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Ulises Carrión e a nova arte de fazer livros
Segundo Anne Moeglin-Delcroix, na apresentação do livro Quant aux livres/On Books (1997), coletânea
de textos escritos por Ulises Carrión
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, este foi o primeiro artista que procurou constituir uma teoria a
respeito dos livros de artista. A pesquisadora coloca que o pensamento de Carrión a respeito de livros é
baseado em seus conhecimentos de literatura. Segundo ela, no início dos anos 1970, Carrión abandonou
a literatura e se voltou para as artes visuais, movido pelo
espírito de experimentação que predominava naqueles
anos, o mesmo espírito “[...] que instigava muitos escrito-
res em tornarem-se ‘artistas’, incluindo alguns dos mais
importantes, como Carl Andre, Vito Acconci, Robert Filliou,
Dieter Roth, Jochen Gerz, Ian Hamilton Finlay e Emmett
Willians” (p. 109)
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.
Ele era um artista no sentido inclusivo que a
palavra assumiu naquele momento, isto é, um
criador que não poderia mais ser identicado
por qualquer uma de suas atividades, à medi-
da que praticava todos os tipos de disciplinas,
frequentemente aquelas complementares que
eram estranhas às artes tradicionais (nesse
caso performance, vídeo-arte e livros de ar-
tista). (Moeglin-Delcroix, In: Carrión, 1997, p.
112)
Moeglin-Delcroix coloca ainda que Carrión, no decurso de
sua trajetória como artista (e etc.)
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manteve-se indepen-
dente dos circuitos ociais de arte, instituindo circuitos al-
ternativos por meio da arte postal e do compartilhamento
de publicações, o que, segundo ela, explicaria de algum
modo a fria recepção que o artista encontrava no mundo
ocial da arte. As escolhas que fazia em suas exposições
de livros reetiam a sua opção por artistas independentes
[4] Ulises Carrión, escritor, poeta, artista, curador
e editor, nascido no México em 1941 e falecido em
1989. Fundou a Other Books and So em Amsterdam,
em 1975, a primeira livraria inteiramente dedicada a
promover e distribuir livros de artista. Em sua livraria,
Carrión também organizou projetos envolvendo arte
postal, carimbos, performances, etc. Em 1980, o ar-
tista transformou parte de sua livraria no Other Books
and So Archive.
As idéias e práticas de Carrión inuencia-
ram inúmeros artistas, inclusive o grupo
que integrou o Nervo Óptico, em Porto Ale-
gre nos anos 1970. A publicação-cartaz
Nervo Óptico n. 10 [Relatos urbanos: So-
ciedade Anônima] circulou também como
encarte na Ephemera n. 9, de julho de
1978, revista editada por Ulises Carrión,
Aart van Barneveld e Salvador Flores. O
Espaço N.O., fundado em 1979 por artis-
tas remanescentes do Nervo Óptico, era
similar à Other Books and So, um espaço
de artistas, aberto a experimentações.
[5] Todas as traduções relativas aos textos de Ulises
Carrión foram realizadas por mim.
[6] Referência à idéia de artista-etc. proposta por
Ricardo Basbaum: “Quanto um artista é artista em
tempo integral, nós o chamaremos de “artista-artista”;
quando o artista questiona a natureza e a função de
seu papel como artista, escreveremos “artista-etc.” (de
modo que poderemos imaginar diversas categorias:
artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-
produtor, artista-agenciador, artista-teórico, artista-te-
rapeuta, artista-professor, artista-químico, etc.). (Bas-
baum, 2004, In: Moura, 2005, p. 21.).