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Citemos agora alguns trechos da entrevista com Rebeca, uma médica de nível
de socioeconômico elevado, católica praticante e que tem vivido experiências que
são chamadas, em nossa cultura, de “extra-sensoriais” ou “paranormais”, que
representam um verdadeiro desafio para a ala conservadora da Igreja Católica, tão
resistente a abrir-se ao novo, a aceitar os novos desafios da sociedade
contemporânea. Essas experiências têm mobilizado e repercutido na identidade
religiosa de Rebeca, que se percebe como católica fervorosa. Mas, no confronto com
o diferente, Rebeca se inquieta, se retrai, não permitindo, ao nosso ver, abrir-se ao
novo, ao desconhecido e, conseqüentemente, torna-se retraída e vivencia
sentimentos de solidão. Seu receio de ser mal ser interpretada foi reforçado pela
experiência concreta de não ter sido compreendida em profundidade pelo seu pároco
e orientador espiritual de muitos anos, que não pode entender e, portanto validar as
suas experiências incomuns ou “paranormais”. Apesar de se sentir só e com
dificuldade para entender o que vivencia, Rebeca reafirma a sua identidade religiosa
e, apesar de não ter mais procurado o seu orientador espiritual, continua
freqüentando assiduamente a igreja, pois percebe que as cerimônias religiosas
“fortalecem” a sua fé.
Vejamos textualmente alguns trechos da entrevista de Rebeca:
[...] eu gostava de relaxar... era um modo que eu encontrava de
restaurar minhas energias e dar continuidade ao meu trabalho,
geralmente tão estressante. Um dia, porém eu acho que entrei num
nível mais profundo, aí eu percebi que eu mesma estava em pé, na
minha sala, em frente a mim mesma, deitada no meu sofá. Eu
quando me vi em pé, olhando o meu próprio corpo, me deu um
pavor, eu entrei em pânico... foi uma coisa muito nítida... Foi real! Eu
me vi saindo de mim ou o meu espírito saindo... me vi deitada com a
mesma roupa que eu estava... Não há dúvida que era eu mesma,
que estava vendo a mim mesma!... acordada e bem consciente...
imagine o estado que eu fiquei! (disse sorrindo) [...] Eu sinto,
claramente, que não é por mero acaso eu acordar,
espontaneamente, e me dirigir exatamente ‘naquele momento’ para
‘aquele determinado leito’... Funciona como se eu fosse movida por
um poder superior, compreende? Olhe, de vez em quando eu sentia
como um ‘aviso’, tipo ‘intuição’ que me fazia antes de ir descansar,
tarde da noite, dizer para a enfermeira da equipe de plantão: “o
paciente do leito tal... não passará das três horas dessa
madrugada... fique atenta”. A colega, que estava mais ou menos
acostumada com as minhas “intuições”, sorria de uma forma
especial, talvez com um ar de cumplicidade, pois, só eu e ela
tínhamos consciência dessa percepção especial que eu vivia, mesmo