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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
LEILA MARIA DE JESUS DA SILVA
A METAFÍSICA DA LUZ
EM MARSILIO FICINO
NATAL
2007
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11
LEILA MARIA DE JESUS DA SILVA
A METAFÍSICA DA LUZ
EM MARSILIO FICINO
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Filosofia, do
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito para obteão do título
de mestre em Filosofia. Área de concentração:
História da Metafísica. Orientadora: Profª. D.
Monalisa Carrilho de Macedo.
NATAL
2007
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LEILA MARIA DE JESUS DA SILVA
A METAFÍSICA DA LUZ
EM MARSILIO FICINO
Aprovada em 09/10/2007.
Banca Examinadora:
____________________________________________________
Profª. Drª. Monalisa Carrilho de Macedo
Orientadora (UFRN)
__________________________________________
Profª Drª Lílian de Aragão Bastos do Valle
1ª Examinadora (UERJ)
__________________________________________
Prof. Dr. Anastácio Borges de Araújo Júnior
Examinador (UFRN)
13
Dedico este trabalho à mestra Monalis
a
que, com arte, contagia o fervor pelo
Renascimento, época de aberturas e
p
lasticidades, cuja beleza somente almas
como a dela conseguem apreciar.
14
AGRADECIMENTOS
À UFRN, em todas as instâncias que me proporcionaram o vínculo com a Filosofia.
À Monalisa, pela simpatia, orientação, paciência... Pelo espaço sempre agradável e
convidativo a reflexões, o acervo bibliográfico e, principalmente, pela tentativa de nos
fazer percorrer nossos corredores internos...
A Marsilio Ficino, pelos momentos de prazer nas leituras de seus textos.
Aos professores em geral, que se esforçam para despertar em nós o espírito crítico na
leitura dos textos filoficos.
A meu esposo Gélson, pelo amor, compreensão e bom humor.
A minha mãe que, am de me iniciar nas primeiras letras e números, sempre se
encarregou praticamente sozinha dos serviços domésticos para que eu pudesse estudar.
A meu pai que, além de todo o apoio, me concedeu a alegria do seu retorno aos estudos.
À Léia, irmã e amiga, fonte inesgotável de incentivo e colaboração em todos os
momentos.
Aos outros familiares que, com seus exemplos, ajudaram a constituir o que sou hoje.
Aos colegas de curso, descobertas maravilhosas no decorrer de todos esses anos,
transformando-se em valorosas amizades...
À equipe do CB, que sempre procurou, extrapolando a medida do possível, facilitar a
conciliação entre minhas atividades no trabalho e no estudo.
Aos funcionários do Campus, que diariamente facilitam os trabalhos dos estudantes e
dos professores. Agradecimento às secretárias Eliane, Luciene, Albanir e Jacqueline.
Ao mistério divino da vida, que convida a continuar, apesar das dúvidas, dos erros e da
redefinição constante dos passos...
15
Une strophe
Quelle est ta lumière ?
Le soleil, le jour et la nuit,
une lampe ou autre chose.
Peut-être, mais dis-moi,
quelle est ta lumière pour voir
le soleil et une lampe?
L’œil.
Et laquelle, lors de sa fermeture ou en cas de cécité?
L’intellect.
Et pour la perception de l’intellect?
, c’est moi !
Tu es donc la Supme LUMIÈRE !
Je le suis, Maître !
SANKARA,
filósofo indiano (788-820)
Tradução de Swam Yoganada Sarasvat
16
A metafísica da luz em Marsilio Ficino
Leila Maria de Jesus da Silva
RESUMO
O objetivo da presente dissertação constitui analisar como a luz assume o sentido de
vínculo universal na cosmovisão de Marsilio Ficino, especialmente a partir de suas obras
Quid sit lumen, De Sole, De Amore e De Vita. A influência de Marsilio Ficino (1433-1499)
na história do pensamento ocidental é impressionante. Além de ter traduzido para o latim
textos importantes da tradição neoplatônica, Ficino presidiu a Academia de Careggi,
reunindo importantes humanistas no auge do Renascimento. Os seus tratados sobre amor,
beleza, luz, magia e imortalidade da alma influenciaram marcantemente a produção de
outros pensadores. O tema da luz é de importância fundamental em sua obra, pois está
profundamente relacionado com todos os outros aspectos de sua filosofia. Para ele, a luz é
emanação espiritual que a tudo perpassa, sem se macular. Originada da bondade divina, a
luz explode em beleza na multiplicidade, incendiando de amor a alma que verdadeiramente
a contempla e que com ela se identifica. O ponto de partida dessa relação amorosa entre
homem e divindade é, portanto, o mundo físico, que oculta em si a luz metasica.
Palavras-chave: luz; amor; beleza; Renascimento; humanismo; neoplatonismo; Marsilio
Ficino.
17
The metaphysics of the light in Marsilio Ficino
Leila Maria de Jesus da Silva
ABSTRACT
The aim of the present dissertation constitutes to analyse the way in how light assumes the
meaning of universal bond in the cosmovision of Marsilio Ficino, especially from his
works Quid sit lumen, De Sole, De Amore and De Vita. The influence of Marsilio Ficino
(1433-1499) in the history of occidental thought is impressive. Besides having translated to
Latin the important texts of the neoplatonic tradition, Ficino presided over the Academy of
Careggi, congregating important humanists in the top of the Renaissance. His treatises on
love, beauty, light, magic and immortality of the soul have influenced strongly the
production of other thinkers. The subject of light is of fundamental importance among his
works since it is deeply related with all the other aspects of his philosophy. For him, light is
spiritual emanation that perpasses everything without staining itself. Originated how the
divine goodness, the light blows up in beauty in multiplicity, setting fire on the soul that
truily contemplates it and that identifies whith it. The starting point of this loving relation
between man and deity is, therefore, the physical world, that occults in itself the
metaphysical light.
Keywords: light; love; beauty; Renaissance; humanism; neoplatonism; Marsilio Ficino.
18
SUMÁRIO
Introdução: a luz como indagação filosófica....................................................................10
1. Marsilio Ficino e o Renascimento
1.1. Renascimento: especificidades e problemas..............................................................15
1.2. Marsilio Ficino: porta-voz do Renascimento............................................................22
2. Marsilio Ficino e a metafísica da luz
2.1. O conceito de luz: considerações iniciais...................................................................29
2.2. A dialética entre luz e sombra...................................................................................35
2.3. Quid sit lumen e De Sole: a beleza da luz..................................................................39
2.4. O papel da imaginação na metafísica ficiniana da luz............................................60
2.5. De Amore e De Vita: o poder da luz..........................................................................73
3. Considerações Finais...................................................................................................91
4. Bibliografia
4.2. Fontes primárias.........................................................................................................96
4.3. Fontes secundárias....................................................................................................100
4.4. Refencias eletnicas.............................................................................................109
10
Introdução: a luz como indagação filosófica
Lembro-me que um dia meu pai apontou para o forro branco, decorado
com um friso de vultos de dançarinas, e me explicou que Deus estava
em cima, olhando para mim. Imediatamente, me convenci que as
dançarinas eram Deus e, d por diante, a elas é que dirigia as
preces...(Arthur KOESTLER)
1
A explicação do universo pelas antigas civilizações encontrava-se muito próxima da
contemplação da Natureza. O pasmo infantil diante do desconhecido estimulava a
formulação das mais diversas teorias para a formação dos astros e demais fenômenos
naturais.
A humanidade que, em muitos momentos, se imaginava modelada pelos deuses,
também invertia essa situação, na medida em que criava, através da imaginação e da
tradição em que se inseria, os seres em que acreditava: Criador e criatura em correlação
inventiva.
Diante da sua grandiosidade, não é difícil imaginar o lugar destacado que o sol
sempre ocupou na apreciação humana. Fonte explícita de luz visível, propiciadora de vida e
calor, a luz solar foi facilmente associada à fonte original do Universo. A analogia entre sol
e Deus garante à luz um dualismo que a considera, simultaneamente, física e metafísica.
O conceito de luz aparece em diversos dicionários, sejam eles filoficos ou não,
oscilando sua significação entre: a própria divindade; o elo entre os mundos corpóreo e
incorpóreo; a forma geral das coisas corpóreas ou, ainda, o critério que direciona a conduta
humana. Subjaz, no entanto, nos variados conceitos uma questão que os mantém unidos e
que revela o caráter ontológico da luz: de que maneira o inteligível atua no sensível?
1
Arthur KOESTLER. Os sonâmbulos: história das concepções do homem sobre o universo. tradução de
Alberto Denis. São Paulo: IBRASA, 1961, p.3.
11
Escolhemos a luz como foco de estudo porque sentimos nela, como nos afirmam
também seus estudiosos, o próprio tecido do universo. Interessa-nos analisar, mais
propriamente, a dimensão que o tema da luz ocupa na obra de um dos mais importantes
filósofos do Renascimento: Marsilio Ficino.
Amor, magia, medicina, música, além de outros temas que surjam na leitura do
corpus ficiniano, são apenas ramificações do tronco que os sustenta: a luz, com todas as
suas implicações.
Ao abordar tal tema, Ficino consegue imprimir a ele um novo olhar, reunindo os
trabalhos que vinham sendo paulatinamente realizados por pensadores que o antecederam.
O método de estudo caleidoscópico de Ficino consegue realizar a varredura entre várias
teorias que mantém entre si, ainda que não explicitamente, laços que as unem.
Platonismo, cristianismo e filosofias consideradas pagãs mesclam-se em vários
momentos e Marsilio consegue perceber e retratar isso de maneira singular. Marsilio Ficino
representa esse olhar plural, significativo, que vê igualdade nas diferenças e riqueza no jogo
dos opostos.
E este olhar, simultaneamente abarcante e unificador, une-se a um estilo entusiástico
e pleno de alegorias. Dirigindo-se ao leitor do De Sole
2
, Ficino solicita a indulgência do
leitor para o uso que fará da licença poética. Percebemos que a linguagem figurada, de fato,
é um recurso muito utilizado por ele, objetivando aproximar a expreso humana daquilo
que escapa a qualquer predicação.
2
Marsilio FICINO. De Sole, De raptu Pauli. E. Garin (org.) In: Prosatori latini del Quattrocento VII, Turin:
Einaudi, 1977. cap. I. Também dispovel em: <http://www.users.globalnet.co.uk/~alfar2/ficino.htm> [O
Livro do Sol (De Sole), tradução de Geoffrey Cornelius, Darby Costello, Graeme Tobyn, Angela Voss &
Vernon Jorram. Londres] Acesso em: 05/03/2005.
12
Em vista disso, Ficino declara, então, que avançará do manifesto para o oculto não
tanto por argumentos racionais, mas principalmente através das correspondências que lhe
for possível estabelecer entre coisas humanas e divinas.
As musas, ele justifica no mesmo texto, não argumentam com Apolo, mas
simplesmente cantam; e até mesmo Hermes, artesão do argumento, quando se trata de
referir-se a Apolo sobre coisas divinas, não argumenta, mas joga.
O mundo é tratado na obra de Ficino a partir da sua visão estética e, assim como em
Ovídio, o homem é o animal que possui semblante elevado, capaz de contemplar o céu,
para Ficino, é também atribuída a este ser singular a função estética de ornar o mundo.
Selecionamos do corpus ficiniano, para a análise que nos propomos fazer, as obras
em que o tema da luz adquire maior relevância: os opúsculos Quid sit lumen
3
e De Sole
4
,
além do De Amore
5
e do De Vita
6
.
Primeira versão do De lumine
7
(1492), o Quid sit lumen
8
(1476) é o último dos
cinco opúsculos teológicos que antecedem a Teologia Platônica
9
(1482). Como o próprio
título revela, nele Ficino discorre sobre a questão da natureza da luz, trabalhando a relação
entre sua origem e sua propagação.
Nos onze pequenos capítulos, precedidos por uma dedicatória, abordam-se as
seguintes considerações sobre a luz: o papel dos sentidos na recepção da luz, com destaque
para a vio; a descrição da luz vivel ou racional; a definição da luz intelivel ou divina;
3
Marsilio FICINO. Quid sit lumen [O que é a luz]. tradução de Bertrand Schefer. Paris: Allia, 1998. Também
disponível em: <http://pessoais.digi.com.br/~monalisa/lumen.htm> Acesso em: 08/05/2005.
4
Id. De Sole. ed. cit.
5
Id. De Amore: comentario a « El Banquete » de Platón. Madrid : Tecnos, 2001.
6
Id. De Vita. tradução de Albano Biondi e Giuliano Pisani. Pordenone: Biblioteca dell’Imagine, 1991.
7
Id. De Lumine. tradução de S. Matton. In: Lumière et Cosmos, Paris, Albin Michel, “Cahiers de
l’Hermétisme”, 1981, pp. 55-75.
8
Id. Quid sit lumen. ed. cit.
9
Id. Théologie platonicienne. R. Marcel (org.). Paris: Belles Lettres, 3 vol., 1964-1970.
13
a diferença entre luz e calor; o dinamismo dos corpos celestes, como expressão da alegria
divina; a luz em Deus, no Anjo, na Razão, no Espírito e no Corpo; a identidade entre luz e
Deus e o papel do amor em todo esse processo.
Por sua vez, nos treze capítulos do De Sole
10
(1494), podemos encontrar um
trabalho mais exaustivo na similaridade entre a luz do sol e o próprio Deus, incluindo o
detalhamento dos tipos de luz e o papel da astrologia e dos anjos na relação especular entre
o divino e o humano.
No De Amore
11
(1469) sobressai a relação entre a luz e o amor, num movimento
circular platônico do Bem ao Bem. A tríade Beleza-Amor-Prazer corresponde ao processo
Criar-Atrair-Aperfeiçoar. O amor, então, despertado pela beleza, busca o prazer e tem como
textura de seu movimento a luz.
No De Vita
12
(1489), por fim, a referência à luz transparece à medida que o filósofo
recomenda aos seus leitores a aproximação das coisas solares e jupiterianas, espelhando na
conquista da alegria terrena o movimento harmônico dos corpos celestes.
O estudo que se segue está organizado em quatro momentos. Inicialmente, situamos
Ficino na cultura do Renascimento. A seguir, analisamos a relação entre sombra e luz na
estética ficiniana; além dos papéis desempenhados pelo amor e pela imaginação no
espelhamento entre a luz original e a luz manifesta.
Bondade e Beleza, Amor e Conhecimento, Homem e Deus, temas que são aqui
teoricamente separados apenas para evidenciar o quanto na verdade encontram-se
entrelaçados. O ideal platônico, que destina ao homem a condução circular do Bem ao
Bem, reflete-se na obra ficiniana com intensa força poética.
10
Marsilio FICINO, De Sole. ed. cit.
11
Id. De Amore. ed. cit.
12
Id. De Vita. ed. cit.
14
Que luz é essa que, ainda quando fechamos os olhos, nos proporciona rememorar as
imagens observadas anteriormente, revelando uma espécie de visão interior? Luz que, no
entanto, apesar de nos ajudar a perceber o mundo, não se revela a si mesma. Enigmas que, à
proporção que representam dificuldades, revelam também a grandeza e a beleza de tal
investigação.
15
1. Marsilio Ficino e o Renascimento
1.1. Renascimento: especificidades e problemas
E assim, portanto, há uma idade que temos que chamar de ouro...e que
nosso século seja assim, áureo, ninguém duvidará disso se tomar em
consideração os admiráveis engenhos que nele se achou
13
. (Marsilio
FICINO)
Situado historicamente entre as Idades Média e Moderna, o Renascimento apresenta
em suas fronteiras a mescla de características entre ele e os outros períodos. Partindo-se
desse princípio, demarcar com precisão uma linha divisória entre o Renascimento e a Idade
Média constitui uma complicada e, talvez, improdutiva tarefa.
Arnold Hauser
14
adverte que as concepções naturalista e científica do mundo,
incluindo o interesse pela individualidade, iniciam-se antes mesmo do Renascimento. Se no
século XV as manifestações descortinam as mudanças, não se deve negligenciar, no
entanto, todo o trabalho que já havia sendo efetuado anteriormente.
A data atribuída a sua origem oscila entre os séculos XIV e XVI, embora o seu
apogeu ocorra nos séculos XV e XVI. Durante esses peodos, o mundo passa por
mudanças profundas que marcam para sempre as perspectivas do homem em relação a si
mesmo e ao espaço que o circunda.
Na fronteira oposta, por sua vez, determinar o momento em que do grito
renascentista sentia-se apenas um fraco eco resulta também alguma imprecisão. No entanto,
grande parte dos historiadores cita Tommaso Campanella (1568-1639) como último
13
Marsilio FICINO. apud P. O. KRISTELLER, Studies in Renaissance thought and letters. Roma: Edizioni di
storia e letteratura, 1956. p. 35.
14
Arnold HAUSER. História social da literatura e da arte. o Paulo: Mestre Jou, 1972. pp. 357-371.
16
filósofo representativo da sua época, embora os vestígios renascentistas tenham perdurado
ainda por algum tempo.
Se, inicialmente, a consciência que os humanistas têm de sua época é afirmativa,
deve-se, porém, tomar cuidado com algumas interpretações adotadas por historiadores dos
séculos XIX e XX quando se referiram ao Renascimento.
Alegando afinidade com o momento renascentista e rejeitando o período medieval,
historiadores de tais concepções relegaram a Idade Média à escuridão, contrapondo-a às
“luzes” do Renascimento. Comparação que atualmente sabemos superficial e injusta com
um peodo que também apresentou iluminados valores históricos, esticos e filosóficos.
Podemos destacar como especificidades do Renascimento as gigantescas proporções
que nele tiveram o valor da herança greco-latina, o desenvolvimento do espírito crítico, o
sincretismo, os progressos técnicos, o poder do homem na Natureza, a reviravolta
cosmológica, a abertura aos estudos da astrologia, da alquimia e da cabala, a efervescência
religiosa. Características que prepararam os caminhos para a modernidade.
Entretanto, ainda que seja válida a tentativa de enumerar alguns traços propriamente
renascentistas, Héne Védrine
15
adverte que as reflexões desse peodo são por diversas
vezes descontínuas, resultando mais adequado raciocinar-se em termos de pluralidade as
filosofias do Renascimento.
Diante da complexidade que o Renascimento significou para a arte e a filosofia,
Védrine o compara ao espírito barroco. Em ambos encontramos a abertura às contradições e
a recusa ao cerceamento imposto por regras ou seriedades. A desmesura e a desrazão são,
15
Hèléne VÉDRINE. As filosofias do Renascimento. tradução de Marina Alberty. 3.ed. Lisboa: Publicações
Europa-América, 1971. p. 14.
17
dessa forma, atitudes apropriadas às formas plurais de lidar com o homem e com a
natureza.
De todas as especificidades do Renascimento, o gosto da herança greco-latina
impressiona. Desprezando as barreiras espaço-temporais, há abertura para línguas como o
grego, o latim, o caldeu e o hebraico.
As traduções tornam-se freqüentes num período ávido de conhecimento, ampliando,
assim, o acesso a culturas heterogêneas. O olhar sobre a tradição não se realiza sem a
companhia do espírito crítico dos autores que sobre ela se debruçam no Renascimento,
pois, apesar de reconhecerem o valor do caminho percorrido, pretendem seguir muito
adiante.
O trabalho nos estudos deve ser assíduo e ativo, tal como o de um ourives
trabalhando seus objetos de arte. Essa postura de constante investigação e renovação abre
caminhos à ciência moderna.
O laborioso processo de redescobertas provoca rachaduras em antigas e sólidas
certezas. O Velho Mundo percebe que, na vizinhança, não apenas existem outras terras,
mas também outras gentes, o que provoca alterações de perspectiva na maneira de entender
o mundo.
A astronomia amplia ainda mais tal reviravolta quando Copérnico declara que o Sol
e não mais a Terra ocupa um lugar privilegiado entre os diversos astros. Num mundo em
que o centro do universo fora deslocado, as verdades bem estabelecidas sentem igualmente
instabilidade nos seus eixos. A rigidez dos pontos de vista precisa ceder lugar à mobilidade
da nova situação.
A área tecnológica avança notadamente nas diversas áreas e, com isso, a ampliação
do campo ótico ocorre não apenas no sentido figurado, mas, com a técnica do vidro,
18
igualmente na vulgarização do uso dos óculos e no aperfeiçoamento das lunetas. As
inovações atingem as técnicas da navegação, do trabalho têxtil, da relojoaria, da metalurgia,
do mobiliário, da imprensa e do armamento.
Se o mundo passava por marcantes direcionamentos, qual, afinal, o papel do homem
nesse contexto? Da submissão humana, propagada por grande parte da filosofia medieval,
passa-se ao antropocentrismo e o tema da responsabilidade torna-se essencial no discurso
de vários filósofos da época, como no próprio Ficino e, de forma explícita, na obra de Pico
della Mirandola (1463-1494), que reserva para o homem lugar central, ressaltando a
liberdade de escolha que lhe é permitida na manobra do próprio destino
16
.
A alma humana encontra-se num nível intermedrio, baseado não na sua
inatividade, mas na sua opção de elevar-se ao divino ou rebaixar-se à bestialidade. A alma
participa, ao mesmo tempo, da eternidade e do tempo, do movimento e do repouso. Se sua
substância a aproxima dos anjos, a sua operação a liga ao corpo, embora dele não dependa
o seu movimento.
A multiplicidade da alma transparece na diversidade de suas aspirações e
sentimentos. O raciocínio garante à alma a consciência da diversificação dos graus que lhe
são superiores e inferiores, permitindo-lhe optar ou não pelo progresso. Isso lhe
proporciona liberdade e a torna singular em toda a criação. Situação privilegiada que
redimensiona a interação homem-destino.
A posição central da alma, que a posiciona a meio caminho entre o bem e o
esquecimento do bem, adquire uma importância fundamental porque corrobora o
antropocentrismo da época, expresso nos discursos de diversos humanistas.
16
PIC DE LA MIRANDOLE. Oeuvres philosophiques. Paris: PUF, 1993.
19
Não apenas Deus é capaz do ato criador, mas o homem, como extensão de Deus, é
também dotado dessa capacidade. Isso representa uma nova postura em relação ao papel do
homem no universo em que vive, exigindo das atitudes humanas uma carga enorme de
responsabilidade.
O Renascimento soma-se, de modo singular, às tentativas de entender a natureza
humana, conseguindo sondá-la em várias de suas facetas, mas não podendo, devido a sua
amplitude, abarcá-la inteiramente. Todavia, durante a sua trajetória, consegue revisitar o
passado de maneira original e legar para o futuro uma produção vasta e marcante.
As filosofias do Renascimento permitem, ao menos nos seus primeiros momentos, a
convivência de sistemas que, aparentemente antagônicos, vêm a produzir melodiosas
harmonias. Nelas há espaço tanto para a tradição, como para a renovação. Se o homem se
pavoneia de poderes, há quem desse mesmo poder extraia boas gargalhadas.
Vozes são permitidas tanto ao misticismo, quanto à suspensão dos julgamentos de
Michel de Montaigne. Se as religiosidades pagã, escolástica ou protestante sofrem, em
determinado momento, severas críticas e perseguições, não há propriamente ateísmo,
porque não se excluem totalmente as crenças num princípio ordenador do universo.
Se a alma ocupa um espaço privilegiado, não é em detrimento do corpo. A
multiplicidade o consegue se desvencilhar do sentido de unidade que a permeia.
Enquanto as abstrações procuram empreender amplos vôos, existem paralelamente as
tentativas de criação de novos métodos científicos.
Não apenas de deslumbramentos, no entanto, desenvolveu-se o período
renascentista. A realidade também podia assustar. Foi preciso conviver com as disparidades
econômicas, com as doenças (como a peste), com as torturas, com a tirania e com as
guerras religiosas.
20
Se a atividade é prova da liberdade e dignidade humanas, qual o sentido das ações
dos indivíduos que participam da sociedade, principalmente daqueles a quem são confiados
maiores poderes? Sobre a monarquia absoluta, há quem tente justificá-la, acreditando que a
realeza também pode proporcionar a paz e o equilíbrio, o que dependeria apenas da boa
vontade do soberano.
No entanto, o sistema opressor espelhado, por exemplo, nos problemas da
colonização, é alvo de denúncia por pensadores da época, levando inclusive à criação de
modelos utópicos de Estado.
O desejo da liberdade do sistema opressor reflete-se também no campo religioso. As
guerras religiosas eclodem por todos os lados e tornam-se igualmente alvo de críticas. As
teorias da Igreja Católica destoam muitas vezes das suas práticas.
A compra de cargos eclesiásticos e a cobrança de indulgências levam ao desejo de
purificação da fé, através do que se denominou A Reforma. Recusa-se a ação de
intermediários entre o sujeito e Deus, adotando a revelação interior. A tradução da Bíblia
para a língua vulgar amplia o seu acesso ao público.
A monarquia e a Igreja Católica recusaram os movimentos reformadores e
responderam com uma repressão cruel. As guerras religiosas provocaram uma sangrenta
disputa pelo poder que foram apontadas como insanas, na filosofia de Michel de
Montaigne.
A perseguição da Igreja não atingia apenas os reformadores, mas igualmente os
defensores de outras práticas esotéricas, tais como a astrologia, a cabala, a magia ou a
alquimia. Desenvolveu-se a caça às “bruxas”, que levaram à fogueira centenas de pessoas.
A neutralidade da cosmologia foi colocada em dúvida e defesas como a dos universos
infinitos transformou em cinzas, injustamente, o corpo de Bruno.
21
Com o tempo, porém, nota-se que até mesmo a conquista de liberdade proposta pela
Reforma começa a se tornar, por sua vez, a expressão de um novo dogmatismo. A
intolerância religiosa atinge católicos e protestantes.
Ocorre a valorização do trabalho, símbolo dos novos tempos que anunciam o
capitalismo. O antropocentrismo havia dado ao homem um poder questionável. Afinal,
porém, qual o limite entre a verdade e a mentira, para que os homens justifiquem através
delas as suas ações e as dos outros?
Os primeiros arroubos que haviam encantado tantos pensadores eram agora
colocados em questão e os entusiasmos com os progressos e a exagerada confiança no
poder do homem eram também contestados.
Diante das cenas bárbaras de tortura, perseguição religiosa, tirania, doença e fome
da população, procurava-se, paulatinamente, analisar o homem segundo a sua natureza e
não mais com a empolgação dos primeiros humanistas.
Diante da complexidade histórica do Renascimento, a sua filosofia também reflete a
riqueza e plasticidade nos temas de que trata. Nesse contexto, Marsilio Ficino consegue não
só captar o espírito da época, como também trazê-lo à luz em nuances verdadeiramente
fascinantes que extrapolam os limites de seu tempo.
22
1.2. Marsilio Ficino: porta-voz do Renascimento
(...) marcha o homem sobre o chão,
leva no coração uma ferida acesa,
dono do sim e do não,
diante da visão da infinita Beleza.
(Caetano VELOSO)
A importância do pensamento de Marsilio Ficino para a produção e expansão
culturais de sua época tornou-se evidente não apenas pelo volume alcançado, mas também
e, principalmente, pela qualidade do conjunto de sua obra.
De origem italiana, Ficino representou intensamente a efervescência em que as
letras e as artes mergulhavam, na medida em que os textos antigos eram reinterpretados
pela cultura renascentista, influindo significativamente nos comportamentos ético e estético
de sua época.
Natural de Figline, em Valdarno, Marsilio Ficino nasce nocimo nono dia do
outubro de 1433, sendo filho do médico Dietifeci, também chamado Ficino e de Alessandra
de Nannoccio, senhora de Montevarchi.
Na nota biográfica do De Vita, encontramos a seguinte descrição da aparência sica
adulta de Ficino: “de pequena estatura, com altos ombros, braços e mãos longos, face
alongada, cor sanguínea e cabelos loiros e crespos
17
.
A mesma nota também se refere a Ficino como pouco eloqüente e com dicção
dificultada. Tal descrição corresponde aos traços físicos e psicológicos apresentados pelo
espírito melancólico ou “saturnino”, segundo a própria classificação de Ficino
18
.
17
Marsilio FICINO. De Vita. ed. cit. p. XXXI-XXXII.
18
Maiores detalhes sobre a melancolia encontram-se mais adiante, no capítuloDe Amore e De Vita: o poder
da luz”.
23
Com a transferência da família para Florença, o pai do jovem Marsilio presta
serviços médicos a Cosme de Médici e foi através da figura paterna e de Cristoforo
Landino que Marsilio conheceu aquele que lhe concederia o mecenato e, com isto, a
oportunidade de dedicar-se ainda mais fervorosamente à atividade filosófica.
Quando Marsilio Ficino foi apresentado a Cosme de Médici, ambos não poderiam
certamente prever a repercussão que esse encontro teria para os rumos do pensamento
ocidental. Com a morte de seu patrocinador, em 1464, Marsilio continuou sob a proteção da
família Médici, com Piero (1464-1469) e Lourenço (1469-1492).
Declarações proferidas por ele reafirmavam constantemente o seu fecundo ardor e
comprometimento com a pesquisa que lhe fora confiada. Ficino dissera a Cosme que, assim
como seu pai fora médico dos corpos, ele, por sua vez, seria médico das almas e a Piero de
Médici: “Estou diariamente perseguindo uma nova interpretação de Platão, sob seu
patrocínio, oh magnânimo Piero (...)”
19
.
Em 1462, Cosme concedera-lhe uma casa em Florença, além de, no ano seguinte,
uma vila em Careggi, que mais tarde se tornaria a concretização de um antigo projeto dos
Médici, sugerida anos antes por Gemisto Pletón: A Academia Platônica Florentina
20
.
Conhecida também como a Academia de Careggi, inspirada na antiga Academia
Platônica, nela reuniram-se importantes figuras do Renascimento como Giovanni Pico della
Mirandola, Cristóforo Landino, Ângelo Poliziano, Lourenço de Médici, Leão Batista
Alberti, que muito contribuíam com suas reflexões acerca do humanismo e tiveram
destacada influência na arte do Renascimento
21
. Nela também foi recuperado o costume de
19
Marsilio FICINO. De Sole. ed. cit. [Prefácio].
20
Ficino tornou-se diretor da Academia Platônica Florentina (1462), fundada em 1442 por Cosme dedici,
inspirada na antiga Academia de Platão.
21
A influência pode ser notada, por exemplo, na produção de Boticelli, Miguel Ângelo, Rafael e Tiziano.
24
celebrar-se o aniversário de Platão com um banquete, durante o qual se discursava sobre o
amor.
Ficino não se limitaria, contudo, a traduzir os textos de Platão, da tradição hermética
e do neoplatonismo em geral, mas comporia verdadeiros tratados sobre temas como amor,
beleza, bem, luz, temperamentos, furores e religião. Temas entrecruzados nas obras de
Marsilio, que se preocuparia mais em demonstrar as suas semelhanças que as suas
diferenças.
O pensamento conciliador, inclusive, seria um traço marcante de sua filosofia,
tentando aproximar o pensamento cristão e o considerado paganismo. Medicina, astrologia,
magia, sacerdócio e filosofia: para Ficino, atividades plenamente conciliáveis e, melhor
ainda, complementares, porque permitiam a aliança entre reflexão e revelação.
A crença na imortalidade da alma e o liame entre doutrinas aparentemente
antagônicas tornam compreensível a sua ordenação em sacerdote, no ano 1473,
exemplificando, em si mesmo, a união entre platonismo e cristianismo.
Tradutor e comentador exemplar, Ficino ainda se destacaria pelas numerosas cartas
enviadas aos seus conhecidos que colaborariam para a divulgação de um novo estilo de
pensar, sentir e viver a sua época.
Da sua atividade de tradução, podemos citar os textos de Platão, ponto de partida
que adquiriu importância central em sua filosofia; de Plotino, de Hesíodo, além de
Jâmblico, Porfírio, Proclo, e demais escritos herticos.
25
De seus tratados, destacamos: De Amore
22
(1469); Teologia Platônica
23
(1482),
uma de suas obras-primas; os três livros do De Vita
24
(1489); os opúsculos Quid sit lumen
25
(1476) e De Sole
26
(1494), além da numerosa quantidade de cartas.
Com a morte de Lorenzo de Médici, em 1492, alguns acontecimentos desagradáveis
atravessam a existência de Ficino: o decnio da família Médici, o fechamento da Academia
Platônica, a morte de seus amigos Ângelo Poliziano e Pico della Mirandola, a perseguição
crítica de Savonarola, contra quem escreve, em resposta, uma apologia.
Em 1499, no mesmo mês em que nascera, morre Ficino, antes de completar seus
sessenta e seis anos, na sua vila em Careggi. A grandeza de sua obra, no entanto,
permaneceu ativa e, por muitos anos, Platão e o neoplatonismo foram conhecidos através
dela.
Perante o cenário renascentista, destacam-se algumas atitudes de Marsilio Ficino
que são perfeitamente condizentes com o espírito do seu tempo e que, atingindo muitas
vezes o apogeu na sua filosofia, influenciaria outros pensadores do seu convívio, tornando-
se relevante na formação do pensamento ocidental.
O corpus ficiniano abrange, então, diversas preocupações: a tradução de textos
greco-latinos, o cultivo do espírito crítico, a nova concepção da cosmologia, o lugar central
do homem na natureza, a luz como manifestação divina, os papéis do amor e da religião, a
influência dos astros e da magia na vida humana e a imortalidade da alma.
Das amplas janelas da sua vila, em Careggi, Ficino parece ter recebido a luz
inspiradora necessária à produção de sua vasta obra. Sob o seu olhar catalisador, os amigos
22
Marsilio FICINO, De Amore. ed. cit.
23
Id. Théologie platonicienne. ed. cit.
24
Id. De Vita. ed. cit.
25
Id. Quid sit lumen. ed. cit.
26
Id. De Sole. ed. cit.
26
reuniam-se na Academia Platônica e discursavam sobre os temas tratados por Platão em
seus diálogos, procurando manter ativo o hábito da celebração da filosofia.
Um dos grandes traços metafísicos do Renascimento e que Ficino torna-se porta-voz
é o sentido de universalidade. Ao percorrer criticamente as trilhas daqueles que traduz,
Ficino vai colhendo as semelhanças entre as diversas teorias que encontra. A abertura às
múltiplas heranças amplia o grande leque do conhecimento, possibilitando o sincretismo
entre as diversas culturas.
A visão totalizadora de Ficino proporciona também o vínculo entre os planos
material e espiritual, afastando qualquer divisão brusca entre os dois níveis.
A matéria, então, não precisa ser suprimida para que a alma alcance o divino, pois a
divindade está presente também no próprio homem. A alma humana, diante do dinamismo
da Natureza, ocupa posição central.
A consciência da diversificação dos graus, que lhe permitem elevar-se ao divino ou
rebaixar-se à bestialidade, caracteriza a essência humana e a diferencia dos outros animais,
proporcionando a liberdade de escolha e elevando o homem a um patamar de ser único em
toda a crião, o que corresponde ao antropocentrismo tão praticado na época.
O poder do homem se expressa igualmente no seu donio sobre a magia e a
astrologia. Fazer interagir a natureza individual com as energias cósmicas revela o papel
criador do homem, espelho da criação divina.
Após o distanciamento da fonte que lhe deu origem, o homem deseja a ela retornar e
cabe a ele construir o caminho desse regresso. O retorno ao bem pode ser alcançado através
da Beleza, esplendor da face de Deus que, como um raio, emana e penetra em tudo.
27
O belo desperta o amor e reacende o desejo de contemplar o bem. O destino do
homem gira aqui, então, platonicamente do bem ao bem. Foi o bem que infundiu a luz na
alma humana e isso a destina ao desejo de reencontrar a luz original.
A respeito da luz é necessário, primeiramente, esclarecer uma distinção encontrada
em filósofos que trabalharam este tema. Para eles, a luz bifurca-se em dois conceitos: lux e
lumen. Lux é a luz considerada na sua origem. Por seu caráter gerador, é normalmente
associada à divindade. Por outro lado, a emanação dessa luz denomina-se lumen e
relaciona-se com a multiplicidade.
Os raios da luz original projetam-se como sementes em direção ao mundo sensível
que, por sua vez, reflete-os como um espelho. Para Ficino, é a partir da emanação que
devemos procurar a luz original, assim como o homem, platonicamente, a partir dos
reflexos, não se conforma com a aparência e sai da caverna para contemplar a verdadeira
claridade.
Nessa concepção, a alma humana é a luz divina presente temporariamente na
matéria. Responsável pela ação do corpo, a alma existe independentemente dele, a ponto de
Ficino afirmar que o homem é a alma e a alma é imortal.
Oferecendo o opúsculo Quid sit lumen
27
ao Fédon, obra em que Platão trata
substancialmente sobre a imortalidade da alma, Ficino afirma que “o esrito não se apaga,
mas segue os astros”
28
. Quanto à sua natureza, ele declara, na Teologia Platônica: “...a luz
não é outra coisa que uma luz vivel..., mas a alma é uma luz invisível”
29
.
27
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit. p. 15.
28
Id. Ib. X, p. 36.
29
Id. Théologie platonicienne. ed. cit. vol. 1. p. 322.
28
O trabalho de inclinação à luz inata é acompanhado por uma conscientização de que
a força divina em tudo habita. A presença do furor divino exterioriza-se pelo ardor do
desejo que inspira a alma humana. São quatro as espécies de furor, atribuídos cada um a
uma divindade correspondente: o amor, a Afrodite; a poesia, às Musas; os mistérios, a
Dioniso; além da profecia, a Apolo.
A filosofia de Ficino foi determinante para toda a produção artística de sua época. A
Primavera de Botticelli, além das diversas obras que posteriormente retrataram o amor,
evidenciam essa influência.
29
2. Marsilio Ficino e a metafísica da luz
2.1. O conceito de luz: considerações iniciais
A palavra luz certamente ocupa lugar de destaque na trajetória do discurso acerca do
homem e do mundo. Cotidianamente usamos expressões como “dar a luz”, diante do
surgimento de um ser ou idéia; “vir à luz”, quando nos referimos a alguma coisa que,
anteriormente obscura, se tornou evidente; Fulano “perdeu a luz da razão” quando alguém
parece enlouquecido; ou ainda “à luz de”, ao nos referirmos aos princípios de determinado
pensador ou teoria.
Se a análise do conceito revela muito dos seus aspectos importantes, debrucemo-nos
um instante sobre as origens do termo luz, inicialmente analisando suas raízes e, em
seguida, alguns significados que lhe foram atribuídos, revelando seu uso tanto no sentido
meramente físico, quanto no rico campo simbólico.
Etimologicamente
30
, os diciorios indicam para essa palavra as seguintes raízes
indo-européias: dei/dev, dyut, leuk e bha, além de estabelecerem algumas comparações que
vale citar aqui.
A primeira raiz, dei ou dev (brilhar), originou diva (o céu), deva (deus), referindo-
se, então à iluminação divina. Quanto à luz diurna, dyu (dia), teria sua origem da raiz dyut
(brilhar/resplender), tendo seu poético uso na nomenclatura dos dias da semana, em alguns
30
Acerca dos dicionários etimológicos pesquisados, destacamos: o Diccionario crítico etimológico de la
Lengua Castellana, de Joan Corominas. Vol. III (L-Re). p. 152-153 e o Dicionário Etimológico Nova
Fronteira da Língua Portuguesa, de Annio Geraldo da Cunha. p. 484. O artigo “La lumière II: Une
étymologie possible
30
encontra-se disponível em : <http://www.accordphilo.com/article-3193353.html>
Acesso em : 02/09/2007.
30
idiomas latinos
31
. Importante notar aqui a presença da analogia entre a claridade do sol/dia
e a proveniente da atividade divina, tão marcante nos textos de Marsilio Ficino.
É importante atentar também para a ambivalência de sentido dessa raiz: abrigando
sob uma mesma origem os vocábulos deva (deus) e daeva (demônio) ou, ainda, a claridade
diurna ou solar (Zeus/Júpiter: de jour) e a claridade noturna ou lunar (Diana
32
). Poderíamos
dizer, com isso, que nesse jogo de sentidos há muito mais intercâmbio do que propriamente
oposição.
A segunda raiz, leuk, mais citada nos dicionários etimológicos que as outras duas,
está associada ao brilho (leuk) e à brilhante/branco (leuko,j), dando origem, por exemplo, à
palavra leucocemia (leuko,j’/branco e ‘ai,.ma/sangue). A ela também corresponde a raiz
latina lux/lucis, dando origem ao grande número de vocábulos referentes à luz, tais como
luminosidade, iluminado, lua, lunático, elucidação e lucidez.
A relação entre luz e deus também seria expressa por essa raiz, através do emprego
do termo Lugh, para designar um poderoso deus solar celta. Além disso, da mesma raiz,
teria provindo o termo lustrar (clarear), utilizado inclusive em cerimônias de purificação,
com o místico significado de transformar o obscuro em claridade.
Outra importante observão a respeito da raiz leuk pode ser observada na formação
da palavra Lúcifer. Considerado inicialmente um anjo “portador de luz”, teria se
transformado em príncipe das trevas, ao tombar do céu. Aqui novamente exposto o
paradoxo entre luz e sombra. Uma sombra que, nesse caso, teve sua origem na luz e que, de
alguma forma, ainda a conserva, apesar do envolvimento com a obscuridade.
31
É o que notamos, por exemplo, em construções como martedì ou mardi para designar o dia de Marte (em
italiano e em francês, respectivamente).
32
Diana: oriunda da raiz dei. Diana, na simbologia do Renascimento, faz referência à lua que reflete a luz
solar, do mesmo modo como o mundo reflete o conhecimento divino. Apesar de seu aspecto aparentemente
insignificativo, é atras desse reflexo que podemos vislumbrar a luz ou conhecimento originais, resultando
daí sua enorme importância.
31
A outra raiz, bha, tem seu correspondente grego phaïnein (vir à luz, aparecer) e deu
origem a palavras importantes no estudo da luz, tais como fantasma, fantasia e diáfano. Em
Aristóteles, que adota a origem grega de luz (fa,oj/pháos), também encontramos a
associação entre luz e fantasia
33
. Teria relação, ainda com essa raiz, a associação entre
divindade e luz, através do culto a Amitaba (em sânscrito: luz infinita), que os adeptos
crêem poder purificá-los de forma plena e instantânea.
Na Etimología de la lengua española
34
, também encontramos uma ampla descrição
da origem do termo luz:
Del lat. “lux” gen. “lucis” - “luz”, relacionado con el verbo
“lucere” - “brillar” y de raíz indoeuropea *leuk- “luz,
luminosidad”. Emparentado entonces con el griego λευκός
“leus” - “brillante, blanco”, con el lituano “laukas” -
“pálido”, el germ. occidental *leukhtam, de donde proviene en
alemán “Licht” y en inglés “light” - “luz” (anglosan “leht”,
al. antiguo “lioht”, eslavo antiguo “luci - “luz”, irlandés
antiguo “luchair” - “luminosidad, claridad”.
Na maioria das fontes pesquisadas existe a referência à origem latina lux,lucis, da
raiz leuk. Lux é, de fato, a expressão mais amplamente empregada pela tradição filofica
ao descrever os fenômenos luminosos, ao lado de lumen e, mais raramente, numen
35
.
A diferenciação entre os usos serve apenas para indicar a luz em seu estado original
(lux), a luz propagada (lumen) e o sinal divino que ela representa (numem). Será esta
também a terminologia escolhida por Ficino, na sua teoria da luz, como veremos mais
adiante.
33
ARISTÓTELES. De l’âme [Da Alma]. Paris:Belles Lettres,1989, III, 3.
34
Etimología de la lengua española. Disponível em: <http://etimologia.wordpress.com>. Acesso em
02/09/2007.
35
Lux e lumen, entretanto, embora convencionalmente representem diferentes formas de manifestação, a
natureza que os constitui não se altera e, por esta razão, encontramos às vezes o uso indiscriminado de lux
para expressar a luz original ou a emanada.
32
Grosseteste
36
, em 1225, no seu tratado sobre a luz, ao descrever lux e lumen,
considera que a sua propagação da luz original consiste num multiplicar-se a si mesma.
Escreve ele:
Porque sendo a luz (lux) a perfeição do corpo primordial e
naturalmente se multiplicando a si mesma a partir dele, é
necessariamente difundida para o centro do universo. (...)
Assim, procede do primeiro corpo luz (lumen), que é um corpo
espiritual, ou se preferirem, um espírito corporizado. (...) esta
passagem é efetuada pela multiplicação infinita de si mesma e
das infinitas gerações de luz (lumen).
37
Em tal desdobramento, ressalta ele, embora ocorra o processo de rarefação: “Assim
as partes interiores desta massa vieram a tornarem-se mais densas e as partes exteriores
rarefeitas”, nãonem perda de sua essência nem divisão dos corpos atravessados por ela:
“Esta luz (lumen) na sua passagem não divide o corpo através do qual passa, e deste modo
atravessa instantaneamente desde o corpo do firmamento até ao centro do universo”
38
.
A respeito desse movimento e da natureza da luz muito foi especulado e, embora
não seja objetivo deste trabalho um estudo mais minucioso sobre todas as teorias daí
advindas, vale apresentar aqui algumas considerações importantes sobre algumas delas.
Uma dos maiores questionamentos na investigação da luz consistia em descobrir o
seu papel no processo visual, dando origem às teorias sobre reflexão, refração, naturezas
ondulatória e corpuscular da luz, além de outras.
36
Robert GROSSETESTE (1168/75 (?)-1253) foi um dos grandes estudiosos dos fenômenos ópticos. Além
do tratado sobre a luz (De luce) citado neste trabalho, o bispo escreveu ainda outros importantes tratados:
Sobre linhas, ângulos e figuras ou Sobre refração e reflexão de raios ou, ainda, Sobre o arco-íris.
37
Id. De luce seu de inchoatione formarum. cap. X. Disponível em: <www.apostrofe.org/história da
eletricidade>. Acesso em 01/10/2005.
38
Id. Ib. cap. X.
33
Entre os pré-socráticos, Empédocles de Agrigento (cerca de 490-435 a.C.)
39
relacionava a visão com fogo interno que, tal como uma lanterna, poderia alcançar o
exterior, constituído de água, terra e ar. Epicuro (341-270 a.C.)
40
discorria sobre a formação
da imagem por partículas, além de equiparar a velocidade desta com a do pensamento.
Aristóteles, por sua vez, ressaltava a afecção sofrida pelos olhos para que a visão se
tornasse possível
41
.
Grosseteste (1168-1253), como já foi descrito acima, considerava a luz matéria-
prima que teria a faculdade de multiplicar a si mesma. No próprio Renascimento, temos
Leonardo da Vinci (1452-1519) com as aplicações da óptica na sua arte e seu experimento
com câmera escura.
O espetáculo da propagação da luz favoreceu o estabelecimento de certas analogias
que, assim, extrapolam o sentido meramente físico para alcançarem o campo simbólico.
Nicola Abbagnano
42
, por exemplo, atenta para isso ao definir luz (do grego fe,ggoj e do
latim lux) como critério diretivo do pensamento e da conduta do homem, comparado à luz
procedente do alto ou de fora.
Mais adiante, o mesmo dicionário apresenta três outros conceitos, cuja origem
estaria na religião persa: 1. a luz é uma realidade superior privilegiada: é Deus ou de Deus;
2. a luz é incorpórea e serve de ligação entre o mundo incorpóreo e o mundo corpóreo; 3. a
luz é a forma geral (essência ou natureza) das coisas corpóreas.
39
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Empédocles de Agrigento. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (OS PENSADORES).
pp. 167-168.
40
Carta a Heródoto. In: Diógenes Laértios. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. tradução de Mário da
Gama Kury. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1977. pp. 291-302.
41
ARISTÓTELES. De l’âme. ed. cit. II, 7.
42
Nicola ABBAGNANO. Dicionário de filosofia. tradução 1ª ed. bras. de Alfredo Bosi. tradução novos
textos de Ivone Castilho Benedetti, São Paulo: Martins Fontes. 2003. p. 633-635.
34
A metáfora da luz, por um lado, abrange a comparação desta com uma iluminação
interior. Contraposta à ignorância, a luz simboliza assim a atividade da razão que revela
conhecimentos antes obscuros, funcionando como um “holofote” [de holóphotos,
‘totalmente iluminado’] interno.
Para Aristóteles, a ação do intelecto ativo sobre a alma humana era comparável à luz
que põe em ato as cores que no escuro estão somente em potência
43
.
A luz interna ou natural, porém, nem sempre seria bem empregada e, a esse
respeito, Heráclito já advertia: “Más testemunhas para os homens são olhos e ouvidos, se
almas bárbaras eles têm
44
.
A esse respeito, também se pronunciou Cícero: “A natureza deu-nos minúsculas
centelhas que nós, estragados pelos maus costumes e pelas falsas opiniões, apagamos,
levando ao total desaparecimento da luz natural”
45
.
43
ARISTÓTELES. De l’âme. ed. cit., III, 5.
44
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Heráclito. Fragmento 107. São Paulo: Nova Cultural, 1987 (OS PENSADORES).
45
CIRON. Tusculanes. 2 vol. tradução de J. Humbert. Paris: Belles Lettres, 1968. III, 1, 2.
35
2.2. A dialética entre luz e sombra
Um raio que inunda de brilho
Uma noite perdida
Um estado de coisas tão puras
Que movem uma vida (DJAVAN).
Tanto em acepções cristãs quanto pagãs, a luz era largamente associada à geração e
à manutenção da vida. Não é difícil imaginar, assim, quanto o espetáculo diário
proporcionado pelo sol tenha contribuído para a formação de uma comparação entre o
poder divino e a luz desse astro, sendo comum render-lhe culto.
Nas tradições egípcia e persa atribuía-se a Deus uma natureza luminosa. Para os
persas, Mitra era o símbolo solar da divindade ou o esrito da luz, enquanto que no Egito,
os deuses Set e Anúbis simbolizavam, respectivamente, trevas e luz.
46
Em contrapartida, as trevas geralmente correspondiam à privação de forma,
momento anterior ao surgimento da ordenadora luz. Na mitologia greco-romana, a Noite,
filha do Caos, e seu irmão Érebo teriam dado origem ao Dia. Às trevas também
corresponderiam os castigos aplicados aos ímpios.
47
Ovídio, por sua vez, descreve o caos como massa grosseira e informe, puro peso
inerte, onde nenhum Titã (nem mesmo Febo) fornecia a luz, até que as forças divinas o
permitissem.
Antes do mar e das terras e dou, que cobre todas as coisas, um era o
aspecto da natureza em todo o orbe, a que chamaram caos, massa
grosseira e informe, nem existia nada a ser peso inerte, e amontoadas no
mesmo lugar sementes discordes de coisaso bem reunidas.
48
46
Jean CHEVALIER e Alain GHEERBRANT. Dicionário de Símbolos. tradução de Vera da Costa e Silva.
20 ed. Rio de Janeiro: Jo Olympio, 2006. p. 567-571.
47
BÍBLIA SAGRADA. tradução de Domingos Zamagna [et al]. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. Jó, 18; 18.
48
OVÍDIO. As metamorfoses. tradução de Maximiano Augusto Gonçalves. edição bilíngüe. Rio de Janeiro:
H. Antunes, 1972. p. 18. [Ante mar et terras et caelum, quod tegit omnia, unus erat vultus naturae in toto orbe,
36
Na passagem bíblica do fiat lux, há também a ordenação do caos e a conseqüente
separação entre treva e luz, atribuindo-se à primeira um período em que “a terra estava
deserta e vazia” até que o verbo divino ecoasse, originando a luz e, assim, a distinção entre
claro e escuro, entre dia e noite:
Deus disse: “Faça-se a luz! E a luz se fez. Deus viu que a luz era boa.
Deus separou a luz das trevas. E à luz Deus chamou “dia”, às trevas
chamou “noite”. Fez-se tarde e veio a manhã: o primeiro dia.
49
No Alcorão, com sua significativa influência na cultura do Oriente, encontramos a
seguinte associação entre Deus e luz:
Deus é a luz dos céus e da terra. Sua luz é como um nicho num muro,
onde (se encontra) uma lâmpada; e a lâmpada está num vidro, e o vidro
é como uma estrela brilhante. Ela está acesa (com o óleo) de uma
árvore benta, uma oliveira que o é nem do oriente, nem do ocidente;
e esse óleo está aceso e (o esplendor de sua luz) brilha, sem que o fogo
nele tenha sido colocado. É luz sobre luz. Deus guia para Sua luz
aquele que Ele deseja. E Deus propõe aos homens parábolas; porque
Deus conhece todas as coisas.
50
Deus, “luz sem trevas
51
, constituiria os astros como “luzeiros” no firmamento: “o
luzeiro maior para governar o dia e o luzeiro menor para governar a noite e as estrelas”
52
.
Os astros adquirem, aliás, para a metafísica da luz importância primordial, acentuadamente
na cultura do Renascimento, com a intensificação dos estudos astrológicos.
O Sol, durante o Renascimento, representado mitologicamente por Apolo,
representa a luz original, símbolo da perfeição e da harmonia que provêm da divindade. A
lua, por outro lado, recebe e projeta a luz solar. Representada por Diana, corresponde ao
quem dixere Chaos, moles rudis que indigesta, nec (erat) quicquam nisi pondus iners, que congesta eodem
semina discordia rerum non bene iunctarum].
49
BÍBLIA SAGRADA. ed. cit. nesis, 1, 3-5.
50
Alcoo, 24,35. apud J. CHEVALIER e A.GHEERBRANT. op. cit. p. 571.
51
Id. Ib. Primeira epístola de São João.1; 5.
52
Id. Ib. Gênesis, 1, 16.
37
mundo sensível iluminado pela luz secundária ou lumen. Apolo e Diana são, no entanto,
irmãos e, dessa forma, duas faces que remetem a uma única fonte. Eles constituem as duas
formas possíveis de manifestação da luz.
A analogia entre Sol e Deus estende-se à outra comparação igualmente importante
nas investigações sobre a luz: entre os olhos e o intelecto. Enquanto aos olhos é permitido
presenciar o Sol, o intelecto pode contemplar a divindade.
O Sol, fonte indiscutível de luz, calor e vida, cujos raios estendem-se por toda a
Natureza, foi considerado por Platão como dirigente do mundo sensível e responsável pela
nossa percepção das cópias imperfeitas
53
.
A alegoria da caverna no livro VII d’A República (514a-518a), Platão faz as
associações Sol - Bem e Olhos – Inteligência:
Meu caro Glauco, este quadro – prossegui eu – deve agora aplicar-se a
tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível
através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia
à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá
se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo
inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo
conhecê-la
54
.
Assim como os olhos buscam a luz solar, nossa inteligência almeja contemplar a
divindade. A luz solar representa assim o conhecimento terreno, superado pelo
conhecimento da luz divina.
Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a
custo, a idéia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é
para todos a causa de tudo que há de justo e belo; que, no mundo
visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo
inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é
preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública.
55
53
PLATÃO. A República, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001. VII. 514a-518b. pp. 317-322.
54
Id. Ib. VII. 517b. p. 321.
55
PLATÃO. op. cit.VII. 517c. p. 321.
38
Nem todos os filósofos atribuem à luz a manifestação da divindade. Didier
Ottaviani, ao referir-se à metasica da luz na Idade Média
56
, ressalta que a inefabilidade de
Deus foi interpretada por Gregório de Nissa (IV°), como as trevas que proporcionam o
encontro com o divino. Deus surge na Bíblia tanto como coluna de fogo ou como nuvem
negra e é a partir desta segunda hipótese que esse filósofo baseia sua simbologia.
Ao relatar à subida de Moisés ao Monte Sinai, Gregório descreve que a escura
fumaça e o forte rdo ao redor do monte tornavam a escalada praticamente impossível.
Moisés teria tentado subi-lo acompanhado do seu povo, mas, apenas sozinho, conseguira,
pois a ação exigia uma entrega sem reservas ao desconhecido, como prova da confiança na
obscura presença divina.
No entanto, até mesmo aqui, o que teria encontrado Moisés após enfrentar as trevas
ou a obscuridade de Deus? A visão que adm à obscuridade é repleta de luz e sua
comunicação com o divino é cravada com fogo (raios), símbolo de iluminação.
Essa dualidade na manifestação de Deus, tão clara e simultaneamente tão obscura,
será também assinalada por Ficino, como veremos mais adiante, embora este privilegie a
associação de Deus com a claridade.
56
Didier OTTAVIANI. La metaphysique de la lumière au moyen âge. Disponível em:
<http://www.cerphi.net/hum/lumcours1.htm> . Acesso em: 04/08/04.
39
2.3. Quid sit lumen e De Sole: a beleza da luz
Luz do sol
Que a folha traga e traduz
Em verde novo
Em folha, em graça
Em vida, em força, em luz.
(Caetano VELOSO)
O tema da luz é recorrente no conjunto de toda a obra de Marsilio Ficino.
Encontramo-lo, por exemplo, nas suas teorias sobre o amor, na sua teologia ou na sua
medicina astrológica.
Entretanto, Ficino não se satisfaz em se referir à luz apenas nas entrelinhas dos seus
outros temas e a faz então protagonizar algumas de suas obras. Isso acontece, por exemplo,
no seu opúsculo Quid sit lumen
57
(1476) e no De Sole
58
(1494).
Pretende-se neste capítulo discorrer sobre a importância atribuída a esse tema mais
especificamente nesses livros solares, embora em alguns momentos possamos e devamos
recorrer a passagens importantes em outras obras ficinianas.
Ficino inicia o De sole com uma dedicatória a Piero de Médici, introduzindo a
relação que será largamente trabalhada neste livro: a similaridade entre Sol e Deus, através
de um tema fundamental em sua obra: a luz
59
.
Eugenio Garin, ao analisar a importância desse tema na filosofia ficiniana, declarou
que “se o amor é, para Ficino, a força íntima e a alma do real, a luz é a veste do universo
60
.
57
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit.
58
Id. De sole. ed. cit.
59
Id. Ib. [prefácio].
60
Eugenio GARIN. Ciência e vida civil no Renascimento italiano. tradução de Cecília Prada. São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. p. 94.
40
Atribuindo a Platão e a Pseudo-Dionísio, o Areopagita, as fontes para o seu elogio
ao sol, Ficino evoca também os pitagóricos com o preceito de que ninguém deve pretender
discursar sobre os mistérios divinos, sem que se inclua a luz como tema norteador.
Ao pronunciar “Nada recorda mais a natureza da bondade do que a luz”
61
, Ficino
condensa em uma frase elementos recorrentes e importantes da sua filosofia. Através dela,
o imbricamento entre luz manifesta e luz original espelha a relação platônica entre o belo e
o bem.
O papel mediador da luz aqui é fundamental. A luz visível, que nos permite
presenciar a beleza do mundo, serve de mediadora para a contemplação da invisível luz da
bondade divina.
Ficino, ao atribuir à luz, na mesma frase, a tarefa de “evocação” da natureza da
bondade, evidencia a premissa da preexistência de uma condição ideal a que a alma
humana deseja retornar através de um processo de contemplação/recordação das realidades
divinas, até o ponto de reconhecer-se unida a tais realidades, tema amplamente detalhado
na sua obra Teologia Platônica
62
. O mundo vivel representa aqui muito mais uma ponte
para o encontro com a luz divina do que propriamente um obstáculo, o que os homens
sábios sabem reconhecer.
A luz, “cuja graça torna todas as outras coisas amáveis”
63
, assim é descrita, no
segundo capítulo do Quid sit lumen:
“A luz é uma emanação de certa forma espiritual,
súbita e muito extensa dos corpos cuja natureza não é alterada por ela”
64
.
61
Marsilio FICINO. De sole. ed. cit. cap. II.
62
Id. Théologie platonicienne. ed. cit. Cf. Livro II, Cap. II, p. 159.
63
Id. Quid sit lumen, ed. cit., p. 17.
64
Id. Ib., p. 19.
41
Devido à natureza espiritual da luz, instala-se o paradoxo de que a luz, ao mesmo
tempo em que permite a visão dos objetos, não pode ser vista em si mesma. Ora, impasse
semelhante ocorre em relação a Deus.
A beleza do mundo insinua para a razão humana a obra divina, sem que, no entanto,
seja possível romper a barreira de sua inefabilidade. Essa semelhança no comportamento
paradoxal da luz e de deus é assim enunciada por Ficino:
Como é possível que nada seja mais obscuro que a luz, quando, no
entanto, não há nada mais claro, já que ela elucida e permite conhecer
claramente todas as coisas?
65
.
(...) Oh, intelecto, você que mede tudo com precisão, diga-me se por acaso
se a luz é o próprio Deus
66
.
Outro ponto a ser considerado na definição acima diz respeito à continuidade entre
causa e efeito, ao considerar-se o processo de emanação da luz. Entre os dois pólos não há
separação absoluta, senão relativa, pois ao distanciar-se da origem, o efeito ainda participa
da totalidade que envolve a ambos.
Desse modo, a auto-multiplicação da luz, defendida por Robert Grosseteste (séc.
XIII), reaparece de forma semelhante em Ficino, que assim se refere à difusão da luz:
A luz é, portanto, de certa maneira mais espiritual que corpórea, porque se
propaga em todo lugar sem temporalidade, porque preenche os corpos
transparentes sem colisão e porque se espalha pelos corpos grosseiros sem
se macular
67
.
Encontramos semelhanças nas duas concepções, pois para ambos a luz difunde-se
subitamente, sem com isso alterar a sua natureza. Tal natureza mantém-se intacta, não
importando o quanto se expanda nem os obstáculos que encontre. Por esta razão, Ficino
65
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit. p. 17.
66
Id. Ib., p. 21.
67
Id. Ib., Quid sit lumen. ed. cit. cap. IX. p. 30.
42
defende que a luz que constitui as almas dos homens permanece divina, o que se espera
constatar assim que dos corpos essas almas se libertem.
A emanação a que se refere Ficino demonstra, então, que entre a luz original e a luz
que dela provém há toda uma trama ou textura que as mantém numa constante dialética. As
duas diferem no grau de rarefação, pois a luz emanada distancia-se do seu centro, mas
ambas conservam a sua composição.
A respeito desse centro é importante manter presente a correspondência entre deus e
sol. Desse ponto procedem luz e calor, que, no capítulo VIII do Quid sit lumen, aparecem
diferenciados pelo filósofo: “A luz é uma coisa, o calor é uma outra. A luz precede o
calor
68
”. O calor, então, não se confunde com a luz porque é dela que ele provém.
O calor é a energia que se transmite a cada objeto, através dos raios luminosos. Essa
energia, ponto de chegada da luz, é sentida fisicamente nos objetos, mas também exprime-
se espiritualmente na forma de prazer:
Com efeito, o calor natural desses raios é uma energia que se introduz
em cada coisa: é daí que a vida tira sua origem, que se eleva e se
desenvolve. Eis porque todos os seres vivos desejam o prazer, porque
são engendrados não somente no prazer terrestre como na alegria
celeste. Quem poderia então negar que as potências divinas, por uma
feliz disposição, movem e engendram todas as coisas no momento em
que vemos, tanto pela natureza dos seres vivos quanto por sua arte,
todo ser procriado e cumprido no prazer
69
.
A relação entre calor e prazer é explicitada tanto nos seus livros solares, quanto no
De Vita, quando Ficino recomenda ao melancólico aproximar-se de coisas solares para
afastar a melancolia:
68
Marsilio FICINO. Quid sit lumen, ed. cit. p. 31.
69
Id. Ib. p. 30.
43
Se quiseres que teu corpo e teu espírito adquiram virtude de algum
membro do mundo, por exemplo do Sol, cerca-te de coisas solares,
metais e pedras, plantas, animais e sobretudo homens
70
.
A respeito da definição ficiniana de luz, é importante ainda atentar para a seguinte
questão: se a luz não pode ser vista em si mesma, por que os objetos do mundo físico
apresentam-se visíveis para nós? A resposta a essa pergunta está estritamente relacionada à
diferenciação entre luz e cor:
Ela [a luz] é emanação de uma luz brilhante para os corpos diáfanos, quer
dizer transparentes, emanação da cor para os corpos que lhe fazem
obstáculo, e, enfim, para todos os corpos, emanação da quantidade, da
figura e do movimento
71
.
Ficino afirma que os corpos muito puros do céu e do fogo possuem brilho próprio.
Os corpos diáfanos como a água ou o ar, ao serem atravessados pela luz, revelam-se através
do brilho. A luz, no entanto, ao encontrar a resistência dos corpos opacos, dá origem à
multiplicidade de cores que percebemos.
Enquanto ato puro, a luz apresenta apenas uma única cor, a cor clara ou brilhante;
por sua vez, ao entrar em contato com a matéria, a luz revela as cores, antes em potência, e
a cor é assim definida como uma luz opaca.
Considerando a relação entre cor e luz, dessa forma, Ficino lança mão de um de
seus quiasmas
72
, definindo a cor como luz opaca e luz como cor clara, o que também pode
ser compreendido melhor ao se rever as considerações aristotélicas no De Anima.
70
Marsilio FICINO. De Vita, ed. cit. p. 41.
71
Id. Quid sit lumen, ed. cit. p. 19.
72
Quiasma ou quiasmo : “Do gr. chiass, ‘ação de dispor em cruz’; figura de estilo pela qual se repetem
palavras invertendo-lhes a ordem [Fonte: Dicionário Novo Aurélio, p. 1685]. Recurso muito utilizado na
filosofia ficiniana da luz.
44
A distinção aristotélica entre corpos transparentes em ato e corpos transparentes em
potência
73
é retomada por Ficino, quando este discorre sobre os papéis da luz e da cor. A
luz é aqui considerada o transparente em ato ou o transparente enquanto transparente.
Segundo esse ponto de vista, o diáfano é considerado ainda como meio de
propagação da luz e a luz a cor do transparente. Isso torna compreensível a referência de
Ficino a uma cor clara ao tratar da luz.
Os corpos transparentes em potência, por sua vez, são aqueles em que podemos
perceber a manifestação da cor. Sem a luz não poderíamos ver as cores, embora a cor revele
obscuridade. A natureza da cor é colocar em movimento o transparente em ato.
Entre nossos órgãos visuais e a cor, torna-se necessário a presença do diáfano para
que a percepção seja efetiva. Assim também se elucida a expressão luz opaca, ou luz que
encontrou a resistência dos corpos a que se dirigiu, segundo a teoria ficiniana da cor.
Resulta ainda interessante notar que Aristóteles, na explicação do transparente,
considerava que, embora este se apresente ora como luz, ora como obscuridade, trata-se nos
dois casos, no entanto, da mesma natureza.
Ficino, de forma análoga, considera as duas faces da luz apenas maneiras distintas
de apresentação do mesmo. A natureza da luz essencial mantém-se intacta, tanto ao
atravessar corpos diáfanos, produzindo brilho, quanto ao tornar visíveis as cores nos corpos
opacos.
A partir de então, Ficino irá estabelecer uma nova analogia. O sol concede aos
olhos, com sua luz, a capacidade para a visão e, através das cores, a potência pela qual são
vistos. Da mesma maneira, Deus relaciona-se com as coisas inteligíveis.
73
ARISTÓTELES. De l’âme. op.cit. II,7,419a.
45
A luz do sol é considerada uma luz universal que une por ação os dois reinos: o
intelectual (mente do homem) e o inteligível. Deus ultrapassa os dois níveis, do mesmo
modo que o Sol é superior à luz, olhos e cores.
Ficino, no De Sole, defende que Platão, quando diz que o Sol prevalece em cima do
todo o reino visível, ele alude a um Sol incorpóreo ou o intelecto divino. A pura luz excede
a inteligência da mesma forma que a própria luz solar ultrapassa a acuidade dos olhos.
O poder do Sol, símbolo do poder divino, nesse sentido, evoca a passagem da
platônica Alegoria da Caverna, em que o escravo recém liberto da escuridão/ignorância,
não possui ainda olhos/entendimento necessários para a contemplação direta do Sol/Bem
74
.
Ao lado de Júpiter e Vênus, Ficino concedeu ao Sol a posição de um grande
benéfico da humanidade. As três Graças, como ficaram conhecidos esses astros, também
estão relacionadas à ação da luz.
O Sol, conforme vimos, concede geração e manutenção da vida. Porém, devido à
sua luminosidade excessiva, puro fogo,o pode ser diretamente observado. Júpiter atua,
então, como um acesso indireto à energia solar. Vênus, por sua vez, através da luz da lua,
também reflete ao homem a benéfica luz do Sol
75
.
No catulo VI do De Sole, Ficino analisa a importância do Sol na tradição antiga
76
,
relembrando o Hino a Orfeu, em que o sol é considerado um olho eterno que a tudo vê.
Novamente aqui, então, a correlação entre Sol e olho. O olho que, em posição privilegiada,
de seu círculo, a tudo percebe, seja algo humano ou divino.
74
PLATÃO, A República. ed. cit.VII. 514a-518a. pp. 317-322.
75
Marsilio FICINO. De Vita, ed. cit. p. 41.
76
Id. De Sole. ed. cit. VI.
46
Ficino cita ainda a presença do elogio ao sol nas obras de Proclo, Jâmblico,
Albumasar, além de fazer refencia aos cultos dos caldeus e egípcios. Segundo ele, os
antigos teriam aconselhado aos homens que, para terem plena noção da importância desse
astro nas suas vidas, tentassem imaginar o mundo sem o sol.
O sol está assim associado à beleza percebida nas formas. Ao referir-se à passagem
que a luz permite do caos ao mundo, Ficino recorre à etimologia da palavra mundo: “para
designar esse conjunto de todas as formas e de todas as idéias nós usamos em latim a
palavra mundus e em grego a palavra cosmos, que quer dizer ordenação bela”
77
.
A Beleza que procede dessa ornamentação origina-se do centro, onde se situa a
imensa exuberância da bondade e da verdade divinas. “Esse centro único do universo é
Deus”
78
, afirma Ficino, e a luz desse estado de perfeição é denominada lux.
É necessário notar aqui a organização simlica que o filósofo, seguindo a tradição
platônica, descreve na relação entre bondade e beleza e como associa tal organização à
propagação da luz.
A partir desse ponto primordial, tudo o que dela deriva participa da Beleza e vai se
rarefazendo na medida em que se distancia do centro. Temos, então, quatrorculos:
inteligência, alma, natureza e matéria. Tal Beleza continua, através da luz, sendo atrda
pela Bondade, pois nada pode evocar melhor semelhante natureza senão a própria luz.
Uno, intelincia e alma: três hipóstases retratadas por Plotino são também
consideradas nos textos ficinianos para mostrar a interligação entre a divindade e a parte
mais sublime do homem: a alma. Pela luz da inteligência, o elo e o reencontro com o Bem.
77
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit. I, 3. p. 12.
78
Id. Ib. II, 3. p. 26.
47
No De Amore, a organização dos círculos está descrita da seguinte maneira: no
centro está o Uno que, por sua natureza pura e simples, compreende a si mesmo. Em
seguida, situa-se a inteligência angélica. Deus e Anjo são considerados aqui imutáveis,
embora a divindade esteja acima da eternidade em que o anjo está mergulhado.
Submetido aos efeitos do tempo e do lugar, encontramos o corpo, que nessa escala
sofre maiores limitações. Entre os anjos e o corpo, em situação privilegiada, a alma pode
dirigir-se, pela liberdade do seu próprio desejo, à grandiosidade angélica ou à limitação do
corpo.
A abundância da bondade divina não consegue reter em si mesma a sua luz, pois
sente necessidade de expandi-la, dando origem à Inteligência Angélica, onde as Idéias se
fazem presentes. A luz nos anjos torna evidente a emanação da intelincia divina e a
alegria que envolve a vontade de Deus durante esse processo.
A Inteligência, por sua vez, dá vida à Alma do Mundo, de onde provêm as almas
dos homens e onde estão situadas as razões. Segue-se, então, a formação da Natureza, com
suas sementes e, por fim, engendra-se a Matéria, representada por suas formas. Em todos os
casos, então, a luz expressa a imagem da verdade e bondade divinas.
A beleza, ou esplendor da face de Deus, apresenta-se ao mundo, então, como flor da
bondade e denomina-se lumen ousinal divino - numen - devolvendo a imagem de Deus
neste templo que é o mundo
79
.
Deus, luz divina, orna o mundo com a luz natural porque atribui a esse mundo o
objeto de seu desejo. Expandir essa bondade através da beleza, deixando que a razão
também habitasse o mundo, constitui prova e necessidade desse amor.
79
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit. p. 37.
48
Se Deus não retém a luz nele mesmo e a projeta, num ato de amor, no mundo
sensível, é a partir da emanação que devemos procurar a luz original, assim como o homem
do mito platônico não se conforma com as aparências e, a partir dos reflexos, sai da caverna
para contemplar a verdadeira claridade. Ao homem, enquanto multiplicidade, cabe
aproveitar a claridade que lhe foi emprestada. Afinal, ainda que projetada, tal luz continua
sendo a presença espiritual da luz divina.
No De Sole, Ficino também se debruça na descrição desse deslocamento do centro à
circunferência, para ilustrar o movimento platônico do Bem ao Bem. Para tanto,o
novamente postos em evidência o Bem, o Intelecto divino e a Alma mundial.
O Bem ultrapassa todas as coisas maravilhosa e imaculadamente e é representado
pelo Sol. O intelecto divino a tudo distingue e adorna, sendo simbolizado pelo firmamento
estrelado, e a alma mundial gera, esquenta e move tudo com um calor vital, tendo como
anunciadora a luz mutável da Lua.
Interessante notar aqui a consideração de Ficino em relação à Lua (Phoebe/Febe
80
).
Para ele, a Lua, espelho do Sol, é a imagem de Phoebus/Febo, do mesmo modo que este é a
de Deus.
A seguir, Ficino enfatiza o Sol e inicia a formação de uma trindade a partir dele,
seguida de uma série de outros desdobramentos. Inicialmente, afirma que a trindade
existente no Sol se distribui em Pai, Filho e Esrito Amoroso.
O Pai é representado pela fecundidade natural, o Filho pela inteligência e o Espírito
Amoroso pelo calor. Ao redor desta trindade, surgem três hierarquias de anjos, cada uma
80
Marsilio FICINO. De sole. ed. cit. IX.
49
contendo três ordens, que por sua vez se desdobra em novas três ordens, somando assim
nove ordens.
A partir do Sol são geradas três fecundidades naturais quanto à natureza, à forma, ao
sentido e ao brilho. Quanto à natureza, distinguem-se em celestial, simples e misturada;
quanto à forma: vegetal, zoófita e animal; quanto aos sentidos: imaginação/vio,
tato/paladar e audição/olfato; quanto ao brilho: branco, vermelho ou misturado.
As nove Musas, de quem o Sol, representado por Apolo, seria o der, estão também
vinculadas aos poderes solares. Ficino segue descrevendo os poderes do Sol que podem ser
contemplados em sua substância, esncia, vida e inteligência. Em substância: Jove e Juno
(fecundidade); Apolo e Minerva (claridade); Vênus e Baco (calor). Em essência:
Céu/Urano; em vida: Rea; em inteligência: Saturno.
As nove musas mencionadas acima são especialmente solares e a cada uma é
destinada à proteção de uma arte ou conhecimento, destacando-se poesia, música, medicina
e profecia.
Até agora observamos os favores celestes através da luz. Haveria, no entanto, algum
contraponto? Qual a função das trevas: oposição ou complementaridade?
Na dedicatória do Quid sit lumen, Ficino menciona inicialmente o papel limitador
da obscuridade, associando-o à fraqueza e à esterilidade. Oferecendo o osculo ao seu
amigo Phoebus Capella, numa clara alusão ao deus solar Febo ou Apolo, o autor lamenta a
frustrante tentativa de, almejando a inspiração do sol, obter apenas um “fruto obscuro” em
seu processo criativo e depois declara:
50
Eu abomino mais do que tudo as trevas porque é por causa delas
que todas as coisas desagradáveis me desagradam quando estão
acompanhadas de trevas, ou então, quando, surgindo delas, se
degradam e retornam para a escuridão
81
.
Apesar do aspecto negativo das trevas ser evidenciado na citação acima, o mesmo
não ocorre se atentarmos para a forma como o conceito vai tomando forma na continuidade
do discurso ficiniano. A palavra trevas é substituída pelo termo sombra e um novo
significado é atribuído à rarefação da luz.
Sombrao deve ser interpretada aqui como auncia de luz, mas como os
diferentes graus de distância em relação a um ponto central, fonte da luz pura. Na verdade,
podemos considerar, deste ponto de vista, a sombra como o símbolo do lugar onde o
homem se situa e de onde almeja elevar-se. No De Amore, torna-se clara a dimensão real
que as sombras ocupam na metafísica ficiniana.
A dialética entre luz e sombra descortina uma rica interdependência que lembra a
harmonia dos contrários evidenciada por Heráclito. A sombra não exclui a luz, pois tem a
sua origem e o seu alcance determinados por ela.
Ao comparar a beleza em Deus, no anjo, na alma e no corpo, Ficino demonstra que
a sombra é sempre relativa à luz que lhe é superior. Ressalvando a luz divina, todas as
outras luzes que dela partem são sombras em relação umas às outras.
A luz, proveniente dos corpos supracelestes, ultrapassa os corpos celestes como se
fossem vidros, ou seja, sem que estes representem nenhum obstáculo a sua passagem.
Ainda assim, tais corpos continuam sendo sombras em relação aos espíritos que lhe
antecedem. A sombra é chamada aqui de esplendor divino sendo, portanto, a luz a partir do
momento em que se projeta e sai de sua fonte.
81
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit., p. 17.
51
O problema da sombra não estaria propriamente nela, pois a partir do momento em
que está projetada, a luz já é considerada sombra, que compreende, então, toda a Beleza,
originada do Bem. O que mergulha a alma temporariamente na escuridão/ignorância é o
comportamento desta em relação ao que almeja. A iluo narcísica da alma pode, esta sim,
causar danos ao desejo de libertação da alma.
Fascinadas pelas coisas terrestres, as almas desceram nos corpos e seus novos
pensamentos e desejos as tornaram demasiadamente pesadas para retomarem o vôo. Só
poderão voar novamente na medida em que confeccionarem novas asas, fundamentadas nas
virtudes da justiça e da sabedoria. Voltando seus pensamentos e desejos para as naturezas
divinas, a alma vai readquirindo a leveza necessária para o grande regresso.
A mistura com a terra dotou-as de corpos opacos que lhe encobrem a alma, assim
como a lua oculta temporariamente o sol durante o eclipse. Sol e lua, inclusive, simbolizam
no Renascimento, como já vimos, a diferença entre a luz fonte e a luz emanada.
No De Sole, Ficino declara que a terra possui uma natureza muito diferente da luz e
que, portanto, os corpos onde a terra prevalece são inadequados para a luz. A luz divina
tenta atingi-los, mas é, pela incompatibilidade, rejeitada.
Porém, do mesmo modo que Apolo perfura o corpo denso de Píton, Deus consegue
reacender o amor nas almas opacas. Assim como o eclipse é temporário, também as trevas
da alma devem se dissipar quando a razão humana volta-se para a verdadeira contemplação.
Embora tenha sofrido um esquecimento parcial do divino, os vestígios daquele
estágio anterior permanecem na alma e podem, quando novamente despertados, suscitar o
desejo do retorno.
52
Não apenas a alma humana, gerada da luz divina, como também cada um daqueles
estágios de sombra descritos (alma, natureza e matéria) possui um impulso inato que o faz,
tal qual o girassol, voltar seu olhar para a fonte luminosa que o aquece e encanta com seus
raios.
Atribui-se, então, à luz um papel divino de criação e embelezamento. A luz revela
ao mundo a lógica que une os diversos graus da criação e o amor garante o vínculo entre
essa criação e a divindade que lhe deu origem.
Diferentemente de Deus e dos anjos, que não confundem a sombra com a luz
própria, a alma humana, no entanto, devido a sua ignorância, pode inebriar-se na beleza do
corpo e esquecer a verdadeira busca. Com o olhar voltado para fora de si, pode esquecer-se
do próprio rosto e da própria luz, perdendo-se como Narciso na sombra em que se viu
projetada.
O retorno à luz possui um caminho a ser traçado e, no Quid sit lumen, o movimento
de ascensão é assim descrito:Eu me elevava do mais baixo, onde tinha caído às alturas de
meu corpo para receber uma luz em todos os sentidos mais leve e mais alta
82
.
A queda mencionada nessa passagem do texto corresponde à teoria platônica de
contemplação anterior da verdade. As almas, antes de descerem ao corpo, contemplavam o
Bem e desfrutavam então do perfeito conhecimento.
As essências ou almas desses corpos possuem ainda a natureza intica à luz pura e,
basta que a argila em que estão envolvidos seja retirada para que se revelem novamente
brilhantes.
Embora a alma esteja movida pelo desejo da contemplação das coisas divinas, não
se pode ignorar, no entanto, que a sua presença ainda se faz através do corpo físico e ao seu
82
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit., p. 19.
53
redor, ao invés de corpos celestes, é o mundo sensível que a circunda e que com ela
interage.
O desprezo da atual situação não é recomendado por Ficino que, ao contrário,
considera o sensível como ponto de partida para o retorno à divindade. A visão das coisas
físicas pode revelar sinais divinos que despertam a lembrança do plano metasico: "o olho
ama a luz assim que a vê e, vendo-a, recebe seu raio”
83
.
Esta concepção de presença do Uno no Múltiplo pode também ser encontrada em
Escoto Eriúgena, em que o mundo, livro da natureza, representa a multiplicidade que
espelha a unidade. Eriúgena ressalta que o distanciamento do homem em relação ao divino
ocorre quando, ao invés de extrair das imagens do mundo aquilo que nelas se oculta, o
homem deixa-se levar pelo falseamento que a aparência pode acarretar
84
.
A fim de desvendar o mistério do inteligível, Ficino aconselha o homem a recorrer
primeiramente aos sentidos. As seis potências da alma, representadas pela razão aliada aos
cinco sentidos são as portas adequadas no homem à percepção do belo.
Mas porque o conhecimento intelectual tira sua origem dos sentidos, não
poderíamos nunca compreender, nem desejar essa Beleza escondida nas
profundezas das coisas, se não fossemos elevados a ela pelos sinais
manifestos da beleza exterior. É nisso que se mostra realmente a
maravilhosa utilidade dessa forma e do próprio Amor que é seu
companheiro
85
.
83
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit., p. 186.
84
Johannes Scotus ERÍUGENA. División de la naturaleza (Periphyseon). 441a-451c.
85
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit., p. 86.
54
Os sentidos, no entanto, não estão no mesmo patamar de importância para a alma.
Tato, paladar e olfato relacionam-se mais estritamente ao corpo e a alma preocupa-se com
eles apenas na medida em que são importantes para a manutenção e o engendramento da
matéria.
Apesar dos sentidos serem capazes de instruir muito o homem, cada um deles só é
capaz de atingir o objeto que seja condizente com sua natureza. Desse modo, apreendemos
os vapores pelo olfato, os elementos líquidos pelo paladar e o corpo pelo tato.
Tais sentidos, devido a sua natureza grosseira, estão voltados para o mundo
sublunar e, por isso, estão cerceados pelos limites da multiplicidade. Lança-se, então, o
seguinte imperativo: “Busque mais alto a luz”
86
.
A alma tem sede de algo mais adequado a sua natureza. Dos cinco sentidos, os
menos rudimentares são a visão e a audição. Esses dois sentidos, aliados à razão,
desempenham ocupações próprias do espírito, pois, embora estejam contidos num corpo,
são dele independentes.
Ficino destaca a importância da audição. As melodias, que através do ar chegam à
audição, podem proporcionar à alma momentos de incomensurável alegria, pois alguns
ecos são capazes de recobrar a lembrança da música divina já contemplada por essa alma.
A visão, entretanto, é que recebe o patamar mais elevado nessa jornada
empreendida pelos sentidos. A natureza ígnea ou espiritual da visão aproxima-se da
natureza da luz, tornando os olhos capazes de reconhecê-la e amá-la.
Aristóteles também já havia atribuído à visão uma abordagem privilegiada: “É
porque a vista (óphis) é o sentido mais desenvolvido, a palavra imaginação (phantasía) tira
86
Marsilio FICINO, Quid sit lumen, ed. cit. p. 18.
55
seu nome da luz (pháos), porque sem a luz (photós) é impossível que seja visto (esti
ideín)”
87
.
Como as pupilas dos olhos são demasiado pequenas,o poderiam abranger tudo
aquilo que vêem de maneira corpórea. O que os olhos percebem com os olhos não são,
assim, as figuras e cores em si mesmas, mas apenas a projeção incorrea de tais figuras e
cores na luz que é percebida.
Desse modo, os corpos não poderiam ser percebidos pelos olhos se não fossem
iluminados pela luz solar. Além do raio externo que ilumina os objetos, os próprios olhos
precisam conter em si mesmos uma luz que lhes permita reconhecer essa luz incorrea
externa. Toda a apreensão visual ocorre, então, de modo incorpóreo.
Entre o órgão visual e o objeto a ser visto, necessita-se, portanto, da intermediação
da luz. A expressão popular de que não somos capazes de enxergar aquilo que está
demasiadamente próximo dos nossos olhos adquire, então, sentido ao considerarmos tal
posicionamento desprovido da distância necessária à presença da luz.
A respeito dos olhos, é interessante que Ficino refere-se a eles como janelas da
alma, rica imagem que retrata bem a concepção do olhar adotada por esse filósofo. De fato,
como por janelas, através dos olhos podemos perceber a beleza do mundo a desfilar diante
de nós a multiplicidade de suas cores e figuras
88
.
No Capítulo IX do De Sole, compara-se o Sol com Deus. O Sol é a Imagem de
Deus, filho visível da Bondade. Ficino diz ainda que “quem não vê o Sol como imagem de
87
ARISTÓTELES. De l’âme. ed. cit. III, 3.
88
Marilena Chauí, em seu artigo “Janela da alma, espelho do mundo”, aborda a relação entre o olhar e a luz,
utilizando a expressão ‘janela da alma’. In: Adauto Novaes [et al.]. O olhar.o Paulo: Companhia das
Letras, 1988. pp. 31-63.
56
Deus, como os antigos, é porque nunca percebeu o extraordinário diante da grandeza da
noite ou do nascer do sol”
89
.
Em sua analogia entre luz e a fonte criadora do Universo, o filósofo declara Deus
como a Luz das luzes, fazendo menção ao salmo onde se declara que é através da luz divina
que a luz pode ser vista. Pai das luzes, Deus é a luz inteligível, causa dos inteligíveis.
Enumerando, a seguir, as semelhanças entre o Sol e Deus, Ficino destaca: a pureza
presente em ambos; a facilidade de radiação; a onipresença; o calor com que ambos a tudo
dotam de vida e movimento; além da incorruptibilidade.
Para Ficino, a luz representa uma das maiores evidências da presença do inteligível
no sensível, pois nos faz inquirir a fonte de toda a iluminação. Adota-se aqui a definição
bíblica de João, onde Deus é a luz que não admite a presença de nenhuma treva. Se a luz
que vemos nos revela a beleza do mundo, uma outra luz, de natureza mais sutil, deve
revelar uma beleza ainda mais refinada.
Se nós amamos os corpos, as almas, os anjos, o são na verdade eles que
amamos, mas a parte de Deus neles, quer dizer, sua sombra nos corpos,
sua semelhança nas almas e sua imagem nos anjos. Assim, presentemente,
s amaremos Deus em tudo, para poder, finalmente, amar tudo em
Deus
90
.
A beleza do mundo perceptível pode conduzir a alma humana à fonte de toda beleza
e bondade, pois a regra do jogo consiste em perceber de que modo o inteligível encontra-se
presente, embora dissimulado, na trama sensível. A alma humana pode tentar atingir,
através da luz manifesta, a fonte de toda a luz.
89
Marsilio FICINO. De sole. ed. cit. IX.
90
Id. De Amore. ed. cit. p. 186.
57
O alimento da alma é a verdade e é ela que os olhos procuram alcançar, ainda que
nem sempre estejam conscientes disso. A beleza do corpo é apenas uma sombra em relação
à beleza a ser alcançada pela alma.
Apreender a luz apenas pela visão torna-se perigoso, a partir do momento em que
pode ocasionar esse engano. Um outro modo de ‘olhar’ precisa ser efetuado para que não se
perca com as imagens sensíveis. Essa outra possibilidade de apreensão é interiorizada, pois
se realiza pelo uso da razão e da imaginação.
A seguinte advertência surge, então, no texto ficiniano:
Porque a visão é uma luz relativa aos sentidos, ela só pode receber e
devolver um brilho sensível, você sabe que é uma luz relativa aos
sentidos. Toda progressão torna-se, portanto, impossível
91
.
Assim como Virgílio, após conduzir Dante através de um longo percurso, não pode
acompanhá-lo a partir da entrada no paraíso, do mesmo modo os sentidos corporais, nem
mesmo a visão, possuem a sutileza necessária para o alcance pleno da luz pura. Se na
Divina Comédia, o guia indicado para a continuidade da viagem foi Beatriz, na alma
humana esta atitude ficará a cargo da razão.
De qualquer modo, é importante retomar aqui que a busca inicia-se pelo próprio
corpo e a partir dele é que um novo olhar se lança, almejando perceber no sensível a
presença do inteligível. Ficino proe que saibamos divinizar a natureza, vendo deus em
tudo para que depois sejamos capazes de ver tudo em deus.
Mas se quiser procurar mais pertinentemente a razão da luz, deve buscá-la
na luz de toda rao: é lá que está a razão da luz e de todos os seres, é lá
que descobre, na soberana verdade que é também soberana certeza e
claridade, a verdade e clareza da luz, já que são idênticas a clareza e a
verdade dessa luz que busca
92
.
91
Marsilio FICINO. Quid sit lumen, ed. cit. p. 24.
92
Id. Ib. p. 25.
58
Ficino termina o De Sole, referindo-se à atitude poética com que Sócrates saudava o
Sol diariamente. O êxtase que talão suscitava em Sócrates podia ser atribuído à
inspiração que este recebia desde a juventude por um daimon de Febo, cita Ficino, que, no
entanto, prefere interpretar de outra forma. Para ele, o que Sócrates realmente contemplava
não era o Sol em si, mas o poder divino oculto nele.
De acordo com Platão, na declaração de Ficino, o Sol não é propriamente o Deus,
mas o filho de Deus. Ficino diz ainda que não seria propriamente o primeiro filho, mas um
segundo. O primeiro filho de Deus não é este Sol visível, mas um intelecto superior distante
e, portanto, incorpóreo.
Então Sócrates teria sido despertado por um Sol mais sutil contido no primeiro. O
sol e os outros astros, embora possam ser comparados com naturezas mais sutis, serviriam
apenas para ilustrarem aquilo que nosso intelecto não pode perceber diretamente. Ficino
defende, então, o valor apenas simbólico do Sol na analogia com Deus e afirma:
(...) a origem do universo não pode ser qualquer corpo, alma ou
intelecto, mas algo infinitamente mais alto, do qual realmente o Sol
divino é muito distante, e do qual o Sol parece mais como uma
sombra que uma imagem
93
.
Outra diferença entre Deus e o Sol diz respeito ao movimento. O Sol diariamente se
movimenta nos céus, contrariamente a Deus. Além disso, o poder divino a “toca tudo com
seu poder e não pode ser contido de qualquer forma”
94
, enquanto a ação do sol é
circunscrita por obstáculos. Por último, a onipotência divina também não pode ser
encontrada no Sol.
93
Marsilio FICINO. De Sole. ed. cit. XIII.
94
Id. Ib. ed. cit. XIII.
59
De qualquer forma, não devemos esquecer, assegura Ficino, que todas as coisas,
estejam elas no céu, abaixo ou acima dele, estão todo o tempo em contato com a divindade
e, pela sua própria lei, para ela se voltam. Por essa razão, justifica-se a adoração do Sol,
com o mesmo fervor com que devemos cultuar a divindade que ele simboliza.
Percebendo que seus trabalhos “solares” (Quid sit lumen/De Sole) continham
elementos que pudessem ser considerados heréticos, Ficino escreve a Philippo Valori
95
e
solicita que este o defenda de possíveis acusações. Embora as perseguições não tenham
sido levadas a cabo, através dos escritos de Ficino, de fato, já haviam sido lançadas as
sementes do heliocentrismo.
95
Marsilio FICINO. Letters. ed. Kristeller, The Letters of Marsilio Ficino. Londres: Shepheard-Walwyn,
1975. Carta a Philippo Valori. Disponível também em: <http://bivio.signum.sns.it>. [Difensione sopra il suo
libro del Sole e del lume. In: Le divine lettere del gran Marsilio Ficino. p. 1063]. Acesso em 04/05/2005.
60
2.4. O papel da imaginação na metafísica ficiniana da luz
Sou apenas
um arquiteto de miragens
(MACEDO, Iracema)
Na alma descontraída que medita e que sonha, uma imensidão
parece esperar pelas imagens da imensidão
96
. (BACHELARD)
Marsilio Ficino, ao tratar da contemplação do inteligível a partir da observação do
mundo sensível, atribui à imaginação ou fantasia um papel mediador relevante. Antes,
porém, de destacar a importante influência que isso exerce na produção do conhecimento,
atentemos para o uso dos dois termos: imaginação e fantasia.
Teodoro Katinis, no seu ensaio intitulado O papel da imaginatio-phantasia em
alguns contextos ficinianos
97
observa que uma das grandes dificuldades, ao se abordar o
tema da imaginação, consiste em precisar se o uso das palavras imaginação e fantasia na
filosofia de Marsilio Ficino referem-se à mesma faculdade da alma ou se teriam funções
distintas.
Todavia, se, do ponto de vista lexical, os dois termos apresentam ora coincidência,
ora diferenciação, encontramos entre eles, afirma Katinis, semelhanças no campo
semântico, pois ambos constituem “a necessária mediação entre as dimensões sensível e
intelígivel”
98
.
96
BACHELARD. Poética do espaço. São Paulo: Nova Cultural, 1957. p. 233 (Os Pensadores)
97
Teodoro KATINIS. Il ruolo della imaginatio-phantasia in alcuni contesti ficiniani. In : TOUSSAINT,
Stéphane (org.). Les cahiers de l’humanisme. vol. II. Les Belles Lettres : Tours, 2002. p. 217-223. [« la
necessaria mediazione tra la dimensione sensibile e quella intelligibile »].
98
Id. Ib. p. 217.
61
A partir desta constatação, Katinis segue seu artigo unindo ambos os termos na
expressão imaginatio-phantasia. Embora, nesse trabalho, ora utilizemos um termo ora
outro, adotaremos o mesmo campo semântico.
Robert Klein, em A forma e o inteligível
99
, declara que, se em Platão prevalece a
aproximação entre a faculdade imaginativa e a razão, enquanto para Aristóteles é ressaltado
seu caráter intermediário da imaginação entre razão e sentidos, em Marsilio Ficino, os dois
aspectos não são excludentes, unindo-se em prol de uma definição mais abrangente.
Como vimos, os sentidos, embora muito auxiliem nesse processo, encontram
limitações devido ao caráter imaterial da imagem a ser captada. A alma necessita, então, de
um instrumento mais sutil que lhe permita tal apreeno. As imagens dos corpos exteriores
são percebidas pelo olhar, de onde se origina a fascinão do amor.
Ficino aqui destaca o caráter incorpóreo desta percepção: não vemos propriamente
com os olhos, mas através deles. A luz desempenha aqui uma função essencial, pois
constitui o veículo de acesso entre a imagem imaterial e a sua transmissão à memória. A
esse respeito, indaga Ficino: “Que dizer, pois, da luz?”, respondendo, em seguida: “Essa é
ato ou imagem da inteligência
100
.
Do mesmo modo que a imagem se interpõe entre as sensações e as idéias, assim
também existe entre o corpo e a alma um corpo sutil: o espírito.
Definido por Ficino como “vapor fino e transparente, que o calor do coração tira do
elemento mais puro do sangue”
101
, o espírito funciona como a envoltura da alma. Brilhante
e incorruptível, esse espírito pode ser considerado como um sopro vital ou pneuma e
99
Robert KLEIN. A forma e o inteligível. tradução de Cely Arena.o Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1998.
100
Marsilio FICINO. De Vita. ed. cit. III, 17. p. 329.
101
Id. De Amore, ed. cit. VI, 6. p. 134.
62
aparece sob a denominação de spiritus fantasticus
102
, constituindo-se também uma forma
de luz.
Assim, o espírito é capaz de receber espiritualmente e, portanto, de uma só vez, a
grandeza de um corpo sob a forma de uma imagem. Transparece aqui a influência de
Plotino, quando este afirma, por exemplo, nas Enéadas: assim, quando [a imaginação] vê
coisas sensíveis, adquire a mesma extensão que tem aquilo que ela vê”
103
.
Como nos aponta Robert Klein, em A imaginação como roupagem da alma em
Marsilio Ficino e Giordano Bruno
104
, Ficino, a respeito da substância que compõe o
espírito, adota a teoria do sonho de Sinésio no De insomniis, descrevendo esse espírito
como sutil, brilhante e incorruptível e denominando-o pneuma imaginativo.
O espírito adquire nesta concepção o papel vinculador entre a sombra e a luz. Os
sentidos exteriores captam as impressões do senso comum e as transformam em imagens
que serão, por sua vez, levadas ao intelecto.
No De Amore
105
encontramos uma dedicação especial à função gnosiológica da
imaginação, onde Ficino adota a teoria platônica da anamnese. Tudo o que vemos refletido
no mundosico não passa de simulacro daquilo que possuímos naturalmente nas nossas
inteligências.
Ao observarmos, por exemplo, uma pessoa, a primeira impressão individual que
dela temos é conduzida para uma definição que temos a respeito do homem em geral até
que, ao chegar ao cume do intelecto (mens), seja encontrada a imagem eterna e imutável de
humanidade.
102
No seu artigo Spiritu Peregrino, Robert Klein faz uma exposição interessante a respeito do spiritus. Ver
Robert KLEIN. op. cit. pp. 31-60.
103
PLOTINO. Enneadi. Giuseppe Faggin (org.). Milano: R.C.S. Libri, 2000. IV, 4, 3.
104
Robert KLEIN. op. cit. pp. 61-82.
105
Marsilio FICINO. De Amore, ed. cit. VI, 6, 135.
63
Dessa forma, o espírito, através da imaginação, encaminha ao intelecto a imagem
recebida, que será comparada com a imagem eterna correspondente que já possuímos. Essa
recordação ou anamnese lembrará à alma a sua origem divina.
A alma examina as imagens que se refletem no espírito e, através da razão, é capaz
de julgar os corpos e corrigir os erros dos sentidos. A percepção abandona os sentidos
externos para transformar-se em imagem interior. O que passamos a admirar, a partir de
então, não é mais o objeto real, mas uma idéia que formamos sobre ele, através dos nossos
sentidos internos.
Ficino ressalta que a alma não apenas percebe a imagem, mas, principalmente, a
concebe. Na medida em que se interioriza, a imagem é submetida a um processo
reformador, até que se aproxime do modelo perfeito preexistente:Imediatamente, ela [a
alma] aproxima esta imagem de sua imagem interior, e, se lhe falta algo para exprimir a
figura perfeita do corpo jupiteriano, ela a melhora reformando-a”
106
.
Depois, diz Ficino, o homem “ama esta imagem, reformada como sua própria
obra”
107
. Com isso, o poder criador do homem no processo criativo ocupa uma posição
privilegiada. A beleza exterior, mutilada e dispersa, cede lugar à beleza fabricada pelo
alma.
Quando nos apaixonamos, portanto, estamos, na verdade, apaixonados por uma
imagem da pessoa amada.
Pode ocorrer também, segundo Ficino, que os amantes se tornem, com o tempo e
pela força do pensamento, muito semelhantes entre si, devido a um curioso processo de
reprodução das suas imagens pelo espírito no sangue.
106
Marsilio FICINO. De Amore, ed. cit. VI, 6, p. 134.
107
Id. Ib. p. 134.
64
Essa fusão das imagens encontramos poeticamente em Camões:
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
108
No próximo capítulo nos deteremos um pouco mais sobre o papel da imagem na
relação amorosa, ilustrando como esse espelhamento é tratado na metafísica de Ficino.
O papel da imaginação assim entendido revela que tudo aquilo o que amamos na
verdade é o que imaginamos
existir, ou melhor, fazemos existir devido ao nosso
pensamento. Se Deus criou através do verbo, o homem também cria através do processo
imaginativo que é capaz de produzir.
Notemos aqui que, antes da sua concepção na alma, a imagem ainda não foi
memorizada. Os olhos e o espírito, meros instrumentos da alma, não conseguem reter a
imagem dos objetos com os quais estão em contato.
Sendo a imagem constituída de substância incorpórea, assim que a presença física
dos objetos se extingue, apenas a alma a conserva na memória, devido à substância
incorpórea de que aquela é constituída.
Se as imagens ficarão gravadas na meria do homem e, assim, influenciarão
significativamente a sua vida, Ficino, no De vita coelitus comparanda, do De Vita,
aconselha ao literato escolher as melhores imagens a fim de obter benefícios. O maior
símbolo visível de harmonia, o céu, oferece a figura ideal a ser impressa na memória.
Ficino sugere, inclusive, que se simule no teto do quarto a disposição das estrelas no
céu, para que, após a sua memorização, essa agradável figura mundi acompanhe o homem
sábio em seus afazeres diários.
108
CAES. Épica e lírica. São Paulo: Scipione, 1993. p. 59.
65
Outras comparações importantes também são estabelecidas por Ficino no seu De
Vita. Nele o filósofo compara as pupilas aos corpos celestes, afirmando que os olhos estão
para a alma como os corpos celestes estão para as divindades.
A partir daí estabelece a relação entre os sentimentos da alma expressos no rosto,
sobretudo nos olhos, e a vontade da alma do mundo expressa, por sua vez, no corpo do
mundo.
Além disso, o filósofo atribui à luz que interage com os olhos humanos e com os
astros um poder não apenas metafísico, mas também uma atuação que pode ser percebida
fisicamente:
Diante do riso dos astros, principalmente manifesto por seus raios, tudo o
que está sob o céu e acima da terra sorri; diante das trevas, como diante da
tristeza, tudo se aflige porque estamos acostumados a nos alegrarmos com
os que riem e a nos entristecer com os que choram
109
.
A alma, assim, através da imaginação, pode recriar sua realidade e para isso dise,
como também assinala Pico della Mirandola, do poder de escolha entre sombras ou trevas;
tristeza ou alegria; divinização ou bestialidade.
Se, as haver mergulhado nas sombras, esse ser aspira à superfície iluminada,
Como então ultrapassar a esfera do sensível e atingir a esfera do inteligível? Neste ponto o
papel da imaginação é primordial.
Além da modificação interna das imagens, o poder da imaginação também adquire
aqui a força de influir fisicamente no mundo externo. Exemplo disso é citado por Ficino no
De Vita, onde a força da imaginação lança eflúvios através dos olhos, atingindo o
observador, numa transferência que parte de um espírito a outro.
109
Marsilio FICINO. Quid sit lumen. ed. cit., p. 28.
66
No De Amore, Ficino atribui a seu amigo Guido Cavalcanti uma das mais completas
definições de imagem que encontramos no conjunto de sua obra:
Como um espelho, atingido em certo grau por um raio de sol, resplandece
e inflama, pelo reflexo desse brilho, a lã colocada perto dele, assim, diz
Guido, a parte da alma que ele chama de obscura fantasia e memória,
como um espelho, é atingida pela imagem da beleza que toma o lugar do
sol, como se fosse um raio penetrando pelos olhos
110
.
Percebem-se aqui elementos que traduzem a atuação ao mesmo tempo
transformadora e estética da imagem na alma humana. Espelho, sol, inflamação, brilho,
belezao conceitos que, por amor, vêm modificar o lado obscuro e atico em que se
encontra a alma.
O que caracteriza a essência humana e a diferencia dos outros animais é justamente
o uso da razão. É através dela que a alma adquire consciência da diversificação das
dimensões superiores e inferiores e, com isso, a possibilidade de elevar-se ao divino ou
reduzir-se à bestialidade.
A razão da alma pode constituir-se como unidade conciliadora entre Deus e o
mundo. Todavia, não devemos esquecer que, em Ficino, essa passagem do sensível para o
inteligível deve ter como ponto de partida a própria forma, pois é nela, primeiramente, que
a natureza humana, também composta, se reconhece.
Toda a ação divina apresenta-se através das formas, que por si mesmas são
compostas, múltiplas, simbólicas, mas que ao mesmo tempoo atravessadas pela luz em
sua forma mais intacta ou divina.
Isso é possível porque se o particular está contido no universal, é correto dizer que o
particular também é universal. A imagem faz parte, assim, de um todo que a possui e lhe
fornece significado.
110
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit. VII, I. p. 190.
67
Por esta razão, a insistência de Ficino de que a imaginação constitui um poderoso
instrumento para se alcançar a harmonia. Imitando a ordem celeste, o homem pode espelhar
a ordem na sua vida.
Se o mundo sensível, pela atividade imaginativa, pode ser reflexo da harmonia
celeste, do mesmo modo a harmonia celeste espelha uma harmonia que lhe é superior, a
divina.
Assim, no capítulo IX do De Sole, encontramos o Sol em analogia com a imagem de
Deus. O Sol é aqui considerado o coração do mundo. Por outro lado, Ficino também
estabelece a comparação entre o espírito e o coração humano de onde provém. Ambos
irradiam luzes às regiões que lhe são periféricas, fornecendo-lhes o calor da atividade.
A ação ideal da imaginação é, então, a busca da harmonia psicofísica, afastando os
efeitos de Saturno para atrair os benefícios de Júpiter. Astrologia e mitologia são utilizadas
para as necessárias analogias com o mundo sensível.
A disfunção na produção de imagens pode acarretar, alerta Ficino, para a produção
do humor negro e do vapor seco que afligem a alma, levando o homem à melancolia.
A melancolia causa um desnorteamento da atividade do homem que se sente, então,
imerso na obscuridade. As trevas internas são comparadas por Ficino com o próprio
Inferno.
Robert Klein, inclusive, após discorrer sobre a noção de inferno para Ficino,
assinala: “Se o sujeito das penas é a imaginação, as próprias penas são forçosamente
imaginárias”
111
.
111
O inferno de Ficino. In: Robert KLEIN. op. cit. p. 85.
68
Esse estado tenebroso da alma, no entanto, pode, assegura Ficino, ser revertido
através de uma prática solar e uma das primeiras ações benéficas seria o conhecimento da
própria natureza.
Utilizando ainda a rica correspondência estabelecida na época entre terra e céu, os
astrólogos traçavam as possíveis correspondências entre a imagem da disposição astral no
momento do nascimento e as tendências comportamentais de uma pessoa.
o havia, no entanto, determinismo nessa alise. A liberdade humana na escolha
de tais ou tais influências estava assegurada. O próprio simbolismo dos astros continha em
si dualidades. A ação de Saturno, por exemplo, tanto poderia favorecer a melancolia,
quanto à genialidade, dependendo da direção dada pelo livre-artrio humano.
No catulo VII do De Vita
112
, Ficino discorre acerca das disposições dos sinais e
planetas ao redor do Sol e Lua. Destacaremos aqui apenas algumas considerações
interessantes na simbologia utilizada.
O Sol é considerado o coração do mundo e, portanto, a partir deles é que os outros
astros são considerados. O campo do Sol é tão grande que abrange os planetas que lhe são
vizinhos.
Considerados como autores da vida, o Sol é simbolizado como Rei e a Lua como
Rainha, cada um regendo sua própria província. A província da Lua vai de Câncer a
Aquário, quando o Sol começa a decrescer para o donio da Lua. Câncer é considerado,
assim, o Portal dos Homens.
A partir de Capricórnio inicia-se o Portal dos Deuses que segue pela Província do
Sol até Leão. Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário e Capricórnio estão na posição
112
Marsilio FICINO. De Sole. ed. cit. VII.
69
anterior ou Ocidental em relação ao Sol; enquanto Câncer,meos, Touro, Áries, Peixes e
Aquário encontram-se na posição posterior ou Oriental à Lua.
Há planetas harmoniosos com o Sol e com a Lua, como Júpiter enus. Júpiter
sobretudo com o Sol e Vênus com a Lua. Júpiter, com sua habilidade de misturar Sol e Lua,
une ambos os poderes. Porém Saturno e Marte representam o oposto, desde que eles
discordam com o Sol e com a Lua. Saturno mais com o Sol, e Marte mais com a Lua.
A relação de harmonia ou de discordância dos astros com o sol é definida em termos
astrológicos de trino, sextil ou quadratura, que não nos cabe adentrar aqui. Porém, é
importante assinalar que Saturno, por discordar acentuadamente com o Sol, é considerado o
mais infeliz e o mais mafico, embora não de forma absoluta.
Elaboramos a seguir um pequeno esquema, meramente ilustrativo, para expor a
interessante relação dos planetas com os signos, além dos domínios do Sol e da Lua, na
visão de Marsilio Ficino.
Leão Virgem
Libra Escorpião Sagitário Capricórnio
Portal dos deuses
Sol/Rei
Lua/Rainha
Mercúrio
Vênus Marte Júpiter Saturno
Câncer
Portal dos homens
Gêmeos
Touro
Áries
Peixes
Aquário
Província do Sol
Pro
íncia da Lua
70
O próprio Ficino reconhecia oscilar entre as ações benéfica e maléfica de Saturno. A
melancolia o afligiu em muitos momentos, mas a busca do remédio para si e para os outros
tomava relencia nas suas obras.
Numa carta sua a Martino Urânio, em 29 de agosto de 1489, Ficino descreve
algumas disposições dos astros no momento de sua natividade. Após mencionar data e hora
de seu nascimento: 19 de outubro de 1433, às 21 h.
113
, Ficino faz referência à: proximidade
de Aquário do seu ascendente Peixes; presença de Saturno e de Marte em Aquário; posição
de Câncer na XII casa; Mercúrio na nona casa; Lua em Capricórnio; Júpiter em Leão, na
sétima casa; Virgem e Vênus na mesma posição; a Sorte em Áries.
114
Em outras cartas,
Ficino reclamou sua má-sorte, devida à poderosa influência de Saturno. Segue abaixo, à
esquerda, um modelo de mapa natal na época de Ficino. Ao lado, um mapa astral
contemporâneo, construído com base nas informações sobre data e horário de nascimento
de Ficino:
113
Na fonte que nos forneceu o mapa astral atual (www.ficino.it) o horio do nascimento de Ficino consta
diverso: 13:40 h.
114
Marsilio FICINO. De sole. ed. cit. p. 946 [II, 135v]. [E penso io che allhora era quasi asceso mezzo
Aquario insieme con Pesci, e che Saturno in Aquario allhora l'angolo d'Oriente tenesse, Marte fusse nel
medesimo luogo, che'l Cancro tenesse la XII casa, che il Sole fusse in Scorpione, e Mercurio ne la nona casa,
la Luna in Capricorno, Giove in Leone ne la settima, e che in Vergine in quel medesimo luogo fusse Venere, e
che la fortuna finalmente fusse in Ariete. Havete hora la mia natività p. 945 [II, 135r] nel modo che è stata, e'l
nato è vostro nel modo che l'è. E benché la mia fortuna sempre piccola, et una perpetua mia debolezza sempre
a lo scrivere e mandar fuore libri si sia opposta, nondimeno io non pe dal mio officio mi sono allontanato, et
hora in questo ottavo settennario de la mia età voi d'una nova opera m'havete dato cagione].
71
Modelo de mapa natal na época do Renascimento Versão atual do mapa astral de Ficino
115
A Astrologia representa, portanto, para a época renascentista, uma das facetas do
espelhamento entre a imagem do microcosmo e do macrocosmo.
Aqui novamente destaca-se o valor do intermediário. Entre as sensações e as idéias,
entre o corpo e a alma, há um elo. A aliança que se expressa nessa intersecção reforça o
valor do movimento de um esgio a outro.
A imaginação, compreendida nesse contexto, constitui a roupagem da alma, assim
como a imagem aparece como envoltório do pensamento, como afirma Robert Klein
116
. A
situação desses veículos assemelha-se à da própria alma pela articulação especular entre
sensível e inteligível de que também participam.
As partes do grande todo não estão destacadas entre si, pois há um movimento
smico que as vincula num constante processo de troca. Entre a sombra e a claridade, o
115
Observa-se nessa versão, disponível em <www.ficino.it> a presença de novos planetas não revelados ainda
no Renascimento. Acesso em 06/05/2005.
116
Robert KLEIN. op. cit. p. 77.
72
valor do caminho a percorrer. Como afirma Ficino: “o mundo é um animal tão unitário em
si quanto qualquer outro animal”
117
.
Pode-se perceber novamente aqui a importância que Ficino atribui à
correspondência entre a alma do mundo e a alma individual. Microcosmo como espelho
que reflete o mundo que o abriga numa estética articulação.
E em meio a tudo isso, o homem. Recorrendo a uma bela imagem contida no
prefácio do Quid sit lumen, o homem, ser intermediário, pode fruir do privilégio de, numa
simples poça d’água, ver refletido o céu.
A vasta iconografia do Renascimento serve igualmente para demonstrar a
repercussão do valor da imagem na produção artística como um todo. Os limites entre
pintura, literatura e filosofia são atenuados em virtude da comum busca da imagem,
inatingível, todavia, em sua totalidade. Qualquer tentativa de apreensão resulta sempre
parcial, sombra de outra realidade.
Interessante notar como Ficino valoriza esse “estar-a-caminho”, que não abdica da
presença corpórea no mundo para alcançar a Unidade perdida, mas que justamente
aproveita o que esse processo de conhecimento oferece em riqueza e dinamicidade.
117
Marsilio FICINO. De Vita. ed. cit. III, 2, p. 215.
73
2.5. De Amore e De Vita: o poder da luz
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
(Vinicius de MORAES e Toquinho)
Para que tenhamos a dimensão do que o amor representa para Ficino, iniciemos este
capítulo, com a seguinte descrição feita por ele no De Amore: “o amor acompanha o caos,
precede o mundo, desperta o que dorme, ilumina o que é obscuro, ressuscita o que está
morto, forma o que é informe e aperfeiçoa o que é imperfeito
118
.
Uma definição com tamanha grandeza atribui ao amor o poder de animar (dar alma)
a tudo. Tudo, para Ficino, move-se por amor: no mundo senvel, desde as excelsas estrelas
até o mais ínfimo ser. E esse amor já é apenas reflexo de um amor que provém do
inteligível.
Foi através desse sentimento que o caos transfigurou-se em forma, segundo a
descrição poética dos antigos
119
. Ficino, aliás, defende a existência de três caos e três
mundos: Inteligência angélica, alma do mundo e corpo do mundo. Para que possa existir a
conversão em mundo é necessário o amor. O amor é o responsável pelo inndio do apetite
que traz à luz novos mundos, envolvendo-os na beleza.
Numa de suas dedicatórias a Giovanni Cavalcanti, Ficino relata que, segundo Orfeu,
o amor possui as chaves do Universo. Sem a sua presença, então, o caos não poderia ser
ordenado, sendo impossível a travessia da ponte que interliga o informe ao belo.
118
Marsilio FICINO. De Amore, ed. cit. I, III.
119
Ficino cita Hermes Trismegistos, Hesíodo, Pigoras e Platão.
74
A relação amorosa entre Deus e Natureza havia sido assim descrita no Corpus
Hermeticum:
Então o Homem, que tinha pleno poder sobre o mundo dos seres mortais e
animais sem razão, laou-se através da armadura das esferas e cortando
seu envoltório fez mostrar à Natureza de baixo a bela forma de Deus.
Quando ela o viu, ele que possuía em si a beleza insuperável e toda a
energia dos Governadores aliada à forma de Deus, a Natureza sorriu de
amor, pois tinha visto os traços desta forma maravilhosamente bela do
Homem se refletir na água e sua sombra sobre a terra. Tendo ele
percebido esta forma semelhante a ele presente na Natureza, refletida na
água, amou-a e quis aí habitar. Assim que o quis, foi feito e veio habitar a
forma sem razão. Então a Natureza, tendo recebido nela seu amado,
enlaçou-o totalmente e eles se uniram, pois queimavam de amor
120
.
Nesse texto já encontramos indícios do que alcançará enorme relevo na metasica
de Ficino: a presença da reciprocidade entre os desejos humano e divino.
Ficino também resume a sua definição do amor, declarando-o como desejo de
Beleza. Notemos aqui uma rica duplicidade de sentido, como nos aponta Monalisa Carrilho
de Macedo
121
: podemos interpretar aqui a Beleza, simultaneamente, como sujeito e objeto;
tanto o desejo rumo à Beleza, quanto o que dela procede.
Foi por amor, relata Ficino, que Deus criou a alma humana, imprimindo-lhe duas
luzes. Num primeiro momento, a luz recebida adaptou-se à condição humana; porém, para
que a alma não esquecesse sua origem divina, uma segunda faísca penetrou-a, tornando-a
apta à elevação.
A partir de então, a alma possui duas luzes, uma natural ou inata, outra divina ou
infusa. A luz natural permite-lhe cumprir sua função de ordenadora da terra. A alma, assim,
120
Hermes TRISMEGISTOS. Corpus Hermeticum. Poimandres, I, 14. tradução de Márcio Pugliesi e
Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 1986.
121
A profa. Dra. Monalisa Carrilho de Macedo, autora de Les fureurs à la renaissance. Paris: L’Harmattan,
2007, alerta, em suas aulas, para tal duplicidade de sentido, que muito elucida a ação recíproca do amor
ficiniano.
75
possui as faculdades de engendrar, mover e sentir. A posse de ambas as luzes a tornam
inteira.
No entanto, a consciência de seu poder sobre a terra é tão proeminente que a alma
negligencia a outra luz, sentindo-se um próprio deus. Esse orgulho a faz esquecer da sua
real divindade e, citando o mito platônico do andrógino, através do discurso de Aristófanes,
Ficino declara que, por esta razão, a alma foi cortada ao meio. Daí decorre sua busca pela
parte antes negligenciada, sua outra metade.
Deus teria destinado a alma a esta procura, ao infundir-lhe a luz divina. Procurar o
divino torna-se, então, procurar pela outra metade de si mesmo. Essa noção da falta só é
possível porque Deus, todo ele razão, dotou de razão também a alma. A inteligência
humana é um instrumento de suma importância nessa busca.
Essas duas luzes relacionam-se com as duas Vênus do discurso de Pausânias que,
no De Amore, é relatado por Giovanni Cavalcanti.
Temos, assim, uma Vênus celeste e uma Vênus vulgar, cada uma associada ao amor
que lhe é correspondente e exprimindo seu desejo conforme a natureza de sua luz.
Urânia é a Vênus celeste que, por não estar relacionada a nenhuma materialidade,
não possui mãe. Essa Vênus participa da Inteligência Angélica e sua função é contemplar e
compreender as coisas divinas.
Tal beleza divina concentra em si mesma a luz que irá transmitir à Vênus vulgar.
Urânia corresponde, então, ao amor celeste que convence seu Eros a lançar suas flechas de
luz rumo à alma do mundo.
Pandêmia é a Vênus vulgar. Essa nus situa-se na Alma do Mundo e é filha de
Júpiter e de Dione. Sua função é engendrar a beleza nos corpos. Através de Panmia, o
76
outro Eros, ou amor vulgar, lança também suas flechas, garantindo o dever da geração,
através do amor carnal.
Vale atentar aqui que Ficino, ao admitir a diferença entre as duas Vênus, não
despreza nenhuma, pois ambas possuem um papel importante a cumprir na recuperação da
inteireza da alma humana, seja a contemplação, seja o engendramento da matéria.
A cada uma dessas Vênus está associada uma manifestação de Eros, entendido aqui,
pela sua natureza intermediária, como demônio. Assim, há um Eros na Vênus celeste e um
Eros na Vênus vulgar.
De qualquer forma, o amor vulgar é a preparação para o amor divino, sendo ambos
os tipos “honestos e louváveis, já que tanto um quanto o outro nascem da imagem
divina”
122
.
Plotino também havia diferenciado duas Vênus e dois Eros, com considerações
semelhantes às de Ficino. Plotino atribuía ao termo eros a origem orasis (visão)
123
,
tornando mais estreita a ligação entre amor e luz.
A vio também exerce um papel fundamental na doutrina do amor ficiniana.
Considerando os olhos a origem da fascinação do amor, Ficino atribui ao espírito o
responsável pela transferência de luz do olhar do amante ao olhar do amado.
O espírito também aqui exerce uma função importante. Faíscas desse elemento sutil,
situado entre a alma e o corpo, saem do coração do amante e ultrapassam os olhos do
amado, atingindo-lhe o espírito.
Nesse processo, o papel da imagem é fundamental porque é através dela que a alma
se sente convocada à dialética do amor. É o que notamos no trecho a seguir:
122
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit. II, 7. p. 40.
123
PLOTINO. Enneadi. ed. cit. . III, 3 [50]
77
Aprecio o teu caráter no meu e me amo em ti. Faço teu elogio na arte e
avalio a arte em ti. Honro-te na natureza e me maravilho da natureza em
ti. Rendo-te graças através de Deus e rendo graças a Deus através de ti.
124
Eugênio Garin
125
relacionou a dolorosa consciência de uma carência, própria da
natureza humana, e a angustiante procura pelo outro que o preencha e que, ao mesmo
tempo, o revele, presente na filosofia de Ficino.
A relação amorosa entre os planos sensível e inteligível se expressa através da sua
mútua atração e espelhamento, diminuindo as fronteiras entre eles e evidenciando a visão
totalizadora de Ficino.
Tal idéia de reciprocidade do sentimento amoroso percorre todo o texto ficiniano e
revela o constante processo dialético estabelecido entre o sujeito e o objeto do amor. No
amor vulgar isso se reflete na perda de si mesmo para achar-se num outro. Como nas letras
da seguinte canção: “quando eu te vejo, eu desejo o teu desejo” (Caetano VELOSO).
Ao lançar seu espírito na alma do amado, o amante provoca a própria morte,
correndo o risco de não ter de volta nenhum esrito, caso não seja correspondido em seus
sentimentos.
O amor, portanto, leva ao desabrigo do próprio ‘lar’ e à insegurança do retorno.
Caso o amado não possa compartilhar essa mudança, o amante perde a posse de si mesmo e
sofre a morte em vida. Ficino declara que, agindo deste modo, o amado torna-se culpado de
homicídio e mereceria punição pela sua indiferença.
Caso contrário, se o amado, igualmente amante, envia também para o outro o seu
espírito, ambos renascem após os seus temporáriosesvaziamentos. De uma vida, os
amantes passam agora à posse de duas.
124
Marsilio FICINO. Letters. ed. cit. vol. 1, Carta 29. pp. 70-71.
125
Eugenio GARIN. Ermetismo del rinascimento. Rome: Riuniti, 1988.
78
Se, no amor vulgar, o amante morre para renascer no amado, como esse processo
ocorre no amor celeste? Retomando a tese de que o amor vulgar constitui apenas uma
preparação para o amor divino, se o sentimento amoroso restringir-se ao mundo sensível,
permanecerá acompanhado de certa nostalgia.
De natureza insaciável, o desejo encobre uma outra busca muito mais profunda que
os amantes estão empreendendo. De modo consciente ou não, esse amor denuncia, assim,
que o que se procura verdadeiramente não é apenas o outro, mas o resplendor divino nele
infuso.
Percebe-se, então, um triângulo amoroso que envolve os dois amantes e Deus. A
beleza visual do outro é honesta e importante, pois provoca em nós o empenho para se
alcançar a beleza espiritual ou divina.
Desde que a alma se afastou da divindade, é o seu regresso que a alma deseja
alcançar. O vôo almejado pela alma, no entanto, é precedido pela confecção das próprias
asas. Numa carta dirigida a Pellegrino Aglio, Ficino atribui a cada uma dessas asas duas
virtudes: a conduta moral ou justiça e a contemplação ou sabedoria.
No amor divino, o contemplador também morre para renascer em Deus. A
reciprocidade desse desejo não deve ser esquecida. O ser que deseja a beleza se sente
também por ela desejado.
É através do próprio poder e vontade que o homem e Deus conseguem manter essa
dialética. Deus clama a alma para si, assim como os anéis no Íon de Platão são atraídos pela
pedra magnética
126
. A razão humana, por sua vez, reclama seu criador e entrega-se
voluntariamente a ele.
126
PLATON. Obras completas de Platon: Banquete/Íon. tradução de Juan David Gara Barca. México:
Universidad Nacional Autònoma de México, 1944. 534a. p. 8.
79
O papel do desejo é manter-se enquanto desejo, pois ao saciarmos esse sentimento,
já não mais o possuímos. A posse anula o desejo e está muito longe de ser alcançada na
dialética que o macrocosmo estabelece com o microcosmo.
É o amor camoniano da prisão e da servidão voluntárias. A beleza inflama o amor,
enleva e proporciona prazer à alma. A razão do homem, no entanto, reaproxima-se do seu
criador e recobra a consciência da luz natural que nela vive.
O amor é o élan universal que proporciona a interseção entre a luz natural humana e
a luz divina. Deus e a criatura oscilam entre os papéis de amante e amado. A razão da alma
é, em essência, a luz simples e desprovida de matéria e, por isso, é capaz de despertar e
procurar a fonte de toda razão na pura bondade de seu criador.
Que espanto, todavia, a alma exprime quando, de asas prontas para retornar às
origens, descobre que foi, na verdade, raptada por aquilo que desejou. Descobre que o
objeto de seu amor também veio ao seu encontro.
Aos vinte e quatro anos, Ficino escreve uma carta a Peregrino Aglio, que se
transforma numa das suas mais belas sínteses sobre a teoria dos furores. Nela Ficino
declara: “A alma queima com essa lembrança [da origem] e abrindo suas asas ela se purga,
por graus, do contato do corpo e de suas impurezas e torna-se toda possuída pelo furor
divino”
127
.
O furor divino é um tema recorrente na obra de Ficino e constitdo de quatro
formas de manifestação: amor, poesia, mistérios e profecia. No caso da música, levamos
127
Marsilio FICINO. Letters. ed. cit. De divino furor. Carta a Pellegrino Aglio. Disponível também em:
<http://bivio.signum.sns.it>. [Si disputa del furore divino. In: .Le divine lettere del gran Marsilio Ficino. p.
39.]. Acesso em 04/05/2005.
80
em consideração o furor poético, presidido pelas musas, cujo nome já sugere essa ligação e
que aparecem definidas, na mesma carta citada acima, como músicas das esferas.
Esse furor é comparado por Ficino a uma possessão: um estado de torpor que o
artista sente ao realizar a sua obra, inspirado pela divindade, a ponto de estranhar a própria
autoria depois de a haver concluído.
A ascensão a que se refere Ficino diz respeito a uma experiência interior e estética.
O espírito (mens) contempla a beleza exterior e sente-se impelido a reconhecer nela o
próprio caminho que o conduzirá de volta à beleza interior, reflexo da Beleza em si.
Esse processo em Ficino corresponde ao furor divino que “eleva o homem acima da
sua natureza e o converte em Deus”
128
processo de apreensão do conhecimento divino e ele
o divide em etapas ou furores divinos, como já havia feito Platão no Fedro
129
.
Cada furor é representado por uma divindade e o seu conjunto constitui um percurso
possível para a alma reencontrar a si mesmo e a Unidade: furor amoroso de Vênus, furor
poético das musas, furor profético de Apolo e furor místico de Dioniso.
Ficino atribui a tais furores uma hierarquização que, no entanto, não segue a uma
ordem rígida. No De Amore, por exemplo, temos Poesia-Mistérios-Profecia-Amor; na carta
a Peregrino Aglio: Amor-Poesia-Mistérios-Profecia.
Seguem-se outras variações nos graus, dependendo da obra a ser considerada. No
entanto, percebemos que, nessa escala dos furores, o Amor aparece sempre como ponto de
partida ou de chegada. Impulso que nos conduz no início da jornada ou cume alcançado
para o encontro com a Unidade.
128
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit. VII, 13. p. 219.
129
PLATON. Oeuvres completes: Phèdre. Tome IV – 3ª partie. tradução deon Robin. Paris : Les Belles
Lettres. 1954. 244b-245c. p. 31.
81
Se os furoreso divinos, no entanto, o contexto que os envolve é humano, terreno.
A luz do inteligível descendo ao sensível para inflamá-lo e favorecer o encontro da Beleza
com o seu reflexo. Aqui cada um dos furores possui uma função distinta, embora
correlacionada:
O primeiro furor [poético] tempera os desacordos e as dissonâncias. O
segundo [místico] coloca as partes equilibradas na unidade de um todo. O
terceiro [protico] coloca o todo acima das partes e o quarto [amoroso] o
leva à Unidade que está acima da essência e do todo
130
.
O caminho rumo à luz original pressupõe um labor, um esforço, da alma humana no
ato de recobrar as asas perdidas. Como no mito planico do Fedro
131
, a alma deseja elevar-
se às regiões superiores, mas para isso precisa dominar os corcéis que conduzem sua
carruagem.
Aqui também Ficino adota a interpretação platônica, em que o cocheiro representa a
inteligência na alma humana; o bom cavalo, a razão e a opinião que discute as coisas
naturais; o mau cavalo, a imaginação confusa e o apetite dos sentidos. A natureza inteira da
alma é o conjunto da carruagem, que se extasia diante da visão da beleza.
A cada furor, alerta Ficino, corresponde um potencial negativo, ou falsificações dos
verdadeiros furores, que, do mesmo modo como o mau corcel, pode desviar a alma de sua
rota. O furor poético é ameaçado pela música vulgar; o místico, pela vã superstição; o
profético, pelas falsas conjecturas; o amoroso, pela violência da paixão.
A boa direção dos furores conduz a alma à contemplação da visão da Beleza, pura
luz, enquanto o donio das forças contrárias leva a carruagem platônica ao seu destino.
130
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit. VII, 14. p. 223.
131
PLATON. Oeuvres completes: Phèdre. ed. cit.
82
Os furores divinos permitem a subida por degraus de luz, seguindo-se do corpo à
alma, da alma ao anjo e do anjo a Deus, num desejo que contagia cada círculo
correspondente. A luz invade as sombras e une o mundo à alma e a alma a Deus.
É importante transcrever aqui a passagem do Íon, em que Platão compara o
processo de inspiração divina ao contágio magnético entre anéis:
Esse talento, que tens, de falar bem sobre Homero,o é em ti um
efeito da arte, como antes dizia, senão que é não sei que virtude
divina que te transporta, virtude semelhante à pedra que Eurípides
denominou magnética, e que os demais chamam pedra de Heráclea.
Esta pedra,o só atrai os ais de ferro, seo que lhes comunica a
virtude de produzir o mesmo efeito e atrair outros anéis, de sorte que
se vê algumas vezes uma larga cadeia de anéis suspensos uns aos
outros, e todos estes anéis extraem sua virtude desta pedra. De igual
forma, a musa inspira aos poetas, estes comunicam a outros seu
entusiasmo, e se forma uma cadeia de inspirados
132
.
A partir dessa imagem podemos comparar a luz a esse magnetismo que atravessa os
furores, degrau por degrau, inflamando de amor a alma humana. Uma vez tocada e, na
verdade, correspondida, a alma inverte o movimento dessa luz, e numa espiral ascendente
retorna ao divino. Assim como o magnetismo que atravessa os anéis é o mesmo desde a
fonte, a luz é a mesma em natureza, seja na sua origem ou na sua emanação.
No De Amore, Ficino elege como mais poderoso furor o amoroso,o mais eminente
porque os outros se referem a ele como seu fim. Ora, é ele quem nos une mais estreitamente
a Deus
133
”.
Porém, em outros momentos, Ficino reconhece igualmente o poder que o furor
poético exerce na divinização da alma humana. Retomando aqui que, para Ficino, os
sentidos espirituais são a visão e a audição, sendo a visão a porta de entrada do amor.
132
PLATON. Obras completas de Platon: Banquete/Íon. ed. cit. 534a. p. 8.
133
Marsilio FICINO. De Amore. ed. cit. VII, XV, p. 225.
83
Janelas da alma, segundo a própria definição de Ficino, os olhos possuem uma inegável
importância na apreensão da imagem pelos sentidos, aspecto já discutido neste trabalho.
Verifiquemos agora, então, qual a importância da audição na metafísica ficiniana. A
luz que a tudo envolve contém em si uma melodia que, se captada pela alma humana, pode
ajudá-la na captação da beleza.
A harmonia sonora convoca a alma humana para a contemplação de uma harmonia
macrocósmica. Imerso no movimento, o som afeta mais fortemente o espírito do que a
vista e possui a colaboração do meio do qual se serve: o ar. Liame entre corpo e alma, o ar é
o meio universal que, com seu movimento esférico, purifica e desperta o espírito aéreo.
O ar é, inclusive, considerado um ser vivente e tudo o que o faz vibrar produz, com
o seu movimento esférico, um som, perceptível ou não aos nossos sentidos. Além disso, o
poder do ar intensifica-se ao se adicionar a essa vibração uma intencionalidade, capaz de
afetar diretamente os humores.
Ar e espírito encontram aqui, então, uma relação de afinidade, tanto pela posição
intermediária em que se situam, quanto pelo movimento circular que ambos descrevem. Na
Carta a Canisiano
134
, Ficino cita exemplos de como a música pode afetar humores diversos
e até opostos numa mesma pessoa, dependendo da intenção do músico.
Nesta carta, ele explica a relação que estabelece entre a música e a Medicina,
declarando que ambas as artes caminham juntas e por isso o seu afinco em evidenciar o elo
que as mantém unidas, ainda que, em relação à constituição de ambas, o filósofo declare,
no De Vita, ser a matéria da sica mais rarefeita.
Ficino assim descreve os efeitos do som musical, no Comentário ao Timeu:
134
Marsilio FICINO. Carta a Canisiano. In: Sobre el furor divino y otros textos. Barcelona: Anthropos,
1993. Disponível também em <http://homepage.mac.com/eeskenazi/marsilioficino.html> (Centro Enrique
Eskenazi).
84
Pela emão, ele afeta os sentidos e a alma ao mesmo tempo; pela sua
significação ele age sobre o intelecto; enfim, pelo movimento mesmo do
ar sutil, ele penetra profundamente (...) pela conformidade de sua
qualidade ele nos inunda de um prazer maravilhoso; pela sua natureza, ele
apreende e reivindica como seu o homem na sua integridade
135
.
Para exemplificar literariamente a dimensão desse poder, Ficino cita no De Vita o
caso bíblico de David que, com o som do seu instrumento musical, foi capaz de apaziguar
os efeitos que seriam provocados pelo esrito maligno que atingira Saul.
Assim como o canto, as palavras em si também são dotadas de uma força
avassaladora, principalmente quando, ressalta o filósofo, são compostas de modo adequado
e oportuno. Dessa forma, o orador ou cantor pode exercer sobre seu auditório um poder
similar ao do canto.
Partindo desde a dança do corpo até a contemplação da música pela alma, ainda
nessa mesma carta, Ficino classifica a música proveniente da palavra como terceira música,
seguida da segunda música, presente na fantasia, e, numa condição mais sutil, a primeira
música, encontrada na razão.
A música, na verdade, juntamente com a concordância, está presente tanto na alma
quanto nos corpos do mundo e dos animais. Tal presença garante, assim, o intercâmbio
entre os corpos celestes e o mundo sublunar.
Se, nesse contexto, os astros executam um admirável balé na órbita celeste, não o
fazem sem influenciarem os seres que com eles se relacionam. Se, diante disso, o mundo
sensível espelha esse movimento é porque, ao imitá-lo, consegue recriar numa pia menos
sutil, mas também válida, da beleza que contempla.
135
Marsilio FICINO apud D.P.WALKER. La magie spirituelle et angélique de Ficin à Campanella. Paris:
Albin Michel, 1988 (1958). p. 23.
85
Recorda que o canto é o modo imitativo mais eficaz de todos: esse
imita, de fato, a intenção e o afeto da alma, imita a palavra, reproduz
gestos e movimentos do corpo, ações e costumes dos homens, e todas
essas coisas imita e reproduz com foa avassaladora, que estimula
imediatamente a imitá-la e reproduzi-la seja o próprio cantor seja os
seus ouvintes. Com a mesma eficácia, quando imita as coisas dou,
de uma parte provoca o nosso espírito em direção ao influxo celeste,
de outra, admiravelmente traz ao nosso espírito aquele influxo
136
.
Mais uma vez aqui, então, são ressaltados pelo menos três aspectos que se repetem
no texto ficiniano: o processo imitativo da natureza, a influência recíproca entre quem age e
quem recebe os afetos e o mesmo espelhamento num plano mais abrangente.
Numa outra carta, dirigida a Domenico Beniveni
137
, sobre o princípio da música,
Ficino nos diz que esta é, em termos platônicos, a consonância da alma e que se faz sentir
mais forte, mediante haja consonância igualmente na alma do artista que a celebra. A alma
e o corpo do mundo e de todos os outros animais são compostos de música e concordância.
Diz ainda que as causas dessa consonância podem ser de três ordens: física,
decorrente da relão prazerosa entre o objeto e o espírito; comum, resultante do desejo de
retorno, dificultado pela grande diferença entre a Unidade e a Multiplicidade; astromica,
quando leva em consideração os signos zodiacais e os aspectos benéficos e de oposição
entre os astros.
Dois tipos de música, já apontados por Platão, são recolocados por Ficino, na
mesma carta, através da representação de duas musas: Urânia e Polimnia. As musas, de um
modo geral, declara Ficino, são as guias da música e inspiradoras dos poetas, além da prova
de que a força divina em nós habita.
136
Marsilio FICINO. De Vita. ed. cit. III, 21. pp.370-371.
137
Id. Letters. ed. cit. Carta a Domenico Beniveni. Disponível também em:
<http://users.unimi.it/~gpiana/dm6.fcnmf.htm>. [Lettera a Domenico Beniveni sui principi della musica.
tradução de Andréa Melis]. Acesso em 08/09/2005.
86
A audição gera um grandioso prazer porque, atingindo o espírito, opera na
imaginação, até chegar ao intelecto e à memória, reativando, platonicamente, ecos da
lembrança de um momento já vivenciado e temporariamente esquecido na contemplação da
Beleza.
Utilizando o mesmo esquema de Marziano Capella, Ficino atribui, a cada um dos
sete planetas, além do céu e da terra, uma musa que lhe corresponde: Urânia, em relação ao
Céu; Polimnia a Saturno; Euterpe a Júpiter; Érato a Marte; Melpomente ao Sol; Tersícore à
Vênus; Calíope a Mercúrio; Clio à Lua e Tália à Terra.
Dessas, duas musas relacionam-se de modo mais estrito aos dois tipos de música:
Urânia, que preside a música celeste, de som grave e constante e com propriedades
terapêuticas e Polimnia, que representa a música vulgar, branda e lasciva.
A primeira imita a harmonia celeste com mais apuro e significação nos versos,
medidas e compassos que utiliza. A outra também, de forma mais precária, procura imitar a
música celeste, dispondo das vozes e dos instrumentos.
Assim como no De Amore, Ficino reconhece o valor das duas Vênus, ou formas de
manifestação do amor, na Carta a Beniveni
138
, ele considera um músico melhor aquele que
consegue reunir na sua música Urânia e Polimnia.
Ficino também atribui a medicina a Júpiter e a música a Mercúrio e Vênus,
constatando como seria ideal a reunião das duas artes em um único homem, mesmo
ressaltando uma diferença entre suas matérias, sendo a música espiritual e a medicina mais
relativa ao corpo.
138
Id. Letters. op. cit. Disponível também em: <http://users.unimi.it/~gpiana/dm6.fcnmf.htm>. [Lettera a
Domenico Beniveni sui principi della musica. tradução de Andréa Melis]. Acesso em 08/09/2005.
87
Ainda em relação aos sete planetas ou sete graus que atraem para as coisas
superiores, partindo desde as pedras e metais até a inteligência quase unida ao divino, no
De Vita a palavra e a música ocupam o lugar central, representado pelo Sol ou Apolo.
Nessa posição mediana, Ficino inclui tanto a música quanto a medicina, uma vez mais
evidenciando os laços que as unem.
Pairando acima dos planetas, está o céu, considerado como o espírito que cria a
ordem universal com seu movimento e sua música. Partindo dele suas emanações podem
ser sentidas por aqueles que com eles estão em sintonia, de tal forma que esse fluxo possui
mão-dupla, retornando constantemente à própria fonte.
Para que o canto adapte-se às estrelas, no entanto, Ficino recomenda três regras:
identificar a energia e o efeito relacionado a cada uma das estrelas, verificar que lugar e
pessoa ocupa cada uma e, por fim, investigar quais ações os homens utilizam para imitar as
coisas celestes e, com isto, capturar os efeitos do céu.
Assim como o canto harmonioso e os astros entram em correspondência, também
entre os pensamentos e sentimentos do músico e sua platéia pode ser estabelecida uma
vibração contagiante que, a exemplo dos anéis de ferro, já mencionados aqui, sofrem uma
reação em cadeia, através do magnetismo, atraindo-se e unindo-se uns aos outros.
A relação de simpatia transparece até mesmo nos números que os músicos
investigam, revelando em suas combinações afinidades e discordâncias. Ficino cita, por
exemplo, na Carta a Domenico Beniveni
139
, a afinidade entre os números 1 e 2 e entre os
meros 7 e 8.
139
Id. Letters. op. cit. Carta a Domenico Beniveni. Disponível também em:
<http://users.unimi.it/~gpiana/dm6.fcnmf.htm>. [Lettera a Domenico Beniveni sui principi della musica.
tradução de Andréa Melis]. Acesso em 08/09/2005.
88
Ficino, ao comentar o princípio da música, refere-se às proporções dupla,
sesquialtera, sequiquarta, sesquiterza e semitom, demonstrando como tais proporções se
alternam entre consonância e dissonância, num processo dinâmico eclico, dando origem
a um aspecto ovoidal, estrutura originária por excelência e que, ao mesmo tempo revela
também um espelhamento entre os planos espiritual e material.
Ainda na mesma carta, é interessante notar também algumas associações entre os
intervalos e a simbologia. O intervalo de terza, por exemplo, Ficino atribui a Eros e à
beleza sensual, enquanto o intervalo de oitava representa a reintegração ao princípio que a
alma havia se afastado.
A harmonia dos contrários, referente às composições harmoniosas e suaves que
resultam de sons anteriormente discordantes, é retratada por Ficino na afirmação de que
vozes agudas e graves podem dar origem a composições harmoniosas e suaves.
Como o corpo celeste é composto harmonicamente e reflete em seu movimento essa
situação, o homem que quiser se adequar a esta harmonia terá de adequar-se, fazendo-se
também harnico.
Os espíritos de natureza solar, que possuem maior controle do espírito vital do
coração,o os que melhor capturam os efeitos do céu. Ficino apresenta no De Vita sete
graus de captura da harmonia, que abrangem imaginação harmônica, medicina temperada,
vapores e odores, canto e som musical, criação de imaginação e movimento a ela
relacionada, adequado procedimento discursivo da razão e a serena contemplação da mente.
Nas suas tentativas de imitar a harmonia cósmica, os seres precisam fazer-se
solares. Para afastar a influência de Saturno, Ficino aconselha a buscar Júpiter ou fazer-se
solar.
89
Quando temeres Saturno, busca Júpiter. E faze-o na medida de tuas
forças, de maneira a te colocares num movimento incessante, sobretudo
evitando a inércia, para opor o teu movimento aos movimentos externos
que te possam ser secretamente nocivos, e de modo a imitar, tanto
quando puderes, a atividade do céu. (...)
E se, em teus movimentos, puderes cobrir espaços mais amplos, tanto
mais perfeita será tua imitação do céu e poderás adquirir mais a energia
dos corpos celestes distribuída aqui ou ali
140
.
Decorre, então, que o movimento é um modo imitativo necessário para fazer-se em
conformidade com a harmonia dos corpos celestes, em que o canto ocupa lugar especial,
como já foi apresentado aqui. A esse respeito, já havia proferido Plotino:
Nunca o olho ve o sol
se não se der antes uma natureza solar;
e nunca a alma verá o Belo
se não se tornar Bela antes.
Torna-te então antes divino inteiramente
e inteiramente belo
se quiseres contemplar Deus e o Belo
141
.
Outro aspecto a considerar é o dos dois planetas: Júpiter e Saturno. Em relação a
Júpiter, este é associado à vida e geralmente é atraído para combater os males de Saturno,
através da medicina, da alimentação, da imagem, do modo de vida, do empenho e do
estudo.
Saturno, apesar da simbologia nefasta a seu respeito, não se restringe a aspectos
negativos. Ele representa a vida apartada e divina, que, por não estar voltada a diversas
atividades diurnas, como a vida militar, diz respeito à contemplação, sendo favorável
apenas a homens que já vivem segregados e dedicados ao estudo. Citando Ficino:
140
Marsilio FICINO. De Vita. ed. cit. III, 7. p. 251.
141
PLOTINO. Enneadi. ed. cit. I, 6.
90
Em suma, devemos estar convencidos de que todos aqueles que por
voto, estudo, vida, costumes, bom comportamento com o próximo,
imitam a ordem das coisas celestes, como mais afins às coisas
superiores, recebem dons mais abundantes; enquanto os homens que
se esforçam artificialmente de diferenciar-se e dissociar-se da
disposição das forças celestes, são secretamente infelizes e
rapidamente resultam também manifestadamente desfavorecidos
142
.
A bílis seca e fria, associada a Saturno, pode ser abrandada pela bílis quente e
úmida de Júpiter. Os melancólicos, mais sensíveis às seduções do amor, procuram na
música um importante aliado na busca de redio para a sua angústia.
No De Vita, Ficino convida o melancólico a abandonar os impasses sufocantes
em prol de uma vida “em plenos pulmões”, harmonizada com a energia cósmica e onde
a música desempenha um papel impulsionador para a alma que sabe interpretar os sinais
emitidos a todo momento pelo Universo.
É importante observar que Ficino não apenas reproduz a teoria platônica sobre a
relação entre poesia e música, mas acrescenta a ela uma abordagem dinâmica, onde
transparece o espelhamento entre o sensível e o inteligível e entre criador e criatura, de
tal forma que resulta numa aproximação entre o filósofo e o artista.
Além disso, o mestre florentino enfatiza, sempre com a linguagem poética que lhe é
peculiar, outros aspectos como a natureza aérea da audição, que facilita a relação alma e
corpo e, ainda, o papel dos furores, prevalecendo agora, nesse caso, o furor poético, no
caminho que a própria alma consti para sentir-se integrada à harmonia universal.
Em suma, os furores descritos sob a ótica do amor no De Amore e sob a ótica da
magia no De Vita, revelam o poder que Ficino atribui à ação humana. Nas duas obras
encontramos o apelo de Ficino para uma divinização do humano e uma sensibilização do
inteligível, o que marca profundamente sua dialética.
142
Marsilio FICINO. De Vita. ed. cit. III, 22. p. 387.
91
3. Considerações Finais
tudo aceso em mim
tudo assim tão claro
tudo brilhando em mim
Tudo ligado
Como se eu fosse um morro iluminado
Por um âmbar etrico
(...)
Tudo me ardendo
tudo assim queimando em mim
Como salva de fogos
Desde que sim eu vim
Morar nos seus olhos.
(Adriana CALCANHOTO. Âmbar.Interpretação:Maria BETHÂNIA)
Renascimento, período em que grande parte dos pensadores que o constituíram
adotaram a postura de caminhar por diversas trilhas, tanto aquelas já percorridas quanto
outras que já se insinuavam como novas possibilidades, ainda que sob a advertência de um
suposto perigo.
O costume pode limitar o nosso olhar, fazendo-nos oscilar entre a percepção de dois
extremos, sem que com isso observemos a beleza da ponte que conduz um ao outro. A
poesia presente na sutileza do intermezzo requer a grandeza de um olhar mais atento.
Assim como em uma gangorra o ponto de equilíbrio é alcaado quando os dois
lados são levados em consideração, também no ecletismo renascentista é necessário aceitar
as forças antagônicas como requisito para a harmonia do conjunto.
O objetivo desta gangorra, no entanto,o reside no eterno equilíbrio, mas no
prazer do balanço proporcionado pelo constante movimento. Se Heráclito de Éfeso já teria
92
pronunciado que o combate é pai de todas as coisas
143
, é porque percebia que a beleza não é
fruto da estática, mas sim da estética do conflito, onde o que de fato existe é o eterno jogo
de sinais dos espelhos das diferentes janelas através das quais observamos a vida a cada
momento.
Para retomar algumas considerações aqui já expostas, e que foram importantes na
filosofia da luz de Marsilio Ficino, imaginemos lançar uma pequena pedra nas calmas
águas de um lago, formando ondas circuncêntricas que se afastam até se fundirem
novamente nas águas.
Se a tivéssemos arremessado de outro ponto, elegeríamos um novo centro onde o
mesmo fenômeno ocorreria. De qualquer modo, poderíamos imaginar também que, embora
não o pudéssemos perceber, haveria um centro mais complexo que abarcaria todos os
outros e que os manteria coesos.
Assim também na filosofia ficiniana, o centro pode ser qualquer lugar, num
universo em que cada alma particular pode se transformar num deus. Essa posição central
da alma humana, com um universo como circunferência, repercutiu de forma marcante na
filosofia e na arte daí advindas.
Para Ficino, o mundo é um organismo vivo, em que tudo está intimamente
relacionado. Suas partes mantêm entre si um fio condutor que reúne os diversos graus de
uma luz que, no entanto, é em essência a mesma em qualquer das suas manifestações.
Anjo, Alma e Corpo, sombras que se estendem desde a luz original ou Deus.
Sombras que precisam reconhecer-se como variações da luz que os perpassa e os reúne. O
143
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Heráclito. Fragmento 53. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 93. (OS
PENSADORES).
93
caminho proposto por Ficino parte do contexto atual do homem, sua dimensão física, onde
todas as imagens espelham o divino.
Se agora tais imagens ainda estão divididas, mutiladas, isso não impede que
notemos sua coerência interna e, através disso, procuremos o caminho da volta à Unidade.
Na filosofia de Ficino, o amor representa para a luz a possibilidade do retorno ao seu ponto
original.
Esse regresso ao divino constitui um exercício de amor e de morte, em que o amante
morre em si para renascer em outro, até que esse outro seja identificado com o mais divino
que possui dentro de si.
Pode-se afirmar, portanto, que o questionamento acerca da essência da luz é, em
Ficino, inseparável da pergunta sobre o fundamento das coisas visíveis e inteligíveis. A luz
adquire não apenas o sentido de diversificação de todas as coisas, mas igualmente é a ela
atribuído o caráter de unidade última.
Dessa forma, a onipresença da luz divina que, estando em tudo não se reduz, no
entanto, a nenhum objeto, revela a harmônica articulação entre microcosmo e macrocosmo.
A metáfora da luz apropria-se das expressões lux e lumen para demonstrar tal interligação e
Ficino consegue conservar entre elas a sutileza do jogo ou dialética que as mantém unidas.
A luz presente na razão humana provém da luz pura e é, portanto, também divina,
revelando que o divino e o humano em algum aspectoo coincidentes. A luz interior que o
homem abriga em sua alma é a própria verdade, pois a luz em sua natureza não se mistura à
materialidade, permanecendo pura em sua essência.
A beleza é a flor da bondade de onde se origina. Enquanto imagem, então, a luz
sensível é o espelho do divino. A luz, como raio da beleza, é a flor da beleza e sua ação
proporciona a união e intercâmbio entre criador e criatura, entre corpo e espírito.
94
Não se pode esquecer que, na filosofia de Ficino, todo esse processo é envolvido
pelo prazer. A alegria desempenha função muito importante no macrocosmo, ao
movimentar os corpos celestes, manifestando-se nos raios emitidos por eles à Terra. Por
esta alegre expansão, a luz é considerada como riso do céu.
No microcosmo, a alegria proveniente da luz sensível contagia as almas, que a
refletem na expressão do rosto, sobretudo no movimento e brilho dos olhos. A alma
humana torna-se assim o espelho dos corpos celestes.
A estética da luz desvenda a beleza que, partindo do inteligível percorre iluminando
o senvel e o rapta para si. O círculo platônico que gira do bem ao bem se torna evidente
na teoria ficiniana do amor. Nesse jogo imagirio de espelhos, em que aspectos diferentes
refletem-se um no outro, o fim também coincide com o começo.
Através do uso abundante de quiasmas, Ficino provoca o espelhamento entre sujeito
e predicado e traz para o sensível o que costumeiramente é atribuído apenas ao metafísico.
Dessa maneira, luz e verdade, inteligível e sensível, deus e homem, luz e espírito, todos são
diferenciados para que depois se demonstre o quanto estão dialeticamente reunidos.
O que se desenvolveu ao longo desse trabalho foram algumas das múltiplas facetas
que podem ser encontradas na leitura do corpus ficiniano. Cada tema em Ficino merece
uma atenção toda especial e fornece um rico campo de investigação.
A leitura do texto de Ficino é envolvente e suscita o interesse de continuar
investigando não apenas a metafísica da luz, que não se esgota, evidentemente, nessa
pesquisa, mas também a sutileza dos outros discursos que sussurram atenção nas
entrelinhas de sua filosofia.
A filosofia para ele não encontra, nos diversos conceitos que suscita, barreiras que a
impeçam de fundi-los, a fim de produzir uma espiral dançante, onde diferenciá-los importa
95
menos que percebê-los em estreita conexão. Nessa nova proposta de razão, sujeito e objeto
são ambos filoficos, no sentido de amantes de um saber que se produz em movimento e
combustão.
Para finalizar, fiquemos com uma lenda a respeito de Ficino
144
, na qual se relata que
seu espectro teria aparecido a Michele Mercati, amigo a quem ele prometera dar provas da
imortalidade da alma. Como um misterioso cavaleiro, no dia de sua morte, Ficino teria,
diante da janela de seu amigo, proferido as seguintes palavras: “É verdade Michele, tudo
aquilo é verdade!”. A veiculação da lenda demonstra o quanto as fervorosas convicções de
Ficino influenciaram a atmosfera daqueles que esperavam que as suas teorias fossem
condizentes não somente com a sua vida, como tamm com sua própria morte.
144
A lenda está descrita na Introdução do Quid sit lumen (ed. cit.) por Bertrand Shefer, p. 7.
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