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convencionalismo tradicional, nem sempre espelha a evolução fonética”. O Dicionário de
Lingüística (DUBOIS et al., 1973, p. 360) dá explicação similar a de Bechara quando afirma
que, como o h inicial, “as letras podem não corresponder a nenhum som efetivamente
realizado”
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Nas Instruções para a organização do vocabulário ortográfico da língua nacional,
aprovadas pela ABL (Academia Brasileira de Letras), a referência ao uso do H é a seguinte:
“Esta letra não é propriamente consoante, mas um símbolo que, em razão da etimologia e da
tradição escrita do nosso idioma, se conserva no princípio de várias palavras e no fim de
algumas interjeições: haver, hélice, hidrogênio, hóstia, humildade; hã!, hem?, puh!; etc.”
(BECHARA, 2001, p. 93-106).
Como podemos observar, as explicações para a ocorrência inusitada do H inicial,
como a que destacamos nos textos 10 e 11 não passam das referências à etimologia, à história
da palavra. Haveria, então, alguma explicação para esse erro ortográfico ligada a uma
“realidade empírica”, a um “diferencial de língua”, conforme postula Milner (1989, p. 24)?
A emergência do H em HIA (texto 10) e HOZO (texto 11) está relacionada a algo que
sobra no processo de simbolização
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, na aquisição da língua escrita, ou seja, nesse processo,
que é próprio de qualquer língua, há a necessidade ou de escolha ou de recalcamento de
algumas estruturas, e estas podem, a qualquer momento, emergirem enquanto manifestação de
um rompimento no Simbólico, pelo Real.
Mesmo que essas formas escritas não sejam admitidas pela gramática, a emergência
do H, na posição inicial, é admissível em determinados termos da língua, constituindo-se,
assim, numa possibilidade de ocorrência. Vejamos: a forma HIA, no enunciado do texto 10:
“pensou que hia fica afogada”, indica o pretérito imperfeito indicativo do verbo Ir: ia. No
entanto, há outras formas verbais que se assemelham ao que o aluno escreveu, a exemplo do
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Dicionário de Lingüística (DUBOIS et al., 1973, p. 360): letra: O termo geral letra emprega-se para designar
cada um dos elementos gráficos de que é constituído um alfabeto e que são utilizados nas escritas alfabéticas. As
letras podem não corresponder a nenhum som efetivamente realizado (h inicial em português) ou indicar outra
coisa que não um som (o h “ aspirado” em francês indica a ausência de ligação). As letras podem indicar um
fonema, como a pronunciado [a], ou vários, como x pronunciado [ks]. Podem também ser um elemento numa
seqüência de letras que representam um fonema: assim, h em ch pronunciado [ƒ]. No ensino, confundem-se
muito freqüentemente as letras e os sons. A terminologia que introduziu os termos de letras-consoantes, letras-
vogais para os sons representados, letras-signos para os grafemas, tentou paliar esse inconveniente. Quanto aos
primeiros, a lingüística fala de sons ou fonemas, e de grafemas, no que se refere aos segundos.
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O processo de simbolização diz respeito ao encontro entre o Real, o Simbólico e o Imaginário, conforme
apresenta Milner (1983, p. 34) com base nos estudos de Lacan. O Simbólico é o que constitui o sujeito, o
Imaginário é tudo o que é da ordem do repetível e o Real é o irrepresentável, o que resta ou resiste a ser. Milner
afirma que o Real jamais cessa de existir, o Simbólico jamais cessa de se escrever, e o Imaginário jamais cessa
de se representar.