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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
VIVIAN CHRISTINA SILVEIRA FERNANDEZ DIAS
ALGUNS IMPACTOS DA SOBERANIA E DA GLOBALIZÃO
SOBRE OS MIGRANTES E SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO
São Paulo
2010
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
VIVIAN CHRISTINA SILVEIRA FERNANDEZ DIAS
ALGUNS IMPACTOS DA SOBERANIA E DA
GLOBALIZAÇÃO SOBRE OS MIGRANTES E SUAS
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação stricto sensu da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Direito Político e
Econômico.
Orientadora: Profª. Drª. Patrícia Tuma
Martins Bertolin
SÃO PAULO
2010
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D541a DIAS, Vivian Christina Silveira Fernandez.
Alguns impactos da soberania e da globalização sobre os
migrantes e suas condições de trabalho / Vivian Christina
Silveira Fernandez Dias – 2010.
Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 74-79.
1. Direitos humanos. 2. Trabalhadores. 3. Soberania.
4. Globalização. 5. Organizações internacionais. 6. Bolivianos.
I. Título.
CDD 341.12191
15
0
f. ; 30 cm.
VIVIAN CHRISTINA SILVEIRA FERNANDEZ DIAS
ALGUNS IMPACTOS DA SOBERANIA E DA
GLOBALIZAÇÃO SOBRE OS MIGRANTES E SUAS
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação stricto sensu da
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Direito Político e
Econômico.
Banca realizada em: ____/____/____.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Patrícia Tuma Martins Bertolin - Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dedico este pequeno trabalho a todos
aqueles que tiveram de deixar algo para
trás seja esse “algo”, seu país, pessoas
ou sentimentos em busca da realização
de um sonho.
Agradecimentos
Agradeço a CAPES/Mackenzie pelo incentivo e apoio financeiro, fundamental para o
desenvolvimento deste trabalho.
Ao secretário da Pós Graduação em Direito, Renato Santiago, por toda a simpatia e
disposição em atender os discentes aflitos. Foram dois anos de uma convivência
preciosa. Além disso, obrigada por toda ajuda com os formulários!
Não poderia esquecer as queridas amigas Alessandra Benedito, Júlia Porto e
Eugênia Pickina, ajuda tão presente nos primeiros passos, quando muitas coisas
ainda não faziam muito sentido. Também, a amiga Aline Freitas, que com muita
paciência e amor me ajudou até os últimos minutos com dicas valiosas. Obrigada,
queridas, vocês têm morada no meu coração!
Ao Prof. Antônio Sérgio, pelas preciosas críticas por ocasião da banca de
qualificação.
Sem palavras para o apoio incondicional da orientadora e amiga, Profa. Patrícia
Bertolin, que, sempre, com muito afeto, soube ver em uma pequena ideia a
possibilidade de uma dissertação. Por todos os dias que estivemos juntas na sala de
pesquisa do Ed. João Calvino, pelas experiências transmitidas e por todo o carinho
sempre dispensado, só tenho gratidão.
Ao Querido Prof. Hélcio Ribeiro, uma fantástica descoberta de amizade! Agradeço
por todo o incentivo e palavras de apoio, pela co-orientação (autorizada) e por
confiar em mim como escritora e colega. Obrigada por me mostrar o lado humano da
academia e uma possibilidade nova de rumos a seguir.
Agradeço de todo o coração, também, à minha família! Aos meus pais, Eliseu e
Damaris, que tornaram esse sonho possível e sempre me incentivaram a seguir a
carreira acadêmica, mesmo quando eu achei que nunca conseguiria. À minha irmã,
Carol, por todos os momentos de descontração, risadas e alegrias compartilhadas,
tão fundamentais para arejar o espírito, meus sinceros carinhos.
Ao meu Querido Joel, agradeço, por entender que a produção acadêmica pode ser
às vezes solitária e, me apoiar mesmo assim. Por se interessar pelo tema e tentar,
de todas as formas, me incentivar, sempre. Te amo profundamente.
A todos que contribuíram, de alguma forma, direta ou indiretamente, obrigada!
Por último, mas acima de tudo e de forma incondicional, agradeço a Deus! Por tudo
que Ele é e o que tem feito por mim.
Fronteiras do Mundo
Quando chegará o dia
em que as nações soberanas
sem medos nem desconfianças
abolirão as aduanas?
E ao descermos do avião
venham apertar nossa mão
e com gentilezas infindas
apresentem boas-vindas
e logo ao lado a carreta
pra levar nossa maleta?
Porque, ao saltar em terra,
há um ritual que nos aterra?
Chegar já é um castigo
nos tratam como inimigo
se a terra toda é de Deus
quem serão os donos seus?
E só o pobre é estrangeiro,
mais do que isso, é migrante
quem traz no bolso dinheiro
tem honras de visitante
falar só é proibido
para o migrante sem posses
se o milionário vier
pode falar o que quer
se expulsa o estrangeiro pobre
por aquilo que ele diz
mas o rico chega e compra
a metade do país
se Deus fez o mundo inteiro
porque serei estrangeiro?
(...)
Ápio Campos
Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminho se não fora
A mágica presença das estrelas.
Mario Quintana
6
Resumo
A migração, nos últimos anos, tem se tornado mais do que apenas uma remota
possibilidade face aos desafios de sobrevivência enfrentados pelos inúmeros
trabalhadores espalhados pelo mundo, majoritariamente vivendo em países
subdesenvolvidos, o que pode ser considerado um reflexo da globalização.
Atualmente, a migração se traduz na real oportunidade de melhores condições de
vida para essas pessoas. Nesse contexto, a exploração de uma mão-de-obra não
regulamentada de forma adequada favorece o aumento das desigualdades. Por
conta de políticas econômicas adotadas, o que se tem atualmente é a necessidade
de atingir metas que exigem um esforço quase sobre-humano dos trabalhadores, a
fim de produzir cada vez mais ao menor custo. As Organizações Internacionais têm
se mobilizado a fim de que os países possam combater esse mal por meio da
adoção de Convenções e outros documentos internacionais relacionados com o
tema. No entanto, a falta de obrigatoriedade no acolhimento das decisões dessas
instituições supranacionais, tem se traduzido em um freio à plena concretização dos
Direitos Humanos. Em nome da soberania, Estados se esquivam do cumprimento de
determinações, bem como da ratificação de normativas internacionais. Assim, o
exemplo tomado neste trabalho foram os bolivianos que desembarcam em São
Paulo. Não por mero acaso, mas por agruparem todas as evidências de um sistema
que causa segregação e, poucas vezes, cumpre a promessa de um trabalho
decente.
Palavras-chave: Soberania. Globalização. Direitos Humanos. Trabalhadores.
Organizações Internacionais. Bolivianos.
Abstract
In recent years, migration has become more than just a far possibility towards the
survival challenges faced by countless workers spread around the world, mostly living
in developing countries, which can be considered a reflex of globalization. Nowadays,
migration is seen as a real opportunity for these people to live better. In this context,
the exploitation of this labour force, that it is not properly regulated, promotes the
growth of inequality. Due to the adopted economic policies, the necessity of
achieving the established goals demands a superhuman effort from workers, the aim
is to produce more at a minimum cost. International Organizations have been into a
mobilization to enable countries to combat this problem through the adoption of
Conventions ant other international documents relates to the subject. However, the
absence of obligation in obeying the decisions of this supranational institutions, has
been being a break into fulfill the human rights. In the name of sovereignty, States has
been evading of the compliance on determinations, and ratification of international
instruments. The example used in this dissertation was Bolivians workers landing in Sao
Paulo. The choice was not by accident, once this people gather all the evidences of a
system that causes segregation and, rarely, fulfill the promise of a decent job.
Keywords: Sovereignty. Globalization. Human Rights. Workers. International
Organizations. Bolivians.
Sumário
Introdução................................................................................................................... 9
1 Soberania, Globalização e Direitos Humanos ....................................................... 17
1.1 Soberania........................................................................................................ 17
1.2 Globalização.................................................................................................... 23
1.3 Soberania e Globalização: uma coexistência possível?.................................. 29
2 As Organizações Internacionais e a proteção dos direitos humanos dos migrantes
.................................................................................................................................. 38
2.1. Organização das Nações Unidas (ONU)........................................................ 38
2.2 Organização Internacional para Migrações (OIM)........................................... 44
2.3 Organização Internacional do Trabalho (OIT) ................................................. 48
3 Migrações no Brasil ............................................................................................... 60
3.1 Bolivianos em São Paulo ................................................................................ 62
3.2 O trabalho dos bolivianos, a integração regional e a disciplina da questão
migratória no Brasil ............................................................................................... 67
Conclusões ............................................................................................................... 74
Referências Bibliográficas ........................................................................................ 80
Sites.......................................................................................................................... 85
Anexo A .................................................................................................................... 87
Anexo B .................................................................................................................. 143
Anexo C.................................................................................................................. 146
9
Introdução
A Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, dispõe
que:
Artigo XXIII - 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre
escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho
e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem
qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual
trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma
remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como
à sua família, uma existência compatível com a dignidade
humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de
proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar
sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
1
(Grifo nosso)
Essa declaração, nada mais é do que uma explicitação do mínimo a ser alcançado
pelas nações em termos de proteção aos seres humanos, enquanto trabalhadores.
No âmbito internacional essa questão vem ganhando destaque nos últimos anos,
por meio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da ONU e dos próprios
governos locais, em conjunto com estes organismos.
Os direitos elencados na Carta da ONU estão por serem tidos como direitos
fundamentais, que devem ser assegurados a qualquer ser humano, independente de
raça, origem, sexo, ou condição social. E aqui, neste último item, reside um dos
maiores desafios impostos a qualquer nação, que tenha tido a ousadia de tentar
superá-lo.
O nível de desigualdade social no mundo cresce a cada dia, e causa um impacto
maior quando atentamos para a observação deste mesmo problema no âmbito
interno de cada Estado. Os países subdesenvolvidos são os que mais sofrem com
essa questão, mas isso não exclui países tidos como desenvolvidos, de padecer do
mesmo mal:
1
Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em 06 de
junho de 2008.
10
De cada 100 trabalhadores de todo o mundo, seis estão totalmente
desempregados de acordo com a definição oficial da OIT, e outros 16
não podem ganhar o suficiente para que sua família possa superar o
patamar mínimo da pobreza de um dólar por dia e por pessoa. Estes
últimos são os mais pobres entre os trabalhadores pobres. Muitos
outros trabalham jornadas longas com pouca produtividade, têm
empregos ocasionais ou precários, ou ficam excluídos da força de
trabalho sem que sejam contabilizados como desempregados. Todos
os países desenvolvidos ou em desenvolvimento, tem seus
trabalhodre pobres. Na Suíça, estão nessa categoria 250.000
trabalhadores.
2
(tradução livre da autora)
O desemprego, consequência de um modelo econômico destituído de preocupações
distributivas, é o principal meio de conduzir uma população à pobreza e à miséria,
acarretando inúmeros problemas que merecem destaque na análise da situação em
que se encontra o mundo do trabalho. Na busca pelo menor custo atrelado ao maior
lucro, o trabalhador é peça descartável, e o que se observa são as péssimas
condições de trabalho, o uso de trabalho escravo, bem como de trabalho infantil,
entre tantas outras situações, que visam assegurar às empresas um lugar
competitivo no mercado mundial.
Esse déficit de trabalho digno não é exclusividade do Brasil, podendo ser notado em
quase todo do mundo especificamente na falta de postos de trabalho, na proteção
social insuficiente, na falta de regulamentação adequada dos direitos aos
trabalhadores e na sua ineficácia, onde ela existe -, como também na deficiência
de diálogo social entre os atores envolvidos.
Nesse contexto de precarização do trabalho e aumento da pobreza, a migração,
principalmente a internacional, tida por alguns trabalhadores como única forma de
sobrevivência, pode e deve ser tratada seriamente como objeto de estudo, por ser
2
Texto original: “De cada 100 trabajadores de todo el mundo, seis están totalmente desempleados de
acuerdo con la definición oficial de la OIT, y otros 16 no pueden ganar lo suficiente para que su
familia pueda superar el umbral mínimo de pobreza de un dólar por día y por persona. Estos últimos
son los más pobres entre los trabajadores pobres. Muchos otros trabajan largas jornadas con poca
productividad, tienen empleos ocasionales o precarios, o quedan excluidos de la fuerza de trabajo sin
que se los contabilice quedan como desempleados. Todos los países, desarrollados y en desarrollo,
tienen sus trabajadores pobres. En Suiza, entran en esta categoría 250.000 trabajadores.” Ainda,
“Según el ‘Informe sobre el Empleo en el Mundo de este año, se calcula que se necesitarán 500
millones de nuevos empleos en los próximos diez años tan sólo para absorber los nuevos ingresos
en el mercado de trabajo e influir algo en desempleo”. Reducir el Déficit de Trabajo Decente: un
desafío global. Conferencia Internacional del Trabajo. 89ª. Reunión, 2001. Oficina Internacional Del
Trabajo. Genebra. p. 09.
11
um dos fatores inseridos no quadro de dificuldades enfrentadas pelos Estados, no
que se refere à proteção dos trabalhadores e garantia das leis sociais.
Ao mesmo tempo em que se vive mundialmente uma crise com relação ao crescente
número de trabalhadores desempregados, percebe-se um número cada vez maior
de migrantes em busca de melhores condições de vida. Estes, por sua vez, acabam
por se submeter a condições indignas de trabalho, a fim de superar a situação de
miséria em que se encontravam, em seus locais de origem.
Nesse contexto, a precarização do trabalho torna-se algo cada vez mais recorrente.
Trabalhadores aceitam laborar em condições subumanas, para não padecer por
falta de alimento. Essa condição de precariedade é fruto de várias práticas de
mercado implementadas, bem como do processo de globalização da economia, que
cada vez mais tem estimulado o processo migratório.
Note-se que se antes os trabalhadores lutavam por melhores condições de trabalho,
e o que se vê nos dias atuais são trabalhadores que lutam por um emprego,
inclusive deixando suas pátrias em busca de serviço. Na condição de migrantes, a
estes são sempre deixados os piores trabalhos: “It is often said that migrant labor fills
the ‘three-D’ jobs: dirty, difficulty and dangerous.”
3
O trabalhador nacional sem emprego ainda pode contar, aparentemente, com a
participação em algum programa assistencial oferecido pelo governo (quando este
existe). Para o trabalhador migrante, no entanto, a situação não é melhor, uma vez
que não dispõe de qualquer proteção social que lhe garanta um trabalho digno
enquanto estiver na condição de imigrante ilegal.
4
Muitos desses trabalhadores não vêem como pleitear direitos trabalhistas, nem
como reivindicar melhores condições de trabalho, acarretando uma piora crescente
3
TARAN, Patrick; GERONIMI, Eduardo. Globalization, labor and migration: protection is Paramount.
Conferencia Hemisférica sobre Migración Internacional: derechos humanos y trata de personas en las
Américas (Santiago de Chile, 20-22 November 2002). International Migration Program. Geneva.
4
Os “excluídos”, via de regra, também o são, no tocante à proteção social, pois não contribuem para
os programas de seguridade social, ficando a descoberto em situações de risco, como desemprego,
doença, invalidez...” BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. A (livre) circulação de trabalhadores no
Mercosul. Tese de Doutoramento-USP, 2000. p. 32.
12
nas suas condições de trabalho. Dados mais ou menos precisos sobre quantos são
ou como vivem os trabalhadores migrantes no Brasil, nem mesmo os sindicatos das
categorias possuem.
Decorrente disso, o problema de pesquisa envolve, na verdade, alguns
questionamentos: como combater este mal, que assola diversas nações ao redor do
mundo, garantindo que trabalhadores, especialmente os migrantes, tenham um
mínimo para tornar sua existência e de sua família digna? Tem sido a soberania dos
Estados e a globalização entraves à concretização desses direitos? O que os
organismos internacionais têm feito a esse respeito? possíveis caminhos
possíveis a frear a corrida do mercado mundial em busca somente de maiores
lucros?
A hipótese é que os rumos tomados pela maioria dos Estados não envolvem a
implementação de políticas efetivas e, por conta dessa situação, torna-se um grande
desafio a redução desses índices de desigualdade, possibilitando um viver digno aos
grupos sociais mais vulneráveis, dentre os quais se observam os migrantes. Além
disso, investigar-se-á a aparente falta de regulamentação adequada no Brasil,
resultando em uma debilidade do poder reivindicatório dos migrantes por melhores
condições de trabalho. Porque aceitam trabalhar em troca de salários ínfimos,
acabam gerando cada vez mais reações de xenofobia e intolerância por parte da
população local, que acredita que postos de trabalhos que seriam seus estejam
sendo ocupados por estrangeiros. O que se observa é o fato de que a situação dos
trabalhadores migrantes ainda não é considerada como verdadeiro problema social.
A lógica do mercado impede essa visão.
A diminuição dessas desigualdades pode ser alcançada mediante a implementação
de políticas públicas e ações conjuntas de todos os atores sociais. A hipótese se
assenta, portanto, na efetivação do Trabalho Decente como a principal via de
acesso a este objetivo, podendo se afigurar como uma possibilidade de receberem
os trabalhadores migrantes um tratamento digno, logrando serem inseridos de
maneira efetiva na sociedade que passam a compor, tal como será desenvolvido.
13
O Estado tem de se mostrar eficiente, não para garantir que o seguro-
desemprego será pago, mas para evitar que se chegue a esse ponto, para que o
cidadão-trabalhador possa gozar de seus direitos fundamentais: de ser tratado como
igual; de poder viver; de viver em segurança; de poder ter seu lar; de ter direito à
educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer com sua família, e se, contudo,
preciso for, ter direito à assistência social.
Muitas vezes as atenções se voltam única e exclusivamente para a positivação dos
direitos fundamentais, sem que se atente para o fato de que isso somente não
basta, ainda mais diante da realidade acima aduzida, que não pode ser
desconsiderada. É preciso, também, que tais direitos sejam eficazes.
O respeito à dignidade humana, estampado nos direitos sociais, é
patrimônio de suprema valia e faz parte, tanto ou mais que algum
outro, do acervo histórico, moral, jurídico e cultural de um povo. O
Estado, não pode amesquinhá-lo, corroê-lo, dilapidá-lo ou dissipá-lo.
5
O flagrante desrespeito ao direito dos cidadãos em garantir o sustento dos seus,
inclusive, quando o que se busca é a implementação, de direitos positivados, por
meio de ações coordenadas de iniciativa plenamente estatal pode ser constatado dia
após dia, em ações realizadas por órgãos estatais ou organizações não
governamentais.
Esse desrespeito parece ter sido agravado nos últimos 20 anos e não ocorreu
apenas no Brasil:
Nas últimas décadas, perdeu-se o foco no trabalho como um objetivo
central das políticas econômicas governamentais. As conseqüências
foram, em todo o mundo, e no Brasil em especial, um
enfraquecimento da política de emprego e da luta contra a pobreza.
6
5
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. A eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. In
Revista de Direito Público, n.57/58. p. 248.
6
GOMES, Antonio Carlos Mendes. Trabalho decente: as premissas e a vontade de avançar. Opinião
dos autores. Disponível na internet em: http://www.ipea.gov.br/pub/bcmt/mt_017c.pdf. Acesso em 21
de maio de 2008. p. 09.
14
Percebe-se, então, neste contexto, que os direitos sociais
7
são verdadeiros limites
aos excessos decorrentes das políticas econômicas adotadas. Isso porque a
aplicação de padrões econômicos internacionais trouxe uma série de mudanças
para a classe que trabalha no Brasil, quase sempre traduzidas em desvantagens e,
por fim, culminando, com o desemprego.
A questão longe de ser meramente jurídica também é política, e quando se pensa na
forma como este processo de implementação deverá ocorrer, e se é realmente
factível ou não, ainda há muita divergência entre os especialistas.
A OIT, através de seus programas e parcerias, tem buscado ressuscitar valores que
foram abandonados em detrimento de práticas empresariais, como a promoção da
competitividade, redução de custos, e aqui, incluímos o custo trabalho, e mesmo, a
proposta de flexibilização do Direito do Trabalho e Direitos Sociais, que chegam, por
vezes, à desregulamentação
8
total, gerando, por certo, uma precarização das
condições de vida humana.
É possível chegar a um resultado desejável na diminuição dos níveis de pobreza,
mesmo quando as metas estabelecidas pela OIT são móveis (ou por esse motivo
mesmo), através de ações conjuntas entre todos os atores sociais envolvidos. Com
efeito, a questão não pode deixar de passar pelo Poder Público daí a importância
de pensar-se sobre a questão da soberania.
7
Os Direitos Sociais, assim são chamados por terem como pressuposto a existência de uma
sociedade, levando em conta a relação do homem e sua sociabilidade, diferentemente, do que ocorre
com os direitos naturais (individuais), como a vida, por exemplo, tidos como liberdades, que da
mesma forma, também são direitos fundamentais. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos
Humanos Fundamentais. ed. rev. e atual. Saraiva: São Paulo, 1998. p. 51.) Direitos individuais
demandam um não-fazer do Estado, enquanto os direitos sociais são uma prestação positiva. No
entanto, essa posição se mostra ultrapassada, uma vez que podemos citar diversos direitos sociais
que não requerem ação ou investimento por parte do Estado a fim de se que concretizem. Temos a
título de exemplo, o direito de greve. A única diferença entre os direitos individuais e os sociais reside
na perspectiva de atuação do Estado (DANTAS, Ivo. Direito Adquirido, Emendas Constitucionais e
Controle de Constitucionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997. pp. 44-45).
8
Para Ana Virgínia Moreira Gomes a desregulação, ou desregulamentação, compreende o fim do
Direito do Trabalho, passando o trabalho a ter tratamento de mercadoria, algo que se compra e
vende. Já a flexibilização diz respeito à uma diminuição na quantidade de normas trabalhistas e na
modificação “da qualidade das restantes, que não seriam imperativas, mas modificáveis in pejus, via
negociação coletiva”. Nesse caso, um aumento na atuação negocial dos próprios atores sociais,
acarretando uma alteração qualitativa das normas trabalhistas. GOMES, Ana Virgínia Moreira. A
aplicação do princípio protetor no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. pp. 141-146.
15
Um entrave, no entanto, reside no fato de que a OIT, mesmo sendo um órgão que
emite normas vinculativas, o possui força sancionatória suficiente para garantir o
cumprimento de suas disposições. Mais, a ratificação de Convenções, por parte dos
países membros, ainda é facultativa, o que evidencia a possibilidade de não adoção
das normas internacionais de garantia por parte de países, segundo seus próprios
interesses.
Por meio da aplicação e desenvolvimento de conceitos, (especificamente o de
Trabalho Decente
9
), fornecidos por organizações internacionais, doutrinadores e
especialistas, buscar-se-á analisar aspectos da economia e do direito na atualidade,
com foco no trabalhador migrante e suas condições de trabalho, constituindo esse
um dos objetivos dessa pesquisa.
Temas como soberania estão sendo revistos pela doutrina, uma vez que não podem
carregar o mesmo sentido do culo XVII ou XVIII, quando justificavam outras
formas de Estado. Faz-se necessária a construção desses novos conceitos e
paradigmas que acenem com uma possibilidade de mudança; assumir novas
posturas ante os problemas sociais, que não são exclusividade dos “pobres”, mas
afetam a nação como um todo. Este estudo limita-se a formular um diagnóstico a
respeito da questão dos migrantes bolivianos e dos impasses por ela gerados no
Brasil.
A presente monografia foi dividida em três capítulos. O primeiro compreendendo
estudo da soberania, globalização e a relação desses institutos com os direitos
humanos no cenário atual, em especial seus reflexos sobre o trabalho. O segundo
sobre organizações internacionais relacionadas ao tema trabalho e migrações. O
terceiro focado na migração, com ênfase na dos bolivianos em o Paulo, com
9
O tema Trabalho Decente, ainda resta pouco desenvolvido em termos técnicos no âmbito das
Ciências Jurídicas e Sociais em nosso país, e este fato pode ser verificado quando buscamos
materiais acerca do assunto e encontramos somente alguns poucos livros e artigos publicados em
periódicos, em sua maioria, provenientes de órgãos oficiais, como Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), e entidades internacionais como a ONU e a OIT. Nesse sentido, o estudo do Trabalho
Decente voltado aos trabalhadores migrantes surge como uma necessidade dos tempos atuais, a fim
de que se possa acenar com alternativas a este cenário global de precarização do trabalho. O
conceito de Trabalho Decente da forma como preconizado pela OIT ainda não encontrou plenitude de
aplicação no Brasil, bem como em muitos outros países do mundo. O que tem se mostrado o desafio
da década para as organizações internacionais que militam neste sentido.
16
vistas à retomada dos temas abordados anteriormente e a busca de verificação da
veracidade, ou não, da hipótese suscitada para o problema de pesquisa.
Por fim vale considerar que para o desenvolvimento da presente dissertação,
realizar-se-á pesquisa bibliográfica, sendo o método de abordagem a ser adotado, o
dedutivo. O método de procedimento será o bibliográfico dissertativo-argumentativo.
17
1 Soberania, Globalização e Direitos Humanos
1.1 Soberania
“Soberania é o conceito, ao mesmo tempo jurídico e político, em
torno do qual se adensam todos os problemas e as aporias da teoria
juspositivista do direito e do Estado.”
Luigi Ferrajoli
A ideia de soberania, construída em um contexto anterior ao atual e com objetivos
específicos para aquele determinado momento
10
, precisa ser revista para adaptar-se
a um contexto novo, de queda de fronteiras, seja do ponto de vista econômico, seja
no que se refere ao trânsito das pessoas.
Devido ao aparecimento do capitalismo e do Estado Moderno, foi na Idade Média,
que o conceito de soberania encontrou bases para se desenvolver. “Mais tarde, a
partir da gradativa monopolização dos instrumentos de violência e poder pelo
Estado, a soberania (...) se converte num conceito absoluto.”
11
Originariamente, a expressão soberania é de caráter eminentemente
político, tendo surgido da palavra “superior” (...). No século XIII, ela
aparece no Livres des Coutumes et des Usages de Beauvoisis, de
Beaumanoirs, entreabrindo a existência de duas esferas
concomitantes de poder, uma senhorial e outra real (...). Com o
passar do tempo, a expressão vai gradativamente mudando de
sentido, passando então a indicar apenas uma posição de
proeminência, ou seja, a posição daquele que era superior num
sistema hierárquico bem definido.
12
10
“O objetivo estratégico do conceito de soberania foi o de consolidar a territorialidade do Estado
Moderno. Este foi o resultado histórico da centralização administrativa monárquica, do protecionismo
econômico, dos exércitos permanentes e regulares e do cisma religioso na Europa.” LAFER, Celso. A
Soberania e os Direitos Humanos. In Lua Nova Revista de Cultura e Política. CEDEC, 1995. 35.
p. 137.
11
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos, 1999. p. 18.
12
Ibid., p. 18.
18
A noção de soberania, da forma como utilizamos atualmente, como suprema
potestas superiorem non recognoscens
13
, remonta, portanto, ao surgimento “dos
grandes Estados nacionais europeus e à divisão correlativa, no limiar da Idade
Moderna, da idéia de um ordenamento jurídico universal”.
14
Nesse sentido, a soberania é pressuposto de existência do Estado:
A soberania se converte, conseqüentemente, num conceito polêmico,
uma vez que partindo da premissa de Bodin, segundo a qual não
Estado sem soberania, os publicistas, acordes com tal ponto de vista,
deixam de tratá-la como categoria histórica e passam a reputá-la
categoria absoluta, dogma do direito público, o que é falso...
15
Para a doutrina, esta soberania nada mais é do que uma das bases sobre as quais
se fundamenta a ideia de Estado Moderno. Tem-se, portanto, que ela somente se
justifica a partir do momento em que passou a existir o Estado moderno, ainda que
haja autores que sustentem a sua existência na Antiguidade.
16
Mais tarde, no século XIX, a soberania começou a ser entendida como expressão de
poder político. Vale ressaltar que este conceito interessava, naquele momento
histórico, às grandes potências empenhadas em conquistas territoriais, que
buscavam respaldar suas imunidades por meio de normas jurídicas.
Assim, segundo Luigi Ferrajoli, a dimensão externa da soberania foi a que
primeiramente começou a ser teorizada, paralelamente ao nascimento do direito
internacional. Portanto, pode-se afirmar que tais ideias surgiram e se desenvolveram
a fim de justificar e dar fundamento jurídico às recentes conquistas do Novo
Mundo.
17
13
Poder supremo que não reconhece outro acima de si.
14
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do Estado nacional. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. pp. 1-2.
15
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006. p. 135.
16
Para Celso de Albuquerque Mello: “Na Grécia a soberania é encontrada, tendo em vista que as
cidades-Estados tinham como fim a autarquia, isto é, a auto-suficiência. MELLO, Celso de
Albuquerque. A Soberania através da História. In MELLO, Celso de Albuquerque (Coord.). Anuário:
direito e globalização, 1: a soberania / Dossiê. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 9.
17
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do Estado nacional. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. pp. 5-6.
19
Contrariando os doutrinadores da época, Francisco de Vitória redefiniu o direito
internacional da época e, simultaneamente, lançou os alicerces do conceito de
Estado como sujeito soberano, tendo contestado todos os títulos de legitimação
aduzidos pelos espanhóis em sustento da conquista, nos anos 20 e 30 do século
XVI.
18
Com relação á dimensão interna, Machado Paupério explica que (...) tem o Estado
plena capacidade para prover à organização nacional e a tudo que se relaciona com
a coletividade e com particulares nas suas várias relações entre si.”
19
Ou seja,
internamente no Estado é soberano, senhor supremo.
Em suma,
Do ponto de vista externo, a soberania é apenas qualidade do poder,
que a organização estatal poderá ostentar ou deixar de ostentar.
Do ponto de vista interno, porém, a soberania como conceito jurídico
e social, se apresenta menos controvertida, visto que é da essência
do ordenamento estatal uma superioridade e supremacia, a qual,
resumindo a noção de soberania, faz que o poder do Estado se
sobreponha incontestavelmente aos demais poderes sociais, que
lhes ficam subordinados.
20
Paulo Bonavides, adepto da corrente democrática
21
, classifica em doutrina da
soberania popular e doutrina da soberania nacional. A primeira, soberania popular,
não necessariamente requer uma forma republicana de governo:
A soberania popular, segundo o autor do Contrato Social e seus
discípulos, é tão somente a soma das distintas frações de soberania,
que pertencem como atributo a cada indivíduo, o qual, membro da
18
Vitória apoiou seus argumentos em três pilares: a) a configuração da ordem mundial como
sociedade natural de Estados soberanos; b) a teorização de uma série de direitos naturais dos povos
e dos Estados; c) a reformulação da doutrina cristã da ‘guerra justa’, redefinida como sanção jurídica
às iniuriae (ofensas) sofridas. Ibid., p. 7.
19
PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria Democrática da Soberania. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1997. vol. 2. p. 13.
20
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006. p. 132.
21
Segundo a teoria democrática da soberania, existem três fases distintas desse instituto, sendo que
em todas as fases sua origem está no povo. Na primeira fase, a titularidade da soberania está no
povo; na segunda, a titularidade é atribuída à nação (povo concebido como ordem integrante), tendo
esta fase exercido influência sobre as concepções políticas do século XIX e tendo sido influenciada
pela Revolução Francesa. A última fase tem o Estado como titular e encontrou posição de destaque
durante meados do século XIX e século XX. Ibid., p. 140-143.
20
comunidade estatal e detentor dessa parcela do poder soberano
fragmentado, participa ativamente da escolha dos governantes.
22
Para a doutrina da soberania nacional, a Nação, entendida como um ser orgânico e
vivo, que não se submete às vontades individuais que a compõem, é a única e
exclusiva depositária da autoridade soberana, que será exercida por meio de seus
representantes.
23
O poder soberano é exercido sobre os indivíduos, unidade elementar do Estado,
quando aqueles atuam em conjunto ou isoladamente. Os cidadãos estão sempre
sujeitos ao poder soberano, em alguns casos, mesmo estando fora dos limites
territoriais do Estado.
24
Quanto ao exercício da soberania, Napoleão Miranda identifica três dimensões,
levando em conta o caráter relacional da soberania:
Em primeiro lugar, a soberania econômica, entendida como a
capacidade de cada Estado de definir de forma autônoma os
instrumentos necessários à administração da atividade econômica de
cada país, com destaque para emissão e fixação da moeda, regras
para o intercâmbio comercial com outros países e fixação de
impostos e taxas aduaneiras.
Em segundo lugar, a soberania propriamente política, definida como
a capacidade de definir seu regime político, os mecanismos de
alternância de poder e seu sistema eleitoral, no plano interno, assim
como a faculdade de atuar como membro autônomo e livre de
pressões ilegítimas no concerto internacional das nações.
Em terceiro lugar, a soberania jurídica, relativa à capacidade dada a
cada Estado-Nação de celebrar, de forma livre, acordos e tratados
internacionais, os quais servem de parâmetros para a definição das
regras de convivência entre as diferentes nações, sem que isso
22
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006. p. 141.
23
Ibid., p. 142.
24
No caso do Brasil, o exemplo mais claro é o do âmbito penal, que garante que brasileiros que
cometam crimes no exterior, devem ser julgados no Brasil. Assim dispõe o Código Penal:
“Art. - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a
vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a pública da União, do
Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia
mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por
quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (...)
§ - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou
condenado no estrangeiro.”
21
implique ferir as suas soberania jurídica e política interna, conferindo-
lhes, por outro lado, legitimidade internacional.
25
Importante ressaltar que, por mais que se afirme ser determinado Estado soberano
internamente, deve-se ter em vista as constantes pressões externas que acabam
por exercer forte influência na definição de práticas econômicas internas e, até
mesmo, nas decisões políticas.
Dessa forma, as teorias clássicas que abordam a temática têm se mostrado falhas
quando estão diante da realidade atual. Em se tratando do cenário internacional,
tudo adquire outro formato, podendo-se dizer que a soberania do Estado
desaparece no momento em que surge a soberania da ordem jurídica internacional.
Assim, no atual contexto sócio-econômico, tem-se uma situação sui generis em que,
os Estados exercem sua soberania, em termos formais, dentro de seu território,
porém, em termos substantivos, não conseguem “estabelecer e realizar seus
objetivos exclusivamente por si e para si próprios.”
26
Ou seja, tais Estados...
... descobrem-se materialmente limitados em sua autonomia
decisória. E, conforme o peso relativo de suas respectivas
economias nacionais na economia globalizada, a dimensão de seu
mercado consumidor, a capacidade de investimento dos capitais
privados nacionais, o controle da tecnologia produtiva, a
especificidade de suas bases, o grau de modernidade de sua infra-
estrutura básica e os níveis de escolaridade e informação de suas
sociedades não mais dispõem de condições efetivas para
implementar políticas monetária, fiscal, cambial e previdenciária de
modo independente, nem para controlar todos os eventos possíveis
dentro de sua jurisdição territorial. Numa situação extrema, os
Estados chegam ao ponto de não mais conseguirem estabelecer os
tributos a serem aplicados sobre a riqueza esta é que,
transnacionalizando-se, passa a escolher onde pagá-los.
27
Quanto à dimensão jurídica, esta garante que o Estado seja respeitado como ente
autônomo nas negociações internacionais. Ocorre que atualmente existem novas
teorias que propõem a afirmação dos Estados perante seus semelhantes, em acordo
com o contexto atual da economia, política e história. Essa condição de autonomia e
25
MIRANDA, Napoleão. Globalização, soberania nacional e direito internacional. In Revista CEJ,
Brasília, n. 27, out/dez/2004. p. 88.
26
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos. 1999. p. 23.
27
Ibid., p. 23.
22
respeito pode ser conseguida mediante o uso da solidariedade e colaboração dos
Estados, proposta elaborada por Ulrich Beck.
28
Diante de todo o exposto, resta saber se e quais são os limites atualmente
impostos a este poder soberano.
Resta claro que, internacionalmente, a soberania está limitada, no sentido de que
sempre depende do reconhecimento de outro poder soberano. Entende-se, portanto
que a “soberania é sempre um processo e um fenômeno relacional, pois depende
necessariamente do seu reconhecimento por parte dos demais Estados-Nação
presentes na esfera internacional.”
29
Seu exercício é sempre restrito pela existência de outros Estados soberanos, não
podendo determinado Estado invadir a esfera de ação de outras soberanias. Pode-
se dizer, portanto, que é limitada, no plano internacional, pelo princípio da
coexistência pacífica das soberanias.
No entanto, esse conceito de soberania, como poder absoluto, indivisível,
imprescritível, inalienável e perpétuo, que tudo pode e a ninguém deve satisfações,
tem encontrado dificuldades de sobrevivência ante os novos problemas, decorrentes
da globalização.
A configuração do mundo se transformou, a economia adquiriu novas nuances e a
política adotou e desenvolveu outras faces. Diante de todas essas mudanças, vive-
se uma verdadeira crise da soberania.
Não mais espaço para o Estado que vive isolado, sem contato com outros. A
tendência, cada vez mais palpável, é a concretização de grandes blocos
econômicos, onde os Estados soberanos transformam-se em Estados-Associados
ou Estados-Membros, visando os interesses daquela determinada coletividade.
28
A Sociedade Global do Risco – um diálogo entre Danilo Zolo e Ulrich Beck. Disponível em:
http://www.ccj.ufpb.br/primafacie/prima/artigos/n1/artigo_2.pdf. Acesso em 10 de junho de 2009.
29
MIRANDA, Napoleão. Globalização, soberania nacional e direito internacional. In Revista CEJ,
Brasília, n. 27, out/dez/2004. p. 88.
23
1.2 Globalização
Globalização é um termo controverso e, segundo alguns autores, trata-se de um
processo que acaba por receber diferentes denominações com o passar do tempo.
Não sendo um conceito unívoco e estando longe de ser consensual, constitui-se em
um campo de intensos conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses
hegemônicos.
30
É, portanto, um fenômeno complexo e repleto de particularidades, não sendo,
possível abordar um único aspecto sem levar os outros em consideração.
Entre os processos mais importantes destacam-se, por exemplo, (...)
a emergência de novas estruturas decisórias operando em tempo
real e com alcance planetário; as alterações em andamento das
condições de competitividade de empresas, setores, regiões, países
e continentes; a transformação do padrão de comércio internacional,
(...); a “desnacionalização” dos direitos, a desterritorialização das
formas institucionais e a descentralização das formas políticas do
capitalismo; a uniformização e a padronização das práticas
comerciais no plano mundial, a desregulamentação dos mercados de
capitais, (...) a realocação geográfica dos investimentos produtivos e
a volatilidade dos investimentos especulativos; a unificação dos
espaços de reprodução sociais, a proliferação dos movimentos
imigratórios e a mudanças ocorridas na divisão internacional do
trabalho...
31
(grifo nosso)
Como explica Liszt Vieira, o processo de internacionalização da economia,
ininterrupto desde a Segunda Guerra Mundial, é o ponto de partida da
globalização
32
, sendo que esse caráter econômico não deve ser entendido somente
como uma fase, mas também como um processo do capitalismo.
30
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos de globalização. In A Globalização e as Ciências
Sociais, São Paulo, Cortez, 2002. p. 27.
31
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos. 1999. p. 59.
32
“Por internacionalização da economia mundial entende-se um crescimento do comércio e do
investimento internacional mais rápido do que o da produção conjunta dos países, ampliando as
bases internacionais do capitalismo (incorporação de mais áreas e nações) e unindo
progressivamente o conjunto do mundo num circuito único de reprodução das condições humanas de
existência”. VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. pp. 76-77.
24
Esse processo de integração econômica mundial se acelerou depois de 1945, mas
foi esboçado no ”(...) século XVI com o desenvolvimento das companhias de
comércio longínquo, aprofundado no século XIX com o Pacto colonial e o incremento
dos investimentos europeus no mundo (...)”.
33
Essa visão de uma nova era econômica, a da globalização, é, pois,
justificada. Dentre numerosas características desse fenômeno, pode-
se sublinhar três elementos essenciais: 1) um mercado unificado,
que a economia mundial vai se transformando numa zona única de
produção e de trocas; 2) empresas mundializadas, gerando sobre
uma base planetária a concepção, a produção e a distribuição de
seus produtos e serviços, visto que carece de um mecanismo de
regulação que permita controlar em escala planetária a
interdependência econômica e política.
34
Entendimento diverso esboça José Eduardo Faria, para quem a globalização não é
um fenômeno recente, pois “ele estava presente, por exemplo, nos antigos
impérios, provocando sucessivos surtos de modernização econômica, cultural e
jurídica”.
35
Ainda segundo o autor, a globalização foi impulsionada, na era moderna,
“pela interação entre a expansão da cartografia, o crescente domínio das técnicas
de navegação pelos povos ibéricos e a própria evolução do conhecimento
científico.”
36
De acordo com Júlio José Chiavenato:
No século XVI, quando mais fortemente os europeus se relacionaram
com a Ásia e a África, não apenas trocaram mercadorias, mas
introduziram, com seus produtos, idéias, hábitos e conceitos que eles
representavam. Da mesma forma talvez com maior intensidade
levaram para seus países mercadorias que influenciaram a cultura e
o comportamento pessoal. Com isso, ‘contrabandearam’ idéias e
conceitos que formaram e deformaram usos e costumes.
37
Tal fato poderia ser comprovado com as grandes navegações ocorridas durante o
século XIV e a busca por novas rotas marítimas. Com a necessidade de expandir o
33
BENKO, Georges. Organização econômica do território: algumas reflexões sobre a evolução no
século XX. In SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (Coords.).
Território: Globalização e fragmentação. São Paulo: Ed. Hucitec/ANPUR, 1994. p. 69.
34
Ibid., p. 69.
35
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos, 1999. p. 60.
36
Ibid., p. 60.
37
CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada e sociedade de consumo. São Paulo: Moderna, 1998.
pp. 7-8.
25
mercado, embarcações partiram rumo ao oriente, o que proporcionou, entre outras
coisas, o contato com esses povos, com suas culturas e suas tecnologias. Nesse
sentido, vale lembrar que foi nesse momento que se deu a introdução da pólvora na
Europa, proporcionando o avanço da tecnologia bélica e, consequentemente, a
dominação e a exploração dos continentes africano e americano.
Conclui José Eduardo Faria, alegando que a...
Globalização está longe de ser um conceito original ou inédito na
história, na sociologia política, na teoria econômica ou mesmo na
ciência do direito. Embora com outra designação, ele pode ser
encontrado em análises paradigmáticas sobre os vínculos entre a
criação e reprodução do capitalismo histórico (...). O que parece ser
realmente novo é sua aplicação a um inédito processo de superação
das restrições de espaço pela minimização das limitações de tempo,
graças ao vertiginoso aumento da capacidade de tratamento
instantâneo de um gigantesco volume de informações; a um
fenômeno complexo e intenso de interações transnacionais, onde a
empresa privada progressivamente substituiu o Estado como ator
principal (...).
38
Mesmo que a expressão “globalização” tenha tido maior destaque e importância nos
últimos tempos, segundo Liziane Paixão, já era possível sentir sua presença e
efeitos há muito:
Teve início [a globalização] com as grandes navegações européias
do século XV e XVI, quando os marinheiros se lançavam em busca
de novos territórios para serem colonizados. O mundo era
descoberto por meio da expansão transoceânica. O segundo estágio
da globalização ocorreu com a Revolução Industrial no século XIX,
período marcado pelo desenvolvimento das telecomunicações, por
investimentos no exterior, pela colonização da África, da Ásia e do
extremo Oriente. As décadas do pós-guerra abrigaram o terceiro
estágio da globalização. Nessa fase, destacam-se a descolonização
da Ásia e África e a modernização da América do Sul, que
contribuíram para a implantação de determinadas indústrias, não
aceitas nos países ricos pela rigorosa legislação ambiental por eles
adotada.
39
38
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos, 1999. pp.
60-62.
39
OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. O conceito de soberania perante a globalização. In Revista CEJ,
Brasília, n. 32, p. 80-88, jan./mar., 2006. pp. 83-84.
26
Para Georges Benko, no entanto, o que existe é um processo de mundialização
composto por três etapas, sendo a primeira, a internacionalização, ligada ao
desenvolvimento dos fluxos de exportação. A segunda, denominada
transnacionalização, liga-se aos fluxos de investimento e implantações no
estrangeiro. A terceira fase, ou globalização, corresponde à instalação das sedes
mundiais de produção e de informação.
40
Inicialmente, os “produtos” da globalização eram, quase que exclusivamente,
europeus e norte americanos, d resultando em um império de poucos.
41
Atualmente, é fato que países asiáticos, tendo como seu exemplo mais forte a
China, integram o grupo de países que hoje dominam o cenário econômico mundial.
No entanto, o que se observa é apenas a reprodução dos padrões ocidentais. Não
se exporta cultura milenar chinesa, nem padrões de comportamento orientais. Antes,
importam-se para esses locais músicas americanas, lojas de grandes marcas
européias e redes de fast-food, em troca de tecnologia e produtos com baixo custo
de produção e comercialização. Ou seja, a influência e a capacidade predatória
sobre as economias periféricas são potencializadas se comparadas ao velho
imperialismo, mas a essência continua a mesma.
42
Porém, não dúvidas em afirmar que a globalização é uma ordem transnacional
que impõe a todos o dever de integração, sob pena de se sofrer um processo natural
de exclusão. Nesse sentido, o fenômeno globalização é um dos principais fatores
que transformam e influenciam a política.
Sublinhe-se, de início, que a globalização, apesar de aparentemente
despolitizada ela transforma os Estados, os partidos, os
parlamentos, as oposições e as eleições em conquistas destituídas
40
BENKO, Georges. Organização econômica do território: algumas reflexões sobre a evolução no
século XX. In: Território: Globalização e fragmentação. In SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A.
de; SILVEIRA, Maria Laura (Coords.), São Paulo: Ed. Hucitec/ANPUR, 1994. p. 70.
41
E aqui se inserem não apenas as novas formas de atuação no mercado internacional, mas
também, as formas de cada indivíduo enxergar o mundo. Exportam-se desejos, cultura e
comportamentos, que acabam por traduzirem-se em uma sociedade cada vez mais homogênea e
avessa às diferenças.
42
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória
Jurídica, 2001. pp. 52-53.
27
de eficácia na sociedade mundial apenas desloca a política para
novos espaços.
43
José Eduardo Faria, ao tratar do tema da globalização e dos efeitos desta sobre as
diversas regiões, destaca a não uniformidade na distribuição das benesses deste
sistema:
Em vez de uma distribuição simétrica, harmônica e eqüitativa de
competências, tarefas, responsabilidades, papéis, funções e
condições de geração de conhecimento, emprego, de lucratividade e
de acumulação, a “economia-mundo” destaca-se, nesta perspectiva
analítica, pelas profundas desigualdades e distorções nos
intercâmbios comerciais, nos fluxos de pagamentos, nos fluxos
tecnológicos, nos fluxos de informações, nas relações entre as
economias nacionais e os blocos regionais, nas interações entre os
países “centrais”, os países “semiperiféricos” e os países
“periféricos”. (...) em toda sua complexidade não apenas econômica,
mas também social, política e mesmo cultural, a “economia-mundo”
acaba estigmatizada por profundas contradições, por conflitos
permanentes e por tensões contínuas.
44
Devido ao desenvolvimento tecnológico, houve uma superação, uma quebra na
limitação espaço-tempo, conjugado a um fenômeno complexo e intenso de
interações transnacionais, em que a empresa privada progressivamente vem
substituindo o Estado como ator principal. Houve, então, uma reestruturação do
mercado, e consequentemente, do mundo do trabalho.
45
Por conta dessas políticas econômicas incorporadas ao nosso sistema, traduzidas,
no campo laboral, pelo fordismo e toyotismo
46
, o trabalho sofreu uma precarização,
que atingiu, e ainda atinge, todos os trabalhadores, inclusive e principalmente os
migrantes.
43
CAMPILONGO, Celso. Teoria do Direito e Globalização Econômica. In O Direito na Sociedade
Complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000. pp. 151-152.
44
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos, 1999. p. 94.
45
Ibid., p. 62.
46
Fordismo: modo de produção que organizou o trabalho de forma rigorosa, tendo como fundamento
a especialização da empresa em determinado produto a ser fabricado em larga escala, ou seja: a
estandardização dos produtos e a construção em série. A ideia central é a utilização de trabalhadores
que realizem tarefas no menor tempo e com a maior especialização possível; Segundo Ricardo
Antunes, o Toyotismo “estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os
através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições
de mercado. Ainda, que este sistema supõe uma intensificação da exploração do trabalho”.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo
do trabalho. Campinas: Cortez, 3
a
ed.,1995. p. 132.
28
Tendo em vista o lucro, são estipuladas metas que exigem um esforço que beira o
limite exaustivo do corpo humano daqueles que precisam se submeter a estas
condições para sobreviver. A ordem é produzir ao menor custo, a fim de que se
obtenha a maior acumulação de capital possível.
Ricardo Antunes trata muito bem dessa questão referente ao trabalho,
exemplificando com situações reais:
Nas empresas de tipo “toyotista”, que podemos visitar, existe um
sistema de luzes. A luz verde é ritmo normal. (...) A luz amarela é
ritmo intenso. Quando o ritmo do trabalho torna-se muito intenso e
não retorna para o verde, uma paralisia na produção e acende o
vermelho, tendo que parar porque esquentou demais o ritmo. As
plantas [das fábricas] toyotistas no oriente, e porque não dizer
também no ocidente, gostam do verde e amarelo. E não é por amor à
nossa bandeira: é pelo ritmo entre o amarelo e o verde ou o verde e
o amarelo. Não pode ficar apenas no verde porque significa ritmo
normal e, neste, as empresas não fazem competição entre si.
47
Dessa forma, o trabalhador vive sob constante estresse e padece de inúmeros
males, arriscando sua saúde, e sem garantias mínimas de proteção social, uma vez
que a palavra de ordem é “flexibilizar”.
Busca-se o fortalecimento das negociações coletivas (expressão de conceitos como
autonomia da vontade e livre negociação) no âmbito da empresa, não como forma
de emancipação do trabalhador, mas, como meio de diminuir ainda mais o baixo
nível de direitos que lhes é garantido por lei, dificultando a possibilidade de
concretização dos destes.
A cada de 90, marcada pela ascensão de práticas neoliberais
48
em grande parte
do mundo, foi resultado de diversos acontecimentos datados do início desta e do
final da década de 80, como o fim da Guerra Fria e a Guerra do Iraque.
49
47
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. Campinas: Cortez, 3
a
ed.,1995. p.137.
48
Podemos resumir a teoria e a prática neoliberais dizendo que, com elas, dá-se o encolhimento de
espaço público dos direitos sociais e o alargamento do espaço privado dos interesses de mercado.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2006. p. 403.
49
ANTUNES, Ricardo. O Trabalho Escravo e a Escravidão do Trabalho. In PAIXÃO, Cristiano;
RODRIGUES, Douglas Alencar; CALDAS, Roberto de Figueiredo (Coords.). Os novos horizontes do
Direito do Trabalho: homenagem ao Ministro José Luciano de Castilho Pereira. S.P.: LTr., 2005.
pp.137-138.
29
Entre nós, o neoliberalismo foi ainda mais devastador. Chegou na
década de 90. Bastaria dizer que, como resultado da privatização, da
desregulamentação, da financeirização da economia, hoje temos
mais de 50% da nossa força de trabalho, que é de 78 milhões de
pessoas, nossa população economicamente ativa, sendo que mais
de 50% dele encontra-se exercendo trabalho informal, quando em
um passado recente (10 ou 15 anos atrás), na época da prevalência
do taylorismo e do fordismo, tínhamos uma classe trabalhadora mais
estável, menos precarizada, sub-remunerada, é verdade.
50
Segundo Jo Luís Fiori, a adesão do Brasil a este modelo se deu após a
renegociação de sua dívida externa, o que possibilitou ao país receber investimentos
externos, tendo em contrapartida que se adequar aos padrões exigidos
internacionalmente, de desregulação financeira e abertura comercial da economia.
51
1.3 Soberania e Globalização: uma coexistência possível?
Diante deste quadro, vê-se que conceitos clássicos e noções como a de soberania
associada ao Estado-Nação como centro de poder, começam a sofrer uma
reformulação, tendo em vista que aquela foi uma construção teórica da Idade
Moderna para dividir o mundo entre Estados Nacionais, e que as necessidades
atuais são outras. Talvez a isso se deva uma certa “desconfiança” de alguns
estudiosos acerca da sua importância hoje:
Os internacionalistas são homens que vêem sempre com suspeição
o princípio de soberania. Não apenas com suspeição, senão como se
fora ele o obstáculo à realização da comunidade internacional, à
positivação do direito internacional, à passagem do direito
internacional, de um direito de bases meramente contratuais,
apoiado em princípios de direito natural, de fundamentos tão-
somente éticos ou racionais, a um direito que coercitivamente se
pudesse impor a todos os Estados.
52
50
ANTUNES, Ricardo. O Trabalho Escravo e a Escravidão do Trabalho. In PAIXÃO, Cristiano;
RODRIGUES, Douglas Alencar; CALDAS, Roberto de Figueiredo (Coords.). Os novos horizontes do
Direito do Trabalho: homenagem ao Ministro José Luciano de Castilho Pereira. S.P.: LTr., 2005.
pp.137-138.
51
Entrevista disponível em: http://www.mundojovem.pucrs.br/entrevista-02-2002.php. Acesso em 03
de novembro de 2009.
52
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006. p. 143.
30
Assim, “a soberania, considerada como um poder estatal absoluto, atributo essencial
do Estado, o ser o Estado uma autoridade suprema, não passa de uma ilusão
menos ainda que uma ficção jurídica.”
53
Uma vez que a globalização
54
atenua os limites entre o interno e o externo (“com a
globalização o que temos é um território nacional da economia internacional”
55
), não
resta dúvidas que “a noção de soberania teve de ser revista”, quando se encontrou
diante dos “sistemas transgressores de âmbito planetário, cujo exercício violento
acentua a porosidade das fronteiras”
56
.
Pode-se então chegar à afirmativa de que não há Estado soberano
internacionalmente, pois não há como exercer soberania no plano internacional.
Tome-se o exemplo do art. 4°, parágrafo único da Constituição da República do
Brasil, que tem como escopo a criação de uma comunidade latino-americana de
nações:
Impossível lográ-la, no direito Brasileiro, sem ruptura com a noção
clássica da soberania: um poder absoluto, ilimitado, insuscetível de
ser compartilhado ou repartido. Para a doutrina tradicional, soberania
compartilhada é um ‘ferro de madeira’, uma contradição de termos
(...). se todos os Estados se regem por esse ‘isolacionismo’ ou
‘solipsismo estatal’, produto típico da soberania, não haveria como o
Estado despir-se de parcelas de sua soberania – o que lhe seria sem
embargo exigível para a integração latino-americana das nações.
57
Limita-se, ademais, a soberania através da aplicação e efetivação dos Direitos
Humanos, com isso, caindo por terra a concepção tradicional de um poder absoluto,
acima de qualquer outro. Contudo, os Estados têm se apegado ao dogma jurídico da
53
BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário: instituições de direito comunitário
comparado – União Européia e Mercosul. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 169.
54
Segundo Milton Santos a globalização pode se apresentar como fábula (o que nos fazem crer.
“Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias
realmente informa as pessoas.”); como perversidade (como é. “O desemprego torna-se crônico. A
pobreza aumenta e as classes médias perdem qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A
fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes.”); e ser uma outra globalização (como
pode ser uma globalização mais humana). SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização. 15ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2008. pp. 20-21
55
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 76.
56
Ibid., p. 77.
57
BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário: instituições de direito comunitário
comparado – União Européia e Mercosul. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 181.
31
soberania para justificar seus atos, que muitas vezes violam direitos humanos
básicos e ferem normas de caráter internacional.
Durante todo o século XX, a constitucionalização dos direitos fundamentais e própria
proteção dos direitos humanos
58
no plano internacional ganharam força. Diversos
congressos e conferências tiveram lugar durante o período que durou a Primeira
Guerra Mundial, destacando-se as conferências de Leeds (1916) e de Berna (1917),
e os congressos de Londres (1918) e de Berna (1919). Nestes encontros o foco era
a criação de uma normativa trabalhista internacional por ocasião do Tratado de
Paz.
59
Com o fim da I Guerra Mundial, a Conferência de Paz (1919) adotou o projeto que
criou a Sociedade das Nações, também conhecida como Liga as Nações. “Tratava-
se de uma associação intergovernamental, de caráter permanente, de alcance geral
e com vocação universal, baseada nos princípios da segurança coletiva e da
igualdade entre os Estados soberanos”.
60
Essa organização, no entanto, veio a
encerrar suas atividades efetivamente em 1947, apesar de já vir demonstrando
sinais de descrédito desde a década de 30.
61
Muitas outras organizações internacionais, de caráter governamental ou não, foram
criadas e têm se desenvolvido ao longo dos anos, destacando-se a Organização das
Nações Unidas, a Organização Mundial para Imigrações e a Organização
Internacional do Trabalho, que serão abordadas mais especificamente adiante.
58
Diferem os direitos fundamentais dos Direitos Humanos, por serem aqueles entendidos como
posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista constitucional positivo, foram por
seu conteúdo e importância (fundamentalidade material) integrados ao texto constitucional, e,
portanto, retiradas da esfera de disposição dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem
como aquelas que lhes possam ser equiparadas, por seu objeto e significado. Direitos fundamentais
podem ser considerados como aqueles reconhecidos pelo direito constitucional positivo, e por isso,
delimitados no espaço e no tempo. Direitos Humanos, por sua vez, como as posições jurídicas
reconhecidas, na esfera do direito internacional positivo, ao ser humano, independentemente de sua
vinculação com determinada ordem jurídico-positiva interna.
59
VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización Internacional del
Trabajo. 1ª Reimpressão. Buenos Aires: Astrea, 2002. pp. 4-5.
60
SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das Organizações Internacionais. 4ª. ed. rev. atual. e
amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 103.
61
Ibid., p. 123.
32
Percebe-se, com isso, que o conceito de soberania entra em crise no exato
momento em que se surge um sistema internacional de proteção aos Direitos
Humanos, antes mesmo do surgimento da moderna globalização.
Tem-se, portanto, que o tema direitos humanos é fruto da história e objeto da
política. Para Lindgren Alves, a “afirmação dos direitos humanos como tema
internacional prioritário fundamenta-se, pois, do ponto de vista estratégico, pela
percepção de que violações maciças podem levar à guerra”.
62
E complementa:
Do ponto de vista econômico, confluem, por sua vez, interesses
opostos: os países mais ricos utilizam os direitos humanos como
argumento adicional de condicionalidade à assistência e à
cooperação econômica ao Terceiro Mundo; os países em
desenvolvimento, do Terceiro e do “ex-Segundo” Mundo, buscam
obter assistência e maior cooperação econômica para que possam
ter meios de assegurar os direitos humanos de suas populações. A
tudo isso subjaz a característica dominante da atualidade política em
quase todo o planeta: a inexistência de alternativas seculares viáveis
ao liberalismo clássico ou com preocupações sociais como
ideologia, e à democracia representativa como sistema de
organização política.
63
Com o advento das Organizações internacionais e dos instrumentos normativos
delas provenientes, o lugar antes ocupado somente pelos Estados, passou a ser
destinado também aos “cidadãos do mundo”, homens e mulheres sujeitos ao direito
internacional.
64
Inaugurado pela Declaração Universal de 1948, o Direito
Internacional dos direitos humanos é um corpus de normas menos
ou mais cogentes que não pára de crescer. Difere do Direito
Internacional Público Clássico por várias características. Em primeiro
lugar porque, embora confirmando a responsabilidade dos Estados
por sua execução, transformou o indivíduo, cidadão ou não do
Estado implicado, em sujeito de Direito Internacional. E o fez não
apenas de maneira simbólica: fê-lo concretamente ao instituir, em
alguns instrumentos de força obrigatória, a possibilidade de petições
individuais diretas aos órgãos internacionais encarregados de seu
controle.
65
62
ALVES, José Augusto Lindgren. Os Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva,
2004. p. 3.
63
Ibid., p. 3.
64
Ibid., p. 37.
65
Ibid., p. 15.
33
Portanto, mesmo admitindo que a soberania possua duas dimensões, a interna e a
externa, ainda assim, haveria um conflito. Tendo como característica a unicidade,
não há como aceitar que no plano internacional os Estados possam abrir mão de
sua soberania em prol de um interesse comum. Isso, por si só, fere o conceito
clássico de poder soberano.
O modelo de Estado atualmente “em vigor” foi pensado e criado para funcionar em
outro sistema, apoiado na soberania “tradicional” e sem levar em conta um mundo
globalizado.
Com o fenômeno da globalização, as estruturas institucionais,
organizacionais, políticas e jurídicas forjadas desde os séculos XVII e
XVIII tendem a perder tanto sua centralidade quanto sua
exclusividade. No âmbito de uma economia transnacionalizada, as
relações entre os problemas internacionais e os problemas internos
de cada país vão sendo progressivamente invertidas, de tal forma
que os primeiros não são mais apenas parte dos segundos; pelo
contrário, os problemas internacionais não passam a estar acima
dos problemas nacionais, como também a condicioná-los.
66
Diante desse cenário, percebe-se que é o mercado financeiro quem comanda a
economia global. Nos dizeres de Liszt Vieira: “em última análise, são as corporações
e não os governos, que decidem sobre câmbio, taxa de juros e rendimentos de
poupança, dos investimentos, preços de commodities etc”.
67
Ulrich Beck sugere a criação de um novo modelo de estado criado para o momento
atual o Estado Transnacional. Esse espaço nada mais é que um locus
intermediário entre o nacional e o local, uma espécie de continente não investigado
que se abre como uma “terra de ninguém”, que tem como ponto de partida a
sociedade mundial formada a partir de 1989, consolidada pela hegemonia
capitalista.
Ulrich Beck indica o surgimento de uma faixa de ação própria das
Sociedades mundializadas. Isso pode ser percebido na relação dos
Estados nacionais para com as empresas multinacionais, o que
acaba vinculando um possível futuro Direito Transnacional, por conta
da persecução da criminalidade Transnacional, as possibilidades de
66
FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Melhoramentos. 1999. p. 32.
67
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 81.
34
realização de uma política cultural Transnacional, as possibilidades
de ação dos movimentos sociais transnacionais, entre outros.
68
No entanto, essa proposta seria viável a partir do momento em que as
sociedades civis se conscientizassem da real necessidade da solidariedade
cosmopolita. “Dito de outra maneira, o Estado Transnacional, para Ulrich Beck,
seria possível a partir da consciência e conscientização sobre a necessidade de uma
nova arquitetura estatal pós-moderna.”
69
Este modelo de Estado transnacional conjugaria em si conceitos que à primeira vista
poderiam parecer auto-excludentes nos moldes que hoje se conhece, e teria como
características fundamentais:
1) Ser um “não Estado nacional moderno” e, portanto, também, “não Estados
territoriais” (pelo menos no sentido estrito).
2) Negaria o Estado Constitucional Moderno e se libertaria da armadilha territorial e
da soberania moderna e se teria assim um conceito de Estado que: a) (re)
conheceria a globalidade em sua dimensão plural como elemento fundamental
irreversível; e b) tornaria a norma e a organização do Transnacional na chave de
uma redefinição e revitalização do político (e não enquanto Estado, mas também
enquanto Sociedade Civil).
3) Não seria “internacional” ou “supranacional” (não seria, portanto, um Estado
mundial regional) porque, em semelhante configuração da organização
internacional, do multilateralismo ou da política multisetorial no seio de um sistema
supranacional – o Estado Constitucional Moderno continuaria sendo o ponto de
referência para o jogo de adversários do internacionalismo moderno, do jogo de
alianças oportunistas no multilateralismo e das políticas autônomas multisetoriais. O
68
CRUZ, Paulo Marcio; BODNAR, Zenildo; XAVIER, Grazielle. Pensar Globalmente e Agir
Localmente: o estado transnacional ambiental em Ulrich Beck. Disponível em:
http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/grazielle_p_xavier.pdf. Acesso em 16 de junho de
2009. pp. 824-825.
69
CRUZ, Paulo Marcio; BODNAR, Zenildo; XAVIER, Grazielle. Pensar Globalmente e Agir
Localmente: o estado transnacional ambiental em Ulrich Beck. Disponível em:
http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/grazielle_p_xavier.pdf. Acesso em 16/06/2009. p.
827.
35
Estado Transnacional deveria ser visto como modelo de colaboração e
Solidariedade interestatal. Mas a diferença fundamental está radicada no fato de
que, no interior da teoria dos Estados Transnacionais (que Ulrich Beck faz questão
seja expresso no plural), o sistema de coordenadas políticas não seria resultado
da delimitação e do contraponto nacional, mas fluiria ao longo dos eixos da
Globalização/localização.
4) Seriam ao mesmo tempo globais e locais, por terem como seu princípio
diferenciador o da inclusão social.
70
Assim, neste estado de colaboração e solidariedade, não mais que se falar em
soberania, nas suas características clássicas, pois que os Estados abririam mão de
parte de sua soberania em prol de uma sociedade global, fundada nos eixos da
globalização, já que esta...
(...) é normalmente associada a processos econômicos, como a
circulação de capitais, a ampliação dos mercados ou a integração
produtiva em escala mundial. Mas descreve também fenômenos da
esfera social, como a criação e expansão de instituições
supranacionais, a universalização de padrões e culturas e o
equacionamento de questões concernentes à totalidade do planeta
(meio ambiente, desarmamento nuclear, crescimento populacional,
direitos humanos etc). Assim, o termo tem designado a crescente
transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e
culturais que ocorrem no mundo, sobretudo nos últimos 20 anos.
71
Liszt Vieira ao destacar os efeitos positivos da globalização, alerta para o fato de
que “há uma tendência a se confundirem os efeitos da crise mundial com os da
globalização”. Segundo o autor, existem dois lados que devem ser diferenciados,
sendo um, os propósitos subjetivos das empresas transnacionais e governos que
instrumentam a marcha da globalização, e, o outro, que diz respeito aos aspectos
mais profundos desse processo, “que expressam necessidades irreversíveis do
gênero humano, como democratização e universalização dos direitos humanos,
70
CRUZ, Paulo Marcio; BODNAR, Zenildo; XAVIER, Grazielle. Pensar Globalmente e Agir
Localmente: o estado transnacional ambiental em Ulrich Beck. Disponível em:
http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/bh/grazielle_p_xavier.pdf. Acesso em 16/06/2009. pp.
827-828.
71
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 73.
36
solidariedade internacional dos movimentos sociais, novas necessidades de
desenvolvimento, maior cooperação e regulação mundial”
72
. Assim, é possível
entender e formular quatro razões em favor da “valorização positiva do fenômeno”:
1) El proceso de globalización es en lo fundamental (...), el resultado de fuerzas
materiales y espirituales que no pueden revertirse sin causar mayores costos
económicos, sociales, ecológicos y culturales que los peores de la globalización”.
73
Dessa forma, tentar retornar ao isolamento nacional, superado, causaria
fenômenos de regressão cultural, além de afetar de forma negativa o
desenvolvimento das novas tecnologias, a desorganização dos encadeamentos
produtivos, reduziria o nível de vida da população e favoreceria as soluções
estatistas, burocráticas e autoritárias.
74
2) Para superar os diversos problemas globais (deterioração ecológica do planeta,
as condições mundiais de salubridade, extrema pobreza e marginalização dos
países mais pobres ou a contínua explosão demográfica), faz-se necessária uma
reorientação da globalização e não sua reversão ou detenção, tendo em vista a
necessidade de uma maior cooperação internacional, desenvolvimento tecnológico e
investimento mundial.
75
3) A globalização, apesar de sua atual forma mesquinha, tende a favorecer o
crescimento econômico, a democratização política, o saneamento ambiental e a
própria internacionalização dos movimentos sociais dos países em desenvolvimento.
Aos países semi-industriais, como China, Corea, Espanha, alguns países da
Amércia Latina etc, essas novas condições de abertura internacional permitiram a
entrada de uma nova etapa de desenvolvimento, crescimento mais rápido e
fortalecimento no sistema internacional de Estados. Para os países pré-industriais a
situação é mais desfavorável, no entanto a solução parece estar mais no sentido de
72
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. pp. 103-104
73
DABAT, Alejandro. Globalización Mundial y Alternativas de Desarrollo. In Revista Nueva Sociedad.
Caracas, 1994, n° 132. p. 151.
74
Ibid., p. 151.
75
Ibid., pp. 151-152.
37
uma zona de livre comércio e assistência internacional, do que em uma inviável
autarquia econômica.
76
4) Uma vez conseguida a superação da atual forma antagônica, imposta pela
dominação do capital e das grandes potências, a globalização se constitui na pré-
condição objetiva fundamental das transformações futuras com vistas a um mundo
solidário e pacífico.
77
Levando-se em conta essas considerações, conceitos-ideias ora sedimentados se
mostram incapazes de conferir humanidade e condições dignas de sobrevivência a
um mundo cada vez mais segregado, apesar da globalização.
O Estado-nação continua sendo um elemento significativo dessa
estrutura de atividades de produção; no entanto, ele é certamente
cada vez menos autártico, no plano econômico, em razão da
internacionalização das estruturas de produção (que fazem pesar
coações cada vez mais onerosas sobre a política macroeconômica
nacional) e o crescente papel das organizações internacionais (nas
quais as nações abandonam parte de sua soberania em favor de
uma coordenação em níveis territoriais mais elevados). É à luz
dessas evoluções que se impõe a noção do sistema global como um
mosaico de economias regionais (e não apenas como uma
justaposição de economias nacionais).
78
Assim, o fortalecimento de instituições supranacionais é vital para a formação de um
ambiente saudável de convivência entre os sujeitos independentes de direito
internacional, já que pautados pela soberania e interesse de cada um não é possível
chegar a acordos viáveis, a presença desse intermediário superior pode garantir
decisões mais equânimes e justas.
76
DABAT, Alejandro. Globalización Mundial y Alternativas de Desarrollo. In Revista Nueva Sociedad.
Caracas, 1994, n° 132. p. 152.
77
Ibid., p. 152.
78
BENKO, Georges. Organização econômica do território: algumas reflexões sobre a evolução no
século XX. In SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (Coords.).
Território: Globalização e fragmentação. São Paulo: Ed. Hucitec/ANPUR, 1994. pp. 54-55.
38
2 As Organizações Internacionais e a proteção dos direitos humanos dos
migrantes
Desde que o mundo se “uniu” para lutar em uma guerra de proporções globais, a
ideia de um arcabouço jurídico capaz de regular as relações que extrapolam os
limites territoriais dos Estados ficou mais viável e se tornou, até mesmo, necessária.
Foi a partir do fim da 2ª Guerra Mundial que a internacionalização dos direitos
humanos se tornou mais sistemática e ganhou importância política, encontrando
seus fundamentos em três setores: o direito humanitário, a luta contra a escravidão
e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado.
79
Com o intuito de regular as relações entre os Estados e implementar a cooperação
internacional, foram criados organismos intergovernamentais, que em tese, atuariam
em uma instância superior aos tribunais internos, decidindo e orientando, com vistas
à paz mundial.
Hee Moon Jo define Organização Internacional como uma organização
intergovernamental constituída por tratado constitutivo.”
80
Ou seja, criações dos
próprios Estados objetivando uma convivência pacífica, sendo dotadas de
personalidade internacional legal, ou seja, “aptidão ou qualidade de ser sujeito ativo
e passivo do [Direito Internacional] DI”.
81
Dentro do âmbito desta pesquisa alguns organismos serão abrangidos: a
Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional para as
Migrações (OIM) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
2.1. Organização das Nações Unidas (ONU)
79
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 54.
80
JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 322.
81
Ibid., p. 322.
39
A ONU é a mais conhecida das organizações internacionais e foi a segunda
tentativa “para o estabelecimento de uma organização internacional universal, com o
objetivo principal de manter a paz internacional por meio de um sistema de
segurança coletiva”.
82
Foi oficialmente criada em São Francisco, no ano de 1945 após o fim da II Guerra
Mundial, com a adoção de sua Carta por cinquenta e um Estados, sendo que hoje
conta com 192 países-membros.
83
Seu objetivo primeiro foi a manutenção da segurança, tendo o capítulo VII inteiro da
Carta sido destinado ao tema. Entretanto, é no artigo 1 que esse organismo deixa
patente quais são seus objetivos:
Artigo 1
Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar,
coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir
os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por
meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do
direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou
situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no
respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação
dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da
paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou
humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de
raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a
consecução desses objetivos comuns.
No artigo 2 vêm expressos seus princípios, sempre pautados pela igualdade de
todos os seus membros, a fim de que seja assegurada a paz, a segurança e a
justiça internacional. Os meios para que sejam implementados tais objetivos deverão
ser pacíficos, inclusive com relação aos Estados não membros.
82
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 336.
83
Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/conheca_paises.php#ref04. Acesso em 01 de
dezembro de 2009.
40
A fim de assegurar o cumprimento de seus objetivos iniciais, a ONU desenvolve
trabalhos e pesquisas específicas. A seguir exemplos de alguns, realizados no
âmbito do território brasileiro.
84
1) A Avaliação Conjunta do País (CCA - Common Country Assessment)
85
, com a
finalidade de traçar estratégias locais de atuação nos diferentes Estados, é utilizada
como fundamento para definir quais e como serão os programas de cooperação
desenvolvidos pelas agências da ONU no país. Por meio de parcerias com os
governos locais, as representações das agências da ONU elaboram, em cada país,
um documento que analisa a situação local e as prioridades nacionais em relação ao
desenvolvimento com destaque para os pontos ligados aos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM)
86
. No Brasil a última avaliação foi realizada em
2005.
2) A Matriz de Cooperação das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDAF -
United Nations Development Assistence Framework) nada mais que o plano de ação
das agências do Sistema ONU para cada país. Baseado nas informações obtidas
com a Avaliação Conjunta do País (CCA) torna-se possível apontar as metas da
ação das Nações Unidas em nível nacional. A do Brasil abrange o período de 2007 a
2011.
87
84
Todos os itens são utilizados nos mais diversos países, produzindo documentos específicos para
cada Estado. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/acoes_conjuntas.php. Acesso em 28 de
novembro de 2009.
85
A íntegra do último CCA - Brasil (2005) encontra-se disponível em:
http://www.pnud.org.br/pnud/arquivos/FinalCCABrazil(port).pdf. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
86
No Brasil, são chamados de 8 jeitos de mudar o mundo. Esses objetivos foram estabelecidos no
ano 2000, após a análise dos maiores problemas mundiais. São eles: 1. acabar com a fome e a
miséria; 2. educação de qualidade para todos; 3. igualdade entre sexos e valorização da mulher;
4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde das gestantes; 6. Combater a Aids, a malária e
outras doenças; 7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente
8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. Centros de voluntariado foram criados
estimulando o voluntariado transformador, de forma presencial ou à distância, em todo o Brasil, a
participar de ações campanhas e projetos em favor do tema. Disponível em:
http://www.objetivosdomilenio.org.br. Acesso em 28 de novembro de 2009.
87
Documento disponível em: http://www.undg.org/rcar07.cfm?fuseaction=RCAR&ctyIDC=BR
A&P=589. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
41
3) O Relatório Anual do Coordenador-Residente é o registro das principais
realizações de todas as agências e escritórios da ONU, por meio de um documento
elaborado pelo Coordenador-Residente do Sistema das Nações Unidas local.
88
4) Os Programas Conjuntos envolvem duas ou mais agências do sistema das
Nações Unidas, a fim de que trabalhem associadas a parceiros nacionais para
desenvolver, implementar, acompanhar e avaliar atividades integradas visando a
implementação dos ODMs e de outros compromissos internacionais. No Brasil há,
atualmente, três Programas Conjuntos em andamento: o Programa Interagencial
para a Promoção da Igualdade de Gênero e Raça (2009-2012); a Segurança Cidadã
(2009-2012)
89
; e o São Paulo: projeto de segurança humana (2008-2010)
90
.
Todos esses trabalhos, pesquisas e produções cnicas visam a promoção e
implementação dos direitos humanos de forma geral, abarcando o maior número de
grupos vulneráveis, mas o são específicos aos trabalhadores migrantes. Nesse
sentido, o documento mais importante com relação ao tema migração, elaborado no
seio da ONU, é a Convenção Internacional para Proteção dos Direitos dos
Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias
91
. Foi aprovada pela ONU em
1990, mas só passou a vigorar em 2003, com a ratificação por 20 países.
Essa Convenção é definida por duas linhas mestras:
Direitos Humanos dos trabalhadores migrantes e seus familiares (Parte III):
aplicação a todos os trabalhadores migrantes, incluindo os indocumentados
92
;
Outros direitos do trabalhador migrante e suas famílias (Parte IV): aplicável
somente a trabalhadores migrantes com situação regular.
88
Documento disponível em: http://www.undg.org/rcar07.cfm?fuseaction=RCAR&ctyIDC=BRA&
P=589. Acesso em 28 de novembro de 2009.
89
Ação focada em crianças, adolescentes e jovens em condições vulneráveis no Brasil. Já foi
implementada em inúmeros países da América Latina.
90
Fruto de um acordo entre o governo do Japão e as Nações Unidas, o projeto visa abordar desafios
em termos de segurança humana na cidade de São Paulo, onde a concentração populacional
aumenta a pressão por serviços sociais, especialmente nas áreas de saúde e educação.
91
Documento anexo.
92
A Convenção da ONU sobre a proteção dos migrantes e suas famílias (documento anexo) dispõe
no seu Artigo 4: a) São considerados documentados ou em situação regular se forem autorizados a
entrar, permanecer e exercer uma actividade remunerada no Estado de emprego, ao abrigo da
legislação desse Estado e das convenções internacionais de que esse Estado seja Parte;
b) São considerados indocumentados ou em situação irregular se não preenchem as condições
enunciadas na alínea a) do presente artigo.
42
Muitos dos trabalhadores migrantes não conseguem ver realizado o mínimo de
proteção e garantias legais previstos na legislação interna daquele país, por isso, a
proposta da convenção é uma reiteração dos direitos enunciados na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, mas também outras garantias oriundas de
normativas referentes ao tema, aprovadas pela maioria dos países, chamando,
assim, a atenção para a recorrente exploração de mão de obra migrante e as
conseqüências disso sobre as suas famílias.
Pode-se destacar como pontos principais abordados pela Convenção em questão
93
:
1) Liberdades básicas: liberdade de entrar e sair em seu Estado de origem, direitos à
vida (artigo 9), assegurando a proteção contra abusos físicos, mentais e sexuais,
como também a proibição de práticas de crueldade, tratamentos degradantes e
punições (artigo 10), bom como a escravidão ou trabalho forçado (artigo 11).
Também é garantido o direito ao pensamento livre, religião e consciência, (artigo 12)
e direito de expressão (artigo 13). Por fim, é assegurado que suas propriedades não
serão arbitrariamente confiscadas (artigo 15).
2) Devido Processo Legal: artigos 16 a 20. Garante que investigações, detenções e
prisões serão feitas conforme os procedimentos estabelecidos, com direitos iguais
aos nacionais, quando se encontrem perante os tribunais. Devem, ainda, ter
garantida assistência legal, intérpretes e informações claras, em uma linguagem que
os migrantes sejam capazes de compreender. Quando for proferida sentença,
deverão ser levadas em conta questões humanitárias com relação à sua condição
de migrante, e fica proibida a expulsão arbitrária do migrante (artigo 22).
3) Direito à Privacidade: esse direito é garantido não à pessoa do trabalhador
migrante, mas abarca também toda a sua família, residência e comunicações, nesse
mesmo sentido, também são resguardas a honra e a reputação de sua vida privada
(artigo 14).
93
Informações do site da UNESCO encontram-se disponíveis no endereço: http://portal.unesco.org/
shs/en/ev.phpURL_ID=1513&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html. Acesso em 30 de
novembro de 2009.
43
4) Igualdade para com os nacionais: deverão ser tratados sem distinção para com os
nacionais dos países hospedeiros com respeito a remuneração e condições de
trabalho, incluindo horas extras, jornada de trabalho, descansos semanais, férias
remuneradas, segurança e meio ambiente de trabalho saudável, término do contrato
de trabalho, idade mínima, restrições ao trabalho doméstico, entre outros. Essa
igualdade se estende também aos benefícios percebidos pela seguridade social e
atendimentos médicos (artigos 27 e 28).
5) Transferência dos ganhos: é assegurado o direito à transferência de seus ganhos,
poupanças, bens e pertences quando cessadas suas permanência no país
empregador, respeitadas as leis dos Estados interessados. (artigo 32).
6) Direito à Informação: é garantido o direito de serem informados acerca dos
direitos reconhecidos pela Convenção em tela, bem como das condições para serem
admitidos, direitos e obrigações. Esse tipo de informação deve ser livre de taxas e
disponível em uma linguagem acessível (artigo 33).
Aos trabalhadores documentados são conferidos alguns outros direitos descritos a
partir do artigo 36 da Convenção em análise. Com isso, busca-se combater o
trabalho ilegal, que muitas vezes acaba por se tornar análogo ao escravo
94
, bem
como a diminuição de pessoas em condições irregulares.
1) Direito de ausentar-se: trabalhadores migrantes devem poder ausentar-se
temporariamente do país de emprego, sem que isso afete sua condição de
permanência para residir ou trabalhar, respeitadas as condições em que tais
ausências são autorizadas (artigo 38).
2) Liberdade de ir e vir: fica garantida a liberdade de movimento dentro do território
do Estado onde trabalham, bem como ter a possibilidade de escolha do local de
residência (artigo 39).
94
Vide nota de rodapé n. 139.
44
3) Contrato contra violações no emprego: quando houver violações no contrato de
trabalho os trabalhadores migrantes poderão reportar o abuso às autoridades
competentes (artigo 54), e, se preciso for, ter direito a um tribunal justo, público,
independente e imparcial (artigo 18).
4) Direitos dos trabalhadores indocumentados: são garantidos os direitos
fundamentais aos trabalhadores nos artigos 8 a 35. Nos artigos 68 e 69 estão
expressas providências a fim de que seja combatida a exploração dos trabalhadores
migrantes.
Contudo, lamentavelmente, essa Convenção não foi ratificada pela maioria dos
países membros, e alguns que o fizerem, impuseram ressalvas aos seus artigos.
Atualmente, a Convenção encontra-se ratificada por 41 países, entre eles, países
das Américas Central e Latina e países da África.
No entanto, o que se verifica é que não a presença de países desenvolvidos, tais
como Estados Unidos e Canadá, na América do Norte ou Espanha, Itália e Japão,
países de origem de uma numerosa população de trabalhadores migrantes do
século passado. Até mesmo países em desenvolvimento como o Brasil estão
ausentes.
Para reverter este quadro, e garantir que o trabalhador migrante tenha seus direitos
efetivados, uma campanha mundial está sendo realizada com o apoio de agências
intergovernamentais e organizações internacionais, a fim de que a exploração de
trabalhadores migrantes irregulares diminua sensivelmente nos próximos anos.
95
2.2 Organização Internacional para Migrações (OIM)
96
95
Maiores informações encontram-se disponíveis no site December 18: http://www.december18.net
/international-steering-committee-campaign-ratification-migrant-workers-convention. Acesso em 01 de
dezembro de 2009.
96
Todo o histórico, composição e atuais trabalhos podem ser conferidos no site da Organização:
http://www.iom.int/. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
45
Pouco conhecida, a Organização Internacional para Migrações (OIM) existe desde
dezembro de 1951 (iniciou suas operações no início de 1952), tendo sido criada logo
após a II Guerra Mundial com a finalidade ajudar os governos europeus a reassentar
11 milhões de pessoas deslocadas por conta da guerra, sendo que nesse período
providenciou transporte para quase um milhão de migrantes durante a década de
50. É guiada pelo princípio de que a migração de forma humana e organizada
contribui para o desenvolvimento mundial.
Inicialmente, foi denominada de Comitê Provisório Intergovernamental para o
Movimento de Migrantes da Europa (Provisional Intergovernmental Committee for
the Movement of Migrants from Europe - PICMME), mas uma sucessão de nomes
acompanhou sua história.
97
Sua Constituição foi aprovada em 19 de outubro de 1953 e entrou em
vigor em 30 de novembro de 1954. Após algumas alterações, em 14 de novembro
de 1989, teve reformulada sua nomenclatura, chegando à denominação atual. A
Organização possui personalidade jurídica e está sediada em Genebra, contando
com 125 Estados-Membros, até o momento.
Inicialmente criada para lidar com a logística das migrações, passou a desenvolver
um papel fundamental de debates e pesquisas ao longo do tempo, em uma atuação
conjunta com governos e sociedade civil para o avanço das questões migratórias,
encorajar o desenvolvimento social e econômico por meio da migração e promover a
dignidade humana e o bem estar dos migrantes.
98
97
A succession of name changes from PICMME to the Intergovernmental Committee for European
Migration (ICEM) in 1952, to the Intergovernmental Committee for Migration (ICM) in 1980 to the
International Organization for Migration (IOM) in 1989, reflects the organization's transition over half a
century from logistics agency to migration agency. Disponível em: http://www.iom.int/jahia/Jahia/
about-migration/migration-management-foundations/migration-his tory/migration-in-history. Acesso em
01 de dezembro de 2009.
98
Texto original: with governments and civil society to advance the understanding of migration
issues, encourage social and economic development through migration, and uphold the human dignity
and well-being of migrants”. Disponível em: http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-iom/history/lang/en.
Acesso em 01 de dezembro de 2009.
46
Possui três órgãos: o Conselho, o Comitê Executivo e a Administração, cada um
com sua especificidade e designações.
99
Os principais objetivos são: ajudar nos crescentes desafios operacionais do
gerenciamento de migrações; melhor entendimento das questões migratórias;
encorajar o desenvolvimento social e econômico por meio da migração; promover a
dignidade humana e o bem estar dos migrantes.
100
Os focos estratégicos da Organização elaborados o sempre no sentido de
promover o diálogo entre todos os atores envolvidos no processo migratório como
forma de solução de controvérsias. Entre outras ações, destacam-se: providenciar
serviços seguros, de confiança, flexíveis e de bom custo-benefício para pessoas que
necessitem de assistência para migrações internacionais, melhorar a gestão
humana e ordenada da migração e o efetivo respeito pelos direitos humanos em
acordo com as normas internacionais, oferecer informações, pesquisar e
cooperação técnica especializada, bem como assistência operacional aos Estados,
organizações intergovernamentais e não governamentais, com vistas a facilitar a
cooperação internacional, regional e bilateral nas questões de migração, contribuir
com o desenvolvimento econômico e social dos Estados por meio de pesquisas,
diálogo, projetos e implementações de programas relacionadas à migração,
objetivando uma maximização dos benefícios desse procedimento e ser a maior
99
The Council, on which each Member State has one representative and one vote, is the highest
authority and determines IOM policies; The Executive Committee, at present comprising 33 Member
States elected for two-year periods, examines and reviews the policies, operations and administration
of the Organization. The Standing Committee on Programmes and Finance (SCPF), which is open to
the entire membership, replaced the Subcommittee on Budget and Finance and will normally meet
twice a year to examine and review policies, programmes and activities and to discuss budgetary and
financial matters; The Administration, which comprises a Director General, a Deputy Director General
and such staff as the Council may determine, is responsible for administering and managing the
Organization in accordance with the Constitution and the policies and decisions of the Council and the
Executive Committee. The Director General, who is the Organization's highest executive official, and
the Deputy Director General are independently elected by the Council for a period of five (5) years.
Disponível em: http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-iom/constitution/lang/en. Acesso em 01 de
dezembro de 2009.
100
Texto original: “assist in meeting the growing operational challenges of migration management;
advance understanding of migration issues; encourage social and economic development through
migration; uphold the human dignity and well-being of migrants.” Disponível em:
http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-iom/mission/lang/en. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
47
referência na matéria migração, com informações, ações práticas, pesquisas,
colheita de dados, compatibilidade e compartilhamento.
101
Por meio de ações e programas, a OIM enfatiza que a migração pode trazer muitos
benefícios ao povo hospedeiro, sendo um deles a minimização dos impactos do
envelhecimento das populações dos países desenvolvidos, uma vez que a maioria
dos trabalhadores migrantes são jovens provenientes de países em
desenvolvimento.
Uma das bandeiras levantadas firmemente pela OIM é a da Cooperação
Internacional e é a própria Organização quem explica do que trata tal instituto, ao
trazer que o mesmo pode assumir inúmeras formas (de uma discussão informal e
compartilhamento de informações sobre os programas desenvolvidos até
cooperações operacionais mais formais) e complementa:
Cooperação pode ser bilateral, regional, inter-regional ou
internacional. Pode ocorrer entre Estados, Estados e organizações,
ou entre organizações. Processo de consultoria bilateral, regional, e
inter-regional são a chave para o desenvolvimento do
gerenciamento da migração cooperativa e contribui para a
cooperação em nível global. Existem muitos setores em que a
cooperação existe. Informações, tráfico, contrabando e imigração
irregular são exemplos.
102
Os benefícios mais imediatos dessa parceria são uma maior proteção ao migrante
trabalhador, a diminuição do número de recrutadores, que lucram com o tráfico de
pessoas e dos exploradores de mão de obra ilegal, uma vez que a proteção aos
direitos dos migrantes fica resguardada em maior nível. Outro benefício dos acordos
de cooperação internacional destacado pela organização é a possibilidade de
101
A lista completa com as 12 Strategic Focus encontra-se disponível no endereço:
http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-iom/mission/lang/en. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
102
Texto original: Cooperation may be bilateral, regional, interregional, or international. It may occur
between or among States, between States and organizations, or between organizations. Bilateral,
regional, and inter-regional consultative processes are key to the development of cooperative
migration management and contribute to cooperation at the global level. There are many sectors
where cooperation exists. Data, trafficking, smuggling, and irregular migration are examples.
Disponível em: http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-migration/migration-management-foundations
/international-cooperation/forms-international-cooperation/cache/offonce;jsessionid=E1BAB2B166107
968EDE3ABB50CD837FA.worker01. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
48
atividades de recrutamento para áreas específicas, protegendo assim tanto a mão
de obra nacional, quanto a migrante.
103
O Brasil ingressou na Organização dia 17 de junho de 2009, embora houvesse
sido aprovado pela Organização desde 2004, prestando-lhe colaboração, inclusive
financeira:
Para integrar a entidade, o Brasil comprometeu-se a contribuir
anualmente com o equivalente a 1,702% do orçamento
administrativo da OIM - cerca de 466,77 mil dólares -, valor a ser
repassado diretamente pelo Ministério do Trabalho, que terá uma
rubrica específica para esse gasto.
104
Sem dúvida, essa organização é de fundamental importância, pois lida diretamente
com os problemas migratórios que afetam o mundo todo, mas como as outras
organizações transnacionais, enfrenta a barreira da soberania, uma vez que suas
decisões podem ou não ser aceitas pelos Estados-membros.
2.3 Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Data do século XIX a criação de um organismo internacional capaz de atuar
simultaneamente em diversos países, com vistas à proteção do trabalho. Foram as
condições penosas de trabalho, agravadas pela Revolução Industrial, que fizeram
com que alguns juristas da época repensassem a legislação trabalhista vigente,
embasados pelas ideias sociais que eclodiam à época.
Cronologicamente, fue el industrial inglés Roberto Owen quien lanzó
la Idea de uma acción internacional, proponiendo la creación de una
Comisón Del Trabajo ante el Congreso de la Santa Alianza em 1818.
Pero las propuestas iniciales acerca de uma legislación internacional
fueron expuestas por el inglês Charles Hindley, el belga Edouard
Decpétiaux, los franceses J. A. Blanqui, Lois René Villarme y, sobre
todo, el industrial Daniel Lê Grand. Este último, a partir de 1844, hizo
103
Disponível em: http://www.iom.int/jahia/Jahia/about-migration/migration-management-
foundations/international-cooperation/forms-international-cooperation/cache/offonce;jsessionid=
E1BAB2B1661079 68EDE3ABB50CD837FA.worker01. Acesso em 01 de dezembro de 2009.
104
Disponível em: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/136537.html. Acesso em 03 de
dezembro de 2009.
49
uma serie de llamamientos y formulo proyectos concretos dirigidos a
distintos gobiernos, tendiente a ‘proteger a la classe obrera contra el
trabajo precoz y excesivo’ a fin de impedir, a la vez, su explotación y
la competência comercial entre los países, basada em la imposición
de condiciones de trabajo diferentes em cada uno de ellos.
105
Assim, foi criada uma Comissão de Legislação Internacional do Trabalho, composta
por governos, sindicalistas e universitários. Esta sessão foi presidida por Samuel
Gompers (dirigente máximo da Federação Americana do Trabalho). Nesta ocasião,
a Comissão apresentou um projeto sobre a criação da OIT, cujo principal objeto
seria a elaboração de um sistema normativo internacional, incluindo as cláusulas
trabalhistas, que deveriam ter caráter de princípios fundamentais.
106
Este projeto, tal
como foi adotado pela Conferência de Paz, foi inserido como a Parte XIII do Tratado
de Versalhes, concluído em 1919.
Dessa forma, ao final da Primeira Guerra Mundial, por meio da Conferência de Paz
(1918), foi criada a OIT. Sua Constituição traz no preâmbulo uma lista dos temas
que necessitavam de ações urgentes. Esta instituição prima pela paz social e busca
a sua concretização através da promoção do Trabalho Decente nas suas mais
variadas manifestações, quer seja combatendo a discriminação, quer seja buscando
a erradicação do trabalho infantil.
O texto em vigor da Constituição da Organização Internacional do Trabalho foi
aprovado na 29ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Montreal – 1946)
e tem, como anexo, a Declaração referente aos fins e objetivos da Organização, que
fora aprovada na 26ª reunião da Conferência (Filadélfia 1944), à luz dos efeitos da
Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. Nesta ocasião os fins da OIT
foram atualizados, houve um desenvolvimento no conceito de atuação da
Organização sobre a base da relação existente entre os problemas decorrentes do
trabalho, os sociais, econômicos e financeiros.
105
VON POTOBSKY, Geraldo & BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización Internacional
del Trabajo. 1ª. reimpressão. Buenos Aires: Astrea, 2002. p. 4.
106
“Estos principios, que las Altas Partes contratantes estimaban de importancia especial y urgente,
eran, resumidamente: el trabajo no debe considerarse simplemente com uma mercancía; el derecho
de asociación de empleadores y trabajadores; el pago de salário que asegure um nível de vida
conveniente; la jornada de ocho horas o cuarenta y ocho horas semanales; el descanso semanal; la
supresión Del trabajo de los niños y la reglamentación del trabajo de los menores; salário igual por
trabajo de igual valor; trato econômico eqüitativo para los trabajadores extranjeros; organización de
um servicio de inspeción.Ibid., p. 6.
50
Nessa nova perspectiva a meta principal da OIT passa a ser perseguir su bienestar
material y su desarrollo espiritual em condiciones de libertad y dignidad, de
seguridad econômica y en igualdad de oportunidades”.
107
Atualmente algumas emendas à Constituição da OIT foram propostas e aguardam
ratificação, sendo a fórmula atual a aceitação por dois terços dos países membros,
sendo que pelo menos 5 dentre os 10 países com maior importância industrial
devem aceitar as mudanças.
108
Quanto à sua estrutura, a OIT é a única a possuir uma estrutura tripartite, em que
representantes dos trabalhadores, empregadores e governo participam de forma
igualitária, objetivando a paz social, garantindo decisões mais justas e equilibradas.
Em 1969, em seu 50º aniversário, a Organização foi agraciada com o Prêmio Nobel
da Paz. Em seu discurso, o então presidente do Comitê do Prêmio Nobel afirmou
que a OIT era "uma das raras criações institucionais das quais a raça humana podia
orgulhar-se".
109
Em 1998, após o fim da Guerra Fria, foi adotada a Declaração da OIT sobre os
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento. O documento é
uma reafirmação universal da obrigação de respeitar, promover e tornar realidade os
princípios refletidos nas Convenções fundamentais da OIT
110
, ainda que não tenham
sido ratificados pelos Estados Membros.
107
VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización Internacional
del Trabajo. 1ª. reimpressão. Buenos Aires: Astrea, 2002. p. 7.
108
A partir de 1974 se debatieron intensamente en el seno de la Organización determinados
problemas relativos a su estructura y el funcionamiento de la Conferencia y el Consejo de
Administración. (...). En la 72ª reunión de la Conferencia, celebrada em 1986, se adoptaron lãs
respectivas enmiendas a la Constitución, (...). Las modificaciones introducidas atañen a la
composición del Consejo de Administración (art. 7º, Constitución), el nombramiento del Director
General (art. 8º), el quorum de la Conferencia (art. 17) y la mayoría necesaria para enmendar la
Constitución (art. 36). Ibid., pp. 13-14.
109
http://www.oitbrasil.org.br/inst/hist/index.php - Acesso em 04 de março de 2009.
110
o oito as Convenções fundamentais da OIT: Convenção n.º 29 sobre o Trabalho Forçado, de
1930; Convenção 87 – Sobre Liberdade Sindical e proteção do direito sindical, de 1948; Convenção
98 – sobre direito de sindicalização e de Negociação Coletiva, de 1949; Convenção 100 – sobre
igualdade de remuneração, de 1951; Convenção 105 – sobre a Abolição do Trabalho Forçado, de
1957; Convenção 111 – sobre a discriminação (emprego e profissão), de 1958; Convenção 138 sobre
a idade mínima ao trabalho, de 1973; e finalmente, Convenção 182 – sobre as piores formas de
51
Desde 1999, a OIT trabalha pela manutenção de seus valores e objetivos em prol de
uma agenda social que viabilize a continuidade do processo de globalização através
de um equilíbrio entre objetivos de eficiência econômica e de equidade social.
111
No Brasil, a OIT tem mantido representação, desde 1950, com programas e
atividades que têm refletido os objetivos da Organização ao longo de sua história.
Segue atuando na promoção dos quatro objetivos estratégicos da Organização com
atividades próprias e em cooperação com os demais escritórios, especialmente o
regional sediado em Lima, e o central, localizado em Genebra, na concepção e
desenvolvimento de programas, projetos e atividades de cooperação técnica no
Brasil. Essas atividades visam o aperfeiçoamento das normas e das relações
trabalhistas, e das políticas e programas de emprego e formação profissional e de
proteção social.
112
Para viabilizar seus projetos, desde sua criação a OIT conta, em sua estrutura, com
três órgãos principais: o Conselho de Administração, a Conferência Internacional do
Trabalho e a Repartição Internacional do Trabalho ou Secretariado (escritório
central), localizado em Genebra, sendo, portanto, uma estrutura também tripartite.
trabalho infantil, de 1999. Disponível em: http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/
rules/organiza.htm. Acesso em: 31 de maio de 2009.
111
Os anos 90 foram marcados por uma certa retração nos propósitos da OIT, talvez em
consequência do império do Neoliberalismo e de políticas privatizantes, flexibilizadoras e
desregulamentadoras, estas últimas do ponto de vista trabalhista. Neste sentido, a Organização
reconheceu alguns poucos de seus princípios como princípios fundamentais no trabalho,
estabelecendo que deveriam ser reconhecidos pelos seus Estados-Membros, independentemente de
ratificação das convenções relativas a eles. (GOMES, Ana Virgínia Moreira; BERTOLIN, Patrícia
Tuma Martins. O Significado da Declaração de Princípios e direitos Fundamentais dos Trabalhadores
na posição da OIT como Organização Internacional capaz de garantir um conteúdo laboral no
processo de globalização. In Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, 2005, ano 31, 119).
Contudo, nos anos seguintes, a OIT passou a se concentrar, como decorrência do seguimento da
Declaração de 1998, nos programas de ação para a efetivação daqueles direitos, paralelamente à
construção do conceito de Trabalho Decente, que aparece como a principal diretriz desta organização
para o atual momento econômico.
112
No contexto de promoção do Trabalho Decente, a OIT Brasil oferece cooperação técnica aos
programas prioritários e reformas sociais do Governo brasileiro, incluindo o Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo, Fome Zero, Primeiro Emprego e diversos programas
governamentais e não governamentais de erradicação e prevenção do trabalho infantil, de combate à
exploração sexual de menores; de promoção de igualdade de gênero e raça para a redução da
pobreza, da geração de empregos, de fortalecimento do diálogo social e de programas de proteção
social”. Estas e outras informações a respeito desta Agência especializada da ONU constam do site
oficial do Escritório da OIT no Brasil. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php.
Acesso em 06 de março de 2009.
52
Conta ainda, com cinco escritórios regionais e vinte e seis escritórios de área (entre
eles o do Brasil), também, com doze equipes técnicas multidisciplinares de apoio a
esses escritórios e onze correspondentes nacionais que cuidam da execução e
administração dos programas, projetos e atividades de cooperação técnica e de
reuniões regionais, sub-regionais e nacionais.
113
O Conselho de Administração, órgão dirigente, é composto por 56 membros, dos
quais 28 são representantes de governos, 14 de empregadores e 14 de
empregados, formando o conhecido tripartismo imperfeito.
dois grupos de representantes dos governos. O primeiro é os dos países
considerados com maior importância industrial (e agrícola) e são: Alemanha, Brasil,
China, Estados Unidos, França, Índia, Itália, Japão, Reino Unido e União Soviética.
Os 18 restantes são eleitos a cada 3 anos pelos delegados da Conferência. O
presidente do Conselho tem um mandato com duração de 1 ano e, regra geral, é
representante do governo, enquanto os vices são representantes dos empregadores
e trabalhadores.
114
As reuniões do Conselho acontecem três vezes por ano. Por meio delas são
designadas as ações que deverão ser executadas pelo Diretor-Geral.
A função da Conferência Internacional é a discussão e a adoção de instrumentos
internacionais de caráter normativo (Convenções e Recomendações), bem como o
controle das convenções ratificadas. Dela também provém a Memória do Diretor,
que permite aos delegados a exposição da situação econômica e social de seus
países, de acordo com o tema da Memória e, ainda, a expressar seus pontos de
vista.
115
O Secretariado possui um estatuto internacional próprio, impedindo que os
trabalhadores de lá, provenientes de diversos países, recebam ordens de seus
governos. Tudo é centralizado nesse setor, que distribui todas as informações
113
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php. Acesso em 06 de março de 2009.
114
VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización Internacional
del Trabajo. 1ª. reimpressão. Buenos Aires: Astrea, 2002. p. 11.
115
Ibid., pp. 9-10.
53
acerca das normas de trabalho e condições sociais no mundo, realiza estudos e
prepara a documentação para a Conferência, o Conselho e demais reuniões, além
de outras tarefas.
116
Com relação aos métodos de ação da OIT, “podem reunir-se em 3 grupos principais:
o normativo, o de cooperação técnica e a investigação. Essas actividades têm
vínculos estreitos e se complementam”.
117
Potobsky e Bartolomei de La Cruz explicam o que seja a cooperação técnica:
La cooperación técnica es concedida a petición del país interessado,
se realiza com su colaboración, debe integrarse en un programa de
conjunto y tener un efecto multiplicador. El campo de acción se
concentra en la formación profesional, el empleo y el desarrollo,
incluidas las actividades sectoriales, las condiciones y el medio
ambiente de trabajo, las relaciones profesionales, la legislación del
trabajo, la administración del trabajo, la seguridad social, la
educación obrera y la ayuda a las organizaciones de empleadores.
118
Quanto aos estudos e investigações realizados pela OIT ”están destinados en gran
parte a servir de base para su labor normativa y de cooperación técnica, así como
para difundir informaciones y conocimientos relativos a los problemas sociales y
económicos que se presentan en un mundo en rápida evolución.
119
Com relação aos documentos produzidos pela Organização encontram-se
Recomendações, Tratados e Convenções. A Recomendação destina-se a
comunicar os Estado-membros que adotem medidas legislativas ou de outra
natureza para lhes darem aplicação efetiva. Trata-se de um guia para uma ação
nacional acerca da matéria tratada. a Convenção (ou Tratado tradicional) cria
uma obrigação jurídica internacional, relativa ao seu cumprimento e aplicação, para
as partes que o ratificam.
120
116
(...) efectúa estúdios e investigaciones, tareas de cooperción técnica (por medio de sus
funcionarios o, más generalmente, de expertos contratados), evacua consultas, publica trabajos y
revistas, asegura el secretariado de las reuniones. VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA
CRUZ, Héctor. La Organización Internacional del Trabajo. Reimpressão. Buenos Aires: Astrea,
2002. p. 12
117
Ibid., p. 19.
118
Ibid., p. 21.
119
Ibid., p. 22.
120
Ibid., p. 24.
54
Estes documentos são de extrema importância no desenvolvimento de novas
políticas adotadas pela OIT, como no combate à pobreza, ao desemprego, à
discriminação e tantas outras.
O Brasil têm ratificado inúmeras Convenções e muitas são as ações em andamento
no país, criadas e desenvolvidas pelo escritório brasileiro da organização. Entre
essas ações destaca-se a adoção de Agendas de Trabalho Decente, objetivando
melhores condições de trabalho e a redução do desemprego e desigualdades
sociais no país, no cenário contemporâneo conforme demonstrado no capítulo 1.
A atividade normativa da OIT, além de ser um objetivo, é o motivo principal pelo que
foi criada. A principal fonte de custeio (recursos) é o PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento), depois, em menor medida, o FNUAMP (Fundo das
Nações Unidas para Atividades em Matéria de População).
121
No Brasil, desde 1999, a OIT trabalha pela manutenção de seus valores e objetivos
em prol de uma agenda social que viabilize a continuidade do processo de
globalização através de um equilíbrio entre objetivos de eficiência econômica e de
equidade social.
A definição do que seja Trabalho Decente enunciada pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) compreende o trabalho adequadamente remunerado, produtivo,
exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas
de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem
do seu trabalho.
122
A OIT traz ainda sobre o que seja Trabalho Decente: um trabalho que garanta uma
remuneração suficiente para homens e mulheres adultos, para que as famílias não
tenham que recorrer ao trabalho infantil para garantir níveis mínimos de
subsistência. Um trabalho que garanta proteção social nos impedimentos ao
121
VON POTOBSKY, Geraldo; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, Héctor. La Organización Internacional
del Trabajo. 1ª Reimpressão. Buenos Aires: Astrea, 2002. p. 21.
122
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php. Acesso em: 30 de novembro de
2009.
55
exercício do trabalho (desemprego, doença, acidentes, entre outros), assegure
renda ao chegar à época da aposentadoria, no qual os direitos fundamentais dos
trabalhadores e trabalhadoras sejam respeitados. Trabalho Decente é também um
trabalho livre de qualquer forma de discriminação.
123
Tais premissas são divulgadas pela OIT em diversos documentos, tais como
Agendas e Convenções. Além disso, são realizados inúmeros Fóruns e
Conferências com o escopo de promover o Trabalho Decente ao redor do mundo,
principalmente em países que se encontram em uma zona cinzenta, intermediária,
como é o caso do Brasil, que padece de ficits de Trabalho Decente, não tem
condições de integrar o grupo dos países desenvolvidos, mas, no entanto, não
chega a integrar o grupo das nações miseráveis, constituindo-se, assim, em um
celeiro de grandes disparidades em termos de desigualdades sociais.
Este instituto, do Trabalho Decente, é calcado em quatro eixos centrais, quais
sejam:
a) criação de empregos de qualidade;
b) extensão da proteção social;
c) promoção e fortalecimento do diálogo social e;
d) respeito dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, trazidos pela
Declaração de Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho da OIT (1998).
124
Devem tais princípios ser respeitados por todos os Estados-membros da
Organização Internacional do Trabalho, independentemente de terem eles ratificado
as Convenções Internacionais respectivas.
Entretanto, o que se verifica na prática, é a falta de meios coercitivos efetivos desse
organismo internacional em fazer valer as normas por ele apregoadas. Não
123
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php. Acesso em: 30 de novembro de
2009.
124
São princípios e direitos fundamentais adotados pela OIT (item “d”): liberdade de associação e de
organização sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva (Convenções 87 e
98); Eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (Convenções 29 e 105);
Abolição efetiva do trabalho infantil (Convenções 138 e 182) e; Eliminação da discriminação em
matéria de emprego e ocupação (Convenções 100 e 111). Disponível em
http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php. Acesso em 06 de julho de 2008.
56
sanções reais. Brian A. Langille traz uma alegoria que exemplifica muito bem, esta
situação. Para ele, a OIT não passa de um tigre que morde, mas não tem dentes.
125
Ou seja, não como comparar a falta de força coercitiva deste organismo com a
presença marcante presente em outros, como a Organização Mundial do Comércio,
o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial. Tal fato pode ser comprovado,
inclusive, pela não obrigatoriedade de os Estados-membros ratificarem as normas
internacionais de trabalho.
Neste contexto, a OIT, apesar de declarar a intenção de resgatar a dignidade da
pessoa humana, na condição de trabalhador, como forma de reduzir o nível de
pobreza e ao mesmo tempo implementar outros direitos e valores por ela difundidos,
tem muitas dificuldades de implantar suas decisões.
Como bem aponta John Sobrino:
... a pobreza no primeiro mundo é compreendida em termos de uma
distância relativa aos padrões de bem-estar obtidos outrora que hoje
são vistos com menor freqüência, mantendo-se uma referência
positiva, enquanto na América Latina a mais clara referência ao
conceito de pobreza é extremamente negativa, a morte, para os
pobres deste continente a maior tarefa é manterem-se vivos. Os
pobres seriam as pessoas cujas próprias vidas são ameaçadas pelas
estruturas sócio-econômicas.
126
(tradução livre da autora)
O objetivo dos programas voltados à efetivação do Trabalho Decente é reduzir as
desigualdades sociais ao menor índice possível e proporcionar melhores condições
de vida, por meio da concretização dos direitos humanos fundamentais no trabalho,
conforme estabelecido pela OIT.
125
LANGILLE, Brian A. Pra que serve o Direito Internacional do Trabalho? In Revista de Direito do
Trabalho. Ano 33, Editora RT, 2007. p. 189.
126
"To put in systematic terms poverty in the First World is understood in terms of relative distance
from certain Standards of human well-being that have been realized in the past but that are now seen
less and less frequently. The frame of reference continues to be positive a degree of well-being
attained once upon a time and still attainable. In Latin America, however, the most obvious and
spontaneous frame of reference for the concept of poverty is not something positive, but something
negative in the extreme: death. In our countries, concrete poverty is misery verging on death. The
poor are those whose greatest task is to try to survive. The poor are those whose concrete lives are
threatened by socio economic structures." (não destacado no original) SOBRINO, John. Spirituality
of Liberation – Towards a Political Holiness. Orbis Books, New York, 1988. p. 159.
57
Mais do que simplesmente conferir ao trabalhador “poder de compra”, o direito a um
trabalho digno gera na pessoa por trás do trabalhador um sentimento de inserção,
de participação no sistema em que vive, de realização pessoal. Mais ainda, é
garantidor de sua própria subsistência e de sua família, além de ser um meio para
realização de outros direitos, como lazer, educação, saúde e moradia.
A promoção do Trabalho Decente é uma dimensão fundamental dos esforços para a
superação da pobreza e da desigualdade social e para a garantia da
governabilidade democrática. Nesse sentido, o Trabalho Decente também é um
objetivo político.
127
O Brasil tem um sistema constitucional garantidor de direitos sociais aos
trabalhadores, além da igualdade, contemplada como princípio, mas isso não basta
para que tais direitos sejam efetivos na prática e possibilitem uma melhora na
qualidade de vida.
A condição de pobreza absoluta em diversos países origem tem sido a responsável
pela chegada e permanência de grande contingente de imigrantes; muitos deles na
condição de ilegais.
Tais imigrantes saem de seus países cheios de esperança, mas, sobretudo os
ilegais, acabam por sujeitar-se a condições desumanas de vida e de trabalho, uma
vez que a condição de imigrante ilegal não lhes permite o acesso ao mercado de
trabalho brasileiro em condições de igualdade. Ante a absoluta carência de recursos
materiais para regressarem a seus países de origem e a falta de alternativa,
sujeitam-se necessariamente a trabalhos degradantes.
Neste contexto, a OIT procura promover a dignidade da pessoa humana, na
condição de trabalhador, e por meio do trabalho, como forma de reduzir o vel de
desigualdades sociais e melhora da qualidade de vida, ao mesmo tempo, que
objetiva a concretização de outros direitos e valores por ela difundidos em prol dessa
categoria.
127
Trabalho Decente e Desigualdade Racial no Brasil. 20 de novembro de 2006. p. 01 Disponível em:
http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php. Acesso em 06 de julho de 2008.
58
Em relação ao Estado este ainda é, inclusive no Brasil, por mais que as grandes
empresas transnacionais o estejam substituindo, o principal agente econômico, além
de regulador e planejador da política econômica vigente, por isso, é necessário
traçar caminhos que garantam a plena atividade estatal nesta área, conjugados a
uma completa efetivação dos Direitos Humanos Fundamentais, vez que tais direitos
influem diretamente no plano econômico.
Num mundo globalizado, onde não fronteiras, o capital também é
internacionalizado e juntamente com essas transformações, ocorre um aumento no
fluxo migratório de trabalhadores.
Não como esquivar-se do enfrentamento desses novos desafios que se
apresentam dia-a-dia, e chamam a repensar os dogmas jurídicos há muito tempo em
vigor.
Maurício Godinho Delgado afirma:
Devemos repudiar a idéia de que não saída, e ao contrário, do
gesto e da fatídica frase de Vargas, combatermos com vigor o sinal
de que o tiro de misericórdia foi dado; e a história, para toda a
eternidade, consagra a morte anunciada do direito do trabalho, pois
enquanto houver capitalismo no mundo é a legislação social
protetora que pode evitar a barbárie da exploração dos trabalhadores
sem limites éticos e humanitários. O direito do trabalho reduz os
níveis de intolerância social do capitalismo.
128
O Direito do Trabalho tem na sua origem o gene da proteção social, uma vez que
seu objetivo é diminuir as enormes disparidades existentes no ambiente laboral,
proporcionando aos que vivem do trabalho uma existência digna.
O Direito deve ser usado como instrumento para alcançar a justiça social. o se
pode simplesmente aceitar determinadas situações, sem o devido questionamento
128
DELGADO, Mauricio Godinho. Globalização e Hegemonia: cenários para a desconstrução do
primado do trabalho e do emprego no capitalismo comtemporâneo. In PAIXÃO, Cristiano;
RODRIGUES, Douglas Alencar; CALDAS, Roberto de Figueiredo (Coords.). Os novos horizontes do
Direito do Trabalho: homenagem ao Ministro José Luciano de Castilho Pereira. S.P.: LTr., 2005. p.
334-335.
59
do que pode ser feito para que seja alterado o quadro de injustiças praticadas em
nome de um suposto desenvolvimento.
O estudo dos movimentos migratórios, a edição de novas normas que tratem do
assunto, bem como a observância das normas internacionais existentes sobre o
assunto, torna-se fundamental para que um desenvolvimento integral um
desenvolvimento econômico com preocupações sociais - aconteça.
60
3 Migrações no Brasil
Diante de todas as transformações pelas quais o Estado tem passado, conforme
demonstrado nos capítulos anteriores, a migração apresenta-se para muitos como a
única saída na busca pela sobrevivência. Contudo, na condição de migrante, sem
proteção legal adequada, essa pessoa padece com o serviço informal e a condição
de semi-escravidão.
Todo o processo de reestruturação produtiva, a busca por maiores lucros e
necessidade de reduzir custos para se tornar competitivo no mercado, faz com que
direitos básicos do trabalhador sejam deixados de lado, direitos esses que tiveram
um processo intenso e difícil para seu reconhecimento e positivação.
O direito a um ambiente de trabalho saudável, férias, remuneração das horas extras
trabalhadas e outros direitos previstos na Constituição Brasileira e nas
Consolidações das Leis Trabalho (CLT) se por um lado, podem aparentar uma
ampla proteção do trabalhador, por outro, acabam por ser tomados por alguns como
o encarecimento do custo da contratação e manutenção do trabalhador, por isso,
simplesmente, são ignorados, como se nunca tivessem existido.
Neste contexto, torna-se cada vez mais difícil conseguir um trabalho que seja
exercido em condições dignas, principalmente quando se tem vistas para o
trabalhador migrante, que é mais vulnerável que o trabalhador nacional por não
contar com a proteção legal que este tem garantida.
A mão de obra do trabalhador migrante é mais barata por não ser regulamentada de
maneira mais eficiente, tornando-se cada vez mais utilizada nos meios comerciais.
Por conta desses fatores pode haver, e há o desenvolvimento de um ambiente
propício a manifestações de intolerância e xenofobia.
A reação aos imigrantes, bem como à imigração interna, resulta em
parte da crença ou, de qualquer forma, da afirmação de que os
recém-chegados estão ocupando empregos que pertencem
propriamente aos trabalhadores residentes na região. O fato de que
61
muitos dos migrantes, se não a maioria, pegam empregos para os
quais os trabalhadores residentes não estão disponíveis ou que
estes não procuram mais fica sem menção. (...) Uma outra reação
negativa bastante cultivada é étnica e social acredita-se que os
recém-chegados tragam à comunidade estabelecida uma cultura
racial, religiosa, familiar, higiênica ou cívica diferente e supostamente
imperfeita.
129
O migrante que muitas vezes chega ao país regularmente, com visto de entrada na
categoria “turista”
130
, mas decide aqui permanecer, em condições de ilegalidade, fica
impossibilitado de ter acesso ao mercado formal de trabalho, mais do que isso, fica
excluído de qualquer proteção social.
Com o aumento da política de globalização, a partir dos anos noventa, houve um
aumento do fluxo migratório de bolivianos para o Brasil, no entanto, é clara a
inserção precária destes na sociedade brasileira, uma vez que, na condição de
ilegais, os empregos que encontram (flexíveis, precários e mesmo análogo ao de
escravo) são resultantes de um processo de reestruturação produtiva.
Com a globalização econômica, diminui a capacidade do Estado de controlar as
atividades do mercado global, diluindo as fronteiras e aumentando o fluxo de
capitais, mercadorias, valores, informações e tecnologias, mas, ao mesmo tempo,
aumentam os controles sobre a circulação de pessoas.
131
Consequência disso tudo
é a reestruturação do mundo do trabalho.
Assim, a migração para países que oferecem melhores condições de vida, passa a
ser o destino de muitos trabalhadores excluídos do processo produtivo em seus
países de origem.
129
GALBRAITH, John Kenneth. A Sociedade Justa: uma perspectiva humana. Rio de Janeiro:
Campus. 1996, p. 104-105, apud BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. A (livre) circulação de
trabalhadores no Mercosul. Tese de Doutoramento-USP, 2000. p. 39.
130
Art. - A admissão do estrangeiro no território nacional far-se-á mediante a concessão de visto: I
- de trânsito; II - de turista; III - temporário; IV - permanente; V - de cortesia; VI - oficial; e VII -
diplomático. (grifo nosso). DECRETO N
o
86.715, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1981.
131
MORAIS, Paulo Tadeu. A imigração limítrofe e os bolivianos indocumentados na Grande o
Paulo: os efeitos simbólicos das mudanças de práticas sociais. Secretaria de Estado da Educação de
São Paulo. Disponível em: www.reseau-amerique-latine.fr/ceisal-bruxelles/MS-MIG/MS-MIG-1-Morais.
pdf. Acesso em 17 de dezembro de 2009.
62
O Brasil sempre estimulou a vinda de estrangeiros, ainda que tendo em vista
específicas políticas estabelecidas em cada período histórico, muitas vezes, criando
uma expectativa de que haveria, aqui, uma maior chance de conseguir bons
empregos e situações confortáveis de subsistência.Contudo, nas últimas décadas,
esse movimento migratório aumentou em decorrência de fatores como a
globalização, por exemplo.
Tomaremos o caso dos bolivianos que se transferem para o Brasil, e aqui
permanecem, ilegalmente, a título de exemplificar o tema objeto deste trabalho.
3.1 Bolivianos em São Paulo
132
A imigração boliviana para o Brasil remonta à cada de 50, quando foi firmado um
acordo entre Brasil e Bolívia para incentivar o intercâmbio de estudantes, que em
sua maioria eram universitários. Foi na década de 80, contudo, que a imigração
passou de possibilidade a oportunidade, uma vez que a Bolívia atravessava
momentos de extrema dificuldade econômica, com altos índices de inflação e
desemprego em massa.
Muito embora nessa época a situação do Brasil também não fosse confortável (para
os economistas essa foi a chamada “década perdida”), ainda era vista como uma
terra de possibilidade de empregos, ou pelo menos, um lugar com maior
probabilidade de oportunidades do que no país de origem daqueles imigrantes.
132
Sobre o tema, vide: Câmara Municipal de o Paulo. Relatório Final da Comissão de Inquérito
Parlamentar sobre o Trabalho Escravo, 2006; CYMBALISTA, Renato; XAVIER, Iara Rolnik. A
comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Disponível em:
www.miurbal.net/documents/artigo_cadernos_metropole_Cymbalista_Rolnik.pdf ; MORAIS, Paulo
Tadeu. A imigração limítrofe e os bolivianos indocumentados na Grande São Paulo: os efeitos
simbólicos das mudanças de práticas sociais. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
Disponível em: www.reseau-amerique-latine.fr/ceisal-bruxelles/MS-MIG/MS-MIG-1-Morais.pdf; SILVA,
Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. In: ESTUDOS
AVANÇADOS 20 (57), 2006; Ministério do Trabalho e Emprego. http://www.mte.gov.br; ROSSI,
Camila Lins. Nas costuras do Trabalho Escravo. ECA/USP, 2005; AZEVEDO, Flavio Antonio Gomes
de. A Presença do Trabalho Forçado Urbano na Cidade de o Paulo: Brasil/Bolívia. Dissertação de
Mestrado. PROLAM/USP, 2005.
63
Mas foi durante a década de 90 que o número de imigrantes bolivianos com destino,
principalmente, para a cidade de São Paulo, aumentou de forma drástica, sendo
esta a cidade brasileira que hoje possui a maior colônia boliviana do país. De acordo
com números da Polícia Federal: em 1995, 255 bolivianos constavam das
estatísticas, já em 1999 atingiu 17.897 pessoas.
133
Essa quantidade, no entanto, não
deve ser tomada como único parâmetro, uma vez que é grande o número de
pessoas indocumentadas oriundas, na sua maioria, de regiões do interior da Bolívia.
Atualmente, não há um consenso sobre o tamanho da comunidade boliviana em São
Paulo. Enquanto o Consulado da Bolívia estima em 50 mil imigrantes ilegais, a
Pastoral dos imigrantes acredita que esse número chegue aos 70 mil, sendo 35 mil
só no bairro do Brás; já para o Ministério do Trabalho e Emprego, varia entre 10 e 30
mil; o Ministério Público estima em 200 mil bolivianos ao todo (legais e ilegais); o
Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, por sua vez, fala em 80 mil
trabalhadores irregulares, considerados tanto brasileiros, quanto bolivianos.
134
Uma vez no Brasil, firmam-se, principalmente no setor têxtil, como costureiros, em
oficinas, que na sua maioria, são clandestinas. A exploração desse povo se dá, na
maioria das vezes, por coreanos donos das confecções, mas também brasileiros
e até mesmo bolivianos que exploram esse contingente trabalhador.
Com relação aos coreanos, vale observar que eles, por sua vez, migraram na
década de 60, por conta de um acordo entre Brasil e Coréia do Sul. Este acordo foi
realizado tendo em vista a situação político-econômica em que se encontravam as
duas Coréias. Muitos norte-coreanos migraram para o sul em busca de
oportunidades e fugindo da situação em que se encontrava a outra Coréia.
Entretanto, não havia meios de o mercado local absorver todo o contingente
populacional recebido. Daí, através de um acordo de interesses econômicos, o
Brasil propôs a imigração como forma de ajuda ao país mencionado. Na primeira
leva de imigrantes, vieram aqueles oriundos da classe média, tais como médicos,
vendedores e militares.
133
CYMBALISTA, Renato; XAVIER, Iara Rolnik. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo
padrões de territorialidade. Disponível em: www.miurbal.net/documents/artigo_cadern
os_metropole_Cymbalista_Rolnik.pdf;
134
Ibid., pp. 5-6.
64
Quando chegaram ao país, mais especificamente em São Paulo, foram trabalhar
como vendedores de roupas para os judeus que se encontravam na região central,
nos bairros do Brás e da Luz (arredores da Rua José Paulino). Com o passar do
tempo, começaram a adquirir máquinas de costura e a confeccionar, eles mesmos,
as peças que venderiam, aumentando, assim, os lucros. Quando os judeus
começaram a investir em outros setores da economia, venderam suas lojas aos
próprios empregados coreanos. Consequência dessa transferência, sobraram vagas
como costureiros. Daí, o estímulo da imigração latino-americana para suprir esses
“novos” postos de trabalho.
135
Parte dos problemas enfrentados pela população migrante é a não integração da
Bolívia ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), que sua condição ainda é de país
associado, o que acaba por impedir que os trabalhadores tenham garantidos
direitos básicos
136
. Países como Paraguai e Venezuela, que são estados-membros,
garantem aos seus nacionais, enquanto trabalhadores, o livre tráfego entre a
fronteira desses países. Tal fato, entretanto, não ocorre com a nação boliviana.
A livre circulação de pessoas, [deve ser] entendida como a
possibilidade oferecida aos cidadãos de circular livremente pelo
território dos países membros, é ao mesmo tempo, direito
fundamental e exigência econômica de todo processo de
integração.
137
Muitos saem de seu país em busca de melhores condições de vida, e partem rumo
ao Brasil, sem ter a menor idéia das atrocidades de que serão vítimas, outros não se
sentem atingidos pelo trabalho precário e escravo, que as atuais condições que
possuem são um pouco menos precárias das que padeciam no interior da Bolívia.
135
RIBEIRO, Hélcio; DIAS, Vivian C. S. F. O Trabalho Decente na Sociedade do Risco: trabalho e
migração no Mercosul. In CRUSET, Maria Eugenia; RUFFINI, Martha (Coords.). Nacionalismo,
Migraciones y Ciudadanía: algunos aportes desde las ciencias sociales. Buenos Aires: Autores de
Argentina, 2009. pp. 254-255.
136
Em outubro de 2009 foi promulgado o Decreto n. 6.975, que autoriza a residência de Nacionais
dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul, mais Bolívia e Chile, por dois anos.
137
BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. A (livre) circulação de trabalhadores no Mercosul. Tese de
Doutoramento-USP, 2000. p. 113. A autora ainda complementa: “O direito à livre circulação permite a
qualquer trabalhador exercer qualquer profissão ou ofício dentro da região, com base no princípio da
igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros com relação ao acesso ao trabalho, às
condições de trabalho e à proteção social do país de acolhida”.
65
Há, na Bolívia, estações de rádio e jornais que anunciam vagas de trabalho no Brasil
e induzem os bolivianos a acreditar que suas vidas serão imensamente melhores,
com altos salários pagos em dólar.
Ainda na Bolívia, os “agentes” prometem aos trabalhadores casa, comida, diversão e
um salário digno. No entanto, somente para realizar a travessia da fronteira a
quantia a ser paga chega a US$ 160,00, se escolhido o caminho “mais seguro” que
passa por Ciudad Del Leste, isso, sem levar em conta outros custos decorrentes da
mudança.
138
Quando em solo brasileiro, alguns imigrantes conseguem progredir nos negócios e,
após algum tempo, montar suas próprias oficinas de costura. Passam então a
empregar os bolivianos de uma nova leva de imigrantes. Instala-se, com isso, um
círculo vicioso: o empregador reproduz com os recém-chegados as condições a que
foi submetido quando era costureiro. E assim, por terem laços familiares ou pela
própria condição de conterrâneos de seus empregadores, os novos imigrantes
sentem-se constrangidos em protestar quanto à sua condição. Mais do que isso, são
gratos àquele que lhes ofereceu trabalho e moradia, e têm a ideia de que lhes
devem, mais do que dinheiro, fidelidade. O que, como já foi dito, faz com que muitos
não se vejam como explorados.
Aqui, imaginam que irão encontrar nas oficinas de costura a possibilidade de fazer
algum dinheiro, mas a realidade nem sempre se traduz dessa forma. Os patrões
apreendem os documentos desses trabalhadores como garantia de que não serão
denunciados, nem que tentarão fugir.
Os imigrantes assumem, com os donos das oficinas, uma dívida de servidão, que
inclui a alimentação, moradia e instrumento de trabalho (aluguel da máquina de
costura). Até saldarem toda sua dívida, estão presos. Comem e dormem no mesmo
lugar em que trabalham, de modo que jornada pode chegar a 18 horas diárias.
138
SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. In: ESTUDOS
AVANÇADOS 20 (57), 2006. p. 169.
66
As oficinas, que antes se encontravam apenas em bairros centrais como Brás e Luz,
hoje se espalham por regiões mais afastadas, como Zona Leste, Zona Norte, bem
como por cidades do interior paulista (Americana, Campinas e outras).
Para não levantar suspeitas de vizinhos e transeuntes, alguns “cuidados” são
tomados para camuflar a oficina clandestina, tais como localização subterrânea, e
música latina tocada alta para que não se ouça o barulho das máquinas
funcionando. Aos trabalhadores, justificam a música alta, dizendo que é uma forma
de estarem em contato com sua cultura e raízes. Quanto a ficarem no subterrâneo
ou a necessidade de ficarem trancados pelo lado de fora quando o oficinista
(espécie de gerente) sai, justifica-se pela possibilidade de serem descobertos pela
Polícia Federal ou mesmo a proteção contra assaltos.
A soma de todos esses fatores, como dito, cria nos imigrantes uma falsa
sensação de que não vivem um regime de escravidão
139
. Mesmo porque, contam
com folgas aos domingos, quando podem se reunir com seus compatriotas,
participar de festas típicas e de associações religiosas, a fim de ter um pouco de
contato com a nação que ficou para trás.
139
Está disposto no artigo 149, do Código Penal Brasileiro: “Reduzir alguém a condição análoga à de
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão
de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa,
além da pena correspondente à violência. §1º Nas mesmas penas incorre quem: I cerceia o uso de
qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II
mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais
do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho”. A denominação “trabalho escravo”,
atualmente, refere-se a trabalho em condições análogas à de escravo, uma vez que não existe mais
a condição de escravo, desde que foi sancionada a Lei Áurea em 1888. Neste caso, verifica-se a
sujeição a condições degradantes de trabalho, que pode ser traduzido como aquele em que “não são
respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador. (...) em que a falta
de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de trabalho,
moradia, higiene, respeito e alimentação (...).”. BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho
com redução à condição análoga à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu
fundamento, a dignidade da pessoa humana. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coords.).
Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006, p. 132.
67
3.2 O trabalho dos bolivianos, a integração regional e a disciplina da questão
migratória no Brasil
O trabalho dos bolivianos aparece como funcional para o processo de integração
econômica da região, centrada na reestruturação produtiva, acumulação flexível e
na globalização neoliberal. O Estado, se não deseja estimular esse tipo de conflito,
também não procura evitá-lo de maneira enfática. O trabalhador migrante é o alvo
da polícia e, muitas vezes, também é tido como o causador de todos os problemas,
quando na verdade, é a vítima.
Nos últimos três anos, esforços conjuntos entre Ministério Público do Trabalho,
Superintendência do Trabalho vêm sendo realizados, no sentido de desmontar o
esquema de tráfico de pessoas para fins de trabalho. As ações têm mostrado
resultado positivo, apesar de um pouco tímido.
140
No entanto, quando buscamos
informações no Justiça do Trabalho, com relação ao pleito de direitos trabalhistas
não encontra-se um único acórdão a respeito do assunto, o que comprova, que
mesmo quando tirados da situação de exploração, esses trabalhadores não
recebem seus direitos, de acordo com a normativa trabalhista vigente. Com isso,
continuam estimulando a chegada de novos imigrantes, vez que, mesmo com os
revezes, são mão de obra barata.
140
“Quanto aos esforços da Administração blica do Trabalho (Ministério do Trabalho e Emprego),
estamos liderando um processo de diálogo social desde 2007 envolvendo diversos agentes sociais
entre órgãos governamentais, sindicatos, ONGs e outros participantes, todos relacionados com o
tema das migrações, do tráfico de pessoas e da exploração laboral desses migrantes. Em 2009
firmamos, no âmbito do MTE, o Pacto Estadual Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho
Decentes em São Paulo - Setor das Confecções, no qual cada um desses agentes sociais se
comprometeu a envidar todos os esforços no sentido de erradicar o trabalho análogo ao de escravo
nesse setor da economia. O compromisso assumido pela Superintendência Regional do Trabalho e
Emprego em São Paulo, como unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego e parte
firmante do Pacto, foi no sentido de intensificarmos as fiscalizações que visassem a detectar
situações de vulnerabilidade do trabalhador estrangeiro, em qualquer um dos elos da cadeia
produtiva têxtil de São Paulo, regularizando sua situação e responsabilizando adequadamente o elo
mais forte dessa cadeia produtiva. Nesse sentido estamos realizando visitas as oficinas de costura e
atuando principalmente nos grandes tomadores de serviço dessas oficinas. Recentemente tivemos
uma grande operação que resultou numa auditoria, ainda em curso, em uma grande magazine
comercializadora de produtos elaborados por alguns desses estrangeiros. Abaixo um link de matéria
feita pela ONG Repórter Brasil, também nossa parceira no Pacto, que bem ilustra a situação
encontrada pelos auditores fiscais do trabalho da equipe que realizou essa auditoria:
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1714”. (Entrevista com o Chefe da Seção de
Fiscalização do Trabalho Substituto, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São
Paulo, Renato Bignami em 16 de abril de 2010)
68
Presos ao princípio da nacionalidade os trabalhadores brasileiros tendem a ver o
trabalhador imigrante como inimigo ou como ameaça ao seu emprego, seja ele
formal, informal, precário ou terceirizado. É o princípio da nacionalidade, como
resposta à globalização, se sobrepondo à idéia de solidariedade cosmopolita.
O fenômeno da xenofobia
141
, que não é recente, vem ganhando força nas mais
diversas sociedades, haja vista a recente edição de Diretiva de Retorno da União
Européia (Return Directive). Essa diretiva coloca a condição do imigrante ilegal
como caso de polícia, prevendo prisão seguida de deportação para quem for
encontrado nessa situação irregular em qualquer dos países-membros. Nesse
sentido, muitos países se manifestaram, inclusive o Brasil, através de seu Ministério
das Relações Exteriores.
142
Tal fenômeno não é exclusividade do continente europeu. Por aqui, podem ser
sentidos os reflexos de uma sociedade que, não sabendo a quem culpar, culpa os
imigrantes. São eles os responsáveis pela falta de empregos, pela superlotação do
sistema público de saúde, bem como, pelo aumento das ondas de violência,
traduzidas atualmente, pelo ato terrorista.
143
141
Foi aprovado, no dia 02 de julho de 2009, na Itália, um projeto que criminaliza a imigração ilegal.
Entre outros, estabelece multa de 5 a 10 mil euros (por volta de 13,5 a 27 mil reais) a quem
permanecer no país, além de pena de até 3 anos de prisão a quem acolher um imigrante ilegal. A pior
parte fica por conta da criação de Patrulhas de Cidadãos, autorizados a pedir informações a qualquer
pessoa quanto à sua situação de permanência no país. Essas rondas não podem ter mais de 3
pessoas (todos maiores de 18 anos), nem portar armas ou animais. Alguns requisitos devem ser
cumpridos pelos integrantes: não podem consumir drogas ou álcool e devem apresentar certificado
psicológico de segurança social, não possuir passagem pela polícia, nem ser afiliado a partido
político. No entanto, fica clara a manifestação, mesmo que velada, de intolerância e xenofobia.
Informações disponíveis em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u607022.shtml. Acesso
em 17 de novembro de 2009.
142
Trecho da manifestação do Brasil em repúdio à Diretiva: O Brasil, país que deu acolhida a
milhões de imigrantes e descendentes hoje harmoniosamente integrados na sociedade brasileira,
lamenta uma decisão que contribui para criar percepção negativa da migração e vai no sentido
contrário ao de uma desejada redução de entraves à livre circulação de pessoas e de um mais amplo
e pleno convívio entre os povos”. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/imprensa
/nota_detalhe3.asp?ID_RELEASE=5553. Outro que expressou publicamente sua insatisfação com
essa lei foi o Presidente da Bolívia, Evo Morales, que escreveu uma carta em réplica à edição da
Diretiva.
143
“Outros aspectos que suscitam a resistência à aceitação dos imigrantes são o fato de serem
vistos, (...), como inflacionadores dos custos dos serviços sociais e de infra-estrutura nos lugares de
destino, e como uma ameaça permanente à estabilidade social e política da região de destino”. No
que diz respeito à utilização dos serviços sociais e de infraestrutura do país de destino pelos
migrantes, os estudos acerca do assunto permitem algumas constatações. Este costuma ser um dos
fatores que estimulam as migrações e também um custo para os países receptores, custo este
relativo, uma vez que os migrantes tendem a ser mais produtivos que a média dos trabalhadores e,
assim, contribuem para melhorar a capacidade local de custear os gastos com serviços e infra-
69
É fato que, hoje, ante a existência do Mercosul e a possibilidade de livre circulação
de trabalhadores, prevista no seu tratado constitutivo, a situação dos trabalhadores
estrangeiros provenientes dos outros países do bloco é bastante diversa da dos
demais trabalhadores imigrantes, em sua maioria ilegais, oriundos de países
periféricos.
No âmbito mais ampliado do Mercosul (que reúne Brasil, Paraguai,
Uruguai, Argentina e Venezuela; e tem como associados Bolívia,
Chile, Equador e Colômbia), foi firmada a Declaração de Princípios
Migratórios em maio de 2004, que estabelece que a irregularidade
migratória não é passível de punição penal. A negociação mais
importante sobre o tema, porém, diz respeito ao Acordo de
Residência. O instrumento que abre a possibilidade para que
pessoas nascidas em países do bloco possam obter uma residência
regular em outra nação mediante apenas a comprovação da
nacionalidade e a verificação de antecedentes penais ainda depende
da aprovação no Paraguai.
144
Como no campo de abrangência do Mercado Comum do Sul, não se estabeleceu
proteção adequada e ainda hoje a efetivação das recomendações da OIT sobre o
Trabalho Decente caminham lentamente, a situação do trabalhador imigrante fica
dependendo do apoio aleatório de comunidades religiosas, organizações não-
governamentais ou associações sem poder de pressão política.
145
O que se
observou nesse caso foi a necessidade de estabelecer um acordo bilateral entre
Brasil e Bolívia com o intuito de tentar regularizar a situação dos trabalhadores
oriundos deste país.
estrutura. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; BARUKI, Luciana Veloso Rocha Portolese; DIAS, Vivian
Christina Silveira Fernandez. Migrantes Clandestinos na região central de o Paulo: a inclusão
perversa. In BOGGIO, Paulo S.; Campanha, Camila (Orgs.). Família, Gênero e Inclusão Social. São
Paulo: Memnon, 2009. p.109.
144
Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1256. Acesso em 15 de outubro de
2009.
145
Em São Paulo a Pastoral do Migrante desenvolve um trabalho intenso junto às comunidades
latinas. Com sede na Rua do Glicério, região central de São Paulo, atende e acolhe imigrantes
oriundos de diversas partes do mundo, fornecendo orientações diversas e desenvolvendo programas
de qualificação profissional e apoio psicológico. Para maiores informações:
http://www.cpmigrantes.com.br. Além disso, pode-se observar a formação de grupos de debates no
meio virtual com vistas ao debate do tema. Sem dúvidas, um dos mais atuantes é o
Imigrantes_Visibilidade (que faz parte da Rede Imigrantes: que visibilidade queremos?), que reúne
representantes de órgãos governamentais, entidades não governamentais e sociedade civil com a
finalidade de buscar melhores condições e esse grupo minoritário, seja por meio da proposta de
ações coletivas (como a divulgação em praças acerca da Lei de Anistia), seja com discussões acerca
do desenvolvimento de projetos de lei. Para maiores informações:
http://br.groups.yahoo.com/group/imigrantes_visibilidade. Acesso em 03 de abril de 2010.
70
No ano de 2005 um acordo foi firmado entre Bolívia e Brasil a fim de regularizar a
situação de imigrantes ilegais que se encontrassem no país
146
. Para tanto, deveriam
ser preenchidos alguns requisitos, como permanência no país por tempo
determinado, antecedente criminal do país de origem e pagamento de multa por
permanecer além do previsto no visto concedido quando de sua entrada no Brasil. E
é justamente esse o entrave, o empecilho à maioria da população boliviana que se
encontra irregular no país. A multa estabelecida é de R$ 848,00 (oitocentos e
quarenta e oito reais), acrescido de valores correspondentes a gastos com cartórios
e documentos. No total, ultrapassa os R$ 1.000,00 (mil reais) por pessoa.
147
É evidente que a maioria dos imigrantes não possui meios de concretizar esse
processo de legalização, o que faz com que a lei se torne apenas mais uma num rol
de letras mortas e sem efetividade. A pena para quem não se regulariza é a
deportação, que não ocorre na maioria dos casos, por falta de fiscalização por parte
do governo brasileiro.
As dificuldades dos trabalhadores imigrantes da Bolívia no Brasil não decorrem de
um processo de “atraso”, decorrente das condições de produção no país no qual se
instalam ou de sua própria origem. Ela é fundamentalmente parte do próprio
processo de integração econômica inspirada no ideário neoliberal. O trabalho dos
imigrantes bolivianos em São Paulo se encaixa perfeitamente no quadro da
acumulação flexível e favorece o aumento dos lucros. Deste modo, percebe-se que
os imigrantes acabam se tornando peça fundamental do processo de implantação da
reestruturação produtiva pós-fordista.
É igualmente importante salientar a dificuldade que encontram os imigrantes
bolivianos na busca de proteção legal. O Mercosul não tratou a questão de modo
adequado, e hoje temos que a circulação dos trabalhadores não é livre, muito ao
contrário, ela está sendo cada vez mais coibida e lamentavelmente não se encontra
146
A íntegra do Acordo entre os dois países encontra-se disponível no site do Ministério do Trabalho
e Emprego. Disponível em: http://www.mte.gov.br/trab_estrang/acordo.pdf. Acesso em 15 de outubro
de 2009.
147
O Estatuto do Estrangeiro fixa as multas a serem pagas no Anexo - Tabela de Emolumentos e
Taxas.
71
nenhuma discussão ou estratégia dos sindicatos e centrais sindicais brasileiras para
o tratamento da questão.
A mundialização do capital favorece a livre circulação de mercadorias, dinheiro e
informação, mas o mesmo não acontece com a circulação de pessoas e
trabalhadores. Estes últimos continuam tendo seus direitos ligados ao Estado
nacional de origem, mas ao migrarem para outros países encontram barreiras
culturais, políticas e, principalmente, jurídicas para sua integração à nação que
escolheram como destino, provisório ou definitivo, de suas vidas.
No Brasil, a questão migratória esteve, por muito tempo, disciplinada pelo Estatuto
do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), concebido em um contexto extremamente
repressivo, de proibição à livre organização e à expressão e, portanto,
extremamente restritivo e burocratizante do processo de legalização dos
estrangeiros.
148
No mesmo contexto, a legislação trabalhista brasileira voltava-se à nacionalização
do trabalho, priorizando de modo indiscutível a mão-de-obra nacional. Como se
verifica nas disposições do Capítulo II, do Título II, da Consolidação das Leis do
Trabalho, que obriga as empresas que explorem serviços blicos a contarem com
um número mínimo de empregados brasileiros em seus quadros.
Muito embora a Constituição Brasileira de 1988 tenha estabelecido a igualdade
149
, a
realidade sócio-econômica tem colaborado para que aquela previsão nunca se
148
Em setembro de 2005 foi lançado o Anteprojeto da Nova Lei de Estrangeiros, a fim de substituir a
legislação em vigor desde 1980. No entanto, a nova proposta recebeu muitas críticas, pois além da
manutenção das restrições aos direitos políticos constantes do Estatuto vigente, o anteprojeto
tornou-se mais rígido, proibindo, inclusive a organização de compatriotas a fim de divulgar ideias e
programas de ação de partidos políticos do país de origem, organizar desfiles, comícios e reuniões de
qualquer natureza, ou deles participar (art. 119, I, II e IV). Além disso, privilegia a condição econômica
nas categorias de visto temporário. A íntegra do referido Projeto encontra-se disponível em:
http://www.brasil.indymedia.org/pt/blue /2005/09/330583.shtml. Acesso em 12 de novembro de 2009.
149
Dispõe a Constituição Federal em seu art. 5
o
: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
72
efetive, tendo, muitas vezes, o imigrante sido visto como a razão do desemprego
dos trabalhadores brasileiros.
Apesar desse cenário degradante, durante o ano de 2009 ocorreu algo digno de
nota. Em julho daquele ano foi aprovada e entrou em vigor a Lei n. 11961,
conhecida por Lei da Anistia. Com isso, inúmeros imigrantes ilegais tem a
possibilidade de regularizar sua situação de residência no país. O prazo para
requerimento finda em dezembro e a expectativa é de que, pelo menos 50 mil
pessoas sejam beneficiadas e atenderá as pessoas que entraram no país até de
fevereiro de 2008.
150
O artigo estabelece os requisitos imprescindíveis para que o migrante possa dar
início ao seu processo de regularização:
Art. 4
o
O requerimento de residência provisória deverá ser dirigido
ao Ministério da Justiça até 180 (cento e oitenta) dias após a
publicação desta Lei, obedecendo ao disposto em regulamento, e
deverá ser instruído com:
I - comprovante original do pagamento da taxa de expedição de
Carteira de Identidade de Estrangeiro - CIE, em valor correspondente
a 25% (vinte e cinco por cento) do fixado para expedição de
1
a
(primeira) via de Carteira de Identidade de Estrangeiro
Permanente;
II - comprovante original do pagamento da taxa de registro;
III - declaração, sob as penas da lei, de que não responde a
processo criminal ou foi condenado criminalmente, no Brasil e no
exterior;
IV - comprovante de entrada no Brasil ou qualquer outro documento
que permita à Administração atestar o ingresso do estrangeiro no
território nacional até o prazo previsto no art. 1
o
desta Lei; e
V - demais documentos previstos em regulamento.
Além disso, não é preciso arcar com taxas ou impostos decorrentes do período em
que estiveram ilegais, conforme disposto no artigo 5°:
150
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,lula-sanciona-lei-que-anistia-
estrangeiros-em-situacao-ilegal,396948,0.htm. Acesso em 10 de agosto de 2009. Em janeiro de 2010,
foi realizado o balanço da anistia 2009 e verificou-se que cerca de 43 mil estrangeiros tiveram sua
situação regularizada. Desses, cerca de 17 mil eram bolivianos. Disponível em: http://
portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA5F550A5ITEMIDBA915BD3AC384F6C81A1AC4AF88BE2D0PTBRN
N.htm. Acesso em 13 de abril de 2010.
73
Art. 5
o
Os estrangeiros que requererem residência provisória estarão
isentos do pagamento de multas ou de quaisquer outras taxas, além
das previstas no art. 4
o
desta Lei.
Por ocasião da solenidade de aprovação da referida lei, o Presidente Luís Inácio
Lula da Silva compareceu trajando uma túnica com estampas típicas de países
andinos e disse ser essa uma homenagem aos presentes. Por fim, disse que o
“trabalho e dignidade para o migrante é a resposta que o Brasil dá à intolerância dos
países ricos", atacando as recentes e recorrentes políticas de endurecimento na
recepção de migrantes por países desenvolvidos.
151
Dessa afirmação presidencial, bem como dos avanços impostos pela legislação,
pode-se verificar que, de certa forma, no problema identificado, o Poder Legislativo
despertou para o tratamento de tão relevante questão.
151
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,lula-sanciona-lei-que-anistia-
estrangeiros-em-situacao-ilegal,396948,0.htm. Acesso em 05 de julho de 2009.
74
Conclusões
A necessidade de repensar conceitos sedimentados que não mais se aplicam à
realidade social se mostra cada vez mais urgente. O Direito, como fenômeno
tipicamente social, precisa desenvolver-se de acordo com as mudanças da
sociedade e não à margem delas –, moldando-se aos problemas do momento e se
propondo a solucioná-los.
A migração, como forma de escapar dos problemas locais, como a fome, a pobreza
e falta de perspectivas, agravados pela inexistência ou insuficiência de políticas
sociais torna-se cada vez mais uma alternativa palpável e desejada por inúmeros
trabalhadores. Esse fato somado à falta de regulamentação e proteção à pessoa do
migrante estabelece um cenário perfeito para a exploração da mão-de-obra barata e,
na maioria das vezes, na condição de clandestina.
O que se percebe é uma efetiva preocupação com o desenvolvimento econômico de
determinada região, sem levar em conta os meios para que isso aconteça. A criação
do Mercosul foi uma das formas encontradas para se fazer crescer o poder
econômico dos países da América Latina e, diga-se, embora, em um primeiro
momento, tenham sido pensados somente os aspectos econômicos da integração
regional, logo em seguida a pressão das centrais Sindicais do Cone Sul, com o
apoio da OIT, foi responsável pela emergência de preocupações sociais (com o
trabalho, o emprego e a seguridade social).
152
No entanto, nota-se que hoje o que existe, talvez em decorrência de um momento
em que preponderam políticas neoliberais, é a falta de preocupação real com a
questão do trabalho e, principalmente, com a questão do trabalhador migrante.
A globalização transformou a forma de se enxergar o mundo, redefiniu e
redimensionou as noções de espaço e tempo. Notícias do mundo todo podem ser
152
BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Relação de trabalho, emprego e seguridade social no
Mercosul. São Paulo:Trabalho & Doutrina, 1996, v. 11. pp. 149-164.
75
assistidas em tempo real em noticiários “ao vivo”, a transferência eletrônica de
capital de um país a outro se dá em segundos. Dessa forma, fica claro que o...
... global e o local se interpenetram e se tornam inseparáveis. [Pois]
O global investe o local, e o local impregna o global. Não se trata
mais de duas instâncias autônomas que se relacionam de uma
determinada maneira, influenciando-se reciprocamente mas
mantendo cada uma sua identidade. Trata-se de um processo que
engloba, em seu movimento, o local e o global combinados.
153
Com a globalização o mundo perde suas fronteiras, os limites não são mais tão
claros como outrora, não barreiras para a circulação do dinheiro. A livre
circulação de mercadorias, informações e, mesmo, pessoas é favorecida por essa
mundialização do capital.
A falta de proteção legal adequada com relação ao trabalhador migrante,
principalmente o indocumentado, se mostra o principal problema relativo ao tema.
Não se trata de proibir os trabalhadores de partirem em busca de condições dignas
de existência, uma vez que esse parece ser o rumo natural da história. Ao invés
disso, é preciso desestimular o tráfico de trabalhadores ilegais com políticas voltadas
especificamente a este fim.
Se a questão da circulação de trabalhadores não está bem resolvida no âmbito
internacional, também não é diferente no âmbito regional. Não há registros de
discussões, fóruns, estatísticas ou mesmo estratégias palpáveis realizadas por
sindicatos da categoria ou centrais sindicais para tratar da questão. É patente a falta
de interesse em regulamentar um nicho da população que não existe em
estatísticas.
A solução viria das Organizações Internacionais, uma vez que são entes
supranacionais e, em teoria, possuem legitimidade para regulamentar o tema que
ultrapassa as fronteiras dos Estados. Contudo, a inexistência de sanções mais
eficazes quanto às suas decisões e o caráter facultativo da adoção de suas
Convenções acabam por não resolver o problema.
153
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 71.
76
Apesar das inúmeras recomendações da OIT, ONU e OIM, no sentido de
proporcionar melhores condições de trabalho e, consequentemente, uma existência
mais digna, o que se vê, na prática, é uma falta de interesse com relação aos
trabalhadores migrantes, aliada aos efeitos de uma política econômica perversa.
Além disso, uma onda xenofóbica e o ressurgimento de velhos nacionalismos, como
a publicação da Diretiva de Retorno, prevendo a criminalização da imigração e a
formação de uma polícia civil na Itália, com finalidade de delatar imigrantes ilegais,
vêm causando entraves à realização de políticas de inclusão, que são flagrantes
as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores e por suas famílias com relação à
cultura local.
Com relação à soberania, a criação da ONU, em 1945, e a aprovação da Declaração
universal dos direitos do homem, em 1948, pôs fim a esse paradigma como poder
absoluto.
Esses dois documentos transformam, ao menos no plano normativo,
a ordem jurídica do mundo, levando-o do estado de natureza ao
estado civil. A soberania, inclusive externa, do Estado ao menos
em princípio deixa de ser, com eles, uma liberdade absoluta e
selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas
fundamentais: o imperativo da paz e a tutela dos direitos humanos.
154
Bem explica Luigi Ferrajoli ao apontar o epicentro de toda essa necessidade de
reformulação dos conceitos ora trabalhados, pois, nem para a teoria do direito, nem
para teoria política, a ideia de soberania, como foi pensada no contexto da
emergência e do apogeu dos Estados Nacionais, não mais se aplica, precisando ser
repensada à luz das relações internacionais. A própria desigualdade evidente entre
os Estados é a maior prova da inadequação desse paradigma.
155
Não mais como se admitir que o conceito clássico de soberania ainda seja uma
verdade como poder absoluto e supremo. O conceito mudou, ou talvez, outro tenha
surgido para substituí-lo vive-se a autonomia dos Estados perante os outros
154
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do Estado nacional. o
Paulo: Martins Fontes, 2002. pp. 39-40.
155
Ibid., pp. 45.
77
sujeitos de Direito Internacional (Organizações Internacionais, Estados e até mesmo
indivíduos).
O poder de cada Estado de se autogerir continua vivo e é necessário, pois isso
garante a independência daquele povo com relação a outros, mas atualmente, e
cada vez mais, o que se é a necessidade de cooperação internacional, e nesse
contexto, isso significa abrir mão de algumas vantagens para obter outras, significa,
ainda, acatar ordens de Organismos Internacionais, com vistas à manutenção da
paz e promoção da segurança global. Esta realidade é incompatível com a
característica fundamental da soberania, como um poder que não se sujeita a outro.
A saída para os problemas apresentados encontra-se no desenvolvimento do
Estado Transnacional ou Cosmopolita, que, para Beck, funda-se no princípio da
indiferença nacional do Estado, pois assim como as guerras civis religiosas do
século XVII acabaram com a separação entre estado e religião, culminando na Paz
de Vestfália, as guerras civis do século XX poderiam ser solucionadas por meio da
separação entre estado e nação. Da mesma forma que é apenas o estado laico que
permite a prática de diversas religiões, assim estados cosmopolitas poderiam garantir a
co−existência de identidades nacionais e religiosas através do princípio da tolerância
constitucional”.
156
Brian A. Langille traz essa idéia de forma muito clara quando diz que precisamos
nos libertar das malhas das velhas teorias, mesmo que os pormenores de uma nova,
ainda não estejam de todo desenhados, mas por possuirmos disponíveis alguns
contornos gerais do que ela não é.
157
É fato que a responsabilidade primeira, com relação à política migratória, é de cada
Estado individualmente, mas por se tratar de uma questão de dimensões globais, a
melhor solução será aquela que tem acesso a todos os pólos do problema. Ataca-se
diretamente a causa e não, simplesmente, o estabelecimento de ações temporárias
que não se prolongarão no tempo.
156
BECK, Ulrich. O Estado Cosmopolita: por uma utopia realista. Disponível em:
http://www.eurozine.com/articles/2002-01-30-beck-pt.html. Acesso em 10 de junho de 2009.
157
LANGILLE, Brian A. Para que serve o Direito Internacional do Trabalho? In Revista de Direito do
Trabalho. São Paulo: RT, ANO 33, Nº 127, julho-setembro de 2007. pp.194-195.
78
A adoção de Agendas de Trabalho Decente, a busca por uma globalização mais
justa, a implementação de programas voltados à erradicação da discriminação são
exemplos de como o problema pode ser enfrentado.
Ações que partam da sociedade civil, como eventos que promovam a integração
entre culturas e a divulgação de cartilhas que exponham direitos e deveres dos
cidadãos, são também meios de envolver a todos nessa tarefa de reeducação e,
consequentemente, de se diminuir o sentimento de xenofobia.
Estados e Organizações internacionais devem trabalhar em unidade, objetivando a
harmonia entre as Nações. Políticas de erradicação da pobreza, do trabalho
escravo, do trabalho infantil, bem como de geração de empregos, devem ser
pensados a longo ou médio prazo. O que se busca é a plena eficácia de tais ações,
não meramente atitudes que tenham um fim meramente eleitoral, desconsiderando
seu verdadeiro destinatário: a pessoa.
No âmbito jurídico, é necessário que se editem novas leis, pois que a legislação
nacional sobre migrações é antiga e defasada, ou seja, tornou-se inadequada ao
contexto atual. A nova legislação deverá ser pensada de forma inovadora, levando
em consideração não os aspectos legais, mas deverá voltar-se ao campo de
análise sociológico, antropológico e econômico. O estudo conjunto possibilita a
criação de um corpo normativo mais atual e, por isso mesmo, mais efetivo, uma vez
que mostra a realidade, ao invés de cuidar de casos hipotéticos e situações ideais.
Tal reformulação, no campo normativo, é necessária, uma vez que a atual remonta a
um período anterior à abertura política e marcado pela crise econômica (1980).
Essas novas legislações devem ser feitas tendo em vista todo o processo de
globalização em que estamos inseridos e as mudanças constantes que o mundo
moderno atravessa.
Resta claro que não bastam medidas paliativas, uma vez que, soluções alcançadas
em curto prazo, geralmente não resolvem a questão por inteiro. Entretanto, a
realidade é que poucos governantes se interessam por medidas que terão
79
resultados no médio ou longo prazo. Isto porque, como propaganda para angariar
votos, elas se mostram pouco ou nada eficazes.
Nesse contexto, os trabalhadores migrantes no Brasil, principalmente os que se
encontram em situação ilegal, que saem de seus países de origem, em busca de
melhores condições de vida, uma vez que a face econômica da globalização se
mostra perversa e geradora de desigualdades, são tidos como os causadores de
todos os males que assolam a nação, pois trazem consigo o “gene da inferioridade”.
Como escreveu Milton Santos, a globalização como fábula, nos faz acreditar que
todas as distâncias diminuíram, mas, é fato ao mesmo tempo nos afasta e
individualiza.
A saída para esses problema pode ser encontrado na elaboração de novos
conceitos: abandona-se o conceito tradicional de soberania em favor do conceito de
solidariedade; ao invés do Estado-Nação, surge o Estado-Transanacional, e ao
invés de Organizações Internacionais fracas e sem força sancionatória,
Organizações supranacionais capazes de fazer vincular seus ordenamentos.
80
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Centro Pastoral do Migrante: http://www.cpmigrantes.com.br
Estadão: http://www.estadao.com.br
Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br
Grupo de Discussão Imigrantes_Visibilidade (Rede Imigrantes: que visibilidade
queremos?) http://br.groups.yahoo.com/group/imigrantes_visibilidade
International Labour Organization: http://www.ilo.org
International Organization for Migration: http://www.iom.int
Ministério das Relações Exteriores: http://www.mre.gov.br
Ministério do Trabalho e Emprego. http://www.mte.gov.br
Mundo Jovem: http://www.mundojovem.pucrs.br
Objetivos do Milênio: http://www.objetivosdomilenio.org.br
Organização das Nações Unidas Brasil: http://www.onu-brasil.org.br/documen tos_
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Organização Internacional do Trabalho Escritório Brasil: http://www.oitbrasil.o
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Planalto: http://www.planalto.gov.br
Projeto Nós do Centro: http://www.nosdocentro.org.br
Repórter Brasil: http://www.reporterbrasil.org.br
Universidade Presbiteriana Mackenzie: http://www.mackenzie.br
87
Anexo A
Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias
Adoptada pela Resolução 45/158, de 18 de Dezembro de 1990, da Assembleia-
Geral
Preâmbulo
Parte I Âmbito e definições
Parte II Não discriminação em matéria de direitos
Parte III Direitos Humanos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
Membros das suas Famílias
Parte IV Outros direitos dos Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas
Famílias que se encontram documentados ou em situação regular
Parte V Disposições aplicáveis a categorias especiais de Trabalhadores
Migrantes e aos Membros das suas Famílias
Parte VI Promoção de condições saudáveis, equitativas, dignas e justas em
matéria de migração internacional de trabalhadores e das suas famílias
Parte VII Aplicação da Convenção
Parte VIII Disposições gerais
Parte IX Disposições finais
Preâmbulo
Os Estados Partes na presente Convenção,
Tendo em conta os princípios enunciados nos instrumentos básicos das Nações
Unidas relativos aos direitos humanos, em especial a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e
Culturais, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção
88
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres e a Convenção sobre os Direitos da Criança;
Tendo igualmente em conta as normas e princípios estabelecidos nos instrumentos
pertinentes elaborados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, em
particular a Convenção relativa aos Trabalhadores Migrantes (n.º 97), a Convenção
relativa às Migrações em Condições Abusivas e à Promoção da Igualdade de
Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes (n.º 143), a
Recomendação relativa à Migração para o Emprego (n.º 86), a Recomendação
relativa aos Trabalhadores Migrantes (n.º 151), a Convenção sobre Trabalho
Forçado ou Obrigatório (n.º 29) e a Convenção sobre a Abolição do Trabalho
Forçado (n.º 105);
Reafirmando a importância dos princípios enunciados na Convenção relativa à Luta
contra a Discriminação no Campo do Ensino, da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura;
Recordando a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, a Declaração do Quarto Congresso das Nações
Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, o Código de
Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, e as
Convenções sobre a Escravatura;
Recordando que um dos objectivos da Organização Internacional do Trabalho,
estabelecido na sua Constituição, é a protecção dos interesses dos trabalhadores
empregados em países estrangeiros, e tendo presente a perícia e a experiência
desta Organização em assuntos relacionados com os trabalhadores migrantes e os
membros das suas famílias;
Reconhecendo a importância do trabalho realizado sobre os trabalhadores
migrantes e os membros das suas famílias por vários órgãos das Nações Unidas,
em particular a Comissão dos Direitos Humanos, a Comissão para o
Desenvolvimento Social, bem como a Organização das Nações Unidas para a
89
Alimentação e a Agricultura, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura e a Organização Mundial de Saúde, e outras organizações
internacionais;
Reconhecendo, igualmente, os progressos realizados por alguns Estados, nos
planos regional ou bilateral, no sentido da protecção dos direitos dos trabalhadores
migrantes e dos membros das suas famílias, bem como a importância e a utilidade
dos acordos bilaterais e multilaterais celebrados neste domínio;
Conscientes da importância e da extensão do fenómeno da migração, que envolve
milhares de pessoas e afecta um grande número de Estados na comunidade
internacional;
Conscientes do efeito das migrações de trabalhadores nos Estados e nas
populações interessadas, e desejando estabelecer normas que possam contribuir
para a harmonização das condutas dos Estados através da aceitação de princípios
fundamentais relativos ao tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros
das suas famílias;
Considerando a situação de vulnerabilidade em que frequentemente se encontram
os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias devido, nomeadamente,
ao seu afastamento do Estado de origem e a eventuais dificuldades resultantes da
sua presença no Estado de emprego;
Convencidos de que os direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das
suas famílias não têm sido suficientemente reconhecidos em todo o mundo,
devendo, por este motivo, beneficiar de uma protecção internacional adequada;
Tomando em consideração o facto de que, em muitos casos, as migrações são a
causa de graves problemas para os membros das famílias dos trabalhadores
migrantes bem como para os próprios trabalhadores, especialmente por causa da
dispersão da família;
Considerando que os problemas humanos decorrentes das migrações são ainda
mais graves no caso da migração irregular e convictos, por esse motivo, de que se
90
deve encorajar a adopção de medidas adequadas a fim de prevenir e eliminar os
movimentos clandestinos e o tráfico de trabalhadores migrantes, assegurando ao
mesmo tempo a protecção dos direitos humanos fundamentais destes
trabalhadores;
Considerando que os trabalhadores indocumentados ou em situação irregular são,
frequentemente, empregados em condições de trabalho menos favoráveis que
outros trabalhadores e que certos empregadores são, assim, levados a procurar tal
mão de obra a fim de beneficiar da concorrência desleal;
Considerando, igualmente, que o emprego de trabalhadores migrantes em situação
irregular será desencorajado se os direitos humanos fundamentais de todos os
trabalhadores migrantes forem mais amplamente reconhecidos e que, além disso, a
concessão de certos direitos adicionais aos trabalhadores migrantes e membros das
suas famílias em situação regular encorajará todos os migrantes e empregadores a
respeitar e a aplicar as leis e os procedimentos estabelecidos pelos Estados
interessados;
Convictos, por esse motivo, da necessidade de realizar a protecção internacional
dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias,
reafirmando e estabelecendo normas básicas no quadro de uma convenção
abrangente susceptível de ser universalmente aplicada;
Acordam no seguinte:
Parte I
Âmbito e definições
Artigo 1º
1. Salvo disposição em contrário constante do seu próprio texto, a presente
Convenção aplica-se a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas
91
famílias sem qualquer distinção, fundada nomeadamente no sexo, raça, cor, língua,
religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social,
nacionalidade, idade, posição económica, património, estado civil, nascimento ou
outra situação.
2. A presente Convenção aplica-se a todo o processo migratório dos trabalhadores
migrantes e dos membros das suas famílias, o qual compreende a preparação da
migração, a partida, o trânsito e a duração total da estada, a actividade remunerada
no Estado de emprego, bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de
residência habitual.
Artigo 2º
Para efeitos da presente Convenção:
1. A expressão "trabalhador migrante" designa a pessoa que vai exercer, exerce ou
exerceu uma actividade remunerada num Estado de que não é nacional.
2.
a) A expressão "trabalhador fronteiriço" designa o trabalhador migrante que
conserva a sua residência habitual num Estado vizinho a que regressa, em princípio,
todos os dias ou, pelo menos, uma vez por semana;
b) A expressão "trabalhador sazonal" designa o trabalhador migrante cuja actividade,
pela sua natureza, depende de condições sazonais e se realiza durante parte do
ano;
c) A expressão "marítimo", que abrange os pescadores, designa o trabalhador
migrante empregado a bordo de um navio matriculado num Estado de que não é
nacional; d) A expressão "trabalhador numa estrutura marítima" designa o
trabalhador migrante empregado numa estrutura marítima que se encontra sob a
jurisdição de um Estado de que não é nacional;
92
e) A expressão "trabalhador itinerante" designa o trabalhador migrante que, tendo a
sua residência habitual num Estado, tem de viajar para outros Estados por períodos
curtos, devido à natureza da sua ocupação;
f) A expressão "trabalhador vinculado a um projecto" designa o trabalhador migrante
admitido num Estado de emprego por tempo definido para trabalhar unicamente num
projecto concreto conduzido pelo seu empregador nesse Estado;
g) A expressão "trabalhador com emprego específico" designa o trabalhador
migrante:
(i) Que tenha sido enviado pelo seu empregador, por um período limitado e
definido, a um Estado de emprego para realizar uma tarefa ou função
específica; ou
(ii) Que realize, por um período limitado e definido, um trabalho que exige
competências profissionais, comerciais, técnicas ou altamente
especializadas de outra natureza; ou
(iii) Que, a pedido do seu empregador no Estado de emprego, realize, por um
período limitado e definido, um trabalho de natureza transitória ou de curta
duração;
e que deva deixar o Estado de emprego ao expirar o período autorizado de
residência, ou mais cedo, se deixa de realizar a tarefa ou função específica ou o
trabalho inicial;
h) A expressão "trabalhador independente" designa o trabalhador migrante que
exerce uma actividade remunerada não submetida a um contrato de trabalho e que
ganha a sua vida através desta actividade, trabalhando normalmente ou com
membros da sua família, assim como o trabalhador considerado independente pela
legislação aplicável do Estado de emprego ou por acordos bilaterais ou multilaterais.
Artigo 3º
93
A presente Convenção não se aplica:
a) Às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos
internacionais, nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu
território para desempenharem funções oficiais, cuja admissão e estatuto são
regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou
convenções internacionais específicas;
b) Às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado
fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e noutros
programas de cooperação, cuja admissão e estatuto são regulados por acordo
celebrado com o Estado de emprego e que, nos termos deste acordo, não são
consideradas trabalhadores migrantes;
c) Às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na
qualidade de investidores;
d) Aos refugiados e apátridas, salvo disposição em contrário da legislação nacional
pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor
para esse Estado;
e) Aos estudantes e estagiários;
f) Aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido
autorizados a residir ou a exercer uma actividade remunerada no Estado de
emprego.
Artigo 4º
Para efeitos da presente Convenção, a expressão "membros da família" designa a
pessoa casada com o trabalhador migrante ou que com ele mantém uma relação
que, em virtude da legislação aplicável, produz efeitos equivalentes aos do
casamento, bem como os filhos a seu cargo e outras pessoas a seu cargo,
94
reconhecidas como familiares pela legislação aplicável ou por acordos bilaterais ou
multilaterais aplicáveis entre os Estados interessados.
Artigo 5º
Para efeitos da presente Convenção, os trabalhadores migrantes e os membros das
suas famílias:
a) São considerados documentados ou em situação regular se forem autorizados a
entrar, permanecer e exercer uma actividade remunerada no Estado de emprego, ao
abrigo da legislação desse Estado e das convenções internacionais de que esse
Estado seja Parte;
b) São considerados indocumentados ou em situação irregular se não preenchem as
condições enunciadas na alínea a) do presente artigo.
Artigo 6º
Para os efeitos da presente Convenção:
a) A expressão "Estado de origem" designa o Estado de que a pessoa interessada é
nacional;
b) A expressão "Estado de emprego" designa o Estado onde o trabalhador migrante
vai exercer, exerce ou exerceu uma actividade remunerada, consoante o caso;
c) A expressão "Estado de trânsito" designa qualquer Estado por cujo território a
pessoa interessada deva transitar a fim de se dirigir para o Estado de emprego ou
do Estado de emprego para o Estado de origem ou de residência habitual.
Parte II
95
Não discriminação em matéria de direitos
Artigo 7º
Os Estados Partes comprometem-se, em conformidade com os instrumentos
internacionais relativos aos direitos humanos, a respeitar e a garantir os direitos
previstos na presente Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da
sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição, sem
distinção alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo,
língua, religião ou convicção, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou
social, nacionalidade, idade, posição económica, património, estado civil,
nascimento ou de qualquer outra situação.
Parte III
Direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das
suas famílias
Artigo 8º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias podem sair
livremente de qualquer Estado, incluindo o seu Estado de origem. Este direito
pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituam disposições
necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou moral
públicas, ou os direitos e liberdades de outrem, e se mostrem compatíveis com os
outros direitos reconhecidos na presente parte da Convenção.
2. Os trabalhadores migrantes e os membros da sua família têm o direito a regressar
em qualquer momento ao seu Estado de origem e aí permanecer.
Artigo 9º
96
O direito à vida dos trabalhadores migrantes e dos membros da sua família é
protegido por lei.
Artigo 10º
Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família pode ser submetido a
tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Artigo 11º
1. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família será mantido em
escravatura ou servidão.
2. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família pode ser constrangido a
realizar um trabalho forçado ou obrigatório.
3. O 2 do presente artigo não será interpretado no sentido de proibir, nos Estados
onde certos crimes podem ser punidos com pena de prisão acompanhada de
trabalho forçado, o cumprimento de uma pena de trabalhos forçados imposta por um
tribunal competente.
4. Para efeitos do presente artigo, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório” não
abrange:
a) qualquer trabalho ou serviço, não previsto no 3 do presente artigo, exigido
normalmente a uma pessoa que, em virtude de uma decisão judicial ordinária, se
encontra detida ou tenha sido colocada em liberdade condicional posteriormente;
b) qualquer serviço exigido no caso de crise ou de calamidade que ameacem a vida
ou o bem-estar da comunidade;
c) qualquer trabalho ou serviço que forme parte das obrigações cívicas normais,
desde que exigível também a cidadãos do Estado interessado.
97
Artigo 12º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros da sua família têm direito à liberdade
de pensamento, de consciência e de religião. Este direito abrange a liberdade de
professar ou de adoptar uma religião ou crença da sua escolha, bem como a
liberdade de manifestar a sua religião ou crença, individual ou colectivamente, em
público e em privado, pelo culto, celebração de ritos, práticas e o ensino.
2. Os trabalhadores migrantes e os membros da sua família não serão submetidos a
coacção que prejudique a sua liberdade de professar e adoptar uma religião ou
crença da sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a sua religião ou crença só pode ser objecto de
restrições previstas na lei e que se mostrem necessárias à protecção da segurança
nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral blicas, e das liberdades e
direitos fundamentais de outrem.
4. Os Estados Partes na presente Convenção comprometem-se a respeitar a
liberdade dos pais, quando pelo menos um deles é trabalhador migrante, e, sendo
caso disso, dos representantes legais, de assegurar a educação religiosa e moral
dos seus filhos de acordo com as suas convicções.
Artigo 13º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de
exprimir as suas convicções sem interferência.
2. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm direito à
liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de procurar, receber e
expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras,
sob a forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à sua
escolha.
98
3. O exercício do direito previsto no nº 2 do presente artigo implica deveres e
responsabilidades especiais. Por esta razão, pode ser objecto de restrições, desde
que estejam previstas na lei e se afigurem necessárias:
a) Ao respeito dos direitos e da reputação de outrem;
b) À salvaguarda da segurança nacional dos Estados interessados, da ordem
pública, da saúde ou da moral públicas;
c) A prevenir a incitação à guerra;
d) A prevenir a apologia do ódio nacional, racial e religioso, que constitua uma
incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência.
Artigo 14º
Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família será sujeito a intromissões
arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio, na sua
correspondência ou outras comunicações, nem a ofensas ilegais à sua honra e
reputação. Os trabalhadores migrantes e membros da sua família têm direito à
protecção da lei contra tais intromissões ou ofensas.
Artigo 15º
Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família será arbitrariamente
privado dos bens de que seja o único titular ou que possua conjuntamente com
outrem. A expropriação total ou parcial dos bens de um trabalhador migrante ou
membro da sua família pode ser efectuada nos termos da legislação vigente no
Estado de emprego mediante o pagamento de uma indemnização justa e adequada.
Artigo 16º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm direito à
liberdade e à segurança da sua pessoa.
99
2. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm direito à
protecção efectiva do Estado contra a violência, os maus tratos físicos, as ameaças
e a intimidação, por parte de funcionários públicos ou privados, grupos ou
instituições.
3. A verificação pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei da identidade
dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias deve ser conduzida
de acordo com o procedimento estabelecido na lei.
4. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família será sujeito, individual ou
colectivamente, a detenção ou prisão arbitrária; nem será privado da sua liberdade,
salvo por motivos e em conformidade com os procedimentos estabelecidos por lei.
5. O trabalhador migrante ou membro da sua família que seja detido deve ser
informado, no momento da detenção, se possível numa língua que compreenda, dos
motivos desta e prontamente notificado, numa língua que compreenda, das
acusações contra si formuladas.
6. O trabalhador migrante ou membro da sua família que seja detido ou preso pela
prática de uma infracção penal deve ser presente, sem demora, a um juiz ou outra
entidade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgado
em prazo razoável ou de aguardar julgamento em liberdade. A prisão preventiva da
pessoa que tenha de ser julgada não deve ser a regra geral, mas a sua libertação
pode ser subordinada a garantias que assegurem a sua comparência na audiência
ou em qualquer acto processual e, se for o caso, para execução de sentença.
7. No caso de sujeição de um trabalhador migrante ou membro da sua família a
detenção ou prisão preventiva, ou a qualquer outra forma de detenção:
a) As autoridades diplomáticas ou consulares do seu Estado de origem ou de um
Estado que represente os interesses desse Estado são informadas sem demora, se
o interessado assim o solicitar, da sua detenção ou prisão e dos fundamentos dessa
medida;
100
b) A pessoa interessada tem direito a comunicar com as referidas autoridades. As
comunicações dirigidas pelo interessado às referidas autoridades devem ser
transmitidas sem demora, e o interessado tem também direito a receber, sem
demora, as comunicações enviadas pelas referidas autoridades;
c) A pessoa interessada deve ser informada sem demora deste direito, e dos direitos
emergentes de tratados eventualmente celebrados nesta matéria entre os Estados
interessados, de trocar correspondência e de reunir-se com representantes das
referidas autoridades e de tomar providências com vista à sua representação legal.
8. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias que sejam privados
da sua liberdade mediante detenção ou prisão têm o direito de interpor recurso
perante um tribunal, para que este decida sem demora sobre a legalidade da sua
detenção e ordene a sua libertação no caso de aquela ser ilegal. Quando participem
nas audiências, devem beneficiar da assistência, se necessário gratuita, de um
intérprete, se não compreenderem ou não falarem suficientemente bem a língua
utilizada pelo tribunal.
9. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias que tiverem sofrido
detenção ou prisão preventiva ilegal têm o direito de requerer uma indemnização
adequada.
Artigo 17º
1. Os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias privados da sua
liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente
à pessoa humana e à sua identidade cultural.
2. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias sob acusação são
separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e submetidos a
um regime distinto, adequado à sua condição de pessoas não condenadas. Se
forem menores, o separados dos adultos, devendo o seu processo ser decidido
com a maior celeridade.
101
3. Qualquer trabalhador migrante ou membro da sua família que se encontre detido
num Estado de trânsito, ou num Estado de emprego, por violação das disposições
relativas à migração deve, na medida do possível, ser separado das pessoas detidas
ou presas preventivamente.
4. Durante todo o período de prisão em execução de sentença proferida por um
tribunal, o tratamento do trabalhador migrante ou membro da sua família te por
finalidade, essencialmente, a sua reinserção e recuperação social. Delinquentes
jovens serão separados dos adultos e submetidos a um regime adequado à sua
idade e ao seu estatuto legal.
5. Durante a detenção ou prisão, os trabalhadores migrantes e os membros das
suas famílias gozam dos mesmos direitos de que beneficiam os cidadãos nacionais
de receber visitas dos seus familiares.
6. No caso de um trabalhador migrante ser privado da sua liberdade, as autoridades
competentes do Estado da detenção devem ter em conta os problemas que podem
colocar-se aos membros da sua família, em particular os cônjuges e filhos menores.
7. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias sujeitos a qualquer
forma de detenção ou prisão, em virtude da legislação do Estado de emprego ou do
Estado de trânsito, gozam dos mesmos direitos que os cidadãos nacionais desse
Estado que se encontrem na mesma situação.
8. Se um trabalhador migrante ou membro da sua família for detido com o fim de
verificar se houve infracção às disposições relacionadas com a migração não terá de
suportar quaisquer encargos daí decorrentes.
Artigo 18º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros da sua família têm os mesmos direitos,
perante os tribunais, que os nacionais do Estado interessado. Têm direito a que a
sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal competente,
independente e imparcial, instituído por lei, que decidirá dos seus direitos e
102
obrigações de carácter civil ou das razões de qualquer acusação em matéria penal
contra si formulada.
2. O trabalhador migrante ou membro da sua família suspeito ou acusado da prática
de um crime presume-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente
estabelecida.
3. O trabalhador migrante ou membro da sua família acusado de ter infringido a lei
penal tem, no mínimo, direito às garantias seguintes:
a) A ser informado prontamente, numa língua que compreenda e
pormenorizadamente, da natureza e dos motivos das acusações formuladas contra
si;
b) A dispor do tempo e dos meios necessários à preparação da sua defesa e a
comunicar com o advogado da sua escolha;
c) A ser julgado num prazo razoável;
d) A estar presente no julgamento e a defender-se a si próprio ou por intermédio de
um defensor da sua escolha; se não tiver patrocínio jurídico, a ser informado deste
direito; e a pedir a designação de um defensor oficioso, sempre que os interesses da
justiça exijam a assistência do defensor, sem encargos, se não tiver meios
suficientes para os suportar;
e) A interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter a
comparência e o interrogatório das testemunhas de defesa em condições de
igualdade;
f) A beneficiar da assistência gratuita de um intérprete se não compreender ou falar
a língua utilizada pelo tribunal;
g) A não ser obrigado a testemunhar ou a confessar-se culpado.
103
4. No caso de menores, o processo tomará em conta a sua idade e a necessidade
de facilitar a sua reintegração social.
5. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias condenados pela
prática de um crime têm o direito de recorrer dessa decisão para um tribunal
superior, nos termos da lei.
6. Quando uma condenação penal definitiva é ulteriormente anulada ou quando é
concedido o indulto, porque um facto novo ou recentemente revelado prova que se
produziu um erro judiciário, o trabalhador migrante ou membro da sua família que
cumpriu uma pena em virtude dessa condenação será indemnizado, em
conformidade com a lei, a menos que se prove que a não revelação em tempo útil
de facto desconhecido lhe é imputável no todo ou em parte.
7. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família pode ser perseguido ou
punido pela prática de uma infracção pela qual tenha sido absolvido ou
condenado, em conformidade com a lei e o processo penal do Estado interessado.
Artigo 19º
1. Nenhum trabalhador migrante ou membro da sua família pode ser sentenciado
criminalmente por acção ou omissão que no momento da sua prática não seja
considerada criminosa segundo a lei interna ou o direito internacional. Será aplicada
retroactivamente a lei penal que preveja a imposição de uma pena mais favorável ao
arguido.
2. Na determinação da medida da pena, o tribunal atenderá a considerações de
natureza humanitária relativas ao estatuto de trabalhador migrante, nomeadamente
o direito de residência ou de trabalho reconhecido ao trabalhador migrante ou
membro da sua família.
Artigo 20º
104
1. Nenhum trabalhador migrante será detido pela única razão de não poder cumprir
uma obrigação contratual.
2. Nenhum trabalhador migrante ou um membro da sua família pode ser privado da
sua autorização de residência ou de trabalho, nem expulso, pela única razão de não
ter cumprido uma obrigação decorrente de um contrato de trabalho, salvo se a
execução dessa obrigação constituir uma condição de tais autorizações.
Artigo 21º
Ninguém, excepto os funcionários públicos devidamente autorizados por lei para
este efeito, tem o direito de apreender, destruir ou tentar destruir documentos de
identidade, documentos de autorização de entrada, permanência, residência ou de
estabelecimento no território nacional, ou documentos relativos à autorização de
trabalho. Se for autorizada a apreensão e perda desses documentos, será emitido
um recibo pormenorizado. Em caso algum é permitido destruir o passaporte ou
documento equivalente de um trabalhador migrante ou de um membro da sua
família.
Artigo 22º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros da sua família não podem ser objecto
de medidas de expulsão colectiva. Cada caso de expulsão será examinado e
decidido individualmente.
2. Os trabalhadores migrantes e os membros da sua família podem ser expulsos
do território de um Estado Parte em cumprimento de uma decisão tomada por uma
autoridade competente em conformidade com a lei.
3. A decisão deve ser comunicada aos interessados numa língua que
compreendam. A seu pedido, se não for obrigatório, a decisão será comunicada por
escrito e, salvo em circunstâncias excepcionais, devidamente fundamentada. Os
interessados serão informados deste direito antes de a decisão ser tomada ou, o
mais tardar, no momento em que for tomada.
105
4. Salvo nos casos de uma decisão definitiva emanada de uma autoridade judicial, o
interessado tem o direito de fazer valer as razões que militam contra a sua expulsão
e de recorrer da decisão perante a autoridade competente, salvo imperativos de
segurança nacional. Enquanto o seu recurso é apreciado, tem o direito de procurar
obter a suspensão da referida decisão.
5. Se uma decisão de expulsão já executada for subsequentemente anulada, a
pessoa interessada tem direito a obter uma indemnização de acordo com a lei, não
podendo a decisão anterior ser invocada para impedi-lo de regressar ao Estado em
causa.
6. No caso de expulsão, a pessoa interessada deve ter a possibilidade razoável,
antes ou depois da partida, de obter o pagamento de todos os salários ou
prestações que lhe sejam devidos, e de cumprir eventuais obrigações não
executadas.
7. Sem prejuízo da execução de uma decisão de expulsão, o trabalhador migrante
ou membro da sua família objecto desta decisão pode solicitar a admissão num
Estado diferente do seu Estado de origem.
8. No caso de expulsão, as despesas ocasionadas por esta medida não serão
suportadas pelo trabalhador migrante ou membro da sua família. O interessado
pode, no entanto, ser obrigado a custear as despesas da viagem.
9. A expulsão do Estado de emprego, em si, não prejudica os direitos adquiridos, em
conformidade com a lei desse Estado, pelo trabalhador migrante ou membro da sua
família, nomeadamente o direito de receber os salários e outras prestações que lhe
sejam devidos.
Artigo 23º
Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de
recorrer à protecção e à assistência das autoridades diplomáticas e consulares do
106
seu Estado de origem ou de um Estado que represente os interesses daquele
Estado em caso de violação dos direitos reconhecidos na presente Convenção.
Especialmente no caso de expulsão, o interessado será informado deste direito, sem
demora, devendo as autoridades do Estado que procede à expulsão facilitar o
exercício do mesmo.
Artigo 24º
Os trabalhadores migrantes e os membro da sua família têm direito ao
reconhecimento da sua personalidade jurídica, em todos os lugares.
Artigo 25º
1. Os trabalhadores migrantes devem beneficiar de um tratamento não menos
favorável que aquele que é concedido aos nacionais do Estado de emprego em
matéria de retribuição e:
a) Outras condições de trabalho, como trabalho suplementar, horário de trabalho,
descanso semanal, rias remuneradas, segurança, saúde, cessação da relação de
trabalho e quaisquer outras condições de trabalho que, de acordo com o direito e a
prática nacionais, se incluam na regulamentação das condições de trabalho;
b) Outras condições de emprego, como a idade mínima para admissão ao emprego,
as restrições ao trabalho doméstico e outras questões que, de acordo com o direito
e a prática nacionais, sejam consideradas condições de emprego.
2. Nenhuma derrogação é admitida ao princípio da igualdade de tratamento referido
no nº 1 do presente artigo nos contratos de trabalho privados.
3. Os Estados Partes adoptam todas as medidas adequadas a garantir que os
trabalhadores migrantes não sejam privados dos direitos derivados da aplicação
deste princípio, em razão da irregularidade da sua situação em matéria de
permanência ou de emprego. De um modo particular, os empregadores não ficam
107
exonerados do cumprimento de obrigações legais ou contratuais, nem as suas
obrigações serão de modo algum limitadas por força de tal irregularidade.
Artigo 26º
1. Os Estados Partes reconhecem a todos os trabalhadores migrantes e aos
membros das suas famílias o direito:
a) A participar em reuniões e actividades de sindicatos e outras associações
estabelecidos de acordo com a lei para proteger os seus interesses económicos,
sociais, culturais e outros, com sujeição, apenas, às regras da organização
interessada.
b) A inscrever-se livremente nos referidos sindicatos ou associações, com sujeição,
apenas, às regras da organização interessada.
c) A procurar o auxílio e a assistência dos referidos sindicatos e associações;
2. O exercício de tais direitos pode ser objecto das restrições previstas na lei e
que se mostrem necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da
segurança nacional, da ordem pública, ou para proteger os direitos e liberdades de
outrem.
Artigo 27º
1. Em matéria de segurança social, os trabalhadores migrantes e os membros das
suas famílias beneficiam, no Estado de emprego, de um tratamento igual ao que é
concedido aos nacionais desse Estado, sem prejuízo das condições impostas pela
legislação nacional e pelos tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis. As
autoridades competentes do Estado de origem e do Estado de emprego podem, em
qualquer momento, tomar as disposições necessárias para determinar as
modalidades de aplicação desta norma.
108
2. Se a legislação aplicável privar de uma prestação os trabalhadores migrantes e os
membros das suas famílias, deverá o Estado de emprego ponderar a possibilidade
de reembolsar o montante das contribuições efectuadas pelos interessados
relativamente a essa prestação, na base do tratamento concedido aos nacionais que
se encontrem em circunstâncias idênticas.
Artigo 28º
Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de receber
os cuidados médicos urgentes que sejam necessários para preservar a sua vida ou
para evitar danos irreparáveis à sua saúde, em pé de igualdade com os nacionais do
Estado em questão. Tais cuidados médicos urgentes não podem ser-lhes recusados
por motivo de irregularidade em matéria de permanência ou de emprego.
Artigo 29º
O filho de um trabalhador migrante tem o direito a um nome, ao registo do
nascimento e a uma nacionalidade.
Artigo 30º
O filho de um trabalhador migrante tem o direito fundamental de acesso à educação
em condições de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado interessado.
Não pode ser negado ou limitado o acesso a estabelecimentos públicos de ensino
pré-escolar ou escolar por motivo de situação irregular em matéria de permanência
ou emprego de um dos pais ou com fundamento na permanência irregular da
criança no Estado de emprego.
Artigo 31º
1. Os Estados Partes asseguram o respeito da identidade cultural dos trabalhadores
migrantes e dos membros das suas famílias e não os impedem de manter os laços
culturais com o seu Estado de origem.
109
2. Os Estados Partes podem adoptar as medidas adequadas para apoiar e encorajar
esforços neste domínio.
Artigo 32º
Cessando a sua permanência no Estado de emprego, os trabalhadores migrantes e
os membros das suas famílias têm o direito de transferir os seus ganhos e as suas
poupanças e, nos termos da legislação aplicável dos Estados interessados, os seus
bens e pertences.
Artigo 33º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de
serem informados pelo Estado de origem, Estado de emprego ou Estado de trânsito,
conforme o caso, relativamente:
a) Aos direitos que lhes são reconhecidos pela presente Convenção;
b) Às condições de admissão, direitos e obrigações em virtude do direito e da prática
do Estado interessado e outras questões que lhes permitam cumprir as formalidades
administrativas ou de outra natureza exigidas por esse Estado.
2. Os Estados Partes adoptam todas as medidas que considerem adequadas para
divulgar a referida informação ou garantir que seja fornecida pelos empregadores,
sindicatos ou outros organismos ou instituições apropriadas. Para este efeito,
cooperam com outros Estados interessados, se tal se mostrar necessário.
3. A informação adequada será facultada gratuitamente aos trabalhadores migrantes
e aos membros das suas famílias que o solicitem, na medida do possível numa
língua que compreendam.
Artigo 34º
110
Nenhuma das disposições da Parte III da presente Convenção isenta os
trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias do dever de cumprir as leis
e os regulamentos dos Estados de trânsito e do Estado de emprego e de respeitar a
identidade cultural dos habitantes desses Estados.
Artigo 35º
Nenhuma das disposições da parte III da presente Convenção deve ser interpretada
como implicando a regularização da situação dos trabalhadores migrantes ou dos
membros das suas famílias que se encontram indocumentados ou em situação
irregular, ou um qualquer direito a ver regularizada a sua situação, nem como
afectando as medidas destinadas a assegurar condições satisfatórias e equitativas
para a migração internacional, previstas na parte VI da presente Convenção.
Parte IV:
Outros direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias
que se encontram documentados ou em situação regular
Artigo 36º
Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias que se encontram
documentados ou em situação regular no Estado de emprego gozam dos direitos
enunciados nesta parte da presente Convenção, para além dos direitos previstos na
parte III.
Artigo 37º
Antes da sua partida ou, o mais tardar, no momento da sua admissão no Estado de
emprego, os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito
de ser plenamente informados pelo Estado de origem ou pelo Estado de emprego,
conforme o caso, de todas as condições exigidas para a sua admissão,
especialmente as que respeitam à sua permanência e às actividades remuneradas
que podem exercer, bem como dos requisitos que devem satisfazer no Estado de
111
emprego e das autoridade a que devem dirigir-se para solicitar a modificação dessas
condições.
Artigo 38º
1. Os Estados de emprego devem diligenciar no sentido de autorizarem os
trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias a ausentar-se
temporariamente, sem que tal afecte a sua autorização de permanência ou de
trabalho, conforme o caso. Ao fazê-lo, os Estados de emprego têm em conta as
obrigações e as necessidades especiais dos trabalhadores migrantes e dos
membros das suas famílias, nomeadamente no seu Estado de origem.
2. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de ser
plenamente informados das condições em que tais ausências temporárias são
autorizadas.
Artigo 39º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas fremirias têm o direito de
circular livremente no território do Estado de emprego e de escolher livremente a
sua residência.
2. Os direitos referidos no 1 do presente artigo não podem ser sujeitos a
restrições, com excepção das previstas na lei e que sejam necessárias para
proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou moral públicas, ou os
direitos e liberdades de outrem e se mostrem compatíveis com os outros direitos
reconhecidos na presente Convenção.
Artigo 40º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de
constituir associações e sindicatos no Estado de emprego para a promoção e a
protecção dos seus interesses económicos, sociais, culturais e de outra natureza.
112
2. O exercício deste direito pode ser objecto de restrições previstas na lei e que
se mostrem necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança
nacional, da ordem pública, ou para proteger os direitos e liberdades de outrem.
Artigo 41º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de
participar nos assuntos públicos do seu Estado de origem, de votar e de
candidatarse em eleições organizadas por esse Estado, de acordo com a legislação
vigente.
2. Os Estados interessados devem facilitar, se necessário e em conformidade com a
sua legislação, o exercício destes direitos.
Artigo 42º
1. Os Estados Partes ponderam a possibilidade de estabelecer procedimentos ou
instituições que permitam ter em conta, tanto no Estado de origem quanto no Estado
de emprego, as necessidades, aspirações e obrigações específicas dos
trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias e, sendo esse o caso, a
possibilidade de os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias terem
nessas instituições os seus representantes livremente escolhidos.
2. Os Estados de emprego facilitam, de harmonia com a sua legislação nacional, a
consulta ou a participação dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas
famílias nas decisões relativas à vida e à administração das comunidades locais.
3. Os trabalhadores migrantes podem gozar de direitos políticos no Estado de
emprego se este Estado, no exercício da sua soberania, lhes atribuir esses direitos.
Artigo 43º
1. Os trabalhadores migrantes beneficiam de tratamento igual ao que é concedido
aos nacionais do Estado de emprego em matéria de:
113
a) Acesso a instituições e serviços educativos, sem prejuízo das condições de
admissão e outras disposições previstas pelas referidas instituições e serviços;
b) Acesso aos serviços de orientação profissional e de colocação;
c) Acesso às facilidades e instituições de formação e aperfeiçoamento profissional;
d) Acesso à habitação, incluindo os programas de habitação social, e protecção
contra a exploração em matéria de arrendamento;
e) Acesso aos serviços sociais e de saúde, desde que se verifiquem os requisitos do
direito de beneficiar dos diversos programas;
f) Acesso às cooperativas e às empresas em autogestão, sem implicar uma
modificação do seu estatuto de migrantes e sem prejuízo das regras e regulamentos
das entidades interessadas;
g) Acesso e participação na vida cultural.
2. Os Estados Partes esforçam-se por criar as condições necessárias para garantir a
igualdade efectiva de tratamento dos trabalhadores migrantes de forma a permitir o
gozo dos direitos previstos no 1 deste artigo, sempre que as condições fixadas
pelo Estado de emprego relativas à autorização de permanência satisfaçam as
disposições pertinentes.
3. Os Estados de emprego não devem impedir que os empregadores de
trabalhadores migrantes lhes disponibilizem habitação ou serviços culturais ou
sociais. Sem prejuízo do disposto no artigo 70º da presente Convenção, um Estado
de emprego pode subordinar o estabelecimento dos referidos serviços às condições
geralmente aplicadas no seu território nesse domínio.
Artigo 44º
114
1. Reconhecendo que a família, elemento natural e fundamental da sociedade, deve
receber a protecção da sociedade e do Estado, os Estados Partes adoptam as
medidas adequadas a assegurar a protecção da família dos trabalhadores
migrantes.
2. Os Estados Partes adoptam todas as medidas que julguem adequadas e nas
respectivas esferas de competência para facilitar a reunificação dos trabalhadores
migrantes com os cônjuges, ou com as pessoas cuja relação com o trabalhador
migrante produza efeitos equivalentes ao casamento, segundo a legislação
aplicável, bem como com os filhos menores, dependentes, não casados.
3. Os Estados de emprego, por motivos de natureza humanitária, ponderam a
possibilidade de conceder tratamento igual, nas condições previstas no nº 2 do
presente artigo, aos restantes membros da família dos trabalhadores migrantes.
Artigo 45º
1. Os membros das famílias dos trabalhadores migrantes beneficiam no Estado de
emprego, em pé de igualdade com os nacionais desse Estado, de:
a) Acesso a instituições e serviços educativos, sem prejuízo das condições de
admissão e outras normas fixadas pelas instituições e serviços em causa;
b) Acesso a instituições e serviços de orientação e formação profissional, desde que
se verifiquem os requisitos de participação;
c) Acesso aos serviços sociais e de saúde, desde que se encontrem satisfeitas as
condições previstas para o benefício dos diversos programas;
d) Acesso e participação na vida cultural.
2. Os Estados de emprego devem prosseguir uma política, se for caso disso em
colaboração com os Estados de origem, que vise facilitar a integração dos filhos dos
115
trabalhadores migrantes no sistema local de escolarização, nomeadamente no que
respeita ao ensino da língua local.
3. Os Estados de emprego devem esforçar-se por facilitar aos filhos dos
trabalhadores migrantes o ensino da sua língua materna e o acesso à cultura de
origem e, neste domínio, os Estados de origem devem colaborar sempre que tal se
mostre necessário.
4. Os Estados de emprego podem assegurar sistemas especiais de ensino na língua
materna dos filhos dos trabalhadores migrantes, se necessário em colaboração com
os Estados de origem.
Artigo 46º
Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias beneficiam, de
harmonia com a legislação aplicável dos Estados interessados, os acordos
internacionais pertinentes e as obrigações dos referidos Estados decorrentes da sua
participação em uniões aduaneiras, de isenção de direitos e taxas de importação e
exportação quanto aos bens de uso pessoal ou doméstico, bem como aos bens de
equipamento necessário ao exercício da actividade remunerada que justifica a
admissão no Estado de emprego:
a) No momento da partida do Estado de origem ou do Estado da residência habitual;
b) No momento da admissão inicial no Estado de emprego;
c) No momento da partida definitiva do Estado de emprego;
d) No momento do regresso definitivo ao Estado de origem ou ao Estado da
residência habitual.
Artigo 47º
116
1. Os trabalhadores migrantes têm o direito de transferir os seus ganhos e
economias, em particular as quantias necessárias ao sustento das suas famílias, do
Estado de emprego para o seu Estado de origem ou outro Estado. A transferência
será efectuada segundo os procedimentos estabelecidos pela legislação aplicável do
Estado interessado e de harmonia com os acordos internacionais aplicáveis.
2. Os Estados interessados adoptam as medidas adequadas a facilitar tais
transferências.
Artigo 48º
1. Em matéria de rendimentos do trabalho auferidos no Estado de emprego, e sem
prejuízo dos acordos sobre dupla tributação aplicáveis, os trabalhadores migrantes e
os membros das suas famílias:
a) Não ficam sujeitos a impostos, contribuições ou encargos de qualquer natureza
mais elevados ou mais onerosos que os exigidos aos nacionais que se encontrem
em situação idêntica;
b) Beneficiam de reduções ou isenções de impostos de qualquer natureza, bem
como de desagravamento fiscal, incluindo deduções por encargos de família.
2. Os Estados Partes procuram adoptar medidas adequadas a fim de evitar a dupla
tributação dos rendimentos e das economias dos trabalhadores migrantes e dos
membros das suas famílias.
Artigo 49º
1. Quando a legislação nacional exija autorizações de residência e de trabalho
distintas, o Estado de emprego emite, em benefício dos trabalhadores migrantes,
uma autorização de residência de duração pelo menos igual à da autorização de
trabalho.
117
2. Os trabalhadores migrantes que, no Estado de emprego, são autorizados a
escolher livremente a sua actividade remunerada não são considerados em situação
irregular e não perdem a sua autorização de residência pelo mero facto de ter
cessado a sua actividade remunerada antes de terminada a autorização de trabalho
ou outra autorização.
3. Para permitir que os trabalhadores migrantes mencionados no 2 do presente
artigo disponham de tempo suficiente para encontrar outra actividade remunerada, a
autorização de residência não deve ser retirada, pelo menos durante o período em
que têm direito ao subsídio de desemprego.
Artigo 50º
1. Em caso de falecimento do trabalhador migrante ou de dissolução do casamento,
o Estado de emprego considera favoravelmente a possibilidade de conceder aos
membros da família desse trabalhador, que residam nesse Estado ao abrigo do
princípio do reagrupamento familiar, autorização para permanecerem no seu
território, devendo tomar em conta o tempo de residência dos mesmos nesse
Estado.
2. Os membros da família a quem não for concedida tal autorização devem dispor,
antes da sua partida, de um prazo razoável que lhes permita resolver os seus
problemas no Estado de emprego.
3. Nenhuma das disposições dos nºs 1 e 2 do presente artigo deve ser interpretada
como prejudicando os direitos à permanência e ao trabalho que, de outro modo, são
atribuídos aos referidos membros da família pela legislação do Estado de emprego
ou pelos tratados bilaterais ou multilaterais aplicáveis a esse Estado.
Artigo 51º
Os trabalhadores migrantes que, no Estado de emprego, não estão autorizados a
escolher livremente a sua actividade remunerada não são considerados em situação
irregular, nem perdem a sua autorização de residência, pelo simples facto de a sua
118
actividade remunerada ter cessado antes do termo da sua autorização de trabalho,
salvo nos casos em que a autorização de residência dependa expressamente da
actividade remunerada específica para o exercício da qual foram admitidos no
Estado de emprego. Estes trabalhadores migrantes têm o direito de procurar outro
emprego, de participar em programas de interesse público e de frequentar cursos de
formação durante o período restante da sua autorização de trabalho, sem prejuízo
das condições e restrições constantes desta autorização.
Artigo 52º
1. Os trabalhadores migrantes têm, no Estado de emprego, o direito de escolher
livremente a sua actividade remunerada, subordinado às restrições ou condições a
seguir especificadas.
2. Em relação a qualquer trabalhador migrante, o Estado de emprego pode:
a) Restringir o acesso a categorias limitadas de empregos, funções, serviços ou
actividades, quando o exija o interesse do Estado e esteja previsto na legislação
nacional;
b) Restringir a livre escolha da actividade remunerada em conformidade com a sua
legislação relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais adquiridas fora
do seu território. Todavia, os Estados Partes interessados devem diligenciar no
sentido de assegurar o reconhecimento de tais qualificações.
3. No caso dos trabalhadores migrantes portadores de uma autorização de trabalho
por tempo determinado, o Estado de emprego pode igualmente:
a) Subordinar o exercício do direito de livre escolha da actividade remunerada à
condição de o trabalhador migrante ter residido legalmente no território desse
Estado a fim de aí exercer uma actividade remunerada durante o período previsto na
legislação nacional e que não deve ser superior a dois anos;
119
b) Limitar o acesso do trabalhador migrante a uma actividade remunerada, em
aplicação de uma política de concessão de prioridade aos seus nacionais ou às
pessoas equiparadas para este efeito em virtude da legislação nacional ou de
acordos bilaterais ou multilaterais. Tal limitação deixa de ser aplicável a um
trabalhador migrante que tenha residido legalmente no território do Estado de
emprego a fim de aí exercer uma actividade durante o período previsto na legislação
nacional e que não deve ser superior a cinco anos.
4. Os Estados de emprego determinam as condições em que os trabalhadores
migrantes, admitidos no seu território para ocuparem um emprego, podem ser
autorizados a exercer uma actividade por conta própria. Deve ser tomado em conta
o período durante o qual os trabalhadores tenham permanecido legalmente no
Estado de emprego.
Artigo 53º
1. Os membros da família de um trabalhador migrante que beneficiem de uma
autorização de residência ou de admissão por tempo ilimitado ou automaticamente
renovável são autorizados a escolher livremente uma actividade remunerada nas
condições aplicáveis ao referido trabalhador migrante, nos termos do disposto no
artigo 52º da presente Convenção.
2. No caso dos membros da família de um trabalhador migrante que não sejam
autorizados a escolher livremente uma actividade remunerada, os Estados Partes
ponderam a possibilidade de lhes conceder autorização para exercer uma actividade
remunerada, com prioridade em relação aos outros trabalhadores que solicitem a
admissão no Estado de emprego, sem prejuízo dos acordos bilaterais e multilaterais
aplicáveis.
Artigo 54º
1. Sem prejuízo das condições estabelecidas na sua autorização de residência ou
de trabalho e dos direitos previstos nos artigos 25º e 27º da presente Convenção, os
120
trabalhadores migrantes beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos
nacionais do Estado de emprego, no que respeita a:
a) Protecção contra o despedimento;
b) Prestações de desemprego;
c) Acesso a programas de interesse público destinados a combater o desemprego;
d) Acesso a emprego alternativo no caso de perda do emprego ou de cessação de
outra actividade remunerada, sem prejuízo do disposto no artigo 52º da presente
Convenção.
2. No caso de um trabalhador migrante invocar a violação das condições do seu
contrato de trabalho pelo seu empregador, terá o direito de submeter o seu caso às
autoridades competentes do Estado de emprego, nos termos do disposto no 1 do
artigo 18 da presente Convenção.
Artigo 55º
Os trabalhadores migrantes a quem tenha sido concedida autorização para
exercerem uma actividade remunerada, sujeita às condições previstas nessa
autorização, beneficiam de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado de
emprego no exercício daquela actividade remunerada.
Artigo 56º
1. Os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias a que se refere esta
parte da presente Convenção não podem ser expulsos de um Estado de emprego,
excepto por razões definidas na legislação nacional desse Estado, e sem prejuízo
das garantias previstas na parte III.
121
2. A expulsão não será accionada com o objectivo de privar os trabalhadores
migrantes ou os membros da sua família dos direitos emergentes da autorização de
residência e da autorização de trabalho.
3. Na consideração da expulsão de um trabalhador migrante ou de um membro da
sua família, devem ser tomadas em conta razões de natureza humanitária e o tempo
de residência da pessoa interessada, até esse momento, no Estado de emprego.
Parte V
Disposições aplicáveis a categorias especiais de trabalhadores migrantes e
membros das suas famílias
Artigo 57º
As categorias especiais de trabalhadores migrantes indicadas nesta parte da
presente Convenção e os membros das suas famílias, que se encontrem
documentados ou em situação regular, gozam dos direitos enunciados na parte III e,
sem prejuízo das modificações a seguir indicadas, dos direitos enunciados na parte
IV.
Artigo 58º
1. Os trabalhadores fronteiriços, tal como são definidos na alínea a) do nº 2 do artigo
da presente Convenção, beneficiam dos direitos previstos na parte IV que lhes
sejam aplicáveis por força da sua presença e do seu trabalho no território do Estado
de emprego, considerando que não têm a sua residência habitual nesse Estado.
2. Os Estados de emprego consideram favoravelmente a possibilidade de atribuir
aos trabalhadores fronteiriços o direito de escolher livremente uma actividade
remunerada após o decurso de um determinado período de tempo. A concessão
deste direito não afecta o seu estatuto de trabalhadores fronteiriços.
Artigo 59º
122
1. Os trabalhadores sazonais, tal como são definidos na alínea b) do 2 do artigo 2
da presente Convenção, beneficiam dos direitos previstos na parte IV que lhes
sejam aplicáveis por força da sua presença e do seu trabalho no território do Estado
de emprego e que se mostrem compatíveis com o seu estatuto de trabalhadores
sazonais, considerando que estão presentes nesse Estado durante uma parte do
ano.
2. O Estado de emprego deve ponderar, sem prejuízo do disposto no nº 1 do
presente artigo, a possibilidade de conceder, aos trabalhadores migrantes que
tenham estado empregados no seu território durante um período significativo, a
oportunidade de realizarem outras actividades remuneradas e dar-lhes prioridade
em relação a outros trabalhadores que pretendam ser admitidos nesse Estado, sem
prejuízo dos acordos bilaterais e multilaterais aplicáveis.
Artigo 60º
Os trabalhadores itinerantes, tal como são definidos na alínea e) do nº 2 do artigo
da presente Convenção, beneficiam dos direitos previstos na parte IV que possam
ser-lhes concedidos por força da sua presença e do seu trabalho no território do
Estado de emprego e que se mostrem compatíveis com o seu estatuto de
trabalhadores itinerantes nesse Estado.
Artigo 61º
1. Os trabalhadores vinculados a um projecto, tal como são definidos na alínea f) do
2 do artigo 2º da presente Convenção, e os membros das suas famílias
beneficiam dos direitos previstos na parte IV, com excepção das disposições do
artigo 43º, 1, alíneas b) e c), do artigo 43º, n 1, alínea d), no que respeita a
programas de habitação social, do artigo 45º, nº 1, alínea b), e dos artigos 52º a 55º.
2. Se um trabalhador vinculado a um projecto invocar a violação dos termos do seu
contrato de trabalho pelo seu empregador, terá o direito de submeter o seu caso às
123
autoridades competentes do Estado a cuja jurisdição está sujeito esse empregador,
nos termos previstos no nº 1 do artigo 18º da presente Convenção.
3. Sem prejuízo dos acordos bilaterais ou multilaterais aplicáveis, os Estados Partes
interessados diligenciam no sentido de garantir que os trabalhadores vinculados a
projectos se encontrem devidamente protegidos pelos regimes de segurança social
dos Estados de origem ou de residência durante todo o tempo de participação no
projecto. Os Estados Partes interessados adoptam as medidas necessárias para
evitar a denegação de direitos ou a duplicação de contribuições neste domínio.
4. Sem prejuízo do disposto no artigo 47º da presente Convenção e dos acordos
bilaterais ou multilaterais pertinentes, os Estados Partes interessados autorizam o
pagamento das remunerações dos trabalhadores vinculados a um projecto no seu
Estado de origem ou de residência habitual.
Artigo 62º
1. Os trabalhadores com um emprego específico, tal como são definidos na alínea g)
do 2 do artigo 2º da presente Convenção, beneficiam de todos os direitos
previstos na parte IV, com excepção do disposto no artigo 43º, 1, alíneas b) e c),
no artigo 43º, 1, alínea d), no que respeita a programas de habitação social, no
artigo 52º, e no artigo 54º, nº 1, alínea d).
2. Os membros das famílias dos trabalhadores com um emprego específico
beneficiam dos direitos relativos aos membros das famílias dos trabalhadores
migrantes enunciados na parte IV da presente Convenção, com excepção do
disposto no artigo 53º.
Artigo 63
1. Os trabalhadores independentes, tal como são definidos na alínea h) do 2, do
artigo da presente Convenção, beneficiam de todos os direitos previstos na parte
IV, com excepção dos direitos exclusivamente aplicáveis aos trabalhadores
assalariados.
124
2. Sem prejuízo dos artigos 52º e 79º da presente Convenção, a cessação da
actividade económica dos trabalhadores independentes não implica, por si , a
revogação da autorização que lhes seja concedida, bem como aos membros das
suas famílias, para poderem permanecer e exercer uma actividade remunerada no
Estado de emprego, salvo se a autorização de residência depender expressamente
da actividade remunerada específica para o exercício da qual tenham sido
admitidos.
Parte VI
Promoção de condições saudáveis, equitativas, dignas e justas em matéria de
migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros das suas
famílias
Artigo 64º
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 79º da presente Convenção, os Estados
Partes interessados consultam-se e cooperam, se tal se mostrar necessário, a fim de
promover condições saudáveis, equitativas e dignas no que se refere às migrações
internacionais dos trabalhadores e dos membros das suas famílias.
2. A este respeito, devem ser tomadas devidamente em conta não as
necessidades e recursos de mão-de-obra activa, mas também as necessidades de
natureza social, económica, cultural e outra dos trabalhadores migrantes e dos
membros das suas famílias, bem como as consequências das migrações para as
comunidades envolvidas.
Artigo 65º
1. Os Estados Partes mantêm serviços apropriados para tratamento das questões
relativas à migração internacional dos trabalhadores e dos membros das suas
famílias. Compete-lhes, nomeadamente:
125
a) Formular e executar políticas relativas a essas migrações;
b) Assegurar o intercâmbio de informações, proceder a consultas e cooperar com as
autoridades competentes dos outros Estados envolvidos em tais migrações;
c) Fornecer informações adequadas, especialmente aos empregadores, aos
trabalhadores e às respectivas organizações, acerca das políticas, legislação e
regulamentos relativos às migrações e ao emprego, acerca de acordos no domínio
das migrações celebrados com outros Estados e outras questões pertinentes;
d) Fornecer informação e prestar assistência adequada aos trabalhadores migrantes
e aos membros das suas famílias no que se refere às autorizações, formalidades e
providências necessárias para a partida, viagem, chegada, estada, actividades
remuneradas, saída e regresso, bem como às condições de trabalho e de vida no
Estado de emprego e, ainda, disposições legais e regulamentares vigentes em
matéria aduaneira, cambial, fiscal e outras.
2. Os Estados Partes facilitam, na medida em que tal se mostre necessário, a
disponibilização de serviços consulares adequados e outros serviços necessários
para satisfazer as necessidades de natureza social, cultural e outra dos
trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias.
Artigo 66º
1. Sem prejuízo do disposto no nº 2 do presente artigo, só são autorizados a
efectuar operações de recrutamento de trabalhadores para ocuparem um emprego
noutro Estado:
a) Os serviços ou organismos oficiais do Estado em que tais operações se realizem;
b) Os serviços ou organismos oficiais do Estado de emprego na base de um acordo
entre os Estados interessados;
c) Os organismos instituídos no âmbito de um acordo bilateral ou multilateral.
126
2. Sob reserva da autorização, aprovação e fiscalização por parte dos órgãos oficiais
dos Estados Partes, instituídos de harmonia com a legislação e a prática dos
referidos Estados, podem igualmente ser autorizados a efectuar tais operações
gabinetes, potenciais empregadores ou pessoas agindo em seu nome.
Artigo 67º
1. Os Estados Partes interessados cooperam, se tal se mostrar necessário, com
vista à adopção de medidas relativas à boa organização do regresso ao Estado de
origem dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, quando
decidam regressar, quando expire a sua autorização de residência ou de trabalho,
ou quando se encontrem em situação irregular no Estado de emprego.
2. Relativamente aos trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias em
situação regular, os Estados Partes interessados cooperam, se tal se mostrar
necessário, segundo as modalidades por estes acordadas, com vista a promover as
condições económicas adequadas à sua reinstalação e a facilitar a sua reintegração
social e cultural duradoura no Estado de origem.
Artigo 68º
1. Os Estados Partes, incluindo os Estados de trânsito, cooperam a fim de prevenir e
eliminar os movimentos e o trabalho ilegais ou clandestinos de trabalhadores
migrantes em situação irregular. Na prossecução deste objectivo, os Estados
interessados tomam, nos limites da sua competência, as providências a seguir
indicadas:
a) Medidas apropriadas contra a difusão de informação enganadora respeitante à
emigração e à imigração;
b) Medidas destinadas a detectar e a eliminar os movimentos ilegais ou
clandestinos de trabalhadores migrantes e de membros das suas famílias e a impor
127
sanções eficazes às pessoas, grupos ou entidades que organizem, realizem ou
participem na organização ou direcção de tais movimentos;
c) Medidas destinadas a impor sanções eficazes às pessoas, grupos ou entidades
que recorram à violência, à ameaça ou à intimidação contra os trabalhadores
migrantes ou os membros das suas famílias que se encontrem em situação irregular.
2. Os Estados de emprego adoptam todas as medidas adequadas e eficazes para
eliminar o emprego, no seu território, de trabalhadores migrantes em situação
irregular, impondo nomeadamente, se for caso disso, sanções aos seus
empregadores. Tais medidas não prejudicam os direitos que assistem aos
trabalhadores migrantes relativamente ao seu empregador, emergentes da sua
situação laboral.
Artigo 69º
1. Os Estados Partes, em cujo território se encontrem trabalhadores migrantes e
membros das suas famílias em situação irregular, tomam as medidas adequadas
para evitar que essa situação se prolongue.
2. Sempre que os Estados Partes interessados considerem a possibilidade de
regularizar a situação dessas pessoas, de harmonia com a legislação nacional e os
acordos bilaterais ou multilaterais aplicáveis, devem ter devidamente em conta as
circunstâncias da sua entrada, a duração da sua estada no Estado de emprego, bem
como outras considerações relevantes, em particular as que se relacionem com a
sua situação familiar.
Artigo 70º
Os Estados Partes adoptam medidas não menos favoráveis do que as aplicadas aos
seus nacionais para garantir que as condições de vida e de trabalho dos
trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias em situação regular
sejam conformes às normas de saúde, de segurança e de higiene e aos princípios
inerentes à dignidade humana.
128
Artigo 71º
1. Os Estados Partes facilitam, se necessário, o repatriamento para o Estado de
origem dos restos mortais dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas
famílias.
2. No que respeita à indemnização pelo falecimento de um trabalhador migrante ou
de um membro da sua família, os Estados Partes prestam assistência, se tal se
mostrar conveniente, às pessoas interessadas com vista a assegurar a pronta
resolução desta questão. Tal resolução terá por base a legislação nacional aplicável
em conformidade com as disposições da presente Convenção e com os acordos
bilaterais ou multilaterais relevantes neste domínio.
Parte VII
Aplicação da Convenção
Artigo 72º
1.
a) Com o fim de examinar a aplicação da presente Convenção, é instituído um
Comité para a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos
Membros das suas Famílias ( a seguir designado "o Comité");
b) O Comité é composto de dez peritos no momento da entrada em vigor da
presente Convenção e, após a entrada em vigor desta para o quadragésimo primeiro
Estado Parte, de catorze peritos de alta autoridade moral, imparcialidade e de
reconhecida competência no domínio abrangido pela presente Convenção.
2.
a) Os membros do Comité são eleitos por escrutínio secreto pelos Estados Partes,
de entre uma lista de candidatos designados pelos Estados Partes, tendo em
consideração a necessidade de assegurar uma repartição geográfica equitativa, no
que respeita quer aos Estados de origem quer aos Estados de emprego, e uma
129
representação dos principais sistemas jurídicos. Cada Estado Parte pode designar
um perito de entre os seus nacionais;
b) Os membros do Comité são eleitos e exercem as suas funções a título pessoal.
3. A primeira eleição tem lugar nos seis meses seguintes à data da entrada em vigor
da presente Convenção e, depois disso, todos os dois anos. Pelo menos quatro
meses antes da data de cada eleição, o Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas convida, por escrito, os Estados Partes a proporem os seus
candidatos num prazo de dois meses. O Secretário-Geral elabora, em seguida, a
lista alfabética dos candidatos assim apresentados, indicando por que Estados
foram designados, e comunica-a aos Estados Partes na presente Convenção, pelo
menos um mês antes da data de cada eleição, acompanhada do curriculum vitae
dos interessados.
4. As eleições dos membros do Comité realizam-se quando das reuniões dos
Estados Partes convocadas pelo Secretário-Geral para a sede da Organização das
Nações Unidas. Nestas reuniões, em que o quorum é constituído por dois terços dos
Estados Partes, são eleitos para o Comité os candidatos que obtiverem o maior
número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados
Partes presentes e votantes.
5.
a) Os membros do Comité são eleitos por um período de quatro anos. O mandato de
cinco dos membros eleitos na primeira eleição termina ao fim de dois anos. O
presidente da reunião tira à sorte, imediatamente após a primeira eleição, os nomes
destes cinco elementos.
b) A eleição dos quatro membros suplementares do Comité realiza-se de harmonia
com o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do presente artigo, após a entrada em vigor da
Convenção para o quadragésimo primeiro Estado Parte. O mandato de dois dos
membros suplementares eleitos nesta ocasião termina ao fim de dois anos. O
presidente da reunião dos Estados Partes tira à sorte os nomes destes dois
elementos.
130
c) Os membros do Comité são reelegíveis em caso de recandidatura.
6. Em caso de morte ou de demissão de um membro do Comité ou se, por qualquer
outra razão, um membro declarar que não pode continuar a exercer funções no seio
do Comité, o Estado Parte que havia proposto a sua candidatura designa um outro
perito, de entre os seus nacionais, para preencher a vaga até ao termo do mandato,
sujeito à aprovação do Comité.
7. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas põe à disposição do
Comité o pessoal e as instalações necessárias para o desempenho das suas
funções.
8. Os membros do Comité recebem emolumentos provenientes dos recursos
financeiros da Organização das Nações Unidas, segundo as condições e
modalidades fixadas pela Assembleia Geral.
9. Os membros do Comité gozam das facilidades, privilégios e imunidades de que
beneficiam os peritos em missão junto da Organização das Nações Unidas,
previstos nas secções pertinentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das
Nações Unidas.
Artigo 73º
1. Os Estados Partes comprometem-se a apresentar ao Comité, através do
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, relatórios sobre as medidas
legislativas, judiciais, administrativas e de outra natureza que hajam adoptado para
dar aplicação às disposições da presente Convenção:
a) No ano subsequente à data da entrada em vigor da presente Convenção para o
Estado Parte interessado;
b) Em seguida, de cinco em cinco anos e sempre que o Comité o solicitar.
131
2. Os relatórios apresentados em aplicação do presente artigo devem também
indicar os factores e as dificuldades, se a elas houver lugar, que afectem a aplicação
efectiva das disposições da presente Convenção e conter informações sobre as
características dos movimentos migratórios respeitantes ao Estado interessado.
3. O Comité estabelece as directrizes aplicáveis ao conteúdo dos relatórios.
4. Os Estados Partes asseguram aos seus relatórios uma larga difusão nos seus
próprios países.
Artigo 74º
1. O Comité examina os relatórios apresentados por cada Estado Parte e transmite
ao Estado Parte interessado os comentários que julgar apropriados. Este Estado
Parte pode submeter ao Comité observações sobre qualquer comentário feito pelo
Comité ao abrigo do disposto no presente artigo. O Comité pode solicitar aos
Estados Partes informações complementares.
2. Antes da abertura de cada sessão ordinária do Comité, o Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas transmite, atempadamente, ao Director-Geral do
Secretariado Internacional do Trabalho cópia dos relatórios apresentados pelos
Estados Partes interessados e informações úteis à apreciação desses relatórios, de
modo a possibilitar ao Secretariado prestar assistência ao Comité, através da
disponibilização de conhecimentos especializados nas matérias abordadas na
presente Convenção que se inscrevam no mandato da Organização Internacional do
Trabalho. O Comité deve ter em conta, nas suas deliberações, todos os comentários
e documentos que o Secretariado lhe possa facultar.
3. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas pode, de igual modo,
ouvido o Comité, transmitir a outras agências especializadas, bem como a
organizações intergovernamentais, cópia de partes destes relatórios que se
inscrevam no âmbito dos respectivos mandatos.
132
4. O Comité pode convidar as agências especializadas e outros órgãos das Nações
Unidas, bem como organizações intergovernamentais e outros organismos
interessados, a submeter por escrito, para apreciação pelo Comité, informações
sobre a aplicação da presente Convenção nas áreas relativas aos seus domínios de
actividade.
5. O Secretariado Internacional do Trabalho é convidado pelo Comité a designar os
seus representantes a fim de participarem, na qualidade de consultores, nas
reuniões do Comité.
6. O Comité pode convidar outras agências especializadas e órgãos da Organização
das Nações Unidas, bem como organizações intergovernamentais, a fazerem-se
representar nas suas reuniões quando for apreciada a aplicação de disposições da
presente Convenção que se inscrevam no seu mandato.
7. O Comité submete um relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas
sobre a aplicação da presente Convenção, contendo as suas observações e
recomendações, fundadas, nomeadamente, na apreciação dos relatórios e nas
observações apresentadas pelos Estados.
8. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas transmite os relatórios
anuais do Comité aos Estados Partes na presente Convenção, ao Conselho
Económico e Social, à Comissão dos Direitos do Homem da Organização das
Nações Unidas, ao Director-Geral do Secretariado Internacional do Trabalho e a
outras organizações relevantes neste domínio.
Artigo 75º
1. O Comité adopta o seu Regulamento interno.
2. O Comité elege o seu secretariado por um período de dois anos.
3. O Comité reúne em regra anualmente.
133
4. As reuniões do Comité têm habitualmente lugar na sede da Organização das
Nações Unidas.
Artigo 76º
1. Qualquer Estado Parte na presente Convenção pode, em virtude do presente
artigo, declarar, em qualquer momento, que reconhece a competência do Comité
para receber e apreciar comunicações de um Estado Parte, invocando o o
cumprimento por outro Estado das obrigações decorrentes da presente Convenção.
As comunicações apresentadas ao abrigo do disposto neste artigo podem ser
recebidas e apreciadas se forem provenientes de um Estado que tenha feito uma
declaração, reconhecendo a competência do Comité, no que lhe diz respeito. O
Comité não recebe as comunicações apresentadas por um Estado que não tenha
feito tal declaração. Às comunicações recebidas nos termos do presente artigo é
aplicável o seguinte procedimento:
a) Se um Estado Parte na presente Convenção considerar que outro Estado Parte
não cumpre as obrigações impostas pela presente Convenção pode, por
comunicação escrita, chamar a atenção desse Estado para tal incumprimento. O
Estado Parte pode, também, levar esta questão ao conhecimento do Comité. Num
prazo de três meses a contar da recepção da comunicação, o Estado destinatário
dirige, por escrito, ao Estado que fez a comunicação uma explicação ou outras
declarações destinadas a esclarecer o assunto e que devem incluir, na máxima
medida possível e pertinente, indicação sobre as regras processuais e os meios de
recurso já utilizados, pendentes ou disponíveis;
b) Se, no prazo de seis meses a contar da data da recepção da comunicação inicial
pelo Estado destinatário, a questão não tiver sido resolvida a contento de ambos os
Estados Partes interessados, qualquer um destes tem o direito de a submeter à
apreciação do Comité, dirigindo uma notificação ao Comité bem como ao outro
Estado interessado;
c) O Comité só examinará a questão depois de verificar que todos as vias de recurso
internas disponíveis foram esgotadas, em conformidade com os princípios
134
geralmente reconhecidos do Direito internacional. Tal não se aplicará quando o
Comité entender que os procedimentos de recurso ultrapassam os prazos razoáveis;
d) Sob reserva das disposições da alínea c) do presente número, o Comité coloca-
se à disposição dos Estados Partes interessados a fim de obter a solução amigável
do litígio, fundada no respeito das obrigações enunciadas na presente Convenção;
e) O Comité reúne à porta fechada para examinar as comunicações recebidas nos
termos do presente artigo;
f) O Comité pode pedir aos Estados interessados, referidos na alínea b) do presente
número, as informações que julgar pertinentes relativamente a qualquer questão
submetida nos termos da alínea b) do presente número;
g) Os Estados Partes interessados, referidos na alínea b) do presente número, têm o
direito de fazer-se representar quando da apreciação da questão pelo Comité e de
apresentar alegações orais e/ou escritas;
h) O Comité apresenta um relatório, no prazo de doze meses a contar da recepção
da notificação prevista na alínea b) do presente número, nos seguintes termos:
(i) Se for alcançada uma solução nos termos da alínea d) do presente
número, o Comité limita o seu relatório a uma exposição breve dos factos
e dasolução alcançada;
(ii) Se não for alcançada uma solução nos termos da alínea d) do presente
número, o Comité expõe, no seu relatório, os factos relevantes relativos ao
objecto do diferendo entre os Estados Partes interessados. O texto das
alegações escritas e o auto das alegações orais apresentadas pelos
Estados Partes interessados são anexados ao relatório. O Comité pode
também comunicar apenas aos Estados Partes interessados as opiniões
que julgar pertinentes. O relatório é comunicado aos Estados Partes
interessados.
135
2. As disposições do presente artigo entrarão em vigor quando dez Estados Partes
na presente Convenção tiverem feito a declaração prevista no 1 deste artigo. A
declaração é depositada pelo Estado Parte junto do Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas, que transmitirá uma cópia aos outros Estados
Partes. A declaração pode ser retirada em qualquer momento por notificação dirigida
ao Secretário-Geral. A retirada o prejudica a apreciação de qualquer questão que
tenha sido transmitida nos termos do presente artigo; nenhuma outra
comunicação de um Estado Parte serecebida ao abrigo do presente artigo depois
que o Secretário-Geral tiver recebido a notificação da retirada da declaração, a
menos que o Estado Parte interessado haja formulado uma nova declaração.
Artigo 77º
1. Qualquer Estado Parte na presente Convenção pode, em qualquer momento,
declarar, nos termos do presente artigo, que reconhece a competência do Comité
para receber e examinar comunicações apresentadas por pessoas sujeitas à sua
jurisdição ou em seu nome, invocando a violação por esse Estado Parte dos seus
direitos individuais, estabelecidos pela presente Convenção. O Comité não recebe
nenhuma comunicação relativa a um Estado Parte que não tiver feito essa
declaração.
2. O Comité declara inadmissível uma comunicação apresentada nos termos do
presente artigo que seja anónima ou julgada abusiva ou incompatível com as
disposições da presente Convenção.
3. O Comité não examina nenhuma comunicação submetida por uma pessoa nos
termos do presente artigo, sem se certificar de que:
a) a mesma questão não foi submetida a outra instância internacional de inquérito
ou de decisão;
b) o interessado esgotou os recursos internos disponíveis; tal não se aplica se, na
opinião do Comité, os procedimentos de recurso ultrapassam os prazos razoáveis
136
ou se é pouco provável que as vias de recurso satisfaçam efectivamente o
interessado.
4. Sob reserva das disposições do 2 do presente artigo, o Comité
conhecimento das comunicações apresentadas nos termos deste artigo ao Estado
Parte na presente Convenção que tiver feito uma declaração nos termos do 1 e
tiver, alegadamente, violado uma disposição da Convenção. No prazo de seis
meses, o referido Estado submete por escrito ao Comité explicações ou declarações
clarificando o assunto e indicando, se for caso disso, as medidas que haja tomado
para ultrapassar a situação.
5. O Comité examina as comunicações recebidas nos termos do presente artigo,
tendo em conta toda a informação fornecida pelo interessado ou em seu nome e
pelo Estado posto em causa.
6. O Comité reúne à porta fechada quando examina as comunicações recebidas nos
termos do presente artigo.
7. O Comité transmite as suas conclusões ao Estado Parte em causa e ao
interessado.
8. As disposições do presente artigo entrarão em vigor quando dez Estados partes
na presente Convenção tiverem feito a declaração prevista no 1 do presente
artigo. Tal declaração será depositada pelo Estado Parte junto do Secretário-Geral
da Organização das Nações Unidas, que transmitirá cópia aos outros Estados
Partes. A declaração pode ser retirada em qualquer momento por notificação dirigida
ao Secretário-Geral. A retirada não obsta à apreciação de uma questão objecto de
uma comunicação apresentada nos termos do presente artigo. Nenhuma
comunicação apresentada por um indivíduo, ou em seu nome, nos termos do
presente artigo, será recebida depois da recepção pelo Secretário-Geral da
notificação da retirada da declaração, a menos que o Estado Parte haja formulado
uma nova declaração.
Artigo 78º
137
As disposições do artigo 76º da presente Convenção aplicam-se sem prejuízo de
qualquer processo de resolução de litígios ou de queixas no domínio coberto pela
presente Convenção, previsto nos instrumentos constitutivos e convenções da
Organização das Nações Unidas e das agências especializadas, e não impedem os
Estados Partes de recorrerem a qualquer outro processo de resolução de litígios ao
abrigo de acordos internacionais a que se encontrem vinculados.
Parte VIII
Disposições gerais
Artigo 79º
Nenhuma disposição da presente Convenção afecta o direito de cada Estado Parte
de estabelecer os critérios de admissão de trabalhadores migrantes e de membros
das suas famílias. No que se refere às outras questões relativas ao estatuto jurídico
e ao tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, os
Estados Partes ficam vinculados pelas limitações impostas pela presente
Convenção.
Artigo 80º
Nenhuma disposição da presente Convenção deve ser interpretada como afectando
as disposições da Carta das Nações Unidas e dos actos constitutivos das agências
especializadas que definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos
da Organização das Nações Unidas e das agências especializadas no que respeita
às questões abordadas na presente Convenção.
Artigo 81º
1. Nenhuma disposição da presente Convenção afecta as disposições mais
favoráveis à realização dos direitos ou ao exercício das liberdades dos trabalhadores
migrantes e dos membros das suas famílias que possam figurar:
a) Na legislação ou na prática de um Estado Parte; ou
138
b) Em qualquer tratado bilateral ou multilateral em vigor para esse Estado.
2. Nenhuma disposição da presente Convenção deve ser interpretada como
implicando para um Estado, grupo ou pessoa, o direito a dedicar-se a uma
actividade ou a realizar um acto que afecte os direitos ou as liberdades enunciados
na presente Convenção.
Artigo 82º
Os direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das sua famílias previstos
na presente Convenção não podem ser objecto de renúncia. Não é permitido
exercer qualquer forma de pressão sobre os trabalhadores migrantes e os membros
das suas famílias para que renunciem a estes direitos ou se abstenham de os
exercer. Não é possível a derrogação por contrato dos direitos reconhecidos na
presente Convenção. Os Estados Partes tomam as medidas adequadas para
garantir que estes princípios são respeitados.
Artigo 83º
Cada Estado Parte na presente Convenção compromete-se:
a) A garantir que toda a pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente
Convenção tenham sido violados disponha de um recurso efectivo, ainda que a
violação haja sido cometida por pessoas no exercício de funções oficiais;
b) A garantir que, ao exercer tal recurso, o interessado possa ver a sua queixa
apreciada e decidida por uma autoridade judiciária, administrativa ou legislativa
competente, ou por qualquer outra autoridade competente prevista no sistema
jurídico do Estado, e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;
c) A garantir que as autoridades competentes em seguimento ao recurso quando
este for considerado fundado.
139
Artigo 84º
Cada Estado Parte compromete-se a adoptar todas as medidas legislativas e outras
que se afigurem necessárias à aplicação das disposições da presente Convenção.
Parte IX
Disposições finais
Artigo 85º
O Secretário-Geral das Nações Unidas é designado como depositário da presente
Convenção.
Artigo 86º
1. A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados. Está sujeita
a ratificação.
2. A presente Convenção está aberta à adesão de todos os Estados.
3. Os instrumentos de ratificação ou de adesão serão depositados junto do
Secretário-Geral das Nações Unidas.
Artigo 87º
1. A presente Convenção entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo
de um período de três meses após a data do depósito do vigésimo instrumento de
ratificação ou de adesão.
2. Para cada um dos Estados que ratificarem a presente Convenção ou a ela
aderirem após a sua entrada em vigor, a Convenção entrará em vigor no primeiro
dia do mês seguinte a um período de três meses após a data do depósito, por parte
desse Estado, do seu instrumento de ratificação ou de adesão.
140
Artigo 88º
Um Estado que ratifique a presente Convenção ou a ela adira não pode excluir a
aplicação de qualquer uma das suas partes ou, sem prejuízo do artigo 3º, excluir da
sua aplicação uma categoria qualquer de trabalhadores migrantes.
Artigo 89º
1. Qualquer Estado Parte pode denunciar a presente Convenção, após o decurso de
um período de cinco anos a contar da data da entrada em vigor da Convenção para
esse Estado, por via de notificação escrita dirigida ao Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas.
2. A denúncia produz efeito no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período
de doze meses após a data da recepção da notificação pelo Secretário-Geral.
3. A denúncia não pode ter como efeito desvincular o Estado Parte das obrigações
que para si decorrem da presente Convenção relativamente a acção ou omissão
praticada anteriormente à data em que a denúncia produz efeito, nem impede, de
modo algum, que uma questão submetida ao Comité anteriormente à data em que a
denúncia produz efeito seja apreciada.
4. Após a data em que a denúncia produz efeito para um Estado Parte, o Comité
não aprecia mais nenhuma questão nova respeitante a esse Estado.
Artigo 90º
1. Após o decurso de um período de cinco anos a contar da data da entrada em
vigor da presente Convenção, qualquer Estado pode, em qualquer momento, propor
a revisão da Convenção por via de notificação dirigida ao Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas. O Secretário-Geral transmite, em seguida, a
proposta de revisão aos Estados Partes, solicitando que lhe seja comunicado se são
favoráveis à convocação de uma conferência de Estados Partes para apreciação e
votação da proposta. Se, nos quatro meses subsequentes a essa comunicação, pelo
141
menos um terço dos Estados Partes se declarar a favor da realização da referida
conferência, o Secretário-Geral convocá-la-á sob os auspícios da Organização das
Nações Unidas. As emendas adoptadas pela maioria dos Estados Partes presentes
e votantes na conferência são submetidas à Assembleia Geral para aprovação.
2. As emendas entram em vigor quando aprovadas pela Assembleia Geral das
Nações Unidas e aceites por uma maioria de dois terços dos Estados Partes, de
harmonia com as respectivas normas constitucionais.
3. Quando uma emenda entrar em vigor, terá força vinculativa para os Estados que
a hajam aceite, ficando os outros Estados Partes ligados pelas disposições da
presente Convenção e por todas as emendas anteriores que tenham aceite.
Artigo 91º
1. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas recebe e comunica a
todos os Estados o texto das reservas que forem feitas pelos Estados no momento
da assinatura, da ratificação ou da adesão.
2. Não é autorizada nenhuma reserva incompatível com o objecto e com o fim da
presente Convenção.
3. As reservas podem ser retiradas em qualquer momento por via de notificação
dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, o qual informará
todos os Estados. A notificação produz efeito na data da sua recepção pelo
Secretário-Geral.
Artigo 92º
1. Em caso de diferendo entre dois ou mais Estados relativamente à interpretação
ou aplicação da presente Convenção, que não for resolvido por negociação, será o
mesmo submetido a arbitragem a pedido de um dos Estados interessados. Se, no
prazo de seis meses a contar da data do pedido de arbitragem, as Partes não
142
chegarem a acordo sobre a organização da arbitragem, o diferendo pode ser
submetido ao Tribunal Internacional de Justiça, em conformidade com o Estatuto do
Tribunal, por iniciativa de qualquer das Partes.
2. Qualquer Estado Parte pode, no momento da assinatura ou do depósito do
instrumento de ratificação ou de adesão da presente Convenção, declarar que não
se considera vinculado pelas disposições do 1 do presente artigo. Os outros
Estados Partes não ficam vinculados pelas referidas disposições em relação ao
Estado Parte que tiver formulado tal declaração.
3. Qualquer Estado Parte que tiver formulado uma declaração nos termos do nº 2
anterior pode, em qualquer momento, retirá-la mediante notificação dirigida ao
Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
Artigo 93º
1. A presente Convenção, cujos textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e
russo fazem igualmente fé, será depositada junto do Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas.
2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas transmitirá cópia
autenticada da presente Convenção a todos os Estados.
Em do que os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente habilitados pelos
seus governos respectivos, assinaram a Convenção.
143
Anexo B
LEI Nº 11.961, DE 2 DE JULHO DE 2009.
Dispõe sobre a residência provisória para o
estrangeiro em situação irregular no território
nacional e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1
o
Poderá requerer residência provisória o estrangeiro que, tendo ingressado no
território nacional até 1
o
de fevereiro de 2009, nele permaneça em situação
migratória irregular.
Art. 2
o
Considera-se em situação migratória irregular, para fins desta Lei, o
estrangeiro que:
I - tenha ingressado clandestinamente no território nacional;
II - admitido regularmente no território nacional, encontre-se com prazo de estada
vencido; ou
III - beneficiado pela Lei no 9.675, de 29 de junho de 1998, não tenha completado os
trâmites necessários à obtenção da condição de residente permanente.
Art. 3
o
Ao estrangeiro beneficiado por esta Lei são assegurados os direitos e
deveres previstos na Constituição Federal, excetuando-se aqueles reservados
exclusivamente aos brasileiros.
Art. 4
o
O requerimento de residência provisória deverá ser dirigido ao Ministério da
Justiça a180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, obedecendo ao
disposto em regulamento, e deverá ser instruído com:
144
I - comprovante original do pagamento da taxa de expedição de Carteira de
Identidade de Estrangeiro - CIE, em valor correspondente a 25% (vinte e cinco por
cento) do fixado para expedição de 1
a
(primeira) via de Carteira de Identidade de
Estrangeiro Permanente;
II - comprovante original do pagamento da taxa de registro;
III - declaração, sob as penas da lei, de que não responde a processo criminal ou foi
condenado criminalmente, no Brasil e no exterior;
IV - comprovante de entrada no Brasil ou qualquer outro documento que permita à
Administração atestar o ingresso do estrangeiro no território nacional a o prazo
previsto no art. 1
o
desta Lei; e V - demais documentos previstos em regulamento.
Art. 5
o
Os estrangeiros que requererem residência provisória estarão isentos do
pagamento de multas ou de quaisquer outras taxas, além das previstas no art.
4
o
desta Lei.
Art. 6
o
Concedido o Registro Provisório, o Ministério da Justiça expedirá a Carteira
de Identidade de Estrangeiro com validade de 2 (dois) anos.
Art. 7
o
No prazo de 90 (noventa) dias anteriores ao término da validade da CIE, o
estrangeiro poderá requerer sua transformação em permanente, na forma do
regulamento, devendo comprovar:
I - exercício de profissão ou emprego lícito ou a propriedade de bens suficientes à
manutenção própria e da sua família;
II - inexistência de débitos fiscais e de antecedentes criminais no Brasil e no exterior;
e
III - não ter se ausentado do território nacional por prazo superior a 90 (noventa) dias
consecutivos durante o período de residência provisória.
145
Art. 8
o
A residência provisória ou permanente será declarada nula se, a qualquer
tempo, se verificar a falsidade das informações prestadas pelo estrangeiro.
§ 1
o
O disposto no caput deste artigo, respeitados a ampla defesa e o contraditório,
processar-se-á de ofício ou mediante representação fundamentada, na forma do
regulamento, assegurado o prazo para recurso de 60 (sessenta) dias contado da
notificação.
§ 2
o
Negada ou declarada nula a residência provisória ou a permanente, será
cancelado o registro, e a CIE perderá seus efeitos.
Art. 9
o
O disposto nesta Lei não se aplica ao estrangeiro expulso ou àquele que, na
forma da lei, ofereça indícios de periculosidade ou indesejabilidade.
Art. 10. Aplicam-se subsidiariamente as disposições contidas na Lei no 6.815, de 19
de agosto de 1980, alterada pela Lei no 6.964, de 9 de dezembro de 1981, aos
estrangeiros beneficiados por esta Lei.
Art. 11. O estrangeiro com processo de regularização imigratória em tramitação
poderá optar por ser beneficiado por esta Lei.
Art. 12. O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 2 de julho de 2009; 188
o
da Independência e 121
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Celso Luiz Nunes Amorim
Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.7.2009
146
Anexo C
DECRETO Nº 6.893, DE 2 DE JULHO DE 2009.
Regulamenta a Lei n
o
11.961, de 2 de julho de
2009, que dispõe sobre a residência
provisória para o estrangeiro em situação
irregular no território nacional, e outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei n
o
11.961, de 2 de julho
de 2009,
DECRETA:
Art. 1
o
O estrangeiro em situação irregular, que pretenda obter concessão de
residência provisória no País, deverá comparecer, pessoalmente, até cento e oitenta
dias após a publicação da Lei no 11.961, de 2 de julho de 2009, a uma unidade do
Departamento de Polícia Federal onde preencherá o requerimento de registro
provisório e instruirá seu pedido com:
I - comprovante original do pagamento:
a) da taxa de expedição de Carteira de Identidade de Estrangeiro - CIE, no valor de
R$ 31,05 (trinta e um reais e cinco centavos); e
b) da taxa de registro, no valor de R$ 64,58 (sessenta e quatro reais e cinqüenta e
oito centavos);
II - declaração, sob as penas da Lei, de que não responde a processo criminal ou foi
condenado criminalmente, no Brasil e no exterior;
III - comprovante de entrada no Brasil ou qualquer outro documento válido que
permita à Administração atestar o ingresso do estrangeiro no território nacional até
1
o
de fevereiro de 2009;
147
IV - um dos documentos a seguir especificados:
a) cópia autenticada do passaporte ou documento de viagem equivalente;
b) certidão expedida no Brasil pela representação diplomática ou consular do país
de que o estrangeiro seja nacional, atestando a sua qualificação e nacionalidade; ou
c) qualquer outro documento de identificação válido, que permita à Administração
identificar o estrangeiro e conferir os seus dados de qualificação; e
V - duas fotos coloridas recentes, tamanho 3x4.
§ 1
o
Para os devidos efeitos legais, o nome e a nacionalidade do estrangeiro serão
os constantes do passaporte ou do documento de viagem equivalente.
§ 2
o
A filiação que não constar dos documentos previstos no inciso IV deverá ser
atestada pela representação diplomática do ps de nacionalidade do estrangeiro ou por
meio da respectiva certidão de nascimento, devidamente legalizada pela representação
brasileira no exterior e traduzida por tradutor blico.
Art. 2
o
Satisfeitas as condições previstas no art. 1
o
, o estrangeiro receberá protocolo
que servirá como prova de estada regular até o recebimento da respectiva CIE.
Parágrafo único. O protocolo deverá ser devolvido por ocasião do recebimento da
CIE.
Art. 3
o
A CIE é individual, independentemente da idade de seu titular, se
confeccionada no modelo em vigor para as demais categorias de residentes no País
e terá validade de dois anos a contar da data de apresentação do pedido.
Art. 4
o
No prazo de noventa dias anteriores ao término da validade da CIE, o
estrangeiro poderá comparecer pessoalmente na unidade do Departamento de
Polícia Federal e requerer a transformação da residência provisória em permanente,
devendo apresentar o original da CIE ou, na falta desta, o original do protocolo, além
do seguinte:
148
I - documento hábil que comprove o exercício de profissão ou emprego lícito ou a
propriedade de bens suficientes à manutenção própria e de sua família;
II - declaração, sob as penas da lei:
a) de que não possui débitos fiscais junto ao Instituto Nacional do Seguro Social;
b) quanto ao número de ausências do território nacional nos últimos dois anos,
especificando as exatas datas de entrada e saída, local e justificativa, de forma que
comprove não ter se ausentado do território nacional por prazo superior a noventa
dias consecutivos durante o período de residência provisória; e
c) de que não responde a processo criminal nem foi condenado criminalmente, no
Brasil e no exterior;
III - atestado de antecedentes criminais, expedido por órgão da Secretaria de
Segurança Pública do Estado de residência;
IV - Certidão Conjunta de Débitos relativos a Tributos Federais e à Divida Ativa da
União, que pode ser extraída do sítio eletrônico da Secretaria da Receita Federal do
Brasil;
V - comprovante original do pagamento de taxa de R$ 31,05 (trinta e um reais e
cinco centavos), relativa à expedição da correspondente CIE; e
VI - duas fotos coloridas recentes, tamanho 3x4.
Art. 5
o
Concedida a transformação da residência temporária em permanente será
expedida, pelo Departamento de Polícia Federal, nova CIE cuja validade será fixada
em conformidade com o art. 2o do Decreto-Lei no 2.236, de 23 de janeiro de 1985.
Art. 6
o
A residência provisória ou permanente será declarada nula se, a qualquer
tempo, se verificar a falsidade das informações prestadas pelo estrangeiro, sem
prejuízo das penalidades previstas em lei.
149
§ 1
o
O processo de apuração objeto do disposto no caput será instaurado
administrativamente no Minisrio da Justa, de ocio ou mediante representão
fundamentada, respeitados os princípios da ampla defesa e do contradirio.
§ 2
o
Fica assegurado o prazo de sessenta dias para apresentação de recurso, sob
pena de decadência, contados do recebimento da notificação pelo estrangeiro ou da
publicação de edital na hipótese de sua não localização.
§ 3
o
O pedido a que se refere o § 2
o
deverá ser fundamentado e instruído com os
documentos necessários à comprovação do alegado.
§ 4
o
Declarada nula a residência provisória ou permanente, a CIE deverá ser
recolhida e o registro será cancelado.
Art. 7
o
Ficam impedidos de beneficiarem-se da residência provisória ou da
transformação desta em permanente o estrangeiro expulso ou aquele em relação ao
qual o interesse público assim o recomendar, mediante decisão devidamente
fundamentada.
Art. 8
o
O pedido de residência provisória, formulado nos termos do art. 11 da Lei
11.961, de 2 de julho de 2009, deverá ser instruído com declaração de desistência
do processo de regularização imigratória que será considerado automaticamente
extinto pelo Ministério da Justiça.
Parágrafo único. Para fins de cumprimento do disposto no caput o serão
considerados como processos de regularização imigratória os pedidos de
prorrogação de prazo de estada de temporários.
Art. 9
o
Para o cumprimento da Lei no 11.961, de 2 de julho de 2009, compete ao
Ministério da Justiça:
I - decidir sobre os requerimentos de autorização de residência temporária e de sua
transformação em permanente;
150
II - orientar e decidir os casos omissos e especiais; e
III - estabelecer os procedimentos necessários ao cumprimento deste Decreto.
Art. 10. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 2 de julho de 2009; 188
o
da Independência e 121
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Celso Luiz Nunes Amorim
Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.7.2009
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