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SEMÂNTICA DISCURSIVA EM TEXTOS NÃO-LITERÁRIOS:
A EXPRESSIVIDADE DA PALAVRA E DA NÃO-PALAVRA
por
MARCELO GOMES BEAUCLAIR
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
2006
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SEMÂNTICA DISCURSIVA EM TEXTOS NÃO-LITERÁRIOS:
A EXPRESSIVIDADE DA PALAVRA E DA NÃO-PALAVRA
por
MARCELO GOMES BEAUCLAIR
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
2006
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SEMÂNTICA DISCURSIVA EM TEXTOS NÃO-LITERÁRIOS:
A EXPRESSIVIDADE DA PALAVRA E DA NÃO-PALAVRA
Dissertação elaborada sob a orientação do
Professor Doutor André Crim Valente, do
Departamento de Língua Portuguesa, pelo aluno
Marcelo Gomes Beauclair, do curso de Mestrado
em Língua Portuguesa, a ser apreciada pela banca
examinadora composta pelo citado orientador,
pela Professora Doutora Lygia Maria Gonçalves
Trouche e pela Professora Doutora Maria Teresa
Tedesco Vilardo Abreu, como titulares, e, como
suplentes, a Professora Doutora Rosane Santos
Mauro Monnerat e o Professor Doutor Cláudio
Cezar Henriques.
RIO DE JANEIRO, 2006
4
SEMÂNTICA DISCURSIVA EM TEXTOS NÃO-LITERÁRIOS:
A EXPRESSIVIDADE DA PALAVRA E DA NÃO-PALAVRA
Marcelo Gomes Beauclair
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Lygia Maria Gonçalves Trouche
(UFF)
___________________________________
Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu
(UERJ)
___________________________________
André Crim Valente
(Orientador)
SUPLENTES
___________________________________
Rosane Santos Mauro Monnerat
(UFF)
___________________________________
Cláudio Cezar Henriques
(UERJ)
5
Esta dissertação e tudo o que ela pode representar
dedico a meus pais, que sempre, muitas vezes
passando por cima de seus próprios desejos, me
deram a oportunidade de estudar.
E a Adriana e a Daniel, meus amores.
6
Agradeço
a todos os meus professores e a meus alunos pela
força, sempre;
a meus amigos, companheiros dessa luta cotidiana;
e, especialmente, a André Crim Valente, pela
extrema generosidade com que conduziu esta
orientação.
7
SINOPSE
Análise e descrição de alguns processos semânticos que
interagem na produção de sentido de um texto verbal ou não-
verbal, como a polissemia, a sinonímia e a antonímia. Os
elementos que integram a construção de sentido no âmbito
discursivo, como o contexto, a polifonia e a intertextualidade.
Como corpus, a utilização da linguagem não literária de
manchetes de jornais ou revistas, charges e anúncios
publicitários.
8
SUMÁRIO
Introdução 9
1. Palavra e Sentido: Processos Semânticos 12
1.1 Ambigüidade e polissemia 20
1.2 Polissemia e homonímia: uma visão sincrônica 48
1.3 Sinonímia 56
1.4 Antonímia 64
1.5 Campo semântico 75
2. Sentido e Discurso: O Lingüístico e o Extralingüístico 83
2.1 Contexto 88
2.2 Posto, pressuposto, subentendido e inferência 98
2.3 Dialogismo, intertextualidade e polifonia 117
3. Conclusão 135
4. Referências Bibliográficas 137
5. Resumo 142
6. Abstract 143
9
INTRODUÇÃO
Analisar o fenômeno semântico da produção de sentido não se apresenta como
tarefa simples para os estudiosos da linguagem, uma vez que envolve várias formas de
relacionamento entre a linguagem e o mundo representado por ela. Há, de fato, várias
formas de se descrever a produção de sentido, por isso diz-se que várias semânticas.
Cada uma elege uma visão particular do fenômeno a ser analisado.
Diante disso, aqui reside a motivação deste trabalho: investigar os processos
semânticos que interagem na construção de sentido, apontando para uma análise que
possa se fazer coerente na descrição desses processos, além do reconhecimento dos
lugares onde os elementos que compõem a produção de sentido se dão, no âmbito
lingüístico ou fora dele.
Essa proposta metodológica supõe uma premissa: os fenômenos semânticos
estão intimamente ligados ao contexto e aos mecanismos da enunciação; de fato, o
sentido está integrado ao processo discursivo. Isso implica dizer que semântica e
pragmática não se separam, na medida em que o se pode distinguir o sentido
propriamente dito dos contextos nos quais ele se apresenta.
Fica clara, portanto, a intenção de divisão deste estudo em dois grandes eixos,
que não se excluem, em absoluto, mas se completam: os processos semânticos que
norteiam a produção de sentido e os elementos lingüísticos e extralingüísticos que
interagem no âmbito discursivo.
No primeiro eixo, este trabalho pretende descrever alguns processos semânticos
que interagem na produção de sentido, analisando-se os fenômenos da polissemia, da
sinonímia, da antonímia e, ainda, dos campos semânticos, ancorado nos pressupostos
teóricos de, entre outros, Lyons e Ulmmann. No segundo eixo, pretende-se descrever os
elementos lingüísticos e extralingüísticos que compõem o discurso e integram a
construção do sentido, como o contexto, os implícitos da linguagem, a polifonia e a
intertextualidade, com base, sobretudo, nas visões de Ducrot e Bakhtin.
Até por uma propriedade fundamental da língua a economia lingüística o
processo da polissemia, por exemplo, torna-se um dos principais operadores das
10
situações comunicativas. O Globo, de 28/12/05, trouxe a seguinte manchete:
“Problemas na decolagem”. Tratava-se da dificuldade apontada pelo técnico da seleção
brasileira de futebol, Carlos Alberto Parreira, em conseguir uma seqüência de treinos
para o time até a Copa, em junho de 2006. Sob a manchete, o jornal publicou uma foto
do técnico entrando em um helicóptero. A dimensão semântica da análise tem
ancoragem exatamente nesse complexo enunciativo: a inferência associativa da ação de
Parreira (entrar em helicóptero) possibilita o alargamento de sentido da palavra
“decolagem”. Através de um processo metafórico, esse termo ganha um valor
polissêmico, como o início de uma viagem, aqui a viagem rumo à Copa do Mundo, com
a prévia preparação para disputar o título de campeão.
Entretanto, tal associação, fundamental para a apreensão do sentido, se
concretiza na medida em que se entrelaçam alguns elementos envolvidos no contexto da
enunciação, como por exemplo, a natureza do personagem em questão o técnico da
seleção brasileira e o fato de ele estar subindo em um helicóptero, o que autoriza a
metáfora da “decolagem” e seu conseqüente valor polissêmico.
Recentes correntes lingüísticas apresentam pelo menos três formas de se pensar
a semântica: a Semântica Formal, a Semântica da Enunciação (também chamada de
Argumentativa ou Discursiva) e a Semântica Cognitiva. Segundo Koch (2003), quando
a interação através da linguagem, dá-se, por conseqüência, uma atuação sobre o
outro, em outras palavras, existe sempre a adoção de uma carga argumentativa. Por
entender que a língua é intrinsecamente argumentativa, como afirma O. Ducrot através
de sua proposta de uma lingüística enunciativa, este trabalho focalizará, principalmente,
a semântica sob a ótica da argumentação, avaliando alguns mecanismos enunciativos e
percebendo a íntima ligação existente entre a língua e o discurso.
Dessa maneira, esta dissertação pretende analisar a Semântica da Enunciação
sob um viés discursivo, que não pode isentar a participação de fatores que interagem na
compreensão do fenômeno semântico, num movimento constante, interpretando e, ao
mesmo tempo, depositando novos elementos de sentido no discurso.
Citando um exemplo de Maingueneau, em “Os termos-chave da análise do
discurso”, quando se produz a frase “O Paulo não está lá”, podemos, além do sentido
óbvio da ausência de Paulo, explícita na superfície da frase, interpretá-la como uma
chamada de atenção, como a conclusão de uma argumentação, ou até mesmo com um
valor irônico. É que a produção de sentido encontra o seu lugar: não na frase em si,
mas no enunciado, que abarca o contexto em que tal frase está inserida. Assim, o
11
material lingüístico representado pela escolha dos itens lexicais e os elementos do
contexto em que se realiza a enunciação trazem o instrumental necessário para a
apreensão plena do sentido da cena discursiva.
Em absoluto, não é objetivo deste trabalho propor uma teoria semântica, mas
uma descrição de alguns fenômenos que atuam na construção de sentido do texto,
sempre baseado numa interface das áreas da semântica e da pragmática, em situações
comunicativas, premissa fundamental do processo de linguagem. Para tanto, é
importante reconhecer a constituição do corpus utilizado neste trabalho: pelo tipo de
expressividade, ganha ênfase a análise de textos não-literários, sobretudo, manchetes de
jornais e revistas, anúncios e charges, que envolvem, certamente, a linguagem verbal e
não-verbal.
A preferência por tais gêneros textuais se por conta de uma função
comunicativa altamente expressiva que esses textos abarcam. É exatamente essa
expressividade da palavra e da não-palavra em situações de comunicação que se busca
aqui evidenciar através da investigação de sua construção de sentido.
Essa escolha se dá, também, porque tem sido cada vez mais freqüente, nos
veículos atuais da mídia, a exploração dos recursos expressivos da língua como um
instrumento de comunicação. Seja nas manchetes de jornais, seja nas chamadas dos
anúncios em cartazes, ou ainda em charges e cartuns, a propaganda e os textos
referenciais vêm utilizando as possibilidades semânticas que a língua apresenta para a
construção de sentido de seus textos. São polissemias, ambigüidades, ironias,
conotações, implícitos para citar apenas alguns aspectos que, empregados de
maneira expressiva, chamam a atenção do leitor e, de certa forma, criam uma
expectativa para o objeto de interesse, seja ele um produto ou o conteúdo de uma
matéria jornalística, ou, ainda, o humor de uma charge.
Dessa forma, investigando os aspectos semântico-pragmáticos da linguagem,
considerando suas origens e suas propriedades, bem como sua aplicabilidade no
processo de comunicação, penso estar contribuindo, com um pequeno recorte, para um
aprofundamento no estudo desta área da linguagem que andou esquecida na origem da
Lingüística, mas que ganha força em seu estágio mais recente: a Semântica,
especificamente, aqui, a semântica sob a ótica discursiva.
12
1. PALAVRA E SENTIDO: PROCESSOS SEMÂNTICOS
Comumente, a Semântica é definida como o estudo do significado. No entanto,
como se sabe, esse vocábulo abarca várias acepções. O clássico “O significado de
significado” discute essa questão estabelecendo parâmetros para a definição do conceito
de significado. Ogden e Richards (1972: 200) apontam para a idéia de que o
significado de qualquer frase é aquilo que o elocutor pretende que seja entendido,
através dela, pelo ouvinte”. Tal definição deixa implícito um conceito acerca do
processo lingüístico: o sentido
1
do texto está intrinsecamente ligado ao uso da língua em
uma situação de comunicação.
De fato, se a língua é um sistema que está em constante processo de construção,
sendo constituída por diversas vozes, nas variadas práticas discursivas, é legítimo
pensar que o mundo e o homem, que compõem esse processo de referências da língua,
também se constroem, também se mantêm em processo a cada enunciação. Sendo
assim, analisar a língua sob o viés do discurso é trazer para a discussão lingüística a
interação do homem e seu mundo, atores que são, afinal, do processo lingüístico.
Assim, aspectos semânticos envolvidos na construção do sentido como a
polissemia, a homonímia, a sinonímia, a antonímia, a paronímia, e ainda os campos
semânticos devem ser analisados sob o olhar discursivo, não podendo ser analisados
sem se levar em conta, entre outros fatores, as condições de produção do texto que
abarca tais aspectos. Com efeito, Borba (2003: 234) afirma que é na verificação da fala
como manipuladora dos diferentes sentidos disponíveis que se pode perceber a
variedade de processos que enriquecem semanticamente os sistemas lingüísticos e
salienta, sobretudo, a possibilidade de pluralidade significativa (polissemia), de
equivalência significativa (sinonímia) ou de oposição significativa (antonímia)”.
1
É relevante uma distinção entre o conceito dos itens lexicais significado, sentido e significação, para que
fiquem delimitados os vários campos de estudo que se destacarão neste trabalho. Toma-se, aqui,
significado como um estado descontextualizado da palavra, o vocábulo em “situação dicionária”; sentido
estabelece uma relação com que é depreendido da palavra dentro de um contexto lingüístico.
significação seria o ato de significar, o processo através do qual se a produção de sentido. Dessa
forma, por acreditar que o processo de significação se dá, sobretudo, no uso da língua em uma situação de
comunicação, usarei unicamente, para tais casos, a terminologia sentido, deixando significado para os
itens sem uma contextualização lingüística.
13
Furlanetto (2000a: 4) acrescenta: Sentidos aparecem por confronto de
significantes, e não sentidos próprios, literais. Pêcheux dirá que o sentido surge
porque uma palavra, uma expressão, uma proposição aparece por outra palavra, outra
expressão, outra proposição.
Percebe-se, pois, a relação intrínseca da construção de sentido à própria
definição de signo lingüístico: segundo Humberto Eco (1976:11), define-se como signo
aquilo que à base de uma convenção social previamente aceita, possa ser entendido
como algo que está no lugar de outra coisa”. Entre muitas definições para o conceito de
signo, da teoria de Hjelmslev à teoria behaviorista de Watson, os estudos acadêmicos
acredito caminham entre a dicotomia saussuriana de significado e significante e a
visão triádica proposta por Peirce.
Vale, aqui, então, estabelecer as duas visões sobre signo que têm norteado os
princípios da Semiologia e da Semiótica. Para Saussure, sob a visão da semiologia, o
signo pode ser definido por suas partes constituintes – significante / significado –
através de uma relação arbitrária. Os signos apresentariam duas faces: a primeira, a do
significante, ou seja, a base para a expressão de uma idéia. Por exemplo, a seqüência de
sons da palavra e a forma como ela se apresenta compõem o seu significante. A face do
significado é a própria idéia ou o conteúdo intelectual apresentado, ao qual se refere o
significante.
Diferente da dicotomia saussuriana de significado e significante, há a visão
triádica proposta por Peirce. Na linha semiótica do cientista americano, o processo de
semiose se estrutura numa tríade, envolvendo Signo / Objeto / Interpretante, cuja relação
é analisada por Darcilia Simões (1999: 91):
Nessa tríade, o filósofo retoma um esquema aristotélico e nos mostra um
processo de inter-relações por meio das quais a consciência humana dialoga
com o exterior. Em outras palavras: o que Peirce designa como signo é aqui
tomado como um fato ou fenômeno (aquilo que sensibiliza a consciência a
que ele designou phaneron) que estimula a ação da consciência. Esta, por
sua vez, reage ao lampejo da idéia-mensagem e a associa a um objeto
imediato de natureza sígnica (representamen) que processa os dados em
forma de pensamento com base no interpretante “tradução” do phaneron
em juízo verbal.
14
Para exemplificar tais conceitos, tome-se como exemplo a charge abaixo,
ironizando o exército brasileiro em sua tentativa de “apagar” os registros históricos dos
tempos de tortura. No texto da charge, a palavra “fogo” apresenta um caráter
polissêmico:
MARIANO. Charge on line, 14/12/04.
A palavra “fogo” não representa somente o sentido de “atirar”, como se
poderia prever pela seqüência discursiva “Preparar, apontar...”. É um signo que
representa a palavra “queime”, e é um signo porque está em lugar de outra coisa,
representando essa coisa, o que na visão semiótica seria o objeto. Tal noção para a
palavra “fogo” está previamente legitimada pelo grupo social que interage com o signo,
validando seu sentido. Assim, “fogo”, seguindo a cadeia discursiva, pronunciada por um
militar, traz como significado a idéia cristalizada de “atirar” é o objeto imediato, o
referente imediato. Contudo, no contexto da charge, e ainda analisando o contexto
social em que ela se insere, esse vocábulo ganha novo sentido. Na ótica do semioticista
americano, corresponde ao objeto dinâmico. A legitimação da conotação de tal
vocábulo é representada pelo interpretante. Na visão de Peirce, o interpretante não
designa unicamente o intérprete ou ainda o usuário do signo, mas uma espécie de
Supersigno ou Supercódigo, seja ele individual ou coletivo, que se reestrutura
constantemente, renovando seu conjunto de signos diante da experiência, dando-lhes o
seu significado real. Segundo Pignatari (2002: 33), o “interpretante, assim, não é uma
‘coisa’, mas antes um processo relacional pelo qual os signos são absorvidos,
utilizados e criados”. À concepção de signo, traz um comentário interessante o
estudioso Isaac Epstein (2002: 21):
15
A transmissão de significados constitui o fluxo intersubjetivo pelo qual
circula a cultura. A experiência vivida, o real sentido, percebido ou
compreendido, o mundo do real ou do imaginário, das teorias científicas ou
dos mitos, enfim, da vigília ou do sonho, é mediado de homem a homem por
entes concretos capazes de impressionar nossos sentidos: os signos.
Estes, porém, apontam para fora de si, são presenças que marcam ausências, e
são precisamente estas ausências, ou seja os “significados” destes signos,
aquilo que constitui a seiva da cultura humana. [...]
Esse processo interpretativo é denominado “semiose”. Quando se comparam as
duas visões sobre o conceito de signo, chama a atenção o fato de que a concepção
peirceana se permite à interpretação individual. Na medida em que o interpretante
apresenta um traço subjetivo, atualizado pelo senso comum, a arbitrariedade da
significação saussuriana ganha em Peirce uma dimensão subjetiva que não é arbitrária,
em absoluto.
Dessa forma, o conceito de interpretante na concepção triádica de Peirce está
acredito intimamente ligado à idéia da experiência vivida que é mediada de homem a
homem, como afirma Epstein. É o que Furlanetto (2000a:1) chama de memória
discursiva: um saber discursivo que possibilita que nossas palavras façam sentido”. A
construção do sentido do signo, dessa forma, concretiza-se a partir da participação
presumida de uma memória discursiva e de um contexto sócio-histórico em que estão
inseridos os usuários de tal linguagem.
Ainda que este trabalho não se prenda a uma investigação semiótica do signo,
uma vez que pretende abordar os processos semânticos-discursivos que atuam no
sistema lingüístico, a visão adotada para a investigação desses processos semânticos,
por sua natureza conceitual, aproxima-se da de Peirce.
Um traço dessa aproximação se verifica na concepção de signo não-verbal
proposta por Peirce (1999: 74):
Um signo é um ícone, um índice ou um símbolo. Um ícone é um signo que
possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu objeto não
existisse, tal como um risco feito a lápis representando uma linha geométrica.
Um índice é um signo que de repente perderia seu caráter que o torna um
signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter se não
houvesse interpretante. Tal é, por exemplo, o caso de um molde com buraco
de bala como signo de um tiro, pois sem o tiro não teria havido buraco;
16
porém, nele existe um buraco, quer tenha alguém ou não a capacidade de
atribuí-lo a um tiro. Um símbolo é um signo que perderia o caráter que o
torna um signo se não houvesse um interpretante. Tal é o caso de qualquer
elocução de discurso que significa apenas por força de compreender-se que
possui essa significação.
Assim, o ícone apresenta uma relação entre o objeto e o seu sentido, conferindo-
lhe um traço de similaridade. São signos icônicos fotografias, caricaturas, bem como
charges e cartuns que se referem a pessoas. O ícone, portanto, traz na sua própria
estrutura a idéia que se quer passar do objeto.
A charge a seguir se sobrepõe a uma foto publicada na primeira página do Jornal
do Brasil no dia 06/01/05, em que o indonésio Rizal Shahputra acena para o navio
cargueiro, após oito dias à deriva, num tronco de uma árvore, após a tragédia causada
por um maremoto naquele país. Na charge, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva
aparece em um tronco de árvore representando o mapa do Brasil.
IQUE. JB, 07/01/05.
A figura de Lula e o Brasil representado pelo tronco são ícones da charge, pois
possuem uma relação de semelhança com o objeto no caso, o presidente e o país. A
base gnica da charge encerra uma metáfora na medida em que o gesto pensativo de
Lula e a própria relação com a foto indicam o que está subentendido: o Brasil também
está à deriva.
A iconicidade do signo pode ser representada nesta outra charge, de Rios, para o
site Charge on line:
17
RIOS. A charge on line, 02/04/05.
A charge trata da chacina ocorrida em Nova Iguaçu, município do Rio de
Janeiro, em abril de 2005, que vitimou pelo menos trinta pessoas. Os suspeitos da
barbárie são policiais envolvidos em grupos de extermínio. A denúncia da charge está
representada pelo mapa do Estado do Rio de Janeiro como um dos mortos da chacina,
como se o próprio Rio fosse vítima dessa violência a que está submetido nas últimas
décadas. O mapa do Rio torna-se, então, um signo icônico que serve como instrumento
de crítica para esse processo de violência.
O índice, por sua vez, apresenta uma relação direta com o objeto, conferindo-lhe
um traço de proximidade. São signos indiciais a fumaça (para a idéia de fogo), nuvens
pretas (indício de chuva). Esse tipo de signo não-verbal funciona como um sinal da
ocorrência de algo. Entre outros aspectos, elementos sonoros podem representar índices.
Em filmes de suspense, por exemplo, a tensão da música indicia que algo está para
acontecer.
Valente (1994) estabelece uma relação entre o signo indicial e a metonímia, por
sua relação de contigüidade. Segundo Valente, pelo mesmo raciocínio, o ícone, por sua
relação de semelhança, poderia ser relacionado à metáfora.
Dessa maneira, a cor vermelha, utilizada na charge anterior, de Rios, pode
representar um índice da violência, por associação à cor do sangue. Na charge, o filete
de cor vermelha que sustenta os corpos acaba por formar o mapa do Rio de Janeiro. O
vermelho do sangue seria, portanto, uma metonímia da violência a que o estado está
submetido; o signo icônico mapa do Rio que representa o próprio estado
desempenharia um papel metafórico.
18
A charge a seguir é ilustrativa do valor indicial do signo:
LAÍLSON. A charge on line, 05/06/05.
As árvores cortadas são índices do desmatamento que atingiu número recorde no
governo Lula. A denúncia, num humor sarcástico, apresenta como autor do quadro o
Ibama, órgão responsável pela preservação da natureza, que, em trocadilho com o tipo
de pintura apresentada, é denominada “Natureza morta”. ironia e crítica através da
expressividade do jogo lingüístico empregado, tendo como instrumento um signo
indicial.
A linguagem da propaganda utiliza intensamente esse recurso. Anúncios de
cigarro que têm como seu público-alvo classes mais abastadas trazem normalmente em
seus anúncios uma taça de vinho, óculos de leitura índices de uma sofisticação, de
uma intelectualidade, indicando uma aproximação com pessoas de gosto refinado.
anúncios de cigarro que pretendem atingir um público de classes menos favorecidas
apresentam em seus anúncios outros elementos. São comuns os anúncios ambientados
em botequins, onde se bebe cerveja, cachaça, com a porção de queijo como aperitivo.
São índices que indicam os gostos deste público.
Da mesma maneira, anúncios que têm como referência o verão, como anúncios
de refrigerantes, cervejas ou sorvetes, invariavelmente, traduzem tais idéias através das
cores empregadas no anúncio normalmente, vermelho, laranja e amarelo signos de
calor, elemento fundamental na associação ao produto oferecido.
19
Considere-se a propaganda a seguir, da cerveja Bohemia, que tem como conceito
uma cerveja com receita inspirada na produção artesanal da Idade Média, dos monges
das abadias européias do século XI:
Veja, 25/09/05.
Se o conceito do anúncio é o de uma cerveja com receita inspirada na produção
artesanal da Idade Média, o vitral representando uma igreja medieval, bem como a
tipografia da letra usada no anúncio são índices dessa idéia, auxiliada pelo texto verbal
(...porque a fábrica é na Idade Média). A mistura dos tons de amarelo e laranja do
anúncio também concorre para uma ambiência de calor que um produto como cerveja
deve exigir (o anúncio da Kaiser Boch, cerveja mais forte, ao contrário, concebida para
ser consumida no inverno, apresenta a garrafa da cerveja envolvida em um cachecol).
Os signos não-verbais afluem, portanto, para a representação da ambiência exigida pelo
conceito do produto.
O símbolo se apresenta, também, com uma relação de contigüidade, porém, uma
proximidade convencionada, instituída pelo senso comum. Há símbolos com valor
internacional como a cruz, que representa o cristianismo, ou a bandeira branca, um
símbolo da paz. Há, entretanto, símbolos com valor nacional como marcas, logotipos,
que só têm sentido em âmbito nacional.
Analise-se esta charge, que trata da Guerra do Iraque, em 2004:
20
BOSCO. O Liberal (PA), 25/03/04.
Essa charge de João Bosco, do jornal O Liberal, critica a conduta do exército
americano na Guerra do Iraque. A pomba branca, outro símbolo da paz, está vestida
com o uniforme do exército, camuflada, pronta para o combate. Ironiza-se a falsa
postura americana de levar àquele país a tranqüilidade e a paz perdidas no governo
ditatorial iraquiano. Vale notar os ossos jogados pelo chão, índices das mortes ocorridas
no campo de batalha, ocasionadas pela ão americana. Dessa forma, pode-se perceber
que o símbolo, normalmente, vem acompanhado de outros signos não-verbais, como o
índice neste caso.
Tais considerações acerca do conceito de signo lingüístico, com suas
caracterizações no aspecto não-verbal, junto às observações quanto ao objeto de estudo
da semântica, são ferramentas essenciais para a investigação de alguns aspectos
semânticos que norteiam a produção de sentido no espaço do texto, como será visto
adiante.
1.1 Ambigüidade e polissemia
As pesquisas sobre linguagem têm considerado a ambigüidade um fenômeno até
certo ponto bem delineado: para Charaudeau e Maingueneau (2004), é um fenômeno
ligado a traços discursivos do enunciado, ocorrendo sempre que uma mesma frase
apresenta vários sentidos, sendo, então, suscetível a diferentes interpretações. As causas
da ambigüidade são de origens diversas. Para Ulmmann (1987), podem ser de ordem
fonética, gramatical ou lexical.
21
Segundo o lingüista, a ambigüidade de ordem fonética acontece quando uma
unidade sonora é pronunciada sem interrupção, tornando palavras diferentes
potencialmente ambíguas. Em português, é o caso de “agosto” oitavo mês do ano e
“a gosto” – locução adverbial.
Para Ulmmann, a ambigüidade gramatical pode ser originada de forma bipartida:
em um primeiro caso, a ambigüidade se pelas formas gramaticais, em especial no
emprego de prefixos e sufixos que possuem mais de um sentido, como o prefixo in-, que
assume o sentido de negação em “inapropriado” e incapaz”, por exemplo, e o sentido
de introdução, de movimento para dentro, como em “influir”, “ingerir”. Em outro caso,
a ambigüidade se pela combinação de palavras numa frase equívoca, que Ulmmann
chama de anfibologia, possibilitando várias interpretações sintáticas. Servem como
exemplo frases como (1) e (2):
(1) O pai trouxe este mapa da França para a filha.
(2) Vi uma foto sua no metrô.
A construção (1) torna-se ambígua na medida em que se podem observar duas
leituras da frase: o mapa caracteriza o território francês ou o mapa foi trazido de lá.
Sintaticamente, não está clara a relação estabelecida pelo termo “da França”, se se liga
ao substantivo “mapa” ou à forma verbal “trouxe”. Para a construção (2), poderia haver
até mais de duas leituras:
2.1 Eu estava no metrô quando vi uma foto em que você estava.
2.2 Eu estava no metrô quando vi a foto que você tirou.
2.3 Eu vi uma foto em que você estava no metrô.
Este caso, gerado pela combinação equivocada das palavras na estrutura frasal,
recebe o nome de ambigüidade sintática por Charaudeau e Maingueneau.
A ambigüidade de ordem lexical, considerada a mais importante dentre os
fatores de ambigüidade presentes na língua, assume, segundo Ulmmann, duas formas
diferentes: a polissemia e a homonímia, que merecerão um olhar mais aprofundado
adiante. Por hora, cabe um exemplo:
(3) Aquela carteira estava velha.
22
A palavra “carteira” pode assumir duas leituras: a de um objeto utilizado para
guardar documentos e um objeto utilizado para sentar-se, como uma carteira escolar.
Rehfeldt (1980) corrobora tal visão e acrescenta a possibilidade de uma construção
híbrida, em que uma estrutura com relações sintáticas ambíguas, com a presença de
palavras polissêmicas ou homonímicas na frase, como no seu exemplo:
(4) Canto na Sala Cecília Meireles.
Nessa frase, a estrutura polissêmica da palavra “canto” gera duas interpretações
sintáticas diferentes:
4.1 Eu costumo fazer apresentações de canto na Sala Cecília Meireles.
4.2 Haverá uma apresentação de canto na Sala Cecília Meireles.
O conceito de ambigüidade, contudo, não abarca uma unanimidade. Kempson
(1980), em sua “Teoria Semântica”, questiona a tênue fronteira entre a ambigüidade e o
conceito de vagueza. Para a autora, é difícil determinar o que, de fato, é ambigüidade e
o que é vagueza e estabelece uma série de testes que possam confirmar a ocorrência de
um ou outro fenômeno. Considerando o conceito de vagueza como um dos tipos de
indeterminação semântica, que ocorre quando não se consegue estabelecer a relação
entre uma palavra e seu referente de maneira clara, não acredito que este conceito se
encontre no mesmo nível da ambigüidade. Concordando com Charaudeau e
Maingueneau, entendo ser a vagueza uma fonte geradora da ambigüidade, o que estes
autores denominam de ambigüidade discursiva. O duplo sentido, aqui, o reside na
estrutura léxica, nem na construção frasal, mas no sentido implícito do enunciado:
(5) Tenho 30 anos.
Tal enunciado, solto, não permite saber se o sujeito falante se considera velho ou
jovem. Fosse o sujeito um esportista, por exemplo, poder-se-ia considerá-lo velho, pelas
exigências da prática de determinado esporte; fosse um professor, entender-se-ia como a
voz de um jovem com um futuro profissional pela frente. Para Kempson, tal estrutura
seria um caso de vagueza, não uma ambigüidade. Reitero, contudo, que a vagueza da
estrutura frasal determina, de fato, uma ambigüidade discursiva, que, através do
23
contexto e de inferências do ouvinte da frase, terá o seu sentido recuperado. Assim,
intervêm Charaudeau e Maingueneau (2004: 35): A ambigüidade discursiva é, então,
constitutiva de todo fato de comunicação, que não ato de discurso que não seja
portador de um ou vários implícitos.
Apesar de, no ideário lingüístico, o discurso ambíguo ser tomado com um fator
negativo, a produtividade da ambigüidade, quando intencional, é um importante recurso
textual, valendo-se da condição interpretativa do receptor. Um bom exemplo pode ser
verificado nesta propaganda eleitoral “disfarçada” do deputado Eduardo Paes, que foi
matéria de O Globo, em dezembro de 2001:
Foto tirada de um cartaz na cidade do Rio. O Globo, dezembro de 2001.
Verifica-se que a proximidade fônica do nome do deputado e da mensagem gera
uma ambigüidade intencional, reiterada, inclusive, pela marca da assinatura, que é a
mesma em “Paes” e “paz”. Como a propaganda política, fora do período eleitoral, é
considerada ilegal, os autores do cartaz souberam explorar as datas festivas do final de
ano para mandar o “lembrete” aos eleitores: no discurso subentendido, “nas eleições de
2002, Paes.”
Dessa forma, o duplo sentido é visto como fonte importante de expressividade
no contexto lingüístico e recurso muito utilizado na linguagem referencial, seja em
propagandas, em letras de músicas ou em cartuns e charges. Esse recurso que a língua
oferece aos autores a possibilidade da exploração semântica de aspectos verbais e
não-verbais, atraindo a atenção do leitor / ouvinte.
A revista Programa, do Jornal do Brasil, na época das eleições presidenciais em
2002, publicou esta capa:
24
Jornal do Brasil. Revista Programa, nº 30, outubro de 2002.
A capa faz menção a opção de restaurantes que oferecem frutos do mar no Rio e
a opção de lazer na Região Serrana. Obviamente, o texto se apropria dos nomes dos
então candidatos à presidência, em segundo turno, Luís Inácio Lula da Silva e José
Serra, criando o jogo lingüístico ambíguo que envolve a polissemia desses nomes.
Consideradas tais observações acerca do processo da ambigüidade, faz-se
fundamental o aprofundamento da chamada ambigüidade lexical, que tem como
componentes a polissemia e a homonímia.
Polissemia, como mostram os próprios componentes da palavra (poli + sema +
ia), é a capacidade que o vocábulo apresenta de comportar várias significações.
Concordando com os autores Genouvrier e Peytard (1973: 320),
poderíamos, com efeito, idealizar uma língua onde todos os termos fossem
monossêmicos (um sentido para cada palavra, uma palavra para cada
sentido), mas isso incharia infinitamente o léxico, e o locutor não poderia
guardar na memória as palavras indispensáveis à construção das mensagens
mais variadas. A língua obedece, através da polissemia, à lei da economia:
ela sabe reaproveitar várias vezes o mesmo signo fazendo variar o seu
significado; explora o mais racionalmente possível os recursos da língua.
25
Percebemos, aqui, uma das origens da polissemia na construção lingüística:
economizar as entradas lexicais numa língua, evitando a exacerbação de termos dentro
de um sistema lingüístico e valorizando, de certa forma, a captação de sentido através
do contexto em que determinado signo está inserido. Segundo Rehfeldt (1980: 78),
como nos demais planos lingüísticos, onde fonemas, morfemas e sintagmas são
reaproveitados, também os lexemas podem representar mais de um semema”.
Outra origem da polissemia baseia-se na arbitrariedade lingüística. É a
convenção social que denomina objetos e seres no processo comunicativo, não
implicando relação alguma com a natureza desses elementos. Portanto, é natural que
determinada nomenclatura represente mais de um objeto ou evento. Segundo Borba
(2003: 234), a linguagem humana é naturalmente polissêmica porque o signo, tendo
caráter arbitrário, não tem valor fixo, realizando-se na fala por associações.”
Assim, recorrendo, ainda, a exemplos citados por Genouvrier e Peytard (Id. Ib.),
temos a chave da fechadura / a chave de um enigma / uma palavra-chave. Uma
palavra (ou sintagma, ou lexia) ganha vários sentidos, dependendo do contexto em que
está inserida, dependendo das relações sintagmáticas e semânticas que apresenta no
contexto lingüístico.
Por outro lado, ainda que seja clara a necessidade da economia lingüística,
um traço inerente a toda sociedade: a dinamicidade. Esse dinamismo implica
transformações, sejam sócio-culturais, sejam científicas, o que afeta, obviamente, o
sistema lingüístico. Se por um lado, há a necessidade da economia lingüística, há
também a necessidade de renovação do léxico para acompanhar as transformações que a
sociedade sofre. Tal renovação acarreta, sem dúvida, uma ampliação do xico. Criam-
se, dessa forma, os neologismos.
Em diferentes áreas, nos mais variados tipos de universo de discurso, observa-se
a criação de vocábulos e/ou termos. Esse processo é que se chama de neologia, e a
resultante desse processo os termos inventados –, neologismo. Neologismo é,
portanto, a palavra criada, nova, que ainda não foi dicionarizada.
A relação estabelecida, aqui, entre neologia e polissemia parece-me
fundamental, na medida em que os novos sentidos de uma palavra, quando perdem seu
estatuto de neologismo, acabam por gerar um item lexical polissêmico. Biderman
(1991: 283-284) trata a polissemia sendo
26
um fenômeno que ocorre no interior das redes de significação do léxico geral
da língua comum, em virtude da economia lingüística, com o
reaproveitamento freqüente de um certo número de lexemas no processo de
comunicação. A ampliação do uso de uma palavra e a metaforização contínua
da linguagem acarretam a freqüência de unidades lexicais gerando a
polissemia. (Apud Zavaglia, 2003).
Assim, a dinâmica da renovação lexical, instaurada a partir da criação dos
neologismos, torna-se um ponto relevante de estudo para a Lingüística porque é nessa
dinâmica que se mostram, efetivamente, as transformações pelas quais passa a
sociedade, seja sob o ponto de vista lingüístico, seja cultural. Maria Aparecida Barbosa
(2001: 34) corrobora tal opinião:
De fato, no universo léxico, subsistema do sistema lingüístico, formalizam-se
tais transformações e mudanças, na medida em que o inventário lexical é
constituído por grandezas-signos, surgidas da necessidade que tem um grupo
de apreender o “real”, de analisar, recortar, classificar e organizar o potencial
de informações dos dados da experiência – continuacom o que se defronta,
para elaborar, constantemente reelaborar e sustentar seus sistemas de valores,
sua “visão de mundo”, um mundo lingüística e semioticamente construído.
Dessa forma, a criação de novas palavras, novas grandezas-signos, como afirma
Barbosa, não implica somente a inclusão de um novo item no léxico, mas uma nova
concepção de uma época. A origem do neologismo pode conduzir sua análise a um
emprego de nova ideologia, de determinada época, do pensamento de um determinado
grupo social, de uma comunidade lingüística. O anúncio do banco Itaú, a seguir,
retirado de Sandmann (2003: 63), é ilustrativo:
Ela é multidata, multidia, multinoite,
multieletrônica. Poupança Multidata Itaú
Folha de São Paulo, 1/05/91.
O prefixo multi, além de interagir na criação de neologismos, revela, sem
dúvida, uma ideologia presente na sociedade contemporânea: tudo deve ser
multifuncional, como uma condição necessária para o ritmo intenso da vida que se leva
hoje. A mesma ideologia que requisita lojas de conveniência em postos de gasolina,
27
farmácias com produtos alimentícios. Como o tempo é precioso, necessita-se dessa
“otimização” de funções dos espaços e dos produtos.
A bem da verdade, qualquer usuário da língua pode criar neologismos, ainda que
haja maior destaque para os neologismos criados por escritores ou profissionais de
comunicação. Faz-se necessário, então, diferenciar tais neologismos. Michael Rifaterre
(1989: 53) aponta essa distinção:
O neologismo literário difere profundamente do neologismo na língua. Este é
forjado para exprimir um referente ou um significado novo; seu emprego
depende, portanto, de uma relação entre palavras e coisas, em suma, de
fatores não lingüísticos; é, antes de mais nada, portador de uma significação,
e não é necessariamente captado como forma insólita. O neologismo literário,
ao contrário, é sempre captado como uma anomalia e utilizado em virtude
dessa anomalia, às vezes até independentemente de seu sentido. Ele não pode
deixar de chamar a atenção porque é captado em contraste com seu contexto
e porque seu emprego, assim como seu efeito, dependem de relações que se
situam inteiramente na linguagem. [...] Devido à sua própria forma singular, o
neologismo realiza idealmente uma condição essencial da literariedade.
Cabe ressaltar a produtividade desses dois tipos de neologismo. Valente (2005)
aponta a relevância dos neologismos criados a partir de textos midiáticos
denominados por Edith Pimentel em artigo na Revista Confluência 4 como
neologismos culturais visto o seu alcance, uma vez que atingem, diariamente,
milhares, às vezes milhões de pessoas, dependendo do veículo. Os neologismos criados
por escritores, os literários – denominados também por Pimentel como estilísticos – têm
um alcance menor, de fato.
Maria Emília B. da Silva (2000: 145) alude à classificação proposta por
Guilbert: o neologismo do homem comum como denominativo e o do poeta, como
estilístico. Para ela, o primeiro “surge da necessidade de nomeação de uma nova
experiência, e o estilístico, ainda que fugaz, deriva de imposições comunicativas
inusitadas”. Essa imposição comunicativa inusitada, que Rifaterre chama de anomalia,
é um dos instrumentos, sem dúvida, do belo estético na literatura, o prazer do texto, o
deleite, que autores como Guimarães Rosa, Manuel de Barros, Carlos Drummond de
Andrade, entre outros, empregam na construção de seus textos.
Essencialmente, os neologismos podem ser classificados como vocabulares e
semânticos. Os primeiros apresentam novos significantes; os outros apresentam sentidos
28
novos para a mesma base sígnica. Segundo Valente (2005: 131), “os neologismos
vocabulares, também denominados formais, são considerados os ‘verdadeiros’
neologismos. [...] Os neologismos semânticos, também chamados conceituais, decorrem
da figuração de sentido”. Interessa-me, sobretudo, a neologia semântica,
especificamente a que se veicula em textos não literários, como a linguagem da charge,
a da propaganda e a de jornais e revistas, através de suas manchetes.
Os neologismos semânticos envolvem um sistema complexo de relações inter-
conteúdos, em que interagem a noção de tempo, de lugar, de contexto sócio-cultural, de
nível do discurso. Segundo M. Louis Guilbert (apud Valente, 2005: 131-132), a
neologia semântica é criada, basicamente, por três formas: 1) a conversão, que afeta a
categoria gramatical do lexema; 2) a sociológica, que ocorre quando termos cnicos
transpassam para o vocabulário do usuário comum da língua, e 3) a linguagem figurada,
como a metáfora e a metonímia
Diante disso, parece-me que o processo da polissemia está, de fato, intimamente
ligado ao processo de neologismo semântico. A tira a seguir, de Luis Fernando
Verissimo, serve de exemplo:
O Estado de São Paulo, 21/11/93.
A tira de Verissimo, belíssima criação de “As Aventuras da Família Brasil”,
estabelece um jogo lúdico com que se chamaria a princípio de neologismo
semântico: a palavra “ficar”. Quando o pai pergunta o que seria exatamente ‘ficar’, e o
filho responde, tem-se o sentido novo desta palavra namorar sem compromisso, por
um breve espaço de tempo. Na terceira fala, o sentido original de “ser acometido,
contrair”. A criação desse neologismo se deu, obviamente, num ato de enunciação, seja
29
ele escrito ou oral. Contudo, hoje, o vocábulo encontra-se dicionarizado (Novo Aurélio,
Século XXI, por exemplo) nas duas acepções consideradas na tira. É, portanto, um
vocábulo que perdeu seu estatuto de neologismo para ser um lexema cristalizado na
língua, gerando um item polissêmico. Isso se deve à aceitabilidade do falante em usar
tal construção. À medida que é aceito pelos interlocutores e reempregado em outros atos
de comunicação, o termo vai também perdendo seu estatuto neológico em função de sua
cristalização na língua, legitimada pelo registro no dicionário.
Tal multiplicidade de novos sentidos gera, imediatamente, um questionamento
acerca de quais são os processos geradores de uma polissemia. Ulmann (1987) propõe,
basicamente, quatro procedimentos
2
que geram a polissemia na língua: 1) as mudanças
de aplicação; 2) especialização num meio social; 3) a linguagem conotativa, e 4) a
influência estrangeira, que serão analisados a partir de agora.
O aspecto cultural é, de fato, decisivo, na constituição lexical, por isso vale
observar a forma como elementos extralingüísticos podem alterar ou manter o
significado de algumas expressões e palavras no campo lingüístico. É o que Ulmmann
(1987) chama de mudanças de aplicação, processo nomeado pelo lingüista como uma
das fontes da polissemia. Essa pressão cultural faz com que itens lexicais sejam
ressignificados dentro da contemporaneidade da língua, até mesmo por
desconhecimento do falante sobre o significado original de determinada palavra. É o
caso de formidável, ou ainda estupidez, que originariamente significavam algo trágico,
ainda que espetacular, como um incêndio, por exemplo a primeira –, e ignorância a
outra. Hoje, tais palavras apresentam sentidos diferentes.
Um desdobramento desse procedimento de mudança de aplicação se confunde
com o processo formador de novas palavras no português a conversão –, que Guilbert
considera um instrumento de criação neológica, tratada, equivocadamente, em vários
compêndios gramaticais como derivação imprópria: o adjetivo grande, por exemplo,
ganha contornos polissêmicos ao se converter a advérbio na construção “pensar
grande”. O mesmo acontece com o adjetivo alto em “falar alto”. Outro exemplo está
representado na substantivação de verbos e adjetivos: o cantar / o belo.
O folheto da ATL, atual Claro, para o dia dos pais em 2003, baseia-se em um
processo de conversão para a expressividade da sua mensagem:
2
Ulmmann (1987) propõe ainda uma outra fonte geradora da polissemia, o que ele chama de
“homônimos reinterpretados”. Como o próprio lingüista não considera tal fonte produtiva, qualificando-a
como rara e com exemplos duvidosos, ela não será considerada neste estudo.
30
No texto do folheto, a palavra “velho” apresenta um caráter polissêmico a partir
da conversão do adjetivo “velho” em substantivo. No jogo lingüístico-semântico, o item
lexical “velho” pode tanto representar um adjetivo na subentendida estrutura “celular
velho”, como um substantivo, sinônimo de “pai”.
Temos, ainda, a conversão de um nome próprio, quando marcado por um artigo,
em substantivo comum: O nome próprio João se transforma em substantivo comum na
expressão “um joão ninguém”. Conta-se que Garrincha, mítico jogador de futebol nas
décadas de 50 e 60, chamava os laterais a quem enfrentava de “joões”, por não saber-
lhes os nomes. O mesmo procedimento se na expressão “madalena arrependida”,
imagem da mulher arrependida e chorosa. Segundo Pimenta (2004: 146), essa expressão
vem de Maria Madalena, a personagem bíblica que, com suas lágrimas, lavou os pés de
Jesus. Madalena vivia na riqueza e na luxúria. Seu arrependimento, passaporte para sua
posterior canonização, é a origem da expressão “madalena arrependida”.
As palavras “João” e “Madalena” alargam o seu campo de sentido na medida em
que lhes é conferido um valor polissêmico, são signos que representam não o seu valor
em si o de nomes próprios mas outros sentidos, conforme a convenção da
aceitabilidade social.
Como estabelecido, adotei, dentre as várias definições de “signo”, a que me
parece mais simples: segundo Humberto Eco (1976: 11), define-se como “signo” aquilo
31
que à base de uma convenção social previamente aceita, possa ser entendido como
algo que está no lugar de outra coisa”.
Dessa forma, as palavras “João” e Madalena” não representam seus
significados originais, são signos de outras conotações. São signos porque estão em
lugar de outra coisa, representando essa coisa. Tais noções estão previamente validadas
pelo grupo social que interage com o signo, respaldando seu sentido.
Assim, esses substantivos, descontextualizados, trazem como significado a idéia
de nomes próprios. Contudo, nas expressões “um joão ninguém” e “madalena
arrependida”, esses vocábulos ganham novos sentidos, por individualizados que são,
contextualizados que estão. O processo polissêmico se estabelece exatamente a partir
desse objeto dinâmico, o alargamento de sentido que o termo ganha dentro de uma visão
específica, legitimada pelo grupo social. Desse modo, o homem em sociedade cria e
valida a formação de novas relações lingüísticas, revitalizando o léxico, e a linguagem
ganha, por conseqüência, riqueza e expressividade.
Maria Aparecida Barbosa (2001) considera o conceito de desfoque semântico,
no qual o item lexical tem seu sentido alterado conforme o contexto em que se insere,
uma das principais fontes geradoras do neologismo semântico e, por conseqüência, da
polissemia. Esta charge de Dálcio serve de exemplo:
DÁLCIO. Diário de Campinas, novembro de 2001.
A criação de Dálcio ironiza a política norte-americana após o atentado de 11 de
setembro e a reação de grupos terroristas. É interessante notar o jogo lúdico da
expressão “ter carta branca”: na fala do presidente americano, o sentido metafórico de
32
“permissão”, “autorização”; na fala do terrorista, a princípio, o sentido literal de
“envelope”. No entanto, considerando-se o contexto da época, em que o produto tóxico
conhecido como “antrax” era enviado através de cartas a vários lugares do ocidente,
ocasionando a morte de várias pessoas, percebe-se um desfoque semântico, ou quem
sabe um alargamento do sentido da expressão “ter carta branca”, na voz de um terrorista
talibã. Certamente, não terá somente o seu sentido literal.
A charge ilustra o traço situacional do neologismo semântico; passado algum
tempo da não ocorrência do envio de antrax através de cartas, essa expressão se
desneologiza e poderá ser entendida levando-se em consideração a época em que foi
produzida.
A linguagem publicitária emprega com certa regularidade esse desfoque
semântico, interagindo com o contexto em que o produto está inserido. Neste anúncio,
retirado do site do Clube de Criação de São Paulo, o termo “pulso”, como toda lógica
discursiva, aponta para uma seqüência argumentativa que caminha em direção a um
enfoque biológico:
In www.ccsp.com.br
Pelo direcionamento argumentativo da frase, tem-se a palavra “pulso” entendida
como batimento, freqüência respiratória. No entanto, quando se percebe que o texto é
um anúncio do relógio Rolex, há uma ressignificação do termo “pulso”, que é, de fato, o
local apropriado para o uso do relógio. O anúncio, de forma criativa, legitima duas
33
leituras: a biológica e aquela em que o termo “pulso” se desfoca semanticamente,
ganhando expressividade dentro da especificidade do anúncio.
Outro exemplo desse desfoque semântico encontra-se nesta outra charge de
Dálcio:
DÁLCIO. Diário do Povo (Campinas), 9/05/03.
A charge, de maneira ácida, ironiza recentes casos de violência em
estabelecimentos de ensino, como no caso da jovem que foi alvejada por uma bala
perdida no pátio da Universidade Estácio de Sá. Dálcio joga com a polissemia da
palavra “perdida” e humaniza a bala, como se ela estivesse desorientada, sem rumo na
vida. Entretanto, como afirma na charge o então secretário de segurança do Rio,
Anthony Garotinho, elas (as balas) eram perdidas, agora já ingressaram na universidade.
Sarcasmo puro.
O traço cultural pode, ainda, ressignificar palavras produtivas em grupos sociais
específicos, como o atual sinistro, signo que contém vários semas na sociedade
contemporânea, sobretudo em um grupos sociais específicos, como o dos jovens, por
exemplo. Ulmmann trata desse processo como uma especialização num meio social e dá
como exemplo a palavra “ação”, que seria vista como uma “ação legal” por um
advogado; por um soldado, a idéia seria a de uma ação militar”. Outro termo citado
por Ulmmann é “papel”, que segundo suas palavras,
pode referir-se não ao material em geral, mas também a uma série de
outras coisas: documentos legais ou oficiais; um jornal; uma série de questões
a examinar; uma comunicação lida ou enviada a uma sociedade erudita; no
plural, pode também designar documentos de identidade; certificados que
34
acompanhem a demissão de um funcionário; documentos que acreditem a
propriedade, nacionalidade e destino de uma barco, etc. No passado houve
também outros usos especializados; a palavra podia significar, por exemplo,
um letreiro preso às costas de um criminoso, especificando seu delito.
(Ulmmann, 1987: 335).
Tal processo pode ser analisado em comparação à forma sociológica de neologia
semântica, proposta por Guilbert, na medida em que termos técnicos transpassam para o
vocabulário do usuário comum da língua. Valente (2005: 132) cita o verbo “deletar”,
termo oriundo da Informática, com matiz semântico diferenciado”, dando como
exemplo “Vou deletar aquele cara da minha vida”. É o que Maria Aparecida Barbosa
(2001) considera como um dos processos que engendram o neologismo semântico: a
transposição de um lexema, de um universo de discurso para outro.
É interessante notar que os sentidos novos que um termo adquire não anulam,
necessariamente, os sentidos antigos. Vejamos a fala de Bréal (1992: 103):
O sentido novo, qualquer que seja ele, não acaba com o antigo. Ambos
existem um ao lado do outro. O mesmo termo pode empregar-se
alternativamente no sentido próprio ou no sentido metafórico, no sentido
restrito ou sentido amplo, no sentido abstrato ou no sentido concreto...
À medida que uma significação nova é dada à palavra, parece multiplicar-se e
produzir exemplares novos, semelhantes na forma, mas diferentes no valor.
Outra fonte geradora da polissemia é estabelecida pela linguagem conotativa,
sobretudo os procedimentos da metáfora e da metonímia. Talvez, seja o processo
conotativo também o principal gerador de neologismos semânticos na língua, daí a sua
importância na análise do processo da polissemia. Segundo Valente (1999: 53), as
duas figuras vêm sendo estudadas com base nos dois eixos: o paradigmático (seleção
dos termos) e o sintagmático (combinação dos termos). Pode-se estabelecer, então, a
seguinte relação: a metáfora está para o paradigma assim como a metonímia está para
o sintagma”. O conceito de metáfora é definido por Dubois:
A metáfora consiste no emprego de uma palavra concreta para exprimir uma
noção abstrata, na ausência de todo elemento que introduz formalmente uma
comparação; por extensão, a metáfora é o emprego de um termo substituído
35
por outro que lhe é assimilado após a supressão das palavras que introduzem
a comparação. (Dubois et al
, 1997: 411).
André Valente (1999: 55) resume tal conceito: o termo A é comparado ao
termo B com base num elemento comum. Apenas surgem variações terminológicas para
os dois termos. Ulmann chama-os de teor e veículo. Cressot denomina-os objeto
evocado e objeto-referência.
Sobre a terminologia adotada por Ulmann (1987), Ricoeur (2000: 129-130) faz
interessante consideração: importa notar justamente que a metáfora não é o ‘veículo’:
ela é o todo constituído pelas duas metades”. Assim, exatamente por a idéia subjacente
(o teor) ser apreendida sob o signo de outra (veículo), a metáfora representa uma das
causas geradoras da função polissêmica.
Vejamos um exemplo de polissemia gerada pelo procedimento da metáfora:
RUCKE. Charge on line, 1/05/03.
A charge se refere ao aparecimento de tubarões na orla do Rio de Janeiro. A
placa com os dizeres Cuidado! Tubarões! é denotativa; de fato, recomenda-se cuidado
aos banhistas pelo perigo representado pelo animal. No quadro, os mesmos dizeres
ganham contornos polissêmicos, os “tubarões” representam um signo de vilania e
corrupção. Tal acepção pode ser depreendida em função do local onde a placa está
instalada (Brasília). Aqui, a comparação do animal predador, sanguinário, com os
políticos (metáfora) determina um novo sentido para a palavra “tubarão”. É interessante
36
perceber que o termo “tubarão”, no quadro, apresenta tal polissemia pela presença
do traço espacial em que a “cena” ocorre.
O filósofo e semioticista americano, Charles Peirce (1999: 74), intervém,
esclarecedor, quando analisa algumas propriedades de um índice:
Um signo ou representação que se refere ao seu Objeto não tanto em virtude
de uma similaridade ou analogia qualquer com ele, nem pelo fato de estar
associado a caracteres gerais que esse objeto acontece ter, mas sim por estar
numa conexão dinâmica (espacial, inclusive) com o Objeto.
Outro bom exemplo pode ser visto nesta charge de Gilmar:
GILMAR. Revista B..., maio de 2000.
Em um procedimento metafórico, os termos detergente”, “sabão líquido”,
“removedor”, signos de materiais de limpeza, ampliam seu sentido ao serem produzidos
no contexto que traz como ícone a figura do Palácio do Planalto: tem-se a informação
implícita de que lá, no Planalto, faz-se necessária uma limpeza. Portanto, assim como na
charge anterior, a metáfora da vilania e da corrupção determina uma visão polissêmica
dos signos empregados.
Dessa forma, os objetos para fins de limpeza são índices da metáfora empregada
pelo chargista, na medida em que apontam para a crítica imposta à conduta política do
país, levando o receptor da mensagem à idéia da faxina geral já comentada.
37
O processo metafórico, típico do universo literário, concretiza-se muitas vezes
no discurso cotidiano. São comuns expressões como “a essa altura do campeonato”, ou
“o mar não está para peixe”. Esse processo é a base da transposição de um lexema de
um universo para outro, como considera Barbosa (2001), e pode ser verificado nestas
manchetes:
Luz amarela no planalto
Com a retomada da economia, capacidade da
indústria passa a preocupar o governo
O Globo, 06/07/04.
Banco Central joga a toalha
Instituição desiste da meta central de inflação
de 4,5% para 2005 e agora busca 5,1%
O Globo, 24/09/04.
Na primeira manchete, o termo “luz amarela” é deslocado de seu universo
discursivo significa atenção, no trânsito e traduz, nesse universo discursivo político,
também uma sinalização de atenção, no caso a preocupação do governo com o
crescimento da indústria no país. Na segunda manchete, a expressão “jogar a toalha”,
deslocada do universo lingüístico do pugilismo para o da economia. Está claro o
processo conotativo em que as duas manchetes foram criadas. Vale notar, contudo, que
a polissemia se especialmente no emprego desses termos em tais discursos, que são
completamente divergentes dos originais. Dessa forma, fica evidente que a polissemia
com base conotativa traz também um traço pragmático, no qual os contextos intra e
extralingüísticos terão uma importância fundamental no surgimento de uma nova
unidade lexical. É fundamental, também, a interação dos interlocutores do discurso em
que se dá o signo neológico, para sua captação integral.
A metáfora, como geradora da polissemia, é muito produtiva também na
linguagem da propaganda. O jogo semântico, seja ele verbal ou não-verbal, tem sido um
instrumento recorrente nos textos apelativos da propaganda por atraírem e instigarem o
leitor para o produto oferecido. Vejamos esta propaganda da empresa de aviação aérea
Iberia:
38
Business Intercontinental da Iberia.
Mais espaço entre as poltronas.
Viajar virou sinônimo de relaxar. Principalmente quando você tem à
sua disposição uma poltrona de design ergonômico com maior
capacidade para reclinar e 132 cm de espaço entre a sua poltrona e a
da frente. Além disso, você conta com mais de 300 salas VIP em
aeroportos no mundo todo e pode acumular e utilizar pontos no seu
programa de milhagens voando com qualquer linha aérea da aliança
one world. Business Intercontinental da Iberia. Sorria.
O anúncio parte da comparação implícita entre os “espaços” no sorriso do
menino e o espaço entre as poltronas nos aviões da Ibéria. Através do humor, a metáfora
das “janelas” deixadas pela dentição naturalmente ausente da criança representa o
conforto oferecido pela empresa de aviação.
É interessante notar, também, a sutileza com que o texto termina: sorria. A
alusão ao sorriso largo, franco da criança é uma mensagem subentendida de que a
leveza daquele sorriso infantil é semelhante à sensação de bem estar quando os serviços
da empresa são utilizados.
Por fim, um último exemplo da influência da metáfora no caráter polissêmico do
signo: em abril de 2004, o Rio de Janeiro viveu uma de suas piores crises ao que diz
respeito à segurança. Por conta de uma verdadeira guerrilha entre facções criminosas no
complexo da Rocinha, considerada a maior favela da América do Sul, o que deixou ruas
fechadas, apavorando o cidadão carioca, o Jornal do Brasil estampou em sua primeira
página:
O Iraque é aqui
Pavor comanda rotina do carioca
Jornal do Brasil, 12/04/2004.
39
Na mesma época, o Iraque estava sob a intervenção dos EUA, na chamada
Guerra do Iraque. Todos os dias, os noticiários bombardeavam (a ironia é intencional)
os leitores e telespectadores com informações de mortes em escala altíssima, de
desmandos dos governos, de descontrole e desespero. Se tais características podiam ser
encontradas aqui em terras cariocas, a metáfora foi inevitável: o Iraque é aqui. Podemos
perceber que o termo Iraque amplia seu sentido e passa a representar não um país,
objeto imediato de associação sígnica, mas uma associação a um objeto dinâmico, a
idéia de um lugar sem lei, sem ética, movido pela desordem e pelo medo. O item lexical
“Iraque” ganha, assim, um valor polissêmico a partir da metáfora estabelecida.
No mesmo dia, o JB publicou a seguinte charge de Liberati, na qual podemos
perceber a violência materializada na comparação da imagem do Cristo Redentor à de
Jesus Cristo crucificado. Na charge, o prego que segura a mão de Cristo é uma bala:
LIBERATI. Jornal do Brasil, 12/04/2004.
A imagem do Cristo Redentor pode ser considerada um ícone que nos remete à
cidade do Rio. Essa representação da cidade pela imagem do Cristo se a partir de
uma relação metonímica. Jean Dubois (1997: 412) define assim o conceito de
metonímia:
A palavra é reservada para designar o fenômeno lingüístico pelo qual uma
noção é designada por um termo diferente do que seria necessário, sendo as
duas noções ligadas por uma relação de causa e efeito, por uma relação de
40
matéria a objeto ou de continente a conteúdo, por uma relação da parte ao
todo. (Dubois et al
, 1997: 412).
Dessa forma, a imagem do Redentor, parte do cartão-postal do Rio de Janeiro,
passa a representar a própria cidade. Em um valor polissêmico, a imagem do Cristo
significa o próprio Rio.
Vejamos agora, no plano verbal, a metonímia como geradora de polissemia. A
charge de Gilmar é um exemplo:
GILMAR. Revista B..., 27/06/00.
A partir da charge, percebe-se que a palavra pobreza” é um signo que, na
verdade, representa os pobres. Por isso, ao ouvirem a fala do então presidente, Fernando
Henrique Cardoso, sobre eliminar-se a pobreza, os mendigos correm. Claro está que os
ouvintes não entendem o item lexical “pobreza” como um substantivo abstrato,
genérico, mas como os seres que vivem nessa situação, os pobres, em última análise,
eles próprios. Portanto, em um processo metonímico, a palavra ganha um novo sentido.
Por conta do aumento da gasolina e o conseqüente aumento da inflação, o jornal
O Globo, de 10/07/2004, trouxe em sua manchete do caderno de economia:
Inflação nas bombas e na mesa
O IPCA subiu para 0,71% em junho e acumula alta
de 3,48% este ano
O Globo, 10/07/04.
41
As palavras “bombas” e “mesa”, através de um processo metonímico, alargam
os seus sentidos: representam, na verdade, a gasolina e os alimentos, que tiveram seus
preços elevados, acarretando, assim, um aumento da inflação.
A bomba de gasolina como uma metonímia do aumento dos preços mereceu em
2004, por parte dos chargistas, atenção especial:
SINOVALDO. Jornal NH (RS), 17/06/04.
Nessa charge de Sinovaldo, vê-se a figura do dragão, símbolo da inflação,
acordando dentro de uma bomba de gasolina. De modo polissêmico, podemos perceber
a bomba como uma metonímia do aumento da gasolina; é nela na bomba que se
verifica o aumento do preço. Vale ressaltar a figura do dragão ainda bebê acordando de
um sono profundo. Em outro plano de leitura, no nível da metáfora, temos a idéia do
recomeço do crescimento da inflação, extinto nos últimos anos no país. A esses planos
de leitura dá-se o nome de isotopias, assim definidas por Dubois:
O termo isotopia designa, segundo A. J. Greimas, a propriedade característica
de uma unidade semântica que permite apreender um discurso como um todo
de significação. Podem existir várias isotopias para um mesmo discurso. Por
exemplo, os dois sentidos da palavra chute (pontapé vs mentira, balela)
permitem interpretar de duas maneiras o discurso Que chute!, conforme o
contexto no qual intervém. (Dubois et al, 1997: 355).
42
O conceito de isotopia ratifica a idéia de que a polissemia da linguagem deve ser
analisada em função do contexto em que se insere a mensagem. Tomemos como
exemplo a charge de Heringer:
HERINGER. Charge on line, 25/04/03.
A charge parte de uma analogia: assim como a fictícia Gottham City lançava seu
sinal luminoso ao seu herói, Batman, também a cidade do Rio lança o seu sinal de alerta
ao seu “mocinho”. A ironia fica por conta do símbolo do tal sinal: uma chupeta.
Somente de posse de informações acerca da política do Rio de Janeiro e de seus
representantes, pode-se perceber que o objeto (a chupeta), em um processo de
metonímia, simboliza o então Secretário de Segurança do Estado, Anthony Garotinho,
que tem, numa alusão ao seu nome, associada a sua figura à imagem de uma criança
pelos veículos de mídia em geral. Dessa forma, numa linguagem não-verbal, o signo
“chupeta” apresenta outra isotopia, ganha uma valor polissêmico, que representa a
figura do ex-governador.
A metonímia não-verbal é geradora de uma função polissêmica e importante
instrumento de análise para o entendimento do texto. A partir da depreensão de sentido
nas relações semânticas que se estabelecem no contexto lingüístico, percebe-se a
intenção da mensagem.
Apresenta-se outro exemplo nesta charge de Fernandes, quando da morte do ex-
governador Leonel Brizola:
43
FERNANDES. Diário do abc (SP), 23/06/04.
A charge mostra a bandeira brasileira a meio mastro, num sinal de luto e pesar
pela morte do político. A metonímia se estabelece a partir da imagem da cuia de
chimarrão, signo da origem gaúcha de Brizola. Dessa forma, a cuia deixa de representar
seu objeto imediato, o objeto em si, para representar seu objeto dinâmico, a origem
gaúcha. A relação semântica estabelecida, aqui, polissêmica, tem como causa a
metonímia.
Como falado, comum na linguagem da propaganda, a polissemia a partir de
um procedimento metonímico pode ser vista neste anúncio:
Veja, 28/11/01.
44
Esse anúncio da Volkswagen, a partir de um procedimento metonímico, usa a
imagem do carro Gol como um signo de economia, por isso se encontra embaixo do
colchão, numa comparação com o antigo costume do brasileiro. A linguagem não-
verbal, polissêmica, estabelece que o carro é barato, logo as economias do consumidor
poderiam comprá-lo com facilidade, bem como estabelece a idéia de que é um carro
econômico, o usuário poderá economizar utilizando tal marca.
A capa da Revista Isto É também serve de exemplo:
Isto É, nº 1727, 06/11/02.
A capa da revista Isto É trata da campanha Fome Zero. Na imagem, pode-se
visualizar o prato de feijão com arroz, no qual o feijão forma um signo icônico do
Brasil. De certo modo, em um procedimento metonímico, o feijão representa o alimento
dos brasileiros. E ainda, numa visão polissêmica do signo não-verbal, tem-se a
esperança de ver o Brasil sem fome, objeto, afinal, do projeto.
Além das mudanças de aplicação, da especialização num meio social, da
linguagem conotativa, envolvendo os processos da metáfora e da metonímia, o
desenvolvimento da polissemia se deve, também, à influência de palavras estrangeiras
nas palavras vernáculas.
45
Tome-se como exemplo a fala dos autores Genouvrier e Peytard (1973: 322):
É o que aconteceu com o substantivo sucesso
, cujo sentido normal era
acontecimento (ex. um sucesso inesperado e triste); mas em francês, succès
tem o sentido de bom sucesso, acontecimento feliz, e, por influência do
francês, o substantivo português adquiriu também esse sentido, que é hoje
predominante.
Ulmmann (1987) assevera que em muitos casos, como o mencionado por
Genouvrier e Peytard, uma tendência do sentido antigo ainda permanecer, gerando,
assim, uma polissemia. Segundo o autor, isso se deve a um contato íntimo entre as duas
línguas ativas no processo, como por exemplo na primitiva Igreja Cristã, em que o
hebreu exerceu forte influência sobre o grego e este sobre o latim.
Contudo, acredito não ser mais essa a tendência desse processo. Até mesmo pelo
fato de que o usuário da ngua, em sua maioria, desconhece a formação etimológica da
maioria das palavras estrangeiras, que por empréstimo lingüístico são introduzidas no
sistema da sua língua nativa.
Encerrando esta parte do trabalho, que aborda as origens e as causas da
polissemia do signo lingüístico, vale atentar para o recurso estilístico da paronomásia,
definida por Dubois (1997: 457) como a figura de retórica que consiste em
reaproximar palavras que apresentam, seja uma similaridade fônica, seja um
parentesco etimológico ou formal”.
A produção de charges, cartuns e anúncios publicitários tem-se valido dessa
figura na construção de seus textos, garantindo a força expressiva da linguagem na
medida em que o produtor do texto cria um jogo lingüístico responsável pelo efeito de
sentido. Esse jogo lingüístico resulta numa duplicidade tal de sentidos que gera no
receptor do texto uma imagem polissêmica. Ainda que os itens envolvidos nessa relação
de procedimento da paronomásia não sejam itens lexicais iguais, como a própria
definição do procedimento estabelece, acabam por representar, nesse processo, um valor
polissêmico.
Apresenta-se um exemplo: o jornal O Pasquim 21, conhecido por sua
irreverência, publicou em abril de 2003 período da invasão do Iraque pelos EUA
esta paródia da propaganda de uma marca de refrigerantes:
46
Experimente todo o sabor da guerra com Guaraná
Kuait. O sabor é uma verdadeira bomba. Uma
explosão de prazer. Sempre que estão em guerra, os
americanos adoram tomar o Kuait. Os iraquianos,
quando estão com sede de vingança, não podem ver o
Kuait que atacam. Se a sua sede está de matar, tome o
Kuait. É tiro e queda.
Na hipotética propaganda, o produto oferecido (Kuait) estabelece uma relação, a
partir da similaridade fônica, com o produto original o guaraná Kuat. A aproximação
gerada (paronomásia) cria no receptor uma imagem polissêmica da primeira palavra.
Dessa forma, o termo “Kuait”, como produto imaginário, assume outra isotopia pelo
confronto com o termo original. Cria-se, então, no contexto irônico do “anúncio”, um
novo signo, o guaraná Kuait, além, é claro, do objeto imediato a que se refere: o país do
Oriente Médio. Vale ressaltar que concorrem para isso, também, os signos não-verbais
explícitos na imagem do produto, como a cor e o design da lata de refrigerantes.
A partir daí, no texto da propaganda a ironia é absoluta. As palavras “guerra” e
“explosão” ampliam sua rede de sentidos e o texto explora ao máximo sua condição
polissêmica: “Sempre que estão em guerra, os americanos adoram tomar o Kuait”. O
duplo sentido que assume a expressão “tomar o Kuait” uma clara referência à postura
dos americanos nos recentes conflitos em que se envolveram sustenta a força do
humor rascante da paródia. Ao final, a riqueza da expressividade lingüística: “se sua
sede está de matar, tome o Kuait. É tiro e queda”.
Esse recurso estilístico serve como instrumento para a expressividade da
linguagem. Vejamos mais um exemplo:
47
FAUSTO. Charge on line, 06/08/04.
O humor da charge parte de dois pressupostos recentes da realidade carioca: a
péssima situação em que se encontram os times do Rio no campeonato brasileiro de
futebol e o estado de violência em que a Cidade Maravilhosa está mergulhada. Os
signos icônicos dos escudos dos quatro maiores times cariocas e as figuras do Redentor
e do Corcovado ao fundo localizam a cidade referida.
A partir daí, a linguagem verbal da charge, através do procedimento da
paronomásia, estabelece o jogo lingüístico “bolas” / “balas” perdidas. O que se vê, na
primeira isotopia bolas –, leva o receptor ao ideário do futebol, haja vista a crise
instaurada no esporte do Rio de Janeiro. A segunda isotopia, pela aproximação fônica
das palavras e pelo signo não-verbal das bolas riscando o céu, trazendo o pânico ao
personagem, leva o receptor à imagem de balas, projéteis, símbolo da violência urbana.
É importante acrescentar que o item lexical “perdida” contribui para a formação
sígnica da idéia de “bala”, por associação à “bala perdida”. Tem-se, então, a imagem
polissêmica da charge como macrotexto, guardando em si as isotopias propostas pelo
procedimento da paronomásia contida em bolas / balas.
Na charge seguinte, pode ser visto um outro exemplo: a imagem polissêmica,
que revela a expectativa do povo americano diante das eleições presidenciais no seu
país, está refletida exatamente no jogo semântico das formas “Kerry” / “quer”.
48
TACHO. Jornal NH (RS), 06/08/04.
A charge mostra a figura do Tio Sam, ícone que representa os EUA, desfolhando
uma flor. A paronomásia se estabelece pela aproximação fônica entre os itens lexicais
“Kerry” / “quer”. Este último, fragmento da cultura popular do “bem-me-quer”; o
primeiro, uma referência ao candidato oposicionista à Casa Branca, nas eleições de
2004, John Kerry. O jogo semântico criado pela paronomásia constitui expressivo
recurso poético, que explora, sem dúvida, o potencial polissêmico da língua.
1.2 Polissemia e homonímia: uma visão sincrônica
No caderno especial das eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro, O Globo
publicou a seguinte manchete:
Um Rio de problemas em debates nas
eleições
O Globo, 02/07/04.
As matérias contidas no caderno especial tratavam da biografia dos candidatos à
prefeitura e suas propostas para a resolução dos inúmeros problemas da cidade, daí a
motivação para o título. Um Rio de problemas, através da palavra “rio”, remete-nos à
49
própria cidade ao mesmo tempo que aponta para a hiperbólica visão da quantidade de
problemas que a cidade enfrenta.
Construção análoga é empregada na charge que ironiza as diferentes posturas
sobre os rumos da sociedade globalizada, tomadas nos dois fóruns de discussão a partir
da forma verbal “invadir”:
JEAN. Charge On Line, julho/2002.
As palavras “Rio” e “invadir”, nas construções lingüísticas apresentadas,
exemplificam um problema essencial nos estudos de semântica: a distinção entre
polissemia e homonímia. Na bibliografia a respeito do assunto, os teóricos encontram
dificuldade na adoção de um critério seguro de diferenciação entre os dois conceitos.
Verifiquemos o tratamento dado por Dubois ao assunto:
Quando dois termos são graficamente (às vezes fonicamente) semelhantes
com diferença de significado, fala-se de homonímia. Quando dois termos
estão suficientemente próximos para que se hesite em aplicar-lhes um
tratamento homonímico, falar-se-á de polissemia. (Dubois et al, 1997: 370).
Os lexicógrafos costumam respeitar a distinção entre polissemia e homonímia,
contudo tem sido difícil traçar fronteiras entre os dois processos. Retomando os
exemplos apresentados, até que ponto a palavra “invadir” representa uma entrada lexical
com múltiplos sentidos (polissemia) e “Rio” representa, de fato, duas ou mais entradas
lexicais, com seus respectivos sentidos (homonímia)?
50
No plano sincrônico, os dois conceitos podem ser confundidos com facilidade.
São vários critérios considerados na tentativa de uma definição para o problema. O
primeiro deles é o critério etimológico, pelo qual ocorrências desse processo seriam
analisadas tomando-se por base o estudo da origem da palavra, a sua raiz. Dessa forma,
palavras constituídas do mesmo étimo seriam polissêmicas, enquanto as constituídas de
étimos diferentes seriam homônimas. Marques (2001: 65) cita o exemplo da palavra
“são”, que apresenta uma etimologia diferente para cada sentido que detém: sunt,
sanctu- e sanu-, respectivamente, “3ª pessoa do plural do indicativo do verbo ser”,
“san(to)” e “sadio”. Tal distinção define o item “são” como um exemplo de homonímia
na medida em que, segundo a autora, na sua origem os diversos sentidos se prendem a
segmentos fônicos diferentes, que evoluem para formas sonoras idênticas, mantendo-se
distintos os sentidos originais.” (Id. Ib.).
Esse critério apresenta problemas. O primeiro encontra-se na própria conduta
diacrônica inerente à avaliação da definição dos conceitos. O falante contemporâneo
não tem subsídios teóricos suficientes para tal investigação e realmente pouco
importaria a ele uma análise histórica do item lexical para produzir-lhe sentido. Outro
traço problemático está na dispersão de sentido que uma palavra pode sofrer através do
tempo. John Lyons (1987: 143) cita como exemplo as duas ocorrências da palavra
“pupila”, com sentidos de “aluna” e “parte do globo ocular”, que, sob um olhar
diacrônico, estiveram relacionadas, mas sincronicamente nenhum falante perceberia
tal relação. Essa relação remonta à origem latina da palavra: segundo Deonísio da Silva
(2002: 382), pupilo” vem de pupillu, diminutivo de pupu, que significa um órfão sob
tutela. “pupila” vem de pupa, que significa “menina”, passando depois a designar
discípulos ou alunos. Segundo o lexicógrafo, a “pupila” designa também a menina-
dos-olhos”.
Outro exemplo pode ser verificado na palavra cabo. Com sentido de “posto
militar” e “acidente geográfico” tem origem no latim caput (cabeça), entretanto, com
sentido de “peça para segurar um instrumento”, vem de capulus, derivado de capere
(segurar, em latim). Dessa forma, tomando o critério etimológico como referência,
teríamos uma incoerência do ponto de vista sincrônico: cabo (posto militar) e cabo
(acidente geográfico) seriam polissêmicos, por terem a mesma origem, e cabo (peça
para segurar um instrumento), diante dessas duas ocorrências, seria homônima.
Maria Helena Marques (Id. Ib.), baseada nas observações de Ullmann (1987),
não compartilha dessa visão. Aceita a autora a idéia de que um mesmo termo pode ter
51
sentidos polissêmicos e homonímicose lança mão da palavra nó”, como exemplo. Do
sentido básico desse termo entrelaçamento de uma ou mais cordas, linhas ou fios –,
desenvolvem-se outros sentidos para a palavra: união, articulação das falanges dos
dedos, parte mais saliente e dura da madeira, dificuldade. Todos esses sentidos
polissêmicos da palavra “nó” se encontrariam, segundo a autora, em oposição
homonímica ao significado unidade de velocidade, igual a uma milha marítima por
hora”. Dessa maneira, continua a autora, a existência de traço comum de significado
entre sentidos diversos de uma mesma palavra caracterizaria a polissemia.”
Apesar da relevante observação da autora, parece-nos inapropriada a adoção de
um critério diacrônico para a definição de um fato atual da língua, portanto não
satisfazendo a uma abordagem da lingüística sincrônica.
A existência de um traço comum de significado constitui um outro critério para a
distinção entre polissemia e homonímia: o critério das relações de significados. As
relações existentes apontariam para a polissemia e a não-relação para a homonímia.
A tira a seguir, de Miguel Paiva, pode exemplificar tal critério:
PAIVA, Miguel. Jornal do Brasil, 23/09/96.
O jogo lingüístico se estabelece a partir das formas verbais “dormir” e “acordar”.
Quando o personagem masculino declara sua intenção de dormir com a mulher, intui-se
o sentido de uma relação sexual, não o fato de adormecer. Ela responde, num plano
isotópico primário, com uma palavra antitética a dormir, que seria “acordar”. A bem da
verdade, ela responde ao que está implícito na declaração. Assim, “acordar” ganha o
sentido de “estar junto”, “casar”, “manter uma relação mais estável”, que sugere o
acordar junto no dia seguinte, ao contrário da efemeridade de uma relação sexual sem
compromisso.
52
O caráter polissêmico dos itens verbais dormir e acordar, na tira, concretiza-se
na medida em que entre os semas das palavras está a noção sexual, portanto a relação de
sentido está presente na descrição semântica dos itens lexicais, constituindo, assim,
segundo o critério apresentado, uma polissemia.
Outro exemplo pode ser visto nesta charge:
DÁLCIO. Revista B..., 05/09/00.
A charge ironiza a polêmica sobre o então técnico da seleção brasileira de
futebol, Wanderley Luxemburgo, envolvido com denúncias sobre omissão de
declarações de bens e propinas. A palavra “banco”, altamente significativa no contexto
da charge por representar, ironicamente, as “áreas” de atuação do técnico, apresenta
duas entradas lexicais: “banco” (local para se sentar) e “banco” (instituição financeira).
Por não apresentarem relações de significado, as duas entradas lexicais para o
nome “banco” representariam uma homonímia. Novamente, o critério, do ponto de vista
sincrônico, instaura uma incoerência. Da origem de sentido do item “banco” como
instituição que recebe e faz empréstimos de dinheiro, temos, por analogia, por relação
de significado, as expressões “banco de sangue” e, ainda, “banco de dados”; essas
polissêmicas, segundo o critério apresentado.
Esse critério supõe uma intuição do falante ao reconhecer semelhanças de
sentido em algumas palavras, o que de fato não ocorre comumente. Segundo Rehfeldt
(1980: 80), não nada que impeça vocábulos polissêmicos de abarcarem
significados totalmente diferentes e não relacionados entre si, porque a denominação
lingüística não se faz de modo idêntico para todas as palavras da língua”.
53
Vejamos esta outra charge de Dálcio, tendo também como mote W.
Luxemburgo. O chargista ironiza, agora, a sua conhecida vaidade e seu gosto refinado.
DÁLCIO. Revista B..., 11/07/00.
Vale destacar dois aspectos nessa charge. O primeiro é a presença da palavra
“mudanças”: o repórter utiliza esse vocábulo deixando implícito o contexto a que se
refere mudanças táticas, mudanças de jogadores; Luxemburgo reconhece nos traços
sêmicos da palavra “mudança” a idéia de troca, porém a emprega em outro contexto – o
de seu vestuário, o que usaria na partida seguinte.
Outro aspecto envolve o jogo lingüístico com o valor semântico da palavra
“meia”, tomada, aqui, como determinada posição do time, e como objeto da vestimenta.
No futebol, o meia” é aquele que faz a ligação entre a defesa e o ataque, atua na
“intermediária”. Como vestimenta, “meia”, além de representar a peça com que se cobre
o pé, também pode significar o ponto de malha com que se faz esse tipo de vestimenta
ou outras roupas. O que se expõe, aqui, é a idéia de que os semas integrantes do item
lexical “meia” como “vestimenta” não se relacionam com os semas de “meia” como
“determinada posição no futebol”, contudo, não se pode desprezar a idéia de que o
ponto de malha, significado da palavra “meia”, poderia, sim, estabelecer uma relação
com a idéia de ligação, de união. Definir essa fronteira torna-se, assim, uma tarefa muito
sutil e trabalhosa.
54
Outro critério que se apresenta é o critério morfológico. Palavras com classes
gramaticais iguais denotariam uma polissemia e, com classes diferentes, denotariam
uma homonímia, como pode ser exemplificado nesta charge:
BELLO, José. Tribuna de Minas, 01/06/02.
A charge reflete a crescente violência no Rio de Janeiro a partir do item lexical
“morro”, tomado ao mesmo tempo como “monte pouco elevado” e “1ª pessoa do verbo
morrer”. O critério morfológico parece-nos falho, aqui, pela insuficiência teórica, pois
não esclarece os problemas semânticos envolvidos. Por exemplo, a palavra morro”,
atualmente, no Rio de Janeiro, pode significar “favela”, portanto temos os dois itens
lexicais substantivos com sentidos diferentes, o que caracterizaria uma polissemia.
Assim, o item lexical “morro”, como substantivo, denotaria uma polissemia, contudo,
em confronto com a forma verbal “morro” denotaria uma homonímia.
Maria Helena Marques (Id. Ib.) afirma que a coexistência de um mesmo nome
com sentidos diferentes configuraria uma homonímia em decorrência de polissemiae
dá, como exemplo, a palavra conto”, tomada como “1ª pessoa do singular do verbo
contar” e com sentido de “história”, gênero literário, que teria na sua origem um sentido
comum que se diversifica.
A falta de sustentação desse critério quanto aos problemas semânticos
envolvidos é a mesma que envolve outro critério: o critério sintático. Sob essa ótica, o
substantivo “morro”, do exemplo anterior, com seus vários significados, seria uma
forma polissêmica que sua distribuição no contexto frasal apareceria sempre com
função nuclear nominal, enquanto a forma verbal “morro” em confronto ao substantivo
“morro” seria forma homonímica por desempenhar uma função sintática diferente. Esse
55
critério, assim como o morfológico, tenta dar conta da distinção formal entre polissemia
e homonímia, mas contribui pouco para o esclarecimento dos traços semânticos
envolvidos nesses contextos lingüísticos analisados. Exemplificando a falta de
consistência desses critérios, investiguemos esta charge:
LUTE. Hoje em dia (MG), 26/12/03.
A palavra “presente”, no contexto da charge, quando pronunciado pelo primeiro
menino, tem valor substantivo (nuclear) de “premiação”, “agrado”. Em confronto com a
fala do segundo menino, ela abarca outra isotopia, a de tempo verbal, com o mesmo
valor morfossintático. Contudo, o mesmo item lexical (presente) poderia funcionar
como adjetivo em “estar presente”, e nem por isso passa a ser considerado um item
homônimo pelos lexicógrafos, por não apresentar duas entradas lexicais.
Um último critério a ser investigado é o critério dos campos semânticos.
Segundo Rehfeldt (1980: 82), se vários significados do vocábulo polissêmico
figurarem dentro de um campo semântico, é polissemia; se fizerem parte de campos
diferentes, trata-se, então, de homonímia”. A autora dá-nos como exemplo o verbo
“partir”, nas frases:
(6) A menina partiu a maçã.
(7) Ela partiu ao amanhecer.
56
Concordando com Rehfeldt (Id. Ib.), não podemos aceitar este critério. Pelos
exemplos acima, vemos que os significados de partir
não pertencem ao mesmo campo
semântico, mas nem por isso é o verbo partir considerado um caso de homonímia”.
Por conta da imprecisão dos critérios em estabelecer uma diferenciação entre os
conceitos de polissemia e homonímia, é preferível abarcar a idéia de que tais conceitos
se relacionam, de fato que os fenômenos apresentam uma mesma forma com vários
sentidos, dependendo do contexto em que estão inseridos –, contudo, reitero a visão de
que a homonímia se realiza no plano diacrônico, enquanto a polissemia no plano
sincrônico. Assim, como afirma Valente (2001: 139), sincronicamente, a homonímia é
uma polissemia, numa palavra com duas significações”. Dessa forma, o conceito de
homonímia fica restrito a investigações de cunho diacrônico, e a polissemia será
investigada sob uma perspectiva sincrônica.
1.3 Sinonímia
De modo geral, duas palavras ou expressões são consideradas sinônimas se
compartilham o mesmo sentido em quaisquer contextos em que estejam inseridas, ou
seja, apresentam uma identidade total sob determinadas condições. Tais condições,
segundo Lyons (1995), apresentam-se desta forma: 1) todos os sentidos das expressões
envolvidas teriam que ser idênticos; 2) as expressões teriam que ser sinônimas em todos
os contextos, e 3) teriam que ser semanticamente equivalentes em todas as dimensões
do sentido, descritivo
3
ou não (apud S. Vereza, 2000: 3).
Os termos que admitem tais condições são considerados sinônimos perfeitos,
processo que Lyons (1987) denomina como sinonímia absoluta. Diz o autor ser possível
a ocorrência de sinonímia absoluta apenas em raríssimos casos: em vocabulários
altamente especializados, por exemplo. Entretanto, como tais termos podem coexistir
entre especialistas desse vocabulário apenas por um período curto de tempo, uma
tendência para a seleção de somente um termo, o que torna essa ocorrência um
procedimento raro. Como se vê, a difícil reunião de todas aquelas condições confere à
3
John Lyons (1987) analisa o significado como sendo descritivo, expressivo, ou social. O primeiro se
caracteriza pelas declarações que pretendem descrever uma situação qualquer. O segundo, tido como não-
descritivo, caracteriza-se como a emissão de opinião ou sentimento acerca de determinada situação. O
último, na verdade, interdependente do significado expressivo, relaciona-se ao uso da língua para o
estabelecimento dos papéis e das relações sociais, transformando-se em instrumento da interação social.
57
sinonímia tida como absoluta o status de um fenômeno, de fato, praticamente
irrealizável.
Concorre, ainda, para a negação da sinonímia absoluta, uma expectativa
intrínseca ao usuário da língua, assim descrita por Bloomfield (1933), em “Language”:
cada forma lingüística tem um significado constante e específico. Se as formas são
fonemicamente diferentes, supomos que seus significados são também diferentes...
Supomos, em resumo, que não há sinônimos reais” (apud Ulmmann, 1987: 291).
A conceituação de sinonímia, contudo, abrange pontos de vista divergentes.
Francisco da Silva Borba (2003: 237), por exemplo, rejeita a necessidade imperiosa das
condições listadas por Lyons em todos os contextos; bastam certos contextos
(idênticos ou não), mesmo porque, por uma questão de economia, a língua tenderia a
eliminar os itens perfeitamente idênticos em todas as situações de uso.”
Diante da possibilidade bastante limitada da sinonímia absoluta, Lyons
contrapõe a esse tipo de sinonímia a chamada sinonímia completa, que se caracteriza
por uma equivalência parcial, sendo encontrada em alguns contextos, não
necessariamente em todos. Esses “quase-sinônimos” têm sentidos similares, mas não
idênticos. Os verbos “matar” e “assassinar” são comumente vistos como sinônimos, mas
não admitem uma substituição integral, na medida em que o primeiro apresenta traços
semânticos que legitimam seu uso em contextos onde estão envolvidos seres humanos
ou não, enquanto o último apresenta apenas um traço [+humano]. Pode-se matar um
homem ou um inseto, metaforicamente, até um sonho, mas “assassinar” caberia no
primeiro caso. Pode-se perceber que essa visão se aproxima daquela proposta por
Borba.
Essas similaridades podem ser definidas por algumas relações estabelecidas
entre os itens lexicais, como na hiperonímia, em que um termo é a mais geral que outro
(gostar / amar); na graduação de intensidade (ansiar / querer); na maior literariedade ou
não (fenecer / morrer); no aspecto mais técnico (óbito / morte) ou não; na emissão de
um juízo de valor (vagabundo / desempregado), na variação dialetal (macaxeira /
aipim), entre outras.
Vejamos um exemplo retirado de Sandmann (2003: 63):
Vendem-se casas impopulares para construir
casas populares
Veja, 18/04/90.
58
Segundo Sandmann (Id.Ib.), texto técnico preferiria com certeza (casas) ‘não-
populares’, que nesse contexto seria o antônimo de (casas) ‘populares’, isto é, ‘simples,
baratas’ e não ‘famosas, conhecidas’, mas em texto de propaganda o conotativo
‘impopulares’ vai muito bem.
Pode-se perceber que os termos tidos como sinônimos “impopular” e “não-
popular”, na verdade, por seu uso no anúncio, ganham contornos similares, mas não
idênticos. Ainda que essas palavras apontem para a idéia de que a população não será
atendida, “não-popular”, termo mais técnico, está associada a um poder de compra por
parte da população, enquanto “impopular”, no emprego conotativo do anúncio, tem
valor de algo que não vai ter sucesso frente ao público consumidor.
A charge a seguir também serve de exemplo:
MARIANO. A charge on line, 21/05/05.
O vocábulo “locupletar”, definido como “enriquecer”, “tornar-se rico”, tem um
sentido similar a esses termos, mas não idêntico, na medida em que apresenta um tom
mais cerimonioso e, para uma compreensão integral, não pode ser analisado fora de um
contexto. Na charge, por exemplo, esse tom formal em que se apresenta confere ao texto
uma ironia, como se aquele ato cometido por ele o político não fosse um ato de
enriquecer ilicitamente, dada a pompa com que se apresenta o item lexical.
Da mesma maneira, na seqüência pronunciada pela população (“corrupto, ladrão,
f.d.p., safado”) as palavras são podem ser consideradas idênticas; se tomadas
isoladamente, não têm o mesmo significado de modo algum. Porém, inseridas no
contexto político que a charge apresenta, desempenham uma função comunicativa
bastante similar.
59
Essas considerações sobre a sinonímia entre palavras ou expressões, também
chamada de sinonímia lexical, mostram que o se pode pensar em tal conceito sem
analisar o contexto em que estão inseridos os termos avaliados como sinônimos. É o
contexto que vai determinar a relação de sentido, de modo a estabelecer uma relação
sinonímica entre os itens lexicais na frase. Isoladas, as palavras estão excluídas de seu
aspecto pragmático e situacional, condições fundamentais para construção de sentido.
É exatamente sob essa idéia que se funda a sinonímia textual, também chamada
de sinonímia estrutural. Aqui, como na lexical, a sinonímia textual abarca pontos de
vista bastante divergentes. Borba (2003: 238) apresenta os seguintes exemplos:
(8) Carlos deixou de jogar, embora goste de esportes.
(9) Carlos não joga mais, apesar de seu gosto por esportes.
Segundo o autor, dada a equivalência de sentido, pode-se afirmar que se trata de
enunciados sinônimos, ou, em outros termos, trata-se de uma paráfrase. Definida como
um modo diverso de expressar frase ou texto, sem que se altere o significado da
primeira versão(Aurélio Século XXI, versão eletrônica), a paráfrase poderia, segundo
Borba, representar uma sinonímia textual na medida em que estabelece uma relação
entre termos com a mesma “denotação” no sistema de signos, ou seja, a alteração
sintática e lexical na construção da frase não alteraria o sentido do texto.
Outro aspecto da sinonímia textual pode ser verificado, segundo Vereza (2000),
no que diz respeito ao conceito de “referência”. A autora propõe o seguinte exemplo:
(10) O carro desapareceu na avenida. O veículo não foi mais visto desde então.
Numa perspectiva puramente semântica, os termos “carro” e “veículo”
manteriam uma relação de hiponímia / hiperonímia. Contudo, no contexto frasal, através
da anáfora, assumem uma identidade de referência, o que implicaria uma função de
sinonímia. Dessa forma, afirma Vereza (2000: 7): diferentes formas de coesão lexical
em um texto assumem caráter de sinonímia por envolverem o que essa tem de essencial:
a identidade de referência”. O que os itens lexicais teriam em comum são seria o
significado, mas a referência, ambos denotariam o objeto em questão. A manchete a
seguir representa um exemplo:
60
Israel pune soldado que rejeita
retirada
Recruta passará 56 dias preso
Jornal do Brasil, 29/06/05.
Na manchete, que trata do fato de um soldado do exército israelense ter se
recusado a participar de uma operação para destruir prédios vazios ocupados por
radicais israelenses na Faixa de Gaza, as palavras “soldado” e “recruta” apresentam
sentidos similares, mas o idênticos dadas as suas condições de uso , no entanto,
apontam para a mesma identidade de referência (o homem), podendo, segundo a visão
de Vereza, ser consideradas sinônimos textuais.
A autora avança nessa conceituação e admite a ocorrência de sinonímia textual
até mesmo em paráfrases metafóricas como no exemplo a seguir, proposto por ela:
(11) O carro desapareceu na avenida. A lata enferrujada nunca mais foi vista.
Segundo Vereza, através da identidade de referência, o sintagma “lata
enferrujada” pode ser considerado, sob o ponto de vista funcional, sinônimo de “carro”.
Ilari e Geraldi (1985) negam a relação entre sinonímia e paráfrase. Para esses
autores, não basta para a composição da sinonímia a ocorrência da mesma referência.
Para comprovar, lançam como exemplo esta construção: “mesmo que as moças mais
bonitas de um bairro fossem as filhas do gerente do Banco do Brasil”, as duas
expressões “as moças mais bonitas do bairro” e “filhas do gerente do banco do Brasil”
não seriam sinônimas. Segundo Ilari e Geraldi (1985: 43) para que duas expressões
sejam sinônimas, não basta que denotem o mesmo conjunto de objetos (pessoas,
animais, coisas)”.
Corroboram essa visão Charaudeau e Maingueneau (2004: 366): a paráfrase é
uma relação de equivalência entre dois enunciados, um deles podendo ser ou não a
reformulação do outro”. Apesar de admitirem a ocorrência da paráfrase através da co-
referência, e até da anáfora, citando Catherine Fuchs, os autores negam a relação entre
sinonímia e paráfrase: “a paráfrase não poderia provir da sinonímia, na medida em que
ela convida à deformabilidade do sentido do discurso (Id.Ib.)”.
61
Concordando com Ilari e Geraldi (1985: 49), acredito que a escolha entre duas
frases sinônimas por razões estruturais nunca é completamente inocente.” Dessa forma,
estruturas contíguas como a relação entre ativa e passiva ou um jogo entre
modalizações, como em “é necessário que...” / “eu devo...” sustentam a formação da
paráfrase e não necessariamente da sinonímia.
Contudo, não penso ser excludente tal formação. Se tomarmos a sinonímia de
termos como a propriedade desses termos de poderem ser substituídos um pelo outro
sem prejuízo do que se pretende comunicar(Câmara Jr., 2002: 222), não vejo por que
não concordar com a visão de Vereza para sinonímia textual: se em determinada
situação lingüística, a opção textual de uma estrutura por outra não implica um prejuízo
de sentido, como afirma Câmara Jr., acredito que possa ocorrer, nesses casos, um
processo sinonímico a partir da paráfrase empregada.
Um jogo textual, a partir da relação entre paráfrase e sinonímia, pode ser visto
nesta charge:
SANTIAGO. Jornal do Comércio (RS), 08/07/05.
Pode-se perceber que Santiago, ao aproximar as construções “um traidor valia
30 dinheiros” e “compra-se um deputado por 30.000”, estabelece uma relação de
paráfrase. A sinonímia textual se sustenta sob uma mesma referência: a traição. Pode-se
inferir, a partir disso, que a traição nos tempos de Cristo e nos dias atuais se equivalem,
salvo a “inflação” do período – pura ironia do chargista.
O processo de sinonímia textual pode se dar, também, de forma, icônica, como
nesta charge a seguir:
62
IQUE. JB, 14/05/04.
O jornalista Larry Rohter, repórter do New York Times, causou polêmica quando
noticiou no jornal norte-americano que o presidente Lula tinha problemas com bebida.
Tal fato resultou na negação do visto para permanência do jornalista no Brasil e sua
conseqüente extradição, gerando revolta em diversos setores da mídia, que considerou
autoritária a atitude do governo. A charge de Ique para o Jornal do Brasil representa
essa opinião ao aproximar a figura de Lula à do líder nazista Adolf Hitler. Pela visão
icônica da charge, num processo sinonímico, compara-se a atitude de Lula à postura de
Hitler sob o cunho da arbitrariedade.
A charge a seguir, também ironicamente, estabelece um jogo lingüístico a partir
de uma relação sinonímica, contudo envolvendo itens lexicais:
CLAURO. O Imparcial (SP), 20/07/05.
63
A charge apresenta a fala de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, acusado de
corrupção. Nela, o ex-tesoureiro nega a relação de sentido da palavra “crime”; para ele,
a expressão “caixa dois”, por ser uma prática comum aos partidos, não seria um crime.
Parte-se de uma lógica interessante: nesse contexto o da política –, não haveria uma
relação de sinonímia entre os termos “caixa dois” e “crime”, justificada, ainda, pelo fato
ser uma prática comum. Isso autoriza, ironicamente, a fala do bandido no segundo
quadro: por ser uma prática comum a sua “classe social” a da bandidagem –, assaltar
um banco também não seria crime. Parafraseia-se a fala de Delúbio em outro contexto e
tem-se a crítica da charge.
Reafirmo, aqui, a visão de Vereza. Isoladas, as expressões “caixa dois” e
“crime” assumiriam relações de hiponímia / hiperonímia, entretanto, nos contextos
apresentados, tanto o da política, como o da bandidagem, tais expressões assumem
funções sinonímicas, porque, de fato, ainda que os personagens da charge afirmem o
contrário, a substituição de uma expressão por outra não lhes altera a relação de sentido.
Por fim, é fundamental aceitar a idéia de que a possibilidade de escolher entre
duas ou mais alternativas confere ao processo da sinonímia um raro instrumento de
comunicabilidade e até mesmo de estilo, na medida em que o autor poderá eleger aquela
palavra que melhor se adapte ao contexto, dando a ênfase necessária ao que se quer
dizer.
Seja em uma estrutura literária, onde métrica e rima concorrem para a harmonia
do texto, seja no discurso cotidiano, o traço situacional e pragmático deverá estar em
uso. A escolha da palavra “solteirona”, por exemplo, para uma mulher que o casou,
em detrimento da expressão “não casada”, certamente traduz uma expressividade que a
relação de sentido no contexto lingüístico não deve desprezar.
A escolha dos itens léxicos nas duas manchetes a seguir ilustram esse
procedimento estilístico:
Negros e pardos são mais
atingidos por desemprego e recebem
menos
Folha de São Paulo, 05/06/04.
64
A cor desigual do trabalho
IBGE mostra que desemprego é maior entre negros
e pardos. Brancos ganham o dobro
O Globo, 05/06/04.
As duas manchetes tratam do mesmo assunto a desigualdade salarial entre
pessoas de etnias diferentes. Contudo, parece-me que, pela escolha lexical, na manchete
do jornal paulista a mensagem é mais direta, mais clara; na manchete de O Globo, a
mensagem ganha um tom mais poético, pela construção sintática da estrutura lingüística
e pela seleção dos itens lexicais. Aceito, aqui, o complexo enunciativo das manchetes
como uma unidade comunicativa. Por isso, a similaridade dos dois enunciados constitui
um processo de sinonímia, ainda que se verifiquem as diferenças estilísticas das duas
manchetes. Nesse sentido, fica clara a atuação do processo sinonímico como fator de
expressividade semântica no contexto lingüístico.
1.4 Antonímia
Numa definição muito ampla, o processo de antonímia se caracteriza por uma
relação de inversão de sentido entre dois termos, como em “grande” / “pequeno” ou em
“feio” / “bonito”.
Lopes (2003: 256) resume a abordagem sobre a antonímia, tratando a relação de
oposição entre itens lexicais como pares antônimos: são antonímicos dois termos, a e
b, se as frases que obtemos, comutando-os, possuírem, sob algum ponto de vista,
sentidos opostos.”
Ilari e Geraldi (1985) não compartilham dessa definição. Para eles, as definições
tradicionais que tratam de sentidos “contrários” ou “opostos” implicam, antes, uma
dúvida e não esgotam essencialmente a questão da antonímia. É preciso, portanto,
investigar o que se entende por oposição de sentido ou sentidos contrários.
Esses autores apontam o exemplo do par “nascer” / “morrer”, que não
representam, realmente, ações contrárias, mas dois momentos do processo de viver: o
começo e o término da vida. Da mesma maneira, aludem ainda os autores ao par
“chegar” / “partir”; os versos de Fernando Brant para melodia de Milton Nascimento em
65
“Encontros e despedidas” ilustram a oposição que capta momentos diferentes de um
mesmo processo: “chegar e partir são dois lados da mesma viagem / o trem que
chega é o mesmo trem da partida”.
Em “abrir” / “fechar”, o procedimento é diferente. Não são momentos de um
mesmo processo, mas ações distintas pela direção e pelos resultados que acarretam. É
caso de “subir” / descer”, por exemplo.
Há, ainda, segundo Ilari e Geraldi, o caso de “dar” / “receber”, que podem ser
analisados como a descrição de uma mesma cena, sob pontos de vista diferentes quanto
ao papel dos sujeitos gramaticais: o sujeito de “dar” é a fonte, o sujeito de “receber” é o
destinatário, papéis considerados incompatíveis na cena proposta.
Essa incompatibilidade, segundo os autores, é fundamentada pela antonímia. É o
processo antonímico que serve de instrumento para a aparente contradição da
aproximação de afirmativas numa frase. Toma-se como exemplo uma frase comum do
cotidiano urbano:
(12) O casal demorou tanto para ter outro filho, vai acabar tendo dois filhos
únicos.
A frase, se tomada de forma literal, representa uma contradição, pelas duas
afirmações empregadas na sua construção; se são “dois filhos”, o adjetivo “único”
parece contraditório. A antonímia, aqui, sustenta a contradição aparente da frase.
Contudo, essa contradição se desfaz numa leitura conotativa da mensagem. Segundo
Ilari e Geraldi (1985: 56), não combinação de informações contraditórias que não
resista a um esforço motivado de interpretação”. De fato, quando se diz a frase (12),
pode-se pensar em dois filhos entre os quais o intervalo de tempo entre um e outro é
tamanho, que foram criados – cada um – como se fossem filhos únicos.
Dessa forma, para esses autores a antonímia apresenta enorme dificuldade de ser
sistematizada, devendo ser tomada apenas como uma marca fundamental da contradição
discursiva, procedimento muito comum na construção da linguagem. Segundo Metzeltin
(1990: 55 - 56), “a antonímia é um dos meios mais usados para estruturar a semântica
dos comunicados”.
Esse mesmo autor, entretanto, contraria a posição de Ilari e Geraldi e propõe
uma sistematização para casos de relação de oposição entre pares lexicais, aos quais
chama “pares antonímicos” e, aos seus termos, “antônimos”. Com base na observação
66
desses pares de palavras que se identificam com alguma marca antonímica, Metzeltin
(1990: 54-55) estabeleceu cinco casos de oposição, resumidos a seguir:
1) Quantitativa relativa é um caso de oposição em que à presença de certa
quantidade fenomenal além de uma quantidade considerada normal opõe-se a falta
dessa quantidade”, como ocorre com os pares “quente” / “frio”; “bonito” / “feio”, e
“depressa” / “devagar”.
Trata-se, na verdade, segundo o autor, de um fenômeno em que se considera
uma quantidade de traços como normalidade para determinar um dado conceito e que a
ausência desses traços determinaria o conceito oposto. Se a presença de determinados
traços agradáveis formam a idéia do conceito de “bonito”, a ausência desses traços
caracterizariam o de “feio”, ou ainda, segundo uma velocidade [X] tomada como
normal, teríamos a velocidade “depressa” como [+ X] e “devagar” como [– X].
O autor aponta que, nesses casos, a negativização de um dos termos não
equivale à afirmação do outro”, logo “não frio” não equivale a “quente”.
2) Quantitativa absoluta é um caso de oposição em que à presença de um
fenômeno se opõe a sua falta”, a exemplo do que ocorre, entre outros pares, em
“nublado” (com a presença de nuvens), e “limpo” (sem a presença delas).
3) Probabilística é um caso de oposição em que à afirmação de um termo
opõe-se a negação de outro”, como se verifica em falar / calar (= não falar). Nesses
casos a negação de um dos termos pode, mas não deve necessariamente, equivaler ao
outro termo, pois “não calar” pode se relacionar tanto a “falar” como a “cantar”.
4) De movimentos são os casos de oposições do tipo ir / vir, comprar / vender,
que implicam “movimentos parecidos, mas realizados com intenções opostas”.
5) De agente e paciente são os casos de oposição em que para o agente de
uma ação pode considerar-se como atividade dele para outro, pelo paciente pode
considerar-se como atividade de outro para ele, como se observa em “vencer”/
“perder” (= ser vencido).
Lyons (1977), baseado em estudos de E. Sapir, traz importante contribuição para
a análise da relação dicotômica entre termos, entendida como antonímia: segundo o
autor, deve-se pensar numa distinção entre o que ele chama de opostos graduáveis e não
graduáveis. Essa graduação deve ser verificada quando se comparam dois termos que
possuem determinado atributo, tendo esses atributos o mesmo grau ou não. Assim, o
lingüista lança como exemplo o atributo “quente”. Pode-se dizer X é tão quente quanto
67
You ainda que X é mais quente que Y”, mas não se pode dizer que X é mais fêmea
que Y”. Dessa forma, Lyons (1977: 220) resume a sua proposta:
Cada um destes lexemas tem como contrapartida, no vocabulário, o que
geralmente se descreve como oposto: ‘frio’ e ‘macho’, respectivamente. Ora,
o fato de ‘quente’ e frio’ serem lexemas graduáveis, enquanto ‘fêmea’ e
‘macho’ o não são, está ligado a uma importante diferença lógica entre os
dois pares.
Essa diferença lógica está intimamente ligada a uma distinção entre pares
opostos: as noções de contrariedade e contraditoriedade. Lopes (2003: 255) julga
fundamental essa discussão na análise de oposição de termos:
O que quer dizer possuir sentidos opostos? Significa oposto por
contrariedade ou oposto por contraditoriedade. Julgamos que a relação
lógica de contrariedade é aquela que se estabelece entre dois termos, A e B,
quando A possui característica semântica (sema) /s/ que está ausente do outro
termo, B, sendo essa ausência notada /-s/.
a relação lógica de contraditoriedade é a que se estabelece entre dois
termos, A e B, quando A possui a característica /s/ e B possui a característica
/não s/ (a contraditoriedade afirma e nega, ao mesmo tempo, uma mesma
característica; a contrariedade, no entanto, afirma a presença/ausência de
uma mesma característica).
Segundo Lyons, os opostos graduáveis representam a oposição por contrariedade
e os opostos não graduáveis, a oposição por contraditoriedade. Assim, segundo seus
próprios exemplos, “quente” e “frio” são contrários; “macho” e “fêmea” são
contraditórios. A partir dessas relações de oposição, o autor estabelece uma distinção
entre pares dicotômicos: o considerados antonímicos somente os opostos graduáveis,
ou seja, somente termos contrários, como “quente” / “frio”, ou “alto” / “baixo”; os
opostos não graduáveis, ou seja, contraditórios, como “macho” e “fêmea”, são
denominados complementares.
Propondo, ainda, uma terceira visão, Lyons aponta a distinção entre termos
antônimos, termos complementares e o que ele chama de conversos. Dá-se como
exemplo o par “marido” / “mulher”, em que se estabelece uma equivalência de papéis
68
desempenhados na relação de oposição: “X ser marido de Y” implica “Y ser mulher de
X”.
Retomando a visão de Lyons para as relações de oposição estabelecidas entre
itens lexicais, Francisco da Silva Borba (2003: 240-241) aprofunda tais definições e
considera, então, três níveis: a complementaridade, a antonímia e a reciprocidade.
A complementaridade é definida pelo autor como uma relação de oposição “pela
qual a negação de um termo implica a afirmação do outro e vice-versa”, e como
exemplo os pares “solteiro” / “casado”; “homem” / “mulher”; “macho” / “fêmea”.
Assim, dá-se a construção:
(13) Se não é homem, é mulher.
Afirma o autor que seriam antônimos somente os casos específicos em que a
afirmação de um termo nega o outro e não o contrário. Casos como “pobre”/ “rico”;
“baixo”/ “alto”, em que a afirmação de um termo implica a negação do outro, entretanto
a negação de um não implica a afirmação do outro – e se aproxima da oposição
quantitativa relativa proposta por Metzeltin –, seriam chamados pares antônimos. De
fato, “ser pobre” implica “não ser rico”, contudo, “não ser pobre” não implica ser
rico”.
Borba considera, ainda, a relação conversa, à qual ele atribui o nome de
reciprocidade, em que a afirmação de um termo implica a afirmação do outro e a
negação de um, a negação do outro”, como nos pares “pai”/ “filho”; “comprar/
“vender”. Assim, se Marcelo é pai de Daniel, Daniel é filho de Marcelo.
Dessa forma, segundo Borba, a complementaridade, a antonímia e a
reciprocidade são três tipos diferentes de oposição lexical
4
, ainda que guardem pontos
em comum.
A charge a seguir exemplifica uma relação de oposição complementar:
4
Lyons (1977) reconhece, ainda, outro tipo de oposição lexical, a que aludem também Ilari e Geraldi
(1985): a oposição direcional, em pares como “chegar” / “partir”; “ir” / “vir”; “subir” / “descer”. Ao
contrário desses autores, o lingüista britânico considera esses pares dicotômicos como opostos e, por isso,
merecedores de uma caracterização especial como um tipo diverso da antonímia, da complementaridade e
da reciprocidade. Por nem sempre ser possível estabelecer a diferença entre este tipo e os três primeiros,
opinião compartilhada pelo próprio autor, não será considerado, neste trabalho, este quarto tipo de
oposição lexical.
69
AMARILDO. A Gazeta (ES), 24/07/05.
A charge se apropria de um personagem de Chico Anysio o Pantaleão –, que
contava histórias mentirosas e depois lançava seu bordão: “É mentira, Terta?”. A
mulher, fiel “escudeira”, confirmava: “verdade”. Aqui, Lula, travestido de Pantaleão e
sua esposa, Marisa, de Terta, indiciam a ironia do chargista sobre o suposto
desconhecimento do presidente acerca das manobras de corrupção de que participantes
do seu governo têm sido acusados. O par “mentira”/ “verdade” pode ser considerado,
num sentido literal, como complementares, na medida em que a negação de um termo
afirma o outro e vice-versa: “se não é verdade, é mentira”.
Considere-se este anúncio de uma campanha promovida pelo banco Itaú:
Se no inverno é difícil acordar, imagine dormir.
Com a chegada do inverno, muitas pessoas perdem o sono. São
milhões de necessitados que lutam contra a fome e o frio. Para
vencer esta batalha, eles precisam de você. Deposite qualquer
quantia no Banco Itaú. Você ajuda milhares de pessoas a terem uma
boa noite e dorme com a consciência tranqüila.
Banco Itaú, Agência 1000, Conta 60000 – 5
A campanha parte da oposição “acordar” / “dormir”. Tal oposição está sendo
realizada de maneira poética, que se confrontam o pensamento corriqueiro da
dificuldade de acordar no inverno com a idéia de dormir. Entretanto, no slogan, o ato de
70
dormir é na rua, daí a campanha para doação de dinheiro para o melhor acolhimento
daquelas pessoas que vivem, acordam e dormem pelas vias da cidade.
É claro que a respeito dessa oposição, inúmeras visões controversas, como as
dos autores Ilari e Geraldi (1985), que afirmariam estar diante do fim e do começo de
um mesmo processo, que seria o sono, ou ainda a opinião de Rosa Marina Meyer
(1997), que não concorda com uma visão dual para esse tipo de oposição, propondo
uma diversidade múltipla de sentidos existente entre tais signos por exemplo,
“cochilar”, que, de fato, não é tratado como “dormir”, tampouco como “acordar”.
Contudo, seguindo a visão proposta por Borba, teríamos, aqui, um exemplo de
complementaridade: “se não está acordado, está dormindo”. Se analisarmos sob a ótica
de Lyons, teríamos opostos não-graduáveis, portanto termos complementares.
O slogan de uma loja de acessórios fotográficos, retirado de Sandmann (2003:
78), pode ilustrar o que Borba chama de antônimos:
Fotóptica é soft no atendimento e não é hard no
pagamento
Folha de São Paulo, 1/5/91.
Os itens “soft” e “hard” se opõem no enunciado da propaganda. Pode-se pensar
que se o atendimento é “soft”, não é “hard”. No entanto, não se pode pensar que um
atendimento “não leve” seja, de fato, um atendimento “pesado”; a negação de um
atributo não implica a afirmação do outro necessariamente. É interessante notar, ainda, a
construção “e não é hard no pagamento”. Não se pode afirmar, por essa construção, que
o pagamento será “leve”, que “não ser pesado” não implica, com efeito, “ser leve”.
Portanto, como a negação de um termo não implica a afirmação do outro, esses termos
não seriam complementares, como propõe Borba, mas antônimos.
Em outro exemplo, também retirado de Sandmann (2003: 77), o autor apresenta
um texto encontrado na caminhonete de um vendedor ambulante:
Por apenas 50 cruzeirinho, dois pacotão de
mimosa
O confronto entre os morfemas indicadores de diminutivo e aumentativo
apontam para uma oposição antonímica. O elemento que designa o diminutivo,
71
obviamente, nega o elemento que designa o aumentativo; o contrário, no entanto, não é
verdadeiro: a negação do diminutivo não implica o aumentativo.
a relação de reciprocidade pode ser verificada na ironia desta charge, que
emprega quase um sarcasmo ao expor a “opinião” do ex-tesoureiro do PT, Delúbio
Soares, a respeito da política de “mensalão”, supostamente implementada pela base
governista para a compra de votos:
WILLY. Tribuna da Imprensa (RJ), 10/06/05.
A oposição “compra”/ “vende” implica uma relação de reciprocidade: o que foi
comprado foi vendido. Com efeito, a afirmação de que algo é comprado implica a
afirmação da venda; a negação da idéia da compra implica, da mesma forma, a negação
da venda. São, portanto, segundo a visão de Borba, termos recíprocos.
No contexto da charge, na triste realidade política brasileira, a compra de votos
implicaria a “venda” da dignidade do Partido dos Trabalhadores.
Tais visões sobre as relações de oposição de sentido são, de fato, conflitantes, e,
assim como não sinônimos perfeitos, também se nega a ocorrência de antônimos
perfeitos, ou, como propõem alguns autores, há uma ocorrência rara desses fenômenos.
Assim, da mesma forma que o contexto é fundamental para estabelecer as
relações de sinonímia, igualmente o é para estabelecer as relações de antonímia no
âmbito discursivo. O anúncio a seguir, da Casa do Hemofílico do Rio de Janeiro, traz a
dimensão do processo antonímico ao nível do discurso:
72
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O anúncio baseia-se num jogo de oposições. A principal delas se pela
oposição “vê” / “não vê” (sangue). A denotação empregada na primeira construção, “ver
sangue”, opõe-se à conotação da outra; “não ver sangue” representa, aqui, não ter
sangue disponível para uma transfusão.
A partir daí interagem as oposições secundárias, o interlocutor a quem se dirige
a mensagem (“você”) se opõe às milhares de pessoas que precisam ver” sangue. O
traço individual se opõe ao traço coletivo. A gradação entre os verbos “desmaiar” e
“morrer” também forma uma relação de oposição, ratificando o traço de banalidade da
primeira atitude se confrontada com a outra.
Por fim, as cores do anúncio podem, também, representar uma oposição: o
vermelho do sangue em confronto com o preto. Nesse caso, o o-vermelho tem o
sentido de morte. Assim, apropriando-se do caráter polissêmico do signo, seja ele verbal
ou não-verbal, o jogo discursivo do anúncio, representado pelos itens lexicais
envolvidos, estabelece uma relação de oposição entre as duas atitudes presentes no
contexto.
O processo de oposição pode se dar, como visto, em um sistema de signos
não-verbais. O anúncio a seguir, da joalheria Natan, serve de exemplo: o homem,
careca, oferece uma jóia à mulher. Ao ver a jóia, o homem aparece aos olhos dela,
agora, com cabelos e “pinta” de galã.
73
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A campanha, que tem como conceito “o poder dos brilhantes”, trabalha com um
jogo discursivo baseado na oposição de sentidos na maneira como a pessoa que o
presente é vista por quem recebe. O “poder” da jóia faz com que a pessoa veja com
outros olhos o doador do presente. Uma aproximação com o ditado popular “quem ama
o feio bonito lhe parece”. Jocosamente, o amor aqui é materializado pela jóia da Natan.
O processo de construção de sentido, dessa forma, baseia-se em um contexto.
Assim como uma sinonímia textual, também uma antonímia textual, ancorada no
discurso. São os elementos presentes no anúncio – a jóia e a mudança estética do
homem, por exemplo que ajudam a representar a cena composta por uma contradição
que opera ao nível do discurso, dependente direta do contexto em que se insere.
Como outro exemplo, apresenta-se esta charge, que trata do incidente ocorrido
na Rússia, quando uma escola na cidade de Beslan, na Ossétia do Norte (sudeste da
Rússia) foi tomada por terroristas, cuja insanidade fez 150 vítimas e levou a hospitais
646 feridos, a maioria crianças. Como personagens apresentam-se o presidente da
Rússia,Vladimir Putin, eximindo-se da culpa pelo tratamento “truculento” dado à
situação, e o presidente dos EUA, George W. Bush:
74
AROEIRA. O Dia, 09/09/04.
A oposição de sentido entre os pares léxicos antonímicos “responsável” /
“irresponsável” vai além da acepção de negação de responsabilidade sobre o
acontecimento. Tomados literalmente, esses termos poderiam compreender uma relação
de contraste que, segundo Lyons, semanticistas estruturalistas chamam de oposição
privativa, na qual um dos lexemas denota uma positividade e, o outro, a ausência dessa
propriedade “animado” / “inanimado”, por exemplo. A relação em que os dois
lexemas denotam uma positividade “macho” / “fêmea” é chamada de oposição
eqüipolente.
Na verdade, o termo “irresponsável” ganha o sentido de “inconseqüente”, que,
ao ser visto na fala de Bush, após sua atuação na recente Guerra do Iraque, ganha em
expressividade semântica: o item lexical não representa uma “não responsabilidade”,
mas, de fato, uma responsabilidade negativa, autorizada, de certa forma, pela presença
de Bush.
Assim, sob um olhar discursivo, fruto da junção do texto ao seu contexto,
incluídos, aqui, os personagens envolvidos na cena discursiva e sua natureza, além da
noção da época em que se dá a construção da charge, os termos “irresponsável /
“responsável” denotariam ambos uma posição negativa. Essa expressividade de sentido
pode ser inteiramente apreendida em função do conhecimento do contexto em que
tais construções estão inseridas.
75
1.5 Campo semântico
Rehfeldt (1980: 71-72), citando os estudos de Eugene Nida, estabelece quatro
tipos principais de relações entre lexemas. O primeiro tipo é a inclusão, que trata da
propriedade de um lexema englobar outros lexemas, conhecida como hiperonímia. Essa
relação é fundamental na medida em que é ela uma das responsáveis pela possibilidade
de se agrupar lexemas em campos semânticos.
A segunda relação, superposição ou overlapping”, é o que se conhece como
sinonímia. Segundo a autora, mesmo que os lexemas o possuam identidade total de
semas, essa relação permite a substituição de um lexema por outro em determinados
contextos.
A terceira relação, tratada como complementação ou contraste, prevê a oposição
entre lexemas que possuem certos traços comuns. Corresponde parcialmente à
antonímia.
E a última relação é a que se define por contigüidade. Segundo Rehfeldt (id.ib.),
para a análise dos traços distintivos (semantemas) do significado ela é útil, pois
representa as relações entre lexemas de um campo semântico”.
Dessa maneira, apropriando-me em parte dessa distinção, estruturei os
fenômenos semânticos que interagem na produção de sentido, como a polissemia, a
homonímia, a sinonímia, a antonímia e a noção de campo semântico – que a autora trata
como uma relação de contigüidade –, a qual passo a analisar a seguir.
Deve-se estabelecer, antes, uma distinção entre campo semântico e campo
lexical: segundo Mattoso Câmara Jr. (2002), campos semânticos são constituídos por
palavras que apresentam traços semânticos comuns; os campos lexicais se constituem
por um grupo de palavras cognatas, que têm uma raiz comum. Assim, pode-se dizer que
os campos semânticos representam famílias ideológicas, enquanto os campos lexicais
representam famílias etimológicas.
Sobre campo lexical, divergências. Genouvrier e Peytard (1985: 318-319) o
definem como o conjunto de palavras que a língua agrupa ou inventa para designar
os diferentes aspectos (ou diferentes traços semânticos) de uma técnica, de um objeto,
de uma noção”. Pode-se perceber que essa definição se aproxima da conceituação de
jargão.
76
Para campo semântico, entretanto, a visão dos lingüistas corrobora a de Mattoso:
É o conjunto dos empregos de uma palavra (ou sintagma, ou lexia) onde e pelos quais
a palavra adquire uma carga semântica específica”.
A partir dessa definição, tem-se a importância dos campos semânticos na medida
em que a expressividade da palavra ganha carga semântica. A manchete a seguir serve
de exemplo:
Luz, câmera e verba
BNDES elege reforma e construção de cinemas
como prioridade e abre nova linha
O Globo, 05/11/04.
Os itens lexicais “luz” e “câmera”, numa seqüência discursiva que autoriza a
entrada da palavra “ação”, fazem parte do campo semântico relativo a cinema. Quando
o autor do texto substitui a previsível palavra “ação” por “verba”, este último item
léxico ganha uma carga semântica específica, como afirmam Genouvrier e Peytard. O
dinheiro, aqui, mais do que um aporte financeiro, é o instrumento que fará revitalizar a
indústria cinematográfica no Brasil, através da reforma e da construção de novas salas
de projeção. Dessa forma, a relação subentendida entre “ação” e “verba” de modo
algum é ingênua.
Segundo Rehfeldt (1980: 97), os campos semânticos oferecem condições de se
efetuar análise sêmica, detectar os traços comuns e os traços distintivos dos lexemas de
um mesmo campo semântico, o que faz com que se precise o significado das palavras”.
Esse é o traço principal que interessa a este trabalho. Está claro que a teoria dos
campos, desde a sua formulação por Trier
5
, abarca restrições de naturezas várias,
contudo, não se pretende, aqui, a formulação de uma teoria semântica, mas uma
investigação dos processos semânticos que interagem na construção do sentido, portanto
é válida a adoção da idéia de Rehfeldt: se o campo semântico é composto por sememas,
cada um deles representa uma possibilidade de atualização do lexema. Cada lexema, de
fato, pode englobar vários sememas. Segundo a autora, é a partir daí que se pode
5
H. Geckeler (1994) aponta a idealização de uma pioneira teoria dos campos anterior a Trier, criada por
G. Ipsen e reconhece, ainda, que a teoria de Trier se baseia na visão de três outros autores opinião
compartilhada pelo próprio autor alemão: Humboldt, Saussure e Leo Weisgerber.
77
estabelecer a relação entre polissemia e campo semântico, agentes fundamentais na
construção de sentido no texto.
Dessa forma, a estruturação do léxico em campos, com efeito, não abrange uma
validade universal crítica fundamental de alguns lingüistas a essa teoria. A
impossibilidade de englobar todas as palavras do léxico em campos e a indefinição dos
limites entre um campo e outro são os argumentos decisivos de tais lingüistas para a não
consolidação da teoria dos campos. Entretanto, como já posto, a conceituação dos
campos semânticos permite compreender as possibilidades lingüísticas e de seu
emprego pelo usuário da língua, aferindo-lhe o comportamento tanto lingüístico quanto
social diante da realidade em que tal usuário se insere.
Rehfeldt (1980: 95) apresenta o seguinte esquema para ilustrar essa relação:
LÍNGUA lexema sememas experiências culturais diferentes
(LÉXICO)
campo polissemia campo semântico
lexical
Dessa forma, segundo o esquema proposto por Rehfeldt, cada significado
semêmico de um lexema representa determinada experiência cultural”. Entende-se,
assim, que a compreensão de itens lexicais polissêmicos pode revelar o grau de
experiência cultural do usuário da ngua. De fato, o reconhecimento dos traços
semânticos, feitos a partir da teoria dos campos, oferece as condições para a apreensão
do sentido de um lexema no contexto frasal.
A manchete a seguir, do Segundo Caderno, de O Globo, ilustra o que se quer
dizer:
Carinhosas coincidências
Dez anos depois da morte de Tom Jobim, é achada
sua única gravação com Pixinguinha
O Globo, 05/12/04.
78
O termo “carinhosas” ganha dimensão polissêmica na medida em que se
estabelece uma correlação com o compositor citado na manchete, Pixinguinha, um dos
autores do clássico da música brasileira, “Carinhoso”. A interação do interlocutor, o
leitor da matéria, será fundamental para o estabelecimento da visão polissêmica; caso
contrário, o adjetivo terá somente uma leitura. Assim, é o reconhecimento dos traços
semânticos que abrangem a palavra “carinhoso”, inserida no campo de sentido que
prevê outras palavras indicadoras do universo musical como “Tom Jobim”,
“Pixinguinha” ou “gravação”, que autoriza a leitura polissêmica do item léxico em
questão.
Além disso, tal reconhecimento pode revelar, como afirma Rehfeldt, o lastro
cultural do leitor da matéria. A amplitude léxica, como dito, ganha expressividade a
partir do traço pragmático do conhecimento lingüístico.
A charge a seguir ganha efeito de sentido a partir da compreensão do campo
semântico da palavra “apostar”:
TACHO. Correio do Povo (RS), 7/05/4.
Em meio ao contexto político da CPI dos Bingos, o item lexical “apostar” ganha
um valor semântico específico. Amplia-se o sentido prosaico de uma conversa entre
duas senhoras tecendo comentários sobre o governo. A palavra “apostar”, inserida no
campo semântico dos jogos de azar, legitima outra isotopia, assumindo um valor
polissêmico e conferindo ao texto uma ironia sutil: a frase “pode apostar” atesta a
fragilidade da CPI em apurar os responsáveis pela prática ilegal desse empreendimento
79
no país; em outro plano de leitura, entende-se que se pode continuar apostando, que
os bingos, com a estrutura da política brasileira, continuarão abertos.
Considere-se esta outra manchete:
Pão francês
Casino dividirá com Abílio Diniz controle da rede
varejista, mas pode virar majoritário
O Globo, 05/05/05.
É fundamental a captação da base sígnica para perceber o deslocamento de
sentido que é estabelecido. Casino é uma rede francesa que adquiriu uma participação
acionária no grupo Pão de Açúcar, do empresário Abílio Diniz. A rede de
supermercados Pão de Açúcar, agora, é francesa, daí a dimensão semântica de “pão
francês”, em uma correlação óbvia ao nosso francesinho dos cafés das manhãs. A
compreensão do item lexical “pão francês” no universo semântico de um supermercado
é importante para o entendimento da manchete – fosse a compra relativa a uma empresa
de sapatos, por exemplo, a construção criativa da mensagem não faria o menor sentido.
É exatamente por pertencer a esse universo que “pão francês” pode ampliar sua base de
sentido e ganhar um traço semântico específico.
Partindo do princípio de que o processo de significação está intimamente ligado
à maneira como se organiza o léxico, Francisco Borba (2003) avalia tal processo através
de análises conceituais, que, segundo o autor, visam à classificação dos sentidos de
signos considerando-se um sistema de conceitos.
Para o autor, podem-se colocar os campos semânticos entre uma das análises
conceituais possíveis, além da análise sêmica de B. Pottier e a análise componencial,
desenvolvida, sobretudo, no campo da antropologia, por autores americanos. Não cabe
aqui um aprofundamento das análises conceituais, por isso restrinjo-me à análise dos
campos semânticos, que Borba (2003: 245-246) conceitua de forma categórica:
A teoria dos campos semânticos parte do princípio segundo o qual a palavra
não tem valor quando isolada. É necessário, então descobrir o conjunto em
cujo interior as formas se integram por meios de relações. Isso quer dizer que
se deve conceber o vocabulário de uma língua como composto de esferas
conceituais estreitamente ligadas. Cada uma das palavras se organiza de tal
80
forma que cada um de seus elementos contribui para delimitar seus vizinhos
sendo, ao mesmo tempo, delimitado por eles. Um campo semântico é,
portanto, um método de estruturação do vocabulário em que se percebe a
interdependência das unidades lexicais. Assim o sentido não é propriedade da
palavra tomada individualmente. Seu emprego é regido pela presença, na
língua, de outras palavras cujas funções semânticas se referem, de uma ou de
várias maneiras, à mesma área de ambiência situacional ou cultural.
Essa ambiência cultural a que Borba se refere pode ser exemplificada neste
anúncio:
In www.ccsp.com.br
A campanha da Escola São Domingos aponta para a idéia do primeiro voto e
tem como público-alvo, claro, o adolescente. A presença da palavra “deveres” no
anúncio, que a princípio se relaciona com “direitos”, numa dicotomia social básica no
ideário da cidadania todo cidadão tem deveres e direitos –, aponta para outra leitura,
uma vez que apresenta traços semânticos que se referem a outra ambiência cultural: o
universo estudantil. Dessa forma, “deveres” assume o valor semântico de “trabalhos
escolares”, de cuja obrigação os estudantes costumam reclamar. É a presença dessa
palavra que autoriza a interpretação pretendida pelo anúncio voltado para esses mesmos
estudantes. A relação se concretiza por fazerem parte do mesmo campo semântico o
universo de jovens estudantes.
A ambiência situacional pode ser analisada nesta outra charge, que apresenta o
Ministro da Fazenda do governo Lula, Antônio Palocci, e a figura personificada do FMI
Fundo Monetário Internacional. A cena discursiva, simbolizada pelos signos não-
verbais, como a garrafa de champanhe, as mãos dadas, e os signos verbais,
representados pela fala de Palocci, não deixam dúvidas: trata-se de um jantar de
despedida entre pessoas que tiveram uma relação amorosa:
81
SON SALVADOR. O Estado de Minas, 29/03/05.
Na verdade, o que ocorreu foi o fato de o Brasil não recorrer mais ao contestado
fundo, daí a “separação”. A humorada metáfora é construída a partir do emprego de
expressões que apontam para o universo das relações amorosas: “dar um tempo”,
“pagando a pensão”. Pode-se perceber a interdependência dessas expressões dentro de
tal campo semântico, que, auxiliadas pelas informações não-verbais, remetem-nos ao
ideário de uma ambiência amorosa; aqui, metaforicamente, ao fim de uma “relação”.
O humor da charge seguinte está intimamente ligado à concepção de campos
semânticos:
TACHO. Jornal NH (RS), 08/06/04.
A charge trata da campanha decepcionante do Grêmio no campeonato brasileiro
de 2004, tendo inclusive sido rebaixado para a segunda divisão. Essa leitura é
legitimada pelos itens lexicais que compõem o campo semântico do futebol, como
“gol”, “defesa”, “ataque”, e até “Adilson”, técnico do time durante o campeonato. No
82
entanto, o humor reside na escolha de outros itens lexicais do universo da informática,
como “acesso ilimitado” e “conexão muito lenta”, o que autoriza a esdrúxula solução de
se pensar em um técnico de informática para treinar o time e tentar salvá-lo do vexame.
Aqui, a visão de esferas conceituais a que se refere Borba é nítida. As unidades lexicais
se avizinham de tal forma que deixam claros os limites dos campos semânticos
envolvidos no contexto da charge: o do futebol e o da informática.
O anúncio a seguir faz parte da campanha da Umbro, conhecida fabricante de
material esportivo:
In www.ccsp.com.br.
O slogan da campanha diz: “Para nós é um zagueiro marcando o centroavante
sob pressão. A gente pensa em futebol”. O anúncio parte de um conceito: enxergar
aspectos do futebol em todas ações, as mais cotidianas possíveis. Desse modo, capta os
traços semânticos que integram as ações típicas do esporte e os transfere para a
realidade comum. Assim, a inocente ação do filho que segura a mãe pela roupa se
transforma em um zagueiro marcando o centroavante sob pressão. No anúncio, não
um signo verbal que pertença ao campo semântico do futebol, mas a ão signo não-
verbal – é o elemento que, sob um olhar metafórico, passa a pertencer a tal universo.
Por fim, se o sentido não é propriedade da palavra tomada individualmente”,
deve-se pensar sempre no uso da língua em uma situação de comunicação, dentro de um
contexto. Com efeito, reconhece, ainda, Francisco Borba, que os campos semânticos,
normalmente, são delimitados por critérios extralingüísticos, ratificando a idéia de que a
construção do sentido deve ser analisada sob o olhar discursivo, que envolve o texto e o
seu contexto, de certa forma, integrando elementos lingüísticos e extralingüísticos.
83
2. SENTIDO E DISCURSO: O LINGÜÍSTICO E O EXTRALINGÜÍSTICO
Compreender o fenômeno da construção de sentido no texto não tem sido tarefa
fácil para os estudiosos em Lingüística. Esse fenômeno, a priori, estabelece uma relação
entre linguagem e mundo, que pode ser vista / lida de várias formas.
Segundo Guiraud (1972: 8), é semântica tudo o que se refere ao sentido de um
sinal de comunicação e, principalmente, tudo o que se refere às palavras.” A visão do
lingüista está intimamente ligada à ótica estruturalista, que previa o enfoque semântico
voltado para o signo lingüístico verbal a palavra. Aqui, reside um dos problemas do
estudo da semântica: a construção do sentido não pressupõe a palavra como seu objeto
literal e vai além da frase como unidade lingüística, levando em consideração o aspecto
dinâmico da linguagem, apontando para elementos extralingüísticos na construção de
sentido.
O primeiro movimento de mudança em relação ao estudo da linguagem foi a
passagem da concepção de uma língua como representação da realidade para uma visão
da língua como prática de um sujeito falante. Desloca-se o eixo de uma língua sistêmica
para uma forma de atuação sobre o real, não somente a representação dele; sob uma
perspectiva pragmática, entende-se o estudo da linguagem a partir dos atos de fala
concretamente realizados na linguagem cotidiana.
Segundo Brandão (2001: 60),
a pragmática lingüística tem por objetivo não o estudo da estrutura gramatical
em si, como elemento auto-suficiente, mas visa à utilização da linguagem por
um locutor, a relação entre o seu dizer e fazer, suas intenções, que manobras,
estratégias discursivas mobiliza para conseguir seus intentos.
Assim, ganham relevância o papel do sujeito e seu ato de enunciação. Para
Benveniste (1991), o sujeito na Lingüística da Enunciação centra-se na figura do
locutor, cuja subjetividade se baseia no próprio exercício da língua, na sua ação
discursiva, através de marcas lingüísticas inscritas no enunciado, como a primeira
pessoa, e outros elementos dêiticos, como os termos adverbiais “aqui” e “agora”. Assim,
84
sob o viés do papel do sujeito-falante, a semântica desloca seu eixo voltado para visão
representacional e em busca da veracidade das sentenças para uma visão de semântica
discursiva, preocupada com a concretização da linguagem através do ato de fala.
Um segundo movimento nega a condição unitária do sujeito em nome de sua
heterogeneidade: o sujeito é visto como elemento descentrado, influenciado pela sua
história, pelo seu aspecto social e por sua ideologia. É nesse momento que Bakhtin
(2004) estabelece o princípio de que toda palavra é dialógica por natureza e a língua
deve ser vista como um fenômeno social da interação verbal.” Dessa forma, nega-se
um sujeito uno, um “eu” individualizado em razão de um “nós” – sujeito social fundado
sob a ótica da multiplicidade, fruto da interação verbal entre o “eu” e o “outro”. Em
tese, distingue-se o texto monofônico daquele que é permeado por diversas vozes o
texto polifônico.
Mais tarde, Ducrot (1987) se apropria do conceito bakhtiniano de polifonia e
constitui a visão dialógica ao nível do enunciado, estabelecendo várias distinções
primárias para a construção do sentido no âmbito discursivo. A primeira delas trata da
diferença entre frase e enunciado: para o lingüista, o conceito de frase limita-se ao
campo gramatical, constituindo-se como uma seqüência sonora, enquanto o enunciado
dá-se como uma ocorrência histórica dessa seqüência sonora. À frase, segundo Ducrot,
cabe o conceito de significação, ou seja, leis provenientes da estrutura léxico-
gramatical; ao enunciado, cabe o conceito de sentido. Distingue ainda Ducrot o conceito
de enunciação, que seria o ato de produzir enunciados, o acontecimento de uma frase ter
sido objeto de um enunciado.
Quanto à significação ligada à frase e o sentido ligado ao enunciado, de fato,
uma mesma frase pode gerar sentidos diferentes, porque constituem enunciados
diferentes, que por sua vez seguem as instruções contidas na frase para a construção do
sentido. Segundo Flores e Teixeira (2005), “o que é comunicado pelo sujeito mediante o
enunciado é, então, a própria qualificação desse enunciado”. Uma mesma frase “Que
jogo!”, por exemplo, pode representar sentidos bem distintos, se pronunciada pelo
torcedor vencedor ou pelo perdedor. Se no primeiro caso tem-se uma expressão de
satisfação, no segundo a frustração vem acompanhada de certa dose de ironia.
Segundo Brait e Melo (2005), citando os estudos de Bakhtin, o enunciado
compreende três fatores: 1) o horizonte espacial comum dos interlocutores, 2) o
conhecimento e a compreensão comum da situação por parte desses interlocutores, e 3)
sua avaliação comum dessa situação. As autoras complementam essa idéia:
85
O enunciado e as particularidades de sua enunciação configuram,
necessariamente, o processo interativo, ou seja, o verbal e o não verbal que
integram a situação e, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior
histórico, tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, discursos, sujeito,
etc.) que antecedem esse enunciado específico quanto ao que ele projeta
adiante. (Brait e Melo, 2005: 67).
Assim, numa situação comunicativa, o enunciado implica muito mais do que se
pensa estar inserido no campo estritamente lingüístico. Os atores discursivos vêm, além
da base lingüística, de fatores extralingüísticos. Por exemplo, numa enunciação podem
aparecer vários sujeitos que representam várias vozes subjacentes ao discurso.
A perspectiva polifônica do sujeito traz um componente interessante à análise de
sentido do enunciado: distinguindo-se da visão de Bakhtin para o conceito de
enunciador que representaria o locutor da frase , Ducrot o enunciador como um
perspectivador que se insere no enunciado, um ponto de vista autorizado por uma voz
presente na enunciação. Considere-se esta charge:
— É... acho que isso vai demorar mais do que eu pensei...
CARUSO, Chico. O Globo, 22/04/05.
A charge apresenta signos icônicos: o mapa do Brasil e a figura do presidente
Luís Inácio Lula da Silva. A imagem de uma ingênua pescaria ganha ares mais irônicos
86
quando se insere a voz de um enunciador que introduz a idéia de que o país está
afundado, e o presidente quer trazê-lo à tona. A partir desse ponto de vista, a charge
desempenha uma função comunicativa que aponta para uma análise crítica da postura
do governo: o Brasil estaria, metaforicamente, mergulhado em problemas, e Lula tem
dificuldades para tirá-lo de lá, na ótica do chargista Chico Caruso.
Esse processo de enunciação permeado por vozes dos vários sujeitos insere na
cena discursiva outro elemento importante para a apreensão do sentido o contexto –,
uma vez que, inserido no processo lingüístico, coloca em foco a idéia central de que o
texto deve ser visto tanto como uma “malha de informações”, organizado e estruturado,
quanto um objeto de comunicação, fruto de um contexto histórico e social, onde a
natureza do sujeito-falante interage com a mensagem que deve ser apreendida pelo
ouvinte, assim como com os enunciadores que indicam o ponto de vista norteador do
sentido contido nos enunciados.
Fica estabelecido, portanto, que o jogo semântico numa linguagem envolve não
somente o significado da palavra / frase, mas uma inter-relação entre os agentes que
compõem o discurso tomado, aqui, como a junção de um texto ao seu contexto. Dessa
forma, é no discurso que encontramos o foco semântico, na medida em que as palavras
podem potencializar seus sentidos dependendo dessa inter-relação. Toma-se como
exemplo este anúncio da Brastemp:
In www.ccsp.com.br
87
Está clara no enunciado a presença de uma voz que representa o ideário machista
ao incumbir à mulher, e somente a ela, as atividades domésticas. Esse enunciador, na
concepção de O. Ducrot, legitima-se inclusive pela linguagem não-verbal do anúncio,
que mostra um homem lendo seu jornal tranqüilamente e fumando seu cigarro,
supostamente depois das refeições.
Outro traço relevante na construção do sentido está em se perceber a mensagem
implícita do anúncio: “compre uma lavadora de louças e salve seu casamento”. Esse
implícito é autorizado pela voz do anunciante em destaque. Essa mesma frase dita por
uma mulher divorciada, por exemplo, autorizaria outro tipo de interpretação possível: “é
muito bom não estar casada”. Ou ainda, se pronunciada por uma mulher que se julga
bem casada, o enunciado construído pela frase sugeriria apenas um aspecto negativo do
casamento entre tantos positivos. Assim, a natureza do sujeito-falante interage na
construção do enunciado, que implica outro sentido.
Como se pode ver, o dialogismo intrínseco às palavras contidas no enunciado
relaciona-se com outros elementos do anúncio formalizando o discurso. Contudo, este
anúncio não ganha sentido pleno como projeto discursivo sem levar em consideração
alguns aspectos do contexto em que ele se insere: esse é um anúncio de 1978, época na
qual a liberação feminina em relação ao mercado de trabalho não é efetiva, bem como a
noção de divisão de tarefas domésticas que se hoje. de posse dessas informações
do imaginário da época e da multiplicidade de elementos presentes no anúncio, pode-se
compreender a função dos sujeitos do enunciado e apreender, de forma abrangente, o
sentido pertinente à cena enunciativa.
Assim, elementos importantes na construção da cena discursiva, como o
contexto, os agentes que interagem no processo de enunciação, como a noção de
pressuposição e polifonia, merecerão um olhar aprofundado na construção de sentido no
âmbito do texto. Tais elementos atuam na cena discursiva e é dessa interação entre
componentes lingüísticos e extralingüísticos que surge a apreensão mais completa do
sentido sob a ótica textual.
Concordando com Furlanetto (2000a: 10), a significação se estabelece e muda
por causa dos efeitos discursivos de sentido, que a semântica incorpora dados
pragmáticos e que a pragmática se assenta numa semântica”. É através do confronto
dessas áreas da Lingüística que a produção de sentido, sempre ancorada em uma
situação comunicativa, deve ser investigada.
88
2.1 Contexto
A discussão a respeito da significação através da ótica saussuriana entre
significante / significado compreendia um espaço exclusivamente lingüístico; era a
língua (langue) seu objeto de estudo. Qualquer aspecto que apontasse para fora do
campo lingüístico não deveria ser considerado, daí a semântica não merecer um olhar
científico, que a construção do sentido aponta, como visto, para aspectos que
fogem ao âmbito da língua. Assim, quando a noção de signo começa a abarcar a idéia
do referente, ou seja, um elemento que indica a realidade extralingüística, seja com
Ogden e Richards, ou ainda, com Hjelmslev, tal fato implica a inclusão de aspectos
pragmáticos e situacionais, antes não considerados.
Dessa forma, a noção de referência, definida por Moeschler e Reboul (apud
Rocha
6
, 1999b: 112) como uma relação que une uma expressão da língua utilizada
num enunciado e o objeto do mundo que tal expressão designa”, aponta para a idéia de
que as relações de natureza semântica devem ser analisadas também a partir de fatores
extralingüísticos. Afirma, ainda, Rocha (1999b: 113): Com efeito, tomado em si
mesmo, no interior do sistema da língua, um signo não possui uma referência; apenas
quando particularizado numa dada situação de comunicação, isto é, quando utilizado
por um locutor num dado contexto, é que poderá assumir um valor referencial.”
Está claro que as relações entre itens lexicais no âmbito textual (co-texto), como
as noções de coesão, relações entre elementos fóricos e dêiticos interagem no universo
semântico de um texto, entretanto o sentido de qualquer prática discursiva ultrapassa os
limites do texto e, sobretudo, é o que interessa aqui. Segundo Vereza (2000), citando
Halliday, tal dimensão não co-textual é denominada como contexto exofórico, que seria
o conhecimento de mundo ou informações compartilhadas, diferente do chamado
contexto endofórico, que seria o texto verbal em si. É dessa dimensão não co-textual, o
contexto, que tratarei a seguir.
Como visto, a rede lexical que forma um texto não é suficiente para a
compreensão de sentido no discurso. Palavras soltas, até mesmo frases soltas suscitarão
questões acerca do locutor da mensagem, do ambiente em que foi enunciado, além de
informações compartilhadas entre os interlocutores. São essas questões que apontam
para a idéia de contexto, assim definido por Dubois:
6
Tal definição foi extraída da obra Dictionnaire encyclopédique de pragmatique” e traduzida por Rocha
no artigo citado.
89
O conjunto das condições sociais que podem ser levadas em consideração
para estudar as relações que existem entre o comportamento social e
comportamento lingüístico (...). São os dados comuns ao emissor e ao
receptor na situação cultural e psicológica, as experiências e conhecimentos
de cada um dos dois. (Dubois et al, 2001: 149).
Esta charge serve como exemplo:
PAIXÃO. Gazeta do Povo (PR), 12/06/05.
Para a construção de sentido da charge, é preciso reconhecer os interlocutores do
discurso: o Presidente Lula e o deputado cassado Roberto Jefferson, travestido de
mulher. A natureza dos atores da cena discursiva é fundamental, porque só a partir desse
conhecimento compartilhado é possível reconhecer o caráter polissêmico da frase “só
um selinho”. Roberto Jefferson foi citado como o líder de uma rede de corrupção na
empresa de correios. Dessa maneira, os interlocutores envolvidos, assim como a época
em que foi construída a charge e as informações compartilhadas sobre as notícias de
corrupção formam o contexto que permite compreender a isotopia do item léxico
“selinho”. A referência construída, aqui, em nada tem a ver com um doce tocar de
lábios, mas com a polissemia da palavra “selo”, referência óbvia aos correios. É o
contexto que possibilita tal leitura.
Vereza (2000) define a natureza do contexto em dois planos: contexto micro-
situacional e contexto macro-situacional. O primeiro, segundo a autora, é o contexto
imediato da situação de fala, que abarca aspectos da situação comum de enunciação,
90
como a situação espaço-temporal que inclui o falante, o ouvinte, o canal, o gênero
discursivo. O outro se refere ao conhecimento de mundo em geral, às informações
acumuladas, crenças, valores, ideologia, presentes na comunidade de fala à qual
pertencem os sujeitos discursivos.
O cartaz reproduzido abaixo foi retirado da coluna de Alcelmo Góis:
In GÓIS, Ancelmo. O Globo, 20/0/8/05.
Ao publicar essa campanha, criada pelo cartunista Paulo Rodrigues, que tentava
convencer os filiados do PT a doarem 1% de seus salários para o financiamento do
partido, Góis revela sua opinião diante da situação em que o PT se envolveu
recentemente. O cartaz, se lido na época em que foi vinculado, fala de um partido que
não comete desvios de verbas o cofre está vazio, não vale a pena assaltá-lo. Publicado
na coluna de Ancelmo Góis, surge como uma grande ironia, uma vez que os recentes
acontecimentos apontam para notícias de “mensalões” e “caixas dois”. Percebe-se que a
situação espaço-temporal, aqui, é determinante para a construção de sentido, assim
como a informação compartilhada sobre a postura irônica inerente ao jornalista. Dessa
forma, o contexto imediato dessa situação discursiva se entrelaça com a relação cultural,
91
típica do contexto macro-situacional proposto por Vereza. De fato, tais planos o se
desvinculam, sobretudo no gênero discursivo escrito.
O papel do conhecimento compartilhado para o entendimento do texto fica
explícito nesta outra charge:
AMARILDO. Gazeta on line (ES), 17/04/05.
A charge apresenta como personagem o então presidente da Câmara dos
Deputados, Severino Cavalcanti, escolhendo um suposto candidato a uma vaga pelo seu
exame de DNA, preterindo o outro com maiores qualificações. de posse das notícias
que trazem informações sobre os casos de nepotismo cometidos pelo ex-deputado a
charge será compreendida em seu sentido amplo. Tais informações compartilhadas
possibilitam a discursividade implementada pelo chargista, supondo que seu leitor as
detenha, caso contrário o ato de comunicação não será concretizado.
Outra tipificação de contexto é trazida por Fowler (1994). Segundo o autor,
podem-se distinguir três tipos de contexto: o contexto da enunciação, o contexto
cultural e o contexto de referência. O contexto da enunciação é a situação na qual se
o discurso, que inclui o meio ambiente, as pessoas envolvidas, o meio por onde se
estabelece o discurso. Vê-se que se assemelha à idéia de contexto micro-situacional,
proposta por Vereza.
Fowler (1994: 148) aponta para uma distinção do contexto da enunciação em
que a situação de comunicação se estabelece por meio escrito ou falado e enumera,
principalmente, a função dos elementos dêiticos envolvidos em tal situação,
considerando, por exemplo, a diversidade de escolhas e significados para palavras como
92
“aqui” e “agora” em um discurso face-a-face ou numa conversa telefônica palavras
básicas que marcam o momento do discurso, mas que são usadas de modo distinto de
acordo com os diferentes tipos contextuais.
O emprego dos dêiticos pessoais “eu” e “tu”, no discurso, também merece
atenção por parte de Fowler. Segundo o autor, uma diferença grande entre um “eu”
identificado no discurso, que aponta para uma pessoa real e um outro “eu”, não
identificado, apontando para um personagem, como num texto literário, por exemplo.
Como esse gênero não faz parte do escopo deste trabalho, interessa-me outra vertente
desse contexto da enunciação. Considere-se esta manchete:
João Paulo: “Vou recorrer na Mesa e
na Justiça se meus direitos forem
violados”
O Globo, 12/10/05.
A fala, de João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, acusado de receber dinheiro
do esquema liderado pelo publicitário Marcos Valério, aparece em primeira pessoa. O
“eu” empregado tem como referência a pessoa real do ex-presidente da Câmara, o que
traz ao contexto da enunciação um traço de veracidade, inerente ao texto não-ficcional.
Não se trata, aqui, de uma instituição, o deputado não está se apresentando como
partido, tampouco como governo, mas como pessoa. Para a construção de sentido, essa
idiossincrasia da construção do contexto da enunciação é relevante. alguns anos,
quando da passeata dos trabalhadores rurais a Brasília, a maioria dos “sem-terra”
afirmava conhecer a figura do então presidente Fernando Henrique Cardoso, mas
desconheciam seu nome. Para eles, a referência era “presidente” ou ainda governo”, o
nome FHC não representava nada.
Outro tipo de contexto é o contexto cultural, pelo qual se entende toda uma rede
de convenções sociais e condições sócio-econômicas a que estão submetidos os sujeitos
da cena discursiva. Parece-me que este tipo de contexto se assemelha à visão de
contexto macro-situacional sugerida por Vereza. Aqui, crenças e valores sócio-culturais
interagem na construção de sentido.
A charge a seguir ilustra esse contexto:
93
CASSO. Diário do Pará, 22/04/05.
A charge ironiza a postura do novo Papa, implicitamente marcada pela
linguagem não-verbal empregada. Diante da obra de Michelangelo, Bento XVI aplica
uma “tarja preta” ao nu a qual representa um símbolo de proibição. A charge ganha
expressividade a partir do momento em que se tem a informação sobre a postura
considerada retrógrada do sumo sacerdote, conhecido por suas posições reacionárias,
antagônicas ao seu antecessor, João Paulo II, considerado liberal, segundo os
paradigmas da Igreja.
O terceiro tipo de contexto a que faz alusão Roger Fowler é o contexto de
referência, que é exatamente o assunto do discurso. Esse tipo de contexto está
intimamente ligado a um traço da linguagem humana denominado de afastamento, que
consiste na capacidade de referir-se a coisas e acontecimentos afastados no tempo e no
espaço do contexto imediato da enunciação. Fowler afirma que o afastamento é
facilmente identificado como pré-requisito em discursos narrativos e ficcionais.
Esta última tipificação parece-me contemplada pelo que está intrínseco ao
processo de referenciação, não havendo, portanto, a necessidade de estabelecer um
terceiro tipo de contexto. Assim, acredito que as noções de contexto da enunciação e de
contexto cultural já suprem uma delimitação coerente acerca da acepção de contexto.
Outro recorte bastante interessante é feito por Décio Rocha (1999b). Para o
lingüista, duas perspectivas sobre o contexto; uma tradicional, e outra, ligada à visão
cognitivista do discurso
7
. A perspectiva tradicional é requisitada por uma visão
7
Rocha trata essa nova perspectiva da acepção de contexto como uma vertente da chamada semântica
cognitiva. Pela natureza deste trabalho, não serão aprofundados os conceitos analisados usando tal
terminologia, preferindo-se o enfoque argumentativo para os fenômenos da língua.
94
estruturalista da língua, em que se prega a sua autonomia para a compreensão de todos
os fenômenos lingüísticos. Contudo, mesmo aqueles que defendem tal autonomia, ou
seja, que não admitem a interação de fatores extralingüísticos para a descrição da
língua, que enxergam tal descrição fora de uma situação de comunicação, precisam da
concepção de contexto para explicar casos de ambigüidade, por exemplo, seja ela
lexical ou sintática. O mesmo ocorre para a construção de sentido de discursos em que
se empregam elementos iticos, como o emprego do pessoal “eu” ou do advérbio
“aqui”.
Assim, segundo Rocha (1999b: 116), o contexto desempenha tão-somente um
papel de instrumento acessório, isto é, intervém quando dele necessitamos para
resolver uma dificuldade de interpretação.”
A segunda abordagem feita pelo lingüista faz alusão à idéia de que o contexto
não antecederia ao enunciado, mas seria construído ao longo da interpretação. Ao
contrário da visão tradicional de contexto, cuja concepção aponta somente para uma
situação de comunicação isolada, funcionando como uma ambientação necessária para a
compreensão do sentido de situação específica, por isolada que é, nessa nova
abordagem o contexto passa a ser uma das conseqüências dos enunciados. Segundo
Rocha (id.: 117), o contexto resulta das interpretações que vão sendo feitas durante
uma interação.”
Chiavegatto (2002) corrobora tal opinião na medida em que credita a construção
de sentido a uma correlação entre os signos verbais que constituem o enunciado e os
signos de várias naturezas que compõem o contexto. Diz a autora que o contexto, sendo
uma estrutura essencialmente dinâmica, relaciona-se de diferentes formas com os signos
envolvidos no enunciado, e dessas relações estabelecidas surgem novas concepções para
determinado signo é a noção de interpretante, proposta por Peirce, atuando nesse
processo lingüístico. Conclui, então, Chiavegatto (2002: 119):
Assim, o sentido do contexto nasce do entrelaçamento de signos trazendo o
texto do mundo para a suplementação de sentidos construídos, pois trazemos
o mundo dos sentidos para os significados que construímos, integrando
cognição, gramática e interação.
A charge a seguir pode ilustrar as idéias apresentadas:
95
LAÍLSON. Charge on line, 21/05/05.
Numa primeira leitura, o enunciado prevê o término de tinta verde com que se
pintava uma inscrição onde se pode antever “Lula lá”. Contudo, a mera percepção de
que o locutor da mensagem é o Ministro da Cultura Gilberto Gil, integrante do Partido
Verde, autoriza outra interpretação do enunciado: o PV se desligara do governo naquele
momento. Assim, metaforicamente, a construção da reeleição de Lula não contará com
a participação do Partido Verde, é o que se pode depreender do enunciado Acabou o
verde, companheiro presidente”.
Dessa forma, percebe-se que são elementos integrantes do contexto a saber, o
Ministro Gilberto Gil e a presença do item lexical “verde” – que autorizam a formulação
de uma nova possibilidade de leitura do enunciado, por conseqüência, uma nova
interpretação. Assim, o entrelaçamento dos signos presentes na charge, como o símbolo
do partido inscrito na lata de tinta que é verde e a figura de Gilberto Gil, com os
signos oriundos das informações compartilhadas, como a natureza dos personagens
envolvidos na charge (Gilberto Gil é ministro do governo), bem como o conhecimento
de que o PV saíra da base governista, pode determinar, de fato, a formulação de uma
hipótese suplementar para a interpretação adequada do enunciado descrito na charge. O
contexto, descrito por Chiavegatto, como o espaço de sentido”, em sua essência
dinâmica, atualiza-se e é construído a partir da construção dessa nova interpretação
produzida.
Pode-se ver outro exemplo neste anúncio, retirado de Sandmann (2003: 84):
96
Previsão dos nossos japoneses: fim de semana sem
chuviscos. Novo Cine 4 Toshiba
Veja, 28/08/91.
A associação primária entre os termos “previsão” e “chuviscos” leva a uma
leitura que coteja o campo da meteorologia. No entanto, os itens integrantes do contexto
verbal do anúncio, como “japoneses” e “Toshiba”, legitimam outra hipótese a ser
formulada: trata-se de um anúncio de aparelho de TV, conferindo um sentido
metafórico ao termo “chuvisco”. Não se tem mais o sentido literal de chuva, mas uma
alusão às interferências que ocorrem nas transmissões dos aparelhos. Assim, o
reconhecimento do signo verbal Toshiba”, conhecida marca de aparelhos eletrônicos,
autoriza essa nova hipótese a ser construída.
A charge a seguir também ilustra o assunto:
IQUE. Jornal do Brasil. 06/05/05.
A charge mostra o ex-deputado estadual André Luiz despencando por uma
cachoeira, agarrado a uma máquina caça-níqueis. O contexto vai sendo construído a
partir da própria interpretação da situação em que o signos não-verbais estão envolvidos
e das informações compartilhadas acessadas. André Luiz foi acusado de tentar extorquir
R$ 4 milhões do empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira,
para livrá-lo de indiciamento no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
da Loterj, instituída pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
97
A partir desses elementos, pode-se perceber o entrelaçamento de signos: de
forma criativa, o chargista representa o ex-deputado agarrado a uma máquina caça-
níqueis, sendo arrastado para uma cachoeira – uma referência ao nome do empresário de
casas de jogos, autor da gravação em fita das atividades ilegais dos políticos envolvidos.
Dessa maneira, os signos não-verbais da charge a máquina caça-níquel e a própria
cachoeira legitimam a hipótese que os relaciona a outros elementos, como a questão
envolvendo os bingos e o empresário.
Um último exemplo que sustenta a visão de que o contexto se constrói a partir da
própria interpretação é a charge que segue:
DÁLCIO. Diário do Povo (SP), 04/09/04.
A primeira hipótese de interpretação óbvia sugere uma criança apagando o
quadro-de-giz num ambiente precário, imagem legitimada pelas marcas no quadro e nas
paredes. No entanto, o título da charge faz referência a Beslan, uma escola da Rússia.
Essa informação, integrante do contexto da charge, autoriza a formulação de outra
hipótese, a partir do momento que aciona uma memória que detém informações sobre o
massacre de várias pessoas liderado por terroristas naquela instituição escolar.
Dessa maneira, o signo não-verbal representado pelas marcas no quadro e nas
paredes é ressignificado, passando a uma referência a marcas de balas, rastro da
violência a que aquelas pessoas foram submetidas. É interessante notar que a criança da
charge tenta apagar as marcas dessa violência e não consegue. Talvez, se fossem
somente um signo da depredação do espaço físico da sala, pudessem ser reformadas,
98
mas sendo marcas de tamanha violência, na memória das crianças que viveram a
tragédia tal fato dificilmente será apagado.
Assim, ratificando a visão de Rocha e Chiavegatto, o contexto, traço
fundamental na construção de sentido do enunciado da charge, é construído a partir da
reinterpretação dos signos envolvidos na cena discursiva, ou seja, é o entrelaçamento
desses signos contidos na charge com os signos vindos do conhecimento de mundo,
como afirma Chiavegatto, que possibilita a depreensão de sentido em sua plenitude.
Vale citar, ainda, que é uma criança a apagar o quadro (em outro plano de leitura,
apagar aquele acontecimento), não um professor, como poderia se esperar uma alusão
clara a quem foi a maior vítima daquele massacre.
Por fim, a contribuição valiosa de Décio Rocha (1999b: 124):
É precisamente a produção de enunciados que garante quais são os elementos
do contexto que serão relevantes para os interlocutores em sua tarefa de,
juntos, construírem um sentido. Percebe-se, desse modo, que diminui
sensivelmente a distância que até então existia entre os enunciados e a
realidade, inaugurando-se um novo momento nos estudos voltados para um
enfoque pragmático dos fenômenos da linguagem.
É exatamente esse enfoque pragmático que permite analisar o contexto como um
instrumento na compreensão do sentido e perceber que as relações discursivas
atravessam elementos que se apóiam na esfera da língua e também em elementos
extralingüísticos.
2.2 Posto, pressuposto, subentendido e inferência
A Semântica da Enunciação, introduzida por O. Ducrot em “Princípios de
Semântica Lingüística” (1972), expõe a idéia de que não uma ordem no mundo que
seja dada de forma independente da linguagem e da história. Afirma o autor que a
língua não deve ser considerada somente como um código, um instrumento de
comunicação, mas deve ser considerada como a confirmação das regras de um jogo que
se liga de forma contínua à existência cotidiana. Segundo um artigo de Roberta P.
Oliveira (2003: 28), para Ducrot,
99
a linguagem é um jogo de argumentação enredado em si mesmo; não falamos
sobre o mundo, falamos para construir um mundo e a partir dele tentar
convencer nosso interlocutor da nossa verdade, verdade criada pelas e nas
interlocuções. A verdade, pois, deixa de ser um atributo do mundo e passa a
ser relativa à comunidade que se forma na argumentação. Assim a linguagem
é uma dialogia, ou melhor, uma “argumentalogia”; não falamos para trocar
informações sobre o mundo, mas para convencer o outro a entrar no nosso
jogo discursivo, para convencê-lo da nossa verdade.
A noção de verdade será abandonada por Ducrot mais tarde na sua teoria, como
veremos adiante, contudo vale ressaltar dois conceitos básicos na visão desse autor
sobre semântica lingüística: o sentido dos enunciados é inerente à própria língua e esse
sentido é predominantemente argumentativo, daí a tentativa de o locutor persuadir seu
interlocutor sobre algo, como afirma Oliveira. Os fenômenos semânticos, portanto, são
descritos tomando-se por base a visão de que o eixo central da teoria de Ducrot está na
idéia de que a argumentação está na língua
8
, é inerente ao próprio jogo discursivo.
Discípulo de Benveniste, Ducrot reafirma sua formação estruturalista, situando
seus estudos a partir dos mesmos princípios saussurianos acerca das observações de
como signos e segmentos dos enunciados se comportam e ainda as relações
estabelecidas entre locutor e interlocutor.
Contudo, Ducrot amplia essa visão ao conceber a linguagem como um
instrumento de argumentação, estabelecendo, dessa forma, um debate entre os
interlocutores. Em outro momento do artigo, Oliveira (2003: 18) afirma:
Para a Semântica da Enunciação, herdeira do estruturalismo, o significado é o
resultado do jogo argumentativo criado na linguagem e por ela.
Diferentemente do estruturalismo, “mesa”, na Semântica da Enunciação,
significa as diversas possibilidades de encadeamentos das quais a palavra
pode participar. Seu significado é o somatório das suas contribuições em
inúmeros fragmentos de discurso.
Não é pertinente a este trabalho uma apresentação detalhada da teoria de Ducrot,
em todos os seus desdobramentos, entretanto, para a análise da produção de sentido no
8
Nas teorias mais recentes sobre argumentação na língua, propostas por Ducrot, Anscombre e M.Carel,
uma forte tendência a negarem-se os conceitos de referencialidade e cognitivismo, ainda que se aceite
a influência de fatores sociológicos e psicológicos na construção dos enunciados.
100
âmbito discursivo, é fundamental o levantamento de alguns pontos de seus estudos. A
formação de sua teoria
9
passa por várias fases:
1) A teoria da argumentação fundada nos conceitos de pressuposição e os atos
de linguagem.
2) A teoria da argumentação na língua, focalizando os conceitos de organização
do enunciado e a teoria polifônica.
3) A teoria dos topoi argumentativos, com base na argumentação da língua a
partir da noção dos encadeamentos discursivos – a noção de topos.
4) A nova versão da teoria da argumentação na língua, baseada no conceito de
blocos semânticos.
A partir da visão das relações intersubjetivas inerentes à fala, proposta por
Benveniste, Ducrot nega a redução da língua ao estatuto de código. Segundo Ducrot
(1972: 13), dizer que as línguas naturais são códigos, destinados à transmissão da
informação de um indivíduo a outro, é, ao mesmo tempo, admitir que todos os
conteúdos expressos graças a elas são exprimidos de maneira ‘explícita’. Reconhece-
se, então, no jogo discursivo, um traço fundamental no estudo da linguagem tida como
argumentativa: o conceito de implícitos.
Ducrot aponta duas razões básicas para a ocorrência de implícitos na
investigação da linguagem. A primeira delas diz respeito à tentativa de não assumir a
responsabilidade pelo dito, não por uma proibição em si, diz o lingüista, mas por, ao
dizer a mensagem, constituir-se uma atitude considerada repreensível para o locutor.
Uma outra origem para a necessidade do implícito reporta-se ao fato de que uma
afirmação explícita poder suscitar uma réplica. Segundo o autor tudo que é dito pode
ser contradito. De tal forma que não se poderia anunciar uma opinião ou um desejo
sem expô-los ao mesmo tempo às eventuais objeções dos interlocutores(Ducrot, 1972:
14).
O lingüista francês distingue, ainda, dois tipos de implícitos; aqueles
fundamentados no conteúdo do enunciado e outro, ligado à enunciação. O implícito do
enunciado consiste em apresentar, quando não se quer ser explícito, algo em seu lugar,
fatos que podem sugerir a causa ou conseqüência necessária do primeiro. Como dizer
9
A sua teoria polifônica, formulada em “O dizer e o dito” (1987), será analisada na seção seguinte. A sua
recente teoria dos blocos semânticos, concebida em conjunto com Marion Carel, por ser um projeto ainda
em formação, não será aprofundada neste trabalho.
101
que o tempo está bom para sugerir que sair de casa seja uma proposta interessante
10
.
Uma variante sutil do mesmo procedimento, largamente explorada pela propaganda,
consiste na apresentação de um raciocínio que apresenta como premissa necessária,
ainda que não formulada, o objeto da afirmação implícita. É o caso de anúncios do tipo:
“Ele é feliz, compra no supermercado X”. Depreende-se a premissa “quem compra no
supermercado X é feliz”.
Num plano mais sutil, este anúncio da Unimed exemplifica tal raciocínio:
O Globo, 17/12/2004.
O enunciado da propaganda sugere uma premissa não formulada (“Na Unimed
os planos são mais baratos”). O texto “Se quando o médico pergunta onde dói, você
sempre responde no bolso?” gera, por conseqüência, uma conclusão implícita óbvia:
“Então, venha para a Unimed”.
É notório que o implícito favorece o que Ducrot chama de a “inocência do
silêncio”, a não responsabilidade pelo não dito. A propaganda, até para chamar a
atenção para o que está veiculando, costuma empregar em larga escala esse
procedimento, buscando nas entrelinhas o objeto de sentido. Um bom exemplo é o que
se apresenta a seguir, a respeito de uma propaganda de lojas de roupas femininas,
retirado de Abaurre e Pontara (1999:74):
Se você pergunta pro seu marido se está linda, e
ele responde que te ama de qualquer jeito, tá na
hora de falar com a gente.
10
Ao formular essa tese, em “Princípios de semântica lingüística” (1972), acerca dos implícitos do
enunciado, Ducrot lança como exemplo a frase “dizemos que o tempo está bom para fazer entender que
vamos sair” (Id.ib.: 15). Parece-me que tal construção estaria mais voltada para uma implicitação ligada à
enunciação do que propriamente ligada ao enunciado.
102
Percebe-se que na fala do marido um jogo lingüístico implícito: se ele (o
marido) ama a mulher “de qualquer jeito”, tem-se a informação de que ele a ama,
estando ela linda ou não, contudo, pela negação da resposta exata, percebe-se que ele
não concorda com o fato de ela estar linda, naquele momento. Assim, embora o marido
não diga que está achando a mulher feia, tal idéia fica implícita pela resposta que ele
a ela.
Ducrot (1972: 16) afirma que esse procedimento apóia-se numa organização
interna do enunciado:
Resume-se em deixar não expressa uma afirmação necessária para a
completude ou para a coerência do enunciado, afirmação à qual a sua própria
ausência confere uma presença de um tipo particular: a proposição implícita é
assinalada e apenas assinalada por uma lacuna no encadeamento das
proposições explícitas. Ela tem uma existência indiscutível, que a própria
lacuna é indiscutível, mas tal existência permanece sempre oficiosa – e objeto
possível do desmentido – na medida em que só o destinatário, e não o
locutor, é chamado para preencher essa lacuna.
Considere-se este anúncio da Parmalat:
In www.ccsp.com.br
Na linguagem verbal do anúncio lê-se: “Parmalat Crescimento. Contém ácidos
graxos e ferro, que ajudam no crescimento”. De certa maneira, a lacuna a ser preenchida
pelo destinatário pode aparecer não no enunciado verbal, mas através de elementos
indiciais: a “comprovação” de que, sim, o produto faz as crianças crescerem, não está
no enunciado verbal em si, mas na altura em que aparecem os desenhos infantis. A
103
altura do desenho é um índice da lacuna a ser preenchida pelo destinatário do anúncio: a
criança que consumir leite Parmalat cresce. Desse modo, a lacuna a ser preenchida pelo
destinatário para a construção do sentido de que fala Ducrot se sustenta nos signos
icônicos e indiciais presentes no anúncio.
Outra tipologia dos implícitos não reside no enunciado, mas na enunciação, o
que Ducrot chama de subentendidos do discurso. Cita-se a relação hierárquica de uma
ordem, por exemplo. No plano da enunciação, a ordem aparece como uma intenção de
se afirmar, de fato, que se está em condições de se dar ordens, como se o próprio ato de
enunciação fosse, de modo implícito, uma legitimação da idéia que se quer passar, por
isso o implícito não aparece aqui como um prolongamento do enunciado, mas num
plano mais profundo, como uma “condição de existência do ato de enunciação”. Ducrot
lança mão do exemplo freqüente da comédia clássica, em que a criada, dando a entender
a sua senhora que sabe do amor que ela sente por um jovem, fala insistentemente do
objeto desse amor.
Maingueneau (1997: 58) faz uma distinção entre os implícitos e os classifica
como implícitos semânticos, associados ao material lingüístico, e os implícitos
pragmáticos, relacionados ao contexto. Assim, o primeiro tipo apresenta uma
ancoragem textual na própria língua, enquanto o outro se apóia na relação do enunciado
com seu contexto para a apreensão de sentido do valor implícito.
Tal conceituação apresenta terminologia diferente na obra de Ducrot. Numa
primeira versão do conceito de pressuposição, Ducrot distingue os implícitos do
enunciado (os implícitos semânticos, para Maingueneau) a que chama de pressupostos,
e os implícitos que não se sustentam no enunciado, mas na enunciação e no poder
interpretativo do interlocutor, os quais são chamados de subentendidos (implícitos
pragmáticos). Como o lingüista encara a descrição semântica como um fenômeno
heterogêneo que inclui além de fatores lingüísticos, fatores sociológicos e psicológicos,
que participam da manifestação dos enunciados, é com base na idéia de pressuposição
que se torna possível fazer uma leitura mais abrangente de frases como “Que belo dia!”,
cujo sentido, às vezes, pode ser o de um dia péssimo para o autor da frase, concebida
através de uma fina ironia.
A partir desse processo, Ducrot estabelece a diferença entre dois conceitos, o de
conteúdo posto e de conteúdo pressuposto. O posto revela a informação contida na
superfície da sentença; o pressuposto revela as informações que são interpretadas a
104
partir do material lingüístico presente no enunciado das sentenças, ambos fundados no
sentido literal. Tomemos a seguinte frase analisada por Ducrot como demonstração:
(14) Pedro deixou de fumar.
A idéia de que Pedro não fuma mais é o conteúdo posto, através do qual se pode
perceber o conteúdo pressuposto: Pedro fumava antes. Mais tarde, através de sua teoria
polifônica, Ducrot irá propor uma análise mais profunda para atos de fala como esse.
Junto a tais conceitos básicos no jogo argumentativo, inclui-se o conceito de
implicatura, que Moura (2000: 13) define como um tipo de inferência pragmática
baseada não no sentido literal das palavras, mas naquilo que o locutor pretendeu
transmitir ao interlocutor”. No exemplo (14), se pensássemos numa situação em que o
locutor julga ser o interlocutor um contumaz tabagista, a sentença poderia sugerir um
conselho implícito para que também ele – o interlocutor – parasse de fumar, por
exemplo. Essa informação estaria subentendida e não pressuposta.
Segundo Ducrot, nessa primeira versão de sua teoria, a distinção do conceito de
implícitos pressupostos ou subentendidos dá-se no plano sintático. Os pressupostos
aceitariam certas modificações sintáticas como a negação e a interrogação, enquanto os
subentendidos não aceitariam tais modificações:
(15) Pedro parou de fumar?
(16) É falso que Pedro parou de fumar.
Nas duas ocorrências, o conteúdo pressuposto se mantém: Pedro fumava antes.
Esse teste, normalmente, não se aplica ao sentido subentendido.
Além dessas implicações sintáticas, esses mecanismos enunciativos da
pressuposição trazem outra condição: o pressuposto deve ser interpretado a partir de um
conhecimento compartilhado entre os interlocutores; a frase (14), por exemplo, fará
sentido ao interlocutor se ele souber previamente que Pedro fumava, é o conhecimento
compartilhado entre os dois que possibilita a compreensão do enunciado. O
subentendido deve ser interpretado a partir da intenção do locutor e a partir do
reconhecimento do jogo discursivo, o que está implícito em tal enunciação. Tomemos
como exemplo a manchete seguinte:
105
Consumidor paga pelo roubo de luz
O Globo, 23/11/05.
A manchete trata do aumento de aproximadamente 11% nas tarifas de luz
impostas ao consumidor da Light para cobrir perdas causadas por fraudes, o chamado
“gato”. O conteúdo posto é a própria frase enunciada; o conteúdo pressuposto alude às
idéias de que existe um consumidor, que existe uma fornecedora de luz e que tal serviço
é pago. O conteúdo subentendido pode sinalizar para o absurdo que tal situação implica:
uns pagam pelo erro de outros. A escolha do item lexical “roubo” denuncia a carga
semântica de perplexidade que a manchete pode gerar. Quando se a manchete, os
interlocutores compartilham o conhecimento da prática do “gato” e, de certa forma,
pode-se entender uma mensagem subentendida: o se deve praticar o “gato”, isso é
roubo e está prejudicando pessoas que nada têm a ver com esse procedimento.
Na charge a seguir o conteúdo subentendido é interessante:
MARIOSAN. O Popular (GO), 29/09/04.
Através de uma linguagem verbal e não-verbal, afirma-se que não haveria
aumento da gasolina na época em que se concebeu a charge. Pode-se compreender isso
a partir do enunciado passa depois das eleições, tá?”. Dessa maneira, não ocorreria,
também, aumento na inflação representada, aqui, pela figura do dragão. Assim, pode-
se perceber o conteúdo subentendido de que um aumento da gasolina na época das
eleições seria extremamente prejudicial ao governo, inclusive pelo agravamento dos
106
índices de inflação. Isso não está no plano do enunciado, mas da enunciação, ou ainda,
como propõe Maingueneau, no contexto da charge.
Por entender que posto e pressuposto são constituintes do enunciado, Ducrot
julga que tais conceitos devem ser considerados como componentes lingüísticos; quanto
aos subentendidos, ausentes do enunciado que são, seriam considerados componentes
retóricos. Lopes (2003: 289) esclarece tal ponto de vista:
Assim, o posto se autoriza no “eu” do destinador do enunciado, o pressuposto
no “nós” que engloba destinador e destinatário (ambos aparecem como
aportes próprios do enunciado), enquanto o subentendido se autoriza no “tu”
do destinatário, nas conclusões que ele extrai do enunciado por sua conta e
risco (ao contrário do posto e do pressuposto, o subentendido está ausente do
enunciado).
Segundo Lopes, a denominação de componente retórico estaria justificada por
uma intenção de persuasão envolvida no discurso, valorizando, assim, uma função
apelativa da linguagem. No entanto, argumenta Lopes que a denominação de
componente ideológico seria mais plenamente justificada, tendo em vista as implicações
conotativas envolvidas. Particularmente, concordo com denominação proposta por
Lopes, por acreditar que a implicatura é, de fato, ideológica.
O conceito de que a pressuposição se funda no sentido literal do enunciado e se
prende a questões sintáticas para sua distinção gerou críticas, sendo a de Paul Henry
(1992) a mais contundente. Segundo este autor, a idéia de pressuposição implica a de
sentido literal, o que acarretaria uma visão errônea sobre a posição de sujeito: acreditar
que o sujeito falante, autor do enunciado, é o único responsável pelo sentido é crer que
aquele que introduz a fala é também aquele que diz a mensagem. Estão em jogo, aqui,
propriedades que negam a unicidade do sujeito e sua posição monofônica, o que foi
revisto, mais tarde, na teoria da argumentação da língua: a teoria polifônica proposta por
Ducrot, em outro momento de seus estudos, procura dar conta dessas questões.
Outro fator de crítica se deve ao fato de a pressuposição se apoiar somente no
material lingüístico do enunciado, idéia também revista pelo próprio Ducrot. Com
efeito, a definição de pressuposto como um implícito que se apóia no material
lingüístico não se sustenta em enunciados mais complexos. Sobre tal questão,
Guimarães (2005) apresenta uma idéia proposta por Ducrot acerca da negação
descritiva e da negação metalingüística.
107
Para a ilustração dessa diferença, as frases a seguir são exemplares:
(17) Julia e Clara não foram à escola.
(18) Esse carro não é bom, ele é ótimo.
Segundo Guimarães, Ducrot considera que a negação descritiva nega o
enunciado, como em (17). A negação metalingüística nega a própria enunciação, como
em (18). De fato, afirma Guimarães (2005: 52): a negação neste caso não nega o
predicado ‘bom’, ele nega o fato de que outro locutor tenha dito o carro é bom’.” Em
raciocínio parecido, Barbisan (2004: 69) propõe outro exemplo:
(19) Pedro não veio; ao contrário, ficou em casa.
Repara-se que a expressão “ao contrário” não se opõe ao segmento anterior
“Pedro não veio”. De fato, esse segmento e “ficou em casa” não se opõem, mas
orientam na mesma direção. Na verdade, em (19) tem-se uma outra voz que afirma a
vinda de Pedro, e é a essa informação que se dirige a expressão “ao contrário”. Desse
modo, a negação se apóia em algo que está implícito na própria enunciação.
Assim, pode-se perceber que tanto em (18) quanto em (19) o pressuposto não se
sustenta no material lingüístico, mas no que está implícito na enunciação, o que invalida
a definição inicial de Ducrot para a pressuposição. Acredito, portanto, que uma
terminologia apropriada para tais casos seja somente a de “implícitos”, ainda que se
reconheça a atuação dos mecanismos enunciativos – seja na língua, seja no contexto.
Por conta dessas variantes, Ducrot, numa outra etapa de sua teoria, desenvolve o
conceito de polifonia e depois, em parceria com Jean-Claude Anscombre, o conceito de
encadeamento discursivo – topos –, conceitos que serão analisados adiante.
Às noções de conteúdo posto e conteúdo implícito, acrescenta-se o conceito de
inferência. Segundo Charaudeau e Maingueneau, em seu Dicionário de Análise do
Discurso”, originariamente o conceito de inferência vem da lógica formal. Contudo,
essa posição logicista é refutada pela posição que considera fundamental nesse processo
não somente o compromisso com a verdade, mas o contexto em que o sentido deve ser
interpretado.
Dessa forma, Ducrot afirma que entende pelo ato de inferir não o ato
psicológico que consiste em fundar uma convicção sobre certos índices, mas um ato de
108
linguagem cuja realização implica a produção de um enunciado” (Anscombre e Ducrot,
1997:10-11).
Charaudeau e Maingueneau (2004: 275) corroboram tal visão:
Locutor e interlocutor produzem inferências que permitem ao primeiro
acrescentar um sentido implícito aos enunciados que produz explicitamente e,
ao segundo, separar seus próprios sentidos implícitos em função das relações
que estabelece entre esses enunciados e os dados que possui sobre o contexto
e a situação de enunciação.
Como exposto, a produção de sentido não se anteriormente ao enunciado,
mas é construída no momento do processo de enunciação, a partir da interação dos
agentes da cena discursiva.
Charaudeau e Maingueneau acrescentam que se estabelecem, aqui, dois modelos
de inferências; as chamadas inferências lingüísticas, que se ligam aos pressupostos, e as
inferências discursivas, que se ligam aos subentendidos, ainda tomando como base a
versão inicial da teoria de Ducrot.
Na perspectiva da análise do discurso, a inferência atua mais no processo de
interpretação do que na produção de enunciados e podem-se determinar, basicamente,
três tipos de inferências: a contextual, a situacional e a interdiscursiva. A inferência
contextual leva em conta os dados dos enunciados ou ainda outros elementos que
corroboram a sua compreensão. Charaudeau e Maingueneau citam uma interpretação de
uma manchete de jornal através de seu subtítulo, ou uma foto que a acompanhe.
Vejamos um exemplo: o jornal O Globo, de 06/01/05, estampou na primeira
página esta chamada:
Herança maldita: O que restou do deque na Praia da
Macumba, uma das últimas inaugurações de Cesar Maia em
2004. A prefeitura, que ainda é de Cesar, pegou carona na
tsunami e botou a culpa numa “maré de leste anormal”.
A inferência dessa manchete na primeira página se completa somente pela
presença da foto que acompanha a chamada. Ao se ver de fato o estado do deque, pode-
se inferir o real sentido da expressão “herança maldita”:
109
Foto de Marcos Tristão. O Globo, 06/01/05.
Outro tipo de inferência é a inferência situacional, que acontece quando se
recorre a elementos da situação. Os autores citam o exemplo de uma frase como A
gente se diverte bastante aqui”, dita pelo superior na hierarquia de um escritório,
sugerindo uma “ordem na casa”, como se o lugar estivesse uma “festa”.
Um bom exemplo desse tipo de inferência pode ser visto nesta charge:
IVAN. Diário de Natal, 09/12/04.
A princípio, a palavra “procurado” sugere a idéia de um criminoso. Contudo, a
inferência se realiza a partir do conhecimento dos sujeitos da situação: são crianças de
rua procurando “Papai Noel”, são crianças desamparadas por aquilo que o natal costuma
110
representar. Assim, o jogo discursivo, envolvendo, inclusive, os elementos não-verbais,
como a imagem de um Papai Noel, só podem ser interpretados a partir do conhecimento
da situação dos sujeitos locutores, a sua natureza de meninos de rua.
O terceiro tipo de inferência é a inferência interdiscursiva, que ocorre quando a
interpretação se concretiza a partir de um saber pré-construído, um conhecimento
compartilhado. Este anúncio do inseticida SBP representa essa inferência, na medida em
que é necessário, para a interpretação do anúncio em seu sentido amplo, um
conhecimento prévio de que sapos se alimentam de mosquitos. Só de posse desse
conhecimento poderá ocorrer a compreensão do “apelo” do anfíbio:
SBP: Não sobra nenhum inseto
In www.ccsp.com.br
Um outro exemplo de inferência interdiscursiva, talvez a mais produtiva em
produções de charges, cartuns e na propaganda, encontra-se na sutileza desta tira de
Chris Browne:
BROWNE, Chris. O Globo, 10/03/03.
111
A tira parte de um conhecimento prévio de que pescadores costumam mentir, ou
pelo menos, aumentar os seus feitos. Assim, a julgar pelos longos braços do
personagem, infere-se o humor empregado: ao usar os braços para demonstrar o
tamanho do peixe que pega, tem-se, de fato, o maior pescador da Noruega. Infere-se,
também, a idéia de que pescadores vivem muito mais de contar os seus feitos do que
propriamente comprová-los.
Por fim, outro exemplo encontra-se nesta tira, de Jim Davis:
DAVIS, Jim. “Caderno Vida e Arte”. Jornal do Povo, Fortaleza.
Ao dizer “corte uma orelha”, Garfield faz referência a Vincent Van Gogh, pintor
holandês nascido em 1853, um dos principais nomes da pintura mundial, que não tinha
uma orelha. Sem tal conhecimento prévio sobre Van Gogh, a inferência não se
completaria de modo algum. Ao propor a mensagem, o interlocutor supõe ter com o
destinatário um conhecimento compartilhado para que ele possa, ao completar tal
lacuna do implícito, interpretar o humor presente na tira.
Concluindo, vale acrescentar a interessante a analogia que faz Chiavegatto
(2002: 122): a etimologia de inferir é metaforicamente reveladora da natureza
processual das inferências: ‘tirar dos infernos’”. Assim, inferir torna-se, de fato,
resgatar para a superfície do discurso as informações implícitas tanto no enunciado
quanto em seu contexto sócio-histórico, bem como a situação em que se insere,
analisada a partir de uma memória discursiva atualizada pelos interlocutores.
A Teoria da Argumentação, proposta por Ducrot, a princípio postulava a tese de
que cada enunciado poderia corresponder a um valor de verdade (verdadeiro ou falso).
O autor, em conjunto com outros estudiosos, entre eles Jean-Claude Anscombre, em
outra fase de sua teoria, nega essa condição de verdade e aponta para uma reconstrução
dos conceitos fundamentais de seus estudos. Em entrevista a Heronides Moura (1998),
112
Ducrot afirma que o sentido dos enunciados não deve se resumir ao seu valor de
verdade. E completa a seguir:
Parece-me que a idéia geral que domina todo o meu trabalho é a percepção de
que a língua (mais precisamente, deveríamos falar em discurso) não pode ser
reduzida à função informativa e que as frases da língua comportam,
semanticamente, elementos que não equivalem às condições de verdade.
Assim, Ducrot passa a desenvolver uma análise da língua e da argumentação,
acerca da construção de sentido, considerando a ação recíproca dos interlocutores como
fator preponderante. E tem como eixo principal a idéia sustentada na “Teoria dos
Topoi”:
Compreendo os topoi muito mais como possibilidades discursivas, como
possibilidades de encadeamentos discursivos, e quando afirmo que uma
palavra é um feixe de topoi, entendo por isso que ela abre um leque de
encadeamentos possíveis, e não vários tipos de inferências ou deduções. (...)
Prefiro entender os topoi como fontes de discurso, e não como o terceiro
termo, como garantia que assegura e valida a passagem de uma idéia à outra
idéia, de argumento a uma conclusão. (Apud Moura, 1998: 5 - 6).
Ducrot apresenta para exemplificar a conceituação de topos as construções
“pouco” e “um pouco”, como nas seguintes frases:
(20) Lucas estudou pouco. Vai ser reprovado.
(21) Lucas estudou um pouco. Vai ser aprovado.
Um enunciado pode ser composto de dois segmentos – uma argumentação e uma
conclusão e é o topos que articula tal relação. O encadeamento possível entre
argumentação e conclusão nessas frases se a partir da convocação de um topos que
atualiza a relação e permite o entendimento: o estudo leva ao êxito. Contudo, se
pensássemos de outra forma que o estudo leva ao fracasso (porque é mal remunerado,
por exemplo) – teríamos outra interpretação das frases, pois teríamos outro topos
encadeando os segmentos.
Segundo Ducrot (2002: 11) o topos’ não é apresentado como uma
contribuição, mas como um suporte argumentativo”. Ao citar essa propriedade
113
argumentativa, o lingüista considera a noção de topos como um avanço em sua teoria da
pressuposição, estruturando a língua como uma possibilidade de encadeamentos
discursivos a partir de um elemento que concatenaria a passagem da argumentação para
a conclusão.
Ducrot (1989) admite três propriedades na constituição dos topoi como um
princípio argumentativo. A primeira delas é a noção de “universalidade”, que aponta
para um sentido que é compartilhado por toda a comunidade lingüística que o emprega.
Ao se falar “O tempo está bom, vamos à praia”, a conclusão no segundo segmento é
possível se se parte de um topos considerado universal entre os interlocutores: a idéia de
que o calor torna a praia um ambiente agradável.
Uma outra propriedade, na verdade, decorrente da primeira, é a noção de
“generalidade”. Tal propriedade indica que se um princípio é válido para determinada
situação, deve ser válido, também, para outras semelhantes. Segundo Ducrot (1989: 25),
tomando-se o exemplo anterior, “o movimento argumentativo supõe que não somente no
momento em que se fala, mas sempre, o calor contribui para a praia tornar-se
agradável”.
A terceira propriedade, considerada pelo lingüista francês como a mais
importante, é a noção de “gradualidade”. Ela prevê que o topos que legitima a passagem
de argumento para conclusão tem a natureza gradual.
É essa propriedade que autoriza o conceito de formas tópicas: tomando o topos
“o estudo leva ao êxito”, quanto mais se estuda, mais êxito; da mesma forma, quanto
menos se estuda, menos êxito. São duas formas tópicas baseadas no mesmo topos. Essas
formas tópicas são chamadas equivalentes e o topos que autoriza uma forma tópica
permite igualmente a outra, sua recíproca. Admitindo-se uma forma, tem-se a
expectativa da outra, uma vez que a forma tópica convoca o topos que deixa aceitável a
formação recíproca.
É notório que Ducrot mantém, assim, a idéia de que a argumentatividade se
inscreve na língua sempre, é na língua que se obtêm as instruções para a compreensão
do sentido dos enunciados.
Segundo Flores e Teixeira (2005: 70), na proposta de Ducrot, a utilização da
língua exige que se disponha de ‘topoi’. Entretanto, ela não determina os conteúdos
que constituem esses ‘topoi’, isto é, a mesma língua pode ser utilizada por comunidades
lingüísticas que admitem ‘topoi’ contrários.”
114
Corroborando essa visão dos topoi, Furlanetto (2000a) afirma, com base no
pensamento de Anscombre, que os topoi estariam no nível do interdiscurso a que ela
chama de memória discursiva –, como algo legitimado pelo consenso de uma
comunidade, mais ou menos vasta, podendo, inclusive, ser representada por um
indivíduo o locutor, por exemplo. Assim, dependendo da memória discursiva, pode,
de fato, cada comunidade assumir topoi contrários.
Dessa forma, a partir da teoria dos topoi, o sentido do enunciado é resumido por
Barbisan (2004: 76):
O ‘enunciado’ é uma concatenação argumentativa composta de dois
segmentos: um ‘argumento’ (A) e uma conclusão (C). O primeiro segmento,
o ‘argumento’ (A), é entendido a partir do segundo, a ‘conclusão’ (C). O
sentido do argumento pode ser entendido em relação à conclusão, e vice-
versa. Então, o ‘sentido do enunciado’ não preexiste ao discurso; ao
contrário, é construído no discurso. (...) Na passagem do argumento para a
conclusão, topoi são convocados, articulando os dois segmentos.
Ainda, segundo Barbisan (2004), o emprego da língua pressupõe, como afirmam
Flores e Teixeira, que o usuário, em sua coletividade, possui topoi, e acrescenta que
também as palavras podem conter topoi, o que, parece-me, está intimamente ligado ao
conceito de memória discursiva. Isso implica formular uma hipótese polêmica: também
as palavras poderiam assumir o papel de encadeamento discursivo, talvez fossem até
dotadas de sentidos, e que não só os enunciados tivessem tal propriedade.
Embora nenhuma palavra tenha, de forma inerente, um sentido próprio, o uso
cristaliza o sentido de certas palavras e não necessariamente o de outras. Grupos de
extrema direita na Europa rejeitam a qualificação de “neonazistas”, preferindo
“nacional-socialistas”, por exemplo. As imagens ideológicas que a palavra “nazista”
traz estão intimamente ligadas a um traço negativo, enquanto “nacional-socialista” não.
Essas imagens assumem diferentes posições, que determinam diferentes sentidos na
relação discursiva.
Por isso, acredito que o item lexical guarde, sim, marcas histórico-culturais, que
podem funcionar como um feixe de topoi, como afirma Ducrot, determinando as suas
possibilidades de encadeamento discursivo. Isso se porque ao se escolher uma
palavra constituinte do enunciado, ela de modo algum será aleatória, que traz uma
carga expressiva em si que permite o desdobrar do discurso, o qual, ao ser concretizado,
115
atualiza e legitima o sentido daquela palavra escolhida. Escolhem-se tais palavras por já
serem, de alguma forma, adotadas pelo senso comum, que é um traço de universalidade
do topos, mas terão seu sentido pleno à medida que forem atualizadas pelo contexto
do enunciado; na verdade, parte-se da intenção que rege o todo enunciativo, que, por
sua vez, irradia sua expressividade para cada uma das palavras. É o desencadeamento
discursivo que determina o topos intrínseco do item lexical e vice-versa.
Sobre a noção de expressividade, Bakthin, em “Marxismo e Filosofia da
Linguagem”, aponta para um conceito que se agrega ao de sentido e significação, a que
ele denomina acento apreciativo, através do qual se avalia o conteúdo expresso, como,
por exemplo, a entoação expressiva. Dessa maneira, na sua opinião, o tema (sentido) se
define pela significação e pela orientação apreciativa. Segundo o autor, é à
apreciação que se deve o papel criativo das mudanças de significação. A mudança de
significação é sempre, no final das contas, uma reavaliação: o deslocamento de uma
palavra determinada de um contexto apreciativo para outro” (Bakthin, 2004: 135).
O autor justifica a “aura” atribuída às palavras através dessa orientação
apreciativa na medida em que a escolha do item lexical se faz com base no uso efetivo
em discursos conhecidos, não através de um arquivo lexicográfico. Assim, as
palavras guardam ressonâncias expressivas de discursos de outrem no enunciado em
que se insere.
Um exemplo interessante, que ilustra essa análise, encontra-se na seguinte tira,
de Bill Watterson:
WATTERSON, Bill. O Melhor de Calvin. O Estado de São Paulo, 23/09/02.
O topos intrínseco à palavra “lanche” autoriza o encadeamento discursivo que a
mãe faz; para ela, “lanchar” supõe alimentar-se de forma nutritiva e saudável, comendo
frutas, por exemplo. O mesmo signo, “lanche”, para Calvin, aponta para outro
encadeamento discursivo, não explicitado no enunciado, e ele corre para pegar
116
biscoitos, balas e outras guloseimas. A fala final de que, supostamente, falam “línguas
diferentes” es intimamente ligada à idéia de que a lacuna discursiva não foi
preenchida pelo destinatário da mesma forma como pretendeu o locutor. O item lexical
“lanche” traz em si a possibilidade dos dois encaminhamentos, contudo o sentido
pretendido pela mãe ao falar “Claro! Sirva-se (pode fazer seu lanche) se concretiza
na fala seguinte (“Pode pegar uma maçã ou uma laranja na geladeira”).
Por fim, valho-me, aqui, de uma história contada com o traço da oralidade: o
empreiteiro fiscalizava um terreno de suas muitas obras – este muito alagadiço –,
quando seu funcionário comentou que o terreno era bom, apesar de o lugar ser
extremamente “sólido”. Conhecedor do estado do terreno, o empreiteiro questionou o
funcionário, que replicou ser o lugar muito distante, portanto muito solitário. O item
lexical “sólido” não prevê o encadeamento discursivo empregado pelo funcionário,
obviamente, contudo, ainda que no plano da oralidade, o item “sólido” teve seu sentido
atualizado pelo todo expressivo do enunciado. Aquilo que não representava um signo
para o empreiteiro passa a representar, dentro, claro, do contexto sócio-lingüístico em
que se inserem os interlocutores deste discurso. O signo, como objeto dinâmico,
atualiza-se num interpretante específico do universo lingüístico do funcionário e ganha
sentido.
Dessa maneira, a língua deve ser encarada como constituinte da relação homem /
mundo, servindo-lhe não como instrumento de informação, mas como um sistema
que legitima a existência cotidiana, apoiada em seus traços históricos, sociais e
psicológicos. Por isso, faz-se fundamental estabelecer as funções dos interlocutores do
discurso, investigando os mecanismos enunciativos desse processo, como os implícitos
e as inferências, percebendo a importância do contexto e do aspecto sócio-cultural que
interage ali.
E quando se fala em entender as funções dos interlocutores, captar seus papéis e
importâncias, pode-se perceber que o fato semântico, traço do sujeito locutor, não pode
ser analisado sem que se analise o papel do destinatário, o que implica um traço
pragmático.
Apropriando-me, então, da fala de Heronides Moura (2000: 89),
ambos têm a função de determinar quais contextos devem ser levados em
conta para a interpretação de uma sentença, ou em outras palavras, que
informações devem ser aceitas pelos interlocutores. A interpretação de uma
117
sentença é assim intrinsecamente dependente da aceitação de uma série de
outras informações contextuais, introduzidas seja pela pragmática, seja pela
semântica.
Tal visão aponta para a idéia de que a língua deve ser entendida como um
diálogo constante entre traços que se sustentam na própria língua ou fora dela. De fato,
ao se produzir um enunciado, põem-se em jogo enunciadores que legitimam diferentes
pontos de vista que dialogam em permanente debate, autorizando a presença de várias
vozes no discurso que, em confronto com outros marcadores enunciativos, afloram o
sentido contido em determinado enunciado. Dessa interação das várias vozes presentes
na cena discursiva, desse dialogismo, tratarei a seguir.
2.3 Dialogismo, intertextualidade e polifonia
A produção de sentido dentro do espaço do texto parte de uma idéia central na
concepção do que é texto: como mencionado, ele deve ser visto tanto como uma rede
de informações, organizado e estruturado, quanto um objeto de comunicação, fruto de
um contexto histórico e social. Considerando essa visão de conjunto do texto, é
fundamental retomar as idéias sobre o texto-enunciado de Bakthin, desenvolvidas em
“Marxismo e filosofia da linguagem”.
Nesse livro, o autor russo revela suas reflexões acerca de dois conceitos chave
para esta seção: o dialogismo e a polifonia. A partir daí, a concepção de outro conceito
pertinente – o conceito de intertextualidade.
Para Bakthin, o princípio dialógico é intrínseco à relação do homem com o
mundo, em suas vertentes sociais, histórias e políticas; não uma relação monológica.
Para ele,
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo
ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação
verbal, realizado através da enunciação ou das enunciações. A interação
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (Bakthin, 2004:
123).
118
O caráter dialógico apresenta-se, portanto, como uma das principais atividades
da interação verbal. Segundo Barros (2003: 2), o dialogismo decorre da interação
verbal que se estabelece entre o enunciador e o enunciatário, no espaço do texto.”
Dessa maneira, para Bakthin, a palavra sempre apresenta duas faces: uma que
procede de alguém; outra que se dirige ao outro. Toda palavra estabelece, então, essa
ponte entre o eu enunciador e o outro enunciatário; é ela, a palavra, segundo o estudioso
russo, “o território comum do locutor e do interlocutor”.
Outro aspecto do dialogismo se verifica num processo intertextual dentro do
próprio discurso. Nenhum discurso se apresenta com um inocente ineditismo, que é
fruto de um já-dito, em relação ao qual adota determinada postura. Em qualquer texto,
não uma voz única, soberana, mas o encontro de várias vozes que polemizam entre
si. Assim, todo texto pode ser considerado um intertexto no qual outros textos estão
presentes em variados níveis, podendo ser considerado, pois, como um objeto
heterogêneo.
Deste modo, um discurso remete-se a outro, retomando-lhe ou destruindo-lhe os
argumentos, as idéias principais. O processo discursivo, portanto, não teria um início,
uma vez que se estabelece sempre sobre um já-dito, um discurso prévio.
Tal idéia pode ser explicada a partir da visão que Bakthin (2004: 112) apresenta
sobre o papel do sujeito e a enunciação, que não deve ser vista como individual, na
medida em que é essencialmente social:
A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser
substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o
locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse
interlocutor.
Dessa forma, a idéia do centramento do sujeito desaparece, não o foco no eu,
nem no outro, mas no espaço constituído entre ambos, ou seja, no próprio texto.
Descentrado o sujeito, o sentido da interlocução passa a ser encarada como uma relação
dialógica.
Partindo, então, da idéia de que qualquer texto sofre influência de outros textos,
pode-se estabelecer o conceito de polifonia, que se caracteriza exatamente pelas várias
119
vozes que se encontram e transformam o texto em outro, conforme as relações
estabelecidas entre elas.
O conceito de polifonia foi introduzido nos estudos lingüísticos por Bakthin,
intrinsecamente ligado a sua visão dialógica da linguagem. Para o autor, a visão
polifônica, originalmente criada em função de seus estudos sobre os romances de
Dostoiévski, está intimamente ligada à relação autor / personagem. Idealizada a partir da
concepção musical em que várias vozes se superpõem em partituras diferentes, o
conceito de polifonia aparece como uma coexistência de sujeitos na narrativa, que
convivem dialogicamente sem um subjugar o outro. Segundo Guimarães (2005: 59),
A polifonia é, então, um caso do modo de relação autor / personagem na
criação estética verbal. Isto quer dizer que a questão fundamental do
dialogismo de Bakthin está construído de forma a tratar a alteridade não
como multiplicidade de consciências, mas como uma relação de
descentramento própria da criação estética, em particular, e do
funcionamento da linguagem, em geral. A polifonia é um dos modos deste
descentramento.
Apropriando-se desse conceito criado por Bakthin, O. Ducrot (1987) retoma o
termo polifonia para designar, sob a ótica do enunciado, as várias perspectivas e
posicionamentos que se representam nos enunciados, negando a tese de que para cada
enunciado haveria um único autor.
Ducrot parte de uma definição de enunciação como o acontecimento histórico
do aparecimento do enunciado. Para o autor, o sentido de enunciado se a partir de
uma representação (num sentido teatral mesmo) de sua enunciação. Parte-se de um
descentramento da figura do sujeito da enunciação em lugar de personagens – as figuras
do discurso – que se movem na cena discursiva.
Para isso, Ducrot distingue o papel do sujeito na enunciação. Para ele, além do
sujeito falante, ser empírico que anuncia fisicamente o enunciado, existem o locutor e o
enunciador. Ducrot aponta a existência de dois tipos de locutores: o locutor-L, que é a
fonte do dizer, quem fala na cena discursiva; e o locutor-l, que se caracteriza enquanto-
pessoa-no-mundo. o enunciador, contrário ao que observa Bakthin, não se como
quem fala – este para Ducrot é o locutor-L mas um lugar do qual se fala, um ponto de
vista que se apresenta na cena discursiva.
120
Para esclarecer essa distinção entre locutor e enunciador, Ducrot compara sua
teoria à teoria narrativa proposta por Genette. Para Ducrot, uma relação entre locutor
e narrador, como aqueles que falam no enunciado / na narrativa, e uma relação entre
enunciador e centro de perspectiva, na qual esse centro é o ponto de vista a partir do
qual são narrados os acontecimentos, é quem vê. Se o locutor é o responsável pelo
enunciado, o enunciador é o perspectivador dos fatos enunciados.
A manchete a seguir trata da ação que foi chamada de “Operação Narciso”, a
investigação da Polícia Federal sobre a suspeita de sonegação fiscal dos proprietários da
maior loja de artigos de luxo do Brasil: a Daslu.
Colarinho branco de salto alto
Polícia Federal prende donos e diretores da Daslu
por suspeita de sonegação fiscal
O Globo, 14/07/05.
O locutor do enunciado, institucionalizado pelo jornal, representa uma voz no
texto, quem fala. As outras vozes são representadas na cena discursiva pelos
enunciadores que legitimam o ponto de vista do locutor. A entrada lexical “colarinho
branco” reporta à idéia de um crime de corrupção em alto escalão, autorizando,
portanto, a presença de uma voz do universo empresarial e do universo político. Outra
entrada lexical, “salto alto”, revela a voz do universo da moda, mas uma moda de alto
luxo.
Esse mesmo termo pode autorizar, ainda, uma voz que legitima uma certa dose
de empáfia, muito comum no campo semântico do esporte, por exemplo. A se julgar a
postura dos proprietários da maior loja de artigos de luxo do Brasil, achando-se imunes
à lei, o termo “salto alto” poderia, sim, ganhar tal expressividade polissêmica.
Segundo o critério de polifonia de Ducrot, é a análise do descentramento da
figura do sujeito, transformando-o em personagens da cena discursiva locutor-L e
enunciadores que garantem a percepção das várias vozes do enunciado, viabilizando,
assim, a construção do sentido do texto.
Outra manchete, mais amena, trata da conquista da Copa das Confederações pelo
Brasil:
121
E os argentinos sambaram
O Globo, 30/06/05.
Pode-se perceber na manchete um traço de ironia, legitimado pela entrada lexical
“sambaram”, ou seja, os argentinos, derrotados na final da Copa das Confederações
realizada na Alemanha, entraram no ritmo dos brasileiros, o samba. Tem-se aí, também,
a voz da cultura popular, que emprega tal termo para um acontecimento negativo.
Segundo Guimarães (2005: 61),
a importância da consideração dos enunciadores é crucial, pois são os
enunciadores que marcarão a mobilização dos topoi
11
na argumentação. A
perspectiva enunciativa é que convoca um topos, e de tal modo que uma
mesma forma pode convocar topoi diferentes, segundo as perspectivas
constituídas na enunciação de um enunciado.
Se essa mesma manchete fosse, por exemplo, veiculada no carnaval no carioca,
indicando a postura de um grupo de argentinos que por aqui estivesse, os enunciadores
seriam outros e não convocariam um topos que legitimasse uma voz irônica do
enunciado. Retomando as palavras de Eduardo Guimarães (2005: 60), “o enunciador é a
figura do sujeito que estabelece a perspectiva da enunciação”.
Dessa forma, pode-se perceber que enunciação apresenta papéis diferentes de
sujeito, que formam, dentro dessa enunciação, um sentido. Não há, como analisado,
uma única figura de sujeito. Essa avaliação autoriza uma definição interessante de
polifonia. Segundo Angelim (2003: 15),
entende-se polifonia como uma multiplicidade de sujeitos responsáveis pelo
ponto de vista das falas, em um texto. Conseqüência natural da vida em
sociedade, a polifonia reflete a interação do homem, como ser social, na troca
de informações, nas tomadas de posição, enfim, no fenômeno de aculturação
do ser humano, no decorrer de sua existência.
Ducrot considera dois tipos de polifonia: 1) quando há, no mesmo enunciado,
mais de um locutor os casos de discurso relatado, citações, referências, são exemplos
11
Vale registrar que a noção de topos e formas tópicas surgiram separadamente da idéia de polifonia.
Somente mais tarde, tais noções (topos / formas tópicas / polifonia) foram aproximadas.
122
desse tipo de polifonia. E, 2) quando há, no mesmo enunciado, mais de um enunciador,
enunciadores esses que representam na cena discursiva pontos de vista diferentes.
Segundo Koch (2001: 51), essa noção de polifonia permite explicar uma gama
bastante ampla de fenômenos discursivos, que podem ser classificados segundo a
atitude de adesão ou não do locutor à perspectiva polifonicamente introduzida”. Não
cabe neste trabalho a descrição dessas várias classificações propostas por Koch (2001),
mas vale ilustrar alguns casos de adesão e de não adesão do locutor à perspectiva
polifônica dada.
Na charge a seguir, o locutor adere a um pressuposto falacioso de que todo
político tem na sua origem marcas inescrupulosas:
AMARILDO. A Gazeta (ES), 03/09/04.
A charge parte de uma idéia implícita a respeito de políticos: todo político é
desonesto. Ao ironizar tal desonestidade desde a gênese desse ser, o locutor do
enunciado adere àquela visão implícita que permeia o ideário popular, ainda que
abarque uma generalização a respeito dessa classe social. Percebem-se, na charge,
portanto, não só a voz do locutor, como também a voz do ideário popular, à qual ele faz
uma referência concordante. Vejamos outro exemplo:
Pernambuco também está bem na fita
Após o baiano “Cidade Baixa”, o público aplaude
“Cinema, aspirinas e urubus”
O Globo, 19/05/05.
123
O enunciado da manchete adere ao pressuposto de que outro filme de
naturalidade diferente que foi ovacionado no festival de Cannes. No caso específico do
enunciado, a voz do locutor mantém uma concordância com a voz que diz que o filme
baiano “Cidade baixa” foi bem recebido em Cannes, e deixa transparecer sua adesão a
essa voz através do elemento “também”.
A polifonia desse enunciado também se caracteriza pela presença de uma outra
voz: a do jargão popular (“estar bem na fita”). Sendo a cena discursiva um contexto que
envolve o cinema, o enunciador que autoriza a leitura da voz popular do jargão autoriza
também a leitura polissêmica da entrada lexical “fita”; teríamos aqui dois níveis de
leitura, duas isotopias, ambas legitimadas por enunciadores diferentes: um que legitima
um topos argumentativo em direção à adesão do jargão popular, visto ser a manchete
um atrativo para o leitor de cultura, permissivo, portanto, a esse tipo de modalidade
lingüística; outro que legitima um topos que caminha em direção à adesão do campo
semântico do cinema, representado pelo termo “fita”.
A charge a seguir representa outro exemplo de adesão: a paráfrase, na qual se
percebe um intertexto:
PATER. A Tribuna (ES), 04/06/05.
A charge revela a polifonia do enunciador ao aderir, através de uma paráfrase, à
voz do apresentador Sílvio Santos, que “distribui” dinheiro para a sua platéia. O ponto
de vista da charge revela a crítica ácida ao se colocar a voz do apresentador do SBT,
124
conhecido por suas fanfarronices, na boca do Ministro da Fazenda Antônio Palocci.
Estabelece-se um topos argumentativo que autoriza uma argumentação que caminha em
direção a uma crítica à postura do governo, como se este fosse o maestro de um grande
espetáculo, no qual um dos personagens centrais, o Ministro da Fazenda, é o artífice
desse jogo de cena, uma clara alusão às suspeitas de pagamentos por parte do PT aos
deputados coligados.
Estratégia interessante pode ser vista neste anúncio da Revista Veja, recolhido
ao site do Clube de Criação de São Paulo:
In www.ccsp.com.br
O anúncio parte de um estereótipo masculino de não gostar de ir a
supermercados. A princípio corrobora a visão feminina de homem perfeito, segundo um
ideário das mulheres: o homem deve ser rico, sarado e gostar de ir a supermercados.
Percebe-se, claramente, a voz desse ideário na voz do locutor do enunciado, à primeira
vista, concordando, aderindo a essa voz implícita. No entanto, quando se analisa a
natureza do personagem, o empresário Abílio Diniz, ex-proprietário do grupo de
supermercados Pão de Açúcar, entende-se que a adesão é um jogo lingüístico para atrair
a atenção do leitor da revista, visto que esse anúncio foi veiculado em cartazes pela
cidade como um chamamento para a matéria principal da revista. A estratégia
argumentativa, portanto, aparenta uma adesão à voz implícita do ideário feminino, mas
não se concretiza, de fato.
Outro exemplo interessante de estratégia argumentativa se dá na charge seguinte.
125
LUTE. Hoje em dia (MG), 09/12/04.
A princípio, a charge adere à idéia contida no jargão popular: quando se acredita
que algo jamais irá acontecer, diz-se que isso só acontecerá no dia de São Nunca. A bem
da verdade, o locutor retoma a voz de um anúncio da montadora Ford, que teve como
campanha a materialização da figura de São Nunca, representada por um ator parecido
com o personagem da charge.
Tem-se aqui uma enunciação complexa: Primeiramente, pode-se orientar pelo
enunciador que autoriza a voz implícita do anúncio da Ford que não adere à voz do
jargão popular na medida em que materializa a figura do “santo”, com uma mensagem
clara: coisas ditas impossíveis podem, sim, acontecer, como a promoção da Ford (na
campanha, um personagem diz “sabe quando vou ter um carro desses? Só no dia de São
Nunca” e o santo aparece realizando o desejo do personagem). A se adotar tal
enunciador, obtém-se uma visão positiva da fala do governo quanto à correção da tabela
do imposto de renda.
Contudo, considerando o contexto e o gênero utilizado na enunciação, torna-se
mais verossímil a adoção de enunciador que legitima um topos argumentativo que se
orienta como uma ironia quanto à correção da tabela de imposto de renda, que teve seu
anúncio adiado muitas vezes pelo governo. Dessa forma, ironicamente, o locutor estaria,
de fato, aderindo, à voz implícita do jargão popular: tais mudanças jamais irão ocorrer.
A charge a seguir representa um exemplo de não adesão:
126
FAUSTO. A charge on line, 12/08/04.
A charge introduz a voz do enunciador “Eles são brasileiros e não desistem
nunca”, campanha do governo Lula para motivação e resgate da auto-estima do
brasileiro. No entanto, ao colocar a massa popular clamando por comida, justiça,
emprego, nota-se claramente a não adesão da voz do interlocutor à voz implícita do
governo. O enunciador, aqui, legitima um topos argumentativo que ironiza a campanha
do governo, deixando transparecer a mensagem de que a auto-estima do povo está
ligada a melhores condições de vida.
Um exemplo de não adesão, citado por Koch (2001), é o détournement, termo
criado por Grésillon e Maingueneau, que consiste na alteração de provérbios, frases
feitas, ou slogans, com o objetivo lúdico e expressivo de subversão:
In 25º Anuário de Criação, CCSP, 2000/2001.
127
A voz do enunciador genérico é introduzida, representando a sabedoria popular:
“quem é vivo sempre aparece”. No entanto, a voz do interlocutor se opõe a ela, criando
a expressividade do anúncio. Afinal, trata-se de anúncio do Playcenter, que, entre outros
atrativos, apresentava as “Noites do Terror”, com “trem-fantasma”, “casa dos horrores”,
“sala de espelhos” e outras atrações do gênero. Estratégia comum na linguagem da
propaganda, o détournement aqui apresentado subverte o enunciador estabelecido pela
voz popular.
Tal diálogo de vozes estabelece uma relação dentro do próprio texto e com
outros textos. Essa relação caracteriza o conceito de intertextualidade.
A partir da visão bakthiniana de dialogismo, na qual o texto é visto como um
entrelaçamento de vozes já conhecidas em diversas outras práticas de linguagem, seja
sob um olhar social, político ou histórico, a semioticista Júlia Kristeva (1974) propôs o
termo intertextualidade para designar o processo pelo qual “todo texto se constrói como
um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto
(Apud Koch, 2001: 48).
O fenômeno da intertextualidade constitutivo da produção de sentido de um
texto – é desenvolvido sob várias linguagens. A publicitária, por exemplo, tem-se
mostrado muito produtiva na adoção da intertextualidade para a criação de seus
anúncios. Este é um bom exemplo:
Revista Cláudia, julho de 1998.
O slogan do anúncio, “Mon Bijou deixa sua roupa uma perfeita obra-prima”,
torna clara a referência à obra-prima que se coloca em cena: O ator Carlos Moreno
128
vestido de Mona Lisa revela a relação intertextual com a obra de Da Vinci. A
intertextualidade óbvia, aqui, mantém traços de uma ironia pela própria imagem do ator
um homem travestido em Mona Lisa, com sorriso enigmático inclusive, que
contribui para chamar a atenção do leitor, um potencial consumidor do produto
oferecido.
Outra linguagem que adota o processo intertextual com freqüência é a
jornalística, principalmente em suas manchetes:
Todos os homens de Roberto
Jefferson
Afilhados políticos do presidente do PTB controlam
cerca de R$ 4 bilhões em cargos de segundo
escalão
O Globo, 5/07/05.
A manchete faz referência ao escândalo envolvendo o então presidente do PTB,
Roberto Jefferson, sobre a corrupção nos Correios, entre outros setores da vida pública
do país. A relação intertextual se estabelece com o título do filme Todos os Homens do
Presidente (Estados Unidos, 1976), adaptação do livro com o mesmo título escrito por
Carl Bernstein e Bob Woodward, dirigido por Alan J. Pakula, retratando toda a
trajetória vivida pelos dois repórteres do Washington Post, que investigaram a invasão
da sede do Partido Democrata, ocorrida durante a campanha presidencial dos EUA, em
1972. O trabalho deles resultou em uma situação política que obrigou o presidente
Richard Nixon, do Partido Republicano, a renunciar em 1974. O livro e o filme foram a
reconstituição do chamado escândalo de Watergate. Woodward e Bernstein, vividos no
cinema por Robert Redford e Dustin Hoffman, mostram o poder da imprensa na vida de
políticos.
O assunto voltou à cena com a revelação, depois de trinta anos, da identidade do
“Garganta Profunda”, principal fonte dos dois repórteres americanos: o ex-diretor do
FBI, W. Mark Felt. A semelhança do tema levou à intertextualidade empregada pelo
jornal: a revelação do esquema de corrupção no segundo escalão do governo brasileiro.
Outra linguagem extremamente produtiva no processo intertextual é a charge. O
exemplo seguinte refere-se aos acontecimentos ocorridos em Londres, onde, no dia
7/07/05, bombas explodiram em transportes públicos ingleses:
129
IQUE. Jornal do Brasil, 09/07/05.
A charge estabelece um diálogo entre a bomba que destruiu o transporte público
em Londres e a outra bomba – esta metafórica –, as denúncias de corrupção no governo,
que “explodiram” no Palácio do Planalto, deixando o presidente Luís Inácio Lula da
Silva “chamuscado”. Assim como as bombas de Londres trouxeram um clima de
apreensão e insegurança, também as notícias de corrupção trazem um clima de
incerteza, uma sensação de que estamos à deriva, acéfalos, sem ordem e sem liderança.
O conceito de intertextualidade foi analisado por vários autores sob várias
metodologias diferentes. Aqui, o fenômeno intertextual será observado sob duas
perspectivas: 1) a intertextualidade tratada como elemento fundamental para a
existência do próprio discurso; 2) a intertextualidade como relação entre textos já
previamente existentes na cultura. A primeira perspectiva é chamada por Ingedore Koch
(2001) de intertextualidade em sentido amplo; a outra perspectiva é chamada pela
autora de intertextualidade em sentido restrito.
Em sentido amplo, a intertextualidade se aproxima ao que em Análise do
Discurso se denomina interdiscursividade, ou segundo J. Authier-Revuz (2004), a
chamada heterogeneidade constitutiva, condição básica para a existência do discurso.
Charaudeau e Maingueneau (2004: 288) corroboram tal visão sobre a intertextualidade:
esse termo designa ao mesmo tempo uma propriedade constitutiva de qualquer texto e
o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um texto ou grupo de texto mantém
com outros textos. Na primeira acepção, é uma variante de interdiscursividade.
130
A relação com outros textos, a intertextualidade em sentido restrito, segundo
Koch (2001), pode apresentar quatro tipos:
1) De conteúdo X de forma / conteúdo: ocorre intertextualidade de conteúdo
quando, por exemplo, o diálogo entre textos científicos de uma mesma área do
conhecimento; entre matérias de jornais no mesmo dia sobre um mesmo assunto; entre
textos literários de uma mesma escola ou gênero. Segundo a autora, tem-se ainda esse
tipo de intertextualidade quando um autor parodia ou imita um texto ou estilo
específico.
2) Explícita X implícita: a intertextualidade é explícita quando a citação da
fonte, como se pode ver em resumos, resenhas, traduções; a intertextualidade implícita
ocorre sem essas citações, ficando a cargo do interlocutor a recuperação dessa relação
para a construção de sentido, como acontece nas alusões, na paródia e alguns tipos de
paráfrase.
3) Das semelhanças X das diferenças: na intertextualidade por semelhança,
um texto se apropria do outro para se apoiar na sua linha argumentativa; em se tratando
de diferenças, o texto se apropria do outro para ridicularizá-lo, mostrar a sua
impertinência. No primeiro caso, temos um posicionamento convergente / concordante;
uma paráfrase, por exemplo, é representativa dessa tendência. No segundo caso, temos
um posicionamento divergente / discordante e a paródia é representativa dessa postura.
4) Com intertexto alheio, com intertexto próprio ou com intertexto
atribuído a um enunciador genérico: quando se cria uma intertextualidade com um
provérbio, por exemplo, estabelece-se uma relação com o ideário popular, com a voz de
enunciador genérico, representante da vox populi.
Os critérios construídos por Koch não se excluem propriamente, completam-se e
tentam dar conta de uma variedade de textos, em seus diversos gêneros. Como interessa
a este trabalho somente os textos não-literários, primordialmente a linguagem
chargística, a jornalística e a publicitária, parece-me mais interessante a divisão
proposta por Valente (2002), a partir do trabalho de Laurent Jenny. Para o autor, a
intertextualidade pode ser interna, quando o autor cita a si próprio, e externa, quando há
a referência a outro autor. Valente diz, ainda, que a vertente externa pode ser dividida
em explícita, quando uma citação na íntegra de uma frase ou verso, e implícita,
quando há uma citação parcial. Valente esclarece que a vertente externa prevalece sobre
a interna, por ser a auto-referência uma possibilidade de demonstração de vaidade ou
131
cabotinismo. Essa vertente ganha maior expressividade quando sinaliza uma mudança
de postura do autor.
Serve de exemplo o poema Sentimento do mundo”, de Drummond, que afirma
Não, meu coração não é maior que o mundo / é menor”. Dez anos antes afirmara no
“Poema de sete faces”: “Mundo mundo, vasto mundo / mais vasto é o meu coração.”
Outro exemplo de intertextualidade interna encontra-se em Vinicius de Moraes.
Em parceria com Baden Powell, escreveu os versos de “Samba da Bênção”: de se
saber mulher
/
feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor
/
e pra ser
perdão.Tempos depois, com “Regra três”, em parceria com Toquinho, uma revisão da
idéia do perdão feminino: “É que os momentos felizes /Tinham deixado raízes no seu
penar / Depois perdeu a esperança / Porque o perdão também cansa de perdoar”
Na charge a seguir, exemplo de uma intertextualidade externa com o discurso
bíblico, temos como personagens Severino Cavalcanti, então Presidente da Câmara dos
Deputados, e o Presidente Lula da Silva:
SINFRÔNIO. Diário do Nordeste (CE), 24/03/05.
A charge estabelece um jogo intertextual com o discurso bíblico: assim como
Judas teria traído Jesus por trinta moedas, também Severino estaria “traindo” as
expectativas do governo, aqui representado pela figura de Lula. Mais tarde,
ironicamente, o número trinta (trinta mil) ganharia nova concepção como o valor do
mensalão, supostamente pago pelo PT a deputados em troca de votos na Câmara.
Outro exemplo interessante de intertextualidade, na verdade, uma paráfrase do
poema de Olavo Bilac, encontra-se na manchete do Segundo Caderno de O Globo, por
conta da Flip, a festa literária de Paraty:
132
Ora, direis, ouvir estrelas na Flip!
Rushdie, Suassuna e Jô são destaques na festa
literária de Paraty
O Globo, 1/06/05.
A manchete cria um jogo intertextual com o trecho do poema “Via Láctea”, de
Olavo Bilac. Há que se destacar, ainda, a construção metafórica: as estrelas de Bilac são
astros que de maneira lírica falam de amor ao eu-poético; as estrelas da manchete
jornalística são escritores famosos que lerão trechos de seus livros e debaterão com o
público suas idéias e afinidades literárias.
Na charge a seguir, outro exemplo de intertextualidade:
RONALDO. A charge on line, 12/06/05.
Em 64 D.C., reza a lenda que Nero, o imperador, incendiou Roma – hoje,
acreditam os historiadores que o incêndio foi espontâneo, tendo começado em um
armazém e destruído boa parte da cidade. Nero se aproveitou disso e reconstruiu uma
Roma destroçada. A charge dialoga com o discurso histórico e apresenta Roberto
Jefferson como um Nero “pós-moderno”, ateando fogo em Brasília com suas denúncias
sobre corrupção no governo, mensalões, caixas dois e tráfico de informações. Resta
saber quem reconstruirá essa Roma pós-moderna...
No anúncio seguinte, um bom exemplo de uma intertextualidade estabelecida
com um enunciador genérico:
133
In 23º Anuário de Criação, 1998/1999.
O anúncio da Kawasaki estabelece uma intertextualidade com a fala machista do
ideário popular: mulher boa é aquela que está sempre com o umbigo no fogão e no
tanque. No anúncio, o lugar de homem é com o umbigo encostado no tanque... de uma
moto Kawasaki.
A partir da exposição dos conceitos de intertextualidade e polifonia, pode-se
concluir que não uma coincidência total entre esses conceitos. Retomo a fala de
Koch (2001: 57):
Na intertextualidade, a alteridade é necessariamente atestada pela presença de
um intertexto: ou a fonte é explicitamente mencionada no texto que o
incorpora ou o seu produtor está presente, em situações de comunicação oral;
ou ainda, trata-se de provérbios, frases feitas, expressões estereotipadas ou
formalaicas, de autoria anônima, mas que fazem parte de um repertório
compartilhado por uma comunidade de fala. Em se tratando de polifonia,
basta que a alteridade seja encenada, isto é, incorporam-se ao texto vozes de
enunciadores reais ou virtuais, que representam perspectivas, pontos de vista
diversos, ou põem em jogo topoi”, com os quais o locutor se identifica ou
não.
134
Dessa maneira, parece-me que o conceito de polifonia se sobrepõe ao de
intertextualidade, ou seja, é legítimo dizer que em toda intertextualidade a existência
de vozes que polemizam dentro do texto, contudo o inverso não é verdadeiro, na medida
em que nem todo caso de polifonia a recuperação de um intertexto, basta, como
afirma Koch (Id.Ib.), que ao texto sejam incorporadas vozes de enunciadores que
atestem um ponto de vista e sirvam como perspectivadores do fato enunciado.
De qualquer forma, cabe enfatizar que, sob a ótica da construção de sentido, todo
texto é dialógico, ou seja, é constituído de vozes que o atravessam, concordando ou
discordando, atestando que o fenômeno da linguagem é essencialmente polifônico.
Assim, por sua essência dialógica, a linguagem, do ponto de vista da produção
de sentido, pode ser analisada quando inserida no campo discursivo, envolvendo o
enunciado ao seu contexto, e a seus mecanismos enunciativos. Sobretudo desta maneira
a produção de sentido se completa: analisando-se seus componentes lingüísticos e
extralingüísticos que estão em jogo na cena discursiva.
135
3. CONCLUSÃO
Segundo Koch (2003), a linguagem, ao longo da história, tem sido tratada como
um espelho da sociedade que se quer refletir, como um instrumento de comunicação, ou
ainda como um lugar de interação. Este último tratamento, sobretudo, ganha destaque
na medida em que exige dos interlocutores um comportamento que estabelece vínculos
entre os atores desse jogo lingüístico, jogo que envolve aspectos históricos e sociais de
cada um dos seus participantes.
A linguagem é viva e é no lugar dessa interação que se criam as regras do jogo
lingüístico, contando com a atuação de cada um dos sujeitos sobre esse processo e,
conseqüentemente, contribuindo para a construção de sentido da linguagem em uso. É a
partir dessa visão da linguagem como atividade, sugerindo as relações entre a língua e
os agentes que atuam sobre ela, que a semântica abarca um traço pragmático,
entrelaçando as fronteiras dessas duas áreas da Lingüística. A produção de sentido não
poderá ser vista, portanto, de maneira isolada, em seus aspectos semânticos em si, mas
será vista como fruto de vários fenômenos lingüísticos e extralingüísticos que interagem
nesse processo.
Acredito na posição bakhtiniana de que, com efeito, nenhum enunciado pode ser
atribuído somente ao locutor, ele o enunciado deverá ser sempre um produto da
interação dos interlocutores e dos agentes que compõem a cena discursiva, como os
perspectivadores do ponto de vista os enunciadores, na visão de Ducrot –, ou ainda,
traços históricos que atuam na memória discursiva dos interlocutores. Por essa situação
social desempenhar uma truncada rede comunicativa, a linguagem assume uma visão
complexa e a construção de seu sentido deverá ser analisada também sob tal ótica.
Ao propor a descrição de alguns processos semânticos que atuam na construção
do sentido, este trabalho partiu de alguns dos principais operadores semânticos da
situação comunicativa, como a polissemia, a antonímia e a sinonímia, investigando-lhes
as propriedades, as peculiaridades, percebendo como atuam no processo de construção
da linguagem.
136
É interessante notar que a riqueza expressiva das manchetes e das charges, por
exemplo, aponta para uma propriedade fundamental da linguagem: a atuação sobre o
outro, seu poder de persuasão, o traço argumentativo de que fala Ducrot. Por conta
disso, a primeira parte deste trabalho enfatizou alguns processos semânticos que atuam
sobremaneira na produção de sentido do texto.
A segunda parte diz respeito ao traço discursivo da linguagem. Se o homem
emerge do outro e é ela, a palavra, segundo Bakhtin, o território comum do locutor e
do interlocutor”, a construção de sentido da linguagem poderá ser analisada levando-
se em consideração esse espaço de interação, percebendo-se os elementos lingüísticos e
extralingüísticos que interagem nesse processo.
Assim, concordando com Dahlet (2005: 65), a língua aparece então sob o
efeito da dialogização da memória dos locutores, como necessariamente ouvida e
construída por cada um através de um jogo de signos-palavras instáveis. Dessa forma,
a avaliação do contexto em que se produziu determinado enunciado e da natureza dos
sujeitos atuantes na situação comunicativa, por exemplo, será importante para a
apreensão plena do sentido daquele enunciado.
Do mesmo modo, analisar o entrelaçamento de vozes subjacentes a qualquer
discurso faz com que aflorem as relações intertextuais e interdiscursivas presentes nos
atos de enunciação. Assim, a intenção essencial da segunda parte deste trabalho foi
investigar esses mecanismos enunciativos em seus conceitos básicos, suas
particularidades, o que acredito é fundamental para a construção de sentido no
âmbito discursivo.
Por fim, retomo as palavras de Kristeva (1969: 17): se a linguagem é a matéria
do pensamento, é também o próprio elemento da comunicação social. Não
sociedade sem linguagem, tal como não sociedade sem comunicação”. Diante disso,
indaga a autora qual seria a função da linguagem, construir um pensamento ou
comunicar algo? Não resposta possível, na medida em que tais propriedades são
intrínsecas à própria linguagem. É ela, a linguagem, um misto dessas funções, não
havendo a possibilidade de uma função existir sem a outra.
Portanto, ao investigar-se a produção de sentido no processo lingüístico deve-se
analisar a ampla rede de situações que a linguagem pode abarcar, levando em
consideração seus traços semânticos e pragmáticos, nos quais não uma fronteira
limítrofe, visto que esses traços se integram e se completam na construção de sentido na
linguagem.
137
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142
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar os processos
semânticos que norteiam a produção de sentido textual e os
elementos lingüísticos e extralingüísticos que atuam na
construção do sentido e interagem no âmbito discursivo.
Através da observação de manchetes de jornais e revistas,
charges e anúncios publicitários, este trabalho pretende
descrever alguns processos semânticos, analisando-se, por
exemplo, os fenômenos da polissemia, da sinonímia, da
antonímia e, ainda, dos campos semânticos. Além disso,
pretende-se descrever, também, os elementos lingüísticos e
extralingüísticos que compõem o discurso como o contexto, os
implícitos da linguagem, a polifonia e a intertextualidade.
Dessa forma, investigando os aspectos semântico-pragmáticos
da linguagem, considerando suas origens e suas propriedades,
bem como sua aplicabilidade no processo de comunicação,
objetiva-se um aprofundamento no estudo desta área da
Lingüística: a Semântica, especificamente, aqui, a semântica sob
a ótica discursiva.
143
ABSTRACT
The purpose of this work is to analyze the semantic processes
that guide the production of textual meaning as well as the
linguistic and extralinguistic elements that help construct the
meaning and interact in the discursive scope.
By means of newspaper and magazine headlines, cartoons and
advertisements, this work aims to describe some semantic
processes analyzing, for instance, polysemic terms, synonyms,
antonyms and the semantic fields. Moreover, we intend to
describe the linguistic and extralinguistic elements which form
the speech, such as: the context, language implicits , polyphony
and intertextuality.
Investigating the semantic-pragmatic aspects of language, taking
into account their origins and properties besides their
applicability in the communication process, we intend to make a
more comprehensive study of this Linguistics field: Semantics,
here from a discursive perspective.
144
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