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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE DOUTORADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL
SANDRO MANSUR GIBRAN
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E
INSTRUMENTOS DE EFETIVA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR:
ATUAÇÃO JUDICIAL E ADMINISTRATIVA
CURITIBA
2009
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SANDRO MANSUR GIBRAN
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO E
INSTRUMENTOS DE EFETIVA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR:
ATUAÇÃO JUDICIAL E ADMINISTRATIVA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Doutorado em Direito Econômico e Socioambiental,
oferecido pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná - PUCPR, sob a orientação do Professor
Doutor Antônio Carlos Efing.
De acordo:
Professor Dr. Antônio Carlos Efing
CURITIBA
2009
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Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central
Gibran, Sandro Mansur
G447d Desenvolvimento socioeconômico e instrumentos de
efetiva proteção do
2009 consumidor : atuação judicial e administrativa / Sandro
Mansur Gibran ;
orientador, Antônio Carlos Efing. – 2009.
126 f. ; 30 cm
Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do
Paraná,
Curitiba, 2009
Bibliografia: f. 111-126
1. Defesa do consumidor – Legislação. 2. Indenização.
3. Função judicial. 4. Responsabilidade (Direito). I. Efing, Carlos
Antônio. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de
Pós-Graduação em Direito. III. Título
Doris 4. ed. –
341.272
RESUMO
Verificando a atuação do Estado mediante o exercício de suas funções jurisdicional e
executiva, analisa-se a indenização e a sanção administrativa decorrentes dos abusos
cometidos em face dos consumidores, e o atendimento da finalidade preventiva e didática
desses meios como dever ao Poder Público, em cumprimento aos ditames da Política
Nacional de Relações de Consumo, advinda pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990
Código de Defesa do Consumidor –, e pressuposto para a almejada Ordem Econômica,
fundamentada no art. 170 da Constituição. O referencial de proteção da Lei 8.078/90 não é
aquele individualista, singular, próprio das relações de Direito Civil, mas difuso, inerente às
negociações e práticas comerciais do amplo mercado de consumo. Como não se podem
precisar quantos são os potenciais adquirentes e usuários de produtos e de serviços que
haverão de ser tutelados pelo Estado, depreende-se que somente é possível alcançar a efetiva
proteção do consumidor por meio de ação preventiva e coibitória em relação aos maus
fornecedores. É, portanto, mister rever as bases da responsabilidade civil regulada pelo
Código de Defesa do Consumidor, esclarecendo a sua extensão e potência, inclusive como
medida preventiva de segurança. Destaque-se que a nova ordem processual e administrativa
compatível com a Política Nacional de Relações de Consumo se projeta, entretanto, para além
do interesse particular das partes envolvidas diretamente em algum litígio ou algum
procedimento. A atuação do Estado, jurisdicional e administrativa, haverá de ser instrumento
de pacificação social e tem caráter pedagógico: é o meio que o Estado haverá de utilizar para
ensinar aos jurisdicionados e aos administrados o cumprimento do Direito.
Palavras-chave: Direito do consumidor. Indenização. Sanção administrativa. Política nacional
de relações de consumo. Fornecedor. Práticas abusivas. Ordem processual e administrativa.
Proteção coletiva. Prevenção. Desenvolvimento socioeconômico.
RESUMEN
Verificando la actuación del Estado mediante el ejercicio de sus funciones jurisdiccional y
ejecutiva, se analiza la indemnización y la sanción administrativa resultantes de los abusos
cometidos contra los consumidores, y la atención de la finalidad preventiva y didáctica de
esos medios como deber al Poder Público, en cumplimiento a los dictámenes de la Política
Nacional de Relaciones de Consumo, advenida de la Ley nº 8.078, de 11 de setiembre de 1990
Código de Defensa del Consumidor –, y presupuesto para el anhelado Orden Económico,
fundamentado en el art. 170 de la Constitución. El referencial de protección de la Ley
8.078/90 no es aquél individualista, singular, propio de las relaciones de Derecho Civil, sino
difuso, inherente a las negociaciones y prácticas comerciales del amplio mercado de consumo.
Como no se pueden precisar cuántos son los potenciales adquirentes y usuarios de productos y
de servicios que habrán de ser tutelados por el Estado, se desprende que solamente es posible
alcanzar la efectiva protección del consumidor por medio de acción preventiva y cohibitoria
respecto a los malos proveedores. Es por tanto menester revisar las bases de la
responsabilidad civil regulada por el Código de Defensa del Consumidor, esclareciendo su
extensión y potencia, incluso como medida preventiva de seguridad. Destáquese, no obstante,
que el nuevo orden procesal y administrativo compatible con la Política Nacional de
Relaciones de Consumo se proyecta hacia más allá del interés particular de las partes
involucradas directamente en algún litigio o algún procedimiento. La actuación del Estado,
jurisdiccional y administrativa, habrá de ser instrumento de pacificación social y tiene carácter
pedagógico: es el medio que el Estado habrá de utilizar para enseñar a los jurisdiccionados y a
los administrados el cumplimiento del Derecho.
Palavras-clave: Derecho del consumidor. Indemnización. Sanción administrativa. Política
nacional de relaciones de consumo. Proveedor. Prácticas abusivas. Orden procesal y
administrativo. Protección colectiva. Prevención. Desarrollo socioeconómico.
ABSTRACT
Verifying the performance of the State by the exercise of its judicial and executive functions,
we analyze the compensation and the administrative penalty resulting from abuses upon the
consumers, and the service of preventive care and teaching of these means as a duty to the
Government, in compliance with the precepts of the National Consumer Relations Policy
arising out of Law No. 8.078, September 11, 1990 - called the Consumer Protection Code -
and precondition for the desired Economic Order, based on the Constitution’s art. 170. The
framework for the protection of Law No. 8.078/90 is not the individualistic, unique
characteristic of the relations of Civil Law, but diffuse, inherent to negotiation and business
practices in the broad consumer market. Since one can not say how many are potential buyers
and users of products and services which will be managed by the State, it appears that the
effective consumer protection can only be achieved by means of a preventive and restraining
action in relation to bad suppliers. It is, therefore, necessary to review the civil liability bases
governed by the Consumer Protection Code, explaining its scope and power, even as a
preventive security measure. It is noteworthy to notice that the new procedural and
administrative order compatible to the National Policy for Consumer Relations is projected,
however, beyond the parties’ private interest directly involved in any litigation or some type
of procedure. The State’s action, judicial and administrative, will have to be an instrument of
social peace and it has a pedagogical feature: it is the means by which the State will have to
use to teach the jurisdictional and administrative to comply with the law.
Key-words: Consumers rights. Compensation. Administrative sanction. National consumer
relations policy. Supplier. Abusive practices. Administrative and procedural order. Collective
protection. Prevention. Socioeconomic development.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................6
2 A HUMANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO..................................................9
2.1 AS RELAÇÕES DE CONSUMO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .11
2.2 A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS PELO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR..................................................................................................................16
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL TENDO POR REFERÊNCIA A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA.............................................................................................................19
3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIO E RESPONSABILIDADE POR FATO......20
3.1.1 A responsabilização subjetiva.......................................................................................22
3.1.2 A responsabilização objetiva.........................................................................................24
3.1.3 A compatibilização da teoria do risco com as necessidades contemporâneas..........25
3.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO EMPRESÁRIO E A LIBERDADE DE
INICIATIVA........................................................................................................................31
3.3 A ÉTICA E A BOA-FÉ NAS RELAÇÕES CIVIS E DE CONSUMO..............................40
3.3.1 O direito à indenização fundamentada em princípios éticos.....................................45
3.3.2 Limites da indenização, da satisfação e da pena.........................................................48
4 A REGULAÇÃO DO ESTADO PARA A ORDEM ECONÔMICA................................50
4.1 A ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR –
PRINCÍPIO DE ORDEM ECONÔMICA..........................................................................55
4.2 A ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO PARA A DEFESA DA CONCORRÊNCIA
– PRINCÍPIO DE ORDEM ECONÔMICA.......................................................................58
4.2.1 A proteção do concorrente como consumidor equiparado........................................ 59
4.3 A ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO E A COMPREENSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO............................................................................................................................65
5 A ATUAÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS...........................................................................................................................70
5.1 A ADEQUADA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO.............................................. 76
5.2 A ATUAÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS.....77
6 A TUTELA DOS INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS..........................................81
6.1 DAS AÇÕES COLETIVAS................................................................................................87
6.1.1 Foro competente.............................................................................................................91
6.1.2 Das medidas de urgência e da produção da prova......................................................92
6.1.3 Da coisa julgada.............................................................................................................94
6.2 A EFETIVA PROTEÇÃO PROCESSUAL DO CONSUMIDOR......................................95
6.3 A ATUAÇÃO PREVENTIVA COMO EFETIVO ELEMENTO DE PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR..................................................................................................................96
6.4 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO...................................................................................102
7 CONCLUSÃO....................................................................................................................104
REFERÊNCIAS....................................................................................................................110
DOCUMENTOS CONSULTADOS.....................................................................................117
1 INTRODUÇÃO
Diante da premente necessidade de garantir mais segurança à sociedade, vítima de
constantes afrontas à sua integridade física e moral, e do apelo de ordem pública de respeito à
dignidade humana é que se propôs o estudo sobre os instrumentos de efetiva proteção do
consumidor, analisando, a este fim, a atuação judicial e administrativa do Estado.
O art. da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, denominada Código de Defesa
do Consumidor,
1
fundamenta a Política Nacional de Relações de Consumo e eleva à
obrigação a prevenção aos acidentes de consumo, consoante o art. 6º, VI e VII da referida Lei,
impondo que a sanção e a indenização arbitrada ao fornecedor ofensor aconteçam como
eficiente e adequado incentivo ao desenvolvimento da técnica por parte do fabricante de
produtos e do prestador de serviços.
De fato, uma das violências mais praticadas são os abusos decorrentes da atuação
antiética e ilegal por parte dos fornecedores de produtos e serviços, não obstante a existência
de efetivo instrumento preventivo
a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o Código de
Defesa do Consumidor – se responsavelmente manejado.
Infelizmente, muitos dos princípios e garantias albergados pelo Código de Defesa do
Consumidor vêm tendo suas capacidades de tutela reduzidas por desconhecimento dos
aplicadores da Lei, que não poucas vezes os confundem com aqueles inerentes ao Direito
Civil.
Diferenciar a boa-fé objetiva
2
daquela subjetiva
3
bem evidencia a significativa
contribuição do Código de Defesa do Consumidor à ordem jurídica nacional e justifica o
porquê ser tão importante a devida interpretação sistemática da Lei 8.078/90: a boa-fé
subjetiva, do Código de 1916, valorizava o indivíduo e o seu estado em determinada situação
concreta. A boa-fé objetiva, por sua vez, passa a ser regra de conduta, necessariamente geral,
com a superveniência do Código de 1990, e tem a sua aplicação visando à coletividade. Por
esse motivo não se dissocia o princípio da boa-fé daquele da dimensão coletiva das relações
de consumo.
1
O art. dessa Lei dispõe sobre a Política Nacional de Relações de Consumo, a qual “tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como da transparência e harmonia das
relações de consumo”, garantias essas balizadas em princípios arrolados entre os incisos I e VIII do mesmo
artigo.
2
Exemplificando, os artigos 4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor.
3
Inerente à Lei nº 3.071, de 01/01/1916 - o antigo Código Civil brasileiro.
Em sendo positivado, por exemplo, no inciso IV do art. 51,
4
o princípio da boa-fé
tornou nula toda e qualquer cláusula contratual contrária a si, se “incompatíveis com a boa-fé
ou a equidade”. Não mais que se falar, a partir de então, da tradicional excludente de
responsabilidade pelo dolus bonus, ou seja, da tolerância àquelas condutas que, apesar de
desprovidas de boa-fé, eram irretocáveis sob o prisma da legalidade:
5
a contrariedade à boa-
fé, a partir do Código de Defesa do Consumidor, significa contrariedade à lei.
A nulidade expressa no inciso IV do art. 51, vale ponderar, é aquela de pleno direito,
que reduz significativamente a chance de anulabilidade do ato. A opção do legislador pela
nulidade de pleno direito evidencia razão óbvia: enquanto as anulabilidades atendem os
interesses privados e individualistas, o regime das nulidades é imperativo de ordem pública,
da coletividade, e por esse motivo podem ser conhecidas de ofício e não se sujeitam aos
prazos decadenciais etc.
A observância ao princípio da boa-fé não mais se limita, todavia, à realização de um
contrato, propriamente dito, mas estende-se também às fases p
6
e pós-contratual.
7
A inegável
amplitude desse dever de tutela, de efetiva materialização do princípio da boa-fé nas relações
de consumo, impôs e impõe a constituição de uma nova ordem processual, tanto jurisdicional
quanto administrativa.
Essa nova ordem processual se projeta, entretanto, para além do interesse privado,
particular, individualista, inerente apenas às partes envolvidas diretamente em algum litígio. O
processo haverá de ser instrumento de pacificação social e tem caráter pedagógico é o meio
que o Estado haverá de utilizar para ensinar aos administrados e aos jurisdicionados o
cumprimento do Direito.
A reparação dos danos potencialmente ou realmente causados ao consumidor,
decorrente da prestação jurisdicional tal como atualmente manifestada, está em desacordo
4
Art. 51 do Código de Defesa do Consumidor: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.”
5
Veja-se o caso da publicidade enganosa de condicionador de ar, que se dizia “totalmente silencioso”: Cônsul
Air Master. O Condicionador de Ar que rompeu a barreira do som. Totalmente silencioso. O pedido de
indenização (no sentido de destinar o montante da condenação ao fundo de defesa dos bens lesados) foi
julgado inteiramente procedente. O julgador desconsiderou os argumentos de defesa no sentido de que
haveria, na publicidade, simples dolus bonus, ou mero “artifício criativo em nada prejudicial aos interesses
da sociedade” (Sentença publicada na Revista de Direito do Consumidor. nº 10, abr./jun. 1994, p. 277-280).
6
A oferta de produtos e serviços deve observar, dentre outros, o princípio da boa-fé (art. 30 e seguintes do
Código de Defesa do Consumidor).
7
Conforme art. 32 do Código de Defesa do Consumidor: “Os fabricantes e importadores deverão assegurar a
oferta de componentes e peças de reposição enquanto o cessar a fabricação ou importação do produto.
Parágrafo único: Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de
tempo, na forma da lei”.
com essa noção/exigência,
8
explicitada no art. do Código de Defesa do Consumidor, de
implementação de uma política pública de defesa: a jurisprudência vem garantindo a
satisfação, quando muito, do consumidor singular (ou de um grupo seleto), mas não aquela
em prol da coletividade, da grande massa de consumidores.
Igualmente nociva, no âmbito dos litígios decorrentes das relações de consumo, é a
tantas vezes forçosa busca de conciliação dos litigantes em juízo. A homologação de muitos
acordos legitima o locupletamento de fornecedores inidôneos:
É necessário que, com força, a questão moral, entendida como efetivo respeito à
dignidade da vida de cada homem e, portanto, como superioridade deste valor em
relação a qualquer razão política da organização da vida em comum, seja resposta ao
centro do debate na doutrina e no Foro, como única indicação idônea a impedir a
vitória de um direito sem justiça. (PERLINGIERI, 1997, p. 23)
O mesmo se diga da Administração Pública: seu controle e fiscalização são ainda
inexpressivos diante de tantos e frequentes abusos cometidos pelos fornecedores da sociedade
de consumo.
Uma vez que a dignidade humana, a integridade física e moral são direitos
existenciais, pode-se afirmar que qualquer lesão a esses privilégios é de difícil (para não dizer
impossível) reparação, sobretudo ao atentar-se que tais prejuízos atingem, de regra, um
número ilimitado de pessoas.
Essa constatação denota que a proteção eficaz do consumidor será alcançada
quando da atuação preventiva do Estado,
9
dispondo dos meios previstos com a superveniência
da Lei nº 8.078/90, que, apesar de quase vintenários, são ainda mal utilizados.
Com este mister, no primeiro capítulo abordar-se-á a humanização das relações de
consumo como oposição à noção patrimonialista e individualista, inerente ao Código Civil de
1916, que ainda vicia a interpretação que se deve aos princípios da Lei nº 8.078/90 – o Código
de Defesa do Consumidor, destacando a dignidade da pessoa humana, sua integridade física e
moral como valores indisponíveis e reguladores do convívio social.
Atento a essa realidade legal e sob sua referência, o segundo capítulo analisará o
instituto da responsabilidade civil e, de modo mais específico, pelo Código de Defesa do
Consumidor, a compreensão e as consequências de fato do produto e de fato do serviço ao
modelo contemporâneo de sociedade.
É também objeto de estudo o princípio constitucional da liberdade de iniciativa e a
8
Fundamental e indisponível, nos termos do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor.
9
Conforme art. 6º, VI e VII do Código de Defesa do Consumidor.
sua compatibilidade com a responsabilidade social do empresário, cuja atuação, apesar da
primordial finalidade de lucro, inerente ao Capitalismo, terá por escopo a ética e a boa-fé, eis
que referenciais a todas as relações civis e de consumo, inclusive quando do arbitramento de
indenizações advindas das práticas de mercado que não atendam a esses princípios.
O terceiro capítulo tratará do imprescindível dever de atuação regulatória do Estado
na Ordem Econômica, destacando, dentre os princípios que fundamentam tal objetivo,
10
tanto
a defesa do consumidor como aquela atinente à proteção da concorrência. É ainda a partir
deste cogente poder regulador do Estado que se desenvolve o seu dever de bem prestar
serviço público e o que significa fazê-lo ante a superveniência das agências reguladoras,
objeto de verificação do capítulo quarto.
Como finalidade, justificativa e preocupação de todo este estudo, o quinto capítulo
dedicar-se-á à tutela dos interesses coletivos e difusos, inicialmente apresentando as ações
coletivas e seus aspectos processuais, também sob a égide do Código de Defesa do
Consumidor.
Por derradeiro, defender-se-á a atuação preventiva do Estado como efetivo meio de
proteção dos interesses do consumidor, demonstrando-a viável na justa indenização e na
eficiente imposição de sanções administrativas como medidas necessárias e inibitórias de
incidentes de consumo e de abusos da equivocada noção de liberdade de iniciativa pelo
fornecedor irresponsável.
2 A HUMANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
As intensas transformações da sociedade pós-revolução industrial refletiram-se
substancialmente nas relações econômicas, políticas e sociais e contribuíram para a formação
de um mercado de consumo que sujeita e expõe seus indivíduos aos efeitos da progressiva
produção em série e às crescentes – e tantas vezes agressivas – atividades empresariais
(TEIXEIRA, 2002).
Trata-se da sociedade de consumo, estimulada pela vultosa oferta de produtos e
serviços, pela cara concessão de crédito e pela publicidade. O apelo de todos esses elementos,
conjuntamente, justificou o desenvolvimento do Direito do Consumidor como uma disciplina
10
Constituição, art. 170.
jurídica autônoma, mas interdependente do ordenamento em que se insere e com qual se
harmoniza.
Em uma análise perfunctória, poderia haver um convencimento de que o incentivo ao
consumo, a partir dessas premissas, fosse garantia de progresso, de evolução, de expansão
econômica, com sensíveis vantagens ao cidadão, à humanidade.
Sabe-se, contudo, que uma economia de mercado sem mecanismos jurídicos
adequados, incapazes de equilibrar os desníveis e desigualdades existentes nas relações de
consumo entre fornecedores de produtos e serviços e consumidores –, inviabiliza a ordem
de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
11
A edição do Código de Defesa do Consumidor, por meio da Lei nº 8.078, aprovada em
11/09/1990, para entrada em vigor em 11/03/1991, vem em resposta ao modelo de produção
massificado e padronizado, para humanizar o Direito, “mudando sua racionalidade
patrimonialista para uma racionalidade baseada na dignidade da pessoa humana” de modo a
“trabalhar com o homem in concreto, a partir do momento que reconhece a desigualdade e
passa a tê-la como pressuposto em suas manifestações na busca da realização do bem-estar do
cidadão” (EFING, 2005, p.16).
Pode-se então afirmar, segundo Efing, que “a proteção do consumidor representa,
assim, uma quebra de paradigma, no sentido de que o Estado passa a reconhecer e a garantir
direitos ao homem enquanto consumidor” (2005, p.16).
O fundamento dessa imposição ao Poder Público, aliás, é inicial e expressamente
estabelecido pela Constituição como direito fundamental, nos termos do art. 5º, XXXII: “o
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
12
É a partir deste essencial
status constitucional que se orienta toda a ordem jurídica para o reconhecimento da
vulnerabilidade do sujeito que pode e adquire produtos e serviços, “não enquanto
consumidor, mas essencialmente enquanto ser humano”. (EFING, 2005, p. 21).
Nesse sentido, adequado à determinação constitucional, o art. do Código de Defesa
do Consumidor esclarece que as normas compreendidas por este ordenamento são de ordem
pública e de interesse social, “nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V da
Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias”. Em outras palavras, tem-
se, sobre essas bases, que as normas de proteção e defesa do consumidor são cogentes e,
portanto, inderrogáveis e inafastáveis, e capazes de proporcionar transformação jurídica e
11
Caput do art. 170 da Constituição.
12
Outros artigos da Constituição também se manifestam em relação à tutela dos interesses dos consumidores:
artigos 24, VIII; 150, § 5º; 170; 173, § 4º; 220, §3º, II e § 4º; 221.
social à população brasileira.
2.1 AS RELAÇÕES DE CONSUMO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A defesa do consumidor foi elevada ao status de direito fundamental pela Constituição
de 1988, conforme o disposto no art. 5º, XXXII,
13
essencial que é para manutenção da ordem
econômica.
14
No entanto, somente com a edição da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990
(Código de Defesa do Consumidor), é que se estabeleceram instrumentos viáveis à garantia
constitucional de efetiva proteção. Deu-se aqui o rompimento da dogmática de supremacia da
vontade inerente à liberdade de contratar (teoria tradicional das obrigações estabelecida com
fulcro no Código Civil de 1916), quando se tratando de relações de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor se destina à “proteção e defesa do consumidor”,
15
conceitua os sujeitos desta relação, bem como o que se entende por produto e serviço, como
devem ser oferecidos ou prestados e suas repercussões. Pelo disposto no art. 170 da
Constituição, a defesa do consumidor é também fundamento jurídico da ordem econômica,
em outras palavras, o consumidor, objeto dessa proteção constitucional, é considerado agente
econômico.
O caput do art. do referido Código esclarece que “consumidor é toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Se limitada a
compreensão de consumidor à interpretação literal do transcrito, convence-se o hermeneuta de
que a Lei 8.078/90 nada inovou quanto à tutela deste sujeito pelo que já havia do Código
Civil de 1916.
No entanto, diferentemente do que ocorre nas relações de Direito Civil, quando se
presume a paridade das partes envolvidas, para o Direito do Consumidor é inegável a
desigualdade existente entre o fornecedor e o adquirente. Por esse reconhecimento é que
cumpre ao Direito dispor de instrumental que viabilize o equilíbrio das obrigações e garantias
de quem fabrica, oferece, vende e, principalmente, de quem necessita, contrata e compra os
13
Art. 5º, inciso XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
14
Art. 170, V, da Constituição.
15
Art. do Código de Defesa do Consumidor: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do
consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. , inciso XXXII, 170, inciso V, da
Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.”
produtos e serviços disponibilizados ao mercado.
Apesar do expressamente disposto no caput do art. 2º, esclareça-se ser consumidor não
apenas quem adquire ou utiliza o produto e o serviço senão também aquele que efetivamente
os consome ou deles se vale. É o exemplo dos filhos menores que passeiam no automóvel da
família ou alimentam-se dos produtos adquiridos por seus genitores e advindos de
determinado supermercado ou restaurante (NUNES, 2005, p. 73).
Em que pese, da mesma forma, o termo “destinatário final” estar presente no
dispositivo legal em comento, é mister bem compreender a sua abrangência, sobretudo em
face da existência de duas teorias, bastante difundidas, que restringem indevidamente a tutela
que se espera do Direito do Consumidor, a saber: a teoria finalista e a teoria do finalismo
aprofundado.
Segundo Marques (2006, p. 302), para a primeira delas o conceito “destinatário final”
está relacionado ao consumidor em si, o sujeito vulnerável da relação de consumo, consoante
o princípio basilar disposto no art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor.
Desse modo, para ser considerado consumidor e merecedor da tutela da Lei
8.078/90, o indivíduo não poderá utilizar o produto adquirido para o desenvolvimento de
atividade profissional ou dele retirar qualquer proveito financeiro. Em outras palavras, é
consumidor aquele que adquire um determinado bem e não o revende ou devolve os
resultados eventualmente dele advindos ao mercado.
Com fundamento na teoria finalista, limita-se a aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor à proteção do adquirente de produto e serviço para uso próprio ou de sua família,
ou àquele que compra ou contrata sem qualquer relação com a sua ocupação ou trabalho.
A justificativa para restringir a compreensão de consumidor à literalidade do caput do
art. da Lei 8.078/90, segundo os finalistas, é garantir efetiva proteção à parte mais
fragilizada da relação de consumo e não permitir que esse instrumental de defesa seja
aproveitado por empresários fornecedores, que devem sujeitar-se, apenas, de acordo com a
teoria finalista, aos Códigos Civil e Comercial.
A teoria que elastece essa compreensão é a denominada maximalista, eis que estende o
conceito à defesa dos interesses da coletividade consumidora, adequado ao mercado e às
relações massificadas. Portanto, além do destinatário final, equipara-se a consumidor, de
acordo com o parágrafo único do art. da Lei 8.078/90, “a coletividade de pessoas, ainda
que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Ao tratar da
responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o art. 17 expande a compreensão para
equiparar aos consumidores todas as timas do evento”. Por fim, amplia-se ainda mais o
dever de tutela quando das práticas comerciais e da proteção contratual, reconhecendo como
consumidores “todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”,
conforme expresso no art. 29 da referida Lei.
Destaque-se, aliás, que a guarda das práticas comerciais e a proteção contratual que se
espera são destinadas a um universo ilimitado de consumidores, pessoas naturais e jurídicas,
empresários e não empresários.
Não é possível enumerar todos aqueles que estão sujeitos à publicidade. É este
reconhecidamente um fenômeno eminentemente coletivo e com significativos reflexos
sociológicos e comportamentais.
Também não se podem precisar quantos são e nem quem são aqueles diariamente
contratados por adesão, até porque, dentre as principais características inerentes a esses
contratos estão a generalidade, a uniformidade e a abstração. O contrato por adesão foi
desenvolvido juntamente e em consequência da massificação das relações de consumo.
Diante da fundamentada justificativa maximalista e ante a superveniência da Lei
10.406, de 10/01/2002 o novo Código Civil Brasileiro, Marques (2006), doutrinadora de
grande expressão dentre os finalistas, admitiu a insuficiência desta teoria para então chamá-la
de “finalismo aprofundado”. Para ela, a restrição da teoria finalista foi abrandada e moldada
pela Jurisprudência, para beneficiar, também, desde que reconhecidamente vulnerável, um
pequeno empresário ou profissional que tenha adquirido um produto diferente daqueles de sua
expertise, daí se permitindo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, mas por
analogia.
A verdade é que a teoria finalista ou sua versão aprofundada não se sustenta e
contraria o objetivo de ampla proteção da Política Nacional de Relações de Consumo, cujos
princípios balizadores estão dispostos no art. do Código de Defesa do Consumidor. Se não
bastasse, tampouco que se falar em aplicação analógica do Código de Defesa do
Consumidor para fundamentar um finalismo aprofundado”, pois a extensão do conceito de
consumidor “destinatário final” é direta e expressamente determinada pelo contido no
parágrafo único do art. 2º e nos arts. 17 e 29 do Código de Defesa do Consumidor.
Reitere-se que o caput do art. do Código de Defesa do Consumidor não é um
conceito suficiente a delimitar a proteção que se deve ao consumidor: a tutela não depende da
efetiva aquisição ou utilização de produto ou serviço e menos ainda de a pessoa jurídica ser
economicamente inferiorizada em relação ao fornecedor, mas, sim, da equiparação do sujeito
à condição de consumidor, tal como dispõe o parágrafo único do referido artigo, assim
também o art. 17 e o art. 29.
De fato, como a massificação é característica do Capitalismo, muito difícil, para não
dizer impossível, determinar quantos foram os sujeitos que, de algum modo, nos termos do
parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, tenham intervindo nas
relações de consumo. Por esse motivo é que tal artigo expressamente equipara consumidor à
noção de coletividade de pessoas.
Antes da inovação trazida pela Lei 8.078 quanto à noção de tutela coletiva dos
consumidores, somente o indivíduo prejudicado, de per si, poderia demandar juridicamente a
respectiva reparação patrimonial com o fito de tentar sanar eventual prejuízo advindo de
relação de consumo, eis que apenas ele reunia todas as condições para o regular exercício do
direito de ação em face do mau fornecedor, quais sejam: a legitimação ad causam, interesse
processual e possibilidade jurídica do pedido.
A tutela da segurança nas relações de consumo é especialmente considerada pelo
Código de Defesa do Consumidor. É evidente que a noção de segurança que a Lei estabelece é
àquela legitimamente esperada. Naturalmente não se trata de uma segurança absoluta,
hermética. No mercado de consumo existem produtos que são naturalmente perigosos, ou
nocivos à saúde. No entanto, o Código de Defesa do Consumidor não proíbe que eles estejam
à disposição dos consumidores.
A segurança almejada pela Lei é a de proteção à integridade física do utilizador do
produto ou serviço, e da mesma forma, a proteção de seu patrimônio, evitando-se custos
desnecessários.
O produto e o serviço têm segurança quando não manifestam elemento defeituoso que
venha a causar prejuízos.
Convém distinguir que existem produtos ou serviços defeituosos, sem, contudo, serem
inseguros. Por exemplo, uma roupa pode apresentar alguma deformidade de design, sem
trazer riscos à saúde. Por outro lado, existem produtos ou serviços com deficiência que podem
causar sérios prejuízos: um medicamento com data de validade vencida que continua exposto
à venda, ou um portão que é fixado irregularmente e cai ferindo um transeunte.
Em consonância com o art. 12, a responsabilidade extracontratual pelo dano baseia-se
na falta de segurança esperada.
A sistemática do Código de Defesa do Consumidor, relativamente à obrigação de
indenizar do fornecedor tem sedimentação na existência do defeito, no dano gerado e no nexo
causal entre o defeito do produto ou serviço e o ato lesivo.
Pelo disposto no art. 17, o Código de Defesa do Consumidor protege todas as pessoas
que forem prejudicadas a partir de uma relação de consumo. O fundamento da indenização
está no disposto no inciso VI do art. 6º: “a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Assim, da mesma forma, qualquer pessoa física ou jurídica que sofra danos em
virtude de fato do produto ou do serviço, sem que possa se enquadrar na condição de
usuário final ou adquirente final, está, automaticamente equiparado a consumidor e,
apta, portanto, para pleitear indenização com base na responsabilidade independente
de culpa do fornecedor. (ALVIM et al., 1995, p. 50).
16
Consoante anteriormente dito, o fornecedor é responsabilizado pelo produto ou serviço
que coloca em mercado, se estes apresentarem defeito potencial ou real, e causar dano. A
circulação defeituosa do produto, conjuntamente com o ato prejudicial, é o que caracteriza o
dever de indenizar. Destaque-se que o ressarcimento não encontra apoio legal na singela
conduta deficiente de quem fornece o produto ou serviço, mas, tão somente, na imperfeição
produzida capaz de gerar prejuízo.
A noção de defeito do Código de Defesa do Consumidor tem estreita ligação com a
ideia de segurança do produto.
Pelo que se depreende, pois, fato do produto e serviço significa dano causado por
defeito apto a redundar em responsabilidade do fornecedor, sendo que beneficiados são todos
os que suportarem os danos, todas aquelas vítimas do evento danoso.
Finalmente, estabelece o art. 29 do Código de Defesa do Consumidor que “para fins
deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis
ou não, expostas às práticas nele previstas”.
Ao dispor sobre o Capítulo V, que trata “das Práticas Comerciais”, e Capítulo VI,
denominado “Da Proteção Contratual”, destacando no primeiro caso a oferta e a publicidade,
no segundo as cláusulas abusivas e o contrato de adesão, o Código estende a proteção a todas
aquelas pessoas sujeitas ao marketing e demais estratégias mercadológicas dos fornecedores,
independentemente de terem ou não adquirido ou utilizado o produto ou serviço.
Diante dessas ponderações, depreende-se que a defesa do interesse coletivo é a
essência do Direito do Consumidor. Tanto é verdadeira essa afirmação que os diversos
16
Pelo que consta, o art. 17 permitiria que as empresas de revenda de produtos e aquelas de transformação
industrial passassem a ser tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, ainda que não enquadradas como
adquirentes ou usuárias finais de produto ou serviço.
conceitos que integram a Lei 8.078/90 são diretamente relacionados à noção de
coletividade de pessoas, a começar pela compreensão de quem é consumidor, segundo
anteriormente comentado.
Pela definição de fornecedor constante no caput do art. do Código de Defesa do
Consumidor,
17
tem-se também que o legislador primou por uma responsabilidade que
garantisse a proteção de interesses difusos, da coletividade, haja vista as atividades ali
descritas (que dizem respeito, não exaustivamente, ao fornecedor) decorrerem, em geral, da
circulação de riquezas por meio da produção em larga escala, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização ou prestação de
serviços etc., fazeres todos inerentes ao amplo mercado de consumo atual, muito diferente
daquele então regulado pelo Direito Civil de 1916, subjetivo, contratual, que envolvia um
consumidor específico, efetivamente (não potencialmente) lesado, e um comerciante.
Essa larga tutela dos direitos do consumidor não pode ser diferente: desde sempre um
grande número dos usuários de bens e serviços disponíveis em mercado não era e não é,
necessariamente, parte contratante,
18
ou seja, não participava e não participa diretamente do
contrato de compra e venda ou de prestação de serviços. Há de se levar em conta, também,
que o direito à integridade física e moral de um consumidor, nessa Política Nacional de
Relações de Consumo, é valor existencial, imensurável e universal.
2.2 A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS PELO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Pelo que determina o art. 175 da Constituição,
19
cumpre ao Poder Público manter
adequados os serviços públicos por ele prestados, tanto diretamente quando sob regime de
17
Art. , caput: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços”.
18
Apenas para exemplificar a afirmação, independentemente de quem tenha adquirido o automóvel e firmado o
contrato de compra e venda junto à concessionária, é justo imaginar que os demais usuários do veículo
(outros membros da família, amigos, motorista, um transeunte etc.) sejam, também, considerados
consumidores. Essa garantia ou reconhecimento da extensão do conceito de consumidor sobreveio, apenas,
segundo anteriormente esclarecido, com a edição da Lei 8.078/90 - o Código de Defesa do Consumidor -
que, em seu art. 17, amplia o seu campo de aplicação às vítimas do evento danoso.
19
Art. 175: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único - A lei disporá sobre: (...) V - a
obrigação de manter o serviço adequado.
concessão ou permissão, sempre por meio de licitação.
Com a superveniência da Lei 8.078/90, essa obrigação constitucionalmente
imposta ao Poder Público é intensificada e viabilizada porque o cidadão passou a ser
reconhecido como consumidor de serviços públicos, condição que possibilita a ele os mesmos
direitos e garantias estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.
De fato, segundo o disposto no o art. do referido Código,
20
a adequada e eficaz
prestação dos serviços públicos em geral é direito básico do consumidor. A esse respeito,
Nunes (2005, p.137) assevera que “o serviço tem que ser realmente eficiente; tem que cumprir
sua finalidade na realidade concreta”. Acrescenta, ainda, que “o significado de eficiência
remete ao resultado: é eficiente aquilo que funciona”. Em outras palavras, “o indivíduo recebe
serviço público eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida
concretamente” (NUNES, 2004, p. 101).
Esse anseio de proteção é instrumentalizado no Código de Defesa do Consumidor
por meio do desenvolvimento de uma Política Nacional de Relações de Consumo, cujos
postulados, previstos em seu art. 4º, orientam-se para o “atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das
relações de consumo”.
É a promoção de uma política pública
21
que tem a finalidade precípua de estabelecer
o equilíbrio das partes envolvidas na relação de consumo pelo aporte de princípios éticos
orientadores a todos os agentes de mercado. Pretende-se definir ao Estado os “parâmetros que
devem balizar todo e qualquer ato do governo, seja no âmbito legislativo, executivo ou
judiciário, quanto ao tratamento das relações de consumo” (EFING, 2004, p. 91). Portanto,
determina o art. do Código de Defesa do Consumidor que tanto o Estado, enquanto gestor,
legislador e juiz, quanto a iniciativa privada haverão de atender as necessidades dos
consumidores, tendo como referencial a dignidade da pessoa humana.
Para o cumprimento desse mister, os serviços prestados direta ou indiretamente pelo
20
Art. 6º: “São direitos básicos do consumidor: (...) X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em
geral.”
21
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 5º, estabelece os instrumentos para a execução da política
nacional das relações de consumo, quais sejam: manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o
consumidor carente; instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério
Público; criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de
infrações penais de consumo; criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para
a solução de litígios de consumo; concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de
Defesa do Consumidor.
Estado serão racionalizados e melhorados, consoante princípio previsto no art. 4º, VII, do
Código de Defesa do Consumidor.
Se não bastasse, também o caput art. 22 do Código de Defesa do Consumidor impõe
aos órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou de
qualquer outro revestimento empresarial, a obrigação de oferecer serviços adequados,
eficientes, seguros
22
e, quanto aos serviços essenciais, contínuos.
Em comentário aduzido em relação a esse artigo, Nunes (2005, p. 304-305)
complementa: “a existência do art. 22, por si só, é de fundamental importância para impedir
que os prestadores de serviços públicos pudessem construir ‘teorias’ para tentar dizer que não
estariam submetidos às normas do CDC”. Assevera, ainda, que essa disposição da norma em
questão decorre do princípio constitucional da eficiência, fulcrado no caput do art. 37 da
Constituição.
O parágrafo único do art. 22, por sua vez, esclarece que no caso de descumprimento
total ou parcial das obrigações de serviços adequados, eficientes e seguros, serão as pessoas
jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos porventura causados aos consumidores.
É certo que a tratativa da responsabilidade da Administração enquanto fornecedora
de serviço público era da seara apenas do Direito Administrativo.
Pelo expressamente disposto nos artigos em comento, é literal o advento, ante a
superveniência da Lei 8.078/90, de uma perspectiva de vanguarda ao instituto da
responsabilização civil, por meio da qual se açambarcaram às relações do consumo os
serviços públicos, submetendo os seus prestadores (Poder Público ou particulares delegados)
à disciplina do Direito do Consumidor.
Na opinião de Cazzaniga,
isso implica dizer que diversos conceitos a respeito do assunto responsabilidade do
Estado, que até então eram aceitos como verdades absolutas, passam a ser
questionados, visando sua atualização, ou melhor, sua adequação, perante os novos
rumos tomados pelo Direito, com a importância conferida aos chamados direitos
coletivos e difusos. (1994, p. 144).
Note-se que a Política Nacional de Relações de Consumo, determinada e viabilizada
pela edição do Código de Defesa do Consumidor, objetiva a ampla e irrestrita proteção de
todos os interesses dos consumidores, tanto daqueles materiais quanto imateriais, sendo
indubitável que a dignidade da pessoa é bem existencial e, por conseguinte, inestimável.
22
Segundo Cazzaniga (1994, p. 155) isso “significa que os consumidores não serão expostos a riscos anormais
ou imprevisíveis, inclusive os decorrentes de informações inadequadas a seu respeito”.
A Constituição da República Federativa do Brasil confere à indenização
extrapatrimonial o status de direito e garantia fundamental ao positivar em seu art. 5º, incisos
V e X, o dever de tutela da moral, da honra e da imagem da pessoa.
Não obstante essa valiosa e tardia conquista, a indisponibilidade deste bem essencial
à integridade humana é relegada na medida em que, por ser extrapatrimonial, não permite sua
quantificação em padrões matemáticos ou contábeis (SANTOS, 2001, p. 166).
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL TENDO POR REFERÊNCIA A DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
A Lei 10.406, de 10/01/2002, ao instituir o novo Código Civil brasileiro, inicia a
parte geral tratando da personalidade, da capacidade e dos direitos da personalidade,
destacando, desse modo, pela técnica legislativa, a valorização da pessoa humana para o
Direito Civil.
Pelo disposto em seu art. 1º, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem
civil”. Sob essa base depreende-se que a pessoa humana é sujeito de direito universal,
compatibilizando a Lei 10.406/2002 à Constituição, cujo art. 1º, inciso III, eleva a
dignidade da pessoa humana a fundamento da República Federativa do Brasil.
Uma vez que os direitos de personalidade estão destacados e priorizados como base
geral do Código Civil brasileiro e que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direito, tem-se que a integridade humana é essencial
para a compreensão do Direito Civil e aplicação dos seus concernentes institutos.
Especificamente quanto à responsabilidade civil, é mister destacar o art. 186 do
Código Civil que esclarece o que se entende por ato ilícito: “aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Muito embora o ato ilícito e, consequentemente, a responsabilidade subjetiva integrem
a parte geral do Código Civil, o parágrafo único do art. 927, por sua ordem, erigiu a
responsabilidade com base no risco, independentemente de culpa, como outro fundamento
para a responsabilização civil, ou seja, para a obrigação de indenizar.
23
23
Consoante o caput do art. 927, do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”. Seu parágrafo único acrescenta: “Haverá obrigação de reparar o dano,
Verifica-se, então, que o Código Civil positivou dois diferentes modelos de
responsabilidade: aquele por ato ilícito (já reconhecido pela Lei 3.071, de 01/01/1916 o
Código Civil de 1916) e aquele que se caracteriza independentemente de culpa do agente
(comumente chamada de responsabilidade objetiva).
Destaque-se que a Lei nº 8.078, de 11/09/1990 – o Código de Defesa do Consumidor
foi precursora ao determinar e reconhecer, em seus arts. 12 e 14,
24
a responsabilização
objetiva dos fornecedores de produtos e serviços, como regra geral aos fatos geradores de
prejuízo à dignidade dos consumidores.
3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIO E RESPONSABILIDADE POR FATO
O Código de Defesa do Consumidor estabelece duas possíveis causas de
responsabilização civil do fornecedor de produtos e serviços defeituosos: aquela decorrente do
fato, regulada no capítulo IV, seção II, arts. 12 a 17; e aquela que decorre do vício, segundo o
previsto no capítulo IV, seção III, arts. 18 a 25. A diferença entre uma e outra causa de
responsabilização é verificada a partir do dano, em si. A depender das repercussões danosas,
um ou outro regime próprio da Lei nº 8.078/90 será aplicado.
O regime consumerista inerente à responsabilização por vício aparente do produto e do
serviço é muito semelhante àquele do Código Civil, quando trata dos vícios redibitórios. É a
tutela das questões de qualidade (e quantidade, no caso de produtos) que tornem o que foi mal
fabricado ou mal prestado inadequado para o fim a que se destina, ou diminua-lhe o valor.
Note-se que, neste caso, o que se coíbe é a imprestabilidade do bem, seja produto ou
serviço. Verificado o vício, o consumidor tem legítimo interesse para requerer as alternativas
taxativamente a ele oferecidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
24
Conforme o caput do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor: “O fabricante, o produtor, o construtor,
nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção,
montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
Por sua vez, dispõe o caput do art. 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência
de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Pelo disposto nos arts. 18 e 20,
25
constatado situação de vício do produto ou do
serviço, o consumidor poderá exigir que o fornecedor resolva o problema no prazo de até
trinta dias, prorrogável por convenção das partes envolvidas na relação. Não sanado o vício, o
consumidor poderá exigir, “alternativamente e à sua escolha”, a substituição do bem; a
restituição da quantia paga (mediante a devolução do produto ou para contratar outro que
refaça o serviço de modo adequado); ou o abatimento do preço pago ou a pagar ao fornecedor,
permanecendo o consumidor com o produto viciado ou com o serviço insuficiente.
Desse modo, a proteção por cio do produto e do serviço visa à tutela de caráter
econômico do consumidor, que pretende usufruir o bem de acordo com as legítimas
expectativas geradas desde a sua aquisição, como garantia de adequação do produto e do
serviço às suas respectivas e prometidas finalidades.
A responsabilidade por fato do produto e do serviço, por sua vez, é regime de proteção
do indivíduo em si, estendido a todas as demais “vítimas do evento” que tenham sido
prejudicadas pelo fornecedor de produto e serviço.
26
Nesse sentido, os arts. 12 e 14 do Código
25
Art. 18: “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos
vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam
ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes
do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de
sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1º - Não sendo o vício sanado
no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a
substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata
da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento
proporcional do preço. § - Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no
parágrafo anterior, não podendo ser inferior a 7 (sete) nem superior a 180 (cento e oitenta) dias. Nos
contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação
expressa do consumidor. § - O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § deste artigo
sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade
ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial. § - Tendo o
consumidor optado pela alternativa do inciso I do § deste artigo, e não sendo possível a substituição do
bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação
ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § deste
artigo. § - No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o
fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. § - São impróprios ao uso e
consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados,
adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda,
aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os
produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”.
Art. 20: “O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo
ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes
da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a
reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do
preço. § A reexecução dos serviços podeser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e
risco do fornecedor. § 2º - São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que
razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas regulamentares de
prestabilidade”.
26
Pelo que preconiza o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, todos aqueles que sejam vítimas do fato do
de Defesa do Consumidor
27
autorizam o pedido de reparação de danos aos consumidores
prejudicados, ou a eles equiparados, por defeitos do produto e do serviço, definindo o que se
entende por defeito nos parágrafos primeiros de cada um dos referidos artigos: o produto ou
serviço é defeituoso quando não oferece ou fornece a segurança que dele legitimamente
se deve esperar.
Em outras palavras, a responsabilidade por fato é proveniente apenas dos casos de
efetivos danos decorrentes da relação de consumo, causados aos indivíduos em razão de
defeitos, ou seja, de falhas ou anomalias do produto e do serviço que os tornem inseguros ao
consumo.
Consequentemente, o defeito é necessariamente um vício, mas agravado pela
existência de risco à segurança da pessoa. Quando esse vício inseguro causa dano, seja de
ordem material ou moral, aplica-se o regime da responsabilidade por fato do produto ou do
serviço. Se não repercussões no âmbito da segurança que se espera ao consumidor, o
regime a ser aplicado é aquele inerente à responsabilidade por vício do produto e do serviço.
Portanto, toda anomalia do produto ou do serviço é vício, independentemente de haver
comprometimento ou não à segurança da pessoa. Se, contudo, houver falha de segurança da
qual decorre dano, haverá fato do produto e do serviço (o chamado acidente de consumo). Se
houver dano que não seja consequência de defeito (do comprometimento de segurança
pessoal) ou mero vício sem repercussão danosa, aplica-se o regime de responsabilidade
regulado pelo Código de Defesa do Consumidor entre os arts. 18 e 25.
produto e do serviço são equiparados a consumidores, para fins de tutela da Lei nº 8.078/1990.
27
Art. 12: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
utilização e riscos. § O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se
espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o
uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § O
produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. §
O fabricante, o construtor, o produtor ou importador não será responsabilizado quando provar: I - que
não colocou o produto no mercado; II - que embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.
Art. 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § O serviço é defeituoso quando não fornece a
segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se
esperam; III - a época em que foi fornecido. § O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de
novas técnicas. § O fornecedor de serviços não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo
prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4º A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Quando se tratar de risco do desenvolvimento, inerente à utilização de produtos e
serviços, por sua natureza, perigosos, verificar-se-á o regime de responsabilidade decorrente
do fato do produto, tal como disposto no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.
3.1.1 A responsabilização subjetiva
A responsabilidade subjetiva, estabelecida no art. 186 do Código Civil, define-se a
partir da conduta ativa ou omissiva. Quando decorrente de ação, cumpre ao Direito
compreendê-la, interpretá-la e valorá-la, objetivamente. Destaque-se que o ato ilícito, a
violação de direito ou o dano causado não advêm de fato natural. Parte-se do pressuposto de
que o agente manifestou vontade do ato prejudicial a outrem.
Qualificar uma atitude como ilícita significa atestar que a orientação desse ato não
atendeu a um dever. A condenação que advém de um modelo de ato ilícito é decorrente de um
julgamento centrado na conduta humana relacionada a um determinado ordenamento.
Explica-se, então, o fundamento da compreensão mais comum e usual, pela doutrina, de que o
ilícito é o ato contrário ao Direito.
O ilícito pressupõe, necessariamente, uma atitude e a sua valoração é estabelecida com
referência nos comportamentos, nas condutas humanas. Não que os acontecimentos naturais
sejam irrelevantes ao Direito: ocorre que o juízo de licitude depende de um ato voluntário ou
de um acontecimento dirigido e orientado pela vontade em referência às obrigações
positivadas em uma ordem jurídica.
A constatação de um ato ilícito, pelo disposto no art. 186 do Código Civil, comporta a
análise de culpabilidade do sujeito, ou seja, verifica-se o modo de agir do autor que não
acontece de acordo com o Direito, não obstante a opção de poder fazê-lo. Portanto, por
culpabilidade se entende o juízo de reprovação de alguém, dotado de consciência e de
capacidade, que poderia ter conduta correta e não o teve.
Frise-se que, quando aplicada sanção de cunho restitutivo fulcrada no art. 186 do
Código Civil, ainda que a indenização seja determinada a partir do juízo de reprovação da
resolução de vontade, mesmo sendo imprudente ou negligente, a extensão da condenação, de
praxe, é aferida exclusivamente tendo o dano como parâmetro.
28
28
De acordo com o art. 944, caput, do Código Civil, “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Seu
parágrafo único acrescenta: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o
De fato, o juízo de culpabilidade de um ilícito civil costuma ser menos incisivo que
aquele do crime, da seara do Direito Penal. Uma vez que não se trata de condenação criminal
mas de ressarcimento de um dano causado, a avaliação da culpabilidade é da essência do
ilícito, muito embora a regra seja a de que a indenização não se gradua de acordo com a
reprovação. É suficiente que se configure a existência de qualquer culpabilidade para que se
compreenda o dever de reparar o prejuízo em sua integralidade.
A análise de culpabilidade é o fundamento individualizador e delimitador da sanção. É
o critério que personaliza a sanção, pressupondo, para tanto, a imputabilidade, a consciência
da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa (e lícita).
É, também, pela gravidade da culpa que se dosará a sanção. Repita-se que tal função,
para o Direito Civil, é menos relevante diante do interesse de ressarcimento que deverá ser
equivalente ao dano. A culpabilidade, então, é referência para atenuar equitativamente a
indenização quando de flagrante desconformidade entre a culpa e o dano.
29
A partir do convencimento de um sentido transcendente e, ao mesmo tempo,
obrigatório do modo como se deve viver é que se forma a noção de culpabilidade, de direito e
de justiça. A liberdade, assim, está condicionada à capacidade humana de se orientar de
acordo com os critérios do que é correto, devido, justo e ético; ou em conformidade com um
senso comum que lhe estabeleça os direitos, as obrigações e os parâmetros de conduta. A
opção pelo correto, devido, justo ou não é que determinará o estado de liberdade ou
culpabilidade de alguém. Quando objetivamente fixados os critérios do que é devido e do que
é correto, possibilita-se ao ser humano, por sua própria vontade, cumprir ou não o
determinado.
Configura-se a culpabilidade pela não observação do que é devido, independentemente
de existirem condições para fazê-lo. A vontade pelo culpável é uma vontade não-livre e
geradora da obrigação, para o Direito Civil, de indenizar.
É por meio do juízo de culpabilidade que a responsabilidade subjetiva, tratada no art.
186 do Código Civil, está fulcrada, de forma concreta, no princípio da dignidade da pessoa
humana. Sob essa base é que se garante haver responsabilização quando o autor é
consciente e capaz de livre manifestação de vontade e assim dirige os seus atos para
descumprimento do que é justo, devido e correto para com outrem. É o grau da culpa e de
juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.
29
Consoante o art. 945, do Código Civil: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a
sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do
dano”.
reprovação que permitirá a fixação dos limites do sancionamento. A noção do culpável
estabelece o nexo entre a capacidade de entendimento e de livre manifestação de vontade com
a obrigação judicialmente recebida a título de sanção.
3.1.2 A responsabilização objetiva
Consoante anteriormente mencionado, quase vinte anos o Código de Defesa do
Consumidor inovou a prática da responsabilidade civil nas relações que eram até então
reguladas pelo Código Civil (na época, pelo de 1916): quando as atividades de comércio e
contratos estabelecidos fossem reconhecidos como da seara da Lei 8.078/90 do Código
de Defesa do Consumidor –, a responsabilização dos fornecedores, por prejuízos causados ao
consumidor, aconteceria independentemente da existência de culpa deles, nos termos dos arts.
12 e 14 da referida Lei. O Direito finalmente admitia a vulnerabilidade do consumidor frente
àquele profissionalmente habituado à disponibilização dos produtos e serviços em mercado,
responsabilizando-o por aquilo que não fosse adequado à dignidade do adquirente, ainda que
potencialmente, sob o pressuposto de que devem os fornecedores deter a boa técnica e
conhecer a segurança daquilo que oferecem.
O Código Civil de 2002, por sua vez, manteve o modelo da responsabilidade subjetiva
difundido pelo Código de 1916 (nos termos do art. 186) e incorporou a teoria do risco como
origem do dever de reparar o dano. É o que se observa diretamente do disposto no parágrafo
único do art. 927, antes transcrito. Outros artigos do Código Civil também apontam que a
responsabilização transcendeu a conduta própria, subjetiva e específica do autor, como se
verifica, a título de exemplo, nos arts. 928, 931 e 932.
30
30
Art. 928: “O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem
obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste
artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem”.
Art. 931: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas
respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”.
Art. 932: “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem
sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem
nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou
estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a
concorrente quantia”.
3.1.3 A compatibilização da teoria do risco com as necessidades contemporâneas
Foi a partir do século XIX, pelo Capitalismo, com a concentração do poder econômico
em cartéis e monopólios, com a expansão das grandes corporações de capital, que as relações
de consumo começaram a apresentar relevância para o Estado e considerável reflexo em todos
os aspectos da vida humana.
Essas novas demandas sociais ampliaram o universo das necessidades a serem
satisfeitas pelo Poder Público. Tornaram-se imprescindíveis garantias que permitissem
destacar o ser humano da equiparação de elemento da atividade empresarial que o
massificava, automatizava e coisificava, situações todas a que foi submetido, típicas e
advindas de um liberalismo desenfreado.
Estabeleciam-se, então, por meio dessa exaltação, os denominados direitos sociais e
econômicos.
Para o operariado e classes menos favorecidas, o Estado firmou sua ordem econômica
orientando o direito de propriedade, os direitos trabalhistas, previdenciários e educacionais. A
realidade pós-Segunda Grande Guerra impôs ao Estado a recuperação dos olvidados direitos
fundamentais.
Como nova ordem mundial, sobrevêm as soberanias de tutela à integridade física e
moral da humanidade, representadas, entre outras, pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos e pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, ambas
de 1948; pelas Convenções de Genebra sobre a Proteção das Vítimas de Conflitos Bélicos, de
1949; pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950; e pela Convenção Relativa à
Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972.
Destaque-se que a proteção universal almejada não se limitava ao belicismo, mas
expandia-se à cultura, à ciência, ao meio ambiente, abrangendo a deferência às gerações
futuras e, portanto, aos sujeitos indeterminados.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 evoca toda essa dimensão,
positivando direitos de efetiva proteção à dignidade da pessoa humana como a garantia de
educação, cultura, desporto, ciência, tecnologia, comunicação social e meio ambiente.
Esse contexto (ou contextos) do tumultuado século XX e a complexa exigência de
tutela e garantia de direitos fundamentais ao Estado repercutem, como não poderia deixar de
ser, nos institutos jurídicos do Direito Civil. O modelo que responsabilizava subjetivamente,
por ato ilícito, o fabricante, os comerciantes etc. mostrou-se insuficiente para resguardar os
interesses dos consumidores. Justificou-se, por tal constatação, o desenvolvimento do modo
como o Direito Privado protegia as relações de consumo para responsabilizar, objetivamente,
o fornecedor de produtos e de serviços atuante em mercado.
Além das razões históricas e sociais, o instituto da responsabilidade objetiva teria seu
cabimento na pretensão de se atribuir o dano àquele que se beneficiou do empreendimento,
como risco do negócio, em evidente fundamento no princípio da justiça distributiva. Sob essa
perspectiva, quem explora, em interesse próprio, uma atividade econômica qualquer deve se
responsabilizar pelas consequências, porventura nocivas (e não, necessariamente, ilegais) do
seu empreendimento.
Em outras palavras, as perdas e os danos decorrentes de incidentes advindos da
exploração de determinada atividade devem ser considerados custos do empreendimento,
independentemente de quem seja o prejudicado dessa relação. Destaque-se que os custos dos
danos, sob análise contábil do balanço de produtividade, não devem ser falseados ou
repassados aos terceiros prejudicados. Mostra-se, pois, correto que tanto quanto a
lucratividade seja também o prejuízo repassado e suportado pelo empreendedor/empresário.
Fundamenta-se, da mesma forma, a responsabilização objetiva no intuito de
prevenirem-se os danos. De fato, o risco de condenação independentemente de culpa estimula
o empresário
31
a envidar todos os cuidados para evitar os prejuízos inerentes à sua atividade,
tomando mais precauções, sendo mais diligente e preocupado com a qualidade, segurança e
adequação dos produtos e serviços, o que se traduz, como cediço, em vantagem e economia
ao próprio empreendedor.
Por fim, o instituto da responsabilidade objetiva está assentado no princípio da
equidade, que obrigou, aliás, no século XIX, a revisão dos critérios de indenização dos
acidentes de trabalho. As transformações sociais determinadas pela Revolução Industrial
revelaram a insuficiência da responsabilidade por culpa para amparar o crescente número de
vítimas mortas e mutiladas por maquinário operacional.
Veja-se o que Perelman (2000, p.165) elucida, neste sentido:
Eis alguns exemplos que permitem compreender melhor como o juiz não se contenta
em aplicar a regra da justiça, mas se serve de seu poder de interpretação e de
apreciação para que suas decisões se conformem ao seu senso de equidade. Outro
eminente exemplo de trabalho criativo, em matéria jurisprudencial, é fornecido pelas
sucessivas interpretações do art. 1382 do Código de Napoleão, que se contenta em
afirmar que 'todo e qualquer ato do homem que causa a outrem um dano obriga
31
Aqui entendido como todos os agentes fornecedores de produtos e de serviços.
aquele por, cuja culpa ele ocorreu, a repará-lo'. Através de sucessivas interpretações,
a jurisprudência belga e francesa pôde estender e até transformar o sentido dos
termos 'causa' e culpa de modo que se imputasse a responsabilidade de um dano não
só àquele que cometeu um erro, mas também àquele que deu origem a um risco.
Se não por essa extensiva interpretação do art. 1382 do Código de Napoleão, todos
aqueles trabalhadores lesados não seriam indenizados, uma vez que não se poderia atribuir
culpa a um equipamento de trabalho, ante a ausência de qualquer aspecto subjetivo. Sem
embargo, constatada a incapacidade do positivismo para regular a inovadora e complexa
atuação humana (e seus efeitos, muitas vezes, trágicos), amplia-se o âmbito de
responsabilização para obrigar inclusive aquele que se aproveitava dos benefícios de uma
determinada atividade empresarial ou que voluntariamente empreendia em riscos anormais,
para que respondesse por suas consequências mesmo quando imprevisíveis.
Tanto o risco do empresário, empregador e fabricante, quanto a garantia de ambiente
de trabalho adequado ao operariado e a disponibilização de bons produtos e serviços aos
consumidores são reconhecidos pelo Direito para viabilizar uma equânime distribuição dos
custos dessas exigências entre todos estes sujeitos e, também, em relação à coletividade.
Nesses parâmetros, tem-se que ser responsável não é controlar a própria conduta senão
assumir as consequências sociais que dela decorrem ou sucederão.
Não se condena o empresário que disponibilizou produtos defeituosos em mercado,
quando não existiam meios para se ter ciência da imperfeição, mas se lhe atribuem os efeitos
porventura negativos que possam advir. Sabe-se que o risco é sempre inerente à atividade do
fornecedor de produtos e serviços, inclusive porque muitos desses são perigosos, por sua
própria natureza (medicamentos, combustíveis, energia elétrica, explosivos etc.) e,
paradoxalmente, não deixarão de ser disponibilizados ao mercado por serem igualmente
essenciais ao bem-estar da sociedade.
É função do Direito, então, balizar a atividade empresarial para minimizar esses riscos
e, na hipótese de serem inevitáveis, obrigar o empreendedor a suportar as consequências na
medida em que ele, por sua atividade temerária, aufere ou pode auferir benefícios
econômicos.
Ocorre que esse modo de responsabilização repercute na forma e na despesa da
atividade e sua distribuição, uma vez que impõe ao empresário, em função do risco de
condenações indenizatórias, ser mais cauteloso e proativo, abarcando todos os demais
envolvidos da relação de produção e consumo, inclusive os consumidores, por meio da
transferência de custos aos preços dos bens e serviços.
O direito à indenização, que tem por pressuposto a configuração de um ato ilícito e,
portanto, a caracterização da responsabilidade subjetiva, depende, necessariamente, da análise
da conduta humana. Esse critério não permite verificar, com segurança, a intenção do
causador, se ele poderia evitar ou não o fato danoso, ou afastá-lo.
A responsabilização objetiva, por sua vez, não se subordina à comprovação de culpa
ou de previsibilidade do dano, pois é imposta àquele que, voluntariamente, ao oferecer
produtos e serviços, deu margem ao risco e, por estar em posição de vantagem (científica,
tecnológica, econômica etc.), tem o dever de evitar todos os prejuízos que advenham dessa
atividade. Diferentemente da subjetiva, a responsabilidade objetiva está focada nos resultados.
Almeja-se, então, a proteção àqueles prejudicados que estejam em uma posição de
inferioridade em relação a quem deu causa ao dano. Em se tratando de relações de consumo, a
presunção de vulnerabilidade do consumidor é incontestável e reconhecida como princípio
fundamentado no art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor.
Destaque-se que, mesmo quando não possível evitar o dano, ainda assim prevalecerá o
dever de indenizar, seja pelo risco da atividade, seja pela equidade ou demais princípios
éticos.
Alterini (1999, p. 106) explica que a teoria do risco do desenvolvimento é um
fenômeno contemporâneo de imputação de responsabilidade a todo aquele que introduz, na
coletividade, um elemento virtual de produção:
Esta teoría prescinde de la subjetividad del agente, y centra el problema de la
reparación y sus límites en torno de la causalidad material, investigando tan solo
cuál hecho fue, materialmente, causa del efecto, para atribuírselo sin más. Le basta
la producción del resultado dañoso, no exige la configuración de un acto ilícito a
través de la sucesión de sus elementos tradicionales que arrancan de la ilicitud
objetiva del obrar y se continúan con la culpabilidad del agente –, y se contente con
la trasgresión objetiva que importa la lesión del derecho subjetivo
.32
Sem embargo, esse autor entende que a adoção da teoria do risco do desenvolvimento
afronta o instituto jurídico da responsabilidade, fundamentado nos requisitos de culpabilidade
e de voluntariedade do ato.
De outra sorte, não se pode deixar de notar que a sociedade de consumo,
hodiernamente, assumiu novos contornos (decorrência direta dos avanços tecnológicos e
32
Tradução livre: “Esta teoria prescinde da subjetividade do agente, e centra o problema da reparação e seus
limites em torno da causalidade material, investigando tão-somente qual fato foi, materialmente, causa do
efeito, para atribuí-lo a ele, simplesmente. Basta-lhe a produção do resultado danoso, não exige a
configuração de um ato ilícito por meio da sucessão de seus elementos tradicionais - que tiram da ilicitude
objetiva do fazer e se perfazem com a culpabilidade do agente -, e se contenta com a transgressão objetiva
que importa a lesão do direito subjetivo”.
científicos) que invariavelmente resultam em danos coletivos, causados em série e a um
grande número de vítimas (muitas das vezes indeterminadas).
A proteção outorgada pelo Código de Defesa do Consumidor não se submete à
verificação do critério da culpa do fornecedor ao impor a ele o dever de arcar com eventuais
prejuízos causados. o obstante, “risco do desenvolvimento” pode ser identificado,
paradoxalmente, como excludente de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços
33
.
Para Miragem (2008, p.289), não há que se falar em responsabilização por defeitos em
produtos e serviços quando se tratar daqueles “que se constatam apenas após o ingresso do
produto ou do serviço no mercado de consumo, em face de melhoria ou avanços científicos e
técnicos que permitem a identificação do defeito existente do produto ou serviço, mas não
identificável pelo fornecedor”.
Em oposição à excludente de responsabilidade pelo risco do desenvolvimento,
Benjamin (2007, p. 130) questiona a quem deveria então ser imposto tal ônus e qual seria o
limite de responsabilização, dúvida por ele chamada de “alocação do risco de
desenvolvimento” .
Ainda que ausente vedação legal expressa e delimitada, a exoneração de
responsabilização do fornecedor porque o defeito do produto e do serviço não era, ao seu
tempo, tecnológica ou cientificamente aferível ou, em outras palavras, porque não se conhecia
o dano potencial a que estava exposto o consumidor
34
é contrária à Política Nacional de
Relações de Consumo fundamentada no art. do Código de Defesa do Consumidor, pois,
nesta hipótese, repassa-se o ônus ao elo vulnerável e suscetível às imperiosas ações do
mercado: o consumidor.
A responsabilização pelo risco do desenvolvimento (em que pese ser considerada, por
muitos, como motivo para excluí-la)
35
é igualmente fundamentada nos princípios
constitucionais e no dever de substancial proteção do consumidor. Além do mais, é razoável
supor que o fornecedor, a par dos riscos inerentes à sua atividade, haverá de internalizar os
33
Pelo disposto no § 2º, do art. 12, do Código de Defesa do Consumidor: “O produto não é considerado
defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado em mercado”.
Transcreva-se, ainda, o § do art. 14, do referido Código: “O serviço não é considerado defeituoso pela
adoção de novas técnicas”.
34
Segundo Benjamin (2007), o critério adotado para avaliação do risco do desenvolvimento não se destina a
verificar um determinado fornecedor, mas, sim, a comunidade científica, o que intensifica a obrigação do
fornecedor em manter-se atualizado, acompanhar e controlar o desenvolvimento de sua atividade no mercado
de consumo.
35
Como no Direito Europeu, no Direito Norte-Americano, por influência dos fornecedores representados, em
especial, pelas seguradoras que suportavam as altas indenizações, os Tribunais adotaram o risco do
desenvolvimento como excludente de responsabilidade. Veja-se, nesse aspecto: Miragem (2008).
possíveis riscos na produção e na prestação dos serviços que serão repassados ao consumidor.
Portanto, não deve o consumidor suportar – ao menos diretamente – os riscos inerentes
à atividade do fornecedor e o seu potencial desenvolvimento, não obstante prevalecerem as
excludentes estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, nos arts. 12, § 2º, e 14, § 2º.
Frise-se que não se pretende a responsabilização por acontecimentos desvinculados de
qualquer nexo voluntário. Superaram-se, na verdade, os estritos limites de deveres que tinham
por referência apenas acontecimentos passados: a culpa precisava estar caracterizada, o
prejuízo haveria de ser experimentado, quantificado e comprovado para que o empreendedor
fosse efetivamente responsabilizado.
A extensão do modo de responsabilização e o reconhecimento do risco da atividade,
pelo Direito, oportunizaram nova perspectiva temporal às atividades empresariais cuja gestão,
a partir de então, é necessariamente projetada e criteriosamente planejada. O instituto jurídico
da responsabilidade haverá de ser aplicado de forma utilitária, instrumental e preventiva,
adequado ao empreendedorismo que se desenvolve mediante complexas e dinâmicas práticas
mercadológicas.
Se o empreendedor desenvolve a sua atividade estimando os possíveis prejuízos,
prospectando-os racionalmente, com maior segurança suportará os danos porventura causados
por ele a terceiros.
Ao se responsabilizar objetivamente o empresário, protegem-se os interesses daqueles
que potencialmente serão prejudicados por iniciativas perigosas exercidas por quem detém ou
deveria deter o domínio da técnica. Quem dispõe desses meios sofisticados, por óbvio, possui
maior autonomia em relação aos demais, que são, portanto, desprotegidos e vulneráveis.
3.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO EMPRESÁRIO E A LIBERDADE DE
INICIATIVA
No Brasil, a Constituição de 1934, conhecida como a do Estado Novo, foi a primeira a
considerar a livre iniciativa como postulado impostergável do regime democrático. Para
assegurar a ordem, a soberania nacional e a realização de uma justiça social, é prevista a
intervenção do Poder Público em determinadas áreas econômicas, tal como disposto no título
“Da Ordem Econômica e Social”.
Esse modelo econômico foi seguido pelas Constituições promulgadas posteriormente,
garantindo a liberdade de iniciativa privada para organizar e explorar as atividades
econômicas, orientada, todavia, por regras e demais princípios constitucionais, observados
para permitir e desenvolver a expectativa de uma Ordem Econômica.
Nesse sentido, a Constituição de 1988 (em vigor) tem disposto todo o Título VII para a
Ordem Econômica e Financeira, e determina, em seu art. 170, que:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios: I soberania nacional; II
propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V –
defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente [...]; VII – redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII busca do pleno emprego; IX tratamento
favorecido para empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País.
O parágrafo único desse artigo assegura “a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei”.
Para garantir efetiva arrecadação fiscal, a Administração adotou a política de
criminalizar certas condutas evasivas que antes eram consideradas meras infrações, sem
repercussões penais. A partir da Lei 8.137, de 27/12/1990, que define os crimes contra a
ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo e outras providências, foram
incluídas ou tipificadas no Direito Penal condutas antes tratadas apenas no âmbito de
procedimentos administrativos e executivos.
A Lei 9.983, de 14/07/2000, por sua vez, a fim de impingir maior responsabilidade
diante das obrigações para com a Previdência Social, acrescentou ao Código Penal o art. 168-
A, tipificando como crime de apropriação indébita o não-recolhimento das contribuições
previdenciárias, no prazo e na forma legal ou convencional.
Nota-se que, nesses casos, a tipificação penal, mais do que incriminar condutas, teve
por principal escopo a arrecadação fiscal e parafiscal, haja vista que sob a ameaça de pena,
inclusive restritiva de liberdade, compelia-se o contribuinte inadimplente a cumprir com
prioridade as suas obrigações em relação aos cofres públicos.
Esclareça-se que obrigações como essas, também impostas ao empresariado, não
caracterizam restrição ao princípio da livre iniciativa. A experiência de garantia da liberdade
empresarial se mostrou como a melhor forma de organização do mercado, desde que tal
atividade seja desenvolvida tendo por referência os interesses difusos e coletivos da
sociedade.
A livre iniciativa será exercida também mediante a observância de outros
determinados princípios inerentes à exploração de atividade econômica, por meio dos quais o
empresário deve se orientar, na formação, na manutenção e na expansão dos seus negócios
etc.
Pelo disposto no art. 170 da Constituição, é com fundamento na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa que se estabelece o fim de assegurar, indistintamente, a
existência digna, segundo as regras da justiça social, observando-se, entre outros, os
princípios da função social da propriedade, da defesa do meio ambiente, da livre concorrência
e da defesa do consumidor.
a exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado será permitida se
necessária à segurança nacional ou a interesse coletivo relevante, cabendo ainda à lei reger o
estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias, bem
como regulamentar as suas relações com o próprio Estado e com a sociedade, nos termos do
art. 173 da Constituição.
Não obstante esses princípios e diretrizes para que exista ordem econômica e
financeira, sabe-se que as decisões empresariais, ao menos da iniciativa privada, são pautadas
na lei de oferta e demanda ou, de outra forma, na relação custo–benefício que justificará as
razões para a alocação de recursos finitos na produção de um ou outro bem que se pretenda
ofertar em mercado.
O fornecedor de produtos e serviços, geralmente representado e constituído sob a
forma de empresário individual ou de sociedade empresária, desenvolve a sua atividade
orientando-se tanto pelos aspectos internos de sua organização, quais sejam: a sua relação
com os demais sócios e destes entre si e com os administradores, acionistas, conselheiros etc.
(caso seja uma pessoa jurídica empresária, naturalmente), quanto pelos externos, tais como o
necessário trato com terceiros não sócios e nem acionistas: o fisco, os empregados, os
credores e, principalmente, até por questão de direta dependência financeira, os seus
clientes/consumidores, cuja renda, em um ciclo, é o que oportuniza a expectativa de
crescimento e de enriquecimento do próprio empresário fornecedor.
Por esses motivos, afirma-se que o fornecedor de produtos e serviços tem presença
relevante também entre as demais pessoas ou comunidades nas quais se insere, abarcando não
aqueles direta e internamente ligados a ele como os outros que, em muitos e diferentes
aspectos, são atingidos pelo resultado dessa atividade econômica exercida em mercado, que
fundamenta a almejada Ordem Econômica.
O empresário e a sociedade empresária conscientes de sua responsabilidade social,
com fundamento nos objetivos da República Federativa do Brasil, especificados, não
exaustivamente, no art. 3º da Constituição, buscarão, como é de se supor de um Estado
organizado sob o regime capitalista, a lucratividade, sem se olvidar dos chamados direitos de
solidariedade, aqueles de ordem ética e moral, e que não são conflitantes, como poderia
parecer mediante análise perfunctória, com a geração de riqueza.
O dever de solidariedade do empresariado, motivado pelo princípio constitucional da
livre iniciativa e da força do trabalho, decorre da cooperação entre aqueles que, por meio de
sua atividade, pretendem o bem-estar da coletividade talvez o maior anseio de todos os
tempos da humanidade –, fulcrado na inexplicável sensação de que um dever intrínseco de
auxiliar os menos afortunados, restringindo as desigualdades sociais.
Em outras palavras, a condução das atividades do fornecedor de produtos e serviços
precisa estar focada nos valores éticos, no respeito ao indivíduo, ao coletivo, ao meio
ambiente, no rigoroso cumprimento das leis e da ordem jurídica, dentre outras atividades que
são, igualmente, da responsabilidade do fornecedor. Essa conscientização levará o fornecedor
à pretensão de sempre gerir os seus negócios de modo a atender ou superar anseios éticos,
jurídicos e empresariais dos consumidores, consequência de uma política administrativa
consistente, representada por práticas e programas integrados nas operações sociais e
inseridos nos processos decisórios, reconhecidos por acionistas, sócios, conselheiros,
gerentes, empregados etc. e pela sociedade civil, como meritórios e desejáveis, e que, sob esta
égide, podem manter-se, aperfeiçoar-se e até ampliar-se
Pelo disposto no art. 174 da Constituição,
36
a ordem jurídica impõe respeito e
qualidade de vida para todos, a ser possibilitada mediante uma ação política coordenada pelo
Poder Público e pela iniciativa privada. Desse modo, as grandes sociedades empresariais,
inclusive aquelas de capital privado, pelo poder e pela influência que exercem em mercado,
têm o ônus de serem o exemplo propulsor da boa alocação de recursos, parâmetro aos médios,
pequenos e microempresários.
Essa referência não desvirtuará a atividade empresarial em instituições de caridade,
tampouco beneficente. Reitera-se que o empresário visa ao lucro e dele depende, a tal ponto
que seria inviável prospectar desconsiderando a finalidade social de, pelo menos, gradativo
aumento dos resultados econômico-financeiros. Seria a ruína, um retrocesso, a exclusiva
36
Consoante o caput do art. 174 da Constituição: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica,
o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
dependência de um Estado que, por consequente e sucessiva escassez de recursos, entraria em
colapso.
Bessa (2006, p. 139-141) explica que os empresários são corresponsáveis em relação
ao desenvolvimento social e ambiental do país, de acordo com a legislação brasileira.
Ademais, existe demanda social por uma atuação ética e que considera as necessidades dos
diferentes grupos afetados pela atividade empresarial e, por tal razão, deve o empresário
administrar todos os impactos a que ele der causa (direta ou indiretamente). Entretanto, a
referida autora explica a diferença entre a responsabilidade social e a filantropia:
Ora, a filantropia foge ao objeto da empresa (aos interesses individuais de seus
acionistas, ao tipo de atividade produtiva a que ela se propõe, ao lucro), inserindo-se
na idéia de humanitarismo, de voluntariedade. [...] Ao contrário, a responsabilidade
social da empresa e essa percepção está presente em todos os depoimentos
registrados no item anterior – associa-se diretamente às atividades inerentes ao
negócio (no jargão dos administradores, o core business). Não se está no campo da
responsabilidade estritamente “moral”, na convicção íntima de que se deva
contribuir para o bem-estar da sociedade.
É notório, por outro lado, que o objetivo de lucratividade aliado à adoção de práticas
sociais responsáveis representa aumento de resultados, pois a atividade empresarial exercida
dessa forma é bem vista e favorável ao mercado, aos consumidores, à sociedade, com
sensíveis e diretos reflexos no mercado de capitais, servindo de estímulo à prática de
investimentos para os sócios, cotistas e acionistas, ao ingresso de capital estrangeiro, bem
como à distribuição de dividendos e de criação de vantagens para os trabalhadores, entre
outros.
Consumidores conscientes dão preferência, quando da aquisição de produtos e
serviços, àqueles oferecidos por fornecedores de boa reputação,
37
comprometidos com a
solução de problemas sociais, ambientais, da comunidade; são estes os empresários que
experimentam o aumento das vendas e, naturalmente, estabelecem-se e permanecem em
mercado.
37
Tal a importância para os fornecedores da preferência dos consumidores que, em 2009, segundo a pesquisa
promovida pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e o Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, houve um aumento na adesão dos empresários às práticas de Responsabilidade
Social Empresarial. Segundo o relatório “Práticas e Perspectivas da Responsabilidade Social Empresarial no
Brasil - 2008”, os dados referentes a preocupações sociais refletem a atenção dos empresários a anseios de
seus consumidores. Na pesquisa “Como e por que os brasileiros praticam o consumo consciente”, realizada
pelo Instituto Akatu em 2007, 63% dos entrevistados manifestaram suas expectativas de que os empresários
assumissem as chamadas responsabilidades “cidadãs das empresas” (‘ajudar a resolver problemas sociais’,
‘ajudar a reduzir a distância entre ricos e pobres’, ‘apoiar políticas e leis favoráveis à maioria da população e
‘reduzir violações de direitos humanos no mundo’.Documento disponível em: <
http://www.akatu.org.br/
central/noticias_akatu/nova-pesquisa-do-akatu-e-do-instituto-ethos-mostra-aumento-na-adesao-das-empresas
-as -praticas-de-responsabilidade-social-empresarial>. Acesso em: 29 jul.2009.
Para a formação da clientela, a título de exemplo, o empresário naturalmente deverá se
pautar pela honestidade, também pela lealdade e por correção profissional, o que equivale
dizer: nas relações de consumo o fornecedor deverá observar tanto o princípio da boa-fé
subjetiva, como aquela objetiva, conforme tópico já desenvolvido.
Boas relações entre o empresariado, seus empregados e desses com os
clientes/consumidores é a forma de gestão que possibilita os maiores lucros aos fornecedores;
portanto, aumentam a riqueza dos mesmos sócios investidores. A experiência empresarial
torna essa afirmativa incontestável e aceita também pelo Direito quando se admite a
existência de um fundo de comércio,
38
formado pela organização da atividade mercantil,
constituído não só por bens tangíveis como também por aqueles intangíveis, tal qual a
fidelização da clientela a uma determinada marca, produto ou serviço, confiança esta que
agrega considerável valor ao estabelecimento empresarial.
Constata-se, então, que não melhor técnica publicitária para o fornecedor de
produtos e serviços que manter sua clientela fiel e satisfeita.
É esse poder de influência, de domínio econômico, que justifica ao empresário uma
responsabilidade social a ser exercida não em favor de seus empregados e clientes, mas,
extensivamente, em defesa e proteção ao meio ambiente, às pessoas enfermas, carentes e
abandonadas, a projetos de educação e profissionalização etc., ações todas indubitavelmente
positivas e muito bem-vistas pela sociedade, pelos consumidores.
Essa atitude não quer significar que o assistencialismo é dever da iniciativa privada. A
garantia de segurança, de defesa e de bem-estar da coletividade é, sem dúvida, inerente à
atuação do Estado brasileiro.
39
Entenda-se por responsabilidade social do empresário a sua
obrigação de colaborar e cooperar para a realização do objetivo público de ordem econômica,
fundamentado no art. 170 da Constituição,
40
principalmente ao se deparar com a corrente
38
O Código Civil compreende estabelecimento empresarial por fundo de comércio, também tratado na doutrina
por aviamento (Código Civil, art. 1.142).
39
Pelo disposto no caput do art. da Constituição, “todos o iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, arrolando-se, a partir dos incisos, garantias
fundamentais não-exaustivas que viabilizem tais direitos.
40
Art. 170, da Constituição: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da
propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive
mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno
emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e
que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em
escassez de recursos da Administração para atender a todos os anseios da população. Desde
que cumpridas as suas obrigações para com a sociedade, não é defeso ao empresário ter
benefícios, no exercício de sua atividade, advindos de sua boa reputação e prestígio junto aos
consumidores, seja pelos bons produtos e serviços que fornece ao mercado, seja por sua ação
social e benfeitora.
Segundo Teizen Junior (2004, p.144), “no exercício da atividade empresarial,
reconhece a lei que devem ser respeitados os interesses internos e externos à atividade
empresarial, ou seja, os interesses dos capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses
da 'comunidade em que ela atua'”.
A livre iniciativa não pode ser exercida em oposição ao disposto no artigo da
Constituição que trata, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, do
desenvolvimento nacional equilibrado. Para Comparato e Salomão Filho (2005, p. 18) é,
então, finalidade do sistema econômico garantir a igualdade de condições de seus agentes,
combatendo as estruturas de poder em mercado:
Mas não é só por esse aspecto por assim dizer de negação do poder econômico que a
diluição dos centros de poder deve ser estimulada. Tamm por seu aspecto positivo.
É ressabido e já foi alhures discutido, a importância da concorrência (diluição do
poder econômico) como instrumento de formação do conhecimento econômico.
Afastado o dogma essencialista do conhecimento, a comparação pode indicar em
sua direção. Conclui-se, portanto, que tanto pelo seu potencial criador como
distribuidor de conhecimento, o combate ao poder econômico pode e deve ser um
dos primeiros itens da lista de preocupações dos estudiosos das relações socais [sic].
Segundo esses autores, ao elevar a propriedade privada como princípio de ordem
econômica, o art. 170 da Constituição não exceptua a propriedade acionária e nem,
consequentemente, a propriedade dos meios de produção. Logo, conforme os ditames da
justiça social, cumpre ao Estado intervir na atividade econômica para promoção de um
desenvolvimento equilibrado:
Na concepção econômica tradicional, se o mercado era organizado em função do
consumidor, todo ato de produção seria, em princípio, benéfico à coletividade. Ainda
aí, portanto, reduzia-se a atividade empresarial ao interesse particular do empresário.
A consciência pública rejeita, atualmente, essa idéia simplista. A História adverte
que todo poder, livre de peias, degenera, naturalmente, em pura força, a serviço do
seu titular. Compete, pois, ao Estado intervir no jogo econômico para evitar a
degradação da função social das empresas. (COMPARATO; SALOMÃO FILHO,
2005, p. 558).
41
lei”.
41
A título de exemplo, os autores asseveram que ao Estado cumpre incentivar as atividades empresariais
A responsabilidade social do empresário é igualmente manifestada em relação ao
empregado e materializa-se em planos de carreira e salarial, participação nos lucros, em
benefícios, treinamento, privacidade, formação cultural inclusive extensiva aos familiares etc.
A preocupação do empregador também direcionada para garantir melhores condições de
trabalho traz resultados sensíveis e imediatos: aumento de produtividade, tanto em
qualidade como quantitativamente, maior assiduidade e cooperação dos trabalhadores,
redução dos casos de enfermidades e de acidentes de origem ocupacional, diminuem-se os
custos com a saúde, seja na reabilitação do empregado lesionado, seja pelo seguro de vida ou
gastos com o atendimento médico-hospitalar, com medicamentos etc.
Além do cuidado com o trabalhador, é socialmente responsável alterar o processo
produtivo visando à redução e à erradicação da emissão de resíduos poluentes. Se diminuídos
ou erradicados os resíduos, reduzem-se, como consequência, os custos de armazenamento e
de deslocamento de lixo industrial para aterros adequados, cujo espaço é saturado e com
altos e quase irreversíveis níveis de degradação ambiental.
Por fim, a consciência que se espera do empresário é ainda manifestada no atual
processo de educação, informação e formação dos clientes/consumidores que, estimulados por
políticas públicas,
42
aumentam a procura por produtos ecologicamente corretos, daqueles
manufaturados, a título de exemplo, sem o emprego de trabalho escravo ou infantil, em
ambiente digno, em condições seguras e outros. é expressivo o percentual da população a
indicar preferência por boas marcas,
43
quais sejam, aquelas cujos fabricantes são socialmente
correspondentes, primacialmente, às necessidades públicas, quando localizadas no setor não-tecnológico ou
periférico da economia, ou seja, as que se submetem às leis do mercado, ditadas pelas empresas do setor
avançado; em contrapartida, impõe-se ao Estado o dever de desestimular as atividades produtoras de bens e
serviços menos importantes, ou mesmo nocivos à saúde ou ao bem-estar públicos, ainda que tais empresas
sejam altamente rentáveis ou lucrativas. Urge também criar um sistema mais efetivo de proteção do
consumidor quanto à qualidade dos produtos e serviços oferecidos no mercado, bem como de defesa do meio
ambiente, ou equilíbrio ecológico”.
42
O art. do Código de Defesa do Consumidor fundamenta a Política Nacional de Relações de Consumo,
dispondo sobre os objetivos e os princípios que deverão ser observados, tanto pelo Estado como pelos
fornecedores.
43
Os resultados de uma pesquisa de 2007 mostram que 77% dos brasileiros têm muito interesse em saber como
os empresários tentam ser socialmente responsáveis, índice este que revela estabilidade se comparado aos
dados registrados nos levantamentos anteriores (2004 - 72%; 2005 - 78%; 2006 - 75%). O número dos que
atribuem ao empresário um papel que vai 'além do meramente econômico, incluindo também o
estabelecimento de padrões éticos mais elevados e a construção de uma sociedade melhor' diminuiu: 51%
expressaram essa opinião no levantamento de 2006, ante 64% em 2004. Por outro lado, a pesquisa de 2007
demonstra que o percentual médio dos entrevistados que manifestaram expectativas com as chamadas
“responsabilidades cidadãs das empresas” ('ajudar a resolver problemas sociais', 'ajudar a reduzir a distância
entre ricos e pobres', 'apoiar políticas e leis favoráveis à maioria da população' e 'reduzir violações de direitos
humanos no mundo') é de 63%. Outro dado relevante é o de entrevistados que concordam com a afirmação
de que 'as empresas estão fazendo um bom trabalho em construir uma sociedade melhor para todos': 66,5%
em 2006, quase dez pontos acima do registrado em 2005.(Disponível em: <
http://www.cimm.com.br/
responsáveis, desenvolvendo a atividade empresarial de forma consciente e preocupada com o
meio ambiente e com o bem-estar das futuras gerações.
É notório, em contrapartida, que esse adequado modelo de produção implica aporte de
investimentos da iniciativa privada, e toda inversão, ao que se sabe, é justificada na real
expectativa de retorno do valor empenhado. O que não se pode desde já aferir é se as gerações
futuras, potenciais beneficiárias dessas ações demasiado caras, vêm estimulando – tanto
quanto deveriam – as boas e necessárias mudanças por parte do empresariado.
Por outro lado, a sociedade exige desses fornecedores muito mais que informações
precisas quanto aos produtos e serviços disponibilizados ao consumo: é mister conhecer as
ações de cunho social dessa iniciativa privada, das instituições financeiras, do fisco, da
Administração e seus compromissos em relação aos empregados, com a comunidade local e
contribuintes.
As sociedades empresárias de capital aberto dependem ainda mais dessa boa política
de gerência para garantir a valorização das ações pulverizadas em mercado, como atrativo à
atenção dos investidores que, mais do que interesse em algum controle de gestão, capitalizam-
nas com vistas aos melhores dividendos. A esse respeito, Sztajn (1999, p. 41) assim se
manifesta:
Princípios de contabilidade ética e social baseiam-se em explicar como a sociedade
introduz e mantém valores éticos na organização e administração. A informação
deve permitir a continuação do diálogo com a comunidade e o ajuste de rumos,
sempre que necessário ou conveniente; questões como ações propostas contra a
sociedade, segurança no trabalho, salubridade e saúde, não discriminação,
reclamações dos empregados, informação sobre os controladores, impacto
ambiental, criação de empregos, investimentos, contribuições, comércio
internacional, multas aplicadas contra a sociedade oferecem pontos de partida para o
aperfeiçoamento das metas que aparecerão no outro balanço social.
O balanço social é, conforme acima esclarecido por Sztajn, um instrumento de
informação interna e externa e é por meio dele que se desenvolvem as estratégias de gestão da
atividade empresarial. De regra, a auditoria enfatiza os aspectos positivos e negativos para
orientar a coordenação eficiente dos novos rumos em mercado, após o fechamento de cada
exercício.
Essas tantas incumbências e deveres do empreendedor não significam que os bens
empresariais ou sua atividade e propriedade capitalista tenham se transmudado em algo de
utilização coletiva ou de caráter público. A garantia constitucional de que a propriedade deve
portal/noticia/exibir noticia/3184>. Acesso em: 27 jul. 2009).
atender à sua função social não a converte em bem coletivo.
Entenda-se que a propriedade capitalista é regulamentada para atender aos interesses
da sociedade em geral, mesmo mantida sob o domínio de seu proprietário ou proprietários.
Entretanto, os bens utilizados na produção capitalista acabam por também se destinar à
satisfação dos interesses da sociedade. É o que acontece, a título de exemplo, quando
maior oferta de empregos; quando do implemento e aperfeiçoamento das técnicas de
produção, do desenvolvimento científico e de comunicação; diante da captação de divisas e da
ampliação de mercado ou mercados; diante da distribuição de rendas e da assistência social
(GRAU, 1981, p. 112-117).
A propriedade dos bens empresariais deve ser observada, a fim de que o empresário
possa cumprir a principal finalidade de sua atividade, qual seja: a obtenção de lucro, mas
realizando-a de forma lícita e satisfazendo, ainda, as necessidades dos consumidores,
individual, coletiva e difusamente considerados.
3.3 A ÉTICA E A BOA-FÉ NAS RELAÇÕES CIVIS E DE CONSUMO
À medida que se desenvolveram as relações de mercado em massa, a teoria clássica do
direito obrigacional, centrada no princípio da autonomia da vontade, no modelo tradicional de
contrato, precisou ser adequada e compatibilizada à noção de proteção e de segurança do
consumidor.
A fim de que “os ditames da justiça social” sejam assegurados, de modo a garantir a
“todos existência digna”, a Constituição estabelece diversas medidas destinadas a neutralizar
ou reduzir as distorções que possam advir do abuso de liberdade de iniciativa, no exercício da
atividade privada.
44
Neste sentido, Moreira Neto (1989, p. 28) esclarece que:
O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do
Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função
social da empresa; o princípio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de
competição, moderam-se com o da repressão do poder econômico; o princípio da
liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do
trabalho e da harmonia e da solidariedade entre as categorias sociais de produção; e,
finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se com o princípio da
44
Consoante art. 173, §, da Constituição: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação
dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
função social da propriedade.
Uma vez que o Estado brasileiro tem por princípio fundamental a livre iniciativa
45
e
como princípio da ordem econômica a propriedade privada,
46
é mister sua atuação para
disciplinar e fomentar a atividade econômica, explorando-a diretamente apenas por exceção.
47
Desse modo, cumpre ao Estado atuar na atividade econômica, mas para conciliar
determinados interesses do mercado nacional, valendo-se de política de efetivo planejamento,
com vistas a assegurar o bem-estar coletivo, garantindo saúde, habitação, educação,
alimentação, urbanização e solução para as questões fundiárias, entre outras. Igualmente cabe
a ele disciplinar, mediante o exercício do seu Poder de Polícia, os setores nos quais a atividade
econômica, embora exercida pelos agentes privados em regime de competição, deva estar
submetida a determinados controles para coibir abusos e ineficiências; e, finalmente, aqueles
setores de mercado para os quais sua atuação seja indispensável, intervindo diretamente,
como Estado empresário.
48
Eizirik (1993, p. 7), por sua vez, lembra que
assim, houve uma evidente limitação às atividades empresariais desenvolvidas pelo
Estado; com efeito, a Constituição anterior, em seu art. 170, § 1º, estabelecia um
regime de suplementariedade ampla da iniciativa estatal sobre a privada. Na vigente
Carta, passou-se a um sistema de suplementariedade restrita, nos termos do art. 173,
caput, que reduz as hipóteses de atuação do Estado na economia, ao dispor
expressamente quais são os casos em que ela se justifica (segurança nacional e
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei).
45
Art. da Constituição: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios, e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I
- a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa; V - pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
46
Art. 170 da Constituição: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV
- livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VII - redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as
empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
47
Conforme o caput do art. 173 da Constituição: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
48
Consoante art. 177 da Constituição: Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos
incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos
de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus
derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados”.
A interferência do Poder Público é, muitas vezes, fundamental para o desenvolvimento
da economia e perfeito cumprimento dos direitos individuais e difusos. O funcionamento do
regime liberal pressupunha certa igualdade em mercado, requerendo também uma competição
equilibrada. Como tais requisitos nunca foram alcançados, sobreveio a crise, caracterizada
pela depressão econômica entre as duas grandes guerras e os desequilíbrios internacionais
entre Estados ricos e empobrecidos. A prática de um liberalismo absoluto poderia ter sido
eficaz para uma economia com muitos competidores essencialmente em de igualdade, mas
apresenta pouca relevância em um sistema cujas decisões de uns poucos conglomerados e as
do Governo afetam a renda e as oportunidades de emprego de todos os cidadãos.
49
Com respaldo constitucional admitiu-se, então, a intervenção do Estado na seara antes
disciplinada, exclusivamente, pelo Direito Civil e Comercial, para ajustar a vontade dos
contratantes a um interesse maior de ordem econômica. A partir deste escopo, verifica-se uma
gradativa crescente publicização do Direito Privado para compatibilizá-lo com essa realidade,
moderando o que se concebia por liberdade contratual, dos moldes de uma Administração
liberal.
Exsurgem a ética e a boa-fé como limitadores de direitos subjetivos, para pautar as
relações jurídicas, sociais, econômicas e políticas ao interesse coletivo e para impedir a
convalidação de atos que não atendam a essas diretrizes.
50
O Código Civil de 1916,
51
formal, individual, patrimonialista, estabelecido em bases
liberais, principal fonte do direito substantivo privado brasileiro, era insuficiente ou
incompatível com a nova ordem hermenêutica.
O Código de Defesa do Consumidor de 1990,
52
ao contrário, positivou o princípio da
boa-fé
53
e antecipou o anseio legislativo de eticidade vislumbrado pelos elaboradores do, na
49
Comentando a obra The Wealth of Nations, de Adam Smith, Ivo Dantas esclarece que “no sistema da
liberdade natural o soberano tem somente três deveres a desempenhar [...]: o primeiro é proteger a sociedade
de qualquer violência ou invasão por parte das outras sociedades independentes. O segundo é proteger, tanto
quanto possível, cada membro da sociedade contra a injustiça ou opressão de qualquer outro membro, ou
seja, o dever de estabelecer uma rigorosa administração da justiça. E o terceiro é criar e manter certas obras e
instituições públicas que nunca atraiam o interesse privado de qualquer indivíduo ou pequeno grupo de
indivíduos na sua criação e manutenção, na medida em que o lucro não compensa as despesas”. (DANTAS,
1995, p. 62-63).
50
Antes do digo de Defesa do Consumidor se reconhecia a boa-fé como princípio geral de direito. Todavia,
diante da ausência de regra específica não se lhe permitia exercer a função de sistematização das decisões
judiciais tendo em vista que a sua utilização dependia de construção doutrinária o que prejudicava a sua
aplicação prática na jurisprudência.
51
Lei nº 3.071, de 01/01/1916.
52
Lei nº 8.078, de 11/09/1990.
53
A título de exemplo o art. do Código de Defesa do Consumidor: “A Política Nacional de Relações de
Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como
época, projeto de Novo Código Civil, efetivado em 2002, por meio da Lei 10.406, de
10/01/2002.
De fato, o caput e o inciso III do artigo do Código de Defesa do Consumidor
informam os princípios reguladores das relações de consumo. Mediante a presunção de ética e
de boa-fé, verifica-se, entre outros, o princípio da transparência na oferta dos produtos e dos
serviços; o da equidade na proteção do consumidor, que se reconhece sempre vulnerável; e o
da confiança em se adquirir produtos e serviços que sejam adequados e seguros.
A aplicação harmônica e conjunta desses princípios viabiliza a ordem econômica das
relações de consumo eis que, sob a égide da ética e da boa-fé, as práticas mercantis são
necessariamente conduzidas por valores de lealdade e de cooperação, respeitando-se as
expectativas legítimas dos consumidores porque o fornecedor se vincula àquilo que oferta e
porque são vedadas as práticas abusivas ou a disponibilização de produtos e serviços que não
estejam em conformidade com o que foi anunciado e prometido em mercado.
Esses mesmos direitos e garantias norteadores estão também agora previstos, intensa e
finalmente, no Código Civil de 2002, com a pretensão de conferir a quem instrumentaliza o
Direito os valores éticos que, se efetivamente observados, permitem a ampla proteção do
indivíduo e da coletividade onde ele se insere. Miguel Reale, no prefácio da obra de Costa e
Branco (2002, p. x), afirma que
a nova Lei Civil se distingue da anterior pela frequente referência de seus
dispositivos aos princípios de equidade, de boa-fé, de equilíbrio contratual, de
correção, de lealdade, de respeito aos usos e costumes do lugar das convenções, de
interpretação da vontade tal como é consubstanciada, etc. etc. sempre levando em
conta a ética da situação, sob cuja luz a igualdade deixa de ser vista in abstrato, para
se concretizar em uma relação de proporcionalidade.
Com a finalidade de implementar a supremacia da ética nas relações de Direito
Privado é que o Código de Defesa do Consumidor e o atual Código Civil impõem uma série
de direitos, deveres e obrigações decorrentes do princípio da boa-fé às partes direta ou
indiretamente envolvidas ou contratualmente obrigadas.
54
Em se tratando, de forma mais específica, de relações de consumo, objeto deste
estudo, a ética e a boa-fé exigem que o fornecedor preste informações de forma didática ao
a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III -
harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.
54
Se a ordem é de proteção aos interesses difusos, mesmo aqueles indiretamente envolvidos na relação que se
estabelece haverão de ser tutelados pelo Estado.
consumidor; que com ele coopere ao disponibilizar produtos e serviços seguros à sua
integridade física, psíquica e ao meio ambiente; que lhe seja leal e que honre aquilo que
prometeu; e que se preocupe com a dignidade de quem adquire ou possa adquirir o que se
oferta. Em outras palavras, o fornecedor haverá de orientar a sua atividade em atitudes
transparentes que possibilitem ao consumidor, reconhecidamente vulnerável por lei, meios de
se igualar ao detentor da técnica, ao ofertante de bens e serviços, a quem predetermina as
cláusulas contratuais a serem aderidas etc.
É por observância à ética e à boa-fé que o fornecedor é responsável pelo consumidor
antes mesmo de efetivamente estabelecido o contrato de compra e venda ou de prestação de
serviço. Pela noção de oferta, tal como disposta no art. 30 do Código de Defesa do
Consumidor, toda informação ou publicidade, suficientemente precisa,
55
vincula o fornecedor
e passa a integrar o futuro contrato.
Entenda-se por oferta a proposta instigante dirigida ao consumidor, convidando-o a
adquirir um bem, a contratar um serviço, a criar necessidades que não conhecia.
Nesse sentido, ainda que admitindo exceções, o próprio Código Civil, pelo que se
depreende do art. 427, determina a vinculação do proponente à oferta formulada, sendo
suficiente à aceitação da contraparte para que o contrato seja válido.
56
Destaque-se que nas relações em mercado, massificadas, a oferta não é dirigida de
forma individualizada, mas, sim, à coletividade, a inúmeras pessoas. No intuito de assegurar o
respeito às expectativas legítimas dos consumidores sempre instados a adquirir produtos e
serviços, amplia-se o dever de proteção para alcançar a informação e a publicidade
veiculadas.
A imposição ao fornecedor de que a informação e a publicidade por ele ofertada
integrem o contrato é garantia de lealdade e de transparência para com os consumidores. Estes
esclarecimentos vinculantes, aliás, devem apontar as características essenciais do produto e do
serviço, naturalmente verdadeiras, refletindo a ética e a boa-fé que devem imperar em
sociedade, inclusive para que os contratos tenham suas redações claras e com conteúdos
precisos, pois, do contrário, não obrigarão o consumidor por serem considerados, por esses
motivos, nulos.
Se não bastasse tal proteção na fase pré-contratual, a ética e a boa-fé estendem e
55
A precisão por lei exigida é aquela capaz de individualizar e identificar o fornecedor, o produto e o serviço
ofertado.
56
Do Código Civil, art. 427: “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos
termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”.
outorgam essa tutela também quando da vigência do contrato, quando asseguram o direito de
arrependimento ao consumidor que adquiriu produtos e serviços fora do estabelecimento
empresarial, ou seja, nas vendas em domicílio, por catálogos, televisão, rádio, internet etc.
57
Verificam-se, ainda, a ética e a boa-fé na seara do direito obrigacional, pois cláusulas
consideradas iníquas, abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada
são consideradas nulas, sem prejudicar o contrato como um todo, exceto quando sua ausência
constitua ônus excessivo a qualquer das partes.
58
O art. 51 do Código de Defesa do
Consumidor, por seu turno, arrola, não de forma exaustiva, cláusulas abusivas que são nulas
de pleno direito, porque eivadas de flagrante má-fé e por cercearem a adequada defesa do
consumidor.
nas relações regidas sob a égide do Código Civil, muitos são também os
dispositivos de lei que manifestam a ética e a boa-fé como principal fundamento.
59
Note-se, a título de exemplo, o disposto no art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
A boa-fé, enquanto princípio ético, é aplicada como norma de interpretação dos
negócios jurídicos. De natureza cogente, imperativo, representa uma imposição, e não uma
opção ao intérprete ou aplicador da lei
Aplicar o Direito com base na ética e na boa-fé é concretizar a justiça como realidade.
3.3.1 O direito à indenização fundamentada em princípios éticos
O art. 953, parágrafo único, e o art. 954, ambos do Código Civil, asseguram o direito a
uma indenização em dinheiro, com fulcro na equidade, para determinados danos de origem
não patrimoniais, como aqueles decorrentes de injúria, difamação, calúnia, cárcere privado,
prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé, e prisão ilegal.
60
A respeito dos direitos básicos do consumidor, previstos no Capítulo III, do Título I,
do Código de Defesa do Consumidor, arrolados não exaustivamente em seu art. 6º, tem-se o
seguinte esclarecimento, verificado no art. 7º:
57
Nos termos do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor.
58
Conforme art. 51, IV e seu § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.
59
Do Código Civil, ver os arts. 164, 422, 765, 879, 1.201, 1.202, 1.214, 1.217, 1.219, 1.238, 1.242, 1.258,
1.561 e outros.
60
O fundamento constitucional dessa possibilidade está no direito fundamental estabelecido no art. 5º, X, da
Constituição.
Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções, internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna
ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade.
A indenização a que o consumidor tenha direito básico deverá ser estabelecida
igualmente em princípios éticos. Desse modo, prejuízos não materiais como o são os
decorrentes de lesão ao corpo ou à saúde, à honra, casos de privação à liberdade física e
psicológica etc. permitem ao prejudicado exigir uma equitativa indenização em dinheiro.
61
Note-se que não se trata de pretensão comum de indenização por perdas e danos, por
um prejuízo material sofrido e quantitativamente reparável, mas de uma pretensão peculiar,
que visa a propiciar ao(s) lesado(s) uma compensação à injustiça que sofreu(ram),
considerando, ainda, que o agressor efetivamente deve aos ofendidos uma satisfação pelo mal
causado a eles.
A compensação que se espera deverá de alguma forma amenizar tanto as dores
sofridas como a frustração e o desânimo. Independentemente de o prejuízo ser imaterial, aos
prejudicados devem ser oferecidas vantagens mesmo que de outra natureza, como, por
exemplo, a monetária.
Não se pretende, naturalmente, justificar uma compensação no sentido estrito da
palavra, de prestações equivalentes, entre o agente ativo e o passivo da lesão, por faltar um
denominador comum ao dano imaterial e à compensação pecuniária.
É cediço que o dano imaterial, tal como a expiação, não pode ser calculado em valor
monetário. Não é possível ver, demonstrar ou valorar a dor e o perdão, mas somente senti-los.
Por meio da indenização, faz-se, na verdade, uma tentativa simbólica de compensação,
agregando a ela um sentimento de satisfação a quem foi prejudicado.
Essa busca então advém da relação pessoal que o fato danoso suscita entre o ofensor e
o ofendido (ou ofendidos), o qual, por sua natureza, exige que a determinação do quanto a
indenizar seja arbitrado levando em consideração todos os elementos do caso, sem se olvidar
ao menos de três condições: de um lado, a indenização deve oportunizar ao lesado um
sentimento de contentamento, apaziguando o seu senso de justiça ferido; de outro, deve impor
61
Dispõe, ainda, o art. 944 do Código Civil: “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único:
Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização”. O Enunciado 46 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal, aprovado na Jornada de Direito Civil de 11 a 13/09/2002, acrescenta: “A possibilidade de redução do
montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do
novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da
reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”.
ao ofensor um sensível sacrifício patrimonial; e, como consequência, a condenação deve atuar
preventivamente, de modo que nem o ofensor e nem terceiros voltem a se valer dessa mesma
conduta ou prática ilícita, exaltando um caráter didático (NUNES, 1999, p. 2).
62
Essas três condições serão analisadas a partir de diversos fatores, casuisticamente
verificados.
O senso de justiça é estabelecido quando se leva em conta a importância, a medida e a
duração do dano. Considerar-se-á a intensidade e por quanto tempo persistiram as dores
físicas e psicológicas dos prejudicados, os cuidados durante a convalescença e o estado de
tristeza decorrente de incapacidades, deformações permanentes, da frustração.
Para um sentimento de satisfação é também muito relevante conhecer o grau de culpa
do ofensor, que haverá de ser considerado não apenas tendo em conta os resultados danosos
causados. Com efeito, a circunstância de o dano ser decorrente de culpa grave ou, até mesmo,
de dolo é fator que influenciará em um estado de maior ou menor amargura, ao passo que
quando é causado por um leve descuido, sem qualquer intenção, aquele que foi lesado
costuma a encarar o incidente como fatalidade.
Contudo, independentemente da reação do ou dos prejudicados, a análise desse
elemento é equitativa quando, no caso concreto, a intencionalidade ou a culpa grave foi
levada em consideração para condenar o autor do dano ao pagamento de indenização mais
vultosa ou, ao contrário, amenizá-la quando em situações de culpa leve. Seria incoerente um
julgador arbitrar condenação menos elevada ao criminoso que dolosamente causou a dor a
outrem e vultosa àquele que sem querer, em acidente de trânsito, trouxe a mesma
consequência a outro lesado.
Além desses fatores, sabe-se que existem outras circunstâncias paralelas ou
concorrentes que sempre são consideradas ao se tentar alguma compensação perante o juízo
cível, como as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido; e se houve ou não
repercussão do fato na seara administrativa e criminal, com a imposição de sanção ou
condenação criminal ao ofensor (THEODORO JUNIOR, 2001, p. 33).
Não é possível, todavia, estabelecer uma ordem de prioridades nessas situações pois
são juízos ou poderes independentes. A compensação e a satisfação que se espera, seja cível,
administrativa ou criminal, completam-se reciprocamente cada uma dentro de sua respectiva
62
Também se destaca o entendimento do Grupo de Câmaras do TJRS: “O critério de fixação do valor
indenizatório do dano moral levará em conta tanto a qualidade do atingido como a capacidade financeira do
ofensor, de molde a inibi-lo a futuras reincidências, ensejando-lhes expressivo, mas suportável gravame
patrimonial” (j. 01/09/1995, maioria, RJTJRS 176/250).
delimitação, sempre com fulcro no princípio da equidade, como égide também de Direito
Administrativo e de Direito Penal.
Não obstante, existem objeções quanto ao entendimento de que a indenização deve
almejar tanto a compensação quanto a satisfação, por justificar que esta a satisfação seria
analisada apenas quando de eventual condenação criminal, tendo em vista o cumprimento da
pena, como resposta ao anseio de ordem e segurança da sociedade. Cahali (2005, p. 35), por
exemplo, ao tratar do “fundamento e natureza da reparação”, colaciona alguns entendimentos
divergentes quanto aos objetivos da indenização. Assim, a indenização cível ficaria restrita à
tentativa de compensar o lesado ou lesados pelos prejuízos que tenham experimentado, ainda
que sejam imateriais.
Outra restrição à análise da satisfação seria a que se trata de um critério muito
subjetivo, pessoal, demasiado aberto.
Destaque-se, porém, que a satisfação, inclusive com fundamento no princípio ético da
equidade, não se orienta tendo por referência apenas o lesado, dado que insere também aquele
que causou o dano. Sabe-se, a título de exemplo, que são levadas em consideração
circunstâncias positivas e negativas concernentes ao ofensor, quando da determinação do
quanto a ser indenizado.
É fato, por outro lado, que a ofensa à dignidade e à honra não se trata de ilícito civil,
patrimonial, e que o fator reparação seria quantificável se do abalo moral fosse decorrente
alguma perda de cunho propriamente material. Do contrário, não haveria como se falar em
direito à indenização (CAHALI, 2005, p. 326-327).
Haverá satisfação ao ofendido e à sociedade quando o ofensor é efetivamente
condenado ao pagamento de indenização por um dano que tenha causado, mesmo nos casos
de ofensa à honra e à dignidade de outrem, e desde que essa imposição desestimule a
reincidência da conduta danosa.
Limitar o direito à indenização ao critério de satisfação poderia ensejar uma falsa
conclusão de que aquele ou aqueles que perderam ou não têm capacidade de compreender tal
contentamento, ainda que em decorrência do dano, perderiam o direito a qualquer
compensação. Deste modo, ainda que o lesado não experimente ou não possa experimentar
um sentimento de contentamento ou satisfação, um inegável sentimento coletivo de justiça
a impor que qualquer prejuízo causado ao ser humano não deve permanecer sem reparação,
ainda que de caráter simbólico, para atingir os ofensores mediante o pagamento de um
sacrifício palpável.
Por fim, destaque-se que a persecução criminal ou a imposição administrativa não traz
benefício direto ao ofendido, mas, de modo geral, à coletividade. A efetiva compensação ou
satisfação só é viável quando da superveniência de condenação ao pagamento de indenização,
em justos parâmetros, que obrigue o causador do dano a amenizar o sofrimento do
prejudicado e daqueles que poderiam, futuramente, pelos mesmos motivos e consequências,
direta ou indiretamente, também ser lesados.
3.3.2 Limites da indenização, da satisfação e da pena
Frise-se que a satisfação, advinda com a indenização por perdas e danos, extrapola o
sentimento de compensação. Ao pensar nos parâmetros de indenização, o julgador, de regra,
só se atém às circunstâncias do ofendido, ou seja, quais foram os seus danos, os prejuízos etc.,
sem preocupar-se, ao menos em um primeiro momento, com a figura do ofensor.
É justo que o ofendido receba uma reparação pelo prejuízo sofrido e, de preferência,
que seja in natura, restabelecendo o estado perdido e prejudicado. Caso não seja possível,
então seria viável a indenização em dinheiro ou por bem economicamente equivalente.
A expectativa de prevenção em relação a danos supervenientes é, também,
consequência do adequado dever de indenizar. O sentimento de satisfação do ofendido, ao
contrário, pode estar inteiramente desvinculado da indenização, em si, e simplesmente não
acontecer por meio de qualquer pagamento, por mais vultosa que seja a quantia.
Quando haverá, então, a satisfação do ofendido? O que é necessário para reconfortá-
lo? Para o ofendido, além da avaliação e verificação de seus prejuízos, a satisfação adviria por
meio da ponderação em torno da responsabilidade do ofensor, muito embora não pareça
correto ou compatível utilizar-se da culpabilidade como parâmetro para gradação do quantum
a indenizar, por parecer critério de aplicação de pena, da seara do Direito Criminal.
Caso a culpabilidade fosse referência para valoração da indenização, irrisório ou
inexpressivo acabaria sendo o valor arbitrado se comparado ao prejuízo, quando verificada
situação de culpa levíssima do ofensor.
Por outro lado, condenar o ofensor ao pagamento de soma superior ao prejuízo que
causou colocaria em xeque os fundamentos que justificam o direito à indenização. Neste
molde, o direito à indenização é desviado e alargado para além da referência do dano em si
causado.
Precisamente por esse motivo é que se admite considerar tanto o grau de culpa do
ofensor quanto o prejuízo por ele causado, ainda que voltar-se para o ofensor ou para o agente
do prejuízo seja critério inerente ao Direito Penal e não ao Direito Civil.
O Direito Penal brasileiro é aquele que avalia a culpabilidade e não o resultado, em si.
Interessa-se, portanto, pelo agente e pelo ato. A condenação cível ao pagamento de
indenização e a condenação criminal diferenciam-se no julgamento de um mesmo ato
porque a primeira pretende compensar os danos causados ao prejudicado, enquanto a segunda
produz efeitos sobre o agente para que o ato ilícito seja expiado e para que ele se ressocialize.
A fim de alcançar a satisfação àquele que foi lesado dever-se-ia, então, agregar à
condenação indenizatória também a finalidade de sanção e prevenção, sem que
necessariamente esta se confunda com uma condenação criminal.
O intuito de apaziguamento da vítima ou daqueles a ela ligados, como desincentivo à
vingança, é pertinente ao Direito Penal, pelo cumprimento de pena por quem causou o dano.
Evidentemente, essa conclusão só é aplicável quando as consequências de um ato ilícito
tenham repercussões tanto cíveis quanto criminais, ou seja, quando se trate de conduta
tipificada e que caracterize direito a buscar as perdas e danos.
Poder-se-ia concluir, a partir dessa premissa, que haveria satisfação do lesado quando
o ofensor fosse criminalmente condenado, mediante o cumprimento da pena,
independentemente de qualquer direito à indenização. Ambas se prestam a permitir ao
prejudicado um sentimento de contentamento, de satisfação. Deve-se, naturalmente, delimitar
o que é a condenação cível e o que é a criminal, para não se estabelecer um instituto híbrido,
simbiótico. A condenação criminal serve à satisfação coletiva, da sociedade, a condenação
cível se presta à satisfação de quem foi lesado.
A condenação cível também se diferencia da criminal mesmo nos casos de aplicação
de pena pecuniária ao réu, que deverá pagá-la diretamente ao Estado ou a quem por ele
indicado, ao passo que a indenização é destinada ao prejudicado.
Registre-se que não existe nenhum consenso quanto a que circunstâncias devem ser
consideradas para estabelecer o montante da indenização, haja vista as controvertidas opiniões
sobre a natureza da condenação cível e sua interface com a criminal. Sabe-se que devem ser
levados em conta o grau de culpa e o volume do patrimônio do ofensor, bem como a
magnitude, o tipo e a duração das dores sofridas.
Não obstante, é mister esclarecer que poderá haver condenação ao pagamento de
indenização também nos casos de responsabilidade delitual sem culpa ou independentemente
de culpa. Nesse caso, o pressuposto de responsabilização seria a conduta objetiva contrária a
um dever ético, social e legal, consoante anteriormente comentado, ao se tratar, de forma
específica, da responsabilidade do empresário que oferta e fornece produtos e serviços à
população, ao mercado.
4 A REGULAÇÃO DO ESTADO PARA A ORDEM ECONÔMICA
A tutela Constitucional da Ordem Econômica impõe uma série de princípios que
deverão ser respeitados tanto pela Administração, como pela iniciativa privada, com o fim de
regular a atividade estatal e garantir o desenvolvimento equilibrado do país.
A respeito dos objetivos traçados pela Constituição à República Federativa do Brasil
em garantir o desenvolvimento equilibrado do país, Nusdeo (2002, p. 17) faz importante
diferenciação entre “desenvolvimento” e “crescimento”, uma vez que eles poderão ser
confundidos, porque em ambos os casos haverá o crescimento do PIB (Produto Interno
Bruto).
A efetiva diferença é evidenciada no “desenvolvimento” em si, quando além do
crescimento do PIB profundas alterações em toda a estrutura de um país, como aquelas de
ordem cultural, psicológica e social. Todas essas mudanças, aliás, permitirão a
sustentabilidade do processo de crescimento, ou seja, viabilizarão o desenvolvimento
autossustentável.
No mesmo sentido, Veiga (2007, p. 48-49) esclarece que o crescimento econômico é
acontecimento de meio e não finalístico. Para explicar essa afirmação, o autor cita o alto PIB
de países como a China (que em 2003 tinha um PIB de 8,2), a Coréia (que em 2003 tinha um
PIB de 6,1), cujos indicadores de desenvolvimento e sustentabilidade foram superados pelo
Brasil que possuía um PIB de 0,8. Para se ter uma idéia, em sustentabilidade ambiental (em
que pese toda a devastação e degradação nos principais ecossistemas brasileiros), o Brasil
obteve nota 6 no “provão de sustentabilidade” (ESI Environmental Susteinability Index
2005), enquanto a China não chegou a 4.
Entretanto, a necessidade de regulação estatal da economia não pode ser exercida de
modo absoluto e sem que haja fundamento para a interferência.
A ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado
organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem publica
clássica; opta pelo tipo liberal do processo econômico, que admite a intervenção
do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer
interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à
formação de monopólios e ao abuso de poder econômico visando ao aumento
arbitrário dos lucros [...] .(GRAU, 2001, p. 54).
É verdade que compete ao Estado
63
conciliar determinados setores do mercado
nacional, valendo-se de política de efetivo planejamento, com vistas a assegurar o bem-estar
coletivo, garantindo saúde, habitação, educação, alimentação, urbanização e solução para as
questões fundiárias etc., e também disciplinando, mediante o exercício do seu Poder de
Polícia, os setores nos quais a atividade econômica, embora exercida pelos agentes privados
em regime de competição, deva estar submetida a determinados controles para coibir abusos e
ineficiências em face, dentre outros, dos empregados, dos concorrentes, dos consumidores e
do meio ambiente.
Neste sentido, Dias (1991, p. 320) assevera que
tanto a liberdade de empresa, como de concorrência, não podem exercitar-se em
prejuízo dos legítimos interesses econômicos da população. O art. 5º, XXXII da
Constituição determina que o Estado promova a defesa dos consumidores e o art.
170, V, atribui a essa tutela nível de princípio da ordem econômica. É preciso então
conciliar a proteção dos interesses dos consumidores com a liberdade de empresa e
de concorrência.
A transferência das funções de utilidade pública do setor público para o privado, com
o fenômeno da privatização, atribui ao Estado poder crescente de regulamentação,
fiscalização e planejamento da atividade privada, antes por ele exercida. No Brasil, o
programa de reforma do Estado decorre da incapacidade de o setor público prosseguir como
principal agente do desenvolvimento econômico, sendo imperiosa a necessidade do
aprimoramento das funções reguladoras.
A retirada do Estado da prestação direta da atividade econômica não significa ausência
de intervencionismo estatal. Ao contrário, faz-se necessária a criação de mecanismos
desprovidos de subordinação, com autonomia perante as ingerências políticas, com funções
técnicas delimitadas, para que a prestação de serviços essenciais à população não fique ao
alvitre do interesse privado do fornecedor, cuja atuação muitas vezes não beneficia a
coletividade.
64
63
Por meio de seus três Poderes.
64
Esclareça-se que esse processo de substituição das formas de intervenção direta do Estado não é
peculiaridade brasileira, mas se trata de mudança ideológica e de reclassificação do papel estatal nos demais
países organizados de forma social democrata.
Para Ribeiro (1999, p.155-156),
os séculos IX e XX têm sido os palcos do progresso do Estado providência e, talvez
não coincidentemente, também espectadores de importantes crises nos planos social,
econômico e internacional. Todavia, à medida que se fez mais desenvolvido, o
Estado de bem-estar passou a exigir a aplicação de recursos cada vez mais
significativos, acompanhando-se ainda do acréscimo da demanda de sua atuação.
Chega-se, então, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, nos países
organizados de forma social democrata, a desequilíbrios das balanças comerciais,
desestabilização da moeda, aumento fiscal e de preços.
A difícil conciliação proporcional desses diferentes setores e princípios, imperiosos
para a ordem e para o desenvolvimento econômico nacional, não pode servir de justificativa
para a inércia da Administração, que resultaria em um extremo Liberalismo. Da mesma forma
que o Poder Público deve pautar a sua autuação no princípio da proporcionalidade, também
não poderá extrapolar os parâmetros previstos no caput do art. 174 da Constituição.
65
O princípio da proporcionalidade também compreende o princípio da subsidiariedade
que, na seara do Direito Econômico, sob o fundamento dos artigos 173 e 174 da Constituição,
impõe ao Estado que se abstenha de intervir e de regular as atividades que possam ser
satisfatoriamente exploradas e autorreguladas pela iniciativa privada. Em outras palavras, se
compatível com os princípios dispostos no art. 170 da Constituição, o Estado não pode
coarctar a livre iniciativa dos agentes econômicos; sendo incompatível, deve fazê-lo de modo
razoável e menos restritivo possível.
Essa é a regulação que se espera do Estado Democrático de Direito que tem, dentre os
fundamentos da República Federativa do Brasil, a livre iniciativa.
66
Dessa forma, apesar de o
bem-estar social e coletivo prescindir, para a sua manutenção, do intervencionismo público,
tal poder é também orientado às demais garantias constitucionais de desenvolvimento
econômico alicerçado nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Em outras palavras, a persecução do bem-estar social, apesar de exigir sempre certo
grau de intervenção do Poder Público, não podeser dissociada da idéia de subsidiariedade
enquanto princípio normativo. Se o Estado Democrático impõe a garantia das condições
básicas de dignidade da pessoa humana, a verdade é que isso não significa necessariamente
que tenha de ser apenas o próprio Estado a realizar este objetivo. (OTERO, 1998, p. 18-19).
Tanto quanto o princípio da subsidiariedade, o da proporcionalidade também
65
Art. 174 da Constituição, caput: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para
o setor público e indicativo para o setor privado”.
66
Art. 1º, IV, da Constituição.
compreende o princípio da razão pública, pelo qual a regulação administrativa não pode ser
justificada por razões ou interesses inerentes a grupos parciais. Por mais respeitável que seja a
minoria ou até a maioria interessada, seus anseios podem ser atendidos não em virtude
deles em si, mas por razões públicas atinentes a toda a coletividade.
Deve-se compreender, por fim, como inerente à proporcionalidade, o princípio da
diferença, pelo qual as liberdades econômicas e as desigualdades evidenciadas em sociedade
são admissíveis, se forem vantajosas aos mais desfavorecidos. (RAWLS, 1997, p. 80).
O princípio da proporcionalidade, se plenamente compreendido, impede que o Estado
Democrático se revista de um dirigismo totalitário e abrangente. Por outro lado, ao contrário
do que postulam os neoliberais, tal princípio demonstra que a livre iniciativa e a
autorregulação privada da economia são possíveis e compatíveis, mas com equilíbrio,
devendo-se criteriosamente aferir, caso a caso, se são melhores para a sociedade do que a
regulação estatal, que também, por sua vez, será mais ou menos rígida de acordo com os
mesmos princípios balizadores da Ordem Econômica.
É o princípio da proporcionalidade que autoriza o Estado a atuar sobre a economia
quando os agentes do mercado não satisfizerem ou agredirem o interesse coletivo,
harmonizado no disposto no art. 170 da Constituição. (BARROSO, 1990; SILVA,1998).
A dignidade da pessoa humana, enquanto referência determinante para aplicação do
princípio da proporcionalidade pela Administração, não se configura limite substancial ao
exercício do Poder Público, tratando-se, na verdade, de exigência positiva de intervenção para
garantir a manutenção da ordem econômica. Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade
pode e deve desempenhar o papel de critério funcional determinante de intervenções públicas
em distintos setores sociais ou econômicos, à medida que a dignidade da pessoa assim o exija.
Não existe um interesse público abstratamente considerado que deva prevalecer sobre
os interesses particulares eventualmente envolvidos. O método regulatório do Estado é bem
mais criterioso do que se poderia simplesmente entender da literalidade de “supremacia do
interesse público”:
O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela
Constituição que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade
estatal e de seus fins. [...]. Em vez de uma relação de contradição entre os interesses
privado e público há, em verdade, uma 'conexão estrutural'. [...]. A verificação de
que a Administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não
significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre
interesses públicos e privados. Interesse público como finalidade fundamental da
atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o
mesmo significado. O interesse público e os interesses privados não estão
principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de conflito. (ÁVILA,
1999, p. 111-112).
Destaque-se, ainda, que na complexa vida em sociedade não há apenas um interesse
público e nem um que seja predominante: vários, como a necessidade de melhoria e de
ampliação dos serviços, a acessibilidade das tarifas, as estratégias para estimular o
investimento estrangeiro, a atuação preventiva para maior e efetiva segurança jurídica etc.
Como esclarece Medauar (1992, p. 182),
a doutrina contemporânea refere-se à impossibilidade de rigidez na prefixação do
interesse público, sobretudo pela relatividade de todo padrão de comparação.
Menciona-se a indeterminação e dificuldade de definição do interesse público, a sua
difícil e incerta avaliação e hierarquização, o que gera crise na sua própria
objetividade.
O Estado, quando regula as atividades econômicas, deve buscar satisfazer os interesses
públicos fixados no ordenamento jurídico não um “interesse público” exclusivo e teórico –,
o que abrange, inclusive, os da própria Administração, os dos fornecedores de produtos e
serviços e os das diversas categorias de consumidores (enquanto pessoas jurídicas de Direito
Público e Privado, pessoas naturais, sujeitas ao e-commerce etc.), ainda que em aparente
conflito de objetivos.
Incompatível, diante dessa realidade, pretender o sacrifício de um interesse em
benefício de outro ou falar de primazia de um sobre outro. Interesses em confronto devem ser
ponderados, sem que haja sacrifício de algum, tanto quanto possível. Tal análise exige a
ampla apreciação de todos os fatores envolvidos, objetivando conciliação e sacrifício mínimo,
de acordo com o princípio da impessoalidade imposto para todos os setores da Administração
Pública.
67
Na aparente colisão de princípios, diversamente do que sucede com a aparente
colisão de regras ou entre regra e princípio, o que se deve buscar é a eficácia de
ambos, com limites de atuação, impostos um sobre o outro, e vice-versa, a fim de
que possa coexistir juridicamente e no mundo fático, ante a sua aplicação concreta.
(ALEXY, 1993, p. 87).
Sob esse convencimento se constata que a efetiva compatibilização da defesa do
consumidor com a livre iniciativa somente acontecerá mediante intervenção do Poder Público,
na busca de equilíbrio dos interesses decorrentes das relações de consumo.
4.1 A ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR
67
Constituição, art. 37, caput.
PRINCÍPIO DE ORDEM ECONÔMICA
A orientação econômica constitucional é literal ao estabelecer, consoante o art. 170, o
seu fundamento no princípio da livre iniciativa, condicionando-o, expressamente, à garantia
de existência digna à coletividade, de acordo com os ditames da justiça social.
Diante desse modelo de Estado liberal contido, tem-se que a satisfação das
necessidades econômicas da sociedade depende também da atividade empresarial, inclusive e
principalmente daquela de iniciativa privada, não obstante ser desenvolvida para a realização
do objetivo lícito de lucro, que é decorrente da aquisição de bens e serviços disponibilizados
ao dinâmico mercado de consumo.
Com fulcro no art. 170 da Constituição, nota-se, portanto, que os agentes econômicos
podem atuar livremente desde que não provoquem distorções prejudiciais aos anseios e à
justiça social ou fraudes capazes de causar danos à população.
Para que a livre atividade empresarial seja explorada dentro dos parâmetros
constitucionais, evitando-se abusos, impõe-se a regulação pelo Estado para a defesa do
consumidor, assim como para a realização dos demais princípios e garantias previstos no
referido art. 170.
Justifica-se o caráter cogente desse poder interveniente ao se constatar que o agente da
prática empresarial abusiva é, via de regra, o titular da posição dominante no respectivo
segmento econômico, pois, por suas condições de determinismo sobre o mercado, possui
força suficiente para alterar os rumos naturais da lei econômica da oferta e da procura, de
modo a fixar e a manipular preços e estabelecer condições predispostas.
Assim sendo, caso sejam evidenciadas práticas abusivas por parte do titular de posição
dominante, para a manutenção do imperativo constitucional de soberania nacional, de
cidadania, de dignidade da pessoa humana e, especificamente, de defesa do consumidor e de
função social da propriedade, mister se faz a firme regulação estatal para inibir a atividade
econômica monopolista, restabelecendo a dinâmica normal do mercado atingido.
Logo, à medida que um indivíduo vai se integrando na sociedade, a partir de seu
nascimento, vão se desenvolvendo outras necessidades que não simplesmente aquelas básicas
à sobrevivência, como alimentação e proteção. Seja o indivíduo pessoa sica ou esteja por
trás de uma pessoa jurídica, o fato é que, integrado à sociedade, ele precisará, até por indução,
de tudo o mais que o mercado de consumo possa lhe prover, na proporção de sua própria
integração, como fazer refeições a cada dia, trajar as vestimentas compatíveis com a situação
climática ou social em que se encontra etc.
A imposição de necessidades de consumo convence o indivíduo a satisfazê-las como
se o fossem condição de subsistência (ainda que não o sejam, propriamente dito), como
imprescindíveis para uma boa qualidade de vida, ou como meio de reconhecimento e de
integração social.
Em contrapartida, a impossibilidade de satisfação das vontades de consumo é causa de
sofrimento, de infelicidade, de ostracismo; em casos mais extremos, talvez essa frustração
seja a razão da prática de tantos atos impensados ou delituosos para suprir a desesperadora
carência do algo que tanto se quer.
Todas essas circunstâncias coagem o indivíduo ao consumo. Esta compulsão à
aquisição de bens é a base econômica do regime Capitalista.
68
Na inafastável realidade de dependência na qual se inserem os cidadãos, o Estado
garantirá maior segurança aos consumidores se incentivar a competição lícita na atividade
empresarial. Na busca da maior e melhor clientela, os empresários não medem e não medirão
esforços: tentarão ofertar os produtos e serviços mais adequados e seguros, permanecerão
atentos aos preços etc.
Por esse motivo, aquele que detém posição dominante em mercado, segundo
anteriormente esclarecido, e dependendo do grau de sua própria situação monopolística ou de
domínio em relação aos demais fornecedores, está em condição de superioridade tanto em
relação aos seus concorrentes quanto em relação aos consumidores que, manipulados pela lei
da oferta, têm prejudicada ou até mesmo suprimida a autonomia de vontade, submetidos aos
padrões muitas das vezes a eles impostos mediante práticas abusivas.
Para garantir que todos tenham existência digna conforme os ditames da justiça social,
o Estado tem o dever de intervir nas relações de consumo estabelecidas em mercado,
minimizando os efeitos nocivos dos atos abusivos que decorrem da atividade empresarial
monopolista, consequência de uma má compreensão do que se entende por livre iniciativa.
Além do arcabouço constitucional, o instrumental de intervenção do Estado na
economia advém de legislações específicas, como a própria Lei 8.079/90, que estabelece o
Código de Defesa do Consumidor, com as alterações decorrentes das Leis de 8.703/93,
68
Como exemplo: “Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a incentivar o consumo e
argumentou nesta terça-feira que a economia real pode ser contaminada pela crise se o trabalhador não
comprar por pânico ou medo de perder o emprego. ‘O que eu quero dizer é que ele corre o risco de perder o
emprego se ele não comprar. Não comprando, o comércio não encomenda para a indústria, a indústria não
produz, e não produzindo, não tem emprego’, disse Lula em cerimônia de premiação de práticas de gestão e
estudos sobre os programas sociais do governo.” Disponível em: <
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,
lula-incentiva-consumo-para-que-crise-nao-afete-economia-real,283487,0.htm> Acesso em: 27 jun. 2009.
8.884/94, 9.008/95, 9.298/96 e 9.870/99. Além do Código de Defesa do Consumidor e
alterações, subsídio à regulação do Estado na economia a Lei 8.137/90, que define os
crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo, bem como a Lei
8.176/91 e, notadamente, a Lei nº 8.884/94, que trata da prevenção e da repressão às infrações
à ordem econômica, com as alterações introduzidas pelas Leis de nºs 9.021/95, 9.069/95,
9.470/97 e 10.149/00.
A Lei 8.884/94, também para proteção do consumidor, promoveu a renovação e o
fortalecimento do sistema de defesa do mercado por meio da Secretaria de Direito Econômico
SDE, vinculada ao Ministério da Justiça, e do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – CADE.
A partir dessas mudanças, em parte estimuladas pelo Programa Nacional de
Desestatização, foram instituídos ou reformulados órgãos governamentais e agências
reguladoras, todos com atribuições ou poder de polícia ou de regulação, atuantes em
segmentos de mercado específicos, dentre as quais se destacam: Agência Nacional de Energia
Elétrica – ANEEL, pela Lei 9.427/96, com as alterações oriundas das Leis 9.648/98,
9.649/98 e 10.438/02; Agência Nacional de Telecomunicações ANATEL, pela Lei
9.472/97, com as alterações introduzidas pela Lei 9.986/00; Agência Nacional de Petróleo
ANP, pela Lei 9.478/97, alterada também pela Lei 9.986/00 e a de 10.202/01;
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, pela Lei nº 9.782/99, com as alterações
também feitas pela Lei 9.986/00; Agência Nacional de Saúde Suplementar, pela Lei
9.961/00, também com as alterações da Lei 9.986/00; Agência Nacional dos Transportes
Terrestres e Agência Nacional dos Transportes Aquaviários, pela Lei 10.233/01, com as
alterações introduzidas pela Lei 10.561/02 e Medida Provisória 2217-3/01. Essas duas
últimas integram o sistema de regulação dos transportes com o Departamento de Aviação
Civil – DAC.
4.2 A ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO PARA A DEFESA DA CONCORRÊNCIA
– PRINCÍPIO DE ORDEM ECONÔMICA
A liberdade de concorrência consubstancia-se na escolha da forma de competição com
os demais agentes que exploram a mesma atividade em mercado. Viabiliza-se pela liberdade
de circulação de outros importantes agentes econômicos, tais como os trabalhadores
assalariados, o estabelecimento, a prestação de serviços, o capital e os pagamentos (SANTOS;
GONÇALVES; MARQUES, 1995, p. 104-110).
O que fundamenta a liberdade de concorrência, segundo a doutrina, é,
invariavelmente, o direito de propriedade e o direito da personalidade, pois é justamente a
propriedade (material ou imaterial) que cria os atributos da atividade empresarial e há,
inegavelmente, incentivo estatal para protegê-la, inclusive da injusta concorrência. Em outras
palavras (e como consequência), pode-se afirmar que a legislação da proteção e defesa da
concorrência viabiliza o desenvolvimento econômico do país. Rosenberg (2008, p. 175)
esclarece:
Analisando a questão subjacente às normas de direito positivo, é possível afirmar,
sem deixar espaços para questionamentos, que a proteção à propriedade industrial
somente se justifica, pelo próprio texto constitucional, pelo incentivo ao
“desenvolvimento tecnológico e econômico do país”, expressão que deve ser
entendida como incentivo à inovação, escopo esse que coincide com aquele da Lei
de Defesa da Concorrência.
Sabe-se, todavia, que a concorrência explorada sem limites ou controle público que
evite as situações de abuso de posição dominante, impõe sérias restrições ao mercado, aos
consumidores e à economia, culminando, em casos extremos, com a eliminação de todos os
demais empresários que exploravam a mesma atividade econômica.
Para incentivo à boa concorrência e ao seu desenvolvimento, expediram-se leis para
prevenção e repressão à atividade dos empresários que se prevalecem do estado privilegiado
para, dolosa ou culposamente, prejudicarem os demais, de forma desleal.
Caracterizarão a chamada concorrência desleal as ações que podem causar prejuízos à
propriedade material dos outros empresários e das sociedades empresárias. É desleal o
concorrente que prejudica o nome empresarial do outro, a sua honra, o direito às criações
intelectuais, o sigilo (por meio de “espionagem industrial”), entre outros.
O regime de proteção da livre concorrência não é aplicado apenas e necessariamente
aos empresários de menor porte econômico. Também não se pode supor que o sucesso da
atividade de muitos advém de condutas desleais em mercado. Diversos fatores poderão
justificar tal preponderância: a) maiores investimentos no negócio; b) o emprego de
tecnologia; c) a implementação de estratégias de captação lícita de consumidores (melhores
produtos e serviços, publicidade, ofertas especiais etc.); e d) o exercício da atividade
econômica em campos geográficos diversos que proporcionam a facilitação do escoamento
dos bens fabricados e melhor acesso dos consumidores à aquisição de produtos e serviços.
A competição entre o empresariado deve-se orientar pelo princípio da boa-fé,
vedando-se, deste modo, atitudes que obstruam a entrada de outros empresários em um
mesmo setor econômico, bem como práticas desleais de captação de clientela ou de
esvaziamento da atividade do concorrente.
A livre concorrência, ademais, possibilita ao consumidor mais opções e estimula,
inclusive, o incremento tecnológico dos produtos e serviços ofertados, haja vista que os
fornecedores tendem a sempre querer superar os demais concorrentes, proporcionando o seu
melhor e mais adequado ao mercado de consumo.
4.2.1 A proteção do concorrente como consumidor equiparado
O cotejo da Lei 8.078/90 o Código de Defesa do Consumidor com as normas
que regulam a concorrência, especialmente a Lei nº 8.884/94 – Lei de Proteção e da Defesa da
Concorrência – e com a Lei nº 9.279/96 – Lei de Proteção à Propriedade Industrial, revela que
tais ordenamentos orientam-se para o fim comum de Ordem Econômica, de modo que se
justifica e impõe-se a aplicação conjunta dos preceitos ditos consumeristas com aqueles
concorrenciais.
É o diálogo entre essas fontes e a interpretação do art. 29, combinado com o preceito
do art. 4º, VI, ambos da Lei 8.078/90, que transforma o Código de Defesa do Consumidor
não apenas em instrumento de proteção aos adquirentes potenciais ou efetivos de produtos e
serviços mas, também, de tutela do mercado, como já verificado por Marques (2002, p. 294):
O potencial desta norma [art. 29 do CDC] ainda foi pouco explorado pelos agentes
econômicos presentes no mercado brasileiro, talvez receosos que um dia ela seja
usada contra si próprios. Na verdade, sua potencialidade ainda é quase desconhecida
e parece conter como único limite a idéia de prejuízo (direto ou indireto) para os
consumidores face à prática comercial abusiva. O art. do CDC, inciso VI,
estabelece como norma-objetivo do CDC, como princípio norteador da interpretação
do próprio art. 29, a “coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados
no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal”, desde que “possam
causar prejuízos aos consumidores”. Assim, um comerciante poderia exigir, por
exemplo, a abstenção de outro comerciante que está vinculando uma propaganda
enganosa no mercado (art. 37, § 1º) ou a nulidade de uma cláusula presente nas suas
condições gerais de venda, mesmo em contrato comercial (arts. 51 e54), alegando
prejuízo indireto aos consumidores (em verdade, ao mercado).
É cediço que o fundamento protecionista da Lei 8.078, de 11/09/1990, à pessoa do
consumidor é a realização da dignidade humana. É, portanto, escopo dessa lei evitar que o
consumidor, vulnerável por presunção legal, seja alvo de estratégias abusivas mercadológicas
por parte dos demais agentes econômicos.
Essa forma protecionista de tutela é especialmente relevante após o Programa
Nacional de Desestatização, criado pela Lei 8.031, de 12/04/1990, diante de uma
significativa maior presença da iniciativa privada em atividades essenciais ao conforto e bem-
estar da população, antes exclusivamente controladas pelo Poder Público, que torna o
mercado ainda mais competitivo à busca de maior lucratividade (haja vista a finalidade
precípua do exercício empresarial), às custas da completa sujeição do consumidor às práticas
gananciosas do fornecedor de produtos e serviços.
Considerando-se o contexto e as razões históricas que motivaram o art. 48 dos Atos e
Disposições Constitucionais Transitórias, para elaboração, pelo Congresso Nacional, em até
120 (cento e vinte) dias após a promulgação da Constituição, de um Código de Defesa do
Consumidor, entende-se por que a interpretação dos dispositivos da Lei 8.078/90 não pode
estar alijada da realidade econômica e mercadológica, tanto no âmbito nacional quanto
internacional.
A Lei 8.078/90 não constitui, portanto, tão-somente o direito substantivo e adjetivo
para a proteção do consumidor, sob o foco de sua condição humana e o consequente respeito à
sua dignidade, mas é, também, instrumento para a implementação de políticas públicas de
conscientização ao consumo, a fim de que as relações em mercado aconteçam de forma justa
e equilibrada, minimizando as desigualdades decorrentes de situação de abusos.
Não há que se falar que a proteção ao consumidor e ao mercado são interesses
paradoxais, antagônicos ou incompatíveis, como ainda defendem alguns fornecedores de
produtos e serviços. Consumidor, como sabido, é importante agente econômico, tanto quanto
o fornecedor, numa relação de total dependência econômica. Se não com base unicamente
nessa constatação experimental, note-se o disposto no referido art. 170 da Constituição,
arrolando os princípios da defesa do consumidor, da concorrência e da livre iniciativa como
imprescindíveis para a realização da pretendida Ordem Econômica e Financeira. Grau (2001,
p. 248) corrobora o entendimento exposto ao afirmar:
As regras da Lei 8.884/94 conferem concreção aos princípios da liberdade de
iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos
consumidores e da repressão ao abuso do poder econômico, tudo em coerência com
a ideologia constitucional adotada pela Constituição de 1988. Esses princípios
coexistem harmonicamente entre si, conformando-se, mutuamente, uns aos outros.
Daí porque o princípio da liberdade de concorrência assume, no quadro da
Constituição de 1988, sentido conformado pelo conjunto dos demais princípios por
ela contemplados; seu conteúdo é determinado pela sua inserção em um contexto de
princípios, no qual e com os quais subsiste em harmonia.
A equivocada noção de antinomia entre os princípios constitucionais antes referidos
haverá de ser resolvida por meio da ponderação casuística, consoante desenvolvido em
capítulo anterior.
Os princípios constitucionais da livre iniciativa e da defesa do consumidor devem
ser analisados de acordo com os limites impostos para cada qual, para a
harmonização do mercado e a consolidação do que estatui o texto constitucional. Na
aparente colisão de princípios, diversamente do que sucede com a aparente colisão
de regras ou entre regra e princípio, o que se deve buscar é a eficácia de ambos, com
limites de atuação, imposto um sobre o outro, e vice-versa, a fim de que possam
coexistir juridicamente e no mundo tico, ante a sua aplicação correta. Destarte, a
defesa do consumidor deve ser assegurada pelo Estado, que também deverá
assegurar, por outro lado, a livre concorrência empresarial, cujos limites se
encontram na tutela dos destinatários finais de produtos e serviços (SIMÃO FILHO;
LUCCA, 2004, p.181).
Não obstante o aparente confronto de interesses ante a premissa de que o direito do
consumidor tem por incontestável princípio a vulnerabilidade do consumidor, enquanto o
direito da concorrência parte do pressuposto de que os agentes econômicos estão em
igualdade de condições em mercado, sabe-se que ambos os sistemas são meios e têm por
finalidade a proteção do mercado de consumo.
Além do referido art. 170 da Constituição, destaque-se, ainda, a compatibilização
desses mesmos princípios a partir da diretiva disposta no art. 4º, III, do digo de Defesa do
Consumidor, de necessidade de “compatibilização da proteção do consumidor com a
necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico”. Assim,
No hay duda de que la existencia de un mercado competitivo es uno de los
mecanismos más eficientes para la defensa del consumidor. El incremento de
opciones de productos y servicios es lo que asegura la libertad contractual y
favorece el poder de negociación del individuo. (LORENZETTI, 2003, p.57)
69
.
Da mesma forma:
Celui-ci [droit de la concurrence], régit les rapports des entreprises les unes avec les
autres, il se situe donc en amont du droit de la consommation. Mais il existe, à la
frontière entre deux matières, un ensemble de règles qui appartiennent à l'une aussi
bien qu'a l'autre (ainsi l'interdiction de méthodes commerciales agressives). Plus
généralement, les règles du droit de la concurrence ont presque toutes des
conséquences pour les consommateurs, et réciproquement les règles du droit de la
consommation exercent souvent une influence sur la concurrence. La symbiose est si
étroite que, sans perdre leur identité, les deux matières pourraient être groupées dans
un ensemble qui serait le droit du marché. (CALAIS-AULOY;
STEINMETZ, 2003,
69
“Não há dúvida de que a existência de um mercado competitivo é um dos mecanismos mais eficientes para a
defesa do consumidor. O incremento de opções de produtos e serviços é o que assegura a liberdade contratual
e favorece o poder de negociação do indivíduo”.
p.18).
70
Como se vê, os mesmos fatores nocivos ao mercado (tais quais venda casada, prática
de preços abusivos, recusa de venda, entre outras) prejudicam, de um modo geral, os direitos
dos consumidores. As práticas coibidas pelas leis de mercado e pelas leis do consumo são,
com frequência, exatamente as mesmas. A correlação entre as legislações é incontestável na
medida em que um mau concorrente, por exemplo, é penalizado com a sua inscrição como
infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor (nos termos do art. 24, III, da Lei
8.884/94). Se não bastasse, para aplicação e gradação das penas a serem impostas ao mau
concorrente, no regime dessa lei, é relevante, entre outros fatores, o grau da lesão ou do risco
de lesão aos consumidores, como expresso em seu art. 27, inciso V.
Verifica-se, ainda, convergência entre a Lei 8.884/94 e a Lei nº 8.078/90 quanto aos
legitimados para “obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica”,
nos exatos termos do art. 29 da Lei nº 8.884/94, que se reporta àqueles mencionados no art. 82
da Lei 8.078: uma associação de defesa econômica (Departamento de Proteção e Defesa
Econômica DPDE) e de defesa do consumidor (Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor DPDC), ambos subordinados à mesma Secretaria de Direito Econômico
(SDE), a quem cabe, entre outras atribuições:
I formular, promover, supervisionar e coordenar a política de proteção da ordem
econômica, nas áreas de concorrência e defesa do consumidor; II adotar as
medidas de sua competência necessárias a assegurar a livre concorrência, a livre
iniciativa e a livre distribuição de bens e serviços; III orientar e coordenar ações
com vistas à adoção de medidas de proteção e defesa da livre concorrência e dos
consumidores; IV prevenir, apurar e reprimir as infrações contra a ordem
econômica; V examinar os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam
limitar ou prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercados
relevantes de bens ou serviços; VI acompanhar, permanentemente, as atividades e
práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante
no mercado relevante de bens e serviços, para prevenir infrações de ordem
econômica; VII orientar as atividades de planejamento, elaboração e execução da
Política Nacional de Defesa do Consumidor; VIII promover, desenvolver,
coordenar e supervisionar atividades de divulgação e de formação de consciência
dos direitos do consumidor; IX – promover as medidas necessárias para assegurar os
direitos e interesses dos consumidores; e X firmar convênios com órgãos e
entidades públicas e com instituições privadas para assegurar a execução de planos,
programas e fiscalização do cumprimento das normas e medidas federais. (BRASIL,
70
Esse [direito da concorrência] rege as relações das empresas entre si, e se situa, portanto, acima do direito
do consumidor. Mas existe, no limite entre estas duas matérias, um conjunto de regras que pertencem tanto a
uma quanto à outra (como a proibição de práticas comerciais agressivas). Mais genericamente, quase todas as
regras do direito da concorrência apresentam conseqüências aos consumidores, e, reciprocamente, as regras
do direito do consumidor, muitas vezes, exercem uma influência sobre a concorrência. A simbiose é o
estreita que, sem perder sua identidade, os dois assuntos poderiam ser agrupados num conjunto que seria o
direito do mercado”.
2007, Dec. nº 6.061, Anexo I, art. 17).
Ainda que existam falhas de comunicação e de integração entre os órgãos e as
autarquias de defesa da concorrência e de defesa do consumidor, que impedem um melhor
funcionamento do sistema de tutela da Ordem Econômica, é inquestionável a interligação e
interdependência dos sistemas.
uma tendência, no Brasil de confundirem-se as áreas de incidência de diplomas
diversos, como a Lei da Propriedade Industrial, o Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor e a Lei Antitruste, misturando-se os interesses diretamente protegidos
por estes diplomas. Por óbvio, a confusão muitas vezes se justificaria, considerando-
se que os bens jurídicos tutelados mediatamente por uma lei são protegidos de forma
direta e imediata por outra, não sendo difícil que se percam os contornos de uma
nítida individualização. (FORGIONI, 2005, p. 284).
Constata-se, então, que os fornecedores, para permanecerem em mercado, devem
necessariamente respeitar tanto os seus concorrentes quanto os consumidores. Compreender e
aplicar o Direito da boa concorrência permitirá ao empresário exercer e praticar atos de
concentração sem prejudicar, de forma ilícita, os demais que desenvolvem a mesma atividade
em mercado.
Com fornecedores cientes, ainda, dos direitos do consumidor, reduzir-se-ão os riscos
de prejuízos advindos de práticas abusivas não conhecidas como ilícitas antes da Lei
8.078/90, com reflexos repressivos e inibidores não das áreas administrativa e penal, como
em relação à própria perda de confiança da clientela, direta ou potencialmente lesada, para
vantagem dos concorrentes.
Não dúvida de que o empresário ético e responsável, nessas circunstâncias, obterá
os melhores resultados e, em movimento cíclico, desenvolverá ainda e cada vez mais a sua
atividade. A Lei 8.884/94 e a Lei nº 8.078/90, tidas por alguns como tendenciosas e
exclusivamente protecionistas ao mercado e ao consumidor, respectivamente, serão eficiente
instrumental de enriquecimento ao fornecedor que exerce empresa em respeito aos
concorrentes e de acordo com a Política Nacional de Relações de Consumo.
71
Cumpre ao Estado estimular os empresários, por meio de políticas públicas, ao
adequado atendimento às necessidades de seus clientes, com fulcro nas balizas da Lei
71
O art. da Lei 8.078/90, o digo de Defesa do Consumidor, dispõe sobre a Política Nacional de
Relações de Consumo, tendo por objetivo o atendimento da necessidade dos consumidores; do respeito à sua
dignidade, saúde e segurança; da proteção de seus interesses econômicos; da melhoria da sua qualidade de
vida, bem como da transparência e harmonia das relações de consumo, garantias estas balizadas em
princípios arrolados entre os incisos I e VIII do mesmo artigo.
8.884/94 e da Lei 8.078/90, a fim de que as estratégias de marketing, vendas, pós-vendas,
entre outras, sejam orientadas à realização da Ordem Econômica, o que representará diretos
benefícios a seus próprios estabelecimentos (como, por exemplo, a redução de despesas com
os litígios advindos das relações de consumo), sem falar dos indiretos, tais como a melhora da
imagem, da reputação e, consequentemente, das vendas.
Haverá, certamente, o empresário que não respeitará as diretrizes do Código de Defesa
do Consumidor e da Lei de Defesa da Concorrência, focando os seus atos com o fito único de
obter maior lucratividade à custa de ocultas práticas abusivas e nocivas ao mercado de
consumo, apostando na ausência de fiscalização ou na sua insuficiência, na morosidade do
Poder Judiciário e na possibilidade da realização de acordos a baixo custo e, até mesmo, no
fato de que poucos são os que buscam a Administração ou a prestação jurisdicional quando
prejudicados.
Esse tipo de fornecedor deveria ser excluído do mercado ou devidamente penalizado
porque, se assim não o for, lesará não os consumidores como também o empresário ético,
que perde clientela nas práticas abusivas, anticoncorrenciais e, portanto, antieconômicas, a
despeito do postulado no art. 170 da Constituição.
4.3 A ATUAÇÃO REGULATÓRIA DO ESTADO E A COMPREENSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO
Pode-se afirmar, a partir de ampla noção, que serviço público seria toda prestação de
natureza social pelo Estado, o que inclui desde as atividades econômicas, a jurisdição, a
segurança pública, o poder de polícia, a organização urbana e a própria regulação estatal. De
forma mais restrita, compreende-se por serviço público todas as atividades de conteúdo
econômico e revestidas de especial relevância social, cuja exploração, determinada pela
Constituição ou por lei, é de titularidade de um dos entes da federação que, de forma
permanente, assegura o seu acesso à população.
Justen Filho (2006, p. 508) classifica os serviços públicos em sociais, comerciais e
industriais e culturais. Sociais seriam aqueles serviços que satisfazem necessidades de cunho
assistencial, tal como educação, a assistência e a seguridade. A noção de serviços sociais
adotada no presente estudo é, naturalmente, mais ampla.
O mesmo autor (2003, p. 19) esclarece ser difícil estabelecer um conteúdo substancial
para a idéia de matéria ou atividade econômica. Destaca, ao menos, uma faceta econômica do
serviço público, haja vista que “envolve uma alocação de recursos materiais (escassos) para
satisfação de certas necessidades humanas. Como esses recursos materiais comportam
diferentes destinações, impõe-se escolher um destino para eles, dentre os diversos possíveis”.
Para o presente estudo, é relevante conceber serviço público em sua acepção mais
restrita, como espécie do gênero atividade econômica, aquela com referência no art. 175 da
Constituição: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
Portanto, serviço público é a atividade de produção e de oferecimento de utilidades essenciais
e coletivas, dotadas de valor econômico e, assim, passíveis de serem economicamente
exploradas.
Seja qual for o serviço público, dele não se extrai o seu conteúdo econômico e a
possibilidade de explorar tal atividade em termos econômicos, inclusive com a possibilidade
de obtenção de lucro.
Note-se que quando o Estado reserva para si, em regime de exclusividade, a prestação
de serviço público, exercendo-o por meio de empresa pública ou de sociedade de economia
mista, não tem que se discutir a evidente natureza econômica da prestação nem tampouco a
busca da lucratividade, finalidade que é inerente e justifica o exercício da atividade
empresarial
Nas palavras de Eizirik (1993, p. 7),
[...] houve uma evidente limitação às atividades empresariais desenvolvidas pelo
Estado; com efeito, a Constituição anterior, em seu art. 170, § 1º, estabelecia um
regime de suplementariedade ampla da iniciativa estatal sobre a privada. Na vigente
Carta, passou-se a um sistema de suplementariedade restrita, nos termos do art. 173,
caput, que reduz as hipóteses de atuação do Estado na economia, ao dispor
expressamente quais são os casos em que ela se justifica (segurança nacional e
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei).
É também atividade econômica do Estado o serviço público explorado por delegação à
iniciativa privada, ainda que sob regime público, na forma de concessionários ou
permissionários, sujeitos à Lei de Defesa da Concorrência,
72
seja na competição entre os
prestadores de serviços submetidos ao regime de Direito Público, seja entre estes e outros
submetidos ao regime de Direito Privado.
Por meio de concessão ou permissão é delegada a prestação de serviço público, antes
72
A Lei nº 8.884, de 11/06/1994, também conhecida como Lei Antitruste.
exercido diretamente pelo Estado, à iniciativa privada. Em outras palavras, o Estado deixa de
intervir de forma direta no domínio econômico, transferindo aos particulares (ao capital
privado) a tarefa de explorar bens e serviços de relevância pública.
Até o início do Programa Nacional de Desestatização, justificado no disposto do art.
173 da Constituição, entendia-se que o modo adequado e seguro de regular uma determinada
utilidade pública era reservar a sua exploração direta e exclusivamente ao Estado. Convencia-
se, a partir dessa premissa, de que a regulação da atividade era suficiente tão-somente por ser
o Estado o titular da prestação do predeterminado serviço público. Assim, uma vez que
submetido ao pleno controle estatal e por observância do princípio da estrita legalidade, o ente
encarregado de prestar o serviço já o faria – necessariamente – por interesse público.
Para a preservação da soberania, da ordem e da segurança, dos interesses nacionais,
garantia-se ao Estado a prestação exclusiva de serviços tidos por essenciais, como o são
aqueles de telefonia ou de transmissão e distribuição de energia.
No contexto de então, quando se pressupunha existir a regulação da atividade de
interesse público porque havia reserva de exploração ao Estado, não se justificava uma
separação entre quem regulava e quem efetivamente prestava o serviço, naturalmente. A
regulação, ou seja, a regulamentação, a política tarifária, o planejamento, a expansão, a
fiscalização etc. do serviço eram realizados pelo próprio Estado, enquanto prestador e
controlador do serviço de utilidade pública. Nessa confusão entre quem controla e quem
fornece o serviço público, próprio da prestação direta do Estado, vagos ou incertos são os
parâmetros de regulação ou eivados de interesses políticos, muitas vezes escusos.
Com a transferência da exploração dos serviços públicos à iniciativa privada, operou-
se a separação entre o prestador ou fornecedor e o regulador, que permanece exercendo a
atividade, mas de forma indireta. Inerente a essa divisão de atribuições é o regime público de
exploração dos serviços delegados à iniciativa privada, por meio da outorga de concessões ou
permissões. Para que não se desvirtue a finalidade de atendimento das necessidades essenciais
da população é imprescindível a efetiva regulação do exercício da atividade pública fornecida
pelo particular, que atua em regime de Direito Público. É por esse controle que o Estado
assegurará e preservará, de forma contínua, o cumprimento dos pressupostos autorizadores da
concessão ou da permissão. Frise-se que, independentemente de sua exploração pela iniciativa
privada, o serviço, em si, permanece de relevância social, razão pela qual deverá ser fornecido
de modo contínuo e geral, gradativamente extensivo a toda população, submetido aos mesmos
princípios da administração pública.
Destaque-se que o serviço público ora exercido por particulares estará sujeito tanto à
regulação de Direito blico, pelo ente outorgante, mediante controle hierárquico do Poder
Executivo, quanto ao vínculo contratual, que estabelece os termos da concessão, da permissão
e da autorização. Por essa razão, é lícito que as balizas contratuais regulatórias sejam bastante
claras e predeterminadas ao contratado, pois os deveres, sujeições e condicionamentos,
igualmente vinculantes, são próprios do regime da outorga de Direito Público.
Se a dicotomia de funções de prestação ou fornecimento e de regulação dos serviços
essenciais enseja profunda transformação no modo de execução, controle e fiscalização da
atuação pública, deixando mais transparente e, ao mesmo tempo, mais complexo, o exercício
da atividade econômica do Estado, a descentralização e a abertura da exploração, por sua vez,
oportunizam a competição entre concorrentes fornecedores de utilidade pública.
É sabido que a noção econômica de monopólio, enquanto atividade legal, é aquela
estritamente exercida pelo Estado, nos termos do art. 177 da Constituição,
73
não sendo
compreendida como serviço público, por si ensejador da reserva da sua prestação ao ente
estatal.
Havia uma concepção ideológica que restringia a exploração do serviço público em
regime de mercado sob a justificativa de que tal prestação envolvia uma gama tão essencial de
interesses que não se autorizava sujeitá-lo às vicissitudes das práticas concorrenciais.
Do ponto de vista jurídico se fundamentava a exploração exclusiva de atividade
econômica pelo Estado quando o serviço, de interesse coletivo, pudesse ter a sua prestação
prejudicada caso houvesse competição com atores não sujeitos ao mesmo rígido regime de
73
Constituição, art. 177: “Constituem Monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás
natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a
importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos
anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de
petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados
e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos
radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão,
conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. § - A União
poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I e II
deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei. § 2º - A lei que se refere o § disporá sobre: I - a
garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II - as condições de
contratação; III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União. § - A lei disporá
sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional. § - A lei que instituir
contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização
de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes
requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e
restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b; II - os recursos
arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás
natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados
com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes”.
regulação, ou seja, possivelmente mais dinâmicos às circunstâncias e estratégias de mercado
porque não atuantes sob a observância da estrita legalidade.
Defendia-se, também por razões econômicas, a inviabilidade da exploração dos
serviços públicos pelos particulares por incompatibilidade entre a livre iniciativa e as
regulações cogentes de limitação de preços, de obrigação de ofertas em área deficitárias etc., o
que fazia a atividade ser nada atrativa ao investimento de capital privado.
Em questionável base ideológica, jurídica e econômica fundamentou-se, portanto, o
entendimento de que, se a atividade se caracterizava como serviço público, era incompatível a
existência de diversos fornecedores, quanto mais oferecê-lo em regime de competição,
sujeitando-o às práticas de mercado.
Com a superveniência da Constituição de 1988, pelo restabelecimento da democracia e
diante da edição do Código de Defesa do Consumidor foi possível e necessário rever muitas
das concepções clássicas de serviço público.
De fato, a abertura ao mercado internacional e o consequente regime de concorrência
estabelecido com competidores ávidos pela conquista dos consumidores brasileiros afetaram
não só o modo de tutela das relações ditas de Direito Privado, senão também os postulados de
Direito Público, possibilitando à população, diante das novas referências e parâmetros
conhecidos, questionar inclusive a prestação dos serviços públicos. O desenvolvimento
tecnológico e seu barateamento, somados ao livre mercado, em regime de competição,
desconstituíram as bases ideológicas e econômicas que sustentavam a necessidade de
exploração centralizada de serviço público. Prevalecia, ainda, a justificativa jurídica para tal
restrição.
Pode-se, então, afirmar que a crise da tradicional concepção de serviço blico teve o
seu início nos anos 90 e, que por ser recente, ainda não se definiram seus parâmetros em base
sólida e segura. Concretamente, sabe-se que a noção hermética de serviço blico, que o
limita à função diretamente estatal, pode ser explorado do ponto de vista econômico, inclusive
com a pretensão de lucro, mantendo-se sob observância sua relevância social. Ao Estado
cumpre selecionar, por meio de outorga ou licença específica, quem doravante fornecerá, em
seu lugar, o serviço público à população, exigindo, todavia, que sua prestação esteja
subordinada a um regime de Direito Público, submetido ao controle estatal, sem estar alijada
das exigências de mercado, de suas responsabilidades para com os usuários/consumidores.
Não obstante a transformação da concepção de serviço público, persiste o
entendimento de que essa atividade, por ser socialmente imprescindível, autoriza que o Estado
reserve para si o poder de garantir a sua prestação continuada à coletividade, sem que isso
caracterize abuso ou totalitarismo frente a quem recebeu a concessão, a permissão ou a
autorização para explorá-lo.
Diante dessas considerações, tem-se que determinada atividade terá o status de serviço
público se preenchidos alguns requisitos para tal reconhecimento, a saber: são atividades que
autorizam a imposição de restrição de acesso a quem queira explorá-las; os prestadores ou
fornecedores estarão sujeitos à regulação do ente público outorgante; e, além do prestador ou
fornecedor direto, o serviço envolve solidariamente o ente público titular desta atividade
perante a sociedade, obrigando-o a assegurar sua não-interrupção e amplo acesso.
A ordem jurídica atual autoriza a população a exigir a prestação comprometida do
serviço público, conferindo a ela efetivo instrumental para responsabilização do Estado e do
fornecedor, caso a atuação não seja compatível com a dignidade da pessoa humana ou
desrespeite-a.
Essa mesma orientação a dignidade da pessoa humana torna indispensável ainda
outros compromissos na prestação de serviço público ajustado às necessidades da população
brasileira: pelo pressuposto da universalização, o fornecimento, dada sua utilidade, deverá ser
ampliado e generalizado, além de ser constante. Para tanto, é de se supor que o Estado
garantirá ao particular prestador e ao usuário carente o custeio de subsídios tarifários; e, de
forma específica para estímulo do permissionário, concessionário e autorizado, um prazo
mínimo razoável de exploração da atividade (que comporte investimentos de capital privado),
reserva parcial de mercado, e a segurança de equilíbrio econômico e financeiro do contrato
pelo qual o ente público outorgará a prestação do serviço.
Todas essas mudanças pós-anos 90 impuseram ao Estado um novo modelo de
regulação e de intervenção na economia.
Passadas quase duas décadas desde que iniciado o Programa Nacional de
Desestatização, constata-se que uma das maiores dificuldades é conciliar o cumprimento das
responsabilidades inerentes à prestação de um serviço público com o regime de competição
que se estabeleceu entre os permissionários, concessionários e autorizados, cujo objetivo é,
dentre outros, a obtenção de lucro. É o que se verifica, por exemplo, no setor de
telecomunicações, entre os fornecedores de telefonia fixa, móvel e internet, como também no
de energia elétrica e no de transporte (em todas as suas modalidades).
É de se notar que, nesses exemplos, um mesmo serviço público é prestado por
fornecedores distintos, muitas vezes em realidades díspares, próprias de um país com
dimensões e circunstâncias continentais. Não obstante, cumpre ao poder regulador do Estado
ainda incentivar para que haja concorrência entre os prestadores com vistas a acirrar a disputa
em mercado, o que, em tese, oportuniza inúmeros benefícios aos usuários/consumidores de
tais serviços.
Nesse contexto se depreende que o poder regulador do Estado não se limita à noção
clássica de função pública; que serviço blico é indiscutivelmente atividade econômica; que
o prestador e o regulador de serviço público são distintos, não se confundem, ainda que
solidariamente responsáveis; e, por fim, que concorrência e, portanto, competição entre os
prestadores/fornecedores de um mesmo serviço público.
5 A ATUAÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS
A intensa valorização da dignidade da pessoa humana como fundamento de ação do
Poder Público oportuniza severas mudanças nos padrões de relacionamento entre o Estado e a
sociedade, eis que se amplia a forma de atuação regulatória estatal, não obstante o Programa
Nacional de Desestatização,
74
e surgem poderosos instrumentos de controle também da
própria Administração, como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Defesa da
Concorrência.
75
A forma de atuação direta e indireta do Estado na economia precisa adaptar-
se às atuais necessidades sociais e, para tanto, é imprescindível rever seus instrumentos de
tutela, quando exercê-los e com que objetivos.
Esse resgate da proteção constitucional ao ser humano impôs, também, a revisão da
própria concepção de serviço público. De fato, a passagem do controle das empresas públicas
aos investidores particulares, por meio do referido Programa Nacional de Desestatização
iniciado nos anos 90, motivou a ruptura do modelo de exploração monopolista do Estado em
relação a atividades até então por ele apenas exercidas sob a justificativa de que seriam
essenciais à efetiva proteção e bem-estar da população.
A verdade é que a almejada Ordem Econômica, nos termos do art. 170 da
Constituição, e o modo como o Estado pretende exercê-la exigem criteriosa análise dos
74
Criado pela Medida Provisória nº 155, de 15/03/1990, convertida na Lei nº 8.031, de 12/04/1990, o Programa
Nacional de Desestatização reordenou a posição estratégica no Estado na economia, transferindo à iniciativa
privada atividades antes exploradas pelo setor público.
75
A Lei nº 8.078, de 11/09/1990, e a Lei nº 8.884, de 11/06/1994, respectivamente.
mecanismos de intervenção sobre a economia, sobretudo ao considerar que importantes
atividades empresariais seja pelo produto e pelo serviço que oferecem, seja pela vultosa
quantidade de consumidores/usuários dependentes, seja porque fundamentais à realização dos
postulados de segurança e de valorização da dignidade humana são agora titularizadas pela
iniciativa privada, cujo fim precípuo é a lucratividade.
A essa afirmação, Souto (2001, p. 7) acresce que
os programas de desestatização, capitaneados pelos processos de privatizações e
concessões e liquidação de empresas, buscam corrigir tais distorções, repensando o
papel do Estado e sua estrutura. Assume, ainda, especial relevância a função de
fomento, pela qual o Estado incentiva os particulares a desenvolver razões de
interesse público ao invés dele próprio incorporar estruturas à Administração para
empreendê-las. É a substituição do Estado do Bem-Estar pelo Estado-instrumento,
afinal, o Estado moderno é aquele que viabiliza o adequado atendimento dos
interesses da sociedade, mas não aquele que, necessariamente, os presta diretamente.
A transferência das funções de utilidade pública do setor público para o privado, com
o fenômeno da privatização, atribui ao Estado poder crescente de regulamentação,
fiscalização e planejamento da atividade privada, antes por ele exercida.
No Brasil, o programa de reforma do Estado decorre da incapacidade de o setor
público prosseguir como principal agente do desenvolvimento econômico, sendo imperiosa a
necessidade do aprimoramento das funções reguladoras. A retirada do Estado da prestação
direta da atividade econômica não significa ausência do intervencionismo estatal. Ao
contrário, faz-se imprescindível a criação de instrumental desprovido de subordinação, com
autonomia perante as ingerências políticas, com funções técnicas delimitadas, para que a
prestação de serviços essenciais à população não fique ao alvitre do interesse privado do
fornecedor, cuja atuação muitas vezes não beneficia a coletividade.
76
É um equívoco convencer-se de que a desestatização é um processo de desregulação
ou de redução da atividade regulatória do Estado. Ao contrário, modifica-se e elastece-se a
forma de atuação, sendo mister compreender a correta acepção do que deve e como deve ser,
76
Esclareça-se que esse processo de substituição das formas de intervenção direta do Estado não é
peculiaridade brasileira, mas se trata de mudança ideológica e de reclassificação do papel estatal nos demais
países organizados de forma social democrata. Para Ribeiro (1999, p. 155-156), “os séculos XIX e XX têm
sido os palcos do progresso do Estado providência e, talvez não coincidentemente, também espectadores de
importantes crises nos planos social, econômico e internacional. Todavia, à medida que se fez mais
desenvolvido, o Estado de bem-estar passou a exigir a aplicação de recursos cada vez mais significativos,
acompanhando-se ainda do acréscimo da demanda de sua atuação. Chega-se, então, sobretudo a partir da
segunda metade do século XX, nos países organizados de forma social democrata, a desequilíbrios das
balanças comerciais, desestabilização da moeda, aumento fiscal e de preços”.
atualmente, a regulação estatal.
Para fins do presente estudo, as diversas modalidades de intervenção do Estado no
domínio econômico haverão de ser compreendidas como regulação estatal. Nesse sentido,
sempre que o Poder Público intervém, direta ou indiretamente, para condicionar, restringir,
normatizar ou incentivar a atividade econômica, com o fito de preservá-la, assegurar o seu
equilíbrio ou atingir determinada meta, por meio de políticas públicas, está o Estado a regular
a economia.
77
Apesar de todos esses instrumentos regulatórios serem desde muito conhecidos,
mesmo em tempos de ditadura militar brasileira, a regulação estatal se manifestava ou pela
normatividade regulamentando uma série de atividades econômicas ou pela intervenção
direta no domínio econômico, com a exploração de atividade empresarial por meio das
sociedades de economia mista ou empresas públicas. Neste caso, a produção dos bens e
serviços era titularizada, diretamente, pelo Estado e proibia-se o exercício do mesmo objeto
empresarial à iniciativa privada, limitando-se – o Estado – a normatizar os demais fazeres que
não fossem defesos aos particulares.
O processo de reorganização da atividade do Estado na economia, obrigatoriamente
instaurado diante do colapso do seu modelo provedor (pelo déficit público, tecnológico e
ineficiência), oportunizou, como cediço, uma significativa redução de sua prestação direta no
domínio econômico. Note-se que, a partir de 1990, foi bastante significativa a passagem dos
serviços e utilidades públicas à iniciativa privada, também expressivo o número de vendas de
estatais, e não foram poucos os monopólios públicos suprimidos ou erradicados em favor da
iniciativa privada para serem exercidos em regime de livre concorrência.
Pode parecer paradoxal, mas é reconhecido, por outro lado, o aumento da prestação do
Estado nesses mesmos setores dos quais se retirou, quando os explorava diretamente, ou de
outros cuja atuação regulatória era prejudicada. É o que se verifica nos serviços de saúde
suplementar, de vigilância sanitária, do uso e da exploração de recursos hídricos, transportes,
entre outros. A dispensa de atividade direta do Estado em determinados segmentos deslocou a
sua atenção àqueles que remanescem sob sua responsabilidade, permitindo ao ente público
uma maior e melhor dedicação ao que era antes relegado.
Tem-se, então, que o afastamento do Estado da efetiva execução de algumas atividades
pelo consequente trespasse de sua exploração aos particulares, ao invés de importar em
77
Consoante esclarecimentos de Sundfeld (2002, p. 17 et seq.), a regulação estatal seria fiscalizar, planejar,
coordenar, orientar, coibir condutas nocivas, regulamentar e fomentar atividades econômicas.
efetivo descaso ou esquecimento da Administração, resultou em mais expressiva prestação
pública.
Conquanto seja mesmo razoável exigir a ampla regulação da iniciativa privada,
especialmente quando atuante na prestação de serviços e produtos essenciais aos
consumidores, é mister o aparelhamento do Poder Público para fiscalizar, adequar e punir a
fim de garantir que os serviços de interesse público, explorados por particulares, sejam
eficientes. E se não o Estado, quem mais poderá impor que o fornecimento de energia, de
telefonia, de pavimentação, de sinalização e de segurança das estradas, de educação etc.,
exercido por particulares, seja suficientemente realizado? Por esse pressuposto é mesmo
essencial a existência de órgãos públicos reguladores e independentes, com especial
capacidade fiscalizadora e sancionatória.
Ainda que tenha havido um aumento da disciplina dos serviços de interesse público,
exercidos pela iniciativa privada, compensando a diminuição da intervenção direta do Estado,
identifica-se uma forma inusitada de controle. A gestão de uma empresa pública, a título de
exemplo, cujo capital social era de titularidade da Administração, tinha por foco principal o
atendimento das necessidades sociais e coletivas; a atuação regulatória do Estado, nunca
insolvente, era igualmente direcionada para este fim. Com a superveniência das privatizações,
os interesses públicos devem ser conciliados e compatibilizados com aqueles dos sócios,
investidores, trabalhadores etc., sujeitos às vicissitudes mercadológicas, às estratégias da
concorrência e à falência. A regulação do Estado, dessa forma, sem perder a função de tutora
das hipossuficiências sociais, agrega, também, todos os demais interesses igualmente
dependentes do sucesso da atividade empresarial.
O novo modelo de atuação do Estado, enquanto ente regulador da iniciativa privada,
não pode mais ser exercido de forma imperialista, mas conciliadora.
Não se defende, aqui, a ideia de um modelo liberal extremo de Estado, quando o poder
público era orientado para garantir o pleno exercício da livre iniciativa, sem qualquer
limitador ou preocupação com aqueles que não estavam inseridos neste ciclo de produção.
Tampouco se pretende a perspectiva de um Estado social, no qual a atividade administrativa
seja exclusivamente exercida para prover, de forma direta, as necessidades da população.
Ao Estado contemporâneo, por sua vez, são requisitadas, sim, as funções de
equalizador, de mediador e de árbitro das complexas relações econômicas e sociais que se
estabelecem. Não se espera um Poder Público ausente e que não interfira nas atividades dos
particulares e, menos ainda, um provedor inconsequente à custa do esvaziamento de reservas
ou, pior, do endividamento. O Estado forte, eficiente, desenvolvido é aquele que, ativamente,
melhor harmoniza, de modo isonômico e indistintamente, os diversos interesses de seus
tutelados.
No Brasil, a busca desse perfil de exercício de poder soberano foi motivada e
impulsionada pela escassez de investimentos públicos para atender as necessidades cada vez
mais prementes da população, progressivamente mais participativa com o fim da ditadura
militar, com o resgate da democracia, e por terem emergido, com a desestatização, polos de
decisão econômica que transcendem e independem das estruturas administrativas do Estado.
Se não bastassem tais fatores de natureza política e comportamental, a conhecida era da
comunicação, possibilitada pela evolução tecnológica, torna as relações sociais e econômicas
mais dinâmicas e complexas, o que exige adequação do Poder Público.
É neste contexto que a noção de Estado autoritário e centralizador modifica a sua
forma de atuação e de regulação da economia.
Diante do restabelecimento da democracia é imprescindível que a atividade regulatória
seja permeável à participação da sociedade, como condição de manutenção da ordem aos
usuários de serviços públicos, às associações, às sociedades empresárias de capital privado
etc..
A compatibilidade dessa cooperação entre a Administração e os administrados
depende, por conseguinte, de um sistema jurídico não apenas apoiado na técnica legislativa
mas, principalmente, em princípios e conceitos transparentes e compreensíveis à sociedade,
não obstante as especificidades e características da população que se pretende e que se
permite regular.
A fim de viabilizar e organizar a gestão interativa e integrativa, surgem novos órgãos e
instrumentos de ação do Estado, pois para implementar o novo perfil de regulação se fazem
necessários instrumentos aptos a conferir ao Poder Público independência, autonomia,
especialidade e, principalmente, capacitação técnica.
A perspectiva de atuação regulatória cooperativa para mediação dos muitos e
complexos interesses envolve a escolha, pelo Estado, de agentes realmente habilitados, do
ponto de vista social e econômico, para o suporte dos serviços essenciais dos quais serão
agora prestadores. Além da melhor escolha, é dever do Estado fiscalizar e, se necessário,
intervir diretamente na prestação do serviço fundamental para proteger e implementar os
interesses dos administrados, de regra os vulneráveis e hipossuficientes dessa relação. Esse é
o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo cujas diretrizes estão sedimentadas
no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.
78
Essas duas atribuições do Estado, para fazer factível a atuação regulatória cooperativa,
não o autorizam a ser apenas um mediador passivo das relações sociais, impotente e reativo
frente aos interesses hipersuficientes. Independentemente de a atividade pública, após a
desestatização, ser necessariamente subsidiária em relação ao capital privado gestor, as
políticas públicas para a defesa da coletividade devem prevalecer e não ficar restritas ou
definidas unilateral e exclusivamente pelo fornecedor ou fornecedores do serviço.
As transformações sociais, políticas e administrativas experimentadas pelo Estado a
partir dos anos 90 determinam, por óbvio, uma atuação pública menos centralizadora e
unilateral, como era próprio do regime ditatorial e provedor. Em contrapartida, é mister que o
Poder Público assuma uma maior função mediadora entre os interesses dos
prestadores/fornecedores de serviços com aqueles dos usuários/consumidores, sem perder a
referência de seu dever de tutela e de segurança da população.
São, portanto, concomitantes duas notáveis e bastante sensíveis transformações da
atividade regulatória do Estado: pela desestatização, mudou-se a forma de intervenção, já que
a Administração não mais explora, diretamente, as utilidades públicas por meio da atividade
empresarial; e em decorrência dessa primeira mudança, o Estado também abrandou o seu
caráter autoritário centralizador para mediar e conciliar os interesses dos seus administrados
com os dos empresários prestadores de serviços essenciais ao bem-estar da população.
A postura contemporânea de atuação do Estado na economia se reflete, igualmente, no
que se compreende por serviço público e na sua forma de execução.
5.1 A ADEQUADA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO
Consoante anteriormente esclarecido, a regulação do serviço público experimentou
profundas transformações, e o desconhecimento das atuais peculiaridades que lhe são
inerentes dificulta a sua adequada prestação.
Pela importância estratégica, relevância econômica e social, muitas atividades eram
78
Dispõe o art. da Lei 8.078/90, o digo de Defesa do Consumidor, sobre a Política Nacional de
Relações de Consumo, tendo por objetivo o atendimento da necessidade dos consumidores; do respeito à sua
dignidade, saúde e segurança; da proteção de seus interesses econômicos; da melhoria da sua qualidade de
vida, bem como da transparência e harmonia das relações de consumo, garantias essas balizadas em
princípios arrolados entre os incisos I e VIII do referido artigo.
defesas à exploração da iniciativa privada, pois se compreendia não interessante relegá-las à
liberdade de mercado. Era essa a justificativa para que o Estado atuasse como prestador de
serviços públicos.
Observe-se que, sob esta égide, a finalidade da prestação do serviço público estava
muito mais direcionada aos interesses do Estado do que propriamente às necessidades do
usuário em si, que dele dependia ou deveria depender. Por esse equívoco de propósito é que a
regulação estatal limitava-se a ter por objeto o progresso tecnológico, a detenção de ativos
estratégicos, o controle sobre os vetores de desenvolvimento econômico ou a preservação da
soberania nacional.
As recentes mudanças sociais, econômicas e políticas, fulcradas na dignidade da
pessoa humana, deslocam o interesse finalístico do Estado de si próprio para o indivíduo, para
o destinatário do serviço público, assim reconhecido sem qualquer distinção entre os demais.
Essa alteração de viés é de todo relevante pois redireciona os pressupostos e objetivos da
regulação estatal. Adicione-se a esse novo panorama o reconhecimento legal de que o
indivíduo não é apenas usuário mas, também, consumidor de serviço público. Não se trata de
terminologias sinônimas. Os direitos e as garantias de um consumidor de serviço público são
consideravelmente maiores que aqueles de um usuário.
Na medida em que o serviço público não é mais exercido como função pública, ao
qual a população se submete, mas como utilidade econômica, mantida por contribuintes ou
pagantes, sua regulação tem por finalidade os interesses e direitos dos usuários/consumidores
e não pode, por sua própria natureza (pública), sujeitar-se às vicissitudes de um mercado
competitivo ou às negativas práticas concorrenciais.
A complexa conciliação desses direitos e circunstâncias foi agravada com a delegação
da prestação do serviço público ao operador privado, igualmente detentor de interesses
econômicos e garantias constitucionais, amparado pelos princípios da livre iniciativa e da
livre concorrência.
Cumpre ao poder regulador do Estado equilibrar, proporcionalmente, a competição dos
prestadores de serviços públicos com os pressupostos de continuidade e generalidade também
intrínsecos às utilidades essenciais coletivas.
A mediação proporcional dos interesses do Estado, do usuário/consumidor e do
prestador/fornecedor/empresário impõe o controle e a fiscalização dos serviços públicos em
diversos aspectos práticos, tão dinâmicos quanto as ações em mercado, muitas vezes não
compatíveis com os entraves burocráticos próprios da atividade estatal.
É com base nesse novo modelo de atuação do Estado e da exploração das utilidades
públicas que se justificou o surgimento de órgãos reguladores autônomos, quais sejam, as
agências reguladoras independentes, com a finalidade de neutralizar a atividade regulatória da
parcialidade do próprio Estado e de seu controle hierárquico, incompatível, por certo, ante sua
própria estrutura pública positivada, com a necessariamente ágil prestação de tutela às
dinâmicas relações de mercado.
5.2 A ATUAÇÃO ECONÔMICA DO ESTADO PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS
O Programa Nacional de Desestatização, fundamentado na Lei 8.031/90, com a
resultante retração da intervenção estatal em vastos setores da economia, não transferiu a
gestão das atividades de indubitável interesse público apenas ao bom senso da iniciativa
privada: ao Estado cumpre o poder regulatório dos serviços essenciais.
Para tanto, as agências reguladoras, enquanto autarquias de vanguarda diante do
tradicional aparato administrativo, com acentuada característica de independência decisória
normalmente colegiada e alta competência técnica, ditam normas de comportamento aos
operadores, fiscalizando-lhes as atividades e aplicando-lhes sanções, quando for o caso.
O mais curioso é que essas autarquias, para realizar a finalidade para a qual foram
constituídas, são dotadas de especial autonomia frente ao próprio Poder Executivo central, o
justificador de suas existências. Entretanto, segundo Lehefeld e Lehefeld (2008, p. 14),
percebe-se que a ampla autonomia das agências para o exercício de suas
competências, por si só, não garante a eficácia da regulação estatal. Na realidade,
essa estabilização do processo regulatório atualmente apresenta dificuldades, pois
enfrenta constante interferência do núcleo governamental devido ao tradicional
controle hierárquico exercido na esfera do Poder Executivo que, por vezes, em razão
de interesses político-partidários, tolhe indevidamente a atuação reguladora desses
órgãos administrativos.
O foco de atuação das agências reguladoras provém da proporcionalidade da relação
entre a Administração e a economia, orientado a partir da composição entre Estado produtor,
encarregado diretamente da gestão de unidades econômicas, e um Estado regulador que impõe
regras aos agentes econômicos, harmonizando-lhes as ações para evitar os abusos decorrentes
do Liberalismo, se compreendido de forma extrema.
O serviço público tradicionalmente concebido compreendeu ou compreende nova
conotação, depois do Programa Nacional de Desestatização, iniciado em 1990: caso seja
definido como aquele prestado em atividade exclusiva da Administração, cujo mero exercício
poderia ser delegado a particulares, terá sua atuação bastante reduzida; se, contudo, estendido
para todas as atividades, ainda que não exercidas exclusivamente pelo ente público, mas por
ele ordenadas, seu entendimento alcançará uma amplitude tal que impossibilitará a sua
delimitação, pois se poderão agregar ao conceito realidades bastante variadas.
Em outras palavras, essa dúvida é especialmente relevante ao pensar na abrangência
da tutela de Direito Público: ou serviço público é aquele titularizado pelo Estado em razão da
segurança e do bem-estar da sociedade, ou a noção deve compreender, também, as atividades
privadas, não titularizadas diretamente pelo Estado, mas de grande repercussão aos interesses
coletivos e que, por essa razão, necessitam de rígida e constante conformação administrativa,
sobretudo por meio de prévia autorização para serem encetadas, e periódica fiscalização
(CHRÉTIEN, 2002, p. 497-500).
Pelo que se depreende do art. 175 da Constituição, as atividades qualificadas como
serviços públicos serão prestadas diretamente pelo Poder Público ou pela iniciativa privada,
concessionárias ou permissionárias, que dele recebam a competente delegação, na forma da
lei. O art. 175 não faz nenhuma referência às atividades privadas ordenadas pelo Estado
mediante autorização.
o art. 21 da Constituição, pelo disposto nos incisos XI e XII, trata da prestação,
diretamente pela União ou, de forma indireta, mediante autorização, concessão ou permissão,
dos seguintes serviços: de telecomunicações, de radiodifusão sonora e de sons e imagens; de
serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água; de
navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; de transporte ferroviário e
aquaviário entre os portos brasileiros e fronteiras nacionais; de transporte rodoviário
interestadual e internacional de passageiros; e de portos marítimos, fluviais e lacustres.
Desse modo, ao permitir a prestação de serviços por meio de autorização, a
Constituição inclui, entre e como serviços públicos, atividades que não são autorizadas pelo
Poder Público. Sabe-se que apenas a concessão e a permissão transferem a particulares a
execução de serviços públicos de titularidade estatal. As autorizações, ao contrário, são
instrumentos de ordenação pública de atividades de titularidade privada (MEIRELLES, 2009.
p. 190).
Em razão, então, desse contexto constitucional que eleva ao status de serviços
públicos as atividades meramente autorizadas, compreende-se como tal todas aquelas de
interesse da coletividade, tornando-as também sujeitas aos princípios da continuidade e da
universalidade, sejam elas titularizadas pelo Estado, sejam pela iniciativa privada.
Constata-se, ainda, deparando-se com as relações de consumo atuais, que mínimas são
aquelas que envolvem apenas o interesse privado e restrito de alguns. É impossível quantificar
quem são os atingidos pela oferta e pela publicidade de produtos e de serviços, direta ou
indiretamente. Sabe-se que são muitos. Dá-se, então, contorno de interesse público às relações
que são privadas, em sentido subjetivo (GONÇALVEZ, 1999, p. 21-22).
Ortiz (1999, p. 243), por seu turno, justifica ser necessária a “regulação econômica”
desses fazeres ditos privados, mas de evidente interesse público, que incidem sobre setores
inteiros, sobre a entrada e a saída da atividade, afetando o contexto e o desenvolvimento: a
linha de produção, o mercado ou os múltiplos mercados, nos quais os produtos ou serviços
serão disponibilizados, os preços que serão praticados etc. Essa forma de regulação acontece,
portanto, em relação às atividades especialmente disciplinadas ou submetidas ao Poder
Público, não apenas para limitá-las ou condicioná-las, mas também para organizá-las
internamente.
Essa imprescindível regulação econômica não significa que exista incompatibilidade
com o princípio da livre iniciativa, haja vista que a liberdade constitucionalmente tutelada é
aquela orientada para a realização dos interesses coletivos sociais e econômicos.
E, como não poderia ser diferente, é o princípio da proporcionalidade que balizará a
livre iniciativa diante dos interesses coletivos sociais e econômicos, zelando para que não se
busque o bem difuso por meios excessivamente onerosos aos valores da atividade privada,
igualmente albergados pela Constituição.
A dificuldade é que a finalidade reguladora das Agências fica prejudicada por uma
série de incompatibilidades que, passados quase vinte anos, ainda não foram resolvidas:
existem conflitos ou divergências entre a regulação setorial (vigilância sanitária,
telecomunicações, energia, petróleo etc.) e a regulação geral da economia (relações de
consumo e antitruste). A articulação entre essas duas esferas de regulação, como se não
bastasse o problema ensejado pela própria relação entre uma e outra, envolve também alguma
dificuldade com o sistema federativo brasileiro. Ressalve-se que nos EUA, diferentemente do
que ocorre no Brasil, a regulação setorial é em grande parte exercida pelos Estados federados,
enquanto a regulação geral é exercida pela União.
Outro aspecto diz respeito ao alcance do exercício de poder normativo ou quase-
legislativo e de poder de composição de conflitos ou quase-judicial das agências reguladoras.
Os limites dessas atribuições devem ser perscrutados em face de sua relação com o sistema
constitucional de tripartição de poderes, especialmente no que se refere à noção de equilíbrio
que dele deriva, de maneira a serem evitados abusos no manejo dessas funções cujo exercício
se defere atipicamente.
Uma terceira questão merecedora de atenção especial é a possibilidade de incidência
regulatória diversa entre os agentes econômicos que competem na exploração de uma mesma
atividade pública. Essa questão deve ser cotejada com os conceitos próprios de Direito
Administrativo, que, como cediço, preza pelo tratamento isonômico dos administrados.
Também haverá de ser considerada a utilização crescente da atividade arbitral como
parte da atuação regulatória. Seria incompatível a sua aplicabilidade com o perfil tipicamente
autoritário da atividade administrativa.
Para Medauar (1992, p. 202), “a atividade de consenso-negociação entre poder público
e particulares, mesmo informal, passa a assumir papel importante no processo de identificação
e definição de interesses públicos e privados, tutelados pela Administração”.
Com a introdução da competição, conflitos surgem com invariável frequência. Vale
aqui mencionar a possibilidade de prática concorrencial predatória entre os prestadores de
determinado serviço e o exercício abusivo de posição dominante. A quem submeter essa
análise? Ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE ou à Agência
Reguladora responsável pelo setor prejudicado?
São entraves como esses que justificam a inércia do Poder Público ante a necessidade
de efetivamente regular as atividades econômicas de interesse da população. O Estado nega a
devida prestação e proteção coletiva por existirem dúvidas quanto à competência, abrangência
e efetividade das medidas que deveriam ser preventivamente tomadas.
6 A TUTELA DOS INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS
A mudança de paradigma de defesa do indivíduo para o cuidado coletivo não poderia
deixar de refletir-se também nas relações sociais reguladas pelo Direito. As concepções
jurídicas mais tradicionais, concebidas perante uma sociedade quantitativamente diminuta e
oligárquica, tinham por foco as situações de confronto entre indivíduos isolados, ou dispostos
em seletos grupos bem definidos.
A transformação mundial tornou-se irreversível, dando lugar a novas ordens
econômica e social. A ciência jurídica não poderia ficar indiferente, ainda mais
diante dos graves problemas enfrentados pela coletividade. O modelo individualista
foi cedendo espaço para uma visão coletiva do fenômeno jurídico. A mera tutela
individual privada ou pública não respondia à complexidade das relações
estabelecidas. (SANTANA, 2009, p. 168-169).
Com inspiração em Montesquieu, do Poder Legislativo se esperava exclusivamente a
disciplina, do Poder Judiciário a declaração dos direitos e obrigações atribuídos em termos
bem precisos e a titularidade identificável, fosse único ou inserido em grupo conhecido e
delimitado de indivíduos, tanto nas vicissitudes jurídicas propriamente particulares como
naquelas situações que envolviam o Poder Público, representado pelo Estado, ele próprio
tratado e convertido, pela técnica, em pessoa singular com direitos e deveres.
Não obstante não ser novidade esse viés de interesse difuso e sua notória influência
nas leis ambientais, percebe-se que, naquelas pertinentes às relações de consumo, de proteção
da concorrência e outras, ainda se faz presente um ranço individualista na análise e na
interpretação dos instrumentos ou entre aqueles que exercem o Direito. A tutela que se espera
não é mais aquela exclusivamente focada em uma pessoa ou no conjunto restrito do qual ela
faça parte, como acontece em um condomínio ou na pluralidade de credores de uma única
obrigação.
O Direito é hoje eficaz se principalmente destinado a guardar uma série indeterminada
de interessados, aplicado mesmo sem saber quem ou quantos são exatamente os indivíduos
efetivamente tutelados, ou que almejam tutela. A partir do momento em que existiram
mudanças na concepção da produção que passa a ser em massa (influenciada pelo
Fordismo),
79
os instrumentos contratuais foram, igualmente, adaptados pelos fornecedores,
com o fim de atender à nova super demanda industrial, ofertando-se contratos de adesão. Ora,
não cabe aqui discutir todas as vicissitudes que decorrem dos contratos de adesão,
80
por
justamente restringirem os direitos dos consumidores. Entretanto, é a ciência desse modelo
massificado e suas inegáveis consequências que justificam a necessidade da tutela
jurisdicional a atender aos anseios coletivos dos cidadãos expostos às praticas empresariais.
79
Segundo Nunes (2005, p. 4), “esse modelo de produção industrial, que é o da sociedade capitalista
contemporânea, pressupõe planejamento estratégico unilateral do fornecedor, do fabricante, do produtor, do
prestador de serviços etc. Ora, esse planejamento unilateral tinha de vir acompanhado de um modelo
contratual. E este acabou por ter as mesmas características da produção”.
80
O surgimento e a evolução do contrato de adesão estão presos à evolução dos fatores econômicos a partir do
século XIX. A concepção mística do contrato, presa ao mito iluminista da liberdade e da igualdade dos
indivíduos, deu ensejo a que se verificasse um verdadeiro hiato entre ela e a realidade, sujeita diretamente à
força do fenômeno econômico. (FONSECA, 1995, p. 33).
Nessa comunhão indivisível, a satisfação do que diz respeito a um é, necessariamente,
a satisfação de todos; em contrapartida, o que é lesão de direito para um também o será à
coletividade.
As circunstâncias do homem contemporâneo em sociedade são de efeito mundial,
maciças, interativas e rapidamente manifestadas pelos meios de comunicação social. Os temas
relacionados à defesa do meio ambiente: a proteção da flora e da fauna, a sustentabilidade, o
combate à poluição aérea, sonora e visual, a racionalização do desenvolvimento urbanístico,
entre outros, são todos de interesse global, ainda que seus impactos sejam limitados, muitas
vezes, a pequena área ou a lugar longínquo ou a restrito grupo de pessoas.
Não menos relevantes são as preocupações ligadas aos valores culturais e aos
espirituais, como a segurança do acesso às fontes de informação, a difusão desembaraçada de
conhecimentos técnicos e científicos, a manutenção de condições favoráveis à liberdade de
expressão e de culto, a conservação dos monumentos históricos e artísticos, dentre outros.
Também no âmbito da proteção ao consumidor exige-se a honestidade da oferta e da
publicidade, com a proscrição de produtos que sejam nocivos à saúde, estabelecendo medidas
preventivas de segurança, assim como a regularidade e a eficiência na prestação de serviços
essenciais.
81
Fiorillo (1995, p. 94) argumenta que as disposições constitucionais não são meras
normas programáticas ou enunciação de princípios, mas o amparo legal aos direitos difusos:
De qualquer maneira, no âmbito da presente tese, demonstraremos que, em face da
definição existente no sistema jurídico em vigor, os direitos difusos possuem
amparo, antes de mais nada, na Carta Magna, fonte maior do Direito. Embora
tenham sido apontados em nossa dissertação de mestrado, defendemos a idéia de
que a Constituição Federal de 1988, editada em momento posterior, é hoje a mais
importante fonte de direito substancial protetora de direitos difusos.
Tantos mais direitos e interesses semelhantes seriam acrescidos facilmente à tutela
coletiva e não podem, igualmente, ser olvidados de tutela pela ordem jurídica. E,
independentemente de existirem ou não legislações expressas de proteção, com fulcro em
princípios constitucionais cumpre à doutrina e, sobretudo, à jurisprudência solucionar
eventuais impasses, dizendo o direito, determinando as balizas e apontando as diretrizes à
sociedade e ao Estado.
Melhor dizendo, cumpriria, pois, ainda que haja o inegável reconhecimento da
81
São todos deveres arrolados apenas a título ilustrativo, pois, em todas as atividades fornecidas no mercado de
consumo brasileiro, a proteção do consumidor deverá ser garantida ainda que hipoteticamente, uma vez que é
dever do fornecedor conhecer os riscos inerentes dos produtos que oferta e disponibiliza.
relevância jurídica dos valores protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor que dizem
respeito a um número indeterminado de pessoas, nega-se a devida tutela responsável sob a
infundada justificativa de ausência de meios próprios e eficazes de vindicá-los difusamente
em juízo ou administrativamente.
Uma vez que a todos é garantida a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a
propriedade,
82
a viabilidade do dever de proteção e de fiscalização desses direitos, em um
Estado Democrático, é necessariamente de interesse difuso e haverá de ser exercida pelo
Poder Judiciário, haja vista os deveres que lhe são constitucionalmente atribuídos.
Todavia, a efetividade desse sistema de proteção judicial é atravancada, quase sempre,
em seu início e por aspectos de natureza meramente formal, como a questão concernente à
legitimidade para agir: a quem deve ser reconhecida a legitimidade para formular um pedido
de ação?
Quando se pretende a satisfação de um direito subjetivo individual, a resposta é
intuitiva, primária e imediata, sem que haja necessidade de qualquer cnica jurídica para
conhecê-la: se alguém se sente lesado por outro que não lhe pagou o empréstimo, ou que
danificou bem de sua propriedade, o bom senso indica que é o próprio prejudicado quem
deverá requerer a cobrança, a restituição ou a reparação de perdas e danos.
O entrave à adequada prestação jurisdicional é manifestado quando o bem lesado é,
por exemplo, uma valiosa obra arquitetônica ou de arte, um bosque, uma nascente ou a
liberdade de escolha viciada por informações tendenciosas ou insuficientes.
O critério jurídico tradicional, processual, exigiria relação direta entre o fato e a pessoa
ou, melhor explicando, uma repercussão direta daquele fato no âmbito particular da pessoa,
como no caso de quem emprestou o dinheiro e não o recebeu novamente, ou teve a sua
propriedade violada.
Com base nesses parâmetros, só poderia buscar a tutela de seu direito o proprietário da
preciosa obra danificada; talvez aqueles que frequentavam o bosque desmatado e destruído; e
os que foram comprovadamente induzidos e, por esse motivo, experimentaram algum
prejuízo de ordem material.
Entretanto, pelo disposto no art. 5º, LXXIII, da Constituição, sabe-se que qualquer
cidadão
83
poderá formular pedido de Ação Popular com o intuito de anular o ato lesivo “ao
82
Nos termos do caput do art. 5º da Constituição.
83
De acordo com a Lei nº 4.717, de 29/06/1965, a prova da cidadania se faz com o título eleitoral ou
documento que a ele corresponda (art. 1º, § 3º)
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
84
Importante destacar que patrimônio público, neste caso, não são apenas os bens de
propriedade da União, dos Estados e Municípios, mas também os direitos de valor econômico,
estético, histórico ou turístico.
Portanto, sob fundamento constitucional, possibilidade de um indivíduo formular o
pedido de ação não apenas para benefício particular, mas para proveito da coletividade, da
qual se faz representante.
Não obstante, independentemente da existência desse instrumento garantido pela
Constituição, os resultados por ele não são profícuos.
O cidadão consciente é desmotivado diante do vulto das despesas,
85
pela
complexidade das circunstâncias que geralmente envolvem o fato, pela ausência ou absoluta
carência de conhecimentos técnicos ou pelo poder político e econômico dos adversários.
Ainda que não alusiva ao autor do pedido de ação, outra dificuldade diz respeito ao
tipo de tutela que será oportunizada pelo Poder Judiciário. Uma vez consumada a lesão aos
bens de competência guardados à Ação Popular, é difícil conceber a devida restauração e não
prestação pecuniária que logre compensar adequadamente o dano causado ao objeto de
interesse coletivo. Como recuperar uma obra de arte destruída? Como realocar os animais
afugentados pelo desmatamento? De que forma esclarecer e conscientizar todos aqueles que
foram induzidos ou ideologicamente deformados durante determinado programa televisivo ou
campanha publicitária?
Nenhuma Corte, por mais lúcida que seja a decisão, conseguiria restabelecer prejuízos
desta natureza e monta. Não parâmetros nem referência de quem e quantos foram, são e
serão realmente prejudicados.
86
Não há valor que pague.
Saliente-se ser, também, considerável ofensa ao interesse público aquela resultante da
inércia de quem tinha o dever de atuar. Quando tal obrigação é prerrogativa do Poder Público,
a execução de qualquer medida de responsabilização penal, civil ou administrativa é
inexpressiva ou nula.
84
Por patrimônio público se entendam os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou
turístico (art. 1º, §1º, da Lei nº 4.717/65).
85
Mesmo constitucionalmente isento dos custos judiciais para distribuição do pedido de ação e do risco da
sucumbência, sabe-se que o conhecimento técnico e a produção de prova também poderão significar valores
bem expressivos.
86
A sustentabilidade solidariza a humanidade a pensar nas gerações futuras que poderão ser prejudicadas por
atitudes ou omissões presentes.
Se a Municipalidade, a título de exemplo, se dispôs a demolir, sem justificativa,
edificação de valor histórico e artístico, podeo cidadão, por meio da Ação Popular, impedir
o ato. Existem muitas outras e mais frequentes situações de lesão ao patrimônio histórico e
artístico advindas da omissão do Poder Público que não podem ser resolvidas por esse
instrumento processual: a ausência de reparos dos monumentos, o desleixo na preservação e
no tratamento das águas, a formação das favelas e todas as consequências perversas que delas
advêm, como outros exemplos, são todos igualmente prejuízos ao patrimônio público.
É verdade que o elastecimento das possibilidades de iniciativa ao cidadão poderia se
fazer acompanhar de certos riscos. Não é infundado um receio de que inúmeros pedidos de
ação, neste caso, pudessem agravar ainda mais a já precária prestação jurisdicional. Seja como
for, seria, então, mais razoável estabelecer restrições precisas para desestimular os pedidos de
ação levianos, políticos e temerários.
A fixação de limite técnico ao julgamento poderá significar mais ou menos pedidos de
ação, a depender dos efeitos de jurisdição. A problemática da maioria dos litígios levados em
juízo pode interessar e, de regra, interessa, de modo igual, a grande número de pessoas,
muitas das quais permanecerão estranhas ao pedido de ação e, como resultado possível, dos
efeitos do julgado.
Como atualmente as relações são massificadas, o que foi decidido pelo magistrado em
relação a um necessariamente também será de interesse ou relevante aos demais, muito
embora tal manifestação seja incompatível com a regra clássica processual, segundo a qual a
sentença só é vinculante àqueles do polo ativo e passivo do pedido de ação.
E se extensivo fossem os efeitos da sentença desse um a todos os demais interessados,
por questão de celeridade da prestação jurisdicional ou para desafogar os tantos pedidos
fundamentados sob uma mesma causa, o primeiro poderia prejudicar todos os demais se a
negativa do seu direito fosse decorrência de inépcia, desídia ou mesmo má-fé, efeito do
conluio das partes em aparente litígio: não seria devaneio imaginar a hipótese de
improcedência de um primeiro pedido de ação que por proposital omissão de provar fatos
essenciais – barrasse, em definitivo, a chance de Direito dos outros interessados.
Felizmente a Lei da Ação Popular (nº 4.717/1965) evitou esse tipo de manobra ao
dispor, em seu art. 18, que o resultado do pedido é vinculativo a todos quando o juiz o julga
procedente para anular o ato ou improcedente para declará-lo legitimamente praticado. Se o
pedido é julgado improcedente por deficiência de prova, qualquer cidadão poderá reformulá-
lo sob idêntico fundamento, valendo-se de nova instrução.
A execução dos instrumentais de defesa coletiva pode parecer surreal e é chocante
para as compreensões mais rotineiras, acomodadas no tradicional modelo de jurisdição
individualista, sob a justificativa de ser incompatível a idéia de que uma pessoa ou
organização, sem insurgir-se por problema que lhe afete diretamente, sem repercussão
imediata em sua própria esfera jurídica, sem alegar a ocorrência de dano individualmente
mensurável, vá pedir providências em juízo quanto ao comportamento alheio, ativo ou
omissivo, público ou privado, que seja prejudicial à coletividade.
O Direito individual e patrimonialista é resultado da vida em sociedade, impregnada
de egoísmo, e ainda não concebe que alguém se possa deixar mover por interesse que não seja
pessoal. Por esse motivo, os bens e valores que não pertençam, ou não possam
individualmente pertencer a quem quer que seja, raramente estarão representados e bem
ponderados nas decisões políticas, administrativas e judiciais, sendo difícil (para não afirmar
impossível) supor a eles alguma forma razoável de tutela.
A defesa dos interesses difusos em juízo (por meio dos pedidos de ações coletivas) é
adequada e compatível à sociedade contemporânea. Não forma mais econômica e
preventiva de atuação do Poder Público, responsável pela ordem e segurança da população.
Há quase meio século já se disponibiliza esse tipo de instrumental e ainda hoje sua efetividade
é reclamada pelos estudiosos do Direito, pois permanece inexpressiva a sua aplicação.
6.1 DAS AÇÕES COLETIVAS
Para efetiva proteção dos interesses do consumidor, mediante a interpretação literal
dos artigos 81 e 91 da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – percebe-se que o
legislador objetiva a tutela não apenas individual, mas a título coletivo, da sociedade de
consumo e disponibiliza, para tanto, os meios necessários para a defesa inclusive processual
coletiva dos consumidores. Sobre a importância da tutela coletiva estabelecida no Código de
Defesa do Consumidor, Mancuso (2004, p. 55) explica:
O processo coletivo, por sua notória aptidão para resolver com menor custo e
duração conflitos de largo espectro, próprios de uma sociedade de massa, por certo
vem somar ao esforço que hoje se desenvolve para a consecução de um novo
modelo, onde uma resposta judiciária possa resolver os mega-conflitos, em modo
isonômico, antes que eles se fragmentem em multivárias ações individuais.
Desse modo, com alguma notória influência da class action norte-americana, a ação
civil pública, disciplinada pela Lei 7.347, de 24/07/1985, em parte alterada desde a sua
vigência, inclusive pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, é instrumento de proteção
dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Difere esta ação daquela norte-americana principalmente no tocante à legitimidade
ativa. De fato, na class action qualquer interessado poderá formular o pedido de ação para a
sua proteção e da determinada classe ou categoria de pessoas na qual se insere, e a
consequente decisão terá efeitos erga omnes. Já no modelo de ação brasileiro, serão
legitimados a formular o pedido apenas aqueles que assim a lei autorizar.
Outra diferença é que na class action o juiz competente verificará os requisitos de
representatividade, ou seja, analisará se quem se diz representante é adequado para também
defender os interesses da classe ou de determinada categoria, enquanto para o Direito
brasileiro somente as entidades por lei expressamente legitimadas poderão formular o pedido
de ação coletiva.
Serão tutelados por esse instrumental os interesses ou direitos transindividuais e os
individuais homogêneos, aqueles inerentes ou vinculados a uma pessoa, de natureza divisível
e de titularidade plúrima, decorrentes de natureza comum. O fato de serem idênticos a todos
(ou homogêneos) e possuírem uma mesma origem, ou por envolverem um mesmo réu,
fundamentaria a formulação do pedido de ação coletiva.
Se não fosse por estar em prol da coletividade, inúmeros seriam os pedidos de ações
individuais nos quais, cada um, de per si, para benefício próprio, buscaria a realização de uma
mesma pretensão de interesse comum.
O Código de Defesa do Consumidor, por meio do art. 91, fundamenta a prestação
jurisdicional em uma ação coletiva para benefício de todos os que foram lesados por conta de
um mesmo evento no mercado massificado, possibilitando incontestável economia ao Poder
Judiciário.
Outro aspecto relevante a destacar é que ao consumidor, individualmente considerado,
poderia não se justificar a formulação de um pedido de ão, seja em virtude do reduzido
interesse econômico para uma única pessoa, seja pelos altos custos processuais. Uma ou outra
razão de inércia acabaria por beneficiar um mau fornecedor de produtos e serviços e até
estimular que este reincidisse em condutas contrárias à Política Nacional de Relações de
Consumo.
87
87
Nos termos do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.
Muito embora seja irrelevante do ponto de vista prático, registre-se que para Almeida
(1999, p.146-151) haveria diferença entre a ação civil coletiva e a ação civil pública. Ele
defende a tese de que se trata de pedidos de ações típicos e distintos entre si, cada qual com
um procedimento específico e orientado para tutela de bens diversos. Para esse autor, a ação
civil pública decorre da referida Lei 7.347/85 e serve para defesa coletiva do consumidor e
de outros bens tutelados, identificados como direitos ou interesses difusos ou coletivos que,
por definição, são de natureza transindividual e indivisíveis. Aplicar-se-ia, também, a ação
civil pública, consoante esse autor, para proteção dos direitos individuais homogêneos de
caráter social, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça.
88
a ação civil coletiva, segundo o mesmo autor, é prevista no Código de Defesa do
Consumidor, com fundamento no art. 91, e é instrumento de tutela coletiva unicamente do
consumidor, das vítimas ou dos sucessores, adequado para a defesa dos interesses ou direitos
individuais homogêneos de origem comum, por natureza divisíveis. Note-se que para
ALMEIDA o âmbito de instrumentalidade da ação civil coletiva é bem mais restrito que o da
ação civil pública. O procedimento seria sempre o ordinário,
89
tanto para um quanto para
outro pedido de ação.
Segundo Paula (2003, p. 54), não existem procedimentos diferenciados para a tutela
dos interesses difusos, dos direitos coletivos ou dos interesses individuais homogêneos:
Tal distinção somente se presta a impor embaraço à defesa coletiva do consumidor
em juízo, como estamos a assistir nos tribunais. Muitas vezes se entende que não
assistiria legitimidade de agir a um substituto processual o Ministério Público em
alguns casos para promover a tutela dos interesses individuais homogêneos, isso
porque pertinente seria a defesa tão-somente dos interesses difusos e dos direitos
coletivos, a despeito daquilo que dispõe expressamente o art. 91, a permitir o uso da
ação civil pública para a tutela coletiva e também para a defesa em nome próprio.
Mas não pode haver tergiversações neste ponto, porque a ação civil pública de
maneira distinta – se presta à tutela tanto dos interesses difusos, direitos coletivos ou
interesses individuais homogêneos, não sendo de se conceber qualquer interpretação
restritiva. Não importando o objeto da ação, tem-se que a indivisibilidade está no
bem da vida em questão, e não na causa de pedir, embora, na tutela dos interesses
individuais homogêneos, a finalidade última da pretensão guarde cunho
indenizatório.
Seria paradoxal, diante da finalidade da Lei nº 8.078/90 – de defesa do consumidor – e
de seu indiscutível caráter didático, impor discussões de cunho técnico doutrinário e
88
STF, RE 163.231-3/SP; e STJ, Resp 49.272-2/RS.
89
Nos termos dos arts. 282 e seguintes do Código de Processo Civil.
processual.
90
Tratando-se o Código de Defesa do Consumidor de norma de ordem pública e
interesse social, sua aplicabilidade tem caráter cogente, isto é, a finalidade de tutela do
consumidor não pode ser olvidada ou protelada sob a retórica nos aspectos formais de
legislação adjetiva.
Aliás, numa economia de massa e de escala mundial, é razoável esperar que a ordem
jurídica garanta efetiva proteção ao maior número de consumidores, eis que, senão
impossível, muito difícil delimitar todos aqueles que podem ter sido atingidos direta ou
indiretamente por irresponsáveis práticas empresariais de estímulo ao consumo. Por esse
motivo se justifica o disposto no art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, pois, para
proteger os direitos e interesses albergados pela Lei 8.078/90, “são admissíveis todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
Desse modo, estão legitimados a formular o pedido de ação civil pública, nos termos
do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, o Ministério Público, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, as entidades e órgãos da Administração Pública destinados à
proteção do consumidor e as associações privadas.
Poderão fazê-lo concorrentemente ou de forma disjunta, sendo compreensível
formular-se mais de um pedido de ação com o mesmo objeto e a mesma causa de pedir,
muitas vezes pela quantidade e difícil delimitação dos titulares dos direitos ameaçados ou
lesados.
O Ministério Público poderá formular o pedido de ação civil pública,
independentemente de seu objeto, tendo legitimidade para agir em juízo como substituto
processual,
91
sendo irrelevante o direito a ser protegido se difusos, coletivos ou individuais
homogêneos –, inclusive quando da ação inibitória ou interdital de que trata o art. 102 do
Código de Defesa do Consumidor.
92
Estão legitimados a propor ação civil pública tanto o Ministério Público Federal
quanto o Estadual. O autor será Federal quando de ação de competência da Justiça Federal, ou
por envolver, na condição de ré, assistente ou opoente, a União Federal, entidade autárquica
90
Como, lamentavelmente, se nota dos julgados: STF, RE 163.231-3/SP; e STJ, Resp 49.272-2/RS.
91
Pelo disposto no art. do Código de Processo Civil: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito
alheio, salvo quando autorizado por lei”. No caso, o Ministério Público está autorizado a formular o
pedido de ação civil pública pelo art. 82 do Código de Defesa do Consumidor.
92
Art. 102 do Código de Defesa do Consumidor: “Os legitimados a agir na forma deste Código poderão propor
ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção,
divulgação, distribuição ou venda, ou a determinar alteração na composição, estrutura, fórmula ou
acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde e à
incolumidade pessoal”.
ou empresa pública federal. Quando se tratar de ação civil pública que tramite perante a
Justiça Estadual, terá legitimidade o Ministério Público Estadual.
Quando não autor, o Ministério Público agirá, obrigatoriamente, como fiscal da lei,
sob pena de nulidade processual.
93
Se porventura uma associação legalmente constituída
desistir ou abandonar, imotivadamente, a ação civil pública, o Ministério Público ou outro
legitimado arrolado no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor assumirá a devida
representação e o acompanhamento processual.
94
Consoante mencionado, possuem, também, legitimidade ativa as entidades político-
administrativas, quais sejam: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Quando
se tratar de pedido de ação formulado pela União Federal, o trâmite processual acontecerá
perante a Justiça Federal. Caso sejam autoras as demais entidades, a Justiça Estadual é
competente para receber e processar o pedido de ação civil pública, salvo quando tiver sido
formulado em face da União Federal, de uma de suas autarquias ou de suas empresas
públicas.
Serão ainda autores de pedido de ação civil pública as entidades e órgãos da
Administração Pública encarregados da defesa do consumidor em nível federal, como a
Secretaria de Direito Econômico SDE, em nível estadual, como os PROCONs e em vel
municipal, como as comissões e conselhos de defesa do consumidor, sendo irrelevante se
estão integrados à administração direta (por meio das secretarias e coordenadorias, a título de
exemplo) ou indireta (por meio das respectivas autarquias).
Por fim, possuem legitimidade ativa para defender os interesses dos consumidores as
associações privadas para este fim instituídas há mais de um ano.
A exemplo da prestação jurisdicional de interesse individual, a ação civil pública
poderá ter por escopo efeitos declaratórios, constitutivos ou condenatórios. Diante da
primordial finalidade de proteção dos interesses do consumidor, tem-se dado prioridade,
todavia, aos pedidos condenatórios que envolvem o dever de fazer ou de não fazer do
fornecedor, nos termos do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor. Esses pedidos, diga-se
de passagem, poderão ser convertidos na obrigação em perdas e danos, de caráter
indenizatório, de acordo com o previsto nos parágrafos primeiro e segundo do referido artigo.
Infelizmente essa possibilidade tem sido reiteradamente relegada ou desconsiderada pelo
Poder Judiciário.
93
Nos termos do art. 92 do Código de Defesa do Consumidor, combinado com o art. 246 do Código de
Processo Civil.
94
Conforme redação do art. 5º, § 3º da Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública.
Destaque-se que a ação civil pública, seja quando da defesa dos interesses difusos, ou
coletivos ou individuais homogêneos, poderá ser cumulada de pedido indenizatório,
independentemente do cabimento de sanção cominatória. Trata-se, pois, a ação civil pública
de instrumento processual de caráter condenatório e indenizatório.
Pelo que se depreende do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, cumpre ao
juízo “assegurar o resultado prático equivalente ao do adimplemento”, obrigando ou
determinando as providências necessárias para tal fim. Portanto, comprovados e estimados os
danos, o magistrado deverá, até mesmo de ofício, caso não haja pedido expresso nesse
sentido, determinar a efetiva indenização
95
, o que não caracterizará um julgamento ultra
petita, pois a defesa do consumidor é norma de ordem pública e de interesse social e porque a
ação civil pública possui inegável finalidade de proteção social, inclusive quanto aos danos
morais que se presume sempre existirem em situações de grande impacto e de repercussão
geral.
6.1.1 Foro competente
A competência para processar e julgar a ação civil pública, como regra geral, é da
Justiça Comum dos Estados, “no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano”,
“ressalvada a competência da Justiça Federal”.
96
O foro competente será determinado tendo por referência a abrangência territorial dos
danos, seja de âmbito nacional (por alcançar mais de um estado ou municípios de diversos
estados), regional (por agregar diferentes municípios de um mesmo estado) ou local (quando
limitado a um município). Assim, caso os efeitos danosos sejam de extensão nacional, o
pedido de ação civil pública haverá de ser formulado perante a Justiça Federal do domicílio
do consumidor prejudicado, nos termos do art. 109, § da Constituição, a fim de que a
prestação jurisdicional tenha efeitos mais amplos.
6.1.2 Das medidas de urgência e da produção da prova
95
O art. , VI, do Código de Defesa do Consumidor, arrola como direito básico do consumidor “a efetiva
prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
96
Nos termos do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor e art. 109 da Constituição.
Pelo disposto no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, medidas liminares e de
antecipação de tutela poderão ser concedidas, inclusive de ofício, para prevenção de eventual
ameaça de lesão aos direitos e interesses dos consumidores.
De fato, também de acordo com o art. 273 do Código de Processo Civil e se
preenchidos os seus requisitos, haverá antecipação de tutela na ação civil pública,
independentemente da possibilidade de serem formulados pedidos de ações cautelares típicas
e atípicas, preventiva ou incidentalmente, com fundamento nos artigos e da Lei
7.347/85.
Para mais facilitar a boa defesa dos direitos do consumidor em juízo, é dever a
inversão do ônus da prova em seu favor, caso seja ele hipossuficiente em relação ao
fornecedor ou sejam verossímeis as suas alegações, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de
Defesa do Consumidor.
E não será porque se trata de um procedimento judicial de alcance coletivo que não
se permitirá como direito básico do consumidor em juízo ainda que ele esteja
sendo substituído a possibilidade da inversão do ônus da prova, desde que
presentes os pressupostos de verossimilhança das alegações e hipossuficiência do
consumidor, mas por haver o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no
mercado de consumo (art. , I, do CDC), é que se tem por viável a mudança no
encargo probatório. Além do que o ônus da prova deve ser conferido àquele mais
apto a produzi-la, desaguando na aplicação do preceito que determina que se facilite
ao consumidor o seu direito de defesa em juízo (art. 6º, VIII, do CDC). (PAULA,
2003, p.63)
Diga-se, ainda, que se factíveis as condições estabelecidas no art. 6º, VIII, do Código
de Defesa do Consumidor, ou seja, se forem plausíveis as alegações ou se houver
hipossuficiência técnica, cultural ou financeira do consumidor, a inversão do ônus da prova
não é faculdade do magistrado, mas dever que se impõe, haja vista que normas de ordem
pública e interesse social são indisponíveis, sendo sensato e econômico que tal determinação
aconteça antes do início da fase processual de instrução probatória.
Para que a inversão do ônus da prova nos pedidos de ação em defesa do consumidor
seja coerentemente aplicada em juízo, ou seja, com vistas ao objetivo constitucional de
proteção ao consumidor, é mister que o magistrado se utilize do princípio da razoabilidade
para formação do seu convencimento. Mello (2008. p. 317) enfatiza:
Há, a nosso ver, uma inclinação do Código de Defesa do Consumidor à aplicação do
ônus da prova como regra (é um direito básico do consumidor em juízo, como acima
exposto), sendo excepcional sua denegação. Exige-se, evidentemente que o juiz de
direito prepare-se para conhecer e julgar relações de consumo imbuído de
principiologia própria a tais espécies de controvérsias. No âmbito das provas, tem o
juiz de, eventualmente, portar-se de modo supletivo de carências probatórias do
consumidor, daí por que, inclusive, haver-lhe sido conferido o notável poder de
inverter o ônus probatório nas ações de consumo.
A defesa dos direitos e interesses do consumidor por meio da ação civil pública não
obsta o pedido de ação individual, não tendo que se falar em litispendência
97
nem mesmo em
prevenção
98
de juízo, admitindo-se, contudo, sejam aplicadas a conexão e a continência.
99
A sentença que julgar procedente o pedido de ação civil pública poderá condenar o
fornecedor a indenizar o prejudicado ou determinar-lhe o cumprimento de obrigação de fazer
ou de não fazer. Frise-se ser neste mesmo sentido possível a decisão que antecipa os efeitos da
tutela, aplicada, tanto quanto a sentença, aos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos. O art. 95 do Código de Defesa do Consumidor autoriza que a sentença de
procedência do pedido de ação civil pública tenha condenação genérica, determinando as
responsabilidades por conta dos danos causados, verificados por meio da liquidação em
execução coletiva ou individual.
É, sim, facultado ao juiz decidir que a obrigação de fazer ou não fazer seja convertida
em condenação ao pagamento de indenização, sem prejuízo da multa, sendo de seu arbítrio a
imposição de outros meios assecuratórios à tutela dos direitos do consumidor, tais como a
busca e apreensão, a remoção de coisas e pessoas, o desfazimento de obra, o impedimento de
atividade nociva, além da requisição de força policial.
100
Assim é que uma publicidade enganosa que afete a um número indeterminado de
pessoas (interesses difusos) pode redundar em reflexos prejudiciais perdas e danos
ao patrimônio de quem se veja afetado por aquele ato. A medida judicial para
suspender a veiculação da propaganda, assim como a multa e a indenização podem
vir numa mesma ação civil pública, dada a compatibilidade de procedimento e de
pleito, além de ser o mesmo juízo competente para conhecer e julgar cada pretensão
(§1º do art. 292 do CPC). (PAULA, 2003, P. 65)
97
Nos termos do art. 301, §§ , e , do digo de Processo Civil, ocorre a litispendência quando dois
pedidos de ação são idênticos quanto às partes, pedido e causa de pedir, ou seja, quando se formula um novo
pedido de ação que seja idêntico a outro anteriormente distribuído.
98
Pelo disposto no art. 106 do Código de Processo Civil, prevenção é a circunstância processual que estabelece
a competência de um determinado magistrado para processar e julgar um pedido de ação, excluindo a de
outros de mesma Comarca, por ter sido o primeiro a conhecê-lo. Em Instância, este critério se vincula à
Câmara ou Turma, na pessoa do desembargador ou ministro. Desse modo, a Câmara ou Turma que primeiro
conhecer de uma causa terá competência preventa para as demais.
O art. 219 do Código de Processo Civil, por sua vez, esclarece o critério de prevenção quando de pedidos de
ação em Comarcas distintas. Neste caso, será prevento o juízo em que primeiro ocorreu a citação válida do
réu. Caso, contudo, tenham os pedidos sido distribuídos a um mesmo foro, mas em juízos distintos, será
prevento aquele que tiver proferido um primeiro despacho.
99
A conexão e a continência, nos termos, respectivamente, dos arts. 103 e 104 do Código de Processo Civil, são
formas de modificação de competência. A conexão acontece quando os diferentes pedidos de ação possuem
as mesmas partes e o mesmo pedido ou causa de pedir enquanto na continência existem as mesmas partes e o
mesmo objeto, mas o pedido de uma é mais amplo que o da outra ação.
100
Nos termos do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor e respectivos parágrafos.
Da sentença que julgar procedente ou improcedente o pedido de ação civil pública
cabe a interposição de recurso de apelação, ao qual poderá ser concedido efeito suspensivo
para evitar dano irreparável à parte, notadamente em litígios estabelecidos contra a
Administração Pública. Recebido o recurso, todavia, em seu efeito apenas devolutivo, aquele
que se beneficiou com a sentença poderá executá-la, provisoriamente, ciente das
responsabilidades inerentes ao exequente, nos termos do art. 475-O do Código de Processo
Civil, inclusive aquela de caucionar o juízo, de forma suficiente e idônea, quando do
levantamento de valores depositados, decorrentes do dever de indenização.
6.1.3 Da coisa julgada
Os efeitos da coisa julgada na ação civil pública para a defesa dos interesses
individuais homogêneos do consumidor, diferentemente do que estabelece a segunda parte do
art. 472 do Código de Processo Civil, estão limitados às partes do pedido de ação, não
produzindo efeitos em relação a terceiros, nem para beneficiá-los e nem para prejudicá-los.
101
No caso de procedência do pedido, a coisa julgada produz efeitos erga omnes, ou seja,
para benefício de todas as vítimas do mesmo evento e de seus sucessores, tenham ou não sido
litisconsortes, sendo vedado formular-se novo pedido de ação para discutir a mesma situação
fática ou direito por quem quer que seja, inclusive os legitimados concorrentes e vítimas, nos
termos do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor.
Todavia, de acordo com o previsto no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor,
para proveito dos efeitos erga omnes, o autor deverá requerer a suspensão do seu pedido de
ação individual no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação
coletiva. Deixando de observar essa exigência legal, a ação individual terá o seu trâmite
regular e será vedado ao autor liquidar e executar a sentença proferida nos autos de ação
coletiva, eis que estará excluído dos efeitos erga omnes da coisa julgada, que fundamentariam
o seu pedido de ação.
Quando o pedido de ação civil pública for julgado improcedente, seus efeitos são
extensivos apenas às partes do litígio, ou seja, ao autor, ao réu e aos litisconsortes, não
101
Art. 472 do Código de Processo Civil: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados
no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação
a terceiros”.
alcançando aqueles não intervenientes que poderão formular outro pedido de ação
indenizatório a título individual.
6.2 A EFETIVA PROTEÇÃO PROCESSUAL DO CONSUMIDOR
Por se tratar de meios ou instrumento para a promoção da justiça, qualquer espécie de
pedido de ação que propicie a adequada e efetiva tutela do consumidor é admissível, nos
termos do art. 83 do Código de Defesa do Consumidor.
Desse modo, para a proteção dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, a ação civil blica se mostra adequada à expectativa do legislador, pois poderá
tutelar cada um destes direitos e interesses, inclusive simultaneamente, adaptando-se o pedido
de acordo com a pretensão do requerente.
De fato, pelo disposto no art. 292 do Código de Processo Civil,
102
os pedidos que
fundamentam diferentes interesses poderão ser cumulados, porque o procedimento ou rito
processual, em si, não se altera se assim o forem. É o caso da ação inibitória, fundamentada
no art. 102 do Código de Defesa do Consumidor, cujo pedido poderá ser formulado
independentemente ou cumulado de outros para garantir que o Poder Público proíba, em
território nacional, a produção, divulgação, distribuição ou venda, ou a determinar a
alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou
consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal”.
A adequada e efetiva defesa do consumidor poderá ser alcançada por uma ou mais
ações civis públicas; também pelo mandado de segurança individual ou coletivo; pelo habeas
data, para acesso às informações constantes dos bancos de dados e cadastros de
consumidores;
103
e por meio do mandado de injunção, caso estejam presentes os requisitos
para impetração.
Na verdade, considerando a premente necessidade de defesa do consumidor diante da
economia de massa e de escala mundial, o nome do pedido de ação deveria ser irrelevante
quando a tutela que se busca é para benefício da coletividade. Nesse sentido, aliás, é
incoerente e não-econômico, tendo por referência as conjunturas de mercado, que prevaleça a
102
Art. 292 do Código de Processo Civil, caput: “É permitida a cumulação, num único processo, contra o
mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão”.
103
Com fundamento nos arts. 43 e 44 do Código de Defesa do Consumidor.
autocomposição pessoal nos conflitos decorrentes da relação de consumo ou que sejam
dirimidos em jurisdição individual.
Não se justificam as negativas de prestação do Poder Judiciário por discussões de
cunho acadêmico ou retórico quanto à medida mais adequada à defesa de direitos e interesses
difusos, coletivos ou individuais homogêneos ou o que são, em situações fáticas, tais direitos
e se podem ou não ser resolvidos por tal pedido de ação. Direitos e interesses do consumidor
são transindividuais e, de praxe, ao se falar em mercado de massa, são relevantes à
coletividade.
Portanto, a ação civil pública é o instrumento adequado e compatível ao hodierno
sistema jurídico, para garantia dos interesses coletivos e difusos emergentes da sociedade
civil, para tutelar, dentre outros, os consumidores, tornando efetivo o direito fundamental que
a Constituição amplamente reconhece e que não deve ser olvidado em interpretações
processuais reducionistas.
6.3 A ATUAÇÃO PREVENTIVA COMO EFETIVO ELEMENTO DE PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR
A saúde e a segurança do consumidor são bens também tutelados pelo Código de
Defesa do Consumidor, no Título I, Capítulo IV (Da qualidade de produtos e serviços, da
prevenção e da reparação dos danos), Seção I (Da proteção à saúde e segurança), quando o
legislador dispôs, como regra geral, que os produtos e serviços colocados no mercado de
consumo não devem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores.
Como determinados produtos ou serviços, por si só, são perigosos mas essenciais ao
bem-estar dos consumidores, o Código de Defesa do Consumidor autoriza sua circulação,
desde que representem riscos considerados como “normais e previsíveis em decorrência de
sua natureza e fruição” (Art. 8º).
O Código de Defesa do Consumidor dispõe em seus arts. a 10
104
sobre a proteção à
104
Art. 8º: “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou
segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e
fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a
seu respeito. Parágrafo único - Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as
informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto”.
Art. 10: “O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria
saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. § - O fornecedor de
saúde e à segurança do consumidor, a fim de evitar possíveis danos, uma vez que os referidos
artigos têm caráter nitidamente preventivo.
Para alcançar esse objetivo, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu uma
divisão que compreende três tipos de produtos e serviços: aqueles que, por sua própria
natureza, possuem riscos considerados normais e previsíveis, consoante o art. 8º; os produtos
ou serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou à segurança, nos termos do art.
9º;
105
e os produtos ou serviços que apresentam alto grau de nocividade ou periculosidade, de
acordo com o art. 10.
Sabe-se que existem produtos e serviços que, apesar de extremamente úteis ao
conforto e bem-estar do consumidor, representam-lhe riscos de dano, devido à sua
periculosidade ou nocividade intrínseca, como, por exemplo, os produtos inflamáveis,
medicamentosos e radioativos, e os serviços que dependem da manipulação desses elementos
perigosos.
É seguro afirmar que a proteção à vida, à saúde e à segurança merece especial atenção
dos estudiosos, por se tratarem de bens fundamentais e porque é justamente neste âmbito que
ocorrem os danos irreversíveis ao consumidor, tantas vezes em significativas proporções,
como quando de intoxicações coletivas ou, então, em casos mais extremos, como quando do
nascimento de deficientes físicos em decorrência da ingestão, pelas gestantes, do
medicamento denominado Talidomida.
106
Quanto seria necessário despender o fornecedor para reparar os prejuízos que ele tenha
causado – ou que pudesse causar – a um número indeterminado de pessoas?
107
Portanto, a efetiva proteção à sociedade exige a não realização do dano e essa
prevenção ao acidente de consumo é direito básico, essencial, do consumidor, nos termos do
art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor: “a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da
periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos
consumidores, mediante anúncios publicitários. § - Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo
anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço. §
- Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos
consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito”.
105
Art. : “O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança
deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem
prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”.
106
Comente-se, por oportuno, que se trata de um caso exemplificativo do grau de nocividade que determinados
produtos podem causar aos consumidores quando mal utilizados, ou, ainda, quando utilizados de forma
experimental. (Disponível em: <
http://gravidez-segura.org/index.php?option =com_content&task=
view&id= 7&Itemid =9>. Acesso em: 28 jun. 2009.
107
Conforme art. 2º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Também o inciso VII dispõe, como um dos direitos básicos do consumidor, “o acesso
aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,
administrativa e técnica aos necessitados”.
Assim, da mesma forma, qualquer pessoa física ou jurídica que sofra danos em
virtude de fato do produto ou do serviço, sem que possa se enquadrar na condição de
usuário final ou adquirente final, está automaticamente equiparada a consumidor e,
apta, portanto, para pleitear indenização com base na responsabilidade independente
de culpa do fornecedor. (ALVIM et al., 1995, p. 50).
108
é de notório conhecimento que o fornecedor é responsabilizado pelo produto ou
serviço que disponibiliza em mercado, se apresentarem defeito potencial ou real e causarem
dano.
109
A circulação de produto defeituoso, do qual decorra ato prejudicial, é o que
caracteriza o dever de reparar. Frise-se que o ressarcimento não encontra apoio legal na
singela conduta deficiente de quem fornece o produto ou serviço, mas na imperfeição
produzida capaz de gerar prejuízo.
A noção de defeito do Código de Defesa do Consumidor tem estreita ligação com a
ideia de segurança do produto e do serviço.
A partir dessas observações preliminares, não dúvida de que somente é possível
alcançar a eficiente proteção do consumidor, finalidade da Política Nacional de Relações de
Consumo, por meio de uma atuação preventiva do Poder Público, coibindo os abusos
praticados em face do usuário de bens e serviços, reprimindo a publicidade enganosa e
incentivando a atividade dos fornecedores cuja conduta é substancialmente ética e legal.
Acrescente-se, ainda, conforme anteriormente dito, que o caráter programático do
princípio constitucional de defesa do consumidor (norma-objetivo
110
) implica a execução de
uma vasta política pública de ação,
111
fiscalização, punição, responsabilização civil e não de
um direito subjetivo fundamental, não se perfazendo, tão-somente, mediante a edição de
normas.
Além da Constituição, esse interesse de proteção da coletividade permeia todos os
dispositivos de lei expressos no Código de Defesa do Consumidor.
108
Compreende-se que, pelo disposto no art. 17, as revendas de produtos e aquelas de transformação industrial
passariam a ser tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, ainda que não enquadradas como
adquirentes ou usuárias finais de produto ou serviço (p. 49).
109
A denominada responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, tal como dispõe o art. 12 do Código de
Defesa do Consumidor.
110
Constituição, art. 170, IV.
111
Art. 1º e art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.
Desse modo, pode-se admitir que os elementos vida, saúde e segurança estão
vinculados uns aos outros, valorizando-se, entretanto, sempre a sua individualidade. Não
dúvida de que o direito à vida é distinto daquele à saúde. O vínculo direto que atinge o direito
à vida é a lesão cujo resultado é a morte ou, por outro lado, quando haja um ato como forma
de tentativa de tirar a vida de alguém. Se a norma protetiva do consumidor apenas
contemplasse as ações direcionadas ao resultado morte, ou seja, contra o direito à vida, ela se
tornaria insuficiente. No âmbito específico da saúde, diversas são as ações que apenas
ofendem as funções de algum ou alguns órgãos do corpo humano, sem atentar contra a vida
da pessoa. Exemplo dessa ofensa são as passageiras reações alérgicas de baixo grau.
É de se entender que a seção I do Capítulo IV, que trata da proteção à saúde e à
segurança, seja interpretada, naturalmente, em consonância com o direito que elas abrangem,
qual seja, o direito à vida.
A esse respeito, Bittar (1992, p. 24) afirma que
a expressão saúde, de forma abrangente, é empregada no sentido de conservação da
vida, considerando-se as funções orgânicas, físicas e mentais, em situação de
regularidade. A segurança que aparece em alternativa com a saúde representa um
esforço de que nenhum risco correrá o consumidor, à míngua de informações
adequadas, com o produto ou o serviço.
A referida seção, além de dispor sobre a proteção à saúde, também manifesta-se sobre
a proteção à segurança do consumidor, que não deve ser compreendida apenas quanto ao
aspecto físico-corporal do indivíduo. Ainda que tratados em uma mesma seção, saúde e
segurança não são vocábulos sinônimos. Segurança é um conceito mais amplo, pois agrega a
preservação da vida, da saúde e da integridade física, sem olvidar a proteção de ordem
material e econômica, ou seja, aquela devida em relação ao patrimônio do consumidor.
O art. 8º do Código de Defesa do Consumidor estabelece regra geral, dispondo que “os
produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou
segurança dos consumidores”. Note-se que o legislador não se referiu ao dano, mas ao risco,
propriamente dito, o que significa dizer que não necessidade da configuração do resultado
lesivo para que exista proteção.
Nesse aspecto, destaque-se o que esclarece Benjamin (1991, p. 45), um dos autores do
anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor quanto aos elementos segurança e risco,
presentes no referido art. 8º:
Quando se fala em segurança no mercado de consumo, o que se tem em mente é a
idéia de risco: é da maior ou menor presença deste que decorre aquela. No sentido
aqui empregado, o termo risco é enxergado como a probabilidade de que um atributo
de um produto ou serviço venha a causar dano à saúde humana (acidente de
consumo). Soa como lugar-comum dizer que a vida humana é uma atividade de
driblar riscos. (omissis). Por isso mesmo, não tendo o direito força suficiente para
eliminá-los inteiramente, cumpre-lhe o papel igualmente relevante de controlá-los.
Um dos fatores nitidamente imprescindíveis à prevenção é justamente o direito do
consumidor à informação e, em contrapartida, a obrigação de que ela seja adequada e
amplamente disponibilizada pelo fornecedor. Schier (2006, p. 69-70) ressalta que o dever de
informar do fornecedor é instrumento de proteção à vida, à saúde e à segurança dos
consumidores:
Essa obrigação inerente ao fornecedor, de especificar todas as características
importantes do produto, faz com que o consumidor possa saber sobre o que
exatamente irá depositar sua vontade. Impõe ao consumidor conhecer o produto e,
também, faz com que ele deposite todas as suas expectativas no produto, fazendo
questionar-se sobre o que espera do produto e se este atende às suas reais
necessidades. O dever de informar, então, prepara o consumidor para a ação de
consumir livremente e por iniciativa própria, fazendo com que, ao final, a decisão de
consumo recaia sobre sua total autonomia em escolher consumir este ou aquele
produto.
É a informação adequada que viabiliza os contornos das relações de consumo
compatíveis com a noção de segurança. O fornecedor que informa o consumidor vulnerável e
exposto às práticas empresariais de forma ampla, clara e objetiva estará isento de qualquer
responsabilização advinda do consumo do produto e do serviço, pois haverá culpa exclusiva
do consumidor que não deu atenção aos riscos dos quais foi advertido.
Por meio da informação, dentre outros, devem ser apresentados dados que propiciem
ao consumidor condições de escolha entre adquirir ou não um produto ou serviço; contratar
ou não contratar; se contratado, conhecer realmente as cláusulas constantes do instrumento;
utilizar o produto e serviço sem comprometer a sua saúde e segurança, ou dos demais etc.
A informação preventiva é, portanto, consequência da nocividade ou periculosidade
dos produtos ou serviços, que devem prestar, ao consumidor, as orientações necessárias ao
bom desempenho e utilização, sem qualquer dano ou prejuízo.
Nesse sentido, visando à segurança dos consumidores, os arts. e do Código de
Defesa do Consumidor orientam que o dever de bem informar é exclusivamente do
fornecedor.
Há uma proporção direta entre o nível de informação franqueada ao consumidor e ao
grau de segurança que este terá em relação ao produto ou serviço, isto é, quanto
melhor, mais completa e eficiente for a informação sobre as características do
produto e sua forma de correta utilização e possíveis perigos, mais seguro, na
acepção jurídica do termo, estará o usuário. (MARINS, 1993, p. 51).
Quanto mais esclarecido for o consumidor, menor a probabilidade de que ele sofra
qualquer dano advindo do produto ou serviço.
As preocupações, contudo, não estão voltadas a estes poucos consumidores com maior
capacidade de compreensão. É amplamente noticiado que o desenvolvimento econômico
brasileiro recentemente permitiu um significativo ingresso de cidadãos, antes totalmente
excluídos,
112
ao consumo. Uma significativa parcela da população,
113
composta por
brasileiros de nenhuma ou baixíssima escolaridade, não assimila as informações de consumo
disponíveis, e por isso corre sérios riscos.
É de se notar que o dano que se busca prevenir não é aquele vinculado a possíveis
defeitos que possam apresentar o produto ou serviço. Ao contrário, os produtos e serviços o
que é de se esperar – não devem ser disponibilizados ao mercado se possuem algum defeito.
Para a prevenção dos riscos de danos advindos da falta, insuficiência ou
incompreensão das informações disponíveis existiriam duas possíveis soluções: a mais
extrema (e, por diversos motivos, inviável) seria simplesmente proibir o fornecimento desses
produtos e serviços potencialmente perigosos; outra seria realmente implementar a Política
Nacional de Relações de Consumo, tal como tratada no art. 4 do Código de Defesa do
Consumidor, por meio da atuação preventiva do Poder Público, coibindo os abusos praticados
em face do usuário de bens e serviços, reprimindo a publicidade enganosa e incentivando a
atividade dos fornecedores cuja conduta seja substancialmente ética e legal, comprometidos
com os almejados princípios de Ordem Econômica.
A política pública projetada pelo Código de Defesa do Consumidor envolve, de forma
concorrente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios na fiscalização e no
112
“Embora as décadas de 1980 e 1990 tenham sido fortemente marcadas pela ampliação do acesso da
população à educação formal, a verdade é que um grande número de pessoas - crianças e também jovens e
adultos com baixa escolaridade - ainda estão fora da escola. Essa exclusão, no entanto, não atinge a
população de forma aleatória; ao contrário, es reservada às pessoas mais pobres”. (GRACIANO;
HADDAD, 2007, p. 444).
113
A taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos caiu de 14,7% para 10%, no entanto, persistia um
número elevado de pessoas que não sabiam ler ou escrever: 14,1 milhões de analfabetos, dos quais 9 milhões
eram negros e pardos e mais da metade residia no Nordeste. Melhorou, nesse período, o percentual de
estudantes que cursavam vel médio na idade adequada (15 a 17 anos), passando de 26,6% para 44,5%. Por
outro lado, nesses dez anos aumentou a desigualdade de acesso de brancos e negros e pardos ao nível
superior. Em 1997, 9,6% dos brancos e 2,2% dos pretos e pardos, de 25 anos ou mais de idade, tinham nível
superior completo no país; em 2007, esses percentuais eram de 13,4% e 4,0%, respectivamente. As
consequências das desigualdades educacionais se refletem nos rendimentos médios dos negros e pardos, que
se apresentam cerca de 50% menores que os dos brancos. Disponível em:
<
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/ noticias/ noticia_visualiza.php?id_noticia=1233&id_pagina=1>.
Acesso em: 26 jun. 2009.
controle da produção, industrialização, distribuição, da publicidade de produtos e serviços e
do mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da
informação e do bem-estar do consumidor, inclusive para editar outras normas que se façam
necessárias para esse fim, consoante o disposto em seu art. 55, § 1º.
114
Em outras palavras, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
legislar e regulamentar a distribuição ou apreensão de produtos, ou cassar o alvará de
determinados prestadores de serviços que sejam potencialmente nocivos ou perigosos por
ausência ou insuficiência de informação, não obstante tratarem-se sanções previstas no
Código de Defesa do Consumidor, não exercidas, na maioria das vezes, por entraves
burocráticos administrativos.
6.4 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Uma vez que existem produtos que, por sua própria natureza, oferecem riscos à
segurança dos consumidores, é mister compreender o princípio da precaução, bastante
desenvolvido e estudado na seara do Direito Ambiental, que consiste, em termos práticos, na
busca de se evitar a consumação de danos nas atividades potencialmente lesivas.
Esse cuidado se manifesta em três principais escopos, a saber:
(i) assegurar uma análise mais precisa da evolução dos riscos, incentivando a
pesquisa científica e tecnológica; (ii) reduzir o risco a um nível mínimo, aceitável,
sendo certo, entretanto, que não se alcança o risco zero; (iii) atuar com transparência
na informação prestada ao público, o que está intimamente relacionado à noção de
aceitabilidade do risco – aceitação supõe informação (LEWICKI, 2006, p. 362).
No que tange ao risco do desenvolvimento, os objetivos do Direito Ambiental são
plenamente aplicáveis e devem ser cogentes ao fornecedor de produtos e serviços.
Note-se que se espera essa preocupação do fabricante de medicamentos, cujo dever é
estudar o produto e acompanhar a sua evolução, adotando providências imediatas, tão logo
sejam descobertos efeitos colaterais nocivos aos pacientes.
114
Art. 55: “A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de
atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de
produtos e serviços. § 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a
produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no
interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor,
baixando as normas que se fizerem necessárias”.
O mesmo se afirme do fabricante de automóveis, que deve estar empenhado em
reduzir os riscos da utilização dos veículos a níveis mínimos, investindo em constantes
estudos e na evolução tecnológica para garantir cada vez mais segurança aos consumidores.
Esses fornecedores, como se sabe, têm o dever legal de informar a sociedade civil sobre os
riscos e defeitos, ainda que descobertos posteriormente à disponibilização dos veículos ao
mercado.
Trata-se dos deveres de vigilância ou de supervisão, dentre os quais mais se conhece a
obrigatoriedade de campanhas de recall.
Na indústria farmacêutica existem os maiores e mais sérios casos de risco do
desenvolvimento. Um bastante conhecido foi aquele decorrente da ampla utilização do
Contergan-Talidomida “que, ingerido por mulheres grávidas, acarretou o nascimento de
crianças fisicamente deformadas”. (CALIXTO, 2004, p. 178).
Outro bem mais recente e bastante divulgado foi o caso do medicamento Vioxx,
utilizado para amenizar os dolorosos efeitos da artrite. A fabricante, Merck Sharp & Dohme,
descobriu, após três anos de contínuas pesquisas, que seus consumidores estavam expostos a
riscos de complicações cardiovasculares e determinou a imediata retirada do produto de
mercado, ostensivamente divulgando a custosa notícia nos meios de comunicação social
115
.
Os fatos acima mencionados servem para didaticamente demonstrar a diferença
existente entre o chamado risco do desenvolvimento de outros institutos afins. Verifica-se,
desse modo, que alguns produtos possuem periculosidade inerente à sua própria natureza.
Outros, no entanto, que no passado representavam maiores riscos, hoje são mais seguros
graças à evolução tecnológica.
É cediço que os veículos mais antigos possuíam cintos de segurança de apenas dois
pontos, que não podem hoje ser considerados defeituosos, porque foram substituídos pelos de
três pontos, surgidos posteriormente. Não havia naqueles modelos de cintos de segurança
nenhuma falha de ordem intrínseca. Eles são menos seguros e até suscetíveis de causar
maiores danos aos seus usuários, mas não possuem, em si, defeito. Diferentemente dos
exemplos advindos da indústria farmacêutica, cujo perigo era existente desde a concepção dos
medicamentos, porque representavam um dano, apenas ainda não conhecido, aos
consumidores.
Os resultados advindos do não cumprimento do dever de vigilância demonstrado em
115
Matéria disponível em <http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2004/300904.htm.> Acesso em 8 set.
2009.
produtos e serviços que comprometeram a segurança dos consumidores não representarão
óbices ao desenvolvimento tecnológico e científico. Sabe-se que o preço do risco da atividade
é comumente repassado ao preço final do produto ou serviço, consoante esclarecido em
capítulo anterior.
É o princípio da precaução que haverá de ser analisado pelo Poder Judiciário quando
dos pedidos de ação essenciais e efetivos para defesa dos consumidores dos alimentos
transgênicos, dos resultantes de clonagem etc..
7 CONCLUSÃO
Em que pese ser bastante recente a Lei brasileira a regular especificamente as relações
de consumo
116
, pode-se afirmar que os interesses de mercancia voltados à classe consumidora
recebem especial atenção desde o início do Século XX, a partir do desenvolvimento da
produção em massa. O Liberalismo econômico
117
, impulsionado pela expansão dos meios de
produção e o decorrente objetivo latente da indústria de conquistar novos mercados, embora
sob a concepção de vínculo contratual centrado no valor da vontade, gerou flagrante
desequilíbrio nas relações que envolviam o consumidor, que se tornou cada vez mais
vulnerável e indefeso diante das práticas abusivas exercidas progressivamente pelos
detentores do poder econômico, atos estes abonados pelo Estado capitalista.
Em outras palavras, os princípios da liberdade de iniciativa e autonomia da vontade,
que permeiam toda a matéria negocial e obrigacional, foram compreendidos sob esta realidade
e considerando as relações jurídicas singulares. As relações jurídicas de massa, instauradas
entre os centros produtores e o público consumidor, eram novidades aos intérpretes e
aplicadores da lei, ainda formados e, consequentemente, influenciados pelos ideais de
fortalecimento da indústria nacional.
São essas concepções dos séculos passado e retrasado que viciam certo que agora
com menor intensidade as interpretações das garantias constitucionais, tornando-as, muitas
116
Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
117
A Revolução Industrial consolidou a sociedade burguesa liberal capitalista, baseada na igualdade jurídica
entre os homens, na livre-iniciativa e na empresa privada. Sob este contexto, surge o liberalismo econômico,
marcado pelo fim da intervenção direta do Estado na produção e na distribuição das riquezas. No Estado
liberal não existem medidas protecionistas ou de monopólio: há a defesa da livre concorrência e a abertura ao
mercado externo. Dentre os seus defensores destacam-se Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo,
James Mill, Nassau Sênior.(FÉDER, 1997).
vezes, ineficazes, incompatíveis ou insuficientes frente ao dinâmico fenômeno da produção e
do consumo em massa.
Sabe-se, pelo disposto no art. 170 da Constituição, que a defesa do consumidor é
fundamento jurídico da Ordem Econômica; em outros termos, o consumidor, objeto dessa
proteção constitucional, é considerado agente econômico.
Não se pode negar que uma economia de mercado sem mecanismos jurídicos
adequados, incapazes de equilibrar os desníveis e desigualdades existentes nas relações de
consumo entre fornecedores de produtos e serviços e consumidores –, inviabiliza a ordem
de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
118
Segundo o entendimento de Grau (2003, p. 57), o referido art. 170 é uma norma-
objetivo, ou seja, um preceito a ser alcançado, de segurança jurídica e paz social, e todos os
princípios nele expressamente previstos como a defesa do consumidor devem ser
amplamente respeitados, como fundamento jurídico da atividade econômica.
O caráter programático do princípio constitucional de defesa do consumidor (norma-
objetivo)
119
implica a execução de uma vasta política pública de regulação,
120
realizada por
meio da fiscalização, punição, responsabilização civil e não de um direito subjetivo
fundamental, não se perfazendo, tão-somente, mediante a edição de normas.
Pela definição de fornecedor constante no caput do art. do Código de Defesa do
Consumidor,
121
tem-se que o legislador primou por uma responsabilidade que garantisse a
proteção de interesses difusos, da coletividade, haja vista que as atividades ali descritas (que
dizem respeito, não exaustivamente, ao fornecedor) decorrem, em geral, da circulação de
riquezas por meio da produção em larga escala, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização ou prestação de
serviços etc., fazeres todos inerentes ao amplo mercado de consumo atual, que muito difere
daquele então regulado pelo Direito Civil, subjetivo, contratual, que envolvia um consumidor
específico, efetivamente (não potencialmente) lesado, e um comerciante.
Em verdade, essa larga tutela dos direitos do consumidor não pode ser diferente: desde
sempre um grande número dos usuários de bens e serviços disponíveis em mercado não era e
118
Art. 170, V, da Constituição.
119
Constituição, art. 170, IV.
120
Art. 1º e art. 4º do Código de Defesa do Consumidor.
121
Art. 3º, caput : “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços”.
não é, necessariamente, parte contratante,
122
ou seja, não participava e não participa
diretamente do contrato de compra e venda ou de prestação de serviços. de levar-se em
conta, também, que o direito à integridade física e moral de um consumidor, nesta Política
Nacional de Relações de Consumo, é valor existencial, de difícil (para não dizer impossível)
reparação.
A efetiva proteção à sociedade exige, portanto, a não realização do dano e essa
prevenção ao acidente de consumo é direito básico, essencial, do consumidor, nos termos do
art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor que prevê “a efetiva prevenção e reparação
de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Nessa mesma direção, também está disposto, no inciso VII, “o acesso aos órgãos
judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e
técnica aos necessitados”.
Não há dúvida de que somente é possível alcançar a eficiente proteção do consumidor,
finalidade da Política Nacional de Relações de Consumo, por meio da atuação preventiva do
Poder Público, coibindo os abusos praticados em face do usuário de bens e serviços,
reprimindo a publicidade enganosa e incentivando a atividade dos fornecedores cuja conduta
é substancialmente ética e legal.
A indenização a título de danos extrapatrimoniais do consumidor, ainda arbitrada de
forma um tanto receosa, haveria de ter dupla função, de acordo com Bittar Filho (1994, p. 59):
“compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor”.
Muito mais apropriado que a punitiva seria destacar a função preventivo-pedagógica
da condenação à indenização por danos extrapatrimoniais causados à coletividade. De fato,
nos conflitos intersubjetivos, não tanto que se falar em função preventivo-pedagógica da
condenação à indenização por danos extrapatrimoniais porque, em regra, as lides são
eventuais, não habituais e tampouco profissionais. Entretanto, se o dano extrapatrimonial é de
dimensão coletiva, a função preventivo-pedagógica da respectiva indenização revela-se
essencial para a boa defesa do consumidor, quando os litígios, do ponto de vista do fornecedor
do produto e do serviço, não são eventuais mas, sim, habituais e de caráter profissional (o que,
aliás, intensifica a vulnerabilidade do consumidor).
Para tal condenação serão relevantes todas aquelas lesões ocorrentes no mercado de
consumo, que são imensuráveis ou insignificantes individualmente, mas propiciam um
122
Veja-se o exemplo dado na nota nº 18.
vultoso enriquecimento sem causa do fornecedor.
Por conseguinte, é imperioso que no âmbito da tutela nominalmente individual se
reconheça a dimensão coletiva dos danos causados ao consumidor e a função preventivo-
pedagógica da indenização a ser arbitrada.
É verdade que a Lei nº 8.078/90 não impõe limites econômicos ou, melhor explicando,
valores de alçada a subsidiar o magistrado no arbítrio da indenização a ser suportada pelo
fornecedor responsabilizado. É mister ter-se em mente que, além de reparar um dano de
amplitude social,
123
a condenação deve prevenir incidentes na medida em que a sua
publicidade coibirá a prática dessa mesma atividade pelos demais produtores e prestadores de
serviços. O risco de desrespeitar os direitos básicos do consumidor seria, a depender da
gravidade do ato e do consequente montante imposto a título de reparação de danos,
inviabilizar a continuidade do próprio negócio.
Nem se diga que a ausência de limite legal ao pagamento da indenização por dano
difuso, que se espera de acordo com os postulados previstos no art. 6º do Código de Defesa do
Consumidor, é incompatível com os princípios da livre iniciativa
124
e da livre concorrência
que, tanto quanto a defesa do consumidor, estão constitucionalmente tutelados como
fundamento jurídico da Ordem Econômica.
125
Da interpretação literal do art. 170 da Constituição é possível detalhar o conteúdo da
livre iniciativa associado diretamente à propriedade privada,
126
açambarcando, deste modo, a
liberdade de empresa,
127
de lucro
128
e de contratar. Saliente-se, novamente, que esse mesmo
princípio é condicionado ao fim público expressamente destacado no caput do artigo
supracitado, qual seja, a justiça social.
Com o intuito de que “os ditames da justiça social” sejam assegurados, para garantir a
“todos existência digna”, a Constituição estabelece diversas medidas destinadas a neutralizar
ou reduzir as distorções que possam advir do abuso de liberdade de iniciativa, no exercício da
atividade privada
.129
Justifica-se, então, a importância da interpretação lógico-sistemática do Código de
123
Independentemente do número de consumidores que compõem a lide.
124
A livre iniciativa é o símbolo do Estado liberal e dogma do modo de produção capitalista, tem sua previsão
no caput do art. 170 e seu inciso IV, da Constituição.
125
Consoante o art. 5º, XIII, da Constituição: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
126
Art. 170, II, da Constituição.
127
Art. 170, parágrafo único, da Constituição.
128
Art. 170, IV, da Constituição.
129
Conforme o art. 173, § 4º, da Constituição: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
Defesa do Consumidor. Sem uma sólida base unificadora, consubstanciada pelos princípios
que formam esse sistema, as normas abertas da Lei 8.078/90 oportunizariam discrepâncias
interpretativas, a volatilização da segurança normativa e a defesa ineficaz e insuficiente do
consumidor, eis que a jurisdição ficaria restrita a análise de casos concretos e isolados.
Segundo anteriormente explicado, cumpre ao Estado
130
conciliar determinados setores
do mercado nacional, valendo-se de política de efetivo planejamento, com vistas a assegurar o
bem-estar coletivo, garantindo saúde, habitação, educação, alimentação, urbanização e
solução para as questões fundiárias etc., também disciplinando, mediante o exercício do seu
poder de polícia, os setores nos quais a atividade econômica, embora exercida pelos agentes
privados em regime de competição, deva estar submetida a determinados controles para coibir
abusos e ineficiências em face, dentre outros, dos consumidores.
A transferência das funções de utilidade pública do setor público para o privado, com
o fenômeno da privatização, atribui ao Estado, por meio das agências reguladoras, poder
crescente de regulamentação, fiscalização e planejamento da atividade privada, antes por ele
exercida. No Brasil, o programa de reforma do Estado decorre da incapacidade de o setor
público prosseguir como principal agente do desenvolvimento econômico, sendo imperiosa a
necessidade do aprimoramento das funções reguladoras. A retirada do Estado da prestação
direta da atividade econômica não significa redução do intervencionismo estatal. Ao contrário,
faz-se imprescindível a criação de mecanismos desprovidos de subordinação, com autonomia
perante as ingerências políticas, com funções cnicas delimitadas, para que a prestação de
serviços essenciais à população não fique ao alvitre do interesse privado do fornecedor, cuja
atuação muitas vezes não beneficia a coletividade.
O Estado contemporâneo deve retornar às suas funções típicas, especialmente no que
concerne ao essencial como saúde pública, segurança, educação e saneamento. Sem embargo,
considerando a inegável relevância da atividade privada para a sociedade política, é também
dever do Poder Público fiscalizar a atuação do fornecedor para compatibilizar a relação de
consumo à almejada Ordem Econômica, de modo que os princípios arrolados no art. 170 da
Constituição orientem a necessária valorização do trabalho humano, compatibilizando-o aos
ditames da justiça social.
A satisfação desses princípios haverá de se traduzir na busca atenta e permanente da
conciliação do interesse privado com o público. Cumpre, portanto, ao aplicador da Lei,
130
Por meio de seus três Poderes.
representante do Estado, com fulcro no princípio da proporcionalidade,
131
harmonizar os
interesses do fornecedor aos do consumidor, essenciais que são ambos à Ordem
Econômica.
131
Para Wambier, Almeida e Talamini, o princípio da proporcionalidade é o limite do ônus imposto ao sacrifício
de um direito em detrimento de outro dentro do estritamente necessário (2004, p.141)
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