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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
Departamento de Pós-Graduação em História do Instituto Ciências Humanas e Sociais
ALFORRIADOS E FUJÕES:
a relação senhor–escravo na região de São João del-Rei (1820-1840)
Elisa Vignolo Silva
Mariana - Minas Gerais
2009
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Elisa Vignolo Silva
ALFORRIADOS E FUJÕES:
a relação senhor–escravo na região de São João del-Rei (1820-1840)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de Pós-Graduação em História
do Instituto Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de Ouro Preto
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andréa Lisly
Gonçalves
Mariana - Minas Gerais
2009
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Elisa Vignolo Silva
Alforriados e fujões: a relação senhor–escravo na região de São João del-Rei
(1820-1840)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Pós-Graduação em História do
Instituto Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto.
____________________________________
____________________________________
____________________________________
Mariana, 03 de Setembro de 2009
Este trabalho é dedicado à Maria Cristina Vignolo
AGRADECIMENTOS
São muitas as dívidas que acumulei ao longo desses dois breves anos. Através destas
poucas palavras, desejo demonstrar a gratidão que guardo no coração por determinadas
pessoas e instituições. Começo agradecendo à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da
UFOP (PROPP), que me concedeu a bolsa de estudos, sem a qual não poderia ter-me
dedicado dois anos ao mestrado. Sou grata à minha orientadora Andréa Lisly Gonçalves, que,
através de suas minuciosas leituras e valiosas ponderações, me ajudou a trilhar os tortuosos
caminhos da pesquisa e da escrita desta dissertação.
Deixo registrada minha gratidão aos professores da graduação, em especial à Virgínia
Valadares, Elizabeth Parreiras e ao Carlos Evangelista Veriano. Aos professores da pós-
graduação da UFOP, particularmente, Renato Pinto Venâncio, Helena Mollo e Cláudia
Chaves. Agradeço as considerações e sugestões feitas na qualificação por Ivan Vellasco e
Ronaldo Pereira de Jesus.
A conclusão deste trabalho não se teria feito sem a contribuição de amigos e colegas
do meio acadêmico. Agradeço aos colegas da graduação, em especial aos amigos Irailton
Brabo Rodrigues, Marcos Dias Otoni e à Gabriela Botelho Braga. Aos companheiros do
mestrado, particularmente, à Débora Camilo e ao Welber Santos; a estes últimos agradeço não
as sugestões e leituras, mas por termos compartilhados nossas angústias. Reconheço que,
se não fossem a paciência e a didática de Moisés Gomes de Carvalho, eu não teria superado
minhas deficiências com a informática. Agradeço ao Gerson de Castro, Ricardo Ferreira e,
principalmente, à Edriana Nelasco, que me ajudaram a decifrar alguns documentos. Ao Jônis
Freire, Fábio Pinheiro, à Luana Campos e Ana Amélia Martins, pelo companheirismo e o
intercâmbio de textos. Ao Fabrício Meyer Godoy, sou-lhe grata por entender minhas
ausências e me incentivar a concluir a dissertação.
Agradeço aos ex-moradores e moradores da república Gaiola de Ouro, por terem me
concedido um lar em Ouro Preto. Em especial, às valiosas conversas com o amigo e
companheiro de profissão Riler Scarpati. Deixo aqui também registrado a compreensão dos
amigos que acumulei ao longo da vida e que souberam entender minhas ausências durante
esses dois anos.
Agradeço em especial à minha mãe Maria Cristina Vignolo, por estar sempre presente
em minha vida. Tenho certeza de que sem nossas conversas e, principalmente, sem sua
sabedoria, eu não teria conseguido concluir esta dissertação. Ao meu pai Jorge Luiz de
Almeida Silva, agradeço por ter me dado apoio nas horas incertas. Agradeço às minhas irmãs
Júlia e Beatriz por termos construído, juntas, nossa relação de irmandade e companheirismo.
À minha tia Tânia Almeida Silva agradeço a sua atenção e participação em todos os
momentos de minha vida. À Cotinha, Dircilene Cecília Santos, que, sem dúvidas, faz parte
da família Vignolo, agradeço por me ajudar a arrumar as bagunças da minha vida. Não posso
me furtar aqui em lembrar a companhia que me fizeram meus cachorros: Pequeno e Pedrita;
sempre presentes enquanto escrevia minha dissertação. Sem eles, tenho certeza de que os
longos dias em casa, escrevendo e estudando, teriam sido mais solitários. Enfim, ao meu
círculo familiar sou grata pela harmonia e paz com que convivemos sem as quais eu não teria
a tranqüilidade de espírito para escrever.
“Os homens podem muitas vezes obedecer
em silêncio a um déspota, mas eles o
aborrecem a cada momento no fundo do seu
coração, e quando presumem sem perigo
sucumbir a seu jogo, eles aproveitam a
ocasião com diligência. O nome de senhor e
de escravo destrói toda a idéia de dever,
todo o comércio de afeição, e põem os
homens em um estado de hostilidade
recíproca, e, neste mísero estado a força é o
direito, e o medo a única obrigação.”
(MABLY)
1
1
Astro de Minas, 807, Sábado, 15/08/1835. Gabriel Bonnot de Mably, filósofo francês que viveu de 1709 a
1785, foi contrário à propriedade privada dos meios de produção, além de crítico das formas de produção
agrícola da França. Este pensador, ao lado do Abade Meslier, Morelly, é considerado um dos representantes do
socialismo ilustrado.
RESUMO
Alforriados e fujões é um estudo das relações escravistas na região de o João del-Rei entre
os anos de 1820 e 1840. As principais fontes históricas analisadas nesta dissertação foram as
cartas de alforria e os anúncios de escravos foragidos do jornal Astro de Minas. Para a análise
das questões que emergiam a partir da leitura desses documentos, nos baseamos na existência
de uma ideologia paternalista, nas relações entre senhores e escravos. Assim, buscou-se
discutir a partir da documentação e dos pressupostos dessa ideologia as distintas
interpretações que senhores e escravos poderiam ter em relação ao contexto em que estavam
inseridos.
ABSTRACT
Emancipateds and fugitives is a study about slavery relations in São João del-Rei region,
between the years of 1820 and 1840. The main historic sources analyzed in this dissertation
were the emancipation letters and the outlaw slaves ads from the journal Astro de Minas. To
an analysis of questions that emerges from these documents reading, we bases in the existence
of an paternalist ideology, in relationship between masters and slaves. So, through
documentation and assumptions about this ideology, it was discussed the distinct
interpretations that masters and slaves could do in relation of the context that they were
inserted.
LISTA DE GRÁFICO
GRÁFICO 1 Divisão por etnia dos escravos alforriados .........................................................58
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Comarca do Rio das Mortes: População Livre e Escravos no período de 1833-35
..................................................................................................................................................17
TABELA 2 Gênero dos escravos alforriados em São João del-Rei........................................51
TABELA 3 Divisão por nacionalidades dos escravos alforriados...........................................55
TABELA 4 Divisão por origem dos escravos alforriados........................................................60
TABELA 5 Divisão por idade dos escravos alforriados. .........................................................63
TABELA 6 Porcentagem das crias da casa..............................................................................71
TABELA 7 Divisão das Alforrias............................................................................................75
TABELA 8 Distribuição das alforrias gratuitas.......................................................................76
TABELA 9 Divisão por idade dos africanos alforriados. ........................................................77
TABELA 10 Divisão das alforrias condicionais......................................................................78
TABELA 11 Valor da alforrias pagas......................................................................................84
TABELA 12 Alforrias através da coartação.............................................................................87
TABELA 13 Divisão por etnia e forma das alforrias.............................................................89
TABELA 14 Freguesia de Carrancas: População livre e escrava no período de 1833-35.....100
TABELA 15 Ocorrência de maus tratos nos anúncios de escravos foragidos do periódico
Astro de Minas........................................................................................................................112
TABELA 16 Escravos foragidos do jornal Astro de Minas..................................................114
TABELA 17 Escravas foragidas anunciadas no jornal Astro de Minas................................115
TABELA 18 Escravos foragidos do jornal Astro de Minas.................................................117
TABELA 19 Divisão pode nacionalidade dos escravos foragidos.........................................117
TABELA 20 Divisão por idade dos escravos foragidos ........................................................118
TABELA 21 Divisão por idade dos africanos foragidos........................................................119
TABELA 22 Divisão por idade dos crioulos foragidos. .......................................................119
LISTA DE SIGLAS
ARSJDR – Arquivo Regional de São João del-Rei
INV – Inventários
TEST – Testamentos
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................14
1.1 A região e o tempo ........................................................................................................15
1.2 O trabalho com as fontes..............................................................................................19
1.3 A estrutura da dissertação ...........................................................................................21
2 DIFERENTES INTERPRETAÇÕES: O PATERNALISMO NA
HISTORIOGRAFIA ..........................................................................................................22
2.1 O patriarcalismo e o paternalismo..............................................................................23
2.1.1 O patriarcalismo e o paternalismo na historiografia ................................................24
2.1.2 A economia interna dos escravos ...............................................................................44
3 AS ALFORRIAS EM SÃO JOÃO DEL-REI: CONQUISTA E CONCESSÃO.......48
3.1 Quanto ao padrão dos escravos alforriados ...............................................................50
3.1.1 Quanto ao gênero dos escravos alforriados...............................................................51
3.1.2 Nacionalidade e gênero ..............................................................................................55
3.2 A origem dos escravos alforriados ..............................................................................56
3.2.1 Quanto à idade dos alforriados: mais ou menos idosos; mais ou menos crianças..62
3.2.3 Alforrias das crias da casa: a proximidade como um facilitador .............................70
3.2.4 As formas de obtenção da alforria .............................................................................74
4 A INSUBMISSÃO ESCRAVA: DA AÇÃO DE LIBERDADE ÀS FUGAS
ESCRAVAS.........................................................................................................................91
4.1 O direito positivo e as relações escravistas.................................................................92
4.1.1 O direito costumeiro e as relações escravistas...........................................................95
4.2 A revolta escrava de Carrancas...................................................................................99
4.3 O paternalismo nos anúncios de jornais...................................................................107
4.3.1 Quanto ao gênero, à nacionalidade e à idade dos escravos foragidos....................114
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................121
REFERÊNCIAS................................................................................................................126
14
1 INTRODUÇÃO
No curso de graduação em História, na Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, elaborei um projeto que se propunha a investigar o potencial do Vale do Paraopeba,
como produtor de alimentos para a capitania de Minas Gerais.
2
Àquela altura, os escravos
foram abordados como a mão-de-obra utilizada na produção de alimentos para a subsistência
da capitania mineira. O ingresso no curso de especialização em História e Cultura Afro-
Brasileira e o conseqüente aprofundamento no tema fizeram com que surgisse o interesse em
estudar o cotidiano da vida dos escravos, então entendidos como sujeitos e não apenas como
força de trabalho.
3
Entendia que um dos principais registros que evidenciavam a atuação dos cativos na
sociedade escravista é a existência de alforrias pagas à vista ou mesmo através da coartação.
4
A ocorrência de manumissões pagas pressupunha que o escravo exercia alguma atividade,
independentemente da produção senhorial, que lhe possibilitava a compra da liberdade.
Assim, no intuito de discutir de que formas os escravos obtinham renda para comprarem sua
manumissão, foi elaborado o projeto com o qual ingressei no mestrado do Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto. Entretanto, por motivos
que demonstraremos mais à frente, deixamos de lado a região do Vale do Paraopeba e
passamos a estudar a comarca do Rio das Mortes.
Com o avanço da pesquisa e das leituras, o problema do projeto inicial foi se
modificando, e acabou derivando em outro. Essa nova direção tomada deve-se também ao
fato de passarmos a perceber as possibilidades que se abriam aos escravos de acumularem
pecúlio como integrantes de uma negociação cotidiana entre os cativos e seus senhores. Essa
negociação não deixava de ser, ao mesmo tempo, um mecanismo de poder senhorial para
conter possíveis revoltas e fugas (dos escravos) e, de certa forma, uma conquista do cativo.
2
SILVA, Elisa Vignolo. Vale do Paraopeba: povoado agrícola e pouso comercial, na segunda metade do século
XVIII, em Minas Gerais. Projeto de conclusão de curso em História na PUC Minas.
3
SILVA, Elisa Vignolo. Os mecanismos de poder públicos e privados que debelavam os ímpetos de insurgência
dos escravos. Trabalho de conclusão do curso de especialização Lato Sensu da PUC Minas, realizado entre julho
de 2006 e janeiro de 2008.
4
Libby e Paiva afirmam que a coartação era um acordo verbal estabelecido entre senhores e escravos no qual o
cativo se comprometia a pagar em quatro anos o preço de sua liberdade; entretanto, esse tempo não era fixo,
podendo ser prorrogado ou encurtado. LIBBY, Douglas Cole; PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em
uma freguesia mineira: São José del-Rei, 1795. Revista Brasileira de estudos de População, v.17, nº. 1/2,
jan/dez, 2000.
15
Na palavra “negociação” está implícito a existência de um conflito, afinal, não seria
preciso negociar se não o houvesse; portanto o problema da pesquisa passou a ser discutirem-
se os mecanismos de dominação senhorial e como os cativos reagiam e os modificavam.
A fim de se construir uma hipótese para o problema sugerido, partimos da premissa de
que as relações escravistas não eram algo estanque, rígido, e sim uma relação construída no
seu cotidiano, o que nos levou a privilegiar as relações cotidianas entre os cativos e seus
proprietários. Relações essas que possibilitavam, concomitantemente, aos senhores conterem
possíveis revoltas, e fugas, e, aos cativos obterem certos privilégios no cativeiro ou mesmo
chegar à liberdade. Desse modo, qualificar as relações entre senhores e escravos como
paternalistas foi o principal pressuposto considerado para explicar o problema ora referido.
Mesmo que mais adiante a ideologia paternalista seja detalhada, desde já, demarcamos
que entendemos como paternalista uma relação entre senhores e escravos na qual coexistiam a
benevolência, a crueldade e a violência. Ambos os aspectos que qualificam essa ideologia são
passíveis de compreensão distintas por escravos e senhores, ou seja, os indivíduos envolvidos
nessa relação, devido à sua subjetividade e ao contexto em que estão inseridos, podiam
entender de maneiras diversas a ideologia paternalista.
Desse modo, o objetivo deste estudo é discutir as relações escravistas na região de São
João del-Rei, cabeça da Comarca do Rio das Mortes, no período de 1820 a 1840. A partir das
fontes utilizadas, esse objetivo geral desdobrou-se em outros mais específicos, quais sejam:
perceber o significado da benevolência senhorial a partir das cartas de alforria; entender os
motivos que levaram à insubmissão dos escravos; perceber as mudanças advindas das
interpretações distintas que senhores e escravos tinham da benevolência e da crueldade; e, por
fim, demonstrar o que torna a região analisada típica para o estudo em questão.
1.1 A região e o tempo
A comarca do Rio das Mortes
5
compreendia todo o Sul de Minas e boa parte da Zona
da Mata mineira, sendo uma das três primeiras comarcas fundadas em Minas Gerais.
6
5
Cunha Matos nos oferece quatro hipóteses para a origem da alcunha do rio das Mortes que deu nome a comarca
em questão: “A razão de se chamar assim o dito rio procedeu de uma renhida batalha que os índios tiveram entre
si para se apossarem daquele território mui abundante de pesca e caça; ou em resultado de outra batalha ou
choque sanguinário, que os índios sofreram pelas armas dos paulistas quando invadiram esses sertões. A terceira
opinião, talvez a mais provável, vem a ser o resultado das desordens entre os paulistas e forasteiros. O autor do
Santuário Mariano (que ofereceu as duas primeiras notícias) não marca as épocas das batalhas, mas é de se supor
que fosse a matança procedida das desavenças do ano de 1707. O Bispo Azeredo Coutinho é dessa opinião. A
quarta opinião procede das desordens que houvera naquele lugar entre mineiros e faiscadores que ali
trabalhavam. Essa é a menos bem fundada.” (CUNHA MATOS, 1981, p.114, v.1)
16
“São João del-Rei, Mariana, Ouro Preto e Sabará serão os quatro grandes núcleos na
formação das Minas Gerais” (LATIF, 1978, p.48). Seus primeiros habitantes foram atraídos
pelas descobertas de ouro que lá se fizeram, no entanto, logo se tornou difícil extraí-lo da terra
levando a população daquela região a se dedicar às atividades agro-pastoris (SAINT-
HILAIRE, 1975, p.50). A comarca, favorável ao desenvolvimento dessa atividade,
7
passou a
fornecer gêneros alimentícios para o restante da capitania de Minas Gerais. Graças ao
dinamismo econômico resultante desse comércio, a região do Rio das Mortes não sofreu a
crise do declínio da produção aurífera como as demais partes da capitania de Minas Gerais.
Por isso, “na virada do século, a comarca do Rio das Mortes se configurava como a mais
extensa em área habitada e a mais populosa da então capitania de Minas Gerais”
(VELLASCO, 2004, p.39).
8
A transferência, em 1808, da Família Real Portuguesa e de toda sua corte para o Rio
de Janeiro fez com que sua população duplicasse em menos de vinte anos (ALENCASTRO,
1997, p.13), aumentando assim a demanda por alimentos na então sede da corte portuguesa.
Devido à proximidade da comarca do Rio das Mortes com o Rio de Janeiro, ela passou a ser a
sua principal fornecedora de alimentos.
9
John Mawe, que esteve na região por volta de 1811,
constatou o intercâmbio comercial existente entre a comarca em questão e o Rio de Janeiro:
São João del-Rei, capital do distrito do mesmo nome, é uma cidade
importante, com cinco mil habitantes no mínimo. Está situada perto do Rio
das Mortes, que corre ao norte, e se lança no Rio das Velhas. O terreno em
torno é muito fértil e produz excelentes frutos, tanto exóticos quanto
indígenas, assim como milho e feijão, e um pouco de trigo, etc. É a parte
mais cultivada de comarca, da qual é celeiro; aí fabricam sofrível quantidade
de queijo e toucinho muito mal preparado. Esses dois artigos são enviados ao
Rio de Janeiro e constituem um grande ramo de comércio. Daí mandam
muitas aves, um pouco de cachaça, açúcar e café. Os víveres são mais
baratos do que em Vila Rica. As carnes de porco e de vaca custam um penny
a libra; as aves e as hortaliças, na mesma proporção. (MAWE, 1978. p.182)
6
“(...) O nome do descobridor desse território é tão incerto que à maior parte das famílias antigas de São Paulo
se atribui a honra de haverem os seus respectivos antepassados sido os primeiros que o penetraram.” (CUNHA
MATOS, 1981, p.114, v.1)
7
“(...) Ao, sul, São João e São José del-Rei situavam-se nos campos igualmente propiciadores de agricultura e
pecuária vigorosas.” (CARRARA, 2007, p.41)
8
Ver: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A princesa do Oeste e o mito da decadência de Minas Gerais:
São João del-Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002.
9
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. Rio de Janeiro: Símbolo, 1979.
17
Como a mão-de-obra utilizada na produção de alimentos era o braço escravo,
10
o
dinamismo econômico da comarca teve como conseqüência o aumento da demanda por
cativos.
11
Desse modo, no período Regencial, a população livre e escrava da comarca estava
distribuída da seguinte forma:
12
TABELA 1 Comarca do Rio das Mortes: População Livre e Escravos no período de 1833-35
Termo Livres
%
Escravos
%
Total
São João del-Rei
12.299
55,6
9.836
44,4
22.135
São José del-Rei
20.324
59,5
13.825
40,5
34.149
Lavras do Funil
13.596
59,7
9.168
40,3
22.764
Tamanduá
8.927
69,9
4.004
30,1
12.931
Total
55.146
59,9
36.833
40,1
91.979
Fonte: Arquivo Público Mineiro. Mapas de População de 1833-35.
13
Os dados indicam que o número de escravos em relação ao de homens livres era
expressivo. Essa constatação nos leva a questionar como se dava a manutenção da ordem em
uma região com um elevado número de cativos. Pensamos que era essencial a aquela
sociedade a existência de mecanismos de poder senhoriais a fim de conter tanto as possíveis
revoltas escravas quanto as fugas.
Assim, como demonstrado, a existência de um dinamismo econômico e um
conseqüente elevado número de escravos na comarca do Rio das Mortes no período abordado
por esta pesquisa (1820-1840) justificam tanto a escolha deste espaço quanto das balizas
temporais. Entretanto, as dificuldades encontradas em abarcar a totalidade da comarca nesta
10
“No caso de São João del-Rei, as fazendas escravistas de alimentos compunham o centro dinâmico da
economia regional, é através as que acreditamos advir a maior parcela das importações de cativos.” (GRAÇA
FILHO, 2002, p.219)
11
“A reposição ou ampliação da força de trabalho cativa estava tanto mais correlacionada com o tráfico quanto
maior fosse o nível de desenvolvimento econômico da região.” (PAIVA & GODOY, 2002, p. 42)
12
Embora este estudo também compreenda o período político da Regência brasileira, o o detalharemos no
âmbito político. Mesmo porque entendemos que o governo regencial não influenciou nos mecanismos de poder
senhoriais. Para saber sobre as decorrências da Regência na Comarca do Rio das Mortes, ver: ANDRADE,
Marcos Ferreira de. Rebelião e resistência: as revoltas escravas na província de Minas Gerais. Belo Horizonte,
FAFICH/UFMG, dissertação de mestrado, 1996.
13
Tabela retirada de Andrade (1996, p.138).
18
pesquisa,
14
além das constantes divisões administrativas pelas quais ela passou no período em
foco,
15
fizeram com que privilegiássemos somente o termo de São João del-Rei.
Entretanto, devido ao universo das fontes utilizadas, as análises que pretendemos fazer
nem sempre ficarão limitadas a este termo. Para justificar a escolha deste espaço fluído,
usaremos as ferramentas da História Regional, que nos possibilitarão ampliar o espaço da
análise para além das divisões administrativas e das fronteiras naturais e integrá-lo na
sociedade escravista brasileira como um todo.
(...) é absurdo considerar somente as fronteiras administrativas a
partir do presente, e não é muito menos utilizar fronteiras administrativas do
passado (...). É necessário que a zona escolhida tenha uma unidade real; não
sendo necessário que tenha fronteira naturais, dessas que só existem na
imaginação dos cartógrafos. (BLOCH, 1931, p. 103)
A unidade regional que pretendemos identificar é guiada pelas fontes que utilizaremos
para discutir os mecanismos de dominação nas relações escravistas. Assim, como bem
lembrou Afonso de Alencastro Graça Filho, baseando-se no trabalho de Francisco Silva e
Maria Yedda Linhares:
O pesquisador não deve se prender a limites fisiogeográficos ou
administrativos, efetuando seu recorte regional conforme os objetivos do
trabalho. A definição da região não se impõe previamente ao trabalho, mas
torna-se um dos objetivos da pesquisa e é construída no decurso do mesmo,
devendo ser operacional e estar integrada a uma totalidade problematizadora.
(GRAÇA FILHO, 2002, p.23)
Portanto, à medida que formos empreendendo a análise das diversas fontes, almejamos
montar a regionalização do espaço abordado. Assim, em resumo, escolhemos a princípio, para
o estudo em questão, a região do termo de São João del-Rei, no período de 1820 a 1840. Tal
escolha deve-se, entre outros fatores, à prosperidade econômica da região e à conseqüente
concentração de escravos ali verificada. O marco temporal também se justifica pelo fato de
que, entre 1827 a 1839, publicou-se, na Comarca, o periódico Astro de Minas, uma das fontes
utilizadas nesta pesquisa.
14
“Ademais, abarcar toda a região imitada pela jurisdição administrativa da Comarca é quase impossível.”
(GRAÇA FILHO, 2002, p. 23).
15
Ver: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Jogando caxangá: as divisões jurídico-administrativas na
Comarca do Rio das Mortes. In: A princesa do oeste e o mito da decadência de Minas Gerais: São João del-Rei
(1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002.
19
1.2 O trabalho com as fontes
Para a pesquisa, privilegiamos determinadas fontes que se referem aos escravos que
viveram na região de São João del-Rei nas décadas de 1820 a 1840. Estudamos as cartas de
alforria, alguns testamentos e inventários post-mortem, uma ação de liberdade, parte do
processo crime da revolta de Carrancas e todos os avisos do periódico Astro de Minas, que, de
alguma forma, tratam de escravos.
As cartas de alforria estudadas estão sob a guarda do Arquivo Regional de São João
del- Rei.
16
Foram pesquisadas as cartas registradas entre os anos de 1820 a 1840, que estão do
terceiro ao décimo - segundo Livro de Notas do Ofício de São João del-Rei. A fim de
melhor visualizar as informações fornecidas pela fonte, elas foram organizadas em uma
planilha no Excel.
17
Extraímos da fonte, e organizamos na planilha as seguintes informações:
nome do senhor, número de escravos alforriados, nome do escravo alforriado, etnia, idade,
forma da alforria, condição da alforria se existisse, valor se fosse o caso de alforrias pagas,
relação de parentesco caso mencionasse, se o alforriado era cria da casa, data da carta, local,
data de registro e a justificativa do proprietário do escravo para a alforria.
Pudemos perceber que as alforrias eram documentos mais ou menos padrão nas
informações que apresentavam, e, por isso, a maioria preenchia esses dados. Essa planilha
conta com 182 cartas que registram a alforria de 376 escravos, e, a partir dela, montamos os
gráficos e as tabelas para as análises quantitativas e qualitativas.
Através dos nomes dos senhores que alforriaram seus cativos, pudemos buscar os seus
testamentos e inventários post-mortem.
18
Mas, muitas vezes, os nomes se repetem, o que
tornou trabalhoso identificar se o inventário ou o testamento de fato pertencia ao senhor
arrolado nas cartas de alforria. Assim, através da data do documento, da localidade e outra
informações que puderam ser associadas à carta de alforria, pudemos constatar se de fato
tratava-se do proprietário que havia manumitido o escravo. Mas, devido à dificuldade em
saber se se tratava do testamento ou do inventário post-mortem do senhor que havia alforriado
16
Antes os documentos desse arquivo ficavam no Museu Regional de São João del-Rei. Em 2007, o arquivo, foi
transferido para uma casa do IPHAN. Devido à transferência e às posteriores reformas que foram feitas na casa,
o arquivo ficou fechado por alguns meses, o que impossibilitou, por um período, a pesquisa dos documentos.
17
A escolha do Excel para organizar a documentação deve-se ao fato de que na versão 2007, usada para esta
pesquisa, estão disponíveis todos os testes estatísticos e outras ferramentas de análise, adequadas para o uso a
que se pretende.
18
As tabelas com o nome dos indivíduos que deixaram esse tipo de documentação estão disponíveis na seguinte
página da internet do Arquivo Regional de São João del-Rei:
http://www.acervos.ufsj.edu.br/site/fontes_civeis/index.php sítio, acessado em 04/03/2008.
20
o escravo, somente pudemos estudar seis testamentos e vinte e seis inventário post-mortem.
Essas fontes foram usadas como complemento para entender determinados aspectos das cartas
de alforria analisadas.
Localizamos somente uma ação de liberdade para o período estudado. No entanto,
acreditamos que devem existir mais desses documentos, arquivados com outra
denominação.
19
Entretanto, a ação de liberdade de Anna Crioula foi de extrema relevância
para as discussões das relações públicas e privadas da sociedade escravista, além de outros
aspectos daquela sociedade.
O processo-crime da revolta escrava de Carrancas, de 1833, encontra-se digitalizado e
disponível na internet.
20
Essa fonte foi amplamente explorada pela historiografia.
Entretanto, ela é fundamental para discutirmos a insubmissão escrava na região em tela; por
isso, foi retomada para este estudo.
o periódico Astro de Minas foi microfilmado pela Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, e uma cópia do microfilme está disponível para a consulta na Biblioteca do campus
Dom Bosco da Universidade Federal de São João del-Rei. Através desse jornal, foi possível
entrever vários assuntos do cotidiano daquela sociedade, tais como: a educação que se
privilegiava, as peças teatrais a que se assistiam; a orientação política do jornal; o que era
notícia na época, entre outras informações. No entanto, privilegiamos os avisos de escravos
fugitivos e outros anúncios que se referiam aos cativos. As informações contidas nesses
anúncios foram analisadas quantitativamente, mas, principalmente, qualitativamente. Isto
porque nem todos os periódicos foram preservados. Além do mais, não podemos considerar
que todos os escravos que fugiram foram anunciados por seus senhores. Assim, estudamos
230 avisos, nos quais foram anunciados 295 fugitivos. Além desses, levantamos mais 93
anúncios que faziam alguma referência aos escravos.
Entendemos que os avisos de escravos foragidos são uma fonte fundamental para
verificarmos e discutirmos a freqüente ocorrência de fugas. Por isso, com eles, também foi
montada uma planilha no Excel, a fim de se organizarem as informações que a fonte nos
fornece. O banco de dados contém as seguintes informações: o proprietário do escravo
foragido, o número de escravos que esteve foragido, quando fugiu, de onde fugiu, etnia do
escravo, nome do cativo, descrição do foragido, se apresentava marcas de ferimento, se tinha
algum ofício, idade do escravo e se o senhor acrescentava algo mais no aviso.
19
Ou mesmo quando o arquivo foi transferido do museu para a casa do IPHAN, esses documentos podem ter se
misturado a outros.
20
http://www.acervos.ufsj.edu.br/site/fontes_civeis/carrancas.html sítio - Acesso em: 04 mar. 2008.
21
Somam-se às fontes citadas os registros indispensáveis de viajantes que passaram
pela comarca do Rio das Mortes na primeira metade do século XIX, deixando relatos da vida
cotidiana daquela comarca, e a historiografia a respeito do assunto.
1.3 A estrutura da dissertação
Dividimos a dissertação em três capítulos e em considerações finais. No primeiro,
“Diferentes interpretações: o paternalismo na historiografia” foi feito uma breve diferenciação
do paternalismo e do patriarcalismo, e em seguida fizemos um apanhado historiográfico sobre
as diversas interpretações do paternalismo nas relações entre dominantes e dominados.
Também se encontra nesse capítulo um resumo historiográfico sobre a economia interna dos
escravos, considerada por esta pesquisa, integrante das práticas paternalista.
No segundo capítulo, intitulado “As alforrias em São João del-Rei: conquista e
concessão”; privilegiamos o estudo das informações contidas nas cartas de alforria aliadas a
alguns testamentos e inventários post-mortem. Nessa unidade, partimos das características dos
escravos alforriados e das formas que alcançavam a liberdade, para discutirmos o caráter
ambíguo das alforrias.
O terceiro capítulo “A insubmissão escrava: da ação de liberdade às fugas escravas”,
discutimos, a partir da ação de liberdade de Anna Crioula e a revolta de Carrancas, discutiu-se
a questão do escravismo não estar instituído em uma lei do Império, e sim, no âmbito privado
das relações escravistas, reguladas pelo costume. Com os avisos de escravos fugitivos do
jornal Astro de Minas, levantamos os diversos aspectos anunciados pelos senhores que
podiam servir de indícios dos motivos que levaram os cativos a romper com o domínio
senhorial. Pretendíamos com isso demonstrar que as relações costumeiras entre senhores e
escravos eram marcadas por conflitos que moldavam tais relações.
22
2 DIFERENTES INTERPRETAÇÕES: O PATERNALISMO NA HISTORIOGRAFIA
Compreender os fatores que fizeram com que a escravidão perdurasse no Brasil por
quase 400 anos é talvez o maior desafio enfrentado pelos historiadores dedicados ao tema,
seja para os estudiosos do Brasil Colonial, seja para os que se ocupam do Brasil independente.
Esse estudo parte da premissa de que o principal mecanismo de dominação e manutenção da
ordem escravista foi a reiteração da ideologia paternalista presente nas relações senhor-
escravos, sobretudo no que diz respeito ao Brasil oitocentista, quando o processo de formação
do Estado Nacional exigiu a acomodação entre a construção de uma esfera pública de poder e
a circunscrição, ao âmbito privado, das principais decisões em torno das relações entre
senhores e escravos. Assim, os dados empíricos trabalhados para essa pesquisa serviram de
base para discutirmos as características do paternalismo nas relações escravagistas na região
de São João del-Rei entre 1820 e 1840.
Entendemos que o termo paternalismo designa uma ideologia da sociedade escravista.
Vale ressaltar que não definimos o termo ideologia como um conjunto de idéias e valores que
orientam o comportamento dos indivíduos. Isto porque entendemos a ideologia a partir do
marxismo,
21
no qual as idéias e as representações sociais, intrínsecas à ideologia, são
determinadas pelas práxis da classe social dominante a fim de estabilizar a ordem social
vigente. Mesmo o sentido marxista desse termo, não exclui o fato de os dominados terem sua
própria compreensão da ideologia dominante. Dessa forma, pareceu-nos mais conveniente
caracterizar o paternalismo como uma ideologia, uma vez que o mesmo, como veremos, será
interpretado pelos dominados de forma distinta aos dominadores.
Antes de discutirmos as formas que o paternalismo assumiu para qualificar as relações
entre senhores e escravos no período moderno, faremos uma breve caracterização dos termos
patriarcalismo e paternalismo. Em seguida, começaremos analisando estes termos na
concepção de Gilberto Freyre para, posteriormente, apontarmos que, a partir de 1950, alguns
meios acadêmicos passaram a negar o caráter paternalista das relações entre senhores e
escravos enfatizando a dimensão da violência do sistema escravista. Posteriormente, faremos
um breve apanhado dos conceitos de paternalismo em E. Thompson e Eugene Genovese e dos
principais autores brasileiros que foram influenciados por suas concepções.
21
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo, 1989.
23
O passo seguinte será a discussão da chamada economia interna dos escravos. O
principal fator que explica a inclusão desse tema no presente capítulo é o fato de entendermos
que tal economia assim como a possibilidade de os escravos constituírem famílias é integrante
da relação paternalista, estabelecida entre senhores e escravos.
2.1 O patriarcalismo e o paternalismo
O uso do termo patriarcalismo para qualificar as relações sociais vem sendo
empregado várias gerações de pesquisadores e para diferentes períodos, como na
antigüidade e na modernidade. As sociedades patriarcais são basicamente marcadas por
relações hierárquicas nas quais as mulheres, os jovens e os escravos estão subordinados ao
gênero masculino mais velho: o chefe do domicílio.
(...) De fato, não só na Grécia e na polis, mas em toda a Antigüidade
ocidental, teria sido evidente que amesmo o poder do tirano não era tão
grande nem tão “perfeito” quanto o poder com que o paterfamilias, o
dominius, reinava na casa onde mantinha os seus escravos e seus familiares;
(...). (ARENDT, 2008, p. 36-37)
O domínio do gênero masculino sobre o feminino também foi amplamente analisado
pelo fundador da psicanálise Sigmund Freud. Embora sem comprovações empíricas, Freud
atribuiu ao despotismo patriarcal da horda primordial a origem da organização social.
O patriarca, pai tirano em um indivíduo, une o sexo e a ordem, o
prazer e a realidade; suscita amor e ódio; garante as bases biológicas e
sociológicas de que depende a história da humanidade. O aniquilamento da
sua pessoa ameaça aniquilar uma vida duradoura para o próprio grupo e
restaurar a força destrutiva, pré-histórica e sub-histórica, do princípio do
prazer. (MARCUSE, 1981, p.72-73)
Assim, de acordo com a definição freudiana, a princípio
22
o domínio do patriarca
sobre a mulher e os filhos garantiu a ordem social e o desenvolvimento das civilizações. Em
22
A princípio porque posteriormente o domínio sai da esfera privada e vai para pública, e a organização social
passa a ser garantida pelas instituições.
24
síntese: a história da civilização estaria intimamente ligada à história da repressão da
humanidade.
23
Antes de prosseguirmos, ressaltamos que o domínio patriarcal não caracteriza apenas o
âmbito privado dessas relações hierárquicas, e sim, a sociedade como um todo. Portanto, o
patriarcalismo caracteriza as sociedades em que imperam os valores e as vontades masculinas.
Em outras palavras:
O patriarcado não designa apenas uma forma de família baseada no
parentesco masculino e no poder paterno. O termo designa também toda
estrutura social que nasça de um poder do pai. Numa organização como essa,
o Príncipe da Cidade ou o chefe da tribo têm o mesmo poder sobre os
membros da coletividade quanto o pai sobre as pessoas de sua família. A
analogia é tão estreita que os governantes, de bom grado, intitulam-se “pais
do povo”. (BADINTER, 1986, p. 95)
o paternalismo, dentro das sociedades patriarcais, caracteriza a relação estabelecida
entre o patriarca e seus subordinados. Essa relação pode se assemelhar a de um pai com seu
filho, na qual pode ocorrer um domínio hostil ou benevolente. Assim, o termo patriarcal
caracteriza as sociedades hierárquicas cujo domínio se centra na figura masculina. o
paternalismo é a forma como pode ocorrer na relação entre dominantes e dominados em
sociedades patriarcais.
2.1.1 O patriarcalismo e o paternalismo na historiografia
Para falarmos de patriarcalismo e paternalismo, não podemos nos furtar em abordar
mais detalhadamente a obra de Gilberto Freyre. Nos livros Casa grande e senzala (FREYRE,
s/d) e Sobrados e mucambos (FREYRE, 1951), o autor trabalha diversas questões em torno da
constituição da população brasileira e a formação de sua identidade. Para tanto, Freyre
aborda, principalmente, os aspectos da sociedade patriarcal e as relações senhor-escravo no
Brasil. Por isso, a fim de retomarmos algumas de suas análises, faremos um breve apanhado
dos pressupostos teóricos de ambas as obras citadas, que, por vezes, ficaram um pouco
23
Herbert Marcuse demonstra com clareza a relação entre civilização e repressão no pensamento freudiano. Ver:
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. 8.ed. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1981.
25
imbricados, pelo fato de o autor retomar o assunto, a todo tempo, ao longo desses dois
livros.
24
Antes das apreciações do sociólogo Gilberto Freyre, era comum, entre os estudiosos,
negligenciar as contribuições culturais dos afro-descendentes e indígenas à sociedade
brasileira, sendo os primeiros, inclusive, muitas vezes apontados como responsáveis pelo
atraso da nação.
25
Isto porque os parâmetros para a análise do desenvolvimento ou
subdesenvolvimento do Brasil era o europeu. Nesse contexto, Freyre, a fim de entender a
identidade do povo brasileiro, analisa, ao longo da história colonial e imperial do Brasil, as
suas miscigenações com aquelas diferentes etnias. Assim, o autor busca redescobrir o Brasil
tal como ele é, e não como deveria ser aos olhos europeus.
Dessa forma, as explanações de Gilberto Freyre, que ressaltaram o caráter positivo da
miscigenação cultural e racial entre europeus, negros e indígenas, inovaram não as
interpretações sobre a contribuição da cultura africana e indígena para a identidade nacional,
como também as análises sobre as relações escravistas brasileiras.
26
O encontro de culturas, como o de raças, em condições que não
sacrifiquem a expressão dos desejos, dos gostos, dos interesses de uma ao
domínio exclusivo de outra, parece ser particularmente favorável ao
desenvolvimento de culturas novas e mais ricas que as chamadas ou
consideradas puras. (FREYRE, 1951, p.1084)
Freyre não se limitou a apenas confirmar a existência de uma mistura de raças no
Brasil, apontando, através de considerações sobre a vida cotidiana, as afetividades e as
sociabilidades, como se dava o contato entre as diferentes etnias.
27
De acordo com o autor em
tela, a camada de proprietários de escravos, principalmente os portugueses, foram os
24
No prefácio da primeira edição de Sobrados e mucambos, Freyre faz ressalvas a esse aspecto de seu
trabalho: “O presente trabalho tem, como o anterior, defeitos de distribuições de material; repetições; às vezes a
matéria de um capítulo transborda no outro. Também fomos obrigados a insistir em certos assuntos já tocados no
estudo anterior; mas de ponto de vista diverso. Considerados em relação com outras situações sociais e
psicológicas.” (FREYRE, 1951, p.28)
25
Sobre o assunto ver, entre outros: SCHWARCZ, Lilia O espetáculo das raças: cientistas, instituições e
questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
26
“(...) Freyre foi um dos primeiros estudiosos brasileiros a desconsiderar a idéia de escravos absolutamente
passivos, tomando-os, em suas obras, como agentes transformadores da história e reconhecendo as inúmeras
formas de atuação cotidiana empregada por esses homens e mulheres.” (PAIVA, 2006, p.87).
27
Como demonstrou Charles Boxer, Freyre cometeu um equívoco ao considerar que os portugueses, devido à
sua anterior miscigenação com outros povos, tinham menos preconceitos raciais: “Mas não resta dúvida de que,
à luz dos estudos de Boxer, a caracterização do português como vocacionalmente infenso aos preceitos raciais
não se pode sustentar como princípio geral, como quiseram Freyre e o próprio Sergio Buarque.” (VAINFAS,
1999, p. 8).
26
responsáveis pela miscigenação no Brasil, e não o clima ou um possível exagero da
sexualidade dos negros.
Nas condições econômicas e sociais favoráveis ao masoquismo e ao
sadismo criadas pela colonização portuguesa colonização, a princípio, de
homens quase sem mulheres – e o sistema escravocrata de organização
agrária do Brasil; na divisão da sociedade em senhores todo-poderosos e em
escravos passivos é que se devem procurar as causas principais do abuso de
negros por brancos, através de formas sadistas de amor que tanto se
acentuaram entre nós; e em geral atribuídas a luxúria africana. (FREYRE,
s/d, p. 343)
28
Ainda em concordância com este autor, através da miscigenação e do intercâmbio
cultural, os antagonismos sociais inerentes às sociedades compostas por diferentes etnias,
foram amenizados. Desse modo, Freyre considera que as relações sexuais mantidas entre
senhores e escravos acabaram por diminuir os conflitos intrínsecos a uma sociedade
escravista: “(...) A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social
que doutro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a
casa-grande e a senzala” (FREYRE, s/d, p. 13).
Além da miscigenação presente na sociedade patriarcal, para Freyre os antagonismos
entre escravos e senhores também era abrandados através de uma relação paternalista
estabelecida entre eles. Nessa relação paternal, semelhante a de um pai com seu filho, a
humanidade do escravo era reconhecida.
São várias as evidências de que o escravo africano ou descendente
de africano, no Brasil, sempre que tratado paternalmente por senhor cuja
superioridade social e de cultura ele reconhecesse, foi indivíduo mais ou
menos conformado com seu status. Raras parecem ter sido as exceções. O
negro com quem Saint-Hilaire conversou em Minas Gerais, e que confessou
ao francês estar satisfeito com sua vida de escravo, parece que deve ser
considerado limpidamente representativo ou típico dos escravos da sua
época, isto é, dos tratados paternalmente pelos senhores. Dos tratados como
pessoas e não como animais ou como máquinas de produção. (FREYRE,
1951, p. 885)
Entretanto, mesmo que as interpretações de Freyre sobre a miscigenação racial e
cultural e sobre a relação paternalista entre escravos e senhores justificarem a diminuição dos
28
Ver também: FREYRE, s/d, p. 344 e 396.
27
antagonismos sociais inerentes à sociedade escravista,
29
esse autor não se furtou em
mencionar o sadismo dessas relações. A crueldade podia estar presente na ação dos diversos
membros da sociedade patriarcal: nos homens que abusavam de suas cativas; nos filhos do
senhor que desde criança tinha um moleque para mandar e até nas senhoras que por ciúmes de
seus maridos ou apenas por puro sadismo maltratavam suas escravas. Vejamos uma passagem
na qual Freyre descreve a postura de muitas senhoras frente a suas escravas:
Quanto à maior crueldade das senhoras que os senhores no
tratamento dos escravos é fato geralmente observado nas sociedades
escravocratas. Confirmam-no os nossos cronistas. Os viajantes, o folclore, a
tradição oral. Não são dois nem três, porém muitos os casos de crueldade de
senhoras de engenho contra escravos inermes. Sinhás-moças que mandavam
arrancar os olhos de mucamas bonitas e trazê-los à presença do marido, à
hora da sobremesa,dentro da compoteira de doce e boiando em sangue ainda
fresco. Baronesas de idade que por ciúmes ou despeito mandavam vender
mulatinhas de quinze anos a velhos libertinos. Outras que espatifavam a
salto de botina dentaduras de escravas; ou mandavam-lhes cortar os peitos,
arrancar as unhas, queimar a cara ou as orelhas. Toda uma série de judiarias.
(FREYRE, s/d, p.357-358)
Gilberto Freyre afirmava que o elemento colonizador do Brasil foi essencialmente a
família, e que a vida no período escravista girava em torno da vontade senhorial que da
casa-grande determinava tudo a sua volta. Dessa forma, as casas-grandes “foram centros de
coesão patriarcal e religiosa: os pontos de apoio para a organização nacional” (FREYRE, s/d,
p. 16).
A sociedade escravista brasileira estava baseada na hierarquia patriarcal, na qual o
homem mais velho está no topo dessa hierarquia. Freyre, em várias passagens das duas obras
citadas, ressalta o domínio do pai sobre os filhos e a educação patriarcal que estes recebiam
nas escolas de padres.
30
Vejamos até que ponto chegava o domínio de um pai sobre o seu
filho:
O domínio do pai sobre o filho menor e mesmo maior fora no
Brasil patriarcal aos limites ortodoxos: ao direito de matar. O patriarca
29
Considerando de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, como salientamos às primeiras
páginas deste ensaio, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A
cultura européia e a indígena. A européia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A
agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O
paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto.
Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo.”
(FREYRE, s/d, PP. 88-89).
30
Sobre a educação dos filhos dos senhores e o posterior declínio do patriarcalismo, ver: FREYRE, 1951,
p. 217-246.
28
tornara-se absoluto na administração da justiça de família, repetindo alguns
pais, à sombra dos cajueiros de engenho, os gestos mais duros do
patriarcalismo clássico: matar e mandar matar, não os negros como os
meninos as moças brancas, seus filhos. (FREYRE, 1951, p.216)
Além dos meninos, as mulheres livres e os escravos também estavam subjugados à
hierarquia patriarcal. As mulheres mantinham uma “submissão muçulmana diante dos
maridos, a quem se dirigiam sempre com medo, tratando-os de ‘senhor’.” (FREYRE, s/d, p.
358). O autor afirma que essa submissão, as ânsias e os desejos reprimidos foram amenizados
na sociedade patriarcal nos confessionários. Neles, as mulheres desabafavam e aliviavam suas
angústias, evitando, de certa forma, a loucura.
31
Mas, dessa hierarquia, mantida pelo medo, o
autor sugere que surgiu o sadismo das senhoras com as escravas, dos meninos com os
escravos moleques, cuja origem primeira era o poder patriarcal dos senhores.
No livro Sobrados e mucambos (FREYRE, 1951), Freyre dedica-se a analisar os
diversos aspectos da sociedade patriarcal e como alguns escravos contribuíram para a sua
ruína. A seguir, transcrevemos uma passagem na qual acreditamos sintetizar as idéias do autor
sobre as causas da falência da autoridade do homem patriarcal da sociedade brasileira:
O absolutismo do pater-familias na vida brasileira pater-familias
que na sua maior pureza de traços foi o senhor de casa-grande de engenho ou
de fazenda foi se dissolvendo à medida que outras figuras de homem
criaram prestígios na sociedade escravocrata: o médico, por exemplo; o
mestre-régio; o diretor de colégio; o presidente de província; o chefe de
polícia; o juiz; o correspondente comercial. À medida que outras
instituições cresceram em torno da casa-grande, diminuindo-a,
desprestigiando-a, opondo-lhe contrapesos à influência: a Igreja pela voz
mais independente dos bispos, o Governador, o Banco, o Colégio, a Fábrica,
a Oficina, a Loja. Com a ascendência dessas figuras e dessas instituições, a
figura da mulher foi, por sua vez, libertando-se da excessiva autoridade
patriarcal, e, com o filho e o escravo, elevando-se jurídica e moralmente.
Também o casamento de bacharel pobre ou mulato ou de militar plebeu com
moça rica, com branca fina de casa-grande, com Iaiá de sobrado, às vezes
prestigiou a mulher, criando entre nós o acentuamos uma espécie de
descendência matrilinear: os filhos que tomaram os nomes ilustres e bonitos
das mães (...), e não o dos pais. (FREYRE, 1951, p.301)
31
FREYRE, 1951, p. 254.
29
As críticas à obra de Gilberto Freyre em finais da década de 1950
32
e o abandono de
algumas de suas interpretações sobre a sociedade brasileira decorreram da visão, presente
entre um bom número de estudiosos da época, de que alguns dos seus argumentos
enfraqueciam as críticas à escravidão imposta aos africanos e aos seus descendentes no Brasil.
É verdade que desde tempos remotos o “senhor” se adoçou em
“sinhô”, em “nhonhô”, em “ioiô”; do mesmo modo que o “negro” adquiriu
na boca dos brancos um sentido de íntima e especial ternura: meu nego”,
minha nega”; e nas cartas coloniais: “Saudoso primo e muito seu negro”,
“negrinha humilde”, etc. (FREYRE, s/d, p. 438)
O fato de Freyre afirmar que os escravos que trabalhavam no ambiente doméstico
eram mais bem tratados também foi passível de críticas: “(...) salientemos a doçura nas
relações de senhores com escravos domésticos, talvez maior no Brasil do que em qualquer
outra parte da América”(FREYRE, s/d, p. 371). Outra questão que gerou várias críticas ao
autor foram suas considerações sobre a alimentação dos cativos. Para Freyre, os escravos
eram mais bem nutridos que os pobres no Brasil: “O escravo negro no Brasil parece-nos ter
sido, com todas as deficiências do seu regime alimentar, o elemento melhor nutrido em nossa
sociedade patriarcal, (...)” (FREYRE, s/d, p. 80). “(...) o escravo preto ou pardo, melhor
alimentado e nutrido nas senzalas das casas-grandes e dos sobrados” (FREYRE, 1951, p.
1067).
Esta corrente de estudiosos da sociedade brasileira negava vários outros
aspectos da obra de Freyre, tais como: a acomodação dos escravos, a convivência, de certa
forma, pacífica de elementos tão antagônicos da sociedade patriarcal e, principalmente, a
relação paternalista. A fim de contradizê-los, passaram a enfatizar a violência como algo
inerente ao sistema escravista, sendo considerada a principal forma de controle social e
manutenção da ordem escravista. A violência no entender dessa corrente de análise tinha
como conseqüência a coisificação objetiva dos escravos.
Entretanto, determinadas análises da intelligentsia dos anos cinqüenta; sessenta e
setenta sobre a sociedade escravista não são consensuais. Um exemplo de desacordo são as
32
Os pressupostos de Gilberto Freyre foram inicialmente criticados “pela escola de historiadores e sociólogos
paulistas aglutinados em torno de Florestan Fernandes, Roger Bastide e Caio Prado Júnior” (GORENDER, 1990,
p.14). Também podemos citar como pertencentes a essa corrente historiográfica: Otávio Ianni, Fernando
Henrique Cardoso e Emília Viotti da Costa.
30
ponderações sobre a coisificação do escravo. Destacamos que o conceito da coisificação
objetiva distinguiu-se da reificação subjetiva desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso:
33
O reconhecimento social da condição de pessoa humana era negado
aos escravos, objetiva e subjetivamente, pelos homens livres. Além, disso,
graças aos mecanismos socializadores da ordem escravocrata, às condições
materiais de vida do escravo e às formas pelas quais os escravos se inseriam
no processo de produção, as representações mantidas pelos senhores sobre a
inferioridade objetiva dos escravos e sobre a impossibilidade natural de o
escravo reagir à sua condição, eram aceitos, em condições normais de
funcionamento do sistema, pelos próprios escravos. (CARDOSO, 1977,
p. 152)
Portanto, Fernando Henrique Cardoso acredita que o cativo introjetava o conceito que
o seu proprietário tinha e, tornando-se uma mercadoria, um objeto de trabalho, não tendo,
dessa forma, vontade própria que o qualificasse como pessoa. Essa interpretação da condição
do cativo, mesmo que não fosse consensual à época, será amplamente rebatida pela
historiografia a partir da década de 1980.
Jocob Gorender, embora não negue a coisificação do cativo, afirma que ela não
anulava totalmente sua subjetividade, como pensava Cardoso, e sim, fazia parte da dualidade
inerente à escravidão na qual, o cativo era tanto uma pessoa com os atributos que a
qualificam, quanto uma propriedade de outrem. Para esclarecer essa concepção, reportamo-
nos às palavras do autor:
Na sua condição de propriedade, o escravo é uma coisa, um bem
objetivo. Lembrando Aristóteles, consideramos nossa propriedade o que esta
fora de nós e nos pertence. Nosso corpo, aptidões intelectuais, nossa
subjetividade não entram no conceito de nossa propriedade. Mas o escravo,
sendo uma propriedade, também possui corpo, aptidões intelectuais,
subjetividade é, em suma, um ser humano. Perderá ele o ser humano ao se
tornar propriedade do senhor, ao se coisificar?
Esta questão incide na contradição inerente à condição escrava,
desde que surgiu e se imprimiu em determinada classe social. (...)
Primordialmente, a contradição foi manifestada e desenvolvida pelos
próprios escravos, enquanto indivíduos concretos, porque, se a sociedade os
coisificou, nunca pôde suprimir neles ao menos o resíduo último da pessoa
humana (GORENDER, 1978. p.63).
33
“Quando se fala de coisificação do escravo, não se vai necessariamente aos extremos de F. H. Cardoso. Temos
em vista a coisificação social, que não é sinônimo de coisificação subjetiva. A coisificação social de chocava
com a pessoa do escravo (pessoa = subjetividade humana). Ferida, humilhada, comprimida, a pessoa do escravo
não era anulada (exceto em casos patológicos). A contradição entre ser coisa e ser pessoa constituía a vivência
do escravo durante toda a sua existência. (...)” (GORENDER, 1990, p. 22-23).
31
Podemos perceber que Gorender se afasta da concepção de Fernando Henrique
Cardoso e entende que o escravo não deixa de ser humano no cativeiro. No entanto, o estatuto
de propriedade de outra pessoa que lhe é imposto, o coisifica objetivamente. Logo, no
entender desse autor, a contradição entre ser pessoa e coisa é intrínseca à escravidão, e
acompanha o escravo durante toda a sua existência.
Emília Viotti da Costa no livro Da senzala à colônia, publicado em 1966, ao estudar o
processo que levou à abolição da escravidão nas regiões produtoras de café do Vale do
Paraíba e do Oeste Paulista, deixou de lado as análises sociológicas e estritamente
econômicas. Embora seja influenciada pela historiografia marxista brasileira
34
e avalie de
forma dialética o processo de transição do trabalho escravo para o assalariado, a autora
também considera em sua apreciação as manifestações culturais dos negros escravizados.
A autora estabeleceu distinções entre o escravo urbano e o rural, e ressaltou a
flexibilidade concedida ao escravo urbano e a rigidez imposta ao cativo rural.
35
Emília Viotti
da Costa afirma que a violência, embora existisse no meio urbano, no que diz respeito aos
escravos rurais, era praticada sem restrições, sendo utilizadas diversas formas de castigo,
inclusive a marcação a ferro e a fogo para a identificação dos escravos.
Para Emília Viotti, entender a violência praticada contra os escravos,
36
sua resistência
ao cativeiro e as conseqüentes revoltas nas senzalas é fundamental para compreendermos o
fim da escravidão. Portanto, a autora ressalta o papel do escravo enquanto agente histórico,
enquanto sujeito ativo no processo de abolição da escravidão.
Clovis Moura no livro Rebeliões na senzala (1981)
37
estuda as revoltas escravas e os
quilombos e, assim como Emília Viotti, aborda o escravo como um sujeito histórico. Moura
considera as ações de rebeldia dos cativos o fator que impulsionou o processo de abolição da
escravidão no Brasil. Portanto, Moura não está de acordo com alguns dos pensadores de sua
época que consideravam o escravo como um agente passivo no sistema escravista. Para
melhor esclarecer seu posicionamento, vamos às palavras do autor:
34
Caio Prado Júnior; Nelson Werneck Sodré.
35
Algranti no livro O feitor ausente desmistifica a idéia de uma escravidão amena para o escravo urbano, porém,
reconhece a diferenças entre o cativo da região urbana e o da rural. ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente.
Petrópolis: Vozes, 1988.
36
Outros autores que trabalham nesse período com a violência na sociedade escravista: QUEIRÓZ, Suely Robles
Reis de. Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1977; MACHADO, Maria Helena. Crime e escravidão. o Paulo: Brasiliense,
1987.
37
MOURA, Clóvis. Rebeliões na senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Ed. Ciências
Humanas, 1981.
32
Nosso trabalho procura estudar a participação do escravo como força
dinâmica, como contribuinte ativo no processo histórico. A outra parte, de
escravo como elemento dócil, masoquista, conservador do regime, termo
passivo do processo social, já foi por demais estudada. Há mesmo uma
verdadeira indústria nesse sentido. Por tudo isto, procuramos ver o escravo,
no presente livro, como negação de um sistema que, para afirmar-se em sua
amplitude, tinha que estabelecer todo um mecanismo de sujeição (MOURA,
1981, p.16).
Sendo assim, Moura passa a entender o escravo rebelde como sendo o sujeito que
desgastava o sistema escravista, a “escravaria passiva sustentava a escravidão” (MOURA,
1981, p. 251).
38
O autor demonstra que os escravos rebeldes levaram tanto os senhores quanto
os agentes da administração pública a empregarem mecanismos para controlar seus cativos:
Podemos ver que a posição do quilombola influenciou o
comportamento de toda a sociedade da época. Na classe senhorial e no
estado monárquico que a representava, criou a necessidade de mecanismos
de defesa, quer psicológicos, quer institucionais. A primeira forma de
controle social podemos ver nos diversos níveis de justificativa política,
usados pelos senhores para a escravidão, e de medidas de pacificação do
escravo através do uso da religião ou do feitor, usados pela classe senhorial.
O estado escravocrata recorreu a inúmeras formas de controle que vão das
medidas do Conde de Arcos para incentivar as fricções inter-tribais até a
montagem de todo o aparelho repressor que durante a Colônia e o Império
foi usado contra os negros fugidos; máquinas que vai dos alvarás da Colônia,
mandando ferrar os fujões, até as leis da regência, contra cativos rebeldes
(MOURA, 1981, p. 252).
A passagem estabelece que, tanto o meio privado de domínio dos senhores escravistas
quanto o público, estavam preocupados em conter as possíveis insurgências dos escravos.
Entretanto, ainda em concordância com o autor, tais mecanismos eram caros, o que
aumentava o custo da mão-de-obra escrava. Portanto, “quer no sentido econômico, quer na
sua significação social, o escravo fugido era um elemento de negação da ordem estabelecida”
(MOURA, 1981, p. 249).
Assim, embora muitos dos aspectos das análises dos autores dos anos cinqüenta,
sessenta e setenta não devam ser desconsiderados, a sua ferrenha oposição à obra de Freyre
acabou por desconsiderar muitas das interpretações que hoje, à luz de novos estudos
empíricos, são entendidas como válidas. Diversos são os aspectos considerados por Freyre
que ainda hoje são passíveis de críticas, mas, principalmente, a valorização que o autor faz à
38
Rafael Marquese considera que os crioulos e os mulatos sustentavam o sistema escravista (MARQUESE,
2006, p. 121).
33
humanidade e à capacidade intelectual dos negros,
39
o caráter patriarcal da sociedade
escravista brasileira e, sobretudo, o aspecto paternalista da relação senhor-escravo devem ser
reconsiderados à luz de novas análises. Após essa breve ressalva, seguimos com nosso
caminho pela historiografia brasileira, a fim de nos aproximarmos dos conceitos que nortearão
esta pesquisa.
Principalmente a partir de 1980, com organização do Movimento Negro Unificado, a
persistente desigualdade social entre brancos e negros, a proximidade do centenário da
abolição da escravatura e o aumento dos cursos de pós-graduação na área de Ciências
Humanas no Brasil tiveram como conseqüência uma ampliação dos estudos acadêmicos sobre
a escravidão brasileira.
40
Jacob Gorender (1990) criticou, dentro desses novos estudos, principalmente aquela
corrente que retomou as concepções do paternalismo de Gilberto Freyre.
41
Para melhor
elucidar essa vertente historiográfica, vamos às palavras de Suely Robles de Queiróz:
A partir dos anos 80, uma nova e polêmica corrente historiográfica
aproximou-se da linha interpretativa de Gilberto Freyre, configurando o que
Jacob Gorender chama de ‘neopatriarcalismo’. Ela repensa o conceito de
violência do sistema, admitindo a existência de espaço para o escravo
negociar um cotidiano mais brando. Nesse cotidiano, ele iria lançando mão
de ‘estratégias’ para sobreviver, ora curvando-se aos ditames do senhor, ora
a eles resistindo.
(...) A escravidão teria, pois, um caráter consensual que nega a
coisificação e seria aceita pela grande maioria dos cativos (QUEIRÓZ, 2005,
p.108).
Podemos inferir que a retomada de certos conceitos de Freyre deve-se, também, a sua
análise antropológico-cultural, tendência em voga não nos meios científicos brasileiros.
Peter Burke,
42
ao fazer um balanço da produção acadêmica em História Cultural, mesmo que
não analise a obra de Gilberto Freyre, lista Casa-grande & senzala na parte de Publicações
Selecionadas, na qual figuram entre as primeiras produções historiográficas de tal corrente,
apontado, inclusive, como o primeiro estudo de História Cultural brasileiro.
39
Ver capítulo: FREYRE, Gilberto. Ascensão do Bacharel e do Mulato. In: Sobrados e mucambos: decadência
do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. Rio de Janeiro:Livraria José de Olympio, 1951. v.3.
40
Ver: GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo, Ática, 1990.
41
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982. Esse livro, para
Gorender, é um exemplo clássico de reabilitação da escravidão. Suely Queiróz não concorda com as críticas de
Gorender em relação aos pressupostos teóricos de Mattoso, e afirma: “A nosso ver, Kátia Mattoso não é tão
radical em suas idéias quanto a apresenta seu crítico, parecendo-nos situar-se entre a perspectiva anterior e as
que surgiram pouco depois.” (QUEIRÓZ, 2005, p.108)
42
BURKE, Peter. O que é história cultural? Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
34
Essa nova corrente historiográfica também foi influenciada pelo historiador Edward P.
Thompson e pela perspectiva predominante na História Cultural. Thompson, quando na
década de 1960 estudou a classe operária inglesa, “não se limitou a analisar o papel
desempenhado pelas mudanças econômicas e políticas na formação de classe, mas examinou
o lugar da cultura popular nesse processo” (BURKE, 2005, p.30). O autor faz, portanto, uma
aproximação entre a Antropologia Social e a História Social, buscando na antropologia um
alargamento de seus horizontes de reflexão (CHALHOUB, 1990, p.23).
Thompson (1998) não abordou no livro Costumes em comum especificamente a
sociedade escravista brasileira ou outra sociedade que utilize o trabalho forçado. Mas, através
das análises desse autor, pudemos inferir que certas características da relação paternalista
podem ser adaptadas às diversas sociedades onde o desnível entre a camada de trabalhadores
e a de empregadores é acentuado, e a remuneração pelos serviços prestados geralmente não é
monetária. O paternalismo, nessa relação entre desiguais, seria como um inibidor do
confronto entre esses diferentes grupos sociais (THOMPSON, 1998, p. 28) e um garantidor da
subordinação dos trabalhadores (THOMPSON, 1998, p. 45).
Thompson afirmou que a Inglaterra do século XVIII passava por um período de
transição da forma de trabalho servil para o trabalho assalariado. As relações entre a gentry e
a multidão implicavam uma relação paternalista na qual os usos e direitos não monetários
favoreciam o controle social (THOMPSON, 1998, p. 42). No entanto, a transição para a forma
assalariada teve como conseqüência a extinção desses antigos mecanismos paternalistas de
subordinação do trabalhador, engendrando nessa sociedade a organização de novas formas
negociadas de subordinação dos trabalhadores (THOMPSON, 1998, p. 42).
Thompson fez algumas ressalvas para o uso sem qualificações do termo paternalismo,
principalmente, devido às generalizações que o seu emprego pode vir a implicar. Vejamos as
palavras do autor:
Em suma o paternalismo é um termo descritivo frouxo. Tem uma
especificidade histórica consideravelmente menor do que termos como
feudalismo ou capitalismo. Tende a apresentar um modo de ordem social
visto de cima. Tem implicações de calor humano e relações próximas que
subentendem noções de valor. Confunde o real com o ideal. Isso não
significa que o termo deva ser abandonado por ser totalmente inútil. Tem
tanto ou tão pouco valor quanto outros termos generalizantes autoritário,
democrático, igualitário que, em si e sem adições substanciais, não podem
sem empregados para caracterizar um sistema de relações sociais. Nenhum
historiador sensato deve caracterizar toda uma sociedade como paternalista
ou patriarcal. Mas o paternalismo pode ser, como na Rússia czarista, no
Japão no período Meiji ou em certas sociedades escravocratas, um
35
componente profundamente importante, não da ideologia, mas da real
mediação institucional das relações sociais. (...) (THOMPSON, 1998, p. 32)
Assim, embora tenhamos de ter certos cuidados ao utilizar a ideologia do
paternalismo, em geral, com base nas análises de Thompson, pode-se entender que se trata de
um conceito que caracteriza certos aspectos da dominação nas sociedades onde uma larga
distância social entre os dominadores e os dominados, sendo que os primeiros concentram o
poder econômico. Mas, isso não quer dizer que entre os dominados não possa haver
solidariedades e que sua cultura não possa ser independente da cultura da classe dominante.
A classe dominante, de acordo com Thompson, possuía a hegemonia cultural da
sociedade. Essa hegemonia caracterizava-se por: driblar as possibilidades de crescimento de
um horizonte de expectativas na população, ser sustentada pelos governantes no teatro de
concessões, não impor, na Inglaterra, uma dominação abrangente aos governados, coexistindo
com a cultura vigorosa e autônoma do povo (THOMPSON, 1998, p.78-79).
Thompson ressalta que o jogo paternalista realizado pala gentry consistia em fazer
visível algumas de suas funções, ao mesmo tempo em que omitiam outras (THOMPSON,
1998, p. 47). O que a gentry tornava visível é caracterizado por Thompson como os feitos
integrantes do teatro dos poderosos e esses, basicamente, intimidavam o povo através da
ostentação e do luxo. A generosidade demonstrada pelos dominantes também pode ser
considerada como complementar a esse teatro realizado pela gentry. No outro lado da moeda,
os dominados, também se manifestavam através de ameaças e sedições, entendidas por
Thompson como integrantes do contra-teatro da plebe (THOMPSON, 1998, p.65), que se
prestavam, principalmente, a lembrar a camada dominante de seus deveres paternalistas.
As técnicas da gentry de domínio paternalista não se caracterizavam pela proximidade
com o dominado, (THOMPSON, 1998, p.46) além de não se resumirem a apenas o teatro
realizado pela gentry. Havia outras formas de controle, tais como: o sistema de influência e
promoções, a majestade e o terror da lei, o exercício local de favores e caridades e o
simbolismo da hegemonia dos dominantes (THOMPSON, 1998, p. 70).
Entretanto, mesmo envolto por diversos mecanismos de domínio que ligavam e
subordinavam a plebe à camada dominante, pode-se considerar ainda em concordância com
Thompson, que havia uma solidariedade entre os diversos membros da plebe e mesmo com a
existência dessa ampla gama de mecanismos de dominação, ela não deixou de efetuar ações
em oposição ao domínio que sofriam. O autor ressalta que essas ações tinham como
características a tradição anônima, o contra-teatro e a ação direta, rápida e fugaz
(THOMPSON, 1998, p. 68).
36
Além das análises de Thompson, a tradução para o português em 1988 do livro de
Eugene Genovese, Roll, Jordan, roll, também foi considerado como um dos fatores
determinantes para as posteriores análises que se basearam em uma visão paternalista do
controle realizado pelas dominantes sobre os dominados, porém, em outro contexto.
Genovese aborda as especificidades desse domínio na sociedade escravista da região sul dos
Estados Unidos. Ao criticar a influência desse autor para os estudos sobre a escravidão no
Brasil, Jacob Gorender considerou que:
A orientação neopatriarcalista encontrou reforço em influências
internacionais. Uma as, a de Eugene Genovese, historiador norte-americano
conhecido no Brasil pelo livro Political economy of slavery, de inspiração
marxista. Ao dar a virada neopatriarcaslita completa de Roll, Jordan, roll,
Genovese se situou no terreno ambíguo de um antimarxismo também
admissível como marxismo abrandado ou mesmo ‘renovado’. A
monumentalidade da obra – sem favor, um marco na pesquisa histórica – deu
impulso à assimilação de várias de suas teses, correntes entre pesquisadores
brasileiros. Também daí podia advir a revalorização do enfoque de
Gilberto Freyre, cujo Casa grande & senzala constitui um arquétipo para o
historiador norte-americano. (GORENDER, 1990, p.16)
No entanto, entendemos que as análises de Genovese distanciam-se das de Gilberto
Freyre. As principais diferenças percebidas são a questão de Genovese considerar que as
práticas paternalistas não têm como conseqüência a benevolência e a suavidade na relação
entre senhores e escravos; não romperam com uma possível solidariedade entre os dominados
e principalmente, Genovese analisa o paternalismo não só pela ótica do senhor escravista, mas
também como o escravo interpretava essa relação mantida com seu proprietário. Assim, para
esse autor o paternalismo:
(...) surgiu da necessidade de disciplinar e justificar, moralmente,
um sistema de exploração. Estimulava a bondade e a afeição, mas também,
simultaneamente, a crueldade e o ódio. A distinção racial entre senhor e
escravo acentuava a tensão inerente a uma ordem social injusta.
(GENOVESE, 1988, p. 22)
Embora o livro de Genovese seja um estudo da região sul escravista dos Estados
Unidos, o autor demonstra que certos conceitos podem ser estendidos a outras sociedades que
37
também utilizavam a mão-de-obra escrava, como é o caso do conceito de paternalismo.
43
No
entanto, Genovese afirma que a ideologia do paternalismo nasceu na Europa Medieval, não
sendo, uma forma de domínio criada exclusivamente no ambiente das colônias do período
moderno. Então, “os proprietários de escravos sulistas consideravam-se herdeiros” de tal
ideologia (GENOVESE, 1988, p. 23). Assim, o paternalismo “surgiu como uma maneira de
mediar irreconciliáveis conflitos de classe e raciais” (GENOVESE, 1988, PP. 24-25). Tal
ideologia reforça a exploração de uma classe superior sobre outra inferior, acabando por levar
os senhores, através das práticas paternalistas, a legitimarem sua exploração sobre os
escravos.
Genovese, ao demonstrar que senhores e escravos percebiam de forma distinta a
ideologia paternalista, inova as análises sobre as formas paternalistas de controle social. Ao
mesmo tempo em que a relação paternalista estabelecida entre senhores e escravos implica
superação da condição de coisa do escravo, torna-se também inerente à reiteração da
humanidade do cativo. Assim, o escravo não trabalhava compulsoriamente pelo fato de ser
uma máquina destinada ao trabalho, mas trabalhava em troca da proteção senhorial, da
comida, das roupas e outros benefícios. Portanto, as práticas paternalistas reiteravam o caráter
humano dos escravos que passaram a perceber o domínio paternalista como uma possibilidade
de efetuarem reivindicações dentro do cativeiro.
Ainda que a relação paternalista seja uma relação entre desiguais, para Genovese nela
estão implícitas a existência de obrigações mútuas, de direitos e deveres. Então, mesmo que o
escravo tenha uma série de obrigações com o seu senhor, ele também deve ter alguns direitos.
Assim, ao aceitar um ethos paternalista e ao legitimar o domínio de
classe, os escravos desenvolveram sua mais poderosa defesa contra a
desumanização implícita da escravidão. O paternalismo sulista pode ter
reforçado o racismo, assim como a exploração de classe, mas também,
inadvertidamente, induziu suas vítimas a plasmar sua própria interpretação
da ordem social que pretendia justificar. Por fim os escravos, recorrendo a
uma religião que se supunha garantir-lhes a submissão e a docilidade,
rejeitaram a essência da escravidão ao descobrir seus próprios direitos e seu
valor como seres humanos. (GENOVESE, 1988, p. 25)
43
Eugene Genovese influenciou vários historiadores brasileiros, entre eles podemos citar: CHALOUB, Sidney.
Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras,
1990; LARA, Sílvia H. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de janeiro, 1750-1808.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; MATTOS DE CASTRO, Hebe Maria Das cores do silêncio: os significados
da liberdade no sudeste escravista Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995; SLENES,
Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava Brasil sudeste,
século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
38
Portanto, Genovese considerou que a política paternalista, estabelecida entre cativos e
senhores, levara os primeiros a entenderem que, além de terem deveres, também tinham
alguns direitos. Embora sejam poucos os direitos consuetudinários reconhecidos aos escravos,
foram suficientes para que estes afirmassem sua humanidade frente aos senhores que os
tratavam como mercadorias, e, assim, negassem a própria idéia do que é ser escravo
(GENOVESE, 1988, PP. 48-76).
O fato de as práticas paternalistas aproximarem oprimidos de seus opressores teve
como conseqüência o estabelecimento de uma identificação vertical dos escravos com seus
senhores e a redução das “possibilidades de se identificarem uns com os outros, como classe”
(GENOVESE, 1988, p.24). De tal modo que as práticas paternalistas acabaram por beneficiar
os senhores escravistas, principalmente pelo fato de trazer certa estabilidade para a relação
senhor-escravo. Entretanto, mesmo inseridos e aceitando o ethos paternalista os escravos não
deixaram de reivindicarem determinados direitos consuetudinários, de fugirem ou mesmo de
se rebelarem. Mas, “numa teia de relacionamentos paternalísticos, sua ação tendia a tornar-se
defensiva, buscando proteger os indivíduos contra a agressão e os maus-tratos, o que não
podia ser convertido facilmente numa arma eficaz em prol da libertação” (GENOVESE, 1988,
p. 24).
Após esse resumo da obra dos principais pensadores que influenciaram as posteriores
análises sobre o paternalismo, é chegada a hora de fazermos um breve apanhado de alguns
dos autores brasileiros que, após 1980, lançam mão da ideologia do paternalismo para
analisarem a relação de dominação estabelecida entre os senhores e seus escravos.
Comecemos por Sílvia Hunold Lara, que no livro Campos da violência (1988) retoma
as discussões historiográficas, presentes a partir dacada de 1950, que relacionavam a
violência à coisificação dos escravos e as manifestações de rebeldia a humanidade dos
cativos. Lara analisou a escravidão através da violência física praticada contra os escravos na
região de Campos dos Goitacazes do período colonial,
44
tendo como problema os mecanismos
senhoriais de dominação dos escravos que favoreceram a perpetuação das relações
escravistas. Para Lara, a principal forma de domínio é a violência, por isso a autora
aprofundou-se nas características da violência física praticada contra os escravos:
44
Sílvia Lara interpreta, de forma distinta, a historiografia corrente, o papel da violência no sistema escravista
brasileiro.
39
(...) procuramos penetrar nos mecanismos que lhe deram origem,
questionar suas limitações e justificativas e, especialmente, recuperar o
modo como senhores e escravos viviam e percebiam suas práticas (...) para
perguntarmos pela sua especificidade, mergulharmos nas vivências
senhoriais e escravas da escravidão, na dinâmica de seus confrontos
cotidianos, nas relações de luta e resistência, acomodamentos e
solidariedades vividos experimentados por aqueles homens e mulheres
coloniais. (LARA, 1988, p. 21)
Com base em uma documentação extensa e no discurso dos letrados contemporâneos
ao período estudado, Lara constata que a violência física deveria ser comedida e ter uma
função pedagógica, servindo assim, de exemplo para os demais cativos não cometerem os
mesmos erros ou as mesmas falhas que o escravo castigado. Se realizada dessa maneira
pedagógica, a violência poderia ser, inclusive, aceita pelos próprios escravos, uma vez que era
entendido como direito senhorial cometer certos atos violentos contra a sua propriedade.
Podemos dizer que as análises de Sílvia Hunold Lara são influenciadas pelas
concepções metodológicas de Thompson e, principalmente, pelas noções de paternalismo de
Eugene Genovese e Maria Sylvia de Carvalho Franco. Lara, seguindo esses autores, rompe
com a dicotomia existente na historiografia do caráter benevolente, sintetizado através do
termo paternalismo, e violento da escravidão.
45
Para a autora, benevolência e violência não
estão em campos opostos, e, sim, ambos, fazem parte, convivem, nas relações estabelecidas
entre os senhores e seus escravos. Nesse viés, o termo paternalismo representaria uma síntese
da violência e da benignidade da escravidão, não sendo, portanto, sinônimo de benignidade e
suavidade das relações escravistas. Assim, a violência física praticada contra os cativos era
um elemento integrante do que se poderia chamar de uma relação paternalista estabelecida
entre os senhores e seus escravos.
Embora não seja nosso intuito discutir a procedência ou não das críticas de Jacob
Gorender aos diversos aspectos da tese de Sílvia Lara, citamos, a fim de ilustrar as discussões
historiográficas da época, a seguinte passagem que contém uma síntese da crítica de Gorender
direcionadas a Lara. De acordo com ele, a autora:
(...) não nega a coisificação do escravo, sob o argumento de que
isto excluiria sua existência como pessoa, mas também empreende outra
tentativa dulcificante da escravidão: a de rejeitar que o escravismo se
apoiasse na violência. O conceito de violência seria inteiramente inadequado
e inútil para caracterizar a escravidão, ainda mais porque, ao fazê-lo, se
45
Alguns autores que consideram a violência e o paternalismo em campos opostos: Octávio Ianni; Fernando
Henrique Cardoso; Emília Viotti da Costa; Stanley Stein e Charles Boxer.
40
sugere que outros regimes, como o capitalismo, o precisam da violência.
(GORENDER, 1990, p. 22)
Entretanto, mais à frente, Gorender reafirma determinados aspectos que entendemos
estarem de acordo com o que Lara havia sugerido em sua tese. Vejamos:
A propósito, observo ser uma idéia extremista e falsa (com exceção
para uns poucos senhores desatinados pelo sadismo) a de que se praticavam
torturas a torto e a direito, sem regra nem medida. Quando, em casos raros,
levados à Justiça por sevícias ou eliminação física de escravos (o que a
legislação luso-brasileira proibia), os senhores aludiam ao absurdo de
prejudicarem-se eles mesmos causando dano à sua propriedade, que lhes
havia custado dinheiro. Como se pode ler em processos judiciais, as
autoridades policiais e os magistrados aceitavam a alegação sofística.
Contudo não deixava de ser verdadeiro que a inversão feita na aquisição do
escravo pesava no interesse do senhor de preservar esta propriedade peculiar.
O castigo físico era comumente dosado (pelo número de chicotadas, por
exemplo, com um relho de duas ou três pontas, o que duplicava ou triplicava
o efeito de cada chicotada). No caso de infração considerada graves,
recorria-se a torturas mais atrozes à vista de todos os companheiros, tendo
em mira o efeito pedagógico de aterrorização do plantel em conjunto. A
dominação escrava se apoiava não na violência efetivamente praticada e
consumada, mas também na ameaça permanente da violência latente, não
efetivada, porém passível de efetivação a qualquer momento. A par disso, o
comportamento paternalista e as concessões eventuais do senhor aos
escravos também funcionavam no sentido da estabilização do sistema, em
condições de maior ou menos atuação dos fatores contrários. (GORENDER,
1990, p. 26-27)
a historiadora Hebe Maria Mattos de Castro, no livro Das cores do silêncio (1995),
percebe algumas especificidades do paternalismo na relação senhor-escravo. A autora
pesquisa uma documentação variada como os periódicos que circularam no período da Lei
Áurea, os relatórios de presidente de província, os processos criminais e algumas ações de
liberdade. O período privilegiado por Hebe Castro está compreendido entre a lei Eusébio de
Queiroz, que proíbe o tráfico de escravos para o Brasil, e a abolição, em 1888.
O objetivo da autora não é centrar-se na discussão específica do paternalismo como
um mecanismo de dominação integrante das relações entre os senhores e seus escravos, e,
sim, na “inserção dos cativos no processo de destruição da escravidão e, principalmente, sua
inserção social, após o fim do cativeiro” (CASTRO, 1995, p. 404). No entanto, Castro não
nega a existência de um código paternalista na relação senhor-escravo, no qual os primeiros
transformavam em “concessão toda e qualquer ampliação do espaço de autonomia dentro do
cativeiro” (CASTRO, 1995, p. 172).
Castro percebeu que, mesmo no cativeiro, alguns dos escravos podiam adquirir,
através de uma relação paternalista com seus senhores, certos privilégios, como a
41
possibilidade de constituírem uma família, de juntarem um pecúlio, de sonharem ou serem
alforriados e de estabelecerem uma relação comunitária com os outros cativos. Esses
privilégios geraram uma diferenciação dos escravos no próprio cativeiro, principalmente,
porque de certa forma, aproximar os privilegiados dá condição de libertos.
E esta comunidade, que se constitui não apenas através da família,
mas no decorrer de gerações, que o paternalismo, entendido como um código
de dominação pessoalizado, possível de leituras distintas por senhores e
escravos e, por isto, apto a administrar, dentro de certos limites, os conflitos
inerentes a relação senhor escravo, aparece como eixo principal das
relações de dominação.
É neste contexto, também, que a possibilidade de alforria e do
pecúlio do cativo, combinando autonomia escrava e autoridade senhorial,
conforme desenvolveu Manoela Carneiro da Cunha, completam o círculo de
uma política de domínio que buscava legitimar a escravidão entre os
próprios escravos, enquanto abria perspectivas concretas de negar-se como
cativo no interior do próprio cativeiro. (CASTRO, 1995, PP. 159-160)
A autora ressalta que os africanos tinham menos chances que os escravos nascidos no
Brasil de chegarem a ter tais privilégios. Castro também constata que os escravos que foram
vendidos para outras regiões no Brasil, sobretudo no tráfico interno após 1850, estavam
acostumados a relação paternalista. E, por isso, tinham mais recursos, sobretudo sociais, que
os africanos para obterem certos privilégios (CASTRO, 1995, p. 172-174). Entretanto, ao
serem vendidos para outras localidades, uma quebra na relação paternalista, fator que pode
ter colaborado para a ruína das relações escravista.
Portanto, a concepção de paternalismo de Hebe Castro distinguiu-se em certos
aspectos da de Thompson e, principalmente, a de Genovese, pelo fato de esta autora não
entender que os escravos adquiriam direitos através das práticas paternalistas. Para Castro,
não se pode falar em direitos escravos, porque por definição o escravo não podia ter direitos,
até mesmo pelo motivo de os direitos terem a prerrogativa de serem universais. Desse modo,
o que os escravos obtinham do jogo paternalista estabelecido na relação com seus senhores
não passavam de privilégio.
46
Sidney Chalhoub no livro Visões da liberdade faz determinadas análises sobre o
paternalismo na sociedade escravista brasileira, no entanto, ainda nesse livro, não era esse o
foco das interpretações do autor. Já no livro Machado de Assis historiador, podemos
considerar que Chalhuob se aprofunda no tema. Influenciado pelas concepções do
46
Vale ressaltar que os escravos não tinham direitos até a Lei do Ventre Livre.
42
paternalismo britânico de Thompson, o autor formula os parâmetros do paternalismo
praticado nas relações escravistas no Brasil.
Baseando-se no romance Helena, de Machado de Assis, e entendendo que esse autor
tinha de fato a intenção de descrever a sociedade paternalista do período anterior à Lei do
Ventre Livre, Chalhoub evidencia uma definição do paternalismo na visão senhorial:
(...) trata-se de uma política de domínio na qual a vontade senhorial é
inviolável, e na qual os trabalhadores e os subordinados em geral podem
se posicionar como dependentes em relação a essa vontade soberana. Além
disso, e permanecendo na ótica senhorial, essa é uma sociedade sem
antagonismos sociais significativos, já que os dependentes avaliam sua
condição apenas na verticalidade, isto é, somente a partir dos valores ou
significados sociais gerais impostos pelos senhores, sendo assim inviável o
surgimento das solidariedades horizontais características de uma sociedade
de classes. (...) (CHALHOUB, 2006, PP. 46-47)
No entanto, Chalhoub lembra que Thompson e Genovese haviam ressaltado
em seus estudos, que a existência de um domínio paternalista não implica a ausência de
manifestações de insatisfação por parte dos dominados. Assim, “subordinação não significa
necessariamente passividade” (CHALHOUB, 2006, p. 47).
Portanto, Chalhoub entende que a ideologia de dominação do paternalismo fora um
dos fatores que colaboraram para a permanência e a propagação do escravismo no Brasil. A
ruína da ideologia paternalista ocorre a partir da promulgação da Lei do Ventre Livre, em
1871, quando os privilégios concedidos pelos senhores aos seus escravos, como a concessão
de dias livres nos domingos e nos feriados santos, a alforria para os filhos de escravas e o
direito ao pecúlio, deixaram de serem privilégios e passaram a ser lei. De tal modo, que a Lei
do Ventre Livre regulamentou aquilo que era costume do senhor permitir ao escravo, com isso
o jogo paternalista se rompe, e, o que era privilégio do escravo, passa a ser direito e, portanto,
passível de ser reivindicado, nesse contexto nos quais relações passaram a ter uma dimensão
pública mais evidente.
Sílvia Brügger, no livro que resultou sua tese de doutoramento: Minas patriarcal
família e sociedade, pesquisou a organização familiar, na região da comarca do Rio das
Mortes em Minas Gerais, a partir da ótica do patriarcado. A autora faz um apanhado
historiográfico sobre a definição de sociedades patriarcais, usando como principal pressuposto
teórico as interpretações de Gilberto Freyre. Brügger constatou que, desde a colonização de
43
Minas Gerais pelos bandeirantes até a primeira metade do século XIX, a sociedade mineira
caracterizava-se por práticas patriarcalistas.
47
Creio que, quando se entende por patriarcalismo um conjunto de
valores e práticas que coloca no centro da ação social a família, fica difícil
de se questionar a sua presença em Minas ou em qualquer outra parte da
colônia do Império. É a partir desta ótica que desenvolvo ente trabalho,
abordando os diferentes aspectos da organização familiar, em São João
del-Rei, durante o século XVIII e a primeira metade do XIX. (BRÜGGER,
2007, p. 63)
A autora ressalta que o conceito de patriarcalismo que utiliza fundamenta-se na obra
de Gilberto Freyre. Brügger critica alguns autores, que no seu entendimento, negligenciaram
ou mesmo não compreenderam bem, certos aspectos ressaltados por Freyre. Desses
aspectos, destacam-se o fato de associarem a família extensa e o domínio masculino como
características fundamentais para a existência do patriarcalismo. Assim, a autora chama a
atenção, em diversas partes de seu texto, para os problemas advindos das análises, que
consideram a existência do patriarcalismo na sociedade brasileira, entenderem esse termo
como sinônimo de uma estrutura familiar.
Ronaldo Vainfas, por outro lado, discordando dos críticos do modo
patriarcal da família brasileira, procurou mostrar que não era pela estrutura
do domicílio extenso ou nuclear que se definia o patriarcalismo. Ainda
que o grande número de dependentes, agregados, parentes e escravos fosse
normalmente indicado como característico da família patriarcal, não se deve
identificá-la com a família extensa. Seria mais no universo dos valores e da
estrutura de poder que se definiria o patriarcalismo. Aliás, Freyre, como
bem indica Vainfas, não atribuía qualquer exclusividade à família patriarcal.
(...). (BRÜGGER, 2007, p. 48)
A identificação das pessoas, nas sociedades marcadas pelas práticas paternalistas,
dava-se muito mais com a família a que pertenciam do que como indivíduos (BRÜGGER,
2007, p. 49). Assim, o patriarcalismo desdobra-se em uma estrutura de poder, em um
conjunto de valores e práticas guiados por uma organização, em um projeto familiar.
Após esse breve apanhado e essa descrição do conceito paternalista e patriarcalismo
empregado por estes diversos pesquisadores, passemos à discussão da economia interna dos
escravos. Mas, antes, vale ressaltar que, mesmo em sociedade marcada por relações
paternalistas entre dominantes e dominados, esses, que, para o estudo em questão, tratam-se
47
“Em síntese, o que pretendo demonstrar com exemplos de Tomé Portes del-Rei e Borba Gato é que, também
nas Gerais, foi a família o agente por excelência da colonização, sendo, portanto, pertinente a atribuição do
caráter patriarcal àquela sociedade.”(BRÜGGER, 2007, p. 54)
44
dos escravos, não deixaram de forjar sua própria cultura, sua própria interpretação do
paternalismo. Assim, entendemos que, por mais que o paternalismo tenha ligado
verticalmente os senhores aos seus escravos, dificultando-se a existência de solidariedade
entre os cativos bem como de uma organização efetiva contra o cativeiro, as práticas
paternalistas não acabaram com a identificação cultural dos povos africanos e afro-
descendentes.
2.1.2 A economia interna dos escravos
A historiografia brasileira, principalmente, a partir da década de 1980, identificou
espaços no cativeiro de relativa autonomia dos escravos.
48
Essa autonomia consistia na
existência de um tempo e de um espaço onde os cativos poderiam exercer atividades
independentemente das suas obrigações senhoriais. A percepção dessa autonomia escrava
acabou sendo um dos principais argumentos contra as interpretações que negavam a
subjetividade dos escravos, e afirmavam a sua coisificação no cativeiro.
A autonomia escrava gerou controvérsias na historiografia brasileira. Uns autores
afirmaram que a autonomia fazia parte de uma estratégia empregada pelos senhores de
escravos para contê-los; outros estudiosos sobre o assunto reconheceram-na como uma
conquista do cativo. Na medida em que avançarmos nesse debate, pretendemos indicar que a
concessão desses espaços consistia tanto em um mecanismo empregado pelos senhores na
contenção de seus escravos, quanto em uma conquista dos cativos obtida nas relações diárias
estabelecidas com seus senhores. Por isso, entendemos que os espaços de autonomia escrava
foram integrantes da relação paternalista.
O assunto que suscitou diversas interpretações sobre a autonomia dos escravos foi a
brecha camponesa. Esse termo cunhado por Tadeusz Lepkowski para designar a economia
agrícola própria dos escravos do Haiti, o termo “protocampesinato escravo” pertence a
Sidney Mintz, que o elaborou, ao estudar as Antilhas. Ciro F. Cardoso foi o primeiro autor a
trabalhar com esse elemento no Brasil. Entretanto, Cardoso utilizou, para o caso brasileiro, a
definição de Mintz: “atividades agrícolas realizadas por escravos nas parcelas, e no tempo
48
Ver também: MACHADO, Maria Helena. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história
social da escravidão. Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH/ed. Marco Zero, vol. 8, nº 16, março-
agosto, 1988.
45
para trabalhá-las, concedidos para esse fim no interior das fazendas.” Cardoso ancorou-se na
definição de camponês como uma categoria que se define pela segurança e pelo acesso à
parcela de terra, relação direta com o mercado e a gestão sobre a gleba, concluindo que o
escravo que está na “brecha” pode ser definido como camponês (CARDOSO, 1979, p. 135).
Para Cardoso, a “brecha camponesa” beneficiaria os senhores que a implantaram em
seus domínios, pois o cativo passara a produzir para sua subsistência diminuindo, assim, os
encargos do proprietário com a sua alimentação. Ainda de acordo com esse autor, a
possibilidade de comercialização do excedente produzido pelo cativo e o vínculo que ele
conseqüentemente criaria com o pedaço de terra cultivado em seu proveito, ajudaria a evitar
as fugas, beneficiando mais uma vez o proprietário do escravo.
Nesse trabalho da década de setenta, Cardoso não concedeu importância a essas
atividades autônomas realizadas pelos cativos, pois acreditava não interferirem na estrutura do
escravismo. Porém, no trabalho publicado em 1987, Cardoso dera maior relevância à brecha
camponesa passando a considerá-la um lugar de conflito entre senhores e cativos e que,
conseqüentemente, abalaria a estrutura das relações escravistas.
A possibilidade de os escravos exercerem atividades agrícolas independentemente da
produção senhorial parece ter sido mais propícia aos cativos que tinham família. Cardoso
afirma que, nas fazendas, os solteiros não se beneficiavam da brecha camponesa (CARDOSO,
1979, p. 150), isso porque uma estrutura camponesa pressupõe um trabalho familiar
(CARDOSO, 2004, p. 56). Robert Slenes, ao estudar as famílias escravas, cita documentos
que comprovam a concessão de terras para o cultivo em beneficio próprio aos escravos unidos
em matrimônio (SLENES, 1999, p. 187). Slenes cita uma frase proferida em um manual por
um proprietário de escravos da região de Campinas que, ao observar um jovem escravo
solteiro, diz: “é preciso casar esse negro e dar-lhe um pedaço de terra para assentar a vida e
tomar juízo” (SLENES, 1999, p. 188). Essa frase serve de indício tanto da existência de uma
prática de fornecimento de terras aos cativos que se casavam, quanto o beneficio que a união
conferia ao senhor de escravos, uma vez que escravo casado “toma juízo”.
Já Jacob Gorender, ao contrário de Ciro Cardoso, não considera a “brecha camponesa”
como um lugar de conflito (GORENDER 1983, PP. 7-39). Para este autor esta concessão do
senhor aos cativos não desestruturava o sistema escravista. Tal afirmação parte de uma gica
estrutural, na qual, a falta de generalidade e estabilidade da brecha camponesa tornava tal
46
atividade insignificante para o modo de produção escravista.
49
Portanto, Gorender, ao
contrário de Cardoso, acredita que a "brecha camponesa" não interfere na estrutura do
escravismo.
Robert W. Slenes, ao tratar desse assunto, critica tanto a definição etimológica de
"brecha camponesa" quanto os argumentos de Cardoso e de Gorender. Slenes afirma existir
no escravismo uma "economia interna dos escravos, um termo que abrange todas as
atividades desenvolvidas pelos cativos para aumentarem seus recursos desde o cultivo de suas
roças à caça e, inclusive, ao furto” (SLENES, 1999, p. 199). Esse autor concorda que a
economia interna aos escravos servia como um mecanismo empregado pelos senhores de
controle tanto econômico quanto social do cativo. Porém, Slenes questiona o significado
efetivo dessa economia no embate cotidiano entre os cativos e seus senhores, afirmando que
nesse espaço era facultado ao cativo “(re) criar uma cultura e uma identidade próprias que
tornavam a família e a roça muito mais que um engodo ideológico” (SLENES, 1999, p. 208).
Eduardo Silva, em sua análise realizada a partir do documento “Memória sobre a
fundação de uma fazenda na Província do Rio de Janeiro, do barão de Pati do Alferes”, chega
à conclusão de que a economia interna dos escravos servia como um mecanismo de
manutenção da ordem escravista (SILVA, 1989, p. 23). Entre as várias passagens
significativas contidas no documento uma expressiva da função ideológica da concessão de
terras aos escravos é a afirmação do barão Pati do Alferes de que se deve “permitir que os
escravos tenham roças e se liguem ao solo pelo amor da propriedade; o escravo que possui
nem foge, nem faz desordens” (SILVA 1989, p. 29). Entretanto, Silva também considera a
economia interna dos escravos como uma conquista alcançada pelo cativo em uma
negociação diária com seu senhor. Sendo assim, era benéfica tanto ao proprietário do escravo,
que evitava as fugas e revoltas, quanto ao cativo, que teria um espaço para agir de forma
autônoma.
Stuart Schwartz, ao estudar a documentação, até então inédita, da revolta escrava no
engenho de Santana, localizado na região sul da Bahia, identificou a existência de uma
atividade agrícola dos escravos independentemente da produção senhorial. Os escravos
rebelados elaboraram como uma espécie de acordo de paz, no qual exigiam, para acabarem
49
No intuito de explicar o funcionamento interno da colônia, independentemente dos condicionantes externos,
Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender elaboraram a categoria “modo de produção escravista colonial,” que
se opõe principalmente ao sistema colonial proposto por Fernando Novais, na qual a colônia é entendida a partir
da formação do capitalismo europeu. Já Cardoso e Gorender pretendem entender a colônia internamente, o que
torna imprescindível compreender o significado do emprego da uma mão-de-obra escrava enquanto um elemento
central para a economia colonial.
47
com o motim, os benefícios, como barcos maiores para transporte de sua produção e mais
tempo para se dedicarem à sua atividade agrícola independentemente da produção senhorial.
O administrador da fazenda fingiu aceitar as exigências, o que pôs fim ao movimento, no
entanto, não cumprira sua parte no acordo, prendendo os líderes da revolta (SCHWARTZ,
2001, p. 107-113).
Schwartz afirma que muitos senhores de engenho estipulavam quotas de trabalho a
serem cumpridas pelos cativos, e, quando realizadas, os cativos podiam empregar o tempo
restante em suas atividades particulares (SCHWARTZ, 2001, p. 99). Essa economia interna à
escravidão podia possibilitar o acúmulo de pecúlio para a compra da alforria, ou mesmo para
a aquisição de produtos diversos. Contudo, embora isso parecesse benéfico para o escravo,
ainda em concordância com Schwartz, era mais vantajoso para o seu proprietário, que
conseguiria todo o dinheiro acumulado pelo cativo quando este comprasse sua alforria
(SCHWARTZ, 2001, p. 100). Dessa forma, a economia interna dos escravos não negava o
sistema escravista, e, sim, fazia parte de tal sistema, sendo utilizada pelos proprietários de
escravos para o beneficio próprio (SCHWARTZ, 2001, p. 115).
Entendemos que a existência de uma economia própria do escravo ainda que à
espera de um maior esclarecimento sobre suas dimensões, sua estabilidade e seus significados
na reprodução da economia escravista representara uma "via de mão-dupla" ao resultar das
pressões dos próprios cativos, como bem o demonstra o caso da revolta do engenho de
Santana analisado por Stuart Schwartz, ao mesmo tempo em que uma concessão dos senhores
que lhes permitia evitar o descontentamento e, conseqüentemente, as fugas. Assim, através da
análise desses autores, somos levados a considerar a economia interna dos escravos como um
elemento integrante da política paternalista estabelecida entre senhores e escravos.
48
3 AS ALFORRIAS EM SÃO JOÃO DEL-REI: CONQUISTA E CONCESSÃO
A escrava Catharina Rebola serviu com desvelo, paciência e caridade à Ignácia
Martins, e, quando sua senhora veio a falecer, ela passou para as mãos de Manoel da Silva
Andrade, viúvo de sua proprietária. Catharina, além de servir Manoel da mesma forma que
servia Ignácia, passou a ajudá-lo nas suas necessidades dando-lhe algumas parcelas em
dinheiro. A fim de demonstrar seu agradecimento à africana, Manoel da Silva Andrade
determinou que, após o seu falecimento, a dita escrava ficasse forra e liberta de toda a
escravidão.
50
A partir da descrição deste documento, iniciamos nosso capítulo sobre o caráter
ambíguo das alforrias
51
que, mesmo sendo apresentadas pelos senhores como graça, dádivas,
concessão ou mesmo favor, não deixaram de ser uma conquista dos escravos. Embora as
cartas de alforria sejam documentos que trazem aos nossos dias as vozes dos proprietários
registradas pela pena do escrivão, a partir delas, os pesquisadores também podem se
aproximar das estratégias cotidianas tecidas pelos escravos a fim de chegarem à liberdade.
Para a sustentação da ordem e da estabilidade da sociedade escravista, foi fundamental
que os senhores mantivessem uma política paternalista de concessões e favores aos seus
escravos. Entendemos que as alforrias se inscrevem como ponto máximo dessa política,
afinal, mesmo o escravo tendo acumulado recursos para comprar a sua liberdade, ele
dependia, como aponta Robert Slenes,
52
da aprovação senhorial. Outro fator que corrobora
para essa assertiva é a questão de as alforrias não estarem instituídas, até 1871, em uma lei
positiva, ou seja, as regras para a concessão da alforria eram estabelecidas pelo costume, pela
sua recorrente prática no âmbito privado das relações escravistas.
Ao realçar as concessões e os favores implícitos nas relações paternalistas,
ambicionamos apontar que tal caráter “benevolente”, que tinha na sua contraface a
possibilidade do recurso à violência, sustentou a ordem escravista da região de São João del-
Rei. Entretanto, a disposição senhorial para uma política de concessões, além de corresponder
50
ARSJR. Livro de Notas 9 (1831 a 1833), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Catharina
Rebola, passado por Manoel de Silva Andrade, 1832, folha 38.
51
“A palavra alforria vem do Árabe – al horria – (fr. João de Souza. Vestígios da língua arábica; Faria, Dicc.); e
em sentido figurado indica dispensa de serviço, ficar livre de obrigações (Moraes, Dicc.).” (MALHEIRO, 1866,
p. 163)
52
(...) Era necessário que a alforria pudesse ser representada pelo senhor sempre como concessão ou dádiva,
mesmo quando a “graça” cruzava com dinheiro na outra mão. (...). (SLENES, 1997, p. 260) SLENES, Robert.
Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.): História privada no Brasil,
vol. II: Império: a corte e a modernidade naciona., São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 233-290.
49
a pressões feitas pelos próprios cativos, tinha resultados incertos, podendo resultar na
submissão ou na rebeldia escrava.
Para discutirmos a relação senhor–escravo, pesquisamos todas as cartas de alforria
53
registradas no cartório de São João del-Rei entre 1820 e 1840, totalizando-se 182 cartas. Em
muitas as, há o registro da manumissão de mais de um escravo, por isso, chegamos ao total de
376 escravos alforriados. Registrar em um cartório a alforria era uma forma de o liberto
garantir a preservação desse documento
54
e provar sua liberdade caso alguém quisesse
escravizá-lo novamente. Afinal, em uma sociedade onde a cor do indivíduo pode ser
associada a sua condição de escravo, garantir a preservação do documento que confirmava a
sua liberdade era fundamental aos alforriados.
55
Vejamos, a título de exemplo, um anúncio
do jornal Astro de Minas, de uma mãe que teve seu filho livre levado como escravo:
Da Vila de Barbacena saiu 4 meses um rapaz de nome José
Silvério, cabra, idade de 14 anos, pouco mais ou menos, que acompanhou
por uma camarada a um Francisco Pinto mascate de Fazendas secas. O rapaz
é livre, e filho de Anna [Paloina], diz se que se acha vendido o dito José
Silvério: sua mãe roga a quem e souber queira anunciar pelas folhas
públicas.
56
Mas, provavelmente, alguns dos ex-cativos da região analisada não registraram sua
carta de alforria ou mesmo, podem a ter registrado em um cartório distante do lugar onde
moravam, quando escravo. Assim, acreditamos que na região de São João del-Rei podem
existir mais escravos alforriados do que os que foram estudados para esta pesquisa.
57
Mesmo
porque, não computamos os escravos manumitidos na pia batismal, nem mesmo em
testamentos, uma vez que pensamos ser suficiente para a análise que se pretende a amostra
coletada no Arquivo Regional de São João del-Rei. Já alguns testamentos e inventários
53
Nos livros de notas estudados, geralmente, as cartas de alforria são denominadas Títulos de Liberdade.
54
“Diz Maria parda escrava que foi de Joaquim Pereira de Albuquerque que ela precisa lançar em Notas o papel
de seu quartamento passado pelo dito seu senhor, porque o pode perder por andar a tratar de sua vida [...]”.
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821 a 1825), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Maria parda,
passado por Joaquim Pereira Albuquerque, 1824, folha 178.
55
Nem todas as cartas foram registradas pelo liberto, algumas, principalmente as condicionais, foram registradas
pelo proprietário do escravo.
56
Astro de Minas, nº 652, sábado, 28/01/1832.
57
“O percentual apresentado por Kátia Matoso, de acordo com o qual os registros dos papéis de liberdade
corresponderiam a cerca de 80% do total das alforrias, não conta com a concordância de todos os especialistas
dedicados ao tema. Alguns consideram que os registros subestimam o total de manumissões argumentando que,
além do fato de muitas cartas não terem sido registradas em Cartório, também não constariam dos Livros de
Notas, pelo menos em número significativo, as manumissões resultantes das disposições testamentárias.”
(GONÇALVES, 1999, p. 229).
50
post-mortem de senhores que haviam alforriado seus escravos, também foram pesquisados, e
serão analisados no momento apropriado.
3.1 Quanto ao padrão dos escravos alforriados
Ao longo das pesquisas no campo das alforrias, foram sendo identificados um perfil
dos alforriados, as formas recorrentes pelas quais os escravos chegavam à liberdade e o
período econômico propícios ao maior número de alforrias. Essas características foram
sintetizadas por Jacob Gorender, que propôs na quarta edição de seu livro O Escravismo
colonial, a existência de um padrão para as alforrias:
Maioria de alforrias onerosas e gratuitas condicionais, tomadas em
conjunto; b) proporção relevante de alforrias gratuitas incondicionais;
c) maior incidência das alforrias na escravidão urbana do que na
escravidão rural; d) alforrias mais freqüentes nas fases de depressão e
menos freqüentes nas fases de prosperidade; e) maioria de mulheres
entre os alforriados, embora fossem minoria entre os escravos; f)
elevado percentual de domésticos entre os alforriados; g) maior
incidência proporcional de alforrias entre os pardos do que entre os
pretos; h) elevado percentual de velhos e inválidos em geral entre os
alforriados. (GORENDER, 1985, p. 354-355)
Outros pesquisadores sobre o assunto, a partir de bases empíricas de diferentes regiões
e períodos, confirmaram e retificaram alguns aspectos do padrão dos alforriados proposto por
Gorender. Peter Eisenberg, ao analisar 2.093 cartas registradas entre 1798 e 1888 em
Campinas, confirmou nessa localidade a predominância, em determinados períodos, do
padrão das alforrias. Entretanto, Eisenberg constatou que o dito padrão não predominou em
todas as fases do escravismo em Campinas, ressaltando, assim, os equívocos que podem vir a
ocorrer, caso o padrão proposto por Gorender fosse estendido, sem análises empíricas
adequadas, a todas as regiões e a todos os períodos do Brasil escravista.
58
Andréa Lisly Gonçalves (1999), ao estudar em sua tese de doutoramento as alforrias
em Ouro Preto e Mariana, apontou “evidências muito fortes de que em Minas Gerais no
século XVIII se observou, em termos de manumissão e conjuntura econômica, um
58
EISENBERG, 1987, p. 212.
51
comportamento oposto ao pretendido por Gorender (...).”
59
Assim, a autora percebeu, através
de seus dados empíricos, que as alforrias foram mais recorrentes na conjuntura em que se
observou prosperidade econômica. Entretanto, Gonçalves, ao fazer uma análise detalhada de
outros aspectos dos alforriados, confirmou a predominância do padrão proposto por Gorender.
A fim de orientar as análises da documentação levantada por esta pesquisa, faremos,
ao logo deste capítulo, um contraponto com alguns dos aspectos do padrão dos alforriados. As
hipóteses sugeridas principalmente por Eisenberg e Gonçalves para explicarem a
predominâncias de determinadas características e circunstâncias para as alforrias, também
serão consideradas nas análises. Com isso, pretendemos partir de uma visão geral dos
manumitidos no Brasil para, assim, discutirmos as especificidades da região analisada, além
de verificarmos se determinados aspectos das alforrias seriam em decorrência da natureza
paternalista da relação estabelecida entre senhores e escravos.
3.1.1 Quanto ao gênero dos escravos alforriados
Começamos analisando o gênero dos escravos alforriados em São João del-Rei. Para
melhor visualizarmos o que as fontes nos apresentam, montamos a seguinte tabela:
TABELA 2: Gênero dos escravos alforriados em São João del-Rei
Gênero Total
%
Feminino 194
52%
Masculino 182
48%
Total 376
100%
Fonte: Dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado
Pudemos perceber com este gráfico que, no período e espaço estudados para esta
pesquisa, a predominância do sexo feminino nas cartas de alforria. Mesmo que a diferença
apresentada entre os homens e as mulheres não seja tão significativa aparentando, inclusive,
estar em equilíbrio - afinal o sexo feminino supera o masculino em apenas 4% - pudemos
considerar que as escravas provavelmente tiveram maiores chances ou oportunidades de
alcançarem a liberdade. Essa afirmativa tem como base a constatação de Sílvia Brugger de
59
GONÇALVES, 1999, p. 243-244.
52
que, na região, a população de escravos era superior à de escravas.
60
Portanto,
proporcionalmente, a população cativa do gênero masculino teve menos chances de um dia
chegar à liberdade.
Esse aparente equilíbrio das manumissões concedidas aos escravos e às escravas
também foi percebido por outros autores em regiões diversas. Andréa Lisly Gonçalves
constata que, na comarca de Ouro Preto no período, “entre 1808 e 1850, 44,7% dos
alforriados eram homens; nos anos intermediários entre 1851 e 1870, essa porcentagem não
apresentava variação significativa, ficando em 44,4%.” (GONÇALVES, 1999, p. 244).
Nas
cartas de alforria do alto sertão da Bahia, Maria de Fátima Novaes Pires também identificou,
ao longo do século XIX, certo equilíbrio entre as manumissões concedidas às mulheres,
55,3% e aos homens, 44,7% (PIRES, 2006, p. 147-157). Entretanto, vale novamente lembrar
que se trata de um equilíbrio aparente, que devemos considerar que a população masculina
de escravos, geralmente, era bem superior à feminina.
61
Peter Eisenberg, baseando-se na historiografia sobre o assunto, sugeriu três hipóteses a
fim de entender o motivo da predominância do sexo feminino entre os manumitidos. Na
primeira, fundamentando-se também no argumento de Kátia Mattoso (1976), o autor
considerou que, devido ao preço de os escravos do sexo masculino ser superior ao do
feminino, era mais fácil às escravas comprarem a liberdade.
62
Além do que, as possibilidades
de as escravas acumularem pecúlio também eram maiores, afinal, era preferencialmente delas
o exercício de atividades como as de ama de leite, a prostituição e, ainda, as atividades
relacionadas ao pequeno comércio (EISENBERG, 1987, p. 182-183). Já nas cartas de
liberdade estudadas para esta pesquisa, são raras as informações sobre a ocupação do escravo
ou mesmo a atividade que exercia para acumular o valor da sua liberdade, o que nos
impossibilitou aprofundar em certos aspectos dessa hipótese.
60
Sílvia Brugger faz um levantamento, em diversas fontes sobre a população escrava em São João del-Rei. Entre
suas considerações, afirma existir um desequilíbrio entre os escravos do gênero masculino e feminino, havendo
mais homens que mulheres cativas. A autora afirma que esse desequilíbrio pode ser explicado devido às
condições do tráfico de escravo que privilegiavam os homens. (BRUGGER, 2007, p. 41-42).
61
Manuela Carneiro da Cunha revela dados de outros estudos como KIERNAM, 1976, p. 87; SCHWARTZ,
1974, p. 612; MATTOSO, 1972, p. 40-41; MATTOSO, 1979b, p. 213; KARASCH, 1973, p.13, apud KLEIN,
1970, n. 12) sobre a desproporção das alforrias concedidas às mulheres: “[...] Os estudos feitos até agora revelam
proporções da ordem de 66% de libertas mulheres (para apenas 34% de homens) em Parati, entre 1789 e 1822;
58,6% e 69,6% para Salvador e zona rural da Bahia, respectivamente, no período 1684-1745; entre 53% e 57,6%
em Salvador para o período 1799-1850; 59,9% ainda em Salvador, se tomarmos o período 1817 a 1888; enfim,
64% na cidade do Rio de Janeiro entre 1807 e 1831.”
62
Paul Lovejoy demonstrou que as formas de escravidão praticadas na África e na região islâmica se
diferenciaram da escravidão européia em vários aspectos, entre eles, a preferência dos comerciantes europeus
pelos escravos do sexo masculino, ao contrário das demais regiões que preferiam as mulheres escravas. Assim, o
preço das escravas era mais baixo nas regiões sob a influência européia. (LOVEJOY, 2002, p. 53).
53
Entretanto, o uso das escravas como amas de leite era uma prática comum no período
abordado. Encontramos, inclusive, anúncios no periódico Astro de Minas, de senhores em
busca de escravas, ou de forras que pudessem prestar-lhes esse serviço: “Precisa-se alugar
uma ama de leite, forra ou cativa para criar uma menina: quem tiver ou quiser alugar-se para
esse fim, dirija-se às casas da Intendência desta Vila onde achará com quem tratar.”
63
As escravas que foram amas de leite dos filhos dos senhores, provavelmente,
mantiveram uma relação próxima ao cotidiano da casa a qual pertenciam, o que pode ter-lhes
facilitado alcançar alforria. Vejamos o seguinte exemplo de carta de liberdade obtida por uma
ama de leite:
Por este por um de nós feito, e por ambos assinado, e pelas rogativas
que nos faz nossa filha e prima Dona Maria Isabel, de comum acordo damos
plena e geral liberdade à nossa escrava Joana crioula pelo motivo de ter dado
leite a meus filhos quando nasceram, e poderá gozar deste favor ampla
liberdade de hoje em diante como muito quiser, sem que fique sujeita ao
menor encargo, e para seu título lhe passamos a presente em que ambos
assinamos, e também assina a dita minha filha que é intercessora desta
graça.
64
Através deste excerto, fica claro que, além da gratidão dos senhores, a escrava que exercia a
atividade de ama de leite também podia conquistar a gratidão dos filhos alheios que
amamentaram em seu próprio seio. Emília Viotti da Costa, mesmo ressaltando o aspecto
violento da escravidão, não deixou de reconhecer o caráter paternalista benevolente das
senhoras com suas amas de leite: “Muita sinhá conservou toda a vida e transmitiu a seus
filhos e netos a afeição pela ama que a criara e que mais tarde viu crescer seus filhos”.
(COSTA, 2007, p. 291). Portanto, podemos afirmar que o fator fundamental que levou Joana
crioula a conquistar sua liberdade foi sua posição de ama de leite dos filhos de seus
proprietários.
A título de curiosidade, percebemos em alguns anúncios publicados no jornal Astro de
Minas, de que a utilização de amas de leite naquela época era um objeto de críticas por
alguns. Vejamos o seguinte anúncio: “Acha se à venda nesta Tipografia a interessante obra
intitulada Ensaio sobre os perigos a que estão sujeitos os meninos quando não são
amamentados por suas próprias mães – ao preço de 640 rs.”
65
63
Astro de Minas, nº 1111, quinta-feira, 01/01/1835.
64
ARSJR. Livro de Notas 6 (1826 A 1828), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Joana
Baptista da Silva passado por Doutor Gomes da Silva Pereira e sua mulher, 1828, folhas 69 v.
65
Astro de Minas, nº 1128, terça-feira, 10/02/1835.
54
Quanto à segunda hipótese para o maior número de alforrias femininas, Eisenberg
concordou com Gilberto Freyre (1966) e Mary Karasch (1972), entre outros, que as escravas
tinham maiores possibilidades de se aproximarem de seus proprietários, o que provavelmente
facilitou-lhes alcançar a liberdade: “A mulher escrava teve mais oportunidades para
estabelecer laços afetivos com os seus donos, e estes laços teriam sido importantes na
concessão de alforria.” (EISENBERG, 1987, p. 183).
Todavia, no que tange à proximidade sexual, Robert Slenes (1997) demonstrou, a
partir de determinados exemplos, a situação perigosa à qual se encontrava a escrava assediada
pelo seu proprietário. De acordo com o autor, a cativa poderia ganhar certos favores se
mantivesse uma relação sexual com seu senhor, mas, se ele fosse casado poderia atrair para si
a ira de sua esposa. Caso recusasse os interesses sexuais de seu dono, a escrava poderia ser
vítima da violência senhorial, ou mesmo, perder alguns favores já conquistados. Slenes
também demonstrou que as escravas, mães de filhos de seus proprietários, não foram,
necessariamente, favorecidas com a liberdade. (SLENES, 1997, p. 253-264).
Desse modo, a proximidade sexual entre dominantes e dominados, mesmo quando
fosse consentida pela escrava, era uma seara perigosa para a parte mais fraca envolvida, além
de não lhe garantir a liberdade. Entretanto, a proximidade, não advinda de relações sexuais,
como a das mucamas, das cozinheiras entre outras atividades realizadas por mulheres escravas
que as levavam a ficarem próximas de seus senhores, podem ter-lhes favorecido negociar no
cotidiano dessa relação a carta de alforria.
A última hipótese que justifica o maior número de alforrias femininas pertence ao
âmbito da existência de uma possível organização da família escrava. Eisenberg considerou a
possibilidade de os casais de escravos planejarem alforriarem primeiro a mulher da relação,
isso a fim de se evitar que os filhos que viessem a ter nascessem escravos: “Assim, fosse a
família escrava solidária, fosse ela fragmentada, de qualquer maneira a mulher escrava seria
preferida para a alforria” (EISENBERG, 1987, p. 183). Ou mesmo, ainda no que diz respeito
à família escrava, havia mais chances de o filho vir a pagar pela liberdade de sua mãe, uma
vez que a paternidade era mais difícil de ser conhecida pelos escravos (EISENBERG, 1987,
p.183-184).
Entendemos que as conjunções dessas hipóteses inseridas na relação paternalista de
concessões e favores, estabelecida entre senhores e escravas, podem dar conta de explicar a
maioria feminina nas cartas de liberdade de São João del-Rei. A inerente proximidade entre
55
dominantes e dominados nas atividades como ama de leite e no serviço doméstico da casa
senhorial, certamente facilitou o estabelecimento de uma relação paternalista entre os
escravos e seus proprietários. A escrava que convivia no dia a dia senhorial, se insatisfeita,
teria mais chances que os escravos do eito de cometer algum atentado contra seu proprietário,
como envenenar a comida, sufocar o bebê enquanto o amamenta em seu colo, roubar, estragar
os pertences de valor da casa senhorial, entre outros prejuízos. Podemos dizer que, em troca
da submissão da escrava, o senhor faria certas promessas e concessões, a fim de demonstrar às
suas companheiras envolvidas no mesmo serviço, que a alforria poderia ser alcançada.
3.1.2 Nacionalidade e gênero
Sobre as alforrias, Andréa Lisly Gonçalves diz haver maiores chances para os homens
escravos africanos. Vejamos as palavras da autora:
Na Comarca de Ouro Preto, entre os anos de 1808 e 1870, o número
de homens alforriados, por etnia, foi maior do que o de mulheres. O que
modifica essa uniformidade é a maior presença de crioulas do que de
crioulos, elevando significativamente, o total de mulheres alforriadas, em
relação aos homens. (GONÇALVES, 1990, p. 240)
A fim de verificar o que as cartas de liberdade estudadas nos mostram sobre essa
questão, montamos a seguinte tabela:
TABELA 3 Divisão por nacionalidades dos escravos alforriados
Nacionalidade % Total
Brasileiras 39% 147
Brasileiros 36% 136
Africanos 9% 35
Africanas 8% 29
Ausente Masculino 5% 18
Ausente Feminino 3% 11
Total 100% 376
Fonte: Dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
56
Na documentação pesquisada para este estudo também constatamos que os africanos
superavam as africanas na obtenção da liberdade.
66
A diferença entre eles, como podemos ver
na tabela, não é significativa, e se pensarmos que entravam no Brasil mais homens que
mulheres africanas podemos inferir que ainda assim as mulheres tiveram mais facilidades de
chegar à liberdade. Essa questão foi percebida por Andréa Gonçalves que afirma:
(...) a proporção entre homens e mulheres é de 111,8 africanos para
cada 100 africanas ou, de outro modo, dos nascidos na África e alforriados
em Ouro Preto e Mariana, 52,80% eram homens e 47,20% eram mulheres.
Pois bem, seria essa proporção representativa da população cativa importada
por Minas Gerais ou pelo Brasil? Certamente que não. Sabe-se que a
proporção de homens para mulheres era, nesse último caso, de 3 homens
para cada 1 mulher, ou seja, dos cativos desembarcados nos portos
brasileiros havia 75% de homens e 25% de mulheres. Se os mecanismos que
conduzissem à libertação fossem aleatórios, esta última proporção se
refletiria nas cartas de alforrias registradas. Não é este o caso e a diferença
parece significativa em favor das mulheres, razão pela qual pode-se afirmar
que o predomínio feminino era inequívoco no conjunto de escravos
alforriados. (GONÇALVES, 1990, p. 241-242).
Esse predomínio do gênero feminino na conquista da carta de liberdade de seus
senhores pode ser explicado através das hipóteses já listadas. Mas, vale ressaltar que na
relação cotidiana entre os senhores e seus escravos, podem ter existido outros fatores que
facilitaram mais às mulheres que aos homens negociarem sua alforria. Assim, como não
temos fontes históricas suficientes que dêem conta das especificidades de cada relação,
ficamos limitados àquelas sugestões.
3.2 A origem dos escravos alforriados
Geralmente na documentação, em seguida ao nome do cativo, está um adjetivo que
define a sua cor ou mesmo a sua origem. Essa forma de caracterizar os escravos, por vezes, os
acompanhou mesmo após o cativeiro, confundindo-se, inclusive, com o seu sobrenome. Nas
cartas de alforria analisadas, encontramos as seguintes designações: pardos, mulatos, crioulos,
africanos, caboclos e cabras. As definições desses termos são imprecisas e dependem do
66
Nem sempre nas cartas de liberdade menção da nacionalidade dos alforriados; nesses casos, denominamos
ausente.
57
contexto e do período em que são empregados. Os adjetivos pardo e mulato parecem indicar
“uma cor mais clara ou um fisiotipo mais parecido com o dos portugueses” (EISENBERG,
1987, p. 187). o termo crioulo, em síntese, designa os escravos nascidos no Brasil. Os
caboclos seriam os mestiços de negros com índios, e por fim o nome cabra pode referir-se
tanto aos indivíduos, filhos de negros com mulatos, quanto de índios com africanos.
67
Através dessa breve exemplificação das definições, pudemos perceber a imprecisão
das terminologias usadas para caracterizar os escravos. Por exemplo: o termo crioulo, que
designa os indivíduos nascidos no Brasil, pode englobar os outros termos, ou mesmo, os
indivíduos nascidos na África que falavam português.
68
Já o adjetivo pardo, em alguns
períodos, foi usado para qualificar o indivíduo com feições mais claras; já em outros, foi
utilizado para se referir aos indivíduos de cor que, no entanto, não eram cativos.
(...) no caso da característica da cor, parece que inicialmente a
sociedade tendia a identificar determinadas cores com determinadas
condições legais. Posteriormente, no decorrer do século XIX, e talvez a
partir do crescimento do grupo de pessoas livres de cor, a sociedade
começou a valorizar mais a cor como um elemento independente da
condição legal. (EISENBERG, 1987, p.188).
Assim, entendemos que, ao dar esses adjetivos aos escravos, quem quer que os tenha
dado, se baseou tanto nos conceitos da época, quanto nas características mais visíveis do
cativo, seja o seu tom de pele mais claro ou a sua mistura com o indígena, e assim por diante.
Mesmo não havendo um consenso quanto ao significado de determinados termos,
dividimos as alforrias concedidas de acordo com as qualificações dadas aos escravos. Essa
divisão foi feita com o objetivo de ponderarmos sobre a validade de tais termos nas
67
“Diz Bernardino José de Souza (1961) que é termo de uso freqüente no Norte do Brasil, designativo do mestiço
de negro e mulato. Entretanto, não há concordância de opiniões acerca desse tipo de mestiço. Macedo Soares diz
que o cabra é quarteirão de mulato com negro, mulato escuro, caboclo escuro. V. Chermont diz tratar-se de
mestiço de branco e negra, logo o mesmo que mulato. Rodolfo Teófilo, no seu grande livro Os Brilhantes,
afirma que é o produto do cruzamento de índio e de africano, inferior aos elementos que o formam. E acrescenta:
“O cabra é pior do que o caboclo e do que o negro. É geralmente um indivíduo forte, de maus instintos,
petulante, sanguinário, muito diferente do mulato por lhe faltarem as maneiras e inteligência destes. É tão
conhecida a índole perversa do cabra que o povo diz ‘não há doce ruim nem cabra bom’ [...].” (MOURA, 2004,
p. 75).
68
No trabalho das alunas Ana Carla Bastos, Camila Atahyde e Tatiane Modesti, orientado pela professora
Beatriz Mamigonian encontramos a seguinte definição: “‘Crioulo’ é outro termo que gera discussão. Pode ser
visto como o escravo que era nascido no Brasil ou em Colônia Portuguesa na África e reflete as características
deste escravo de falar a língua portuguesa e compartilhar alguns elementos culturais dos portugueses. Crioulo
também é definido como o escravo que ‘nasce na casa do senhor’, ou seja, que nasce no Brasil, em oposição aos
escravos africanos. Ainda assim, o termo crioulo também era usado como uma cor (...).” retirado no dia 18 de
dezembro de 2008 da página: http://www.labhstc.ufsc.br/pdf2007/banner3.pdf.
58
discussões que buscam associar as características físicas do escravo a maiores ou menores
chances de obtenção da liberdade. Vejamos o gráfico resultante dessa divisão:
Gráfico 1: Divisão por etnia dos escravos alforriados
Fonte: Dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
Através desse gráfico, os dados quantitativos do conjunto da fonte tornaram-se mais
tangíveis. Assim, pudemos perceber que os escravos denominados crioulos foram os que mais
se alforriavam, seguidos pelos pardos e africanos. Na documentação, por vezes a etnia do
escravo manumitido não é mencionada. Nesses casos, denominamos ausente.
Quanto ao padrão dos alforriados, Gorender afirmou haver uma predominância dos
pardos em detrimento dos negros. Eisenberg também verificou que, até 1850, havia um
número significativo de pardos entre os alforriados. No entanto, o último autor citado,
ressaltou que pode ter acontecido, após 1850, uma mudança do significado da palavra pardo,
ocasionando a diminuição nas cartas de liberdade do emprego desse termo. Entretanto, essa
mudança, ainda de acordo com Eisenberg, não significou que os escravos com características
mais claras deixaram de ser os indivíduos que tiveram mais chances de alcançar a liberdade
na sociedade escravista brasileira. (EISENBERG, 1987, p. 187-188).
Eisenberg cita outros autores, como Kiernan (1976) e Schwartz (1974), que também
perceberam a predominância dos pardos entre os alforriados. A justificativa desses
pesquisadores para tal preferência gira em torno da questão dos pardos, devido à sua cor mais
clara assemelhar-se à classe branca dominante. Parece lógico pensar que havera uma
tendência na sociedade escravista de conceder mais privilégios aos escravos com algumas
características dos brancos, principalmente, porque para o cativo ser mais claro, ele
provavelmente tivera algum ascendente branco o qual pudesse ser, inclusive, o proprietário de
sua mãe cativa. Vejamos o seguinte caso:
59
Digo eu, José de Souza Freitas, abaixo assinado, que entre os bens
que possuo livres e desembargados, é bem assim um meu escravo por nome
Geraldo pardo, de idade de sete anos pouco mais ou menos, filho de uma
minha escrava, por nome Eufrásia crioula, cujo escravo Geraldo pardo o hei
de por forro gratuitamente, como se nascesse assim, (...).
69
Por este documento, não podemos afirmar que José de Souza Freitas era o pai do
escravo alforriado. No entanto, a fim de verificarmos sua possível paternidade, buscamos o
inventário post-mortem de José de Souza Freitas, que inclusive contém o seu testamento.
70
Nesse documento, verificamos que o proprietário de Geraldo veio a falecer dois meses após
conceder a alforria gratuita a Geraldo. Outro dado interessante é o fato de José Freitas ter a
cor parda assim como Geraldo, filho de Eufrásia crioula de 25 anos.
71
Os outros escravos de
José Freitas são crioulos, africanos e cabras, ou seja, nenhum poderia ser o pai do filho de
Eufrásia. Mesmo não tendo dados suficientes, podemos pensar que José Freitas fosse o pai de
Geraldo, e que este, provavelmente, foi o fator que o motivou a alforriá-lo gratuitamente.
Vejamos outro caso de alforria em que o senhor alforria tanto a escrava parda quanto seus
filhos também pardos:
Digo eu, Ignácio Jose de Lima, que, entre os mais bens que possuo
com plena e geral administração, é bem assim uma escrava de nome
Severina parda, com idade de trinta e dois anos, pouco mais ou menos, a
qual tem três filhos, Antônio pardo, Francisco pardo e Maria parda, e todos
estes nomeados como a mãe como a seus três filhos muito de minha livre
vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma de novo lhe passo Carta
de Liberdade pelos seus serviços, gratuitamente, (...).
72
Na carta de liberdade de Severina parda não dados suficientes para afirmar que
Ignácio José de Lima seja o pai de seus filhos. Entretanto, mesmo a escrava tendo 32 anos,
considerada uma idade produtiva, o seu senhor não apenas concede a alforria gratuita a ela
como também aos seus filhos. Esse fato pode servir de indício tanto de um favorecimento de
69
ARSJR. Livro de Notas nº 6 (1826 a 1828), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Geraldo pardo
passado por José de Souza Freitas, 1822, folhas 87 v.
70
ARSJR/INV – caixa 443. Inventário post-mortem de José de Souza Freitas – São João del-Rei, 03 de agosto de
1822.
71
ARSJR/INV – caixa 443. Inventário post-mortem de José de Souza Freitas – São João del-Rei, 03 de agosto de
1822, fl. 03.
72
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1821), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Severina
parda, e seus filhos: Antônio pardo, Francisco pardo e Maria parda passado por Ignácio José de Lima, 1821,
folha 99 v.
60
Ignácio José de Lima a suas escravas pardas, ou mesmo o de que ele era o pai dos filhos de
Severina.
Mas, não temos somente casos de homens alforriando escravas pardas; também,
mulheres proprietárias de escravos o fizeram como no seguinte exemplo:
Digo eu, Dona Maria fina da Visitação, que, entre os bens que
possuo, é bem assim uma escrava parda por nome de Anna, a qual muito de
minha livre vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma de hoje para
sempre liberto gratuitamente, em razão de me ter prestado bons serviços, e
gozará dessa liberdade sem sujeição alguma, como se de ventre de sua mãe
já nascesse livre, liberta.
73
Nos documentos citados, não informações suficientes para inferirmos que a
característica mais clara fora o fator fundamental para os escravos alcançarem a liberdade. E
com relação aos dados quantitativos das cartas de liberdade analisadas, os indivíduos
caracterizados como pardos, embora estejam em número significativo, o foram a maioria a
conseguir a liberdade, e sim os crioulos. Eisenberg também considera o fato de os crioulos,
assim como os pardos, terem semelhanças com seus proprietários: “O escravo crioulo era
brasileiro, falava português, podia ter tido uma relação com o senhor desde o nascimento do
escravo, e provavelmente tinha parentes no Brasil, que podiam ser uma fonte de ajuda.”
(EISENBERG, 1987, p.189).
No entanto, se pensarmos que a definição de crioulo fora aplicada na caracterização do
escravo nascido no Brasil, deve ser considerado o fato de esse termo englobar os escravos
com características mais claras. Assim, entendemos que a discussão que relaciona a cor dos
escravos a maiores chances de obtenção de alforriar pode ser uma armadilha para o
pesquisador, e por isso, seria mais proveitoso para a análise que se pretende dividirmos os
alforriados em dois conjuntos: os nascidos no Brasil e os nascidos na África.
TABELA 4:Divisão por origem dos escravos alforriados
Origem % Total
Brasileira 75% 283
Africana 17% 64
Ausente 8% 29
Total 100% 376
Fonte: Dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
73
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821 a 1825), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Anna parda
passado por Maria fina da Visitação, 1822, folhas 67.
61
Com a tabela acima, percebemos que, nas fontes analisadas, os africanos representam
17 por cento dos alforriados.
74
A questão de os africanos terem tido menos tempo que os
nascidos no Brasil para juntarem o pecúlio, ou mesmo, terem demorado mais que os escravos
brasileiros para se enquadrarem no jogo paternalista, e, a partir e, negociarem privilégios,
podem explicar essa baixa porcentagem.
Poul Lovejoy ressalta que, para uma dominação eficaz, era fundamental que o
escravo fosse estrangeiro, ou seja, que tivesse uma cultura diversa à região onde estava sendo
escravizado. Assim, nos sugere outro caminho para entendermos o motivo da maioria crioula
nos alforriados.
(...) Uma pessoa que falasse a mesma ngua que o seu senhor, sem
sotaque, que compartilhasse a mesma cultura, acreditasse na mesma religião
e compreendesse as relações políticas que determinavam como o poder era
exercido era muito mais difícil de controlar que um estranho. (...).
Certamente as formas mais desenvolvidas de escravidão eram aquelas em
que os escravos eram levados para uma distância considerável do seu local
de nascimento, enfatizando dessa forma as suas origens estrangeiras. (...).
(LOVEJOY, 2002, p. 31)
Manuela Carneiro da Cunha também ressaltou a ausência de raízes dos escravos como
fundamental para a dominação. Segundo a antropóloga:
se discorreu sobre um traço que é comum às escravidões, que o
escravo é sempre, por definição, um ser sem raízes. através de um corte
radical com todas as lealdades que fazem de um homem um membro da
sociedade é que se pode torná-lo um ser completamente apropriável por
outrem, outra família, outra sociedade. O escravo é assim, por excelência,
um estrangeiro, não enquanto membro de uma outra comunidade da qual
proveio, mas enquanto permanentemente alheio a comunidade que o
escravizou. É alguém que deve ser mantido na sua condição de estranheza. É
um outro. E é um outro que não pode ter lealdades próprias, mas apenas
lealdades mediadas pelo senhor. Posição que fez dos escravos (como dos
eunucos, que não tem sexualidade própria) instrumento políticos
privilegiados em várias sociedades. (CUNHA, 1985, p. 11-12).
74
Sheila de Castro Faria ao estudar os testamentos e inventários de homens e mulheres foras, registrados no
cartório de São João del-Rei, também constatou que os crioulos eram a maioria entre os alforriados, mas
acrescentou que esse fato não pode ser verificado para todas as regiões: “Sempre se imaginou que a alforria
privilegiava majoritariamente os escravos nascidos no Brasil – crioulos, pardos, mulatos ou cabras. Não é
verdade para todas as regiões. Em São João del-Rei, realmente, tanto no século XVIII quanto no XIX, eles
representavam cerca de 64%. Mas, no Rio de Janeiro, foi diferente: no século XVIII, 62% dos alforriados eram
nascidos no Brasil, mas, no XIX, eles representavam somente 42%. Os demais 58% eram nascidos na África.”
(FARIA, 2007, p. 16).
62
Parece-nos que as considerações acima sobre as dificuldades de os escravos africanos
entenderem os meandros que deveriam traçar a fim de chegar à liberdade, devem ser
consideradas como um empecilho para a conquista da alforria. Entretanto, como bem
ressaltou Manolo Florentino, para o caso do Rio de Janeiro, onde os africanos eram a maioria,
a questão demográfica deve ser considerada nessas análises:
(...) na medida em que o ato de libertar estivesse incorporado ao
sistema legal e fosse corriqueiro, os alforriados nascidos nas Américas ou na
África predominariam se, além de marcados por determinados atributos
culturais, igualmente constituíssem parcelas expressivas da população
escrava. Em outras palavras, o acesso à liberdade deveria estar também
modulado pelo grau de participação demográfica de escravos crioulos e
africanos.
75
Assim, os dados sobre a minoria de africanos nas cartas de alforria devem ser
relativizados, afinal como demonstrou Graça Filho os crioulos era a maioria na região.
76
Ao fazermos as considerações anteriormente pensamos nas dificuldades que se
apresentam enquanto tentamos identificar a cor dos escravos como um facilitador da alforria.
A principal delas, como já foi mencionada, é saber se o adjetivo posposto ao nome do escravo
realmente está de acordo com suas características físicas. Assim, pensamos que relacionar
determinadas características físicas do cativo como uma razão para o alcance da liberdade é
uma tarefa infrutífera. Mas, quando discorremos sobre a origem dos escravos, o enfoque da
alforria como integrante das relações paternalista vem a tona. Assim, entendemos que os
escravos africanos geralmente tinham menos tempo de convivência na sociedade escravista
brasileira e conseqüentemente menos chances de entender essa política paternalista que
deveriam empreender a fim de obterem favores enquanto escravos ou mesmo chegarem à
liberdade através de uma carta de alforria.
3.2.1 Quanto à idade dos alforriados: mais ou menos idosos; mais ou menos crianças
A discussão sobre a idade dos alforriados também nos parece de suma importância
para entendermos se havia alguma relação entre a idade do cativo e a obtenção da alforria.
75
FLORENTINO, 2005, p.308.
76
GRAÇA FILHO, 2002, p.218.
63
Dos 376 escravos alforriados, em 45 há a informação da idade que tinham quando chegaram à
liberdade. Acreditamos que a ausência dessa informação nas demais cartas deve-se tanto à
questão de haver um desconhecimento da idade do escravo, quanto ao fato de não ser
relevante para a época colocar a idade do cativo na carta de alforria.
77
No entanto, essas 45
referências nos parecem um número expressivo para a discussão. Vejamos a tabela resultante:
TABELA 5: Divisão por idade dos escravos alforriados.
78
Idade Africanos
Brasileiros
Origem Ausente
0-9 anos 0 20 1
10-19 anos 0 1 1
20-29 anos 1 5 1
30-39 anos 1 3 0
40-49 anos 1 1 0
50-59 anos 0 2 0
60-69 anos 4 2 0
70-79 anos 1 0 0
Total 8 34 3
Fonte: Dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade
examinado.
Ao descrever o perfil dos alforriados, Jacob Gorender afirmou que os escravos em
idades mais avançadas chegaram à alforria mais facilmente que os demais. O escravo idoso
também teve mais tempo para acumular o pecúlio além de ter um valor menor no mercado o
que, possivelmente, teria facilitado a compra de sua alforria. (EISENBERG, 1987, p. 191).
Eisenberg acrescenta que não os escravos idosos foram os privilegiados nas alforrias de
Campinas, mas também os jovens, confirmando assim, “parcialmente (...) os resultados dos
outros estudos.” (EISENBERG, 1987, p. 192). Essa preferência em alforriar esse perfil de
escravos também se justifica, no entender de Eisenberg, pela questão de os escravos novos e,
principalmente, os idosos produzirem menos, e darem muitas despesas. Assim, seria mais
interessante para o seu proprietário alforriá-los que mantê-los sob suas expensas.
77
Como demonstraremos no capítulo sobre avisos de escravos foragidos, a menção à idade, ainda que
aproximada, era mais recorrente nestes anúncios do que nas cartas de alforria. Provavelmente, porque esta
informação facilitaria a identificação do escravo foragido.
78
Quando, na carta de alforria, se dizia que o escravo era “idoso”; velho” ou “maior de idade” o consideramos
integrante da faixa etária entre 60-69 anos. Sempre que se dizia pouco mais ou menos”, e a idade ficava entre
duas faixas etárias, acrescentamos um ano à idade. Por exemplo, se o escravo tivesse 30 anos pouco mais ou
menos, colocamos um ano para mais a fim de que entrasse em somente um conjunto de idades.
64
Para ilustrar o que foi dito, citamos os seguintes exemplos de alforria de idosos:
Digo eu, Joaquina Angélica da Luz, que, entre os mais bens que
possui [...], liberto assim um escravo Antônio de Nação Cabinda, de idade de
oitenta anos, deixo forro, e liberto como se nascesse do ventre de uma mãe,
faço de minha menção, sem constrangimento de pessoa alguma por ser
muito de minha livre vontade, e por estar alcançado em anos além dos
ataques que tem, deixo forro, e liberto por ter me servido muitos anos com
lealdade, não podes trabalhar, que nem meus herdeiros testamenteiros,
poderá duvidar em tempo algum, antes fosses firme e valioso esta minha
disposição, (...).
79
Tanto a carta de alforria citada anteriormente como a que transcrevemos a seguir
ilustram bem o aspecto econômico de se conceder a alforria a um escravo idoso. Joaquina
Angélica da Luz deixou claro no documento que seu escravo Antônio já não lhe servia mais,
por estar doente, e não mais poder trabalhar. Nessa carta, ao contrário da abaixo, não a
menção às despesas que a senhora de Antônio teria caso o mantivesse em cativeiro. Mas,
mesmo assim, pudemos inferir que esse fora o motivo predominante para a concessão da
alforria. Vejamos o outro exemplo:
Digo eu, Tristão Carlos de Souza e minha mulher, Maria Josefa
Duarte, que somos senhores e possuidores de uma escrava por nome
Francisca de nação Banguela, que não por ser de maior idade, como
pelos bons serviços que a temos recebido, a desejamos favorecer, a fim de
que de hoje em diante viva no mais descanso e ausenta do atual cativeiro, e
que determinamos o seguinte: que a dita escrava viverá sempre em nossa
companhia; não como pessoa sujeita à escravidão, mas sim como agregada
em nossa casa, e, em remuneração de alguns pequenos serviços que nos haja
de prestar nos comprometemos a sustentá-la, e socorrer nas suas
enfermidades, e poderá livremente tratar de sua vida, sem que a possamos
embaraçar nem obrigá-la à escravidão; e declaramos que, por este beneficio
que lhe fizemos nos remunerou com vinte mil réis, que a recebemos em
moeda corrente; e, portanto, desde agora em diante será reconhecida por
pessoa forra e liberta de toda a escravidão, (...).
80
De acordo com a disposição expressa nesta carta, ao contrário da outra citada, a
escrava Francisca poderá ficar na casa de seus senhores como agregada. Mas, para ser
sustentada, deverá prestar alguns serviços. Neste documento, também fica explícito o caráter
79
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821 a 1825), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Antônio de
Nação Cabinda passado por Joaquina Angélica da Luz, 1821, folhas 6; 6 v.
80
ARSJR. Livro de Notas 12 (1837 a 1840), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Francisca de
nação Banguela, passado por Tristão Carlos de Souza e sua mulher Maria Josefa Duarte, 1837, folhas 43 v.
65
econômico da alforria, uma vez que, além de a escrava ter de pagar em serviços pelo seu
sustento, teve de pagar em dinheiro pela sua liberdade.
Deixemos de lado por um momento o viés econômico dessas cartas para fazermos
algumas considerações sobre que significado teria a liberdade para esses escravos idosos.
Antes, vale ressaltar, que, à primeira vista, nos parece cruel o conteúdo de tais documentos.
Somos, inclusive, levados a pensar que a alforria que esses cativos receberam não resultou em
uma verdadeira liberdade. Mas, devemos tomar cuidado para não sermos anacrônicos nas
nossas interpretações, e sim, buscar entender o significado que essa carta pudesse ter para
Antônio, de nação Cabinda, e para a Francisca, de nação Banguela.
Os dois escravos eram africanos, e, possivelmente, tiveram a experiência da liberdade
antes de serem embarcados como cativos para o Brasil. Por isso, provavelmente sonharam,
enquanto escravos, em voltar a serem livres. E mesmo alcançando manumissão em idades
avançadas, eles passariam a gozar do privilégio de ir e vir
81
, e, se os compararmos com os
demais cativos que permaneceram sob o jugo da escravidão, os mesmos ascenderam
socialmente. Assim, essas alforrias, embora aos olhos contemporâneos possa parecer um
engodo, de fato livrou esses cativos da escravidão.
Ainda que as fontes analisadas não fossem suficientes para afirmarmos que o escravo
idoso tivera mais chances de chegar à liberdade que o cativo em idade produtiva, parece que o
aspecto econômico (como demonstrou a historiografia) deve ter favorecido esses escravos a
alcançarem a liberdade. Mas, além considerarmos esse aspecto econômico em nossas análises,
também entendemos que os escravos em idades avançadas, sobretudo os africanos, tiveram
mais tempo de convivência com seus proprietários e, por isso, mais oportunidades em
estabelecer uma negociação cotidiana a fim de conseguirem a carta de alforria. Para discutir
essa questão, vejamos o seguinte documento:
Digo eu, José Marcelino de Barros, abaixo assinado, que, entre os
mais bens que possuo com livre e geral administração, é bem assim um preto
por nome Joaquim, nação Congo, maior de sessenta anos, o qual por me ser
muito fiel e verdadeiro, e me haver prestado bons serviços muito de minha
livre vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma lhe confiro
liberdade, para a gozar de hoje em diante como se liberto nascesse do ventre
de sua mãe, e do mesmo não recebi quantia alguma (...).
82
81
Mesmo que a escrava Francisca, permanecesse com seus senhores, poderia ter esse privilegio que seria
agregada à casa.
82
ARSJR. Livro de Notas 09 (1831 a 1833), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Joaquim
Songo, passado por José Marcelino de Barros, 1832, folhas 30. Grifo nosso.
66
Ao longo do tempo em que permaneceu no cativeiro, Joaquim Congo, percebeu quais
as atitudes que deveria tomar para alcançar a liberdade. Obteve a confiança de seu
proprietário e, posteriormente, a liberdade por ter convencido o Sr. José de Barros que era seu
escravo “fiel e verdadeiro”. Já o seu senhor José Barros se beneficiou com um escravo “fiel e
verdadeiro”. Assim, podemos dizer que, mesmo sendo mais difícil aos escravos estrangeiros
que aos crioulos se enquadrarem no jogo paternalista, os africanos idosos entenderam os
costumes brasileiros e a relação que deveriam manter com seu senhor para obterem
determinados privilégios.
Na mesma perspectiva, também podemos pensar que, mesmo os escravos idosos
nascidos no Brasil, quando conviviam um período maior na propriedade de um mesmo
senhor, também tiveram mais facilidade em estabelecer uma relação paternalista com seu
proprietário e, assim, obterem alguns privilégios enquanto escravos ou mesmo a carta de
alforria. Vejamos novamente a fonte:
Digo eu, Pedro Teixeira Nogueira, que, entre os bens que ficarão por
falecimento do meu irmão, Padre João Teixeira Álvares, é bem assim uma
escrava por nome Maria parda, de idade de cinqüenta anos pouco ou mais ou
menos, casada com Joaquim Teixeira, a qual com outros escravos foram
injustamente arrecadados pelo tesoureiro do juízo, como se está mostrando,
porque é de minha vontade, e de todos os mais interessados habilitados,
fique a dita escrava Maria forra assim o declaro por este papel, que lhe
servirá de tributo, e de hoje em diante, poderá gozar de sua liberdade como
forra que fica sendo (...).
83
Neste documento, vemos que a escrava Maria, além de ter alcançado a alforria gratuita
de seu senhor, também era casada enquanto escrava. Assim, podemos inferir que a relação
paternalista, estabelecida entre Maria e seu proprietário, beneficiou-lhe com o casamento, e
com a posterior alforria. Mas, não podemos considerar que somente a escrava obteve proveito
dessa relação, afinal, seu proprietário a mantivera cativa e submissa até que Maria ficasse
idosa.
84
83
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821 a 1825), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Maria parda,
passado por Pedro Teixeira Nogueira, 1821, folhas 4.
84
A historiografia vem discutindo em que medida a família escrava beneficiaria o domínio senhorial ou então,
favoreceria a resistência dos escravos: “Atualmente a relevância da família escrava na historiografia se relaciona
às estratégias de forjar redes de solidariedade e resistência no cativeiro. Assim, a família escrava se torna um
lócus importante de tensões, na perspectiva do controle social por parte da casa-grade e na conquista de regalias
pela senzala.” (GRAÇA FILHO; PINTO, 2008, p. 50). Para saber mais ver: GRAÇA FILHO, Afonso de
Alencastro & PINTO, Fábio Carlos Vieira. Tráfico e família escrava em Minas Gerais: o caso de São José do
67
Passemos a discutir a alforria dos escravos ainda bebês, crianças ou mesmo
adolescentes. Antes de refletirmos se esses escravos tiveram mais facilidades de chegar à
liberdade, devemos analisar até que idade o escravo é considerado jovem a ponto de ainda não
estar apto para o trabalho. Encontramos anúncios de venda de escravos novos, como os
seguintes: “Quem quiser comprar uma escrava de idade de 12 a 15 anos, que sabe lavar,
engomar e coser; dirija-se a esta Tipografia para se ajustar.”
85
“Quem quiser comprar uma
escrava, idade de 14 a 15 anos, que saiba cozinhar, lavar, engomar, e tanto o mais tráfico de
uma casa, dirija-se a José Rodrigues Vianna na Rua da Prata”
86
.
Desses anúncios, pudemos depreender que os escravos de 12 anos em diante
estavam em plena produção. Mas, antes mesmo dessa idade, os cativos poderiam trabalhar.
Vejamos as considerações de Venâncio sobre a idade em que os escravos eram considerados
ingênuos:
A denominação ‘ingênuo’ compreendia basicamente os recém-nascidos, mas
podia ser estendida aos cativos de até sete anos de idade; a categoria
‘adulto’ era atribuída aos maiores de 8 anos, embora haja casos excepcionais
de crianças com cinco ou seis anos sendo consideradas ‘adultas’.
87
Através desta citação, podemos perceber a dificuldade em se definir, a partir da idade,
a condição de criança ou de adulto do escravo. Tendo em mente que um dos motivos para se
alforriar um escravo jovem era diminuir os custos com o seu sustento, podemos pensar que o
escravo com sete anos ainda não estava numa idade propícia ao trabalho. No entanto,
percebemos que não devemos ser rígidos ao associarmos a idade à produção, mesmo porque
essa é uma questão que depende da particularidade física de cada escravo e da subjetividade
de seu proprietário. Mas, para prosseguirmos na discussão, classificamos como escravos
muito jovens aqueles de até nove anos, seguindo assim, a categorização de Peter Eisenberg.
Se considerarmos que os senhores alforriavam os escravos muito jovens a fim de
evitarem os custos com o seu sustento, devemos pensar o que deve ter sido feito de um
escravo recém-nascido, ou mesmo de um cativo com pouco mais ou menos de três a quatro
anos, caso recebesse a alforria gratuita. Provavelmente esses escravos tivessem de permanecer
como agregados na propriedade, o que não isentaria o senhor de seu sustento, ou então foram
Rio das Mortes (1743-1850). In: GONÇALVES, Andréa Lisly; ARAÚJO, Valdei Lopes (org). Estado, região e
sociedade: contribuições sobre a história social e política. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008.
85
Astro de Minas, nº 553, sábado, 11/07/1831.
86
Astro de Minas, nº 569, terça-feira, 19/07/1831.
87
VENÂNCIO; GAMA, 1991. p. 29. Apud: GONÇALVES, 1990, p. 247.
68
deixados em outras casas ou abrigos para órfãos,
88
não ficando, portanto; nem com os pais,
muito menos com as mães escravas.
89
Vejamos o seguinte caso:
Pela presente Carta de Liberdade gratuita a Margarida pardinha, de
nove meses pouco mais ou menos, filha de Plácida crioula, minha escrava,
em remuneração dos serviços desta, e por conseqüência de hora em diante
fica por esta a dita pardinha Margarida gozando de sua liberdade como que
nascesse do ventre livre [...]
90
.
O interessante desse documento é o fato de Maria Benedita de Souza não conceder a
liberdade à Plácida e à filha, mas, somente à filha de nove meses. Com o objetivo de entender
o que foi feito de Plácida e a filha Margarida, buscamos o inventário post-mortem da
proprietária da escrava. Localizamos o documento, no entanto, nele não referências a
Plácida nem a sua filha Margarida, de certo, devido ao Inventário ser do ano de 1870, quando
a mãe de Margarida provavelmente já tivesse falecido.
Assim, pensamos que nesse caso, Margarida deve ter ficado na companhia da mãe até
ter a idade suficiente para seguir outro caminho. Provavelmente o que motivou Maria
Benedita de Souza a conceder a liberdade gratuitamente a Margarida deve ter sido uma
possível relação paternalista estabelecida entre ela e a mãe da escrava. Nesse víeis, podemos
considerar que a proprietária da escrava se beneficiou ao conceder a alforria à filha de sua
escrava, afinal, apaziguou a latente ameaça de insubordinação de sua escrava, ameaça essa,
intrínseca às relações escravistas.
Ainda sobre a relação paternalista, podemos considerar que esta alforria prestou-se
como um exemplo para que os demais escravos do plantel permanecessem submissos e
prestando bons serviços, a fim de alcançarem o mesmo benefício concedido à filha de Plácida.
Também devemos refletir que outros fatores, como as relações sociais dos cativos ou
mesmo o fato de o proprietário ser o pai do escravo, levaram à alforria de um cativo jovem.
Vejamos um exemplo sobre a existência de laços familiares do escravo com indivíduos
libertos ou livres:
88
MARCILIO, M. L. e VENÂNCIO, R. P. Crianças abandonadas e primitivas. Formas da sua proteção, séculos
XVIII e XIX. In Anais do VII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte: ABEP/CNPq, vol.
I, 1990, PP.321-338.
89
Afonso de Alencastro Graça Filho e Fábio Carlos Vieira Pinto ao estudarem os testamentos e inventários de
São Jo del-Rei perceberam que havia uma preocupação nas partilhas, em não separar os casais escravos.
Entretanto, não havia a mesma preocupação com relação aos filhos destes casais, que freqüentemente eram
separados de seus pais. (GRAÇA FILHO; PINTO, 2008, PP. 55-62).
90
ARSJR. Livro de Notas 07 (1828 a 1830), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Margarida
pardinha, passado por Maria Benedita de Souza Fontes, 1828, folhas 23.
69
Digo eu, o Capitão Antônio José Teixeira, na qualidade de
testamenteiro do Capitão Antônio José Mendes Leitão, que, entre os bens
que achei na testamentária, tomei conta bem assim a ser de uma crioulinha
por nome Maria, de idade de ano, pouco mais ou menos, filha de Joana
Crioula, a qual foi apresentada aos avaliadores, e vista avaliarão em trinta
mil reis, logo apareceu Francisco Gonçalves Martins, preto da Costa, e disse
que queria dar a sua avaliação para a mesma liberta, a que eu aceitei, e,
cobrindo o dito preto a abalroação com novecentos reis, recebi da mão do
mesmo preto Francisco Gonçalves Martins trinta mil e novecentos reis, e por
esta razão a forro, hei por forra, de toda a escravidão de hoje para todo o
sempre, como do ventre nascesse, (...).
91
Neste documento, vemos que não foi Joana Crioula, mãe da escrava recém nascida,
que pagou por sua alforria, e sim o africano Francisco Gonçalves Martins que inclusive,
cobriu o valor de sua avaliação. Pelo documento, não podemos afirmar que Francisco Martins
era o pai da crioulinha Maria,
92
no entanto, ao que tudo indica, ele deveria ter muito apreço
pela mãe da crioulinha, ou mesmo ter alguma relação de compadrinho.
93
Assim, podemos
considerar que o fator afetivo foi o motivador da compra dessa alforria.
Ainda sobre as relações familiares, o motivo para a alforria pode ter sido a questão de
o proprietário ser o pai do cativo. Vejamos o seguinte exemplo:
(...) Digo eu, Antônio Rodrigues de Arruda, que entre os bens que
possuo é hum escravo por nome Luís que sempre obtive por escravo, e ele é
meu filho, que pelos anos que lhe tenho o hei por forro e liberto de hoje em
diante como se forro nascesse do ventre de sua mãe, e é minha vontade que
desde entre a gozar da dita liberdade e poderá livremente tratar de sua
liberdade sem constrangimento de pessoa alguma e quero que esta carta
tenha todo o inteiro vigor, como se fosse passada em uma Nota pública.
(...)
94
Antônio Rodrigues de Arruda também alforriou outro filho de nome Matias.
95
As
cartas de Luís e Matias foram concedidas no mesmo dia, e se assemelham quantos às
91
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1821), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Maria passado
por Capitão Antônio José Teixeira, 1821, folhas 126 v.
92
Caso se trate do pai de Maria, podemos pensar que este não teve dinheiro para comprar a alforria da mãe antes
de ela engravidar, mas sim a alforria da filha, que por ser ainda um betinha um valor menor que sua mãe no
mercado de escravos.
93
“De fato, o compadrio é uma relação parental de base espiritual, mas, nem por isso, menos importante do que
aquelas de outros tipos, como as de base consangüínea ou o parentesco por meio de alianças matrimoniais, por
exemplo, sobretudo no âmbito de uma sociedade em que o cristianismo a tudo plasma.” (FLORENTINO; GÓES,
1997, p. 91-92).
94
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821 a 1825), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Luis passado
por Antônio Rodrigues de Arruda, 1824, folhas 174 v.
95
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821 a 1825), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Matias
passado por Antônio Rodrigues de Arruda, 1824, folhas 175 v.
70
informações que fornecem. Há a menção de esses indivíduos serem crias da casa, mas, não se
informa a idade dos cativos quando foram alforriados, entretanto, através da afirmativa do
senhor “Pelos anos que lhe tenho”, podemos pensar que, mesmo sendo seus filhos, estes
ficaram em seu poder como escravos por algum tempo.
Ainda que conclusões mais acabadas acerca do comportamento das alforrias, a partir
da idade dos cativos, fiquem prejudicadas, pela falta de informações, uma vez que a grande
maioria das cartas não traz registrada a idade do cativo. Vimos que pode ser muito proveitoso
relacionar as cartas - que contêm a idade do alforriado - a outras questões como ao significado
da liberdade para um escravo idoso, ou mesmo a relação paternalista estabelecida entre
senhores e seus escravos.
3.2.3 Alforrias das crias da casa: a proximidade como um facilitador
Embora as alforrias das crias da casa possam ser discutidas juntamente com as
manumissões das crianças, optamos por analisá-las em separado. Isso porque nem sempre na
documentação referência à idade do escravo que foi criado na casa senhorial, ou seja, a
alforria de uma cria da casa pode ter sido concedida quando o escravo estava numa idade
produtiva. Em segundo, por acreditarmos ser mais proveitoso para o debate sobre a relação
paternalista, analisá-las em separado das alforrias concedidas aos cativos jovens.
A proximidade dos senhores com os filhos de suas escravas, provavelmente resultaram
na afeição, no carinho, ou até mesmo no amor dos proprietários pelas crias de sua casa. Essa
relação pode ter favorecido a concessão da alforria para alguns desses escravos. Nas cartas de
manumissão estudadas é freqüente a justificativa de a concessão senhorial estar vinculada ao
fato de o escravo ser cria da casa. Vejamos a alforria concedida gratuitamente por Dona
Luíza Thereza de Jesus ao escravo crioulo Joaquim:
(...) o qual dito escravo o hei de por forro, e com efeito forro o tenho
como se forro nascesse do ventre de sua mãe, pelos bons serviços que e
tenho tido, e por tê-lo criado, e ser minha cria, e ter-lhe amor, e por fazer-lhe
71
esta esmola, que poderá gozar de sua liberdade por onde muito lhe parecer
(...).
96
Das 183 cartas de alforria analisadas para esta pesquisa, em 53 delas, há a menção de o
alforriado ser cria da casa.
TABELA 6: Porcentagem das crias da casa
Proximidade % Total
Cria da Casa 29% 53
Não informa 71% 130
Total 100% 183
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
Como mostrado, pouco menos de um terço das cartas de alforria estudadas foi
concedido aos escravos que nasceram na propriedade escravista. Pensamos que esses 29% são
um dado relevante para ponderarmos sobre vários aspectos da relação senhor - escravo, mas o
principal é a questão da proximidade constituir-se num facilitador para o estabelecimento de
uma relação paternalista entre escravos e senhores. E, claro, por isso, ser passível de
entendimento distinto por senhores e escravos. Gonçalves, em sua tese, havia tecido alguns
comentários a respeito. Vejamos as palavras da autora:
Afinal, muitas senhoras (...) referiam-se aos filhos de suas
escravas como “minha cria”, referência essa que aparece em vários papéis de
liberdade como razão da concessão da alforria, mesmo que mais abaixo
pudesse constar a cobrança de alguma quantia em dinheiro, evidência de que
o primeiro motivo, ainda que importante, talvez não fosse suficiente.
Tratar como suas crias as filhas de suas escravas parece revelar a
contraditória disposição das proprietárias de reforçarem o seu direito de
propriedade sobre a descendência de suas cativas, ao mesmo tempo que
demonstrava a tentativa de estabelecimento de um vínculo de tipo
paternalista. (GONÇALVES, 1999, p. 255).
Antes de avançarmos, vale ressaltar que não pretendemos entrar na discussão sobre o a
existência ou não de uma reprodução endógena de escravos com vistas à reposição da mão-
de-obra. Principalmente, porque nesse caso, seria contraditório pensarmos que o proprietário
escravista incentivava a reprodução, e, depois, alforriava a cria da casa.
96
ARSJR. Livro de Notas 5 (1825 a 1826), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Joaquim
Crioulo passado por Dona Luíza Thereza de Jesus, 1826, folhas 49-49 v.
72
Entendemos que, para o estabelecimento de uma relação paternalista entre senhores e
escravos, era fundamental que esses senhores mantivessem uma relação próxima aos seus
escravos. Entretanto, a proximidade entre dominados e dominantes não implica que tais
senhores tivessem que viver em propriedades com poucos escravos. Quando Genovese
(1988) estudou a relação paternalista no sul dos Estados Unidos, demonstrou que, mesmo na
plantion, não havia um distanciamento olímpico entre senhores e escravos.
Os historiadores vêm insistindo muito tempo em que os donos de
plantation mal conheciam seus trabalhadores, e que até mesmo os de porte
médio restringiam seus contatos aos escravos domésticos, a alguns
trabalhadores qualificados e a trabalhadores especiais. Na realidade,
pouquíssimos possuíam tamanha quantidade de escravos em tão grande
número de plantation que exigisse esse tipo de distanciamento. Até mesmo a
maioria dos proprietários absenteístas conhecia seus trabalhadores pelo
nome e sabia alguma coisa sobre suas qualidades pessoais, e alguns senhores
que possuíam grande número de escravos eram vistos por seus próprios
trabalhadores como senhores bondosos. (GENOVESE, 1988, p. 29).
Para Genovese, mesmo nas plantations, que possuíam administradores ou feitores, os
senhores não se furtavam em saber sobre seus escravos. Inclusive, esse autor demonstra que
alguns proprietários escutavam a opinião dos cativos sobre a eficiência de seus
administradores (1988, p. 38). Além do que, as senhoras podiam até mesmo ajudar suas
escravas enquanto estas pariam (1988, p. 115). Assim, a relação paternalista não é
exclusividade de pequenos ou de grandes plantéis, e, sim, das especificidades de cada região,
período e da relação estabelecida entre dominantes e dominados.
97
A afeição resultante da proximidade com as crias da casa não era exclusividade das
senhoras. Senhores, também, alforriavam os escravos que nasceram sob seu jugo.
(...) movendo-me o paterno amor que a mesma escrava acima
mencionada, tenho pela boa vontade com que sempre me serviu, e pelo
sofrimento de onze partos que teve, apesar que destes existem sete crias
no presente por haverem falecidos dois ao depois de desmamados, e outros
dois que nasceram gêmeos também logo morreram e assim mais um aborto
passados, (...) (Fl.62) (...) (Fl.62 v) teve três crias de nome Manoel;
Francisco e Manoela; que se acham em meu poder livres e desembargados, e
por ter eu o pleno domínio deles por serem partes do ventre de que sou
97
De acordo com Gilberto Freyre, os escravos que conviviam na casa-grande tinham mais chances que os
demais de estabelecerem relações mais próximas com seus senhores: “A casa-grande fazia subir da senzala para
o serviço mais íntimo e delicado dos senhores uma série de indivíduos amas de criar, mucamas, irmãos de
criação dos meninos brancos. Indivíduos cujo lugar na família ficava sendo não o de escravos mas o de pessoa
de casa. Espécie de parentes pobres nas famílias européias. À mesa patriarcal das casas-grandes sentavam-se
como se fossem da família numerosos mulatinhos. Crias. Malungos de estimação. Alguns saíam de carro com os
senhores, acompanhando-os aos passeios como se fossem filhos.” (FREYRE, s/d, 371)
73
senhor, e como tais é de minha livre vontade fazê-los libertos, livres de todo
o cativeiro como se libertos nascessem (...).
98
Neste documento, vemos que o amor paterno, os bons serviços prestados e o
sofrimento da escrava Maria Rebola com os 11 partos que teve são usados como justificativas
para a concessão da alforria. Não como afirmar que algum dos filhos de Maria Rebola
fosse filho do proprietário que os manumitiu. Mesmo no Inventário,
99
não dados para
fazermos tal afirmativa. Entretanto, vemos que a proximidade do senhor com a escrava, e com
suas crias fez com que ele as libertasse gratuitamente. Mas o amor paterno que tinha por
aquela escrava não o levou a conceder a liberdade gratuita para os demais filhos da escrava.
Assim, novamente, somos levados a pensar que, ao alforriar a mãe e alguns irmãos, José
Oliveira pretendia manter os demais filhos e escravos do plantel submissos.
Mas, não podemos pensar que todos os senhores agiam sempre com “segundas
intenções”. De fato, o amor que pode ter surgido por havê-los criado, o amor paterno ou
mesmo o humanismo pode ter motivado a alforria. Vejamos o seguinte caso de alforria
concedida gratuitamente em testamento:
Declaro que, por humanidade e bem fazer, passei carta de Liberdade
aos escravos seguintes: Cesário pardo, filho natural de fina parda, (...) assim
mais Luís pardo, filho natural de Vitória crioula (...). Assim, outra de nome
Rita de cor cabra, filha da mesma Vitória crioula (...).
100
Duas ressalvas devem ser feitas antes de avançarmos: não nos é possível afirmar com
exatidão que o fato de ser cria da casa tenha sido preponderante para esses escravos
alcançarem a liberdade; não podemos ser incautos a ponto de afirmar que os termos usados
nas cartas condizem com o que de fato de que o proprietário pudesse sentir ou pensar.
Entretanto, a proximidade provavelmente facilitou o estabelecimento de uma relação
paternalista entre senhores e escravos, e de alguma forma os cativos acabaram transformando
essa proximidade em uma forma de se chegar à liberdade. Vejamos outro excerto:
98
ARSJR. Livro de Notas 8 (1830 a 1831), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Maria, de
nação Rebola, por si e por cabeça de seus filhos Manoel; Francisco e Manoela, passado por JoFrancisco de
Oliveira, 1831, folhas 61v-62 v.
99
ARSJR/INV caixa 370. Inventário post-mortem de Joana Eufrásia da Cruz e José Francisco de Oliveira
São João del-Rei, 06 de janeiro de 1830.
100
ARSJR/TEST caixa 47. Testamento do Capitão Bernardo José Gomes Carneiro. São João del-Rei, 28 de
abril de 1847, fl. 16.
74
Digo eu, Theodora Pereira da Silva, que sou (Fl. 76 v) senhora e
possuidora de um escravo crioulinho por nome Manoel, de idade de cinco
anos com pouca diferença, filho de minha escrava, Maria de nação Rebola,
que, em atenção ao grande amor que lhe tenho, e havê-lo criado em meus
braços como filho próprio, o hei por forro livre e liberto, e isento de toda
escravidão como se livre nascesse do ventre da dita sua mãe [...].
101
A proximidade com o filho da escrava fez com que a senhora se afeiçoasse à criança,
concedendo-lhe a liberdade. Podemos supor que neste caso havia uma via de mão dupla.
Afinal, a e do manumitido ganha com a liberdade de seu filho, e, em contrapartida, a
proprietária ganha com gratidão da mãe escrava a sua gratidão.
Percebermos que a proximidade entre escravos e senhores se dava de diversas formas.
No caso da proximidade decorrente das crias da casa, que podemos caracterizar como
afetivas, os beneficiários seriam os filhos das escravas e, conseqüentemente, a própria mãe da
cativa que teria o seu filho liberto. Além disso, o próprio dono do escravo se beneficiaria,
afinal, poderia usar da concessão da alforria como um exemplo para os demais escravos
mantendo, assim, a dominação sobre os outros cativos.
Mas, ainda no que tange à proximidade das relações entre dominados e dominantes,
como bem ressaltou Douglas Cole Libby (2008), ela pode ter tido resultados incertos: “(...)
Todos sabemos que a proximidade constante tanto pode gerar afeto genuíno, quanto pode
gerar desafeto constante, e passível de se transformar em repentinos impulsos violentos. (...)”
(p.37).
3.2.4 As formas de obtenção da alforria
Até então, procuramos analisar se algumas características dos escravos, ou mesmo, se
as relações que estabeleciam com seus proprietários, lhes facilitariam chegar à liberdade.
Agora, passamos a avaliar se as formas ou circunstâncias que os cativos se manumitiram
podem ser associadas à relação paternalista estabelecida entre os senhores e seus cativos.
101
ARSJR. Livro de Notas 5 (1825 a 1826) Ofício, o João del-Rei. Título de Liberdade de Manoel
Crioulo passado por Theodora Pereira da Silva, 1826, folhas 76-76 v.
75
Em todas as cartas de alforria estudadas para esta pesquisa, a menção de como o
escravo chegou à liberdade. A fim de facilitar a sua análise dividimos, a princípio, as alforria
em dois grandes conjuntos: as condicionais e as gratuitas, seguindo assim uma das
classificações feita por Andréa Lisly Gonçalves (2009) e por outros estudiosos sobre o
assunto.
102
TABELA 7: Divisão das Alforrias
Forma % Total
Gratuita 35% 131
Condicional 65% 245
Total 100% 376
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
Consideramos gratuitas as cartas concedidas aos escravos sem ônus algum, ou seja,
sem que o cativo tivesse de prestar serviços, efetuar qualquer tipo de pagamento ou mesmo
estar vinculado a alguma outra condição. Vale lembrar, como bem demonstrou Peter
Eisenberg, que “A alforria nunca foi gratuita. Mesmo sem ter de pagar dinheiro ou prestar
serviços para receber a alforria, o indivíduo, durante a sua vida de escravo, entregava
valores para o senhor, sem que tivesse havido uma contrapartida de valores iguais entregues
ao escravo.”
103
Acrescenta-se aí a situação da não-gratuidade da alforria, a questão de como o
escravo conquistou ou mesmo chegou a ser merecedor dessa carta. A fim de aventar
respostas, vamos a um exemplo:
Digo eu, padre José Domingos de Carvalho, que, entre os bens que possuo
livres e desembargados, bem assim é uma escrava por nome Mariana crioula,
filha de Josefa Mina, cuja escrava pelos bons serviços que me tem feito, e
pelo amor que lhe tenho com atenção ao muito que me tem servido na minha
enfermidade, e pelo amor de Deus, hei por forra e liberta, de hoje para todo o
sempre, como se tal nascesse do ventre de sua mãe, para que possa
livremente tratar de sua vida, sem embaraço algum, não me fazendo falta nas
minhas enfermidades, (...).
104
102
Ressaltamos que: “A grande variedade de tipos de alforria e de condições impostas para a sua concessão é
causa de enormes dificuldades para se definir uma tipologia das formas de alforria. A elaboração de tipologias
distintas por diversos pesquisadores também dificulta a comparação.” (ALADRÉN, 2007, p. 133)
103
EISENBERG, 1987, p. 210.
104
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1831), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Mariana
Crioula, passado pelo padre José Domingos de Carvalho, 1821, folhas 122 v; 123. (Grifo nosso).
76
Através das palavras do padre José Domingos, podemos perceber que Mariana tivera
mãe conhecida, o que nos indica que ela manteve uma relação de proximidade com seu
proprietário. Além dessa relação, Mariana crioula vinha prestando bons serviços ao seu
senhor, e soube ser merecedora de sua gratidão quando este estava enfermo. Assim, podemos
inferir que, enquanto escrava, Mariana tecera estratégias que acabaram levando seu
proprietário a dar-lhe a liberdade dita gratuita. Para Manolo Florentino (2002), as alforrias
gratuitas, que aumentaram no Rio de Janeiro a partir da década de 1840, representam o auge
da politização na busca da alforria.
105
A fim de avançarmos na discussão sobre as alforrias gratuitas, dividimo-las da
seguinte maneira:
TABELA 8: Distribuição das alforrias gratuitas.
Origem % Total
Brasileiros 73% 96
Africanos 19% 25
Ausentes 8% 10
Total 100% 131
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade
examinado.
A partir desta tabela, vemos que o número de brasileiros era superior ao de africanos
na obtenção da alforria gratuita, entretanto, devemos considerar que os nascidos no Brasil
também eram a maioria no montante da fonte. Assim, se fizermos a relação entre o total de
africanos e de brasileiros, veremos que, dos 64 africanos alforriados, 39% conquistaram a
liberdade de forma gratuita. Já do lado brasileiro, dos 283 alforriados, 34% chegaram à
liberdade gratuitamente. Este percentual de africanos é relevante para nossas análises, afinal,
consideramos, acima, que os nascidos no Brasil tinham mais meios que os africanos de
negociarem sua liberdade. Entretanto, os dados quantitativos mostram-nos que os africanos
também souberam ser políticos quando quisessem arrancar de seus senhores a liberdade de
forma gratuita. A fim de verificar se os africanos alforriados gratuitamente haviam convivido
um longo período no cativeiro, montamos, a partir das cartas de alforria de africanos que
mencionam a idade, a seguinte tabela:
105
FLORENTINO, 2002, p. 20; 21.
77
TABELA 9: Divisão por idade dos africanos alforriados.
Idade Africanos
Condicional
Gratuita
0-9 anos 0 0 0
10-19 anos 0 0 0
20-29 anos 1 1 0
30-39 anos 1 0 1
40-49 anos 1 0 1
50-59 anos 0 0 0
60-69 anos 4 2 2
70-79 anos 1 0 1
Total 8 3 5
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
Como demonstrado nesta tabela, em apenas 8, das 64 cartas de alforria de africanos,
a menção da idade do alforriado. Entretanto, mesmo sendo escassos os dados, pudemos
notar que a maioria dos africanos alforriados gratuitamente tinha idades avançadas, ou
mesmo, era idoso. Assim, podemos inferir que tiveram uma convivência, uma proximidade
com seus senhores que lhes possibilitou tecer os caminhos para a liberdade, questão já
aventada por esta dissertação. Outro fator que corrobora para endentemos os africanos
chegando à liberdade de forma gratuita é a questão de muitos deles já conviverem com
práticas escravistas em seu continente, sendo inclusive, um dos principais meios de
enriquecimento individual dos africanos envolvidos com o tráfico de escravos.
106
Ou seja,
podemos inferir que nem todos os africanos eram alheios às práticas escravistas e às
estratégias políticas que deveria empreender para obterem a carta de alforria. Entretanto, tais
hipóteses ainda carecem de dados empíricos e de um aprofundamento sobre as características
da relação senhor - escravo na África.
Consideramos alforrias condicionais
107
as que foram alcançadas através do pagamento
à vista, da troca por outro cativo, do pagamento parcelado (coartação), as condicionadas à
106
Sobre esse assunto, ver a análise do livro de João Pedro Marques (2004) feita por Manolo Florentino.
FLORENTINO, Manolo. Portugal e a escravatura dos africanos. Análise Social. 2007, n.185, p.1140-1144.
Disponível: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n185/n185a12.pdf Acesso em 17 de julho de 2009.
107
“Por Direito Romano, o statuliber era aquele que tinha a liberdade determinada para um certo tempo, ou
dependente de condição.” (MALHEIRO, 1866, p. 157). Malheiro também demonstra, para o Brasil escravista, o
estado jurídico em que se encontrava o escravo alforriado sob condição: “Entre nós, porém, que não podemos
aceitar sem restrições aquelas disposições do Direito Romano por incompatíveis com a boa razão, e fundadas em
ficção, em subtilezas, em costumes e idéias peculiares daquele povo, nem a doutrina da legislação da União (Sul)
Americana por motivos semelhantes, atendendo por outro lado à índole de nossas leis, aos nossos costumes e ás
78
morte do proprietário
108
, e as que são, ao mesmo tempo, pagas e condicionadas à morte do
senhor. Assim, das 376 alforrias estudas para esta pesquisa, 131 foram gratuitas, e 245
condicionais.
109
Quanto às formas de concessão de alforria, entendemos que as manumissões
condicionais expressam bem o domínio paternalista dos senhores: “A concessão ‘gratuita’ de
uma alforria ‘sob condição’ constituí-se muito mais numa estratégia de controle do que numa
demonstração de generosidade por parte dos senhores.” (PIRES, 2006, p. 05). Desse modo,
percebemos que vários fatores podem ter proporcionado ao escravo chegar à liberdade pelas
vias legais, mas, mesmo que não fosse algo consciente aos senhores e aos escravos,
entendemos que o motivo predominante para a alforria fora a ideologia paternalista existente
na relação senhor - escravo. Para melhor discutir as manumissões condicionais, dividimo-las
nas suas diferentes formas. Vejamos a tabela resultante:
TABELA 10: Divisão das alforrias condicionais.
Divisão das Alforrias Condicionais Total %
Condicional ao Falecimento 210 86%
Paga 13 5%
Coartação 11 5%
Paga e condicional ao falecimento 8 3%
Troca 3 1%
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade
examinado.
idéias do século e época, assim como a que o favor à liberdade sem quebra de um direito certo e incontestável de
terceiros é o grande e seguro regulador em tais questões, devemos concluir: que o statuliber é liberto, embora
condicional, e não mais rigorosamente escravo; 2º que ele tem adquirido desde logo a liberdade, isto é, o direito,
ou antes, tem desde logo sido restituído á sua natural condição de homem e personalidade; que fica
retardado o pleno gozo e exercício da liberdade até que chegue o tempo ou se verifique a condição; á semelhança
dos menores, que dependem de certos fatos ou tempo para entrarem, emancipados, no gozo de seus direitos e
atos da vida civil; que pode fazer aquisições para si, como os menores; que não é passível de açoites nem
de penas exclusivas dos escravos; nem ser processado como escravo; que não pode ser alienado, vendido,
hipotecado, adquirido por usucapião; é mesmo crime de reduzir à escravidão pessoa livre. responde pessoal e
diretamente pela satisfação do ito como pessoa livre; os filhos da statulibera são livres e ingênuos, visto como
livre é o ventre. A condição ou o termo não mudam ou alteram a sorte da mãe quando á sua verdadeira e
essencial condição de livre; que o serviço, a que o statuliber seja ainda obrigado não é propriamente servil;
10º que não ai patrono a respeito mesmo dos assim libertos, á exceção somente do próprio ex-senhor.”
(MALHEIRO, 1866, p. 167-169).
108
Não localizamos cartas cuja liberdade estava vinculada à prestação de algum determinado serviço por um
tempo pre estabelecido, e sim a prestação de serviços enquanto o senhor fosse vivo, que denominamos de
condicional ao falecimento.
109
A título de comparação Peter Eisenberg constatou que: “Somadas todas as alforrias em Campinas durante o
período de 1798 a 1888, encontramos uma distribuição praticamente igual de alforrias gratuitas e onerosas.”
(EISENBERG, 1987, p. 196).
79
Através desta tabela pudemos constatar que a manumissão condicionada ao
falecimento do proprietário predominava no tempo e na região pesquisada. Vejamos
exemplos:
Digo eu, abaixo assinado, Félix Gomes da Silva, que foi tutor,
possuidor, com livre e geral administração, de uma escrava por nome de
Benedita crioula, filha de João e Thereza, a qual continuará a servir-me na
mesma qualidade de cativa durante o tempo da minha existência, por minha
morte a hei por forra, e liberta, como assim nascesse da sua mãe, mas por
gratidão aos bons serviços que me tem feito, como por caridade que lhe devo
prestar, porque seja isto muito de minha vontade, meus herdeiros e
testamenteiros cumprirão, imploro de justiças de sua majestade dêem a este
papel todo o vigor, para que conste vai por mim firmado, perante as
testemunhas e geralmente assinadas.
110
No mesmo dia em que Félix Gomes da Silva concedeu a alforria à Benedita, ele
também manumitiu, nos mesmos termos, outro filho de João e Thereza: Francisco crioulo.
111
Em ambos os documentos, não a afirmativa de que os pais dos escravos alforriados fossem
escravos de Félix, no entanto, Félix era o tutor de Benedita, o que nos leva a crer que os pais
da escrava não pertencessem a seu plantel ou mesmo já houvessem sido alforriados.
Manuela Carneiro da Cunha (1986) demonstrou ser essencial para a política
paternalista de domínio senhorial a produção de dependentes.
112
Visto dessa forma, podemos
pensar que forros ou libertos, os pais dos escravos manumitidos no documento acima,
mantivessem uma relação de dependência com Felix, afinal este era o proprietário de seus
filhos. E mesmo Francisco e Benedita, alforriados sob a condição do falecimento de Félix,
dependiam da satisfação de Félix, em relação à qualidade dos serviços prestados. Vejamos
outro excerto:
Digo eu, Rosa Moreira de Oliveira, que, entre os bens que possuo
com livre e geral administração, é bem assim uma escrava crioula por nome
Brazida, filha de Maria, de Nação Rebolla, minha escrava, que a compramos
ao Capitão José Antônio de Castro Moreira, e a pagamos, e por ter criado na
minha casa, nasceu ela como minha filha, e ter-lhe muito amor, e
compadecer-me da dita minha escrava Brazida, e fazer-lhe benefício a forro
gratuitamente, e a hei por forra como que do ventre de sua mãe nascesse
liberta, ficando tal somente com a obrigação de me servir e acompanhar-me
110
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1821), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Benedita
Crioula passado por Félix Gomes da Silva, 1820, folha 72 v.
111
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1821) Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Francisco
Crioula passado por Félix Gomes da Silva, 1820, folha 73. (Grifo nosso)
112
Ver: CUNHA, 1986, p. 123-144.
80
enquanto eu viva for, e depois do meu falecimento ficará gozando dessa
liberdade, (...).
113
Os laços de dependência e os afetivos estabelecidos entre a escrava e sua senhora, ao
que parece, ajudaram Brazida a alcançar a carta de alforria condicionada ao falecimento de
Rosa de Oliveira. Brazida provavelmente ficara grata à sua senhora por esta “ter-lhe muito
amor” e lhe conceder a alforria. Afinal, Brazida tinha uma expectativa concreta,
documentada, que, após o falecimento de sua senhora, ela pudesse gozar sua liberdade. Por
sua vez, Rosa favoreceu-se ao manter Brazida grata, pela dádiva que lhe havia conferido,
acompanhando-lhe e servindo-lhe em vida. Entretanto, Rosa não poderia deixar Brazida para
seus herdeiros ou mesmo, não poderia dispor de sua escrava com uma possível venda. Assim,
devemos considerar que, ao conceder uma alforria condicional, o senhor do escravo acabou
por desfazer-se de sua propriedade.
114
Vamos a outro documento:
Digo eu, o Padre José Domingos de Carvalho, que, entre os mais
bens que possuo, é bem assim uma escrava crioula, por nome Clara, a qual
hei por forra, liberta de hoje para todo o sempre, como se nascesse do ventre
de sua mãe, lhe faço esta esmola pelo amor de Deus, para que ela, em
agradecimento disto, me haja de servir de melhormente, enquanto eu viver, e
peço que as justiças de sua Alteza Real dêem esta carta de liberdade inteiro
vigor cumprimento por ser minha livre vontade, e, para firmeza e clareza de
tudo, mande passar esta carta de liberdade, que assinei, (...).
115
Nessa e em outras cartas, percebemos ser recorrente dizer que “se faz pelo amor de
Deus, por caridade”, entre outras expressões que podem demonstrar algum alívio para a alma
do senhor que manumitiu o escravo. Assim, o aspecto religioso também deve ser considerado
como motivador para a alforria, seja ela condicional ou gratuita. Mas, o que chama a atenção
na carta de Clara é o Padre José Carvalho deixar explícito esperar que sua escrava fosse-lhe
grata pela alforria condicional que lhe concedeu e passasse a servir-lhe melhor. Embora
tenhamos de ter prudência para não levar as informações que as fontes nos trazem ao da
letra, nos parece que nesse caso o proprietário da escrava deixou claro o motivador para a
113
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1821), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Brazida
Crioula, passado por Rosa Maria de Oliveira, 1821, folha 113. (Grifo nosso).
114
Quanto à alforria condicionada ao falecimento, vejamos as palavras de Aladrén: “A análise desse tipo de
alforria na historiografia brasileira presume o interesse senhorial em garantir o bom comportamento e a
fidelidade dos escravos libertados. Os ex-cativos mantinham-se trabalhando, provavelmente, com mais
obediência, diligência e produtividade. Mas não se deve supor que esse tipo de alforria trazia apenas benefícios
aos senhores. Bem ou mal, eles estavam se desfazendo de um patrimônio, que não seria transmitido para os seus
herdeiros.” (ALADRÉN, 2007, p. 137).
115
ARSJR. Livro de Notas nº 4 (1821 a 1825), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Clara, passado
por Padre José Domingos de Carvalho, 1822, folha 23 v, 24. (Grifo nosso).
81
alforria de sua escrava: a relação paternalista que pretendia estabelecer com sua escrava para
que ela lhe fosse grato e lhe servisse melhor.
No dia 5 de maio de 1829, o Sargento-mor Antônio José de Barros alforriou, de forma
condicional ao seu falecimento, sete de seus escravos, sendo que dentre eles havia dois
casais.
116
Nos mesmo termo, no dia 2 de março de 1830, Antônio José de Barros alforriou
mais 9 escravos.
117
Antes mesmo de conceder essas alforrias, Antônio José de Barros havia
alforriado gratuitamente outras escravas.
118
A fim de saber o que aconteceu com os cativos
após o falecimento de seu proprietário, fomos à busca de seu testamento ou inventário.
Localizamos os documentos, e verificamos que Antônio deixou ratificado em testamento sua
vontade de alforriar esses escravos após seu falecimento. Entretanto, dentre os alforriados de
1829, está Justino Pardo que assim como os outros recebera a carta com a seguinte condição:
“de me prestar serviços somente enquanto eu for vivo sem que por eles possam pedir jornais,
e de sua liberdade desde o dou por empossados.” Mas, vejamos o que Antônio relata e
determina em seu testamento, redigido em 1837:
Declaro que apesar de o meu escravo Justino pardo ter sido
contemplado na liberdade que conferi a todos estes com cartas lançadas em
notas, contudo, como o mesmo passou a ser-me muito ingrato, praticando
imensos atos de desobediências, chegando ao ponto de tentar contra minha
existências com uma faca empunhada, que, de certo perecia nas mãos deste
malvado se não resisto com toda força com a outra que trazia por tal motivo
pois usando da faculdade que a lei me dá, desde me retrato e reclamo a
liberdade que lhe tinha conferido gratuitamente para ele Justino continuar na
escravidão de meus herdeiros que sustentarão esta minha vontade por todos
os mais que a lei lhes permitir.
119
116
ARSJR. Livro de Notas 7 (1828 a 1830), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de João, Rita,
Antônio Joaquim, Francisca, Justino, Joaquim e Cornélio, passado por Antônio José de Barros, 1829, folha 61 v-
63.
117
ARSJR. Livro de Notas 8 (1830 a 1831), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Ana,
Felizardo, Zeferino, Mecias, Mizael, Marcelina, fina, Joana e Maria Calista, passado por Antônio José de Barros,
1830, folha 04- 05 v.
118
No dia 20 de maio de 1819, Antônio José de Barros e sua esposa, Rita Maria de Jesus, alforriaram
gratuitamente Laureanna cabra, filha de sua escrava Joana Crioula. No dia 22 de novembro de 1822 Antônio
José de Barros também alforriou gratuitamente Margarida parda. A localização da documentação,
respectivamente: ARSJR. Livro de Notas nº 3 (1818 a 1821), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de
Laureanna cabra, passado por Antônio José de Barros e sua esposa Rita Maria de Jesus, 1821, folha 127.
ARSJR. Livro de Notas 10 (1833 a 1835), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Margarida
Parda, passado por Antônio José de Barros, 1835, folha 61 v.
119
ARSJR/TEST caixa 323. Testamento de Antônio José de Barros São João del-Rei, 15 de setembro de
1837, fl. 05. (Grifo nosso).
82
Essa documentação é elucidativa para entendermos as expectativas senhoriais quando
concedem a alforria condicional ao falecimento: manter o liberto servindo-lhes com gratidão e
obediência. Outro aspecto documentado que corrobora para essa assertiva é o fato de Antônio
de Barros afirmar em testamento que: “Ficam sujeitas à escravidão as partes que tenho em
Vicente, José Custódio e José Pedro, os quais se acham fugidos desde o tempo da [feitura] do
Inventário de minha falecida mulher.” Fomos à busca do ano do inventário de Rita Maria de
Jesus e verificamos que ele é de 1824,
120
ou seja, cinco anos antes de Antônio de Barros ter
concedido a primeira carta coletiva de alforria condicionada ao seu falecimento.
121
Assim,
podemos inferir que, após Antônio de Barros perder três escravos através de fugas, ele
provavelmente pensara que para manter seus escravos submissos, fosse conveniente alforriar
parte de seu plantel com a condição de servi-lhe enquanto fosse vivo, mesmo que para isso
tivesse de abrir mão de deixar os escravos para seus herdeiros.
Entretanto, os escravos alforriados dessa forma somente poderiam desfrutar de sua
liberdade após o falecimento de seu proprietário, e, ao que parece, Justino pardo tentou
antecipar o termino da existência de seu senhor. Nesse conjunto documental, carta de alforria,
testamento e inventário post-mortem, também nos foi possível acompanhar parte da trajetória
de outros escravos alforriados naqueles termos. Antônio Joaquim e sua mulher Francisca
foram contemplados em 1829 com a liberdade condicionada ao falecimento de seu senhor.
Antônio de Barros veio a falecer no dia 11 de julho de 1841, quando Francisca estava com
56 anos e viúva. Assim, embora Antônio Joaquim tenha servido com gratidão a seu senhor,
não vivera o suficiente para desfrutar de sua liberdade.
Também foram localizadas cartas de alforria em que os escravos haviam pagado
alguma quantia em dinheiro ou em espécie, mas, nem por isso, o cativo estava isento de
esperar a morte de seu senhor para desfrutar de sua liberdade:
Dou a liberdade à minha escrava, Casemira crioula, por lhe ter
prometido por bons serviços que me tem feito servindo de mãe, e criando
meus filhos, e, pelo mesmo menino, me pedir pela dita escrava que o criou;
além do que recebi a meia libra de dinheiro em cobres para remediar as
necessidades da vida, e cuja escrava ficou-me, por herança de minha mãe,
livre e desimpedida (fl. 18 v), ficando valiosa para meus herdeiros não poder
120
ARSJR/INV – caixa 383. Inventário de Rita Maria de Jesus – São João del-Rei, 1824.
121
Para esta pesquisa também trabalhamos com os anúncios de escravos foragidos do jornal Astro de Minas,
entretanto, não encontramos Antônio de Barros anunciando nesta folha pública seus escravos foragidos.
Pensamos que ausência do anuncio pode ser tanto porque Barros preferiu não anunciar ou mesmo porque o
jornal onde ele anunciou não chegou anossos dias, afinal nem todas as edições do Astro de Minas foram
preservadas. Sobre os anúncios de escravos foragidos, ver o capítulo três desta dissertação.
83
contender com ela nem para o futuro, e neste lhe peço não desampare nem a
mim nem a meus filhos, até enterrarmos uns aos outros, e de hoje em diante
fica sendo forra e liberta. (...).
122
Nesse documento, pudemos perceber que a proprietária da escrava, além de ter
recebido uma quantia de Casemira, estava cumprindo uma promessa feita à escrava, e
atendendo a um pedido de seu filho. Mas, Francisca Dias, mesmo reconhecendo que a partir
da concessão desse título condicional, Casemira não seria mais sua escrava, ressalta que ela
não deveria desampará-la nem mesmo aos seus herdeiros enquanto estes fossem vivos. Por
mais que Casemira, após ter obtido tal graça de sua proprietária, tenha ficado-lhe grata, em
que medida ela deve ter-se considerado livre do cativeiro? Ou mesmo, será que ela ficou de
fato grata a sua senhora, e permaneceu servindo-lhe de bom grado? Estas e outras são
questões que, infelizmente, a partir dos documentos de que dispomos não nos é possível
responder, mas servem para ilustrar o quão complexas eram as relações escravistas. Vejamos
outro exemplo de alforria que foi ao mesmo tempo paga e condicionada ao falecimento do
proprietário:
(...) entre os escravos que me tocaram foram José crioulo e sua mulher
Mariana Banguela, e tendo eu recebido do dito José a quantia de cem mil
réis em gado vacum e desejando beneficiá-los não pelos bons serviços,
amor e fidelidade em que ambos me tem servido muito anos, como por
aquele recebimento que fiz da referida quantia de cem mil réis, é minha
vontade que ambos, depois do meu falecimento, gozem de sua liberdade sem
que jamais entrem no Inventário de meu casal, e, nos bens deste, sendo
ambos obrigados a continuar a prestação dos seus serviços, durante a minha
vida, permanecendo ambos na minha companhia, esperando que me não
sejam ingratos (...).
123
É certo que, de alguma forma, José e sua mulher foram beneficiados por terem a
certeza, expressa no documento, de que sua senhora desejava lhes beneficiar com a alforria,
devido aos bons serviços e à quantia em espécie que havia recebido. Mas, Bernarda também
intencionava continuar a receber os bons serviços enquanto fosse viva. Desse modo, a vida
desse casal de escravos, ao que parece, não mudou após a conquista da carta. Afinal, pagaram
pela liberdade, e tiveram que continuar servindo Bernarda. Entretanto, não podemos dizer que
José e sua mulher Mariana foram iludidos por sua senhora, isto porque devemos considerar a
luta cotidiana que provavelmente tiveram para juntar o pecúlio e serem merecedores da
122
ARSJR. Livro de Notas 8 (1830 a 1831), Ofício, o João del-Rei. Título de Liberdade de Casemira
Crioula, passado por Francisca de Assis Dias, 1830, folha 18, 18 v. (Grifo nosso).
123
ARSJR. Livro de Notas 8 (1830 a 1831), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de José crioulo e
sua mulher Mariana Banguela, passado por Bernarda Jesuína da Silva, casada com o Alferes Miguel Garcia
Duarte, 1831, folha 67. (Grifo nosso).
84
alforria. Além do que, se esse casal tivesse algum filho, após a morte de Bernarda, não
deixaria como herança para seus descendentes a condição de escravos.
A alforria obtida pelos escravos através de pagamento demonstra que antes mesmo da
lei do Ventre Livre de 1871, que instituiu o direito ao pecúlio dos escravos, havia o costume
de reconhecê-lo. Implícito ao acúmulo de pecúlio está a questão dos escravos terem tempo
livre para exercer atividades, independentes da produção senhorial, que lhes proporcionavam
alguma renda. Na maioria dos casos de alforrias pagas, sejam pelo próprio escravo ou por
terceiros, não a menção da forma que o escravo chegou a acumular o pecúlio. Entretanto,
como pode ser visto na carta de alforria citada acima, o casal José Crioulo e Mariana
Benguela tinham gado vacum, o que pode nos sugerir que eles exerciam atividades agrícolas.
Entre os anos de 1820 e 1840, foram registradas no cartório de São João del-Rei treze
alforrias que foram exclusivamente pagas. A partir dessas, montamos a seguinte tabela:
TABELA 11: Valor da alforrias pagas.
Nome do alforriado Etnia
Idade
Valor em
Mil Réis
Ano da carta
124
José Cabra
Ausente 38.400 1820
Maria Crioula
1 ano + - 30.000 1821
Justina Parda
24 anos + - 350.000 1822
Gregório Crioulo
Ausente 105.000 1818
Pulqueria Crioula
Ausente 120.000 1823
Maria Africana
Idosa 30.000 1821
Antônio Crioulo
Doente e velho
24.000 1829
Adão Crioulo
Ausente 360.000 1830
Manoel Africano
Ausente 40.000 1830
Bonifácio Fernandes Crioulo
Ausente 100.000 1831
Iria Parda
3 anos 100.000 1831
Cesário Cabra
6 anos + - 70.000 1833
Ana Parda
3 anos 200.000 1838
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
De acordo com a pesquisa feita em inventários post-mortem em Pernambuco realizada
por Flávio Versiani e José Vergolino (2002), os escravos, por volta de 1830, com idades entre
124
Ressalto que o ano da carta é diferente do ano do registro, afinal nem todo escravo registrara sua carta em
cartório assim que a recebeu.
85
15 e 40 anos, livres de doenças e defeitos físicos, valiam em média 430 mil réis (430$000),
sendo que, em Minas Gerais, esse valor subia de 15% a 25% entre 1800 a 1874.
125
Para o caso
específico de São João del-Rei, Afonso de Alencastro Graça Filho (2002), ao estudar os
inventários post-mortem, demonstrou que entre 1831 e 1841, os preços variaram de 324$746
a 484$444.
126
A partir da tabela acima, vemos que as informações nas cartas de alforria são
escassas no que diz respeito à idade e a saúde do escravo alforriado, o que impossibilitou a
constatação se haverá uma diferença substancial no preço da avaliação de um escravo em um
inventário, no qual as informações aparecem mais detalhadas, para o preço que os escravos
pagavam por sua liberdade. Em todo caso, percebemos que o valor da alforria oscilava em 24
mil réis no caso do escravo velho; e do doente, em 360 mil réis pagos por Adão, que, no
entanto não soubemos a idade que tinha quando da compra da alforria.
Na pluralidade das relações escravistas, havia, também, a possibilidade de os escravos
negociarem com o seu proprietário para que este lhe dividisse a alforria em parcelas, a
coartação.
127
O acordo firmado entre o senhor e o seu escravo, no qual estava estabelecido
como deveria ser o pagamento parcelado, podia ser verbal ou mesmo escrito, e registrado em
cartório: a carta de corte.
128
Vejamos um desses acordos localizados por esta pesquisa:
Digo eu, Elena Pereira do Espírito Santo, abaixo assinada, viúva que
fiquei por falecimento de meu marido Francisco Machado de Tolledo, que,
entre os bens que possuo, me ficaram do dito meu marido, livres e
desembaraçados, é bem assim um crioulo por nome Bento, filho de minha
escrava Luíza crioula, o qual crioulo porque eu mesma o criei de [?] é minha
vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma, que seja forro, e liberto
para o que o coarto em uma libra de ouro que vem a ser cento e vinte oito
oitavas, que pagará em seis (Fl. 117) ou sete anos, com a condição, porém,
que nunca sairá de minha companhia, e me servirá levando eu em quanto os
dias a preço de dois vinténs cada dia que me servir a mim, e vá trabalhar fora
para outrem, ou em outros serviços fora de mim só por consentimento meu, e
dando-me parte, ao que ganhou por fora me trará para eu lhe lançar em
recibo a conta da dita quantia em que o coarte, e se eu falecer antes do sobre
ditos sete anos, e o dito crioulo ainda restar do seu coartamento, determino, e
quero que, em primeiro lugar o dito meu crioulo mande dizer dez missas por
125
VERSIANI; VERGOLINO, 2002, p. 8-9.
126
GRAÇA FILHO, 2002, p. 207.
127
Douglas Cole Libby e Clotilde Andrade Paiva (LIBBY; PAIVA, 2000), ao trabalharem com a lista
nominativa de 1795 da paróquia de São José, pertencente à comarca do Rio das Mortes, localizaram várias
referências aos escravos quartados. Estes autores optaram pelo emprego da grafia quartação por encontrarem
dessa forma nos documentos que estudaram. nos documentos estudados para esta dissertação, encontramos
esse termo escrito das duas maneiras.
128
“Quando existiam, as cartas de corte, isto é, as atestações por escrito do combinado entre senhores e escravos,
traziam as regras gerais e as especificidades dos acordos. Esses raros documentos evidenciam a atuação intensiva
dos cativos na busca da manumissão, mesmo sendo um registro eminentemente senhorial, (...).” (PAIVA, 2006,
p. 168)
86
alma de meu falecido marido, segundo o apontamento que o mesmo fez em
sua vida, e se antes do meu falecimento o dito meu crioulo Bento me
apresentar, ou me der certidão das referidas missas lhe darei em carta, e
também dará o dito meu crioulo quatro oitavas ao Procurador ou tesoureiro
de Nossa Senhora da Conceição da Ibitipoca, de quem cobrara recibo em
como recebeu as mencionadas quatro oitavas para o aumento da mesma
capela por ser assim de terminado no apontamento, ou testamento de meu
marido que me dizem [?] e o líquido que ficar restando o dito meu crioulo
entregara se cuja estiver morta ou falecidas as minhas netas Lourença Anna,
e Maria, todas filhas de meu filho Manoel Francisco Machado já falecido,
receberão o dito líquido igualmente [?] e quando findos os sete anos não
tenha o dito Bento pago, e satisfeito todo o coartamento por inteiro, as ditas
minhas netas, eu quem as governa a juízo deverão prudente, lhe darão tempo
suficiente para a última satisfação, sem que por falta disso o possam chamar
a cativeiro: e desta maneira e debaixo das sobre ditas condições [?] como
com efeito tenho coartado ao dito meu crioulo Bento, que poderá por este
papel de Corte que lhe passo em juízo, ou antes, ou depois de eu falecer, se
ele quiser e me mostrando que tem cumprido todas estas minhas
determinações o mesmo juízo, justiças de Sua Alteza Real a quem eu rogo
dêem todo o valor, valimento a este papel, como se fosse papel de liberdade,
ficando forro e livre como se assim nascesse do ventre de sua mãe.
129
Através desse documento, vemos que Bento Crioulo deveria acompanhar sua senhora,
mandar rezar missas, e, em sete anos, deveria juntar pecúlio para pagar as prestações de sua
liberdade. Ao que parece, a forma que Bento tinha para satisfazer a quantia devida à sua
senhora era trabalhando fora, para tal, sua proprietária, Elena Pereira do Espírito Santo,
determinava que parte do que ele ganhasse deveria ser-lhe entregue. Assim, a proprietária
ganharia duas vezes: com a parte que lhe cabia do jornal de Bento e com as parcelas da
alforria.
130
Mesmo a liberdade de Bento estar condicionada a essa serie de condições. Nesse
mesmo documento, há a comprovação de que ele cumpriu todas as determinações antes
mesmo do falecimento de Elena Pereira do Espírito Santo.
A fim de visualizamos o que o conjunto das coartações estudadas nos apresenta,
montamos a seguinte tabela:
129
ARSJR. Livro de Notas nº 3 (1818 a 1821), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Bento Crioulo,
passado por Elena Pereira do Espírito Santo, 1821, folha 116 v- 117 v.
130
Eduardo França Paiva considera que as coartações eram mais freqüentes em momentos de crise da economia
mineira, isto por que os senhores aumentariam seus rendimentos ao receber as parcelas do escravo que coartarem
(PAIVA, 1995, p. 83-89). Entretanto, como demonstramos na introdução desta dissertação, o período que
estudamos não era de crise econômica, mas, podem haver casos de proprietários que estavam em dificuldades
econômicas e que por isso coartaram seus escravos.
87
TABELA 12: Alforrias através da coartação
Nome Etnia
Idade
Valor total Parcelas Ano da Carta
Bento Crioulo
Ausente
128 oitavas 6 a 7 anos 1811
Maria Crioula
Ausente
25.600 réis Não menciona 1824
Maria Parda
Ausente
76.800 réis 4 anos 1824
José Pereira dos Santos Crioulo
Ausente
200.000 réis
mais de 3 anos
1824
Maria Africana
Ausente
143.600 réis
6 anos 1824
José Africano
Ausente
170.000 réis
4 anos 1825
José Cabra
Ausente
53.600 réis 4 anos 1820
Balbina Cabra
Ausente
600.000 réis
4 anos 1831
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
Nessa tabela, não registramos a coartação da liberdade de três escravos que foram
alforriados pela mesma proprietária, vejamos o documento:
Digo eu, Maria Josefa Lourença, que, entre os bens que possuo, são três
escravos, a saber: Ana, cabra, Manoel cabra e Dionísio crioulo, os quais em
todo o tempo da minha vida ficam sujeitos a meu cativeiro e castigos, e a
todos (Fl. 37) os serviços que eu lhes ordenar, e por minha morte ficam
coartados no preço e na quantia que for preciso para pagamento de minhas
dívidas e enterro, e por eu não saber ler nem escrever pedi a José Bento
Carneiro que este por mim fizesse e a meu rogo assinasse.
131
Assim, poderíamos ter classificado esse documento como coartação condicionada ao
falecimento, mas para facilitar a categorizações das alforrias preferimos associar este às
demais coartações. Entretanto não o inserimos na tabela, pelo único motivo de o documento
não precisar o valor que esses escravos deveriam arcar para quitarem as dívidas e os custos do
enterro de sua senhora.
A partir do gráfico, pudemos perceber que o tempo que os escravos, nessas condições,
tinham para quitar as parcelas podia variar entre três e sete anos, e, por vezes, poderia ser
prorrogado. Se tirarmos a média das alforrias pagas à vista, veremos que elas custavam cerca
de 120$569; a média das alforrias pagas à prestação fica em torno de 181$371, ou seja, as
alforrias pagas à vista eram em torno de 40% mais baratas que as coartações. Entretanto, estas
são amostras de preços, afinal, diversos fatores podem ter contribuído para a oscilação dos
preços dos escravos.
131
ARSJR. Livro de Notas 10 (1833 a 1835), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Ana Cabra,
Manoel Cabra e Dionísio Crioulo, passado por Maria Josefa Lourença, 1834, folhas 36 v- 37. (Grifo nosso).
88
Antes de passarmos adiante, vejamos outro desses documentos:
Digo eu, Padre José da Silva Xavier, que sou senhor e possuidor de uma
escrava de nome Catharina, casada com José Banguela, a qual escrava muito
de minha livre vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma, forro de
hoje para sempre gratuitamente, pelo seus bons serviços como se já nascesse
livre do ventre de sua mãe, e poderá gozar de sua liberdade livremente, [...]
Eu, o Padre José da Silva Xavier, Presbítero Secular do Hábito de São Pedro,
em meu perfeito Juízo faço o escrito seguinte: que tenho um escravo, por
nome José Benguela, passo-lhe esta carta de coartamento em preço de cento
e setenta (fl. 15) mil réis, e como devo ao dito escravo e desejo favorecê-lo,
ficará a pagar cento e trinta mil réis, para o que lhe concedo o tempo de
quatro anos, ou o que meu Testamenteiro lhe determinar, a benefício do
mesmo escravo, e para sua clareza passo esta de minha letra.
132
Nesse documento, está registrada tanto a carta de coartamento de José Benguela
quanto a alforria gratuita que sua esposa Catharina recebeu do mesmo senhor. Catharina,
provavelmente, continuou a viver com seu esposo, até que ele juntasse o dinheiro para quitar
sua alforria, inclusive, ela deve ter ajudado José a juntar esse pecúlio. Nesse caso, não
podemos afirmar que somente o senhor se favoreceu com a alforria, afinal, se o casal de
escravos tivesse um filho, este nasceria de uma mãe liberta, e por isso seria livre do cativeiro.
Tal certeza não poderia ser partilhada pelas escravas coartadas.
133
Tanto nas coartações quanto em outras cartas que mostram o escravo pagamento em
espécie ou em dinheiro à sua liberdade, como foi dito, fica explícita a questão dos escravos
terem tempo e formas de realizarem uma atividade econômica independente da produção
senhorial. Essa possibilidade é interpretada nesta pesquisa como integrante da relação
paternalista estabelecida entre senhores e seus escravos.
Também foram localizadas três cartas nas quais os escravos deram em troca de sua
liberdade um cativo, vejamos um exemplo:
Digo eu, abaixo assinado, que sou senhor, possuidor com livre, e
geral administração, é bem assim um negro por nome João de Nação Congo,
o qual me deu o falecido meu tio Domingos da Silva Maia, o qual negro o
hei por forro, e liberto por e ter recebido um moleque novo por nome
Francisco, cujo negro fica logrando na liberdade de hoje para todo o sempre.
Nem eu nem meus herdeiros poderão em tempo algum reclamar esta Carta
de Alforria, por sua justiça de sua majestade de inteiro vigor, visto ter dado
132
ARSJR. Livro de Notas 5 (1825 a 1826), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Catharina e
seu marido José Benguela, passado por padre José da Silva Xavier, 1825, folha 14 v, 15. (Grifo nosso).
133
Laura de Mello e Souza, ao analisar 22 casos de escravos coartados, encontrou escravas nessa situação que
tiveram filhas enquanto se encontraram coartadas, e que não foram consideradas livres. (SOUZA, 2006, PP. 166-
168)
89
outro por si, por verdade de tudo passo o presente somente por mim
assinado.
134
Essa carta, além de surpreender por mostrar um escravo dando em troca de sua
liberdade outro cativo, demonstra que, de alguma forma, João, de Nação Congo, conseguiu
comprar ou mesmo ganhou o moleque Francisco. Podemos inclusive pensar que João pode ter
comprado esse escravo quando ele era ainda uma criança, e, por isso, tinha um preço menor
no mercado, além do que, seu proprietário deve ter-lhe deixado criá-lo até que tivesse idade
suficiente para ser trocado por João.
Ainda sobre as alforrias condicionais, buscamos perceber se os nascidos no Brasil
obtiveram, mais que os africanos, essa forma de alforria. Vejamos a seguinte tabela:
TABELA 13: Divisão por etnia e forma das alforrias
Etnia e Forma % Total
Crioulo Condicional 48% 179
Crioulo Gratuita 25% 96
Africano Condicional 10% 39
Africano Gratuita 7% 25
Etnia Ausente 10% 37
Total 100% 376
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de papéis de liberdade examinado.
A partir desta tabela, pudemos perceber que tanto os africanos quanto os crioulos
tiveram chances iguais de chegarem a liberdade através de uma alforria condicional. Se
pensarmos no universo dos crioulos, veremos que 65,09% dos nascidos no Brasil chegaram à
alforria de forma condicional. Enquanto 60,93% dos africanos obtiveram a alforria de seus
senhores de forma condicional. A partir desses dados, percebemos que, na região e no tempo
pesquisado, não havia diferenças substâncias na forma que africanos e brasileiros chegaram à
manumissão.
Assim, entendemos que a alforria condicional ao falecimento ou a outras formas de
pagamento, favorecia a dependência do escravo com seu senhor. Afinal, no caso da alforria
condicionada ao falecimento do proprietário, o escravo deveria manter uma postura no
134
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818 a 1821), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de João Nação
Congo, passado por José Manoel de Oliveira, 1820, folha 81. (Grifo nosso).
90
cativeiro que contentasse seu senhor para que ele não a revoga-se. Entretanto, como já
mencionado, em determinado aspecto essa dependência era perigosa, afinal o escravo
dependia da morte de seu proprietário para manumitir-se. Já nos casos das alforrias pagas, o
escravo dependia da permissão senhorial, seja para ir trabalhar fora ou mesmo para realizar na
propriedade senhorial atividades que lhe possibilitassem acumular algum pecúlio, pecúlio este
que não estava regulamentado em uma lei impressa, e que, por fazer parte do costume,
também dependia do consentimento senhorial.
Nesse viés, podemos achar que tudo dependia da boa vontade senhorial, entretanto, se
não fosse a pressão cotidiana dos escravos para conseguirem privilégios no cativeiro ou para
chegarem a liberdade, certamente, tais benefícios não seriam alcançados. Ou seja, se o
proprietário de escravos estivesse certo de que seu domínio sobre seus escravos estava
garantido, não teriam motivos, além da motivação religiosa e o amor que por ventura tivessem
por seus escravos, para permitir-lhes acumular pecúlio ou mesmo conceder-lhes cartas de
alforria, fossem elas gratuitas ou condicionais.
91
4 A INSUBMISSÃO ESCRAVA: DA AÇÃO DE LIBERDADE ÀS FUGAS
ESCRAVAS.
Como já apontado as relações paternalistas estabelecidas entre senhores e escravos
foram passíveis de interpretações distintas por cada pólo dessa relação. Por exemplo: a
benevolência senhorial ao conceder a alforria pôde ser entendida pelo escravo como uma
dádiva ou como resultado de pressões às quais os senhores não teriam condições de resistir,
ou de negar, ainda que acreditassem que dependia da vontade deles próprios. o senhor
pôde entender que, ao conceder a alforria a determinado membro de seu plantel, está
alimentando a esperança da liberdade nos demais que provavelmente permaneceram
submissos a fim de alcançar a referida dádiva.
135
Assim, podemos pensar que através das
práticas paternalistas, e das constantes ameaças de castigos físicos, a dominação senhorial e a
permanência da escravidão estariam garantidas. Entretanto, mesmo em meio a essa rede de
domínio paternalista, o escravo não deixou de demonstrar sua insatisfação com o cativeiro.
Como veremos, não havia leis positivas que instituíssem a escravidão no período
abordado por este estudo, por isso, as regras eram instituídas no ambiente privado das
relações, cabendo, a princípio, aos senhores mediarem os conflitos que inevitavelmente
surgiriam.
136
no âmbito dos escravos, era possível que esses pressionassem por maiores
privilégios, seja fazendo corpo mole no trabalho, rebelando-se, fugindo ou mesmo movendo
uma ação de liberdade na justiça. Mas, nem sempre essas atitudes dos escravos tiveram como
intuito alcançar privilégios; às vezes, poderia ser um ato impensado ou de desespero, ou por
que não um ato planejado a fim de alcançar a liberdade.
Desse modo, pretendemos discutir, neste capítulo, três formas de o escravo demonstrar
sua insatisfação: através dos meios judiciais; das revoltas e das fugas. A primeira as será
135
“A expectativa de liberdade para os escravos ou seus descendentes era tão estruturante do regime escravista
quanto o fato de ex-escravos terem a expectativa de se tornarem, um dia, senhores de escravos.” (FARIA, 2007,
p.22)
136
A questão dos castigos físicos foi abordada, na constituição de 1824 e, posteriormente, como veremos no
Código Penal de 1830: “As torturas, marcas de ferro quente, penas cruéis e outros atos semelhantes, próprios
de bárbaros, foram absolutamente proibidos, e desde logo, pela Constituição do Império promulgada em 1824.”
(MALHEIRO, 1866, p. 41-42).
92
abordada através da ação de liberdade de Anna Crioula, com a qual pretendemos discutir tanto
o fato de as relações escravistas serem estabelecidas no âmbito privado, quanto à questão de
ser facultado aos escravos buscar os meios cabíveis para alcançar a liberdade. A questão da
revolta escrava será discutida com base na documentação da revolta de Carrancas. E por
último, e não por isso menos importante, analisamos 230 anúncios de escravos foragidos.
Esse universo documental tem como ponto de interseção a insubmissão escrava aos
ditames da sociedade escravista. E a partir deste universo pretendemos discutir em que
medida as práticas paternalistas senhorias foram influenciadas pelos escravos através de suas
atitudes de insubmissão.
4.1 O direito positivo e as relações escravistas
No Brasil colônia, o poder estava descentralizado, e os senhores escravistas
controlavam a política local. No entanto, com a independência, necessidade de concentrar
o poder nas mãos do Estado, que então se formava, levando a um embate entre o âmbito
público e privado que acompanhará a história política do Brasil do século XIX.
137
Todavia,
tanto o Estado quanto os senhores escravistas estavam de acordo quanto à necessidade de se
manter a ordem vigente. Dessa forma, os interesses do Estado e dos proprietários de cativos
eram convergentes quando o negócio fosse a manutenção da ordem escravista
(ALENCASTRO, 2004, p.18).
No entanto, no que se refere ao âmbito público, a escravidão, mesmo que tenha sido
garantida através do argumento do direito à propriedade, não fora instituída em tal esfera.
Assim, o trabalho escravo não foi citado no texto da primeira constituição, como se tal
prática, considerada pelas elites como fundamental para a sociedade, não existisse no Brasil.
Pode-se inferir que a omissão da instituição da escravidão na constituição de 1824 tenha tido,
como uma de suas razões, a pressão exercida pela Grã-Bretanha para que os países escravistas
abolissem esse sistema de trabalho. Em 1826 o Brasil assinou um acordo com a Grã-Bretanha
137
Hannah Arendt ao analisar a polis e a família na Grécia e em Roma, constata que a emergência da vida social,
fenômeno moderno, teve como conseqüência a ruína do poder paterno. “A distinção entre uma esfera da vida
privada e uma esfera de vida pública corresponde à existência das esferas da família e da política como entidades
diferentes e separadas, pelo menos desde o surgimento da antiga cidade-estado; mas a ascendência da esfera
social, que não era nem privada nem pública no sentido restrito do termo, é um fenômeno relativamente novo,
cuja origem coincidiu com o surgimento da era moderna e que encontrou sua forma política no estado nacional.”
(ARENDT, 2008, p. 37)
93
no qual se comprometia a abolir o tráfico de escravos. Esse acordo foi promulgado em 1831,
lei Diogo Feijó, e por ele todo africano escravizado que entrasse no Brasil a partir dessa data
seria considerado livre e, se possível, deportado.
138
No entanto, essa lei permanecera como
letra morta até 1850 quando a lei Eusébio de Queiroz de fato aboliu o tráfico de escravos.
139
A continuidade da escravidão estava assegurada na constituição pela garantia do
direito civil dos cidadãos à propriedade. Assim, por serem os escravos considerados
propriedade dos senhores, estes teriam o direito de mantê-los em cativeiro.
140
Para ilustrar
essa questão, vamos analisar a ação de liberdade movida por Anna Crioula na qual o
argumento do direito de propriedade é utilizado para a permanência da escrava no cativeiro.
A ação de liberdade,
141
registrada no ano de 1838 em São João del-Rei, inscreve a
tentativa da escrava Anna Crioula de obter na justiça a liberdade prometida verbalmente pelo
seu senhor. A escrava era mãe de cinco filhos, e pertencia ao português Cap. Manoel Gomes
d’Almeida Coelho, que não possuía filhos nem esposa, não tendo portanto, herdeiros
presumíveis. O Cap. Coelho prometera a Anna que, quando morresse, deixaria a ela e a seus
filhos a liberdade e uma chácara em Matozinhos. No entanto, morreu “apressadamente” não
deixando testamento que comprovasse tal vontade, fato que levou Anna Crioula a mover a
ação de liberdade na esperança de obter a alforria prometida pelo seu senhor.
142
O curador dos bens do falecido Cap. Coelho questionou a veracidade da promessa de
liberdade e perguntou: “será isto bastante para se lhe conferir o título de liberdade que
pretendem, em prejuízo do mui sagrado direito de propriedade?”
143
Essa afirmativa indica que
138
FLORENTINO, Manolo. Em Costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro (séculos XVII-XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 1997; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida
Privada e ordem privada no Império. In: História da Vida privada no Brasil e a questão do tráfico de escravos
(1807-1869), v.2. São Paulo: Companhia das Letras, 7ed, 2004.
139
Jacob Gorender cita um documento que recomendava o desrespeito à lei de 1831. Vejamos, a título de
exemplo, as palavras do autor: “O notável é que a violação da lei fosse expressamente recomendado, em
documento escrito, embora confidencial, nada menos do que por um ministro da Justiça. A 22 de dezembro de
1854. Nabuco de Araújo, ocupando aquela pasta no Gabinete do marquês de Paraná, aconselhou Saraiva, então
presidente da província de São Paulo, a desrespeitar a decisão de um juiz, que mandou libertar um africano
introduzido no Brasil após a data a partir da qual o tráfico transatlântico tinha sido posto na ilegalidade. O
ministro justificou os “direitos do senhor”, que reclamava a devolução do escravo fugitivo aprisionado pela
polícia, (...). Nabuco de Araújo generalizou esta orientação numa circular aos chefes de polícia, na qual os
instruiu a não investigar os casos de africanos sob suspeita de escravização ilegal.” (GORENDER, 1990, PP. 33-
34).
140
MATTOS, 2001.
141
“Nas ões de liberdade, os escravos ou, ao menos, indivíduos formalmente tidos como cativos
solicitavam a homens livres que assinassem petição por eles, argumentando que possuíam razões suficientes para
processar seus senhores e pedir sua liberdade” (GRINBERG 2006, p. 106). Perdigão Malheiro cita a seguinte
passagem do Código do Processo Criminal: “Quando réu ou acusado, deve-se-lhe nomear defensor ou curador
pelo Juiz do processo, se o senhor se não presta a isso como seu curador nato.” (MALHEIRO, 1866, p. 22)
142
ARSJR. Ação de Liberdade (1838), caixa 02, Anna Crioula, Juiz de Órfãos, São João del-Rei.
143
Idem, folhas 14 v.
94
a legitimidade e a continuidade da escravidão fundamentavam-se no direito de propriedade do
senhor sobre o escravo, sendo, este último, identificado juridicamente como uma simples
mercadoria (CASTRO, 2004, p. 341).
O Código Penal de 1830 regulamentou a questão dos castigos físicos infringidos aos
cidadãos e aos escravos. Como exemplo, temos tanto a condenação à pena de morte dos
cativos insurgentes, quanto uma orientação a certo abrandamento dos castigos físicos.
Superficialmente, el Código Penal era un documento poco
complicado. Su papel en el sistema legal era definir los itos y prescribir
castigos razonables. En la mayoría de los casos, cualquier innovacion fue
simplemente una disminución de los castigos, una modificación de grado
más bien que de sustância. Así, al igual que con la pena capital, em otras
cláusulas el Código Penal suavizó las antiguas leyes imperio portugués. Los
castigos marcados para los abusos a la liberdade de prensa y de expresión
disminuyeron, y las antiguas prohibiciones contra faltas Morales como el
concubinato simplesmente fueron eliminadas. (FLORY 1986, p. 172-173).
Portanto, como pudemos perceber o Código Penal de 1830 não formulou discussões
sobre o regime escravista.
144
No entanto, antes mesmo da promulgação desse código, tivemos
a criação, em 1827, do cargo eletivo nos distritos do Juiz de Paz
145
que concedeu no período
Imperial certa autonomia ao poder local.
146
Esse fato, mesmo que não tenha implicando
mudanças imediatas para os escravos, acabou por facilitar o acesso à justiça das camadas
menos favorecidas, sendo a “extensão da justiça à grande parte da população livre
(VELLASCO, 2004, p. 106-107).
É prematuro inferir que a instituição do cargo de Juiz de Paz e do Código Penal tenha
interferido, no período estudado, nas relações estabelecidas no âmbito privado entre cativos e
seus senhores. No entanto, acreditamos que, embora não tenha sido esse o intuito daqueles
que os formularam, o fato de possibilitar o efetivo acesso à Justiça nas diversas localidades e
de regulamentar os castigos, o Juiz de Paz e o Código Penal acabaram criando condições para
o acesso, ainda que sejam representados por curadores, dos escravos à justiça.
147
144
o Código do Processo Criminal, promulgado em 1832, que embora seja considerado por Ivan Vellasco
como “a mais profunda mudança na estrutura da administração judiciária no Império” (VELLASCO, 2004,
p.121), não será abordado de forma detida neste estudo, mesmo porque entendemos que ele não trouxe mudanças
fundamentais para as relações escravistas. Sobre o Código de o Processo Criminal ver, entre outros: FLORY,
1986; VELLASCO, 2004.
145
Esse cargo foi fortalecido com o código do Processo Criminal de 1832. (FLORY, 1986, p. 175).
146
Para Thomaz Flory, a década liberal da história brasileira começou com essa lei (FLORY, 1986, p. 22).
147
“(...) el Código confiaba los pasos más básicos procedimento penal a los jueces de paz locales, ampliando así
sus poderes considerablemente.” (FLORY, 1986, p. 179).
95
Assim, no âmbito do direito positivo, em nenhum momento se fez menção às relações
escravistas, havendo de fato uma omissão deliberada no que dizia respeito à prática
costumeira de manter um indivíduo em cativeiro. Esse silêncio da lei deve-se, muito
provavelmente, à existência no Brasil oitocentista de dois direitos independentes: o direito
positivo e o costumeiro. Assim, a escravidão que o direito positivo não instituía, o costume
tratava de instituir. Como aponta Manuela Carneiro da Cunha:
A lei é como o Estado representa sua própria autoridade e competência:
é uma autodescrição. O direito costumeiro é uma descrição alternativa. A
verdadeira sociedade brasileira oitocentista é esse conjunto do escrito e do
não escrito, que não se cruzam, uma afirmando relações sem privilégios
entre cidadãos equivalentes, outro lidando com relações particulares de
dependência e de poder. (CUNHA, 1987, p. 141)
Desse modo, a questão dos cativos serem entendidos como uma mercadoria,
148
a lei
positiva, no artigo 179 da constituição de 1824, que reconhece o direito à propriedade,
assegurou a permanência da escravidão tanto na esfera pública quanto no âmbito privado.
149
No entanto, as normas das relações escravistas baseavam-se, fundamentalmente, no direito
adquirido pelo costume.
4.1.1O direito costumeiro e as relações escravistas
As relações escravistas estabelecidas no âmbito privado eram marcadas por
negociações cotidianas entre os cativos e os seus senhores. A possibilidade de o escravo
acumular certo pecúlio, ter tempo livre para atividades independentemente da produção
senhorial, possuir um pedaço de terra para realizar uma cultura própria, constituir uma
família, ou até mesmo chegar a conquistar a liberdade podem ser consideradas integrantes da
relação paternalista estabelecida entre senhores e escravos. No entanto, ainda que tais
privilégios vigorassem, eles não estavam instituídos em uma lei positiva, fazendo parte do
direito consuetudinário exercido, principalmente, no âmbito privado.
148
Ou seja: sua coisificação objetiva e não subjetiva.
149
“A nossa Constituição Art. 179 § 22 garante a propriedade em toda a sua plenitude, salvos os casos de
desapropriação por necessidade ou utilidade pública definidos nas Leis; ora nenhuma lei, dizem, tem ampliado
ou aplicado a bem da liberdade semelhante desapropriação, a titulo de humanidade e utilidade social.”
(MALHEIRO, 1866, p. 131)
96
Entendemos que mesmo, que essas possibilidades sejam consideradas conquistas
obtidas pelos cativos no cotidiano do cativeiro, elas não deixavam de ser um mecanismo
paternalista de controle senhorial, isto porque quem geralmente concedia esses direitos
deveria ser o proprietário dos escravos. O interessante nesta relação é perceber que fazia parte
do jogo de dominação senhorial transformar em favor aquilo que, de certa forma, foi
conquistado pelos escravos na convivência diária com seus proprietários.
A maioria dos escravos, provavelmente, sonhou com o dia em que seria livre, no
entanto, somente uma minoria realizou esse sonho. As dificuldades enfrentadas pelos cativos
para juntarem pecúlio
150
e comprarem sua carta de alforria, certamente, foram muitas. No
entanto, são recorrentes as cartas de alforria pagas em que os senhores afirmam terem
concedido a liberdade. Vejamos um exemplo:
Digo eu, Manoel Alves de Magalhães, que entre os mais bens que
possuo com livre e geral administração, é bem assim um cabra de nome José
que [?] em herança de meus falecidos pais, o qual pelos seus bons serviços,
que me tem prestado, em gratificação a eles o hei por forro e liberto, e livre
de toda escravidão, (...), pelo preço e quantia de trinta e oito mil e
quatrocentos reis (...).
151
Esse título de liberdade demonstra que, enquanto escravo, José, além de prestar bons
serviços, deveria fazer por merecer a gratidão de seu senhor, e ainda, juntar o dinheiro para
pagar sua liberdade. Assim, devido à questão da alforria não estar instituída em uma lei
positiva
152
alcançar a liberdade não dependia apenas da disponibilidade de dinheiro por parte
do escravo, mas também da disposição do senhor em alforriar.
Portando, por ser “o poder privado do senhor sobre seus escravos que define
essencialmente a ordem escravista” (CASTRO, 2004, p. 338), a alforria e as outras
concessões do âmbito privado, mesmo que fossem conquistadas na convivência diária entre
senhores e cativos, deveria ser aprovadas pelo senhor escravista. Esse fato, por mais óbvio
que possa parecer, prestou-se como um dos mecanismos de dominação, isso porque os
escravos deveriam, em certa medida, mostrarem-se submissos para conquistar a boa vontade
de seu proprietário.
150
“Embora o direito dos escravos ao pecúlio tenha sido reconhecido, em lei formal, muito tardiamente
(1871), ele sempre existiu na prática” (SILVA 1989, p. 17).
151
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818-1821), Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de José Cabra
passado por Manoel Alvares de Guimarães, 1820, folhas 69 v.
152
As Ordenações Filipinas, ainda vigentes, “funcionavam como um conjunto de normas escritas, mas não
positivas.”(MATTOS, 2001, p. 161)
97
A promessa da liberdade provavelmente foi utilizada para manter os escravos
submissos. Criar a expectativa de uma liberdade futura, certamente, era uma das táticas
utilizadas pelos senhores que fizeram com que os escravizados, de certa forma, aceitassem a
sua condição presente, e vivessem em função de um futuro no qual seriam homens livres. Para
ilustrar essa concepção vamos analisar mais detidamente a ação de liberdade, citada, de
Anna Crioula. Vejamos a seguinte passagem que sintetiza os motivos da ação:
Dizem Anna Crioula per si, e seus filhos maiores, e menores de
doze, e quatorze anos, Maria Francisca, e Joaquim Crioulos, Balbina, e
Pedro Cabras, que sendo escravos do Cap. Manoel Gomes d’Almeida
Coelho, a quem sempre prestaram bons serviços, ele em gratificação, e
reconhecimento de amizade, e mesmo pelo amor de criação, que lhes
consagrava; constante, e publicamente dizia, que a primeira Suplicante, e
todos os seus filhos, e descendentes por sua morte ficavam livres, não
passando a outro cativeiro, e que além disso lhes deixaria arranjos de vida.
Nessa esperança, a conduta dos Suplicantes jamais fez com que
desmerecessem a contemplação do dito seu Sr, e bem feito, que até o seu
falecimento não mudou de vontade: e como morreu apressadamente, não se
achando testamento, foram os Suplicantes arrecadados por este Juízo; por
cujo motivo tem de fazer oposição, e a esse fim requerem que V. Sa. lhes
nomeie Curador, que será juramentado para as personalizar em Juízo,
podendo ser o Advogado Câmara
153
.
Através do documento poderemos perceber que a estratégia de Anna e de seus filhos
para alcançarem a liberdade foi mostrarem-se “humildes e respeitosos com seu senhor”, fato
que será sempre reiterado no documento, assim como na seguinte passagem: “Porque os
Embargados nunca desmereceram a contemplação do ab intestado, e antes lhe prestando bons
serviços; sempre se portaram para com ele com muita humildade e respeito, circunstâncias
estas que fizeram ratificar o seu amor e predileção.
154
Em nenhuma parte do documento a afirmação de Anna ter tido relações íntimas
com seu senhor; também não indícios de que algum de seus cinco filhos fosse filho do
Cap. Coelho. Entretanto, este “amava tanto as Embargantes, como se fossem seus filhos.”
155
Outro aspecto significativo da relação do Cap. Coelho com esses escravos é o fato de o senhor
servi-lhes o almoço de domingo, como podemos verificar através do depoimento de Maria
Xavier de Sousa, crioula forra:
153
ARSJR. Ação de Liberdade (1838), caixa 2, Anna Crioula, Juiz de Órfãos, São João del-Rei, folha 3.
154
Idem, folha 5.
155
Idem, folha 8 v. Observação que se reforça com a referência, no documento, à condição de crioulos e
cabras dos filhos de Anna.
98
E do quarto disse que pela freqüência que fazia na Casa do Intestado,
por ser sua lavadeira, que em alguns domingos que ela passou nela em
Matozinhos, depois que jantava, fazia ela testemunha jantar também na mesa
com os Embargantes, e Severino, que foi seu escravo, ficando o
Abinstestado de pé, repartindo bebidas, e mais não disse deste.
156
A generosidade demonstrada pelo proprietário de Anna deve ter feito com que ela e
seus filhos aceitassem a sua condição de propriedade de outrem, agindo sempre com muita
humildade e respeito. Podemos considerar que essa estratégia cotidiana, empregada por Anna
e seus filhos, pode ter sido manipulada por seu proprietário, que possivelmente não tinha a
intenção de deixar-lhes a liberdade, como podemos inferir na seguinte afirmação do curador
dos bens jacentes:
(...) Alegam ela ao 3ª dos Embargos que o Intestado tencionava
declará-las livres por algum titulo autêntico particular ou público. Mas eu
perguntar-lhes-ei; qual a prova? E por que não o fez? Quem lhe obstou?
Talvez se me responda “a sua morte repentina”: mas eu direi então que
semelhante evasiva não convence; porque suposto o Intestado morresse de
repente, contudo sua morte não foi nem prematura nem inesperada: leiam-se
todos os testemunhos produzidos, e se verá que todas são constantes em
dizer que o Intestado era um homem bem avançada idade, que padecia
uma enfermidade de peito, de que se presume ter morrido, a qual amiúdas
vezes o punha às bordas do sepulcro.
157
Mesmo se considerarmos que o curador dos bens jacentes tinha interesse que a escrava
perdesse a ação de liberdade, o fato é que o Capitão Manoel Gomes de Almeida Coelho não
deixou qualquer documento que comprovasse a sua vontade de libertar Anna e seus filhos
após sua morte. Poderíamos pensar que ele não tivesse conhecimento dos meandros da justiça
e da necessidade de se deixar registrada em cartório uma carta de alforria condicional que
garantisse sua vontade. No entanto, ao pesquisar os títulos de liberdade da comarca do Rio das
Mortes, o português Capitão Manoel Gomes de Almeida Coelho aparece ocupando o cargo de
Juiz de Fora e Órfãos, além de ser vereador na Câmara da Vila de São João del-Rei,
158
sendo,
portanto, um conhecedor da sociedade de seu tempo. Visto isso, podemos inferir que a
promessa de liberdade era a forma que o Cap. Coelho encontrou para ter Anna e seus filhos
sempre humildes e respeitosos.
156
Idem, folha 10 v; 11.
157
Idem, folha 16 v.
158
ARSJR. Livro de Notas 3 (1818-1821), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Ana filha de
Luzia crioula, passado por Josefa Maria da Conceição, 1821, folha 107 v.
ARSJR. Livro de Notas 4 (1821-1825), 2ª Ofício, São João del-Rei. Título de Liberdade de Maria Parda,
passado pelo Padre João Nogueira Alves, 1821, folhas 4; 4 v; Idem. Título de Liberdade de Antônio Cabindá,
passado por Joaquina Angélica da Luz, 1821, folha 6 v; Idem. Título de Liberdade de Anna de Souza de Nação
Benguela passado por Vicente de Souza Paes, 1821, folha 6 v; 7.
99
Para nossa surpresa e frustração esse documento aparenta estar incompleto, uma vez
que o parecer do curador de Anna Crioula e o do Juiz de Órfãos e Ausentes não estão na
documentação, o que nos impossibilitou, a princípio, conhecer a sentença final. No intuito de
saber o que aconteceu com Anna Crioula e seus filhos, localizamos o inventário do Cap.
Manoel Gomes de Almeida Coelho. Nesse documento, um recibo no qual o curador de
Anna Crioula atesta ter, em 1854, recebido à custa do processo que foi julgado procedente.
159
Ou seja, Anna Crioula e seus filhos obtiveram na justiça o direito à liberdade.
Assim, a ação de liberdade de Anna Crioula serve como exemplo para ilustrar três
questões: primeiro, o fato de a escravidão ser instituída no âmbito privado, e garantida pela
esfera pública através do direito positivo à propriedade; em segundo, a questão de a promessa
de liberdade ser uma forma encontrada por alguns senhores para manter seus escravos
submissos; e por fim, demonstra que a justiça poderia referendar um acordo verbal
estabelecido no âmbito privado das relações escravistas.
4.2 A revolta escrava de Carrancas
Na Comarca do Rio das Mortes, no ano de 1833, ocorreu a revolta dos escravos do
curato de Carrancas, pertencente à freguesia de São Tomé das Letras. Essa revolta foi
registrada em um longo processo-crime que contém mais de 400 páginas.
160
Um aspecto
significativo e bastante estudado desse documento é o fato de a revolta ter ocorrido no
período regencial motivada, provavelmente, pelos defensores do retorno de D. Pedro I ao
trono do Brasil: os Caramurus, que teriam incitado os escravos a se rebelarem contra seu
proprietário.
161
No jornal Astro de Minas, também a afirmativa de que os “Caramurus”
estimularam os cativos a se insurgirem contra os seus senhores, prometendo- lhes a alforria.
162
No entanto, mesmo que houvesse motivações políticas externas ao plantel insurgente,
a nossa análise concentrar-se-á na questão de o poder público e de o poder privado terem se
unido para conter os cativos e, assim, garantirem a permanência da ordem escravista.
159
ARSJR. Inventário COELHO, Manoel Gomes de Almeida (Capitão), caixa 58, p.140.
160
O processo pode ser localizado na integra no seguinte site:
http://www.acervos.ufsj.edu.br/site/fontes_civeis/carrancas.html. Acesso em 04/03/2008
161
Ver: ANDRADE, Marcos Ferreira de. Rebelião e resistência: as revoltas escravas na província de Minas
Gerais. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, dissertação de mestrado, 1996.
162
Astro de Minas, n 903, terça- feira, 27-08-1833.
100
Em resumo: a revolta dos escravos da família Junqueira ocorreu no dia 13 de maio de
1833. Os cativos iniciaram a rebelião na fazenda Campo Alegre, onde mataram um dos
membros dessa família no momento em que este se encontrava na roça, fiscalizando o
trabalho dos escravos. Após tal episódio, os cativos rebelados seguiram para a sede da
fazenda. Porém, devido à ação de um dos escravos, os brancos que estavam ficaram cientes
da revolta e colocaram dois capitães-do-mato de prontidão. Os revoltosos desistiram de atacar
a sede da fazenda, e dirigiram-se para outra propriedade da mesma família, onde mataram
todos os brancos que lá estavam, e dois negros. Na terceira fazenda, para a qual se deslocaram
após o massacre efetuado na segunda, os revoltosos foram derrotados.
163
(...) a crueldade com que foram executadas as mortes, relatadas com
detalhes no auto de corpo de delito indireto, certamente contribuiu para
extremar o pavor em relação às rebeliões escravas, reforçar os mecanismos
de controle e repressão e revelar o caráter aterrador da violência coletiva em
si. (ANDRADE, 1996, p.7)
Após o ocorrido, foi instaurado, a pedido do então deputado Gabriel Francisco
Junqueira, futuro barão de Alfenas, o processo-crime para apurar os fatos e punir
exemplarmente os culpados, sendo que os principais líderes da rebelião morreram no conflito.
Assim que a notícia da revolta se espalhou, tanto as autoridades públicas quanto os senhores
de escravos se mobilizaram no sentido de evitarem novas revoltas, principalmente, nas
propriedades com mais de trinta cativos, o que era relativamente comum na região.
164
A tabela abaixo demonstra que a população escrava da Freguesia de Carrancas, na
maioria dos casos, ultrapassava a de homens livres, contexto esse que acreditamos ser
favorável à eclosão de revoltas.
TABELA 14:Freguesia de Carrancas: População livre e escrava no período de 1833-35
Localidade Livres %
Escravos %
Total
Conceição de Carrancas
496
34,8 927
65,2
1.423
Esp. Santo de Carrancas
253
27,6 664
72,4
917
Campo Belo
203
35,6 367
64,4
570
Luminárias
247
61,3 156
38,7
403
S. Tomé da Serra das Letras
360
48,6 380
51,4
740
Total
1559 38,5
2494 61,5 4.053
Fonte: Arquivo Público Mineiro. Mapas de População de 1833-35
163
163
ARSJDR. Processo-crime de Insurreição (1833), caixa PC 29-01. Libelo Acusatório.
164
“(...) na região as propriedades eram formadas de plantéis acima de 30 escravos, em alguns casos chegando a
atingir um número expressivo de 163 escravos”. (ANDRADE 1996, p. 183); Ver também: LENHARO, Alcir. As
tropas da moderação. Rio de Janeiro: Símbolo, 1979.
101
A câmara municipal, após o episódio, passou a impor medidas a serem tomadas como,
por exemplo, o reforço no número de soldados e a orientação para os senhores escravista não
deixarem instrumentos agrícolas cortantes à disposição dos escravos.
165
Que os mesmos Juízes de Paz ordenem aos fazendeiros que guardem
em segurança as foices e todas as ferramentas da lavoura. Que os fazendeiros
façam seus escravos deitarem-se ou fixarem-se em suas senzalas às oito
horas da noite. Que os Feitores ou Administradores revistem em horas
incertas se os escravos se acham em seus lugares, isto com
responsabilidade.
166
Nesse caso - com o consentimento dos senhores - o princípio da soberania doméstica
dos proprietários de escravos foi desconsiderado, e as autoridades públicas passaram a ditar
medidas no intuito de se evitarem novas revoltas. O fato de as autoridades e de os senhores
terem se unido para evitarem novas revoltas, aponta para a existência de uma coesão das
elites, a fim de se manter a ordem escravista. Portanto, podemos considerar que o ponto
convergente das elites, naquele período de crise, foi a necessidade da manutenção das relações
escravistas.
No período da revolta, não era comum condenar os escravos à pena morte, isso porque
os cativos são um bem vendável, sendo assim, seria um prejuízo para o proprietário ter de
sacrificá-lo. Mas, mesmo assim, os dezesseis deres da revolta foram condenados ao
enforcamento em praça pública. Entendemos que ao punir em um ambiente público os
escravos insurgentes, as autoridades tiveram como motivação dar o exemplo aos demais
escravos da região, que assim, temeriam ter o mesmo destino daqueles escravos insurgentes,
caso se rebelassem.
Como pudemos constatar no documento, entre as razões apontadas para a revolta, a
recorrente menção aos castigos físicos e a crueldade do senhor escravista.
167
Vejamos parte do
depoimento de Julião Congo: “(...) perguntado se tinha alguma razão que produzir em sua
defesa, respondeu que seu senhor o tratava de mandrião, não estava contente com o seu
serviço, dava-lhe pancadas ainda mesmo quando estava doente (...).”
Mesmo não tendo dados suficientes para afirmarmos que os mecanismos paternalistas
senhoriais não foram seguidos, ou mesmo que falharam, na propriedade da família Junqueira,
165
ANDRADE Opt Cit.
166
AESP. Ofícios Diversos de Bananal, cx. 28, p. 2, doc. nº 62-A. Citado por ANDRADE, Opt. Cit.
167
ARSJDR. Processo-crime de Insurreição (1833), Auto de Perguntas ao réu Julião Congo, escravo da fazenda
Campo Alegre, f. 127 v.
102
o fato é que os escravos se rebelaram, tornando explicita a sua insatisfação com o cativeiro,
com a subjugação pessoal e com os castigos físicos.
“Quem delle souber queira remetter a seo dono”
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho
levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o
nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a
quantia da gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa:
“gratificar-se-á generosamente”, _ ou “receberá uma boa gratificação”.
Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto,
descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se
com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.
168
A existência de revoltas escravas, cativos foragidos e de quilombos comprovam que
nem sempre os mecanismos paternalistas dos senhores de domínio de seus escravos tiveram
êxito. Mesmo que tenham sido poucos os escravos que de alguma forma demonstraram
explicitamente sua insatisfação com a ordem instituída, a sua importância para o cotidiano das
relações escravistas foi inequívoca.
Como pudemos perceber, a sociedade do período estudado tinha uma organização que
privilegiava a conservação da ordem escravista, e, ao garantir o direito à propriedade na
constituição de 1824, assegurou o poder privado dos senhores sob seus cativos. De acordo
com Eduardo Silva, a principal forma de os escravos demonstrarem sua oposição ao direito de
propriedade dos senhores eram as fugas: “a unidade básica de resistência no sistema
escravista, seu aspecto típico, foram as fugas. Para um produtor direto definido como
“cativo”, o abandono do trabalho é um desafio radical, um ataque frontal e deliberado ao
direito de propriedade” (SILVA, 2005, p. 62).
Desse modo as ocorrências de fugas de escravos desafiaram a organização
estabelecida, e demonstram, ao mesmo tempo, que os diversos cativos de um mesmo plantel
podem ter entendido de forma distinta aos demais a relação paternalista estabelecida com seus
senhores. Outra hipótese a ser considerada é o fato de o senhor, que teve seu escravo foragido,
ter negligenciado certos aspectos da ideologia paternalista que poderiam ter garantido o bom
governo sobre seus escravos. Assim, pensamos que, ao analisar as fugas escravas, poderemos
trazer mais uma peça a fim de montar o mosaico das relações paternalistas estabelecidas entre
senhores e escravos.
168
ASSIS, Machado de. Pai Contra Mãe. In: 50 Contos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas John
Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 467.
103
Os periódicos são praticamente a única fonte onde podemos encontrar o registro das
fugas de escravos.
169
Em São João del-Rei, entre os anos de 1827 e 1844, foram publicados
doze periódicos.
170
Dentre eles, optamos por estudar os anúncios de escravos foragidos do
jornal Astro de Minas. Essa escolha deve-se ao fato de este ter sido o primeiro periódico e o
que circulou por um período maior - de 1827 a 1839 - além do que, a maioria de seus
exemplares foi preservado pela Biblioteca Nacional.
O Astro de Minas era impresso na tipografia de Batista Caetano de Almeida, cidadão
importante da sociedade são-joanense, sendo, inclusive, o fundador da primeira biblioteca
pública de Minas Gerais.
171
O redator do Astro de Minas era o Padre José Antônio Marinho,
que teve sua instrução nos seminários brasileiros, e não em Portugal, fato que provavelmente
contribuiu para sua postura política liberal.
172
Além desse periódico, Marinho também redigiu
o Jornal da Sociedade Promotora de Instrução Pública; Oposição Constitucional e o
Americano. (MOREIRA, 2006, p. 58-61)
O Astro de Minas tinha tiragens às terças, quintas, e sábados, e, em geral, cada jornal
apresentava quatro páginas. Os avisos ficavam na última página do periódico, e anunciavam
assuntos diversos, como a venda de escravos e de moradas, o extravio de animais e,
principalmente, os avisos de escravos foragidos. Estes últimos, geralmente, continham o
nome do proprietário, a idade do escravo, de onde fugiu, quando fugiu, sua etnia, sua
ocupação, suas características físicas, tais como marcas e ferimentos e a roupa que
provavelmente vestia no dia em que sumiu. Ao final do anúncio, além de acrescentar
informações diversas, o senhor geralmente prometia pagar os custos de quem capturasse o
foragido e, por vezes, prometia gratificações. Vejamos um exemplo de aviso:
A Antônio Teixeira Pinto, morador em Pouso Alto, fugiu um
escravo crioulo de nome Vicente, idade 22 a 25 anos, estatura alta, cara
169
Exemplo de autores que trabalharam com essa modalidade de fonte: FREYRE, Gilberto. O escravo nos
anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Recife: Imprensa Universitária. 1963; MOTT, Luiz. Os escravos
nos anúncios de jornal em Sergipe. Anais do V Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Águas de São
Pedro, Associação Brasileira de Estudos Populacionais, vol.1, 1986; REIS, Liana Maria. Escravos e
Abolicionismo na Imprensa Mineira 1850-1888. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Departamento de
História / FAFICH/UFMG, 1993; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e
cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
170
Ver: CAMPOS, Maria Augusta de Amaral. A marcha da civilização: as vilas oitocentistas de São João del-
Rei e São José do Rio das Mortes. 1998. Dissertação (Mestrado) – FAFICH/UFMG, 1998.
171
Ver: VELLASCO, Ivan de Andrade. O cenário e as fontes. In: As seduções da ordem: violência, criminalidade
e administração da justiça: Minas Gerais – século 19. São Paulo: EDUSC, 2004.
172
Para saber mais sobre a posição política da imprensa em Minas Gerais, ver: MOREIRA, Luciano da Silva.
Imprensa e Política: Espaço público e cultura política na província de Minas Gerais 1828-1842. Belo Horizonte,
FAFICH/UFMG: dissertação de Mestrado, 2006.
104
comprida, e grande, nariz chato, dentes arruinados, fala fina; fulla, pés
grandes, tem um sinal em uma das sobrancelhas. Quem delle souber queira
remetter a seo Sr, que dará alvíssaras além das despesas.
173
Acreditamos que os anúncios fossem um meio eficaz para trazer os cativos de volta,
afinal, em praticamente todas as semanas de existência do Astro de Minas, tivesse anunciado
pelo menos um escravo foragido. No entanto, os periódicos não nos fornecem dados concretos
para sabermos se os avisos de escravos foragidos ajudavam a localizar o fugitivo. Pudemos
constatar alguns avisos de agentes das cadeias informando que haviam sido capturados e
presos escravos foragidos. Por exemplo: “Acha-se na cadeia de Tamandum negro inda
boçal de nome José Nação Cassange, estatura pequena, delgado de corpo, rosto comprido,
olhos pequenos, sem barba; e diz que seu Senhor chama-se Manoel Ferreira, foi apanhado no
distrito de [Uberaba].”
174
Também foi localizado um aviso do proprietário do escravo
fugitivo comunicando, a quem estivesse em busca de seu cativo, que já o havia localizado:
Antônio Francisco Teixeira Coelho faz ciente aos seus agentes que
dirigiu para os sertões em diligência de prenderem um escravo do mesmo
que lhe fugira em principio de agosto P.P, e que este já se acha preso, e dessa
mesma parte aos seus amigos que nessa diligência se havia empenhado.
175
Através dos avisos também pudemos perceber que havia uma ajuda mútua entre os
senhores escravista para capturarem os foragidos. Existem alguns anúncios em que os
senhores sequer registram a promessa do pagamento das despesas com a captura do escravo,
como é o caso de Antônio José Pacheco, que mesmo sendo seu escravo um alfaiate, não
prometeu recompensas e nem mesmo o pagamento das despesas com a captura ou as
informações sobre seu escravo.
176
Já D. Teresa de Jesus Pinto pede por caridade que lhe dêem
notícias de sua escrava um tanto idosa que lhe havia fugido, prometendo em troca,
agradecer segundo suas possibilidades.”
177
O mais freqüente eram os avisos em que havia a
promessa de pagar somente as despesas com a captura. Mesmo assim, houve senhores que
prometeram gratificações generosas, como podemos perceber neste aviso: “o abaixo assinado,
administrador da dita fazenda, se compromete a dar alvíssaras 40$000 rs., além de pagar as
173
Astro de Minas, nº 612, quinta-feira, 27/10/1831.
174
Astro de Minas, nº 740, sábado, 25/08/1832.
175
Astro de Minas, nº 1094, 5ª-feira, 20/11/1834.
176
Astro de Minas, nº 822, 5ª-feira, 07/03/1833.
177
Astro de Minas, nº 678, 5ª-feira, 29/03/1832.
105
despesas, a quem o apresentar na mesma fazenda, ou preso em qualquer Cadeia Francisco
dos Antunes Guimarães.”
178
O Capitão João Pedro Diniz Junqueira avisou, em abril de 1829, que tinha um escravo
pardo de nome Domingos, de 18 a 20 anos, foragido. Junqueira pedira a quem o encontrasse
que o devolvesse, e, se assim o fizesse, receberia além das despesas, 20 réis de gratificação.
179
Embora não dê para saber se esse senhor recapturou seu escravo, pudemos perceber, em outro
aviso, feito alguns meses depois pelo mesmo Cap. Junqueira, sua solidariedade a outro
proprietário que também tivera um escravo foragido:
Apareceu na [Treituba] um moleque novo, que apenas diz que seu
Sr. chama-se Estevão, e que mora longe, é de estatura baixa, ponta de buço,
e tem uma falta de cabelo em um lado da cabeça, e chama-se José, foi preso
no Angahi fazenda do Coronel João Pedro Diniz Junqueira, quem for seu
dono queira mandar procurá-lo.
180
Além do Cap. Junqueira, outros senhores anunciaram em folha pública ter localizado
um escravo de outro proprietário. Vejamos o seguinte aviso:
No dia 11 de março apareceram em casa do Cap. João Rodrigues
Correa de Barros, morador na fazenda da Lagoinha Freguesia de Baependy,
dois escravos novos, os quais não sabem dizer de quem são, por não saberem
bem falar; um, de nação Cabinda, e outro, Congo, quem for seu dono pode
procurá-los, que se lhes entregará dando os sinais.
181
Hebe Mattos (1985) localizou nos processos-crime o registro da fuga de 23 escravos.
A autora também constatou o comprometimento da sociedade, como um todo, para a captura
de um escravo foragido. Vejamos as palavras da autora:
O comprometimento dos demais homens livres com a legitimidade
do sistema era outra face da violência escravista. Além dos capitães do mato,
ainda na década de 1850, ficou registrado, nos processos analisados, o
continuo engajamento de lavradores e de seus filhos nas escoltas que
buscavam escravos foragidos, escondidos nas paragens em que viviam. Não
se tratava de agregados ou dependentes do senhor do cativo fugido, mas de
engajamento dos homens válidos de municípios às vezes distantes, encarado
como tarefa necessária e natural. (MATTOS, 1985, p. 169).
Portanto, na frase recorrente nos avisos “quem delle souber queira remetter a seo
dono,” estão subentendidas tanto a fuga quanto a organização dos senhores na busca por
178
Astro de Minas, nº 900, 3ª-feira, 20/08/1833.
179
Astro de Minas, nº 215, 5ª-feira, 02/04/1829.
180
Astro de Minas, nº 320, sábado, 05/12/1829.
181
Astro de Minas, nº 215, 5ª-feira, 02/04/1829.
106
seus escravos foragidos. Afinal, recapturar um escravo fugitivo significava muito mais do que
sanar os prejuízos do senhor: serviria de exemplo aos demais cativos e poderia evitar novas
fugas. Como a manutenção da ordem escravista era um interesse de todos os proprietários de
escravos, podemos inclusive, dizer que era função da sociedade como um todo a recaptura de
um escravo fugido.
O auxílio aos senhores para recapturarem seus escravos podia vir, inclusive, de regiões
distantes, como é o caso do seguinte anúncio:
Acha-se na cadeia da cidade de Cuiabá, Província de Mato-Grosso,
um homem pardo de nome Venâncio, estatura ordinária, e alguma barba: o
qual sendo preso pela Patrulha de Polícia a 22 de dezembro de 1832 declarou
ser escravo de Joaquim Thomaz de Aquino, morador no Rio Grande, nas
Lavras do Funil da Província de Minas Gerais. Portanto, faz-se o presente
anúncio para que chegando a notícia ao seu Senhor, este o mande receber
apresentando documento que o habilite.
182
Na sociedade estudada houve uma solidariedade, uma ajuda mútua entre os senhores
de diversas regiões, a fim de se preservar a ordem escravista. Entretanto, a freqüente fuga
escrava, evidente através da recorrência de avisos de cativos foragidos, demonstra que,
mesmo envoltos em diversos mecanismos de dominação, os escravos não deixaram de fugir,
e, às vezes, até para regiões distantes como foi o caso do escravo do anúncio acima.
Possivelmente muitos dos proprietários nunca chegaram a ver novamente seus
escravos, fato que pode ser constatado nos avisos em que os senhores mencionam que
procuram muitos anos seus cativos desaparecidos: “a Melquiadeo José da Silveira Ferraz
fugiu há sete anos o escravo José Nação Moçambique;”
183
“a Domingos José Dantas de
Amorim fugiu quatro anos o crioulo Florêncio;”
184
“Haverá uns cinco anos, que fugiu do
Padre Julião Antônio da Silva Resende o escravo Joaquim Ventura, preto da Costa;”
185
“há
mais de ano que o Coronel Severino [Eulogio] Ribeiro não vê seu crioulo Alexandre.”
186
A fuga de um escravo, mesmo que por um período curto, certamente significava um
prejuízo tanto econômico, quanto para a autoridade do senhor escravista. Os proprietários,
provavelmente, laçaram mão de práticas paternalistas concedendo certos benefícios aos
escravos, para que estes permanecessem submissos no cativeiro. Visto dessa forma, a fuga de
um escravo de determinada fazenda pode ter ajudado aos cativos que ficaram a
182
Astro de Minas, nº 917, sábado, 28/09/1833.
183
Astro de Minas, nº 784, 5ª-feira, 06/12/1832.
184
Astro de Minas, nº 808, sábado, 02/02/1833.
185
Astro de Minas, nº 1034, 5ª-feira, 03/07/1834.
186
Astro de Minas, nº 918, 3ª-feira, 01/10/1833.
107
reivindicarem melhores condições dentro do cativeiro,
187
ou mesmo, a fuga podia ser uma
estratégia do escravo de reivindicar algo que seu senhor não lhe queria conceder. Sobre este
último aspecto, vejamos as palavras de Hebe Mattos:
Os outros cinco casos são de fugitivos que não foram capturados, nem se mencionam
escoltas a procurá-los. Voltam espontaneamente à casa de um padrinho, levando
reivindicações para evitar uma venda que não lhes agrada, para forçar outra a um senhor que
lhes interessa, ou para forçar a compra de sua alforria a herdeiros que, a princípio, a isso se
opunham. Nesses casos, as fugas não são uma estratégia direta para a liberdade de fato, ou
seja, eles não buscam sumir definitivamente da vista do senhor, mas simplesmente colocar-se
em posição melhor para influenciar seus próprios destinos, colocados em xeque por ameaças
de venda ou por morte de senhor. (...). (MATTOS, 1985, p.170)
No entanto, devido às especificidade de cada sujeito escravo, não podemos afirmar
que melhor condição de cativeiro garantiria a submissão dos escravos. Dessa forma, as
revoltas, a fuga, assim como os quilombos, que provavelmente eram o destino dos escravos
foragidos,
188
demonstra o cativo agindo com vontade própria, e desafiando a ordem
estabelecida.
4.3 O paternalismo nos anúncios de jornais
meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e
nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem
pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era
apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo
dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a
ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. (...).
189
A seção do jornal Astro de Minas, dedicada a anunciar assuntos diversos, está
recheada de proprietários escravistas que tiveram seus cativos foragidos. A fim de facilitar a
identificação do escravo, por aquele que o encontrasse, os senhores faziam uma breve
187
A esse respeito Eduardo Silva divide as fugas em: fugas reivindicatórias e fugas rompimento (SILVA 2005,
p. 63).
188
Hebe Mattos ao verificar nos processos em que o escravo era recapturado, constata que, até 1850, os escravos,
geralmente, fugiam para o mato, após esta data, os escravos fugitivos se passavam como homens livres usando
documentos falsificados. (MATTOS, 1985, p. 170-171).
189
ASSIS, Machado de. Pai Contra Mãe. In: 50 Contos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas John
Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 467.
108
descrição das principais características físicas dos foragidos. As descrições englobavam os
aspectos naturais à pessoa do escravo, as cicatrizes decorrentes de castigos físicos, de
ferimentos acidentais ou de doenças, além de relatarem os sinais de nação, a roupa que
vestiam ou mesmo, que levaram na ocasião da fuga. Ressaltamos que não são em todos os
avisos que encontramos essa variedade de descrição, sendo que alguns poucos se limitavam a
apenas dizer o nome do escravo e o valor da gratificação paga a quem o localiza-se.
Entendemos que o excesso de maus tratos infligidos aos escravos no cativeiro pode ter
sido um dos motivos que os levaram a fugir. Essa asseveração tem como base o estudo de
Sílvia Hunold Lara (1988). A autora se fundamenta em fontes empíricas, e, principalmente,
nas considerações de determinados jesuítas
190
para afirmar que o castigo medido e pedagógico
não levaria à insurgência escrava (LARA, 1988, p. 49-56). Vejamos uma passagem na qual
Lara analisa o jesuíta Benci:
O discurso desse jesuíta sobre os castigos aconselhava basicamente
moderação; ou seja, cuidado para que o excesso das punições não levasse o
escravo a escapar do domínio senhorial (por fuga, suicídio ou morte), para
que o poder o fosse prejudicado com seu exercício brutal, para que a
punição, atemorizando o escravo, tornasse efetiva a sua sujeição. Assim,
mais que uma forma humanitária da relação senhor-escravo, Benci pretendia
orientar o sentido de preservar, com segurança, a continuidade do domínio
senhorial. (LARA, 1988, p. 50)
Lara demonstrou que, principalmente a partir da década de 1970, a historiografia
passou a perceber que o caráter violento da escravidão não excluía necessariamente o seu
aspecto paternalista. (LARA, 1988, p. 97-113). Desse modo, o proprietário de escravos
poderia ser ao mesmo tempo, paternalista, benevolente, ou mesmo, violento e cruel com seus
escravos. Entretanto, a violência deveria seguir certos limites a fim de se evitar que os
escravos se insurgissem contra o cativeiro.
Márcia Amantino (2007) estudou 1.047 anúncios de escravos foragidos publicados ao
longo do ano de 1850 no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. A autora identificou em
409 anúncios informações sobre as condições de saúde e do corpo do escravo foragido.
Através deles, Amantino discutiu diversos aspectos da saúde dos escravos foragidos.
190
Rafael de Bivar Marquese (2004) também analisa o discurso dos jesuítas sobre o governo dos escravos na
América. Marquese busca identificar, através de textos de intelectuais contemporâneos a escravidão, entender o
pensamento escravista e os mecanismos utilizados pelos senhores a fim de tornar mais lucrativo o sistema
escravista. Ver: MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do Corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o
controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
109
(AMANTINO, 2007, p. 1380). Mesmo não sendo o objetivo de Amantino analisar,
especificamente nesse artigo, os motivos que levaram os escravos a fugir, a autora faz a
seguinte consideração:
Para concluir, pode-se afirmar que as evidências de condições
patológicas levantadas a partir dos anúncios de fujões aqui discutidos, pela
sua natureza e pela freqüência em que ocorrem, parecem reforçar a hipótese
de que um dos grandes motivos que levavam o escravo a fugir eram os
maus-tratos, infligidos, talvez, com intenção de marcar o corpo como lição
àquele e a outros rebeldes. Como maus-tratos consideramos não os
castigos físicos, mas também a má alimentação e a quebra nos direitos
adquiridos. (AMANTINO, 2007, p. 1393)
Assim, entre as descrições dos escravos nos anúncios do periódico Astro de Minas
levantamos aquelas que servem de indício da existência de maus-tratos no cativeiro para, a
partir daí, discutir o código paternalista, no qual o senhor deveria respeitar determinadas
regras estabelecidas no âmbito privado das relações escravistas a fim de manter seu domínio
sobre os seus escravos.
Consideramos como vestígios de maus tratos, os relatos dos senhores que explicitaram
as marcas provenientes de torturas físicas, de acidentes de trabalho e as que demonstram
serem decorrentes de doenças. Nessa quantificação dos escravos anunciados,
desconsideramos aqueles relatos que mencionam o fato de o escravo ter os pés rachados e a
falta de dentes. Assim, entendemos que os maus tratos poderiam estar descritos de três
formas: as descrições que explicitam o castigo físico,
191
as que aparentam serem em
decorrência de acidentes de trabalho e as decorrentes de doenças.
A título de exemplo, transcrevemos as seguintes marcas que evidenciam a presença de
castigos físicos: “(...) marca em forma de cruz
no meio do peito”;
192
“falta-lhe parte de um
dedo na mão direita”;
193
“tem um olho arregalado por causa de uma queimadura”;
194
“tem as
mãos aleijadas por causa de uma queimadura”;
195
“cicatriz na garganta de golpe de
navalha”;
196
“com uma orelha a menos”;
197
“com bastantes
cicatrizes nas pernas e braços”;
198
191
A menção ao fato de o escravo ter algum membro torto também foi incluído, na forma de castigo físico, como
no seguinte caso: “tem uma perna arcada por ter sido quebrada.” Astro de Minas, nº 1003, 3ª-feira, 22/04/1834.
192
Astro de Minas, nº 148, 3ª-feira, 28/10/1828.
193
Astro de Minas, nº 119, 5ª-feira, 21/08/1828.
194
Astro de Minas, nº 222, sábado, 18/04/1829.
195
Astro de Minas, nº 251, sábado, 27/06/1829.
196
Astro de Minas, nº 396, 5ª-feira, 03/06/1830.
197
Astro de Minas, nº 399, 5ª-feira, 10/06/1830.
198
Astro de Minas, nº 535, sábado, 30/04/1831.
110
“faltam-lhe as unhas dos dedos grandes dos pés”;
199
“tem dois sinais na cabeça de brechas”;
200
“tem a falta de um olho
,
sinal de um golpe no beiço de cima,”;
201
“com falta de parte de um
dedo da mão esquerda”;
202
“tem uma cicatriz de uma facada, que levou
pouco abaixo do
estomago”;
203
“tem uma perna cortada, anda de muletas”;
204
“com uma tortura em um dedo da
mão”;
205
“com sinais de castigo nas costas e nádegas”;
206
“sinais de ferro na testa”;
207
“com
muitos sinais de açoites nas costas.”
208
Em muitos dos sinais de ferimentos, indícios de que foram causados por acidentes
de trabalho, ou mesmo em decorrência da prática repetitiva do ofício que exerciam.
Apresentamos os seguintes exemplos: “tem no dedo polegar da mão direita o sinal de um
golpe na “juneta” principal do mesmo dedo, que tem dura”;
209
“tem um sinal de golpe de
machado em um pé”;
210
“aleijado de uma mão, e seu ofício é carpinteiro";
211
é alfaiate tem o
dedo calejado de tesoura”;
212
“queimadura nas costas, é ferrador e arrieiro”;
213
“calos nas
mãos de puxar linhas de sapateiro, de que é perfeito oficial”;
214
“tem uma cicatriz no pulso de
um dos braços causado de um “puxavante,” por ser o dito tocador de tropa, outra dita na
canela estendida ao comprido. ”
215
Também consideramos como prova circunstancial de maus-tratos algumas marcas
decorrentes de doenças, como é o caso da recorrente referência: “com sinais de bexiga”;
216
“teve uma fístula na cara”;
217
“teve um formigueiro na barriga, de que lhe ficarão sinais”;
218
“tem o rosto comido de bexigas”;
219
“com sinais de fístula no queixo da parte direita, a qual
199
Astro de Minas, nº 608, 3ª-feira, 18/10/1831.
200
Astro de Minas, nº 707, 5ª-feira, 07/06/1832.
201
Astro de Minas, nº 730, 3ª-feira, 31/07/1832.
202
Astro de Minas, nº 758, sábado, 06/10/1832.
203
Astro de Minas, nº 758, sábado, 06/10/1832.
204
Astro de Minas, nº 1132, 5ª-feira, 19/02/1835.
205
Astro de Minas, nº 1194, 3ª-feira, 14/07/1835.
206
Astro de Minas, nº 1196, sábado, 18/07/1835.
207
Astro de Minas, nº 1208, 5ª-feira, 20/08/1835.
208
Astro de Minas, nº 1293, 3ª-feira, 08/03/1836.
209
Astro de Minas, nº 217, 3ª-feira, 07/04/1829.
210
Astro de Minas, nº 262, 5ª-feira, 23/07/1829.
211
Astro de Minas, nº [ ], [ ], [ ]/08/1830.
212
Astro de Minas, nº 822, 5ª-feira, 07/03/1833.
213
Astro de Minas, nº 845, 5ª-feira, 18/04/1833.
214
Astro de Minas, nº 1458, sábado, 01/04/1837.
215
Astro de Minas, nº 1461, sábado, 15/04/1837.
216
Astro de Minas, nº 394, sábado, 29/05/1830.
217
Astro de Minas, nº 395, 3ª-feira, 01/06/1830.
218
Astro de Minas, nº 517, 5ª-feira, 17/03/1831.
219
Astro de Minas, nº 600, 5ª-feira, 29/09/1831.
111
ainda não está bem sã, e o rosto daquela parte
alguma coisa inflamado”;
220
“tem no tornozelo
uma chaga.”
221
Seria enfadonho e triste repetirmos todas as descrições de maus tratos, até porque elas,
por vezes, se assemelham. Entretanto, acreditamos que as citações acima ilustrem bem o que a
fonte nos apresenta. Poderíamos inclusive, ser questionados quanto à separação que fizemos
de os maus-tratos serem em decorrência de castigos físicos, acidentes de trabalho ou de
doenças. Principalmente porque a falta de um dedo pode ser indício de um acidente de
trabalho, e não de um castigo físico, a ausência de um olho pode ser decorrente de uma
doença, e o golpe de faca pode ter sido deflagrado em uma briga com outro cativo. No
entanto, na maioria dos anúncios não há uma pormenorização das causas das marcas no corpo
dos escravos. Assim, inferimos ser acidente de trabalho quando o senhor explicita um ofício
que poderia ter como conseqüência a referida marca. Consideramos castigo físico quando
indícios para tal, e claro, quando a referência literal de a marca ser em decorrência de
tortura. No caso das doenças, a menção clara a sua existência, como é o caso das fístulas,
das bexigas e dos formigueiros, no entanto, alguns desses podem ter sido em decorrência de
algum castigo físico.
Consideramos que a presença de algumas marcas de doenças e de acidentes de
trabalho indique a ocorrência de maus-tratos. Temos também como fundamento para essa
assertiva as análises de Gilberto Freyre. Esse autor foi pioneiro no Brasil a analisar a
escravidão a partir dos anúncios de jornais.
222
Ainda na década de 1930, Freyre apresentou
uma conferência sobre o assunto e, posteriormente, um ensaio. Tempos depois, aprofundou no
tema, ao recolher mais de dez mil anúncios de escravos foragidos, e publicou em 1963 o livro:
“O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX.” Freyre, quando analisa as
deformações físicas dos escravos fugitivos anunciados, faz as seguintes considerações:
O certo é que os anúncios de negros fugitivos, no Jornal do
Commercio, do Rio, no Diário de Pernambuco, no Diário do Rio de Janeiro,
em outras gazetas brasileiras do tempo do Império, por nós examinados,
220
Astro de Minas, nº 646, sábado, 14/01/1832.
221
Astro de Minas, nº 1044, sábado, 26/07/1834.
222
“Vários historiadores já atentaram para a importância desse material, mas foi Gilberto Freyre quem o
trabalhou de forma mais sistemática.
“Anunciologia” (ou “ciência dos anúncios”) foi o nome adotado por Freyre para caracterizar o que ele
mesmo se propunha a trabalhar. Através dos anúncios referentes a escravos, Freyre buscou reconstituir as
características da população negra residente no Brasil, verificando sua constituição física e psicológica. Dessa
maneira e a partir desse trabalho, esse autor trouxe importantes contribuições, na medida em que, além de
descrever os tipos de negros residentes no Brasil, reconstituiu vocábulos e mesmo costumes da época.”
(SCHWARCTZ, 1987, p. 137)
112
estão cheios de negros de “pernas cambaias”, “joelho tocando um no outro”,
“pernas tortas para dentro”, joelhos metidos para dentro”, “pernas e braços
exageradamente finos”, “zambos”, arqueados, peitos estreitos, cabeças
puxadas para trás ou achatadas de lado. O fato de virem da África para o
Brasil em viagens que duravam meses, e aos magotes, uns por cima dos
outros, nos porões úmidos, tantos negros ainda moleques e molequinhos,
torna admissível que fossem efeitos de raquitismo algumas daquelas
freqüentes deformações das pernas e da cabeça. Também o regime de
trabalho e de alimentação em certas fazendas e para certo número de
escravos trabalho desde quase a madrugada até o sol posto, debaixo de
telheiros acachapados e acrescidos de alimentação deficiente e de dormida
no chão, em senzalas úmidas e fechadas talvez favorecesse o raquitismo,
apesar de todo o desfavor dos trópicos. (FREYRE, 1963, p. 221-222)
Portanto, com base nessa passagem do livro de Gilberto Freyre consideramos estas
deformações, que por vezes estão detalhadas nos anúncios, como indicativas de maus-tratos
sofridos pelos escravos no cativeiro. E visto a dificuldade em demarcar a origem de certos
sinais no corpo do escravo, resolvemos simplificar a quantificação e agrupar os anúncios de
escravos foragidos em dois níveis: os que mencionam a ocorrência de maus-tratos; e os que
não mencionam. Vejamos a tabela resultante desta quantificação:
TABELA 15 Ocorrência de maus tratos nos anúncios de escravos foragidos do periódico Astro de Minas
Maus tratos Total
%
Menciona 128
44%
Não menciona 166
56%
Total 294
100
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de avisos de escravos
foragidos do jornal Astro de Minas.
Com essa quantificação, percebemos que o número de escravos foragidos que
apresentavam algum sinal de maus-tratos é significativo, chegando à quase metade dos
anúncios analisados. No entanto, devemos ponderar quanto ao fato de que nem toda forma de
tortura física deixara marcas no corpo do escravo, além do que, nem todos os senhores devem
ter relatado os vestígios de maus-tratos de seus cativos. Assim, podemos inferir que o número
de fugitivos que sofreram maus-tratos no cativeiro pode ter sido ainda maior. Entretanto, não
é nossa pretensão extrapolar as informações que a fonte nos traz, por isso, nos deteremos a
analisar o fato de 44% de os escravos foragidos apresentarem indícios de maus-tratos.
Freyre, ao analisar as marcas de castigos ou de punições nos escravos foragidos,
afirma que “não nos deve horrorizar demasiadamente, nos escravos fugidos, marcas nas
113
nádegas de castigo ou sinais de punição; lubambos nos pés; correntes nos pés. Tais castigos
faziam parte da rotina de todo um complexo sistema de relações de escravos com seus
senhores.” (FREYRE, 1963, p. 33). Nessas relações, o autor entende que o castigo tinha uma
função pedagógica, de educação do cativo, e não o escravo era educado dessa forma
violenta na sociedade patriarcal, mas também o filho do senhor. Vejamos novamente nas
palavras do autor:
Mas esse patriarca que punia igualmente os filhos. Dentro do
sistema patriarcal brasileiro, o menino branco e senhoril – o sinhozinho – era
também castigado com palmatória, com vara de marmelo; preso nas cafuas;
posto de joelho sobre o grão de milho. O castigo ao escravo, como o castigo
ao filho de família fazia parte de um sistema de educação, de assimilação e
de disciplina o patriarcal que não podia desmanchar-se em ternuras para
com os necessitados de educação, de assimilação e de disciplina. Para se
integrarem nos papéis ou nas funções que deviam desempenhar nesse
sistema, escravo e menino precisavam ser disciplinados, assimilados e
educados pelos brancos e pelos adultos à maneira da época, que era uma
maneira da qual ninguém concebia que estivesse ausente a palmatória ou o
chicote; o castigo que doesse no corpo; a punição cruamente física.”
(FREYRE, 1963, p. 32-33)
Assim, Freyre entende que as marcas de castigos físicos nos escravos são em
decorrência de uma tentativa de educar o cativo, e que fazia parte da relação patriarcal
presente na sociedade brasileira de então. Entretanto, esse autor não considera que a violência
pedagógica praticada contar o escravo devesse ser medida e ponderada a fim de que o escravo
não se rebelasse. Em outras palavras, Freyre não faz considerações sobre o fato de que o
castigo com fins pedagógicos deveria ter certos limites e que se por acaso extrapolados
poderia levar o escravo a fugir.
Entendemos que a violência física praticada contra os escravos de forma desmedida,
sem o caráter pedagógico, poderia romper com a relação paternalista estabelecida entre os
dominados e os dominantes. E assim, seria um dos fatores que acabou por culminar com a
fuga dos escravos. A violência física medida, com um caráter pedagógico, determinada pelo
costume, era integrante do sistema paternalista, e a ruptura com essas características,
acabaram por levar a uma conseqüente quebra da relação paternalista dos senhores com seus
escravos que pudessem culminar com uma possível fuga do cativo.
114
4.3.1 Quanto ao gênero, à nacionalidade e à idade dos escravos foragidos
Além dos maus tratos físicos, vários outros motivos devem ter levado os escravos a
fugirem, afinal, em uma relação de opressão como a escravidão, motivos para a insubmissão
escrava abundam. Mas, a fim de entender as causas para a fuga, por vezes somos levados a
inverter a questão e passamos a perguntar os motivos que podem ter feito com que o escravo
permanecesse submisso no cativeiro.
Como tratado, entendemos que a relação paternalista estabelecida entre escravos e
senhores fora o principal elemento de manutenção da ordem escravista, e, por isso, o principal
fator que evitou a insubmissão escrava. inferimos que a ruptura com essa relação pode ter
sido ocasionada pelos excessivos maus tratos. Mas, além disso, que outros fatores podem ter
levado à ruptura com o paternalismo? Ou mesmo, que fatores podem ter impedido a
implementação de uma relação entre os escravos e seus senhores, que se pautasse pela
ideologia paternalista?
Para discutirmos um pouco mais essas questões, quantificamos as informações
fornecidas pelos avisos, tais como: gênero, idade e origem dos escravos foragidos.
Comecemos pelo gênero dos foragidos. Vejamos a tabela:
TABELA 16: Escravos foragidos do jornal Astro de Minas
Gênero
%
Total
Masculino
93%
272
Feminino
7%
22
Total
100%
294
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de avisos de escravos
foragidos do jornal Astro de Minas.
Como pudemos constatar na tabela acima, as escravas fugiam significativamente
menos que os homens cativos. Como já demonstrado no capítulo sobre as alforrias, os
homens, geralmente, eram a maioria entre os cativos, esse fato deve ter corroborado para o
elevado percentual de homens entre os foragidos. Além disso, ainda dialogando com o
capítulo citado, o fato de as mulheres terem maiores chances de chegar à liberdade pela vias
legais, ou seja, através de uma carta de alforria, também deve ter contribuído para que elas
fugissem menos.
115
A esmagadora maioria de homens entre os fugitivos nos anúncios
não deve ser explicada somente pelo fato de que eram predominantes no
conjunto da escravaria. A presença pouco marcante de mulheres, sejam elas
crioulas ou africanas, no contingente de fugitivos, deve ser também
questionada a partir das suas relações familiares. Um dos motivos principais
para tão baixo resultado, se comparado com os homens, é, provavelmente, o
estabelecimento de laços familiares fortes o bastante para evitar as fugas e,
principalmente, a existência de crianças que dependeriam as. No caso
mineiro, ainda a grande possibilidade de alforrias conseguidas pelas
mulheres, desencorajando-as a partir para uma atitude tão radical como a
fuga. (AMANTINO, 2006, p. 62)
Se imaginarmos o ato da fuga em si, entendemos que os fujões não estavam sujeitos
apenas aos riscos de serem recapturados por seus senhores, mas também, aos riscos de ordem
natural. Assim, devido à inegável fragilidade física das mulheres às vezes lhes seriam mais
custosas as fugas. A fim de verificar essa consideração, fomos até a fonte para ver quantas das
22 mulheres anunciadas fugiram acompanhadas ou sozinhas. Vejamos a quantificação:
TABELA 17 Escravas foragidas anunciadas no jornal Astro de Minas
Etnia
Fugiu
Acompanhada
Fugiu Sozinha
Africana 5
4
Crioula 4
6
Ausente 2
2
Total 11
11
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de avisos de escravos
foragidos do jornal Astro de Minas.
Embora sejam poucos os dados, e a diferença não seja tão significativa, pudemos notar
que as africanas fugiam mais acompanhadas que as crioulas, além do que as africanas fugiram
menos, fossem acompanhadas ou sozinhas. Das cinco africanas que fugiram acompanhadas,
apenas uma fugiu com um crioulo, as outras fugiram junto com africanos. Ou seja, todas na
companhia de homens.
Já entre as crioulas, uma as levou sua filha de apenas quatro anos. Vejamos a anúncio:
Ao anoitecer do dia 11 do corrente mês fugiu a Luiz Joaquim Nogueira
da Gama uma escrava crioula, de nome Anna, estatura ordinária, rosto
redondo, olhos grandes, com bastante falta de dentes: tem papo do lado
direito do pescoço, e dois dedos pegados em um pé, levou uma filha, que
terá de idade quatro anos. E foi vestida com um vestido de riscado azul
116
inglês, e capote escocês: Quem a levar ao anunciante, ou a der notícia certa
receberá 4$000 reis, além das despesas de tomadia.
223
Através da fonte, não pudemos saber se Anna e sua filha tiveram a ajuda de outra
pessoa, nem mesmo se foram recapturadas. Mas, o fato de fugir levando consigo a filha ainda
pequena demonstra um ato ousado em busca da liberdade.
Mas, esses 7% de fugas de mulheres escravas ainda são uma porcentagem baixa.
Como justificativa para esse quadro, entendemos que as mulheres tinham mais chances de
obter privilégios no cativeiro, sabendo assim, tirar melhor proveito da relação paternalista, o
que provavelmente, aliado às outras questões listadas acima, pudessem ter contribuído para
que elas permanecessem mais submissas no cativeiro.
Outro ponto a ser discutido é a etnia dos foragidos e a idade que tinham no ato da
fuga. Mas, antes de discuti-las, devemos ter em mente a população de africanos e de crioulos,
além da faixa etária da maioria dos cativos. Entretanto, no jornal Astro de Minas, não foram
anunciados apenas escravos que moravam em São João del-Rei, temos escravos de outras
partes de Minas Gerais e, inclusive, do Rio de Janeiro sendo anunciados. Assim, a fim de
termos uma média da população escrava para continuarmos nossas análises, buscamos os
dados fornecidos por Graça Filho para São João del-Rei.
Afonso Graça Filho levantou a população escrava de 103 inventários post-mortem de
São João del-Rei. Dos 725 escravos que constavam nesses documentos, entre os anos de 1831
e 1850, 265 eram africanos, ou seja, 36,55%. (GRAÇA FILHO, 2002, p. 221). O autor
também ressalta que:
Nas informações censitárias do ano de 1823, a predominância dos
escravos nascidos no Brasil, os crioulos, era na proporção de quase 60% da
população mancípia. A existência deste grande segmento de escravos
crioulos destoa do panorama encontrado nas áreas de agroexportação, como
na Bahia, onde os africanos sempre foram majoritários, em cerca de 2/3 ou
mais, no conjunto da população escrava. (GRAÇA FILHO, 2002, p. 218).
Entretanto, essa quantificação é usada nesta pesquisa apenas como uma amostra da
diferença entre africanos e brasileiros. Assim, após constatarmos que provavelmente os
crioulos estariam em maior número que os africanos, vejamos na tabela quem fugia mais:
223
Astro de Minas, nº 844, 3ª-feira, 16/04/1833.
117
TABELA 18: Escravos foragidos do jornal Astro de Minas
Descrição Porcentagem
Total
Africano 44% 128
Crioulo 26% 77
Pardo 13% 39
Cabra 8% 22
Fula 1% 4
Mestiço 0% 1
Mulato 0% 1
Ausente 8% 22
Total 100% 294
Fonte: dados obtidos a partir das informações constantes no conjunto de avisos de escravos foragidos do
jornal Astro de Minas.
TABELA 19 :Divisão pode nacionalidade dos escravos foragidos
Nacionalidade
Total
%
Brasileiros
166
56%
Africanos
128
44%
Total
294
100%
Fonte: Escravos foragidos anunciados no jornal Astro de Minas.
Como pudemos verificar através das tabelas, os africanos não foram a maioria entre os
foragidos. Entretanto, entendemos que 44% de africanos dos 294 escravos anunciados é uma
porcentagem significativa para o estudo em questão. Afinal, como pudemos verificar no
estudo de Graça Filho, os escravos nascidos no Brasil, geralmente, eram a maioria nos
plantéis, desse modo, proporcionalmente, a fuga de africanos foi elevada.
Márcia Amantino, no artigo publicado na Locus Revista de História, Juiz de Fora
(2006), estudou 65 anúncios de escravos foragidos do jornal O Universal que circulou em
Ouro Preto entre 1825 e 1832. Nesse estudo, a autora constata que os africanos fugiam mais
que os crioulos:
Os anúncios do Jornal “O Universal” demonstraram que mesmo em
um contingente pequeno de cativos, a proporção de escravos africanos era
maior que de crioulos. Havia um total de 57 africanos e 40 crioulos. (...).
(AMANTINO, 2006, p. 62).
118
A autora sugere que o africano tinha dificuldades para conviver com os demais cativos
e, por isso, dificilmente, tinham laços afetivos que pudessem desmotivar uma possível fuga.
os crioulos, por serem nascidos no Brasil, e, às vezes, permaneceram, desde o nascimento,
na mesma propriedade, criavam mais facilmente os laços de família e de amizade, e ,com a
fuga, não estariam rompendo com a escravidão, mas também, se afastariam das pessoas de
que gostavam. (AMANTINO, 2006, p. 62-63).
Entretanto, através dos anúncios de jornal, não nos é dado a saber se os escravos
foragidos tinham ou não laços afetivos no plantel a que pertenciam. Mas, como era freqüente
a menção da idade do foragido, podemos, a partir desta informação, apresentar algumas
questões. Vejamos as tabelas:
TABELA 20: Divisão por idade dos escravos foragidos
Idade %
Total
0 -9 anos 1%
1
10 -19 anos 25%
40
20 -29 anos 43%
69
30 -39 anos 18%
29
40 -49 anos 7%
12
50 -59 anos 5%
8
60 -69 anos 1%
2
70 -79 anos 0%
0
Fonte: Escravos foragidos publicados no jornal Astro de Minas.
Através dessa tabela percebemos que 43% dos escravos foragidos estavam na faixa
etária de 20 a 29 anos; 25%, na de 10 a 19 anos; e 18%, entre 30 a 39 anos. Para uma efetiva
análise destas informações teríamos de ter a faixa de idade de toda a população escrava para
sabermos se, de fato, os escravos em idade produtiva eram a maioria e, assim, justificassem
sua elevada porcentagem entre os fugitivos. No entanto, em 133 anúncios, ou seja, em 45,23%
dos anúncios estudados, não há a informação da idade do escravo foragido. Entendemos que a
ausência dessa informação pode ter sido em decorrência de o proprietário do escravo não
saber precisar, nem mesmo mais ou menos a idade de seu cativo, ou mesmo por não achar
essa informação relevante para a captura de seu escravo.
Devido ao dinamismo econômico da região de São João del-Rei no período abordado,
e, provavelmente, das outras regiões em que o periódico Astro de Minas circulava, podemos
inferir que, de fato, a maioria dos escravos pertencia à faixa etária mais produtiva. Mas, a fim
119
de trazer mais elementos para essa discussão, dividiremos por idades os africanos e os
crioulos foragidos. Vejamos as tabelas resultantes dessa divisão:
TABELA 21 Divisão por idade dos africanos foragidos
Idade dos Africanos
%
Total
0 -9 anos 0%
0
10 -19 anos 28%
17
20 -29 anos 40%
25
30 -39 anos 16%
10
40 -49 anos 10%
6
50 -59 anos 3%
2
60 -69 anos 3%
2
70 -79 anos 0%
0
Fonte: Escravos foragidos publicados no jornal Astro de Minas.
TABELA 22 Divisão por idade dos Crioulos Foragidos.
Idade dos Crioulos
%
Total
0 -9 anos
1%
1
10 -19 anos
22%
20
20 -29 anos
46%
43
30 -39 anos
18%
17
40 -49 anos
7%
6
50 -59 anos
6%
6
60 -69 anos
0%
0
70 -79 anos
0%
0
Fonte: Escravos foragidos publicados no jornal Astro de Minas.
A constatação de Hebe Mattos de que a “instituição da face paternalista do sistema
pressupunha tempo de convivência entre os cativos, e, desses, com seus senhores.”
(MATTOS, 1995, p. 172), é emblemática para a discussão sobre as dificuldades enfrentadas
pelos africanos para chegarem a obter a alforria ou mesmo certas concessões senhorias, o que
provavelmente incentivou-lhes cometerem atos de insubordinação. Esse fato também pode
servir de justificativa para o elevado número de escravos foragidos, quando ainda jovens.
No entanto, o fato de que a maioria dos foragidos nasceram no Brasil pode ser indício
da existência de uma ruptura da relação paternalista estabelecida entre senhores e escravos.
Entretanto, devemos considerar que, mesmo envolto em uma teia de relações paternalistas, os
escravos africanos ou nascidos no Brasil, podem romper com esta teia e fugir, ou menos ainda
negar de outra forma sua condição de cativo. Outro fator que corrobora para esta assertiva é a
questão levantada por Luiz Felipe de Alencastro (2002) de que os escravos capturados no
120
interior da África, em regiões distantes de onde seriam mantidos como escravos valiam mais
no mercado por serem considerados indivíduos que fugiam menos:
Quanto mais longe e isolado o escravo estivesse de sua comunidade
nativa, mais completa seria a sua mudança em fator de produção, mais
profícua a sua atividade. No continente africano, o grau de dessocialização
do cativo constituía uma variável importante no cálculo de seu preço. Mais
afastado de seu país natal estava o indivíduo, menos estímulo ele tinha para
fugir e, portanto mais alto era o seu valor.
224
Deste modo, nos deparamos novamente com a complexidade das relações escravistas,
afinal, os africanos ao mesmo tempo em que eram considerados indivíduos que valiam mais
no mercado por acreditar-se que fugiam menos, como visto a partir dos anúncios eles fugiam
significativamente.
Assim, entendemos que o exagero nos castigos e as más condições do cativeiro podem
ter causado essa ruptura na relação paternalista entre senhores e escravos. O paternalismo,
entendido aqui como um elemento que engloba simultaneamente as atitudes bondosas e as
cruéis dos dominantes com seus dominados, pode ter sido negligenciado pelos senhores.
Podemos questionar o porquê dessa negligência não ter ocasionado a fuga de todos os cativos
de um mesmo senhor? Como resposta a esta pergunta, poderíamos pensar que a relação
paternalista estabelecida entre os senhores e seus cativos, era uma relação personalizada,
individualizada, e que, por isso, alguns escravos de um mesmo plantel acabaram fugindo, e
outros não.
224
ALENCASTRO, 2002, p. 145-146.
121
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cartas de alforria e os anúncios de escravos foragidos foram a principal
documentação pesquisada para esta dissertação. Através desses fragmentos de histórias de
homens e mulheres que conseguiram a liberdade, seja pelas alforrias ou pelas fugas,
procuramos discutir as relações escravistas no termo de São João del-Rei. Como
complemento a esta documentação, pesquisamos os testamentos e inventários post-mortem de
senhores que alforriaram seus escravos, o processo crime da revolta de Carrancas e uma ação
de liberdade. A partir deste conjunto documental, discutimos a existência de uma relação
paternalista entre os senhores e os seus escravos e como essa relação, construída na vida
cotidiana, no ambiente privado, foi interpretada por cada membro envolvido.
O período analisado está compreendido entre 1820 e 1840. Tais balizas se justificam
por diversos fatores, entre os quais citamos: a circulação entre 1827 e 1839 do jornal Astro de
Minas, o dinamismo econômico da região que favorecia a concentração de escravos e, por
fim, ausência de mudanças no âmbito público que fossem significativas para uma alteração de
comportamento na relação privada entre senhor–escravo.
O espaço que privilegiamos para as nossas discussões foi o termo de São João del-Rei.
Entretanto, as principais fontes analisadas para esta dissertação não se referem apenas a este
termo, mas também a outras localidades: cartas de alforria de povoados distantes a São
João del-Rei que foram registradas em seu cartório e escravos foragidos em outros espaços,
como no Rio de Janeiro e Ouro Preto, anunciados no jornal Astro de Minas. Mesmo havendo
esta diversidade de localidades na documentação, percebemos que uma correspondência
com São João del-Rei. Assim, nos amparamos nas ferramentas da História Regional a fim de
conectar todas essas localidades e montarmos um mosaico das relações escravistas em São
João del-Rei.
A região, entendida como um espaço dinâmico, fluido e construído culturalmente, não
se restringe a limites geográficos, políticos e naturais, podendo ampliar-se para além desses
limites. Assim, “pensar região como uma produção cultural introduz a um tempo a questão
da diversidade, da dinâmica histórica e mutabilidade das experiências concretas, e da
122
necessidade de se ultrapassar o puro dado material, a paisagem natural, na direção do espaço
vivido”.
225
No caso dos anúncios de escravos foragidos, embora a maioria tenha fugido de São
João del-Rei, anúncios de outras localidades, e entendemos que isto se deve à circulação
seja de mercadorias, de pessoas ou de informações, que interligavam essas localidades e
conseqüentemente os escravos e os foragidos. Quanto às cartas de alforria, percebemos que o
espaço vivido certamente estava relacionado ao termo de São João del-Rei, afinal, era em seu
cartório que os alforriados optavam por registrar suas cartas. Dessa forma, entendemos que o
espaço vivido pelos escravos foragidos e alforriados em outras localidades certamente se
relacionava ao termo de São João del-Rei. Entretanto, percebemos, ao longo das discussões
sobre os alforriados e os fugitivos, que algumas das análises não poderiam ser feitas, isto
porque uma impossibilidade de relacionarmos determinadas quantificações das fontes às
informações demográficas de São João del-Rei.
A fim de nortear as análises da dissertação, fizemos inicialmente a revisão
historiográfica sobre o assunto. Discutimos a distinção entre paternalismo e patriarcalismo e
como a historiografia vem abordando esses termos. Também abordamos o estado da arte
sobre a existência de espaços de autonomia escrava, entendida por esta pesquisa como
integrante das relações paternalistas entre senhores e escravos.
A partir das cartas de alforria pesquisadas, percebemos que, mesmo que a população
escrava tenha sido composta predominantemente por homens, as mulheres cativas, tanto as
africanas quanto as brasileiras, estavam em maior número entre os alforriados. Como
justificativa para este dado, consideramos a natureza das atividades exercidas pelas escravas,
tais como as de amas de leite, mucamas, cozinheiras, entre outras funções, que as colocavam
em convivência direta com seus proprietários, permitindo, assim, que elas se aproximassem
de seus senhores. Fator que pode ter-lhes facilitado negociarem no dia-a-dia do cativeiro sua
carta de alforria.
As dificuldades encontradas ao relacionarmos a cor atribuída aos escravos a maiores
ou menores chances de eles obterem a liberdade levaram-nos a distinguir os escravos em “os
nascidos no Brasil” e “os nascidos na África”. Percebemos que dos alforriados registrados no
225
CUNHA, A.; SIMÕES, R.; PAULA, J. História econômica e regionalização: contribuição a um desafio
teórico-metodológico. Estudos Econômicos, v. 38, p. 495, 2008.
123
cartório de São João del-Rei 75% eram nascidos no Brasil, fator que consideramos ser em
decorrência de os nascidos no Brasil terem não mais tempo de convivência no cativeiro
como estarem inseridos em relações de parentesco, compadrio que pode ter-lhes facilitado
obterem a liberdade através da alforria.
Quando passamos à discussão da idade dos alforriados, notamos que os africanos
idosos tiveram mais chances de chegarem à liberdade. Através deste dado, pudemos notar que
a questão do tempo de convivência no cativeiro pode ter sido um facilitador da alforria. No
que diz respeito às crianças escravas, notamos que entre os alforriados um número
expressivo de cativos que são descritos nas cartas como crias da casa. Assim, consideramos
que a alforria de crianças pode ter sido em decorrência de diversos fatores, tais como favores
concedidos pelos proprietários às mães dessas crianças, as relações de compadrinho das
crianças alforriadas, ou mesmo por serem filhos dos senhores.
A partir das formas que os escravos chegavam à liberdade, procurou-se discutir se a
relação paternalista estabelecida entre senhores e escravos levava o senhor a se desfazer de
sua propriedade. Através dos dados quantitativos, notamos que as alforrias condicionais
predominavam sob as gratuitas. Entre as condicionais, as que dependiam do falecimento do
proprietário imperavam no conjunto documental. O proprietário, ao fazer promessas aos
escravos, criava-lhes a expectativa de uma alforria futura e, conseqüentemente, o mantinham
enquadrado nas regras do cativeiro. Entretanto, como discutido, os diversos sujeitos escravos
interpretaram de maneiras distintas o paternalismo empreendido pelos senhores, e nem
sempre por terem a promessa senhorial da alforria se mantiveram submissos e deixaram de
lutar por privilégios no cativeiro ou mesmo por sua liberdade. Outra questão lembrada na
dissertação é a dos escravos africanos não estarem totalmente alheios às práticas escravistas
quando foram obrigados a virem para o Brasil; assim, eles provavelmente também sabiam
negociar a alforria.
No capítulo seguinte, antes de passarmos a analisar os escravos foragidos,
contextualizamos as relações entre senhores e escravos no âmbito público e privado. Assim, a
partir da ação de liberdade de Ana Crioula, da historiografia e da revolta de Carrancas,
discutimos o direito positivo e costumeiro das relações escravistas. Verificamos que a questão
da escravidão, por não estar instituída em uma lei positiva, favorecia o livre arbítrio senhorial
no âmbito privado das relações escravistas e, conseqüentemente, a relação paternalista. Com
124
os anúncios de escravos foragidos, fomos à busca de um motivo, além do próprio cativeiro,
que os levou a romper com o domínio senhorial.
Entendemos que, através das fugas, das revoltas e de determinadas ações cotidianas,
mesmo que não fosse esse o intuito dos escravos, eles acabavam desafiando o poder senhorial
e pressionando por privilégios. Essas atitudes dos cativos, extremadas em alguns casos,
acabaram surtindo um efeito benéfico, afinal forçou os senhores a fim de manterem seu
domínio a conceder-lhes vantagens. Entretanto, para manter a dominação senhorial, era
fundamental que os senhores fizessem com que os cativos acreditassem que os privilégios
adquiridos em sua luta cotidiana eram uma concessão senhorial. Assim, fazia parte da
ideologia paternalista senhorial transformar em concessão aquilo que os dominados haviam
conquistado. Tal transformação era possível graças à ausência de leis que regulamentassem as
relações escravistas. Entretanto, essa relação mantida pelo costume, pela prática cotidiana,
não excluía em alguns casos a mediação do estado, como pudemos perceber por meio da ação
de liberdade de Anna Crioula, ou mesmo através da revolta de Carrancas.
Tendo como referência a frase recorrente nos avisos de escravos foragidos: “Quem
delle souber queira remetter a seo dono”, discutimos a organização senhorial a ajuda mútua
que havia entre os diversos membros da sociedade para recapturar os cativos, afinal, a fuga de
um escravo ameaçava a autoridade senhorial. Em seguida a essa discussão, passamos a
relacionar os indícios de maus tratos relatados nos anúncios à existência de uma relação
paternalista entre os senhores e seus escravos. Entendemos que essa relação era marcada pela
violência que visava “ensinar” os escravos a serem obedientes ao seu senhor. Entretanto,
como constatado, um número significativo de escravos foragidos apresentava sinais de maus
tratos, o que nos levou a considerar que os excessos de castigos rompiam com a estabilidade
das relações escravistas advindas das práticas paternalistas. Outro fator que colaborou para
essa assertiva foi a constatação de um elevado percentual de africanos entre os foragidos.
Assim, nas principais fontes estudadas para esta dissertação, o posicionamento dos
escravos frente ao cativeiro aparenta estar em lados opostos: o escravo alforriado é aquele
submisso que aceitou sua condição; o que foge é o inadaptado que contesta sua situação de
cativo. Entretanto, sermos simplistas nas interpretações das relações escravistas é
desconsiderar a pluralidade humana, que leva cada indivíduo envolvido a interpretar de forma
distinta o contexto em que está inserido.
125
Desse modo, as reações dos escravos frente às situações de opressão às quais estavam
submetidos foram as mais diversas, e ao mesmo tempo em que poderiam articular no dia-a-dia
da vida no cativeiro uma forma de obterem de seu senhor a liberdade, poderiam também,
tramar uma fuga ou mesmo um atentado contra o seu proprietário.
126
REFERÊNCIAS
I- Fonte Manuscrita
Arquivo Regional de São João del-Rei (ARSJR)
ARQUIVO REGIONAL DE SÃO JOÃO DEL-REI. Ação de Liberdade (1838), caixa 02,
Anna Crioula, Juiz de Órfãos, São João del-Rei.
ARQUIVO REGIONAL DE SÃO JOÃO DEL-REI. Livro de Notas do Tabelião do Ofício,
São João del-Rei: Livros nº 3 (1818 -1821) ao nº 12 (1837 -1840).
ARQUIVO REGIONAL DE SÃO JOÃO DEL-REI. Processo Crime dos Junqueiras – Cx. 04.
O processo pode ser localizado na íntegra e disponível em:
<http://www.acervos.ufsj.edu.br/site/fontes_civeis/carrancas.html>. Acesso em: 04 mar.2008.
ARSJR/INV caixa 09-06. Inventário post-mortem de Romana de Almeida– São João
del-Rei, 31 de agosto de 1816.
ARSJR/INV – caixa 11-09. Inventário post-mortem de Joaquim Gurgel do Amaral – São João
del-Rei, 1822.
ARSJR/INV caixa 47. Inventário post-mortem do Capitão Bernardo José Gomes Carneiro
São João del-Rei, 28 de abril de 1847.
ARSJR/INV caixa 76. Inventário post-mortem da Maria Silvéria Leonarda Dias São João
del-Rei, 05 de fevereiro de 1834.
ARSJR/INV caixa 68. Inventário post-mortem de José Marques da Costa São João del-
Rei, 1836.
127
ARSJR/INV caixa 79. Inventário post-mortem da Albina Maria do Espírito Santo São
João del-Rei, 24 de abril de 1828.
ARSJR/INV caixa 79. Inventário post-mortem de José de Souza Freitas São João del-Rei,
23 de setembro de 1851.
ARSJR/INV caixa 91. Inventário post-mortem da Maria Benedita de Souza Fortes São
João del-Rei,13 de junho de 1870.
ARSJR/INV caixa 91. Inventário post-mortem da Maria Alves Fontes São João del-Rei,
06 de setembro de 1830.
ARSJR/INV caixa 194. Inventário post-mortem do Tenente Coronel Simão da Silva Pereira
– São João del-Rei,12 de fevereiro de 1830.
ARSJR/INV caixa 218. Inventário post-mortem da Ana Maria Rodrigues São José, 20 de
julho de 1808.
ARSJR/INV – caixa 253. Inventário post-mortem de Luiz Manoel da Silva e Inácia Fernandes
dos Reis – Nossa Senhora da Piedade, 06 de abril de 1829.
ARSJR/INV caixa 256. Inventário post-mortem da Maria Teodora da Silva e Anacleto
Lopes Pereira – São João del-Rei, 1851.
ARSJR/INV caixa 286. Inventário post-mortem do Padre José Maria Xavier São João
del-Rei, 1887.
128
ARSJR/INV caixa 302. Inventário post-mortem da Ana Joaquina dos Santos São João
del-Rei, 1852.
ARSJR/INV – caixa 323. Inventário post-mortem de Antônio José deBarros – São João
del-Rei, 31 de janeiro de 1844.
ARSJR/INV – caixa 347. Inventário post-mortem da Francisca Maria Esperança de Mendonça
– São João del-Rei, 1831.
ARSJR/INV caixa 361. Inventário post-mortem de Francisco de Oliveira Galante São
João del-Rei, 27 de novembro de 1826.
ARSJR/INV caixa 370. Inventário post-mortem da Joana Eufrásia da Cruz e José Francisco
de Oliveira – São João del-Rei, 06 de janeiro de 1830.
ARSJR/INV – caixa 442. Inventário post-mortem de João Batista Machado Distrito de
Ibituruna, município de São João del-Rei, 1898.
ARSJR/INV caixa 442. Inventário post-mortem da Francisca Antônia de Jesus São José
Fazenda Ribeirão do Servo da Aplicação de Cláudio, 06 de maio de 1830.
ARSJR/INV – caixa 443. Inventário post-mortem de José de Souza Freitas – São João
del-Rei, 03 de agosto de 1822.
ARSJR/INV caixa 478. Inventário post-mortem da Maria Francisca do Espírito Santo São
João del-Rei, 15 de fevereiro de 1822.
129
ARSJR/INV caixa 503. Inventário post-mortem de José Ignácio Raposo São José del-Rei,
1830.
ARSJR/INV caixa 544. Inventário post-mortem do Tenente José Pereira de Mello São
José del-Rei, 1829.
ARSJR/TEST caixa 21. Testamento do Padre João Pereira de Carvalho São João del-Rei,
1830.
ARSJR/TEST – caixa 29. Testamento da Maria da Conceição – São João del-Rei, 1809.
ARSJR/TEST caixa 41. Testamento do Capitão José Lourenço Dias São João del-Rei,
1851.
ARSJR/TEST – caixa 67. Testamento da Luzia Theresa de Jesus – São João del-Rei, 1841.
ARSJR/TEST – caixa 73. Testamento da Helena da Silva Leite – São João del-Rei, 1827.
ARSJR/TEST – caixa 119. Testamento da Emerenciana Ismênia dos Santos – São João
del-Rei, 1846.
II- Fontes Impressas
1- Microfilmes da Biblioteca da Fundação de Ensino Superior (FUNREI/ São João
Del Rei).
BIBLIOTECA da Fundação de Ensino Superior. Astro de Minas, nov. de 1827 a jun. de 1839.
Caixas: 17; 18; 19; 20; 21.
130
2- Livros
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1982.
COLEÇÕES de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro. Typografia Nacional (1831, 1871,
1872, 1885).
MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico,
jurídico, social. Publicado por Typographia Nacional, 1866. Original da Oxford University
Digitalizado em 01 jun. 2007. Disponível em: <
http://books.google.com/books?id=N34IAAAAQAAJ&hl=pt-BR>. Acesso em: 03 abr. 2009.
MAWE, Jonh. Viagens ao interior do Brasil. Tradução de Solena Benevides Viana. Rio de
Janeiro: Zélio Valverde, 1944.
ORDENAÇÕES Filipinas. Edição organizada por Candido Mendes de Almeida. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, volume IV e V. Reprodução fac-simile da edição
de1870.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
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