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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
JULIVAL ALVES DA SILVA
OS SABERES DA EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
da utopia à realidade formativa de professores da escola pública
TERESINA – PI
2008
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JULIVAL ALVES DA SILVA
OS SABERES DA EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
da utopia à realidade formativa de professores da escola pública
Dissertação apresentada junto ao
Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do
Piauí como requisito parcial para a
obtenção do título de mestre, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Carmen Lúcia de
Oliveira Cabral.
TERESINA – PI
2008
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S586s Silva, Julival Alves da
Os saberes da experiência na formação de professores: da
utopia à realidade formativa de professores da escola pública /
Julival Alves da Silva. - - Teresina, 2008.
237 f. il.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade
Federal do Piauí.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carmen Lúcia de Oliveira Cabral.
1. Professores Formação Profissional 2. Professores
Escola Pública 3. Teoria Crítica I. Título.
CDD 370.71
JULIVAL ALVES DA SILVA
OS SABERES DA EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
da utopia à realidade formativa de professores da escola pública
Aprovada em:_____/________/_______
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Carmen Lúcia de Oliveira Cabral
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Orientadora
______________________________________________
Prof. Dr. Henrique Garcia Sobreira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Avaliador
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Antônia Edna Brito
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Avaliadora
______________________________________________
Prof. Dr. Antonio de Pádua Carvalho Lopes
Universidade Federal do Piauí – UFPI
Avaliador Suplente
À Rosa Eliannete, João Lucas e Júlio Gabriel,
seres que me inspiram sempre a enxergar o mundo
com os olhos do amor nas mais variadas formas.
AGRADECIMENTOS
Aos alunos-professores de profissão e aos professores formadores do curso
de Pedagogia convênio UFPI/PMT, que tornaram possível o desenvolvimento deste
estudo ao abrirem as portas de seus espaços de formação;
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Carmen Lúcia de Oliveira Cabral, para mim
um exemplo de comprometimento, seriedade e coerência como formadora e
orientadora. Com ela reelaborei conceitos quanto a ensinar e aprender.
À minha esposa Rosa Eliannete e meus filhos João Lucas e Júlio Gabriel,
pela disposição dolorosa em aceitar minhas ausências.
Ao Colégio São Francisco de Sales (Diocesano) e à Faculdade Piauiense,
por favorecerem condições para que eu pudesse desenvolver este trabalho.
Ao curso de Pedagogia da Universidade Federal do Piauí, onde construí
minha identidade como educador.
RESUMO
Este trabalho discute a influência dos saberes da experiência na formação de
professores, a partir da realidade formativa de um curso de Pedagogia, oferecido na
modalidade convênio entre a Universidade Federal do Piauí e a Prefeitura de
Teresina, destinado a qualificar, em nível superior, cinqüenta professores de
profissão da rede pública municipal de ensino. Toma como objeto de estudo as
percepções, concepções e opiniões dos professores experientes na vivência e
reflexão de seu processo de formação, com o objetivo de discutir sobre as
possibilidades de influência de seus saberes da experiência na construção e
concretização de um ideário de professor orientado para o desenvolvimento da
pesquisa, da reflexão e da crítica. É uma investigação de natureza qualitativa,
desenvolvida sob o formato de estudo de caso de tipo etnográfico, utilizando a
observação participante, a aplicação de questionário para levantamento do perfil
profissional dos participantes, a entrevista semi-estruturada e a análise documental.
Embasada epistemologicamente nos pressupostos da Teoria Crítica, recorre a
pensadores da Escola de Frankfurt como Adorno e Horkheimer e a autores
contemporâneos como Giroux, McLaren, Pucci e Sobreira, entre outros. Em seus
resultados, permite reconhecer que a despeito das limitações que acompanham a
formação pregressa dos professores experientes e as condições concretas em que
desenvolvem o exercício da profissão, eles possuem leituras de sua realidade e da
realidade do processo formativo do curso de Pedagogia que, se submetidas a um
sério diálogo com a Universidade, podem favorecer uma redefinição dos enfoques
nas práticas formativas, tendo em vista a contemplação e a priorização de
problemáticas que assolam o cotidiano da escola pública, no sentido de aprofundar
sua compreensão e orientar os professores quanto a caminhos coletivos para seu
enfrentamento. Os resultados também revelam que, a despeito da necessária
ênfase na prática educativa, os conceitos teóricos que devem iluminar essas
práticas não podem ficar alijados na formação. O processo formativo deve destinar
mais espaço para uma compreensão teórica da realidade educativa, tomada a partir
da experiência e da reflexão sobre as práticas.
Palavras-chave: Saberes da Experiência. Formação de Professores. Teoria Crítica.
Escola Pública.
ABSTRACT
This assignment concerns the influence of the experience knowledge in the
education of teachers from the formative reality of a pedagogical course, offered in
the agreement madality between Universidade Federal do Piauí (Federal University
of Piauí, in English) and the Prefecture of Teresina, designed to qualify, in superior
education, fifty classroom teachers of the city public chain of teaching. The
assignment analyzes the perceptions, conceptions and opinions of experienced
teachers about the experience and reflection of their educational process, having as
objective to discuss about the possibilities of influencing their experience knowledge
in the building and consolidation of ideas of teachers oriented to the development of
research, reflection and criticism. It is an investigation of qualitative nature,
developed under the format of case study of ethnographic type, using the
participant’s view, the questionnaire application to carry out a survey about the
participants’ professional profiles, the semi-structured interview and the documental
analyze. Epistemologically based on the presuppositions of the Critical Theory, it
resorts to the Frankfurt School thinkers such as Adorno and Horkheimer and to
contemporary athors such as Giroux, McLaren, Pucci and Sobreira, among others. In
its results, it allows the recognition that despite the limitations that follow the
experimented teachers’ previous education and the real conditions in which the
professional practiced exercise is developed, they own readings of their reality and of
the reality of the educational process of the Pedagogy course that, if submitted to a
serious dialog with the University, they can favor the redefinition of the focus on the
educational practice, having in view the contemplation and priorization of the
problematization which affects the public school’s everyday, in order to go deeper
into their understanding and to advise the teachers for the collective ways to face it.
The results also show that, despite of the necessary emphasis on the educational
practice, the theoretical concepts that must light up these practices can not be cannot
be discarded from this education. The educational process should design more room
the theoretical understanding of the educational reality, taken from the experience
and the reflection on the practices.
Key words: Experience knowledge. Teachers’ Education. Theoretical Critics. Public
School.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 - Tempo, tipo e representatividade da atuação docente dos
professores ........................................................................................ 42
QUADRO 02 - Quantidade de professores com atuações extraclasse em
educação ........................................................................................... 42
QUADRO 03 - Formação dos professores anterior ao ingresso no curso de
pedagogia convênio UFPI / PMT (por quantidade de professores) ... 43
QUADRO 04 - Participação em cursos de aperfeiçoamento, atualização e
capacitação para a docência (por quantidade de professores) ......... 44
QUADRO 05 - Cursos considerados como os mais importantes dos quais
participaram os professores (por freqüência de vezes em que
foram citados) .................................................................................... 44
QUADRO 06 - Razões do ingresso no curso de pedagogia convênio UFPI / PMT... 55
QUADRO 07 - Contribuição esperada da formação em nível superior para a
prática pedagógica ............................................................................ 62
QUADRO 08 - Sobre a importância dos saberes adquiridos no curso de
pedagogia para a melhoria da prática do professor ........................ 156
QUADRO 09 - Sobre a importância de outros saberes adquiridos ao longo da
vida para a prática docente ............................................................. 157
QUADRO 10 - Sobre até que ponto os saberes da experiência dos professores
foram valorizados e explorados ao longo do curso de pedagogia ... 157
QUADRO 11 – Sobre a importância da presença dos saberes de professores
experientes em um curso de pedagogia .......................................... 162
QUADRO 12 - Sobre a formação para o desenvolvimento da atitude e prática da
pesquisa como princípio educativo no curso de pedagogia ............ 165
QUADRO 13 - Sobre a reflexão que o professor realiza sobre sua prática
docente ............................................................................................ 170
QUADRO 14 - Elementos em torno dos quais predominam a reflexão que o
professor desenvolve sobre a sua prática ....................................... 170
QUADRO 15 - Sobre o atendimento às expectativas do começo do curso ............ 175
QUADRO 16 - Sobre a percepção dos professores quanto ao nível de
contribuição do curso para a melhoria de sua prática docente ........ 175
QUADRO 17 - Formas de percepção da contribuição do curso de pedagogia
para a prática docente ..................................................................... 176
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11
1.1
A inquietação e o motivo por trás do estudo ..................................................... 16
1.2
O cenário em torno da formação de professores .............................................. 21
1.3
A proposta formativa do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT .................. 34
1.4
Os professores experientes do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT:
traços de um perfil ............................................................................................ 40
2
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: DA TEORIA CRÍTICA COMO
REFERENCIAL EPISTEMOLÓGICO AO IDEÁRIO DE FORMAÇÃO DO
PROFESSOR PESQUISADOR REFLEXIVO CRÍTICO ................................... 65
2.1
A Teoria Crítica como referencial epistemológico da pesquisa e seus
pressupostos conceituais .................................................................................. 65
2.2
O professor pesquisador reflexivo crítico: um ideário em construção ............... 89
3
PERCURSO DA METODOLOGIA .................................................................. 102
3.1
O formato de pesquisa utilizado...................................................................... 102
3.2
Etapas de Desenvolvimento da Pesquisa ....................................................... 104
3.3
Procedimentos e instrumentais de coleta e análise dos dados ...................... 106
3.4
Recursos de Confiabilidade dos Resultados .................................................. 119
4
DIÁRIOS DO COTIDIANO NO CURSO DE PEDAGOGIA: JANELAS
PARA PROVOCAÇÕES CRÍTICAS ............................................................... 121
4.1
O início do contato com o grupo de professores............................................. 121
4.2
Os professores no dia-a-dia da formação ....................................................... 123
5
OS PROFESSORES EM FORMAÇÃO: DIÁLOGOS DA TEORIA COM OS
SABERES DA EXPERIÊNCIA ........................................................................ 149
5.1
Os saberes da experiência e sua presença no curso de Pedagogia .............. 149
5.2
A pesquisa, a reflexão e a crítica: a percepção de sua manifestação e
relevância na vivência do processo formativo ................................................ 164
5.3
O impacto do curso na construção dos saberes dos professores................... 174
5.4
No exercício da crítica... ................................................................................. 186
6
À GUISA DE CONCLUSÃO: DA REALIDADE VIVIDA ÀS
POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO CRÍTICA ............................................... 204
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 208
APÊNDICES ................................................................................................... 213
APÊNDICE A Documento de apresentação da proposta de pesquisa à
Coordenação do Curso de Pedagogia Convênio UFPI / PMT ........................ 214
APÊNDICE B Documento de apresentação da proposta do estudo aos
alunos-professores participantes da pesquisa ................................................ 216
APÊNDICE C Questionário para levantamento de perfil básico dos alunos-
professores participantes da pesquisa ............................................................ 218
APÊNDICE D Termo de Ciência e Colaboração em Pesquisa ....................... 223
ANEXOS ......................................................................................................... 224
ANEXO A Grade curricular do curso de Pedagogia convênio UFPI / PMT
(Projeto 5 – 2004/1 a 2006/2) ......................................................................... 225
ANEXO B Ementas das disciplinas do curso de Pedagogia convênio UFPI
/ PMT (Projeto 5 – 2004/1 a 2006/2) ............................................................... 227
ANEXO C Temas de Seminários e Oficinas destinados ao curso de
Pedagogia convênio UFPI/PMT (Projeto 5 – 2004/1 a 2006/2) ...................... 233
11
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho discute as possibilidades de influência dos saberes da
experiência na formação de professores. O termo “experiência” comporta diferentes
acepções, mas inicialmente é aqui utilizado como um atributo daqueles professores
que praticam a docência há alguns anos e que têm construído e utilizam, no
seu cotidiano profissional, um repertório de esquemas práticos de ação
independente de qualquer formação acadêmica anterior. O termo professor
pesquisador reflexivo crítico é aqui proposto como uma síntese conceitual que
reflete um discurso corrente em torno da formação de professores, mas que, neste
estudo, se orienta a partir dos pressupostos da Teoria Crítica.
As reflexões e discussões do estudo são referenciadas empiricamente na
realidade formativa de uma turma de cinqüenta “alunos-professores” de um curso de
Pedagogia desenvolvido na Universidade Federal do Piauí (UFPI), através de
convênio com a Prefeitura Municipal de Teresina (PMT), destinado a qualificar os
professores da rede municipal de ensino. O termo “alunos-professores” é
empregado para designar os alunos de cursos de formação docente que são
professores de profissão.
Trata-se de um estudo instigado por um conjunto de percepções,
questionamentos e inquietações surgidos em minha atuação nos últimos anos, na
condição de formador de professores em cursos de licenciatura em pedagogia.
Nesse sentido, resulta em um trabalho motivado menos pelo interesse em
elucubrações teóricas que venham a sustentar e justificar as práticas atuais de
formação docente, e mais pela busca de significados, conceitos e discussões que
permitam melhor identificar e compreender sentidos fundamentais para essas
práticas e elementos da realidade que lhes são contraditórios, tendo em vista a
constituição de um fazer mais condizente com ideários de formação conscientes e
claramente assumidos pelos sujeitos dos processos formativos.
Como núcleo central de toda a inquietude e instigação que constituem a
“curiosidade epistemológica” aqui presente, está a noção de experiência docente.
Nos últimos anos, entre os profissionais educadores principalmente os do círculo
universitário da graduação e pós-graduação na área da educação, responsáveis
pela formação de novos professores —, tem sido lugar comum o discurso do
reconhecimento e valorização dos saberes da experiência e do redimensionamento
12
das práticas formativas de professores a partir de um estudo minucioso das
condições em que esses saberes são constituídos, de como são constituídos, como
se modificam com o tempo e como corporificam a profissão do professor. Em seu
espectro mais amplo, essas discussões em torno da formação docente estão
situadas num contexto em que essa profissão se questionada em seu estatuto,
ao tempo em que, de forma crescente e global, também se reconhece sua
importância estratégica frente aos desafios contemporâneos de formação e
capacitação humanas.
Tomando a figura do professor experiente como central na investigação, a
problemática que venho desenvolver busca respostas para várias indagações que
dão direcionamento ao estudo: 1) Que perfil caracteriza e identifica os alunos-
professores do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT? 2) Que percepções,
concepções e opiniões possuem sobre esse processo de formação? 3) Como
avaliam a pertinência do conteúdo da formação para a prática profissional que
desenvolvem? 4) Em que medida percebem suas necessidades formativas
atendidas no curso e como imaginam que este poderia atendê-las melhor? 5) Até
que ponto o ideário de um professor que seja pesquisador, reflexivo e crítico é algo
do qual têm consciência e assumem para si mesmos no desenvolvimento de sua
prática? 6) Que condicionantes concretos os afastam ou aproximam desse ideário
de professor pesquisador reflexivo crítico? 7) Enfim, como a singularidade de serem
professores experientes é vivenciada, explorada e valorizada durante o processo de
formação nesse curso de Pedagogia?
Estas são questões que evidenciam necessidades prementes nos processos
formativos da docência, em que a própria formação seja discutida através dos
caminhos da dialogicidade e da reflexão crítica sobre a prática, conforme nos propõe
Paulo Freire (1997, 2007), o que certamente não pode ocorrer se esse espaço
formativo ainda é concebido pelo viés dicotômico teoria/prática, formadores/alunos,
instituição formadora/sistemas de ensino. A reflexão crítica como fundamento da
formação docente passa a ser exigida ainda mais fortemente quando, na tarefa de
pensar a formação mediada pela comunicação dialógica, são reconhecidas as
implicações mais profundas de um ideário de professor ancorado em pressupostos
teórico-críticos.
13
Constituem-se, portanto, em objeto do estudo as percepções, concepções e
opiniões
1
de professores experientes na vivência e reflexão de seu processo de
formação em nível superior, tendo em vista a elaboração de um juízo crítico em
torno de uma questão
2
maior: Como os saberes da experiência de professores de
profissão podem influenciar na construção e concretização do ideário de um
professor que seja pesquisador reflexivo e crítico, no espaço de sua formação?
Na forma como a questão está formulada, uma intenção clara de
evidenciar uma crença a priori no poder da experiência dos professores em termos
de influência num sentido transformador das práticas de formação docente. O que
ainda não é possível dizer e aí está o cerne principal do trabalho é o “como”,
em termos de possibilidades e meios objetivos dessa influência. Esta, no entanto, é
uma questão para a qual o qualquer garantia de resposta, mas que, nem por
isso, dispensa a exigência de sua busca, refletida no compromisso com a
elaboração teoricamente orientada de um juízo crítico a respeito.
De igual modo, ao tomar as percepções, concepções e opiniões de
professores experientes como objeto de estudo, também parto da crença implícita
de que o caminho para a elaboração desse juízo crítico passa necessariamente pela
consideração da voz dos professores em formação, uma vez que não como
pensar possibilidades e meios objetivos de influência dos saberes da experiência se
a voz dos sujeitos desses saberes não constituir o elemento central da investigação.
Em síntese, o objetivo central do trabalho é o de discutir sobre as
possibilidades de influência dos saberes da experiência dos alunos-professores em
formação no curso de pedagogia convênio UFPI/PMT, na construção e
concretização do ideário de professor pesquisador reflexivo crítico, nesse espaço
formativo. Falo em construção e concretização do ideário porque entendo que entre
o uso no discurso e a compreensão dos sentidos de um conceito há uma distância, e
tanto mais entre sua compreensão e o exercício de uma práxis transformadora
por ele orientada.
______________
1
As percepções, concepções e opiniões dos professores, na medida em que são por eles
reveladas, são tomadas como racionalização que reflete suas experiências e saberes delas
decorrentes. Os conceitos de experiência e saberes da experiência são explorados no capítulo 5.
2
Tardif (2002, p. 9-10), num sentido próximo ao aqui apresentado, também faz a seguinte
indagação: “como a formação de professores, seja na universidade ou noutras instituições, pode
levar em consideração e até integrar os saberes dos professores de profissão na formação de
seus futuros pares?”
14
Em seus pressupostos orientadores, o trabalho inspira-se nos fundamentos
da Teoria Crítica, buscando utilizar das contribuições de teóricos que foram seus
precursores ou que com ela são identificados, como Adorno e Horkheimer (1985,
1989), Giroux (1983, 1986, 1987, 1997), McLaren (1997, 1992, 2006), Kincheloe
(1997, 2006), Thompson (1981), Freire (1997, 2007), Pucci (1995), Sobreira (2004),
entre outros. A partir daí, interage com pensamentos de autores que influenciam as
atuais discussões em torno da formação de professores, como Dewey (1959, 1978),
Schön (1983, 1992, 2000), Perrenoud (2002), Contreras (2002), García (1999),
Pimenta e Guedin (2002), Tardif (2002), Vázquez (1990), Zeichner e Pereira (2002),
entre outros.
Ao definir como subtítulo desse trabalho: “da utopia à realidade formativa de
professores da escola pública”, compreendendo que, tendo em vista possibilidades
efetivas de transformação das práticas correntes de formação docente, é preciso
descer do patamar teórico do discurso acadêmico e buscar o confronto deste com a
realidade concreta dos professores em formação, em busca de pontos que o
sustentem e o contradigam, para da realidade retornar à teoria com o necessário
compromisso de sua reelaboração crítica.
Parto da consciência de que a construção e concretização do ideário de um
professor pesquisador reflexivo crítico, frente ao quadro mais amplo em que os
professores exercem sua profissão, pode ser considerado uma utopia, aqui
compreendida não como aquilo que é irrealizável, e sim no sentido do que ainda não
foi realizado. Mesmo utópico, um ideário que tem um significado teleológico coerente
com a necessária construção de um mundo menos injusto e mais humano, e que
deve ser explorado e almejado nas instituições de formação docente. Mas, para que
não corra o risco de, enquanto conceito, ser tomado simplesmente como mais um
modismo do discurso pedagógico, é preciso que seja discutido e assimilado
criticamente tendo em vista sua potencialidade transformadora, o que é possível
mediante uma abordagem epistemológica crítica e politicamente comprometida e
orientada como a Teoria Crítica, que inspira este trabalho.
Do ponto de vista acadêmico, o muitos os trabalhos que hoje discutem
sobre os saberes da experiência e pesquisas-ação e de cunho colaborativo, que
procuram integrar os professores de profissão como sujeitos participantes e autores
na produção do conhecimento. A Teoria Crítica, no entanto, enquanto referencial
teórico explicitamente declarado e assumido em seu comprometimento com uma
15
visão crítica da realidade, ainda é marginal nas produções sobre formação docente.
Aqui se faz esta opção, numa clara consciência do desafio que ela representa, mas
também entendendo que este é um caminho para que se possa avançar
concretamente rumo a uma concepção crítica de formação de professores.
Para além de sua pertinência acadêmica, este trabalho é especialmente
relevante por sua contribuição no sentido de se repensar a formação docente
concebida no contexto local, em propostas que levem em consideração o
atendimento às necessidades e à realidade de professores que atuam na escola
pública. Nesse sentido, este é um trabalho que espera contribuir em um processo
coletivo de tomada de consciência sobre os limites das práticas formativas e sobre a
necessidade de superação dos condicionantes que ainda dificultam a transformação
dessas práticas, bem como das potencialidades dos professores de profissão
quando convidados a participar ativamente em colaboração nesses processos
formativos. Na estrutura em que está organizado, o texto se divide em seis capítulos.
Este capítulo introdutório se desdobra em quatro eixos que possibilitam uma
compreensão do quadro mais amplo a partir do qual a pesquisa e as reflexões dela
decorrentes foram motivadas e desenvolvidas.
No primeiro eixo: “a inquietação e o motivo por trás do estudo”, faço uma
breve narrativa na qual explicito minha identificação com a formação e profissão
docente e minha aproximação com a Teoria Crítica. No segundo eixo: “o cenário em
torno da formação de professores”, apresento o cenário educacional mais amplo em
que se situam as discussões recentes em e a atual exigência de formação de
professores em nível superior no Brasil. O terceiro denomina-se “a proposta
formativa do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT” e nele faço uma síntese da
perspectiva de formação assumida nessa experiência específica. O quarto eixo
intitula-se “os professores experientes do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT:
traços de um perfil”, e nele trago elementos que permitem ter uma idéia das
especificidades desse grupo de sujeitos, cujas contribuições subsidiam este
trabalho. Neste quarto eixo, surgem fragmentos de suas histórias de iniciação na
docência, aspectos da realidade que vivenciam no exercício da profissão, sentidos
construídos em torno do ser professor, dilemas e preocupações do cotidiano
docente e motivações e expectativas quanto à formação em nível superior.
No capítulo dois, “pressupostos teóricos: da Teoria Crítica como referencial
epistemológico ao ideário de formação do professor pesquisador reflexivo crítico”,
16
apresento a base conceitual inicial em que se situa epistemologicamente a pesquisa
e reflexões em torno do ideário de professor pesquisador reflexivo crítico, subsidiado
pela Teoria Crítica.
O terceiro capítulo: “percurso da metodologia”, apresenta o percurso
realizado na construção da metodologia da investigação, evidenciando as tomadas
de decisão e as definições para o desenvolvimento do estudo.
O quarto capítulo, “diários do cotidiano no curso de Pedagogia: janelas para
provocações críticas”, apresenta os registros e reflexões realizadas durante o
período de observação participante na sala de aula do curso, junto aos professores
em seu processo de formação.
O quinto capítulo, “os professores em formação: diálogos da teoria com os
saberes da experiência”, traz uma apresentação e análise das percepções,
concepções e opiniões dos professores em torno de seu processo formativo e a
discussão de conceitos teóricos relacionados, situados no âmbito das contradições
identificadas e das condições reais de formação, de onde é possível depreender as
possibilidades de influência dos professores na construção e concretização do
ideário de professor pesquisador reflexivo crítico.
No sexto e último capítulo, “à guisa de conclusão: da realidade vivida às
possibilidades de formação crítica”, são feitas as considerações de síntese do
trabalho, procurando reconhecer um princípio fundamental da Teoria Crítica, que é o
da crença em que as práticas humanas inclusive as de formação de professores
podem ser balizadas não apenas em função do que a realidade apresenta como
dado, mas também em função de uma realidade desejada e possível, em direção à
qual o primeiro passo necessário é o da tomada de consciência dos obstáculos que
a impedem de efetivar-se.
1.1 A inquietação e o motivo por trás do estudo
Na breve narrativa que aqui apresento, trago elementos que evidenciam
minha condição como ser social numa experiência modificada”, conforme sugere
Thompson (1981). Essa experiência parte do reconhecimento de uma visão inicial
estreita da realidade, passa pela percepção das limitações presentes no próprio
processo formativo e segue até a busca consciente por um projeto de investigação,
17
formação e atuação pessoal e profissional, baseado no desenvolvimento e exercício
de uma capacidade crítica e transformadora.
O que leva um professor a escolher a docência como profissão? O que leva
um professor a continuar na docência? O que leva um professor a buscar a
experiência de formar novos professores e a buscar a reflexão e a pesquisa sobre a
formação docente? O que leva um professor a necessitar da construção de um
ideário crítico de professor?
Estas são algumas questões que, em várias situações de minha história
como formador de professores, eu fiz pra mim mesmo, no sentido de explicitar as
significações que possuo em meu próprio fazer educativo. Falar um pouco sobre
elas revela as razões que levaram à proposta de desenvolvimento deste trabalho.
Semelhante à história de muitos professores que hoje atuam nos anos
iniciais da educação básica, o meu encontro com a docência não se deu por livre
escolha e decisão pessoal. Minha escolarização de nível fundamental foi toda
realizada na rede pública de ensino de uma cidade interiorana e foi a falta de
alternativas locais que me conduziu à formação de nível médio para o magistério.
A formação para o magistério foi uma experiência marcada pelo acesso ao
possível e não ao desejável e necessário. Na vivência dessa formação, a presença
de uma visão tipicamente instrumentalista e cnico-elementar para o exercício
docente instaurava nas mentes dos alunos uma idéia simplista da profissão. Na
realidade formativa predominava um ambiente de inércia intelectual entre
formadores e futuros professores.
As idéias de universidade e formação em nível superior se apresentavam
como algo vago, impreciso e distante da realidade para mim e para a grande maioria
dos professores que se formavam comigo. A formação pedagógica de nível médio
não nos garantia uma base propedêutica que nos permitisse interpretar nossa
realidade para além das limitadas visões de nosso senso comum.
Hoje, quando reflito sobre as razões que me levaram a migrar para uma
cidade maior em busca de formação, vejo que a ideologia dominante operou em
mim através das brechas de possibilidades que sempre deixa aos sujeitos. De um
lado, as condições concretas adequadas para o crescimento dos indivíduos é
negada, de outro, reafirma-se continuamente na consciência coletiva a crença de
que, se de fato um sujeito quer algo e tem o empenho e o mérito necessários para
tal, consegue ter êxito. A experiência mostrou-me a importância de acreditar que, a
18
despeito das crenças que orientam a vida em sociedade, cada sujeito é sempre
único em seu próprio movimento de pensamento, e que conceber a vida como
existência predestinada é uma forma de se auto-anular como sujeito.
Ante à experiência do trabalho como condição de sobrevivência e à
necessidade de viver, conviver e morar em espaços públicos coletivos, como as
casas de estudantes, pesaram bastante a oportunidade e a conveniência na
continuidade da formação com vistas a uma profissionalização. Foi assim que
novamente me deparei com a formação pedagógica, agora em nível superior,
através do curso de Pedagogia. Como expressão clara da estratificação social a que
estamos submetidos, também na universidade ficavam explícitas aquelas formações
profissionais típicas de grupos sociais privilegiados e aquelas que se voltam para
grupos menos favorecidos. No início dos anos 90, o desprestígio social dos
profissionais da educação sica fazia dessa opção profissional um motivo de
constrangimento e embaraço para muitos alunos do curso. Aqueles mais
esclarecidos, tinham que somar forças na defesa da idéia da importância social do
pedagogo e do trabalho educativo.
Somente a partir dos primeiros semestres de estudo na Universidade é que
minha consciência começou a ser permeada por uma noção mais ampliada do que
significa a educação. Comecei a construir uma identidade com a Pedagogia, na
medida em que fui percebendo como os fundamentos da educação me ajudavam a
compreender parte de mim mesmo como indivíduo no mundo e questionavam-se
quanto aos sentidos atribuídos à minha própria existência.
No caminho dessa construção identitária, em muitas situações cotidianas da
prática formativa eram evidenciados, entre os estudantes de Pedagogia, traços
característicos de uma incompreensão dos significados e finalidades da formação
pedagógica em curso. Nesse contexto da década de 90, os professores-formadores
do curso conviviam com a frustração diante da dificuldade e pouca motivação dos
estudantes na leitura de textos clássicos e introdutórios da área educacional e na
compreensão e discussão de conceitos básicos ao fazer educativo.
Para além da realidade do alunado, conta também o fato de que, nesse
mesmo período, ainda era bastante deficitária a qualificação do corpo de
professores-formadores, predominantemente constituído de graduados e
especialistas, poucos mestres e raros doutores. Um exemplo disso, é que o iniciante
curso de mestrado em educação, lutava para definir um objeto coerente de estudo
19
que orientasse sua produção. Sua constituição interdisciplinar, agregando doutores
de diversos centros de ensino da universidade pela carência de doutores em
educação —, tornava questionável a pertinência dos trabalhos produzidos para o
campo da educação.
Em termos de uma visão crítica propiciada na formação, nesse período, o
curso de Pedagogia da UFPI sofre a influência explícita do pensamento dialético
marxista, exercida a partir da prática, mais específica, dos professores do
Departamento de Fundamentos da Educação, responsáveis, sobretudo, por
disciplinas concentradas mais na primeira metade do curso. Sem contar na quase
total ausência de estudo de textos clássicos, dentre as perspectivas que, de certa
forma, caracterizaram a criticidade naquele período, se destacam as análises
histórico-críticas da educação escolar de Dermeval Saviani e a visão político-
libertadora da educação de Paulo Freire.
Na prática, os futuros pedagogos se aproximavam das idéias críticas pela
leitura elementar de fragmentos de textos, e raramente de textos completos. Com
bibliotecas deficientes, a prática comum na universidade, ainda hoje corrente e bem
mais intensificada, era a da recorrência à fotocópia de textos, gerando uma
aproximação superficial ao pensamento dos autores, quando não o
desconhecimento destes, pela omissão freqüente das referências biográficas
bibliográficas nas “apostilas”.
Não obstante, a despeito de todas as limitações apresentadas, as disciplinas
introdutórias do curso, ligadas aos fundamentos da educação, conseguiram
despertar-me uma inclinação por pensamentos que valorizam o ser, a dignidade, a
justiça, a coerência ética e a permanente busca de sentido das práticas humanas.
Por esta razão, desde a graduação têm lugar privilegiado em meu
pensamento as posições teóricas que concebem e valorizam o ser humano a partir
de sua potencialidade criadora e transformadora de si mesmo e do meio em que
vive; que valorizam o conhecimento e o fenômeno do conhecer não como válidos
em si mesmos, mas como formas de compreender a identidade humana e conduzir
as práticas de sua existência para o melhor de sua capacidade construtiva, ética e
solidária; e que se esforçam por percepções mais ampliadas e menos fragmentadas
da realidade.
É com essa orientação intuitiva, guiada por preceitos e valores idealistas e
metafísicos que, após a graduação, tento iniciar o desenvolvimento de uma prática
20
que se apresente coerente com esses preceitos e valores e, ao mesmo tempo, se
revele crítica em sua manifestação objetiva.
Parto da crença de que todo aquele que se propõe à atividade da pesquisa
acadêmica necessita, por um lado, ter clareza quanto ao projeto de incursão
científica que busca seguir em determinada área do conhecimento, e por outro,
refletir permanentemente sobre que identidade está construindo enquanto
pesquisador(a) nessa mesma área.
São muitos os questionamentos que se impõem, tais como os que se
referem às reais motivações para este fazer científico em que podem ser citadas
razões profissionais, epistemológicas, político-sociais, de interesses coletivos ou
mesmo individuais e aqueles que indagam sobre que quadro teórico de base
deve ser seguido, exigindo a definição de escolhas teóricas e a assunção das
implicações que essas escolhas têm na forma de produzir conhecimento e de ser,
estar e atuar no mundo, independente de ser na condição de cientista, intelectual,
trabalhador(a), cidadão(ã), homem ou mulher.
A conclusão de minha graduação em Pedagogia marca o início de minha
trajetória profissional, envolvendo várias circunstâncias de interação com alunos-
professores. Em dez anos atuando como formador de professores em instituições
públicas e particulares através de cursos de Pedagogia e atividades de formação
continuada e em serviço —, estiveram sempre presentes, ora em grupos
específicos, ora ao lado de iniciantes ou de candidatos à iniciação na docência,
professores que já possuem vários anos de prática educativa.
Por um lado, a experiência que trago como formador de professores se
configura como um importante referencial de comparação da cultura docente
incorporada por esses alunos-professores em diferentes espaços e tempos; por
outro, chama a atenção para que, no âmbito da investigação qualitativa, eu tenha
cautela com um possível olhar inadvertido de familiaridade que venha a dificultar o
estranhamento necessário em uma hermenêutica crítica.
Tais considerações biográficas objetivam tornar claro, primeiramente, que eu
não posso dizer que trago em minha trajetória uma experiência prévia com a Teoria
Crítica, mas a minha história e a percepção que hoje tenho da atividade científica,
bem como da atividade profissional que realizo junto a meus colegas de profissão,
indicam que esta é uma abordagem epistemológica através da qual podemos
compreender contradições e problemáticas que insistem em permanecer no
21
exercício da profissão e da formação docente. Em segundo lugar, pretendo tornar
claro que ao me propor lidar com as percepções, concepções e opiniões de
professores experientes em torno de sua realidade formativa em nível superior,
estou falando de um interesse por situações formativas que enfatizam os saberes da
experiência, a pesquisa e reflexão, que começaram a ser propostas e deflagradas
num período em que eu mesmo também construía a minha identidade como
formador de professores. Daí a importância de também compreender o cenário em
que esses interesses foram gerados e que deu origem ao surgimento do curso de
Pedagogia convênio UFPI/PMT.
1.2 O cenário em torno da formação de professores
Alguns documentos são fontes expressivas da configuração do cenário
educacional na década de 90 do século passado. Entre eles estão a Constituição de
1988, a Declaração Mundial da Educação para Todos, resultante da Conferência
Mundial sobre Educação para Todos
3
, em Jomtien, na Tailândia; o Plano Decenal de
Educação para Todos: 1993 2003, o Compromisso Nacional de Educação para
Todos, o relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação
para o Século XXI e, finalmente, a própria Lei 9.394/96.
1.2.1 A preocupação com a formação docente, no Brasil e no mundo
Dentre os princípios sicos para o ensino brasileiro, estabelecidos na
Constituição de 1988 (Art. 206, inciso V), figura a “valorização dos profissionais do
ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público,
com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos”.
A letra de nossa lei magna evidencia, no final dos anos 80, os indicativos
de uma preocupação mundial que vai ganhar corpo nos anos seguintes e que se
manifesta em discursos que enfatizam a formação e profissionalização dos
______________
3
Convocada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Munidal. Realizada em Jomtien, Tailândia, no período
de 05 a 09 de março de 1990.
22
professores como uma condição fundamental para a elevação da qualidade da
educação básica. Nesses discursos estão a proposição do estabelecimento de
planos de carreira e salários e a necessidade de maior rigor na realização de
processos seletivos, baseada na verificação de conhecimentos, competência e
qualificação profissionais. A Constituição de 1988 sugere a profissionalização
quando estabelece o ingresso legal no magistério público somente mediante
concurso em que se exija dos candidatos uma comprovação tanto de competência
quanto de qualificação mínima para a função pleiteada, através de provas e títulos.
Diante dessa nova tônica, um ponto a ser considerado é que o
desenvolvimento da competência e dos saberes profissionais dos docentes está
muito atrelado ao conjunto de suas experiências cotidianas (TARDIF, 2002), sendo a
prática uma das fontes principais das aprendizagens profissionais. No entanto, a
noção de qualificação, na forma como é expressa nos discursos da formação
docente e nos textos legais, transcende a circunscrição estrita da prática e assume
uma conotação segundo a qual o imprescindíveis processos formais, sistemáticos
e gradativos de formação. Essa consciência quantos às especificidades da
construção do saber e da profissionalização docentes, por um lado reconhece o
valor e enfatiza a ampliação do repertório de experiências práticas do professor e,
por outro, imputa-lhe a necessidade de vivenciar processos acadêmicos de
formação em nível superior.
Em nível global, a preocupação com a formação docente é também uma
decorrência das exigências de uma sociedade globalizada, baseada em novas
relações de trabalho e produção econômica, relações essas diretamente
influenciadas pelo impacto das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação
(NTIC) que, por sua vez, são em grande parte responsáveis por um brusco
redimensionamento nas dinâmicas de aprendizagem individuais e coletivas e,
conseqüentemente, nas funções a serem assumidas pelas escolas e pelos
educadores neste novo século. o obstante, no prospecto de uma sociedade que
toma o conhecimento como prerrogativa fundamental para as novas relações
produtivas, ainda permanece um fosso de desigualdades em que muitos países
ainda não conseguiram garantir níveis mínimos de escolarização à maioria de sua
população.
Na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990, os
representantes dos diferentes países elaboraram a Declaração Mundial de
23
Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, que
destaca, em um dos seus artigos
4
, as condições de trabalho e a situação social do
pessoal docente como “elementos decisivos” no sentido de implementar a educação
para todos, e que devem ser “urgentemente melhorados” nos diferentes países.
No intuito de concretização dos compromissos assumidos na Conferência de
Jomtien, foi articulada, sob coordenação e responsabilidade do MEC, a composição
de um Grupo Executivo
5
para iniciar a elaboração do Plano Decenal de Educação
para Todos - 1993-2003
6
, cuja primeira versão foi concluída em junho de 1993, após
a Semana Nacional de Educação para Todos, realizada durante os dias 10 a 14 de
maio de 1993, cujo objetivo foi o de consolidar as contribuições dos debates entre as
diferentes entidades brasileiras participantes do Comitê Consultivo do Plano
7
. No
encerramento dessa Semana, houve o estabelecimento de um Compromisso
Nacional de Educação para Todos (BRASIL, 1993) entre as esferas de governo
federal, estadual e municipal, como orientador do Plano.
Nesse documento, o quinto item de uma agenda de sete grandes
compromissos consiste em: “valorizar social e profissionalmente o magistério, por
meio de programas de formação permanente, plano de carreira, remuneração e
outros benefícios que estimulem a melhoria do trabalho docente e da gestão
escolar”. (BRASIL, 1993, p. 88).
Ao tratar da situação e perspectivas da educação fundamental no país, o
Plano Decenal discute sobre o desempenho do sistema educativo e destaca, como
um dos pontos críticos, a formação para o magistério e sua gestão. De acordo com o
documento, “a prática centralizadora de gestão, bem como a ausência de políticas e
diretrizes claramente definidas têm dificultado a integração das instituições
______________
4
“Artigo 7 – Fortalecer as alianças” (p. 78).
5
Constituído por representantes do próprio MEC, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais
de Educação (CONSED) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).
6
O Plano Decenal de Educação para Todos, propriamente dito, dividiu-se em quatro importantes
partes: Situação e Perspectivas da Educação Fundamental; Obstáculos a Enfrentar; Estratégias
para a Universalização da Educação Fundamental e Erradicação do Analfabetismo; Medidas e
Instrumentos de Implementação.
7
Inicialmente integrado pelo CONSED e a UNDIME, o Conselho Federal de Educação (CFE),
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), Confederação Nacional das
Indústrias (CNI), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/Movimento de Educação de Base
(CNBB/MEB), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), UNESCO e
UNICEF. Posteriormente incluíram-se no colegiado o Fórum dos Conselhos Estaduais de
Educação, a Confederação Nacional das Mulheres do Brasil (CNMB), a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e o Ministério da Justiça.
24
educativas de vários graus dentro do próprio setor público”, em particular no que se
refere à integração da Universidade com os sistemas de ensino. (BRASIL, 1993, p.
26).
Como estratégia para a universalização do ensino fundamental e
erradicação do analfabetismo, o Plano toma como um dos objetivos gerais da
educação básica o fortalecimento dos espaços institucionais de acordos, parcerias e
compromisso,
Articulando a ão das universidades, Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação no sentido de rever os cursos de formação do magistério, de
definir mecanismos de aperfeiçoamento em serviço e de identificar formas
de acesso ao ensino superior aos professores no exercício do magistério
sem esse nível de formação. (BRASIL, 1993, p. 40).
Outra importante referência do cenário educacional dos anos 90 e
subseqüentes são as expectativas em torno da educação e da formação de
professores apresentadas no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional
sobre a Educação para o Século XXI. Pode-se dizer que na Conferência Mundial
sobre Educação para Todos a Conferência de Jomtien –, foram apresentadas as
tendências prevalecentes do pensamento educacional na transição para o século
XXI e, também, a principal orientação para as políticas e reformas educacionais
vindouras dos diferentes países signatários da Declaração Mundial de Educação
para Todos, como o Brasil. Para a sistematização das idéias resultantes desse
evento, foi constituída a Comissão Internacional sobre a Educação para o Século
XXI
8
, cujo trabalho resultou no relatório intitulado Educação: um tesouro a descobrir,
de onde se pode depreender a configuração do contexto sociopolítico e educacional
da transição do século.
______________
8
Em novembro de 1991, a Conferência Geral da UNESCO sugeriu a convocação de uma comissão
internacional a ser encarregada de refletir sobre educar e aprender para o século XXI”, à qual foi
convidado a presidir o francês Jacques Delors. A Comissão presidida por Delors foi criada
oficialmente no início de 1993 e composta por mais quatorze personalidades de diferentes regiões
do mundo: In’am Al Mufti (Jordânia), Isao Amagi (Japão), Roberto Carneiro (Portugal), Fay Chung
(Zimbábue), Bronislaw Geremek (Polônia), William Gorham (Estados Unidos), Aleksandra
Kornhauser (Eslovênia), Michael Manley (Jamaica), Marisela Padrón Quero (Venezuela), Marie-
Angélique Savané (Senegal), Karan Singh (Índia), Rodolfo Stavenhagen (México), Myong Won
Suhr (Coréia do Sul) e Zhou Nanzhao (China). O desenvolvimento dos trabalhos da Comissão se
estendeu até meados de 1996 com a conclusão do Relatório sob o título Educação um tesouro
a descobrir”, conhecido como “Relatório Jacques Delors”.
25
De acordo com o relatório, a educação para o século XXI deverá orientar-se
tomando por princípios os seguintes: a) os quatro pilares da educação “aprender a
conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver juntos, aprender a viver com os
outros” e “aprender a ser” e b) a educação ao longo de toda a vida (DELORS,
2003). Tais princípios não apenas elucidam uma concepção global e integrada da
configuração do conhecimento e do fenômeno educativo, mas também orientam no
sentido de definir competências e atitudes humanas que devem ser priorizadas nos
espaços escolares.
A noção de “aprender a aprender”, por exemplo, denota a importante
necessidade que, no contexto dos anos 90, se tinha de formar indivíduos capazes
de desenvolver atitudes investigativas frente à realidade, com autonomia e grande
poder de adaptação às novas linguagens em desenvolvimento, especialmente a das
novas tecnologias da informação e da comunicação; por sua vez, “aprender a fazer”
supõe aos indivíduos a capacidade de, para além do desenvolvimento conceitual,
transpor o conhecimento adquirido para situações pragmáticas, concebida como
competência fundamental no desenvolvimento profissional. Conhecimento, então,
passa a ser palavra de ordem, como se pode depreender do pensamento da
Comissão:
Encaramos o próximo século como um tempo em que, por toda a parte,
indivíduos e poderes públicos considerarão a busca do conhecimento, não
apenas como meio para alcançar um fim, mas como fim em si mesmo.
Todos vão ser encorajados a aproveitar as ocasiões de aprender que se
lhes oferecerem ao longo da vida e terão possibilidade de o fazer.
(DELORS, 2003, p. 152).
A responsabilidade na concretização desta aspiração recai, no entanto,
principalmente sobre os ombros dos professores, de quem, segundo a Comissão, se
espera muito e muito será exigido
(DELORS, 2003, p. 152). Nessa visão, o professor
se afasta da figura do transmissor de conteúdos e passa a estar identificado mais
com o que Ramal (2002) denomina “dinamizador da inteligência coletiva”
9
. De
______________
9
Para Ramal (2002, p. 205), “o dinamizador da inteligência coletiva é: (a) responsável pelo
gerenciamento de processos de construção cooperativa do saber, (b) transformando grupos
escolares heterogêneos em comunidades inteligentes, flexíveis, autônomas e felizes, (c)
integrando as múltiplas competências dos estudantes com base em diagnósticos permanentes, (d)
convidando ao diálogo interdisciplinar e intercultural nas pesquisas realizadas, (e) promovendo a
26
acordo com o relatório, os professores “devem despertar a curiosidade, desenvolver
a autonomia, estimular o rigor intelectual e criar as condições necessárias para o
sucesso da educação formal e da educação permanente. (DELORS, 2003, p. 152)
Além da ênfase no conhecimento e em um novo perfil docente, o relatório
também aponta para o que Morin (2002, p. 64-65) caracteriza como “identidade
terrena”. Com esta idéia, Morin se refere a um “pensamento policêntrico nutrido das
culturas do mundo”, um pensamento capaz de “apontar o universalismo, o
abstrato, mas consciente da unidade/diversidade da condição humana”. Para este
autor, a finalidade da educação do futuro é educar para este pensamento. Tal
pensamento vai ao encontro do que também propõe o relatório da Comissão,
quando diz que:
Os nacionalismos mesquinhos deverão dar lugar ao universalismo, os
preconceitos étnicos e culturais à tolerância, à compreensão e ao
pluralismo, o totalitarismo deverá ser substituído pela democracia em suas
variadas manifestações, e um mundo dividido, em que a alta tecnologia é
apanágio de alguns, dará lugar a um mundo tecnologicamente unido.
(DELORS, 2003, p. 153).
O que está em evidência, pois, é uma perspectiva global que põe, sobre o
professor, a responsabilidade de formar “o caráter e o espírito das novas gerações”
para atender a níveis de exigência e de complexidade que talvez ele próprio ainda
não consiga compreender, por suas condições objetivas de trabalho e formação. Daí
ser esta perspectiva, também, um grande paradoxo. Para atender ao que dele se
espera, portanto, acredita-se que o professor deva ser submetido a um processo
dinâmico e eficaz de formação que focalize o desenvolvimento dessas novas
competências pretendidas, sendo a educação em nível superior considerada
imprescindível.
Defensor desse pensamento, o relatório Jacques Delors recomenda que
todos os países devem ter como prioridade “melhorar a qualidade e a motivação dos
professores”, sendo a formação inicial uma das importantes medidas para consegui-
lo. Nesses termos, aponta que faz-se necessário:
abertura dos espaços e dos tempos de aprendizagem para além da sala de aula e estimulando a
comunicação interpessoal por meio da pluralidade de linguagens e expressões”.
27
Estabelecer laços mais estreitos entre as universidades e os institutos de
formação de futuros professores do primário e do secundário. A longo
prazo, o objetivo deverá ser fazer com que todos os professores, mas em
especial os do secundário, tenham freqüentado estudos superiores, sendo a
sua formação assegurada em cooperação com as universidades ou mesmo
em contexto universitário. (DELORS, 2003, p. 159).
Com esse espírito, portanto, a Comissão não deixa de reconhecer a
importância da elevação da formação dos professores da educação básica ao nível
superior que, devendo ser “assegurada em cooperação com as universidades ou
mesmo em contexto universitário” não é o mesmo que formação na Universidade. A
figura dos Institutos de Educação, que também aparece na Lei 9.394/96, no Brasil, é
contemplada no relatório como devendo estar em estreitos laços com as
universidades. A este respeito, poder-se-ia perguntar sobre qual o papel que, na
formação docente prevista no relatório, ocupa a “produção do conhecimento”, e a
esta pergunta, talvez o próprio relatório aponte as pistas da resposta:
Dada a importância da pesquisa na melhoria do ensino e da pedagogia, a
formação dos professores deveria incluir um forte componente de formação
para a pesquisa e deveriam estreitar-se as relações entre os institutos de
formação pedagógica e a universidade. (DELORS, 2003, p. 162).
Obviamente, o tratamento da pesquisa como importante “na melhoria do
ensino e da pedagogia” é ambíguo, não reflete uma idéia clara de produção de
conhecimento nem do que isso de fato representa na concepção mundial quando diz
respeito a uma orientação generalizada à formação dos professores da educação
básica. Também no caso do Brasil, esta questão não é menos indefinida.
1.2.2 A exigência da formação de professores em nível superior na lei 9394/96
Foi, portanto, no contexto acima descrito, caracterizado por um quadro repleto
de novas exigências e expectativas quanto às escolas e aos educadores, que se
oficializou a orientação e a exigência da formação em nível superior para os
professores da Educação básica, através da lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Esta lei, embora embasada nas determinações da Constituição de 1988, é
também diretamente influenciada pelas perspectivas globais da educação, conforme
se pode perceber nos termos do § 1º do art. 87, que estabelece que:
28
A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará,
ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e
metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos.
A Lei expressa claramente a orientação da formação em nível superior
10
em
seu art. 62, segundo o qual:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries
do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Contudo, além do disposto no art. 62 da Lei 9394/96, causou grande impacto
a determinação constante do art. 87, que instituiu a “Década da Educação” – iniciada
um ano após a publicação da Lei –, e a constante nos termos do § 4º do mesmo
artigo, segundo o qual “até o fim da Década da Educação somente serão admitidos
professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”.
Em especial esta última determinação provocou uma verdadeira corrida para o
ensino superior em que Estados e municípios, através de convênios firmados com
universidades e faculdades públicas e particulares, procuraram, por um lado,
qualificar seus professores, e por outro, realizar concursos exigindo dos novos
candidatos a certificação de graduação.
Diante desse novo quadro, os professores vinculados às redes públicas e,
de igual forma, os vinculados à rede particular, independentemente de convênios
institucionais, entraram na corrida por vagas nas instituições de ensino superior.
Com um demanda crescente, estabeleceu-se um espaço propício à proliferação de
faculdades particulares, tendo em vista a escassez de vagas nas instituições
públicas. Muitas instituições de ensino superior foram criadas, compondo seus
quadros docentes com muitos professores aposentados das Universidades Públicas,
que, nos novos espaços, tiveram que se adaptar a gestões institucionais de filosofia
e de caráter empresariais. Não obstante, diante do novo “negócio lucrativo” em que
se constituíam as faculdades particulares, também se abriram as portas para a
______________
10
A orientação da formação em nível superior para os professores da Educação básica, no entanto,
somente foi regulamentada pelo Decreto 3.276 de 06 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a
formação em nível superior de professores para atuar na educação básica, e outras
providências, publicado no D.O.U. de 07/12/1999.
29
prática do charlatanismo, responsável por dissabores e decepção de muitos
professores e candidatos à profissão docente, que investiram e perderam tempo e
dinheiro em cursos e instituições que legalmente não estavam autorizados a
funcionar.
Outro aspecto a destacar é o da centralidade na experiência docente como
“pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de
magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino”
11
(Lei 9.394/96, art.
67, § 1º). A idéia de experiência docência como pré-requisito para as demais
funções no magistério indica que os saberes dos professores passam a adquirir um
novo estatuto. Não apenas constituem a base necessária para a educação das
novas gerações, mas, também, agora representam a principal chave para a atuação
competente nas diferentes funções pedagógicas na escola, a que a lei trata por
“funções de magistério”.
Nesse sentido, é interessante perceber que, frente a esta realidade de
valorização dos saberes da experiência e pela orientação da nova lei, a conhecida
relação, na qual é o professor que deve buscar subsídios nos saberes dos
especialistas, deve dar lugar a uma via de mão dupla em que também os
especialistas vão buscar subsídios nos saberes dos professores, re-significando seu
valor.
Nas orientações legais nacionais, decorrentes da nova LDB, passaram a
estar presentes as indicações de uma formação docente que deveria reorientar-se
pela ênfase no desenvolvimento de competências, na ressignificação dos espaços
destinados à exploração e vivência de práticas educativas, e na pesquisa com foco
no processo ensino-aprendizagem. Do ponto de vista de tais orientações, abriu-se o
leque para que se propugnasse nas instituições formadoras de professores o ideário
do professor pesquisador e reflexivo e, ao mesmo tempo, para a consideração da
______________
11
Anteriormente expresso em Parágrafo Único, este dispositivo passou a pertencer ao § em
função de uma renumeração dada pela Lei 11.301 d e 10 de maio de 2006, que alterou o art. 67
da Lei n
o
9.394, de 20 de dezembro de 1996, incluindo a definição de funções de magistério no §
2º, que estabelece que “para os efeitos do disposto no § 5
o
do art. 40 e no § 8
o
do art. 201 da
Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e
especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em
estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do
exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento
pedagógico”.
30
escola como lócus privilegiado de formação pedagógica em que figuram como
importantes protagonistas os professores de profissão.
Tal movimento gerou tamanho interesse pela temática da formação de
professores no Brasil que, somente nesta última década, o Banco de Teses da
CAPES registrou um aumento de mais de cinco vezes no número de teses de
doutorado e dissertações de mestrado defendidas por ano, envolvendo este tema.
De um total de 41 teses e 184 dissertações em 1997, evolui-se vertiginosamente
para 209 teses e 1041 dissertações em 2006.
Como um reflexo desse momento de “fertilidade teórica”, no cotidiano da
formação docente em cursos de Pedagogia, é manifesta a tendência de instauração
crescente, no corpo de formadores, de discursos que tanto defendem a valorização
dos saberes da experiência, quanto reconhecem, como ponto de ancoragem da
formação profissional, uma “epistemologia da prática”, enquanto perspectiva a partir
da qual seja possível pensar em um professor com atitude investigativa e reflexiva
de seu próprio fazer. Frente a esse ideário em construção, de professor pesquisador
reflexivo, o qualitativo “crítico” é considerado como algo do tipo: “Sim, sim, é claro
que o professor tem que ser crítico”, como se tanto a compreensão do seu sentido,
quanto o reconhecimento de sua relevância fossem tácitos.
Contudo, as contradições internas vivenciadas na formação docente
percebidas num conjunto de situações cotidianas em que se põem em confronto os
sujeitos com seus condicionamentos reais e as práticas formativas institucionais —,
vêm sugerindo que as leituras que, de um modo geral, os formadores de professores
vêm fazendo dessas novas proposições teóricas da área podem estar sendo
aligeiradas ou suscetíveis de uma tendência até certo ponto “modista” e, por isso
mesmo, pouco crítica, de consideração desse processo de formação.
Por essa razão, mas principalmente por uma opção teórica, o presente
trabalho inclina-se no sentido oposto, comprometendo-se com a busca de uma
criticidade que condições de identificação, discussão e análise críticas das
contradições e lacunas existentes na experiência concreta de formação docente. Um
fato que deve ser mais observado nos cursos de licenciatura em pedagogia,
reconhecidos como espaço de formação inicial de professores, é que, para aqueles
alunos que já possuem a habilitação ao nível do antigo segundo grau para o
exercício do magistério das séries iniciais do ensino fundamental, e que atuam
31
profissionalmente na docência, a denominação “formação inicial” parece não refletir
o que de fato esse estágio de formação representa em suas histórias de vida.
A noção de formação inicial é explorada como uma etapa do processo mais
amplo através no qual os professores aprendem a ensinar; processo este que é
estudado diretamente pela área de conhecimentos conceituada como formação de
professores, conforme proposto por Garcia (1999, p. 26):
A Formação de Professores é a área de conhecimentos, investigação e de
propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didáctica e da Organização
Escolar, estuda os processos através dos quais os professores em
formação ou em exercício se implicam individualmente ou em equipa, em
experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os
seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite
intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e
da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os
alunos recebem.
Contando com as contribuições de Marcelo e Villar Angulo, García (1999, p.
25-26) cita quatro fases desse processo amplo e complexo do aprender a ensinar,
percebidas por Sharoon Feiman, quais sejam:
a) Fase de pré-treino
Inclui as experiências prévias de ensino que os candidatos a professor
viveram, geralmente como alunos, as quais podem ser assumidas de forma
acrítica e influenciar de um modo inconsciente o professor.
b) Fase de formação inicial
É a etapa de preparação formal numa instituição específica de formação de
professores, na qual o futuro professor adquire conhecimentos pedagógicos
e de disciplinas acadêmicas, assim como realiza as práticas de ensino.
c) Fase de iniciação
Esta é a etapa correspondente aos primeiros anos de exercício profissional
do professor, durante os quais os docentes aprendem na prática, em geral
através de estratégias de sobrevivência.
d) Fase de formação permanente
Esta é a última fase referida por Feiman, e inclui todas as atividades
planificadas pelas instituições ou até pelos próprios professores de modo a
permitir o desenvolvimento profissional e aperfeiçoamento do seu ensino.
Isso significa que, quando considerados a partir dessas quatro fases
distintas de aprendizado, aqueles professores experientes que exercem formalmente
a profissão, tanto passaram pela fase de pré-treino, quanto pela de iniciação. A
fase identificada como formação inicial associa-se mais coerentemente com sua
habilitação de nível médio, legalmente validada em nível nacional, apesar de seus
reconhecidos limites.
32
Desse modo, embora para os professores iniciantes seja coerente a
denominação formação inicial, para os professores de profissão, que se
submetem inclusive às práticas de formação permanente, falar em formação inicial
parece um contra-senso. De fato, em termos formais, a graduação representa uma
formação complementar como peso da profissionalização em nível superior.
Enquanto para os novos professores a formação inicial pode representar um
descortinar de teorias e do mundo profissional da docência, para os experientes, que
a encaram como formação universitária ou simplesmente formação em vel
superior, é um confronto entre imagens e prospectos ideais da profissão e uma
realidade bastante adversa, por eles vivenciada, todos os dias.
Nos cursos de Pedagogia do Estado do Piauí a exemplo do que vem
ocorrendo em todo o Brasil —, matriculados muitos professores de profissão,
matriculados mediante convênios estabelecidos com prefeituras ou mediante
seleção autônoma em concursos vestibulares, ou, ainda, em faculdades particulares,
arcando pessoalmente com os custos de sua formação em nível superior. De um
modo geral, trata-se de professores com anos de prática e que, por já conhecerem e
vivenciarem a realidade da docência, diferenciam-se dos alunos iniciantes, apenas
candidatos à profissão de professor
Nas discussões teóricas atuais e nas resoluções oficiais em torno da
formação de professores, ressaltam-se os saberes da experiência e a necessária
articulação entre teoria e prática como importantes fundamentos do processo
formativo em cursos como o de Pedagogia. Deduz-se, portanto, que as salas de
aula desses cursos que possuem alunos-professores constituem espaços
privilegiados de formação, pelo conjunto de interações possíveis. Mesmo assim,
não tem sido estranho que muitos desses atores não tenham a singularidade de sua
experiência como docentes evidenciada e valorizada nas salas de aula das
instituições formadoras, através de situações em que possam manifestar seu
repertório de saberes e práticas.
É plenamente possível acreditar que esses alunos-professores, não apenas
entre seus pares, mas também com aqueles que pouco ou nada têm de vivência
docente, têm elementos que lhes permitem socializar e dialogar sobre suas
experiências e práticas e subsidiar importantes momentos de reflexão sobre a
realidade da profissão. De igual modo, não é difícil reconhecer que mesmo os
professores-formadores podem ser bastante beneficiados nesse diálogo, porquanto
33
tenham sua formação predominantemente centrada em um arcabouço mais teórico
que prático, e sua experiência docente mais situada no ensino superior que na
esfera dos anos iniciais da educação básica.
Contudo, embora possam ser plausíveis os argumentos a favor, a criação de
oportunidades e situações privilegiadas de interação dialógica com alunos-
professores nos cursos de formação docente parece ainda representar um desafio.
A ausência de uma atmosfera de consenso quanto à valorização e viabilidade de um
diálogo efetivo com os alunos-professores em processos formativos reais revela a
necessidade de mudar a perspectiva do olhar sobre a formação e criar situações em
que a experiência possa ser pronunciada. O compromisso com a criticidade indica
que é preciso alimentar o princípio da perspectiva do outro, pois, embora os
professores de profissão não se caracterizem como produtores acadêmicos de
conhecimento, são sujeitos de suas próprias experiências, únicas em cada indivíduo,
e de práticas construídas coletivamente.
Todas estas considerações permitem situar o desenvolvimento do curso de
Pedagogia convênio UFPI/PMT como uma manifestação, no contexto local, de todo
o cenário mais amplo que evidencia como as preocupações, exigências e interesses
globais contemporâneos vêm influenciando as reformas educativas recentes dos
mais diferentes países, inclusive o Brasil, gerando orientações comuns e o
surgimento de políticas e estratégias adaptadas às diferentes realidades regionais e
locais e iniciativas viáveis como a da integração interinstitucional entre Universidade
e prefeitura em Teresina.
Como forma de situar melhor a problemática que venho desenvolvendo
neste trabalho em torno da possibilidade de contribuição dos saberes da experiência
no processo de formação de professores, apresento agora uma breve síntese da
proposta de formação do curso, conforme sistematizada em seu projeto
12
, que tem
servido como provocação de parte das reflexões aqui partilhadas. Com isso espero
que seja possível compreender mais profundamente a relação dialética em que se
entrelaçam visões do curso de Pedagogia enquanto projeto e enquanto processo
______________
12
Projeto Curricular do Curso de Pedagogia Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
(Projeto 5).
34
real desenvolvido; o meu olhar enquanto pesquisador
13
; e as percepções e
concepções dos professores de profissão em torno dessa formação vivenciada,
mediadas por seus saberes da experiência.
1.3 A proposta formativa do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT
O curso de Pedagogia convênio UFPI / PMT traz como pano de fundo de
suas preocupações o problema nacional do fracasso escolar na escola pública e se
justifica como um espaço para a qualificação em nível superior
14
de professores da
rede municipal de ensino de Teresina, “[...] que vem a se constituir em caminho
condutor de fontes geradoras de pesquisa e estratégias de ensino que resultem em
educação consciente, ética e crítica.(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ, 2003,
p. 7, grifo nosso).
Destinando-se a formar professores licenciados para o magistério dos anos
iniciais do ensino fundamental, o curso se estrutura em seis blocos semestrais e
presenciais, de natureza teórica, teórico-prática e prática, intercalados por
seminários e oficinas pedagógicas e atividades culturais a serem realizadas na
UFPI, escolas públicas municipais e outros espaços culturais da comunidade. No
caso dessa turma específica, o curso teve início no primeiro semestre de 2004 e
conclusão no segundo semestre de 2006, adentrando meados de 2007.
O projeto do curso traz explícita a concepção de um trabalho de natureza
interinstitucional,
[...] cujo eixo do processo de formação do professor é a prática social (nas
diversas formas de manifestação cultural) e a prática escolar em sua
especificidade, calcada numa ação reflexiva, na unidade teórico/prática, na
interdisciplinaridade e investigação do fazer pedagógico. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍ, 2003, p. 7, grifo nosso).
______________
13
Mas também e inevitavelmente como ex-aluno e ex-professor do curso de Pedagogia da UFPI, ex-
professor dos anos iniciais do ensino fundamental na rede municipal de Teresina e como formador
de professores atuante em curso de Pedagogia na rede particular e em exercício de coordenação
pedagógica em escola de educação básica, também na rede particular.
14
Quando do estabelecimento do convênio UFPI / PMT, esta possuía um contingente de 1120
professores atuando na rede municipal de ensino, dos quais, aproximadamente 500 não possuíam
formação em nível superior.
35
Na apresentação de seus objetivos, o projeto também é bastante claro
quanto ao propósito maior de oferecer uma qualificação profissional de caráter
crítico e transformador, conforme expresso em seu objetivo geral:
Qualificar professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental, da
Rede Municipal de Teresina, contribuindo para a formação de um
profissional comprometido com as questões culturais e educacionais locais,
regionais e nacionais, bem como, com as questões relativas à realidade
político-econômico-social e ético numa perspectiva crítica e transformadora.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ, 2003, p. 8, grifo nosso).
Além disso, propõe-se a contribuir para a implementação de uma política de
desenvolvimento pessoal e profissional dos professores; proporcionar condições
teórico-prático-reflexivas para que o professor compreenda sua práxis, buscando
reconstruí-la continuamente; desenvolver estudos e pesquisas sobre a prática
pedagógica vivenciada na escola, visando a compreensão e reflexão sobre o
cotidiano escolar; e resgatar a relação técnico-ético-política subjacente à prática
docente, considerando potencialidades e limitações da ação pedagógica
desenvolvida nas escolas públicas municipais de Teresina.
Na apresentação do perfil profissional almejado dos professores o projeto
inicia esclarecendo que o curso tem a tarefa de orientar o professor para:
[...] desenvolver a capacidade de intervenção científica e técnica em seu
ambiente de trabalho, assegurando a reflexão crítica permanente sobre sua
prática e realidade educacional historicamente contextualizada.
Deste professor espera-se a capacidade de (re)construir seu projeto
pessoal e profissional a partir da compreensão da realidade histórica e da
compreensão de sua identidade profissional, distinguindo-se e
posicionando-se diante das políticas que direcionam as práticas educativas
na sociedade. Este processo de (re)construção deverá desenvolver-se no
decorrer do curso, mas o se inicia neste momento nem, tampouco, nele
se encerra, estendendo-se para além dele. Desse modo, é co-
responsabilidade da agência formadora (UFPI) e agência conveniada
(PMT). (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ, 2003, p. 9).
A caracterização do perfil profissional almejado dos professores egressos do
curso gira em torno de uma ampla capacidade perceptivo-crítica sobre:
- a realidade brasileira nos aspectos sócio-político, econômico e cultural;
- o reflexo da estrutura social e econômica tanto em nível nacional quanto
em nível local, vislumbrando suas implicações nas condições de vida dos
sujeitos;
- a relevância da competência técnica/política/ética, como eixo norteador na
construção do conhecimento;
- a necessidade de valorizar o potencial criativo da criança e do
adolescente, respeitando sua bagagem cultural;
36
- o processo de alfabetização em suas múltiplas facetas;
- a sala de aula como espaço social propício ao exercício da cidadania;
- a avaliação da aprendizagem como um instrumento diagnóstico do
processo ensino-aprendizagem;
- a necessidade do desenvolvimento do trabalho interdisciplinar na escola;
- a necessidade de desenvolver um processo de alfabetização de acordo
com as necessidades de aprendizagem dos alunos, acreditando no seu
potencial para aprender;
- a necessidade de respeitar o nível de aprendizagem dos alunos ao
planejar atividades desafiadoras de alfabetização. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍ, 2003, p. 9).
Nessa apresentação do perfil almejado dos profissionais egressos do curso,
é possível perceber uma importante preocupação em enfatizar a expressão de uma
competência pedagógica especialmente relacionada com a alfabetização.
Nas proposições iniciais é possível perceber que o curso é necessariamente
concebido a partir de um discurso que expressa uma orientação voltada para uma
formação crítica e transformadora. Afinal, este é um ideário muito defendido pela
Universidade pública, embora conceitos como crítica e transformação tenham se
transformado, ao longo do tempo, em slogans que sugerem uma compreensão tácita
do que representam, fazendo crer que é desnecessário alimentar um
questionamento quanto ao que, de fato, significam. Também nesse discurso, são
reunidos ao ideal histórico da educação crítica, importantes referências e princípios
norteadores contemporâneos da formação, como a prática social e a prática escolar,
a ação reflexiva, a unidade teoria/prática, a interdisciplinaridade e a investigação do
fazer pedagógico.
Na apresentação das competências a serem desenvolvidas no curso, elas
são divididas em três categorias: a) pedagógicas, relacionadas ao conhecimento da
realidade em que se insere o processo educativo e ao desenvolvimento de formas
de intervenção, e à compreensão do processo de desenvolvimento e aprendizagem;
b) didáticas, relacionadas à formulação, discussão e avaliação do projeto
pedagógico da escola, ao planejamento, realização e avaliação de situações de
ensino e aprendizagem, à incorporação das novas tecnologias da informação e
comunicação no trabalho docente, e à pesquisa e análise de situações educativas e
de ensino; e c) específicas, relacionadas à seleção e organização de conteúdos e à
sua transposição didática.
Nessa apresentação, para perceber a conotação crítica e transformadora da
formação e da ação docente, manifesta por uma competência de natureza político-
37
social, é preciso inferi-la e subtendê-la como estando inserida nas demais. Da forma
como estão apresentadas, sugerem um enfoque mais voltado ao desenvolvimento
de uma racionalidade instrumental.
Nesse sentido, é preciso registrar que a perspectiva teórica que defende
consistentemente uma educação crítica e transformadora é a mesma que na
atualidade tem assumido uma crítica mordaz à tendência formativa hegemônica,
centrada na racionalidade instrumental e técnica. Daí que sustentá-la com firmeza e
coerência não seja uma tarefa fácil. É preciso reconhecer, por exemplo, que entre
um ideal assumido de formação crítica e a conquista de sua realização, muitos
condicionantes a serem superados, como as orientações ideológicas hegemônicas,
que têm força suficiente para suplantar discursos destituídos de solidez teórico-
filosófica.
Esta consciência parece estar presente nas proposições iniciais do projeto
do curso, onde este se assume, de forma bastante reticente e modesta, como
caminho condutor(1) de fontes geradoras(2) de pesquisa e estratégias de ensino(3)
que resultem em educação consciente, ética e crítica(4)”. O resultado final almejado,
a conseqüência última do processo formativo vivenciado, deverá ser uma educação
consciente, ética e crítica, mas o curso, em si, nada pode assegurar ou garantir
quanto a esse resultado, somente pode ser, neste caso, a primeira instância de um
processo rumo a um grande objetivo situado em quarta instância.
A articulação entre as dimensões epistemológica e profissionalizante se
apresenta como o princípio curricular norteador da formação no curso de Pedagogia,
o qual deverá orientar-se pelas seguintes diretrizes:
- O trabalho pedagógico é o foco formativo do professor, mediado pelas
manifestações culturais;
- O curso deve oportunizar sólida formação teórico-metodológica, em todas
as atividades curriculares, permitindo a construção da autonomia docente;
- A pesquisa, investigação do cotidiano escolar, deverá ser incorporada
como princípio no processo de formação do professor;
- O trabalho pedagógico, fundamentado na realidade educativa da escola e
na construção coletiva e interdisciplinar do conhecimento profissional, como
forma de favorecer a gestão democrática no exercício da docência será o
eixo da formação docente.
- O desenvolvimento de habilidades comunicativas e a relação dialética
professor/aluno como norteadores do trabalho pedagógico na escola.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ, 2003, p. 11).
38
Quanto à organização curricular, o projeto do curso prevê uma dinâmica que
venha enfatizar:
- a relação dialética teoria/prática;
- a formação em serviço como um continuum a partir de práticas
interdisciplinares, salientando o exercício da gestão democrática na
docência;
- a vinculação entre ensino e pesquisa;
- os aspectos sociais, culturais da realidade da escola, do aluno e do
professor;
- a construção da competência pedagógica, articulando as dimensões
técnica, ética e política subjacentes à prática docente.
- as linguagens artísticas como mediadoras do desenvolvimento e
expressão das emoções e conhecimentos (saberes). (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PIAUÍ, 2003, p. 12).
Na estruturação de sua grade curricular
15
, os seis blocos do curso de
Pedagogia convênio se organizam segundo orientações temáticas, quais sejam: I
formação histórico-cultural do professor e a realidade brasileira; II teoria e
pesquisa educativa; III – currículo, avaliação e prática educativa; IV políticas
públicas e prática educativa; V conteúdo, metodologia e prática educativa; e VI
NTIC e prática educativa. Examinando a distribuição das disciplinas na grade
curricular, percebe-se que, até o terceiro bloco, a não ser pela inserção dos
seminários e oficinas específicas iniciais em cada período, o currículo segue uma
organização básica e largamente praticada nas Universidades, que privilegia na fase
inicial dos cursos a construção de uma compreensão teórica do fenômeno educativo
a partir das perspectivas histórica, filosófica, sociológica, antropológica, psicológica e
epistemológica.
A partir do terceiro bloco, já se desenvolve uma orientação mais voltada para
a construção de fundamentos pedagógicos específicos como os relacionados ao
currículo, à didática e às políticas públicas da educação básica e, mais estritamente,
à alfabetização. O quinto e sexto blocos se tornam eminentemente instrumentais,
privilegiando os conteúdos e metodologias de ensino específicos e a prática
educativa na escola, iniciada formalmente no quarto bloco e desenvolvida na forma
de estágio supervisionado com aproveitando das experiências de prática pedagógica
dos professores em cada escola.
______________
15
Trago, junto aos anexos, uma reprodução desta, acompanhada das ementas das disciplinas e das
listas de temas de seminários e oficinas, conforme previstas e apresentadas no projeto do curso.
39
Diante dessa proposta de formação, recaem sobre o curso as mesmas
preocupações clássicas que vêm acompanhando a Universidade, de um modo
geral, e que a questionam quanto ao seu poder efetivo de formar educadores
competentes na contemporaneidade a partir de uma visão predominantemente
centrada na racionalidade técnica e instrumental, embora, neste caso específico,
seja patente o foco na prática dos professores experientes e a defesa de uma
formação investigativa e reflexiva que possa transcender a racionalidade meramente
técnica. É importante registrar que não há quem possa dizer, nesse sentido, que não
houve por parte da Universidade um esforço genuíno no sentido de conceber um
curso de Pedagogia que pudesse implicar mudanças reais na qualidade da
formação e na prática educativa dos professores do município.
Não seria, pois, em torno do projeto do curso em si e de sua organização
curricular que se alimentam as preocupações acima aludidas, mas em torno dos
verdadeiros pressupostos teóricos que orientam o desenvolvimento de seu currículo
e a prática dos formadores.
Um exame das ementas das disciplinas do curso revela que elas são
genéricas o suficiente para possibilitar ser atendidas por formadores com
concepções de formação muito diferentes. Exemplo disso são os seguintes pontos,
explorados em diversas disciplinas especialmente na primeira metade do curso:
conceito de cultura; educação e construção da cultura; fundamentos e contradições
político-filosóficos da educação brasileira; problemas metodológicos do
conhecimento; gênero e educação; educação e poder; educação e sociedade;
escola e estrutura social; estruturas econômicas, políticas e ideológicas; realização
de pesquisa e análise de situações de pesquisa e de ensino, com a finalidade de
produzir conhecimentos teórico-práticos; prática de leitura e prática de produção de
textos; história da educação e história da educação brasileira; educação brasileira
atual; evolução da educação no Piauí.
Todos esses tópicos de ementas acima podem ser transformados em
experiências críticas extremamente esclarecedoras para os professores, no sentido
de permitir-lhes compreender e interpretar a realidade educativa em que atuam e de
significar sua prática enquanto práxis reflexiva crítica. Do mesmo modo, no entanto,
também podem ser transformados em retóricas enfadonhas, incompreensíveis ou
sem qualquer significado prático para professores que vêm imbuídos de vivências,
saberes experienciais e dilemas cotidianos que urgem por compreensão, solução e
40
estratégias de enfrentamento que lhes permitam sobreviver mantendo a motivação e
a sanidade no exercício da profissão.
O desenvolvimento de um processo formativo, especialmente se embasado
numa concepção crítica, requer um identificação dos sujeitos reais a quem essa
formação se destina e de quem se espera uma prática transformadora; é preciso
partir da consideração de suas experiências historicamente construídas e situadas,
enquanto indivíduos e grupo social que partilham uma determinada cultura a partir
da qual balizam suas vidas e também a dos seus alunos na escola; é preciso
orientar as estratégias de desenvolvimento do currículo previsto partindo dos
referenciais culturais dos sujeitos de modo a poder provocar rupturas e
transformações efetivas na realidade.
Nos tópicos seguintes, apresento traços de caracterização desses alunos-
professores do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT, no sentido de que
possamos conhecer e compreender a partir de que referenciais de realidade eles
partem e de onde emanam suas vozes.
1.4 Os professores experientes do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT:
traços de um perfil
Os professores experientes que participaram desta pesquisa aqui estão
vistos a partir de uma referência comum de atuação profissional, que é o espaço da
escola pública
16
. É neste espaço de educação que muitos ideais como os de
democracia, construção da cidadania, autonomia e emancipação humana ainda hoje
são propugnados, tendo os professores como sujeitos protagonistas nesse
processo. Mas, quem são esses professores? Como se constituíram professores?
Que práticas trazem consigo? Que significados atribuem ao ser professor?
Os dados e caracterizações aqui apresentados estão sintetizados a partir de
de respostas contidas nos questionários aplicados junto ao grupo para levantamento
de seu perfil profissional e respondidos quarenta e cinco dos cinquenta professores
______________
16
Em sentido mais preciso, eu poderia circunscrever essa referência de atuação profissional à rede
municipal de ensino de Teresina, contudo, muitos dos professores dessa turma também atuam na
esfera pública estadual e ou em escolas na rede particular de ensino, de tal forma que suas
considerações são carregadas de construtos e referências que se relacionam ao conjunto de suas
experiências como um todo.
41
participantes da pesquisa. Os cinco professores restantes, ou não estiveram
presentes na data de aplicação dos instrumentais ou se ausentaram no momento
sem que podendo respondê-los. Dentre todos os professores que responderam ao
questionário, nove foram selecionados para entrevistas. As respostas subjetivas aqui
constantes somente identificam os professores entrevistados.
O grupo de professores envolvido na pesquisa é constituído por quarenta e
oito mulheres e apenas dois homens. Este primeiro elemento evidencia, para
início de apresentação, não ser possível reconhece esses “professores” o mais
aproximadamente possível de sua realidade se não levando em conta que os
condicionantes históricos e socioculturais a que são submetidos são
predominantemente aqueles relacionados ao gênero feminino.
Tratar-se de um grupo que possui entre 36 e 55 anos de idade. Destes,
menos de 10% iniciaram na docência somente após os trinta e quatro anos de
idade, quase 20% que ingressaram na profissão entre os 14 e os 18 anos, e a
grande maioria, mais de 65%, entre os 19 e 28 anos. O tempo de atuação
profissional varia de 02 a 39 anos, perfazendo uma tempo médio de quase 23 anos
de docência por professor.
1.4.1 Perfil da atuação docente do grupo
Aliado ao tempo de docência que cada participante acumula
individualmente, outro elemento que ganha destaque é o caráter da diversificação e
concentração da atividade profissional do grupo. Os professores têm um histórico de
atuação que permeia a educação infantil, a alfabetização de crianças e de adultos, a
educação de jovens e adultos, a educação de crianças especiais ou em classes de
apoio especial, a docência nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, o ensino
extra-escolar, além de outras experiências em educação não vinculadas diretamente
com a sala de aula, conforme apresentado no QUADRO 01.
O curso de Pedagogia convênio UFPI PMT oferece aos professores, na
condição de formação inicial, a habilitação para o magistério das séries iniciais do
ensino fundamental, nível este em que 93,3% desses professores possuem, em
média, 15 anos de atuação. Além disso, desse grupo, 60% também possuem, em
média, mais de 5 anos atuando com alfabetização infantil; quase 38% têm em média
mais de seis anos em educação infantil; 24,4% e 22,2% têm em média,
42
respectivamente, mais de 4 anos como alfabetizadores de adultos e mais de 5 anos
atuando com a educação de jovens e adultos. Além dessas, ainda as outras
atuações em menor porcentagem, em que ainda vale destacar os 11% dos
professores que possuem em média mais de 8 anos de docência nos anos finais do
ensino fundamental.
QUADRO 01
Tempo, tipo e representatividade da atuação docente dos professores
Pré-
escola
Alfab.
Infantil
Alfab.
Adultos
EJA
Educ.
Especial /
Classes
de APE
Anos
Iniciais
Ens.
Fund.
Anos
Finais
Ens.
Fund.
Docência
Extra-
escolar
Outra(s)
Quantidade de
professores com
experiência
17 27 11 10 7 42 5 1 5
Representatividade
da quantidade de
professores no
conjunto
37,8% 60,0% 24,4% 22,2% 15,6% 93,3% 11,1% 2,2% 11,1%
Anos de atuação
somados do grupo
105 143 49 56 30 633 41 1 14
Tempo médio de
atuação em anos
por professor
6,2 5,3 4,5 5,6 4,3 15,1 8,2 1,0 2,8
Representatividade
do tempo médio de
atuação docente no
conjunto
9,8% 13,4% 4,6% 5,2% 2,8% 59,1% 3,8% 0,1% 1,3%
Fonte: Pesquisa direta.
QUADRO 02
Quantidade de professores com atuações extraclasse em educação
Direção de
Escola
Coordenação
/ Apoio
Pedagógico
Função
Técnico-
administrativa
na Secretaria
da Escola
Outras
funções
tecnicas e ou
pedagógicas
na escola
Função
Técnico-
administrativa
em Secretaria
de Educação
Função à
disposição de
Outros
Órgãos
Públicos
Outras
20 4 2 0 1 1 3
44,4% 8,9% 4,4% 0,0% 2,2% 2,2% 6,7%
Fonte: Pesquisa direta.
No QUADRO 02 é possível ver, ainda, um outro nível de atuação profissional
dos professores que, pela correlação inerente com o trabalho de sala de aula, tem o
potencial de ampliar-lhes a perspectiva de percepção da própria docência. Aqui é
relevante a verificação de que quase 45% dos professores atuaram na gestão
43
escolar e cerca de 9% assumiram os papéis de coordenação e apoio pedagógico
em suas escolas.
1.4.2 A formação anterior ao curso de Pedagogia
De acordo com o QUADRO 03, a seguir, todos os professores apresentam a
exigência legal mínima de formação para a atuação no magistério das séries iniciais
do ensino fundamental, que é o curso normal de nível médio, sendo que, além disso,
73,3% possui ainda o magistério com quarto ano adicional que lhes assegurava o
direito ao magistério de disciplinas até a série do ensino fundamental. Quase
18,0% dos professores conta, ainda, com estudos anteriores em cursos superiores
não completos, especificamente as licenciaturas em Pedagogia e Filosofia.
QUADRO 03
Formação dos professores anterior ao ingresso no curso de pedagogia convênio UFPI /
PMT (por quantidade de professores)
Normal Nível
Médio
Normal Nível
Médio com
Ano Adicional
Outra
Formação de
2º Grau
Curso Superior
Incompleto
Curso Superior
Completo
Outra
12 33 5 8 1 1
26,7% 73,3% 11,1% 17,8% 2,2% 2,2%
Fonte: Pesquisa direta
Para esses professores, portanto, a identificação do curso de Pedagogia
como “formação inicial” constitui uma terminologia inadequada, uma vez que, no
curso de sua atuação profissional - a maioria com início bem anterior ao da
homologação da Lei 9.394/96 - eles estiveram atendendo às exigências legais de
qualificação profissional dos sistemas de ensino para o exercício da profissão.
1.4.3 A participação em cursos de aperfeiçoamento, atualização e capacitação para
a docência
Embora os termos aperfeiçoamento, atualização e capacitação sejam
discutíveis em suas acepções e significações ideológicas, foram aqui utilizados com
a clara intenção de evidenciar usos correntes das denominações das atividades de
formação continuada e em serviço, de forma a facilitar a identificação do nível de
44
participação dos professores nessas atividades, bem como aquelas que consideram
ter sido mais relevantes ao longo de sua trajetória profissional.
Os QUADROS 04 e 05, a seguir, denotam a intensidade e o tipo de
atividades em que o grupo se envolveu, bem como a principal origem desses
eventos formativos, no caso, o próprio poder público. É possível verificar que
praticamente todos os professores possuem alguma participação em evento
formativo, entretanto, considerando-se o tempo médio de 15 anos de atuação
docente de cada um, somente nos anos iniciais do ensino fundamental, talvez se
pudesse esperar que houvesse uma percentagem maior que 26,7% (QUADRO 05)
de professores com participação em, pelo menos, nove cursos de formação.
QUADRO 04
Participação em cursos de aperfeiçoamento, atualização e capacitação para a docência
(por quantidade de professores)
Nenhum curso até o
momento
Pelo menos 1 curso ou
mais
Pelo menos 4 cursos
ou mais
Pelo menos 9 cursos
ou mais
2 43 28 12
4,4% 95,6% 62,2% 26,7%
Fonte: Pesquisa direta
QUADRO 05
Cursos considerados como os mais importantes dos quais participaram os professores
(por freqüência de vezes em que foram citados)
CURSOS FREQUÊNCIA
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN 29
Programa de Formão de Professores Alfabetizadores – PROFA 21
Programa de Gestão Escolar – Gestar 7
Projeto Pra Ler 3
Pró-letramento 3
Alfabetização Passo a Passo 2
Educação Física 2
Educação Infantil 2
Linguagem Brasileira de Sinais – LIBRAS 2
Oficina de Matemática 2
Programa de Aceleração da Aprendizagem – Acelera, Alfabetização Especial,
Apoio Pedagógico Especial, BRAILE, Construtivismo, Educação Artística,
Projeto Escola Ativa, Leitura e Produção de Textos, Projeto Se Liga e Projeto
Vencer
1
Fonte: Pesquisa direta
45
Um olhar mais atento sobre o QUADRO 05 também evidencia um outro
aspecto importante: os cursos de formação mais citados pelos professores e
também os considerados como de maior relevância ocorreram exatamente ao longo
desta última década, quando o Estado brasileiro passou a investir maciçamente nas
políticas e estratégias de fomento à Educação Básica, onde se inserem as
perspectivas governamentais de formação docente. Até então, a grande maioria
desses professores não apenas estava privada das discussões acadêmicas em
torno do fazer educativo, como também não vinha se submetendo com freqüência a
eventos formativos ou estes, quando ocorriam, não eram considerados relevantes
como os mais recentes. Eis um importante indicativo de que o discurso e as
proposições oficiais em torno da educação básica estão tendo fortes ressonâncias
nas percepções dos professores.
O QUADRO 05 revela, ainda, o principal foco de preocupações dos eventos
formativos, voltado especialmente para o desenvolvimento de competências para o
ensino dos fundamentos e processos básicos da alfabetização, num claro
reconhecimento de que o domínio de competências com a língua ainda representa,
juntamente com as habilidades básicas do conhecimento matemático, a principal
deficiência no sistema de ensino. Esse déficit no domínio da competência lingüística
é tão nevrálgico que entre os próprios professores é possível identificar situações
flagrantes
17
que testemunham a precária formação a que também eles foram
submetidos.
Uma lacuna, entretanto, permanece quando se pára para pensar sobre a
origem das concepções dos eventos de formação que ainda vêm ocorrendo, quase
que em sua totalidade, de cima para baixo: é o Ministério da Educação, juntamente
com os governos estaduais e municipais, através de seu corpo especializado de
técnicos em educação, quem concebe a seleção e produção de materiais e a
realização dos eventos de formação aos professores de profissão. A noção de uma
prática de formação continuada e em serviço emergente de momentos de reflexão
coletiva dos professores que juntos definem prioridades e necessidades formativas,
ainda não é algo verificável no grupo.
______________
17
Nos registros transcritos das respostas dos professores, apresentadas nos questionários, foi
proposital a fidelidade à forma original como expressaram suas idéias. A despeito da vivência de
muitos anos de docência que cada um possui, as dificuldades com a própria escrita são evidentes.
46
1.4.4 Elementos de suas histórias de vida e do sentido de ser professor
Nesse grupo de alunos-professores, uma identidade vai sendo tecida a partir
de muitas histórias parecidas, de uma inserção na profissão docente que se dá,
principalmente, por força das circunstâncias da vida em famílias pobres, que
conduzem à profissão docente como um meio de assegurar um ingresso possível no
mercado de trabalho. As passagens de entrevistas, abaixo, revelam nuances
significativas dessa identidade presente entre os alunos-professores.
Julival – Você trabalha no interior?
Dionar - Trabalho na zona rural de Teresina... [...] Eu morava na zona rural. Nasci na zona
rural. Só que meu pai teve aquela preocupação... Meus pais tiveram aquela preocupação de
colocar a gente na escola e tudo mais... Dar uma educação, né? Que, naquela época, era
até mal vista a pessoa que colocava seus filhos na escola [...] ...Que queria ser rico e tudo
mais. E aí... como eu, e toda a família, a gente seguiu essa profissão professor. [...] Eu
comecei a trabalhar como substituta... substituta de uma professora que ia ganhar neném e,
nessa época, não tinha nem concurso. E eu, a única formação que eu tinha era o ginásio,
e... teve essa necessidade, e eu fiz um teste na prefeitura. Nesse teste eu passei e fui
substituir essa professora. Logo gostaram do meu trabalho e, então, eu fiquei efetiva.
Julival – [...] Como é que você se tornou professora?
Marlete - Isso eu acho que todo pobre, [...] como não tem outra maneira, outro emprego,
sempre os pais da gente trabalham pra ver se os filhos, querendo ou o... a minha foi
nesse sentido — Todo mundo é pra ser professor! Minha mãe foi e depois não se deu bem,
foi pra área de enfermagem. Então, ou era enfermagem ou era pra ser professora. Mas,
assim mesmo, eu, toda vida gostei. E hoje eu não me vejo... Se eu nascesse novamente,
certeza absoluta, eu ia ser professora, mesmo com toda dificuldade [...].
Julival – [...] Como você, professora Ana Lúcia, se tornou professora?.
Ana Lúcia - Olha, eu diria que [...] não foi planejado, não era meu sonho, foi até mais por
uma opção. Eu sempre estudei em escola pública e, numa família de onze filhos, era muito
difícil... — antes eu pensava assim — era muito difícil emprego. E estudar, assim, em escola
pública, os conteúdos o sempre, assim, mais simplificados. E trabalhando o dia inteiro,
não dava tanto tempo pra estudar, assim, pra concorrer a outros concursos. Daí eu tentei
várias outras coisas. Trabalhar como comerciária, [...] colocar o próprio serviço, fábrica de
confecção... e outros e outros. Daí eu fiz o seguinte, surgiu a época em que teve o
concurso, aí sempre eu comecei estudar em casa, já pensando nisso: “é o que dando pra
mim, eu vou fazer”.
Julival – Como foi que essa história da professora Erzilene começou?
Erzilene - [...] Eu tinha apenas quinze anos, aí, como eu trabalhava com cerâmica, aquelas
coisas, a minha vizinha perguntou se eu não queria passar pros alunos na escola [...]
esse meu conhecimento, né?, eu disse: “Tá bom!”. ela pegou e fez um contrato
comigo, trabalhei, aí, de em diante... eu fazia estradas, nessa época, na Escola
Técnica... eu peguei, não fiz mais o curso de estradas... [...] Eu fui fazer o teste do
Instituto pra mim ficar no Instituto... Que eu me empolguei! Fiquei, assim, ave Maria,
admirada... “Meu Deus, eu quero ser é professora!” [...] Começou dessa forma aí... duma
brincadeirinha...
47
Julival – [...] Como é que você, Lucimar [...], se tornou professora?
Lucimar - Eu me tornei professora sendo professora de alunos de cinco anos de idade numa
escolinha na cidade de Parnarama, no Maranhão. veio a necessidade de trabalhar, com
quatorze anos, eu saí atrás de meninos de cinco anos, alunos pra mim ensinar, eu
consegui, o prefeito me ajudou e eu consegui, e formei turma e comecei trabalhar com
alunos de cinco anos. [...] Fui atrás dos alunos, aí convidei uma colega, aí a colega foi atrás,
também, comigo. Nós formamos duas turmas [...]. o prefeito mandou atrás de um
professor em São Luis pra vir fazer um teste com a gente, pra saber se a gente estava
preparada. Eu, com catorze anos, preparada pra dar aulas para alunos de cinco anos?! Ali
mesmo eles fizeram o teste. Ainda hoje eu lembro até da história que ele mandou eu contar,
acredita? Mandou eu contar uma história... A professora chegou, muito elegante, né? E ela
disse: “Agora, cada uma vai contar uma história.” eu fui e contei uma história da menina
Lúcia, daquela Lucinha, que era uma menina tímida, e tudo... eu contei essa história
muito bonitinha, ela disse que tava ótima a história e escreveu umas coisas no quadro e
eu respondi o que eu podia... o que eu sabia, ? E... ela disse que tava aprovada, que
podia dar aula.
Julival Professora Regina, fale um pouquinho mais sobre como começou a sua história de
ser professora.
Regina - A minha história de ser professora deu-se a partir do momento que minha família
achava que deviam as filhas ser professoras... e as outras irmãs não queriam. Nós somos
cinco irmãs. E não queriam, não queriam... Só eu. Eu digo: “Não, eu tenho que fazer alguma
coisa. Papai quer, mamãe quer...” Fui ser professora. Ingressei no Instituto de Educação
na época fazendo um teste —, fui aprovada, passei quatro anos três anos, mais um
ano de estudos adicionais. Mas antes disso eu trabalhava E... minha mãe falava assim:
“Ora, menina, tu não quer ser professora?” Eu digo: “Não, mamãe, eu não quero ser
professora”. “Como tu aula?” Eu dava aula pra alguns alunos do cursinho chamado
Exame de Admissão. Nós formamos um grupo de professores e eu dava aula à noite com
as colegas. Depois, aquilo ali foi, assim... entrando, devagarzinho, devagarzinho,
internalizando aquela história de ser professor e terminei sendo professora. [...] Fui
gostando e ficando... gostando e ficando, e até hoje eu estou como professora.
Julival [...] Como começou essa história da Edna pessoa que um dia se tornou
professora? [...]
Edna Olha, eu realizei um sonho do meu pai, porque sempre meu pai dizia que a gente...
que as filhas dele tinham que ser professora. Aí, então, eu resolvi ir fazer o pedagógico e
logo que terminei o pedagógico eu fui trabalhar em escola particular. Com um ano de escola
particular fui convidada pelo... até por um político, que na época não tinha cursos, né?, E...
entrei na prefeitura.
[...]
Julival – Fala um pouco do teu pai. Porque teu pai queria que as filhas... [...] fossem
professoras?
Edna - Nós somos cinco filhas [...] e meu pai era [...] militar, e naquela época os militares...
os pais, antigamente, eles viam muito assim, que as filhas tinha que ser professoras e os
filhos tinham que ser militares. E meu pai sempre dizia que queria que as filhas dele fossem
professoras, e aí eu... nós, as cinco irmãs, seguimos esse caminho.
Os fragmentos acima revelam um pouco das histórias de professoras que
tiveram, no contexto específico de sua formação e realidade de vida, um
encaminhamento para a profissão docente em que, por vezes, o ser professor é
envolvido por uma mística que parece compensar as dificuldades que acompanham
o exercício da profissão.
48
As histórias permitem perceber os professores experientes como pessoas
que, em vez da docência, poderiam ter alimentado uma série de outras expectativas
de formação profissional, caso o contexto cultural e socioeconômico de suas vidas
fosse diferente. Diante das contingências, ingressa-se na docência e aprende-se a
ser professor; ante à necessidade de sobreviver e aos papéis assumidos nas
interações humanas travadas no exercício da profissão, aprende-se a gostar e, mais
ainda, a sublimar o significado de ser professor.
Julival - Professora Erzilene, faça um rápido balanço, assim, do que tem sido ser professora
ao longo desse tempo todo.
Erzilene - É árduo, ? É muito difícil. [...] Eu agora, por exemplo, peguei uma clientela
muito difícil, que é de alfabetização [...]. Então... eu na zona rural. [...] Até eu me deparei,
assim, com uma situação mais difícil, porque eu não pensei que a zona rural tava tão
fracassada desse jeito. [...] Quando eu trabalhei uma vez na zona rural os meninos tinham
respeito pela gente, era como tia. Agora não, é diferente, eles são mais arredios, mais... sei
lá... [...] E agora tá os pais... não ajudam. [...] Então, tá difícil agora esse momento que eu tô
passando com esses meninos lá na zona rural, e aí eu digo, é árduo trabalhar vinte anos em
sala de aula, [...] cada ano um tipo diferente de alunado... É muito difícil, mas... tem suas
gratificações, suas recompensas. Quando, eu trabalhando com alfabetização, que a criança
não sabe de nada, aí, de repente, abre o conhecimento e começa a escrever, a ler, aquilo
pra mim é... ave Maria! É tudo!
Dionar - [...] Minha experiência total é de zona rural, com crianças, realmente, que precisam
não do saber, do ler, do escrever, mas como necessitam também de um carinho, de um
apoio, de uma atenção em todos os sentidos. E é uma experiência gratificante. trabalho,
muito trabalho. É muito, muito trabalhoso mesmo. A gente passa... Tem horas que
acontece cada coisa que você diz assim: “não, não vai dar”, mas aí, depois que você
aquelas carinhas, aquelas coisas, aqueles sorrisos, você muda totalmente de opinião. É
gratificante, é um crescimento. É um crescimento de um valor muito grande que a gente não
pode nem imaginar o quanto. Eu mesma, às vezes, eu sinto e eu digo assim: hoje, hoje eu
muito ruim, hoje eu não sei nem como é que eu vou ficar numa sala”. Mas, na hora que
eu entro na sala de aula, pronto... Passou tudo. É gratificante. Às vezes, as meninas dizem
assim: “Ave Maria, a Dionar não se cansa.” Eu digo: “Não!” Parece que é assim a minha
vida... Que eu possa estar até me sentido mal e tudo mais, mas quando eu chego,
passou. É uma coisa que nos muito trabalho, muita preocupação, muita
responsabilidade, porque a gente tem que fazer tudo: é pai, é mãe, é professor, é o médico,
é tudo pra eles.
Julival – [...] O que é ser professora durante esse tempo todo? O que tem sido essa
experiência?
Lucimar - Eu acho, assim... ser professor... quando eu olho meus alunos que hoje estão
todo mundo formado, e encontra comigo, eu me sinto tão importante, tu acredita? Mas eu
me sinto importante! Quando eu estudava na Universidade, mesmo ali, fazendo aquele
curso, eu me sentava... [...] e de vez em quando passava algum daqueles que foram meus
alunos, “Professora, o que que você tá fazendo aqui?” Aquela alegria maior do mundo. E
aquilo ali eu me sentia... que meus alunos estavam ali, comigo também. Eu me sentia... eu
me sinto importante e eu gosto de ser professora. Eu vou me aposentar, mas é com
saudade. Coisa que eu acho melhor é eu estar dentro de uma sala e eu olhar pra aquelas
crianças e eu ensinar aquelas crianças e aquelas crianças aprenderem. Passar atividades
pra eles e eles resolverem os problemas tudo... Ave Maria! Alguns que o fazem muita
coisa, mas eu vou ajudar e eu quero levar todo mundo.
49
Julival Você [...] falou um pouco antes que a realidade do professor não é exatamente
muito fácil, no dia a dia, [...] que, às vezes, os professores da Universidade, nem todos eles
conhecem, têm essa vivência da realidade. Mas como é que você, como professora,
enfrenta esse dia a dia? De onde você encontra energia ou... o que te motiva a enfrentar
esse dia a dia, dessa realidade dura de professor?
Edna - [...] Quando a gente faz o que gosta as coisas se tornam mais fáceis, só que eu
estou com sete anos que estou na Vila Irmã Dulce. Eu deparei, assim, com um problema
muito sério... Crianças difíceis, sabe? Clientela grande demais, turmas com trinta e cinco
alunos. Mas aí, a gente quando vai ver a realidade de cada um, a gente começa a trabalhar,
a conhecer cada criança, a gente vai percebendo que tudo aquilo é prazeroso na vida da
gente. Trabalhar com essas crianças.
O ser professor transforma-se em algo que transcende o mero exercício de
uma função profissional na escola. Para além da figura institucional do professor,
existe a construção da figura missionária do educador, cuja identidade parece ser
capaz, em certa medida, de fazer superar ou conformar-se ante as dificuldades do
cotidiano. Por um lado, isso revela como os professores, a despeito das condições e
circunstâncias de ingresso e exercício na profissão, podem construir o sentido de
uma práxis profissional centrada no valor do ato educativo; por outro lado, essa
mesma prática que se justifica por um fazer com e para o outro e que é vista como
algo que dignifica e gratifica o professor, também atua como um poderoso artifício
ideológico de conformação do professor às condições de exercício da profissão,
construídas historicamente.
Em suas vozes, os professores se revelam profissionais que carregam
consigo as marcas da educação e escolarização que tiveram e que se aproximam
da realidade das comunidades em que atuam, para quem o padrão culto da
linguagem e do saber escolar e o desenvolvimento de certas habilidades sicas de
comunicação não constituem regra. Mas, de certo modo, também são as limitações
que trazem consigo que tornam os professores conscientes de que precisam, de
alguma forma, fazer a diferença na vida dos alunos.
Marlete [...] Eu jamais quero que aluno nenhum meu tenha esse tipo de fraqueza que eu
tenho de falar em público. Que eu, mesmo desse jeito, tenho a cara de gente sem
vergonha, mas não sou não... nesse sentido de pensar que eu falo muito, mas não falo não,
faço fuá. Na hora que bota mesmo, me tremo toda. Mas eu não gostaria que um aluno
meu tivesse esse receio. Aluno como medo de falar, como na própria escola, até isso eu
faço [...] é... “selv serve”, né, que a gente chama? Até isso eu tenho dificuldade em citar.
nós fazemos uma vez por mês com a criança. Por que? Porque eu... Então todas as
necessidades minha [...] que eu tenho receio, que eu tenho medo, tenho vergonha, eu quero
que eles não tenham. Então, isso sendo feito na nossa escola, pra quê? Pra quando ele
tiver maior não precisar passar, sentir fome... Ter o dinheiro no bolso e não ter vergonha de
entrar. Porque quantas vezes, assim, eu, com dinheiro no bolso, olho assim, um monte de
gente... Eu vou nada!”. Fico... “Menino, onde é que eu vou mesmo? Onde é que os
50
pratos? entro, olho pra poder me situar...” Tu entendendo como é? Eu quero isso pra
ninguém, meu irmão?
Julival – Um Self Service?!
Marlete – Uma vez por mês eu faço com os alunos, mas é assim, as mesinhas é exposta no
pátio, aí é colocado o arroz, o feijão... pra criança ir tirar. Claro!... Eles fazem aquela
bagunça toda, mas aos poucos a gente vai tentar educar, porque não foi nem um ano ainda,
né? A escola. É por isso que eles gostam.
1.4.5 As preocupações vividas na profissão
Contudo, mesmo encontrando mecanismos psicológicos para gratificar-se
com seu trabalho, os professores vivenciam em seu cotidiano uma série de
preocupações em torno de problemas que repercutem diretamente na aprendizagem
dos alunos.
1.4.5.1 A questão da aprendizagem num contexto de dificuldades
Em suas falas, os professores não conseguem identificar as raízes dos
problemas que enfrentam no dia-a-dia da sala de aula e que leva boa parte dos seus
alunos a não aprenderem. Não obstante, também reconhecem que um plano em
que exercem grande influência, e este plano é o da relação professor-aluno, onde
cada indivíduo tem uma significação ímpar. O professor pode não se dar conta do
quão limitada é sua ação se considerada frente ao quadro mais amplo de
desigualdades e realidades marginais que giram no entorno das escolas públicas.
Pode não perceber que, enquanto sua ação gera efeitos positivos junto a
determinados alunos, outros tantos estão chegando na escola em condições muito
precárias. Mas, algo que mantém vivo o professor, que talvez seja a consciência
de saber que a despeito das desigualdades produzidas no mundo em que vive,
sobre determinados indivíduos sua ação consegue fazer diferença.
Edna Cada dia que eu saio de casa, que eu vou pra dentro da escola, na Vila Irmã Dulce,
a minha preocupação maior é que eles consigam o objetivo, que eles aprendam. É isso que
me preocupa muito, muito, muito. Porque s temos uma turma, assim, que não é tão
pequena, [...] de alunos e a gente fica assim, meia temerosa pra que eles não aprendam e
preocupa demais. E o que a gente quer mesmo é que eles aprendam, se tornem cidadão de
responsabilidade, porque bem que a gente, como professora, a gente tem que fazer de tudo
com eles... Ser educadora, tem que ser professora, tem que ser mãe.
Julival E o que [...] a professora Edna, enquanto uma pessoa, pode fazer diante das
dificuldades que enfrenta lá nessa escola, onde você tem trinta e cinco alunos? Que poder
você tem?
51
Edna – Hi!... É tanto poderes! Que a gente, às vezes, se assusta com o que a gente é capaz
de fazer, porque a gente pega criança, assim... [...] Crianças bem agressivas. E no andar do
tempo, a gente vai percebendo que eles vão melhorando, e quando chega no final do ano a
gente percebe que eles lêem, que têm um desenvolvimento ótimo, sabe? E a gente fica
assim meia pasma com tudo o que a gente fez, com tudo o que a gente tem pra oferecer
pra eles, porque eles precisam de carinho, de afeto... muito afeto... aquelas crianças,
carentes demais. E a nossa opção é essa.
Além da questão estrita da aprendizagem, os professores estão ás voltas
com a indisciplina dos alunos e com uma relação de distanciamento estabelecida
entre escolas e famílias. Um problema para o qual tem sido difícil encontrar solução.
Trata-se de ter que lidar cotidianamente com a realidade de alunos que não têm sua
vivência escolar assistida pela família. Sobre os professores o discurso de que é
sua competência desenvolver as estratégias adequadas para lidar com a situação.
Na Universidade, são conscientizados de que devem resistir ao desânimo e procurar
fazer o possível.
Contudo, parece estar se constituindo uma espécie de pacto de
conformação com a situação, que se estabelece como dada, e sobre a qual nada se
pode fazer, a não ser o professor desafiar sua própria capacidade de assumir
crescentemente outros papéis, como os de pai e mãe, para alunos desassistidos.
Uma mensagem implícita vai sendo reproduzida, que é a de que a esfera de atuação
do professor se reduz à escola, mas lá, paradoxalmente, a sua responsabilidade se
amplia, obrigando-o a fazer o “(im)possível”, e contando estritamente com sua
instrumentalização pedagógica deficitária e seus saberes da experiência.
Para os professores, estabelecer uma relação de parceria entre família e
escola se apresenta como uma tarefa difícil, embora extremamente necessária, que
requer dos professores e da equipe escolar, como um todo, uma identidade e uma
habilidade em lidar com a comunidade. Mas, se para a maioria é um grande desafio
envolver os pais em determinadas ações programadas no espaço escolar, para
alguns professores experientes isto é conseguido através de uma relação empática
de cumplicidade e diálogo, desenvolvida com a comunidade, e por um espírito de
dinamismo no fazer da prática educativa. Entretanto, nestes casos, quais
pressupostos orientam essa dinamização da atividade escolar e essa mobilização da
comunidade, quando ela acontece? Às vezes, é a intuição fala mais alto e é a
experiência que mostra que certas práticas são bem recebidas pela comunidade
escola.
52
O professor “sente” que sua ação é relevante, que a comunidade ganha com
o que ele faz, que visibilidade e valorização dessas ações. A escola aparece
publicamente com a manifestação de uma experiência bem sucedida, desafiando as
crenças do senso comum de falência da educação pública. É o professor que
demonstra habilidade política, institucional e comunitária, mas não necessariamente
compreende ao certo que habilidade é essa, e por não compreendê-la muito bem,
não tem muita clareza dos reais efeitos de suas ações. Daí, move-se por sua
intuição e pelas respostas que obtém das pessoas a quem essa ação se dirige. É
sua experiência que lhe faz avaliar como bom ou ruim o que faz.
Julival Professora Marlete, [...] você [...] colocou duas considerações importantes, que
acho que vale a pena registrar. Uma é que, academicamente, do ponto de vista mais
teórico, parece que você sente que deixa a desejar, e [...] se cobra sobre isso. Entretanto,
do ponto de vista do ativismo, da atividade, do envolvimento com a comunidade, de fazer a
escola se movimentar e se dinamizar, você fala de uma experiência que vem tendo ao longo
de vários anos [...] com a qual se identifica, também. [...] Que importância [...] social [...]
você acredita que tem esse tipo de atividade perante a comunidade, na construção da
cidadania, mesmo no sentido político, frente às comunidades com que você atua? Essa
função muito de atividade, de estar mexendo com a comunidade... Que importância você
acredita que tem?
Marlete Olha, às vezes, as pessoas... Como aqui. [...] Eu aqui num curso de gestão,
que a prefeitura pagando pra todos diretores, justamente... ensinando. Esse curso é
justamente direcionado mesmo pra [...] gestores da prefeitura. Então, aqui é pós-graduação
em gestão escolar. Nós temos o quê? Duzentos professores fazendo esse curso. Cada
professor, quase três mil reais. Dois mil e pouco. [...] E muitos deles vai e diz pra mim:
“Marlete, não tem razão pra tu andar correndo. Não vale a pena. Na hora que tu virar as
costas, que outra entrar, ela esquece.”. Mas não esquece, não! Não esquece, porque...
Olha eu estou... Eu saí... Tá com mais ou menos uns dez anos do São Joaquim, na direção
de lá. Na hora que eu entro na rua Conceição Vieira, que fica onde fica a creche Tia Mônica,
não tem uma pessoa que não venha falar comigo do pessoal antigo. os novatos... Ainda
ficam perguntando, porque vê aquelas mães, que me puxa pra cá, me chama pra cá, aquele
negócio... “Quem é essa mulher? Quem é?”. “Não, ela foi a primeira diretora aqui da
escola”. Mas, por que? Porque eu fazia esse tipo de atividade. Não sei até que ponto...
como o pessoal fala em cidadania, cidadania, cidadania... Cidadania pra mim é... é... não é
somente o direito de você... As pessoas fala... É ter direito. Certo. É ter também o direito de
ter lazer, de ter essa brinca... de ter essas festividades dentro da escola. Certo, e o
conhecimento? Também, porque todas essas atividades que a gente faz é sempre nas
datas cívicas. Agora mesmo [...] eu li na Nova Escola, [...] tem uma crítica, justamente, e eu
descordo dela. [...] Vários estudiosos [...] criticando que nós professores gostamos de fazer
esse tipo de atividade e diz que esse tipo de atividade não leva a nada à criança. Diz que se
no Dia do Índio só botar um cocar na cabeça... e cadê a realidade do índio? Depende de
como você trabalha. Meu ponto de vista é nesse sentido. Porque você trabalhar só o dia,
o dia... não é desse jeito. Nós trabalhamos o quê? Se a gente, no mês, tem duas... três
datas, a gente escolhe uma e aquela você trabalha o mês todo, você envolve os pais, como
a do dia do índio. Foi feito a festividade, a gente... tudo... mostrou pras crianças, trouxe
vídeo. A gente fez os cocarzinhos da cabeça, a roupa do índio, mostrando, fizemos
exposição... com os pais. A gente convocou os pais, a gente pediu pra cada pai trazer
alimento indígena... trazer... mandioca... Tu entendendo? Todo aquela parte que era...
que a gente achava que... Claro! Que tinha outras coisas que não tinha... que não tinham
nada a ver com o índio, mas a gente teve exposição e depois foi dado... feito um lanche e
cada um comeu do prato... cada pai que trouxe, foi feita aquela divisão e foi dado. Então,
por que que minha... a escola... sempre que eu trabalho é referência na região? Agora
53
mesmo a minha superintendente [...] chegou porque minha escola tem um anexo. Ela
atende essas crianças, são seis salas de aula e tem mais duas salas de aula em outro local,
porque a procura é grande. E lá, próximo, o que tem de colégio... Agora mesmo, vão fazer
duas salas, e a minha dizendo: “Marlete, mas não faz mais matrícula esse ano, porque
vai secar as escolas tal, tal, tal. Ficou dizendo o nome das escolas próximas. Do mesmo
jeitinho daqui também. Nós... aqui do São Joaquim, quando [...] eu era diretora de lá, [...] E
eu fazia matrícula, assim, eu digo “Olha, segunda-feira, dia cinco — dando uma data, né? —
...dia cinco vai iniciar as matrículas”. E eu aviso em tudo quanto é de canto. Pois, no dia
cinco... quando dava doze horas da noite, tinha gente esperando pra fazer a matrícula do
aluno. eu te digo, não tem importância?! Esse tipo de atividade que eu faço na escola
não leva a alguma coisa? Leva! Não sei até que ponto é construtivo [...] ...não sei até que
ponto, mas... que elas gosta, gosta! [...].
O professor experiente, a despeito de suas crenças, enfrenta todos os
dilemas decorrentes das relações de opressão e dominação historicamente
constituídas na sociedade. A questão da exclusão social, por exemplo, via de regra
é mal compreendida pelo professor, que busca em meios meramente pedagógicos
instrumentais, restritos à sala de aula, saídas para problemas que são de ordem
político-social e que extrapolam a escola.
Dionar [...] Quando nós vamos fazer um curso, a gente que já vive na sala de aula,
convive com aquelas crianças e tudo o mais, a gente sabe a realidade, a gente espera de
um curso uma oficina, uma coisa, exatamente como se fosse assim, mais como uma oficina,
onde você vai ver soluções pra determinados problemas que você não consegue dominar
perante aqueles alunos, perante aquela comunidade...
Julival – Tipo? Dionar. Dá uma idéia disso, de problemas que você enfrenta.
Dionar - Como fazer uma criança... como conseguir de uma criança da zona rural, onde
aquela criança não tem luz elétrica em casa, o tem uma TV, não tem, assim, um som, e
que os pais não tenham nem um tipo de conhecimento, como é que a gente vai fazer, que
tipo de coisa nós podemos fazer pra levar ao conhecimento daqueles alunos, daquela
comunidade, o conhecimento da educação, que é realmente a educação, porque essas
crianças... tem crianças que elas não sabem, elas não aprendem a partir da casa deles nem
o higiene, né? Nem sobre higiene. A gente é quem banho, a gente é que... [...] faz as
coisas por eles na escola, né? E, às vezes, isso ainda é mal interpretado, [...] esse tipo de
trabalho que a gente faz. Então, a gente vai assim, quando a gente imagina um curso
desse, a gente imagina mais assim: soluções pra determinadas coisas... de como fazer, né?
De como fazer... porque, muitas vezes, a gente acha que a gente ultrapassou [...] e que a
gente já não tá conseguindo aquilo. Aí a gente espera o quê? Conseguir algo novo.
Lucimar [...] Eu gosto do meu trabalho. [...] Sabe, você ter aquele prazer de trabalhar?
Agora eu fico assim, com muita pena, é dos pais desses alunos, que eles não procuram
ajudar a gente, porque o prazer que a gente tem, se eles tivessem o prazer de ter os filhos
sábios, era bom demais.
Julival – E a que você atribui isso, essa dificuldade que eles têm?
[...] Lucimar - Eu acho que à oportunidade de trabalho que eles não têm... Que tem pai
aqui de aluno... Meus alunos, a maior parte, eles m pra sem comer, sem almoçar, os
da tarde, e os da manhã, sem tomar café. A sorte que tem essa merenda. eu vejo assim,
o pai é obrigado a sair de manhã, não nem seu filho e quando ele chega, à noite, ele
está dormindo. É isso que acontece com eles aqui. Aí eles comem... eles vêm pra escola
sem comer nada... merenda aqui. Às vezes, vivem da merenda daqui. é onde eu me
preocupo, assim... Umas crianças, que eu trabalhando desse jeito. Outro dia [...] um
chegou pra mim e disse: “Tia, minha cabeça tá doendo demais!”. Eu digo: “E o que foi, meu
54
filho?”. “Tia eu não comi nada, hoje”. Eu disse: “Como é que você vai aprender, meu filho,
quem... Não tinha ninguém pra fazer comida, não?”. “Tinha não. o tinha ninguém pra
fazer comida em casa”. Eu levei aqui, peguei um refrigerante e um salgado e dei pra ele,
porque... pra esperar a hora da merenda, né? Que graças a Deus aqui tem merenda boa.
eu me preocupo é isso aí, a oportunidade que os pais não têm de um trabalho que possa
olhar essas crianças deles. Não têm. E também, tiraram aquela oportunidade boa que tinha
aqui, que era assim, o semi-internato. Os meninos estudavam de manhã e saía à tarde.
saía com sua tarefa pronta, já saía merendado, e já ia dormir, né? ...Que o professor
ensinava.
Diante das dificuldades e dilemas enfrentados no cotidiano, a partir dos
quais muitos abandonam a professores abandonar a profissão, alguns resolvem
buscar nas possibilidades de formação a esperança de compreender e ter condições
de administrar adequadamente as situações da prática.
Ana Lúcia - [...] Eu entregava todo dia a turma: “Não vou mais! Vou mesmo fazer meus
bordados, não vou mais”. [...] “Não, você tem que continuar, vai dar certo, eu notei que você
tem algo que vai dar certo, você não sabendo é adequar, mas a gente vai te ajudar”.
Então, eu tive muita ajuda, mas eu queria desistir, eu queria desistir, mas não permitiram. E,
hoje [...] eu até agradeço e me envergonho de querer ter saído, porque eu fui fraca, mas,
por parte de mim, [...] eu acho que eu não tava dando certo do jeito que eu tava fazendo,
não estava certo, porque, mesmo assim, eu tinha uma experiência, que eu fiz um curso
que foi quase, assim, a distância, [...] mas eu tinha os trabalhos, eu precisava ler [...]. Então,
ninguém é totalmente leigo. Isso a gente vive a prática no dia-a-dia. Eu já estudava, eu
sabia essa prática da relação professor-aluno desde a minha época. Então, na hora de
efetivar, eu via que eu tinha algum conhecimento, mas não dava como aplicar, porque
é assim, [...] eu tinha cinqüenta e uma crianças dentro da sala, mesmo tendo ajuda de duas
pajens, mas, mesmo assim, a parte mesmo de conteúdo formal, essas coisas, eu era
sozinha nessa... sem ninguém pra ajudar. Então, eu tava inda à loucura, era grito, era
choro, era tudo. Então isso tava me desesperando, mas essa exigência passou a ser minha
mesmo, desde esse tempo, uma exigência minha, que eu achava que o que eu tava
fazendo não tava atendendo, porque os meninos tinham que ficar quietinhos essa
educação tradicional. A gente aprendeu, tem que levar alguma coisa. Eu achei que os
meninos tinham que ficar quietinhos, que os meninos estavam preparados pra ficar tudo ali
pra ouvir aquelas mensagens, e não era isso. Então, tudo isso fez um grande conflito na
cabeça.
1.4.6 As motivações e expectativas quanto à formação em nível superior
Para além do elemento óbvio do convênio UFPI / PMT, destinado à
formação em nível superior dos professores da rede municipal de ensino, a pesquisa
buscou identificar, entre os professores, as razões outras que lhes motivaram ao
ingresso no curso de Pedagogia, uma vez que, embora se houvesse instalado entre
os mais diferentes segmentos docentes uma compreensão geral de que, ao final da
década da educação, todos os professores seriam obrigados a se apresentar com
nível superior, sob pena de se colocar em risco a própria condição funcional
docente, estes não eram obrigados a prestar o vestibular do convênio, nem havia
55
vagas para todos os interessados. Logo, para além das razões e exigências legais e
institucionais, também as razões particulares de cada um para investir maior ou
menor esforço nesse processo de formação. Sob a perspectiva crítica, interessa
reconhecer essas motivações intrínsecas e em que medida se articulam com um
projeto de formação docente voltado para a atuação crítica.
1.4.6.1 Razões do Ingresso no Curso de Pedagogia
Quando indagados no questionário sobre o porquê do ingresso no curso de
Pedagogia Convênio UFPI / PMT, as respostas dos professores se manifestaram,
conforme QUADRO 06, abaixo, em torno de três orientações principais: a primeira,
razões não declaradas ou não diretamente relacionadas ao curso; a segunda,
razões relacionadas ao sonho e à oportunidade do acesso à Universidade como
formas de realização pessoal e profissional; e a terceira, razões diretamente
relacionadas com a perspectiva da profissionalização docente.
QUADRO 06
Razões do ingresso no curso de pedagogia convênio UFPI / PMT
Não Declaradas ou Não
Diretamente Relacionadas ao
Curso
Sonho e Oportunidade de
Realização Pessoal e
Profissional
Perspectiva de Qualificação e
Aprimoramento Profissional
4 16 25
8,9% 35,6% 55,6%
Fonte: Pesquisa direta
1.4.6.1.1 As razões não declaradas ou não diretamente relacionadas ao curso de
Pedagogia
Dos 45 questionários respondidos pelos professores, em dois deles não
houve respostas quanto às razões de ingresso no curso. Em outros dois as
respostas foram as seguintes, vindas de duas professoras que têm,
respectivamente, 33 e 20 anos de atuação docente:
- Porque fiz concurso para Biologia e Matemática, mas não deu para cursar, abandonei o
curso de Teologia no período por motivo pessoal, daí, houve o curso de Pedagogia da
UFPI/PMT e tentei o ingresso.
- Porque houve o vestibular [e] eu fui classificada.
56
1.4.6.1.2 Razões relacionadas ao sonho e à oportunidade do acesso à universidade
como formas de realização pessoal e profissional
Para outros professores, o ingresso no curso de Pedagogia resulta de um
sonho, motivo de auto-realização pessoal, não necessariamente articulado com um
comprometimento específico com a formação para a docência. Algumas respostas
denotam, inclusive, uma percepção ingênua e superestimada do significado da
formação em nível superior, evidenciando um distanciamento entre a realidade
esperada da docência e a realidade circunstante dos professores:
- Ou nesse convênio ou em outro, o meu sonho era entrar em uma faculdade.
- Porque tinha muito [sic] vontade de ingressar pedagogia nesta Universidade.
- Tinha vontade de possuir um curso superior e trabalhando na Prefeitura tive a
oportunidade de prestar vestibular e passei. Hoje sou feliz.
- Porque é muito importante o professor graduado e era o meu maior sonho.
- Porque era um sonho que tornou-se em realidade, além do mais para engrandecer minha
prática de trabalho.
- Porque era meu sonho fazer curso superior para melhorar minha prática.
- Porque é um curso que sempre sonhei em fazer e está dentro da área que exerço a [sic]
muito tempo.
- Porque fiz o vestibular e passei e também por que era um sonho ter o Ensino Superior.
Para parte considerável dos professores, cursar Pedagogia em uma
Universidade não é simplesmente uma questão de opção ou auto-exigência
profissional, é muito mais uma questão de oportunidades e de garantia de
condicionantes reais para que essa tarefa de formação em nível superior seja
possível, a partir, inclusive, do próprio acesso à Universidade. Na prática, a
universidade se tornou para muitos uma perspectiva distante, somente possível na
atual conjuntura político-educacional em que os convênios institucionais pró-
formação de professores foram implementados em maior escala.
Dentre os professores, é flagrante uma percepção realista e pouco crítica
das condições concretas e deficitárias de formação oferecidas pela rede pública:
- Porque foi mais fácil do que concorrer com alunos "feras", pois sempre estudei em escola
pública.
- Porque a prefeitura me deu esta oportunidade para melhorar minha prática e
conhecimentos.
- Porque foi uma oportunidade caída do céu que eu vinha sonhando e que esse curso é
muito importante para a minha formação continuada.
57
- Porque a prefeitura me deu a oportunidade e eu aproveitei para melhorar meus
conhecimentos.
- Pelo fato de morar e trabalhar na zona rural, tinha dificuldade de acesso, agora como
tenho 20 horas para este fim, aproveitei a chance e também pela necessidade de estudar
mesmo, me atualizar.
- Quando passei no vestibular senti a necessidade de me atualizar para desenvolver um
bom trabalho em sala de aula.
- Primeiro passei no vestibular e depois para melhorar meus conhecimentos.
- Porque ainda não era graduada e como todo ser humano precisa de uma graduação
principalmente o professor, através deste convênio surgiu a oportunidade.
A despeito de se reconhecerem dentro de um sistema em que estão em
desvantagem para o ingresso na Universidade, dadas as condições em que tiveram
que percorrer toda a sua trajetória escolar, o ingresso na curso de Pedagogia
convênio surge como uma espécie de “dádiva” concedida pelo poder público que,
enfim, lhes oportuniza a inclusão acadêmica negada em momentos anteriores. Em
algumas respostas, é possível identificar a consciência de que a própria prática está
envelhecida, desatualizada e ineficaz, sendo este o momento para revitalizá-la, um
momento concebido de cima para baixo, determinado pela legislação educacional e
pelo sistema escolar municipal e não resultante de um processo provocado pelos
próprios professores a partir de uma análise, reflexão e avaliação coletivas de sua
condição de atuação profissional. Mas este parece ser um detalhe que não
incomoda aos professores.
Diante do imperativo de chegar à Universidade, os professores
experimentam a mesma realidade de exclusão vivenciada pelos estudantes das
escolas públicas. Os depoimentos mostram que entre aqueles que ensinam e a
qualificação dita necessária para a melhoria da prática, mais elementos decisivos
que a simples consciência da necessidade de formação e a vontade de realizá-la.
Julival – Por que você acha que não estava conseguindo o vestibular?
Lucimar - [...] Eu não tinha tempo de estudar. Porque eu tinha filhos pra cuidar, eu tinha um
trabalho quarenta horas aqui, como é que eu podia? [...] Quando eu chego em casa vou
fazer tudo, ? Hoje em dia, graças a Deus, meus filhos estão grandes. Mas, quando era
tudo pequeno? [...] Eu chegava em casa e tinha que fazer o almoço pro outro dia. Fazia a
janta e o almoço pro outro dia. Meus meninos tudo pequeninim. Hoje mais assim porque
eles já estão formados... [...] Graças a Deus, não tem mais aquela... sabe? Eu acho que não
passava era por isso. Porque eu tinha que estudar muito, e pra gente passar no vestibular
precisa estudar.
Regina - [...] Como professora consegui educar minhas duas filhas, levando pra escola,
trazendo... aquele acompanhamento todo que eu não poderia fazer se eu não fosse
professora. E durante esses anos eu tinha muita vontade de ter um curso superior. Tentei,
tentei, tentei... fui aprovada, mas não tinha condições. [...] Falta de condições, assim, por
58
causa das filhas, por que eu não tinha como deixar, nem onde deixar, e indo pra escola
junto comigo foi que eu tive condições. Foi o seguinte, porque sendo professora pela
manhã, pela tarde e à noite, eu não podia estudar. E chegou essa oportunidade do curso
da prefeitura que me disponibilizou um turno pra estudo e o outro pra o trabalho.
Julival [...] Como foi a chegada no curso de Pedagogia... e o que você esperava do curso
de Pedagogia?
Marlete - Ó, sinceramente... Era um sonho, um desejo... eu acho que com dezoito anos de
idade. Fiz [vestibular] duas vezes, não pra Pedagogia, pra outros cursos, né?
Administração, e tudo mais, mas toda vida sonhando com [...] ser professora. [...] Brincava
de ser professora, e comecei... Mas, quando eu o consegui, eu disse, “Sabe duma coisa,
eu vou fazer o pedagógico!” Aí, fiz o curso pedagógico. Logo, logo que eu terminei fui
logo trabalhando, aí... também, esse outro sonho [do curso de Pedagogia] já ficou... Quando
surgiu... que foi obrigatório, [...] todo professor, ou tinha o curso superior assim que
iniciou, né? ...ou tinha ou ela não mudava... não aumentava seu dinheiro, ou então... uns
dizia que ia perder até o emprego, aquele negócio todo. E a prefeitura lançou o primeiro.
Eu fiz. Quando eu vi minha nota baixíssima, eu... “Sossega, Marlete! Fica onde tu estás!
Não fiz mais. passou o primeiro, passou o segundo, passou o terceiro... Quando
disseram, “É o último!”, eu digo “Não! Vou perder essa oportunidade? o posso!” corri.
Eu, mais trezentas pessoas, praquela turminha de cinqüenta. Eu fiz e a pontuaçãozinha...
até me assustei. [...] eu digo “Olha, viu? Com o tempo eu aprendi alguma coisa!” (risos).
eu cheguei, claro, a gente chega toda orgulhosa, em estar botando os pés dentro da
Federal. Não é nem pelo curso, não, é em estar fazendo o curso superior. Podia ser
qualquer outra coisa [...].
Julival Vamos falar um pouquinho sobre o seu curso? Como é que foi essa trajetória [...]
até chegar no curso de Pedagogia?
Dionar [...] Antes de terminar o curso do Pedagógico teve o primeiro concurso da
prefeitura e eu fiz e passei, aí... daí vem vindo... e a minha batalha foi sempre essa... é uma
formação e tudo mais, né, uma formação superior, que na realidade, na realidade mesmo,
formação que eu queria não era exatamente essa, mas como eu já estava dentro da
profissão, e gostando da profissão, nada mais importante do que me formar nela, me...
especializar dentro da minha profissão, da profissão que eu estava exercendo. E daí, eu
sempre estudando, fazendo os cursos [...] que a SEMEC oferece... formação continuada,
treinamentos e tudo, enquanto começou esse convênio da prefeitura com a Universidade.
Eu fiz umas vezes e não deu pra mim passar. Outras vezes eu desisti, e não fiz, [...] até que
uma vez deu certo, a última vez [...].
1.4.6.1.3 Razões diretamente relacionadas com a perspectiva da profissionalização
docente
A grande maioria dos professores (55,6%), no entanto, já tem apropriado um
discurso que preconiza, como razões para o ingresso no curso de pedagogia, a
necessidade de qualificação e aprimoramento profissional. Alguns trazem de forma
muito clara a noção de qualificação profissional, representada pela necessária
aquisição da formação em nível superior:
Por que você ingressou no curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT?
- Para me qualificar.
- Para ter uma qualificação superior, conhecimentos científicos para mudar para melhor.
59
- Para adquirir conhecimento teórico-científico.
- Para adquirir uma formação pessoal e profissional, isto é, uma graduação.
- Porque a minha área exigia.
- Por necessitar de formação em nível superior.
Para outros, um predomínio da idéia pragmática de aprimoramento
profissional, em que, mesmo havendo uma articulação entre teoria e prática, há uma
expectativa direta de repercussão da formação na melhoria da prática e em sua
eficácia.
- Foi com o objetivo de melhorar mais a prática e a teoria, buscando mais conhecimentos
para melhorar o meu trabalho na vida cotidiana, tornando mais eficaz.
- Porque é uma forma de aumentar meus conhecimentos assim fascilitando [sic] meu
trabalho.
- Para desenvolver melhor os trabalhos teóricos e práticos.
- Para obter novos conhecimento [sic] para enriquecer na minha prática pedagógica.
- Para ampliar meus conhecimento [sic] aquirito [sic] na minha prática.
- Para adquirir novos saberes e melhorar a minha prática docente.
- Para ampliar melhor os conhecimentos adquiridos em minha prática pedagógica.
- Porque estava necessitando melhorar minha prática pedagógica em sala de aula.
- Para melhorar os meus conhecimento [sic].
- Pra fins de extensão, aperfeiçoamento.
- Porque precisaria melhorar meus conhecimentos teoria e prática.
Há, ainda, um terceiro grupo, motivado pela idéia de qualificação
profissional, mediante a aquisição do nível superior, aliada à sua conseqüente
implicação no aprimoramento da prática pedagógica em sala de aula. Para estes,
ambas as dimensões parecem estar diretamente articuladas.
- Porque [eu] tinha pedagógico, e por força da Lei e da necessidade [de uma] prática
adequada na sala [de aula].
- Porque sentia necessidade de melhorar meus conhecimentos, pois só a formação
pedagógica não estava mais atendendo a minha formação.
- Porque é importante o professor ser graduado no curso de Pedagógia [sic].
- Para ter um curso superior e melhorar ainda mais a minha prática pedagógica.
- Por sentir necessidade de aprofundamento teórico para poder compreender melhor as
mudanças que estão sempre sendo proposta [sic] pelos teóricos e adotadas nas
instituições. Também para melhora [sic] meu currículo e também melhorar meus
conhecimentos em todos os sentidos.
- Porque tinha necessidade de fazer esse curso, para obter mas [sic] conhecimentos,
naquilo que aprendi e na minha formação continuada.
60
- Para me qualificar mais e poder trabalhar melhor com meus alunos.
- Para continuar meus estudos e ficar mais preparada em minha profissão.
Portanto, para além das justificativas legais, institucionais e funcionais para o
ingresso no curso de Pedagogia, vê-se que os professores, em sua maioria,
valorizam esse espaço de formação e o traduzem em termos discursivos
hegemônicos que defendem a necessidade de “profissionalização” do professor,
concebida a partir da apropriação do curso superior e pela conseqüente repercussão
na melhoria das práticas pedagógicas. Nesse mesmo discurso predomina a
perspectiva da racionalidade técnica instrumental, que focaliza o problema
educacional vigente como decorrência direta de uma “desatualização” ou
obsoletismo docente (KINCHELOE; McLAREN, 2006), além de uma visão
messiânica sobre o poder público, que “concede” a oportunidade esperada da
formação necessária.
Esse discurso pedagógico e educacional hegemônico, ancorado em noções
como qualificação, profissionalização e desenvolvimento de competências, tem
produzido nos professores o constrangimento pela não formação. Um certificado de
graduação, antes considerado um privilégio de poucos, um fator de distinção
honrosa, passa a ser sentido como um fator corriqueiro de inclusão profissional, sem
o qual muitos professores, agora, se sentem diminuídos perante seus pares.
Para esse grupo de professores, as experiências de formação têm ocorrido,
principalmente, a partir das opções e oportunidades surgidas no âmbito do próprio
sistema municipal de ensino, que tem oportunizado momentos de treinamentos,
cursos e congressos, mediados pela Secretaria Municipal de Educação. Fora desses
espaços de formação, o quadro que predomina é o de professores com uma carga
horária extensa em sala de aula, envoltos na rotina de sua atividade docente e sem
a partilha coletiva de outros espaços alternativos de estudo e reflexão. Nas escolas,
as relações se tornam mais complexas, com maiores exigências de resultados sobre
os professores, com alunos cada vez menos passivos e mais interessados pelo que
acontece no sedutor mundo da televisão, das inovações tecnológicas e dos
computadores.
O curso de Pedagogia surge, então, como um espaço de formação em torno
do qual giram muitas motivações e o alimentadas muitas expectativas. De um
lado, a própria prática requer entendimento e orientações para lidar com uma rie
61
de dilemas, problemas e exigências enfrentados no dia-a-dia pelo professor, e para
isso, um aprofundamento teórico faz-se necessário. Mas, por outro lado, a despeito
da necessidade de uma formação que implique melhorias na prática, a graduação
na Universidade tem sobre os professores, também, um sentido de realização
pessoal, de conquista de prestígio frente à sociedade e à própria classe profissional
e de elevação do nível funcional.
Julival [...] Como é que se deu esse ingresso no curso de Pedagogia, as razões, como é
que você chegou a ele?
Edna - Olha, no início, eu fiz meu curso de Pedagogia porque quando a gente tem o
magistério a gente vai vendo as colegas nos outros cursos e a gente vai se interessando
[...]. Porque a gente precisa, também, ter novos conhecimentos... Também tem a mudança
de nível, que nos interessa muito. [...] E também a gente precisa ser bem vista, assim,
porque com o curso pedagógico a gente é um professor leigo, como dizem, né? [...] E a
gente com o curso de Pedagogia, [...] pode atuar em outras coisas.
Lucimar - [...] Um curso superior, pra mim, [...] é muita coisa, sabe? Eu acho, assim, muito
importante, porque a gente trabalhar a vida inteira com primário... e eu lhe digo uma coisa,
eu me sentia humilhada em ter só o pedagógico, aqui na minha escola. Eu me sentia.
Desde o dia... eu não gosto nem de falar nisso que eu me sinto mal desde o dia que
eu comecei dar aula de ensino religioso. [...] Tinha uns professores do ginásio que eles
não sabiam que eu não tinha curso superior. No dia que eles descobriram eles ficaram
diferentes comigo. Diferentes. [...] Eles achavam que eu não sabia de nada, que eu
tinha primário, só tinha pedagógico, trabalhava com o pedagógico... É como que o
professor não tenha experiência de nada. E aí, eu fiquei assim, eu me senti humilhada, eu
disse [...] “Um dia eu passo!”. Eu venho fazendo vestibular sempre, sempre... que eu queria
muito. Aí eu consegui com esse aqui da prefeitura, mas consegui.
Ana Lúcia - Vestibular? [...] As várias vezes que eu tentei foi pra Letras. Quer dizer, tinha
uma relação, mas não era Pedagogia, era Letras... eu queria muito fazer. Então, como a
prefeitura só oferecia Pedagogia, eu peguei Pedagogia, já tava na área mesmo.
Julival E qual foi a sua expectativa quanto ao curso de Pedagogia? Entrar na
Universidade... Claro, a prefeitura estava oferecendo o curso de Pedagogia, mas você, eu
acredito, tinha alguma expectativa, esperava alguma coisa.
Ana Lúcia - Ah, tudo! Assim, tudo, que eu falo, porque,
S
e eu tinha essas tentativas que eu
fiz muito tempo e não deu, passou... aí, sim, a partir daí, passou a ser um sonho, sabe?
Eu ter esse certificado. Era importante, era algo que eu devia pra mim. Porque eu vivia
tentando muito tempo e essa chance [...] que apareceu eu agarrei mesmo e a
expectativa foi a que eu sempre tive, de manter o meu curso pra poder aplicar na minha
profissão [...]. A expectativa foi essa, de vir pra mim esse certificado, porque, até mesmo
quando eu lia, participava de cursos, diziam assim, “até 2010 não pode mais ninguém [...]
ficar sem essa graduação, porque não dá mais no nosso tempo”. eu digo, “eu vou
conseguir, se não por um jeito, mas eu pago, mas eu vou fazer”. É uma coisa que eu passei
a dever pra mim. Pra mim foi o máximo.
Julival – Agora você fala da necessidade de um certificado. Até onde a necessidade,
também, de uma qualificação, pra além do certificado...?
Ana Lúcia - Pois é, eu até falei dessa relação, né? Eu falei dessa relação. O certificado
era uma questão pessoal minha, mas, como eu tava nessa prática, eu precisava dessa
sistematização através de uma graduação, pra ver se essa minha prática, essa minha
experiência do dia-a-dia batia com o que via na fundamentação. Então, é claro que em
relação a isso, também, passou a ser um sonho. Eu queria ver: “eu trabalhando
corretamente?” Porque só os cursos oferecidos, assim, eu achava que joga muito, só
62
jogando, jogando, jogando, como se fosse fácil chegar e dizer eu trouxe isso, vou aplicar
e vai dar certo. Então eu precisava expandir mais esse horizonte, também.
Regina - [...] Eu estava trabalhando dentro da área e necessitava de um conhecimento
científico. Eu continuava trabalhando como professora e precisava. Eu fui atrás desse
conhecimento. [...] Você que cada dia que passa a gente busca novos campos, novos
conhecimentos para aplicar... porque hoje o mundo muito diferente. A gente que a
tecnologia tá tomando conta do mundo, inclusive porque a gente que os nossos alunos,
hoje, são diferentes do aluno do passado. O aluno do passado, ele se contentava em
você falar pra ele, hoje em dia, não, ele busca, ele lhe indaga, ele é muito questionador.
Fica meio difícil a gente ficar sem ter um conhecimento mais profundo.
1.4.7 A Contribuição Esperada do Curso de Pedagogia para a Prática
Em uma das perguntas do questionário a indicação de que uma
contribuição da formação em nível superior para a prática pedagógica seja
considerada pelos professores. Mas, nos casos de respostas positivas, essa
contribuição esperada é predominantemente teórica, prática, ou teórica e prática?
No questionário não houve detalhamento nos itens. Coube a cada professor julgar o
que seria uma contribuição teórica, prática ou teórica e prática e responder conforme
a sua expectativa com relação ao curso, optando por respostas livres, inclusive. O
resultado é o que se apresenta no QUADRO 07, a seguir:
QUADRO 07
Contribuição esperada da formação em nível superior para a prática pedagógica
TEÓRICA PRÁTICA
TEÓRICA e
PRÁTICA
Nenhuma Outra
6 2 37 0 0
13,3% 4,4% 82,2% 0,0% 0,0%
Fonte: Pesquisa direta.
Para a grande maioria de professores (82,2%), é clara a noção de que o
curso de Pedagogia deve contribuir para a prática e que essa contribuição deve ser
de natureza teórica e prática ao mesmo tempo.
Durante momentos de formação em sala de aula, não é estranho ouvir-se de
muitos professores iniciantes e mesmo dos de profissão, as solicitações de modelos
ou “receitas” práticas para a resolução dos problemas que cotidianamente ocorrem
em sala de aula. Com este grupo de professores, no entanto, a dimensão estrita da
prática não representa a principal expectativa do curso. Pelo contrário, para uma
pequena parcela (13,3%) a contribuição teórica é a mais esperada, e para a grande
63
maioria prevalece a contribuição articulada. Da noção estritamente pragmática de
docência, parece que se está avançando para a necessidade de constituição de
uma prática mais fundamentada teoricamente, o que em si representa uma porta
aberta para o exercício da pesquisa e da reflexão crítica.
A contribuição teórica e prática esperada do curso de Pedagogia e os
preconceitos em torno do sucesso do processo ensino-aprendizagem. O sucesso
desse processo depende sempre e exclusivamente do professor? Será mesmo isso?
O cotidiano revela situações que desafiam os especialistas e que, no final das
contas ficam por ser resolvidas pelo professor, como a quantidade adequada de
alunos por sala de aula, como as competências e condições adequadas para lidar
com crianças especiais em sala de aula, como o apoio profissional necessário para
que o trabalho possa ser desenvolvido com eficácia. Todos estes são pontos em
torno dos quais o professor também mobiliza seus interesses em prol de uma
formação em nível superior.
Julival Você diz aqui que quando ingressou no curso de Pedagogia, esperava da
formação uma contribuição principalmente teórica e prática. Como é que você explica essa
contribuição teórica e prática? O que significa isso pra você?
Ana Lúcia [...] Eu tinha um tempo, tinha iniciado [...] com todo aquele conflito, sem saber,
“é isso mesmo? Sala de aula é isso?”. Eu acho que esse impacto, todos que fazem o curso
sentem quando vão para o estágio. “Sala de aula é isso mesmo? Na minha época não era
assim. A gente ficava tudo ouvindo, fazia... Todo mundo aprendia a ler”. Eu até falei antes
pra ti que eu [...] fui alfabetizada, assim, eu fui obrigada a aprender a ler em quinze dias, e
aprendi a tabuada, também, em menos de quinze dias. E eu sei essa tabuada, eu devo a
esse tempo, até hoje. Não dizendo que eu concordo com o método, estou fazendo,
apenas, essa comparação. E nessa época que eu passei eu ainda tava ainda... mesmo com
essa... com esse tempo aí, mas você ainda tá descobrindo: “É isso mesmo? Por que que eu
emprego tanto... eu fico até tarde da noite trabalhando fora do meu horário, tentando
implementar alguma coisa pra ver se eu atendo todos iguais, e não quem sabe, e por
que que eu não estou conseguindo chegar até ele?”. Eu, muitas vezes, eu tinha certeza que
eu conseguia chegar, mas a resposta não vinha como a gente esperava. Então, eu...
quando eu fiz, eu digo: “Eu preciso ir mais além pra eu ver.” Como todo mundo: “Ah, mas tu
é isso, você...”. A partir da formatura você vai se especializar, [...] vai chegar até um
doutorado. Geralmente a pessoa com essa Dr” na frente, né? É uma pessoa que sabe
tudo. Pelo menos existe esse mito. É uma pessoa que sabe tudo. Então, dentro desse
pensamento, eu fui: “Não, eu quero chegar à graduação, exatamente pra ver se eu melhoro
mais a minha prática,. porque como eu não conseguia atender todo mundo, mesmo
trabalhando pra todos, de forma diversificada, na hora que a gente vai fazer um diagnóstico
a gente vê que não aprendeu todo mundo igual. Então, nessa hora aí diz logo, se não houve
aprendizagem é porque o professor não ensinou. Temos que pensar muito bem sobre isso.
E eu disse: “Não, eu preciso ir, porque que quem se forma tem um conhecimento melhor,
eu preciso.”. Mas eu achei, sim, que como não muito tempo pra se ler e não material
também disponível, [...] quando a gente chega na Universidade, a questão da parte teórica
começa por aí, o material. E... sei lá. A parte teórica é aquilo: o professor ensina, o
aluno aprende... O professor ensina, o aluno aprende. Mas, hoje, com essa facilidade, com
certeza é preciso... com essa abertura, pra que recebam todas as crianças porque todas
as crianças realmente são iguais, independente de qualquer situação —, tem esse
problema. Por exemplo, hoje o professor tem que trabalhar com a criança, entre aspas,
64
normal, e entre aspas, também, as crianças consideradas pela sociedade que não gozam
totalmente desse normalidade. São crianças especiais. Todas na mesma sala, um professor
alfabetizador pra todos. Não tem. Quem pensar em educação de qualidade, não é que diz:
“Não, o professor quer outro pra ajudar porque não é capaz de fazer sozinho”. É capaz!
que não consegue. Tem crianças que você... Ó, se você deixa aqueles que são mais
adiantados pra fazer uma atividade e vem pra cá pra esse grupo, aqueles que ficam:
“Olha, tia, o meu”, “o meu também”. Ficam atrapalhando. E não é falta de acordo. Se faz
acordo, mas não dá. São crianças que querem estar com o seu trabalho valorizado, toda
hora, pelo professor e o professor tem que olhando. Pra que você consiga alguma coisa
com essas crianças, é preciso que você fique próximo, com esse grupinho que... E
se... se volta pro outro, se volta pra cá, você não consegue sucesso em nenhum dos dois
lados. E daí quem quiser ter a certeza, passe uma semana dentro da sala de aula. uma
semana. Então, essa questão... Que eu fui mais pra que eu tentasse entender [...] em que a
teoria ia me ajudar a eu resolver esse problema ou, pelo menos, entender porque é que
essas coisas acontecem. Por que é que a gente trabalha e a gente o conseguindo o
sucesso com todos. Então, por quê? Então, eu fui... mas quando chega a teoria, ela é
repassada... eu entendo, assim, não por todos os professores, mas por uma boa parte, ela é
repassada, assim, como se eu mesmo pegasse o livro e fosse ler, e que tudo o que tem
naquele material, que ela tem naquela temática, é algo que se levar pra dentro da sala de
aula certo. Então, eu me tornei mais crítica, ainda, porque eu fui fazer esse paliativo e
não tem condição do que a teoria diz ser totalmente verdade quando vai ser praticada.
tem que entrar mesmo é a experiência, ter a própria prática. Aí você volta e vai dar uma lida
de novo na teoria, pra ver, mas por que que tem autores que são, assim, radicais? E a
gente fica indignada por quê? Porque eu posso falar de mim com convicção, por eu ter tido
uma alfabetização, assim, traumática, eu jamais quererei desenvolver uma alfabetização
traumática pros meus alunos. Então, o trauma continua em mim. Continua em mim por não
ter conseguido, ainda, chegar até essas crianças, mesmo [...] com as dificuldades, que são
grandes, porque eles não conseguiram ainda. eu quero falar mais uma coisa, também
tem assim, por exemplo, pra mim que sou professora, e eu com essa dificuldade, com
crianças que necessitam de uma atenção especial, porque, quando há cursos que é mais
pra tratar desses casos, [...] diretamente ligado, assim, a crianças especiais, por que o
professor não é chamado? Também é uma pergunta. Por que chega muita gente: Por que
o professor não é chamado pra fazer esse curso? Eu vou fazer esse curso, por exemplo,
pra trabalhar com pessoas surda e muda, mas eu vou ter que pagar, e a SEMEC [...] ela
oferece, mas quem vão são os pedagogos. “Não, os pedagogos passam pros professores”.
O que é isso? Nem um curso que você vai direto, você não vai aprender, ainda, tanto assim!
Se eu tenho que ficar exercitando todo dia. Aí, como é que um pedagogo vai chegar,
“olha...”. Aí a gente recebe isso nas escolas, por exemplo, pra trabalhar com criança
hiperativa... Eu tenho um. Meu Deus do céu! É muito delicado o caso. ... chega...
[...] tira no computador, lá... “‘Trabalhar com a criança hiperativa’... aqui.”. entrega
uma folha pra cada um. [...] “Ta aqui. É pra fazer isso.”. [...] Só que [...] como a minha
tendência é tentar acertar [...] eu leio. que como é um professor pra uma sala cheia
de gente de alfabetização, com crianças que a cada cinco minutos precisando de alguma
coisa, de alguma atenção especial, o tem como eu me voltar pra essa criança... pra ele,
então, eu trato essa criança como os outros. Faço a atividade dele diversificada, que
ele não pára. A criança que não pára ali. Eu tenho que ficar com ele. pára se eu ficar
sentada com ele, mas como é que fica uma turma lá, tentando se matar, um riscando o livro
do outro. Então, a questão de uma pessoa pra assessorar esse professor era necessário
quando usar a palavra educação de qualidade.
65
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: DA TEORIA CRÍTICA COMO REFERENCIAL
EPISTEMOLÓGICO AO IDEÁRIO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR
PESQUISADOR REFLEXIVO CRÍTICO
No presente capítulo, apresento elementos conceituais que embasam a
articulação do pensamento presente nos capítulos seguintes. Nesse sentido, são
tomados como objeto de exposição e discussão a perspectiva teórico-
epistemológica da Teoria Crítica, aqui assumida como referencial mais amplo do
trabalho, e a perspectiva do professor pesquisador reflexivo crítico, que se vem
desenhando como um ideário nos discursos correntes em torno da formação de
professores. Que entendimento está sendo conferido aqui à Teoria Crítica? Que
relação de pertinência existe entre esta abordagem epistemológica e o objeto aqui
em estudo? conexão entre a Teoria Crítica e o ideário de professor pesquisador
reflexivo crítico?
2.1 A Teoria Crítica como referencial epistemológico da pesquisa e seus
pressupostos conceituais
A Teoria Crítica ocupa-se da discussão de questões político-sociais, dentre
elas as questões culturais, educacionais, de raça, classe e gênero, em que estão
implicadas relações de poder e dominação. Entre seus objetos de interesse estão
implicados, portanto, o cotidiano da atuação profissional e os processos de formação
ou educação dos professores. Pela natureza de sua abordagem, a Teoria Crítica
oferece à pesquisa sobre formação de professores um referencial suficientemente
amplo de percepção e análise dessas práticas formativas e de seus significados,
permitindo preencher uma lacuna ainda presente nos fundamentos teóricos e
metodológicos da produção de conhecimentos predominante na área.
Tomada por esse prisma teórico, a formação de professores passa a ser
inconcebível se reduzida a mecanismos institucionais que se explicam e justificam a
si mesmos. Coadunando-se com o projeto emancipatório da Teoria Crítica, também
a formação docente ganha sentido se ancorada em uma perspectiva
transformadora que parta da necessidade que o ser humano tem de promover-se
permanente e coletivamente a estágios superiores de sua existência e de atuação
compreensiva no mundo. Daí, também, a própria natureza do conhecimento
66
científico ser inconcebível se o comprometida com estas mesmas necessidades
humanas fundamentais.
Diante das práticas atuais, torna-se evidente que o espaço da formação
docente tem sido um lócus privilegiado de contradições e incoerências, em que o
devir humano é freqüentemente negado, não discutido ou inadequadamente
considerado. Em meio à visão paradigmática ainda predominante, prevalecem as
posturas academicistas institucionalmente arraigadas, pelas quais alunos e
professores mergulham em práticas muitas vezes destituídas de sentido e perdidas
em vazios de procedimentos mecanizados e acríticos. Ao que se percebe, a
atividade científica, por mais que seja defendida por um discurso de integração multi,
inter e transdisciplinar, e de reconhecimento da complexidade do pensamento, ainda
é, via de regra, regulada por posições fragmentárias do conhecimento, típicas da
Teoria Tradicional, conforme a evidencia Horkheimer (1989).
Nesse contexto, não apenas se revelam insuficientes as tradições teóricas
tradicionais à abordagem da problemática da formação docente, como também
estas podem sugerir um conjunto de conceitos e proposições, destituídos de sua
significação histórica e teórica transformadora. Desse modo, não basta falar de
pesquisa e de reflexão na formação docente, é preciso indicar a crítica que estes
conceitos encerram. Desse modo, a Teoria Crítica se manifesta como um referencial
epistemológico de grande valor no estudo sobre a educação/formação de
professores, tendo em vista a necessidade de construção e concretização do ideário
de professor pesquisador reflexivo crítico.
Teoria Crítica é uma expressão que remonta, em sentido amplo, aos
pressupostos teóricos do marxismo e, em sentido estrito, a uma reelaboração
desses pressupostos a partir dos teóricos da denominada Escola de Frankfurt, uma
agremiação de pensadores tais como Max Horkheimer (1895-1973), Theodor
Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940) e Herbert Marcuse (1898-1978),
estabelecida em torno do Instituto de Pesquisa Social (Institut für Sozialforshung),
fundado em 1923, na cidade de Frankfurt, na Alemanha, e presidido por quase trinta
anos por Max Horkheimer, principal responsável pela expressão Teoria Crítica, a
partir de um texto denominado “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, publicado em
1937 na Revista de Pesquisa Social (Zeitschrift für Sozialforschung), editada por ele
próprio, de 1932 a 1942. (NOBRE, 2004).
67
Até a atualidade, no entanto, a Teoria Crítica veio passando por muitas
influências e reelaborações teóricas, ao ponto de não ser possível, no momento
presente, falar de uma perspectiva de consenso amplo em torno dessa abordagem e
dos diferentes conceitos que engendra, embora hajam aspectos comuns que
permitem caracterizar diferentes pensamentos como teórico-críticos. Daí a
dificuldade de se tentar explicar, em termos precisos, o que é a Teoria Crítica.
Segundo dizem Kincheloe e McLaren (2006, p. 282-283),
[...] Essa é uma questão difícil de resolver porque: (a) existem muitas teorias
críticas, e não apenas uma; (b) a tradição crítica está sempre mudando e
evoluindo; e (c) a teoria crítica tenta evitar a especificidade excessiva, pois
há espaço para discordâncias entre os teóricos críticos. Traçar uma série de
características fixas dessa postura é uma atitude que contraria o desejo
desses teóricos de evitar a produção de esquemas detalhados de crenças
sociopolíticas e epistemológicas.
Entretanto, há um conjunto de conceitos e categorias fundamentais que
sustentam a Teoria Crítica, e que permitem evidenciar como, a partir dela, se faz a
abordagem da realidade. Nos tópicos seguintes, a partir das contribuições de Nobre,
Adorno, Horkheimer, Kincheloe e McLaren, faz-se uma apresentação desses
conceitos principais, aqui considerados nucleares na forma de estruturação e
construção epistemológica deste trabalho, onde as primeiras noções a serem
esclarecidas são as que se referem a “teoria” e a “crítica”.
2.1.1 O sentidos de “teoria” e “crítica”
Na noção de teoria discutida por Horkheimer (1989), esta é apresentada a
partir de uma idéia genérica, compartilhada por diferentes áreas do conhecimento
tanto as ciências sociais quanto as ciências naturais —, de sistematização do saber
e poder explicativo da realidade. Horkheimer (1989, p. 31) diz que,
No sentido usual da pesquisa, teoria equivale a uma sinopse de
proposições de um campo especializado, ligadas de tal modo entre si que
se poderiam deduzir de algumas dessas teorias todas as demais. Quanto
menor for o número de princípios mais elevados, em relação às conclusões,
tanto mais perfeita será a teoria. Sua validade real reside na consonância
das proposições deduzidas com os fatos ocorridos. Se, ao contrário, se
evidenciam contradições (Widersprueche) entre a experiência e a teoria,
uma ou outra terá que ser revista. Ou a observação foi falha, ou algo
discrepante nos princípios teóricos. Portanto, no que concerne aos fatos, a
teoria permanece sempre hipotética. Deve-se estar disposto a mudá-la
sempre que se apresentem inconvenientes na utilização do material. Teoria
68
é o saber acumulado de tal forma que permita ser este utilizado na
caracterização dos fatos tão minuciosamente quanto possível.
Nessa mesma linha de definição, Nobre (2004, p. 7) também salienta que:
[...] A “teoria”, ao pretender explicar ou compreender uma conexão de
acontecimentos, tem como intuito mostrar “como as coisas são”. Em se
tratando de uma teoria científica, a explicação deve ser capaz também de
prever eventos futuros, ou então de compreender os eventos no mundo de
tal maneira a produzir também prognósticos a partir das conexões
significativas encontradas. E uma teoria é confirmada ou refutada conforme
as previsões e os prognósticos se mostrem corretos ou incorretos.
Isto é, do ponto de vista do conceito, não problemas quanto ao que é
teoria. Entretanto, é preciso ter cuidado com a forma com que esse conceito é
considerado e utilizado para legitimar determinadas formas de conhecimento e
relações de poder e dominação. Horkheimer (1989, p. 35), adverte que:
Na medida em que o conceito da teoria é independentizado, como que
saindo da essência interna da gnose (Erkenntnis), ou possuindo uma
fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria coisificada
(verdinglichte) e, por isso, ideológica.
Nesse sentido, para esse autor, não se questiona o significado da teoria em
geral, mas são questionáveis as teorias que se constroem “de cima para baixo”, sem
que seus autores tenham um contato direto com os problemas de uma ciência
empírica particular (HORKHEIMER, 1989, p. 33). Isso implica que, dependendo do
processo de sua elaboração, uma teoria pode ser mais ou menos útil para a
explicação e compreensão dos fatos e fenômenos, dependendo da realidade a que
se reporta e dos interesses que visa atender.
Esse pensador crítico chama a atenção para o fato de que, com o advento
da sociedade moderna, a teoria gerada pela ciência positivista passou a enfatizar
um tipo de razão instrumental, comprometida com o desenvolvimento de
conhecimentos aplicáveis no atendimento das exigências de domínio da natureza e
do modelo de produção emergente. Essa perspectiva, de que se reveste a teoria
tradicional, intensificou-se ainda mais em tempos presentes, quando o investimento
maciço das difertentes ciências e da tecnologia ocorrem no sentido de melhorar o
aparelho material de produção da sociedade, subordinando-se às diretrizes e
interesses de organismos e potências econômicas e políticas internacionais. Nesse
sentido, o autor chama a atenção para o fato de que:
69
Não se emprega mais tanta energia em formar e desenvolver a capacidade
de pensar, independente de seu tipo de aplicação. [...] A formulação de
hipóteses, a realização teórica em geral é um trabalho para o qual existe
possibilidade fundamental de aplicação, isto é, tem uma demanda sob as
condições sociais existentes. Na medida em que ele é pago abaixo do seu
valor, ou não encontra demanda, a única coisa que lhe pode acontecer é
compartilhar o destino de outros trabalhos concretos, possivelmente úteis,
que sucumbem sob estas relações econômicas. (HORKHEIMER, 1989, p.
42-43).
A produção da teoria, pois, é mediada por interesses que refletem relações
de poder e, por conseguinte, de dominação. E neste ponto, para além da “teoria”,
faz-se necessário a introdução de outra acepção importante, designada pelo termo
“crítica”.
A noção vinculada ao termo “crítica” ou “comportamento crítico”, representa
o aporte fundamental que diferencia a concepção de Teoria Tradicional da de Teoria
Crítica, constituindo uma das razões fundamentais da opção por esse referencial
epistemológico neste trabalho. Segundo Nobre (2004, p. 9-10),
certamente muitos sentidos de “crítica”, mesmo na própria tradição da
Teoria Crítica. Mas o sentido fundamental é o de que não é possível mostrar
“como as coisas são” senão a partir da perspectiva de “como deveriam ser”:
“crítica” significa, antes de mais nada, dizer o que é em vista do que ainda
não é mas pode ser. [...] Não se trata de um ponto de vista utópico no
sentido de irrealizável ou inalcançável, mas de enxergar no mundo real as
suas potencialidades melhores, de compreender o que é tendo em vista o
melhor que ele traz embutido em si.
E continua apresentando o que considera, em síntese, serem os dois
sentidos fundamentais de crítica:
[...] O ponto de vista crítico é aquele que o que existe da perspectiva do
novo que ainda não nasceu, mas que se encontra em germe no próprio
existente. [...] Um ponto de vista capaz de apontar e analisar os obstáculos
a serem superados para que as potencialidades melhores presentes no
existente possam se realizar. (NOBRE, 2004, p. 10)
De acordo com esse autor, para a teoria crítica a abordagem epistemológica
da realidade seria parcial se baseada em uma cisão entre “como as coisas são” e
“como devem ser”. Em sua argumentação, a potencialidade transformadora inerente
a uma determinada realidade faz parte de “como as coisas são”, e não ser capaz de
perceber os elementos que impedem a plena realização dessas potencialidades
significa ver apenas parte de “como as coisas são” (NOBRE, 2004, p. 10). Ou seja, a
tarefa epistemológica, segundo uma visão crítica, não pode prescindir do
70
compromisso com a busca de transformação da realidade. Aí está a essência e a
síntese da idéia de crítica.
O próprio Horkheimer (1989) apresenta o pensamento crítico como devendo
ser a base da emancipação humana. Em sua visão, é o pensamento crítico que
permite desnaturalizar certas tensões existentes entre determinado conceito de
homem e as circunstâncias concretas criadas pelo próprio homem que o submetem
e condicionam para aquém de si mesmo. O pensamento crítico, na visão de
Horkheimer, figura como essa faculdade humana capaz de fazer o sujeito discernir
entre o que é natural e exterior ao homem e que ainda não é objeto de seu domínio,
e o que é eminentemente humano, mas foi naturalizado como algo exterior,
funcionando como instrumento de dominação e poder apassivador sobre o próprio
homem. Em suas palavras,
[...] o pensamento crítico é motivado pela tentativa de superar realmente a
tensão, de eliminar a oposição entre a consciência dos objetivos, a
espontaneidade e racionalidade inerentes ao indivíduo, de um lado, e as
relações do processo de trabalho, básicas para a sociedade, de outro. O
pensamento crítico contém um conceito do homem que contraria a si
enquanto não ocorrer esta identidade. Se é próprio do homem que seu agir
seja determinado pela razão, a práxis social dada, que forma ao modo
de ser (Dasein), é desumana, e essa desumanidade repercute sobre tudo o
que ocorre na sociedade. Sempre permanecerá algo exterior à atividade
intelectual e material, a saber, a natureza como uma sinopse de fatos ainda
não dominados, com os quais a sociedade se ocupa. Mas neste algo
exterior incluem-se também as relações constituídas unicamente pelos
próprios homens, isto é, seu relacionamento no trabalho e o desenrolar de
sua própria história, como um prolongamento da natureza. Essa
exterioridade não é contudo uma categoria supra-histórica ou eterna isso
também não seria a natureza no sentido assinalado aqui —, mas sim o sinal
de uma impotência lamentável, e aceitá-la seria anti-humano e anti-racional.
(HORKHEIMER, 1989, p. 46).
Decorrem dessas considerações, portanto, os dois princípios fundamentais,
em sentido amplo, da Teoria Crítica: (a) a sua orientação para a emancipação e (b)
o comportamento crítico frente à realidade. Mas, na relação direta entre esses dois
princípios, uma implicação substancial em torno da prática como parte e
expressão da teoria, segundo discute Nobre (2004, p. 11-12),
[...] A teoria crítica não pode se confirmar senão na prática transformadora
das relações sociais vigentes. As ações a serem empreendidas para a
superação dos obstáculos à emancipação constituem-se em um momento
da própria teoria. Nesse sentido, o curso histórico dos acontecimentos
como resultado das ações empreendidas contra a estrutura de dominação
vigente a medida para a confirmação ou refutação dos prognósticos da
teoria. Note-se, entretanto, que a prática não significa aqui mera aplicação
da teoria, mas envolve embates e conflitos que se costuma caracterizar
71
como “políticos” ou “sociais”. A prática é um momento da teoria, e os
resultados das ações empreendidas a partir de prognósticos teóricos
tornam-se, por sua vez, um novo material a ser elaborado pela teoria, que é,
assim, também um momento necessário da prática.
A postura de exigência de uma prática transformadora faz da Teoria Crítica
uma abordagem epistemológica que se compromete com a classe dominada,
porque nela vislumbra os potenciais transformadores e sobre ela reconhece
elementos culturais, econômicos e ideológicos, o naturais, mas historicamente
constituídos, que vêm impedindo a transformação. É daí que Horkheimer (1989, p.
50) também sustenta que:
[...] A função da teoria crítica torna-se clara se o teórico e a sua atividade
específica são considerados em unidade dinâmica com a classe dominada,
de tal modo que a exposição das contradições sociais não seja meramente
uma expressão da situação histórica concreta, mas também um fator que
estimula e que transforma.
Trazendo esse conjunto de idéias para o estudo aqui proposto, a orientação
da teoria crítica implica em que não apenas se busque apresentar a realidade
formativa dos alunos-professores do curso de Pedagogia, mas que, através dessa
aproximação diagnóstica da realidade, se vislumbre as condições necessárias para
sua superação. É preciso discutir os meios concretos a partir dos quais as práticas
formativas possam ser transformadas naquilo que delas se espera, em função das
potencialidades que lhe são imanentes. Isto é, as condições que favoreçam a
formação efetiva do professor pesquisador reflexivo crítico.
Diante desta questão, vale recorrer a zquez (1990, p. 232-233) que, ao
defender que a prática é fundamento e finalidade de toda teoria e que toda praxis é
orientada por uma finalidade, diz que:
[...] o homem pode sentir a necessidade de novas atividades práticas
transformadoras para as quais carece do necessário instrumental teórico. A
teoria é determinada, nesse caso, por uma prática da qual ainda o pode
nutrir-se efetivamente. Pois bem, que significa essa determinação através
de algo que ainda não existe ou que existe de modo ideal? É a
determinação através daquilo que, anteriormente, chamamos de finalidade,
antecipação ideal daquilo que, não existindo ainda, queremos que exista. A
prática é aqui a finalidade que determina a teoria. E, como toda finalidade,
essa prática será efetiva com o concurso da teoria. A prática como
objetivo da teoria exige um correlacionamento consciente com ela, ou uma
consciência da necessidade da prática que deve ser satisfeita com a ajuda
da teoria. Por outro lado, a transformação desta em instrumento teórico da
praxis exige uma alta consciência dos laços que unem mutuamente a teoria
e a prática, sem o que não se poderia entender o significado prático da
primeira.
72
Nesse sentido, a formação do professor pesquisador reflexivo ainda está
circunscrita mais ao plano discursivo que da realidade. Representa uma prática, sim,
mas idealizada, confusa e ainda inexistente concretamente. Partindo, pois, da
concepção de Vázquez, dizer que a teoria crítica não pode se confirmar, senão na
prática transformadora, significa dizer que esta é o seu ponto de inspiração e de
chegada. Entretanto, indo mais além, com Nobre, significa dizer que somente a
prática pode revelar a teoria verdadeira, evidenciando, nos atuais processos de
formação docente, as contradições que impedem a concretização daquele ideário e
as imanências do seu via a ser.
2.1.2 Categorias de Análise da Realidade
Por sua natureza, a Teoria Crítica lança o de uma perspectiva ampliada
de abordagem e análise da realidade, que permite evidenciar os entraves que
dificultam a transformação social. Para isso, no entanto, diferentes pressupostos
conceituais são discutidos, no sentido de explicitar o ponto de vista do qual parte em
suas discussões.
Numa visão mais situada no contexto atual, dito pós-moderno, Kincheloe e
McLaren (2006) falam de uma Teoria Crítica reconceituada que, por seu escopo
autocrítico, se configure tendo por base importantes proposições como o Iluminismo
[ou esclarecimento] crítico, a emancipação crítica, a rejeição ao determinismo
econômico, a crítica da racionalidade instrumental ou cnica; o impacto do desejo
na construção da realidade; as relações de poder que se consolidam através da
hegemonia, da ideologia e da linguagem / discurso; o enfoque sobre as relações
entre cultura, poder e dominação; e o papel de uma pedagogia cultural na Teoria
Crítica.
Na tradução da Teoria Crítica de caráter mais amplo para o estudo do
campo educacional e da escolarização, autores como Kincheloe e McLaren (2006) a
ela se referem como Teoria Educacional Crítica, epistemologicamente inscrita no
que, por conseqüência, denominam de Pedagogia Crítica.
Nesta seção, para além da apresentação de alguns dos principais conceitos
implicados na Teoria Crítica, tenta-se, também, evidenciar as implicações diretas
que estes trazem às práticas educativas de formação de professores, e, por
73
conseguinte, a grande relevância de se tornarem referenciais na análise do objeto
aqui proposto.
2.1.2.1 O Esclarecimento Crítico
Adorno e Horkheimer (1985) trazem a importante noção de esclarecimento
desmitificado, a ser propiciado pela Teoria Crítica. Em sua busca de compreensão
do mundo em que vive, o homem se num processo de auto-afirmação intelectual,
como ser capaz de, através de sua própria razão, ter discernimento sobre si mesmo
e seu entorno e operar sobre a natureza, subjugando-a à sua vontade, e ampliando
crescentemente a consciência das dimensões ontológica, gnosiológica e teleológica
de sua existência.
Entretanto, do homem que inicialmente precisou criar o mito como forma de
compreensão do mundo; que em seguida lançou mão da filosofia metafísica como
forma de desafiar e se elevar sobre sua compreensão mítica da realidade; ao
homem que na idade moderna deu asas à sua razão instrumental no intuito de
dominar crescentemente a natureza e incrementar seu potencial de produção
material do mundo, através do desenvolvimento da tecnologia, foram dados passos
para frente e para trás, ao mesmo tempo, em termos de constituição do que é
verdadeiramente humano.
Adorno e Horkheimer (1985) falam de uma nova barbárie que se estabelece
quando os homens, cada vez mais capazes de produzir condições mais dignas para
coexistirem de forma mais humana, distanciam-se crescentemente da consciência
do que são e das finalidades de suas ações no mundo, sendo cada vez mais
consensualmente controlados de forma naturalizada.
Tendo por base a visão desses autores, o esclarecimento crítico representa
o estágio em que a razão humana é capaz de discernir quanto aos significados e
implicações de seu próprio desenvolvimento na história da constituição do próprio
ser humano. Esclarecimento crítico é, neste sentido, esta condição da razão humana
que permite ao ser social reconhecer as dimensões ontológica, gnosiológica /
epistemológica e teleológica do próprio ser, identificar os condicionamentos
concretos que impedem o seu desenvolvimento, e mobilizar-se em busca de sua
realização plena.
74
Na perspectiva do esclarecimento crítico, interessa à Teoria Crítica dar ao
homem condições de reconhecer e refletir sobre o outro lado do “avanço” a que
chegou a humanidade; de perceber que todo o “desenvolvimento” até agora atingido
é regulado por relações de poder em que concorrem interesses variados,
predominando os de uma minoria dominante. Como dizem Kincheloe e McLaren
(2006, p. 283), “[...] a teoria crítica analisa os interesses de poder concorrentes entre
grupos e indivíduos dentro de uma sociedade identificando quem ganha e quem
perde em situações específicas”.
Na investigação sobre a formação docente, a perspectiva do esclarecimento
crítico permite resgatar os sentidos de transformação social e os interesses dos
grupos dominados, que devem justificar e regular as práticas e a razão de ser dos
professores. O esclarecimento crítico deve levar os professores a um estado de
permanente alerta quanto aos sentidos e finalidades das cada vez mais freqüentes e
rápidas inovações e exigências dos sistemas oficiais de educação, e se, nessas
novas lógicas impostas e em construção, as necessidades verdadeiramente
humanas das classes subordinadas nas quais os próprios professores também
estão inseridos — estão sendo mais ou menos atendidas.
2.1.2.2 Emancipação Crítica
Enquanto objetivo fundamental da Teoria Crítica, a emancipação crítica é
orientada pela idéia de que a cada indivíduo deve ser conferida a condição de
controlar sua própria vida, tendo em vista sua autotransformação e a participação
ativa na transformação do meio em que vive. A emancipação crítica, neste sentido,
implica o reconhecimento e a assunção coletiva de que ninguém se emancipa
sozinho. Essa crença é construída no exercício rigoroso da teoria e da pesquisa
críticas.
[...] A pesquisa crítica tenta expor as forças que impedem os indivíduos e os
grupos de influenciarem as decisões que afetam crucialmente suas vidas.
Dessa forma, pode-se chegar a graus maiores de autonomia e de atividade
humana. (KINCHELOE; McLAREN, 2006, p. 283).
Em se tratando da formação de professores, a pesquisa crítica pressupõe a
idéia de que a emancipação crítica relaciona-se diretamente com a capacidade das
75
práticas formativas de se orientarem por um conhecimento de caráter também
emancipatório. Segundo McLaren (1997, p. 203-204),
O conhecimento emancipatório nos ajuda a entender como os
relacionamentos sociais são distorcidos e manipulados por relações de
poder e privilégio. Ele também almeja criar as condições sob as quais a
irracionalidade, a dominação e a opressão podem ser superadas e
transformadas através da ação reflexiva, coletiva. Em resumo, ele cria as
bases para justiça social, igualdade e distribuição de poder.
Nesta questão, a emancipação crítica não é algo que se possa considerar
enquanto condição a ser perseguida pelas práticas docentes, somente a partir da
inserção dos professores nos espaços institucionais de sua atuação profissional. A
emancipação crítica precisa ser desejada e gestada no seio da própria formação,
enquanto consciência decorrente do esclarecimento crítico.
2.1.2.3 A rejeição ao Determinismo Econômico
Não é incomum, nos dias de hoje, ver representantes dos grupos
dominantes — grandes empresários, intelectuais, governantes que vieram de
famílias de trabalhadores das classes subordinadas. Isto indica que não são os
fatores econômicos, estritamente, os únicos responsáveis pela viabilidade ou
impedimento da mobilidade social dos indivíduos. Nesse processo, algo mais que os
condicionamentos econômicos da base material da sociedade agem potencializando
e limitando os sujeitos: as capacidades imanentes de suas subjetividades tornam-
lhes capazes de se adaptar e também de desafiar padrões culturais, ideológicos,
hegemônicos e de vislumbrar alternativas de sobrevivência e coexistência com as
adversidades materiais e econômicas de seu meio.
Segundo Kincheloe e McLaren (2006, p. 284), a Teoria Crítica não ignora, de
maneira alguma, que os fatores econômicos constituem importantes eixos de
opressão, mas também não aceita a noção marxista ortodoxa de que a “base”
determina a superestrutura. Se, no entanto, outros fatores ligados à cultura e às
subjetividades que podem ser geradores de adaptação e resistência aos
condicionantes econômicos, às lógicas de mercado e às forças de dominação, os
educadores críticos precisam tomá-los como foco a fim de que se possa conferir
poder às classes subordinadas.
76
Os professores em formação, portanto, precisam reconhecer que, a despeito
dos condicionantes econômicos a que estão submetidos os estudantes de periferia,
suas subjetividades continuam sensíveis a todo um conjunto de influências que se
estabelecem no plano cultural, ideológico e hegemônico, mas também operando em
sentidos que vão da apassivação ao questionamento, resistência, luta e conflito com
as orientações dominantes. Desse modo, quanto aos sujeitos das classes
subordinadas, uma relação direta entre ser socialmente considerados impotentes
ou incapazes de ações transformadoras e a crença, gerada nos próprios indivíduos,
na incapacidade e impotência para transformar suas próprias vidas.
Daí a fundamental relevância de os professores, em suas práticas
formativas, serem orientados por uma Pedagogia Crítica que lhes permitam
vislumbrar mais que um diploma de qualificação em nível superior. É necessário que
a construção do sentido ético de sua formação prepondere sobre a certificação
oficial dela resultante, gerando uma consciência do urgente compromisso com as
classes subordinadas. É o que salienta McLaren (1997, p. 194), quando diz que:
A pedagogia crítica é fundamentada na convicção de que a escolarização
para a habilitação pessoal e social precede eticamente um diploma técnico,
sendo este último basicamente relacionado à lógica do mercado (embora
deva-se salientar que o desenvolvimento de habilidades, certamente,
desempenha um papel importante). A preocupação com a dimensão moral
da educação fez com que os teóricos críticos empreendessem uma
reconstrução socialmente crítica do que significa “ser escolarizado”. Eles
salientam que qualquer prática pedagógica verdadeira exige um
compromisso com a transformação social, em solidariedade com grupos
subordinados e marginalizados. Isso transmite, necessariamente, uma
opção preferencial pelo pobre e pela eliminação das condições que geram
sofrimento humano.
2.1.2.4 A visão crítica sobre a Racionalidade Técnica/Instrumental
Ante à apologia feita na atualidade à era do “conhecimento”, da “informação”
e da “tecnologia”, a teoria crítica se posiciona frente a ela com sérias objeções,
indicando os efeitos deste estágio da humanidade sobre o desdobramento da
consciência e razão dos indivíduos na sociedade. O entendimento comum para
conhecimento e informação vincula esses conceitos aos interesses da economia, na
medida em que conhecer e estar informado são considerados, sobretudo, como
condição fundamental para atender às exigências modernas de desenvolvimento
tecnológico e implementação das relações produtivas no grande mercado global.
77
O que o ser humano, enquanto tal, ganha e perde frente a esta realidade é
um dos objetos fundamentais de estudo da Teoria Crítica, que vem evidenciando o
quanto a razão vem se desligando da reflexão quanto aos fins da ação humana no
mundo e se prendendo, centralmente, na sua forma de intervenção neste. O ser
tecnológico e bem informado da atualidade é o mesmo que, gradativamente, vai
abandonando o próprio pensamento.
Desse modo, para Kincheloe e McLaren (2006, p. 284),
Uma teoria crítica reconceituada enxerga a racionalidade instrumental/da
tecnologia como um dos aspectos mais opressivos da sociedade
contemporânea. Essa forma de “hiper-razão” envolve uma obsessão com os
meios e não com os fins. Os teóricos críticos alegam que a racionalidade
instrumental/técnica está mais interessada no método e na eficiência do que
na finalidade, delimitando suas dúvidas a “de que forma”, e não a “por que
deveria”. [...] A racionalidade instrumental/técnica geralmente separa o fato
do valor em sua obsessão pelo método apropriado”, perdendo, no
processo, uma compreensão das escolhas de valor sempre envolvidas na
produção dos assim chamados fatos.
Adorno e Horkheimer também alertam para a condição de um tempo em que
o ser humano julga atuar sob a égide do esclarecimento. Na era de império da
racionalidade técnica/instrumental, o ser social certamente se julga muito adiante de
seus antecessores guiados pela consciência mitológica. A ciência moderna,
certamente o libertou de suas compreensões míticas e o elevou ao esclarecimento.
Entretanto, como alertam os autores,
[...] com o abandono do pensamento que, em sua figura coisificada como
matemática, máquina, organização, se vinga dos homens dele esquecidos
o esclarecimento abdicou de sua própria realização. Ao disciplinar tudo o
que é único e individual, ele permitiu que o todo não-compreendido se
voltasse, enquanto dominação das coisas, contra o ser e a consciência dos
homens. Mas uma verdadeira práxis revolucionária depende da
intransigência da teoria em face da inconsciência com que a sociedade
deixa que o pensamento se enrijeça. Não são as condições materiais da
satisfação nem a técnica deixada à solta enquanto tal, que a colocam em
questão. [...] A culpa é da ofuscação em que esmergulhada a sociedade.
O mítico respeito dos povos pelo dado, que eles no entanto estão
continuamente a criar, acaba por se tornar ele próprio um fato positivo, a
fortaleza diante da qual a imaginação revolucionária se envergonha de si
mesma como utopismo e degenera numa confiança dócil na tendência
objetiva da história. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.51-52).
Pensando na formação docente, impera na atualidade o discurso do
desenvolvimento da competência e da profissionalidade, que devem ocorrer
mediante a constituição de práticas reflexivas e de investigação dos professores
78
sobre suas próprias práticas. Entretanto, mesmo as idéias de reflexão, pensamento
e investigação, apropriadas pelos discursos dominantes, estão comprometidas com
uma razão tipicamente instrumental. Ser um profissional competente costuma limitar-
se, em termos concretos, a “saber fazer bem” o que foi socialmente instituído em
torno de sua função, o se ampliando este saber a um nível de esclarecimento
crítico quanto às razões pelas quais certas práticas são desenvolvidas, às relações
de poder nelas presentes e aos interesses que elas atendem.
Nesta compreensão, a teoria crítica funciona como a baliza que, numa
investigação em torno da formação docente, permite ao pesquisador discernir entre
as orientações que conduzem os professores a uma racionalidade meramente
técnica e instrumental e aquelas que os conduzem a uma racionalidade
emancipatória.
2.1.2.5 Relações de Poder: Hegemonia, Ideologia e Linguagem
Na apresentação até aqui realizada da Teoria Crítica, uma indicação
clara quanto à sua preocupação em evidenciar as relações de poder que se
estabelecem na sociedade, mediante as quais se reproduzem a dominação, as
injustiças e desigualdades entre classes sociais e indivíduos. Mas, para que possa
se manifestar e se reproduzir, o poder precisa operar sobre as consciências dos
indivíduos de tal modo a fazer com que uma maioria ignore seu poder potencial e
reconheça e se submeta ao poder de uma minoria dominante.
Olhando para os eventos cotidianos da realidade social, pode-se perguntar,
por exemplo, sobre por que razões um grande contingente de professores, advindos
das classes trabalhadoras, é levado a orientar suas práticas num sentido de pura
adaptação às condições dadas, de caráter opressivo aos desfavorecidos, não
reconhecendo os próprios potenciais transformadores, nem explorando os
referenciais de existência e potenciais subjetivos de dos estudantes pobres.
A teoria crítica trata de questões como esta, evidenciando como o poder se
reproduz através da hegemonia, sustentada pela eficiência da ideologia e linguagem
dominantes, das quais ninguém está isento. Conforme advertem Kincheloe e
McLaren (2006, p. 285), o campo de conhecimento e compreensão da realidade é
estruturado por uma exposição limitada a definições concorrentes do mundo
sociopolítico. Dessa forma, mesmo os estudantes e pesquisadores do poder,
79
educadores e sociólogos, estão submetidos à hegemonia. “A hegemonia”, diz
McLaren (1997, p. 206), “é uma luta na qual o poderoso ganha o consentimento dos
oprimidos, que inconscientemente participam de sua opressão”. Este mesmo autor
esclarece que:
A hegemonia refere-se à liderança moral e intelectual de uma classe
dominante sobre uma classe subordinada conquistada não através de
coerção [...] ou da construção deliberada de regras e regulamentos [...], mas
sim através do consentimento geral da classe dominada à autoridade da
classe dominante. A classe dominante não precisa impor a força para
produzir hegemonia, já que a classe dominada subscreve ativamente muitos
dos valores e objetivos da classe dominante, sem estar atenta à fonte
desses valores ou aos interesses que os informam. (McLAREN, 1997, p.
207).
Não é possível, pois, conforme entendem Kincheloe e McLaren (2006, p.
285), compreender, no âmbito da teoria crítica, a formação da hegemonia separada
da ideologia. Para esses autores “a hegemonia ideológica envolve as formas
culturais, os significados, os rituais e as representações que produzem
consentimento para o status quo e os lugares específicos dos indivíduos dentro
deste”. McLaren (1997, p. 209) destaca que,
A ideologia refere-se à produção e representação de idéias, valores e
crenças e à maneira pela qual eles são expressados e vividos por
indivíduos e grupos. [...] A ideologia refere-se à produção de sentido e
significado. Pode ser descrita como um modo de ver o mundo, um complexo
de idéias, vários tipos de práticas sociais, rituais e representações que
tendemos a aceitar como naturais e de senso comum. É o resultado da
intersecção de significados e poder no mundo social.
A ideologia, portanto, está intricada nas mais diferentes práticas sociais,
justificando-as e gerando sentidos às mais diferentes ações humanas. Nesse
sentido, toda ação humana é interessada e submetida à ideologia, embora nem todo
ator tenha consciência dos interesses que estão a orientar e reger sua atividade
social. Além disso, não como se esconder ou esquivar da influência da ideologia,
independente do quão criticamente esclarecido se possa ser. A ideologia é parte
constitutiva da formação do indivíduo social, mediante a qual este compreende ao
mundo e a si mesmo. A questão, pois, não é se os indivíduos são, ou não,
submetidos à ideologia, mas que grupos sociais são mais diretamente contemplados
e favorecidos nas formas ideológicas dominantes.
80
“A ideologia dominante”, diz McLaren (1997, p. 211), “refere-se a padrões de
crenças e valores compartilhados pela maioria dos indivíduos”. Entretanto, isso não
significa que os indivíduos são, em relação a ela, vítimas passivas. Os indivíduos
continuam operando no mundo com suas subjetividades, gerando interpretações e
necessidades novas em torno de sua realidade e tentando justificar-se a si mesmos
em sua existência. As mudanças nas formas como essa ideologia se apresenta são,
pois, uma constante, e, das mais diferentes maneiras, os indivíduos participam de
sua construção. Nessa perspectiva, Kincheloe e McLaren (2006, p. 285) defendem
uma noção de ideologia dominante enquanto “forma crítica de construtivismo
epistemológico sustentada por uma compreensão matizada da cumplicidade do
poder nas construções que as pessoas fazem do mundo e do papel delas neste [...]”.
O poder, então, se reproduz sustentado por uma hegemonia ideológica
assegurada pela grande maioria dos indivíduos sociais que, na produção de suas
representações no mundo, fazem-na através da linguagem, pela utilização,
elaboração e reelaboração constante de discursos. A linguagem é, pois, outra
categoria fundamental para a compreensão sobre as formas como opera o poder.
Para a teoria crítica, os processos de linguagem configuram e refletem
diretamente as relações de poder. Os discursos dominantes, inculcados na
consciência da maioria dos indivíduos, não apenas são um reflexo da sociedade tal
como ela é, eles servem, principalmente, para construí-la (KINCHELOE; McLAREN,
2006, p. 286). O poder vai se legitimando através de práticas discursivas que
estabelecem referenciais de pensamento e o padrão do que é socialmente válido e
admissível e “governam o que pode ser dito e o que deve permanecer em silêncio, e
quem pode falar com autoridade e quem deve ouvir”. (McLAREN, 1997, p. 213).
É possível depreender, portanto, que, em sendo o poder dominante
manifesto na forma de hegemonia ideológica e nas práticas discursivas, não é
possível ignorar que as instituições acadêmicas de formação de professores
também o, por excelência, espaços submetidos a essa hegemonia e, por
conseguinte, operadores de práticas discursivas que legitimam formas de poder e a
sobreposição e validação dos discursos de determinados grupos sobre outros.
Nesse sentido, é possível observar, por exemplo, como, em um mesmo
espaço, a problemática do cotidiano do professor da escola pública pode ser
discutida e ter ou não ter audiência. Se, no âmbito de sua formação acadêmica,
professores resolvem por em questão sua condição profissional — especialmente as
81
que se referem a salário e jornada de trabalho —, as dificuldades e contradições que
enfrentam diariamente com os estudantes pobres, suas próprias limitações pessoais
de qualificação técnica e compreensão teórica para enfrentar determinados desafios
da prática, e seus sentimentos de desânimo e desestímulo com a profissão, podem
vir a ser considerados como pessimistas, que o se valem de seu poder
transformador e que, por conta de sua atuação desmotivada, o ensino vai mal.
Entretanto, quando levantadas por pesquisadores e professores universitários,
sociólogos e filósofos da educação, essas mesmas questões, tratadas a partir de
outras formas discursivas, tais como aulas e exposições teoricamente
fundamentadas, pesquisas e artigos científicos, conseguem caracterizar a situação
opressiva a que se submetem os professores e adquirem a aura de objetos de
estudo que, verdadeiramente, merecem a atenção da academia.
Ou seja, as práticas discursivas instituídas encerram relações de poder e
são suficientemente opressoras para tornar claro que o problema do oprimido não é
válido se apresentado por sua própria voz. Sua linguagem e seu discurso não possui
credibilidade científica, não representa um “conhecimento”. Sob o rótulo de senso
comum, o discurso sobre suas experiências é esvaziado de validade e os indivíduos
são levados a crer que, no que concerne a si mesmos e às suas atividades, lhes
cabe suportar sua própria condição de opressão, adaptando-se ao conjunto de
situações que lhe são “dadas”, ou apegar-se a quem tenha autoridade discursiva
para falar em seu lugar sobre uma condição que é a sua.
Assim sendo, a teoria crítica permite aos pesquisadores da formação de
professores identificar aspectos das relações de poder que estão presentes nessas
práticas, através de uma orientação ideológica e discursiva dominante.
2.1.2.6 Cultura e Política Cultural
Uma outra categoria enfocada nos estudos orientados pela teoria crítica é a
cultura, entendida por McLaren (1997, p. 204) como as várias práticas, ideologias e
valores de que dispõem diferentes grupos para dar sentido ao mundo, designando,
assim, “os modos particulares nos quais um grupo social vive e sentido às suas
dadas circunstâncias e condições de vida”. Ao focalizar a questão da cultura, esse
autor aponta a relevância e a necessidade de, além de compreender o seu
82
significado, reconhecer como, através dela, é possível identificar quem tem poder e
como ele se reproduz e se manifesta através da escolarização.
Do ponto de vista da pesquisa crítica, os estudos sobre a cultura
assumem uma importância crescente. Segundo a perspectiva dos pesquisadores
críticos, dizem Kincheloe e McLaren (2006, p. 286),
A cultura deve ser vista como um domínio de luta no qual a produção e a
transmissão do conhecimento é sempre um processo contestado [...]. A
cultura popular com sua televisão, sua música, sua dança, seus filmes, seus
videogames, seus computadores e outras produções desempenha um papel
cada vez mais importante na pesquisa crítica sobre o poder e a dominação.
[...] Novas formas de cultura e de dominação cultural são produzidas, à
medida que se confunde a distinção entre o real e o simulado.
Na pesquisa crítica sobre formação de professores, voltada para a
emancipação, que se pretender uma abordagem da cultura num sentido contra-
hegemônico, que possa reagir à incidência da cultura dominante, mas, para isso,
segundo também indicam Kincheloe e McLaren (2006, p. 286), é preciso
desenvolver:
[...] (a) a habilidade de vincular a produção de representações, de imagens
e de sinais da hiperrealidade ao poder na economia política; e (b) a
capacidade, uma vez que esse vínculo é exposto e descrito, de delinear os
efeitos extremamente complexos da recepção dessas imagens e desses
sinais sobre os indivíduos situados em várias coordenadas da raça, da
classe, do gênero e do sexo na rede da realidade.
Trata-se, portanto, de destituir a percepção da realidade de certas ilusões
que giram em torno da sociedade s-moderna. Se, por um lado, se verifica que
entre os indivíduos a capacidade de comunicação e o acesso à informação são cada
vez maiores e mais fáceis, por outro, também é verdade que espaços como a
televisão, a internet e o cinema conseguem ter um poder de incidência cada vez
maior sobre as representações e visão de mundo desses mesmos indivíduos. O fato
de haver uma maior conectividade mesmo entre os sujeitos de grupos
desfavorecidos, não significa a ampliação da expressão da cultura desses grupos.
Em vez disso, a ampliação da conectividade entre indivíduos pode representar
exatamente o contrário: a submissão de determinados grupos a certas formas
culturais dominantes, em detrimento da capacidade de reconhecimento, valorização
e expressão de sua própria cultura. Conforme discute McLaren (1997, p. 204),
83
A capacidade dos indivíduos em expressarem sua cultura é relacionada ao
poder que certos grupos são capazes de exercer na ordem social. A
expressão de valores e crenças por indivíduos que compartilham certas
experiências históricas é determinada pelo seu poder coletivo na sociedade.
De acordo com esta compreensão, a cultura representa uma categoria
fundamental a ser explorada na pesquisa crítica sobre formação de professores. Em
termos objetivos, os professores representam instrumentos fundamentais na
transmissão social de formas culturais e ideológicas através do processo de
escolarização. Pode-se, assim, dizer que são instrumentos de um grande poder
coletivo na sociedade. A questão, contudo, reside em ter clareza quanto a que
interesses são representados pelas ideologias, discursos e formas culturais
predominantes transmitidos pelos professores em suas práticas e como esses
professores podem reorientar sua atuação a partir de uma perspectiva cultural e
ideológica contra-hegemônica, voltada para os interesses de uma maioria
desfavorecida.
Na constituição das relações de poder, as formas culturais predominantes
estabelecem uma referência dos conhecimentos considerados socialmente
relevantes e válidos. Essas referências e formas culturais que representam os
interesses dos grupos dominantes informam, desse modo, os currículos objetos
da escolarização. Segundo esta lógica, o direcionamento explícito da escolarização
é o da reprodução das relações de poder, o que, entretanto, não significa uma
impossibilidade de transformação. McLaren (1997, p. 208) argumenta que:
A cultura dominante raramente é bem sucedida em todas as áreas. As
pessoas resistem. Os grupos alternativos conseguem encontrar valores e
significados diferentes para suas vidas. Os grupos de oposição tentam
desafiar o modo de estruturação prevalente da cultura e as representações
e significados decodificantes. Há, de fato, resistência contra as práticas
sociais prevalentes. As escolas e outros locais sociais e culturais raramente
estão subjugados por completo pelo processo hegemônico, que nestes
locais também encontramos luta e confrontação. Este é o motivo pelo qual
as escolas podem ser caracterizadas como sítios de transações, trocas e
luta entre grupos subordinados e ideologia dominante.
Contudo, para que a escolarização represente esse espaço de resistência e
luta é preciso que os professores revistam sua atuação de um caráter
eminentemente político, para além do estritamente instrumental. Se os currículos
escolares servem para consolidar relações de poder vigentes, eles também podem
ser direcionados para o desenvolvimento de uma cidadania crítica e ativa, num
84
sentido contra-hegemônico. Numa perspectiva crítica, não é mais possível tecer uma
visão de escolarização como processo neutro, destituído da exploração dos
conceitos de poder, política, história e contexto (McLAREN, 1997, p. 192).
A escolarização representa, então, uma forma de política cultural, na qual é
possível focalizar as conseqüências das diferenças entre as culturas dominantes e
subordinadas que se manifestam em sala de aula na relação entre professores e
estudantes. Para o autor, um currículo definido como política cultural cria condições
de conferência de poder ao estudante, considerado como sujeito político moral e
ativo. McLaren (1997, p. 219) entende o conferir poder como
[...] processo através do qual o estudante aprende a apropriar-se
criticamente do conhecimento que existe fora da sua experiência imediata
para ampliar seu conhecimento de si mesmo, do mundo e das
possibilidades para transformar as suposições preestabelecidas sobre a
maneira como vivemos. [...] Conferir poder significa mais do que auto-
confirmação. Também se refere ao processo pelo qual estudantes
aprendem a questionar e apropriar-se seletivamente daqueles aspectos da
cultura dominante que vão provê-los com a base para definir e transformar,
em vez de simplesmente servir à grande ordem social.
Isso significa que, ao educador crítico cabe assumir politicamente esta tarefa
de comprometer-se com a conferência de poder aos grupos desfavorecidos junto
aos quais desenvolve sua atuação educativa. Mas isto pressupõe que ele próprio
vivencie em sua própria vida esse processo de auto-conferência de poder.
Do pensamento de McLaren é possível depreender que a pesquisa crítica
está interessada em identificar, também nos processos formativos de professores,
as relações de poder e dominação implicadas na interação entre a cultura
acadêmica dominante nessas práticas e a cultura docente através da qual os
professores vivenciam e interpretam o cotidiano de sua atividade, dando-lhe sentido.
Até aqui, a apresentação dessas várias categorias de análise da realidade
utilizadas pela teoria crítica, representa um processo de autoconsciência, nesta
investigação, quanto à abrangência e complexidade da leitura de um objeto social de
estudo, inspirada nessa abordagem epistemológica. No tratamento das questões
educacionais por essa perspectiva investigativa, todos os conceitos acima aludidos
estão em confluência, elucidando as problemáticas das práticas, incluídas as de
formação de professores. Portanto, ao longo deste trabalho, eles vão reaparecendo
nas análises realizadas da realidade percebida pelo pesquisador.
85
2.1.3 Teoria Crítica, Pensamento Reflexivo, Emancipação e Formação de
Professores
A idéia mais ampla de uma “teoria crítica” traz em seu bojo algo mais que o
compromisso com a produção de um conhecimento sobre a realidade social. Ela traz
consigo a perspectiva de elevação da condição humana ao melhor que lhe é
imanente. Mas, nesta tarefa, reconhece, por um lado, a utilidade da Teoria
Tradicional e a necessidade de coexistir com ela, mesmo com a rejeição a que está
fadada a suportar por parte dos teóricos tradicionais; por outro lado, reconhece o
papel imprescindível que exerce o comportamento crítico para um processo de
transformação crítica da realidade. Conforme adverte Horkheimer (1989, p.68),
O futuro da humanidade depende da existência do comportamento crítico
que abriga em si elementos da teoria tradicional e dessa cultura que tende a
desaparecer. Uma ciência que em sua autonomia imaginária se satisfaz em
considerar a práxis à qual serve e na qual está inserida como o seu
além, e se contenta com a separação entre pensamento e ação, já
renunciou à humanidade. Determinar o conteúdo e a finalidade de suas
próprias realizações, e não apenas nas partes isoladas mas em sua
totalidade, é a característica marcante da atividade intelectual. Sua própria
condição a leva à transformação histórica. Por detrás da proclamação de
“espírito social” e “comunidade nacional” se aprofunda, dia a dia, a oposição
entre indivíduo e sociedade. A autodeterminação da ciência se torna cada
vez mais abstrata. O conformismo do pensamento, a insistência em que isto
constitua uma atividade fixa, um reino à parte dentro da totalidade social,
faz com que o pensamento abandone a sua própria essência.
Assim, a Teoria Crítica busca permanentemente resgatar os sentidos do
fazer humano, evidenciar suas finalidades e desconstruir “naturalidades” que se
revelam desumanas. Diante de sociedades tecnologicamente avançadas, implica
perguntar sempre em que medida o próprio ser humano também se desenvolveu na
capacidade de conviver uns com os outros e de reproduzir-se diminuindo as
desigualdades e as relações de dominação.
A Teoria Crítica busca o desenvolvimento de um pensamento que seja
capaz de reconhecer a influência exercida sobre o sujeito moderno a partir de uma
superestrutura silenciosa, abrangente e hegemônica, presente em um mundo
administrado por potências políticas e econômicas, que se escondem sob a égide do
atendimento às necessidades da sociedade — uma figura abstrata e amorfa, na qual
os indivíduos estão invisíveis, mas a ela todos se sentem submetidos e resilientes,
sem questionamento.
86
Na atuação sobre os indivíduos, essa superestrutura se manifesta através
da indústria de bens culturais, organizada para o engendramento, a satisfação e o
controle consentido do indivíduo que, para realizar-se, busca cada vez mais e
mais rapidamente — informação e cultura, e deixa-se conduzir crescentemente,
através de todos os seus sentidos, pelos aparatos que a era moderna e a tecnologia
podem lhe oferecer, ávido por experimentar todas as novidades, prazeres e
comodidades possíveis. Conduzido de forma crescente pela exterioridade, o
indivíduo consente com um processo paradoxal de perda de si mesmo, sendo-lhe
mais importante “estar provido de” do que com o “por que prover-se de”.
Nas sociedades “tecnologicamente avançadas”, o homem moderno termina
enfrentando uma nova forma de barbárie. Sua condição de ser pensante é
freqüentemente revertida na de um ser que se submete aos aparatos tecnológicos e
“bens culturais” presentes. O que pode ser considerado substancial passa a realizar-
se de modo cada vez mais artificial. Relações, interações, sensações humanas,
visão de realidade, adquirem superformas de acontecimento, ampliando e, ao
mesmo tempo, limitando e afastando o sujeito da expressão dessas faculdades
humanas básicas. Adorno e Horkheimer (1985, p. 14-15) apresentam elementos
importantes desse pensamento, quando dizem que:
A naturalização dos homens hoje em dia não é dissociável do progresso
social. O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as
condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho
técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa
sobre o resto da população. O indivíduo se completamente anulado em
face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da
sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo
diante do aparelho a que serve, o indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor
do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e a
dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela
destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores,
materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão
hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a negação da reificação.
Mas ele necessariamente se esvai quando se concretizado em um bem
cultural e distribuído para fins de consumo. A enxurrada de informações
precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo
tempo.
E dizem ainda que:
[...] no trajeto da mitologia à logística, o pensamento perdeu o elemento da
reflexão sobre si mesmo, e hoje a maquinaria mutila os homens mesmo
quando os alimenta. Sob a forma das máquinas, porém, a ratio alienada
move-se em direção a uma sociedade que reconcilia o pensamento
solidificado, enquanto aparelhagem material e aparelhagem intelectual, com
87
o ser vivo liberado e o relaciona com a própria sociedade como seu sujeito
real. A origem particular do pensamento e sua perspectiva universal foram
sempre inseparáveis. Hoje, com a metamorfose que transformou o mundo
em indústria, a perspectiva do universal, a realização social do pensamento,
abriu-se tão amplamente que, por causa dela, o pensamento é negado
pelos próprios dominadores como mera ideologia. (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 48).
O desenvolvimento do pensamento reflexivo crítico, gerador do
comportamento crítico passa a ser, portanto, um aporte fundamental na construção
da emancipação. E, enquanto princípios fundamentais da Teoria Crítica, a
orientação para a emancipação e o comportamento crítico também representam,
para a formação humana, fundamentos a serem perseguidos por todos aqueles que
se propõem a educar tendo em vista o esclarecimento
18
crítico, como nova forma de
desmitificação do tempo presente.
Esse estágio a que deve se elevar a consciência humana conforme se
pode depreender das idéias de Adorno e Horkheimer (1985) reflete bem o projeto
fundamental a ser perseguido pelo professor pesquisador reflexivo crítico. Por trás
desse ideário de professor e de seu papel inerente, está o interesse por um sujeito
que não se submeta simplesmente, de forma acrítica e resiliente, à realidade como
está dada; que não perceba nesse todo chamado sociedade uma fonte de
aniquilamento e pura impotência do indivíduo; que em sua profissionalidade
reconheça no princípio da investigação a faculdade fundamental do pensamento em
ação sobre os sentidos e melhorias possíveis do próprio fazer, tendo em vista uma
______________
18
Em nota preliminar, o tradutor do texto Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, diz
que “Em Adorno e Horkheimer, o termo [esclarecimento] é usado para designar o processo de
“desencantamento do mundo”, pelo qual as pessoas se libertam do medo de uma natureza
desconhecida, à qual atribuem poderes ocultos para explicar seu desamparo em face dela. Por
isso mesmo, o esclarecimento de que falam não é, como o iluminismo ou a ilustração, um
movimento filosófico ou uma época histórica determinados, mas o processo pelo qual, ao longo da
história, os homens se libertam das potências míticas da natureza, ou seja, o processo de
racionalização que prossegue na filosofia e na ciência. Mas este não é um simples processo de
desmitologização: o fato de que ele tem origem no próprio mito e encontra seu termo atual na
mitologização do esclarecimento sob a forma de ciência positiva reflete o fato de que o
conhecimento pela dominação da natureza tem lugar pela assimilação dos processos de
conhecimento e controle aos processos naturais, e explica por que esse processo de dominação
da natureza pode resultar paradoxalmente numa mais completa naturalização do homem
totalmente civilizado. Tudo isso deixa claro que o conceito de esclarecimento, embora sem perder
o vínculo que o liga ao conceito crítico e emancipador expresso pelo termo na linguagem ordinária
e filosófica, não pode se resumir, para nossos autores, às Luzes do século dezoito. o só a
expressão não designa mais um movimento filosófico, mas resulta de um aprofundamento crítico
que leva à desilusão de seu otimismo.” (ALMEIDA, 1985, p. 7-8)
88
razão de ser no mundo; que diante do fascínio dos tempos pós-modernos, possa ter
um olhar de interioridade sobre os sentidos de educar e de tornar-se humano no
presente, com vistas no futuro.
Entretanto, para que esse ideário transformador possa ter espaço efetivo
nas práticas dos professores, é preciso que desde a formação estes possam ter
acesso a currículos que orientem para a transformação, extrapolando a ênfase
centrada na racionalidade técnica / instrumental. Pensando nos limites dessas
práticas formativas, Giroux (1997, p. 200) argumenta que:
Muitos dos problemas relacionados com a preparação de professores de
hoje em dia apontam para a falta de ênfase dos currículos na questão do
poder e sua distribuição hierárquica e no estudo da teoria social crítica.
Fortemente influenciada pela psicologia comportamental e cognitiva,
predominante, a teoria educacional tem sido construída em torno de um
discurso e conjunto de práticas que enfatizam aspectos metodológicos
imediatos e mensuráveis da aprendizagem. Ausentes estão as questões
referentes à natureza do poder, ideologia e cultura e como estas constituem
noções específicas do social e reproduzem formas particulares de
experiência estudantil.
Isto implica em dizer que, para além da abordagem da Teoria Crítica como
importante referencial epistemológico na produção do conhecimento, ela também se
constitui como elemento crucial do próprio currículo, na formação do professor
crítico. Giroux (1997) destaca que, apesar de haver uma significativa influência da
teoria social crítica na reelaboração da teoria educacional, ela ainda não conseguiu
fazer incursões significativas nos programas de formação de professores. A
ausência desse enfoque crítico traz aos professores um conjunto de limitações
sérias ao desenvolvimento de uma razão emancipatória.
Em suas palavras, Giroux (1997, p. 200) assinala que:
Esta falta de atenção à teoria crítica social destituiu os professores
estudantes de uma estrutura teórica necessária para compreender, avaliar e
afirmar os significados socialmente construídos por seus estudantes acerca
de si mesmos e da escola, e portanto diminuiu a possibilidade de lhes
garantir os meios para o autoconhecimento e fortalecimento social. Para
muitos professores em formação que se encontram lecionando para
estudantes da classe operária ou de minorias, a falta de uma estrutura bem
articulada para compreender as dimensões de classe, cultura, ideologia e
gênero da prática pedagógica torna-se ocasião para a produção de uma
atitude defensiva alienada e uma armadura pessoal e pedagógica que
muitas vezes se traduz em um distanciamento cultural entre “nós” e “eles”.
A teoria crítica representa, portanto, a presença de um aporte conceitual
amplo, através do qual o professor não apenas pode apreender melhor a realidade
89
social em que vive, mas também desenvolver uma postura política baseada no
comportamento crítico, pelo qual se compromete com a busca do desvelamento das
diferentes formas de poder e com o combate às formas de opressão humana. Essa
perspectiva teórica se coaduna com a visão de um professor voltado para a
pesquisa, para a reflexão e para a crítica. Por esta razão, apresento agora uma
discussão em torno desse ideário de professor, propugnado na atualidade, mas que,
nos moldes em que vem sendo discutido, compromete-se pouco com a construção
de uma razão emancipatória e põe-se muito mais a serviço de uma razão
instrumental (PUCCI, 2007), evidenciando uma forma de perversão da crítica.
2.2 O professor pesquisador reflexivo crítico: um ideário em construção
Especialmente nas duas últimas décadas, tem sido bastante enfatizado, na
área da formação profissional em educação, um discurso que preconiza o
investimento na formação de um professor que tenha internalizada a atitude de
reflexão e investigação permanentes sobre sua prática profissional. Neste sentido,
têm sido especialmente recorrentes os trabalhos de Schön (1983, 1992, 2000) e
Stenhouse (1984, 1987), a partir dos quais muitos autores nacionais e internacionais
defendem e discutem a perspectiva do professor pesquisador reflexivo. No Brasil,
predominantemente no âmbito da pós-graduação, a adesão a esse novo discurso de
formação profissional também tem sido bastante acentuada.
No entanto, se por um lado parece haver a configuração de um novo tempo
na profissionalização docente, em que os velhos lemas da pesquisa e da reflexão
parecem finalmente assumidos de forma globalizada, por outro lado parece que a
atitude crítica de discussão sobre essa “unanimidade” o tem se manifestado nas
mesmas proporções.
Algumas perguntas, no entanto, necessitam de respostas: quais os limites e
as implicações dessa concepção de professor como agente reflexivo e pesquisador
no desenvolvimento do processo de formação docente? Afinal de contas, que
compreensão de reflexão e pesquisa está subjacente nesse novo discurso de
formação do professorado? O que se presencia hoje, de fato, é um paradigma de
formação que finalmente veio tomar a reflexão, a produção do conhecimento e a
consciência sobre o desenvolvimento da própria prática como prerrogativas do ser
professor?
90
Naturalmente, seria ingênuo imaginar que a formação docente possa ser
pensada em desacordo com os interesses da sociedade constituída e de grupos
majoritários detentores do poder e do controle das estruturas econômicas de
produção. Certamente a formação docente não pode ser concebida alheia às
exigências de seu tempo, aos avanços da ciência e da tecnologia, dos meios de
comunicação e das novas relações de trabalho.
No entanto, igualmente não é possível esquecer que, sob a insígnia da
formação de professores também continuam depositados os ideários de sociedade e
ser humano construídos historicamente, imbuídos de valores como justiça,
cidadania, democracia, equidade social e humanização, o que também implica
reconhecer que nem sempre esses ideários estão representados nas práticas
educativas e discursos hegemônicos vigentes.
A julgar pelo conjunto de manifestações na literatura e no espaço acadêmico
educacionais nesta transição para o século XXI, alguns ideais construídos
historicamente como os relativos às finalidades da educação, ao papel e ao ser
do educador, ao modelo de sociedade e ao significado que o conhecimento deve ter
para a humanidade estão ultrapassados, fora de moda ou, no mínimo, foram
reinterpretados e reassumidos sob outra conotação e a partir de outros interesses.
Ao que parece, não existe o mesmo espaço para algumas importantes
discussões que põem em questão o papel da escola e dos professores como
agentes de democratização do conhecimento e da luta contra as desigualdades
sociais. Esse ideário, que mesmo nos anos 80 e na primeira metade dos anos 90
ainda era muito presente, não demonstra ter o mesmo lugar ao sol nos discursos
e políticas de formação docente atuais. Nesses termos, talvez da mesma forma
como Valle (1997) se refere a uma crise do imaginário social com relação à escola
pública, também se possa falar dessa mesma crise com relação ao imaginário social
de professor.
No presente capítulo são discutidas as concepções de professor reflexivo e
professor pesquisador enquanto acepções adotadas no processo formativo da
docência à luz de uma perspectiva crítica. A partir de Valle (1997), é assumida a
noção de “imaginário social” na abordagem da idéia de professor pesquisador
reflexivo.
Assumir a perspectiva do “imaginário social” tem a finalidade de permitir uma
retomada de valores que, por mais que estejam ofuscados pela extensa discussão
91
em torno do que e qual seja a natureza desse professor pesquisador reflexivo,
possam eclodir novamente sob a forma de ideais históricos e socialmente
construídos que, apesar da profusão de discursos, que visam dar-lhes nova
conotação, ainda possuem a força de provocar reflexões sobre os sentidos e
significados do fazer educativo, considerado sob uma perspectiva crítica.
Situando a concepção de Castoriadis, Valle (1997, p. 35) nos traz que “O
imaginário social é, ‘radicalmente’, potência criadora, que adjetiva e circunscreve a
práxis social”. Conforme acrescenta a autora,
Apesar de atravessado por inúmeras contradições e submetido a uma
“alógica” que não autoriza que dele pintemos um retrato acabado e unívoco,
o imaginário social é, antes de mais nada, uma totalidade: refere-se à
experiência global de instituição da própria sociedade e não apenas de
um só dos grupos que a compõem. (VALLE, 1997, p. 36).
O imaginário social, portanto, permite recrudescer as idéias de pesquisa,
reflexão e docência sob uma perspectiva crítica, evidenciando um claro
comprometimento com este ideário.
2.2.1 Das Concepções de Pesquisa e Reflexão ao Paradigma de Professor
Pesquisador Reflexivo
Não precisamos ir longe quanto às acepções de pesquisa e reflexão a serem
exploradas aqui. Como ponto de partida, servem-nos as que utilizamos no cotidiano,
submetidas a um exercício lógico de pensamento.
Mesmo quando desprovida de qualquer nível mais elaborado de
fundamentação teórica, a pesquisa é considerada como “busca”, que em si é uma
palavra que sugere um ato deflagrado por uma curiosidade ou por um sentimento de
ausência ou necessidade de algo, ligado a diferentes finalidades: intelectuais,
práticas, artísticas, espirituais, sociais, entre tantas outras possíveis. Se
remontarmos à saga primitiva da história humana, está a “busca” como
componente fundamental de constituição do que o homem é hoje e como prenúncio
do que é vital para sua evolução permanente.
Mesmo ao nível de sistematização acadêmica em que se apresenta hoje a
pesquisa, enquanto investigação acurada, sistematizada, submetida a
procedimentos rigorosos, visando à descoberta do conhecimento inédito, científico,
fruto da razão humana, ela ainda reflete a atitude fundamental que o ser humano
92
tem de buscar ultrapassar as próprias fronteiras. Daí não ser concebível no
imaginário social, o professor enquanto pessoa a quem conferimos a
responsabilidade e acreditamos competente para atuar na formação de outras
pessoas — destituído desse desejo e capacidade fundamental de pesquisa.
Com a reflexão não é diferente. Exerce-a o ser que pensa e que se conta
de sua condição distintiva dos outros seres: a razão e a capacidade de sentir e
perceber distintamente os diferentes fatos e fenômenos que o circundam. O conceito
de reflexão está diretamente associado ao voltar-se sobre si mesmo, à consideração
atenta e repetida sobre algo. Tal como a busca, a reflexão está presente sempre que
o homem carece racionalizar e compreender o que faz, vivencia e sente.
Ou seja, a reflexão é movimento interno e condição intrínseca de
crescimento de cada indivíduo. Daí porque também ao professor não se possa
admitir uma prática desprovida de reflexão. Tal prática é, no mínimo, um ato de
alheamento do professor para consigo mesmo e para com aquele que é submetido à
sua autoridade, bem como alheamento à consciência política e social da amplitude
das implicações de seu fazer e também de sua omissão.
Mas, de onde vem o paradigma do professor como pesquisador? O que
justifica a pesquisa ser tomada, nos dias de hoje, como uma proposta, de certa
forma, “inovadora” para a formação de professores? Reiterando considerações
anteriores, não seria a pesquisa, sua prática, sua incorporação no fazer docente,
algo intrínseco à natureza do ser professor? Afinal, conseguiríamos tranqüilamente
conceber em nosso imaginário um professor que se limite às práticas de transmissão
de conteúdos, alguém facilmente substituível, cuja utilidade se esgota diante da
riqueza e da diversidade das novas tecnologias da comunicação e da informação?
Sem dúvida alguma, quando nos situamos no contexto da cibercultura
(RAMAL, 2002) em que vivemos, é impossível o reconhecer que estamos no
âmago de um processo de reconceptualização tanto da escola, enquanto instituição
educativa nos novos tempos, quanto do professor, enquanto agente aprendiz e
construtor do conhecimento, cuja identidade ainda ligada a um modelo tradicional de
transmissor de conteúdos é duramente criticada. Ramal ilustra bem esse novo
contexto, quando diz que:
[...] o professor se continuar agindo apenas como um bom transmissor de
conteúdos, será substituído por softwares interativos, com maior capacidade
de memória, que passem as informações com imagens coloridas, músicas e
vídeos divertidos. O momento é, portanto, decisivo para que se redescubra
93
o valor do espaço escolar e para que o perfil docente seja reinventado.
(2002, p. 15).
O momento presente, portanto, exige do professor a atitude de busca, de
construção do conhecimento, seja sob a égide da orientação dos organismos
internacionais e do poder oficial, como a do “aprender a conhecer” (DELORS, 2003),
seja sob o reconhecimento, decorrente da reflexão individual e coletiva dos próprios
professores, de que a docência implica mais que apenas ensinar no sentido estrito
de mera transmissão de saberes.
Segundo Freire (1997, p. 32), para quem ensinar exige pesquisa,
O que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou forma de ser
ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da
prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é
que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma,
porque professor, como pesquisador.
Com esse pensamento, Freire nos remete ao fato de que pesquisa e
professor são inerentes um ao outro, bem como à consciência de que a discussão
atual sobre que tipo de pesquisa seja cabível ao professor, pode ser considerada um
despropósito para com a docência. Como negar ao professor a perspectiva da
produção do conhecimento sobre a prática educativa, independente de que esta
prática seja ou o a sua? Como negar-lhe a possibilidade de, sendo docente,
aprofundar uma reflexão sobre a natureza e as questões práticas, epistemológicas,
filosóficas e políticas envolvidas no fazer educativo? Dito de outro modo, como não
contemplar no currículo de formação de professores, a pesquisa como eixo
fundamental?
Nas discussões atuais, o paradigma do professor pesquisador está muito
associado ao de professor reflexivo, desde as proposições de Schön (1983, 1992,
2000), baseadas nas idéias de “conhecer na ação”, “reflexão na ação” e “reflexão
sobre a reflexão na ação”. De acordo com Pimenta (2002, p. 20), é o movimento
representado pela “reflexão sobre a reflexão na ação” que “abre perspectivas para a
valorização da pesquisa na ação dos profissionais, colocando as bases para o que
se convencionou denominar o professor pesquisador de sua prática”.
Note-se, no entanto, a que tipo de pesquisa se destina o professor na
citação de Pimenta: à pesquisa de sua prática. Qual, então, a finalidade dessa
pesquisa que o professor deve realizar?
94
A concepção de pesquisa na formação de professores, assumida sob a
égide da epistemologia da prática, tem tomado a prática do professor como o
principal referencial de produção de conhecimento a voltar-se para si mesma num
movimento cíclico: a prática alimenta a produção do novo conhecimento que, por
sua vez, deve realimentá-la de volta. Entretanto, que tipo de conhecimento se
constrói sobre uma prática que é diretriz de si mesma, fonte e destino de sua própria
evolução? Como a perspectiva da epistemologia da prática pode fazer com que essa
prática transcenda a si mesma numa dimensão teleológica?
Moraes e Torriglia (2003), ao discutirem a configuração contextual desse
novo paradigma de formação de professores (professor pesquisador-reflexivo),
evidenciam o risco das práticas centradas em si mesmas, circunscritas somente ao
espaço escolar. Nesse contexto em que se situa a epistemologia da prática, o
que Moraes (2003) denomina de “recuo da teoria” na produção de “conhecimento”.
Para Moraes e Torriglia (2003), as práticas de formação de professores,
embora possam e devam estar diretamente articuladas às vivências da docência,
carecem da fundamentação das teorias pedagógico/educacionais em estreito
diálogo com as ciências sociais e humanas. Em suas palavras:
[...] se com freqüência é preciso priorizar a experiência docente cotidiana
pois em tantos momentos se faz necessária a intervenção sob a pressão do
tempo, sob o risco de perder oportunidades únicas –, isso não significa que
a teoria abandone seu lugar catalisador. Ao contrário, o fato de estarmos
cuidando da prática, de seu movimento cotidiano, de suas múltiplas
epidermes, implica estarmos atentos à sua gênese, seus conflitos e
contradições, os quais o encontram inteligibilidade exclusivamente nos
limites dos muros escolares. A relação entre o que se passa na escola e o
mundo que a transcende é inerente ao processo educativo, faz parte de seu
ethos. (p. 48).
Esta questão é preocupante, principalmente, porque não é possível dizer
que, no paradigma de professor pesquisador reflexivo que se vem construindo exista
uma preocupação em que esse novo ator e autor reflita sobre sua ação influenciada
por fatores culturais, cio-políticos e ideológicos, tampouco que busque orientar
sua própria prática em função de uma postura crítica diante desses fatores.
No bojo da epistemologia da prática está a crítica ao intelectualismo
acadêmico que distancia a Universidade dos processos reais que ocorrem na
escola e na prática educativa –, enredada no discurso da profissionalização, mas, ao
95
mesmo tempo, está o que Shiroma (2003) vem denunciar como um processo de
“desintelectualização” do professor, ratificado pelas políticas de reforma educacional.
Para esta autora,
Mesmo que o professor apresentasse maior autonomia de ação, as opções
dentro do espaço de trabalho, o aumento da flexibilidade funcional e sua
transformação em expert iriam colocá-lo em dificuldade para compreender
que as soluções para os problemas não advêm apenas da reflexão sobre
sua prática, especialmente quando enclausurada no espaço da sala de aula
ou limitada pelos muros escolares. Isto é, a reflexão sobre a prática é
necessária, porém insuficiente. A insistência dos reformadores sobre o
primado da prática, das competências, da pesquisa para produzir
conhecimento útil e resolução de problemas revela a concepção
funcionalista que norteia esta política. (SHIROMA, 2003, p. 76-77).
Assim, há que se reconhecer, por um lado, a crítica ao intelectualismo
acadêmico, haja vista que, de fato, a Universidade e os cursos de formação
profissional em educação não podem discutir as práticas educativas nem tentar
apreender a complexidade de seus processos se deles não se aproxima, se com
seus sujeitos não dialoga.
Por outro lado, vale destacar mais uma vez o pensamento de Moraes e
Torriglia (2003, p. 57), quando defendem que “as categorias ‘produção de
conhecimento’ e ‘pesquisa’ não se prendem ao campo do imediato”, justificando que
somente a atividade experimental não é suficiente para fazer compreender a
experiência, “uma vez que é preciso considerar o caráter estruturado dos objetos e
do mundo”.
É fundamental, portanto, tornar suficientemente claro que a compreensão de
pesquisa e a consequente noção de professor pesquisador assenta-se em uma
concepção mais ampla de formação docente que transcende a perspectiva da
epistemologia da prática schöniana, na medida em que esta se constrói sobre uma
prática situada historicamente, mas não a problematiza, nem instiga o necessário
processo de conscientização sobre as possibilidades críticas da experiência docente
e dos saberes dela decorrentes.
As noções de pesquisa e de professor pesquisador aqui se assentam em um
ideário de educador movido pela compreensão de que cada sujeito social se legitima
enquanto tal quando busca permanentemente a necessária atuação crítica em sua
realidade. Essa busca revela o comportamento crítico do sujeito que compreende
96
que a verdadeira consciência da prática implica a percepção da teoria que lhe é
imanente e vice-versa.
Do ponto de vista da formação crítica, ser adepto da pesquisa e da
concepção de professor como um pesquisador não é, pois, em si, sinônimo de
filiação aos pressupostos de Schön, Stenhouse ou de quem quer que seja, e sim,
uma postura e atitude do educador que se reconhece como sujeito autor de
conhecimento a partir da consciência de sua experiência e de uma teoria que
permeia sua ação orientada para o esclarecimento crítico.
2.2.2 A Reflexão e o Paradigma do Professor Reflexivo: da Reflexão à Reflexão
Crítica ou do Professor Reflexivo ao Intelectual Crítico
Conforme explicitado anteriormente, o paradigma do professor reflexivo
tem se fundamentado especialmente nas idéias de Donald Schön que, segundo
Perrenoud (2002, p. 14), “De certa forma, [...] revitalizou e conceituou mais
explicitamente a figura do profissional reflexivo ao propor uma epistemologia da
prática, da reflexão e do conhecimento na ação”. Entretanto,
[...] O profissional reflexivo é uma antiga figura da reflexão sobre a
educação, cujas bases podem ser encontradas em Dewey, sobretudo na
noção de reflective action. Encontramos essa idéia e não a expressão
em todos os grandes pedagogos que, cada um a seu modo, consideraram o
professor ou o educador um inventor, um pesquisador, um improvisador, um
aventureiro que percorre caminhos nunca antes trilhados e que pode se
perder caso não reflita de modo intenso sobre o que faz e caso não aprenda
rapidamente com a experiência. (PERRENOUD, 2002, p. 13).
Contudo, tamanha tem sido a difusão das idéias em torno desse paradigma,
que este trabalho não objetiva reapresentá-lo, mais uma vez, nos moldes estritos da
epistemologia da prática, mas, visa abordá-lo sob uma acepção que, partindo das
idéias de intelectual crítico e de reflexão crítica, discuta-as a partir de importantes
contribuições como as de Freire (1997), Contreras (2002) e Giroux (1997), de tal
forma a também fazer correspondência com uma noção não reducionista de
professor pesquisador.
Num discurso de ampliação à perspectiva de profissional reflexivo, explorado
por Schön, Giroux (1997) apresenta a idéia de professor como intelectual crítico,
intelectual transformador. Segundo ele,
97
Ao encarar os professores como intelectuais, podemos elucidar a
importante idéia de que toda a atividade humana envolve alguma forma de
pensamento. Nenhuma atividade, independente do quão rotinizada possa
se tornar, pode ser abstraída do funcionamento da mente em algum nível.
Este ponto é crucial, pois ao argumentarmos que o uso da mente é uma
parte geral de toda a atividade humana, nós dignificamos a capacidade
humana de integrar o pensamento e a prática, e assim destacamos a
essência do que significa encarar os professores como profissionais
reflexivos. (p. 161).
Entretanto, complementa dizendo que:
Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser vistos
em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza
do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que eles legitimam
em sua atividade de ensino. Com esta perspectiva em mente, gostaria de
concluir que os professores deveriam se tornar intelectuais transformadores
se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos ativos e críticos.
(p.162-163).
Para Giroux (1997, p. 163), portanto, o professor como intelectual crítico
transformador transcende a figura do professor reflexivo da prática, proposto por
Schön. Em sua perspectiva, os intelectuais transformadores têm o papel de articular
a linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, tendo como implicação a
tarefa da manifestação contra as injustiças econômicas e sociopolíticas dentro e fora
da escola.
Contreras (2002, p. 162), numa análise comparativa entre intelectual crítico e
o professor reflexivo, diz que: “Giroux representa o conteúdo de uma nova prática
profissional para os professores, mas não expressa as possíveis articulações com as
experiências concretas dos docentes”, por outro lado, o paradigma do professor
reflexivo expressa essas articulações com a prática, mas não indica uma orientação
finalística para a prática. Daí, propõe a concepção de reflexão crítica, baseando-se,
principalmente, nas proposições de Stephen Kemmis.
Para Contreras (2002, p. 162), numa paráfrase ao pensamento de Kemmis,
A reflexão crítica não se refere apenas ao tipo de meditação que possa ser
feita pelos docentes sobre suas práticas e as incertezas que estas lhes
provoquem, mas supõe também “uma forma crítica” que lhes permitiria
analisar e questionar as estruturas institucionais em que trabalham.
E complementa dizendo que:
a reflexão crítica não se pode ser concebida como um processo de
pensamento sem orientação. Pelo contrário, ela tem um propósito muito
98
claro de definir-se diante dos problemas e atuar consequentemente,
considerando-os como situações que estão além de nossas próprias
intenções e atuações pessoais, para incluir sua análise como problemas
que têm uma origem social e histórica. (CONTRERAS, 2002, p. 163).
Nesta noção de reflexão crítica, Contreras apresenta, portanto, uma
proposição sintética entre os modelos de profissional reflexivo e intelectual crítico.
Refletindo essa posição também está Freire, como um dos importantes teóricos
inspiradores da Teoria e da Pedagogia Críticas na contemporaneidade.
Para Freire (1997, p. 43-44),
Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje
ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso
teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que
quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da
prática enquanto objeto de sua análise, deve dela aproximá-lo” ao máximo.
Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha na prática
em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da
ingenuidade pela rigorosidade.
Portanto, a exemplo das proposições de Kemmis (1985, 1987 apud
CONTRERAS, 2002, p. 162-165), em Freire a reflexão é necessariamente crítica e
vinculada com a prática. Quando Paulo Freire destaca a forma de abordagem do
discurso teórico, que “tem de ser tal modo concreto que quase se confunda com a
prática”, está, por um lado, reconhecendo a teoria como imprescindível à reflexão
crítica, mas, ao mesmo tempo, reconhecendo uma natureza relacional fundamental
entre ambas. Elas devem estar suficientemente próximas a ponto de “quase” se
confundirem, de tal modo que uma revele a outra.
O que se pode depreender, fundamentalmente, é que o “distanciamento
epistemológico”, necessário à superação da “curiosidade ingênua” também não terá
sentido se estiver configurado de tal forma que nessa relação já não se consiga mais
apreender a realidade, as práticas e os sujeitos no âmago das contradições e
situações que vivenciam. Dialogar com a prática, no sentido freireano, não é se
confundir com ela, mas, certamente, reconhecer-lhe como espaço fundamental em
que as concepções humanas se manifestam, onde toda teoria se concretiza.
Não será difícil imaginar que sem o “conteúdo” finalístico, sem uma clara
orientação teleológica de sua atividade, como hoje se manifesta, segundo Contreras
(2002), o professor pesquisador reflexivo esteja muito mais propenso a ser um
exímio praticante da curiosidade ingênua” do que da “curiosidade epistemológica”,
99
baseada na “rigorosidade metódica”, que tanto mais se constrói quanto mais
criticamente se exerça a capacidade de aprender (FREIRE, 1997, p. 27).
2.2.3 As Implicações da Concepção de Professor Pesquisador Reflexivo
O fato de os atuais discursos de formação estarem a discutir a condição
deficitária da docência, a crise da identidade do professor, suas competências e sua
profissionalidade, certamente se deve à própria impossibilidade de nos mantermos
inertes à atual revolução tecnológica, nunca dantes vivenciada, que repercute
diretamente na produção e na cognição humanas e que vem exigindo uma revisão
profunda dos processos educativos na contemporaneidade. Mas, além disso, é
razoável crer que também se deve ao fato não desprezível de a docência
representar uma função demasiadamente estratégica na consolidação de um projeto
em curso e futuro de toda e qualquer sociedade, mesmo que sob a égide da razão
instrumental.
Entretanto, se são os imperativos do tempo presente que fazem a formação
docente ganhar uma atenção crescente, é também a convicção da necessidade de
permanente auto-revisão crítica do que o ser humano vem fazendo de si mesmo no
mundo, que alimenta um ideário de professores guiados por uma razão menos
instrumental e mais emancipatória (PUCCI, 2007), mediada pela pesquisa, reflexão
e crítica.
Contudo, não obstante a elevada produção acadêmica da atualidade em
defesa da perspectiva da epistemologia da prática baseada em Schön, é preciso
reconhecer que a figura aí defendida do professor pesquisador reflexivo é permeada
de contradições. Sob a face do que se vem considerando um “avanço” na
concepção da formação docente, há, nas entrelinhas, um conjunto de idéias quanto
ao que sejam e ao que se destinam o conhecimento, a pesquisa, a reflexão e o
professor, que não necessariamente representa um avanço qualitativo do ponto de
vista epistemológico e teleológico da condição humana.
Esses conceitos, bastante caros à formação docente, têm sido
ressignificados (MORAES, 2003) segundo a conveniência de interesses que
certamente não correspondem aos dos educadores que vêm pensando, atuando e
lutando pela escola pública. Da forma como foram concebidos classicamente,
praticamente não mais são reconhecidos no atual discurso hegemônico. O risco é o
100
de que palavras como professor, pesquisa, conhecimento, criticidade, política,
cidadania, democracia e autonomia se legitimem como slogans que, conforme
esclarece Contreras (2002, p. 23),
[...] são utilizados em excesso para provocar uma atração emocional, sem
esclarecer nunca o significado que se lhes quer atribuir. Funcionam assim
como palavras com aura, que evocam idéias que parecem positivas e ao
redor das quais se pretende criar consenso e identificação. Porém, é
provável que parte do êxito dos slogans em geral, [...]
resida em que na verdade escondem diferentes pretensões e significados,
em que diferentes pessoas estejam entendendo ou querendo dizer coisas
diversas com as mesmas palavras, embora aparentemente todos digam o
mesmo.
Tendo em conta as proposições aqui assumidas e que partem de um
referencial teórico-crítico, penso que, salvo como forma útil de alimentação desse
conceito no imaginário social, é redundante falar em professor pesquisador reflexivo.
Qualificativos como “pesquisador” e “reflexivo” se constituem uma exigência para
expressar o ideário em construção de professor como um intelectual crítico, uma vez
que pesquisa e reflexão são imanentes ao ser desse professor pela própria natureza
do fazer que lhe é subjacente.
Da mesma forma, a criticidade é uma condição do ser docente que
reconhece em sua tarefa um ato político, como nos diria Paulo Freire. Do seu
pensamento é possível depreender que a criticidade é condição sine qua non para
que o professor realize sua função construtora frente a si mesmo e aos outros; é
condição de libertação da própria consciência que possibilita ao homem dispor-se
também como instrumento para a libertação de outrem.
Portanto, o designativo “professor”, numa acepção teórico-crítica, carrega
intrínsecas a exigência da pesquisa, da reflexão e da criticidade baseadas em uma
razão emancipatória e criticamente utópica. Trata-se, assim, de uma opção teórica
que em seu germe se reconhece reacionária aos consensos acríticos em torno da
formação docente baseada na epistemologia da prática schöniana e que, por isso,
pode ser considerada mero idealismo utópico.
Contudo, se partir da referência de um professor pesquisador reflexivo crítico
como intelectual transformador, a ser alimentada em nosso imaginário, pode ser
concebido como mera alimentação de uma utopia, por tomar como referência uma
imagem que está bem distante dos professores reais da atualidade, talvez seja
101
exatamente aí que essa imagem seja mais útil e revele sua maior potência. Em certa
passagem Lílian do Valle (1997, p. 40) expressa que:
Não são as críticas que destroem a Escola imaginária: antes, pelo contrário,
elas a alimentam, como desafios colocados à nossa razão em vista da
manutenção do ideal. É o desinvestimento, o esquecimento e a denegação
que ameaçam a Escola.
Este pensamento pode ser perfeitamente parafraseado, ajudando a elucidar
que, igualmente, “não são as críticas que destroem o professor imaginário”, mas o
“desinvestimento, o esquecimento e a denegação” que pairam sobre a razão
instrumental contemporânea. Razão esta que tende a considerar como fantasiosa e
idealista qualquer perspectiva de formação humana que ouse forjar sua
fundamentação em valores que transcendam os ditados pelas leis do mercado, do
modelo de produção e da indústria cultural globalmente instituídos.
Porém, se o imaginário é compreendido como potência criadora e se a
concepção de professor pesquisador reflexivo é assumida a partir do viés teórico-
crítico, os sujeitos sociais com ela comprometidos deverão estar diretamente
implicados no esforço de construção desse imaginário, imbuídos das convicções em
acreditar, valorizar e difundir o ideário que ainda alimenta as práticas, os sentidos
mais profundos do ser professor e a inspiração primeira que leva cada educador a
estar no caminho do outro como um instrumento para sua formação e constituição
humanas num sentido emancipatório.
102
3 PERCURSO DA METODOLOGIA
Nas idéias até aqui apresentadas espero ter conseguido evidenciar que
uma relação entre as noções e categorias implicadas pela Teoria Crítica e as idéias
subjacentes ao ideário de professor pesquisador reflexivo crítico, neste trabalho. Do
ponto de vista metodológico, o estudo ora apresentado deve refletir essas
perspectivas conceituais que engendram formas específicas de conceber e atuar no
mundo.
Assim, além de ter que atender a um conjunto de necessidades
pressupostas pelas abordagens qualitativas, de um modo geral, a pesquisa deve
atender à Teoria Crítica, em particular. Dentre essas necessidades se destacam o
contato direto com a realidade; a descrição e interpretação de fatos e situações
reveladores sobre o objeto em estudo; a ação dialógica com os sujeitos envolvidos
no processo investigativo e a consideração destes enquanto atores produtores de
cultura e conhecimento; e o permanente esforço por compreender a intrincada teia
de significados das diferentes manifestações desses sujeitos em sua realidade. No
presente capítulo apresento o caminho percorrido e as decisões tomadas na
configuração metodológica deste trabalho.
3.1 O formato de pesquisa utilizado
No exercício reflexivo sobre o como atender a essas necessidades, surge a
indagação quanto à possibilidade de definição de um formato (design) específico
para a pesquisa. Na pista do que propõem Kincheloe e McLaren (2006), um caminho
coerente é o da etnografia crítica, embasada em uma hermenêutica crítica, vista
esta como uma interpretação em que o próprio intérprete põe-se a si mesmo
enquanto objeto de crítica e autocrítica em seu exercício interpretativo.
Na linha do que sugerem Kincheloe e McLaren (2006), não consiste uma
preocupação fundamental da pesquisa crítica a definição de um formato específico,
embora deva haver preocupação com o rigor de uma perspectiva interpretativa
crítica. Esses autores,
Apesar dos obstáculos do contexto, os pesquisadores hermenêuticos
podem superar as inadequações das descrições superficiais dos fatos
descontextualizados e produzir descrições densas dos textos sociais
caracterizados pelos contextos de sua produção, pelas intenções daqueles
103
que os produzem e pelos significados mobilizados nos processos de sua
construção. A produção dessas descrições/interpretações densas não
segue nenhum plano detalhado ou fórmula mecânica. Assim como ocorre
com qualquer outra forma de arte, a análise hermenêutica pode ser
aprendida somente no sentido deweyano executando-a. (KINCHELOE;
McLAREN, 2006, p. 288).
Não obstante, pela forma particular de seleção dos sujeitos da investigação
a partir de uma turma específica do curso de Pedagogia da UFPI; pela identidade
característica nas práticas dos diferentes sujeitos dessa turma; pelo olhar orientado
sobre a realidade desse grupo determinado; e pela exigüidade do tempo de efetivo
contato com esses sujeitos, a ponderação sobre a utilização ou não de um formato
para a pesquisa indicou a utilidade prática de consideração do que André (2005)
caracteriza como estudo de caso de tipo etnográfico que, embora não possua os
rigores metodológicos da etnografia, propriamente dita, procura orientar-se pelos
cuidados requeridos nesta metodologia.
Para And(2005, p. 23), o estudo de caso de tipo etnográfico constitui uma
“adaptação da etnografia a um estudo de caso educacional”. A autora defende que
alguns requisitos da etnografia, propriamente dita, não necessariamente são uma
exigência na pesquisa educacional, como a longa permanência do pesquisador em
campo e o uso de amplas categorias sociais na análise dos dados. Nesse sentido, o
que se faz, de fato, é uma adaptação da etnografia à educação, gerando estudos do
“tipo etnográfico” e não etnografia em sentido estrito. Assim sendo, o estudo “Há que
atender ao princípio básico da etnografia, que é a relativização, para o que se faz
necessário o estranhamento e a observação participante” (ANDRÉ, 2005, p. 25).
Entretanto, este estudo vale-se mais estritamente da utilidade do design do
estudo de caso de tipo etnográfico que em nada parece ferir aos pressupostos da
pesquisa crítica —, ao tempo em que se esforça por uma compreensão ampliada da
realidade em estudo, conforme propõe a Teoria Crítica, pela consideração das
várias categorias conceituais de análise a ela relacionadas e aqui contempladas.
Nas seções seguintes, apresento a concepção desse formato de pesquisa
enquanto estudo de caso de tipo etnográfico, na tentativa de indicar mais
explicitamente o caminho percorrido e de facilitar uma crítica ao trabalho realizado.
104
3.2 Etapas de Desenvolvimento da Pesquisa
No desenvolvimento da pesquisa, propriamente dita, esta se constrói
partindo de um período exploratório inicial para, somente depois, incidir em focos
mais definidos. Contudo, neste caso, a concretização deste processo não é
suficientemente clara em seu início. Exige uma reflexão em torno do que realmente
é fundamental e necessário, como condição para decidir sobre encaminhamentos da
investigação, num momento em que a própria compreensão sobre a pesquisa
qualitativa e seu referencial teórico de base ainda está sendo construída.
Entretanto, como pressupõem de um modo geral as pesquisas qualitativas, o
objeto e o problema real de estudo muitas vezes se manifestam e se modificam com
o aprofundamento teórico e com as novas perspectivas adquiridas de percepção da
realidade. Isto faz da investigação, e em especial das que se orientam pela teoria
crítica, um exercício de elevação autocrítica do pesquisador e do conhecimento
implicado em seu trabalho.
3.2.1 Período Exploratório
Em páginas anteriores declarei como objeto deste estudo “as percepções,
concepções e opiniões de alunos-professores na vivência e reflexão de seu
processo de formação no curso de Pedagogia”, tendo em vista a elaboração de um
“juízo crítico” em torno de “como os saberes da experiência desses indivíduos
podem, no espaço de sua formação, influenciar na construção e concretização do
ideário de professor pesquisador reflexivo crítico”. Esse objeto trouxe-me a
necessidade de avaliar que unidades objetivas de análise ofereceriam melhores
condições operacionais para a realização do estudo, consideradas minhas
possibilidades efetivas como pesquisador. É nesta avaliação que, mediante
sondagens institucionais, surge a turma de convênio UFPI/PMT como uma
importante e adequada opção, frente à problemática considerada.
De fato, trata-se de uma turma do curso de Pedagogia constituída por
cinqüenta alunos, dos quais, quarenta e oito mulheres e apenas dois homens, todos
professores da rede municipal de ensino de Teresina, vivenciando o último período
de sua formação em nível superior no final do ano de 2006 até meados de março de
2007.
105
A julgar pela quantidade de alunos-professores, o tempo de exercício
profissional de cada um, na esfera pública, e pela expressiva representação do
gênero feminino na turma, esta experiência de formação configura o ambiente
propício para se colocar em discussão o ideário de formação do professor
pesquisador reflexivo crítico, em termos de possibilidades de ser influenciado,
provocado e estimulado pelos saberes da experiência dessas professoras e
professores de profissão.
A negociação para o acesso a este grupo inicia através de contatos
informais do pesquisador com professores do Departamento de Métodos e Técnicas
do Ensino (DMTE) do Centro de Ciências da Educação (CCE) e com a coordenação
do curso de Pedagogia Convênio UFPI / PMT, manifestando o interesse e a intenção
do estudo, além de elementos da sua problemática, objetivos, natureza e
encaminhamento metodológico. A esses contatos iniciais, seguiu-se uma solicitação
formal escrita
19
, de colaboração com o estudo, feita à coordenação do curso pelo
pesquisador.
A proposta de estudo é recebida com uma atitude de pronta colaboração,
tanto por parte da coordenação do curso, quanto pelos professores-formadores da
turma, a quem solicitei a permissão para me fazer presente em classe durante as
aulas.
A interação com os alunos-professores inicia aos poucos. Antes mesmo da
apresentação formal da proposta de estudo à coordenação do curso, surgem
espaços em que os primeiros contatos se tornam possíveis, como nos intervalos de
aulas na lanchonete, mediados por algumas alunas-professoras com quem eu
possuía contatos anteriores -- tanto em situações não acadêmicas quanto em
situações de relação professor/aluno
20
. Assumo o fato de já conhecer algumas
alunas-professoras da turma como um aspecto positivo, por ajudar a diminuir o
estranhamento do grupo quanto à minha presença em classe durante as aulas.
Nesse sentido, as alunas-professoras que me conheciam anteriormente figuram,
em certa medida, como facilitadoras de minha inserção no grupo.
______________
19
Vide APÊNDICE A.
20
Pelo menos uma das participantes da turma havia sido aluna do pesquisador no curso de
Pedagogia em uma instituição privada de ensino superior.
106
Meu encontro com toda a turma acontece alguns dias após o início do
período letivo, quando é acordada minha apresentação formal ao grupo, realizada
pela coordenadora do curso ao longo de uma de suas aulas que a
coordenadora também atua como professora formadora. Para tanto, também aos
alunos-professores é apresentada uma comunicação formal
21
em que o
declarados os objetivos e a natureza da pesquisa, bem como o nível de interação
por mim pretendida com os demais participantes do processo de investigação.
A investigação focalizada inicia com minha presença gradativa em classe,
nos dias seguintes, com atenção especialmente voltada para a manifestação dos
alunos-professores durante as aulas: seus comentários, seu nível de envolvimento,
seus interesses manifestados, suas inquietações, em suma, os elementos que, de
alguma forma, evidenciam a manifestação de saberes, experiências, reflexão e
crítica por parte dos participantes.
O acompanhamento da turma ocorre levando em conta todo o conjunto, no
intuito de perceber as manifestações coletivas e as de indivíduos no e em relação ao
grupo como um todo. Não a preocupação de voltar o olhar apenas para aqueles
que, de alguma forma, têm uma participação de destaque em sala de aula. Parto,
em vez disso, da compreensão de que os silêncios, as retrações, e as aparentes
manifestações de distanciamento em classe também possuem importantes
mensagens a serem lidas e interpretadas para uma compreensão mais aproximada
das relações que os alunos-professores constroem com seu processo de formação e
com as possibilidades de sua transformação.
3.3 Procedimentos e instrumentais de coleta e análise dos dados
Os procedimentos de coleta de dados partem da observação participante,
estendendo-se à aplicação de questionários
22
, realização de entrevistas e análise
documental.
______________
21
Vide APÊNDICE B.
22
Vide APÊNDICE C.
107
3.3.1 Observação Participante
Um dos aspectos sobre os quais ponderei, quando da iniciação de minha
presença em sala de aula, junto aos alunos-professores, diz respeito ao nível de
minha participação nesse grupo. A decisão tomada foi a de tornar claro aos
participantes a dimensão, o objetivo e a natureza da pesquisa, bem como o meu
papel de observador no processo de formação, numa experiência em que todos os
alunos têm a particularidade de já serem docentes em exercício.
Nessa tarefa, não eram esperadas intervenções minhas durante as aulas
uma vez que isto compete mais diretamente aos próprios alunos-professores e seus
formadores —, mas que eu estivesse atento à dinâmica dos acontecimentos e das
manifestações dos participantes, buscando contato com estes quando dos
momentos de intervalo entre as aulas e, tendo como critério o bom senso,
integrando-me ao grupo em atividades quando solicitado e atuando de forma
colaborativa com o processo formativo.
Não obstante, a observação participante não acontece sem os riscos da
consolidação de certas relações de poder decorrentes dos significados que a
universidade e seus agentes acarretam sobre os professores em formação. Na
observação, a figura do pesquisador o passa de forma neutra e despercebida no
contexto formativo. Ela possui um significado e implica uma determinada percepção
da relação entre sujeito e conhecimento, entre quem pesquisa e quem é pesquisado
e, ainda, uma percepção sobre o valor social dos saberes de uns e de outros.
O fato de a pesquisa crítica pressupor clareza quanto aos papéis assumidos
pelos diferentes sujeitos no processo de investigação levou-me a assumir o
compromisso ético de revelar ao grupo minha condição de também “professor
formador” da área de Pedagogia, em realização de uma pesquisa para o mestrado,
indagando quanto às possibilidades de influência dos saberes da experiência de
alunos-professores na constituição de um ideário de formação.
Mas, querendo ou o, o fato de eu pertencer ao “lado de lá”, como um
pesquisador que também é professor formador —, talvez me tornasse, para os
professores, mais próximo das representações coletivas relacionadas aos
formadores do curso e menos das relacionadas aos interesses e perspectivas
específicas dos alunos-professores em formação. Embora, do ponto de vista
etnográfico, haja uma preocupação em que a presença deste sujeito estranho não
108
influencie tanto as manifestações “normais”, ou ditas “naturais” da situação
investigada, o máximo que eu podia esperar era uma adaptação do grupo a mim,
com os convenientes e inconvenientes que isso poderia comportar.
Mesmo que professores e pesquisadores universitários o sejam agentes
com tanta vivência na educação básica, quanto a maioria dos alunos-professores da
turma, isto não impede que sejam percebidos como aqueles que “detém” a teoria ou
os discursos que “explicam” e dão os fundamentos para o que acontece e ou deve
acontecer em sala de aula. De certo modo, são percebidos como sujeitos que
dominam um saber diferenciado e ou superior ao dos alunos-professores e que, por
isso, têm a autoridade do conhecimento sobre estes.
Ou seja, mesmo com meu comprometimento pessoal em evitar as
manifestações do poder hegemônico da academia sobre os alunos-professores, a
sua própria condição diferenciada no grupo, daquele que está ali observando, fazia
de minha presença ali, uma manifestação simbólica desse poder constituído pelo
conhecimento acadêmico sobre o saber que os professores constituem em sua
cultura docente.
A observação participante, portanto, como qualquer outro procedimento de
pesquisa, não está isenta de dificuldades epistemológicas específicas. Mesmo
assim, do ponto de vista ético, certamente é mais honesta, no ambiente da sala de
aula, a presença declarada do pesquisador estranho, em busca de compreensão de
uma realidade para a qual o centrais os alunos-professores. Foi preferível, pois,
que estes, na condição de sujeitos, estivessem cientes de minha presença em sala
de aula, o que permitiu que, ao modo particular de nossa convivência,
estabelecêssemos uma relação de interação e colaboração.
Do ponto de vista procedimental, embora nas abordagens qualitativas a
observação participante prescinda de um plano detalhado de sistematização, nesta
pesquisa ela busca centrar sua atenção em um foco determinado. Tive, então, a
preocupação de focalizar a realidade tentando identificar a manifestação do
comportamento crítico por parte dos alunos-professores, compreendendo que, tendo
em vista esta grande categoria conceitual, que se vincula ao pressuposto da
emancipação crítica, as outras categorias fundamentais da teoria crítica aí estão
implicadas. Tal tarefa, no entanto, torna imprescindível a consideração tanto das
manifestações, quanto das ausências desse comportamento crítico durante as
aulas.
109
Na introdução deste documento foram apresentadas questões que indicam a
problemática e se propõem como norteadoras deste estudo. Ao direcionar, nas
observações, eu tentava encontrar respostas para aquelas questões, para nelas
tentar identificar comportamentos críticos dos alunos-professores.
Ao tentar perceber as percepções, concepções e opiniões que os alunos-
professores têm de seu processo formativo, bem como a avaliação que fazem da
pertinência dos conteúdos para a prática e do quanto se sentem atendidos em suas
necessidades efetivas ao longo da formação, eu procurava privilegiando um
confronto entre os saberes de sua experiência e a cultura hegemônica de educação
de professores. Nessas observações, eu tentava perceber a valorização dos
professores pelos saberes do seu fazer, construídos na prática, em relação aos
saberes acadêmicos; a influência normativa do modelo da racionalidade
técnica/instrumental sobre eles e, por conseguinte, a influência ideológica
hegemônica da formação, que seleciona e impõe certas práticas discursivas no
ambiente universitário, que dão voz a uns e silenciam outros.
Ao tentar perceber a consciência dos participantes quanto ao ideal de
professor pesquisador reflexivo crítico, os condicionantes concretos que aproximam
ou afastam os alunos-professores desse ideal e a forma como vivem sua
singularidade de professores de profissão durante a formação, eu buscava indícios
de esclarecimento crítico, de orientação para a emancipação crítica e de resistência
à idéia de uma realidade pré-determinada, sobre a qual nada pudesse ser feito.
O comportamento crítico imputa ao sujeito uma perspectiva de
transformação sobre a realidade. Tomar essa categoria como foco das observações
significa ter um parâmetro suficientemente aberto e, ao mesmo tempo, teoricamente
delimitado, a partir do qual observar as manifestações dos participantes em sala de
aula.
Em sua realização, as observações têm seu espaço nas aulas do último
semestre letivo do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT, compreendido entre o
final de outubro de 2006 e início de março de 2007. Minha presença em sala de aula
acontece de forma gradativa e é balizada pelos horários que eu tinha liberados de
minha função docente e pelo horário específico das aulas da turma das quatorze
às dezoito horas, de segunda à sexta-feira. Embora o ideal fosse o
acompanhamento das atividades da classe durante todas as aulas e por um período
110
de tempo maior, isso não foi possível devido às condições objetivas que envolviam a
relação entre trabalho docente e prática de pesquisa.
Ao todo foram realizadas trinta e uma visitas, a partir das quais foram
registradas as observações. Nem sempre, no entanto, foi possível estar como o
grupo durante as duas aulas previstas a cada dia, mas procurei garantir que cada
observação se desse sobre eventos completos na turma. As observações também
não ocorreram em um cronograma regular que pudesse garantir aos registros uma
continuidade no relato de cada evento observado. Na perspectiva do que foi possível
realizar, cada registro traz uma reflexão que toma como referência não a conexão
das atividades pedagógicas entre si, mas a condição presente dos professores em
cada momento, movida por seu contexto específico. Cada aula observada, portanto,
é considerada como um evento de provocação dos alunos-professores, onde o que
interessa é menos a aula e mais a reação desses sujeitos à situação vivenciada.
Assim, para além de serem espaços específicos que alimentam a reflexão
sobre a prática de formação, essas situações de observação constituem um corpo
mais significativo quando consideradas em seu conjunto, em que certas tendências
na manifestação dos alunos-professores se revelam.
Os registros das observações e reflexões apresentados no capítulo
quatro são feitos por mim, de forma livre, durante e após os momentos em sala
de aula, em caderno de notas. São registros que, originalmente, se revelam como
matéria-prima a ser tratada e analisada conceitualmente. No contexto de realização
dessas observações, muitos conceitos se vão construindo em torno da investigação
que obrigam a que se vá e venha permanentemente em torno desses registros e dos
significados das situações descritas, bem como daquelas que não foram registradas
ou não foram suficientemente valorizadas, mas precisariam ser consideradas. Disso
se depreende a sua insuficiência para uma percepção mais ampliada do conjunto,
razão pela qual os outros artifícios metodológicos, a seguir, também foram
considerados fundamentais requeridos.
111
3.3.2 Elaboração e aplicação de questionário
No final do período letivo, com a conclusão dos momentos de observação e
contando com um bom nível de interação entre pesquisador e alunos-professores,
apresentei a cada participante um questionário com dezenove itens
23
, objetivando
levantar um perfil sico do grupo em termos de sua caracterização profissional e
das percepções e concepções que possuem e declaram em torno de sua formação
no curso de pedagogia. Os dados levantados nesse questionário abrem espaço para
duas condutas importantes na investigação: a) voltar reflexivamente aos registros
das observações, no intuito de confirmar, refutar ou problematizar certos aspectos
detectados; e, b) tendo como subsídio os registros das observações, nortear os
momentos de entrevistas com alguns alunos-professores, indicando pontos a serem
esclarecidos e aprofundados.
Para a elaboração do questionário, foram consideradas as questões
norteadoras do estudo, que tiveram suas preocupações adaptadas a um conjunto de
perguntas que, na compreensão do pesquisador, em consonância com o objeto de
estudo, permitem estabelecer um quadro referencial básico do nível de formação e
experiência profissional dos alunos-professores, bem como de certas percepções e
concepções que possuem em torno do processo formativo.
Durante sua aplicação, feita num momento em que alguns professores
também realizam avaliações de suas disciplinas e da formação como um todo, o
comentário de uma aluna-professora expressa como o questionário foi recebido e
percebido pelo grupo: “Professor, este questionário tem a ver com o que a gente
estava discutindo, não é? É bom porque é mais uma avaliação geral de nosso
curso...”. De certo modo, era esta a expectativa quanto à percepção dos alunos-
professores sobre o instrumento, de conteúdo detalhado a seguir.
Numa primeira parte, para além da identificação dos participantes, as
questões indagam quanto à idade com que iniciaram sua atuação na docência e o
tipo e tempo de experiência profissional que possuem em educação. Por essas
informações quanto à diversidade e tempo de atuação é possível inferir quanto ao
nível de imersão do grupo na cultura docente e nos saberes dela decorrentes.
______________
23
Vide APÊNDICE C.
112
Na seqüência, as questões se dirigem a informações sobre a formação
anterior à matrícula no curso de Pedagogia, quanto às razões de ingresso neste, e
quanto à participação em cursos de atualização, capacitação e aperfeiçoamento
para a docência. Neste ponto, interessa perceber que nível de experiência formativa
possui o grupo, bem como as motivações para o ingresso no curso superior.
Em seguida, o foco se volta para as contribuições inicialmente esperadas do
curso para a prática, e concepções avaliativas quanto ao atendimento das
expectativas iniciais e quanto ao nível efetivo de contribuição do curso para a
melhoria da prática docente, levando em conta o processo de graduação em sua
reta final. Quanto às contribuições inicialmente esperadas do curso (questão 09),
foram apresentadas alternativas centradas na polarização entre teoria e prática, com
o intuito de perceber qual a necessidade mais proeminente para os alunos-
professores, num momento em que seus parâmetros de expectativas ainda estão
mais vinculados ao repertório de saberes constituído na cultura de prática e menos à
cultura acadêmica.
No questionamento sobre a contribuição efetiva do curso para a melhoria da
prática (questão 11), eu parti do princípio de que esta contribuição não
necessariamente se traduz no atendimento ou não das expectativas inicialmente
existentes. Em seu processo de formação, o professor pode descobrir que suas
expectativas primeiras sobre o curso talvez não fossem as mais relevantes. O curso
pode não atender ao que dele se espera inicialmente, mas pode revelar-se, ao final,
de grande valia pelos construtos inesperados e fundamentais que oportuniza. Sobre
este ponto, no entanto, o questionário avança (questão 12) solicitando que o aluno-
professor informe como percebe essa contribuição do curso (se ela existe).
As questões 13 e 14 procuram levar os professores a uma confrontação e
um posicionamento sobre as dicotomias saberes pedagógico-científicos versus
saberes da prática e saberes pedagógico-científicos versus saberes da cultura geral
do professor e de sua experiência de vida. Nessas questões, busca perceber o peso
da valorização da própria cultura docente e de seus saberes, consolidados nas
práticas; o nível de contribuição à prática, atribuído a outros saberes adquiridos pelo
professor ao longo da vida; e o peso hegemônico da cultura acadêmica na avaliação
do professor.
Ainda nessa linha de interesse, as questões 15 e 16 buscam levar o aluno-
professor a expressar suas percepções quanto à valorização, exploração e
113
relevância de seus saberes de professor de profissão, no ambiente formativo do
curso de Pedagogia. Essas questões procuram provocar os alunos-professores no
sentido de que olhem para si mesmos como sujeitos de saberes e pensem na
relevância desses em seu processo formativo e na formação de seus pares.
A questão 17 se volta para as percepções dos alunos-professores sobre o
desenvolvimento da atitude e prática da pesquisa como princípio educativo. Neste
ponto, parte da consideração preliminar de que a formação para a atitude e prática
da pesquisa é algo que pode simplesmente não ocorrer nas instituições formadoras,
pode ser contemplado somente no discurso, pode dar-se através de situações
eminentemente práticas ou pode transcorrer por abordagens que privilegiem a
articulação entre discurso e prática. Independente da forma como ela ocorre
(quando ocorre), o mais importante é como os alunos-professores significam essa
atitude e prática da pesquisa em seu processo de formação e se estendem essa
postura de investigação ao seu fazer cotidiano.
O questionário termina com as questões 18 e 19 indagando quanto à
influência do curso sobre a reflexão que o(a) aluno(a)-professor(a) desenvolve em
torno de sua prática, e sobre os elementos de conteúdo predominantes nessa
reflexão. Nessas últimas questões, espera um posicionamento dos participantes
quanto ao poder do curso em fazer pensar sobre a própria prática docente. Além
disso, interessa identificar a direção principal desse pensamento, se mais voltada
para dimensões mais políticas e críticas das práticas educativas ou para aspectos
mais instrumentais, voltados ao como fazer da sala de aula.
A aplicação do questionário foi realizada a partir de uma solicitação feita a
duas das formadoras que, no último dia de aula, se prontificaram a ceder-me alguns
minutos com essa finalidade. Inicialmente, quando declarado à turma, por uma das
formadoras, de que a aula terminaria um pouco mais cedo, mas que haveria a
aplicação de um questionário. Pude sentir que, para alguns, veio logo o temor de
que esse questionário pudesse tomar todo o horário. No entanto, fiz o
esclarecimento de que seria um instrumental de respostas rápidas e que em cerca
de dez a quinze minutos o teriam respondido. A turma colaborou, mas, dos
cinqüenta alunos-professores, cinco não permaneceram em sala e, por isso, não
puderam respondê-lo.
Após sua aplicação, procedi a um trabalho de sistematização das
informações e elaboração de quadros sintéticos de respostas, de modo a favorecer
114
uma percepção organizada de todo o conjunto. Essas informações estão distribuídas
ao longo de subitens do capítulo introdutório e nas análises realizadas no capítulo
cinco eo analisadas em conjunto com o conteúdo das entrevistas realizadas
posteriormente.
Notadamente, o questionário não conta de todas as questões
norteadoras da pesquisa e nem o pretende. Sua função é, a partir de uma
caracterização geral do grupo, sinalizar pontos a serem aprofundados nas
entrevistas com os alunos-professores e a serem pensados e questionados na
busca de uma compreensão mais ampla da formação, pois, certos aspectos da
realidade formativa poderão ser depreendidos a partir das observações e dos
eventos dialógicos com os alunos-professores. Também é preciso ressaltar que nas
questões apresentadas no questionário, em nenhum momento referência
explícita ao professor pesquisador reflexivo crítico, pois o é propósito do estudo
extrair esse conceito dos participantes, mas perceber os seus condicionantes,
enquanto sujeitos de uma cultura docente situada no presente contexto, para que
possam influenciar na construção e concretização desse ideal de formação.
3.3.3 Entrevistas
Assim, como decorrência lógica do questionário, que em si o permite
compreensões mais significativas do que realmente pensam e querem dizer os
alunos-professores sobre sua formação, as entrevistas se constituem num
importante momento em que entra em cena a voz dos participantes, falando do
processo formativo a partir das perspectivas de sua cultura e de seus saberes.
Para o desenvolvimento de entrevistas, numa abordagem qualitativa, não há
uma exigência estrita de que sejam estruturadas e guiadas por roteiros específicos,
mas, em vez disso, que se configurem como um momento de interação dialógica
marcado por liberdade de expressão de fala e pensamento. Entretanto, o
estabelecimento de um foco e a realização de uma condução objetiva nesse
momento de entrevista, que evite desvios desnecessários de seu foco, revela-se útil
e necessária à racionalização do processo de investigação.
Assim sendo, cada entrevista procura preservar essas duas dimensões
fundamentais: a da liberdade de expressão do entrevistado e a da condução objetiva
a partir de um foco pré-estabelecido. Para isso, não há um roteiro especialmente
115
desenvolvido com este fim, mas, em sua condução, cada entrevista tem como
referência e provocação da conversa o questionário respondido por cada
entrevistado, que no momento do diálogo fica à sua disposição, permitindo-lhe,
inclusive rever respostas nele registradas.
A entrevista configura-se, pois, em uma conversa de explicitação e
aprofundamento de informações anteriormente apresentadas naquele instrumento,
marcada por provocações que visam suscitar de cada entrevistado a expressão de
suas representações, inquietações, opiniões e julgamentos em torno do processo
formativo e de sua condição de sujeito nesse processo.
Nos depoimentos dos entrevistados, busquei perceber a relação valorativa
que estabelecem com a cultura e saberes da experiência construídos em sua
profissão e com a cultura acadêmica da docência, centrada na racionalidade
técnica/instrumental; a influência que a hegemonia ideológica exerce sobre sua
visão do processo formativo; o poder e o significado conferidos ao conhecimento dito
teórico e ao conhecimento dito prático; a significação inerente à pesquisa e à
reflexão enquanto princípios da prática do educador; a perspectiva em torno da
validade formativa dos próprios saberes, construídos na prática; e indicativos de
uma motivação crítica para a atuação profissional e de um posicionamento crítico
quanto aos condicionantes concretos da prática, bem como o reconhecimento das
relações de poder nela implicadas.
Dado, portanto, a natureza das entrevistas, a questão residiu em como
selecionar os participantes para esse evento dialógico, uma vez que se torna
inviável entrevistar e analisar depoimentos de todos. Nesse sentido, optei
inicialmente por definir um número específico de entrevistandos que favorecesse,
sem transtornos, os agendamentos e gravações das conversas e as transcrições e
retorno das mesmas aos entrevistados —, além de alguns critérios a serem
adotados nessa seleção.
Da turma de cinqüenta alunos-professores, apenas quarenta e cinco
responderam aos questionários. Para a entrevista, selecionei a dez deles. De certo
modo, pelas características gerais do grupo, talvez os participantes apudessem
ser escolhidos aleatoriamente, mediante sorteio, por exemplo. Certamente a escolha
dessa alternativa não incorreria em qualquer demérito das entrevistas realizadas.
Entretanto, a adoção de critérios para a seleção pareceu necessária como forma de
assegurar alguns cuidados na perspectiva da investigação crítica, que procura ser
116
rigorosa com uma visão de totalidade e com a busca de percepção dos diferentes
lados de uma mesma questão.
Entre os indivíduos do grupo, especificidades que não podem ser
ignoradas e, para isso, os critérios de seleção dos entrevistandos se tornam
especialmente úteis como indicativos do que deve ser observado, seja em termos de
ocorrência positiva ou negativa no grupo. Assim, foram adotados cinco critérios,
levando em consideração os questionários e as observações junto à turma, quais
sejam: 1 - tempo de inserção na cultura profissional docente; 2 - diversidade da
experiência e atuação profissional; 3 - diversidade da formação; 4 - participação
discursiva durante as aulas; e 5 - relação individual com as representações coletivas
da maioria.
Na consideração do critério tempo de inserção na cultura profissional
docente, o reconhecimento da grande relevância de dialogar com sujeitos que
têm muito tempo de docência, mas, também, de atentar para outro lado, o lado
daqueles que ainda não caminharam tanto na profissão, mas que também têm o que
dizer. Esse mesmo cuidado de tentar voltar o olhar para todos os lados de um
mesmo prisma é igualmente tomado quanto aos demais critérios.
Na eleição dos critérios diversidade da experiência e atuação profissional e
diversidade da formação, subentendida a compreensão de que essa diversidade
possibilita diferentes pontos de vista do indivíduo sobre uma mesma questão. Na
construção de seus saberes, é possível que o professor que tem várias experiências
também tenha constituído um maior repertório de esquemas de ação e julgamento
das situações práticas. Por outro lado, aquele que não possui essa diversidade pode
ter consigo o motivador sentimento de necessidade de experiência. Suas
concepções são, portanto, igualmente importantes, apenas partindo de pontos
diferentes.
Há, ainda, aqueles que m participação discursiva ativa durante as aulas e
outros que nestas se recolhem, preferindo não expressar junto ao grupo seus
pensamentos e opiniões, o que não quer dizer que não os tenham. Seguindo essa
mesma linha de pensamento, é preciso reconhecer que o grupo é constituído por
indivíduos que, em sua maioria, compartilham representações coletivas sobre os
mesmos assuntos e questões, mas também há aqueles, no grupo, que vão na
contramão do pensamento da maioria, interessando, pois, o que têm a dizer. Desse
117
modo, os critérios de seleção dos entrevistandos cumprem a função de garantir que,
entre os selecionados, a diversidade do grupo esteja representada.
Considerando que a turma possui dois alunos do sexo masculino, tentei
garantir a participação de um deles, mas não consegui estabelecer contato, pois
reside na zona rural e não apresentou contatos telefônicos. A seleção, por fim,
resultou em dez professoras. A realização das entrevistas aconteceu somente após
o encerramento das aulas, após a sistematização dos dados dos questionários. O
procedimento básico adotado foi o de fazer contato telefônico com os professores,
explicar quanto à necessidade e importância desse momento para o estudo e o valor
de suas contribuições para o trabalho, bem como informar quanto à necessidade da
gravação para garantir fidelidade na captura dos pensamentos. Nesse contato
acordávamos quanto à data e local para a conversa, e eu me dispunha a estar nos
locais e horários que lhes fossem mais convenientes.
Por, pelo menos, duas vezes, tive que remarcar as entrevistas porque as
entrevistandas não me haviam esperado no horário combinado. Uma delas terminou
desistindo da entrevista. Alegou que era tímida demais, não sabia falar, ficaria
nervosa e, com certeza, teria um “branco” na hora. Quando fui entrevistar outra
professora, com a qual inclusive possuía certa familiaridade, esta me confessou
sobre o quanto esteve nervosa durante a entrevista.
Foi preciso, em alguns casos, certa insistência de minha parte, para
convencer as professoras de que as entrevistas em nada as constrangeria ou
requereria delas saberes de que não dispusessem, uma vez que somente falariam a
respeito de suas próprias percepções e pensamentos sobre sua formação.
À medida que a primeira entrevista foi realizada, fiz questão de ir falando
para as demais com quem havia conversado e, com isso, percebi que foram
ficando à vontade. Mas, a observação que considero mais relevante é quanto à
valorização desse espaço de voz que elas mesmas parecem ter dado quando se
viram na entrevista. Também foi curioso ver suas reações diante das transcrições
dos depoimentos quando lhes fui apresentar. As expressões demonstravam que se
surpreendiam diante dos documentos que tinham entre sete e vinte páginas. Se
tivessem que produzir textos escritos, certamente teriam dificuldades para escrever
tanto. A oralidade materializada nas transcrições configurava uma produção. Um
registro do pensamento do professor que, normalmente, ou se esvai nas conversas
118
rotineiras, tendo pouca ou nenhuma audiência, ou sequer chega a ser expresso, por
ausência de provocação.
Os conteúdos das entrevistas são explorados, especialmente, nas análises
do capítulo cinco, explicitando as sínteses de respostas dos questionários e os
registros reflexivos decorrentes das observações.
3.3.4 Análise Documental
Do ponto de vista da pesquisa crítica, não é possível tentar perceber as
possibilidades de influência dos saberes da experiência dos alunos-professores na
construção do ideário de professor pesquisador reflexivo crítico, desconsiderando a
concepção norteadora do currículo da formação. Isso implica uma etapa de análise
documental da proposta pedagógica do curso, onde o discurso e a concepção
acadêmica da formação se revelam. A análise desse documento fornece
importantes elementos para que se amplie a discussão em torno daquele ideário de
professor, agora tomado sob o prisma da perspectiva hegemônica de formação, e
sobre como, segundo essa perspectiva, está previsto um diálogo efetivo com os
professores de profissão.
Nessa análise, predominou um enfoque descritivo, de tal modo a garantir a
construção de uma síntese dessa proposta a ser apresentada no trabalho e
identificar, possíveis incoerências entre o que ela propõe e o ideário de professor
pesquisador reflexivo crítico. Optei por apresentar o resultado dessa análise em
forma de uma síntese da perspectiva formativa do curso, apresentada como um dos
subitens do capítulo introdutório.
3.3.5 Análise dos Dados
Sobre as observações, informações dos questionários, entrevistas e análises
documentais, o desafio de tentar reconhecer as implicações críticas dos
conceitos “saberes da experiência” e “professor pesquisador reflexivo crítico”.
Balizada pelos conceitos fundamentais da Teoria Crítica aqui apresentados, e tendo
em vista o ideário de professor a ser formado, o que a análise pretende é uma
exploração crítica do material empírico constituído, visando elucidar possibilidades
efetivas de transformação das práticas formativas.
119
Nessa análise, os princípios de crítica, diálogo, teoria, experiência, reflexão,
práxis e comportamento e esclarecimento críticos se põem todos a serviço de um
projeto de formação docente orientado pela busca da emancipação humana que,
nesse caso, não pode prescindir de professores intelectualmente emancipados.
O caminho lógico a que alcançado, portanto, é o da demonstração de que a
Teoria Crítica e seus pressupostos conceituais não apenas se constituem a base
fundamental de sustentação do ideário de professor pesquisador reflexivo crítico,
mas também representam a via contra-hegemônica através da qual a emancipação
crítica pode ser efetivamente pensada, assumida e construída nos processos
institucionais de formação de professores.
3.4 Recursos de Confiabilidade dos Resultados
De todo o pensamento até aqui explicitado em torno da natureza, orientação
e desenvolvimento da investigação, uma última preocupação ainda se apresenta no
que diz respeito à constituição e confiabilidade de seus resultados. Na pesquisa
crítica, esses resultados não devem estar comprometidos em expressar as idéias do
pesquisador, mas em expressar a síntese resultante de um diálogo que se
estabelece entre este e outros sujeitos, atores de práticas sociais reais, mediado por
uma visão teórica crítica da realidade.
Nesse processo, não apenas o pesquisador, mas todos os participantes do
estudo estão comprometidos com suas idéias e visão de mundo. Por esta razão, os
resultados que se apresentam a partir de uma interpretação idiossincrásica do
pesquisador precisam ser referendados em sua legitimidade pelos sujeitos
envolvidos no estudo.
A despeito de seu compromisso teórico e epistemológico, a investigação
crítica parte do pressuposto de que deve ser inerente ao grupo de participantes do
estudo a possibilidade de avaliar e opinar, com poder efetivo de provocar possíveis e
necessárias correções, na construção da interpretação e do discurso do
pesquisador.
Nesta direção, alguns encaminhamentos são dados na pesquisa para que o
discurso, os dados e as informações nela constantes não representem um construto
sobre o qual estejam alheios os alunos-professores. Quanto às informações e idéias
constantes nas entrevistas, estas são previamente apresentadas aos seus autores
120
para que apreciem seu conteúdo e autorizem sua utilização no estudo. Quanto à
construção hermenêutica realizada em torno da realidade investigada e da
problemática do estudo como um todo, a forma pensada para antecipá-la à turma é
através da realização de um evento dialógico de exposição, discussão e crítica dos
construtos do trabalho, antes de sua apresentação à comunidade acadêmica. Nesse
espaço, os alunos-professores têm conferido o seu poder de voz em torno de uma
investigação que tem em foco a potencialidade transformadora de seus saberes.
O outro passo definitivo quanto aos resultados, é o da apresentação e
defesa do trabalho junto à comunidade acadêmica, o que, no entanto, segue
parâmetros e exigências de realização pré-estabelecidos institucionalmente.
Finalmente, nas considerações apresentadas neste capítulo, que procura
evidenciar os percursos na concepção teórica e metodológica da pesquisa, bem
como a pertinência e imprescindibilidade da Teoria Crítica como seu referencial
epistemológico, busquei, para além disso, tornar claro o comprometimento ético e
político que trago comigo na busca do comportamento e esclarecimento críticos e do
poder transformador que eles engendram.
121
4 DIÁRIOS DO COTIDIANO NO CURSO DE PEDAGOGIA: JANELAS PARA
PROVOCAÇÕES CRÍTICAS
O presente capítulo apresenta os registros dos diários de observação
durante o segundo semestre letivo de 2006, quando estive assistindo as aulas do
curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT. São passagens do cotidiano da formação,
onde tento capturar significações subjacentes a determinadas condutas dos alunos-
professores em sala de aula, bem como suas reações às diferentes práticas
formativas oferecidas naquele semestre. Como um panorama do dia-a-dia, tento
identificar elementos de um comportamento crítico dos professores experientes em
sua formação. Nessas observações, registro minhas reflexões como forma de
depreender uma percepção sobre a que ponto é possível aos professores
experientes influenciarem em seu processo formativo.
4.1 O início do contato com o grupo de professores
31.10.2006 (terça-feira)
Procuro a coordenadora do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT, para a
apresentação formal de minha proposta de pesquisa junto à turma de professores
que estão ingressando no sexto e último período do curso. Nessa oportunidade,
apresento-lhe uma comunicação formal pontuando sobre o tema, objetivos e
aspectos metodológicos do trabalho. Solicito-lhe, sendo prontamente atendido, uma
cópia do projeto do curso para que eu possa compreender melhor sua concepção e
organização. Combinamos a disponibilização de um espaço para que eu me
apresente à turma, revelando o meu interesse de estudo. Fica acertado para a aula
do dia seguinte, ministrada pela própria coordenadora, quando esta estará
finalizando um seminário/oficina
24
sobre formação de professores.
______________
24
Os seminários/oficinas constituem momentos que se realizam no início e no final de cada período,
com carga horária média de trinta horas e que têm por finalidade discutir temas variáveis de
grande relevância para a formação, mediados por um corpo de formadores também diversificado.
122
01.11.2006 (quarta-feira)
Por volta das dezesseis horas chego à sala de aula, conforme previsto,
trazendo comigo uma comunicação formal para os professores
25
da turma, em que
apresento o meu interesse de estudo e caracterizo a natureza de minha pesquisa.
A turma, com quarenta e oito mulheres e somente dois homens, está
envolvida em uma atividade de discussão em grupo quando a coordenadora, no
exercício da função de formadora, me permissão para adentrar a sala e pede a
atenção do grupo para que possa apresentar-me. Em poucos instantes, contando
com a atenção de todos da turma, distribuo-lhes as comunicações ao tempo em que
sou apresentado pela formadora como professor da UFPI
26
, aluno do mestrado em
educação e, também, como seu ex-aluno no curso de Pedagogia e colega em
momento anterior no Programa de Pós-graduação em Educação da UFPI.
A palavra me é concedida e prefiro não me ater à leitura formal da
comunicação que os professores pouco receberam e que praticamente todos
acabaram de ler. A turma demonstra boa receptividade, deixando-me à vontade para
comunicar-lhes, de forma mais espontânea, o meu interesse de pesquisa. No
entanto, explicar a especificidade de uma pesquisa que tem como foco a influência
de professores experientes na formação dos professores não se demonstra
exatamente como uma das tarefas mais fáceis de realizar. Os professores me olham
como que tentando entender o que exatamente eu estou querendo.
Dentre os pontos que apresento, falo um pouco sobre os discursos atuais
que enfatizam a crítica, a reflexão e a pesquisa, bem como a valorização dos
saberes da experiência docente, como princípios básicos para a formação de
professores. E, especialmente pelo fator experiência docente, falo-lhes da grande
conveniência de realizar um estudo sobre a formação de professores partindo da
consideração da realidade daqueles que estão na sala de aula e, portanto,
conhecem suas necessidades e desafios bem de perto. Daí ser oportuno
acompanhar parte do percurso desta turma, totalmente constituída por professores
______________
25
Ao longo dos diários, é utilizada a designação “professor”, em referência aos alunos-professores, e
“formador”, em referência aos professores formadores do curso.
26
De fato, professor substituto durante três anos, 1998, e de julho de 2003 a julho de 2005.
123
que têm muita vivência de sala de aula e que, portanto, devem ter elementos
importantes a somar na perspectiva da formação docente em nível superior.
Falo-lhes da minha compreensão de que, para pensar a formação de um
professor ideal é preciso partir da realidade dos professores reais e falar de
experiência docente a partir de professores que têm vivência na sala de aula. Por
fim, diante de olhares ainda confusos com o que estou dizendo, falo-lhes que tenho
interesse em investigar e compreender como é ser um professor fora, atuando
profissionalmente nas escolas anos, e ser alunos no curso de Pedagogia, na
mesma condição institucional de tantos outros que, no entanto, nunca estiveram
como docentes em uma sala de aula. Neste momento, finalmente os olhares
sinalizam uma compreensão quanto ao meu interesse de estudo e uma professora
se manifesta dizendo: “Ah! Esse tema é bom!”.
Acrescento-lhes, ainda, que tudo o de que necessito é da boa vontade da
turma em favorecer-me um contato mais aproximado com todos, a partir de minha
inserção nas aulas como expectador. Uma das professoras, com espírito bem
humorado, diz: “Por isso, não, professor! Você vai ver cada coisa aqui... Gente
cochilando... Vai desaprender tudo o que aprendeu!” Os professores riem com ares
bem receptivos, deixando-me a percepção de que sou bem acolhido no grupo.
Correspondo ao espírito bem humorado da turma agradecendo a todos pela
acolhida, e também à formadora por seu apoio. Digo-lhes que, gradativamente,
estarei freqüentando a turma, quando me dizem: “Só não venha na sexta-feira, que
a turma combinou que não vem ninguém”. Trata-se do dia três de novembro, pós-
feriado de finados.
4.2 Os professores no dia-a-dia da formação
09.11.2006 (quinta-feira)
Primeiro horário. Aula de Literatura Infantil. Chego à Universidade sem
tempo de falar pessoalmente com as formadoras
27
dessa disciplina sobre a
necessidade de minha presença na classe durante suas aulas. Prefiro aguardar nas
______________
27
Em algumas disciplinas do curso, como a de Literatura Infantil, as aulas são planejadas e
ministradas por mais de um formador. Neste caso, a disciplina é ministrada por duas formadoras.
124
imediações da sala de aula até o momento do intervalo, quando lhes falo de minha
atividade de pesquisa. As formadoras adotam uma postura de colaboração para o
trabalho, demonstrando-se bastante à vontade frente às exigências de minha
atuação como pesquisador na turma.
Durante o intervalo, junto com os professores, ponho-me no aguardo da
chegada do formador do segundo horário. Neste meio tempo, alguns professores
permanecem em sala de aula, conversando ou tentando ler alguma coisa. Outros
conversam em pé, à porta da sala, ou se concentram no trailer próximo, onde
lancham, conversam e, principalmente, se descontraem brincando umas com as
outras. Com freqüência também se dirigem às “xérox” espalhadas no Centro de
Ciências da Educação para reproduzir textos solicitados pelos formadores.
Pouco depois das dezesseis horas. O formador não chegou e algumas
começam a ir embora. Pergunto a um pequeno grupo pelo formador e elas dizem
que “disseram que o professor teve que fazer uma viagem e por isso não vai haver
aula”. Em clima de certa naturalidade, a turma começa a se dispersar e ir embora.
Aproveito a circunstância para conversar com um dos professores para que ele me
informe sobre a organização dos horários das disciplinas nesses dias iniciais. Com
espírito de prontidão em atender-me, o professor não apenas se dispõe a falar sobre
como as matérias desse período letivo estão distribuídas, mas também sobre si
mesmo: com uma aura de orgulho por sua trajetória pessoal, fala-me dos seus vinte
e oito anos de profissão, de sua participação no curso de Pedagogia, sem um único
dia de falta, bem como dos filhos, todos na Universidade. Oferece-me ainda o seu
memorial, feito como exigência de uma das disciplinas do curso, caso eu queira
saber mais sobre sua trajetória. Dá-me, enfim, a cópia da distribuição
disciplina/professor/horário do período, para que eu providencie outra para mim.
4.2.1 A relevância do espaço das aulas
10.11.2006 (sexta-feira)
Não houve aula, por falta de professores. Para os horários estavam
programadas aulas de duas disciplinas. Indaguei a um pequeno grupo de alunas que
se encontrava próximo à sala, sobre aquela circunstância e, segundo elas, houve
125
uma permuta de horários e o professor que estaria responsável por esse dia teria
adoecido.
A maioria dos alunos simplesmente aproveitou a situação para ir para casa,
enquanto, na turma, uma única aluna permanecia tentando adiantar uma leitura.
Curioso, aproximei-me para tentar entender porque somente ela permanecia em
classe enquanto todos os outros haviam saído. Deu-me atenção de forma bastante
solícita, e disse que continuava ali porque, quando chega em casa, o tempo passa
muito depressa com os afazeres domésticos e não daria conta da leitura. Fazendo
em classe, quando chegar em casa estará no ponto de o filho digitar no
computador. Para ela, é preciso valorizar e aproveitar muito bem esse curso, pois, é
uma oportunidade muito importante e valiosa em sua vida, mesmo aos mais de 20
anos sem estudar.
4.2.2 A passividade
13.11.2006 (Segunda-feira)
Primeiro horário. Seria aula de Ecopedagogia. Pouco antes das quatorze
horas. Boa parte da turma se encontra na sala quando adentra o professor da
disciplina. Não seria este o seu horário. Mediante telefonema à coordenadora do
curso, tomou ciência de que o seu horário neste dia seria apenas às dezesseis
horas. Justifica à turma e retira-se. Ninguém diz nada a respeito. Os demais alunos
aos poucos vão chegando e compondo a turma, que aguarda pelo professor da
disciplina Conteúdo e Metodologia da Educação Artística, realocada para o primeiro
horário. Enquanto isso, o aluno que outrora se prontificara a me apresentar o seu
memorial, trouxe-me desta vez o documento para que eu o lesse.
Com quase meia hora de atraso do professor, a turma, agora com menos da
metade dos alunos, ainda aguarda. Conversam sobre assuntos diversos, sem que
se possam discriminar os conteúdos pelo alarido das vozes. A esta altura uma aluna
se levanta e diz que vai embora, pois, não sabe esperar. “Todo dia eu entro na
escola às sete e dez”, diz ela, “no dia em que eu chegar às sete e vinte, sou
chamada a atenção. Por que eu tenho que tolerar?”
Após a minha leitura do memorial, um grupo de alunas-professoras se
interessa em também vê-lo de perto, ao que parece, a fim de saber como o colega
126
fez, uma vez que todas também terão que fazê-lo como exigência da disciplina
Pesquisa e Prática Pedagógica. Enquanto isso, o espírito das que permanecem na
classe é de diversão, bem humorado. Por instantes se faz um silêncio, e é possível
perceber algumas delas tentando por as leituras em dia, examinando trabalhos,
anotações e fazendo outras coisas aleatórias. Às quinze e quarenta, quando
geralmente encerra a aula do primeiro horário e inicia o intervalo, confirma-se a falta
do professor que “parece que está viajando”, segundo dizem algumas alunas.
Às dezesseis horas inicia a aula de Eco-pedagogia. A turma está atenta,
receptiva. O formador faz a habitual chamada, distribui os planos de curso (do
período 2005.2) sobre o qual ninguém faz qualquer comentário. Faz uma leitura
sobre catástrofes naturais, presentes no mundo, relaciona a leitura com a situação
de degradação ambiental local, em seguida apresenta o plano de curso e distribui
um pequeno texto introdutório, que questiona o quanto ao conceito de paradigma.
a parte introdutória do texto e encaminha trabalho de grupo para exploração dos
conceitos introdutórios. Os alunos acolhem de forma aquiescente a orientação do
formador. A turma, que durante toda a aula esteve em atitude de receptividade
concentrada, fica eufórica ante o comentário do formador de que o programa da
disciplina prevê viagens. A aula termina, às dezessete horas. Todos saem com
tranqüilidade.
4.2.3 A teoria e a manifestação da experiência
16.11.2006 (quinta-feira)
Aula de Literatura Infantil. As formadoras exploram a temática “por que
literatura infantil?”. Aos poucos, à medida que o conteúdo/discussão se refere a
questões presentes no cotidiano escolar, os professores sentem a necessidade de
participar e expor suas experiências. Os relatos têm um cunho de testemunho
prático daquilo que está sendo exposto, ao ponto de concorrerem com a exposição
das formadoras.
Em um segundo momento, de exposição mais teórica da aula, os
professores ficam mais atentos, anotam mais e praticamente não participam com
intervenções orais. Em sala de aula a turma está com apenas cerca de sessenta por
cento dos professores. Algumas professoras estão com as pernas estendidas sobre
127
carteiras, numa demonstração de aparente cansaço. Outras dormem nas carteiras
enquanto a aula transcorre.
Diante da exposição, indago-me sobre como os alunos recebem algumas
dessas proposições discursivas que vêm, de certa forma, indicar meios adequados
de realizar as práticas. Indago-me, ainda, sobre que saberes são realmente
considerados importantes por estes professores, a partir de suas manifestações em
classe: do visível envolvimento com depoimentos da prática sobre questões mais
cotidianas, às claras expressões de cansaço e retração ante as exposições
discursivas.
4.2.4 A sala de aula como espaço de leitura
23.11.2006 (quinta-feira)
Aula de Literatura Infantil. A aula inicia às quatorze horas, com cerca de
apenas trinta professores em classe, continuando o estudo de um texto, iniciado na
aula anterior. Os professores se organizam em grupos para a leitura e discussão do
texto. Enquanto faço este registro, uma professora se levanta de sua carteira e
dirige-se até mim e pergunta o meu nome completo. É que outra professora estava
referindo-se a mim como “Mariano”, “aquele professor novo que está na sala com a
gente”.
Na atividade de leitura que realizam, devem ler e anotar os pontos principais
do texto. O trabalho vai transcorrendo calmamente. Alguns alunos recém-chegados,
aos poucos vão adentrando a classe e se situando sobre a atividade. Em alguns
grupos concentração e leitura. Noutros, os participantes conversam sobre
assuntos aparentemente não relacionados à aula. São quatorze horas e trinta
minutos quando a classe contabiliza quarenta e dois professores.
Uma professora adentra conduzindo uma garotinha de cerca de cinco anos
que vai lhe fazer companhia durante o horário de aula. Embora a sala seja ampla,
algumas professoras, que ainda vão chegando, procuram carteiras livres para se
sentarem, mas não encontram, e então apanham carteiras que estavam reservadas
para colegas que ainda não chegaram. Este ato, às vezes, gera troca de palavras
ríspidas entre elas. Aos vinte minutos para encerrar o horário a tarefa de leitura
continua sem qualquer relutância aparente dos grupos/professores.
128
Durante a observação, alguns questionamentos me ocorrem: o quê, de fato,
os professores estão fazendo? Aparentemente, lendo, pela primeira vez, o texto.
Alguns parecem concentrados na leitura, indicando o atendimento à orientação das
formadoras. Nesse sentido, não parecem diferenciar-se dos alunos sem experiência
docente. As manifestações orais nos grupos parecem divididas entre considerações
sobre as leituras e conversas sobre assuntos alheios à aula. No entanto, por que os
professores necessitam ler num momento que poderia ser otimizado com a
discussão da leitura? Por que as professoras não chamam as formadoras para com
elas questionarem sobre pontos da leitura? Por que as formadoras é que têm que
tomar a iniciativa com os grupos?
A aula acabou. A discussão do texto será realizada somente no próximo
encontro. Uma professora, inquieta com a tarefa, no final da aula, declara-se como
hiperativa, “não agüento ficar muito tempo no mesmo lugar”. A declaração me
chamou a atenção, e antes que ela pudesse sair para o intervalo, perguntei-lhe o
que mesmo ela pensava a respeito da atividade. Declarou-me que considera muita
perda de tempo certas atividades da Universidade. Os grupos deveriam ser pra
debater os assuntos e não para ficar lendo na sala. Mas que infelizmente não
adianta, ela é minoria, os grupos infelizmente não conseguem produzir.
Dezesseis horas. Segundo horário. Aula de Conteúdo e Metodologia de
Educação Artística.
A turma está atenta. O formador distribui o plano de curso da disciplina,
juntamente com um encarte sobre “arte na escola”, de uma instituição de São Paulo.
Segue com a apresentação de um documentário sobre arte. Dentre os professores
ali presentes, grande parte acompanha o vídeo, mas com demonstração de
cansaço, enquanto outros dormem ou dão breves cochilos, algumas professoras
com as pernas dispostas sobre outras carteiras. Aos professores foi solicitado que
anotassem pontos importantes identificados no vídeo. Às dezessete horas e cinco
minutos o vídeo termina, empolgando as professoras com um fundo musical do
documentário exibido, interpretado por Nelson Gonçalves, “Fica Comigo esta Noite”.
Inicia o momento de exploração do documentário pelo formador, destacando
aspectos sobre a importância da arte. Aparentemente, o momento deveria ser de
discussão, em que os professores e o formador discutiriam sobre os “pontos
importantes” do vídeo, que deveriam ter sido anotados pela turma. No entanto,
depois de algumas breves considerações do formador, a aula encerra sem que os
129
professores tenham se sentido impelidos a falar sobre o documentário e seu
significado.
Com a passagem deste momento, lembrei-me de alguns momentos em sala
de aula em que, após uma exposição teórica, ou de uma produção audiovisual, ao
solicitar o comentário dos alunos o silêncio entre eles se instala, como que dizendo
que não têm nada a dizer sobre o que acabaram de ver e ouvir. Um silêncio que
gera incômodos no formador, porque, na prática, também lhe diz que o significado
esperado da aula não foi atingido. E exatamente por esse incômodo, também
sentido pelos alunos, o silêncio precisa ser quebrado por alguém da turma, que diz
qualquer coisa que possa atender minimamente à expectativa do formador e evitar o
embaraço da circunstância.
Outras questões também surgem após esse momento: quantos professores,
de fato, costumam participar das aulas com manifestações orais? O que enfim lhes
motiva a participar? E aqueles que se mantêm calados em classe em atitude
aparentemente passiva, por que não se manifestam?
30.11.2006 (Quinta-feira)
Aula de Literatura Infantil. A turma aguarda o início da aula, que inicia às
quatorze horas e vinte e cinco minutos. As formadoras justificam e pedem desculpas
pelo atraso. Inicia uma leitura compartilhada intitulada “Literatura Infantil: obrigações
quanto à escolha do livro e às atividades da hora da leitura”. A leitura vai
transcorrendo e, aos poucos, as formadoras vão questionando os alunos sobre suas
experiências em sala de aula. Os professores respondem muito prontamente,
contando como as coisas acontecem em suas escolas. Os relatos parecem ter uma
motivação especial, como o fato de parecerem representar, para eles, o momento de
“mostrar a realidade”. Após um relato, existem outros, disputando audiência.
Nesse sentido, falar do que acontece na escola, dos desafios e problemas
enfrentados cotidianamente, parece ter um significado especial para os professores,
mais do que ouvir as exposições teóricas no curso.
Em sala de aula, alguns momentos curiosos conduzem-me a mais
questionamentos: Que atitudes deveriam ser esperadas de professores, quando
estão na condição de alunos, no que diz respeito à manifestação de habilidades
básicas como as de fala e escuta e de respeito à fala e escuta do outro? Alguns
130
flagrantes: 1. No meio da exposição de uma das formadoras, o telefone celular de
uma das professoras toca. Sem qualquer constrangimento ela atende em classe,
obrigando a formadora a se calar enquanto a conversa transcorre normalmente,
como se não houvesse uma turma inteira esperando. A situação incomoda aos
colegas e termina se transformando em algo cômico e embaraçoso. 2. Durante a
exposição das formadoras um grupo de professoras, com atraso, abre a porta da
sala e adentra interrompendo a aula. A formadora para sua fala enquanto as
professoras procuram carteiras, se sentam e fazem silêncio, para que a exposição
continue.
Na condição de também formador, fico me questionando como determinados
valores comportamentais básicos de nossa sociedade são assimilados e
transmitidos pelos professores na escola pública. Muitas e repetidas vezes ouvi,
de muitos formadores, a máxima de que “aluno é aluno em qualquer idade e lugar”,
revelando que, independente do papel social assumido por um sujeito, quando este
se encontra na situação de aluno, este papel se lhe incorpora e se torna
predominante sobre os papéis que ocupa em outros momentos.
Nesse sentido, atos como o de colar numa prova, apresentar como seu um
trabalho copiado de outro colega, conversas paralelas e comportamentos
impertinentes em classe, pertencem a certa cultura presente e naturalizada do ser
aluno, largamente enfrentada por professores desde a educação básica até o ensino
superior, e a que estes mesmos estariam passíveis, quando investidos da condição
de alunos. Entretanto, o que será que os professores pensam a respeito disso? Sua
condição docente não deveria imputar-lhes uma conduta diferenciada frente a essa
cultura presente do ser aluno?
Ao longo desta aula, é possível identificar, pelo menos, sete professoras
com certo nível de participação, em termos de manifestações orais com relatos de
experiência e expressão de opiniões. Os demais parecem estar mais como
espectadores da aula e das discussões.
A aula transcorre centrada na fala da formadora enquanto algumas
professoras dormem na classe. Uma professora aproveita a ocasião da discussão
do texto para apresentar à formadora um material produto de uma experiência por
ela desenvolvida em sua escola.
Num segundo momento da aula, outra formadora inicia uma segunda
exposição utilizando transparências. Os professores assistem-na, fazem anotações
131
e pedem que o conteúdo seja disponibilizado na “Xerox”. Em determinado momento,
a formadora recomenda aos professores para que participem quando quiserem,
inclusive eu mesmo, caso o desejasse. Com essa observação, faz um comentário
para a turma valorizando a pesquisa que estou realizando.
Dezembro de 2006 a Janeiro de 2007
Durante o mês de dezembro e parte do mês de janeiro não foi possível ao
pesquisador acompanhar a turma
28
. Em dezembro, no entanto, em função da
realização dos exames vestibulares e do recesso de fim de ano, as aulas ocorreram
somente na primeira quinzena, retornando apenas no dia dois de janeiro.
12.01.2007 (sexta-feira)
Aula de Metodologia do Ensino de Educação Física
29
. Atividade de
Recreação orientada por um convidado do professor titular.
No desenvolvimento desta atividade, o convidado empenha-se em fazer a
turma se descontrair, divertir, dançar, movimentar, rir. Mas, o que exatamente
representava para os professores uma atividade descentralizada do professor titular
da disciplina e conduzida por um convidado? Qual a significação de tal evento? Que
elementos novos os professores percebem com este momento?
Em certo momento, o orientador da atividade resolve trazer algumas cenas
do cotidiano escolar para a sala de aula em forma de representação teatral, em que
os professores são apresentados em sua realidade como acomodados, cansados,
estressados e sem atitude profissional, à espera de libertação da angústia do seu
fazer cotidiano. Diante do ato cômico da encenação, os alunos-professores riem de
seu estereótipo sem qualquer demonstração de incômodo: enfim, os bons
momentos de descontração no curso. E, às vezes, parece que esses momentos
______________
28
O pesquisador é responsável pela coordenação pedagógica em uma escola de educação básica,
além de também responder pela função de formador de professores em uma IES no curso de
Pedagogia. Em função das demandas escolares de final de ano, avaliação e planejamento para o
ano letivo de 2007, o acompanhamento da turma ficou impossibilitado.
29
Esta é uma disciplina que possui horário corrido de quatro horas/aula, ocorrendo apenas uma vez
por semana.
132
trazem algo substancial aos professores: descontração e prazer, mais que reflexão
sobre o que são e como são socialmente percebidos.
24.01.2007 (quarta-feira)
Aula de informática com apenas cinqüenta por cento da turma.
Em grupos, os alunos deveriam operar o micro computador em um programa
de edição de texto. Atividade estranha aos alunos. Ambiente precário, quase sem
máquinas. Algumas alunas assumem a frente da tarefa, quase sempre as mesmas.
Habilidades mínimas o dominadas; sala sem cadeiras suficientes; em um
laboratório de informática em que deveria haver uma quantidade suficiente de
máquinas para os alunos, neste somente existem doze, das quais apenas quatro
funcionam. É momento de aprendizagem: aprendizagem do elementar. A que
distância estamos do professor pesquisador reflexivo?
26.01.2007 (sexta-feira)
Aula de Conteúdo e Metodologia do Ensino de Educação Física. São mais
de quatorze horas. Os professores aguardam o início da aula, que somente
acontece às quatorze e trinta, conduzidas pelo formador com uma exposição sobre
planejamento e dimensões da aprendizagem, caracterizada por uma fruição entre o
“elemento teórico” e discussões transversais de cunho “ético-político”. Os
professores assistem ao formador durante uma hora, quando este apresenta uma
convidada, que desenvolverá mais uma atividade recreativa até o encerramento da
aula.
Os professores, e particularmente as professoras, se empolgam com a
recreação e algumas me provocam a também participar com a turma. Explico a
necessidade de realizar os meus registros e elas compreendem. Os professores se
envolvem, então, em uma seqüência de atividades recreativas que diverte e
descontrai o ambiente. No dia de sexta-feira, algumas professoras vêm vestidas com
roupas de malha e calçadas de tênis, próprios para atividade física. A sexta-feira
parece sinalizar descontração e movimento. As dinâmicas recreativas têm
demonstrado um bom efeito animador entre os professores.
133
Flagrante: impressiona como em uma sala com ar condicionado, a porta fica
aberta por tanto tempo. Se estiver fechada e entra alguém na sala, a porta, quase
sempre, é deixada aberta.
A recreação encerrou algo em torno de dezessete horas, sendo
recomendado para que, a exemplo de como tinham vivenciado, os professores
procurassem desenvolver também com seus alunos. O horário ainda não havia
terminado quando foi declarado o final da aula. E, talvez em justificativa à turma e a
mim, como um observador externo, o formador se pronunciou a respeito de sua
opinião quanto à exigência de cumprimento de horário em um curso universitário.
Aos professores ele repassa a idéia de que cumprir horário integral de quatorze às
dezoito horas é “burrice”. E, inclusive, sobre a necessidade institucional de oferta de
um currículo e de avaliação da aprendizagem dos alunos, emite também sua
opinião: “Cheguei ao ponto de acreditar que, se o aluno passou no vestibular, pode
preparar o diploma e entregar, porque é o mercado que seleciona”, diz o formador.
Entre os professores, ninguém se manifesta a respeito dessa visão do formador, e,
em vez de qualquer contrariedade por serem liberados mais cedo, demonstram
satisfação.
30.01.2007 (terça-feira)
Aula de Literatura Infantil. Os professores são encaminhados ao auditório do
Centro de Ciências da Educação para assistirem à defesa de uma dissertação de
Mestrado. Não houve qualquer relato de uma orientação prévia a respeito ou de
qualquer exploração posterior ao evento.
31.01.2007 (quarta-feira)
Cheguei somente para acompanhamento do segundo horário de aula, das
dezesseis às dezoito. Neste dia, no entanto, não houve aula.
01.02.2007 (quinta-feira)
Ao chegar, a aula estava em andamento, e preferi aguardar para adentrar
a sala somente no segundo horário, por respeito à turma e às formadoras. Após o
134
intervalo, no entanto, mais uma vez não houve aula, por razões desconhecidas dos
próprios professores. Aproveitei do tempo livre, então, para indagar a algumas
professoras sobre a atividade do horário anterior. Segundo elas, a aula resumiu-se à
apresentação de um filme deixado pelas formadoras, que não permaneceram em
classe durante sua exibição. Depois de algum tempo, alguns professores saem da
classe. Conversando com alguns deles, o que dizem é que não vêem sentido na
atividade, e aos poucos, simplesmente vão embora.
02.02.2007 (sexta-feira)
Aula de Conteúdo e Metodologia de Ensino de Educação Física. A aula
inicia às quatorze horas e quarenta minutos, com a retomada, pelo formador, da
solicitação da aula anterior: que os professores planejassem uma micro-aula de
educação física e providenciassem o material necessário para sua realização em
classe. Contudo, em toda a turma, nenhum professor realizou a atividade. Em vista
disso, foram reunidos em grupos para a realização do planejamento. Enquanto os
grupos realizavam a tarefa, alguns convidados do formador realizam medições de
peso e altura dos professores. Após alguns minutos, os grupos são chamados para
a apresentação das micro-aulas, que consistem no desenvolvimento de uma série
de dinâmicas e brincadeiras que os professores já desenvolvem com seus alunos no
cotidiano de suas práticas. Durante as apresentações, não há questionamentos
sobre a natureza das atividades.
05.02.2007 (segunda-feira)
Aula de Conteúdo e Metodologia de Educação Artística (1º horário). Aula
não convencional, em forma de oficina. Os professores foram orientados a se
inscreverem em um projeto institucional do Centro de Ciências da Educação,
organizado pelo Departamento de Educação Artística (DEA), desenvolvido em forma
de oficinas de arte, tais como dança e escultura, entre outras, conduzidas por
artistas locais convidados e coordenadas por professores do DEA, voltadas para o
público universitário e para a comunidade em geral. Na sala, apenas parte da turma
estava presente, inscrita numa oficina de dança. Os demais alunos, certamente
estavam nas salas de outras oficinas. Antes do início da aula, algumas alunas se
135
queixavam da falta de sistematização e conduta adequada (bem como mais
“seriedade”) das disciplinas do período. Parece até que nenhuma disciplina é
reprovativa, disse uma aluna.
Hoje, eu fui literalmente puxado por uma aluna da turma para dançar junto
com o grupo. A instrutora de dança que estava orientando a atividade ensinou
passos e uma coreografia, mas cada um dançava à sua maneira. Com o decorrer da
oficina os demais alunos da turma começaram a retornar para a sala de aula.
Quando questionadas sobre as roupas para a apresentação, as instrutoras
disseram que talvez conseguissem o figurino a partir de sacos de batata. “Sacos de
batata para vocês que têm esse corpinho, mas, para nós, que somos um saco de
batata?”, disse uma das alunas. A oficina continuou com a discussão sobre a
escolha entre lenda e dança a serem apresentadas pela turma. Para que a escolha
fosse possível, as instrutoras passaram, então, a apresentar de forma abreviada
uma amostragem de danças e lendas típicas que poderiam ser ensaiadas pela
turma. Após o ensaio de três danças típicas regionais a oficina do dia encerrou.
Segundo horário. Aula de Eco-pedagogia. A aula dá continuidade a um
trabalho previamente orientado pelo formador, que tinha como previsão para esta
data a apresentação, por grupos, da análise que fizeram quanto a adequação de um
livro didático específico para o trabalho em classe sobre Educação Ambiental. As
análises pressupõem uma competência mínima por parte dos professores para
emitirem pareceres sobre livros didáticos, relacionados a um tema que em sua
formação ainda é relativamente novo. Após as apresentações, muito rápidas, houve
a indicação, pelo professor, de uma leitura para a turma e o encerramento da aula
às 17h, sobre o que não foi possível notar qualquer objeção.
07.02.2007 (quarta-feira)
Aula de Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTIC).
Avaliação das atividades do Laboratório de Informática e planejamento de atividades
para Seminário.
Os professores devem planejar e preparar, pelo software Power Point, a
apresentação para um seminário do qual todos devem participar. Deverão, ainda, a
partir das discussões do seminário, desenvolver um artigo partindo do tema: “A
importância das novas tecnologias no processo educacional”, destacando: as
136
possibilidades de aplicação prática das NTIC em sala de aula e o papel da escola,
dos professores e dos alunos frente às NTIC.
Após orientação da formadora, os professores se dividiram em grupos para
o planejamento da apresentação. A classe está muito barulhenta. Os professores se
dividem entre aqueles que, de fato, estão discutindo a proposta de apresentação e
os que simplesmente conversam.
De repente, em um momento de empolgação, uma professora adentra a sala
de aula e, para minha surpresa, beija-me o rosto. As outras riem da situação e
fazem brincadeiras sobre a ousadia da colega. Isto denota um pouco sobre como os
professores convivem com a minha presença junto a eles, além de que também
parece haver uma valorização da figura masculina, numa turma constituída por
apenas dois homens e quarenta e oito mulheres. De alguma forma, caí na simpatia
da turma que, na medida do possível, procura me integrar nas atividades
desenvolvidas em classe, especialmente nas aulas de Conteúdo e Metodologia de
Arte e Educação Física, pelas dinâmicas e atividades corporais que envolvem.
Na prática, embora eu tenha apresentado por escrito a cada professora e
professor a natureza e objetivo de minha pesquisa, parece que ninguém tem uma
consciência exata do que, de fato, estou construindo em meu trabalho. O grupo
demonstra a compreensão de que se trata de algo sério e que exige uma
sistematicidade de minha parte. Se participo das atividades às vezes, quando me
solicitam, também sabem que em classe preciso estar mais na condição de
observador, fazendo meus registros. Se sinto a necessidade de saber de algo
específico, via de regra, se prontificam a prestar-me as informações necessárias.
Após o planejamento dos grupos, os professores se dirigem ao Laboratório
de Informática para digitar e formatar a apresentação de seus trabalhos. Durante
essa atividade, muitos demonstram dificuldade no manuseio do computador. A
formadora precisa passar muito tempo com cada grupo, deixando outros à espera.
Ofereci-me para ajudar a um grupo quanto à forma de operação com o Power Point.
A ajuda foi considerada bem vinda pelas professoras e pela formadora.
As aulas desse último semestre estão com encerramento previsto para dia
vinte e oito de fevereiro. No entanto, no caso desta disciplina, a formadora apresenta
certa preocupação, pois, certamente, não conseguirá cumprir a carga horária de
sessenta horas. Na data prevista para encerramento a disciplina somente terá
137
integralizado trinta e seis horas/aula, e ainda não definição quanto ao que fazer a
respeito.
08.02.2007 (quinta-feira)
Primeiro horário, destinado à aula de Literatura Infantil. Não houve aula. A
informação que chegou às professoras foi a de que as formadoras não poderiam
ministrar as aulas nesse dia. Os professores se dispersam, alguns ficam nos
arredores, pela lanchonete, conversando; outros, em sala de aula, tentando colocar
as leituras em dia, ao tempo em que algumas professoras vão embora, sem querer
esperar pelo momento das oficinas de arte.
No segundo horário, duas jovens coreógrafas, uma delas vestindo malha
esportiva, se apresentam em substituição ao formador, representando o projeto de
oficinas de arte, em que se encarregarão de aulas temáticas sobre lendas e danças
folclóricas piauienses ao longo de todos os dias e horários subseqüentes da
disciplina, devendo culminar em uma apresentação pública, pela turma, das
coreografias ensaiadas em classe. Segundo as orientadoras da oficina, esta tem
uma direção voltada para a realização das coreografias com crianças.
As professoras ouvem as orientadoras, bastante jovens, utilizarem um
discurso em que a pressuposição de que estas sabem mais sobre crianças do
que aquelas, com seus muitos anos de prática docente. Mas, aparentemente, não
há incômodo dos professores quanto a isto.
A atividade começa com uma dinâmica em que os professores o
orientados para ficar em círculos e, ao som de uma música, executada em um
aparelho microsistem, caminham pela sala. Quando a música pára, todos têm que
imitar bichos.
As brincadeiras praticadas em sala de aula devem constituir-se em modelos
a serem utilizados pelos professores em atividades com crianças. Entretanto, de
minha posição externa, me pergunto sobre até que ponto as disciplinas que têm
como objeto as metodologias de ensino de áreas específicas do currículo escolar,
não deveriam explorar os saberes práticos desses professores que têm tantos
anos de docência na escola. E fico imaginando que, frente ao paradigma de
formação que ainda temos como predominante, constituir um corpo de formadores
138
que objetivem o ideal do professor pesquisador reflexivo crítico não é uma tarefa
fácil.
09.02.2007 (sexta-feira)
Aula de Conteúdo e Metodologia de Educação Física. Exposição em
transparência sobre as principais abordagens do ensino da Educação Física.
Os professores estão receptivos. O formador inicia uma discussão sobre o
conceito de construtivismo. Os professores, aos poucos, começam a discutir o tema,
dividindo opiniões: de um lado, os que consideram o construtivismo como uma
teoria “bonita”, mas difícil de aplicar na prática, e do outro, a consideração do
construtivismo como uma forma de repensar as abordagens da educação. Nesta
discussão aparecem algumas manifestações de cunho interpretativo mais crítico por
parte de algumas professoras.
A discussão, no entanto, foi bastante rápida. Antes que pudesse se estender
para alguma possível relação e análise mais aprofundada com situações do
cotidiano dos professores, a aula acabou às quinze horas e quarenta minutos
30
.
13.02.2007 (terça-feira)
Aula de Literatura Infantil. As formadoras orientam à turma a subdividir-se
em grupos de cinco componentes. No quadro, escrito: “Tema: trabalhando a
literatura na sala de aula. Atividade: planejar/apresentar diferentes possibilidades de
uso da literatura infantil na sala de aula.
A atividade solicitada é de planejamento. Os componentes dos grupos
conversam muito entre si, deixando a sala barulhenta. Não como ter noção do
nível de construção real dos professores em seus grupos, uma vez que não há como
discriminar sobre o que estão falando. Pelo ritmo do trabalho, certamente não
haverá tempo para apresentação das atividades, e os professores sabem disso. De
______________
30
Por mais que a observação esteja focalizada nos professores, tem sido difícil não ser provocado
por alguns comportamentos de formadores que, em princípio, poderiam ser motivo de
manifestações e inquietações por parte dos professores, como a subutilização dos horários
destinados à sua formação. Nesta tarde, o tempo de quatro horas de aula transformou-se em uma
hora e dez minutos, sem qualquer expressão de contrariedade por parte dos professores.
139
um modo geral, a impressão que dá, pelo comportamento demonstrado nos grupos,
é que alguns poucos professores, com características de líderes, assumem o
comando e a realização da atividade e os demais componentes mantêm-se mais na
expectativa dos resultados. O tempo da aula acaba e as apresentações ficam para o
encontro seguinte.
Antes que os alunos pudessem sair para o intervalo, chega o formador do
segundo horário, aula de Eco-pedagogia. Ele distribui a cada professor um pequeno
texto sobre o aquecimento do planeta, orientando-os para que o leiam e dêem
seguimento ao trabalho de grupo com foco na “pesquisa/construção de
conhecimento”, e liberando-os para que trabalhem por conta própria, tendo ainda a
responsabilidade de responderem a um questionário, também da disciplina. Às
dezesseis horas, com a saída do formador, os professores pouco a pouco vão se
dispersando e indo embora. o se percebe nenhuma manifestação de
questionamento a esta conduta.
14.02.2007 (quarta-feira)
Aula de Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação. Estava
prevista para esta aula a apresentação das produções dos professores nas aulas
anteriores, utilizando como recursos o projetor multimídia e material visual preparado
em Power Point. Horário da aula, a formadora chega e informa que o projetor não foi
disponibilizado. As apresentações não serão realizadas. À exceção de um grupo de
alunos que necessita melhorar a produção de seu material de apresentação no
Laboratório de Informática, todos os outros vão embora. A formadora acompanha o
grupo do Laboratório.
Algo que vai se revelando como preocupante é a relativa “naturalidade” com
que os professores, de um modo geral, encaram a situação de simplesmente voltar
para casa sem terem assistido às aulas devidas de sua formação. Ao que parece,
instaurou-se entre os professores a percepção de que não podem mesmo esperar
muito do Curso neste período letivo, da mesma forma como o Curso parece também
não esperar muito deles.
140
15.02.2007 (quinta-feira)
Aula de Literatura Infantil. As formadoras iniciam com a orientação de uma
leitura partilhada do texto: “A importância da literatura na formação do sujeito”. Os
professores em o texto alternando entre si. Mais uma vez é possível flagrar alguns
professores investidos da “cultura do aluno”, com excesso de conversas paralelas
entre si e pouco senso quanto à impertinência do próprio comportamento em classe.
Após a leitura, seguem as apresentações dos trabalhos planejados na aula
anterior. Cada grupo elaborou atividades tendo como base as experiências docentes
de seus componentes. Basicamente os professores propõem atividades limitadas às
compreensões que possuem em seu fazer cotidiano. Durante a avaliação das
atividades, as formadoras destacam que estas poderiam ter se concentrado mais
nas funções da leitura, exploradas nos textos trabalhados. São quinze horas e
quarenta minutos. Terminam as apresentações e a aula.
Segundo horário. Aula de Conteúdo e Metodologia de Educação Artística.
Chega uma das orientadoras da oficina de dança e inicia com uma atividade de
alongamento e aquecimento. Na turma, apenas cerca de vinte e cinco a trinta
professores. Destes, apenas uma parte participa das atividades encaminhadas pela
orientadora. Os outros ficam sentados, na postura de meros espectadores,
aparentemente não tirando qualquer proveito da atividade.
A tarefa do dia para os professores é criar sua própria coreografia para uma
lenda local. Aos poucos, na medida em que a instrutora volta sua atenção a um
determinado grupo, os professores vão saindo da sala, esvaziando a atividade. Às
dezessete e quinze, somente dezesseis alunas na classe, dos quais apenas
cinco realizam a coreografia com a instrutora. As demais apenas acompanham a
atividade sentadas, lanchando, se maquiando ou escrevendo algo. Cinco minutos
depois, não mais sentido no que está sendo feito. A atividade acaba. E a única
forma pela qual os professores se manifestaram sobre a atividade foi com sua
ausência.
Um aspecto importante a ser considerado, é que os professores não
manifestam uma atitude de questionamento quanto a essa prática estabelecida na
disciplina que, da proposta curricular de formação, ao longo do processo se
converteu na participação dos professores em um projeto do Departamento de
Educação Artística. Na oficina de dança, cada lenda ou dança é apresentada sem
141
uma justificação ou discussão de seus significados pelas orientadoras, que, ao que
demonstram, também não dominam o sentido da disciplina na formação dos
professores.
16.02.2007 (sexta-feira)
Sexta-feira. As aulas são liberadas em função do carnaval que inicia no
sábado. Os professores agradecem.
21.02.2007 (quarta-feira)
Quarta-feira de cinzas. Não há aulas.
22.02.2007 (quinta-feira)
Quinta-feira. Nenhum formador compareceu para ministrar aulas. Muitos
professores também não. Não consegui falar com os que vieram e, logo em seguida,
retornaram para casa.
23.02.2007 (sexta-feira)
Aula de Conteúdo e Metodologia de Educação Física. Não pude comparecer
para a observação. As informações me foram prestadas por um grupo de
professoras na segunda-feira seguinte. Segundo elas, o formador compareceu no
horário habitual das quatorze e trinta, e realizou um tipo de entrevista em duplas
com os professores, com a finalidade de avaliar o impacto/repercussão de sua
metodologia de trabalho para com eles.
26.02.2007 (segunda-feira)
Primeiro horário. Aula de Conteúdo e Metodologia de Educação Artística.
Oficina de dança. Os professores aguardam pela instrutora de dança que chega
somente às quatorze e trinta. Ninguém parece se queixar ou se incomodar com a
142
espera. O comportamento do grupo faz parecer que é tudo muito “natural”... que é
assim mesmo.
Em sala de aula, os professores iniciam novo ensaio da coreografia, a ser
apresentada em pouco menos de quinze dias. A atividade sugere, meramente,
entretenimento. Daqui a dois dias o período letivo da Universidade encerrará e, até
agora, o grupo não realizou uma síntese do conteúdo e objetivos dessa disciplina,
sua importância no curso e na formação e prática dos professores. Até aqui, nesta
disciplina, não houve a criação de momentos para a expressão de saberes da
prática dos professores. Durante a coreografia, boa parte dos professores
permanece sentada, alguns com sérias dificuldades pessoais para se envolver com
a dança. Outros, simplesmente com atitude de indiferença ou com “ares de quem
não se presta a este papel” numa clara posição de descrédito e desaprovação da
oficina no lugar da disciplina. O horário encerra, sem que o formador titular da
disciplina esteja presente.
Dezesseis horas, segundo horário. Última aula da disciplina Eco-pedagogia.
O formador retoma o texto apresentado na aula anterior, para discussão com a
classe. Diante da leitura e discussão realizadas pelo formador, o comentário de uma
professora rompe a passividade da turma e chama a atenção: “Professor, por que
um texto sobre o aquecimento global na última aula? Pra assombrar a gente!?”. O
formador devolve outra pergunta: “Vocês viram a Isto É esta semana?”. “Ninguém
tem assinatura de revista, não, professor”, devolve outra aluna.
Às dezesseis e quarenta e cinco, os professores começam a ficar
impacientes, a aula não parece fazer-lhes sentido, e então interrompem o formador:
“Professor, veja como é que está o tempo fora, vai cair muita chuva. Vamos
embora!?”. O formador percebe que está sendo vencido pela turma e não oferece
resistência. Os professores deixam a sala numa despedida rápida. O último dia da
disciplina acabou.
27.02.2007 (terça-feira)
Não houve aula. As formadoras não compareceram. Os professores foram
embora.
143
02.03.2007 (sexta-feira)
Seminário de Formação de Professores. Peço licença ao formador para
adentrar a sala. Os professores estão respondendo a uma atividade escrita, em
cunho de feed back ao formador sobre a temática do Seminário. De um modo geral
os professores estavam percebendo a atividade como uma prova, avaliação.
Até então, nesse período os professores praticamente não foram submetidos
a avaliações através de provas escritas. O espírito desse momento, segundo
expressou uma professora da turma, é o de “levar de qualquer jeito”. Assim, uma
postura mais rigorosa do formador, no sentido de perceber individualmente as idéias
construídas por cada um sobre o tema formação de professores, gera reações
adversas. Uma professora tenta explicar-me a razão da celeuma da turma sobre as
questões solicitadas pelo formador: “O pessoal não gosta dele, não, porque ele é
muito Caxias”. O horário transcorre com a realização dessa atividade.
05.03.2007 (segunda-feira)
Discussões finais do Seminário sobre Formação de Professores. A
discussão é de grande importância, pois trata das questões relativas aos modelos
clássicos e contemporâneos de formação docente. Entretanto, à primeira vista, este
parece ser um tema alheio aos professores. O formador faz referências a textos que
deveriam ter sido lidos pelos professores e solicita suas opiniões sobre os mesmos.
A turma se cala. Os textos não foram lidos conforme esperado.
Durante a explanação do formador, uma professora aproveita a
oportunidade para relatar uma experiência de formação em que os formadores
basearam os trabalhos na socialização de experiências dos professores
participantes do curso. Não obstante, segundo esta aluna tal evento de formação
não ajudou em nada, pois ficou apenas na socialização do que se faz na sala de
aula. Não houve extrapolação no sentido de fundamentar, discutir e esclarecer sobre
o que se faz na prática.
Com esta iniciativa, os professores começam a dar depoimentos, nem
sempre concordantes uns com os outros, entretanto, iniciam um importante
momento de críticas quanto aos processos de formação. Pela primeira vez,
presencio o grupo se manifestando sobre o tema.
144
Na seqüência, o formador propõe reflexões importantes sobre o processo de
formação, especialmente pondo em discussão a forma como os professores
vivenciam a formação continuada.
Os professores criticam o processo de formação, indicando alguns aspectos
problemáticos, como o fato de não ultrapassar o que todo mundo sabe e o de não
oportunizar novos métodos de ensino. Uma ilustração dessas críticas está em
algumas falas anotadas das participações no seminário: “A formadora é muito boa...
mas, pra mudar é preciso unir a teoria e a prática”. “A nossa realidade ainda é a de
receber pacotes prontos. A gente vai aprendendo trabalhando com os alunos”.
“Participar do processo de concepção da formação... Isso o existe!”. “O livro
didático deste ano não veio o que escolhemos, e a gente não sabe por quê”.
A tarde foi muito proveitosa. Os professores participaram ativamente das
discussões e expressaram críticas aos processos de formação. Claramente há uma
defasagem na leitura dos textos recomendados por parte dos professores, mas o
seminário evidencia que, com as oportunidades e a motivação certas, muito que
ser dito pelos participantes.
Segundo horário. Início de outro Seminário: “Revisitando o ser professor”.
Os professores assistem às formadoras apresentarem o tema Formação e Trabalho
Docente: aspectos articuladores. A postura dos professores é de escuta, em uma
aula que discute essencialmente a natureza do trabalho docente, o significado de
ser professor na sociedade contemporânea, a natureza pedagógica da ação
docente, o credenciamento para exercer a docência, o ensino como ofício alicerçado
em saberes, o que caracteriza e os diferentes tipos de saberes que constituem a
prática pedagógica, além do processo de ação-reflexão-ação envolvido no fazer do
professor. O Seminário discute, portanto, pontos substanciais do ser docente, à luz
das principais discussões que hoje se desenvolvem no âmbito da epistemologia da
prática.
Mas, o que esperar de professores que já têm muito tempo de prática
docente, diante de um seminário que discute essencialmente a natureza desse ofício
que realizam tantos anos? O Seminário não seria, por si só, um espaço de
confronto, reflexões e inquietações, suscitando opiniões e participações dos
professores na classe sobre seu próprio fazer? Não seria o Seminário também um
momento de possíveis discordâncias dos professores entre o que é teorizado sobre
145
o fazer docente e o que eles têm de consciência construída empiricamente sobre
sua própria atividade?
Curiosamente, no entanto, a exposição das idéias do seminário pelas
formadoras não parece gerar sobre os professores qualquer efeito diferenciado em
relação a momentos de exposição teórica sobre outros assuntos. Mantém-se uma
postura pica de escuta, sinalizada por posturas corporais e olhares de cansaço,
sugerindo que esta discussão parece mais importante para as próprias formadoras
que para o grupo de professores.
O horário encerra com indicação de atividade prática para o encontro do dia
seguinte. Os professores saem. Terminou mais um dia.
07.03.2007 (quarta-feira)
Os professores estão organizados em grupos e envolvidos em uma tarefa,
orientada pela formadora, que consiste no planejamento de atividades, simulando
aulas, a serem apresentadas ao longo do horário. Na orientação do trabalho, a
indicação para que as simulações de aulas girassem em torno de dramatização e
exposição.
Durante as dramatizações os professores o asas a sua criatividade,
evidenciando que, na prática, possuem competências teatrais, especialmente para o
humor. Os professores vestem roupas e adereços engraçados, fazem gestos e falas
caricaturais, apresentando a todos também uma face cômica de alguns participantes
tímidos que não costumavam se expressar durante as aulas. As apresentações são
divertidas e denotam claramente que fazer rir, e envolver-se no riso, é um dos
valores importantes do grupo.
Com a realização das apresentações centradas na dramatização, fica claro
que, para os professores, são importantes a oportunização de diferentes canais de
expressão e manifestação. A exemplo do que também se podia perceber nas
recreações das aulas da disciplina Conteúdo e Metodologia de Educação sica, o
envolvimento com as atividades de movimento e encenação convida os professores
a assumirem outros papéis onde o brinquedo está no centro. Para muitos, parece
que brincar é uma prática que não faz parte de suas vidas. Para outros, parece
que a manifestação da brincadeira no grupo é algo que precisa ser controlado.
Expressar-se livremente pela brincadeira pode conflitar com as condutas adotadas
146
cotidianamente junto ao grupo. Apresentar-se de um modo diferente sob os olhares
de todos pode ser embaraçoso. Assim, muitos professores ainda se integram nessas
atividades muito timidamente.
Não obstante, à medida que o grupo vai se percebendo envolvido
coletivamente na tarefa, e quando o riso se instaura durante as apresentações,
parece que os receios dão espaço à satisfação da necessidade de expressão dos
participantes.
Em seguida, numa das apresentações, a ser centrada no procedimento de
exposição, um dos grupos confundiu a idéia de expor com a de conto de história,
fazendo com que a proposta original não fosse atendida.
Em algumas situações, é preciso que algumas orientações de trabalhos
sejam repetidas e explicadas de diferentes formas para que alguns professores
possam compreendê-las. Este momento, no entanto, parece ilustrar um dos pontos
flagrantes durante várias exposições em sala de aula: o freqüente não de domínio
de muitos conceitos elementares explorados na formação como o de exposição. Isso
também denota outro aspecto bastante presente: no cotidiano, a linguagem comum
leva cada indivíduo a utilizar um conjunto de palavras e expressões, para expressar
idéias e conceitos, que, depois de apropriadas e incorporadas ao repertório
vocabular do grupo, não têm o seu sentido discutido, questionado, nem evidenciado.
Afinal, o que diferencia “contar” uma história e “expor” um assunto?
Encerram as apresentações e o horário do seminário. Alguns professores
vão embora, mas a grande maioria permanece em sala por um assunto de grande
interesse para todos: a formatura da turma. É preciso discutir e deliberar sobre as
decisões do grupo quanto à forma de realizar as cerimônias e festividades. Resolvi
permanecer com o grupo para acompanhar o processo.
Em pouco tempo, surge uma divergência de opiniões entre uma das líderes
da comissão de formatura e algumas professoras mais agressivas na exposição de
seus pensamentos. Da turma que em poucos instantes estava rindo junta, agora se
em um nível de discussão descontrolada com vozes e ânimos alterados, trocas
de acusações e agressões verbais mútuas. Não parece haver constrangimento com
a minha presença. Talvez, em seus modos de percepção, estejam apenas
expressando francamente seus pensamentos. A deliberação coletiva está em vias
de um fracasso total, com algumas professoras mais comedidas sinalizando para
147
ir embora, em função das circunstâncias, quando um dos representantes masculinos
do grupo, diplomaticamente, solicita a fala.
Trata-se de um professor que, normalmente, se mantém sério e receptivo às
aulas, com postura dedicada, mas, predominantemente de escuta e observação.
Atuante na zona rural, sabe bem dos obstáculos do exercício da docência e
compreende a importância da qualificação em nível superior, especialmente por uma
razão que se revelou como das mais importantes para o grupo: a “mudança de
classe” funcional, o que implica uma elevação salarial com efeitos consideráveis na
aposentadoria.
Ao solicitar à turma um momento de fala, aos poucos as professoras vão se
calando, na esperança de ouvirem um argumento sensato. De forma simples, o
professor tenta iniciar e se cala, ante as interrupções, até que as próprias
professoras começam a exigir silêncio para ouvir o colega. O professor começa
apontando as características positivas e dificuldades da colega, cujas ações são o
ponto de discórdia no grupo, sensibilizando a todos para a importância de saber
tolerar os limites de cada um e se deixar conduzir por aquilo que é mais importante e
de interesse coletivo. “Nós somos professores e temos que resolver isso de forma
civilizada. Com discussão e todo mundo se agredindo e falando ao mesmo tempo
não vamos chegar a lugar nenhum... Precisamos falar daquilo que realmente
interessa e que todo mundo está precisando... que é estar com o diploma o mais
rápido possível nas mãos para dar entrada na mudança de classe”. A turma se cala
e ouve. O professor expõe seu pensamento, opiniões e sugestões. As professoras
ponderam, deliberam e acatam. Chega-se a um consenso e a reunião termina.
08.03.2007 (quinta-feira)
Continuidade do Seminário e aplicação do questionário de levantamento de
perfil dos professores. Para a aplicação dos questionários com a turma, solicitei à
formadora que, durante a realização deste último Seminário, me pudesse conceder
em torno de trinta minutos do seu horário, à sua escolha, conforme fosse mais
conveniente. A formadora desenvolve sua aula durante todo o primeiro horário, de
quatorze às dezesseis horas, quando, então, concebe-me o momento para que eu
possa orientar aos professores quanto ao sentido e a importância das respostas
solicitadas.
148
Distribuo os questionários, explicando-lhes do caráter da atividade, peço-
lhes a colaboração em respondê-los. Para alguns, visivelmente, os questionários
aparecem como algo que vem tomar seu tempo, quando eles poderiam estar indo
mais cedo para suas casas. No entanto, a postura da grande maioria da classe é a
de atender à solicitação com espírito de disciplina e boa vontade. Em determinado
momento, uma das professoras avalia, pede que eu me aproxime e comenta: “Esse
questionário é praticamente uma avaliação do nosso curso como um todo... Até que
é fácil de responder.”
Alguns professores, mais apressados para ir embora, solicitam-me para
devolvê-lo somente no dia seguinte e saem da sala. Ao todo, são respondidos
quarenta e cinco questionários.
09.03.2007 (sexta-feira)
Este é o dia de encerramento do Seminário de formação de professores e
também do curso de Pedagogia dessa turma. Como última atividade, os professores
estão lendo e discutindo um texto, orientado pela formadora, sobre as regras
necessárias para uma boa aula. Os professores participam da discussão da forma
com habitualmente o fizeram. Alguns apresentam o que pensam, outros
simplesmente ouvem, mas não dão sinais de que estão compreendendo, outros
estão calados, mas atentos. Não há manifestação de euforia, nem qualquer
simbologia realizada em referência a um dia especial, simplesmente mais uma aula,
a última do curso, está sendo realizada e logo acabará.
Percebo com certa estranheza um último dia de aulas de um curso de
formação de professores, como o de Pedagogia, em que não uma alusão
específica ao significado deste momento para as vidas desses sujeitos que estão
encerrando mais uma etapa formal de sua qualificação profissional. Entretanto,
parece ainda mais estranho que, entre os próprios professores, na conclusão deste
processo, não haja manifestações neste sentido, que um último dia de aula encerre
como se fosse apenas mais um dia.
É estranho que a importante dimensão da avaliação, presente nas atividades
e processos em que se envolve o ser humano, tenha tão pouca visibilidade entre os
professores, no momento de conclusão de uma etapa de qualificação profissional.
149
5 OS PROFESSORES EM FORMAÇÃO: DIÁLOGOS DA TEORIA COM OS
SABERES DA EXPERIÊNCIA
O presente capítulo reúne discussões e reflexões decorrentes das análises
dos dados obtidos a partir dos questionários aplicados e das observações e
entrevistas realizadas com os alunos-professores do curso de Pedagogia convênio
UFPI/PMT, embasadas na compreensão de conceitos nucleares como saberes da
experiência, teoria e prática, práxis, pesquisa, reflexão e crítica. Em cada discussão
apresento uma síntese das concepções dos professores presentes principalmente
nos questionários e nas entrevistas, discutidas e interpretadas a partir da
consideração de conceitos teóricos fundamentais.
Nesse sentido, este é um capítulo que contempla cinco eixos de discussão e
reflexão: “os saberes da experiência e sua presença no curso de Pedagogia”; “os
sentidos da teoria e da prática e seu papel no processo de formação dos
professores”; “a pesquisa, a reflexão e a crítica: a percepção de sua manifestação e
relevância na vivência do processo de formação”; “o impacto do curso na construção
dos saberes dos professores”; e finalmente, no exercício da crítica...”, onde os
professores manifestam posicionamentos que expressam uma crítica em torno do
processo formativo, situada em seus referenciais de realidade.
5.1 Os saberes da experiência e sua presença no curso de Pedagogia
Este subitem explora as percepções dos professores em torno da relação
entre seus saberes da experiência e o processo formativo no curso de Pedagogia.
Considera como são valorizados distintamente os saberes adquiridos em sua
experiência profissional, os saberes adquiridos no curso de Pedagogia e os saberes
adquiridos ao longo da própria vida, tendo em vista sua importância para a melhoria
da prática; em seguida, discute sobre a exploração e valorização dos saberes da
experiência no curso e, por fim, a relevância atribuída por eles mesmos à presença
de seus saberes da experiência no processo formativo.
Essa discussão em torno dos saberes dos professores pressupõe uma
determinada compreensão em torno do que seja o saber, o saber docente, a
experiência e, por conseguinte, o saber da experiência. Fullat (1994) chama a
150
atenção para a relatividade do conceito de saber, que pode ser compreendido
enquanto conhecimento e enquanto pensamento. Segundo este autor,
Conhecer, [...] possui sempre uma carga semântica positivamente valorativa
pela qual se demonstra que, ao conhecer, realmente sabemos coisas, que
abandonamos nossas ilusões ou fantasias e, através do conhecimento, nos
comunicamos com realidades exteriores a nossas ocorrências subjetivas.
Pensar, além disso, assinala um saber interior, guardado dentro da
subjetividade. [...]
[...] “Conhecer” e “pensar” são duas modalidades de saber: a primeira nos
conduz às coisas; a segunda não passa de um certo auto-saber-se.
(FULLAT, 1994, p. 39)
Esta percepção em torno da noção de saber permite o reconhecimento de
que em sua constituição um intercâmbio no plano da razão humana entre
objetividade e subjetividade, que possibilita aos sujeitos, por um lado, um processo
interno contínuo de elaboração dos significados em torno de suas percepções sobre
a realidade e sobre si mesmo, seus desejos, sentimentos e experiências; e por outro
lado, um confronto entre suas próprias elaborações e intuições e os dados objetivos
externos que permitem à razão validá-las ou não como conhecimento.
Esta concepção implica em dizer que é possível falar de saber sem que isto
denote, necessariamente, uma percepção e compreensão objetivas da realidade.
Nesse sentido, vale questionar, então, que saber é atribuído ao professor?. Até que
ponto seu saber pode ser caracterizado como conhecimento ou como pensamento,
segundo a acepção de Fullat?
Uma importante contribuição na direção deste questionamento é oferecida
por Tardif, ao conceituar o saber docente como “[...] um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional
e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. (TARDIF, 2002, p. 36).
Na concepção desse autor, um critério fundamental a partir do qual é
possível falar-se em um saber docente é o da exigência de racionalidade. Ou seja,
uma prática, pensamento ou idéia, assim se define se consegue ser compreendida e
justificada por meio da razão:
[...] Chamaremos de “saber” unicamente os pensamentos, as idéias, os
juízos, os discursos, os argumentos que obedeçam a certas exigências de
racionalidade. Eu falo ou ajo racionalmente quando sou capaz de justificar,
por meio de razões, de declarações, de procedimentos, etc., o meu discurso
ou a minha ação diante de um outro ator que me questiona sobre a
pertinência, o valor deles, etc. Essa capacidade ou essa “competência” é
verificada na argumentação, isto é, num discurso em que proponho razões
151
para justificar meus atos. Essas razões são discutíveis, criticáveis e
revisáveis. (TARDIF, 2002, p. 199).
Esta concepção possibilita um retorno a Fullat que, em sua discussão sobre
a relativização do saber, o coloca entre a objetividade e a subjetividade, indicando
uma noção muito próxima daquela que caracteriza o saber docente, segundo Tardif.
O saber dos sujeitos sociais, incluídos os professores, é constituído por seus
pensamentos, conceitos e experiências adquiridos ao longo da vida. De acordo com
Fullat,
[...] aquilo que se enfrenta com os fenômenos são minhas crenças
crenças astronômicas, políticas, biológicas, religiosas, físicas, morais,
psicológicas, estéticas... Estamos repletos de crenças. Elas como que nos
possuem. Sempre que pretendemos reconhecer, temos que verificar se
nossas crenças concordam ou se estão em desacordo com os fenômenos
das coisas.
Sempre que houver concordância entre nossas crenças e os fenômenos
falamos de verdade. Caso contrário, isto é, se constatamos divergências
entre o que cremos e o que vemos, costumamos falar de erro. (FULLAT,
1994, p. 41).
Isto significa que aqui não faço referência, portanto, ao saber dos
professores como um saber tipicamente acadêmico, ao que se poderia denominar
de conhecimento em termos científicos. Falo de um saber que é permeado pela
experiência, pela ideologia e pela utopia, e que nem por isso é menos relevante aos
seres humanos. Pelo contrário, constitui-se enquanto saber fundamental à
transformação das condições dadas em favor de uma existência mais humana.
Assim, para Fullat, convém não confundir ideologia e utopia.
Ideologia e utopia coincidem na medida em que não são discursos
científicos; nem uma nem outra pode provar seus assertos. Ambas,
igualmente, têm a ver com a prática social dos homens; ora a ideologia é
um produto da imaginação cujo papel consiste em conservar a situação
social e política vigente, justificando-a racionalmente. Por sua vez, a utopia
tem um papel criador de novas situações, tendo que, para isto, negar
previamente a realidade atual. A u-topia” - do grego negação e topos,
lugar implica estar sempre em outra parte; é a negação constante da
ordem existente. Segundo o pensamento utópico, o homem, para ser
homem, tem que estar voltado sempre para o além do que ele é. A utopia
é criadora porque nega cabalmente a sociedade política ou exploradora,
existente, buscando sempre uma nova sociedade na qual não exista mais
domínio do homem sobre o homem, na qual se a “an-arquia”. (FULLAT,
1994, p. 65).
Esta visão de saber docente carrega o gérmen da concepção teórico-crítica,
mediante a qual os sujeitos se reconhecem num processo permanente de
152
elaboração e reelaboração de sua compreensão da realidade. A partir dela é que
procuro situar a consideração do conceito de saberes da experiência dos
professores.
Ao definir o que denomina de saberes experienciais
31
dos professores,
Tardif declara que
Pode-se chamar de saberes experienciais o conjunto de saberes
atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão
docente e que não provêm das instituições de formação nem dos currículos.
Estes saberes não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias.
São saberes práticos (e não da prática: eles não se superpõem à prática
para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes
constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de
representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem
e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas
dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em ação.
(TARDIF, 2002, p. 49).
Essa noção de saberes da experiência, no entanto, baseia-se em uma
consideração da experiência que, por um lado, pode ser mediada pela utopia, mas,
por outro, também o é pelos mecanismos ideológicos que condicionam a visão de
mundo dos sujeitos a partir de valores dominantes estabelecidos, implicando em
dizer que, do ponto de vista do necessário desenvolvimento de uma formação
crítica, também o conceito aqui atribuído a experiência precisa ser explicitado.
Thompson traz uma importante contribuição para a compreensão do que é a
experiência e do que ela significa para os sujeitos. Numa aproximação ao conceito,
este autor refere-se à experiência como “a influência do ser social sobre a
consciência social” (THOMPSON, 1981, p. 12). Pela experiência, os indivíduos
traduzem sua existência e constroem uma consciência coletiva. Na perspectiva
deste autor, a experiência “compreende a resposta mental e emocional, seja de um
indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a
muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento.” (THOMPSON, 1981, p. 15).
Na concepção de Thompson, portanto, a experiência pode ser
compreendida como a pronúncia de cada indivíduo na tessitura da consciência
coletiva em que está inserido como um construtor ativo. Enquanto “resposta mental
e emocional” aos acontecimentos, a experiência não pode se confundir com o
______________
31
Saberes experienciais e saberes da experiência são aqui tomados segundo a mesma acepção.
153
acontecido em que o sujeito esteve envolvido, mas se traduz na resposta a esses
acontecidos. Corroborando as posições de Fullat (1994) e Tardif (2002), que indicam
a presença da racionalidade na caracterização de um saber, é possível, então, dizer
que a experiência se constitui em saber no momento em que é racionalizada por
cada indivíduo. Por isso, depreciar ou desconsiderar as experiências dos indivíduos
sociais pode ser interpretada como uma forma de tentar desconhecê-los e destituí-
los da consciência de sua condição de sujeitos ativos e pensantes.
Conforme assevera Thompson,
A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem
pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos)
são racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo. [...]
Não podemos conceber nenhuma forma de ser social independentemente
de seus conceitos e expectativas organizadores, nem poderia o ser social
reproduzir-se por um único dia sem o pensamento. O que queremos dizer é
que ocorrem mudanças no ser social que dão origem à experiência
modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de que exerce
pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e
proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os
exercícios intelectuais mais elaborados. (THOMPSON, 1981, p. 16)
Tardif (2002) defende que os saberes experienciais se constituem a
referência principal a partir da qual os docentes interpretam e orientam sua ação
profissional. Mas, em se tratando dos processos de formação acadêmica, até que
ponto a consideração dos saberes decorrentes da experiência do professor pode ser
relevante para os profissionais? Pode a experiência do professor constituir-se em
referencial de formação docente na Universidade? Sobre isso, Thompson (1981, p.
16) também tem o que dizer:
Talvez se pudesse argumentar que a experiência é realmente um nível
muito inferior de mentação; que ela só pode produzir o mais grosseiro
“senso comum”, “matéria-prima” ideologicamente contaminada [...]. Não
creio que seja assim — pelo contrário —, considero tal suposição como uma
ilusão muito característica dos intelectuais, que supõem que os comuns
mortais são estúpidos. Em minha opinião, a verdade é mais nuançada: a
experiência é válida e efetiva, mas dentro de determinados limites: o
agricultor “conhece” suas estações, o marinheiro “conhece” seus mares,
mas ambos permanecem mistificados em relação à monarquia e à
cosmologia.
Sob esse ponto de vista, a experiência do professor é válida enquanto
vivência, interpretação e resposta ao seu contexto. O saber dela decorrente não está
comprometido com a rigorosidade do conhecimento acadêmico, mas também não é
isso o que denota sua validade. Esclarecendo este ponto, o autor lembra que,
154
[...] fora dos recintos da universidade, outro tipo de produção de
conhecimento se processa o tempo todo. Concordo em que nem sempre é
rigoroso. Não sou indiferente aos valores intelectuais nem inconsciente da
dificuldade de se chegar a eles. Mas devo lembrar [...] que conhecimentos
se formaram, e ainda se formam, fora dos procedimentos acadêmicos. E
tampouco eles têm sido, no teste da prática, desprezíveis. Ajudaram
homens e mulheres a trabalhar os campos, a construir casas, a manter
complicadas organizações sociais, e mesmo, ocasionalmente, a questionar
eficazmente as conclusões do pensamento acadêmico. (THOMPSON,
1981, p. 17).
Das considerações até aqui apresentadas, é possível depreender que, da
experiência e dos saberes dela decorrentes, as perguntas menos úteis talvez sejam
as relacionadas às suas validade e corporeidade acadêmicas, uma vez que são
tecidos, sobretudo, no campo das subjetividades. Importa mais questionar sobre o
quanto podem dialogar com a academia, questionando suas convicções e
apontando outros possíveis olhares sobre a realidade, mas, principalmente, sobre o
quanto podem permitir aos professores a consciência de seu poder ativo, tanto na
configuração de suas próprias práticas quanto no redirecionamento de seus
processos de formação.
5.1.1 Sobre os saberes da experiência profissional, os saberes do curso de
Pedagogia convênio e os saberes adquiridos ao longo da vida
Dadas as considerações acima, como o grupo de professores valora os
saberes transmitidos/construídos ao longo do curso, os decorrentes de sua
experiência profissional e aqueles adquiridos livremente nas mais diversas
situações, fases e circunstâncias da própria vida, como mediadores de uma melhoria
da prática docente? Como esses saberes concorrem entre si e quais são
privilegiados?
Os saberes da experiência têm um significado particularmente relevante
para os professores de profissão, embora isto não signifique que estes consigam
expressar com facilidade uma consciência clara sobre a complexidade que envolve
a constituição desses saberes. Contudo, no decorrer das entrevistas foi possível
perceber indícios de que o professor começa a se preocupar com uma
organização mais elaborada de seu pensamento na tentativa de entendimento
quanto a esses saberes, percebendo neles as implicações de uma concepção
educativa mais ampla.
155
Julival Professora Ana, [...] considerando [...] a importância desses saberes [...] da
experiência, que peso você atribui a esses saberes na melhoria da prática do professor?
Ou, em outras palavras, que importância tem para o fazer do professor os saberes que ele
adquire na sua própria experiência?
Ana Lúcia [...] Esses saberes [da experiência] [...] você adquire é na prática desse dia-a-
dia. Então, inclui nesses saberes a reflexão. Você tem que refletir sobre a sua prática. E
refletir sobre a prática vai incluir todos os princípios da pessoa. [...] Então, refletir sobre a
prática é, exatamente, valorizar os saberes que se adquire nessa relação professor / aluno e
são importantes exatamente porque essa relação inclui, também, além da reflexão, [...] essa
criticidade, não do professor, mas as construções que esse professor vai fazer através
da sua prática com os próprios alunos. O que que você pensa da educação? O que que
você pensa sobre a sociedade? O que que você pensa sobre aprendizagem? O que que
você pensa [...] sobre o que é ser cidadão?”. Então, não pra gente fugir de todo esse
conjunto. Então, os saberes envolvem tudo isso. “Que tipo de aluno você quer construir?
Que tipo de sociedade você deseja para o futuro? Como é que você quer esse aluno, se ele
é um aluno crítico, se ele é uma pessoa passiva, se ele é uma pessoa [...] totalmente
imparcial.” É o que que você vai pensar. Então, a partir dessa experiência que você vai
conhecendo, descobrindo quem é esse seu aluno, e diante desse conjunto de princípios, [...]
fomentados por essa experiência, e também pela parte, [...] da teoria, que você tem que ler,
você tem que fazer toda uma reflexão nesse conjunto pra que essa resposta venha positiva
dos seus alunos, [...] [...] dos seus adolescentes, daqui a um tempo, dos jovens, dessa nova
sociedade que vem. Então, esses saberes são importantes pra que você possa refletir sobre
a prática e construir o tipo de homem, de cidadão que você deseja para o futuro.
A experiência é percebida como fonte de desenvolvimento de uma
competência, não muito bem compreendida, que se manifesta no cotidiano e permite
ao professor se sobressair nas diferentes circunstâncias desafiadoras que enfrenta.
Imaginar-se, portanto, entrando em uma sala de aula de escola pública destituído
desses saberes representa um cenário inóspito, pouco concebível para o professor.
Julival – [...] O que faz você conseguir “segurar a peteca” na sala de aula?
Dionar Rapaz... (risos) eu acho que... [...] o que faz realmente eu segurar, eu diria [...] que
seja o gostar de ficar... [...] é o conhecer já, [...] o manejo, né? Que não falam muito no
manejo? Mas o manejo assim, de conhecer a criança, de saber realmente como conduzir
cada uma daquelas crianças, né? E isso eu vou aprender fazer isso com o tempo. No
decorrer do tempo que eu vou conhecendo cada um, a sua maneira de ser, e daí que eu
vou começar a trabalhar a cada dificuldade dessa.
Marlete [...] pensou?... Se eu tivesse entrado, mesmo [no curso de Pedagogia], como
eu vejo entrando na escola essas meninas verdinhas, que vai pra sala de aula com um
sonho, [...] achando que os meninos tão tudo sentado, esperando o saber, que ela fique
falando... Quando chega, que ela corre atrás do menino, o menino em cima da mesa, o
outro menino batendo no outro... [...] Não tem um pingo de manejo, nem... Não tem
condição. Então, o nosso lá... Pelo menos, essa maneira de a gente ter, de controlar um
menino em sala de aula, de saber o momento certo de aplicar o conteúdo, [...] tudo isso aí,
a gente, com o tempo, a gente vai pegando o ritmo, porque é como bicicleta, você
pedalando aqui... é até absurdo isso, mas é desse jeito ...quando botando você,
você cai [...] Como tem muita menina que chega no colégio: “Professora, eu vou mudar
de profissão![...] Por quê? Porque são pessoas verdinhas que têm uma visão totalmente
diferente, e nós não, tarimbadas, passamos por tudo, passamos... Na época que a
gente apanhava de menino de sala de aula, que você chega perto da criança, a criança lhe
morde, a criança lhe bate, lhe chuta... E agora não, você já tem uma maneira correta de ir
falar com a criança, que ele não vai mais lhe chutar, porque você já sabe por onde chegar.
156
No QUADRO 08, são apresentados os resultados da importância que o
grupo atribui aos saberes adquiridos de sua própria prática em relação aos do curso
de Pedagogia, quando pensados quanto ao seu poder para a determinação da
melhoria da prática docente. Para 13,3% do grupo, a melhoria da prática docente
depende, sobretudo, dos saberes da própria prática. Nesse sentido, é possível
depreender que, para estes professores, a experiência cotidiana, o ambiente escolar
e a troca de idéias entre os pares da profissão são mais importantes no
desenvolvimento da competência profissional que a formação universitária.
A grande maioria, no entanto, quase 85,0% do grupo, concorda que a
melhoria da prática depende, sobretudo, da articulação entre os saberes do curso e
os da própria prática, pressupondo, sobre eles, uma relação de interação e
complementaridade.
Regina Todos dois são muito válidos, eu acho que um completa o outro. Eu tinha a
prática, mas não tinha a teoria, hoje eu tenho a teoria e tenho a prática, então os dois tão
caminhando juntos... Eu acho muito importante os dois. Eu acho que um não deve estar
sem o outro.
QUADRO 08
Sobre a importância dos saberes adquiridos no curso de pedagogia para a melhoria da
prática do professor
A melhoria da prática
depende, sobretudo, dos
SABERES DO CURSO
A melhoria da prática
depende, sobretudo, dos
SABERES DA PRÓPRIA
PRÁTICA
A melhoria da prática depende,
sobretudo, da ARTICULAÇÃO DE
AMBOS
1 6 38
2,2% 13,3% 84,4%
Fonte: Pesquisa direta.
Para além dos saberes da prática e dos adquiridos no curso de Pedagogia,
os professores também atribuem significativa relevância ao repertório de saberes
que compõem a cultura pessoal de cada um para a prática docente (QUADRO 09).
Para uma minoria de 26,7% esse repertório de saberes pessoais é importante mas,
não tanto quanto os pedagógico-científicos adquiridos na formação acadêmica. A
grande maioria (66,7%), contudo, considera que esse repertório pessoal é tão
importante quanto os saberes acadêmicos, o que permite depreender que, para o
grupo, por um lado, a formação acadêmica, apenas, não garante toda a formação
157
necessária do professor, por outro lado, também os saberes da prática, por si sós,
não são suficientes.
QUADRO 09
Sobre a importância de outros saberes adquiridos ao longo da vida para a prática docente
É
PRINCIPALMENTE
A ELES QUE SE
DEVEM OS BONS
RESULTADOS da
prática docente
SÃO IMPORTANTES,
MAS NÃO TANTO
quanto os saberes
pedagógicos e
científicos adquiridos
no curso de Pedagogia
NÃO SÃO
IMPORTANTES
para a prática
docente
SÃO TÃO
IMPORTANTES
QUANTO os saberes
pedagógicos e
científicos do curso
de Pedagogia
Sem
Resposta
1 12 0 30 2
2,2% 26,7% 0,0% 66,7% 4,4%
Fonte: Pesquisa direta.
Nesse sentido, o professor valoriza em seu fazer a sua experiência social
que extrapola o fazer docente, reconhecendo nela o poder de influir nas práticas
educativas.
5.1.2 A exploração e valorização dos saberes da experiência no curso
Uma vez, então, que os saberes da prática e do repertório pessoal dos
professores são considerados como de suma relevância para o desenvolvimento e
melhoria da prática educativa, até que ponto, durante o estudo em Pedagogia, os
saberes desse grupo, dotado de muitos anos de atuação em sala de aula, foram
valorizados e explorados nas atividades formativas?
QUADRO 10
Sobre até que ponto os saberes da experiência dos professores foram valorizados e
explorados ao longo do curso de pedagogia
NÃO FORAM
valorizados e
explorados
FORAM POUCO
valorizados e
explorados
Foram valorizados e
explorados
RAZOAVELMENTE
Foram BASTANTE
valorizados e
explorados
0 0 7 38
0,0% 0,0% 15,6% 84,4%
Fonte: Pesquisa direta.
De acordo com o QUADRO 10, para 84,4% dos professores, esses saberes
também foram bastante valorizados e explorados. Mesmo não se tratando de uma
unanimidade, os outros 15,6% dos professores consideram que houve uma
158
valorização e exploração de seus saberes em nível razoável, depreendendo-se que
o curso, em seu conjunto, conseguiu estabelecer um diálogo para com eles e seus
saberes.
Julival [...] A Universidade conseguiu explorar e valorizar os saberes que você construiu
ao longo da sua experiência?
Regina Sim. O que eles puderam fazer com a gente eles fizeram. Eles demonstraram
de todas as maneiras, eles botaram muitas atividades nas nossas mãos e disseram:
“Façam! Vocês sabem fazer! Eu tenho certeza que vocês sabem!”. E a gente falava assim:
“Ah, professor, mas aí você tem que dar uma orientação”. Ele dizia: “Não. A orientação tá aí,
você vai... faça essa leitura e você vai desenvolver essa atividade aí”. Então a gente
desenvolvia e na hora era um sucesso. O professor dizia: “Ah! Eu não acredito que vocês
diziam que o sabiam e tão fazendo melhor do que o esperado!”. Então eu acho que [...] a
gente deu conta desse recado direitinho, lá... Que eles deram pra gente. Eles ficaram muito
empolgados com as atividades desenvolvidas.
Aconteceram exploração e valorização dos saberes da experiência no curso
de Pedagogia, mas será que não ficou somente na experiência? Esta é uma reflexão
que surgiu durante entrevistas, denotando que, para além de reconhecer, valorizar,
evidenciar os saberes da experiência é preciso também transcendê-las, buscando, a
partir delas aprofundar o conhecimento e compreensão da realidade.
Ana Lúcia [Os saberes da experiência] [...] Foram valorizados, foram valorizados. Até
mesmo que, assim, eu extraí disso tudo [...] que a gente trabalhou mais durante esse curso
em cima desses saberes. [...] Por isso que eu até fiz a pergunta, “será que a gente o
trabalhou o que a gente vivia fazendo?”. pra gente poder fazer esse paralelo
entre o que é prática, o que é isso? Foi valorizado. Eu não diria que foi, assim... Porque
assim, como pode não ter sido desenvolvido ou que foram permanente para o grupo de
alunos, eu não posso garantir a todos, como também não vou garantir que foi por todos os
professores, mas por uma boa parte foi valorizado, mesmo, esses saberes.
Julival [...] [No questionário] você diz que os seus saberes... Que os saberes da sua
experiência foram bastante valorizados e explorados ao longo do curso. Como isso se deu
exatamente?
Dionar Bom... Deixa eu ver se eu entendi... Eles foram valorizados? Sim. Foram
valorizados, [...] a partir do momento em que eles [os professores formadores] planejaram,
fizeram um plano em que caberia, assim, a nossa opinião, [...] por levar em conta que a
gente sabia algo, [...] e foram explorados, porque [...] eles passavam muitas as questões
da vivência, da vivência da gente na sala de aula, [...] pra que a gente pudesse fazer ou
desenvolver algum trabalho, [...] como a pesquisa de campo na escola. [...] Trabalhos que a
gente tinha que desenvolver, levar os trabalhos desenvolvidos, como na Prática
Pedagógica, que a professora pedia que a gente levasse. Nesse ponto aí foi explorado [...] e
foi valorizado em certo ponto, sim, mas seria mais valorizado se eles realmente vissem as
nossas condições, vissem os nossos trabalhos, os trabalhos que a gente desenvolve
nessas comunidades e que também fizessem um trabalho em cima disso aí, pra que
melhorasse, né?
[...]
Julival [...] Você se sentiu ouvida durante as discussões de sala de aula, nas discussões
teóricas dos professores, quando trataram [...] dos problemas educacionais? Você se sentiu
ouvida?
159
Dionar Sim. Às vezes, sim, porque nem muitas vezes eu, pessoalmente, assim, mas... os
colegas, né?... Sempre que traziam esse assunto pra sala de aula, em discussão, a gente
sempre [...] foi ouvido sim, [...] só que... acho assim, que ficava mais assim na conversa, na
palestra, né? E que deveria [...] ter sido mais intenso, né? A conversa. E que essa conversa
também ela poderia [...] ter surtido efeito, né? Efeitos o quê? Efeitos positivos. Porque
sempre essas discussões... a gente discutia na sala de aula [...] e o professor que estava
na sala de aula também ele discutia sobre isso, mas que aí... pronto. Era só isso [...]. Dali
não passava nada adiante. [...] É como se eles estivessem apenas pra dar conteúdo e
pronto; [...] que esse tipo de discussão o dizia respeito ao professor que estava ali; que
eles poderiam até concordar com a gente, mas, na realidade, eles não poderiam fazer nada.
Uma vez que uma abertura de espaço na Universidade para que os
professores de profissão manifestem sua experiência, um novo quadro começa a se
desenhar: daquela situação típica em que professores iniciantes ficam perplexos
diante de certos conceitos e formas de percepção da realidade oportunizados pelas
discussões acadêmicas com seus formadores, chega-se, agora, ao momento de os
formadores também ficarem perplexos com alguns relatos e caracterizações de
problemas vivenciados na realidade da sala de aula da escola de ensino
fundamental, espaço onde muitos desses formadores não atuam mais ou sequer
atuaram algum dia. Nesse sentido, a valorização e exploração dos saberes da
experiência nos espaços de formação docente podem evidenciar o quanto
professores de profissão e professores-formadores lidam com realidades e
referenciais de conhecimento diferentes.
Julival Como era, Lucimar, que acontecia [...] quando vocês traziam a situação da
realidade pra sala de aula da Universidade?
Lucimar Ah, é... Eles ficavam, assim... não sabe? Achando que não era aquilo ali, a
realidade, não. [...] Tinha professor que entendia, [...] que já tinha passado... porque tem
professor que já passou [...] por essa nossa realidade... Deles que já passaram, mas
aqueles que não passaram, eles ficavam tudo abismado... “Ah, e é assim? E é desse jeito?”
[...] Eles ficavam, assim... A gente via [...] que eles achavam... que ficavam assim um pouco
duvidando da gente, ? Mas, não! eles ficavam, já iam explicar pra gente como a gente
se defender disso aí, como a gente fazer, como a gente organizar [...] aquela situação que a
gente tava passando... Que é eles que iam ensinar pra gente. Mesmo eles tendo sentido,
assim, aquilo ali, mas eles tinham as palavras boas pra dar pra gente, né? Pra explicar pra
gente. Eu sentia isso.
Nas práticas formativas, o diálogo entre professores experientes e
professores formadores favorece o desenvolvimento de aprendizagens múltiplas.
Nessa interação dialógica, a Universidade se atualiza no conhecimento da realidade
da escola pública.
Julival Você acha que os professores universitários, do curso de Pedagogia, como um
todo, ganham com professores experientes?
160
Lucimar Ganha... Ganha. Ganha, sim. ganha. Porque é mais uma pra eles, mais uma
experiência pra eles... porque eles têm a experiência deles [...] mas não têm aquela
experiência de [...] longos anos [...] com crianças, principalmente no curso que é pra
alfabetizar, [...] aí eles ganham.
Julival [...] Sobre os teus saberes, o que você aprendeu ao longo da tua experiência [...].
Aqui no questionário, você diz que eles foram bastante valorizados e explorados ao longo
do curso.
Erzilene Foi. Principalmente minha prática com o Alfa e Beto. Ele foi bem explorado,
porque lá, no curso, eles não conheciam esse método que é o metafônico, [...] então, a
minha professora de Prática de Ensino, ela... Ave Maria! Ela explorou demais, [...] tanto que
ela pedia a gente pra explicar como era, aquele negócio, porque até então eles não tinham
conhecimento.
[...] Eles não conheciam esse projeto [...], tanto que, agora, um professor amigo meu, ele até
me pediu pra mim explicar pra ele, porque ele acompanhando as meninas do Instituto,
Normal Superior, e elas tão indo pro projeto Alfa e Beto, e ele também não conhecia esse
projeto. eles não sabiam nem como era a carga horária, como era isso e aquilo outro...
Por isso que na Universidade, também, foi explorado [...] porque também ninguém não
conhecia esse projeto.
Julival Mas você sentiu [...] que o curso de Pedagogia, oferecido pra vocês, de um modo
geral, que ele se preocupava de estar sempre buscando as opiniões de vocês, as
necessidades, os interesses?
Erzilene Preocupava... Se preocupava bastante. Se preocupava muito, muito mesmo,
tanto que eles ficavam explorando assim o que a gente comentasse, falasse a respeito da
nossa prática, isso e aquilo outro. Eles exploravam mesmo.
É possível reconhecer, nesse contexto, a validade e a adequação do
pensamento freireano, segundo o qual os homens se educam em comunhão. Neste
caso específico, professores experientes e professores formadores parecem estar
se formando mutuamente. Mas, se o professor experiente termina percebendo que é
através dele que a Universidade está sendo apresentada ao que acontece e se
desenvolve na escola, e se, apesar de seus meios de investigação a Universidade
ainda parece um tanto alheia quanto à realidade escolar, até que ponto ela estará
pronta para explorar, nas práticas formativas docentes, uma realidade que
demonstra conhecer teoricamente? Esta pergunta comporta uma outra: até que
ponto as práticas curriculares que propõem uma formação crítica conseguem, de
fato, desenvolvê-la?
Vale lembrar aqui que, segundo a acepção da teoria crítica:
A prática é um momento da teoria, e os resultados das ações empreendidas
a partir de prognósticos teóricos tornam-se, por sua vez, um novo material a
ser elaborado pela teoria, que é, assim, também um momento necessário
da prática. (NOBRE, 2004, p. 12).
Isto significa que a formação crítica implica uma referência dialética
permanente com a prática, de mútuo reconhecimento e validação. Sob essa
161
perspectiva, passam a não justificar-se certas posturas formativas mediante as quais
a prática e a teoria são polarizadas, cada uma tendo uma validade independente em
si. Do ponto de vista da teoria crítica, é possível enxergar que, diante da percepção
do vazio ou inoperância do discurso academicista, os professores têm razão
quando, mesmo ingenuamente, reivindicam que a prática seja contemplada em sua
formação. Mas a prática, sob o enfoque teórico crítico, descompromete-se com os
modelos simplistas, social e ideologicamente construídos e difundidos entre os
sujeitos e, do contrário, manifesta-se como tradução, revelação ou validação da
teoria que lhe é imanente, permitindo ao próprio sujeito posicionar-se
conscientemente diante de sua realidade e das possibilidades de sua transformação.
5.1.3 A importância atribuída aos saberes da experiência no curso
Os professores têm percepções claras quanto ao valor formativo de sua
experiência e quanto à pertinência da presença de seus saberes no processo de
formação do curso de Pedagogia.
Nesse sentido, o grupo foi solicitado a responder a um questionamento que
visa identificar a predominância de uma entre três percepções fundamentais: a
primeira, a de subestimação dos próprios saberes adquiridos ao longo da atuação
profissional, frente aos saberes da formação privilegiados na academia, onde se tem
acentuado o caráter técnico-científico dessa formação; a segunda, a da
indissociabilidade entre os saberes da experiência e os saberes da formação
acadêmica, reconhecendo-lhes uma complementaridade; a terceira, a da
superestimação dos saberes da experiência frente aos saberes da formação
acadêmica, de tal modo que estes viessem mesmo a se configurar em um segundo
plano.
As respostas, constantes do QUADRO 11, ficaram bastante divididas entre
as percepções de indissociabilidade dos saberes, que foram predominantes com
57,8%, e de superestimação dos saberes da experiência, com 42,2% das respostas.
Desse resultado ficam evidentes duas constatações fundamentais: a primeira, que
no grupo uma clara valorização dos próprios saberes adquiridos ao longo de sua
atuação profissional e que esses saberes podem referenciar, sim, o processo
formativo, mas em colaboração com os saberes acadêmicos; a segunda, que um
forte viés pragmatista na concepção de formação do grupo, sugerindo que os
162
saberes da experiência sejam considerados como imprescindíveis na formação
docente ou, para além disso, sejam a medida principal a partir da qual essa
formação seja balizada.
QUADRO 11
Sobre a importância da presença dos saberes de professores experientes em um curso de
pedagogia
NÃO DEVEM ESTAR
PRESENTES em um curso de
Pedagogia, que é espaço para
conhecimento científico
DEVEM ESTAR
PRESENTES EM ESTREITA
COLABORAÇÃO com os
saberes acadêmicos
DEVERIAM CONSTITUIR O
PILAR FUNDAMENTAL da
formação docente no curso de
Pedagogia
0 26 19
0,0% 57,8% 42,2%
Fonte: Pesquisa direta.
Julival Você acha que tem lugar num curso de Pedagogia... um lugar assim reconhecido...
Para os saberes da experiência de professores como você?
Regina Tem. Tem... Só tem. Ele também cresce muito com a nossa experiência. No
depoimento de professores, que eles falavam pra gente, dizia assim: “Gente eu nunca
imaginei que fosse assim que vocês desenvolvessem, dessa maneira. Oh, que coisa
interessante!” — Eles ficavam falando, né? — “Gostei muito, agora [...] vem cá, me diz como
é que vocês fizeram, como vocês chegaram até aí?”. Então, eu acho que tem espaço.
No diálogo estabelecido com os professores, é possível, no entanto,
perceber que a superestimação dos saberes da experiência não vem como uma
negação dos saberes acadêmicos. Em vez disso, o que indica é que estes devem
tomar, como referência primeira, os saberes que os professores constroem no
exercício de sua profissão.
Essa consideração valorativa em torno dos próprios saberes não significa,
em si, que os professores sintam segurança para dar testemunhos do que fazem e
como fazem em suas práticas. A cultura acadêmica pressupõe uma
sobrevalorização de seus saberes em relação aos dos professores. As práticas
discursivas presentes na Universidade ainda são suficientemente fortes ao ponto de
fazer com que os professores sejam censores de suas próprias formas expressivas,
muitas vezes desqualificando-as para determinados espaços como, por exemplo, o
ambiente acadêmico. A situação descrita no depoimento a seguir ilustra esse caráter
de autocensura do professor, expressando, de certa forma, uma postura de
deslegitimação dos próprios saberes.
Julival - A Universidade tem uma experiência de formação que é muito voltada pra
professores iniciantes, aqueles que ainda não têm uma vivência de sala de aula, que estão
163
chegando agora, que vão ter contato com a teoria, mas ainda não sabem muito bem o que é
ser professor na escola pública, por exemplo, como vocês bem sabem. Então, de um lado,
existe essa formação de professores, voltada pra esses professores iniciantes, de outro
lado, nós temos aí, um exemplo, que é o curso de convênio da prefeitura, com cinqüenta
professores experientes, cheios de vivências, ali. Então, nós podemos imaginar que esses
professores traziam um tesouro consigo. Esse tesouro, vamos chamar aí, a experiência,
esses anos todos de vivência, muito conhecimento do dia-a-dia. Que contribuições esses
professores poderiam ter dado, nesse processo de formação de professores, ou deram?
Ana Lúcia Ah! Poderiam ter deixado muitas, muitas, muitas contribuições, mas, por
exemplo, [...] houve uma professora que tentou juntar a gente [...] com esses iniciantes
na apresentação de um trabalho sobre dificuldades de aprendizagem, essas coisas. Só teve
um professor que teve essa iniciativa de fazer um trabalho com a nossa turma junto com a
turma de pessoas que iniciaram sem prática nenhuma de sala de aula, e eles adoraram...
Quer dizer, mas a gente não teve nenhum contato pra formular o trabalho. Ah, ainda teve
[...] esse dano, que eu achei. Foi um dano, por quê? Quem tava lá, aluno iniciante, fazia o
seu trabalho sobre a mesma parte, por exemplo, dificuldade na aprendizagem, inclui vários
subtítulos, [...] então, foi dividido pra lá, “vocês ficam com essa parte, e vocês do curso
ficam com essa”. Mas a gente não se juntou pra discutir... Eu, até, ainda interroguei sobre
isso, ela disse: “não, fica cada um com... é a mesma coisa, cada um fala lá...”. Então, a
gente ficou junto apenas pra na hora da exposição estarmos juntas, mas, não teve nenhum
contato pra formular o trabalho. E não foram todos, porque a maioria das pessoas [...] se
recusou a ir...
Julival – Dos experientes?
Ana Lúcia Das experientes, se recusou a ir por uma falta, assim... Eu não sei. Eu nem
entendi, porque se você é um professor, tem essa dinâmica de estar à frente, de tudo, como
é que você se recusa a falar num local em público? Eu o entendi muito bem, mas a
maioria se recusou, elas diziam que não iam, e ficou quase, assim, taxativo, “você vai,
porque ninguém vai, você tem que ir”. Então, foram apenas três pessoas dessa sala, assim,
apontadas, mesmo...
Julival – Por livre e espontânea pressão!
Ana Lúcia Por livre e espontânea pressão (risos). Até a própria turma dizia “Eu o sei
falar, eu fico toda me tremendo. Você vai!”. “Oxente! Peraí! Ora! Eu te determinei pra
determinar a minha vida? Não. Eu vou decidir depois”. E aí... inclusive uma das pessoas
que foi fui eu —...E a pessoa “Oh, vai, por favor, por favor”. “Meu amigo, mas eu não
concordo, como é que eu vou fazer um trabalho junto com um grupo se eu não vou ficar
com o grupo?” disse, “não, mas... só mesmo... O horário o certo, eu passo o dia na
sala de aula, assim, de manhã lá, à tarde aqui”. “Pois, marca com o pessoal pra vir à tarde,
eu saio na tua aula pra ir fazer com ele”. Aí ficou uma coisa dentro do mesmo assunto, cada
qual fazia o seu pedaço, essa coisa de Universidade, mesmo, que divide: “não, você fica
com um pedaço, outro fica com outro...”. Ninguém faz a coisa completa. Mas, na realidade,
[...] eu penso que os professores [...] tinham uma grande contribuição a dar pra quem
iniciando, mas não foi valorizado. Primeiro... — eu, quando eu digo pela Universidade, pelas
pessoas que ministraram e também pelos professores por serem inibidos. Eles se
comportaram como inibidos, não quiseram ir, porque se fosse mais gente o grupo ficava
mais forte, mas como não... Eles não quiseram: ah, não, eu não vou , eu não sei falar, eu
não sei falar em público, eu não sei, o, eu não vou”. E não foram. Mas, eles... Assim
mesmo, depois: “Mulher, foi ótimo! Que legal!. Não sei o quê...” Aquela coisa, assim, da
hora, ali, e tudo. Mas, tinham grande contribuição, assim, a dar, mas não foi valorizada essa
parte. [...] Teve a iniciativa de a Universidade tentar fazer esse trabalho, mas não teve uma
resposta positiva, ou não teve insistência, ou não foi bem explicado, ou não foram
estimulados a isso, os outros professores, não percebi.
Julival Mas, pelo que você está dizendo, então, os professores experientes têm saberes
que podem trazer grandes contribuições à formação de professores.
Ana Lúcia – Com certeza. Têm.
164
De certo modo, também os professores vivem um paradoxo: apóiam-se
principalmente em saberes construídos a partir da experiência para interpretar as
diferentes situações educativas do cotidiano. Mas esses saberes são corriqueiros e
pouco valorizados em suas formas de expressão e manifestação social. Por outro
lado, o conhecimento acadêmico, embora não seja aquele que “serve” para resolver
as questões do cotidiano da sala de aula, representa uma modalidade de saberes de
expressão socialmente valorizada e por isso desejada. Na prática, é como se o
professor reconhecesse a eficácia de um saber que não serve para aparecer, mas
preferisse aparecer com um saber que não “serve” para o fazer, porque estão em
jogo as imagens construídas em torno do professor em formação na Universidade,
que agora tem saberes em nível superior. É algo como imaginar as duas versões de
uma mesma personagem: Gata Borralheira e Cinderela. O vestido da Gata
Borralheira, usado para realizar todos os afazeres domésticos, não serve para
realizar os sonhos de Cinderela no baile do príncipe.
5.2 A pesquisa, a reflexão e a crítica: a percepção de sua manifestação e
relevância na vivência do processo formativo
O projeto do curso de Pedagogia convênio é bastante explícito ao dizer que:
O professor envolvido neste curso será orientado para desenvolver a
capacidade de intervenção científica e técnica em seu ambiente de trabalho,
assegurando a reflexão crítica permanente sobre sua prática e realidade
educacional historicamente contextualizada. (UNIVERSIDADE FEDERAL
DO PIAUÍ, 2003, p. 9).
Esse perfil de profissional reflete o ideário atualmente propugnado em larga
escala de professor pesquisador reflexivo crítico. Mas, diante desta perspectiva de
formação profissional, como os professores vivenciaram e perceberam esse
processo de formação? Neste subitem, são levantadas discussões em torno dessas
percepções dos professores e das concepções que a experiência lhes permitiu
desenvolver.
165
5.2.1 A formação para a pesquisa
O QUADRO 12 revela que mais de 90% do grupo, considera que o curso de
Pedagogia favoreceu uma preparação teórica e prática para o desenvolvimento da
atitude e prática da pesquisa como princípio educativo.
QUADRO 12
Sobre a formação para o desenvolvimento da atitude e prática da pesquisa como princípio
educativo no curso de pedagogia
O curso favoreceu uma
preparação
PRINCIPALMENTE
TEÓRICA
O curso favoreceu uma
preparação
PRINCIPALMENTE
PRÁTICA
O curso favoreceu
uma preparação
TEÓRICA E
PRÁTICA
O curso NÃO
FAVORECEU uma
preparação
4 0 41 0
8,9% 0,0% 91,1% 0,0%
Fonte: Pesquisa direta.
Contudo, que concepções os professores possuem a respeito da pesquisa?
Concebem-na como um princípio educativo a ser adotado em suas práticas?
Concebem-na como um atributo imanente ao professor? Os depoimentos denotam
que para os professores, a pesquisa como um princípio educativo e atributo do
professor ainda é um conceito frágil.
O curso previa, em sua grade curricular, pelo menos 120 horas destinadas
aos fundamentos da pesquisa, distribuídos diretamente em duas disciplinas:
“Fundamentos Teórico-metodológicos do Trabalho Científico”, no primeiro bloco, e
“Fundamentos Teórico-metodológicos da Pesquisa Educativa”, ministrada no
segundo bloco.
É possível atribuir parte das considerações dos professores apresentadas a
seguir, ao fato de que as disciplinas que tratam explicitamente da pesquisa foram
contempladas apenas nos dois blocos iniciais do curso. Entretanto, é preciso
lembrar que estas disciplinas o eram as únicas responsáveis pela concepção da
formação dos professores relacionada à pesquisa. Uma das diretrizes da
organização curricular do curso é que “a pesquisa, investigação do cotidiano escolar,
deverá ser incorporada como princípio no processo de formação do professor”. Isso
significa que, a pesquisa deveria constituir princípio formador das demais disciplinas.
Entretanto, na perspectiva dos professores, a pesquisa foi vista por muitos prismas:
166
a) A pesquisa voltada para a realidade da escola e da comunidade, com as
exigências do rigor acadêmico.
Regina Olha, eu me senti, assim, um peixe fora d’água. Fiquei muito nervosa quando fui
fazer a pesquisa. [...] Eu achei muito estranho. Pra mim foi muito estranho, assim, parece
que eu era uma aluna de primeira vez, a pesquisa pra mim...
Julival – Como é que essa pesquisa foi orientada? Como é que elas aconteciam?
Regina A pesquisa foi orientada pra gente fazer com nossos próprios alunos, com a
própria comunidade que a gente tava trabalhando, mas não deixa de não ser... de não
ficar... tenso. Que é um trabalho que a gente tem que fazer... um trabalho científico, e a
gente tem que ter muita autenticidade... a gente não era... A gente o tinha familiarização
com esse tipo de trabalho. Então, pra gente foi coisa nova... uma coisa muito nova. Todo
mundo ficou, assim, tenso, preocupado em fazer essas pesquisas. Mas, no final tudo deu
certo.
b) A pesquisa incompreendida pelo professor e sem poder aparente de percepção e
compreensão da realidade.
Dionar Na realidade, o trabalho de pesquisa que a gente fez [...] foi uma pesquisa de
campo, [...] de como desenvolver essa pesquisa. Na realidade a gente não foi realmente
assim, preparada para desenvolver... Porque poderia ter sido preparado para desenvolver
uma pesquisa junto com as crianças, [...] mas foi uma pesquisa que a gente fez... adulto[...].
Como eu deveria fazer... Como eles fizeram também onde eu trabalhava, sobre aquilo ali,
que eles trabalhavam o local em que eu estava trabalhando, com era isso e tudo, onde...
onde a gente deveria ter feito o que? Uma pesquisa de como... como realmente trabalhar e
fazer com que a criança fizesse esse tipo de trabalho [...]. Na realidade foi assim, mais
teórico mesmo, porque a pesquisa... A pesquisa mesmo que a gente fez, praticamente
foram pesquisas onde a gente poderia ler e pôr as mãos em informações e pronto.
Ninguém não saiu em campo, pesquisando em outros lugares.
c) Um sentido de pesquisa impreciso, mas identificado com a reflexão sobre a
prática e com a busca de uma intervenção na realidade, para além da sala de
aula.
Regina Me considero uma pessoa que pesquisa a minha prática, porque eu sempre
buscando, vendo meu aluno, preocupada com ele, eu me preocupo com a família dele,
procuro saber... [...] Rara a semana eu não quero ver... é difícil eu não mandar chamar pra
mim conversar... saber o que está acontecendo com aquela família, por que aquele aluno
com aquele comportamento?... Eu fico o tempo todo assim. As minhas filhas: “ave Maria,
mamãe, a senhora, também, é demais! Mas não é demais! É porque a gente
trabalhando... trabalhando gente! Gente pra futuro. E a gente tem que estar preocupado
com essa gente, com esse futuro.
d) A pesquisa como estratégia de formação ligada à aprendizagem cultural e à
aquisição de conhecimentos fundamentais ao repertório docente e não
necessariamente vinculada à exploração de situações-problema da escola e da
sala de aula.
167
Erzilene Pesquisa, mesmo, a gente fazia... [...] O professor chegava e, digamos, nós
vimos a cultura piauiense, nós fomos pesquisar sobre tudo isso, [...] pra depois a gente
chegar e apresentar no seminário. Pra mim, isso foi a pesquisa que a gente se
aprofundou mais, que, por exemplo, do bumba-meu-boi, eu não sabia muito, ou não sabia
nada, o professor fez a gente fazer aquela pesquisa sobre o bumba meu boi e tudo, e foi
bastante interessante, gostei muito. Descobrimos muita coisa sobre o bumba-meu-boi. A
pesquisa... essa foi um tanto... foi maravilhosa. Mas ele joga pro professor pesquisar, pra
nós, o alunado pesquisar, que é isso que chama mais atenção, que a gente vai à pesquisa.
Não sei se é porque eles já são... que é pra ser desse jeito, lá, que eles jogam e a gente vai
atrás, à procura pra pesquisa, e chama mais pra gente fazer leitura, aquele negócio.
e) A pesquisa no curso como uma atividade que não explorou as práticas reais da
escola a contento
Ana Lúcia [...] Como qualquer outra disciplina, era falado... [...] Por exemplo, a gente tinha
que ir colher dados sobre alguma coisa, num bairro, por exemplo, a gente ia, fazia
perguntas ali, e tudo, e chegava, a gente montava o trabalho, entregava, apenas, mesmo,
pra efeito de notas, mas [...] essa questão da pesquisa era indicada como um trabalho,
agente fazia, recebia, dava uma nota e pronto. E reforço cada vez mais, se era pra trabalhar
a experiência de quem [...] esem sala de aula, deveria ter sido assim: “Vamos apenas
comentar sobre os autores, o que que eles pensam. Nós vamos trabalhar em cima da
experiência, mesmo.” Devia ter sido todo em cima da experiência, e não foi, deixou muito a
desejar. A questão, assim, de coleta de dados, pesquisa de alguns assuntos, houve isso
dentro da própria disciplina, mas apenas como trabalho avaliativo.
f) A concepção construída de professor pesquisador como aquele que planeja suas
aulas, troca experiências com colegas, busca a diversificação de materiais
didáticos, compara resultados etc.
Erzilene [...] Todo dia eu me vejo como uma professora pesquisadora porque cada aula
que eu dou eu faço aquela análise de mim, revendo se foi bom, se não foi, o que foi que eu
errei, o que foi que faltou. Todo dia, todo dia. Antigamente eu não fazia isso não, não vou
mentir! Eu não fazia isso! Mas agora é todo dia, todo dia. Eu fico naquela preocupação:
“meu Deus, o que foi?”. procuro outros livros pra mim ver o que é que tá faltando, até na
internet eu vou atrás, que antigamente eu o fazia isso... não tinha... eu era acomodada
demais... eu vou atrás... e acredito profundamente que todo professor, agora, tenho
certeza que é um pesquisador, por que não adiante você ir pra uma sala de aula se você
não tem feito uma pesquisa, [...] estudado pra ver o que é o efeito que vai dar dentro
daquela sala de aula. Agora eu me acho uma professora pesquisadora. Agora acho. Vou
atrás de outras... de depoimentos com outras colegas. Não tem uma colega que eu
encontre que eu pergunto: “Como é que tu fazendo na tua sala? E quantos alunos tu
tem alfabetizado?” E já fico preocupada, meu Deus! Eu falto morrer! eu venho, meu
Deus! Eu tenho que ler praquele outro momento, já vou procurando outras novidades,
chegando com outras novidades pra eles, pra ver se eu levanto aqueles meninos, que ave
Maria! Meu Deus, aquelas crianças parece que são mal amado, não tem amor, não amado
de comida, não amado de vestir, o amado de tudo... eu quero levantar o auto-estima
deles pra ver... aí eu... eu acho que sou uma professora pesquisadora, agora sim.
Ou seja, embora o curso apresente a pesquisa como um princípio de
formação do professor, seu projeto não explicita sob que enfoque teórico esta
168
pesquisa é concebida. Para os professores, essa compreensão de pesquisa é mais
problemática ainda. E neste estudo? Que referencial de pesquisa é assumido, de tal
modo a ser coerente com uma concepção teórica crítica?
Em primeiro lugar, esta investigação toma a consideração da pesquisa na
formação de professores a partir do movimento de ênfase relativamente recente do
professor-pesquisador. Nesta concepção, a pesquisa do professor não significa a
pesquisa acadêmica na forma como é pensada a partir das Universidades. Mas,
mesmo na perspectiva do movimento do professor-pesquisador essa pesquisa pode
ser vista a partir de modelos de formação diferentes, tais como os modelos técnicos,
os modelos práticos e os modelos críticos (PEREIRA, 2002).
Neste estudo, parto de uma concepção de pesquisa embasa num modelo de
formação docente centrada no desenvolvimento de uma racionalidade crítica. De
acordo com Pereira (2002, p. 28):
No modelo da racionalidade crítica, educação é historicamente localizada
ela acontece contra um pano de fundo sócio-histórico e projeta uma visão
do tipo de futuro que nós esperamos construir -, uma atividade social com
conseqüências sociais, não apenas uma questão de desenvolvimento
individual -, intrinsecamente política afetando as escolhas de vida
daqueles envolvidos no processo – e, finalmente, problemática.
Ou seja, trata-se de uma concepção de formação docente que reflete o
interesse emancipatório da Teoria Crítica. E, para Pereira (2002, p. 28), “‘pesquisa’ é
a palavra-chave quando ensino e currículo são tratados de um modo crítico e
estratégico”. Carr e Kemmis (apud PEREIRA, 2002, p. 28) esclarecem que esse
modelo de formação de professores baseado na racionalidade crítica:
Carrega uma visão de pesquisa educacional como análise crítica que
direciona a transformação da prática educacional, os entendimentos sobre
educação, e os valores educacionais daqueles envolvidos no processo, e as
estruturas sociais e institucionais, as quais fornecem o esqueleto para a sua
ação. Nesse sentido, uma ciência da educação crítica não é uma pesquisa
sobre ou a respeito de educação, ela é uma pesquisa na e para a
educação.
Segundo essa acepção, a pesquisa dos educadores é concebida não
apenas como forma de aprimoramento de sua prática profissional, mas como forma
de apropriação intelectual de sua própria experiência a partir da qual desenvolvem
uma teoria crítica que lhes permita compreender e intervir em sua realidade de
169
forma transformadora. É nesse sentido que se pronunciam Carr e Kemmis (apud
PEREIRA, 2002, p. 38), quando dizem que:
O desenvolvimento de [...] uma teoria crítica da educação deve estar
intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento profissional dos
professores. A maior autonomia e responsabilidade profissional requer que
professores construam por eles mesmos uma teoria educacional por meio
da reflexão crítica sobre seu próprio conhecimento prático.
A pesquisa, no modelo da racionalidade crítica é, portanto, um caminho de
configuração dos professores enquanto intelectuais transformadores, enquanto
profissionais que não apenas executam tarefas, mas que se organizam
coletivamente para pensar os dilemas de seu cotidiano, as condições em que
desenvolve sua prática e as relações de poder e dominação nela inerentes. É,
portanto, essa a visão de pesquisa que fundamenta este estudo e que o curso de
Pedagogia convênio não tem explícita em seu projeto, tampouco a têm os
professores.
5.2.2 A formação para a reflexão
Na aplicação do questionário, os professores tiveram que responder a duas
perguntas que diziam respeito à influência do curso de Pedagogia na reflexão do
professor sobre a prática, e aos aspectos da prática em torno dos quais predomina a
reflexão.
Em uma das questões, busquei perceber, simplesmente, se o curso de
Pedagogia implicou ou não uma modificação ou intensificação na reflexão dos
professores sobre suas práticas. No resultado, expresso no QUADRO 13, todos os
professores reconheceram que, a partir do curso de Pedagogia, refletem mais sobre
sua prática.
As três professoras que preferiram se expressar de forma livre, disseram
que:
- A reflexão é permanente, mas o curso ampliou horizontes
- O curso colaborou muito, mas já tinha ref...[sic].
- Antes do curso de Pedagogia eu vinha mudando esta forma [de refletir], mas com certeza
o curso só veio me enriquecer ainda mais.
170
QUADRO 13
Sobre a reflexão que o professor realiza sobre sua prática docente
Graças ao curso de Pedagogia,
REFLETE MAIS SOBRE SUA
PRÁTICA que antes de ingressar na
Universidade
NÃO MODIFICOU SUA FORMA DE
REFLETIR sobre a prática depois
que ingressou no curso de
Pedagogia
Outra resposta
42 0 3
93,3% 0,0% 6,7%
Fonte: Pesquisa direta.
Na última questão, de resultados expressos no QUADRO 14, o interesse foi
centrado em perceber, segundo a concepção dos professores, os aspectos em torno
dos quais predominam sua reflexão, se aqueles mais ligados às técnicas e
estratégias metodológicas para atingir os objetivos definidos no planejamento
didático, aqui representando, portanto, uma reflexão mais estrita em torno da
dimensão cnico-instrumental da prática, ou aqueles referentes aos sentidos
políticos e sociais da ação educativa para o desenvolvimento de uma prática que
seja coerente com esses sentidos, aqui representando uma reflexão mais ampliada
em torno da dimensão teleológica do processo educativo. Além dessas duas
respostas possíveis foi dado aos professores também uma alternativa em que essas
duas dimensões fossem igualmente contempladas, e uma outra para os que
preferissem resposta não convencionada.
QUADRO 14
Elementos em torno dos quais predominam a reflexão que o professor desenvolve sobre a
sua prática
TÉCNICAS E
ESTRATÉGIAS
METODOLÓGICAS para
atingir os objetivos
definidos no planejamento
didático
OS SENTIDOS POLÍTICOS
E SOCIAIS DA AÇÃO
EDUCATIVA para o
desenvolvimento de uma
prática que seja coerente
com estes sentidos
O que está
contemplado nos dois
itens anteriores sem
predominância de um
sobre o outro;
Outros
aspectos da
prática
13 10 22 0
28,9% 22,2% 48,9% 0,0%
Fonte: Pesquisa direta.
As respostas ficaram divididas de tal forma que, para 48,9% dos
professores, em sua reflexão não predomínio de uma dimensão sobre a outra.
Entre os demais professores não muita discrepância nos resultados, embora
171
predomine, com 28,9% das respostas, uma reflexão mais relacionada com as
técnicas e estratégias metodológicas do fazer educativo, contra 22,2% que indicam
uma reflexão mais relacionada aos sentidos políticos e sociais da ação educativa.
Inegavelmente, portanto, o curso tem repercussão no pensamento do
professor, no sentido de sua mobilização. É visível, no entanto, que as
preocupações do professor em torno de uma dimensão mais instrumental de seu
fazer são predominantes.
Essa posição consensual em torno da efetividade da reflexão denota que o
curso de Pedagogia não foi apenas um processo formativo de complementação aos
saberes adquiridos, mas representou uma experiência efetiva a partir da qual os
professores, de algum modo, passaram a olhar mais reflexivamente para si mesmos,
para as práticas que desenvolvem e para os alunos que estão sob sua formação.
Julival [...] E quanto à reflexão, [...] o curso de Pedagogia teve impacto nesse sentido?
Influenciou na reflexão que você faz sobre sua prática?
Regina E muito. Muito [...] porque eu achei que eu assumi uma responsabilidade maior
por ter conhecimento. Quando a gente tem conhecimento do ato a gente se torna mais
responsável, e eu acho que a minha reflexão se em torno de eu saber que eu tenho que
fazer melhor, que eu posso, que eu sou capaz, que eu devo, é obrigação fazer melhor com
aqueles alunos. Então, eu acho que na minha reflexão eu sou, assim, muito rigorosa comigo
mesma. Tem hora que eu acho que não estou sendo capaz de maneira nenhuma, mas
eu digo: “Mas não é possível, tanto que eu me esforço!”. Mas a minha reflexão é esta, eu
me preocupo muito, faço muitas reflexões: “Será que eu estou sendo justa com meu aluno?
Será que eu estou cobrando demais do meu aluno?”Até porque eu trabalho à noite, com
jovens e adultos — Tem hora que eu fico pensando: “Será que eu estou sendo muito severa
ou estou sendo muito maleável?” Então, eu faço essas reflexões, principalmente depois do
curso. Deixou mais, assim... [...] preocupada com meu fazer pedagógico.
Julival – Você se considera uma pessoa, uma professora que reflete sobre a sua prática?
Conceição É. ...Reflito, às vezes, muitos dias, [...] muitas horas, porque cada dia [...] a
gente precisa de mais conhecimento e mais coisa, né? a gente tem que refletir sobre
isso, né?
Julival – O curso lhe ajudou nesse processo de reflexão?
Conceição – Ajuda. Ele ajuda você a refletir, aprofundar mais, ler muito, estudar muito.
As falas dos professores fazem consideração a uma determinada visão de
reflexão, muito relacionada a pensamento. A acepção que aqui tento considerar, no
entanto, é a da reflexão crítica, que em muito transcende essa visão simplista de
mera manifestação de pensamentos. No intuito de explicitar essa idéia, recorro à
contribuição de Ibiapina e Ferreira (2003, p. 74) que, expressando o pensamento de
Stephen Kemmis dizem que:
172
Refletir criticamente é perceber-se em ação, perceber-se na história, saber-
se participante das atividades sociais, e ser capaz de tomar partido nas
situações vivenciadas no cotidiano da escola. [...] A reflexão crítica é uma
atividade social, como tal deve ser planejada e organizada
sistematicamente com objetivo de levar os professores a pensarem
criticamente e a colaborarem mutuamente para o desenvolvimento
profissional e a melhoria das condições do seu próprio trabalho.
As autoras destacam ainda que:
A reflexão crítica orienta a ação dos professores, fazendo-os pensarem
intencionalmente, auxiliando-os na reformulação de pensamentos e planos
e fazendo-os perceberem as conseqüências de suas ações. Por essa razão,
auxilia tanto a mudar a compreensão das idéias construídas sobre o que é
bom para a humanidade, quanto a compreender o sentido de sua própria
ação no processo sócio-histórico de construção dessas idéias. Tem o papel,
portanto, de explorar justamente as relações contraditórias da sociedade,
ajudando os indivíduos a superá-las. (IBIAPINA; FERREIRA, 2003, p. 74).
Segundo essa acepção, a reflexão, longe de traduzir-se enquanto
mobilização do pensamento, revela-se como um ato de comprometimento dos
indivíduos no sentido de mobilizar a própria experiência, individual e coletivamente,
rumo a uma atitude transformadora em seu meio.
5.2.3 A formação para a crítica
Em uma passagem anterior eu me referia ao conceito de crítica como um
daqueles que se transformaram em slogans, como o diz Contreras (2002). Todos
falam de crítica, de ser crítico, de educação e ou visão crítica etc. Reitero aqui um
conceito de crítica que implica uma visão sobre a realidade visando a sua
transformação ou que a percebe a partir de suas possibilidades de vir a tornar-se
algo qualitativamente melhor. Entretanto, o conceito de crítica predominante entre os
professores ainda é bastante difuso e impreciso e relacionado, principalmente, às
concepções correntes do senso comum, que o reconhecem, por exemplo, como
característica pessoal de determinados indivíduos.
Julival Hoje, fala-se muito em professor pesquisador reflexivo, professor crítico... Você
acha que o curso de Pedagogia formou adequadamente para esse tipo de professor?
Assim, deu pra vocês uma formação em que diga, “bem, eu me sinto, ou eu fui formada
para ser uma professora pesquisadora ou, fui formada pra ser uma professora reflexiva, pra
ser uma professora crítica”. Você sente que o curso lhe formou pra isso?
Conceição – É... Ele esclarece muitas coisas que a gente pode ser, assim, né? Mas
depende também da pessoa, né?
173
Julival – Você se considera?
Conceição – (risos) Eu não sou não.
Julival – Não é esse tipo?
Conceição – Não, não sou, não.
Julival – Quando você diz “não é”, não é uma professora pesquisadora, reflexiva...?
Conceição Eu gosto de pesquisa, assim, dentro da minha área eu gosto de pesquisar
aquilo que eu não entendo eu quero procurar me aprofundar mais, né? Na minha área, mas,
aí... eu não sou, assim, crítica, não.
Julival – Mas quando você fala crítica, o que você quer dizer?
Conceição – É a pessoa que gosta de falar, de ir pro palco, de dizer... Eu não sou esse tipo,
assim.
Julival – Não gosta de questionar...
Conceição Questionar. Não sou. Isso mesmo, não sou, e eu acho bonito a pessoa que é
assim.
Julival – O que seria preciso...?
Conceição – Coragem!
Julival – Coragem?
Conceição Muita coragem, que eu não sou essa pessoa, eu sou tímida. É bonito, a
pessoa ser crítico. Dá uma visão bem longe.
A crítica também é percebida, muitas vezes, como um comportamento
esvaziado de reflexão e que se manifesta freqüentemente como atitude de oposição
frente a determinadas situações estabelecidas. Enquanto atitude deliberada e
descomprometida de oposição e negação, pura e simples, a pensamentos comuns,
a crítica é destituída de seu potencial transformador, pois isenta seus sujeitos das
responsabilidades do que foi construído coletivamente e toma pra si uma posição de
pseudo-neutralidade, de quem fala de fora da ação sem estar comprometido com
ela.
Marlete [...] Eu comprei agora um livro, aquele livro ata, que é pra quê? [...] nós temos
a mania de fazer projetos... Projeto é feito, é feita a culminância, é feito tudo, e no final a
gente não faz essa avaliação. [...] O que foi de proveito? O que foi que a criança viu? O que
foi que aprendeu? Tem algum ganho? tá entendendo como é? Nessa parte aí. Ninguém
faz. E nós temos até professor da Universidade. Porque que não é feito isso? Porque você
tá vendo que no dia-a-dia o negócio muda. Agora pra criticar o ruim... [...] Então, é esse tipo
de balanço... é esse tipo de crítica que ninguém quer fazer [...]. Crítica... tudo o que é ruim,
pra apontar o que é ruim, mas essa... eu fiz... comprei essa... no mês passado e deixei...
[...] e tá o livro, que é pra parar e pra pensar... E sim. Isso aí, sim, que valia a pena, o
era verdade? Você vem e colocar no papel, a sala tal, tantos alunos teve proveito, tantos
não teve. Por quê? Será por que que não teve proveito? Vale a pena você fazer. Isso aí, sim
[...].
Entre os professores também surge a percepção de que, para desenvolver a
crítica, é preciso criar condições mínimas necessárias de provocação do
174
pensamento através, principalmente, de mais incentivo e condições para o estudo e
a leitura.
Julival – [...] Professora Ana, hoje se fala muito, nos cursos de formação de professores, [...]
citemos o curso de Pedagogia, mesmo ...na formação de um professor que seja
reflexivo, [...] pesquisador, [...] crítico. Você vê, hoje, para os professores reais da escola
pública, como você, que atua nessa realidade, a condição necessária para que os
professores sejam pesquisadores, reflexivos, críticos, como a Universidade propõe? Como
a literatura propõe?
Ana Lúcia Inicialmente eu vou dizer que eu fiz um curso de graduação só com xérox de
apostila simplificada. A condição, já, pra comprar um livro, eu confesso, que eu tentei muito,
porque, até para o curso Normal, antigamente quando eu fiz, eu pude comprar todos os
livros trabalhando como balconista. Eu tenho todos os livros do meu... do curso... digo
Normal, como era chamado antigamente. Eu tenho todos os livros completos, que eu
trabalhava e comprava. Hoje, trabalhando como professora, eu concluí todo o meu curso de
graduação sem um livro porque eu não pude comprar. Primeiramente eu levo a isso. Tem...
com xérox, que a qualidade não era essas coisas não sei nem se pode falar de
qualidade —...tinha que ser reduzido, pra você poder ter um número... e... Então eu acho
que começa o problema aí. Essa exigência... o professor que passa a investir nessa
profissão. Primeiramente ele teria que ter um salário que, além dessa condição de
sobrevivência, ele desse pra poder comprar, pelo menos, a metade dos livros. Não tem. A
prefeitura, [...] como é apregoado, deveria fazer, pelo menos, um empréstimo desses livros,
ou poderia fazer tipo um vale-chequim, alguma coisa pra que a gente pudesse... Ou
mandasse os livros, pelo menos na escola pra gente pedir como empréstimo. Se você quer
formar um professor pra trabalhar com a qualidade no ensino, como a sociedade exige, é
preciso não só que se fale, não que se bote ele numa sala dizendo que vai ser reciclado,
mas precisa dar a condição, realmente, né? Real, pra que isso aconteça. Pra quando a
gente for fazer exigências, dizer: “Eu coloquei eles nesse curso, forneci o material...”. Teve o
material? Teve. Mas são xérox. As do início do curso, mesmo em pastas, que eu guardo
todas, pra que eu possa reler, já estão todas destruindo, já, nas pastas. Então, é... nós o
temos essa condição. A gente fica o que? Tirando da internet material atualizado pra ver
se... Se você quer ter um livro que acompanhe, você tem que fazer uma assinatura, pra
você ficar recebendo e pagando por mês, direto do MEC. A gente recebeu um pró-
letramento, são dois livros que vêm falando, assim, mas a explicação, entre aspas, uma
cobrança de como você alfabetizar fora do tradicional. Tentar alfabetizar a criança dentro de
uma situação real. Eu li todo, né? É falando... você tem que alfabetizar essa criança,
sabe... frente ao letramento, não você ir mostrar o alfabeto pra criança e querer que ele
aprenda por aquele alfabeto. Que a gente [...] trabalhe com essa criança, essas letras do
alfabeto, mas dentro de um contexto. Esse material o MEC mandou. Mas esse material pra
sala de aula, mais pra gente trabalhar [...] não foi, também, simples. A gente tem um dia de
horário pedagógico, na semana, pra que a gente... eu entendo que é pra gente usar em
cima dessa prática, mas aí, vai depender também da gestão, das gestões, né? De cada
escola. Cada uma tem uma exigência a fazer. Nesse você fica pra substituir um outro
professor que falte”. Então, não é mais horário pedagógico. E você não vai ter outro dia
pra tirar esse seu dia pra fazer uma leitura, pra você fazer uma pesquisa, pra você tentar
implementar umas atividades que possa atender diversificadamente uma criança que
mais desigual, na condição da leitura. Então, é muito complicado. Cada escola usa esse
horário pedagógico, que é pro professor, a escola usa como for melhor pra ela.
5.3 O impacto do curso na construção dos saberes dos professores
As expectativas acentuadas em torno de uma necessária contribuição do
curso para uma melhoria da formação no âmbito da teoria e da prática implicam ao
175
processo formativo um nível de eficácia ainda mais específico em se tratando de
professores experientes do que em se tratando de um público de professores
iniciantes. Entretanto, até que ponto as expectativas iniciais desses professores
foram atendidas? Até que ponto o curso de Pedagogia convênio produziu, de fato,
um impacto na construção dos saberes dos professores? As respostas estão
expressas no QUADRO 15 e apontam um nível elevado de plena satisfação com o
curso, chegando a 75,5% dos professores. Para uma minoria considerável (24,5%),
no entanto, o curso somente atendeu em parte às expectativas iniciais.
QUADRO 15
Sobre o atendimento às expectativas do começo do curso
NÃO ATENDEU ATENDEU EM PARTE
ATENDEU DE FORMA
PLENA
ATENDEU E
SUPEROU
0 11 23 11
0,0% 24,5% 51,1% 24,4%
Fonte: Pesquisa direta.
Tendo em vista as expectativas sobre o curso, alimentadas inicialmente
pelos professores, ao final do processo de graduação estes também adquirem uma
percepção sobre o seu vel de contribuição efetiva para a prática. Na pesquisa,
essa percepção se revela em conformidade com o QUADRO 15, indicando que,
para a grande maioria (91,1%) o curso contribuiu muito, sendo que para uma
pequena minoria (6,7%) o curso contribuiu razoavelmente. Contudo, a despeito
desta pequena minoria para quem o curso poderia ter sido melhor, é um fato a
inexistência de qualquer referência a uma não contribuição ou pouca contribuição do
curso para a melhoria da prática.
QUADRO 16
Sobre a percepção dos professores quanto ao nível de contribuição do curso para a
melhoria de sua prática docente
NÃO CONTRIBUIU Contribuiu POUCO
Contribuiu
RAZOAVELMENTE
Contribuiu MUITO Sem Resposta
0 0 3 41 1
0,0% 0,0% 6,7% 91,1% 2,2%
Fonte: Pesquisa direta.
176
Para além dos indicativos do QUADRO 16, os professores também foram
solicitados a responder no questionário à pergunta: “Se a formação em nível
superior contribuiu para a melhoria de sua prática docente, de que forma você
percebeu essa contribuição?”. As respostas foram dadas em conformidade com a
categorização apresentada no QUADRO 17.
QUADRO 17
Formas de percepção da contribuição do curso de pedagogia para a prática docente
Ampliação de
Conhecimentos
Construção do
conhecimento
Desenvolvimento
da competência
docente
Percepção
ampliada da
docência
Mudança
da postura
docente
Orientações
Didáticas
Sem
Resposta
10 2 14 6 3 5 5
22,2% 4,4% 31,1% 13,3% 6,7% 11,1% 11,1%
Fonte: Pesquisa direta.
De uma forma predominante, o desenvolvimento da competência docente
aparece subentendido nas respostas dos professores como uma das principais
percepções da contribuição do curso para a prática docente:
- Porque à proporção que eu me apoderava da teoria ia melhorando a minha prática
- Com a associação teoria x prática que além de contribuir teoricamente, me oportunizou a
fazer relação com práticas anteriores e melhorá-las
- No dia-a-dia de minha prática, percebo-me atuando com mais competência no processo
ensino-aprendizagem
- Na minha prática docente, na sala de aula com meus alunos.
- Através dos trabalhos desenvolvido [sic] no dia-a-dia na sala de aula.
- Contribuindo, na minha participação, sempre adquirindo conhecimentos na minha prática
pedagógica, e procurando da melhor maneira de ouvi-lo [sic] os professores, para que essa
prática como professora, tenho que executar no meu dia-a-dia, e levar para minhas colegas
de trabalho; foi muito bom.
- Melhorei bastante a minha prática em sala de aula.
- No dia-a-dia da sala de aula, diante dos problemas que surgiram.
- Quando estou planejando minhas aulas, ministrando.
- Com relação ao meu trabalho em sala de aula, contribuiu razoavelmente, para a melhoria
do meu trabalho em sala de aula. (digo as minhas estratégias).
- Na melhoria do nosso direcionamento em conduzir as atividades escolares.
- Na maneira prática de sala de aula, como compreendo certas situações e como lidar com
elas, mas também na elaboração dos trabalhos a serem desenvolvidos.
- Através das minhas atividades que pratiquei na sala de aula com meus alunos.
- Contribui muito, na questão da segurança, de que agora eu sei e posso trabalhar bem
melhor.
177
Em segundo lugar, foi apontada por 22,2% dos professores a noção de
ampliação de conhecimentos:
- Enriqueceu o meu trabalho em sala de aula. Tive mais conhecimentos.
- Melhorou bastante meus conhecimento em tudo por tudo.
- A formação superior contribuiu para melhorar a minha prática quando tive a oportunidade
de realizar estudos sobre alguns teóricos da educação e também estudos sobre as
metodologias de ensino, prática educativa e outros.
- Através dos saberes teóricos e científicos explorados durante a formação acadêmica no
curso de Pedagogia.
- Obtendo novos conhecimentos tanto teórico [sic] como prática [sic] dos professore [sic] os
quais puderam abordar seus conhecimentos científicos com segurança dando suporte a nós
desenvolver o trabalho educativo de auto [sic] nível.
- Participando dos trabalhos em grupos seminário, bastante leituras, aulas pratica, a troca
de idéia, discussões, debate, e etc. e na sala de aula em enriquecimento na prática em sala
de aula. [Resposta escrita e anulada pela professora]. Adquirindo novos conhecimento [sic].
[Resposta Validada pela professora]
- Através de estudos em apostilas, pesquisas aprofundando em estudos para os seminários
e etc...
- Contribuiu muito a parte teórica.
- Adquirindo novos conhecimentos através da teoria e pratica.
- É a junção equilibrada entre teoria e prática. Na Universidade é fundamental que o aluno
aprenda fazendo, baseando seus estudos em um sentido amplo.
As noções de desenvolvimento de competência e de ampliação de
conhecimentos, nas respostas dos professores, se relacionam e fazem referência
direta a uma articulação entre teoria e prática, oportunizada pelo curso e posta a
serviço da melhoria do fazer em sala de aula. O predomínio de uma percepção da
contribuição do curso, girando em torno do domínio técnico-instrumental da prática,
fica ainda mais evidente com os 11,1% de professores que apontam em suas
respostas uma contribuição mais em termos de orientações didáticas básicas:
- No planejamento da aula a forma de ensinar as crianças, como trabalhar as atividades
coletivas e em grupos.
- Através dos objetivos de ensino como: modalidade, comunicação, grupo, orientação,
planejamento, conteúdos, habilidades em fim muitas outras proposta que nos orientaram
para o trabalho.
- No planejamento das aulas, a forma de ensinar as crianças, as atividades feitas em sala
de aula, etc.
- Na prática pedagógica, na didática mais segura na elaboração dos planos de aula.
- Na forma de como planejar melhor, organizar e desenvolver a aula, obtendo resultado
positivo diante da turma.
178
Não obstante, há um pequeno grupo de 13,3% dos professores para quem a
contribuição do curso se manifesta através da capacidade de perceber de forma
mais ampliada e aprofundada a própria docência:
- Sim, favorecendo a clareza e segurança na minha prática.
- Apesar de participar de vários cursos de capacitação oferecido pelo PMT foi com o nível
superior que descobri a valorizar e compreender melhor o que é ser um professor.
- Na maneira de olhar o meu aluno como indivíduo, como pessoa e como ser social e
também que a aprendizagem acontece de maneiras diferentes.
- Foi muito importante, pois, melhorou meus conhecimentos, me deu muita clareza, tive
mais facilidade em trabalhos com meus alunos.
- Porque clareou minhas idéias e meus conhecimentos.
- Na forma de como planejar e desenvolver as atividades docentes. Posso, também afirmar
que muito contribuiu no relacionamento com os colegas e com a elevação de minha auto-
estima.
Além desses, há ainda alguns professores para quem o curso conseguiu não
apenas fazer perceber com outros olhos a docência, mas fazer com que se
percebessem a si mesmos de forma diferenciada, implicando mudanças em suas
condutas pedagógicas, nas relações profissionais com outros colegas e na reflexão
e sentimento de autoconfiança sobre a prática:
- Em minhas atitudes comportamentais e em minha prática pedagógica.
- Minha mudança de postura em sala de aula, com meus colegas e no eu como pessoa
humana.
- Na capacidade de reflexão das ações a serem desenvolvidas em sala de aula e na
segurança e confiança da prática.
No que diz respeito à atitude de construção do conhecimento, apenas duas
professoras ensaiaram respostas que fazem alguma referência direta à pesquisa
como contribuição para a prática docente:
- Nas informações e nas pesquisas que fiz partindo dessas informações trazidas [sic] por
eles, como tantas outras.
- Através de bons planejamentos, pesquisas e também pela forma de como esses
conhecimentos científicos foram repassados, contribuindo para o meu desenvolvimento.
Pelas declarações dos próprios professores, não resta dúvidas, portanto,
que o curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT teve um impacto positivo no sentido
de construção e mobilização de seus saberes em torno da prática. A questão agora
a passa a ser tentar perceber até que ponto esse impacto se deu em torno das
179
principais necessidades sentidas pelos professores como urgentes, reconhecer
como realidade e formação acadêmica se entrecruzaram ao considerarem as
práticas educativas da escola pública, e como os saberes dos professores, em
interação com o curso, favoreceram o desenvolvimento de perspectivas críticas de
formação.
Marlete [...] Eu era muito de tradicional e acreditava no que eu fazia. Entrei em choque
com esse negócio do construtivismo, eu achava que deixava o menino só. que não tinha
nada a ver com isso aí, né? É totalmente diferente, né? Deixar o menino solto... Não. Eu...
Meu Deus do céu!... Pra mim, [...] não dava nem pra pensar... Tudo meu, era eu que era a
dona de tudo [...] Não... E agora eu mudei bastante, e queria ter mudado mais ainda,
certeza absoluta.
5.3.1 Os sentidos da teoria e da prática e seu papel no processo de formação dos
professores
De um modo geral, os professores partem de uma compreensão segundo a
qual os processos de formação docente e a realidade da sala de aula assumem
perspectivas diferentes quanto ao trabalho do professor. A histórica dicotomia entre
teoria e prática presente nos discursos sobre a formação docente também está na
cabeça do professor, de tal modo que, em sua visão, a idéia de prática é algo que
reflete a sua atividade, onde tudo é traduzido como alguma forma de intervenção
nas realidades em que estão inseridos. A idéia de teoria, no entanto, é vista com
certa desconfiança, uma vez que, no diálogo com os professores tem se
manifestado através de linguagem e referenciais que ainda não lhes o dominados
e que não revelam as diferentes nuances do fazer na escola. Isso faz com que a
idéia de teoria seja tomada equivocadamente, passando a ser considerado teoria
tudo aquilo o que não é prática e fazendo com que sua utilidade seja parcialmente
questionada.
Contudo, os processos de reflexão desencadeados pelas disciplinas e suas
discussões teóricas no curso fazem o professor reconhecer que, a despeito da
ausência de certas orientações práticas que consideram fundamentais, de alguma
forma a sua maneira de ver a realidade muda e, por isso, a teoria se faz relevante,
embora também possa ser incômoda, porque através dela não se as coisas
acontecerem.
Marlete – [...] Quando eu entrei... Claro que a gente espera tudo, né? E... realmente, não foi
além do que eu esperava, não... E sim! Porque [...] eu sei que eles querem... como a
180
gente mesmo dizia lá, com brincadeira com as meninas ...eles querem ressuscitar tanto
defunto, né? Como é o nome?... Vigotsky, né? Qual é outro? Piaget, não sei o
quê... “Meu irmão, deixa esses defuntos de mão, vamos cuidar da nossa vida, agora,
mesmo!”. Mas a gente dizia com brincadeira, lógico, que a gente cresceu muito nesse
sentido. E eu também, claro, que eu não fiquei, também, atrás. Tive coisa que eu não sabia
e fiquei... tive um pouco de conhecimento... Não me aprofundei, também, porque eu sou
malandra, nesse sentido, eu sou... como tu sabe, né? Que eu te disse que eu pego
uma coisa, leio pela metade e eu acho que sei e já vou deixando de mão, e a gente
não pode... ou vai até o final, ou então...
É possível perceber que a compreensão dos professores quanto ao que
realmente representa a articulação entre teoria e prática e não é muito bem definida.
O próprio entendimento em torno da constituição desses conceitos também não é
explícito. Ao discutir a noção fundamental de práxis, em que teoria e prática se
implicam mutuamente, Vázquez (1990) fornece um importante aporte teórico a partir
do qual é possível compreender a intricada conexão entre esses dois conceitos em
que a prática pode ser, ao mesmo tempo, fundamento e finalidade da teoria:
Consideradas as relações entre teoria e prática no primeiro plano dizemos
que a primeira depende da segunda, na medida em que a prática é
fundamento da teoria, que determina o horizonte de desenvolvimento e
progresso do conhecimento. (VÁZQUEZ, 1990, p. 215)
Nesse sentido, a prática é o terreno dos acontecimentos objetivos. A teoria é
aquela que busca apreender a prática, enquanto realidade presente, no intuito de a
ela voltar permitindo sua reelaboração. A prática, neste caso, é fundamento da
teoria, é a matéria-prima a partir da qual a teoria pode ser concebida. Mas, para
além disso, o homem também se move por realidades práticas desejadas, existentes
apenas idealmente em seu pensamento, e para que possa efetivá-las, recorre,
primeiramente à sua concepção em nível teórico. Nas palavras de Vázquez (1990, p.
232-233):
[...] o homem pode sentir a necessidade de novas atividades práticas
transformadoras para as quais carece do necessário instrumental teórico. A
teoria é determinada, nesse caso, por uma prática da qual ainda o pode
nutrir-se efetivamente. Pois bem, que significa essa determinação através
de algo que ainda não existe ou que existe de modo ideal? É a
determinação através daquilo que, anteriormente, chamamos de finalidade,
antecipação ideal daquilo que, não existindo ainda, queremos que exista. A
prática é aqui a finalidade que determina a teoria. E, como toda finalidade,
essa prática será efetiva com o concurso da teoria. A prática como
objetivo da teoria exige um correlacionamento consciente com ela, ou uma
consciência da necessidade da prática que deve ser satisfeita com a ajuda
da teoria. Por outro lado, a transformação desta em instrumento teórico da
praxis exige uma alta consciência dos laços que unem mutuamente a teoria
181
e a prática, sem o que não se poderia entender o significado prático da
primeira.
Daí que, como compreensão sintética dessa implicação mútua, conforme
propõe Vázquez (1990, p. 234), é preciso reconhecer que:
A dependência da teoria em relação à prática, e a existência desta como
últimos fundamentos e finalidade da teoria, evidenciam que a ptica
concebida como uma praxis humana total tem primazia sobre a teoria;
mas este seu primado, longe de implicar uma contraposição absoluta à
teoria, pressupõe uma íntima vinculação com ela.
Sob aspecto, pois, e partindo da consideração da experiência social dos
professores, é perfeitamente compreensível quando reivindicam que em suas
atividades o curso assuma como centro as práticas e a elas se volte buscando
aprofundá-las. Intuitivamente, os professores estão se reportando à manifestação
daquilo que mais lhes interesse e para o que todos se voltam, que é a prática. Da
mesma forma buscam, a partir desta, elementos que lhes permitam justificar e
compreender a pertinência da teoria.
5.3.2 A relação contraditória entre a perspectiva do curso e a perspectiva da
realidade
O que o curso de Pedagogia oferece e o que a realidade apresenta como
desafios cotidianos nas escolas, fazem com que os professores reafirmem a
convicção de que são a prática, a vivência e o fazer, e não a teoria, os principais
responsáveis pelo desenvolvimento das capacidades docentes e das aprendizagens
verdadeiramente aplicáveis no cotidiano.
Dionar [...] Às vezes, a gente pensa que é incapaz. É sério. Às vezes, a gente pensa
que... [...] não mais... que a gente não consegue [...] mais que a criança... que, às vezes,
você fica um ano todo, um período todo com uma criança e... em determinado ponto você
não conseguiu com que ele visse aquilo ali, [...] melhorasse num determinado conceito, e
você acha: “Pôxa! O que foi que eu fiz? O que que eu estou fazendo?” [...] Às vezes, você
chega a pensar que você [...] não sabe mais nem o que é que está fazendo. Aí [...] você vai
fazer um curso nessa esperança, de... que você vai aprender algo novo. E, na realidade,
o curso de Pedagogia, ele é mais é... ele é teórico, porque o que você vai realmente
aprender a fazer é fazendo, na escola... [...] com aquelas crianças, com a comunidade. É
onde você vai realmente saber o que que você é capaz de fazer, o que que você é capaz de
transmitir pra aquelas pessoas [...].
182
Em seus depoimentos, os professores indicam a necessidade de que a
abordagem dos especialistas — e aí podem ser incluídos os formadores no curso de
Pedagogia parta de uma linguagem do cotidiano e do reconhecimento das
peculiaridades dessa realidade, onde os professores não têm simplesmente que
compreender algo e agir em situações isoladas. Na prática, tudo acontece ao
mesmo tempo e por todo o tempo. Uma hora após outra, até que o turno acabe. Um
dia após outro, até que a semana acabe e outra recomece.
Julival Dionar, seria impressão minha ou você está colocando na sua fala que, em vez de
aprender simplesmente o como fazer, existe aí uma necessidade de entender o que fazer?
Dionar Também... Também. Porque quando eu falo [...] alguma coisa sobre fazer alguma
coisa, muitas vezes você tem que mostrar também o como fazer, né? Bom, como as
pedagogas, né? As pedagogas que eu digo são supervisoras que estão na escola, só
dizendo: “Faz isso e isso. Tem que ser isso. Vamos planejar, vamos fazer isso, vamos fazer
aquilo”. que a maioria dessas pessoas, elas não têm a prática da sala de aula. Então,
como eu vou dizer: “Vamos fazer isso, que isso é bom”, se eu não tenho aquela prática, né?
fica difícil. Teoricamente é fácil, chegar aqui e vou... lhe apresento um tema e vou dizer
como você deve desenvolver esse tema que, na realidade, se eu for fazer, eu não vou
conseguir, certo? É isso. Às vezes, as supervisoras, elas falam coisas... Quando elas
chegam na sala de aula, apenas pra ficar dez minutos, elas não conseguem... elas não
conseguem controlar uma turma de vinte alunos, vinte e um alunos por dez minutos, né?
Enquanto o professor permanece na sala de sete e dez, sete e vinte... onze e vinte, onze e
trinta, né?
Nesse sentido, a despeito de todas as contribuições que oportuniza à
prática, entre os professores a percepção de que a Universidade deveria se
comprometer mais com a exploração dos problemas reais da escola e da sala de
aula, para além das metodologias que propõe a partir de seu referencial de
investigação acadêmica, e que seus formadores conhecessem de perto a realidade
vivida pelos professores de profissão. Essa realidade, em sua complexidade, deveria
ter sido objeto privilegiado de pesquisa, aprofundamento e ponto de partida dos
formadores, na visão dos professores.
Julival – Você acha que o curso deveria explorar essa realidade que você tá colocando aí?
Edna – O curso de Pedagogia?
Julival – Sim.
Edna Com certeza. Deveria. Porque teoricamente a coisa é muito bonita, mas quando a
gente chega na prática a história é outra... na realidade.
Julival – Mas, Edna, pensa um pouco nos professores que estão na Universidade [...]
discutindo as teorias, também, pensando os problemas da educação. Claro, eles não estão
lá na escola, como você, eles estão ocupando espaços diferentes. Como esses professores
poderiam fazer essa articulação, essa contemplação dessa realidade, como você es
pensando. Como é que você imagina isso?
183
Edna Olha, é difícil pra eu te falar. que quem vive a realidade somos nós que estamos
ali. Só que eles deveriam também sentir essa realidade que a gente sente nas dificuldades.
Julival – As suas preocupações, os seus dilemas da prática, do cotidiano, tiveram espaço no
curso? Apareceram? Foram problematizados no curso?
Ana Lúcia por questões de debate na hora da aula, mas não foi profundo, não.
assim, como exemplo. [...] Debatido como exemplo durante uma aula, mas não foi a
questão de se colocar, por exemplo, Vamos trabalhar em cima disso. Vamos levar essa
questão pra desenvolver na sala de vocês. Vamos trazer resultados, negativos ou positivos,
pra gente ver”. Não. Não foi.
Julival – Então, o curso deveria ter se aplicado mais a isso?
Ana Lúcia Eu acho que sim, porque... Aliás, eu tenho certeza que sim. Deveria porque...
[...] se foi sempre falado que a gente tinha uma experiência muito grande e, por isso, não
íamos até o tempo normal de uma graduação, a gente ia fazer em menos tempo, eu acho
que a gente tava trabalhando em cima da nossa prática, deveria ter sido feito isso, a prática
ter ido pra sala de aula, de verdade. E não foi. Foi apenas pra discussão. Mas, assim, como
coleta de dados, uma pesquisa, mesmo, não foi. Eu achava que devia ter sido feito.
Em suas falas cuidadosas, típicas de quem não pode deixar de reconhecer o
investimento e o compromisso de muitos profissionais formadores, os professores
revelam que o espaço da formação em nível superior revelou-se uma situação
relativamente cômoda para eles, na medida em que tiveram suas práticas cotidianas
como os principais referenciais práticos do currículo do curso. Entretanto, apesar da
consideração das próprias práticas como algo positivo, também identificam uma
lacuna não desejada: a experiência e a prática que servem de ambiência para a
formação não foram suficientemente transcendidas. Embora os depoimentos
apontem que houve superação na forma de compreender e conduzir certas atitudes
e posicionamentos na prática, também fica evidente que, para os professores, a
prática deveria ter sido dissecada, de tal forma que uma nova consciência educativa,
novos conceitos e princípios pudessem daí ser originados.
A alusão à centralidade na teoria que nasce da reflexão da prática se deve
ao fato de que, para muitos professores de profissão, o caminho de conscientização
e construção de novos conceitos que parte do discurso e da visão teorista do
formador, devendo repercutir posteriormente sobre as práticas, é abortado, muitas
vezes, antes de ser percorrido, uma vez que o professor ainda não tem desenvolvido
certas concepções que lhe permitem reconhecer a potencialidade dos conceitos em
sua influência sobre as práticas. É como imaginar interlocutores que não se
entendem porque tentam se comunicar em idiomas diferentes. O idioma prático do
professor ainda não consegue fazer-lhe compreender suficientemente o idioma
teórico do formador. Mas, será que o formador, do alto de sua experiência teórica e
184
de sua compreensão sobre o processo educativo mais amplo, consegue entender o
idioma prático do professor de profissão? O contato com os professores experientes
em formação evidencia que a necessidade de compreensão do outro está presente
em ambos os lados.
No cotidiano da formação, o professor termina percebendo a Universidade
como aquela que valoriza fundamentalmente a teoria e subestima a prática, mesmo
quando as disciplinas têm na prática o seu foco central. Essa atenção insuficiente às
práticas fez com que entre os professores fosse construída uma percepção do curso
de Pedagogia como muito teórico, e, além disso, com uma teoria sem evidência de
uma aplicabilidade prática. Mesmo as situações de supervisão e análise de práticas,
dadas as condições em que ocorreram, foram limitadas, insuficientes e esporádicas
e, por conta disso, sobre quadros de realidade questionáveis.
Julival – [...] Então, você dizia que [...] o curso não atendeu a todas as expectativas...
Marlete – Não. Não, não, não.
Julival – ...Porque o curso teria sido muito teórico.
Marlete É. Muito. E além de ter muita teoria, eu queria que essas teorias... que eles
fizessem um trabalho com a gente, assim: “Olha, vamos aqui, ó... Tá bem aqui o...” Diz o
nome de um cão desses aí, que já morreu... é...
Julival – Vigotsky, que foi um que você citou.
Marlete Sim, certo... ou Piaget, mesmo. “Tá bem aqui a teoria. Vamos praticar”. Não tem
os três anos que a gente passou lá? “Vamos pegar essa teoria, esse troço aqui e esse aqui.
Vamos trabalhar? Vamos ver o que que vai dar?”. Não. Leram, leram, mais de um... Nem...
— como é o nome? — ...nem fixou nada, já vem com outro... já vem outro! Com certeza que
você tem que... ser a mistura de tudo pra tirar alguma coisa. Mas lá, nesse sentido, assim,
mistura tanto, que depois você não tira é nada. Vai escorregando tudo das mãos. Porque
você sabe que muita informação... eu até dizia pra Bárbara... a Bárbara sorria, porque eu
dizia: “Sinceramente, eu vou sair desse curso com congestão, mas congestão no cérebro
(risos), de tanta informação, que nenhuma vai ficar”. Porque... Paciência! Eu acho que tem
que escolher, sei lá... Eu não sei, sinceramente, eu não sei te dizer qual o tipo, qual opinião
que eu daria nesse sentido, assim, mas que procurasse... pegasse um programa daqueles e
tentasse nos orientar, como tá sendo esse curso aqui, esse curso de gestão
32
aqui.
Julival Seria... trazer a prática pra sala de aula e colocar a teoria pra analisar aquelas
práticas?
Marlete Analisar. Não... Até que no final, no final, já... a Bárbara pegou... ela... porque
ela que ficou com Prática, né? Ela ficou com a um, a dois e a terceira...
Julival – Prática Pedagógica...
Marlete – Prática pedagógica. No final ela pedia que a gente fizesse relatório e... ela mesmo
disse que ia fazer o livro. Mas... eles iam pra sala... pra ver? Ali, quantas pessoas colocou
______________
32
Referência ao curso de especialização em Gestão Escolar, oferecido a diretores de escolas
municipais de Teresina pela Secretaria Municipal de Educação, através do Centro de Formação
Prof. Odilon Nunes.
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coisas bonitas. Será que aquilo era verdade? E quando ia uma vez... eu sei que as
coitadas não tinham tempo pra isso, mas eu acho, assim, ela tinha vinte e cinco alunos, né?
Vinte e cinco alunos, nem que ela quisesse, dentro de seis meses, não tinha condição de
ela estar freqüentemente. Pois, que pegasse outro grupo, outras pessoas, pra estar lá
mesmo, junto, andando... Você entendendo? Pra ver mesmo se realmente existia o que
dizem. Porque tu sabe que tem muita gente que gosta de passar uma maquiagenzinha... Eu
não... não gosto muito disso, o. Eu... que é o que é, se não for, se o for e... e eu peço
ajuda.
Não bastasse a lacuna sentida em torno do aprofundamento das práticas,
também entre os professores uma percepção de que o curso de Pedagogia
convênio, em relação às outras modalidades do curso na UFPI, não seria objeto de
preocupações maiores dos professores formadores em função da experiência que
os alunos professores já possuem
Julival [...] Como o curso de Pedagogia poderia ser melhor? Como ele poderia atender
melhor às necessidades da escola pública, de professores como você?
Edna Olha, pra ser franca, eu te digo aqui uma coisa, eu não sei, porque eu não tive nas
outras salas de aula do curso de Pedagogia, vestibular normal, que não fosse como os
professores da Universidade... fosse trabalhar com nós, professores, cheios de experiência.
Então, eu percebo, assim, talvez o aprendizado da turma normal poderia ser até diferente
da nossa, bem porque os professores da Universidade, eles poderiam dizer assim, como
sempre eles diziam assim: “Eu professor, vocês professoras!” Sabe, certo? Então, eles
achavam que nós já tínhamos experiência e... eles fizeram o que puderam, né? Mas eu
acho que a preocupação dos professores da Universidade Federal, desculpa se eu estou
enganada, mas que, talvez a preocupação deles maior sejam outras turmas de Pedagogia
que não sejam nós da prefeitura, sabe? Conveniado. Eu vi por aí.
Julival – Poderiam ter se preocupado mais, então, com vocês?
Edna Um pouco, mas foram muito bacanas, foram uns professores... uns grandes
mestres, sabe? Nós aprendemos bastante e, enfim, foi tudo de bom.
Em ntese, os professores reconhecem no curso de Pedagogia convênio
UFPI/PMT uma experiência de formação que mobiliza seus saberes e sua reflexão
sobre a prática, provocando-lhes transformações em sua maneira de ser professor.
Essa contribuição da Universidade, no entanto, poderia ser muito mais efetiva se
tomasse a prática como objeto de investigação e aprofundamento, de tal modo que
os professores se percebessem, com relação ao seu próprio fazer, num movimento
constante de reflexão e questionamento de suas próprias práticas, através das quais
também estaria construindo novos conceitos teóricos. Os dilemas cotidianos da sala
de aula, estes permanecem por serem resolvidos pelos professores, a partir de uma
instrumentalização teórica frágil, pois a teoria do curso não teria sido suficientemente
contextualizada em práticas vivenciadas pelos professores de modo a garantir-lhes
um olhar compreensivo sobre seu cotidiano.
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5.4 No exercício da crítica...
Neste subitem registro algumas reflexões feitas pelos professores na
expressão de suas concepções quanto ao processo formativo, as quais caracterizo
como germens de uma crítica que efetivamente pode vir a ser ampliada e
aprofundada, caso a Universidade se abra para um diálogo verdadeiro com os
professores de profissão e se disponha a tomar suas inquietudes cotidianas como
objeto de investigação e re-significação das práticas de formação docente.
5.4.1 Por uma contribuição real da experiência na formação
Da discussão até aqui realizada, penso ter ficado evidente a relevância que
tanto a literatura quanto os próprios professores de profissão atribuem aos saberes
experienciais e o quanto o desenvolvimento de um diálogo franco entre Universidade
e professores experientes é necessário na concepção dos processos de formação. A
interação com os professores experientes, no entanto, mostra que, entre eles
mesmos, há uma seletividade no sentido da consideração das experiências que
podem ser úteis aos processos formativos. A experiência útil não estaria vinculada,
necessariamente, nem ao tempo de atuação profissional, nem ao nível de
qualificação dos sujeitos.
É preciso, pois, não cometer o equívoco de, na busca desse diálogo entre
professores de profissão e Universidade, considerar mais aptos aqueles
profissionais que também já possuem formação universitária ou que têm mais tempo
de profissão. Ter muitos anos de sala de aula, ter qualificação em nível superior e
ou, além disso, ter experiência com a docência universitária, em si, não implica dizer
que os professores com esses atributos expressem melhor a realidade da escola
pública, suas necessidades e desafios e, conseqüentemente, as urgências na
formação docente. Segundo essa visão, ilustrada no trecho do diálogo a seguir, para
que uma experiência seja relevante para o processo formativo, ela deve vir
primeiramente de professores comprometidos com a escola pública e que buscam
com seriedade superar seus desafios cotidianamente.
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Julival - [...] Pra atender às necessidades reais da escola pública, às necessidades reais de
formação do professor, você acredita que o curso de Pedagogia deveria estar dialogando
com os professores experientes?
Marlete - Ah, com certeza! Certeza absoluta, porque, querendo ou não, mesmo o que não...
o leigo, né? ...não tenha formação de curso superior e, às vezes, mesmo, como na
prefeitura ainda tinha ainda... tinha colega agora... que se aposentou agora, que tinha
aqueles... que antigamente dava... que eram uns formulários que a pessoa preenchia e
mandava e ficava estudando... como é o nome que a gente chama?... Módulo, né? Era
por módulo. ...Mesmo aquela que foi desse jeito, que estudou dessa maneira, no
interior, com certeza... Como agora mesmo... Eu não vou muito longe, não. Essa própria
pedagoga que na nossa escola, ela vem com umas coisas... muito bonito, mas por
que? Porque ela nunca tinha tido dentro de uma sala de aula. Era professora da Estadual
e agora passou no concurso pra pedagoga. Então, ela vem com uns negócios muito bonito
pros professor fazer. Aí, os professor tenta do jeito que ela vai... E eu digo: “Oh, [...] não é
desse jeito, que assim, não... Vamos chamar aqui, vamos mastigar, vamos conversar”.
“Marlete, até a maneira... Marlete eu não me vejo falando desse jeito com o professor”. E eu
digo: “Ah, minha filha, pois... você não vai ter retorno, não”. Porque agora, mesmo, bem
aqui. Nós tamos... Tem aqui o concurso, tem aqui o prêmio professor alfabetizador e o
concurso municipal de Ação Nota 10. Eu quero que minha escola ganhe isso aqui. Porque é
premiação pra escola, pra todos os funcionários e ainda vem uma verba, mais de dez mil
reais pra escola, pra gastar com o que quiser. Então, se você não tiver experiência, então...
Vamos dizer que uma escola nova, que tenha professor novo... Será que ele vai
conseguir ter um êxito que uma escola mais...? Essa... Mas... Eu volto atrás. Porque não é
obrigado a pessoa ter trinta anos de profissão e ser bom, não. Que tem aquele de trinta
anos que é empurrado... esperando o mundo se acabar pra ir na fumaça. Tô falando
daquele que o tinha formação superior, né? Acadêmica. Mas que era... Toda vida gostou
de trabalhar e que tinha compromisso, né? Esse que tinha compromisso, claro que... que...
— [...] Qual era a pergunta, mesmo?
[...]
Julival – A pergunta é se o curso de Pedagogia deveria dialogar com os professores
experientes.
Marlete – Ah, certo! Certo. Mas isso que eu tô lhe dizendo. Mas o professor experiente, mas
com esse experiente que tem compromisso. O que não tem compromisso... Ah, meu
irmão!... Nem adianta! E não vamos dizer que são poucos, não, que... são bastante.
Mas, além disso, esse diálogo vai precisar enfrentar algumas pré-
concepções em torno das capacidades reais dos interlocutores, uma vez que entre
os próprios professores experientes existem modos de percepção de si mesmos,
individual e coletivamente, que limitam a crença em torno do seu poder de alcance
em termos de reflexão, compreensão e expressão de sua realidade. Uma
comparação pode ser feita com o que se passa também nas escolas públicas de
ensino fundamental. Ainda hoje é notório, entre crianças, o fracasso escolar e a
manifestação de descrença na própria capacidade de ter sucesso na escola. Como
agravante, muitos professores corroboram essa descrença com atitudes, muitas
vezes inconscientes, de desinvestimento nessas crianças, porque também eles não
acreditam. E na Universidade? Como os formadores lidam com aqueles alunos que
não acreditam em si mesmos? E se estamos falando de alunos professores que
têm anos de profissão, a atitude é a de corroborar a descrença ou desconstruí-la?
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Julival [...] A parte da reflexão, da formação pra reflexão no curso de Pedagogia, você
sentiu que foi priorizada, que foi valorizada? O curso formou para a reflexão?
Marlete – Os bichim tentaram!
Julival – Tentaram.
Marlete – Tentaram. Olha eles...
Julival – Tiveram sucesso?
Marlete o muito. Dos cinqüenta alunos, acredito que... Humm... Ali... Vixe... tinha
tartaruga velha (risos).
5.4.2 A consciência coletiva enquanto categoria profissional
Julival E o que os professores juntos podem fazer pra mudar a realidade dura em que
vocês se encontram, que vocês enfrentam todo dia?
Edna Nós, não... Nós, na escola do Dom Helder Câmara, a gente sempre se reúne, a
gente sempre conversa sobre essas questões, sabe? Porque nós temos uma clientela muito
difícil, mas aí a gente se reúne pra ver qual a partida que a gente tem que tomar em relação
a eles, como aluno, pessoa, e a gente sempre ali, tentando, explicando, conversando
com eles, ensinando, mostrando as boas maneiras, um bom aprendizado, e enfim.
Nas entrevistas e nos momentos de acompanhamento e observação do
grupo, foram percebidas poucas referências a uma consciência coletiva de categoria
profissional, através da qual os professores pudessem buscar juntos soluções para
os dilemas cotidianos de sua realidade. A ação e mobilização coletivas ainda não
parecem representar para os professores um recurso ou caminho para o
desenvolvimento e afirmação de seus saberes e de sua valorização profissional
A reflexão e discussão coletivas, seja sobre questões relativas ao trabalho
na sala de aula, seja sobre questões relacionadas às condições de trabalho quase
não são apontadas pelos professores como uma preocupação. Nesse sentido,
parece predominar a consciência de um trabalho individual. Quando se trata de
pensar sobre a representação sindical da categoria profissional, parece haver uma
divisão de responsabilidades, segundo a qual, para o professor, o cerne fundamental
de sua competência é administrar a sala de aula, gerando resultados educativos
desejáveis.
Os assuntos de interesse e valorização profissional da categoria, como um
todo, parecem ser uma responsabilidade daqueles que têm afinidade com o
movimento sindical e são eleitos como representantes. Se a categoria tiver sorte,
esses representantes lutarão em seu favor, na fiel defesa de suas causas, se não,
defenderão os próprios interesses. Neste caso, a ideologia que transforma a sala de
aula no palco mágico do professor, onde lá ele estaria exercendo a plenitude de sua
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função e em seu exame rotineiro de consciência isentando-se de qualquer omissão,
é a mesma que transforma a luta política, a busca de uma forte organização
profissional da categoria e o envolvimento na discussão das problemáticas mais
amplas da educação, em questões de interesse menor. A quem essa ideologia serve
e quem ganha e quem perde com ela, são questões que parecem não chegar ao
professor ou para as quais ele já está por demais ocupado.
Julival – E as representações da categoria? Você participa? O que você acha...?
Lucimar Não. Porque o sindicato, pra mim... eles não fazem nada. Eu não acho que faça
nada pela educação. Tem uns que já tive a oportunidade de conversar, de tudo... Eles não...
não têm aquele interesse pelo professor, não.
Julival – Por que você acha que isso acontece, exatamente na categoria dos professores?
Lucimar É... eu acho que eles... é, pelo menos, o que eu sinto, né? Que eu vou pra
aquelas... Eu olho, assim... Vejo aquelas conversa, conversa, conversa... Mas eu não acho
que ele tenha assim aquele interesse pelo professor. Eles dizem que têm, mas eu não acho
que tenha de jeito nenhum. Eu acho que o interesse de... pra eles mesmos. Não confio não.
Mas de jeito nenhum. Eu não participo de greve, porque eu não confio. No sindicato eu não
confio, não. De jeito nenhum. Eu vou lá, dou uma voltinha, porque esses daqui são
obrigado. Assim... Quando diz assim: “Vamos fazer!”. Os colegas da gente obriga. Cansei
de me... eles mesmos do sindicato, passar por ela, e me puxar de dentro da sala de aula,
porque eu não quero, porque não vale a pena. Porque ninguém consegue nada. Toda vez
que o sindicato faz uma greve, uma coisa... O que que a gente consegue? Coisa nenhuma.
Nada. Só no dia que o prefeito quer... que eles querem mesmo mudar o nível da gente,
mudar isso, mudar aquilo. É quando eles acham que deve mudar, mas se for através de
sindicato, nunca. Nunca vi. Nesses anos todos.
Julival E o que você tem visto em termos de cobrança dos professores quanto a seus
representantes? Você acha que os professores têm se mobilizado pra...
Lucimar Assim. Quando... A gente cobra, assim, quando eles vêm aqui na escola, né?
Mas sair daqui... a gente sair daqui pra ir cobrar deles no sindicato, ninguém vai.
quando aparece por aqui a gente fica dizendo isso: Olha, por que vocês não faz isso, não
faz aquilo, né? De importante pra nós, professores, pra valorizar mais a gente?”. Eles não...
A gente diz... fala pra eles. Mas eles: “Ah, a gente vai fazer isso...”. Promessas. Promessas
são demais. Eu não gosto nem de perguntar, assim, o que que vão fazer. “Ó, vamos fazer
isso...”. Eu acho assim demais as promessas e ninguém consegue nada.
Contudo, se no plano coletivo os professores se apresentam sob uma
aparente fragilidade em termos de manifestação crítica, do ponto de vista individual,
é possível perceber que vozes isoladas que se pronunciam de forma não
condescendente com certos discursos que estabelecem rótulos sobre a figura
profissional do professor e sobre seu trabalho. A professora do trecho de entrevista,
abaixo, questiona as grandes expectativas e exigências hoje depositadas sobre o
professor e evidencia o que seria a falácia dos discursos e propagandas que dão
satisfações à sociedade apresentando uma nova realidade na qual os professores
estão sendo qualificados, mas não fazem referências a outros fatores fundamentais
190
para a garantia de uma educação pública de qualidade, como as condições efetivas
de trabalho do professor.
Julival [...] Quando algumas pessoas dizem hoje que o professor não tem uma prática
melhor porque não quer, porque não faz por onde, como se ele simplesmente estivesse
fazendo “corpo mole” sobre sua própria formação, o que [...] você pensa disso?
Ana Lúcia Esse é um grande mito, né? É muito fácil falar. Mas não é isso. Você diz,
assim, em geral, ? Todo professor eu disse todos não tem como ele não honrar a
prática. Não tem como você não honrar que você tá no dia-a-dia com aquelas criaturinhas te
olhando como quem diz: “Eu vim pra cá porque eu confio em ti” e esse professor não estar
pra atender. que, quando o professor precisa de uma apoio de toda a sociedade, fica
difícil, porque: “Ah, ele não quer fazer isso... Ah, o professor...”. Toda hora assiste na
televisão que eles são bem pagos, que eles têm curso de extensão, de tudo, que é... a
educação continuada, e... eles têm tudo, porque passa na televisão. É o próprio prefeito, é o
próprio secretário, é a própria sociedade que diz que ele tem tudo isso aí. Então, porque
que não melhora a prática? Não é tão simples, assim. Não tem como um professor... eu
acredito, que trabalhe uma prática tradicional como era. Não tem. Todos eles estão
modificados. Não só por causa de cursos, mas é por... por si próprios. Não mais pra
trabalhar como se trabalhava antigamente. E... que a condição de você modificar sua
prática não significa dizer que ela chegar a todos da mesma forma. Numa sala, por
exemplo, de trinta e cinco crianças, um exemplo, você costumava, antigamente, chegar,
falar, falar, o aluno ouvia, porque ele só aprende se ele ficasse calado, ouvindo pra que ele
repetisse tudo o que o professor falasse. Antigamente, assim... no início, aliás. Só que essa
prática... não acontece mais isso. A gente chega pra conversar um conteúdo, um tema, a
gente começa o quê? Perguntando: “Vocês ouviram falar nisso?...”. Quer dizer, quer
dizer... Tem aquela turminha que começa a falar, mas tem uma grande parte que não fala,
são incentivados a falar, mas não falam, não participam. Então, eu acredito que essa
relação, relação professor-aluno, que é praticada, por ele não melhorar a prática, eu acho
que inclui esses fatores. São crianças, sei lá... provenientes de tantas situações. Não estou
dizendo que eles não aprendam, mas eles estão bloqueados, passando por algum bloqueio,
que o professor, sozinho, não vai resolver. E quando a gente entra em contato com o
professor, com o pai, com a família, com a equipe toda da escola, que a gente arranje...
porque até isso o professor tem que ficar responsável ...pra tentar chegar a essa criança
pra resolver, o que a escola faz? Manda chamar o pai, a mãe, um chega culpa a mãe... o
pai chega. A mãe chega, culpa o pai, os avós, todo mundo... e fica por isso, e a criança
continua com o mesmo problema. Então, a prática essendo melhorada, sim, e muito. Eu
até acredito que é, assim, um aceleramento grandioso, mas o que que não mudando na
educação? Não é prática do professor. Existe... Existe uma outra situação que fala assim:
“Mas se o professor ensina... essa relação de ensino-aprendizagem tem que ser uma
resposta positiva.” Será? Que quem fora pode pensar assim, mas quem dentro? Quem
foi que disse que é tanto, assim? Por exemplo, eu vou dar um meu caso, eu tenho na minha
sala de aula uma criança que fica até, assim... suspeito dizer. Eu não quase sabendo o
que é que eu vou fazer com ele, porque eu pedi à mãe, a mãe diz: “Eu amamentando,
então, eu não posso atender”. O pai separou, então, a culpa é disso, porque ele foi embora,
mas o pai é muito presente na vida da criança, não dentro da mesma casa. E eu
fui pra direção da escola, esse pessoal que fica pra atender, a gente leva e não atende, mas
toda hora, as crianças que têm problema a gente tem que fazer uma ficha e levar pros
psicólogo da SEMEC, da prefeitura, mas eu já... Eu insisti tanto, que não tem uma
preocupação maior do que a minha que sou a professora, mesmo, que eu já chamei a mãe,
já tentei conversar e só diz que não tem tempo. Que ele esquece até, às vezes, do nome da
irmã, também. Ele não consegue memorizar. Então, é a prática do professor que não foi
modificada? É uma pergunta que vai ficar no ar. É a prática do professor que não foi
modificada? Enquanto a maioria... fica apenas um, dois. Um outro, porque ele tem um
laudo, mas esse desenvolvendo melhor do que esse aqui que não apresentou laudo
nenhum. E eu, não sabendo o que que eu vou fazer, assim... porque eu o sei o que é
que ele tem. O que que eu poderia fazer? — Como eu tentando fazer — É fazer com que
ele chegue até um profissional que atenda. Quer dizer, eu vou fechar a minha sala, a minha
turma todinha, até o final do ano com a alfabetização concluída. Mas com esses dois alunos
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eu não consegui. Não é que eu esteja, já, antecipando, mas eu não tô sentindo, porque...
meio ano, já, e eu não consegui. Tudo o que eu vou fazer com ele, o alfabeto móvel,
sentado, mostrando, quando eu volto e pergunto, pelo menos as vogais, tudo pra ele é A”.
Quer dizer, eu tenho que perceber tudo isso, mas eu não tenho que saber o que se passa
com ele mais profundamente. Então, não é a prática do professor. São os fatores que
envolve tudo, né? Porque põe uma relação família muito forte, que eu o quê? Eu sou uma
segunda educadora, em relação, quando ele chega na sala de aula. E essa criança chegou
assim, aliás, passou pelo ano passado, eu pedi um relatório da professora, foi a mesma
coisa, a mãe sempre dizendo que não tinha tempo... Quer dizer, já nessa escola essa
criança já vai completar dois anos agora em 2008, e eu correndo, gritando, pedindo ajuda
pra todo mundo, e todo mundo dizendo que fulano... uma não pode, a culpa é daquele
outro, esse pessoal da prefeitura não vai atender mesmo, a gente manda pra e diz que o
menino não tem nada, devolve. Então, vai continuar a pergunta: será que é a prática
profissional do professor que não mudando, ou a gente vai considerar muitos outros
fatores?
5.4.3 A re-significação da escola pública como espaço de compromisso político
Outra importante consideração está refletida no depoimento da professora
entrevistada, a seguir, que sinaliza uma preocupação em torno da escola pública
como espaço de comprometimento político, crença e investimento do professor. Aqui
é possível perceber que, mesmo sem uma lida consciência política no seio da
congregação docente, há indivíduos que se inquietam e não se conformam diante do
imaginário negativo construído em torno da escola pública e buscam uma postura
de auto-responsabilização coletiva e comprometida com esse espaço escolar.
Marlete [...] ...o menino, porque o pai tem condição, bota no colégio particular... Não. Não
digo isso, o. O colégio público, principalmente... Não é puxando pra sardinha, não!
Porque eu sou das duas, do Estado e da prefeitura. Mas, a prefeitura... é prefeitura. É
diferente. A maneira... Porque você sabe que nós somos empurrados, querendo ou não, me
desculpe... eu vou te dizer... mas a gente não saiu nem um pouco da senzala, o. O
mesmo professor da prefeitura é o mesmo do Estado, é o mesmo do... A maioria deles [...]
trabalha no colégio particular. Como na escola que eu trabalho, à noite: Tenho professora...
[...] é a professora [...] de filosofia, do Estado, e é bem aqui do colégio [...] e na Estadual,
quando é os cursos de férias, ela dá. Mas o comportamento dela é totalmente diferente. Ela
vive de licença. Tu tá entendendo como é? Diz que os meninos o querem nada. Meu
Deus do Céu! Quando vê um aluno mais ou menos: “Ah! Se eu tivesse condição, um
menino desse não tava dentro de uma escola particular?”. Como é que eu vou dizer um
negócio desse?
Julival – “Não tava dentro de uma escola particular”...?!
Marlete Tava. Era pra estar dentro de uma escola particular. Tu entendendo como é?
Quer dizer que nós não merecemos isso? E nós temos... ótimo... ótimo aluno. Que pena!
Que pena é que nós é que não procuramos, praticamente, assim... valorizar o aluno. Como
lá na escola... Sempre eu digo que as meninas têm mania de dizer assim: “Ah, Marlete, mas
esses meninos desse jeito... Mas os pais o ajuda”. “Esqueça!”. Não é que eu vou tirar
essa faculdade do pai... Se aquele pai ali não tendo responsabilidade, eu vou esquecer
aquele menino? Eu esqueço é que ele tem pai e vou... Não é que eu vou querer fazer a vez
do pai, mas eu vou tentar fazer de tudo pra fazer subir a criança. Tu tá entendendo o que eu
quero dizer? E é desse jeito... Dar de frente com os professores, à noite, quando estão na
roda, assim, é onde: “Ah, não quer nada!” E eu digo: “Eita! Mas também tem um bocado de
professor aqui que também não quer nada! Eu também sou uma!”. Claro, eu digo assim pra
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poder não estar... Mas eu sempre dando uma lapadinha nos meus colegas, porque eu
não concordo com isso, não.
Essa visão do espaço da escola pública como espaço de investimento é
também identificada no depoimento abaixo, em que aparece a percepção da
necessária relação entre escola e comunidade e a mobilização necessária da
equipes escolar no sentido de garantir essa integração.
Julival – [...] É... hoje... hoje, na prefeitura, você atua em que, exatamente?
Marlete – Eu tô na direção da escola.
Julival – ...Tá na direção da escola.
Marlete Nessa direção da escola, mais do que nunca, porque é... ensino infantil, CMEI
33
,
meninos de três até seis anos de idade, e é uma escola de grande porte, ? Que nossa
escola é de grande porte Eu tento colocar a orientação... assim... que a gente chama
pedagoga, chama os pessoal que é... Porque eu tenho uma pedagoga que é professora da
Estadual... justamente professora... de Didática. A gente até bate um pouco de frente, né?
Porque ela quer uma coisa, eu quero outra. Mas... termina sendo mesmo o que a gente
tenta orientar, porque como eu te disse —...como eu gosto de arte, então... e na
prefeitura sabe, e eu sempre procuro o lúdico, [...] tudo o que é parte de arte, eu estou [...]
rente com meus alunos. Teatro, peça... Tudo meu, lá, é com projeto, e faço junto com os
professores, trago a mãe pra dentro da escola, porque você sabe que na periferia...
principalmente que é no Grande Dirceu, é... lá no Renascença III, ali ao lado do Monte
Orebe... a creche fica — ...lá o pessoal é carente de tudo. Lá você não tem uma brincadeira,
você o tem nada. Agora mesmo, eu venho duma reunião. Eu de férias! E fui fazer
uma reunião porque a gente vai fazer uma festa, agora no dia vinte e sete... Então, nós
temos lá... estamos até fugindo, né? Então... aí... tudo quando eu chamo os pais... Eu
tenho duzentos... trezentos e... pra ser preciso, eu tenho duzentos e noventa e seis famílias
beneficiadas e crianças, são trezentos e oitenta e sete... São as crianças que eu tenho. E
quando vai, é duzentos pais, cento e cinqüenta pais, é desse jeito. Por que? Porque eles...
esses pais são tão carentes de brincadeira, de... você entendendo como é? ...do
lúdico, que eles vão porque sabem que eu dou sempre oportunidade, a gente brinca, a
gente conversa, a gente discute como vai fazer a... com as festas, as atividades, as
brincadeiras da... Agora mesmo nós tava decidindo aonde fazer. Dentro da escola? Fora da
escola? No pátio da... Numa quadra que tem ao lado da escola? Ou a gente vai mandar
roçar um lado do terreno pra poder fazer? E eles lá decidiram e a gente vai fazer na quadra
que pertence lá à prefeitura. Então, procuro... é... sempre fazer o melhor, mas quando eu
vou analisar eu sempre acho que tem... que preciso me melhorar.
Julival – Marlete, nesse sentido, você se considera uma ativista da escola?
Marlete Desliga bem um pouquinho (pausa solicitada para indagar quanto ao
significado da palavra “ativista”). Ah! Bonita essa palavra. Gostei... “Ativista”. Vou usá-la,
agora. É... eu... eu me sinto e sou e gosto. Aqui no Matadouro, mesmo, eu morei vinte e
cinco anos, eu pertenci ao grupo de jovens. Eu tinha lá grupo de jovens, tinha uma quadrilha
chamada “treme-treme” que, na zona norte, era a melhor quadrilha que tinha. Tinha outra
quadrilha que também eu andava, que eles todos me chamavam de madrinha, porque eu
arranjava carro, eu vou com eles pra cima e pra baixo, às vezes, o pai não quer deixar a
menina ir, eu é que vou lá, me responsabilizando... Olha a boca, né? Porque você sabe
que adolescente, né? Gosta de fazer as coisas que não deve, né? Mas eu ficava lá de olho:
“Menina! Pelo amor de Deus!”. Então... pertenci à associação de moradores do
Matadouro... Então... eu gosto de mobilizar. Eu mexo e... Como agora mesmo, lá no
______________
33
Centro Municipal de Educação Infantil.
193
Renascença, eu sinto que o povo... Eu nunca imaginei... Porque bem aqui no Matadouro,
essa região norte, o que você inventa, assim: “Olha, vai ter um curso bem aqui pra enfiar...
planta... pra você fazer um plantio”. todo mundo rente, porque todo mundo quer
aprender. Você acredita que, desde o ano passado... que eu entrei agora no dia vinte e
três de agosto, né? nessa escola, onde assumi a direção ...coloquei uma caixa de
sugestão, tive um trabalho de ir na Fundação, peguei uns folheto dos cursos que a
própria prefeitura cede... Quando a gente tem... a gente vai fazer um pedido e eles
manda um professor, e tudo, e o curso que sempre era desse jeito que eu fazia na
Fundação Conceição Vieira, que eu fui diretora de lá. eu trazia os cursos... Menino... Era
briga! Porque um queria e outro queria, e é vinte pessoa... vinte e cinco. —...Você
acredita que desde o ano passado, vai fazer um ano agora em agosto, a caixa de
sugestão. Hoje eu bati de novo nesta tecla, dizendo: “Rapaz... Pelo amor de Deus, vocês
não querem aprender nada, vocês não querem um corte-e-costura, vocês não querem um
bordado, vocês não querem fazer um... Olha... a gente tem que aprender de tudo, pra na
hora da necessidade você usar o que você aprendeu pra poder ter um ganho de alguma
coisa”. Aí, fica caindo do céu... Como tem mãe, lá, uma... foi tirar uma criança porque o
marido separou dela e ela não tinha pra onde ir e nem tinha como ganhar... Eu pego e fiz
uma proposta pra ela: Olha... Eu acho... uma proposta ameio indecente... que se...
Não sei se a prefeitura ia concordar ou não, mas eu fiz e faço e assumo ...Eu disse pra
ela: “Olha, você diz que tá passando necessidade, vai mandar seus filhos pro interior porque
não tem como se sustentar. Pois... fique com seus filhos dentro da sua casa e venha pra
escola. Eu não tenho é dinheiro, mas aqui você... Todo dia aqui tem almoço e janta pras
crianças. Você almoça e você janta e você leva comida pro seu menino. Se ele estuda no
turno manhã, você, na hora que sair, você leva o jantar”. Você pensa que ela foi? De jeito
nenhum. Eu nunca vi uma região, daonde as pessoas não querem aprender nada. Hoje,
novamente, eu bati e deixei lá: “Olha, pelo amor de Deus, isso aqui... bote ao menos uma
coisa assim: “Professora, desista!”. Eu, dizendo pra eles, né? “...Desista, não bote mais isso
aqui, não, que ninguém quer, não!”. Elas começaram a sorrir. Eu digo: “Olha... Aqui agora
vai ser assim, eu vou trazer o curso e vou dizer: ‘Você...’ e apontando ‘... você e você
vai fazer o curso’”. E elas começaram a sorrir. Não sei se vai funcionar, mas eu vou tentar
fazer isso, porque toda a vida eu gostei de movimento, eu gosto de gente dentro da creche,
de jovens... Que pena que a creche é num campal, assim, distante de tudo, e eu gosto de
trabalhar dentro mesmo de favela, dentro mesmo... com o povão necessitado.
5.4.4 Por uma autonomia na formação e na atuação profissional
Os professores falam de atuações em projetos específicos que vêm pré-
concebidos da secretaria municipal de educação para serem executados com
apenas algumas poucas adaptações livres que ele pode fazer em sala de aula.
Diante dos relatos de docência com esses projetos, surgiu o questionamento sobre
como o professor lida com essa limitação de sua deliberação individual em torno da
própria prática, uma vez que a condução desta é previamente definida,
independentes das diferenças nas turmas.
Diante de projetos que representam um tipo de violência simbólica sobre o
professor, surge a alternativa do exercício cauteloso e subversivo de uma autonomia
em sala de aula. Por um lado, o professor se liberta parcialmente das orientações
rígidas de condutas em sala de aula que contrariam suas crenças fundadas na
experiência; por outro, tem a cautela de fazer parecer, aos olhos da supervisão
194
pedagógica, que tudo transcorre a partir das orientações técnicas dadas. Na prática,
desenvolve suas ações a partir de sua racionalidade, mas, diante das relações
institucionais a que está submetido, evita apresentar-se numa posição de
discordância e transgressão.
Julival Você, hoje, como uma professora que atua na zona rural, como é que você se
sente diante de um projeto que você tem que executar, onde você não é quem pensa as
atividades? Como é que você se sente diante disso?
Erzilene Não... Aque nas atividades a gente pode mudar, ? que você o pode
sair desse projeto, você tem que ficar todo tempo [...] abitolado. Eu sempre digo que os
meninos fica parecendo uns robozim, que você o sonzinho da letra... Digamos: “ssss”
que é o sonzinho do “S”. Aí: “Qual foi o sonzinho que eu falei?” os meninos repetem
tudim: “O som é o sonzinho da letra S”. Parece uns robozim, “ssss”, pra dizer tudo, tem que
fazer assim... Todo mecânico. E aí, fica muitos... Muitos professores não querem, de
maneira alguma, esse projeto. Ninguém, ninguém, ninguém. Até eu, quando eu saí da outra
escola, eu digo: “Pronto, agora eu vou descansar, ninguém vai me achar aqui”. Quando eu
tava com dois meses na outra escola, me descobriram lá, tiraram a outra professora, me
jogaram de novo no projeto, porque eles tinham trabalhado comigo três anos, tinham
me aperfeiçoado, aí eles achavam que não dava... Daqui que fosse aperfeiçoar outra
professora... Era perca de tempo. eu fico lá... Às vezes... Eu saio! Eu saio dele, eu não
vou mentir! Eu volto pro meu método, o método da Biena, antigo, vou pra outra coisa...
Que se for mesmo fazer tudo o que eles querem... Mentira! Ninguém faz, não! E é chato!
Você ficar executando o que os outros manda. pensou? Ficar... Não! Faz isso, faz
isso, faz isso! Aí eu vou ficar também robô! (risos).
Julival – Onde é que fica sua autonomia?...
Erzilene Pois é! o que aconteceria? O que ia acontecer? O que eu estudei, o que me
aperfeiçoei, tudo, não vai valer de nada, o deles, não é? Nã! Eu mudo! Mudo, mudo é
muito... eu chego com outros textos pros menino, faço outras atividades... Aí, depois
que eu me lembro do projeto, volto de novo com o projeto... Eu mudo. Eu só não vou é dizer
pra elas que eu mudo, né? Que elas: “Não, não é pra mudar, não. É isso!”. Eu mudo, sim!
Entretanto, se a prática do professor é motivada por suas crenças, que são
fortes o suficiente para fazê-lo subverter determinadas regras impostas quanto ao
seu fazer em sala de aula, porque essas crenças não o também suficientes para
fazê-lo questionar as normas que exercem sobre ele uma violência simbólica e
admitir, sem receios e abertamente, como desenvolve sua prática sala de aula?
Neste caso, é possível reconhecer que mesmo mediante determinadas orientações
limitadoras o professor continua a manter certa margem de sua autonomia. No
entanto, pratica-a de forma clandestina, mesmo acreditando nela e nos resultados
de seu trabalho e sabendo que esta crença é dividida com muitos de seus pares.
É visível a influência de uma orientação ideológica que concebe os
professores como agentes práticos e não como sujeitos de conhecimentos que
deliberam sobre suas práticas. Além disso, também se destaca a visão individualista
do trabalho docente, segundo a qual o sucesso do trabalho acontece porque cada
195
um, individualmente, fez a sua parte, pensando como indivíduo. O fracasso,
portanto, quando ocorre, é também visto como uma questão do indivíduo, fruto de
sua incompetência profissional. Segundo essa ideologia, quando o professor não
consegue o resultado esperado, deve buscar permanentemente seguir mais
eficientemente as orientações cnico-pedagógicas, bem como aprimorar o seu
domínio estratégico e cnico-instrumental sobre as condições que se estabelecem
na sala de aula, seu campo específico de atuação.
5.4.5 O sistema de ensino como referência de formação continuada
Quando ingressaram no curso de Pedagogia convênio, os professores da
rede municipal de ensino de Teresina se depararam com uma concepção de
formação concorrente com a praticada pela própria rede municipal, através do
Centro de Formação Professor Odilon Nunes. Este, que possui fins de formação
continuada e aperfeiçoamento do professor, orientado por uma visão de intervenção
no processo educativo das escolas, de mais pragmática e com repercussão a curto
prazo; aquele, de abordagem acadêmica, mais centrada nas práticas discursivas e
sem a necessária propriedade sobre as práticas efetivadas pelos professores em
sua realidade.
Diante desse referencial duplo de formação, é inevitável que os professores
estabeleçam comparações e, de certa forma, esperem que uma concepção se
aproxime da outra, sem que, no entanto, tenham a devida clareza quanto aos
pressupostos subjacentes a cada uma. Se, por um lado, o curso de Pedagogia se
propõe a oferecer uma formação inicial a partir da qual o professor detenha
fundamentos conceituais para uma compreensão “crítica” de sua atuação
profissional, por outro, a prefeitura oferece um modelo de formação continuada que
traz uma concepção explícita e reducionista dos requisitos necessários para a
solução da problemática educacional: formação continuada centrada no
aprimoramento da instrumentalização técnica do professor.
Erzilene [...] A prefeitura, ela, todo ano, ela aperfeiçoando assim os professores dela...
[...] botando pra congresso... [...] Eles colocam o professor, pra não ter dificuldade na sala
de aula, entendendo? Porque o professor, na prefeitura, ele é muito cobrado, muito,
muito, muito mesmo cobrado pelo pessoal da SEMEC, pelas professoras da escola, e agora
com esse projeto que eu tô, que é o projeto principal, que é o Alfa e Beto, que é
alfabetização com crianças, que as crianças têm que sair alfabetizadas, que nem nível de
colégio particular... até eu falo, assim, porque o nível de colégio particular é um e o nível
196
de colégio de zona rural é outro. Porque na particular, os pais acompanha, né? E na zona
rural o pai não acompanha. tem que ser jogado muito pelo professor, a criança tem
que aprender junto com o professor ali, mesmo que ele leve a tarefa de casa, o faça,
mas, quando chegar, tem que fazer com o professor. é... é muito assim, a gente não tem
muito... Ave Maria! Tem que ficar todo tempo se aperfeiçoando, porque, por exemplo, se o
professor não chegar o que eles querem, aquele denominador comum, volta o professor
de novo, pra fazer outros cursos, pra ver qual foi o erro que aconteceu e aquilo outro.
Sempre é o professor a chave mestre daquilo tudo.
Julival [...] Você disse que esperava mais do curso. O que exatamente você esperava do
curso de Pedagogia?
Lucimar - É. Eu esperava mais. Foi bom demais! Bom demais, sabe? Eu esperava mais,
assim, porque eu... o que a gente aprende lá, mesmo, eu lhe digo uma coisa, que o
pra você fazer na sala de aula, que tem um Centro de Formação bem aqui que lhe
muda tudo, né? Aí eu esperava mais, assim, coisas combinadas com a formação da
entidade onde a gente trabalha, né? Queria que fosse... tivesse, assim, mais um curso pra
ficar igual, né? Pelo menos um pouco igual. Porque a gente vai pra lá, o que a gente
apresenta, o que a gente aprendeu lá, aí... “Não, tem que fazer é assim”. O que a gente
aprendeu lá, aprendeu muita coisa boa.
De certo modo, a reivindicação de uma aproximação entre as práticas
formativas é válida se a Universidade assumir o papel de evidenciar os diferentes
significados das orientações que o professor recebe ao nível de sistema de ensino e
assumir uma postura colaborativa no sentido de favorecer aos professores tomar de
cada experiência seus melhores fundamentos. Para isso, é preciso uma sólida
construção conceitual que lhes permita ler criticamente cada evento formativo a que
são submetidos, percebendo seus limites e possibilidades frente às demandas reais
das escolas.
5.4.6 A necessária ênfase e aprofundamento na prática
Assim como é reconhecida a importância dos saberes da experiência dos
professores de profissão no contexto das práticas formativas, também os
professores têm destacado a importância de os formadores também serem
portadores de uma experiência com a escola pública, que lhes permitam estabelecer
um diálogo na mesma língua. Como reflexo dessa lacuna, embora os formadores
tentem relacionar seus conteúdos com a realidade das escolas, suas atividades
ainda terminam sendo muito teóricas. Os professores identificam com clareza
aqueles poucos formadores que têm vivência de escola pública. Estes possuem,
geralmente, uma linguagem que se aproxima do cotidiano das escolas. Os demais,
no entanto, partem de um referencial acadêmico e por isso têm dificuldades em
estabelecer pontes com o contexto escolar e sua experiências.
197
Julival [...] Você acredita [...] que o curso atendeu às suas expectativas? Tudo o que você
esperava dele? [...]
Marlete – Não, não. Tudo, tudo, tudo, tudo, não.
Julival – Em que deixou a desejar?
Marlete Ó... Por exemplo, é muita teoria, mesmo sabendo... foi um curso direcionado
para os professores da prefeitura, porque era pago pela... [prefeitura]. E acredito que eles
estudaram. Tiveram, assim, um manejo diferente de qualquer outro curso, eu tenho certeza
disso. Mas, assim mesmo, eles tiveram pecado. Pecado, por quê? Porque... [...] teve uns
cinco professor, três professor nosso, sei lá, que conhece a realidade, mas a maioria deles
não conhece.
Julival – Que vieram da base?
Marlete – Que vieram da base. Então esses daí, até o olhar, o falar, pedir os trabalhos... era
diferente.
Esse distanciamento dos formadores com relação à realidade escolar imputa
nos professores uma visão de curso muito voltado para a teoria, uma teoria que, no
entanto, reflete pouco as condições concretas da escola real. Nesse sentido, os
professores não apenas vêem como distante de sua realidade a abordagem do
processo educativo realizada por seus formadores universitários, mas, além disso,
não conseguem depreender das teorias estudadas, instrumentos conceituais
satisfatórios para intervenção em seu cotidiano.
Nos processos formativos vivenciados pelos professores experientes, é
possível falar de uma espécie de inanição conceitual, teórica e instrumental, frente à
realidade que enfrentam. um discurso comum de que a teoria é muito “bonita” e
que está muito distante da realidade. Sem que pareçam compreender exatamente
os significados e o poder da teoria em sua natureza de influenciar a prática, o que os
professores parecem reivindicar, sem uma compreensão muito clara, são linguagens
e formas de abordagem teóricas que tomem como pontos de partida e de chegada
suas vivências e dilemas da prática. Suas práticas são centrais o porque
simplesmente desacreditem do poder da teoria, mas porque a teoria é uma
linguagem estranha, não dominada por eles, enquanto a prática é o “idioma” do
cotidiano comum a todos os professores experientes e, ao que parece, estranho aos
formadores.
A Universidade, portanto, com a prevalência de sua abordagem teorista, não
chega a contemplar os anseios pragmáticos dos professores, para quem o curso de
Pedagogia poderia ser melhor se fosse centrado em práticas. Nas falas dos
professores, no entanto, uma aparente contradição, uns perceberam o curso
198
como muito teórico, outros, indicam que o curso baseou-se nas práticas dos
professores. A solução dessa aparente contradição parece estar na consideração de
que, ao considerar as práticas, o curso não conseguiu exercer sobre elas uma
análise de forma aprofundada. A Universidade funcionava como espaço de
socialização de experiências que serviam, inclusive, de base empírica para os
formadores e que certamente para professores iniciantes seriam uma grande
colaboração.
Para a maioria dos professores, no entanto, que convivem com essas
práticas, o que é socializado não representa exatamente uma novidade. Do
contrário, novidade são as teorias que, contudo, parecem distantes do fazer
cotidiano. O que esperam, então, os professores experientes? De certo modo, os
professores de profissão precisam de respostas, de saberes que lhes possibilitem
responder aos seus questionamentos cotidianos. Eles executam uma série de
esquemas de ação todos os dias em sala de aula, esquemas que entre os pares
são conhecidos e socializados configurando a cultura do fazer docente. Contudo,
como compreender as incoerências ou inadequações do que fazem? Por que não
conseguem os resultados esperados em determinadas ações que desenvolvem?
São esses esquemas de ação do cotidiano que o professor quer ver na academia
não simplesmente apresentados, mas problematizados.
Julival – [...] O que você esperava do curso de Pedagogia?
Edna É... eu esperava ter outros conhecimentos, mas... aí, quando eu vi, era a realidade
que a gente vivia em sala de aula, dos conhecimentos que a gente tem em sala de aula.
Julival – Como assim? Não ultrapassava o que vocês já faziam na sala de aula?
Edna É... [...] Lógico que os conhecimentos que a gente dentro de uma Universidade
não são os conhecimentos que a gente vivencia numa sala de aula, né? Mas aí, as aulas
práticas e as teóricas eram mais essa realidade que a gente vive na sala de aula. [...] O
curso de Pedagogia foi um grande apoio que nós tivemos, só que era a mesma experiência
que a gente tinha... que a gente tem em sala de aula. Não sei se é porque toda a nossa
turma de Pedagogia que eram cinqüenta alunas, todas professoras de vinte e três, vinte
e dois anos, vinte e quatro, e aí... acho que elas trabalhavam mais, mesmo, pela nossa
experiência de sala de aula, os professores da Universidade.
Julival – [...] Como o curso de Pedagogia poderia atender melhor à realidade?
Marlete – Vixe!... Aí a pergunta é difícil...
Julival Pense num curso de Pedagogia, convênio, ou os cursos de Pedagogia que se
voltam para formar professores iniciantes...
Marlete Não... Pronto. Pra iniciar, todas as disciplinas de lá, principalmente aquelas... [...]
uns cursos... Quatro cursos. Alfabetização ainda foi... ainda foi um melhorzinho, que foi
dado pela [...]. Mas, como é queuma disciplina...? Passa... aí eu chegava e dizia pra ela:
“Professora, por favor! Isso aqui é mais é prática, e a senhora fica eternamente... Quando é
199
que a gente vai...” eu não fico quieta, sempre brincando eu dizia minhas coisas
“...quando é que a gente vai ter a prática? Quando é que a senhora vai mostrar? Fica
nesse joguim...”. Todos eles, lá, que era pra ter prática, prática, prática, prática, todo jeito.
De projeto, a gente viu teoria ali. Cadê...? O professor não chegou, não botou... “Vamo
aqui, vamo fazer, como é que é pra fazer...”. Pega um papel daquele, ali os passos. De
dar passo por passo, a gente pode comprar qualquer livro e vai ler e fazer. Eu não sei se eu
me fazendo entender. Então, tá ali. Alfabetização. [...] A disciplina de alfabetização.
Então, ela tinha que ter vários tipos de como alfabetizar criança. Mostrar outras maneiras. E
ia vendo. que ela [...] não tinha, que ela fizesse com que a gente trouxesse, cada
professor. Porque cada professor tem uma maneira de se comportar numa sala de aula.
Como aqui tendo esse curso, teve um dos professor, [...] ele fez com que a gente se
mexesse mostrando nossa prática dentro da escola. E a gente ficar olhando pro outro, fica
vendo que a gente, ? Vai se escondendo. Quando não é, a coisa boa: “Aquilo dali eu
vou aplicar na minha”. Tinha que ser desse jeito! Todas! Tu entendendo como é? Que
não teve! teoria, teoria, teoria, que dá vontade da gente dizer assim: “Minha irmã, diz
quais os livros do curso, que eu vou tentar ler em casa!”. Então, foi isso aí. Então, por
que não? Todos os que tinha que fosse prática, que fosse tipo oficina. Se fosse oficina,
eu acredito que o negócio seria totalmente diferente.
Esse enfoque da prática se assemelha, de certo modo, a colocar o professor
diante de um espelho. Essa tarefa é útil até o momento em que o professor não
consegue reconhecer e identificar a própria prática, mas a partir do momento em
que ele reconhece o seu fazer, passa a interessar-se por aquilo que lhe pode
modificar e trazer melhores resultados à sua ação. Nesse sentido, os depoimentos
indicam uma expectativa de que as práticas sejam tomadas considerando-se,
primeiramente, os alunos em seus contextos reais, os objetivos pretendidos com
eles e, finalmente, as condutas necessárias do professor.
Ou seja, o interesse é pragmático, mas as respostas são problemáticas e
complexas porque extrapolam o âmbito do puramente técnico e instrumental.
Envolve uma capacidade de compreender, interpretar e se posicionar frente ao
contexto que envolve escola, alunos, pais e comunidade escolar como um todo.
Envolve, por exemplo, saber que a condição para o sucesso com determinadas
turmas ou alunos, pode implicar uma ação extraclasse, fora dos limites da sala de
aula. Envolve compreender que o professor não é somente um funcionário público
lotado em uma escola e a ela circunscrito, ele também é um agente político com
poder de influência transformadora que pode fazer a diferença se consciente de seu
papel enquanto indivíduo membro de uma categoria profissional que se orienta por
interesses comuns e de transformação social. Neste ponto o pedagógico e o político
se fundem.
Essa expectativa por uma formação que consiga transcender a sua
experiência é algo sobre o qual o professor não parece ter uma definição clara, uma
vez que, em relação aos seus próprios saberes da experiência e aos problemas que
200
enfrenta na escola, ele se apresenta como sujeito de perguntas e não como sujeito
de respostas. Por isso a academia é tão importante, enquanto possibilidade de
construção de respostas. Não é demais usar a metáfora de que, a despeito de todas
as limitações visíveis que apresentam, especialmente em se tratando de ter que lidar
com conceitos e categorias teóricas em torno da prática educativa e de expressar
seus saberes a partir de uma linguagem tipicamente acadêmica, os professores de
profissão são como pedras a serem lapidadas. Trazem consigo uma experiência
dotada de potencialidades, desenvolvem uma inspiração pelo humano, a capacidade
de auto-provocação e o olhar sobre o próprio fazer. Falta-lhes, no entanto, a
experiência teórica, a experiência de olhar para a própria prática a partir da
exploração de determinados conceitos, com os quais, aentão, não parecem ter se
confrontado, nem confrontado a própria realidade.
Julival Você acredita que o curso de Pedagogia poderia atender melhor às necessidades
dos professores, na prática, do que vem atendendo hoje?
Regina Poderia. Poderia, mas... eu não sei nem, assim, explicar como é que se faria pra
ele atender melhor. Mas que poderia, poderia. Ele deveria puxar mais, cobrar mais...
Julival – Em que aspectos, por exemplo?
Regina É... (pausa em reflexão) ...no aspecto de trabalhos... Quando eles passavam os
trabalhos pra gente, eu acharia que os trabalhos deveriam ser mais severos, ser mais
profundos, eu acho que nós tínhamos potencial, nós do curso já de experiência, eu acho
que eles deveriam ter cobrado mais.
Julival Então, se você, [...] com mais de trinta anos de experiência, precisasse mandar um
recado para os pesquisadores, para os professores universitários, aqueles que planejam,
que pensam o curso de Pedagogia pra formar professores, pra essa realidade que nós
temos, que recado você daria pra eles?
Regina Que eles... [...] procurassem aprofundar mais... aprofundar mais tanto em termos
teóricos quanto em termo de prática, porque o ser humano, sempre, ele é capaz de ser
explorado e ele sempre tem algo, ainda, pra dar. Eu acho que, principalmente nós
professores, quando mais se busca, mais você encontra algo nele. O professor é bichinho
teimoso!
Julival – Você poderia ter dado mais?
Regina Com certeza! Se tivesse puxado um pouquinho mais eu teria ido atrás desse
pouquinho mais, botava na prática... com certeza!
5.4.7 O papel dos saberes da experiência na iniciação profissional dos novos
professores
Segundo a visão dos professores, até aqui apresentada, as práticas
curriculares oferecidas ao longo do curso de Pedagogia convênio não
problematizam as práticas reais vividas nas salas de aula das escolas públicas. Os
201
dilemas que eles enfrentam diariamente também não são explorados a contento no
espaço do curso. Por extensão, os professores também refletem sobre o processo
de formação dos professores iniciantes. Para os professores de profissão, os
iniciantes constroem em sua formação uma imagem equivocada do que tem sido o
processo educativo e a realidade da atuação profissional na escola pública, e isso
leva muitos deles a desistirem da docência logo no primeiro contato que têm com a
escola.
Julival [...] É impressão minha ou, na sua fala, o curso não estaria explorando essa
realidade que você vive?
Dionar o. Não, não está. Não estaria explorando realmente a realidade, porque mesmo
com a prática, né, que elas pedem pra gente fazer nas escolas e levar as atividades que a
gente aplica e tudo mais, mas... serviria, assim, se eles vissem aqueles trabalhos da gente,
que nós deixamos lá, cadernos e cadernos mais, e fizessem um planejamento, um projeto
em cima daquilo ali, certo? Porque na realidade, mesmo, o que a gente viu foi mais assim
teórico, nada assim de concreto que fosse ajudar realmente na nossa prática na sala de
aula.
Julival Seria por isso que você [...] diz que o curso atendeu parcialmente as expectativas
que você tinha no começo?
Dionar É. Exatamente, porque a gente imagina coisas, [...] como todo estudante que vai
iniciar, vai fazer um curso, ele imagina [...] o que que ele vai aprender, o que que ele vai
ver, o que que vai acontecer durante esse percurso, e eu... comigo não foi diferente, né? É
como se eu tivesse fazendo uma coisa pela primeira vez, aí fiquei fantasiando, em ver como
as meninas que vão fazer Pedagogia, pela primeira vez, não tem experiência, (risos)elas
ficam imaginando que é uma maravilha, quando elas chegam na sala de aula, que se
deparam com a realidade, elas desistem. Muita gente desiste. Por quê? Porque não é aquilo
que esperava, não é aquilo que é passado no curso para elas. É completamente diferente.
O curso de Pedagogia, nesses termos, deve permitir que os professores
iniciantes conheçam, desde cedo, o contexto profissional para o qual estão sendo
destinados, para que a iniciação na profissão seja um ato consciente, deliberado e
comprometido.
Julival - Como esse curso de Pedagogia poderia atender melhor às necessidades dos
professores?
Erzilene [...] O que eu acho, assim, é que eles [os formadores] deveriam era ficar mais
presente com o aluno... acompanhar mais o aluno... ver como é que ele vai ser tornar na
prática dele. Porque, às vezes, a pessoa entra no curso de Pedagogia, depois descobre que
não era aquilo que queria, vai ser um péssimo profissional na sala de aula. Aí tem
que... [...] saber analisar se é aquilo que quer ou que não quer, porque quando chega lá... É
diferente dentro da Universidade, quando entra na verdade, e o nosso alunado não precisa
de gente estressado, que ele vem, às vezes, de uma família estressada, não é? E
professor estressado não vai ajudar em nada.
202
Uma forma de dar apoio aos professores iniciantes é valendo-se de
professores que têm experiência. Esta é uma forma concreta de participação ativa
dos professores de profissão nos processos formativos.
Julival Imagine [...] um curso de Pedagogia voltado para alunos que ainda não conhecem
a realidade da docência da escola pública, que estão iniciando na carreira, [...] e vocês,
professores experientes. Como é que poderia haver [...] essa articulação, essa integração
entre professores experientes e alunos sem experiência no mesmo curso? Como é que
você percebe isto?
Regina – Pra eles é muito complicado. Pra nós não, mas pra eles é complicado demais...
Julival – Pra eles quem?
Regina Pra eles, que não têm ainda experiência é muito complicado. A gente quando
chega uma estagiária em nossa sala. A gente, como professora, quando recebe estagiário,
a gente que elas ficam tremendo, elas ficam tremendo o tempo todo, tremendo. Às
vezes, não conseguem nem dar aula. A gente vai conversar, tira da sala e... faz aquela...
[...] conscientização, que... pra ela... não fique tão nervosa, que tudo vai dar certo. Por isso,
eu acho que é importante [...] que o professor que já é professor e o aluno que vai ingressar,
na mesma sala, é importante, porque um vai passar experiência para o outro, dar apoio.
Erzilene Ó... [...] Tem que ter muita ajuda com esses professores que tão entrando agora,
que não têm experiência, porque eu nunca entendi o motivo do professor não ter
experiência e eles sempre pegar as piores turmas. na escola tem duas turmas, mesmo,
que ninguém quer, aí joga pros professores que vêm estagiar... Joga eles pra lá. eu fico:
“Meu Deus do céu!...”. Então, eu fico preocupada com aquilo ali, né? até falo que o
professor experiente, no curso, que tem que chegar, chamar, conversar e tudo, pra ver se
ajuda... ter ajuda, praqueles professores que tão entrando agora, que, na verdade, eles não
vêm com aquela experiência, com aquela prática que a gente tem de longos anos e eles
não têm. Eles tão entrando agora, são inexperientes, aí o professor com experiência tá mais
fácil de ajudar aquele inexperiente.
Julival Então essa ajuda seria, principalmente, nos momentos de prática, quando eles são
encaminhados à escola?
Erzilene Isso. Isso... porque a teoria é uma, a prática é outra. A teoria, você fica mais é
estudando, vendo aquela coisa... parece tudo bonito, tudo bom, mas, na hora que você
entra na prática, que olha pro lado, olha pro outro... o negócio pega! Porque entrar na
sala de aula, com aluno que você não tem aquele... experiência, não tem aquele costume.
Pensa [...] que é aqueles meninos que fica tudo paradinho, aí, na verdade é outra coisa...
principalmente na zona rural, a zona rural que tá... diferente demais... os meninos não
respeitam mais... os meninos é uma coisa feia... eu não sei o que é. Aí vem aqueles
professor que vão pra lá pra sala. Oh! Mas eu fico morrendo de pena! Nossa! Mas dá pena!
Os professores falam a partir da constatação de uma tendência teorista na
parte inicial dos currículos de formação de professores. Quando do início de um
curso como Pedagogia, o idealismo que inspira o pensamento educacional de
muitos autores e mesmo a dimensão teleológica que deve orientar qualquer prática
educativa, se revelam fascinantes para jovens que descobrem no ato de educar um
sentido nobre e humanitário de existência, de realização pessoal e mesmo de
elevação espiritual. O idealismo educacional e a tarefa humanitária do educador
também fascinam os iniciantes porque podem conferir-lhes um tipo de poder que é o
203
de estar na mediação de muitas relações interpessoais estabelecidas com seus
alunos e com os familiares destes, tornando-se uma referência em suas vidas.
Tudo isso, no entanto, pode cair por terra e não mais valer a pena, quando o
professor iniciante descobre a violência simbólica a que terá que se submeter,
quando descobre que os efeitos das relações de desigualdade, de poder, de
opressão e dominação presentes na sociedade em que vive podem tornar as figuras
angelicais dos alunos de seus sonhos em crianças e adolescentes irreverentes para
quem, nem a escola, nem os professores têm qualquer significado especial e, em
vez disso, são muitas vezes percebidos com desprezo e desrespeito.
Então, como a Universidade poderia atender melhor à tarefa de formar
novos professores? Certamente, segundo o depoimento de uma das professoras
entrevistadas, explorando e mostrando, desde muito cedo, a realidade para os
iniciantes e preparando-os para que enfrentem seus desafios. Nesta tarefa, os
professores experientes têm papel fundamental.
Julival [...] Pensando na formação de professores a partir desse curso de Pedagogia que
vocês vivenciaram, [...] como esse curso poderia atender melhor às necessidades dos
professores da escola pública? [...]
Ana Lúcia Olha, na verdade, [...] a Universidade, ela pensa nesse atendimento, mas é
algo, assim... eu posso usar essa palavra ...que não tem uma sistematização. Por
exemplo, os professores, as pessoas que estão cursando, eles entram pra fazer a sua
graduação em Pedagogia, chega o tempo em que eles precisam fazer o estágio, então, a
Universidade coloca esse pessoal dentro da escola e tem uma boa parte desses alunos,
assim, que desiste do estágio. “Eu o vou!”. “Eu não fico nessa sala de aula!”. “Não é isso
que eu penso pra mim”. “É isso, sala de aula!?”. Nas escolas que eu trabalho saíram
várias. “Eu não fico!”. “Deus me livre!”. Por quê? Porque [...] no início do curso, as pessoas
se preocupam, apenas, em mostrar o que que os autores pensam, e é muito bonito. A parte
teórica que fala da educação é tão linda, tão perfeita, mas aí esse choque na hora que a
pessoa chega na sala de aula. [...] Eles vão já num período final e há esse choque. Eles não
ficam. E quem fica é porque já no final, quer um certificado — hoje euposso dizer isso,
porque eu acompanho muito o pessoal estagiário que passa lá na escola. Eu posso falar em
relação aos estagiários que vão pra escola, que eu tenho contato. Diz logo: “Ah, eu não vou
é perder o meu certificado! Eu agüento esse diabo até o final, mas eu não perdo”. Mas eu
vi muito, pelas escolas que eu passei, vai lá: “É isso?! Fico nada! Vou me embora!”. Então,
[...] assim... é como se eles [...] vissem esse distanciamento entre a prática e a teoria. E a
Universidade, é como se ela... ela reproduzisse mais. Porque se desde o início eles
ficassem dentro da Universidade e na escola, durante os quatro ou cinco anos que eles
ficassem lá, ficassem na escola, também, asseguraria mais esse indivíduo, se era isso que
ele queria mesmo, e não fazer pra fazer. “É isso que eu vou querer mesmo?”. Porque
quando você descobre que é isso que eu estou inserido e eu não vou mais sair daqui, tem
muito pra você contribuir, dar contribuição de si próprio pra melhorar o seu trabalho. Eu
acho que a Universidade devia, não, deve fazer isso. Não deixar esse estágio para o
final, que eu acho que tudo é flexível, então, um currículo pode ser flexível, deve ser flexível.
Então, devia o estágio ser logo do início pra saber se as pessoas querem, porque... Eu vou
até o fim num estágio desses, que é bem no final que acontece, eu não quero perder o
meu certificado. Eu vou ser um professor que achou muito bonito o início e muito feio o final.
Então, eu vou ser uma professora feia, eu vou achar meus alunos feios, eu vou achar o meu
trabalho feio e tudo o que for envolvido com sala de aula vai ficar feio.
204
6 À GUISA DE CONCLUSÃO: DA REALIDADE VIVIDA ÀS POSSIBILIDADES DE
FORMAÇÃO CRÍTICA
Até aqui, muitas questões foram apresentadas, evidenciando condições em
que os saberes da experiência são balizados, tornando-se as principais referências
da atuação pedagógica dos professores, embora também haja uma manifestação
explícita quanto ao valor e contribuição para a prática dos saberes adquiridos na
formação universitária.
Os professores vêm para a Universidade portando seus saberes da
experiência e, através deles, depreendem suas opiniões e suas críticas quanto ao
processo formativo, bem como também desenvolvem concepções sobre o tipo de
formação que deveria ser privilegiado pela Universidade para contemplar as
necessidades reais de seu cotidiano na escola pública. As concepções que
apresentam resultam dos sentimentos e das percepções desenvolvidas ao longo de
suas experiências e, por isso, não o necessariamente explicáveis teoricamente,
embora denotem com clareza as apreensões de suas vidas na profissão docente.
No início deste trabalho, parti da crença de que os professores experientes,
de um modo geral, e os dessa turma do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT,
em particular, têm contribuições a oferecer aos processos de formação docente,
como no caso do curso de Pedagogia em que estiveram inseridos por pouco mais
de três anos. Entretanto, restou a indagação sobre como, do alto de sua experiência,
eles poderiam influenciar e dar contribuição nessas práticas formativas. Na tentativa
de encontrar as respostas, o estudo foi em busca de suas vozes constituídas por
seus saberes.
A pesquisa permitiu reconhecer que o pensamento hegemônico, centrado no
desenvolvimento de uma racionalidade instrumental e pouco preocupado com a
construção de uma razão que se revele genuinamente emancipatória, deixa marcas
muito fortes nas concepções dos professores, limitando suas percepções quanto à
natureza e dimensão de sua atuação educativa e ao poder que poderiam ter nas
mãos se, em vez de virem-se a si mesmos como sujeitos aguerridos em suas lutas
individuais, operassem a partir de uma consciência coletiva, através da qual a
realidade pudesse ser questionada e desvelada em seus condicionantes históricos e
coletivamente enfrentada.
205
Contudo, não é menos verdade que, também entre os professores
experientes, sobre quem atuam os mecanismos ideológicos e as práticas discursivas
dominantes, há aqueles que, mesmo não tendo consciência teórica de conceitos que
lhes possam fazer compreender os entrelaçamentos e as muitas implicações das
relações de dominação e opressão a que estão submetidos, são incomodados por
suas circunstâncias e se mobilizam no sentido de fazer com que alguma coisa
aconteça visando uma transformação das situações estabelecidas. Os saberes da
experiência que trazem são suficientes para que se deixem provocar por
pensamentos que clamam por realidades menos injustas, pelo comprometimento
com a própria prática e pela busca de um sentido humano maior na concepção de
sua prática.
Entre os próprios professores há o reconhecimento de que, apesar dos
muitos anos de prática, nem todos aqueles que têm experiência representam os
interesses de seus alunos e ou acreditam em possibilidades reais de transformação
social. Entretanto, aqueles que, mesmo ante a fragilidade da própria formação,
vivem a docência entregando seu corpo e sua alma, porque acreditam que têm um
papel fundamental na formação de seus alunos e na construção de uma nova
sociedade que terá como protagonistas as crianças de hoje.
Onde estariam, então, as possibilidades de contribuição dos professores
experientes com os processos formativos? Seria no campo da teoria? Seria no
campo da prática? Seria ajudando a ensinar aos professores iniciantes como chegar
na escola, e fazendo-os compreender como a “teoria na prática é outra”?
Quero aqui explicitar que, a partir dos construtos apresentados neste
trabalho, a mim parece que a contribuição mais importante que os professores
experientes podem oferecer aos processos formativos é exatamente possibilitar às
instituições e agentes formadores interagir com os seus olhares sobre a prática,
onde as contradições se revelam. Se, por um lado, não são os professores sujeitos
desenvolvedores de um saber reconhecido na academia, por outro, são sujeitos de
uma experiência real, construída social e historicamente, nas quais testemunham,
por estarem diretamente engendrados, as muitas formas de violência simbólica,
opressão e dominação de uns grupos sobre outros na sociedade globalizada e
instrumental em que vivemos.
A Universidade, no entanto, como alguns professores chegam a intuir,
mesmo com seu discurso de formação crítica, parte de certas práticas discursivas
206
que desvalorizam os saberes e a experiência social dos professores. Com seu
“idioma teórico”, a Universidade pouco atinge os professores que partem de
referenciais práticos. E nesse sentido, um feliz paradoxo pode ser percebido: na
maioria dos casos em que os professores reclamam mais prática, mais instrumentais
técnico-metodológicos para operarem sobre suas realidades problemáticas, o que
mais parecem necessitar é de instrumentais teórico-conceituais que lhes possibilitem
compreender o que acontece em seus espaços de atuação, permitindo-lhes operar
conscientemente sobre essas realidades.
A reivindicação da prática significa, antes, a reivindicação de que se parta da
prática, porque esta é o referencial fundamental de compreensão da realidade.
Quando a Universidade faz o contrário, partindo da elaboração abstrata de conceitos
e pressupondo que os professores vão saber utilizá-los nas circunstâncias práticas
cabíveis, realiza, na verdade, outro paradoxo: o distanciamento do professor da
teoria através da linguagem teórica.
A formação crítica não requer que os professores sejam críticos na
vivência dos processos formativos, mas que estejam suscetíveis de ter sua
experiência social posta em discussão a partir de uma perspectiva de transformação
que mergulhe profundamente nas problemáticas cotidianas por eles vivenciadas.
Diante do propósito da formação crítica, talvez a primeira grande tarefa não seja a
exploração e tentativa de construção de novos conceitos inspiradores de uma
mudança das práticas, porque, a não ser que os sujeitos percebam a insuficiência
de seus próprios conceitos e não estejam satisfeitos com suas condições de
existência no mundo, eles não terão porque mudá-los.
A primeira grande tarefa parece ser, pois, desenvolver a capacidade de
problematizar a realidade, evidenciar os conceitos presentes nas práticas vigentes e
sua insuficiência ou inadequação para explicar e compreender os dilemas
enfrentados nas escolas e, com isso, tendo por base a desconstrução de conceitos
até então dominantes, introduzir outros que tenham potencialidade crítica de leitura
da realidade regulada pelas relações de poder e dominação, nas escolas e nos
demais espaços de formação profissional e interação social.
Nesta tarefa, um componente fundamental que os professores
experientes denunciam em suas leituras sobre o processo formativo: a linguagem
dos professores formadores, através da qual serão construídos os novos conceitos,
precisa ser uma linguagem referenciada na prática. Referenciada na prática, mas
207
não limitada a ela, e sim, seriamente comprometida com o desvelamento da teoria
que lhe é imanente e com aquela que constitui a prática desejada, de tal modo a que
os professores possam reconhecer que sua atividade será tanto mais relevante e
poderosa, quanto mais se configurar como uma práxis reflexiva.
Compreendo que uma das formas de dificultar o desenvolvimento da práxis
reflexiva crítica esteja, hoje, na dificuldade que a Universidade ainda encontra em
explicitar e se deixar guiar por uma orientação teórica crítica. Nesse sentido,
explicito a minha defesa de que a Universidade precisa evidenciar aque ponto
está comprometida com o desenvolvimento de currículos voltados para a formação
crítica, porque, se está seriamente comprometida com este intento, precisará refletir
com seu corpo de formadores, sobre os referenciais epistemológicos que realmente
podem conduzir nessa direção.
208
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213
APÊNDICES
Documento de apresentação da proposta de pesquisa à
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Prezada Coordenadora do Curso
Por meio do Curso de Mestrado em Educação da UFPI venho
desenvolvendo pesquisa, orientada pela Prof.ª Dra. Carmen Lúcia de Oliveira
Cabral, que possui como foco
proces
so acadêmico de formação em que estão inseridos,
como os saberes da prática podem influenciar no processo acadêmico de formação
de um docente pesquisador reflexivo crítico
são alunos do curso de
magistério nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que faz da turma do convênio
UFPI/PMT, concluinte no período letivo 2006.2, adequada e conveniente para o
estudo por sua constituição singular.
Trata-se
de uma pesquisa de natureza qualitativa de tipo etnográfico, para a
qual tenho previsto: a) uma análise documental envolvendo, pelo menos, o projeto
do curso e os planos de disciplina trabalhados pelos professores formadores nos
diferentes semestres letivo
praticar a observação participante e o registro de dados desse cotidiano, tendo como
pressupostos: a interação dialógica com os alunos
formadores envolvidos e o retorno, ao g
construtos resultantes dessa interação.
APÊNDICE A
Documento de apresentação da proposta de pesquisa à
C
oordena
Pedagogia Convênio UFPI / PMT
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Teresina, ___ de _____________ de 2006.
Prezada Coordenadora do Curso
de Pedagogia Convênio UFPI/PMT,
Por meio do Curso de Mestrado em Educação da UFPI venho
desenvolvendo pesquisa, orientada pela Prof.ª Dra. Carmen Lúcia de Oliveira
Cabral, que possui como foco
a relação interativa entre professores experientes e o
so acadêmico de formação em que estão inseridos,
tentando compreender
como os saberes da prática podem influenciar no processo acadêmico de formação
de um docente pesquisador reflexivo crítico
. Os principais sujeitos da investigação
são alunos do curso de
Pedagogia da UFPI que possuem experiência de
magistério nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que faz da turma do convênio
UFPI/PMT, concluinte no período letivo 2006.2, adequada e conveniente para o
estudo por sua constituição singular.
de uma pesquisa de natureza qualitativa de tipo etnográfico, para a
qual tenho previsto: a) uma análise documental envolvendo, pelo menos, o projeto
do curso e os planos de disciplina trabalhados pelos professores formadores nos
diferentes semestres letivo
s; b) minha inserção no cotidiano formativo em que devo
praticar a observação participante e o registro de dados desse cotidiano, tendo como
pressupostos: a interação dialógica com os alunos
-
professores e professores
formadores envolvidos e o retorno, ao g
rupo investigado, das impressões e
construtos resultantes dessa interação.
214
oordena
ção do Curso de
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Teresina, ___ de _____________ de 2006.
de Pedagogia Convênio UFPI/PMT,
Por meio do Curso de Mestrado em Educação da UFPI venho
desenvolvendo pesquisa, orientada pela Prof.ª Dra. Carmen Lúcia de Oliveira
a relação interativa entre professores experientes e o
tentando compreender
como os saberes da prática podem influenciar no processo acadêmico de formação
. Os principais sujeitos da investigação
Pedagogia da UFPI que possuem experiência de
magistério nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que faz da turma do convênio
UFPI/PMT, concluinte no período letivo 2006.2, adequada e conveniente para o
de uma pesquisa de natureza qualitativa de tipo etnográfico, para a
qual tenho previsto: a) uma análise documental envolvendo, pelo menos, o projeto
do curso e os planos de disciplina trabalhados pelos professores formadores nos
s; b) minha inserção no cotidiano formativo em que devo
praticar a observação participante e o registro de dados desse cotidiano, tendo como
professores e professores
rupo investigado, das impressões e
215
Entretanto, para que esta pesquisa possa concretizar-se gostaríamos de
contar com sua valiosa colaboração e apoio, especialmente no que diz respeito à
obtenção de informações e documentos institucionais do curso e na negociação,
junto aos professores formadores e aos próprios alunos, de minha inserção no
cotidiano formativo a partir do início do período letivo 2006.2. Nesta inserção, tenho
previsto um acompanhamento gradativo das aulas, o que deve consistir,
inicialmente, em algo em torno de 10 (dez) horas semanais, ampliando-se ao longo
do período letivo até a cobertura da carga horária total realizada em classe.
Certo de sua colaboração e apoio, ponho-me à disposição para quaisquer
esclarecimentos sobre a pesquisa, ao tempo em que antecipo a necessidade de
comunicações recorrentes futuras.
Atenciosamente grato,
____________________
Julival Alves da Silva*
*Aluno da 13ª turma do Curso de Mestrado em Educação da UFPI. E-mail: [email protected]om.br
Documento de apresentação da proposta do estudo
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
COORDEN
AÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Prezado(a) aluno(a)-
professor(a) do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT
Através do Curso de Mestrado em Educação da UFPI, venho
desenvolvendo estudo que tem como foco a relação
experientes e o processo acadêmico de formação em que estão inseridos. No
estudo, tento compreender como os saberes da prática podem influenciar no
processo acadêmico de formação de um docente pesquisador reflexivo crítico.
Pa
ra a pesquisa a que me proponho, a turma do curso de Pedagogia
convênio UFPI/PMT, concluinte no período 2006.2, se enquadra como
especialmente adequada por ser constituída de alunos
experiência de magistério nos anos iniciais do
sua participação no estudo é de grande relevância. Gostaria de poder contar com
sua disposição em viabilizar o acesso a idéias, reflexões, opiniões, concepções e
saberes que fazem parte do seu cotidiano como professor(a)
profissional.
Trata-
se de uma pesquisa de natureza qualitativa de tipo etnográfico, para a
qual tenho previsto: a) uma análise documental envolvendo, pelo menos, o projeto
do curso e os planos de disciplina trabalhados pelos professo
diferentes semestres letivos; b) minha inserção no cotidiano formativo em que devo
praticar a observação participante e o registro de dados desse cotidiano, tendo como
pressupostos: a interação dialógica com os alunos
APÊNDICE B
Documento de apresentação da proposta do estudo
aos
alun
participantes da pesquisa
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
AÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
professor(a) do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT
Através do Curso de Mestrado em Educação da UFPI, venho
desenvolvendo estudo que tem como foco a relação
interativa entre professores
experientes e o processo acadêmico de formação em que estão inseridos. No
estudo, tento compreender como os saberes da prática podem influenciar no
processo acadêmico de formação de um docente pesquisador reflexivo crítico.
ra a pesquisa a que me proponho, a turma do curso de Pedagogia
convênio UFPI/PMT, concluinte no período 2006.2, se enquadra como
especialmente adequada por ser constituída de alunos
-
professores que possuem
experiência de magistério nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Por esta razão,
sua participação no estudo é de grande relevância. Gostaria de poder contar com
sua disposição em viabilizar o acesso a idéias, reflexões, opiniões, concepções e
saberes que fazem parte do seu cotidiano como professor(a)
atuante e em formação
se de uma pesquisa de natureza qualitativa de tipo etnográfico, para a
qual tenho previsto: a) uma análise documental envolvendo, pelo menos, o projeto
do curso e os planos de disciplina trabalhados pelos professo
diferentes semestres letivos; b) minha inserção no cotidiano formativo em que devo
praticar a observação participante e o registro de dados desse cotidiano, tendo como
pressupostos: a interação dialógica com os alunos
-
professores e profe
216
alun
os-professores
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
professor(a) do curso de Pedagogia convênio UFPI/PMT
Através do Curso de Mestrado em Educação da UFPI, venho
interativa entre professores
experientes e o processo acadêmico de formação em que estão inseridos. No
estudo, tento compreender como os saberes da prática podem influenciar no
processo acadêmico de formação de um docente pesquisador reflexivo crítico.
ra a pesquisa a que me proponho, a turma do curso de Pedagogia
convênio UFPI/PMT, concluinte no período 2006.2, se enquadra como
professores que possuem
Ensino Fundamental. Por esta razão,
sua participação no estudo é de grande relevância. Gostaria de poder contar com
sua disposição em viabilizar o acesso a idéias, reflexões, opiniões, concepções e
atuante e em formação
se de uma pesquisa de natureza qualitativa de tipo etnográfico, para a
qual tenho previsto: a) uma análise documental envolvendo, pelo menos, o projeto
do curso e os planos de disciplina trabalhados pelos professo
res formadores nos
diferentes semestres letivos; b) minha inserção no cotidiano formativo em que devo
praticar a observação participante e o registro de dados desse cotidiano, tendo como
professores e profe
ssores
217
formadores envolvidos e o retorno, ao grupo investigado, das impressões e
construtos resultantes dessa interação.
A pesquisa não tem o fim de revelar a identidade dos participantes sem
que isso seja de pleno interesse e consentimento do grupo.
Atenciosamente grato,
____________________
Julival Alves da Silva*
*Aluno da 13ª turma do Curso de Mestrado em Educação da UFPI. E-mail: [email protected]om.br
218
APÊNDICE C
Questionário para levantamento de perfil básico dos alunos-professores
participantes da pesquisa
QUESTIONÁRIO AO(À) ALUNO(A)-PROFESSOR(A)
DO CURSO DE PEDAGOGIA CONVÊNIO UFPI/PMT
Obs.: Nenhuma informação ou identificação pessoal dos participantes seutilizada
no relatório da pesquisa sem que seja de seu consentimento. As informações
solicitadas são para controle dos dados do estudo e possível contato futuro
com os sujeitos.
QUESTÕES 1 a 7 – PREENCHIMENTO LIVRE
1. Identificação pessoal
Nome:_________________________________________________________
Endereço: ______________________________________________ n.º ____
Bairro _________________ Cidade: _________________ CEP ___________
Telefone Residencial: _______________ Telefone Celular: _______________ E-
mail: ________________________________________________________
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
2. Que idade você tinha quando começou a atuar como professor(a)?
R - ______ anos
3. Identifique as áreas em que você já atuou ou atua como professor(a), informando
o tempo em que atuou ou atua em cada uma dessas áreas
( ) Educação Infantil (Creche, maternal e jardim) Tempo: ____ ano(s);
( ) Educação Infantil – Alfabetização Tempo: ____ ano(s);
( ) Alfabetização de Jovens e Adultos Tempo: ____ ano(s);
( ) Educação de Jovens e Adultos – 1ª à 4ª séries Tempo: ____ ano(s);
( ) Educação Especial ou Classes de Apoio Especial Tempo: ____ ano(s);
( ) Anos iniciais do Ensino Fundamental – Regular Tempo: ____ ano(s);
( ) Ensino Fundamental a partir da 5ª série Tempo: ____ ano(s);
( ) Docência em outras experiências extra-escolares
Especifique:_______________________________ Tempo: ____ ano(s);
( ) Nenhuma das alternativas anteriores
4. Somando todos os anos de sua experiência docente, quantos anos você é
professor(a)? Resposta: ______ anos
219
5. Identifique outras possíveis experiências que você possua na área da educação
( ) Direção de escola
( ) Coordenação e/ou apoio pedagógico
( ) Função técnico-administrativa na secretaria da escola
( ) Outras funções técnicas e/ou pedagógicas na escola
( ) Função técnico-administrativa na Secretaria de Educação
( ) Função à disposição de outros órgãos públicos
( ) Outras ____________________________________________________
6. Por que você ingressou no curso de Pedagogia Convênio UFPI / PMT?
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
7. Antes do ingresso no curso de Pedagogia sua formação era:
( ) Normal de nível médio (Pedagógico)
( ) Normal de nível médio (Pedagógico) com 4.º ano adicional
( ) Outra formação de 2º Grau. Qual? ______________________________
( ) Curso superior incompleto iniciado em outra Instituição. Qual curso?
___________________________________________________________
( ) Licenciatura Curta. Qual curso? _________________________________
( ) Curso Superior Completo. Qual curso? ___________________________
( ) Outra. Especifique ___________________________________________
QUESTÕES 8 a 19 – ALTERNATIVA ÚNICA
8. Sobre a quantidade de cursos de atualização, capacitação e aperfeiçoamento
para a docência de que você participou:
( ) Não participou de nenhum até agora
( ) Participou de 1 a 3 cursos. Os mais importantes para você foram: ______
______________________________________________________________
( ) Participou de 4 a 8 cursos. Os mais importantes para você foram: ______
______________________________________________________________
( ) Participou de 9 cursos ou mais. Os mais importantes para você foram: __
______________________________________________________________
9. Quando você ingressou no curso de Pedagogia, que tipo(s) de contribuição você
esperava da formação em nível superior para sua prática?
( ) Principalmente Teórica
( ) Principalmente Prática
220
( ) Necessariamente Teórica e Prática
( ) Nenhuma
( ) Outra. Qual? ________________________________________________
10. Sobre o nível de atendimento do curso de Pedagogia às suas expectativas do
começo do curso, você diria que:
( ) Não atendeu às expectativas
( ) Atendeu parcialmente às expectativas
( ) Atendeu plenamente às expectativas
( ) Atendeu e superou as expectativas
11. Agora que o curso está na reta final, até que ponto essa formação em nível
superior contribuiu para a melhoria de sua prática docente?
( ) Não contribuiu
( ) Contribuiu pouco
( ) Contribuiu razoavelmente
( ) Contribuiu muito
12. Se a formação em nível superior contribuiu para a melhoria de sua prática
docente, de que forma você percebeu essa contribuição?
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
13. Considerando a importância dos saberes adquiridos no curso de Pedagogia para
a melhoria da prática do professor você diria que:
( ) A melhoria da prática do professor depende fundamentalmente dos saberes
trabalhados no curso de Pedagogia;
( ) Os saberes do curso de pedagogia têm o seu valor, mas são principalmente
os saberes adquiridos na própria prática do professor os principais responsáveis
por sua melhoria.
( ) A melhoria da prática do professor depende fundamentalmente da
articulação consciente entre os saberes explorados no curso de Pedagogia e os
saberes adquiridos no exercício da própria prática.
221
14. Considerando a importância de OUTROS SABERES adquiridos em sua vida,
FORA DA ESCOLA, você diria que:
( ) É principalmente a eles que se devem os bons resultados da prática em sala
de aula;
( ) Eles também são importantes para a prática na sala de aula, MAS NÃO
TANTO quanto os saberes pedagógicos e científicos da formação acadêmica no
curso de Pedagogia;
( ) Eles não são importantes para a prática na sala de aula;
( ) Eles são tão importantes quanto os saberes pedagógicos e científicos da
formação acadêmica do curso de Pedagogia e, por isso, devem andar sempre
juntos.
15. Com relação à valorização e exploração dos saberes da sua experiência no
curso de Pedagogia você diria que:
( ) NÃO foram valorizados e explorados ao longo do curso;
( ) foram POUCO valorizados e explorados ao longo do curso;
( ) foram valorizados e explorados RAZOAVELMENTE ao longo do curso;
( ) foram BASTANTE valorizados e explorados ao longo do curso;
16. Sobre a importância da presença dos saberes de professores experientes como
você em um curso de Pedagogia você diria que:
( ) Os saberes da experiência refletem apenas o senso comum e não devem
estar presentes em um curso de Pedagogia que é espaço para conhecimento
científico;
( ) Os saberes da experiência deveriam estar presentes no curso de Pedagogia
em estreita colaboração com os saberes acadêmicos;
( ) Os saberes da experiência é que deveriam constituir o pilar fundamental da
formação docente num curso de Pedagogia.
17. Com relação à formação para o desenvolvimento da atitude e prática da
PESQUISA COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO, você diria que o curso de
Pedagogia:
( ) Favoreceu-lhe uma preparação principalmente teórica para esse tipo de
pesquisa;
( ) Favoreceu-lhe uma preparação principalmente prática para esse tipo de
pesquisa;
( ) Favoreceu-lhe uma preparação teórica e prática para esse tipo de pesquisa
( ) NÃO lhe favoreceu uma preparação para esse tipo de pesquisa;
222
18. Com relação à reflexão que você realiza sobre sua prática docente, você diria
que:
( ) Graças ao curso de Pedagogia, hoje você reflete mais sobre sua prática que
antes de ingressar na Universidade;
( ) Você não modificou sua forma de refletir sobre a prática depois que
ingressou no curso de Pedagogia;
( ) Outra resposta: _____________________________________________
19. Com relação à reflexão que você desenvolve sobre sua prática, você diria que
hoje PREDOMINAM elementos relativos a:
( ) as técnicas e estratégias metodológicas que você utiliza ou deve utilizar na
sala de aula para atingir os objetivos definidos no planejamento didático;
( ) os sentidos políticos e sociais de sua ação educativa para o
desenvolvimento de uma prática que seja coerente com estes sentidos;
( ) ao que está contemplado nos dois itens anteriores, sem predominância de
um sobre o outro;
( ) outros aspectos da prática: ____________________________________
Muito obrigado!
Termo de Ciência
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Termo de Ciência e Colaboração em Pesquisa
Declaro estar
colaborando vol
entrevista, com a pesquisa realizada p
mestrando pelo
Programa de Pós
Educação da Universidade Federal do Piauí
saberes da experiência na formação de professores
concluinte, entre 2006 e 2007, do curso de Pedagogia conv
Municipal de Teresina.
Estou ciente de que minhas declarações
ser utilizadas
como base empírica da referida pesquisa e
relacionada à
formação de professores,
Quanto à
utilização do nome próprio junto às declarações prestadas em
entrevista:
a) AUTORIZO;
b)
Prefiro a utilização de um
Te
resina, ___ de ___ de
APÊNDICE D
Termo de Ciência
e
Colaboração em Pesquisa
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Termo de Ciência e Colaboração em Pesquisa
colaborando vol
untariamente, através da concessão de
entrevista, com a pesquisa realizada p
elo professor
Julival Alves da Silva
Programa de Pós
-
graduação em Educação / Curso de Mestrado em
Educação da Universidade Federal do Piauí
(UFPI)
, que investiga a
saberes da experiência na formação de professores
, tendo como referência a turma
concluinte, entre 2006 e 2007, do curso de Pedagogia conv
ênio UFPI / Prefeitura
Estou ciente de que minhas declarações
feitas
em entrevista
como base empírica da referida pesquisa e
d
a produção
formação de professores,
para o que dou o
meu consentimento.
utilização do nome próprio junto às declarações prestadas em
Prefiro a utilização de um
PSEUDÔNIMO. Sugestão:
__________________
resina, ___ de ___ de
200___. _________
__________________________
Nome e Assinatura
R.G. N.º _________________
223
Colaboração em Pesquisa
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROF. MARIANO DA SILVA NETO
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Termo de Ciência e Colaboração em Pesquisa
untariamente, através da concessão de
Julival Alves da Silva
,
graduação em Educação / Curso de Mestrado em
, que investiga a
influência dos
, tendo como referência a turma
ênio UFPI / Prefeitura
em entrevista
têm como fim
a produção
científica
meu consentimento.
utilização do nome próprio junto às declarações prestadas em
__________________
__________________________
Nome e Assinatura
R.G. N.º _________________
224
ANEXOS
225
ANEXO A
Grade curricular do curso de Pedagogia convênio UFPI / PMT
(Projeto 5 – 2004/1 a 2006/2)
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR / GRADE CURRICULAR
INTEGRAÇÃO CURRICULAR – 2.910 horas
Duração: 3 anos
Blocos Disciplinas
1º ano 2º ano 3º ano
Total
1ºS 2ºS 1ºS 2ºS 1ºS 2ºS
I. Formação
histórico-cultural do
professor e a
realidade
brasileira.
SEMINÁRIO I
15h
330 h
OFICINA I
15h
História da Cultura Brasileira
60h
Filosofia da Educação
Brasileira
60h
Sociologia da Educação
60h
Antropologia e Educação
60h
Fundamentos Teórico-
Metodológicos do Trabalho
Científico
60h
SUBTOTAL 330h
II. Teoria e
Pesquisa
Educativa
SEMINÁRIO II
15h
660 h
OFICINA II
15h
Educação, Estado e
Cidadania
60h
Fundamentos Teórico-
Metodológicos da Pesquisa
Educativa.
60h
História da Educação
Brasileira
60h
Leitura e Produção de
Textos
60h
Fund. Psicológicos da
Educação
60h
SUBTOTAL 330h
III. Currículo /
Avaliação e Prática
Educativa
SEMINÁRIO III
15h
990 h
OFICINA III
15h
Teoria de Currículo e
Sociedade
60h
Avaliação da Aprendizagem
60h
Alfabetização
60h
Psicolingüística
60h
Fund. Didáticos da Prática
Pedagógica
60h
SUBTOTAL 330h
226
Blocos Disciplinas
1º ano 2º ano 3º ano
Total
1ºS 2ºS 1ºS 2ºS 1ºS 2ºS
IV. Políticas
Públicas e Prática
Educativa
SEMINÁRIO IV
15h
1620h
OFICINA IV
15h
Políticas Públicas e
Educação
60h
Planejamento e Avaliação da
Educação
60h
Gestão e Organização do
Trabalho Pedagógico
60h
Fundamentos da Educação
Especial
60h
Legislação e Organização da
Educação Básica
60h
Prática educativa I
300h
SUBTOTAL 630
V. Conteúdo /
Metodologia e
Prática Educativa
SEMINÁRIO V
15h
2250h
OFCINA V
15h
Conteúdo e Metod. da
Língua Portuguesa
60h
Conteúdo e Metod. da
Matemática
60h
Conteúdo e Metod. de
História
60h
Conteúdo e Metod. de
Geografia
60h
Conteúdo e Metod. de
Ciências da Natureza
60h
Prática educativa II
300h
SUBTOTAL 630h
VI – NTIC e
Prática Educativa
SEMINÁRIO VI
15h
2.910h
OFICINA VI
15h
Conteúdo e Metod. de
Educação Física
60h
Conteúdo e Metod. de Artes
60h
Eco-pedagogia
60h
Educação e as NTIC
60h
Literatura Infantil
60h
Prática Educativa III
300h
EAD
30h
SUBTOTAL 660h
227
ANEXO B
Ementas das disciplinas do curso de Pedagogia convênio UFPI / PMT
(Projeto 5 – 2004/1 a 2006/2)
EMENTAS DAS DISCIPLINAS
BLOCO I - Formação histórico-cultural do professor e a realidade brasileira
1. História da cultura brasileira
Genealogia do conceito de cultura. Cultura brasileira: as duas retóricas da formação
colonial brasileira.
Cultura brasileira: etnografia dos eventos criação e performance.
2. Filosofia da educação brasileira
Teoria do conhecimento. Modalidades ou tipos de conhecimento. Fundamentos
filosóficos da educação brasileira. Tendências pedagógicas no Brasil. As
contradições político-filosóficas da educação brasileira.
3. Fundamentos Teórico-Metodológico do Trabalho Científico
As técnicas e modalidades de registros das leituras filosófica e científica: esquema,
resumo e resenha; normalização dos trabalhos científicos; os problemas
metodológicos do conhecimento: bom senso, científico e filosófico; formas de
produção do conhecimento: pesquisa bibliográfica, monografia e artigo.
4. Antropologia e Educação
A Natureza da Antropologia. Educação e construção da cultura. Identidade e
elementos culturais. Significado das instituições educativas. Gênero e educação.
Educação e poder. Experiências de educação alternativa
5. Sociologia da Educação
Sociologia como ciência. Sociologia da Educação. Educação e Sociedade. Escola e
estrutura social. Educação e Estado.
228
BLOCO II - Teoria e Pesquisa Educativa
6. Fundamentos Psicológicos da Educação
Introdução aos fundamentos psicológicos da Educação. A natureza social do
homem. Desenvolvimento e Aprendizagem: características, concepções, teorias e
implicações na educação.
Proposta construtivista de aprendizagem
a) pressupostos teóricos
b) influências do socioconstrutivismo nas diversas áreas do conhecimento.
7. Educação, Estado e Cidadania
Conceito de Estrutura Social e Educação. As teorias sociológicas. As estruturas
econômicas, políticas e ideológicas. Educação e poder.
O Estado democrático moderno. As circunstâncias da modernidade. O Estado de
direito, Os direitos civis. Os direitos políticos. Os direitos sociais. Cidadania e
educação. Capitalismo, socialismo e educação.
8. Fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa educativa
Enfoques teóricos da pesquisa em educação. Métodos de pesquisa em educação.
Etapas do processo de pesquisa. Realização de pesquisas e análise de situações de
pesquisa e de ensino, com a finalidade de produzir conhecimentos teórico-práticos.
9. Leitura e produção de textos
Prática de leitura e prática de produção de textos. Reflexões sobre o processo de ler
e escrever.
10. História da Educação Brasileira
História da Educação e História da Educação Brasileira. A periodização. A educação
brasileira na colônia, no império e na república. Os fatos educacionais em relação ao
contexto sócio-político-econômico. A educação brasileira atual. Evolução da
educação no Piauí.
229
BLOCO III – Currículo Avaliação e Prática Educativa
11. Alfabetização
Aspectos conceituais, políticos, sociais e educacionais da alfabetização. Escrita:
história, expansão e usos funcionais. Psicogênese da escrita. Fatores
psicosociolinguísticos e aquisição da leitura e da escrita. Propostas metodológicas
para alfabetização.
12. Avaliação da Aprendizagem
Paradigmas de avaliação da aprendizagem Concepções de avaliação vigentes na
escola. Práticas avaliativas no ensino fundamental e Instrumentos de avaliação.
13. Teoria de currículo e sociedade
Fundamentos teórico-metodológicos e legais do currículo. Concepções de currículo
e planejamento curricular. Experiências curriculares formais e não formais.
14. Fundamentos didáticos da prática pedagógica.
Fundamentos epistemológicos da ação didática. A didática e a formação do
professor. O planejamento didático e a organização do trabalho docente.
15. Psicolíngüística
Processo de organização e desenvolvimento da linguagem na criança: Aspectos
históricos, psicopedagógicos e lingüísticos. Papel social da linguagem oral e escrita
BLOCO IV - Políticas públicas e prática educativa
16. Legislação e organização da educação básica
Dimensão política e pedagógica da organização do sistema educacional brasileiro.
Educação básica e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
230
17. Políticas Públicas na Educação
Concepções e Teorias de Estado. As Políticas Sociais no Contexto do Capitalismo.
A Política Educacional no Contexto das Políticas blicas no Brasil. O
financiamento das políticas públicas e da educação.
18. Planejamento e Avaliação da Educação
Estado e Planejamento (concepções). O Processo de Planejamento geral e
educacional e funções do planejamento. Metodologia de planejamento e sua
aplicação. Tendências na avaliação de projetos educacionais. Indicadores de
avaliação de sistemas educacionais e análise de projetos ou planos educacionais
em execução.
19. Gestão e Organização do Trabalho Pedagógico
Teorias de administração escolar: fundamentos sociais e políticos. Natureza do
trabalho pedagógico escolar e o escolar. Relações interpessoais na instituição
educativa. Projeto Pedagógico escolar e não escolar. Tendências atuais de gestão
escolar.
20. Fundamentos de Educação Especial
Princípios, fundamentos, histórico, legislação e estrutura geral da Educação
Especial. O aluno da educação especial; deficiência/habilidades/potencialidades;
inserção sócio-educacional; perspectivas atuais de atendimento.
BLOCO V - Políticas públicas e prática educativa
21. Conteúdo e Metodologia da Língua Portuguesa
Fundamentos teórico-metodológicos para o ensino de Língua Portuguesa. A fala, a
leitura, a escrita e a análise lingüística como prática de sistematização do
conhecimento lingüístico. Conteúdos e materiais didáticos de Língua Portuguesa nos
anos iniciais do ensino fundamental.
231
22. Conteúdo e Metodologia da Matemática
Concepções do ensino de Matemática. Tendências atuais do ensino e aprendizagem
da Matemática. Proposição teórico-metodológica no ensino da Matemática nas
séries iniciais do ensino fundamental. Conteúdos e materiais didáticos no ensino de
Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Experiências e projetos de
ensino de Matemática.
23. Conteúdo e Metodologia de História
Fundamentos teórico-metodológicos para o ensino de História. Conteúdos e
materiais didáticos no ensino de História nos anos iniciais do ensino fundamental.
Experiências de ensino de História.
24. Conteúdo e Metodologia de Geografia
Fundamentos teórico-metodológicos para o ensino de Geografia. Conteúdos e
materiais didáticos no ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental.
Experiências de ensino de Geografia.
25. Conteúdo e Metodologia de Ciências da Natureza
Fundamentos teórico-metodológicos do ensino de Ciências da Natureza nas séries
iniciais do ensino fundamental. Materiais didáticos no ensino de Ciências da
Natureza. Projetos de ensino de Ciências. Os conteúdos de Ciências nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental.
BLOCO VI - Prática Educativa
26. Conteúdo e Metodologia de Educação Física
Educação Física e seu objeto de estudo. Tendências curriculares do ensino de
Educação Física. Educação Física e a cultura corporal. Aprender e ensinar
Educação Física. Iniciação nos grupos de referência social. Avaliação em Educação
Física.
232
27. Conteúdo e Metodologia de Artes
A Arte como objeto de conhecimento. O ensino da Arte na escola. Pesquisas e
produções textuais na do ensino e aprendizagem da Arte. Sensibilidade no fazer
artístico do aluno. Fatos, conceitos, princípios, procedimentos, valores e
sensibilidade na reflexão sobre arte como objeto cultural e histórico. Avaliação em
Arte
28. Eco-Pedagogia
Educação, Meio-ambiente e cotidiano. Princípios de Sustentabilidade. Cidadania
Ambiental
29. Educação e as NTIC (Novas Tecnologias da Informação e Comunicação):
O processo de informatização da sociedade. Tendências atuais da tecnologia na
Educação; Teorias da aprendizagem e metodologia subjacentes ao ensino por
computador numa perspectiva construtiva do processo de conhecimento; Ambiente
de Aprendizagem em Contextos Sociais e Mudanças Prática Reflexiva e
Participação Crítica; Teoria e Prática no Ambiente Informatizado; Projetos
Pedagógicos; Softwares Educativos.
30. Literatura Infantil
Formação do repertório de literatura infantil; conto de fadas; fábulas. Formação do
leitor através da literatura infantil, Técnicas de contar história.
31. Prática de Ensino na Escola Fundamental
Ensino Fundamental: contextualização e problemática. Relatos de experiências de
ensino na escola fundamental. Análise das experiências e dos programas oficiais do
Ensino Fundamental. Planejamento, execução e avaliação de ações didático-
pedagógicas no Ensino Fundamental.
233
ANEXO C
Temas de Seminários e Oficinas destinados ao curso de Pedagogia convênio
UFPI/PMT (Projeto 5 – 2004/1 a 2006/2)
SEMINÁRIOS
1. Educação e Relação de Gêneros
2. Educação e Sexualidade
3. Políticas Educacionais e Partidos Políticos
4. Planos Econômicos e Classes Sociais
5. Economia e Educação
6. Educação e Trabalho
7. A Pedagogia de Paulo Freire
8. Educação e Subjetividade
9. Pedagogia de projetos
OFICINAS PEDAGÓGICAS
1. Arte-Educação
2. Educação e ludicidade
3. Biodança
4. Oficinas de translinguagem
5. Arte-terapia
6. Recursos Audiovisuais
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo