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aprendizado da escrita a expectativas criadas ligadas à imagem que têm de si, à imagem que
desejam para si e à imagem que outros indivíduos já alfabetizados fazem deles.
O foco do estudo consiste nas avaliações que esses sujeitos fazem da experiência
vivida como alunos de um curso de alfabetização de jovens e adultos de uma escola de Recife,
Pernambuco, como também de suas experiências anteriores enquanto sujeitos ainda não
alfabetizados. Como a sociedade letrada
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em que vivemos supervaloriza a escrita, gera-se
preconceito em relação aos não-alfabetizados
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, que, por sua vez, criam expectativas ligadas à
imagem que têm de si bem como à imagem que é feita sobre eles, as quais resultam de fatores
sociais e pessoais, na medida em que a escrita revela expectativas que englobam práticas
sociais maiores do que a comunicação por meio da oralidade.
O corpus é formado por entrevistas audiogravadas, cujas perguntas versavam
sobre a importância da leitura e da escrita na vida dos alunos, sobre suas sensações antes e
depois de terem contato com a escrita, sobre como é a convivência com pessoas que sabem ler
e escrever, e como se comportam quando requisitados para utilizarem a escrita, como, por
exemplo, ao preencherem algum formulário.
Os resultados mostram que esses alunos da educação de jovens e adultos são
envolvidos por ambas as faces, positiva e negativa, que se relacionam diretamente com sua
identidade. Para eles, a escrita constitui um bem que representa uma imagem favorável de si,
despertando também autoconfiança perante os outros, além de possibilitar autonomia em
relação a práticas sociais da vida privada e pública.
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De acordo com Tfouni (2005, p. 24), “o iletramento não existe, enquanto ausência total, nas sociedades
industrializadas modernas”.
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Preferimos não utilizar a palavra “analfabeto” ao nos referimos àqueles indivíduos que ainda não aprenderam a
ler e a escrever, devido à carga negativa que tal palavra traz consigo. Chamamos a atenção para a observação de
Soares (2006) ao apontar que, no dicionário, temos a palavra “alfabetização”, que é a ação de alfabetizar, ou seja,
de tornar o indivíduo “alfabeto”, sendo que esta última palavra não é dicionarizada como adjetivo, em contraste
com seu antônimo, “analfabeto”. Segundo a autora, “temos a palavra negativa, mas não temos a positiva” (p. 31).
Tal palavra, a negativa, significa “aquele que não conhece o alfabeto, que não sabe ler e escrever”, sendo que
analfabetismo seria “um estado, uma condição, o modo de proceder daquele que é analfabeto” (SOARES, 2006,
p. 30, grifos da autora). No entanto, será que o analfabeto realmente procede como se não soubesse nada sobre
leitura e escrita? De acordo com Soares (2006), isso não acontece, porque ler consiste, antes de tudo, em uma
situação discursiva. Assim, folhear um livro, mesmo que não se entenda uma palavra do que ele traz, já faz parte
do ato de ler. Portanto, saber o que é um livro, ou uma bula, ou uma placa informativa, já faz parte de uma
prática social de leitura e de escrita. Sob essa perspectiva, não é possível haver iletramento nas sociedades
modernas, como postula Tfouni (2005), porque, a todo momento, temos contato com letras, palavras e com os
suportes em que aparecem. Devido a isso, preferimos denominar de “não-alfabetizados” aqueles sujeitos que
ainda não dominaram a tecnologia da leitura e da escrita, inferindo que eles entendem o que é o ato de ler e de
escrever, em vez de denominá-los de “analfabetos”, o que denota a grande exclusão social sofrida por eles, qual
seja a de não pertencer à sociedade letrada em que vivem.