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UFMT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NEURA CÉZAR
BULLYING:
PRECONCEITO, ESTIGMAS E DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A PAZ
CUIABÁ-MT
2010
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1
NEURA CÉZAR
BULLYING:
PRECONCEITO, ESTIGMAS E DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A PAZ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Educação na Área de
Concentração Educação, Cultura e Sociedade,
Linha de Pesquisa Movimentos Sociais e
Educação, Política e Educação Popular.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos
Cuiabá-MT
2010
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3
Dedico este trabalho a todos, educadores,
estudantes e suas famílias, que tornaram
possível a realização do presente estudo e que
se dispuseram a compartilhar comigo seus
sonhos, esperanças, angústias, sofrimentos,
medos, enfim, suas histórias de vida, crendo
que cada um traz consigo a energia positiva e
a capacidade de humanizar as relações, para
poder contribuir na construção de um clima
escolar solidário e plural, que respeite as
diferenças de seus sujeitos e suscite em cada
pessoa, a superação de si mesma! Espero que
este contribua para o empoderamento dos
atores escolares contra as situações de
violência, no esforço para por fim a essa
realidade que tão indignamente, destrói vidas
e sonhos. Aprendi muito com vocês! A todos,
deixo aqui a minha gratidão.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus,
pela vida, pela presença fiel em minha vida e a Maria Auxiliadora pela ajuda e orientação.
À Inspetoria Nossa Senhora da Paz,
minha eterna gratidão pela paciência, colaboração e apoio.
À minha querida comunidade Noviciado Missionário José,
que se fez presente em todos os momentos, com carinho, paciência e amizade. E a comunidade do
Colégio Coração de Jesus, em especial, Ir.Lucélia, Ir.Mariluce, Ir.Ada, Ir.Rosangela, Ir.Neyde,
Ir.Luiza e Ir.Ignez pelo apoio, compreensão e amizade.
A Luiz Augusto Passos,
orientador extraordinário, personificação da amorosidade e otimismo de Paulo Freire e da bondade,
amabilidade e doçura de São Francisco de Sales, por suas relevantes contribuições e direcionamentos
para esta pesquisa.
A Pedrinho Arcides Guareschi,
por sua atenção, solicitude e importantes contribuições que ajudaram a iluminar este trabalho.
Às professoras Maria Anunciação Pinheiro Barros Neta e Suely Dulce de Castilho,
pela prontidão, seriedade, carinho, amizade e dedicação com que me auxiliaram na elaboração deste
estudo e por acreditarem em mim.
Às equipes diretivas, pedagógica, aos professores, funcionários das escolas pesquisadas da rede
pública municipal, estadual e particular que tão gentilmente me acolheram, me motivaram e me
ajudaram para tornar esta pesquisa realidade. Em especial, aos estudantes, famílias e professores,
colaboradores desta pesquisa, pela acolhida, pela dedicação, pela disponibilidade em contribuir com o
meu estudo e, principalmente, por permitir conhecer seu mundo. Com eles, pude descobrir o quanto se
tem a aprender e também percebi a urgência em construir uma educação sem violência, em que o
conteúdo principal seja o respeito à alteridade, à dignidade e à Paz. Muito obrigada!
Aos docentes do Programa de Pós-Graduação
pelas reflexões teóricas proporcionadas ao longo do curso e pelo carinho dedicado à mim.
À querida Profª Vera Bertoline,
por ter sido elo entre o professor Passos e eu e contribuído para minha entrada no GPMSE.
A Luiza, Mariana e Geisel,
funcionários da secretaria do Programa, pelo carinho no atendimento.
À FAPEMAT, pelo apoio financeiro durante o Curso.
Aos meus queridos colegas de curso,
às novas amizades construídas ao longo, obrigada pela construção do saber em conjunto.
A todos os colegas do Grupo de Pesquisa GPMSE,
pela amizade e pelas muitas contribuições reflexivas, pelo carinho e companheirismo.
À Ir. Maria de Lima Barros e professora Irene Cajal, pela amizade, apoio e revisão gramatical.
A todos aqueles,
amigos, companheiros de luta, que me incentivaram e incentivam com palavras e contribuíram para a
construção deste trabalho, deixo aqui o meu MUITO OBRIGADA!
5
A PAZ
Roupa Nova
Composição: Michael Jackson
É preciso pensar um pouco nas pessoas que ainda vêm nas crianças
A gente tem que arrumar um jeito de achar pra eles um lugar melhor. Para os nossos filhos e para
os filhos de nossos filhos. Pense bem!
Deve haver um lugar dentro do seu coração onde a paz brilhe mais que uma lembrança
sem a luz que ela traz já nem se consegue mais encontrar o caminho da esperança.
Sinta, chega o tempo de enxugar o pranto dos homens se fazendo irmão e estendendo a mão.
Só o amor muda o que já se fez e a força da paz junta todos outra vez.
Venha, já é hora de acender a chama da vida e fazer a terra inteira feliz
Se você for capaz de soltar a sua voz pelo ar, como prece de criança
deve então começar outros vão te acompanhar e cantar com harmonia e esperança.
Deixe que esse canto lave o pranto do mundo pra trazer perdão e dividir o pão.
Só o amor muda o que já se fez e a força da paz junta todos outra vez.
Venha, já é hora de acender a chama da vida e fazer a terra inteira feliz.
Quanta dor e sofrimento em volta a gente ainda tem,
pra manter a fé e o sonho dos que ainda vêm.
A lição pro futuro vem da alma e do coração, pra buscar a paz, não olhar pra trás, com amor.
Se você começar outros vão te acompanhar e cantar com harmonia e esperança.
Deixe que esse canto lave o pranto do mundo pra trazer perdão e dividir o pão.
Só o amor muda o que já se fez e a força da paz junta todos outra vez.
Venha, já é hora de acender a chama da vida e fazer a terra inteira feliz
Só o amor muda o que já se fez e a força da paz junta todos outra vez. Venha, já é hora de
acender a chama da vida e fazer a terra inteira feliz.
Só o amor muda o que já se fez e a força da paz junta todos outra vez.
Venha, já é hora de acender a chama da vida e fazer a terra inteira feliz.
Venha, já é hora de acender a chama da vida e fazer a terra inteira feliz.
6
RESUMO
O bullying caracteriza-se como uma violência cruel que se manifesta na interação entre
estudantes com a intenção de perseguir e intimidar, sem que existam razões que justifiquem
as ações violentas, denotando a existência de conflito com valores. Essa prática de violência
também se revela na relação professor e estudante, sendo evidenciada, sobretudo por meio de
agressões verbais, físicas e atitudinais. A pesquisa surgiu da interrogação acerca das
consequências dos comportamentos agressivos entre estudantes e entre estes e seus
professores, a partir da vivência de situações no ambiente escolar. Os recentes estudos e
pesquisas nacionais e internacionais apontam que o bullying está presente em diversas
instituições educativas, tendo maior incidência na escola. Diante disso, esta dissertação tem
como foco compreender a forma como o bullying se manifesta no cotidiano escolar e na
vivência dos estudantes, a partir do olhar dos próprios estudantes, do corpo técnico-
pedagógico e das famílias. O trabalho se desenvolve na modalidade de pesquisa qualitativa,
de base fenomenológica existencial, iluminado, sobretudo pelo pensar de Maurice Merleau-
Ponty e Paulo Freire, e seguiu o modelo de inserção etnográfica por permitir a imersão da
pesquisadora no ambiente histórico concreto do estudo. A pesquisa foi realizada em três
escolas, sendo duas públicas e uma particular, na cidade de Cuiabá/MT, em 2009, tendo como
participantes 35 estudantes, 17 educadores e seis famílias. Os procedimentos utilizados para a
apreensão e interpretação dos significados e significantes da pesquisa são: observação
participante, entrevista semiestruturada e história de vida. Nas observações, atentou-se às
interações na escola entre estudantes quanto entre estes e professores a partir das ações
adotadas por estes frente aos conflitos gerados pela prática do bullying. As entrevistas
individuais com estudantes, professores, gestores, funcionários e famílias exprimiram seu
imaginário sobre os conflitos agressivos que ocorrem no ambiente escolar, inclusive, o
bullying. Entre as percepções obtidas, a pesquisa indica que, apesar da equipe pedagógica
escolar ter objetivos comuns, ainda tem dificuldades de aquilatar ou avaliar a extensão das
consequências do fenômeno bullying no espaço escolar. Tanto gestores, coordenadores e
professores pareceram ter dificuldades de criar alternativas específicas para orquestrar as
situações de conflitos vivenciados pelos estudantes de forma positiva. Entre as várias
reflexões levantadas a partir do material, discute-se que, apesar de boas intenções e nobres
objetivos dos educadores, infelizmente constata-se que o não reconhecimento do bullying na
escola, em particular, pelos professores, como um problema que desconcerta e perturba o
ambiente para todos os envolvidos, como um comportamento cruel ao desenvolvimento
psíquico dos estudantes, aliado à transmissão tradicional de conhecimentos e à falta de espaço
para que os valores humanos tornem-se centrais na personalidade para a vivência solidária e
cooperativa, contribui para a incidência e o reforço do bullying na escola. O estudo aponta
para a necessidade urgente da inclusão da educação para a paz e dos princípios éticos como
um conteúdo a transversalizar o currículo. Estes poderão favorecer o reconhecimento, a
desnaturalização, a valorização e o enfrentamento das práticas do bullying no ambiente
escolar.
Palavras-chave: Bullying; Violência escolar; Educação para a paz; Escola.
7
ABSTRACT
Bullying is characterized as a cruel violence, manifested in the interaction among students
with the intention of harassing and intimidating, without the existence of any reasons to
justify the violent actions, denoting the existence of conflicts with values. This violent
practice also reveals itself in the teacher and student relationship, being evidenced mainly by
means of verbal, physical and attitudinal aggressions. The research had its origin with the
interrogation about the consequences of aggressive behaviors among the students, and among
these and their teachers, starting from experiences inside the school environment. The recent
national and international studies and researches indicate that the bullying is present at
various educational institutions, having a greater incidence at the school. In face of this, this
dissertation focuses on the understanding of the manner in which bullying manifests itself in
the school day-to-day life and in the violence among the students, beginning with the view of
the students themselves, and the view of the technical-pedagogic corps and the families. The
work is developed in the modality of a qualitative research with an existential
phenomenological basis, illuminated above all by the thought of Maurice Merleau-Ponty and
Paulo Freire, and followed the model of ethnographic insertion, by allowing the researcher's
immersion into the concrete historical environment of the study. The research was carried out
in three schools of Cuiabá, State of Mato Grosso, being two of them public and the other a
private one, having as participants 35 students, 17 educators and 6 families. The procedures
utilized for the apprehension and interpretation of the significations and signifiers of the
research are: participative observation, semi-structured interview and life history. During the
observations, attention was paid to the interactions between the students within the school,
and between these students and the teachers, starting from the actions adopted by the latter
ones in face of the conflicts generated by the practice of bullying. The individual interviews
with students, teachers, managers, servants and families expressed their imaginary in relation
to the aggressive conflicts occurring in the school environment, inclusive bullying. Among
the perceptions gathered, the research showed that, notwithstanding the school pedagogic
team having common objectives, they still have difficulties in appraising or evaluating the
extension of the consequences of the bullying phenomenon within the school space. The
managers, coordinators and teachers seem to have difficulties in the creation of specific
alternatives to orchestrate the situations of conflict experienced by the students in a positive
manner. Among the various reflections raised from the material collected, one discusses that,
in spite of the good intentions and noble objectives of the educators, unfortunately one
realizes that the non-acknowledgment of the bullying at the school, particularly by the
teachers, constitutes a problem that disconcerts and perturbs the environment for all the
parties involved, as a behavior cruel to the psychic development of the students, allied to the
traditional transmission of knowledge and the lack of space for the human values to become
central in the personality, for an understanding and cooperative living together, contributing
to the incidence and reinforcement of bullying at the school. The study points to the urgent
necessity of including the education for the peace and the ethic principles as a content that
should spread throughout the curriculum. These factors may favor the acknowledgment, the
denaturalization, the valorization and the facing of bullying practices within the school
environment.
Key words: Bullying; School violence; Education for the peace; School.
8
SUMÁRIO
PALAVRAS INICIAIS...........................................................................................................10
I CAPITULO: O caminho percorrido..................................................................................18
1.1 Contando as trilhas do campo de pesquisa.........................................................................18
1.2 Opção teórico-metodológica..............................................................................................29
1.2.1 Abordagem: Qualitativa..................................................................................................30
1.2.2 Método: Etnografia.........................................................................................................33
1.3 O cenário da pesquisa........................................................................................................37
1.4 Instrumentos utilizados para a apreensão das significações da pesquisa...........................37
1.4.1 Observação participante..................................................................................................37
1.4 2 Os sujeitos da pesquisa: Entrevistas................................................................................39
1.4. 3 Histórias de vida.............................................................................................................42
II CAPITULO: A instituição escolar contemporânea........................................................44
2.1 A instituição escolar como espaço sociocultural..............................................................44
2.2 A instituição escolar como espaço de violência................................................................51
2.2.1 Violência na escola..........................................................................................................53
2.2.2 Violência contra a escola.................................................................................................56
2.2.3 Violência da escola..........................................................................................................57
III CAPITULO: O sentido do fenômeno bullying: revisando a literatura.......................60
3.1 Entendendo o bullying no cenário escolar.........................................................................61
3.2 A definição do termo bullying enquanto problemática......................................................65
3.3 Causas do bullying no ambiente escolar............................................................................67
3.4 Formas de envolvimento dos educandos com a prática do bullying..................................69
3.4.1 Autor do bullying.............................................................................................................69
3.4.2 Alvo de bullying...............................................................................................................70
3.4.3 Alvo/autor de bullying ....................................................................................................74
3.4.4 Espectadores de bullying .................................................................................................75
3.5 Prática do bullying para meninos e meninas....................................................................79
9
IV CAPITULO: A materialização do bullying nas escolas: um olhar fenomenológico...82
4.1 Retrato da Escola x espaços de manifestações do bullying................................................83
4.1.1 O entorno das escolas....................................................................................................91
4.2 Retratos do corpo docente..................................................................................................97
4.3 Retratos dos discentes......................................................................................................110
4.4 As relações interpessoais na escola..................................................................................116
4.5 A discriminação com relação à estética e sinais físicos...................................................120
4.6 Consequências do bullying para a cultura escolar...........................................................129
4.7 Estratégias utilizadas pelas escolas no combate ao bullying............................................137
4.8 O que significa exatamente a presença cotidiana na escola?...........................................145
4.9 O bullying sob outros pontos de vista..............................................................................147
V CAPÍTULO: O imaginário da família sobre o fenômeno bullying na escola.............157
5.1 Retratos de famílias..........................................................................................................160
5.2 Impacto do bullying sobre a vida cotidiana.....................................................................174
5.3 A relação família-escola: encontros e desencontros nas ações frente ao bullying...........180
PALAVRAS FINAIS: Educação para uma cultura de paz nas escolas...........................192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................204
ANEXOS................................................................................................................................215
Anexo 1 - Roteiro de entrevista semiestruturada........................................................216
Anexo 2 - Autorização para realizar a pesquisa junto às escolas................................219
10
PALAVRAS INICIAIS
O tema desta investigação reflete minha inquietação com a necessidade de fomentar
discussão
acerca
do
fenômeno
bullying, considerado
um
problema
mundial,
aparentemente
indeterminado de violência e opressão, presente em escolas tanto públicas quanto particulares,
de Ensino Fundamental ou dio. Sua ocorrência pode ser verificada tanto na cidade,
periferia ou centro, quanto na área rural. A relevância deste estudo está em contribuir para
repensar o papel da escola no processo civilizatório como ação socializadora e humanizadora.
O esforço aqui empreendido tem como finalidade compreender as circunstâncias e
mecanismos que favorecem a violência física, verbal, emocional e psicológica decorrentes das
relações agressivas e discriminatórias entre estudantes, como também na relação professor e
estudante no espaço educativo. ainda a necessidade de compreender essas ações dentro de
marcos teóricos legitimadores dos processos de violência social e totalitarismo.
O interesse
por esse tema foi sendo despertado,
ao longo de
minha trajetória
profissional como pedagoga e irmã salesiana, atuando no ambiente da instituição escolar
pública estadual. Minha experiência advém da atuação como assistente de pátio, professora
interina/substituta, orientadora educacional e gestora, desde a conclusão do magistério,
em
1994. Nesse ambiente educativo, presenciei inúmeras vezes os atos de violência, o bullying,
embora ainda não lhe atribuísse o devido valor por falta de informações e por imaginar que se
tratava de “brincadeiras”. Em geral, esses estudantes eram rotulados pelos educadores como
possuidores de algum distúrbio comportamental ou cognitivo, considerados “problemáticos” e
que não competia mais à escola sozinha resolver. A compreensão de que tais situações se
enquadram dentro das características do fenômeno bullying possibilitou perceber que o
mesmo vem se disseminando por âmbitos internos e externos, e, sobretudo, pelos danos
psicológicos causados aos envolvidos, tendo muitas vezes reações extremas, como as recentes
tragédias
ocorridas
em escolas
em vários lugares
do
mundo,
a
exemplo,
Columbine-EUA/1999,
Taiúva-SP/2003, Remanso-BA/2004,
Patagones-Argentina/2004, Alemanha/2009,
deixando
marcas profundas na vida da comunidade educativa e de toda a sociedade.
Essas experiências no âmbito escolar de caráter negativo me fizeram refletir sobre a
necessidade de debater e empreender estudos que pudessem expandir a reflexão sobre as
implicações do fenômeno bullying na vida escolar dos estudantes, bem como de toda a
comunidade educativa e famílias, e assim poder distinguir alguns dos fatores que possam estar
11
interferindo na interação entre os estudantes, entre estudantes e educadores na construção do
processo ensino-aprendizagem.
É significativo refletir sobre uma temática tão árdua, o difícil, porém, de uma
profundidade enorme, porque trata exatamente de algo que é considerado normal, cotidiano:
falar do bullying é enfocar nossa condição humana. Somente nesse sentido é que considero
prazeroso tratar daquilo que nos pertence, daquilo que é de fato verdadeiramente humano, ou
seja, as nossas relações conosco mesmo e com os outros.
Tratar das finalidades da educação num contexto marcado por transformações e
situações paradoxais é um desafio, todavia impreterível aos que o compactuam com a
inoperância da escola enquanto agência de inclusão social e de capacitação para a
coexistência justa e pacífica.
O problema da violência traz como pano de fundo uma das questões mais cruciais nos
dias de hoje: a necessidade de uma ética calcada em valores relativos à dignidade humana.
Vivemos uma crise ética que permite a negação dos Direitos Fundamentais da pessoa
humana, como lesão à dignidade, coisificação das pessoas, comunicação vertical, dentre
outros.
A crítica realizada com razão acerca do pacificismo é o fato de que ele pode silenciar e
legitimar a injustiça. Por isso, a justiça é condição fundamental da paz. Aristóteles já dizia que
ética é justiça e, na percepção de Guareschi (2008, p. 29), “justiça é essencialmente uma
relação, pois ninguém pode ser justo sozinho”. Por vezes, os seguidores de Gandhi tinham um
pacifismo que Gandhi não tinha, não silenciava diante da injustiça, pelo contrário, dizia que
era preciso provocar o opressor, para que ele anunciasse sua violência [...] também na
tradição “cristã” que no livro “O Definitivo e o Provisório”, Comblin (1968) denuncia como
filosofia conservadora ligada ao estoicismo de Sêneca e Marco Aurélio. Segundo Comblin, a
“filosofia da cultura brasileira”, que se inspirava nesses filósofos e que chegava à
complacência com a tirania para que não se gerasse um desequilíbrio interno nas pessoas,
considerado como semente de uma nova violência.
A prática de violências dentro do ambiente escolar não é fenômeno recente. Mas antes
de se tornar um importante objeto de estudo, está se tornando também um grave problema
social. Sua manifestação ocorre de diferentes formas, em diferentes espaços e com sutilezas
específicas no ambiente escolar.
Até o início dos anos 80, os tipos de violência que ocorriam dentro da escola, com
exceções, eram tratadas como uma simples questão de disciplina. Com o passar do tempo,
essas ocorrências começaram a ser analisadas como manifestação de delinquência juvenil e
12
expressão de comportamento antissocial. Atualmente, elas são percebidas de maneira muito
mais complexa, como resultado de fenômenos sociais mais profundos que requerem análises
mais cuidadosas para sua compreensão.
Desse modo, erradicar a violência da sociedade, em razão de suas causas complexas,
não é tarefa simples. No entanto, é possível, e necessário, controlar alguns dos mecanismos
que a geram, reduzindo seus efeitos. É preciso pensar a respeito da educação como um todo,
desde sua “instalação” na formação da criança, até a preparação dos professores, pois o
diálogo na construção do conhecimento formal promove a realização tanto do estudante
quanto do professor no espaço educativo (GADOTTI, 2002).
Acredito, ancorada em Assmann (1996) e Casali (2005), que seja possível e, portanto,
eticamente obrigatório, reencantar a Escola, mas não como um novo mito que a torne mais
enevoada e intangível e sim como uma nova realidade construída que fascina, entusiasma,
convida à ação.
Arrisco, então, afirmar que é possível reencantar a escola a partir do resgate das
relações interpessoais entre seus componentes (GUARESCHI, 2005; SNYDERS, 1993). No
ambiente escolar, dentro da sala de aula, os atores escolares vivem a experiência das
particularidades individuais, das diferenças de grupos e, muitas vezes, o convívio entre eles
apresenta dificuldades. Alguns estudantes sentem e desenvolvem frequentemente a exclusão,
o desprezo, as relações agressivas, incompreensão uns em relação aos outros.
E ainda outra questão séria: para o resgate dessas relações, a ética é presença
indispensável. “Todas as ações humanas, todas as relações que estabelecemos, todos os
fenômenos que são frutos de ões e relações contêm e carregam, implicitamente, uma
dimensão ética, de valor” (GUARESCHI, 2005, p. 111). Basta ter claro isso: a “ética é sempre
ética das relações” (Idem, 2008, p. 24). Desse modo, a discussão sobre a temática do bullying
será perpassada por essas dimensões importantes e necessárias ao contexto escolar: a ética, as
relações, o diálogo e a paz.
Considerando os diversos tipos de violência que podem ocorrer na escola, fiz um
recorte da realidade a ser estudada, focando como objeto desta pesquisa, a manifestação do
fenômeno bullying no cotidiano escolar de três escolas, sendo duas da rede pública de ensino
e uma particular. Essa violência, que se revela através de humilhações, gozações, ameaças,
apelidos constrangedores, chantagens e intimidações, é desencadeada de forma repetida
contra uma mesma vítima ao longo do tempo, minando sua autoconfiança e autoestima.
Essa violência, que atinge, sobretudo, as crianças e jovens, repercute negativamente
nas relações dentro e fora dos muros da escola, pois como relata Fante (2005), os sentidos
13
produzidos nas interações sociais se tornam significativos para os sujeitos, graças ao modo de
participação deles nas relações estabelecidas.
Estudos realizados tanto no contexto escolar como em outros locais trouxeram
argumentos de que as políticas públicas educacionais ou sociais que deem respostas no
momento a essa questão apresentam caráter emergente. A violência se faz presente, na
maioria das vezes, em situações tidas como naturais. Pesquisas revelam que nas escolas são
comuns interações conflituosas e insultuosas contra estudantes sem motivo aparente, de
ambos os sexos, dado que os desrespeitos, quando não ofensa, causam até mesmo
perseguições a alguns estudantes por aparência, raça, etnia, entre outros aspectos.
Antes de ingressar no problema e objetivo desta pesquisa, é preciso conceituar o
fenômeno bullying. A esse respeito, eis o entendimento de Fante (2005):
São comportamentos agressivos e anti-sociais [...]. Sem termo equivalente na ngua
portuguesa, define-se universalmente como um conjunto de atitudes agressivas,
intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou
mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos,
intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações
injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de
outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são
algumas das manifestações do comportamento bullying (FANTE, 2005, p. 28 e 29).
Costantini (2004) e Fante (2005) afirmam que o fenômeno bullying começou a ser
pesquisado cerca de dez anos na Europa. É um termo encontrado na literatura psicológica
anglo-saxônica, nos estudos sobre o problema da violência escolar e define-se como “ato de
violentar, constrangimento físico ou força moral, coação cometidos dentro de uma instituição,
com a intenção de causar dor, angústia e sofrimento físico ou psicológico a outra pessoa e/ou
bloquear seu desenvolvimento posterior,” (FANTE, 2005, p. 28 e 29). Bullying é uma palavra
inglesa, sem tradução no vocabulário brasileiro, usada para definir um fenômeno que vem
crescendo assustadoramente no mundo inteiro. Seu autor é caracterizado como bully, palavra
que se traduz como “brigão” e “valentão”.
Segundo os autores, essa forma de violência se manifesta pela intimidação repetida,
humilhação, agressão, gozação, imputação de apelidos, assédio, perseguição, indiferença,
isolamento, ofensa, exclusão, discriminação, sofrimento, aterrorização, dominação, empurrão,
quebra e roubo de pertences que ocorrem sem motivação evidente tornando possível a
intimidação daqueles que são vítimas.
Pode-se dizer que o bullying apresenta características próprias e muito bem definidas.
Geralmente não se deixa confundir com outras formas de violência, por ser executado a partir
14
de intimidações repetitivas e violência física, verbal e psicológica contra uma vítima escolhida
por seu aspecto frágil, resultando, quando menos drásticas, em isolamento e marginalização
(COSTANTINI, 2004). Dentre as principais características do fenômeno, quiçá a mais grave,
o atributo de causar traumas ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos. Pode ser reconhecido
em vários contextos: nas escolas, tanto públicas quanto particulares, nas famílias, nas forças
armadas, nos locais de trabalho (assédio moral), nos asilos de idosos, nas prisões, enfim, onde
existem relações interpessoais. A falta de reconhecimento quanto à sua gravidade revela a
deficiência das instituições educativas em tratar das situações conflitantes e agressivas em
seus ambientes de convivência.
Por sua vez, violência é caracterizada por alguns autores, entre eles Chauí (1999, p. 3)
como um “[...] ato de brutalidade, abuso físico ou psíquico contra alguém e caracteriza
relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo
terror.” E esse constrangimento físico e ético no ambiente das instituições educativas, em
especial na escola, segundo Fante (2005), Guareschi (2008) e outros pesquisadores vem sendo
investigado atualmente em todas as partes do mundo, tendo seu início na Europa, a partir de
uma co-relação entre tentativas de suicídio e um fenômeno denominado bullying.
Lamentavelmente, as atitudes de violência física e as incivilidades ocorridas nas
escolas da rede de ensino público têm sido evidenciadas com grande alarde pela mídia com
frequência cada vez maior, destacando as brigas de adolescentes de diversas escolas marcadas
pela internet, por porte de armas, lesões corporais e morte, que podem ter sido geradas pelo
fenômeno bullying. Essas prementes questões são referendadas pelo corpo docente, pelos
funcionários e pelas famílias, que se dizem atônitos, sem saber como lidar com a indisciplina,
com a conduta agressiva, com o desrespeito e a agressão física dos estudantes das escolas
onde trabalham ou onde os filhos estudam. Há também certa indiferença por parte das
autoridades responsáveis pela Segurança Pública, frente a essas questões.
Nesse sentido, Fante (2005), afirma que essa agressividade não pode ser explicada
unicamente por razões intraescolares, na realidade, a violência é bem mais ampla e se
manifesta por meio da violência das desigualdades sociais em uma sociedade onde poucos
têm muito e a maioria sobrevive a duras penas e na banalização de suas consequências, na
desestruturação dos laços familiares, no descaso com o desenvolvimento sociomoral da
criança e no enfraquecimento da Lei na medida em que “tudo pode” e “não nada”. São
questões que extrapolam a escola, mas acabam por se manifestar dentro dela.
Esse tema também está presente nos estudos feitos por Pereira (2002), para quem o
fenômeno representa uma forma séria de comportamento antissocial que, pela sua duração,
15
pode prejudicar o desenvolvimento da criança, tanto imediatamente como a longo prazo, e
pode cooperar para o maior envolvimento dos autores em condutas criminosas na vida adulta.
Portanto, o bullying se constitui, sem dúvida, na forma mais cruel de violência no
âmbito escolar, pois se trata de um fenômeno que, em geral, ofende colegas da mesma sala de
aula como suas timas para impor vantagens, deixando sequelas psicológicas, em muitos
casos irreparáveis. Embora o fenômeno aconteça em todos os níveis de ensino, sua presença é
notada com certa frequência do ao ano, pois é a fase que coincide com a adolescência,
momento em que o ser humano se encontra em transição física, emocional e psicológica, entre
a infância e a fase adulta, conforme apontado por Costantini (2004).
Na literatura sobre o tema, relativamente poucas pesquisas empíricas qualitativas.
Com base nessa constatação, com o intuito de compreender a dimensão da prática do bullying
no ambiente escolar, as lógicas que o alimentam de promover um debate sobre suas
implicações, realizei a presente pesquisa. Para responder às questões propostas, escolhi o
enfoque qualitativo fenomenológico e etnográfico, elegendo na metodologia as orientações de
Bogdan e Biklen (1994), Minayo (1994), André (1995), Bosi (1987) e Geertz (1989). Esse
conjunto teórico permitiu por meio da observação participante, combinada com as entrevistas,
com as histórias de vida e com os relatos compreender a forma como o bullying se manifesta
no cotidiano escolar, conforme será demonstrado no decorrer da apresentação dos capítulos.
Considero os estudantes, professores, funcionários e famílias como sujeitos da
investigação com o alvo de compreender, a partir do seu cotidiano escolar, como o bullying se
manifesta na interação entre eles. Por meio de expressões faladas e escritas, atitudes e gestos,
entender sua existência, bem como apreender de que forma os alvos/vítimas, autores e
espectadores percebem e representam seus atos.
Para tanto, elegi como problemas suleadores
1
da pesquisa as seguintes questões: (a) A
ampliação dos tipos de violência no interior da escola seria consequência de uma escola que
se omitiu de seu papel no processo civilizatório e sua ação socializadora e consequentemente
humanizadora? e (b) Que implicações os comportamentos agressivos e antissociais bullying
podem gerar no cotidiano escolar, na vida pessoal, educacional e social dos educandos?
1
Utilizo esse termo com base nos escritos de Paulo Freire, livro “Pedagogia da Esperança: Um reencontro com
a Pedagogia do Oprimido.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 218 e 219.
"Suleá-los": Paulo Freire usou esse termo que na realidade não consta dos dicionários da língua portuguesa,
chamando a atenção dos leitores (as) para a conotação ideológica dos termos nortear, norteá-la, nortear-se,
orientação, orientar-se e outras derivações. Norte é Primeiro Mundo. Norte está em cima, na parte superior,
assim Norte deixa "escorrer” o conhecimento que nós do hemisfério Sul "engolimos sem conferir com o
contexto local" (cf. Márcio D'Olme Campos, "A Arte de Sulear-se”, p. 59-61, in Interação Museu-Comunidade
pela Educação Ambiental, Manual de Apoio ao Curso de Extensão Universitária, Teresa Scheiner [org.] Uni-
Rio/Tacnet Cultural, Rio de Janeiro, 1991).
16
Meu objetivo central é compreender a forma como o bullying se manifesta no
cotidiano escolar, nas trajetórias escolares e na vivência dos estudantes, a partir do olhar dos
próprios estudantes, do corpo técnico-pedagógico e famílias de escolas de Cuiabá.
Para atingir isso, foram delineados os seguintes objetivos específicos: a) compreender
como a escola vem cooperando para a superação e/ou conformação da violência, poder e
dominação nas relações entre educandos, bem como na relação professor/estudante; b)
identificar os efeitos da violência nos resultados escolares da vítima; c) compreender a relação
e as atitudes que os educadores possuem para com as crianças e adolescentes considerados
violentos e também com as vítimas de violência; d) conhecer qual a percepção das famílias a
respeito dos filhos considerados violentos ou vítimas das práticas do bullying; e) contribuir
com reflexões sobre o papel da escola como promotora do diálogo, da tolerância, da
solidariedade, da paz e da não violência.
Para alcançar os objetivos propostos, foi preciso aprofundar sobre vários temas
relacionados com o conceito de violência geral, violência na escola e da escola, e o fenômeno
bullying como outros temas afins presentes na dimensão psicológica, antropológica e
sociológica. Por outro lado, a pluralidade de temas tornou laborioso o estudo, colocando-me
sempre em risco de perder o foco. Foi desafiante organizá-lo segundo sua importância lógica
no trabalho, todavia, pela relevância e “espinhosidade” do problema em questão – o fenômeno
bullying – sou ciente que não haveria como trilhar outro caminho.
Desse modo, a dissertação está estruturada em cinco capítulos. No primeiro, busco
descrever as primeiras impressões do campo de pesquisa, os caminhos trilhados, a abordagem
téorico-metodológica, a metodologia e as técnicas utilizadas para a realização dos trabalhos,
os procedimentos adotados para a coleta de informações e os atores da pesquisa. Para a
denominação dos protagonistas desta pesquisa, me vali de nomes fictícios com o intuito de
garantir seu anonimato.
No segundo capítulo, discuto a escola enquanto espaço sociocultural, compreendendo-
a como lugar de interação, de relações interpessoais e aprendizagem. Parto da ideia de que ela
é um espaço social complexo onde interagem fatores externos e internos. Implica reconhecer
que ela é específica, tem seus tempos e suas características e, como qualquer outra instituição,
tende a uniformizar as pessoas por meio de mecanismos disciplinares, de atividades que
emolduram seus membros, muitas vezes sem o devido respeito às suas diferenças.
Compreender essa situação requer aceitar a escola como um lugar de disputas e
enfrentamentos, de rivalidades, de provocações e de associação entre grupos. Pretendo ainda
17
contextualizar brevemente a instituição escolar enquanto espaço de violência discutindo
alguns conceitos sobre violência, a violência na escola, da escola e contra a escola.
No terceiro capítulo, abordo o referencial teórico que iluminou este trabalho dos quais
lançamos mão para realizar as análises compreensivas. Conceituo e caracterizo bullying
enquanto fenômeno social, buscando reconstruir sua história enquanto objeto deste estudo,
suas definições e especificidade. Nisso, foi considerado que se trata de comportamentos e
atitudes ligados à agressividade física, verbal e psicológica e, embora possa acontecer em
todos os lugares e atinja todas as classes econômicas, é mais facilmente detectado no âmbito
escolar. Na sequência, traço uma breve descrição do perfil dos alvos, autores e espectadores,
relacionados com suas representações na vida cotidiana e a temática do estigma relacionada
ao bullying. Descrevo ainda a prática do bullying para meninos e meninas na escola.
A seguir, no quarto capítulo, apresento a interpretação fenomenológica dos
significados e significantes da pesquisa. Narro o retrato das escolas, seu funcionamento e as
implicações do seu entorno; a manifestação da violência e atos bullying nos espaços da
escola, os conflitos escolares, focando, principalmente, a questão das vítimas e agressores,
demonstrando como acontecem os ataques e onde eles ocorrem com maior frequência. Retrato
a história de vida de alguns professores e de suas práticas pedagógicas; relato a história dos
estudantes e suas experiências, refletindo sobre as raízes sociais dos atos de violência dentro
da escola. Verso sobre a discriminação com relação à estética e sinais físicos, as
consequências do bullying para a cultura escolar as estratégias utilizadas pelas escolas no
combate ao bullying, buscando compreendê-los a partir de sentimentos como medo,
desistência ou evasão escolar, mal-estar na prática educativa. Por fim, delineio uma reflexão
sobre o bullying sob outros pontos de vista.
No capítulo quinto, descortino uma reflexão sobre o imaginário das famílias sobre o
fenômeno bullying na escola. Seguidamente descrevo o retrato das famílias, observando sua
formação, escolaridade, condições socioeconômicas. Busco compreender seu contexto escolar
e social, o impacto do bullying sobre a vida cotidiana. Finalmente, abordo uma reflexão sobre
a relação família-escola: encontros e desencontros nas ações frente ao bullying.
Nas Palavras finais verso sobre a importância de implementar a educação para a paz, o
resgate dos valores éticos como justiça, dignidade, respeito, moralidade nas escolas, em
particular nas salas de aula. Cremos na possibilidade de prevenção e entendemos que é na
escola que a pessoa tem o direito de ser orientada e cuidada para que exerça a cidadania plena
e seja capaz de internalizar valores, atitudes, sendo detentora de deveres e direitos.
18
I CAPITULO: O caminho percorrido
Descrevo os caminhos percorridos ao longo de toda a pesquisa e a metodologia que
escolhi nesse estudo para que os fins da investigação fossem satisfatoriamente atingidos,
demarcando os motivos que me levaram a esta escolha. Apresento ainda o cenário da
pesquisa, os instrumentos orientadores usados na produção de informações e os sujeitos do
estudo. Fiz opção pela modalidade de pesquisa qualitativa, na perspectiva da fenomenologia
de Merleau-Ponty, para uma maior e melhor compreensão das situações vivenciadas. A base
da investigação qualitativa etnográfica tem como pressupostos a imersão da pesquisadora na
realidade estudada, o que permite revigorar os processos, e as relações que configuram a
experiência escolar cotidiana.
1.1 Contando as trilhas do campo de pesquisa
Só se vê bem com o coração o essencial é invisível para os olhos.
(SAINT-EXUPÉRY, 2004, p. 72)
Meu acesso ao campo da pesquisa ocorreu no segundo semestre de minha admissão ao
Curso de Mestrado em educação, tendo como foco compreender a forma como o bullying se
manifesta no cotidiano escolar, nas trajetórias escolares e nas vivências dos estudantes, a
partir do olhar dos próprios estudantes, do corpo técnico-pedagógico e famílias.
Considerei a importância da escola como uma das dimensões para estudar a
manifestação do fenômeno bullying, mesmo pertencendo à linha de pesquisa Movimentos
Sociais e Educação, a qual tem como foco a dimensão educacional nas instituições sociais e
movimentos. Reconheço que foi tão apaixonante quanto angustiante a ideia de compreender a
manifestação do fenômeno bullying no espaço escolar e fora dele ouvindo educandos, pais,
professores, gestores, funcionários, podendo observar o cotidiano dessas interações na escola.
Como fiz opção por não restringir o meu campo de ação, diante do tempo remando contra a
viabilidade do projeto em questão foi necessário ter dedicação exclusiva, perder inúmeras
noites de sono e renunciar a outras oportunidades.
A definição do campo da pesquisa foi feita com base nas pesquisas realizadas por Dan
Olweus (1998) e outros pesquisadores, os quais afirmam que a manifestação do fenômeno
19
ocorre, em especial, na faixa etária entre 9 a 14 anos, ou seja, do ao ano, resultando no
atendimento de três escolas do sistema de educação: municipal, que oferta da Educação
Infantil até o ano do Ensino Fundamental, indicada por uma amiga, membro do nosso
grupo de pesquisa GPMSE e representante no Conselho da escola; estadual, que oferta do
ano ao Ensino Médio, localizada na periferia de Cuiabá; e uma particular, que atende da
Educação Infantil ao ano, em um bairro central da cidade, indicada por profissionais da
educação atuantes nas mesmas.
Considerei, primeiramente, somente uma escola pública, tendo como critério que a
mesma ofertasse as séries supracitadas. Contudo, preocupada em dirimir possíveis
interpretações sobre o ingresso no campo com um conjunto fixado de pré-concepções a serem
confirmadas sobre maior existência de diversos tipos de violência, entre eles o bullying, no
espaço da escola pública, busquei também compreender as repercussões do fenômeno na rede
de ensino particular. Iniciado o processo de observação fomos convidados por professores a
desenvolver o projeto de pesquisa em uma escola pública da rede estadual, uma vez que nesta
escola a manifestação do fenômeno bullying vinha ocorrendo de forma muito visível e
assustadora. A pesquisa foi realizada de forma contínua e intensiva, durante os meses de
novembro de 2008, e de janeiro a junho de 2009.
Carecia de alguém que fosse elo, no primeiro momento, de interesse na pesquisa para
a aproximação com a comunidade educativa escolar. Para isso, usei como estratégia de
aproximação alguém que fosse conhecido por mim, que pertencesse àquela comunidade
escolar e pudesse mediar pelo menos o primeiro encontro. Por meio de alguém de meu
relacionamento pessoal, mãe de aluna e conselheira da escola, fui apresentada ao gestor da
primeira escola pesquisada, no dia 16 de novembro de 2008, após uma reunião pedagógica
com professores e funcionários. Fui muito bem recebida por ele e por todos da escola.
Apresentei-lhe o projeto de estudo que pretendia desenvolver na comunidade educativa. Ficou
muito motivado com o mesmo. Percebi que as portas se abriram para mim desde esse
primeiro contato. Retornei à escola em janeiro de 2009, na semana pedagógica, na qual fiz um
estudo sobre o bullying com os professores e funcionários, oficializando a minha presença na
escola. No dia 14 de fevereiro de 2009, a convite do gestor escolar, apresentei o projeto de
estudo na reunião de pais na escola, demonstrando a eles a extrema relevância do tema. Esse
mesmo caminho foi trilhado nas outras duas escolas pesquisadas. Após o primeiro contato
com a gestora escolar, fiz um estudo do projeto com a comunidade educativa, com a intenção
de esclarecer os itinerários da pesquisa, bem como fomentar uma discussão a respeito das
implicações do fenômeno bullying.
20
Pela especificidade e “espinhosidade” do objeto, interessava-me compreender, em
profundidade, as interações, as ações, os sentimentos, os processos que impediam uma
convivência mais humana no espaço escolar. Por isso seria imprescindível, na apreensão das
informações descritivas, o contato direto com a situação ou fenômeno estudado, enfatizando o
processo no qual essa situação se configurou bem como as suas implicações: o medo, a
insegurança, os problemas de saúde, a desistência e/ou o fracasso escolar, a reprodução da
violência. Além disso, queria retratar a perspectiva dos sujeitos envolvidos, relacionando-a
com a situação específica, o que enquadrava meus propósitos no âmbito de uma pesquisa
qualitativa (BOGDAN & BIKLEN, 1994) etnográfica (GEERTZ, 1989) inserida no
paradigma interpretativo fenomenológico (MERLEAU-PONTY, 2006).
Tal alternativa me levaria a abordar várias facetas da vida dos sujeitos, partindo do
pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, estático, todavia uma construção
permanente e dinâmica (FREIRE, 1996). Logo, estaria constantemente em busca de novas
respostas e indagações, revelando a multiplicidade de dimensões presentes no problema
focalizado em sua totalidade. Aprofundando o extenso referencial teórico requerido pela
gravidade do fenômeno bullying, buscando respostas às minhas inúmeras dúvidas
metodológicas, encontrei também apoio em Ecléa Bosi (1987) que revela como, a partir da
técnica da história de vida, as vivências individuais podem ser percebidas e interpretadas
fenomenologicamente, tendo em vista o conhecimento do social. Ao discorrer sobre histórias
de vida, Bosi (1987, p.425) diz que “a família é o espaço social onde o indivíduo é tão
fortemente destinado e o vínculo é irreversível”. Nesse espaço ele é mais valorizado como
pessoa singular e única e onde sua personalidade tem o maior relevo. Para a autora, a família
constitui um grupo com memória exclusiva e age diretamente sobre a vida de seus membros,
influenciando na construção da identidade deles, pela guarda e transmissão de memória do
grupo que traz em si a expressão da sua identidade enquanto grupo.
A escolha dos instrumentais de pesquisa teve por apoio as opções teóricas e
metodológicas, privilegiando o ponto de vista dos sujeitos, a busca de informações tanto
objetivas como subjetivas, e que levaram em conta seus discursos, com o objetivo de elucidar
como o bullying se manifestou e as significações que este assume para os estudantes, suas
famílias e os educadores. Essas opções teóricas e metodológicas permitiram adentrar o campo
da pesquisa, fazer uma imersão no vivido dos sujeitos, conversar com os estudantes sobre
suas vivências escolares, sobre sua vida. Ouvi também as famílias para conhecer sobre suas
expectativas, estratégias, visão sobre o bullying e a sua vida em geral. Ouvi também alguns
21
professores, conhecendo seus sentimentos, estratégias, frustrações frente às situações
ocorridas na escola. Isso possibilitou a apreensão de informações valiosas para a pesquisa.
As visitas foram feitas de forma muito diversificadas: a maioria de coletivos urbanos,
algumas a pé e raras vezes de automóvel. Duas escolas pesquisadas ficavam distante do bairro
onde eu resido aproximadamente 30 km. As andanças foram sempre recheadas de surpresas
pelo fato dos coletivos andarem sempre lotados. Gastava todos os dias quase uma hora de
coletivo para chegar ao local e uma hora para retornar à minha casa. Nos bairros onde residem
os sujeitos da pesquisa as visitas foram feitas a pé pela necessidade de localização da
residência. Como era época de chuva havia muitas poças de água, buracos ocasionados pelo
tráfego intenso da avenida principal que acesso aos bairros mais distantes. Ocorreram
pequenos transtornos como coletivos quebrados, atrasos na chegada ao local da pesquisa.
Esses foram alguns dos entraves da pesquisa, todos superados.
Observei que, pelo fato de ser indicada por alguém que faz parte da história e da rede
de convivência da escola, você é acolhida com uma expectativa diferente, estabelecendo a
relação de confiança de forma mais fácil. Era muito importante criar uma relação que os
levasse a verdadeiramente querer conversar e partilhar sentimentos, frustrações, sofrimentos
que vivenciavam. Todavia, a experiência de ser olhada inicialmente com certo ar de
desconfiança por algumas pessoas dos ambientes pesquisados não se eximiu.
Conviver em local desconhecido não ocorre sem tensão, ainda que seja rico de
aprendizado. As desconfianças são comuns de ambas as partes, deles em relação a mim e
vice-versa. Vivemos sob a égide do medo, da desconfiança. A presença de qualquer pessoa
diferente da rede de relações do lugar, “estranho ao ninho”, por mais amigável que possa ser
ou parecer é observada com muita precaução por todos. Em um primeiro momento, fui objeto
de pesquisa, de observações silenciosas, entrevistas por parte da comunidade escolar e
familiares dos educandos. Foram feitas muitas abordagens explicitamente, outras vezes
indiretamente. O que é percebido, sentido e interpretado é: qual a intenção por trás desse
projeto? Quais os benefícios que a escola receberá por isso?
Como a pesquisa foi realizada de forma intensiva, nossas relações se firmaram
rapidamente, dirimindo as desconfianças que porventura pudessem existir. Procurei ser
sempre amigável, sorridente, participar das conversas cuidando o máximo para não emitir
juízos, escutar as angústias, sofrimentos, expectativas de vida sem acrescentar muitos
comentários, ficar atenta às necessidades e isso foi me abrindo caminhos para realizar a
pesquisa. Tal aproximação possibilitou que a relação fosse se tornando mais aberta e franca.
22
Percebi também um clima de medo e desconfiança. Tinham medo de falar e se
comprometer. Pediram que as entrevistas fossem feitas fora do espaço escolar para não
criarem problemas para si na escola. Com o tempo, fui percebendo que grande número de
professores e funcionários é contratado e penso que esse comportamento traduz a necessidade
de preservar o seu emprego, que para alguns é o único meio de sobrevivência.
A partir de então, os problemas existentes na escola, atuais e dos anos anteriores,
foram aparecendo. As indicações de crianças e educadores que apresentavam comportamentos
ora como tima, ora como agressor também foram vindo à luz do nosso olhar. Bastante
comum, no período do intervalo escolar, os educandos se aproximarem da pesquisadora para
indagar sobre a minha presença na escola. Nesses momentos, alguns adolescentes também
relatavam a sua vida pessoal, destampando os fatos merecedores de atenção em torno da
escola. Em diferentes momentos, pude ver a qualidade das relações entre os estudantes das
escolas. Aproveitei o momento da entrevista individual para aprofundar as conversas dos
intervalos para saber, do ponto de vista dos estudantes, as razões desse mal-estar entre eles.
Por meio das várias observações nos diferentes espaços abertos e fechados da escola,
entre eles, entrada e saída, corredores, pátio, banheiros, quadra de esportes, bebedouros,
eventos realizados no espaço escolar, em especial, nas salas de aula, busquei compor um
grupo de estudantes do Ensino Fundamental e Médio com histórias de vivências de violência,
sofrimento, solidão, em especial com dificuldades de interação entre si que justificassem suas
dificuldades de relacionamento quanto de aprendizagem. Cabe ressaltar que alguns estudantes
foram escolhidos pela minha observação e outros por indicação da equipe pedagógica.
Para a seleção dos estudantes, procurei também me certificar de que os mesmos de
fato estavam vivenciando situações caracterizadas como bullying em sua trajetória escolar e
familiar, conforme as nomeadas por vários estudiosos do fenômeno. Nesse sentido, Fante
(2005, p.15) diz que para ser “caracterizado como bullying é preciso ter ocorrido três vezes
com a mesma pessoa, apresentando característica repetitiva”. Essa se configura como uma
dimensão essencial da investigação e, no imaginário de Chauí (1999, p.3), como um desafio
às instituições educativas porque “[...] a violência se opõe à ética, porque trata seres racionais
e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais,
insensíveis, mudos, inertes ou passivos. É todo o ato de força contra a espontaneidade, a
vontade e a liberdade de alguém. É coagir, constranger, torturar, brutalizar.”
Desde o início, fazia parte desta pesquisa entrevistar pelos menos alguns professores,
os gestores e alguns funcionários das escolas pesquisadas. Após as observações, considerei
como critério de escolha da amostra dos professores entrevistar os professores responsáveis
23
das turmas que apresentaram comportamentos indisciplinados e/ou violentos na interação em
sala de aula, também aqueles professores que apresentaram dificuldades de relacionamento na
interação que estabeleciam com os estudantes em sala. Considerei ainda aqueles que já
sofreram ou sofrem agressões físicas e verbais em sala ou ainda aqueles que, pelo aumento da
indisciplina ou violência, estão desistindo da função de educador. Fiz opção por escrever a
história de vida de seis professores com o intuito de compreender melhor suas ações e reações
na interação com os estudantes. As entrevistas com quatro desses profissionais foram feitas na
escola e as demais em suas residências.
Guiada por esse intuito, após as observações nos espaços escolares, selecionados os
estudantes que apresentaram problemas de interação, comportamentos agressivos, isolamento,
solidão, surgiu um grande questionamento: Como fazer para realizar a entrevista? Qual o
caminho a ser trilhado? Na sala de aula não podia mais permanecer.
Na escola municipal, usei como estratégia de aproximação aos educandos o
acompanhamento de atividades escolares. Enquanto auxiliava nas tarefas, indagava sobre sua
vida na escola, sua família; emitia comentários sobre as observações que realizava durante o
recreio, na entrada e saída da escola. Essa estratégia possibilitou a conquista da confiança.
Após alguns encontros, tendo clareza que o estudante caracterizava-se como alvo ou agressor
de bullying, solicitava a permissão para fazer a entrevista. Nas escolas, estadual e particular, a
aproximação foi feita através da observação nas salas de aula, das conversas soltas durante os
intervalos, trocas de professores, quadra de esportes e os jogos pedagógicos na biblioteca.
Amparada pela permissão dos sujeitos para a entrevista, agendei as visitas as suas
casas. Após, fui à casa de cada família onde explanei brevemente os objetivos deste projeto,
no intuito que os pais pudessem compreendê-lo e, conhecendo o tipo de pesquisa que eu
estava conduzindo, decidissem livremente se queriam participar e contribuir. Àqueles que
porventura não permanecia em casa por motivo de trabalho ou pessoal, foi utilizada a entrada
ou saída das aulas e ou ainda enviado um pedido de autorização por escrito.
A adesão
foi
total.
Para chegar às casas das famílias contei com a ajuda dos estudantes, mães, educadores.
Essas companhias foram importantes para indicar o caminho, já que as famílias residem em
bairros diferentes e algumas distantes até mais de 5 km da escola. algumas que moram em
chácaras, difíceis de serem localizadas por quem não conhece bem a região; em “grilos”,
formados por ocupação de área. Apesar das dificuldades enfrentadas nesse percurso,
compreendi que a aproximação com a realidade da família fez-me silenciar diante de muitas
ideias pré-concebidas em relação à observação realizada no ambiente da escola.
24
Para a realização das entrevistas, foi-me concedida na escola municipal a sala de
multi-meios, por não dispor de outro espaço. Nele eram guardados os materiais pedagógicos,
livros, aparelhos de som entre outros. A grande dificuldade dessa sala era que toda hora
entrava alguém para pegar algum material e a conversa era interrompida. Na segunda escola,
cederam-me a sala destinada aos estudantes da Educação Especial para as entrevistas com os
educandos e educadores. Fomos algumas vezes interrompidos, porque essa sala era usada
pelos guardas da escola para guardar os seus pertences pessoais. Na escola particular, a
entrevista com os sujeitos foi realizada em sua residência.
A cada entrevista realizada, percebia maior liberdade do entrevistado em expor
livremente suas opiniões, juízos, desabafos, angústias, demonstrando confiança e segurança
em mim na qualidade de pesquisadora e amiga. Alguns no final da conversa diziam: Não fale
para ninguém o que eu lhe falei, ou Obrigada por você ser minha amiga. O receio dos
primeiros encontros, as informações silenciadas nas primeiras entrevistas foram sendo
reveladas; a vergonha em dizer: Fizeram isso comigo, ou Eu bato mesmo, eu sou nervoso foi
sendo superada de forma natural pelos educandos, educadores, funcionários, famílias, o que
possibilitou a apreensão de uma riqueza imensa da vivência dos sujeitos.
Fiz as entrevistas individuais de forma sistemática, diversificando a quantidade diante
da necessidade ou não da repetição. Foram semiestruturadas e realizadas a partir de um roteiro
(ver anexo) bastante aberto e flexível. Objetivava-se a construção de uma biografia com a
reconstrução de sua trajetória escolar. Apesar de ter um roteiro, as entrevistas tinham um
caráter mais aberto e flexível deixando que o entrevistado escolhesse a forma de expressar sua
experiência vivida, seus sentimentos. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas
integralmente em seguida da entrevista para não perder os aspectos não verbais da
comunicação. Esses procedimentos foram feitos com o consentimento dos sujeitos.
Os principais tópicos investigados relacionados com a prática do bullying no ambiente
escolar foram: tipos de intimidações, provocações, brigas, ameaças, apelidos, sentimentos,
xingamentos, preconceito, relação entre violência do estudante e violência doméstica; motivos
das discriminações, meios utilizados pelas crianças e suas famílias para prevenir e enfrentar o
bullying; perfil da vítima/autor/expectador do bullying, considerando-se gênero e faixa etária
e, estratégias de prevenção adotadas pelas escolas em relação à problemática. Tal instrumento
pode ser visualizado em anexo. As questões a investigar, um pouco vagas quando da partida,
tornaram mais claras e ganharam maior consistência à medida que as nuances foram sendo
compreendidas e explicadas. A interpretação foi feita partindo do particular para o geral.
25
Por
meio das entrevistas com os docentes e gestores, fiz um levantamento da situação
geral da história escolar dos estudantes, obtive algumas informações sobre sua história de vida
que me permitiram ir descobrindo quais seriam os sujeitos da pesquisa. Essa primeira parte da
entrevista, por se destinar a obter informações de identificação e de caracterização dos
estudantes, requeria uma postura mais diretiva com a equipe pedagógica da escola.
Em diversas vezes, tive oportunidade de observar a trama cotidiana da escola:
acolhidas formativas na quadra de esporte, apresentação de fanfarra, teatro e circo na escola,
hasteamento e descerramento da bandeira, festa da páscoa, festa das mães, reunião com as
famílias. Participei da culminância de projetos na escola, como Semana Indígena com
exposição de trabalhos artísticos e palestra sobre a cultura indígena; de oficinas de dança e
esportes do Projeto Educa Mais; das conversas de fim de expediente, nos intervalos do
almoço, enfim, de toda convivência possível que tive com a comunidade educativa. Nesses
momentos, pude observar e registrar as situações, comportamentos e sentimentos apreendidos
nas vivências, com a finalidade de conhecer a trama cotidiana da escola e os movimentos que
ali se desenham. Adicionaram também à pesquisa informações de pessoas dos bairros,
documentos oficiais da Escola, redações construídas pelos sujeitos que retratassem sua vida,
suas angústias, sobretudo seus sofrimentos. Esse material enumerado encontra-se refletido no
todo da dissertação.
Algumas visitas às famílias tiveram mais caráter de escuta, de ajuda, deixando de
apresentar aquele propósito rígido da pesquisa: apreender informações. Essas visitas
educaram o meu olhar, levaram-me a silenciar a mente e o coração. Muitas vezes me ocupava
apenas em ouvir as pessoas, a imergir na realidade delas. A presença frequente nas escolas
possibilitou criar laços de amizade, que permitiram aos entrevistados falar abertamente sobre
sua história de vida, seus problemas, angústias, seus sonhos, sobre a experiência de violência
vivida em casa ou fora do lar, sua experiência familiar, conjugal, sobre a violência do bairro e
até sobre os problemas, intrigas, conflitos que surgem entre os habitantes do mesmo, como do
ambiente escolar onde estudam seus filhos. Partilhavam seus anseios, sonhos, angústias,
medos e sofrimentos. Em muitas situações eu simplesmente ouvi sem dizer nada. Algumas
vezes emocionei-me junto aos educandos ou a suas famílias, outras vezes retornei a minha
casa totalmente tocada pela experiência vivida.
Merleaupontyanamente dizendo, o essencial nos humanos é a compreensão que se tem
do vivido do outro. Ou seja, o “Outro, compreendo-o, a partir de sua história, do seu meio, de
seus hábitos” (LÉVINAS, 1997, p. 31). Dessa forma, a sensação que permanece é quando se
está encerrando os trabalhos de apreensão de informações, é o momento mais propício para
26
iniciá-lo, pois se havia construído juntos, comunidade educativa escolar, famílias,
pesquisadora, o itinerário da confiança e reciprocidade.
Nessa caminhada, presenciei a pobreza em muitas famílias visitadas. Muitas possuem
sua casa própria, algumas foram assentadas em condomínios construídos pelo governo ou em
área de ocupação de terras, outras vivem em casas alugadas e há famílias que vivem em
extrema pobreza. Algumas residem nos bairros próximos à escola, mas principalmente as
famílias que residem no assentamento botânico, chamado por nome de grilo”, as casas em
sua maioria são de madeira, outras de lona e algumas de alvenaria. Nas três vezes que estive
no assentamento para realizar as entrevistas, como era época de chuva, percebi que grande
parte das vias por onde transitavam os moradores estava alagada, cheia de buracos. Os
residentes, para entrarem em suas casas, faziam passarelas de tábuas em cima de tijolos. Este
local, pela insalubridade, todas as vezes que chovia tornava-se brejo, atraindo insetos e
doenças.
Portanto, a precariedade dos serviços públicos e das condições de vida, a falta de
políticas públicas sociais que respondam a essa realidade, o aviltamento aos direitos de
cidadania, a falta de oportunidades de emprego e lazer, além das restritas perspectivas de
mobilidade social, são consideradas como potenciais motivadores de ações violentas. Pode-se
dizer que este descaso social ameaça a aliança por um mundo plural, solidário e de paz. “A
desumanização não se verifica apenas nos que têm a sua humanidade roubada, mas
especialmente ainda que de forma diferente, nos que a roubam” (FREIRE, 1970, p.30).
Percebi também que a maioria das famílias entrevistadas possui o emprego: trabalham
como pequenos comerciantes, professores, empregadas domésticas em casa de família. Essas
profissões são exercidas por alguns de carteira assinada, por contrato ou concurso na rede
pública e particular de ensino e sistema de saúde. Dentre elas algumas se encontram
desempregadas muito tempo por falta de oportunidade de emprego quanto de qualificação
profissional. Entre essas famílias, algumas mães e pais saem de manhã para o trabalho e
retornam à noite. Os filhos permanecem com os avós, parentes, com babás, vizinhos, creches
ou até mesmo em casa sozinhos.
Outro ponto comum encontrado nas visitas às famílias foi a união como família
nuclear, embora atualmente o que é mais comum são as famílias monoparentais ou
recompostas. A maioria dos atores entrevistados vive com o pai e mãe legítimos ou adotivos;
só alguns que moram com a madrasta, com o padrasto ou com as avós. As entrevistas
demonstraram que, em alguns casos, os laços familiares romperam-se pelas consequências da
27
violência familiar, pelo álcool, drogas, morte; outros casos o nascimento dos filhos ocorreu a
partir de uma relação amorosa efêmera.
Em relação à violência, em especial, ao bullying, na totalidade das famílias visitadas,
seja o filho vítima ou agressor, o que encontrei foi dor e sofrimento. Ouvi depoimentos sobre
insultos, humilhações, incompreensões, ofensas, agressões físicas, verbais e psicológicas
sofridas pelos filhos no relacionamento com os colegas quanto com seus professores. Ouvi
também algumas situações gravíssimas, como caso do abuso sexual ocorrido dentro da
própria escola. A dignidade humana ferida pela dor é revelada pela revolta quanto pelas
lágrimas que brotam ao trazer presentes os fatos que deixaram marcas profundas. A violação
da dignidade também transparece no sentimento de impotência, de inutilidade, na
desmotivação, insatisfação, na desistência, também no distanciamento da escola frente ao
descaso, indiferença e negligência de seus representantes. Nesse sentido, Fante (2005, p. 21)
alerta: “É imprescindível combater os atos cruéis, intimidadores e repetitivos, prolongamente
sobre a mesma vítima, e cujo poder destrutivo é perigoso à comunidade escolar e à sociedade
como um todo, que culminam no comportamento bullying”.
O quadro de dor, sofrimento e carências diversas encontrado no decorrer dos trabalhos
de campo relacionados com a trajetória escolar dos estudantes, suas famílias como também a
trajetória de vida dos professores, deu novo impulso às dimensões da pesquisa. Compreendi
que não seria possível falar de violência na escola, nem da prática do bullying no ambiente
escolar, sem me referir à violência da própria escola, à violência que o próprio sistema impõe
à escola, à família e à sociedade. Nessa caminhada também percebemos a necessidade de
compreender a história de vida da família de alguns estudantes, seus problemas econômicos,
sociais e culturais vividos na trama do cotidiano.
Cientes do meu papel como pesquisadora ali na escola, chamavam-me de professora e
até de “psicóloga” pelos atendimentos e encaminhamentos feitos. O assunto, no entanto, a
respeito da violência na escola ou sobre o bullying, nunca surgiu espontaneamente em nossas
conversas. Não queriam falar de um assunto que traz a marca da dor. Alguns haviam sido
chamados à escola diversas vezes, outros desconheciam os problemas nos quais os filhos
estavam envolvidos. Aqueles que os filhos foram violados pelo abuso sexual choravam.
Outros haviam desistido, não conseguiam mais conquistar o próprio filho. Perderam a
esperança e delegaram para a escola, para o Conselho Tutelar ou até mesmo para a polícia.
Minha presença constante na escola causou grandes expectativas aos professores,
funcionários, gestores e, particularmente às famílias. Muitas vezes, nas conversas informais e
também nas entrevistas, surgiram pedidos relacionados a curso de informática, oficinas de
28
artesanato, reforço escolar, oportunidades de emprego e até acompanhamento psicológico
para o filho, também para a família. Muitas vezes acompanhei crianças que apresentavam
condutas indisciplinadas ou violentas na escola, fiz encaminhamentos a profissionais
especializados, tais como psicólogos, psicopedagogas, assistentes sociais. Eu sabia dos riscos
de tal atitude, mas não podia me omitir diante de tais situações.
Contudo, restou uma inquietação: o que fazer com as esperanças que os pesquisados
depositam no pesquisador? Foram constantes os pedidos de intervenção, alguns explícitos,
outros implicitamente. Nesse aspecto, Sarti (2001) citado por Castilho (2008) observa que no
primeiro instante de interação no campo de pesquisa, é natural o pesquisador gerar
expectativa pela escolaridade e pelo “saber” que lhe é conferido. Cria-se a expectativa que sua
experiência acadêmica possa realizar algum tipo de mudança, trazer alguma ajuda na
resolução dos problemas locais ou pessoais. Entretanto, o desconforto na condição de
pesquisadora aumenta diante da impossibilidade de a Universidade concretizar um projeto
que desperte discussões que venham a sensibilizar e até mesmo inspirar mudanças
significativas
nas
práticas da comunidade
educativa,
despertando
uma
educação
comprometida
com a vida, com a paz, em busca de respeito à dignidade humana, da justiça e da fraternidade.
A realidade não pode ser vista com “olhos neutros”, sem os envolvimentos que
sabemos, “podem obscurecer ou deformar” nossos julgamentos. um envolvimento,
inevitável e necessário, com o objeto de estudo. De fato, a “ideia de tentar pôr-se no lugar do
outro para captar vivências e experiências particulares”, exige um grande envolvimento, “um
mergulho em profundidade, difícil de ser precisado e delimitado em termos de tempo”
(VELHO, 2004, p.124). A interpretação apresentada por um pesquisador “será sempre mais
uma versão que concorrerá” ou se complementará com outras leituras feitas por outros
profissionais que observam e “refletem sobre o que nos familiariza” (p.127).
As falas de cada entrevista foram também consideradas como expressivas e
representativas da vivência pessoal e social. Fiz uma análise fenomenológica das entrevistas
para conhecer cada estudante e seu contexto familiar e também as recortei em diferentes
temas, relacionados com as categorias de interpretação que, reunidas, me permitiram melhor
visão de conjunto. Procurei ainda enriquecer essa compreensão com as informações das
observações dos sujeitos, dos efeitos produzidos por seus dizeres e ações em mim, expressões
faciais, olhares, na dinâmica interativa com o próprio pesquisador, bem como na situação das
observações ou das entrevistas.
As interpretações feitas se apoiam no conhecimento que os pesquisadores têm e que é
construído a partir de um sistema de interações cultural e historicamente definido. Geertz
29
(1989) chama a atenção para o fato de que o processo de conhecimento da vida social sempre
implica um grau de subjetividade e que, portanto, tem um caráter aproximativo e não
definitivo. sempre um caráter de interpretação e uma dimensão de subjetividade em nosso
trabalho. A realidade é sempre filtrada por determinado ponto de vista do observador. Nesse
sentido, Passos
2
também nos diz que “a realidade é de cada um e não se esgota aí.
Apreendemos uma pálida imagem de tudo que eles vivenciam, uma vez que não fomos
gerados nela”. Logo, o que percebemos é uma interpretação que poderá aproximar-se do real.
Na interpretação fenomenológica das informações, tentei fazer um diálogo com as
construções teóricas que, julguei, permitiriam levantar as inter-relações e compreender o
material obtido. Observando as questões éticas e o cuidado com a preservação da identidade
dos sujeitos, fui levada a alterar os nomes dos estudantes, omitir o de seus familiares, dos
professores e das escolas onde estudam. Quaisquer outras informações que os pudessem
expor foram também alteradas ou omitidas. Os nomes que apresento são fictícios para
garantir-lhes a privacidade. Para me referir às escolas, utilizarei a expressão escola A, B e C.
Desfiarei no próximo tópico a opção teórico-metodológica. Demonstrarei a
perspectiva empreendida, bem como a compreensão das informações obtidas com o uso da
observação, entrevistas, relatos e histórias de vida.
1.2 Opção teórico-metodológica
Entendo que a opção teórico-metodológica de uma investigação ancora-se em
características de seu próprio objeto de estudo, na tentativa de responder em profundidade as
questões de investigação. Com este estudo busco compreender a forma como o bullying se
manifesta no cotidiano escolar, nas trajetórias escolares e nas vivências dos estudantes, a
partir do olhar dos próprios estudantes, do corpo técnico-pedagógico e famílias. Consciente da
complexidade de implicações e fatores que interferem neste processo, centrar-me-ei na
compreensão das significações possíveis que provocam essas práticas violentas na interação
social entre educandos, educadores e vice-versa, nas estratégias de prevenção adotadas pelas
escolas e famílias. Para isso recorri a estudos bibliográficos referentes à temática bullying,
sobre os desafios enfrentados pela educação, a relação professor-estudante. Utilizarei na
construção empírica deste a observação, conversas informais, entrevistas semiestruturadas,
relatos e histórias de vida.
2
Palestra sobre os escritos de Clifford Geertz no grupo de pesquisa GPMSE/Universidade Federal de Mato Grosso no
dia 21 de abril de 2009, ministrada por Prof. Dr. Luiz Augusto Passos.
30
1.2.1 Abordagem: Qualitativa
O caminho traçado na realização deste estudo se insere na perspectiva
fenomenológica, por me identificar com a maneira ou forma de perceber e ler o mundo e suas
relações com as outreidades. A pesquisa respalda-se na abordagem qualitativa
fenomenológica, por ter a pretensão de compreender com ênfase intersubjetiva o sistema de
significados mediadores entre o mundo e as ações humanas no que se refira à prática do
bullying, que demanda uma imersão perceptiva e compreensiva no contexto escolar, familiar,
social, cultural e histórico dos pesquisados, a fim de interpretar a singularidade das
significações que cada pessoa constrói em relação às suas vivências. Na perspectiva
epistemológica e interpretativa, busquei referência em Maurice Merleau-Ponty.
A abordagem qualitativa de pesquisa tem suas raízes no final do século XIX, com o
advento da fenomenologia que compreende uma série de matizes ligados ao elemento
subjetivo do comportamento das pessoas. Foi na área das ciências sociais que primeiro se
questionou a adequação do modelo vigente de ciência aos propósitos de estudar o ser humano,
sua cultura, sua vida social.
Segundo Minayo (1994), a pesquisa qualitativa possibilita a emissão de respostas a
questões muito peculiares ao estudo que se pretende realizar, uma vez que esta “[...] trabalha
com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (p. 21 e 22).
Bogdan e Biklen (1994) dizem que o pesquisador, ao fazer uso da abordagem
qualitativa fenomenológica, utiliza de um conjunto de asserções para compreender os
significados e significantes do comportamento humano. De fato, neste estudo, as questões de
investigação se orientam à compreensão de processos e não à procura de relações de causa e
efeito, ou à verificação de hipóteses. Os processos investigados por mim são fenômenos
complexos e seu entendimento pressupõe a compreensão das significações possíveis com
descrições mais ou menos pormenorizadas das situações de estudo, à luz da necessidade.
Para André (1995), a abordagem qualitativa parte do pressuposto de que os seres
humanos executam suas ações em função de seus valores, sentimentos, crenças e percepções.
Seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se a conhecer em um
primeiro instante, podendo aproximar do desvelado. Passa-se pelo caminho que vai do
velamento ao desvelamento contínuo, e vice-versa entre sujeito e objeto, de sorte que a
31
apreensão do objeto é sempre parcelar, e o esgota o processo de conhecimento e
reconhecimento entre o sujeito, o outro e o mundo. É, entretanto, sempre o sujeito que
sentido à rede de significações que envolvem os objetos percebidos no mundo vivido do
sujeito e que a ele se comunicam.
Entre as características principais da pesquisa qualitativa fenomenológica mencionada
por André (1995), encontram-se o penetrar no universo conceitual dos sujeitos para tentar
apalpar um possível entendimento de como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos
e às interações que ocorrem em sua vida diária em diálogo com o olhar do pesquisador;
mergulhar nos sentidos e emoções; o reconhecimento dos atores sociais como sujeitos que
produzem conhecimentos e práticas; a aceitação de todos os fenômenos como igualmente
importantes e preciosos: a fala e o silêncio, as revelações e o ocultamento, a continuidade e a
ruptura. Buscar compreender inconclusivamente o mundo dos sujeitos, suas experiências
cotidianas e os eventuais significados captados pelo pesquisador como se fossem atribuídos
pelos sujeitos são, portanto, “os núcleos de atenção na fenomenologia” (ANDRÉ, 1995, p. 18)
nos
quais
não
existe,
em
momento
algum,
uma cisão,
uma divisão
precisa
entre
objeto
e
sujeito.
Como nos ensina Merleau-Ponty, a fenomenologia é a busca da essência das coisas,
das pessoas, do mundo que antecede nossa existência. Uma busca por encontrar a essência do
que existe, porém sem a interferência da condição cognitiva ou esforços intelectuais
interpretativos do que se percebe, mas utilizando a percepção enquanto manifestação direta do
ser na busca por esse contato original com o mundo. Sendo assim, a Fenomenologia procura
alcançar a verdade da relação e o acolhimento à universalidade dos sentidos, por intermédio
das significações, das percepções e utiliza-se de múltiplas lógicas.
Do ponto de vista fenomenológico, a consciência é sempre consciência de alguma
coisa e o objeto é sempre objeto para uma consciência. Como todo objeto tem sentido para
nós em cumplicidade com a consciência, é bom saber que a característica da coisa e do mundo
é se apresentarem para nós em perfis inacabados, parciais, fragmentários.
O pensamento filosófico merleaupontyano descreve intencionalidade como o abrir
horizontes sempre maiores do que os que nos circundam, sobrepassando as coisas e
enfrentado-as como objetos. Um dirigir-se para alguma coisa, para buscar a essência desejada
(FIORI, in FREIRE, 1970). Essa noção de intencionalidade é o princípio central que perpassa
toda ação humana na fenomenologia, e está imediatamente ligada à consciência operativa do
sujeito situado. Dessa forma, uma relação entre sujeito e objeto, interatividade e mútua
constituição, que não são polos separáveis. Todo conhecimento está ligado à existência
mesma da consciência, de sorte que não há termo ou fim nesse processo.
32
Nessa direção, segundo o ponto de vista de Merleau-Ponty, o homem é ser no mundo
em conjunto com todas as formas de pensamento e ação e um pensar que se comprometa com
o homem não pode ser alheio a sua situação. Para ele, “não pensamos que seja possível
compreender o homem e o mundo de outra forma, senão via sua facticidade, segundo sua
maneira-de-ser-no-mundo” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 24).
O sujeito, portanto, é compreendido, do ponto de vista merleaupontyano, como um ser
perceptivo, que sozinho não é capaz de viver, pensar e se compreender. Devido à sua
condição de ser no mundo, nele coexiste e comparte o destino de inventar, mediado pela
práxis, um evento peculiar, de formar e estruturar certo mundo por meio da percepção, que
não pode descolar de sua corporeidade.
Cumpre ver, então, que o sujeito vive na experiência de outrem, em relação com uma
cultura, na partilha da vida e de uma história comum (MERLEAU-PONTY, 2006). Nesse
contexto, a consciência nasce no/do diálogo, num complexo relacional de subjetividades
socialmente configuradas, onde apreende preferências e experiências, o peso pessoal da
liberdade e da decisão; esta, entendida no sentido de que todo ato de liberdade ou de escolha
implica uma cisão, um corte, uma restrição que se realiza numa liberdade situada. Com os
outros-eus vai o sujeito estabelecendo contratos, consensos, parâmetros, razões, futuros,
riscos, sob a ameaça constante de vitória ou fracasso, na luta por transformar o espaço em que
vive mediante a prática de uma ansiada cultura de paz.
Na abordagem qualitativa de pesquisa, também estão presentes as ideias do
interacionismo simbólico. Para André (1995), o interacionismo simbólico assume como
pressuposto que a experiência humana é mediada pela interpretação, a qual não se de
forma autônoma, mas à medida que o indivíduo interage com o outro. Como se desenvolvem
os significados é que constitui o objeto de investigação do interacionismo simbólico. É por
meio das interações sociais do individuo no seu ambiente de trabalho, na escola, na família,
que vão sendo construídas as interpretações, os significados, ou a sua visão de realidade.
Segundo Blumer (1982, p.1-2), o interacionismo simbólico “designa um enfoque
relativamente definido do estudo de vida dos grupos humanos e do comportamento do
homem”. Para fins deste trabalho, entendemos por interação o processo que ocorre quando
pessoas agem em relação recíproca, em um contexto social, no caso, o ambiente escolar. Este
conceito implica uma distinção entre ação e comportamento. Comportamento inclui tudo que
o indivíduo faz. Ação é um comportamento intencional baseado na ideia de como outras
pessoas o interpretarão e a ele reagirão. Na interação social, percebemos outras pessoas e
33
situações sociais e, baseando-nos nelas, elaboramos ideias sobre o que é esperado, e os
valores, crenças e atitudes que a ela se aplicam.
Considerando que interação é movimento, muda de momento para momento, de
contexto para contexto e é vista como um sistema flutuante, não fixo e difícil de significar,
durante a pesquisa estive atenta para compreender as recorrências dos fatos em relação ao
objeto de estudo, pois saber quando um contexto aparecerá novamente para nós, um padrão de
recorrência é parte fundamental da aprendizagem da interpretação etnográfica.
Ante essas considerações, fiz opção pelas orientações do método qualitativo, em razão
de considerar ser este o mais apropriado para a compreensão dos significados e
intencionalidades das falas, experiências, valores, percepções e aspirações dos estudantes,
educadores e famílias atores dessa pesquisa. Cabe a mim como pesquisadora ter o cuidado e a
capacidade de colocar-me no lugar do outro (LÉVINAS, 1997), para eventualmente
compartilhar suas significações. Isso requer um envolvimento com os sujeitos que me permita
observar, conversar, ouvir, favorecer a expressão livre dos interlocutores e compreender os
contextos escolar e familiar, nos quais os interlocutores estão inseridos, seus valores e
sentimentos, com a certeza, que será sempre filtrada por determinado ponto de vista da
observadora, o que não invalida, ao contrário, exige co-participação para expressar o rigor,
que nunca é uma objetividade pretendida como autônoma e fora da relação e do sistema de
referência à qual está submetida. Em suma, a multiplicidade de ações que influenciam o
cotidiano escolar e a impossibilidade de os estudar isoladamente, fazem o objeto-sujeito deste
estudo um fenômeno complexo. Desse modo, justifica-se a opção por uma metodologia
qualitativa etnográfica inserida no paradigma interpretativo fenomenológico.
1.2.2 Método: Etnografia
No escopo de desvelar e compreender as manifestações do fenômeno bullying e as
implicações que os comportamentos agressivos e antissociais podem gerar no cotidiano
escolar, na vida pessoal e social dos educandos, será utilizada como método a pesquisa
etnográfica de inspiração geertziana. Considero etnográfica, no sentido geertziano, a presença
no campo de pesquisa, não como observação participante, mas onde ecoam as entrevistas,
conversas informais com os sujeitos, o que permite compreender as significações da pesquisa.
Vale lembrar que a etnografia neste estudo, não funciona enquanto antropologia, mas como
resultado político da imersão na vivência dos sujeitos.
34
A etnografia é uma modalidade de pesquisa qualitativa tradicionalmente usada pelos
antropólogos para estudar a cultura de um grupo social. Contemporaneamente, esse método é
utilizado por pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, entre eles psicólogos,
sociólogos, enfermeiros, educadores.
A pesquisa etnográfica amplia o seu campo de ação no final do século XIX e início do
século XX, como tentativa compreensiva de observar os valores, os hábitos, as crenças, as
práticas e os comportamentos das pessoas, ao mesmo tempo contrapondo-se ao método
quantitativo e experimental da época. Passa a ser utilizada na pesquisa educacional no início
da década de 70 do século XX, devido à aproximação dos campos das disciplinas da
sociologia e antropologia com a educação. Essa abordagem amplia a investigação, pois busca
interpretar os significados do ponto de vista da cultura.
A etnografia estuda preponderantemente os padrões mais previsíveis do pensamento e
comportamento humanos manifestos em sua rotina diária e os modos como os diferentes
grupos sociais ou pessoas interagem. Na pesquisa em curso, o grande desafio foi procurar
compreender o significado da ação no cotidiano e entender que lógicas regem a prática do
bullying no ambiente escolar.
Para Marli André (1995), a etnografia compreende o estudo realizado por meio da
observação direta e por um período determinado de tempo, das formas costumeiras de viver
de um grupo particular de pessoas; um grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma
unidade social representativa para estudo, seja ela formada por poucos ou muitos elementos,
aplicando-se, portanto, perfeitamente ao ambiente escolar. Esse formato metodológico
permite que nos aproximemos da escola para desvelar os encontros e desencontros que
permeiam a interação na instituição escolar entre estudantes bem como entre estes e os
educadores.
Colocar a etnografia em prática no entender de Geertz (1989) não se resume somente
em estabelecer relações, selecionar sujeitos, transcrever textos, levantar genealogias, mapear
campos, manter um diário. “O que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa:
um risco elaborado para uma ‘descrição densa’” (p. 15). Fica claro, pois, que Geertz atribui a
esses instrumentais clássicos da etnografia um papel ainda maior, o de transcendê-lo em sua
descrição, por uma descrição densa, isto é, uma possível leitura compartilhada e
intersubjetiva, co-operada pelos sujeitos envolvidos num contexto de mundo.
Frente a essa concepção geertziana, creio que fazer uma descrição densa a mais
completa possível seja ser capaz de aprofundar a possibilidade e o limite do compreender o
que um determinado grupo de pessoas faz e vive. Geertz (1989, p. 7) esclarece de forma
35
enfática que fazer “etnografia é como tentar ler [...] um manuscrito estranho, desbotado, cheio
de elipses, incoerências e comentários tendenciosos, tecidos pelo ser humano não com os
sinais convencionais do som, mas como exemplos transitórios de comportamento modelado”.
Para o autor, a etnografia deve interpretar e buscar os significados atribuídos a esses
atos. Entender a lógica informal da vida real. Nesse caminho apontado por Geertz, a busca do
etnógrafo é a de construir,
a partir das construções do outro,
da complexidade das experiências
humanas, a compreensão perceptiva sobre a teia da vida. Identificar certas dinâmicas sociais e
seus significados não são suficientes para que possamos realizar em nós um processo de
escuta permanente e de compreensão sempre maior sobre a vida do povo. Essas dinâmicas
sociais e seus significados estão dentro de um "universo imaginativo" e linguístico, dentro dos
quais essas ações são determinadas e fazem sentido para os que dela participam.
A utilização do método etnográfico na pesquisa foi com o intento de compreender o
que leva uma criança, ou adolescente ou um grupo particular de educandos e educadores a
ferir um colega de escola e conseguir entender o significado das perspectivas imediatas que
eles têm do que fazem. O objeto da etnografia é esse conjunto de significantes em termos dos
quais os eventos, fatos, ações e contextos são produzidos, percebidos e interpretados, e sem os
quais não existem como categoria cultural (GEERTZ, 1989).
É compreensível que expressões particulares de manifestação cultural compõem a rede
de significados identificada por Geertz, o que certamente se encontre no contexto maior de
significação cultural as conexões que lhe tipifiquem o movimento, ou, como define Passos:
A cultura na rica expressão de Geertz (1989) é um artefato portador de teias de
sentidos e significados que nele colocamos. Artefato que precisa e pode ser
ressignificado e reinventado. Cultura é a dimensão comunicacional do ser, que se
expressa em carne situada, pública e política sem a qual não somos. Tecemo-la,
como teia de uma aranha, de nosso próprio corpo que, uma vez feita, não mais
poderemos viver sem ela (PASSOS, 2004, p.31).
O esforço para descrever o tempo vivido dos participantes da pesquisa foi tarefa para a
qual a descrição densa da etnografia interpretativa de Geertz se apresentou como ferramenta
adequada. Tal descrição, enfatizada na Antropologia Geertziana, coaduna-se com a intenção
da fenomenologia em compreender o fenômeno tal como ele ocorre, e não apenas analisá-lo
ou explicá-lo com o filtro de prévios pressupostos imperativo se determinantes. O fenômeno é
algo que existe e persiste no tempo: é o ponto de encontro da inerência humana ao mundo e
ao outro. É o que a etnografia de Geertz pretende descrever, encontrar, circunscrever.
36
A pesquisa etnográfica está baseada numa relação “face-a-face” entre pesquisador e
pesquisado, o que pressupõe educar o olhar do observador/pesquisador para compreender a
forma como o entrevistado interpreta o mundo que o cerca. Isso ocorre pela imersão na
realidade, da construção do diálogo significativo, da observação participante, das anotações
no diário de campo, das entrevistas, da história de vida, entre outras técnicas como nos
referimos anteriormente, de captar a relação num horizonte global de referência, o que ela
significa no “mapa” onde está. Isso demanda tempo de convívio com o sujeito e obriga o
observador à difícil tarefa de colocar-se no lugar do outro. A observação cuidadosa do
cotidiano torna-se uma importante fonte de pesquisa.
Nesse sentido, apreender e compreender a realidade da escola como cultura de um
povo, conjunto de significações, de acordo com a concepção de Geertz (1989, p. 321), “um
conjunto de textos (teia de significações)”, que buscarei como pesquisadora, ler por sobre os
ombros daqueles que a detém por direito: estudantes, educadores e famílias.
A etnografia propiciará uma observação mais acurada dos atos bullying e suas
implicações para os envolvidos, sobre a organização e estrutura dos ambientes escolares
pesquisados e quanto às estratégias usadas para combater a violência. Ensejará, ainda,
"revelar" parte do significado cotidiano, nos quais as pessoas agem e, por outro lado,
compreender as nuances que provocam esses comportamentos e suas implicações para a
escola e sociedade. O objetivo é documentar, monitorar e, principalmente, compreender como
ocorre a relação interpessoal, a vivência familiar, condições de vida e moradia. As
informações serão interpretadas de forma que seja o mais representativo possível do
significado que as próprias pessoas pesquisadas dariam à mesma ação, evento ou situação.
A opção por uma abordagem teórico-metodológica voltada mais para o campo da
Antropologia se deu pelo fato de que essa abordagem oferece melhores ferramentas para
compreender as nuances existentes nas interações no cotidiano escolar, o que amplia a
percepção dos fatos a serem pesquisados. André (1995), ao falar da importância da
abordagem antropológica na educação, afirma que a Antropologia fez com que a investigação
da prática pedagógica deixasse de lado o enfoque nas variáveis isoladas para considerá-las em
seu conjunto e em sua dinamicidade. Deslocou, assim, o foco de atenção das partes para o
todo e dos elementos isolados para sua inter-relação. Nesta pesquisa, a escola, a família e a
comunidade poderão ser vistas de forma mais completa, com todos os outros possíveis
determinantes de seu contorno.
Desfilarei no próximo tópico informações sobre o cenário em que a pesquisa de campo
foi desenvolvida bem como os instrumentos de apreensão das significações da pesquisa.
37
1.3 O Cenário da pesquisa
Foram três as escolas investigadas do sistema de educação de Cuiabá: uma municipal,
que oferta da Educação Infantil até o ano do Ensino Fundamental, uma estadual, que oferta
do 1º ano do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, localizadas na periferia de Cuiabá, e uma
particular, que atende da Educação Infantil ao 9º ano, em um bairro central da cidade.
Elas têm em comum os seguintes fatos: funcionam em regime de três turnos,
atendendo a educandos de ambos os sexos, crianças e jovens oriundos de diversos bairros da
capital; desenvolvem projetos com a participação dos educandos em parceria com os
professores; enfrentam problemas relacionados a atos de violência e violência bullying. Pela
distância de localização, os educandos utilizam passe livre
3
no transporte coletivo como
também se dirigem à escola de automóvel, motos, bicicleta e a pé.
1.4 Instrumentos utilizados para a apreensão das significações da pesquisa
Com o intento de alcançar uma maior e melhor variedade de significações que
permitissem uma compreensão mais aprofundada das lógicas que regem a prática do bullying
no ambiente escolar, elegi como estratégias composta por fontes diversas, nomeadamente
observação participante, caderno de campo, entrevistas abertas, relatos e história de vida. A
investigação científica divide-se em etapas tipificadas, que não se apresentam estanques, pois
interagem entre si. Desse modo, a sequência dos procedimentos não é rígida.
1.4.1 Observação participante
Durante a estada no campo de pesquisa, a observação participante é o principal
instrumento de pesquisa que requer um olhar encantador por parte do investigador, num
contato direto, frequente e prolongado com os atores sociais e os seus contextos para
apreender os significados e significantes. É importante constante vigilância e adaptação ante
as reações e as situações cotidianas vividas pelos educadores, educandos e suas famílias pela
3
Esse direito social foi conquistado no final dos anos 90 e início de 2000 por meio de organização dos
estudantes com o apoio da classe política.
38
sua complexidade, sua observação requer o registro de todos os fatos de maneira minuciosa
por meio de técnicas que garantam fiabilidade e validade à investigação.
Segundo And(1995, p. 28), a “observação é chamada de participante porque parte
do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada,
afetando-a e sendo por ela afetado”. Ampliando essa reflexão, Bogdan e Biklen (1994)
definiram a observação participante como uma investigação que se caracteriza por um período
de interações sociais intensas entre o investigador e os sujeitos, no meio destes, durante o qual
as significações são apreendidas de forma sistemática.
Com essas palavras, os autores afirmam que é nesse contato com o diferente que o
etnógrafo passa a conhecer seu próprio universo simbólico. O contato possibilita ainda
reconhecer que existem outros territórios, e o etnógrafo passa a enxergar melhor os limites
históricos de seus próprios valores, que a situação de entrevista nem sempre propicia esse
jogo de alternâncias. Esse procedimento demanda tempo, pois apenas quando os sujeitos da
pesquisa começam, finalmente, a se sentir em casa com a presença do pesquisador é que este
consegue construir a tessitura da vida social. Nesse contexto, os múltiplos atos do cotidiano
escolar revelam os valores sociais do grupo estudado. Tais informações fornecem subsídios
necessários para confrontar as falas dos diferentes sujeitos sobre a mesma realidade.
Na observação, estive atenta às especificidades das ações e seus significados para seus
atores e firmemente empenhada para contribuir na compreensão das formas como se
manifesta o fenômeno bullying no âmbito escolar, através das interações interpessoais visto
que a preocupação que permeia a pesquisa etnográfica, segundo Fonseca (1997, p.10), é “[...]
captar algo da experiência das pessoas”. Portanto, é necessário ir além das falas e apostar na
observação sistemática das práticas sociais, culturais e históricas.
Foram observados e anotados as ocorrências, comportamentos e vivências durante a
minha estada na escola, nos diversos espaços, entrada e saída da escola, corredores, pátio e
recreio, salas de aula, banheiros, quadra de esportes no momento da educação física,
bebedouros, relacionamentos entre eles e com os professores; eventos realizados no espaço
escolar, espaço familiar. A escolha desses espaços para serem observados, baseou-se nos
estudos e pesquisas realizadas por vários autores, entre eles Fante (2005), os quais os
consideram como os ambientes onde mais ocorre a prática do bullying entre estudantes.
Para as anotações das observações, utilizei um caderno de registros no qual ia tomando
nota dos comentários feitos pelos educadores e pelos estudantes no andar da aplicação das
entrevistas. Trazia também minhas impressões, circunscritas à reação dos adolescentes diante
dos quesitos. Transcrevi os diálogos que os educadores mantiveram durante a realização das
39
atividades diárias em sala de aula, na sala dos professores, no pátio, os quais nos permitiram
desvendar possíveis êxitos e as dificuldades que estes sentiram durante o desenvolvimento de
suas práticas pedagógicas em sala.
Ao pesquisar a organização dos processos de interação entre os membros da
comunidade educativa, busquei perceber como eles interagem na escola e como formam o
ambiente uns para os outros. Estive atenta para entender, por exemplo, o que leva um grupo
de estudantes a provocar sistematicamente um determinado colega; o que faz com que a
interação entre educandos e educadores seja agressiva; que lógicas movem a prática do
bullying e que significados esses fatos têm para a vida cotidiana desses atores sociais.
Dessa forma, pesquisar fenomenologicamente é olhar de muito perto, no dizer de
Laplantine (2004, p. 105) parafraseando Merleau-Ponty, “Ver é ver o mundo”. Vemos, pela
experiência pessoal e participação nas vivências das pessoas. Esse conjunto de significações
da vida real consta de um material importante de reconstituição de momentos de conflitos,
acertos, desencontros, que permitirão, com certeza, novos recortes e investigações que
haverão de descortinar o entorno, rico de experiência e todo válido, no referente à escola
como cenário de nossa interpretação. Posteriormente, tratarei sobre o conteúdo das
observações.
1.4.2 Os sujeitos da pesquisa: entrevistas
A segunda fase da pesquisa consistiu na realização de entrevistas com os estudantes e
suas famílias e com os educadores das três escolas citadas anteriormente. Reconhecendo a
impossibilidade de uma apreensão de informações neutra, a escolha recaiu em um
instrumento que respondesse com qualidade ao tempo disponível, à abrangência exigida e à
possibilidade de obter uma matéria para análise compreensiva significativa. Dessa forma,
além das entrevistas abertas, utilizei como técnica na abordagem qualitativa a observação
participante para conhecer as representações dos educandos sobre si e seus colegas.
As entrevistas realizadas se dirigiram aos diferentes grupos de pessoas, com
finalidades diversas. Entre esses grupos, os pesquisados foram: a) os estudantes, com o
intento de compreender suas percepções acerca da violência na escola e suas histórias
cotidianas; b) seis educadores, com a finalidade de apreender suas histórias de vida e
imaginário sobre a violência na escola; c) os gestores a fim de obter informações gerais sobre
a escola e a compreensão da violência no espaço escolar; d) os inspetores de pátio e os
40
funcionários que tinham relatos importantes sobre fatos de violência que presenciaram no
espaço escolar; e) as conselheiras escolar e mãe de estudantes, com o objetivo de apreender
sua visão sobre o cotidiano escolar; f) seis famílias, pais, es, avós, parentes de estudantes
sobre sua história escolar, sobre a estruturação interna de suas famílias, bem como sobre seu
imaginário acerca do bullying e estratégias que utilizam para reduzi-lo ou combatê-lo. O
quadro geral dos entrevistados apresento abaixo:
Sujeitos Objetivo da entrevista Número de sujeitos
Educadores Sobre o cotidiano escolar e história de vida 6
Estudantes Sobre o cotidiano escolar e familiar 35
Gestores Dados gerais sobre a escola 3
Coordenadoras Sobre a escola e famílias 3
Inspetores de pátio e
funcionárias
Sobre a violência no cotidiano escolar 3
Conselheira Escolar Informações sobre a escola 2
Famílias Sobre vida familiar e educação 6
Total de entrevistas: 58
Fonte: informações da pesquisa, ano 2009.
Os entrevistados compreendem a faixa etária entre 4 a 63 anos; desse conjunto de
entrevistados, o número maior de educandos estava cursando 4º, 5º, e ano do Ensino
Fundamental, considerando que a manifestação do fenômeno bullying no ambiente escolar
tem se apresentado mais forte e marcadamente em estudantes de idade entre 10 a 15 anos,
conforme as várias pesquisas realizadas por Dan Olweus (1998) e outros pesquisadores. Nesta
investigação foram contempladas as séries: a) uma turma da Educação Infantil I; b) 13 turmas
do ao ano; c) uma turma do ano do Ensino Médio. Porém, a observação foi feita em
todas as turmas a fim de selecionar os sujeitos da pesquisa. A população estudada foi
composta por estudantes, com o cuidado de incluir os gêneros feminino e masculino das três
escolas pesquisadas, uma vez que a manifestação do bullying ocorre de forma diferenciada
para meninos e para meninas; por algumas famílias dos estudantes entrevistados e
componentes da comunidade educativa, particularmente os professores das respectivas turmas
com o intuito de apreender sua percepção acerca da prática de bullying no espaço escolar.
As entrevistas foram realizadas obedecendo à flexibilidade de horário e locais
escolhidos pelos sujeitos e pela escola. Grande parte delas ocorreu na instituição escolar, em
41
uma sala improvisada para essa finalidade, nas aulas de educação física e pátio da escola e nas
próprias residências dos entrevistados. Algumas foram realizadas mais de uma vez com a
mesma pessoa sobre o mesmo tema com o intuito de preencher lacunas deixadas nas
entrevistas anteriores ou para acrescentar informações antes não requeridas que, com o tempo
pareceram-me importantes. Somaram também à pesquisa as conversas informais que tive com
vizinhos dos espaços escolares, com moradores de perto dos pontos de ônibus, dentro dos
coletivos com educadores que estavam indo ou retornando do trabalho nas escolas que, a um
primeiro momento pareciam despropositadas em termos de pesquisa, mas que trouxeram
contribuições importantes. Pedi licença aos familiares oralmente e de forma escrita para
efetuar a gravação das conversas, as quais foram transcritas simultaneamente para evitar perda
de significações importantes. No processo de edição, retirei os vícios de linguagem, as
repetições, sempre com o cuidado de não comprometer a fidedignidade dos discursos.
Na realização de entrevistas, pela complexidade do objeto pesquisado, possibilitei que
educandos, educadores e famílias falassem livremente sobre como se sentiam e percebiam o
ambiente escolar e sobre as razões que faziam com que um colega praticasse atos de bullying
contra outro colega. Para isso, fiz uso do gravador por entender que o mesmo amplia o poder
de registro e captação de elementos de comunicação de extrema importância, pausas de
reflexão, vacilações, silêncios, aprimorando a compreensão da narrativa.
No decorrer das conversas, desenvolveu-se um clima de empatia, confiança e respeito
entre a pesquisadora e os sujeitos. Foi comum ouvir queixas dos estudantes, famílias e
educadores de não terem um espaço como aquele para conversar, onde o não julgamento e a
compreensão eram regras básicas. Esse clima amistoso favoreceu o livre relato dos
envolvidos. Não poucos, mobilizados pela lembrança, até choraram pelas vivências dolorosas
sofridas ou presenciadas tanto no ambiente escolar quanto na família.
No tocante às entrevistas, segui a orientação de Bogdan e Biklen (1994) que
consideram a apreensão de informações como um processo de socialização entre entrevistados
e entrevistador, sem que essa prática seja simplesmente episódio onde o sujeito passa
unicamente as informações ao entrevistador: “[...] a entrevista é utilizada para recolher dados
descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver
intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo
(p.134). Já para André (1995, p. 28), “as entrevistas têm a finalidade de aprofundar as
questões e esclarecer os problemas observados”. Assim, o uso da entrevista individual no
contexto da pesquisa contribuiu para a obtenção de detalhes como sentimentos, vivências,
42
dúvidas, hesitações. Esse conjunto de pormenores
permitiu o acesso aos investimentos
afetivos presentes na situação da entrevista.
1.4.3 Histórias de vida
Juntamente com as entrevistas lancei mão de outro instrumento qualitativo na pesquisa
que foram as histórias de vida, excelente técnica para construção de um levantamento acerca
da vida dos sujeitos da pesquisa, uma vez que revela o cotidiano, o tipo de relacionamento
entre os indivíduos, as opiniões, os valores.
Na compreensão dos tipos de violência que se manifestam no espaço escolar, dentre
elas o bullying, descrevi a história de vida de seis famílias dos estudantes e seis professores,
buscando entender as gicas que regem as atitudes e seus comportamentos no cotidiano
escolar diante da complexidade do objeto em questão. As narrativas foram feitas obedecendo
ao critério estabelecido pelos sujeitos, com o auxílio do gravador, conforme relatado na
descrição das entrevistas.
Um aspecto fundamental a ser considerado é que a história de vida é uma técnica cuja
aplicação demanda longo tempo, tanto no que se refere às entrevistas que podem não se
encerrar em um ou dois encontros, como foi no caso desta pesquisa sobre o bullying, quanto
no tempo de transcrição. Sua realização exige também rigor e destreza por parte do
pesquisador. Além de demandar um longo lapso de tempo, indica o cumprimento de medidas
éticas e legais. O mais relevante é seu sentido de perceber
O que existe de individual e único numa pessoa excedido, em todos os seus
aspectos, por uma infinidade de influências que nela se cruzam e às quais não pode
por nenhum meio escapar, de ações que sobre ela se exercem e que lhe são
inteiramente exteriores. Tudo isto constitui o meio em que vive e pelo qual é
moldada; finalmente sua personalidade, aparentemente peculiar, é o resultado da
interação entre suas especificidades, todo o seu ambiente, todas suas coletividades
em que se insere (QUEIROZ, 1987, p. 283).
Assim Queiroz fundamenta sua colocação que a história de vida é, portanto, técnica
que capta o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social. Nesse aspecto, os
autores Bosi (1987) e Bourdieu & Passeron (1975) advertem que o pesquisador que trabalha
com histórias de vida corre o risco de considerar que tudo é pertinente e relevante para a
análise interpretativa, podendo perder-se numa infinidade de informações que a narrativa
biográfica possibilita.
43
Queiroz (1987) diz que o pesquisador, deve conservar-se o mais silencioso possível,
ao lançar mão da técnica da história de vida, suas interferências devem ser mínimas. Quem
detém a condução da entrevista é o narrador, pois é ele quem decide o que é relevante narrar.
Nada do que relata é supérfluo, pois tudo se encadeia. No caso particular do fenômeno
bullying, esta técnica permitiu abarcar de forma ampla a realidade a ser estudada. Sendo
assim, considera-se a história de vida instrumento válido e privilegiado, pois favorece a
possibilidade de reconstrução da história social através de fontes não explícitas.
No próximo capítulo, prosseguirei com a discussão sobre a instituição escolar como
espaço sociocultural e também como espaço de violência, tendo o olhar sobre a violência na
escola, da escola e contra a escola.
44
II CAPITULO: A Instituição Escolar contemporânea
2.1 A Instituição Escolar como espaço sociocultural
Ultimamente, estamos acompanhando um cenário de guerra social sem precedentes na
história da humanidade. Nesse mundo de crise e contradições, de mutação e confusão, é
necessário buscar outras soluções civilizatórias e romper o ciclo atual. O espaço social onde
essas crianças e jovens vivem e se desenvolvem demarca e caracteriza nitidamente o seu dia-
a-dia e a vida cotidiana emerge como a concreção das relações sociais. A falta de alternativas,
a ausência de instrumentos para lidar com um contexto globalizado e fragmentado, no qual as
mudanças são constantes, levam os jovens a enfrentar situações em que faltam referências
norteadoras de conduta, com repercussões nos processos de construção identitária.
Na sociedade contemporânea, a responsabilidade individual se encontra alterada
numa profunda indiferença, na qual o individualismo se afirma e, num jogo de "vale-tudo",
emerge um sistema social delinquente e insensível que ainda não aprendeu a dar condições
mínimas de vida à suas crianças e jovens e, portanto, colocando seu futuro em risco. Têm-se,
dessa forma, ao lado do pido e profundo desenvolvimento científico e tecnológico, a
banalização e a desumanização da vida.
Esse contexto social provocou uma profunda mudança na relação escola e sociedade.
A escola defronta-se com incertezas quanto ao estatuto de instância máxima no processo de
socialização e humanização da infância, adolescência e juventude. Até o início dos anos 60 do
século passado, a escola enquanto instituição era valorizada socialmente como instrumento
privilegiado de promoção de valores humanos, de ascensão social e os profissionais de
educação, com raras exceções, eram mais bem valorizados, quer por meio de formação
consistente quer por remuneração mais condizente com a profissão.
Essas mudanças pelas quais a sociedade tem passado, a partir da década de 70, vêm
determinando profundas alterações no cotidiano das pessoas. Seus efeitos se manifestam em
todos os campos da vida humana, seja nas áreas política, econômica, social, cultural ou
ambiental (SANTOS, 2001). A instituição escolar, por sua vez, também vem sofrendo essas
alterações, tanto no ensino/aprendizagem quanto na esfera dos valores éticos, morais e
relacionais de seus diferentes atores, como passo a descrever.
Vivemos num tempo de mutações vertiginosas produzidas pela globalização, em
direção a uma sociedade da informação, mas também um tempo de estagnação, parado na
45
impossibilidade de pensar a transformação social. Tal contexto de globalização revela uma
sociedade marcada pela diferença e pela diversidade. Tal heterogeneidade, por sua vez,
encontra expressão no interior da escola.
No ponto de vista de Leite (1988, p.514), o contexto escolar pode ser compreendido
como um “palco de contradições”, onde estão em confronto diversos interesses sociais, “os
quais podem ser resumidos numa polaridade: por um lado os conservadores, buscando utilizá-
la para a manutenção do status quo, e de outro os setores progressistas, que veem a educação
como um instrumento importante para as transformações sociais”. Tal confronto se
caracteriza por uma “disputa de sentidos”, seja consciente ou não, democrática ou não, entre
os componentes da comunidade educativa.
Nesse aspecto, considerar a instituição escolar como espaço sócio-cultural significa
compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, conforme sublinhou Geertz
(1989). Tal consideração deverá priorizar a dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano,
materializado por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos,
adultos e adolescentes, enfim, educandos e professores, seres humanos concretos, sujeitos
sociais e históricos. Apreender a escola como construção social implica, assim, resgatar o
papel dos sujeitos como agentes ativos na trama social que a constitui, enquanto instituição.
Tal perspectiva sugere que a dinâmica da escola se circunscreve pelas histórias
daqueles que participam de seu cotidiano. Pode-se dizer que a realidade de cada escola é uma
construção social. Passa a ser um espaço privilegiado onde se o encontro dos diversos
segmentos que estão envolvidos com o dia a dia da escola, o que circunscreve o campo para a
emergência das contradições que estão implícitas nas relações sociais que ali se desenvolvem.
Ezpeleta & Rockwell (1986) advertem que a escola, como espaço sociocultural, é
entendida, como um espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente,
por um conjunto de normas e regras que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos.
Cotidianamente, por uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que
incluem alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de
transgressão e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das normas,
das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar. Fruto da ação recíproca entre o
sujeito e a instituição, esse processo, como tal, é heterogêneo. Nessa perspectiva, a realidade
escolar aparece mediada, no cotidiano, pela apropriação, elaboração, reelaboração ou repulsa
expressas pelos sujeitos sociais.
Arroyo (1992, p. 48) reforça tal perspectiva do contexto escolar ao dizer que:
46
[...] a escola é uma instituição sócio-cultural que está organizada e pautada por
valores, concepções e expectativas. Está perpassada por relações sociais na
organização do trabalho e da produção. Em outros termos, os alunos, os professores,
a direção, os pais e a comunidade não são meros recursos e materiais. São sujeitos
históricos, culturais. A própria instituição escolar é um produto histórico cultural
que age e interage numa trama de complexos processos sócio-culturais. A escola é
uma organização socialmente construída e reconstruída, em uma dinâmica cultural.
Se a escola é um produto que produz cultura, um processo que se constrói lentamente
ao longo de suas histórias e que está em permanente interação com a realidade social mais
ampla, uma questão fundamental para a compreensão da realidade escolar passa a ser a sua
caracterização enquanto um lugar de heterogeneidade: seus componentes, seus mecanismos
no tratamento das diferenças sociais, culturais, étnicas, sexuais, religiosas.
Comumente, a escola é vista como uma instituição única, com os mesmos sentidos e
finalidades, tendo como papel garantir a todos o acesso ao conjunto de conhecimentos
socialmente acumulados. Como a ênfase é colocada nos efeitos da aprendizagem, dá-se maior
valor às provas e às notas, e a meta da escola se reduz a treinar o educando para “passar de
ano”. Nessa lógica, não se estabelecem relações entre o vivenciado pelos educandos e o
conhecimento escolar; entre o escolar e o extraescolar, reiterando a desarticulação existente
entre o conhecimento escolar e a vida cotidiana dos educandos.
Freire (1986), a partir desses pressupostos, considera que a pedagogia oficial tem
contribuído para que haja uma “cultura do silêncio” nas escolas, tornando as pessoas menos
humanas, alienadas. Entende-se essa ação educativa como uma internalização dos papéis
passivos diante das situações de vida, uma tolerância passiva à dominação, uma vez que ela
produz pessoas alienadas e agressivas.
Muitos educandos silenciam porque a educação não inclui prazer de aprender, nem
momentos de paixão, sentidos, inspiração ou comédia. Ela reprime a curiosidade, desestimula
a criatividade e tampouco considera o universo cultural do estudante. Com relação a essa
forma tradicional de conceber a educação, Freire e Shor (1986) dizem:
A cultura do silêncio a que me refiro tem várias dimensões, inclusive uma reação
agressiva dos alunos. A pedagogia oficial os constrói como personagens passivo-
agressivos. Alguns alunos silenciosos fazem anotações e acompanham a voz do
professor diligentemente. Outros se sentam em silêncio e devaneiam, desligados das
condições intoleráveis da sala de aula. Outros se sentam com raiva, provocada pela
imposição, sobre eles, do tédio e da ortodoxia. [...] tornaram não participantes. Esse
retraimento do estudante pode ser simplesmente passivo ou pode ser um raivoso
silêncio reprimido (FREIRE & SHOR, 1986, p.149).
47
Patto (1993) sinaliza que esse tipo de violência não é fácil de ser constatada, pois é
invisível, muitas vezes silenciosa, verbal ou simbólica na expressão corporal/gestual do
professor. Geralmente ocorre no interior da sala de aula, nos espaços fechados da escola. O
autor salienta que
[...] a desconsideração da experiência social, cultural e afetiva dos educandos,
expressas pelos professores no autoritarismo das relações, nas regras disciplinares
rígidas, injustas e que dificultam a intimidade com novos conhecimentos, cria
reverência ao professor e à escola, produzindo relações tensas que muitas vezes
escondem violências disfarçadas. Estas neutralizam as diferenças, reduzem as
possibilidades de defesa, se constituindo em instrumentos de dominação, excluindo
aqueles que não alcançam determinados níveis de exigência que, por vezes, não são
mesmo alcançáveis, pois são estéreis ou descabidos (PATTO, 1993, p.17-20).
É preciso, então, admitir que o processo de ensino/aprendizagem acontece numa
aparente homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para todos,
desconsiderando a procedência social, a idade, as vivências cotidianas dos educandos. Reduz-
se, dessa forma, a diversidade real dos educandos à habilidade de assimilar os conteúdos ou à
forma de se comportar no ambiente escolar, estimulando a reprodução, a passividade
(FREIRE, 1986). Em razão disso, a prática pedagógica escolar subordina o educando, sufoca
a curiosidade, desconsiderando a totalidade das dimensões humanas dos sujeitos que dela
participam, sujeitos históricos que fazem parte do ambiente escolar, criando espaços para que
neles se desenvolvam comportamentos agressivos no relacionamento entre estudantes
também entre educadores e estudantes.
Considerando tal realidade, Freire e Shor (1986) advertem que a agressão visível nas
atitudes dos educandos é produzida muitas vezes pela imposição do ensino passivo e acrítico,
como consequência de uma pedagogia autoritária que educa para a submissão, para a crença
de uma realidade estática, bem comportada, repercutindo como um anestésico que inibe o
poder de criar, favorece uma consciência ingênua, acrítica, com reações agressivas e violentas
a essa prática educativa:
A agressão é inevitável, porque a passividade não é uma condição natural da
infância ou da maturidade. Existe uma violência simbólica na escola e na sociedade,
que impõe o silêncio aos alunos. Simbólica, por ser a própria ordem das coisas, e
não um castigo físico de fato: um meio ambiente pleno de regras, currículos, testes,
punições, requisitos, correções, recuperações [...] Esse meio ambiente é
simbolicamente violento, porque se baseia na manipulação [...] Constrói e reproduz
as desigualdades da sociedade. As vantagens da elite ocultam-se por detrás do mito
das “oportunidades” iguais [...] Violência simbólica das autoridades, no dia-a-dia e
na escola, tenta ensinar as pessoas a desistir de seus direitos à autonomia e ao
pensamento crítico. Negam a subjetividade dos alunos, não lhes permitindo um
contato crítico com sua realidade (FREIRE & SHOR, 1986, p. 149).
48
Por outro curso, algumas manifestações de atos de rebeldia e/ou violência, em sua
grande maioria, são formas encontradas por muitos educandos para expressar o sentimento de
insatisfação com as péssimas aulas e com as situações de violência explicita ou silenciada que
sofrem diariamente. Nesse sentido, Enguita (1989, p.166) diz que “uma das características
fundamentais da escola é sua dimensão onipresente de educação para a docilidade”. A
homogeneização dos sujeitos corresponde à homogeneização da instituição escolar,
compreendida como universal.
Na concepção de Freire & Shor (1986), a forma de relacionar com os estudantes nos
espaços educativos suscitam três segmentos de educandos: no primeiro grupo, pertencem
aqueles que aceitam passivamente as normas estabelecidas pela instituição; no segundo grupo,
estão os educandos que assumem uma postura neutra, ou seja, não reagem conforme as regras
da instituição, mas também não se rebelam, “ficam na deles”; no terceiro grupo, estão os
educandos que confrontam agressivamente com a equipe diretiva, sabotam as regras por meio
da agressão aberta, contrapondo a “cultura do silêncio”, conforme enfatizam os autores, “[...]
os alunos que sabotam a violência simbólica do currículo oficial estão defendendo sua
autonomia, frequentemente de modo autodestrutivo e confuso. Seu comportamento agressivo
interfere na transferência de conhecimento” (p. 150).
Compartilhando da ideia desses autores, Enguita (1989) garante que uma das
características essenciais que as escolas possuem em comum é a obsessão pela manutenção da
ordem. Segundo ele, a maioria dos professores acredita que manter a ordem e impor a
disciplina é condição imprescindível para uma instrução eficaz. No entanto, conforme
compreende o autor, as constantes relações de submissão à autoridade e à hierarquia
prejudicam no educando a imagem de si mesmo, sua autoestima e inibem seu protagonismo
educacional e pessoal, destruindo sua criatividade e autonomia.
Longe de ajudar os estudantes a se desenvolverem como indivíduos maduros,
autosuficientes e automotivados, as escolas parecem fazer tudo para manter os
jovens
em
um
estado de dependência
crônica, quase infantil.
A
onipresente atmosfera
de desconfiança, juntamente com as regras que abrangem os aspectos mais ínfimos
da existência, ensina todos os dias aos estudantes que eles não são gente de valor
nem, naturalmente, indivíduos capazes de regular sua própria conduta (ENGUITA,
1989, p.165).
Tais considerações sugerem que talvez o maior problema esteja no fato de o professor
se concentrar apenas em seu exercício de autoridade, crendo que, com isso, conseguirá
eliminar os conflitos. Contudo, as efervescências da sala de aula marcadas pela diferença, pela
instabilidade, pela precariedade apontam para a inutilidade de um controle totalitário, de uma
49
planificação racional, pois os educandos buscam de modo espontâneo e não planejado o
compartilhar experiências que independe da instalação de qualquer tipo de autoritarismo.
Tal aspecto revela que é impossível encontrar sujeitos iguais no estabelecimento
escolar. Apesar de a escola normalmente buscar certa hegemonia, "homogeneizando as
diferenças", por meio da criação de certos rituais, tais como filas, notas, regras disciplinares,
currículos, organização dos ritmos e tempos (MCLAREN, 1991), não consegue apagar as
contradições implícitas nas práticas sociais, o que possibilita àqueles que vivenciam tal
contexto buscarem novas formas de relações, lhes proporcionando a reconstrução de suas
identidades. Tal possibilidade, por sua vez, permite compreender que os educandos são
sujeitos históricos que possuem história, cultura, meio familiar, sexo, etnia, cor, religião,
língua, condição econômica e identidades diferentes e devem ser respeitados enquanto tais.
Nesse sentido, Nascimento (2005) observa que não é de hoje que a educação vem
reproduzindo um modelo de educação castradora, opressora e reprodutora. Tal modelo inibe a
autonomia e a participação, visto que não favorece a vivência da diversidade no espaço
escolar:
Dentro deste espaço, se reproduz um modelo de educação fundado nos valores
civilizatórios ocidentais, numa perspectiva hegemônica, negando a diversidade
existente na sociedade brasileira, produzindo, assim, uma ideologia de inferiorização
das civilizações que estão presentes no cotidiano dessas comunidades escolares
(NASCIMENTO in LIMA, 2005, p. 27).
Tendo em vista essas considerações, é possível afirmar que carece de atenção o
discurso demagogo referente à democratização da escola, ou mesmo da escola única. A
perspectiva homogeneizante expressa uma determinada forma de conceber a educação, o ser
humano e seus processos formativos. Manifesta uma visão, expressa uma lógica instrumental,
que reduz a compreensão da educação e de seus processos a uma forma de instrução centrada
na transmissão de conhecimentos estéreis. Reduz os educandos a receptores, que necessitam
ser treinados com informações dadas, ignorando que os mesmos adentram a escola marcados
pela diversidade, reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente
desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais,
prévias e paralelas à escola. Nessa perspectiva, o tratamento uniforme dado pela escola
somente consagra a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos educandos.
Esse exercício constante de respeito à diversidade é outra forma de compreender os
educandos que chegam à escola, é apreendê-los como sujeitos socioculturais. Essa outra
perspectiva implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno,
50
dando-lhe outro significado que lhe é próprio. Trata-se de compreendê-lo na sua diferença,
enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escalas de valores,
sentimentos, emoções, projetos, com lógicas de condutas e hábitos que lhe são próprios.
Como lembra Mclaren (1991), o que cada um deles é, ao chegar à escola, é fruto de
um conjunto de experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes ambientes sociais.
Assim, para compreendê-los, temos que considerar a dimensão da experiência de vida de cada
um. Eles experimentam suas situações e relações produtivas como necessidades, interesses e
antagonismos e elaboram essa experiência em sua consciência e cultura, agindo conforme a
situação determinada. Assim, o cotidiano se torna espaço e tempo significativos de
aprendizagens.
No que tange à experiência vivida, posso afirmar que ela é a matéria prima a partir da
qual os educandos articulam sua própria cultura, aqui compreendida, enquanto conjunto de
crenças, valores, visão de mundo, rede de significados: expressões simbólicas da inserção dos
indivíduos em determinado nível da totalidade social, que terminam por definir a própria
natureza humana de acordo com a visão de Geertz (1989). Em outras palavras, os educandos
chegam à escola com um acúmulo de experiências vivenciadas em múltiplos espaços,
através das quais podem elaborar uma cultura própria, uma forma de ver, sentir e atribuir
sentido e significado ao mundo, à realidade onde se encontram inseridos.
É necessário sublinhar que a escola é um espaço social plural e complexo onde
interagem fatores externos e internos. Entre os principais fatores externos, destacam-se as
relações raciais, as questões de gênero, os meios de comunicação e o espaço social no qual a
escola está inserida. Quanto aos fatores internos, pode-se considerar a idade e a série ou o
nível de escolaridade dos estudantes, as regras e a disciplina das escolas, assim como o
impacto do sistema de punições e as ameaças de professores em relação aos educandos, de
estudantes em relação aos professores e entre os próprios educandos.
Nesse contexto educativo de interações, os conflitos agressivos e ameaças dentro do
espaço escolar manifestam-se com frequência. Abrangem desde formas de sociabilidade
juvenil até condutas brutais. Briga-se por quase tudo: por bola, lanche, notas, tomada de
objetos pessoais, por atribuir apelidos pejorativos, por causa de namorados, calúnias e
difamações, entre outros inúmeros pretextos, como será abordado posteriormente.
51
2.2 A Instituição Escolar como espaço de violência
Quando se versa sobre a violência que se manifesta na instituição escolar, é importante
lembrar que ela ocorre em três vias: violência na escola, violência contra a escola e a
violência da escola (CHARLOT, 2002 e 2006). A violência na escola é caracterizada pelas
situações em que pessoas utilizam o espaço escolar para manifestar sua agressividade, não
estando as ações agressivas associadas à instituição de ensino. A violência contra a escola
decorre da insatisfação ou ressentimentos de alguns estudantes e outras pessoas contra a
instituição de ensino (ABRAMOVAY et al, 2006) que, simbolicamente, constitui uma forma
de os estudantes devolverem a violência que a escola inflige contra eles, por meio de maus
tratos, discriminação ou injustiças (CHARLOT, 2002). Em se tratando da violência que parte
da escola, possivelmente, a mais comum seja a dos professores em sala de aula contra os
estudantes, através da coerção (ADORNO, 1991; PATTO, 1993). A abordagem sobre esses
conceitos será feita no decorrer desta sessão.
Como a violência na escola pode ocorrer de modo diverso, ao buscar sua
compreensão, torna-se importante analisar a influência de diferentes contextos com os
episódios no ambiente escolar (ABRAMOVAY, 2006). Nesse sentido, avaliei oportuno
explicitar primeiramente o que se entende por violência e como é possível definir um caráter
violento de um ato de violência no meio escolar. De acordo com a bibliografia pesquisada, a
definição do caráter violento de um ato depende dos valores culturais de cada grupo social,
das circunstâncias em que foi praticado e até de disposições subjetivas. Assim, em qualquer
campo do conhecimento, seja na filosofia, seja na sociologia ou na educação, a precisão em
torno do conceito de violência é problemática.
É nesse aspecto que Marilena Chauí (1999) conceitua a violência, apresentando-a
como todo e qualquer ato de constrangimento que transforma seres racionais em irracionais.
Seu pensamento constitui campo fértil para se pensar a violência de forma abrangente:
Violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico ou psíquico contra alguém
e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação,
pelo medo e pelo terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e
sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é,
irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos Violência é todo ato de força,
contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém. É coagir, constranger,
torturar, brutalizar (CHAUÍ, 1999, p. 3).
52
para Arendt (1994, p. 41), “a violência é por natureza instrumental, como todos os
meios, ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja”. Além do
mais, o perigo da violência, mesmo se ela se move conscientemente dentro de uma estrutura
extremista ou não extremista de objetivos de curto prazo, sempre será o de que os meios se
sobrepõem ao fim.
Essa compreensão é reforçada por Roberto DaMatta (1981, p.13) ao afirmar que “a
violência parece transformar-se em moeda corrente do mundo cotidiano”. O autor diz que no
Brasil a violência é concebida como algo injusto, uma ação que configura uma ausência de
boa vontade, tranquilidade, estabilidade e confiança. Uma violência concreta voltada contra
um ser humano papável, tangível e real e não contra um grupo ou classe definidos por meio
de critérios políticos ou econômicos.” (op. cit., p.25). A crença num mundo passível de ser
entendido e resolvido pela palavra e pelo diálogo ainda apresenta-se timidamente. Para
DaMatta a “violência brasileira é um modo permanente de relacionar e de buscar a totalização
dentro de um sistema vivido e percebido como fragmentado, dividido e dotado de éticas
múltiplas” (p. 42).
Buey (2000, p.164) concorda com DaMatta ao dizer que “a violência é a ‘comadrona
da história. Às vezes a história avança pelo seu lado mal. As guerras são parte desse lado
mal”. O autor quer chamar atenção para o reconhecimento do papel dos diversos tipos de
violência na história, seja ela individual, estatal ou social e de suas implicações para os
indivíduos e nações que são submetidos ao terrorismo individual, às guerras, à pena de morte,
à fome.
A violência, hoje, na humanidade é fruto do desmoronamento de valores éticos,
políticos e sociais. O capitalismo selvagem onde existe constrói o leito da violência e a
violência como explosão social cria o caos, estrutura a horda ou o bando (FACHINI, 2006).
Dessa forma, compreende-se por violência uma prática determinada de força tanto em
termos de classes sociais quanto em termos interpessoais. Ela se manifesta, por um lado,
numa relação hierárquica de desigualdade, diferenças com fins de dominação, de exploração e
de opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre
superior e inferior; e por outro lado, como a ação que trata um ser humano não como sujeito,
mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio.
Nessa percepção, os estudos realizados por Hannah Arendt (1981) acerca da
violência, configuram-se como um excelente aporte teórico, com reflexões a partir da filosofia
política, para entender o fenômeno na sua complexidade e amplitude. Do mesmo modo, o
53
pensamento de Arendt fornece elementos de como traçar um caminho de ação no campo da
educação em vista de uma intervenção mais efetiva na realidade de violência social.
Ancorada nos autores supracitados, considero que os agentes da violência podem ser
as instituições sociais, como o Governo, a escola, a família. Também os grupos, como as
gangues juvenis ou o indivíduo isolado. Ações violentas podem acontecer significando
respostas às necessidades econômicas, culturais ou pressões grupais. Essa espacialização da
violência, portanto, dá-se na esfera pública e privada.
A violência, considerada um fenômeno comum na vida em sociedade atualmente, não
se deixa definir de maneira simples, tampouco consensual. No entanto, apesar das muitas
visões sobre o fenômeno, a ideia de violência incorporou, tradicionalmente, um conteúdo de
coerção, agressão ou violação de indivíduos ou grupos sociais no que diz respeito a sua
integridade física ou moral e a seus direitos.
Nesse contexto social violento e de profundas desigualdades sociais que marca a
sociedade brasileira, diferentes são as características e formas de apresentação de violência.
Entre elas a violência na escola se apresenta como um problema atual para a sociedade e
centra-se nas proporções inéditas que o fenômeno vem assumindo e se lança na forma de
preocupações e insegurança aos diretores, estudantes, professores, pais e sociedade.
2.2.1. Violência na escola
Com referência à violência na escola, é um tema que comporta múltiplos enfoques.
Caracteriza-se por diversas manifestações no cotidiano escolar, praticadas por e entre
educandos, professores, diretores, funcionários, familiares, ex-educandos, moradores da
comunidade, estranhos que se encontram na escola.
Segundo Fukui (1991, p. 68-76), essas manifestações da violência costumam ocorrer
“dentro da escola, no pátio, quadra, salas de aula, no portão de entrada da escola, na via
pública em frente à escola”. Com efeito, esses atos de violência sempre envolvem indivíduos
pertencentes à escola, tanto como vítimas quanto como agressores como se verá mais adiante.
Na perspectiva de melhor compreender as formas de manifestação da violência, optei
por apresentar a descrição de violência na escola a partir do pensamento de Abramovay e Rua
(2002), em diálogo com pensamento de alguns pesquisadores com relação à temática,
buscando sinalizar aspectos interessantes sobre as suas implicações no ambiente escolar.
54
Abramovay e Rua (2002) sustentam que existem várias concepções de violência na
escola. A violência física, que ocorre de um indivíduo ou grupo contra a integridade de
outro(s) ou de grupo(s) e também contra si mesmo, abrangendo desde os suicídios,
espancamentos diversos, assaltos, homicídios, estupros, ferimentos, roubos, porte de armas
que ferem, sangram e matam. Manifestam-se ainda pelas drogas, incentivo ao uso, à venda, à
distribuição de álcool, tabaco, maconha, cocaína, crack, merla e outros, além das diversas
formas de agressões sexuais. Quanto a essa última, Chesnais (1981) apud Abramovay e Rua
(2002) chamam a atenção que pode resultar em danos irreparáveis à vida dos indivíduos e,
consequentemente, exige a reparação da sociedade mediante a intervenção do Estado.
A segunda concepção referida pelas autoras, a violência simbólica, está ligada à idéia
de autoridade, possuindo forte conteúdo subjetivo. Apresenta algumas particularidades, como
forma verbal, manifesta-se pelo abuso do poder, baseado no consentimento que se estabelece
e se impõe mediante o uso de símbolos de autoridade; forma institucional, instaura
marginalização, discriminação e práticas de assujeitamento utilizadas por instituições diversas
que instrumentalizam estratégias de poder. Apoiada nas teorias de Debarbieux (1998),
Abramovay e Rua sustentam que
[...] as incivilidades são violências antissociais e antiescolares silenciadas e
banalizadas para proteção da escola, tomando muitas vezes a forma de violência
simbólica. Permitidas por um poder que não se nomeia, não se deixa assumir como
conivente e autoritário. Assim, professores não veem, o reclamam e as vítimas
não são identificadas como tais (ABRAMOVAY & RUA, 2002, p. 75).
Por último, a autora faz referência à violência verbal, que se manifesta por meio das
incivilidades (pressão psicológica) caracterizadas como humilhações, palavras grosseiras,
desrespeito, desacato, indelicadeza, humilhações, intimidação ou prática de bullying, objeto
desta pesquisa. Abramovay ainda diz que as “incivilidades contra as pessoas podem tomar a
forma de intimidações físicas (empurrões, escarros) e verbais (injúrias, xingamentos e
ameaças)” (p. 74).
Porém, independente das consequências que as formas de violência possam provocar,
Chesnais (1981) defende que somente a violência física encontra amparo nos códigos penais e
nas perspectivas profissionais, tais como médicas e policiais. Assim, “a violência física é que
significaria de fato agressão contra as pessoas, já que ameaça o que elas têm de mais precioso:
a vida, a saúde, a liberdade” (apud ABRAMOVAY & RUA, 2002, p. 69).
Quanto à conceituação da violência na escola, Bernard Charlot (1997) afirma que
dificuldade em delimitá-la porque ela desestrutura as nossas representações. Além disso, a
55
fronteira aumenta devido ao fato de que o significado de violência não é consensual. Sua
caracterização varia em função do estabelecimento escolar, do status de quem fala (docentes,
diretores, educandos), da idade e, possivelmente, do sexo. Ante essa dificuldade de
delimitação, ele amplia o conceito de violência escolar, classificando-a em três níveis:
a) violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos;
b) incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito, xingamentos;
c) violência simbólica ou institucional: compreendida como a falta de sentido em
permanecer na escola por tantos anos; o ensino como um desprazer que obriga o
jovem a aprender matérias e conteúdos alheios aos seus interesses; as imposições de
uma sociedade que não sabe acolher os seus jovens no mercado de trabalho; a
violência das relações de poder entre professores e alunos; a negação da identidade e
satisfação profissional aos professores, a sua obrigação de suportar o absentismo e a
indiferença dos alunos (CHARLOT apud ABRAMOVAY e RUA, 2002, p.69).
Quando se aborda a violência contra crianças e adolescentes e se vincula aos
ambientes onde ela ocorre, a escola surge como um espaço significativo, principalmente com
relação ao comportamento agressivo existente entre os próprios estudantes. Lopes Neto e
Saavedra (2004) definem a violência nas escolas como sendo um problema social grave e
complexo e, provavelmente, o tipo mais frequente e visível da violência juvenil.
No âmbito dessas preocupações, entende-se que o comportamento violento, que causa
tanta preocupação e temor, resulta da interação entre o desenvolvimento individual e os
contextos sociais, como a família, a escola e a comunidade. Constata-se que, infelizmente, o
modelo do mundo exterior é reproduzido nas escolas, fazendo com que essas instituições
deixem de ser ambientes seguros, modulados pela disciplina, amizade e cooperação, e se
transformem em espaços onde há violência, sofrimento e medo.
Entretanto, apesar de não ser somente no ambiente escolar que acontecem os eventos
mais violentos da sociedade, ainda assim, neste são fenômenos preocupantes tanto pelas
consequências que diretamente infligem aos atores partícipes e às testemunhas como pelo que
contribuem para rupturas com a ideia da escola como lugar de conhecimento, de formação do
ser e da educação (FREIRE, 1996), como veículo por excelência de aprendizagem da ética, da
comunicação e do
diálogo e,
portanto,
antítese da violência,
como discutem Abramovay e Rua
(2002, p. 93):
A instituição escolar vem enfrentando profundas mudanças, com o aumento das
dificuldades cotidianas que provem tanto dos problemas de gestão e das suas
próprias tensões internas, quanto da efetiva desorganização da ordem social, que se
expressa mediante fenômenos exteriores à escola, como a exclusão social e
institucional, o conflito de valores e o desemprego.
56
Portanto a violência na escola pode ser entendida como uma construção social, que se
em meio a interações entre sujeitos no espaço escolar. Caracteriza-se como um processo
social que compreende tanto relações externas como internas, e institucionais, em particular
no que tange às relações sociais entre sujeitos diversos. Na seqüência passarei a estudar a
violência contra a escola.
2.2.2 Violência contra a escola
Em relação à violência contra a escola, concretiza-se por atos de vandalismo,
incêndios, quebras de vidro com pedrada, destruição ou furtos do patrimônio como: paredes,
carteiras, cadeiras, portas, cabos de fiação, cabos de telefone, fios, materiais e equipamentos
das instituições escolares e outros. É uma violência externa à comunidade educativa.
Abramovay e Rua (2002, p.68) referem-se a essa violência como violência econômica,
que abrangeria “somente os prejuízos causados ao patrimônio, à propriedade, especialmente
aqueles resultantes de atos de delinquência e criminalidade contra os bens, como o
Vandalismo”. A autora ainda aponta que a dilapidação do espaço e do equipamento escolar
sem furto de bens surge como um ato de reação social contra a escola. Apoiada em várias
pesquisas norte-americana afirma: “o vandalismo tem sido associado com administrações
escolares autoritárias ou alternativamente, indiferentes e omissas, bem como com gestores e
professores que não são receptivos aos educandos, com alta rotatividade do corpo docente e,
finalmente, com punições” (2002, p.281).
Classifico também como fatores geradores da violência contra a escola, o porte de
arma por parte dos educandos, com o intuito de defesa própria ou para ameaçar ou ferir
colegas ou educadores. Também porte de arma por educandos de outras escolas para resolver
situações de conflitos dentro da escola que surgem fora do espaço escolar.
Além dos atos de violência mencionados, o se pode omitir nesse conjunto de
práticas violentas contra a escola, a pressão que os gestores, educadores, funcionários são
submetidos por parte das representações das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.
Exercem o seu trabalho em extrema precariedade e instabilidade, estando, por isso, muitas das
escolas em situação de verdadeiro estrangulamento: faltam móveis escolares, materiais
didáticos, comprometendo a qualidade do ensino, ao mesmo tempo em que coloca em risco
todo o trabalho desenvolvido nesses anos e, até mesmo, o seu funcionamento (CODO &
VASQUES-MENEZES, 2000).
57
Por outro curso, outra chaga enfrentada pelas escolas públicas é a rotatividade do
corpo docente, a escassez de concursos, os contratos com baixos salários durante cada ano
letivo, formando um conjunto que vai aos poucos gerando a insatisfação com a profissão
(OSNIR, 2008; PASSOS, 2004), como será aprofundado posteriormente.
É evidente que estudantes com baixo rendimento escolar tendem a perder o interesse
pela escola. Essa perda de interesse, por sua vez, leva ao descuido com o patrimônio material
da instituição escolar e ao abandono do desejo de permanecer nela. Para os professores,
muitas vezes, a saída está em carreiras fora do magistério, quando pelo desencantamento
profissional, desistem de lutar contra o esgotamento (nervoso) gerado nas salas de aula pela
falta de condições materiais, psicológicas e humanas de trabalho.
No tópico a seguir, buscarei por meio do pensamento de alguns autores, explicar a
prática da violência oriunda da escola.
2.2.3 Violência da escola
Com relação à violência da escola, também se concretiza de forma visível e simbólica,
escondendo-se sob o nome de “evasão”, “reprovação”, “desistência”, “transferência”,
promovida pelos próprios educadores, por meio de regulamentos opressivos, currículos e
sistemas de avaliação inadequados à realidade de uma comunidade escolar, tornando-a
discriminatória e hostil aos estudantes (AQUINO, 1996). Nesse ambiente, muitas vezes,
intensifica-se a violência que a criança sofre no seu cotidiano familiar e social.
Hoje, a própria estrutura de nossas escolas encerra violência quando eliminam, não
oportunizam a aprendizagem de acordo com as necessidades e culturas que o próprio
estudante traz. Isso se quando a violência verbal, por parte de alguns professores, priva a
criança ou o adolescente de seus direitos, quando o espaço de direito para o estudante não é
respeitado, ficando o professor com poderes de decidir se é “bom aluno” ou não. Nesse
contexto, existe uma noção de ordem que concebe a realização da educação a partir da
disciplina, ordem (ENGUITA, 1989), obtendo como resultado o “aluno educado e
domesticado” (LUZ, 1991; FREIRE E SHOR, 1986). Como arremata Passos (2004):
Sob sinos, patrulhas, proibições, postam-se vigiais nas portas e nos corredores: as
culturas dessas escolas estão em estado de sítio. Nessas escolas, os conselhos de
classe mal escondem a semântica inusitada dada ao termo: ‘classe’! Suas reuniões
com os pais apenas escondem, de forma polida, relações assimétricas e de
esfolamento vivo de alunos e pais. Administra-se nelas uma ditadura de classe, de
58
proprietários do espaço e do conhecimento legitimado versus despossuídos de
conhecimentos não autorizados (PASSOS, 2004, p.50).
Diante dessa perplexidade instalada em nossas escolas, Patto (1993) diz que os altos
índices de evasão e repetência, que constituem o chamado “fracasso escolar”, não podem ser
explicados apenas com referência às condições de pobreza dos educandos ou por suas
carências afetivas e culturais. Esse fracasso é resultado de políticas públicas que, no decorrer
de nossa história, foram sendo improvisadas, ineficientes e perversas, com práticas
centralizadoras e concepções curriculares e pedagógicas conservadoras. Nestas também se
percebe
uma crescente
desvalorização
profissional dos professores.
Tais políticas geraram uma
escola incapaz de olhar para si mesma,
dependente e obrigada a receber orientações quase
prontas,
de fora
para dentro,
de cima
para baixo,
contribuindo para a
docilização e apatia.
Nesse sentido, Abramovay & Rua (2002, p.69) asseguram que essas práticas
discriminatórias existentes quase que diariamente na escola revelam-se situações violentas do
tipo “magoar, ferir, agredir por falta de respeito”, não envolvem diretamente a força, mas
caracterizam-se por ações de força que instauram o medo, a marginalização, o desinteresse
pela escola e pela aprendizagem. Para crianças e jovens, sinalizam como atos de violência por
parte dos professores, favorecendo a repetência e, logo, a evasão escolar (OLIBONI 2008).
Por outro lado, a desvalorização e o despreparo do professor, o desinteresse pela formação
continuada, a insatisfação, a indiferença, a falta de estímulo dos estudantes são situações
potencializadoras de violências.
Insiste-se que a violência simbólica cumpre o papel de coagir para que haja no
indivíduo uma internalização dos meios de socialização. Tal ação sintoniza-se com o
pensamento de Durkheim (1978) para quem a educação, para ser efetivada, exige certa
medida de coerção para a transmissão de conteúdos próprios à formação de condutas.
Todo esse autoritarismo da instituição escolar foi sintetizado em um estudo realizado
por Adorno:
[...] a memória de uma violência incontida que somente pode resultar em respostas
violentas, em um aprendizado que a escola pretende justamente negar e conter. Mas
do que qualquer outro espaço institucional, a escola se apresenta a essas e crianças e
adolescentes como uma espécie de castigo modelar do comportamento. Um castigo
que deve ser sofrido com resignação. Não são poucas as queixas. O aprendizado
imposto que nada diz respeito ao mundo próximo e conhecido. A humilhação a que
são submetidos pelo não saber, pela ausência de tradição de frequência escolar na
família, pelas origens populares. As provas a que se sujeitam para confirmar
pertencimento no gênero humano e a recusa de um espetáculo de antissociabilidade.
A violência que subjaz as relações sociais e que exclui o diálogo e a compreensão.
Autoritárias essas relações não dissimulam as formas agressivas de preservação da
disciplina [...] esse universo, a baixa escolaridade e a evasão escolar, antes de serem
59
características peculiares de jovens e crianças que trilham a delinqüência, são o
produto de funcionamento do aparelho escolar (ADORNO, 1991, p.80).
Feitas essas considerações, avalio que a instituição escolar não pode ser vista apenas
como reflexo da opressão, da violência, dos conflitos que acontecem na sociedade. Acredito
não ser nenhum equívoco afirmar que as escolas também produzem sua própria violência:
A escola deve buscar, através de uma avaliação constante, superar a dicotomia que
normalmente ocorre entre seu discurso e sua prática: quer formar aluno ativo, mas
concentra as iniciativas no professor; quer formar aluno responsável, mas não lhe
oportunidade de assumir responsabilidade; quer formar aluno autônomo, mas não dá
oportunidade de tomar decisões; quer que o professor desenvolva a autonomia dos
alunos, mas trata esse mesmo professor de forma heterônoma (VASCONCELLOS,
2005, p.61).
Compreende-se a violência como um fenômeno com sérias consequências individuais
e sociais particularmente para crianças, jovens e suas famílias. Contemporaneamente, é
consenso que a violência pode ser evitada, seu impacto minimizado e os fatores que
contribuem para respostas violentas mudados. Segundo Debarbieux e Blaya (2002), não se
trata de uma questão de fé, mas de uma afirmação baseada em evidências. Exemplos bem
sucedidos podem ser encontrados em todo o mundo, desde trabalhos individuais e
comunitários em pequena escala, até políticas nacionais e iniciativas legislativas.
As situações de violência na escola, da escola e contra a escola afetam drasticamente a
sua identidade própria. Essa instituição deve ser lugar de sociabilidade positiva, onde se
devem ensinar os valores éticos e formar espírito crítico “[...] pautados no diálogo, no
reconhecimento da diversidade e na herança civilizatória do conhecimento acumulado”
(ABRAMOVAY & RUA, 2002, p. 300).
Contudo, há necessidade de os gestores e educadores serem capacitados para lidar com
os casos de violência, que influenciam diretamente no processo de ensino-aprendizagem, seja
pela desmotivação, baixa autoestima e/ou baixa no rendimento escolar, responsável por
grande parte da evasão escolar. Por isso, a violência da escola, hoje nomeadamente o bullying,
deveria merecer maior atenção da escola para uma possível redução desse fenômeno.
60
III CAPITULO: O sentido do fenômeno bullying: revisando a literatura
Conforme abordado anteriormente, a violência, nos últimos anos, tem crescido no
mundo todo. É um fenômeno que está presente nos diferentes espaços de interação social e
para compreendê-la adequadamente é preciso considerar os diversos aspectos que a
envolvem: culturais, políticos, econômicos, institucionais, sociais e individuais.
O bullying é um fenômeno mundial tão antigo quanto a escola. A gravidade da
fenomenologia bullying começou a ser estudada com grande interesse na década de 70 do
século XX na Suécia, e logo em seguida estendeu-se para vários países. Porém, o fenômeno
teve uma abordagem mais intensa na década de 80, com Dan Olweus, professor da
Universidade de Bergen na Noruega.
O fato que o levou a empreender esses estudos foi o suicídio de três crianças entre 10 e
14 anos em 1982, motivadas pela situação de maus-tratos a que eram submetidas pelos seus
companheiros da escola. Esse acontecimento teve grande repercussão nos meios de
comunicação, mobilizando o governo norueguês a fazer uma campanha nacional contra o
bullying no ano seguinte. Contudo, hoje pesquisadores que estudaram o fenômeno, incluindo
o próprio Olweus, garantem que além do suicídio existem outros aspectos, ou seja, outras
marcas relevantes que ficarão e se perpetuarão na vida da pessoa, que ora foi agressor, ora foi
vítima de bullying, se não forem bem tratadas a tempo.
Essa consideração reporta a Buey (2000, p.153) que, ao descrever as experiências
vivenciadas na guerra, diz “[...] a experiência vivida da guerra marca para sempre as pessoas,
com um sentido e término tão ambíguo que atinge gerações”. Isso relacionado ao bullying,
pode-se dizer que as marcas deixadas no psiquismo da pessoa envolvida, de sua família,
quanto das escolas permanecerão por gerações.
O termo bullying de origem inglesa, é empregado para descrever atos de violência
física, psicológica, intencionais e repetidas, cometidas por sujeitos sozinhos ou em grupo.
Pesquisas mostram que as atitudes agressivas e violentas como xingar, bater, empurrar eram
consideradas brincadeiras entre estudantes, e percebidas como irrelevantes pela maioria dos
educadores e pais. Porém, atualmente, constata-se que essas brincadeiras causam enorme
prejuízo à vítima dessa situação. Hoje esse fenômeno está sendo enfrentado de forma mais
séria pelos especialistas que designam esse tipo de conduta como bullying.
Estudos indicam que as simples brincadeirinhas de mau-gosto de antigamente, hoje
nomeada
bullying,
podem revelar-se
em uma
ação muito séria.
Causam
desde simples
61
problemas de aprendizagem até sérios transtornos de comportamento responsáveis
por índices de suicídios e homicídios entre estudantes (SILVA, 2006, p. 02).
Preocupada com a disseminação desse tipo de violência, a ABRAPIA (Associação
Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência) entre os anos de 2000 e
2004, por meio de pesquisas constatou que 40,5% dos educandos admitiram estar envolvidos
em bullying, revelando igualmente que esse fenômeno se faz presente com índices superiores
aos países europeus.
Lopes (2005) alerta que, paralelamente à prática do bullying nas escolas, ocorre a
manifestação do cyberbullying, considerado um perigo anônimo, uma vez que se manifesta
silenciosamente pela Internet. Para ele, o cyberbullying ocorre através da ameaça eletrônica
por celulares ou internet, nos quais os estudantes utilizam-se de mensagens e e-mails
difamatórios, ameaçadores, assediadores e discriminatórios, provocando agressões” (p. 166).
Essa modalidade vem preocupando especialistas e educadores, por seu efeito
multiplicador do sofrimento das vítimas e pela velocidade em que essas informações são
veiculadas. As modernas ferramentas da internet e de outras tecnologias de informação e
comunicação móveis ou fixas, conhecidas como orkut, msn, blogs, flogs, chats e celulares,
são os instrumentos utilizados para disseminar essa prática com intuito de maltratar, humilhar
ou constranger. Esta é uma forma de ataque perverso, que extrapola em muito os muros das
escolas, ganhando dimensões incalculáveis. Muitos adolescentes e jovens transferem para a
internet textos e fotos comprometedores das agressões que ocorrem dentro da escola e no seu
entorno, transcendendo os limites da instituição de ensino. Atormentam os colegas com
agressões físicas e verbais para isolá-los dos outros, espalham rumores e boatos sobre os seus
colegas e suas famílias, até mesmo sobre os profissionais da escola.
Considerando que o termo bullying compreende todas as formas de atitudes
agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um
ou mais estudantes contra outro, buscar compreender o fenômeno para criar estratégias de
enfrentamento, sem punições, tornou-se um desafio para os gestores, coordenadores,
professores, a família bem como para toda a sociedade.
3.1 Entendendo o bullying no cenário escolar
Nos últimos tempos, a violência vem ocupando um espaço privilegiado em nosso
ambiente, por meio de vários canais, como a televisão, a internet, o cinema. No cenário
62
escolar, espaço reservado para a educação e construção de valores, a presença de atos
violentos é constante, mesmo que se exprima de formas diferenciadas (FANTE, 2005). O
fenômeno é mais antigo do que se pensa. Vários países como França, Canadá e Estados
Unidos há muitos anos vêm pesquisado a incidência da violência dentro da escola.
Com relação ao Brasil, Abramovay e Rua (2002) afirmam que os estudos sobre a
problemática da violência nas escolas serviram de referência para dar início nos primórdios
dos anos 80 do século XX, ao debate sobre essa temática, no qual pesquisadores procuravam
explicações para o crescimento das taxas de violência e crime. Os resultados obtidos desses
estudos demonstraram que as principais formas de violência na comunidade escolar eram
relativas às
ações contra o patrimônio,
como as depredações e as pichações.
A partir
da década
de 90, destacaram-se as formas de agressão interpessoal, principalmente entre os estudantes.
Hoje, entre as inúmeras formas de manifestação da violência no ambiente escolar, ou
seja, a violência física, verbal, cultural, social, emocional, psicológica ou outras, uma que
vem chamando a atenção de cientistas sociais, educadores, psicólogos, professores e famílias
de todo mundo. É a violência conhecida como bullying. Sua ação maléfica provoca enormes
traumas aos envolvidos, causando doenças psicossomáticas, transtornos mentais e
psicopatologias graves, além de estimular a delinquência e o abuso de drogas lícitas e ilícitas.
Fante (2005) explica que o bullying, dentre todos os tipos de violência ocorridos no
ambiente escolar, é o mais preocupante, por sua crescente disseminação entre os estudantes,
chegando a atingir forma quase epidêmica: “[...] o comportamento agressivo ou violento nas
escolas é hoje o fenômeno social mais complexo e difícil de compreender, por afetar a
sociedade como um todo, atingindo diretamente as crianças de todas as idades, em todas as
escolas do país e do mundo” (p.168).
Apesar disso, no país esse fenômeno ainda é pouco estudado. É quase desconhecido
pelas instituições educativas e equipes de atendimento. O bullying começou a ganhar espaço
em estudos e pesquisas desenvolvidas por especialistas a partir da década de 90. Importante é
registrar que precisamos encarar o bullying não como uma brincadeira, como
costumeiramente acontece, mas como algo sério e que precisa ser combatido com urgência.
O fenômeno em questão é bem peculiar, com características bem definidas. Não se
caracteriza como um conflito normal ou briga entre educandos, mas ameaças repetitivas com
violência física, verbal e psicológica que causam grandes sofrimentos. Para Fante (2005,
p.28), “alguns pesquisadores consideram ser necessários no mínimo três ataques contra a
mesma vítima durante o ano para sua classificação como bullying”, porém a pesquisa de
campo alerta para uma reflexão mais aprofundada sobre essa teoria, uma vez que se pode
63
perceber por meio das entrevistas que alguns sujeitos não precisaram passar por situações
bullying três vezes ou mais para ter a sua vida afetada. Bastou uma vez para que os apelidos
desairosos, as discriminações que lhes foram imputadas deixassem marcas muito profunda.
Observa-se ainda que essas manifestações do bullying frequentemente ocorrem longe
das vistas de um adulto (CAVALCANTE, 2004), expressando a dificuldade em reconhecer
a sua existência. Os estudos de Pereira (2002) apontam que os locais em que mais ocorrem
essas provocações, tanto nas escolas de ensino público quanto particular são: pátio,
corredores, salas de aula, saída, banheiros, pois esses locais são de pouca fiscalização por
parte dos profissionais da escola.
Certamente o desconhecimento que o fenômeno se manifesta de forma diferente de
acordo com os contextos sociais, tempo, espaço, locais, público podelevar as instituições
educativas a agirem de maneira perversa sobre os sujeitos, a exemplo das concebidas
“instituições totais” descritas por Goffman (2001). Isso ocorre a partir do momento que estas
desconsideram a condição social e emocional, os traços biológicos, a cultura apreendida em
sua realidade, inibindo a evolução desse sujeito de forma autônoma.
Embora tenham ocorrido grandes mudanças na sociedade em todas as esferas da vida
humana, ainda hoje muitas instituições educativas se enquadram numa visão goffmaniana,
podendo ser consideradas como instituições totais ou, mais precisamente, com grande
tendência às praticas tradicionais do passado. Por falta de conhecimento ou desinteresse
acerca das conseqüências das ações do bullying, dentro de muitas delas, as iniciativas de
debates acerca da temática, como veremos mais adiante, são muito tímidas. Tal indiferença
leva os educandos, vítimas de atos de bullying, em muitas situações, a crerem que são
merecedoras de diferentes tipos de violência caracterizadas como bullying. Por não
encontrarem apoio nesses momentos trágicos, que constrangidos tentam expressar o que
vivenciam no relacionamento com os colegas, optam pelo silêncio, ficando confinados à sua
própria dor e sofrimento.
Nesse sentido, Lopes Neto (2005) alerta que pior do que a falta de providências é a
falta de entendimento e atendimento adequado aos casos. Embora a responsabilização seja
obrigatória, melhor do que punir ou reprimir é caminhar em direção a uma compreensão mais
profunda do problema, agindo na prevenção para evitar que novas vítimas e culpados surjam.
Por outro lado, a falta de conhecimento sobre o tema pode levar a um atendimento
inadequado às vítimas que procuram ajuda.
Nessa compreensão, o papel da família e dos professores, bem como de toda a escola
deve ser auxiliar as crianças e adolescentes a conviverem com as diferenças por meio do
64
trabalho com valores essenciais à convivência humana, considerados apoio na redução dos
preconceitos. Não existe educação sem relacionamento com os outros. “[...] as relações se
constituem a “alma” dos grupos” (GUARESCHI, 2005, p.65). Para o autor, o que
fundamento a um grupo, seja ele familiar, escolar, religioso, esportivo, empresarial, entre
outros, “[...] é a existência, ou não, de relações entre as pessoas, os membros, os possíveis
componentes do grupo” (p. 64). Nesse sentido, ao ampliar a discussão sobre a questão da
relação e da individualidade, Guareschi, além disso, acena aspectos importantes:
Relação é o ordenamento, o direcionamento intrínseco, isto é, do próprio ser, em
direção a outro ser. Mas esse ser, essa realidade, continua “uma”, com a diferença
que nela algo que, necessariamente, isto é, na sua própria definição, o obriga a se
ligar a outro, a incluir em si um outro, ou outros (GUARESCHI, 2005, p. 61).
Percebe-se, de tudo o que se tem dito, que o educando define a sua identidade
autônoma e participativa a partir da relação que constrói com os outros indivíduos no espaço
escolar e fora dele. Isto é, cada pessoa se completa e se efetiva no relacionamento construído
com os que estão em seu entorno, que fazem parte da sua convivência. É na relação entre o eu
e o outro que se constrói a identidade autônoma e livre. No dizer de Freire (2000, p.121), a
formação da “[...] autonomia, como amadurecimento do ser para si, é um processo, é vir a
ser”. Por isso a autonomia é experiência de interações construídas e de liberdade.
Ancorada em tais considerações, pode-se admitir que o ser humano é determinado pela
relação que estabelece com o meio: transforma e é transformado por meio da interação.
Assim, a relação entre a pessoa e as instituições educativas é concebida de forma dialética.
Entretanto, o ser relação não é apenas reflexo do meio. A capacidade de interagir com o meio,
também as condições não apenas de compreendê-lo criticamente, mas, também, a
possibilidade de libertar das suas amarras e transformá-lo. Com certeza esse poder é relativo.
Estamos todos sujeitos às intempéries dos fatos cotidianos, contudo creio que, no trabalho
realizado coletivamente, maiores são as possibilidades de redução das formas de violência.
A instituição escolar, pelo alto nível de interação cotidiana com o meio social, por
meio dos seus principais integrantes, estudantes, professores, funcionários e amigos, reflete
muito bem a problemática da violência, reproduzindo aspectos de ordem social. Sua principal
função é ensinar, desde a infância, padrões de comportamento, conceitos bons, verdadeiros e
adequados a respeito dos mais diversos aspectos da vida social, política, econômica, cultural e
religiosa. Porém, a escola, a partir da sua organização e inserção no meio social com a
comunidade local, pode desencadear ações de prevenção e combate à violência a partir dela
65
própria, por meio de projetos e programas específicos entre professores, famílias, educandos e
com aqueles que estão à sua volta.
Sou ciente que reduzir e prevenir a violência que vem se disseminando na escola
expressa pela prática do bullying é tarefa árdua, a curto, médio e longo prazo, visto que a
problemática é um fenômeno complexo, tendo inúmeras causas determinantes e diversas
formas de manifestação. No entanto, creio que ainda é possível e necessária a sua prevenção a
começar pela própria escola e desta para as outras instituições educativas. O desafio é
sensibilizar toda a comunidade educativa para a existência do problema e coletivamente criar
estratégias para reduzir as ocorrências do bullying no espaço escolar.
3.2 A definição do termo bullying enquanto problemática
O termo bullying é de origem inglesa, adotado em muitos países, entre eles o Brasil,
para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar ou ridicularizar outras pessoas e
colocá-las sob tensão. É um termo que conceitua os comportamentos agressivos e antissociais.
Tem origem na palavra bully, que é traduzido como valentão, tirano, atacante e, como
verbo, significa ameaçar, amedrontar, tiranizar, oprimir, intimidar, maltratar.
Ações repetidas de violência contra os pares, enquadradas no fenômeno do bullying,
não são descoladas das trajetórias vivenciadas pelas crianças. Também não revelam
manifestações recentemente identificadas. Sendo assim, entendo o bullying como um
[...] conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou
mais alunos contra outro(s), sem motivação evidente, causando dor, angústia e
sofrimento. É caracterizado por sua natureza repetitiva e por desequilibro de poder.
Insultos, intimidações, apelidos cruéis e constrangedores, gozações que magoam
profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam
e infernizam a vida de outros alunos, a ponto de excluí-los do grupo, além de danos
físicos, morais e materiais (OLWEUS, 1998, p. 24).
Em outros países, são utilizados outros termos para definir as características próprias
do fenômeno. Ressalto que esses termos são usados com significados e conotações diferentes,
conforme demonstra Fante (2005):
Mobbing é um deles, empregado na Noruega e na Dinamarca; mobbning, na Suécia
e na Finlândia
4
. [...] Na França, denominam harcèlement quotidién; na Itália, de
4
Sua raiz inglesa, mob, refere-se a um grupo grande e anônimo de pessoas que geralmente se dedica ao assédio.
Quando, porém, uma pessoa atormenta, hostiliza ou molesta uma outra, o termo utilizado para caracterizar esse
comportamento é mobbing. [...] mobbing é empregado para definir uma situação na qual um indivíduo, sozinho
ou em grupo, ridiculariza um outro
.
66
prepotenza ou bullismo; no Japão, é conhecido como yjime, na Alemanha como
agressionem unter shülern; na Espanha, como acoso y amenaza entre escolares; em
Portugal, como maus-tratos entre pares (FANTE, 2005, p. 27 e 28).
Diferentemente, sobre termo violência, há certo consenso entre os estudiosos do
bullying quanto à sua definição. Na literatura revisada que traz certa semelhança quanto à
definição do bullying, estão Olweus (1998), Pereira (2002), Costantini (2004), Fante (2005),
Beaudoin e Taylor (2006), Guareschi (2008). Essa revisão permite fazer uma grande distinção
e diferenciação entre bullying e outras formas de violência: com características diferentes de
outras formas de agressão, o bullying tem continuidade no tempo, não acontece de forma
esporádica. Nessa forma, os alvos/vítimas estão marcados, visados e vigiados pelos agressores
e, quando agridem, sabem exatamente como será feita a agressão.
Obviamente, também há um consenso de que se trata de um fenômeno que não é
exclusivo de um único ambiente. O bullying pode se manifestar em qualquer lugar onde exista
relação interpessoal, ou seja, na família, na escola, no trabalho, no bairro, no clube, nos asilos
de idosos, nas prisões, nas Forças Armadas, academias de ginástica. Manifesta-se de formas
variadas conforme o tempo, espaço e as pessoas que nele estão envolvidas.
O primeiro a relacionar a palavra bullying ao fenômeno foi Dan Olweus, conceituado
pesquisador da Universidade de Bergen, na Noruega. Ele desenvolveu alguns critérios para
detectar o problema, permitindo diferenciá-lo de outras possíveis interpretações como
incidentes, gozações ou brincadeiras próprias da idade (FANTE, 2005). Ao pesquisar as
tendências suicidas entre adolescentes, Olweus descobriu que a maioria desses jovens tinha
sofrido algum tipo de violência e que, portanto, era preciso estudar o fenômeno.
No Brasil, observa Pereira (2002, p.16), ainda não existe termo equivalente, sendo
adotado relacionado ao “termo agressividade”, porém alguns estudiosos do assunto o
denominam "violência moral", "vitimização" ou "maltrato entre pares", uma vez que também
se trata de um fenômeno de grupo em que a agressão acontece entre pares. Conforme o autor:
A designação do bullying na língua portuguesa carece de um conceito que
identifique simultaneamente os atributos de personalidade dos sujeitos que
associamos aos incidentes agressivos e às características que os comportamentos
desses mesmos sujeitos assumem (PEREIRA, 2002, p.16).
Independentemente da insuficiência do vocabulário brasileiro para representar o
fenômeno, não se invalida a legitimidade do problema e seu quadro crônico. Todavia, faz-se
impossível não questionar a perspectiva comportamentalista e dissociada da complexidade
requerida para sua compreensão. Uma lógica linear, determinista e punitiva pouco
67
acrescentará à restrita literatura sobre o bullying. “Precisamos de um princípio de
conhecimento que não somente respeite, mas também revele o mistério das coisas”, afirma
Morin (2000, p.34) ao abordar a complexidade na educação.
No decorrer do estudo, apresentarei mais profundamente quais são as implicações,
tanto para agressores, para vítimas do bullying quanto para os expectadores no ambiente
escolar e na sua vida adulta. No momento, discuto as causas desencadeadoras do bullying no
ambiente escolar, levando em consideração as mudanças sociais ocorridas.
3.3 Causas do bullying no ambiente escolar
As principais causas que possibilitam a disseminação dos atos bullying no ambiente
escolar, de acordo com a literatura revisada, estão relacionadas a fatores de ordem social,
econômica, cultural e pessoal.
Segundo alguns estudiosos do fenômeno, como Olweus (1978), Lopes Neto (2005),
Fante (2005) e outros, a prática de bullying pode ser decorrente da carência afetiva, ausência
da família por causa de empregos externos e/ou abandono por parte dela (omissão e
negligência), ausência de limites e permissividade às crianças e juventude de hoje. Somam-se
a estas, na percepção de Debarbieux e Blaya (2002), o modo de afirmação dos pais através de
“práticas educativas”, como maus-tratos físicos, castigos corporais severos, exposição às
inúmeras cenas de violência. Estas se configuram como fator relevante para a manifestação da
violência entre crianças e jovens, podendo ser produzidas e reproduzidas no ambiente escolar
quanto em outros espaços sociais.
Também Fante (2005) e Levisky (1997) situam a violência familiar como componente
gerador de violência, em decorrência das transformações pelas quais vem passando. Esta pode
ser um forte prenúncio da violência escolar, inclusive do bullying, visto que esse espaço, a
família, por excelência é o meio social predominante na vida das crianças.
Outro fator apontado por Sposito (1998), que explicaria a violência, é a extrema
distribuição desigual de renda, ao lado da convivência no mesmo espaço de dois mundos:
excluídos e incluídos. Esta se apresenta como uma das molduras propícias às relações de
violência e suas consequências sobre a escola.
Fante (2005, p.169) concorda com Sposito ao afirmar que a “[...] própria estrutura
social e seus princípios competitivos contrastam com a situação de desemprego e com o
desenvolvimento pessoal do jovem, propiciando comportamentos agressivos e violentos”.
68
Porém, Freire, Simão e Ferreira (2006) chamam atenção que a violência não está ligada
diretamente à condição social, visto que ela não é mais exclusividade de nenhuma classe
social, mas sim disseminada em todo o tecido social.
A fenomenologia da pobreza e do abandono evidentemente não é mais a mesma de
décadas atrás. Mudou, e o pior, mudou no sentido menos desejável: ampliaram-se os
horizontes da miséria material, moral, espiritual, a crise endêmica da família. Por outro lado a
própria família normal progressivamente diminuir os espaços de sua ação educativa por
uma sociedade sempre mais avassaladora, através da prepotência dos meios de comunicação
de massa (mass-media) e sempre menos mediadora de valores humanos.
Fante (2005) aponta também as interações sociais, socioeducacionais e as expressões
comportamentais agressivas manifestas nas relações interpessoais. Abramovay (2003) refere-
se ainda aos fatores raciais e de gênero, à perda de referencial entre os jovens, ao surgimento
de ‘galeras’, ‘gangues’, à perda de espaços de sociabilidade e, por consequência, a inversão de
valores, atitudes e vida social, que, no dizer da autora, contribuem para a banalização da vida.
Além disso, Levisky (1998) e Minayo (1999) chamam a atenção para a influência dos
Meios de Comunicação Social na propagação da violência, sobretudo na escola, inclusive
com relação às práticas do bullying. Eles evidenciam o papel da televisão, da Internet, da
telefonia móvel (celular), do consumismo exacerbado. Caracterizam-nos como condicionantes
para a violência, visto que são propagados a todo o momento, em diversos tipos de
programas, entre eles, filmes e novelas. Atualmente, até mesmo os desenhos animados,
destinados às crianças, fazem referência à violência, estimulando a subjugação e a dominação.
Nesse sentido, Gomide (2000) sustenta que a violência sinalizada com grande carga
diante das crianças e dos adolescentes, e a partir da vivência da mesma, gera o surgimento de
pensamentos e ações bizarras que podem levá-los ao autoextermínio, como também à
reprodução da mesma na interação em outros espaços sociais, tais como a escola, a família.
Igualmente a escola considerada como uma instituição de interação pessoal e social é
vista como uma causa de violência segundo Patto (1993) e Abramovay & Rua (2002). Na
percepção dos autores, esta muitas vezes dissemina a violência por suas regras, disciplina dos
projetos pedagógicos, pelo impacto do sistema de punições e pelo comportamento dos
professores em relação aos estudantes e à prática educacional em geral. Também a escola
muitas vezes desconsidera a experiência social, cultural e afetiva dos educandos, produzindo e
reproduzindo a violência verbal e psicológica, ao mesmo tempo em que intimida a construção
do saber necessário à convivência na escola quanto na sociedade.
69
Pode-se dizer que, pelos estudos apresentados acima, foi possível vislumbrar uma
série de razões que possibilitam crianças e jovens a praticar a violência. É importante lembrar
que não se configuram como regras imutáveis, o apenas possíveis explicações encontradas
nesses estudos concretizados. Porém, uma coisa não é possível deixar de refletir, a violência é
prejudicial tanto para quem a sofre, como para quem a pratica ou mesmo para quem a
presencia. Esse mal-estar rompe com os princípios éticos da sociabilidade humana.
Considera-se ainda que os fatores desagregação familiar, pobreza, distribuição de
renda, se analisados isoladamente, não conseguem explicar a violência, visto que não
regras estabelecidas que ofereçam explicações eficientes sobre a violência na atualidade, uma
vez que ela está disseminada em todos os meios sociais. Parece correto dizer que é a
somatória desses determinantes, da crescente globalização, do consumismo pregado pela
mídia, a escolaridade precária da maioria, o desemprego e o subemprego, a banalização e
naturalização da violência nos filmes e novelas, entre muitos outros. Essas variáveis talvez
consigam explicar o crescimento da violência atual, sobretudo, com relação ao bullying.
3.4 Formas de envolvimento dos educandos com a prática do bullying
Dentre os diferentes papéis desempenhados pelos educandos que se envolvem com a
prática do bullying, de acordo com vários estudiosos do fenômeno, entre eles Fante (2005),
Guareschi (2008), Costantini (2004), Olweus (1978), Pereira (2002), é possível, defini-los
como agressor, vítima, vítima/agressor e espectador. Porém, neste estudo, adotei a forma de
classificação utilizada pela ABRAPIA
5
(2004), uma vez que ela, identificando os estudantes
envolvidos com o bullying por: autor, alvo, alvo/autor e espectador, teve o cuidado de não
rotulá-los, evitando que estes fossem estigmatizados pela comunidade escolar.
3.4.1 Autor do bullying
Geralmente o autor do bullying é considerado como aquele que pela sua superioridade
física atua, particularmente, contra os colegas que não podem se defender, os mais fracos.
Pode ser de ambos os sexos. Possui um alto poder de persuasão frente a outras pessoas, é
tipicamente popular, aceitável em seu grupo de convivência, apresentando características de
5
Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência
70
liderança. Tende a envolver-se em uma variedade de comportamentos antissociais, tem
opiniões positivas sobre si mesmo, sente prazer e satisfação em dominar, controlar e causar
danos e sofrimentos a outros. Demonstra insatisfação com a escola e a família e é mais
propenso ao absenteísmo e à evasão escolar. Têm uma tendência maior para apresentar
comportamentos de risco, como consumir tabaco, álcool ou outras drogas, portar armas,
brigar (PEREIRA, 2002; FANTE, 2008; GUARESCHI, 2008; LOPES, 2005).
É importante notar que fatores individuais também possuem grande influência na
adoção de comportamentos agressivos, tais como: Impulsividade, falta de controle de
sentimentos de intolerância, baixa resistência a frustrações e ideia de superioridade perante os
outros” (GUARESCHI, 2008, p. 54), conforme ponderado pelo autor. Somam-se a isso, a
hiperatividade, os distúrbios comportamentais, dificuldades de atenção, baixa inteligência e
desempenho escolar deficiente.
Em relação à faixa etária, segundo a pesquisa da ABRAPIA (2004), não existe idade
para ser autor/agressor ou para ser vítima de bullying. Essa agressão pode começar a ser
praticada contra crianças e adolescentes muito mais cedo do que se pensa, em faixas etárias
cada vez mais baixas, como crianças dos primeiros anos de escolarização. Pesquisas recentes
revelam a sua disseminação por todas as classes sociais e apontam uma tendência para o
aumento rápido desse comportamento com o avanço da idade dos estudantes. Lopes Neto
(2005, s/d) observa que “diversos trabalhos internacionais têm demonstrado que a prática de
bullying pode ocorrer a partir dos três anos de idade, quando a intencionalidade desses atos
pode ser observada”.
Os autores reforçam que os agressores normalmente são crianças e adolescentes
dominadoras que aprenderam cedo a humilhar o colega física e psicologicamente suscetível
para ascender socialmente. Esses agressores muitas vezes praticam maus tratos com os outros,
porque percebem, através dos diferentes meios de comunicação e vivências, que agindo com
força e intimidação serão respeitados pelos demais.
3.4.2 Alvo de bullying
Os alvos típicos sofrem de forma repetida as agressões do autor que atua de maneira
intencional. Na maioria das vezes, eles são extremamente sensíveis, tímidos, inseguros,
ansiosos, passivos, possuem dificuldade de falar em público. Podem apresentar, ainda, baixa
autoestima, medo, isolamento social, aspectos depressivos, dificuldades no aprendizado,
71
baixo resultado escolar (FANTE, 2005; GUARESCHI, 2008; LOPES, 2005; LIMA, 2008).
Dessa forma, eles não conseguem reagir às provocações e sofrem repetidamente as
consequências dos comportamentos agressivos. Comumente são caracterizados pela falta de
confiança em si mesmos. Na compreensão de Pereira (2002, p.21), “as vítimas experienciam
com mais frequência pouca aceitação, rejeição ativa e são menos escolhidas como melhores
amigos e apresentam fracas competências sociais tais como cooperação, partilha e ser capaz
de ajudar os outros”.
Para Lopes (2005), o alvo de bullying geralmente é eleito por características físicas ou
psicológicas que o torna diferente dos outros: obesidade, uso de óculos, sardas, baixa estatura,
deficiência física, dificuldade de aprendizagem. Também um sotaque de outra região,
aspectos culturais, étnicos ou religiosos tornam-se ‘motivos’. A diferença tratada aqui seria
apenas um pretexto para que o agressor satisfaça uma necessidade que é suscitada nele por
diversos fatores: a de agredir.
O estigma que se pressupõe marcar os alvos de atos de bullying é possível caracterizá-
lo à luz do conceito moderno criado por Goffman (1988, p. 11) como: “Sinais corpóreos com
os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral
de quem os apresentava”. Além dessa conceituação evidenciada por Goffman na obra
Estigma(1988), neste trabalho, seguirei também as orientações do pensamento de Bauman,
à luz da obra “Modernidade e ambivalência” (1999).
Na contemporaneidade, Goffman aponta que o termo estigma é utilizado nas relações
sociais para salientar e interpretar algo mais do que um simples sinal corporal,
proporcionando à pessoa um traço de outro modo inócuo, torna-se uma mancha, um sinal de
aflição ou um motivo de vergonha. A vergonha surge quando o estigmatizado reconhece-se
como portador do atributo impuro. Ele passa, assim, a utilizar-se de estratégias em uma
tentativa de corrigir a situação que causa o estigma.
Dentre essas estratégias, Goffman (1988) pontua o isolamento, físico ou não, do
estigmatizado. Escondendo-se da sociedade ‘normal’, o portador do estigma deixa de estar
exposto à nitidez das diferenças que concorda possuir e, desse modo, passa de ser estranho e
desconfortante para um ser nulo, indiferente para a sociedade que o cerca e passivo diante da
posição que ocupa. Esses estigmas se caracterizam socialmente em afastar da sociedade os
indivíduos que possuem traços diferentes, tidos como anormais.
Bauman (1999, p. 77), com base nos estudos de Goffman, reforça que a “[...] pessoa
portadora desse traço é facilmente identificável como menos desejável, inferior, ruim e
perigosa”. O conceito indica, portanto, a inferioridade do caráter ou fraqueza moral da pessoa
72
que porta essa marca, designação atribuída pelos demais membros da sociedade, atuando
como elemento que pré-determina a conduta do sujeito.
Nesse contexto, “[...] a essência do estigma é enfatizar a diferença e uma diferença que
está, em princípio, além do conserto e que justifica uma permanente exclusão” (BAUMAN,
1999, p. 77). Essa exclusão, por sua vez, provoca uma fissura nos ideais do mundo moderno
com sua crença na onipotência da cultura e da educação, com suas constantes exortações ao
aprimoramento pessoal e o aforismo da responsabilidade individual pela construção de si
mesmo.
O processo de estigmatização atinge uma série de categorias sociais que sofrem a
marginalização e o preconceito oriundos do estigma. O estigmatizado provoca estranheza e
desconforto ao "normal", que o afasta e o desacredita como forma de lidar com o que lhe é
indesejável. A categoria e os atributos que ele na realidade prova possuir serão chamados de
sua identidade social real(GOFFMAN, 1988, p.12). Portanto, o estigmatizado é aquele que
ocupa o "lugar errado" e que, por isso, é visto como estranho e anormal. É aquele que não
atende às definições prévias de localização a que a dinâmica social estabelece sendo, deste
modo, colocado à margem, depreciado, desacreditado, recebe um tratamento estereotipado,
recebe um “estigma”.
Para Goffman (1988, p.14), isso normalmente acontece quando “[...] um indivíduo que
poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode
impor a atenção e afastar daqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção
para outros atributos seus”.
Pressuponho que se inseriram neste grupo as pessoas que possuem características
diferentes das estabelecidas como normais pela sociedade, especificamente neste estudo, o
bullying, visto que constantemente enfrentam situações de preconceito e discriminação em
decorrência de um atributo seu ligado à cor, raça, aparência, etnia, condição social, ao peso.
Os estigmas são produções sociais que se originam de atitudes carregadas de pré-
conceitos de pessoas de um grupo sobre o outro. Esse cenário torna-se propício à ampliação
das diferenças, reafirmando estereótipos que padronizam conceitos sobre um grupo,
intensificando comportamentos discriminatórios. As experiências cotidianas permitem
acessos fáceis aos estereótipos de determinados grupos, o que se por meio de expressões,
piadas, comentários etc. Isto faz com que as representações estereotipadas sejam transmitidas
e reproduzidas sem nenhuma espécie de reflexão por parte daqueles que as verbalizam.
Esses símbolos de estigma, mencionados por Goffman (1988) e Bauman (1999), são
os que dão origem aos estereótipos. De acordo com Bhabha (2007) e Cavalleiro (1998) os
73
estereótipos impedem que se vejam as pessoas em sua totalidade. Caracteriza-se como forma
rígida que reproduz imagens e comportamentos preconceituosos, ou seja, são responsáveis em
separar as pessoas em categoriais aceitáveis e não aceitáveis socialmente. Na visão dos
autores, os estereótipos são considerados os fios condutores para a propagação do
preconceito. Bhabha finaliza essa caracterização dizendo:
O ato de estereotipar não é o estabelecimento de uma falsa imagem que se torna o
bode expiatório de praticas discriminatórias. É um texto muito mais ambivalente de
projeção e introjeção, estratégias metafóricas e metonímicas, deslocamento,
sobredeterminação, culpa, agressividade, o mascaramento e cisão de saberes
“oficiais” e fantasmáticos para construir as posicionalidades e oposicionalidades do
discurso racista (BHABHA, 2007, p. 125).
Lembrando, que o preconceito é inflexível, gido, imóvel, prejudicial à discussão e à
revisão
do
que
está
pré-concebido.
Ambos
-
preconceitos
e estigmas
-
promovem
e
naturalizam
palavras ou ações violentas. Consequentemente, essa construção pode favorecer o despertar
de comportamentos violentos no ambiente escolar, como estou descrevendo no decorrer deste
estudo. Nesse sentido, observa que essas violências de repercussão moral, psicológica e
emocional são de efeito tão ou mais profundo que o das violências que atingem e ferem o
corpo, porque os atos de violência tipo bullying agridem o ser da pessoa, sua autoestima.
Assim, a condição de sujeito estigmatizado retira a possibilidade de receber atributos
ou qualidades, o que o eleva à condição de um indivíduo sem valor: ele se torna uma pessoa
sem qualidades, desprovido de atrativos essenciais para o convívio social. Nas palavras de
Bauman (1999, p. 101) “[...] o estranho é um arquétipo da universalidade: sem peso,
insubstancial, inefável; em nenhum lugar está em seu lugar “natural”, é a própria antítese do
concreto, do específico, do definido. O estranho é universal por não ter lar nem raízes”.
Nesse sentido, a instituição do estigma serve eminentemente à tarefa de imobilizar o
estranho na sua identidade de Outro excluído” (p. 78). Ainda “com o estigma, a cultura traça
uma fronteira para o território que considera sua tarefa cultivar e circunscreve uma área que
deve ser deixada de lado”.
De acordo com Oliveira (2001) e Monteiro (2009), a invisibilidade social atinge em
cheio a autoconfiança, a autoimagem das pessoas. A criança, ao crescer em ambientes
desfavoráveis à sua socialização, pode comprometer seu amadurecimento e sua formação
enquanto sujeito. Ser foco de discriminação devido a atributos ou à cor da pele, à origem
social inviabiliza a construção de uma autoimagem positiva da pessoa e do grupo ao qual
pertence. Os educandos poderão perceber que eles e alguns adultos que estão ao seu redor são
74
desvalorizados, desqualificados, uma vez que eles carregam a tristeza de viver entre os outros
sem deles receber qualquer manifestação.
Nesse sentido, quando se discute violência como fator de ameaça à vida e a prática do
bullying no ambiente escolar, não se pode omitir ou dispensar o debate de conceitos que
podem gerá-la. Esse, sem dúvida, é o caso dos conceitos de estigma e preconceito de que
estou tratando. A construção, a aceitação e a divulgação do preconceito e do estigma são,
em si, processos violentos, que geram violência.
Portanto, crianças, jovens e adultos sinalizados pelo silêncio, portadores de estigma,
herdeiros, enfim, de uma construção histórica sobre a visão de desenquadramento, desafiam
os limites de uma educação e de uma escola que se pretende inclusiva. Esta, por sua vez,
precisa criar estratégias para discutir com os seus estudantes e educadores o problema da
violência quanto do bullying. Tal importância pode ser visualizada nos estudos feitos por
Fante (2005) que relata que algumas escolas da capital paulista vêm desenvolvendo dinâmicas
de grupos que favorecem a reflexão sobre os tulos usados em sala de aula como “burro”,
“feio”, “ignorante”. As pesquisas da autora revelam que essa dinâmica vem provocando a
sensibilização de muitos estudantes e de professores, gerando pedidos de desculpas entre eles.
Atividades desse tipo são importantes para contribuir na melhoria da qualidade das interações
sociais nos espaços educativos.
3.4.3 Alvo/autor de bullying
A grande maioria dos educandos que são alvos/autores também sofre com o bullying.
Eles podem ser depressivos, inseguros e inoportunos, procurando humilhar os colegas para
encobrir suas limitações. Diferenciam-se dos alvos típicos por serem impopulares e pelo alto
índice de rejeição entre seus colegas (GUARESCHI, 2008, LIMA, 2008).
Outro fator preocupante nesse sentido é que os educandos que sofrem maus tratos
reproduzem-nos, faz novos alvos com suas atitudes, transformam indivíduos mais fracos em
“bodes expiatórios”, objetivando transferir os maus-tratos sofridos (FANTE, 2005).
A autora prossegue argumentando que essa tendência crescente entre os estudantes
vêm fazendo com que a prática do bullying se dissemine aceleradamente, cujos resultados
incidem no crescente número de vítimas visto atualmente.
75
3.4.4 Expectadores de bullying
A maioria dos educandos não se envolve diretamente em atos de bullying e geralmente
se cala diante das ações dos autores contra os alvos. Os expectadores, apesar de sentirem
simpatia pelo colega que é alvo, também nada fazem em seu favor, porque eles também estão
envolvidos pela “lei do silêncio” que impera dentro do ambiente escolar e também por medo
de se tornarem os novos alvos, como consideram Costantini (2004), Fante (2005) e
Cavalcante (2004). Esse clima de silêncio pode ser interpretado pelos autores como afirmação
de seu poder, o que ajuda a acobertar a prevalência desses atos, transmitindo uma falsa
tranqüilidade aos adultos. Por outro lado, quando as testemunhas interferem e tentam cessar o
bullying, essas ações são efetivas na maioria dos casos (LOPES, 2005). Portanto, é necessário
incentivar o uso desse poder advindo do grupo, fazendo com que os autores se sintam sem o
apoio social necessário para a concretização de seus atos.
Os expectadores também nada falam por não saberem como agir ou, pior ainda, por
não acreditarem nas atitudes preventivas da escola. Exatamente por saber disso é que a pessoa
não fará nada justamente porque não quer passar pelo mesmo, tal como afirma Fante (2005):
Os próprios companheiros, expectadores-passivos, sentem-se coagidos à omissão, à
conivência e à cumplicidade por não quererem se envolver, ou por medo de se
tornarem um novo integrante do “time das vítimas”. Afinal de contas, expor-se a
possibilidade de jogar nesse time é algo muito cruel. E depois, quem os ajudaria?
(FANTE, 2005, p. 69-70).
A possibilidade dos expectadores considerarem o uso de comportamentos agressivos
na escola para alcançarem popularidade e poder é referendado por Guareschi (2008):
Alguns alunos que testemunham situações de bullying podem perceber o
comportamento agressivo dos que o praticam não lhe traz nenhuma consequência,
sendo com isso levado a adotá-los também. Do mesmo modo, é sabido que crianças
que sofrem, ou testemunham situações de bullying e violência ficam traumatizadas,
podendo ter como reação o choque, o medo, a culpa, a confusão e a raiva
(GUARESCHI, 2008, p.61).
Portanto, embora a prática do bullying nas instituições educativas, entre elas, a escola,
parecer ser pouco considerada, seus efeitos podem manifestar tragicamente e acarretar
prejuízos para o resto da vida a todos os envolvidos. Essas graves consequências podem ser
vivenciadas imediatamente pelos atores escolares, demonstrando sentimentos de insegurança
ou ações agressivas, refletidas no comportamento, sobretudo, do autor e do alvo. Por isso,
76
será muito proveitoso famílias e a comunidade escolar estarem atentos para as rápidas
mudanças que se manifestam no comportamento de seu filho ou estudante, para assim,
poderem identificar os envolvidos na prática do bullying. As consequências trágicas e
negativas promovidas por esse fenômeno podem se apresentar em diversos contextos e que,
possivelmente, podem provocar uma alteração na rotina familiar e escolar. Apesar da
morosidade e descaso presentes nas instituições que disponibilizam serviços públicos, essa
agressividade, na visão de Lopes (2005), pode vir a sobrecarregá-los com relação aos
tratamentos de saúde mental, justiça da infância e juventude, educação especial e outros
programas de atendimento social.
A exposição permanente às praticas do bullying no ambiente escolar pode acarretar
consequências sérias no desenvolvimento social futuro, pois se somam à agressão moral e
física sentimentos negativos como medo, insegurança, baixa autoestima, dificuldade de
concentração, baixo rendimento escolar, dificuldade de estabelecer laços de confiança,
sentimento de vergonha. Essas trágicas consequências podem ser sentidas futuramente nas
relações no ambiente de trabalho, na família, na vida social e educação dos filhos
(GUARESCHI, 2008; COSTANTINI, 2004; FANTE, 2005; ABRAPIA, 2004). Os estudantes
alvos, podem ainda apresentar queixas físicas e o desenvolvimento de sintomatologias e
doenças de fundo psicossomáticos, como enurese, taquicardia, sudorese, depressão,
ansiedade, dores de estômago, tensão nervosa, fobia, insônia e cefaleia (FANTE, 2005). “A
possibilidade de crescer com sentimentos negativos, especialmente com baixa autoestima,
poderá fazer com que essa pessoa se torne um adulto com dificuldades de relacionamento,
depressão e comportamento agressivo” (GUARESCHI, 2008, p. 64).
Em situações de bullying que chegaram à sua extremidade, a tentativa ou consumação
do suicídio pode ser o último pedido de socorro dos estudantes alvos como também a única
opção que lhes restou para cessar com a dolorosa submissão aos atos de violência dos seus
colegas. A título de exemplo, cito nesta parte, sequências de casos com desfechos trágicos que
ocorreram no interior de escolas em rios lugares do mundo. No Brasil, em janeiro de 2003,
em Taiúva/SP, interior de São Paulo, Edimar, um jovem humilde e tímido de 18 anos, após
sofrer bullying durante onze anos, adentrou a escola em que havia estudado, ferindo oito
pessoas, entre eles, seis educandos, uma professora e o zelador, com disparos de um revólver,
sendo que uma das vítimas ficou paraplégica. Em seguida, tirou a sua vida dentro da escola de
forma trágica. Edimar era importunado por causa da sua obesidade, com apelidos que o
constrangiam e incomodavam. Sofria com as hostilidades e o rechaço de seus colegas que o
77
chamavam de “gordo, mongolóide, elefante cor-de-rosa e vinagrão (por ingerir vinagre de
maçã todos os dias, pela manhã, para ajudar no emagrecimento)” (FANTE, 2005, p. 40-41).
Reações semelhantes podem ser visualizadas na tragédia de Remanso, no interior
Baiano, após um ano do ocorrido em São Paulo. Denilton, um adolescente de 17 anos, alvo de
bullying pelo seu aspecto tímido e introvertido, por anos foi excluído do grupo de colegas da
escola. Mobilizado por pensamentos de vingança, foi até a casa do seu principal autor de
bullying, um colega de 13 anos e o assassinou com um tiro na cabeça. Desorientado, dirigiu-
se até a escola de informática onde havia estudado a fim de encontrar outros autores que dia
após dia foram lhe “roubando a alegria de viver e o direito de aprender e ser feliz” (Idem, p.
42). Para não ser impedido do seu intento, Denilton no recinto atirou contra estudantes e
funcionários, atingindo fatalmente a cabeça da secretaria de 23 anos e feriu outras três
pessoas. Foi impedido a tempo de tirar a sua vida também. Em depoimento, ele declarou que
sua intenção era cometer uma chacina e depois o suicídio.
Em 1999, dois adolescentes, de 17 e 18 anos, alvos extremos de bullying, provocaram
a tragédia na escola de Columbine no Colorado (EUA). Com explosivos e armas de fogo
entraram atirando, assassinando 12 colegas, um professor e deixaram inúmeras pessoas
feridas. Após, os adolescentes encerraram a sua vida tragicamente, suicidando-se. Além
dessas, ocorreram casos com fins trágicos no Canadá/1999, onde um adolescente de 14 anos
matou um colega de escola; na cidade de Carmen de Patagones/Argentina, em 2004, um
adolescente de 15 anos matou quatro colegas de escola, três meninas e um menino, depois se
entregou à policia; na Alemanha, a manifestação de quatro casos com desfechos trágicos,
entre elas, no ano de 2002, quando um jovem de 19 anos assassinou 16 pessoas: duas garotas,
13 professores, uma secretária e um policial que atendeu o chamado de emergência e, após a
tragédia, suicidou-se.
Esses exemplos serviram para fornecer uma noção do sofrimento que as
manifestações de bullying provocam em seus alvos, apesar de Lopes (2005) apontar que,
raramente, os estudantes alvos manifestam comportamentos de autodestruição ou apresentam
desejo de vingança dos autores. Neste ponto, concordam os autores Pereira (2002), Fante
(2005) e Guareschi (2008) que o bullying vai atingindo de forma silenciosa e por longos anos
o seu aparelho psíquico, afetando o equilíbrio dos estudantes alvos, a ponto de eles
cometerem essas atrocidades. “Faltando o feedback saudável do intercâmbio social quotidiano
com os outros, a pessoa se autoisola possivelmente, torna-se desconfiada, deprimida, hostil,
ansiosa, confusa e violenta” (GOFFMAN, 1963, p. 22).
78
Com relação ao autor do bullying, pode ser observada a extrema dificuldade em
solucionar os conflitos de forma equilibrada e construtiva, de estabelecer interação social
sadia e respeitar as normas estabelecidas. Por isso, admite-se que têm maior probabilidade de
se tornarem adultos com comportamentos antissociais e ou/violentos, visto que essas atitudes
de falta de respeito e violência tendem a se consolidar (GUARESCHI, 2008), transformando-
se em ações de intimidação sistemática contra aqueles que são mais fracos, seja na família por
agredir seus filhos e esposa ou no ambiente de trabalho com propensão à prática de assédio
moral (PEREIRA, 2002; NETO, 2005). Quanto aos demais estudantes que vivenciam o
bullying, “acabam sofrendo suas consequências, uma vez que o direito que tinham a uma
escola segura, solidária e saudável foi se esvaindo à medida que o bullying foi deteriorando as
suas relações interpessoais, acarretando prejuízos ao seu desenvolvimento socioeducacional”
(FANTE, 2005, p. 81). Tudo isso pode influenciar de forma prejudicial sua capacidade de
progredir “acadêmica e socialmente” (GUARESCHI, 2008, p. 55).
No entanto, os traumas impetrados pela prática do bullying podem ser superados,
parcial ou totalmente, dependendo das características individuais de cada pessoa, bem como
das relações que consegue estabelecer com os diferentes ambientes de interação. Sendo assim,
é de extrema relevância o apoio familiar e das pessoas de confiança à criança/adolescente que
vivencia cotidianamente os atos do bullying, a fim de reforçar sua autoestima e melhor
superar os problemas oriundos desse tipo de violência (ROMANELLI & AMORIM, 2005).
Por sua vez, observam Costantini (2004) e Minayo (1999), as exigências sociais,
principalmente a luta pela sobrevivência diária obriga os familiares a estarem cada vez menos
presentes na educação dos filhos. Tal realidade impede a orientação sobre os acontecimentos
da vida, inclusive, o estabelecimento de laços de confiança, o que pode, ainda, inibir uma
possível solicitação de ajuda para cessar as situações de bullying. É provável que, depois da
família, a escola seja o ambiente que ocupe maior tempo das crianças e adolescentes. Por isso,
segundo Costantini (2004), mesmo os pais não conseguindo oferecer uma assistência integral
aos filhos, a escola deve ter uma atitude preventiva para romper a dinâmica do bullying, no
contexto educacional, começando pela conscientização e preparação de professores,
funcionários, pais e educandos na construção de contextos educativos significativos,
superando os esquematismos e a rigidez das respectivas posições. Assim, podendo estabelecer
esforços entre família, escola, comunidade, conselho tutelar, psicólogos, pediatras e
secretarias municipal e estadual de educação, é provável que, juntos, nessa batalha educativa,
todo contexto relacional não possa deixar de trazer benefícios. A ação por parte de todos viria
a ser mais eficiente quanto ao oferecimento de estratégias de intervenção, mais forte e eficaz,
79
para enfrentar e prevenir as formas de violência, como, também, promover uma cultura de paz
nas escolas.
Na sequência, serão abordadas as diferenças do envolvimento com a prática do
bullying para meninos e meninas.
3.5 Prática do bullying para meninos e meninas
A prática do bullying nem sempre é igual para meninos e meninas de acordo com os
estudos feitos por Olweus (1998), a partir da década de 80. Esses estudos existentes sobre
bullying, tanto no Brasil quanto em outros países, indicam que os meninos, com uma
frequência muito maior, estão mais envolvidos com o fenômeno, tanto como agressores
quanto como vítimas, por meio de agressões físicas e de forma direta, como socar, ameaçar,
perseguir, ofender. Já entre as meninas, embora com menor frequência, o bullying também
ocorre e se caracteriza, principalmente, pela prática de formas mais sutis e indiretas, como o
rumor e a manipulação das relações de amizade, exclusão ou difamação do grupo.
Na visão de Simmons (2004), a agressão com instrumentos físicos efetivamente é mais
comum entre meninos de forma direta.
[...] entre os meninos é mais fácil identificar um possível autor de bullying, pois suas
ações são mais expansivas e agressivas. no universo feminino o problema se
apresenta de forma velada. As manifestações entre elas podem ser fofoquinhas,
boatos, olhares, sussurros, exclusão. “As garotas raramente dizem por que fazem
isso. Quem sofre não sabe o motivo e se sente culpada” (SIMMONS, 2004, p. 33).
Nesse sentido, Simmons (2004) argumenta que as meninas agressoras utilizam-se de
agressões indiretas para atacar seus alvos. Essas agressões são caracterizadas pela ausência de
confronto direto com a pessoa. As meninas utilizam outros meios como excluir outras pessoas
de um grupo, espalhar boatos, fazer fofoca, encarar outros indivíduos com olhares devassos e
mal-intencionados, com o intuito de informar a pessoa, através dos olhos, seu nojo,
repugnância, horror, desdém, aversão, aborrecimento e arrogância para com ela. Para a autora,
A agressão indireta é um comportamento dissimulado que faz parecer que não houve
intenção de magoar. Uma das maneiras de tornar isso possível é usar os outros como
veículos para fazer a pessoa visada sofrer, espalhando boatos. A agressão social tem
a intenção de danificar a autoestima ou o status social dentro de um grupo. Ela inclui
algumas agressões indiretas como exclusão social, apelidos maldosos, manipulações
e boatos para infligir sofrimento psicológico às vítimas (SIMMONS, 2004, p. 33).
80
Do ponto de vista da autora, as meninas perseguem ou excluem dentro de seu círculo
de amizades, o que dificulta ainda mais a detecção da conduta agressiva.
Elas passam olhares dissimulados e bilhetes, manipulam silenciosamente o tempo
todo, encurralam-se nos corredores, dão as costas, cochicham e sorriem. Esses atos,
cuja intenção é evitar serem desmascaradas e punidas, são epidêmicos em ambientes
de classe média, em que as regras de feminilidade são mais rígidas (Op.cit., p. 33).
A agressão indireta não apenas é difícil de ser admitida, pois isso seria romper com o
estereótipo de “boa menina” transmitida e reproduzida socialmente na mulher ao longo do
tempo, como também, e principalmente, é muito difícil de ser diagnosticada; isso porque é
justamente este conceito, juízo e estereótipo social - mitológico e religioso - imputado nas
mulheres que faz com que as meninas agridam de forma “delicada”, sem levantar suspeitas de
terceiros, o que difere dos meninos que agem agressivamente.
Rachel Simmons (2004) ainda diz que a agressão feminina se revela, principalmente,
pela manipulação do grupo social. Fofocas, intrigas, apelidos geram o isolamento de algumas
meninas em relação ao seu grupo. No período compreendido entre o e ano, as meninas
se caracterizam por atribuírem ao grupo social grande valor. É a época em que tem início o
estabelecimento dos próprios valores e as regras determinadas pelo próprio grupo ganham
importância e podem influenciar na construção da autoestima das mesmas.
A autora ainda descreve que um dos maiores sofrimentos para as meninas vítimas de
bullying é o medo da solidão, de ficarem segregadas ou afastadas do grupo de colegas.
Qualquer pessoa, menino ou menina, deseja ser aceito e construir relação. Os meninos
também sofrem com dor da exclusão do grupo de amigos.
Sem dúvidas, o que é mais angustiante para elas é que a agressão sofrida no espaço
escolar, na maioria das vezes, não é percebida (FANTE, 2005). Pelo contrário, é tratada com
indiferença ou é negada pelos adultos e elas não têm com quem compartilhar sua dor e
sofrimento. A escola não entende e muitas vezes nem a própria família. O pior de tudo é que
muitas vezes estão sendo vítimas de colegas que fazem parte do seu rol de amizades.
Diversos autores concordam que, na trama das relações no cotidiano escolar, a
liderança é um aspecto importante (SILVA, 2006; NETO, 2005). Pode-se observar que
grande maioria dos atos de bullying feminino quanto masculino se manifesta por
determinação de um líder, cujo poder reside em sua capacidade de manter o consenso social
do grupo por meio da persuasão, incitando-os a realizar os abusos constantes e dissimulados a
um colega mais fraco.
81
Contudo, as consequências para os autores/intimidadores, principalmente o fato de
que, como nos revelam vários estudos, os mesmos comportamentos antissociais adotados
contra seus colegas na época da escola, tanto pelos meninos quanto pelas meninas, poderão
ser adotados na família, no trabalho e na sociedade no futuro.
Portanto, o fenômeno bullying é um problema que precisa ser tornado visível,
discutido e enfrentado com seriedade, firmeza e sem punições. A produção e a reprodução
constantes desses atos agressivos e intimidatórios no convívio escolar envolvem um número
cada vez maior de educandos e educadores. É necessário buscar estratégias de enfrentamento
que promovam uma cultura da paz, perpassada pelos princípios éticos em parceria com todos
os segmentos da escola, estudantes, professores, coordenadores, funcionários, agregando
também as famílias dos estudantes e a comunidade do entorno.
82
IV CAPITULO: A materialização do bullying nas escolas: um olhar
fenomenológico
O objetivo deste capítulo é entender como o fenômeno bullying se faz presente no
ambiente escolar a partir da percepção dos estudantes, professores e demais adultos. A prática
do bullying ganha magnitude no espaço escolar, gerando um clima de medo e de retraimento
dos estudantes alvos/vítimas e testemunhas. A característica do fenômeno é demonstrar poder
e, a depender da intenção e da intimidação, pode resultar em agressões físicas.
No primeiro momento, será apresentado o retrato da escola, dos professores e dos
estudantes. Na sequência são interpretadas as experiências que esses atores escolares
vivenciaram a discriminação com relação à estética, bem como as consequências causadas
pelo bullying e as estratégias utilizadas pelas escolas no seu controle.
Nesta pesquisa fez opção por observar a manifestação da prática do bullying em todos
os espaços da escola: abertos e fechados, com objetivo de compreender as formas de sua
manifestação. Porém, na interpretação dos significados e significantes, a apresentação dessas
percepções está no contexto geral do trabalho. As informações foram apreendidas por meio da
observação participante, de entrevistas, estudos dos documentos e história de vida.
Por essa prática ultimamente ser bastante comum e encontrada em qualquer
instituição, a escola pode acabar sendo uma tortura para crianças, tornando-as vítimas de
violência, ao mesmo tempo em que causa dor, angústia e sofrimento a indivíduos fisicamente
e/ou psicologicamente mais fracos e incapazes de se defender. Para Lopes Neto:
A escola é de grande significância para as crianças e adolescentes, e os que não
gostam dela m maior probabilidade de apresentar desempenho insatisfatório,
comprometimentos físicos e emocionais à sua saúde ou sentimentos de insatisfação
com a vida. Os relacionamentos interpessoais positivos e o desenvolvimento
acadêmico estabelecem uma relação direta, onde os estudantes que perceberem esse
apoio terão maiores possibilidades de alcançar um melhor nível de aprendizado.
Portanto, a aceitação pelos companheiros é fundamental para o desenvolvimento da
saúde de crianças e adolescentes, aprimorando suas habilidades sociais e
fortalecendo a capacidade de reação diante situações de tensão (NETO, 2005, p.3).
A escola possui um papel fundamental na socialização da pessoa, uma vez que entre
os muros da instituição escolar, o estudante é colocado em contato com diferentes culturas e
etnias e é nesse momento que os conflitos afloram. Na visão de Vinha e Tognetta (2008),
esses conflitos são essenciais e constitutivos do desenvolvimento social do indivíduo, sendo,
porém, necessário que as instituições escolares criem possibilidades pedagógicas para a
83
expressão dos sentimentos, a aprendizagem de formas mais justas, éticas e eficazes de
resolver conflitos e, consequentemente, o desenvolvimento da autonomia.
4.1 Retrato da Escola x espaços de manifestações do bullying
As implicações da violência e suas diferentes manifestações no espaço escolar vêm
preocupando de forma particular educadores e pesquisadores. Para compreender as nuanças
de tal fenômeno, torna-se indispensável conhecer o ambiente escolar, inclusive a partir de sua
estrutura física, identificando a influência que esta desempenha para agravar ou amenizar a
presença de tal fenômeno.
As observações revelam que, fisicamente, os ambientes das escolas estão separados do
seu entorno por muros, portões e grades: todas têm portão de entrada, diferenciadas no
tamanho e material, sendo uns de grades e outros de ferro; são cercadas por muros de
alvenaria, com altura variando de 2 a 3 metros. Possuem em comum uma pequena entrada
paralela para facilitar as entradas e saídas frequentes, além de um portão de acesso para o
estacionamento destinado à entrada e saída de veículos dos professores.
A entrada e a saída dos educandos são controladas para garantir a sua permanência ali
e também para evitar o acesso de pessoas estranhas ao espaço escolar. Tal função é exercida
por pessoas responsáveis pela portaria, contratadas pelas escolas e caracterizados como
“seguranças ou guardas”
6
. Entretanto, as observações realizadas evidenciaram que o sistema
de controle e identificação de acesso ao ambiente escolar é vulnerável, apesar do conjunto de
artefatos utilizados a fim de garantir maior segurança física às escolas, entre eles destacam-se:
a presença de portões com vigilantes, carteirinhas de identificação, o uso obrigatório do
uniforme, gradeamento de janelas, patrulhamento policial externo, nas três escolas envolvidas
nesta pesquisa se apresentou algum tipo de deficiência e queixas sobre a violência.
Sobre a vulnerabilidade e a insegurança nessas escolas, deve-se considerar que são
maiores nas escolas blicas, apresentando uma diferença significativa com relação à
particular. Durante as aulas, estudantes de outras escolas e também jovens da comunidade
adentram o recinto escolar pulando partes mais baixas do muro para acertos de contas e/ou
roubos ao patrimônio sem que os seguranças e inspetores de pátio percebam: Hoje entraram
6
Os serviços de portaria nas escolas da rede pública municipal, estadual em todos os períodos são terceirizados.
A responsabilidade principal do ‘porteiro’ é controlar a entrada e saída de pessoas do recinto escolar.
84
cinco jovens aqui e não sabemos como. Quando vimos estavam na porta da sala do 1º ano,
no terceiro piso, atrás de um aluno para bater [...] (Inspetora de pátio).
De acordo com as observações realizadas as escolas diferenciam quanto a sua estrutura
externa e interna. Além das variações de tamanho, elas divergem quanto a sua estrutura física
e público atendido, possuindo em comum alguns componentes, tais como, salas de aula,
multi-meios, bebedouros, corredores e varandas, espaços administrativos, banheiros para
educandos e educadores, pátio para recreação e quadra de esportes coberta. Este local, além
de ser destinado à educação física, geralmente é utilizado na realização de eventos escolares:
festas, reuniões com os pais e eventos culturais. É coberta com zinco e o chão é de piso
queimado (cinza).
No decorrer da pesquisa, foi observado que em duas escolas biblioteca e sala de
informática, de tamanho pequeno e médio, climatizadas, iluminadas. No seu interior, havia
uma mesa e várias cadeiras disponíveis para os estudantes, preenchendo as condições
mínimas de funcionamento. Nesse espaço, uma pessoa responsável, geralmente, algum
professor em desvio de função por motivos de saúde. Destas, nomeadamente a sala de
informática é muito valorizada pelos estudantes. Porém, na escola A ainda não há biblioteca,
laboratório de informática, refeitório, sala adequada para professores, secretaria e sala do
diretor.
Essas escolas possuem em média de onze a dezesseis salas de aula. Elas são ordenadas
por sequência de série para uma melhor organização e localização espacial nos pisos e
corredores. Em seu interior quadro-negro, carteiras escolares, mesa de madeira, janelas de
ferro ou vitrôs amplos para clarear o ambiente, lixeiro, ventiladores. O acesso a esses locais é
feito por escadas de concretos com proteção de grades de ferro ou varandas. As escolas são
cobertas com telhas de eternit. Para se protegerem da chuva e do ardente sol que penetram
nesses ambientes, utilizam toldos de pano ou de ferro e/ou cortinas de tecido resistente.
As observações realizadas revelam que algumas salas tanto das escolas públicas
quanto particular estão sucateadas, levando em conta as carteiras/mesinhas, algumas em mal
estado de conservação, rabiscadas, faltavam os braços ou encosto, ficando exposto os ferros e
pregos. Nas escolas públicas os quadros-negro continham orifícios, rabiscos, escritas de
nomes dos estudantes com errorex; as salas eram compatíveis em relação ao número de
estudantes, exceto em poucas turmas. A iluminação, o funcionamento do sistema elétrico e a
limpeza do chão eram adequados, porém o sistema de ventilação deficiente frente ao extremo
calor cuiabano. As portas eram fechadas com cadeados no horário do recreio para maior
segurança.
85
De modo geral, pelas entrevistas sobre as salas de aula, posso afirmar que ao mesmo
tempo em que a maioria dos estudantes afirme se sentir bem nelas: A gente tem proteção e
segurança pela presença de uma pessoa que cuida de nós, diz ser um espaço que não lhe
agrada, que medo e insegurança: Eu apanhei muito quando bate o sinal para trocar de
professora. Como elas demoram em vir, nesse tempo uns meninos vêm à minha sala e me dão
cascudos, chutes nas pernas, puxam as orelhas, dão murros no rosto (Pedro, 14 anos, 6º ano).
Posso aferir, com base nas entrevistas, que, além das situações de conflitos
mencionadas, há no espaço da sala de aula, com menor incidência, ocorrências de abuso ou
violência sexual, e em alguns casos até o abandono da escola: O meu filho foi abusado e
ferido sexualmente na sala de aula por um menino maior do que ele. Ele não conseguiu
reagir, ficou com medo. Seus colegas viram, caçoavam e chacoteava ele [...] (Mãe de
estudante). A maior queixa e desinteresse em permanecer na escola verificam-se em
consequencia da vergonha, do medo e constrangimento (LA TAILLE, 2002) gerados pelos
atos de bullying.
A respeito dos pátios internos, foi constatado pelas observações que o seu tamanho
varia entre grande, médio e pequeno. Nestes a presença de vegetação (árvores), bancos,
abertura à luz solar, quadras de esportes cobertas. Com relação à limpeza, é adequada.
Quando foi indagado aos estudantes quais espaços que eles mais gostavam e se sentiam bem,
este local aparece como um dos preferidos depois do recreio: Eu gosto do pátio, da quadra,
do recreio, porque a gente joga bola, encontra com os colegas, faz amizades (Joel, 11 anos
ano). Porém, ao mesmo tempo em que os estudantes afirmam gostar deste espaço, as
situações bullying são um dos fatores que faz com que este espaço seja menos apreciado: Não
gosto quando tem brigas, e está tendo todo dia. Os grandes batem nos pequenos. Eu fico com
medo. Vem todo mundo correndo sem olhar para frente, tropeça na gente e fala que é a gente
que está provocando, depois bate. (Juliana, 12 anos, 6ª ano). Enquanto espaço onde os
estudantes se divertem, constroem relações e também onde ocorrem situações de violências
que apontam um espaço de “diversão” marcado pela falta de ética e respeito.
Nessas duas escolas, o estado de conservação do prédio estava adiantado em desgaste,
dado que as paredes e portas se encontravam riscadas, com palavras escritas que expressam
ideias, sentimentos; algumas soltando a tinta em consequência dos cartazes que são afixados;
havia também vidros quebrados, pisos danificados. Os pilares seguem o padrão do todo da
escola, de alvenaria, contendo em seu entorno marcas das mãos dos estudantes. O chão em
sua grande maioria é de contrapiso queimado de cor cinza, ou simplesmente, no concreto
grosso. Essas escolas passam por reformas anualmente e/ou conforme a necessidade e os
86
recursos recebidos. Nelas funcionam, ao mesmo tempo, turmas da Educação Infantil ao
Ensino Médio, nos períodos matutino, vespertino e noturno. Em 2006, na escola A iniciaram-
se salas com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) à noite, atendendo o Ensino Fundamental
e Médio. Já a escola C tem suas dependências em perfeito estado de conservação, com um
espaço mais arejado, salas de aula amplas e climatizadas, iluminação adequada, quadro negro
amplo. É certo que maior preocupação por parte da equipe pedagógica das escolas
particulares em resguardar a própria imagem, destoando das públicas, a fim de garantir sua
clientela. Assim, cabe chamar a atenção para a assimetria na qualidade das instalações de
escolas públicas e privadas, fazendo com que as condições físicas enfrentadas por uma
parcela da comunidade das escolas públicas sejam certamente bastante problemáticas
(ABRAMOVAY & RUA, 2002).
As observações revelam que o acesso às salas de aula nas escolas pesquisadas ocorre
pelas varandas, escadas e corredores. A iluminação nos corredores é deficiente e nem sempre
são ambientes seguros e apreciados pelos estudantes. Seus depoimentos revelam o medo que
possuem em transitar por eles: Encurralam a gente na parede para bater. Os grandes sempre
empurram os pequenos, derrubam, dão tapas de raspão no cabelo, xingam e se aproveitam
da gente quando passamos por eles (Fábia, 11 anos, ano). As escadas também foram
registradas como lugares pouco atraentes e perigosos: Eu tenho pavor de passar pelas
escadas. Tenho medo que me derrubem e pisem em mim (Marcos, 10 anos, ano). Essas
situações agravam-se quando os relacionamentos estão muito acirrados ou em dias de chuva
quando não é possível circular pelos espaços abertos da escola. Esses depoimentos
demonstram que o medo dos corredores e escadas está fortemente ligado a atos de violência
de colegas que se unem para empurrar, sacanear, ameaçar, tirar o boné, dar empurrões em
alguns colegas, bem como em estudantes que compõem outro grupo (OLIVEIRA, 2007;
LIMA, 2008; SILVA, 2006).
Com relação aos banheiros, a maioria dos estudantes se queixa que são locais que nem
sempre se encontram em boas condições de uso: Ficam muito sujos, emporcalhados [...]
(Marcos, 11 anos, ano). Também reclamam que são extremamente perigosos, ameaçadores
e intimidatórios, uma vez que neles ocorrem agressões, acerto de contas, pressão e castigo.
muitas frases e/ou sinais escritos nas portas, apresentando conotação pornográfica,
ameaças, apelidos pessoais: São escritos pelos colegas com ameaças e nomes feios, com
desenhos e recados que ofendem muito, como: “sua vagabunda”, vou te arrebentar a cara na
saída, você é uma “sem-vergonha”. Muitos colegas foram agredidos dentro. Essas
provocações e xingamentos escritos acabam em brigas na saída da escola. (Kátia, 14 anos, 7º
87
ano). Trata-se de ameaças e atitudes agressivas que causam medo, minha a empatia entre os
estudantes e por sua vez, rompem com o clima de harmonia e paz nas escolas. Os banheiros
são distribuídos ao longo dos corredores e varandas. A fiscalização neles é realizada pelos
inspetores de pátio e técnicos de limpeza, porém, essa fiscalização muitas vezes é deficiente.
Alguns estudantes e funcionários revelam com muito pesar, inclusive com receio, a
existência do assédio sexual no espaço dos banheiros: “Forçar” as meninas a beijarem,
passar a mão, é comum. Tem meninos que usam o banheiro perto da sala para forçar o ato
sexual (funcionária em entrevista). De forma mais trágica ocorre o abuso sexual dos pequenos
pelos maiores: Eu estava no banheiro e um menino maior me segurou dizendo que ia fazer
uma brincadeira e se eu ficasse quieto não ia acontecer nada comigo. Ele tampou a minha
boca e [...]. Ele me ameaçou, dizendo que se eu contasse da próxima vez ia ser pior (Vilmar,
5 anos, ano). Cabe aqui refletir sobre o seu reverso. Para as vítimas, que sofrem o abuso,
fica um misto de sentimentos de medo, pavor, culpa, por achar que a agressão aconteceu
por sua causa; medo, de outros descobrirem o que aconteceu; medo das ameaças do agressor
que a situação irá se repetir; vergonha, por ter rompido sua integridade humana de forma
violenta e, angústia, por não poder se abrir com ninguém sobre o acontecido. Ocorre uma
espécie de bloqueio na mente do estudante (FURNISS, 1993; LA TAILLE, 2002;
SALVAGNO, 2008).
No ambiente escolar, os bebedouros estão localizados nos espaços dos corredores e
varandas. Em geral, eles são fixos às paredes, bem à vista, para facilitar o uso pelos
educandos, bem como para um melhor controle dos agentes de pátio. Chama a atenção o fato
de que, tanto nas escolas públicas quanto na particular, alguns não estavam em perfeito estado
de conservação, sendo que algumas torneiras foram quebradas, outras não fecham mais e
permanecem constantemente pingando água. Em relação à prática do bullying, também este
espaço foi mencionado nas entrevistas. Há medo em permanecer próximo a eles: Quando bate
o sino do recreio é terrível! Os maiores dão empurrões, jogam água no rosto da gente,
molham o cabelo dizendo que é para abaixar a “crista”. (Richard, 9 anos, ano). Vale
observar, também, que esses atos de violência que ocorrem nesse local costumam ir criando
na relação entre os estudantes certas animosidades que acabam em brigas futuras e, portanto,
precisam ser detectadas e amenizadas o quanto antes para desarmar violências
(ABRAMOVAY, 2006).
A merenda escolar na escola B é servida no refeitório, na escola A, na própria sala
de aula, por não disponibilizar desse espaço próprio. Foi observado que apenas as escolas B e
C disponibilizam de cantina escolar, sendo esta terceirizada, apresentando boas condições de
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uso. Na escola A, uma senhora que no horário do recreio coloca à venda salgados assados
e sucos com preços bem irrisórios para que as crianças possam adquiri-los. Apesar do
momento do lanche ter sido mencionado pela maioria dos estudantes como um momento
prazeroso: gosto de comer bastante, a comida daqui é muito boa (Jaqueline, 15 anos, ano
EMédio), alguns estudantes afirmam nas entrevistas que o tempo reservado para o lanche
também é ameaçador e não lhes agrada: Tem caras que querem se aparecer. Eu estava no
refeitório tomando o meu lanche e um menino me bateu. Mudei de lugar e ele jogou uma
pedra dentro do meu prato. Às vezes ali logo que começa a comer, tem uns meninos que
jogam comida um no outro esticando a colher. (Pedro, 13 anos, 6º ano).
É unânime o reconhecimento dos estudantes e professores, que os recreios das escolas,
como parte desse todo, são momentos muito apreciados pelos estudantes e, ao mesmo tempo,
temidos. Confirmaram-nos como espaços de manifestação da agressão entre pares,
intimidações, ameaças, brigas, indiferenças, isolamento, caracterizadas como prática do
bullying: Ave! No recreio muita violência, acontece uma chutação! Brigam, batem,
empurram, tomam o lanche da gente. Por isso que eu prefiro ficar quietinha no meu canto.
Não mexer com ninguém [...] (Rita, 10 anos, ano). Igualmente foram revelados nas falas o
isolamento e a indiferença que alguns sentem nesse momento: umas colegas na sala que
não me deixam brincar no recreio com as outras colegas delas. Sempre quando eu corro
atrás das meninas, elas me rejeitam, discriminam e me empurram. Não posso nem conversar
[...] Já fizeram isso várias vezes comigo (Lívia, 9 anos, 4ºano).
Esses depoimentos revelam que ocorre nas escolas um rompimento com a construção
da interação sadia e agradável entre os estudantes. Nesse aspecto, novamente, vale chamar a
atenção para o fato de que, embora na maioria dos depoimentos tenha sobressaído gostar do
recreio, apesar de a sua duração ser de apenas 15 ou 20 minutos, não se deve desconsiderar
que muitos depoimentos apontaram diversas provocações, exclusões, brigas, agressões e
ameaças nesse espaço. Nesse sentido, Cislaghi e Neto (2002) destacam que 70 a 80% dos
comportamentos agressivos da escola ocorrem no recreio, e que a modificação nas condições
de supervisão e organização dos recreios escolares, como forma de intervenção, pode
contribuir significativamente para a redução desses índices. O investimento em atividades
lúdicas nesses horários de grande fluxo nas escolas deve ter o objetivo de favorecer a reflexão
acerca de uma convivência sadia, ética com o outro (CARVALHO & BARROS, 2009), para
que, dessa maneira, se possa aprender a conviver e respeitar as diferenças e individualidades.
A aula de Educação Física é muito apreciada pelos estudantes. No entanto, nas
entrevistas os estudantes evidenciaram que, por mais que os jogos sejam interessantes,
89
ultimamente eles não gostam muito desse espaço. Suas falas demonstram que as principais
razões estão relacionadas ao medo, insegurança: Todas as vezes que estamos na quadra, um
menino de minha sala me bate. Ele me acua na porta do vestuário, me esmurra nas costas, dá
chutes, “pesadas”. Não sei o motivo, nunca fiz nada a ele [...]. (Carlos, 11 anos, 6º ano).
No que se refere à entrada e saída dos estudantes, foi possível registrar pelas
observações e entrevistas que a entrada se de maneira serena e calma, parece até um ritual,
repetindo-se todos os dias os gestos, as brincadeiras, as risadas e falas dos estudantes.
Entretanto, na saída da escola, o oposto da entrada, pode-se perceber que a presença da
prática do bullying entre os educandos. Por isso que a saída da escola é claramente definida
por eles como momento altamente ameaçador, tanto para meninos quanto para meninas: Eu
tenho muito medo de ser agredido, muito medo de apanhar quando saio da escola. Há brigas,
jogam pedra, chutam. Outro dia em uma briga, cataram um menino da série e esfregaram
a cara dele ali no muro, desses de tijolos, duro, sabe? Esfregaram e rasgaram a cara dele
todinha. Não tem ninguém para defender e ninguém cuida. (Silvio, 9 anos, 3º ano).
Cabe mais uma vez chamar a atenção para a insegurança e clima ameaçador
vivenciados pelos estudantes no cotidiano escolar como também no momento da saída,
fazendo com que os xingamentos, os empurrões, ameaças, agressões verbais e físicas
enfrentados por um número muito grande de estudantes, particularmente na escola pública,
sejam causas de desistência ou até mesmo abandono da escola (GUARESCHI, 2008;
TOGHETTA, 2005; FANTE, 2005; PEREIRA, 2002).
Com relação à clientela atendida, há uma semelhança entre os educandos das escolas
da rede pública de ensino (A e B). Essas duas escolas localizam-se na periferia em localidades
próximas uma da outra. Elas acolhem a grande maioria dos estudantes dos bairros e sub-
bairros, além de localidades circunvizinhas urbanas e rurais. São filhos de operários, pessoas
que trabalham no centro da cidade, distante quase 30 quilômetros da cidade. Em geral as
famílias possuem de três a seis filhos na faixa etária escolar. Recebem por mês de um a três
salários mínimos. Existem famílias que possuem condição ainda mais precária, em que às
vezes a mãe ou avó é a única fonte de renda, recebendo de um a dois salários mínimos.
outros ainda que a situação é caótica, comumente são pessoas que não têm emprego fixo,
vivendo de subempregos ou de bicos e/ou dependendo exclusivamente dos Programas Sociais
do Governo, como Bolsa Escola, Bolsa-Família, Peti e Agente Jovem. As profissões dessas
pessoas variam de professores que moram no bairro, domésticas, pedreiros, pintores, garis,
90
pequenos comerciários, autônomos, diaristas, a maioria sem nenhuma qualificação
profissional.
7
O sistema de ensino utilizado nas escolas pesquisadas é ciclado e seriado
8
. Nas três
colas, no período diurno, utiliza-se o sistema ciclado. No noturno, nas escolas A e B, o
seriado. Nas escolas A e C da Educação Infantil ao ano (4º série), cada turma tem uma
professora titular, somando-se a esta as professoras de Língua Inglesa, de Música, de Artes e
Educação Física. Já na escola B, há uma única professora para atender todas as disciplinas das
séries iniciais. No entanto, do ao ano e Ensino Médio em todas as escolas, as disciplinas
são divididas por áreas, e cada aula tem a duração de 60 minutos, perfazendo um total de
quatro horas em todos os turnos. O regime escolar é anual, regulamentado pela Matriz
Curricular de ensino municipal e estadual e pelo calendário escolar. A matrícula é feita pelos
pais ou responsáveis em caso de estudante novo e apenas confirmada para os estudantes
pertencentes à escola.
A organização dos turnos e turmas obedece em geral ao critério de faixa etária para
ambos os sexos, em todos os níveis de ensino. O agrupamento de estudantes em cada sala de
acordo com a matriz curricular das Secretarias de Educação constitui o seguinte: Educação
Infantil até o ano, com 28 alunos; 6º ano ao ano, de 30 a 37 alunos e Ensino Médio, 40
alunos. Contudo, esta não é a realidade das escolas, notadamente as públicas. A escola
comporta, ainda, na mesma turma, estudantes de diferentes faixas etárias: crianças e jovens
em defasagem de idade série
9
, consequência da repetência e/ou evasão escolar.
As entrevistas mostram que as escolas estudadas recebem educandos com
necessidades especiais, os quais estão distribuídos nas turmas instituídas ou em sala de
Educação Especial, ou sala de recursos. Parece haver por parte de todos muito respeito na
convivência diária, embora alguns apresentem limites de aprendizagens e interação social
bem acentuados. Vale notar que a rede de ensino municipal disponibiliza auxiliares
qualificados no conhecimento de libras
10
e braille para acompanhar os educandos com esse
tipo de necessidade em sala de aula juntamente com a professora regente.
O horário de chegada em todas as escolas no período matutino é às 7h, porém o
término varia de 11h às 12 horas. À tarde, início às 13h e término das 17h às 18h; no noturno,
ativo nas escolas públicas, o início às 18h30min e término às 22h30min, com tolerância de
7
Fonte: Projeto Político Pedagógico do ano de 2008.
8
Usam o sistema seriado no Ensino Fundamental e médio noturno.
9
Na escola A havia muitos educandos com defasagem idade/ciclo, sendo 27 estudantes nessa situação no
Ciclo e 33 no 2º Ciclo, segundo o seu Projeto Político Pedagógico/2008.
10
Língua Brasileira de Sinais.
91
quinze minutos em todos os turnos. Após esse horário, os educandos somente entrarão na
segunda aula. A escola A inicia aulas com o momento de acolhida, dito anteriormente, feita
por revezamento entre a equipe pedagógica. As escolas organizam os horários de aulas
geminadas, a fim de facilitar a hora-atividade dos professores.
As escolas A e B pertencem à Secretaria de Educação municipal e estadual do
município de Cuiabá. Seguem a mesma matriz curricular, divergindo na construção do
calendário escolar, próprio de cada realidade. A manutenção dessas escolas, no que se refere
aos recursos materiais, pedagógicos e humanos é de responsabilidade das Secretarias de
Educação da cidade. A equipe gestora a partir das orientações destas Secretarias realiza todos
os encaminhamentos necessários para o bom andamento da instituição escolar. Na rede de
ensino particular é formada uma equipe pedagógica que realiza todos os trâmites necessários
ao bom funcionamento da escola, zelando sempre pela qualidade de ensino.
O corpo docente é formado por professores efetivos e contratados, sendo atualmente
estes últimos o maior número nas escolas A e B. Isso se justifica por diversos fatores, um
deles, a falta de concursos públicos na área da educação. Grande maioria desses educadores
pertence tanto ao quadro de funcionários da rede pública, quanto particular, trabalhando até
três jornadas para garantir a sobrevivência da família. Possuem formação superior e um
grande número com especialização na área. Somente dois professores (Escolas A e B)
possuem o Ensino Médio - Magistério. Na escola C, o contrato de trabalho é feito por carteira
assinada.
As escolas consideram as atividades extraclasses como componentes fundamentais de
sua filosofia de educação. Por isso, desenvolvem projetos em que os educandos aprendem
noções de solidariedade, de participação e cidadania. Os projetos desenvolvidos pelas escolas
são: horta comunitária, Cultura Indígena, Fanfarra e banda de percussão, Educa Mais,
Formação continuada: Sala do Professor (estadual) e Roda de Conversa (municipal),
Prevenção de drogas e Rede Cidadã. Alguns destes estão inseridos num projeto maior, a Feira
de
Ciência,
realizada com
a
presença
da
comunidade
e
da família
para
partilhar
o
conhecimento
dos educandos, na tentativa de se buscar a integração da escola com a comunidade.
4.1.1 O entorno das escolas
O espaço sócio-cultural onde as escolas estão situadas exerce grande influência sobre
as suas relações internas e externas e a percepção de bem-estar e segurança de toda a
92
comunidade educativa. Aspectos como a infraestrutura urbana, o perfil dos moradores e o tipo
de comércio são alguns dos fatores que podem ter grande inferência sobre o bairro e sobre a
própria escola e parecem estar relacionados com as formas de se vivenciar os diversos tipos
de violência na escola, inclusive, o bullying.
Quanto às escolas B e C, as duas centram-se em ruas movimentadas e se mesclam com
as atividades comerciais, universidade, praças, condomínios e casas residenciais. A escola A
situa-se em ruas secundárias, de pouco movimento, sendo maior o trânsito de pessoas de
bicicleta, motos e muito pouco de veículos, possibilitando a circulação dos estudantes em
geral. Nesta não asfalto, saneamento básico, mas há terrenos baldios. Em todas elas não
semáforos, passarelas, faixa de pedestres e nem guarda controlando o trânsito. A insegurança
das vias de trânsito obriga pais, mães ou parentes de estudantes a acompanhá-los nos
primeiros anos escolares. Quanto aos estudantes do ano até o Ensino Médio dirigem-se
sozinhos, ou às vezes acompanhado às escolas.
Com relação ao bairro onde está localizada a escola, as entrevistas com os estudantes e
com suas famílias demonstram grande valoração do bairro: Tenho quinze anos que moro no
bairro, gosto daqui, meus filhos têm muitas amizades [...] (Sônia, avó de estudante).
Grande parte dos professores e demais membros do corpo técnico pedagógico da
escola avaliam positivamente o bairro onde se situam as escolas: Moro aqui desde pequena,
foi aqui que eu cresci, conheço e me dou bem com todo mundo, me formei, e hoje sou
professora aqui [...]. (professora em entrevista).
No entanto, alguns depoimentos revelam uma avaliação mais crítica com relação à
insegurança e violência que se manifesta no bairro: Hoje está aparecendo muita violência
aqui, que antes não acontecia. Tem muitos assaltos, envolvimento dos jovens com drogas,
com gangues; às vezes acontecem brigas, até morte, por aqui. (Professora em entrevista).
Vários depoimentos de estudantes e professores apontam que o bairro influência a
percepção dos estudantes sobre a escola. Apontam também a questão da insegurança
associada ao bairro, à vizinhança e ao entorno da escola: Aqui na escola não segurança.
Nossa escola é muito perigosa. Quando você percebe tem gente do bairro querendo pegar
alguém. (Pedro, 15 anos, 6º ano).
As declarações dos estudantes patenteiam que o entorno das escolas, às vezes, é um
local de acerto de contas, oriundas de desencontros que ocorrem entre membros de gangues,
usuários de drogas: Mataram o pintor que fez a pintura da escola no ano passado. Os boatos
diziam que ele usava drogas e foi queima de arquivo. (Paula, mãe de estudante). Evidenciam
como local de rixas entre estudantes de diferentes instituições de ensino e entre estudantes que
93
são moradores de outros bairros: Vem gente de outras escolas provocarem brigas aqui, e
terminam sempre em brigas feias. Ontem mesmo um rapaz estava com uma arma para pegar
um menino da 5ª série [...] (Reginaldo, 14 anos, 6º ano).
Alguns funcionários reconhecem que, por vezes, esses confrontos entre estudantes
moradores de bairro ou de bairros distintos interferem diretamente nas atividades e no
rompimento da segurança dos demais estudantes, como revela o depoimento feito pela
inspetora de pátio sobre as invasões que ocorrem durante o período de aula:
De vez em quando somos surpreendidos com algum jovem aqui dentro da escola
atrás de estudantes para acertos de contas. É aquela coisa de rixa, de grupos, de
gangues, de desavenças por causa de namoradas. A gente não tem segurança e muito
menos os estudantes. Hoje na hora do recreio havia três rapazes no portão esperando
[nome de aluno] sair para pegá-lo. Ele percebeu, pulou o muro pelos fundos e fugiu
sem ser visto (Inspetoria de Pátio).
Essa ausência ou a precariedade de controle das pessoas que frequentam os
estabelecimentos, facilitando a circulação de estranhos e até mesmo as invasões, é um outro
fator apontado nos depoimentos dos docentes e discentes que contribui muito para o aumento
do sentimento de insegurança e vulnerabilidade na escola.
As entrevistas com os estudantes, professores e funcionários evidenciam outra
referência comum: as ocorrências violentas/assaltos que têm lugar no trajeto entre a escola ou
nos pontos de ônibus: Tem sempre assalto nos pontos de ônibus perto da escola,
principalmente de criança. Há roubo de bonés, tênis, celular. (Lina, 12 anos, 5º Ano).
Evidenciaram também que nem mesmo a presença dos professores nos ônibus intimida os
estudantes assaltantes: Eu estou aqui a cartoze anos, eu já vi meu aluno assaltando ônibus e
passar por mim como se nada estivesse acontecendo. Então você vem com medo para o
bairro (Professora em entrevista).
Cabe ressaltar neste estudo um aspecto relevante com relação à percepção dos
estudantes e educadores acerca da violência que se manifesta no seu entorno. Para muitos, ela
está associada às peculiaridades do bairro e dos residentes dele, sobretudo quando falam em
invasões, bairros populares, regiões ribeirinhas, as quais são ainda caracterizadas como
“ameaçadoras” (ABRAMOVAY, 2006; OLIVEIRA, 2002).
A primeira imagem que se tem dessas regiões é sempre preconceituosa, com grande
carga negativa e se pensa logo nos assaltos, na delinquência juvenil, no medo e na violência.
Como exemplo, posso citar as referências que se faz aos ataques à escola (roubos e furtos) aos
moradores da vizinhança, às gangues, aos estudantes, responsabilizando-os pelos delitos: No
94
ano passado teve muito roubo, sumiram várias coisas sem arrombamento, simplesmente
sumiram, principalmente de noite e nas férias (Funcionária da escola).
Tal ideia reporta aos estudos de Bauman, (2007, p. 80), que se refere à camada inferior
identificada sinistramente como gatuno”, “espreitadora”, “vagabunda”, e outros tipos de
invasores para descrever e entender a vida social e política brasileira. Da mesma forma como
se verifica na obra do autor, pode-se dizer que o imaginário negativo que se cria a respeito
dessas localidades faz com que as pessoas que residem nesses locais sejam vistas e
reconhecidas constituintes de uma classe perigosa, conforme aponta o depoimento: Essa
praça aqui defronte com o colégio é perigosa. Muitos alunos nossos foram assaltados
chegando ao colégio por esses jovens que moram no bairro popular que fica no final da rua
da escola (Jaqueline, 15 anos, 1º ano).
O clima de perigo notado nos moradores do bairro e apontado pelas entrevistas
também é atribuído às pessoas que circulam em torno da escola: Quando a gente está na
quadra fazendo Educação sica vem aquele cheirão de maconha. Aqui em frente a escola
ficam uns rapazes fumando. Não respeitam ninguém mais [...] (Ivo, 14 anos, 6º ano).
A maioria dos professores reconhece que a vulnerabilidade dos componentes da
comunidade escolar à violência ocorre em razão das características do entorno da escola e por
sua vez afeta a rotina da escola, gerando insatisfação e desconforto. Além disso, apontam que
é um bairro muito violento e esta violência se manifesta muitas vezes aqui dentro da escola.
(professora em entrevista).
consenso entre professores, gestores e funcionários que a violência na escola é
aprendida na convivência com a própria comunidade. O imaginário deles aponta que se a
comunidade é violenta, isso tem grande influência nos comportamentos dos estudantes, uma
vez que trazem para dentro da escola a lei do mais forte, predominante nas ruas. Os estudos
de Zaluar (1989) ajudam a compreender isso. Para ela, a violência é um componente essencial
da cultura de rua e para garantir a própria sobrevivência e obter respeito na rua é fundamental
que uma pessoa demonstre ser capaz de cometer atos de violência e de resistir a ela. “As
brigas, discussões, pequenas vinganças hoje são muito mais graves e facilmente o valente se
transforma em criminoso” (Idem, p. 84). A violência é, sobretudo, a aparência de que se é
violento, é um signo de força e credibilidade:
A violência surge da convivência com a própria comunidade, onde muitas crianças,
adolescentes convivem com pais e mães alcoólatras, dependentes químicos com a
violência doméstica. A violência vem de casa, do entorno da casa, da vizinhança.
Basta você dar uma olhada nos bairros para perceber que aqui predomina a lei do
mais forte, quem derruba primeiro, quem fala mais alto. Às vezes de olhar um
95
para o outro, pensa que está encarando, se sentem agredidos, afrontados. Por
isso o lugar deles ficarem é na rua, a cultura aqui, é cultura de rua, e para defender
seu espaço eles assumem ser violentos, agressivos. Não querem dialogar. Aqui todo
mundo senta na porta da casa pra ver quem está passando, para mexer, para dar
palpite, para ver se o vizinho está agindo certo, se está agindo errado, para valer a
autoridade na violência [...] (Professora em entrevista).
O depoimento da professora revela que na rua vale o mais destemido, quem manda
mais. Revela ainda o impacto negativo da violência do entorno (grupos, gangues) sobre a vida
escolar de alguns estudantes: algumas vezes temos que pedir ajuda da polícia ou dos próprios
professores para levar alguns estudantes em casa, porque não podem sair, estão ameaçados.
Seguramo-lo aqui na sala dos professores, e quando está mais calmo levamo-lo em casa. A
gente já conhece o que acontece (Professora em entrevista).
Poderia, pois, concluir, nesse momento, que as características econômicas e sociais do
bairro e da comunidade, ao lado dos episódios concretos de violência, são fatores que
alimentam medo, comprometendo o clima escolar seguro e sadio (ABRAMOVAY, 2006).
Esse clima de ameaça e intimidação promove um sentimento de insegurança, o que
influencia enormemente o imaginário que os estudantes têm da escola. Além disso, a
violência do entorno pode também comprometer a frequência cotidiana do estudante:
Sinceramente eu tenho medo de estudar aqui, tenho medo de vir para a escola, atravessar a
praça, que fica cheia de maconheiros. Direto você escuta tiros aqui da escola, a sirene do
carro da polícia, parece que os tiros vão bater aqui nas paredes [...] (Joice, 13 anos, 7º ano).
A insegurança descrita pela estudante é corroborada pela fala de uma professora sobre
a probabilidade da circulação “livredas drogas lícitas e ilícitas contribuírem para os assaltos
à mão armada, ameaças, brigas e até mortes de estudantes:
Outro dia eu falei para o presidente do Conselho: meio dia todo dia eu atravesso a
praça e todo santo dia tem pessoas usando drogas. Todo mundo sabe, a policia ou
então não quer ver, e não quer fazer nada. Se amanhã você for passar verá também.
Não há prevenção.
Infelizmente,
eu perdi um aluno,
morreu aí na praça
tragicamente.
Eu perdi alunos aqui que eu amei que eu gostei, que eu chorei. Alunos assim que
já vinham refazendo o caminho, mudando de vida [...] (Professora em entrevista).
Na fala da professora, destaca-se a consciência da existência da falta de segurança, em
todos os lugares, sobretudo nas escolas. No entanto, percebe-se que isso não vem sendo uma
grande preocupação das instituições de Segurança Pública e de toda a sociedade brasileira,
apesar da imprensa falada e escrita veicular a toda hora desde os casos mais simples aos mais
trágicos, sendo como um tema diário do povo em geral nos bairros e cidades.
96
Sob essa ótica, segundo Abramovay e Castro (2006), o medo que permeia as relações
sociais hoje não está ligado somente à possibilidade de ser vítima, mas também à percepção
que se tem do mundo social, à capacidade de reação e à proteção de que se dispõe. Tem-se
medo de ser roubado, violentado, sequestrado quando se sabe que a polícia não protege,
gerando um sentimento de insegurança social que é mais geral (OLIVEIRA, 2002).
A escola, enquanto instituição imersa nesse ambiente, não está imune ao imaginário do
medo e da insegurança no que diz respeito tanto à vulnerabilidade imaginária – isto é, ligada a
uma sensação de insegurança e a ameaças a que a escola estaria sujeita quanto à
vulnerabilidade real, consequência da violência que marca certas áreas urbanas, da
precariedade das instalações dos prédios escolares, a falta de pessoal e da deficiência dos
mecanismos de vigilância e controle das escolas (ABRAMOVAY, 2006).
Esse desequilíbrio social no mundo moderno, provocado pela ascensão da violência,
conforme aponta Bauman (2007), inibiu a administração do medo e o medo faz acreditar que
o outro é inimigo, bandido, aquele que ameaça, que deseja o mal. Os “outros” são aqueles
reconhecidos inadequados, desintegrados, proclamados descartáveis, “antissociais”,
socialmente desajustados, sendo uma classe inferior e ameaçadora na sociedade.
Como se percebe, o medo não marca apenas a vida dos estudantes, pois as entrevistas
com os adultos das escolas também revelam medo, insegurança e impotência sobre que fazer
em relação aos fatos de violência que se manifesta na porta da escola quanto dentro dela:
Estamos de mãos atadas na escola. Ontem mesmo, vi um aluno nosso do ano
espancando outro colega aqui perto. Tive receio de chegar perto [...] Já pensei em
chamá-lo para conversar sobre isso, mas tenho receio, porque sei que ele é muito
agressivo aqui na escola e na rua. Vejo quase todo dia alunos nossos fumando
drogas aí na praça. Sinto-me impotente frente a isso [...] (Professora em entrevista).
Os depoimentos dos entrevistados apontam, sem sombra de dúvidas, que muitas
escolas, a exemplo das envolvidas nesta pesquisa, enfrentam problemas de segurança. A
vulnerabilidade dos prédios escolares é um assunto cíclico. Grande parte dos estudantes e
adultos aponta para a banalização da insegurança nas escolas, o que por sua vez gera
indiferença, comodismo e uma percepção de que conviver com tal situação é natural: Aqui
tem brigas todo dia e também invasões de pessoas de fora. estamos tão acostumados [...].
É sempre assim, nada mudou até hoje. Antes era pior [...] (Joice, 12 anos, 7º ano).
Como se observa, os confrontos entre grupos e gangues são situações mencionadas
pelos estudantes, professores, gestores e funcionários como fatores que promovem a
97
insegurança e o medo nas escolas. Nesse sentido, o sentimento de pertencimento do estudante
à escola bem como de toda a comunidade educativa pode ser afetado negativamente.
4.2 Retratos do corpo docente
Recolhi a história de vida de seis educadores de criança e jovens das escolas
envolvidas nesta pesquisa. Essas histórias de vida foram narradas em uma entrevista de uma
hora e meia cada, individualmente. Foram gravadas e transcritas. Para desvelar as percepções
e crenças dos professores acerca da sua realidade familiar, social e profissional, busquei
respaldo na filosofia de Merleau-Ponty (2006). Foi pedido aos educadores que relatassem os
acontecimentos e situações mais importantes ocorridas em sua vida com o intuito de
compreender os significados e intencionalidades desses atores educacionais.
Parti do pressuposto de que para entender a interação no cotidiano escolar, a
construção dos saberes e do ensino-aprendizagem, os comportamentos e as possíveis reações
agressivas na relação com os estudantes em sala de aula é de grande importância pensar
também na história de vida dos professores como intrínseca à cultura da educação escolar.
Nesse sentido, Nóvoa (2000, p. 82) diz que “há muitos fatores que influenciam o
modo de pensar, de sentir e de atuar dos professores, ao longo do processo de ensino: o que
são como pessoas, os seus diferentes contextos biológicos e experienciais, isto é, as suas
histórias de vida e os contextos sociais em que crescem, aprendem e ensinam”.
Dessa forma, considerar os professores em suas historicidades particulares é
compreendê-los em seu contexto histórico pessoal, social, econômico e educativo. É
compreender que o conhecimento e as ações pedagógicas que carregam possuem as marcas do
contexto político e social em que foram produzidos e das políticas públicas e científicas nas
quais estão inseridos. Por igual, revelam as marcas dos sistemas de educação escolar que
representam, configurando-se como agentes essenciais na produção e muitas vezes na
reprodução do ensino.
Retrato 1
A professora Sônia tem 51 anos, nasceu e se criou em Cuiabá. É branca, católica. Ela
teve uma trajetória escolar regular: foi aluna do seu pai no Ensino Fundamental em uma
98
escola particular. Sua mãe, dona de casa, concluiu o Ensino Médio. De 1974 a 1976, Sônia
cursou o Ensino Médio. Em 1976 ingressou na UFMT, cursando Geografia e formou-se em
1980. Em 2008, iniciou o Curso de Direito na faculdade Afirmativo, em Cuiabá.
Sônia é mãe de dois filhos, solteiros e estudantes. O filho tem 26 e cursa Ciências
Contábeis e a filha, com 22 anos, cursa Farmácia. Diz que se divorciou do esposo por causa
das agressões sofridas: Ele me bateu [...]. Os xingamentos, brigas e ameaças aconteceram
várias vezes. Ela viveu com ele 24 anos. Não se casou novamente.
No ano de 1982, iniciou sua carreira de magistério na rede de ensino estadual, mas
após quatro anos de magistério, por exigência do esposo, afastou-se. Retornou à sala de aula
em 2002, após o divórcio, substituindo docentes em várias escolas estaduais. Na escola atual,
está desde 2006. Leciona as disciplinas de Geografia e Sociologia para o Ensino Fundamental
nos períodos vespertino e noturno. Tem 10 anos de magistério como interina no Estado.
Conta que sua formação foi muito rígida, mas sem situações de violência: Em casa
não havia violência. Nunca vi meus pais discutindo ou brigando. Hoje sou professora, por
influência dele que dava aula com tanto prazer e paixão que encantava a todos.
Para Sônia: hoje lecionar não é uma tarefa fácil, é desgastante. Depara-se com muitas
situações de violência nas salas de aula: Essas cenas de violências, ameaças, acabam nos
deixando um pouco receosas. A gente estuda, se forma, sonha com outro tipo de educação
[...] mas está difícil! Outro dia um aluno até queria bater em mim. A violência aumenta a
cada dia, seja a violência verbal, a psicológica ou física, deixando-nos em sobressalto [...].
Revela ainda que algumas vezes por não saber como resolver essas situações
conflituosas, acaba tendo reações que estimulam a agressão por parte dos estudantes: Muitas
vezes tratei meus alunos com respostas pesadas. Rebati com as mesmas palavras, no mesmo
tom agressivo, coloquei apelidos. Com alguns alunos, tenho um relacionamento muito difícil.
Retrato 2
A professora Vera é paulista da capital. É branca. Mudou-se para Cuiabá com seus
pais na esperança de melhorar de vida. Para o sustento da família, sua mãe trabalhou como
doméstica em casa de famílias e seu pai, como pedreiro. Eles frequentaram a escola até a
série. Tem uma irmã. Ela é viúva e tem quatro filhos. Vera conta que já trabalhou de
empregada doméstica e professora.
99
Logo que chegou a Cuiabá, no ano de 1983, passou no concurso estadual. Possui 28
anos de exercício de magistério: Fiz o curso de magistério para agradar o meu pai, que
queria ter uma filha professora. Sua vida escolar foi regular. Em São Paulo, cursou o Ensino
Fundamental e Ensino Médio: Magistério. Em 1979, iniciou sua carreira como professora.
Em Cuiabá começou a atuar como professora no bairro São Gonçalo. Após, trabalhou
em vários bairros: Lixeira, Pascoal Ramos e, por último, Pedra 90. Nessa escola, atuou
como coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental, várias vezes. De 2007 a 2008, esteve
em desvio de função por problemas de saúde. Em 2009, retornou como coordenadora escolar.
Na época da pesquisa, Vera reclamou da situação de indiferença que vivencia nesta
função: Na verdade, eu só faço alguma coisa na escola quando as coordenadoras não estão
na escola. Este é meu último ano, vou me aposentar. Chega! Quando estudava, fui muito
humilhada pelos meus colegas e também por alguns professores. Aqui sou humilhada,
discriminada e rejeitada pelos colegas de profissão.
No ano de 1990 passou a morar com seu esposo. Não tem filhos. O esposo concluiu o
Ensino Médio, é aposentado, tem 46 anos e trabalha como autônomo. Antes do
relacionamento com ela, ele teve quatro companheiras com as quais teve oito filhos.
Vera revela que seu relacionamento com o esposo é marcado por atitudes de violência.
Possui 21 anos de casada, porém lamenta-se: separei dele várias vezes, porque ele me bateu
várias vezes. Hoje ele ainda me agride com palavras: humilha, xinga, ameaça, grita.
Também diz que em sua família vivenciou situações de violência: Minha mãe batia
muito em nós. Afirma que seu esposo também traz traumas da violência na família: O pai e a
mãe batiam muito nele. Por isso que ele fugiu de casa ainda pequeno. Hoje ele é alcoólatra,
fuma, é revoltado. Já fez tratamento com psicólogo, mas não resolveu.
As observações que fiz na escola em que trabalha Vera apontaram que ela possui um
relacionamento muito difícil com os estudantes e com as pessoas de modo geral. Nas
resoluções dos conflitos comuns entre os mesmos, tratavam-nos com gritos, palavras
agressivas e desrespeitosas do tipo “você é preguiçoso, não quer saber de estudar, deixe seu
lugar para outro”, gerando visivelmente insatisfação e revolta nos estudantes.
Retrato 3
O professor Gerson tem 39 anos. Nasceu em Corumbá/MS. É negro, católico. Revela
que seus pais nunca viveram juntos: Sou resultado da juventude desenfreada deles, eu e
100
minha irmã, que hoje tem 37 anos. Fui adotado pelo tio materno que se sensibilizou diante do
meu sofrimento em consequência do abandono familiar antes de completar um ano. Minha
mãe formou outra família, teve dois filhos. Deixou a casa da família adotiva com 19 anos,
quando se mudou para Cuiabá para morar com seu pai legítimo.
Sua trajetória escolar foi regular, apesar das adversidades no percurso: cursou o
Ensino Fundamental e Ensino Médio de 1977 a 1989. De 87 a 89 foi membro da Patrulha
Mirim do regime militar. Após, veio para Cuiabá fazer graduação em Educação Física.
Tentou durante quatro anos o vestibular na UFMT e foi aprovado em 1994, exercendo o
Magistério, mas não o concluiu. Ingressou em vários cursos superiores (História, Geografia,
Letras, Biologia), mas não conseguiu concluir nenhum.
Iniciou sua carreira de magistério em 1990, substituindo o seu tio, irmão do seu pai,
lecionando Educação Física em uma escola particular. Nesse período cursou o Magistério. De
90 a 95, trabalhou em diversas escolas municipais, estaduais e particulares de Cuiabá,
lecionando Língua Portuguesa, Educação Física, Geografia, Ciências, Matemática, Biologia,
Química e Física. Lecionou também na zona rural. Toda essa trajetória de magistério foi
percorrida como professor contratado. Tem 20 anos de Cuiabá e 19 anos de magistério.
A partir de 2001, Gerson passou a ser professor efetivo na prefeitura de Cuiabá,
atuando da I à IV série. Possui 10 anos de concurso. É casado há quatro anos. Sua esposa é
formada em Pedagogia e trabalha em uma Cooperativa de técnicos de enfermagem. Teve três
filhos: um está com três anos e o menor está com um ano e quatro meses do casamento atual e
uma filha de um relacionamento anterior.
Ele trabalha nos períodos matutino e vespertino. Possui 40 horas em sala de aula. Na
Escola A onde realizei a pesquisa trabalha as 20 horas excedentes. É titular da turma do
ano com 38 adolescentes. É o primeiro ano que está nesta Escola.
Quando se mudou para Cuiabá, não tinha residência fixa e morou em diversos locais:
na casa do seu pai, em república, nas casas de amigos e conhecidos, com seu tio. A moradia
dependia do emprego e da relação que construía com as pessoas que o hospedavam. Após o
casamento adquiriu sua casa própria na região da grande Coxipó.
Na época da pesquisa na escola, observei que o professor Gerson possui um
relacionamento dialogal e franco com os estudantes. Na observação no pátio, recreio, sala de
aula e sala de professores, percebi que ele é muito estimado pelos educandos: Assumi essa
profissão por paixão. Não consigo fazer outra coisa na vida, senão dar aula. tentei deixar
o magistério [...]. Eu nasci com ela.
101
Revela ainda que as incertezas experimentadas no dia-a-dia deram-lhe base para
compreender a realidade dos adolescentes e suas famílias hoje: Compreendi também que
mesmo que meus pais não tiveram condições de me criar, não deram respaldo, referencial,
amor, carinho, são meus pais. Aprendi a ser pai com os pais dos meus alunos que são pais
presentes e compreendi que meus filhos não poderiam sofrer essa ausência.
Retrato 4
A professora Patrícia tem 29 anos de idade, é branca, natural de Cuiabá, solteira,
espírita kardecista. Possui Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal
de Mato Grosso. Sua trajetória escolar foi regular. Cursou do Jardim da Infância à série em
uma escola da rede particular de Cuiabá. Da série ao Ano do Ensino Médio, cursou na
escola da rede pública do Estado. Em 1999, ingressou na universidade, formou-se em 2003.
Patrícia é filha de professores. Seus pais cursaram Licenciatura em Língua Portuguesa,
têm pós-graduação e são concursados pela Secretaria do Estado de Educação de Mato Grosso.
Os dois são técnicos em educação. Tem uma irmã mais velha, formada em Comunicação
social. Os avós paternos e maternos sabem ler e escrever.
Ela iniciou sua carreira de magistério trabalhando em uma creche coordenada pela
Pastoral da Criança com a pré-alfabetização de crianças de 5 e 6 anos de idade, no período de
97 a 98. De 2001 para cá, passou a lecionar na rede estadual e particular de ensino.
Diz ter participado de seleção de concursos estaduais para professores várias vezes.
Foi classificada, mas nunca foi chamada: O grande número de professores interinos é
chocante. Na escola que eu trabalho tem apenas três efetivos e 20 interinos [...]. Possui 12
anos de magistério. Leciona em três períodos: na escola particular, no matutino, com as séries
5º e anos do Ensino Fundamental. Na rede pública estadual, leciona para os e anos no
período vespertino; no noturno, com EJA, 7ª e 8ª séries.
Revela que todo ano pensa em deixar a carreira de magistério. Para Patrícia: a
violência é um fator que hoje não se pode omitir e vem desmotivando muitos educadores. A
gente não tem segurança. fui ameaçada três vezes em sala de aula, principalmente por
alunos adultos que vão à escola para fazer bagunça, passar drogas, em especial no noturno.
Já fui ameaçada em uma escola no CPA, no período vespertino.
Revelou também que sofreu muito preconceito e humilhação na sua trajetória escolar
como estudante. Foi um período de grande sofrimento e não desistiu porque tinha o apoio
102
de sua família: fui muito humilhada por colegas por ser obesa. Sofri muito. Quando cursei o
Ensino Médio, meninos e meninas debochavam de mim, chacoteavam, chamava-me de gorda,
de feia, “feiona”. Diz ainda que a submissão ao bullying a levou a reproduzi-lo para se
defender dos ataques dos colegas: Eu passei a praticá-lo fazendo gozação, chacotas,
humilhações. Tentei suprir uma deficiência pelo fato de ser gorda, porque não podia ser o
protótipo que a sociedade impõe, atender um padrão de beleza.
Recorda que no seu espaço de trabalho não ficou ilesa de tratamento preconceituoso
pelo seu estado físico tanto por parte dos estudantes quanto por parte dos próprios colegas de
trabalho: Um dia um aluno me disse: Essa “gorda”, essa “baleia” e mais um monte coisa.
Era da 5ª série. Fiquei sem ação para responder [...]. Lembro que parei, fiquei inerte,
chateada. Esse foi um dos motivos que me motivou a emagrecer. Já emagreci 30 quilos.
Patrícia afirma que a vivência de atos de bullying, tais como apelidos, chacotas gerou-
lhe vergonha, medo, desinteresse, solidão e até mesmo a depressão:
Tomei medicamento para emagrecer e fiquei com depressão. Não sorria mais, não
brincava,
passei duras perdas.
Na escola pública onde
trabalho o clima de
preconceito me levou também a emagrecer. A coordenadora chama-me de
“gordona”. Isso me ofende muito. Apelida alunos de gorduchinho, ‘dentuchinha’.
No ano que entrei fiquei revoltada. Todo mundo sorri e acha o máximo. Diz: isso
aqui é coisa de preto. Não aceita as pessoas como são. Depois eu me vi fazendo a
mesma coisa: apelidando os alunos e imitando-os, rotulando. Quando me chamam
de gorda, aceito por educação, porque não vou bater boca. Pelo fato de eu ser gorda,
tenho que viver bem comigo mesma. A minha vontade é olhar para a coordenadora e
encontrar qualquer defeito nela e começar fazer gozação também.
Segundo ela, ainda encontra grande resistência, preconceitos e desconforto com
relação às suas características físicas. Isso a incomoda deveras, mas compreende que a
mudança de mentalidade nas pessoas é muito lenta. É processo lento e gradativo.
Patrícia recentemente adquiriu sua casa própria em Várzea Grande/MT. Sempre
morou com seus pais e tiveram um relacionamento afetuoso, dialogal: minha mãe e meu pai
foram maravilhosos em todos os processos. É a entrevistada que apresenta desfrutar de um
melhor padrão de vida. Sua família possui sítio, casas em bairro nobre da cidade. Atualmente
ministra também cursos e palestras sobre orientação sexual, sexualidade com o intuito de
contribuir com reflexões que reduzam os preconceitos, os estigmas assinalados nessa
pesquisa, como bullying.
103
Retrato 5
A professora Vanda possui 47 anos, natural de Cuiabá. É branca, espírita kardecista,
solteira e mora com sua família. Sua trajetória escolar foi bem regular, apesar das mudanças
de escola: da à série cursou na rede pública estadual de ensino; as séries e cursou
em um colégio particular de Cuiabá. Retornou à escola pública estadual cursando da à
série. O Ensino Médio fez em um colégio particular, concluindo-o em 1991. Em 1992,
ingressou na Universidade de Cuiabá (UNIC), cursando Letras com habilitação na Língua
Inglesa. Ela possui cinco irmãos, dentre esses três são formados e os demais concluíram o
Ensino Médio.
Seu primeiro emprego foi aos 21 anos, no setor administrativo público estadual. Em
1997, Vanda iniciou sua carreira de magistério como professora substituta em uma escola
estadual da periferia, com as séries à 8ª. Diz que foi um tempo muito difícil: Substituí por
seis meses e fiquei apavorada. Entrei em conflito com os alunos, com os professores e
direção. Criei uma confusão na 5ª série, porque disse que se faltasse muito iria reprovar.
Em 2000, foi aprovada no concurso para professor de Língua Inglesa para as séries
iniciais da prefeitura de Cuiabá e possui nove anos de concurso. Já trabalhou em três escolas.
Na escola em que trabalha hoje está dois anos e leciona do ao ano. Cumpre suas 20
horas nessa escola. Diz em tom de reclamação que em todas as escolas por onde passou
enfrentou sérios problemas de relacionamento com a equipe gestora. É enfática ao afirmar: Eu
não faço vista grossa para as brigas que acontecem na escola. Os alunos têm medo de mim.
Não admito na minha relação com eles que tenham comportamentos grosseiros e relapsos.
Comigo é assim, se ele é agressivo eu rebato mesmo. Sou agressiva, curta e grossa.
Revela: nunca pensei em ser professora. Sinto frustrada com a profissão frente à
violência e às dificuldades de relacionamento. A violência afeta a nossa saúde emocional,
física, psicológica. Às vezes de tanto ver agressividade, você acaba fazendo também. Hoje
nas escolas não se precisa mais de psicóloga, mas de psiquiatria. Nossa categoria está
doente mesmo, desanimada, cansada, estressada, tudo que é ruim, está dentro.
Conta que sua infância e juventude foram muito conturbadas: Meu pai era
extremamente alcoólatra, agressivo, expulsava a gente de casa. A família ficava em estado
de medo e terror. Nós corríamos para a casa de minha avó, fechávamos a porta e ficávamos
quietinhos. Buscávamos sempre a Deus. Minha mãe era muito forte, tinha muita fé.
104
Afirma que hoje seu pai não é mais alcoólatra. É aposentado muito bem, porém tem
sua saúde comprometida: sofre de enfisema pulmonar. Está com 88 anos. Os pais estudaram
apenas as primeiras séries iniciais. A mãe já é falecida.
Além de lecionar, Vanda faz trabalhos manuais: Gosto de pintar panos, camisetas,
trabalho com arte, mas não como profissão. Faço trabalho voluntário na Creche do bairro
Novo Paraíso II. Ensino um grupo de 20 mulheres pintarem. Recebo ajuda para a gasolina.
Retrato 6
A professora Amélia é negra, tem 48 anos, é natural de Cuiabá, kardecista. A trajetória
escolar de Amélia foi regular: cursou o Ensino Fundamental e o Ensino Médio em duas
escolas particulares entre os anos de 1958 a 1969. Fez dois Ensinos Médios: Magistério e
Admissão de empresa. Recebeu bolsa de estudo no colégio particular e ajuda de sua irmã que
trabalhava. Ingressou na UFMT em 1970. Formou-se em Ciências Contábeis em 1973. Em
2000, atuando em sala de aula, licenciou-se em Letras pela UNIC. Relembra que a família
era muito pobre e fazia doces de laranja curtida para vender; sua mãe também lavava roupas
para fora. O pai trabalhou como verdureiro, jardineiro e fazia adobe para vendas. Os pais não
frequentaram a escola, sabiam mal assinar o nome. Ela tem mais quatro irmãos, todos
possuem o ensino superior.
Revelou que iniciou sua carreira profissional muito cedo como contadora na rede
pública municipal, através de concurso, em 1972. Em 1999, foi aprovada no concurso
municipal da prefeitura de Várzea Grande para professora do nível I a IV e em 2000 passou
no Concurso municipal da prefeitura de Cuiabá. Tomou posse em seguida das duas cadeiras.
Possui 9 anos de magistério. Na atual escola, está há quatro anos. É titular da turma do 6º ano.
Apesar de todo esse tempo de magistério, pretende abandoná-lo. Está concluindo o
curso em Direito, e pretende assumir um trabalho na área de advocacia ou de contabilidade.
Segundo ela os anos de magistério trouxeram-lhe muitos problemas de saúde, inclusive
depressão: Estou com depressão, com um enorme esgotamento (nervoso). É a própria
profissão e as pessoas da profissão. Não se tem apoio dos pais, nem dos colegas e nem da
direção. Falta material para trabalhar. Decepcionei-me muito com a profissão. Não tenho
mais estímulo para ficar em sala de aula.
Quando Amélia casou-se, havia se formado em contabilidade e exercia a profissão
de contadora. Teve dois filhos: a filha está com 25 anos e é formada em Odontologia. O filho
105
de 18 anos está tentando ingressar no curso de Medicina na UFMT. Os dois estudaram em
colégio particular. Revela que seu casamento foi rompido tragicamente com a violência
doméstica, deixando-lhe grandes sequelas:
Meu esposo me bateu. Deu-me um tapa no rosto e eu caí. Fiquei tão desorientada
que andei um dia e uma noite nas ruas sem saber para onde ir. Entrei em depressão
profunda. Procurei várias religiões: Seicho No Iê, Messiânica, Católica, mas não
encontrei resposta. Abandonei a religião e o emprego. Não conseguia trabalhar.
Fiquei com os dois filhos, com um casamento desfeito, sem casa. Fui socorrida pela
minha irmã. Sobrevivemos fazendo doces e salgados para vender. Meus filhos não
pararam de estudar, fizeram tratamento psicológico. Depois tudo “normalizou”.
Em tom de lamentação conta que também sua infância e juventude foram marcadas
pelo sofrimento em sua família: Meus pais eram muito agressivos. Apanhei muito. Batiam de
espancar
mesmo.
Uma vez fiquei toda cheia de hematomas,
já estava casada.
Eles me
bateram
na frente dos meus filhos. Ficou uma mágoa muito grande deles por ter sofrido tanto.
* * *
De modo geral, pela descrição dos retratos, posso afirmar que os professores tiveram
suas trajetórias escolares de forma regular, apesar das diferenças existentes entre eles. Alguns
professores puderam contar com boas condições financeiras que garantissem a tranquilidade
na educação escolar. Já outros, além de enfrentar na infância os problemas relacionados com
insegurança financeira, enfrentaram também a violência familiar.
A maior parte dos professores revelou que a convivência no espaço familiar foi
marcada por conflitos e violência doméstica. Revelou ainda que os atos de violência familiar
se manifestaram por meio dos maus tratos, agressão, negligência, abandono e violência física
ou psicológica, gerando insegurança, medo, traumas profundos, carências e até reprodução da
violência (FANTE, 2005). Ficou dessa forma, demonstrado, que a violência doméstica é ainda
hoje comum às muitas crianças e adolescentes de todos os estratos sociais, como
demonstraram diversas pesquisas sobre a temática. Tais fatos confirmam a invisibilidade ao
fenômeno da violência intrafamiliar que tem nas crianças, adolescentes, mulheres e idosos
suas principais vítimas (AZEVEDO & GUERRA, 2001). Nesse aspecto, o rompimento com a
disseminação desse fenômeno, mantido pela complacência da sociedade, requer dar
visibilidade ao “pacto de silêncio”, que dificulta o acesso ao que realmente acontece com
relação ao problema.
106
Alguns professores externalizaram a relação agressiva na vivência conjugal. Sem
dúvida esta é uma das patologias mais encontradas nos relacionamentos entre cônjuges e que
fere a dignidade e os direitos humanos. Nesses casos, os professores incorporam o discurso
desencadeado pelo abuso do poder do macho, alcoolismo, desemprego, pobreza, causando a
insegurança na família, a vulnerabilidade, a instabilidade emocional, o rompimento com os
valores e, até mesmo, a trágica separação. Menciono ainda duas docentes que em
consequência da separação do casal, se viram na obrigação de garantirem sozinhas ou com o
apoio da família o sustento dos filhos.
As entrevistas revelam que a maioria dos professores possui formação superior e
especialização na área, sendo que alguns estão na segunda faculdade. Evidenciam, ainda
que não seja regra geral, a busca pelo aperfeiçoamento, por titulação, o que por sua vez está
diretamente relacionado à garantia de permanência em sala de aula, em particular para aqueles
que são contratados temporariamente. Há, por isso, que depreender-se que o sistema
capitalista impõe aos profissionais em geral a elevação de títulos para não serem excluídos do
mercado de trabalho seletivo e competidor.
Oposto a isso, os testemunhos apontam que dois professores apenas possuem o Ensino
Médio profissionalizante: Magistério. Não se trata apenas de desinteresses, de falta de
competência, mas de instabilidade financeira, da necessidade do trabalho para sustentar-se ou
garantir o sustento familiar, da falta de moradia. Apontam também para a instabilidade
emocional causada pela vivência da violência familiar sofrida na infância e juventude, as
situações agressivas vivida na relação conjugal, um conjunto de situações que impediram que
eles conseguissem uma qualificação superior.
As entrevistas revelam que o exercício do magistério ocorreu de forma diferenciada
para os seis docentes. Há, por isso, que depreender-se que ocorreu por influência do pai, da
paixão educativa, de aprovação em concurso por “acaso”, de escolha pessoal. Revelam, além
disso, que para alguns professores o ingresso no magistério representa a garantia do sustento
da família. Contudo, com relação à escolha da profissão por “acaso”, essa consciência
comporta uma atual deficiência, atuar como educador, sem vocação específica para essa
exigente missão.
Grande parte dos professores reconhece como dramática a posição de quem trabalha
como contratado, porque estes estão submissos à insegurança e instabilidade, situação vivida
pela maioria deles. Alguns professores tiveram que batalhar muito para serem aprovados em
um concurso, seja da rede municipal ou estadual. A maior queixa, desmotivação e desejo de
desistência é apontada por duas professoras, as quais continuam “batalhando” para se
107
efetivarem. Nesses casos, frente à precariedade dos contratos temporários, são obrigadas a
enfrentar duas ou três jornadas de trabalho para garantir a sobrevivência familiar. Dessa
forma, é evidente que, nas atuais condições de insegurança, precariedade nas quais se exerce a
profissão docente, não existem condições satisfatórias para a realização de uma educação de
qualidade.
O clamor mais comum por parte de todos os professores é a ausência de condições de
trabalho na escola. Isso remete à falência das aspirações pessoais e a consequente desistência
da área de atuação profissional: pouco relacionamento com os colegas de profissão, em que a
falta de coleguismo e companheirismo possibilita o preconceito, a rejeição, a falta de apoio e
se instaura a frustração, a falta de autonomia e perda da autoridade dos professores, que no
campo do relacionamento predispõem à perseguição. Registram-se também dificuldades de
relacionamento com os familiares, precariedade nas condições materiais e profissionais de
trabalho. Esse contexto relacional, marcado pelo desencantamento, pelo esgotamento
“nervoso”, pelo individualismo, pelas decepções constantes, e até pela depressão, “é típico
de um sistema em grupo fechado, problemático, que não encontrou brechas para desenvolver
positivamente as relações entre seus membros” (COSTANTINI, 2004, p.73), o que
consequentemente contribui para a desistência do ato de educar.
É obvio que esse atual sistema fechado e problemático não oferece condições para o
desenvolvimento de relações significativas, para a construção de identidade fortalecida, da
participação efetiva. Não oferece condições para se construir um processo civilizatório que
contemple a valorização da vida. Portanto, na nossa sociedade, o sistema educacional atual
está longe de um ideal de cidadania, de segurança, de estabilidade, de direitos humanos e de
paz.
Esse desencantamento muitas vezes é justificado pela longa história de não atribuição
de valor ao papel do professor (OSNIR, 2008). Esse histórico processo de desvalorização do
professor em nosso país, impotência, respeitabilidade social contribuem para o aumento da
frustração com a profissão de educar. As falas dos professores supracitadas parecem coincidir
com o que consta na apresentação da obra “Educação: carinho e trabalho”, de Wanderley
Codo (1999, p. 237):
se viu que o professor faz muito mais do que as condições de trabalho permitem;
se viu que comparece no tecido social compondo o futuro de milhares e milhares
de jovens que antes dele sequer poderiam sonhar. Mas existe um outro professor
habitando nossas lembranças: um homem, uma mulher, cansados, abatidos, sem
mais vontade de ensinar, um professor que desistiu.
108
Os efeitos desse fenômeno, conhecido como Burnout, cujos sintomas traduzem-se no
desestímulo profissional, na desvalorização do profissional, constituem uma probabilidade
para o despertar da prática do bullying na interação do professor com o estudante: Comigo é
assim, se o aluno é agressivo eu rebato, rebato mesmo, contribuindo com um sistema caótico
que espalha a desesperança, as condições neuróticas, que desvaloriza os saberes e destrói as
possibilidades de um novo processo ético civilizatório.
Portanto, posso aferir que a violência contra o professor se expressa no desgaste dos
contratos, nas péssimas condições estruturais da escola, na falta de garantias, na instabilidade
e perda gradativa da esperança. Somam-se a essas os problemas de manutenção e subsistência
da família, a baixa remuneração, a sobrecarga de funções exigidas, as revisões de direitos que
com muita luta foram ampliados, as dissonâncias na relação, a falta de participação dos pais,
enfim, a perda de referência profissional por estratégias substitutivas. Tal estado frustrante e
depressivo, induzido pelas condições sob as quais é realizado o trabalho chama-se “Síndrome
de Burnout” (CODO, 1999). E a cura de Burnout, em nós, “é a cura da escola, é a
recuperação de voz de protesto, ou seja, a remissão da condição de mercadoria a que estamos
submetidos como classe e que usurpa nossa humanidade”(PASSOS, 2004, p. 54-56).
A par desses sentimentos, muitas vezes desmotivadores, percebo que o traço
preponderante hoje na figura do professor, apontado nas falas da maioria dos professores, é
certo “abatimento, determinado desencantamento com os resultados da Educação, em razão
dos demorados efeitos de transformação humana e social aguardados” (OSNIR, 2008, p. 11).
Revelam igualmente um cenário alarmante no qual se percebe a degradação da imagem,
desencantamento profissional, desistência, dessensibilização, falência nos propósitos e ideais,
concorrendo direta e indiretamente para o fracasso no ato de educar.
Os professores unanimemente registram que o relacionamento conturbado, ríspido e às
vezes agressivo configura-se como impedimentos para um melhor entrosamento entre eles e
os estudantes. Nesses casos, a escola nega a possibilidade para se estabelecer diálogos,
relações de proximidade e desenvolver contatos. Nesse aspecto, o desrespeito, as palavras
agressivas e/ou violentas direcionadas aos estudantes aparecem: sou agressiva, curta e
grossa. Se ele é agressivo, eu rebato do mesmo jeito. A constância em repetir as mesmas
recriminações, ameaças, ataques à autoestima e o desrespeito exercem sua função de coação e
padronização de comportamento. O tom de voz áspero, a postura corporal ameaçadora contida
na linguagem verbal e não verbal imprime o cunho de violência a essas situações, inibindo a
reversão desse processo desumanizante.
109
As entrevistas com os professores e estudantes apontam para o tom monstruoso e
hostil da forma áspera com que expressam cada palavra: você é sem-vergonha, preguiçoso,
não quer saber de estudar, deixe seu lugar para outro, a impressão que se tem é que a
professora se não importa com os sentimentos de seus estudantes. Apontam também que a
dessensibilização, a falta de preparo para orquestrar os conflitos entre os estudantes levam a
atingi-los tragicamente. Pode-se perguntar: O que esse processo histórico de desvalorização e
abandono provoca à educação?
Do ponto de vista da interação empática, atribui-se à postura pedagógica da metade
das professoras emersa pelas entrevistas, atitudes de violência e ações bullying. Práticas
negativas que denunciavam impaciência, raiva, nervosismo, irritação e agressividade frente a
uma situação conflitiva, provocando outros estados conflitivos. Isso gerou um clima tenso,
seguido de ameaças, assimetria de poder (AQUINO, 1996) num mecanismo de se impor,
emergindo sentimentos de insegurança, medo, raiva, vergonha, sobretudo, humilhação e
constrangimento da criança na presença dos colegas. Esse ambiente de tensão, ansiedade e
insegurança perturbam a criança, pois lhe faltam capacidade e habilidade para lidar com essa
emoção contraproducente e que vai incidir sobre as relações sociais de grupo e ou até mesmo
sobre o seu interesse e permanência na escola.
Alguns professores reconhecem que a vivência como vítima do bullying, além de
interferir no desenvolvimento social, emocional e comportamental da própria pessoa, também
poderá colaborar para a deterioração das relações no espaço escolar. Reconhecem também
que a convivência em um lugar cheio de preconceitos, discriminação, hostil faz que com os
envolvidos passem a encarar isso como prática comum: apelidar os alunos, rotulá-los,
discriminá-los. Tal ocorrência emana da dialética da modernidade em que não espaço para
a manifestação da diversidade, da pluralidade. Contudo, revelam o desconhecimento de
membros do corpo técnico-pedagógico do verdadeiro papel da educação, que, no dizer de
Paulo Freire, é empoderar as pessoas para serem mais, para serem felizes e realizadas.
Poderia, pois, concluir que a emissão de atitudes improvisadas, inseguras, a
legitimação e o desconhecimento de como orquestrar os conflitos democraticamente, o abalo
dos valores, todo esse conjunto se estenderia para a reprodução da violência, sobretudo do
bullying nas relações cotidianas, através dos responsáveis dela, os atores escolares:
professores, gestores, funcionários, famílias e estudantes.
Opondo-se ao desalento, os depoimentos de alguns professores e funcionários cuidam
de mostrar que vida manifesta na resistência, na persistência, “na ação incansável de
profissionais da educação que o tempo e agruras não conseguiram vergar, sempre pareceu
110
dizer ao contrário: se desistentes, outros se mantêm de pé, como a sinalizar a existência de
outros caminhos” (OSNIR, 2008, p. 121). Nesse ponto, as expectativas positivas sobre os
estudantes colaboram para o acompanhamento, para a mudança das relações conflituosas.
Elas são importantes para se rever os rumos e rotas escolares em prol da redução das práticas
do bullying, ao mesmo tempo em que favorecem uma interação segura no espaço educativo.
4.3 Retratos dos discentes
Os depoimentos revelam que os educandos atores da pesquisa residem em localidades
bem diversificadas: periferia, sítios, centro, bairros nobres e condomínios fechados. A
mobilidade em busca de melhores condições de vida possibilitou a algumas famílias morar
em diversas cidades do interior do Mato Grosso como também em outros estados brasileiros.
Alguns educandos residem nas adjacências da escola, outros em lugares distantes de um a 10
quilômetros. Dirigem-se à escola a pé, de bicicleta, de moto, carro, transporte coletivo escolar,
ônibus cedido pela prefeitura. Alguns vão acompanhados pelos pais ou responsáveis.
Muitos estudantes e suas famílias demonstraram também que grande mobilidade de
escolas. Durante a nossa pesquisa, ficou patenteado que os motivos são: reprovação, evasão
escolar, violência, atos bullying, aluguel de casas, preferência por escola, mudança de trabalho
dos pais. Também contribui para essa mobilidade de espaço escolar o acesso ao ‘passe livre’ o
qual garante a escolha de escola, sobretudo, aos jovens.
A maioria mora com seus pais legítimos, com a mãe e o padrasto, com a mãe e as avós
conjuntamente, exceto uma entrevistada que reside somente com a avó, porque perdeu
tragicamente sua mãe ainda jovem. aqueles que possuem pouco contato com a e ou
com os pais, porque estes saem na madrugada e retornam à noite do trabalho na cidade ou nas
regiões próximas. Existem alguns que ficam sozinhos em casa, porque as mães precisam
trabalhar para garantir o sustento da família. aqueles que encontram com o pai a cada 15
dias ou mês, ao retornar das viagens (profissão de caminhoneiro). Em alguns casos, a
convivência da criança e do adolescente com o pai e/ou mãe biológica é quase inexistente.
As observações e entrevistas confirmaram que a maioria dos educandos possui casa
própria e meio de subsistência, mesmo que insuficiente para garantir as necessidades básicas.
Evidenciaram ainda que poucos vivem de aluguel ou moram na casa das famílias ou parentes.
Com relação à idade dos estudantes pesquisados que estavam cursando as diferentes
séries do Ensino Fundamental, no ano da pesquisa, 2009, nota-se que a maioria deles, das
111
escolas A e B, encontra-se na faixa etária de 8 a 17 anos, nas séries ao ano,
demonstrando a existência de um atraso significativo no processo escolar. A média de idade
de entrada na primeira série é entre 6 e 7 anos, mas a saída deverá ser com no máximo 15
anos. Além disso, encontramos educandos com idade variando entre 14 a 16 anos nas séries
citadas, faixa etária esta que compreende o ingresso no Ensino Médio. A média de
defasagem idade/série para alguns educandos do ano é de cinco anos. Já entre as crianças
matriculadas do ao ano a defasagem varia de um ano a quatro anos. Na escola particular
também há defasagem na idade/série, variando de um ano a, no máximo, dois anos.
Frente aos desafios da defasagem, alguns gestores e coordenadores mencionam que a
escola oferece o reforço pedagógico no período contrário ao horário de aula, com intuito de
contribuir na redução da defasagem escolar bem como na evasão escolar que pode surgir daí.
Porém, isso acena para a ineficiência das políticas públicas educacionais, as quais não
oferecem condições necessárias para que os estudantes se desenvolvam integralmente. Mas
também para o truque de um sistema que, por conta de uma ideologia perversa de “superação
das dificuldades do ensino-aprendizagem”, preservam a dominação de uma classe no poder.
Nos discursos a seguir, algumas professoras afirmam que a desistência ou repetência
dos educandos é muito grande: O 3º ano que assumi este ano possui metade de repetentes.
Não sabem ler e nem escrever. Na turma do ano, não motivação para aprender. Todos
os professores reclamam da indisciplina e violência nesta sala, não ocorre com um ou
dois, mas com quase todos. Os pais, professores e os adolescentes mesmos justificam a
desistência por motivos diversos: separação dos cônjuges, migração de uma cidade à outra,
problemas de saúde na família, desânimo, dificuldades de aprendizagem, envolvimento com
namorados (adolescentes), envolvimento com as más companhias, com grupos, com a
indisciplina, com a violência e também com a prática do bullying, tanto como agressor ou
vítima. Está claro pelas justificativas das famílias de que nem sempre a escola é um espaço
que causa prazer. A desistência denuncia a insatisfação ou repulsa para com ela.
Grande parte dos estudantes afirma ter apanhado na escola: me bateram muito,
quase todo dia; também que algum colega já havia retirado algum material: O meu relógio
sumiu de dentro da mochila; por fim, que havia sido também ameaçado: fui ameaçado
várias vezes, até que iam me matar [...]. As falas externalizam que o efeito pretendido com o
bater, o pegar material e o ameaçar é gerar um sentimento de impotência, insegurança, medo.
Isso pode ser devastador para a pessoa vitimizada, em particular no ambiente escolar, onde
convivem cotidianamente o autor e a pessoa que sofre. Apontam também que em tais
situações o recurso utilizado é colocar o outro em posição de subordinação, estabelecendo
112
uma relação de poder, principalmente pelo medo, insistindo-se no caráter de violência em sua
verbalização e ação.
Quando se reorienta a identificação dos atores nos atos de agressão física,
investigando quem bateu, apresenta-se um outro nível de informação. Muitos estudantes
asseguram já terem batido em algum colega da sala ou de outra sala de aula dentro da escola:
Eu [...] prefiro não comentar muito, mas briguei. Cheguei a bater [...] foi
pancadaria. Quebrei os caras lá. Foi uma briga besta, sem motivo, mas que virou
uma grande encrenca. Estávamos nervosos (Lívio, 15 anos, 7º ano).
[...] eu vou para cima mesmo se me provocar. Eu seguro o cara nas costas e jogo ele
no chão assim, e bato, não tenho dó [...]. Dou murros no rosto e na boca, soco até ele
sentir o peso de minha mão [...] (Beto, 11 anos, 4ª ano).
Nesses depoimentos, a tendência à ação e reação apresenta-se como uma faceta
comum dos estudantes, pois a maior parte deles diz que bate, mas não quer figurar como
quem apanha. Agredir o outro, com palavras, ou fisicamente, “dar porrada”, “quebrar os
caras” é uma estratégia de um indicador de comportamento que trabalha, sobretudo, com dois
conceitos, opostos porém complementares: status bater, enquanto que apanhar seria
assumir o papel do mais fraco, o papel de vítima (FANTE, 2005). Nesse sentido, parece que
as brigas são legitimadas por uma cultura da violência, a qual estimula e apoia a disseminação
de atos agressivos no ambiente escolar (ABRAMOVAY, 2006).
Posso inferir que, se a agressão é uma relação que envolve agentes em diferentes
papéis, como o de agressor e o de agredido, não confere que haja tal disparidade numérica
entre um e outro. Era de se esperar que fossem próximas as proporções entre aqueles que se
dizem vítimas e os que se identificam como agressores. A maior autoidentificação como
agressor se orienta por um princípio de masculinidade, de heroísmo que dignifica o forte, o
que bate, o que agride e em contrapartida estigmatiza o fraco, o que apanha, quem é agredido
(PEREIRA, 2002; LIMA, 2008; FANTE, 2005). Note-se que parece haver o reconhecimento
de uma história em que mais “bandidos” do que vítimas. Essa disparidade colabora para a
reprodução de silêncios e violências, e acima de tudo mina a solidariedade e a dignidade
humana (TOGHETTA, 2009), que é deplorável ser vítima: Sempre que brigo com [nome
do aluno], eu não apanho. Ontem eu puxei os cabelos dele e cortei seus lábios com uma barra
de ferro. Ele é um cabeça de pica-pau, frouxo, só sabe chorar [...].
Quando se focaliza os estudantes que se caracterizam como agressores, encontram-se
muitas diferenças por faixa etária, destacando nesse papel, tanto os estudantes de 09 a 11 anos
quanto os de 12 a 15 anos. Porém, com relação às idades subsequentes, foram destacados
113
nível de agressão bem baixo. Assim, pode-se afirmar que, à medida que aumenta a faixa etária
dos estudantes, o número daqueles que se dizem agressores vai progressivamente diminuindo.
Alguns professores e funcionários apontam que as brigas ocorrem com mais
assiduidade entre os estudantes do Ensino Fundamental: Geralmente nas turmas dos
pequenos, nos 4º, e anos. Aqui na escola tem também uma turma do ano que é
encrenqueira. Eles se pegam por qualquer briguinha, qualquer encostadinha do outro,
começam as queixas, as fofocas, não são coisas graves.
Muitos estudantes afirmam que brigas entre estudantes de diferente faixa etária:
hoje mesmo dois alunos do Ano esfregaram a cara de um aluno do ano no muro, na
saída da aula, com socos. Afirmam igualmente que inúmeras situações em que os maiores
em tamanho e força agridem os menores em diferentes ciclos de ensino: Na hora do recreio
perto da quadra de esportes, tem uns grandes que se acham os tais, além de empurrar,
chutar, espancam quando a gente quer jogar. Eles se sentem os donos do pedaço.
Os depoimentos dos sujeitos da pesquisa assinalam que, além da violência
disseminada individualmente entre os estudantes, também é comum a sua manifestação de
forma coletiva, por meio de pequenos grupos, que não necessariamente seriam gangues, mas
que se juntam especificamente para acertar contas com um colega que não faz parte desse
grupo: No ano passado surgiu uma confusão por causa de namorado aqui na sala. Uma
menina ficava só provocando, gozando da minha cara. Chamei umas colegas e demos um pau
nela na saída da aula. Na verdade, ela queria se aparecer que é a tal. Agora ela não mexe
mais comigo, mudou até de sala, sabe que eu não ando sozinha.
Os estudantes, por sua vez, vinculam as desavenças, as brigas às intrigas e fofocas dos
próprios colegas, como pode ser observado nesta fala:
A [nome] me bateu muito na porta da escola, porque as meninas inventaram que eu
estava de mal dela, que falei que ela estava namorando. Falaram que eu estava com
raiva e queria bater nela na hora da saída. Não era isso, eu era amiga dela [...]. Na
briga eu tirei a blusa dela e ela tirou a minha saia. Quem estava em volta atiçava,
gritavam. Na briga ela arrebentou o meu chinelo e jogou fora. Os policiais rodearam
aqui e falou para parar a briga. (Sandra, 15 anos, 3º ano).
Por outro lado, os estudantes reconhecem que quase sempre o que seria uma
desavença comum entre dois colegas transforma-se em um embate entre grupos. O
depoimento a seguir esclarece sobre isso:
Nossa escola é muito perigosa, tem muitas brigas de grupos. É tipo assim, provocam
aqui dentro da escola e termina na saída, na praça, porque na rua não tem ninguém
114
pra separar. o circo pega fogo! Os caras dizem: - Vou te pegar na saída.
chama os amigos dele e parte pra briga. muitas torcidas. Quem fica com medo,
espera aqui dentro da escola, chama a mãe. O pessoal daqui do bairro, ninguém
aceita perder. Aqui, o circo pega fogo. (Jaqueline, 15 anos, 1º ano EM).
É unânime a compreensão dos estudantes e professores: as retaliações sicas após o
horário escolar e fora do estabelecimento de ensino são muito comuns. Essas situações geram
um clima de tensões na escola. O “não aceitar perder”, fazendo com que o “circo pegue fogo”,
revela que prevalece sempre a lei do mais forte, desencadeando grandes enfrentamentos
violentos entre os estudantes. Nessas graves ocorrências, confirma-se o que se diz sobre o
bullying, pela força e pelo poder se instaura um clima de medo e insegurança nas escolas.
Muitos estudantes também afirmaram que na maioria das vezes agridem para se
defenderem, ou seja, que revidam a agressão sofrida. Nesses casos não há propriamente
papéis em separado, que ao revidar não se assume a postura passiva, ilustra-se que não
apenas casos como um agressor e uma vítima indefesa. Muitos estudantes que apanham
também batem, revidam numa combinação de ação e reação: O [nome] rasgou a folha do meu
caderno, tirou sarro da minha cara, eu me levantei e dei um “soco” na boca dele.
Ao relacionar os papéis, o de apanhar e o de bater, eles indicam a alta incidência de
situações agressivas de sujeição mútua ou de circulação entre eles, já que, na maioria das falas
dos atores desta pesquisa, foi declarado que grande parte já bateu e já apanhou na escola.
Dentre as hipóteses que emergem da relação ão e reação, uma é confirmada: são
frequentes os depoimentos de estudantes que apontam sua entrada em uma briga porque
revidaram o ataque sofrido, iniciado por uma agressão verbal ou física:
Quando xingam a minha mãe eu viro o capeta [...] Um guri me chamou de: Eh seu
filho de uma puta, sua mãe é aquela magrela, aquela nariguda [...] eu perdi a
cabeça e fui para cima dele e deu um soco na cara dele [...] (Lívio, 9 anos, 3º ano).
Tem um menino na sala que fica me ameaçando. Eu briguei com ele na escola
algumas vezes. Eu estava dentro da sala de aula, quieto, ele veio e passou a mão na
minha bunda [...] Eu falei: você passa mais uma vez que eu desço você no cassete
[...] ele passou de novo, eu fui e meti o murro nele (Vitor, 9 anos, 3º ano).
Sobre a costumeira reação nas agressões, os educadores também corroboram que os
estudantes no ambiente escolar tanto batem quanto apanham, entrando em um ciclo vicioso de
violências, em que se confundem os papéis de vítima e de agressor: É inacreditável, eles
estavam jogando basquete na aula de educação física, porque um esbarrou sem querer no
outro, derrubando-o, mas não machucou, o outro se levantou e foi e meteu um soco no
rosto dele (Entrevista com professora).
115
Os depoimentos demonstram que na relação estabelecida entre os estudantes,
independentemente do sexo, uma variedade de tipos de agressão física, tais como: puxar
cabelo, dar cascudo, bater na cabeça, machucar gravemente, ferir, chutar, dar pesada, dar
socos e pontapés, espancar, dar porrada, dar tapa na cara, dar murro nas costas, empurrar, dar
“pescoção”, dar pontapé, por o para o outro cair, jogar pedra no colega, cuspir na cara do
colega, passar rasteira etc.
Além de todas essas questões descritas, alguns estudantes apontam, ainda, o prazer
que muitos colegas sentem ao fazerem brincadeiras que ofendem ou ao brigarem entre si,
transformando o ambiente da escola em um espaço de grandes confrontos. No imaginário
deles, não transparece nenhuma preocupação com as consequências dos atos violentos
praticados, mas sim com a manutenção de um comportamento baseado na lei do mais forte,
em que alguns buscam legitimar a sua força e a sua honra através da humilhação dos
considerados mais fracos, tal como expressam os estudantes:
Até parecem que esses meninos vêm aqui só para brigar. Brigam toda hora. A escola
virou um lugar de encarar o outro. Houve uma briga agorinha e pegaram um menino
pequeno da 5º série, na hora do recreio; o guri foi todo arranhado, unhou ele
todinho, deixando marcas nos braços, no rosto, bem funda, deram pesadas. Esses
maiores aproveitam dos menores que não conseguem enfrentá-los. Porque que não
encaram um do seu tamanho? (Kátia, 12 anos, 6º ano).
Tem aluno aqui que cai em cima do outro batendo, dando socos e não quer saber se
o outro vai sofrer, vai se quebrar, ele sabe que ele quer se sentir o maludão, o
valentão da sala, o manda chuva. (Jairo, 14 anos, 6º ano).
Tais construtos são parte de uma “cultura de violência” que, quanto mais legitima mais
impõe padrões, como o de ser durão (ABRAMOVAY, 2006). Segundo Lopes Neto (2005), a
interiorização de comportamentos agressivos pode acontecer desde muito cedo entre os
estudantes. Para o autor, eles aprendem a se agredir na ausência dos adultos e a se defender
contra a agressão de outras pessoas. E aqueles que não incorporam e que não aprendem na
prática as estratégias de defesa e de agressividade nas relações de força e de dominação
existentes no grupo são fadados a não reagir, sendo assim condenados a serem eternas vítimas
de bullying, submissos à dominação de seus pares (CAVALCANTE, 2006; FANTE, 2008).
Essa hierarquia de dominação pode estar presente tanto nas agressões verbais como físicas.
Ainda que as agressões entre os pares sejam mais frequentes, os testemunhos de
algumas professoras apontam para a manifestação de atitudes de violência de estudantes
contra professores, além daquelas agressões verbais que se tornaram quase comum:
ameaçar, xingar, desrespeitar etc.: Um aluno me derrubou em sala de aula, porque eu pedi
116
a ele: você não deve sair da sala, vamos sentar. Ele me empurrou com as mãos e eu caí de
costas no chão [...]. Testemunham também outros tipos de agressões físicas: Ele [aluno]
cortou o meu braço com um estilete. Ele ia socar em uma criança da sala, entrei na frente
para separar, ele me cortou em dois lugares, no braço e perto do coração [...].
Os estudantes e suas famílias atribuem à escola grande sentido. As entrevistas sobre o
sentido da escola apontam que embora às vezes critiquem e queixem do esforço necessário,
das brigas, das indiferenças, da violência, sobretudo do bullying, afirmam gostar muito da
escola e querer permanecer nela. Unanimemente apontam que: gosto de estudar, aprender
coisas novas. Também gosto de encontrar com meus amigos, de jogar bola e do lanche que é
bom demais (Alice, 11 anos, ano). A meu ver, esses estudantes, estão externalizando um
sentimento de convivência significativa e uma relação que dá prazer, que vivenciam na escola
na interação sadia e prazerosa com os colegas e educadores.
4.4 As relações interpessoais na escola
É possível afirmar, pelas observações e entrevistas, que as relações no contexto escolar
nem sempre contemplam o sentido de comunidade, de convivência harmoniosa, de amizade,
de solidariedade. O relacionamento na escola sob o aspecto da amizade e camaradagem
parece-me marcado por fragilidades entre os educandos de uma mesma sala de aula ou de
outras salas e até com estudantes de turnos diferentes, geradas a partir da convivência na
escola e fora dela. São relações perpassadas por conflitos e ações agressivas que revelam a
falta de coleguismo, de respeito mútuo (ABRAMOVAY, 2006).
As observações que realizei na escola e também dentro da sala de aula apontam que os
estudantes vivem a experiência das particularidades individuais e das diferenças de grupos.
Em consequência dessas diferenças próprias da natureza, muitas vezes a aproximação dos
grupos se torna difícil. Assinalam, igualmente, que geralmente esses grupos sentem e
desenvolvem frequentemente a exclusão, o desprezo, a incompreensão uns em relação aos
outros. Torna-se visível a olhos minimamente atentos que o todo da classe quanto da escola
tem dificuldades em constituir-se uma unidade forte. A queda da valoração dessas relações é
maior, sobretudo quando ocorre o acirramento das relações agressivas entre eles, tal como
demonstra o depoimento abaixo:
Eu não gosto do [nome] porque ele vive batendo em mim na frente de todo mundo.
Quando eu estou passando, ele põe o pé na frente para eu cair, chuta, ele está sempre
117
me humilhando. Também não me sinto bem com [nomes], porque eles me excluem,
me discriminam, riem de mim. Colocam apelidos em mim de pimentão, isso me
deixa magoado (Jair, 14 anos, 6º ano).
Do ponto de vista da interação sadia e prazerosa, pode-se afirmar que problemas de
relacionamento e falta de respeito giram entre os estudantes e desses no âmbito professor e
estudante. Os depoimentos revelam que quase sempre as relações entre os próprios estudantes
são conflituosas e violentas. O fato de não se darem bem com seus colegas generaliza uma
situação de desconforto e desconfiança entre todos, fazendo com que os laços afetivos entre
os membros da classe fiquem fragilizados, tensos, conforme falou uma estudante do ano,
13 anos: Aqui nesta escola tem muita inveja, fofocas e desavenças. As amizades são por
interesses. Não há união entre nós. Só os meus interesses têm valor.
Essa carência de empatia, solidariedade e respeito entre os colegas acaba se
estendendo a outras relações. por isso consenso entre estudantes e professores que uma
das dificuldades nas relações entre os educandos é a constituição de pequenos grupos
fechados, os quais impedem a relação com os outros colegas, além de se unirem para
espalharem rumores. Se, por um lado, esse agrupamento, caracterizado como panelinhas,
forma grupos de referência e cria identidades entre os pares, por outro, estabelece uma relação
de dependência entre seus membros ou institui uma forma de exclusão, como bem definiu
uma estudante do 6º ano, 12 anos: Algumas meninas se acham mais bonitas, melhores dos que
as outras e se vêem no direito de humilhar, bater, xingar e excluir as outras dos seus
grupinhos.
Alunos e professores manifestam que até um pequeno esbarrão por descuido pode ser
considerado motivo para desencadear uma briga entre os atores escolares, tal é o nível de
agressividade que se manifesta hoje no espaço escolar.
O absenteísmo dos estudantes no ambiente escolar também foi motivo de queixa geral
dos professores. Entretanto, apontam os depoimentos que nem sempre os professores têm real
conhecimento das razões que provocam a ausência desses estudantes às aulas na escola.
A maioria dos professores e estudantes revela que em alguns casos específicos,
ocorrem até mesmo perseguições a alguns estudantes por aparência, raça, etnia, entre outros
aspectos. As observações que realizei na escola apontam um caso típico de alvo/vítima de
bullying na saída dos estudantes da escola, consequência das dificuldades de relacionamento,
o que por sua vez causa perseguições e intimidações no interior da escola. Apontam também
que, a exemplo de outros casos, esse estudante é efetivamente maltratado por seus colegas.
Após a aproximação para com esse estudante, ele relatou a sua vida na escola:
118
Eu não faço nada para ninguém na escola. Gosto de estudar aqui, não brigo com
ninguém. Ontem eu pisei na mochila de raiva, porque quando eu fico nervoso eu
fico com muita raiva e choro. Eu queria bater no [nome], porque ele me bateu na
sala de aula, me chutou, como chuta e bate todo dia. Quando terminou a aula, ele
continuou a me chutar, empurrar, bater. Pegou uma pedra enorme e ainda na varanda
da escola quis jogar em mim e jogou-a no chão, espatifando-a. Xingou a minha mãe
de horrorosa. Eu enfezei, enfezei mesmo, fiquei que nem o capeta. Eu sempre
carrego uma pedra na mochila, uma pedra grande para me defender desse menino.
Enfezei e soquei nele. Peguei a mochila e sai correndo. Eu queria matar o [nome].
Se ele fizer isso comigo de novo, eu vou enviar a faca no bucho dele, ele vai ver [...]
Eu enfio mesmo. Ele já passou muita raiva em mim. (Paulo, 9 anos, 3º ano).
A violência na relação entre os estudantes é apontada como algo negativo nas
entrevistas com os educadores, particularmente, com os professores:
muita violência entre os alunos. Quando outro aluno fala um pouco mais alto do
que o outro, se agridem. Gostam de passar vergonha no outro, põem apelidos; são
apelidos mesmo para inibir, para se sobressair e diminuir o outro. Usam os defeitos
do outro para inibir. A gente tenta um pouco frear isso, mas não temos uma noção de
como fazer e muitas vezes agimos até com um pouco de violência com eles. Eles
também não respeitam as autoridades, não respeitam ninguém. o dialogam,
esquivam-se, não aceitam as orientações. Vejo que querem chamar atenção a
qualquer custo. Nós, professores, talvez, precisaríamos de cursos de formação para
trabalhar com os alunos de hoje. (Professora em entrevista).
Posso aferir, com base nesses depoimentos, que existem graves situações de bullying
no espaço escolar. São situações de violência que vão destruindo aos poucos as possibilidades
de construção de relações empáticas e éticas e podem perdurar a vida inteira (SALVAGNO,
2008). É necessário por isso considerar que, sob esse aspecto, a experiência desses sujeitos
requer caminhos que devem ir muito alem da acirradas discussões focadas em questões de
punição e segurança, desvinculado de um projeto de educação amplo e outras condições
mínimas de convivência no ambiente escolar.
É normal que em toda escola ocorram brigas, inimizades, desavenças. Faz parte da
natureza humana. Porém, o elevado índice de violência encontrado praticamente em todos os
espaços e momentos da escola, permite concluir que é necessário repensar as relações no
espaço educativo (GUARESCHI, 2008). Somente assim é possível construir e reconstruir esse
espaço, erradicando as relações definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror
(CHAUÍ, 1999). É necessário ainda despertar nos estudantes, por meio de uma ação
comunicativa e solidária (BOUFLEUER apud HABERMAS, 2001; GADAMER, 2000),
disposição para serem motivados a mudar de atitudes e práticas por meio da participação em
debates sérios e criativos que reflitam sobre justiça, justeza e ética de seus comportamentos.
As observações dos estudantes apontam – é certo que isto não é novidade para
ninguém - também para as fragilidades existentes no relacionamento com professores. Alguns
119
estudantes manifestam certa incomodação na interação com determinados professores tanto
no espaço da sala de aula quanto fora dela. Desse modo, o processo educativo e socializador é
afetado negativamente por não satisfazer as relações humanas no ambiente educativo. Esses
educandos atribuíram essa dificuldade de construir relações com os seus professores às
atitudes assimétricas, que conscientemente ou não, são emitidas por alguns professores: A
professora não dava nem um sorriso. Quando perguntava alguma coisa a ela, respondia
grosseiramente [...]. Parece que não gosta de estar perto da gente. E sabe dizer que a
gente não sabe brincar, só tem brigas [...] (Rivas, 13 anos, 6º ano).
Na fala que segue, é mencionada a presença de relações tensas em sala de aula: Alguns
professores na hora da aula respondem de forma agressiva para nós. As humilhações são
frequentes. Eles apontam os erros dos colegas perante a classe, ao invés de ensinar. Mas
também com o nível de agressões hoje, os alunos e professores ficam de ‘saco cheio’ com
essa falta de respeito. (Jaqueline, 15 anos, 1º ano EM). Tal postura do educador pode
incentivar as práticas de violência na escola, a frustração, as transferências e, em alguns casos,
até a desistência ou abandono escolar (PATTO, 1993; AQUINO, 1996).
É obvio que os estudantes desenvolvem atitudes de arrogância nada fáceis de serem
aceitas pelos professores e membros da comunidade educativa. Essa séria questão foi
evidenciada pelas observações e pelo depoimento supracitado. certo espírito de oposição,
pode-se se dizer, de divergência (SNYDERS, 1993). Uma impaciência e exigências que
traduzem, na verdade, a ansiedade das expectativas: é a vida deles que está em pauta, sua
formação. Contudo, para que a escola eduque para a vida, para serem humanos, solidários
(GOFFMAN, 1999), competentes, fortes, é essencial que a comunidade educativa, sobretudo,
os professores, consigam compreender esses aspectos de confronto, de assimetria. No
entender de Snyders, geralmente nesse claro-escuro das relações, “um professor
compreensivo aceitará o aluno como ele é, irá compreendê-lo como ele é, e é precisamente o
aspecto de benevolência incluso na compreensão que fará com que ele progrida” (1993, p.84).
Considerando as relações humanas na escola, pode-se notar que elas são de três
naturezas. A primeira é relação interativa com os colegas, na qual o estudante toma
conhecimento dos outros, de suas possibilidades e limites. A segunda, o relacionamento que
constrói com os professores e com os adultos que contribuem para o bom funcionamento da
escola. Por fim, a terceira é a relação do ponto de vista da produção de conhecimento, a qual
tem o professor como o intermediário principal. Sob esse aspecto, fica evidente, para as
pessoas que observam de fora, que a avaliação deste relacionamento apresenta uma série de
tensões que se superpõem umas às outras. O estudante pode sentir sua originalidade
120
individual ameaçada tanto por seus pares quando por seus superiores ou pela instituição. Isso
é notário também relacionado ao professor. A relação harmônica - isso não isenta os conflitos
- é almejada por todos, mas ainda os graves riscos das atitudes agressivas perpassam as
relações no espaço escolar, inibindo a construção de valores morais necessários à
consolidação de relações interpessoais mais éticas, justas e harmoniosas.
4.5 A discriminação com relação à estética e sinais físicos
Dentre as discriminações existentes no ambiente escolar, focalizam-se nesta pesquisa
aquelas motivadas pelas características externas dos estudantes, tais como: a obesidade, etnia,
cor e formato dos cabelos, tom de voz, sotaque, condição social ou algum tipo de defeito
físico, como indicadores, o que passa pela identificação própria e a atribuída por terceiros,
com diferentes valorizações. Segundo Bhabha (2007) e Monteiro (2009), a discriminação
deriva do preconceito que é um julgamento prévio e negativo, fundamentado em estereótipos
que impedem a reflexão sobre o mundo real.
Uma das formas mais comuns de discriminar ou manifestar preconceitos é por meio
dos xingamentos, apelidos, ou as consideradas brincadeiras como são caracterizadas por
muitos estudantes e adultos da escola. Os depoimentos de alguns estudantes revelam que as
brincadeiras de mau gosto também são xingamentos, mas o que diferencia um do outro é o
peso que se atribui a eles, tanto por parte do agressor como da vítima:
Diziam: vem aquele gordo, a “baleia assassina” da escola. Não sabe nem andar
[...]. Os colegas da minha sala ficavam sempre me apelidando de gordo, de baleia,
de bola. Eu ficava muito triste, meu sonho é emagrecer [...] Assim ninguém vai falar
mais de mim e nem me humilhar [...] (Pedro, 15 anos, 6º ano).
Têm alguns que falam: sua “voz é horrorosa e seu rosto também é horroroso”[...]
Fico muito chateado. Eu não sei se ele está falando de verdade [...] até pedi para
minha mãe fazer alguma coisa para mudar o meu rosto. até pensei em deixar a
escola por causa disso [...] (Lívio, 9 anos, 3º ano).
Os estudantes da pesquisa externalizaram com muita sensibilidade, e inclusive com
tristeza, o racismo declarado, ou sentido como tal, dos próprios colegas, em relação à cor e à
condição social. Ficou, dessa forma, demonstrado que o pertencimento racial e social muitas
vezes é usado como forma de discriminar e/ou excluir.
Ah [...] Uma brincadeira de mau gosto! Eles me apelidaram de “neguinho do brejo”,
“zumbi”, “preto” [...] Tem que acabar com esse racismo [...] Esses preconceitos das
121
pessoas porque tem cor diferente e mora num lugar pobre [...] como é o caso do
grilo [...] Isso nos faz sentir as piores pessoas do mundo (Ronaldo, 13 anos, 6º ano).
O preconceito e a procedente discriminação, segundo Goffman (1988), é uma atitude
que parece originar-se no processo histórico cultural, econômico e, sobretudo, moral em cada
sociedade. É algo profundo, uma vez que mexe com todo o sistema de representações e
valores que vão sendo construídos na pessoa. Tal sentimento é introjetado à medida que ele
vai sendo socializado e corresponde ao substrato pelo qual se constrói o estigma. É nesse
momento que o preconceito, em princípio abstrato, materializa-se na forma de discriminação
como ato de julgar as pessoas entre piores e melhores, inferiores e superiores, pobres e ricos,
civilizados e selvagens, espertos e trouxas. Desse modo, o estigma está presente na relação
entre atributo e estereótipo, isto é, entre imagens e rótulos criados e consolidados dentro de
padrões sociais específicos.
De acordo com Monteiro (2009), os insultos são instrumentos de humilhação
utilizados no intuito de demarcar uma separação entre o autor e o alvo/vítima, associando este
último à pobreza, à sujeira e à animalidade. O autor ainda chama a atenção que os
xingamentos e insultos, na maioria das vezes, externam preconceitos e reforçam estigmas que
são transmitidos de geração em geração. Muitos deles são acompanhados pelo desrespeito à
pessoa, ou seja, ao invés de ser chamado pelo próprio nome, o colega recebe apelido, por
exemplo, associado a personagens veiculados em programas de televisão:
O [nome] me chama de “repetiliana” por causa de um desenho animado. Chama-me
também de feia”, de cabelo grenho, sarará e eu não gosto [...] fico chateada e com
muita raiva [...]. Muitas vezes brigava [...] Estou cansada de ouvir isso todo dia, tem
hora que faço de conta que nem é comigo, mas dentro de mim fico muito
chateada[...] eu me sentia assim, triste né? Para baixo [...] (Laura, 11 anos, 4º ano).
Esses dias, não sei se foi no 7ºou no 9º ano, escutei um menino chamando o outro de
Stuart, que é um ratinho de um desenho animado, porque este menino tem as orelhas
abanadas. Eu perguntei para ele: porque que chama você assim? Ele me disse,
porque ele se parecia com o ratinho do desenho. Você não se incomoda? Ele me
respondeu: não já me acostumei com os apelidos [...] (Professora em entrevista).
Determinados apelidos depreciam os estudantes no ambiente escolar. Denotam a
percepção de inferioridade de uns com relação a outros. Nesse caso, dos “valentões”, em
relação aos mais fracos e indefesos. Os depoimentos dos estudantes apontam essa
depreciação, rejeição e discriminação, em particular com relação à desvalorização do cabelo.
As expressões abaixo dirigidas aos estudantes negros ou afrodescendentes revelam que a
122
referência negativa aos cabelos dos seus colegas é uma prática corriqueira, que mostra uma
forma comum na discriminação da pessoa negra:
Na sala eu falo pouco. Sou a mais velha da turma porque reprovei muito. briguei
com uns meninos porque eles mexem comigo, me apelidam de “tifu”, “cabelo de
Bombril”. Eu fico muito triste [...] Queria mudar o meu cabelo[...] gostaria que fosse
liso! (Renata, 14 anos, 3º ano).
Na sala fui chamada muitas vezes de cabelo grenho, pichaim [...]. Tem outras
meninas que também tem cabelo igual ao meu, ruim [...] Eu observo que elas ficam
olhando as meninas que tem cabelo liso. Como eu, elas também se sentem feiosas,
são discriminadas e sofrem com isso. (Elisa, 14 anos, 3º ano).
É inegável, que quando o assunto é cabelo, o constrangimento maior é para as
meninas negras ou descendentes afrobrasileiras, porque o padrão de beleza da mulher
ocidental é um tipo de cabelo liso e, melhor ainda, se apresentar “características do fenótipo
branco” (SANTOS in MULLER, 2007, p. 57). Na visão de Cavalleiro (1998), esse tipo de
padrão pode estimular idealizações por tal estética e autossubestimação entre as meninas
negras. Nesse mesmo sentido, Gomes (2003) considera que, entre os negros, o cabelo seria
uma das partes do corpo que mais influenciaria na construção da identidade não no espaço
escolar, mas também em outros espaços, como na família, nas amizades, e em outras relações.
Santos (2007) ainda sustenta que a percepção negativa desse predicado físico, nas relações
entre os atores escolares, demonstra o imaginário de inferioridade do negro, caracterizado
para além da cor.
Todos os estudantes mencionam que no espaço escolar as características estéticas dos
estudantes muitas vezes são os motivos de gozações e escárnios. Trata-se de uma variedade de
nomes atribuídos pelos estudantes aos seus colegas. Muitos trazem um sentido de
desumanização da pessoa. Acredita-se ser importante discutir com os estudantes como eles
percebem os xingamentos quando eles se tornam o foco, pois na maioria das vezes as reações
passam pelo silêncio frente a uma agressão, pois a vítima se sente impotente e se cala, não
respondendo as ofensas recebidas, como expressa o depoimento:
[...]“beiço de cavalo”, “pimentão”, “picapau”, “cabeção”, “capacete”, “cabeça de
astronauta”, “nariz fundo de panela”, e outros. Aqui é assim, vai pondo apelido em
todo mundo! Ninguém escapa [...] Gozam na cara da gente. Uns ficam tristes,
abaixam a cabeça [...] sem nada dizer, ficam sem graça [...] outros choram [...] E
outros vão para cima e começam as brigas. (Flávio, 12 anos, 6º ano).
Esse depoimento remete a Lopes Neto (2005), que sinaliza que algumas características
físicas, comportamentais ou emocionais, podem torná-lo mais vulnerável às ações dos autores
123
e dificultar a sua aceitação pelo grupo. A rejeição às diferenças é um fato descrito como de
grande importância na ocorrência de bullying, sendo uma característica peculiar desse tipo de
violência.
Os estudantes também declaram que muitos colegas, por causa das características
estéticas, são vítimas de discriminações e exclusão. Entretanto, quando esta diferença o
caracteriza como “estranho” (GOFFMAN, 1998) e não diferente, interferindo em sua
autoestima, em virtude dos padrões de beleza impostos pela mídia, torna-se uma difícil
questão de se lidar e, por vezes, o exclui do convívio social com os grupos.
Aqui na escola tem alguns colegas que são humilhados e excluídos do
relacionamento porque não o bonitos, não andam com roupas de marcas, tem
alguma mancha no rosto, no corpo [...] tem um menino do ano, ele tem duas
falhas nos dentes, os colegas o apelidaram de “sorriso maroto”. Às vezes ele chora,
outras vezes vai para cima e bate mesmo [...] (Fábia, 11 anos, 6º ano).
Na pesquisa nas escolas, os estudantes apontam a existência de discriminação por
particularidade externa na relação entre estudantes e professores. Apontam que casos em
que estudantes sentem como discriminação o olhar, a rejeição, o silêncio, a falta de
aproximação. Essas fazem comparações com o tratamento dispensado às colegas “bonitas”,
bem arrumadas, magras, para mostrar a sua interpretação sobre um comportamento
diferenciado por parte dos professores, o que sugere a insensibilidade desses diante da
situação:
Olha, a minha grande tristeza é que a professora não se aproximava de mim,
sentava, conversava, ria com as outras colegas da sala. Acho que isso acontecia
porque eu não sou como as outras colegas, não sou rica, sou um pouco caipira,
tímida, tenho um defeito no e sou obesa. Não ando muito bonita [...] Acho que as
outras chamavam mais atenção dela, parecendo que eram mais inteligentes do que
eu, mais esperta. Na chegada e na saída, era o pior momento, porque a professora
sempre beijava as coleguinhas bonitinhas e não me beijava. (Alice, 10 anos, 6º Ano).
O depoimento dessa estudante expõe o drama vivido cotidianamente no ambiente
escolar por muitos estudantes. São situações que “esfarrapam”, “despedaçam” a identidade
cultural e a dignidade humana. Portanto, ser depositário de um estigma requer muita
habilidade para lidar com ele na escola, no trabalho, na vizinhança e nas diversas instâncias da
vida social. Ocorre uma fragmentação da identidade desses atores, pois a adaptação ao espaço
educativo se faz por meio de rupturas, desintegração pessoal, dor e sofrimento.
Alguns educadores observam que o estudante que é discriminado passa por um
processo de exclusão que começa dentro da sala de aula, no relacionamento com os colegas.
124
Reconhecem que o sucesso escolar desses estudantes fica comprometido, uma vez que a
constante submissão a esses atos violentos mina a autoestima e a vontade de ficar na escola:
Na minha sala tenho duas alunas, que pela sua situação de extrema pobreza, sempre
vem para a escola com roupas sujas, rasgadas. Às vezes o cabelo, por descuido das
mães, tem piolho, essujo e até cheira mal. Os colegas da sala não as aceitam no
grupo, por mais que eu falo sobre isso. Então elas ficam afastadas. Sinto
dificuldades de inseri-las nos grupos, elas têm bloqueios, uma barreira, que, acredito
eu, imposta pela vergonha por se sentir fora da realidade (Professora em entrevista).
Nos depoimentos a seguir é possível encontrar, também, o desrespeito com as
diferenças próprias de cada região: Alguns pensam que porque a gente fala diferente, tem
sotaque, não pode ter colegas por perto, não pode viver [...], acha que tem quer ser tudo
igual [...], acha vai afastar as pessoas dela [...] (Paulo, 13 anos, 6º ano).
Com relação aos apelidos, as reações transitam também pelo choro, pela vergonha,
com impacto negativo na autoestima de crianças e adolescentes alvos desse tipo de violência
(ROMANELLI & AMORIM, 2005). De acordo com Cavalheiro (1998) e La Taille (2000), a
inação, em situações desse tipo, revela um misto de vergonha, dor, medo e impotência.
Os meninos me chamam de “tetinha”, porque meu peito é muito bicudo. Isso
acontece sempre. Eu já chorei muito nesta escola. Eles começaram a me apelidar
disso quando eu estudava na série e um dia eu não aguentei mais a vergonha, a
raiva e falei para a professora. Ela disse que iriam conversar com os meninos. Mas
até hoje ninguém fez nada [...] (Alice, 13 anos, 7º ano).
A discriminação com relação à orientação sexual também foi apontada por alguns
estudantes e professores. Revelam que alguns colegas recorrem a xingamentos e apelidos
ofendendo e desrespeitando os companheiros em sua diversidade:
Na minha sala alguns querem ser melhores do que os outros não aceitam a diferença
e as escolhas das pessoas. Muitas alunas são chamadas de lésbicas porque
apresentam comportamentos mais masculinizados e isso gera a discriminação e
muitas vezes também as brigas. tem meninas que são sbicas assumidas. Fazem
piadinhas delas, desrespeitam, xingam de “sapatão”, debocham [...]. É isso que torna
o ambiente escolar difícil para conviver (Alice, 15 anos, 1º ano Ensino médio).
Sobre os meninos, alguns depoimentos de professores e estudantes evidenciam que
rejeições mais complexas, acusando-os de que práticas de homossexualismo, em particular
aqueles que apresentam comportamentos afeminados: Se o menino for legal, molinho, ficar
sempre junto com as meninas, ele logo é apelidado de “gay” [...] está ferrado, todo mundo
cai em cima dele.
125
Os estudantes revelam com muita sensibilidade que o desrespeito com as diferenças é
uma das causas da desistência do processo educacional:
Eu acho que isso acontece, porque a pessoa é diferente, fala diferente. Eu, por
exemplo, na minha sala me chamam de ela (de bicha) e isso ocorre só porque sou
muito comunicativo, falo devagar e tenho mais amigas do que amigos na escola. Por
causa disso já desisti três vezes da escola [...] (Marcelo, 16 anos, 6º ano).
Esse depoimento registra como elemento importante na convivência na escola o
desafio de construir novas relações de convivência e de respeito ao vivido de cada um na
escola. Isso passou a ser uma exigência fundamental para a efetivação do processo de
aprendizagem dos estudantes. O desrespeito com as diferenças leva muitos colegas a se
unirem para difamar e rotular um outro colega que apresenta características diferentes
(FANTE, 2005). Vale ressaltar, a tulo de exemplo, que a atribuição conferida a ele além de
estar relacionada aos sinais físicos externos, também à forma peculiar de relacionar-se com as
meninas e que, provavelmente, é diferente da maneira como se estabelece o relacionamento
dos demais meninos com elas.
Os estudantes, na sua quase totalidade, consideram os xingamentos, os apelidos como
expressões de desrespeito contra os colegas da escola: Acontecem muitas brigas porque eles
não respeitam. Como eles desrespeitam, também acabam sendo desrespeitados.
Alguns depoimentos registram que a discriminação pode também originar a partir de
um defeito físico de nascença. Isso pode sugerir a assunção de uma baixa autoestima nesses
estudantes, ou seja, um descrédito consigo próprio e até o pensamento de castigo por ter
nascido assim. Isso indica a presença de uma postura avessa não apenas à diversidade, mas
intolerante e antissolidária em relação à pessoa:
[...] chamavam-me de ‘sem mão[...] ‘bicho feio’[...] Isso me feria profundamente.
Excluíam-me, me discriminavam por eu ter apenas uma mão e um braço [...] Ficava
rindo de mim, não me deixavam participar das apresentações culturais na escola. Eu
nasci sem o antebraço, uma deficiência física, não pedi para nascer assim [...] Na
escola algumas colegas me tomavam todas as minhas amizades, me deixavam
sozinha, sem amigos, só porque tenho um defeito físico, uso óculos forte. Na
terceira série também não tinha amigos. Se uma pessoa conversasse comigo num dia
não ia conversar no outro dia, porque algumas colegas falavam: se você conversar
com [fulana], você não vai entrar no nosso grupo. Também na escola que estudava
antes dois colegas me bateram muito. eu estava sempre triste, porque eu sentia
que ninguém gostava de mim. Um dia eu voltei para casa toda agatanhada [unhada]
por dois colegas. Encurralaram-me na parede da sala. A professora estava na sala,
ela viu e não fez nada. Quando eu fui me defender deles, ela me pegou pela orelha e
me deixou de castigo. Aí, minha mãe me mudou de escola. (Rosa, 11 anos, 5º ano)
11
.
11
Esse depoimento foi recolhido no teste do roteiro da entrevista. Em consequência do alto grau de violência sofrida
na escola, achei por bem inseri-lo no contexto do trabalho. A mãe dessa adolescente, no sexto mês de gravidez caiu no
quintal de sua casa, causando uma lesão grave na criança que estava em seu ventre.
126
A fala da estudante externaliza que o sujeito vítima da discriminação e do preconceito
passa a rejeitar a si próprio, quando internaliza a imagem que os outros têm dele, a imagem de
um ser inferior, menosprezado, de um ser estigmatizado que, de longe, anuncia o quão
desvalorizado é, pois alberga todas as atitudes indesejadas, mesmo as que não são suas.
Revela, além disso, que esse processo implica desvirtuamento da identidade individual,
cultural e coletiva (OLIVEIRA, 2001).
Como aspecto negativo no depoimento supracitado, além dos atos de bullying sofridos
na interação com os colegas em sala de aula, emerge a omissão e violência na relação com a
professora, denotando indiferença, insensibilidade frente aos conflitos entre estudantes.
Nesses casos, realça-se ainda a dimensão do esfacelamento da subjetividade. Por isso
a dificuldade de os sujeitos revelarem a sua condição de vítima dos atos de bullying, pois esta
parece advir de um dolorido esforço para encontrar, tateando quase no invisível, os retalhos
de uma identidade esfarrapada, ferida, machucada. Uma luta, como define Freud (1975,
p.149), luta entre a fragmentação e a integração da identidade:
Fragmentação na tentativa, sempre vã, de poder escolher para ser apenas partes de
si, por entender que este seria o caminho da aceitação de si pelo Outro; integração
como forma de aplacar a ânsia de poder ser o que realmente é e o que está
inexoravelmente inscrito em sua “arquitetura anímica”.
A fragmentação gerada pelo bullying ordinariamente inibe as crianças e adolescentes a
falar sobre a violência sofrida, dado o forte sentimento de solidão e medo que isso provoca.
Assim, o fato de revelarem a experiência dolorosa que vivenciam no cotidiano escolar ou fora
dele é uma atitude muito corajosa visto que, assumir uma identidade violada, desprezada,
discriminada, é assumir-se desvalorizado, assumir o que ninguém quer ser.
A maioria dos educandos revela que não encontra na escola condições favoráveis para
a construção de uma identidade positiva, relações humanas mais solidárias e éticas.
Consideram que nesse espaço não se criam momentos para dialogar, negociar, acordar e
construir saberes necessários à convivência cotidiana escolar, pois são sistematicamente
discriminados com atos de violência, chacotas, apelidos e piadas em relação aos seus traços
físicos, até mesmo pelos próprios professores, gestores e funcionários. Essa inferioridade
paulatinamente torna-se aceita como uma verdade, ou seja, interiorizam-na. Nesses casos,
sobrevivem em clima de medo em consequência das perseguições sofridas. Dessa forma, a
captura do diferente consiste numa das formas de manifestação da intolerância, de desrespeito
em que tudo que é visto como uma ameaça é violentamente combatido e/ou excluído da
convivência social.
127
Forquin (1993), referindo-se à manutenção de relações sociais opressivas, sustenta que
a “escola em grande parte é responsável pela situação de crise cultural na qual se encontra
atualmente mergulhada. A escola não estaria assim, sem a sua cegueira, sem sua obstinação,
um querer naturalizar, institucionalizar um evangelho igualitário” (p. 45).
As observações registraram que a relação da maioria dos educandos com os colegas
que tem deficiência mental é de respeito e solidariedade. muita sensibilidade com relação
a esses colegas. Não apareceu, senão de forma rara, um caso ou outro que maltrata ou fere os
colegas que carregam consigo esse tipo de deficiência. Atribuo esse fato à sua inclusão nas
classes regulares e à extinção das classes especiais que abrigavam educandos com
necessidades especiais. Não percebi durante o trabalho de campo que educandos com
problemas de deficiência mental ou mental tenham se tornado alvo preferencial dos
agressores para a prática do bullying. Nos atos de bullying presenciados, invariavelmente, os
alvos/vítimas eram mais frágeis fisicamente que seus agressores.
É possível afirmar que a crueldade de um clima escolar marcado por preconceitos,
discriminações, racismos, estigmas, reais ou imaginários envolve a todos, educadores,
educandos, brancos, ricos, bonitos, negros, pobres e/ou feios, ainda que estes últimos sejam os
mais atingidos negativamente. As atitudes preconceituosas e racistas tornam tensas as
relações sócio-pedagógicas e compromete o ensino-aprendizagem dos estudantes.
A maior parte dos estudantes e professores atribui fortemente que uma pessoa se torna
vítima de bullying porque apresenta alguma diferença, algum defeito. As observações
apontam que uma série de variáveis entre as características externas dos educandos, como
a cor da pele, cor dos cabelos, etnia, tom de voz, obesidade que podem levar a instigar os atos
perversos de bullying. É provável, contudo, que haja uma relação espontânea entre
características externas e vítimas ou agressores de bullying. Em alguns casos, essas diferenças
são utilizadas de ponto de partida para que uma pessoa no espaço educativo venha a se tornar
vítima, porém, em outros, essas mesmas diferenças estão presentes no estudante agressor.
Posso concluir, a partir das observações e entrevistas, que as características externas
de um educando não são as causas principais do desencadeamento dos atos do bullying, mas
contribuem de modo singular para que a pessoa se torne vítima e/ou praticante de bullying. Os
distintivos externos, em alguns casos, desempenham uma função peculiar na origem dos
problemas de bullying, conforme mencionado nos depoimentos. Pesquisas demonstram que os
sinais externos contribuíram para as tragédias já apresentadas e continuam sendo fatores
desencadeadores ainda hoje em determinados casos individuais. Certamente não se pode
ignorar essas questões no espaço escolar.
128
Se, por um lado, os depoimentos apontam que os estudantes discriminam e ofendem
por brincadeiras, revelam igualmente, em muitos casos que os elementos do corpo técnico-
pedagógico, entre eles, os professores, o fazem, não explícita, mas também por omissões,
silêncios, ou porque minimizam a importância dessas questões, desconsiderando seu estatuto
de violência, de desumanização de um ser.
A escola, dialeticamente, na condição de agente de discriminação e preconceitos
poderá contribuir para a disseminação de uma atitude negativa e que, certamente, servirá de
exemplo para outros estudantes. Dessa forma, por atos, palavras e silêncios estará educando
para reproduzir racismos, preconceitos e práticas discriminatórias.
Contrapondo a essa fragmentação e violência, fenomenologicamente, Forquin (1993)
assegura que o conceito de educação é certamente inseparável do conceito de valor, de ordem
e de uma escala de valores. Para o autor, inexoravelmente, uma escola na condição de agente
de socialização e humanização, oportuniza a construção coletiva do conhecimento:
Educar alguém não é treinar-lhe para recitar tolices, a mentir, a praticar a tortura, é
efetivamente, ensinar-lhe alguma, mas isto não pode ser considerado como parte da
Educação. Educar alguém é introduzi-lo, iniciá-lo numa certa categoria de atividades
que se considerem como dotadas de valor (‘Worth While’), não no sentido de um
valor instrumental, de um valor enquanto não de alcançar uma outra coisa, tal como
o êxito social, mas de um valor intrínseco, de um valor que se liga ao próprio fato de
praticá-las e, ou ainda é favorecer nele o desenvolvimento de capacidades e de
atitudes que se considera como desejáveis por si mesmas, é conduzi-lo a um grau
superior de realização (FORQUIN, 1993, p. 165).
Nunca seinútil relembrar que identificar e problematizar as situações de conflito e
violências entre os estudantes, tais como: brigas, gozações e intimidações, são atitudes do
educador que favorecem a construção de um ambiente de diálogo no qual as crianças são
convidadas a expressar seus pontos de vista. As experiências de trocas entre as crianças
contribuem para a construção de capacidades como a empatia e a reciprocidade. Essas
capacidades são indispensáveis à mudança de mentalidades e práticas bem como à construção
de valores morais necessários à consolidação de relações interpessoais mais humanas, éticas,
justas e harmoniosas.
Para Freire (1970) o diálogo é, sobretudo, uma exigência existencial, nele se
solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e
humanizado. Por isso, defende que a conquista implícita no diálogo é a conquista do mundo
pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelos outros, mas a conquista do mundo para a
libertação dos seres humanos.
129
Guareschi (2008) reforça a importância do diálogo e da reciprocidade na escola
assegurando que a escola é um espaço de relações. Essas relações tanto podem ser movidas
pela ternura quanto podem ser brutalizadas, agressivas, tirânicas, como vêm revelando as
reflexões sobre o bullying. Por isso, elas precisam ser constituídas com base em um
fundamento ético e solidário (MATURANA & REZEPKA, 2000).
4.6 Consequências do bullying para a cultura escolar
As informações desta pesquisa indicam que as diversas situações de violência, entre
elas, o bullying, comprometem o que de fato deveria ser a identidade da escola, ou seja, lugar
de interação positiva, de aprendizagem de valores éticos e de formação de espírito crítico,
pautados no diálogo, no reconhecimento da diversidade e na herança civilizatória do
conhecimento acumulado. Essas mesmas situações repercutem sobre a aprendizagem e a
qualidade de ensino tanto para os estudantes como para professores, como passo a descrever.
Guareschi (2008) e Fante (2005) sustentam que as consequências físicas e emocionais
têm desdobramento que afetam negativamente a aprendizagem dos estudantes a curto, médio
e longo prazo, sendo que elas podem causar dificuldades acadêmicas, sociais, emocionais e
legais. Tais impactos atingem todos os “[...] aspectos da constituição humana, podendo ser
físicos, psicológicos, sociais e éticos” (GUARESCHI, 2008, p. 61). Evidentemente, as
crianças e adolescentes não são acometidos de maneira uniforme, mas uma relação direta
com a frequência, duração e severidade dos atos de bullying.
Tais considerações são confirmadas pelas nuances desta pesquisa. Os membros do
corpo técnico-pedagógico enfatizam que atualmente os estudantes não conseguem mais se
concentrar direito, estão muito “nervosos” e “revoltados”, entrando em confronto por
qualquer motivo que aconteça no ambiente escolar:
Eu tenho três meses de casa e a gente convive com violência na entrada, violência
no intervalo, violência na saída. Os estudantes não sabem mais brincar, estão muito
nervosos, irritados e eles transformam brincadeiras em brutalidade. De uma simples
brincadeira começam a chutar, a empurrar, ai termina em pontapés, murros, em
brigas. Eles não param sentados, estão desassossegados, transformam a sala em uma
desordem (Professora em entrevista).
Essas situações de indisciplina, violência e atos de bullying nas escolas apresentam
múltiplos aspectos com caráter negativo que influenciam negativamente no ambiente escolar
quanto no processo ensino-aprendizagem. O depoimento que segue aponta a presença de
130
sentimentos contraditórios a um bom desenvolvimento social, emocional e comportamental,
como a agressividade, expressa por alguns atores da pesquisa:
Eu tive várias vezes vontade de “dá um murro” na cara daquele menino que se
achava o dono do pedaço, só que não tinha jeito [...] Ele era muito grande, né?
Maior do que eu. Hoje eu trouxe até uma faquinha. Se ele mexer comigo novamente
eu vou enfiar na barriga dele (Paulo, 9 anos, 5º ano).
Um colega de sala me bateu perto da escada, eu saí de e vim para o portão. Ele
veio até e começou a me chutar, a bater em mim, xingar-me de gordo, ‘boiola’,
tudo. Eu não agüentei [...] ele deu um soco em mim e eu fui para cima dele, grudei
no seu pescoço para enforcá-lo [...]. O guarda veio e separou. Eu ia enforcá-lo para
ele me deixar em paz e o guarda me levou para a diretoria (Pedro, 15 anos, 6º ano).
É possível intuir como a ferocidade das agressões incitadas entre os estudantes dentro
da pesquisa afeta o seu rendimento escolar, comprovando o fato de que o bullying é o
desencadeador principal dos eventos ocorridos. Sendo assim, corroboram-se as reflexões
científicas que destacam a agressividade como um meio da pessoa interiorizar sentimentos
que mais tarde irão trazer-lhes dissabores e frustrações (FANTE, 2005; GUARESCHI, 2008;
PEREIRA, 2002; NETO, 2005; SILVA, 2006).
Nesta pesquisa, alguns professores também registram aquilo que é patenteado nas
pesquisas nacionais e internacionais, de que não existe idade para ser agressor. O depoimento
que segue aponta para essa realidade desafiadora: Tenho um aluninho de três anos que agride
os colegas, chegou a ferir a boca de um deles com uma barra de ferro. Está sendo
acompanhado pelo Conselho Escolar. Esse tipo de prática também está preocupando por
atingir faixas etárias cada vez mais baixas, como crianças dos primeiros anos de escolarização
(LOPES NETO, 2005).
É evidente que o alto nível de agressividade desencadeada pelos atos de bullying pode
contribuir grandemente para uma formação de identidade da criança e jovem. Cabe, nesta
parte, remeter ao pensamento de Guareschi (2008, p. 61), que sustenta: “[...] quando não
intervenções e programas preventivos efetivos contra o bullying, o ambiente escolar, torna-se
totalmente contaminado e o sujeito a diversas conseqüências”. Esse impacto negativo não
ocorre apenas sobre os alvos/vítimas, mas sobre todas as crianças, sem exceção. Segundo o
autor, todas são afetadas negativamente, passando a experimentar sentimentos de ansiedade e
medo. Nesses casos, alguns educandos, que testemunham os casos de bullying, quando
percebem que o comportamento agressivo não traz nenhuma consequência a quem o pratica,
poderão achar por bem adotá-lo.
131
No que tange à questão do absenteísmo por causa da violência que se manifesta na
escola, os depoimentos revelam que ele ocorre tanto por parte dos professores como por parte
dos estudantes, não apresentando muita diferença, embora os depoimentos tenham apontado
que a falta dos estudantes é maior:
Não me sinto muito bem na escola, porque os colegas são muito brutos, bagunceiros,
provocam brigas e fazem gozações com a gente. Eu sou crente, não brigo com
ninguém, quando me provoca, eu fico calado [...]. Não vou à escola muitas vezes por
causa disso. Eu gostaria que não tivesse brigas na escola. (Mário, 12 anos, 6º ano).
Nessa linha, fica claro que não apenas os estudantes aparecem como os mais
frequentes praticantes e vítimas das violências, como foi anteriormente mencionado, mas
também como aqueles que mais sofrem as suas implicações em termos de comparecimento
escolar, independentemente de serem vítimas, praticantes ou testemunhas.
A exemplo do que já havia observado, no que diz respeito aos impactos mais
significativos das formas de violência, posso destacar até pela ordem: alterar o ambiente
escolar, tornando-o mais enfadonho; faltar às aulas e piorar a qualidade das aulas. Em
consequência desses, aparece a perda da motivação para comparecer às aulas.
Indagados se eles gostavam da escola, os estudantes revelam que na maioria das vezes
a perda da vontade de ir à escola está associada à discriminação e violência vivenciada no
ambiente escolar:
Tem uma coisa aqui na escola que eu odeio [...], e me entristece muito. Falto muito
às aulas por isso. Os colegas me apelidaram de “caolha”. Sou muito bonita, mas os
meus olhos são tortos. Fiquei com esse defeito porque meu berço ficava embaixo da
luz e viraram os meus olhos. Eu uso óculos para endireitá-los, mas não aqui na
escola, tenho vergonha [...]. Antes eu chegava a casa chorando, minha mãe tinha que
vir aqui na escola para tirar satisfação dos outros. Eu chorava, tinha dias que eu nem
vinha para a escola por causa disso. Cada vez que falava que eu era ‘caolha’ eu tinha
menos vontade de vir para a escola [...] (Kássia, 12 anos, 6º ano).
Uma coisa que eu não gosto são as brigas na escola, porque na briga você vai
machucar a pessoa e não vai levar a nada [...]. Então é melhor conversar. Por causa
dessas brigas, gozações, colocar apelidos, humilhar, que eu falto muitas aulas, e por
isso estou muito atrasado na escola (Lino, 15 anos, 6º ano).
Dois aspectos negativos chamam a atenção nos depoimentos supracitados. Em
primeiro lugar, o “não gostar de ir à escola porque tem discriminações, apelidos que magoam,
brigas”, pois tal realidade escolar desmotiva a frequência. Em segundo lugar, a expressiva
defasagem escolar apontada como consequência das inúmeras desistências do processo
132
educacional geradas pelas discriminações sofridas, por um ambiente hostil, antiético, que não
permite aos sujeitos um desenvolvimento pleno e saudável como ser humano.
Frente a esse achado, avaliei como importante abordar outro aspecto que foi percebido
no período das observações nas escolas, ou seja, o medo de ir à escola, relacionado ao receio
de atos de bullying. Nesta pesquisa, é possível afirmar, a partir dos depoimentos dos
estudantes, que esses sentimentos de medo interferem em sua aprendizagem na escola:
Os colegas não respeitam a gente. Eu tenho muito medo de ser agredida aqui na
escola. Já fui agredida umas duas vezes. Uns caras maludos já me bateram e
pegaram as minhas coisas. Eu tenho muito medo (Ronaldo, 12 anos, 6º ano).
Eu fui ameaçada e agredida física e verbalmente na escola. Já me xingaram de
vagabunda, de biscate. Hoje mesmo tinha uma menina me ameaçando, eu falei para
a coordenadora. Minha mãe falou para eu ter cuidado. (Rita, 12 anos, 5º ano).
Os depoimentos ora transcritos evidenciam que os estudantes possuem muito medo de
serem timas de atos de bullying no espaço da escola. Tal situação provoca, além do medo,
ansiedade, forte sentimento de insegurança, o que causa danos na aprendizagem quanto nos
relacionamentos, fere ou incomoda a pessoa, favorecendo um baixo desempenho escolar.
Uma das reclamações recorrentes dos professores com relação aos estudantes é quanto
à costumeira “desculpa” para não ir à aula, ou seja, faltam por qualquer coisa. Frente a isso,
procurei saber por meios das entrevistas sobre esta ‘desculpa’ para não ir à escola, muitas
vezes dada aos pais ou responsáveis. Indagados sobre se já haviam inventado estar doente por
medo de ir à escola, obtive as seguintes respostas:
Ontem mesmo eu inventei que estava doente para não vir à escola por causa das
agressões que sofro. Eu não tenho gosto de vir à escola. Quando chego aqui me
dor de cabeça, tenho mal-estar por causa desse tal de [aluno] porque todo dia ele me
bate lá na minha sala e também na hora da troca de aulas (Pedro, 14 anos, 6º ano).
Algumas vezes eu inventei estar passando mal, sentindo dor de cabeça, dor de
estômago para não precisar vir para a escola. Aqui acontecem muitas brigas,
violência. reprovei na e na série. Reprovei também no ano passado. Eu vou
fazer o provão no final do ano e sair da escola (Gilberto, 15 anos, 6º ano).
De fato, os depoimentos dos atores da pesquisa confirmam que eles por diversas vezes
se utilizaram dessa saída para se ausentar do espaço escolar, já simularam problemas de
saúde e outros já pensaram até em parar de estudar por temor de ir à escola. O medo da escola
favorece ‘inventar’ problemas de saúde para não ficarem expostos aos atos de bullying no
ambiente escolar. Isso, por sua vez, afeta de forma impresumível o rendimento escolar e a
frequência às aulas. Além disso, na maioria dos casos, seus intimidadores são da mesma sala
133
de aula, fazendo com que os alvos creiam que mereçam o bullying e, em alguns casos, até
abandonem os estudos, conforme relatado.
Outro fator preocupante patenteado nas declarações dos estudantes e suas famílias é o
abandono escolar por causa do bullying. No período da pesquisa, busquei entender o que os
levam a desistir de seu processo educacional, questionando-os se haviam pensado em parar
de estudar por medo de ir à escola. Os depoimentos revelam que a transferência, a desistência
ou abandono escolar ocorre como última opção para cessar com os atos de bullying:
mudei o meu filho de escola três vezes. Na escola que ele está hoje, desistiu no
ano passado quando começou a estudar por causa desse problema da violência e
voltou este ano. Ele sofre desde pequeno essa discriminação. conversei com a
coordenadora, mas não valeu nada. Os colegas o chacoteiam. Sempre xingam-no de
gordo, de orelhudo, batem na cabeça dele, puxam as orelhas. Em todo lugar que ele
vai vive a mesma situação [...] (Mãe de estudante).
Na escola que eu estudei antes de vir pra cá, colegas da minha sala me batiam todos
os dias. Chamavam-me de “feio”, “burro”, “pobre”. Um dia cheguei a casa com o
umbigo mordido, que ainda tem a marca, você pode ver, está branco o lugar.
quebravam a minha lancheira, as vasilhinhas que minha mãe colocava o lanche e
quase todo dia elas voltavam para casa sem tampas. Eu chorava para não ir para a
escola, me escondia, fugia. Quando o menino me mordeu, minha mãe acreditou e
me tirou de lá. (Richard, 9 anos 3º no).
O aluno do último depoimento ainda declarou:
Aqui nessa escola também sou agredido pelos colegas. Eles me batem muito, não
gostam de mim, pegam meus materiais. que agora eu também bato, vou para
cima. Se não mexer comigo, não agrido (Richard, 9 anos 3º ano).
Situações de violências, sobretudo o bullying, no ambiente escolar, tanto nas escolas
públicas como nas instituições privadas, impõem aos estudantes graves consequências
pessoais, além dos danos físicos, traumas, sentimentos de medo e insegurança, prejudicando o
seu desenvolvimento pessoal, emocional e social:
Um dia minha filha tinha febre e assim, ela não queria ficar na escola. No outro dia
ela tinha dor de barriga, no outro dia ela tinha dor de cabeça, e nisso ficou assim
várias vezes eu indo buscar porque ela estava sentindo mal [...] E sempre falava que
na sala tinha brigas [...] Hoje ela fica na escola, mas chora na sala, está com
dificuldades na aprendizagem. Isso interferiu na vida dela [...] (Mãe em entrevista).
Desde o primeiro ano que estudo na escola sempre tive alguém que mexia com a
minha vida. Na escola sempre implica comigo e um menino já me bateu com um
pedaço de pau que quase me matou. Xinga-me de “capeta”, sem que eu tenha feito
nada. Quando peço ajuda para a professora, ela me fala: vai resolver, vai resolver,
isso é seu [...] O diretor não faz nada, eu falo: Ele esfazendo isso, isso e, ele fala:
134
eu vou resolver [...], mas ele não resolve nada. Eu estou andando com uma pedra na
mochila, qualquer hora eu vou arrebentar a cabeça dele [...] (Lívio, 9 anos, 3º ano).
É preciso ainda considerar que o medo de ir à escola, a fobia escolar registrados nos
depoimentos dos estudantes poderão desencadear também o bloqueio dos pensamentos e do
raciocínio, estresse e sentimentos de vulnerabilidade, comprometendo o desenvolvimento
acadêmico e social. Guareschi (2008, p. 64) adverte que “a troca de escola, embora seja uma
solução encontrada para minimizar os confrontos oriundos do bullying, isto pode ser apenas
uma postergação do problema”. O educando alvo poderá agir com receio de que práticas de
bullying novamente venham a ocorrer, não se entrosando adequadamente ou ainda tornando-
se novamente vulnerável a práticas violentas. Isso leva, na visão de Ubiratan D’ambrosio
(2008, p.93), “o indivíduo que imigrou para fugir da violência, para buscar novas
oportunidades a tornar-se uma árvore sem raíz. Se bate um vento forte, ela tomba. O que
acontece com ele? Como fica seu passado e sua tradição? Com certeza afetados”.
Não restam dúvidas de que tal questão não pode ser subestimada. Essa insatisfação
com a escola é expressa no sentimento de discriminação e apatia vivida nas relações
interpessoais escolares e reflete na forma de expressar o que esse espaço significa. É o olhar
para si próprio e para o espaço onde interagem e encontrar as marcas da exclusão, da rejeição
e da desvalorização nas interações. Lembrar do que acontece na escola é primeiramente
lembrar do ser indesejado. Nesse sentido, se a identidade é proibida de ser, se as bases que
alicerçam a identidade do eu foram feridas, então se torna muito difícil construir uma
identidade fortalecida.
Nessa preocupação, Costantini (2004) argumenta que o medo, a dúvida sobre como
agir e a falta de iniciativa da escola em buscar alternativas de enfrentamento para os
comportamentos agressivos e inadequados acabam omitindo de seu papel enquanto instituição
humanizadora. Ao invés disso, promove um clima de silêncio, que acoberta a prevalência
desses atos e dá uma falsa tranquilidade aos adultos, com a crença de que os atos de violência
não estejam ocorrendo em seus espaços educativos. Diante do quadro que se apresenta, o
autor constata que:
A ausência de sinalização ou de intervenções pontuais em episódios específicos por
parte dos professores, do pessoal nãodocente e das famílias cria um terreno propício
à sua difusão e produz um ambiente escolar caracterizado por um mal-estar
generalizado (COSTANTINI, 2004, p. 101).
Tais considerações são reforçadas pelos estudos realizados por Beaudoin & Taylor
(2006), os quais apontam que muitas crianças e adolescentes alvos de bullying são acometidos
135
pelo medo, pânico, depressão, distúrbios psicossomáticos e normalmente evitam retornar à
escola quando esta nada faz em sua defesa. O desrespeito, a frustração, o rompimento com a
ideia do cuidar, transformam-se em situações bullying e, em muitos casos, sem retorno. A
fobia escolar geralmente tem como causa algum tipo de violência ou bloqueio sofrido no
próprio meio escolar, que contribuem para o aumento dos problemas do desrespeito e do
bullying.
Nesse sentido, Fante (2008) e Guareschi ( 2008) e outros autores sustentam que os
prejuízos emocionais nos alvos manifestam-se pelo medo, apatia, raiva reprimida, tristeza,
angústia e ansiedade, sentimentos esses que instauram a impotência e agravam a baixa
autoestima. Na aprendizagem, eles se manifestam como déficit de concentração, queda do
rendimento escolar, desinteresse pela escola e, consequentemente, na reprovação e evasão
escolar. Na socialização secundária, altera significativamente a capacidade natural de relações
com os colegas, resultando no isolamento social do indivíduo do grupo.
Em se tratando especificamente dos membros do corpo técnico-pedagógico, em
particular, os professores, a consequência mais mencionada é a perda do estímulo para o
trabalho, como pode ser verificado neste depoimento: Não tenho mais nem um pouco de
vontade de permanecer em sala de aula. Juntamente com esse sentimento de desistência,
emerge o sentimento de revolta: não se tem apoio da escola, nem dos pais e nem de ninguém
e, em alguns casos, até sentimento de depressão.
O impacto negativo sobre a atuação pedagógica dos docentes também foi registrado:
A violência afeta a nossa saúde emocional, física, psicológica. Às vezes de tanto ver
agressividade, você acaba fazendo também. Por isso que tantos professores estão
saindo da sala de aula, apresentando atestado médico. Nossa categoria está doente
mesmo, desanimada, cansada, estressada (Professora em entrevista).
Além das consequências subjetivamente estimadas, os tipos de violência têm impactos
sobre a interação entre professor e estudante. Os depoimentos dos estudantes, de alguns
professores e gestores revelam que muitos professores que se tornam vítimas de agressões, em
alguns casos, as desencadeiam por abuso de poder, gerando implicações negativas para a
saúde e para o sentido de integridade da pessoa, como pessoa e como professor:
Essa violência é muito presente aqui dentro da escola, essa pressão psicológica, que
não é física, não se “bate” nos alunos, mas há uma pressão psicológica muito
grande, já presenciei gritos, maus tratos [...] Os alunos m com medo para a escola,
ficam armados. É uma violência que é da própria escola para o aluno, aqui tem uma
violência recíproca, é tanto por parte do aluno como por parte da escola.
Infelizmente, isso vai virando uma bola de neve, porque o aluno agride, às vezes,
136
o professor ele já vem estressado, está com os seus problemas pessoais, e ele não
sabe se controlar, e aí a escola agride (Professora em entrevista).
Os depoimentos de alguns professores apontam que o clima de tensão nas escolas
também provoca sérias repercussões objetivas sobre a qualidade do ensino, na medida em que
tendem a provocar uma rotatividade dos docentes. Mostram também que, em certos casos,
opta-se pela transferência para outra escola, quando já não se suporta viver sob ameaças e
agressões, buscando que o exercício pedagógico esteja mais seguro. Tal perspectiva,
possivelmente abre lacunas no quadro de docentes das escolas onde ocorrem mais violências.
As declarações dos gestores demonstram que essa vem sendo uma forma bastante usual para
reagirem aos atos como também mostrarem sua insatisfação com a escola: Este ano uma
professora teve os quatro pneus do carro dela furados e foi ameaçada de morte por um
aluno. Ela registrou queixa na delegacia e também deixou de dar aulas nessa escola.
Quando se associa violência e qualidade de ensino, emerge que um dos fatores que
prejudica esta última é a queda do rigor nas atividades educacionais. Sobre isso, foi registrado
pelos docentes que ante as reações agressivas dos estudantes não é mais possível sustentar o
mesmo rigor no trabalho,
uma vez que isso os expõe constamente a ameaças,
em alguns casos,
de intimidação “dura”, de agressão física e até de morte, por exigir a execução de seu plano de
ensino. Essa informação é corroborada pelo discurso de diretores, como se constata a seguir:
A violência tem crescido muito aqui na escola e estamos ficando temerosos, nós educadores,
os alunos, os funcionários e isso traz influências negativas para a escola. Isso pode
comprometer a atuação profissional dos docentes e ter impactos negativos indiretos sobre a
qualidade do ensino assim como sobre o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.
Tais considerações permitem visualizar que os atos perversos do bullying violam o
direito à integridade física, psicológica e ferem a dignidade humana, ameaçam o direito à
educação, ao desenvolvimento, à saúde e à sobrevivência. Nesse sentido, Lopes Neto (2005,
p.13) diz: “reduzir a prevalência de bullying nas escolas pode ser uma medida de saúde
pública altamente efetiva para o século XXI”.
Com certeza é urgente que as instituições educativas, assim como seus profissionais,
reconheçam a extensão e o impacto gerado pelos atos perversos do bullying entre estudantes
quanto entre estudantes e professores, e desenvolvam medidas para redução dessa ocorrência.
Cabe a essas instituições serem competentes para prevenir, investigar e adotar condutas
adequadas para todos os afetados pelo fenômeno.
Parece óbvio, mas tanto a escola quanto a família devem buscar uma educação
fundamentada em valores que forneçam o desenvolvimento da identidade e o exercício da
137
cidadania. Portanto “é necessário um resgate da significação dos valores, por parte da escola e
família, para que o a pessoa possa construir sua identidade e desenvolver-se de maneira
saudável” (SCAPIN, 1999, p.135).
Para isso, faz-se necessário programar ações para melhorar o clima escolar, pois este
funciona como antídoto contra o bullying na escola. De fato, o clima escolar é reflexo do que
a escola é, do que ela tem em “essência”, tanto em relação ao trabalho desenvolvido como no
que diz respeito à natureza das relações estabelecidas entre os seus atores:
[...] o clima escolar é o coração e a alma de uma escola. É aquela essência da escola
que faz a criança, o professor, o diretor, os membros do corpo técnico-pedagógico
amarem a escola e aguardarem ansiosamente o próximo dia de aula. O clima de uma
escola pode fomentar Resiliência ou pode se tornar um fator de risco nas vidas
daquelas pessoas que trabalham e aprendem em um lugar chamado escola (DUPPER
E MEYER-ADAMS, 2002, p. 356).
Do ponto de vista da interação sadia e segura, o clima escolar é um fator importante no
comportamento dos indivíduos. Dupper e Meyer-Adams (2002) consideram que ele faz parte
de uma “cultura” que envolve o ambiente escolar, “seus valores, normas e crenças”. Segundo
eles, “esse clima desempenha um papel crítico nas atitudes e performances do dia-a-dia desses
indivíduos e
no modo como esses podem trabalhar juntos,
como um time,
para construir uma
cultura forte e positiva no seu ambiente escolar” (p.
356).
Portanto, a “escola não deve ser apenas ser um local de ensino formal, mas também de
formação cidadã, de valorização dos direitos e deveres, amizade, cooperação e solidariedade”
(FANTE,
2005,
p.91). Por isso, a escola deve ter em seu projeto pedagógico a ideia clara de
valores,
como
aprendizagem
atitudinal,
para
atingir
a
educação
integral
e,
no seu planejamento,
ações
que
ensejem
a
vivência
desses
valores,
rumo
à
construção
da cidadania,
da não
violência,
de relações éticas dentro e fora dela, como uma ação esperada e valorizada pela comunidade.
4.7 Estratégias utilizadas pelas escolas no combate ao bullying
Quando se fala em desenvolvimento de estratégias de intervenção ou prevenção contra
bullying nas escolas, é importante lembrar que é necessário que a comunidade educativa
reconheça a existência do fenômeno, inclusive das implicações advindas desse tipo de
comportamento agressivo entre estudantes e entre estes e educadores.
De modo geral, os gestores, coordenadores e professores acreditam que a prevenção
ou intervenção das práticas do fenômeno bullying modifica o clima no ambiente escolar. Os
138
depoimentos revelam que a estratégia mais utilizada, a princípio, foi a formação da
comunidade educativa,
sobretudo dos professores.
Trata-se de implementar práticas
educativas
para contribuir na diminuição dos atos de bullying no espaço escolar:
Temos trabalhado muito com os professores sobre a necessidade de aprendermos a
escutar, a dialogar com os alunos e também sobre a questão dos comportamentos
agressivos. Estamos tentando conscientizá-los sobre o mal das práticas do bullying.
tivemos algumas palestras sobre a violência e sobre o bullying. Esse é o maior
trabalho que nós temos hoje e o nosso maior desafio (Professor em entrevista).
A temática bullying vem aparecendo em oficinas, grupos de estudos e materiais
impressos para os estudantes em sala de aula. Com os professores, buscamos
subsídios em cartilhas sobre suas causas, tivemos palestras, e estamos estudando
sobre o cyberbullying,
que aqui na escola é bem forte
(Coordenadora em entrevista).
Frente à permissividade da prática do bullying, é importante considerar que na prática
preventiva contra o fenômeno deve ocorrer o envolvimento de toda a comunidade educativa:
educadores, funcionários, estudantes e famílias (GUARESCHI, 2008; PEREIRA, 2002). Um
dos argumentos é o de que é imperativo “criar as bases de uma escola que tenha consciência
da violência no seu cotidiano, como fenômeno que se constrói socialmente e, portanto, é
passível de ser evitado” (ABRAMOVAY, 2003, p.394), por meio de táticas que tenham como
instrumento a prática do diálogo, o reconhecimento da diversidade, o estabelecimento de
relações interpessoais baseadas na cooperação e na solidariedade, e a diminuição da sensação
de insegurança e vulnerabilidade na rotina escolar.
Apesar desta visível preocupação dos gestores e coordenadores com a formação, as
observações nas escolas e entrevistas apontam que nas reuniões pedagógicas
12
, que ocorrem
uma vez por mês na escola para formação de todos os educadores e rever questões que dizem
respeito à escola e ao seu bom funcionamento (planejamento, questões disciplinares, projetos
a serem implementados, andamento das aulas, tomada de decisões ao longo do ano letivo), a
reflexão sobre essa temática vem sendo pouco trabalhada. Mostram também que os
professores e gestores parecem subestimar a prática dos atos intimidatórios e transgressivos
de alguns estudantes (COSTANTINI, 2004). No entanto, esses encontros poderão se
constituir em um momento ideal para discutir sobre a incidência severa desse problema,
que esses encontros são valorizados como importantes, uma vez que podem possibilitar a
formação contínua, acompanhar e avaliar as ações atuais e futuras da escola.
12
Na Rede Estadual: “Sala do professor”; Rede Municipal: “Roda de conversa”. Rede Particular: Reunião pedagógica. Em
geral, essa formação ocorre nas escolas na última 6ª feira de cada mês. Fonte: Projeto Político Pedagógico.
139
Alguns professores exprimem que as estratégias utilizadas por eles na conscientização
dos
estudantes
vêm sendo a autoreflexão,
gerada por dinâmicas em sala de aula sobre o
bullying, filmes, histórias que trabalham os valores, construção de redações, orientação sobre
o uso saudável dos meios digitais, uma vez que hoje é frequente a prática do bullying também
de forma online, o “cyberbullying”, tal como aponta o depoimento:
Venho usando várias formas para refletir sobre a violência: Trago revistas, utilizo
filmes bons que trabalha a questão dos valores como respeito, o viver bem com o
outro. Conto histórias com fundo educativo, discuto o assunto com os alunos em
sala, mas por mais que a gente faça, nem sempre a gente consegue, não é suficiente,
porque eles aprendem fora, na internet, no orkut, no msn com os colegas e vai na
onda dos outros. Mas não podemos desanimar. Fiz esse desafio a mim mesma: tenho
que descobrir
algo
para motivá-los e
transformá-los
(Professora em entrevista).
Uma outra professora afirma:
Eu adotei o [nome], e ele vai ser um desafio para mim. Se eu não conseguir ajudar
esse menino, eu não vou conseguir fazer mais nada em minha vida como professora.
Eu tenho certeza que o problema, observando assim na sala e pátio, que o problema
dele é bem mais profundo, como diz o ditado o buraco é mais embaixo. Eu percebi
que ele reproduz toda a violência que ele sofreu que talvez ainda sofra aqui na
escola. Quando eu conheci a mãe dele, não sei se a violência é da parte familiar,
sei que a mãe dele é uma pessoa sem paciência, agressiva, ela veio conversar,
falando alto, agredindo. Esses dias eu perguntei a ele, porque ele era assim? Ele
disse: Você acha que eu gostaria de ser assim? Eu não gostaria de ser assim, não [...]
Eu disse a ele: Vo pode escolher em ser ou não, porque a gente responde com
agressividade, a gente também é agredido. sei que ele tem problemas sérios, tem
vivido muita violência, mas não consegue desabafar (Professora e entrevista).
Com essas palavras, a professora revela uma preocupação com os educandos devido às
influências negativas que hoje recebem de outros contextos, visto que elas podem ir contra a
educação de princípios éticos, como o respeito, a cidadania, a justiça e a paz que na escola se
busca “implementar”. Para Guareschi (2008), é importante atentar que a criança que vivencia
situações que não condizem com um desenvolvimento sadio e seguro pode estar suscetível à
internalização de padrões que favoreçam o desrespeito, a agressividade. Por isso, considera-se
de fundamental importância que os educadores implementem práticas de fato que favoreçam a
participação, o compromisso com a formação de valores éticos. Essa participação permite
estabelecer elos de confiança e diálogos respeitosos. O caminho da transformação apontado
por Freire (1996) requer colocar na vocação de educar a amorosidade e a persistência, a
capacidade de ultrapassar as adversidades encontradas na prática educativa.
A maioria da comunidade educativa atribui às atividades sócio-educativas e lúdicas,
tais como as acolhidas, os espaços formativos, grande valor na reprodução de um ambiente
140
educativo saudável, prazeroso e seguro para os estudantes. Objetiva-se tornar a escola um
espaço mais atrativo, despertando o prazer dos estudantes em permanecer nela. Desse modo,
essas estratégias se mostram como uma forma de enfrentar a violência na escola:
Nossa escola mudou muito com as acolhidas todos os dias com os alunos e
professores na quadra de esportes. Ali fazemos orações, lemos a Bíblia, encenações
bíblicas, apresentamos danças, poesias com temas relacionados à paz, respeito,
amizade, alegria, amor, fraternidade. Estamos criando meios que reduzam a
violência. Queremos uma escola onde todos se sintam bem (Gestor escolar).
Esse depoimento revela que a equipe pedagógica escolar descobre aos poucos que não
é suficiente apenas transmitir o conhecimento formal planejado para o ano letivo para que o
processo de ensino-aprendizagem de fato aconteça. É preciso ir além, criar alternativas de
envolvimento, participação, descobertas de novas habilidades, engajamento nos projetos
escolares (GUARESCHI, 2008). Para Costantini (2004, p.109), “o bem estar dos estudantes
na escola passa também por aquelas iniciativas extracurriculares de caráter lúdico que
promovam o bem-estar escolar. Algumas dessas atividades podem ser: festas tradicionais, o
jornalzinho da escola, os torneios, os projetos de educação solidária”. Portanto, os diversos
problemas de violência que existem na escola que envolvem os estudantes e interferem no
aprendizado, inclusive o caso do bullying, podem ser orquestrados com o empenho e
participação de todos da escola, em especial dos professores.
Os professores reconhecem que a importância das estratégias de prevenção ao bullying
no espaço escolar não reside apenas na contribuição efetiva nas atividades programadas com
toda a comunidade educativa. Reconhecem igualmente que sua eficácia deve-se, em parte, ao
fato de elas serem aplicadas cotidianamente, aproveitando todos os momentos propícios para
se inserir uma reflexão sobre ele. Sendo assim, a reflexão sobre a prática do bullying pode,
também, ser caracterizada como um exercício contínuo de formação, o que é confirmado na
declaração de uma professora:
Quando algum fato se manifesta em minha aula, chego a interromper o tema que
estou trabalhando para discutir a questão da violência com os alunos. Não perco a
oportunidade, porque vejo isso hoje como algo de grande importância para
buscarmos uma solução para os conflitos agressivos, os comportamentos violentos
que vêm prejudicando a vida de muitos estudantes (Professora em Entrevista).
Frente a isso, o caminho da co-responsabilidade, do comprometimento em criar um
ambiente de convivência cidadã para se opor ao bullying parece ser o mais viável. Desse
141
modo, tornará mais fácil e rápido contextualizar as situações a serem estigmatizadas,
prevenindo os “desarranjos futuros” (COSTANTINI, 2004, p.112).
O ato de repensar as relações sociais na escola pode ser identificado quando a
prática de estimular o diálogo, a confiança, a amizade. Ao tratar especificamente do bullying
entre os estudantes, a orientação é a de que é necessário ter os ouvidos e o coração bem
abertos para poder escutar e compreender o que os estudantes falam. Nesse sentido, algumas
alternativas individuais usadas por funcionários, registradas nas entrevistas, vêm desarmando
comportamentos agressivos entre pares:
O que eu percebo que quando você é agressiva, eles perdem a confiança, e não te
falam nada. Busco formar com eles uma parceria através da amizade. Quando tem
um motim, eles me avisam: Olha, fulano vai pegar tal fulano, pedem sigilo total,
segredo absoluto, que só os envolvidos no conflito ficam sabendo. Vou lá e chamo o
aluno e converso. Por meio das falas deles, acabo desmontando o foco antes que se
manifeste a violência. Assino com eles um termo de compromisso no qual eles
prometem não vingar-se do outro na saída da escola (Inspetora de pátio).
Essa mesma preocupação retratada na fala da agente de pátio, reaparece na entrevista
com os gestores e coordenadores. Apesar da insegurança, comumente visível frente aos
estudantes encaminhados pelo Conselho Tutelar ou pela Promotoria da Infância e Juventude,
marcados com histórico de dificuldades de adaptação por comportamentos agressivos,
incentivam os professores a investirem na dimensão relacional, na valorização da autoestima,
na interação com o objetivo de integrar o aluno novamente ao convívio social:
Descobri nesses últimos anos que a melhor forma de recuperação é o acolhimento, é
fazer a criança se sentir ouvido, respeitado, amado. O vínculo cria confiança e
desmonta as defesas do aluno, melhorando a sua adaptação. Os alunos vítimas ou
agressores, que deixaram a escola ou ficam, são fragilizados. É preciso resgatar a
auto-estima deles, porque, à medida que alguém se fortalece, deixa de temer o
diferente e de sentir necessidade de se auto-afirmar (Professor em entrevista).
Nesses casos, realço que a escola, sobretudo os professores têm a árdua missão
também de educar os sentimentos, as emoções e resgatar a autoestima de seus estudantes.
“Atenção e afetividade, em dose certa, contribuem para um desenvolvimento psíquico
saudável” (GUARESCHI, 2008, p. 80). Promover o diálogo e se interessar pelos assuntos que
envolvem a criança, pela sua realidade, “incentiva também uma aproximação entre as partes,
de forma a colaborar para um bom relacionamento” (Idem, p.82), possibilitado por uma
metodologia interativa.
Estar com os estudantes nos espaços comuns da escola é uma medida simples e que
traz segurança ao estudante vítima de bullying. É importante observar que as escolas que
142
dispõem de pessoas adultas ou grupos organizados para monitorar o intervalo do recreio têm
menos problemas de violência nesse período. Nas escolas pesquisadas, os agentes de pátio e
técnicos de limpeza são responsáveis por cuidar dos estudantes durante o recreio. Durante as
observações e entrevistas, confirmou-se a importância e a eficácia dessa presença para evitar
atos violentos, como demonstra a fala seguinte:
Eu fico cuidando, porque a gente crianças xingar o outro, brigar, bater, empurrar
para os banheiros. vi até criança que foi abusada no banheiro na hora do recreio.
separei muitas brigas. Eles nos respeitam, porque sabem que queremos bem a eles
(Funcionária em entrevista ).
A descoberta da sexualidade pelos adolescentes aparece no contexto da escola como
causa de problemas relacionados ao bullying. Segundo os inspetores de pátio, os banheiros no
horário do recreio, as salas de aula no final de expediente tornam-se lugares de abuso sexual,
ficando clara a utilização desses ambientes,
[...] para “forçar as meninas a beijarem, passar a mão. Tem meninos e meninas
atrevidos que forçam o ato sexual. Essa coisa de entrar no banheiro tanto dos
meninos quanto das meninas para dar um “amasso” rápido, fazem direto. Todo dia
no horário do recreio e no final do expediente eu faço ronda; de vez em quando pego
alunos beijando atrás da porta e coisa desse tipo. A gente tem que cuidar. Essas
crianças de doze e treze anos são fogo! (Agente de pátio em entrevista).
A capacidade de fazer-se presente, de forma construtiva, na vida do educando não é
um dom, uma característica pessoal intransferível, algo incomunicável. Pelo contrário, é uma
aptidão possível de ser aprendida, desde que haja disposição interior: abertura, sensibilidade e
compromisso. Além do mais, não é qualquer presença, é uma “presença, molhada de
paciência” de carinho e de amorosidade (FREIRE, 1996). Essa aprendizagem requer a
dedicação inteira do educador no ato de educar. Apesar do número de funcionários deficitário
nas escolas públicas, isso não deve ser um empecilho numa ação que se pretenda eficaz.
O pensamento de Santos Neto (2003) ajuda a entender a importância da pedagogia da
presença. Ele se apoia na teoria de Dom Bosco
13
para explicar que a prática feita de presença
e paciência se revela no encontro com as crianças, uma vez que D.Bosco concebe a educação
como o encontro de seres humanos: “Seja na escola, seja na universidade, nós somos seres
humanos educandos que não desejam outra coisa senão aprender como se faz para ser gente
13
Dom Bosco (1815-1888). A filosofia de educação de Dom Bosco “[...] enumera alguns critérios muito válidos para todos
os tempos como causas do sucesso educativo. O afeto era a regra das relações educativas”. Cf. CASTRO, Afonso de.
Carisma para educar e conquistar. São Paulo: Salesiana, 2002, p. 183. “O sistema preventivo na educação dos jovens” In:
João Modesti: Uma pedagogia perene. São Paulo: Salesiana, 1984.
143
melhor. Gente mais gente, gente mais feliz, gente mais realizada. Gente com mais condições
de participar da construção coletiva desta sociedade” (p. 35).
As entrevistas apontam que nas escolas públicas a presença de instâncias
colaboradoras na implementação de atividades sócio-educativas, com vistas a prevenir a
ocorrência de situações de violências na escola, em particular, os casos do bullying. Nesses
projetos, busca-se despertar nos educandos noções de solidariedade, de participação e
cidadania. O depoimento que segue faz menção aos diversos projetos desenvolvidos na
escola:
Está em desenvolvimento na escola o Projeto Educa Mais
14
. Desenvolve cursos de
teatro, dança, capoeira, reforço pedagógico, sala de leitura, torneios, no período
contrário à aula. A escola abriu suas portas para que os alunos não ficassem na rua.
Aqui eles aprendem coisas novas, descobrem novas habilidades. Esse é um meio de
lutar contra a violência que está solta fora. também um professor aposentado
que desenvolve o projeto horta comunitária. Neste além de envolver os alunos,
colabora com verduras na escola (Entrevista com gestor).
Os depoimentos evidenciam ainda outros projetos que expressam a sensibilização
frente às consequências dos atos de violência. Revelam que esses projetos são gerenciados
pelos representantes da rede estadual e municipal de ensino. Também essas escolas vêm
firmando parceria com estagiários voluntários das universidades públicas e particulares,
inclusive conta com o apoio do Conselho Tutelar na “resolução” dos conflitos existentes.
Firmamos a parceria com a Rede Cidadã da SEDUC, que atua em parceria com
várias Secretarias do Estado: da Justiça, do Esporte, da Cidadania e da Policia
Militar. Realizam as atividades no turno contrário ao escolar. Eles vão à casa do
aluno, conversam com a família e fazem o encaminhamento da criança para alguma
atividade lúdica, como futebol, música, teatro, fanfarra. Quando necessário
encaminham para o atendimento com psicólogo e com assistente social
(Coordenadora em entrevista).
Recebemos ajuda no combate à violência do Projeto Caracol. Se ocorrer um
problema sério de violência na escola, solicitamos os coordenadores do Projeto, eles
vão às casas das famílias, fazem os encaminhamentos necessários. O Conselho
Tutelar também nos presta grande ajuda nos encaminhamentos dos casos de
violência (Gestor em entrevista).
14
O Educa Mais é uma proposta de inclusão escolar (gerenciada pela MEC/SECAD) que está sendo trabalhada entre os pais
e escolas e tem como missão contribuir com a promoção educacional, cultural de crianças, adolescentes, jovens e adultos em
situação de exclusão social para o exercício da cidadania e o desenvolvimento de suas capacidades na construção de uma
sociedade mais justa e igualitária. Fonte: Projeto Político Pedagógico.
144
Os depoimentos dos coordenadores e gestores acenam que a relação dialogal não deve
ser cultivada apenas com os estudantes no espaço escolar, mas também com suas famílias,
incentivando a participação delas no contexto escolar:
As famílias dos nossos alunos são muito presentes. Denunciam o que acham que não
está certo aqui na escola. Já denunciaram as condutas agressivas de professores e
alunos. É um ponto positivo, as famílias estarem dentro da escola, acompanhar seus
filhos, cobrar, denunciar. É incômodo, trabalho, mas é necessário. A gente
cresceu muito aqui por causa desse envolvimento delas e estamos conseguindo
diminuir a violência com essa parceria (Professores em entrevistas).
Como se nos depoimentos, reconhece-se a mudança positiva que vai ocorrendo
gradativamente no espaço educativo por meio de um diálogo permanente, aberto e construtivo
entre escola e família (DIOGO, 1996). Historicamente, essa relação é complexa, sendo
comum críticas e preconceitos de ambas as partes. A escola, até onde pude perceber nas
palavras dos gestores, coordenadores e professores, deseja a participação das famílias.
Os depoimentos dos gestores e coordenadores vêem a parceria entre família e escola
como uma alternativa para melhorar a convivência no cotidiano escolar. Têm a ideia de tornar
a escola um ambiente que atende não apenas às necessidades dos estudantes, mas também às
de seus familiares: fizemos palestras na reunião de pais sobre “autoestima”, sobre a
“importância da presença das famílias na escola”, sobre a “violência e o bullying”.
Precisamos do protagonismo das famílias aqui dentro da escola.
Essas são características de uma parceria que estou querendo realçar nesta
compreensão, ou seja, que a essência dessas estratégias gira em torno da busca por uma escola
que faça com que o educando se sinta integrado ao seu espaço e protegido na construção de
sua aprendizagem.
Castro e Abramovay (2002) sustentam que projetos, ações e práticas implementadas
nesse sentido contribuem para que as escolas se tornem “lugares mais seguros, fontes de
conhecimento científico e cultural, de sociabilidade e exercício democrático, em prol da
cidadania e dos direitos humanos” (p.395). Esses autores acreditam que pela educação do
ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo, às formas
de violência, entre elas o bullying, será possível uma sociedade mais humana e ética.
Poderia concluir que, primeiramente, é necessária a conscientização de toda a
comunidade educativa de que esse fenômeno não é específico de uma instituição, mas que se
manifesta atualmente em todas as escolas, sejam públicas ou particulares, urbanas ou rurais,
independentemente das características culturais, econômicas e sociais dos estudantes e o
145
mesmo deve ser encarado como mecanismo gerador de inúmeras formas de violência. Nesse
sentido, Guareschi (2008, p. 75) afirma: “É urgente uma ação que realmente possa evitar o
bullying e mais: propor uma educação de paz e não de violência” nas escolas.
Nesse sentido, é possível reduzir a proporção de estudantes envolvidos em atos
violentos e o sentimento de insegurança, produzindo uma mudança nas atitudes e nos valores
relativos à violência escolar. Essa mudança contribui significativamente no processo de
ensino-aprendizagem, além de ser um caminho que permite elos de confiança e diálogos
respeitosos, afastando as ações violentas entre estudantes. Ao se estabelecer uma boa
convivência, naturalmente amplia-se o nculo de afetividade, que na interação é fundamental
para obter um melhor desempenho escolar, bem como para que os estudantes sintam gosto
pela escola. Nesse aspecto, Paulo Freire ao prefaciar o livro de Snyders, Alunos Felizes”,
afirma que “a alegria na escola fortalece e estimula a alegria de viver” (FREIRE in
SNYDERS, 1993, p.9). Além do mais, um ambiente sadio, com certeza, pode contribuir no
desenvolvimento de uma personalidade sadia, autônoma, poderá ainda estimular a iniciativa,
o assumir responsabilidades e o criar espaços de convivência e respeito ao outro.
A audácia em abrir verdadeiras perspectivas à alegria e à construção de um ambiente
seguro, leva a crer, a partir do imaginário de Guareschi (2008, p.79), que cabe à escola
produzir, no seu interior e nos processos de ensino-aprendizagem, práticas que contribuam
para a “redução do comportamento agressivo entre estudantes”. Para o autor, “[...] esses
projetos têm por finalidade a conscientização do problema e a promoção de um ambiente
escolar seguro e sadio, através da sensibilização dos educadores, da família e da sociedade
para a existência do problema”. Dessa forma, não é preciso transferir as esperanças para
outros lugares, como o Estado, voluntários. É a “partir da própria escola, dos fragmentos
felizes que ela deixa transparecer, que se pode começar a pensar como superar a escola atual”
(SNYDERS, 2001, p.12).
4.8. O que significa exatamente a presença cotidiana na escola?
É possível afirmar frente às informações desta pesquisa que a presença do educador e
o nculo imediato que ele é capaz de criar com outro no espaço educativo o
imprescindíveis. Nenhum recurso didático ou institucional pode substituir o frescor e o
imediatismo da presença solidária, aberta e construtiva do educador diante do educando
(CASTRO, 2001).
146
As observações nas escolas revelam a presença de estudantes andando a esmo no
ambiente escolar no horário de aula. Foram também registrados estudantes que saem para
tomar água ou ir ao banheiro e ficam vagando pelo pátio nesse horário de construção da
aprendizagem. Essas crianças e adolescentes, na maioria das vezes, estão acompanhados por
alguns colegas, conversando, jogando ou brincando.
A compreensão que alguns professores e gestores têm sobre a importância da presença
do adulto na vida do estudante na escola baseia-se no que atualmente vem sendo cumprido, tal
como vem ocorrendo: inspeção, supervisão e vigilância. Pelo que registrei neste estudo, creio
que essas ações são deficientes. O depoimento que segue confirma isso: Temos dois
funcionários para os turnos que tem mais alunos. Esses alunos gostam de sair da sala e ficar
por aí, enrolando. Aqui têm muitos desses. Falo para os inspetores ficarem de olho neles e
mandar para a sala [...] (Gestora escolar). E também a ausência” de uma constante
vigilância escolar, para justificar uma ação ineficaz: Os alunos ficam muito soltos, não
ninguém para controlar as varandas e o pátio. Aproveitam, saem para tomar água e se
misturam com outras turmas de Educação Física na quadra. Há muita desorganização
(Professora em entrevista).
Para “conter” os conflitos, diminuir a violência, os atos de bullying no espaço escolar e
até mesmo o abuso sexual nos banheiros, uma das medidas utilizadas no entender da equipe
pedagógica foi disponibilizar os inspetores de pátio e funcionários de limpeza para
fiscalização diária desses espaços, sobretudo na hora do recreio:
Eu fico de “olho” nas crianças na hora do recreio, cuido das portas dos banheiros,
porque a gente crianças xingar, brigar, bater e na algazarra empurrar para os
banheiros. Nós fechamos também as salas na hora do recreio por medidas de
segurança e cuidado para evitar pequenos furtos e roubos, namoricos, gravidez
precoce e até abusos sexuais. Depois do recreio retorno às salas, abrindo-as
novamente. Somos em poucas (pessoas) para cuidar de todos os locais e deixar os
alunos sozinhos seria uma irresponsabilidade muito grande (Agente de pátio).
Como se pode perceber, o depoimento da agente de pátio revela mais uma constante
nos procedimentos de vigilância e controle. A maioria do corpo técnico-pedagógico
reconhece que existem conflitos, fragilidades nas relações entre os estudantes, porém, não se
conta ou questiona as ações emergentes emitidas. Não se conjectura ações que contribuam
na minimização das atitudes incomunicáveis, automatizadas e imediatistas do educador.
Castro e Abramovay (2002) desafiam os educadores a se envolverem com inteireza como
profissionais, como pessoas na vida dos estudantes. Esses autores defendem ainda que é
preciso fazer com que a presença nas escolas ofereça lugares protegidos, o que significa dizer
147
[...] estar alerta contra “fatores de risco e desenvolver “fatores de proteção”.
Implica investir em ambientes de prevenção, o que se desdobra em vontade e em
ações para que as escolas sejam, de fato, fontes de conhecimento de boa qualidade,
lugares agradáveis de estar, de estímulo à criatividade, de convivência solidária,
participante, de maior relação entre professores e alunos e de exercício democrático
do diálogo (CASTRO & ABRAMOVAY 2002, p. 392-393).
Grande parte dos estudantes manifestou prazer em estar no ambiente escolar. Eles
esperam dos educadores, em particular, dos professores, algo mais que um serviço eficiente,
em que as tarefas claramente definidas se integram num conjunto coordenado e tecnicamente
preparado. A razão de sua presença será sempre educativa, formativa, que os adolescentes
buscam vias que lhes permitam encontrar-se, aceitar-se e aceitar e compreender os outros.
Essa condição exige do educador empenhar-se também nas mudanças amplas e compreender
as questões sociais e culturais que afetarão o seu cotidiano.
Apesar disso, as observações dos estudantes apontam para a existência de deficiências
na ação educativa pela presença nas escolas. Apontam também, por isso, para a deficiência
em proporcionar ao estudante orientações para o processo de socialização em que ele possa
dar mais importância a cada membro de sua comunidade e a todas as pessoas, respeitando-as
em seus direitos (ADORNO, 1995). A “incompetência” e o “descompromisso” na formação
de pessoas mais humanas inibem a vivência de uma ética pessoal que determina o outro com
valor em relação à si próprio e rompem com o desenvolvimento da liberdade de exprimir-se,
quando corresponder à sua vontade, à indignação salutar que induz à denúncia, ao combate às
injustiças. Ou seja, deixa-se de possibilitar uma verdadeira socialização que é a possibilidade
humana que se desenvolve na direção da pessoa equilibrada e do ser humano pleno.
4.9 O bullying sob outros pontos de vista
Quando se pensa nas formas de agressões que hoje se manifestam no ambiente escolar,
tais como discriminação, apelidos pejorativos, humilhações, se pergunta: Quem é responsável
pelo bullying? É o governo? É o pai [...] ou é a mãe? É a escola? Afinal, de quem é a
responsabilidade de redução das práticas do bullying?
De ordinário, o reconhecimento de que discriminação, falta de respeito,
preconceito, racismo, e de que esses se materializam em tipos de tratamentos e apelidos,
convive com a minimização da gravidade do fato.
As informações da pesquisa revelam que a maioria do corpo docente e discente tem
por tendência naturalizar a prática do bullying. Esses depoimentos tendem a diminuir a
148
importância de tais ocorrências no ambiente escolar, considerando, como já ressaltei, as
situações de agressividade como brincadeiras, coisas de crianças, o que sugere que, ainda que
tal reconhecimento denote algum tipo de consciência social sobre a questão, necessidade
premente que se impulsione uma ação educativa e institucional para mudar, reverter tal
situação ou sistematicamente advertir e reeducar.
As observações registram elementos importantes na prática educativa escolar corrente
de alguns docentes. Parece haver uma predominante preocupação com a transmissão de
conteúdos previstos para suas disciplinas, limitando-se a uma coletânea de atividades pré-
determinadas – copiar, escrever, desenhar etc que se aproximam mais do eterno passado, do
que da condição de criatividade e interdisciplinaridade, com uma aparente omissão e
insensibilidade frente aos conflitos vivenciados pelos estudantes no ambiente escolar,
particularmente no decorrer das atividades de sala de aula.
Com relação especificamente à prática do bullying, as observações e entrevistas
revelam diversas situações em que os educandos que sofrem com os atos de bullying
apresentaram queixas aos professores, aos coordenadores que haviam sido xingados e
insultados agressivamente por alguns colegas da própria sala de aula. Contudo, na maioria das
vezes, esses educadores apenas solicitavam ao estudante que ficasse sentado em seu lugar e
parasse de perturbar a aula. Revelam ainda que nas repetições dessas situações conflituosas no
espaço da sala de aula, geralmente os professores transferiam o estudante alvo para outro
lugar, sobretudo para as carteiras da frente, sem indagar acerca das possíveis razões que
fundamentavam seu pedido. Por vezes, o docente, sem saber mais o que fazer, encaminhava o
estudante autor e o alvo de bullying para a sala da coordenação ou direção:
As brigas ocorrem por bobeiras. Ontem, o [nome] estava sentado ao lado da janela,
escrevendo, o outro colega que senta aqui no meio da sala foi e começou a
“brincar” com ele de bater, de chutar as pernas e riscou o caderno dele. Ele tentou
bater no colega, o outro bateu a cabeça dele na parede. Então, eles brigaram por
causa de brincadeira. O menor começou a chorar e eu fui obrigada a chamar a
coordenadora para dar uns bons conselhos para eles (Professora em entrevista).
Os alunos brigam por motivos considerados banais e variados, como bola, revista,
lugar na sala de aula, pisar no do outro, pegar uma borracha do outro, rabiscar o
caderno, jogar papel ou botar o na carteira do outro, tomar o boné, passar a mão
no cabelo (Professora em entrevista).
Os depoimentos acima asseguram que dentre as ações de “intervenção” adotadas pelos
docentes para “conter” os conflitos, não é possível perceber, em nenhuma das vezes,
estratégias concretas de algum deles em buscar compreender a situação angustiante que
envolvia os estudantes na exata ocasião em que eles solicitavam sua ajuda e proteção. De fato,
149
o mais comum é pedir a intervenção da coordenação ou da direção da escola, transferindo a
responsabilidade da resolução do conflito para essa e/ou para as famílias, ou seja, jogando a
‘bola’ para frente. Afinal, de quem é o problema?
Com certeza, esses encaminhamentos adotados pelos professores não são os mais
adequados. Eles denotam a falta de preparação e ousadia em agir com maestria na resolução
dos conflitos. É necessário que os atores do corpo técnico-pedagógico, sobretudo os
professores, sejam preparados para mediar significativamente os conflitos, superando a
percepção que sua missão é apenas de instrução escolar, tarefa milenarmente imputada à
escola. Não é novidade para ninguém que a escola está assoberbada de tarefas, que a família
não está conseguindo desenvolver sua tarefa como deveria, entretanto, frente a essa realidade,
a escola tem condições de estabelecer parceria com a família e contribuir na formação de
valores sólidos e fortes. Isso ocorrerá quando superar de fato o imaginário que o seu papel é
apenas de instrutora do conhecimento, conforme apontam os depoimentos:
Eu acho que a gente perde muito tempo para poder dominar uma turma numerosa.
Na troca de aula, são quase 10 minutos para conseguir colocar a sala no “jeito”. Eles
não param, não ficam quietos e toda hora a gente tem que parar com o conteúdo,
com a explicação para chamar a atenção. Eu estudei, eu me formei, fiz
especialização pra vir aqui passar conhecimento científico e vejo que hoje está cada
vez mais difícil conseguir isso (Professora em entrevista).
Para dizer a verdade, eu não consigo ver tudo o que está acontece dentro da sala,
porque a gente fica ali na frente. Quando um aluno vem me pedir para trocar de
lugar eu falo: ‘Outra vez está me pedindo para mudar você! Meu caro, eu não posso
ficar toda hora mudando você de lugar. Fica complicado pra mim, porque a gente
perde um tempão com isso [...]. Tem que parar com o conteúdo, e não consegue dar
a aula programada. Às vezes a gente nem sabe qual é a razão porque querem mudar
de lugar, não é verdade (Professora em entrevista).
Os depoimentos dos professores, além de evidenciarem uma visão banalizada e, por
consequência, naturalizada das violências entre os estudantes, não considerando que as
brincadeiras agressivas sejam manifestações de violência (FANTE, 2005), demonstram sua
pouca consideração para os conflitos existentes entre os mesmos. Observa-se que na sua
prática pedagógica parece que os professores apresentam uma tendência para a educação
tradicional em que o professor é o centro, considerado o dono absoluto do saber e o estudante
é apenas o receptor (FREIRE & SHOR, 1986).
A crise que assola a educação dissolve-a numa educação orientada pela concepção
bancária, na qual a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guardá-los e arquivá-los; ou seja, ao invés de comunicar-se o educador faz
comunicados, que os educandos recebem pacientemente, memorizam e repetem. Esta visão de
150
educação é para Freire (1970), uma manifestação instrumental da ideologia da opressão, o que
chama de alienação da ignorância, ou seja, o educador será sempre o que sabe, e os educandos
os que não sabem e, a rigidez dessas posições nega a educação e o conhecimento como
processos de busca, de oposição e transformação social.
Diante do desencanto dos nossos estudantes e da agressividade crescente, se os
docentes priorizam apenas no espaço da sala de aula a transmissão de conteúdos, abrir-se-ão
possibilidades para que o estudante praticante de bullying encontre liberdade para infligir os
seus colegas, que não visualiza nenhuma ação efetiva que possa trazer alguma reprimenda
aos seus atos. Contrário a esse comportamento, nota-se no estudante que é alvo. Este pode
sentir que seus sofrimentos e necessidades não foram considerados por parte da escola, uma
vez que não encontra apoio em seu professor e muito menos nos gestores para romper com as
situações de bullying. Assim, o ciclo de violências é alimentado quando se desconsidera que
“ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas”
(GADOTTI, 2002, p.7). É preciso dominar a arte de reencantar, de despertar nas pessoas a
capacidade de “engajar-se e mudar” (p.33), o que consequentemente contribui para a redução
do bullying entre os estudantes e, acima de tudo investe no resgate de princípios éticos, como
justiça, respeito, solidariedade na convivência escolar quanto fora dela.
Na pedagogia de Freire, reside, portanto, uma prática educativa com um profundo
respeito à autonomia do sujeito em constante processo de formação da consciência de si a
partir dos outros e com suas diversidades, neste sentido, fica claro o caráter ético da educação.
A ação dialógica e a conscientização importa para o pensamento freireano, assim como,
respectivamente, a práxis e a epistemologia, uma convergência para a participação do sujeito
da aprendizagem no processo de construção do conhecimento. O construtivismo de Freire
denota não como todos podem aprender, como Piaget, mas que todos sabem alguma coisa
e que o sujeito é responsável pela construção do conhecimento e pela ressignificação do que
aprende (GADOTTI, 2000)
Grande parte dos estudantes expressou que muitas vezes a escola não se importa com
as agressões que acontecem entre eles:
na sala de aula, todos os dias um colega me bate, ri da minha cara. Para acabar
com a gracinha dele, eu trouxe um canivete para fazer medo [...] mas se ele me
batesse de novo como ele faz todo dia, eu iria dar nele. A professora viu a arma,
pediu que eu entregasse para ela e me mandou conversar com o diretor. Com o
menino ela não fez nada. O diretor me repreendeu e disse que isso era brincadeira
entre nós, me mandou voltar para a sala e no outro dia era para trazer a minha mãe.
Ele também não fez nada para o colega (Estudante em entrevista).
151
O depoimento desse estudante aponta que a omissão de muitos educadores frente às
situações de bullying demonstra a sua falta de preparação para orquestrar as situações de
conflitos envolvendo os estudantes (ABRAMOVAY et al, 2006). Na realidade, atualmente a
maioria dos docentes demonstra ter capacidade para ensinar sua disciplina e verificar a
assimilação dos conteúdos pelos estudantes, porém nota-se que para mediar os conflitos que
ocorrem na escola, sobretudo os da sala de aula, sentem-se inseguros e desconhecem como
poderiam intervir de forma construtiva (VINHA & TOGNETTA, 2008). Os depoimentos dos
estudantes revelam que muitas vezes educam moralmente agindo de maneira intuitiva e
improvisada, pautando suas intervenções, sobretudo no senso comum. Revelam ainda que
frente a essa dificuldade, que se tornou quase comum, muitos profissionais da educação
sugerirem aos estudantes “esquecer o fato”, encará-lo como “brincadeira” e não se incomodar
que vai ‘passar’, como inclusive é explicitado por eles, nestes termos:
Quando as professoras mandam criança aqui para minha sala, eu falo: calma meu
anjinho, calma! Não adianta brigar, se bater. o fica se importando com isso, pra
que dar atenção a essas besteiras. Se você não ligar pelo que ele te fala, ele vai
cansar e não vai mais te incomodar (Coordenadora em entrevista).
Ontem o [nome] da 5ª série veio reclamar que ficam zoando dele porque ele é obeso.
Disse a ele: E daí, quem tem a com isso? Não liga [...] não leva em conta meu
camarada. Vai isola, esquece, ignora ele [...] (Professora em entrevista).
O silenciamento também é registrado nos depoimentos de alguns docentes, gestores e
coordenadores. Este por sua vez, corrobora a omissão daqueles agentes escolares, apesar de
demonstrarem perceber a existência de situações de conflitos na escola. Os depoimentos
revelam que a inexistência de atitudes mediadoras diante das insistentes reclamações dos
estudantes sobre o comportamento agressivo dos companheiros no ambiente escolar
possibilita aos estudantes autores de bullying se ancorarem no comportamento indiferente do
adulto, abrindo espaços para as atitudes hostis e permitindo o conflito entre pares.
Sinceramente, muitas vezes eu faço de conta que não vejo, não escuto [...]. Está
difícil ser professor hoje. Tem algumas turmas, que a gente passa o tempo inteiro
chamando a atenção, separando brigas. Porque, pense bem [...] se eu for tomar uma
atitude por cada coisa que acontece na sala, a gente não aula, não faz mais nada.
Nos dias que você esteve observando a sala, você deve ter percebido isso. Muitas
brigas acontecem por bobeiras, coisinhas [...] Sou consciente que não é o certo, mas
é a única forma que encontrei para conseguir aula. Infelizmente não vejo outra
saída para esta questão (Professora em entrevista).
Essa postura que parece hoje ser assumida por uma grande maioria de professores no
espaço escolar é também evidenciada pelo depoimento que segue: A maioria dos professores
152
não está nem para brigas, nem para encrencas, deixa passar, só faz alguma coisa
quando que a coisa está feia, entendeu. O professor finge que não vê, fica tranquilo, sem
tomar nenhuma posição (Aline, 14 anos, 1º ano).
O espaço pedagógico por excelência se mostra quase inexistente ao ser abordado sob a
ótica do fenômeno bullying. É de fundamental importância que os professores busquem ter
conhecimento junto aos estudantes sobre a realidade que circunda suas relações. Os
professores, em muitos casos, que possuem a árdua missão - não apenas eles, mas de grande
importância - da formação humana, social, cultural e ética do ser humano, se mostram
totalmente apáticos e indiferentes à realidade vivida por aqueles que fazem parte do mundo
bullying. Em muitos casos, “fazem de conta que não veem, não escutam”, e isso certamente
não minimiza o problema. Ao contrário, contribui para que ele se perpetue, criando um ciclo
vicioso entre queixas de estudantes e omissões dos professores: “a negação ou a indiferença
da direção e dos professores pode gerar desestímulo e a sensação de que não preocupação
com a segurança dos alunos” (LOPES, 2005, p. 01). Dessa forma, assim como a escola pode
ser entendida como um espaço de promoção do conhecimento e aprendizagem, como uma via
para o mercado de trabalho e inserção na sociedade, também pode ser entendida como um
lugar de exclusão social, de dor e sofrimento causados por atos de violência e discriminação
(ABRAMOVAY et al, 2006). Diante disso, Costantini (2004, p.16) chama a atenção para a
responsabilidade que os adultos têm para com a educação, como
[...] um dever ético ante a coletividade: encarregar-se das exigências do crescimento
dos mais jovens e da necessidade destes em ter modelos; promover sua inserção nos
vários contextos sociais, respeitando o seu tempo de maturação e mediando
conflitos; estimular o confronto com as regras e saber ajudá-los nos seus momentos
de crise.
Outro aspecto que mereceria consideração é o fato da atenção de alguns gestores,
funcionários estar voltada quase que exclusivamente às questões administrativas,
burocráticas, organizativas e dos docentes simplesmente ao interesse de dar conta do
“conteúdo programático” anual. Com esse conjunto, agregado ao despreparo dos profissionais
orquestrarem as graves situações decorrentes deste fenômeno, é pouco provável que se possa
alcançar com êxito a tarefa de educar para a paz e para a solidariedade. Contra isso, Passos
(2004) e Gadotti (2002) sustentam que é urgente hoje nas escolas uma revisão do verdadeiro
papel da educação, pois ela tem a célebre missão de emancipar as pessoas. É preciso rever as
possíveis ligações com a realidade hostil hoje presente nas escolas, pois, indiretamente,
responsáveis pela escola, sobretudo, os docentes podem estar contribuindo para a manutenção
153
do bullying entre os estudantes. Como diz Francisco Imbernón (2000, p. 27): “O objetivo da
educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico,
político e social. A profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca”.
Os depoimentos dos estudantes externalizam que como alguns professores, algumas
coordenadoras também agridem e ofendem verbalmente, vitimando os estudantes na
“mediação” dos conflitos. Revelam ainda que se sentem incomodados com esse tipo de
tratamento que recebem e tecem críticas, já que sabem que este é um comportamento que não
se espera jamais de alguém que é responsável pela orientação e cuidado com eles:
A coordenadora faz a gente sentar na frente dela na sala dos professores e grita, fala
alto que o aluno não quer saber de nada, não quer estudar, chama de raça ruim, de
troço esquisito, de sem-vergonha, descomprometido, preguiçoso. Fala que se não
quiser estudar, deixe o lugar para outro. Toda a escola fica sabendo pela altura que
tudo isso é falado. É um “bafão” enorme [...] (Jânia, 12 anos, 7º ano).
Segundo Abramovay (2006, p. 356): “Nem a postura omissa e nem a repressão por
parte da escola, através do controle excessivo de lugares e comportamentos, contribuem para
o efetivo enfrentamento dos casos de violência e de outras situações que requerem algum tipo
de ação escolar”. Contudo, é nesses espaços que se fortalece o autoconceito e forma a própria
identidade fortalecida. Investir na prevenção, em qualquer aspecto que seja, é valido para
proteger quem sofre com o bullying, para alertar a sociedade sobre a temática ainda pouco
estudada e para coibir que ações violentas se disseminem (GUARESCHI, 2008).
É importante sublinhar que os conflitos existentes entre os estudantes são inevitáveis.
Eles fazem parte da natureza humana, da diferença própria de cada um (VINHA &
TOGNETTA, 2008). Como não é possível evitar o conflito, é necessário que a escola pense
em uma maneira construtiva e solidária para mediar essa questão tão séria. Espera-se que não
seja da maneira da violência, porque “quando a escola reprime, oprime, ignora ou joga para a
rua as manifestações violentas, também está gerando violência” (COSTA, 2009, p. 12). Então
se pensa na cultura de paz, nos princípios éticos, como respeito, solidariedade como uma
alternativa, na resolução não violenta de conflitos no ambiente escolar.
O depoimento que segue sobre a opção em transferir o estudante de uma escola à outra
para cessar com as situações bullying também aponta para a inexistência de políticas públicas
e educacionais que dêem respaldo às escolas no enfrentamento das formas de violência que se
manifestam no interior dela, entre elas o bullying. Acena, além disso, para a omissão da
responsabilidade junto ao estudante e à sua família, que na ausência de meios formais,
desenvolve estratégias emergentes, que nem sempre são benéficas para todos os envolvidos:
154
[...] A escola foi muito insensível com a dor de minha filha [...] Ela às vezes
decepciona muito [...]. Na hora que eu cheguei à escola para conversar com a
coordenadora, ela e a professora de minha filha falaram assim: ‘infelizmente sua
filha apanhou, e a gente não pode fazer nada’. Pôxa vida, ela estava apenas três
meses e ninguém merece isso! Somente oito crianças em uma sala e chegar toda
ferida e arranhada em casa. Que escola é essa? Qual a atitude da escola diante dessa
situação? Isso foi a gota da água. Minha filha não queria ir mais à escola. Ela estava
sentindo dor, sentia discriminada, era proibida de ter amizade, sentia fora do
contexto. Nós não podemos discriminar [...]. Tirei minha filha de e colocou em
outra escola, perto de casa e eu pude acompanhar mais de perto. Também eu estava
com medo de acontecer de novo isso com ela. Sabe [...] a gente acaba passando essa
ansiedade. Então [...] eu ficava, assim [...] preocupada (Mãe em entrevista).
Em um tempo em que as instituições de Segurança Pública do Estado não oferecem
mais garantias de segurança aos cidadãos, em que a proteção está se desmoronando,
enfraquecendo a convivência social e a solidariedade, é necessário que os profissionais da
educação estejam comprometidos a buscar meios que favoreçam uma cultura da
sustentabilidade (GADOTTI, 2002). Nesse processo de reconstrução das relações na escola,
“a escola precisa estar atenta para prevenir e remediar qualquer tipo de violência que acometa
os atores escolares, oferecendo-lhes segurança e proteção, sem deixar que a violência e a
omissão os expulsem de um espaço, cuja matéria prima deveria ser o ‘aprender a ser’ através
do convívio social” (ABRAMOVAY et al, 2006, p. 163).
Portanto, uma educação que dicotomiza o discurso e a ação, impedindo os seus
sujeitos de serem protagonistas, isto é, serem detentores da palavra, co-responsáveis e
autônomos em seu agir, é uma educação que perpetua e reitera a violência dentro e fora dela,
e não se interessa em reduzi-la. Tanto a ação como os discursos fundamentam-se na condição
humana da pluralidade. Essa parceria, segundo Arendt, é o caminho viável para reduzir as
formas de violência no espaço escolar, inclusive, o bullying:
Sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, pois não haveria ator; e o ator, o agente
do ato, é possível se for, ao mesmo tempo, o autor das palavras. A ação que ele
inicia é humanamente revelada através de palavras; e, embora o ato possa ser
percebido em sua manifestação física bruta, sem acompanhamento verbal, só se
torna relevante através da palavra falada na qual o autor se identifica, anuncia o que
fez, faz e pretende fazer (ARENDT, 1981, p. 191).
A proposta da autora fornece elementos interpretativos de grande valor que permitem
compreender a manifestação da violência, tanto na educação como no conjunto da sociedade,
como uma forma de expressão dos que foi negado o direito de acesso à palavra, como a crítica
mais radical às posturas autoritárias presentes e passadas. Quando se “[...] estimula a cultura
do silêncio” (FREIRE, 2005, p. 91), a palavra não é possível, a violência se afirma, a
condição humana é negada e se perpetuam as invasões culturais.
155
Poderia concluir, ancorada nos depoimentos, que a prática do bullying constitui um
construto preocupante sobre como as relações interpessoais se dão no ambiente escolar e fora
dele, contribuindo para a reprodução de uma cultura da violência e da agressividade, sua
banalização, particularmente entre os pares. Tal estado de coisas exige da escola, de seus
gestores, bem como daqueles mais diretamente responsáveis pelo processo de ensino e
aprendizagem, um maior preparo para entender as interferências da prática do bullying na
rotina escolar e para prevenir, remediar e resolver o que resulta de suas manifestações.
Essa realidade e os desafios que ela coloca fazem apelo a uma “educação autêntica, a
qual exige uma conversão profunda dos que nela estão engajados, uma mudança profunda de
atitudes, um respeito muito grande pela pessoa e pelo saber (experiência) da pessoa que está
conosco” (GUARESCHI, 2008, p. 44). Por essa via, pretende-se mostrar a importância de
uma prática dialogal, ativa, comprometida, porque desinstalada de certezas paradigmáticas
inquieta, porque movida pelo desassossego que deve ela própria potenciar (SANTOS, 2001).
Nessa direção, “a professora, o professor podem ter um papel mais decisivo na
construção de um novo paradigma civilizatório se entender de outra forma o seu papel na
sociedade do conhecimento e educarem para a humanidade” (GADOTTI, 2002, p. 20). É
evidente que na transição paradigmática (SANTOS, 2001), é necessário que os educadores
escolares, particularmente os professores, pautem a sua prática pedagógica em uma visão
holística, tendo em vista formar o estudante integralmente para atuar como agente de
transformação social em diversos contextos sociais. Além disso, o papel do educador não se
restringe apenas a transmitir informação pronta, nem somente promover uma consciência
crítica, mas é um promotor da vida, do bem viver, de valores como confiança, respeito mútuo,
compromisso, criatividade e solidariedade (TOGHETTA, 2008). É um profissional que educa
para a paz e domina a arte de despertar nas pessoas a capacidade de engajar-se e mudar
(GADOTTI, 2002), impulsionando-as ao diálogo para um avanço civilizatório.
Essa árdua missão leva a compreender que a problemática do bullying é
responsabilidade de todos nós e não apenas do governo, da família, das escolas. E ele não
pode ser ignorado, nem continuar sendo encarado simplesmente como “brincadeira”. As
consequências desta prática na vida das crianças justificam a necessidade de se tomarem
providências urgentes, investindo na formação moral e ética dos estudantes. O processo de
mediação e convívio com os conflitos deve começar dentro de cada um, para que dessa
maneira se possa aprender a conviver e respeitar as diferenças e individualidades.
Defendo a construção de uma escola de qualidade para todos os sujeitos que dela
participam, que oportunize espaços de socialização e vivência, nos quais as experiências
156
significativas dos sujeitos incluídos possam legitimamente se expressar. É preciso construir
um espaço diverso e plural em que o conhecimento escolar se constitua no processo ativo de
interlocução entre educadores e educandos, educando-educando, tomados na multiplicidade
das dimensões cognitivas, afetivas, estéticas e éticas, constitutivas do processo educativo que
busca a construção de sujeitos ativos e emancipados, sem medo, sem receio e sem ameaças.
Neste capítulo, foi considerada a voz de alguns atores da comunidade educativa, com a
intenção de conhecer como a escola cria estratégias para enfrentar os diversos tipos de
violência que manifestam em seu interior, inclusive o bullying. Observei que, apesar da busca
pelo envolvimento no enfrentamento da violência, parece que ainda perdura um
distanciamento entre educadores e educandos, bem como entre família e escola. Buscando
compreender esses desencontros, o próximo capítulo apresenta um conjunto de reflexões
percebidas no decorrer desta pesquisa a respeito do imaginário da família sobre o fenômeno
bullying na escola, no intuito de demonstrar que é possível construir ações inovadoras para o
restabelecimento de uma relação mais interativa.
157
V CAPÍTULO:
O imaginário da
família sobre
o
fenômeno bullying na
escola
Este capítulo trata da compreensão das famílias a respeito da prática do bullying na
escola, de forma a compreender aspectos importantes, que, possivelmente, exerçam influência
negativa sobre os processos escolares, visto que, por sua característica velada, a sua percepção
por parte tanto dos familiares quanto dos educadores se torna mais difícil.
É possível afirmar frente aos depoimentos que a maioria das famílias que colaboram
nesta pesquisa identifica a existência da prática do bullying na interação no espaço escolar
entre os estudantes bem como entre seus filhos e educadores. Trata-se, porém, de esclarecer
que a compreende como violência escolar. Os depoimentos revelam que essa incompreensão
acerca da terminologia não se refere apenas às famílias, mas também à maioria dos
professores.
As observações e entrevistas apontam sentimento de indignação e desgosto com
relação às ações e comportamentos adotados por membros do corpo técnico-pedagógico
frente aos atos de bullying ocorridos no espaço escolar. Revelam igualmente que a escola não
está muito preocupada em abrir espaço para debater questões desse foro. O fator mais
preocupante que se apresenta às famílias em relação ao fenômeno bullying no espaço escolar
é o risco à vida, às dificuldades de aprendizagem, à desistência ou abandono escolar em
consequência das frustrações e apatias desenvolvidas.
Nesta pesquisa ficou demonstrado, pelos testemunhos da maior parte das famílias, que
em muitos momentos a escola não está correspondendo às suas expectativas e nem está
contribuindo com elas no desenvolvimento de valores imprescindíveis à boa convivência,
conforme aponta o depoimento dessa mãe:
A escola não está ajudando muito, pelo contrário, está destruindo aquilo que tento
fazer em casa. Na escola, meu filho apanha todo dia, volta chorando, com seus
materiais rasgados e diz que os professores não escutam quando ele reclama da
violência. Falam para ele “você que tem que cuidar da sua vida, isso é problema
seu”. Acha que esses comportamentos são apenas brincadeiras (Mãe em entrevista).
Segundo suas percepções, esses comportamentos agressivos gerados na relação no
espaço escolar vêm afetando negativamente a vida de seus filhos na escola e também em
outros espaços sociais. Igualmente seus depoimentos apontam que esses poderão influenciar
por toda a vida de seus filhos, originando dificuldades de prosseguirem seus estudos, de
construírem sua vida, de serem pessoas felizes pessoal e socialmente, visto que essas mesmas
158
famílias têm exemplos concretos na própria vida das influências negativas dessas práticas
agressivas. As palavras de Guareschi são esclarecedoras nesse sentido:
Durante o período escolar, a maior preocupação é a queda do rendimento escolar,
assim como a baixa autoestima e a dificuldade de aprendizagem, pois isto altera
significativamente a capacidade natural de socialização com os colegas, resultando
no isolamento social do indivíduo. Outra consequência gerada para os indivíduos
que são alvos da prática é o fato de tal sofrimento interferir no seu desenvolvimento
social futuro (GUARESCHI, 2008, p. 63).
A ausência de um ambiente sadio e prazeroso também foi registrada por unanimidade
nos depoimentos das famílias. Testemunham que na escola ainda não uma convivência
respeitosa, ética e amigável entre seus membros, visto que seus filhos retornam à sua casa se
queixando e também às vezes chorando que tiveram seus materiais quebrados, roubados, ou
que apanharam, que foram humilhados e ofendidos tanto pelos colegas como pelos próprios
professores, possibilitando margem para se induzir que a violência já se tornou uma moeda do
cotidiano das escolas e de outros espaços sociais (DaMATTA, 1981). As famílias observam
ainda que parece existir uma despreocupação dos responsáveis pela escola em diminuí-la,
sobretudo, os depoimentos das famílias pertencentes às escolas públicas (FANTE, 2005).
Dessa forma, o ambiente da escola pública, ausente de políticas públicas educacionais que
respondam a essas questões, também como os mais vulneráveis às formas de violência e
exposição à divulgação pela mídia, sente com maior profundidade esse problema social.
Declaram essas famílias com intensa sensibilidade que, se as condições financeiras
permitissem, transfeririam seus filhos para o espaço da escola particular, externalizando que a
permanência e a continuidade da educação de seus filhos estão em primeiro lugar.
Cabe aqui ressaltar que essa preocupação evidenciada nos depoimentos independe de
condição financeira, de crença, de etnia ou raça das famílias personagens colaboradoras dessa
pesquisa. A preocupação com o bem-estar de seus filhos é a tônica dos discursos de todas
elas, dentro das condições dadas em seu espaço, tempo e possibilidades. Elas sem a sua
vontade, se enquadram no cenário dos vitimados pela prática do bullying e sofrem juntamente
com os seus filhos as consequências desastrosas desse fenômeno.
Essas questões objetivamente dão margem para outras interpretações. Considerando a
questão da participação das famílias nos processos escolares e o envolvimento destas no
ambiente escolar em atividades, iniciativas e projetos de redução ao bullying junto a escola, as
declarações revelam que não um envolvimento efetivo delas nos processos educativos.
Evidenciam ainda que frente à incapacidade de estabelecer uma relação mais interativa,
159
alguns familiares optam em trocar o filho de sala ou de professor e, em último caso, transferir
a criança envolvida como vítima ou agressor para outra instituição escolar.
Passos (1994, p. 197) em sua pesquisa de Mestrado
15
constatou que a “participação”
não ocorre de fato, ou seja, “a participação nas escolas de Aguaçú apresenta-se com sua face
mais comum a da não-participação”. No entanto, transposta à realidade educacional
pesquisada, essa realidade é presente e, com isso, concordam muitos depoimentos das
famílias que vivenciam a violência dentro das escolas. O pensamento que povoa o imaginário
do autor é que quanto menor for essa participação, o envolvimento, maiores são os problemas
nas instituições de ensino no que se refere ao isolamento, à incapacidade para o diálogo, às
relações perpassadas pelas formas de poder, submissão e violência.
Os depoimentos apontam que existe uma diferença entre as famílias quanto à relação
que estabelecem com os membros do corpo técnico-pedagógico, em particular, com os
professores. Nesse conjunto, frente aos depoimentos é possível destacar dois grupos:
Primeiramente, aquelas que procuram todos os meios para compreender as reclamações
emersas da parte da escola com relação aos comportamentos inadequados dos filhos,
procuram ainda perceber as mudanças repentinas dos comportamentos em casa, buscando
descobrir o que está gerando essas condutas agressivas. Estas geralmente divergem e
questionam as afirmações dos profissionais da escola, sobretudo dos professores, conferindo
as reações apresentadas pelos filhos dentro da escola e fora dela, tentando encontrar uma
justificativa para tal questão e buscando ajuda para mediar os conflitos. As ações dessas mães
revelam a importância e a precedência que conferem à boa convivência e qualidade do
desenvolvimento da aprendizagem de seus filhos. Nesse grupo, aquelas que são submissas
ao parecer da escola, povoando o seu imaginário que o problema dos comportamentos
indisciplinados ou violentos esteja diretamente relacionado às atitudes do filho, o qual não
consegue se adaptar à nova realidade ou que apresenta mesmo dificuldades de aprendizagem e
interação.
O segundo grupo é composto por famílias que frente às queixas a respeito do
comportamento dos seus filhos são capazes de analisar criticamente os problemas enfrentados
por seus filhos na escola, mas optam pelo silêncio, pela omissão, temendo marcação na
relação com os colegas, com os professores se apresentarem alguma queixa. Nesse grupo,
ainda se destacam aquelas famílias que desconhecem o sofrimento que passam os filhos, são
apáticas e indiferentes.
15
PASSOS, Luiz Augusto. AGUAÇÚ – Cotejo entre dois processos educacionais: Casa e Escola. Estudo de um polo
escolar numa comunidade tradicional da Baixada Cuiabana. Dissertação de Mestrado. UFMT, Cuiabá, 1994.
160
Entretanto, nota-se que os depoimentos apontam um aspecto comum entre todas as
famílias envolvidas nessa pesquisa: elas atribuem grande valor à escola e buscam todos os
meios eficazes para manter os filhos nela. Apesar dos problemas de violência enfrentados,
acreditam que a escola é a via imprescindível para superar as mazelas sofridas cotidianamente
por elas.
Portanto, este capítulo busca contextualizar as famílias, focando sua trajetória de vida
em seu espaço, tempo, possibilidade, para, a partir daí, conhecer suas formas de participação
na vida escolar dos seus filhos e netos, as estratégias utilizadas e o imaginário sobre a prática
do bullying na escola. Sendo assim, este capítulo percorrerá por três categorias: 1) retrato das
famílias; 2) impacto do bullying sobre a vida cotidiana; e 3) a relação família-escola:
encontros e desencontros.
5.1 Retratos de famílias
Nesta seção, apresento o retrato (perfil) de seis famílias escolhidas. As informações
predominantes decorrem das observações e entrevistas com elas. Primeiramente, serão
descritos os retratos das famílias escolhidas. A interpretação das percepções encontradas será
apresentada no transcorrer das reflexões do capítulo.
É importante registrar que a escolha da amostra das famílias para participar da
pesquisa ocorreu a partir da entrevista feita com o estudante no espaço escolar. Tal opção se
deu com o objetivo de compreender se os comportamentos enquanto alvo/vítima ou
autor/agressor emitidos no ambiente escolar teriam alguma referência com a realidade
familiar e
não unicamente por indicação dos
componentes da instituição escolar.
Para
preservar a identidade dessas famílias, dos seus filhos e funcionários da comunidade
educativa, foram utilizados nomes fictícios e a expressão retrato 1, 2, 3 [...] para se referir às
diferentes famílias estudadas.
Retrato 1
Rita tem 63 anos, natural de Diamantino.
É negra, evangélica, viúva e teve uma única
filha que se suicidou ainda jovem dentro de sua própria casa. Revela que a perda da filha
tragicamente abalou muito nossa família. Segundo ela, a filha não tinha emprego fixo, era
161
alcoólatra. Não havia concluído o Ensino Fundamental. Para sobreviver fazia tapetes de
crochê para vender. O esposo de Rita era vendedor de roupas e foi assassinado quando jovem.
Sua filha teve vários companheiros, mas não chegou a se casar com nenhum. Desses
relacionamentos, ela teve quatro filhas que foram criadas por Rita. Hoje a mais velha está com
19 anos, é casada, tem um filho e ainda mora com a avó. Terminou o Ensino Médio, trabalha
de balconista. Duas netas interromperam o estudo na 5ª série e hoje cursam EJA à noite.
Rita expressa que o envolvimento da neta mais nova com um grupo de colegas de sala
de aula a levou a retirá-la da escola do bairro e enviá-la à casa de sua irmã, em Várzea
Grande. Conta que a neta vem apresentando condutas indisciplinadas e dificuldades de
aprendizagem na escola. A entrevista revelou que Rita faz muito esforço para que suas netas
continuem frequentando a escola: aconselha, encoraja, preocupa-se com a vida escolar delas.
Ela foi a primeira de cinco irmãos: três mulheres e dois homens. Com dois anos, foi
para Rosário Oeste, morar com sua tia, com quem viveu até seu casamento. Trabalhava na
roça. Em 1982, mudou-se para Cuiabá, firmando residência no bairro Pedra 90 onde está
17 anos. Já trabalhou como empregada doméstica, faxineira, lavadora de roupas.
Recorda que é filha de pais analfabetos. Diz que eles nunca estudaram, trabalhavam na
roça. Assim como seus pais, ela teve poucas chances de estudar. Frequentou a escola até a
série, não lê quase nada e assina mal o seu nome.
A renda mensal de Rita, na época da pesquisa, resumia-se, no dizer dela, ao benefício
da Assistência Social, Auxilio Doença. Revela que tem sérios problemas de saúde: coluna,
osteoporose, reumatismo. Não conseguiu ainda se aposentar. Recebe ajuda da Igreja onde
participa e uma cesta básica mensal do Colégio São Gonçalo, quatro anos. Para auxiliar na
despesa, Rita vende em casa salgadinhos, geladinho e cosméticos Avon.
A casa onde Rita e seus netos moram é própria, feita de alvenaria. A pintura estava
soltando em consequência do desgaste provocado pelo tempo. A cobertura era de telha eternit,
chão de concreto grosso, assentado alguns cacos de cerâmica de cores brancas e amarelas,
porém quase todo esburacado. Ao todo, eram três peças: a sala, cuja mobília era composta
por dois sofás desgastados, já em estado impróprio para uso devido aos inúmeros orifícios. No
quarto, uma cama de madeira. Sobre a cama havia um colchão de espuma, coberto por um
lençol; um guarda-roupa fechado bem usado e ao canto, umas caixas cobertas com panos, nas
quais eram colocadas roupas delas. Na cozinha, uma mesa de bar, de aço, três cadeiras, um
fogão a gás, um armário semifechado com alguns vasilhames e uma geladeira. Havia energia
elétrica, sanitário e água encanada. Revela: tudo que tenho foi ganho da Igreja e da
comunidade aqui do bairro.
162
Expressa que em sua casa, pela carência de recursos, apenas uma cama. As duas
netas dormem em um colchão desgastado no chão, com exceção da neta casada que tem seu
quarto. Apesar das condições de precariedade em que sobrevive, pois falta até o necessário
para a sobrevivência, diz ter muita que as coisas vão melhorar.
Retrato 2
Julio nasceu e foi criado em Cuiabá, tem 44 anos, é evangélico. Frequentou a escola
até a série, sabe ler e escrever. Interrompeu o estudo pela necessidade de trabalhar para se
sustentar. A esposa frequentou a escola até a 4ª Série. Tem 37 anos.
Exerce a profissão de pedreiro. Já trabalhou em diversas cidades do interior do Mato
Grosso e em outros estados brasileiros. Nasceu em uma família de 12 irmãos. Das sete irmãs,
duas se formaram como professoras, três estudaram até a série, duas concluíram o Ensino
Médio. Dos homens, dois estudaram até série, dois até série e um até série. Quase
todos são pedreiros. Seus irmãos e irmãs são casados e têm filhos.
Revela que em 1988 passou a morar junto com sua esposa na casa dos seus pais, em
Cuiabá. Recorda que foi sofrida para eles a convivência na casa dos seus pais. Havia muitas
brigas, intrigas, sofrimentos. Deixou o lar familiar, quando sua mãe comprou-lhes uma casa.
Já tinha um filho nessa época.
Em 2006, com muito custo comprou sua casa própria. Esta é de alvenaria e possui:
sala, cozinha, sala de comércio e varandas. A mobília era composta por quatro camas, guarda-
roupa, mesa, sofás, cadeiras, geladeira, televisão, vídeo, DVDs. O banheiro é dentro de casa.
Possui energia elétrica, água encanada.
Seu Júlio está desempregado muito tempo. A esposa trabalha fora, com carteira
assinada e recebe um salário mínimo. Para ajudar nas despesas familiares, ele comercializa
em sua própria casa refrigerantes, doces, balas, bolachas. O cuidado dos filhos e da casa
também fica sob sua responsabilidade. Diz que solicita ajuda dos filhos nas tarefas ordinárias
caseiras, como limpar a casa, lavar louça, a fim de educá-los para a vida.
Revela com muita dificuldade e sofrimento que sua família foi tragicamente afetada
pela morte cruel de seu filho de 15 anos um ano por envolvimento com más companhias,
com drogas. Expõe que, além desse, teve mais três filhos: um está com 11 anos, outro com 9
anos e o menor, de quatro anos que frequenta a Educação Infantil. Revela que seus filhos
maiores apresentam defasagem escolar significativa devido aos vários problemas de
163
indisciplina e violência vivenciados no espaço escolar. Por causa disso, por solicitação da
escola os filhos passaram por várias sessões com a psicóloga e tratamento de saúde.
Nas várias vezes que conversei com seu Júlio na escola, percebi que ele é muito
tristonho, não tem alegria. As observações também revelam que seu relacionamento com o
filho mais novo é às vezes muito severo e exigente. Acompanha-o todos os dias à escola.
Participa das reuniões e comparece à escola sempre que é solicitado.
Retrato 3
Miriam tem 35 anos. Nasceu em Diamantino. É negra, católica, casada e tem um filho
de oito anos, que estuda o Ano. Mudou-se para Cuiabá quando pequena. Viveu com sua
família até os 12 anos de idade. Após esse tempo, morou sozinha, com sua irmã ou em casa
de família, trabalhando como doméstica.
Declara que sua vida estudantil foi bastante irregular. Fez o Ensino Fundamental e
Médio em nove escolas estaduais, pois era conforme o local do emprego. Sua irmã mais velha
concluiu o Ensino Médio; duas só concluíram o Ensino Fundamental.
Diz que é muito agradecida à sua professora da série que a ajudou muito. Sua
família era muito pobre e morava com a avó. Relembra que sofreram privação de
alimentação, roupas, medicamentos, materiais escolares para o estudo e carinho. Diz que esta
professora gostava muito dela. Comprou-lhe cadernos, livros e roupas e que foi ela quem a
tirou das ruas.
Revela que é segunda de oito irmãos, sendo cada um de um pai. Sua mãe teve vários
companheiros. Nunca foi à escola, é analfabeta. Seu padrasto também não sabia ler e nem
escrever. Diz que conheceu seu pai quando tinha 15 anos. Também seu pai é analfabeto.
Afirma também que tem uma relação marcada por conflitos com sua mãe em
consequência dos maus tratos sofridos na infância. Testemunha que o ambiente de sua família
foi sempre hostil, marcado por muitas brigas por influência do alcoolismo.
Recorda que sua vida na escola foi muito dolorosa desde a primeira série. Foi
discriminada, humilhada pelos colegas. Diz também que seu filho já vivenciou situações de
violência e desrespeito onde estudou, sendo o motivo que a levou a transferi-lo de escola.
Hoje ela tem sua casa própria. Suas irmãs também têm suas casas, seus filhos e
esposos; são donas de casa e lavadoras de roupas para fora. Estão sempre se ajudando
mutuamente: Na hora da necessidade, uma ajuda à outra. A casa onde Mirim mora, assim
164
como as de todas as suas irmãs, possui o necessário, tanto estruturalmente, quanto em termos
de mobília. Desfrutam de banheiro interno, água encanada e energia elétrica.
Mirim é concursada como técnico de nutrição pela Prefeitura de Cuiabá desde 1999.
Possui oito anos de concurso. exerceu sua profissão em duas escolas municipais. Na escola
atual, está dois anos. Diz que trabalhou como babá, ajudante em padaria, zeladora,
doméstica, diarista, lavadora de roupas. O esposo trabalha em uma fábrica de sacos plásticos à
noite. O rendimento do trabalho dos dois dá para o sustento da família.
Assevera que é muito enérgica com seu filho. A relação dela com ele é de cuidado e
cobranças: Exijo ordem e respeito. Em sua casa horário para tudo. Observei que nela
existem vários livros, gibis, DVD pedagógico. Acompanha seriamente a aprendizagem do
filho. uma combinação entre ela e o esposo: ela ensina português, artes e história e o
esposo, matemática, ciências. Quando os dois não entendem a atividade, recorrem à ajuda dos
sobrinhos que moram perto e se encontram mais adiantados nos estudos. Trabalha na mesma
escola e no período em que estuda o filho. Participa das reuniões na escola. Esta relação de
acompanhamento influencia positivamente a escolarização do seu filho. Miriam o ingressou
na escola aos quatro anos de idade, na Educação Infantil e alimenta esperanças de oferecer a
ele oportunidades de chegar a uma faculdade, conquistando o que ela não teve. Observei nas
diversas vezes que visitei sua casa, que ela e seu esposo fazem de tudo para garantir as
condições de permanência do filho na escola.
Miriam gosta de rir e de falar. Diz: vejo-me como agressiva, mandona, estressada,
impaciente. Eu era igual um “sargentão”. Buscava resolver as coisas no grito. Quando me
estressam ainda quero derrubar a casa, quero bater, quero quebrar tudo. bati inúmeras
vezes no meu filho. A primeira vez que bati nele ele era bebê. Arrependo-me muito. Diz que
não tem paciência para educar. Revela que possui temperamento forte e agressivo em casa e
também já se envolveu em confusões em vários espaços educativos onde atua.
Revela que ela e seu esposo fazem terapias com a psicóloga. Segundo ela, ele também
tem uma história marcada por maus tratos e pela agressividade em sua família. A mãe batia
muito nele. Por isso, ele saiu de sua casa quando adolescente e passou a viver com ela aos 16
anos, ela tinha 23 anos de idade. Vivem juntos há 11 onze anos.
Miriam e seu esposo possuem um envolvimento significativo com a Igreja onde
participam. Coordenam grupo de casais, são catequistas e participam de outros movimentos.
Atuam há mais de oito anos. Têm uma fé muito sólida.
165
Retrato 4
Mara é natural de Pedro Gomes/MS, tem 46 anos. É branca, evangélica. Em 2005,
veio para Cuiabá, onde já mora há quatro anos na região do bairro Pedra 90. Mas já morou em
diversas cidades do Mato Grosso, sempre em busca de melhores condições de vida.
É casada, dona de casa e teve seis filhos, porém apenas três são vivos: duas filhas, uma
com 14 anos e a mais velha de 18 anos e o menor de nove anos que estuda o Ano. Mara
revela que as duas filhas abandonaram a escola, casaram, tiveram filhos, mas não deu certo a
relação e hoje estão separadas. Residem na casa da mãe. Elas cursaram até a 5ª série.
O esposo de Mara trabalha como guarda noturno, com carteira assinada. A renda da
família é um salário mínimo. Diz que não dá nem para o básico. Ela já trabalhou de
doméstica em casa de família, lavadora de roupas e diarista em uma padaria.
Sua família não tem casa própria. Na primeira visita que fiz morava em uma chácara,
onde pagava a água e a luz. Em contrapartida tinham que fazer limpeza nas duas casas.
Mudaram para outra chácara. A casa é de tijolos, o chão é de concreto e pagam o aluguel.
Tem energia elétrica, água encanada, banheiro interno. Revela que em sua casa os afazeres
domésticos são partilhados entre ela e os filhos: Eles me ajudam a limpar a casa, lavar roupa.
Diz que faz isso para educá-los a fazer de tudo e a enfrentar a vida como ela é: muito dura.
A mobília de sua casa é extremamente precária, só havia na cozinha, um fogão à lenha
e uma prateleira com poucas vasilhas. Na sala havia duas cadeiras bem usadas de madeira e
uma televisão. Não havia mesa. Há dois quartos: um para o casal e outro para os filhos, porém
havia uma cama. O filho mais novo dorme com os pais. As filhas e os netos dormem em
colchão no chão, desencapado e gasto pelo tempo de uso. As roupas são surradas, guardadas
em caixas de papelão.
A relação de Mara com o seu filho é de cuidado e carinho. Apesar da extrema pobreza,
há grande interesse por parte da família para que o filho permaneça na escola. Com economia,
comprou uma bicicleta para ele dirigir-se à escola, pois a chácara fica distante mais ou menos
uns 5 quilômetros. Além da distância, outro agravante é porque a via que acesso à escola é
muito isolada. Nela seu filho já foi agredido por colegas da escola. Quando a bicicleta estraga,
a mãe o acompanha até a escola: A gente se esforça para que ele possa estudar.
O acompanhamento escolar do filho é feito pela mãe e pelas irmãs. Participam das
reuniões que a escola oferece. Nutrem a esperança de que ele prossiga seus estudos e possa
ajudar a família. Como é analfabeta, sua filha mais nova o auxilia nas tarefas. Mara
166
frequentou a escola até a 1ª série. Ela tem três irmãos: um, frequentou a escola até a 5ª série; o
outro, até a 7ª série e o terceiro concluiu o Ensino Médio, é Conselheiro Tutelar.
Revela que seu filho vem enfrentado situações de violência na escola desde o ano
escolar. Diz que tem dia que ele não quer ir à escola por medo, pânico, porque quase todos os
dias ele apanha na escola, tem seus materiais roubados, quebrados, pisados.
Mara também declara com muita emoção e sofrimento que em sua relação conjugal
vivenciou situações de agressividade, de violência e ainda hoje sofre com ameaças,
xingamentos, humilhações. Nas três vezes que visitei Mara, percebi que ela é muito tristonha.
Além de triste, ela apresenta aspecto depressivo, dificilmente um sorriso. Quando o faz,
parece que evoca uma realidade de medo, solidão e desilusão.
Retrato 5
Ângela tem 34 anos, nasceu em Alto Paraguai/MT. É negra, evangélica. Veio para
Cuiabá com 14 anos, tentar uma vida melhor, fixando morada no bairro Pedra 90. Ela teve
três companheiros e desses relacionamentos teve seis filhos: uma menina, hoje com 19 anos,
casada e cinco meninos nas seguintes idades: 16, 14, 13, 11 e três anos. Ela mora com os
filhos.
Em Cuiabá, trabalhou em casa de família como doméstica, em lanchonete, restaurante.
Sua profissão é cozinheira. Em sua casa, a renda não é fixa. Esdesempregada três anos.
Diz que faz bicos para garantir a sobrevivência e comercializa em casa e no bairro bolo de
arroz, de mandioca, de coco, pão caseiro, chocolate, cremosinho. Revela que recebe o auxílio
Bolsa Família e também ajuda das pessoas dos bairros e amigos em roupas, calçados. Nas
entrevistas, ela declarou que a extrema carência está lhe deixando depressiva. Segundo ela,
esse ano não conseguiu comprar nem os materiais escolares para os filhos.
A casa onde habitam Ângela e seus filhos é própria, feita de madeira pintada de cor
preta. Diz que o que tem em seu interior foi ganho: uma cama, três colchões velhos, guarda-
roupa, um sofá encapado, televisão, aparelho de DVD, um ventilador de teto, um fogão, uma
prateleira para depositar as vasilhas. O chão é piso queimado. Possui quatro cômodos: sala,
cozinha, dois quartos e banheiro externo. Desfruta de água encanada e luz elétrica.
Ângela frequentou a escola até asérie. Retornou em 2008, cursando o EJA da a
série na escola do bairro. Está animada, pretendo chegar à faculdade. Ela tem mais três
irmãs. Diz que elas são analfabetas, casadas, donas de casa, esposos e filhos.
167
As visitas que fiz à casa de Ângela revelaram que ela tem uma boa relação com seus
filhos. Isso é facilitado pelo seu temperamento alegre e jovial.
Revela que um dos seus filhos enfrenta sérios problemas de agressividade e violência
na escola. Diz que já precisou trocá-lo de escola mais de três vezes, mas é sempre chacoteado,
perseguido pelos seus colegas e até mesmo, por alguns professores por ser obeso. Em todo
lugar que ele vai, vive a mesma situação de exclusão, de indiferença.
Retrato 6
Silvia tem 35 anos, natural de Cuiabá, é branca, casada, católica. Tem três filhas: a
primeira está com 11 anos, a segunda com 7 anos, e a última nasceu recentemente. Seu esposo
nasceu em São Paulo. Tem 38 anos.
Conta que quando se casou construiu uma casa no quintal da casa da sua sogra, mas
não deu certo. Nesse período, ela e o esposo trabalhavam como professores de matemática em
uma escola particular. Em 2000, seu esposo formado em Engenheiro, foi contratado pela
Cemat, como Engenheiro Eletricista em Barra do Garças. Retornaram à Cuiabá em 2004.
A renda familiar garante o sustento da família. Ela leciona em uma escola particular
para as séries: ao ano do Ensino Fundamental. Iniciou a carreira de magistério com 18
anos, perfazendo hoje 17 anos de magistério.
A casa onde mora Sílvia é própria e possui uma estrutura que oferece conforto e bem
estar: Tem duas salas, três quartos, cozinha, copa, varandas em torno da casa, dois banheiros,
água encanada, luz elétrica, linha telefônica, computador. Desfrutam de uma mobília
confortável e de um automóvel para o transporte da família. A casa é pintada de cor bege e
laranja, com jardim na frente. O piso é de cerâmica. Para ajudar nos serviços de limpeza da
casa conta com o auxílio de uma jovem três vezes por semana.
Ela é a mais velha de três irmãos. Duas irmãs: uma formada em Enfermagem e a outra
é funcionária da Polícia Civil. O irmão só concluiu o Ensino Médio. Seus pais moram em
Cuiabá, concluíram o Ensino Médio. Os pais do esposo de Sílvia nasceram na Itália e vieram
para o Brasil tentar uma vida melhor. Não estudaram. São analfabetos.
Entre as famílias desta pesquisa, esta entrevistada é a que tem uma melhor condição
econômica e o nível escolar mais elevado. Quando criança estudou regularmente da à
série em uma escola estadual. Mudou-se para Cáceres e concluiu o Ensino Fundamental no
168
Colégio das Irmãs Azuis. Retornando à Cuiabá, fez o Ensino Médio na Escola Técnica
Federal. Em 1995, ingressou no Curso de Biologia na UFMT, formando-se em 1998.
Sílvia é muito enérgica. As visitas que fiz à sua casa e à escola onde trabalha
revelaram que ela tem um relacionamento aberto, alegre com as filhas, porém exigente. Fez
opção de lecionar somente quinze horas/aulas na escola para se dedicar e acompanhar as
filhas. Na época da visita, estava de licença maternidade.
A própria profissão de Sílvia motiva o cultivo da leitura e escrita. Na época da
pesquisa, vi que, além dos livros didáticos e apostilas utilizadas no colégio, há jornais,
revistas, dvds de filmes infantis pedagógicos. Havia também livros para leitura e pesquisas
escolares. Ela é filha de uma família de professores: sua avó paterna foi professora em
Cuiabá; sua tia, seu tio e seu padrinho/tio foram efetivos do Estado. Atuaram como
professores, diretores em várias escolas públicas estaduais (aposentados).
Declara que uma de suas filhas sofreu e sofre ainda com a indiferença e
discriminação na escola. Diz que precisou mudá-la de escola uma vez. O motivo, diz ela,
que a filha tem um defeito de nascença, o é torto, é obesa, tímida e manca. Afirma que
busca incentivar muito a filha a enfrentar de frente as situações de humilhação e violência na
escola: Ela não pode ser vítima a vida inteira da violência. Já está mais segura de si, partilha
seu sofrimento, busca ajuda. Tinha ânsia de vômitos, febre, diarreia, crise asmática.
Sílvia e seu esposo têm um grande envolvimento com a Igreja, ministram palestra para
noivos, coordenam um grupo de quase 40 jovens, são Catequistas do Sacramento do Crisma.
Atuam mais de 10 anos. Possuem uma muito sólida. Havia na sala de entrada um
altarzinho com a imagem de Nossa Senhora Aparecida e imagens de outros Santos. Revela:
tenho muita em Nossa Senhora. Ela é meu tudo: meu esteio, minha base, sabe. Depois de
Jesus é Ela.
* * *
É possível afirmar frente às declarações que os pais, em geral, passaram a viver juntos
(na casa dos pais de um dos cônjuges ou em casa de aluguel) ou casaram-se muito jovens,
com idade entre 14 e 25 anos. Nessas famílias, o número de filhos varia de um a seis filhos
com a idade entre dois meses a 19 anos. o nível de escolaridade dos pais é bastante
diversificado: a maioria possui o ensino Fundamental Incompleto. Nestes casos, há alguns que
frequentaram a escola nas séries elementares, mas conseguiram desenvolver a prática da
escrita e da leitura, são analfabetos ou semianalfabetos, ou seja, mal assinam o nome. No
169
conjunto das famílias entrevistadas, apenas uma mãe concluiu o Ensino Médio e outra cursou
o ensino superior. A idade dos pais varia de 26 a 63 anos de idade.
A descrição dos retratos das famílias aponta diferentes configurações familiares:
monoparental: mãe e filhos; família nuclear: pai, mãe e filhos; e família recomposta: avó e
netas. Aponta ainda que a maior parte delas vive uma união conjugal estável, consistente,
apesar dos desafios. Porém, algumas famílias vêm enfrentando problemas no relacionamento,
mas acreditam que as dificuldades são cíclicas, que tendem a se estabilizar.
Esse tipo de organização familiar nuclear patenteado no maior número dos retratos
supracitados deve ser compreendido dentro de um processo histórico, que implica dinâmicas e
mudanças de valores, ideias e regras transmitidas e moldadas em seu interior. Na sociedade
atual, apresenta-se como “lugar de troca, de construção de personalidade e, ao mesmo tempo,
lugar de conflitos e tensões” (WAISELFISZ, 1998, p. 70).
Nesta pesquisa, metade das famílias expressou a existência de violência no núcleo
familiar. Elas narram histórias trágicas envolvendo agressões físicas, verbais, psicológicas
sofridas quanto na relação com os filhos tanto no relacionamento conjugal, provenientes de
maus tratos da mãe, dos tios, tias, primos. Expressam que essas agressões estiveram muitas
vezes associadas ao alcoolismo, à pobreza, à desagregação dos casais, ausência de valores,
permissividade, demissão do papel educativo dos pais etc. O estresse instaurado, a depressão,
a baixa autoestima propiciam o desenvolvimento de atitudes agressivas que podem propagar
diversos tipos de violência, entre elas, o bullying.
É importante registrar frente aos testemunhos das famílias a reprodução da violência
familiar sofrida. Algumas mães e um pai afirmaram que foram muito agressivos com seus
filhos: Não conseguia dominar a raiva gerada pelas brigas em casa e também com minha
mãe. Essas declarações foram feitas com grande dificuldade, dor e emoção. Trata-se de causas
complexas e profundas que deterioram o ambiente familiar (AZEVEDO E GUERRA, 1989) e
deste poderá ter sérias ressonâncias em outros espaços sociais.
A monstruosidade dos casos de violência sexual também foi externalizada com
extrema dificuldade nas entrevistas por algumas famílias, estudantes e também funcionários.
Nesses casos, os depoimentos revelam situações de violência sexual que ocorreram no seio
familiar, no relacionamento com tios, primos, padrasto, vizinhos. Revelam também a
existência de vivências de situações inimagináveis de abuso sexual provenientes de colegas
nos banheiros das escolas e também na própria sala de aula. Nesses casos extremos,
permanecem para essas famílias, sobretudo para os estudantes os bloqueios, os traumas, os
pudores e, talvez por isso praticamente não consigam superar outras situações em sua vida.
170
As famílias unanimemente reconhecem que o envolvimento com a violência na escola,
sobretudo, com a prática do bullying afeta enormemente o processo de escolarização e
socialização dos filhos tanto na condição de alvo/vítima passiva quanto na posição de
autor/agressor. Em ambas as condições, esses estudantes são vitimados por agressões,
apelidos, discriminações e punições. Para os estudantes alvos de bullying, o medo, o pavor, a
insegurança aprisionam as emoções não permitindo aos envolvidos, encontrar alternativa a
não ser fugir da dramática situação (FANTE, 2005; SILVA, 2006).
Na pesquisa realizada junto aos estudantes e depois confirmada nos depoimentos de
suas famílias, os filhos na maior parte das vezes passaram a ser alvos/vítimas do bullying na
escola desde o 1º ano escolar. Nesses casos, esse sofrimento se prolonga nas séries ulteriores.
Os depoimentos da maioria dos pais, sobretudo dos estudantes dos 4º, e anos,
apontam que os distintivos físicos, tais como: ser obeso, ter defeito no pé, voz diferente e
sarda, timidez, dificuldades de relacionar-se com o grupo, possibilitam tornar-se alvos
preferenciais de bullying. Apontam que todos eles fugiam do padrão estabelecido e por isso
foram estigmatizados (GOFFMAN, 1988). A negação da diversidade, da pluralidade e da
dignidade humana mostra a existência de um poder concentrado na lei do mais forte.
As consequências cruéis do bullying na própria vida também foram mencionadas por
algumas famílias. Trata-se de situações de sofrimentos vividas na infância ou adolescência de
forma repetida dentro do ambiente escolar ou fora dele, as quais não foram devidamente
trabalhadas, e acabaram por afetar as pessoas pelo resto da vida nos relacionamentos afetivos,
na saúde e também na vida profissional. Essas situações de vivência das práticas do bullying
pareciam anunciar na voz dessas famílias a necessidade de hoje cuidar e controlar o máximo a
vida dos filhos. Parecia mesmo uma forma de defender a vida deles dos conflitos, da
incerteza, e das experiências negativas de violência.
Os depoimentos de alguns estudantes acenam para o alheamento e indiferença
presentes em algumas famílias. Nesses casos, esses são tão ou mais agressivos, por negar ao
filho vítima a possibilidade de romper com a situação de fragilidade e insegurança que fere a
sua dignidade humana. Essa possível “despreocupação” demonstrada nos depoimentos denota
a omissão da missão de cuidar e educar com valores essenciais para a convivência humana.
Isso mostra que ainda não se dão conta dos males que geram os atos de bullying na vida da
pessoa. Se as famílias desconhecem os efeitos maléficos desse tipo de violência, se omitem
em oferecer o apoio necessário, provavelmente seus filhos poderão internalizar que são
merecedores desse tipo de tratamento (FANTE, 2005), não denunciando a agressão sofrida,
visto que não encontra na família o apoio necessário para cessar a vivência do bullying.
171
Os casos de suicídio e assassinato também foram externalizados em nossa pesquisa
por algumas famílias com extrema resistência e dor. Externalizam que essas situações graves
de violência que tiveram desfecho trágico afetaram enormemente suas famílias pela
desconfiança, pelo medo, pela vergonha e isolamento, pelo esfriamento e esfacelamento das
relações no núcleo familiar. Apontam ainda que esta situação foi acompanhada por um
sentimento de impotência por não saber como ajudar os filhos nas situações de conflitos,
sentimentos de insegurança, tensões e sobretudo, pela dor e solidão.
Isso é mais dramático, quando as famílias avaliam que “ninguém sabe o motivo que a
levou a tirar a própria vida”. Porém, isso fica demonstrado na própria insatisfação dessa mãe
quando diz: não tinha emprego fixo, vendia tapetes para sobreviver, era alcoólatra. O
depoimento dela aponta para a perversidade de um sistema político e social, o qual esfacela a
dignidade humana dos seus membros por meio das extremas condições de privação,
impedindo um desenvolvimento integral pleno como cidadão de direitos e deveres.
As declarações dessas famílias e de alguns professores apontam que o estado
depressivo gerado pelos fatos trágicos nas famílias provocou mudança repentina nos
comportamentos dos filhos mais novos. Enfatizam que esses perderam a vontade de ir à
escola, mudaram a forma de se comportar, começaram a emitir condutas agressivas,
envolveram-se com grupos de colegas na escola. Por solicitação da escola, foram
encaminhados para atendimento com psicóloga e tratamento médico. Contudo, os
depoimentos dos pais relevam ainda que não obteve grandes resultados.
Reconhece também a maioria das famílias que a submissão à prática de bullying e à
violência doméstica obrigou-as a buscar um tratamento com psicólogas, psicopedagogas tanto
para os filhos quanto para os próprios familiares pela alteração do estado emocional, pelas
fragilidades adquiridas, pelo adensamento das tristezas e depressão. Há, no entanto, queixas
delas sobre a falta desses profissionais para o atendimento no âmbito escolar, nos espaços de
saúde localizados no bairro, ficando essa população à mercê da sorte.
Nas declarações dos adolescentes, a ausência da figura paterna é registrada mesmo por
aqueles que convivem no mesmo espaço. Há, por isso, queixas quanto à existência de uma
relação superficial: Meu pai está sempre fora. Quem segura as pontas lá em casa é minha
mãe e temos mais confiança nela (Ana, 13 anos, ano). Essa dificuldade de acesso aos pais,
seja por falta de tempo, por excesso de trabalho, ou por outras preocupações, é destacada. À
mãe é direcionado o maior relacionamento entre os filhos.
As entrevistas apontam que o relacionamento nas famílias flutua entre aberto,
possibilitado por um diálogo cuidadoso e franco, enérgico e exigente, decorrentes da
172
preocupação com o controle, vigilância. Nesse último, trata-se de uma rigorosa pressão,
cumprimento de horário, sob ameaça de não brincar, retirar os desenhos, colocar de castigo.
Todas as famílias atribuem grande valor à participação na escola. No que diz respeito
ao esforço para que os filhos e netos permaneçam na escola e concluam seus estudos foi
expresso de forma unânime, apesar das dificuldades enfrentadas com o bullying e também das
condições de pobreza da família. Os depoimentos revelam que algumas famílias têm como
rotina de vida conferir se o filho está caminhando bem na escola, se ele se envolveu em algum
conflito, se as tarefas de casa estão sendo feitas, procuram manter certa continuidade neste
hábito, tentando evitar quaisquer tipos de problema na escola. Observa-se que a preocupação
com um futuro melhor para os filhos e netos é sempre destacada por todos (LAHIRE, 1997).
Veem neste investimento a superação da condição de pobreza vivenciada por eles próprios.
De modo geral, as famílias afirmam que delegam determinados encargos aos filhos,
como cuidar da casa, dos irmãos menores, dos animais domésticos com o intuito de
contribuir em sua socialização cultural e social. Foi demonstrada também que essa
preocupação gira em torno de poder prepará-los com as condições necessárias para enfrentar
as dificuldades da vida, que no dizer de uma mãe é muito dura.
É unânime também a em um ser superior por parte das famílias. Esta aparece nas
narrativas como fonte de esperança e força para o enfrentamento das situações difíceis e
conformação perante os fatos, que não podem ser modificados. As famílias ressaltam que a
espiritualidade, a fé e as crenças dão a força necessária para a pessoa cuidar de si própria, e
não se sentir solitária na luta pela vida digna. A espiritualidade dá significado e sustentação às
pessoas que se veem confrontando com a violência, as mudanças e as perdas que as
acompanham. Boff (2000) salienta que a dimensão espiritual é uma parte integrante da
pessoa, somada à dimensão humana refaz o ser autêntico da mesma, o que por sua vez produz
novas possibilidades para a pessoa e para a sociedade em geral.
A descontinuidade dos estudos por parte dos pais quanto dos filhos e netos é apontada
nos depoimentos da maioria das famílias. Apontam que esta é consequência dos problemas de
violência enfrentados na família, dos envolvimentos com más companhias e comportamentos
indisciplinados ou por envolvimento com namorados e gravidez precoce. Essa
descontinuidade sinaliza em muitos casos, o rompimento com a possibilidade de regressar à
escola.
A situação econômica e social também foi patenteada nos depoimentos das famílias. É
evidente que a maioria se enquadra na teoria da falta. Entretanto, há em todas elas um
tremendo esforço para garantir a sobrevivência, como foi descrito. Com o crescimento do
173
desemprego, algumas famílias vivenciam uma situação de extrema privação econômica,
gerando até uma condição depressiva por não poder garantir o básico aos filhos. Essas
famílias revelam que são contempladas com o Programa Bolsa Família e Bolsa Escola,
contudo é necessário recriar e recompor laços sociais, laços de humanidade, construídos com
base em uma economia que atenda às necessidades das pessoas em todos os níveis.
As observações e entrevistas apontam que a situação de vulnerabilidade se expressa e
se traduz nomeadamente na saúde precária, na doença, na falta de higiene, na insegurança, no
medo, na expressão da violência, na falta de escola e de moradia. Se expressa, sobretudo, na
destituição de sua condição de humanidade como de qualquer condição de, como mãe ou
como pai, suprir as carências materiais e emocionais dos filhos. Apontam ainda que o
distanciamento das formas de trabalho organizado e a insegurança econômica são situações
motivadoras dos estresses familiares e são desfavoráveis à perseverança e esforços escolares
(LAHIRE, 1997). Aqui se encontra uma questão crucial. É neste ponto de interseção entre o
estudo e o trabalho que se situa um dos mais graves problemas da exclusão social e cultural.
Muitas crianças e adolescentes em fase escolar são obrigados a fazer opção entre o estudo que
pode lhes garantir um futuro melhor e o trabalho que lhes garante a sobrevivência, mesmo que
de forma precária.
A falta de emprego fixo ou o exercício de profissões com baixa remuneração
(faxineira, diarista, empregada doméstica, guarda-noturno) também foi registrada pela maioria
das famílias. Revelam que muitas fazem ‘bicos’ para garantir ou aumentar a renda da casa.
Nesses casos, o fato de estarem desempregadas muito tempo representa um grande
obstáculo que precisa ser enfrentado a cada dia, mesmo que das seis famílias envolvidas na
pesquisa, em quatro, um dos cônjuges trabalhe de carteira assinada. É evidente que essas
famílias experimentam maiores dificuldades de garantir o sustento na família.
As observações registram que a condição de moradia não é muito diferente entre as
famílias desta pesquisa. Entretanto, a diferença maior está entre aquelas que dispõem de seu
espaço familiar, mesmo que ele não ofereça conforto e aquelas que, por não possuir casa
própria, vivem sob as intempéries dos contratos de aluguéis.
Os depoimentos da maioria das famílias denunciam com intensidade que atualmente
em vez da política econômica assegurar condições mínimas no que se refere à renda,
emprego, segurança, serviços públicos de qualidade de sustentação das famílias, ela vem
desencadeando situações tais como: migrações, desemprego, ausência de serviços públicos, os
quais são fontes geradoras de estresse familiar e, consequentemente, da violência.
174
5.2 Impacto do bullying sobre a vida cotidiana
É importante chamar a atenção que, quando se solicitou às famílias para falar a
respeito dos conflitos escolares nos quais estavam envolvidos seus filhos e netos, revelou-se
nas suas faces uma expressão de dor e tristeza. As respostas vinham acompanhadas por um
olhar vazio e entrecortadas por momentos de silêncio, de choro incontido, que pareceram
denotar grande constrangimento. Com certeza não é assunto sobre o qual falam com
serenidade. Pareceu que se expressar sobre isso envergonha e provoca tristeza.
Além do impacto negativo provocado pelas formas de violência no ambiente escolar,
os depoimentos apontam que essas situações agressivas comprometem a vida cotidiana das
crianças e jovens quanto de suas famílias com grandes ressonâncias negativas.
Neto (2005) e Oliveira (2008) ressaltam que para a grande maioria dos sujeitos os atos
bullying poderão ainda refletir-se em anos futuros, quando da vivência da sua fase adulta. Os
autores reafirmam que, mesmo se esses comportamentos da adolescência acabem por
desaparecer com a idade, deixam importantes cicatrizes policiais, jurídicas, familiares e
sociais que perduram por toda a vida adulta.
A monstruosidade desses atos violentos foi patenteada pelas declarações das mães,
sobretudo, pelos estudantes como geradoras de sentimento de impotência, de solidão, da
dignidade rompida, os quais motivam situações trágicas:
Eu não aguento mais sofrer [...]. Sempre na minha sala me chama de “mole”, de
“tartaruga” porque eu não conseguia copiar rápido e ficava atrasado. Chamavam-me
de “horrorosoe a minha mãe de “magricela” “bruxa”, “nariguda”. Eu pedi ao meu
cunhado para fazer um estilete [...]. Com essa faquinha eu pretendia cortar o meu
pulso longe de casa, porque eu estou enjoado da minha vida, sabe [...] pensei várias
vezes: hoje eu me mato, atrás da escola. Quero matar essa dor que está aqui dentro
de mim. Um dia eu saí da escola e fui para o ponto de ônibus, quando ia cortar o
meu pulso eu me lembrei da minha mãe, da minha irmã que estava grávida, por isso
que eu não me matei ainda. Não aguento mais sofrer [choro profundo]. Cada vez que
mexe comigo eu fico mais bravo [...] eu choro, choro muito. Quando eu matar vai
acabar tudo isso. Porque eu vou matar todos que mexeram comigo [...] me
humilharam, me fizeram sofrer. Eu vou me lembrar de um por um, que mexeu
comigo, que me atentava desde quando eu comecei a estudar no ano passado, no ano
retrasado. Eu vou me lembrar de todo mundo, de um por um [...] Eu ainda não estou
pronto, mas o dia que eu estiver pronto, quando eu completar dezessete anos, eu
quero matar todos que mexeram comigo, eu vou matar [...] (Lívio, 9 anos, 3º ano).
Esse depoimento alerta sobre a perversidade de um clima escolar marcado por
apelidos pejorativos, vexames, desrespeito, os quais provocam a sensação de vulnerabilidade
e insegurança e incitam a “cultura de violência”, a legitimam, impõem padrões como o de ser
175
durão, e podem provocar “desarranjos futuros” (GUARESCHI, 2008, p.54). Isso interfere
tragicamente no desenvolvimento emocional e comportamental, visto que pode modificar o
comportamento e o pensamento da pessoa, gerando pensamentos negativos e agressividade
que podem levá-los ao autoextermínio. Tal carga negativa gera pensamentos de vingança que
podem desencadear trágicas reações contra a escola e contra os colegas que feriram sua vida.
Por outro lado, esse estado de coisas pode levar até mesmo ao suicídio como última
opção de válvula de escape” devido à pressão psicológica desencadeada pelos atos de
bullying, ou homicídio. Essa pressão no psiquismo da criança poderá gerar ainda confusão,
desenvolver transtornos mentais e pensamentos de vingança, uma vez que a criança não tem
maturidade suficiente para orquestrar os sentimentos negativos procedentes desses conflitos.
Esse alto nível de agressividade é sustentado por Guareschi (2008) e Fante (2005),
como aquele que provoca graves psicopatologias, torna suas vítimas reféns da ansiedade e de
emoções que interferem negativamente nos seus processos de aprendizagem e convívio social,
devido à excessiva mobilização de emoções de medo, de angústia e de raiva reprimida.
Muitas famílias se queixaram sobre o processo de estigmatização e vitimização
vivenciado no ambiente escolar que se prolonga em outros espaços de convivência. O
depoimento desta mãe revela grande preocupação sobre a necessidade de um efetivo trabalho
na escola para que as constantes discriminações sejam superadas:
Então ele entrou em alguns projetos aqui no bairro: Agente Jovem, Peti e Segundo
Tempo, mas sofreu tanta discriminação pelos mesmos colegas que estudam com ele,
que desistiu de participar. Sempre xingam ele de gordo, batem na cabeça dele. Em
todo lugar que ele vai ele vive a mesma situação e eu não tenho como acompanhá-lo
em todo lugar, porque a nossa situação é precária e eu tenho que trabalhar para
sustentar a nossa família (Mãe de estudante).
Não como negar que os impactos negativos dos atos bullying na escola também
afetam tragicamente a vida cotidiana dos estudantes autores de bullying. A maioria dos
adultos reconhece que os impactos negativos afetam a sua personalidade, gerando graves
consequências para si e para sua família. Reconhece que a falta de limites e de valores
sólidos, a supervalorização da violência como forma de obtenção de poder, levaram-nos a
desenvolver condutas delituosas e antissociais:
Outro dia eu vi [nome do aluno] partiu para cima de um outro menino, o enforcou,
quase que o mata no meio da rua, jogou o menino no chão, pisou nele. Ele saiu todo
ferido. Esse aluno todos os dias apronta uma dentro da escola, sabe? Bate em todos
os colegas, passa rasteiras. pedimos ajuda ao Conselho Tutelar, foi suspenso
diversas vezes, mas não mudou nada. No bairro onde mora, ele é agressivo [...] A
mãe trabalha fora. Ele fica na rua vagabundeando [...] (Professora em entrevista).
176
Vários depoimentos ressaltam que já se nota o envolvimento desses adolescentes
autores de bullying com drogas ilícitas, com grupos ou com gangues, o que por sua vez
favorece comportamentos antissociais atos de violência tais como assaltos a mão armada:
A situação do [aluno] não está bonita. Ele se envolveu com gangues aqui no bairro
onde mora. Hoje entraram cinco rapazes aqui na escola para bater nele. Ele percebeu
antes e fugiu pulando o muro da escola. Na semana passada bateram nele na rua.
Os colegas disseram que ele está sendo ameaçado de morte. Ele é um aluno
“problema” e já teve várias passagens no Conselho Tutelar por violência. Aqui na
escola, dentro da cantina da escola, a gente descuidou um pouco, ele derrubou um
aluno e chutou o nariz desse aluno que deslocou do lugar [...] (Agente de Pátio).
O comportamento relatado pelos sujeitos mostra que esses estudantes caracterizados
aqui como autores vivem conflitos de valores em seu processo educacional. Isso pode ser
decisivo, como revelam os depoimentos, no incentivo à evasão escolar e ao ingresso desses
estudantes no mundo das drogas e do crime, bem como formar uma geração de pessoas
psicologicamente desestruturadas, que poderão vir a cometer violência doméstica e adotar
características antissociais (GUARESCHI, 2008). Muitos aprenderam a ser agressivos através
da convivência em diversos contextos sociais, ou seja, modelo de referência na família, na
escola e em outros espaços sociais.
As declarações apontam, além das marcas deixadas na vida dos filhos decorridas da
prática do bullying, também uma visível, forte e dolorosa marca registrada na vida dos seus
familiares pela perda dos filhos em consequência das formas de violência:
Perdi meu filho com 15 anos. Ele se envolveu em situações de violência na escola e
com drogas e quando eu percebi já era tarde. Dava sempre conselho, explicava sobre
o perigo em que ele estava se envolvendo com seus colegas. Este fato desestruturou
ainda mais a nossa família. Perdemos a alegria. Tenho ainda outros filhos. Estamos
cuidando o máximo [...] (Pai em entrevista).
A atrocidade desse ato de violência deixou para esse pai e para toda a sua família um
sentimento de impotência, medo, solidão e depressão. Castro & Abramovay (2002) ressaltam
que é um sentimento presente em muitas famílias hoje na sociedade, as quais perderam seus
filhos, parentes e amigos tragicamente no envolvimento com diversos tipos de drogas e com a
violência. A esse propósito, Guareschi (2008, p. 49) diz que “o comportamento violento é
resultado da interação entre o desenvolvimento pessoal do jovem e os contextos sociais nos
quais ele está inserido, como a família, a escola e a comunidade”. D a importância do
trabalho de parceria entre escola e família na prevenção da violência.
177
Não se pode, todavia, ignorar o desconhecimento de algumas famílias em relação ao
envolvimento dos filhos com a violência ou grupos tanto na escola quanto no próprio bairro.
Os depoimentos apontam para uma determinada ambiguidade frente ao envolvimento dos
filhos com práticas de violência na escola ou fora dela. Isso denota certo descrédito, na
maioria das vezes, frente às colocações da escola:
Tem alguns pais que são muito difíceis, já partem para a agressividade e ignorância,
não sabe escutar. Para estes os filhos são santos [...] Não acreditam no que a gente
fala. Alguns usam da agressividade em palavra, um tom maior de voz, falando que
até a perceber que nós que somos mentirosos [...] Somos nós as causadoras da
indisciplina e violência deles (Professora em entrevista).
A “descrença” em relação ao sofrimento na escola por parte da família também foi
registrada por alguns estudantes. Isso pode comprometer seriamente a relação familiar. A
criança ou adolescente pode sentir-se traído, caso entenda que seus pais não acreditem em
seus relatos ou quando suas ações não se mostram efetivas:
Minha mãe não acredita em mim, acha que estou inventado coisas. disse que não
falo mais nada em minha casa. Briga comigo quando eu peço uma caneta, porque a
minha desapareceu [...]. Quando me batem na escola, sempre acha que eu estou
provocando [...] No dia que eu pisei na minha mochila, chorando de raiva, porque o
meu colega me bateu, disse a ela que foi ele quem jogou na poça de lama, e mesmo
assim, ela não foi à escola para saber o que aconteceu (Lívio, 9 anos, 3º ano ).
Esse depoimento registra um sentimento de insegurança e descrédito em relação à
presença familiar. No entanto, nota-se que a ausência do acompanhamento familiar é um
elemento que contribui no agravamento da autoestima do estudante e consequentemente no
aumento dos atos de bullying. Convém ressaltar que os efeitos causados em quem sofre esse
tipo de violência não se findam no aspecto de desenvolvimento social, mas interferem forma
negativa no desenvolvimento emocional e comportamental, por serem submetidos a tais
formas de violência continuamente, sem saber como reagir ou como orquestrar o conflito.
Nesse curso, Fante (2005) e Pereira (2008) ressaltam que o comportamento das
famílias ou responsáveis pelos educandos considerados como vítimas pode variar da
descrença ou indiferença a reações de ira ou inconformismo contra si mesmos e a escola. O
sentimento de culpa e incapacidade para cessar os atos de bullying contra seus filhos passa a
ser a preocupação principal em suas vidas, surgindo sintomas depressivos e influenciando seu
desempenho no trabalho e nas relações pessoais. A negação ou indiferença da direção e
professores pode gerar desestímulo e a sensação de que não preocupação pela segurança
dos estudantes.
178
Oposto a isso, a maioria das famílias reconhece a importância de motivar e melhorar a
autoestima dos filhos que sofrem com a prática do bullying. Revela também a tentativa de um
trabalho de persuasão afetiva, estímulo, apoio, oferecendo ajuda direta e indireta para a
mediação dos problemas escolares. Trata-se de ações para convencê-los de que são capazes de
enfrentar os problemas com cabeça erguida e melhorar sua vida na escola, superar os conflitos
e de que terão sucesso se tentar. É esse contexto seguro que vem contribuindo na superação
dos atos de bullying, evitando outros casos com desfechos trágicos:
[...] Fico em cima, vigilante, pergunto, quero saber. Exijo da minha filha autonomia,
decisão, coragem. Nunca a tratei como coitadinha. Sempre a incitei a encarar o
problema de frente e assumir uma nova postura. Digo até hoje para ela: ‘Você não é
feia e nem obesa’ e não precisa ficar nessa condição de vítima sempre. É você quem
decide sua vida. Aprenda a falar. Procure ajuda. Converse com sua professora. Este
ano ela está melhor, mas no ano passado foi terrível. Sinto-a mais confiante em si e
nos outros [...] (Mãe e professora em entrevista).
A compreensão desse papel na prevenção dos atos de bullying é de grande
importância. Isso é procedente de um reconhecimento sobre a gravidade do fenômeno.
Guareschi (2008) afirma que as famílias possuem a responsabilidade de entender e ajudar os
filhos, motivando-os a procurar ajuda, a se abrir com os professores. Deve ainda escutá-los,
aconselhá-los a não revidar as agressões, ressaltando suas qualidades e habilidades. Além
disso, devem estar atentos aos sinais característicos do bullying: recusa em ir à escola, dores
de cabeça, doenças, reclamações de perdas de materiais, mudança de humor, dificuldades de
relacionar. Nesse acolhimento, encontrar um lar sadio e seguro, onde a criança se sinta
acolhida, protegida, é de grande valor. Com isso a família consegue resgatar a confiança, a
autoestima, evitando um desfecho trágico para os envolvidos.
É importante registrar, com base em pesquisas com referência aos adolescentes e à
violência (ADORNO, 1991; ABRAMOVAY, 2002), que das cinco principais causas de
mortalidade, três estão relacionadas com a violência: ferimento, homicídio e suicídio, e na
classe dos adolescentes negros a violência é a causa principal de mortalidade. Com relação
aos parâmetros da violência, o bullying vem caminhando paralelamente, o que vem causando
grandes preocupações a pesquisadores e educadores de todo mundo.
Além das consequências da prática do bullying na vida diária de muitos estudantes, as
declarações desta pesquisa indicam a presença de impactos negativos do bullying na vida de
algumas famílias. O relato que segue expõe a gravidade dos atos bullying vivenciados:
179
Meu sofrimento na escola começou nos meus primeiros anos escolares. Eu apanhava
todo dia na escola [...] Não sei por que eles faziam isso comigo, me maltratavam,
eles me batiam, batiam e não sei por que ninguém via e ninguém me ajudava. Então
eu morria de medo deles. Isso foi no presinho. Eu não contava para a minha mãe,
eles me ameaçavam, me jogavam no chão, puxava o meu cabelo, me pisavam.
Lembro nitidamente como se fosse hoje. Então eu nem brincava. Se batia o sino e eu
fosse ao recreio, isso eu me lembro, se eles não estivessem na escola, eu brincava,
mas quando eles estavam eu não ia, e se eu fosse, eu ficava me escondendo atrás dos
pilares grandes das varandas. Eu comecei a estudar tinha sete anos. Com nove anos,
a coordenadora da escola disse que eu já deveria ter passado, eu ainda estava na
primeira série, não conseguia passar [...]. Depois na minha adolescência me tornei
agressiva, vivia irritada e se me provocasse, eu batia (Mãe em entrevista).
O testemunho dessa mesma mãe, alvo de bullying, grifa a associação entre a vivência
da prática do bullying e a vulnerabilidade e insegurança sentida hoje na trama cotidiana:
O fato é que hoje não consigo confiar em ninguém para estar próximo, não confio
nem em mim mesma. Não durmo direito, tenho lembranças muito doloridas. Casei-
me, mas tenho grandes disfunções na vida sexual, tenho pudores ao extremo, porque
fui abusada na infância e adolescência por parentes e colegas. No relacionamento
com as pessoas ainda sou agressiva, mandona, estressada, impaciente e violenta,
mesmo com o tratamento com a psicóloga mais de três anos. Eu era pior, era
igual um “sargentão”. Buscava resolver as coisas no grito, quando me estressam
quero derrubar a casa, quero bater, quero quebrar tudo. bati inúmeras vezes no
meu filho, o espanquei, bati nele com uma borracha e o cortei [...]. Então assim
[...] É muito difícil [...] (Mãe em entrevista).
Esses depoimentos permitem aquilatar que as consequências para as “vítimas” desse
fenômeno são graves e abrangentes (FANTE, 2005; GUARESCHI, 2008), as quais produzem
subumanidades. De um lado, aparecem as consequências que não foram totalmente superadas
e que hoje interferem na própria vida pessoal e familiar; e do outro curso, a interferência
negativamente desses atos de bullying na convivência fora do núcleo familiar, como na
interação com sua família, na Igreja, no trabalho, gerando sempre situações conflituosas.
Os prejuízos financeiros e sociais causados pelo bullying igualmente aparecem nos
depoimentos da maioria das famílias. Esses prejuízos além de atingir as famílias, atingem
também as escolas e a sociedade em geral. Nesses casos, as crianças e adolescentes que
sofrem e/ou praticam bullying podem vir a necessitar de múltiplos serviços, como saúde
mental, justiça da infância e adolescência, educação especial e programas sociais, conforme
aponta a fala de uma mãe ao tomar consciência da situação da filha como vítima de bullying:
Minha
filha tem
dor de
cabeça constante,
ânsia
de vômitos.
Ela
teve uma
recaída muito
grande na aprendizagem, chora na sala, não consegue fazer a tarefa como fazia
antes. a levei ao médico. Eu não tenho condições de pagar um psicólogo para ela.
Busquei o atendimento com a psicóloga aqui do bairro, mas vai demorar muito.
Vamos fazendo aquilo que dá, diante das nossas condições (Mãe em entrevista).
180
A pessoa é na maioria das vezes, afetada com profundidade na aprendizagem, na
socialização e na saúde emocional. Esse processo de desumanização vai exigir, além do
tratamento médico, o resgate da autoestima dos vitimados, tanto das crianças quanto dos
adultos. Isso é imprescindível para que eles possam novamente ter uma boa imagem de si
mesmos, aumentar a valorização pessoal e o respeito por si e pelo outro, ser ativos e
participantes. Para Romanelli & Amorim (2008), a autoestima é uma extraordinária
ferramenta de superação dos traumas causados pelos rótulos imputados, pelo sentido de
impotência e desistência, em consequência das situações de violência, e essencial na
construção de uma aprendizagem significativa e uma vida mais saudável.
Caberia, também remeter ao conceito de vítimas indiretas ou secundárias da violência,
proposto por Soares e Rua (1996), os quais sustentam que a violência o se encerra no ato
em si, nem nas consequências diretas para suas vítimas imediatas. Em lugar disso, suas
repercussões se espraiam por diversas esferas da vida de todos aqueles que foram por ela
tangenciados, os quais representam um contingente possivelmente enorme, mas ainda não
mensurado, de vitimas secundárias ou indiretas.
Diante do exposto, é pertinente ressaltar a urgência de se consolidar um trabalho
coletivo entre família e escola bem como fomentar um debate sobre a urgência de se pensar
em políticas públicas educacionais que deem respostas a essas sérias questões. Sua eficácia
relaciona-se ao comprometimento em melhorar a convivência no espaço educativo,
contribuindo dessa forma, na superação das formas de violência, sobretudo, o bullying, o que
certamente refletirá na sociedade em geral.
5.3 A relação família-escola: encontros e desencontros nas ações frente ao bullying
Para compreender a dinâmica das relações sociais entre família e escola no espaço
educativo escolar, faz-se necessário observar como esses atores constroem seus nculos,
sejam com os professores, com os funcionários ou com aqueles que representam a instituição
escolar. Porém, a qualidade das relações sociais estabelecidas entre essas duas instituições
educativas contribui para a existência de um melhor ou pior clima escolar.
Segundo Minayo (1999), a família é uma organização social complexa, um
microcosmo da sociedade, onde ao mesmo tempo se vivem as relações primárias e se
constroem processos identificatórios. É também um espaço em que se definem papéis sociais
de gênero, cultura de classe e se reproduzem as bases do poder. É ainda o lócus da política,
181
misturada no cotidiano das pessoas, nas discussões dos filhos com os pais, nas decisões sobre
o futuro, que ao mesmo tempo têm o mundo circundante como referência e o desejo e as
condições de possibilidade, como limitações. Por tudo isso, é o espaço do afeto e, também, do
conflito e das contradições.
A escola é um espaço de socialização, como mencionado anteriormente, tanto na
relação com os educandos, quanto com a família, como sublinham a fala de algumas mães:
Passava tardes trabalhando para a escola. Confeccionei um tapete de crochê de barbante
para fazer uma rifa para ajudar na festa junina (Mãe de aluna). Também outro depoimento
expressa essa co-participação: Ajudamos muito nas festas da escola, nos eventos culturais,
acompanhamos alguns passeios colaborando na assistência das crianças (Mãe de aluna).
Dessa forma, o ambiente escolar caracteriza-se como um local de encontros, de partilha de
saberes, consolidando trabalho coletivo, parcerias, amizades e relações afetivas.
A confiança na família também é ressaltada por alguns professores em seus
depoimentos, os quais consideram que as famílias mais presentes que acompanham os filhos
são suas parceiras na continuidade da formação escolar, conforme segue o depoimento:
alguns pais que sabem conversar com a gente, acompanham os filhos, vem saber
o que estar acontecendo. Em casa olha as atividades, sabem ajudar. Se a criança não
entende, no outro dia tenta se informar, mas sem agressividade e cobranças como às
vezes acontecem (Entrevista com professora).
Essa confiança na relação revelada pela professora relaciona-se com a afirmação de
Freire (1996) e Abramovay (2006), quando sustentam que a confiança é um processo que se
nutre da intensidade das interações no tempo e no espaço. Nesse processo, o diálogo é um
artifício facilitador para garantir a significatividade das relações sociais no ambiente escolar.
Quando se reconhece a importância da parceria na formação de estudantes com condutas
éticas e emancipadas, fica mais fácil caminhar. Conhecer o outro requer o uso da palavra, da
conversa, o que proporciona o estabelecimento de vínculos entre essas duas instituições, com
o objetivo de buscar apoio para mediar os conflitos existentes no cotidiano escolar.
Entretanto, nesta pesquisa, algumas famílias afirmam, enfim, que ainda prevalece na
escola uma relação heterônoma, a qual abomina uma participação mais efetiva. Passos (1994)
afirma que o lugar onde a participação escolar atinge a sua plenitude é na construção coletiva
do trabalho escolar na relação entre professores e estudantes. Com base nisso, pode-se dizer
que essa plenitude também é possível se manifestar na interação com a família.
182
A ausência nos processos escolares e também no ambiente educativo foi registrada
pelos depoimentos das famílias e, nomeadamente, pelos educadores. Esses depoimentos
revelam que essa ausência é considerada um dos fatores que provocam os desencontros mais
comuns na relação entre família e escola.
Muitos professores, gestores e funcionários de ordinário atribuem à essa aparente
“ausência” da família na escola, as dificuldades de aprendizagem, o isolamento da estudante,
o desinteresse pela escola:
Aqui na escola existem
desencontros
familiares,
famílias
desestruturadas
16
, problemas
sociais gritantes, filhos que desconhecem o paradeiro de seus pais, que ficam na casa
dos avós, dos parentes, ou nos vizinhos. Alguns são obrigados a cuidar dos irmãos
mais novos, matam aula. A nossa situação é difícil [...] (Professora em entrevista).
Alguns coordenadores e professores conferem, além disso, a falta de respeito, a
indisciplina, os comportamentos agressivos dos filhos, a incapacidade de interação, como
práticas que teriam origem no grupo familiar. Dessa forma, imediatamente eximem a escola
da sua responsabilidade na reprodução desse tipo de interação:
Se em minha casa meus pais brigam, batem, vou achar que isso é normal. Se você
presencia e sofre violência em casa, a formação dentro desse ambiente foi essa.
Você vai ser diferente disso? Não vai! Ninguém cresce mal educado, e ninguém
cresce bem educado, tudo é convivência (Professora em entrevista).
A tônica dos discursos dos educadores passeia em torno da carência econômica, social
e cultural dos estudantes. Também da atribuição de culpa à família por falta de atenção,
convívio saudável, afeto às crianças e adolescentes, o que no seu imaginário compromete o
diálogo entre escola e a família. Nesses casos, os depoimentos dos educadores conferem
principalmente ao ambiente familiar as dificuldades de aprendizagem e interação social dos
estudantes. Com certeza, parece existir nas duas falas um resquício não extirpado de um
princípio de transferir culpas e ainda uma visão idealista de família (CASTILHO, 2008).
Outro aspecto que povoa o imaginário de muitos membros das escolas pesquisadas,
em particular dos professores e coordenadores, é a ligação dos comportamentos agressivos e
indisciplinados de muitos estudantes à suposta desestruturação familiar. Isso na maioria das
vezes configura-se como uma das causas da dificuldade de se estabelecer um maior diálogo
entre educadores e estudantes e entre escola e família.
16
O termo “desestruturação familiar” é apontado direta e indiretamente por muitos professores e gestores. Ele é
utilizado por eles a partir de uma visão idealista da família.
183
O modelo de família nuclear predominante na tradição da cultura ocidental
contemporânea diverge dos moldes existentes hoje. Segundo Waiselfisz (1998), a família é
uma instituição mutável. Em linhas gerais, muitos profissionais da educação não levam em
conta as mudanças sociais e referem-se a um certo modelo idealizado de família: “mulher e
homem casados vivendo sob o mesmo teto, numa relação bem estruturada, sem lugar para
separações e na qual o homem é a principal autoridade” (WAISELFISZ, 1998, p. 70).
Os professores, gestores e coordenadores denunciam os familiares pela ausência de
acompanhamento dos filhos, de não imporem limites a eles, de nem sempre ensinarem valores
éticos como o respeito, a solidariedade, o diálogo, tal como aponta o depoimento:
Tudo eu posso. Onde está o respeito? Não valores? uma permissividade, uma
quebra de valores muito grande. É um conjunto de coisas que vai somando. Também
vi que não adianta exigir muito, ser rigorosa, porque quando os estudantes
aprontam as deles e os pais são convidados a vir aqui conversar, reclamam,
esbravejam dizendo que a escola que é errada. Então, o que é isso passa a mão na
cabeça do filho retirando a autoridade da escola. É por isso que hoje não sabemos
mais que atitude tomar [...] (Professora em entrevista).
Muitos professores se queixam das omissões constantes às convocações na escola. Isso
é na fala dos professores é outro problema que provoca os desencontros. Eles se queixam e se
veem impossibilitados de aplicar medidas efetivas para solucionar a questão:
Eu perdi as contas de quantas vezes peço para chamar alguns pais, escrevo na
agenda o recado para vir aqui conversar, mas eles não comparecem. Tem alguns pais
que não sabem escutar, ou melhor, não querem nem saber da realidade do filho.
Então, eu fico um pouco constrangida às vezes, de falar sobre o comportamento do
filho na escola para eles. Não dão bola mesmo [...] (Professora em entrevista).
Pode se concluir que a família considerada pelos educadores, em especial, os
professores, como o principal agente socializador de valores e atitudes, não vem cumprindo
de fato o seu papel. Além disso, os depoimentos acima apontam que essas atitudes das
famílias igualmente motivam as crianças e jovens a serem propagadores de formas de
violência, inclusive do bullying no espaço escolar.
Sobre isso, Abramovay (2003) e Adorno (1991) enfatizam que certas visões que os
educadores possuem a respeito dos comportamentos agressivos que se manifestam na escola
parece ser uma compreensão equivocada embasada em concepções deterministas. Essas na
prática social se expressam em atuações pautadas pelo senso comum, reprodutoras de valores
ideológicos e religiosos que conferem culpa ao sujeito praticante do ato, à sua família,
desconsiderando os determinantes sociais e históricos presentes nas relações de violência.
184
Outra face dura patenteada nos depoimentos são as tensões existentes entre família e
escola. A maioria das mães queixa da “impaciência” de muitos professores com os filhos que
ainda não aprenderam corretamente. Porém nos seus depoimentos, aqueles que
reconhecem que, dentro da sala de aula, muitas conversas paralelas, brigas, indisciplina e
bagunça, dificultando o trabalho da professora. Diante de tal situação, alguns docentes agem
de forma agressiva com os estudantes: A professora passa a tarefa para os alunos copiarem.
Se não anda rápido, apaga o quadro. Trata os nossos filhos mal. Depois diz que eles são
preguiçosos, chama de desinteressados. E isso não é um tratamento que se espera da escola.
Os estudos de Patto (1993) ajudam a compreender as graves consequências apontadas
nesse depoimento. O autor diz que as palavras ríspidas, as relações agressivas, o mandar sair
da sala, o encaminhar à coordenação ou direção, são apontadas como um dos principais
problemas da escola. São comportamentos que minam a relação de empatia, de solidariedade
e de paz com os estudantes bem como entre a família e escola. Nesta pesquisa, também são
muitos os depoimentos críticos por parte dos pais, recebidos dos seus filhos sobre a postura
agressiva de alguns professores em sala de aula:
Os professores agem de uma forma muito agressiva ao responder aos alunos. Na sala
não se pode reclamar. Tem acontecido muita briga por causa de discussão entre eles.
Os professores ao invés de ensinar, preferem apontar os erros do aluno perante a
classe. Exigem que os alunos fiquem em silêncio a aula toda. Se você é acusado por
alguém, ou se alguém briga com você, se inventar de se defender, está na roça. Os
professores caem em cima com agressividade, dizendo que o aluno é mal-criado,
que não tem educação em casa, que é rebelde [...]. Ele é acusado de algo que não
fez e ainda tem de ouvir calado. Se responder vai parar na coordenadora. E a
situação fica pior [...] Gritos, acusações sem fins [...] (Mãe em entrevista).
A declaração dessa mãe traduz o isolamento, a solidão e confirma que “a escola não
dialoga. Seu discurso é um monólogo, surdo e míope. É por isso mesmo um monólogo
autoritário tantas vezes expresso e encarnado do professor que não admite apartes e
intervenções” (PASSOS, 1994, p. 203). Esse modelo encontra eco na impermeabilização, na
lentidão, na decodificação, na solidão, nas relações mecanicistas, nas formas de violência, que
levam a um sistema de emperramento e à submissão de normas excessivamente burocráticas,
culminando com inevitável queda de qualidade.
Os depoimentos abaixo apontam que os conflitos escolares envolvendo os filhos
podem gerar situações extremas entre essas duas instituições. Revelam ainda que existam
casos de chegar a romper a relação com os professores por um bom tempo:
185
[...] eu perdi a paciência com a escola [...] a coordenadora tinha muita vontade
em ajudar minha filha que foi agredida pela professora. Disse que não tinha
autoridade para dar advertência para a professora. Procurei dialogar com o conselho
da escola diversas vezes, com o gestor, com a coordenadora e professora. Foram
várias reuniões. No final, tivemos uma reunião com as representantes da
Secretaria de Educação. Como não obtive apoio, denunciei o fato à Secretaria de
Educação Municipal. Não obtive apoio também, por fim, montei um processo contra
ela na Ouvidoria. Porém, até hoje, já faz mais de ano e nada se fez. Não houve
nenhuma atitude da escola em relação a isso [choro]. A professora não foi afastada
da escola nem naquele dia (Mãe em entrevista).
As famílias atribuem grande valor à escola. Elas conferem a essa instituição a grande
missão de transmitir conhecimento acumulado, porém, também como a principal instituição
promotora de valores humanos duradouros, depois da família, e não aceitam que atitudes de
indiferença, violência e desrespeito estejam presentes em seu interior, sobretudo nas atitudes
dos professores com seus filhos.
As famílias revelam também “desesperança” quanto a uma ação mais efetiva das
instâncias municipais, estaduais, e, sobretudo do Conselho Tutelar, mesmo nas situações de
caráter gravíssimo como o abuso sexual ocorrido no espaço da escola. Os depoimentos
apontam que, até mesmo nesses órgãos, a agressão foi tratada com indiferença, naturalização,
não sendo considerada em seu teor de gravidade, profundidade e importância:
Quando meu filho sofreu abuso sexual na própria sala de aula por parte dos colegas
maiores, como o diretor e toda a escola trataram a questão com indiferença, não
tomando nenhuma providência, busquei ajuda no Conselho Tutelar. Mas também o
Conselho Tutelar não fez nada, silenciou. Meu filho não quis mais ir à escola. Não
encontrando saída, retirei-o da escola onde estudava [...] (Mãe em entrevista).
A desconstrução de valores também é apontada nos depoimentos das famílias:
Minha filha chorava para não ir à escola. Ela dizia que a professora tomava caderno,
e falava palavras duras que ofendiam, como: Você é “burro”, um “molenga”, não vai
aprender nunca [...]. Ela jogou a minha filha com força na cadeira. Suas mãos
ficaram nos braços dela. Eu vi minha filha sair da sala desesperada, chorando [...] eu
vi [choro]. Esse tipo de atitude não se espera de uma professora (Mãe de aluna).
Os depoimentos também revelam que a violência pode colaborar para a deterioração
das relações entre família e escola, o que pode potencializar hostilidades explícitas,
impotência, expressões e até violência: Estou muito ferida. Sinto-me impotente [...]. Não tinha
paz. O que aconteceu com minha filha me assolava o pensamento dia e noite. Como ninguém
fez nada, eu tinha que ter feito. Eu tinha que ter dado na cara dela [...]. E muitas vezes até o
rompimento de relações, afastamento e até desistências:
186
Por isso eu perdi o ânimo para voltar à escola. Eu estudava a noite, desisti [...] Perdi
a motivação para estudar [choro]. Fazia o ano do Ensino Médio/EJA. Minha filha
ia comigo para a escola, porque não tenho com quem deixá-la em casa. Meu marido
também estuda a noite na mesma série que eu. Ainda o sei nem pronunciar o
sentimento que passa em mim (Mãe em entrevista).
Quão grandemente são os sentimentos de mágoa e descontentamento sufocados nos
depoimentos supracitados. Não é possível subestimar a competência destrutiva presente nas
atitudes da escola e ao mesmo tempo a sua incapacidade construtiva como instituição
educacional promotora dos saberes e também de valores duradouros. A esse escopo, Passos
(1994, p.180) afirma que “[...] a partir do interior do próprio sujeito, a escola e nela a
sociedade – cria e constrói ou elimina e mata”.
Esses depoimentos das famílias que expressam o poder destrutivo da escola dão
margem para perguntar: O que a escola destrói? E o que ela constrói de fato?
Ora, é fato que a escola tem o poder de criar, gerar autonomia e liberdade, mas, frente
aos depoimentos e às várias pesquisas empreendidas nessa direção, é possível afirmar que a
sua ão vem ocorrendo ao inverso. Os depoimentos de muitos estudantes e suas famílias
revelam que são constantemente submetidos via escola a uma ão homogeneizante
estabelecida pela cultura dominante, a qual destrói sonhos, desapropria a identidade, os
valores, gerando personalidades frágeis e submissas, instaurando uma cultura do silêncio.
Os membros do corpo técnico-pedagógico, sobretudo, os professores e coordenadores,
não estão preparados para orquestrar a dinâmica dos conflitos no espaço escolar, isto é, os
caminhos viáveis para ajudar os estudantes a repensar suas ações, seus comportamentos
inadequados. Não conseguem ainda orquestrar nem os próprios sentimentos de impaciência,
nervosismo, apatia, indiferença, os quais ainda interferem na relação com os estudantes.
Esse clima hostil, contraproducente e com poder de destruição, é denunciado por
Passos (2004, p.50):
Esse ambiente que deveria inspirar inteligência, criação, liberdade e busca de ajuda,
cujo fulcro dos processos educacionais se esteiam no estabelecimento de vínculos de
confiança e transferência, acaba mais por reforçar contravalores e práticas
policialescas do que propor caminhos à humanidade feliz.
A criança quando chega à escola traz muitos sonhos, expectativas, alegrias e desejos
de grandes descobertas. Porém, com o passar dos dias, semanas, muitas delas apresentam um
aspecto apático, medroso, submisso a gritos, sinos e tarefas infindáveis e, na relação com os
colegas e com alguns professores, submissas a humilhações, agressões, apelidos desairosos,
os quais estimulam a violência e, acima de tudo, comprometem a sua aprendizagem. Essa
187
ação cataclísmica deforma e despersonaliza sua identidade, retirando-lhe os sonhos, a alegria
criadora, as fantasias e o prazer de permanecer na escola. É provável, entretanto, que essa
criança não atingirá o sucesso na aprendizagem querido por ela e por sua família.
Passos (1994), ancorado em Lukács, trata esse processo desestruturante da criança
quanto de suas famílias de despersonalização. Para ele, há muito tempo os professores
perderam o real valor da sua contribuição enquanto educador para a autonomia e participação.
Tal contexto, ao invés de favorecer relações significativas que motivem o interesse, a
criatividade, a curiosidade epistemológica de que tanto fala Freire em suas obras, torna-se
espaço de opressão que inibe a inventividade e promove a desumanização.
Enguita (1989) também denuncia que embora “motivar” seja o verbo em moda na
escola, esta constitui como instituição,
Uma poderosa maquinaria entregue inteiramente ao empreendimento de desmotivar
os indivíduos. Crianças e jovens acodem a ela carregados de motivações, mas a
obsessão da escola é substituir as que eles trazem pelas que ela considera associadas
a objetivos dignos de serem perseguidos. “Motivá-los”, na realidade, quer dizer
convencê-los de que desejam por si próprios ir para onde o professor decidiu que
vão (p.181).
Por conseguinte, há na postura dos responsáveis pelas escolas, em particular, dos
gestores, coordenadores e professores, no entender das famílias e estudantes, certo descaso e
indiferença com as situações de violência que se manifestam dentro dela. Essas famílias
concebem que a escola, como instituição humanizadora das relações, tem o dever de zelar
pela integridade física e psicológica dos seus membros (FANTE, 2005).
Os depoimentos registram que está patenteada, nas escolas desta pesquisa, uma
educação com ranços tradicionais, permanecendo o poder centralizado, a qual não abre
espaços para discussão de questões desse foro, sendo reduzidas ao silêncio, à cumplicidade.
Com a intenção de conter o ‘mau’ comportamento e a rebeldia dos estudantes, os
depoimentos apontam que alguns professores servem-se de reprimendas para conseguir o
“silêncio” da turma através da “[...] obsessão pela ordem, pela pontualidade, pela compostura.
Faz-se obedecer mediante os gestos e são bem visíveis os rótulos das punições, a vigilância
permanente sobre o conjunto dos alunos” (ENGUITA, 1989, p.118). Sob ameaças, que às
vezes até são concretizadas, os docentes podem expressar a violência que subjaz as relações
sociais e que “exclui o diálogo e a compreensão” (ADORNO, 1991 p.80). Em ações como
essas, a educação e a aprendizagem que, a princípio, deveriam ser desenvolvidas com prazer,
188
podem tornar-se para os estudantes um espaço de humilhações e, aos seus familiares, gerar
situações negativas e conflitivas.
Nesse sentido, Beaudoin e Taylor (2006, p. 53) chamam a atenção que:
[...] muitos adultos supõem que as crianças tenham total controle sobre seus
comportamentos problemáticos. Muitos pais e educadores se perguntam: “porque o
aluno simplesmente não pára de fazer isso? essa é uma questão interessante,
levando-se em conta que a maioria dos adultos reconhece que não tem controle
sobre os próprios comportamentos problemáticos em nível pessoal. Quantas vezes,
por exemplo, você prometeu a si mesmo comer menos açúcar, sal ou gordura?
Quantas vezes você decidiu ter mais paciência com alguém, e então não levou essa
decisão até o fim? Se os adultos, com todo o seu conhecimento, suas experiências e
seus recursos m dificuldade em mudar um comportamento problemático de uma
hora para outra, como podemos esperar de uma criança? As crianças, assim como os
adultos, precisam de apoio, tempo, preparação e espaço para cometer erros em sua
jornada rumo à transformação
.
As famílias unanimemente afirmam que mudança de escola foi a ação mais utilizada
para evitar que a criança perdesse o ano escolar e, além disso, para impedir um desfecho
trágico para o estudante. Igualmente por não encontrar outra saída e nem contarem com a
ajuda da escola. Em dois casos esse recurso foi utilizado de forma “exclusiva” o que resultou
em três transferências, e o adolescente que foi alvo de bullying está estudando hoje na quarta
escola. Pelo percurso dessas crianças e adolescentes, vê-se que quando o vel das agressões
físicas, verbais e/ou psicológicas ficou insuportável, seu rendimento escolar foi afetado e, em
especial, quando apresentaram dificuldades de adaptação escolar devido aos seus sofrimentos,
a ação adotada foi a mudança de escola por todas as famílias. Na maioria dos casos, buscou-se
primeiramente o diálogo, mas como os resultados não surgiram prontamente, o temor da
desistência da escola por causa das agressões quase que obriga que a transferência para outra
escola seja efetivada rapidamente, como confirma o relato dessa mãe:
Confesso que fiquei decepcionada com todos na escola, professores, diretora,
coordenadoras [...] porque é muito importante que o filho certo na escola e a
gente sente que elas não se importam com ele [...]. Isso demonstra que a escola não
quer se envolver muito com isso, fica até de marcação, sabe como é [...]. Esta é a
quarta vez que o troco de escola [...] é péssimo. Você fica pensando o que vai ser do
futuro dele? Será que ele é o culpado de tudo? (Mãe em entrevista).
Apesar do uso massivo dessa “estratégia”, não se pode inferir que esse processo e essa
decisão sejam sempre os mais adequados, pois várias pesquisas têm mostrado o inverso.
Também não é expressão de uma dificuldade para lidar com os conflitos ou que denotem
sempre a busca de uma solução mais rápida e sem conflitos. O processo, às vezes, é muito
sofrido, cheio de tensões e conflitos para a criança e sua família.
189
Esses casos graves acenam para a necessidade de rever as relações. Quando se repensa
apenas as relações no espaço da escola, como afirma Guareschi (2008), é possível reverter
esse quadro de desumanização. Não resolve mudar de escola. Isso poderá a piorar a
situação, passando a criança a ser vítima de bullying novamente, como foi notado nos
depoimentos. Por omissão, implicitamente, esses estigmas podem gerar angústia e
desesperança às famílias e, sobretudo, aos estudantes vítimas de bullying.
O fato é que na sua totalidade a escola trabalha sem levar em consideração a realidade
e o contexto cultural do estudante e de suas famílias. É indispensável que no processo
pedagógico a escola aborde as categorias gerais e abstratas, mas sem desconhecer as
especificidades culturais de seus componentes.
Famílias e estudantes, por isso, esperam da escola uma atitude mais comprometida que
contribua na superação das dificuldades, um ensino humanizante e civilizatório. Esperam
também que ela tenha persuasão positiva na vida das pessoas e na vida da comunidade do
entorno. A escola atingirá tal meta mediante a trama de relações solidárias, éticas que for
capaz de estabelecer, e por meio do rol de conteúdos que ensina que no imaginário da
maioria, são sempre são bons.
Frente a isso, “a educação deverá se aproximar dos aspectos éticos, coletivos,
comunicativos, comportamentais e emocionais, todos eles necessários para que ela possa
contribuir na construção deste tão sonhado “outro mundo possível” (GADOTTI in
GUARESCHI, 2008, p. 9).
Tão pouco se possa pretender que a educação seja a redentora da humanidade sozinha.
Isso é impossível dadas as condições adversas atuais, mas com Barros Neta (2001, p.100) é
possível dizer:
O que importa é que a escola pode ser um instrumento imprescindível para a
transformação social e cultural dos indivíduos. Por isso a insistência na necessidade
de transformação da instituição, para que ela atue não com “transmissora” de
conhecimentos acumulados pela humanidade, mas que seja um espaço onde ocorra
uma relação comunicacional entre seus elementos, com base nos conhecimentos
acumulados, originários das múltiplas informações por estes recebidas,
possibilitando ao individuo a apropriação de conhecimentos e habilidades para uma
vida social mais participativa, mais digna.
Diante
disso,
o importante é a escola
e
a família
compreenderem
fenomenologicamente
os caminhos de estreitamento da relação entre elas, para perceber a dinâmica que envolve os
conflitos educacionais, as fragilidades na escola e a forma pela qual estas são afetadas por eles
(ORTEGA, 2003). Ao criar uma relação de empatia e comprometimento, escola e família
190
poderão juntas, buscar alternativas viáveis para solucionar os problemas existentes no
ambiente educativo e que interferem negativamente no processo de ensino-aprendizagem.
Para Abramovay (2006), Waiselfisz (1998) e outros pesquisadores do tema, são
diversos os fatores que influenciam negativamente o relacionamento entre família e escola.
Alguns são das interações sociais, outros são estimulados pela organização da escola e um
terceiro pela própria estrutura da sociedade.
As observações e entrevistas apontam que a escola quanto a família possui não apenas
a obrigação moral de trabalhar na redução do bullying, mas de assegurar um ambiente
adequado e seguro ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, ético e social da
criança conforme prescrito no Art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Fante (2005, p. 92) tem plena consciência que “sensibilizar e envolver toda a
comunidade escolar na luta pela redução do comportamento bullying torna-se tarefa
imprescindível, uma vez que o fenômeno é complexo, principalmente por manifestar-se de
maneira “velada” para garantir sua propagação através da lei do silêncio”. Ao considerar a
proliferação do fenômeno em nossas escolas, e na sociedade, não é mais possível ficar
insensível, encarando esses fatos como “brincadeiras”, pois já não é mais possível evitar os
resultados negativos de quem convive com o bullying (GUARESCHI, 2008). Frente à
complexidade do fenômeno, é necessário que os educadores intervenham efetivamente nas
relações entre estudantes, com o objetivo de cessar os comportamentos agressivos nas escolas.
Tratando-se o bullying de uma prática escolar e social complexa, seria interessante
considerar que família e escola são solos férteis para que ações participativas se consolidem
(ORTEGA, 2003). Na ausência deste diálogo, indiretamente, essas duas instituições podem
contribuir para o desenvolvimento e manutenção do bullying entre os educandos e entre estes
e educadores. As atividades e organizações do dia-a-dia escolar, os dias abertos e discursivos,
a explicação aos pais sobre os métodos de ensino e aprendizagem na escola, entre alternativas,
pode constituir ocasiões importantes para ultrapassarem os muros das instituições.
Pode-se concluir que, sem estabelecer um diálogo e sem superar a transferência de
responsabilidade de uma a outra esfera pelas falhas e fracassos na formação educacional, no
caráter e na personalidade de crianças e adolescentes, sem demonstrar o mesmo compromisso
com esse processo formativo, a parceria de fato não ocorre. Enquanto não se constituir um
diálogo entre todos os atores envolvidos nessa trama, inclusive o educando, é pouco provável
que essas duas instituições educativas consigam atingir a complementaridade na educação e
transformar com êxito a atual realidade da prática de bullying nas escolas.
191
Fica por isso demonstrado que o fortalecimento da comunidade educativa é o caminho
viável para orquestrar os conflitos na interação na escola, tanto entre estudantes quanto entre
família e escola. Esse diálogo entre toda a comunidade educativa poderá ser perpassado pelas
propostas da educação para a paz (GUIMARÃES, 2005; BUEY, 2000) e resgate de princípios
éticos como respeito, solidariedade, amizade, companheirismo e também pela compreensão
que é a alegria na escola que fortalece e estimula a alegria de viver, rompendo com o enfado
que tem configurado o viver na escola para muitos educandos, educadores e famílias
(FREIRE in SNYDERS, 1993).
Gadotti (2002) e Freire (1996) defendem ainda que crianças e adultos merecem uma
escola de qualidade, onde se sintam bem e possam descobrir o conhecimento e a solidariedade
junto a uma educação eficaz, eficiente, prazerosa e com um sentido profundo de bem estar.
Esta é a escola que queremos. Dessa forma, lutar pela paz, alegria, cidadania, dignidade
humana na escola é uma excelente maneira de lutar pela mudança no mundo e por uma
melhor qualidade de vida. Assim, podendo aliar esforços entre família, escola, comunidade,
conselho tutelar, psicólogos e Secretarias de Educação, é provável que, juntos, possam ser
mais eficientes quanto ao oferecimento de estratégias de apoio aos estudantes, como também
de promoção para uma cultura sem violência nas escolas.
O que quis mostrar neste capítulo, considerando o tema de grande amplitude e
complexidade, é que a menor ou maior compreensão da família sobre o bullying possui uma
enorme influência sobre sua contribuição na redução do fenômeno tanto no espaço educativo
quanto em outros âmbitos sociais, sobretudo no núcleo familiar. Estou convencida de que sua
contribuição é de extrema importância na promoção de um ambiente sadio e agradável que
estimule o respeito, o resgate da vida e da solidariedade.
O que passo a discutir, no capítulo seguinte, Palavras finais, é a importância de
implementar concretamente a educação para a paz, o resgate dos valores éticos como justiça,
dignidade, respeito, moralidade nas escolas, em particular nas salas de aula, a partir das
reflexões feitas neste capítulo e no anterior. Quero clarear melhor a idéia de criar em
conjunto, escola, família, estudantes, sociedade, um clima escolar forte, contagiante que
promova o respeito, a paz, a apreciação, a amizade e a solidariedade com o intento de
possibilitar competências para orquestrar os conflitos na interação e reduzir o desrespeito
entre os estudantes e os educadores.
192
PALAVRAS FINAIS: Educação para uma cultura de paz nas escolas
O primeiro princípio da ação não-violenta é a não-cooperação
com tudo que é humilhante
Mahatma Gandhi
Esta pesquisa demonstrou a possibilidade de existência de naturalização e despreparo
dos profissionais da educação das escolas e órgãos ligados a ela e, consequentemente, das
próprias famílias, para as consequências maléficas à saúde física, mental e social dos
envolvidos nas práticas do bullying. Essa naturalização e despreparo inibem a efetivação de
atividades e projetos a favor do combate e prevenção à discriminação, a fim de potencializar
as relações sociais, diminuindo as diferenças entre os vários atores sociais participantes deste
processo denominado Educação. Isso porque a escola, visto que seu público alvo é composto
por crianças, adolescentes e jovens, deveria promover as relações sociais entre seus membros,
quer docentes, funcionários e estudantes, como define Fante (2005, p. 93): “A escola deve
estimular o ensino e o desenvolvimento de atitudes que valorizem a prática da tolerância e da
solidariedade entre os alunos. O diálogo, o respeito e as relações de cooperação precisam ser
valorizados e assumidos por todos os envolvidos no processo educacional”.
Tratar cultura de paz na escola, como um novo paradigma, significa compreendê-la
como uma alternativa de enfrentamento das várias formas de violência que têm atingido de
maneira implacável o cotidiano escolar. A proposta pedagógica da educação para a paz
revela-se, nesse contexto, uma ação educativa voltada a nortear o conteúdo das práticas
educacionais, no sentido de fomentar a formação de gerações guiadas por valores como
dignidade, respeito, tolerância, ética e solidariedade. É mudança de mentalidade, é a
renovação de nossos paradigmas civilizatórios que possibilitará a convivência com o outro.
Nesse cenário, o debate sobre a cultura de paz emerge como um novo paradigma que
permite analisar fenomenologicamente a questão da violência e do bullying por um prisma
muito mais amplo e abrangente. Tal paradigma leva a reconhecer que a paz precisa ser
construída em diversas dimensões - a interna e pessoal, a interpessoal, a societal e a
planetária. Essas dimensões são complementares, devem ser reconhecidas em conjunto. A
educação para paz, concebida como um campo riquíssimo de experiências sociais e
estratégias pedagógicas pode ser aplicado nas famílias, escolas, empresas, asilos resultando na
prevenção da violência, sobretudo do bullying. Fante, fundamentada em documentos da ONU
afirma que o respeito e a solidariedade são elementos essenciais para a construção da paz:
193
Se a violência é um comportamento que se aprende nas interações sociais, também
existem maneiras de ensinar comportamentos não violentos para que se possa lidar
com as frustrações e com a raiva, e ensinar habilidades para que os conflitos
interpessoais
possam
ser
solucionados
por
meios
pacíficos.
Portanto,
a violência pode
ser desaprendida e a tolerância e a solidariedade ensinadas (FANTE, 2005, p.93).
Portanto, pensar a escola sob o ponto de vista da diversidade é afirmar a possibilidade
de uma escola que ofereça meios de desenvolver as relações sociais, garantindo a
permanência de seus educandos em seu espaço. Significa também considerar que ela é lugar
onde se desenvolvem as habilidades cognitivas, se ensina dando limites às ações em grupo,
oferecendo normas para boa convivência, e ao mesmo tempo criando oportunidades a seus
estudantes para a sadia socialização secundária. É ainda olhar a escola como possibilidade de
exercitar as contradições que vivenciamos em nossa realidade social, no sentido de buscar sua
superação. Acima de tudo, a escola é um verdadeiro lugar de vida e de produção, onde se faz
a aprendizagem da democracia pela participação cooperativa, por isso deve ser um espaço
contagiante (SNYDERS, 1993).
O cenário escolar, assim, passa a ser espaço privilegiado para as interações sociais.
Essas interações resultam em trocas materiais e simbólicas, criando as condições necessárias
para que os processos sociais encontrem sua expressividade. O espaço de interação oferecido
pela escola produz um amplo universo simbólico, instigando configurações de sentidos e
significados, permitindo, a constituição da subjetividade e a construção das identidades. Nesse
sentido, concordo com Costantini:
A escola, como qualquer outro lugar frequentado por jovens e adultos, tem a
obrigação de ter como objetivo prioritário a promoção de um contexto que seja
satisfatório desse ponto de vista, aberto ao amadurecimento do grupo, ao
desenvolvimento de relações positivas entre os adolescentes, suficiente para
construir um sentido, um peso e um significado, em termos de amizade, ajuda e
solidariedade, reconhecíveis por todos os seus componentes. Ou seja, contextos em
que se promovam as habilidades cognitivas, emocionais e sociais, benéficas ao
desenvolvimento da pessoa. Contextos entendidos também como sistemas
organizados, na medida do adolescente, em que seja possível modificarem-se
lugares, tempos e espaços para melhorar e tornar mais agradável o convívio, para
estimular o confronto com as capacidades criativas dos estudantes, para promover as
iniciativas pessoais e de grupo e nos quais se possam pôr à prova as funções
relacionais voltadas ao estímulo do engajamento pessoal, à empatia, à colaboração e
à responsabilidade (COSTANTINI, 2004, p. 78 e 79).
As observações registram que, no interior da escola, por ser um espaço eminentemente
interacional, a convivência entre os colegas quanto entre estudantes e professores não tem
contemplado a ideia de comunidade, visto que, durante as entrevistas, as falas apontaram para
atitudes que anulam o outro, manifestas por meio das rias formas de violência, quer física
194
ou verbal. Isso revela que o outro é visto como estranho, quando não, ameaçador, impedindo
a noção de partilha de ideais, de proteção e autopreservação da personalidade humana do
outro e de si próprio. Esta multiplicidade de situações e conteúdos educativos que vem
ocorrendo no ambiente escolar pode e deve ser potencializada. Em relação ao bullying, pode
se perceber que as atitudes agressivas não manifestam a partir de um motivo justo, adotado
por um ou mais estudantes contra outro(s), causando sofrimento às suas vítimas. Esse
fenômeno está se tornando cada vez mais frequente nas escolas, e talvez os próprios pais e
educadores não estejam percebendo a real gravidade do problema, e não entendem a maneira
mais apropriada de resolver essa situação no espaço escolar.
O farto material recolhido no chão da pesquisa possibilitou perceber que há um
envolvimento maior dos meninos nas redes das agressões do que das meninas, seja como
vítimas, seja como agressores, o que converge com outros estudos realizados em diferentes
países. O uso da força física pelo agressor aparece frequentemente na definição de situações
conflituosas. Mesmo assim, os atos desses estudantes não se constituem como
comportamentos delinquentes, estando mais próximos de um tipo de sociabilidade agressiva
potencializada por diversas circunstâncias da organização escolar e extraescolar.
De acordo com Costantini (2004), esse fenômeno, para suas vítimas, tem
consequências a curto e a longo prazos: ansiedade, ausência de autoestima, depressão e
transtorno comportamental, a ponto de abandonar a escola e, como as pesquisas revelam, nos
casos mais graves e para os indivíduos mais fracos, pode haver também maior probabilidade
de risco de suicídio, concernente ao dado fisiológico ligado à adolescência.
Nesse sentido, penso ser importante que toda a comunidade educativa das escolas
reflita mais amplamente a respeito dos significados e significantes da forma como a escola se
organiza e funciona atualmente para, assim, ter condições de apreender essas tensões, disputas
e violências que constantemente se manifestam dentro dela. Os membros do corpo técnico-
pedagógico, em especial, os professores, penso ser imperioso repensar o seu papel, a sua
função nos processos educativos, colocando-se não apenas como fiscais da discutível
qualidade de ensino, mas como transformadores de realidades e impulsionadores de novos
paradigmas da educação. Na visão de Ubiratan D’ambrósio (2008, p. 92), “uma chance de
construir um mundo sem violência está na mão dos professores - eles podem criar condições
para gerações e culturas diferentes dialogarem”.
Não resta dúvida que a escola, ao incluir em sua prática pedagógica a pessoa integral,
o que ela sente e o que pensa, estará de fato oferecendo espaço à transdisciplinaridade, e
assumindo seu papel fundamental na educação para a paz. Dessa forma, contribuirá para a
195
redução da violência, sobretudo, o bullying, que, segundo Fante (2005, p. 61), “é o
responsável pelo estabelecimento de um clima de medo e perplexidade em torno das vítimas,
bem como dos demais membros da comunidade educativa que, indiretamente, se envolvem no
fenômeno sem saber o que fazer”. Nesse sentido, entendo que as propostas de mediação dos
conflitos precisam ter na educação o seu principal veículo (D’AMBRÓSIO, 2008.). Para que
isso ocorra, acredito que as mediações devem promover a convivência pacífica, iniciando pela
escola e se expandindo para toda a sociedade.
Por outro lado, observa-se que o crescimento das formas de violência na sociedade, de
modo geral, tende a se reproduzir também dentro do ambiente escolar. No seu interior, em
contato com sua organização e modo de funcionamento cotidiano, é gerada uma série de
práticas violentas. Isso fica claro quando se observa que os agentes de agressões agem mais
dentro e perto da escola do que na rua.
Muitos fatores têm contribuído para a deterioração da imagem social das instituições
educativas, entre elas, a escola. Compreende-se que a violência é resultante de inúmeros
fatores, tanto externos como internos à escola, caracterizados pelos diferentes tipos de
interações sociais, familiares e sócio-educacionais e pelas expressões comportamentais
agressivas manifestas nas relações interpessoais. Dentre os fatores externos, conforme
procurei descrever quando foram abordadas as causas da bullying, destaquei o agravamento
das relações familiares, as exclusões sociais, os raciais e de gênero, a perda de referencial
entre os jovens e a perda de espaços de sociabilidade. Nesse aspecto, foi enfatizado que os
grandes problemas da sociedade atual favorecem o surgimento de um ambiente de
agressividade, delinquência e violências. Procurei ainda demonstrar que algumas das causas
da violência no ambiente escolar podem estar associadas às vivências do estudante no espaço
extraescolar, ao desemprego, que causa a exclusão do ser humano em todos os níveis sociais e
ao tipo de convivência que ele estabelece no seu cotidiano.
Pode ser constatado através das observações, entrevistas e relatos das histórias de vida,
que os meios de comunicação, em especial o televisivo, exercem uma grande influência na
forma de agir e se relacionar do estudante com seu ambiente, enquanto formadores de
consciência e orientadores de condutas e padrões sociais. Nesse sentido, pode se supor que
muitos comportamentos violentos e agressivos que determinado estudante possa apresentar na
escola podem ter sua origem, dentre outros fatores, nos seus espaços de convivência diária
fora dos estabelecimentos de ensino. O estudante, ao chegar à escola, traz consigo uma
bagagem de conhecimento, de vivências, práticas e costumes e pode reproduzir
comportamentos nesse espaço.
196
Dentro desse quadro, é visível que as expectativas dos estudantes para com a escola
vêm manifestando desencanto e desinteresse, resultados da situação social em que vivem bem
como da realidade de violência hoje presente nas escolas. Decorrentes dessa situação, foi
possível perceber nos estudantes muita angústia, desinteresse e até desencanto pela escola,
visto que não vislumbram, em alguns casos, possibilidades de cessação dos atos de bullying.
Essas percepções, associadas a outros fatores externos, conforme foi descrito, podem gerar
profunda ansiedade, angústia, depressão e violência dentro do ambiente escolar. Vale ressaltar
que as crianças autores ou alvos de bullying constituem um grupo numeroso e carecem de
atenção por parte dos atores da comunidade educativa. Esta tem como missão primordial
trabalhar a falta de comunicação que continua interrompida entre eles. Ao ser este elo, “[...] a
escola devolve a dignidade” (D’AMBROSIO, 2008, p. 94).
As observações realizadas nas escolas e as entrevistas possibilitam afirmar que os altos
índices da presença de bullying no ambiente escolar revelam que os comportamentos abusivos
e intimidatórios nesses locais estão colaborando para que muitos estudantes tenham medo de
ir à escola, adoeçam e se evadam dela. Durante as observações, ouvi relatos de colegas que,
na condição de espectadores, presenciaram atos de bullying e confirmaram a desistência do
colega após esses incidentes danosos.
Constatei também, através das observações e entrevistas, que os componentes do
corpo técnico-pedagógico, parecem não se empenharem de fato, não assumirem para si a
árdua missão de ajudar os estudantes a trilhar alternativas para orquestrar os conflitos de
forma significativa, a construir o sentido da convivência pacífica. Nesse sentido, enquanto
não assumem a responsabilidade de exigir dos estudantes que sejam protagonistas da
solidariedade e da paz, que despertem neles valores necessários à boa convivência, será que
estamos assumindo de fato o papel que cabe a nós, como educadores da Paz? Será que a
prática do bullying não estará sendo promovida nas relações entre estudantes, nas interações
professor-estudante, e produzida e reproduzida pela própria organização escolar?
Acredito ser necessário refletir ativamente com toda a comunidade educativa sobre os
resultados das investigações que abrangem seu campo de ação e estabelecer com ela um
verdadeiro diálogo. Dar-lhes, também, a possibilidade de construir os seus próprios
instrumentos de compreensão, interrogação do real e intervenção, enquanto instrumento de
modificação desse real permeado pela violência, em particular, as práticas de bullying.
Importa, ainda, lembrar que é necessário os educadores sensibilizarem criticamente
frente à problemática da violência e do bullying, para que juntos possam ser capazes de
definir e assumir um novo profissionalismo com sentido e ousadia, corresponder a tantos
197
papéis mutantes, situando-se diante das profundas mudanças operadas na escola e na
sociedade.
Enfrentar esse desafio pode ser difícil, mas é uma exigência moral, pois envolve o
cumprimento de seu papel. As exigências da função do professor mudaram muito, como
ocorreu em tantas outras profissões. Se o professor é vítima dessa lógica desumana e
excludente, também o são as famílias e os estudantes. Para se obter maior conscientização e
comprometimento dos familiares com seu papel educativo e formador, precisa-se hoje, mais
do que nunca, de uma escola ativa, participativa, dialógica e comprometida com o
desenvolvimento de um clima relacional positivo que contribua para “recuperar a dignidade
humana” (D’AMBROSIO, 2008, p. 94). Dessa forma, a escola poderá contribuir na promoção
da continuidade das relações e no respeito à essencialidade do outro.
Que as formas de violência cresceram, que a existência do bullying, que o trabalho
na sala de aula está difícil são fatos. É cada vez mais penoso conseguir despertar nos
estudantes o interesse e criar as mínimas condições de postura compatíveis com um processo
de ensino-aprendizagem. Contudo, nessa relação professor-estudante, é dos adultos que se
pode cobrar as possibilidades de enfrentamento desses novos desafios, incluindo o bullying.
Importa resgatar o papel do professor - insubstituível inclusive pelas mais modernas
tecnologias - de formador e mediador, que faz do ato educativo um caminho de libertação, de
conscientização e de humanização (FREIRE, 1996).
É importante agir precocemente contra o bullying, uma vez que quanto mais cedo o
fenômeno cessar, melhor será o resultado para todos os educandos. É necessário que as
instituições de ensino desenvolvam algumas estratégias preventivas para reduzir o mesmo. O
único caminho para combatê-lo é por meio da cooperação de todos os envolvidos:
professores, funcionários, estudantes e famílias na construção de contextos significativos que
valorizem a diversidade, a sociabilidade, as relações pacíficas.
Portanto, a paz tem que ser baseada na convivência entre diferentes. Não
aprendizagem sem convivência. Estamos muito longe de atingir esse raciocínio macro porque
ainda cada um pensa como indivíduo, no seu pequeno mundo, e esquece que a convivência é
extinta se não tiver o outro (D’AMBRÓSIO, 2008).
Nesse aspecto, os estudos de Buey (2000, p. 156), com base no pensamento de Kant
(1795-1796) sobre a paz perpétua, ajudam a compreender que “a perspectiva deve ser a paz
perpétua, porém a paz perpétua não equivale à passividade individual ou social, um dizer sim
as forças da violência”. Ao contrário, implica
198
A
resistência
ativa, porém
civil das
populações
à violência
e
à guerra.
Isto
é
a concreta
defesa da objeção de consciência, da insubmissão frente ao Estado, da desobediência
civil, da greve pacifica das massas, da greve de fome, das concentrações e
manifestações pacificas como meios alternativos (BUEY, 2000, p. 167).
Para o autor a instauração da paz requer, sobretudo “[...] a educação permanente da
cidadania e da paz” (Op. cit. p.167). Nesse contexto de autodestruição que ameaça a
humanidade, em que a “marcha do mundo é a marcha da guerra. Dos novos bárbaros! Da
força e do poder nu da opressão contra os povos pequenos” (PASSOS, 2004, p. 42), Gadamer
(2000, p. 25) insiste que a “solidariedade é o pressuposto básico, sobre o qual podemos
desenvolver, ainda que só lentamente, convicções comuns”.
Para isso, neste tempo de crise, de desestruturação familiar, social, econômica e
cultural, Santos (2001) considera que a educação deve encontrar fundamento no diálogo e no
respeito às diferenças, ou seja, na compreensão de que o outro independente de qualquer
situação deve ser considerado em sua integralidade e com suas peculiaridades. Este
compartilha uma condição de igualdade de ser livre, em interdependência com os demais,
conforme ressaltou Paulo Freire, ao receber o prêmio Educação para a Paz, da Unesco:
A paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz
se cria na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum
esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das
injustiças, o torna opaco e tenta miopisar’ as suas vítimas (FREIRE in GADOTTI,
2000, p.197).
Para o maior educador da utopia, a luta pela paz pressupõe uma confrontação justa e
crítica dos conflitos existentes, os quais provocam a intolerância e a falta de solidariedade.
Crer acima de tudo que o mundo não prescinde da guerra para ser mundo, que o ser humano
não é o ser da guerra, mas do amor, da afetividade, da esperança e da utopia. Falta-lhe apenas
a abertura para aprender com a diversidade e buscar uma sociedade que consiga alcançar uma
ética fundada no respeito às diferenças. Porém, isso significa conviver com elas e não se
isolar nos guetos multiculturais que não enfrentam os desafios de uma radicalidade
democrática para a convivência plena de direitos e de deveres.
Na “Pedagogia da Autonomia”, Freire defende que ética e educação precisam andar
juntas e, sua ética se insere na tradição universalista, na medida em que a prática educativa
depende de princípios inalienáveis como justiça, democracia e solidariedade.
Paulo Freire, ao construir uma prática educativa em que o diálogo com o outro é
essencial, dissemina uma prática de participação social de formação do sujeito para uma
199
cidadania democrática. A educação para Freire é uma educação para a liberdade e para a
responsabilidade política e social.
O pensamento de Freire traz em seu bojo uma perspectiva emancipatória, que pode
resultar em um agir e um pensar com um potencial transformador, não para dissolver os
problemas e mazelas sociais, bem como superar o atual modelo de educação, e repensar e
reagir os modelos sociais que não atendem às expectativas de libertação.
Na Declaração e Programa de ação sobre a Cultura de Paz (UNESCO), a Cultura da
Paz é definida como um “conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de
vida baseados no respeito à vida, ao fim da violência, à prática da nãoviolência por meio da
educação, diálogo e cooperação” (Unesco/1999). Funda-se no respeito aos direitos humanos,
à promoção de igualdade entre homens e mulheres e à liberdade de expressão, ao
compromisso de resolver pacificamente os conflitos, os esforços desenvolvidos para
responder às necessidades planetárias, a promoção do desenvolvimento dos povos.
No fortalecimento desse novo paradigma social, a cultura de Paz, não podem ficar fora
os quatro pilares estabelecidos por Jacques Delors (2004), em torno dos quais a educação
contemporânea deve se organizar para dar conta da árdua missão de educar para uma cultura
de paz e da nãoviolência: Aprender a ser, a conviver, a conhecer e a fazer.
Passos (2004) inspirando-se neste relatório de Delors amplia a reflexão, apresentando-
a sob matizes fenomenológicas merleaupontyanas (Merleau-Ponty). Faz uma analogia,
propositalmente, desejando mostrar uma circularidade mutuamente implicante presente nestes
conceitos. Chama a atenção e vale ressaltar que, Passos, por sua vez, apresenta a proposta de
articular, num projeto de Educação ambiental, dimensões antes separadas e ou absolutizadas,
o que inevitavelmente, conduziria a fragmentação da pessoa:
Nenhum deles pode terminar em si mesmo. E que, no dizer de Morin, estes âmbitos
dizem respeito a instâncias fundamentais do ser humano. Relaciono propositalmente
estas dimensões ontológicas, com os âmbitos em que se desdobra o filosofar:
epistemologia; axiologia; praxiologia. Relaciono o compreender fenomenológico -
apontado por Delors - com o conhecer analítico; o perceber humanizado com o
sentir estésico; viver juntos comungante com o cuidar corresponsável e amoroso; o
fazer
humano,
menos como reprodução,
do
que
como
criação
(PASSOS,
2004,
p.
42).
Como se observa, Passos reconhece que a educação implica em um esforço com vistas
a conferir aos seres humanos ou ajudá-los a adquirir as qualidades, competências, disposições,
necessárias para superar a “condição histórica e política de alienação e de bloqueio à
personalização e o seqüestro à cidadania esmerilhando processos solidários e coletivos”
(Ibidem) imposta pelo capitalismo.
200
Em seu texto, ele procurou mostrar que a meta a ser conquistada com urgência não
está dada de antemão, não é apenas algo a ser obtido ou fim do percurso, mas sim, a ser
construído no decorrer de todo o processo. Nesse sentido, a preocupação do filósofo é clarear
sobre a contribuição perene de cada um nesse processo de transformação social. Desse modo,
,conforme Passos, a meta pressupõe,
Luta política, organização, boicote e pressão. Até porque, a cultura, sobretudo a
escolar, solta a si mesma, já está de antemão em afinação com processos
destemporalizadores e com o monótono e repetitivo canto do cisne de fim da
história! Uma educação para a Vida é, sobretudo, projeto; ou dito de maneira radical
e filosófica, ela ainda não-é, está em condição de se-estar-fazendo (In fieri). Os
caminhos de realização desta soldagem e com-junção estão abalados tanto em sua
dimensão cultural, econômica e social, quanto do ponto de concepção e da
espiritualidade do indivíduo (PASSOS, 2004, p.42).
A escola deve se um espaço em que prevaleçam ações estabelecidas
comunicativamente. Já se reconhece que pode ser fecundo, em longo prazo, agir
comunicativamente isto é, criar laços de cooperação e solidariedade entre os indivíduos, evitar
o isolamento e inércia deles diante desses sub-sistemas (BOUFLEUER apud HABERMAS,
2001; FREIRE, 1996) . Em outras palavras, promover uma esfera pública que um dia possa
efetivamente influenciar nas decisões político-econômicas.
Possibilidades
A prevenção do bullying nas instituições educativas, entre elas a escola, conforme
sublinhado por Gadamer (2000), supõe solidariedade, respeito à dignidade e edificação da
paz. Para isso, Sarmento (2002) sustenta que é preciso proteção ao invés de punição. Proteção
que não seja sinônimo de intervenção paternalista ou de assistencialismo inócuo, politiqueiro
e midiático. A redução do fenômeno requer a constituição de uma comunidade educativa
ciente do significado de sua ação, exercida ou omitida, no processo civilizatório.
Para Costantini (2004), o bullying, por se tratar de um fenômeno que coloca em
evidência as relações e as dinâmicas entre os estudantes, deve ser enfrentado, na sala de aula,
com uma metodologia que leve em conta a necessidade e a importância das competências
sociais. Essa metodologia deve permitir também o desenvolvimento nos jovens de relações
mais positivas e significativas, bem como o favorecimento da participação emotiva, educação
para a autonomia e responsabilidade, aumento de autoestima, confiança nos outros e
potencialidades do grupo. “O bem-estar individual e um ambiente escolar positivo podem
201
produzir efeitos benéficos para os jovens também nas relações familiares e em outros
contextos relacionais como no grupo de amigos” (COSTANTINI, 2004, p. 84).
O grande desafio posto por essa proposta formativa é o “conhecimento de causa” para
que a nossa ação não seja punitiva, moralmente errônea e improvisada, pautando as
intervenções principalmente em atitudes comum que não favorecem mudanças de atitudes e
condutas. Devemos ter razões suficientes para garantir a paz e não responder tragicamente “a
violência com a violência” (BUEY, 2000, p. 167).
O compromisso da educação é com a desbarbarização, é transformar-se num processo
emancipatório, no qual ocorra uma luta sistemática pela autonomia, pela emancipação
(SEVERINO, 2006; ADORNO; 1995). E sua única ferramenta é o esclarecimento que se
constitui como passagem do inconsciente para o consciente, do não ciente para o ciente, do
pseudociente para o ciente. O esclarecimento ilumina e elimina.
Esta responsabilidade nos impele como educadores no contexto específico da escola a
lutar coletivamente por um ambiente educativo com condições adequadas para desenvolver de
forma significativa o ensino-aprendizagem. Necessita-se de uma escola que não se preocupe
somente com um rol de conteúdos a serem repassados, mas que tenha uma proposta
pedagógica flexível que possibilite a criação, re-criação, construção e desconstrução de
conhecimentos e habilidades; que seja adequada à realidade e aos tempos de cada estudante e
incentive os professores a ousar e a se superar.
A construção de contextos significativos implica romper com paradigmas
educacionais, os quais colocam o foco no processo de ensino e não no de aprendizagem.
Implica desafiar a linearidade e a fragmentação de propostas pedagógicas disciplinadoras,
engessadas por programas ditados de cima para baixo quanto pelos livros didáticos
castradores. Esta demanda ainda a reorganização de tempos e espaços escolares,
tradicionalmente cristalizados pelas matrizes curriculares. Não se trata apenas de renovar as
atividades pedagógicas tornando-as mais criativas, mas de repensar a própria prática
pedagógica (FREIRE, 1996).
Nesse sentido, educar seres humanos para a paz é promover a constituição de
contextos educativos que favoreçam uma convivência saudável. Se quisermos pessoas que
tenham um sentido para a vida, é preciso que a educação não se descuide de sua própria
função: permitir o conflito e, a partir dele, possibilitar que diferentes caminhos sejam
encontrados, diferentes soluções sejam propostas, diferentes sentimentos sejam expressos.
Um exemplo de ações que a escola pode realizar é o debate sobre os problemas
sociais, econômicos, políticos, culturais e morais que afligem a humanidade. Quando
202
proporcionamos momentos em sala de aula em que as crianças podem pensar sobre a falta das
virtudes ou as situações de violência, contrárias à paz, estamos oferecendo-lhes oportunidades
de evoluírem em seus juízos e quem sabe, em suas ações.
Se quisermos ter um sentido para a vida, o sentido da escola precisa ser também o de
quem dela participa: é preciso procurar, incessantemente, compreender a importância da
participação efetiva dos estudantes no planejamento das ações cotidianas da escola e na
avaliação das mesmas ões, também realizadas pelos estudantes e ainda na consolidação das
assembleias que podem, além de contribuir para o “sentido da vida”, fortalecer o “sentimento
de pertencimento” que faz mais do que ver o que nos diferencia, ver o que nos une.
Quando promovemos em ambientes escolares a possibilidade de pensar no que nos
une, nos problemas e nas formas que podem resolver, podemos contribuir para que o grupo se
fortaleça e que diminuam as necessidades de ser melhor ou pior que os outros.
O fracasso de muitos projetos educacionais está no fato de desvalorizar a participação
dos educandos, concebendo-o como receptor de conhecimento dado, imposto, favorecendo
relações de poder quanto de violência. Costumeiramente temos ouvido professores exaustos
por vivenciar situações de desentendimento, menosprezo, maltratos e atos bullying entre os
estudantes, quando as diferenças entre eles são acentuadas.
Sem dúvida, nesse caminho, a educação, considerada como um dos maiores
instrumentos de empoderamento (FREIRE, 1986), estará assumindo seu espaço de formação
integral do educando, aprofundando o seu processo de humanização. Para isso é indispensável
garantir o acesso a uma educação de qualidade, pluralista e emancipatória, entendida como
aquela que, muito mais que
possibilitar a formação acadêmica,
científica,
cultural
e humanista,
estimula a curiosidade, a criatividade e a busca por aperfeiçoamento para todas as pessoas.
Certamente o combate ou a prevenção do fenômeno bullying na escola quanto em
outras instituições sociais faz-se necessário que estas instituições sejam espaços significativos
de aprendizagens. Mais que modificar atividades é preciso mudar a maneira de compreender e
construir o processo ensino/aprendizagem, realizando uma revolução pedagógica, por meio
da presença e ação significativas dos sujeitos que constituem a instituição escolar.
Percebe-se, portanto, a importância de conceber a escola não é como espaço físico,
uma estrutura. Mas percebê-la acima de tudo como um modo de ser, de ver, de conviver, de
relacionar-se. Ela se define pelas relações sociais que constrói em seu interior e exterior. Sua
sobrevivência como instituição do saber está em valorizar o que lhe é próprio numa sociedade
de redes e de movimentos como vivemos hoje. A escola pode contribuir de forma
significativa no despertar de pessoas éticas, solidárias e sedentas de mudança social. Ela está
203
intimamente ligada com a sociedade que a mantém, sendo, ao mesmo tempo, fator e produto
da sociedade. Como instituição social, ela depende da sociedade e, para mudar-se, depende
também da relação que mantém com outras escolas, com as famílias, realizando em rede com
elas, estabelecendo alianças com a sociedade, com a população.
Portanto, compreende-se que é dever da escola e da família oferecer meios de
desenvolver as relações sociais, valores humanos duradouros, satisfazendo as habilidades
cognitivas, oferecendo normas para boa convivência e, ao mesmo tempo, criando
oportunidades a seus estudantes/filhos para a sadia socialização secundária. Porém, não se
propõe a criação de um sistema educacional milagroso e deixar a responsabilidade nas mãos
apenas dos professores, pois a solução desse problema ou pelo menos a sua minimização
necessita do desenvolvimento de um sistema resultante de um conjunto de esforços
envolvendo famílias, estudantes, professores, funcionários, gestores e toda a comunidade do
entorno escolar.
Por fim, e sem querer significar fechamento, quero considerar, que de alguma maneira,
precisamos aprender que a paz e a solidariedade estão em nossas mãos: a sociedade
emancipada, democrática e igualitária depende de nós! Cabe a cada um de nós cuidar da vida,
em seu aspecto pessoal, social e planetário.
Quero finalizar, desejando que todos nós, educadores, pesquisadores, famílias e
comunidade trilhemos caminhos que possibilitem a disseminação de atitudes de paz e
solidariedade, e que tenhamos sucesso nessa árdua empreitada.
Vale lembrar para todos os educadores escolares e famílias o que escreveu Dom Bosco
sobre o respeito e a convivência:
Nunca castigos penais, nunca palavras humilhantes, nunca repreensões
severas em presença de outrem. Mas nas salas se faça ouvir as palavras
com doçura, caridade e paciência. Nunca expressões mordazes, nunca
um tapa, nem forte nem fraco sequer. Não se utilizem de castigos
negativos e sempre de modo que aqueles que forem avisados tornem-se
nossos amigos mais do que antes e nunca se afastem aviltados de nós.
Cada pessoa seja amiga de todos: nunca procure tirar vingança, perdoe
facilmente e nunca traga à tona coisas perdoadas uma vez [...] A
doçura no modo de falar, de agir, de avisar conquista tudo e todos
(AZZI, 1983, p. 103).
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215
ANEXOS
216
ANEXO 1
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1. Você já viu na sua escola algum colega seu colocar apelidos, bater em alguém ou provocar
brigas? Conte-me como foi:
2. Você tem apelido? Como é seu apelido? Como você se sente quando é chamado assim?
3. Você foi xingado, ameaçado ou batido na escola? Você tem medo de ser agredido? Por
quê?
4. Você já brigou na escola? Tem algum colega na escola que você não gosta? Por quê?
5. Como você se sente quando é maltratado por um colega? Você se sente triste, chateado?
6. O que você sente quando xinga ou bate em algum de seus colegas? Não se arrepende de
brigar ou bater em seus companheiros?
7. Aqui nessa escola acontecem muitas brigas? Já brigaram com você? Qual o motivo da
briga? E hoje, vocês são amigos ou ainda continuam brigando?
8. Você contou para seus pais, para algum professor/a que brigou com os seus colegas?
contou para algum amigo que alguém brigou com você? Ou que você brigou com
alguém?
9. Algum colega quebrou algum material seu ou pegou sem o seu consentimento? O que
você fez?
10. Todos os alunos da escola são agredidos ou somente alguns? Quais colegas são mais
agredidos? Os gordinhos, os feios, os negros? Os que possuem algum tipo de deficiência
física ou na fala?
11. Você gosta de ir à escola? Por quê?
12. O que você menos gosta na escola? Por quê?
13. Você já inventou estar doente por medo de vir à escola, por quê?
14. Você já pensou em parar de estudar por medo de ir à escola? Por quê?
15. Quais são os espaços da escola que você mais gosta? Por quê?
217
16. O que você mais gosta de fazer na hora do recreio? O que você menos gosta?
17. Em que momentos mais acontecem as brigas? Na entrada? Na saída? No recreio? Dentro
da sala de aula? Nos banheiros? No pátio? Na quadra de esportes?
18. O que o diretor, os professores e funcionários fazem quando acontecem as brigas?
19. Você gosta de seus professores? Por quê?
20. Tem algum professor ou professora que você não gosta? Por quê? (Conforme a resposta:
perguntar: Será que ela já bateu em mais alguém, puxou orelha, cabelo? Xingou? Jogou
apagador?
21. Qual foi a confusão mais séria que você se envolveu? Me conta [...] machucou ou feriu
alguém?
Roteiro para entrevistar os professores, direção, coordenação, funcionários
1. Existem violências nessa escola? De que tipo? Vem da parte de quem?
2. Quais são os motivos principais que levam a esses comportamentos violentos?
3. Os agressores andam sozinho ou em grupo?
4. Você acredita que a violência do aluno/a tem alguma relação com o contexto da família?
5. Você foi ameaçado, humilhado ou xingado na escola? Como você reagiu e reage frente
às situações de violência?
6. Quando as brigas ocorrem na escola, como os pais reagem?
7. Quais são as medidas tomadas pela escola para inibir e evitar a violência?
Roteiro de observação da pesquisa – Bullying no ambiente escolar
Entrada e saída da escola
Nos corredores
No pátio
Nas salas de aula
Nos relacionamentos com os professores
Nos relacionamentos entre si
Nos banheiros
Na quadra de esportes
Nos bebedouros
Nos eventos realizados no espaço escolar
No espaço familiar
No bairro onde mora
218
ANEXO 2
Solicitação de autorização para a pesquisa junto às Escolas
Cuiabá, 27 de janeiro de 2009
Pelo presente, solicito à Secretaria Municipal e Secretaria Estadual de Educação de Mato
Grosso, autorização para realizar o projeto de pesquisa, BULLYING: PRECONCEITO,
ESTIGMAS E DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA A PAZ, aprovado pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação/PPGE, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Linha de
Pesquisa Movimentos Sociais e Educação, com a finalidade de pesquisar nas escolas dessas
Redes de ensino.
Tal autorização é requerida por lei, em caso de menores, para que os depoimentos orais
possam ser utilizados em cessão de direitos. Comprometo-me, preservar o anonimato dos
participantes da pesquisa e após a mesma divulgar as percepções encontradas.
A duração do Projeto será de um ano tendo como público alvo, toda a comunidade educativa:
gestores, professores, estudantes, funcionários e famílias. As Escolas a serem visitadas
seguem em anexo.
Esperamos contar com a atenção e com o apoio da comunidade educativa escolar e de todos
os pais para este importante trabalho sobre tema de maior relevância para a escola e para a
sociedade em geral, contribuindo para um futuro melhor para todos.
Colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Requerente: Neura Cezar
Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso
219
AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAR A PESQUISA
A Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Estadual de Educação de Mato
Grosso/SEDUC, por meio dos gestores/as das escolas solicitadas, acolhem e autorizam o
atendimento do Projeto sobre Violência e Bullying na Escola, conforme possibilidade e tempo
das mesmas. Da mesma forma autorizamos a pesquisadora a ouvir os participantes da
pesquisa e publicar os direitos autorais relativos ao material colhido no período de um ano,
que poderá ser usado integralmente ou em partes, citações, sem restrições de prazo, desde que
preservado o anonimato dos cedentes, ficando o controle e a guarda do material sob a
responsabilidade da pesquisadora.
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