que se incorpora ao contrato, não podendo
ser suprimida - art. 468 da CLT. TRT, Reg., T, Proc.
00923.2003.302.01.00.4, Rel. Vólia Bomfim Cassar, sessão do dia
25.05.05.
2.1.3. Concessão voluntária e incondicional
Se a vantagem fornecida pelo patrão estiver condicionada a um evento,
implementada a condição o benefício pode ser suprimido, pois o limite de atuação do
princípio da prevalência da condição mais favorável é a sua concessão sob condição
resolutiva (evento futuro e incerto) ou de forma temporária.
Plá Rodriguez
207
acrescenta informando que:
(...) muitas vezes, as condições mais favoráveis são meramente
provisórias e fugazes, em conseqüência ou do desempenho interino de
um cargo, ou de algum acontecimento extraordinário que origina uma
sobrecarga circunstancial de trabalho. (...) Se, na prática, os fatos
207
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. cit. p. 63.
97
demonstram que se tratava de um benefício meramente transitório, uma
vez finda a situação que o originou, pode ser tornado sem efeito.
Isto é, o empregador pode deixar de conceder o benefício se a situação que o
originou foi temporária e se esvaiu. Somente as condições estabelecidas de forma
definitiva podem ser levadas em consideração na análise das condições mais favoráveis.
Por este motivo, as benesses concedidas por força de acordo coletivo, convenção
coletiva e sentença normativa obrigam o patrão durante a vigência da respectiva
norma. Isto se explica porque as normas coletivas têm vigência limitada no tempo
(máximo de 2 anos – art. 614, parágrafo 3º da CLT).
Da mesma forma a Súmula 277 do TST:
SENTENÇA NORMATIVA, CONVENÇÃO OU ACORDO
COLETIVOS. VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS
DE TRABALHO.
I As condições de trabalho alcançadas por força de sentença
normativa, convenção ou acordo coletivos vigoram no prazo
assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos
individuais de trabalho.
II Ressalva-se da regra enunciada no item I o período
compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei
8.542, revogada pela Medida Provisória 1.709, convertida na
Lei nº 10.192, de 14.02.2001.
O pagamento dos adicionais e das gratificações
208
dependem do preenchimento de
certos requisitos, pois são espécies de sobre-salários. Cessado o fato gerador, o a parcela
pode ser suprimida. Assim, enquanto o trabalhador estiver laborando em horário
noturno perceberá o correspondente adicional e quando deixar de trabalhar neste
horário, cessará o respectivo pagamento, conforme a Súmula 265 do TST. O mesmo
ocorre em relação ao adicional de insalubridade, periculosidade, transferência,
gratificação de função de caixa etc. Enquanto trabalhar em local insalubre, perigoso,
estiver transferido provisoriamente para outra localidade, ou estiver exercendo a função
de caixa, receberá o respectivo adicional ou gratificação.
Assim, lícita é a supressão da alimentação quando do retorno do empregado que
apenas a recebeu enquanto esteve executando seu contrato em outro estado ou país, em
face da transferência provisória determinada pelo empregador, desde que explícita a
condição resolutiva.
208
As gratificações também são chamadas de salário-condição, pois só pagas quando o evento ocorre.
98
Da mesma forma, o adicional de transferência é pago enquanto o empregado
está transferido para localidade diversa da que resultou o contrato.
Apesar de todo o afirmado, a jurisprudência não admite a supressão da
gratificação de função percebida por mais de dez anos, mesmo que o empregado tenha
sido revertido ao cargo efetivo - Súmula 372, I do TST, sob o frágil argumento da
estabilidade financeira proporcionada ao empregado durante tanto tempo. Ora, se a
gratificação era paga em razão da função exercida, deveria ser autorizada sua supressão
quando o empregado não mais a exercesse.
2.1.4. Inexistência de impedimento legal
A lei, os bons costumes, o princípios gerais de direito e os constitucionais podem
impedir a incorporação ao contrato de uma benesse concedida habitualmente,
principalmente quando o procedimento adotado pelas partes ferir de morte a ordem
pública.
casos em que a própria lei autoriza a supressão do benefício e, por isso,
excepciona a possibilidade de incorporação, mesmo causando prejuízo ao empregado, aí
está incluído o exercício do ius variandi do patrão, que é o direito que o empregador
tem de variar
209
o contrato.
Desta forma, é lícito o corte salarial praticado pelo empregador público quando o
valor do salário do empregado ultrapassar o teto previsto no artigo 37, XI, da CRFB c/c
OJ 339 da SDI-I do TST, apesar de causar prejuízo ao trabalhador. Outro exemplo é a
negativa de reconhecimento formal do vínculo de emprego aos que não se submeteram
ao concurso público, como exige o artigo 37, II da Constituição - Súmula 363 do TST,
ante a previsão constitucional. Também é o caso da nulidade da cláusula que prevê
vigência permanente em norma coletiva autônoma (convenção ou acordo coletivo),
contrariando o artigo 614, parágrafo da CLT – OJ 322 da SDI-I do TST. Em todos os
casos apontados, a lei prevaleceu sobre o tratamento favorável ao trabalhador.
209
Variar significa o direito que tem o patrão de alterar cláusulas contratuais. Explica-se, Por ser o dono
do empreendimento e correr o risco do negócio, o empregador tem o poder diretivo do contrato de
trabalho, podendo variar algumas cláusulas contratuais de acordo com a tendência econômica ou interesse
da empresa. Faz parte do ius variandi, por exemplo: a) mudança do horário de trabalho, desde que não
haja majoração da quantidade de horas trabalhadas por dia (jornada) e não importe em alteração do turno
diurno para o noturno (por ser prejudicial ao empregado) Súmula 265 do TST; b) mudança do local da
prestação de serviços, respeitados os limites do art. 469 da CLT; c) possibilidade de exigir do empregado
atribuições compatíveis com a função exercida art. 456, parágrafo único da CLT; d) promoção do
empregado; e) alteração da nomenclatura do cargo (sem causar prejuízos) etc.
99
2.1.5. Exceções ao princípio da prevalência da condição mais favorável ao
trabalhador
A crise econômica enfrentada pelo país, o processo de globalização, a inserção de
novas tecnologias, a automação, dentre outros fatores, aumentou drasticamente o
desemprego e acarretou na falência ou recuperação judicial
210
de muitas sociedades
empresárias, levando a uma nova interpretação do Direito do Trabalho. A necessidade
de flexibilizar passa a ser uma alternativa à crise e passa a inspirar também o Judiciário
Trabalhista, que não é tão protetivo ao trabalhador como outrora o foi. Não se está
aqui afirmando que o princípio protetor deixou de ser aplicado, ou que a jurisprudência
não mais tende a favorecer o trabalhador, o que se está afirmando é uma leve mudança,
um breve aceno para novo paradigma: a ponderação.
Algumas súmulas e orientações jurisprudenciais espelham a nova tendência dos
tribunais trabalhistas:
OJ 159 da SDI-I do TST: Data de pagamento. Salários. Alteração.
Diante da inexistência de previsão expressa em contrato ou em
instrumento normativo, a alteração de data de pagamento pelo
empregador não viola o art.468, desde que observado o parágrafo, do
art.459, ambos da CLT.
OJ 275 da SDI-I do TST: Turno ininterrupto de revezamento. Horista.
Horas extras e adicional. Devidos. Inexistindo instrumento coletivo
fixando jornada diversa, o empregado horista submetido a turno
ininterrupto de revezamento faz jus ao pagamento das horas
extraordinárias laboradas além da 6ª, bem como ao respectivo
adicional.
OJ 308 da SDI-I do TST: Jornada de trabalho. Alteração. Retorno à
jornada inicialmente contratada. Servidor público. O retorno do
servidor público (administração direta, autárquica e fundacional) à
jornada inicialmente contratada não se insere nas vedações do art.468
da CLT, sendo a jornada definida em lei e no contrato de trabalho
firmado entre as partes.
OJ 325 da SDI-I do TST: Aumento salarial concedido pela empresa.
Compensação no ano seguinte em antecipação sem a participação do
sindicato profissional. Impossibilidade. DJ 09.12.03. O aumento real,
concedido pela empresa a todos os seus empregados, somente pode ser
210
Exemplo de empresas que estão passando ou passaram pela recuperação judicial: Varig, Mobilitá (Casa
& Vídeo); Sata Transportes Aéreos, etc.
100
reduzido mediante a participação efetiva do sindicato profissional no
ajuste, nos termos do art. 7º, VI, da CF/88.
OJ 339 da SDI-I do TST: Teto remuneratório. Empresa pública e
sociedade de economia mista. Art. 37, XI, da CF/88 (anterior à Emenda
Constitucional 19/98). Nova redação, DJ.04.05.04. As empresas
públicas e as sociedades de economia mista estão submetidas à
observância do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da
CF/88, sendo aplicável, inclusive, ao período anterior à alteração
introduzida pela Emenda Constitucional n. 19/1998. (Redação
determinada pela Resolução 129, de 5 de abril de 2005).
OJ 342 da SDI-I do TST: Intervalo intrajornada para repouso e
alimentação. o concessão ou redução. previsão em norma coletiva.
invalidade. exceção aos condutores de veículos rodoviários,
empregados em empresas de transporte coletivo urbano.
I É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque
este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho,
garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII,
da CF/88) infenso à negociação coletiva.
II – Ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de
trabalho a que são submetidos estritamente os condutores e cobradores
de veículos rodoviários, empregados em empresas de transporte público
coletivo urbano, é valida cláusula de acordo ou convenção coletiva de
trabalho contemplando a redução do intervalo, desde que garantida a
redução da jornada para, no mínimo, sete horas diárias ou quarenta e
duas semanais, não prorrogada, mantida a mesma remuneração e
concedidos intervalos para descanso menores e fracionários ao final de
cada viagem, não descontados da jornada.
Súmula 51 do TST: Norma regulamentar. Vantagens e opção pelo novo
regulamento. Art. 468 da CLT.
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens
deferidas anteriormente, atingirão os trabalhadores admitidos após a
revogação ou alteração do regulamento.
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção
do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do
sistema do outro.
Súmula 277 do TST: Sentença normativa, convenção ou acordo
coletivo. Vigência. repercussão nos contratos de trabalho.
I As condições de trabalho alcançadas por força de sentença
normativa, convenção ou acordo coletivos vigoram no prazo assinado,
não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de
trabalho.
II Ressalva-se da regra enunciada no item I o período compreendido
entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei 8.542,
revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei 10.192,
de 14.02.2001.
Súmula 364 do TST: Adicional de periculosidade. Exposição eventual,
permanente e intermitente.
I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto
permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições
101
de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual,
assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo
extremamente reduzido.
II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao
legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser
respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos.
Súmula 391 do TST: Petroleiros. Lei nº 5.811/72. Turno ininterrupto de
revezamento. Horas extras e alteração da jornada para horário fixo.
I - A Lei 5.811/72 foi recepcionada pela CF/88 no que se refere à
duração da jornada de trabalho em regime de revezamento dos
petroleiros.
II - A previsão contida no art. 10 da Lei 5.811/72, possibilitando a
mudança do regime de revezamento para horário fixo, constitui
alteração lícita, não violando os arts. 468 da CLT e 7º, VI, da CF/1988.
2.2. Princípio da norma mais favorável
Havendo conflito de normas aplicáveis a um mesmo trabalhador o intérprete
deverá optar por aquela que lhe for mais favorável, independente da sua hierarquia
formal. Resumidamente, o princípio determina a prevalência da norma mais favorável
ao empregado. Diversamente do que ocorre nos outros ramos do direito em que um
conflito de normas é resolvido pelo critério da superioridade da norma, ou pela sua
especialização ou, ainda, cronologia, no Direito do Trabalho a regra é diversa, pois
norteado pelo princípio da norma mais favorável ao trabalhador. Neste caso, não um
respeito a hierarquia formal da norma e sim, em cada caso, a fonte que for mais benéfica
ao empregado, desde que esteja acima do mínimo legal.
Luiz Pinho Pedreira da Silva
211
, afirma que o princípio da condição mais favorável
sofre limitações de três tipos. A primeira de cunho instrumental (entre que normas atua);
a segunda de caráter material, que diz respeito ao conteúdo das normas, e, por fim a
última limitação aplicativa (de aplicação), em que questiona-se qual o método de
comparação entre as normas deve ser utilizado, em suma, qual a norma mais favorável
deve ser aplicada no caso concreto.
A comparação entre as fontes formais criadoras do direito do trabalhador, para fins
de apuração da mais favorável, pode ser analisada a partir de três teorias: atomista,
conglobamento e intermediária. Atomista é o critério de apuração da norma mais
211
SILVA, Luiz Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho, ed, LTr, São Paulo, 1999, p.
72.
102
favorável que leva em conta o benefício isolado contido em cada norma, aglutinando-os,
acumulando-os numa só, sem levar em conta o contexto. Despreza a visão sistêmica. A
segunda teoria, denominada do conglobamento ou do conjunto, se preocupa com a
norma como um todo, respeitando seu conjunto. A norma é escolhida depois de uma
análise global e do confronto da mais favorável ao trabalhador. Neste caso, apenas uma
prevalecerá em detrimento da outra, enquanto na teoria atomista ou da soma as normas
são somadas e misturam-se. A teoria intermediária ou do conglobamento intermediário,
última a ser criada, não faz a interpretação somando os benefícios de cada norma, mas
as relativas ao mesmo grupo de matéria, nem ignora totalmente uma em prol de outra
nem as mistura nas minúcias. Seleciona os institutos existentes entre as duas normas
para cotejá-los e, a partir daí, escolher exclusivamente o mais benéfico de cada norma
para aplicá-lo ao trabalhador.
Enquanto Martins Catharino
212
defende a teoria do conglobamento, Américo Plá
Rodriguez
213
, Pinho Pedreira
214
e Süssekind
215
se posicionam pela teoria intermediária.
A jurisprudência também tem acolhido a teoria do conglobamento quando o
conflito ocorre entre normas autônomas:
RECURSO DE REVISA. ABONO. REAJUSTE SALARIAL.
NORMAS COLETIVAS. PREVALÊNCIA DE ACORDO
COLETIVO EM DETRIMENTO DE CONVENÇÃO COLETIVA.
Decisões ordinárias rejeitando a pretensão dos reclamantes,
empregados aposentados, de perceberem majoração salarial no
importe de 5,5% (cinco vírgula cinco por cento) e de abono no valor
de R$ 1.100,00 (mil e cem reais). Pedidos formulados com apoio na
Convenção Coletiva de Trabalho da Fenaban. Circunstância em que
foi dada prevalência ao acordo coletivo formalizado em decorrência
da privatização do reclamado em detrimento da convenção coletiva
aludida, haja vista o princípio do conglobamento. TST, T, RR -
933/2002-095-15-00, Rel. Min. Horácio Sena Pires, DEJT -
14/08/2009.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO
DE REVISTA. ACORDO COLETIVO 93/94. PREVALÊNCIA.
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO 93/94. De com a
teoria do conglobamento e em respeito ao princípio da unicidade da
norma coletiva, não se mesclam cláusulas de instrumentos coletivos
diferentes, devendo prevalecer o acordo coletivo como norma mais
favorável, em sua totalidade, conforme reconhecido pela instância
212
CATHARINO, José Martins. Compêndio Universitário de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora
Jurídica e Universitária, 1972, p. 110.
213
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. cit., p. 58.
214
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho, cit., p. 90.
215
SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 127.
103
ordinária. Precedentes desta Corte. Violação aos artigos 611, § 2º, e
620 da CLT não configurada. TST, 7ª T, AIRR - 35003/2002-900-01-
00, Rel. Min.Caputo Bastos, DEJT - 14/08/2009.
PREVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NA
CONVENÇÃO COLETIVA SOBRE AS DO ACORDO COLETIVO
TEORIA DO CONGLOBAMENTO. Acordo coletivo de trabalho
tem por objetivo a conquista e a manutenção de interesses e direitos
de um grupo de empregados pertencentes a determinada empresa. Em
havendo instrumento coletivo subseqüente, ou mesmo antecedente, a
exemplo da Convenção Coletiva de Trabalho, é assegurado ao
Sindicato Profissional o direito de opção entre uma ou outra norma.
Imprescindível, no entanto, que os destinatários do acordo coletivo
autorizem seu órgão de classe a assim proceder, o que deve ser feito
por regular assembléia. O que não se mostra juridicamente possível é
a coexistência de acordo e convenção coletiva, com a possibilidade
de fracionamento do alcance de suas normas, para que o empregado
usufrua daquilo que lhe é interessante em um instrumento e repudie o
outro que lhe parece menos vantajoso. O Regional deixa explícito
que a sentença está fundamentada na Teoria do Conglobamento e o
fez para repelir a pretensão do empregado. Por isso mesmo, a decisão
embargada contrariando esse entendimento, para aplicar o princípio
da norma mais favorável, inquestionavelmente, aplicou
equivocadamente o art. 620 da CLT e ofendeu o art. 7º, XXVI, da
Constituição Federal. Recurso de embargos conhecido e provido.
TST, SDI-I, RR561062/1999, Rel. Min.Milton de Moura França,
DEJT 14/11/2008.
ACORDO COLETIVO GARANTIA DE EMPREGO PARA OS
EMPREGADOS DO BANESPA NORMA ESPECÍFICA E MAIS
BENÉFICA PREVALÊNCIA SOBRE CONVENÇÃO COLETIVA
FIRMADA ENTRE FENABAN E SINDICATOS DE BANCÁRIOS
CONCEDENDO REAJUSTE SALARIAL DE 5,5% TEORIA DO
CONGLOBAMENTO. EXEGESE DO ART. 620 DA CLT.
REAJUSTE DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA
NÃO DESRESPEITO À PARIDADE SALARIAL PREVISTA NO
REGULAMENTO DE PESSOAL DO BANCO ENTRE ATIVOS E
JUBILADOS. 1. O art. 620 da CLT fala em prevalência das
‘condições’ estabelecidas em convenção coletiva quando mais
favoráveis àquelas previstas em acordo coletivo. O uso do plural leva
ineludivelmente à conclusão de que o legislador não se afastou da
teoria do conglobamento, segundo a qual cada instrumento normativo
deve ser considerado no seu todo, e não cláusula a cláusula
isoladamente. 2. O fundamento racional da teoria (as ‘boas razões’ de
Norberto Bobbio para a positivação do Direito) está no fato de que as
condições de trabalho estatuídas em instrumento normativo são
objeto de negociação global, na qual determinada vantagem é
concedida pela empresa ou sindicato patronal como compensação
pela não-inclusão de outra, de tal forma que o conjunto das condições
de trabalho e a remuneração passam a ser aceitáveis por ambas as
partes. (...) (RR 1001-2002-074-15-00, Rel. Min. Ives Gandra
Martins Filho, DJ 17/06/2005). No mesmo sentido, os seguintes
julgados: RR-556-2002-066-15-00.6, Rel. Min. Ives Gandra Martins
Filho, DJ 12/8/2005; AIRR 695738/2000, DJ 4/5/2001, Relator: Juiz
104
Convocado João Amílcar Pavan; RR- 108-2002, DJ 15/10/2004,
Relator: Min. Vantuil Abdala, AIRR 20549-2002, DJ 7/11/2003,
Relator Min.Carlos Alberto Reis de Paula.
Na verdade, a possibilidade de escolha entre uma das teorias estudas pode
ocorrer para os conflitos de normas autônomas.
Explica-se.
Não é possível aplicar a tese de prevalência da norma mais favorável, sob a ótica
da teoria do conglobamento ou teoria intermediária, aos conflitos entre fontes
heterônomas, pois emanadas do Estado ou confeccionadas com sua intervenção. Logo,
não podem deixar de ser cumpridas, sob o argumento de que a outra norma é mais
favorável em seu todo ou em relação a um instituto. Não pode ficar sob o crivo do
empregador a faculdade de aplicá-las ou não. Criam direitos de natureza pública,
inderrogáveis pela vontade das partes.
Assim, para os conflitos entre fontes heterônomas e heterônomas, ou entre uma
heterônoma e outra autônoma, sempre prevalecerá o critério da norma mais favorável
segundo a teoria atomista, salvo em dois casos:
a) quando a própria lei determinar outro critério
216
;
b) nos casos de flexibilização autorizada por acordo coletivo ou convenção
coletiva
217
.
De acordo com o afirmado, é cil concluir que as fontes autônomas ou
profissionais prevalecerão sobre as heterônomas sob o critério da acumulação
(incluindo-se todas as regras de uma e de outra) quando mais benéficas. Jamais poderão
excluir as benesses previstas em lei. Mas, quando houver conflito entre as fontes
profissionais entre si, porque disciplinaram a mesma matéria (de característica privada)
de forma diversa, prevalecerá a mais benéfica segundo uma das teorias acima (atomista,
conglobamento e intermediária).
216
O artigo 3º, da Lei 7.064/82 autorizou a aplicação da norma mais favorável segundo a teoria
intermediária para os conflitos entre a lei brasileira e a estrangeira.
217
Em sentido contrário, limitando a atuação da norma coletiva e, por isso, impedindo a flexibilidade a OJ
372 da SDI-I do TST: “MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO.
LEI 10.243, DE 27.06.2001. NORMA COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. A
partir da vigência da Lei 10.243, de 27.06.2001, que acrescentou o § ao art. 58 da CLT, não mais
prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que
antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.”
105
2.2.1. Exceções
A jurisprudência tem sido sensível à tendência flexibilizadora e adotado, cada vez
mais exceções à regra da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador.
Ressalte-se que sequer haverá conflito de normas quando uma das comparadas for
inválida. Inválida é a norma inconstitucional, ilegal ou ineficaz. Isto quer dizer que uma
lei estadual que cria direitos trabalhistas não terá validade e, por isso, não poderá se
chocar com uma federal, já que cabe à União pode legislar
218
sobre Direito do Trabalho,
na forma do art. 22, I da CRFB.
Outra limitação à aplicação da norma mais favorável ocorre quando uma delas,
apesar de benéfica, violar a ordem pública, a moral, a Constituição, a lei ou os bons
costumes. É o que ocorre quando uma norma coletiva concede aumento coletivo que
contrarie lei de política salarial art. 623 da CLT, ela não produz o efeito desejado. Ou
quando o regulamento interno pre valor de salário acima do teto constitucional, e,
portanto, não pode ser aplicado, pois viola o artigo 37, X da CRFB. Os decretos
regulamentadores que exorbitem dos limites da lei ou os autônomos, mesmo que criem
vantagens para os empregados são ilegais, logo, não aplicáveis. Da mesma forma, nula
cláusula de convenção e acordo coletivo que tenha vigência superior à legal – OJ 322 da
SDI-I do TST.
Alice Monteiro de Barros
219
defende que o acordo coletivo prevalecerá sobre a
convenção quando cronologicamente for ajustado depois da vigência deste.
jurisprudência no sentido de que o acordo coletivo, mesmo que menos favorável,
prevalece sobre a convenção seja pelo critério da especialidade
220
seja pelo critério
cronológico, seja pela flexibilização autorizada pela Constituição.
218
Excepcionalmente os estados podem legislar sobre Direito do Trabalho desde que haja delegação
normativa prevista em lei complementar – art. 22, I parágrafo único da CRFB.
219
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 123.
220
“COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. REAJUSTES E ABONO ESTABELECIDOS EM
CONVENÇÃO COLETIVA E NÃO RATIFICADOS EM ACORDO COLETIVO. OBSERVÂNCIA DO
ART. 620 DA CLT E APLICAÇÃO DA TEORIA DO CONGLOBAMENTO. I O acordo coletivo, em
razão de sua especificidade em relação aos empregados da empresa, deve ser preservado, pois é celebrado
dentro de um contexto de concessões mútuas, no pleno exercício de autonomia negocial coletiva pelos
sindicatos profissionais, que não pode ser desconsiderada, sob pena de frustração da atuação sindical na
tentativa de autocomposição dos interesses coletivos de trabalho. II – Na interpretação dos ajustes
coletivos prevalece o princípio do conglobamento, segundo o qual as normas coletivas devem ser
observadas em sua totalidade e não isoladamente, pois, na negociação coletiva, os empregados obtêm
106
2.3. Princípio do in dubio, pro misero
O princípio recomenda que o intérprete opte pela interpretação mais favorável ao
trabalhador, quando estiver diante de uma norma que comporte mais de uma
interpretação razoável e distinta. Ou seja, quando emergir da norma dúvida acerca de as
aplicação, comportando mais de uma interpretação razoável, o exegeta deverá optar por
aquela que beneficiar o empregado.
Maurício Godinho
221
afirma que sua inspiração tem base no princípio in dubio pro
reo. Não é verdade, pois este é aplicável no âmbito processual penal, enquanto o
princípio trabalhista incide sobre as divergências da lei material. Em virtude da
confusão, e em face da semelhança de nomenclaturas, a doutrina diverge sobre sua
aplicação ao direito processual trabalhista, existindo diversas correntes sobre o tema,
abaixo resumidas:
Apenas para Inspiração do legislador
Aplicável
Para Inspiração do legislador e para interpretação
Para inspiração, interpretação e valoração probatória
Princípio
In Dubio
pro Misero
Não aplicável ao Processo do Trabalho
benefícios mediante concessões recíprocas, sendo vedado aplicar, entre as disposições acordadas, apenas
o que for mais benéfico aos trabalhadores. 3. É inviável a aplicação em parte da Convenção Coletiva,
conjugando-se com o acordo coletivo rmado pela categoria, como feito pelo acórdão recorrido. O art.
620 da CLT não autoriza tal procedimento, devendo ser interpretado como determinante da aplicação da
norma mais favorável em seu conjunto, e não de forma parcelada. Esse tem sido o entendimento do TST,
conforme os precedentes citados. Recurso conhecido e desprovido. TST, 4ªT., RR, 638/2003-066-15-
00.1, Rel. Barros Levenhagen, DJU 07/12/ 2006.”
221
Maurício Godinho. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,
ed, 2007, p. 212.
107
Os defensores da aplicação do princípio ao direito processual do trabalho se
dividem: uns
222
limitam sua incidência apenas para inspirar o legislador processual,
enquanto outros
223
o aplicam também para interpretação das normas processuais. Por
último, os mais radicais
224
, no sentido de sua aplicação também valoração
225
das provas
processuais. Ora, por se tratar de um princípio de direito material, não se aplica ao
processo do trabalho, salvo quando tiver caráter informativo para o legislador, seja ele
processual ou material.
Absurda a prática do “na dúvida o juiz deve valorar a prova a favor do empregado
para protegê-lo”, pois este procedimento viola o princípio da imparcialidade do juiz e da
igualdade de tratamento das partes. Ademais, existe a divisão do ônus probatório (art.
333 do CPC), e o princípio processual da persuasão racional ou convencimento
motivado.
Sérgio Pinto Martins
226
, Maurício Godinho
227
e Alice Monteiro de Barros
228
o
concordam com a aplicação do princípio in dubio pro operario para o exame de fatos e
provas no campo processual.
2.3.1. Requisitos
O princípio em estudo poderá ser aplicado quando preenchidos dois requisitos
simultaneamente:
a) somente quando exista dúvida razoável sobre o alcance da norma legal; e
222
Wagner Giglio neste sentido. GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 14ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 76.
223
BEBBER, Júlio César. Princípios do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 78.
224
Américo Plá Rodriguez afirma que: “cabe aplicar a regra dentro desse âmbito em casos de autêntica
dúvida, para valorar o alcance ou o significado de uma prova. Não para suprir omissões, mas para
apreciar adequadamente o conjunto dos elementos probatórios, tendo em conta as diversas circunstâncias
do caso.”, mais adiante o autor justifica seu entendimento sob o argumento de que “o trabalhador tem
muito maior dificuldade do que o empregador para provar certos fatos ou trazer certos dados ou obter
certas informações ou documentos.” PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho,
cit., p. 47.
225
Convém ressaltar que valorar é diferente de avaliar a prova. Valorar, segundo Bebber pode ser a mera
contemplação, sem comparação ou confrontos, acrescenta que “o crítico de arte valora um quadro ou uma
estátua, porque os compreende sob um prisma valorativo, em seu sentido ou significado.”, não avaliando
o preço e sim valorando a arte. BEBBER, Júlio César. Princípios do Processo do Trabalho. São Paulo:
LTr, 1997, p. 78.
226
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, 13ª ed., 2001, p. 95.
227
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 6ª ed., 2007, p. 213.
228
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª ed., 2006, p. 173.
108
b) sempre que não esteja em desacordo com a vontade expressa do legislador.
Exemplo de interpretação favorável ao trabalhador: de acordo com o art. 7º,
XVII, da CRFB, é direito do trabalhador: “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
menos, um terço a mais do que o salário normal”. Apesar de a Lei Maior ser expressa
que o terço incide quando do gozo das férias, isto é, que o acréscimo pecuniário tem
destinação de favorecer que o empregado gaste mais nas férias com a sua diversão, a
interpretação majoritária é no sentido de que o terço pecuniário é devido inclusive
quando as férias não são gozadas e sim indenizadas. Isto se explica porque o
empregador não pode se valer de sua própria torpeza. Logo, não pode deixar de pagar
aquilo que teria pago se tivesse concedido as férias, como determina a lei.
Outro exemplo: a melhor interpretação do art. 477, parágrafo 6º da CLT é aquela
que induz ao entendimento de que os prazos ali previstos para pagamento das parcelas
da rescisão se aplicam a todas as hipóteses de extinção do pacto, independente da
emissão, pelo empregador, do termo ou recibo de quitação como menciona
expressamente o parágrafo. Assim, despreza-se a interpretação literal do dispositivo
legal optando-se pela interpretação extensiva favorável ao empregado. Ademais, não
seria justo o empregador que demitiu sem nada pagar nem confessar o que teve não ter
prazo para pagar, enquanto o que emite o termo de rescisão, confessando sua dívida,
mas não paga, tem prazo.
orientações jurisprudenciais e súmulas do TST que bem retratam o cenário de
interpretação de texto legal de forma favorável ao trabalhador:
OJ 14 da SDI-I do TST: Aviso prévio cumprido em casa. Verbas
rescisórias. Prazo para pagamento. Em caso de aviso prévio cumprido em
casa, o prazo para pagamento das verbas rescirias é até o décimo dia da
notificação de despedida.
OJ 261 da SDI-I do TST: Bancos. Sucessão trabalhista. As obrigações
trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados
trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor,
uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e
deveres contratuais, caracterizando pica sucessão trabalhista.
OJ 307 da SDI-I do TST: Intervalo intrajornada (para repouso e
alimentação). Não concessão ou concessão parcial. Lei 8.923/94. DJ
11.08.03. Após a edão da Lei 8.923/94, a não-concessão total ou
parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação,
implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de,
109
no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de
trabalho (art. 71 da CLT).
OJ 354 da SDI-I do TST: Intervalo intrajornada. Art. 71, § 4º, da CLT.
Não concessão ou redução. Natureza juridica salarial. Possui natureza
salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação
introduzida pela Lei 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não
concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo
intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no
cálculo de outras parcelas salariais.
OJ 361 da SDI-I do TST: Aposentadoria espontânea. Unicidade do
contrato de trabalho. Multa de 40% do FGTS sobre todo o período. A
aposentadoria espontânea não é causa de extinção do contrato de
trabalho se o empregado permanece prestando serviços ao empregador
após a jubilação. Assim, por ocasião da sua dispensa imotivada, o
empregado tem direito à multa de 40% do FGTS sobre a totalidade dos
depósitos efetuados no curso do pacto laboral.
Súmula 60 do TST: Adicional noturno. Integração no salário e
prorrogação em horário diurno. I - O adicional noturno, pago com
habitualidade, integra o salário do empregado para todos os efeitos. II -
Cumprida integralmente a jornada no período noturno e prorrogada
esta, devido é também o adicional quanto às horas prorrogadas.
Exegese do art. 73, § 5º, da CLT.
Súmula 360 do TST: Turnos ininterruptos de revezamento. Intervalos
intrajornada e Semanal. A interrupção do trabalho destinada a repouso e
alimentação, dentro de cada turno, ou o intervalo para repouso semanal,
o descaracteriza o turno de revezamento com jornada de 6 (seis) horas
previsto no art. , XIV, da CF/1988.
mula 372 do TST: Gratificação de função. Supressão ou redão.
Limites. (conversão das Orientações Jurisprudenciais s. 45 e 303 da
SDI-I).
I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo
empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo
efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da
estabilidade financeira.
II - Mantido o empregado no exercio da função comissionada, não pode
o empregador reduzir o valor da gratificação.
Súmula 376 do TST: Horas extras. Limitação. Art. 59 da CLT.
Reflexos.
I - A limitação legal da jornada suplementar a duas horas diárias não
exime o empregador de pagar todas as horas trabalhadas.
II - O valor das horas extras habitualmente prestadas integra o cálculo
dos haveres trabalhistas, independentemente da limitação prevista no
"caput" do art. 59 da CLT.
Súmula 390 do TST: Estabilidade. Art. 41 da CF/1988. Celetista.
Administração direta, autárquica ou fundacional. Aplicabilidade.
Empregado de empresa pública e sociedade de economia mista.
Inaplicável.
110
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou
fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da
CF/1988.
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia
mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público,
não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
De forma contrária, demonstrando a tendência flexibilizadora, há posicionamentos
que contrariam o princípio in dubio pro misero:
OJ 272 da SDI-I do TST: Salário mínimo. Servidor. Salário-base
inferior. Diferenças. Indevidas. A verificação do respeito ao direito ao
salário mínimo não se apura pelo confronto isolado do salário-base com
o mínimo legal, mas deste com a soma de todas as parcelas de natureza
salarial recebidas pelo empregado diretamente do empregador.
OJ 355 da SDI-I do TST: Intervalo interjornadas. Inobservância. Horas
extras. Período pago como sobrejornada. Art. 66 da CLT. Aplicação
analógica do § 4º do art. 71 da CLT. O desrespeito ao intervalo mínimo
interjornadas previsto no art. 66 da CLT acarreta, por analogia, os
mesmos efeitos previstos no § do art. 71 da CLT e na Súmula 110
do TST, devendo-se pagar a integralidade das horas que foram
subtraídas do intervalo, acrescidas do respectivo adicional.
OJ 365 da SDI-I do TST: Estabilidade provisória. Membro de conselho
fiscal de sindicato. Inexistência. Membro de conselho fiscal de
sindicato não tem direito à estabilidade prevista nos arts. 543, § 3º, da
CLT e 8º, VIII, da CF/1988, porquanto não representa ou atua na defesa
de direitos da categoria respectiva, tendo sua competência limitada à
fiscalização da gestão financeira do sindicato (art. 522, § 2º, da CLT).
OJ 369 da SDI-I do TST. Estabilidade provisória. Delegado sindical.
Inaplicável. O delegado sindical não é beneficiário da estabilidade
provisória prevista no art. 8º, VIII, da CF/1988, a qual é dirigida,
exclusivamente, àqueles que exerçam ou ocupem cargos de direção nos
sindicatos, submetidos a processo eletivo.
Súmula 351 do TST: Professor. Repouso semanal remunerado. Art. 7º,
§ 2º, da Lei 605, de 05.01.1949 e art. 320 da CLT. O professor que
recebe salário mensal à base de hora-aula tem direito ao acréscimo de
1/6 a título de repouso semanal remunerado, considerando-se para esse
fim o mês de quatro semanas e meia.
Súmula 358 do TST: Radiologista. Salário profissional. Lei nº 7.394, de
29.10.1985. O salário profissional dos cnicos em radiologia é igual a
2 (dois) salários mínimos e não a 4 (quatro).
Súmula 369 do TST: Dirigente sindical. Estabilidade provisória.
I - É indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao
empregador, na forma do § 5º do art. 543 da CLT.
II - O art. 522 da CLT, que limita a sete o número de dirigentes
sindicais, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
111
III - O empregado de categoria diferenciada eleito dirigente sindical
goza de estabilidade se exercer na empresa atividade pertinente à
categoria profissional do sindicato para o qual foi eleito dirigente.
IV - Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base
territorial do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade.
V - O registro da candidatura do empregado a cargo de dirigente
sindical durante o período de aviso prévio, ainda que indenizado, não
lhe assegura a estabilidade, visto que inaplicável a regra do § do art.
543 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Súmula 370 do TST: Médico e engenheiro. Jornada de trabalho. Leis nº
3.999/1961 e 4.950/1966. Tendo em vista que as Leis 3.999/1961 e
4.950/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem
o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os
médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas
extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário
mínimo/horário das categorias.
Súmula 371 do TST: Aviso prévio indenizado. Efeitos. Superveniência
de auxílio-doença no curso deste. A projeção do contrato de trabalho
para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos
limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou
seja, salários, reflexos e verbas rescisórias. No caso de concessão de
auxílio-doença no curso do aviso prévio, todavia, se concretizam os
efeitos da dispensa depois de expirado o benefício previdenciário.
2.4. Princípio da primazia da realidade
De acordo com o artigo 112 do CC: “Nas declarações de vontade se atenderá
mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. Assim
como o Direito Civil prioriza a vontade à formalidade, de forma similar o princípio da
prevalência da realidade, não tão peculiar ao Direito do Trabalho, defende que os fatos
ocorridos prevalecem sobre as informações literais contidas em documentos e no
contrato. Por isso, Arnaldo Süssekind
229
afirma “que a relação objetiva evidenciada
pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que
sob capa simulada, não corresponda à realidade”. Da mesma forma comenta Plá
Rodriguez
230
: “isto significa que, em matéria trabalhista, importa o que ocorre na prática
mais do que as partes pactuarem, em forma mais ou menos solene ou expressa, ou o que
se insere em documentos, formulários e instrumentos de contrato”.
229
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 18ª ed., Vol. 1, 1999, p. 173.
230
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho, cit., p. 53.
112
Em virtude da sua inferioridade jurídica, que se subordina a situações
mentirosas desfavoráveis para manter o emprego, o que acarreta coação presumida, o
princípio destina-se a proteger o trabalhador, já que seu empregador poderia, com
relativa facilidade, obrigá-lo a assinar documentos contrários aos fatos e aos seus
interesses. Seu estado de sujeição é permanente, pois a necessidade do emprego o
obriga a práticas de atos contrários aos seus interesses.
Desta forma, mesmo que os cartões de ponto não noticiem jornada extraordinária,
mas de fato o empregado comprovar que as laborou, prevalece a realidade sobre os
documentos. Empregado recebe R$ 1.300,00 mensais, cujos contracheques noticiam o
valor de um salário mínimo, porque a diferença era paga “por fora”, prevalece o real
valor pago ao constante nos recibos salariais. Empregado que exerce a função de caixa,
cujo piso é de R$700,00, mas tem anotada em sua Carteira de Trabalho a função de
servente, tem direito à retificação da carteira, bem como às diferenças salariais.
Apesar da simplicidade do princípio em estudo, alguns questionamentos merecem
análise mais aprofundada:
1ª Controvérsia
A prevalência da realidade não pode ser um princípio absoluto e, por isso, deve ser
relativizado quando sua aplicação violar a lei, a ordem jurídica, a moral, a ética e os
bons costumes. Tais patamares devem servir de barreira de contenção, de limite.
Absurda a tese de que a proteção ao trabalhador pode sobrepor-se à lei, à moral e aos
bons costumes. Todavia, tal posição não é unânime porque o princípio da proteção ao
trabalhador muitas vezes é exageradamente aplicado e está entranhado na mentalidade
dos operadores deste ramo do direito.
O exemplo abaixo bem espelha os limites do princípio em estudo
231
:
Logo, mesmo que o empregado de fato exerça a função de
enfermeiro, mas não tem habilitação legal para tanto, pois não fez o
curso necessário para sua formação profissional, não poderá
pretender os salários destinados ao piso da categoria, pois seu
trabalho fere a lei, e seu contrato pode ser considerado nulo, por
objeto ilícito, na forma dos artigos 104 e 606 do CC. Tampouco
poderá pretender a equiparação salarial, pelos mesmos motivos.
Assim também a OJ 296 da SDI-I do TST.
231
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 205-206.
113
O Judiciário é o guardião da lei e, por isso, deve coibir as
irregularidades. Pouco importa se a função ilegalmente exercida é
técnica (vigilante, técnico de radiologia, técnico de enfermagem) ou
intelectual, de nível superior (médico, engenheiro, arquiteto etc), pois
o exercício ilegal de qualquer profissão é repudiado pelo Direito,
sendo considerado, inclusive, crime.
Logo, a primeira controvérsia, em relação ao princípio da
primazia da realidade, diz respeito a como o intérprete deve se
posicionar quando o princípio violar a lei. A solução está na
ponderação entre o interesse do trabalhador e o interesse da
sociedade, devendo ser valorado aquele que se coadune com a função
social do direito. Logo, não deve ser permitido o exercício ilegal da
profissão. O direito tem que ser usado dentro de sua finalidade, de
seu fim social. Afinal, o direito serve ao homem e não o homem ao
direito. Não se afina com a nova visão social e ética, o Judiciário
permitir que a realidade prevaleça para gerar efeitos positivos ao que
perpetrou a ilegalidade, máxime quando constituir crime, violar a
ética, a moralidade e bons costumes.
A jurisprudência é vacilante, pois ora protege o empregado, mesmo que isto viole
a ordem jurídica, ora limita a aplicação do princípio da primazia da realidade,
priorizando a lei.
A favor do empregado as jurisprudências abaixo:
Técnico em radiologia - habilitação profissional. O fato da
reclamante não possuir habilitação profissional não elide o seu direito
ao reconhecimento do exercício da função respectiva, se a autora,
efetivamente, exercia o cargo de Técnica em Radiologia (inclusive,
respondendo pela área, na empresa). Provado o exercício da função, a
reclamante tem direito ao registro de sua Carteira Profissional, com a
função efetivamente exercida, bem como direito a todos os benefícios
garantidos à categoria. TRT Reg., T, 00773-2004-028-03-00-7,
Rel. Juiz Manuel Cândido Rodrigues, DJMG 22-10-2004.
Equiparação salarial - formação profissional - Uma vez comprovados
os requisitos do artigo 461, CLT, é irrelevante o fato de o paradigma
possuir formação acadêmica e habilitação legal para o exercício da
função, quando disto não resulta distinção no desempenho da
atividade laboral. A exigência de formação e de habilitação
profissional de ser observada pelo empregador. Se não o faz, está
obrigado a remunerar o empregado não qualificado da mesma forma
que remunera o empregado qualificado exercente de igual função.
TRT, 3ª Reg., 4ª T, RO 805/2000, Juiz João Bosco Pinto Lara, DJMG
24-06-2000.
Técnico de laboratório e radiologia. Falta de habilitação profissional.
Lei 3.999, de 1991 - Alcance. O fato de o empregado não possuir
diploma de profissionalização de auxiliar ou técnico de laboratório
não afasta a observância das regras previstas pela Lei 3.999/61,
uma vez comprovada a prestação de serviços nessas atividades,
diante do princípio da primazia da realidade, inerente ao direito do
114
trabalho. TRT, 15ª Reg., 1ª T, RO 2282/ 2000, Rel. Juiz Luiz Antonio
Lazarim, DOE 01-10-2001.
Súmula 301 do TST. Auxiliar de laboratório. Ausência de diploma.
Efeitos. O fato de o empregado não possuir diploma de
profissionalização de auxiliar de laboratório não afasta a observância
das normas da Lei 3.999, de 15.12.1961, uma vez comprovada a
prestação de serviços na atividade.
Afastando o princípio da primazia da realidade:
Instrutor de ensino profissionalizante. Curso de educação Alimentar e
arte culinária. Enquadramento na classe de professores. Inviabilidade.
O exercício da função de instrutor de ensino profissionalizante, com
atividade teórica e prática em curso de educação alimentar e arte
culinária, com ênfase em prática profissional, no setor industrial e
comercial, por si só, não caracteriza nem enquadra o instrutor na
categoria profissional diferenciada de professor. Não ficando
descartado, porém, que tal atividade possa ser exercida por
professores, desde que o profissional possua habilitação técnica
própria e específica, além do registro no Ministério da Educação e
Cultura - MEC, nos termos do art. 317 da CLT. Evidenciado pelo
Tribunal Regional que não restaram atendidos os requisitos legais - a
habilitação legal e registro no MEC -, não há como se reconhecer a
existência de diferenças salariais decorrentes do exercício de
“magistério”. TST, 4ª T, RR 470356/98, Rel. Min. José Antônio
Pancotti, DJU 14/11/2003.
O exercício da função de segurança por meio de empresa o
especializada em vigilância, não enquadra o trabalhador como
vigilante. Piso. Diferenças salariais incabíveis. O exercício da
profissão de vigilante necessita de aprovação em curso de formação
profissional e registro prévio na polícia federal e pode ser
intermediado por empresa especializada autorizada a funcionar pelo
Ministério da Justiça. TRT, Reg., T, Proc.
01603.2003.070.01.00.5, Rel. Vólia Bomfim Cassar, sessão do dia
14/09/05.
OJ 125 da SDI-I do TST: desvio de função. Quadro de carreira.
O simples desvio funcional do empregado não gera direito a
novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais
respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes
da vigência da CF/1988.
OJ 296 da SDI-I do TST: Equiparação salarial. Atendente e auxiliar
de enfermagem. Impossibilidade. Sendo regulamentada a profissão
de auxiliar de enfermagem, cujo exercício pressupõe habilitação
técnica, realizada pelo Conselho Regional de Enfermagem,
impossível a equiparação salarial do simples atendente com o auxiliar
de enfermagem.
115
Absurda a tese esposada pela OJ 125 da SDI-I do TST, que autoriza o pagamento
das diferenças salariais ao empregado público desviado de sua função, sem concurso
público, seja porque viola de morte o art. 37, II da CRFB, que exige o concurso público
para investidura de cargo e emprego público, seja porque contraria a Súmula do 363
TST). Além disso, estimula a fraude aos concursos e o desvio de função.
Outro exemplo expresso tanto na jurisprudência como na lei (art. 19-A da Lei
8.036/90) é a concessão de FGTS ao empregado público admitido sem concurso. A
nulidade do contrato decorre do comando constitucional (art. 37, II da CRFB) e, por
isso, não poderia produzir os efeitos de um contrato válido, eficaz. A contratação de
empregados sem concurso público premia o nepotismo, a sangria nos cofres públicos,
frauda a regra do concurso público e alimenta fraudes e terceirizações efetuadas
irregularmente por meio de cooperativas ou outras entidades inidôneas financeiramente.
Por isso, não poderia ser concedida qualquer vantagem trabalhista ao empregado, em
face da nulidade contratual.
2ª Controvérsia
O segundo ponto de questionamento está na possibilidade ou não de aplicação do
princípio para prejudicar o trabalhador, pois isto violaria o princípio da proteção ao
empregado.
Assim, se uma empregada que executa trabalhos exclusivamente domésticos em
casa de família, mas tem sua CTPS assinada pela pessoa jurídica da qual o patrão é o
sócio majoritário, será enquadrada como doméstica ou como urbana (regida pela CLT)?
Explica-se. A Lei 5.859/72 determina que o empregador doméstico seja uma pessoa
física e, em face do princípio da aplicação norma mais favorável ao trabalhador, deveria
ser aplicada a CLT para reger todo o contrato. Por outro lado, como de fato a empregada
executava serviços domésticos e o patrão de fato era a pessoa física, que não se valia da
mão-de-obra doméstica para fins lucrativos, poderia ser aplicado o princípio da primazia
da realidade, mesmo em prejuízo ao trabalhador. Esta última é a nossa posição, devendo
a parte ou o Judiciário retificar a CTPS da empregada para passar a constar o real
empregador (pessoa física), apesar da CLT conter mais benesses que a lei do doméstico
- artigo 112 do CC.
Há decisões no mesmo sentido:
116
CARTÓRIO (PESSOA JURÍDICA). RECLAMANTE
EMPREGADA DOMÉSTICA (PRESTANDO SERVIÇOS NA
RESIDÊNCIA DO TABELIÃO). RECLAMAÇÃO AJUIZADA EM
FACE DO CARTÓRIO MEDIANTE A QUAL SE PUGNA PELO
PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS. 1. A Lei 5.859/72 define
empregado doméstico como aquele que presta serviços de natureza
contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família, no âmbito
residencial destas. 2.A decisão regional que defere à reclamante o
pagamento de horas extras apesar de reconhecer sua condição de
empregada doméstica, viola o art. da Lei 5.859/72. TST, T,
TST-RR-535.241/1999.6, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJ -
20/08/2004.
Entretanto, esta não é a posição majoritária, pois a tendência ainda é a de
proteger o trabalhador, não aplicando o princípio da primazia da realidade.
2.5. Princípio da integralidade e da irredutibilidade salarial
O princípio da irredutibilidade salarial está explícito no art. 7º, VI, da CRFB e
implícito no artigo 468 da CLT. Entretanto, a Constituição permite a redução de salário
mediante acordo ou convenção coletiva – art. 7º, VI, da CRFB.
Isto quer dizer que, o direito à irredutibilidade do salário se funda não no
princípio tutelar do trabalhador, pois sua subsistência depende do pagamento do salário,
como também da força obrigatória dos contratos pacta sunt servanda, em que
qualquer modificação que prejudique o trabalhador é nula de pleno direito art. 468,
CLT. A impossibilidade de alteração contratual inclui tanto a mudança do valor quanto
a forma de pagamento do salário, quando for prejudicial ao trabalhador.
A redução proibida inclui tanto a direta quanto a indireta. Entende-se como
redução direta aquela que reduz, de forma ilegal, o valor nominal do salário ajustado.
Como indireta a redução que reduz o número de peças ou a quantidade de serviço, para
aqueles que recebem por unidade de obra, ou a jornada, de forma a afetar o valor
numérico do salário. Nesta hipótese, poderá o empregado valer-se da despedida indireta
prevista no art. 483, g, da CLT. A medida de proteção visa a estabilidade econômica do
trabalhador que não pode ficar sujeito às oscilações salariais.
A possibilidade de redução salarial tinha sido autorizada pelo artigo 503 da
CLT, que previa que, em caso de força maior ou prejuízos que afetassem a economia da
117
pessoa jurídica, o empregador poderia reduzir os salários de todos os seus empregados,
na proporção de 25%, respeitado o salário mínimo. Todavia, o dispositivo legal acima
referido foi totalmente revogado
232
-
233
pela Lei 4.923/65, que disciplinou a mesma
matéria de forma diversa.
Por sua vez, a Lei 4.923/65 não foi recepcionada pelo artigo 7º, VI da CRFB,
salvo no que tange à sua motivação. Isto é, continua vigente o caput do art. da Lei
4.923/65, ou seja, só poderá ser admitida a redução salarial, quando o empregador
comprovadamente estiver atravessando dificuldades econômicas e desde que autorizada
por norma coletiva. Não foi recepcionada a exigência legal de que a redução do valor
nominal do salário deve importar na correspondente redução do número de horas
trabalhadas pelos empregados, nem mesmo o prazo máximo de três meses e o limite de
redução de 25%.
Sérgio Pinto Martins
234
, posicionando-se de forma diversa, sustenta que a Lei
4.923/65:
(...) foi derrogada pela Constituição Federal, na parte que determina o
prazo de três meses para redução, limite de 25% da redução,
proibição de retirada de gratificações, de admissão de novos
empregados por seis meses e de prestação de horas extras.
De acordo com este autor todas estas condições podem ser modificadas mediante
acordo ou convenção coletiva.
Na verdade, a Constituição deu ampla legitimação aos sindicatos para, por meio
dos convênios coletivos, estipularem a redução salarial. Cada categoria escolherá os
parâmetros a serem respeitados, desde que o motivo seja para defender a manutenção da
saúde da sociedade empresária ou empresário. Esta é a melhor interpretação para
harmonizar o princípio da proteção ao trabalhador, da irredutibilidade salarial e da
função social da empresa (art. 170 da CRFB).
232
Da mesma forma entendem Amauri Mascaro Nascimento, Carrion e Süssekind. NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 810; CARRION,
Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 330;
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. 22ª ed. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 444-445.
233
Alice Monteiro de Barros e Maurício Godinho defendem a recepção parcial do artigo 503 da CLT.
Alice acrescenta que a redução é possível por meio de acordo e convenção coletiva, do motivo da
recepção parcial. Por outro lado, Godinho afirma que apenas a motivação (força maior) estaria vigente.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 769. DELGADO,
Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 733.
234
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 19. ed, São Paulo: Atlas, 2004, p. 304/305.
118
Ademais, após a inclusão do art. 58-A a CLT será sempre possível a redução
salarial em percentual superior a 25%, pois o § do referido dispositivo legal autoriza
qualquer redução de jornada, desde que não ultrapasse 25 horas semanais e seja
autorizado por norma coletiva.
Amauri Mascaro Nascimento
235
também defende que a redução salarial terá as
dimensões resultantes da negociação coletiva.
O que não se admite é a redução salarial, mesmo que autorizada por norma
coletiva, sem que seja em benefício do empregado (no caso de redução de jornada
proporcional a pedido seu) ou para sobrevivência da pessoa jurídica, do empregador.
Diminuição salarial para aumento dos lucros constitui abuso do direito e deve ser
declarada nula.
2.6. Princípio da continuidade da empresa, ou da função social da empresa
O medo de comprometer o patrimônio particular e enfrentar os riscos de um
negócio, a necessidade de reunir esforços de várias pessoas para investimento comum
em um determinado empreendimento, a insegurança de confiar a alguém a
administração de seu capital, dentre outros, eram os principais fatores que inibiam os
investidores na criação de atividade econômica produtiva, na criação de empresas.
É interesse do Estado a criação e manutenção de pessoas jurídicas, por ser
importante instrumento da economia de mercado, pois é por meio delas que se aumenta
a arrecadação de tributos, incrementa-se o desenvolvimento econômico, produz
emprego e desenvolvimento ao país. A pessoa jurídica exerce forte função social no
cenário jurídico.
Portanto, a criação de uma figura jurídica que autorizasse a reunião de pessoas,
protegesse seus patrimônios pessoais e limitasse a responsabilidade destas, reduzindo os
riscos do empreendimento, seria a forma de incentivar o investimento e fomentar a
criação de empresas. A solução estava na criação de um ente autônomo, com direitos e
obrigações próprias, ente distinto de seus membros; uma sociedade personificada, isto é,
com personalidade jurídica diversa da de seus sócios.
235
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
811.
119
A criação da pessoa jurídica permitiu o exercício da atividade empresarial. Mas,
o exercício desta atividade está limitada à sua função social.
O artigo 170 da CRFB implicitamente reafirmou e deu status constitucional ao
princípio da função social da empresa. Apesar do dispositivo se referir à função social
da propriedade, fácil é concluir que a empresa é uma das formas de exercício da
propriedade. está a relação entre propriedade, empresa e Direito do Trabalho será
abaixo estudada.
Grande parte da população depende diretamente da pessoa jurídica seja porque
proporciona desenvolvimento, pelos tributos que o Estado por meio dele arrecada, dos
produtos e produz e faz circular e dos empregos que cria.
Daí porque a preocupação com manutenção e saúde da sociedade empresária é de
interesse coletivo e do Estado. Por este motivo o princípio da função social da empresa
pugna pela prioridade da sobrevivência da empresa em casos de dúvida acerca de sua
continuidade ou encerramento, fazendo com que prevaleça seus interesses a médio e
longo prazo, sobre o interesse daqueles que preferem sua extinção, que tendem a pensar
a curto prazo, de modo egoísta ou individualista.
duas formas de abordar o princípio da preservação da empresa. A primeira
destina-se à manutenção da sociedade, para evitar sua dissolução, quando, por exemplo,
morte, briga ou saída de um dos sócios. O princípio também pode ser analisado pelo
viés dos interesses a serem protegidos enquanto a pessoa jurídica estiver em
funcionamento, isto é, seu exercício está condicionado ao respeito do direito dos
trabalhadores sem que isto coloque em risco sua existência.
Isto quer dizer que, quando os interesses da sociedade empresária se conflitarem
com os de seus empregados ou de seus consumidores, o que acontece com certa
frequência, é necessário ponderar interesses para priorizar o mais importante no caso
concreto: a função social da empresa ou a proteção do trabalhador.
Fábio Comparato
236
conceitua a função social da empresa:
(...) a noção de função, no sentido que é empregado o termo nesta
matéria, significa um poder, mas especificadamente, o poder de dar
ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo
objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao
interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não
significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas,
de qualquer modo, se se está diante de um interesse coletivo, essa
236
COMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade e dos bens de produção. Dicionário
Empresarial – estudos e pareceres, 1990, p. 32.
120
função social da propriedade corresponde a um poder-dever do
proprietário, sancionável pela ordem jurídica.
Os artigos 170, 182, parágrafo e 186 da CRFB esclarecem qual é a função
social da propriedade:
Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e
de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional
6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
(...)
Art. 182 (...)
§ - A propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas
no plano diretor.
(...)
Art. 186 - A função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente;
III observância das disposições que regulam as relações de
trabalho;
IV exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e
dos trabalhadores.
A função social da empresa também impregnou a legislação infraconstitucional,
como, por exemplo, nos artigos 116, parágrafo único e 154 da Lei 6.404/76:
Art. 116 (...)
Parágrafo único O acionista controlador deve usar o poder
com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua
função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a
121
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente
respeitar e atender.
(...)
Art. 153 O administrador da companhia deve empregar, no
exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem
ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios
negócios.
A Lei no 11.101/05 também se referiu à função social da empresa:
Art. 47 - A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a
fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica (grifos nossos).
A Lei 8.884/94 que foi editada para evitar o abuso do poder econômico também se
refere à função social da empresa:
Art. - Esta Lei dispõe sobre a prevenção e a repressão à
infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames
constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função
social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso
do poder econômico.
Fábio Comparato
237
afirma que, na proteção constitucional da propriedade se
inserem, também, os bens patrimoniais sobre os quais o titular não exerce nenhum
direito real e que, por conseqüência, “também o poder de controle empresarial, o qual
não pode ser qualificado com um ius in re, há de ser incluído na abrangência do
conceito constitucional de propriedade.”. A partir daí traça um paralelo entre a
propriedade e a empresa para defender a existência de sua função social. Na verdade, a
empresa se insere no conceito de bens de produção e, por isso, confere ao seu titular o
status e encargo do titular da propriedade.
José Afonso da Silva
238
, da mesma forma, defende que o princípio constitucional
da função social da propriedade “ultrapassa o simples sentido de elemento conformador
de uma nova concepção de propriedade como manifestação de direito individual, que
ela, pelo visto, não o é apenas, porque interfere com a chamada propriedade
empresarial” e conclui que o “direito de propriedade (dos meios de produção
237
COMPARATO, Fábio Conder. Estado, empresa e função social. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano
85, n. 732, out. 1996. p. 43-44.
238
SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 287.
122
principalmente) não pode mais ser tido como um direito individual”, devendo atender às
necessidades da sociedade, isto é, à sua função social.
Atender às diretrizes apontadas pelos comandos dos princípios constitucionais é
dever do intérprete, assim como dar máxima eficiência
239
às normas constitucionais. A
resolução dos conflitos de normas constitucionais, como analisado, resolve-se pela
ponderação de interesses. A funcionalização
240
do uso da propriedade e, como
conseqüência, do uso da empresa, deve ser pautada pelo bem estar da coletividade, pelo
bem estar social. Nas palavras de Comparato
241
“trata-se de uma liberdade-meio, ou
liberdade condicional”.
O desvio do exercício da sociedade empresária e de sua finalidade social acarreta
em abuso do direito, como bem salienta Heloísa Carpena
242
. A empresa gozará de
liberdade enquanto respeitar os direitos dos trabalhadores, dos consumidores, do meio
ambiente etc. Não se pretende, com isso, transferir ao empresário a obrigação do Poder
Público de criar empregos, manter as finanças públicas e o meio ambiente, mas apenas
exigir que as empresas desempenhem papel importante na sociedade e com ela
colaborem. No que toca o Direito do Trabalho, a empresa deve apenas respeitar os
direitos do trabalhador, sem abuso. Em outras palavras.
Modesto Carvalhosa
243
acrescenta que:
Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo
interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que
atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e
parafiscais, considerando-se principalmente três as modernas funções
da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às
relações com seus empregados (...) a segunda volta-se ao interesse
239
O princípio da máxima eficiência ou eficácia determina que o intérprete deve atribuir às normas
constitucionais o sentido que lhes maior eficácia, isto é, o máximo de capacidade de regulamentação.
Interpretar a Constituição é realizar, efetivar, dar execução a Constituição. Faz com que o intérprete
assuma uma postura de extrair o máximo de capacidade de regulação, de efetividade, de coerção das
normas constitucionais. Pois, efetividade é um instituto sociológico e não jurídico, cujo significado é o de
respeitabilidade. Portanto, conclui-se que o que se busca é a obediência às normas constitucionais. A
nenhuma norma pode-se dar uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser.
O princípio da eficiência pode ser utilizado também efetivar direitos constitucionais trabalhistas.
Um bom exemplo é a aplicação da CLT aos domésticos, bem como das leis especiais, apenas para dar
exeqüibilidade aos novos direitos que lhe foram estendidos por força do parágrafo único do artigo da
CRFB. Muitos dos direitos ali apontados dependeriam, se não fosse utilizado o método em estudo, de
regulamentação especial para sua efetivação.
240
Funcionalizar determinado direito significa condicionar seu exercício aos interesses maiores da
sociedade e é neste sentido que hoje é vista a função social da propriedade e do contrato.
241
COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Rio de Janeiro: Revista Forense, n.. 290, 1985,
p. 10.
242
CARPENA, Heloísa. Abuso do direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 53.
243
CARVALHOSA, Modesto Apud PEREZ, Viviane. A função social da empresa: uma proposta de
sistematização do conceito. Trabalho final de disciplina de direito civil. Mestranda da Uerj, 2005, p. 15.
123
dos consumidores (...) a terceira volta-se ao interesse dos
concorrentes (...) E ainda mais atual é a preocupação com os
interesses de preservação ecológica, urbana e ambiental da
comunidade em que a empresa atua.
Viviane Perez
244
divide a função social da empresa em dois aspectos: “a)
endógena relativa às relações entre os agentes internos da empresa; b) exógena
relativa às relações com os centros de interesse externos à empresa”. O primeiro
245
deve
ser perseguido quando a pessoa jurídica estiver em funcionamento, sem riscos extinção
e está relacionado à observância pelo empresário de todos direitos dos seus
trabalhadores, sem abuso e tem base no inciso VIII do artigo 170 da CRFB. A sociedade
empresária que está funcionando não pode utilizar o direito de forma abusiva em
detrimento dos direitos do trabalhador. Ademais, de acordo com o artigo 187 do Código
Civil equipara-se ao ato ilícito o ato praticado com abuso do direito.
Neste sentido,
considera-se abuso do direito o exercício de um direito subjetivo ou de prerrogativas
individuais de forma exacerbada, fora dos limites normais que são baseados em
princípios de comportamento e de direito, que importe em atos que violem a ética, a
moral, a boa-fé, os bons costumes, o bem comum e a função social do direito
246
.
Conclui-se, pois, que o empregador que, sem necessidade, utiliza o instituto da
flexibilização para não pagar mensalmente as horas extras devidas, sob a roupagem de
“banco de horas”
247
, em detrimento do direito dos trabalhadores e em favor do aumento
de seus lucros; ou que aumenta o horário noturno para 60 minutos
248
; ou reduz o valor
adicional de periculosidade, mesmo que por meio de norma coletiva, etc
249
, abusa do
direito previsto no artigo 7º, XIII da CRFB, viola o princípio da proteção ao trabalhador
consagrado no artigo caput da CRFB; prioriza o capital ao trabalho humano, ferindo
244
PEREZ, Viviane. A função social da empresa: uma proposta de sistematização do conceito, cit., p. 15.
245
A autora também inclui entre os interesses endógenos, o respeito, que a sociedade deve ter aos
interesses dos sócios, ou acionistas, imposto pelo administrador ou sócio majoritário como, por exemplo,
determina o artigo 116, parágrafo único da Lei 6.404/76.
246
Imaginemos uma hipótese em que o empregador efetuou acordo judicial para pagar R$5.000,00 no dia
07/03/2010. No dia determinado comparece com a quantia em moedas de 10 centavos carregadas em três
grandes malas, por exemplo. Certamente o fez para expor o ex-empregado à ridícula situação de passar
horas contando e, mesmo que consiga conferir, não conseguirá carregá-las, pois não levou malas. Praticar
tal ato é usar o direito de quitar a dívida de forma contrária à ética, à moral, à função social do direito, já
que o ex-patrão exacerbou, exagerou, usou seu direito como método de vingança, como mecanismo de
exposição humilhante do credor.
247
Banco de horas é a nomenclatura dada ao acordo de compensação de até um ano, na forma do artigo
59, parágrafo 2º da CLT.
248
De acordo com o artigo 73 da CLT a hora noturna é de 52’30’’.
249
No Rio de Janeiro há norma coletiva de determinada categoria renunciando ao vale-transporte, sem
motivo aparente. Este ato é abusivo, pois sem a necessária motivação: preservação da saúde da empresa.
124
o princípio da valorização do trabalho humano, princípio também consagrado
constitucionalmente.
A norma coletiva que reduz direitos trabalhistas previstos em lei sem a
correspondente necessidade de manutenção da saúde da pessoa jurídica, isto é, apenas
para manter ou aumentar a lucratividade do empregador, constitui abuso do direito
250
. A
pessoa jurídica que demite todos os seus empregados por justa causa, apenas para
ganhar tempo para pagar as parcelas devidas em decorrência da extinção do contrato,
abusa do direito de demitir, ferindo a função social da empresa.
O empresário que contrata seus empregados por empresas intermediadoras ou
colocadoras de mão-de-obra, subcontratando-os, muitas vezes para sua atividade fum,
sob o argumento de baratear os custos, comete abuso do direito e atinge frontalmente a
sua função social.
A inobservância dos direitos dos trabalhadores, como o pagamento pontual de
seus salários e sobre-salários previstos em lei ou em normas coletivas, o tratamento
ético, urbano e livre de assédio; o abuso no exercício de direitos dirigidos ao patrão
como o de despedir, o de flexibilizar, o de variar algumas condições de trabalho (ius
variandi), acarreta a não observância da função social da empresa e o abuso dos
direitos.
Neste caso, o princípio da proteção, sob o critério da ponderação, deve ser
priorizado e aplicado e o princípio da função social a ele subordinado.
Apenas na hipótese da sociedade empresária ou empresário estar atravessando
graves crises econômicas, haverá supremacia do princípio da preservação da empresa
em detrimento do princípio da proteção ao trabalhador, pois, em última análise,
mantendo-se a empresa, mantêm-se os respectivos postos de trabalho, evitando o
desemprego, assim como suas outras finalidades sociais. Se, ao contrário, estiver em
funcionamento, fora do cenário de discussão de sua manutenção física ou extinção
física, prevalecerá sempre à pessoa à coisa, o ser ao ter, o trabalhador às vantagens
econômicas lucrativas do empresário.
A Lei 11.101/05 reflete a mudança de paradigma, pois prioriza a função social
da empresa sobre os direitos dos trabalhadores, o que é percebido por sua simples
250
Heloísa Carpena distingue o ato ilícito do abuso do direito: “O ilícito, sendo resultante da violação de
limites formais, pressupõe a existência de concretas proibições normativas, ou seja, é a própria lei que irá
fixar limites para o exercício do direito. No abuso não limites definidos e fixados aprioristicamente,
pois serão dados pelos princípios que regem o ordenamento, os quais contêm seus valores fundamentais.”,
cit., p. 382.
125
leitura. A recuperação judicial
251
e a falência agora atingem o credor trabalhista
252
em
vários pontos que não ocorriam na legislação anterior.
Abaixo as principais mudanças previstas na Lei 11.101/05 (LRJF):
a) o artigo 83, I da LRJF limita o crédito trabalhista e acidentário a 150 salários
mínimos por credor para a habilitação privilegiada na falência.
Em condições de adversidade econômica e priorizando o critério distributivo,
para que um maior número de credores (inclusive os trabalhistas) pudessem receber
seus créditos, a LRJF estabeleceu um teto quantitativo para sua inserção na categoria de
crédito privilegiado. o houve exclusão do crédito do trabalhador ou decorrente de
acidente de trabalho, mas apenas a limitação de valor para sua inclusão como crédito
prioritário. A medida está em consonância com o estabelecido pela ordem internacional,
pois o artigo 7.1 da Convenção 173 da OIT, apesar de não ratificada pelo Brasil,
expressamente autoriza que o país possa limitar o alcance do crédito privilegiado em
caso de insolvência do empregador
Segundo Fábio Ulhoa
253
e a decisão do STF, nos autos da ADI 3.934, a limitação
teve o escopo de atender os mais necessitados, os que percebem baixos salários e não
para satisfazer os altos salários dos diretores. Consideram justo, razoável e proporcional
a fixação em até 150 salários mínimos para o teto do crédito privilegiado, porque,
segundo o voto do Min. Ricardo Lewandowski,
as indenizações trabalhistas montavam,
à época da edição da lei, ao valor médio de 12 salários mínimos.
b) O plano de recuperação não poderá prever prazo superior a 1 ano para
pagamento dos créditos trabalhistas e os decorrentes de acidente de trabalho, salvo
quanto aos salários retidos, cujo prazo de quitação é de 30 dias (art. 54, parágrafo
único). Todavia, tal obrigação foi determinada apenas para os últimos três meses de
salários retidos, limitados a cinco salários mínimos.
A limitação do número de meses para quitaçãdo dos salários retidos, do valor do
salário ou do crédito a ser habilitado como privilegiado, evidencia que o legislador
também quis prestigiar as instituições de crédito e o Estado, que poderão concorrer em
igualdade com os créditos trabalhistas e acidentários que ultrapassem do limite legal.
251
O credor trabalhista está sujeito à recuperação judicial de médias e grandes empresas, porque as de
pequeno porte e as microempresas, assim como a recuperação extrajudicial não atingem os créditos
trabalhistas e os decorrentes de acidente de trabalho, na forma dos arts. 70 a 72 e 161 e 167 da Lei
11.101/05.
252
Os créditos trabalhistas existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, submetem-se à
recuperação judicial, na forma do art. 49 da Lei 11.101/05.
253
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 14.
126
Por ter reduzido direitos, alguns
254
argumentaram que alguns artigos da LRJF
era inconstitucional, pois desprezaram os direitos fundamentais do trabalhador previstos
no art. 7º da Constituição, assim como violaram
255
o princípio do valor social do
trabalho (arts. 1º e 170 da CRFB) e do pleno emprego (art. 170, VIII da CRFB).
c) O artigo 50, VIII da LRJF autoriza a redução dos salários e da jornada de
trabalho, mediante acordo ou convenção coletiva. O comando está de acordo com a tese
da flexibilização. Portanto, perfeitamente constitucional, porque atende ao interesse
social na preservação da empresa. O empresário ou sociedade empresária, que se
encontra em situação de insolvência, deve ter tratamento diferenciado, pois os
parâmetros de normalidade, isto é, de tratamento igualitário em relação às demais, que
estão solventes, liquidaria, de vez, a pessoa jurídica, e, com isso, o emprego. O fim
almejado com tal tese é, em última análise, o de preservar o maior número possível de
empregos, mesmo que em condições menos favoráveis.
d) A lei anterior não afastava a sucessão de empresários
256
, na forma dos artigos
10 e 448 da CLT. Apesar de o artigo 50, VII autorizar o trepasse ou arrendamento do
estabelecimento, expressamente exclui a possibilidade de sucessão (arts. 60 e 141, II),
livrando o sucessor dos débitos do sucedido.
O que se pretende com a exceção acima é permitir que a empresa continue a ser
explorada por outro empresário ou sociedade empresária. Convém ressaltar que não se
pode confundir empresário ou sociedade empresária (perfil subjetivo) com a própria
organização produtiva ou atividade empresarial (perfil funcional). Ao impedir a
sucessão de empresários, a lei tentou preservar a atividade econômica produtiva, isto é,
254
Neste sentido Marcelo Papaléo de Souza e o Sindicato Nacional dos Aeroviários, autor da ADI 3934 -
DF. SOUZA, Marcelo Papaléo. A nova Lei de recuperação e falência e as suas conseqüências no direito e
no processo do trabalho. São Paulo: LTr, p. 182-194.
255
A questão foi debatida na ADI 3.934 e, incidentalmente, no RE 583.995 (este teve o objetivo de fixar a
competência). Entretanto, o STF, em maio de 2009, entendeu pela constitucionalidade dos referidos
dispositivos legais, definindo que o pagamento preferencial dos créditos trabalhistas pode ser limitado em
150 salários mínimos; que a empresa que adquire ativos ou a unidade produtiva da empresa em
recuperação não herda suas dívidas trabalhistas; e que a Justiça do Trabalho pode aferir o montante da
dívida oriunda da relação de emprego, mas não pode determinar sua execução, pois esta competência é
juízo comum, que está no comando da recuperação.
256
As jurisprudências abaixo comprovam a afirmação:
SUCESSÃO. ANTECESSORA FALIDA. Se a prova demonstra, de forma inequívoca, que
a demandada é sucessora de empresa falida, fica responsável pelos encargos trabalhistas da
sucedida, apesar da falência decretada contra esta. TRT/SP-Proc: 11662/90 (Ac. 8
a
T.
02920063477) – Rel. Designado: Desembargadora Dora Vaz Trevino. DJU 30/04/92.
SUCESSÃO DE EMPREENDEDORES. Opera-se pela transferência de universalidades
entre empresas, por título jurídico hábil, seja compra e venda, arrendamento ou aquisição de
acervos empresariais em hasta pública. TRT/SP Proc: 02129-2002-025-02-00-8 Rel.
Designado: Desembargador Plínio Bolívar de Almeida. DJU 07/12/04.
127
a própria empresa, mesmo em caso de recuperação ou falência da sociedade empresária
ou do empresário. Portanto, o dispositivo não fere qualquer princípio ou valor
constitucional, mas tão somente excepciona a regra geral prevista nos artigos 10 e 448
da CLT, que regulam a sucessão.
2.7. Princípio da inalterabilidade contratual
O contrato de trabalho é de trato sucessivo, de débito permanente. Esta
característica acarreta constantes mudanças das condições iniciais do contrato,
obrigando as partes a pequenas alterações para adaptarem o contrato às novas
realidades.
O princípio tem sua base na máxima do pacta sunt servanda e, por estarem
obrigadas a cumprir o contrato, as partes não podem livremente alterar suas cláusulas no
curso deste. No Direito do Trabalho, o contrato também faz lei entre as partes.
Entretanto, a livre manifestação de vontade é mitigada, pois a autonomia das partes ao
ajustarem as cláusulas contratuais está vinculada aos limites da lei. Daí porque as partes
podem pactuar cláusulas iguais ou melhores (para o empregado) que a lei, mas nunca
contra a lei ou as normas coletivas vigentes (art. 444 da CLT). A lei proibiu a alteração
prejudicial ao trabalhador (art. 468 da CLT) como conseqüência lógica do princípio da
proteção ao trabalhador e pela presunção lógica de sua submissão aos mandos do patrão
(coação presumida). Desta forma, é válida, pois, qualquer alteração unilateral ou
bilateral, que não cause prejuízo ao trabalhador, como aumento salarial ou redução da
jornada, por exemplo.
A alteração das cláusulas contratuais pode ter várias classificações: a) quanto à
origem: obrigatória ou imperativa e voluntárias ou autônomas; b) quanto ao conteúdo:
qualitativas e quantitativas; c) quanto à natureza: legais e ilegais; d) quanto à vontade:
unilateral e bilateral.
Obrigatória é a alteração contractual cuja vontade individual das partes não
concorre, pois decorre de fonte formal heterônoma de direito, que obriga e vincula o
empregador. Assim, todas as alterações determinadas pelo Estado ou com intervenção
dele (Constituição, leis, decretos, sentença coletiva) são consideradas obrigatórias e
128
substituem automaticamente a cláusula contratual anterior pela norma imperativa nova,
ressalvado o direito adquirido do trabalhador.
Convém lembrar que o ajuste trabalhista é um contrato regulamentado e dirigido
pelo Estado. Isto quer dizer que a lei dita as regras mínimas e limita a autonomia de
vontade, não permitindo qualquer alteração. Por isto, suas condições mínimas de
trabalho estão xadas, limitadas e estabelecidas nas diversas regras legais trabalhistas
que regem a matéria. Estas mesmas regras são modificadas de tempos em tempos e,
quando isto acontece, a alteração será imperativa.
As alterações contratuais legais mais comuns são aquelas que implicam
benefícios ao empregado, tais como estabilidades ou garantias de emprego, criadas por
lei, majoração salarial, decorrentes de reajustes legais (leis de política salarial, muito
inexistentes), redução da jornada de trabalho etc.
Voluntárias são aquelas em que as partes concorrem para a mudança diretamente
ou por meio das normas coletivas (convenção ou acordo coletivo). Podem ser unilaterais
ou bilaterais. Unilaterais quando apenas uma das partes participa (empregado ou
empregador). Bilateral quando patrão e trabalhador ajustam a alteração. De qualquer
forma, devem respeitar os parâmetros e contornos indicados no art. 468 da CLT, de
forma a não causar prejuízo ao empregado. O aumento espontâneo do salário, a
concessão de sobre-salários não previstos em lei ou majoração daqueles previstos na
CLT, a promoção, são exemplos de alterações benéficas unilaterais praticadas pelo
empregador.
Se a alteração, seja unilateral ou bilateral, for prejudicial ao trabalhador, haverá a
automática substituição da cláusula contratual nula pela norma legal mínima ou anterior.
Assim, não poderá o empregador, por exemplo, que sempre concedeu alimentação
graciosa, suprimi-la, ou aquele que pagava gratificação por tempo de serviço deixar de
pagar, salvo (em ambos os exemplos) quando concedida por norma coletiva e a
posterior não mais conceder.
Quantitativa é a mudança contratual que acarreta aumento ou diminuição do
salário, da jornada, da quantidade de afazeres. Será qualitativa quando importar em
mudança da qualidade ou na natureza do trabalho. Isto ocorre quando promoção,
rebaixamento, alteração da função, cargo, status, atribuições, horário e turno (não
alterando a jornada), local (espaço físico) ou localidade (município, estado ou país) da
129
prestação de serviços etc. Délio Maranhão
257
defende que o local da prestação de
serviços (sala, mesa, andar) não
importa em alteração contratual, possuindo o empregador a autonomia para a
modificação, salvo quando importar em prejuízo para o empregado.
A inalterabilidade contratual tem base no Direito Civil, que considera que o
contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda). Por estarem obrigadas a cumprir o
contrato, as partes não podem livremente alterar suas cláusulas no curso deste, máxime
em se tratando de um contrato de trato sucessivo.
Também no Direito do Trabalho o contrato faz lei entre as partes. Entretanto, a
autonomia é limitada pela lei. Conclui-se, pois, que as partes podem pactuar cláusulas
iguais ou melhores (para o empregado) que a lei, mas nunca contra a lei e as normas
coletivas vigentes (art. 444 da CLT). O princípio da inalterabilidade contratual tem
como base o princípio da proteção ao trabalhador e se aplica tanto para as alterações de
direitos de caráter público como para aqueles decorrentes de norma de caráter privado,
pois, mesmo os direitos disponíveis passam pelo filtro do art. 468 da CLT.
2.7.1. Exceções
a) O art. 468, parágrafo único da CLT possibilita a reversão do empregado de
confiança ao cargo efetivo, perdendo, inclusive, a gratificação correspondente à função,
observada a restrição contida na Súmula 372 do TST.
b) O art. 469 da CLT faculta a transferência unilateral do trabalhador que exerça
cargo de confiança ou daquele cujo contrato contenha cláusula explícita ou implícita de
transferibilidade ou de qualquer empregado em casos de fechamento do
estabelecimento. Para os demais empregados a transferência deverá ser bilateral.
c) O art. 475 c/c art. 461, parágrafo 4º, da CLT permite o rebaixamento do
empregado nos casos em que a Previdência Social recomenda a readaptação do
empregado. Todavia, esta alteração in pejus não pode importar, também, em redução
salarial.
d) Manutenção dos benefícios normativos apenas durante a vigência da norma
coletiva, pois as condições de trabalho criadas por acordo coletivo, convenção ou
257
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000, v. 2, p. 554
130
sentenças coletivas obrigam enquanto vigentes, podendo o empregador suprimi-las após
seu término, salvo se a norma posterior manteve a vantagem (Súmula 277, I do TST);
e) Ius variandi. Por ser o dono do empreendimento e correr o risco do negócio, o
empregador tem o poder diretivo da empresa e, por isso, pode variar algumas cláusulas
contratuais de acordo com a tendência econômica ou interesse da empresa. Faz parte do
ius variandi, por exemplo: a) mudança do horário de trabalho, desde que não haja
majoração da quantidade de horas trabalhadas por dia (jornada) e não importe em
alteração do turno diurno para o noturno (por ser prejudicial ao empregado) - Súmula
265 do TST; b) mudança do local da prestação de serviços, respeitados os limites do
artigo 469 da CLT; c) possibilidade de exigir do empregado atribuições compatíveis
com a função exercida - art. 456, parágrafo único da CLT; d) promoção do empregado;
e) alteração da nomenclatura do cargo (sem causar prejuízos), etc.
f) Flexibilização dos direitos trabalhistas.
As Orientações Jurisprudenciais 308 e 339 da SDI-I do TST, Súmula 51, II do
TST também refletem o princípio:
OJ 308 da SDI-I do TST: Jornada de trabalho. Alteração. Retorno à
jornada inicialmente contratada. Servidor público. O retorno do
servidor público (administração direta, autárquica e fundacional) à
jornada inicialmente contratada não se insere nas vedações do art.
468 da CLT, sendo a sua jornada definida em lei e no contrato de
trabalho firmado entre as partes.
OJ 339 da SDI-I do TST: Teto remuneratório. Empresa pública e
sociedade de economia mista. Art. 37, XI, da CF/1988 (Anterior à
Emenda Constitucional 19/98). As empresas públicas e as sociedades
de economia mista estão submetidas à observância do teto
remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da CF/1988, sendo
aplicável, inclusive, ao período anterior à alteração introduzida pela
Emenda Constitucional nº 19/98.
Súmula 51 do TST: Norma regulamentar. Vantagens e opção pelo
novo regulamento. Art. 468 da CLT.
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens
deferidas anteriormente, atingirão os trabalhadores admitidos após
a revogação ou alteração do regulamento.
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a
opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às
regras do sistema do outro.
2.8. Princípio da irrenunciabilidade e da intransacionabilidade
131
O empregado não pode transacionar ou renunciar direitos trabalhistas previstos em
lei, seja antes da admissão, no curso do contrato ou após seu término
258
. Isto se explica
porque os direitos trabalhistas previstos em lei têm natureza pública, daí porque o
comando do artigo da CLT determinou a nulidade de todo ato que visasse desvirtuar,
impedir ou fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas previstos na lei. Por outro lado,
o artigo 468 da CLT considerou nula toda alteração contratual que cause prejuízo ao
trabalhador. Reforçando o entendimento, o artigo 444 da CLT autoriza a criação de
outros direitos pela vontade das partes, desde que não contrariem aqueles previstos na
lei e nas normas coletivas e o art. 7º, caput da CRFB relaciona uma série de direitos
trabalhistas em seus incisos, recepcionando e dando status constitucional ao princípio
da condição mais favorável ao trabalhador.
Portanto, as transações e as renúncias serão lícitas quando não causarem
prejuízo ao trabalhador ou quando autorizadas por lei
259
.
Primeiramente cabe um rápido estudo para ser apontada a diferença entre os
direitos patrimoniais de caráter privado e os direitos de caráter público, ou seja, os
direitos disponíveis e os indisponíveis e, a partir de então prosseguir no raciocínio, uma
vez que apenas os de direito privado podem ser objeto da renúncia e da transação, como
abaixo explicitado
260
:
Patrimoniais são os direitos suscetíveis de serem avaliados em
dinheiro, isto é, aqueles em que é possível se atribuir valoração
econômica, expressão monetária. Indisponíveis são os direitos que
258
É a natureza do direito que impede sua disponibilidade e não o momento em que isso ocorre. A
impossibilidade de renúncia e transação antes e durante o contrato também é defendida por Dorval
Lacerda, Süssekind, Délio Maranhão, Maurício Godinho, Alice Monteiro de Barros e Plá Rodriguez.
LACERDA, Dorval. A renúncia no direito do trabalho. 2ª ed São Paulo: Max Limond, 1944 p. 132;
Süssekind em SÜSSEKIND , Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima.
Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 18ª ed., Vol. 1, 1999, p. 222; MARANHÃO, Délio.
Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: FGV, 1987, p. 26; DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito
do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 212; BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho.
São Paulo: LTr, 2005, p. 180; PRODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Cit., p.
73-96.
259
A Lei 5.107/66 instituiu o FGTS e autorizou a renúncia à estabilidade decenal e/ou transação da
indenização por tempo de serviços. O artigo 14 da Lei 8.036/90 contém a mesma previsão quanto ao
direito do empregado optar retroativamente renunciando sua estabilidade decenal e/ou de transacionar a
indenização por tempo de serviço, relativa ao período anterior à Constituição. A Lei 9.958/00 permitiu a
transação extrajudicial por meio das Comissões de Conciliação Prévia. Por fim, a Súmula 276 do TST
tolera a renúncia ao aviso prévio, desde que o empregado o faça expressamente e comprove que
conseguiu um novo emprego.
260
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, p. 171.
132
são controlados pelo Estado com maior ou menor intensidade, por
protegerem interesses blicos. Não derivam da autonomia da
vontade da parte e sim de imposição legal feitas por meio de normas
cogentes, impostas pelo Estado para tutelar algum interesse social.
Disponíveis são os direitos cujos interesses são particulares.
Suscetíveis de circulabilidade.
Os direitos criados pelas partes, por meio do contrato de trabalho, regulamento
interno de empresa ou convenção coletiva, isto é, de forma autônoma, são privados,
logo, disponíveis. Privados são aqueles direitos que o Estado não se interessa em tutelar,
pois particulares. Entretanto, a CLT também impõe limites à sua alteração quando isso
representar em prejuízo ao empregado.
Os direitos previstos na lei trabalhista são indisponíveis pelas partes e, por isso, o
legislador cercou o trabalhador de garantias para assegurar a não ocorrência de atos,
mesmo que bilaterais, que lhe causem prejuízo art. 468 da CLT. Maurício Godinho
261
limita a transação de direitos trabalhistas a um “patamar mínimo civilizatório
262
”. Para
tanto, dividiu os direitos indisponíveis em duas categorias: os de indisponibilidade
absoluta e os de indisponibilidade relativa. Afirma que absoluta é a indisponibilidade
cujo “direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um
patamar civilizatório mínimo, firmado pela sociedade política em um dado momento
histórico”
263
, e relativa é a indisponibilidade que pode sofrer exceções, isto é, aqueles
direitos acima do referido patamar que podem ser transacionados.
Na verdade, ao permitir que alguns direitos possam ser transacionados pelo
trabalhador, Maurício Godinho os tornou disponíveis. Logo, melhor seria dizer,
utilizando a terminologia do autor, que a “indisponibilidade relativa” é, na verdade, uma
“disponibilidade relativa”, isto é, o direito está num padrão civilizatório geral acima do
mínimo e, por isso, segundo sua visão, é possível sua transação
264
, já que o autor jamais
admite a renúncia. Maurício Godinho
265
aponta como exemplos de direitos de
indisponibilidade relativa: normas autônomas, modalidade de pagamento, tipo de
261
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 1.379.
262
O autor divide o “patamar mínimo civilizatório em três grupos convergentes de normas
heterônomas”: os direitos constitucionais em geral; as normas de tratados e convenções internacionais
vigentes internamente no Brasil, e as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de
cidadania ao indivíduo que labora, como, por exemplo, a assinatura da CTPS, a garantia do salário
mínimo e bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, procedimentos anti-
discriminatórios e as normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador. DELGADO, Maurício
Godinho. cit., p. 1379.
263
Ibidem, p. 212.
264
O autor admite a transação por meio de acordo ou convenção coletiva.
265
Ibidem, p. 212.
133
jornada pactuada, fornecimento ou não de utilidade. Ora, tais direitos são privados e não
de característica pública.
Por outro lado, Arion Sayão Romita
266
leciona:
Supõe-se que os direitos individuais do trabalhador sejam
indisponíveis, o que bastaria para inviabilizar o apelo à arbitragem,
quando se cuida de solucionar dissídios individuais do trabalho. Não
é correta, contudo, a assertiva de que os direitos trabalhistas do
trabalhador individualmente considerado – sejam indisponíveis. O
que a consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 9º, declara é que
são nulos os atos tendentes a desvirtuar, fraudar ou impedir a
aplicação das normas de proteção ao trabalho. Nenhum preceito legal
estabelece, de antemão, a indisponibilidade dos direitos do
trabalhador. Caso contrário, seriam automaticamente fulminados pela
nulidade todos os acordos celebrados pela Justiça do Trabalho nas
reclamações trabalhistas (...). É que os direitos do trabalhador
admitem uma divisão: direitos absolutamente indisponíveis e os
direitos relativamente disponíveis. O artigo da CLT o declara
indisponíveis os direitos do trabalhador, apenas priva de eficácia o
ato do empregado tendente a inviabilizar o gozo dos direitos
assegurados por lei ao trabalhador. Se o empregado decide dispor de
um direito não coberto pela proteção da indisponibilidade absoluta, a
lei não veda o acesso à via arbitral.
(...)
São absolutamente indisponíveis os direitos de personalidade
do trabalhador: honra, intimidade, segurança, vida privada, imagem.
Os direitos patrimoniais são plenamente disponíveis, após o término
da relação de emprego e apenas relativamente indisponíveis durante a
vigência do contrato (...). São disponíveis, porque sobre eles os
titulares detêm poder que não invade a esfera dos direitos de
personalidade.
Romita
267
aduz que as normas de indisponibilidade absoluta são diferentes da de
indisponibilidade relativa, pois estas criam benesses que podem ser transacionadas ou
renunciadas por meio da via negocial. Logo, o autor entende que aqueles direitos que
podem ser validamente disponibilizados por meio da norma coletiva são classificados
como de indisponibilidade relativa.
De forma similar Luiz de Pinho Pedreira da Silva
268
:
(...) consideram-se absolutamente indisponíveis todos os direitos
estritamente vinculados à pessoa, como os direitos personalíssimos.
Mas também direitos patrimoniais absolutamente indisponíveis e tal
266
ROMITA, Arion Sayão. Prefácio à obra de SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem Conciliação
Mediação nos conflitos coletivos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 11-12.
267
ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 164.
268
SILVA, Luiz de Pinto Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p.
124-126.
134
é o caso dos benefícios previdenciários (...). A indisponibilidade
absoluta é rara no Direito do Trabalho, podendo apontar como
exemplos dela o direito previdenciário, o direito do trabalhador à
segurança, a liberdade sindical. Mas a indisponibilidade relativa
domina o mesmo direito, como também o fazem a imperatividade das
normas e a presunção de vícios de consentimento, também causas,
conforme já visto, de exclusão, quase total, do poder de disposição
quanto aos direitos do trabalhador.
Na verdade, os direitos indisponíveis podem ser disponibilizados pela própria
lei, senão seriam denominados disponíveis. Desta forma, não concordamos com as teses
de indisponibilidade absoluta e relativa. A norma que contempla direitos indisponíveis
sempre o é de forma absoluta. a lei poderá criar exceções a estas regras e, mesmo
assim, numa interpretação restritiva conforme o comando constitucional contido no
artigo 7º, caput da Lei Maior.
A jurisprudência vem adotando a nomenclatura sugerida pelos autores, como se
percebe abaixo, divergindo apenas no que é disponível e o que não é:
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA.
FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS DE INDISPONIBILIDADE
RELATIVA. O princípio da adequação setorial negociada, que retrata
o alcance da contraposição das normas coletivamente negociadas
àquelas de cunho imperativo, emanadas do Estado, viabiliza que as
normas autônomas construídas para incidirem no âmbito de certa
comunidade econômico-profissional possam prevalecer sobre aquelas
de origem heterônoma, desde que transacionem parcelas de
indisponibilidade apenas relativa, como, e.g, as concernentes à
manutenção da hora noturna em 60 minutos, vez que o caracteriza
alteração em patamar prejudicial à saúde do trabalhador e desde que
não traduza simples renúncia, mas transação de direitos. TRT/MG:
01512.2001.018.03.00.4, Rel. Designado: Juiz Júlio Bernardo do
Campo, DJ/MG 07/6/2002.
NULIDADE DE CLÁUSULA (JORNADA DE TRABALHO).
PRAZO POR TEMPO INDETERMINADO. O art. 614, § 3º, da CLT
estabelece como requisito formal dos acordos e convenções coletivas
a fixação de prazo de vigência, com o limite máximo de dois anos,
constituindo, a adoção de prazos, tônica do Direito Coletivo do
Trabalho. A cláusula de aditamento a acordo coletivo, pela qual foi
atribuída eficácia por tempo indeterminado à cláusula que ampliou a
duração da jornada de trabalho em turnos de revezamento, além de
levar à petrificação da negociação coletiva, foge aos contornos da
própria norma constitucional, porquanto torna geral e rotineiro o que
era específico e excepcional. Com efeito, a jornada de seis horas, em
turnos ininterruptos de revezamento é a regra constitucional; a norma
coletiva age, sob regra de indisponibilidade relativa, para definir
situação particular a um dado grupo de trabalhadores. Recurso
conhecido a que se nega provimento. TST, T, TST-RR-
135
503.874/1998.1, Rel. Min. Maria do Perpétuo Socorro de Carmem,
DJ - 17/10/2003.
INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. Previsão da hora
corrida em acordos coletivos. A Constituição Federal de 1988
conferiu maiores poderes aos sindicatos, de modo que essas entidades
podem, no interesse de seus associados e mediante negociação
coletiva, restringir certos direitos assegurados aos trabalhadores afim
de obter outras vantagens não previstas em lei. Não obstante, tal
flexibilização não autoriza a negociação coletiva que atente contra as
normas referentes à segurança e saúde no trabalho. De fato, o
estabelecimento do intervalo mínimo de uma hora para refeição e
descanso dentro da jornada de trabalho é fruto da observação e
análise de comportamento humano, e das reações de seu organismo
quando exposto a várias horas de trabalho. Doutrina e jurisprudência
evoluíram no sentido da necessidade desse intervalo mínimo para que
o trabalhador possa não apenas ingerir alimentos, mas também digeri-
los de forma adequada, a fim de evitar o estresse dos órgãos que
compõem o sistema digestivo, e possibilitar o maior aproveitamento
dos nutrientes pelo organismo, diminuindo também a fadiga
decorrente de horas de trabalho. Se de um lado a Constituição Federal
prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho como direito dos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7o,
XXVI, da Constituição Federal), de outro estabelece ser a saúde um
direito social a ser resguardado (art. 6o da Carta Política). Recurso de
Revista não reconhecido. TST, T, RR 619.959.99.7, Rel. Rider
Nogueira de Brito, DJU 14/03/03.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.
TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ESCRITURA PÚBLICA.
PARCELAS TRABALHISTAS IMANTADAS POR
INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. NULIDADE. Demonstrado
no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os
requisitos do art. 896 da CLT, ante a demonstração e violação, em
tese, do art. 5º, XXXV, da CF. Agravo de instrumento provido.TST,
T, RR - 2045/1998-029-15-00, Rel. Min. Maurício Godinho
Delgado, DEJT - 20/03/2009
RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA
SUPERIOR A DUAS HORAS DIÁRIAS. AUSÊNCIA DE
NEGOCIAÇAÕ ENTRE AS PARTES. O alargamento do intervalo
intrajornada o afeta diretamente a própria higidez do empregado
podendo ser transacionado, eis que se refere à parcela trabalhista de
indisponibilidade relativa; contudo, essa negociação deverá ser feita
mediante intervenção sindical. Recurso conhecido e provido. TST,
T, TST-RR-628.902/2000.7, Rel. Min. And Luiz Moraes de
Oliveira, DJ - 19/03/2004.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AVISO
PRÉVIO INDENIZADO. NÃO-CONCESSÃO. ACORDO
COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS. PRINCÍPIO DA
ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. POSSIBILIDADE E
LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA.
DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. Amplas são as
possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas
136
coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do
princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, essas
possibilidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites
objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista.
Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito
de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de
indisponibilidade absoluta, os quais não podem ser transacionados
nem mesmo por negociação sindical coletiva. TST, T, AIRR -
355/2008-006-04-40, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, DEJT -
30/04/2009.
Percebe-se das teses acima expostas que a jurisprudência é vacilante, pois não
consegue definir o que é disponibilidade ou indisponibilidade relativa e absoluta.
Mesmo que se desprezem as nomenclaturas acima e os limites da transação ou da
renúncia no Direito do Trabalho, percebe-se a tendência flexibilizadora, isto é, a
jurisprudência e a lei têm permitido cada vez mais hipóteses de abdicação de direitos.
Abaixo alguns exemplos:
.Súmula 51 do TST: O inciso II da súmula autoriza a renúncia pelo empregado de
um regulamento de empresa quando ele expressamente optar por outro. Crítica: É
contraditória, pois, ao mesmo tempo que, em seu inciso I, determina que as alterações
efetuadas no regulamento interno da empresa não se aplicam aos empregados admitidos
antes da alteração, salvo quando mais benéficas, permite, por outro lado, em seu inciso
II, a renúncia de um deles quando o empregado assim optar, mesmo que este ato lhe
cause prejuízos. Isto incentiva o empregador a criar novo regulamento ao invés de
modificar o já existente.
.Súmula 364, II do TST: Considera lícita a cláusula prevista em norma coletiva
que torna proporcional o adicional de periculosidade previsto em lei. Crítica: as normas
que protegem o trabalhador dos agentes insalubres e perigosos são de medicina e
segurança do trabalho, que, por sua natureza, criam direitos de maior proteção jurídica
e, por isso, indisponíveis. A norma coletiva, principalmente porque elaboradas por
particulares (sindicatos) não poderia prevalecer sobre a lei. Ademais, contrastando com
esse entendimento a OJ 342, I da SDI-I do TST, que considera nula cláusula de norma
coletiva que suprime intervalo intrajornada. Ora, ambos os direitos (periculosidade e
intervalo) são de ordem pública e se constituem em medida proteção à segurança e à
saúde do trabalhador. Ao mesmo tempo, a própria OJ 342 da SDI-I autoriza a supressão
de intervalo para repouso e alimentação, se o empregado trabalhar para empresa de
137
transporte público rodoviário, e sua jornada não for superior a 7 horas. Ora, se o
intervalo é norma de indisponibilidade absoluta, não poderia sofrer exceções.
.OJ 123 da SDI-I do TST: Possibilidade da norma coletiva retirar a natureza
salarial de uma utilidade. Crítica: novamente a jurisprudência entendeu que a norma
coletiva pode sobrepor-se à lei, pois o artigo 458 da CLT estabelece os requisitos para
que uma utilidade tenha natureza salarial. Assim, a norma coletiva poderia alterar a lei.
.OJ 270 da SDI-I do TST: PDV A orientação jurisprudencial defende que o
programa de demissão voluntária que importa em transação extrajudicial para extinção
do contrato e que implica na quitação exclusiva das parcelas e valores constantes do
recibo. Crítica: A orientação jurisprudencial deveria ter mencionado que a quitação se
dá quanto aos valores e não quanto às parcelas
269
.
.OJ 275 da SDI-I do TST: Possibilidade de a norma coletiva excluir o pagamento
da e hora do empregado submetido a turnos ininterruptos de revezamento de 8
horas, na forma do artigo 7º, XIV da CRFB. Crítica: A Constituição de 1988 fixa a
jornada de 6 horas para os trabalhadores em turnos ininterruptos de revezamento,
podendo a norma criar exceção temporária, sem, contudo trazer prejuízo ao trabalhador.
Logo, se ele trabalha 8 horas, deve receber por estas, mesmo que de forma ordinária
(sem o respectivo adicional sobre a e hora). Pensar de outra forma é, em última
análise, autorizar a redução salarial, pois o salário não é majorado, mas a jornada sim.
ainda pronunciamentos que, embora não sejam majoritários, adotam a tese de
que a norma coletiva pode tudo, desde renunciar até transacionar direitos previstos em
lei ou de caráter privado, em face da flexibilização autorizada pela Constituição de 88.
INTERVALO INTRAJORNADA. ACORDO COLETIVO. Importa
distinguir, dentro do universo jurídico, as normas que outorgam
direitos revestidos de indisponibilidade absoluta e as que prevêem
benefícios aos quais os trabalhadores, pela via da negociação
coletiva, podem validamente renunciar em função de algum interesse
ocorrente. É cediço que a normatividade instituída por negociação
coletiva constitui fonte formal secundária e de eficácia intrajurídica,
porém não se sobrepondo à lei quando em jogo norma de ordem
pública. Desta forma, a regra insculpida no artigo 71 "in fine" da
CLT, caracteriza-se pela imperatividade absoluta, já que trata, em
última instância, sobre a redução dos riscos inerentes ao trabalho,
insuscetível de renúncia ou transação. TRT/SP - PROC:
269
A expressão “parcela” tem uma conotação mais ampla que a palavra valor”. Assim, por exemplo,
empregado que percebia R$1.000,00 e adere o PDV (programa de demissão voluntária), cujo termo
noticia que o aviso prévio está sendo pago no valor de R$10,00. A quitação da parcela importa na
quitação do aviso prévio. A quitação do valor significa que apenas R$10,00 referentes ao aviso prévio
foram pagos. Logo, não quita a parcela paga insuficientemente.
138
01752.2000.463.02.00 – Rel. Designado: Juíza Vera Marta Publio
Dias. DJ/SP 06.09.2005.
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. REDUÇÃO.
TRANSAÇÃO. POSSIBILIDADE. A Constituição Federal de 1988
trouxe à ordem jurídica trabalhista brasileira maior possibilidade de
flexibilização, permitindo, inclusive, a redução salarial, desde que por
intermédio da negociação coletiva, como dispõe expressamente o
artigo , em seu inciso VI. O artigo 195, § 1º, da CLT, por sua vez,
permitia ao sindicato intentar reclamatória visando a apuração da
condição perigosa ou insalubre em ambiente de trabalho. A
conjunção dos dispositivos legais em tela e a natureza salarial do
adicional de periculosidade revela a possibilidade de empresa e
sindicato dos trabalhadores pactuar o pagamento do referido
adicional de forma parcial, considerando os parâmetros estabelecidos
na transação havida. Foi o que ocorreu na hipótese dos autos, onde a
ré e o sindicato do empregado pactuaram a redução da porcentagem a
ser satisfeita a título do adicional de periculosidade, transação esta
válida para todos os efeitos, visto em acordo aos dispositivos ora em
análise. TRT/SP RO: 35824/2002 Rel. Designado: Juíza Mércia
Tomazinho. DJ/SP 25.03.2003.
INTERVALO INTRAJORNADA. Consoante o artigo 73, parágrafo
da CLT, o intervalo mínimo de 1:00 hora, previsto para
alimentação e repouso, somente admite redução mediante ato do
Ministério do Trabalho, ouvida a Secretaria de Segurança e Higiene
do Trabalho. Sendo assim, falece competência às partes para
reduzirem ou frustrarem o referido intervalo, ainda que por meio de
instrumentos coletivos. Não se insurge aqui contra a autonomia das
partes para, por meio de acordos ou Convenções Coletivas,
estabelecerem a compensação de horários, ou mesmo a redução da
jornada (art. 7º, inciso XIII, da CF), nem se desconhece o prestígio
atribuído aos instrumentos coletivos pela Constituição Federal (art.
7º, inciso XXVI). Trata-se de reconhecer os limites da autonomia da
vontade coletiva frente às normas cogentes e de ordem pública. Eis
que estaríamos diante de um lamentável contra-senso se
admitíssemos que o prestígio conferido pela Lei Magna às
Convenções e Acordos Coletivos tivesse o alcance de permitir-lhes a
revogação de um dos princípios fundamentais da Constituição
Federal pautado nos valores sociais do Trabalho. Há de se respeitar as
normas imperativas e de ordem pública, direcionadas à proteção de
interesses maiores consubstanciados na segurança, saúde e higiene do
trabalhador, que ipso facto não comportam alterações supressoras ou
neutralizadoras por transação ou negociação entre as categorias
profissional e econômica. Dentre essas normas, encontram-se as que
estabelecem taxativamente limites máximo ou mínimo de duração do
trabalho e respectivos intervalos. TRT/MG - RO: 16755/2001 Rel.
Designado: Juíza Maria Auxiliadora Machado Lima. DJ/MG
15.03.2002.
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - PROPORCIONALIDADE
AUTORIZADA POR INSTRUMENTO NORMATIVO -
CLÁUSULA NULA. Nem todo direito trabalhista pode ser objeto de
transação ou negociação coletiva. Em se tratando de matéria de
segurança, saúde ou higiene, não margem para a supressão de
139
direitos, pois o que está em jogo são a vida e a integridade física do
trabalhador. Assim, não pode ser admitida cláusula que prevê o
pagamento do adicional de periculosidade de forma proporcional ao
tempo de exposição ao risco, tese já afastada pela jurisprudência
dominante, conforme entendimento consubstanciado no Enunciado
361 do colendo TST. Todavia, ainda que se considerasse válida a
transação quanto à referida matéria, ainda assim não haveria como
prevalecer a norma coletiva invocada, a uma porque o ajuste
apresentado sequer possui prazo de vigência; a duas, a teor do
disposto no art. 614, parágrafo 3º, da CLT, que estatui que as normas
coletivas não poderão ter duração superior a dois anos, sua vigência
esgotou-se em 09/09/96, período este abrangido pelo manto da
preclusão. Recurso a que se nega provimento. TRT/MG - RO:
01250.2001.060.03.00 Rel. Designado: Juíza Maria Lúcia Cardoso
de Magalhães. DJ/MG 02.07.2002.
2.8.1. Das comissões de conciliação prévia e da súmula 330 do TST
2.8.1.1. Da súmula 330 do TST
De acordo com o artigo 477, parágrafo da CLT, o pagamento das parcelas
rescisórias tem o seguinte efeito: “sendo válida a quitação, apenas, relativamente às
mesmas parcelas.”
Do texto acima transcrito duas interpretações podem ser extraídas: a primeira,
literal, que se prende à terminologia utilizada pelo legislador, isto é, de que a quitação
abrange a parcela em si e não os valores; a segunda, a extensiva, que melhor se coaduna
com o princípio in dubio pro misero, de que a quitação se limita aos valores
270
pagos e
não à parcela, à rubrica ou à prestação paga. Desta forma, se o patrão pagar na rescisão
R$5,00 a título de aviso prévio, quitou apenas R$5,00 e não o aviso prévio, já que este é
devido no valor do salário. Outra interpretação nos levaria à renúncia de direitos
indisponíveis, alguns de status constitucionais.
Aduz Arion Romita
271
:
A eficácia liberatória alcança apenas o valor efetivamente
pago, não se estendendo a uma importância cujo direito viria a
adquirir mais tarde (....) Quando, na Consolidação das Leis do
Trabalho e no Enunciado n. 330, alude-se a “parcela expressamente
consignada”, concede-se eficácia liberatória não ao título quitado,
270
Da mesma forma pensa Alice Monteiro. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho.
São Paulo: LTr, 2005, p. 182 e 187 e SÜSSEKIND , Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas
e TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 18ª ed., Vol. 1, 1999, p. 222.
271
ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque, cit., p. 334.
140
mas ao valor pecuniário efetivamente recebido pelo empregado,
segundo entendimento jurisprudencial pacífico dos Tribunais do
Trabalho.
Aliás, o parágrafo da Lei 8.036/90 dispõe que as importâncias devidas em
decorrência de rescisão e pagas quitam “os valores discriminados” no respectivo
documento. Logo, ainda que o empregado tenha dado quitação revestida de todos os
requisitos legais, o empregador não se desonera da obrigação de pagar a diferença da
indenização de 40% (...)
272
, uma vez que a quitação abrange apenas os valores e não as
parcelas.
A Súmula 330 do TST, que demonstra o entendimento do TST, no sentido de
estender a quitação à parcela, assim como a jurisprudência majoritária:
A quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade
sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos
requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia
liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no
recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado
à parcela ou parcelas impugnadas (grifos nossos).
I - A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de
quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda
que estas constem desse recibo.
II - Quanto à direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a
vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao
período expressamente consignado no recibo de quitação.
QUITAÇÃO. ALCANCE. PARCELAS CONSIGNADAS NO
RECIBO. SÚMULA N.º 330 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO. Consoante os termos da Súmula n.º 330 desta Corte
uniformizadora, a quitação passada pelo empregado ao empregador,
homologada sem ressalva expressa quanto à existência de diferenças
das parcelas constantes do termo de rescisão contratual, tem eficácia
liberatória geral em relação a tais parcelas. Recurso de revista
conhecido e provido. TST, T, RR - 57374/2002-900-09-00, Rel.
Lélio Bentes Correa, DEJT - 01/08/2009.
RECURSO DE REVISTA - QUITAÇÃO HOMOLOGADA PELO
SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL -
INEXISTÊNCIA DE EXAME DAS PARCELAS OBJETO DO
RECIBO DE QUITAÇÃO - EFEITOS. Em face da redação dada à
Súmula 330 desta Corte, por meio da Resolução 22/93, ainda
que haja a homologação pelo órgão sindical, a quitação não abrange
parcelas não incluídas no recibo de rescisão e seus reflexos em outras
parcelas, mesmo que constem do recibo, bem como, as parcelas
decorrentes da execução do contrato de trabalho, que deveriam ter
272
ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque. cit., p. 335.
141
sido satisfeitas durante sua vigência, se constantes do recibo de
quitação, alcançam apenas o período delimitado. Nessa esteira,
infere-se que, ao contrário do que se tem propalado, a jurisprudência
dominante desta Corte não autoriza a eficácia liberatória ampla pelo
simples fato de ter havido a homologação da rescisão contratual com
a assistência sindical ou do Ministério do Trabalho, mesmo que não
tenha sido aposta nenhuma ressalva. É indispensável para esse fim
que a decisão regional tenha particularizado o exame de cada parcela
no recibo rescisório para que se possa aferir o alcance da quitação
pretendida. Inexistindo tal análise, como no caso concreto, não
como se aplicar o caput da Súmula 330 do TST. TST, T, RR -
20587/2002-900-06-00, Rel. Min. Vieira de Melo Filho, DEJT -
14/08/2009.
2.8.1.2. Das comissões de conciliação prévia
O Decreto Legislativo 21.396/32 criou as antigas Comissões Mistas de
Conciliação, mesmo antes do surgimento da Justiça do Trabalho, com o objetivo de
conciliar as questões trabalhistas, fora do âmbito judicial. Neste mesmo ano, foram
criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento, mais tarde incorporadas à Justiça do
Trabalho.
Muitos anos depois, isto é, em 2000, foram criadas as Comissões de
Conciliação Prévia pela Lei 9.958/00, com três nítidas finalidades: desafogar o
Judiciário trabalhista, reduzindo as demandas trabalhistas; estimular a composição e,
portanto, a solução extrajudicial dos conflitos trabalhistas; diminuir a animosidade entre
as partes, fazendo com que elas tentem conciliar antes de partir para a batalha judicial.
A intenção do TST foi a de desafogar
273
o Judiciário Trabalhista
274
, em face do
significativo aumento das demandas.
Dallegrave Neto
275
assevera que:
Infundida na esteira neoliberal, a Lei n.º 9.958 integra o
receituário da “reforma” que tem como escopo diminuir a
interferência do Estado (leia-se aqui Poder Judiciário) nas relações
273
A Recomendação 92 de 1951 propõe a criação de organismos de conciliação voluntária dos conflitos
do trabalho, sempre de base mista e a Recomendação da OIT 94 de 1952 sugere a criação de organismos
de consulta e colaboração entre patrões e empregados, no âmbito da empresa, para prevenir e conciliar as
controvérsias decorrentes das relações de trabalho.
274
O excesso de demandas retarda a entrega da tutela jurisdicional, e o trabalhador, por conseguinte,
demora a ver o seu direito concretizado. Justiça tardia é o mesmo que injustiça.
275
NORRIS, Roberto e DALLEGRAVE NETO, JoAffonso. Inovações no Processo do Trabalho. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 2ª ed, p. 47.
142
capital-trabalho, fomentando a autocomposição dos conflitos
trabalhistas.
Eduardo Saad
276
complementa afirmando que “esforço de modernização do nosso
Direito do Trabalho e, ao mesmo passo, constitui-se numa louvável tentativa de
descongestionar os vários órgãos da Justiça do Trabalho”.
De acordo com os artigos 625-A a 625-H à CLT as todas as demandas
trabalhistas devem ser previamente submetidas às Comissões de Conciliação Prévia,
que podem ser criadas no âmbito da empresa ou intersindical e sempre de composição
paritária. Caso esta conciliação não obtenha êxito, poderá ser proposta a reclamação
trabalhista. Havendo conciliação, lavrar-se-á o termo que terá eficácia liberatória geral,
exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.
Arion Sayão Romita
277
defende a constitucionalidade do artigo 625-D da CLT,
advogando que a exigência é uma condição para o exercício do direito de ação, como
autorizado pelo Código de Processo Civil.
Seu entendimento é seguido por parte da jurisprudência:
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA.
TENTATIVA EM AUDIÊNCIA. O artigo 625-A da CLT facultou às
entidades sindicais e às empresas a instituição de comissões de
conciliação prévia. O artigo 625-D, por sua vez, obriga que as
demandas trabalhistas sejam submetidas a essas comissões
(instituídas por vontade dos interessados, repita-se). Portanto,
somente após (e se) frustrada a tentativa conciliatória é que se pode
admitir o ajuizamento de reclamação trabalhista (§ 2º do mesmo
dispositivo legal). Entender que a tentativa de conciliação realizada
em audiência supre a exigência legal, equivale à negativa de vigência
de tal norma. Ac. TRT Reg. T. RO 15630/00, Red. Designado
Juiz Ney Fernando Oliver Malhadas, DJ/PR 23/08/02. Dicionário de
Decisões Trabalhistas, 35ª ed., Benedito Calheiros Bomfim, Rio de
Janeiro: Impetus, 2005, p. 106.
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA.
OBRIGATORIEDADE DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
ANTES DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA ART. 625-D DA
CLT. CONDIÇÃO DA AÇÃO DIREITO DE ACESSO AO PODER
JUDICIÁRIO ART. XXXV, DA CF. O art. 5º XXXV, da
Constituição Federal dispõe que: a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. O direito de ação é um
direito subjetivo à manifestação do Judiciário, seja para acolher, seja
para rejeitar a pretensão da parte, que tem o ônus de satisfazer, para
seu regular exercício, condição das próprias ações, e, igualmente,
observar os demais pressupostos processuais que a legislação
ordinária, atenta ao devido processo legal, impõe para a regulação do
276
SAAD, Eduardo Gabriel. Das comissões de conciliação prévia, Suplemento LTr, 043/00, p. 235.
277
ROMITA, Arion Sayão. O princípio da proteção em xeque. cit., p. 392
.
143
processo e do procedimento. Limitação temporária ou
condicionamento do exercício do direito de ação, como a exigência
de o empregado se submeter à Comissão de Conciliação Prévia, sem
a obrigação de firmar acordo, mas apenas de tentar uma solução
conciliatória com seu empregador, procedimento sem nenhum ônus
pecuniário e com integral resguardo do prazo prescricional, não
constitui negativa de acesso à justiça, uma vez que não obsta o direito
de ação, que a mesmo pode resultar em possíveis benefícios ao
empregado e ao empregador, que têm assegurada a possibilidade de
solução de suas divergências, sem a intervenção estatal, atendendo,
assim, à preconizada e sempre desejável autocomposição do conflito.
Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. Ac. (unânime)
TST T (RR 96742-2003-900-04-00), rel. Min. Milton de Moura
França, julgado em 22/09/04 in Dicionário de Decisões Trabalhistas,
35ª Ed., Benedito Calheiros Bomfim e Silvério dos Santos pág.105,
Ementa n° 321.
Por outro lado, posicionamentos no sentido de que a submissão é facultativa e
não compulsória:
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. Nula é a sentença
que exclui do Judiciário a apreciação de demanda trabalhista por não
submetida previamente à comissão de conciliação prévia, tendo em
vista que o artigo 625 da CLT contém norma meramente facultativa.
Ac. TRT 1ª Reg. 6ª T Relatora Juíza Rosana Salim Villela Travesedo,
julgado em 28/03/02, DO/RJ 06/06/03. Dicionário de Decisões
Trabalhistas, 35ª ed., Benedito Calheiros Bomfim, Rio de Janeiro:
Impetus, 2005, p. 105.
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. Submissão dos
conflitos trabalhistas às comissões de conciliação prévia e sua
harmonia com o princípio do livre acesso ao Poder Judiciário
Antinomia Jurídica inexistente prevalëncia do critério lex superior
derogat legi inferior. 1. A antinomia jurídica, assim considerada
como a oposição entre duas normas contraditórias, emanadas de
autoridades competentes em um mesmo âmbito normativo, que
estaria a redundar em uma situação de conflito a tornar instável a
segurança das relações jurídicas, pressupõe a verificação pelo
intérprete do direito da existência de incontornável incompatibilidade
normativa na conformação da aparente colisão e da
indispensabilidade de sua solução para composição do conflito de
interesses em jogo. 2. Prevalecendo no direito moderno o princípio da
unidade do ordenamento jurídico, segundo o qual todo sistema
normativo deve guardar uma coerência interna, mormente no países
dotados de uma constituição rígida, cuja lei fundamental apresenta-se
como fonte comum de validade e coesão que irá permear a
interpretação de todas as demais normas jurídicas, afigura-se
inconcebível a existência de suposta antinomia quando sua resolução
faz-se da aplicação do critério hierárquico. 3 – A submissão das
demandas trabalhistas às comissões de conciliação prévia (CLT: art.
625-D), cuja instituição presume-se ser o da legítima composição
extrajudicial dos conflitos de interesse, o tem o condão de impedir
144
à parte interessada de socorrer-se preferencialmente à Justiça do
Trabalho, corolário da efetividade das garantias constitucionais do
direito da ação e do livre acesso do cidadão ao poder Judiciário.
(CF/88: art. XXXV). TRT Reg., 9ª T, RO 11053/01. Rel. Juiz
José da Fonseca Martins Junior, DO/RJ 23/09/02. Dicionário de
Decisões Trabalhistas, 35ª ed., Benedito Calheiros Bomfim, Rio de
Janeiro: Impetus, 2005, p. 106.
A norma que determina a obrigatoriedade de submissão prévia das demandas
trabalhistas às CCPs é inconstitucional
278
por afrontar o artigo 5º, XXXV, da CRFB,
além de contrariar a Recomendação 130 de 1967 da OIT, que é expressa em afirmar que
não poderá haver limitação de acesso do trabalhador ao Judiciário, quando os conflitos
forem submetidos à solução extrajudicial, no âmbito da empresa.
A questão processual foi recentemente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF)
279
, por meio do julgamento das ADIs 2139 e 2160, que adotou interpretação
conforme à Constituição no sentido de que o artigo 625-D da CLT não obsta o acesso
direto ao Judiciário, sendo possível o ajuizamento de ações trabalhistas antes que
tenham sido analisadas por uma comissão de conciliação prévia, pois tal medida
preserva o direito universal dos cidadãos de acesso à Justiça - artigo 5o, XXXV da
CRFB.
Todavia, a controvérsia a respeito da eficácia geral liberatória da quitação ainda
não foi apreciada pela Corte Suprema. Enquanto isso não acontece, sugere-se que a
interpretação deva ser pautada pelos princípios constitucionais e, por isso, é incabível a
transação ou a renúncia de direitos indisponíveis. A conciliação que importa em
quitação geral, isto é, abrangendo até as parcelas e valores não liquidados, nem
mencionados, é absurda seja porque afronta o princípio da irrenunciabilidade.
278
Nesse sentido a Súmula 2 do TRT da 2ª Região.
279
decisões do TST no mesmo sentido: “RECURSO DE REVISTA. COMISSÃO DE
CONCILIAÇÃO PRÉVIA. SUBMISSÃO DA DEMANDA QUANTO AO PRIMEIRO CONTRATO DE
TRABALHO. EFEITOS. A criação das comissões de conciliação prévia objetivou dinamizar a solução
dos conflitos trabalhistas por meio da negociação direta. A falta de sujeição da controvérsia trabalhista à
Comissão de Conciliação Prévia em absoluto conduz à automática extinção do feito sem resolução do
mérito, suprida que restou, a exigência, pela conciliação oportunizada (e rejeitada) no curso do processo
judicial, presentes os princípios da celeridade e da instrumentalidade das formas, a repelirem o culto ao
formalismo em detrimento da finalidade da norma consolidada. Interpretação que se reforça e se impõe
diante das medidas cautelares deferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 2139/DF e 2160/DF, para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 625-D
da CLT, a fim de afastar o sentido de obrigatoriedade da submissão da demanda à Comissão de
Conciliação Prévia antes do ajuizamento da reclamação. Divergência inespecífica. Aplicação da Súmula
296, I, do TST. 3ª T, RR - 813/2006-264-01-00, Rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota, DEJT -
14/08/2009.”
145
Ademais, de acordo com o artigo caput da Constituição: “São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição
social”. (grifos nossos). Quando a Constituição se refere aos “outros” direitos que
visem a melhoria da condição social ao trabalhador, agasalha o princípio da proteção ao
trabalhador e, como norma que é, deve agir de forma imperativa, coercitiva e ter
eficácia plena, para cumprir sua finalidade (art. 5º, parágrafo da CRFB), não para
obrigar os agentes sociais, mas também para servir de escudo contra a legislação
infraconstitucional que o ferir. Portanto, há comando constitucional expresso no sentido
de se estender aos trabalhadores condições mais favoráveis que as previstas na
Constituição. Conclui-se, pois, que o parágrafo único do artigo 625-E da CLT só
comporta uma interpretação que se coaduna com a Lei Maior, que é a seguinte: o termo
de conciliação extrajudicial tem eficácia liberatória geral apenas quanto aos valores
pagos, como qualquer outra quitação válida, independentemente de ter ou não ressalvas.
Da mesma forma, Arion Romita
280
afirmando que a quitação abrange apenas os
valores pagos, e não os títulos, as parcelas, como dispõe o artigo 477, § da CLT c/c o
Súmula 330 do TST. De acordo com essa interpretação, o trabalhador pode reclamar
em juízo o pagamento ou suas diferenças, seja sobre as que não estão mencionadas no
termo, seja sobre as consignadas. Esta posição nos parece a mais razoável, isto é, de que
o termo de conciliação quita apenas os valores pagos relativos às respectivas parcelas
consignadas no termo.
Há decisões neste sentido:
RECURSO DE REVISTA. COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO
PRÉVIA. TERMO DE QUITAÇÃO. LIMITES DA EFICÁCIA
LIBERATÓRIA. A eficácia liberatória geral do termo de acordo
firmado junto à comissão de conciliação prévia opera efeitos quanto
às importâncias expressamente consignadas no termo, e não à
totalidade dos títulos salariais ou indenizatórios pertinentes ao
contrato de trabalho. A ressalva esrelacionada apenas aos valores
que constam do termo de conciliação e não a todo o contrato de
trabalho. Precedentes da 3 ª Turma. Recurso de revista conhecido e
provido. TST, T, RR - 3574/2005-019-09-00, Rel. Min. Rosa
Maria Weber Candiota, DEJT - 07/08/2009.
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - ACORDO
EXTRAJUDICIAL. LIMITES. A quitação concedida pelo
empregado, mediante termo de conciliação celebrado sob a
280
ROMITA, Arion Sayão. Inovações no processo do trabalho. Revista Forense, vol. 353. Rio de Janeiro:
Forense, jan/fev, 2001, p. 13.
146
intervenção da Comissão de Conciliação Prévia tem eficácia
liberatória somente com relação às parcelas postuladas e valores que
foram objeto da demanda submetida ao órgão conciliador. Essa é
interpretação sistemática a ser dada ao parágrafo único do art. 625-E
da CLT, em conjunto com os arts. 625-D, parágrafos e 2º, da CLT
e 320, caput, do CC-2002. Entendimento contrário constituiria
evidente violação aos princípios informativos do Direito do Trabalho
e à garantia constitucional da tutela jurisdicional prevista no art. 5º,
XXXV, da CR/88.TRT/MG - PROC: 00264.2005.054.03.00.1 Rel.
Designado Juíza Maria Laura Franco Lima de Faria. DJ/MG
11.11.2005.
Em sentido contrário, Arnaldo Süssekind
281
, Valentin Carrion
282
e Sérgio Pinto
Martins
283
, pois advogam que o artigo 625-E da CLT autoriza a transação e a renúncia
de direitos trabalhistas.
Há farta jurisprudência adotando a tese de ampla eficácia liberatória:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA. ACORDO FIRMADO EM COMISSÃO DE
CONCILIAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA DE RESSALVAS.
EFICÁCIA LIBERATÓRIA GERAL. Não há como limitar os efeitos
liberatórios do termo de conciliação firmado perante a Comissão de
Conciliação Prévia, quando não nenhuma parcela expressamente
ressalvada, sob pena de se negar vigência ao art. 625-E, parágrafo
único, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
TST, 7ª T, AIRR - 1227/2004-012-04-40, Rel. Min. Pedro Paulo
Manus, DEJT - 14/08/2009.
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. TERMO DE
QUITAÇÃO. EFICÁCIA. Segundo o art. 625-E da CLT e a
jurisprudência desta Corte, o termo de quitação firmado perante a
Comissão de Conciliação Prévia terá eficácia liberatória geral, exceto
quanto às parcelas expressamente ressalvadas. Recurso de Revista de
que se conhece e a que se dá provimento, para conferir eficácia
liberatória geral ao termo de quitação e decretar a extinção do
processo com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inc. TST,
5ª T, RR - 1072/2006-008-01-00, Rel. Min. João Batista Brito Pereira
DEJT - 07/08/2009.
RECURSO DE REVISTA. COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO
PRÉVIA. ACORDO SEM RESSALVAS. EFICÁCIA
LIBERATÓRIA. EFEITOS. I - Esta Corte tem reiteradamente
decidido pela eficácia liberatória geral do termo de conciliação
firmado perante a Comissão de Conciliação Prévia, quando não há
281
SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio, VIANNA, Segadas e TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 22ª ed., Vol. 1, 2005, p. 220.
282
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva. 29ª ed.,
2004, p. 472.
283
MARTINS, Sergio Pinto. Comissões de Conciliação Prévia e Procedimento Sumaríssimo. ed. São
Paulo: Atlas, 2001, p. 21/22.
147
aposição de qualquer ressalva, como dispõe claramente o artigo 625-
E da CLT. Precedentes da SBDI-1 e de Turmas. II Recurso provido.
TST, 4ª T, Rel. Min. Barros Levenhagem, RR - 137/2008-242-09-00,
DEJT - 07/08/2009.
CARÊNCIA DA AÇÃO. DEMANDA TRABALHISTA.
SUBMISSÃO A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA.
EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUE
NÃO SE PRONUNCIA. 1. Revela-se consentânea com os princípios
constitucionais consagrados no artigo 5º, XXXV e LIV, da
Constituição da República interpretação do artigo 625-D da
Consolidação das Leis do Trabalho no sentido de que a norma
consolidada estabelece mera faculdade às partes de tentar a
composição perante comissão de conciliação prévia, antes de buscar a
solução judicial do conflito. O termo de conciliação firmado poderá
ter, então, eficácia liberatória geral - exceto se consignada ressalva
expressa e específica quanto a parcelas a cujo respeito não se haja
alcançado o consenso (artigo 625-E, parágrafo único, da CLT). Nessa
hipótese, em que consubstanciada a quitação geral do contrato de
trabalho, o empregado não poderá reclamar perante o Poder
Judiciário diferenças resultantes dos títulos que tenham sido objeto
do termo de conciliação, uma vez caracterizado ato jurídico perfeito.
2. A norma em comento tem por escopo facilitar a conciliação
extrajudicial dos conflitos, com a finalidade de aliviar a sobrecarga
do Judiciário Trabalhista. Ora, num tal contexto, milita contra os
princípios que informam o processo do trabalho notadamente os da
economia e celeridade processuais - a decretação da extinção de
processo na sede extraordinária. Extinguir-se o feito em tais
condições, ainda mais nesta instância superior, importaria
desconsiderar os enormes prejuízos advindos de tal retrocesso, tanto
para a parte autora como para a Administração Pública, ante o
desperdício de recursos materiais e humanos já despendidos na
tramitação da causa. Além do desperdício da prova e de todo o
material processual já colhido, a extinção do feito poderia acarretar
dificuldades intransponíveis sobretudo para a parte economicamente
mais fraca quanto à nova produção de provas. 3. Não é de se olvidar,
ainda, que, se as partes recusaram a proposta conciliatória
obrigatoriamente formulada pelo juiz da causa e até o presente
momento não demonstraram interesse algum na conciliação, impor
ao reclamante a obrigação de comparecer perante comissão de
conciliação prévia para o cumprimento de mera formalidade, em
busca da certidão de tentativa de acordo frustrado, para somente
então ajuizar novamente a reclamação, constitui procedimento
incompatível com o princípio da instrumentalidade das formas. 4.
Impossível deixar de considerar, ademais, que o crédito trabalhista
destina-se ao suprimento das necessidades materiais básicas do
empregado e de sua família, e que o retrocesso da marcha processual
irá postergar ainda mais a satisfação do direito vindicado, protraindo
no tempo situação comprometedora da dignidade do trabalhador. 5.
Recurso de revista não conhecido. TST, T, RR - 1621/2002-063-
01-00, Rel. Min. Lélio Bento Correa, DEJT - 01/08/2009.
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. TERMO DE
CONCILIAÇÃO. EFICÁCIA LIBERATÓRIA. O termo de
conciliação firmado perante a comissão de conciliação prévia, nos
148
termos da lei, tem força de título executivo extrajudicial, com eficácia
liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente
ressalvadas, tratando-se de negócio jurídico perfeito e acabado,
dispensando a homologação pelo judiciário. O recorrente aceitou,
espontaneamente, a via da conciliação, não podendo, desta feita,
ingressar em juízo objetivando haver possíveis diferenças de verbas
salariais que entende ainda lhe serem devidas. O comparecimento
perante a comissão não é obrigatório, mas a parte que comparece e
aceita a autocomposição tem que responder pelos efeitos jurídicos do
ato que praticou. TRT/RJ - PROC: 00590.2002.201.01.00.8 Rel.
Designado: Juiz Paulo Roberto Capanema da Fonseca. DJ/RJ
14.05.2004.
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. EFICÁCIA
LIBERATÓRIA GERAL. CARÊNCIA DE AÇÃO. O termo de
conciliação entre as partes perante a comissão de conciliação prévia,
ao contrário do que ocorre com o termo de rescisão do contrato de
trabalho, envolve concessões recíprocas e, desse modo, tem eficácia
liberatória geral quanto às obrigações oriundas do contrato. Salvo em
reação àquelas expressamente ressalvadas, conforme preceitua o
artigo 625-E, parágrafo único da CLT. Não havendo qualquer
ressalva no termo de conciliação, consideram-se extintas as
obrigações trabalhistas e, em conseqüência, mostra-se ausente o
interesse processual do empregado para ajuizamento da reclamatória,
nos termos do artigo do CPC, perfectibilizando-se a carência de
ação, que impõe a extinção do processo sem julgamento de mérito,
nos termos do artigo 267, V do CPC. Provimento negado. TRT
Reg. RO 01165.2002.305.04.00.3. Ac. T julgado em 11/12/03.
Rel. Juiz Darcy Carlos Mahle. DJRS 29/01/04.
Luiz de Pinho Pedreira
284
defende que a quitação concerne exclusivamente aos
valores discriminados no documento, da mesma forma como defendia o TST, na
cancelada Súmula 41. Júlio Bernardo do Campo
285
, também defensor dessa posição, diz
que o art. 477, § 2º, da CLT, deve ser interpretado em consonância com seu fim social,
de acordo com o art. da Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja, o trabalhador
deve ser protegido em relação à quitação efetuada, que esta ocorre no momento em
que o trabalhador está sem emprego.
É absurdo o comando da lei que determina a eficácia liberatória plena, com
“presunção de quitação total do contrato”, salvo quando houver ressalva, repassando ao
empregado a preocupação e o ônus de fazer a ressalva. Além disso, dar quitação plena,
sem que isto tenha sido expressamente negociado, com transparência nas tratativas,
284
SILVA, Luiz de Pinto Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p.
138.
285
CARMO, Júlio Bernardo do. Da eficácia liberatória da quitação advinda de homologação de rescisão
contratual. São Paulo: Revista LTr, Março de 1994, p. 306.
149
contraria o princípio de que a transação deve ser interpretada restritivamente e
demonstra a má-fé do empregador (e do próprio legislador) ao querer quitar além
daquilo que pagou.
Dallegrave
286
também reconhece o abuso do direito:
Ora, a quitação, via de regra, deveria dar-se no limite das verbas que
foram objeto da demanda junto às Comissões e pelo valor ajustado
(...). É lamentável verificar que a hegemonia do capital, idealizada
pelo ideário neoliberal, com o propósito de reduzir número de ações
trabalhistas, seja capaz de romper regras comezinhas do direito
privado, deformando a ciência jurídica por meio de figuras anômalas
como essa da “eficácia liberatória geral em transações extrajudiciais”.
Se, por um lado, é saudável a idéia de aproximar as partes para uma
autocomposição do litígio, não se justifica falar em “presunção de
quitação plena do contrato”. Há aqui um in dúbio pro empregador na
medida em que o silêncio, quanto ao registro de ressalvas, favorece-o
absurdamente.
(...)
Essa conduta de levar vantagem indevida, de querer quitar mais
do que se pagou, fere a chamada boa-fé objetiva que, por sua vez, na
seara contratual, é mais relevante que a boa-fé subjetiva.
De fato, propor que o empregado quitação total além do valor efetivamente
pago é conduta que fere a boa-fé objetiva, assim entendida como o dever de agir de
acordo com o padrão socialmente aceito, socialmente recomendado, pautado na ética, na
lisura, na honestidade. Não se pode admitir que um empregado, extrajudicialmente e
inadvertidamente, dê quitação além dos valores efetivamente pagos.
Para Sebastião Saulo Valeriano
287
e Vicente José Malheiros da Fonseca
288
a
quitação dá-se apenas sobre as parcelas discriminadas no termo de acordo e não
ressalvadas.
Abaixo jurisprudência a respeito da tese:
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. TERMO DE
CONCILIAÇÃO. EFICÁCIA LIBERATÓRIA. ABRANGÊNCIA. A
eficácia liberatória geral de que trata o parágrafo único do art. 625-E da
CLT há de ser compreendida apenas em relação àquelas parcelas objeto
da demanda exposta à Comissão de Conciliação, não compreendendo
quitação geral do contrato de trabalho no que respeita a outras verbas
trabalhistas que o tenham sido objeto expresso da conciliação.
286
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de Conjuntura Socioeconômica e o impacto no Direito
do Trabalho, cit., p. 26.
287
VALERIANO, Sebastião Saulo. Comissões de Conciliação Prévia Trabalhistas: Lei 9.958/2000:
aspectos controvertidos e jurisprudência. São Paulo: LTr, 2003, p. 94.
288
FONSECA, Vicente José Malheiros da. Comissões de Conciliação Prévia. Justiça do Trabalho, ano 18,
n º 210. Porto Alegre: HS Editora Ltda., Junho, 2001, p. 27.
150
TRT/SC - PROC: 01723.2003.009.12.00.9 – Rel. Designado Juíza Lília
Leonor Abreu. DJ/SC 11.05.2005.
Logo, não haverá eficácia liberatória da parcela e o pagamento, com ou sem
ressalva, apenas quitará valores e não prestações ou parcelas.
A respeito do tema, Godinho disserta
289
:
(...) a Carta não conferiu, no plano juslaborativo, a qualquer
entidade ou processo inerentes à sociedade civil, excetuada a
negociação coletiva, poderes superiores aos restritos conferidos à
transação meramente bilateral trabalhista. Tal como se passa com a
arbitragem trabalhista, que tende a ficar restrita ao plano do Direito
Coletivo, não se ajusta à Carta Magna fórmula de solução de conflito
empregatício que dispense a observância e respeito aos princípios
nucleares do Direito do Trabalho; tal fórmula, no Direito brasileiro,
somente tende a ser válida no plano do Direito Coletivo do Trabalho,
porque somente nesse plano é que podem existir garantias grupais
necessárias para uma equânime distribuição de poder no âmbito dos
sujeitos em conflito. Em conformidade com o que se expôs
anteriormente, o Direito Individual do Trabalho, ao menos em sua
regulamentação constitucional brasileira, não fornece mecanismos
com poderes tão extensos quanto os imaginados pela Lei 9.958 em
favor dessas entidades (...).
De fato a extensão de tão amplo poder aos conciliadores das CCPs, tanto no que se
refere à transação de direitos constitucionalmente indisponíveis quanto à pretendida
eficácia liberatória geral destes mesmos direitos, que pode ser concedida facilmente por
um termo de quitação emitido pelas CCPs, é inconstitucional. O artigo 625-E da CLT,
como os demais que autorizam a transação extrajudicial, podem ser considerados
constitucionais, diante de uma interpretação conforme a Constituição, isto é, apenas
quando incidir sobre direitos patrimoniais disponíveis.
289
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 1435.
151
CAPÍTULO V
REFLEXOS DO AVANÇO DA TECNOLOGIA E DA GLOBALIZAÇÃO NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO
1. INTRODUÇÃO
Com o avanço da tecnologia e modificação dos meios de produção novos
trabalhados surgiram. Em outros, a antiga legislação exigiu interpretação evolutiva para
sua adaptação às novas realidades. São exemplos: digitador, teleatendente,
motoentregador, etc.
2. DIGITADOR
O artigo 72 da CLT concedeu aos empregados em serviço de mecanografia e
datilografia o intervalo intrajornada (computado na jornada) de 10 minutos a cada 90
minutos de trabalho. A finalidade do descanso foi a de reduzir os riscos de lesão por
esforço repetitivo (LER
290
), amenizando a nocividade do trabalho.
290
LER Lesão por esforço repetitivo é a nomenclatura que se a um grupo de doenças adquiridas por
movimentos repetidos que atacam músculos, tendões e nervos provocando a irritação e lesão destes. A
LER inclui várias doenças entre as quais, tenossinovite, tendinites, epicondilite, síndrome do túnel do
carpo, bursite, dedo em gatilho, síndrome do desfiladeiro torácico e síndrome do pronador redondo.
Informações obtidas no site
http://www.sitemedico.com.br/sm/materias/index.php?mat=672, acesso em
02/12/09.
152
Com a evolução das manuais máquinas de escrever em elétricas e eletrônicas e,
logo depois, na sua substituição pelos teclados dos computadores, o trabalho do
datilógrafo foi substituído pelo digitador.
Por isso, as pausas criadas para os datilógrafos no artigo 72 da CLT foram
estendidas aos digitadores, em face da semelhança
291
na execução do serviço (Súmula
346 do TST).
Entretanto, o excesso de trabalho junto aos monitores de computadores ocasiona
secura e irritação constante nos olhos
292
, além do incômodo da luminosidade e reflexos
das telas, sintomas ainda não apresentados no datilógrafo. Tais nocividades, conjugadas
com a radiação emitida pela máquina e os esforços repetitivos exigiram a revisão das
regras de medicina e segurança do trabalho, pois as existentes na CLT não mais
atendiam à realidade enfrentada pela nova formatação da função, decorrente da
necessária adaptação do trabalho com as novas tecnologias.
Por este motivo, foi expedida a NR 17, que trata de ergonomia e estabelece
parâmetros que permitem a adaptação das condições de trabalho às características
psicofisiológicas dos trabalhadores, para proporcionar um máximo de conforto,
segurança e desempenho eficiente.
A NR 17, anexo I, item 17.6.4, determina:
17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados, deve-
se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho,
observar o seguinte:
a) o empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação
dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no
número individual de toques sobre o teclado, inclusive o
automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer
espécie;
b) o número máximo de toques reais exigidos pelo empregador não
deve ser superior a 8 (oito) mil por hora trabalhada, sendo
considerado toque real, para efeito desta NR, cada movimento de
pressão sobre o teclado;
c) o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder
o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que, no período de tempo
restante da jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades,
observado o disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do
291
Apesar das semelhanças nos toques sobre o teclado, a rapidez na repetição do movimento aumentou e a
força sobre a tecla diminuiu.
292
se notifica o aparecimento de uma nova doença “meia cegueira” ou síndrome visual do computador,
em que o portador perde temporariamente a visão da parte inferior. A hidratação com colírios e outros
tratamentos resgatam a visão. Informações obtidas
http://www.braznet.org/info/super_dica.htm, acesso
em 02/12/09.
153
Trabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço
visual;
d) nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma
pausa de 10 (dez) minutos para cada 50 (cinqüenta) minutos
trabalhados, não deduzidos da jornada normal de trabalho;
e) quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento
igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção em
relação ao número de toques deverá ser iniciado em níveis inferiores
do máximo estabelecido na alínea "b" e ser ampliada
progressivamente. (grifos nossos).
Percebe-se que a NR 17, aprovada pela Portaria no 3.751/90 do MTE, estabelece
uma jornada especial (5 horas) e intervalo inferior ao previsto no artigo 227 da CLT.
A norma é de medicina e segurança do trabalho que, por força de delegação
normativa (art. 190 da CLT), é fonte formal de direito para proteger a saúde do
trabalhador, podendo apontar as atividades insalubres, perigosas e as que acarretam
doenças decorrentes do trabalho ou profissionais. Por não ser lei formal, que é ato
emitido por autoridade administrativa (art. 84, IV, da CRFB), a NR17 não tem validade
para fixar jornada ou intervalo ou para contrariar lei em sentido diverso.
Não se trata de conflitos de normas, pois choque entre regras válidas de
igual hierarquia que disciplinem a mesma matéria de forma diversa. Não é o caso.
Explica-se.
O Capítulo II, destinado ao tema “duração do trabalho”, que compreende os
artigos 57 a 75 da CLT, não contém sequer um comando de delegação normativa a
qualquer órgão do Executivo, muito menos à Secretaria de Segurança e Medicina do
Trabalho. Ao contrário, o artigo 155 da CLT limita a competência normativa do referido
órgão:
Art. 155 - Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em
matéria de segurança e medicina do trabalho:
I - estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a
aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no
art. 200;
(...)
Art. 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina
do trabalho;
(...)
Art. 189 - Serão consideradas atividades ou operações
insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de
154
trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima
dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da
intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Art. 190 - O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das
atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios
de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos
agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de
exposição do empregado a esses agentes.
(...)
Art. 193 - São consideradas atividades ou operações perigosas,
na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho,
aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o
contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de
risco acentuado.
(...)
Portanto, quando o legislador desejou conceder delegação normativa para
autorizar o órgão do executivo a legislar, o fez expressamente.
Logo, a jornada dos digitadores é de 8 horas (regra geral destinada aos demais
empregados) até que lei especial regule a matéria de forma diversa e o intervalo especial
intrajornada a que tem direito é o previsto no artigo 72 da CLT.
Também não se aplica ao digitador a jornada da telefonista (art. 227 da CLT)
porque não trabalha com atendimento de telefone nem em mesa telefônica.
Assim também tem entendido a jurisprudência majoritária:
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. DIGITADOR.
HORAS EXTRAORDINÁRIAS INDEVIDAS. O empregado que
exerce as funções de digitador não faz jus à jornada de trabalho de 6
horas prevista no art. 227 da CLT, que refere-se a empregados de
empresas que explorem o serviço de Telefonia,Telegrafia Submarina
e Subfluvial, Radiotelegrafia e Readiotelefonia. Recurso de revista
conhecido e não provido. TST, T., RR-10250/2002-900-17-00.9,
Rel. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 24/08/07.
RECURSO DE REVISTA - ATIVIDADE DE DIGITADOR NR 17 -
JORNADA DIÁRIA DE CINCO HORAS INTERVALOS DE DEZ
MINUTOS A CADA CINQUENTA TRABALHADOS
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURAÇÃO
De acordo com a Súmula n.º 23 do TST Não se conhece de recurso
de revista ou de embargos, se a decisão recorrida resolver
determinado item do pedido por diversos fundamentos e a
jurisprudência transcrita não abranger a todos. No caso concreto, o
Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário da
Reclamante sob dois fundamentos: a) a jornada do digitador é a
155
comum de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, com
intervalos de dez minutos a cada 90 de trabalho consecutivo; e b) a
autora o era digitadora, na medida em que as atividades
desenvolvidas não envolviam digitação contínua e ininterrupta. Os
arestos paradigmas transcritos, diferentemente, tratam da questão
apenas sob a ótica do exercício ou não da função de digitador.
Hipótese em que o conhecimento do recurso de revista por
divergência jurisprudencial esbarra no óbice da citada Súmula n.º 23
do TST. Recurso de revista não conhecido. TST, T, RR -
1791/2007-044-03-00, Rel. Min. Douglas Alencar Araújo, DEJT -
19/06/2009.
De forma contrária, Maurício Godinho
293
no sentido de que a NR 17 do MTE
tem respaldo constitucional art. 7o, XXII, da CRFB e, por isso, fixa a jornada dos
digitadores em cinco horas e intervalo de 10 a cada 50 minutos. Aparentemente no
mesmo sentido, Sérgio Pinto Martins
294
, que argumenta que houve delegação normativa
(art. 200 da CLT) para a fixação da jornada (limitação ao tempo à exposição à
nocividade).
3. OPERADOR DE TELEATENDIMENTO
Com a ampliação dos meios de comunicação e a supremacia dos poderes da
informação nova profissão foi criada, a de teleatendente ou operador de telemarketing.
Este ofício normalmente é exercido por meio do telefone e diante da tela do
computador e tem como objetivo atender (passivo) ou emitir (ativo) ligações telefônicas
ao cliente ou ao público em geral. Algumas vezes o operador também tem como
atribuição o oferecimento de produtos, a coleta de dados ou a propaganda de certos
produtos ou serviços.
Por isso, não se aplica a jornada reduzida prevista no artigo 227 da CLT quando
a atividade de telefonista for conjugada com a de recepcionista ou a de atendente, ou
qualquer outra – OJ 273 da SDI-I do TST. Isto se explica porque não trabalham
exclusivamente e de forma ininterrupta com atendimento de telefone. A nocividade do
trabalho da telefonista decorre exatamente do cansativo trabalho de atender e repassar a
293
DELGADO, Maurício Godinho Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 866.
294
MA
RTINS, Sério Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2001, p. 483.
156
ligação, sem diálogos ou conversas e qualquer outra atividade. Alice de Barros
295
, em
sentido contrário, aplica a jornada de seis horas aos teleatendentes.
Os operadores de teleatendimento também não têm direito aos descansos
especiais intrajornada destinados aos digitadores (art. 72 da CLT), pois também não se
limitam a digitar informações, intercalando outras atribuições com a digitação, tais
como leitura do contrato, dos dados constantes no monitor, preenchimento de
formulários, conversas e explicações orais concedidas pelo telefone etc.
Em face da falta de regulamentação legal, que não se enquadra nem como
digitador nem como telefonista, mas de fato executa um pouco destes afazeres, foi
expedido o Anexo II à NR 17 da MTE para regular a profissão. O Anexo II fixa jornada
de seis horas, intervalo para repouso e alimentação de 20 minutos, não computado na
jornada e dois intervalos especiais de 10 minutos, um antes e outro depois do intervalo
para alimentação.
Pelos mesmos motivos e fundamentos acima explanados, entende-se que as
benesses acima não fixam a jornada de trabalho nem criam intervalos especiais, porque
não tem o status de lei e, de acordo com o artigo 22, I da CRFB, compete
privativamente à União, por meio do Congresso Nacional, legislar sobre Direito do
Trabalho.
4. TELETRABALHADOR
A globalização, a moderna informática e o progresso nas telecomunicações
propiciaram o aumento de contratação de trabalhadores à distância. Por outro lado, a
necessidade de redução de custos favoreceu a migração da mão de obra. É possível e,
algumas vezes até mais barato, a contratação de empregados que executem o serviço em
sua própria casa
296
, na rua ou praça
297
ou em outro estado ou país.
295
BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais do trabalho, o Paulo: LTr,
2008, 3. ed., p. 507.
296
Empregado em domicílio é espécie de teletrabalhador, pois executa seus serviços fora do
estabelecimento do patrão. Como não regras destinadas a esses tipos de trabalhadores sugere-se uma
interpretação extensiva dos dispositivos destinados aos empregados em domicílio. O art. 6
o
da CLT
determina que não pode haver distinção entre o empregado que trabalha dentro do estabelecimento do
empregador daquele que trabalha no seu próprio domicílio, salvo dispositivo legal em contrário. Outro
dispositivo legal preocupou-se com o conceito de trabalho em domicílio – art. 83 da CLT, considerando-o
como aquele que é “executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de
157
Antes deste fenômeno, a contratação de trabalhadores à distância era rara e
muitas vezes evitada, ante a dificuldade de fiscalização dos serviços, da dedicação do
tempo exclusivamente ao empregador e a possibilidade de delegação daqueles a outra
pessoa.
“Tele”, de acordo com o Dicionário
298
, significa longe, à distância. Logo,
teletrabalho quer dizer trabalho à distância, trabalho realizado fora do estabelecimento
do empregador. O trabalho em domicílio é espécie do gênero teletrabalho. Não
necessidade de o empregado utilizar instrumentos de informática ou de
telecomunicação.
Segundo Rodrigues Pinto
299
, teletrabalho corresponde a “uma atividade de
produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o
prestador da energia pessoal”.
O teletrabalho pode ser desenvolvido no domicílio do empregado ou em um
centro de computação, um escritório virtual ou alugado por hora para este fim aos
interessados, pois uma descentralização do estabelecimento, pulverizando a
“comunidade obreira”
300
.
Para outros
301
-
302
teletrabalho é espécie do gênero trabalho à distância
desenvolvido por meio da telemática, isto é, com uso exclusivo da informática, não
estando incluído o trabalho com utilização de telefones ou outros meios de
comunicação. Pinho Pedreira
303
, em posição minoritária, acrescenta que o teletrabalho
empregador que o remunere”. O conceito de domicílio deve ser aquele estabelecido no art. 70 do CC. A
CLT, na verdade, quis deixar claro que é possível existir relação de emprego, mesmo quando o
empregado não comparece diariamente ou nunca comparece ao estabelecimento. O mesmo raciocínio
deve ser aplicado a todos os demais teletrabalhadores, pois o legislador não teve intenção em discriminar,
mas em dar tratamento diferenciado, ante a presunção legal de trabalho sem controle e fiscalização. A
doutrina tem sido tolerante com a ajuda eventual ou insignificante de familiares
ou amigos no
cumprimento das tarefas, defendendo que nestes casos permanece o vínculo entre o empregado em
domicílio e o patrão, desde que a prestação de trabalho não assuma a feição de empreendimento
autônomo ou familiar. A própria CLT se refere ao trabalho em oficina de família, autorizando,
implicitamente, a ajuda de familiares na mão-de-obra. A pedra de toque para a descaracterização da
relação de emprego pode ser notada quando o empregado passa a contratar (ou intermediar, obtendo
lucro) ajudantes, a investir no negócio, adquirindo maquinaria, matéria-prima, utensílios industriais etc.
Só a análise do caso concreto pode demonstrar a existência ou não do vínculo de emprego.
297
O vendedor pracista é regido pela Lei 3.207/57.
298
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Verbete: “tele”. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001, p. 2.686.
299
PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr,
2000. 115.
300
Idem.
301
PEDREIRA, Pinho. “O teletrabalho”. Revista LTr. v. 64, n. 5. São Paulo: LTr, maio 2000, p. 583.
302
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 36.
303
PEDREIRA, Pinho, op. cit., p. 584.
158
normalmente é exercido fora do local de trabalho, mas excepcionalmente pode ser
prestado parcialmente no estabelecimento.
Uma terceira corrente
304
advoga que teletrabalho também pode ser denominado
de trabalho periférico, trabalho à distância, trabalho remoto e quer dizer “prestação de
serviço destinado a outrem sob a subordinação deste, exercido por um trabalhador,
preferencialmente em sua casa e com o suporte de modernos instrumentos e tecnologias
relacionados às telecomunicações e informática”, admitindo a execução parcial do
trabalho internamente no estabelecimento. João Hilário
305
aponta três elementos básicos
para caracterização do teletrabalho: a) utilização de novas tecnologias referentes à
informática e à telecomunicação; b) ausência ou redução do contato pessoal do
trabalhador com o patrão, superiores hierárquicos ou colegas; c) o local de prestação de
serviços geralmente é a casa do trabalhador.
Há, ainda, os que preferem
306
conceituar teletrabalho como aquele desenvolvido
fora do estabelecimento do empregador desde que executado por meio da moderna
tecnologia.
Amauri Mascaro Nascimento
307
afirma que teletrabalhador é aquele que trabalha
perante a tela do computador ou outros equipamentos modernos (fotocopiadoras,
internet, modem, telefones celulares, fax, site etc.), não exigindo a presença física do
trabalhador na empresa.
Apesar de executar o trabalho longe dos olhos do patrão a subordinação,
requisito essencial para a caracterização do liame empregatício, está presente neste tipo
de trabalho e incide sobre os serviços
308
e não sobre a pessoa que o executa.
Arion Romita
309
muito bem observou que:
A subordinação deve gravitar em torno da atividade e exercitar-se
pela integração do empregado na organização empresarial. Neste
contexto, a relação de trabalho, caracterizada pela subordinação, é
uma relação intersubjetiva (por isso, o isenta de conotações
pessoais), mas o vínculo de subordinação é de ordem objetiva.
304
VALENTIM, João Hilário. “Teletrabalho e relações de trabalho”. In Revista Gênesis de Direito do
Trabalho. Curitiba, Gênesis, 1999, p. 526.
305
VALENTIM, João Hilário. “Teletrabalho e relações de trabalho”. In Revista Gênesis de Direito do
Trabalho. cit. p. 527.
306
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 76.
307
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: LTr, 2002, p.
127.
308
Subordinação objetiva é a que incide sobre o trabalho executado e a subjetiva a que incide sobre a
pessoa do trabalhador.
309
ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 80.
159
Sérgio Pinto
310
afirma que a subordinação que existe entre empregador e
teletrabalhador é denominada de parassubordinação ou de telessubordinação, isto é, de
subordinação à distância.
Percebe-se que alguns acórdãos também utilizam as expressões como sinônimas:
PARASSUBORDINAÇÃO. JORNALISTA. CORRESPONDENTE.
NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM
A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Encontra-se sob o manto da
legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3o,
da CLT, a pessoa física que prestou pessoalmente os serviços de
correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade
relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva
redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o
profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade
empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças
cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que
de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da
relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de
serviços avançam sobre o determinismo do art. 3o da CLT, e alargam
o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos
matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é,
do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante
da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de
serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa,
que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via
terceirização, via parassubordinação, via micro ateliers satélites,
adveio o denominado fenômeno da desverticalização da
subordinação, que continua a ser o mesmo instituto, mas com traços
modernos, com roupagem diferente, caracterizada por um sistema de
coordenação, de amarração da prestação de serviços ao
empreendimento por fios menos visíveis, por cordões menos densos.
Contudo, os profissionais, principalmente os dotados de formação
intelectual, transitam ao lado e se interpenetram na subordinação,
para cujo centro são atraídos, não se inserindo na esfera contratual do
trabalho autônomo, que, a cada dia, disputa mais espaço com o
trabalho subordinado. Neste contexto social moderno, é preciso muito
cuidado para que os valores jurídicos do trabalho não se curvem
indistintamente aos fatores econômicos, devendo ambos serem
avaliados à luz da formação histórica e dos princípios informadores
do Direito do Trabalho, de onde nasce e para onde volta todo o
sistema justrabalhista. O veio da integração objetiva do trabalhador
num sistema de trocas coordenadas de necessidades cria a gura da
parassubordinação e não da para-autonomia. Se a região é de densa
nebulosidade, isto é, de verdadeiro fog jurídico, a atração da relação
jurídica realiza-se para dentro da CLT e não para dentro do Código
Civil, que pouco valoriza e dignifica o trabalho do homem, que é
muito livre para contratar, mas muito pouco livre para ajustar de
maneira justa as cláusulas deste contrato. TRT/MG Proc:
310
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 95.
160
00073.2005.103.03.00.5 – Rel. Designado: Juiz Luiz Otávio Linhares
Renault. DJ/MG 01/10/2005.
A respeito da subordinação integrativa ou estrutural, aspecto moderno da antiga
subordinação, Godinho
311
afirma que “estrutural é, pois, a subordinação que se
manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços,
independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo,
estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento.”
Em outras palavras, toda vez que o empregado executar serviços essenciais à
atividade m da sociedade empresarial, de acordo com sua dinâmica e métodos ele terá
uma subordinação estrutural ou integrativa, que integra o processo produtivo e a
dinâmica estrutural de funcionamento do empregador ou do tomador de serviços. Esse
argumento tem sido utilizado para afastar o óbice imposto pela parte final da Súmula
331, III, do TST e, conseqüentemente impedir as terceirizações ilícitas ou irregulares,
deixando o liame empregatício se formar com o tomador dos serviços.
A jurisprudência já reconhece a parassubordinação como novo elemento ou
característica da modernidade:
TERCEIRIZAÇÃO E SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL. No
exercício da função de instalador/emendador de cabos telefônicos, o
autor exercia função perfeita e essencialmente inserida nas atividades
empresariais da companhia telefônica (TELEMAR). E uma vez
inserido nesse contexto essencial da atividade produtiva da empresa
pós-industrial e flexível, não mais necessidade de ordem direta do
empregador, que passa a ordenar apenas a produção. Nesse ambiente
pós-grande indústria, cabe ao trabalhador ali inserido habitualmente
apenas “colaborar”. A nova organização do trabalho, pelo sistema da
acumulação flexível, imprime uma espécie de cooperação
competitiva entre os trabalhadores que prescinde do sistema de
hierarquia clássica. Em certa medida, desloca-se a concorrência do
campo do capital, para introjetá-la no seio da esfera do trabalho, pois
a própria equipe de trabalhadores se encarrega de cobrar, uns dos
outros, o aumento da produtividade do grupo; processa-se uma
espécie de sub-rogação horizontal do comando empregatício. A
subordinação jurídica tradicional foi desenhada para a realidade da
produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e
segmentada. Nela prevalecia o binômio ordem-subordinação. Já no
sistema olhista, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração-
dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista da
subordinação. Nessa ordem de idéias, é irrelevante a discussão acerca
da ilicitude ou não da terceirização, como também a respeito do
disposto no art. 94, II, da Lei no 9.472/97, pois no contexto fático em
311
DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. São Paulo: Revista LTr
70-06/667.
161
que se examina o presente caso, aparece da prova a subordinação do
reclamante-trabalhador ao empreendimento de telecomunicação,
empreendimento esse que tem como beneficiário final do excedente
do trabalho humano a companhia telefônica.Vale lembrar que na feliz
e contemporânea conceituação da CLT art. 2o, caput o
empregador típico é a empresa e não um ente determinado dotado de
personalidade jurídica. A relação de emprego exsurge da realidade
econômica da empresa e do empreendimento, mas se aperfeiçoa em
função da entidade final beneficiária das atividades empresariais.
TRT, 3ª Reg., 1ª T., RO 00059-2007-011-03-00-0, Rel. Juiz José
Eduardo de Resende Chaves Júnior, publicada em 21/08/07.
Apesar da presunção de que teletrabalhador não é fiscalizado e, por isso, não tem
sua jornada de trabalho controlada, motivo pelo qual está inserido na exceção prevista
no art. 62, I, da CLT, a tecnologia tem, cada vez mais, permitido a apuração da
quantidade de trabalho ou do tempo “conectado” ou trabalhado. São exemplos de
mecanismos de controle ou monitoramento: webcâmera, intranet, intercomunicador,
telerádio, telefone, GPS, localizador ou radar, estipulação de um número mínimo de
tarefas diárias etc, contador de palavras e toques nas teclas de computadores etc.
Mesmo externos, se presentes os métodos de controles acima, o empregado terá
direito ao Capítulo “Da Duração do Trabalho” e se comprovadas as horas extras e/ou
noturnas, deverão ser pagas, pois a lei limitou a tutela protetiva em face de uma
presunção jurídica (presume-se que o trabalhador externo não é controlado e fiscalizado,
daí porque excluído do Capítulo em comento, na forma do artigo 62 da CLT), que pode
ser afastada por prova em contrário.
5. DIREITO À DESCONEXÃO
A lei considerou como sobreaviso o tempo que o ferroviário permanecer em sua
casa aguardando o chamado para o serviço, devendo este tempo durar, no máximo, 24
horas e ser remunerado na razão de 1/3 da hora normal (§ 2º do art. 244 da CLT).
Preferiu o legislador amenizar os efeitos do art. 4o da CLT, pois não concedeu a
paga da hora cheia, mas apenas de 1/3 da hora normal. Isto se explica porque, apesar de
limitado o direito de ir e vir, o trabalhador permanecia no conforto de seu lar,
162
aguardando o chamado do patrão e por se tratar de atividade pública essencial à
população, passível de imprevistos.
A jurisprudência estendeu o direito ao sobreaviso ao eletricitário, na razão de 1/3
da totalidade das parcelas de natureza salarial, por aplicação analógica do art. 244, § 2o,
da CLT – Súmula 229 do TST.
Quando o trabalhador fica obrigado a portar qualquer tipo de intercomunicador,
telerádio, BIP, celular, pager ou laptop para ser encontrado, chamado ou conectado,
mesmo que vez ou outra, seja para trabalhar ou para resolver problemas da empresa à
distância, terá direito à remuneração deste tempo à disposição. Isto se explica porque
não se pode comparar o empregado que, ao final da jornada, pode se desligar do
trabalho e relaxar, com aquele que, apesar de ter saído do ambiente de trabalho ao final
da jornada, ainda leva consigo um prolongamento do ofício, tendo que responder com
habitualidade aos chamados do empregador. Da mesma forma Alice Monteiro de
Barros
312
.
Além da remuneração pelo “tempo à disposição” ou de sobreaviso tem o
trabalhador o direito fundamental ao descanso, sem os incômodos da modernidade nem
ter sua intimidade e privacidade invadida.
O direito à “desconexão” foi apontado por Souto Maior
313
como direito
fundamental do trabalhador ao repouso e à privacidade, uma vez que o total afastamento
do ambiente de trabalho e dos problemas decorrentes preserva os momentos de
relaxamento, de lazer, o tranquilo convívio familiar, o ambiente domiciliar etc. São bem
recebidas as medidas que impedem as novas técnicas invasivas que penetram na vida
íntima do empregado.
Souto Maior
314
esclarece que:
Ao falar em desconexão faz-se um paralelo entre a tecnologia,
que é fator determinante da vida moderna, e o trabalho humano, com
o objetivo de vislumbrar um direito do homem de não trabalhar ou,
como dito, metaforicamente, o direito a se desconectar do trabalho.
Mas, esta preocupação é em si mesma um paradoxo, revelando,
como dito as contradições que marcam o nosso “mundo do trabalho”.
312
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 973.
313
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 23, 2003. Disponível em:
http://trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev23Art17.pdf . Acesso em: 17 set. 2008.
314
http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/18466/Do_Direito_%C3%A0_Desconex%C3%A3o
- do_Trabalho.pdf?sequence=2, Acesso em 04/12/09.
163
A primeira contradição está exatamente com a preocupação
com o não-trabalho em um mundo que tem como traço marcante a
inquietação com o desemprego.
A segunda, diz respeito ao fato de que, como se tem dito por
à boca pequena, é o avanço tecnológico que está roubando o trabalho
do homem, mas por outro lado, é a tecnologia que tem escravizado o
homem ao trabalho.
Em terceiro plano, em termos das contradições, vale notar que
se a tecnologia proporciona ao homem uma possibilidade quase
infinita de se informar e de estar atualizado com o seu tempo, de
outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, escraviza o homem
aos meios de informação, vez que o prazer da informação transforma-
se em uma necessidade de se manter informado, para não perder o
mercado no mercado de trabalho.
Portanto, o direito à desconexão ou ao não-trabalho perpassa por quatro
elementos: o estresse enfrentado pelo trabalhador por ter que se manter o tempo todo
atualizado, causando além da fadiga mental, em alguns casos, o vício (doença
relacionada ao trabalho); o direito ao descanso sem reflexos do trabalho (reposição das
energias e higiene mental); o direito à privacidade e intimidade
315
; direito a trabalhar
menos, ou ao limite de trabalho (direito à saúde
316
).
Além disso, alguns aparelhos ou ferramentas de trabalho limitam o direito de ir e
vir do empregado, pois não funcionam em determinados pontos ou localidades. Mesmo
que se argumente que a limitação é bem mais amena e suave que a preconizada pelo art.
244, § 2o, da CLT, pois o raio de abrangência dos sinais está cada vez maior, o direito
de o trabalhador ao sobreaviso enquanto estiver portando o intercomunicador, rádio ou
qualquer outro aparelho similar. O fato de não permanecer em casa aguardando ordens,
nos moldes da lei, como ocorria com os antigos ferroviários, não afasta uma
interpretação histórico-evolutiva e extensiva do dispositivo legal em estudo. O
desconforto por ficar preocupado (ligado, conectado) todo o tempo com a área de
atuação do aparelho, com o sinal, com o local onde está, com os chamados não
atendidos, com os problemas que terá que resolver à distância, deve ser remunerado ou
315
Fere a intimidade o monitoramento do empregado em áreas reservadas ao lazer, em banheiros. Da
mesma forma, a violação de correspondência eletrônica particular. A jurisprudência tem aceitado a
invasão de email corporativo, isto é, fornecido pelo próprio empregador (TST RR: 613/2000-013-10-00
– Rel. Designado: Ministro João Oreste Dalazen. DJU 10/06/2005).
316
A integridade física e psíquica do trabalhador é um direito fundamental e encontra respaldo
Constitucional (art. 7º, XXII da CRFB), em normas internacionais (Convenções da OIT), na CLT
(Capítulo V, Título II) e em inúmeras instruções normativas, normas regulamentares e portarias expedidas
pelo órgão competente do Executivo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) saúde “é o
completo bem-estar psíquico, mental e social do indivíduo.” Apesar deste conceito ser mais idealista que
realista, o importante é ter em mente que a busca deste estado de bem-estar é a premissa maior que se
pretende quando se fala da saúde.
164
indenizado. Acresce mais que, esta garantia também decorre do art. 4o da CLT, cujo
efeito excepcionalmente foi amenizado pelo legislador para o ferroviário, por se tratar
de serviço essencial à população (transporte), assim como o fez para o aeronauta. O
tempo que o empregado está aguardando a chamada é de sobreaviso e como tal deve ser
remunerado (1/3 da hora normal). Já os chamados em si, isto é, o lapso temporal em que
o trabalhador fica ao telefone, no computador ou intercomunicador resolvendo
problemas da empresa é tempo de trabalho. Se este tempo à disposição ultrapassar o
limite legal ou contratual, será considerado como extra.
Em sentido contrário, Sérgio Pinto Martins
317
, por entender que o modelo
contido no art. 244 da CLT se aplica apenas às limitações de ir e vir mais acentuadas,
isto é, quando o trabalhador tiver que permanecer em casa aguardando ordens. Esta
também é a posição de Arnaldo Süssekind
318
, que defende que as horas de sobreaviso
não se aplicam ao trabalhador que usa BIP, enquanto aguarda o chamado, por ter
liberdade de se locomover, salvo se tiver que permanecer em algum local aguardando o
chamado.
Aparentemente, a jurisprudência não acolheu nossa tese, pois a OJ 49 da SDI-I
da TST, considerou que o uso do BIP não enseja sobreaviso.
6. PRESERVAÇÃO DA INTIMIDADE E PRIVACIDADE
De acordo com o Dicionário Houaiss
319
intimidade é a “qualidade ou caráter do
que é íntimo à vida doméstica, cotidiana .... ambiente onde se tem privacidade”; relação
muito próxima...” e privacidade “vida privada, particular, íntima”.
Todavia, autores
320
que diferenciam intimidade de privacidade. Afirmam que
enquanto aquela se refere ao que ocorre no íntimo do trabalhador, em sua casa, no seu
corpo, na conversa particular e correspondência, esta relaciona-se ao convívio social, ao
relacionamento com amigos.
317
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 469.
318
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Instituições de
Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr., v. 2, 2000, p. 907.
319
HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 3.0 em DVD, 2009,
acessado em 4/12/09.
320
Neste sentido João Lima Teixeira. SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas;
TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr., v. 2, 2000, p. 806.
165
De qualquer sorte, a violação a estes dogmas causam dano moral, sofrimento e
constrangimento. .
Dispõe o art. 5o, V, da CRFB: “é assegurado o direito de resposta, proporcional
ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Parece, pela
forma redigida pelo legislador, que a Constituição distinguiu o dano moral do dano à
imagem, (e segundo alguns, limitando nestas espécies o dano moral), pois mencionou
três tipos de danos no inciso V.
Por outro lado, o art. 5o, X, da Constituição menciona que: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Desta forma dano moral “é o resultado de uma ação, omissão ou decorrente de
uma atividade de risco que causa lesão ou magoa bens ou direitos da pessoa, ligados à
esfera jurídica do sujeito de direito (pessoa física, pessoa jurídica, coletividade etc.). É o
que atinge o patrimônio ideal da pessoa ou do sujeito de direito.
321
procedimentos que podem ofender a intimidade e a privacidade, tais como
interceptação da correspondência eletrônica (email) do empregado; escuta desautorizada
de suas conversas telefônicas durante o expediente; monitoramento do ambiente de
trabalho por meio de instalação de câmeras etc.
6.1. Email corporativo
Uma das formas de agilizar a comunicação dentro do ambiente de trabalho, de
otimizar a rapidez no envio das ordens, tarefas e metas; de atingir o maior número
possível de trabalhadores e, ao mesmo tempo, baratear os custos com tais mecanismos,
foi a utilização do email (eletronic mail) corporativo, que significa o mecanismo de
informações destinado ao recebimento e envio de mensagem para favorecer a
comunicação à distância, por meio de meios eletrônicos criados pela informática e de
endereços virtuais acessados pelo destinatário ou emitente (usuário) por computadores
ou telefones multiuso. Será corporativo quando a correspondência eletrônica estiver
vinculada ao trabalho e for de propriedade da empresa. Para tanto, os empregadores
criam, custeiam e fornecem email corporativo e, em contrapartida, controlam o
conteúdo e a quantidade de correspondências enviadas por seus empregados.
321
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 734.
166
A partir daí entram em discussão duas garantias: o poder diretivo do empregador
(livre iniciativa) e os direitos à intimidade, à privacidade e ao sigilo de correspondência
do empregado (art. 5º, XII da CRFB). Havendo colisão entre princípios constitucionais
a solução recomendável é a ponderação de interesses.
O empregador é dotado do poder de direção por comandar, escolher e controlar
os fatores de produção da empresa. O poder de direção se desdobra em poder diretivo,
em poder disciplinar e em poder hierárquico ou de organização. O primeiro constitui na
capacidade do empregador em dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador,
visando os objetivos da empresa. O segundo traduz-se no poder que tem o patrão de
impor punições aos empregados. O terceiro é a capacidade do empregador em
determinar e organizar a estrutura econômica e técnica da atividade econômica,
compreendido a hierarquia dos cargos e funções, bem como de escolher as estratégias e
rumos do empreendimento. A subordinação nada mais é que o dever de obediência ou o
estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e
normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais
e não abusivas e decorre expressamente do artigo 2º da CLT
322
.
Aliás, a expressão subordinação deriva do termo subordinare (sub – baixo;
ordinare ordenar), isto quer dizer imposição da ordem, submissão, dependência,
subalternidade hierárquica.
Sabendo-se que o empregador é o proprietário do email corporativo e que este é
uma ferramenta de trabalho que deve ser corretamente utilizada durante a execução dos
serviços, fácil é concluir que sobre ele pode existir controle para evitar o desvio de sua
finalidade e o uso indevido. Convém ressaltar que sobre qualquer instrumento ou
ferramenta de trabalho o empregador pode exercer o poder de vigilância e controle,
principalmente sobre aqueles que ficam sob a guarda, a posse ou uso do trabalhador.
Em face do princípio da transparência e da boa fé, valores que devem permear
toda relação contratual, deve o empregador, no ato da admissão ou quando da criação
personalizada e entrega do endereço corporativo, avisar ou comunicar o empregado a
respeito do controle de sua correspondência corporativa, sob pena de abuso do
direito
323
. Isto porque todo poder tem limite. A entrega de um endereço virtual em que o
322
Por este motivo a subordinação é jurídica e não técnica ou econômica.
323
Abuso do direito é o exercício de um direito subjetivo ou de prerrogativas individuais de forma
exacerbada, fora dos limites normais que são baseados em princípios de comportamento e de direito, que
importe em atos que violem a ética, a moral, a boa-fé,
os bons costumes, o bem comum e a função social
do direito. O artigo 187 do CC considera o abuso do direito como uma das modalidades do ato ilícito.
167
próprio usuário cria e só acessa a caixa postal com sua senha personalizada, pode
acarretar na presunção de privacidade. O mesmo raciocínio pode ser estendido ao
monitoramento visual por câmeras. As propositalmente escondidas fazem crer a
existência de um ambiente privado, induzindo a pessoa a praticar atos que o faria se
estivesse sozinha, em local restrito.
O direito busca a segurança nas relações jurídicas, a previsibilidade, a
transparência e não se coaduna com sua visão ética e reta a prática de atos que enseja
interpretação duvidosa. Os comandos devem ser diretos, claros e transparentes.
Apesar dos argumentos acima, há decisão do TST em sentido contrário:
“E-MAIL” CORPORATIVO E “E-MAIL” PARTICULAR. Insta
ressaltar, preliminarmente, que o correio eletrônico não é um serviço
postal e o depósito de mensagens não é, tecnicamente, uma caixa
postal propriamente dita. Trata-se, tão-somente, de um meio de
comunicação, sendo o “e-mail” apenas um depositário de mensagens
eletrônicas enviadas para um endereço virtual, como bem assinala
Alexandre Agra Belmonte, em preciosa monografia sobre o tema (O
Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas Relações de
Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 64). Parece-me imperativo, a
propósito, desde logo, distinguir duas situações básicas: e-mail”
particular ou pessoal do empregado e “e-mail” corporativo. No caso
de “e-mail” particular ou pessoal do empregado em provedor
próprio deste, ainda que acessado louvando-se do terminal de
computador do empregador ninguém pode exercer controle algum
de conteúdo das mensagens porquanto a Constituição Federal
assegura a todo cidadão não apenas o direito à privacidade e à
intimidade como também o sigilo de correspondência, o que alcança
qualquer forma de comunicação pessoal, ainda que virtual. É,
portanto, inviolável e sagrada a comunicação de dados em e-mail
particular. Outra situação, a meu juízo, bem diversa, é aquela do
chamado e-mail corporativo, em que o empregado utiliza-se de
computador da empresa, de provedor da empresa e do próprio
endereço eletrônico que lhe foi disponibilizado pela empresa, tudo
para a utilização estritamente em serviço. Ilustrativamente, poder-se-
ia afirmar que o e-mail corporativo é como se fosse uma
correspondência em papel timbrado da empresa. O “e-mail”
corporativo distingue-se do e-mail pessoal ou particular do
empregado, na medida em que aquele equivale a uma ferramenta de
trabalho que a própria empresa coloca à sua disposição para
utilização em serviço. O “e-mail” corporativo é disponibilizado pelo
empregador ao empregado, louvando-se na confiança de que o
empregado dele se utilizará em serviço e de forma adequada e ética.
A senha pessoal conferida ao empregado para o acesso de sua caixa
de e-mail não é uma ferramenta de proteção para evitar que o
empregador tenha acesso ao conteúdo das mensagens. Ao contrário, a
senha é instrumento de proteção do próprio empregador utilizada para
evitar que terceiros, alheios à sua confiança, tenham acesso às
informações trocadas dentro do sistema de e-mail da empresa que,
muitas vezes, são referentes a assuntos interno se confidenciais. É
168
claro que não se pode negar ao empregado a utilização comedida do
e-mail (enviando uma mensagem eventual) ou da Internet (para, por
exemplo, verificar saldo bancário) para fins particulares, desde que
esta utilização, reitero, seja comedida e em observância da lei, da
moral e dos bons costumes. Convenci-me, contudo, de que, sendo o
empregador proprietário do e-mail corporativo, poderá ele exercer um
controle, tanto formal (quantidade, horários de expedição,
destinatários etc.) quanto material (de conteúdo), sobre o correio
eletrônico. Inexiste, no Brasil, disciplinamento específico de proteção
à privacidade do empregado diante da utilização do e-mail
corporativo na empresa. Cumpre ser afastada, para logo, a hipótese de
sigilo de correspondência em relação ao empregado, no tocante ao
uso do e-mail corporativo, se não há, como aqui, razoável expectativa
de privacidade. Se o e-mail é de uso corporativo, a não ser que o
empregador consinta, deve destinar-se ao uso estritamente
profissional. Quer dizer: nesse caso, o correio eletrônico não pode ser
utilizado para fins pessoais, muito menos para provocar prejuízo ao
empregador, para dar vazão à lascívia do empregado ou para cometer
qualquer ilegalidade. Impende ter presente que, em caso de o
empregado utilizar de forma indevida ou abusiva o e-mail
corporativo, poderá a Empresa, em tese, responder perante terceiros
por qualquer prejuízo, tal como sucederia com a utilização danosa de
qualquer outra ferramenta de trabalho (Código Civil de 2002, art.
932, inciso III). Neste sentido, apropriada a advertência de Alexandre
Agra Belmonte: “Umas das razões que levam ao rastreamento das
navegações e e-mails diz respeito à associação da má utilização ao
bom nome e reputação da empresa. No terreno da responsabilidade
civil, não têm validade os chamados Legal Disclaimers ou avisos de
isenção de responsabilidade empresarial, que remetem ao funcionário
– e não à Empresa – a responsabilidade pelo envio de e-mail causador
de prejuízo moral ou material. Assim como não teria valor o aviso
afixado na porta de veículo funcional, informativo de que a empresa
não responderia pelos xingamentos, agressões físicas ou
abalroamentos ocorridos em horário de serviço, remetendo ao
empregado a integral responsabilidade pelos atos. Isto porque o
empregador responde, perante terceiros, pelos danos praticados pelo
empregado ou preposto.” (in Monitoramento da Correspondência
Eletrônica nas Relações de Trabalho, LTr, 2004, p. 113). TST RR:
613/2000-013-10-00 Rel. Designado: Ministro João Oreste
Dalazen. DJU 10/06/2005.
Por outro lado, também constitui abuso do direito, o empregado que
utiliza o email corporativo para fins ilegítimos, tais como atos de pedofilia, mensagens
pornográficas etc. O patrão poderá puni-lo com a justa causa pelo uso indevido da
ferramenta de trabalho.
6.2. Controle telefônico
169
De acordo com o artigo 5º, XII da CRFB “é inviolável o sigilo de
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
A interceptação da ligação telefônica constitui crime e invade a privacidade do
empregado e só deve ser permitida quando previa e formalmente avisada ao usuário.
Assim também a jurisprudência majoritária:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.
IMPUTAÇÃO DE JUSTA CAUSA. GRAVAÇÕES
TELEFÔNICAS. USO ILÍCITO DA PROVA. INOBSERVÂNCIA
DA GARANTIA INSCULPIDA NO INCISO XII DO ART. DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A escuta telefônica, no caso, tinha
destinação específica, que não envolvia a reclamante. Logo, o uso das
gravações contra ela, por aspectos paralelos à investigação policial,
não estava coberto pela chancela judicial. Daí a ilicitude de sua
utilização para punir delito de natureza trabalhista, fora da tipificação
do art. 492 da CLT e genericamente enunciado como quebra de
fidelidade. A norma do art. 5º, inciso XII da Constituição Federal de
1988, ao garantir o sigilo das comunicações telefônicas, expressa
ressalva quanto à definição dos casos e situações que ensejarão a
quebra do sigilo, e remete à lei a competência para ditar os limites do
procedimento. A regulamentação, constante da Lei nº 9.296/1996,
enfatiza a preservação do sigilo, o permite a divulgação das
gravações fora do âmbito do inquérito ou do processo criminal,
manda inutilizar tudo aquilo que não interessa à prova do delito
investigado. Nada justifica, portanto, a aceitação das gravações
referidas em prejuízo de terceiro, que, sem qualquer envolvimento
nos fatos investigados, expressou conceitos considerados ofensivos
ao autor da notitia criminis ou que tão somente reverberou contra os
procedimentos adotados pela empresa que, ao seu sentir revelavam
prática de injustiça contra idôneo servidor. A ilicitude da prova
conseguida contra a reclamante, sem atenção à regulamentação legal
do art. 5º, XII da Constituição, culmina na contaminação de todos os
atos processuais nela estribados. Agravo de instrumento provido.
Recurso de revista conhecido e provido. TST, T, RR - 5300/2001-
036-12-00, Rel. Min. Honácio Senna Pires, DJ - 26/11/2004.
Entretanto, é possível a gravação de conversas telefônicas quando o trabalhador
é avisado do procedimento. Normalmente isto ocorre porque o tipo de serviço oferecido
pela empresa está relacionado à telefonia e a gravação resguarda direito do fornecedor
do serviço contra as reclamações do consumidor. Percebe-se, mais uma vez, que a pedra
de toque é a comunicação prévia, a transparência nas relações laborais.
170
6.3. Controle por meio de câmeras
O ambiente de trabalho deve proporcionar segurança e conforto mínimo ao
empregado. Um ambiente amistoso favorece a maior produtividade.
Por outro lado, o avanço da tecnologia tem permitido o monitoramento interno
do estabelecimento por meio de instalação de câmeras no ambiente de trabalho.
Diversas câmeras ligadas a computadores, e algumas também à internet, que permitem o
acesso à distância, têm sido instaladas nos ambientes de trabalho, seja para fiscalização
dos próprios empregados e de suas produções, seja para manutenção da segurança, para
controle da entrada e saída de pessoas ou clientes ou para observação do estoque e
mercadorias.
As câmeras afixadas em locais visíveis, com aviso ou não de filmagem, e
direcionadas ao grupo, à ferramenta ou ao ambiente de trabalho, não ferem a intimidade
nem constrangem o empregado, pois fazem parte do poder diretivo do patrão e da
necessidade de controle da produção e da segurança da empresa.
O patrão excepcionalmente pode espiar o ambiente de trabalho sem prévio aviso
ou exibição da câmera, isto é, de forma sorrateira, escondida. Tal medida extremada
será possível quando tiver por objetivo a individualização do autor de furtos ou desvios
de mercadorias ou numerário já constatados ou percebidos pelo empregador, isto é, para
comprovar certas ações e comportamentos ímprobos ou desidiosos de determinados
empregados.
De toda sorte, o monitoramento não pode constranger o empregado e as imagens
não podem ser indevidamente utilizadas ou divulgadas.
Ambientes privados não podem ser monitorados, tais como vestiário, banheiros,
as áreas de troca de uniformes e roupas etc.
Da mesma forma tem se posicionado a jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO
MORAL RECONHECIDO. RATIFICAÇÃO. Nos termos do eg.
Regional, revelando-se incontroversa a instalação de equipamentos
câmeras de filmagem nas dependências dos banheiros de utilização
dos empregados, mais especificamente na porta de entrada dos vasos
sanitários e mictórios, tal situação, por si só, gera constrangimento
moral e social, caracterizando o dano moral. Incólumes, por outro
lado, os artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC, eis que o v. acórdão
atacado, considerando o conjunto fático-probatório, decidiu em
conformidade com os referidos dispositivos legais. Por fim,
inservíveis arestos quando não traduzem o mesmo panorama fático-
171
probatório do caso sub examine (inteligência do Enunciado de no
296/TST). TST, T, AIRR - 1926/2003-044-03-40. Rel. Min.
Ricardo Machado, DJ - 22/03/2005.
172
CAPÍTULO VII
CONCLUSÃO
A concepção liberal dos direitos trabalhistas, que partia da separação radical entre
o Estado e a sociedade civil, entre o direito público e o direito privado, quando se
percebia uma postura inerte do Estado diante dos problemas sociais, foi superada pela
concepção do trabalhador como pessoa hipossuficiente, merecedor da proteção do
Estado. A revalorização do trabalho subordinado toma contornos com a Constituição
Mexicana de 1917, Constituição de Weimar de 1919, criação da OIT e com a
Declaração Universal dos Direitos dos Homens (1948), hoje espelhada na nossa
Constituição de 1988. Ao consagrar os direitos fundamentais da pessoa, os textos
constitucionais assumem conscientemente um sistema de valores, cujo maior
fundamento é a dignidade da pessoa humana. A fixação, em sede constitucional, dos
direitos trabalhistas, de valores éticos e de princípios protetores e democráticos, todos
com força normativa, limitou ainda mais a liberdade contratual e os poderes patronais.
A constitucionalização do Direito do Trabalho tornou mais intenso o caráter de
indisponibilidade dos direitos trabalhistas em face da irradiação da eficácia horizontal
dos direitos fundamentais ali preconizados. Daí a idéia de que os direitos trabalhistas
são fundamentais e como tal se impõem aos empregadores e trabalhadores em suas
relações interpessoais e interprivadas, constituindo-se em limite à autonomia da vontade
de negociar. Sendo assim, não podem ser negociados, transacionados ou renunciados,
salvo quando a lei expressamente autorizar.
Não foi por outro motivo que a CLT, promulgada em 1943, já previa a nulidade de
todo e qualquer ato que objetivasse fraudar ou burlar direitos trabalhistas nela previstos
– arts. 9º, 444 e 468 da CLT.
173
Desta forma, é forçoso concluir que todos os direitos trabalhistas previstos na lei
são indisponíveis, imperativos, cogentes, e poderão ser disponibilizados quando a lei
assim autorizar.
Hoje, o Direito do Trabalho vive uma fase de transição, em que se questiona o
paternalismo Estatal, a intervenção estatal nas regras privadas. Alguns pretendem a total
desregulamentação, isto é, a ausência total, a abstinência estatal nas relações de
trabalho, deixando o contrato de trabalho livre às regras do mercado, sob o argumento
de que o modelo que inspirou o welfare não mais existe, que os trabalhadores atuais são
mais conscientes, mais maduros, menos explorados.
Outros, apesar de reconhecerem alguma mudança no Direito do Trabalho,
percebem que nosso país ainda não pode ser visto como aquele que efetivou o welfare
(o bem estar social). O Brasil ainda tem trabalho escravo ou em condição análoga, ainda
exploração do trabalho do menor; labor em condições subumanas e legislação
trabalhista muito desrespeitada. Por isso, não se pode defender o total afastamento do
Estado desta relação privada, não se pode pretender a privatização dos direitos
trabalhistas, o retrocesso de um grande avanço conquistado a duras penas.
Na era em que o direito comum (civil) caminha para a visão social, a publicização
de seus institutos, a humanização e a centralização do homem como figura principal a se
proteger; na era em que a Carta de um país prioriza os direitos fundamentais do homem,
sua dignidade, o valor social do trabalho, da função social da justiça e do direito,
abandonando a priorização do capital, da propriedade sobre a pessoa e seus valores, o
Direito do Trabalho tende a um retrocesso?
O neoliberalismo é, na verdade, um caminho isolado na contramão da socialização
dos direitos e da efetivação dos direitos fundamentais do homem.
A flexibilização de direitos trabalhistas como vem sendo utilizada pelos
empresários, com o único objetivo de aumentar seus lucros, constitui abuso do direito e
como tal, deve ser afastada e declarada nula, que viola o princípio da função social,
que tem seu exercício condicionado ao respeito aos direitos trabalhistas de seus
empregados (aspecto interno).
Não se admite flexibilização sem finalidade social. Nula cláusula de acordo e
convenção coletiva que não observa os fundamentos da flexibilização, que abusa deste
direito e que fere a função social da empresa.
174
A preservação da saúde da empresa deve ser o único fundamento para autorizar a
redução, a flexibilização ou eliminação de algum direito do trabalhador, porque sua
manutenção é de interesse público.
Neste sentido os princípios constitucionais, vistos como norma de eficácia plena,
destacando-se em particular o da proteção ao trabalhador (art. 7º, caput) e o da função
social da empresa (art. 170), devem limitar a onda de flexibilização abusiva que vem
contaminando os tribunais trabalhistas e a legislação.
Por outro lado, alguns princípios trabalhistas estão sendo relativizados para a
necessária adaptação às novas realidades sociais e econômicas. As terceirizações
também têm sido muito utilizadas como mecanismo de redução de custos e para maior
concentração na atividade fim, mas devem ser ajustadas sem sonegar os direitos do
trabalhador.
175
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TESE APRESENTADA AO DOUTORADO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE
GAMA FILHO, NO RIO DE JANEIRO, E APROVADA PELA COMISSÃO
EXAMINADORA FORMADA PELOS SEGUINTES PROFESSORES:
PROF. DR. ARION SAYÃO ROMITA
UNIVERSIDADE GAMA FILHO – UGF
(ORIENTADOR)
PROF. DR. ALBERTO NOGUEIRA
UNIVERSIDADE GAMA FILHO - UGF
PROFª. DRª. CARMEN TIBÚRCIO
UNIVERSIDADE GAMA FILHO - UGF
PROF. DR. FRANCISCO DOS SANTOS AMARAL NETO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
PROF. DR. ARNALDO JOSÉ DUARTE DO AMARAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
Rio de Janeiro, 26 de abril de 2010
Profª. Drª. Maria Stella Faria de Amorim
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Direito
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