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A BARCA DOS HOMENS, DE AUTRAN DOURADO:
A EXPRESSIVIDADE DO VOLUME FRASAL
por
MARCIA DE OLIVEIRA GOMES
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE LETRAS
2005
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A BARCA DOS HOMENS, DE AUTRAN DOURADO:
A EXPRESSIVIDADE DO VOLUME FRASAL
por
MARCIA DE OLIVEIRA GOMES
Dissertação apresentada como requisito
para obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de s-graduação em Língua
Portuguesa. Orientadora: Profª Dra.
Maria Teresa Gonçalves Pereira.
RIO DE JANEIRO, 1
o
semestre de 2005
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GOMES, Marcia de Oliveira. A barca dos homens, de Autran Dourado: a
expressividade do volume frasal Rio de Janeiro: UERJ, Instituto de Letras, 2005. 110 fl.
Mimeo. Dissertação de Mestrado em ngua Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profª. Dra. Maria Teresa Gonçalves Pereira
(orientadora)
______________________________________________
Profª. Dra. Norimar Pasini Mesquita Júdice
______________________________________________
Prof. Dr. Claudio Cezar Henriques
_______________________________________________
Prof. Dr. Roberto Acízelo Quelha de Souza
(suplente)
_______________________________________________
Profª. Dra. Rosane Santos Mauro Monnerat
(suplente)
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Toda obra duradoura da literatura não é tanto um
triunfo de linguagem, quanto um triunfo sobre a
linguagem: uma súbita injeção de percepções
vivificantes em um vocabulário, que estaria
perpetuamente à beira do esgotamento, se não fosse
a energia do criador literário.
Midddleton Murry
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar sempre presente em minha vida, dando-me coragem para
prosseguir nessa caminhada.
Aos meus familiares e amigos, que com todo apoio e carinho me incentivaram,
ao longo desse percurso, não me deixando desanimar nos momentos mais diceis.
À minha orientadora Professora Doutora Maria Teresa Goalves Pereira,
pelas importantes contribuições e estímulo constante.
Ao Professor Doutor Roberto Azelo Quelha de Souza, pela atenção e
sugestões, que me fizeram refletir no decorrer da elaboração deste estudo.
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RELAÇÃO DE ABREVIATURAS DAS OBRAS UTILIZADAS DO
AUTOR
BH – A Barca dos Homens
BMER – Breve Manual de Estilo e Romance
CN – Confissões de Narciso
OF – Ópera dos Fantoches
OM – Ópera dos Mortos
PR – Uma Poética de Romance
RB – O Risco do Bordado
SA – Os Sinos da Agonia
SDR – A Serviço Del-Rei
VS – Uma Vida em Segredo
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SUMÁRIO
1- Introdução.......................................................................................................7
2- Autran Dourado no contexto da Literatura Brasileira contemporânea.........11
3- Sobre estilo e estilística.................................................................................18
3.1- Estistica da expressão ou descritiva.................................................... 23
3.1.1- Estilística sintática.........................................................................25
3.2- Estilística do indivíduo ou literária........................................................27
4- Aexpressividade da frase..............................................................................30
4.1- Asligações interfrásticas........................................................................36
4.2- O encadeamento.....................................................................................39
4.3- Subordinação: ligação ou transposição?................................................44
5- O volume frasalna Literatura Brasileira.......................................................47
6- O volume frasalnA Barca dos Homens........................................................60
6.1- Algumas palavras sobre a estrutura do romance....................................62
6.2- O ancoradouro........................................................................................64
6.3- Asondas emmar alto.............................................................................79
6.4- A frasede Fortunato...............................................................................93
7- Conclusão......................................................................................................99
Referências bibliográficas...............................................................................103
Resumo............................................................................................................108
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Abstract. .........................................................................................................109
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1. INTRODUÇÃO
Imaginemos uma colcha de retalhos de tamanhos variados ou simétricos,
coloridos ou de apenas uma cor, dispostos conforme o gosto estético de quem os
entrelaçou. Agora pensemos nessa colcha como um texto. Os retalhos seriam as frases,
as cores os recursos empregados para organizá-las e o gosto estético, o estilo do autor.
A frase é o alicerce do texto, é nela que se estruturam palavras e idéias, de
tantas maneiras que uma sentença poderia adquirir matizes totalmente opostos,
principalmente quando se modifica a ordem do advérbio ou de palavras denotativas,
como em, por exemplo: “Só a empregada arrumou o quarto e “A empregada
arrumou o quarto”.
Na primeira sentença, formamos a imagem de uma empregada prestativa e
eficiente que provavelmente deveria ter recebido a ajuda de alguém para realizar seu
servo, mas o fez sozinha. a segunda alude a uma profissional que deixa a desejar,
pois arrumou apenas o quarto, negligenciando as demais tarefas domésticas.
Do alinhamento das frases pode surgir um tom mais formal ou mais coloquial,
conforme o emprego de recursos como subordinação ou coordenação, respectivamente.
o volume frasal acarreta a velocidade do texto. O uso constante de períodos longos
torna-o lento, assim como os curtos o aceleram.
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Por fim, a estética textual é objeto de estudo da estilística, que aborda o
emprego expressivo do material lingüístico, fruto da escolha, consciente ou não, do
autor. Tal fenômeno mostra-se mais nitidamente no âmbito literário, uma vez que,
conforme Mattoso Câmara (1978:25), “os processos estisticos se encontram a servo
de uma psique mais rica especialmente educada para o objetivo de exteriorizar-se”.
Assim, o tamanho do retalho, a disposição das cores, o tipo de costura e o gosto
estético de quem os organiza são diretamente responsáveis pelo resultado final da nossa
colcha de retalhos. Não obstante tais características, enfocaremos nesta dissertação a
expressividade da extensão da frase, considerando quando necessário os demais fatores
que a envolvem.
O corpus será selecionado a partir de um livro de nosso apreço, o consagrado
romance A barca dos homens, de Autran Dourado, que recebeu o Prêmio Fernando
Chinaglia, da União Brasileira de Escritores (1962). Trata-se de uma obra densa, na qual
é narrada a perseguição a Fortunato, deficiente mental, acusado de ter roubado uma
arma de fogo. Tal ocorrência gera uma quebra na apatia em que os moradores da ilha se
circunscreviam, e seus sentimentos e segredos começam a aflorar, numa ciranda de
vozes que constituem o quadro dessa narrativa.
Ao entrar em contato com A barca dos homens intrigou-nos a forma como a
obra se arquiteta, mais precisamente no tocante à frase. O primeiro bloco entregue à
apresentação das personagens se fazia ler de forma lenta e profunda, ao passo que o
segundo, imerso na ação dos moradores da ilha, em face dos acontecimentos
desencadeados pela perseguição a Fortunato, possui uma narrativa bem mais veloz.
Tal efeito se deve ao emprego da frase que vai da difusa, seguindo os
parâmetros clássicos, à entrecortada, no estilo jornalístico, empregado no auge do
Modernismo. Segundo Midleton Murry (1968: 97):
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Para que efeitos rítmicos tenham sucesso
devem diferenciar-se com precisão;
diferenciação com tanta sutileza que
permaneçam subordinados à sugestão
intelectual das palavras, é o mais delicado
trabalho que se possa imaginar.
São esses os elementos que observaremos no presente estudo ao prendermos
nosso olhar no mar que conduz A barca dos homens. Mar que se faz ver pelo contraste
do volume frasal, ora longo e manso, a ninar os pescadores, ora curto e agitado, no
prenúncio da tempestade.
Faz-se necessário ressaltar que esse traço estilístico não é necessariamente
pessoal, nem sistemático no conjunto de obras de Dourado, mas demonstra relevante
contribuição na composição do corpus selecionado.
Tal emprego foi idealizado, segundo nos revela o próprio autor em um de seus
ensaios (2000). A arquitetura é fundamentada, normalmente, num planejamento prévio
e simultâneo à escrita, relatado por Dourado em diversas ocasiões, em que não se
incomoda em abrir sua carpintaria e mostrar-nos seus planos, técnicas e ferramentas.
Academicamente, pareceu-nos relevante abordar a frase como objeto de
estudo, visto não conhecermos muitos trabalhos nesse campo e tratar-se de um fator
constituinte que chama atenção no romance. Não obstante, são raras as obras que
versem especialmente sobre o assunto. Dizemos raras pro bono nossa ignorância de
alguma que nos tenha escapado. Assim, privados de uma bibliografia específica,
garimpamos capítulos de gramáticas e livros diversos que pudessem subsidiar nossa
pesquisa, abordando ao menos perfunctoriamente o tema.
Comunicação e prosa moderna (2002), de Othon Moacyr Garcia, serviu-nos de
ponto de partida com o excelente capítulo sobre a feição estilística da frase, em que
extrai da literatura diferentes exemplos, moldados segundo o estilo da época e do autor.
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Interessou-nos a entrecortada e a fragmentária que se fazem muito presentes em nosso
texto. Com relação às mais extensas, Garcia avalia predominantemente os casos
extremados que, raros no romance analisado, não justificariam a adoção de sua
terminologia. Adotaremos, portanto, termos genéricos para nos referirmos às frases de
comprimento exagerado, como longas, extensas, difusas etc.
Constituirão o corpus apenas os trechos narrativos e/ou descritivos. Os
diálogos pertencem a uma natureza diferente que, num simulacro da fala natural,
recorrem normalmente a sentenças mais concisas, para melhor representar sua
dinamicidade. Por essa razão, descartamos sua análise.
Ressaltamos, ainda, que mesmo nos capítulos teóricos recorreremos, sempre
que possível, a trechos de romances douradianos nas exemplificações para uma maior
familiarização de seu estilo.
Desse modo, é objetivo deste estudo abordar o efeito expressivo das frases
extensas e entrecortadas na construção do texto, levando em conta os elementos que
participam de sua composição.
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2. AUTRAN DOURADO NO CONTEXTO DA LITERATURA
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Natural de Patos, Minas Gerais, Autran Dourado (1926) estreou na literatura
com a publicação da novela Teia, em 1947, pelas Edições edifício, do grupo
neomodernista da revista homônima, que então integrava. Os primeiros passos, no
entanto, foram dados anos antes com a divulgação de seus contos, semanalmente, no
suplemento literário dO Estado de Minas, período que lhe propiciou exercício contínuo
do ocio de escritor. O segundo livro, Sombra e exílio (1950), assinala o icio do
reconhecimento da crítica com o Prêmio Mário Sette, do Jornal de Letras, culminando
em 2000, ano em que recebe o Prêmio Camões pelo conjunto da obra, atribuído
anualmente ao melhor autor de língua portuguesa. “A escolha foi por causa do seu estilo
discreto em uma obra vasta e facetada, o que renovou a prosa brasileira”, comentou
Maria Ramalho, presidente do júri.
1
Sua notoriedade alcançou nível internacional com a tradução de alguns de seus
trabalhos para o francês, alemão, inglês e espanhol, figurando, pois, em antologias
publicadas na Alemanha, Suíça e Venezuela. Destacam-se, ainda, a adoção do romance
Os sinos da agonia (1991) para os exames de agregação das universidades francesas e a
seleção de Ópera dos mortos (1970) para integrar a Coleção de Obras Representativas
1
AUTRAN Dourado recebe o prêmio Camões. O Estado de S. Paulo. São Paulo: 07 mai. 2001. Arte e
Lazer Letras. Online: disponível na Internet via http:// www.estadao.com.br.
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da Literatura Universal. Entre os prêmios estrangeiros conquistados, encontram-se o
Prêmio Goethe, pela Alemanha, e o Camões, supracitado.
Relevante em sua biografia é também o envolvimento político: Dourado foi
secretário de imprensa do presidente Juscelino Kubitschek, de 1955 a 1960. Tal
experiência fundamentou o romance A Serviço Del-Rei (2000), em que a personagem
João Nogueira envereda pelos intricados caminhos do poder, e Gaiola aberta: tempos
de JK e Schmidt (2000), no qual o autor relata fatos e curiosidades de sua convivência
com Juscelino Kubitschek.
A arte de Dourado é, sobretudo, artesanal, cuidando de selecionar e aplicar a
matéria, apurando-a até alcançar o contorno aspirado. Em Uma poética de romance
(2000) afirma o autor ter escrito mais de mil páginas para chegar às duzentas de A barca
dos homens (2001). Trabalha, e teima, e lima, e sua, mas não como o ourives; nosso
artista fez-se carpinteiro, ambicionando a simplicidade de construir velhos baús para
revelar seus tesouros a quem os souber abrir.
Desse modo, procura desmitificar a arte literária, tanto nas entrevistas
concedidas à imprensa, quanto em ensaios como Uma poética de romance (2000) e
Breve manual de estilo e romance (2003). No primeiro, analisa a composição de suas
obras, expondo as teorias e práticas subjacentes. no segundo, misto de memória e
manual do bem escrever, narra sua iniciação literária ao lado do processo de criação.
Resultam ambos da constante reflexão sobre sua prática, e, como afirmou outrora sob a
máscara de Erasmo Rangel, entre a obra e o autor se faz um mundo”
2
, e o próprio
autor para abreviar esse abismo, fornecendo-nos passe para a edificação do orbe
douradiano, desauratizando-o:
2
DOURADO, Autran. O meu mestre imaginário. Rio de Janeiro: Record, 1982. p.24.
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A concepção que tenho do meu ofício é muito grande, e é capaz de mostrar
que tudo o que fiz e faço atualmente é resultado de um grande esforço, de
um enorme trabalho. À medida que avanço em anos o ofício de escrever vai
se tornando mais difícil. (BMER, p. 62)
Trata-se de labor consciente, alicerçado numa formação lida, cujos principais
colaboradores foram o filósofo Arthur Versiani Veloso e o escritor mineiro Godofredo
Rangel, homenageados em Um artista aprendiz (2000), pela dedicatória do romance e a
transmutação nas personagens Sinval de Sousa e Sílvio Sousa, respectivamente.
Existe ainda um terceiro mestre, um homem atemporal, hermético,
camaleônico e imutável, contraditório em sua essência, imaginário no mundo do autor,
real no universo da obra: Erasmo Rangel. Parente do mestre verdadeiro Godofredo
Rangel, foi criado por Autran Dourado em Uma poética de romance (2000) para
proporcionar um diálogo com o lado erudito do autor. Outrossim, pode-se conferir sua
atuação em Breve manual de estilo e romance (2003) e em O meu mestre imaginário
(1982), que reúne ensaios sob o pseudônimo de Erasmo Rangel sobre variados temas
literários.
Há, na construção do artesão, copiosa leitura como suporte, que ele deixa
transparecer no transcorrer da obra, sobressaindo-se influências marcantes como Franz
Kafka e Willian Faulkner, por exemplo. Deste último destaca-se a recriação literária do
sul dos Estados Unidos, que ambienta seus romances de forma freqüente. A prosito,
ressalva:
Faulkner é um dos meus mestres. Muito aprendi com ele, não
nego, mas vo aprende sobretudo a técnica, que é a única
coisa transmissível; a matéria não. A matéria é própria do
escritor e do aspecto sociológico da obra, do aspecto da
realidade de cada país; isso não é transmissível.
3
3
FERREIRA, Maria Amélia. Autran Dourado, um ourives da palavra. Revista Rio. Rio de Janeiro.
Literatura. Online: disponível na internet via www.revistario.com.br/literatura_autrandourado.htm.
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Assim, uma das características de seus romances é a ambientação em Minas
Gerais, por vezes na fictícia cidade interiorana de Duas Pontes, em que figuram
personagens como o escritor João da Fonseca Nogueira, cuja saga é contada em vários
romances, numa intratextualidade recorrente. Em O risco do bordado (1986) temos as
lembranças da inncia e da adolescência e em A Serviço Del Rei (2000), a fase adulta e
política. Um artista aprendiz (2000) revela-nos o aprendizado do ofício de escritor,
posto em prática em Ópera dos fantoches (2001), quando João ouve da personagem
Ismael da Silveira Frade fomento para o livro que deseja escrever. em Confissões de
Narciso (2001), recebe o encargo de avaliar e publicar um caderno com as memórias de
Tomás de Sousa Albuquerque, um morador de Duas Pontes. A aclimação mineira, no
entanto, não exclui a universalidade ficcional, que o autor alcança ao abordar os
conflitos das personagens.
Mesmo entre as obras que não comungam da intratextualidade supracitada,
uma costura que as relaciona, assinalada pelo próprio autor:
Na verdade, eu estou querendo fazer um livro só. Se vo
verificar, vai notar que meus livros são mais ou menos os
mesmos. Por coincidência, meu primeiro livro se chama Teia e
o penúltimo, O Risco do bordado tudo um problema de
tecido, de intrincado tecido. Na verdade, estou querendo fazer
um personagem: compare Rosalina (Ópera dos mortos), a
Tia Margarida (O Risco do bordado) agora essa a Malvina (Os
Sinos da agonia). São mais ou menos um tipo de mulher ideal.
Estava fazendo, na verdade, um só personagem, um só painel,
porque não fico tentando corrigir sempre o mesmo livro.
4
Sigamos as diretrizes de Dourado e comparemos as três personagens
mencionadas: Rosalina (Ópera dos mortos), Tia Margarida (O risco do bordado) e
Malvina (Os sinos da agonia). Integrantes de diferentes histórias, o que enlaça essas
mulheres é o tema do amor proibido. Rosalina perpetua o ódio do pai, trapaceado na
4
Apud CAMPOS, Maria Consuelo Cunha. “Coronéis e jagunços na ficção de Autran Dourado”. In:
Ensaio, n.6, 1980.
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eleição para presidente da Câmara, e corta relações com a cidade. Assim, por orgulho
perde seu grande amor Emanuel, fechando-se no nebuloso mundo do sobrado.
Margarida se encerra num universo vicioso do já conhecido, lendo sempre os
mesmos livros, desfrutando do mesmo jogo, repetindo os mesmos gestos num temor de
despertar para o novo. Com João Nogueira, seu sobrinho, ela vive um romance mudo,
em que pouco ou nada acontece e que ainda assim a converte em beata pelo peso
daquele sentimento incestuoso.
Malvina compartilha desse pecado ao se apaixonar pelo enteado. Passado,
entretanto, o lirismo do manso desfrutar das horas imersas em música e poesia ao lado
de Gaspar, Malvina, que não consegue suportar a ircia desse amor platônico, planeja
a morte de João Diogo, seu marido, seduzindo o mestiço Januário para que ele faça o
servo. A morte de João Diogo, porém, não desti a barreira entre ela e Gaspar, mas a
solidifica de vez, e o enteado que também a amava em segredo a rejeita.
Um outro fator que une as personagens femininas é a sua força interior, o
mesmo não se pode afirmar dos masculinos, de natureza inerme. Em Ópera dos mortos
contrastando com a determinação de Rosalina ao se fechar para toda uma cidade, temos
Juca Passarinho, homem acomodado, que ingressa no mundo absurdo do sobrado o
para modificá-lo, mas para se submeter a ele e à vontade de uma Rosalina tripartida.
Em A barca dos homens (2001), Maria questiona seu casamento infeliz,
chegando mesmo a trair Godofredo, seu marido, homem pusilânime, de vida apagada,
que atinge o auge da covardia, quando, ao descobrir que cometera um engano,
mobilizando a polícia da cidade para capturar Fortunato, pois esse não roubara seu
revólver como ele pensara, não o desfaz, receoso de ser ridicularizado, deixando, assim,
morrer um inocente.
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Em Ópera dos fantoches (2001), Ismael não tem coragem de enfrentar o
preconceito de Duas Pontes e casar-se com Paula, filha de uma ex-prostituta, não
comparecendo à estação de trem para fugir com ela, que vai para a cidade grande
grávida e sozinha lutar pela sobrevivência.
Se nessa macro-narrativa que constitui seu conjunto de obras uma
coincidência de personagens e tonimos, vemos aflorar a cada tema um estilo
diferente, pois segundo Dourado “o estilo é o assunto ou matéria”. Logo, a prosa
simples de Uma vida em segredo (1995) está em consonância com a vida franciscana da
protagonista prima Biela, ao passo que o estilo rebuscado de Ópera dos mortos (1970)
justifica-se pela densidade das personagens.
Outrossim, a variedade de estilos pode aparecer numa mesma obra, como o
caso de O risco do bordado (1986), narrado em uma linguagem de simplicidade
cultivada, com recursos como a repetição e o lugar-comum, abandonados no segundo
bloco, Nas vascas da morte, para dar espaço à linguagem pomposa, que descreve o
falecimento de tio Maximino e morre com ele.
O ludismo verbal pode ser percebido no jogo de vozes de A barca dos homens
(2001), por meio do fluxo de pensamento das personagens que apresentam prismas de
uma mesma história e um mesmo eu refletido no espelho. Afirma o escritor:
Embora tão solitários, os meus personagens não existem
sozinhos. Ligam-se uns aos outros sem perceberem,
subterraneamente. Mesmo sem se falarem, sem se verem, sem
mesmo se conhecerem, intercomunicam-se.
Inconscientemente, magicamente – vamos dizer, formando um
conjunto, a unidade vertical e subliminar do livro. (PR,
pp.103-4)
O fluxo de pensamento, oriundo da segunda fase modernista, aparece mais
fortemente na literatura pós-moderna, sob a pena de Clarice Lispector. O movimento
pós-modernista vem se desenvolvendo desde a segunda metade do século XX e se
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caracteriza pela pluralidade de estilos, fruto de uma sociedade globalizante e
fragmentária. Domício Proença (1988) destaca como principais sinalizadores desse
período: intensificação do lúdico, do experimentalismo e do pastiche; utilização
deliberada da intertextualidade; confluência de estilos; metalinguagem; uso do
alegórico, hiper-real e metonímico; texto fragmentado; centramento na linguagem;
exaltação do prazer e presença do humor.
Sobretudo, ousamos pensar no momento literário contemporâneo como um
grande labirinto, em cujo centro encontra-se uma variedade de matérias encanecidas. O
que importa não é o que se escolhe, mas a forma com que se conduz o escolhido pelos
incontáveis corredores. Descobrir o caminho adequado, no entanto, requer talento e
muito labor, elementos que propiciaram a Autran Dourado êxitos sucessivos em sua
aventura literária, cujos fios foram deixados generosamente pelo caminho.
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3. SOBRE ESTILO E ESTILÍSTICA
Originalmente, a palavra estilo (do latim stilus) designava a punção ou estilete
usado para escrever em tabuinhas enceradas, e, por extensão, passou a significar a
maneira de escrever. Genericamente, ela se aplica ao modo peculiar de ser ou de realizar
dada atividade. Assim, da simples peça de roupa à obra de arte, tudo revela em si um
estilo, pois, segundo Magalhães Lima, cria-se um estilo onde se criou um caráter, onde
uma aspiração da alma se firmou e se repete”.
5
Em sentido mais restrito, como forma de expressão literária, o estilo foi objeto
de estudo da retórica, arte do discurso e da eloqüência. A retórica vigorou da
Antigüidade à Idade Média, renovada na época clássica, mas a partir do século XVIII,
com o advento do Romantismo, já não se valorizava tanto a coisa criada como um
modelo a seguir, mas a capacidade criadora. Logo, o esrito normativo da retórica
cedeu seu lugar à estilística, que pretendia imputar caráter científico ao estudo,
buscando explicações para usos lingüísticos que escapam à função estritamente
denotativa, ou, como bem definiu Mattoso Câmara Jr. (1978: 13), que transcendem do
plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade”.
O plano intelectivo ou lógico costuma ser associado à gramática e o afetivo à
estistica, reconhecemos, no entanto, a intercessão natural dessas perspectivas. Dámaso
5
Apud GALVÃO, Jesus Bello. A ngua portuguesa e os seus mistérios”. In: Subconsciência e
afetividade na ngua portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S.A., 1979. p.4
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Alonso (1960: 366), aliás, condena veementemente tal divisão que assegura: “é o mais
paralisador estorvo dos estudos lingüísticos”, uma vez que:
Se “estilística” se refere a “estilo”, o “lógico”
não te consideração numa “estilística”?
Será que a expressão lógica é um bem
mostrengo, carente de qualquer marca
individual? Cada escritor, cada obra não tem
uma peculiar expressão lógica?
Quando tratamos de um desvio estilístico, faz-se necessária a distião entre
intuito expressivo e mero desconhecimento da regra. Por exemplo, em:
Deixa, Conrado, traz ela para casa, disse. Biela fica morando com a
gente, pode até me ajudar com as meninas, fazer companhia. Olha, quando
você vai para a roça, tem dias que eu sinto uma falta danada de alguém
para conversar. (VS, p.21)
Notamos na fala de Constança, personagem douradiana, mistura de
tratamentos, com os verbos “deixar” e “olhar na segunda pessoa do singular do
imperativo e, em seguida, a referência da personagem ao interlocutor por meio do
pronome “você”. Tal fato, no entanto, não se por ignorância do autor, pois enseja
efeito expressivo, conferindo à construção um tom de oralidade.
Nem todo desvio, porém, possui caráter estilístico, alguns fatores interferirão
em sua legitimidade, como o contexto, visto que o mesmo recurso aplicado num
discurso formal pode denotar erro.
A intenção do autor tamm deve ser levada em conta. É necessário certo grau
de consciência de sua parte, embora ainda seja fator polêmico, pela dificuldade de
avaliá-lo, porque apesar de haverem evidências intratextuais do prosito do recurso
utilizado, segundo Stephen Ullmann, (1967: 159) Sempre restará um grande número de
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casos em que não tais indicações, em que não sabemos se a escolha foi plenamente
consciente, semiconsciente, inconsciente ou inclusive subconsciente”
6
.
Elegemos, ainda, um terceiro critério: o conhecimento de mundo do receptor,
pois a compreensão das marcas textuais é condição sine qua non para considerá-las
estisticas. Isso fica muito claro no tocante à intertextualidade. Em A barca dos homens
(2001), por exemplo, predomina o foco narrativo externo, com o português atual: essa é
a norma dentro do texto em questão. Em alguns capítulos do romance, contudo, ocorre a
interferência de outro foco narrativo, interno, parodiando a linguagem arcaica dos
clássicos portugueses, nos quais escreventes de expedições marítimas relatavam as
viagens ao rei. Essa passagem reforça o simbolismo da barca da vida, condutora dos
moradores de Boa Vista ao longo da história. Tal desvio possui efeito expressivo,
porém, se o receptor conseguir relacionar os dois textos.
Como pudemos constatar, nem todo rompimento de regra terá valor estistico,
nem é necessária sua ocorrência para que ele se configure, pois estilo é acima de tudo
escolha. A opção por determinado vocábulo em detrimento de outros pode acarretar um
estilo solene ou popular, brio ou afetivo, dependendo, segundo Mattoso Câmara
(1978: 55), do “senso estilístico de integrar cada palavra num estado dalma ou na
vibração de um apelo”. No estudo dos períodos literários, verificamos sobremaneira
essa questão. As obras da primeira geração romântica, por exemplo, trazem em seu
âmago o espírito nacionalista que vigorava no Brasil, após a proclamação da
independência.
Percebemos no estudo estilístico campo muito vasto, porque se associa
visceralmente ao pensamento, à língua, ao homem. Daí, o célebre aforismo de Buffon
6
siempre quedará un gran número de casos en que no hay tales indicaciones, en que no sabemos si la
elección fue plenamente consciente, semiconsciente, inconsciente o incluso subconsciente
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traduzir estilo com tanta propriedade. O estilo é o homem com todas as suas diferenças.
Justifica-se, desse modo, a noção polissêmica.
A imprecisão no conceito, entretanto, prejudica-lhe a qualidade como objeto
científico. Alguns estudiosos como Middleton Murry (1968: 88) chegam a defender
idéias apocalípticas com relação à palavra:
O fato é que nove vezes em dez, quando um
escritor sério faz uso da palavra estilo, ele está
tentando, como milhares dos de sua classe o
fizeram antes, corrigir as heresias dos críticos;
estilo não é uma qualidade isolável de
escrever; é o próprio escrever. E, certamente o
autor está certo. A única coisa a fazer é
abandonar totalmente a palavra.
Não razão para adotarmos tal crítica, que todo conceito abstrato tende a
ser multifacetário. Basta, enfim, como em qualquer estudo científico, que se delimite a
abrangência do objeto.
Com o surgimento da análise do discurso, a partir da década de 60, do século
XX, começou-se a questionar o lugar da estilística, na análise de textos. Percebemos, no
entanto, uma delimitação muito clara dos papéis dessas duas disciplinas. A análise do
discurso aborda aspectos periféricos do objeto, quem produziu, para quem, em que
momento, com que finalidade, circunscrevendo o ato da comunicação a partir do
conteúdo discursivo. Já a estilística compreende aspectos estéticos do texto, estudando a
expressão pela expressão, e os efeitos produzidos por seu emprego. Segundo
Maingueneau (2002: 41):
Fonética, morfologia, sintaxe nos mostram a
língua codificada, sujeita a um conjunto de
regras e de leis; os homens que falam um
mesmo idioma são obrigados a recorrer
aproximadamente aos mesmos sons, às mesmas
palavras, às mesmas construções de frase. Mas
essa uniformidade não é teórica. As
palavras e os procedimentos gramaticais nos
são densos como ao pintor suas tintas e seus
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pincéis; pois diante da mesma paisagem, com o
mesmo material, dois pintores farão duas
pinturas diferentes. (...) Para expressar nosso
pensamento, nós escolhemos, na medida em
que as regras da linguagem nos permitem, os
meios de expressão convenientes à nossa
personalidade, à situação presente, à
impressão que nós queremos produzir, essa é a
relação de estilo, e o estudo das formas do fato
expressivo, o objeto da estilística.
7
Diante de um mesmo objeto de estudo, a análise do discurso e a estistica se
portarão de maneiras distintas, ou seja, esta, investigará os efeitos expressivos de dadas
construções, enquanto aquela abordará a situação comunicativa que as envolvem.
Furtando a imagem de Maingueneau, diríamos que se tratam dos dois pintores que,
diante de igual paisagem, fazem diferentes pinturas, o que o os impede de atuarem
juntos no mesmo projeto. Comumente, a estilística se avizinha de outras disciplinas para
auxiliarem-na em seu estudo.
As duas principais correntes da estilística são por Guiraud denominadas
estistica da expressão e estistica do indivíduo, representadas respectivamente pelos
estudos de Charles Bally e Leo Spitzer.
3.1 Estilística da expressão ou descritiva
Charles Bally foi discípulo e sucessor de Ferdinand de Saussure na cátedra de
lingüística geral da Universidade de Genebra. Entre suas obras destaca-se Traité de
7
Phonétique, morphologie, syntaxe nous montret la langue codifiée, soumise à um ensemble de régles et
de lois; les gens qui parlent um même idiome sont obligés, d’avoir recours approximativement aux
mêmes sons, aux mêmes mots, aux mêmes construcions de phrase. Mais cette uniformité n’est que
théorique. Les mots et les procedes gramaticaux nous sont fournis comme au peintre sés couleurs et sés
pinceaux; or, devant le même paysage, avec le même materiel, deux peintres feront deux tableaux
différents. (...) Pour exprimer notre pensée, nous le permettent, les moyens d’expression conformes à
notre caractère, à la situation présent, à l’impression que nous voulons produire; c’est affaire de style, et
l’etude de ces moyens d’expression fait l’objet de la stylistique.
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stylistique française (1951). Para ele: “A estilística estuda os fatos da expressão da
linguagem do ponto de vista do seu conteúdo afetivo, isto é, a expressão dos fatos da
sensibilidade mediante a linguagem e a ação dos fatos da linguagem sobre a
sensibilidade”.
8
Detém-se nos aspectos afetivos da ngua falada, priorizando a espontaneidade
que lhe é inerente, em oposição à literária, cuja finalidade estética e o caráter individual
o fizeram excl-la de sua pesquisa.
A Bally não interessa o uso expressivo circunstancial, mas as estruturas
lingüísticas de valor mais generalizado. Assim, numa construção como Fogo!”, por
exemplo, não se tomará a palavra em si, mas a expressão exclamativa de caráter
apelativo, acentuado pela elipse. Importa-lhe, pois, descrever o fato estistico e não
questionar a razão de seu emprego.
Estabelece uma divisão dos caracteres afetivos em efeitos naturais e efeitos por
evocação. Os primeiros manifestam nculo natural entre forma e fundo, como as
onomatopéias, cujo som e o sentido relacionam-se, ou o diminutivo, que expressa
freqüentemente afetividade.
nos segundos, há relação entre a forma e o contexto, pois cada palavra ou
estrutura é empregada segundo dada zona ou estado. Logo, fatores como tom, época,
classes ou grupos sociais, regiões e biologia evocam emoções, pensamentos e atitudes
singulares.
A escolha do tom utilizado em uma fala, por exemplo, está intrinsecamente
relacionada com a situação. três variantes de tom, segundo os Antigos: baixo,
adequado para a linguagem informal (ex.: conversa familiar); medíocre, para a formal
(ex.: conduta profissional) e sublime, para a ultraformal (ex.: discurso oratório). As três
8
Apud GUIRAUD, Pierre. A estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p.74
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variantes estão presentes em todas as classes sociais, podendo existir uma intercessão de
tons, voluntária ou não.
Cada época possui vocabulário próprio, e quando palavras antigas (arcaísmos)
são aplicadas a textos atuais, tendem a evocar o passado ou emprestar-lhes solenidade
ou exotismo.
As classes e os grupos sociais também compreendem léxico, sintaxe e estilo
peculiares. Naquelas, encontramos exemplos na linguagem popular, burguesa,
aristocrática; nestas, nas gírias, na linguagem técnica, profissional.
As regiões constituem outro fator evocativo por possuírem traços de variantes
dialetais ou estrangeirismos, conferindo ao texto expressividade.
A biologia ou os atos biológicos interferem na linguagem, visto haver distinção
entre o vocabulário de homens, mulheres e crianças. Seu uso, portanto, confere ao
enunciado as particularidades desse grupo.
Bally investigou e demarcou a atuação da língua falada afetiva e suscitou a
corrente estilística da expressão, acompanhada por teóricos de língua portuguesa como
Manuel Rodrigues Lapa e Mattoso Câmara. Lapa, em Estilística da língua portuguesa
(1998), analisa as dez classes gramaticais sob o prisma expressivo. Difere, em parte, de
Bally por possuir caráter normativo e o descritivo como o precursor.
Mattoso Câmara em Contribuição à estilística portuguesa (1978) estuda os
aspectos lingüístico-expressivos, fundamentado na Teoria lingüística (1934) de Karl
Bühler. Nela, o autor atribui à linguagem três funções: manifestação anímica (al.
Kundgabe), referente à expressão de estados psíquicos; atuação social ou apelo (al.
Audösun ou Appell), responsável por influenciar no comportamento do outro; e
representação mental (al. Darstellung), constitda da estrutura lingüística, que
simboliza o mundo exterior e interior.
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As duas primeiras corresponderiam à linguagem afetiva de Bally e a última à
intelectiva. Para Mattoso, a estilística viria a complementar a gramática, daí demonstrar
sua contribuição no campo da fonologia, léxico e sintaxe.
Como o tema de nosso trabalho se insere no sintático, dedicaremo-lhe algumas
linhas com o intuito de situá-lo.
3.1.1 Estilística sintática
A sintaxe cuida do estudo das combinações dos termos nas frases ou orações. É
a parte da gramática que possui mais possibilidades de escolha. Segundo Maingueneau
(2002: 46) “Autant le mot est rigide, immuable, autant la phrase est souple et
malléable”.
9
Tal flexibilidade, todavia, está atrelada a uma série de fatores como, por
exemplo, a ênfase que o falante deseja incutir em seu enunciado. Ilustremos:
Tinha que agir rápido, o podia mais esperar. Àquela hora Fortunato já
devia estar preso. (BH, p.220)
Em Português, é usual a ordem direta, que consiste, respectivamente, em
sujeito, verbo e complementos (SVC). Tal organização, no entanto, é, por vezes,
subvertida em nome do estilo.
No contexto, a tensão na captura de Fortunato atinge a todos os moradores da
ilha, principalmente os que desejam ajudá-lo, mas as atitudes modorram em ambos os
lados. Assim, um deslocamento do adjunto adverbial de tempo “àquela hora” para o
icio da frase, enfatizando o tardar da ação e a conseqüente necessidade de agir de
imediato.
9
Tanto a palavra é rígida, imutável, quanto a frase é flexível e maleável.
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Um outro fator digno de nota é a concordância, pois é um dos itens da
gramática normativa que apresenta maior elasticidade, visto estar intrinsecamente
relacionada à intenção do falante, à ênfase que deseja imputar em dado elemento.
Observemos:
Um bando de andorinhas partiu esta manhã. (ou partiram)
A gramática admite as duas possibilidades, podendo-se optar pelo singular para
realçar a idéia do todo ou pelo plural para destacar a ação.
Bechara (2001: 544), entretanto, adverte que:
É preciso estar atento a que a liberdade de
concordância que a língua portuguesa muitas
vezes oferece deve ser cuidadosamente
aproveitada para não prejudicar a clareza da
mensagem e a harmonia do estilo.
A estilística sintática aborda vários outros fenômenos nesse âmbito,
observando-lhe a expressividade. Em nosso estudo, volta-se ao produto estético do
emprego de diferentes extensões de frases, esmiuçadas em capítulo próprio.
3.2 Estilística do indivíduo ou literária
A contraparte da estistica da expressão é a estilística do indiduo, tamm
conhecida como literária. Seu principal expoente é Leo Spitzer, cuja teoria se baseia na
filosofia idealista de Karl Vossler. Entre suas principais obras, destaca-se o compêndio
de ensaios intitulado Lingüística e história literária (1968). Objetiva em seu estudo
conciliar ngua e literatura, buscando um traço estilístico significativo que lhe
permitisse chegar ao cerne da obra, ao espírito do autor. Deve-se a tal atitude o termo
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estistica genética, baseado na pretensão de alcançar a gênese ou origem da obra
literária. Declara o estilólogo (1968: 25)
(...) o pensamento de um escritor é como uma
espécie de sistema solar, em cuja órbita giram
atraídas todas as categorias das coisas: a
linguagem, o enredo, a trama são somente
satélites desta
10
A obra configuraria um todo e, portanto, cada detalhe seria integrado e
motivado, guiando-nos ao seu núcleo. A essa coesão interna Spitzer chama étymon
espiritual”.
O autor cultivava o método emrico-indutivo, opondo-se ao racionalismo
analítico da época. Assim, sua abordagem inicial era sempre intuitiva. Partindo de uma
idéia, percorria o texto a procura de elementos textuais, normalmente o que ele chama
rasgos da língua”, para comprová-la. Um estalo mental sinalizaria a validade do
caminho. Segundo Spitzer (1968: 52-3):
Para superar a impressão de uma associação
arbitrária na obra artística, o leitor deve tratar
de colocar-se também no centro criador do
artista mesmo e de recriar o organismo
artístico. Tropeçamos a cada passo na
literatura com uma metáfora, uma anáfora, um
ritmo staccato que pode ter ou não ter
significado. O que nos diz se tem ou não
importância é unicamente a sensibilidade, que
devemos ter adquirida, para o conjunto da
obra artística particular.
11
Considerava que o pesquisador deve cultivar simpatia em relação à obra e ao
criador investigados. Defendia, ainda, a integração de todas as obras de mesma época, a
10
(...) el pensamiento de um escritor es como uma espécie de sistema solar, dentro de cuya órbita giran
atrdas todas las categorias de las cosas: el lenguaje, el enredo, la tama, son solamente satélites de esta
11
Para superar la impresión de una asociación arbitraria en la obra arstica, el lector debe tratar de
colocarse también él en el centro creador del artista mismo y de re-crear el organismo artístico.
Tropezamos a cada paso en la literatura con una metáfora, una anáfora, un ritmo staccato que puede tener
o no tener significado. Lo que nos dice si tienen o no importancia es únicamente la sensibilidad, que
debemos tener ya adquirida, para el conjunto de la obra artística particular.
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confluência entre os espíritos dos autores, embora cada uma devesse ser considerada
como manifestação singular.
A estilística literária de Spitzer deu origem à escola conhecida como New
stylistics ou Stylistic criticism, que medrou teóricos como: Dámaso Alonso e Amado
Alonso.
Dámaso Alonso (1960: 38) compartilha do método empírico-indutivo de
Spitzer, valorizando a particularidade de cada caso. Para ele, no entanto, apenas
merecem atenção as grandes obras literárias, “aquelas produções que nascem de uma
intuição, quer poderosa, quer delicada, mas sempre intensa, e que são capazes de
suscitar no leitor outra intuição semelhante à que lhes deu origem”.
O autor discerne, ainda, três maneiras de compreender a obra literária: a do
leitor comum, que visa ao prazer proporcionado pelo enredo; a do crítico, cuja
sensibilidade e argúcia leitora lhe permitem expressar criativa e poeticamente suas
impressões acerca da obra; e a do estilólogo, cuja preocupação está centrada em
relacionar e explicar os recursos criativos do texto e seu efeito sobre o leitor.
A análise de Dámaso Alonso difere, enfim, da de Spitzer por atentar para o
mistério da criação poética, ao passo que este se dedica à revelação do autor na obra. Já
Amado Alonso concebe o sistema expressivo da obra literária como principal objeto da
estistica, que deveria conciliar a análise dos constituintes textuais com o prazer
estético proporcionado. A abordagem de cada teórico é, de fato, relevante, porém,
transcende a proposta panorâmica deste capítulo.
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4. A EXPRESSIVIDADE DA FRASE
Segundo Guiraud (1970: 91) se o léxico é a carne do estilo, a estrutura da
frase é a sua alma”. O volume, a entoação, a organização e as ligações frasais
corroboram na forma o conteúdo do enunciado, moldando-o expressivamente.
Não obstante sua relevância, nem toda frase é objeto de estudo da análise
sintática, salvo quando constitda de verbo. Dispensemos, contudo, os atalhos em
nosso percurso e partamos da definição do objeto. Frase é uma unidade lingüística de
sentido completo. Sua extensão pode variar de palavras monossilábicas a enunciados
mais complexos. Exemplifiquemos:
podemos salvar a nós mesmos, como salvamos a nossa pele. A ajuda é o
amor, dizia antigamente no sermão. Riu. (BH, p.197)
A extensão das duas primeiras frases coincide com os períodos compostos cada
um por duas orações. A terceira é palavra monossilábica que constitui o período
simples. Às vezes, a frase pode coincidir com a oração como ocorreu na última
construção, mas trata-se de dois termos diferentes. A oração é, segundo Azeredo (2001:
30), normalmente uma estrutura bimembre (...) centrada em um verbo com o qual se
faz uma declaração predicado sobre um dado tema sujeito”. A oração pode até
prescindir do sujeito, mas existe mediante um verbo. Já a frase não precisa ser verbal,
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pode constituir-se nominalmente, resultando numa expressão menos marcada, sem
aspecto ou modo, portanto leve e direta:
Tão prestativa, tão simplesinha, tão alma boa. (VS, p.60)
O período ilustra a opinião da vizinhança acerca de prima Biela. Ela é decisiva
para sua aceitação naquela sociedade, que pesa os prós e contras de seu comportamento.
Daí ser tão incisiva, numa construção nominal que realça ainda cada qualidade da
personagem com o auxílio do advérbio “tão”. Para Cressot (1980: 188), a frase será
nominal se “o essencial da notação é expresso nominalmente”, ainda que exista um
verbo. Discordamos da visão do autor, pois entendemos a construção nominal como a
frase destitda de verbo, inclusive dos esvaziados lexicalmente, chamados pela
gramática tradicional “verbos de ligação”. Aderimos, assim, à lição de Benveniste
(1976: 169) que preconiza:
É importante realmente, se quisermos dissipar
as sombras que se acumularam sobre o
problema, separar inteiramente o estudo da
frase nominal e o da frase de verbo “ser”. São
duas expressões distintas, que se juntam em
certas línguas, mas não em toda parte nem
necessariamente. Uma frase de verbo “ser” é
uma frase verbal, paralela a todas as frases
verbais. Não poderia, sob pena de contradição,
ser tomada por uma modalidade de frase
nominal. Um enunciado é ou nominal ou
verbal.
Em enunciados verbais, a melodia e o volume da frase são marcados pelos
sinais de pontuação. nos nominais constitdos por uma palavra é esse o único
sinal que lhes assegura o caráter frasal; sem ele o elemento não passaria de simples
vocábulo, sem função gramatical. Para Kury (2001: 13), é a entoação a alma da frase:
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Na linguagem oral, cada frase possui uma
melodia, um ritmo, uma entoação peculiar que
a escrita procura sugerir por meio dos sinais
de pontuação e que lhe empresta sentido
completo na situação em que é proferida ou
escrita.
De fato, a entoação pode marcar diferentes significados em uma frase, e
embora graficamente tal recurso não seja tão rico quanto na linguagem oral, é
valiosamente expressivo na construção de textos.
Assim, de uma palavra como “ajuda”, por exemplo, analisada isoladamente, é
possível dizer que se trata de um verbo na terceira pessoa do singular do presente do
indicativo ou da segunda pessoa do singular do modo imperativo afirmativo, que denota
auxílio, assistência. Com o devido contexto e entoação, entretanto, essa noção adquire
nuances.
Pára de rezar homem, gritou Amadeu. Ajuda! (BH, p.91)
O verbo ajudar está no modo imperativo constituindo uma frase exclamativa,
que encerra o apelo de uma personagem pelo auxílio da outra. A entoação expressa a
emoção contida nessa mensagem.
Rocha Lima (1992) distingue cinco tipos de frase: declarativa, interrogativa,
imperativa, exclamativa e indicativa, que se pode apresentar tanto afirmativa quanto
negativamente.
A declarativa é aquela com que se exprime um juízo acerca de algo ou alguém.
Segundo Azeredo (2001), somente este tipo pode ser interpretado alheio ao contexto em
que se insere.
Como um pêndulo, eu vacilava, ia de um extremo ao outro da dúvida, na
ambivalente e angustiante insegurança do coração. (CN, p.20)
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Mesmo alheio à situação comunicativa em que tal sentença foi enunciada,
apreendemos seu significado basal: a expressão de um sentimento de insegurança, em
face de uma decisão a ser tomada.
A interrogativa manifesta uma pergunta, retórica ou não.
Por que não continuaram eles no manso e deleitoso fruir das horas calmas?
Por que não prolongaram por mais tempo, não esticaram toda vida aqueles
dias bons e remansosos em que viveram felizes e sem sobressaltos? Por que
imprimir, o coração pressuroso, velocidade ao tempo? Por que não deixar
ao próprio tempo o rolar compassado das horas? (...) Por que apressar o
engenho do tempo, o sumidouro voraz das suas areias? Por que não se
desligar do tempo e apenas gozar o puro compassado amor? Por que
mesmo pensar e dizer a palavra amor, quando tudo podia ter continuado
sem nome no silêncio do coração, para todo o sempre felizes e
despreocupados? (SA, p.35)
Quando Gaspar descobre estar apaixonado por sua madrasta, deseja um retorno
à amizade repousante e segura de outrora. Ele questiona a razão desse sentimento que
medra alheio à sua vontade. Tantas perguntas refletem um espírito inquieto que busca
mais externar seu inconformismo do que encontrar respostas que já não lhe servem.
Emprega-se a imperativa, normalmente, com o intuito de convencer o
interlocutor a executar determinada ação. Não necessariamente por meio de ordem, mas
tamm conselhos, solicitações etc.
Não permita, meu Deus! (OF, p.133)
Nesse caso, Evangelina que está sofrendo com um princípio de esclerose,
começa a cismar sobre seu amor adormecido e, percebendo-se perdida em divagações,
suplica a Deus que não o permita, ao menos naquele dia que amanhecera tão lúcida. O
verbo no imperativo, em consonância com o vocativo e a entoação exclamativa, confere
o tom de emotividade à cena.
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A frase exclamativa está relacionada à expressão dessas reações emotivas
como espanto, surpresa, alegria, entusiasmo, súplica etc.
É a história outra vez de Abel e Caim! (RB, p.98)
Diante do desentendimento dos filhos, a personagem vovó Naninha expõe seu
temor de uma tragédia por meio da construção exclamativa, numa intertextualidade com
o episódio bíblico do assassinato de Abel por Caim.
A frase indicativa diz respeito a inscrições concisas usadas normalmente em
anúncios, títulos de estabelecimentos comerciais, rótulos etc.
Aluga-se.
Silêncio.
Advogado.
Pode possuir ainda diferentes veis de elaboração, conforme a situação
comunicativa que envolve o falante. Um vestibulando que procure por seu nome na
listagem de calouros, ao encontrá-lo, exclama “Aprovado!”, ou ainda, “Meu nome!”.
Tais frases constituem reações emotivas a um fato ansiado pelo usuário. Elas poderiam
ser parafraseadas por Eu fui aprovado no vestibular” ou “Meu nome consta na listagem
de calouros”, mas, estilisticamente, não teriam o mesmo efeito, visto que as duas
primeiras revelam maior emoção e espontaneidade. Segundo Melo (1976: 123)
Quando alguém está tomado de intensa
emoção (ou finge estar assim) reduz ao mínimo
sua mensagem, não se ocupa em arrumá-la, em
lhe dar feição sintaticamente dual passa de
uma espécie de interjeição, que encontra
equivalente semântico numa frase organizada,
mas não é uma frase desse tipo.
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Trata-se da frase inorgânica que se divide em monorema e direma. Serão
monoremas as inorgânicas de um termo, composto por duas ou três palavras, mas
sintetizando o significado, como nos exemplos já citados:
Aprovado!
Meu nome!
Também chamamos monoremas as interjeições, apontadas por Bechara (2001)
como o tipo mais simples de frase. Essa é a visão compartilhada pelos gramáticos
recentes, que não incluem a interjeição no rol de classes de palavras. Segundo Cunha
& Cintra (2001), a interjeição não seria uma palavra, mas um vocábulo-frase. Trata-se
de expressões que transmitem estados emotivos, proferidas em tom ascendente ou
descendente, conforme o contexto. Podem tanto existir de modo independente quanto se
harmonizar com outros elementos para formar frases mais complexas:
Puxa!
Ai de mim!
o direma é uma frase bimembre, mas sem elo sintático. Com ele o enunciado
é expresso em dois termos:
Fugiu, o ladrão!
Melo tamm afirma que (1976: 124):
não é a forte carga emocional, a como que
obnubilação que produz o direma. Também a
necessidade de comunicação rápida, sintética,
reduzida ao essencial, para poupar tempo e
espaço. Aqui agora domina o pragmático, tem-
se em vida apenas o efeito desejado.
Na organizada temos construções com nexos sintáticos, estruturados com
sujeito e predicado:
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O poeta caiu em pranto a seus pés. (SDR, p.76)
Tal construção não é necessariamente intelectualizada, podendo carrear
emoções tanto quanto a inorgânica. Segundo Cressot (1980: 201):
A emoção pode ter uma tradução imediata e
espontânea; pode também revestir-se de
determinado grau de intelectualização. O
génio da língua saberá adaptar-se aos mais
variados cambiantes, tendo em conta,
simultaneamente, as circunstâncias da
comunicação, a reação do locutor perante os
factos e uma série de intenções mais ou menos
conscientes que constituem a estética dessa
comunicação.
4.1 As ligações interfrásticas
Um texto, quando constitdo por mais de uma frase, tem perpassando por seus
elementos um fio que os entrelaça, compondo sua tessitura. Nesse fio, estão os
mecanismos formais que ajudam a estabelecer as relações de sentido, sem afiançar,
entretanto, sua textualidade, pois podem existir textos com coesão, mas destitdos de
coerência. É o caso de:
César é a favor da pena de morte. Mas ele aceita que seja implantada em
seu país.
É o emprego inadequado da conjunção “mas” que resulta na incoerência, uma
vez que une duas idéias congruentes, contrariando, assim, o valor semântico da
adversativa.
A coesão se por recursos gramaticais ou lexicais e, embora exista em
qualquer vel do texto, trataremos apenas da ligação entre frases, diretamente
relacionada ao título do trabalho. Partamos do exemplo:
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O tenente mirou fundo os olhos de Godofredo. Nenhuma sombra, nenhuma
desconfiança, nenhuma prevenção. Não sabia de nada. Suspirou aliviado.
Não tinha medo dele. Mas assim é melhor. (BH, p.158)
No trecho supramencionado, observamos cinco mecanismos de coesão
apontados por Halliday & Hasan (1976)
12
: referência, substituição, elipse, conjunção e
coesão lexical.
No segundo período, a coesão lexical entre seus termos é expressa pelo
mecanismo da reiteração por meio da repetição do pronome “nenhuma”. Existem, no
entanto, mais formas de aplicar a reiteração, como os hiperônimos, os nomes genéricos
(coisa, fato, pessoa) e as palavras sinônimas. Outro modo seria a colocação ou
contigüidade, que incidem no emprego de termos de um mesmo campo semântico. É
um mecanismo presente em praticamente todos os textos, pois auxilia diretamente na
produção de sentido de um texto, ou seja, na coerência.
De nosso exemplo, podemos citar os substantivos “sombra, desconfiança,
prevenção, medo”, que deixam transparecer o sentimento de covardia que a personagem
procura disfarçar.
Nas duas seguintes, temos a elipse do nome ou do pronome relacionado às
personagens Godofredo e tenente Fonseca, respectivamente, tornando o texto mais
enxuto. No quarto período, é a flexão do adjetivo que permite o uso da elipse, pois sua
concordância com o termo suprimido marca a referência.
No quinto, destacamos a coesão expressa por um item referencial, o pronome
dele”, que remete anaforicamente a Godofredo. A remissão seria catafórica se o
referente o sucedesse. Outros elementos que podem exercer a função referencial são os
pronomes possessivos, demonstrativos alguns advérbios e expressões comparativas.
12
Apud KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1993.
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O último está conectado ao anterior pela conjunção “mas”, que estabelece um
contraste com o enunciado Não tinha medo dele”, pois se o tenente de fato não o temia,
o faria diferença Godofredo saber ou não do assédio à sua esposa.
A palavra “assim” atua substituindo outra palavra ou uma construção inteira,
que equivaleria a “Mas é melhor que ele o descubra”. Logo, seu emprego propicia
enunciados mais concisos. Tal recurso tamm evita repetições desnecessárias, embora
haja contextos em que sejam usadas intencionalmente como uma maneira de obter
efeito expressivo.
Não desprezando a relevância dos demais é, pois, no encadeamento que nos
deteremos como principal recurso de ligação interfrástica.
4.2 O encadeamento
Koch (1993: 60) denomina encadeamento o processo pelo qual se estabelece
relações semânticas e/ou discursivas entre orações, enunciados ou seqüências maiores
do texto”. duas possibilidades: conexão ou justaposição. Por coneo ou junção
entendemos a ligação por conjunções coordenativas, advérbios ou locuções adverbiais.
13
A gramática tradicional difere cinco tipos de conjunções coordenativas:
aditivas, adversativas, alternativas, explicativas e conclusivas. Trataremos, entretanto,
somente das duas primeiras por oferecerem maiores possibilidades estilísticas.
13
A classificação desses grupos de palavras varia conforme os autores. Assim, encontraremos entre as
locuções adverbiais as também chamadas palavras denotativas e entre as conjunções coordenativas,
algumas que embora exercendo a mesma função não foram incluídas nesse grupo pela gramática
tradicional, de acordo com Azeredo (2001).
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A conjunção adversativa “mas”, normalmente estabelece oposição, contraste,
entre frases ou seus termos, empregadas em situações de desordem emocional, por
exemplo:
Trêmulo ainda, ofegante, certo de que Seu major Lindolfo tinha sovertido no
ar, ele voltara ao mundo existente, olhava agora com medo Quiquina. Mas
era um medo ainda suportável, não aquele delírio, o pesadelo no meio da
estrada depois que saltou a cerca e veio correndo. (OM, p. 194)
Notamos o contraste entre dois temores distintos: o do sobrenatural e do real, o
último suportável e, de certa forma, mais desejável. A adversativa no início da sentença
sugere um distanciamento da personagem do fato ocorrido, permitindo-lhe racionalizar
seu medo.
Em Ópera dos fantoches (2001), Ismael está narrando sua vida para que o
escritor João a transforme em livro. Em dado momento, no entanto, constata que não
contava os fatos cronologicamente:
Mas vamos por partes, é melhor pôr uma certa ordem na narrativa, digo.
Caso contrário, não vou entender nada. (OF, p.15)
Nessa passagem, a conjunção não estabelece contraste com um enunciado
anterior, é um “mas” metadiscursivo, servindo para organizar a forma como se contará a
narrativa. Ele não deixa que o foco da conversa seja desviado.
Em A barca dos homens (2001), o tenente Fonseca está desiludido com a
rejeição de sua amada, mas começa a pensar na possibilidade de conquistá-la:
Não devia desistir. Ainda podia ser dele. Mas como? (BH, p.158)
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O emprego do “mas” aponta um obstáculo no caminho da personagem.
Sozinho, o “como indica apenas o questionamento do modo pelo qual solucionaria o
problema, não dando indícios se a personagem sabe o que fazer. É a conjunção que
assinala seu desconhecimento da solução, configurando-se numa adversidade.
No plano da língua, o “e” possui significado unitário, tendo caráter aditivo; o
sentido é construído no texto, conforme o receptor. Reparemos no seguinte trecho:
Tenho que lutar, tenho que ser homem. E ninguém sabe que estou aqui. (BH,
p.79)
Em seu delírio, nho navega com a barca Madalena em meio ao mar revolto.
no exemplo uma relação explicativa, marcada pelo “e”. A personagem está
convencida de que precisa resistir sozinha à violência das ondas, porque ninguém sabe
que ela está no mar, ninguém virá ajudá-la. Se quisermos manter o matiz de acréscimo
da conjunção, poderíamos inferir na frase a adição de uma nova adversidade na luta
contra o mar.
O polissíndeto, uso repetitivo da conjunção, possui, dependendo do contexto,
acentuada expressividade.
E a casa rebocada e pronta, pintada de branco, as janelas azuis, vieram os
enfeites feito aquelas pinhas de cristal colorido. E vieram depois os móveis,
as cadeiras austríacas, os dunquerques, os consolos de mármore, que
afastavam para os cantos mais recuados da casa os velhos móveis de
cabiúna e vinhático do falecido Lucas Procópio. E vieram os lustres de
cristal de mil facetas rebrilhando, os lampiões belgas, as escarradeiras de
louça inglesa florida, até jarras de opalina, caixas-de-música e caixinhas de
prata de ignorada serventia. E veio, pra nosso encantamento, até mesmo um
piano preto, de rabo, que era um despropósito, a gente nunca tinha visto
igual, um gramofone. E veio aquele relógio-armário de tamanho e beleza
inigualada, todo acharoado de vermelho, com chinesices riscadas a ouro e
em relevo – de onde, de quando ele foi buscar aquilo, a gente se perguntava
ouvindo as pancadas finas, a repetição das notas de prata. (OM, p.16)
Aqui temos a enumeração dos móveis e objetos comprados para o sobrado. O
icio de cada frase é assinalado pela conjunção e”, o que parece multiplicar o número
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de aquisições. A repetição da conjunção tamm confere maior dinamicidade ao verbo
vir” que o acompanha em quase todas as frases, demonstrando que as compras eram
muitas e constantes, mas a fragmentação do polissíndeto por meio do ponto final marca
a distância de tempo entre elas.
Observemos, agora, o efeito contrário, com o polisndeto expressando
movimento ininterrupto num único período:
E fui limpando o campo e fui pegando o bisturi e fiz a primeira incisão na
pele e fui secando e fui sulcando e secando e fui seccionando e fui
tamponando e fui abrindo e fui golpeando e fui pinçando e fui limpando e
fui indo e fui cortando mais fundo e minhas mãos pensando nas femurais
(não mais eu) e eu fui chegando e fui achando e fui retirando a bala... (RB,
p.207)
No fragmento, o doutor Alcebíades narra como operou o bandido Xam.
Tratava-se de um procedimento urgente, sem os instrumentos apropriados, dependendo
de uma habilidade cirúrgica que ele ignorava possuir. Assim, a repetição do “e”
expressa a sucessão de movimentos progressivos, inspirados pela própria situação. Ao
contrário do exemplo anterior, o polisndeto o é seccionado, mas expresso de forma
contínua sem qualquer pontuação, construindo uma imagem unificadora da série de
movimentos executados pelo médico, como os variados sons de uma orquestra que
convergem numa única música.
Em um texto, o uso consistente de construções coordenadas pode proporcionar
um efeito estilístico de espontaneidade. A justaposição dessas unidades ou
assidentismo, como também é chamado, configura-se no encadeamento sem as
conjunções, o que acentua o caráter natural da parataxe, muito comum na oralidade.
Afirma Bechara (2001: 479) sobre a justaposição:
Seu efeito para o discurso é variado, ora
apontando para um estilo cortado com grande
dose impressionista, ora para um estilo que
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focaliza quadros rápidos e movimentos
ascendentes, especialmente se está constituído
por seqüência de verbos. a seqüência de
substantivos manifesta lentidão.
Tomemos como exemplo este trecho:
O silêncio e o azul: o alívio, o descanso, a paz. Se ainda houvesse uma
saída, não via. Agora era o engenho em disparada, o engenho que ela não
soube mais como parar. O engenho enlouquecido de um relógio. O relógio
puxava os sinos, trazia as coisas. As coisas aconteciam sem parar. Tudo lhe
escapava entre os dedos. (SA, p.171)
O emprego desse recurso projeta uma visão fragmentária ao contexto, e quanto
mais breves as frases que o comem, mais evidente se torna essa fragmentação:
Duro é ver os olhos de Quiquina pela primeira vez. Não podia evitar. A
primeira vez. Os olhos amarelos. Quiquina. (OM, p.132)
Para que elementos sejam combinados em um texto, pelo menos duas
condições: que pertençam ao mesmo estrato gramatical ou se transponham a ele por
meio de hipertaxe ou hipotaxe
14
; e integrem o mesmo universo do discurso, existindo
uma afinidade semântica.
A quebra dessa relação, no entanto, origina uma figura a que Jean Cohen
(1974:140) denomina inconseqüência”. Para ele, é possível reconhecer um elemento
como inconseqüente se esse “puder ser suprimido ou deslocado sem romper a unidade
ou a continuidade intelectual da mensagem”. (grifo nosso)
Destacamos a expressão “intelectual”, porque, produzida com fins estéticos, a
inconseqüência não pode ser suprimida sem prejudicar a expressividade do conjunto.
Confiramos:
Não, ele era o mesmo homem, o mesmo Godofredo Cardoso de Barros.
Apenas não se revelara, não encontrara o seu espelho. Como o pude
14
Conforme observaremos no item 4.3, que trata da subordinação.
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perceber que ele mentia? No princípio da descoberta, ela dava outro nome –
Godofredo Cardoso de Barros fantasiava, tinha uma imaginação muito forte.
Era um homem em potencial. Era um homem.
Quando foi mesmo que dei às falas de Godofredo o nome exato? É preciso
dar nomes aos bois. O carro anda rangendo. Baba nos beiços dos bois.
Os bois têm nome. Não se lembrava quando. Eram mentiras deslavadas.
Por que mentia pra ela, por que contava casos que nunca sucederam, ações
que nunca praticara? (BH, p.35)
É possível retirar a seqüência em negrito sem prejudicar o entendimento do
texto, porém esse perderia sua característica, pois se trata do fluxo de pensamento da
personagem Maria que se perde em devaneios. Outrossim, os provérbios perpassam
todo o romance como vozes que transmitem uma sabedoria coletiva, usada pelas
personagens para dar um tom de verdade absoluta ao que estão proferindo.
4.3 Subordinação: ligação ou transposição?
Não ignoramos o papel semântico-discursivo das palavras subordinantes, mas
elas não foram incldas no pico que trata do encadeamento por seguirmos a lição do
professor Bechara (2001), que demonstra ser a função desses elementos transpor e não
ligar.
Desse modo, o fenômeno da subordinação ou hipotaxe consiste na transposição
de uma unidade localizada em um estrato gramatical
15
superior para um inferior. Tal
processo incide sobre qualquer unidade, de modo que um grupo de palavras passe a
funcionar como uma preposição ou toda uma oração como um termo de outra,
conforme:
Falou a respeito de história. (sobre)
15
Bechara apresenta-nos os seguintes estratos abordados pela gramática de língua portuguesa: morfema,
palavra, grupo de palavras, cláusula, oração e texto, respectivamente.
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A locução prepositiva deixa de ser grupo de palavras para funcionar como
preposição (palavra morfemática
16
).
O júri atestou que o réu era inocente.
Aqui temos uma oração assumindo o papel de objeto direto, possível por
meio do que, conhecido tradicionalmente como conjunção integrante, e, segundo
Bechara, um transpositor, elemento lingüístico que permite a uma unidade lingüística
sair de sua função normal e passar para outra função, por isso, o que, não ligaria duas
orações tal qual ocorre na coordenação, mas apenas marcaria o processo da
transposição.
Cabe esclarecer que a hipotaxe não se configura no oposto da parataxe, mas da
hipertaxe, que ocasiona o mesmo processo na direção contrária, ou seja, a unidade de
estrato inferior funciona como superior. Ilustremos:
– Afinal, é o alface ou a alface?
– A.
O artigo a que Bechara (2001) chama palavra morfemática é alçado ao vel de
uma oração ou texto. Esse tipo de propriedade é mais comum na retomada de um
discurso ou na metalinguagem. Justifica-se, pois, a razão de não incluirmos a
subordinação no rol de elementos que contribuem para uma interligação frasal.
Estilisticamente, porém, as construções subordinadas revelam caráter
predominantemente formal, visto requererem um maior grau de racionio lógico no
encadeamento de seus termos. Assim, na linguagem coloquial, os elementos
subordinantes são, mormente, omitidos.
16
Bechara inclui no grupo de palavras morfeticas os artigos, as preposições e as conjunções.
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Segundo Lapa, (1998: 260) a língua usual, que se caracteriza pelo seu tom
apressado e dimico dispensa perfeitamente os nexos lógicos que são as conjunções ou
substitui-os por outros a seu modo”. Tal fato ocorre, principalmente, no tocante às
expressões subordinantes de natureza mais intelectiva.
Andava depressa, quase corria. Cuidava ouvir passos. (BH, p.201)
Essa construção assindética possui grande dramaticidade assim expressa em
linguagem corrente. Com a conjunção marcando a relação causal, no entanto, a tensão
da personagem cederia lugar a uma relação lógica e mais distanciada da situação.
O excesso de conjunções em um período resulta num fenômeno denominado
subordinação enfadonha que dependendo do talento do utente pode se configurar como
defeito ou qualidade do texto. Dourado utiliza com estilo tal recurso, deixando aflorar
toda sua expressividade:
Pela primeira vez desde que a mãe morreu sentiu que alguém podia ser
terno e puro com ele. Que havia um convívio carinhoso e sem nenhuma
malícia. Que não havia nela nada de mau, nenhum pensamento escondido:
ela era clara e pura feito um riachinho nascendo frio. Que ele não carecia
de fugir nem de morrer, o coração agora alegre e feliz. (SA, p.156)
Nesse caso, o que primeiro chama a atenção é a quebra da construção
subordinante, enfatizando cada impressão da personagem. Além disso, a fragmentação
das orações subordinadas objetivas diretas em destaque evita a morosidade que um
único período implicaria e fortalece cada sensação individualmente.
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5. O VOLUME FRASAL NA LITERATURA BRASILEIRA
Escritos, literários ou o, encontram-se entre as formas expressivas do espírito
de épocas e homens. Os traços significativos de cada período podem revelar, assim, seu
estilo, mas sobrepondo-se a ele está o caráter individual de cada obra ou autor, rompendo
naturalmente os padrões em nome da estética do texto.
Delinearemos um painel do volume da frase na literatura brasileira,
evidenciando os autores mais representativos de cada época. Ao dispormo-las
cronologicamente, todavia, não pretendemos, absolutamente, traçar-lhes um quadro
evolutivo, mas apenas observar sua significativa transformação no decorrer do tempo.
Os primórdios brasileiros são marcados pelos textos de informação que,
segundo Bosi (1997: 13), não podem ser considerados literariamente, constituindo tão-
somente crônicas históricas. Ajustam-se, porém, aos nossos anseios como testemunho
da frase na prosa dos séculos XVI e XVII.
Desse modo, a carta de Pero Vaz de Caminha (1963: 5) a D. Manuel,
documento histórico considerado a certidão de nascimento do Brasil, é o prelúdio de
nossa observação da arquitetura frasal:
Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta
gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e
andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa,
quando nós sentados atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e
tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E
alguns deles se metiam em almadias – duas ou três que lá tinham – as quais
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não são feitas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali
se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase
nada da terra, só até onde podiam tomar pé.
Na carta, o compromisso do escrevente é noticiar o descobrimento do Brasil e
relatar a aventura na terra virgem. No plano formal, notamos que a extensão dos
períodos se alterna na descrição do comportamento dos índios no transcorrer da missa,
permanecendo razoavelmente comprida. Essa é uma provável conseqüência da ânsia de
descrever copiosamente tudo o que foi observado.
Destacamos, outrossim, não no trecho apresentado, mas em quase toda a
carta, o emprego do polisndeto. O recurso deixa transparecer o excesso de detalhes no
texto tal como a busca por uma fidelidade na exposição da seqüência dos
acontecimentos, enfatizando cada movimento dos indígenas.
no icio do século XVII, temos exemplos de frases incrivelmente extensas,
mesmo para os padrões clássicos:
E assim digo que as madeiras de que tenho notícia e me alembra a
qualidade delas, são estas: açabengitas, que é um pau amarelo, que lança
de si a mesma tinta muito rijo e de cor amarela; outro pau, que chamam
amarelo, excelente para taboado; jataúba, de cor dourada; maçaranduba
e cabaraíba, ambos de cor roxa, maravilhosos para obra-prima,
principalmente para cadeiras; jacarandá, tão estimado em nossa Espanha
para leitos e outras obras; conduru, pau de grande fortaleza, do qual se
fazem bons chaprões; sapupira, de que se faz também o mesmo, e muitos
carros e também liames para navios, camaçarim apropriado para taboado;
outro pau chamado d’arco, porque se fazem dele de muita fortaleza e
rigidão; zabucai também muito estimado para eixos de engenhos e estearia;
canafístula, de cor parda; câmara, rigidíssimo, e por esse respeito assaz
estimado; pau-ferro, que lhe deram este nome por seu igual a ele na
fortaleza; outro pau chamado santo, tão estimado e conhecido por toda a
parte; buraquií, assaz proveitoso; Angelim, de que se faz tanto cabedal nas
Índias Orientais, e o incorrupto cedro, louvado na Escritura; e assim
burapiroca, louro, dos quais se aproveitam para armações de casas;
buraém, de que se faz taboado para navios, quase incorrupto; corpaúba,
de uma cor preta excelente; orendeúba, de uma galharda cor vermelha; e
assim guanadim, que se produzem por alagadiços e mangues, que se não
dão senão pelo salgado; outro pau o chamado quiri, que corta pelo ferro
por ser mais duro que ele, cujo branco de fora pode suprir a falta do marfim
em qualquer obra, e âmago de dentro demonstra as águas e core de um
jaspe muito formoso; e da mesma maneira é outro pau que vem de
Jaguaribe.
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Trata-se de uma das falas de Brandônio no Diálogo terceiro de Diálogos das
Grandezas do Brasil, (1973:42-3) atribuídos a Fernandes Brandão. A obra versa sobre
os colonizadores e as terras das capitanias do Nordeste. Embora informativa é,
conforme Candido e Castello (1973: 38), possuidora de caráter literário por sua
linguagem de certo colorido e sugestões poéticas”.
O trecho relacionado detém-se na enumeração dos tipos de madeira presentes
na capitania e suas respectivas utilidades. O estranhamento para o leitor hodierno se
pelo modo de organização das informações, postas lado a lado, constituindo uma
frase, e não em tópicos, o que tornaria a leitura menos penosa. Entretanto, o autor não
deseja fragmentar a informação, confiando-a de forma completa e de uma vez. A
frase longa, segundo Cressot (1980:260-1):
corresponde a uma visão total e complexa, e a
um desejo de relato sintético. Antes de
enunciá-la, o espírito tomou consciência do
conjunto dos factos e das suas relações. O
movimento da frase estará harmonizado com a
associação dos factos às suas circunstâncias,
que, em si mesma, não é mais que um
movimento do pensamento; o todo articular-se-
á, ostensiva ou discretamente, em torno de
charneiras conjuntivas.
O padre Antônio Vieira é reconhecido como o maior orador sacro de nossa
literatura. No sermão da sexagésima (1959:23), por exemplo, o religioso critica a
insinceridade dos pregadores, responsável por não se atingir o coração dos fiéis.
Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é
sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são verças. Se
tudo são varas, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser;
porque não frutos sem árvores. Assim, que nesta árvore, a que podemos
chamar árvore da vida, há-de haver o proveitoso do fruto, o formoso das
flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos,
mas tudo isto nascido e formado de um tronco, e esse não levantado no
ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen. Eis aqui como
hão-de ser os sermões; eis aqui como não são. E assim não é muito que se
não faça fruto com eles.
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Seu texto se estrutura com frases de todos os tamanhos, conforme o ritmo que
deseja imputar-lhe. As iniciais refutam a possibilidade de se ter um sermão apenas com
um elemento; e essa negação é construída com sentenças breves que, sendo iterativa,
atribui-lhe maior ênfase. a explicação se faz por meio da enumeração do que se
deveria ter para o convencimento dos ouvintes, desembocando numa frase mais prolixa.
Vieira (1959) valoriza a prosa cadenciada e solene, de grande efeito auditivo,
sem desprezar, no entanto, o entendimento do leitor: a cadência é para as palavras,
porque não hão-de ser escabrosas, nem dissonantes”. (p.18-9)
Representando o século XVIII, temos Rocha Pita (1973: 98), cuja obra se
localiza ainda nos textos de informação dos períodos anteriores. Desse modo, a
descrição minuciosa é também marcante em seu estilo.
45. Flores Estrangeiras As flores estrangeiras, que nesta Região em
abundância grande, são rosas de Alexandria, e de Portugal, que dão em
todo o curso do ano, e de uma se faz já açúcar rosado maravilhoso; cravos
de Arrochela, mesclados, almirantes, e vermelhos; jasmins de Itália, e
Galgos em cópia excessiva; mosquetas, tulipas, angélicas, ucenas,
maravilhas, posto que adulteradas, macelas, girassóis, lírios, caracóis, e
esponjas, que chamam Corona-Christi, suspiros, maiores que as perpétuas,
porém semelhantes a elas na figura, na folha, e na duração, a cor é entre
roxo, e carmesi, com uma miúdas respirações brancas no diâmetro da sua
breve circunferência: trouxeram-se da índia Oriental, e no seu nome bem
mostram serem de longe; mugarins fragrantíssimos, claros como estrelas,
também da Ásia, musambis, que nascem nos fins dos ramos, que a sua
árvore lança, formando pirâmides, compostas de flores tostadas, amarelas,
e brancas, são oriundas de Cabo Verde.
A passagem zela pela prolixidade, detalhando tanto quanto possível o objeto
observado, no caso, as flores estrangeiras no território brasileiro. Essa construção
demasiado comprida expressa, assim, a tentativa de abarcar todos os pormenores em sua
descrição.
No século XIX, a prosa romântica apresenta frases ainda longas para o padrão
atual com abundância de adjetivos.
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Os escritores românticos num ímpeto de, com a independência brasileira,
romper tamm os laços lingüísticos que os unia a Portugal adotaram em suas obras
particularidades da língua falada na nova nação. José de Alencar foi um dos mais
censurados por suas inovações, principalmente no âmbito sintático que desobedecia aos
cânones lusitanos.
No s-escrito à segunda edição de Iracema (s/d: 123), por exemplo, o autor
responde à crítica de Henrique Leal, literato maranhense que o acusa de cultivar um
estilo frouxo e desleixado”, especialmente a prosito dO Guarani:
Para meu gosto, porém, em vez de robustecer o estilo e dar-lhe vigor, essa
acumulação de orações ligadas entre si por conjunções relaxa a frase,
tornando o pensamento difuso e lânguido.
As transições constantes, a repetição próxima das partículas que servem de
atilhos, o torneio regular das orações a sucederem-se umas às outras pela
mesma forma, imprimem em geral ao chamado estilo clássico certo caráter
pesado, monótono e prolixo, que tem sua beleza histórica, sem dúvida, mas
está bem longe de prestar-se ao perfeito colorido da idéia. energias do
pensamento e cintilações do espírito, que é impossível exprimir com
semelhante estilo.
Alencar (s/d: 124-5) comprova sua afirmação comparando períodos justapostos
dO Guarani e uma versão alternativa à moda clássica” com única frase e inúmeras
orações:
A tarde ia morrendo.
O sol declinava no horizonte se deitando sobre as grandes florestas, que
iluminava com seus últimos raios.
A luz frouxa e suave do ocaso, deslizando pela verde alcatifa, enrolava-se
em ondas de púrpura e ouro sobre a folhagem das árvores.
Os espinheiros silvestres desatavam as flores alvas e delicadas, e o uricuri
abria as tenras palmas para receber no cálice o orvalho da noite, etc.
E porque ia a tarde morrendo e o sol declinava no horizonte e deitava-se
sobre as grandes florestas que iluminavam seus últimos raios, à luz frouxa e
suave do ocaso, que deslizava pela verde alcatifa, parecia que formava
ondas de púrpura e ouro sobre a folhagem das árvores; e ao ponto que
desatavam os pinheiros silvestres as suas flores alvas e delicadas, abria o
ouricuri as tenras palmas, para que recebesse no seu cálice o orvalho da
noite.
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O resultado da transformação, como se haveria de esperar, é a manutenção da
idéia original, mas sem o mesmo êxito, uma vez privado da expressividade da
justaposição que destaca cada etapa da hora da ave-maria descrita no fragmento,
denotando, conforme o autor (s/d: 124), “a sucessão e contraste dessas impressões
rias”. A segunda passagem sacrifica esse efeito.
Segundo Celso Cunha (1972:21):
Não dúvida de que toda língua culta, em
particular quando escrita, é tradicional e, de
certa maneira, uma língua especial. Se, no
entanto, ela perde o contacto com a ngua
viva, se não se renova com as criações do falar
corrente, de que deve ser uma normalização ou
uma estilização, sofre em seu funcionamento,
estratifica-se. E a estratificação é a morte
letárgica de um idioma.
Nem de ousadia vive o romântico: a prosa alencariana também recorre à
sentença longa quando o texto assim o pede. Tomemos como exemplo mais um trecho
do polemizado O Guarani (s/d: 74):
O peixe que beijava a flor da água, e que podia ir ofender a moça; uma
cobra verde inocente que se enroscava pelas folhas dos aguapés; um
camaleão que se aquecia ao sol fazendo cintilar o seu prisma de cores
brilhantes; um sagüi branco e felpudo que se divertia a fazer caretas
maliciosas suspendendo-se pela cauda ao galho de uma árvore; tudo quanto
podia ir causar um susto à moça, o índio fazia fugir, se estava longe, e se
estava perto, pregava o animal imóvel sobre o tronco ou sobre o chão.
O índio Peri circunscreve Ceci em sua proteção de tal forma que ser algum
possa ofendê-la. Peixes, cobras, camales, sagüis, de todos o herói se acautela. Do
excesso de adjetivação já característico do estilo romântico, ressalta-se o uso de orações
adjetivas restritivas que marca com mais força a proteção do herói por meio da
repetição. O volume frasal corrobora, por sua vez, a abrangência dessa vigilância, que
se manifesta total e infatigável.
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Com o Realismo vieram, enfim, frases mais enxutas, visto buscarem os
escritores objetividade em suas obras, sem os excessos românticos da descrição
ornamental. Segundo Bosi (1997: 173):
Nos fins do século XIX e nas primeiras décadas
do nosso, começa a hipertrofiar-se o gosto de
descrever por descrever, em prejuízo da
seriedade que norteara o primeiro tempo do
Realismo.
Observemos, assim, um trecho de Memórias póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis (s/d: 39):
Os dias passavam, e as águas, e os versos, e com eles ia também passando a
vida da mulher.
Transcorrem os últimos dias da vida da enferma que viaja com Brás Cubas no
navio. A simplicidade com que Machado nos conta tal fato é apenas aparente, pois a
passagem é enriquecida pelo uso sutil de alguns recursos expressivos. O polissíndeto
arremata as etapas da viagem: as águas, os versos e a vida da moribunda, com a frase
concisa distinguindo o tempo de cada despedida.
A inversão da ordem direta na última oração coloca em primeiro plano o verbo,
que conduz o destino da mulher, passiva em face do tempo e da morte. O contraste com
a primeira acentua essa idéia.
A exemplo de Alencar, Machado também recebeu críticas por seu estilo
conciso e entrecortado. Medeiros e Albuquerque
17
ironicamente atriba tal
característica à gagueira do escritor, numa análise caricatural de sua técnica. Em Dom
Casmurro (2004: 183), deparamo-nos com o seguinte exemplo:
17
Apud MACHADO FILHO, Aires da Mata. “Caricaturas estilísticas”. In: Críticas de estilos. Rio de
Janeiro: Agir, 1956.
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Era o discurso. Queriam o discurso. Tinham jus ao discurso anunciado.
Nesse momento da narrativa, acontece o enterro de Escobar, colega de
semirio de Bentinho. Uma vez que a notícia de que faria o discurso se alardeara, o
público presente o cobrava. As frases curtas coordenadas assindeticamente deixam
transparecer a emoção da cena com a pressão do público para que Dom Casmurro
discursasse e seu nervosismo ao ter de relembrar a amizade daquele que julgava tê-lo
traído.
Outro recurso que começou a vigorar com maior freqüência entre os escritores
realistas foi o emprego da frase nominal. No romance regionalista Dona Guidinha do
poço, de Manoel de Oliveira Paiva (s/d: 60), tal fenômeno é observável:
Ao almoço, passoca. O dono da casa, à cabeceira, de frente para a janela
aberta sobre o sertão. (sic)
A ausência de verbo e a brevidade das frases incorporam a leveza e a
rusticidade do almoço em família na fazenda do Poço da Moita.
Nas primeiras décadas do século XX, configura-se a vanguarda européia, em
meio a avanços científicos e tecnológicos e à eclosão de uma guerra mundial. A rie de
ismos que daí advém é marcada por uma tentativa de ruptura com a arte antiga e a
renovação desta, expressa na literatura, entretanto, mais por meio de manifestos que de
obras, efetivamente.
No Brasil, que recebeu sobretudo influência do Futurismo, desenvolveu-se, por
essa mesma época, uma estética que, apesar de o possuir uma meta comum, propunha
uma arte nova, que propiciasse a reflexão e o abandono de modelos antigos. Iniciava-se
o Modernismo.
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Um dos méritos do movimento foi a conquista do espaço da oralidade na
literatura. No esforço de simular uma linguagem despojada, os autores aposentam os
períodos caudalosos, as inversões, enfim, todo o artificialismo solene característico dos
nossos primeiros séculos literários. Em seu lugar, armam-se de uma pontuação pautada
no sentimento da leitura oral, o que muitas vezes vai de encontro às normas gramaticais.
O emprego das variantes lingüística populares tamm foi um ponto forte do
Modernismo.
No tocante à estrutura frasal, uma das grandes novidades foi o emprego de
frases curtas, refletindo não a velocidade decorrida do progresso, mas a influência da
linguagem jornalística na prosa modernista. Alcântara Machado é um expressivo
representante da prosa célere que resulta dessas circunstâncias. Afirma Zeni (2001: 46)
sobre o autor:
O que nos faz ler esses textos de mais de 70
anos de idade como se tivessem sido escritos
ontem é aquilo que se esconde no ilusionismo
da narrativa: as frases curtas e diretas; a
preferência pela ação em contraponto à
descrição; a oralidade do texto do narrador
(antes que a oralidade dos personagens); a
dicção jornalística de “ausência” do ator, de
distanciamento e de isenção sentimental em
relação ao objeto; os recortes de instantâneos
urbanos, os textos de finais inconclusos ou
abertos
Observemos um trecho do conto Apólogo brasileiro sem véu de alegoria, de
Alcântara Machado (1991: 78):
Todos os passageiros, magarefes e auxiliares, imitaram o chefe. Os instintos
carniceiros se satisfizeram plenamente. A indignação virou alegria. Era
cortar e jogar pelas janelas. Parecia um serviço organizado. Ordens
partiam de todos os lados. Com piadas, risadas, gargalhadas.
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Esse é reconhecidamente um exemplo da frase entrecortada levada ao extremo,
cuja concisão lembra o estilo telegráfico. A dimensão frasal, tal qual sua justaposição,
corrobora a movimentação, das personagens que destroem os bancos de palha do trem
num ato de revolta. A velocidade com que os fatos são apresentados atualiza a rebelião
dos passageiros, liderada por um cego contra a falta de luz nos vagões.
Oswald de Andrade (1996: 10) no pseudoprefácio de Memórias Sentimentais
de João Miramar, assinado por Machado Penumbra, ironiza a falsa receptividade dos
críticos no tocante ao novo recurso, concedendo aos escritores o direito às inovações,
mas antevendo seu malogro.
Torna-se lógico que o estilo dos escritores acompanhe a evolução
emocional dos surtos humanos. Se no meu foro inteiro, um velho
sentimentalismo racial vibra ainda nas doces cordas alexandrinas de Bilac
e Vicente de Carvalho, não posso deixar de reconhecer o direito sagrado
das inovações, mesmo quando elas ameaçam espedaçar nas suas mãos
hercúleas o ouro argamassado pela idade parnasiana. VAE VICTIS!
Esperemos com calma os frutos dessa nova revolução que nos apresenta
pela primeira vez o estilo telegráfico e a metáfora lancinante.
A uma coisa apenas oponho legítimos embargos é à violação das regras
comuns da pontuação. Isto resulta em lamentáveis confusões, apesar de,
sem dúvida, fazer sentir “a grande forma da frase”, como diz Miramar pro
domo sua.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, houve a expansão do romance
intimista na ficção brasileira e, conseqüentemente, uma recaída na frase lenta. Tal ritmo
se dá, mormente, em razão de a narrativa intimista se circunscrever em torno de um
evento submerso na consciência. Assim é a expressão artística de Cornélio Pena (1960:
45):
Sôbre a mesa colocada bem no centro da sala do oratório, que era imensa e
guarnecida dos lados por marquesas cujos encestos se erguiam em pesadas
volutas, e ao fundo pelo relógio de armário, fronteiro à capela doméstica,
que deve o nome àquele amplo compartimento, foi estendido grande pano
de veludo escarlate, todo bordado de prata, em intermináveis ramagens,
entrelaçadas nos cantos.
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A descrição do cenário rica em detalhes plastifica-o, de modo a torná-lo mais
concreto perante o leitor. A constituição desse longo exemplo envolve o predomínio de
nomes (substantivos e adjetivos), visto o narrador deter seu campo de visão nos objetos
e não em ações, conferindo-lhe um aspecto mais vagaroso.
Segundo Adonias Filho (1960:12):
No espaço amplo sobre o qual permanece a
sombra da menina morta –, levantam-se os
quadros em visualização quase teatral, as
personagens integradas em seus
comportamentos, entrosados acontecimentos e
cenários, que o romance se descobre em plena
organização plástica.
Não obstante as idiossincrasias, a frase curta foi um legado modernista
aplicado desde então conforme o efeito estilístico que o autor deseja conferir aos seus
escritos. No conto O Ciclista, Dalton Trevisan (2000: 27) faz uso desse recurso
expressivamente:
Em cada curva a morte pede carona. Finge não vê-la, essa foi de raspão,
pedala com fúria. Opõe o peito magro ao pára-choque do ônibus. Salta no
asfalto a poça d’água. Num corpo, touro e toureiro, malferido golpeia o
ar nos cornos do guidão.
Ele retrata a velocidade no trânsito num reflexo da vida moderna. A celeridade
é marcada sintaticamente pela pequena extensão das frases que se coordenam
assindeticamente. Assim, a pressa do ciclista vencendo cada metro furiosamente é
confirmada por tal mecanismo.
Trata-se da frase entrecortada, caracterizada pela brevidade e estrutura
predominantemente coordenada, identificada por Garcia em seu estudo acerca da feição
estistica da frase, como modelo a ser seguido ou repudiado pelos aprendizes do ocio
da boa escrita. Segundo Cunha & Cintra (2001: 651), no entanto:
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O PONTO tem sido utilizado pelos escritores
modernos onde os antigos poriam PONTO-E-
VÍRGULA ou mesmo VÍRGULA. Trata-se de
um eficiente recurso estilístico, quando usado
adequada e sobriamente. Com a segmentação
de períodos compostos em orações absolutas,
ou com a transformação de termos destas em
novas orações, obriga-se o leitor a ampliar as
pausas entre os grupos fônicos de determinado
texto, com o que lhe modifica a entoação e,
conseqüentemente, o próprio sentido. As
orações assim criadas adquirem um realce
particular; ganham em afetividade e, não raro,
passam a insinuar idéias e sentimentos,
inexprimíveis numa pontuação normal e
lógica.
O volume do período, como qualquer outro recurso lingüístico, vem a legitimar
na forma o conteúdo de um texto. A predominância de um estilo único resulta no gosto
insosso da previsibilidade. É, portanto, o colorido do texto, e o o monocromismo, que
o vitaliza, é o contraste entre diferentes mecanismos lingüísticos, e, no que diz respeito
ao nosso estudo, variadas dimensões frasais, que acentuam seu efeito estilístico.
Fixaremos nosso olhar, então, nos dois extremos desse procedimento, a frase
longa e a entrecortada, a fim de apreender sua expressividade no romance A barca dos
homens, de Autran Dourado, obra de grande valor para a literatura brasileira.
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6. O VOLUME FRASAL NA BARCA DOS HOMENS
Há muitas coisas escondidas dentro do homem,
que o pensamento jamais descobrirá.
Os homens necessitam de espelho para se verem.
Ou de uma ação qualquer, de uma luta qualquer.
18
Essa máxima resulta da reflexão de Maria, personagem dA barca dos homens,
que busca na memória a chave para o esconderijo em que o caráter do marido se
abrigou. Se ela, porém, não encontra a sua, fornece-nos a nossa para compreender o
romance. A Ilha de Boa Vista e seus habitantes se deixam conduzir pelo marasmo,
como cortiça em água parada, até que convencido de que Fortunato roubara-lhe a arma,
Godofredo, njuge de Maria, denuncia-o às autoridades da ilha, que promovem uma
verdadeira caça ao rapaz. O incidente produz uma perturbação no núcleo principal que
se estende por todo o lugar, tal qual a pressão do vento gera ondulações, que crescem e
se propagam rápida e ritmadamente. Desse modo, as scaras que dissimulam a
verdade de cada homem são pouco a pouco deslocadas, permitindo-nos perscrutar senão
todo o semblante, ao menos parte dele.
O volume da frase expressa formalmente a cadência no texto. Em princípio, a
frase longa corresponderia à apatia antes da perturbação e a entrecortada ao abalo que
segue. Os apontamentos do autor a respeito da confecção da obra nos levam a crer que
18
DOURADO, Autran. A barca dos homens Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 33.
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esse recurso foi intencionalmente empregado por ele, resultando no contraste entre uma
narrativa lenta associada ao dia e uma veloz referente à noite. Isso se comprova por
meio do gráfico apresentado por Dourado em Uma poética do romance (2000),
reproduzido a seguir para melhor acompanharmos seu racionio.
A narrativa é segmentada em dois grandes blocos: O ancoradouro e As ondas
do mar alto. O primeiro abarca oito partes, apresentando, em cada uma, as personagens
e seus respectivos dramas. Predomina a frase longa, embora a entrecortada tamm
apareça, equilibrando o ritmo dos capítulos. no segundo, mais movimentado,
1- O cemitério da praia 2- As aranhas
3- A casa da mara 4- Os peixes
5- A Madona e o menino 6- Um começo de homem
7- O beco das mulheres 8- A nave de Deus
Figura 1 – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA CONFECÇÃO DA OBRA
Fonte: DOURADO, AUTRAN, 2000. p.159
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predominam frases entrecortadas. Isso não quer dizer que o volume frasal esteja apenas
relacionado à velocidade dos acontecimentos, seu emprego tamm fortalece outras
impressões transmitidas pela história.
6.1 Algumas palavras sobre a estrutura do romance
A barca dos homens (2001) não possui uma estrutura convencional, no tocante
às marcas de elocução. Um exemplo é a ausência do travessão que, no diálogo escrito,
indicaria a mudança de interlocutor. As falas não ocupam lugar de destaque,
incorporando-se ao corpo do texto. Ilustremos:
Quem é que vai pagar a carceragem dele, perguntou Macedo. Macedo, você
não é como os outros, não faz assim não, pediu Benjamim. Você sabe que o
coitado não tem dinheiro. Pra beber tem, disse Macedo. (p. 98)
Apesar da omissão do travessão, podemos identificar a quem pertencem as
falas por meio do verbo dicendi, que as encerra, no caso do soldado Macedo, ou
intercala, com relação ao prisioneiro Benjamim.
trechos em que ocorre a negligência desse verbo, entretanto, certas marcas
lingüísticas e o próprio contexto nos permitem perceber em que momento cada locutor
se insere como sujeito do discurso:
Não senhora, não estive com ele não. Quer dizer que não sabe como ele
está? Não senhora. Eu quero dizer ele tem feito coisas esquisitas? As de
sempre, dona, ele está bem melhor da cabeça. (p.110)
Os personagens Tônho e Maria travam o diálogo acerca do desaparecimento de
Fortunato. Mesmo sem o verbo dicendi, somos capazes de saber quem está com a
palavra, pois os vocativos no gênero feminino “senhora” e dona” marcam o discurso de
nho, que se dirige à sua interlocutora. Recorrendo ao contexto, também
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reconhecemos a fala daquela, pelas interrogações que assinalam as perguntas, visto que
o narrador, ao introduzir o diálogo supramencionado, antecipa: “De cabeça baixa,
nho ia respondendo às perguntas de Maria” (p. 110).
O romance de Dourado está pautado na imagem do mar, numa construção
metafórica em que a entidade (o mar) é personificada, conforme percebemos no
seguinte fragmento: O mar é mais fundo do que se imagina, a luz mais distante e mais
funda do que o mar. Mas o mar (...) não muda, o mar está cheio de memórias” (p.32).
Trata-se do fenômeno que Lakoff e Johnson (2002) denominam metáfora
ontológica, ou seja, uma construção que consiste na concepção de idéias, eventos,
atividades, emoções etc. como entidades e substâncias. Segundo os autores, a ocorrência
de tal fenômeno se deve à necessidade que têm os homens de demarcar as entidades,
partindo de sua experiência com objetos físicos e com o próprio corpo humano.
O pensamento de Maria está cerceado de lembranças. A que o precede diz
respeito ao rato de estimação de sua filha, morto por Godofredo, a quem ela nunca
perdoaria. Isso nos leva à compreensão de que esse mar profundo e cheio de memórias é
cada personagem da história e a própria história, mansa ou selvagem conforme sopra o
vento.
6.2 O ancoradouro
Fala e onda quebrando mansas” (p.13). Essa sentença define o primeiro bloco
do romance, no qual nos inteiramos do cotidiano das personagens que, mesmo em
conflito interior, sustentam a máscara da resignação.
A morosidade do mar naquela manhã da Ilha de Boa Vista pode ser percebida
no comprimento dos períodos que se estendem preguiçosamente.
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O primeiro trecho selecionado para a análise refere-se a Fortunato, cujos
bitos vão sendo apresentados ao leitor:
E Fortunato, embora com quase trinta anos, não fazia outra coisa senão
andar o dia inteiro pela ilha, de praia em praia, de penedo em penedo,
catando ostras que comia com esganação, ou na colônia de pescadores do
lado do continente, esperando os barcos voltarem da pesca, ou vagando no
cais sujo, a ouvir como o canto de um menino morto a sirena da Fábrica,
que espantava as visões dos olhos opacos, dos olhos afundados no seu
porão ou muito tempo parados no brilho das escamas e das lajes, das ondas
que batiam de Boa Vista os olhos de Fortunato eram mansos como peixes.
(p. 18)
É-nos revelado que a personagem ficava o dia inteiro a caminhar pela ilha. A
frase longa se emprega na tentativa de apreender cada detalhe de seu percurso.
Contribui para tal matiz o uso sucessivo dos adjuntos adverbiais de praia em praia”;
de penedo em penedo”, que assinala os passos de Fortunato por todo o lugar. A
presença de verbos no gerúndio como “catando”, esperando” e “vagando” confirma
esse caminhar constante, pois conforme Cunha & Cintra (2001: 492): “o aspecto
inacabado do gerúndio permite-lhe exprimir a idéia de progressão indefinida,
naturalmente mais acentuada se a forma vier repetida”.
O detalhismo fica igualmente claro na acumulação de complementos, a fim de
especificá-los, caso de dos olhos opacos, dos olhos afundados no seu porão e do
brilho das escamas e das lajes, das ondas que batiam de mansinho na amurada”.
Um dos passatempos de Fortunato consistia em sair à procura de pequenos
bichos, como besouros, formigas, aranhas etc. para observar seu comportamento. O
fragmento abaixo retrata a visão de Maria desse entretenimento:
Ficava parado horas e mais horas, os olhos esgazeados acompanhando os
movimentos de inúmeras patas desordenadas, patas que mexiam para a
frente e para trás, para trás e para a frente, para cima e para baixo,
para baixo e para trás, para cima e para a frente, de novo para trás e para
a frente, de novo, sempre, não desordenadas, porque havia uma ordem nas
coisas, uma história natural para tudo, lhe ensinaram, portanto
ordenadas, patas que seguiam um movimento, de quê mesmo? cheias de
filamentos, patas, o ventre escuro e escamado de uma barata. (pp. 29-30)
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A repetição marca o movimento das patas dos insetos. Se substituíssemos o
trecho em destaque por uma expressão como patas que se mexiam para todos os lados,
ininterruptamente” ou algo similar, não obteríamos o mesmo efeito, pois a repetição
representa materialmente essa continuidade, aproximando a imagem do leitor. A
atenção da espectadora parece recair sobre as patas do inseto, o que se evidencia pela
aposição do termo a três seqüências: “patas que mexiam para frente e para trás (...)”;
patas que seguiam um movimento de quê mesmo?”; e a resposta a essa pergunta:
patas, o ventre escuro e escamado de uma barata”.
O ponto de interrogação provoca certo estranhamento ao se posicionar no
interior da frase. A pergunta de quê mesmo?” é introduzida como um aparte
parentético numa tentativa de lembrar com o que o movimento das pastas se parecia.
Assim, o autor mantém o tom da pergunta por meio do sinal, mas parece considerar
tudo uma massa para melhor destacar a perturbação da personagem que se perde em
sua reflexão.
O tempo dedicado ao episódio se deixa entrever não pelo adjunto adverbial
horas e mais horas”, mas pelo tamanho da sentença e os recursos citados.
A reiteração de palavras na frase longa também está presente no exemplo
seguinte, referente às reflexões de Luzia, mãe de Fortunato, que pensava sobre a morte
dos peixes pelos homens e dos homens pelo mar para os peixes:
Mas o pensamento mar, peixes, homens, peixes, mar, homens, homens e mar
e peixes e peixes e mar continuou ainda muito tempo bolindo com ela. (p.
28)
O narrador não se limita à meão de que o pensamento de Luzia permaneceu
ainda por muito tempo, mas procura expressar tal fato mais concretamente, por meio da
visão clica de mar, peixe e homens, que se repete. Já o polissíndeto arremata e acentua
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o elo dos elementos, marcando a insistência com que sua mente era tomada por essas
idéias.
A frase volumosa do romance também segue os moldes das crônicas de
viagem, sempre que a interferência de um narrador obscuro, relatando os
acontecimentos da barca dos homens, metáfora da Ilha de Boa Vista:
Na entrada da Ilha da Boa Vista, separada do continente por um braço de
mar de uns mil metros, onde boiavam barcos de serviço (de lado a lado,
gritos de vogais demoradas) um mar feio e sujo, mar de estopas e nódoas de
óleo, um mar feio e sujo, mar de pobres e de trabalhos e de chupas de
laranjas podres, um mar de pescadores e de pretos, na entrada da ilha
ainda se via escuro o marco que os descobridores deixaram. A terra era do
Império, a Fé dilatada até o outro mundo. Esta terra, Senhor... (pp. 52-3)
A literatura dos cronistas e viajantes do século XVI e XVII era muito comum
em Portugal e Espanha, constituindo narrativas em prosa que registravam as descobertas
de novas terras, descrevendo-a e a seus habitantes.
No trecho supramencionado, a descrição da ilha enfoca o mar. A primeira
referência possui caráter objetivo, que é estabelecer-lhe medidas: “mais de uns mil
metros”. Em seguida, as características do mar se acumulam nas minúcias de uma
descrição pessimista que registra como princípio indiscutível o aspecto frio e sujo do
mar, por meio de sua reiteração. Cressot (1980: 263) admite que: “Uma frase pode ser
longa, não tanto devido às subordinadas que se ligam ao tema principal ou a um tema
secundário, mas por acumulação dos factos e das circunstâncias”. O polissíndeto
encadeia as qualificações estendendo a vio descrita. As duas frases seguintes servem
para identificar narrador e interlocutor: escrivão e rei, respectivamente.
Nem de variante culta se constitui, porém, a frase extensa. No exemplo
abaixo, observaremos a interferência de vícios da linguagem coloquial na narração:
Esquecera, ficara aquilo, sabe, precisava tomar nota no caderno de
exercícios. Depois falou em soneto camoniano, sabe, soneto inglês, em
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Camões copiando Petrarca – dissertou um pouco sobre a feiúra do plágio e
a sua validade era feliz, gordo, sabe, luminoso, sabe, escovado, sabe,
sábio, sabe, e ria porque a menina não sabia fazer um soneto. (p. 30)
Maria recorda sua época de estudante, em que mostrara ao professor o poema
que fizera. O vício lingüístico do professor “sabe” vai costurando a digressão, que
mescla o comentário do mestre e a imagem que Maria ia formando dele. Desse modo, a
expressão que, em princípio, serviria apenas para conferir se a aluna estava
acompanhando seu raciocínio, é incorporada como mais uma característica do professor,
juntamente com os adjetivos “feliz”, gordo”, “luminoso”, “escovado” e sábio”.
Ainda nesse âmbito, temos o planejamento de uma conversa que Fortunato
pretendia travar com o amigo nho. As marcas do coloquialismo presentes, tais quais
aí” e “então” funcionam como enlaces lingüísticos:
Queria uma explicação da luta, depois que ele contasse: chegou a
pequena aranha, então a grande ficou assim, a pequena vai-não-vai, assim,
a pequena, então a grande, então a pequena venceu a grande,
então.(...) É assim mesmo. A gente fala uma palavra, olha a cara do amigo,
fala outra, depois outra, fala, depois outra, e vai se formando não vê uma
tristeza na cara do amigo, uma tristeza tão sem fim que a gente compreende
que o amigo compreendeu e então a gente compreendeu num fogo-foguinho
tudo de repente, compreendeu? era por isso que ele precisava de
explicação. (pp. 45-6)
O “aí estabelece uma relação de tempo e o “então de conseqüência ou
conclusão. Em “aí então”, o coordena a oração, estabelecendo uma relação aditiva.
O excesso desses elementos marca a imaturidade lingüística do falante. A composição
fogo-foguinho sinaliza a instantaneidade da compreensão, proporcionando a imagem
do impacto do entendimento.
As narrações da luta e da possível reação de Tônho apresentam seqüências
lineares que se encadeam em longos períodos que na ansiedade de muito dizer pouco
informam.
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Procedimentos como a subordinação enfadonha são recursos que podem tornar
a frase arrastada:
Difícil era não acreditar que Tônho tinha medo, que a cachaça o vencera,
que não contava mais entre os grandes pescadores que palmilhavam a costa
e venciam o mar alto. Os grandes pescadores cujos olhos nasciam com a
primeira manhã que sai virgem da noite, ensangüentada e pura. O peito dos
pescadores. Tônho conhecia o mar, conhecia-o desde menino, sabia de seus
mistérios, das pedras agudas que eram o perigo dos dias de mar agitado,
sabia do mar azul, do mar verde cheio de peixes, do rumorejar das ondas do
mar. Sabia do mar grosso.
Que acontecia com Tônho agora? (p. 43)
O excesso de orações subordinadas multiplica o que era difícil de acreditar,
acentuando as falhas de nho e a dor de Fortunato em sabê-las. A retomada dos
elementos os enfatiza. Os grandes pescadores”, “O peito dos pescadores”. a
repetição do verbo saber” estabelece a coesão, dispensando o elemento subordinante.
É possível notar a assimetria dos períodos que contrastam num mesmo
parágrafo, e até entre eles, frases muito longas e muito curtas. Trata-se de uma
tendência do estilo barroco. Segundo Monteiro (1991: 51):
A simetria responde pelo significado de
equilíbrio, enquanto a ausência de um estreito
paralelismo rítmico-sintático revela um estado
de desequilíbrio.
(...) os períodos curtos, incisivos, atêm-se ao
coloquialismo, à espontaneidade. São
estruturas da linguagem prevalentemente
afetiva. Os períodos mais longos, armados
hipotaticamente, exprimem menor escala de
afetividade e se prestam para linguagens
denotativas, cnicas. A mistura acentuada dos
dois recursos implica sempre uma tensão, um
jogo de contrários.
Tal fenômeno ocorre nessa reflexão de Fortunato, que vivencia um conflito,
tentando entender a razão de nho não se lançar mais ao mar para pescar. Assim, ele
pesa o vício do amigo e sua experiência como pescador, temendo acreditar que tenha
sido vencido pela bebida.
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Consideremos outro caso que incide numa miscelânea de frases longas e curtas
compondo o ritmo da narrativa. A personagem Luzia vivencia um momento de
desespero, visto que seu filho Fortunato, acusado de roubar uma arma, está sendo
perseguido pela polícia:
(...) Pasmada e tonta, pelejava para juntar o amontoado de trastes soltos na
sua cabeça. Queria entender, entrar no imo de uma natureza que a invadia,
entender as leis que governam o mundo, a máquina de que agora era uma
peça insignificante, a máquina que nenhuma força humana podia parar,
desde que acionada. A vida humana não vale nada, qualquer um pode
matar, qualquer um pode morrer. Um dia da caça, outro do caçador. A
máquina do mundo era complicada demais para ela, o entendimento se
tornava difícil. Não voltava os olhos para o céu, megulhava-os na terra, nas
coisas inanimadas que de repente adquiriam vida e feriam ou salvavam, por
um processo estranho de simpatia e proximidade. As coisas viviam e feriam.
Toda a alma negra, todo o continente africano que repousava fundo no seu
peito sofrido, como sepultado, ganhava força, surgia das trevas, para viver
em gritos, terrível. E aqueles santos, aquele Deus novo para quem às vezes
apelava, não podiam salvá-la. Suas mãos tateavam no escuro: como o
primeiro homem ao descobrir o primeiro raio, a primeira morte, o primeiro
corpo apodrecendo, a primeira gravidez, a primeira doença, o primeiro
fogo, o primeiro sacrifício, o primeiro coração doendo miúdo. A construção
desabava e lhe restavam as mãos e as coisas. (p. 104-5)
No discurso, a voz do narrador se mistura com o pensamento de Luzia que se
desenlaça na dor de não ser capaz de reter o funcionamento da engrenagem social,
acionando o gatilho que po fim à vida de seu filho. Mais uma vez, deparamo-nos com
a repetição como um recurso para realçar idéias. O verbo entender” aparece por duas
vezes, corroborando a incompreensão dos fatos. em “qualquer um pode matar,
qualquer um pode morrer” um paralelismo tmico, ou seja, construção simétrica das
duas orações, a fim de estabelecer similicadência. Assim, avulta-se esse pensamento.
O emprego de estruturas similares se torna ainda mais evidente na acumulação
de elementos na última frase, em que cada sintagma se inicia pelo numeral primeiro
(a)”. O ritmo, no entanto, o se estabelece numa gradação. As descobertas vão do
icio dos tempos, “o primeiro homem”, passando pelo raio, a morte, o corpo
apodrecendo; a vida que se encerra para que outra se inicie: gravidez, doença, fogo,
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sacrifício (não mais a morte acidental), e uma paixão (“o coração doendo miúdo”), que
dá icio a uma nova vida, perpetuando o ciclo.
Contrastando com as frases difusas, as curtas parecem resgatar e sintetizar a
essência daquelas, o que ocorre em “As coisas viviam e feriam”, que recupera e destaca
o dito da frase anterior, mas apenas a parte negativista; a salvação que as coisas também
proporcionavam é omitida, revelando o estado de espírito da personagem. Já no último
período: “A construção desabava e lhe restavam as mãos e as coisas”, a retomada
o especificamente da frase anterior, mas de todo o trecho, estabelecendo uma
conclusão: a construção interior, a tentativa de compreender o que se passara fracassou,
restando-lhe apenas o que havia de concreto à sua volta.
O provérbio Um dia da caça, outro do caçador” resume, outrossim, a sentença
precedente, mas produz efeito diferente das demais, pois integra a tradição popular
resgatada, como uma voz de autoridade e, portanto, irrefutável. A expressividade desse
provérbio está na certeza que ele traz para o enunciado.
Para Mainguenau (1993: 101), “o locutor” autorizado que o valida, em lugar de
ser reconhecido apenas por uma determinada coletividade “tende a coincidir com o
conjunto de falantes da língua, estando incluído o indiduo que o profere”. Logo, ao
enunciar um adágio, o sujeito não fala em seu próprio nome, mas por um eu-coletivo
que invoca.
Estruturalmente, tal provérbio é composto por um direma, frase incompleta, ou
seja, formada por dois membros sem relação sintática. Para Martins (2000), a ausência
do verbo imprime um efeito atemporal, fomentando sua universalidade.
Outro recurso observado no romance é o emprego insistente de perguntas,
revelando a insegurança que dominava os moradores da ilha:
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Por que Gil não ficava quieto? Que interessava aquela conversa, quando
tinha coisas importantes para pensar? Se que o outro o necessitava
pensar? Seria fraqueza aquela necessidade imperiosa de pensar? (p.118)
O parágrafo inteiro se constitui de questionamentos, expressando a dúvida que
assaltava Domício, soldado novato que se via de repente jogado no meio da caçada a um
louco armado. Tal seqüência imprime maior dinamismo à narrativa.
A suposta ameaça de Fortunato também gera tensão entre os mais experientes.
Sobre o tenente Fonseca pesa a responsabilidade de comandar a caçada:
Um incêndio seria o diabo. Precisava ensinar aos seus homens como agir
em caso de incêndio. Procurou se lembrar do que dizia o Regulamento. Os
olhos se perderam num raio de sol que brilhava no assoalho. Depois num
vôo de mosca. Uma poeirinha luminosa dançava no ar. O raio de sol
empoeirado. Como era mesmo o Regulamento?
Vamos ver o que o sargento Bandeira observou na vistoria. Precisava
conferir o local com a queixa. Era o que mandavam as instruções. A poeira
luminosa continuava a sua dança. O sargento Bandeira dava ordens a um
soldado no corredor. O tenente aguçou o ouvido, tentava entender o que o
outro dizia. Mas nada, só o vozeirão. Besourão na vidraça. (p.59)
As frases entrecortadas num estilo telegráfico expressam, com sua concisão, a
ansiedade da personagem que se depara com a necessidade de tomar decisões
rapidamente para evitar uma tragédia. O laconismo dos trechos é corroborado pelo
emprego das frases nominais que se alternam com as sentenças, complementando-as.
O raio de sol empoeirado”, “Mas nada, o vozeirão”, “Depois num vôo de mosca”.
Nessa última, a elipse do verbo perder” evita a repetição, imputando-lhe a leveza do
vôo mencionado.
A metomia A voz grossa acordava o casarão” concorre para um texto mais
fluido. Entendemos tratar-se do sargento Bandeira que, falando alto, despertava o ânimo
das pessoas no casarão. Assim, identificamos a parte pelo todo (voz e pessoa) e o
continente pelo conteúdo (casarão e habitantes), mas essa informação é condensada
dando maior vivacidade ao enunciado. Martins (2000: 102) considera que a metomia,
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pela sua concio, faz ver rapidamente os fatos em sua essência, daí a sua força
expressiva e o seu teor emocional”.
Besourão na vidraça” contribui para a brevidade não através da frase
entrecortada nominal, mas por constituir uma metáfora pura: a voz do sargento Bandeira
era tão irritante e inexpressiva quanto um besouro na vidraça.
Voltemos ao estado de alma do soldado Domício, que se atém a suas
lembranças, numa fuga da temível realidade. Seus pensamentos, no entanto, vão sendo
assaltados por fagulhas da violência que o espera:
A mãe distante, com certeza rezando por ele. Os olhos começaram a ficar
úmidos. Madalena, Maria das Dores. Elas rezavam por ele. Os olhos fundos
de Madalena, a fala mansa. aquela lembrança o enchia de uma ternura
funda. Pra que preocupar com balas e outras coisas, com Fortunato, se
tinha uma mãe distante que rezava por ele todas as noites? E uma irmã
como Madalena. Seu agarramento era com ela. O bentinho. O pano bento
protegia. Corpo fechado. Um baque surdo. Não ninguém com corpo
fechado, é besteira. Era besteira mesmo? Sem que Gil pudesse ver, beijou
escondido o bentinho. A bala varando as carnes não doía, um baque. O
que doía mesmo era faca nua. Uma pernambucana nua. Uma
pernambucana nua varando a barriga. Começou a se lembrar da vida no
quartel. Como tudo parecia tão distante. No entanto, não tinha nem um ano
de praça. No alojamento, as camas enfileiradas. A corneta de manhãzinha.
Os toques da ordem unida. Sentido. Em continência à ban-dei...ra. Tudo tão
distante. Agora chegara a sua vez de provar. A primeira noite de guarda, no
quartel. (p.120-1)
Esse trecho reproduz o fluxo de pensamento de Domício. Tal recurso, no
gênero narrativo, é normalmente composto pela técnica do monólogo interior. Segundo
Garcia (2002:138-9), o monólogo interior:
apresenta as reações íntimas de determinada
personagem como se as surpreendesse in
natura, como se elas brotassem diretamente da
consciência, livres e espontâneas. O autor
“larga” a personagem, deixa-a entregue a si
mesma, às suas divagações, em monólogo com
seus botões.
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Destarte, há a recorrência a outros discursos, recuperados do romance, como
memórias da personagem, tal qual a fala do soldado Deodato, que tentara assustá-la
contando o que uma pessoa sente ao ser atingida por uma bala:
Você sente um zunido e um baque, às vezes nem o zunido. É um baque
danado, como um choque elétrico. Na hora não dói, mas o choque é pior
que se a coisa doesse. Então você fica sabendo que foi atirado. isso.
Mais nada. (p. 76).
Notamos intradiscursividade (se considerarmos o romance como um discurso
único), em: “Um baque surdo” e “A bala varando as carnes não doía, um baque”. As
idéias se coordenam com o auxílio de frases nominais: “Madalena, Maria das Dores”.
Os olhos fundos de Madalena, a fala mansa”. “E uma irmã como Madalena”. “O
bentinho”. “Corpo fechado. Um baque surdo”. No alojamento, as camas enfileiradas. A
corneta de manhãzinha. Os toques da ordem unida. Sentido. Em continência à ban-
dei...ra. Tudo tão distante”. “A primeira noite de guarda, no quartel”. Tais frases
inorgânicas conferem maior dinamismo ao texto, trazendo à tona uma sucessão de
acontecimentos não-lineares.
“Uma pernambucana nua” e “Uma pernambucana nua varando a barriga”
expressam a representação de um discurso que se constrói aos poucos pela associação
de idéias. Logo, ele pensa primeiro na faca para depois retomá-la através da anáfora,
especificando-a. A predominância de frases curtas compõe uma atmosfera angustiante
na divagação de Domício.
Convém observarmos entre as frases entrecortadas a expressividade da
fragmentária, que integraria sintática e semanticamente a anterior, quebrada para fins
estéticos:
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Aquele cheiro esquisito de flores murchando, de carne apodrecendo, de
gente suando. Que a livrasse sobretudo das moscas, meu deus. Da gosma. A
gosma no canto da boca aberta. Mas às vezes vinha um sonho bom no
cemitério. (p.16)
Na amostra de frases entrecortadas, destaca-se a fragmentária “Da gosma”,
objeto indireto do verbo “livrar”, do mesmo modo que das moscas”. Isolada em uma
frase, obtém ênfase, retomada, ainda, na posterior “A gosma no canto da boca aberta”,
pois a gosma é o principal temor da personagem, a imagem marcante do corpo morto no
cemitério.
Sigamos para a passagem em que Fortunato promove uma briga entre aranhas
que encontrou no quintal:
Quando ele menos esperava, a grandona cresceu para a aranha ferida
quase esmagando-a com as patas. Novo engalfinhamento. Rolavam para um
lado e para o outro, procurando um equilíbrio que lhes favorecesse os
golpes. Separou-as novamente. Desta vez, duas patas no chão. Da pequena.
Mas a grandona também estava ferida, fugia do campo, em movimentos
mais lentos. Se aranha cantasse seria bom. Na briga de galo, quando um
canta de galinha, está perdido. A pequena adernava, não se afastava do
campo. (p. 41)
As frases descrevem as etapas do embate. Longas e curtas se alternam,
proporcionando maior relevo aos movimentos mais dramáticos da luta, como os
ferimentos sofridos pelos aracnídeos. Tal informação, então, transmitida aos pedaços,
alimenta o suspense da narrativa, como na seqüência: Desta vez, duas patas no chão.
Da pequena”, em que a quebra da mensagem em duas partes com a frase fragmentária,
conduz nosso olhar, mostrando primeiro os danos, depois a tima, destacando-a.
Esse fenômeno é novamente passível de observação em:
O tenente também sorriu, agora satisfeito com o sargento Bandeira. Tinha
confiança naquele mulato forte e decidido. Esqueceu a gaforinha, ou apesar
da gaforinha. Floriano Peixoto era superior a tudo. Marechal. De Ferro
mas magnânimo. Gente forte pode ser magnânima. (p.66)
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Em “Marechal”, percebemos uma frase unimembre, entrecortada com o intuito
de destacar a informação. Em “De ferro mas magnânimo”, “de ferro funciona como
adjunto adnominal de marechal, constituindo uma frase fragmentária. Os cortes nas
frases dão a impressão de acompanharmos a velocidade do pensamento, que se vai
formando por associações, numa gradação relativa à força de comando: forte e decidido,
superior a tudo, marechal, de ferro, magnânimo.
A expressividade da frase fragmentária é novamente trabalhada, mas agora não
no âmbito oracional:
A poesia que ela perdera e não sabia fazer. O professor do colégio. Ela
mergulhava nos livros porque o mar era impossível, a poesia difícil. O
soneto é uma composição poética? Ria triste. Como um marinheiro, pensou
perdida. O mar era dos marinheiros e dos pescadores. Marinheiro triste. O
poeta. Procurou se lembrar. Como era o poeta? Marinheiro triste de um
país distante passaste por mim a onda viril de fraterno afeto em que te
envolvi. O poeta, precisava procurar o livro. O sal do mar alto! Mas eu,
marinheiro? O livro. Podia chorar até, de tão lágrimas estavam os seus
olhos. Morte. (p.51)
Os períodos lacônicos refletem a celeridade com que a personagem recupera
fatos e ponderações passadas. Em “Como um marinheiro existe uma símile referente à
frase anterior Ria triste”, configurando-se, portanto, uma frase fragmentária. no
exemplo intertextualidade com o poema Marinheiro triste, de Manuel Bandeira, cujos
versos se costuram com suas lembranças. Na tentativa de recordar o nome do poeta,
Maria repassa mentalmente alguns versos dessa poesia “Marinheiro triste de um país
distante passaste por mim a onda viril de fraterno afeto em que te envolvi”. O poeta”,
ela insiste, para novamente relembrar os dois últimos versos: “Ó sal do mar alto! Mas
eu marinheiro?”.
em Podia chorar até, de tão lágrimas estavam os seus olhos”, notamos o
emprego da elipse. Martins (2000: 152) explicita que “elipse é a brevidade da
expressão resultante de alguma coisa que se deixou de dizer, ou por se ter dito em outra
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frase, oração ou sintagma, ou por outra razão de ordem afetiva ou estética”. Nesse caso,
tal procedimento condensa a frase a custo de um estranhamento, pois o termo omitido
faz com que o leitor tenha de se deter um pouco mais na frase para apreender-lhe o
significado. Uma possível leitura seria “Podia chorar até, de tão úmidos de lágrimas
estavam os seus olhos”. O enunciado, no entanto, perderia muito estilisticamente, pois a
elipse amplia a dimensão do choro, os olhos são inteiramente lágrimas.
O monorema “morte” está numa relação intradiscursiva e antitética com o
pensamento de Godofredo que precede em alguns parágrafos o fragmento supracitado:
O tiro do pai dentro da noite e a mãe chorando em torno do caixão. As
mãos encarquilhadas, infelizes, sofridas. Vida. (p. 50)
Nessas frases entrecortadas, que vêm poucos parágrafos antes daquelas,
divisamos um contraste. Fala-se de morte, o suidio do pai de Godofredo, para invocar
vida. A brevidade e a colocação dos monoremas permitem tal enfoque.
Procedimento muito empregado no romance são as frases parentéticas, meio a
que o narrador recorre para interferir numa seqüência lógica com um pensamento
inquieto. Para Garcia (2002:143), “múltiplas nas suas acepções, elas denunciam, na
maioria dos casos, um como que segundo plano do racionio, uma espécie de
pensamento em surdina”. Chamamos a atenção para o exemplo a seguir:
Não queria que levassem o filho para o hospício (será que não
compreendiam que Fortunato era bom, que o hospício era ruim, que lhe
maltratavam o filho? Que ele estava apenas fraco da cabeça e nada mais),
não queria que o prendessem outra vez. (p. 102)
No primeiro caso, a narração da vontade de Luzia sofre a interferência de
aparte emocional, em que ela questiona se é por ignorar ser Fortunato inofensivo que
eles o perseguem. Tal recurso alonga o trecho, tornando-o mais lento.
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Observemos outra ocorrência de frase parentética:
Porque tinha uma intuição, um medo mesmo muito sério de que depois
daquela batalha (para ele, novo de praça, com menos de ano, frango dágua,
como diziam, era uma guerra, uma batalha a busca em que andava metido
a sorte lançada) sairia um homem, seria outra pessoa. (p. 116)
O comentário entre parênteses justifica a hipérbole de Domício, que a
simples perseguição a um deficiente mental o status de batalha, porque para ele, guarda
novato, esse episódio poderia transformar-se numa luta entre a vida e a morte.
Voltando nosso olhar aos períodos curtos, deparamo-nos com a aliança de seu
comprimento e repetição no intuito de destacar determinadas ações:
Amadeu pensava e mais pensava. Enfiou o gargalo na boca. Pensava.
Sentiu o arrepio da cachaça queimando. Pensava. Descendo pela guelra
abaixo. Parou um pouco. De pensar? O peito quente. Boa lembrança a da
cachaça. (p.93)
A repetição do verbo “pensar” marca a continuidade da ação que se alterna
com uma outra: a de beber a cachaça. Em dado momento, o narrador constata: “Parou
um pouco”. A pergunta amgua De pensar?” é seguida por duas frases nominais: “O
peito quente. Boa lembrança a da cachaça”. Fica, então, em aberto qual das ações teve
fim: a de pensar ou a de beber. O entrecorte de tais construções assinala cada ato de
Amadeu, cada etapa de seu ritual silencioso de reflexão.
A relação entre textos é uma constante neste romance e, quando incorporados
às meditações das personagens, podem interferir estilisticamente no dinamismo da
narrativa:
Um dia leu estes versos, por exemplo, vós, que, de olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais, e sem saber por quê, chorou, ela chorava
muito e sempre, concluiu que a arte poética era difícil mas a poesia era a
única razão de ser de sua vida. (p. 30)
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Notamos intertextualidade com o soneto 32, de Camões e intradiscursividade
com outro momento do romance, já analisado por nós no presente trabalho, em que ela
faz referência ao tempo de sua vida em que desejou ser poeta. A frase longa dificulta a
leitura, assemelhando-se à dificuldade da poesia mostrando-se, portanto, muita
expressiva.
Nesse primeiro bloco, os períodos longos estabelecem um ritmo lento,
quebrado, às vezes, quando fortes sentimentos nas personagens ou determinadas
declarações merecem um maior destaque, por exemplo, configurando-se em frases
entrecortadas ou fragmentárias.
6.3 As ondas em mar alto
De noite a maré estaria forte, crescia cobrindo toda a praia, em rugidos
ferozes, traria sujeiras e conchas quebradas de encontro às rochas” (p.49). Nessa parte
da história, temos acesso ao segredo de Godofredo, de que Fortunato não roubara sua
arma e que, ao percebê-lo, resolveu manter a farsa, temendo ser ridicularizado. Essa é a
sujeira trazida pela maré. Também nele Maria discute com o marido e o trai com o
tenente Fonseca. Ela já não podia ser mais a mesma, concha quebrada.
O mar agitado e violento encarna nas frases curtas que implicam maior
velocidade.
No segundo bloco, por predominarem as frases breves, o emprego de aforismos
fica mais evidente:
Benjamim sentiu no braço a mão dura de Amadeu. Não tinha outro caminho
senão ficar quieto. O homem põe e Deus dispõe. O Diabo anda solto. Eu
não quis, Nossa Senhora é testemunha de que eu não quis. Tem de pesar.
Deus é pai, não é padrasto. Seja feita a vossa vontade. Assim na terra como
no céu. (pp.220-1)
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O presidiário religioso Benjamim é convocado pelo companheiro de cela a
participar de uma fuga em massa. Temendo a reação do colega, aceita o convite, mas
procura resguardar-se da culpa. Assim, percebemos na justaposição de frases um ritmo
que marca o desespero da personagem, que precisa tomar rapidamente sua decisão por
sentir-se ameaçada.
A seqüência de provérbios e expressões tipicamente populares incorpora-se ao
discurso como forma de transferir sua responsabilidade para o Outro, ora Deus, ora o
diabo: O homem põe e Deus dispõe” e O Diabo anda solto”. Apesar de se acautelar
por intermédio de todas essas vozes, o locutor ainda parece sentir-se culpado, apelando
mais uma vez para os Céus: “Eu não quis Nossa Senhora é testemunha de que eu não
quis”, contradizendo seu livre arbítrio. Em “Tem de pesar” a concisão da frase
corrobora a força que a personagem deposita em seus argumentos, enfatizada por outro
provérbio: Deus é pai não é padrasto”.
Por último, a evocação do discurso religioso, transfere a Deus a
responsabilidade de sua decisão: “Seja feita a vossa vontade. Assim na terra como no
céu”, numa intertextualidade com a oração do Pai-Nosso. Não se trata de diálogo, mas
de fluxo de pensamento, daí ser parte integrante do corpus dessa análise.
O provérbio expressa um pensamento, que pode manifestar conselho, princípio
ou súmula de vida, por exemplo. Constitui-se de sentença breve e concisa, trazendo
consigo a memória discursiva de uma sabedoria popular, por isso sua inserção no
discurso é tão expressiva. Logo, o olhar do leitor atento recai muitas vezes sobre esse
recurso no texto, sempre em consonância com o estado de alma das personagens:
O tenente mirou fundo os olhos de Godofredo. Nenhuma sombra, nenhuma
desconfiança, nenhuma prevenção. Não sabia de nada. Suspirou aliviado.
Não tinha medo dele. Mas assim é melhor. Por que Maria não contou ao
marido o que se passou de tarde em sua casa? Estava intrigado. Quem cala
consente. Que mulher mais esquisita. Por que o agrediu então? Passou as
mãos nas orelhas machucadas. Gata braba de unhas afiadas. (158)
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O tenente teme que Godofredo descubra que havia assediado sua esposa.
Assim, ao se encontrar com ele, procura sondá-lo para se certificar de sua ignorância
dos fatos. Resulta dessa sondagem a declaração: “Nenhuma sombra, nenhuma
desconfiança, nenhuma preveão”. Observamos na frase um paralelismo tmico
introduzido pelo pronome “nenhuma” três vezes mencionado. Tal repetição o apenas
imputa relevo à idéia, mas expressa a tentativa de abranger cada detalhe do adversário
que possa revelar sua desconfiança.
Apesar dessa prevenção, sua insegurança sobre tudo o que se passara ainda é
demonstrada por meio das interrogações que se alternam: Por que Maria não contou ao
marido o que se passou de tarde em sua casa?”, “Por que o agrediu então?”. As frases
concisas funcionam como ilações no contexto, fechando cada reflexão: “Não sabia de
nada”, Mas assim é melhor”, “Estava intrigado”, Gata braba de unhas afiadas”. O
provérbio Quem cala consente”, invocado pelo locutor, revela o intento de se abster de
qualquer culpa em relação ao assédio, buscando para isso a voz da sabedoria popular,
autoridade que decreta sua inocência.
Mais adiante, o tenente Fonseca se depara com outro dilema. Está em suas
mãos a vida de Fortunato, e ele cogita se deve ordenar sua captura vivo ou morto:
Deve ser bom saber falar assim. Não, decididamente um maluco. Como é
que iam julgá-lo, se nem ao menos sabiam onde estava? O problema de
julgar era outro. Era com o juiz, quando ele voltasse. O problema dele
tenente era prender o homem, trazê-lo para a cadeia, vivo ou morto. Vivo.
Era demais aquela tensão, aquele nervosismo na cidade. Morto. O melhor
era acabar de vez com aquilo tudo. Os soldados que fizessem como bem
entendessem. (p.170)
Os monoremas “Vivo” e Morto integram um curioso jogo antitético. O
tenente primeiramente considera duas possibilidades para o fugitivo Fortunato: trazê-lo
para a cadeia vivo ou morto. A frase nominal “Vivo”, breve e incisiva, recebe destaque
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ao considerar tal hitese. Seguindo-se sua justificativa Era demais aquela tensão,
aquele nervosismo na cidade”, para logo ponderar a segunda hipótese igualmente
contundente em sua forma: “Morto”, e segue-se nova razão: “O melhor era acabar de
vez com aquilo tudo”. Não obstante, o tenente abstém-se da decisão: “Os soldados que
fizessem como bem entendessem”.
Embora o autor tenha planejado empregar o volume frasal conforme a
velocidade da narrativa, há ocasiões em que a frase longa e a entrecortada coexistem em
momentos lentos e céleres. Isso ocorre porque a dimensão da frase não está apenas
relacionada à velocidade. Existe uma série de outros fatores que perpassam essa
escolha, gerando parágrafos mistos. Vejamos um exemplo:
Godofredo mais uma vez mentira, a grama marcada, as flores pisadas.
Godofredo teve foi medo de sair e encontrar alguém. As flores que tanto
amava quando compostas com cuidado numa jarra. Godofredo parado na
porta de sua casa, ela mocinha, o coração batendo porque era a primeira
vez que vinha visitá-la. Godofredo desajeitado com o ramo de flores. Ah,
trouxera flores para ela. Godofredo parado na porta, com um buquê na mão
sem saber o que fazer. Como eu era boba, meu Deus, como eu chorava de
noite me lembrando das flores, como eu chorava de noite cantando baixinho
acorda minha beleza, descerra a janela tua, porque sabia que o disco era
para mim. Sou culpada de tudo, por que não vi claro da primeira vez? Boba
e romântica. Não dorme quem tem amores, dizia uma parte do disco, o teu
postigo cerrado. Não dormia pensando nas flores de Godofredo. Godofredo
era ridículo, ridículo com aquelas flores. Tinha ódio de tê-lo amado um dia.
(p. 187)
As três primeiras frases trazem a constatação de Maria sobre a pusilanimidade
do marido que mentira não haver ninguém no jardim para não ter de enfrentar a
situação. Apresentam-se curtas, impondo a força da descoberta. A repetição do nome de
Godofredo dramatiza a cena, realçando sua culpa para que a própria personagem se
convença dela. As flores pisadas no jardim, sinal da presença do estranho, são
retomadas coesivamente nas frases seguintes, transportando-nos para outro tempo: as
flores pisadas, as flores compostas numa jarra, o ramo de flores, flores que Godofredo
trouxera para ela, um buquê na mão insegura, a lembrança das flores, o marido riculo
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com as flores. Todas as recordações associadas às flores são invocadas sob um olhar
crítico que permite entrever a covardia ou romantismo daquelas lembranças, agora
riculas.
A frase longa que se alterna com as curtas apresenta a coordenação de
lamentos, de emoções, de arrependimentos por meio do vocábulo como”, constatando
sua inocência de mulher apaixonada. Aqui são condensadas não as lembranças das
flores, mas a da música que o homem da loja tocava para ela: “acorda minha beleza,
descerra a janela tua”. Temos uma intertextualidade com uma música, retomada mais
adiante com outra do mesmo disco. “Não dorme quem tem amores, o teu postigo
cerrado”. Ao questionamento sobre sua responsabilidade em não ter percebido antes o
caráter de Godofredo, segue a resposta: “Boba e romântica”. Trata-se de uma frase
nominal, curta e taxativa, que a redime de sua culpa aludindo à sua condição na época:
inocente e apaixonada demais para perceber qualquer coisa.
Em alguns momentos, os períodos longos mostram toda a sua expressividade,
como no icio do segundo bloco, em que a exemplo do primeiro ocorre a interferência
do narrador misterioso, que se apropria do estilo de literatura de viagem do século XVI
e XVII:
Se me foi feita mercê de sua audiência, Senhor, e esta história que vou
compondo para maior glória do Reino nestas terras antes encobertas, por
ronceira muita vez se perde em baixios e calmarias ou não acompanha o
passo do risco que tracei de princípio, que tudo é necessário para grande
entendimento da relação que venho fazendo da lastimosa viagem da barca
dos homens, se ouvido me foi dado, Vossa Alteza terá visto o zelo e
comedimento com que trato as coisas que falam dos perigos a que se
expõem os soldados e o comum das gentes que cuidam da maior largueza
do Império e do maior poder da Fé. (p. 156)
A linguagem clássica está presente, da mesma forma que o campo semântico
do gênero: mercê, Senhor, glória do Reino, terras, viagem, Vossa Alteza, Império, fé. A
vastidão da frase no intuito de abarcar o maior número de informações possíveis
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tamm é um traço desse estilo. uma subordinação enfadonha inevitável pelo
tamanho do período, mas que não configura um defeito do texto, caracterizando apenas
o estilo da época.
Mesmo sem a intromissão desse tipo de narrador, encontramos no bloco frases
longas, adequando-se ao drama dos personagens:
Aquela noite, se tudo terminasse aquela noite, se matassem Fortunato
finalmente aquela noite, dormiria noutro quarto, à espera de que o novo dia
acordasse um outro Godofredo, uma outra Maria: o mesmo Godofredo, a
mesma Maria de sempre. (p.235)
A repetição do adjunto adverbial de tempo aquela noite” torna a frase lenta
como a noite angustiante que custa a passar. O emprego insistente das orações
condicionais enfatiza a sua importância, se sobrevivesse àquele momento sem que a
verdade viesse à tona, a vida poderia voltar ao seu curso natural.
Temos a expressão do desejo de Godofredo que anseia pelo fim do pesadelo,
pela morte de Fortunato para encobrir seu erro: deixar que todos pensassem que
Fortunato roubara uma arma, mesmo depois de encontrá-la em seu quarto. Assim, a
passagem da noite significaria o término do pesadelo que se arrasta como a frase.
Godofredo e Maria seriam outros, sem a tensão da noite, mas paradoxalmente ainda
seriam os mesmos, conforme ele reconhece, pois os moradores da ilha estão condenados
a viver num ciclo, o ciclo da mitologia, alimentado pelo remorso. Segundo Adorno &
Horkheimer (1991: p.63):
Cada uma das figuras míticas está obrigada a
fazer sempre a mesma coisa. Todas consistem
na repetição: o malogro desta seria seu fim.
Todas m os traços daquilo que, nos mitos
punitivos do inferno os mitos de Tântalo, de
Sísifo, das Danaides –, se fundamenta no
veredicto do Olimpo. São figuras de
compulsão: as atrocidades que cometem
representam a maldição que pesa sobre elas. A
inevitabilidade tica é definida pela
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equivalência entre essa maldição, o crime que
a expia e a culpa que dele resulta e reproduz a
maldição.
A idéia do ciclo é alimentada pelo chão de almas das personagens, das ligações
subterrâneas que afloram nas relações entre seus discursos e na coincidência de caráter,
como reflexo especular de uma mesma imagem. Se observarmos atentamente,
notaremos, por exemplo, a pusilanimidade que norteia as ações das personagens,
incapazes de deixar a infelicidade costumeira antes do incidente com Fortunato,
retomada por muitas mesmo depois dele.
O próprio autor levanta essa questão ao refletir sobre sua obra, revelando-nos
uma das linhas que entrelaçam a narrativa: a ciranda de vozes que compõe o discurso:
Embora tão solitários, os meus personagens
não existem sozinhos. Ligam-se uns aos outros
sem perceberem, subterraneamente. Mesmo
sem se falarem, sem se verem, sem mesmo se
conhecerem, intercomunicam-se.
Inconscientemente, magicamente vamos
dizer, formando um conjunto, a unidade
vertical e subliminar do livro.
(...)
A fusão interior, o chão de alma comum dos
personagens. A identificação, vamos dizer. É
capaz de que seja isso o que tenha querido
dizer um crítico quando chamou A Barca dos
Homens de “romance de um bom ventríloquo”.
(PR, pp.103-4)
Atentemos para os discursos de Helena e de frei Miguel no primeiro bloco do
romance. um vínculo entre os dois, que lamentam a dificuldade de lidar com as
palavras, de organizar o que desejam expressar.
Por que é que tinha as palavras todas na cabeça e não sabia usar, quando
ia escrever a sua composição? Perseguição e morte. A palavra morte
sacudiu-a inteira, estremeceu. Morte e ressurreição. Era de novo o baque,
como quando ela crescia. (p.103)
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Enervava-se: a dificuldade de lidar com as palavras, de dizer com palavras
o drama. O drama de Cristo e o drama dos homens. A fusão no sangue
místico. Em cada sacrifício humano toda a humanidade se sacrifica e se
redime. Morte e redenção. Agonia. (p.143)
Outrossim, versam sobre a mesma temática e, se unirmos os pensamentos,
perceberemos que se completam como um ciclo: perseguição, morte, redenção,
ressurreição. Ela referindo-se ao drama de Fortunato, ele ao dos homens e ao de Cristo.
nítida relação entre seus discursos, na pluralidade de vozes ecoando de um só grito à
beira do abismo.
O trecho seguinte mostra-se riquíssimo de recursos. Diz respeito ao momento
em que nho relembra o pesadelo, o delírio que o abatera na cadeia da Casa da
Câmara:
O medo que só acontece em sonho, faz perder a fala, empalidece, imobiliza.
O suor frio, o tremor nos músculos, a sede. O medo que quando é grande
demais em sonho acordamos. O medo de que ele não pode acordar. O pior:
a ânsia no peito, as veias intumescidas no pescoço. A tremura, a tensão nos
braços e nas pernas. Não pôde acordar por si, aquele sonho não parecia
sonho, tudo tão claro, tão preciso, os bichos tão como são mesmo bichos. O
peixe de guelra sangrenta. O rato peludo. Não podia acordar. Os olhinhos
do ratazão tremeluziam, piscavam, o nariz cheirava a sua carne. O fedor, a
náusea. O zumbido. (p.210)
As frases são entrecortadas, entrelaçadas por uma coordenação assindética. Sua
brevidade ratifica a apreensão, o tremor daquele mal-estar. Também estão presentes
figuras como a anáfora, com as três frases iniciadas pelo sintagma “o medo”,
enfatizando esse sentimento, estreitando o fôlego, provocando tensão. As três primeiras
construções nominais transmitem os sintomas asmaticamente: “o suor frio, o tremor nos
músculos, a sede”. O pior: a ânsia no peito, as veias intumescidas no pescoço. A
tremura, a tensão nos braços e nas pernas”.
A sétima e a décima frases retomam coesivamente o verbo “acordar” presente
na terceira. Em tudo tão claro, tão preciso, os bichos tão como são mesmo bichos”,
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temos a intensificação dos atributos do sonho e dos bichos. Os bichos são apresentados
em frases nominais inorgânicas: “O peixe de guelra sangrenta. O rato peludo”,
transmitindo a emotividade da cena ao se focalizar rapidamente os animais e os aspectos
que o assombram. um contraste entre olhinhos” e ratazão” que torna o animal
menos assustador, tal qual o verbo tremeluzir”.
Em O fedor, a náusea. O zumbido”, verificamos duas frases nominais de
campos semânticos de mal-estar. O zumbido ganha mais gravidade e mistério por vir
isolado.
O medo é sensação predominante, não entre os envolvidos diretamente na
busca a Fortunato:
Ele estava fora, na noite, catando Fortunato. Podia acontecer alguma
coisa com ele. Meu Deus, proteja Domício, é tão desprotegido. Vem pra
mim, vem amanhã, vem sempre. Vem pra me levar. Pra sempre daqui.
Sempre. Vem. (p.244)
Trata-se da fala interior de Maura que pede proteção ao jovem guarda Domício
por quem se apaixonou. A elipse do pronome “ele” em é tão desprotegido imprime
maior leveza à frase, na prece simples da personagem. Seu apelo possui cadência muito
expressiva. São frases entrecortadas que se complementam, fragmentando-se num ritmo
decrescente para explodir no último apelo monossilábico, enfático: “Vem”.
As personagens da trama de Dourado são muito complexas. A tensão gerada
pela falsa acusação ao deficiente perseguido traz também à tona dores antigas:
O tiro pelo mundo afora, acordando-o. Como uma pedra caindo num poço.
Os círculos que faziam, o som se espraiando pela noite. O pai debruçado
sobre a mesa, o filete de sangue que escorria pelo canto da boca. O revólver
no chão, as mãos caídas. O grito da mãe, o pavor estampado nos olhos. A
roupa de marinheiro que lhe vestiram, o pedaço de pão que lhe deram. Não
podia engolir, não podia falar. Tudo sujo, tudo contaminado, o cheiro
enjoativo das flores, as velas pingando grossas lágrimas. O homem com um
braço só, que veio trazer o caixão. Um aleijão feio, capengava. Não podia
ver aleijão. O crucifixo de metal dourado, o fundo preto, a cortina com
debruns dourados. (p. 233)
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Na lembrança de Godofredo do suidio de seu pai, as frases entrecortadas
determinam o ritmo asmático da lembrança emotiva invocada com dificuldade. A mile
entre os sons do tiro e da pedra caindo é estabelecida fragmentariamente: O tiro pelo
mundo afora, acordando-o. Como uma pedra caindo num poço”. Tal processo destaca a
conseqüência dessa morte violenta. Uma pedra que cai na água rompe com sua
paradeza, provocando uma perturbação que se propaga em rculos cada vez maiores.
Igualmente, o tiro no dia fatídico produz na vida de Godofredo traumas que o
acompanham até a atualidade, como o horror que tinha de gente morta, de cemitério e
de deficiente físico.
Desse modo, cada sensação é apresentada paulatinamente como cenas de um
filme que se sobrepõem e na ânsia de mostrar o todo, fragmentam-se.
A descrição do suidio, da reação da família e dos preparativos para o enterro
é permeada de frases nominais, que apressam essas passagens. Para Monteiro (1991:
60):
Às vezes, em meio à seqüência de frases
verbais que sustentam o fio narrativo, dá-se o
encaixe de lances descritivos formulados em
construções nominais, como se o ambiente
passasse a influir na própria ação. Esta
técnica aguça a capacidade imaginativa,
levando o leitor a visualizar nitidamente os
objetos descritos.
Assim, ocorre no trecho analisado, em que as frases nominais aproximam mais
o ambiente do leitor, intimando-o a adentrar e apreender todo o seu drama: “O revólver
no chão, as mãos caídas.”; “O grito da mãe, o pavor estampado nos olhos.”; O
crucifixo de metal dourado, o fundo preto, a cortina com debruns dourados.”. O
emprego da frase nominal mostra-se muito expressivo, permitindo ao texto maior
fluidez e velocidade.
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A coesão de algumas frases se pelo paralelismo, pois se iniciam pela mesma
estrutura (o sintagma nominal formado por artigo + substantivo). As repetições
corroboram o ritmo alucinante, com o emprego de “não podia” na mesma frase e depois
sua retomada em outra.
Paralelas a essas construções, deparamo-nos com outras não menos coloquiais
apesar de sua estrutura subordinada:
Entre os dois havia muita coisa em comum: uma amizade forte, que ele não
entendia direito porque Fortunato embora homem era por dentro um
menino, uma amizade que não precisava de palavras; havia Madalena, que
os dois tratavam como se fosse gente, com um carinho que só pescador sabe
ter; e havia o mar, sobretudo o mar, o mar que entranhava na vida deles,
era uma parte de sua alma. (p. 209)
A frase longa é encadeada por elementos subordinantes como o que”, por
exemplo, cuja presença enlaça e aproxima tudo que nho e Fortunato tinham em
comum. Ocorre a retomada de duas das três palavras-chave amizade” e mar” (a
terceira é Madalena”) dessa intercessão, primeiramente por meio da anáfora. A palavra
amizade aparece mais no icio da enumeração caracterizada como forte, e depois
indescritível “uma amizade que não precisava de palavras”. o mar é recuperado
enfaticamente em: “sobretudo o mar, o mar que entranhava na vida deles".
Passemos agora para o exemplo de outro recurso empregado:
As relações dos diferentes naufrágios: do galeão grande São João, comido
perto da Terra do Natal, da nau Conceição nos baixos de Pero dos Banhos,
da nau que levava Jorge de Albuquerque Coelho e de muitas naus, Águia e
Garça, Santiago, Chagas, Santa Maria da Barca, São Bento, Esperança,
São Paulo, Santo Alberto. (p. 162)
A enumeração dos naufrágios é realizada por intermédio do narrador
obscuro que, por vezes, interfere na narrativa, imprimindo o estilo clássico da
literatura de viagem, característica dos culos XVI e XVII, no Brasil. Desse modo,
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notamos o emprego de frases longas e descritivas, procurando reportar a maior
quantidade possível de informações de uma vez.
No trecho seguinte, há mais uma enumeração em frase única, dessa vez fora
da temática relato de viagem”. Trata-se do encontro da personagem Maria com o
tenente Fonseca:
A porta aberta, parou. Não queria entrar, queria sentir ainda uma vez,
como prova para si mesma, a dor da ansiedade. Os olhos percorreram
vagarosamente toda a sala: o canapé de palhinha coberto por um pelego
felpudo, o assoalho seco remendado com pedaços de lata, as paredes
descascadas e sujas, um retrato ridículo de Presidente da República, o
arquivo, a bilha dágua, o fio comprido da lâmpada nua. Aquelas pobres
coisas ganhavam vida, nasciam do silêncio e das trevas. Por último os olhos
pararam no seu destino. A túnica no encosto da cadeira. Na mesa,
debruçado, o tenente. (pp.203-4)
Tensa, ela procura estudar o cenário, apreendendo todos os detalhes. O
narrador vai descrevendo tudo o que os olhos de Maria podem atingir: o canapé, o
assoalho, as paredes, um retrato, a bilha e o fio da lâmpada nua, e a acumulação
dessas imagens vai desenhando o cenário da ação. As frases entrecortadas que
seguem marcam a velocidade dos acontecimentos, auxiliadas pela presença de frases
nominais.
O sofrimento de Tônho em sua crise de abstinência é relatado pelo narrador:
O susto e o medo faziam-no tremer. O corpo molhado de suor. Um calafrio
na barriga, nas pernas. O coração batia descompassado. Podia acontecer
agora. Conhecia aquela tensão nos músculos. O silêncio no ouvido, depois
o zunido. O torpor nas pernas, a comichão na sola dos pés, o frio que vinha
subindo. (p.228)
As frases entrecortadas aparecem ofegantes, temperando o terror do
episódio. Construções nominais se intercalam, transmitindo as sensações da
personagem: “O corpo molhado de suor. Um calafrio na barriga, nas pernas”, “O
silêncio no ouvido, depois o zunido”. Outrossim, tal emprego traz maior velocidade à
cena, dramatizando-a.
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Na tentativa de infundir maior rapidez à trama, o autor vale-se não de
frases entrecortadas, mas, muitas vezes, de parágrafos brevíssimos:
Ergueu a garrafa em direção à lua. Um ligeiro sorriso mexeu-lhe os lábios.
A sua vitória.
Não precisava de mais nada, ela junto dele. Sem ela não podia nem ao
menos andar. Quando se sentia perdido, bastava apalpá-la. Ali estava, junto
dele. Resistia.
Era tão fácil abri-la. Tudo estaria resolvido. Não sentiria mais nada.
Amanhã seria outro dia. (pp.212-3)
O volume dos períodos e dos parágrafos enfatiza a força da tentação que assola
nho. As frases entrecortadas se encerram com frases curtas que conduzem a ilação de
cada seqüência. Primeiro, conclui que a bebida lhe proporcionaria a vitória, depois que
deveria resistir a ela e, novamente, a esperança de que bebendo, tudo passaria e com um
novo dia não teria mais com que se preocupar.
Célere tamm é o segmento em que Maria, sob a tensão da aventura
extraconjugal que se prepara para vivenciar, caminha em direção à delegacia:
A rua, a noite, o mar. O u aberto, pontilhado de estrelas. Respirou fundo
o ar salino, a noite estrelada. A dor no peito amansava, podia ver o mar e o
céu. O mar violento, crescendo em ondas, vindo lamber as castanheiras,
recolhendo-se. As estrelas piscavam úmidas. Enxugou um resto de lágrima
no canto dos olhos. (p.199)
O assidentismo predominante nesse trecho parece querer imitar o pontilhismo
do céu supramencionado. As frases nominais não ambientam a ação, mas a
influenciam. Desse modo, ao respirar aquela atmosfera, a personagem sente sua dor
amainar.
Ocorre, ainda, o fenômeno da sinestesia, um tipo de metáfora, também
conhecida como metáfora sinestésica, que consiste na combinação de sentidos, em que
características de um são emprestadas a outro. Se pensarmos em termos de sensações, o
verbo “respirar” está ligado ao olfato e o adjetivo salino” ao paladar. Assim, o encontro
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dessas duas impreses aproxima ainda mais Maria da natureza, a violência do mar
entra em sintonia com seu espírito.
Tal sintonia leva a outra construção metafórica: os olhos de Maria são
identificados com as estrelas, provavelmente por seu brilho ou pela posição no céu, de
onde vem a chuva, o que a permite chorar como os olhos de Maria. Martins (2000: 102)
salienta que: as metáforas têm o poder de apresentar as idéias concreta e
sinteticamente, podendo o intensificar como dissimular os fatos”, daí nosso
interesse pelo fenômeno na análise da extensão frasal, pois a metáfora contribui para
sintetizar expressivamente as idéias.
Ao chegar a seu destino, Maria procura aguçar os sentidos para apreender
todas as minúcias daquele ambiente estranho:
Fechou os olhos, concentrou-se. Queria ouvir tudo, o rumor surdo da terra,
os mínimos ruídos, a respiração cansada do homem. Queria, uma esponja,
absorver tudo, incorporar a si mesma o mundo, a vida. Queria sufocar a
morte na alma, para que só a vida germinasse. De olhos fechados, podia ver
aquele peito se enchendo de ar e refluindo, num ritmo de onda. Vida na sua
força pura, primitiva, dura. (p. 204)
A repetição do verbo querer no icio de várias frases não estabelece a
coesão entre elas, mas confere grande expressividade ao texto. A anáfora enfatiza
fortemente o desejo da personagem. Poderíamos reescrever essa mesma passagem com
uma enumeração, todavia a repetição do verbo querer” mostra com maior
dramaticidade seu desejo de viver, retomado na última frase concisamente.
Submersa em recordações, a personagem revive a sensação de ser amada e a
atração pelo proibido, enquanto caminha na direção de seu pecado:
Depois, outros olhos; o disco tocando sem fim, para ela. Acorda. Minha
beleza. Os seus cabelos de colegial soprados pelo vento. A mesma sensação
de pecado, o mesmo repuxão no ventre. Tudo se formava na região do
espírito onde os pensamentos não são ainda fala, no nascedouro das
palavras. Como as palavras e as músicas estão guardadas mudas nos
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discos, antes de tocá-los. Acorda, minha beleza. Encostada no sobrado, ela
esperava. (pp.201-2)
Temos alguns fenômenos relevantes como a intertextualidade com a música,
presente no verso “Acorda minha beleza”, já mencionada em outros trechos do
romance. Agora, no entanto, os dois termos aparecem inicialmente separados por ponto
final, reforçando o apelo para o despertar dessa mulher. A mile “Como as palavras e
as músicas estão guardadas mudas nos discos, antes de tocá-los” se configura numa
frase fragmentária, uma vez que se refere à anterior. O trecho é todo composto de frases
entrecortadas, reproduzindo as lembranças de maneira veloz e quase instantânea.
Nesse bloco, a predominância de frases curtas impôs um ritmo acelerado à
história. Tamm observamos seu emprego como recurso para fortalecer impressões
com o impacto da brevidade, principalmente quando em contraste com frases mais
longas.
6.4 A frase de Fortunato
Quando Fortunato se isola numa grota nas rochas que separam a Praia das
Castanheiras da Praia dos Padres para se esconder de seus perseguidores, escorrega,
ferindo a perna. Inicia-se, então, seu drama numa miscelânea de discursos, da mãe, de
nho e Godofredo, mesclando-se com sua própria voz, na retomada de lembranças e
emoções de diferentes tempos.
Esse discurso começa no segundo bloco do romance, intercalando-se com os
outros fatos da narrativa. O que chama a atenção é o modo como ele se estrutura
aparentemente numa única frase que atravessa toda a história.
Evitamos uma discussão trica sobre o conceito de frase no capítulo em que
tratávamos de suas particularidades porque o nos interessava um aprofundamento
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desse pico, já que existem inúmeras visões a respeito. Neste espaço, também não o
faremos. Bastam, acreditamos nós, alguns esclarecimentos sobre nosso ponto de vista.
Segundo Luft (1995:83):
Frase é qualquer enunciado com sentido
próprio, marcado por uma linha completa de
entoação e terminado por uma pausa bem
definida, que na escrita se representa com
ponto-final, ponto-de-exclamação, de-
interrogação, reticências e, mais raro, dois-
pontos (Então ele contou a sua história:
Morava longe , no cabo do mundo ...).
É de nosso conhecimento, portanto, que formalmente emprega-se letra
maiúscula no icio de cada frase, encerrada com um ponto que bem determine uma
pausa. O discurso que envolve Fortunato, no entanto, desvia-se dessa noção, conforme
observamos no trecho a seguir:
agora ele olhava as estrelas e via como estavam distantes, o céu às vezes
parecia alto às vezes parecia baixo, as estrelas eram gordas e molhadas ou
duras e finas como uma dorzinha, levou a mão à perna e apalpou, o São
Jorge galopava no seu cavalo, a estrelas faiscavam, eram como gritinhos,
como grilos na noite, as aranhas se arrastavam peludas, não é bom ficar
olhando muito tempo para as estrelas, faz mal, dizia a mãe, por isso não
olhava muito tempo seguido para as estrelas quando era menino, alguma
coisa podia acontecer com ele, foi Tônho que lhe tirou essa cisma, (p.163)
Trata-se do fluxo de consciência de Fortunato, elaborado a partir da técnica de
associação de idéias já empregada no tocante às outras personagens. Existem, no
entanto, diferenças formais que singularizam esse discurso no romance, como o fato de
ser composto por um único parágrafo, pautando sua pontuação em rgulas e
interrogações, abolindo até mesmo a inicial maiúscula, num simulacro dessa linguagem
do pensamento.
Tal episódio não se centra apenas na consciência da personagem. a voz do
narrador relatando os acontecimentos e as sensações. É possível notar também no trecho
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em destaque que as lembranças e reflexões de Fortunato, vistas sob a ótica do narrador,
estão sempre em 3ª pessoa. Ele diz “seus olhos” e não “meus olhos”, por exemplo.
O drama de Fortunato nessa estrutura é constitdo por 14 trechos intercalados
com o restante do 2° bloco do romance. Não ocorre, no entanto, uma interrupção do fio
da narrativa, sempre retomado no trecho seguinte:
seu Godofredo tinha aquela força esquisita de descobrir as coisas nos
seus olhos (p.175)
quando o olhava mais demorado e ele tinha feito mesmo alguma coisa,
como o foi o caso de Almerinda, como foi o caso quando achou aquelas
moedinhas de ouro, foi você que roubou as moedas de ouro, disse seu
Godofredo, mas ele não tinha roubado, achara mesmo, ia entregar, disse,
queria ficar um pouco de tempo com elas fazendo um barulhinho pesado
no bolso, era uma força esquisita que as pessoas tinham de ver nos seus
olhos que tinha feito alguma, (p.181)
No segundo segmento, também ocorre a retomada da conclusão de Fortunato
que agora a generaliza, como constatamos acima nos trechos em negrito.
O fragmento que narra a morte de Fortunato igualmente encerra essa estrutura
com um ponto final, o único momento em que tal sinal é usado:
Um clarão, um reboar de tiro, Tônho, gritou mais um uivo que lhe saía do
peito, outro clarão, um baque fundo no ventre, não foi mesmo dor,
encurvou-se, perdeu o equilíbrio, o mundo rodopiava, tudo escuro, caiu
sobre a primeira pedra, perdeu a consciência, sentiu o corpo bater na
primeira pedra, foi rolando de pedra em pedra, até encontrar a onda que o
levou para o fundo, num rendilhado de espuma. (pp. 258-9)
O narrador descreve a morte da personagem sem dizer claramente que ela
faleceu, afirmado pelo ponto final que anuncia o fim. Fortunato nasceu no mar e
morreu no mar, fechando-se o ciclo, reiniciado pelo nascimento do filho da cortesã
Dorica, também chamado Fortunato.
Atendendo ao conceito de frase proposta por Luft, poderíamos afirmar ser esse
episódio composto por 14 frases, 13 marcadas pela interrogação e uma pelo ponto final.
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Entendemos, porém, que tal definição se refere a uma realidade lingüística formal. O
autor desconstrói essas regras, adaptando o texto ao universo da obra. Daí
considerarmos que na verbalização da consciência da personagem, vale-se de uma
frase de grande extensão para expressar o turbilhão de pensamentos. Tal desvio é
estistico e digno de nota neste estudo do volume frasal.
Apreciemos uma amostra do uso dessa pontuação:
como é que fazia para saber se a perna estava quebrada, se nenhum osso
tinha furado a perna, é assim mesmo, uma vez Dirceu não quebrou o braço
e não saiu nenhum osso para fora? assim mesmo, podia ser assim mesmo
com ele, que em Dirceu o machucado não dera sangue, seu Godofredo
ficou nervoso, quis culpá-lo de tudo mas dessa vez estava enganado,
estivera o dia inteiro longe de casa, (p.224)
O fato de a frase após a interrogação se iniciar por letra minúscula, pode
mostrar que, apesar de o autor sentir a necessidade de assinalar a entoação das
perguntas, considera tudo como uma massa, com sentido próprio. Trata-se de uma
frase longa que transmite lembranças e sensações na correnteza da consciência de
Fortunato.
Essa é uma técnica recorrente em sua obra. Encontramo-na em A Serviço Del-
Rei num uso diferenciado, pois se vale dela para divagar sobre filosofia e mitologia
numa relação com a realidade do texto, intercalando-a com a narrativa. Desse modo,
permite-nos ver pontos de contato entre as duas histórias paralelas.
NA barca dos homens, a técnica do fluxo de consciência não é privilégio do
episódio de Fortunato, mas esse é o único que apresenta tal composição. Então, por que
a ausência da estrutura padrão? Poderíamos atribuí-lo ao primitivismo da personagem:
O seu espírito estava condenado a não amadurecer” (p.20), entretanto, no primeiro
bloco do romance seu pensamento é retratado de modo convencional:
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Tônho, pensou Fortunato olhando a pequena aranha. ele era capaz de
lhe explicar as coisas que não conseguia alcançar ligeiro. ele não o
achava louco. Era um peixe. (p.45)
Há, outrossim, um romance que manifesta fenômeno semelhante. Em O som e
a fúria (1983), de William Faulkner, em alguns momentos a pontuação também é
subvertida. Ele se divide em quatro capítulos, cada qual com um narrador diferente:
Benjamim, surdo e deficiente mental; Quentin, que amava romanticamente a morte;
Jason, homem amargo e racional; e um narrador onisciente. O estilo dessas narrativas é
muito instigante, não obstante, faz-se necessário ignorá-lo. O que nos interessa aqui são
as lembranças do mais perturbado dos irmãos Compsons: Quentin. É em seu capítulo
que aparecem páginas e páginas sem qualquer marca de pontuação:
o rosto dela olhava para o céu ele estava baixo tão baixo que todos os
cheiros e sons da noite pareciam ter sido reunidos embaixo de uma tenda
especialmente a madressilva ela entrou na minha respiração estava no rosto
dela e na garganta como tinta o seu sangue pulsava contra a minha mão eu
estava apoiado no outro braço ele começou a tremer e pular e tive de
respirar fundo para conseguir um pouco de ar daquela madressilva espessa
e cinzenta (p.138)
A única exceção dá-se no tocante ao ponto de interrogação, nem os travessões
são empregados para marcar, na reprodução dos diálogos, as falas das personagens:
Caddy você o ama agora?
não sei
fora da luz cinzenta estavam as sombras das coisas como coisas mortas em
água estagnada
queria que você estivesse morta (p.144)
Apenas por meio do contexto distinguimos o diálogo da narração, uma vez que
a estrutura formal foi igualada.
Quentin vai sendo assombrado pelas recordações da desonra de sua irmã
Caddy, enquanto faz os últimos preparativos para entregar-se à morte, dois meses após
o casamento dela.
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Nesse romance, do mesmo modo que em A barca dos homens (2001), somos
apresentados aos pensamentos e memórias de todas as personagens, mas em apenas uma
esse fenômeno é formalmente destacado dos demais. Não é, portanto, devido
unicamente à condição mental de Fortunato que a pontuação se restringe, visto que a
narrativa de Benjamim, de O som e a fúria (1983), a mantém. Se compararmos
Fortunato a Quentin, veremos que a morte iminente é o ponto de contato entre as
personagens. Fortunato, ferido, escondendo-se dos guardas que o perseguem, teme a
morte, rezando para que seu amigo Tônho chegue a tempo de salvá-lo. Já Quentin
deseja a morte, planejando minuciosamente o suidio. O pensamento das personagens
é, então, invadido por recordações, é a vida que se passa perante os olhos de quem está à
beira da morte.
Logo, a recorrência a esse recurso está relacionada à condição angustiante por
que passa a personagem que, solitária, pressente sua morte na trágica noite.
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7. CONCLUSÃO
Quando iniciamos nossa pesquisa para elaborar a dissertação, buscando um
tema, um corpus, uma diretriz, tateávamos no escuro guiados apenas pela certeza de
querer caminhar entre dois universos já bem próximos por sua natureza: língua e
literatura. Para tal, nada melhor do que nos orientarmos pela luz da estilística, guia
experiente nos percalços dessas estradas.
Foi assim que demos os primeiros passos na organização do presente trabalho,
selecionando o autor, mergulhando em obras, descobrindo a riqueza dos recursos
empregados. Desse modo, chamou-nos a atenção Autran Dourado por seu estilo
multifacetado, A barca dos homens pela narrativa densa, mítica, bem arquitetada, e o
volume frasal, que movimenta e ritma o mar das personagens. Eis porque fizemos deles
o nosso campo de observação.
Como pudemos constatar, o tamanho da frase implicou maior ou menor
velocidade narrativa, conforme a consistência de seu emprego. A história principal do
romance se passa em um dia. O autor a dividiu, então, em dois blocos: o primeiro,
diurno, apresentando cada núcleo do romance deveria, segundo seu planejamento, ser
mais lento, e o segundo, noturno, enfatizando as ações, mais veloz. Isso se comprovou,
principalmente, pela dimensão frasal, maior na primeira, e menor na segunda parte, o
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que não excluiu, no entanto, o emprego da frase entrecortada naquela e o da longa nesta,
pois é o contraste que realça o efeito.
Uma ilha constituiu o cenário do romance, daí o ritmo da maré influenciar a
vida da comunidade e da própria prosa. O comprimento da frase tamm esteve
intimamente relacionado à vida afetiva das personagens. Estados agudos, com fortes
emoções como ansiedade, medo, tensão, foram retratados com frases entrecortadas, ao
passo que sentimentos mais duráveis, como a angústia, encarnaram-se em frases
compridas.
Daí mesmo no bloco programado para ser mais lento, haver trechos com frases
curtas e no veloz, longas.
Inúmeros recursos edificaram a extensão frasal, como a subordinação
enfadonha, as frases parentéticas e a enumeração. Seus efeitos, no entanto, não se
restringiram a torná-la mais arrastada. Notamos também uma maior necessidade de
detalhar aspectos do cenário, das lembranças ou emoções das personagens.
A repetição de termos e de estruturas funcionou muitas vezes como meio de
ênfase, especificação ou coesão num floreamento do estilo.
as seqüências de frases breves, tamm nomeadas entrecortadas, apareceram
sob várias formas. A nominal acentua o laconismo das sentenças, abdicando do verbo.
Ela foi encontrada muito freqüentemente no tocante às descrições. Prorbios também
foram utilizados várias vezes, quando as personagens em seus fluxos de consciência
queriam valer-se de um salvo-conduto para suas ações. Assim, recorriam a essas
sentenças concisas, súmulas de vida que manifestam a voz da tradição.
Figuras como metáforas e metomias contribuíram para sintetizar
expressivamente idéias no texto.
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O estilo “picadinho advindo da aplicação dessas seqüências impôs maior
velocidade à narrativa, sobretudo quando alternada com frases longas, realçando a
mensagem que trazia. Outro procedimento bem aproveitado pelo autor foi a frase
fragmentária, que promove uma quebra nos sintagmas verbais ou nominais, destacando
os termos.
O estilo da obra interferiu, outrossim, em sua dinâmica. O autor optou pela
inclusão esporádica de um narrador que se valia da linguagem usual nas crônicas de
viagem do século XVI, o que se traduz por períodos extensos na tentativa de abarcar o
maior número de informações possível.
Existiu, portanto, uma motivação estilística para o emprego do volume frasal,
proporcionando nesta obra efeitos expressivos que colaboram para a nossa imersão no
drama das personagens.
Seria leviano afirmar que cada centímetro de frase foi pensado para
harmonizar-se com o conteúdo, pois sabemos que nem tudo pode ser previsto e
intencionado pelo escritor. A análise do corpus, todavia, autoriza-nos a falar numa
conformidade entre o planejamento e o efeito final.
O estudo da estética de um texto é um trabalho riquíssimo que nos permite uma
visão ampla da língua que, a serviço da literatura, despe-se muitas vezes das
impossibilidades normativas para proporcionar-nos uma leitura frutífera.
Em sala de aula, cabe ao professor propiciar o desenvolvimento desse outro
olhar sobre o texto. O aluno, acostumado a ler o livro para somente se inteirar dos
principais fatos da narrativa, deixa escapar a excelência dos recursos que ajudam a
contá-la. Ele aprende na escola que deve evitar a subordinação enfadonha e empregar
em seu lugar orações reduzidas para um estilo mais enxuto, evitando um texto cansativo
que faça o leitor (e por vezes o próprio autor) se perder em sua atividade. Em se
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tratando de literatura, no entanto, às vezes, tudo o que o autor deseja é que o leitor se
perca em sua prosa labintica, que vivencie o cansaço da personagem ou mergulhe em
pensamentos incompletos da loucura ou de um sonho qualquer. É preciso deixar uma
abertura para que eles possam ter acesso a essas duas realidades.
As palavras contam mais do que histórias, contam sensações, e estudos
estisticos em sala de aula podem contribuir para um despertar da sensibilidade dos
alunos para esse tesouro oculto aos que desconhecem o verdadeiro significado do ato de
ler. Segundo Micheletti (2000:17):
Se estivermos diante de um texto literário, mais
complexo, a necessidade de investigarmos o
que está para além da superfície se intensifica,
visto que esse tipo de discurso se nos propõe
como uma espécie de jogo e que, de nossa
atuação, mais dedicada e pertinaz, depende a
solidez do conhecimento a ser construído pela
leitura.
A leitura é um ato solitário, depende da
vontade de um eu e de sua capacidade de
posicionar-se diante do discurso do outro.
Mas, se ela ocorre na escola, o professor pode
atuar como um mediador, comentando
aspectos da organização do discurso e
transmitindo informações que possam auxiliar
o aluno a enveredar por esse intrincado mundo
de letras.
O volume da frase em A barca dos homens estabeleceu o ritmo da prosa,
produzindo diferentes efeitos expressivos. Períodos curtos, uma tendência moderna,
alternaram-se com os longos, advindos da tradição clássica, envolvendo-nos na trama
com os laços da estrutura sintático-semântica.
Esperamos, desse modo, ter tratado de forma satisfatória a temática,
abrangendo seus aspectos mais relevantes e esboçando alguma contribuição para os
estudos de Língua Portuguesa.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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esclarecimento”. In: Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
ALENCAR, José de. Iracema. [s.l.]. Klick Editora, s/d.
. O Guarani. [s.l.]. Klick Editora, s/d.
ALONSO, Dámaso. Poesia espanhola: ensaio de método e limites estilísticos.
Instituto Nacional do Livro, 1960.
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RESUMO
Inteiração da biografia de Autran Dourado, autor do romance A barca dos
homens, e de seu estilo para melhor compreender suas escolhas no corpus. Atenção aos
estudos estilísticos que envolvem aspectos estéticos do texto. Verificação da
expressividade frasal quanto à entoação, níveis de elaboração, ligações interfrásticas,
encadeamento e subordinação. Investigação do volume frasal na literatura brasileira
com as motivações e efeitos próprios de cada época. Análise do corpus, evidenciando
recursos como frase curta, longa, nominal, inorgânica, estilo de literatura de viagem,
elipse, provérbio, e sua repercussão no texto. Conclusão de que a extensão das frases é
expressiva em consonância com fatores como o enredo, a velocidade narrativa, o estado
de alma dos personagens, comprovando tratar-se de um recurso enriquecedor e
fundamental da obra.
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ABSTRACT
Information of the biography of Autran Dourado, author of the romance A
Barca dos Homens, and of his style to comprehend his choices in the corpus better.
Attention for the stylistics studies that involve aesthetics aspects of the text. Verification
of the expressivity of the phrase quant the “entoação”, elaboration’s levels, union
between phrases, connection and subordination. Investigation of the length of the phrase
in the Brazilian literature with the motivations and effects own of each epoch. Analysis
of the corpus, evidencing recourses like “entrecortada” phrase, long, nominal,
inorganic, the literature of travel style, ellipse, proverb, and their repercussion in the
text. Conclusion of that the extension of the phrases is expressive in consonance with
the intrigue, narrative speed, estate of soul, confirming tartar-se of a enricher and
fundamental recourse of the work.
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