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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
CURSO DE DOUTORADO
AMBIVALÊNCIA DO CONHECIMENTO NO
PROJETO EMANCIPATÓRIO NA MODERNIDADE
MARX & GRAMSCI
Ciro Bezerra
Recife
2006
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2
CIRO BEZERRA
AMBIVALÊNCIA DO CONHECIMENTO NO
PROJETO EMANCIPATÓRIO NA MODERNIDADE
MARX & GRAMSCI
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Sociologia da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Breno Fontes
RECIFE
2006
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3
Bezerra, Ciro
Ambivalência do conhecimento no projeto emancipatório na
modernidade : Marx & Gramsci / Ciro. – Recife: O Autor, 2006.
210 folhas.
Tese (doutorado) U
niversidade Federal de Pernambuco.
CFCH. Sociologia, 2006.
Inclui bibliografia.
1. Sociologia. 2.
Conhecimento, sociologia do. 3.
Modernismo. 4. Emancipação. I. Título.
316
301
CDU (2. ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2009/90
4
5
DEDICATÓRIA
À Silke Weber, Ana Arcoverde e Breno
Fontes pelo carinho, incentivo e dedicação
à formação de seres humanos
emancipados.
6
AGRADECIMENTOS
Àqueles que moram aqui dentro, em silêncio, pulsando.
Àqueles que viveram comigo a angústia e labuta nos labirintos da produção e
apropriação social de conhecimentos (Zilma, Sírio, Sheila, João e Naira).
Àqueles que se foram e àqueles que persistem nesse projeto emancipatório da
humanidade.
A Isabella Giordano:
meiga, carinhosa, amiga, persistente, determinada e estudiosa, que me faz
prosseguir lutando mesmo sem o conforto de sua presença. Razão de viver o
presente pensando o futuro, mas diferente do anjo da história de Benjamin.
À Sandra,
meu paradigma amoroso. Por tudo: nossos sonhos, conquistas, bandeiras
comunistas: aos projetos de intervenção comunitária.
A Breno Fontes,
por sua firmeza e paciência.
A Wilson,
minha eterna gratidão e profunda amizade. Não fosse você tenho dúvidas sobre a
conclusão deste trabalho. Obrigado pela generosidade de assumir minhas turmas
durante o ano de 2005.
Ao povo brasileiro,
a todos os contribuintes do fundo público que possibilitaram meus estudos na
rede pública de ensino e permitiram chegar até aqui.
Aos colegas da minha turma e ao corpo docente do programa de pós-graduação em
sociologia da UFPE, com quem convivi compartilhando minhas dúvidas e
curiosidades.
A Sidney Wanderley
pela revisão técnica, ortográfica e gramatical. Pelo carinho e dedicação.
A Cleide, Lula e Marinalva
pela hospitalidade e amizade com que me acolheram no período mais
traumático de minha orientação.
7
As análises efetuadas por Marx não eram
filosóficas em seu espírito, e não devemos
considerá-las como tal. São análises
puramente políticas, que tornam
indispensáveis algumas das escolhas
originais, fundamentais e determinantes
para nossa cultura.
(FOUCAULT, 2002, p. 234).
8
RESUMO
Este estudo analisa a ambivalência do conhecimento no projeto emancipatório da
modernidade, a partir de dois autores: Marx e Gramsci. Situamos esta problemática nas
formas e metamorfoses da opressão e da dominação do capital, no contexto histórico
da modernidade. Para tanto, a pesquisa reconstruiu algumas categorias-chave como o
processo de produção/apropriação social do conhecimento. Está concentrada no
projeto marxiano de emancipação societal na modernidade capitalista, e trabalha certas
categorias centrais da teoria do materialismo histórico, o que exige conhecer a
trajetória desta teoria, como pressuposto relevante do projeto que consideramos como
referência. Nele, o conhecimento assume um lugar especial, tanto em termos históricos
quanto do legado teórico acumulado. Admitindo a hipótese da centralidade do
conhecimento no projeto emancipatório marxiano, nosso objetivo consistiu em
explorar dialeticamente a sua ambivalência: de um lado, analisar como o conhecimento
fortalece o projeto emancipatório, elucidar os processos de dominação e apontar
estratégias de superação; por outro, explicitar como o conhecimento fragiliza, aliena as
formas de sociabilidade e as concepções de mundo dos sujeitos diretamente implicados
no processo de produção/apropriação social do conhecimento. Como metodologia,
privilegiou-se o estudo de natureza bibliográfica e a análise de categorias abrangentes
e específicas, buscando conciliar a relação entre os planos abstratos e concretos da
reflexão. Como resultado verificou-se que a teoria social marxiana, a nosso ver, apesar
de variações relevantes entre as proposições de Marx e de Gramsci, levou o projeto
emancipatório às últimas conseqüências, propondo a socialização das riquezas e do
poder frente à dominação e opressão do capital. Desenvolvemos essa estratégia não de
forma “ingênua”, mas profunda e sistemática, tanto na análise teórica como política. A
teoria social marxiana conecta essas duas dimensões à sua estratégia emancipatória,
sem renunciar ao espírito jacobino que se erigiu no iluminismo. O problema da
opressão e da dominação é enfrentado em sua totalidade, como “processo de
reprodução sociometabólico do capital”.
Palavras-chave: conhecimento, modernidade e emancipação.
9
RÉSUMÉ
Cette étude analise l’ambivalence des connaissances du projet émancipatóriel de la
modernitée, a partir de deux auteurs: Marx et Gramsci. Situont cette problématique
sous formes et métamorphoses de l’oppression et de la domination du capital, dans le
contexte historique de la modernitée. Pour autant, la recherche reconstruit certaines
catégories-clés comme le procédé de production/appropriation sociale de la
connaissance. Est concentré dans le projet marxiste de l’émancipation sociale la
modernitée capitaliste, et traite de certaines catégories centrales de la théorie du
matérialisme historique, ce qui exige de connaitre la trajectoire de cette théorie,
comme estimation qui relève du projet que nous considérons comme référence. Dans
celui ci, la connaissance assume un statu spécial, tant en termes historiques que
l’héritage théorique acumulé. Admis l’hypothèse de la centralisation de la
connaissance du projet marxiste, notre objectif consistait à explorer dialectement son
ambivalence: d’un coté, analyser comment la connaissance a renforcé le project
émancipatoriel marxiste, élucider les procédés de domination et préparer des stratégies
de surpassement; par exemple, expliciter comment la connaissance fragilise, aliène les
formes de sociabilité et les conceptions du monde des sujets directement impliqués
dans le procédé de production/appropriation sociale de la connaissance. Comme
méthodologie, se privilégie de l’étude de nature bibliographique et l’analyse de
catégories inclusives et spécifiques. Nous nous éfforçons de concilier la relation entre
les plans abstraits et contrêts de la réflexion. Comme résultat, il est vérifié que la
théorie sociale marxiste, à nos yeux, outre les variations reliés entre les propositions de
Marx et Gramsci, lève le projet émancipatoriel aux conséquences ultimes, considérant
la socialisation des richesses et du pouvoir devant la domination et l´oppression du
capital. Nous ne dévelopons pas cette stratégie sous forme “naive”, mais profonde et
systématique, tant dans l´analyse théorique comme politique. La théorie sociale
marxiste connecte ces deux dimentions à la stratégie émancipatiorielle, sans renonçer à
l’esprit jacobino qui s’est érigé dans l’illusionisme. Le probleme de l’oppression et de
la domination est confronté dans sa totalitée, comme “procédé de reproduction socio-
métabolique du capital”.
Mots-clés: connaissance, modernité et émancipation.
10
ABSTRACT
This study analyses the ambivalence of knowledge in modernity´s project of
emancipation, via the study of two authors: Marx and Gramsci. We situate the problem
within the molds and metamorphoses of capitalistic oppression and domination, and in
the historical context of modernity. To this end, the research has reconstructed some
key categories such as the social production/ appropriation process of knowledge. We
concentrated our efforts into the Marxist project of social emancipation in modern
capitalism, working central categories which pertain to the theory of historical
materialism, demanding a knowledge of where this theory is heading, this latter, as a
reference, being a pre-requisite. Within this scheme, knowledge assumes a special
space in the historical legacy which has been accumulated. In offering this hypothesis
about the centrality of knowledge in the marxist project of emancipation, our objective
has consisted of a dialectical exploration of the very ambivalence of this knowledge:
on the one hand, we analyse how knowledge strengthens the project of emancipation,
throwing light upon processes of domination, besides pointing out ways to overcome
these processes; on the other side, we expose how knowledge weakens and alienates
forms of sociability and conceptions of the world, in relation to people directly
involved in the social production/ appropriation of knowledge. In the methodolgy,
bibliographic study and the analyses of broad and specific categories were privileged.
We strove to reconciliate the relationship between abstract and concrete levels of
reflection. As a result, social marxist theory was validated, in our view, because of
varying points in between the relevant proposals by Marx and Gramsci. The
emancipatory project was taken to its ultimate consequences by proposing the
socialization of riches and power, with a view to how the possibility of this
socialization is confronted with the domination and oppression of capital. We
developed the strategy not only in an “ingenuous” form, but deeply and sistematically,
in theoretical and political analysis. Social Marxist theory connects these two
dimensions to its emancipatory strategy, without renouncing the Jacobine spirit which
was erected by the Renaissance. The problem of oppression and domination is
confronted in its totality in its form as a “socio-metabolic process of reproduction of
capital”.
Key words: knowledge, modernity and emancipation.
11
RESUMEN
Este estudio analiza la ambivalencia del conocimiento en el proyecto emancipatorio de
la modernidad, a partir de dos autores: Marx y Gramsci. Ubicamos esta problemática
en las formas y metamofosis de la opresión y de la dominación del capital, en el
contexto histórico de la modernidad. Para eso, la investigación reconstruyó algunas
categorías llave, como el proceso de prodicción/apropiación social del conocimiento.
Esta concentrada en el proyecto marxiano de emacipación social en la modernidad
capitalista, y trabaja ciertas categorías centrales de la teoría del materialismo histórico,
lo que exige conocer la trayectoria de esta teoría, como supusto relevante del proyecto
que consideramos como referencia. En él, el conocimiento asume un lugar especial,
tanto en términos históricos como del legado teórico acumulado. Adimitiendo la
hipótesis del centralismo de conocimiento en el proyecto emancipatorío marxiano.
Nuestro objetivo consistió en explorar dialécticamente su ambivalencia: de un lado,
analizar como el conocimiento fortaleze el proyecto emancipatorío, dislucidar los
procesos de dominación y apuntar estratégias de superación; por otro lado, explicar
cómo el conocimiento fragiliza, aliena las formas de sociabilidad y las concepciones
del mundo de los sujetos directamente envueltos en el proceso de
producción/apropiación social del conocimiento. Como metodología, se favoreció el
estudio de la naturaliza bibliográfica y el análisis de categorías amplias y específicas.
Nos esforzamos en conciliar la relación entre los planos abstractos y concretos de la
reflexión. Como resultado se verificó que la teoría social marxiana, a nuestro parecer, a
pesar de las variaciones relevantes entre las proposiciones de Marx y Gramsci, llevó el
proyecto emancipatorio a las últimas consecuencías, proponiendo la socialización de
las riquezas y del poder frente a la dominación y opresión del capital. Desenvolvimos
esa estratégia no de forma “ingénua”, pero si, profunda y sistemática, tanto en el
análisis teórico como político. La teoría social marxiana conecta esas dos dimensiones
a su estratégia emancipatoria, sin renunciar al espíritu jacobino que se erigió en el
iluminismo. El problema de la opresión y de la dominación es enfrentado en su
totalidad, como “proceso de reproducción sociometabólico del capital”.
Palabras clave: conocimiento, modernidad y emancipación.
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................ 8
CAPÍTULO I
O PROJETO EMANCIPATÓRIO NA
MODERNIDADE EM MARX.................................
22
1 ANÁLISE CRÍTICA DA TEORIA SOCIAL MARXIANA...........
23
1.1. O FETICHISMO DO CONHECIMENTO.........................
23
1.2. A AMBIVALÊNCIA DO CONHECIMENTO NA
MODERNIDADE DO CAPITALISMO...........................
64
CAPÍTULO II
O PROJETO EMANCIPATÓRIO NA
MODERNIDADE EM GRAMSCI...........................
121
2.1 FILOSOFIA DA PRÁXIS EM GRAMSCI.................................
122
2.1.1. CONCEPÇÃO DIALÉTICA DA HISTÓRIA....................
122
2.1.2. O CORPUS CATEGORIAL DA FILOSOFIA DA PRÁXIS 125
2.1.3. FILOSOFIA DA HISTÓRIA E DA CIÊNCIA.................. 153
CONCLUSÕES PROVISÓRIAS....................................................... 179
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................
190
13
INTRODUÇÃO
Já se tornou lugar comum interpretar Marx como teórico da
infraestrutura ou economia e Gramsci como teórico da superestrutura ou
cultura. O fato é que esta interpretação nunca convenceu. Sempre
deixou suspeitas e inquietações. Ela se choca com a concepção dialética
desses pensadores, plasmada por categorias e procedimentos metódicos
incompatíveis com visões unívocas da realidade humana. As teorias
sociais de Marx & Gramsci são irredutíveis ao enquadramento
interpretativo dualista. É a perspectiva ontológica deles que invalida
esta interpretação. É que não há uma teoria que se limite a abordar a
superestrutura, muito menos a infraestrutura. O que há é uma crítica um
movimento: de uma infraestrutura que se superestrutura e de uma
superestrutura que se infraestrutura. Esta proposição rejeita qualquer
forma de determinismo ou dualismo.
Nosso pressuposto é outro. Em primeiro lugar é necessário
reconhecer que o conhecimento ocupa um lugar relevância no projeto
emancipatório por eles propostos. Em segundo, qualquer que seja a
emancipação a sua viabilidade precisa envolver os diversos planos do
ser social, e isto inclui, necessariamente, a economia e a cultura.
Apesar de insuficientes, acreditamos que tais pressupostos
contribuem para esclarecer suficientemente a problemática desta
pesquisa, qual seja: a ambivalência do conhecimento no projeto
emancipatório na modernidade. Algumas questões são necessárias ter
presente: (1) qual é o lugar do conhecimento no projeto emancipatório
14
da modernidade? (2) em que e como o conhecimento pode contribuir
para a emancipação? (3) como a emancipação medida pelo
conhecimento é tratada pelas teorias sociais de Marx e Gramsci? (4)
como eles enfrentaram esta problemática? (5) qual o potencial das
teorias de Marx e Gramsci frente a esta problemática?
Acreditamos que os pressupostos até aqui considerados podem
contribuir para elucidar essas questões que envolvem nossa
problemática: a ambivalência do conhecimento no projeto emancipatório
na modernidade?
Para a teoria social marxiana não há qualquer plano de
sociabilidade do ser social em que cultura e economia estejam
dissociadas. São, portanto, equivocadas as perspectivas teóricas que
fundamentam suas críticas e análises a partir da dualidade
superestrutura versus infraestrutura. Verossímeis são as tensões
dialéticas abertas por essas dimensões na modernidade capitalista.
Quanto mais complexas as formas de sociabilidade, maior é a evidência
dessas tensões.
O que existe na teoria social marxiana é a crítica à modernidade
capitalista em seu conjunto: à tendência do capital em submeter as
diversas formas de sociabilidade ao seu modo de reprodução
sociometabólico, pois é a totalidade da vida social que dá consistência
e possibilidade para o capitalismo reproduzir as condições sociais
objetivas e subjetivas.
15
No núcleo dessa reprodução, a razão de ser do metabolismo do
capital: a apropriação privada e corporativa do poder e das riquezas
produzidas socialmente. Apropriação que ocorre em dois momentos
vitais e integrados, por diversas mediações: através do controle da
formação e expropriação que se efetiva no processo de produção e
apropriação do conhecimento, nas unidades que organizam,
sistematizam e socializam a cultural universal: as instituições
educativas
1
. Estas instituições desempenham a função de qualificar e
enriquecer a força de trabalho, transformando-a em capital variável. O
enriquecimento da força de trabalho pressupõe a produção e apropriação
de um tipo específico de conhecimento: o conhecimento-mercadoria.
Por outro lado, a reprodução sociometabólica do capital consiste
também no processo de expropriação dos conhecimentos científicos e
tecnológicos, desenvolvidos e forjados no processo de valorização do
capital. Essas unidades, propriamente econômicas, são o lócus onde se
realiza a composição técnica e orgânica do capital, envolvendo o capital
variável e o capital constante.
É fato para a teoria social marxiana que a complexa reprodução
societária da modernidade capitalista não se reduz à valorização do
capital: Mauss (2001) ressaltou as formas de sociabilidade da dádiva e
Godbout (1999) o complexo sistema que elas implicam; por sua vez,
Habermas (2002, 2003 e 2004) ressaltou a importância do agir
1
Esta é uma proposição própria q ue desenvolvemos a partir da dialética entre
relações de produção e formas sociais, visando demonstrar a atualidade do
pensamento de Marx, mas também encontra fundamento no pensamento gramsciano.
16
comunicativo nessa reprodução. Mas para realizar o projeto
emancipatório na modernidade e superar a dominação do capital, revela-
se, para a teoria social marxiana, imprescindível erguer formas
alternativas de distribuição do poder e das riquezas em bases não
capitalistas, ainda que admitamos a dádiva e o agir comunicativo como
contributos relevantes a serem disseminados na sociedade emancipada.
Para além das formas de sociabilidades, limitadas e circunscritas
à segregação imposta pela hegemonia do capital, é necessário forjar a
emancipação. E, para essa tarefa histórica a perspectiva jacobina
mantida pela teoria social marxiana ainda parece apropriada. Mas é
preciso ressaltar, antes de tudo, o que entendemos por ambivalência do
conhecimento.
Ora, é a teoria social marxiana e gramsciana que nos permitirá
explicitar o cerne da ambivalência do conhecimento. Para além da
proposição tautológica do conhecimento pelo conhecimento do
cientificismo profissionalesco, do qual se ocupam aqueles que Rousseau
(2002, p. 27) chamou letrados ociosos, o conhecimento na
modernidade, desde a Revolução Científica, apresenta a pretensão de
emancipar a humanidade da barbárie e forjar um mundo livre. Daí a sua
ambivalência: o conhecimento científico que se associa à técnica não é
cego, tampouco o é a técnica; conhecimento e técnica pressupõem auto-
reflexão. Mas, para além de si mesmos, ambos, conhecimento e técnica,
são exteriorizações das relações dos seres humanos com o mundo, a
natureza e o universo compartilhados.
17
Nosso problema, então, são as formas e metamorfoses da opressão
e da dominação do capital na modernidade que bloqueiam a
emancipação. E a nossa tarefa consiste em desvendar como tal bloqueio
realiza-se sobre a produção e apropriação social do conhecimento.
Discutir sobre o tipo específico de trabalho que o produz, o trabalho
pedagógico, e os sujeitos que nele laboram. Como, então, se reproduz
socialmente a produção capitalista do conhecimento, e,
simultaneamente, a emancipação.
Para enfrentar teoricamente esses desafios concentramos a
pesquisa nas teorias sociais marxiana e gramsciana. Nelas, o
conhecimento assume um lugar especial, tanto em termos de
historicidade quanto do legado teórico acumulado. Admitindo o
pressuposto da relevância do conhecimento, nosso objetivo consiste em
explorar a sua ambivalência na modernidade capitalista: analisar como o
conhecimento fortalece o projeto emancipatório, elucidando os
processos de dominação e apontando estratégias de superação; ou o
fragiliza, promovendo o estranhamento das formas de sociabilidade e
reproduzidas socialmente pelos sujeitos diretamente implicados na
processualidade da atividade pedagógica.
Dentro desta problemática privilegiamos como objeto o processo
de produção e apropriação social de conhecimentos ou a
processualidade do trabalho pedagógico. A nosso ver, foi a teoria que
em termos prospectivo, levou o projeto emancipatório na modernidade
capitalista às últimas conseqüências, afirmando a socialização das
18
riquezas e do poder frente à dominação e opressão do capital,
desenvolveu essa estratégia de forma profunda e sistemática, tanto em
termos teóricos como políticos.
A teoria social marxiana conecta essas duas dimensões à sua
estratégia emancipatória, sem renunciar ao espírito jacobino que se
erigiu no iluminismo. O problema da expropriação do conhecimento e
da exploração da força de trabalho é enfrentado em sua totalidade, como
processo de reprodução sociometabólico do capital.
Como é possível vivenciar a produção e apropriação do
conhecimento como momento efetivo de emancipação, já que na
dialética entre relações de produção e formas sociais na modernidade
capitalista não é possível realizá-la? Se for demasiado utópico pensar
nessa hipótese considerando as diversas esferas da vida moderna, já que
o conhecimento científico plasma, junto a outros fenômenos societais,
os vários planos de sociabilidade da civilização moderna, por que, ao
menos nas unidades de produção e apropriação social do conhecimento,
não se verifica a efetividade dos elementos emancipatórios?
O contrário parece verdade; predomina o estranhamento, a forma
burocrática e corporativa de reprodução intelectual da realidade.
Quais, então, os limites da emancipação propugnada pela produção e
apropriação social do conhecimento no mundo contemporâneo? Ou será
que a valorização do capital também dela se apoderou e a submeteu aos
propósitos e dinâmicas dominadoras e opressoras de sua reprodução? E
se ocorreu essa subsunção da produção e apropriação social do
19
conhecimento pelo capital, como ela se processa e se mantém na
história à revelia do pensamento crítico e libertário sobre o
conhecimento?
Como se observa, a solução do problema enunciado da
ambivalência do conhecimento revela obstáculos, contradições e reveses
que obstruem o projeto emancipatório na modernidade. No próprio
âmbito das perspectivas que se dizem emancipatórias existem fraudes e
deserções, desvios e camuflagem. Tudo isso levanta suspeitas sobre a
autenticidade de algumas perspectivas teóricas que dizem assumir o
projeto emancipatório. Qual o significado do conteúdo emancipatório
dessas perspectivas, tendo em vista as forças que afirmam a dominação
do capital? Como elas concebem essas forças e quais as armas que
privilegiam em seus ataques? Se o projeto emancipatório desenvolveu-
se sob as matrizes da liberdade e da igualdade, da universalização e
publicização do conhecimento, afirmando os pressupostos da
humanização contra a barbárie, a materialidade da produção e
apropriação do conhecimento científico vem revelando, historicamente,
a hegemonia da face perversa do conhecimento científico. Além das
várias correntes críticas e progressistas que constituem esse campo
minado da vertente emancipatória, disputando a publicização de seus
pressupostos teóricos, há também as correntes adversárias. Mas qual a
gênese do projeto emancipatório? Como foi concebido o conhecimento
em seu seio?
20
Saber o lugar que o ser humano ocupa na história, conhecer a
situação em que ele se encontra visando alcançar o que se tem como
vontade, necessidades e representação representa a luz acesa pelo
iluminismo. Enquanto movimento teórico e político o iluminismo pode
ser concebido como um campo de forças, com muitas cisões em seu
seio; mas dotado de uma base material comum, de onde emergem
questões comuns, perguntas e problemas que passaram a afligir os seres
humanos e que erigiram as bases e fundamentos da civilização moderna.
Essa base material se exprime nas cidades urbanas que exigem
infraestrutura adequada; na distribuição do poder de governar através do
regime democrático; na socialização do progresso material; na
universalização do conhecimento científico e filosófico; na busca pelo
enriquecimento das nações e dos indivíduos; no sistema do poder
político controlado pela opinião pública e pelo sufrágio universal; na
industrialização que atende às demandas materiais e à dinâmica de
valorização do capital.
Diante da constituição dessa civilização os iluministas têm um
posicionamento preciso: a civilização tem que ser espaço de liberdade,
igualdade e justiça. Constataram, desde então, uma distância entre
condições materiais e possibilidades reais. O projeto emancipatório
corresponde, então, à intenção de diminuir, cada vez mais radicalmente,
essa distância. Projeto que exige dois pressupostos simultâneos: teoria
social e ação política. De ação política porque o núcleo dos obstáculos à
emancipação na modernidade encontra-se nas estruturas e mediações
21
societárias. Estruturas e mediações que fortalecem a hegemonia do
capital. E de uma teoria social, de caráter prático-crítico, porque a
cultura dominante tem a função de ideologizar e falsificar a realidade e
impedir a lucidez da razão e da consciência e, com isso, uma ação
política que dissipe o que conserva as massas sob dominação e sujeição
do capital. O fato é que, ainda hoje, no mundo contemporâneo, o
problema se repõe, embora sob novas roupagens e sob complexidades
distintas.
Dentre as diversas teorias sociais, a teoria marxiana mantém
vivos os pressupostos iluministas, jacobinos, da emancipação. Essa é a
tese enfrentada por esta pesquisa. A ela devotamos nossas energias com
o propósito de desdobrá-la. Mas dentre outras perspectivas iluministas o
marxismo tem os méritos.
Um dos méritos da teoria social marxiana é que ela supera o
problema da tautologia. A verificação das proposições teóricas não se
enfeixa na própria teoria; busca na historicidade das práticas sociais a
confirmação. Assim, a teoria e o conhecimento revelam-se apenas como
mediação do projeto emancipatório. É preciso elevar a teoria e o
conhecimento a seus fundamentos ontológicos: a materialidade do ser
social.
Atribuir relevância à materialidade do ser social não significa
reduzir o complexo da vida social à infraestrutura. A primazia desta
instância no enfoque da teoria crítico-prática tem um motivo
elementar: a superação do capitalismo consiste no pressuposto básico da
22
história da civilização emancipada, o ponto de partida da superação da
sujeição do ser humano às formas de reprodução sociometabólica do
capital, que se verificam tanto nos planos de sociabilidade da
infraestrutura quanto nos da superestrutura. Fazer a crítica da economia
política do sistema capital é um posicionamento, sobretudo, ético-
político e não meramente econômico.
Advertimos, porém, que esse é um estudo monográfico, sujeito a
todas as limitações que esse tipo de estudo impõe. Um estudo
monográfico que compreende dois movimentos: (I) aquele que analisa
algumas categorias que reputamos de suma importância tendo em vista o
problema, o objeto, hipótese e objetivos expostos. A reflexão sobre o
processo de produção e apropriação social de conhecimentos utilizando
as categorias, reificação e personificação das formas sociais realizado
no capítulo um; (II) e a análise do objeto: o processo de produção e
apropriação social de conhecimentos ou processualidade do trabalho
pedagógico, sob a perspectiva da concepção dialética da história e da
filosofia da práxis, realizada no capítulo dois.
No primeiro capítulo se explicitará que para a teoria social
marxiana o capitalismocoloniza de tal forma os diversos planos de
sociabilidade que se confunde com a própria modernidade
2
. O que pode
criar uma ilusão à própria teoria marxiana: que a superação do
capitalismo equivale à superação da modernidade. Elegermos três
2
Para evitar esse equívoco empregamos o conectivo na modernidade. Assim,
procuramos colocar em questão que é o capitalismo quem oblitera a emancipação
humana e não a modernidade.
23
categorias básicas: o fetichismo, a reificação e a personificação das
formas sociais.
Mas a teoria social marxiana e gramsciana apenas se prestam à
desmistificação ideológica? Qual a contribuição dessas teorias para
afirmar e realizar o projeto emancipatório na modernidade? Quais os
cuidados tomados por elas para evitar os mesmos equívocos cometidos
por aqueles que as criticam? Como consegue evitar o cientificismo, a
tautologia e garantir o frescor da politicidade do conhecimento?
O capítulo dois visa explicitar essa materialidade, trazendo à cena
a filosofia da práxis de Antonio Gramsci e tudo aquilo que de mais
importante acreditamos ela abarcar: a concepção dialética, a filosofia da
história e da ciência, sua proposição política emancipadora e a sua
compreensão de como nós, os intelectuais, situamo-nos na ambivalência
do conhecimento, e fortalecemos ou fragilizamos o projeto
emancipatório na modernidade, independentemente da vontade.
O pensamento gramsciano se revela contumaz importante porque
ele mantém vivo os espíritos da emancipação preservados pela teoria
social marxiana, realizando uma análise original da ambivalência do
conhecimento. Essa análise é realizada sob a ótica da filosofia e da
sociologia política. Com a contribuição gramsciana percebemos que a
teoria social marxiana ganha novas forças.
Gramsci chama atenção para a universalidade da produção do
conhecimento na modernidade capitalista. O quanto ela estrutura a
personalidade dos indivíduos e desenvolve posturas diferenciadas. Essa
24
dinâmica está na base das concepções de mundo e desenvolve a
consciência unitária em contraposição às consciências desagregadas e
fragmentárias do senso comum.
O que é importante em Gramsci sobre o tema da ambivalência do
conhecimento no projeto emancipatório de cariz marxiano é a relação
dialética que ele estabelece entre sua concepção de distribuição do
poder e sua concepção dinâmica da produção e apropriação de
conhecimentos. Ele observa que na modernidade capitalista o
conhecimento não se reduz à técnica, que o conhecimento científico não
é redutível ao uso do segmento tecnocrático. Técnica, política e
conhecimento são concebidos não do ponto de vista meramente
econômico, mas de uma perspectiva ético-política capaz de contribuir
para a organização societal. Por essa razão ele questiona a ética
profissional como uma ética capaz de potencializar a emancipação.
A ética profissional fortalece a dominação das formas de
sociabilidade do capital. Ela encerra o intelectual nos interesses das
classes fundamentais, favorecendo sobremaneira as classes
hegemônicas. Confrontando essa ética, Gramsci propõe outra ética
distinta daquela que corresponde ao intelectual profissional, a ética do
intelectual orgânico. Uma ética que se elabora e se apreende nas
instituições de vida social, aquelas organizações autônomas criadas
pelos trabalhadores e cidadãos, em contextos não controlados pelo
Estado, pela sociedade política e pelo capital.
25
Em sua teoria do intelectual orgânico, Gramsci apresenta os
fundamentos de uma personalidade autônoma, ao conceituar intelectual
orgânico como aquele que detém o conhecimento técnico-político e a
capacidade dirigente (GRAMSCI, 1988a). A educação e a formação do
trabalhador e do cidadão nas instituições de vida social elevam a
autoconsciência que se encontra, a princípio, ancorada no senso comum,
mas que pode ser direcionada ao bom senso, mediada pela ciência, o
conhecimento sistematizado. Nesse processo, o cidadão trabalhador se
apropria de um conhecimento que desenvolve sua capacidade de dirigir
organizações políticas comprometidas com a classe social a que
pertence.
Para Gramsci, essa formação tem a particularidade de ampliar a
concepção de mundo do cidadão trabalhador, permitindo a este
conquistar uma perspectiva que transcende o âmbito local e regional das
formas de sociabilidade, para atingir perspectivas mais abrangentes.
Compreender não um setor de uma fábrica, mas a integração dessa
unidade econômica a uma cadeia de produção, vinculada a uma rede
industrial, é um salto que não deve ser desprezado. Essa visão de
mundo, para Gramsci, é indispensável para a emancipação societal do
capital. São essas as questões e problemáticas que discutiremos no
último capítulo.
Nas considerações finais, refletiremos como a teoria social
marxiana continua a enfrentar o problema da ambivalência do
conhecimento em um contexto de reestruturação produtiva e
26
tecnológica, o que tem alterado substancialmente os esquemas de
valorização do capital, divido às características que o conhecimento
científico vem assumindo.
A importância do conhecimento tem se revelado de uma forma tão
decisiva para a reprodução sociometabólica do capital, que se tem a
sensação de estarmos entrando em uma nova civilização, a civilização
informacional ou sociedade [capitalista] do conhecimento. Mas, por
maior materialidade e concretude que tenha essa tese, o fato é que ainda
persistem em grandes proporções os problemas da dominação e opressão
do capital: aumenta a concentração das riquezas e do poder entre os
capitalistas e multiplicam-se nos países dependentes a miséria e as
comunidades-lupem. Nesse contexto, a ambivalência do conhecimento
é reposta com grandes desvantagens para as forças emancipatórias. Por
essas razões o espírito emancipatório precisa ser despertado de sua
apatia.
27
CAPÍTULO I
O PROJETO EMANCIPATÓRIO NA MODERNIDADE EM MARX
28
1. ANÁLISE CRÍTICA DA TEORIA SOCIAL MARXIANA
1.1 O FETICHISMO DO CONHECIMENTO
O fetichismo da mercadoria e a reificação da personificação das
formas sociais são fenômenos sociais conexos na teoria social prático-
crítica de Marx. A teoria social marxiana se esforçou em apreender tais
fenômenos na contradição básica entre relações sociais de produção e
formas sociais. Os mecanismos de reprodução social do capital
coisificam o ser humano através do processo de personificação social
3
.
Processo relacionado ao desenvolvimento da personalidade, status e
distinção social; portanto, a personificação social também legitima
gestos, falas, atitudes e comportamentos é, portanto, este processo,
indissociável da complexa trama da sociabilidade.
Marx analisou a contradição entre relações e formas sociais na
modernidade capitalista, no processo sociometabólico de reprodução do
3
No capítulo VI do Leviatã, intitulado Das pessoa s, autores e coisas
personificadas, Hobbes propõe uma interessante definição de perso nificação social,
muito próxima àq uela utilizada por Marx em O Capital. Na acepção de Hobbes: a
palavra pessoa é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que
significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência
exterior de um homem, imitada no placo. E por vezes mais particularmente aquela
parte dela que disfarça o rosto, com a máscara ou viseira. E do palco a palavra foi
transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais
como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator, tanto no palco
como na conversa corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a
outro; e daquele que representa outro diz-se que é portador de uma pessoa, ou que
age em seu no me /.../. Receb e designações diversas, confor me ocasiões:
representante, mandatário, lugar-tenente, vigário, advogado, deputado procurador,
ator, e outros semelhantes [como, por exe mplo, os diferentes nomes das profissões
e ocupações, Hobbes cita, textualmente, advogado] (HOBBES, 1979, p. 96).
29
capital
4
. Entretanto, permaneceu lacunar, na Crítica à Economia Política
de Marx, a demonstração desta contradição no processo de produção e
apropriação social do conhecimento.
Enfatiza-se nesse estudo, que no contexto da produção do
conhecimento, reproduz-se também a contradição entre as formas
sociais necessárias à reprodução na modernidade capitalista. Um
problema que se tornou relevante na contemporaneidade em função das
características que o conhecimento sistematizado, técnico e científico,
passou a assumir no mundo contemporâneo
5
. Junto a este encontram-se
outros problemas relacionados ao conhecimento: o conhecimento como
ideologia (MARCUSE, 1982 e HABERMAS, 1997) e o conhecimento
como riqueza
6
(SMITH, 1985; HODGSKIN, 1986 e ENGELS, 1981).
Nossa intenção é discutir a ambivalência do conhecimento no processo
4
A reprodução sociome tabólica do capital é uma feliz expressão formulada por
Mèszàros (2002). Ela compreende todo o capítulo dois da obra Para além do capital
(ver páginas 94 a 132). Não encontramos nesta obra uma definição do tipo isso é
isso; em todo caso ela está posta. Esta nota se justifica porque fizemos várias
menções a esta categoria ao longo do corpo desse estudo. Contudo, não exploramos
as categoria incontrolabilidade e destrutividade do capital, igualmente
importantes, porque a categoria valorização do capital, formulada e articulada por
Marx (1980), articulada a dialética entre relações de produção e formas sociais,
oferece explicação precisa da ambivalência do conhecimento na reprodução do
capital.
5
Três autores destacam o valor indispensável do trabalho pedagógico, se
reportando à educação, para consolidar a chamada sociedade do co nhecimento:
Lyotard (1989) em sua obra A condição Pós-moderna; Schaff (1995) em seu livro
Sociedade da Informática e Castell (2000) no livro Sociedade em Redes.
6
Uma abordagem ampla da problemática da riqueza na modernidade capitalista
poder ser encontrada na obra de Cordeiro (1995). Neste importante estudo Cordeiro
trata das contradições que envolvem riqueza, valor e reprodução.
30
de produção e apropriação social do conhecimento, tendo como objeto a
especificidade da força de trabalho nesse processo.
Mesmo reconhecendo os nossos limites intelectuais pretendemos
contribuir para preencher, em alguma medida, a ausência de uma
abordagem analítica e sistemática da crítica à economia política da
produção e apropriação social do conhecimento. O desafio posto é,
primeiro, dar visibilidade ao processo de produção e apropriação social
do conhecimento, valendo-nos da teoria social de Marx e, segundo,
desvendar as implicações políticas e culturais desse processo, em
Gramsci.
Considerando esses pensadores, defendemos a hipótese que há
uma atividade singular que se desenvolve em instituições específicas
responsáveis por esse processo de produção e apropriação social de
conhecimentos. Concebemos esta atividade como trabalho pedagógico
7
.
Ora, qual é, então, a relação do trabalho pedagógico com o
conhecimento, concebendo esta relação como processo de
enriquecimento da força de trabalho no âmbito da modernidade
7
O trabalho pedagógico é uma atividade humana orientada teleologicamente para a
produção e apropriação social de conhecimentos e envolve a plêiade de nexos
causais imanentes a essa orientação. O objeto do trabalho pedagógico é o
conhecimento sistematizado, prod uzido historicamente por sujeito s sociais, numa
cadeia inesgotável. Admitimos que na gênese desta cadeia há um ser humano com
outro ser humano, desenvolvendo saberes e conhecimentos. A característica básica
do trabalho pedagógico é, portanto, a produção e apropriação social de
conhecimentos e, nesta dinâmica, a valorização da capacidade dos sujeitos
pedagógico s (LEONTIEV, 1978; DUARTE, 1996).
31
capitalista, e quais as implicações culturais e políticas que resultam
deste processo?
Compreendemos que o trabalho pedagógico contribui para a
produção das riquezas sociais. Além de agregar valor à força de
trabalho ele se converteu em mediação necessária à incorporação
8
de
conhecimentos à capacidade produtiva. Conseqüentemente, o processo
do trabalho pedagógico não se reduz, simplesmente, à socialização de
conhecimentos. Nele efetiva-se muito mais do que a transmissão
cultural de uma geração a outra e/ou a socialização da moral, regras,
princípios e valores culturais. No capitalismo é, ao mesmo tempo, um
processo de valorização da força de trabalho, do capital variável, sem o
que a reprodução ampliada do capital se torna inviável.
Esse fato se revelou incontestável com a terceira revolução
industrial
9
na contemporaneidade. Tornou-se óbvio, nesse novo cenário,
8
Entendemos por incorporação um dos atrib utos constitutivo s do que Bourdieu
chama capital cultural. Para este autor a acumulação de capital cultural exige uma
incorporação que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação,
custa tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor (tal como o
bronzeamento, essa incorporação não pode efetuar-se por procuração). Sendo
pessoal, o trabalho de aquisição é um trabalho do sujeito sobre si mesmo (fala-se
emcultivar-se). O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade
que se fez corpo e tornou-se parte integrante da pessoa, um habitus. Aquele que o
possui pagou com sua própria pessoa e com aquilo que tem de mais pessoal, seu
tempo /.../ (BOURDIEU, 1998, grifos nossos). A definição de Bourdieu é muito
mais rica do que o texto selecionado, mas tem nelas o seu eixo, o suficiente para
esclarecer o que queremos transmitir com esta expressão: trabalho pedagógico.
9
De acordo com Albo rnoz (2000), o marco referencial da primeira revolução
industrial data da criação da máquina a vapor. A segunda revolução decorreu do
processo de industrialização, desenvolvido no século XVII, com a descoberta da
32
a necessidade da ciência e da inovação tecnológica para a valorização
do capital e o desenvolvimento das forças produtivas. O próprio Marx
(1980) a admite em diversos capítulos de O Capital
10
. Entretanto, o que
nos parece não ter sido cabalmente delineado, enfatizamos, foram os
processos e fundamentos da valorização, enriquecimento e qualificação
da força de trabalho. Estes encontram-se inscritos na dinâmica e
particularidade do trabalho pedagógico.
Não é que Marx desconheça este fato, o da ambivalência do
conhecimento, nos termos em que a propomos. É que este
reconhecimento é anunciado apenas em passagens esparsas
11
, e não é
discutido como poderia sê-lo. Também não foi concedido merecida
análise na sua análise da crítica à economia política
12
. Entretanto, a
força de trabalho é uma categoria chave para desvendar os segredos da
eletricidade. E a terceira é de base microeletrônica. Esta é engendrada pelos
significativos avanços da ciência e da tecnologia como principais meios de
produção d e bens e serviços.
10
Mormente no volume I, capítulo VI, quando d iscute o capital constante e o capital
variável. E na sétima parte, do mesmo Livro, mas volume II, quando discute a
acumulação de capital, que compreende quase completamente esse segundo volume.
11
Podemos encontrar essas referências nos seguintes escritos de Marx: Salário,
Preço e Lucro páginas 358-359, 361-363, 371-374; Trabalho Assalariado e Capital
páginas 67, 68, 79-81 (Publicados em Obras Escolhidas em três volumes, pela
editora Alfa Omega, sem data de publicação); Miséria da Filosofia páginas 38, 41,
43, 44, 46, 56-62 (1976) e Capítulo VI Inédito de O Capital páginas 58-87, 100 -
104,108-120 (1985).
12
Nos Manuscritos de 1844, de 1857 e 1858 (Grundrisse), na Crítica à Economia
Política de 1859 e em O Capital.
33
modernidade capitalista. Inclusive a força de trabalho docente, como
está posto em O Capital, como se observa no texto a seguir:
Só é produtivo o trabalhador que produz mais valia para
o capitalista, servindo assim à auto-expansão do capital
/.../: mestre-escola [docente] é um trabalhador
produtivo quando trabalha não só para desenvolver a
mente das crianças [enriquecê-las como discentes ou
força de trabalho potencial, na medida em que agrega
valor quando produz e socializa conhecimentos], mas
também para enriquecer o dono da escola
13
[capitalista
estatal ou privado]. Que este inverta seu capital numa
fábrica de ensinar, em vez de numa de fazer salsicha, em
nada modifica a situação. O conceito de trabalho
produtivo não compreende apenas uma relação entre
atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do
trabalho, mas também uma relação de produção
especificamente social, de origem histórica, que faz do
trabalhador e o instrumento direto de criar mais valia
[quem forma, ou qualifica e valoriza esse trabalhador,
quem qualifica, enriquece e, hoje, profissionaliza
desenvolve, em si, todos os tributos do trabalho
13
Dentre outras coisas, a informação significativa nesse texto é o cabal
reconhecimento de Marx quanto à atividade educativa ser uma forma concreta de
trabalho humano. Para nosso autor, o mestre-escola ou, contemporaneamente,
docente, educador, professor, co mo queiram chamar esta atividade laboral, efetiva
trabalho. É, portanto, uma atividade humana sensível. Sua laboralidade contribui
para a produção social das riquezas.
34
desenvolvido nas instituições de ensino] (MARX, 1980,
p. 584, grifos nossos).
Em outros termos, o conhecimento socializado pelo docente é
apropriado pelo discente e, num momento subseqüente, após a
certificação que o reconhece como profissional ou força de trabalho
qualificada, o conhecimento passa a ser incorporado às riquezas.
Estas, no capitalismo assumem a forma de mercadoria. Não podemos
esquecer que a própria força de trabalho é mercadoria
14
. Por essa razão
a força de trabalho docente e discente sucumbe na dinâmica do
estranhamento. Por outro lado, interessa como essa dialética gera o
fetichismo do conhecimento
15
.
Comecemos, então, relembrando o que Marx (1980, p. 41) define,
logo no primeiro parágrafo de O Capital, como mercadoria, a forma
elementar da riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista:
[A mercadoria apresenta um duplo aspecto, isto é, uma
ambivalência]: como valor de uso, não há nada de
misterioso nela, quer eu a observe sob o aspecto de que
satisfaz necessidades humanas pelas suas propriedades,
14
Esta problemática será trabalhada tendo como referência a co mpreensão marxiana
de contradição entre relações de produção e formas sociais no capitalismo (MARX,
1980), e também a contribuição de outros professores sobre essa mesma questão,
como é o caso de Lefebvre (1979) e Rubin (1980)
15
A compreensão abstrata da categoria fetichismo e reificação é um passo decisivo
para entender a característica da ambivalência do conhecimento nas condições
históricas da modernidade capitalista.
35
ou que ela somente recebe essas propriedades como
produto do trabalho humano. É evidente que o homem
por meio de sua atividade modifica as formas das
matérias naturais de um modo que lhe é útil /.../. Mas
logo que ela aparece como mercadoria, ela se transforma
numa coisa fisicamente metafísica (MARX, 1985a, p.
70).
Não é, portanto, ao transformar a forma bruta da natureza em
coisa útil, visando reproduzir a sua existência, que o ser humano gera o
fetichismo das relações de produção e a reificação das formas sociais
quando as personifica; até então não há mistério e o resultado da
atividade laboral não se manifesta como uma coisa fisicamente
metafísica: o produto que atende à reprodução da existência é fruto do
trabalho humano imediato. É na metamorfose que transforma músculos,
nervos, energias e as capacidades humanas em mercadorias que se põe o
mistério.
Se admitirmos a força de trabalho como uma mercadoria,
pergunta-se: como a mercadoria força de trabalho se transforma numa
coisa fisicamente metafísica? Ora, pela personificação das formas
sociais. Tal personificação é processada no âmbito das unidades
capitalistas de produção e apropriação social de conhecimentos, onde o
trabalho pedagógico se sujeita as normas da reprodução sociometabólica
do capital.
36
Quando Marx fala em capacidades humanas ele admite a
imanência do conhecimento nestas capacidades. Esta compreensão de
Marx apresenta problemas que convém esclarecer, em função da
reflexão que faremos sobre a ambivalência da produção e apropriação
social do conhecimento, na modernidade capitalista, no próximo item, a
partir da teoria do fetichismo e da reificação. Tendo esse objetivo,
sentimos a necessidade de introduzir a concepção de conhecimento de
Hodgskin, que, diferentemente de Marx, lhe atribui autonomia, ainda
que relativa, e relevância frente as relações sociais de produção, uma
compreensão que está ausente nos escritos marxianos. Mostraremos essa
nuance a partir da tradução de Reginaldo SantAnna de O Capital de
Marx, publicado pela Civilização Brasileira, em 1980.
Reginaldo SantAnna (tradutor de O Capital editado pela
Civilização Brasileira) traduz a primeira oração do estrato de texto de O
Capital de Marx, destacado acima, de forma diferente da tradução de
Jacob Gorender (publicado pela editora Abril Cultural, na coleção Os
Economistas). Ele lê o seguinte: a mercadoria é misteriosa por
encobrir [e logicamente ocultar] características sociais do próprio
trabalho dos homens (MARX, 1980a, p. 81). Mas, então, o mistério ou
metafísica das mercadorias também encobre e oculta a produção e
apropriação social do conhecimento que, através de um complexo
processo de produção e apropriação social, realizado em específicas
unidades por produtores específicos, acaba se transferindo às
mercadorias.
37
É um fato para Marx que o homem por meio de sua atividade [o
trabalho humano] modifica as formas naturais de um modo que lhe é
útil. Ora, para modificar as formas naturais é necessário
conhecimento produzido e apropriado socialmente, por mais rudimentar
que seja a modificação das formas naturais. Mas, justamente, esse
pressuposto, não foi explicitado por Marx como deveria. Para Marx,
bastou-lhe considerar a importância do conhecimento na reprodução
social das mercadorias admitindo-o como imanente à capacidade
produtiva da força de trabalho. Esta é concebida como o dispêndio de
cérebro, nervos, músculos, sentidos etc., humanos. O conhecimento
está identificado nesse etc. que, em termos da análise prático-
crítica do materialismo histórico não é muita coisa.
Marx não desconhece que o valor agregado às formas das
matérias naturais pela força de trabalho compreende também o
conhecimento. Que, efetivamente, o conhecimento é um importante
insumo na valorização das mercadorias e, conseqüentemente, na
valorização do capital. Apenas não desenvolveu teoricamente esse fato
como poderia.
A valorização do capital que ocorre na jornada de trabalho, que
obedece ao tempo socialmente necessário para a produção das
mercadorias, pressupõe o conteúdo do conhecimento. É tal substância
que se expropria da força de trabalho durante o processo de produção
capitalista. Essa qualidade da força de trabalho é superior ao dispêndio
de cérebro, nervos, músculos, sentidos etc. humanos. Não se trata de
38
cobrar de Marx uma análise consistente sobre a produção social do
conhecimento na modernidade capitalista, mas reconhecer que é
insuficiente admitir que o conhecimento agregado pela força de trabalho
ao capital, no processo de valorização, seja explicado pelodispêndio
de cérebro
16
. Esse reconhecimento foi destacado por Hodgskin,
pensador inglês conhecido de Marx e citado diversas vezes em O
Capital com apreço.
Hodgskin foi o primeiro a evidenciar a autonomia do
conhecimento no processo de produção da modernidade capitalista. Ele
observou o conhecimento como uma forma de riqueza produzida
socialmente. Em seu opúsculo A defesa do trabalhador contra as
pretensões do capital, publicado em 1825 por Mecanics Magazine, ele
afirmava:
É o trabalho que produz todas as coisas à medida que
elas se fazem necessárias e a única coisa que pode /.../
ser estocada
17
ou preparada previamente é a qualificação
do trabalhador [a qualificação ou enriquecimento da
força de trabalho pode ser acumulada sem causar
desperdício ou prejuízo ao capital, ao contrário]. Se a
16
Nossa hipótese é que uma séria consideração do problema do conhecimento na
valorização do capital levaria Marx a pesquisar como se efetiva a produção e
apropriação social do conhecimento na modernidade capitalista. Um tema q ue em
caráter introdutório discutiremos no capítulo primeiro.
17
Hoje, mais do que na época de Hodgskin, sabemos que o conhecimento se revela
como fluxo e não como estoque, mas essa característica não está completamente
ausente da compreensão de Hodgskin, pois ele também admite que o conhecimento
seja preparado e acumulado.
39
qualificação do padeiro, do açougueiro, do criador
[pecuarista], do alfaiate, do tecelão etc. não fosse
previamente criada e estocada, as mercadorias que cada
um deles produz não seriam obtidas, mas onde ela
estiver presente tais mercadorias sempre poderão ser
adquiridas, se desejadas (HODGSKIN, 1986, p. 318).
Devem ter sido os objetivos de pesquisa de Marx e seus interesses
teóricos que o impediram de considerar, como poderia, as proposições
de Hodgskin sobre o conhecimento; pois, como foi dito, Hodgskin
aparece freqüentemente citado nas obras de maturidade de Marx. O fato
é que Hodgskin, ainda no século XIX, reconheceu a centralidade do
conhecimento na valorização do capital e vislumbrou toda a carga de
exploração que incidia sobre a força de trabalho. Ele tem plena
consciência desse fato num momento histórico muito distante de um
mundo, como o nosso, que elevou o conhecimento ao primeiro plano na
reprodução sociometabólica do capital. Por essa razão são inúmeros os
sociólogos, historiadores, economistas etc. que anunciam o contexto
contemporâneo como a era da sociedade capitalista do conhecimento.
Hodgskin destaca como o capital e o Estado se articulam para
preservar e garantir, legalmente, a expropriação do conhecimento pelo
capital, que se desenvolve e se acumula nas atividades laborais dos
produtores:
40
Através de nossa qualificação e conhecimento
crescentes, o trabalho é hoje, provavelmente, dez vezes
mais produtivo do que há duzentos anos atrás, e nós
temos, certamente, que nos contentar com a mesma
remuneração que o servo então recebia. Todas as
vantagens do nosso progresso vão para o capitalista e
para o senhor da terra. Quando negam qualquer
participação nossa no aumento da produção e nós nos
associamos para obtê-la imediatamente, somos
ameaçados com punição sumária. Novas leis são
brandidas contra nós e, se estas forem consideradas
insuficientes, somos ameaçados com leis ainda mais
severas (HODGSKIN, 1986, p. 311).
Analisando a cadeia produtiva, a divisão e a produção social,
assim como a recolocação das mercadorias necessárias para garantir a
reprodução da sociedade, Hodgskin visualiza diferentes tempos sociais
necessários para atender à diversidade da demanda efetiva do capital,
inclusive a demanda de produção e apropriação social do conhecimento
na modernidade capitalista:
O tempo necessário para adquirir um conhecimento de
qualquer espécie de trabalho qualificado de modo a
praticá-lo vantajosamente (o que inclui quase todos os
ofícios, quer gerem riquezas, quer simplesmente
contribuam para o divertimento), é consideravelmente
41
superior a um ano e, em muitos casos, a vários anos
(HODGSKIN, 1986, p. 319).
Não é apenas o conhecimento produzido e apropriado socialmente
que se realiza a longo prazo, pois enquanto ensinam o trabalho
qualificado à nova geração e instruem seus filhos nos ofícios úteis,
constroem-se [também] canais, estradas, docas, navios, máquinas a
vapor em tempo elástico (ibidem, p. 319). Mas Hodgskin não tem
dúvidas: entre todas as operações importantes que exigem mais de um
ano para serem concluídas o fato de elas serem todas importantes, no
que diz respeito à produção de riquezas, não precisa ser realçado, a
mais importante, efetivamente, é a educação dos jovens e o ensino a
eles do trabalho qualificado ou de algum ofício gerador de riqueza
(ibidem, p. 319). Portanto, diz Hodgskin:
Desejo, particularmente, chamar a atenção do leitor para
esta operação produtiva, porque, se as afirmações que já
fiz forem corretas, todos os resultados habitualmente
atribuídos à acumulação de capital circulante são
oriundos da acumulação e armazenagem de trabalho
qualificado, e porque esta operação de tão superior
importância é executada, no que diz respeito à grande
massa dos trabalhadores, sem capital circulante de
qualquer espécie (HODGSKIN, 1986, p. 319, grifos do
autor).
42
Essa clareza com que Hodgskin expõe o lugar do conhecimento na
valorização do capital não foi aprofundada pela teoria social marxiana
18
.
Muito antes de nós, ele percebera como o conhecimento-riqueza é
subsumido às engrenagens da valorização do capital. A sociologia tem
dado pouca atenção a essa natureza do conhecimento na
contemporaneidade. Poucos questionam o que Hodgskin perguntara no
século XIX: quem viabiliza e como se processa a reprodução societal do
conhecimento-riqueza, do conhecimento-mercadoria, já que, por tal
produção e apropriação social, as unidades econômicas do capital
parecem não se responsabilizar diretamente? O próprio Hodgskin
responde:
O trabalho dos pais produz e compra com aquilo que
recebem como salário todo alimento e roupas que a
nova geração de trabalhadores utiliza, enquanto
aprendem aqueles ofícios por meio dos quais, doravante,
18
Em Marx o conhecimento ou foi fetichizado pela modernidade das relações
capitalistas de produção, ou foi condensado à categoria força de trabalho,
capacidade produtiva etc. Apenas com Gramsci a visão de Hodgskin foi levada a
termo, embora Gramsci pareça desconhecer as reflexões de Hodgskin. Mas o
problema do conhecimento para Gramsci não é o aspecto da produção e apropriação
social do conheci mento na valorização do capital, não é um problema de sociologia
econômica, mas de sociologia do trabalho e de sociologia da educação. Para
Gramsci há um princípio educativo na atividade laboral, um princípio pedagógico
que incide sobre a personalidade dos produtores, deter minando a formação das
personalidades. O princípio educativo pode formar prod utores com personalidade
subalterna ou autônoma. Esse princípio pedagógico do trabalho, em Gramsci, como
será visto no capítulo terceiro, é universal, existe em todas as atividades em que se
desenvolve a laboralidade humana, tendo em vista uma necessidade prévia.
43
produzirão todas as riquezas
19
da sociedade. Para a
criação e educação de todos os futuros trabalhadores
(naturalmente, não me refiro à educação livresca, que
constitui a parte menos útil de tudo que precisam
aprender), seus pais não possuem estoque armazenado
além de sua própria qualificação prática. Sob a forte
influência da afeição natural e do amor paterno,
preparam, por meio de sua labuta continuada, dia após
dia e anos após anos, durante todo o longo período da
primeira e da segunda infância de seus descendentes,
esses futuros trabalhadores que os sucederão em sua
labuta e em sua dura jornada, mas que herdarão sua
força produtiva e serão o que eles são agora os
principais [e perpétuos] esteios do edifício social
20
(HODGSKIN, 1986, p. 319, grifos nossos).
19
Não se pode desdenhar o fato, que,durante todo o longo período da primeira e
da segunda infância, os filhos também lab utam para aprender os conhecimentos
necessários para desempenharem no futuro alguma atividade útil e produtiva:
estudar é trabalho. As atividades educativas são desempenhadas na primeira e
segunda infância, sem qualquer remuneração pelo esforço empreendido ; dedica m-se
aos estudos por obrigação ou em função da necessidade de terem com o que contar
para sobreviver quando adultos.
20
Portanto, desde os tempos de Hodgskin, a reprodução societal do conhecimento se
faz de forma privada; quando muito, estatal. A educação não é compreendida,
decisivamente, como interesse público societal, acima do Estado e do mercado: as
classes proprietárias pagam por ela e as classes subalternas vivem do seu refugo.
44
Além de ressaltar a importância que o conhecimento assume no
contexto da modernidade capitalista, Hodgskin sublinha o caráter de
classe da educação:
Seria melhor para os trabalhadores ficarem privados de
educação do que fazer a de seus patrões [o Estado e o
capitalista], porque a educação, nesse sentido, não é
melhor do que o adestramento dos animais que são
subjugados pela canga /.../ Os trabalhadores de Londres
devem perseverar, como os de Glasgow, e fundar a nova
instituição às suas próprias custas
21
(HODGSKIN, 1986,
p. 304).
Embora com todas as limitações de suas reflexões, que tem como
referência o século XIX, parece-me que suas proposições não são
desprezíveis ou infundadas. A reprodução e apropriação social de
conhecimentos ainda persistem sob um forte conteúdo de classe
questão que será tratada no próximo item. Sobre a importância do
conhecimento na valorização do capital, só agora, das três últimas
décadas do século XX para cá, começam a despontar pesquisas que
21
Hodgskin, j unto com o escocês Robertson, fundaram em 1823 o instituto
educacional da classe trabalhadora inglesa, o Mechanic Magazine. Nesse instituto
os trabalhadores aprendiam o que era indispensável para trabalhar nas indústrias
inglesas: química, mecânica, ciência d a produção e distribuição de riquezas. Foi
nesse instituto que ele não só publico u o opúsculo referenciado acima, mas també m
várias conferências que nele proferiu foram condensadas em outra obra importante,
publicada em 1827, Economia Política Popular, na qual fez críticas às teses de
Ricardo, Malthus, Bentham, MacCulloch e Stuart Mill.
45
vislumbram o conhecimento como riqueza, como insumo estratégico na
valorização do capital.
Mas o conhecimento não se resume a enriquecer o capital. Outra
descoberta importante sobre o conhecimento, como dito anteriormente,
coube a Gramsci, que o concebeu como fator decisivo na formação da
personalidade dos produtores e na organização da cultura moderna. Isto
é, o conhecimento que valoriza e enriquece a força de trabalho potencial
do discente e, por conseguinte, o capital, também possui caráter ético-
político: desenvolve a autonomia das pessoas, a capacidade de governar
e dirigir. Isso não significa que a reflexão de como o conhecimento se
metamorfoseia em mercadoria seja desnecessária. Além de investigar o
problema ético-político do conhecimento, implica considerar,
concomitantemente, o problema da produção e apropriação social do
conhecimento na modernidade capitalista. O objeto específico desta
reflexão abarca as relações sociais de produção e as formas sociais que
se estabelecem no ambiente das unidades de produção e apropriação,
unidades que têm a função de socializar o conhecimento acumulado
historicamente.
Neste estudo, no próximo item, introduziremos essa problemática.
Agora apenas podemos adiantar, como reconhecido por Hodgskin e
Gramsci, o caráter conflitual da reprodução e apropriação social do
conhecimento, reconhecer esse campo como campo de conflitos e
disputas entre as classes fundamentais, dado que o conhecimento
confere riquezas e poder a seus proprietários. Há diferenças na operação
46
de socializar o conhecimento entre unidades que têm a função de 46aze-
lo. Unidades que atendem a classes distintas da estrutura societal: as
classes dirigentes e as classes subalternas que, na feliz expressão de
Hodgskin, servem de esteios do edifício social. Nossa hipótese é que
o conhecimento na modernidade capitalista sofre um processo de
mercadorização, que será discutido especificamente no próximo item.
A mercadorização do conhecimento implica, de um lado, negar o
conhecimento-riqueza às classes subalternas e, de outro, forjar o
fetichismo do conhecimento através da reificação da personificação das
formas sociais, que determinam a produção e apropriação social do
conhecimento como mercadoria. Este processo societal é um dos
aspectos que estamos denominando de ambivalência do conhecimento,
apoiando-nos na teoria social marxiana.
Na modernidade capitalista, ao contrário de a produção e
apropriação social do conhecimento viabilizar a realização do projeto
emancipatório na modernidade, objetivamente realiza a alienação,
impõe a psicologia de sujeição ou servidão aos agentes
socioeconômicos implicados nas relações de produção e apropriação do
conhecimento e reifica as formas sociais personificadas pelos sujeitos
pedagógicos diretamente envolvidos na produção e apropriação social
do conhecimento.
No seio de tal complexidade, compreender as características do
fetichismo da mercadoria contribui para desvendar o fetichismo do
47
conhecimento. Talvez seja mais plausível sintetizar essa complexidade
em termos da expressão conhecimento-mercadoria.
A particularidade da dimensão ético-política do conhecimento
será vista no capitulo dois. Agora interessa discutir o fetichismo da
mercadoria e a reificação da personificação social que, segundo Marx,
resultam das contradições de um movimento unitário que engloba as
relações de produção e as formas sociais que lhes correspondem. Dessa
forma, discutiremos o problema abstrato da fetichização das
mercadorias (categoria abrangente) e, em seguida, a concretude de tal
fetichização, tomando como referência o conhecimento (categoria
específica). Retomemos, então, à problemática do fetichismo da
mercadoria.
O ser humano é confrontado com o fetichismo da mercadoria e
com a reificação da personificação das formas sociais nas sociedades
modernas. Segundo Marx, o caráter místico da mercadoria não provém,
portanto, de seu valor de uso, tampouco do conteúdo das determinações
de valor (MARX, 1985a, p. 70), mas da autonomização das coisas
objetivadas pelos produtores que, na modernidade capitalista, assume a
forma de mercadoria. Analogamente, o conhecimento tende a ser
mistificado quando assume a forma de mercadoria, quando se objetiva
nas relações sociais de produção como conhecimento-mercadoria. Por
essa razão, é importante explicar como ocorre esse processo. A
mistificação é explicada por Marx quando a forma mercadoria exerce
48
hegemonicamente o seu império através da personificação das formas
sociais pelas pessoas.
Marx rejeita a possibilidade de as formas de sociabilidade
orientadas pelo valor de uso conhecerem o fetichismo da mercadoria.
No processo dinâmico das sociedades em que as comodidades
22
ainda
não adquiriram proporções dominantes, as relações de produção e as
formas sociais a elas vinculadas não podem desenvolver o fenômeno
fetichista, pois os produtores ainda não foram expropriados dos meios
necessários à reprodução da existência. Conseqüentemente, os meios de
vida ainda não foram expropriados pelo capital, centralizados e
concentrados sob o seu controle. Nas sociedades pré-capitalistas eles
produzem para si, para a subsistência. Neste contexto o conhecimento
necessário à reprodução da vida é coletivo e não há exclusividade em
sua produção e apropriação.
Essa realidade muda quando entram em cena as determinações
sociais da reprodução sociometabólica do capital, aquelas que
inauguram propriamente a era da modernidade capitalista. Marx
enumera os motivos que impedem o fetichismo de se manifestar antes da
modernidade capitalista. Nas sociedades pré-modernas predominavam as
seguintes características: (1º) o trabalho funcionava como extensão do
organismo humano; (2º) o número de horas de trabalho era definido
pelas necessidades imediatas de subsistência; (3º) o fato de existir
22
Empregamos esse termo conforme Mandeville (2001) o entende. As co modidades
são formas sociais que trazem o conforto social, bem-estar etc.
49
excedente econômico não determina a autonomização do produto do
trabalho como mercadoria, apenas explicita o caráter de sociabilidade
decorrente da evolução do trabalho humano.
Primeiro, por mais que se diferenciem os trabalhos úteis
ou atividades produtivas, é uma verdade fisiológica que
eles são funções do organismo humano e que cada uma
dessas funções, qualquer que seja seu conteúdo ou
forma, é essencialmente dispêndio de cérebro, nervos,
músculos, sentidos etc. humanos;
Segundo, quanto ao que serve de base à determinação da
grandeza de valor, a duração daquele dispêndio ou a
quantidade do trabalho, a quantidade é distinguível até
pelos sentidos da qualidade do trabalho. Sob todas as
condições, o tempo de trabalho, que custa a produção
dos meios de subsistência, havia de interessar ao
homem, embora não igualmente nos diferentes estágios
de desenvolvimento;
Finalmente, tão logo os homens trabalham uns para os
outros de alguma maneira, seu trabalho adquire também
uma forma social (MARX, 1985a, p. 70).
Marx se pergunta: de onde provém, então, o caráter enigmático
do produto do trabalho, tão logo ele assume a forma mercadoria?
(ibidem, p. 70). A resposta é categórica: da própria forma social da
mercadoria.
50
O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto,
simplesmente no fato de que reflete aos homens as
características sociais do seu próprio trabalho como
características objetivas dos próprios produtos de
trabalho, como propriedades naturais sociais dessas
coisas e, por isso, também reflete a relação social dos
produtores com o trabalho total como uma relação social
existente fora deles, entre objetos. Por meio desse
qüiproquó os produtos do trabalho se tornam
mercadorias, coisas físicas, metafísicas ou sociais
23
.
Assim, a impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo
ótico não se apresenta como uma excitação subjetiva do
próprio nervo [biológica, fisiológica], mas como forma
objetiva de uma coisa fora do olho [social] (MARX,
1985a, p.71).
O fato de o fetichismo poder ser observado, com maior evidência,
nas formas sociais assumidas pelas mercadorias, não torna a produção
23
Marx entende a objetividade dos vínculos sociais, na modernidade capitalista,
como traço característico do fetichismo. Este não resulta de qualquer falha orgânica
ou subjetiva do ser humano: a impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo
ótico não se apresenta como uma excitação subjetiva do próprio nervo, mas como
forma objetiva de uma coisa fora do olho. [E continua] no ato de ver, a luz se
projeta realmente a partir de uma coisa, o objeto externo, para outra, o olho. É uma
relação física entre coisas físicas (ibidem, p. 71). Importa ressaltar essa relação
destacada por Marx entre os sentidos humanos, orgânicos ou biológicos que
também podemos compreender como interioridade , e as formas objetivas, o
mundo externo ou o outro que podemos compreender como exterioridade, o
social.
51
de mercadorias imune à dinâmica fetichista. É esta, segundo Marx, a
força propulsora do fetichismo. De qualquer modo, ambas as esferas:
relações de produção e formas sociais das mercadorias, compõem,
organicamente, a dinâmica do fetichismo e da reificação; seja porque
elas constituem a estrutura do sistema mercantil, sem as quais o sistema
não poderia existir, seja porque são as vias fundamentais que ligam e
obstruem, ao mesmo tempo, os fluxos das relações sociais do sistema,
permitindo a reprodução e a continuidade do mesmo. Portanto, tais
esferas são mediações orgânicas que dão materialidade à objetividade
do fetichismo e da reificação.
Os produtores, vinculados à modernidade capitalista, vêem as
mercadorias como objetos e coisas dotadas de vida própria; são coisas e
utilidades necessárias à reprodução material e espiritual da sua
existência, mas que lhes parecem autônomas e capazes de livre-arbítrio,
que transcendem às suas vontades e formas de controles, como se elas
tivessem uma história independente das suas. Mais do que isso, como se
as mercadorias determinassem as suas vidas, mesmo que a contragosto.
Assim, os produtores vivem num mundo estranho criado por eles
próprios.
De outra perspectiva, os proprietários dos meios de produção
vêem os produtores como recursos e insumos de um consumo produtivo,
como forças de trabalho acabada, enriquecidas por um processo
educativo que atesta esse enriquecimento através da concessão de um
certificado. O certificado concede valor à força de trabalho, representa
52
a apropriação de conhecimentos que qualifica a força de trabalho para o
exercício de uma função profissional. Dessa forma, as profissões são
nomes atribuídos pelas unidades
24
de produção e apropriação social do
conhecimento às forças de trabalho acabada e prontas para serem
convertidas em capital variável pelo capital. O certificado é a coisa da
qual a força de trabalho é proprietária privada para, mediado com essa
coisa que é o certificado, negociar um valor na comercialização da força
de trabalho. Aos olhos dos proprietários de capital, o profissional
aparece dissociado e alheio ao processo das relações de produção e
apropriação social do conhecimento, um processo que pouco lhe
interessa; o que importa é o resultado que obterá com a força de
trabalho acabada, pronta a lhes servir no objetivo de valorização do
capital. E, para ambos, produtores e capitalistas, são as forças do
mercado que determinam que assim seja
25
.
Nessa determinação o produtor assalariado é visto como coisa
cuja peculiaridade é produzir. Para tanto, é necessário combinar força
24
Essa expressão é concebida por Gramsci como unidades culturais sociais
(GRAMSCI, 1985, p. 136 ss).
25
Esse mesmo metabolismo que observamos ocorrer com a categoria abrangente
mercadoria ocorre com a categoria específica conhecimento. A hierarquia entre os
sujeitos so cioeconô micos e entre os sujeitos pedagógicos, o controle do Estado e do
capitalista que atua no processo de produção e apropriação social do conhecimento,
os critérios de avaliação do enriquecimento da força de trabalho potencial dos
discentes centrados no indivíduo, os certificados como atestado comprobatório do
enriquecimento da força de trabalho, aparecem determinados pelo mercado.
Determinações a que burocratas, capitalistas, força de trabalho acabada do docente
e a força de trabalho potencial do discente não podem fugir, senão se submeter e se
sujeitar.
53
de trabalho com outros recursos, que não são mais do que outras coisas.
As relações de produção, assim coisificadas, determinam as relações
sociais entre as pessoas, de uma maneira abrangente e societária,
condicionam os vínculos sociais na modernidade capitalista. Relações
de produção e formas sociais no contexto da modernidade capitalista
afirmam, por tudo isso, a concretude da fetichização e da reificação.
Mas Marx não reduz o fetichismo às características sociais da
produção mercantil; ele destaca que como fenômeno societal o
fetichismo ocorre inclusive na religião, uma esfera diversa das relações
de produção, em que os seres humanos se relacionam com o
transcendente.
A forma mercadoria e a relação de valor dos produtos de
trabalho, na qual ele se representa, não têm que ver
absolutamente nada com sua natureza física e com as
relações materiais que daí se originaram. Não é mais
nada que uma determinada relação social entre os
próprios homens, que para eles aqui assume a forma
fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso,
para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar à
região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos
do cérebro humano
26
parecem dotados de vida própria,
figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com
26
É importante destacar como Marx dá importância à interioridade humana, mesmo
considerando a exterioridade, a sociabilidade, como momento determinante dos
fenômenos sociais, como é aqui evidenciado pela análise que faz sobre o fetichismo
da mercadoria e seu mistério.
54
os homens
27
. Assim, no mundo das mercadorias,
acontece [o mesmo] com os produtos da mão humana.
Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de
trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias e
que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias
(MARX, 1980a, p. 71, grifos nossos).
Portanto, esse caráter fetichista do mundo das mercadorias
provém /.../ do caráter social peculiar do trabalho que produz
mercadorias (MARX, 1985a, p. 71). Já sabemos, agora, o que é o
fetichismo e como se constituiu na modernidade capitalista. Porém, não
sabemos ainda, precisamente, como ele se desdobra e permeia os
meandros das formas de sociabilidade; como, enfim, a potência do
fetichismo se atualiza e se universaliza na modernidade capitalista.
Sabemos que num primeiro momento ele opera no âmbito das esferas
das relações de produção e das formas sociais correspondentes entre si.
Mas não foi ainda explicitada a sua processualidade genérica.
27
A religião é apenas um referencial. Mas não é apenas no mundo da religião que
os produtos do cérebro humano são animados, ganham vida própria e invertem
as a condição de criador e criatura contra as pessoas. Isso também ocorre no mundo
da produção/apropriação social do conhecimento. Para muitos sujeitos p edagógicos
(docentes e discentes) que atuam nas unidades de produção/apropriação do
conhecimento, os próprios conteúdos socializados assim se manifestam. Aqui o
fetichismo e a reificação do conhecimento não são só determinados pela
mercadoria-conhecimento, como também pela mercadoria força de trabalho docente
e discente.
55
Para além da personificação das formas sociais pelas pessoas, o
fetichismo pode ser verificado nos processos das relações de produção,
nas entranhas da divisão sócio-técnica do trabalho, onde se processa a
distribuição do poder e das riquezas. Assim, é na divisão técnica e
social do trabalho que ocorre a estratificação dos produtores ou
profissionais em classes sociais e que, portanto, se gestam as lutas e
os conflitos mais acirrados na modernidade do capital.
Considerando a modernidade capitalista, como Marx compreende
as imbricações sócio-dinâmicas das relações de troca e da divisão social
do trabalho na conformação e expansão do fetichismo da mercadoria,
nos diversos âmbitos das relações de produção?
Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem
produtos de trabalho privados independentemente uns
dos outros [privados pelo capital sob as mais diversas
categorias que o constituem como um sistema
estruturado organicamente: especialização,
segmentação, atomização etc]. O complexo desses
trabalhos privados forma o trabalho social total. Como
os produtores somente entram em contato social
mediante a troca de seus produtos de trabalho, as
características especificamente sociais de seus trabalhos
privados só aparecem dentro dessa troca /.../, os
trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do
trabalho social total por meio das relações que a troca
estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos
56
mesmos, entre os produtores. Por isso, aos últimos
aparecem as relações sociais entre seus trabalhos
privados como o que são, isto é, não como relações
diretamente sociais entre pessoas em seus próprios
trabalhos, senão como relações reificadas entre as
pessoas e relações sociais entre as coisas (MARX,
1985a, p. 71, grifos nossos).
A divisão sóciotécnica do trabalho faz os produtores diretos,
individualizados e incumbidos em realizar tarefas e rotinas específicas,
perderem a consciência do trabalho social total. Por tal atomização e
isolamento, perpetrados pela divisão técnica do trabalho, não
desenvolvem a compreensão da conectividade e dos nexos societais do
trabalho, da rede intrincada formada pelo intercâmbio de mercadorias
entre os inúmeros produtores: o trabalhador coletivo. A essa trama
societal Marx conceituou de modo de produção de mercadorias. Neste,
predominam as relações de mercadorias por meio de mercadorias.
A conseqüência dessa pulverização de produtores concretos de
mercadorias é o produtor não se reconhecer como produtor, e não se
reconhecer como produtor no âmbito dotrabalho social total. Como
se não bastasse esse processo de alienação, a mediação das trocas de
mercadorias, como único meio de os diferentes tipos de produtores
privados se relacionarem, obriga os produtores a converterem-se em
força de trabalho, constituindo um sistema de permuta universal entre
57
coisas. Essa evidência entre a troca de coisas sedimenta, em termos
sociais abrangentes, a própria coisificação do ser humano, a reificação.
Como se percebe, a reificação e a alienação são efeitos de um
circuito integrado que começa na produção e se estende à realização dos
produtos no mercado de consumo. No primeiro momento, o da produção,
opera-se a alienação, o estranhamento do produtor frente às mercadorias
e a natureza social das relações de produção, momento em que se
processa a humanização da natureza; e, no segundo, processa-se a
coisificação, momento em que as mercadorias parecem ganhar vida
própria frente a seus produtores.
Cabe lembrar que esses efeitos se aplicam à modernidade
capitalista, onde não há qualquer forma de controle social da produção
de mercadorias; onde relevantes questões sobre a produção e
apropriação social das riquezas são deixadas à racionalidade do
mercado. Com isso não se deixa de reconhecer positividade no modo de
produção de mercadorias. O que importa para Marx é desvendar, neste
momento, o porquê e o como se cristaliza o fetiche. Neste, a divisão
social do trabalho e as relações mercantis têm um papel primordial: no
primeiro caso, como pulverização do trabalho e, no segundo, como
ruptura ou cisão do produto do seu produtor mediado pelas trocas.
Essa cisão do produto de trabalho em coisa útil e coisa
de valor realiza-se apenas na prática, tão logo a troca
tenha adquirido extensão e importância suficiente para
que se produzam coisas úteis para serem trocadas, de
58
modo que o caráter de valor das coisas já seja
considerado ao serem produzidas. A partir desse
momento, os trabalhos privados dos produtores
adquirem realmente duplo caráter social. Por um lado,
eles têm de satisfazer determinada necessidade social,
como trabalhos determinados úteis, e assim provar
serem participantes do trabalho total, do sistema
naturalmente desenvolvido da divisão social do
trabalho. Por outro lado, só satisfazem às múltiplas
necessidades de seus próprios produtores, na medida em
que cada trabalho privado útil particular é permutável
por toda outra espécie de trabalho privado, portanto lhe
equivale /.../ O cérebro dos produtores privados apenas
reflete esse duplo caráter social de seus trabalhos
privados sob aquelas formas que aparecem na circulação
prática, na troca dos produtos o caráter socialmente
útil de seus trabalhos privados, portanto, sob aquela
forma que o produto de trabalho tem de ser útil, isto é,
útil aos outros o caráter social da igualdade dos
trabalhos de diferentes espécies sob a forma do caráter
do valor comum a essas coisas materialmente diferentes,
os produtos de trabalho (MARX, 1985a, p. 71-72).
Mas, lembra Marx, isso é apenas o que se tem revelado de
imediato, pois os produtoressó [conseguem] equiparar seus produtos
de diferentes espécies na troca, como valores [equiparam] seus
59
diferentes trabalhos como trabalho humano (ibidem, p. 72). E assim,
de uma maneira condicional e ao mesmo tempo inconsciente. Marx
diz: Não o sabem, mas o fazem (ibidem, p. 72, grifos nossos).
Entretanto, a consciência de que os produtos de trabalho, enquanto
valores são apenas expressões materiais do trabalho humano despendido
em sua produção /.../ não dissipa, de modo algum, a aparência objetiva
das características sociais do trabalho (MARX, 1985a, p. 72). Ainda
assim persiste o fato de que seu próprio movimento social possui para
eles [os produtores] a forma de um movimento de coisas, sob cujo
controle se encontram [assujeitados], em vez de controlá-las [como
sujeitos] (ibidem, p. 72-73).
Que objetividade perpetua o fetiche? Segundo Marx,as formas
que certificam os produtos do trabalho como mercadorias e, portanto,
são pressupostos da circulação de mercadorias, já possuem a
estabilidade de formas naturais da vida social, antes que as pessoas
procurem dar-se conta não sobre o caráter histórico dessas formas, que
eles já consideravam como imutáveis, mas sobre seus conteúdos (Marx,
1985, p. 73). Ou seja, a análise dos preços das mercadorias levou à
determinação da grandeza de valor, assim como a análise da
expressão monetária comum das mercadorias levou à fixação de seu
caráter de valor. E é essa forma que se cristaliza nas relações sociais,
exatamente essa forma acabada a forma dinheiro do mundo das
mercadorias que objetivamente vela, em vez de revelar, o caráter social
60
dos trabalhos privados e, portanto, as relações sociais entre os
produtores privados (ibidem, p. 73).
O fetiche não se desfaz simplesmente com a tomada de
consciência prático-crítica dos produtores ou de qualquer pessoa
incorporada à modernidade capitalista. Ele não incide sobre a
consciência (o cérebro), portanto, permanecerá atuando potencialmente
enquanto não forem desfeitas as bases sociais que o sustentam. Nesse
sentido, Marx diz: todo o misticismo do mundo das mercadorias, toda
magia e fantasmagoria que enevoam os produtos de trabalho na base da
produção de mercadorias, desaparecem, por isso, imediatamente, tão
logo nos refugiemos em outras formas de produção (MARX, 1985, p.
73). Para tanto, é necessário empreender uma modernidade de novo tipo,
não capitalista. E, nesse sentido, sob os fundamentos da filosofia da
práxis, conforme Gramsci a entende: forjada na unidade da ação por um
específico campo de forças políticas emancipatórias, uma forma
provável de se abater o fetichismo e a reificação.
Dentre os pensadores que mais contribuíram para compreender a
trama do fetichismo da mercadoria e da reificação da personificação
social encontra-se Isaak I. Rubin. Na obra que tomamos para análise ele
destaca a dialética entre relações de produção e as formas sociais
objetivas como condição de explicação daqueles fenômenos societais da
modernidade capitalista. Em sua abordagem, Rubin destaca a
importância do materialismo histórico e da crítica a economia política,
mormente a teoria marxiana do valor-trabalho, na formulação do
61
conceito de fetichismo e reificação. Nele está embutida a teoria do
estranhamento.
É, sobretudo, na Sagrada Família que, segundo Rubin,
encontramos o embrião da teoria do fetichismo na forma de um
contraste entre relações sociais ou humanas e sua forma alienada,
materializada (RUBIN, 1980, p. 69), quando Marx analisa as
formulações de Proudhon sobre os limites e contradições da economia
mercantil, expostas em sua obra Sistema das contradições econômicas.
Desde então, Marx se propôs a desvendar o misticismo existente na
dialética entre formas sociais ou superestrutura e relações sociais de
produção ou infraestrutura. Na Sagrada Família se esboça, ainda que
rústica, a crítica de Marx & Engels à sociedade do capital, que aparece
revitalizada e revigorada em O Capital. Nesta obra, o conceito de
fetichismo encontra similaridade na crítica que faz ao pensamento
especulativo e teológico.
Há três componentes básicos, segundo Rubin, que Marx utiliza
para definir o fetichismo da mercadoria: (a) a crítica da economia
política clássica, sobretudo a teoria ricardiana do valor-trabalho; (b), a
concepção do materialismo histórico e (c) a crítica à economia política
clássica inspirada na dialética hegeliana e no materialismo de
Feuerbach. Esses componentes contribuem para desvendar o movimento
contraditório da modernidade capitalista e revelam a necessária
superação do metabolismo do capital.
62
O fetichismo encobre os vínculos entre as categorias da economia
política e os interesses da burguesia. Por essa razão é preciso um novo
corpus categorial que contribua para superá-lo e impulsione o projeto
emancipatório na modernidade. Um movimento único que deve ser
realizado, simultaneamente, em duas frentes: no plano da ação política e
da teoria social. Com tal propósito a crítica teórica à modernidade
capitalista exige o esforço de se compreender como as teorias burguesas
contribuem para a acomodação da situação de dominação e a exploração
da força de trabalho pelo capital.
Na perspectiva prático-crítica de Marx, a crítica da economia
política converte-se numa crítica dos obstáculos ao projeto
emancipatório na modernidade capitalista. Marx constrói, então, uma
teoria crítica que revela os grilhões que acorrentam as pessoas na sua
cotidianidade, na prática social originária, demonstrando que aquilo que
se pensa como natural é histórico e possível de transformação, resulta
das lutas e conflitos entre as classes fundamentais. É no processo
produtivo, dominado objetivamente pelas forças do capital, que a
prática privada cinde o social, convertendo a expressão do valor numa
relação natural, objetiva e universal. É este o processo que instaura a
coisificação das pessoas e personifica sua reprodução sociohistórica sob
máscaras, sob personificação de coisas que povoam seu ambiente.
Nas relações de produção da modernidade capitalista os
produtores aparecem independentes, atomizados e proprietárias de
coisas, logo, as formas socioeconômicas que personificam e que
63
emergem das relações de produção apresentam-se, na economia clássica,
como intercâmbio equivalente entre mercadorias lucro, salário e renda
representam mediações da dialética entre relações de produção e formas
sociais.
Neste tipo de sociedade, no qual as pessoas mantêm relações de
produção mediadas por personificação de coisas: de capital, de força de
trabalho e de terras; em que o privado impera sobre o social: o
capitalista é a personificação da propriedade de capital, o latifundiário
é personificação da propriedade agrária e o assalariado é a
personificação da propriedade da força de trabalho. Neste tipo de
sociedade a personificação determina os vínculos entre as pessoas,
mediados pela propriedade de coisas. A intercambialidade é realizada
entre proprietários de mercadorias. Nesta sociedade o produto do
trabalho não aparece como propriedade dos produtores assalariados, mas
dos proprietários dos meios de produção que controlam as relações
sociais de produção, as quais ocupam um papel fundamental (RUBIN,
1980, p. 26).
Na modernidade capitalista, nas relações de produção diretas e
imediatas, os produtores aparecem isolados e independentes uns dos
outros, em competição. Aparentemente, os produtores trocam
mercadorias equivalentes, mediadas por dinheiro. À primeira vista, as
coisas permutadas parecem dotadas de vida própria. O que se oculta
nessa permuta é que essas mercadorias são resultantes das relações
sociais entre pessoas, entre produtores. As relações de produção não são
64
reveladas como movimentos das coisas, das quais as pessoas são
proprietárias. Mas quando observamos mais profundamente as relações
de produção, para além do imediato, constatamos a trama entre
inúmeros produtores, numa extensa divisão social do trabalho, em
termos horizontais, e intensa divisão técnica do trabalho, em termos
verticais, que põe em movimento o metabolismo das relações
produtivas. Portanto, as relações capitalistas de produção encobrem [e
recobrem] a extrema desigualdade entre os proprietários (RUBIN,
1980, p. 21).
A reificação da personificação das formas sociais correspondentes
às relações sociais capitalistas é determinante na intercambialidade das
mercadorias. Nas unidades econômicas, onde se efetivam as relações de
produção, observa-se o consumo produtivo de capital variável e capital
constante, controlado pelos proprietários de capital e seus prepostos. Na
modernidade capitalista todo esforço socioprodutivo é catalisado pelas
formas sociais das coisas intercambiadas. Através delas o fetichismo se
cristaliza e se reifica como processo de coisificação dos produtores. A
mercadoria parece criar pernas, cravar-se na cabeça das pessoas como
objetivação e materialização das relações de produção, assumindo um
duplo aspecto: de utilidade e de permutabilidade.
No capítulo VI, inédito, de O Capital, Marx resume o processo do
fetichismo da mercadoria em três formas:
1. Quando a produção mercantil converte a mercadoria em uma
forma geral de permuta entre proprietários de mercadorias;
65
2. Quando a produção mercantil conduz, necessariamente, a
produção capitalista, tão logo o operário deixe de ser parte das
condições de produção (escravo, servo) ou a comunidade
primitiva (Índia) deixe de ser a proprietária dos meios de
produção. Quando a força de trabalho é convertida em
mercadorias;
3. Quando a produção mercantil forja a produção social de
mercadorias, individualizando os produtores na divisão técnica
do trabalho e determinando como critério o intercâmbio de
mercadorias equivalentes. A troca entre capital e força de
trabalho é padronizada como forma geral das relações sociais de
produção (MARX, 1985a, p. 98-99).
Sob esses pressupostos a alienação do trabalho passa a vigorar na
modernidade capitalista. Com eles o capital subsume o produtor a seu
controle na valorização do capital. Na modernidade capitalista os meios
de produção deixam de ser meios que facilitam ao ser humano obter os
recursos para satisfazer as suas necessidades e desejos, para
constituírem-se em forma privada de enriquecimento e valorização do
capital. Processa-se a metamorfose das relações sociais de produção
entre pessoas para relações materiais entre coisas. Essa metamorfose
envolve os valores (o ethos socializado e compartilhado culturalmente)
e o corpo biológico das pessoas: as energias do corpo físico e as
capacidades cognitivas do corpo-mente.
Para o capital interessa apropriar-se do excedente do trabalho,
isto é, da energia e conhecimentos dos produtores, que são despendidos
no processo de produção. Esta energia e conhecimentos são necessários
66
para reproduzir o sistema de valorização do capital de forma ampliada.
Reprodução que se realiza mediada pelo intercâmbio de mercadorias,
quando o capital converte a força de trabalho acabada em capital
variável. As relações sociais de produção são heterogêneas e
diferenciadas quando observamos o trabalho social total. Nesse
âmbito as mercadorias são permutadas por dinheiro, o equivalente geral
de todas as mercadorias na esfera da circulação. O processo do
trabalho social total sob a valorização do capital resulta no
estranhamento dos produtores em quatro dimensões:
1. Estranhamento do ser humano do produto social: o ser
humano não se reconhece no produto que ajudou a produzir;
2. Estranhamento do ser humano frente ao produto do seu
trabalho: o ser humano não se reconhece no processo de
trabalho a que está vinculado diretamente, não tem
consciência do seu vínculo com o espaço produtivo onde se
insere;
3. Estranhamento do ser humano do contexto geral da
produção social: o ser humano não se vê como parte de um
processo social abrangente da divisão técnica e social do
trabalho, mas apenas como indivíduo atomizado e
desvinculado do conjunto da produção social; portanto, não
é consciente de sua cooperação quando admitido o sistema
econômico como totalidade, não tem consciência de sua
importância no espaço produtivo onde se insere;
4. Estranhamento da natureza: alienado da sua condição de
um ser pertencente à natureza. O seu limite natural para
agir enquanto sujeito histórico e, portanto, como ser
67
genérico. O ser humano perde o significado de que a
destruição irracional da natureza pode levar à destruição do
gênero humano (MARX, 1984).
Na dinâmica da modernidade capitalista as relações de produção
hegemônicas nas unidades produtivas se fazem pela produção de
mercadorias e a força de trabalho é o incremento de acumulação de
riquezas. O trabalho humano perde o sentido social na resolução dos
problemas relacionados às carências, sendo convertido em força de
trabalho potencial e em capital variável. Mas a condição que
possibilitou à alienação se efetivar no processo material das relações
sociais foi a expropriação dos meios de produção dos produtores.
No sistema social do capital o ser humano é um recurso
subordinado, mas não como ocorria nas formações sociais pré-
capitalistas. Na modernidade, o capital se apropria da força de trabalho
por um mecanismo jurídico, aparentemente justo: o contrato de
trabalho. Os contratantes na modernidade capitalista são considerados
proprietários livres. Por um lado, esse mecanismo sugere uma aparente
impressão de liberdade e, por outro, essa impressão encobre a
exploração, as relações de força e as desigualdades existentes entre os
contratantes.
Na relação entre proprietários e não-proprietários de meios de
produção quebra-se a relação direta, arcaica ou natural, entre
produtor e produto, produtor e natureza. Na modernidade do capital, as
relações de produção e as formas sociais a elas correspondentes são
68
mediatizadas por mercadorias, por compra e venda. As relações sociais,
quando alienadas, desdobram-se da alienação das relações de produção
entre proprietários que se alienam.
A condição unitária entre produtor e instrumentos, que
correspondia a uma condição natural em que a subordinação se
efetuava, exclusivamente, sobre os instrumentos, com a pretensão de
satisfazer desejos e necessidades, foi rompida. Aliena-se no processo
produtivo em função dos resultados previamente estabelecidos; o que
reproduz e perpetua as formas sociais dos contratantes, uma vez que a
cada ciclo produtivo as condições e as finalidades são repostas. Em
termos proporcionais da distribuição das riquezas produzidas na
modernidade capitalista, cada rotação do capital resulta um capitalista
mais enriquecido e um assalariado mais empobrecido.
O ser humano como sujeito que determina o seu ritmo de vida, no
processo de produção capitalista é subsumido às relações de produção,
que constituem a rede de sociabilidade. Nessa trama se perde a condição
de produtor autônomo; a reprodução da existência exige a sujeição ao
processo de produção de mercadorias. O produtor é convertido em
artefato da produção mercantil, alheado dos processos decisórios sobre
a valorização e a distribuição dos dividendos do capital.
A divisão técnica do trabalho, segmentada em várias tarefas
operativas, sob rotinas intensas, incessantes e reiterativas, individualiza
o produtor em uma função específica na malha produtiva, e com isso
dificulta a identidade do produtor com a classe social a que pertence.
69
Atomizado e habituado a produzir sob a forma social das profissões, o
produtor internaliza a impressão da individuação, isolando-se da
condição de sujeito ativo e criador do processo de produção de
mercadorias.
Na modernidade capitalista a cooperação perde o sentido social
para o produtor. As formas sociais correspondentes às relações de
produção convertem o produtor em proprietário de mercadoria. Por meio
desta o produtor se vincula ao metabolismo do capital, pois força de
trabalho corresponde a recurso técnico de produção, destinado à
realização de rotinas, que tende a elevar a produtividade. Com isso o
produtor acaba por se alienar durante o próprio processo de trabalho,
quando a cooperação foi integrada à especialização, visando o amplo
controle do aumento e do tempo de produção.
Segundo Marx, neste sistema o operário é o objeto e a
mercadoria, o sujeito (MARX, 1985b, p. 99).
O processo de mercadorização revela a Marx a ambivalência do
caráter da mercadoria e os desdobramentos sistêmicos que decorrem do
antagonismo desse caráter. Marx identifica o núcleo desse antagonismo
no processo das relações de produção entre os produtores.
Nas relações de troca as mercadorias, enquanto valores de uso,
aparecem como meio de satisfação das necessidades humanas, não
modificando em nada o aspecto social das mesmas. É na manifestação
das mercadorias como valor de troca, contudo, que se revela a forma
fantasmagórica de ente-dotado-de-vida.
70
Como corpo a mercadoria não passa de utilidade, mas como corpo
determinado por relações sociais parece, as mercadorias, serem dotadas
de vontade e dinâmica própria. Esse aspecto torna o ser humano
impotente diante da trocabilidade universal na modernidade
capitalista o produtor está diante de um processo de produção e
destruição de mercadorias, mas não pode se apoderar delas, mesmo que
esteja coberto de necessidades ou desejos, mesmo que ela tenha sido
produzida parcialmente por ele.
O produtor é impotente, ainda que consideremos suas forças
físicas e espirituais, para contornar essa situação e se apoderar das
mercadorias da vitrine; o produtor só tem uma maneira, tornar-se
mercadoria. Igualar-se às mercadorias e se imiscuir nesse processo de
mercadorização. E mais, disponibilizando o que é o tempo socialmente
necessário para reprodução do equivalente geral da sua força de
trabalho e das mercadorias em geral (OLIVEIRA, 1993). Assim, o
produtor se subordina ao mercado de trabalho, aos empresários que o
empregam como meio de troca elementar da sociedade mercantil.
Apenas se sujeitando como assalariado o produtor pode adquirir
mercadorias; identificando-se no sistema do capital com a forma social
do profissional.
Seja o produtor que for, desde que seus conhecimentos sejam
úteis à valorização do capital, ao inserir-se na divisão sócio-técnica do
trabalho, essa incapacidade é dissolvida, nivelada e corrigida pelo
metabolismo do capital. Em termos abstratos, a mercadoria força de
71
trabalho, que valoriza o capital, recobre não só a transferência dos
conhecimentos ao processo de produção de mercadorias, mas encobre
todo o caráter social da exploração e das relações de poder do capital.
Este ocultamento é a condição alienante da produção de mercadorias.
São esses os aspectos sociais que Marx revela em seus estudos
sobre as relações de produção da mercadoria, ao contrário dos
economistas clássicos, que reduziram as mercadorias a simples produto
do trabalho; e dos economistas vulgares, que viram o valor e as formas
sociais como algo intrínseco à mercadoria. Criticando os clássicos e
vulgares economistas políticos, Marx descobre o aspecto fetichista
como encobridor das relações de dominação do capital, e concebe o
fetichismo como uma relação social inerente à modernidade capitalista.
A teoria fetichista da mercadoria desvenda, desta maneira, as
relações de dominação que se efetivam em níveis mais profundos das
aparentes formas de sociabilidade do capital. Essa teoria revela o
conteúdo substancial do metabolismo do capital, que é anulado quando
a mercadoria é tomada apenas nos seus aspectos imediatos como ente
econômico, e reduzido simplesmente a valor de troca na trama das
sociabilidades econômicas.
Marx demonstra serem as relações mercantis entre coisas a
expressão das relações materiais entre seres humanos, o que
corresponde sociologicamente à dominação legítima do capital. A
mercadorização forja as máscaras necessárias ao desenvolvimento das
relações capitalistas, legitima a sociabilidade que enquadra o produtor
72
como mercadoria, isto é, em coisa que serve ao enriquecimento do
capital adiantado. As relações materiais entre os seres humanos são
exteriorizadas como relações entre coisas. Discutida a coisificação da
categoria abrangente mercadoria, cabe agora discutirmos o fetichismo e
a reificação da categoria específica do conhecimento, quando
explicitaremos com maior precisão a ambivalência do conhecimento na
modernidade capitalista.
73
1.2. CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA DO TRABALHO
PEDAGÓGICO
Na modernidade capitalista a produção e apropriação social do
conhecimento tem se concentrado e centralizado nas unidades
educativas. Estas instituições têm assumido a função de organizar o
conhecimento, historicamente acumulado, e socializá-lo entre as
gerações. Ainda neste contexto, o conhecimento assume a forma de
fetichismo da mercadoria, na medida em que os sujeitos pedagógicos
reificam as formas sociais que ganham autonomia das relações
objetivas, desenvolvidas no processo de produção e apropriação do
conhecimento, formas sociais que são consideradas, pela consciência
social, como um poder estranho.
Em termos abstratos, podemos reconhecer o conhecimento como
uma forma de produção e apropriação social. Em termos concretos, está
sujeito às variações das relações materiais de produção na modernidade
capitalista. O processo de produção e apropriação do conhecimento
desdobra-se numa complexa divisão social e técnica do trabalho. Esta
tem em seu núcleo de atribuições as atividades realizadas pelos sujeitos
pedagógicos, diretamente implicados nesse processo.
A produção e apropriação social de conhecimentos é realizada,
como qualquer atividade produtiva, na modernidade capitalista, dentro
das normas e das dinâmicas societais. A produção e apropriação social
de conhecimentos reproduz-se nas contradições a que todas as
atividades laborais estão sujeitas.
74
No centro das atividades laborais de produção e apropriação de
conhecimentos operam sujeitos específicos. Atuam a força de trabalho
acabada, profissionalizada, que desenvolveu a capacidade produtiva de
lecionar, isto é, produzir e socializar conhecimentos; e a força de
trabalho potencial discente, que demanda conhecimentos para
enriquecê-la, visando transformar-se em capital variável, o que
pressupõe a profissionalização da força de trabalho. Esta é a
compreensão elementar e abstrata do processo de produção e
apropriação social de conhecimentos, na modernidade capitalista, que se
torna complexa na sua materialidade e historicidade.
Nas relações de produção e apropriação social do conhecimento,
de um lado, a força de trabalho acabada docente vende sua capacidade
por hora/aula visando retorno, o equivalente necessário à reprodução da
sua existência; de outro, a força de trabalho potencial discente compra
conhecimentos visando o enriquecimento da sua força de trabalho. Mas
aqui há uma questão singular. Diferentemente de muitas mercadorias,
que são destruídas no consumo produtivo como insumo, ou
improdutivo, como bens de consumo, o conhecimento, como bem
reconheceu Hodgskim (1986), pode ser acumulado, e digo eu: também
destruído.
Na modernidade capitalista, o discente é um consumidor que
apresenta aspectos singulares. Ambos os sujeitos pedagógicos, docente
e discente, são forças de trabalho. O primeiro, força de trabalho
acabada; o segundo, potencial. Marx também considera a força de
75
trabalho como capital variável quando ela se integra aos esquemas de
valorização do capital. Qualquer força de trabalho, para evoluir da
forma potencial à forma acabada, é enriquecida culturalmente, processo
que consiste no longo período de um determinado percurso formativo ou
produção e apropriação social do conhecimento.
De acordo com a teoria social marxiana, o conhecimento pode ser
concebido como uma mercadoria, uma coisa. E, como tal, tem uma
dupla função. Na modernidade capitalista o conhecimento é
ambivalente: além de valor de uso, tem a função de valor de troca. Isto
implica que os sujeitos do conhecimento se sujeitam ao metabolismo da
forma conhecimento-mercadoria. Veremos adiante, com detalhes, todas
as conseqüências que essa forma social envolve.
De uma maneira geral e legal, o que se difunde e infunde na
consciência social é que o conhecimento é um meio que permite
ascensão socioeconômica, desde que se conquiste uma profissão. O
certificado profissional simboliza a apropriação de conhecimentos
demandados pelo capital. Assim, as formas sociais do capital
pressionam as unidades de produção e apropriação social do
conhecimento formarem profissionais. A quantidade de profissionais
determina o preço da venda da força de trabalho e os custos de produção
dos empreendimentos capitalistas. Os sobrantes do mercado de
trabalho pressionam o preço das mercadorias forças de trabalho a
diminuir.
76
Como o valor do conhecimento, na modernidade capitalista, é
determinado pelo metabolismo do capital, a forma de conhecimento
mais valiosa é o conhecimento produzido e apropriado
profissionalmente. Conseqüentemente, a organização social do
conhecimento se orienta, teleologicamente, pelo conhecimento-
profissional, conhecimento-mercadoria.
Assim é sob as características da modernidade capitalista:
desigualdade entre classes sociais, hierarquia baseada no poder
econômico, e uma estratificação social segmentada e legitimada pela
escolarização, que se reproduzem em unidades culturais sociais. Sobre
elas incidirão todas as características do capital.
Em termos da teoria do fetichismo, os sujeitos pedagógicos são
máscaras, formas sociais que escondem a trama da mercadorização do
conhecimento. As relações mercantilistas, baseadas na compra e venda,
plasmam as unidades culturais sociais. E, com isso, plasmam os
diferentes ciclos do sistema formativo: infantil, fundamental (básico),
médio, superior, hegemonizando os conteúdos da mercadoria.
Uma outra característica é que a produção e apropriação social do
conhecimento se efetua estruturalmente de forma individuada e
molecular. Cada unidade de produção e apropriação tem a plena
liberdade de desenvolver métodos e técnicas formativos. E, dentro
dessas unidades, a força de trabalho docente controla, de forma
individual e privada, a unidade de conteúdos socializados nos encontros
pedagógicos, ministrados em disciplinas curriculares; decidem com
77
plena liberdade de trabalho a realização da produção e apropriação
social dos conhecimentos, de acordo com as capacidades adquiridas.
O encontro didático e pedagógico é o momento elementar da
produção e apropriação do conhecimento. O ponto de partida originário
de todo processo. É o momento básico, sem o qual o processo de
produção e apropriação do conhecimento não se realiza. Esta hipótese é
pertinente quando consideramos os elementos estruturantes do processo
de produção e apropriação social do conhecimento. Quanto menor a
vivência da força de trabalho potencial na produção e apropriação social
de conhecimentos, mais necessário se faz o encontro pedagógico. O
amadurecimento intelectual, a disciplina imposta pelo trabalho
pedagógico, a iniciativa da força de trabalho potencial, aos poucos vai
diminuindo a importância desses encontros.
A avaliação da produção do conhecimento, que mede a
valorização e o enriquecimento da força de trabalho potencial, funciona,
simultaneamente, como processo de adaptação das pessoas às formas de
inclusão e exclusão social. Os resultados individuados estabelecem o
lugar que o discente ocupará em um determinado grupo social, o que se
efetiva sempre em termos competitivos e comparativos. Esse lugar não é
apenas um lugar restrito aos grupos sociais que se constituem nas
unidades sociais culturais, mas um lugar social que informa e conforma
a posição sociopsíquica de cada pessoa na estrutura social estratificada.
A força de trabalho potencial, que permanentemente revela
avaliação insuficiente dos conteúdos ministrados em disciplinas
78
específicas nas unidades de produção e apropriação do conhecimento,
desenvolve uma personalidade que antecipa, paulatinamente, o fracasso
na vida. Esse fato não é uma determinação fatalista. O lugar ocupado
pela força de trabalho potencial nas unidades educativas corresponde,
não exatamente, à antecipação do lugar reservado à força de trabalho
nas unidades econômicas. Mas revela e fortalece uma tendência.
As unidades econômicas estatais e privadas selecionam a força de
trabalho acabada, baseadas na certificação da força de trabalho
enriquecida no processo de produção e apropriação do conhecimento.
Nesse processo seletivo toda a carga nega a forma de sociabilidade da
produção e apropriação de conhecimentos. O conhecimento
historicamente acumulado se dissolve no fetichismo do processo
seletivo. Este incide sobre concorrentes atomizados, sobre a capacidade
individuada. Dessa forma, ele anula a consciência social da divisão
técnica e social do trabalho pedagógico, a historicidade do processo de
produção e apropriação de conhecimentos, desenvolvido na relação
entre sujeitos pedagógicos. Dito de outra forma, as relações pessoais
que se estabelecem nas relações de produção e apropriação social de
conhecimentos são sublimadas na certificação profissional.
O certificado é uma forma social específica das relações
capitalistas de produção do conhecimento imposto as pessoas, e visando
distingui-las quanto ao mérito de falar e agir. Corresponde ao resultado
do processo do trabalho pedagógico, que se acumula ano após ano,
através de encontros pedagógicos diários entre sujeitos pedagógicos.
79
Estes acumulam conhecimentos que sintetizam relações sociais
concretas, desenvolvidas nas formas de sociabilidade nas unidades
familiares, na vizinhança e nas unidades que têm a função social de
produzir o conhecimento-mercadoria.
Há uma estratificação entre as unidades sociais culturais que
atende diferentes sujeitos pedagógicos, conforme a estratificação
socioeconômica. Os sujeitos pedagógicos que pertencem a uma classe
social e as unidades de produção de conhecimentos são heterogêneas
entre si, estruturadas e distribuídas de acordo com a estratificação
socioeconômica. Esta estratificação é determinante no percurso
formativo da força de trabalho potencial docente, na vida de cada
pessoa. Pertencer a uma classe é pertencer à historicidade dessa classe,
dos momentos significativos que formam o perfil sociopsíquico de cada
membro a ela pertencente.
Ao longo do percurso formativo, cada pessoa desenvolve uma
personalidade durante a acumulação cotidiana de conhecimentos. Um
processo que é dissimulado no fetiche dos certificados.
A certificação é um fetiche porque na modernidade capitalista o
certificado dissolve e nega o que é fundamental: as relações entre as
pessoas que participam do processo de produção e apropriação do
conhecimento. O conteúdo das formas de sociabilidade vivenciadas
durante esse percurso parece ser apagado, pontuado e ofuscado no
instante de aquisição do certificado. Este mobiliza e emociona muito
mais do que todo o processo vivido pelos sujeitos pedagógicos. Assim,
80
cada série concluída, cada ano certificado, são dissimulados e
sublimados na mente de cada pessoa. Um processo vivido coletivamente
que, na individuação do certificado, é centralizado na pessoa da força
de trabalho potencial discente; como se essa pessoa fosse a única
responsável por tal conquista. Por meio desse percurso formativo, que
culmina com a certificação, se afirma o processo de reificação e
coisificação das relações de produção e apropriação de conhecimentos.
Como se a totalidade se reduzisse ao evento da certificação. Esse é um
processo que faz vítima o próprio capitalista do conhecimento e a força
de trabalho em geral, que as unidades econômicas necessitam para a
valorização do capital. Rubin faz essa proposição de uma forma
abstrata:
Devido à estrutura atomizada da sociedade mercantil,
devido à ausência de regulação social direta da
atividade de trabalho dos membros da sociedade, os
vínculos entre empresas individuais, autônomas,
privadas são realizados e mantidos através das
mercadorias, coisas, produtos do trabalho /.../ os
trabalhadores privados funcionam apenas como elos do
trabalho coletivo da sociedade, através das relações que
a troca estabelece entre os produtos do trabalho e,
através destes, entre os produtores (RUBIN, 1980, p.
22).
81
Cada ano e cada etapa concluída pela força de trabalho potencial
correspondem a um ciclo do percurso formativo capitalista, formando os
proprietários de certificados que funcionam apenas como elos do
trabalho coletivo da sociedade, de que nos fala Rubin. Nesse processo
a força de trabalho potencial acumula conhecimento e se enriquece. O
processo é concluído quando a força de trabalho potencial é habilitada
como população economicamente ativa, pronta para ingressar nas
unidades econômicas como profissional, munida da certificação exigida
pela valorização do capital. Essa forma social, o profissional, é capital
variável para o capitalista, e junto com o capital constante, constitui o
que Marx chama de composição orgânica do capital. Ambos põem em
movimento o processo de valorização do capital, o sistema
sociometabólico de produção de mercadorias. Como esse metabolismo é
fluxo, o processo de produção e apropriação social do conhecimento é
integrado ao desenvolvimento das forças produtivas. O sistema cuja
função é enriquecer a força de trabalho potencial. Fica evidente que o
enriquecimento da força de trabalho compromete o sistema de
valorização do capital como um todo.
Os vínculos entre os sujeitos pedagógicos individuais, autônomos
e privados são realizados e mantidos através dos resultados que levam à
aquisição dos certificados. Estes, por sua vez, são o elo entre as e
unidades sociais e culturais e as unidades econômicas da sociedade
como um todo. Estas exigem o certificado como processo de
82
enriquecimento da força de trabalho potencial. Nesses termos o
certificado é reificado, despersonificado.
O fato dos sujeitos pedagógicos se posicionarem individuados no
encontro pedagógico e na apropriação do conhecimento cria
dificuldades para os mesmos reconhecerem esse processo como processo
histórico unitário, genérico e societal; o desenvolvimento da atividade
pedagógica, dissociada e isolada, imprime uma impressão de isolamento
da própria atividade per se. O que não se pode perder de vista é o
entrelaçamento da atividade social do conhecimento, a sociabilidade do
trabalho pedagógico; ainda que se objetive como relação privada entre
conteúdos e sujeitos pedagógicos, é uma produção sociohistórica.
A conseqüência da individuação do trabalho pedagógico nas
unidades capitalistas de ensino é, para os sujeitos pedagógicos, uma
produção social que lhes aparece como pessoal e a-histórica. Como se a
produção social do conhecimento inexistisse e os sujeitos pedagógicos
se vinculassem apenas às atividades imediatas nos encontros didáticos e
pedagógicos.
A produção de conhecimentos, além de se fazer ao longo do
tempo, no percurso pedagógico, através dos anos, séries e unidades de
conteúdos disciplinares, estabelece conexões profundas com a indústria
gráfica e editorial. Vale dizer, com os produtores dessas atividades.
Estes desenvolvem os meios que são impressos para os conhecimentos
serem veiculados, desenvolvem tecnologias que facilitam a produção e
83
apropriação de conhecimentos. Mas, se é assim, a produção de
conhecimentos está entrelaçada à sociedade como um todo.
A espessa rede de relações de produção e acumulação de
conhecimentos não se interrompe no momento em que a força de
trabalho potencial termina um período formativo e adquire certificado.
Este é o pressuposto contínuo para o reingresso numa série mais
avançada, retornando a estabelecer os mesmos vínculos como
desdobramento do enriquecimento profissional.
O processo de produção de conhecimentos enriquece a força de
trabalho potencial, que sofre outra metamorfose quando transformada
em capital variável, quando inserida ao metabolismo de valorização do
capital. A força de trabalho enriquecida torna-se disponível para as
demandas das unidades econômicas de força de trabalha qualificada e
profissionalizada. Portanto, já no processo de produção e apropriação
social do conhecimento, posto em movimento pelos sujeitos
pedagógicos, em unidades específicas, além do desenvolvimento das
capacidades cognitivas, no ato de apropriação dos conteúdos,
desenvolvem-se as identidades profissionais requeridas pelas unidades
econômicas.
As unidades onde ocorrem os encontros pedagógicos são forçadas
a levar em consideração as demandas das unidades econômicas e o
desenvolvimento científico e tecnológico das forças produtivas, pois
esses processos determinam o processo seletivo da força de trabalho
acabada que ocupará os postos de trabalho. Como dito anteriormente, o
84
lugar que permite, na modernidade capitalista, ter acesso a poder e
riquezas.
Mas como a produção e apropriação social do conhecimento são
realizadas? Que sujeitos socioeconômicos participam desse processo?
Como se articulam às relações de produção e às formas sociais
decorrentes dessas relações? Que componentes produtivos tomam parte
da divisão técnica e social do trabalho pedagógico? Que interesses
condicionam os sujeitos socioeconômicos implicados no processo de
produção e apropriação social de conhecimentos?
Responderemos a essas questões com a teoria social marxiana.
Com essa teoria Marx criticou o fetichismo e a reificação das relações
sociais de produção, visando descobrir e desnudar a realidade das
relações capitalistas de exploração e dominação. Procurou diferenciar e
submergir, cada vez mais profundamente, na aparência exterior, no
nexo externo, na superfície do fenômeno, para atingir o nexo
interno, o nexo oculto, o nexo imanente das relações de produção
em geral. Nesse percurso ele percebeu a dialética entre infraestrutura,
onde se situam as unidades econômicas, e a superestrutura, onde estão
inseridas as unidades culturais sociais. Os seres humanos correspondem
a unidade destas instâncias sociais. Transitam em suas interioridades
concedendo-lhes vida e sentido. Mas o que permitiu Marx vislumbrar tal
dialética?
Com a teoria social das relações de produção, enriquecida com as
contribuições de Márkus, Lukács, Dias e Rubim, Marx desvendou a
85
dialética entre infraestrutura e superestrutura. Uma não é alheia e
estranha à outra. A superestrutura é a forma objetivada da
infraestrutura:a infraestrutura se superestrutura e a superestrutura se
infraestrutura como característica básica da modernidade capitalista.
Uma é pressuposto da outra.
Como procuraremos demonstrar, as formas sociais personificadas
pelos agentes socioeconômicos nas relações de produção e apropriação
do conhecimento, mediadas pelas coisas que se explicitam no
intercâmbio entre os agentes, são apenas a aparência fenomênica de um
processo sociohistórico que se forjou na modernidade capitalista: a
reificação e o fetichismo do conhecimento, materializados na figura do
certificado.
O certificado encobre as bases capitalistas de exploração da
força de trabalho acabado docente, mas também da força de trabalho
potencial, que opera no âmbito das relações de produção e apropriação
do conhecimento. O estranhamento dos sujeitos pedagógicos, a
exploração de ambos no processo de valorização do capital e as relações
de poder são encobertas na trama dialética das relações de produção
com as formas sociais.
Discutiremos que a reificação e o fetichismo se confundem com
as formas sociais de reprodução sociometabólica do capital porque
aparecem, previamente postas, pelo processo de produção e apropriação
do conhecimento. E que a dominação das pessoas pelas formas sociais
específicas da produção penetram nas estruturas psíquicas, atuando
86
sobre a personalidade de cada participante desse processo e
condicionando as motivações dos diferentes sujeitos. Tal penetração
forja uma consciência social sobre essas relações de produção e
apropriação. Portanto, a personificação das formas sociais não são
arbitrárias, autônomas e decididas pelo livre-arbítrio das pessoas, mas é
determinada pelas relações sociais capitalistas. O que se quer colocar
em evidência é o processo societal, o poder das formas de sociabilidade
sobre os indivíduos, apresentar o pressuposto da sociedade para
qualquer projeto emancipatório.
A teoria social marxiana revela-nos os nexos internos da
ambivalência do conhecimento. A trama categorial que encobre a
exploração, as relações de poder e forjam aservidão voluntária dos
sujeitos pedagógicos como sujeitos originários de produção e
apropriação de conhecimentos. Não é no afã de socializar o
conhecimento e obter os certificados que se revela o controle capitalista
dos percursos formativos em ciclos e séries seqüenciais. Esse controle
está impresso na dialética das relações de produção com as formas
sociais da produção e apropriação do conhecimento.
A teoria social de Marx introduzido no seio da Economia Política
distingue forças produtivas e relações de produção, processo material de
produção e formas sociais, processo de trabalho e valor. Será fazendo
uso dele que explicitaremos a problemática da ambivalência do
conhecimento, tendo em vista o projeto de emancipação na modernidade
capitalista.
87
Nesses termos, resgatemos brevemente o que até aqui se discutiu,
para dar seqüência à análise da ambivalência do conhecimento, isto é,
reproduzir a força de trabalho necessária e adequada a acumulação
ampliada do capital.
Reconhecendo o processo de produção e apropriação social do
conhecimento como pressuposto dessa condição explicitamos que:
1. Sobre os encontros didáticos e pedagógicos entre os sujeitos
pedagógicos. Esses encontros se processam como momentos
originários nas unidades de produção e apropriação social de
conhecimentos. Os encontros nas unidades educativas desenvolvem
identidades e personalidades, da força de trabalho docente e da força
de trabalho discente, em potencial; caracterizam-se como momentos
privados, isolados, formalmente independentes uns dos outros.
Assim se caracteriza de ensino controlado e regulado pelos
governos;
2. Embora individuados, inclusive fisicamente, os encontros didáticos e
pedagógicos entre os sujeitos pedagógicos estão organicamente
vinculados ao trabalho social total;
3. A vinculação direta entre os sujeitos pedagógicos, os produtores e
apropriadores de conhecimento, se expressa e se torna visível nos
encontros didáticos e pedagógicos. Estes, indiretamente, influenciam
as atividades de produção e apropriação do conhecimento, de cada
sujeito, individuado. No universo de cada unidade de produção e
apropriação social de conhecimentos, cada sujeito pedagógico é
formalmente livre para produzir e apropriar o conhecimento que
desejar. Todo e qualquer conhecimento que for sugerido e
disponibilizado, que lhe agradar e da maneira que escolher. Tal
liberdade é restringida, entretanto, pelos conhecimentos necessários
e exigidos pelos currículos oficiais, que sintetizam a socialização
dos conhecimentos consentidos. Este atende prioritariamente, aos
interesses das unidades econômicas por força de trabalho acabada,
88
qualificada e valorizada pelo sistema de escolarização. Este é o
pressuposto para ingressar nas unidades econômicas capitalistas,
como capital variável. Nesse momento, os produtores e
apropriadores de conhecimentos se submetem às flutuações do
mercado de trabalho, da concorrência entre as unidades econômicas
por mão de obra qualificada. Isto é, à reprodução sociometabólica do
capital.
Essa estrutura, apenas didática e abstrata, de produção e
apropriação de conhecimentos revela a complexidade e a ambivalência
do conhecimento na materialidade da ampla rede da divisão sócio-
técnica do trabalho pedagógico. Procuramos aqui explicar, tão somente,
como esta espessa rede da formação social de conhecimentos, reifica as
relações sociais de produção que ocorrem entre as pessoas.
O fato de os produtores de conhecimentos dependerem do
mercado constituído pelos produtores de outras unidades culturais
sociais, e do mercado dos produtores das demais unidades econômicas
da sociedade, assim como da interdependência e vínculo desses
mercados, significa que a produção de conhecimento está entrelaçada às
atividades produtivas de todos os produtores através da divisão sócio-
técnica do trabalho, tal como vislumbrado e explicitado por Hodgskin
(1986). Se os engenheiros de informática desenvolvem uma tecnologia
que supera as atuais características de uso da informática, logo
aparecerá uma extensa produção de conhecimentos sobre ela, livros
circularão impressos pela indústria gráfica e editorial. As unidades
econômicas a introduzirão no processo de valorização do capital e,
89
paratanto, terão que estabelecer rotinas produtivas e funcionais;
atribuições e tarefas a produtores profissionalizados e especializados,
que são formados nas unidades de produção e apropriação do
conhecimento ou culturais sociais.
Se admitirmos essa dinâmica em termos genéricos, podemos
vislumbrar os fluxos concretos e dinâmicos que se efetivam entre as
unidades de produção e apropriação social de conhecimentos e a
multiplicidade das unidades econômicas. Podemos descobrir a pressão e
as tensões desencadeadas pelo desenvolvimento tecnológico sobre cada
unidade econômica e sobre cada unidade cultural social.
Nesse processo sociometabólico de reprodução social ocorre a
destruição de uma tecnologia e sua substituição por outra. Esse fato
desencadeia um processo de contradições em que, na modernidade, o
gênero humano está encerrado. Não pode fugir a ele. Este é o processo
civilizatório característico do capital
28
. A este processo se vincula o
conhecimento científico, ao processo de valorização do capital. Todas
as vezes que se desenvolve um novo instrumento de trabalho como o
28
Se uma unidade de produção e apropriação de conheci mento integra sua
biblioteca à biblioteca nacional de uma determinada nação, ou centro de pesquisa,
todas as outras o farão. Se introduz o microcomputador nos encontros didáticos e
pedagógico s, todas as outras tendem a fazê-lo. Se dispo nibiliza recursos
tecnológicos à força de trabalho acabada do docente, as outras aco mpanham. O
efeito é sempre em cadeia porque as unidades de prod ução/apropriação de
conhecimentos funcionam em rede e integradas à divisão social e técnica do
trabalho. As transformações são sempre societais na modernidade capitalista e
atingem, indistintamente, as pessoas conforme os recursos econômicos que
controlam.
90
microcomputador, na ordem societal, destroem-se profissões e criam-se
novas. Todo sistema educacional e todosistema perito é revolvido.
Alteram-se conteúdos curriculares nas unidades de produção e
apropriação de conhecimento.
A humanidade evolui. Mas, na modernidade capitalista, os
benefícios dessa evolução são apropriados de forma diferenciada. Os
capitalistas expropriam os conhecimentos acumulados e fixados pelas
forças produtivas do trabalho, que os utiliza e os reaplica no
aperfeiçoamento do sistema do capital. Enquanto este se desenvolve em
termos geométricos, os produtores assalariados se empobrecem
proporcionalmente (MARX, 1984). Uma elite de intelectuais orgânicos
às classes dirigentes acompanha o desenvolvimento do sistema do
capital, e um sistema de segurança e aparelhos hegemônicos se instala
para garantir a ordem social, fornecer estabilidade institucional e
cultural, necessários à reprodução do sistema.
Os sujeitos pedagógicos produtores de conhecimentos,
aparentemente independentes, individuados e isolados, estão, na
realidade, inexoravelmente ligados a todas as formas de sociabilidade
societais através do mercado. Esse metabolismo, essa intercambialidade,
teleologicamente posta, efetiva-se independentemente da vontade de
cada pessoa, mas condiciona as atividades laborais de todos.
A produção e distribuição das riquezas e do poder representam
elementos inseparavelmente vinculados, ainda que específicos, na
reprodução social do capital. O capitalismo é a unidade desta
91
reprodução. O que Marx questiona é que a distribuição ganha relevo
frente à produção, e passa a constituir o objeto de investigação da
ciência, enquanto as relações de produção são postas em segundo plano.
A distribuição do poder e das riquezas, incluída aqui a socialização do
conhecimento, que não deixa de ser riqueza e conferir status e poder às
pessoas que dele se apropriam, faz parte, para Marx, dos elementos
vitais do processo das relações sociais de reprodução na modernidade
capitalista. E deixa marcas específicas na personalidade de cada pessoa,
em cada força de trabalho. A distribuição das mercadorias e a
socialização dos conhecimentos, pelas unidades culturais sociais, são
uma extensão social do processo de valorização do capital.
A intercambialidade do conhecimento que acaba materializado e
impresso nas mercadorias, é um elemento indispensável ao processo de
reprodução, é funcional ao sistema capitalista. Significa que o
conhecimento utilizado nas fronteiras tecnológicas, aquele desenvolvido
para a conformação das novas tecnologias, é imprescindível a todo o
sistema. E que o conhecimento produzido nesse contexto pelos sujeitos
pedagógicos influencia as atividades praticadas pela totalidade dos
produtores, quando incorporado às unidades econômicas. Esse é um
processo dinâmico que se confunde com o processo civilizatório. Isto
significa que as atividades laborais são influenciáveis pelos produtos,
pelas coisas.
Na modernidade capitalista a independência, isolamento e
atomização das pessoas pela divisão sociotécnica do trabalho
92
caracteriza um sistema oposto a essa aparência, um sistema
organicamente integrado em relação ao produto do trabalho, às coisas e
às mercadorias. De acordo com Marx, na modernidade capitalista as
relações sociais de produção assumem, inevitavelmente, uma forma
reificada e só conseguem se realizar dessa forma.
As formas sociais da produção e apropriação social do
conhecimento são sintetizadas e ofuscadas na figura dos certificados.
Este torna homogêneas as particularidades da força de trabalho
potencial, nivela todas as pessoas em categorias profissionais. Esse
processo concreto da produção de conhecimentos é o mesmo que Marx
(1980, 1985a) concebeu, abstratamente, como reificação da
personificação social. Isto é, os especialistas do processo de produção
de conhecimentos são despolitizados e, com eles, os conhecimentos
socializados e historicamente acumulados. A formação de técnicos e
especialistas para atuarem nas unidades econômicas despolitiza a ação
pedagógica nas instituições de ensino, quando reduzida a processos
técnicos.
Os certificados significam o nivelamento do trabalho pedagógico
realizado pelos sujeitos pedagógicos. Igualar as diferentes magnitudes e
esforços do tempo de trabalho socialmente necessário para obtenção de
certificados. Nesse processo, os sujeitos pedagógicos, no âmbito da
produção social de conhecimentos, são coisificados quando reduzidos a
certificação, provas etc., às formas sociais pedagógicas. Como se todos
os sujeitos pedagógicos tivessem desenvolvido a mesma capacidade
93
cognitiva num determinado tempo de dedicação e esforço. Como se os
sujeitos pedagógicos, envolvidos nos encontros pedagógicos,
produzissem e apropriassem a mesma proporção de conhecimentos
equivalentes socialmente. Como se os certificados tivessem o mesmo
valor, o envoltório que sintetiza a materialidade encarnada de trabalho
pedagógico igual, dos portadores de certificados, como grandeza de
valor e modalidade de trabalho humano concreto.
É fato que o certificado de sociólogo, economista doméstico e de
serviço social, por exemplo, iguala os diferentes profissionais que
adquiriram a propriedade privada da certificação. E, desta forma, se
convertem em força de trabalho, podendo ser convertida em capital
variável pelas unidades econômicas. Podem, como portadores de
certificados, vincular-se como produtores, mas isso não significa
equivalência de conhecimento, de valor agregado à força de trabalho
potencial.
A igualdade mercantil dos certificados apenas realiza a
possibilidade de a força de trabalho ser explorada no processo de
valorização do capital como capital variável, transferindo as
propriedades ou qualidades da força de trabalho enriquecida às
mercadorias. E, através desse vínculo com as relações de produção nas
unidades econômicas capitalistas, se vincular à unificada divisão
sociotécnica do trabalho.
O certificado é aqui entendido como uma coisa que sintetiza o
reconhecimento do enriquecimento da força de trabalho potencial no
94
processo de produção e apropriação de conhecimentos. O resultado ou
coroamento de uma formação social específica, que envolve relações
sociais de produção e outras formas sociais, próprias da esfera do
conhecimento, espaço em que se desdobra o trabalho pedagógico.
As pessoas se vinculam e se conectam às atividades produtivas
com essas chaves que são os certificados; eles abrem possibilidades de
acesso à apropriação de poder e riquezas, mediadas pelo mercado. Aqui
os nomes próprios das pessoas são Engenheiros, Médicos, Advogados,
Pedagogos, Sociólogos etc.
É, sobretudo, sob tal personificação social, por quem as unidades
econômicas chamam os operadores que dão vida ao capital fixo e aos
meios genéricos de produção; que dão vida e movimento à dinâmica que
valoriza e enriquece o capital investido na produção de mercadorias.
Assim, a regulação da certificação da força de trabalho potencial
influencia o sistema das atividades produtivas dos produtores de
mercadorias de uma maneira profunda e particular. E os produtos do
trabalho são mediados por essa coisa que é o certificado.
A certificação não só é expressão de relações sociais de
produções específicas, que se realizam entre todos os agentes, de
alguma forma ligados, direta e indiretamente, ao sistema de produção e
apropriação de conhecimentos, nos diferentes planos institucionais,
estatais e privados, como cria relações sociais antes inexistentes. Esta
propriedade social dos certificados, que é expressão de relações de
95
produção entre pessoas, participa ativamente na criação e legitimação
de relações de produção no mercado.
O mercado associa e estabelece para os proprietários que
comprovam o enriquecimento da força de trabalho potencial um retorno
específico, firmado em contrato. Este, portanto, expressa relações
sociais entre proprietários livres. Embora o acesso a esse retorno,
equivalente à contrapartida das atividades laborais, só se verifique
quando a força de trabalho potencial se converta em capital variável. A
equivalência entre o retorno monetário e a atividade laboral certificada
ocorre no instante da concretização do contrato, estabelecida
previamente. Este cria um vínculo, uma relação social. O retorno que
cabe aos proprietários de certificados atesta o valor potencial da
capacidade produtiva, valor correspondente ao conhecimento produzido
e apropriado durante o tempo socialmente necessário para o
enriquecimento da força de trabalho potencial. Esse é o meio de compra
da força de trabalho potencial, cristalizado na modernidade capitalista,
para a valorização do capital.
O retorno que cabe aos proprietários de certificados não é apenas
uma referência sociojurídica às relações sociais produtivas, de cunho
capitalista, mas a todo um processo de produção e apropriação de
conhecimentos encoberto por trás dela. Não é uma troca justa de
equivalentes entre proprietários de capital e proprietários de
conhecimento. É uma ingenuidade atribuir propriedades materiais e
naturais ao retorno assim estabelecido. Os certificados ganham
96
propriedade de valor e contrapartida monetária não por suas
propriedades intrínsecas, por suas propriedades per se, mas pelas
características das relações sociais de produção, as quais são
determinadas pela reprodução do capital.
A capacidade produtiva, pressuposta em cada função social, em
cada profissional profissional é uma função social no interior da
divisão sociotécnica capitalista , requer competências, conhecimentos
acumulados, experiências comprovadas e fidelidade à valorização do
capital.
A intercambialidade entre os proprietários livres, de um lado, o
proprietário de certificado e o valor da capacidade produtiva e, de
outro, o proprietário de capital e o lucro, é em seu nexo interno uma
mediação da troca de mercadorias. Com o retorno da venda de sua
capacidade produtiva o proprietário de certificado pode garantir a sua
existência e o proprietário de capital, a valorização deste. Portanto, um
e outro representam formas de objetivação das relações sociais de
produção forjadas na modernidade do capital.
A teoria do fetichismo da mercadoria, de Marx, explica a
ambivalência que o conhecimento assume, quando reconhecido e
certificado. Uma forma social que sintetiza a produção e apropriação
social de conhecimentos na modernidade capitalista, e que corresponde
à materialização do trabalho pedagógico. A intercambialidade de
conhecimentos entre os sujeitos pedagógicos é, também ela,
materialização mediada por certificados. Essa materialidade e
97
intercambialidade de conhecimentos evidenciam uma dimensão material
(técnico-natural e necessária para o desenvolvimento do gênero
humano) e funcional (social e histórico, determinada pela dialética entre
as relações sociais de produção infraestrutura e as formas sociais
superestrutura que estruturam as sociabilidades que legitimam a
totalidade das relações sociais existentes).
A processualidade do trabalho pedagógico é, assim definida, a
materialização de um conjunto de atividades laborais realizadas pelas
forças produtivas do trabalho pedagógico, consubstanciadas no que
estamos chamando aqui de trabalho pedagógico, e todos os recursos
físicos e materiais para o desempenho desse trabalho. As relações de
produção e apropriação de conhecimentos desenvolvem as formas
socioeconômicas, a elas correspondentes: as avaliações do
enriquecimento da força de trabalho potencial, a aprovação progressiva,
os conteúdos curriculares, os métodos e técnicas de aprendizagem, os
certificados, as especializações pedagógicas etc. Todas essas formas
socioeconômicas são desdobramentos e extensão, na modernidade
capitalista, da reprodução sociometabólica do capital.
O processo de produção e apropriação social de conhecimentos,
na modernidade capitalista, é ambivalente por essa razão. É,
simultaneamente, um processo de produção genérico e universal do
conhecimento, que fortalece as formas de reprodução societais; mas
também determinado em sua concreticidade pela história. Em termos
históricos, o conhecimento é reproduzido dentro da matriz hegemônica
98
das relações sociais de produção determinadas pelo capital. Na
modernidade capitalista essa matriz fortalece a reprodução
sociometabólica do capital e o conjunto de relações de produção e
formas sociais específicas que confluem para a expropriação do
conhecimento do capital variável e a exploração da mais-valia.
Resumindo, a ambivalência da produção e apropriação de conhecimento
é marcada por essa contradição básica entre as potencialidades abertas
pelo conhecimento à emancipação do gênero humano que, na
modernidade capitalista, são obstaculizadas pelo processo de
reprodução sociometabólico do capital.
Mas por que o metabolismo do capital é um problema e obstáculo
à emancipação humana? Porque, segundo a teoria do fetichismo da
mercadoria e da reificação da personificação das formas sociais, ele
sujeita os proprietários de certificados à expropriação dos seus
conhecimentos em detrimento da valorização do capital, em troca de um
retorno exíguo que apenas permite, quando comparado ao retorno
apropriado pelo capital, a força de trabalho reproduzir as condições
materiais de sua existência. Essa mesma sujeição produz e reproduz as
condições materiais e sociais de existência dos próprios sujeitos
pedagógicos, na mesma matriz de expropriação e exploração de
reprodução sociometabólica do capital.
Existe uma estreita relação e correspondência entre o processo de
produção e apropriação de conhecimentos e das mercadorias em geral. O
próprio conhecimento é produzido e apropriado nos mesmos termos em
99
que são produzidas e apropriadas, socialmente, as mercadorias;
personificando formas sociais derivadas das relações sociais capitalistas
de produção.
A totalidade das relações de produção e das formas sociais
mediatiza relações humanas e interpessoais, e é condicionada pelo
desenvolvimento das forças produtivas e pelo processo de produção
material nos termos da matriz da modernidade capitalista. A unidade
constituída pela divisão de trabalho torna possível a correspondência
entre o processo técnico-material de produção e apropriação de
conhecimentos, os bens materiais e as relações de produção que o
configuram. Mas cada uma dessas dimensões tende a se desenvolver
independentemente dentro de determinações específicas, pois são
dotadas de dinâmicas próprias.
Há uma organização do trabalho pedagógico dentro das unidades
de produção e apropriação de conhecimentos, o que caracteriza uma
divisão sociotécnica de trabalho; mas há uma organização social que
possibilita a intercambialidade do conhecimento produzido e apropriado
pelos sujeitos pedagógicos com as unidades econômicas como um todo,
o que caracteriza o vínculo societal entre os proprietários de
certificados e os proprietários de capital.
Na medida em que os proprietários de capital convertem a força
de trabalho potencial em capital variável, mediado pelo contrato de
trabalho, expressa a divisão sociotécnica do trabalho que existe,
sistemicamente, na modernidade capitalista; e a incorporação da força
100
de trabalho como capital variável, no interior das unidades econômicas,
mobiliza a divisão do trabalho. Distribuem-se através da divisão do
trabalho, de acordo com a racionalidade do capital, os diferentes
profissionais, que é o título atribuído pela sociedade à forma social da
força de trabalho aprimorada. Os profissionais são distribuídos, como
mercadorias, entre as diferentes funções e atribuições, de acordo com o
conhecimento pressuposto para as realizações das funções
organizacionais.
No processo de produção e apropriação material e sociotécnico do
conhecimento, desenvolvido por sujeitos pedagógicos, as forças de
trabalho desses sujeitos passam por diferentes ciclos ou percursos
formativos, intra e inter unidades de produção e apropriação de
conhecimentos. Intra quando a certificação corresponde a um dos ciclos
ou segmentos parciais, que constituem séries completas de formação
específica. Geralmente é realizado em uma unidade específica de
produção e apropriação de conhecimentos. O sistema formativo, como
totalidade orgânica, está posto para a força de trabalho potencial
cumprir essa condição. Não é freqüente a transferência da força de
trabalho potencial entre as unidades de produção e apropriação do
conhecimento durante um determinado percurso formativo: infantil,
básico (fundamental e medito) e superior. Apenas quando a força de
trabalho potencial cumprir uma série ou ciclos, ambos constituídos por
anos. Isto é, um determinado percurso pedagógico, a força de trabalho
101
potencial se insere em outra unidade mais avançada de produção e
apropriação de conhecimentos.
É uma característica básica das relações de produção na
modernidade capitalista estabelecer vínculos provisórios e contingentes.
A rotatividade do trabalhador nas unidades econômicas privadas
contribui para a flutuação dos vínculos que se estabelecem entre as
pessoas. Os profissionais se vinculam apenas por uma situação
determinada a um mercado indeterminado e instável. São vínculos
determinados por uma seqüência distinta de intercâmbios pessoais, que
os ligam temporariamente a momentos específicos.
Essas características gerais da produção na sociedade moderna
podem ser observadas na produção e apropriação de conhecimentos:
encontros pedagógicos, feiras de ciência, conferência e seminários, a
formatura e a certificação são momentos parciais de um processo mais
amplo, que é o percurso formativa da força de trabalho potencial; que
inicia no primeiro ano de um ciclo específico ou série específica. Cada
ano de uma fase do percurso formativo, estruturado seqüencialmente,
corresponde ao pressuposto de um momento seguinte do caminho à
certificação parcial dentro deste processo. A total extensão desse
percurso corresponde à metamorfose da força de trabalho potencial em
força de trabalho qualificada, valorizada ou enriquecida.
A socialização de conhecimentos, através de diferentes percursos
formativos específicos, mediados por encontros pedagógicos diários, é
realizada pelos produtores de conhecimentos: a força de trabalho dos
102
sujeitos pedagógicos, personificada na forma social docente (professor)
e discente (aluno). Forças de trabalho vinculadas às unidades culturais
sociais específicas.
Estas unidades são regulamentadas e controladas pelo Estado. Os
órgãos estatais controlam o currículo mínimo, sugerem e indicam os
conteúdos didáticos e pedagógicos, o desenvolvimento e uso de
tecnologias educacionais, os critérios que mensuram o enriquecimento e
valorização da força de trabalho, as relações entre os sujeitos
pedagógicos: relações de poder, autoridade e disciplina etc.
Dessa forma, se processa a intercambialidade de conhecimentos
socialmente produzidos e historicamente acumulados. Este processo
articula diversos percursos formativos em uma unidade que perfaz e
compreende ciclos e séries de um processo seqüencial, contínuo e
cumulativo. Isto não significa que os ciclos e séries do percurso
formativo possam ser realizados em uma mesma unidade cultural social.
O que estamos frisando é a complexa trama da divisão
sociotécnica do trabalho pedagógico dentro da matriz das relações
hegemônicas de produção. Divisão de trabalho na produção de
conhecimentos que se desenvolve dentro de determinadas relações de
produção e formas sociais biunívocas e colineares. O que não é outra
coisa que a evidência da dialética entre infraestrutura e superestrutura,
no âmbito de um complexo societal, cuja função é a organização e a
socialização da cultura que, aparentemente, não tem nada a ver com
economia. Afirmamos assim, que, na modernidade capitalista, a
103
infraestrutura se superestrutura e a superestrutura se infraestrutura,
dialeticamente.
As relações sociais de produção do conhecimento têm como ponto
de partida a efetivação do contrato de trabalho entre proprietários de
capital e proprietários de conhecimento: quando a força de trabalho
docente compromete a sua capacidade produtiva em troca de um retorno
e a força de trabalho potencial efetua matrícula na unidade cultural
social. A efetividade dessa produção se confirma nos encontros
pedagógicos entre os sujeitos, os interlocutores que apóiam essa
produção e os mediadores do conhecimento: os recursos utilizados pelos
sujeitos pedagógicos. Ela ocorre exatamente nos momentos em que há
apropriação de conhecimentos. Esses momentos constituem a relação
elementar e básica, originária.
Na relação de produção originária entram em cena os sujeitos
pedagógicos, os interlocutores ou porta-vozes do conhecimento
acumulado historicamente, os conteúdos por estes elaborados, os
métodos e técnicas de enriquecimento da força de trabalho, os
proprietários dos meios de produção utilizados na produção de
conhecimentos etc., estabelecendo-se a conexão entre as atividades
produtivas dos sujeitos pedagógicos, diretamente implicados nesse
processo, e as atividades produtivas de todos os produtores da
sociedade, tal como proposto por Hodgskin, na abertura deste capítulo.
Pois o conhecimento produzido e apropriado pelos sujeitos pedagógicos,
vinculados às respectivas unidades de produção de conhecimentos, é
104
intercambiado entre os diversos produtores que, por sua vez, se
vinculam às diversas unidades econômicas, distribuídas entre diversos
setores: primário, secundário, terciário, serviços etc.
Esse intercâmbio é regular e incessante; desencadeia um esforço
que tem o propósito de facilitá-lo, superando as barreiras do
intercâmbio que aumentam o tempo e os custos de produção.
A relação de produção e acumulação de conhecimentos assume as
seguintes características:
É uma forma de sociabilidade entre sujeitos privados em
uma forma privada de intercâmbio; a despeito dos
discursos jurídicos e constitucionais, o próprio
conhecimento é tratado como sendo de interesse privado
e não de interesse público;
Vincula os sujeitos pedagógicos por séries ou ciclos
seqüenciais, com objetivos previamente definidos,
determinados pela certificação e por programas
curriculares. As diversas unidades culturais sociais, que
organizam a cultura, distribuem os conhecimentos
através de disciplinas segmentadas no tempo escolar.
Socializam também, no período de um ou mais
dispêndios de hora/aulas, estudos, pesquisas etc.;
A unidade básica de produção e apropriação de
conhecimentos são os encontros pedagógicos, diversos e
autônomos entre si, ainda que guardem certa unidade.
Normalmente os encontros pedagógicos são
105
desdobramentos encadeados de outros, ainda que não
explicitado. Mas não criam, necessariamente, vínculos
entre os sujeitos que se encontram envolvidos no
trabalho pedagógico. Por outro lado, podem durar uma
vida inteira de relações interpessoais. Os momentos
pedagógicos pressupõem dois elementos básicos: a
atividade de conhecer, apropriação de diferentes formas
de saber-fazer, e os sujeitos pedagógicos;
Os critérios de verificação do enriquecimento da força
de trabalho ocorrem sobre conteúdos acumulados no
tempo, tanto em termos quantitativos quanto
qualitativos; e incidem sobre a pessoa, influenciando,
decisivamente, a formação da personalidade. Mas a
produção e apropriação do conhecimento momentânea e
cumulativa é constante e contínua no processo do
trabalho pedagógico ou percurso formativo. Afinal, ele é
realizado através de uma persistente divisão
sociotécnica de trabalho;
As diversas atividades que constituem as formas de
sociabilidade de produção e apropriação social de
conhecimentos confluem para os encontros pedagógicos,
que vinculam pessoas particulares a momentos da
socialização da coisa. É como coisa que o conhecimento
é apresentado aos sujeitos pedagógicos até o ingresso na
106
universidade
29
, com a justificativa que a humanização do
conhecimento, a sua apresentação como produção social
por pessoas, autores que têm nome próprio, é por demais
complexa para a capacidade cognitiva. A proposição
comeniana (COMENIUS, 2002), de que a produção de
conhecimentos deve partir do simples para o complexo,
é dada como verdade apodítica, e implica aceitar a
hipótese da reificação porque não consegue explicar a
ambivalência da produção e apropriação do
conhecimento na modernidade capitalista. Ainda é uma
incógnita o porquê de apenas nas unidades superiores de
ensino, os conteúdos serem apresentados aos sujeitos
pedagógicos como produção sociohistórica; por que só
nesse momento se descobre que o universo do
conhecimento é habitado por inúmeros produtores que a
essa atividade se dedicaram e nela trabalharam; por que
apenas quando adultos os sujeitos pedagógicos
descobrem a comunidade de intelectuais movidos pela
vontade de alcançar a verdade, virtudes, status e poder
e, muitas vezes, interesses escusos.
29
Por que na infância e na adolescência os conteúdos produzidos/apropriados são
despersonificados? Por que os conteúdos são apresentado s sem os autores que os
produziram? Essa despersonificaçãoencobre a desumanização do conhecimento.
E, por que apenas na idade adulta, quando do ingresso em faculdades e
universidades, os conteúdos são personificados: as teorias ganham autores, são
vinculadas a seus respectivos produtores? E qual o impacto psicológico desse
procedimento na formação da personalidade das pessoas, da força de trabalho
potencial?
107
Após essa caracterização podemos aprofundar o processo do
fetichismo e da reificação do conhecimento, as categorias marxianas
que explicam a ambivalência do conhecimento na modernidade
capitalista. Nesta, como vimos, a primazia das relações de produção do
conhecimento é determinada pela apropriação privada. As relações
privadas entre sujeitos pedagógicos adquirem a forma de equivalência
das coisas intercambiadas: do lado da força de trabalho docente, a
socialização do conhecimento (crédito); do lado da força de trabalho
potencial, o pagamento pelo enriquecimento e valorização da força de
trabalho (débito).
Como sabemos desde Weber (1985), a racionalidade dessa
contabilidade é palpável nos registros das partidas dobradas que, no
âmbito da produção e apropriação do conhecimento, tem como fonte a
hora/aula. Nas relações de produção e apropriação do conhecimento, são
estabelecidas as bases de cálculo do lucro do capital e do Estado patrão,
no movimento e intercambialidade entre coisas das quais os sujeitos
pedagógicos são proprietários: o conhecimento (vendido pela força de
trabalho docente), os recursos monetários (sob a posse da força de
trabalho discente, ávida por comprar conhecimento) e os meios de
produção (a infraestrutura física, que compreende prédios, quadros, giz,
tecnologias da educação, etc., que abriga e põe em movimento essas
forças de trabalho, mediante contrato com docentes e discentes). Além
dessas coisas existem outras que atendem as necessidades do processo
108
de reprodução material dos sujeitos pedagógicos: os víveres e o próprio
enriquecimento da força de trabalho discente.
A intercambialidade ou mercantilização do conhecimento é uma
operação que ocorre entre pessoas privadas e, ao mesmo tempo, forja
determinadas relações sociais de produção que as pessoas contraem
nesse metabolismo. Esta produção de conhecimentos não deve ser vista
como simples processo de socialização de conhecimentos, pois implica
a estruturação de uma dialeticidade histórica entre relação de produção
e formas sociais, teleologicamente posta pelo metabolismo do capital.
O movimento das coisas dentro do processo e a característica da
forma socioeconômica que ela assume na modernidade capitalista
(remuneração por hora/aula; certificação; valorização da força de
trabalho e sua conversão em capital variável; apropriação privada do
conhecimento), correspondem a uma específica relação social entre as
pessoas. Dessa forma, na modernidade capitalista, os aspectos
socioeconômicos e objetivo-materiais estão inextricavelmente unidos ao
processo de produção e apropriação social do conhecimento. Cada
encontro pedagógico, hora/aula, ato de produção e apropriação de
conhecimento, é realizado como resultado da ação conjunta desses dois
aspectos.
Sem conhecimento e capacidade para lecionar e sem retorno
monetário por essa atividade, os sujeitos pedagógicos deixam de
estabelecer relações. Por outro lado, a socialização das coisas
intercambiadas nesse processo não pode ocorrer caso os proprietários
109
não estabeleçam contratos. São as diferentes unidades culturais sociais
que ajustam e colocam em movimento o processo de produção e
apropriação material do conhecimento e o sistema de relações entre os
sujeitos pedagógicos, historicamente postos. Ajuste que não é uniforme,
mas constantemente reconfigurado e reestruturado, conforme a situação
sociohistórica.
O processo de reprodução social é o móbil dessa reestruturação.
Este processo altera freqüentemente as relações de produção para
aumentar a margem de acumulação ampliada de capital, mas o
pressuposto para isto ocorrer é o desenvolvimento do conhecimento
científico e tecnológico, que se processa no sistema que envolve as
unidades culturais sociais. É como se cada um estimulasse o outro num
círculo perpétuo entre economia e cultura.
As relações articuladas pelo trabalho pedagógico envolvem pelo
menos três agentes socioeconômicos: os proprietários capitalistas que
controlam os meios de produção das unidades culturais sociais e todos
os recursos de infraestrutura; os proprietários de conhecimento, a força
de trabalho docente; e a força de trabalho potencial
30
, proprietária de
recursos monetários que financiam todo o processo. Esses agentes nas
relações capitalistas de produção e apropriação de conhecimentos
aparecem como proprietários de mercadorias, formalmente
independentes um do outro. Os agentes socioeconômicos que
30
No caso das unidades estatais, esses recursos monetários são controlados pelo
governo. Neste caso o patrão é o Estado, mas representado pelos governos e
partidos políticos, os reais gestores da educação estatal.
110
estabelecem as relações diretas de produção e apropriação só podem
fazê-lo dentro das formas sociohistóricas capitalistas, sob os princípios
da racionalidade contábil das partidas dobradas. A clássica forma de
débito e crédito.
O capitalista que controla as relações de produção e apropriação
de conhecimentos, estatal ou privada, compra da força de trabalho
docente o direito de utilizar suas capacidades, e a vende, na forma de
hora/aula de física, matemática, biologia, sociologia etc. à força de
trabalho potencial discente. Nesta intercambialidade ou mercantilização
dos conhecimentos, devido às condições históricas, a força de trabalho
discente necessita enriquecer-se ou valorizar-se para transfigurar-se em
capital variável, pelo menos em potencial, quando inserir-se na
população economicamente ativa.
Para realizar tal metabolismo, o pressuposto para o empresário
que deseje atuar no mercado de ensino tem que possuir capital. Somente
dispondo de volume de capital suficiente para montar uma unidade
cultural social que comercialize conhecimentos, pode, o capitalista,
remunerar a força de trabalho docente, para que esta adquira os vínculos
necessários à sua subsistência.
Nesse metabolismo o capitalista é obrigado a converter-se em
gestor, organizador e administrador da instituição de ensino, ampliar e
expandir seus negócios e contratar especialistas que funcionem como
prepostos. O capitalista transfigura a sua autoridade e poder, conferida
pela propriedade do capital, em autoridade de gestor e organizador da
111
educação escolar, também conferida pela propriedade do certificado,
personificação que oculta as relações de dominação e exploração nas
relações de produção do conhecimento. É esta a mesma metamorfose
que cria a homogeneidade entre os diferentes produtores como
profissionais, cada qual fazendo jus a uma contrapartida específica de
acordo com a titulação correspondente, devidamente certificada e
comprovada, de acordo com o número de horas/aula exigido e
efetivamente trabalho.
A condição de capitalista e organizador da unidade cultural social
é determinada pela propriedade de capital, dos recursos necessários para
por em funcionamento as forças produtivas do ensino; assim como a
força de trabalho docente o é pela propriedade de conhecimento
certificada e reconhecida pelas instituições estatais que regulam essa
produção. Dessa forma, os agentes socioeconômicos envolvidos no
processo são combinados tecnicamente conforme os recursos que
controlam, dos quais são proprietários.
Os vínculos entre as pessoas, assim estabelecidos, são mediados
pela intercambialidade de coisas. E a individuação dos agentes
socioeconômicos, baseada na propriedade privada dos recursos que
controlam, combinam essas relações, em termos técnicos e materiais,
pela racionalidade mercantil capitalista de compra e venda. Com isso,
as relações diretas entre compradores e vendedores de conhecimentos-
mercadoria, as classes sociais (capitalistas, força de trabalho docente,
força de trabalho potencial), resultam numa combinação de elementos
112
técnicos de produção que se fortalecem pela intercambialidade ou
mercantilização de coisas, concentradas e centralizadas nas diversas
unidades de produção e apropriação de conhecimentos.
De acordo com Rubin, é esta estreita vinculação das relações de
produção entre as pessoas ao movimento das coisas no processo
material de produção [que] leva à reificação das relações de produção
entre as pessoas (RUBIN, 1980, p. 33).
Apesar da diversidade de relações sociais, a forma típica das
relações capitalistas, isto é, o pressuposto das relações sociais entre
pessoas é a individuação e valorização dos recursos e coisas das quais
são proprietárias. É a propriedade privada dessas coisas que permite
estabelecer vínculos universais, baseados em contratos. Este também é o
caso das relações que se estabelecem no processo de produção e
apropriação de conhecimentos.
Esses vínculos são vitais na sociedade. Eles legitimam o acesso a
poder e a riquezas. Pela exígua oferta desses vínculos, postos de
trabalho, há uma forte disputa para ocupá-los. Mas essa possibilidade
pressupõe a propriedade de coisas determinadas. O processo de
produção e apropriação de conhecimentos pressupõe, como vimos:
capital, conhecimento e recursos monetários. O capitalista personifica
as figuras de diretor, gestor, administrador, orientador, coordenador,
secretário, entre outros; o proprietário de conhecimentos, a força de
trabalho docente, personifica as figuras de professor, educador, mestre-
escola, etc.; e o proprietário de recursos monetários, a força de trabalho
113
potencial, personifica as figuras de aprendiz, aluno, estudante, discente,
entre outras, conforme o contexto histórico.
Na ambiência do processo de trabalho pedagógico e, no
capitalismo, simultaneamente, de valorização do capital variável, cada
proprietário personifica uma forma social distinta: diretor, docente e
discente.
A teoria do fetichismo discute a personificação das formas sociais
pelas pessoas, originárias das relações sociais de produção. Com ela
Marx (1985) procurou demonstrar o inextricável entrelaçamento das
relações de produção entre as pessoas e as formas sociohistóricas das
coisas que lhes pertencem. Estas são assimiladas como propriedade
privada e, como tal, assim personificadas
31
.
Nas relações que se estabelecem no âmbito do trabalho
pedagógico, a força de trabalho docente, ao ser orientada para socializar
conhecimentos à força de trabalho discente em uma determinada
unidade cultural social, fortalece o fato de todos esses agentes serem
proprietários de coisas; coisas que interessam reciprocamente a todos
31
Embora Marx não tenha tratado da profissão, esta podem ser concebidas como
processo de personificação. Na medida em que as pessoas conquistam a propriedade
de certificados que as qualificam como profissionais do direito, da engenharia, da
medicina. Elas se personificam como advo gados, engenheiros e médicos. A
personificação tem, assim, uma base para ser reconhecida e referenciada como tal.
No caso, essa base é o conhecimento. Mas a base da personificação d e um
empresário capitalista é a atividade que ele desenvolve para reproduzir o capital; e
assim por diante. Todos que assumem ou são atribuídos essa atividade personificam
a racionalidade do capital. Neste sentido a objetividade do capital se materializa na
subjetividade do trabalhador assalariado, ainda que contra a sua vontade.
114
intercambiarem. Então, são essas coisas as mediadoras das relações
entre as pessoas. A posse dessas coisas habilita cada proprietário a
ocupar funções socioprodutivas nas relações de produção e apropriação.
Funções que oferecem status, poder e acesso às riquezas, inclusive a
apropriação de mais conhecimentos.
Esta primazia assumida pela coisa nas relações que se impõe no
âmbito do trabalho pedagógico cria a ilusão de que a coisa mesma
(capital, conhecimentos, recursos monetários), possui capacidade e
virtude de estabelecer determinadas funções socioprodutivas nas
relações de produção. E, com isso, o poder de distribuir o acesso a
poder e riquezas. Se a coisa que tenho como propriedade privada
possibilita criar vínculos mercantis com outros proprietários, então a
coisa possui a virtude mágica para determinar a minha função
socioprodutiva nesta intercambialidade ou mercantilização. Isto é, ela
se configura como valor, e não eu.
Considerando essas características do trabalho pedagógico na
modernidade capitalista, a coisa intercambiada entre os proprietários de
mercadorias e dotada de valor é o conhecimento, que preferimos chamar
de conhecimento-mercadoria. Entre os proprietários temos o capitalista,
o proprietário de capital e organizador da unidade de produção e
apropriação social de conhecimentos; a força de trabalho docente, o
assalariado ou horista/aula; e a força de trabalho potencial, que dispõe
de recursos monetário ou é financiado com o fundo público controlado
115
pelo Estado. Mas, então, o conhecimento nessas condições históricas
não é simplesmente valor de troca, é também capital.
Assim como qualquer mercadoria, o conhecimento tem essa
ambivalência na modernidade capitalista: no processo de produção e
apropriação ele é valor de uso e valor de troca, mas, sobretudo, é
reproduzido, também, virtualmente, como capital.
Se o capitalista do conhecimento aquele que valoriza o capital
por intercambiar conhecimento-mercadoria estabelece relações de
produção e apropriação de conhecimento numa determinada unidade
econômica, então, a contrapartida que recebe da força de trabalho
potencial após saldar seus débitos com a compra de força de trabalho
docente, através da intercambialidade do conhecimento entre as forças
de trabalho combinadas tecnicamente, é a valorização do capital
investido.
Nesse processo o capitalista se apropria de capital; a força de
trabalho docente se apropria de salário ou do que seja correspondente ao
número de hora/aulas vendidas; e a força de trabalho potencial se
apropria de conhecimento, ou melhor, com ele obtém certificado que
comprova o enriquecimento ou valorização das suas capacidades
cognitivas. Portanto, todo tipo de relação de produção entre pessoas
confere uma virtude social, uma forma social específica às coisas
116
através das quais as pessoas mantêm relações diretas de produção
32
(RUBIN, 1980, p. 35).
O conhecimento, neste processo, apresenta outra ambivalência
que convém, pelo menos, indicar: além de servir de valor de uso, dotado
de determinadas propriedades, que é a valorização ou enriquecimento da
força de trabalho potencial, também se condensa e se materializa nos
meios de produção. Isto é, desempenha a função de insumo-produto na
produção de bens de capital e participa das formas de sociabilidade, dos
vínculos sociais entre as pessoas, ainda que estes sejam mediados por
mercadorias e, no caso da produção de conhecimento, seqüenciais,
contínuos, cíclicos ou serializados.
Na modernidade capitalista as pessoas, para se inserirem nas
relações sociais, precisam ser proprietárias de alguma mercadoria. A
propriedade das coisas ou mercadorias confere aos seus proprietários
uma personificação, própria e particular (como característica) à
modernidade capitalista. As profissões são personificações desse tipo,
atribuídas às pessoas que se tornam proprietárias de certificados, que
comprovam grau de escolaridade. Elas informam a propriedade de
32
O intrigante na modernidade capitalista é que o trabalho pedagógico realizado
pela força de trabalho potencial seja considerado um não-trabalho. A modernidade
capitalista, paradoxalmente, não considera o estudo como trabalho e o discente
aparece como uma figura que não cria valor: é improdutivo. O docente também se
revela como improd utivo. A rejeição da improdutividade do trabalho pedagógico,
tanto do docente co mo do discente, é possível. Já se pode vislumbrá-la com esta
Crítica da Economia Política do Traba lho Pedagógico, ainda que parcial, mas
demanda estudos sistemáticos e uma pesquisa de base empírica para demonstrarmos
essa assertiva. Isto é, outra tese.
117
conhecimentos; são formas sociais típicas e pressupostas pelas relações
sociais de produção. Estão relacionadas a um conjunto de critérios e
outras formas sociais imprescindíveis à funcionalidade e à racionalidade
do sistema de relações de reprodução de conhecimentos.
As coisas, as profissões, em razão de permitirem vínculos diretos
entre proprietários livres, fazem aparecer formas de sociabilidade
exclusivas, expressas em formas sociais específicas. Essa dinâmica foi
tratada por Marx em várias de suas obras e, em O Capital, ganhou a
formulação de fetichismo da mercadoria.
A análise que estamos empreendendo sobre a produção e
apropriação social de conhecimentos visa explicitar a ambivalência do
conhecimento na modernidade capitalista, os obstáculos e
possibilidades que essa ambivalência assume para a realização do
projeto emancipatório na modernidade. A dialética entre relações de
produção e apropriação de conhecimentos e as formas sociais,
objetivamente posta neste contexto, aparecem como obstáculos de
difícil percepção pelos sujeitos sociais em geral e, principalmente,
pelos sujeitos pedagógicos em particular, por estarem implicados
diretamente na personificação das formas sociais objetivadas pelas
relações de produção e apropriação.
O conhecimento, comprometido no processo de reprodução do
capital e sua valorização, fortalece o estranhamento e a alienação muito
mais do que, propriamente, para a emancipação.
118
A natureza da produção e apropriação de conhecimentos envolve
características materiais e a objetivação histórica do caráter social.
Neste processo observam-se relações materiais entre os sujeitos
pedagógicos, explicitadas nos encontros pedagógicos, e relações sociais
de produção e apropriação entre coisas, explicitadas quando os sujeitos
pedagógicos são organizados pelo currículo em bases capitalistas, que
concentra os recursos investidos nas unidades culturais sociais. Temos
então, na modernidade capitalista, essa ambivalência: relações materiais
entre pessoas e relações sociais entre coisas
33
. Ambivalência que plasma
a sociabilidade processada no e pelo trabalho pedagógico.
Em tal intercâmbio as pessoas personificam coisas de que são
proprietárias, momento em que as coisas determinam os
comportamentos dos proprietários a propriedade do certificado de
Pedagogia, por exemplo, faz as pessoas que desses certificados se
apropriam, personificarem a profissão de pedagogo, que, nas relações de
produção e apropriação social de conhecimentos, as habilita para vender
os conteúdos apropriados aos capitalistas que controlam e comandam o
trabalho, que, por sua vez, comercializa tais conhecimentos no mercado.
Dessa forma, o proprietário do certificado de Pedagogia aparece
transfigurado na forma social de pedagogo e estabelece relação de
produção e apropriação de conhecimento com a força de trabalho em
33
No volu me três, na parte quinta de O Capital, Marx aprofunda os limites desse
processo de personificação das coisas e materialização das relações sociais de
produção, quando analisa a repartição dos juros e do lucro entre os capitais,
mormente o capítulo 24 (MARX, 1980, p. 450-4 78).
119
potencial e com o capitalista que investe seu capital nesse ramo,
mediado por essa coisa de quem é proprietário, que é o certificado. Os
capitalistas investem seu capital nesse negócio, transformam o conteúdo
pedagógico em mercadoria, que, por sua vez, ganha valor de mercado na
medida em que se converte em insumo-produto dos bens de consumo.
Por um lado, como vimos, as formas sociais da coisa
conhecimento: força de trabalho docente, força de trabalho discente e o
capitalista do conhecimento (privado ou estatal), que os põe em contato
em uma unidade que comanda e controla o trabalho pedagógico, são
vistas como resultado das relações de produção e apropriação social de
conhecimentos entre as pessoas, que entram em relação mediadas pelas
coisas de quem são proprietárias, as mercadorias. Estas, nas relações
sociais de produção assumem formas sociais específicas, com as quais
as pessoas se identificam como proprietários. Coisas específicas que
estabelecem formas sociais singulares a seus devidos proprietários.
Os vínculos produtivos entre os agentes socioeconômicos
envolvidos, constituídos por pessoas, também são mediados pelas coisas
e suas formas sociais específicas. Assim se reproduz o capital
continuamente, reprodução na qual cada vínculo estabelecido no
presente é resultado de uma historicidade anterior e possibilidade de
futuros vínculos. A forma social das coisas intercambiáveis, como é o
conhecimento, resulta de um pressuposto intercâmbio passado e de
outros que se sucederão.
120
O desenvolvimento das forças produtivas e, principalmente, da
ciência e tecnologia, impõe uma organização mais estável e regular às
relações de produção e apropriação de conhecimento. Esta produção é o
pressuposto daquele. Na medida em que a forma capitalista de produção
e apropriação de conhecimentos é contínua e seqüencial, ela se expande
e se intensifica, alcançando hegemonia frente a outras formas de
produção e apropriação de conhecimentos. A hegemonia de determinada
relação de produção e apropriação do conhecimento materializa,
impreterivelmente, a hegemonia de determinadas formas sociais; isto
porque os vínculos entre relações de produção e formas sociais são
específicos, biunívocos e colineares. Mas entre elas interpõe-se a coisa,
a mercadoria, o produto de trabalho.
As formas sociais podem ser complementadas e conviver
harmonicamente com outras formas sociais, em unidades econômicas
que desenvolvem relações de produção focalizadas em uma mercadoria,
tal como a produção e apropriação de conhecimentos. Mas como
especificidade da modernidade capitalista, os vínculos entre relações de
produção e formas sociais não deixam de ser mediados por coisas. As
formas sociais persistem, mesmo quando as relações de produção entre
as pessoas se interrompem. Isto é possível porque as formas sociais
ganham autonomia quando se consolidam como forma de sociabilidade.
A partir dessa autonomização as formas sociais correspondentes
às relações de produção do conhecimento, representada, por exemplo,
no certificado, é possível alcançar a consciência social exata da
121
dialética entre relações de produção e formas sociais que determinam a
materialidade do processo de produção e apropriação de conhecimentos.
Em termos da teoria social marxiana, a autonomia das formas sociais
das relações de produção do conhecimento não significa uma tautologia
do conhecimento. O valor do conhecimento não é uma propriedade
imanente à coisa, o conhecimento-mercadoria per se, que enriquece a
força de trabalho discente e a certifica como tal. Mesmo que a
certificação signifique o enriquecimento da força de trabalho potencial
do discente, que a cada ciclo do percurso formativo sai valorizado. Essa
hipótese é a manifestação aparente, fetichizada e reificada da forma
capitalista das relações sociais de produção e apropriação de
conhecimentos.
Aparentemente, essa dinâmica parece tornar-se uma propriedade
da coisa, que é o conhecimento socializado e apropriado no processo,
porque o certificado se desprende do processo, ganha valor e status, e é
personificado pela força de trabalho potencial e pela força de trabalho
docente, com quem passa a ter identidade e da qual passa a pertencer
como propriedade privada. O certificado é personalizado, individuado e
destinado a uma pessoa com a qual pode estabelecer vínculos em
unidades econômicas que desenvolvem relações sociais de produção,
absolutamente distintas daquelas que se desenvolvem nas unidades de
produção e apropriação social de conhecimentos.
O desprendimento das formas sociais, como o desprendimento do
certificado, da dialética entre relações de produção e formas sociais,
122
ganha valor societal e, por isso, parece desligar-se e desvincular-se da
trama dialética que o gerou como forma social específica, como, por
exemplo, a figura do profissional. É com o certificado do conhecimento
apropriado, portanto, uma coisa, que a força de trabalho discente
negocia com os diferentes capitalistas, que demandam força de trabalho
qualificada e enriquecida, o valor do trabalho a ser realizado, no ato de
firmar o contrato de trabalho, quando se torna, para o capitalista,
capital variável.
O conhecimento que se encarna no capital constante se
complementa com o conhecimento encarnado no capital variável. Ambos
constituem o que Marx chamou de composição orgânica do capital, de
onde o capitalista extrai sua taxa de lucro no processo de valorização
(Marx, 1980a).
O que se verifica no processo do trabalho pedagógico é que, a
partir dessa determinada forma social, o certificado, que sintetiza o
enriquecimento e a valorização da força de trabalho, ganha expressão
como forma própria das relações de produção e apropriação do
conhecimento entre os sujeitos pedagógicos e a sociedade como um
todo, e com isso dá a impressão de ser portador de toda laboralidade
que constitui as relações de produção e apropriação do conhecimento.
Ora, a propriedade privada de tal coisa, do certificado, permite a
seus proprietários estabelecerem determinadas relações de produção
quando a força de trabalho potencial se transfigura em força de trabalho
profissional, podendo se metamorfosear em capital variável. Isso
123
explica porque há uma transformação das formas sociais por infusão de
conhecimento, que ganha características próprias em cada momento da
valorização da força de trabalho: quando potencial como discente,
quando acabada como profissional, e quando é convertida em capital
variável e passa a valorizar o capital e permitir o enriquecimento.
Esse processo explicita o fetichismo e a reificação nas relações de
produção e apropriação do conhecimento entre as pessoas que
personificam, nesse processo, a forma de sujeitos pedagógicos: a força
de trabalho docente, a força de trabalho discente, e o proprietário de
capital que investe e organiza a unidade que processa as relações que
envolvem o trabalho pedagógico. As pessoas nessas personificam as
coisas das quais são proprietárias: capital, conhecimento, recursos
monetários.
A dinâmica de valorização do capital obriga, permanentemente, as
unidades econômicas a se reestruturarem, a revolucionarem as forças
produtivas, a introduzirem novas tecnologias de produção e
organização, visando aumentar a produtividade do trabalho. Essa
dinâmica sociometabólica do capital é responsável pela valorização e
desvalorização dos certificados, isto é, pela valorização da força de
trabalho. Por isso, a força de trabalho do profissional precisa se
valorizar, permanentemente, conforme o metabolismo do capital.
Os sujeitos pedagógicos vivenciam a ambivalência da produção e
apropriação do conhecimento, sofrem as injunções das formas sociais
das coisas, metabolizadas pelo capital. Esta objetivação é reificada nas
124
relações sociais de produção e apropriação do conhecimento,
vivenciadas pelas pessoas sob a forma social das coisas. A reificação
confere à dialética infraestrutura versus superestrutura a estabilidade,
durabilidade, regularidade e legalidade necessárias para o metabolismo
do capital reproduzir, na sua totalidade, as relações sociais de produção
e as formas sociais que o legitimam. O resultado é a desumanização das
relações socioeconômicas e a coisificação dos seres humanos.
A reificação e o fetichismo da infraestrutura das relações de
produção e apropriação do conhecimento pela coisificação da
superestrutura das formas sociais, personificados pelas pessoas
produtoras de conhecimento, só se verificam no desenvolvimento
histórico da modernidade capitalista; após a reiteração, no tempo, da
reprodução do trabalho pedagógico, em condições capitalistas.
A historicidade dessas relações cristaliza sedimentos
socioculturais. Para Gramsci, formam a personalidade dos produtores,
que é fixada às formas sociais pelo princípio educativo imanente às
diversas formas de relações de produção. Enquanto uma forma
específica de relações de produção, não desenvolveu plenamente a
divisão técnica do trabalho até que tenha se integrado à divisão social, e
se se vincula às formas sociais predominantes na sociedade, não fará
diferença, mesmo que se contraponha às relações hegemônicas de
produção. Apenas após cumprir tal integração às formas sociais a ela
correspondentes, ganha espaço na modernidade.
125
Os nexos entre as pessoas e as relações de produção são mediados
pela materialidade das formas sociais. Isto significa que o tipo
específico das relações de produção e apropriação de conhecimentos
desenvolve formas sociais específicas, mediadas pelas coisas, das quais
as pessoas controlam como propriedade privada e, mediadas por elas,
desenvolvem vínculos e relações sociais singulares.
A historicidade dessas relações cristaliza a reificação
(coisificação) ou o fetichismo das relações de produção e apropriação
pelos sujeitos pedagógicos. A coisa resultante desse metabolismo, que
na produção e apropriação do conhecimento são os inúmeros
certificados apropriados pela força de trabalho discente em percursos
pedagógicos cíclicos e seriados, exigidos para obtenção do certificado
profissional, é uma forma social a ele correspondente. E mantém essa
forma social mesmo quando findam as relações concretas e específicas
de produção do conhecimento. O proprietário de um certificado
profissional não deixa de sê-lo por ter finalizado sua participação nas
relações de produção que manteve nas específicas unidades culturais
sociais, porque o certificado é portador histórico desse vínculo, que
transcende as unidades de produção e apropriação do conhecimento. Ele
é portador de valor social, econômico e ético-político. A exploração
teórica desse aspecto ético-político do conhecimento foi realizada por
Gramsci, o que discutiremos no próximo capítulo.
É, justamente, na conservação dessas características pelo
certificado que as pessoas mantinham com determinadas relações de
126
produção e apropriação do conhecimento, como sujeitos pedagógicos,
como força de trabalho docente e como força de trabalho potencial, que
se verifica a reificação do conhecimento na coisa que é o certificado. O
comprovante da valorização da força de trabalho potencial, a
certificação do conhecimento promovida pelas unidades que organizam
e controlam o trabalho pedagógico, cristaliza, na forma de propriedade
privada da coisa certificada, a posse de um determinado título que
parece a seu portador e à sociedade pertencer à coisa, assumindo um
dom metafísico de se apartar das relações vigentes no trabalho
pedagógico.
Dessa forma, as coisas como o certificado, que é resultado de um
longo percurso formativo realizado em diversos ciclos, séries e níveis,
se apresentam como uma forma social determinada, fixada, que imputam
e investem as pessoas, socialmente, com suas propriedades, moldando a
personalidade, as motivações e limitando-as a determinadas relações
concretas. Ao personificar uma forma social que dá sentido ao
metabolismo do capital, as pessoas com ela se identificam, e através
dela, com o capital, com suas potencialidades e materialidade. As
coisas, das quais as pessoas são proprietárias: capital, conhecimentos,
recursos monetários, determinam, precisamente, o lugar e as condições
socioeconômicas e culturais que cada pessoa desempenha nas relações
concretas das unidades onde se processa o trabalho pedagógica, isto é, o
capitalista do conhecimento, a força de trabalho docente e a força de
trabalho potencial.
127
Essas formas sociais não diferem das posições dos sujeitos
sociais, assim constituídos, apenas no lócus das unidades culturais
sociais, mas em toda a sociedade. O caráter social das coisas determina
o caráter social das pessoas, de forma abrangente.
A processualidade do trabalho pedagógico expressa essa
ambivalência na dialética entre as relações materiais de produção do
conhecimento e as formas sociais a elas correspondentes. Essa dialética
explica o obstáculo, para Marx, porque o conhecimento, ao contrário de
forjar a emancipação, tal como pensado e proposto pelos iluministas e,
na seqüência, os socialistas utópicos, produz o contrário do projeto
emancipatório: o fetichismo, que se manifesta nos certificados
profissionais; e a reificação das relações sociais vigentes no processo
do trabalho pedagógico, que se manifesta na personificação das formas
sociais, mediada pelas coisas.
De outro ponto de vista, o trabalho pedagógico condiciona os
sujeitos pedagógicos a perderem o status de sujeitos produtores de
conhecimento, em detrimento da personificação das coisas que ganham
formas sociais, como os certificados profissionais e os títulos
acadêmicos. É a personificação dessas coisas que esvazia as pessoas de
sua humanidade, ano após ano, série após série, ciclo após ciclo,
certificado após certificado.
O capitalista reluz com a propriedade do capital, o docente com
os títulos que atestam a sua docência, o discente com os certificados
que simbolizam o valor da sua força de trabalho, e é coroado nas
128
formaturas quando conquista os certificados profissionais, quando veste
sua força de trabalho com uma profissão. Mas toda a glória desfrutada
por cada um desses sujeitos reflete as relações de produção e
apropriação do conhecimento entre as pessoas, encobertas e
subsumidas por personificarem o que dá sentido e valor à modernidade
capitalista: as formas sociais correspondentes às relações de produção.
Assim, as pessoas são tragadas ao tipo hegemônico das relações de
objetivas do capital.
A forma social da coisa, que é o conhecimento produzido e
apropriado socialmente pelos sujeitos pedagógicos, aparece como uma
condição da reprodução capitalista, previamente determinado. Essa
dinâmica é reproduzida, permanentemente, pelo metabolismo do capital.
Aos olhos dos sujeitos diretamente implicados, como para toda a
sociedade, a certificação é o coágulo cristalizado, resultado congelado
do processo de produção social e dinâmico da socialização de
conhecimentos. Assim e posto pelo capital, em seu fluxo metabólico.
Essa ambivalência do conhecimento, vislumbrada pela teoria
social marxiana da modernidade capitalista, entre reificação das pessoas
e personificação das coisas, se reproduz na dialética entre
superestrutura e infraestrutura, na unidade do processo de reprodução
do capital e sua divisão sociotécnica do trabalho. Ambivalência,
aparentemente funcional e racional, posta pela determinação da forma
social das coisas, derivadas das relações de produção e forjadas pelas
pessoas proprietárias de mercadorias.
129
O que se revela imediatamente aos olhos de quem observa o
processo de trabalho pedagógico é apenas a personificação das coisas, e
o motivo imediato que as leva a estabelecer relações vínculos sociais: o
lucro pelo capitalista, a remuneração da hora/aula pela força de trabalho
docente e a valorização e enriquecimento da força de trabalho potencial.
Esta última é atestada e reconhecida por meio da certificação. Na
modernidade capitalista, esses aspectos se fazem presentes na superfície
das relações de produção efetivadas pela socialização de conhecimento.
Socialização reificada e fetichizada, como postulamos.
A reificação é um obstáculo ao projeto emancipatório na
modernidade, forjada na reprodução sociohistórica do conhecimento
pelos sujeitos pedagógicos, quando personificaram e continuam a
prersonificar, previamente, as formas sociais que legitimam as relações
que reproduzem capitalisticamente o trabalho pedagógico, como obra
das mercadorias e não das pessoas.
Procuramos demonstrar, com essa reflexão, que o processo de
personificação das coisas, com que cada pessoa comparece nas relações
de produção e apropriação social de conhecimentos, é determinado
pelos processos de reificação e fetichismo das relações sociais de
produção vigentes no processo de trabalho e valorização da laboralidade
pedagógico, forjados, tais processos, entre os agentes socioeconômicos:
capitalistas do conhecimento, força de trabalho docente e força de
trabalho potencial. E que não são as coisas das quais eles são
proprietários que estabelecem as relações no âmbito do trabalho
130
pedagógico, senão eles próprios, como pessoas, subsumidos à
reprodução sociometabólica do capital.
A crítica ao fetichismo e à reificação da socialização dos
conhecimentos na modernidade capitalista permitiu-nos descobrir que a
fusão das formas sociais (superestrutura) com a materialidade das
relações de produção e apropriação social de conhecimentos
(infraestrutura), a partir da teoria social marxiana, explica o duplo
caráter do conhecimento na modernidade e, portanto, um caráter
ambivalente. A dificuldade de compreender essa problemática é
provocada pelo contraste entre o método das ciências naturais, que trata
a mercadoria em geral como coisa, e o método críticas das ciências
humanas, que trata de relações sociais fundidas com coisas.
O fato de Marx propor a superação da hegemonia capitalista das
relações sociais de produção se justifica porque as relações de produção
entre pessoas atingiram tal complexidade na modernidade, que não é
mais possível fazê-lo sem a mediação das coisas e a personificação
destas pelos proprietários. Se isso foi verificado por Marx na
modernidade capitalista do século XIX, parece também um fato
incontestável no capitalismo tardio do século XXI. Fato que continua
a desdobrar-se nas entranhas das relações sociais de todos os complexos
de sociabilidade humana, sob a forma materializada do fetichismo e da
reificação.
131
CAPÍTULO II
O PROJETO EMANCIPATÓRIO NA MODERNIDADE EM GRAMSCI
132
2.1. FILOSOFIA DA PRÁXIS EM GRAMSCI
2.1.1. Concepção Dialética da História.
A forma fragmentária dos Cadernos do Cárcere já foi aludida por
diversos estudiosos de Gramsci. Essa particularidade se confirma nos
Cadernos, em que procurou desenvolver a sua concepção dialética da
história
34
. Nesta concepção identificamos uma original contribuição
para se pensar uma perspectiva emancipatória do trabalho pedagógico.
Apesar deste fato, Gramsci não é um pensador ilegível. Sempre se
preocupou com os leitores para quem escreveu, e repudiou com
veemência a idéia de intelectual como erudito livresco, aquela figura do
filósofo tradicional, trancado em uma redoma, cercado de livros, sem
contato com o mundo e os seres humanos. Portanto, está longe de suas
intenções ser reconhecido como profissional do conhecimento ou
perito em filosofia, apesar de valorizar adisciplina criativa que a
atividade intelectual impõe. De fato, não almejava status por seus
talentos nas letras. É um raro pensador entre os poucos que conseguiram
manter coerência entre anseios utópicos, como político, e escritos
teóricos, como empreendimento. Gramsci critica os intelectuais
tradicionais e se projeta integralmente como intelectual orgânico, na
escritura e na vida.
34
Organizados e publicados em italiano sob o título Il materialismo storico e la
filosofia di Benedetto Croce, em 1955. Esses Caderno s, no Brasil, ganharam outro
título sob a trad ução de Carlos N. Coutinho: Concepção dialética da história.
Publicado pela editora Civilização Brasileira, em sua 4ª edição, em 1981.
133
A sua Concepção dialética da história é tecida e esboçada,
paulatinamente, no percurso de suas análises sobre os vários temas e
problemas que o afligem. É assim que percebemos arborescer a sua
teoria social. Nossa tarefa é dupla: primeiramente trata-se de apreender
a sua filosofia da história a epistemologia gramsciana e,
simultaneamente, ressaltar o corpus categorial que lhe dá sentido e
objetividade. Com esse procedimento pretendemos apreender e expor,
sinteticamente, os nexos de sua teoria com o projeto emancipatório na
modernidade, sobretudo, o papel que o conhecimento nele assume.
A importância da Concepção dialética da história é realçada
quando temos em mente a categoria emancipação humana formulada por
Marx na Questão Judaica e nos Manuscritos de Paris. Nesses escritos
Gramsci anuncia categorias universais que se fazem presentes em todos
os Cadernos, sempre apontando para a emancipação humana: para a
liberdade e a autonomia imanentes às potencialidades do trabalho
pedagógico e intelectual. Eles constituem o arsenal ou corpus categorial
gramsciano da filosofia da práxis. Por isso mereceu atenção desta
investigação. Dentre os temas dessa Concepção optamos por refletir
sobre Alguns pontos preliminares de referência e Problemas de filosofia
e de história
35
.
35
Na medida em que Alguns pontos preliminares de referência sugerem e mesmo
fazem referência a categorias explicitadas em Problemas de filosofia e história,
procurou-se aproximá-las na intenção de esclarecer melhor a reflexão gra msciana:
fazer as categorias dialogarem entre si foi a forma que encontramos para preservar
uma abordagem ampla e abrangente sobre essas temáticas. Mas, no corpo da
análise, procuramos seguir o próprio percurso temático de Gramsci, para captar o
134
Essa análise não pretende esgotar os escritos originais de
Gramsci, pois os consideramos de um frescor insubstituível. Decidiu-se,
então, perscrutar os temas escolhidos para análise, refletir cada um
conforme tratado pelo autor. Mesmo sabendo que toda interpretação é
uma reconstrução textual, desejou-se preservar a integridade.
Começaremos nossas análises e reflexões a partir do corpus categorial
da filosofia da práxis.
amplo sentido da sua teoria social sobre a condição do conhecimento no projeto
emancipató rio na modernidade.
135
2.1.2. - O co r p u s categorial da filosofia da práxis
O postulado gramsciano do conhecimento
36
reconhece o potencial
das formas de sociabilidade de sua manifestação. A mente que
desenvolve o conhecimento está indissoluvelmente vinculada a um
corpo situado ou conectado às relações sociais. Os conhecimentos e
saberes estes, entendidos aqui como diferentes formas de saber-fazer
não estão presentes apenas nas formas de pensamento e interpretação,
mas em tudo aquilo que envolve o ser humano. A humanidade é, ela
mesma, materialização de conhecimentos e saberes historicamente
elaborados. Para pensar e elaborar seus artifícios, inclusive as técnicas
e instrumentos necessários à reprodução material da existência humana,
os conhecimentos aparecem imanentes a este processo social originário,
fundamentos ou protoforma do ser social. Nessas atividades Gramsci já
os identifica, e não apenas na filosofia ou refinamento teórico.
Se o conhecimento existe no momento da sociabilidade, se ele se
manifesta nas formas de pensamento e se materializa nos artifícios
humanos, ele é corpo e alma do que Gramsci conceitua como
concepção de mundo. Em termos gramscianos, concepção de mundo
tem referência no próprio mundo, resulta do pensamento e da
materialização do processo de vida real.
A diversidade de concepções de mundo é determinada pela
diversidade da sociabilidade, e esta, por sua vez, é historicamente
36
O conhecimento, em Gramsci, abarca todas as formas de saberes e conhecimentos
forjados pelos seres humanos. Está imbricado na totalidade do ser social. É essa, a
nosso ver, a marca da contribuição dos escritos gramscianos.
136
determinada pelo desenvolvimento das forças produtivas. Podemos
concluir, com Gramsci, que o conhecimento é elaborado na
processualidade do trabalho pedagógico. Desta forma é universal. Está
presente na atividade intelectual e nas demais atividades laborais. È
imanente a todos os planos de sociabilidade.
Podemos ter consciência ou não das concepções que subjazem ao
mundo. Podem nos parecer explícitas, quando identificadas, ou
implícitas, quando não revelam sua face, mas sua presença no processo
de sociabilidade é irrefutável. Concepções do mundo são compartilhadas
na família, na igreja, na escola, no universo domundo da vida, em
todo o sistema social. Sempre circunscritas e determinadas
socialmente.
Para Gramsci, o ser humano não pode prescindir de conhecimento,
mesmo nas mais humildes formas de viver, pelas razões de não poder
existir aquém ou além da sociabilidade Marx dirá socialismo nos
Manuscritos de Paris. Portanto, em termos de gênero, o ser humano
para viver carece de vínculo social e de uma filosofia de vida
vinculante, uma filosofia da existência ou concepção de mundo que
elabora os critérios do agir prático-moral, assim como os critérios do
agir técnico-científico, de forma inextrincável e complementar.
Independentemente da vontade, todo ser humano compartilha de
uma filosofia; de um modus operandus. Essa compreensão indica que a
possibilidade abstrata de se poder pensar dissociado em um homo faber
e um homo sapiens está em franca contradição com o ser humano
137
concreto. Este é simultaneamente faber e sapiens, a sapientia habita o
fabricatus. Nas atividades do ser humano concreto se faz presente o
desejo, o saber, a intuição, os sonhos, as utopias, as esperanças, as
frustrações etc. O ser humano é um ser total quando em ação, e é por
isso que Gramsci (1981, p. 12) postula: na mais simples atividade está
contida uma determinada concepção de mundo, complemento: onde se
faz presente o conhecimento e saberes.
Todos os homens são filósofos mesmo quando reduzidos a
reprodutores das condições materiais de existência. Gramsci não cinde
ou dissocia a ambivalente natureza dos seres humanos: cognitiva e
operativa. Ele contrapõe-se às vertentes teóricas que reduzem a filosofia
a uma atividade intelectual de uma categoria de homens
especializados ou de filósofos profissionais (GRAMSCI, 1981, p. 12).
A filosofia, em Gramsci, não é produzida e apropriada
socialmente apenas sob a forma da filosofia de cátedra. A erudição não
é um ideal do filósofo gramsciano. Destaquemos como a filosofia é
produzida e apropriada: a filosofia é adquirida da própria linguagem;
do senso comum e do bom senso; de todo sistema de crenças, opiniões e
nas manifestações da cultura popular ou folclore (GRAMSCI, 1981, p.
12). Com isso ele pretende enfraquecer e fragilizar não apenas a
arrogância e o poder do monopólio, autoridade e autonomia, absolutos,
do filósofo acadêmico, do filósofo profissional ou especialista, mas a
divisão entre trabalho manual e intelectual. Isto é, do controle
corporativo sobre o que é básico na sociabilidade: o conhecimento.
138
Essa é uma crítica arguta que revela a dimensão humanista que
pulsa na teoria social de Gramsci. O controle corporativo do
conhecimento pelas associações profissionais é, de acordo com
Villarreal (2002), um obstáculo ao projeto emancipatório na
modernidade. Impede a universalização de um dos processos mais
importantes da sociabilidade moderna, que é o processo de produção e
apropriação social do conhecimento científico.
As unidades de socialização do conhecimento ou instituições de
ensino, na modernidade capitalista, assumiram a responsabilidade e o
controle de organizarem a cultura. Nesta socialização elas também
legitimam um processo de diferenciação social abrangente por meio da
apropriação diferenciada dos conteúdos, segundo as condições
socioeconômicas e culturais dos segmentos sociais, o que reforça o
caráter de classe do processo de trabalho e valorização da laboralidade
pedagógica. Mas a reprodução sistêmica dessa diferenciação é
legitimada porque mantém os sujeitos pedagógicos sob forte reificação
e submissão como constatamos anteriormente. Sujeitos que
comprometeram as potencialidades emancipatórias do trabalho
pedagógico. Quando personificam as formas sociais capitalistas aí
forjadas.
É sabido, desde Marx (1980), que se inspirou em Hegel (2000), e
foi reforçado por Lukács (1974), que a consciência se manifesta,
contraditoriamente, em duas formas básicas: como consciência em si e
como consciência para si. Dentre outros entendimentos, a consciência é
139
concebida, em ambos os casos, como contraposta ao objeto do
conhecimento. Mas, na medida em que Gramsci formula a filosofia da
práxis, ele reconstrói o significado clássico marxiano da categoria
consciência. Não se limita a perguntar sobre as implicações de se ser
consciente e crítico, ou acrítico e alienado, em relação à realidade
social ou ao objeto que se quer conhecer, e que se defronta com o
pensamento racional e metodicamente estruturado. O que move Gramsci
não são problemas propriamente de ordem epistemológica.
Como é um fato a multiplicidade dos conhecimentos e as
concepções de mundo, o nó górdio que precisa ser desatado não é o do
conhecimento verdadeiro ou do conhecimento falso ou falseado pela
ideologia, que gera a falsa consciência mediadora da dialética entre
representação social e mundo real, mas a condição como participamos
dos processos de sociabilidade, pois é na condição e natureza dos
vínculos que se compromete a personalidade, que se forja uma
personalidade subalterna ou autônoma. Para Gramsci a formação da
personalidade aparece como um determinante fulcral do projeto
emancipatório
37
.
Gramsci está preocupado com a filosofia e as concepções de
mundo porque elas determinam as potencialidades culturais do ser
humano. O que o move é muito mais uma questão política, ligada aos
37
Queremos chamar a atenção que se trata da personalidade desenvolvida no
processo de personificação das formas sociais. Formação do ser humano no plano
da so ciabilidade (para uma melhor compreensão desse significado ver nota nº 1).
140
planos de sociabilidade. A consciência e o conhecimento, em Gramsci,
estão relacionados à liberdade:
É preferível pensar sem disto ter consciência crítica, de
uma maneira desagregada e ocasional, isto é,
participar de uma concepção do mundo imposta
mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um
dos vários grupos sociais nos quais todos estão
automaticamente envolvidos, desde sua entrada no
mundo consciente /.../ ou é preferível elaborar a própria
concepção do mundo de uma maneira crítica e
consciente e, portanto, em ligação com este trabalho
do próprio cérebro, escolher a própria esfera de
atividade, participar ativamente na produção da história
do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do
exterior, passiva e servilmente, a marca da própria
personalidade
38
? (GRAMSCI, 1981, p. 12, grifos
nossos).
Gramsci atribui à sociabilidade uma primazia radical nos
desdobramentos da formação da personalidade do ser humano. Segundo
sua compreensão, pertencemos sempre a um determinado grupo /.../ de
38
Personalidade são traços de caráter que se forma m a partir da aquisição de
princípios e critérios sociais, emocionais e sensitivos que orientam as ações em
diferentes situações e sob diversas estratégias. A personalidade é sempre múltipla.
Modificar esses traços que se forjam na história de vida e são condicionados pela
cultura dos grupos que participamos (família, escola, fábricas, grupos de amigos
etc.) pressupõe a mudança da sociabilidade que a constitui.
141
um mesmo modo de pensar e de agir (ibidem, p. 12). O ser humano é
um produto da realidade sociohistórica: nem do naturalismo
antropológico, nem do naturalismo biológica. Embora pertencente ao
reino da natureza, dele o ser humano se desprende para criar sua própria
humanidade, isto é, na medida em que molda o mundo exterior de um
modo humano, cria seus artifícios e sua cultura, conforme a vontade,
necessidade e ação social. Nesse processo criativo da humanidade, o ser
humano transforma a natureza e, concomitantemente, transforma a si
próprio. Esse fato, segundo Marx (1980a), caracteriza o princípio da
liberdade e da autonomia. A sociedade precede o indivíduo, mas é
reconstruída historicamente pela práxis humana (KOSÍK, 1976;
KONDER, 2002).
Há uma forte preocupação sobre como o ser humano se faz na
realidade histórica, como se representa e constitui a sua identidade
social, o que são e por que são dessa forma e não de outra. Enfim, como
a personalidade se constitui imbricada nos complexos de sociabilidade.
Tais preocupações são explicitadas pela indagação: qual é o tipo
histórico do homem-massa do qual fazemos parte? (GRAMSCI, 1981,
p. 12).
Que motivos levam Gramsci a preocupar-se com tais questões?
Talvez ele acredite que a conseqüência de termos consciência do
contexto histórico e de nossa historicidade, da filosofia que
partilhamos, determine nossa ação prático-moral e técnico-científica,
seja como homem consciente e crítico, seja como alienado e acrítico.
142
Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente,
mas ocasional e desagregada, pertencemos
simultaneamente a uma multiplicidade de homens-
massa, nossa própria personalidade é composta de uma
maneira bizarra: nela se encontram elementos dos
homens das cavernas e princípios da ciência mais
moderna e progressista /.../ (GRAMSCI, 1981, p. 12).
O ato de criticar a própria concepção do mundo, de criticar-se a si
mesmo, de praticar autocrítica e auto-análise, consiste em um exercício
de elevar-se de uma concepção ocasional e desagregada a uma
concepção unitária e coerente, de elevar uma personalidade
subalterna a uma personalidade de produtor, ator e autor. Por outro
lado, criticar as concepções do mundo hegemônicas é criticar, de uma
só vez, todas as concepções do mundo que lhe dão vida. Concepções
contemporâneas significam uma síntese que integra em si, que traz em
si, os preconceitos e progressos de todas as concepções pregressas. Esse
ato crítico contribui para a elevação da personalidade do sujeito.
Gramsci analisa a subjetividade produzida pelo ato crítico de
tomada de consciência. A única forma de sabermos sobre o tipo
histórico do homem-massa do qual fazemos parte, nas palavras de
Gramsci, é considerar os seguintes aspectos que ligam consciência,
conhecimento e liberdade:
143
[1] O início da elaboração crítica é a consciência
daquilo que somos realmente, isto é, um conhece-te a ti
mesmo como produto do processo histórico até hoje
desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços
recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer,
inicialmente, este inventário (GRAMSCI, 1981, p. 12).
[2] Não se pode separar a filosofia da história da
filosofia nem a cultura da história da cultura. No sentido
mais imediato e determinado, não podemos ser filósofos
isto é, ter uma concepção do mundo criticamente
coerente sem a consciência da nossa historicidade, da
fase de desenvolvimento por ela representada e do fato
de que ela está em contradição com outras concepções
ou com elementos de outras concepções (ibidem, p. 13,
grifos nossos).
Está muito presente nessas considerações o entendimento da
consciência como mediação e conquista da autonomia e da liberdade,
através da autocrítica e da auto-análise. Estas práticas são necessárias,
na perspectiva gramsciana, para uma ação histórica tendente à
emancipação. Além disso, a autonomia e a liberdade estão vinculadas a
tudo que diz respeito à formação da personalidade e à história dessa
formação. Ocorre num processo de lutas entre concepções de mundo que
se contradizem. A formação da personalidade não acontece em harmonia
no mundo existente. Inclusive o universo do campo semântico utilizado
144
pelo ser humano para compartilhar e comunicar concepções de mundo é
determinante nessa formação. É nesse embate que se alcança uma
concepção do mundo criticamente coerente que os seres humanos se
tornam filósofos.
Em outro momento do texto Gramsci afirma: /.../ da linguagem
de cada um é possível julgar da maior ou menor complexidade a sua
concepção do mundo (ibidem, p. 13). A linguagem envolve as ações
simbólicas e materiais dos seres humanos, ela perpassa os planos de
sociabilidade e participa da unidade do conhecimento que vincula os
seres humanos entre si e estes à natureza. Está na tessitura daquelas
verdades existentes, produzidas e apropriadas socialmente por amplas
esferas sociais, mas, sobretudo, na modernidade capitalista, pelas
unidades de produção e apropriação social de conhecimentos que
centralizam e organizam a cultura: os conhecimentos que plasmam as
concepções que transitam na esfera da economia e do Estado, e também
aqueles que penetram as concepções que circulam na esfera do mundo
da vida e em cumplicidade forjam novas possibilidades de se conhecer
pela auto-análise e conhecer o mundo pela autocrítica; por isso,
linguagem e conhecimento são tão importantes para Gramsci.
[3] O fato talvez mais importante que descobrir novas
verdades é revelar e socializar verdades existentes que
podem ser transformadas em bases de ações vitais, em
elemento de coordenação e de ordem intelectual e
145
moral
39
. O fato de que uma multidão de homens seja
estimulada a pensar concretamente e de maneira unitária
a realidade presente é um fato filosófico bem mais
importante e original (GRAMSCI, 1981, p. 14).
Na medida em que as concepções de mundo ou os conhecimentos
contribuem para a transformação das bases de ações vitais, tais
ações afetam a postura dos indivíduos diante dos princípios que
regulam a vida. Essa dialética entre conhecimento e ação, abre a
possibilidade à assimilação denovos elementos de coordenação e de
ordem intelectual e moral. Para Gramsci, esse processo desencadeia
formas mais coerentes eunitárias de pensar a realidadeconcreta.
Esse movimento tende a entrar em choque com a religião e o senso
comum. Portanto, é um movimento que se abre para devir humano.
Caracterizando a dinâmica da filosofia da práxis.
A filosofia diferencia-se do senso comum e da religião porque
reivindica a justeza das razões para certificar suas proposições sobre o
ser. Ambos, pensamento e ser, em tensão perpétua dão origem a essa
ordem social peculiar que é o complexo ou ordem intelectual na
esfera da cultura. A autoconsciência da razão e do ser faz despertar uma
realidade desconhecida, o mundo próprio da filosofia, mundo que ela se
39
Ora, socializar verdades existentes que podem ser transformadas em bases de
ações vitais é obra do trabalho pedagógico. Para Gramsci esta atividade laboral é
vital ao ser humano, é um tato filosófico bem mais importante e original. Do
que simples mente uma atividade de transmissão de informações ou conteúdos.
146
propõe a descobrir e a desvendar pela investigação sistemática e pelo
diálogo entre os interlocutores que o investigam. Portanto, é por conta
daquele mundo que a filosofia se desdobra em investigação, e por conta
do diálogo entre os investigadores que se justifica o sentido da
filosofia.
O senso comum e a religião são de outra natureza. Na esfera
destes conformam-se outros critérios de certificação, que os legitimam
socialmente. Embora não dispensem a razão, esta, na religião e no senso
comum, é bem diferente das razões filosóficas. Em termos objetivos,
religião e senso comum não só carecem de certificações baseadas em
argumentos prováveis, principalmente empíricos, como prescindem da
associação, fundamentalmente filosófica, entre pensamento e ser. A
religião diferencia-se do senso comum por orientar a conduta prático-
moral dos religiosos de forma sacralizada. Mas, segundo Gramsci, a
razão faz parte da conduta prático-moral dos religiosos, ainda que de
forma desagregada.
A filosofia corresponde a uma ruptura com a religião e o senso
comum. Nas palavras de Gramsci, implica a superação tanto da religião
quanto do senso comum, e coincide com obom senso (GRAMSCI,
1981, p. 14).
O senso comum ou consciência ingênua, segundo Gramsci, não é
unilateral, mas produz e apropria conhecimentos heteronomamente, sem
despertar o sentido da autonomia e da liberdade no ato da produção e
apropriação de conhecimentos. Este se revela, para o senso comum,
147
como produto de um devenir histórico sem sujeitos. O sujeito
cognoscente
40
, que vive no mundo do senso comum, não se coloca
como ator e autor do conhecimento; sua personalidade se assemelha à
passividade do espectador e não de um produtor ativo e contumaz. É um
senso acrítico, passivo, que mais se adéqua e se submete do que cria,
inova e se liberta. Dele está ausente o que Gramsci chama de
psicologia de produtor ou psicologia emancipatória. É por identificar
diferentes posicionamentos dos sujeitos pedagógicos na história
cultural: no mundo da filosofia, da consciência ingênua e da religião,
que a categoria devenir é salutar a essa filosofia da práxis em
contraposição à categoria progresso.
O que Gramsci entende por devenir? De antemão, devenir é uma
categoria distinta da categoria progresso. Esta se vincula muito
fortemente à noção darwiniana de evolução das espécies, transplantada
nas ciências humanas para entender a evolução social. Formulada nos
marcos do darwinismo social, a evolução humana é enfeixada em um
campo semântico específico e em uma hermenêutica singular.
40
Talvez seja mais adeq uado, ao contrário de utilizar a idéia kantiana de sujeito
cogno scente, no caso de Gra msci utilizar a idéia de sujeito pedagógico. Como
antecipação é suficiente dizer que sujeito pedagógico é o sujeito implicado
diretamente na produção/apropriação social do conheci mento científico, âmbito das
unidades responsáveis pela organização e centralização do conhecimento científico
na modernidade capitalista: as instituições educacionais. Tais sujeitos constituem-
se em duas formas de forças de trabalho co mplementares, mas diversas entre si: a
força de trabalho discente e a força de trabalho docente. Passaremos a utilizar essa
categoria, mais adequada à teoria social de Gramsci do que a categoria kantiana
sujeito cognoscente.
148
As proposições mais significativas do darwinismo social giram
em torno da necessidade de os vínculos sociais se orientarem pela
seleção e competitividade, e ainda pelo princípio hedonista do
utilitarismo. O darwinismo forja uma mentalidade que justifica e
legitima a inclusão e exclusão social, o pertencimento e a segregação.
Para isso elege como critério a certificação da produção e apropriação
do conhecimento científico em uma modernidade que na ordem do
discurso prega a meritocracia e na realidade social nega a igualdade de
condições socioeconômicas e culturais, hipostasiando a sociabilidade,
dessa maneira estruturada.
Um dos acontecimentos mais importante da modernidade foi o
desenvolvimento do conhecimento científico. Mas este exige
tecnologias para aumentar o campo de percepção do ser humano. A
busca para desenvolver tecnologias visando aumentar o conhecimento
tornou possível combinar tecnicamente um e outro, para melhorar a
qualidade de vida (REALE & ANTISERI, 1999b). Foi assim que o
Iluminismo viu as possibilidades do conhecimento científico e se
contrapôs ao mundo pré-moderno. A universalização do conhecimento,
que consiste na grande estratégia do projeto emancipatório da
modernidade, seria capaz, aos olhos dos iluministas, de emancipar os
indivíduos da consciência ingênua e da religião.
Mas, já no século XX, como a concepção do progresso pressupõe
maior controle e domínio sobre o ser humano e a natureza, e esse
domínio e controle, sob a reprodução sociometabólica do capital,
149
colocaram em risco a reprodução do gênero humano, o progresso passou
a representar ameaça, entrando em franco descrédito
41
.
Sobre tal descrédito Gramsci argumenta que a crise da idéia do
progresso não é uma crise da idéia em si, mas uma crise dos portadores
dessa idéia, os quais se tornaram, eles mesmos, uma natureza que deve
ser dominada (GRAMSCI, 1981, p. 43). Não é qualquer tipo de
progresso que põe em risco a espécie, mas o progresso da modernidade
capitalista que, como diz Mészáros (2002), opera sob a dinâmica
sociometabólica da destruição. Por isso Gramsci prefere a categoria
devenir, de um campo semântico isento da pecha liberal que repousa
sobre a categoria progresso.
Embora a dominação da natureza, o desenvolvimento tecnológico
e científico e a exploração da força de trabalho se destaquem como
expressões mais vivas do progresso, a sua dinâmica comporta
componentes outros que têm origem no sistema capital. Procurando
reconstruir o sentido da evolução humana em bases distintas daquelas
empreendidas pela modernidade do capital, Gramsci formula a categoria
devir.
No devir gramsciano o homem dévem, transforma-se
continuamente com as transformações das relações sociais (ibidem, p.
43). Ele assenta a primazia da autoconstrução do ser humano na
objetividade e na intersubjetividade, não desconhece a importância do
41
O Movimento Ecológico é a expressão mais evidente das contradições do
progresso na modernidade capitalista.
150
intercâmbio entre ser humano e natureza, mas valoriza a interação que
se sobressai como determinante do devir humano. Mas, nesta interação,
no interior das transformações das relações sociais, como se
entrelaçam ciência, religião e senso comum na visão de Gramsci?
Já vimos que a religião e o senso comum constituem planos de
sociabilidade de uma natureza distinta daqueles constituídos pela ordem
do conhecimento (GODELIER, 1999; GRAMSCI, 1981). A ordem
religiosa, que tem seu núcleo motor na unidade de fé, constitui-se de
preceitos que estabelecem, simultaneamente, como qualquer ordem
social, normas de conduta e concepção de mundo. Mas essas normas e
concepções, no âmbito da religião, impedem-na de reduzir-se à unidade
e à coerência. De acordo com Gramsci, justamente essa redução à
unidade e à coerência é uma conquista do conhecimento sistematizado
alcançado pela filosofia da práxis.
A filosofia da práxis é o materialismo aperfeiçoado pelo trabalho
da própria filosofia especulativa
42
e fundido com o humanismo
(GRAMSCI, 1981, p. 57). Corresponde à historicidade da atividade do
ser humano que labora conhecimento material, historicidade do homo
laborans.
42
Não é a filosofia por si que se aperfeiçoa pelo trabalho filosófico. Os filósofos
são os produtores da filosofia. Importante é que Gramsci reconhece trabalho na
atividade daqueles que se dedicam à produção social do conhecimento. Essa
compreensão é muito importante para esta pesquisa, pois todo trabalho humano para
a crítica da eco nomia política gera valor. E entender como o trabalho pedagógico,
em geral, gera valor, é um desafio posto que exige explicação. Ainda mais quando
se considera o conhecimento científico como uma forma de riqueza e de insumo que
se faz presente nas mercadorias produzidas socialmente.
151
Por conseguinte, é na vida ativa que o ser humano desenvolve
concepções de mundo. É nela que também desenvolve a personalidade.
Como esse desenvolvimento não é unilateral, toda concepção de mundo
é socialmente construída. Compartilhar conscientemente de uma
concepção é diverso de assimilar verdades e normas impostas. O ato de
compartilhar é, em Gramsci, um fato político inseparável da filosofia.
Compartilhar uma concepção de mundo, em termos gramscianos,
pressupõe liberdade e livre-arbítrio; exige autocrítica mediada por uma
consciência que não dissocia política e filosofia, o que Gramsci chama
de bom senso.
Trata-se, então, de discutir a seguinte problemática: devido à
diversidade das filosofias, em que situação elas personificam o bom
senso? Como podemos distinguir nas concepções de mundo os vínculos
compartilhados dos vínculos assimilados? Os vínculos que
contribuem para a autonomia dos vínculos alienantes que
despersonificam os sujeitos vinculantes
43
?
Perpassam a sociabilidade concepções desagregadoras que
fragmentam os vínculos orgânicos entre sujeitos e entre o pensamento e
o ser. Concepções que enfraquecem e fragilizam visões unitárias e
coerentes do mundo; ações reflexivas que Gramsci denomina de
43
Os vínculos sociais entre proprietários livres, os operadores nas relações sociais
de produção, em contextos fetichizados e reificados, como explicamos no capítulo
um, evidenciam esse processo de vínculos alienantes que despersonificam os
sujeitos vinculantes. Mostramos como esse processo ocorre na produção e
apropriação social de conhecimentos.
152
filosofia popular. Mas a filosofia popular não deve ser considerada
irracional e desprezível. O problema é que a liga das idéias populares
se constitui por necessidade e não por liberdade. Concepções populares
podem ser depuradas e se estabelecerem como bom senso se
transformadas em algo unitário e coerente.
Na transição das idéias populares para o bom-senso constitui-se a
reflexão crítica; ela se impõe nessa trama processual do dado rústico
dos sentidos e percepções imediatas, da prática cotidiana, à lapidação
do bom senso. Senso comum e bom senso são pólos de um mesmo
percurso: aquele que conduz ao conhecimento científico, dotado de
materialidade e história. Tendo consciência desse processo, Gramsci
sustenta a hipótese da impossibilidade de separar a filosofia científica
da filosofia popular (GRAMSCI, 1981, p. 16).
Não é apenas com o senso comum da filosofia popular que o bom
senso confronta. A coerência e unidade, decorrente da filosofia da
práxis, possibilita um posicionamento contrastante com as concepções
empiristas e racionalistas de ciência. Abala, desta maneira, a estrutura
ideológica do cientificismo.
A filosofia da práxis questiona a naturalização da divisão
sociotécnica do trabalho pedagógico, questiona as distorções da
profissionalização: a criação de grupos corporativos especializados que
controlam e privatizam o acesso ao conhecimento científico, erguendo
barreiras com seu monopólio do conhecimento, autonomia dos
conselhos profissionais, e a autoridade adquirida com a certificação.
153
De acordo com Gramsci a filosofia da práxis é cimentada e
unificada na arte, no direito, na economia etc.; no agir prático-moral e
no agir técnico-científico. O conhecimento plasma concepções que
fortalecem a sociabilidade, criando identidade e homogeneidade e
consolidando tradições ideológicas vigorosas. A categoria ideologia
ganha, em Gramsci, um sentido positivo, não se reduz a idéia de falsa
consciência. Ideologias são concepções do mundo.
É reconhecida a amplitude que Gramsci atribui à categoria
ideologia (ROUANET, 1978). Ele sublinhou a existência de dois tipos
de ideologias: as histórico-orgânicas, que são necessárias à reprodução
das estruturas sociais; e as ideologias arbitrárias. As ideologias
histórico-orgânicas apresentam validade psicológica, isto é,
organizam as ações coletivas e estimulam a sociabilidade na qual os
seres humanos encontram suas motivações e critérios para agir, adquirir
consciência de sua posição socioeconômica e lutar por seus interesses.
A arbitrariedade das ideologias é entendida como sendo fruto de
concepções fragmentadas e, por isso, só conseguem criar movimentos
individuais, polêmicos etc. (ROUANET, 1978, p. 63).
Esse conceito de ideologia é distinto do conceito de Marx &
Engels. Estes vêem a ideologia como concreção do ser no pensamento;
enfatizam as ideologias burguesas como representações do mundo
real, expressão do processo de vida real, por apresentá-las como
relações sociais legítimas, ainda que pertençam a uma classe que
domina e sujeite outra daí terem desenvolvido uma teoria crítica da
154
ideologia. Para Gramsci as ideologias podem estar comprometidas com
a emancipação.
A religião, por exemplo, compreendida como ideologia, procura
manter os fiéis unidos em torno das concepções religiosas, mantendo a
sociabilidade através de seus ritos e liturgias, que envolve consagrações
de santos, confraternizações, celebrações, missas etc., impedindo por
sua rotina a reflexão crítica do sentido litúrgico. O conhecimento da
atividade religiosa se resume em conhecer a palavra de deus, mas como
dogma, como verdade apodítica. E como tal o conhecimento religioso
esconde e impede o desvelamento do sentido do culto: o status, a
hierarquia e o monopólio do poder por aqueles que falam em nome do
sagrado. A Igreja, instituição que centraliza o controle do poder
religioso, vê-se obrigada a sustar o desvelamento do uso da palavra para
controlar seus extratos superiores, mantendo-os próximos aos extratos
simplórios do senso comum.
Contrariamente à religião a filosofia da práxis empreende a
unidade ideológica entre extratos superiores e subalternos, mas através
do esclarecimento. Esta unidade só é alcançável estreitando-se não só as
concepções, mas os laços. Para exemplificar esse fato Gramsci se
inspira nas universidades populares e instituições de vida social.
Segundo ele, as iniciativas destas instituições são capazes de despertar
entusiasmo e criar motivações para os subalternos alcançarem culturas
superiores. Nessa conquista abrem-se as possibilidades de os extratos
inferiores se apropriarem de conhecimentos sistematizados, isto é,
155
unitários e coerentes. Essa formulação é sintetizada na idéia de
bloco cultural e social, que preenche a ausência de organização do
conhecimento entre osintelectuais e os simplórios. Nas palavras de
Gramsci:
faltava-lhes qualquer organicidade, a qual só poderia
ocorrer se houvesse entre os intelectuais e os simplórios
a mesma unidade que deve existir entre teoria e prática,
isto é, se os intelectuais fossem os representantes
diretos daquela massa, se tivessem elaborado, tornado
coerente os princípios e os problemas que aquelas
massas colocavam com a sua atividade prática,
constituindo assim um bloco cultural e social
(GRAMSCI, 1981, p. 18, grifos nossos).
A filosofia da práxis se compromete com o projeto cultural de
elevar as massas ao nível crítico do conhecimento: à compreensão da
historicidade societal e pessoal. Compreensão operada pela autocrítica e
auto-análise sobre o conhecimento e a vida desagregados do senso
comum. Idêntico posicionamento frente ao conhecimento desagregado
dos simplórios, Gramsci mantém frente às concepções filosóficas
mecanicistas, idealistas e religiosas. A filosofia da práxis combate
nessas duas frentes as concepções e ações fragmentadoras, tendo em
vista o alcance da ordem social emancipada, coerente e unitária contra a
concepção instrumental do conhecimento e das ações desagregadas no
senso comum.
156
A transição do senso comum à filosofia superior é operada pela
atividade política. Esse percurso é chamado por Gramsci de catarse.
Como se sabe, Aristóteles (1988) considera o ser social como ser
político; que as decisões políticas numa organização social complexa
atingem a todos, independentemente da posição ideológica ou de classe:
religiosa ou laica, extrato superior ou inferior.
A diferença mais expressiva na política é determinada pelo uso do
poder e pela consciência que se tem deste. Mas o fato mais relevante,
para Gramsci, é que os decisores políticos ampliam o conhecimento e
desenvolvem a personalidade nas decisões políticas, conquistam uma
visão mais abrangente da sociedade, da funcionalidade e racionalidade
das organizações sociais. Enquanto os que sofrem os efeitos das
decisões políticas possuem poucas condições de ampliar suas
concepções de mundo e seus conhecimentos sobre a sua inserção e
possibilidades na sociedade. Para Gramsci a ação compartilhada de
decidir politicamente tem importância vital na constituição da unidade e
identidade de classe. Ela proporciona um aprendizado a que os
subalternos não devem renunciar. Esse aprendizado é o percurso que faz
evoluir o senso comum para a cultura mais elaborada, o momento da
catarsis.
Para alcançar essa consciência e identidade de classe é preciso
participar da atividade política, isto é, integrar-se ativamente na
organização da cidade. Gramsci observa como as classes fundamentais
formam os intelectuais para desempenhar as funções sociais, técnicas e
157
organizativas na cidade ou sociedade. Ele adverte sobre o caráter
ambivalente do conhecimento que se efetiva na dialeticidade que
envolve a técnica e a política.
Gramsci vê no desenvolvimento da capacidade de tomar decisões
políticas essa ambivalência do conhecimento. A formação dos
intelectuais se consubstancia, portanto, com a capacidade de fazer e a
capacidade de organizar. Organizar a vida, uma instituição, um bairro,
um município, um estado, uma sociedade, de acordo com os interesses
específicos de classe.
Essa proposição gramsciana esclarece a dinâmica da política na
modernidade capitalista: como os vários segmentos e frações de classe
abrigam-se no interior dos aparelhos de hegemonia da sociedade;
como as classes, no século XX, constituem seus intelectuais:
administradores, economistas, contabilistas, sociólogos, advogados etc.,
articulados à reprodução social. Os profissionais ou especialistas
assumem, assim, essa forma de intelectual orgânico de uma ordem
social específica, sobretudo com a função de institucionalizar e manter
os interesses das classes fundamentais. As funções religiosas não
escapam a essa racionalização do sistema de divisão sociotécnica do
trabalho
44
, próprio das sociedades complexas, com uma ampla e extensa
rede de empresas e organizações sociais
45
.
44
Divisão do trabalho significa també m divisão do poder institucional e das
riquezas produzidas socialmente. Na modernidade capitalista o salário e as formas
de remuneração do capital têm sido os critérios correntes dessa distribuição de
poder e riquezas. Eles funciona m como mediadores do acesso a riquezas, por
158
A posição da filosofia da práxis é antitética à posição
católica, a filosofia da práxis não busca manter os
simplórios na sua filosofia primitiva do senso comum,
mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção
de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato
entre intelectuais e simplórios não é para limitar a
atividade científica, é para manter uma unidade do nível
inferior das massas, mas justamente para forjar um
bloco intelectual-moral que torne politicamente
possível um progresso intelectual de massas e não
apenas de pequenos gruposintelectuais
46
(GRAMSCI,
1981, p. 20, grifos nossos).
conseguinte, a manutenção da posição e do status na sociedade, do poder. Tanto as
unidades de produção de bens e serviços como as unidades de produção e
apropriação social de conheci mentos científicos, as unidades culturais sociais,
estão vinculadas à divisão sociotécnica do trabalho; daí Durkheim (1999) defender
a importância das associações profissionais como reguladoras dessa distrib uição
para impedir a ano mia.
45
Apenas a título de antecipação, Gramsci concebe as profissões como meio de
controle e peça central na expansão da racionalidade capitalista na modernidade,
enquanto Habermas identifica no dinheiro e no poder os meios de controle do
sistema social de racionalização.
46
Vê-se, aqui, primeiramente, o esboço de uma crítica ao que Morin (2001) cha ma
de mandarinato, que se constituiu no desenvolvimento do processo de produção e
apropriação social do conhecimento, nas avançadas sociedades capitalistas do
Norte. O mandarinato, não é mais do que a expansão da organização
corporativista ao âmbito da produção do conhecimento. E, segundo, se vê ainda a
mesma compreensão que os iluministas atribuíam ao conhecimento científico.
Gramsci observa na forma de conhecimento, que acomoda os diferentes sujeitos à
sua condição de classe, a filosofia religiosa, por exemplo, que se faz presente na
concepção do mundo e da vida, um forte obstáculo ao projeto emancipatório na
modernidade.
159
As concepções de mundo e da vida influenciam a conduta moral,
direcionam vontades e determinam atitudes. No caso da religião
[católica] e do senso comum, o contradito entre concepção e norma de
conduta pode/.../ neutralizar a consciência política de tal modo, que
imobiliza a ação e a escolha, produzindo um estado de passividade
moral e política quase incontornável (ibidem, p. 20).
A filosofia da práxis compreende que a catarsis do senso comum
às formas superiores de concepção corresponde ao processo de luta
política pela hegemonia de posições de classe.
O conceito de hegemonia tem, em Gramsci, uma possibilidade de
explicar essas lutas políticas e, por isso, convém destacá-lo:
através de uma luta de hegemonias políticas, de
direções contrastantes, primeiro no campo ético, depois
no campo político, atingindo, finalmente, uma
elaboração superior da própria concepção do real
apreende-se a compreensão crítica de si mesmo
(GRAMSCI, 1981, p. 20).
Outra categoria que não deve escapar a nossa atenção é a de
autoconsciência.
A consciência de fazer parte de uma determinada força
hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira
fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na
160
qual teoria e prática finalmente se unificam. A unidade
entre teoria e prática é um devenir histórico, de uma
fase elementar e primitiva no senso de distinção e de
separação, de independência apenas instintiva, e
progride até a apropriação real e completa de uma
concepção do mundo coerente e unitário [essa concepção
do mundo coerente e unitário pode ser encontrada no
conhecimento científico] (GRAMSCI, 1981, p. 21).
As possibilidades de análise e compreensão da política, na
modernidade capitalista, oferecidas pela conceituação gramsciana da
categoria hegemonia apresentam um/.../ grande progresso filosófico,
já que implicam e supõem, necessariamente, uma unidade intelectual e
uma ética adequadas a uma concepção do real, que superou o senso
comum, e tornou-se crítica (ibidem, p. 21).
Refletindo sobre a transição dos planos de concepção de mundo,
Gramsci propõe a categoria catarsis visando detalhar esse processo. Ele
/.../ indica a passagem do movimento puramente
econômico (ou egoísta-possessivo) ao momento ético-
político, isto é, a elaboração superior da [infra]estrutura
em superestrutura na consciência dos homens. A
passagem do objetivo ao subjetivo e da necessidade a
liberdade. A fixação do momento catártico torna-se
assim, o ponto de partida de toda filosofia da práxis
(GRAMSCI, 1981, p. 53).
161
Vimos, assim, que em todas essas categorias Gramsci mantém
uma forte ligação com o projeto emancipatório na modernidade; que ele
vê na produção e apropriação do conhecimento científico uma peça-
chave na ambivalente tensão entre dominação e emancipação. Tal tensão
tem um forte impacto sobre a teoria e a prática, o intelectual e o ético
o que ele chama de ético-político. A filosofia da práxis lhe permite
visualizar essa trama de um modo abrangente, e que é preciso ter
cautela para não atribuir primazia a qualquer âmbito da sociabilidade, à
infraestrutura ou à superestrutura, pois esses planos da sociabilidade
humana estão imbricados. Ele evita cometer o mesmo equívoco daqueles
que falam da teoria como complemento e acessório da prática
(GRAMSCI, 1981, p. 22); por isso ele fala em filosofia da práxis, de
uma filosofia que enfatiza a unidade entre teoria e prática, que a teoria
é uma forma de prática e que não existe prática sem reflexão. A trama
da ambivalência do conhecimento se desdobra também em sua
concepção da relação dialética entre política e técnica.
Já indicamos que a autoconsciência é a unidade onde se
encontram a teoria e a prática como devenir histórico. Mas como se
opera tal unidade? Gramsci não tem dúvidas: na formação dos
intelectuais, daqueles que organizam e dirigem, conscientemente, as
instituições sociais.
São os intelectuais que organizam e dirigem a sociedade através
da tensão entre a vontade coletiva e as restrições corporativas; sendo
162
responsáveis, inclusive, pela extensão e elevação da cultura coletiva. A
autoconsciência se efetiva nessa formação e ação dos intelectuais; não
há, portanto, uma distância tão rigorosa entre intelectuais e subalternos.
Os primeiros são extraídos dos segundos e a estes permanecem ligados.
É importante indicar que os partidos políticos, concebidos como
intelectual coletivo têm, na formação e transformação dos valores em
normas de condutas e das concepções de mundo e da vida, um papel
inegável. Eles selecionam na sociedade uma massa atuante de
indivíduos que operam tanto na
elaboração de uma ética e de uma política adequadas às
concepções, como operam nos campos práticos e
teóricos, com uma relação tão mais estreita entre teoria
e prática quanto mais seja a concepção vitalmente e
radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos
de pensar (GRAMSCI, 1981, p. 22).
As atividades dos partidos políticos, o caráter pedagógico dessas
atividades, têm como virtude a formação intelectual. Isto é, a elevação
cultural dos seus quadros à uma condição ético-política superior. Antes
de se envolver nas atividades do partido político que, em Gramsci, tem
a tarefa de organizar a sociedade para a realização do projeto
emancipatório, os indivíduos são normalmente dominados por
ideologias arbitrárias do senso comum e ideologias religiosas. No
partido ele passa a mudar sua personalidade com o desenvolvimento da
163
consciência social que as atividades partidárias implicam. Os indivíduos
simplórios passam a conviver com intelectualidades integrais e
totalizantes, /.../ ponto inicial da unificação de teoria e prática,
entendida como processo histórico real (ibidem, p. 22).
A difusão das concepções coerentes e unitárias ocorre, portanto,
por meio de instituições de vida social que, como o partido político
que tem como plataforma a emancipação, permitem aos indivíduos
evoluírem de uma perspectiva simplória e desagregadora para uma
concepção mais integradora e coletiva. A política concebida como ação
social intersubjetiva é uma via de acesso a essa evolução. Mas uma via
que apresenta muitas contradições. A convivência com concepções e
interesses adversos. E mesmo, a personificação de uma concepção
estranha implica a despersonificação de uma concepção encarnada. A
resistência é inevitável por mais que as concepções se apresentem como
coerentes por sujeitos concretos mais experientes. Ninguém abre mão de
suas convicções senão após um longo período de maturação nos embates
cotidianos da vida política. Portanto, a mudança de personalidade é
sempre um processo doloroso. A adesão depende de muitas variáveis: do
divulgador e da forma como as idéias são divulgadas; do
reconhecimento da autoridade divulgadora; do carisma; da identidade
que se cria no processo; mas, sobretudo, de tempo, tempo de militância.
Entretanto, o mais significativo na ação política, que ocorre no
âmbito dos partidos é a elevação da compreensão da materialidade
societal, do Estado e o entrelaçamento entre sociedade política e
164
sociedade civil. Esse conhecimento, apropriado devidamente, amplia o
horizonte sobre as técnicas de governo e as intervenções sociais
qualificadas no seio da sociedade. A atividade política apresenta um
princípio educativo singular, que eleva o conhecimento a ambivalência
da dialeticidade entre política e técnica.
165
2.1.3. Filosofia da história e da ciência
Gramsci faz uma crítica ao ceticismo sectário e unilateral que
desencoraja e faz pouco caso da necessidade de análises mais profundas
e importantes das sociedades. Se o que interessa é a pesquisa da
verdade e progresso da ciência, os pontos de vistas ou concepções
adversários podem ser incorporados como momento subordinado da
própria investigação, para depois ser superado. Para Gramsci essa
atitude não só demonstra maturidade e avanço, mas estar liberto da
prisão das ideologias (do cego fanatismo ideológico), isto é, significa
colocar-se em um ponto de vista crítico, o único fecundo na pesquisa
científica (GRAMSCI, 1981, p. 32).
Esse posicionamento crítico reconhece, portanto, o amplo
aspecto que Gramsci tem sobre conhecimento. Crítico para Gramsci é
ter abertura intelectual para superar os entraves postos pelas ideologias
conservadoras. Este comportamento é mais importante quando se trata
da compreensão social e humana. É por ser crítico, que ele
ressignifica a filosofia e a história. E é esse posicionamento crítico o
contraponto para superar as ideologias conservadoras. Estas superam-se
como a atividade intelectual prático-crítica, e não simplesmente com
esclarecimento abstrato e descolados do processo de vida real.
Vejamos como Gramsci reconstrói a filosofia e a história.
166
Para definir filosofia
47
temos que admitir algumas considerações
feitas por Gramsci nos Pontos Preliminares de Referência:
1) Todo homem é filósofo, admitindo que na sua ação
prática está implícita uma concepção de mundo que
se transforma em norma de vida;
2) A filosofia não pode ser desagregada da História da
Filosofia, como também da Política. Filosofia,
História e Política são aspectos imbricados na ação
prática dos homens; e o conhecimento consciente do
processo histórico é um processo de desvelamento
desses três aspectos incorporados pelos atores
sociais, daí a expressão conhece-te a ti mesmo,
pois o conhecimento de si revela a complexidade
daquelas imbricações;
3) Gramsci sustenta que há quatro elementos
filosóficos: [a] a filosofia dos filósofos; [b] a
concepção dos grupos dirigentes (intelectuais
orgânicos); [c] as religiões das grandes massas; [d]
concepções do senso comum (cultura popular).
Tendo em vista essas considerações, Gramsci estabelece a
seguinte relação entre Filosofia e História:
A história da filosofia, como é comumente entendida,
isto é, como história das filosofias dos filósofos, é a
47
A concepção dialética d o conhecimento que Gramsci estabelece como ambivalente
não se restringe ao caráter binário, mas trinitário. O conhecimento relevante, que
emerge na ação prática dos homens, apresenta uma característica trinitária. É
simultaneamente filosófico, histórico e político. Esta condição de ser do
conhecimento traz, em si, uma concepção de mundo, situada e vinculada às relações
sociais. Apresenta um caráter teleoló gico, comprometido com a mudança, correção
e aperfeiçoamento das ativid ades práticas.
167
história das tentativas e das iniciativas ideológicas de
uma determinada classe de pessoas para mudar, corrigir
e aperfeiçoar as concepções do mundo existentes em
todas as épocas determinadas e para mudar, portanto, as
normas de conduta que lhes são relativas e adequadas,
ou seja, para mudar a atividade prática em seu conjunto
(GRAMSCI, 1981, p. 32).
Essa relação não implica que os filósofos sejam como classe de
pessoas, os únicos sujeitos ativos entre os elementos filosóficos
responsáveis pelas mudanças, correções e aperfeiçoamento dos
conhecimentos e normas de conduta das atividades práticas em geral.
Como Gramsci assinala, além da filosofia dos filósofos existem
ligações entre estes vários complexos culturais que são os elementos
filosóficos (GRAMSCI, 1981, p. 32). O entrelaçamento entre eles
constitui os complexos dos elementos filosóficos. Portanto, a filosofia
entendida por Gramsci como História da Filosofia é uma combinação
de todos esses elementos, culminando em uma determinada direção, na
qual sua culminação torne-se norma de ação coletiva, isto é, torne-se
história concreta e completa (integral) (ibidem, p. 32).
Para Gramsci, a filosofia torna-se uma verdade para a humanidade
quando se converte em história, em norma de ação coletiva ou ação
política. Essa operacionalidade apenas pode ser concretizada se
admitida a integração complexa dos elementos culturais ou filosóficos;
quando interagindo mutuamente o conhecimento produzido socialmente
168
pelos filósofos, dirigentes, religiosos e o homem comum do povo
transformam-se em unidade da autoconsciência. É essa integração total
a unidade dialética entre infraestrutura e superestrutura nos termos
daquela categoria analítica que Gramsci denomina de bloco histórico
história e filosofia são inseparáveis, formam um bloco (GRAMSCI,
1981, p. 32). Ação prática dos homens articulados no plano cultural.
Em Marx é justamente a história o elemento diferenciador entre
as concepções especulativa e materialista. Marx reivindica a história
como o único conhecimento possível capaz de nos conduzir à realidade
dos fatos, o que se tornará para ele impossível de ser conquistado
apenas com a Filosofia. Gramsci, nesse sentido, vem contribuir, de
maneira decisiva, para a teoria social de Marx e sua viragem na direção
da ontologia do materialismo histórico frente as correntes
economicistas e positivistas que reinavam na primeira metade do século
XX. Com sua concepção de filosofia da práxis ele esforça-se em
caracterizar a conversão da filosofia em história através da interação
dos elementos filosóficos. Ele ressalta a necessidade de se entender
como uma concepção de mundo se transforma em ação prática e norma
de conduta tendo em vista o projeto emancipatório na modernidade.
Essa contribuição gramsciana é fundamental para uma nova concepção
da transformação da sociedade, para a teoria da revolução de Marx.
Por essas características a produção social do conhecimento
assume, em Gramsci, um aspecto original no pensamento social
contemporâneo. A politicidade do conhecimento, articulado com a
169
historicidade dos sujeitos sociais e da sociedade enriquecerem a
filosofia da práxis, que tem como princípio orientador mudar a
atividade prática em seu conjunto, isto é, oprocesso de vida real.
Vejamos os elementos conceituais dessa filosofia criadora.
Como percebemos, o conceito de bloco histórico, que integra
trinitariamente política, história e filosofia, na produção reflexiva, nas
normas de conduta e nas atividades práticas, é uma retomada da
ontologia materialista de Marx. É uma crítica a todo economicismo e
a todo mecanicismo, às filosofias ou concepções de mundo que
concebem a realidade objetiva fora do ser humano. Nestas filosofias o
trabalho intelectual não se integra à massa, ou é apenas uma forma de
contemplação masturbatória em que o gozo se efetiva fora do corpo
ou, quando muito, ordenadora, uma espécie de gozo interrompido.
Como gozo total a filosofia da práxis integra a contemplação do
pensamento no corpo social.
A elevação da ação reflexiva reativa para uma ação reflexiva
criativa e ordenadora está ligada ao desenvolvimento de uma
personalidade transformadora, rebelde e revolucionária. Implica, para
Gramsci, pensar numa historicidade dos fatos sociais e da psicologia
desenvolvida nessa historicidade. Isto significa colocar na base da
reflexão filosófica a vontade política que, em última instância, se faz
presente no agir prático-moral e no agir técnico-científico dos seres
humanos.
170
Essa vontade está associada à necessidade, própria do senso
comum, que pode ser desenvolvida como uma concepção coerente e
unitária (como já foi dito) e transformar-se em bom senso, o núcleo
sadio do senso comum, pois implica a construção de uma direção
consciente da práxis humana.
A filosofia écriadora quando possibilita a construção de uma
nova ética social. Para isso a vontade não pode ser arbitrária, mas
racional. A filosofia criadora se realiza enquanto corresponde às
necessidades objetivas históricas, isto é, enquanto é a própria história
universal no momento da sua atuação progressiva (GRAMSCI, 1981, p.
33). Gramsci dá a essa idéia um lastro relacional e, com essa base,
mesmo admitindo que a vontade seja singular e individual, a sua
racionalidade é atestada pelo fato de ser ela acolhida por um grande
número, e acolhida permanentemente, isto é, ela se torna uma cultura,
um bom senso, uma concepção do mundo, com uma ética adequada à
sua estrutura (ibidem, p. 33).
Embora retirando o conceito de criatividade da filosofia
clássica alemã, a filosofia da práxis inspira-se na empiricidade e na
historicidade e entende, em função da característica dessa inspiração,
que a criatividade se concretiza na ação prática ou política dos homens.
Com esse procedimento essa filosofia consegue extrair do nódulo
arbitrário do senso comum, difuso na multidão (esta difusão não seria
concebível sem a racionalidade e a historicidade), uma concepção do
171
mundo como bom senso e, como tal, torna possível ativá-la como norma
de conduta da ética.
Gramsci assinala que o entendimento de criador está associado
às implicações da práxis humana, sendo, portanto, relativo ao
pensamento que modifica a maneira de sentir do maior número [de
pessoas] e, conseqüentemente, da própria realidade, que não pode ser
pensada sem a presença deste maior número; e também no sentido em
que ensina como não existe uma realidade em si mesma, em si e por
si, mas apenas em relação histórica com os homens que a modificam,
etc. (GRAMSCI, 1981, p. 34). Dessa maneira, Gramsci ressalta a
importância que o conhecimento produzido pela filosofia tem para a
história.
Após abordar a relação entre Filosofia e História, definir o que
poderia ser uma filosofia criativa, e tendo em vista as implicações e
desdobramentos que as novas categorias gramscianas têm sobre o
projeto emancipatório, em termos complexos de uma revolução
processual, Gramsci demonstra que a importância da filosofia nesse
projeto é, precisamente, inspirar reações e tensões por toda a sociedade.
Esse deslocamento da filosofia é o momento em que ela deixa de ser um
instrumento alegórico para tornar-se um fato histórico, personificando-
se nas ações políticas dos homens.
Nas palavras de Gramsci
/.../ o valor de uma filosofia pode ser calculado a
partir da eficácia prática que ela conquista (e prática
172
deve ser entendida em sentido lato). Se é verdade que
toda filosofia é a expressão de uma sociedade, ela
deveria reagir sobre a sociedade, determinar certos
efeitos, positivos e negativos. À medida que ela reage é
justamente a medida de sua importância histórica, de
não ser ela elucubração individual, mas fato
histórico (GRAMSCI, 1981, p., 34).
O filósofo é situado, por Gramsci no círculo dialético
dellavolpiano: abstrato => concreto => abstrato. No contexto
gramsciano filosófico é aquele atuante na filosofia da práxis,
compreendendo esta como a concepção filosófica forjada no âmbito da
atividade específica do trabalho pedagógico com a estratégia de mudar
a atividade prática em seu conjunto. No processo formativo e
pedagógico da filosofia da práxis efetiva-se a unidade teoria e prática,
unidade entre ser e saber, operada por diversas atividades sociais,
mormente aquelas que se desenvolvem nas instituições de vida social.
Portanto, o percurso formativo gramsciano, compreende a atividade, a
reflexão que precede e preside a ação, a ética e as diversas mediações
presentes nos atos teleológicos.
O filósofo é aquele que desenvolve a capacidade de distinguir as
concepções simplórias das concepções unitárias; concepções simplórias
são aquelas que mantêm os seres humanos em condições socioculturais
subalternas em detrimento daquelas condições que lhes permitem elevar
a personalidade e incorporar visões de mundo amplas e críticas ao agir
173
prático-moral e ao agir técnico-científico. Essa capacidade de saber
identificar criticamente os fundamentos da filosofia da práxis: a
capacidade de identificar as quantidades de elementos qualitativos, de
desenvolver maior coerência, homogeneidade, logicidade etc.,
nas ações sociais, é próprio das proposições da filosofia da práxis. Mas
o valor societal dessa capacidade está, segundo Gramsci, na necessidade
de universalizá-la. Os vínculos e os processos de sociabilidade que
aproximam os intelectuais que desenvolveram tal cognição com aqueles
que ainda não conquistaram o bom senso são os pressupostos
gramscianos para o início da afirmação positiva do projeto
emancipatório.
Aceitar passivamente a divisão sociotécnica do trabalho no
âmbito do trabalho pedagógico, a função de força de trabalho docente e
força de trabalho discente, conforme desenvolvido no capítulo um,
corresponde a ignorar o princípio básico concebido pela filosofia da
práxis, que é transformar as práticas sociais: o conhecimento e as
normas de conduta. A porosidade existente entre as complexas
instâncias do ser social onde o conhecimento se produz derruba a
concepção da dualidade: as pessoas que em determinado momento
ocupam lugares específicos em uma esfera considerada opressora,
personificando formas sociais que as tornam submissas ao metabolismo
do capital e desenvolvem personalidades subalternas, são as mesmas
que se farão presentes numa dinâmica emancipadora. Podem assumir
formas sociais que determinam personalidades submissas nas esferas
174
opressoras e assumir formas sociais que desenvolvem uma
personalidade autônoma e crítica nas esferas emancipadoras. Portanto,
essa concepção dualista, além de não ser plausível em termos lógicos, é
uma concepção de mundo conformista da diferenciação social na
modernidade capitalista, inclusive plasmam o âmbito das relações de
produção e apropriação social de conhecimentos. Por essa razão,
representa obstáculo à formação intelectual nos termos emancipatórios
propostos por Gramsci.
A incapacidade de criticar essa divisão de trabalho e ter que a ela
se submeter, traz conseqüências graves para os que vivem do trabalho
(ANTUNES, 1995): além de se fazerem subalternos, ficam impedidos de
desenvolver concepções críticas de mundo e de vida; comprometem,
inclusive, o desenvolvimento da capacidade cognitiva, aquele que é
capaz de elevar concepções fundadas no senso comum à concepções
filosóficas.
Não é que as classes subalternas sejam impedidas de ter acesso ao
conhecimento-mercadoria, mas esse conhecimento é incapaz de elevar a
personalidade que vê o mundo e a vida desagregados e fragmentados,
sem coerência e unidade. Com tal conhecimento os membros das classes
subalternas não conseguem sequer atingir a condição de contempladores
de teorias. Afinal, diz Gramsci, não é exato chamar de filosofia
qualquer tendência de pensamento, qualquer orientação geral, etc., e
nem mesmo qualquer concepção do mundo e da vida (GRAMSCI, 1981,
p. 35).
175
O filósofo profissional ou técnico não só pensa com
maior rigor lógico, com maior coerência, com maior
espírito de sistema, do que outros homens, mas conhece
toda a história do pensamento, isto é, sabe quais as
razões do desenvolvimento que o pensamento sofreu até
ele e está em condições de retomar os problemas a partir
do ponto onde eles se converteram após terem sofrido a
mais alta tentativa de solução, etc. Ele tem, no campo
do pensamento, a mesma função que nos diversos
campos científicos têm os especialistas (GRAMSCI,
1981, p. 35)
Entretanto, para Gramsci, o filósofo se diferencia do especialista
na medida em que não se reduz às atividades funcionais, e que mantém
fortes vínculos com as instituições de vida social. Sua tarefa é pensar
soluções práticas para a vida, estratégias inovadoras para ação. Embora
o pensar seja uma capacidade imanente a todo ser humano, o filósofo
não é um pensador comum, para Gramsci, é o político que vivenciou o
momento da catarsis. A distância entre o filósofo e o homem comum é
uma questão de vivência, empreendimento e labor. O oposto da vulgata
que reduz o filósofo a pensador livre e isolado do mundo e de todos,
uma forma social depurada de humanidade; aquele que reflete na
solidão, em silêncio. Esta é a imagem caricata do filósofo massificada
no Ocidente. A imagem que Gramsci faz do filósofo moderno é
contraposta às imagens reproduzidas pela vulgata.
176
[Nela] é impossível pensar em um homem que não seja
filósofo, que não pense, já que o pensar é próprio do
homem como tal - a menos que se trate de um caso de
idiotice patológica. Mesmo neste caso, o homem cria
uma linguagem para se expressar, a dificuldade dos
especialistas em traduzi-la é uma outra história
(GRAMSCI, 1981, p. 35).
Com suas reflexões sobre o filósofo ou intelectual, Gramsci tem
como propósito revelar
a filosofia como concepção do mundo e o trabalho
filosófico sendo concebido não mais apenas como
elaboração individual de conceitos sistematicamente
coerentes, mas além disso, e sobretudo, como luta
cultural para transformar a mentalidade popular e
divulgar as inovações filosóficas que se revelarem
historicamente verdadeiras, na medida em que se
tornem concretamente, isto é, histórica e socialmente,
universais (ibidem, p. 36).
Importante considerar essa concepção da filosofia como trabalho
intelectual. E o mais relevante são as características que o trabalho
intelectual assume para Gramsci. Entre essas características, Gramsci
destaca como luta cultural o trabalho pedagógico voltado para
177
transformar a mentalidade popular e divulgar as inovações filosóficas
que se revelam historicamente verdadeiras.
Não é comum essa concepção de trabalho intelectual. O
trabalho pedagógico na modernidade capitalista afirma outra orientação.
No capítulo um destacamos como a certificação profissional ocupa
hegemonicamente as mentalidades dos sujeitos pedagógicos e as
estratégias das unidades de produção de conhecimento. Gramsci
apresenta uma alternativa ao percurso formativo mediado pela
mercadoria. Por essa razão, sentiu-se na obrigação de desenvolver um
novo campo semântico e hermenêutico. Nessa condição analisa o papel
da linguagem, das línguas e do conhecimento popular ou senso comum.
As línguas possibilitam a abertura de universos humanos; elas são
as chaves que abrem o conhecimento de um povo, a sua trama
sociovinculante, porque é sua expressão imediata e reflexiva. Mas,
refletir sobre as línguas e a linguagem impõe, primeiramente, como
alerta Gramsci, refletir sobre o senso comum e o bom senso, porque a
linguagem é um produto das relações sociais e se desenvolve
articuladamente na prática cotidiana, de forma difusa e arbitrária como
nos dialetos.
A principal importância que Gramsci atribui ao senso comum não
é que nele encontramos a causa significativa daquela transição que
impulsiona o deslocamento das formas desagregadas do conhecimento
às formas unitárias e coerentes, mas o fato muito mais limitado de que
em uma série de juízos, o senso comum identifique a causa exata,
178
simples e imediata, não se deixando desviar por fantasmagorias e
obscuridades metafísicas, pseudoprofundas, pseudocientíficas etc.
(GRAMSCI, 1981, p. 35). Desde o século XVII e XVIII percebeu-se que
nele existia certa dose de experimentalismo e de observação direta da
realidade, ainda que empírica e limitada (ibidem, p. 35).
A relação entre os elementos abordados por Gramsci
anteriormente facilita, metodicamente, entender a relação entre
linguagem, línguas e senso comum, com base na filosofia da práxis:
como um bloco cultural e social que evoluindo da reprodução das
condições materiais de existência atinge o momento ético-político, a
superestrutura. Para isso Gramsci faz as seguintes ponderações:
No extremo limite, /.../ todo ser falante tem uma
linguagem pessoal e própria, isto é, um modo pessoal
de pensar e sentir;
A cultura, /.../, unifica uma maior ou menor
quantidade de indivíduos em estratos numerosos, em
contatos mais ou menos expressivos que se estendem
entre si em diversos graus etc.; estas diferenças e
distinções histórico-sociais refletem na linguagem
comum [e desenham um bloco cultural-social total];
A linguagem é essencialmente um nome coletivo:
ela não pressupõe uma coisaúnica, nem no tempo
nem no espaço. Linguagem significa também cultura
e filosofia (ainda que no senso comum) e, portanto, o
fato linguagem é, na realidade, uma multiplicidade
de fatos mais ou menos organicamente coerentes e
coordenados (GRAMSCI, 1981, p. 36).
179
A cultura assume, por essa via, um papel de integração das
diversas cadeias difusas de sociabilidades formando a mentalidade do
sentido comum, de objetivo comum, pois todo ato político é também
cultural e encarna, além de uma concepção de mundo, um limite
implícito e enquadrado dentro das possibilidades da ação coletiva.
Dessa forma o indivíduo é o reflexo prático da política em geral e da
mentalidade cultural.
A cultura e a filosofia, na concepção da filosofia da práxis,
deixam o seu pedestal no Olímpio para imiscuir-se à vida profana dos
seres humanos. Nesse entrelaçamento têm objetividade, mas também
subjetividade, têm atos de vontade, vontade que move a teoria social de
Gramsci sobre o lugar do trabalho pedagógico no projeto marxiano de
emancipação humana. Trabalho pedagógico como atividade prático-
coletiva:
[Na] atividade prática [coletiva]: todo ato histórico não
pode deixar de ser realizado pelo homem coletivo, isto
é, ele pressupõe a obtenção de uma unidade cultural
social pela qual uma multiplicidade de vontades
desagregadas, com fins heterogêneos, se solidificam na
busca de um mesmo fim, sobre a base de uma idêntica e
comum concepção do mundo (geral e particular, atuante
transitoriamente -por meio da emoção- ou
permanentemente, de modo que a base intelectual esteja
tão radicada, assimilada e vivida que possa se
transformar em paixão). Já que assim ocorre, revela-se a
180
importância da questão lingüística geral, isto é, da
obtenção coletiva de um mesmo clima cultural
(GRAMSCI, 1981, p. 37).
A filosofia da práxis compreende que o ato educativo
emancipador se realiza nas mais amplas formas de sociabilidade, nos
diversos complexos sociais, especialmente nas unidades culturais
sociais ou unidades de produção e apropriação social de
conhecimentos.
Mas nos espaços sociais onde vigoram as concepções do senso
comum há uma resistência, uma tensão, uma reação sintomática ao
conhecimento emancipador, à medida que o conhecimento subjacente às
concepções do senso comum é historicizado; isto é, forçado a se
transformar em bom senso: crível, questionável, visto como resultado da
produção do homem coletivo e não mais como produto de um ato de
magia. Essa é a contribuição mais fecunda do conhecimento
emancipador: desnudar o percurso da produção sociohistórica do
conhecimento que encarna as concepções do mundo e da vida; processo
que explica como o conhecimento se transforma em norma de conduta.
Esse processo é o mesmo processo que abre o ser humano para as
concepções unitárias e coerentes do mundo. Nele o conhecimento do
senso comum é questionado incessantemente, forçando o senso comum a
formular novas justificativas e buscar novos fundamentos para suas
concepções contestadas. Nessa busca o senso comum reavalia e
181
revitaliza a unidade teoria e prática, adquire autoconsciência dos
fundamentos que justificam suas condutas, resultando todo esse
processo na objetivação do bom senso.
O bom senso, as concepções de mundo e da vida elaboradas em tal
processo forjam as potencialidades de uma cultura superior, uma
linguagem mais universal, utilizada por todos os membros de uma
comunidade, como código coletivo, e que se contrapõe ao dialeto. É por
meio da linguagem universal que a cultura se expande e integra a ação
prático-moral e técnico-científica à diversos complexos sociais,
objetivando a subjetividade e subjetivando a objetividade, nos planos de
sociabilidade.
O fato de viver em sociedade significa subordinar-se,
absolutamente, ao processo de aprendizagem. Para Gramsci, a
aprendizagem é o processo apurador do senso comum. Ela se efetiva,
teoricamente, nas modernas
doutrinas e práticas pedagógicas, segundo as quais a
relação entre professor/aluno é uma relação ativa, de
vinculações recíprocas, e que, portanto, todo professor é
sempre aluno e todo aluno, professor. [E mais, em] toda
relação de hegemonia -uma unidade intelectual e uma
ética adequada a uma concepção do real, que superou o
senso comum e se tornou crítica- é necessariamente uma
relação pedagógica, que se verifica não apenas no
interior de uma nação, entre as diversas forças que a
compõem, mas em todo campo internacional e mundial,
182
entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais
(GRAMSCI, 1981, p. 37).
Nessa interação entre o intranacional e o internacional se
estabelecem, necessariamente, vivências que conformam as
personalidades independentemente dos estratos sociais a que estão
vinculadas as pessoas, se nos estratos superiores ou subalternos.
Gramsci tem uma percepção abrangente dos limites precisos das
relações pedagógicas, das formações pedagógicas e do trabalho
pedagógico no contexto da modernidade capitalista. Na sua acepção, a
produção e apropriação social do conhecimento compreende uma
relação ativa entre um filósofo individual e o ambiente cultural que ele
quer modificar, ambiente que reage sobre o filósofo eobrigando-o a
uma permanente autocrítica funciona como professor (GRAMSCI,
1981, p. 37). Observa-se, nestas análises, a amplitude que Gramsci
atribui a docência.
1º) Nesse extrato de texto evidencia-se a diferença
básica entre a concepção de Marx e Gramsci sobre a
ambivalência do conhecimento. Enquanto Marx o
concebe como intrínseco à força de trabalho e vê na
capacidade produtiva o pressuposto básico da
valorização do capital. Gramsci observa a dimensão
ético-política do conhecimento, na dialética da história
e na política. Ele reconhece, dessa forma, que o
enriquecimento da capacidade produtiva desenvolve-se
183
no interior de um campo de luta cultural, envolvendo
unidade intelectual e ética adequada, tendo em vista a
relação hegemônica no processo de vida real, Mais
do que isso, mesmo sob a dominação do fetichismo das
mercadorias e da reificação da personificação das
formas sociais mercantis, nas relações pedagógicas,
entre os sujeitos pedagógicos, há espaço para a
emancipação. Esta relaciona-se as vinculações
recíprocas dos sujeitos pedagógicos em conseguir
superar o localismo e o regionalismo e situá-las no
âmbito do conjunto de civilizações nacionais e
continentais.
Essas relações que se estabelecem nas práticas educativas,
formativas ou pedagógicas exigem pressupostos: liberdade, autonomia,
disciplina, atividades coletivas. É em tais atividades e com tais
pressupostos que se forma historicamente o filósofo gramsciano,
/.../ um filósofo consciente de que a sua personalidade
não se limita à sua individualidade física, mas é uma
relação social ativa de modificação de ambiente
48
cultural /.../. A unidade entre ciência e vida é uma
unidade ativa, somente nela se realiza a liberdade de
pensamento; ela é uma relação mestre/aluno, uma
relação entre filósofo e o ambiente no qual se atua e de
48
Para Gramsci, ambiente é o conjunto d as relações de que o indivíduo faz parte
(GRAMSCI, 1981, p. 40).
184
onde se extraem os problemas necessários para colocar e
resolver: isto é, é a relação filosofia/história
(GRAMSCI, 1981, p. 38).
Todas essas questões que compreendem a sua concepção dialética
da história, sobre a trinitária relação entre conhecimento, filosofia e
política, elaboração de categorias que dão forma a sua filosofia da
práxis, levam Gramsci a uma problemática ontológica mais universal: a
natureza do ser humano. Enfim, pergunta Gramsci: o que é o homem?.
Responder a esta pergunta nos remete a tudo que já foi discutido
até aqui, pois a concepção de ser humano, a proposição conhece-te a ti
mesmo, acompanha a própria gênese da filosofia; da Antiguidade
clássica a nossos dias. É da autoconsciência do ser do homem que se
imprimiu, desde sempre, a luta entre as concepções filosóficas, em suas
diferentes versões. Foi através dela que se efetivaram as principais
culturas.
Normalmente as filosofias espiritualistas e idealistas respondem a
essa pergunta de forma metafísica, isto é, extraem da complexidade do
homem a sua historicidade. E representam o homem singular, a
projeção de cada momento singular do homem, em uma ilusão do
homem universal e genérico, compartilhando com esta ilusão. O que
pode ser definido como hipóstase.
A apropriação dessa problemática e sua solução pela filosofia da
práxis contrastam com aquelas filosofias na exata medida em que
185
pretende mudar o ambiente do homem, reconhecendo essa transformação
como um processo evolutivo da história da humanidade. Com o
propósito de alcançar a emancipação humana na modernidade
capitalista.
Para a filosofia da práxis essa problemática se coloca como o
devenir humano: o que é que o homem pode se tornar, isto é, se o
homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode se fazer, se ele
pode criar sua própria vida (GRAMSCI, 1981, p. 38). Retornamos com
tal questão à pergunta básica dos Pontos Preliminares de Referência,
analisados anteriormente: é preferível ou não termos consciência da
concepção a que nos vinculamos, já que em qualquer ato, explícito ou
implicitamente, há o suporte de uma concepção de mundo. Essa opção
expressa, no seu ato originário, a condição de sujeito autônomo e livre;
determina todo o processo do complexo desenvolvimento da
personalidade.
Como a opção da filosofia da práxis é pela emancipação, ela
concebe o homem como um processo ativo no mundo: o homem é um
processo, precisamente o processo de seus atos (ibidem, p. 38).
[Para Gramsci esta não é uma problemática] abstrata e
objetiva; ela decorre da preocupação sobre nós
mesmos e sobre os outros; e de querermos saber, de
acordo com o que vimos e refletimos, aquilo que somos,
aquilo que podemos ser, se realmente -e dentro de que
limites- somos criados por nós mesmos, da nossa vida,
do nosso destino (GRAMSCI, 1981, p. 38).
186
Por outro lado, apesar de utópica, a filosofia da práxis não é
ilusionista. Concebe a emancipação como tendência dos acontecimentos
reais; tampouco se prende a nostalgias históricas, como o mito do bom
selvagem rousseauniano. Para Rousseau, por exemplo, existiu o bom
selvagem, que a propriedade privada destruiu. A filosofia da práxis é
mais realista do que romântica, ela quer saber do que queremos hoje,
nas condições de hoje, da vida de hoje, e não de uma vida qualquer e
de um homem qualquer (GRAMSCI, 1981, p. 38).
A concepção da filosofia da práxis gramsciana apropria-se da
problemática do ser humano em termos históricos e não apenas
especulativos, ou seja, o homem não é apenas aquilo que se representa
no pensamento, mas, fundamentalmente, o que é realmente. Gramsci
considera relevante pensar a psicologia no âmbito da política: a
vontade e a sua atividade concreta na criação de si mesmo e de sua
vida (ibidem, p. 38).
Desta forma totalizante questiona a religião, especialmente o
catolicismo, apontando a contraditoriedade que existe entre a fé
religiosa, a concepção de mundo e a norma de conduta pregada pelos
sacerdotes ortodoxos, ao proporem as Sagradas Escrituras como um
tratado ético que serve de conduta a seus fiéis.
Em Deuteronômio, 22, por exemplo, Acerca dos filhos
desobedientes, por atribuir todo mal ao indivíduo, a norma para todo
filho que desobedeça a seus pais é o apedrejamento:
187
Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não
obedece a voz de seu pai e à de sua mãe, e, ainda
castigado, não lhes dá ouvido, pegarão ele seu pai e sua
mãe e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta e lhes
dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá
ouvidos à nossa voz: é dissoluto e beberrão.
Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até
que morra; assim eliminarás o mal do meio de ti: todo o
Israel ouvirá e temerá (DEUTERONÔMIO, 1969, p.
216).
Se a fé não deve ser questionada e todos os versículos bíblicos
são normas que devem ser obedecidas, imagina-se a chacina que seria
cometida hoje se fossem mortos todos os filhos que não obedecessem a
seus pais. Esse princípio, como muitos que fundamentam o cristianismo,
deriva da concepção filosófica quecoloca a causa do mal no próprio
homem individual, isto é, concebe o homem como indivíduo bem
definido e limitado (ibidem, p. 39). Este princípio não fundamenta
apenas o cristianismo, mas também outras concepções de mundo que
limitam o indivíduo à sua individualidade e o espírito como sendo esta
individualidade (GRAMSCI, 1981, p. 39). O liberalismo clássico e o
neoliberalismo de hoje se fundamentam neste princípio ético do
individualismo.
A filosofia da práxis, distintamente das concepções religiosas,
mormente o catolicismo,
188
concebe o homem como uma série de relações ativas
(um processo), no qual, se a individualidade tem a
máxima importância, não é, todavia, o único elemento a
ser considerado. A humanidade que se reflete em cada
individualidade é composta por diversos elementos: 1) o
indivíduo; 2) a natureza e 3) os outros homens (ibidem,
p. 39).
Já aludimos ao fato de o ser humano ser considerado um ser
social e histórico. De a existência de um ser humano apenas ser possível
vinculada a outros seres humanos. Vínculos que consubstanciam
objetivos comuns e complementares, mediados pela linguagem, pelo
trabalho etc., e que determinam o agir prático-moral e técnico-
científico. Mas todas as mediações e o próprio ser humano se
transformam nessa dinâmica. O ser humano interage também com a
natureza, que é uma interação, nos mesmos termos, historicamente
determinada, por um conjunto de mediações que delimitam a
arbitrariedade dessa interação, através do trabalho e da técnica
49
. Tanto
a interação entre seres humanos como a interação dos seres humanos
com a natureza não obedecem a regras mecânicas, mas são
fundamentalmente dinâmicas e ativas.
É nessa dinâmica, segundo Gramsci, que o filósofo se revigora:
49
Técnica não é só o conjunto de noções científicas aplicadas na indústria /.../,
mas também os instrumento s mentais, o conhecimento filosófico (ibidem, p. 41).
189
O verdadeiro filósofo [é] -e não pode deixar de ser-
nada mais do que o político, isto é, o momento ativo que
modifica o ambiente /.../ entendo por ambiente o
conjunto das relações sociais de que o indivíduo faz
parte. Se a própria individualidade é o conjunto destas
relações, modificar a própria personalidade significa
modificar o conjunto destas relações (GRAMSCI, 1981,
p. 40, grifos nossos).
Como para Gramsci o conhecimento é conquistado por um
processo que envolve a individualidade viva e esta se desenvolve na
interação entre seres humanos, compreender o processo ontogenético do
ser humano na história é uma condição primordial para dar sentido
emancipatório à dinâmica societal na modernidade capitalista. Isto é,
desenvolver a capacidade para agir com liberdade e autonomia no
âmbito das instituições de vida livre. Essa condição multiplica as
potencialidades políticas, as possibilidades de ampliação da hegemonia
das classes subalternas.
Verifica-se então, com a concepção gramsciana, que o ponto de
vista da filosofia da práxis rejeita os sentidos das concepções abstratas
de ser humano. E os procura na processualidade sociohistórica. O ser
humano é concebido como seu próprio criador, uma criação coletiva que
se efetiva de forma complexa, e não de forma individual, limitada e
definida. É o homem coletivo, sujeitos vinculados a determinadas
relações sociais, os formadores da humanidade.
190
Em Gramsci, a sociedade não é um ser abstrato, mas tramas,
fluxos, fixos e feixes de relações que se estabelecem entre os seres
humanos e, simultaneamente, abrem possibilidade para outras tramas,
fluxos, fixos e feixes. A essa concepção dinâmica e ativa só pode ter
acesso uma capacidade de compreensão ativa, predisposta a conhecê-la
como tal, e superar as formas desagregadas e dogmáticas de
conhecimento do senso comum que impedem a realização do projeto
emancipatório na modernidade.
Gramsci faz questão de sublinhar que a consciência ativa deve ser
considerada em sua tríade que define a humanidade: autoconsciência do
homem individual que estabelece, permanentemente, relações com
outros seres humanos e que interagem com a natureza.
Desta forma Gramsci crítica as filosofias mecanicistas, idealistas
e religiosas, porque a filosofia da práxis não se prende a qualquer
determinismo ou abstração conceitual e ideal, tampouco à fé dogmática;
muito pelo contrário. É a complexa metamorfose do ser humano a
verdadeira história do ser humano: o ser humano é uma totalidade
sociohistórica em processo incessante.
A filosofia da práxis se propõe em sua perspectiva entender a
dinâmica política da modernidade. Mas em que essa dinâmica pode
comprometer o projeto emancipatório da modernidade? Como a filosofia
da práxis enxerga os obstáculos ao projeto emancipatório na
modernidade?
191
Para responder a essas questões Gramsci desenvolveu categorias
próprias, um campo semântico e hermenêutico original, que dá sentido a
sua concepção dialética da história. O que lhe permitiu aprofundar em
detalhes e rigor as ações práticas e necessárias que conduzem a uma
realidade societal emancipada. Em seu empreendimento teórico
conturbado ele procura responder essas questões. Desde a concepção
gramsciana da política, o que entende pro momento catártico: o
processo que explica a transição do plano econômico ao plano ético-
político. Essas reflexões na nossa maneira de ver, contribuem para
entender para a ambivalência do conhecimento no âmbito da cultura, e
revela uma transição que leva na acepção de Gramsci, à emancipação
humana. Outra contribuição importante, na mesma direção, é sua
concepção de intelectual, o esclarecimento de como este se articula com
a organização da cultura e com a própria estrutura da modernidade.
192
CONCLUSÕES PROVISÓRIAS
Os problemas e soluções enfrentados no percurso investigativo
desta pesquisa, que elegeu como objeto a processualidade do trabalho
pedagógico ou o enriquecimento da força de trabalho no âmbito da
problemática da ambivalência do conhecimento no projeto
emancipatório da modernidade, em Marx e Gramsci, nos instigam a
persistir no aprofundamento das lacunas levantadas por esta
investigação. Nossas inferências e indagações deixam mais
questionamentos que resultados. Apenas transparecem sínteses
provisórias e a certeza de que há muito caminho a percorrer. É que não
se chega a seu limiar apenas com teoria.
Muitas vezes duvidamos da nossa capacidade de equacioná-lo
satisfatoriamente. E essa dúvida persiste. O objeto pode ser abordado de
diversos ângulos. A análise de seu conteúdo não se esgota no momento
particular de uma etapa acadêmica.
O empreendimento consistiu em apreendermos a dinâmica da
ambivalência do conhecimento no projeto emancipatório da
modernidade, apoiados em algumas categorias da teoria social marxiana
e gramsciana. Priorizamos algumas categorias propostas por Marx e
Gramsci. Por outro lado, houve um esforço implícito de manter
presentes as implicações da teoria marxiana e gramsciana, o corpus
categorial dessas teorias, com o debate contemporâneo sobre o
conhecimento, sobretudo, o debate em torno do que se tem enunciado de
sociedade capitalista do conhecimento.
193
Tendo em mente esse debate, decidimos construir uma perspectiva
sobre a produção e apropriação social do conhecimento, mas sob os
fundamentos categoriais da teoria social marxiana e gramsciana.
Criticamos e ressaltamos as possibilidades de o conhecimento
contribuir, como categoria teórica e prática, para a realização do projeto
emancipatório na modernidade. E explicamos porque, historicamente,
ele tem se revelado muito mais como obstáculo, do que favorável a
realização deste projeto.
Na análise do fetichismo e da reificação observamos que o
conhecimento assume um papel relevante na modernidade. Embora Marx
não tenha tratado da concreticidade do conhecimento, nos termos da
teoria social que desenvolveu, apoiados em Hodgskin, podemos
desenvolvê-la a extrair conseqüências importantes sobre a plítica do
capital para o conhecimento na modernidade.
Sob esse aspecto o conhecimento ocupa um papel relevante na
modernidade. Ele é mercadorizado. Como mercadoria não deixa de
apresentar aquele duplo aspecto, ou ambivalência, anunciado por Marx
(1980a) em O Capital: como valor de uso, atende, especificamente, às
necessidades e carecimentos; e como valor de troca apresenta
contradições forjadas na trama dialética entre relações de produção e
formas sociais.para viabilizar a exploração da força de trabalho e a
expropriação do conhecimento acumulado por ela, o capital tem que
desenvolver uma política: a coisificação ou a personificação das
formas sociais das mercadorias. Estas são objetivações das relações
194
sociais de produção. Na medida em que as mercadorias se desprendem
das relações sociais e ganham o mercado, ascendem à condição de
fetichismo de mercadoria e podem, com esse mecanismo, ser vividas
como identidade pelas pessoas, podem ser personificadas; dessa forma,
reificam as relações intersubjetivas.
Inúmeras teorias concorrem e disputam o status e a autoridade
dessa explicação, outras tantas negam a problemática da emancipação.
De fato é uma problemática que envolve duas outras categorias que
parecem esgotadas pela hegemonia do capitalismo: a história e a utopia.
Justamente o que constitui o tripé da teoria social marxiana:
emancipação, história e utopia. Mas que aparecem plasmadas pelas
influências da filosofia hegeliana e feuerbachiana, do socialismo
utópico francês e da economia política inglesa. Influências que
deixaram marcas profundas e cicatrizes na teoria social marxiana. Por
essa razão, consideramos por bem investigar a trajetória da teoria social
marxiana e verificar o que ela tem de particular com as categorias
apontadas acima.
Verificamos com essa incursão que existe uma politicidade que
funciona como fermento da teoria. Ela se caracteriza pela busca em
ajustar o abstrato com o concreto. E faz deste, do concreto, o princípio
da verdade. A teoria é ancorada na realidade do mundo. Para Marx, o
pensamento é expressão do ser.
Posicionar o pensamento nesses termos implicou uma reviravolta
na filosofia. Isto é, o ponto a partir do qual a filosofia social se
195
metamorfoseia em teoria social. A diferença entre uma e outra, para
Marx, é que a especulação ou metafísica, o idealismo alemão que tanto
criticou, fez da história uma história cujo móbil foi concebido como
Espírito, por Hegel; e fez do materialismo um naturalismo cujo móbil
foi concebido como Humanismo, por Feuerbach. Marx, que viveu a
historicidade de seu tempo e sobre as influências da mentalidade
iluminista, deu conseqüência ao pensamento. Para tanto, fundiu a
história com o materialismo e temperou essa fusão com o espírito
jacobino e a crítica da economia política, mantendo as bases do
humanismo de Feuerbach. E assim se armou teoricamente para realizar o
projeto emancipatório na modernidade.
As leituras que fizemos dessa trajetória apontaram a necessidade,
mais uma vez, de criticar a crítica que apresenta a teoria social
marxiana como reducionista, como produtivista. Mas o alvo, que não
tivemos condições de desenvolver aqui, era travar um debate com a
teoria do agir comunicativo de Habermas, não no sentido de mostrar as
diferenças e os pontos divergentes que afastam Marx de Habermas e
vice-versa; queríamos elucidar a convergência e complementaridade
entre as racionalidades e a crítica da economia política. Tínhamos em
mente buscar tal convergência, mediados por Gramsci, pela categoria
gramsciana da catarse e do princípio educativo do trabalho. Se tal
estudo, nesse momento, teve que ser postergado, avançamos no que
consideramos o mais rico da teoria social marxiana, a sociologia da luta
de classes.
196
A sociologia da luta de classes foi explicitada no capítulo dois
através das reflexões das categorias de fetichismo, ideologia e
hipóstase. No capítulo um coube-nos enunciar essa sociologia,
revelando seu teor político acerca do conhecimento o que ressaltamos
como politicidade do conhecimento , em contraposição à acusação,
insustentável, de ser o marxismo uma forma de economicismo. No
capítulo doisdescobrimos o que persiste encoberto: a politização
do conhecimento pelo capital, isto é a ambivalência do conhecimento na
modernidade capitalista. A política do capital feita na esfera da
produção e apropriação do conhecimento através da dialética entre
relações de produção e formas sociais. As armas do capital utilizadas
aqui são o fetichismo e a reificação. No âmbito da cultura a arma do
capital é a ideologia; e no âmbito específico da política e da
epistemologia, a hipóstase.
Na análise do fetichismo e da reificação observamos que o
conhecimento assume um papel relevante na modernidade. Embora Marx
não tenha tratado da concreticidade do conhecimento, nos termos da
sociologia que desenvolveu, apoiados em Hodgskin, podemos
desenvolvê-la e extrair conseqüências importantes sobre a política do
capital para o conhecimento na modernidade, sempre sob a estratégia da
reprodução sociometabólica do capital.
Sob esse aspecto o conhecimento ocupa um papel relevante na
modernidade. Ele é mercadorizado. Como mercadoria não deixa de
apresentar aquele duplo aspecto, ou ambivalência, anunciada por Marx
197
(1980a) em O Capital: como valor de uso, atende, especificamente, às
necessidades do gênero humano; e como valor de troca apresenta
contradições forjadas na trama dialética entre relações de produção e
formas sociais. Para viabilizar a exploração da força de trabalho e a
expropriação do conhecimento acumulado por ela, o capital tem que
desenvolver uma política: a coisificação ou a personificação das
formas sociais das mercadorias. Estas são objetivações das relações
sociais de produção. Na medida em que as mercadorias se desprendem
das relações sociais e ganham valor de mercado, ascendem à condição
de fetichismo de mercadoria e podem, com esse mecanismo, ser vividas
como identidade pelas pessoas, podem ser personificadas; dessa forma,
reificam as relações intersubjetivas.
No capítulo primeiro, para explicar a ambivalência do
conhecimento na modernidade capitalista recorremos a essas categorias
desenvolvidas por Marx. Aplicamos a teoria social marxiana a
processualidade do trabalho pedagógico. E descobrimos a eficiência da
política do capital para controlar o que se constitui como riqueza na
modernidade capitalista: o conhecimento. Esse controle, como
expusemos, ocorre sob dois eixos: privado e estatal. Da mesma maneira
que Marx expôs em O Capital, em termos abstratos, a trama dessa
política analisando a mercadoria, procuramos, em termos concretos e
aproximativos, descobrir como essa política se realiza por uma forma
social que incorpora todas as características da mercadoria, que é o
certificado do conhecimento conferido à força de trabalho discente e a
198
força de trabalho docente, no processo de produção e apropriação do
conhecimento-mercadoria.
Com a teoria sociológica de Marx e a concepção de conhecimento
de Hodgskin, construímos o modelo do fetichismo e reificação do
processo de produção e apropriação social de conhecimentos, para
explicitar o que esse modelo encobre: a exploração da força de trabalho
e a expropriação do conhecimento que esta força de trabalho acumulou
durante o percurso formativo escolar, que a enriqueceu e a valorizou.
Sobre a categoria fetichismo e reificação, Marx põe em relevo a
ambivalência do conhecimento na tensão dialética entre relações de
produção e formas sociais.
A ambivalência do conhecimento se apresenta de uma forma
diferente na perspectiva gramsciana. Gramsci concebe emancipação
mediada pelo conhecimento em termos ético-políticos. Ele articula três
dimensões societais em sua filosofia da práxis: conhecimento, política e
cultura.
Diferentemente de Marx, que apresenta as relações concretas de
trabalho como estranhamento e desumanização, Gramsci vê aspectos
libertadores no mundo do trabalho, inclusive no lócus fabril, na
produção propriamente capitalista. Em sua visão, a atividade produtiva
é concomitantemente um processo formativo que desenvolve a
personalidade dos produtores. A atividade laboral é dotada de um
princípio educativo que possibilita ampliar a concepção de mundo dos
produtores. Quando é o caso, desenvolve a personalidade autônoma;
199
quando não, forma personalidade subalterna. O trabalho proporciona
conhecimento ao produtor e, dessa forma, cultura, ainda que restrita à
cultura do trabalho.
Constatamos neste estudo que a sociologia gramsciana,
diferentemente da de Marx, explora outras possibilidades oferecidas
pela ambivalência do conhecimento. O conhecimento assume uma
dimensão universal. Em Marx o conhecimento se mantém
demasiadamente preso às relações de produção. Ou embutido na força
de trabalho, na capacidade produtiva, ou subjacente às teorias e
filosofias sociais. No capítulo primeiro fizemos um esforço para
formular como se efetiva a produção social do conhecimento para Marx,
a partir da teoria do fetichismo e da reificação. Em Gramsci o
procedimento foi discutir a sua compreensão político-pedagógica do
conhecimento.
Gramsci apresenta uma concepção original sobre o
desenvolvimento intelectivo. A ambivalência do conhecimento é posta
pela dialética entre a técnica e a política. Isto é, a formação intelectual,
que inclui a formação para o trabalho, não se resume à formação da
força de trabalho potencial para atuar como capital variável nas
unidades econômicas. Esta formação também desenvolve a capacidade
política da força de trabalho potencial. De acordo com Gramsci, a
produção e apropriação de conhecimentos também desenvolvem a
capacidade de dirigente, a capacidade de organização social. Esse
aspecto formativo é importante porque Gramsci tem como pressuposto
200
que as pessoas participam de um determinado grupo social, o que não se
pode evitar. O conhecimento amplia as possibilidades de a pessoa
produzir, mas também de atuar no âmbito dos grupos sociais, elevando
sua compreensão técnica, mas também ético-política. O que ocorre no
momento catártico, no processo evolutivo de uma visão que se desloca
do senso comum para o bom senso, da necessidade para a liberdade.
Em todas as formas de sociabilidade Gramsci vê esta
ambivalência entre técnica e política operar através do conhecimento.
Ele destaca as potencialidades para essa ambivalência operar o processo
de emancipação no âmbito do partido político, que é uma instituição
burguesa.
O partido se apresenta para Gramsci como um intelectual
moderno. Aquele que é capaz de aglutinar identidade e unidade entre a
diversidade de concepções de mundo. E pondo em ação essas
concepções de mundo, desencadear um processo de emancipação. A
organização do partido, as atividades que nele são desenvolvidas
proporcionam a formação técnica e política dos seus militantes. Gramsci
vê nisso uma escola para as classes subalternas que almejam construir
uma sociedade emancipada na modernidade capitalista.
Não é apenas o partido que tem essa proeza educativa; na
concepção de democracia popular ele concebe os conselhos e o que
chama de instituições de vida social como espaços capazes de
articular a técnica e a política para desenvolver a concepção de mundo
dos produtores. As atividades nesses espaços sociais são importantes
201
porque elevam as concepções de mundo restritas dos produtores,
normalmente locais ou regionais, a uma visão cosmopolita e universal.
Essa elevação da consciência, para Gramsci, é capaz de influenciar a
vontade. Esta é outra problemática ausente em Marx: a influência da
ampliação da dialética entre técnica e política sobre a vontade. Se a
concepção que decorre da dialética entre técnica e política eleva através
do conhecimento a consciência do produtor, Gramsci observa que o
conhecimento também comporta a dimensão da vontade, um aspecto
subjetivo importante na ambivalência que marca o ponto de vista
gramsciano sobre o conhecimento, resultante da relação da técnica com
a política.
Baseado nos resultados apresentados até aqui, este estudo
permite-nos concluir que o conhecimento ocupa um lugar relevante na
teoria social marxiana e gramsciana, no que tange à emancipação. Está
associado a dois movimentos, que, longe de ambíguos, preferimos
caracterizá-los como ambivalentes. Em termos genéricos, abstratos ou
universais, quando visto na perspectiva do desenvolvimento das forças
produtivas, o conhecimento contribui para a evolução societal, para
elevar o ser humano de uma situação encerrada nas necessidades, para
uma situação histórica, vivenciada na fruição das potencialidades
humanas universais.
Por esse prisma, o conhecimento alimenta e vivifica a utopia
marxiana da emancipação humana. Mas por outro ângulo, quando
consideramos as particularidades e as determinações históricas, ele
202
perde, parcialmente, a força libertadora e transforma os sujeitos
produtores de conhecimento-mercadoria em alcova do capital. Este é o
obstáculo mais ruinoso à realização do projeto emancipatório da
modernidade mediado pelo conhecimento.
Gramsci ampliou a perspectiva emancipatória da teoria social
marxiana quando alargou a compreensão do conhecimento dentro da
trama da dialética entre a técnica e a política. E observou que na
processualidade do trabalho pedagógico, além das unidades formativas
controladas pelo Estado e pelo capital, existe uma infinidade de
instituições quando são desenvolvidos e produzidos conhecimentos. Ele
percebeu claramente que o conhecimento não se reduz ao processo de
enriquecimento e valorização da força de trabalho potencial. Está
imbricado à esfera ético-política que é importante considerar quando se
tem em vista que a emancipação não se efetiva apenas por um processo
de ruptura explosiva, mas processual. E admitindo o postulado da
emancipação processual, a categoria hegemonia preenche um aspecto
importante. Mais uma vez a produção e apropriação social de
conhecimentos se apresentam como vitais: estão na base da construção
de um projeto hegemônico de emancipação social das classes
subalternas na modernidade capitalista, que implica saber produzir e
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