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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Educação
REPERCUSSÕES DA POLÍTICA INTERNACIONAL NA
POLÍTICA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA APÓS 1990
LINDICÉIA BATISTA DE FRANÇA LOPES
MARINGÁ
2009
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Educação
REPERCUSSÕES DA POLÍTICA INTERNACIONAL NA
POLÍTICA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA APÓS 1990
Trabalho apresentado por LINDICÉIA
BATISTA DE FRANÇA LOPES, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação,
Área de Concentração: Educação, da
Universidade Estadual de Maringá, como um
dos requisitos para a obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora:
Profª
Drª
Ângela Mara de Barros Lara.
MARINGÁ
2009
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LINDICÉIA BATISTA DE FRANÇA LOPES
REPERCUSSÕES DA POLÍTICA INTERNACIONAL NA
POLÍTICA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA APÓS 1990
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof
a
Dr
a
Ângela Mara de Barros Lara (Orientadora) – UEM
______________________________________________
Profª Drª Regina Maria Michelotto – UFPR
______________________________________________
Profª Drª Maria de Lourdes Perioto Guhur – UEM
Maringá, 03 de abril de 2009.
Dedico,
À minha família:
esposo Rubens
e filhas Gabriela e Isadora
pelo apoio e compreensão do tempo que
esta pesquisa ocupou das nossas vidas.
AGRADECIMENTOS
A minha família, Rubens, meu marido, Gabriela e Isadora, nossas filhas, por me
proporcionarem um contexto tranqüilo e de confiança para meus estudos e minha
formação.
Agradeço à minha mãe, que muito auxiliou e deu suporte para que eu pudesse
me dedicar a pesquisa e dar conta dos prazos determinados.
À orientadora, Profª Drª Ângela Mara de Barros Lara, pela orientação, mas
antes de tudo pelo pela paciencia e compreensão que foram essenciais para o
desenvolvimento desta pesquisa
À Profª Drª Amélia Kimiko Noma, pela sua contribuição e dedicação na leitura
deste trabalho para o exame de qualificação e por ensinar e alertar da
rigorosidade que a pesquisa exige.
Aos professores Drª Regina Maria Michelotto e Drª Maria de Lourdes Perioto
Guhur, membros da banca examinadora, pelas contribuições e sugestões
valiosas para o desenvolvimento deste trabalho.
Às colegas de turma, Flávia, Mara e Magna, pelo incentivo e trocas de idéias no
decorrer de todo processo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado, área de
concentração: Fundamentos de Educação e à equipe de professores.
Enfim, a todas as pessoas que, de uma maneira ou de outra, colaboraram para a
conclusão desta pesquisa.
LOPES, Lindicéia Batista de França. REPERCUSSÕES DA POLÍTICA
INTERNACIONAL NA POLÍTICA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA
APÓS 1990. 155f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Estadual
de Maringá. Orientadora: Ângela Mara de Barros Lara. Maringá, 2009.
RESUMO
Esta pesquisa propõe-se a apresentar as repercussões da política internacional
na política brasileira para a Educação Infantil, produzidas após os anos de 1990.
Focaliza os princípios e as estratégias que orientam a política de Educação
Infantil nos documentos publicados pelas agências multilaterais de financiamento
como Banco Mundial e a CEPAL, e pelas agências sensíveis ao social como a
UNESCO e o UNICEF, assim como as orientações postas na legislação que trata
da educação infantil produzida no Brasil. O objetivo é compreender em que
medida estas repercussões se configuram no contexto político-histórico posto em
âmbito nacional. A Potica para a Educação Infantil brasileira, ordenada enquanto
legislação, construiu-se a partir dos anos de 1990, marcada por orientações da
reforma de Estado, engendrando uma concepção de Educação Infantil voltada
para uma concepção hegemônica da sociedade contemporânea. Ampliaram-se os
direitos na medida em que se estabeleceu a Educação Infantil como a primeira
etapa da Educação Básica, contudo persistiu-se a influência das orientações
internacionais. Diante disso, esse estudo se efetivou a partir da abordagem
histórica, considerando que a política para a Educação Infantil se constrói a partir
das relações de trabalho num determinado modo de produção. Essa perspectiva
aponta pensar essa política num contexto social, político-econômico marcado por
redefinições baseadas nas políticas neoliberais em cumprimento ao Ajuste
Estrutural. As orientações internacionais para o atendimento de zero a seis anos
são definidas pelo marco da Educação para Todos tendo como prioridade o
Ensino Fundamental. A ênfase à política para Educação Infantil se dá em atender
os grupos mais vulneráveis nas questões básicas de sobrevivência da criança
como atenção, saúde, proteção e desenvolvimento. No entendimento de que o
Estado deve ser suplente, as políticas nacionais para a Educação Infantil
explicitam a descentralização, repassando o compromisso deste atendimento aos
municípios. Tais políticas se fundamentam na perspectiva de priorizar programas
e serviços às populações infantis mais pobres, com participação efetiva da família
e da comunidade.Trata-se, portanto, de uma pesquisa com foco em trazer o
entendimento sobre as categorias principais que constroem a política nacional
para a Educação Infantil, ao passo que permite perceber os contornos e as
mediações entre a proposição internacional e a implementação nacional no
atendimento educacional à criança de zero a seis anos.
Palavras-chave: Política Pública Internacional; Brasil após anos de 1990; Política
Pública Educacional; Educação Infantil.
LOPES, Lindiceia Batista de França. POST-1990 REPERCUSSIONS OF
INTERNATIONAL POLITICS ON BRAZILIAN CHILDREN EDUCATION
POLICIES. 155f. Master’s Dissertation in Education Universidade Estadual de
Maringá. Supervisor: Drª Ângela Mara de Barros Lara. Maringá PR Brazil, 2009.
ABSTRACT
Repercussions of international politics on Brazilian policies for Children Education
after 1990 are provided. The principles and strategies underlying Children
Education policies in documents published by multilateral funding agents (World
Bank and CEPAL) and by socially-minded agents (UNESCO and UNICEF) are
focused. Guidelines in the legislation which deals with Children Education in Brazil
are also comprised. Research aims at understanding in what proportion such
repercussions feature in the political and historical context within the Brazilian
milieu. In so far as it is inserted within legislation, Brazilian Children Education
policy has been marked, as from the 1990s, by the State’s reform guidelines and
produced a concept of Children Education imbued with contemporary society’s
hegemonic conception. Although rights were widened when Children Education
became the first stage of Basic Education, the influence of international guidelines
still persisted. Current research, based on a historical approach, forwards that
Children Education policies are built as from labor relationships within a
determined way of production. The above perspective leads towards a policy
based on the social, political and economical context characterized by re-
definitions imbued by neo-liberal politics to comply with the Structural Adjustment.
International guidelines for the attendance of children within the 0-6-year-old
bracket are defined by the Education for All policy and by a priority on Basic
Education. Emphasis on Children Education occurs when the most fragile groups
in child survival issues are attended to. This comprises attention, health, protection
and development. Since the State should be a mere supplement, national policies
for Children Education insist on decentralization and the forwarding of attendance
commitment to the municipal governments. These policies are based on giving
priority to programs and services to the poorest child populations, with the family’s
and the community’s effective participation. Research, therefore, tries to
understand the main categories that build the Brazilian policy for Children
Education. It also tries to investigate the mediations between the international
proposition and the national implementation within the educational attendance to
0-6-year-old-bracket children.
Key words: International Public Policies; post-1990 Brazil; Public Educational
Policy; Children Education.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
AID Associação Internacional de Desenvolvimento
ANPED Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento
BM Banco Mundial
BPC Benefício de Prestação Continuada
CEB Câmara de Educação Básica
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CNE Conselho Nacional de Educação
COEDI Coordenação Geral da Educação Infantil
CONEC Congresso Nacional de Educação
CONPEB Conselho de Políticas para a Educação Básica
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
DPE Departamento de Políticas de Educação Infantil e do Ensino
Fundamental
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ECD Early Childhood Care and Development
ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
EPT Educação para Todos
FAE Fundação de Assistência ao Educando
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Nacional
Fundef Fundo para o desenvolvimento do Ensino Fundamental
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índices de Desenvolvimento Humano
IFC Corporação Financeira Internacional
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MARE Ministério da Administração e Reforma do Estado
MDE Manutenção e ao Desenvolvimento do Ensino
MEC Ministério de Educação e Cultura
NEBAS Necessidades Básicas de Aprendizagem de Crianças, Jovens
e Adultos
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODM Objetivos Desarrollo do Milenio
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMC Organização Mundial do Comércio
ONU Sistema de Organização das Nações Unidas
OREALC América Latina e Caribe
PAE Programa de Ajuste Estrutural
PNE Plano Nacional de Educação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Proinfantil Programa de Formação Inicial para Professores da Educação
Infantil
PRONAICA Programa Nacional de Atenção Integral à criança e ao
Adolescente
PT Partido dos Trabalhadores
RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
RCNEI Referencial Curricular para a Educação Infantil
SEB Secretaria de Educação Básica
SEF Secretaria do Ensino Fundamental
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para Infância
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 11
2 A EDUCAÇÃO INFANTIL NA AGENDA POLÍTICA DAS AGÊNCIAS
MULTILATERAIS..................................................................................
16
2.1 CONTEXTUALIZANDO O CENÁRIO INTERNACIONAL DAS
AGÊNCIAS MULTILATERAIS E DA CONSTRUÇÃO DAS
POLÍTICAS NEOLIBERAIS NA AMÉRICA LATINA (1995-2005) ........
17
2.2 PRINCIPAIS DEBATES E AÇÕES DA ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS – ONU – PARA A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
INFANTIL A PARTIR DAS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS........
27
2.3 AGÊNCIAS MULTILATERAIS: DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES E
ESTRATÉGIAS PARA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL.............
36
2.3.1
Educação infantil na perspectiva do Banco Mundial.......................
38
2.3.2
Educação Infantil na perspectiva da CEPAL.................................... 43
2.3.3
Educação Infantil na perspectiva da UNESCO.................................
48
2.3.4
Educação Infantil na perspectiva do UNICEF................................... 60
3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NO
BRASIL APÓS 1990.............................................................................
66
3.1 CENÁRIO DA POLÍTICA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA
NO CONTEXTO NEOLIBERAL ............................................................
68
3.2 A LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL NO APÓS
1990.......................................................................................................
86
3.2.1
Política Nacional para Educação Infantil – 1994...............................
87
3.2.2
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – 1996.................
93
3.2.3
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – 1998...
97
3.2.4
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – 1998. 101
3.2.5
Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil – 2000................ 103
3.2.6
Plano Nacional de Educação – 2001..................................................
108
3.2.7
Política Nacional de Educação Infantil – 2005.................................. 115
4 REPERCUSSÕES DA POLÍTICA INTERNACIONAL PARA
EDUCAÇÃO INFANTIL NA POLÍTICA NACIONAL PERTINENTE......
122
4.1 ORIENTAÇÕES ATUAIS DA UNESCO PARA A POLÍTICA DE
EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA: UMA PROPOSTA DE
“SERVIÇOS” PARA A CRIANÇA DE 0 A 6 ANOS.................................
123
4.2 ANÁLISE DA REPERCUSSÃO DAS ORIENTAÇÕES
INTERNACIONAIS NOS DOCUMENTOS PROPOSTOS A PARTIR
DOS ANOS DE 1990..............................................................................
131
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 142
REFERÊNCIAS.................................................................................... 148
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objeto de investigação a “política para Educação
Infantil”, que se refere às medidas tomadas pelo Estado com relação à Educação
das crianças de zero a seis anos. A política educacional se constitui numa política
pública e configura-se como uma modalidade da política social. Esta abordagem
vincula-se a concepção de Educação presente na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), Lei n.9394/96, a qual conceitua a Educação
entendendo-a enquanto processos formativos da pessoa humana e Educação
Infantil enquanto primeira etapa da Educação Básica nacional.
O foco é apontar e compreender as repercussões da política internacional
encaminhadas pelas agências multilaterais para a política nacional para a
Educação Infantil brasileira no período de 1995 a 2005. Esta periodização se
justifica por se tratar de um momento em que a Educação Infantil, no Brasil, passa
a se configurar como uma política de direito e a constituir uma legislação
específica. É também, a partir de 1995, que o Brasil vive a implementação da
reforma do Estado e a da Educação, a partir das orientações neoliberais
instituídas pelo ajuste estrutural.
Neste período, após os anos de 1990, as orientações internacionais
propostas pelo Banco Mundial, pela Comissão Econômica para a América Latina
e o Caribe CEPAL –, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura UNESCO e pelo Fundo das Nações Unidas para Infância
– UNICEF –, em seus documentos oficiais, têm fornecido subsídios teóricos,
técnicos e/ou financeiros aos países periféricos como o Brasil. Numa intervenção
sistemática, estas agências, que fazem parte do Sistema de Organização das
Nações Unidas ONU – atuam enfaticamente com orientações educacionais
voltadas à formação do cidadão produtivo com equidade, na ótica de garantir
oportunidades de competitividade.
Em contexto brasileiro, a Educação Infantil se institui num cenário de
reforma do Estado e da Educação que permeiam mudanças instituídas diante dos
parâmetros e das condições das orientações propagadas nos poderes
- 12 -
hegemônicos internacionais. Verifica-se, também, que a prioridade absoluta de
investimentos públicos incide sobre o Ensino fundamental e não sobre a
Educação Infantil. A esta se recomenda baixo investimento público por meio de
programas “não-formais”, destacando-se iniciativas comunitárias, eximindo-se o
papel do Estado.
Procurou-se ter como base metodológica para atingir o objetivo deste
trabalho, um diálogo crítico com as fontes documentais, fazendo-se uma
abordagem materialista-histórica do objeto a partir do entendimento de que as
relações de trabalho e de produção da vida o determinadas pelo
desenvolvimento e pela consolidação da sociedade capitalista. Num olhar mais
amplo, estabeleceram-se as relações necessárias entre Educação, Estado e
sociedade. Somente apreendendo esta mediação, torna-se possível compreender
a repercussão da política internacional na política nacional para a Educação
Infantil após os anos de 1990. O período histórico estudado se faz demarcado
pelas políticas de ajuste, as quais atuam com rearranjo da hierarquia das relações
econômicas e políticas internacionais, tratando-se de um contexto de
mundialização que não é apenas de natureza econômica, mas que redefine o
campo política-institucional assim como as relações sociais.
Considerando que as fontes são o ponto de origem e a base para o
conhecimento da história e da política da Educação brasileira, houve, nesta
pesquisa, uma preocupação com a escolha das fontes documentais abordadas.
Focalizaram-se os principais documentos da legislação brasileira para a
Educação Infantil, dentre eles a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
n.9394/96, o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil/1998 e a
Política Nacional de Educação infantil de 2005, além dos principais documentos
publicados pelas agências multilaterais como as do Banco Mundial, da UNESCO,
da CEPAL e do UNICEF, na intenção de se assinalar as principais categorias que
são veiculadas como orientações para este nível de ensino.
Nesta perspectiva materialista da história para a análise da política
brasileira para a Educação Infantil, a partir dos anos de 1990, considera-se de
que forma na sociedade a problemática se constrói, que modo de produção
caracteriza a vida dos homens nesta sociedade, que relações políticas sociais e
- 13 -
econômicas determinam o contexto das orientações das políticas internacionais,
assim como do contexto nacional deste nível educacional.
Durante uma pesquisa em Educação é preciso apreender a realidade com
olhar na totalidade, entendendo que a repercussão da política internacional nas
políticas brasileiras para a Educação Infantil tem suas ltiplas relações e
aparece no movimento da história numa unidade, mas construída de elementos
muitas vezes contraditórios, antagônicos entre si. É imprescindível, na construção
da pesquisa, estabelecerem-se e compreenderem-se estas relações entre o que é
particular e o que é universal, visualizando a unidade necessária.
Para se ter uma boa trajetória e alcançar o resultado esperado, objetivos
específicos são necessários, pois constroem a estrutura teórica específica para
alcançar o foco da investigação. São eles: apontar o contexto histórico
internacional em que as agências multilaterais se inserem e levantar os princípios
e orientações demandados pelas mesmas para o atendimento à criança de zero a
seis anos; explicitar os principais aspectos da reforma do Estado e da educação
no contexto brasileiro; analisar a legislação para a Educação Infantil produzida no
Brasil, assinalando as normas legais que regulam e dão conformação a esse nível
de ensino, no período 1995-2005 e apresentar as repercussões da política
internacional na proposição da política nacional pertinente a esse nível de ensino.
Na problemática proposta de compreender as repercussões da política
internacional para a Educação Infantil na política nacional vigente, têm-se como
indagações: quais princípios e orientações emanam das agências multilaterais
para as políticas de Educação Infantil? Quais princípios e orientações
representam a política brasileira destinada a esse nível de ensino? Em que
medida acontece a repercussão na legislação brasileira para a Educação Infantil?
Na perspectiva das políticas internacionais, a educação infantil é entendida,
na referência da Educação para Todos, por meio das Declarações de Jomtien
(1990), de Nova Delhi (1993), e de Dakar (2000) como atenção, cuidado e
desenvolvimento às crianças pequenas, assinalando-se como essencial o papel
da família e da comunidade. O traço marcante é a tentativa de construção de
consensos, dentre os quais se enfatiza a necessidade da Educação Infantil
atender principalmente aos grupos que vivem na pobreza.
- 14 -
A Educação Infantil, no contexto brasileiro, avança enquanto nível de
ensino a partir da contemplação da Constituição Federal de 1988 e da publicação
da LDB 9394/96, assumindo significativa e merecida importância na discussão
nacional. Em 1998, o MEC publica o Referencial Curricular para a Educação
Infantil RCNEI na justificativa de contribuir com referências e orientações
pedagógicas para a efetivação de prática educativas de qualidade. As políticas
para a Educação Infantil, no decorrer dos anos de 1990, passam a integrar as
funções de cuidar e educar, funções estas que também fundamentam a Política
Nacional de Educação Infantil, publicada em 2005 pelo mesmo Ministério. Ela
define diretrizes, objetivos, metas e estratégias a serem cumpridos pelas três
esferas: União, Estados e Municípios. No plano legal, integram-se creches e pré-
escolas, retirando-se legalmente este atendimento da vinculação com os órgãos
assistenciais, definindo-o como especificamente educativo.
Na intenção de atender às analises necessárias, este estudo estruturou-se
em cinco seções complementares. Na segunda seção, apresenta os
apontamentos principais referentes ao contexto histórico, político-econômico
internacional, ao papel da ONU e às suas agências e, por fim, às orientações das
agências multilaterais de financiamento como o Banco Mundial e a CEPAL, e das
agências sensíveis ao social como a UNESCO e o UNICEF para a Educação
Infantil. A intenção é verificar que orientações o efetivadas para o
encaminhamento da Educação Infantil nos países de periferia, em específico o
Brasil.
A terceira seção, em princípio, traz a contextualização brasileira no período
dos anos de 1990, demarcando a reforma do Estado e da Educação e expõe
também a apresentação dos documentos principais que fundamentam a política
de Educação Infantil no Brasil. O encaminhamento deste capítulo se direciona a
identificar os princípios e as perspectivas que emanam na legislação brasileira
posta para este nível de ensino
Estabelecendo-se as mediações necessárias, ao se conhecer os
documentos principais de ordem internacional e nacional, estruturam-se subsídios
necessários para a quarta seção, que propõe analisar as repercussões da política
internacional para a Educação Infantil na política nacional vigente. A intenção é, a
- 15 -
partir do conhecimento acerca da legislação e das mediações necessárias,
estabelecer categorias que identifiquem a perspectiva das agências e da
legislação brasileira bem como as articulações que se ali constituem.
Para alcançar este objetivo, a quarta seção se divide numa primeira parte
que trata das orientações internacionais dirigidas ao Brasil no período de 1995-
2005, especificamente voltadas para o atendimento às crianças de 0 a 6 anos; e;
numa segunda, que apresenta a análise da repercussão das orientações
internacionais nos documentos nacionais propostos para a Educação Infantil a
partir dos anos de 1990. O foco é entender em que medida e a partir de que
princípios se configura a repercussão das agências na política nacional para a
Educação Infantil.
Enfim, na seção das considerações finais, realiza-se uma síntese da
pesquisa na perspectiva de se pensar novos caminhos de investigação diante das
políticas para a Educação Infantil no Brasil.
2 A EDUCAÇÃO INFANTIL NA AGENDA POLÍTICA DAS AGÊNCIAS
MULTILATERAIS
A busca por se conhecer e se analisar as repercussões da política
internacional na política nacional brasileira para Educação Infantil, após 1990,
exige, a princípio, conhecer e compreender as políticas propostas pelas agências
multilaterais para a Educação Infantil neste período. Esta investigação baseia-se
na análise de documentos oficiais do Banco Mundial, da CEPAL, da UNESCO e
do UNICEF, produzidos entre 1995 a 2005, os quais definem propostas para este
nível de ensino. Ao se conhecer a proposição das referidas agências para a
política de Educação Infantil, tornar-se-á possível entender as repercussões
destas nos programas e nas políticas nacionais brasileiros voltados para a
mesma.
Para construção e alcance deste objetivo, faz-se necessário considerar
alguns aspectos do contexto histórico internacional em que se estabeleceu a
política para a Educação Infantil preconizada pelas agências multilaterais, isto no
intuito de proporcionar o entendimento da ordem estrutural das relações entre as
agências multilaterais, o Estado e a sociedade, possibilitando uma compreensão
mais ampla das mediações que se constituem nestas relações. Busca-se
apresentar que as principais mudanças nas políticas públicas para a Educação
Infantil, a partir dos anos de 1990, ocorreram a partir da nova configuração do
Estado, do Ajuste Estrutural proposto pelo Banco Mundial e pelo FMI aos países
periféricos.
Diante deste encaminhamento, esta seção propõe apresentar reflexões
sobre algumas funções específicas atribuídas à Educação Infantil, as quais,
percebidas nos estudos dos documentos, constituem-se a partir de proposições
políticas e ideológicas efetivadas pelas agências para o cenário das políticas para
este nível de ensino.
- 17 -
2.1 CONTEXTUALIZANDO O CENÁRIO INTERNACIONAL DAS AGÊNCIAS
MULTILATERAIS E DA CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS
NA AMÉRICA LATINA (1995-2005)
Esta pesquisa constrói-se num entendimento de Educação Infantil
enquanto direito da criança. Este nível de ensino vem adquirindo importância
crescente nos debates da política educacional e, diante disso, muitos estudos
vêm apresentando a importância deste nível de ensino para o desenvolvimento
integral da criança.
A universalização da Educação Infantil ainda não é fato. Este atendimento
deve ser destinado a todas as crianças, sem distinção de raça, cor, sexo, classe
ou religião e sem nenhum tipo de discriminação. Isto implica aos Estados
constituírem políticas públicas para a Educação Infantil de caráter universal
1
e
não políticas focalizadas
2
, que procuram servir as necessidades econômicas dos
países, ou seja, as necessidades do capital. Nesta preocupação, de alcançar o
entendimento do caráter dos programas e das políticas para a infância, amplia-se
a necessidade de debate sobre a Educação Infantil como direito.
Investigar a agenda política das agências multilaterais
3
para a Educação
Infantil, a partir dos anos de 1990, é o desafio que se propõe para esta unidade,
e, para isso, considera-se, como condição necessária, o entendimento de
algumas discussões acerca do contexto histórico internacional
4
, em específico na
1
Políticas universais: são aquelas que, ao invés de articularem ações compensatórias ou
focalizadas a alvos delimitados e vulneráveis, constituem ações de desenvolvimento para
atender a todos (SOARES, 2003, p.30).
2
Políticas focalizadas: são entendidas nesta pesquisa como aquelas voltadas aos grupos
vulneráveis da sociedade, desenvolvidas com alvos bem delimitados, de cunho compensatório,
tendo entre suas vantagens a redução de custos públicos (SOARES, 2003, p.12).
3
Agências Multilaterais: termo adotado nesta pesquisa para se referir às principais instituições ou
organizações internacionais que operam de forma articulada nas políticas educacionais dos
países periféricos, que são Banco Mundial e CEPAL, as agências multilaterais de
financiamento, e, UNESCO e UNICEF as agências sensíveis ao social. Este termo será
utilizado no decorrer de toda pesquisa para tratar das referidas agências. Ver Moraes (2000,
p.37) e Haddad (2008, p.22) (CORAGGIO, 2000, p.57).
4
O termo Internacional” utilizado neste texto se define como o que é realizado entre nações ou
Estados e organizações. Esclarecendo a questão terminológica, o termo internacional foi
utilizado pela primeira vez no campo do direito pelo jurista e filósofo inglês Jeremias Bentham,
em sua obra Introdução aos Princípios de Moral e Legislação, publicada em 1789. Ver
Rodrigues (2003, p.8).
- 18 -
América Latina, em que estão inseridos o Banco Mundial, a CEPAL, a UNESCO e
o UNICEF, constituídos de seus atores, suas relações e contornos.
Entender o contexto das relações internacionais
5
é uma necessidade vital
para se compreender as articulações que se constroem entre as agências
multilaterais e os países para a formulação das políticas para a Educação. As
relações internacionais o constituídas no cenário em que nações e
organizações vivenciam problemas locais e mundiais, articulam táticas e
estratégias, mostrando a cota de poder que cada um emana e que, por isso,
prevalece na sociedade internacional
6
.
É nesta lógica de articulação que as agências multilaterais surgiram no
início do culo XX. Depois da Primeira Guerra Mundial, em 1919, criou-se a
primeira instituição internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Delineada no quadro mundial marcado pela Revolução Russa de 1917, a OIT
surgiu como parte autônoma da Liga das Nações
7
, no intuito de cuidar de
assuntos de interesse mundial, estabelecendo uma série de iniciativas inspiradas
em princípios éticos e morais, os quais passaram a conduzir as relações
internacionais.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, as principais nações do mundo
passaram a organizar instituições internacionais com o objetivo de organizar a
atuação dos países por meio de acordos e políticas de regulação e de intervenção
nos campos econômico, social, cultural e ambiental (HADDAD, 2008).
que se referir ao encontro mundial, realizado em 1944, que culminou
num documento intitulado Tratado Bretton Woods. Este acordo, que contou com a
participação de 44 países do mundo, teve, por objetivo, definir uma Nova Ordem
5
Relações Internacionais: termo utilizado para se referir às relações constituídas entre os
diversos atores internacionais. Nos EUA, as relações internacionais assumem a denominação
de política internacional ou política mundial. ”[...] Quando o assunto é relações internacionais o
sentido é amplo; está-se falando sobre as relações entre os diversos atores internacionais [...]”
(RODRIGUES, 2003, p.14).
6
Sociedade internacional: denominação utilizada por Rodrigues (2003, p.50) para se referir ao
conjunto de atores de distinta natureza que compartem um espaço comum (o planeta Terra) e
os fluxos que existem entre eles, a gerar fenômenos internacionais.
7
Liga das Nações: organização internacional criada em abril de 1919, quando a Conferência da
Paz de Paris adotou seu pacto fundador, posteriormente inscrito em todos os tratados de paz. A
idéia de se criar um organismo destinado à preservação da paz e à resolução dos conflitos
internacionais por meio da mediação e do arbitramento havia sido defendida por alguns
estadistas até este momento (CPDOC, 2008, p.2).
- 19 -
Econômica Mundial. Acertou-se, neste Tratado que, a partir dele, haveria um
fundo encarregado de dar estabilidade ao sistema financeiro internacional, o
Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como um banco responsável pelo
financiamento da reconstrução dos países atingidos pela destruição e pela
ocupação, o Banco Mundial. “[...] Tais instituições financeiras multilaterais
passaram a operar de forma articulada no contexto da globalização econômica
internacional para o aprofundamento e a implementação de políticas que
favoreceram a reprodução do capital global”. (HADDAD, 2008, p.7)
Neste quadro das relações internacionais, ao final da Segunda Guerra
Mundial, é que nasceu a Organização das Nações Unidas ONU
8
, com função
primordial de defesa da paz. Essa Organização instituiu-se para efetivar o papel
da “Corte Internacional de Justiça”, com o objetivo de regular a ordem e o
equilíbrio internacional. A ONU, complementada pelo trabalho de várias agências
especializadas regionais e mundiais, passou a solidificar as relações
internacionais, buscando atender aos assuntos mundiais. Há estudos que indicam
que a ONU e suas agências substituíram papéis que, historicamente, eram
destinados somente aos Estados com por exemplo, o de planejar e o de propor
políticas educacionais nacionais.
Logo após o surgimento da ONU, foi criada a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO
9
–, agência
especializada em tratar dos assuntos específicos da Educação, da ciência e da
cultura, tendo como lema que era preciso conseguir atingir um objetivo bem mais
ambicioso: “construir paz nas mentes dos homens” (UNESCO, 2008, p.1). No ano
seguinte, em 1946, surgiu uma outra organização, o Fundo das Nações Unidas
para a Infância UNICEF
10
–, cujos primeiros programas tiveram por objetivo
fornecer atendimento emergencial às crianças no período pós-guerra. que se
referir também à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CEPAL
11
–, criada para coordenar as políticas e as ações voltadas para o
desenvolvimento econômico da região latino-americana, sendo uma das cinco
8
A ONU foi criada em 24 de outubro de 1945.
9
A UNESCO foi criada em 16 de novembro de 1945.
10
O UNICEF nasceu em 11 de dezembro de 1946.
11
CEPAL foi criada em 25 de fevereiro de 1948 pelo Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas (ECOSOC) e tem sua sede em Santiago, Chile.
- 20 -
comissões econômicas regionais da ONU com o objetivo de atender aos países
quanto ao desenvolvimento econômico nacional.
No contexto de uma sociedade capitalista
12
, as agências multilaterais
surgiram e se consolidaram num aparato de acontecimentos mundiais
importantes, que marcaram tempos e a História mundial. De acordo com Haddad
(2008), desde a sua, criação até meados dos anos de 1990, estas instituições
internacionais influíram, de maneira significativa, no contexto da economia
mundial.
[...] de se reconhecer, no entanto, que, nos últimos quinze
anos, vozes de dentro dessas organizações, e principalmente de
fora delas, no âmbito da sociedade civil mundial, passaram a
exercer forte crítica à sua atuação e a denunciar os desastres de
natureza social, econômica e ambiental produzidos por suas
políticas (HADDAD, 2008 p.9).
Os anos de 1980 consistiram em um período importante de reorientação do
papel e das políticas das agências multilaterais. Num delineamento de
endividamento dos países periféricos
13
, dentre estes, os da América Latina, as
agências efetivaram um processo de novas orientações políticas, baseadas num
conjunto de reformas consensuais, pautadas no Consenso de Washington
14
.
12
Na concepção marxista, a sociedade capitalista é aquela organizada sob o modo de produção
em que o capital, sob suas diferentes formas, é o principal meio de produção (BOTTOMORE,
2001, p.51).
13
Esta pesquisa utilizará o termo “países periféricos” para se referir a “países de Terceiro Mundo”,
“Países em desenvolvimento”, entre outros (BOITO JÚNIOR, 1999, p.30-40).
14
Consenso de Washington: conjunto de regras neoliberais elaboradas a partir do encontro entre
economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-
americano. O tema do encontro, realizado em 1989, em Washington, foi Latin Americ
Adjustment: Howe Much has Happened, que tinha como objetivo avaliar as reformas
econômicas em curso no âmbito da América Latina, concluindo com as seguintes regras:
1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando
o déficit público; 2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;
3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso
nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos; 4. Liberalização
financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar
em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5. Taxa de câmbio
competitiva; 6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e
estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; 7. Eliminação de
restrições ao capital externo, permitindo investimento estrangeiro direto; 8. Privatização, com a
venda de empresas estatais; 9. Desregulação, com redução da legislação de controle do
processo econômico e das relações trabalhistas; 10. Propriedade intelectual (BATISTA
JÚNIOR, 2001).
- 21 -
“[...] o importante a se ressaltar é o papel central das condicionalidades cruzadas
como ferramentas para a consecução do ajuste estrutural às economias
endividadas do Terceiro Mundo” (HADDAD, 2008, p.18).
A Educação Infantil, no contexto internacional, nos períodos de 1970, 1980
e 1990, é tomada de uma preponderante influência das diferentes agências
multilaterais. Até os anos de 1960, nos países periféricos, as instituições de
Educação Infantil seguiam modelos europeus, não contemplando o objetivo de
atender a crianças pobres. Após os anos de 1960, a Educação Infantil passou a
integrar a agenda política de desenvolvimento econômico e social, elaborada
pelas agências vinculadas à ONU. O período entre 1970 e 1980 não foi de grande
financiamento por parte das agências multilaterais de financiamento, o que houve
foi uma movimentação, uma tendência dos países periféricos em se identificarem
com interesses e perspectivas das orientações internacionais no que se referia às
questões da Educação Infantil “[...] parece ter ocorrido sobretudo uma grande
circulação de idéias da Unesco e do Unicef” (ROSEMBERG, 2002a, p.31).
A partir dos anos de 1990, a influência das agências multilaterais aos
países periféricos se deu em grande preponderância por meio do Banco Mundial
e do FMI, mediante o aumento do volume de empréstimos com a
condicionalidade de reformas dos Estados
15
. Além dos empréstimos, que se
referir à difusão de idéias por meio de assessorias no setor educacional
(ROSEMBERG, 2002a).
Para se compreender a influência internacional nas políticas para a
Educação Infantil nos países da América Latina, tanto em definição de estratégias
e prioridades quanto na difusão de propostas, faz-se necessário considerar os
principais aspectos do cenário mundial capitalista após os anos de 1990. Abre-se
aqui um parêntese na discussão para trazer, brevemente, os aspectos da
caracterização do capitalismo, da construção das políticas públicas
16
e da
15
Reformas de Estados: refere-se às reformas implementadas a partir dos anos de 1990 nos
Estados dos países periféricos. São reorientações por parte do Banco Mundial e do FMI para a
política macroeconômica dos países periféricos com objetivo de atender os interesses dos
credores internacionais. O Programa de reforma dos Países aplicados em grande escala nos
países, dentre estas a reforma educacional, liderados pelo Banco Mundial e FMI representa a
efetivação das políticas do Programa de Ajuste Estrutural – PAE (TOUSSAINT, 2002, p.223).
16
Políticas públicas: são as ações do Estado representadas na sua materialidade, ou o Estado
em ação” (AZEVEDO, 2004, p.6).
- 22 -
produção da pobreza na América Latina, engendrados no contexto de reforma
dos Estados. Somente a partir deste olhar, torna-se possível compreender sob
que princípios as agências multilaterais pensavam e viabilizavam suas propostas
para a política da Educação Infantil dos países periféricos.
Na última década do culo XX, a sociedade capitalista constituiu-se numa
nova fase chamada de “mundialização do capital”, quando este assumiu
caracterização de “capital predominantente financeiro”. Este processo não se
iniciou propriamente nos anos de 1990, mas dez anos antes, na virada da década
de 1970 para 1980. “[...] É que se situa o momento em que as forças políticas
mais anti-sociais dos países da OCDE
17
iniciaram o processo de liberalizão, de
desregulamentação e de privatização [...]” (CHESNAIS, 1997, p.24). Vale assinalar
que os países desta organização, por meio da supressão do Tratado de Bretton
Woods, é que deram o ponto de partida para a nova fase do capitalismo.
Havia, em nível mundial, a criação das condições necessárias para a
acumulação capitalista. O papel do Estado norte-americano se explicitava como
organizador e promotor dos interesses de classe, tendo como foco economias
dependentes como, por exemplo, a América Latina. Este interesse do Estado
norte-americano por economias dependentes se concretizava na configuração
contemporânea de “acumulação financeira”. Para Chesnais (1997, p.25), essa
nova fase do capitalismo “[...] não apaga a existência dos Estados nacionais, nem
das relações de dominação e de dependência políticas entre eles. Ao contrário,
esses processos acentuam os fatores de hierarquização entre países, ao mesmo
tempo em que re-delineiam sua configuração”.
Neste cenário, faz-se importante considerar que, nos países periféricos, a
dívida tornou-se uma forte aliada na permissão de políticas provindas do Programa
de Ajuste Estrutural (PAE)
18
, assim como no processo de desindustrialização em
17
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico: é uma organização internacional
e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado.
Atualmente somam 30 países, e têm sua sede em Paris, França, sendo que seus
representantes se reúnem para trocar informações e definir políticas com o objetivo de
maximizar o crescimento econômico e o desenvolvimento dos países membros. A organização
também é chamada de Grupo dos Ricos, seus países membros produzem mais da metade de
toda a riqueza do mundo (OECD, 2008, p.2).
18
Programa de Ajuste Estrutural: é o programa aplicado em grande escala nos países,
apresentando-se como uma “receita econômica”, não apenas para obtenção de empréstimos,
mas também para abrir mercado para os investimentos estrangeiros (TOUSSAINT, 2002,
p.199).
- 23 -
muitos países. “[...] A dívida levou a um forte crescimento da dominação
econômica e política dos países capitalistas centrais sobre os da periferia [...]”
(CHESNAIS, 2005, p.40).
Diante disso, no decorrer dos anos de 1990, com a reforma proposta aos
Estados pelo PAE, uma agenda de políticas públicas neoliberais
19
passou a ser
articulada aos países periféricos. Estes países diminuíram suas possibilidades de
desenvolver-se economicamente, de consolidar suas economias e de responder
positivamente às expectativas de progresso, tornando-se, assim, cada vez mais
pobres e dependentes.
Ao consensuar e efetivar as “reformas”, os países periféricos atendiam ao
PAE (orientado pelas agências multilaterais) e consolidavam as políticas públicas
neoliberais. Entre outras conseqüências, tais políticas destituíam o sistema de
seguridade social financiado por recursos fiscais, a extensão dos sistemas
públicos de educação e saúde, as legislações que protegiam o trabalhador.
Liderado em específico pelo Banco Mundial e pelo FMI, o PAE efetivava de fato a
diminuição do papel do Estado, suprimindo todos os projetos nacionais, “[...]
quando o Banco Mundial e os neoliberais tomam como alvo o Estado, o que
querem atacar na realidade é o sistema de seguridade social [...]” (TOUSSAINT,
2002, p.228).
Era nesta perspectiva de políticas públicas pautadas em princípios
neoliberais, que eram atendidas as recomendações das agências multilaterais, as
quais orientavam aos países periféricos projetos para a política social com um
traço específico: o de “políticas focalizadas”. Voltada aos grupos vulneráveis
20
, a
política da focalização” se desenvolveu com alvos bem precisos e delimitados,
baseada no aspecto compensatório, apresentando a vantagem de reduzir custos
19
Políticas Públicas Neoliberais: políticas que partem de um conjunto de conceitos e argumentos
que procuram um novo liberalismo econômico, por meio de formulações e propostas próximas
do conservadorismo político, com crítica ao Estado do Bem-Estar Social e proposta de Estado
mínimo. Visualizam obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos
internacionais, aberto a reformas estruturais liberalizantes, centradas na desregulamentação
dos mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução
do Estado (SOARES, 2003, p.19). Busca justificar e promover a reconcentração de riquezas, a
reorientação do Estado em favor dos super-ricos, é o principal mecanismo para transferir
riquezas para o capital estrangeiro (PETRAS, 1997, p.37).
20
Grupos vulneráveis: termo utilizado nos documentos das agências para se referir a um foco
específico dos empréstimos concedidos. Refere-se à parcela das populações que vivem em
extrema pobreza ou vulnerabilidade (SOARES, 2003, p.25).
- 24 -
e de não correr o risco de se efetivar direitos universais. No que diz respeito às
políticas públicas de corte social, como era o caso das políticas para a Educação,
os Estados eram orientados a individualizar o usuário destas políticas, a realizar a
cobrança pelo acesso ao bem ou serviço social ou, então, a privatizar estes
serviços direcionando-os para o “terceiro setor” ou para a “sociedade civil”
21
.
Os Estados da América Latina, nos últimos 40 anos, têm sofrido com os
resultados das políticas neoliberais. Altos níveis de exploração devastam a região
e expõem à fragilidade social os países e seus habitantes. Quase a metade da
população está na pobreza ou no limite de cair nesta situação. estudos que
indicam que, nas últimas décadas, a pobreza não somente perdurou, como se
reproduziu em termos alarmantes.
Entender a contextualização da América Latina, enquanto alvo de
exploração por parte dos Estados Unidos, e também sua fragilidade no aspecto
da produção da pobreza são fatores essenciais que facilitam a compreensão da
constituição de políticas educacionais, dentre estas, as políticas para a Educação
Infantil. Era neste cenário que as agências multilaterais viabilizavam ações
comprometidas com a lógica do capital, coordenadas e dominadas pelos
interesses dos países mais fortes, dentre estes, os Estados Unidos.
Nas palavras de Petras (1997, p.30), os Estados Unidos criaram uma
estratégia regional complexa e coerente de intervenção junto aos países
periféricos e, diante disso, “[...] tentam estabelecer o seu direito jurídico de intervir
na América Latina e no mundo toda vez que seus interesses decidirem ignorar a
soberania dos países-alvo”.
Esta estratégia de intervenção dos Estados Unidos na América Latina
funcionava em três níveis interligados que se reforçavam mutuamente: primeiro
por meio da imposição de uma política econômica (tornando os mercados livres),
destinada a desmantelar meio século de regulamentação estatal, diminuir o papel
dos produtores e do mercado, privatizar as empresas públicas e baixar o custo de
mão-de-obra; segundo, por meio de uma estratégia militar manter o poder sobre
as políticas de mercado e minar as bases dos movimentos nacionais e dos
21
Sociedade Civil: esfera superestrutural que se junta ao Estado (sentido estrito) e forma o Estado
contemporâneo (Estado ampliado), referindo-se especificamente às manifestações concretas
da politização da sociedade burguesa (NEVES, 2005, p.22).
- 25 -
governos que defendiam modelos alternativos; e, terceiro, por meio de uma
estratégia política com promoção de regimes eleitorais para proporcionar uma
pseudo-legitimidade aos sistemas exploradores autoritários, enquanto se buscava
realizar programas compatíveis com os interesses hegemônicos do Estado
imperialista.
Ao se discutir a pobreza na América Latina, categoria muito debatida pelas
agências multilaterais, é preciso pensá-la numa outra perspectiva. um
consenso no que se refere à necessidade de se reduzir a pobreza, entretanto as
ações concretas nesse sentido esbarram em grandes dificuldades, a começar
pela ausência de uma teoria explicativa sobre as múltiplas causas do fenômeno.
“[...] O ficit explicativo afeta as formas de mobilização dos agentes, a
implementação de políticas públicas e a elaboração de projetos alternativos”
(CIMADAMORE, 2007, p.11).
Enfatiza-se, nesta discussão, a importância do papel do Estado enquanto
estrutura hierárquica na eliminação ou na produção da pobreza. Considera-se que
existe formalmente o monopólio do uso legítimo da força, uma ordem
constitucional que estabelece funções para os agentes nacionais e internacionais.
“No entanto, é necessário sublinhar que, embora os Estados tenham histórica e
logicamente capacidade para limitar ou eliminar a produção de pobreza, são
precisamente essas as estruturas que facilitam a produção de pobreza”
(CIMADAMORE, 2007, p.24).
Desigualdade e pobreza são significantes que adquiriram centralidade não
somente nas construções teóricas, mas fazem parte dos discursos e da teoria
social dos documentos das agências multilaterais. Estes documentos naturalizam
a “desigualdade e a pobreza”, apresentando-as como parte da estrutura do ser
humano. Isto acontece por meio de estratégia discursiva que sanciona a
inevitabilidade da pobreza e da desigualdade. Estudos de Murillo (2007, p.44)
apontam que:
[...] os Estados nacionais dos países da América Latina e do
Caribe estão sobredeterminados pelas estratégias dos Estados
dos países centrais e dos organismos internacionais [...] O
comando mundial desterritorializado, embora com fortes
- 26 -
concentrações nos países mais poderosos da Terra e em alguns
organismos internacionais, vem estabelecendo, mais de trinta
anos, um novo paradigma de autoridade imperial. Esse comando
é uma estrutura sistêmica, flexível e dinâmica, articulada
horizontalmente, que empurra para uma integração dos atores
tratando de sobredeterminar os conflitos e dissensões num
processo que tenta subsumir todos os aspectos da vida à lógica
da mercadoria (MURILLO, 2007, p.44).
A produção da pobreza é naturalizada pelos discursos com o objetivo de
construção de consenso, a qual, por sua vez, passa a ser uma ferramenta de
governo que, não pela força, mas por estratégias, persuade os sujeitos,
realizando verdadeira interpelação ideológica. Pode-se afirmar que as estratégias
discursivas empregadas pelos núcleos do comando mundial, dentre estes os
Estados e as organizações internacionais, são um dos fatores de produção e
reprodução da pobreza. “[...] as estratégias discursivas dominantes tendem a
normalizar o pensamento, naturalizando a desigualdade como parte da estrutura
ontológica do ser humano. Conceito que se articula com a idéia de que a pobreza
é uma evidência inquestionável” (MURILLO, 2007, p.44).
O Banco Mundial, num estudo específico sobre a América Latina e Caribe,
afirma que o conceito de pobreza deve abarcar uma gama de dimensões tais
como: saúde, mortalidade e seguridade. No entanto o Banco assinala, ainda, que
se deve relacionar pobreza com bem-estar e com as diversas questões referentes
à circulação e distribuição de renda. “[...] a pobreza por si mesma impede que se
tomem medidas que facilitariam a saída da pobreza, o que resulta num
crescimento mais baixo [...]” (BANCO MUNDIAL, 2006, p.9)
22
Na perspectiva do Banco Mundial, a pobreza é conceitualmente construída,
apresentando-se um modelo de sociedade específico, o qual dois tipos de
indivíduos compõem: o competitivo e o incapaz (pobre). E é dos pobres que o
Estado deve cuidar e para o qual a política social deve estar voltada.
A construção de “pobreza”, como conceito sociológico, parte
justamente desse tipo de raciocínio. O pobre é o indivíduo
incapaz, que não consegue ou não garante o seu emprego e nem
22
Tradução: la pobreza por si misma impide que se tomen medidas que facilitarían la salida de la
pobreza lo que resulta en un crecimiento agregado más bajo.
- 27 -
mesmo a sua subsistência, consequentemente, a pobreza acaba
sendo vista como um fracasso individual daquele que não
consegue ser competitivo (UGÁ, 2004, p.60).
As estratégias discursivas acerca da pobreza articulam as ações dos
Estados e das agências multilaterais, no sentido de buscar consensos
necessários para a implementação das políticas públicas neoliberais. No contexto
social, político e econômico da América Latina, destaca-se o papel das agências
multilaterais, as quais, por meio do Estado, são co-autoras na manutenção do
domínio capitalista. Entender as articulações e os caminhos, no cenário de
mundialização do capital em que se engendram as relações entre as agências, os
Estados e a sociedade, é uma questão estrutural que possibilita a compreensão
das forças de poder que costuram a agenda política das agências multilaterais e
da construção e conseqüências das políticas neoliberais na América Latina. Estas
forças se desdobram e caracterizam a implementação das políticas sociais,
dentre estas, as políticas para a Educação Infantil, objeto de estudo desta
pesquisa.
Investigar a agenda política das agências multilaterais para a Educação
Infantil exige o entendimento de que as mesmas efetivaram orientações políticas,
pautadas nas reformas consensuais a partir do Consenso de Washington e se
oficializaram por meio de políticas provindas do Programa de Ajuste Estrutural
(PAE). Isto posto, entende-se que a agenda política das agências multilaterais
para a Educação Infantil é pensada sob a perspectiva dos princípios neoliberais, e
articulada como política focalizada, especificamente aos grupos vulneráveis dos
países periféricos.
2.2 PRINCIPAIS DEBATES E AÇÕES DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS ONU PARA A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL A
PARTIR DAS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS
A ONU é uma instituição internacional de influência direta e hegemônica no
debate educacional nacional e internacional assim como no marco das mudanças
- 28 -
estruturais do Estado. Por meio de projetos de cooperação técnica e uma vasta
documentação produzida a partir das Conferências Internacionais, a ONU e suas
agências multilaterais efetivam suas propostas de Educação aos países
periféricos. Dentre estas proposições, insere-se a perspectiva de política para a
Educação Infantil, considerada pela ONU nas Conferências de Educação como
comum a todos os países. A referida Organização destaca o cuidado e a
Educação da criança pequena, especialmente para as mais vulneráveis e em
maior desvantagem e ainda o papel da família e da comunidade, no empenho em
promover desenvolvimento apropriado para crianças pequenas.
As discussões que se encaminham a seguir neste item se justificam pela
necessidade desta pesquisa em perceber qual é o papel da ONU na sociedade
internacional e que influência as Conferências Internacionais de Educação trazem
diante das políticas de Educação Infantil aos países periféricos. a busca por
esclarecer os determinados papéis, tanto da ONU e suas agências, quanto das
Conferências Internacionais para a Educação no engendramento de orientações
ditas comuns para a política de Educação Infantil.
Composta de 192 Estados soberanos, a ONU busca “fomentar relações
cordiais entre as nações, promover progresso social, melhorar padrões de vida e
direitos humanos” (ONU-BRASIL, 2008, p.2) Para tanto, conta com agências
especializadas de áreas diversas como: Organização Mundial da Saúde – OMS –,
Organização Internacional do Trabalho OIT –, Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO –, Banco Mundial e Fundo
Monetário Nacional FMI. Além das agências, a ONU conta também com outros
programas, comissões e fundos como o Fundo das Nações Unidas – UNICEF e
a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL.
O trabalho das Nações Unidas acontece, em geral, por meio de projetos de
cooperação técnica, realizados com o governo em suas diferentes esferas, assim
como com a sociedade civil, a academia e o setor empresarial. A ONU justifica
que o objetivo é buscar, conjuntamente, soluções para superar os desafios e
dificuldades presentes na criação e implementação de uma agenda comum em
prol do desenvolvimento humano (ONU-BRASIL, 2008, p.2).
A participação das organizações internacionais ligadas à ONU nas políticas
- 29 -
educacionais tem sido cada vez mais crescente. Conforme Rosemberg (2002a,
p.29), “[...] essa participação vem sendo cada vez mais intensa tendo se
acentuado na última década, após o Consenso de Washington”. Esta influência
traz implicações importantes para as políticas educacionais e isto acontece
porque as agências da ONU detêm autoridade técnico-científica que ampara os
modelos de políticas, possuem o poder do financiamento e também os meios para
influenciar as categorias e atores nacionais. “[...] Além disso, as agências
possuem canais importantes para construir o senso comum e o repertório de
argumentos para apoiar decisões políticas” (ROSEMBERG, 2002a, p.30).
Entretanto, a autora, anteriormente citada, acrescenta que é preciso atentar
que as agências não detêm um “superpoder” que determina diretamente as
políticas nacionais. O determinante está na capacidade nacional de cada país em
avaliar e fazer escolhas quanto às propostas propugnadas por estas agências.
Ao considerar que a política para a Educação Infantil deve ser elaborada e
implementada na intervenção do poder público, a partir dos interesses e
necessidades dos diferentes segmentos, significa dizer que tal política deve ser
resultado de escolhas feitas pelos Estados nacionais a partir da participação dos
diferentes segmentos como Congresso, Partidos, Sindicatos, Especialistas, entre
outros. A Educação Infantil não deve ser determinada a partir de interferências de
ordem internacional ou, especificamente, interferências enquanto cumprimento de
agendas ou acordos multilaterais.
Uma vasta documentação internacional é produzida pelas agências a partir
do ideário de que o cidadão do século XXI precisa dominar os avanços científicos
e tecnológicos demandados pelo sistema produtivo. Os documentos expressam
diagnósticos, análises e propostas de soluções para os países em suas
problemáticas de economia assim como de Educação. Esta documentação
internacional cumpre um importante papel, definindo políticas públicas para os
países periféricos.
Grande parte da referida documentação que orienta as políticas
educacionais é construída nas Conferências Internacionais, as quais se
multiplicaram a partir dos anos de 1990. As Conferências são fóruns e espaços
importantes de articulação internacional entre os Estados-membros, de discussão
das orientações das políticas educativas e de construção de consenso em torno
- 30 -
das principais idéias e propostas sobre a Educação. Configuram, ainda, uma
relação inter-estatal de poder, caracterizada pela capacidade do conjunto dos
atores envolvidos de aceitar e de aprovar recomendações, propostas e sugestões
para a concretização das políticas educacionais.
Dentre as principais Conferências ocorridas a partir dos anos de 1990 que
trataram, dentre outros, da temática da Educação Infantil, destacam-se a
Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na
Tailândia, em 1990; a Conferencial Mundial de Nova Delhi, organizada na Índia
em 1993 e a Conferência Mundial de Dakar, ocorrida em 2000, no Senegal. Nas
Declarações originadas a partir destas Conferências, verifica-se uma concepção
hegemônica de Educação, que, ao ser divulgada, contribui para dar legitimidade e
funcionalidade ao projeto neoliberal do governo, o qual tem por objetivo atender
às necessidades cnicas e ideológicas do capital, em sua fase de mundialização
e de acumulação financeira.
Diante disso, faz-se importante destacar que há a construção de uma
concepção hegemônica de Educação nas Conferências articuladas a partir do
movimento internacional de reforma dos Estados, iniciado em 1990, justificado
pela alegação de que uma reforma daria condições aos sistemas educacionais
dos países periféricos de enfrentar os desafios de uma Nova Ordem Econômica
Mundial.
Tais reformas iniciaram-se diante dos compromissos assumidos pelos
governos na Conferência Mundial de Educação para Todos. A partir desse
encontro e desse comprometimento com as agências internacionais, como o
UNICEF, a UNESCO, o Banco Mundial e o PNUD
23
, os Estados passaram a
elaborar e implementar políticas voltadas aos princípios sicos da Educação
para todos.
“Educação para Todos”, temática que orienta também as Declarações de
Nova Delhi (1993) e de Dakar (2000), equivale à Educação Básica, aquela capaz
23
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: tem a função de distribuir fundos aos
países em desenvolvimento, ajudando os países em programa de cooperação mútua. Apóia
projetos na área da saúde (HIV/AIDS), políticas ambientais, energia, informações e
comunicações tecnológicas, políticas de redução da pobreza, gestão democrática (PANUD,
2008, p.1).
- 31 -
de satisfazer às Necessidades Básicas de Aprendizagem de Crianças, Jovens e
Adultos (NEBAs). “[...] Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos
essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o
cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem
(como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes)” (UNICEF, 1991, p.5).
Importante assinalar que as NEBAs passaram a ser a orientação oficial na
construção e na implementação dos currículos escolares dos países periféricos
24
.
Diante disso, poucas foram as reformas curriculares que partiram de sondagem
da situação e da expectativa do alunado. O foco para as reformas curriculares
passava a ser “padrões mínimos” ou “conteúdos mínimos” de aprendizagem,
justificados pela necessidade em se buscar as “necessidades básicas de
aprendizagem”.
Ao se analisar os artigos
25
da Declaração de Jomtien, é possível
compreender o Documento nas suas articulações e intenções enquanto meta de
buscar a Educação sica (ler, escrever e contar) sendo esta estratégia
entendida como efetiva para a redução da pobreza. De acordo com Torres (2001),
o Documento é resultado de discussões e interpelações entre as quatro agências
que impulsionaram a Conferência Mundial de Educação para Todos.
[...] a UNESCO advogou uma compreensão ampla do educativo e,
particularmente, a inclusão da alfabetização e da educação de
adultos; o UNICEF defendeu o desenvolvimento infantil e a
educação inicial dentro do conceito de educação básica, assim
como juntamente com a UNESCO a necessidade de
flexibilizar e diversificar a oferta educativa, incluindo variantes não-
formais, diferentes das variantes escolares convencionais; o
Banco Mundial propôs focalizar a Educação para Todos no
sistema escolar e na educação primária; e o PNUD não defendeu
uma posição clara a esse respeito (TORRES, 2001, p.15).
24
“[...] O apogeu experimentado pelo livro didático na década de 90, com um investimento
importante dedicado a essa área na maioria dos países periféricos, é parte dessa estratégia
destinada a suprir e/ou baixar os custos do pacote formação/capacitação/salário do docente,
que o livro didático é visto como depositário do currículo e da pedagogia” (TORRES, 2001,
p.43).
25
Resumidamente os artigos da Declaração de Jomtien são: 1. Satisfazer as necessidades
básicas de aprendizagem; 2. Expandir o enfoque; 3. Universalizar o acesso à educação e
promover a equidade; 4. Concentrar a atenção na aprendizagem; 5. Ampliar os meios e o raio
de ação da educação básica; 6. Propiciar um ambiente adequado à aprendizagem;
7. Fortalecer as alianças; 8. Desenvolver uma política contextualizada de apoio; 9. Mobilizar os
recursos; 10. Fortalecer a solidariedade internacional (UNICEF, 1991).
- 32 -
Ainda, conforme Torres (2001), o Documento explicitava, no decorrer dos
artigos e no Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de
Aprendizagem, questões pontuais que configuravam parâmetros de uma
Educação que atendia às necessidades burguesas de Estado. Isso porque ele se
propunha a atender questões que não configuravam políticas educacionais
universais, mas sim políticas focalizadas, atendendo somente a pequenos grupos,
os quais eram vistos como os mais necessitados nesta sociedade. Esta
perspectiva torna-se bem clara ao se analisar que a preocupação da Conferência
de Jomtien com os nove
26
países com maior índice de analfabetismo do mundo,
dentre estes, o Brasil, configurou orientações assumidas e assinadas pelos
governos dos mesmos. Estes nove países assumiram que realizariam reformas
nas políticas sociais, dentre elas as educacionais, a partir das orientações da
sociedade internacional. Estas orientações representavam as construídas no
Consenso de Washington, as quais determinavam uma concepção específica de
Estado pautada nas relações capitalistas.
Com relação à Educação Infantil, de forma muito tímida, a Declaração de
Jomtien discutiu-a no artigo 5:
A aprendizagem começa com o nascimento. Isto implica cuidados
básicos e educação inicial na infância; proporcionados seja
através de estratégias que envolvam as famílias e comunidades
ou programas institucionais, como for mais apropriado (UNICEF,
1991, p.6).
A Declaração de Jomtien defendia para a Educação Infantil a importância
dos cuidados básicos e da Educação inicial. Para tanto utilizava os conceitos de
cuidado e Educação, acrescentando que estes deverim ser realizados por meio
de estratégias entre famílias, comunidades ou programas. Não se mencionava,
ali, a construção de políticas para a Educação Infantil com responsabilidade do
Estado.
26
Os nove países considerados pela Declaração de Jomtien como os de maior analfabetismo do
mundo são: Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão
(SHIROMA, 2004, p.57).
- 33 -
Quanto à oferta deste atendimento, esta deveria priorizar os grupos de
crianças excluídas, caracterizando-se com preocupação na “atenção e serviço
para a infância”, ao invés de “Educação Infantil”. No Plano de ação direcionado
aos países do “E 9”, os países deveriam realizar: “expansão dos cuidados básicos
e atividades de desenvolvimento infantil, incluídas as intervenções da família e
da comunidade, direcionadas especialmente às crianças pobres, desassistidas e
portadoras de deficiências” (UNICEF, 1991, p.11).
Nas palavras de Torres (2001), as políticas para a Educação Infantil, a
partir das reformas instituídas pelos estados nos diversos países, principalmente
na América Latina, vêm perdendo identidade e objetivos próprios, passando a ser
vistas e valorizadas como estratégias compensatórias para a situação de
vulnerabilidade. Nas estratégias para os setores pobres, os programas de
“educação inicial” ou “pré-escolar” passariam a ser promovidos como “prevenção
do fracasso escolar” diante dos “grupos mais carentes”. A mediação destes
programas era a prioridade à educação primária, conforme determinava a
Declaração de Jomtien.
Há que se referir, também, à Declaração de Nova Delhi (1993) sobre
“Educação para Todos”, assinada pelos países do “E9”, dentre eles, o Brasil,
Declaração esta que reafirmou o compromisso dos países com a criança de 0 a 6
anos, enfatizando cuidado e desenvolvimento:
1. Nós, os líderes dos nove países em desenvolvimento de maior
população do mundo, reiteramos por esta Declaração nosso
compromisso de buscar com zelo e determinação as metas
definidas pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos e
pela Cúpula Mundial da Criança, realizadas em 1990, de atender
às necessidades básicas de aprendizagem de todos os nossos
povos.
[...] 2.5 Os programas educacionais bem sucedidos exigem ações
complementares e convergentes, no contexto do papel da família
e da comunidade, nas áreas de nutrição adequada, cuidados
efetivos da saúde e cuidado e desenvolvimento apropriado para
crianças pequenas (UNESCO, 1993, p.1).
A Declaração de Dakar (2000), no empenho de alcançar os objetivos e as
metas de Educação para Todos, enfatizava o cuidado e a Educação da criança
pequena, fixando o foco nas crianças pobres.
- 34 -
6. A educação enquanto um direito humano fundamental é a
chave para um desenvolvimento sustentável, assim como
assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto,
um meio indispensável para se alcançar a participação efetiva nas
sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais
postergar esforços para atingir as metas de EPT. As necessidades
básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com
urgência [...]
7. Nós nos comprometemos a atingir os seguintes objetivos:
expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena,
especialmente para as mais vulneráveis e em maior desvantagem
(UNESCO, 2000, p.1).
Na perspectiva de promover “Educação para Todos”, as Conferências de
Jomtien, de Nova Delhi e de Dakar propunham, de forma muito breve, ações para
a Educação Infantil com foco nos cuidados básicos e Educação, citando também
a necessidade de cuidados efetivos de saúde, nutrição e desenvolvimento. Na
concepção das discussões das Conferências, estas ações deveriam ser
realizadas por meio de programas que envolvessem famílias, comunidades ou
instituições. Verifica-se, na leitura dos documentos, que a preocupação,
explicitada nos artigos que se referiam ao atendimento educacional à criança
pequena, demonstravam ações de caráter compensatório para atender situações
de vulnerabilidade, de grupos mais carentes, não perdendo de foco a importância
deste atendimento para a educação primária.
Oliveira (2001) faz uma análise importante com relação à perspectiva de
“Educação para Todos”, explicitada nos documentos das Conferências
Internacionais. Chama a atenção para a proposição feita aos países mais pobres
e mais populosos do mundo por uma maior “equidade social”. Afirma que estes
países, dentre eles o Brasil, procuraram, a partir das Conferências, implementar
reformas nos seus sistemas públicos de Educação Básica, trazendo como
referência a preocupação com a equidade social.
O termo “equidade” aparece em vários momentos nos documentos das
Conferências, na tentativa de indicar igualdade de oportunidades a todos.
Entendendo que a palavra “igualdade” denota o “tornar-se igual” ou “equiparar-
se”, a conotação do termo “equidade” nos documentos vem acompanhada da
condição de “competitividade”. Desta forma, implica-se pensar que uma Educação
igualitária torna todos com direitos iguais, ao passo que uma Educação equitativa
torna todos com oportunidades iguais para a competitividade.
- 35 -
Conforme Oliveira (2001), o marco das reformas educacionais da década
de 1990 espelhava orientações que se constituíam em uma nova referência às
políticas públicas para Educação na atualidade. O traço marcante era a tentativa
de construção de consensos em torno da Educação para Todos com equidade
social. “[...] Tais orientações buscam mediar as duas referências anteriores: uma
educação que responda às exigências do setor produtivo (gestão do trabalho) e
outra que atenda às demandas da maioria (gestão da pobreza)” (OLIVEIRA,
2001, p.74).
Na política para a Educação Infantil, o empenho em se efetivar “Educação
para Todos” com “equidade social” propõe ofertar atendimento aos grupos que
vivem em situação de pobreza para que, desta forma, as crianças tenham acesso
à educação primária e, conseqüentemente, acesso aos conhecimentos e às
habilidades necessários ao desenvolvimento produtivo na sociedade moderna.
Implica, ainda, considerar que a “Educação para Todos” se estabelece como
Educação para alguns.
Atender ao setor produtivo e à demanda de trabalho da maioria (pobres) é
fator que traz crescimento e desenvolvimento às nações. Diante disto, a
Educação, promovendo uma boa gestão do trabalho e da pobreza, contribui
consideravelmente para o desenvolvimento do país. É a partir desta análise que
as taxas de escolaridade representam níveis de desenvolvimento nos países e,
assim, compreende-se a necessidade de efetivar Conferências Mundiais com
documentos que garantam a Educação Básica para todos.
O conceito de equidade social, da forma como aparece nos
estudos produzidos pelos Organismos Internacionais ligados à
ONU e promotores da Conferência de Jomtien, sugere a
possibilidade de estender certos benefícios obtidos por alguns
grupos sociais à totalidade das populações, sem, contudo, ampliar
na mesma proporção as despesas públicas para esse fim. Nesse
sentido, educação com equidade implica oferecer o mínimo de
instrução indispensável às populações para sua inserção na
sociedade atual (OLIVEIRA, 2001, p.74).
Num olhar amplo, é possível compreender que as orientações das
principais Conferências para a Educação, a partir dos anos de 1990, defenderam
- 36 -
a Educação para Todos, na perspectiva de satisfazer as Necessidades Básicas
de Aprendizagem como o mínimo de escolaridade a ser ofertada pelo setor
público. A garantia de efetivação da Educação Básica nos países periféricos
contribuiria para o acesso dos cidadãos às competências que o levariam à
produtividade e à competitividade, contribuindo também na gestão do trabalho e
da pobreza nestes Estados.
A política para a Educação Infantil, ou como afirmam os documentos, o
atendimento escolar à criança pequena, caminha na perspectiva de propiciar a
satisfação das NEBAS. Este olhar sob o papel da ONU e das Conferências
Internacionais possibilita, nesta pesquisa, o entendimento de que uma
estrutura internacional que estabelece consensos sobre uma concepção
hegemônica de política para a Educação Infantil. Esta hegemonia, articulada por
meio da ONU e de suas agências, no formato das Conferências Internacionais de
Educação, indicam que a política de Educação Infantil dos países periféricos deve
ter como objetivo os cuidados básicos e a educação, para atender às
necessidades de saúde, nutrição e desenvolvimento das crianças pequenas.
Propõe-se ainda que as ações devem ser postas em prática por meio de
programas que envolvam famílias, comunidades ou instituições, com foco para
atender situações de vulnerabilidade, de grupos mais carentes, visualizando a
preparação para a Educação primária, o que trará, como beneficio, o
desenvolvimento econômico dos países.
2.3 AGÊNCIAS MULTILATERAIS: DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES E
ESTRATÉGIAS PARA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
As políticas de Educação Infantil têm sido fortemente influenciadas por
prioridades e estratégias encaminhadas pelas agências multilaterais de
financiamento, como o Banco Mundial e a CEPAL, e pelas agências sensíveis ao
social, como a UNESCO e o UNICEF. Mesmo que o Banco Mundial, a CEPAL e o
UNICEF não tenham, assim como a UNESCO, a função de cuidar das questões
educacionais dos países, estas agências multilaterais têm estabelecido
- 37 -
orientações específicas para as políticas de Educação aos países, dentre estas
políticas direcionadas para a Educação Infantil.
O Banco Mundial é a organização que exerce profunda influência nos
rumos do desenvolvimento mundial, tem decisão e ação determinantes nas
políticas dos países em desenvolvimento. Nas políticas educacionais, ele passou
a interferir a partir dos anos de 1990, fato que salienta Leher (1999, p.39) ao
afirmar que o Banco Mundial pode até ser chamado de “ministério mundial da
Educação dos países em desenvolvimento”. A máxima do banco, a partir da
reforma estrutural, é que é preciso, pelo caminho da Educação, combater a
pobreza, pois educando os pobres, garante-se que estes tenham condições de
escolher seu próprio futuro e de buscar a eqüidade.
A CEPAL, enquanto organização regional que coordena as políticas
direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da América Latina,
buscou atingir suas metas pela perspectiva da Educação, publicando documentos
específicos para a área educacional a partir dos anos de 1990, vislumbrando
desenvolver economicamente os países da América Latina e defendendo que a
educação deveria formar o cidadão para que ele estivesse apto à competitividade
e à equidade.
As organizações internacionais UNESCO e UNICEF se caracterizam como
agências “sensíveis ao social” no sentido de que buscam promover cooperação
internacional e assessoria aos países em desenvolvimento, especificamente nas
questões relacionadas à garantia dos direitos humanos e dos direitos da criança,
respectivamente.
A UNESCO, por meio de suas estratégias e atividades, atua em favor dos
objetivos da ONU
27
, no que se refere ao desenvolvimento das nações unidas para
o milênio. O UNICEF enfatiza que busca atender a missão de “fazer valer os
direitos” das crianças e dos adolescentes, estabelecendo-os por meio de
parcerias, propostas e apoio a políticas publicas que defendam e promovam tais
direitos (UNICEF, 2006, p.1).
27
Os objetivos da ONU para o milênio podem ser resumidos em: erradicação da pobreza; ensino
primário universal, igualdade de gênero; redução da mortalidade infantil; Melhorar saúde
materna; combater HIV/AIDS; sustentabilidade do meio ambiente; e fomento de cooperação
para o desenvolvimento (UNICEF, 2008, p.2).
- 38 -
A face humanitária destas agências internacionais se caracteriza pela
proposição das mesmas em “[...] buscar salvar as populações dos descaminhos
sociais [...]”(UNESCO, 2006b, p.1). Mesmo apresentando um discurso
redentorista, verifica-se que as mesmas m se desenvolvido em instituições que
operam como paliativo aos problemas mundiais, regionais e locais.
Os estudos que se encaminham a seguir nesta pesquisa se propõem
demonstrar as propostas das referidas agências para a política de Educação
Infantil, explicitadas nos principais documentos publicados entre 1995 a 2005. O
intuito destes estudos é o de verificar que prioridades e/ou estratégias emanam
destas agências para a política de Educação Infantil e, assim, verificar que
funções são atribuídas a este nível de ensino aos países da América Latina.
2.3.1 Educação Infantil na perspectiva do Banco Mundial
O Banco Mundial, enquanto principal organismo multilateral internacional
de financiamento, ao apresentar-se preocupado com o desenvolvimento social e
econômico, atua como suporte financeiro nos projetos de ordem social e
econômica dos países em desenvolvimento. Constitui-se de cinco instituições: o
Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD –; a
Associação Internacional de Desenvolvimento AID ; a Corporação Financeira
Internacional – IFC –; a Ancia Multilateral de Garantia de Investimentos – AMGI
e o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre investimentosCIADI.
O referido Banco considera-se dedicado à redução da pobreza em todo o mundo,
expondo que tem, como meta principal, ajudar as pessoas e países mais pobres,
que se utilizam dos seus recursos financeiros, do seu pessoal altamente treinado e
da sua ampla base de conhecimentos para ajudar os países periféricos numa trilha
de crescimento estável, sustentável e eqüitativo (BANCO MUNDIAL, 2008).
- 39 -
A partir dos anos de 1980, o Banco Mundial, em parceria com o FMI
28
,
passou a pôr em prática as políticas para o programa de Ajuste Estrutural (PAE),
no sentido de garantir que os países de periferia pudessem continuar a pagar
suas dívidas. Para que tal ocorresse, o Banco Mundial e o FMI reorientavam-lhes,
de modo apropriado, a política macroeconômica conforme os interesses dos
credores internacionais. “[...] É evidente que o país que se recusasse a aceitar as
medidas de política corretiva do FMI se confrontava com sérias dificuldades para
remodelar sua dívida e/ou para obter novos empréstimos para o desenvolvimento,
assim como para ter acesso à assistência internacional” (TOUSSAINT, 2002,
p.199).
Neste Ajuste Estrutural, o papel do Banco Mundial era se fazer presente na
maioria dos ministérios das políticas sociais, dentre estes, o Ministério da
Educação, garantindo que se efetivassem as reformas estruturais
29
e locais em
consonância com os acordos mundiais. De acordo com as análises de Toussaint
(2000), as implicações e conseqüências sociais do PAE, nos países periféricos,
constituíram resultados nefastos, a internacionalização da política econômica
transformou os países em territórios economicamente abertos e as economias
nacionais em “reservas” de mão-de-obra barata e de recursos naturais
(TOUSSAINT, 2002).
Um grande foco do Banco Mundial, nas estratégias do PAE, era o de
diminuir o papel do Estado. Reduzindo-se o Estado nos países periféricos,
aumentava-se a dependência destes com relação ao grande capital dos países
centrais “[...] manifestamente, para o Banco Mundial, o importante é acabar com o
intervencionismo do Estado, com as tentativas de desenvolvimento auto-centrado
e de planejamento” (TOUSSAINT, 2002, p.226).
28
Fundo Monetário Internacional: organização criada em 1945 para supervisionar o sistema
monetário internacional e garantir uma estabilidade do sistema cambial (HADDAD, 2008, p.7).
29
As reformas estruturais são executadas em paralelo com o processo de “estabilização
econômica”. A primeira fase do ajuste estrutural focaliza a estabilização “a curto prazo”,
compreendendo a desvalorização, a liberalização dos preços e a austeridade fiscal. Em seguida
a segunda fase se por meio da estabilização “macroeconômica”, que é na verdade o ajuste
estrutural propriamente dito, compreendendo a liberalização do comércio, a liberalização do
sistema bancário, a privatização das empresas públicas, a reforma tributária, a privatização da
terra, o abrandamento das regulamentações de mercado, a contenção dos sindicatos, o sistema
de aposentadorias e pensões, a pobreza e redes de seguridade social e, por fim, a boa
governança (TOUSSAINT, 2002, p.203-213).
- 40 -
Nos argumentos do Banco, o mundo estava mudando e com ele a
concepção do papel do Estado deveria mudar. Para que este promovesse o
desenvolvimento econômico e social era preciso “ajustar a função do Estado à
sua capacidade”. Para o Banco, ser um Estado capaz era ser um Estado mais
eficiente. Os documentos do Banco Mundial enfatizavam a necessidade de
reformas administrativas que operassem numa mudança de Estado administrador
e provedor para um Estado liberal, desregulamentador e privatista, que atendesse
às características de um “bom governante” (BANCO MUNDIAL, 1997).
Nesta perspectiva estrategista do modelo neoliberal, o Banco Mundial
orientava, junto aos países periféricos, as políticas educacionais. Desde os anos
de 1980, os documentos produzidos pelo Banco expressavam projetos pela
Educação inicial, a mesma proposta passou a ser defendida pelo Banco na
Declaração de Jomtien (1990). Com referência ao ensino primário, o Banco “[...]
enfatiza o papel importante do ensino em nível primário para a sustentabilidade
mundial, aliada à diminuição do número de filhos e à inserção da mulher no
mercado de trabalho” (FONSECA, 2001, p.58).
Nos anos de 1990, havia uma influência considerável no papel que o
Banco desempenhava junto às políticas educacionais, dentre estas as políticas
para a Educação Infantil dos países periféricos, passando o crescimento
econômico a ser o principal indicador da qualidade da Educação. Desta forma, o
combate à situação de pobreza tornava-se carro-chefe das estratégias, assim
como a educação tornava-se a chave para o desenvolvimento. Enfatizava o
Banco que era preciso que os países realizassem a reforma educacional o mais
rápido possível, pois “[...] A educação tem um papel decisivo no crescimento
econômico e na redução da pobreza […]”
30
(BANCO MUNDIAL, 1995, p.1).
No documento específico para Educação, produzido pelo Banco Mundial,
em 1995, intitulado “Prioridades Y Estratégias para La Educación” foram
apresentadas duas prioridades fundamentais para a Educação: atender crescente
demanda por parte das economias de trabalhadores capazes de adquirir novos
conhecimentos sem dificuldades e contribuir para a constante expansão do saber.
30
“[…] La educación tiene un papel decisivo en el crecimiento econômico y la reducción de la
pobreza […]”.
- 41 -
Para alcançar estas prioridades, o Banco enfatizava que era preciso que os
países realizassem uma grande tarefa: “[...] aumentar o acesso à educação,
efetivar a equidade, melhorar a qualidade e reduzir o tempo entre as reformas das
estruturas econômicas e as reformas nos sistemas educacionais na maioria dos
países”
31
(BANCO MUNDIAL, 1995, p.12).
Vale ressaltar que era muito importante para o Banco Mundial atender à
Educação Básica com foco no desenvolvimento econômico:
[...] A educação, especialmente a primária e a secundária do
primeiro ciclo (educação básica), ajuda a reduzir a pobreza
aumentando a produtividade do trabalho dos pobres, reduzindo a
fecundidade e melhorando a saúde e dotando as pessoas de
atitudes necessárias para participar plenamente na economia e
na sociedade
32
(BANCO MUNDIAL, 1995, p.11).
Com relação à infância, considerações de Penn (2002) apontam que o
Banco Mundial, depois dos anos de 1990, passou a se interessar mais pelas
questões relacionadas à infância, principalmente no que se referia ao
desenvolvimento e ao cuidado. O Banco mantém na atualidade um website com
atividade sobre os primeiros anos da infância, comissiona periódicos e promove o
tema em publicações e conferências regionais e globais. “[...] considera-se
importante promotor do debate sobre a primeira infância e, reciprocamente, é
objeto de lobby de muitas organizações que o encaram como um protagonista
central do campo da infância” (PENN, 2002, p.3).
Conforme a referida autora, o conceito de primeira infância, que subsidia as
políticas, parte do modelo de desenvolvimento humano utilizado para promover o
ECD (Early Childhood Care and Development) Desenvolvimento da Primeira
Infância
33
. Este modelo reflete de fato o modelo de desenvolvimento econômico.
31
“[...] aumentar el acceso a la educación en algunos países, y acrecentar la equidad, mejorar la
calidad y reducir el tiempo que media entre la reforma de las estructuras económicas la de los
sistemas educacionales en la mayoría de los países”.
32
“[...] La educación, especialmente la primaria y la secundaria de primer ciclo (educación básica),
ayuda a reducir la pobreza aumentando la productividad del trabajo de los pobres, reduciendo la
fecundidad y mejorando la salud, y dota a la gente de las aptitudes que necesita para participar
plenamente en la economía y en la sociedad”.
33
Desenvolvimento da Primeira Infância: modelo de políticas para infância empreendidas pelo
Banco Mundial a partir do final dos anos de 1980.
- 42 -
“[...] as metáforas econômicas e tecnocráticas da teoria do capital social são
usadas para explicar e justificar o interesse do Banco Mundial pelas crianças e
pela infância”. Para o Banco, o objetivo da infância é tornar-se um adulto
plenamente produtivo, o “capital humano” do futuro (PENN, 2002, p.3).
Na análise de Rosemberg (2002b), o Banco Mundial é a agência
multilateral que evidencia de fato maior incremento na questão do financiamento
para a Educação Infantil. Seus empréstimos destinam-se a duas linhas de ação,
sendo uma para o pré-escolar, denominada algumas vezes de Educação Inicial, e
outra específica para crianças pequenas, denominada Desenvolvimento Infantil.
Nesta perspectiva de ação, através da qual o Banco enfoca saúde, nutrição e
Educação, na maioria das vezes, isso se efetiva em programas não-formais.
A autora, anteriormente citada, enfatiza que é preciso criticar os programas
“não-formais”:
[...] não pela sua “informalidade”, nem pelo baixo custo em si, mas
sim pelo fato de que são programas incompletos, implantados
como soluções de emergência, porém extensivas, o que redunda,
geralmente, em atendimento de baixa qualidade e de grande
instabilidade, sendo destinados, exatamente, a populações pobres
[...] (ROSEMBERG, 2002a, p.57).
Diante do exposto, é possível considerar que o Banco Mundial, agência
multilateral de financiamento, atua de fato com orientações para a Educação
Infantil aos países periféricos. Ao pôr em prática políticas de Ajuste Estrutural,
atua com propostas de “reformas” administrativas, as quais considera necessárias
para um Estado eficiente. Com linhas de ações focalizadas para o retorno
econômico, o alívio da pobreza se situa no centro das estratégias do Banco, ao
passo que à Educação são atribuídas as funções de aliviar a pobreza e de
alcançar o desenvolvimento econômico.
Nas políticas propostas para a Educação Infantil, o Banco enfatiza o
atendimento com programas de “Desenvolvimento e Cuidado da Primeira
Infância” ECD , os quais se caracterizam num caráter informal, com foco de
atendimento à população pobre. Verifica-se que o Banco atribui a estas políticas a
tarefa de “desenvolver”, “cuidar” e “educar” as crianças pequenas que vivem em
- 43 -
situação de vulnerabilidade, focalizando, a longo prazo, a formação de um adulto
produtivo para o mercado de trabalho, garantindo, assim, a sustentabilidade
mundial.
2.3.2 Educação Infantil na perspectiva da CEPAL
A Comissão Econômica Regional para América Latina e Caribe, articulada
nos moldes de uma agência multilateral, é uma instituição que conta atualmente
com todos os países da referida região como membros. Seu empenho diante dos
países se caracteriza por ser uma instituição construtora de políticas, buscando
sempre como objetivo maior o desenvolvimento dos países. “[...] Esta missão
inclui a formulação, seguimento e avaliação de políticas públicas e a prestação de
serviços operativos nos campos da informação especializada, assessoramento,
capacitação e apoio à cooperação e à coordenação regional e internacional”
(CEPAL, 2008, p.1).
A CEPAL enfatiza que, no exercício de suas atividades, tem se dedicado a
estudos que garantam o “crescimento sustentado”. Baseada no marco
“transformação produtiva com equidade”, norteia a política social, as questões
relacionadas aos aspectos ambientais e demográficos, a estratégia educativa
assim como a estabilidade e o crescimento das economias da região da América
Latina.
Mesmo não sendo uma instituição voltada para a Educação, a CEPAL, a
partir dos anos de 1990, passou a ser uma das principais fontes direcionadas à
política educacional da região. Diante disto, faz-se importante destacar o olhar da
Comissão para a Educação, em termos gerais, no intuito de se compreender a
perspectiva da mesma para a Educação Infantil.
Atribuindo ao processo educativo uma importância fundamental no patamar
da competitividade internacional, a CEPAL, no início dos anos de 1990, publicou
“Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade”, um
documento específico para orientação de políticas educacionais nos países da
- 44 -
região latino-americana. Em parceria com a UNESCO, o documento, que
culminou em 471 páginas, destacou a relação da Educação com a formação de
“recursos humanos”, buscou esboçar uma proposta de política articulando
Educação, conhecimento e desenvolvimento, na proposição de transformação
produtiva com equidade aos países da região.
Para a CEPAL, a necessidade de uma reforma do sistema de produção
e difusão do conhecimento e isto exige desafios, tanto internos, na consolidação
da cidadania, enfatizada como a necessidade de aprofundar a democracia, a
coesão social, a eqüidade e a participação, quanto externos, na competitividade
internacional, na relação em que os países geram meios para serem competitivos
em nível internacional. Conforme objetivos do documento “[...] o que se pretende
é transformar a educação, [...] de maneira a permitir que se alcancem
simultaneamente dois objetivos: a moderna cidadania e a competitividade
internacional dos países da América Latina e Caribe” (CEPAL, 1995, p.19).
Com referência às políticas educacionais, para empreender de fato uma
transformação produtiva no contexto da eqüidade social, a CEPAL propõe uma
profunda revisão de conteúdos cognitivos, instrumentais e éticos necessários para
que as novas gerações dominem os “códigos da modernidade”
34
. Para isto esta
revisão de conteúdos deve ter por base a “cidadania e a competitividade,”
inspirar-se em diretrizes políticas de “equidade e desempenho”, propondo reforma
institucional pela “descentralização e a integração nacional”.
A concepção de equidade é definida pela Comissão como o acesso à
Educação, no sentido de que todos tenham igualdade de oportunidades. O
desempenho articula-se à equidade estabelecendo um novo tipo de relação para
que haja eficiência. A CEPAL deixa claro no documento que a necessidade de
mudanças estruturais por parte do Estado para garantir a transformação
produtiva, eixo do documento. Para ela, somente haverá eficácia nas ações e nos
resultados se houver políticas que possam medir e avaliar qualidade,
produtividade e desempenho. “[...] o Estado está sendo chamado a atuar no eixo
da fixação de metas, da avaliação de desempenho, do uso de incentivos, com o
34
“Código de Modernidade” é explicitado no documento como o conjunto de conhecimentos e
habilidades necessários à participação na vida pública e ao desenvolvimento produtivo do
indivíduo na sociedade moderna (CEPAL, 1995, p.11).
- 45 -
fim de aumentar a eficácia e a equidade do sistema, reforçar a autonomia e a
iniciativa dos centros educacionais” (CEPAL, 1995, p.206).
Outra proposta da CEPAL para a Educação está na reforma institucional
pautada pela “integração e descentralização”. Esta reforma visa a garantir a
homogeneidade das ações na gestão educacional, no sentido de contribuir
efetivamente para o fortalecimento da coesão de sociedade. Para a Comissão,
isso implica conferir maior autonomia às escolas e, também, reestruturar os
processos de capacitação das demandas dos sistemas educacionais.
A CEPAL enfatiza que a formulão das poticas nacionais poderá variar
conforme as diversas realidades e, diante disto, as combinações dos objetivos
estratégicos (cidadania e competitividade), metas de reforma institucional
(integração e descentralização) e critérios para a aplicação das políticas (eqüidade
e desempenho) terão que ser correspondentemente modificados. No entanto,
mesmo que as políticas correspondam às características e às prioridades
nacionais, é preciso que os países “[...] apóiem-se em consensos ou acordos
entre os principais atores sociais” (CEPAL, 1995, p.213).
Os resultados educacionais na região latino-americana, entre 1980 e 1990,
eram explicitados pela Comissão como sendo emergenciais de reformas que
vislumbrassem o desenvolvimento sustentável. Questões como má qualidade,
altas taxas de repetência, a baixa qualidade do trabalho do professor, entre
outras, eram discutidas como problemas que necessitavam de medidas eficientes
que comprovassem desempenho e produtividade. Para a CEPAL (1995, p.54),
“[...] a qualidade da educação básica compromete os resultados dos demais
níveis e constitui sério obstáculo para o desenvolvimento econômico, político e
social da região”.
Este olhar para a concepção de Educação, em termos gerais, possibilita o
entendimento mais ampliado para se compreender o olhar da Comissão para a
Educação Infantil, em específico. A CEPAL (1995, p.250) assinala, atualmente
ainda, para este nível, a necessidade de expansão dos “programas de
atendimento pré-escolar”, explicitando que é mais que comprovado que estes
programas são importantes para o “posterior” desenvolvimento da criança e que
estes programas de “estímulo precoce” têm efeito benéfico para as crianças
pobres, facilitando, assim, “sua ulterior incorporação ao ensino formal”.
- 46 -
A Comissão orienta que, para “estender a atenção pré-escolar”, os países
podem adotar medidas em dois níveis que são intercomplementares:
[...]
b) proporcionar cobertura seletiva, destinada a crianças de dois a
quatro anos provenientes de famílias de baixa renda, por meio de
programas públicos ou subvencionados que combinem
atendimento escolar com serviços de nutrição e saúde. Melhor
coordenação entre a ação pública e as atividades desenvolvidas
pelas organizações não-governamentais e comunitárias poderia
aumentar a eficácia de tais programas, mas não substituiria os
subsídios governamentais (CEPAL, 1995, p.251).
Verifica-se que a posição da Comissão, com relação ao atendimento às
crianças de 0 a 6 anos, refere-se à “atenção pré-escolar” e que esta deve ser
dada, principalmente, às crianças de famílias pobres, propondo estímulo precoce
para uma Educação formal que ainda virá, no caso, a Educação primária.
O documento “Invertir mejor para invertir más: financiamiento y gestión de
la educación em América Latina y el Caribe”, publicado em 2005 pela CEPAL em
parceria com a UNESCO, também discute o atendimento à Educação Infantil, no
entanto, referindo-se a ela como “ensino pré-primário”. O documento tratava da
Educação de modo geral na América Latina, com o objetivo de impulsionar um
salto na qualidade e na equidade da Educação. Para tanto, apresentava
discussões acerca das metas de recursos financeiros para a Educação e defendia
que para se atingir as metas “[...] não é uma questão de investir mais, mas de
investir melhor”
35
(CEPAL, 2005, p.7).
A CEPAL assinala que é preciso que os investimentos no sistema
educativo tenham um uso mais eficiente e com maior impacto na aprendizagem.
Desta forma, é possível melhorar a gestão educativa, a qual poderá “[...] promover
maior responsabilidade social pela educação tanto nos que a ofertam como nos
usuários e suas famílias, atribuir um papel especial para a escola em sua gestão
como comunidade de aprendizagem e participação, melhorar os recursos
humanos docentes, fomentar seu protagonismo e seu compromisso”
36
(CEPAL,
2005, p.8).
35
“[…] No es sólo cuestión de invertir más, sino también de invertir mejor”.
36
“[...] promover mayor responsabilidad social por la educación tanto en los oferentes como en los
usuarios y sus familias, asignar un especial rol a la escuela en su gestión como comunidad de
aprendizaje y participación, y mejorar los recursos humanos docentes, fomentar su
protagonismo y su compromiso”.
- 47 -
Com referência à Educação Infantil, o documento destacava relevante
importância para a universalização da “educación preprimaria”. Conforme os
escritos do mesmo, as crianças que eram atendidas pela “educación preprimaria”
ou “preescolar” tinham melhores resultados posteriores, mais pontos ao medir a
aprendizagem e progridiam mais rapidamente no ciclo escolar, reduzindo as taxas
de repetência no início desse ciclo. Outro fator positivo era a redução do número
de anos na Educação Básica e na Média, o que proporcionava sanar as brechas
entre as crianças de diferentes classes sociais.
A educação preescolar” tem mais um aspecto extremamente positivo que
é a maior possibilidade de as mulheres incorporarem-se no mercado de trabalho,
que, assegurando o cuidado das crianças, aquelas se consagram no trabalho
remunerado. “[...] Em tempos de acelerado aumento da participação feminina no
mercado de trabalho, a possibilidade de que os filhos ingressem nas instituições
de educação pré-escolar é de importância tanto para as oportunidades futuras
das crianças como para as mulheres”
37
(CEPAL, 2005, p.33).
Os documentos da CEPAL, analisados nesta pesquisa, demonstram que o
papel de formular, acompanhar e avaliar as políticas públicas da região é
desempenhado pela referida Comissão, com foco em construir uma cidadania que
esteja vinculada à competitividade internacional. Propõem uma “transformação
produtiva com eqüidade”, transformação da Educação e o conhecimento para que
as gerações dominem os “Códigos da Modernidade”. Mesmo não sendo uma
instituição voltada em espefico para a política educacional, a Comissão
apresenta-se como direcionadora das políticas na região latino-americana
atribuindo à Educação o papel de elevar as nações a fazer frente às
transformações econômicas de nível global.
Em análise às medidas da CEPAL para as políticas educacionais, dentre
elas, as políticas para a Educação Infantil, é possível visualizar que a referida
Comissão trabalha em consonância com princípios neoliberais estabelecidos no
Consenso de Washington. A CEPAL também propõe uma estruturação
educacional explicitada na lógica da Teoria do Capital Humano. O Estado,
37
“[...] En tiempos de acelerado aumento de la participación femenina en el mercado laboral, la
posibilidad de que los hijos accedan a establecimientos de enseñanza preprimaria es de
importancia tanto para las oportunidades futuras de los niños como para las mujeres […]”.
- 48 -
visualizado por ela, é aquele que de administrador passa a ser avaliador,
incentivador e gerador de políticas, entretanto políticas baseadas nas orientações
e buscadoras da transformação produtiva com eqüidade.
A preocupação da Comissão é garantir um maior processo de
escolarização, entendendo que a problemática social da América Latina se
apenas mediante a diferenciação no acesso a educação, entre outros.
A perspectiva da CEPAL para a educação infantil, nos países da América
Latina, estabelecida como Educação “préprimária” ou “atencion préescolar”, tem
como foco os resultados posteriores, a progressão escolar primária, a redução
nas taxas de repetência, a incorporação das mulheres no mercado de trabalho e
da própria criança quando adulta e também o saneamento das diferenças entre
as classes sociais das crianças, promovendo a equidade. Esta concepção de
Educação Infantil da CEPAL para os países da América Latina e Caribe, dentre
estes o Brasil, orienta-se por políticas com foco no setor produtivo, para que a
criança, ao tornar-se adulta, torne-se um trabalhador de perfil flexível às condões
da sociedade e, também, competitivo para atender às transformações globais.
Trata-se de uma política de atendimento à Educação Infantil que
demonstra uma funcionalidade política ao enfatizar que os países apóiem-se em
consensos ou acordos na busca de coesão social e participação. Ao mesmo
tempo traduz uma funcionalidade ideológica ao destacar que tanto a Educação,
em termos gerais, quanto a Educação Infantil devem formar um trabalhador, para
efetivar a transformação produtiva, atuante na cidadania moderna e na
competitividade internacional, avaliado em desempenho, eficácia e equidade.
2.3.3 Educação Infantil na perspectiva da UNESCO
Caracterizada como a organização internacional que promove a
cooperação internacional em matéria de Educação, ciência, cultura e
comunicação entre os países, a UNESCO assume, junto à ONU, os desafios pelo
desenvolvimento social e econômico dos países, propostos nos “Objetivos para o
- 49 -
Desenvolvimento das Nações Unidas para o Milênio”
38
, os quais se resumem em:
- reduzir à metade a proporção de pessoas que vivem na
pobreza;
- alcançar a universalização do ensino primário em todos os
países;
- suprimir as disparidades entre os sexos no ensino primário e
secundário;
- lutar contra a Aids, Malária e outras enfermidades.
- garantir um meio ambiente sustentável
39
(UNESCO, 2006a,
p.2).
A UNESCO assinala que é preciso estabelecer relação muito eficaz com as
organizações do conjunto das Nações Unidas e demais cooperações, pois estas
relações fortalecem as estratégias e os objetivos comuns a todos, sendo possível,
assim, efetivar as prioridades das nações. No documento “Estratégia a Prazo
Médio” (2002)
40
, a UNESCO afirma “[...] se queremos ser eficazes, fortalecer
nossa capacidade de mobilização e incrementar nossa influência, as relações de
colaboração vêm a ser algo decisivo”
41
(UNESCO, 2002b, p.1).
Explicita-se ainda que tal colaboração não se advinda somente dos
governos, das organizações internacionais e intergovernamentais, mas da
sociedade civil e do setor privado, mediante alianças e redes. Esta noção de
cooperação amplia-se no que se refere à “responsabilidade social”, enfatizando
que empresas e qualquer outra instituição, inclusive universidades, precisam ter
“responsabilidade social”, voltando-se e preocupando-se com a sociedade e com
os problemas planetários.
Ainda com relação ao referido Documento, faz-se importante assinalar que
a UNESCO traça três objetivos estratégicos para a Educação:
38
“Objetivos de Desarrollo de las Naciones Unidas para el Milênio” Objetivos estabelecidos no
ano de 2000 pela ONU para garantir o desenvolvimento do milênio às nações. Estes objetivos
aparecem em muitos documentos tanto da UNESCO quanto do UNICEF que tratam da
educação nos países (UNESCO, 2006a).
39
“reduzir a la mitad la proporción de personas que viven en la pobreza; lograr la universalización
de la enseñanza primaria en todos los países; suprimir las disparidades entre los e sexos en la
enseñanza primaria y secundaria; luchar contra el sida, el paludismo y otras enfermedades;
garantizar un medio ambiente sostenible”.
40
“Estrategia a Plazo Medio: contribución a la paz y al desarrollo humano en una era de
mundialización mediante la educación, las ciencias, la cultura y la comunicación” (2002)
Documento para ões a médio prazo a UNESCO, publicado em 2002, a partir da Reunião
Geral n.31 C/4 realizada em outubro de 2001 com plano para o período de 2002-2007.
41
“Si queremos ser eficaces, fortalecer nuestra capacidad de movilización e incrementar nuestra
influencia, las relaciones de colaboración van a ser algo decisivo”.
- 50 -
1. Promover a educação como direito fundamental em
conformidade com a Declaração Universal de Direitos Humanos;
2. melhorar a qualidade da educação mediante a diversificação de
seus conteúdos e métodos na promoção de valores
consensuados universalmente.
3. promover a experimentação, a inovação, a difusão e a
utilização compartilhada da informação e das melhores práticas,
assim como o diálogo sobre políticas em matéria de educação
42
(UNESCO, 2002b, p.15).
Visualizar estas estratégias educacionais gerais se faz necessário no
sentido de se possibilitar a compreensão do olhar da UNESCO sobre a Educação
do que se visualiza aos países e também compreender que, ao discutir
estratégias para Educação, ciência, cultura e comunicação, a Agência traz uma
“estratégia transversal”, para permeá-las: a “[...] erradicação da pobreza, em
particular da extrema pobreza”
43
(UNESCO, 2002b, p.20).
Faz-se necessário estabelecer o referido olhar sobre as orientações gerais
para a Educação, propostas pela UNESCO, no sentido de compreender que a
mesma, por ser a agência da ONU que especificamente trata da Educação,
estabelece grande influência sobre as políticas educacionais propostas aos
países. Ao assumir os “Objetivos do Desenvolvimento do Milênio” (pobreza,
educação, igualdade de gênero, mortalidade infantil, saúde materna,
enfermidades, meio ambiente e desenvolvimento) e visualizar, para médio prazo,
a educação como direito, a qualidade e a promoção de práticas sobre políticas
para Educação, o foco na erradicação da pobreza, enfatizando as relações de
colaboração entre os países, a UNESCO expõe as problemáticas e concepções
que norteiam a proposição de políticas educacionais, dentre elas as políticas para
a Educação Infantil.
Especificamente em relação à Educação, a UNESCO possui muitos
documentos e publicações referentes a este campo de programas e políticas. Em
42
“1. Promover la educación como derecho fundamental de conformidad con la Declaración
Universal de Derechos Humanos; 2. Mejorar la calidad de la educación mediante la
diversificación de sus contenidos y métodos y la promoción de valores compartidos
universalmente; 3. Promover la experimentación, la innovación y la difusión y utilización
compartida de la información y las mejores prácticas, así como el dialogo sobre políticas en
materia de educación”.
43
“[...] erradicación de la pobreza, en particular la extrema pobreza.”
- 51 -
escritos apresentados no seu portal virtual, afirma que os laços estreitos que
mantém com os ministérios de educação dos países a situam numa posição
estratégica para promover iniciativas acerca da política educacional dos países. A
UNESCO assinala que tem a convicção de que a Educação é essencial para o
desenvolvimento social e econômico, e, monitora o avanço da mesma por meio
da publicação anual “Informe Mundial de Seguimento”, documento que avalia e
demonstra as ações dos países em cumprimento da Educação para Todos.
Faz-se importante explicitar as tarefas consideradas prioritárias pela
UNESCO no que se refere à Educação:
- Proporcionar acesso à educação para todos em todos os níveis;
- alcançar um resultado bem sucedido, particularmente entre a
população marginalizada e com necessidades especiais;
- enfatizar a formação docente com o propósito de garantir que
todo estudante tenha acesso a um ambiente de aprendizagem
apropriado e a docentes qualificados;
- desenvolver competências que assegurem aos trabalhadores
melhores condições de vida através da educação;
- garantir o acesso a oportunidades de aprendizagem formal e ao
longo da vida;
- utilizar a tecnologia como meio para melhorar o processo de
ensino e aprendizagem e ampliar as oportunidades de educação
44
(UNESCO, 2006c, p.1).
O documento produzido pela UNESCO em 1996, “Educação: um tesouro a
descobrir”, escrito por Jacques Delors, chamado por alguns estudiosos de
“Relatório Delors”, discutia a “Educação para o século XXI”, visualizando-a como
uma via de condução para um desenvolvimento humano com mais valores.
Explicitava que as políticas educativas deveriam efetivar o ensino eqüitativo e de
qualidade e apresentava a Educação como uma das chaves de acesso ao culo
XXI. Para tal, considerava fundamentais os quatro pilares da Educação: aprender
44
“- Proporcionar acceso a la educación para todos en todos los niveles; - Lograr un resultado
exitoso, particularmente entre la población marginada y con necesidades especiales; - Enfatizar
la formación docente con el propósito de garantizar que todo estudiante tenga acceso a un
entorno de aprendizaje a apropiado y a docentes calificados; -Desarrollar competencias que
aseguren a los trabajadores mejores condiciones de vida a través de la educación; - Garantizar
el acceso a oportunidades de aprendizaje no formal y a lo largo de la vida, y - Utilizar la
tecnología como medio para mejorar el proceso de enseñanza y aprendizaje y ampliar las
oportunidades de educación.”
- 52 -
a conhecer
45
; aprender a fazer
46
; aprender a viver juntos
47
e aprender a ser
48
(UNESCO, 2003).
Um aspecto que chama atenção no documento é a necessidade de
sustentar pilares para a Educação enquanto bases ou fundamentos, os quais são
propostos para toda a vida, para além da escola. Outro aspecto é a presença
marcante das concepções que fundamentam os documentos do Banco Mundial e
da CEPAL, voltados para a Educação como, por exemplo: qualidade; equidade;
transformação para o desenvolvimento econômico; cooperação nacional e
internacional; descentralização; autonomia; gestão eficiente e compartilhada,
entre outros.
No que se refere à Educação Infantil, o Relatório enfatizava, em dois
parágrafos apenas, que era preciso sublinhar a importância da educação pré-
escolar pois, além da socialização promovida pelos centros e programas de
educação pré-escolar às crianças, garantia-se também:
[...] uma disposição mais favorável em relação à escola e correm
menos riscos de a abandonar prematuramente do que as que
não tiveram essa oportunidade. Uma escolarização iniciada cedo
pode contribuir para a igualdade de oportunidades, ajudando a
superar as dificuldades iniciais de pobreza, ou de um meio social
ou cultural desfavorecido. [...] facilita a participação das mulheres
na vida social e econômica (UNESCO, 2003, p.129).
O Relatório assinalava que a Educação pré-escolar estava ainda pouco
desenvolvida na maior parte dos países do mundo e que, diante disso, este
atendimento poderia ser integrado a programas de Educação comunitária, em
especial aos países periféricos. “[...] Esperemos que se iniciem, ou continuem, os
45
“[...] Conciliar uma cultura geral suficientemente vasta, com possibilidade de dominar,
profundamente, um reduzido número de assuntos [...]” (UNESCO, 2003, p.20).
46
“[...] Além da aprendizagem de uma profissão que se adquirir uma competência mais ampla,
que prepare o indivíduo para enfrentar numerosas situações [...] atribuir cada vez maior
importância às diferentes formas de alternância entre escola e trabalho” (UNESCO, 2003, p.20).
47
“[...] desenvolvendo o conhecimento acerca dos outros, da sua história, tradições e
espiritualidade. [...] conduzindo a realização de projetos comuns, a uma gestão inteligente a
apaziguadora dos inevitáveis conflitos [...]” (UNESCO, 2003, p.19).
48
“[...] o século XXI exigirá de todos nós grande capacidade de autonomia e de discernimento [...]
não deixar por explorar nenhum dos talentos que constituem como que tesouros escondidos no
interior de cada ser humano [...]” (UNESCO, 2003, p.20).
- 53 -
esforços para multiplicar, um pouco por todo o mundo, as possibilidades de
aprendizagem oferecidas à primeira infância no quadro de um movimento que
pretende fazer da educação sica universal uma realidade” (UNESCO, 2003,
p.130).
A Educação Infantil é tratada no documento Situacion Educativa de
América Latina y el Caribe(2001), publicado pela Organização, instituído como
um projeto de Educação para a América Latina e Caribe. “[...] centra-se numa
análise de situação educativa de cada país para o período 1980-2000 e destaca a
relação da educação com o contexto em que se desenvolve e seu impacto
social”
49
(UNESCO, 2001, p.5).
Neste Documento, a UNESCO realiza a análise da situação educacional da
América Latina tendo por base alguns critérios específicos
50
. É possível perceber
que os critérios utilizados para analisar a situação educacional na América Latina
são critérios de análise que atuam como alicerces e representam o olhar da
UNESCO sobre a Educação. Estes critérios também foram verificados neste
trabalho, nos escritos do Banco Mundial e da CEPAL, os quais enfatizam que a
Educação é um caminho importante para se aliviar a pobreza promovendo
desenvolvimento social e econômico dos países periféricos.
Sobre a Educação Infantil, o documento destaca, em poucas linhas que, na
América Latina, este nível de ensino tem mostrado importante evolução
quantitativa e maior relevância diante da sociedade. No que se refere ao período
de 1985 a 1995, a Educação “preescolar” alcançou considerável evolução na taxa
de escolarização, “[...] entre 1975 e 1995 na região se duplicou a matrícula na
educação pré-escolar
51
” (UNESCO, 2001, p.31).
Conforme as considerações da UNESCO (2001), ainda falta articulação
entre programas formais e não-formais assim como ainda um escasso
conhecimento sobre a qualidade e eficiência dos programas não-formais. O
49
“[...] centra-se en un análisis de la situación educativa de cada país para el período 1980-2000 y
destaca la relación de la educación con el contexto en que se desenvuelve y de su impacto
social”.
50
Critérios utilizados para análise educacional da UNESCO: a evolução do contexto no qual se
desenvolve a educação; os recursos investidos na educação; o alcance da educação em
questão de acesso, a cobertura e participação; o funcionamento e eficiência da educação; a
equidade nas oportunidades educativas; a qualidade da educação; o impacto social da
educação; e por fim, aos avanços na gestão da educação (UNESCO, 2001, p.15).
51
“[...] entre 1975 y 1995 en la región se ha cuadruplicado la matrícula en educación preescolar”.
- 54 -
período de 0 a 3 anos se caracteriza por uma ampla rede de programas não-
formais, com maior participação da família e da comunidade. No atendimento às
crianças de 4 a 6 anos prevalecem as modalidades formais. Existem programas
estatais que dependem de ministérios da saúde, do trabalho, da educação ou
outros organismos responsáveis pelas políticas para a primeira infância, ao passo
que programas de caráter privado dependentes de Igrejas, organismos não-
governamentais e agências de cooperação internacional.
A discussão acerca da Educação “preescolar”, no referido Documento,
perpassa os critérios de acesso, eficiência, eqüidade, qualidade, impacto social e
gestão, mas não especifica a Educação “preescolar” em cada um desses itens,
apenas expõe alguns parágrafos em termos gerais e destaca também referências
à Educação brasileira. “[...] A educação inicial ou infantil como se denomina no
Brasil é a primeira etapa da educação básica, destinada às crianças de 0-6 anos,
sendo obrigação dos municípios promovê-la”
52
(UNESCO, 2001, p.111).
A UNESCO se refere à Educação brasileira, assinalando que o desafio
brasileiro está em concentrar seus esforços na qualidade, eficácia e equidade e
para tanto se faz necessária a construção de consensos mínimos a partir da
participação ativa da sociedade civil, a qual pode estabelecer ajuda efetiva em
mecanismos eficazes de controle social (UNESCO, 2001).
Atendendo às orientações da Declaração de Jomtien (1990), que
reconhece que a aprendizagem se inicia com o nascimento, e ao Fórum Mundial
de Educação para Todos de Dakar (2000), que fixa meta de expansão e
aprimoramento da assistência e Educação da primeira infância, a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
53
realizou em 1998, por
meio da colaboração de 12 países-membros, um estudo temático da política de
Educação e cuidado da primeira infância.
52
“[...]. La educacíon inicial o “infantil” como se denomina en Brasil es la primera etapa de la
educación básica, destinada a los niños de 0-6 años, siendo obligación de los municipios
promoverla”.
53
A OCDE é uma organização internacional formada de 30 paises comprometidos com os
princípios da democracia representativa” e da “economia de livre mercado”. Com sede em
Paris na França, a organização chamada de “Grupo dos Ricos”, forma um conjunto de países
que detém mais da metade de toda riqueza mundial. Ela exerce uma influência expressiva na
política econômica e social de seus membros, assim como na sociedade internacional, entre
seus objetivos está o de ajudar o desenvolvimento econômico e social dos paises do mundo,
estimulando e realizando articulações para que haja investimentos nos países em
desenvolvimento (Disponível em: <http://www.oecd.org>).
- 55 -
Este estudo foi publicado e traduzido pela UNESCO no sentido de fazer
chegar aos países em desenvolvimento o estudo que consolidasse os
conhecimentos das diferentes abordagens de cada país da OCDE, levando em
consideração os sucessos detectados e os desafios enfrentados com relação à
Educação e ao cuidado na primeira infância. Conforme o documento da OCDE, o
interesse dos países-membros em realizar este estudo se daria no entendimento
de que a Educação e o cuidado da primeira infância, a curto prazo, traziam
qualidade para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança e, a
longo prazo, sucesso na escola e na vida. Desta forma “[...] é necessário dispor
de serviços pouco onerosos e seguros que promovam a educação e o cuidado
das crianças mais novas” (UNESCO, 2002a, p.21).
A expressão “educação e cuidado da primeira infância” (ECPI) é entendida
pelo documento das OCDE como todas as modalidades ofertadas que garantem
a Educação e cuidado das crianças antes da idade da escolaridade obrigatória,
independente da organização do espaço, do financiamento, dos horários de
funcionamento ou do conteúdo do programa. A definição da ECPI parte do
pressuposto de que se toma a consciência de que cada vez mais a educação e o
cuidado são conceitos inseparáveis e, diante disso, é preciso constituir uma
política de ECPI, a qual deve ser definida por uma multiplicidade de objetivos
dentre os quais:
- facilitar a integração das mães das crianças no mercado do
trabalho e conciliar as responsabilidades profissionais e familiares;
- apoiar as crianças e as famílias em situação “de risco” e, ao
mesmo tempo, favorecer a igualdade das oportunidades de
acesso à educação e à aprendizagem ao longo da vida;
- ajudar na implantação de ambientes que estimulem o
desenvolvimento global e o bem-estar da criança;
- facilitar a preparação para o ingresso na escola e favorecer os
resultados escolares ulteriores;
- manter a integração e a coesão sociais (UNESCO, 2002a p.56).
É possível perceber nos escritos da OCDE que a ênfase nos objetivos da
ECPI focaliza questões relativas ao emprego, à igualdade de oportunidades
(eqüidade), à família e às conseqüências sociais e educativas, sempre
- 56 -
permeadas pela abordagem de aprendizagem ao longo da vida. Sendo assim,
“[...] o que determina os objetivos dos serviços de ECPI é sempre a criança como
investimento humano fundamental [...]” (UNESCO, 2002a, p.61).
Para apoiar e fortalecer a política de desenvolvimento nessa área o
documento expõe sete tendências atuais das políticas nacionais implantadas em
diversos países:
1) possibilitar o acesso universal das crianças aos serviços;
2) melhorar a qualidade dos serviços;
3) promover a coerência e a coordenação das políticas e dos
serviços;
4) explorar estratégias a fim de garantir investimentos adequados
no sistema;
5) aprimorar a formação do pessoal e suas condições de trabalho;
6) desenvolver referenciais pedagógicos apropriados para as
crianças;
7) envolver o país, as famílias e as comunidades (UNESCO,
2002a, p.67-68).
Diante dos objetivos gerais do relatório de estudo “Educação e Cuidado na
Primeira Infância”, verifica-se que o mesmo não trata de uma política de educação
infantil para crianças de 0 a 6 anos, mas direciona aos países a construção de
programas e serviços que atendam à “primeira infância” e a seus familiares com
vistas a garantir: acesso universal às crianças; integração das mães ao mercado
de trabalho; ajuda às crianças e famílias em situação de pobreza; condições de
equidade; preparo das crianças para o ingresso na escola (este atendimento não
é considerado escola); bons resultados ulteriores e ainda favorecer e fortalecer a
integração e coesão social entre as nações
54
(UNESCO, 2002a).
A OCDE não relata nos seus apontamentos o papel do Estado neste
atendimento e nem expõe, de forma clara e objetiva, a definição de Educação
Infantil. Conforme a Organização, trata-se de uma política de serviços voltados ao
desenvolvimento da criança, a qual tem sido bem sucedida nos países da OCDE
“[...] Entre os numerosos problemas que lotam sua agenda política, estes países
reconheceram a prioridade às crianças; eles deram conta de que são necessárias
sólidas políticas nacionais ou locais para amparar as crianças em seus primeiros
54
Resumo elaborado pela pesquisa enfatizando o que é primordial para analise do tema proposto.
- 57 -
anos de vida” (UNESCO, 2002a, p.201).
Ainda com referência aos documentos da UNESCO sobre a Educação
Infantil, a Oficina Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e
Caribe (OREALC) apresenta em 2004 um projeto regional chamado “Síntesis
Regional de Indicadores de la Primera Infancia”. Este documento se constituiu
num projeto latino-americano que tinha como meta gerar um conjunto de
indicadores comparativos da educação de crianças entre 0 a 6 anos, no marco de
“atenção integral a la primera infância”.
A justificativa para a produção da Síntese Regional é que, atendendo ao
que a Declaração de Jontiem (1990) afirmara de que a educação começava com
o nascimento, e ao que o Marco de Dakar (2000) enfatizava, de que era preciso
alcançar até 2015 a expansão e melhoria do cuidado e educação da primeira
infância, especialmente aos mais vulneráveis, requeria-se a necessidade de novo
marco para “[...] integrar os programas educativos da primeira infância e coletar
dados estatísticos relevantes para gerar indicadores relacionados com a
educação e cuidado da primeira infância”
55
(UNESCO, 2004, p.9).
Quanto ao termo “primera infancia” a Síntese indicou que todos os países
estavam de acordo que esta se iniciava no nascimento, sendo mais freqüente
considerá-la desde o nascimento até os 6 anos de idade. O termo “atención
integral a la primera infancia” é reconhecido pela região como o conjunto de
ações coordenadas para satisfazer tanto as necessidades essenciais para se
preservar a vida como aquelas que têm relação com o desenvolvimento integral.
Sendo assim, ao referir-se ao termo “atención a la primera infancia”, está se
referindo às ações que integram o cuidado ou a proteção e a Educação ou
desenvolvimento da primeira infância. Quando se referir ao termo “cuidado” ou
“protecion” da primeira infância é comum a todos entenderem-nos como
alimentação, saúde, proteção, afeto, entre outros. Por fim, com relação ao termo
“educación de la primera infância”, o documento relata que, mesmo tendo uma
variedade de denominações, em geral os países da América Latina definem-no
como:
55
“[...] conceptualizar los programas educativos de la primera infância y recopilar datos
estadísticos relevantes para generar indicadores relacionados con la educación y cuidado de la
primera infância”.
- 58 -
[...] os processos educativos oportunos e pertinentes que surgem
a partir das necessidades, interesses e características das
crianças de 0 a 6 anos, com objetivo de favorecer aprendizagens
significativas que promovam seu desenvolvimento integral, dentro
de uma concepção de criança como pessoa no contínuo
refinamento
56
(UNESCO, 2004, p.18).
Discute-se a Educação Infantil, dentro dos programas e serviços de
“atención a la primera infancia”, no item “cuidado y educación”, como um serviço
de atenção e não como uma política específica de Educação. O Documento
explicita nas suas conclusões que a saúde e a nutrição o serviços que devem
ser garantidos pelo Estado, ao passo que as políticas nacionais reconhecem que
os pais e as famílias são insubstituíveis no cuidado e na educação das crianças.
Enfim, em relação aos programas e serviços de cuidado e Educação da
primeira infância, o Documento conclui que as finalidades que se perseguem nos
países da América Latina são muito parecidas e podem se agrupar em: favorecer
o desenvolvimento integral das crianças; promover a participação dos pais para
fortalecendo-os como os responsáveis por seus filhos e também, no caso de
programas comunitários, propiciar a autogestão da comunidade em formas de
atenção preventiva além de melhorar as condições de vida das crianças e de
suas famílias.
[...] o objetivo fundamental das ações de educação e cuidado é
contribuir para o desenvolvimento integral das crianças e
favorecer suas aprendizagens, por isso é urgente que os países
construam um conjunto de indicadores relativos ao
desenvolvimento e aprendizagem das crianças menores de seis
anos. Esta informação é crucial para a construção de outros
indicadores como por exemplo, a qualidade dos programas de
educação e cuidado [...]
57
(UNESCO, 2004, p.47).
56
“[...] los procesos educativos oportunos y pertinentes que se generan a partir de la necesidades,
intereses y características del niño e 0 a 6 anos, con el fin de favorecer aprendizajes
significativas que promuevan su desarrollo integral, dentro de una concepción del niño como
persona en continuo perfeccionamiento”.
57
“[...] El objetivo fundamental de las acciones de educación y el cuidado es contribuir al
desarrollo integral de los niños y favorecer sus aprendizajes, por ello es urgente que los países
construyan un conjunto de indicadores relativos al desarrollo y aprendizaje de los niños
menores de seis años. Esta información es crucial para la construcción de otros indicadores
como, por ejemplo, la calidad de los programas de educación y cuidado […]”.
- 59 -
Diante dos estudos realizados nos documentos da UNESCO com olhar
específico na Educação, é possível considerar que esta agência assume os
objetivos de ordem mundial das Nações Unidas, os quais focalizam uma
Educação que busque o desenvolvimento sustentável dos países periféricos. Para
isto, as políticas educacionais dos países devem construir-se para a redução da
extrema pobreza, para a universalização do ensino primário, para a eliminação
das diferenças entre sexos, para a luta contra a Aids e a Malária e, por fim, para a
garantia de um meio ambiente sustentável.
A UNESCO destaca, ainda, os objetivos para se alcançar a Educação para
Todos, assumidos em Dakar, os quais se resumem em: estender a proteção e
Educação da primeira infância; universalizar o acesso para que todos tenham
ensino gratuito e de boa qualidade; aumentar a oportunidade aos jovens e
adultos; reduzir os índices de analfabetismo em 50%; suprimir a disparidade entre
sexos na escolarização e melhorar a qualidade da Educação. Estes objetivos
explicitam-se como os norteadores das estratégias e das atividades voltadas para
a Educação, pois são aspectos extremante importantes para esta na efetivação
dos indicadores e estatísticas educacionais.
Na Educação Infantil, os aspectos mencionados acima apresentam-se
como pano de fundo para as orientações, revelando que este nível de ensino
situa-se dentro de programas e serviços e deve ter, como marco, “atenção
integral à primeira infância”. Neste marco é preciso alcançar até 2015 a expansão
e a melhora do cuidado e da Educação da primeira infância, com finalidade de
favorecer o desenvolvimento integral das crianças, enfatizando a participação dos
pais e de programas comunitários, propiciando a “autogestão” da comunidade e
garantindo melhores condições de vida para as crianças e suas famílias.
A UNESCO manifesta, nos documentos estudados, a necessidade da
criação de programas e serviços para a Educação Infantil voltados,
principalmente, para atender às crianças marginalizadas pela pobreza. Nestes
programas, aqueles que se referem à saúde e à nutrição são vistos como dever
do Estado e aqueles que se caracterizam como Educação são contemplados
como dever dos pais e das organizações comunitárias. Enfatiza-se aos países
periféricos, o papel primordial dos programas não-formais para a Educação
Infantil no sentido de apoio às famílias em situação de risco, de pobreza,
compensando desta forma os grupos minoritários.
- 60 -
As orientações realizadas pela UNESCO aos países para a política de
Educação Infantil são pautadas no entendimento de que estas devem ser
realizadas nos países periféricos por meio de programas e serviços, com baixo
custo, em regime de colaboração, para se garantir o “cuidado e a educação na
primeira infância”. Esta concepção de política de Educação Infantil tem por
objetivos garantir a igualdade de oportunidades às crianças; superar as condições
de pobreza; facilitar a participação das mulheres na vida social e econômica;
facilitar o ingresso das crianças na escola; preparar para escola e para vida e
manter a integração e coesão sociais.
Verifica-se, a partir das considerações da UNESCO, que a Educação
Infantil assumiu uma funcionalidade política ao ter como função a manutenção da
coesão e integração social e também assumiu uma funcionalidade ideológica ao
garantir a função de superação das condições de risco das crianças em
vulnerabilidade, que vivem em condições de pobreza. O papel da Educação
Infantil resume-se em apoiar e compensar os grupos minoritários que sofrem as
conseqüências atribuídas à pobreza.
2.3.4 Educação Infantil na perspectiva do UNICEF
O Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF – nasceu na
sociedade internacional em 1946 como agência especializada das Nações Unidas
para dar assistência à infância naquele momento histórico de pós-guerra. Este
atendimento acontece até os dias atuais num plano de cooperação juntamente
com os governos e a sociedade civil no sentido de dar uma resposta positiva
conjunta para os problemas vividos pelos meninos e meninas das nações
pobres.
58
Ainda que o UNICEF tenha poucos escritos acerca do atendimento à
política de Educação Infantil, faz-se importante explicitar as principais orientações
educacionais propostas nos documentos do período entre 1995 a 2005 no intuito
58
Informações obtidas no portal do UNICEF no endereço eletrônico <http://www.unicef.org/brasil>.
Acesso em: 20 jul. 2008.
- 61 -
de se verificar a perspectiva do Fundo para o atendimento educacional às
crianças pequenas.
O Fundo enfatiza que as mudanças ocorridas no milênio transformaram o
enfoque para a cooperação internacional, articulando uma luta contra a pobreza
em nível global. A Declaração do Milênio de 2000 consolidou compromissos e o
UNICEF constrói suas metas e prioridades articulando-as aos 8 (oito) “Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio”
59
, os quais constituem um marco de ação para o
Fundo até 2015.
A promoção e o cumprimento destes objetivos pelo Fundo na América
Latina e Caribe estabelecem 7 (sete) prioridades para seus planos estratégicos de
trabalho, entre os quais, o atendimento à criança pequena é enfatizado:
1. sobrevivência e desenvolvimento das crianças pequenas;
2. educação básica e igualdade entre os gêneros;
3. HIV/AIDS e a infância;
4. proteção frente à violência, à exploração e ao abuso;
5. promoção de políticas e alianças a favor dos direitos das
crianças;
6. desenvolvimento e participação de adolescentes;
7. indígenas e Afro-descendentes
60
(UNICEF, 2006, p.1).
Diante das 7 (sete) prioridades para seu plano estratégico, o UNICEF
elenca “sobrevivência e desenvolvimento das crianças pequenas”. Este item,
mesmo não se reportando à Educação, pode ser compreendido como uma
referência de política de Educação Infantil, pautada nos aspectos de
sobrevivência e desenvolvimento.
No ano de 2004, o Fundo publicou um resumo oficial chamado “Situação
Mundial da Infância 2004”. Este relatório, que focalizava a educação de meninas,
foi apresentado aos países como uma proposta multissetorial de desenvolvimento
baseada nos direitos humanos. Dentre as principais justificativas da escolha pela
59
Os “Objetivos de Desarrollo del Milenio”, os quais já foram expostos em item anterior referem-se
à: pobreza, educação, igualdade de gênero, mortalidade infantil, saúde materna, enfermidade,
meio ambiente e desenvolvimento.
60
“1. Superviencia y desarrollo Del niño pequeño; 2. Educación básica e igualdad entre los
géneros; 3. VIH/SIDA y la infancia; 4. Protección frente a la violencia, la explotación y el abuso;
5. Promoción de políticas y alianzas a favor de los derechos del niño; 6. Desarrollo y
participación de adolescentes; 7. Indígenas y Afrodescendientes”.
- 62 -
educação de meninas, o resumo indicou que elas tinham maior desvantagem
diante das disparidades e desigualdades na Educação e, ainda, eram mais
vulneráveis ao abuso físico e sexual e a outras formas de exploração, quando
ficavam desprovidas de Educação.
O Fundo destaca que todas as metas na Declaração do Milênio de 2000
são muito importantes para o desenvolvimento, entretanto duas delas são
consideradas essenciais: a Educação primária universal e a igualdade de gênero
e autonomia da mulher. “[...] a educação das meninas aumenta sua auto-
confiança, habilidade social e de negociação, o poder de garantir sua própria renda
e torna-as menos vulneráveis à violência e a doenças(UNICEF, 2004, p.7).
Há, também, outro argumento importante do UNICEF quanto à
diferenciação de gêneros, a pobreza. Esta tem maior peso nas meninas do que
nos meninos, fator que traz um duplo risco, por seu gênero e por sua pobreza.
Sendo assim, o Fundo apresentou novos aspectos, justificando por que a
educação de meninas é a tarefa mais urgente da comunidade global de
desenvolvimento. Dentre estes aspectos estão os programas de pré-escolas:
- O melhor começo para as crianças Garantir a emancipação, a
saúde e a educação da mulher. [...];
- Preparação para o ensino após a idade escolar Programas de
pré-escolas são especialmente benéficos para as meninas. [...];
- Combatendo o HIV/Aids Mais de 5 milhões de pessoas, todo
ano, são infectadas pelo HIV. [...];
- Criando um ambiente protetor Depois da família, a educação é
a segunda fronteira que delimita um ambiente protetor para a
criança. [...];
- Ajudando as meninas nas emergências As meninas são
especialmente frágeis em situações de conflito ou desastres
naturais [...];
- Os benefícios para as comunidades - iniciativas que visam
aumentar a taxa de matrícula de meninas. [...] (UNICEF, 2004,
p.11).
O resumo deixa claro que investir na Educação das meninas é muito
vantajoso para os países, visto que a mulher agrega valor ao desenvolvimento de
outros setores, ao passo que alivia a pressão sobre o sistema de saúde, reduz a
pobreza e fortalece as economias nacionais. Os “programas de pré-escolas” são
considerados especialmente benéficos para as meninas
.
O UNICEF conclama as
- 63 -
lideranças de toda sociedade para assumir o desafio de investir na “educação das
mesmas”. “[...] Os benefícios inerentes à educação de meninas são
inquestionáveis, e as estratégias e medidas específicas que podem fazer a
diferença são bem conhecidas” (UNICEF, 2004, p.15).
O Fundo publicou, logo após, no ano de 2005, um documento chamado
Los objetivos de desarrollo del milenio tienen que ver con la infancia: avances y
desafios en America Latina y el Caribe”. Este documento vinha relatar as suas
ações quanto à proteção integral da infância atendendo aos objetivos do
“Desarrollo do Milenio” ODM. Assinalava, no que se referia à Educação, que
cumpriria os objetivos 2 e 3 e teria como meta que, até o ano de 2015, as
crianças de todo o mundo pudessem ter o ensino primário, que se eliminassem as
desigualdades entre os gêneros no ensino primário e secundário até 2005 e em
todos os demais níveis de ensino até 2015.
O UNICEF afirmava neste documento que o acesso à Educação “pré-
escolar” era insuficiente, colocando o desafio de aumentar a taxa de matrícula na
América Latina, expandindo o acesso à Educação pré-escolar. “[...] está
demonstrado que as meninas e meninos que freqüentam a educação pré-escolar
alcançam melhores resultados na escola primária, a qual tem um impacto positivo
na taxas de repetência e evasão”
61
(UNICEF, 2005, p.16).
Em âmbitos gerais, o UNICEF também mantém um compromisso com os 8
(oito) objetivos do “Desarrollo Del Milênio” como marcos de ação para até 2015.
Estes objetivos delineiam os propósitos e estratégias de trabalho do Fundo para
criar alianças que promovam os direitos das crianças, principalmente aquelas que
vivem em condições de pobreza.
A Educação Básica e a igualdade de gêneros o enfatizadas como as
ações que asseguram os direitos das crianças e, nestas ações, o foco do UNICEF
se apresenta na proposta de “educação de meninas", assinalando que estas são
mais vulneráveis e que a pobreza agrava ainda mais as suas fragilidades. Neste
aspecto, o Fundo assinala que garantir emancipação, saúde e Educação da
mulher é tarefa urgente da comunidade global e que, desta forma, os países
61
“[...] se ha demostrado que los niños y niñas que asisten a la educación preescolar tienden a
lograr mejores resultados en la escuela primaria, lo cual tiene un impacto positivo en las tasas
de repetición y deserción”.
- 64 -
periféricos terão grandes benefícios visto que investir na educação das meninas
reduz a pobreza e fortalece as economias nacionais.
É possível verificar nos documentos estudados que o UNICEF realiza suas
ações articuladas às orientações das Nações Unidas e demais agências
multilaterais. A perspectiva do Fundo para a política de Educação Infantil pauta-se
na preocupação em: ampliar a oferta de vagas na educação pré-escolar pois esta
traz resultados positivos de escolaridade posterior; incentivar a educação de
meninas; garantir proteção de meninas e meninos promovendo seus direitos;
conclamar as lideranças de toda a sociedade para assumir estes desafios
efetivando a cooperação internacional na luta contra a pobreza; e, diante dos
desafios alcançados, proporcionar o desenvolvimento dos países em nível global.
O UNICEF articula suas orientações para a política de educação infantil
atribuindo a este nível de ensino a funcionalidade ideológica de aliviar a pobreza,
e com isto proporcionar o desenvolvimento econômico dos países. O Fundo
atribui também uma funcionalidade política ao enfatizar a importância da
cooperação internacional e a participação das lideranças na Educação de
meninas, não se reportando, em momento algum, ao papel do Estado na
efetivação das políticas para a Educação Infantil dos países.
Esta seção buscou apresentar as principais prioridades e estratégias
apresentadas pelas agências multilaterais para a política de Educação Infantil na
América Latina no período entre 1995 a 2005. O Banco Mundial, a CEPAL, a
UNESCO e o UNICEF propõem modelos de programas e serviços para a política
de Educação Infantil, dentre os quais, a grande maioria sem a participação efetiva
do Estado, de caráter não-formal, de baixo custo público.
Categorias como equidade, redução da pobreza, desenvolvimento
econômico e coesão social são utilizadas com ênfase pelas 4 (quatro) agências
para definir as prioridades e estratégias da política de Educação Infantil aos
países periféricos. Verificou-se nos documentos pesquisados que as agências,
por meio destas categorias, atribuem a este atendimento educativo
funcionalidades, muitas vezes, políticas e ideológicas.
Conforme os apontamentos das referidas agências, a Educação Infantil
tem a função de: tornar a criança um adulto plenamente produtivo; facilitar a
- 65 -
progressão para o nível escolar primário; reduzir as taxas de repetência; facilitar a
incorporação das mulheres no mercado de trabalho; garantir a igualdade de
oportunidades; superar as dificuldades iniciais de pobreza. Enfim, conforme as
orientações das agências multilaterais, investir na Educação Infantil contribui
efetivamente para reduzir a pobreza e fortalecer as economias nacionais dos
países periféricos, dentre eles, o Brasil. Trata-se de uma tarefa não para o
Estado, mas sim para a cooperação internacional, suas lideranças e, acima de
tudo, para as comunidades locais, que, atribuindo tarefas aos pais e familiares,
propiciam a “participação”, garantindo melhores condições de vida para as
crianças e, também, para suas famílias.
3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
APÓS 1990
Analisar as políticas públicas para a Educação Infantil do Brasil, após 1990,
requer que se abordem fontes históricas da legislação educacional e também, os
principais aspectos do cenário nacional do referido período. Os documentos
apresentados nesta seção são analisados a partir da relação da Educação Infantil
com o movimento da história construída e estabelecida pelos homens na
sociedade capitalista. Para tanto se faz necessário discutir o contexto histórico
nacional em que foi produzida a legislação, como a reforma do Estado brasileiro e
a reforma da Educação, e, a partir daí, apresentar a referida legislação que
organiza a Educação Infantil no Brasil após os anos de 1990.
Esta abordagem vincula-se à concepção de Educação presente na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n.9394/96, que conceitua a
Educação, entendendo-a enquanto processos formativos da pessoa humana.
Art. A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais (BRASIL, 1997b)
.
Esta concepção ampliada de Educação, ao abranger os processos
formativos, permite que a mesma não seja restrita à Educação escolar, mas
também a várias outras instâncias sociais que, de uma maneira ou de outra,
educam e formam a pessoa humana. Faz-se necessário esclarecer que esta
concepção ampliada entende que a Educação deve se desenvolver
“necessariamente” em instituições próprias e não apenas “predominantemente”,
como declara o parágrafo primeiro da Lei:
Art. 1º - [...]
§ - Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
- 67 -
§ - A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do
trabalho e à prática social (BRASIL, 1997a).
Quanto à Educação escolar, a lei esclarece que a mesma deve construir-se
de forma contextualizada, levando-se em conta o princípio educativo do trabalho.
Cabe, portanto, esclarecer que, na perspectiva desta pesquisa, o princípio
educativo do trabalho não se refere a formar o-de-obra sob a ótica do
mercado, mas sim a formar o homem trabalhador e cidadão, que possa, a partir
do acesso aos saberes acumulados historicamente
1
, construir condições de poder
transformar a realidade na qual está inserido.
A preocupação em esclarecer as definições quanto ao conceito de
Educação se justifica a partir do entendimento de que a mesma é efetivada por
homens, que são atores, sujeitos e indivíduos reais e, por isso, estabelecem
relações materiais e históricas entre si
2
. Diante disso, a presente concepção de
realidade humana é aquela que considera o homem como síntese das relações
sociais.
Diante de uma concepção clara de Educação, de um olhar sobre o sistema
estrutural de sociedade, da forma atual do Estado e da Educação após os anos
de 1990, é possível chegar ao entendimento de que a política pública brasileira é
construída e implementada num projeto burguês de sociedade que atrela aos
ditames do capital financeiro internacional as diversas dimensões da vida social,
dentre estas a Educação. Somente sob o entendimento deste contexto, com as
mediações de totalidade necessárias, é que se torna possível compreender a
política nacional para a Educação Infantil.
1
Esta concepção de trabalho educativo pauta-se na concepção de Saviani (1997, p.11) a qual
afirma que [...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens.
2
Conforme Marx e Engels (2006, p.56) “os homens estabelecem uma dependência material
entre si, condicionada pelas necessidades e pelo modo de produção dependência material
dos homens que é tão antiga como eles próprios e a qual assume sempre novas formas e
apresenta, pois, uma história”.
- 68 -
3.1 O CENÁRIO DA POLÍTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA
NO CONTEXTO NEOLIBERAL
O final do século XX e o início do século XXI foram períodos marcados por
profundas mudanças no campo econômico, político, social, cultural e ideológico
em nível mundial. Conforme verificado na seção anterior, as mudanças são
marcadas pela mundialização do capital, momento em que a sociedade vive um
movimento cíclico de acumulação, tendo como principal meio de produção o
capital e suas diferentes formas. Estas mudanças se configuram em ordem
estrutural e demonstram a capacidade do capital em manter relações de classe,
constituídas no desmantelamento das políticas sociais. O Programa de Ajuste
Estrutural (PAE), implementado nos países periféricos, é a demonstração da
grandeza e do poder das mudanças necessárias a favor do capital. Investigar a
política para a Educação Infantil, no Brasil, após os anos de 1990, requer que se
estabeleça um olhar sobre este contexto histórico brasileiro, o que implica em
entender os aspectos principais da reforma do Estado, da reforma da Educação e
da contextualização da Educação Infantil brasileira.
A partir dos anos de 1995, o Estado brasileiro iniciou seu processo de
reformas, efetivando-as, em grande escala, no campo educacional e adotando
mudanças nacionais, instituídas diante dos parâmetros e condições das
orientações propagadas nos poderes hegemônicos internacionais. Neste cenário,
os organismos internacionais se constituíram como protagonistas, passando a ter
o papel de tutelar a reforma.
O Estado brasileiro passou por diversas reformas no decorrer de sua
história. Entretanto, aquela instituída a partir dos anos de 1990 constituiu
mudanças extremamente desfavoráveis às políticas sociais brasileiras, dentre
estas as políticas educacionais, isto porque tinha, como foco principal, engendrar
no espaço brasileiro o projeto neoliberal de sociedade. A justificativa dos
defensores da reforma do Estado brasileiro era de que o Brasil vivia uma crise e
que esta crise era também uma crise do Estado, fazendo-se necessário, portanto,
um “Estado forte”.
- 69 -
A concepção de Estado, explicitada na seção anterior, é aquela que o
considera como a instituição que, acima de todas as outras, tem como função
assegurar e conservar a dominação e a exploração de classe.
Consequentemente, este Estado pode ser considerado um Estado de Classe
3
.
Na perspectiva de Poulantzas (1985), o fundamento da concepção de
Estado estaria nas relações de produção e na divisão social do trabalho. O
Estado tinha um papel essencial nas relações de produção das classes sociais, e
não o fazia por meio da repressão física, mas efetivava seu poder por meio de
consensos necessários à reprodução da ideologia dominante. Tal ideologia
invadia os aparelhos de Estado assim como o papel dos “aparelhos ideológicos
do Estado”, pertencentes formalmente ao Estado ou a outro jurídico privado como
a Igreja, a escola, a mídia, entre outros. Desta foram estes passavam a ter a
função de elaborar, apregoar e reproduzir os consensos. Essa dinâmica se
desdobrava diretamente na constituição e na reprodução da divisão social do
trabalho, das classes sociais e do domínio de classe.
A análise de Estado é complementada por Poulantzas (1971) como sendo
de classes. Para ele, o Estado, enquanto promotor de consenso a favor das
classes dominantes, mantinha uma desorganização política das classes
dominadas, apresentando-se como uma unidade do povo-nação, causando aos
olhos das classes dominadas uma ocultação do seu caráter de classe.
Para o autor Décio Saes (1998), o Estado, em todas as sociedades
divididas em classes, era a organização especializada na função de moderar a
luta entre as classes antagônicas, garantindo, por esse modo, a conservação da
dominação de classe. O Estado, segundo este autor, era o conjunto de
instituições que conservam a dominação de uma classe por outra. Sendo assim, o
Estado, na sociedade contemporânea, era um Estado burguês. Para assegurar
sua conservação, este constituía mecanismos ideológicos para desorganizar as
classes populares, reorganizando-as enquanto indivíduos juridicamente
formadores do “Povo-Nação”,
3
Concepção defendida pelo marxismo (BOTTOMORE, 2001, p.133).
- 70 -
[...] é o Estado burguês que cria as condições ideológicas
necessárias à reprodução das relações de produção capitalistas.
É neste sentido que o Estado burguês organiza de um modo
particular o modo burguês a dominação de classe: as
condições ideológicas por ele criadas definem um tipo particular
de dominação de classe, a dominação burguesa (SAES, 1998,
p.50).
O papel do Estado evidencia-se na sociedade capitalista enquanto
articulador e normatizador das diversas demandas. É por meio das políticas
públicas que este demonstra sua materialidade, sendo, ainda, aquele que define
os projetos de governo por meio de programas e políticas voltadas para os
setores específicos da sociedade. Diante disso, faz-se necessário pensar que as
políticas para a Educação Infantil, no Brasil, após 1990, são produzidas a partir da
concepção de Estado de classes (POULANTZAS, 1985) ou de Estado burguês
(SAES, 1998) e que estes perfis determinam as orientações e as concepções
para a política de Educação Infantil no Brasil após 1990.
Na perspectiva de Saes (2001), as políticas estatais brasileiras orientadas
pelo Estado burguês, a partir dos anos de 1990, se caracterizavam como
neoliberais, com inspiração no Liberalismo clássico do século XVIII. “[...] é
considerada neoliberal toda ação estatal que contribua para o desmonte das
políticas de incentivo à independência econômica nacional, de promoção do bem-
estar social (Welfare State), de instauração do pleno emprego (Kenesianismo) e
de mediação dos conflitos socioeconômicos” (SAES, 2001, p.82).
Esse desmonte indicado se configura pela implementação de três políticas
estatais espeficas: a privatização
4
das atividades estatais; a política de
desregulamentação
5
e a abertura da economia
6
ao capital internacional. “[...] A
implementação destas políticas implica uma mudança no padrão de intervenção
4
No sentido estrito é a transferência de empresas estatais para a propriedade privada.
“Aquisição ou incorporação de uma companhia ou empresa blica por uma empresa privada”
(SANDRONI, 1996, p.429).
5
Eliminação de barreiras de mercado. “[...] redução da participação do Estado direta ou indireta
na economia e nos mercados baseada na tese de que as empresas, os preços e a alocação de
recursos são controlados e administrados mais eficazmente pelas forças do mercado do que
por regulamentos governamentais” (SANDRONI, 1996, p.129).
6
Ou abertura comercial: trata-se de auto-regulação do mercado sem interferência estatal. “[...]
não lugar para a ação econômica do Estado, pois este deve apenas garantir a livre
concorrência entre as empresas e o direito a propriedade privada” (SANDRONI, 1996, p.282).
- 71 -
do Estado capitalista na economia [...]”. No entanto, existe a possibilidade de uma
intervenção intercalada com “resistências” da classe trabalhadora, o que faz com
o Estado pratique “políticas neoliberais possíveis” nas condições
socioeconômicas e poticas vigentes (SAES, 2001, p.82).
Foi neste contexto de Estado que, nas eleições de 1994, o governo
brasileiro, governo Fernando Henrique Cardoso FHC, resultou de uma vitória
eleitoral de ampla frente conservadora, composta de segmentos diversos das
classes dominantes, da maioria da classe média e de um contingente
considerável e importante das classes populares. Esta política estatal exprimia
que sua implementação se daria pelas diversas vias (Executivo, Congresso, entre
outros) pautada numa estratégia neoliberal. Esta estratégia se desdobrou num
conjunto de atitudes tomadas pelo Governo Federal
7
.
Ressalta-se a importância de destacar o contexto da implementação das
estratégias neoliberais a partir de 1995, no governo FHC que foi, durante este
governo, que se iniciou a difusão de um grande consenso nacional em torno da
reforma da aparelhagem estatal. Esta reforma instituiu-se por meio do “Plano
Diretor da Reforma ao Aparelho do Estado”, implantado pelo “Ministério da
Administração e Reforma do Estado Mare em 1995. Este Ministério tinha
como titular Luiz Carlos Bresser Pereira, apresentado como autor do documento
que oficializou a reforma do estado brasileiro” (PERONI, 2003, p.58).
Dentre os objetivos principais da reforma, o Mare explicita que a
administração pública do Estado deveria deixar de ser burocrática, rígida e
ineficiente, passando a uma “administração pública gerencial”
8
, tornando-se
flexível e eficiente. O Estado deveria ser orientado pelos valores de eficiência” e
7
“[...] Em primeiro lugar, o novo governo fixou um extenso programa de privatizações. Em
segundo lugar, ele assumiu, dentro do Parlamento, a condução de luta por uma ampla reforma
constitucional de feitio claramente neoliberal; quebra de monopólios estatais (como os de
petróleo e das telecomunicações), “saneamento” da Previdência social e da administração
pública (implicando a liquidação de direitos conquistados, respectivamente, pelas classes
trabalhadores e pela massa do funcionalismo público) etc. Em terceiro lugar, o governo federal
tomou medidas conducentes à abertura da economia brasileira ao capital internacional, como a
assinatura, perante a Organização Mundial do Comércio, de protocolo que na prática abre o
sistema financeiro nacional a novos bancos estrangeiros” (SAES, 2001, p.85).
8
Expressão utilizada no documento oficial da reforma do Estado indicando uma nova forma de
administração para o Estado brasileiro (BRASIL, 1995, p.15-16).
- 72 -
de “qualidade” na prestação dos serviços públicos, buscando desenvolver uma
cultura gerencial nas suas organizações
9
.
Um dos princípios fundamentais da reforma exigia que o Estado deveria
executar diretamente as tarefas que fossem exclusivas dele, que envolvessem o
seu poder ou que aplicassem os recursos do mesmo. As tarefas o-exclusivas
do Estado, dentre estas a Educação, deveriam ser encaminhadas pela
publicização, ou seja, pela contratação de serviços com organizações públicas
não-estatais (organizações sociais), do terceiro setor (BRASIL, 1995).
O Brasil, durante sua reforma, absorveu efetivamente as características
neoliberais, num viés específico dos princípios da Terceira Via
10
, os quais
defendiam a “reconstrução” do Estado. Neste entendimento, o Estado deixava de
intervir diretamente, passando a ter grande papel regulatório, e a sociedade civil
correspondia à esfera do “social”, passando a ser parceira do Estado na execução
de seus serviços sociais. “[...] o Estado deixa de ser o responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social e se fortalece na tarefa de promover e regular
esse desenvolvimento que é levado a cabo pelas chamadas organizões
públicas não-estatais, na execução das políticas sociais” (MELO; FALLEIROS,
2005, p.180).
Esta é uma questão muito importante no que diz respeito às políticas
educacionais e, aqui em específico, a política brasileira para a Educação Infantil.
A reforma do Estado brasileiro muita ênfase à participação efetiva da
sociedade civil, à participação de organizações públicas não-estatais, as quais
emergem como parceiras e responsáveis pelas políticas sociais. Neste contexto,
aparece o termo “terceiro setor”
11
, reportando-se à sociedade civil organizada, a
9
A proposta apresentada pelo documento se resume numa estratégia que parte da existência de
quatro setores dentro do Estado: o núcleo estratégico do Estado que é o setor que define as leis
e as políticas públicas e cobra o seu cumprimento; as atividades exclusivas do Estado que
resumem os serviços que o Estado pode realizar; os serviços não-exclusivos do Estado que
é o setor em que o Estado atua com outras organizões publicas não-estatais e privadas
(política de publicizão); e a produção de bens e serviços para o mercado, que o setor que
corresponde à área de atuação das empresas (política de privativação) (BRASIL, 1995, p.41-42).
10
Termo utilizado por Neves (2005) para definir uma expressão política, a qual se fundamenta as
estratégias após a reforma do Estado brasileiro. Esta perspectiva entende-o enquanto
humanizador do capitalismo, no momento em que se reconstrói” passando a atuar em rede,
dividindo as responsabilidades como o terceiro setor.
11
Expressão utilizada para se referir a sociedade civil organizada abrangendo movimentos sociais,
organizações não governamentais e outras entidades sem fins lucrativos (MELLO; FALLEIROS,
2005, p.183).
- 73 -
uma outra esfera da vida em sociedade, diferente de Estado e de Mercado. A
atuação do “terceiro setor” implica um fortalecimento da sociedade civil. “[...]
Estão inclusas no chamado terceiro setor organizações não-governamentais
(ONGS), Instituições filantrópicas, fundações empresariais e associações
comunitárias” (MELO; FALEIROS, 2005, p.183).
A partir desta concepção de “terceirizar”
12
as políticas públicas, por meio da
reforma, ficam claras a deslegitimação do Estado enquanto executor de políticas
públicas e sua retirada no campo dos direitos sociais como Educação, Saúde,
Trabalho, Lazer, Segurança, Previdência Social, entre outros, os quais o
garantidos na Constituição Federal de 1988 no seu art.6º como direitos
fundamentais do homem.
É preciso assinalar que esta retirada do Estado, não o coloca como mínimo
no controle, ao contrário, a regulação diante das políticas se faz primordial para o
controle diante dos rumos tomados pela sociedade. Ao olhar a reforma do Estado
brasileiro, nos anos de 1990, bem como seus fundamentos para redução da
atuação diante das políticas públicas, é possível verificar a atribuição constante
dos termos: sociedade civil, terceiro setor, cidadania, participação ativa, entre
outros, evidenciando exatamente a crescente responsabilização dos direitos
sociais pela comunidade. Também é oportuno citar a utilização de termos vindos
do modelo gerencial de administração pública como: flexível, eficiente, qualidade,
produtividade e autonomia (PERONI, 2003, p.60).
Entender a concepção de Estado e o contexto da reforma do Estado
brasileiro após os anos de 1990 é condição necessária para se compreender
como a reforma educacional e as políticas públicas para a Educação Infantil são
constituídas neste período histórico. O Estado é o principal referente no plano
mais concreto das políticas públicas, considerando os recursos de poder que
operam na sua definição. O Estado brasileiro, sob a ótica neoliberal, entende a
política educacional como um meio de garantir a sociabilidade da força de
trabalho segundo as necessidades do próprio capitalismo ao passo que as
12
Prática de contratar externamente produtos e serviços. O objetivo é reduzir custos de produção.
No caso de terceirizar as políticas públicas, trata-se de responsabilizar o terceiro setor pela
efetivação das mesmas com intuito de redução efetiva de custos públicos (SANDRONI, 1996,
p.516).
- 74 -
políticas de direitos sociais
13
são consideradas de custo oneroso à máquina
governamental, por exigir maiores receitas.
A política educacional caminha na perspectiva de ampliação de
oportunidades, sendo considerada um dos fatores importantes para a redução
das desigualdades sociais, pois pode dar ao cidadão a capacidade de ser
competitivo frente à ordem mundial. Neste contexto, a Educação passa a se
destacar como um dos principais determinantes da competitividade entre os
países. Destaca-se o discurso de que é preciso apropriar-se das tecnologias em
todas as esferas e que, para garantir a sobrevivência diante da concorrência do
mercado, o cidadão do século XXI deve dominar os “códigos da modernidade”.
Atribui-se à Educação o condão de sustentação da competitividade, delineando e
influenciando a construção de políticas educacionais para o Brasil.
A implementação do ideário das organizações internacionais teve início no
governo Itamar Franco com a elaboração do Plano Decenal para a Educação. Em
Brasília, de 10 a 14 de maio de 1993, acontecia a “Semana Nacional de
Educação para Todos” com intensa participação de órgãos governamentais das
três esferas de governo, assim como da sociedade civil. Efetivava-se, então, o
Plano Decenal de Educação para Todos, cuja elaboração, coordenada pelo
Ministério da Educação MEC
14
, distinguiu-se dos planos anteriores porque não
se reduzia a normas de distribuição de recursos e também porque o se referia
à educação como um todo, mas apenas àquela fundamental. Para Saviani (1999,
p.80) “[...] o foco central do ‘plano’ é o ensino fundamental abrangendo, também,
a Educação Infantil, em especial a sua segunda etapa correspondente à faixa
etária dos quatro aos seis anos, isto é, a fase pré-escolar”.
A implementação, no Brasil, das orientações da Declaração de Educação
para todos assim como a das demais orientações de ordem internacional que
vieram no decorrer dos anos de 1990, iniciaram-se a partir do Plano Decenal no
governo de Itamar Franco, tendo continuidade com o governo FHC e o governo
Lula, sucessivamente.
13
Conforme a Constituição Federal de 1988 art.6º, são direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados.
14
Será utilizada a sigla “MEC”, no decorrer desta pesquisa, para se referir ao Ministério de
Educação e Cultura.
- 75 -
Entretanto, esta influência, enquanto reforma de fato, acontece no governo
FHC a partir de 1995, com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.
Conforme Shiroma (2004), a partir dos anos de 1990, muitos intelectuais e
políticos manifestaram-se como defensores da reforma educacional brasileira. No
início dos anos de 1990, Guiomar Namo de Mello que, neste contexto, tornava-se
assessora do Banco Mundial e integrava o CNE, publicou um livro intitulado
“Social-democracia e educação: teses para discussão”, no qual defendia a idéia
de que o Estado não precisava assumir as políticas sociais visto que estas
deviam ser papel do “público não-estatal”. Desta forma Guiomar defendia uma
verdadeira “revolução educacional” com o slogan: “mais cidadania, melhor
governo, menos Estado”.
Logo mais adiante, em 1993, a autora lançou outra obra, propondo aos
educadores brasileiros as idéias da CEPAL no que se refere à Educação, sob o
título: “Cidadania e competitividade: desafios educacionais do terceiro milênio”. O
próprio MEC publicara para os educadores uma síntese do documento da
CEPAL: “Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com
equidade”, sob o título de “Textos básicos para a reforma educacional”.
Produções do Governo Federal para a Educação Brasileira se desdobraram no
decorrer da referida década quanto aos elementos orientados pelos documentos
dos organismos internacionais. “[...] A Secretaria de Educação Fundamental
publicou a série ”Atualidades Pedagógicas”, tratando de temas como autonomia,
gestão, avaliação, formação de professores [...]” (SHIROMA, 2004, p.83).
O Governo Federal, por meio do Ministério do Trabalho, publicou um
documento intitulado “Questões Críticas da Educação Brasileira”, o qual significou
alicerce à elaboração das políticas educacionais que o sucederam. O referido
documento deixava claro seu objetivo educacional: adequar a Educação brasileira
às novas exigências do mercado internacional e do interno e, em especial, a
consolidação do processo de formação do cidadão produtivo. Para a Educação
básica, o documento propunha:
1. reestruturação de currículos e melhoria dos livros didáticos;
2. revisão dos conteúdos curriculares [...];
3. implantação do sistema nacional de avaliação [...];
- 76 -
4. aplicação anual dos exames com divulgação ampla dos
resultados [...];
5. expansão do atendimento ao pré-escolar [...];
6. maior autonomia da unidade escolar [...];
7. maior articulação entre a rede de escolas de Ensino Médio e o
setor produtivo. [...] (SHIROMA, 2004, p.79).
Faz-se necessário, entretanto, destacar o que se refere à Educação “pré-
escolar” e observá-la sob o olhar de Shiroma (2004, p.79), ao qual o documento
citado enfatiza:
[...] 5. expansão do atendimento ao pré-escolar para oferecer a
todos as mesmas oportunidades de sucesso e progressão
escolar, desde as primeiras séries. As iniciativas comunitárias
consideradas habilitadas devem ser apoiadas, eximindo o Estado,
nesse momento, da construção de uma rede de pré-escolas.
Fica claro, na citação acima, que a Educação “pré-escolar” foi uma
preocupação do Governo Federal naquele momento, na perspectiva de se
garantir progressão desde as primeiras ries. As iniciativas comunitárias
deveriam ser apoiadas para que o Estado não tivesse que se preocupar em
promover este atendimento.
O foco percebido quanto à Educação básica no referido documento é que a
prioridade da Educação, em 1995, no Brasil, fundamentava-se em possibilitar
novas competências ao trabalhador a fim de inseri-lo no mercado de trabalho.
Tais competências designavam atributos de ordem subjetiva e de difícil
mensuração como: “[...] maior capacidade de absorção e agilidade de raciocínio,
capacidade de comunicação e de tomar decisões sobre assuntos diversos,
criatividade, capacidade e adaptação e trabalho em grupo (SHIROMA, 2004,
p.81-82).
No contexto daquele período, o primeiro mandato do presidente FHC
apresentava o programa educacional “Acorda Brasil: Está na Hora da Escola
15
, o
qual destacava cinco queses pontuais da política educacional institda nos anos
de 1990: a) distribuição de verbas diretamente para as escolas; b) melhoria da
15
Resumo realizado pela pesquisa para destacar os pontos relevantes para o tema proposto do
programa “Acorda Brasil: Está na Hora da Escola” (BRASIL, 1996).
- 77 -
qualidade dos livros didáticos; c) formação de professores por meio da Educação a
distância; d) reforma curricular (PCNs
16
e DCNs
17
); e) avaliação das escolas
(BRASIL, 1996).
É possível perceber que o referido programa se desdobrava nas mesmas
orientações verificadas nos documentos dos organismos internacionais, dentre
eles: financiamento, formação de professores, currículo, avaliação e gestão.
Evidencia-se, portanto, a busca por entender as articulações e as mediações que
constroem o contexto de implementação das orientações internacionais para a
Educação do Brasil e as suas relações com as políticas educacionais brasileiras.
que se referir à questão do financiamento da Educação nacional. O
Fundef, que vigorou de de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2006, teve
como princípio básico disponibilizar um valor anual mínimo nacional por matrícula
no Ensino Fundamental, no Municipal e no Estadual de modo a possibilitar um
padrão mínimo de qualidade. Entretanto, inspirado em orientações internacionais
como a de priorizar o Ensino Fundamental, o Fundef apenas redistribuiu uma
parte dos impostos que eram vinculados à Manutenção e ao Desenvolvimento
do Ensino MDE. Embora o Fundef tenha sido uma iniciativa do Governo
Federal, a complementação financeira da União foi mínima.
Quanto ao financiamento da Educação Infantil, é preciso destacar a
inviabilidade que a Emenda Constitucional n.14, promulgada em 12 de setembro
de 1996, causou-lhe. A referida Emenda, instituída antes mesmo da própria Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, Lei n.9394/96, veio oficializar, com a
apresentação do Fundef, a prioridade ao Ensino Fundamental não se referindo à
Educação Infantil.
[...] Art. 60.
Nos dez primeiros anos da promulgação desta Emenda, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos
de sessenta por cento dos recursos a que se refere ao caput do
art.212 da Constituição Federal, à manutenção e ao
desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de
assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração
condigna do magistério (BRASIL, 1997a, p.78).
16
Parâmetros Curriculares Nacionais.
17
Diretrizes Curriculares Nacionais.
- 78 -
O Fundeb, validado com a Medida Provisória n.339 em dezembro de 2006,
ao substituir o Fundef, não trouxe recursos novos à Educação nacional como um
todo, apenas promoveu uma redistribuição diferenciada que não chegava a
resolver o problema do financiamento da educação brasileira
18
. Conforme Saviani
(2007, p.93) “[...] a ampliação dos recursos permitirá atender a um mero maior
de alunos, porém em condições não muito menos precárias do que as atuais”.
Em 2002, no primeiro mandato do governo, o presidente Lula lançou o
Programa “Uma Escola do Tamanho do Brasil”
19
, com o objetivo de “qualificar a
Educação básica como direito social”. Destacavam-se como desafios específicos
do Programa a democratização do acesso à Educação e garantia de permanência
na mesma; a qualidade social da Educação e a democratização da gestão. Nas
ações por níveis e modalidades, o programa mantinha o foco na política de
Formação Continuada dos Profissionais da Educação, no Programa Nacional do
Livro Didático, no Programa Nacional de Alimentação Escolar, no Sistema de
Avaliação da Educação Básica, entre outros. Tais programas manifestavam uma
preocupação com a Educação brasileira, voltada para os recursos humanos, para
o currículo, para a merenda escolar e para o sistema nacional de avaliação e
verificação de resultados (BRASIL, 2003).
As políticas educacionais, realizadas no governo Lula, davam plena
continuidade às políticas implementadas no governo FHC no que diz respeito, a
formar um novo tipo de intelectual, a re-politizar a classe trabalhadora, a introduzir
reestruturação curricular da Educação básica adequada aos ditames
internacionais, com plena fomentação dos programas de responsabilidade
empresarial e da sociedade civil, voltados para a melhoria da escola pública.
A Educação Infantil, a partir da reforma educacional brasileira, passou a ser
pensada sob a ótica das políticas econômicas e educacionais, sob o eixo da
prioridade absoluta de investimentos públicos no Ensino Fundamental e sob a
18
Além de dar uma contribuição irrisória, sobretudo porque tanta propaganda fez dos milagres
que o Fundef era capaz de operar, o governo federal (tanto FHC quanto Lula) não cumpriu o
artigo da lei do Fundef (n.9.424), que estabelece o critério de cálculo do valor mínimo nacional
[...] a dívida do governo federal com o Fundef tendo em vista a Lei n.9424 alcançará um valor
em torno de R$ 30 bilhões até o final de 2006 (DAVIES, 2006, p.757).
19
Este resumo foi realizado pela pesquisa enfatizando o que é primordial para o tema proposto
(BRASIL, 2003).
- 79 -
proposta de programas “não-formais” com baixo investimento público para aquela.
A reforma atendia, basicamente, a focalização dos gastos públicos no Ensino
Fundamental, a descentralização traduzida na municipalização, a privatização,
constituindo serviços educacionais, enquanto consumo e a desregulamentação, e
estabelecendo que o Estado abria mão do processo, mas controlava o produto no
que se referia aos currículos nacionais e à avaliação dos resultados. No campo
específico das políticas para a Educação Infantil, a partir do contexto das
reformas, destacavam-se a participação e a intervenção de diferentes segmentos
como Estado, Congresso, partidos, sindicatos e especialistas nas escolhas
referentes aos caminhos da mesma. Entretanto, havia uma participação muito
acentuada das agências multilaterais.
Conforme explicitado nesta seção, o cenário histórico da Educação
brasileira, em seu sentido amplo, contou com um programa político específico o
Programa da Terceira Via. Esse programa político se difundiu a partir de novas
idéias e práticas para a construção de uma “nova pedagogia da hegemonia”,
termo este que vinha explicar as “novas estratégias educadoras do Estado” para
legitimar socialmente a hegemonia burguesa na sociedade contemporânea. O
Estado, partindo de um modelo em processo que negava o conflito de classes,
perpetuava as relações de exploração, efetivando “[...] uma educação para o
consenso sobre os sentidos de democracia, cidadania, ética e participação
adequados aos interesses privados do grande capital nacional e internacional”
(NEVES, 2005, p.15).
A Terceira Via foi inserida no contexto brasileiro de reforma do Estado
diante da necessidade de se criar uma nova interpretação da sociedade,
“reconstruindo” o Estado e adequando-o ao contexto de ampliação do capitalismo.
Os grupos defensores da Terceira Via faziam críticas às teses mais ortodoxas do
neoliberalismo, justificando que estas comprometiam seriamente a “coesão
social”. Legitimaram-se, a partir da Terceira Via, a “renovação e o re-ordenamento
da sociedade civil”. Afirmava-se que o Estado devia dirigir a sociedade civil a
partir de certas diretrizes, exigindo que a mesma trabalhasse em parceria com
ele; se organizasse por grupos de interesses; potencializasse as comunidades na
resolução de seus próprios problemas e estimulasse o pacto social para a solução
pacífica dos conflitos. Isto veio configurar uma nova sociedade civil, a sociedade
- 80 -
civil ativa”. Nesta perspectiva, a noção de comunidade devia ser aquela que
buscasse a coesão social, resgatando formas de solidariedade, de colaboração e
de harmonização entre as classes sociais. A prática devia ser a de
empreendedorismo social e a de ação voluntária entre os indivíduos. A ação
Estatal, mais flexível e menos burocrática, buscava dois objetivos: “[...]
impulsionar a economia capitalista e re-politizar a política” (LIMA; MARTINS,
2005, p.58).
[...] Seu mais expressivo indicador é a defesa da parceria entre
público e privado, destinada tanto ao incentivo à eficiência e
agilidade do mercado quanto à cobertura de um amplo leque de
ações que envolvem as empresas e as chamadas organizações
não governamentais [...] destaca-se também a necessidade de
criação de uma nova subjetividade e de novos sujeitos políticos
coletivos, com as tarefas de assumir as responsabilidades sociais
até então restritas à aparelhagem estatal, eliminar as resistências
sociais à ordem burguesa e disseminar valores caros a essa
doutrina. É nesta direção que o Estado da Terceira Via assume
sua função educativa (LIMA; MARTINS, 2005, p.59).
Diante desta perspectiva de política neoliberal de Terceira Via é que as
políticas públicas sociais, entre elas as educacionais, foram constituídas. Tais
questões passaram a ser vistas sobre o “indivíduo”, sendo o desemprego e a
pobreza, por exemplo, interpretados como infortúnios ou consequência da
incapacidade individual. Neste entendimento de que o indivíduo era o responsável
pela sua situação econômica e social, articulava-se o “empoderamento”, ou seja,
o ato de potencializar o que a classe trabalhadora tinha de valioso: a força de
trabalho. Isto quer dizer que a solução para as mazelas existentes no país deviam
ser buscadas no próprio indivíduo, na mobilização social, nas parcerias com o
Estado e em outras organizações da sociedade civil, e não, obviamente, nas
políticas universalizantes (LIMA; MARTINS, 2005).
[...] as reformas educacionais brasileiras implementadas ou em
processo de implantação visam, do ponto de vista técnico, à
formação de um homem empreendedor e, do ponto de vista ético-
político, à formação de um homem colaborador, características
essenciais do intelectual urbano na atualidade, nos marcos da
hegemonia burguesa. Esse intelectual urbano de novo tipo a ser
- 81 -
formado pelo sistema educacional sob a hegemonia burguesa na
atualidade deverá apresentar uma nova capacitação técnica, que
implique uma maior submissão da escola aos interesses e
necessidades empresariais e uma nova capacidade dirigente, com
vistas a “humanizar” as relações de exploração e de dominação
vigentes (NEVES, 2005, p.105).
Num discurso de coesão da paz, a Terceira Via sustentava-se em
consensos que ninguém questionava como: paz, solidariedade, tolerância, luta
contra a pobreza, entre outros. No entanto, ao se eleger a pobreza como causa,
acabava-se por esquecer que se havia pobreza, havia riqueza, ou seja, uma
sociedade desigual, uma sociedade de classes.
Atrelada ao contexto internacional, à Educação, no contexto brasileiro, é
atribuída a tarefa de dar sustentação à competitividade, adequando-se às novas
exigências do mercado. O foco é garantir o acesso ao Ensino Fundamental e à
Educação básica, promovendo uma Educação que forme o cidadão produtivo. A
Educação pré-escolar aparece como parte da Educação básica na perspectiva
dos governos, contudo passa a ser pensada sob a ótica de políticas econômicas,
proposta por programas não-formais e com baixo investimento público.
Embora garantida na legislação como parte integrante da Educação básica,
a Educação Infantil brasileira se efetiva na atualidade com um atendimento
limitado às condições da municipalização com recursos financeiros, na maioria
das vezes, insuficientes. Municipalização, nesta pesquisa, refere-se ao processo
de adequação dos municípios para efetivar o atendimento à Educação Infantil
conforme determinam a Constituição Federal no artigo 211 § 2º e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9394/96 art.11º.
A situação do atendimento municipal tem combinado esta conquista à
fragmentação e à precariedade das políticas públicas. Muitos municípios têm
inaugurado creches, atendendo crianças de até três anos de idade e expandindo
este atendimento de cima para baixo, ou seja, para as crianças de seis anos,
depois para as de cinco e, assim, sucessivamente. Esta realidade confirma a
necessidade de uma política nacional para a Educação Infantil, que garanta
recursos e atendimento de qualidade a todas as crianças brasileiras.
- 82 -
O direito à Educação Infantil no Brasil, consagrado com a publicação da
Constituição Federal de 1988, respondia às movimentações sociais que
reivindicavam maior atenção às questões da infância. Num momento de
democratização do País, no final dos anos de 1980, após o fim do regime militar,
reconheceu-se a Educação de zero a seis anos, em “creches e pré-escolas”,
como dever do Estado a ser cumprido nos sistemas de ensino:
Art. 208 O dever do Estado com a Educação será efetivado
mediante a garantia de:
[...].
IV atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade [...] (BRASIL, 1989, p.100).
A Carta Magna esclarecia que ficava a cargo dos municípios o referido
atendimento, alterando, com a Emenda Constitucional n.14, a nomenclatura “pré-
escolar” para Educação Infantil”: art. 211 § - “[...] os Munipios atuarão
prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil”.
Ao se reconhecer que há, muitas vezes, distância entre o que a legislação
garante e o que a realidade educacional brasileira vive, percebe-se que se faz
necessário, neste trabalho, explicitar a base legal da Educação Infantil para que
se possa compreender, debater e questionar os caminhos deste nível de ensino.
Somente reconhecendo a importância de tal fonte histórica, que é a legislação
educacional, é que se atinge o conhecimento da história da Educação,
compreendendo, desta forma, os cenários e as articulações que constroem a
política da Educação Infantil brasileira.
Em face disto, que se enfatizar que a década de 1990 constituiu novos
marcos para a Educação Infantil na legislação como a publicação do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA – em 1990 e a LDB em 1996. Estas publicações
consolidaram-se com extrema relevância para a população infantil naquele
momento histórico.
O Estatuto, Lei n.8.069/90, possibilita às crianças e aos adolescentes
brasileiros a condição de serem sujeitos de direito. Dispondo sobre uma doutrina
de “proteção integral”, estabelece à criança e ao adolescente garantias de
prioridade absoluta enfatizando direitos fundamentais, dentre eles a Educação
Infantil:
- 83 -
Art.53: a criança e o adolescente têm direito à educação, visando
ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...]
Art. 54: é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
[...]
IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade.
A partir da publicação do ECA, as crianças de zero a seis anos passaram a
experimentar uma diferença substancial em suas vidas, avanço este percebido,
principalmente, na concretização dos Conselhos Municipais e dos Conselhos
Tutelares, os quais atuam na defesa aos direitos reconhecidos pelo Estatuto.
Entretanto o ECA não apaga a situação de pobreza e mortalidade infantil vivida
por muitas crianças brasileiras. A solução para este problema não se no plano
individual, ou na pesquisa, ou nos movimentos sociais (apesar de serem
fundamentais) que a origem desta situação da infância se encontra na
desigualdade estrutural. “[...] porém, sabe-se também que o problema específico
da infância e da adolescência existe e é acentuado pela omissão do Estado e
pela falta de políticas sociais [...]” (KRAMER, 2003, p.17).
Nesta trajetória da legislação para a Educação Infantil, faz-se importante
referir-se à publicação da LDB, Lei n.9394/96, que tratou da Educação Infantil,
inovando e definindo-a como primeira etapa da educação básica.
Art.21: a educação escolar compõe-se de:
I- educação básica, formada pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio;
II- ensino superior (BRASIL, 1997b).
A LDB (BRASIL, 1997b) pode ser considerada uma conquista histórica às
crianças de zero a seis anos pois, no plano lega,l integra “creches e pré-escolas”
e retira as crianças brasileiras do atendimento vinculado a órgãos assistenciais,
definindo-o como especificamente educativo.
20
que se referir aqui, também, às questões relativas à função da
Educação Infantil pois, desde a publicação da Constituinte (1988), a mesma vem
20
O estudo da LDB será aprofundado no final desta seção.
- 84 -
sendo discutida entre professores, pesquisadores e intelectuais da área. O “cuidar
e educar” é uma expressão entendida, nesta pesquisa, como a que emprega a
LDB/1996, ou seja, função complementar e indissociável de pensar a Educação
Infantil. Tal função tem sido o objetivo e a especificidade da Educação de zero a
seis anos de idade nos documentos legais de referência curricular para este nível
de ensino. que se assinalar que a Educação Infantil tem se construído entre
políticas públicas, documentos legais, produções científicas e relatos de
profissionais da mesma, na busca incessante de delinear sua verdadeira
especificidade.
O discurso oficial incorporou o educar / cuidar, como fez com
outros conceitos, em outros momentos da história. No entanto,
textos que mencionam educar / cuidar, supondo [...] tratar-se de
um processo; outros se referem a educar e cuidar, assumindo
[...] que se trata de duas dimensões; outros, ainda, falam de
educação e de cuidado infantil aproximando esta expressão de
educação e desenvolvimento infantil (KRAMER, 2003, p.76).
É fato que, além de apresentar alguns avanços no aspecto legal, a
Educação Infantil se destaca também enquanto prática pedagógica, no sentido de
buscar construir-se, atendendo as necessidades específicas de desenvolvimento
e de promoção intelectual da criança brasileira. Conforme considerações de
Kramer (2003), a Educação Infantil deve se firmar não somente como direito
social mas também como direito humano da criança de zero a seis anos:
[...] os movimentos em torno da Constituinte de 1988, do Estatuto
da Criança e do Adolescente de 1990, pela LDB de 1996, as
constituições estaduais, as leis orgânicas municipais têm como
“mote”, têm como direção, se projetam para a afirmação da
igualdade de todas as crianças de zero a seis anos de o
reconhecimento de suas diferenças. [...] as políticas de infância
são cruciais por que a educação da criança é um direito não
social, mas um direito humano (KRAMER, 2003, p.56)
Nas palavras de Kramer (2003), no Brasil, cuja maior parte da população
foi expropriada dos bens básicos, a educação da criança pequena é direito social
porque significa uma das estratégias de ação (ao lado do direito à saúde e à
assistência) no sentido de combater a desigualdade e é também direito humano
- 85 -
porque representa uma contribuição, dentre outras, no contexto de violenta
socialização urbana, que se configura como essencial para que seja possível
assegurar uma vida digna a todas as crianças. Estabelece-se, desta forma, a
necessidade da efetivação de políticas públicas para a Educação Infantil que
efetivem este atendimento como direito social e humano e que dêem conta da
realidade vivenciada pela população infantil brasileira.
Verifica-se, nos estudos realizados neste item da pesquisa, que a
Educação brasileira, e aqui em específico a Educação Infantil, é efetivamente
determinada por políticas públicas de natureza neoliberal, assumidas na reforma
do Estado e na da educação brasileira. O Estado de classe, ou burguês, assume
uma administração pública gerencial, absorve efetivamente as características
neoliberais e, a partir dos princípios da Terceira Via, passa a “terceirizar” as
políticas públicas, explicitanto sua deslegitimação enquanto executor de políticas
públicas e sua retirada no campo dos direitos sociais como a Educação.
A reforma da Educação, justificada pela necessidade de se adequar a
Educação brasileira às novas exigências do mercado internacional e do interno,
articula a consolidação do processo de formação do cidadão produtivo, dando
sustentação à competitividade e às novas exigências do mercado. Em
cumprimento ao compromisso assumido internacionalmente com a Declaração de
Jomtien, o foco é garantir o acesso ao Ensino Fundamental, satisfazendo as
Necessidades Básicas de Aprendizagem. A reforma educacional brasileira se
desdobra nos mesmos aspectos indicados nos documentos dos organismos
internacionais, dentre eles: financiamento, formação de professores, currículo,
avaliação e gestão.
A Educação Infantil, na perspectiva da reforma do Estado e da Educação,
passa a ser pensada sob a ótica de políticas econômicas, proposta por programas
não-formais e com baixo investimento público. A ênfase se na necessidade de
expansão do atendimento que este traz benefícios à progressão escolar. A
responsabilidade de tal atendimento deve ser das iniciativas comunitárias,
eximindo-se o Estado disto. O governo abre mão do processo mas controla o
produto no que se refere aos currículos nacionais e à avaliação dos resultados.
- 86 -
3.2 A LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL NO APÓS 1990
As políticas públicas são melhor compreendidas se relacionadas ao papel
do Estado na sua atual forma histórica e às contradições inerentes às próprias
políticas educacionais empreendidas. Vistas, no contexto global do capitalismo,
quanto às suas contradições e à influência das organizações internacionais, as
políticas educacionais assumem sentido histórico na sua formulação e
implementação por meio do executor direto que é o Estado.
É importante assinalar o papel do MEC em relação às políticas
educacionais, especificamente após os anos de 1990, no sentido de visualizar o
foco e as prioridades que este ministério elegeu em determinados períodos. O
MEC atuava como formulador e executor do projeto educacional do Governo
Federal e diante disto, perseguia preceitos articulados à ideologia do governo do
qual faz parte.
A partir da LDB (1996), o MEC passou a definir a Educação Básica como
aquela composta pela Educação Infantil, pelo Ensino Fundamental e pelo Ensino
Médio, tendo, como objetivo, “assegurar a todos os brasileiros a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes os meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1997b). Os documentos
norteadores da Educação sica são a LDB Lei n.9.394/96 e o Plano Nacional
de Educação PNE, Lei n.10.172/2001, regidos pela Constituição da República
Federativa do Brasil.
O Conselho Nacional de Educação CNE atua no desempenho das
funções e atribuições do poder público federal em matéria de Educação e efetiva
ações normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da
Educação.
[...] Compete ao Conselho e às câmaras de Educação sica e de
Educão Superior exercerem as atribuições conferidas pela Lei
9.131/95. A Câmara de Educação Básica tem como atribuições
analisar e emitir pareceres sobre procedimentos e resultados de
processos de avaliação da educação infantil, fundamental, média,
profissional e especial, deliberar sobre diretrizes curriculares
propostas pelo Ministério da Educação; e acompanhar a execução
do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2008, p.2).
- 87 -
Faz-se importante compreender os aspectos principais do papel do
Conselho Nacional de Educação e suas atribuições, no sentido de entender em
que contexto institucional se legitimam as políticas educacionais brasileiras.
A Educação de zero a seis anos, considerada a primeira etapa da
educação básica, no período entre 1995 a 2005, tinha seu ordenamento, em
termos de legislação, pautado em 7 (sete) documentos, conforme mostra o
quadro abaixo:
Legislação para Educação Infantil no Brasil período de 1995 a 2005
1994
Política Nacional de Educação Infantil, aprovada pelo MEC por meio da Portaria
n.1.264 em 1994.
1996
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 20 de dezembro
de 1996. Lei n.9.394/96.
1998
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, elaborado pelo MEC
em 1998.
1998
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, aprovadas pela
CNE/CEB com parecer n.022 em 17 de dezembro de 1998.
2000
Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil, instituídas pela CNE/CEB com
Parecer n.04 em 16 de fevereiro de 2000.
2001
Plano Nacional de Educação, aprovado em 9 de janeiro de 2001. Lei
n.10.172/2001.
2005 Política Nacional de Educação Infantil, aprovada pelo MEC em 2005.
A legislação para a Educação Infantil representa as fontes históricas
necessárias para o entendimento das políticas públicas para este nível de ensino,
implementadas após os anos de 1990. Tal legislação traduz as políticas e, por
isso, estudar a legislação nas fontes histórias é estudar a ação estatal nas
políticas públicas, as produções e os registros dos homens no decorrer da
História, enfatizando que o estudo sobre o tempo presente é também um estudo
histórico.
3.2.1 Política Nacional para a Educação Infantil – 1994
Partindo do reconhecimento de que a Educação Infantil, primeira etapa da
educação básica, destinada às crianças de 0 a 6 anos de idade, é indispensável à
construção da cidadania, o MEC viabilizava, a partir de 1993, a discussão da
- 88 -
“Política Nacional de Educação Infantil”, buscando subsidiar sua implementação
política, instituindo uma Comissão Nacional de Educação Infantil.
Tal comissão constituiu-se, inicialmente, pelas secretarias ministeriais mais
tarde incorporou outras instituições como a Organização das Nações Unidas para
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, a Fundação de Assistência ao
Educando FAE e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
INEP.
A partir da instituição dessa Comissão Nacional, divulgou-se, em todo o
país, a política para a Educação Infantil proposta pelo MEC, que culminou com a
realização, em Brasília, em agosto de 1994, do I Simpósio Nacional de Educação
Infantil. No marco do Plano Decenal de Educação para Todos, o referido evento
foi cenário de diversos debates relacionados ao atendimento de zero a seis anos
e da aprovação da “Política Nacional de Educação Infantil”.
Realizado em Brasília, no período de 8 a 12 de agosto, o I
Simpósio Nacional de Educação Infantil teve por objetivos:
analisar a situação do atendimento educacional à criança de 0 a 6
anos; divulgar a Política da Educação Infantil e consolidar
parcerias com entidades governamentais e não-governamentais,
visando a sua implementação; e definir as propostas da área da
Educação Infantil a serem apresentadas à Conferência Nacional
de Educação para Todos (BRASIL, 1994b, p.11).
A Política Nacional para a Educação Infantil
21
foi aprovada no governo de
FHC, em 20 de dezembro de 1994, por meio da Portaria 1.739/94, assinada pelo
então Ministro de Estado da Educação e do Desporto, Murílio de Avellar Hingel.
Na introdução do documento, enfatizava-se que a demanda por “Creches e pré-
escolas” era um fenômeno comum a diversos países e vários fatores contribuíam
para que houvesse expansão deste atendimento no mundo. Consequentemente,
era preciso valorizar “[...] o avanço do conhecimento científico sobre o
desenvolvimento da criança, a participação crescente da mulher na força de
21
O documento divide-se em: introdução; situação atual da educação infantil; diretrizes gerais
(diretrizes pedagógicas e diretrizes para uma política de recursos humanos); objetivos da
política de educação infantil; ações prioritárias e anexos. Descreve-se de forma resumida em
apenas 48 páginas, assinado por Maria Aglaê de Medeiros Machado representante da
Secretaria de Educação Fundamental, Célio da Cunha representante do Departamento de
Políticas Educacionais e Ângela Maria Rabelo Ferreira Barreto representando a Coordenação
Geral de Educação Infantil.
- 89 -
trabalho extradomiciliar, a consciência social sobre o significado da infância e o
reconhecimento, por parte da sociedade, sobre o direito da criança à educação,
em seus primeiros anos de vida” (BRASIL, 1994b, p.4).
O papel do MEC, na proposição de tal política, era explicitado no
documento como sendo “insubstituível e inadiável” visto que formulava a Política
Nacional de Educação Infantil, norteada pelos parâmetros da Constituição,
especialmente os de descentralização político-administrativa e de participação da
sociedade, por meio dos organismos representativos, na formulação e no controle
das ações voltadas a essa Política. Explicita-se que a formulação das diretrizes
gerais está baseada na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e
do Adolescente (1990) e nos debates do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996). Estes documentos legais instituem o dever do Estado
em assegurar a educação da criança a partir de seu nascimento,
“complementando o papel e as ações da família nessa função”.
Justificava-se que a expansão deste atendimento sem os investimentos
técnicos e financeiros necessários por parte do Estado e da sociedade acarretava
deterioração na qualidade daquele.
[...] A insuficiência e a inadequação de espaços físicos,
equipamentos e materiais pedagógicos (especialmente
brinquedos e livros); a não-incorporação da dimensão educativa
nos objetivos da creche; a separação entre as funções de educar
e cuidar; a inexistência de currículos e propostas pedagógicas são
indicadores importantes da baixa qualidade e do atendimento às
crianças, especialmente às menores. Particularmente é grave a
desvalorização e a falta de formação específica dos profissionais
que atuam na área, especialmente na creche. Um número
significativo dos que trabalham na Educação Infantil sequer
completou a escolaridade fundamental (BRASIL, 1994b, p.13).
Fica claro na exposição acima que os investimentos necessários cabiam
não somente do Estado, mas à sociedade civil e que a “baixa qualidade”, neste
atendimento, vinha do fato de os educadores não terem formação específica, e
diante disso, não incorporarem a dimensão educativa de creche, não integrarem
as funções do educar e o cuidar, não tendo inclusive, em suas mãos, currículos e
propostas pedagógicas voltadas para a qualidade.
- 90 -
O referido documento antecedeu a LDB (1996) e já explicitava que a
Educação Infantil era a primeira etapa da educação básica, sendo um direito a
que o Estado teria a obrigação de atender, dividindo-se esse atendimento por
faixa etária e ressaltando-se que a Educação Infantil devia ser complementada
pela saúde e pela assistência.
[...] a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica
destina-se à criança de zero a seis anos de idade, não sendo
obrigatória, mas um direito a que o Estado tem obrigação de
atender. As instituições que oferecem Educação Infantil,
integrantes dos Sistemas de Ensino, são as creches e as pré-
escolas, dividindo-se a clientela entre elas pelo critério exclusivo
da faixa etária (zero a três anos na creche e quatro a seis na pré-
escola) [...] As ações de educação, na creche e na pré-escola,
devem ser complementadas pelas de saúde e de assistência,
realizadas de forma articulada com os setores competentes [...]
(BRASIL, 1994b, p.13-14).
Quanto às “diretrizes pedagógicas”, recomendava-se que toda ação, no
interior da “creche e da pré-escola”, fosse educativa, entendendo a criança como
um ser humano completo, dependente do adulto para sua sobrevivência e seu
crescimento. Fazia-se importante ressaltar ainda que a criança
22
, como ser ativo e
capaz, podia ampliar conhecimentos e experiências, motivada pelos seus próprios
meios. “[...] a criança, como todo ser humano, é um sujeito social e histórico;
pertence a uma família que está inserida em uma sociedade, com uma
determinada cultura, em um determinado momento histórico” (BRASIL, 1994b,
p.16).
A função da Educação Infantil aparece no documento justificada pela
necessidade de que se efetivassem as particularidades desta etapa da educação,
sendo imprescindível que se cumprissem as duas funções que são
complementares, mas também indissociáveis: “[...] cuidar e educar,
complementando os cuidados e a educação realizados na família ou no círculo da
família” (BRASIL, 1994b, p.16).
22
Quanto à concepção de criança, o documento assinala que a educação infantil passa a ter
significado particularmente importante quando esta é fundamentada numa concepção de
“criança cidadã, como pessoa em processo de desenvolvimento, como sujeito ativo da
construção do seu conhecimento” (BRASIL, 1994b, p.5).
- 91 -
Nas “diretrizes para uma política de recursos humanos”, o documento
apresentou que esta concepção de educação infantil pregava que “[...] educar e
cuidar em instituições educativas complementares à família exige que o adulto
que atua na área seja reconhecido como um profissional. Isso implica que lhe
devem ser assegurados condições de trabalho, plano de carreira, salário e
formação continuada condizentes com seu papel profissional [...]” (BRASIL,
1994a, p.19). Dessa forma, os profissionais que o possuíssem qualificação
mínima, de nível médio, deveriam efetivá-la no prazo de oito (8) anos.
Quanto aos objetivos da Política da Educação Infantil, o Ministério da
Educação e do Desporto estabeleceu como imediatos:
[...]
1- expandir a oferta de vagas para a criança de zero a seis anos;
2- fortalecer, nas instâncias competentes, a concepção de
educação infantil definida neste documento;
3- promover a melhoria da qualidade do atendimento em creches
e pré-escolas (BRASIL, 1994b, p.21).
Entendia-se, ainda, era preciso “otimizar meios e resultados” e para isso
impunha-se então “[...] a consolidação de alianças entre Governo, instituições
não-governamentais e representações da sociedade civil para que os objetivos
almejados possam ser alcançados” (BRASIL, 1994b, p.21).
É possível verificar que os preceitos de descentralização perfizeram o
referido documento, pautados nos mesmos enfoques do documento da reforma
do Estado brasileiro que estava prestes a ser publicado em 1995. Ao se realizar
uma análise com enforque histórico, que se compreender que o panorama
político-econômico repercute na Educação Infantil à medida que diminui a
responsabilidade do Estado para com as políticas públicas.
O discurso de “consolidar alianças”, conforme apontamento de Neves
(2005), constituía-se na re-politização da sociedade civil sob a direção da
burguesia, ou seja, numa das estratégias da “pedagogia da hegemonia”
23
.
23
Termo utilizado pela autora Neves (2005, p.15) para se referir à ação de educar para o
consenso, principalmente no papel do Estado capitalista, o qual assume a tarefa de forma
técnica e eticamente as massas populares à sociabilidade burguesa. “[...] uma nova educação
para o consenso sobre aos sentidos de democracia, cidadania, ética e participação adequados
aos interesses privados do grande capital nacional e internacional”.
- 92 -
Também no Brasil, a nova pedagogia da hegemonia vem-se
processando por meio da implementação, pelo Estado, e também
diretamente pela própria burguesia, de ões diversas e
complementares com vistas à obtenção do consenso da
sociedade e de reeducação ético-política, individual e coletiva, dos
cidadãos brasileiros, [...] (NEVES, 2005, p.99).
No item “Ações Prioritárias”, que finalizava o documento “Política Nacional
de Educação Infantil” (1994b), estabeleceram-se 7 (sete) ações que deveriam ser
objetos de acordos e parcerias entre os diferentes atores envolvidos na Educação
Infantil. Tais ações resumiam-se basicamente
24
:
1- “Metas para melhoria da qualidade da Educação Infantil”, sendo que, ao
MEC, caberia o papel de coordenador, levando-se em conta a crescente
tendência de os municípios assumirem tal demanda. Embora se almejasse a
universalização, o foco principal estaria nas situações agudas de pobreza e de
instabilidade;
2- “Eficiência e equalização no financiamento”, sendo essencial uma
gestão eficiente evitando-se desperdícios e superposição de ações. Ao MEC
caberia assegurar assistência técnica e financeira “supletiva”;
3- “Incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas
pedagógicas e curriculares, especialmente àquelas que visem à promoção da
função educativa de creche”;
4- “Formação e valorização dos profissionais da Educação Infantil”, com
articulação do MEC para priorizar o investimento, a curto prazo, em cursos
emergenciais, destinados aos profissionais não-habilitados que atuassem nas
creches e pré-escolas;
5- “Ações interdisciplinares e intersetoriais de atenção à criança”, para
garantir à mesma Educão, cultura, esporte, lazer, além de adequadas condões
de saúde e nutrição. Caberia ao MEC dar continuidade à implementação do
Programa Nacional de Atenção Integral à criança e ao Adolescente PRONAICA
25
,
priorizando programas com estratégias de mobilização das comunidades e a
administração compartilhada;
24
Este resumo foi elaborado pela pesquisa enfatizando o que é primordial para a discussão do
tema proposto.
25
O PRONAICA foi criado em 1993, pela Lei n.8.642/93 em substituição ao “Projeto Minha Gente”
do governo Fernando Collor de Melo. Resumidamente tem os mesmos objetivos do projeto de
origem, entretanto operacionalizou-se nas unidades físicas dos CIACs agora chamados de
CAICs buscando integração de serviços setoriais para atendimento integral a criança.
- 93 -
6- “Criação de um sistema de informação sobre a Educação Infantil”,
devido às informações relativas ao atendimento da criança de zero a seis anos
serem ainda precárias tanto com relação à qualidade quanto à atualidade dos
dados;
7- “Incentivo à produção e divulgação de conhecimentos na área de
Educação Infantil”, pelo fato de a pesquisa nacional ainda ser reduzida, devendo
esta ter apoio por parte dos órgãos de fomento. Especial atenção devia ser
dirigida aos cursos de pós-graduação, que congregassem os estudiosos
existentes e os pesquisadores em formação. (BRASIL, 1994b).
Diante dos principais aspectos estabelecidos na Política Nacional para
Educação Infantil, fica claro que havia uma preocupação explícita com a
qualidade da mesma, com a necessidade de cursos emergenciais para os
profissionais não-habilitados e com a integração nas ações setoriais voltadas à
criança de zero a seis anos, embora o foco de atendimento estivesse nas
situações agudas de pobreza e instabilidade. Com relação ao financiamento de
políticas públicas para estas ações, a Política reportava-se apenas à necessidade
de haver uma gestão eficiente e equalizadora, sendo o MEC apenas suplente
nestas ações
26
.
Ao estabelecer os objetivos de expandir a oferta, de fortalecer a concepção
de Educação Infantil e de promover a melhoria de qualidade, a Política Nacional
para a Educação Infantil de 1994 deu ênfase à consolidação de alianças,
efetivando, assim, os preceitos da política neoliberal que já emergiam no Estado e
na política educacional naquele momento.
3.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – 1996
Logo após a promulgação da Constituição Federal (1988), foi apresentado
à Câmara dos Deputados um projeto de LDB que refletia discussões ocorridas no
Brasil em diferentes eventos como: Congressos, Encontros, Simpósios,
26
Eficiência, equidade, assistência supletiva, são princípios administrativos utilizados na reforma
do Estado brasileiro de 1995 (BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado,
Brasília, DF, 1995).
- 94 -
Seminários, entre outros, reunindo, neste contexto, entidades representativas do
setor educacional. A tramitação deste projeto, apresentado por iniciativa do então
deputado Otávio Eliseo, transcorreu com a realização de 40 audiências blicas,
surgindo, assim, o 1º substitutivo do deputado Jorge Hage.
Este projeto de LDB, intitulado Jorge Hage, definido por muitos estudiosos
como um projeto comprometido com a democratização da Educação brasileira,
tramitou na câmara dos deputados até 1992 e, a partir daí, passou a ser
acompanhado de outro projeto apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro
27
.
Em 1992, começou a ser comandado, por parlamentares ligados
ao governo do então presidente Fernando Collor, um processo de
obstrução do Projeto de LDB que tramitava, democraticamente, na
Câmara dos Deputados. O Senador Darcy Ribeiro, junto com o
então Senador Marco Maciel e, com a aprovação do MEC,
apresentou um novo Projeto de LDB, no Senado Federal,
desconsiderando o trâmite do Projeto original, na Câmara dos
Deputados (OTRANTO, 1996, p.1).
A Lei n.9.394/96 foi resultado de confronto entre um projeto, fruto de seis
anos de amplos debates, traduzindo reivindicações de muitos, com um outro
projeto de autor único que apresentava questões opostas àquelas construídas
pela sociedade representada. Contudo, a LDB, também denominada Lei Darcy
Ribeiro, era considerada a Lei maior da Educação Brasileira, sendo denominada
de Carta Magna da Educação. Enquanto Lei nacional normatizava princípios
educativos, especificando níveis e modalidades de ensino, regulamentando a
estrutura e o funcionamento do sistema de ensino nacional, interferindo tanto nas
instituições públicas quanto privadas e abrangendo todos os aspectos da
organização da Educação nacional.
O contexto social, político e econômico da sociedade brasileira, no
momento da aprovação da nova LDB, era o do primeiro mandato do governo
FHC, o qual se norteava pelas estratégias da Reforma do Estado e da Educação
brasileira de 1995. Diante disso, a política de descentralização instaurava-se pela
27
Foram mais quatro anos de tramitação, inclusive, com nova proposta do próprio Senador Darcy
Ribeiro, totalizando oito anos de tramitação, aprovada na Câmara dos Deputados em 17/12/96
e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 20/12/96 a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional Lei n.9.394/96.
- 95 -
ideologia neoliberal, aparecendo, principalmente, na forma da “municipalização”
do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, na retirada do Estado, e também
na forma de responsabilidade social com projetos de incentivo ao voluntariado
28
.
Quanto à função da União, a LDB (1996) estabelecia, no art. 8º §1º, que
“Caberá à União a coordenação da política nacional de Educação, articulando os
diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistribuitiva e
supletiva em relação às demais instâncias educacionais” (BRASIL, 1997b, p.49),
devendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarem-se
em regime de colaboração. O papel do município de ofertar a Educação Infantil
ficava claro na lei, ao passo que se destacava que a prioridade era o Ensino
Fundamental.
Art. 11: os municípios incumbir-se-ão de:
V- Oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com
prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros
níveis de ensino somente quando estiverem atendidas
plenamente as necessidades de sua área de competência e com
recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela
Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino
(BRASIL, 1997b, p.51).
A LDB (1996) apresentava artigos específicos para o atendimento à
Educação Infantil, num dos quais afirmava que a Educação de zero a seis anos
era a primeira etapa da Educação básica.
Art.29: a educação infantil, primeira etapa da educação básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até
seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade.
Art.30: a educação infantil será oferecida em:
I- creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três
anos de idade;
II- pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.
Art.31: na educação infantil a avaliação far-se-á mediante
28
Pode-se citar como exemplo de voluntariado neste momento da história, o voluntariado em
educação como o Projeto Amigos da Escola desenvolvido em parceria com o programa
governamental FHC Comunidade Solidária.
- 96 -
acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o
objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino
fundamental (BRASIL, 1997b, p.57).
Afirmava a Lei que: 1- tal etapa era um direito da criança de 0 a 6 anos e um
dever do Estado que se efetivava mediante atendimento em creches e pré-escolas
(Art.4º, IV); 2- o era obrigatória, explicitando que não havia obrigatoriedade do
Estado em prover vagas e como não havia também obrigatoriedade de todas as
crianças de 0 a 6 anos freqüentarem este ensino; 3- o atendimento seria sempre
gratuito; 4- a Educação Infantil deveria ser submetida a “padrões mínimos de
qualidade de ensino” (Art.4º, IX); 5- o poder público contemplaria o acesso à
Educação Infantil conforme as prioridades legais e constitucionais (Art. 5º; § 2º),
podendo haver outras prioridades como o Ensino Fundamental, por exemplo.
29
Na Educação Infantil não havia obrigatoriedade de cumprir a carga horária
mínima anual de 800 horas, distribuídas nos 200 dias letivos, como também o
havia avaliação com o objetivo de promoção. O método avaliativo, na Educação
Infantil, destinava-se ao acompanhamento e ao registro do desenvolvimento da
criança.
A titulação exigida para se atuar na Educação Infantil, conforme a LDB
(1996), era a Licenciatura ou o Curso Normal Superior, sendo admitida a
formação, em nível médio, na modalidade Normal (Art.62). Ao mesmo tempo em
que este critério de escolaridade do professor da Educação Infantil podia ser
considerado benéfico por trazer o caráter educativo à creche, a LDB o
“simplificava” quando afirmava que, para a Educação básica, a formação seria a
de nível superior, entretanto para a Educação Infantil e a Fundamental bastaria o
nível médio.
[...] Art. 62: a formação de docentes para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de
educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal (BRASIL, 1997b, p.67-68).
29
Resumo elaborado pela pesquisa para apresentar as questões relativas à educação infantil
explicitadas na LDB (1996).
- 97 -
Verifica-se, no estudo desta Lei, um avanço na legislação com relação ao
atendimento educacional das crianças de zero a seis anos, em específico no fato
de tornar a Educação Infantil parte da Educação básica. A incumbência em ofertar
a primeira era dos municípios, sendo que a União teria função normativa,
redistribuitiva e supletiva. A nomenclatura creche, para o atendimento até três
anos, e a pré-escola, de quatro a seis anos, tinham a finalidade de promover o
desenvolvimento integral das crianças até seis anos de idade em todos os seus
aspectos. A Educação Infantil não deveria efetivar a avaliação com o objetivo de
promoção, mas sim de acompanhamento, sendo necessário, para atuar neste
nível de ensino, um profissional com titulação em nível superior, com licenciatura
ou nível médio em Curso Normal.
A partir da LDB (1996), ocorreram outros desdobramentos no que se refere
à Educação Infantil como a publicação, pela primeira vez, de Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil em 1998; das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação infantil (1998); das Diretrizes
Operacionais para a Educação Infantil e a inclusão do Plano Nacional de
Educação, aprovado em 2001. Estas legislações surgiram com o objetivo de
regulamentar as políticas e os serviços existentes dentro da concepção de
atendimento à criança pequena, proposta na LDB de 1996.
3.2.3 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – 1998
Na trajetória da Educação Infantil brasileira, após os marcos legais da
Constituição Federal (1988), do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e da
nova LDB Lei n.9.394/96 (1996), o MEC lançou, em 1998, o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI).
Sob a Coordenação Geral da Educação Infantil (COEDI), foram produzidos
os conhecidos “cadernos do COEDI” – que serviram como subsídios para a
efetivação da Política Nacional de Educação Infantil até a publicação do RCNEI.
Eram eles: “Subsídios para a Elaboração de Diretrizes e Normas para a Educação
Infantil” (1998); “Proposta Pedagógica e Currículo para a Educação Infantil: um
Diagnóstico e a Construção de uma Metodologia de Análise” (1996); “Critérios
- 98 -
para um Atendimento em Creches e Pré-escolas que Respeitem os Direitos
Fundamentais das Crianças” (1995); “Educação Infantil no Brasil: Situação Atual”
(1994); “Por uma Política de Formação do profissional de Educação Infantil” (1994).
[...] este conjunto de publicações na direção da definição de uma
Política Nacional para a Educação Infantil, coordenado nos
últimos cinco anos pela COEDI, são uma referência instalada
na área da educação infantil e tem sido utilizado pelos
pesquisadores tanto nas suas atividades de pesquisa como
importante ferramenta de trabalho para professores na construção
de um trabalho de qualidade para as crianças pequenas nas
instituições de educação infantil que garanta as suas
especificidades (CERISARA, 1999, p.40).
O RCNEI, após sua publicação, passou a ser o documento oficial,
substituindo os “cadernos do COEDI”. O Referencial foi apresentado à sociedade
como o novo documento norteador da Educação das crianças de zero a seis
anos, tornando-se alvo de intensa controvérsia acadêmica, justificada pela falta
de articulação e continuidade, tanto pelo seu modo de elaboração quanto por seu
conteúdo.
Em fevereiro de 1998, o MEC encaminhou o documento preliminar do
RCNEI a 700 pareceristas (profissionais de Educação Infantil, administradores e
pesquisadores) para obter opiniões a respeito do referido documento. Destes,
apenas 230 responderam ao MEC
30
. Nas palavras de Cerisara (1999, p.19) “[...]
pesquisadores da área da Educação Infantil, que pertencem ao GT Educação da
Criança de 0 a 6 anos da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação ANPED, começaram a discutir o documento e as concepções nele
defendidas, preocupados acima de tudo com as conseqüências que um
documento como este traria para a Educação Infantil no Brasil”.
Muitas foram as observações, as sugestões, as modificações e os
questionamentos levantados pelos pareceristas, os quais debateram desde a
estrutura e articulação do documento a a definição e a abordagem dos
conceitos referidos à Educação Infantil.
30
Discussão apresentada por Palhares e Martinez (1999, p.7).
- 99 -
[...] Parece que podemos dizer que a educação infantil pela sua
especificidade ainda não estava madura para produzir um
Referencial único para as instituições de educação infantil no país.
Os pesquisadores e pesquisadores da área revelam, nos
pareceres, que o fato de a educação infantil não possuir um
documento como este não era ausência ou falta, mas sim
especificidade da área que precisa ainda refletir, discutir, debater
e produzir conhecimentos sobre como queremos que seja a
educação das crianças menores de 7 anos em creches e pré-
escolas (CERISARA, 1999, p.46).
Organizado em três volumes, o RCNEI foi apresentado como um “guia de
orientação” para o professor da Educação Infantil, a fim de tornar-se instrumento
de trabalho cotidiano da prática pedagógica
31
. As três partes do documento eram
compostas de: Documento Introdutório ao Referencial (volume I); Formação
Pessoal e Social (volume II) e Conhecimento de Mundo (volume III) as quais se
somavam à intenção do MEC de “[...] apontar metas de qualidade que contribuam
para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades,
capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos
[...]” (BRASIL, 1998b, p.5).
Fica claro no referido documento que cada profissional da Educação
Infantil receberia seu próprio exemplar para que pudesse utilizá-lo como
instrumento de trabalho cotidiano. A intenção do MEC era que tais volumes
pudessem contribuir para “[...] planejamento, desenvolvimento e avaliação de
práticas educativas que considerem a pluralidade e diversidade étnica, religiosa,
de gênero, social e cultural das crianças brasileiras” (BRASIL, 1998b, p.7).
Nos volumes do RCNEI, apresentava-se a concepção de criança como a
de sujeito social e histórico, parte de uma organização familiar, inserida numa
sociedade, com determinada cultura e determinado momento histórico. A função
da Educação Infantil era a de educar e cuidar, associando-a a padrões de
qualidade. Os profissionais da Educação Infantil deveriam ter formação sólida e
consistente, acompanhada de permanente atualização em serviço, pois o trabalho
com crianças pequenas exigia que o professor tivesse uma competência
polivalente (BRASIL, 1998).
31
A apresentação do documento, assinada pelo então Ministro da Educação e do Desporto Paulo
Renato Souza, segundo suas palavras, o documento explicita buscar a superação de duas
questões desafiadoras: “[...] de um lado, da tradição assistencialista das creches e, de outro, da
marca da antecipação da escolaridade das pré-escolas. [...]” (BRASIL, 1998b, p.6).
- 100 -
Quanto aos objetivos gerais
32
para a Educação Infantil, o RCNEI enfatizava
que este atendimento deveria desenvolver nas crianças as capacidades de:
desenvolver uma imagem positiva de si; descobrir e conhecer seu próprio corpo;
estabelecer vínculos afetivos; estabelecer e ampliar as relações sociais; observar
e explorar o ambiente com atitude de curiosidade; brincar expressando emoções,
sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades; utilizar as diferentes
linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita); e conhecer algumas
manifestações culturais (BRASIL, 1998).
Nas palavras de Cerisara (2002), ao analisar o RCNEI, compreendia-se
que era preciso fazer referência ao projeto “Parâmetros em Ação”, o qual fora
organizado pelo MEC e articulado ao RCNEI com o objetivo de “[...] apoiar e
incentivar o desenvolvimento profissional de professores e especialistas em
Educação de forma articulada à implementação do RCNEI” (CERISARA, 2002,
p.339).
O projeto citado no parágrafo anterior, em relação à Educação Infantil,
encontrava-se organizado em um conjunto de 11 módulos
33
, a serem
desenvolvidos num total de 172 horas. Tais módulos foram estruturados,
prevendo-se a organização de grupos de professores e especialistas em
Educação, podendo ser compostos por escola/creche ou por pólos
34
. A Secretaria
do Ensino Fundamental defendia que, “[...] a proposta do projeto ‘Parâmetros em
Ação’ tem a intenção de propiciar momentos agradáveis de aprendizagem
coletiva e a expectativa de que estes sejam úteis para aprofundar o estudo dos
Referenciais Curriculares elaborados pelo MEC” (BRASIL, 1999, p.4).
O que chamava a atenção em tal projeto era o fato de que os municípios só
podiam participar dele se “optassem” por implementar o RCNEI em suas
instituições. Isto fazia com que o RCNEI deixasse de ser uma proposta flexível e
32
Resumo organizado para apresentar os objetivos gerais da educação infantil na concepção do
RCNEI (BRASIL, 1998b, p.63).
33
Módulo 1: A instituição e o projeto educativo (16h). Módulo 2: Aprendizagem: cada uma que
essas crianças falam... (16h). Módulo 3: Brincar: a fada que vira professora ou o faz-de-conta
invade a sala de aula... (14h). Módulo 4: Identidade e autonomia: o que é igual em todas as
crianças é o fato de serem diferentes entre si (18h). Módulo 5: Cuidados: quem educa cuida
(12h). Módulo 6: Movimento: a criança e o movimento (16h). Módulo 7: Artes: botando a mão na
massa (18h). Módulo 8: Música: música também se aprende (14h). Módulo 9: Linguagem oral e
escrita: ler e escrever pode ser útil para mim também! (16h). Módulo 10: Natureza e sociedade:
um novo olhar para velhos assuntos (16h). Módulo 11: Matemática: gerando e construindo
compreensão em Matemática (16h) (BRASIL, 1999, p.12-13).
34
“Parâmetros em Ação” – Educação Infantil – MEC, 1999.
- 101 -
não obrigatória, tornando-se obrigatória e única. “[...] os municípios que não
aderirem ao RCNEI com a referência para o seu trabalho, por questionarem as
concepções ali presentes, não são contemplados com o ‘pacote de formação’ que
está previsto nos ‘Parâmetros de Ação” (CERISARA, 2002, p.340).
Enfim, a distribuição em massa de exemplares do RCNEI para as pessoas
que trabalhavam com a Educação Infantil e a concepção do projeto “Parâmetros
em Ação” logo em seguida denotavam o interesse do MEC em concretizar sua
proposta curricular para a Educação Infantil de forma hegemônica. Pode-se
considerar, portanto, a partir destes estudos, que a perspectiva que consolidou o
RCNEI e a sua implementação na realidade educacional não era a mesma
perspectiva dos pesquisadores e dos estudiosos da Educação Infantil. Tais
pressupostos refletem o RCNEI como mais ação governamental no campo das
reformas em andamento no final da década de 1990. Talvez o mesmo possa ser
analisado como estratégia eleitoral ou cumprimento de metas, explicitando uma
ação “omissa” por parte do MEC diante da complexidade do debate que é a
finalidade educativa da Educação Infantil.
3.2.4 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – 1998
De maneira geral, as Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs eram
normas obrigatórias para a Educação Básica que orientavam o planejamento
curricular das escolas e sistemas de ensino, fixados pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE). Conforme o artigo da LDB (1996), explicitava-se como
incumbência da União estabelecer, em colaboração com os Estados e os
Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio, que norteariam os currículos e os seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum.
Conforme definia o CNE, as diretrizes curriculares contemplavam
elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo
do saber ou profissão, visando a promover, no estudante, a capacidade de
desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente. Diante disso,
o CNE passou a estabelecer Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
- 102 -
Infantil, para o Ensino Fundamental, para o Ensino Médio e também, Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores (BRASIL, 2008, p.1).
Partindo da premissa de que a LDB (1996), (art.26), anunciava uma Base
Nacional Comum sob forma de áreas de conhecimento, o CNE definiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação infantil sob o Parecer n.022 de
17 de dezembro de 1998. De caráter mandatário, estas Diretrizes orientavam a
organização das instituições que se dedicavam ao atendimento de crianças desta
faixa etária, estabelecendo novas exigências, particularmente quanto às
orientações curriculares e aos processos de elaboração de suas propostas
pedagógicas.
Os fundamentos norteadores, definidos nas Diretrizes para as propostas
pedagógicas, eram estabelecidos no artigo 3º, capítulo I:
A. Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da
solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;
B. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do
Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;
C. Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da
Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e
Culturais (BRASIL, 1998b).
As Diretrizes para a Educação Infantil (1998a), nos demais artigos,
estabeleciam objetivos gerais, incentivando e orientando projetos pedagógicos,
nos níveis diretos de atuação do professor com objetivos relacionados à formação
integral da criança. Estes objetivos discutiam que as propostas pedagógicas das
instituições de educação infantil deveriam
35
:
- reconhecer a “identidade pessoal” dos alunos, de todos os envolvidos no
processo e da própria unidade educacional;
- promover práticas de educação e cuidados que possibilitassem a
integração de todos os aspectos que envolviam o desenvolvimento da criança;
- organizar as estratégias de avaliação, por meio de acompanhamento e
registros de etapas alcançadas, sem objetivo de promoção;
35
Este resumo foi elaborado pela pesquisa enfatizando o que é relevante nos artigos das
Diretrizes (1998) para o entendimento do tema proposto.
- 103 -
- garantir profissionais, que atuassem na instituição, com, no mínimo,
“diploma de Curso de Formação de Professores”, inclusive a direção (sem
especificar, entretanto, se o curso deveria ser em nível médio ou superior);
- prover ambiente de gestão democrática por parte dos educadores, os
quais garantiriam direitos básicos das crianças e de suas famílias com atenção
multidisciplinar de profissionais necessários a este atendimento;
- incumbir as propostas pedagógicas e os regimentos das instituições de
proporcionar condições de funcionamento e estratégias que possibilitassem
efetivação das diretrizes.
Conforme pode ser verificado na explanação do conteúdo das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estas se apresentavam de forma
objetiva, sendo possível perceber, na leitura, que a Lei orientava as organizações
das instituições de Educação Infantil, particularmente quanto às orientações
curriculares e aos processos de elaboração de suas propostas pedagógicas.
Embora tal constatação, percebe-se que havia um espaço para que os envolvidos
na Educação Infantil (famílias, professoras e crianças) assumissem a
implementação e a efetivação das ações neste atendimento.
3.2.5 Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil – 2000
O documento “Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil”, instituído
pela CNE/CEB
36
, sob Parecer n.04, em 16 de fevereiro de 2000, tinha, por
objetivo, disciplinar aspectos normativos com referência a quatro questões
essenciais à efetivação da Educação Infantil: a Vinculação das Instituições de
Educação Infantil aos sistemas de Ensino; a Proposta Pedagógica e o Regimento
Escolar; a Formação de Professores e outros Profissionais para o trabalho nas
instituições de Educação Infantil; e os Espaços Físicos e Recursos Materiais para
a Educação Infantil.
Tais questões eram apontadas como relevantes no documento, devido ao
fato de a Educação Infantil ser reconhecida como a primeira etapa da Educação
36
Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica.
- 104 -
Básica, tendo peculiaridades em relação aos demais níveis de ensino. O referido
documento apresentava a Educação Infantil “[...] incluindo desde uma concepção
de responsabilidade compartilhada entre família e poder público, definição de
tipos de instituições, volume de serviços oferecidos, horários de funcionamento,
até as ações que se desenvolvem diretamente com a criança” (BRASIL, 2000,
p.2).
O documento dividia-se em: I Relatório (1-Introdução; 2-Fundamentos
Legais dos Direitos das Crianças de 0 a 6 anos; 3-Gestão) e II Voto do Relator
(1- Vinculação das Instituições de Educação Infantil aos Sistemas de Ensino;
2- Proposta Pedagógica e Regimento Escolar; 3- Formação de Professores e
outros Profissionais para o trabalho nas Instituições de Educação Infantil; e
4- Espaços Físicos e Recursos Materiais para a Educação Infantil).
- [...] os sistemas de ensino organizam-se e articulam-se entre si
sob o princípio do regime de colaboração;
- [...] a integração das instituições de educação infantil, ao
respectivo sistema de ensino, não é uma opção da instituição nem
do sistema: ela está definida pela Lei e responde às necessidades
e direitos das crianças brasileiras de 0 a 6 anos;
- A homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil se pelo Parecer CEB/CNE 22/98 aprovado
em 17/12/98. [...] (BRASIL, 2000, p.2).
Destacava-se, na parte introdutória, que as conquistas da Educação
Infantil, enquanto parte da Educação Básica, deviam ser reconhecidas, pois
justificavam a publicação de tal documento. Ressaltava-se, também, a
importância da ampla mobilização dos Fóruns Estaduais de Educação Infantil,
compostos por órgãos públicos, organizações da sociedade civil e universidades,
os quais articulavam esforços e recursos para a promoção e a melhoria da política
de Educação Infantil.
37
Nos fundamentos legais, o documento referido citava o ordenamento legal
brasileiro que garantia à criança de zero a seis anos direitos de cidadania e
37
Algumas publicações foram essenciais para este documento, dentre elas:
MEC/SEF/DPE/COEDI Subsídios para o Credenciamento e Funcionamento de Instituições de
Educação Infantil” Brasília, DF, 1998; MEC/SEF/DPE/COEDI “Ação compartilhada de atenção
integral à criança de 0 a 6 anos”, Brasília, DF, 2000; MPAS/SEAS, Gerência de projetos de Zero
a Seis Anos, “Ação compartilhada de atenção integral à criança de zero a seis anos”, Brasília,
DF, 1999 (BRASIL, 2000, p.3).
- 105 -
proteção integral, destacando artigos da Constituição Federal, da LDB (1996), das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e também artigo da Lei
Orgânica da Assistência Social. Citava, ainda, que o Brasil era signatário de
convenções internacionais sobre os direitos humanos. “[...] Além de ratificar as
referidas convenções, o que imprime às mesmas o caráter de lei nacional, o Brasil
incorporou à sua legislação os princípios daqueles acordos internacionais, de tal
maneira que a legislação sobre direitos das crianças brasileiras é considerada
como das mais avançadas” (BRASIL, 2000, p.6).
Quanto ao item “Gestão”, as Diretrizes Operacionais para a Educação
Infantil enfatizavam que a responsabilidade pela mesma, no âmbito dos
municípios, estava claramente definida pela LDB (1996) e reiterada pela Emenda
Constitucional n.14, definindo que os gastos com a Educação Infantil se situavam
dentro das receitas não subvinculadas ao ensino fundamental. O documento
ainda alertava para o fato de que não havia articulação nas ações dos setores de
Educação, saúde, assistência social e cultura, tornando ineficiente a política
municipal para a infância.
[...] O fracionamento de ações é um importante fator para o
desperdício dos escassos recursos financeiros desses setores na
área da infância. A racionalização dos recursos existentes, através
de bons processos de gestão, permitiria um expressivo acréscimo
do atendimento à criança nos municípios brasileiros (BRASIL,
2000, p.6).
A União, por meio do MEC, conforme as atribuições previstas no art. da
LDB (1996) poderia “articular e compatibilizar”, no financiamento da Educação
Infantil, os aportes dos Ministérios da Saúde, Trabalho, Previdência, Assistência
Social e Justiça, assim como de outros recursos conjuntos.
No que se referia aos recursos, as Diretrizes Operacionais para a
Educação Infantil expunham que a responsabilidade era do município, havendo a
necessidade de fontes de financiamento públicas e privadas e devendo ser a
Educação Infantil uma prioridade. Para a “identificação dos recursos municipais”
era necessário contar também com adesão e apoio da imprensa, da mídia
eletrônica e do marketing social. “[...] Tais recursos são indispensáveis para que
- 106 -
Prefeituras, Conselhos de Direitos da Criança, Conselhos Tutelares e
organizações não governamentais, efetivem o direito da criança de 0 a 6 anos à
Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica” (BRASIL, 2000, p.7).
A segunda e última parte do documento, denominada de Voto de Relator,
vinha explicitar as normativas que possibilitariam aos sistemas de ensino, a partir
da homologação de tal parecer, a transição em direção às metas propostas pela
LDB/96 e pelas DCN’s da Educação Infantil (1999).
O aspecto que dizia respeito à “vinculação das Instituições de Educação
Infantil aos sistemas de ensino”, no documento, disciplinava dez itens referentes
às questões legais para autorização, funcionamento e vinculações das instituições
aos sistemas de ensino. Tornava-se obrigatório à instituição, que requeresse
autorização para funcionamento, cumprir as normas pertinentes aos Municípios e
aos Estados, apresentando: Regimento Escolar; Quadro de Recursos Humanos;
Recursos Materiais e Espaço Físico e Equipamento e Material Pedagógico.
Cabia aos municípios integrar as instituições de Educação Infantil,
contando com o apoio do sistema estadual caso encontrassem dificuldades para
tal processo. “[...] Em todas as circunstâncias deste processo de transição, deverá
prevalecer o princípio de colaboração entre as várias instâncias e níveis dos
sistemas de ensino, articulados aos da Saúde, Assistência Social, Justiça e
Trabalho” (BRASIL, 2000, p.8).
Quanto ao aspecto proposta pedagógica e regimento”, a redação da
mesma se daria de forma resumida em apenas quatro itens, enfatizando que a
proposta pedagógica deveria orientar as práticas de cuidado e de educação,
conduzidas pela equipe docente, respeitando os princípios estabelecidos nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Já o regimento escolar,
como documento normativo, deveria sustentar a execução da proposta
pedagógica.
Com relação ao aspecto “formação de professores e outros profissionais
para o trabalho nas instituições de Educação Infantil”, em cinco itens, o
documento expunha que todos os professores, diretores e coordenadores das
instituições de Educação Infantil públicas ou privadas deveriam, até o ano de
2007, possuir pelo menos o diploma de Curso Normal de formação de
- 107 -
professores de nível médio, conforme a LDB (1996) determinava, admitindo-se
apenas o Ensino Fundamental para outros profissionais da instituição.
Para que estas exigências legais pudessem ser cumpridas:
[...] deverá haver intensa mobilização das Universidades Públicas
e Privadas, Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais
de Nível Médio, Secretarias, Conselhos e Fóruns de Educação na
criação de estratégias de colaboração [...] garantindo habilitação
exigida na legalidade, assim como alternativas de formação
continuada (BRASIL, 2000, p.9).
Por último, o aspecto “espaços físicos e recursos materiais para a
Educação Infantil”, redigido em três itens, descrevia que os espaços físicos das
instituições deveriam ser coerentes com a proposta pedagógica, com as Diretrizes
Curriculares Nacionais e com as normas prescritas pela legislação pertinente
referentes à localização, ao acesso, à segurança, ao meio ambiente, à
salubridade, ao saneamento, à higiene, ao tamanho dos espaços, à luminosidade,
à ventilação e à temperatura.
As normas quanto ao mero de professores por criança eram orientadas
conforme art.25 da LDB, o qual disciplinava que cabia ao sistema de ensino,
conforme suas condições, estabelecer parâmetros de tal atendimento.
Estabeleciam, também, quais critérios para e o que deveriam contemplar os
espaços internos e externos das instituições de Educação Infantil.
Enfim, as Diretrizes Operacionais vinham normatizar os procedimentos de
funcionamento nas instituições de Educação Infantil, especificamente com relação
à Vinculação das Instituições de Educação Infantil aos Sistemas de Ensino; à
Proposta Pedagógica e Regimento Escolar; à Formação de Professores e outros
Profissionais para o Trabalho nas Instituições de Educação Infantil; e aos
Espaços Físicos e Recursos Materiais. Bons processos de gestão são enfatizados
no que se refere aos recursos. Destaca-se que a racionalização dos mesmos
pode permitir um expressivo acréscimo do atendimento à educação infantil nos
municípios brasileiros. Assinala-se ainda que deve-se contar com necessidade de
fontes de financiamento públicas e privadas, pois este atendimento é considerado
uma prioridade.
- 108 -
3.2.6 Plano Nacional de Educação – 2001
Aprovado em 9 de janeiro de 2001, o Plano Nacional de Educação PNE -
Lei n.10.172/2001, passou a ser a política educacional oficial, com duração de
dez anos, cumprindo o disposto na Constituição Federal e na LDB 9.394/96.
Enquanto medida de política educacional nacional, o PNE tinha importância
fundamental, considerando que abrangia todos os aspectos da organização da
Educação, também, em caráter operacional, e definia metas e prazos
determinados.
Conforme a Constituição Federal de 1988:
[...]
Art.214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de
duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do
ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do
Poder Público que conduzam à:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar;
III – melhoria da qualidade do ensino;
IV – formação para o trabalho;
V promoção humanística, científica e tecnológica do país
(BRASIL, 1989, p.101-102).
O Plano foi complementado pela LDB (1996) que estabelecia:
[...]
Art.87
§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei,
encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de
Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em
sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.
Era possível verificar que a Constituição Federal enfatizava a necessidade
de se construir um PNE que orientasse ações para a Educação brasileira de
forma global, enfocando a universalização da Educação, da qualidade, do
trabalho e da formação humana integral, criando a expectativa de que tal Plano se
- 109 -
tornasse uma referência de política educacional. A LDB, ao orientar a construção
do PNE, explicitava que o prisma norteador para tal deveria ser a Declaração
Mundial sobre Educação para Todos.
Faz-se importante assinalar que, no final do segundo semestre de 1997, o
MEC divulgou uma proposta inicial do PNE à sociedade brasileira. Diante disso, a
ANPED constituiu uma comissão, produzindo um parecer sobre a proposta e
formulando ponderações e posicionamentos críticos sobre diversos aspectos do
Plano.
que se enfatizar que houve amplo envolvimento de setores sociais em
torno de estudar a proposta do MEC e elaborar um PNE da sociedade civil,
mesmo considerando que o contexto brasileiro, naquele momento, construía sua
política educacional baseada nos princípios de natureza neoliberal, incentivados
pelas organizações internacionais como o Banco Mundial e o FMI. Conforme
apontamentos de Valente (BRASIL, 2001), a participação da sociedade brasileira
acontecia no sentido de resistir ao neoliberalismo que:
[...] confisca dos povos o direito de planejar e decidir,
conscientemente, os seus respectivos destinos. Atribui-se esta
tarefa a organismos como OMC, FMI e Banco Mundial, que agem
em prol dos interesses do capital financeiro internacional e das
grandes corporações dos países desenvolvidos (BRASIL, 2001,
p.10).
Na defesa de participar da construção do PNE, a sociedade civil
apresentou, em 1998, uma proposta, elaborada coletivamente, por meio do
Projeto de Lei n.4.155/98. Esta proposta sintetizava os resultados alcançados no I
e no II Congresso Nacional de Educação CONED
38
. O referido Plano pode ser
considerado uma das mais importantes produções político-educacionais de nossa
história, tanto pela ampla mobilização democrática da sociedade quanto pela
busca em construir um documento capaz de atender aos anseios da maioria da
população, destacando direitos garantidos pela Constituição Federal (BRASIL,
1988).
38
Ambos os congressos foram realizados em Belo Horizonte em 1996 e 1997, respectivamente,
com aproximadamente cinco mil pessoas em cada evento (BRASIL, 2001, p.11).
- 110 -
Conforme aponta Valente
39
(BRASIL, 2001, p.12), em termos práticos, o
PNE da sociedade defendia o fortalecimento da escola pública estatal, retomando
“[...] o embate histórico por um efetivo Sistema Nacional de Educação,
contraposto e antagônico ao expediente governista do Sistema Nacional de
Avaliação”.
o Plano proposto pelo Governo pautava-se na política educacional
vigente e, como afirma Valente (BRASIL, 2001), sustentava-se em dois pilares
fundamentais: no centralismo da esfera federal na formulação e gestão da política
educacional e no progressivo abandono pelo Estado das tarefas de manutenção e
de desenvolvimento do ensino, transferindo-as para a sociedade. Tal política do
governo assumia parâmetros privatistas para fundamentar o funcionamento da
Educação nacional.
A apresentação das duas proposições materializava mais do que
a existência de dois projetos de escola, duas propostas opostas
de política educacional, elas de fato traduziam dois projetos
antagônicos de país. Por um lado, o projeto democrático e
popular, expresso na proposta da sociedade; por outro, o
neoliberal – tradução da política do capital financeiro internacional
e da ideologia disseminada pelas classes dominantes [...]
(BRASIL, 2001, p.11).
Diante dos dois referidos projetos, o deputado Nelson Marchesan
(PSDB/RS) foi indicado pelo Parlamento para ser relator e para encaminhar o
processo de tramitação do PNE do governo, subscrevendo o relatório, que, por
sua vez, passou a ser a proposta substitutiva do Plano da sociedade. Assim, este
substitutivo foi construído de forma tensionada pelo caráter de reação ao projeto
da sociedade, configurando-se, portanto, como opositor à pressão das entidades
democráticas e populares participantes do processo. O Plano do governo foi
aprovado em 2001 pela Lei n.10.172/2001 exprimindo, assim, a política
educacional preconizada pelo Banco Mundial/MEC.
39
Ivan Valente, faz apresentação, analise e comentário no Plano Nacional de Educação de 2001.
É professor e Deputado Federal (PT/SP) que encabeçou a apresentação do Projeto de Lei
4.155/98 – PNE da sociedade brasileira à Câmara dos Deputados (BRASIL, 2001).
- 111 -
[...] Este PNE é tributário da rejeição à construção de um
verdadeiro Sistema Nacional de Educação [...] como alternativa ao
sistema educacional, reafirmou-se, conferindo-lhe o estatuto de
lei, o Sistema Nacional de Avaliação instrumento nuclear da
política de ultracentralização da gestão da educação na União
(BRASIL, 2001, p.21).
O citado documento aprovado dividia-se em seis capítulos,
respectivamente: I. Introdução; II. Níveis de Ensino; III. Modalidades de Ensino;
IV Magistério da Educação Básica e V. Financiamento e Gestão. Todos os
capítulos apresentavam diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas. E, ao
sancionar-se a Lei n.10.172/2001, determinava-se que, com base neste PNE,
deveriam ser elaborados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios
os planos decenais correspondentes. Ficava claro que os planos plurianuais da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deveriam ser elaborados
de modo a dar suporte às metas constantes do PNE e dos respectivos planos
decenais.
No início do texto do PNE, no item “objetivos e prioridades”, o documento
afirma que o mesmo tem como objetivos:
- a elevação global do nível de escolaridade da população;
- a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;
- a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao
acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública;
- a democratização da gestão do ensino público [...] (BRASIL,
2001, p.49).
Nas prioridades, focalizava-se a garantia de Ensino Fundamental
obrigatório assegurando o ingresso e a permanência na escola e a conclusão
desse ensino; a ampliação do atendimento na Educação Infantil; a valorização
dos profissionais da Educação; o desenvolvimento de sistemas de informação e
de avaliação. No que se refere ao diagnóstico, o Documento enfatizava que
considerava as bases legais da Educação Infantil estabelecidas pela Constituição
Federal (1998) e pela LDB (1996), sendo que a demanda da educação infantil se
daria sobre a esfera municipal que esta era a que estaria mais próxima às
famílias, e, assumia tal atendimento na Constituição Federal.
- 112 -
O diagnóstico explicitado no PNE, assinalava que a Educação Infantil
continuaria conquistando espaço no cenário educacional brasileiro como uma
necessidade social, e, diante disso, determinava-se prioridade às crianças das
famílias de baixa renda, tomando-se o devido cuidado para que, na política de
expansão, fosse evitada “[...] uma educação pobre para crianças pobres e a
redução da qualidade à medida que se democratiza o acesso” (BRASIL, 2001,
p.53). A pobreza era uma questão enfatizada no Documento, justificada pelo fato
de que um diagnóstico das necessidades da Educação Infantil precisaria
considerar as condições reais de vida e de desenvolvimento das crianças
brasileiras (BRASIL, 2001, p.53).
No item “Diretrizes”, a Educação Infantil era apresentada como aquela que
“inaugurava a educação da pessoa”, tornando-se as instituições de Educação
Infantil cada vez mais necessárias como complementares à ação da família. Esta
afirmação era justificada no Documento como sendo de consenso internacional, a
partir da Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), que considerava
que a Educação Infantil desempenhava papel cada vez maior na formação
integral da pessoa.
Vale ressaltar aqui que pesquisas indicam que os efeitos da ação
educacional nos primeiros anos de vida são muito positivos, tanto para a vida
acadêmica como social da criança, por isso afirma-se “[...] que o investimento em
Educação Infantil obtém uma taxa de retorno econômico superior a qualquer
outro” (BRASIL, 2001, p.58).
O PNE deixava claro que se fazia necessário superar as dicotomias:
creche/pré-escola, assistência/educação, atendimento a carentes/educação para
classe média, entre outras. Dicotomias estas ocasionadas por práticas e políticas
sociais equivocadas ao longo da História. Educação e cuidados eram
considerados práticas que constituíam um todo indivisível, “[...] no período dos
dez anos, coberto por este plano, o Brasil poderá chegar a uma educação infantil
que abarque o segmento etário de 0 a 6 anos” (BRASIL, 2001, p.60).
O PNE explicitava que as medidas propostas para os dez anos se
enquadravam na perspectiva da melhoria da qualidade, e, para isto, sublinhava,
como diretriz para todos, o respeito às diversidades regionais bem como seus
valores e expressões culturais que formavam a base sócio-histórica para que as
- 113 -
crianças construíssem suas personalidades. A Educação infantil era considerada
direito de toda criança e uma obrigação do Estado, entretanto, o Plano instituía:
“[...] a criança não está obrigada a freqüentar uma instituição de Educação Infantil,
mas sempre que sua família deseje ou necessite, o Poder Público tem o dever de
atendê-la [...]” (BRASIL, 2001, p.60).
O Documento enfatizava que este atendimento era considerado “uma das
mais sábias estratégias de desenvolvimento humano”, recomendado pelos
organismos internacionais, contudo sabia-se das condições concretas do Brasil
no que se referia à limitação financeira e técnica.
[...] este plano propõe que a oferta pública de educação infantil
conceda prioridade às crianças das famílias de menor renda,
situando as instituições de educação infantil nas áreas de maior
necessidade e nelas concentrando o melhor de seus recursos
técnicos e pedagógicos. [...] O que este plano recomenda é uma
educação de qualidade prioritariamente para as crianças mais
sujeitas à exclusão ou vítimas dela (BRASIL, 2001, p.60).
Os “objetivos e metas” do PNE somavam 26 ao todo, e, para a Educação
Infantil discutiam: a ampliação da oferta e das condições de infra-estrutura; a
formação dos profissionais da Educação Infantil; a política e o projeto pedagógico
para Educação Infantil; a ampliação do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos; o
trabalho e o envolvimento da comunidade; a ampliação do tempo de atendimento; a
definição de parâmetros de qualidade e os recursos assegurados de forma efetiva.
Faz-se necessário explicitar aqui o objetivo e meta número 1, o qual tratava
da expansão do atendimento da Educação Infantil no Brasil:
1. Ampliar a oferta da educação infantil de forma a atender, em
cinco anos, a 30% da população de até 3 anos de idade e 60% da
população de 4 a 6 anos (ou 4 e 5 anos) e, até o final da década,
alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de
4 e 5 anos (BRASIL, 2001, p.61).
É necessário observar que o objetivo e a meta número 1 davam destaque à
ampliação do atendimento e tratavam, especificamente, da expansão da
Educação Infantil. Entretanto, não especificavam a articulação dos recursos
- 114 -
necessários para viabilizar tal atendimento. O objetivo 25 resumia o aspecto
ideológico dominante que prevalecia sobre estes objetivos e metas para a
Educação Infantil no PNE, a suplência da União, o qual dispunha: “[...] Exercer a
ação supletiva da União e do Estado junto aos Municípios que apresentem
maiores necessidades cnicas e financeiras, nos termos dos arts. 30, VI e 211, §
1º da Constituição Federal” (BRASIL, 2001, p.64).
O PNE não apresentava nenhuma medida para compelir as autoridades a
efetivar, de fato, a Educação Infantil para todos e não assumia a tarefa de
viabilizar os meios que possibilitassem tal atendimento de fato.
[...] por um lado uma tendência de favorecer o centralismo
exacerbado da União na política educacional [...] O outro aspecto
que prevalece, nestas diretrizes e metas para a educação infantil,
é o seu deslize da condição de plano para o papel de lista de
intenções. Não há indicação de competência, meios e prazos para
viabilização dos comandos aprovados. Mantém-se grande
ambigüidade e generalismo em sua redação, especialmente no
caso dos itens que seriam de competência da União implementar
[...] (BRASIL, 2001, p.24).
Na aprovação do PNE, alguns artigos foram vetados pelo então governo
FHC. O primeiro veto incidiu sobre a seção da Educação Infantil, meta 22, a
qual propunha: “ampliar o Programa de Garantia de Renda Mínima associado a
ações sócio-educativas, de sorte a atender, nos três primeiros anos deste Plano,
a 50% das crianças de 0 a 6 anos que se enquadrem nos critérios de seleção da
clientela e a 100% até o sexto ano” (BRASIL, 2001, p.37-38).
Faz-se importante destacar também que, entre os demais vetos, três
recaíram sobre a questão do financiamento da Educação (Meta 1, 7, e 13). As
metas vetadas propunham, para curto prazo, elevação do percentual do PIB para
a Educação, com parceria entre União, Estados e Municípios e também alocação
de valores por aluno em todos os níveis e modalidades de ensino. Estas
questões, que sofreram veto, interferiram diretamente na política de Educação
Infantil pois tratavam da carência de financiamento que esta etapa da Educação
vivia.
- 115 -
21. Assegurar que, em todos os municípios, além de outros
recursos municipais, os 10% dos recursos de manutenção e
desenvolvimento do ensino não vinculados ao Fundef sejam
aplicados, prioritariamente, na educação infantil (BRASIL, 2001,
p.64).
O PNE aprovado discutia a Educação Infantil, em termos de gasto, como
competência exclusiva dos municípios. Esta perspectiva de financiamento, que
demonstrava o recuo da União, apresentava características da política
educacional preconizada pelo Banco Mundial e pelo FMI, na qual os gastos
sociais, exceto os de caráter compensatório, não tinham lugar. A prioridade dos
países periféricos era a de universalizar o Ensino Fundamental, a Educação
Infantil, importantes para o desenvolvimento econômico, mas se focalizados nos
grupos mais vulneráveis.
O PNE afirmava que a educação infantil era um direito da criança, dos pais
trabalhadores, uma necessidade social e trazia retorno econômico significativo.
Afirmava o Plano que a Educação Infantil deveria ser priorizada às crianças de
baixa renda, às mais sujeitas à exclusão, e o enfoque deveria ser a busca por
melhorar a eficiência, garantir a qualidade. O papel da União seria o de dar
assistência supletiva, apoio técnico e financeiro aos municípios, os quais,
conforme determinava a Constituição Federal, eram os responsáveis pelo
atendimento à Educação Infantil nacional.
3.2.7 Política Nacional de Educação Infantil – 2005
A partir de um documento preliminar, construído a partir de oito encontros
regionais realizados pelo MEC em todo país, ao longo do ano de 2004, foi
aprovado, no ano seguinte, o documento Política Nacional de Educação Infantil
de 2005. Tal documento recebeu contribuições em forma de emendas de estados
e municípios e os debates se constituíram, principalmente, em forma de duas
questões-chave: o financiamento e a formação de professores. Tais questões
apareceram como preocupação dos participantes dos encontros que buscavam,
- 116 -
diante dos debates, nos seminários realizados, traçar uma política nacional para a
Educação das crianças de até seis anos.
40
Encomendaram-se às pesquisadoras Maria M. Campos e Maria Lúcia
Machado as primeiras versões do documento “Parâmetros de Qualidade para a
educação Infantil” e, para o grupo de pesquisa, Ambiente Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o documento “Padrões de Infra-
Estrutura para as Instituições de Educação Infantil”. Estes documentos foram
utilizados em 2004 e 2005 como subsídios de fundamentação para a construção
da Política Nacional de Educação Infantil de 2005.
O Documento final foi publicado em março de 2005 e apresentado pela
Secretaria de Educação Básica – SEB do MEC – por meio da COEDI e do DPE, e
continha apresentação; introdução; diretrizes; objetivos; metas; estratégias;
recomendações e anexos. Foi construído com objetivo de “[...] propiciar o
cumprimento do preceito constitucional da descentralização administrativa [...]”
com participação dos diversos atores da sociedade envolvidos com a Educação
Infantil (BRASIL, 2005, p.4). O documento explicitava o panorama geral das
crianças brasileiras, alegando que este se traduzia em de discriminação e de
negação dos direitos destas, o que ocasionava o aprofundamento da exclusão
social. Diante de tal constatação, esta nova política precisava combater a miséria
e colocar a Educação de todos no campo dos direitos.
Apresentava-se no Documento que ao Estado, portanto, competia formular
políticas, implementar programas e viabilizar recursos que garantissem à criança
desenvolvimento integral de forma a complementar a ação da família, embora
esta etapa não fosse obrigatória e sim direito da criança e dever do Estado.
Fundamentava-se com o respaldo legal da Constituição Federal (1988), do ECA
(1990), da LDB, Lei n.9394/96, do PNE (2001) e citava outros documentos
afirmados como os que constituem uma nova visão para a concepção de
educação infantil por envolver dois aspectos indissociáveis: o educar e cuidar.
Tais documentos eram: “Por uma política de formação do profissional de
40
Importante destacar que Conselho de Políticas para a Educação Básica CONPEB participou
ativamente na efetivação de seminários e encontros municipais, estaduais e nacionais no
sentido de sistematizar os anseios e reivindicações públicas para a educação de zero a seis
anos.
- 117 -
Educação Infantil (1994)”, “Subsídios para o credenciamento e o funcionamento
das instituições de Educação Infantil (1998)”, “Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil” (1998).
Quanto às diretrizes, que somavam 16 (dezesseis) ao todo, estas
estabeleciam que:
41
- a Educação Infantil deveria pautar-se na indissociabilidade entre
a Educação e o cuidado;
- a função da Educação Infantil deveria ser diferenciada e
complementar à ação da família;
- o atendimento seria gratuito, sendo dever do Estado, direito da
criança e opção da família;
- a inclusão e o atendimento especializado às crianças com
necessidades especiais seriam necessários;
- a qualidade na Educação Infantil deveria ser assegurada com
parâmetros;
- o processo pedagógico deveria considerar as crianças em sua
totalidade, observando suas especificidades;
- as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil
deveriam se pautar nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Infantil, envolvendo toda a comunidade escolar;
- os professores e outros profissionais deveriam ser
especialmente qualificados para o desempenho de suas funções;
- a formação inicial e continuada dos profissionais deveria ser
garantida, assegurando-se a valorização dos funcionários não-
docentes;
- a admissão de professores deveria assegurar a formação
específica mínima exigida por lei e, caso fosse rede pública, esta
deveria ser por meio de concurso;
- a política para a Educação Infantil deveria garantir a integração
entre os níveis de ensino, a formação dos profissionais e o
atendimento às crianças com necessidades especiais;
- a política para a Educação Infantil deveria articular-se às
políticas de saúde, assistência social, justiça, direitos humanos,
cultura, mulher e diversidades, aos fóruns de educação infantil e a
outras organizações (BRASIL, 2005, p.17-18).
No que se refere aos objetivos da Política Nacional de Educação Infantil de
2005, num total de dezoito, é preciso destacar que preconizavam: o objetivo 4, o
de garantir recursos financeiros para a Educação Infantil; o objetivo 8, garantir
espaços físicos, equipamentos, brinquedos e materiais adequados; o objetivo 17,
assegurar que estados e municípios elaborem e/ou adequem seus planos de
41
Este resumo foi elaborado pela pesquisa enfatizando o que é primordial para o tema proposto.
- 118 -
Educação; e o objetivo 18, fortalecer parcerias para assegurar “[...] o atendimento
integral à criança, considerando seus aspectos físicos, afetivo,
cognitivo/lingüístico, sociocultural, bem como as dimensões lúdica, artística e
imaginária” (BRASIL, 2005, p.20).
Quanto às metas, as quais somavam quatorze, com referência ao
atendimento, permanecia a proposta no PNE de 2001: até 2010 atender 50% das
crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 a 6 anos (meta 3). Até 2010, também,
estabelecer em todos os municípios “[...] programas de orientação e apoio aos
pais com filhos entre 0 a 6 anos, oferecendo, inclusive, assistência financeira,
jurídica e de suplementação alimentar nos casos de pobreza, violência doméstica
e desagregação familiar extrema” (meta 2) (BRASIL, 2005, p.21).
Em caráter permanente, as referidas metas propunham divulgar os
parâmetros de qualidade (meta 5); realizar estudos sobre o custo da Educação
Infantil (meta 9) e também os parâmetros mínimos de infra-estrutura (meta 6, 7,
8). Com referência às metas para o financiamento da Educação Infantil o
documento apresentava apenas uma:
[...] Assegurar que, em todos os municípios, além de outros
recursos municipais, os 10% dos recursos de manutenção e
desenvolvimento do ensino, não vinculados ao Fundef, sejam
aplicados, prioritariamente, na Educação Infantil (meta 4).
A meta 10 explicitava que, até 2007, todas as instituições de Educação
Infantil deveriam ter formulado, com participação dos profissionais de Educação
nela envolvidos, suas propostas pedagógicas. As demais metas 11, 12, 13 e 14
vinham assinalar a formação dos profissionais da Educação Infantil, entretanto
sem exposição de prazo, apenas reiterando a necessidade da formação destes,
inclusive os que se encontravam em serviço.
O item “Estratégias”, que longamente somam quarenta e duas, divide-se,
entre outras, em: “fortalecer a gestão democrática”; “definir parâmetros nacionais
de qualidade”; “elaborar padrões de infra-estrutura e “apoiar, implementar,
promover formação dos profissionais” (10 estratégias). A estratégia 30 enfatizava
a produção e a distribuição da Revista Criança como prática de formação ao
- 119 -
profissional da Educação Infantil; a estratégia 31 assinalava a implementação do
Proinfantil Programa de Formação Inicial para Professores em exercício na
Educação Infantil.
Quanto ao financiamento, as estratégias propostas objetivavam:
[...] Criar formas de controle social dos recursos da Educação
Infantil;
[...] Incluir a Educação Infantil creche (0 a 3 anos) e pré-escola
(4 a 6 anos) no sistema de financiamento da Educação Básica,
garantindo a inclusão da responsabilidade orçamentária da União
para a manutenção e a continuidade do atendimento às crianças
de 0 a 6 anos (BRASIL, 2005, p.24).
É preciso destacar que, no item estratégias”, aparecem, com ênfase, as
afirmações de que a União deveria “apoiar tecnicamente”, entretanto não fica
clara a dimensão deste apoio, e que, portanto, dever-se-ia “definir e implementar
a ação supletiva e re-distributiva da União”. Verifica-se, nestas afirmações, a
política de descentralização progressiva engendrada na reforma do Estado e da
Educação brasileira, numa articulação em que a União passa para a esfera
municipal a função de execução ao que se refere à política para a Educação
Infantil.
Ao final do Documento, o item “Recomendações” apresentava seis
orientações, respectivamente: que a prática pedagógica considerasse os saberes
produzidos por todos os sujeitos envolvidos; que os estados e municípios
elaborassem seus planos de Educação em consonância com a Política Nacional
de Educação Infantil; que as instituições de Educação Infantil oferecessem, no
mínimo, 4 horas diárias de atendimento educacional, ampliando progressivamente
para tempo integral; que as instituições de Educação Infantil assegurassem e
divulgassem iniciativas inovadoras; que a reflexão coletiva sobre a prática
pedagógica norteasse as propostas de formação e, finalmente, que todos
participassem da elaboração, da implementação e da avaliação das políticas
públicas (BRASIL, 2005).
O documento Política Nacional de Educação Infantil de 2005 apresentava
seus objetivos e metas voltados, principalmente, para a formação dos
profissionais da Educação Infantil, para a infra-estrutura e para os padrões de
- 120 -
qualidade. Com relação aos recursos e/ou financiamento, o Documento
assinalava que era preciso incluir a Educação Infantil nos sistemas de
financiamento da Educação Básica.
Ainda com relação a este aspecto da Educação Infantil, faz-se importante
assinalar que, no momento da publicação da Política Nacional para Educação
Infantil, a sociedade, por meio dos encontros, seminários e debates, reivindicava
uma nova lei que incluísse a Educação Infantil no financiamento da Educação
nacional. No ano seguinte, 2006, publicava-se em 20/12, pela Emenda
Constitucional n.53, o Fundeb
42
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. O Fundeb
surgia com o objetivo de contemplar os três níveis da Educação Básica, da
Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio bem como as
diversas modalidades, incluindo a Educação de jovens e adultos. O Fundeb é
tratado, no contexto educacional, como um avanço diante das políticas
educacionais.
É importante destacar alguns aspectos pontuais entre a Política Nacional
de Educação Infantil de 1994 e a de 2005. Ambas se referiam ao papel do Estado
na política de Educação Infantil como o de apoiar tecnicamente, com ão
supletiva, consolidando alianças com os diversos atores da sociedade.
Enfatizavam a questão da qualidade e do foco nas situações agudas de pobreza,
miséria e instabilidade. A função da Educação Infantil também não se diferia, na
Política Nacional de 1994. Era a de cuidar e educar, complementando os
cuidados e a educação realizados na família. na Política Nacional de 2005, a
função passou a ser a de educar e cuidar, numa ação diferenciada e
complementar à ação da família.
Faz-se necessário perceber que os documentos que tratam da Educação
Infantil, explicitados neste texto, constroem-se num contexto marcado por
reformas político-econômicas e explicitam uma concepção de Educação Infantil
42
O Fundeb constitui um fundo de natureza contábil, de âmbito estadual, que redistribui as
receitas para as secretarias de educação estaduais e municipais em proporção às matrículas
ponderadas de suas redes nas diversas etapas e modalidades, com base no investimento
mínimo por aluno, a ser determinado nacionalmente. Os estados que não conseguirem
viabilizar esse investimento mínimo por aluno a todos os matriculados na educação básica
receberão uma complementação da União (SAVIANI, 2007, p.92-93).
- 121 -
voltada para uma concepção hegemônica da sociedade contemporânea. Apesar
de se explicitar inovação para a nomenclatura “Educação Infantil”, a maioria dos
documentos analisados ainda enfatiza uma divisão estrutural entre pré-escola e
creche. Destaca-se a preocupação com a articulação entre a Educação e o
cuidado, enquanto conceitos; com a utilização dos termos “creche e pré-escola”
na organização da oferta; com a ênfase na melhoria da qualidade e na expansão
da oferta; com o destaque na formação mínima para os professores; com a
articulação com a saúde e a assistência social e, por fim, com a necessidade de
consolidação de alianças para se efetivar as metas propostas.
Estas e outras questões, levantadas nos documentos no decorrer desta
seção, possibilitam entender a articulação das políticas com o contexto da
reforma de Estado e da Educação empreendidas no Brasil a partir de 1995.
Reformas articuladas às orientações de natureza neoliberal, as quais foram
propostas também pelos Organismos Internacionais que levam a termo
determinações na política educacional e, consequentemente, na política para a
Educação Infantil.
4 REPERCUSSÕES DA POLÍTICA INTERNACIONAL PARA EDUCAÇÃO
INFANTIL NA POLÍTICA NACIONAL PERTINENTE
Estabelecendo as relações e mediações necessárias, esta seção se
propõe a evidenciar as repercussões da política internacional para a Educação
Infantil, na política brasileira, buscando analisar em que medida e a partir de que
princípios configura-se a política nacional para a Educação Infantil, no período
entre 1995 a 2005. Para alcançar este objetivo, é preciso perceber as condições
que construíram as relações de trabalho ou as relações de produção da vida que
se apresentavam em tal momento histórico.
se assinalaram, nas seções anteriores desta pesquisa, apontamentos
acerca da realidade social vivenciada nos países da América Latina, marcada
pela pobreza e pelas consequências do Programa de Ajuste Estrutural, delineado
pelo Banco Mundial e pelo FMI com implementação de políticas neoliberais a
partir dos anos de 1990. No contexto brasileiro, esta reestruturação social,
político-econômica se articulou nos patamares esperados, com redefinições de
mercado e de relações de trabalho.
As orientações internacionais e nacionais para a Educação Infantil a partir
dos anos de 1990, demonstram que a Educação Para Todos, tema da
Conferência Internacional de Jomtiem, orientou todos os documentos publicados
pelas agências multilaterais de financiamento e por aquelas sensíveis ao social
bem como pela legislação educacional brasileira. Enfatizou-se que a Educação
Infantil não era prioridade aos Estados nacionais, o que se fazia urgente era
universalizar o Ensino Fundamental.
Desta forma, a Educação Infantil era tomada pelas orientações
internacionais em relação a questões básicas de sobrevivência da criança, tais
como saúde, atenção, proteção e desenvolvimento. Mesmo que estas não fossem
prioridade, as orientações assinalavam que o retorno econômico deste
atendimento estaria acima de qualquer outro investimento. Garantir o cuidado e a
Educação das crianças pequenas proporcionaria melhores condições de vida às
crianças e a suas famílias pois, ao se garantir proteção à criança, criar-se-ia a
possibilidade de as mães se inserirem no mercado de trabalho, o que traria
- 123 -
resultados rápidos no alívio às condições de pobreza, propiciando
desenvolvimento econômico positivo para os países da periferia.
4.1 ORIENTAÇÕES ATUAIS DA UNESCO PARA A POLÍTICA DE
EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA: UMA PROPOSTA DE “SERVIÇOS”
PARA A CRIANÇA DE 0 A 6 ANOS
Para que se possa entender os pontos marcantes das orientações
internacionais para a Educação Infantil brasileira, nos anos de 1995 a 2005, a
trajetória desta pesquisa indicou a necessidade de se verificar os documentos que
a UNESCO publicou, especificamente para o Brasil, os quais demonstravam
princípios bastante claros com referência à relevância e à função da Educação
Infantil para um país periférico como este.
As orientações das agências multilaterais para as políticas educacionais
aos países da América Latina, a partir dos anos de 1990, foram fundamentadas,
principalmente, pelas recomendações provenientes das Conferências
Internacionais, as quais determinavam a adesão à tônica da Educação para
Todos. A Educação Primária, à qual, no Brasil, refere-se ao Ensino Fundamental,
permaneceu, em tal período, merecendo prioridade nos discursos das agências,
por ser considerada o nível que atende às Necessidades Básicas de
Aprendizagem – NEBAs –, fator considerado primordial para se amenizar as
diferenças sociais na luta pela erradicação da pobreza.
O Programa de Ajuste Estrutural PAE deu conta de estabelecer os
mecanismos e as estratégias para efetivar a reestruturação dos países no sentido
de torná-los efetivamente pagadores das dívidas e dotados de novos créditos,
provindos das agências multilaterais de financiamento. Os países periféricos
concretizaram suas reformas alicerçadas nos princípios neoliberais, os quais
propunham orientações educacionais, redefinindo a política educacional de modo
a atender às necessidades das classes hegemônicas e, consequentemente, à
manutenção do capitalismo.
- 124 -
Neste cenário, as propostas das agências multilaterais se fundamentavam
nos princípios de universalização da Educação Primária, de igualdade de
gêneros, de transformação produtiva, de equidade, de crescimento econômico e
de erradicação da pobreza. Estas proposições se apresentavam nos documentos
das agências como peças norteadoras da construção e da implementação das
políticas educacionais para a Educação Infantil. A partir de tais proposições, a
agenda das agências multilaterais orientava aos países “expandir e melhorar o
cuidado e a educação da criança pequena, especialmente das mais vulneráveis e
em maior desvantagem” (UNESCO, 2004).
Embora esta pesquisa tenha se voltado aos estudos dos documentos
produzidos pelas agências multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial
e CEPAL e aquelas sensíveis ao social como UNESCO e UNICEF para a
Educação Infantil, é importante destacar que a influência das agências se
consolidou não somente na publicação dos documentos e relatórios, mas também
na atuação de consultores, de especialistas e de técnicos nos diversos países.
Este processo integrado de ação das agências possibilitou que suas agendas se
estruturassem nos Estados por meio da mobilização de discursos, destacando-se
o discurso de que o atendimento das crianças pequenas, em âmbito internacional,
deveria priorizar a expansão do cuidado e da Educação à população infantil mais
pobre.
O grau de influência das orientações internacionais é destacado pela
própria UNESCO, no documento publicado no Brasil, intitulado “Dos Valores
Proclamados aos Valores Vividos: traduzindo em atos os princípios das Nações
Unidas e da UNESCO para projetos escolares e políticas educacionais” (GOMES,
2001). Ao apresentar discussão acerca da influência dos documentos
internacionais, a publicação brasileira comparava as Nações Unidas como a
árvore dos valores, ao passo que suas raízes eram os documentos que brotavam
e avançavam, tornando-se cada vez mais espeficos até fazerem parte dos
currículos escolares. “[...] esses princípios, normas e orientações dispõem de uma
inegável força moral. Esses documentos, observadas determinadas condições,
são agasalhados diretamente ou indiretamente pela legislação de países-
membros, como o Brasil, passando a ter força de dispositivos constitucionais e
legais” (GOMES, 2001, p.7).
- 125 -
Este mesmo documento (GOMES, 2001), ao tratar da política de Educação
Infantil, deixava explícito que havia um dilema quanto à prioridade entre ofertar a
Educação Primaria obrigatória e a Educação Infantil. Diante de tal conflito, a
primazia deveria ser pela Educação obrigatória, pelo Ensino Fundamental, ao
passo que a Educação Infantil deveria ser contemplada, estabelecendo apenas as
questões emergenciais. “[...] é claro que o objetivo desejável é universalizar a
educação infantil, porém, se isso não é possível de imediato, cumpre estabelecer
prioridades para o seu alcance. [...]” (GOMES, 2001, p.49).
Outro documento, publicado pela UNESCO no Brasil, é o intitulado
“Crenças e Esperanças: Avanços e Desafios da UNESCO no Brasil” (2003), o
qual destacava que o atendimento educacional, nos primeiros anos de vida, tinha
resultados muito positivos para as crianças, visto que estas demonstravam melhor
desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de repetência e de
evasão e maior probabilidade de se completar o Ensino Médio.
[...] pesquisas têm mostrado que o atendimento educacional de
qualidade durante os primeiros anos de vida tem um impacto
extremante positivo no curto, médio e longo prazo, gerando
benefícios educacionais, sociais e econômicos mais expressivos
do que qualquer outro investimento na área social. [...] A
freqüência a instituições de educação infantil também afeta
indireta e positivamente o status no emprego na medida em que
aumenta a competência escolar, além de estar também associada
a atitudes positivas na busca de realização profissional
(WERTHEIN, 2003, p.26).
O benefício econômico da Educação Infantil era enfatizado pela UNESCO,
justificando que as análises econômicas demonstravam que era, no inicio da vida,
que os investimentos públicos e sociais constituíam melhor custo-benefício. “[...] A
Educação Infantil é, assim, uma das políticas mais importantes para o
desenvolvimento humano e social, constituindo-se também em uma poderosa
estratégia no combate à pobreza e à exclusão social” (WERTHEIN, 2003, p.27).
No ano de 2004, a UNESCO publicou um novo documento específico para
o atendimento à Educação Infantil, intitulado “Os serviços para a criança de 0 a 6
anos no Brasil: algumas considerações sobre o atendimento em creches e pré-
escolas e sobre a articulação de políticas”. Apesar de o título do mesmo tratar de
- 126 -
creches e pré-escolas e da articulação de políticas, o documento vinha, na
verdade, referir-se aos principais “serviços” e “programas” destinados à criança de
zero a seis anos, o que não se resumia, especificamente, em políticas para a
Educação Infantil.
Nesta orientação da UNESCO, destacavam-se como principais serviços
para a criança de zero a seis anos: a Creche; a Pré-Escola; o Abrigo; o Apoio à
Pessoa Portadora de Deficiência; a Atenção Primária à Saúde e a Assistência
Hospitalar. Quanto aos principais programas, apresentavam-se o Benefício de
Prestação Continuada BPC –, vinculado ao Ministério da Assistência Social; a
Bolsa Alimentação, ao Ministério da Saúde; e a Alimentação Escolar, ao
Ministério da Educação (UNESCO, 2004b).
Ao tratar do atendimento em creches e pré-escolas, a UNESCO (2004)
demonstrava, no documento, dados demográficos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), os quais apontavam que o Brasil, no ano 2000,
contava com uma população total de 169.799.170 habitantes, sendo que
23.141.413 (13%) eram crianças de zero a seis anos. Chamava, assim, a atenção
para o fato de que, no ano de 2001, a pesquisa demonstraria que apenas
5.912.150 crianças estariam matriculadas nas creches e pré-escolas do Brasil. Ao
se analisar o perfil da criança atendida, verificou-se, a partir dos dados
apresentados pela UNESCO, uma grande desigualdade do acesso às creches e
pré-escolas no Brasil tendo como parâmetro o nível de renda familiar, o que, de
acordo com o documento, penalizava as crianças mais pobres.
[...] A diferença nas taxas de atendimento é especialmente grave
no caso das crianças com até três anos de idade, cuja taxa de
acesso daquelas oriundas das famílias com renda inferior a ½
salário mínimo é de, aproximadamente, quatro vezes menor do
que a taxa observada nas famílias da faixa de renda entre três e
cinco salários mínimos per capita (UNESCO, 2004b, p.22).
Um outro dado destacado com muita relevância pela UNESCO (2004b) foi
o fato de que 42% das crianças de zero a seis anos de idade encontravam-se em
famílias com renda mensal per capita inferior a ½ salário mínimo, o que implicava
considerar que uma característica da população infantil era que nela os índices de
pobreza eram mais elevados.
- 127 -
Quanto aos critérios de qualidade, o Documento destacava que as
perspectivas e as avaliações de qualidade tinham sido ainda relativas e
provisórias, necessitando de padronização e que a inexistência de uma síntese
nacional sobre indicadores de qualidade dos serviços para a infância
impossibilitava uma avaliação precisa. Devido a estas questões, a UNESCO
assinalava que era importante criar uma padronização de qualidade e, enquanto
isso, buscar atingir os objetivos e metas do Plano Nacional de Educação que,
embora ainda não tivessem sido alcançados, enquadram-se na mesma
perspectiva de melhoria e de avaliação de qualidade (UNESCO, 2004b).
Os recursos financeiros destinados aos serviços para a primeira infância
foram considerados pela UNESCO como bastante deficientes:
[...] Em primeiro lugar, porque os recursos aplicados pelo setor
Educação estão vinculados ao nível municipal, não existindo
levantamento nacional sobre os mesmos. Em segundo lugar,
porque, apesar de a responsabilidade legal ser da Educação, no
nível federal, a maior alocação de recursos para o atendimento
em creches e pré-escolas está no Ministério da Assistência
Social. Em terceiro lugar, porque não informações sobre o
financiamento dos serviços informais (UNESCO, 2004b, p.28).
Conforme a UNESCO (2004b), a questão do financiamento dos “serviços
formais de creches e pré-escolas” atrelava-se à legislação que tratava dos
recursos para toda a Educação, que, naquele momento, eram atribuídos ao
Fundef. Levava-se em conta, também, a estratégia nacional para ampliar o
atendimento que se caracterizou no repasse de recursos públicos a instituições
privadas por meio de convênios. Articulados a estas questões, estavam os
recursos do setor de Assistência Social que foram encaminhados para o
atendimento às famílias pobres; os recursos do programa federal da Merenda
Escolar (somente para as pré-escolas, não para as creches) e os recursos do
Ministério da Educação que financiavam ações de capacitação de professores e
de aquisição de material didático para os alunos, atendendo apenas aos
municípios com menores índices de desenvolvimento humano (IDH) (somente
para pré-escolas e não para creches).
- 128 -
[...] Vive-se, portanto, no Brasil, um momento de indefinição
quanto à política de educação infantil, pois, apesar de
reconhecidas como primeira etapa da educação básica, as
creches e pré-escolas não contam com recursos suficientes no
orçamento da educação; a instituição de âmbito federal que
possui recursos financeiros para o atendimento continua sendo a
da assistência social (UNESCO, 2004b, p.34).
De acordo com a UNESCO, a história dos programas destinados à criança
de zero a seis anos no país foi marcada pela fragmentação e pela não-existência
de um projeto nacional que priorizasse o atendimento integral da criança. Desta
forma é possível afirmar que a fragmentação dos serviços destinados à criança de
zero a seis anos se reproduziu, no âmbito federal, entre as áreas da Educação e
da assistência social e, em âmbito local, na maioria dos municípios brasileiros.
Com referência aos serviços não-formais, a UNESCO (2004b) destacou o
trabalho prestado pela Pastoral da Criança, vinculada à Igreja Católica, a qual
acompanhava as crianças pequenas de famílias pobres com orientações quanto à
nutrição, à saúde e a aspectos gerais do desenvolvimento infantil. Os recursos
advinham de campanhas, de repasses do Ministério da Saúde e do Ministério da
Assistência Social, sendo que o trabalho era realizado por mais de 130 mil
voluntárias em todo o país.
A UNESCO (2004b) tratou da formação dos profissionais para os serviços
formais de creches e pré-escolas, destacando que, de acordo com o Censo
Escolar 2001, dos professores que atuavam na Educação Infantil, somente 20,8%
possuíam curso superior, os demais profissionais atuavam com formação no
curso médio completo (69,2%) e/ou curso médio e fundamental incompleto (10%).
A agência sugeriu que se cumprisse a meta estabelecida pelo PNE (2001), a qual
estabelecia que todos os professores deveriam ter nível médio em cinco anos e
70% deles, nível superior em dez anos.
Como sugestões para a melhoria dos serviços destinados às crianças de
zero a seis anos, a UNESCO (2004b) propôs maiores investimentos em
pesquisas que permitissem o conhecimento das experiências locais de serviços
destinados à primeira infância e também a criação de sistemas de informações
adequados para o acompanhamento e a implementação de políticas públicas.
- 129 -
A UNESCO (2004b) assinalou que havia “iniciativas planejadas”,
legalmente previstas, que deveriam, com urgência, ser implementadas. Eram
elas: a regulamentação do regime de colaboração entre a União, Estados e
Municípios, que, de forma solidária, solucionaria a insuficiência de recursos
financeiros em muitos municípios; a definição de padrões mínimos de qualidade
para as creches e pré-escolas; a definição de um valor mínimo anual por aluno; e
o cumprimento dos objetivos e metas do Plano Nacional de Educação 2001-2011.
Para a UNESCO, além das iniciativas para a promoção da cooperação entre os
diferentes ministérios que deveriam ser estimuladas, as sugestões de melhoria se
mostravam essenciais para que os serviços à criança de zero a seis anos
pudessem ser efetivados de fato.
Em relação ao financiamento da Educação Infantil, o documento se referia
a recursos financeiros, os quais eram destacados pela UNESCO (2004b) como
bastante insuficientes por três motivos: não havia levantamento nacional sobre os
recursos para os municípios; a maior alocação estava no Ministério da Assistência
Social; e não havia informações suficientes sobre o financiamento do atendimento
informal. Sendo assim, os serviços de creches e pré-escolas contavam com o que
era determinado pela legislação que, naquele momento, atrelava-se aos recursos
para toda a Educação brasileira, distribuídos pelo Fundef.
Não se atendo a discutir a viabilidade ou a suficiência do Fundef, a
UNESCO trouxe para o foco as estratégias alternativas como convênios com
instituições privadas; transferências de renda da Assistência Social para as
famílias mais pobres; recursos do programa federal Merenda Escolar (para pré-
escolas) e recursos do MEC para capacitação de profissionais e aquisição de
material didático (para pré-escolas), focalizando os municípios com menores IDH.
Expunha-se, de forma clara, que não havia uma política de financiamento
para atender a Educação Infantil. Havia, sim, um fundo (Fundef) que atribuía uma
determinada parcela a este atendimento, mas pelo fato de o mesmo não ser
suficiente, poder-se-ia contar com estratégias alternativas de recursos como os
programas citados acima. A UNESCO o definiu uma sugestão para a
questão do financiamento da Educação Infantil, porém atribuiu, com grande
destaque, estratégias alternativas. Sugeriu maiores investimentos em pesquisas
que permitissem conhecimento das experiências locais e de que se criasse um
- 130 -
sistema de informação para o necessário acompanhamento do atendimento em
creches e pré-escolas.
A UNESCO (2004b) tratou dos principais serviços e programas destinados
à criança de zero a seis anos, incluindo aí Educação, assistência social e saúde.
Apesar de o título do Documento se reportar a creches e pré-escolas
especificamente, as questões referentes à saúde e à assistência foram inseridas
enquanto parte da Educação. Quando o título do Documento se referiu à
articulação de políticas, deu-se o entendimento de que se trataria de políticas
para a creche e pré-escola, e, no entanto, em 40 páginas de discussão acerca de
serviços e programas, não se referiu a políticas públicas para a Educação Infantil
brasileira.
Percebem-se, no decorrer do referido Documento, proposições verificadas
na legislação brasileira para a Educação Infantil, as quais eram representações
articuladas das proposições das agências multilaterais e que foram estudadas
nas seções anteriores. Dentre as principais, estavam a consolidação de parcerias
voluntárias; a padronização de critérios de qualidade nos serviços de creche e
pré-escola; a criação de um sistema de levantamento de dados para facilitar a
avaliação do atendimento e a formação mínima exigida para os profissionais que
atuassem em creche e pré-escola.
Não se quer dizer aqui, que o fato de as categorias internacionais e
nacionais para a Educação Infantil terem se reproduzido no documento publicado
pela UNESCO para o Brasil possa ser considerado algo “inesperado”. Não se
trata disso. Esta pesquisa tem a intenção de mostrar que havia uma definição e
uma articulação muito claras quanto ao propósito da Educação Infantil para as
agências multilaterais e para as políticas nacionais brasileiras, as quais eram ” [...]
expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente
das mais vulneráveis e em maior desvantagem” (UNESCO, 2004a, p.7).
que se destacar que os apontamentos da UNESCO para o Brasil, no
que se refere a uma política para a Educação Infantil, apresentavam contradições
nas argumentações e concepções. Ao mesmo tempo em que a UNESCO (2004b)
destacava, para a Educação Infantil brasileira, o baixo número de matrículas, a
necessidade da qualidade e os recursos financeiros insuficientes, enfatizava a
opção por serviços e programas, pelo atendimento não-formal e a importância do
- 131 -
voluntariado e dos programas assistenciais. A UNESCO (2004) produziu e
reproduziu explicitamente o discurso hegemônico da centralidade da Educação e
de que a política para a Educação Infantil deveria focar a atenção e o
desenvolvimento no intuito de atender às demandas infantis mais carentes,
aliviando a pobreza e favorecendo o desenvolvimento nacional.
Mesmo a UNESCO (2004b) se reportando à legislação brasileira, no que
diz respeito a denominar este nível de ensino como “Educação Infantil”, acabava
por confirmar o o-cumprimento da legislação ao publicar um documento
orientador para o atendimento desta etapa da Educação Básica como “serviços”.
A Educação Infantil, como fora expresso pelas agências multilaterais e pela
legislação nacional pertinente às seções anteriores, ao invés de se efetivar como
“política pública”, passou a ser “serviço”, caracterizando-se, desta forma, não
como Educação, mas como programa de atenção e de desenvolvimento.
Um olhar sobre as publicações da UNESCO para o Brasil, apresentadas
anteriormente, indica que a ação da UNESCO e, na mesma perspectiva, a das
demais agências multilaterais, possibilitam entender que havia uma agenda
1
política construída pelas agências multilaterais e pelos Estados-membros que se
estruturava em acordos, os quais se desenvolviam em programas e projetos
nacionais a partir de orientações hegemônicas para a política de Educação Infantil
brasileira.
4.2 ANÁLISE DA REPERCUSSÃO DAS ORIENTAÇÕES INTERNACIONAIS
NOS DOCUMENTOS PROPOSTOS A PARTIR DOS ANOS DE 1990
À luz das reflexões realizadas nas seções anteriores, verifica-se que as
orientações da Conferência Internacional de Jomtien, as quais estruturaram,
posteriormente, as Conferências de Nova Delhi (1993) e de Dakar (2000),
permearam grande parte dos documentos publicados pelas agências multilaterais
a partir dos anos de 1990.
1
Agenda política das agências multilaterais: “[...] trata-se de um conjunto de problemas
percebidos como merecendo um debate público, ou mesmo intervenção das autoridades
políticas legítimas” (ROSEMBERG, 2000, p.79).
- 132 -
Caracterizando a Educação Infantil enquanto “atenção e serviço para a
infância”, a Declaração de Jomtien, no Plano de Ação, assinalava que todos os
países deveriam realizar “[...] Expansão dos cuidados básicos e atividades de
desenvolvimento infantil, incluídas aí as intervenções da família e da comunidade,
direcionadas especialmente às crianças pobres, desassistidas e portadoras de
deficiências” (UNICEF, 1991, p.11).
Nesta perspectiva de Educação Infantil, enfatizavam-se cuidados básicos,
desenvolvimento, intervenções da família e da comunidade, além do foco nas
crianças pobres, desassistidas e portadores de deficiência. Não se tratava de
promover Educação às crianças pequenas, mas sim promover atendimento.
Vale à pena rever as orientações das Conferências de Jontiem (1990), de
Nova Delhi (1993) e de Dakar (2000), no quadro abaixo, no que se refere ao
comprometimento dos países com a Educação Infantil:
Declarações
Compromisso dos Países
com a criança de zero a seis anos
Declaração de Jomtien
(1990)
Proporcionar cuidados básicos e educação inicial na
infância, através de estratégias que envolvam
famílias e comunidades ou programas institucionais
como for mais apropriado, especialmente às
crianças pobres.
Declaração de Nova Delhi
(1993)
Garantir ações complementares e convergentes, no
contexto do papel da família e da comunidade, nas
áreas de nutrição, de saúde, de cuidado e de
desenvolvimento apropriado para crianças
pequenas.
Declaração de Dakar
(2000)
Expandir e melhorar o cuidado e a educação da
criança pequena, especialmente para as mais
vulneráveis.
* Quadro elaborado pela pesquisadora.
A posição das Conferências Internacionais acerca do compromisso com a
Educação Infantil, indica ênfase a proposições comuns como: cuidado,
desenvolvimento, educação inicial, família, comunidade, e como foco as crianças
pobres. Estas proposições possibilitam compreender sob que perspectiva
aconteceu a proposição da ONU para os países, com relação a este nível de
- 133 -
ensino, a qual se repetia nos documentos das agências especializadas como o
Banco Mundial, a UNESCO, o UNICEF E CEPAL.
A partir dos anos de 1990, as agências multilaterais vinham atuando como
instâncias de mediação e de difusão de modelos de atendimento para a
Educação Infantil. No Brasil, as políticas para a mesma se mostravam, à primeira
vista, afinadas com os compromissos advindos de uma agenda comum para a
Educação das crianças pequenas.
De acordo com as considerações de Rosemberg (2002a), as agências
multilaterais formavam um grupo, uma certa autoridade epistêmica, que tinha
como principal fonte de poder uma autoridade técnico-científica que amparava
modelos de políticas. “[...] O grupo dominante possui as informações
consideradas pertinentes, o poder de financiamento e os meios para influenciar
certas categorias de atores nacionais. Dispõe de canais importantes para
construir o senso comum e o repertório de argumentos para apoiar decisões
políticas” (ROSEMBERG, 2002a, p.30).
As agências multilaterais apresentavam aspectos diferentes para tratar da
Educação. As formas de atuação e de influência das mesmas se diversificavam
conforme a sua especificidade e sua forma de desenvolver os aspectos
educacionais, especificamente a Educação Infantil. Faz-se importante destacar
que havia uma transversalidade entre as agências, numa perspectiva de
sociedade, de Estado e de Educação alinhavada às necessidades do capitalismo
contemporâneo. No entanto, é preciso assinalar que não eram agências
homogêneas e nem formulavam orientações perfeitamente harmônicas, “[...]
participam da arena de negociações da agenda de políticas sociais carregando
contradições internas e externas” (ROSEMBERG, 2000, p.66).
A tabela a seguir indica as proposições das agências multilaterais na
difusão de modelos de atendimento a partir dos anos de 1990:
- 134 -
Agências Multilaterais
Papel do Estado
Função da Educão
Função da Educão Infantil
Financiamento
Formação de professores
BANCO MUNDIAL
Fazer parcerias com
empresas e com a
sociedade civil.
(Estado liberal,
desregulamentador e
privatista).
Combater a pobreza e
fomentar o crescimento
econômico pela Educação.
Promover desenvolvimento e
cuidado na primeira infância para
que a criança se torne um adulto
plenamente produtivo.
Investimento em
programas de baixo
custo e
compartilhamento
dos custos com as
famílias.
Os governos devem prestar
renovada atenção aos recursos
humanos.
CEPAL
Ser avaliador,
incentivador e gerador
de políticas que
aumentem a eficácia e
a equidade do sistema.
Buscar a transformação
produtiva com equidade;
preparar para a cidadania
moderna e para a
competitividade internacional.
Trazer grandes resultados
posteriores como: progressão
escolar primária; redução de taxas
de repetência; incorporação das
mulheres no mercado de trabalho e
diminuição das disparidades entre
as crianças de diferentes classes
sociais.
Ampliação do
financiamento
público para se
assegurar qualidade;
Possibilidade de
diversificação das
fontes de
financiamento,
abrindo-se espaço
para o setor privado.
Eficiência na formação de
recursos humanos.
Realização de programas
breves e de incentivos, ao invés
de concentração em longas
formações acadêmicas.
UNESCO
Manter
responsabilidade com
a saúde e a nutrição
devendo a Educação
ficar a cargo da família.
Buscar o desenvolvimento
sustentável dos países
periféricos; contribuir para a
redução da extrema pobreza,
para a universalização do
ensino primário, para a
eliminação das diferenças
entre sexos e para a luta
contra a Aids e a Malária;
garantir um meio ambiente
sustentável.
Preparar as crianças para o
ingresso na escola; alcançar
melhores resultados na escola
primária, promovendo, assim, um
impacto positivo nas taxas de
repetência e de evasão. garantir a
socialização e a igualdade de
oportunidades; superar as
dificuldades iniciais de pobreza;
facilitar a participação das mulheres
na vida social e econômica;
Contribuir para se manter a
integração e a coesão sociais.
Os programas de
saúde e nutrição são
reconhecimento
como dever do
Estado. Já aqueles
que caracterizam
Educação cabem
aos pais e às
famílias.
Ênfase e aprimoramento da
formação docente com o
propósito de se garantir que
todo estudante tenha docentes
qualificados.
UNICEF **
Reduzir a pobreza e
fortalecer as economias
nacionais; encarar a
Educação de meninas como
a tarefa mais urgente da
comunidade global.
Alcançar melhores resultados na
escola primária, diminuindo as taxas
de repetência e de evasão,
trazendo, assim, impacto positivo
para a economia dos países; Trazer
grande benefício às meninas.
Conclamação da
sociedade para o
aumento do
financiamento
internacional da
Educação Básica.
***
* Tabela elaborada pela pesquisadora.
** Os documentos do UNICEF estudados não explicitaram concepção de Estado.
*** Os documentos do Unicef estudados não fazem referência à formação de professores.
- 135 -
Considerando que o contexto, em que são produzidos os documentos das
agências multilaterais de financiamento e das agências sensíveis ao social, a
partir dos anos de 1990, é o de mundialização do capital em que se engendram
as condições necessárias para acumulação e manutenção do capitalismo, deve-
se pensar que o cenário nos países periféricos é o de atender as propostas de
reformas, aderindo ao consenso de uma agenda educacional comum. A partir dos
anos de 1990, a orientação do Consenso de Washington suprimiu os projetos
nacionais a favor do Programa de Ajuste Estrutural que determinava a opção dos
Estados por efetivar políticas blicas neoliberais. Esta perspectiva de políticas
para a Educação punha em prática políticas focalizadas, voltadas, principalmente,
aos grupos vulneráveis da sociedade. Ao se aderir às reformas estatais e
educacionais, os países periféricos, como o Brasil, aderiram a consensos, os
quais, por meio de articulações e mediações necessárias, passaram a constituir
as políticas públicas nacionais para a Educação.
A política de descentralização foi uma das estratégias bastante
incentivadas aos países, justificando-se que era necessário que estes fossem
eficazes, fortalecessem a capacidade de mobilização, incrementassem as
influências, pois as relações de colaboração eram decisivas para se alcançar os
objetivos comuns a todos. Por meio da Educação era possível se efetivar uma
transformação produtiva com equidade e, para isso, fazia-se necessário investir
em gestão de qualidade (administrar melhor os recursos) e em recursos humanos
(capacitação de professores), com políticas que pudessem medir e avaliar a
qualidade, a produtividade e o desempenho. “[...] o Estado está sendo chamado a
atuar no eixo da fixação de metas, da avaliação de desempenho, do uso de
incentivos, com o fim de aumentar a eficácia e a equidade do sistema, reforçar a
autonomia e a iniciativa dos centros educacionais” (CEPAL, 1995, p.206).
Não se pode perder de vista este cenário social, político-econômico dos
anos de 1990 para se analisar a política para a Educação Infantil proposta pelas
agências multilaterais, pois este olhar possibilita compreender esta etapa da
Educação Básica em nível global e local, efetivando o entendimento da unidade,
alcançando a totalidade explicativa que, nesta pesquisa, implica verificar as
repercussões da política internacional para a Educação Infantil na política
nacional pertinente.
Nas discussões da primeira seção desta pesquisa, analisou-se que os
argumentos levantados pelas agências eram articulados por proposições comuns
- 136 -
como: equidade, redução da pobreza, coesão social e desenvolvimento
econômico. Estas proposições eram utilizadas com grande ênfase nos
documentos das agências, o que implicava, em principio, verificar que as mesmas
atribuíam à Educação funções não específicas a ela. Ou seja, na perspectiva de
que a Educação atuava no combate à pobreza e contribuía para o
desenvolvimento, atribuía-se a ela uma funcionalidade ideológica diante da
sociedade, justificando-se, assim, que a pobreza era algo natural. Ao se
transformar a Educação em política social, enfatizando-se a participação da
sociedade das comunidades, da sociedade civil, atribui-se uma funcionalidade
política de regulação e de manutenção da sociedade, posta em princípio a partir
do discurso da necessidade da cooperação e coesão social.
Nesta análise, verificou-se, ainda, que a nomenclatura utilizada pelas
agências, para se referirem à Educação Infantil, diversifica-se bastante sendo
compreendida e denominada como: “desenvolvimento e cuidado”; “Educação e
cuidado”; “cuidado e Educação da primeira infância”; “atenção pré-escolar”;
“educação pré-escolar” e “educação pré-primária”. Isto demonstra que, para as
agências, este atendimento não se referia a uma etapa educacional, como a
legislação brasileira define, mas a algo preparatório para a Educação, que
contribuía para o desenvolvimento e o cuidado da criança pequena.
A partir das considerações da tabela apresentada anteriormente, é possível
verificar categorias no que se refere às funções atribuídas, especificamente, à
Educação Infantil. Para as agências multilaterais, a prioridade na Educação
deveria ser a universalização do Ensino Fundamental e, quanto à Educação
Infantil, esta teria por função: preparar as crianças para o ingresso na escola;
alcançar melhores resultados na escola primária; minimizar as taxas de evasão e
repetência na escola primária; facilitar a integração das mulheres no mercado de
trabalho; garantir a igualdade de oportunidades; superar as condições de pobreza
e possibilitar à criança tornar-se um adulto produtivo. Diante disso, as agências
enfatizavam ainda que, por apresentar estas funções, a Educação pré-escolar
contribuiria significativamente para o desenvolvimento econômico dos países
periféricos, possibilitando o crescimento dos mesmos.
A tabela a seguir indica as proposições dos documentos brasileiros que
tratam da educação infantil a partir dos anos de 1990:
- 137 -
Legislação Brasileira
1995-2005
Papel do Estado
Função da
Educação
Função da
Educação Infantil
Financiamento para a
Educação Infantil
Formação de professores
para a Educação Infantil
PNEI (1994)
Assegurar assistência técnica e
supletiva, cumprindo preceitos da
descentralização político-
administrativa e de participação da
sociedade.
Cuidar e educar,
complementando os cuidados e
a Educação na família, devendo
ser complementada pela saúde
e pela assistência e com
enfoque nas situações agudas
de pobreza e de instabilidade.
Os investimentos tornam-se
dever não somente do Estado
mas também da sociedade.
Deve-se assegurar uma gestão
do financiamento com eficiência
e equalização.
Grande parte dos educadores
o tem formão espefica, o
que traz em foco a “baixa
qualidade”. Condições devem
ser criadas para que os
profissionais, sem formação,
efetivem-na em nível médio, no
prazo de oito anos.
LDB (1996)
Executar função normativa, re-
distributiva e supletiva.
O pleno
desenvolvimento do
educando, seu
preparo para o
exercício da
cidadania e sua
qualificação para o
trabalho.
Promover o desenvolvimento
integral da criança até seis anos
de idade, em todos os aspectos,
complementando a ação da
família e da comunidade.
A oferta é papel dos municípios.
Os recursos são provenientes
de parte do Fundef, fundo cuja
centralidade é o Ensino
Fundamental.
A titulação exigida para se atuar
na Educação Infantil pode ser
em nível médio.
RCNEI (1998)
Garantir atendimento gratuito em
creches e pré-escolas. (atribuição
explicitada na Constituição Federal de
1988 (Art. , IV)).
Educar e cuidar, associando-se
aos novos padrões de
qualidade.
O financiamento aqui faz
referência à Constituição
Federal de 1988 (Art.11,V), a
qual indica que cabe ao
município ofertar a Educação
Infantil, com prioridade ao
Ensino Fundamental.
Os profissionais da Educação
Infantil devem ter formação
sólida e consistente,
acompanhada de permanente
atualização em serviço. O
professor deve ter uma
competência polivalente.
PNE (2000)
Dar assistência supletiva quanto ao
apoio técnico e financeiro aos
municípios.
Inaugurar a Educação da
pessoa, sendo necessária como
ação complementar à da
família;
priorizar o atendimento às
crianças das famílias de baixa
renda; trazer efeitos positivos
na vida social e acamica da
criança, bem como o retorno
econômico ao País.
Asseguramento de que os 10%
dos recursos de manutenção e
de desenvolvimento do ensino,
o vinculados ao Fundef,
sejam aplicados prioritariamente
na Educação Infantil .
A formação dos profissionais da
educação infantil merece
atenção especial dada à
relevância desta atuação.
A garantia da valorização dos
profissionais da Educação com
formação inicial e permanente
deve ser assegurada.
PNEI (2005)
Implementar a ação supletiva e re-
distributiva da União, garantindo apoio
técnico;
efetivar a descentralização
administrativa com participação dos
diversos atores;
formular políticas, implementar
programas e viabilizar recursos.
Educar e cuidar, diferenciando-
se e complementando a ação
da família.
Garantia de que os 10% dos
recursos de manutenção e de
desenvolvimento do ensino, não
vinculados ao Fundef, sejam
aplicados prioritariamente na
educação infantil;
Estabelecer nos munipios,
com colaboração dos diversos
setores, de programas de
orientação e de apoio aos pais,
nos casos de pobreza extrema.
Os professores devem ser
especialmente qualificados. A
formação inicial e continuada
deve ser garantida com,
inclusive, execução de
programa de formação em
serviço.
* Tabela elaborada pela pesquisadora.
* Somente o documento da LDB (1996) explicitou “função da educação”.
- 138 -
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB (1996), o Plano
Nacional de Educação PNE (2001) e as Políticas Nacionais de 1994 e de 2005
explicitavam, com bastante clareza, que a função da União era a de normatizar,
redistribuir e ser supletiva. A atribuição da União, representando um perfil de
Estado liberal e privatista, esquivava-se e não assumia a efetivação das políticas
públicas para a Educação, contudo controlava e avaliava o encaminhamento das
mesmas. Esta posição, que representa a posição das agências multilaterais, vem
se opor ao que a Constituição Federal de 1998 (art. 211, § e art 30, VI) ordena
quando afirma que: “os municípios deverão manter, com a cooperação técnica e
financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino
fundamental”.
A LDB (1996) e o PNE (2001), numa mesma perspectiva que as Políticas
Nacionais para Educação Infantil de 1994 e de 2005, assinalavam que a
Educação Infantil era um atendimento cada vez mais necessário por se tratar de
uma complementação à ação da família. O PNE destacava, ainda, que a
prioridade deste atendimento deveriam ser as crianças das famílias de baixa
renda, e que ”[...] o investimento em educação infantil obtém uma taxa de retorno
econômico superior a qualquer outro” (BRASIL, 2001, p.58).
Com referência ao financiamento, o PNE não explicitava uma política de
financiamento para a Educação Infantil. Esta era tratada, em termos de gastos,
como de competência praticamente exclusiva dos municípios e também das
famílias. Acrescentava que era preciso racionalizar os recursos com bons
processos de gestão para que se obtivessem bons resultados. Conforme assinala
Valente (BRASIL, 2001, p.22), “[...] o PNE não desata o nó da carência de
financiamento para esta fase da educação básica e não vai além da declaração
de intenção”.
A questão da qualificação e da capacitação continuada dos professores e
dos profissionais que atuam na Educação Infantil foi abordada na LDB (1996), no
RCNEI (1998), nas Diretrizes Curriculares Nacionais (1998), nas Diretrizes
Operacionais (2000), no PNE (2001) e nas Políticas para Educação Infantil de
1994 e de 2005, ou seja, em todos os documentos produzidos para a Educação
Infantil após 1990. A ênfase destes documentos era a de que a qualidade
- 139 -
almejada para a Educação Infantil dependia de uma titulação mínima e, também,
da qualificação em serviço.
Com referência à Política Nacional de Educação Infantil de 1994 e à
Política Nacional de Educação Infantil de 2005, analisadas, vale à pena se
destacar algumas questões pontuais entre estes dois documentos no sentido de
se ampliar o entendimento da Educação Infantil enquanto política pública.
Ambas as políticas entendiam a União como aquela que deveria assegurar
ação supletiva e re-distributiva, dando assistência e apoio técnico aos municípios,
os quais seriam responsáveis pela oferta à Educação Infantil (não se referindo a
apoio financeiro). Justificava-se que era preciso propiciar o cumprimento do
preceito constitucional da descentralização administrativa. A consolidação de
alianças entre Governo, instituições não-governamentais e sociedade civil
representava uma boa estratégia para se alcançar os objetivos almejados e, com
isso, otimizarem-se meios e resultados. O foco das duas Políticas citadas era o
atendimento às situações agudas de pobreza, devendo a Educação articular-se
aos setores de saúde e de assistência social.
Os objetivos do documento na Política de 1994 expunham que tal
publicação visava atingir a expansão da oferta, o fortalecimento de uma
concepção de Educação Infantil e a promoção de melhoria da qualidade. a
Política de 2005 estabelecia 18 objetivos para sua publicação os quais tratavam,
de: autorização e credenciamento; garantia da qualidade; garantia de recursos;
formação e valorização de professores (6 itens); elaboração de propostas
pedagógicas; fortalecimento de parcerias, dentre outros. É possível perceber, na
análise dos objetivos, que a Política de 2005 se mostrava mais ampla, apontando
mais aspectos relacionados à infra-estrutura, à prática cotidiana das instituições
de Educação Infantil e, principalmente, à formação e à valorização dos
professores.
Quanto ao financiamento da Educação Infantil, a Política de 1994 expunha,
nas suas ações prioritárias, que era preciso ter eficiência e equalização no
financiamento. “Na educação infantil, como nos outros níveis da educação básica,
é essencial que os processos de programação e gestão dos recursos públicos
atendam a padrões de eficiência e de equidade, evitando-se desperdícios e
superposição de ações” (BRASIL, 1994, p.22). a Política de 2005 estabelecia,
- 140 -
nas diretrizes, que se deveria “Incluir a educação infantil no sistema de
financiamento da educação básica, garantindo a inclusão da responsabilidade
orçamentária da União para a manutenção e a continuidade do atendimento às
crianças de 0 a 6 anos” (BRASIL, 2005, p.24). Não se apresentava, portanto,
novidade quanto à proposição de uma política de financiamento da Educação
Infantil. A Política Nacional de 1994 não se referia diretamente a esta questão e a
de 2005 frisava que havia a necessidade de se estabelecer recursos, mas não
garantia a execução desse objetivo.
Ambas as Políticas Nacionais para a Educação Infantil, a de 1994 e a de
2005, definiam que a Educação Infantil era a primeira etapa da Educação Básica.
A Política Nacional de 1994 caracterizava este seguimento da Educação com “a
função de cuidar e educar, com a concepção de criança como cidadã, pessoa em
processo de desenvolvimento e sujeito ativo na construção do seu conhecimento”
(BRASIL, 1994, p.12). A Política Nacional de 2005 caracterizava este atendimento
com “a função de educar e cuidar, sendo a concepção de criança aquela capaz
de estabelecer múltiplas relações, sujeito de direito, ser sócio-histórico, produtor
de cultura e nela inserido” (BRASIL, 2005, p.8). Pode-se considerar que havia um
avanço na perspectiva da função da Educação Infantil na Política de 2005 com
relação à de 1994, por exemplo, quando se trazia a Educação em primeiro foco e
quando se considerava a criança sujeito de direito.
Contudo, é preciso compreender nesta análise que, mesmo havendo
nuances diferenciadas na função da Educação Infantil de 1994 para 2005,
trazidas pelo contexto histórico e pelo avanço obtido na Constituição Federal
(1988) e na LDB (1996), pelas mudanças conjunturais, não se percebia mudança
nos princípios que fundamentavam a estrutura e a conjuntura capitalista, a qual
engendrava a política para a Educação Infantil brasileira.
Constata-se, desta forma, que havia uma agenda política
2
construída pelas
agências multilaterais e Estados-membros que se estruturavam em acordos,
indicando um “mínimo denominador comum”, por meio da mobilização de
discursos. As agendas eram instituídas nos Estados, como o Brasil, por meio de
discursos do âmbito internacional, direcionadas a concretizarem-se enquanto
2
Agenda política das agências multilaterais: “[...] trata-se de um conjunto de problemas
percebidos como merecendo um debate público, ou mesmo intervenção das autoridades
políticas legítimas” (ROSEMBERG, 2000, p.79).
- 141 -
consensos. A implantação nacional da agenda de orientação política das
agências multilaterais assumia a forma de “programas ou projetos” no campo das
políticas sociais (ROSEMBERG, 2000).
Sendo assim, constata-se que a penetração da agenda educacional nas
agências multilaterais, com orientações hegemônicas para a política da Educação
Infantil brasileira, tem o consentimento do Estado, por meio da participação e do
aval de representantes nacionais que atuam na instituição da agenda
educacional. É preciso assinalar que a agenda política das agências multilaterais
não é imposta ao governo brasileiro sem a sua anuência. O que há é uma
proposição de condicionalidades, em que as agências facilitam e restringem a
ação dos Estados numa dinâmica de “toma lá, dá cá” (ROSEMBERG, 2000, p.72)
Considera-se que as repercussões da política internacional na política
nacional vigente para a Educação Infantil, em princípio perpassam o caminho das
reformas empreendidas pelo ajuste estrutural. A orientação proferida pelas
agências multilaterais é a de que a Educação deve executar medidas focalizadas
no combate à pobreza, pois os benefícios desse atendimento reduzem os custos.
As políticas focalizadas são muito eficientes, visto que benefícios dirigidos e
particularizados não correm o risco político de tornarem-se direitos universais e
ainda podem contar com manifestação de gratidão dos beneficiados
Elas ainda devem ser consideradas o reverso das políticas universalistas
visto que entende-se que as políticas de compensação são utilizadas para
controlar as situações de risco ou para “remediar” as situações de desigualdade.
O papel da Educação Infantil brasileira se encaminha também nesta perspectiva
de política focalizada para atender aos grupos de pobreza. A política nacional
para este nível de ensino se estrutura enquanto política social voltada a
“compensar” as desigualdades no intuito de manter a regulação e a coesão social.
um determinado avanço em termos de função da educação infantil na
legislação brasileira para educação infantil, contudo não uma definição deste
atendimento como Educação, ao passo que não intenção de universalização
do mesmo. Isto vem demonstrar que efetivamente uma agenda comum de
ordem internacional, em que a Educação Infantil não se apresenta como
prioridade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa centrou-se no esforço de compreender as
repercussões da política internacional na política nacional para Educação Infantil
após os anos de 1990. A perspectiva foi apresentar os princípios e as estratégias
propostas pelas agências multilaterais de financiamento como o Banco Mundial, a
CEPAL, por aquelas sensíveis ao social como a UNESCO e o UNICEF para a
Educação Infantil, contextualizadas na configuração de sociedade capitalista,
evidenciando que a política para educação infantil brasileira se configura no
aparato estrutural e conjuntural, trazendo, em seu âmago, diretrizes prescritas
pela intervenção internacional.
Para se proceder a essa análise, estudaram-se os documentos principais
de cada agência multilateral e da legislação brasileira no se refere a política para
a Educação Infantil no período de 1995 a 2005. Esta trajetória de estudos
possibilitou verificar que orientações emanam do âmbito internacional, a partir da
ONU e de suas agências multilaterais para as políticas de Educação Infantil e que
influência se concretiza na política nacional para a mesma, manifestada na
legislação, após os anos de 1990.
Dentre as formas diferenciadas de interpretação da realidade, a busca por
cumprir os objetivos e responder à problemática da pesquisa, procedeu-se
através de análise dos fatos, pensando-se historicamente tempo e lugar,
considerando-se que as relações dos homens o constituídas na vida social por
meio das relações de produção. Para se investigar as repercussões da política
internacional na política nacional para a Educação Infantil após 1990, necessitou-
se dos pressupostos da base filosófica do materialismo histórico-dialético,
apresentado por Marx, considerando-se que a materialidade da vida dos homens
se constrói historicamente, não de forma linear, mas em constante movimento e
transformação. Na leitura dos documentos e na tentativa de se conhecer o objeto,
necessitou-se, no decorrer da pesquisa, fazer relações entre elementos muitas
vezes contraditórios ou antagônicos entre si, na busca por estabelecer as
mediações entre o que era particular e universal, visualizando a unidade
necessária.
- 143 -
O contexto em que esta pesquisa se desenvolveu necessitou mostrar a
caracterização do capitalismo a partir dos anos de 1990, que. na perspectiva de
mundialização, acentuou a hierarquização entre os países e, com isso, a dívida
nos países do sul. Este cenário capitalista engendrou políticas provindas do
Programa de Ajuste Estrutural PAE – favorecendo a implementação de políticas
públicas neoliberais, as quais se concretizaram com reformas aos Estados
periféricos, dentre estes o Brasil. A América Latina apresentava, neste período
histórico, altos níveis de pobreza e de subordinação, o que facilitava a proposição
de políticas pautadas no conjunto de regras neoliberais instituídas a partir do
Consenso de Washington.
Para que se pudesse entender a política de Educação Infantil enquanto
política pública de Estado, necessitou-se compreender que perfil de Estado se
constituía no cenário brasileiro neste recorte histórico. Um olhar acerca da
concepção de Estado brasileiro, após a reforma de 1995, possibilitou entender
que, naquele momento histórico, tratava-se de um Estado burguês que se
constituía de mecanismos ideológicos para desorganizar as classes populares ou
de um Estado de classes que atuava enquanto promotor do consenso a favor das
classes dominantes. A política para a Educação Infantil se organiza no Brasil, na
perspectiva de um Estado que assuma uma administração pública gerencial,
absorve as características neoliberais e, num traço específico dos princípios da
Terceira Via, passe a “terceirizar” as políticas públicas, deslegitimando-se
enquanto executor no campo das políticas de direitos sociais como a Educação.
Verificou-se que, a partir da reforma educacional implementada no Brasil, a
política para a Educação Infantil passou a ser pensada sob a ótica das políticas
econômicas, com prioridade absoluta de investimentos públicos no Ensino
Fundamental e com proposta de programas “não-formais” de baixo investimento
público para as crianças de zero a seis anos. Esta perspectiva de política para a
Educação Infantil pauta-se na focalização dos gastos blicos no Ensino
Fundamental, na descentralização traduzida na municipalização, na privatização
constituindo serviços educacionais enquanto consumo e na desregulamentação,
frisando que o Estado abre mão do processo, mas controla o produto no que se
refere aos currículos nacionais e à avaliação de resultados.
- 144 -
Diante deste cenário estrutural e conjuntural, foi possível verificar que as
agências multilaterais como o Banco Mundial, a CEPAL, a UNESCO e o UNICEF
atuam em transversalidade na política para a Educação Infantil, ou seja, articulam
proposições comuns, como diretrizes para tratar deste nível de ensino aos países
periféricos como o Brasil, tais como: equidade, redução da pobreza,
desenvolvimento econômico e coesão social. A pesquisa identificou que, para as
referidas agências, a tarefa de assumir este atendimento não deve ser atribuída
ao Estado mas sim às comunidades locais, aos pais e familiares, propiciando o
envolvimento e a “participação” local.
Uma vasta documentação internacional, que orienta as políticas
educacionais e discute a política para a Educação Infantil, foi produzida pelas
agências multilaterais. Grande parte destes documentos foram construídos nas
Conferências Internacionais, as quais se constituem de fóruns e de espaços
importantes de articulação internacional entre os Estados-membros com foco em
efetivar consensos em torno das principais idéias e propostas sobre a Educação,
e neste caso, sobre a Educação Infantil. Na perspectiva das principais
Conferências Internacionais, ocorridas a partir dos anos de 1990, a orientação de
que todos os países devem realizar expansão dos cuidados básicos e atividades
de desenvolvimento infantil, com foco nas crianças de maior vulnerabilidade,
incluindo intervenções da família e comunidade, ou seja, a orientação das
Conferências enquanto proposições da ONU, indicam, nas suas proposições,
conceitos como cuidado, desenvolvimento, crianças pobres, famílias e
comunidade.
O traço marcante das Declarações constituídas nas Conferências é a
construção de consenso em torno da “Educação para Todos” com “equidade”. A
política para a educação infantil é apresentada pelas Declarações pautadas neste
consenso, justificando-se que a Educação deve responder às exigências do setor
produtivo e à demanda da maioria da população que vive na pobreza, garantindo
a todos a igualdade de oportunidade para a competitividade.
Na análise realizada, observou-se que a função da Educação Infantil
atribuída pelas agências se justifica em: tornar a criança um adulto plenamente
produtivo; facilitar a progressão para o nível escolar primário; reduzir as taxas de
- 145 -
repetência; facilitar incorporação das mulheres no mercado de trabalho; garantir a
igualdade de oportunidades; superar as dificuldades iniciais de pobreza. Verificou-
se, ainda, que estas indicativas de importância da Educação Infantil aos países
como o Brasil somam-se, principalmente, à defesa de que o atendimento de que a
mesma contribui, efetivamente, para reduzir a pobreza e fortalecer as economias
nacionais.
No cenário brasileiro, ao se observar os programas educacionais do
primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, com o Programa
“Acorda Brasil: está na hora da escola” (1996) e do primeiro mandato do governo
Luiz Inácio Lula da Silva, com o Programa “Uma Escola do Tamanho do Brasil”
(2003), identificaram-se diretrizes propostas pelas agências multilaterais à
educação como: formação de professores, currículo, avaliação e gestão. Estas
diretrizes se consolidaram como programas, dentre estes: Programa de Formação
Continuada dos Profissionais da Educação; Programa Nacional do Livro Didático;
Programa Nacional de Alimentação Escolar e Sistema de Avaliação da Educação
Básica.
Ampliaram-se direitos na medida em que se estabeleceu a Educação
Infantil como a primeira etapa da Educação Básica. Contudo, este nível de ensino
se organiza num aparato de legislação que traduz a política nacional, em que
persiste a influência das agências multilaterais. Verifica-se esta influência nas
categorias que se reproduzem e também nas contradições que se manifestam na
legislação educacional vigente no Brasil. Sobre esse movimento mais amplo de
interpretação, identificou-se que o MEC, ao atuar como formulador e executor do
projeto educacional do Governo Federal, persegue os preceitos articulados à
ideologia do governo do qual faz parte, neste caso os preceitos de um projeto
neoliberal de governo.
Observou-se, com base nesta investigação, que a política para a Educação
Infantil, ordenada enquanto legislação, construiu-se, a partir dos anos de 1990,
marcada pelas orientações da reforma de Estado, de uma concepção de
Educação Infantil voltada para uma concepção hegemônica da sociedade
contemporânea. Assim, repercutem as orientações das agências multilaterais na
legislação brasileira para a Educação Infantil. Enfatiza-se o princípio de que o
- 146 -
papel do Estado é o de suplência, ficando a cargo dos municípios, ou das
famílias, a implementação e a oferta deste nível de ensino, inclusive no que se
refere a gastos. Na perspectiva do cuidado, da Educação e do desenvolvimento,
os documentos atribuem ênfase à expansão e à organização da oferta, na
melhoria da qualidade, na formação mínima aos professores, na articulação entre
Educação, saúde e assistência social e na necessidade de consolidação de
alianças para se efetivar as metas propostas. A Educação Infantil, proposta pelo
PNE, por exemplo, manifesta que o investimento neste nível de ensino obtém
uma taxa de retorno econômico superior a qualquer outro.
As Políticas Nacionais de 1994 e de 2005 apresentaram mudanças na
função da Educação Infantil assim como na concepção de criança. No entanto, ao
que se refere às questões elementares de uma política nacional, os dois
documentos se mostraram adequados aos modelos propostos pelas agências
multilaterais, focalizando o preceito de descentralização da União, a expansão de
oferta, o combate à pobreza, a qualidade, a infra-estrutura, a formação de
professores e a gestão democrática. Modificaram a ordem da função da educação
infantil que, de “cuidar e educar”, passou a “educar e cuidar”, contudo, não
modificaram as diretrizes que compõem uma política nacional para a Educação
Infantil, na perspectiva de que a mesma é uma política de direito social
As orientações recentes da UNESCO (2004) para o Brasil encaminham
para o atendimento em creches e pré-escolas, “serviços” e “programas”
destinados à criança de zero a seis anos, numa política que demonstra
continuidade do atendimento de tipo emergencial e compensatório. Na
perspectiva da UNESCO (2003), as análises econômicas têm mostrado que é, no
início da vida, que os investimentos públicos e sociais constituem melhor custo-
benefício e que a Educação Infantil constitui-se também numa poderosa
estratégia no combate à pobreza e à exclusão social.
A agenda política construída pelas agências multilaterais e pelos Estados-
membros se estrutura em acordos, indicando que a Educação Infantil deve
preparar as crianças para o ingresso na escola; alcançar melhores resultados na
escola primária; minimizar as taxas de evasão e repetência na escola primária;
facilitar a integração das mulheres no mercado de trabalho; garantir a igualdade
- 147 -
de oportunidades; superar as condições de pobreza e possibilitar à criança tornar-
se um adulto produtivo.
Enfim, tais indicações colocam em evidência que repercussão da
política internacional proposta pelas agências multilaterais nas políticas nacionais
produzidas a partir dos anos de 1990. O combate à pobreza justificando-a como
natural e a transformação da Educação em política social manifestando uma
funcionalidade ideológica e política dada à Educação. Função esta que atua na
manutenção da coesão social, favorecendo necessária regulação das forças
opositoras.
As análises documentais apontam que a política para a Educação Infantil
brasileira incorpora a execução de medidas focalizadas aos grupos mais
vulneráveis, tornando-se, assim, ferramenta para diminuir as desigualdades,
externando-se em função dos interesses econômicos e políticos. As políticas
focalizadas são muito eficientes visto que benefícios dirigidos e particularizados
não correm o risco político de tornarem-se direitos universais.
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