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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
KARLA GOULARTE DA SILVA
OS NACIONALISMOS NOS LIVROS DE LEITURA
DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930)
CRICIÚMA, FEVEREIRO DE 2010
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2
KARLA GOULARTE DA SILVA
OS NACIONALISMOS NOS LIVROS DE LEITURA
DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930)
Dissertação de Mestrado apresentado como
requisito para obtenção do grau de Mestre em
Educação no Curso de Mestrado em Educação da
Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientador Prof. Dr. Celdon Fritzen
CRICIÚMA, FEVEREIRO DE 2010
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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
UNIDADE ACAMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO
Os Nacionalismos nos livros de Leitura da Primeira República (1889-1930)”
Dissertação submetida ao programa de Pós-
Graduação em Educação em cumprimento parcial
para a obtenção do título de Mestre em Educação.
APROVADO PELA COMISSÃO EXAMINADORA EM 11/02/2010
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Celdon Fritzen (Presidente e Orientador)
___________________________________________________________________
Profª. Dra. Luciane Sgarbi Santos Grazziotin ( Membro – UCS)
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral (Membro UNESC)
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Ademir Damazio
Coordenador do PPGE-UNESC
___________________________________________________________________
Karla Goularte da Silva
Mestranda
CRICIÚMA, SC, FEVEREIRO DE 2010
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer àqueles que me apoiaram enquanto escrevia e
pensava sobre esta dissertação que aqui apresento. Devo muitíssimo a meu
orientador Professor Dr. Celdon Fritzen, que supervisionou esta dissertação de
mestrado: seus conselhos e estímulo. Agradeço também a Professora Dra. Maria
Isabel Leite e ao Professor Dr. Dorval do Nascimento que leram anteriormente este
trabalho, oferecendo seus comentários e críticas.
Não poderia deixar de agradecer minhas amigas e amigos da Escola de
Educação Básica Professora Isabel Flores Hübbe, escola na qual trabalho desde
2006.
Especial agradecimento para meu noivo Fernando Martinelo Gründler pelo
apoio e compreensão. Agradeço a minha mãe Marlene Goularte da Silva e a meu
pai Anilton Alexandre da Silva pelo apoio e por nunca duvidarem de meu potencial.
Agradeço a meus irmãos Lucas Goularte da Silva e Karina Goularte da Silva pelo
estímulo durante todo o período do mestrado em educação.
Agradeço aos professores do Mestrado em Educação da UNESC e aos
colegas que comigo dividiram conhecimento e angústias. Em especial agradeço a
minhas grandes amigas Maria Helena Périco da Silva e Juliana Uggioni.
A todas essas especiais pessoas os meus sinceros agradecimentos.
5
Em alguns livros escolares apanhados ao
acaso pode refletir-se todo o perfil de um
país.
Osman Lins
6
RESUMO
Este trabalho foi feito a partir da análise documental com livros de leitura da Primeira
República (1889-1930) e que tiveram sua primeira publicação entre 1900 a 1917.
Durante aquele período, o Brasil é cenário de tensões provenientes do processo de
modernização. É também nessa época que os nacionalismos tomam nova força e
alguns intelectuais brasileiros, influenciados pelo positivismo europeu, acreditam que
o país não poderia progredir em virtude de sua formão étnica e da ausência de
uma cultura cívica. Em face disso, advogam que somente a educação popular
poderia reparar os vícios e defeitos decorrentes da formação histórica do país. Dado
esse quadro, por meio da análise, fichamento e interpretação de seis livros do
período, busquei responder a seguinte questão: diante dos nacionalismos
desenvolvidos durante a Primeira República (1889-1930), qual o papel que os livros
de leitura cumpriram? Para responder à questão norteadora, foram analisados:
Porque me ufano de meu país (1900), de Affonso Celso; Contos Pátrios (1904), de
Olavo Bilac e Coelho Netto; Histórias da nossa terra (1907), de Júlia Lopes de
Almeida; Segundo livro de leituras morais e instrutivas (1908), de João Köpke;
Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bomfim e Nossa Pátria (1917), de
Rocha Pombo. Entre os resultados da análise, destaca-se a constante presença dos
temas de viagens e da temática do progresso utilizados como artifício para a
inseão de símbolos e assuntos nacionais, buscando criar no leitor o sentimento de
unidade. Especificamente ainda em relação à temática do progresso nos livros de
leitura analisados, algumas contradições se revelaram, pois ao mesmo tempo em
que os autores buscam criar a união nacional, tamm procuram resolver
ideologicamente as desigualdades históricas, como modo de justificar a exclusão de
negros e índios do processo de modernização.
Palavras-chave: Primeira República. Livros de leitura. Nacionalismos. História da
Educação. Progresso.
7
ABSTRACT
This paper was done starting from a bibliography investigation with reading books of
the First Republic (1889-1930) that had its first publication between 1900 and 1917.
During that age, Brazil is a setting of tensions originating of modernization process.
It’s also in this age that the nationalism takes new power and some Brazilians
intellectuals, influenced for the European positivism, they believe that the country
couldn’t progress owing to its ethnic formation and of absence of a civic culture. In
view of this, advocate that just a popular education could repair the vices and defects
resulting from of the historic formation of the country. Demonstrated this fact, through
of analyze, file and interpretation of the six reading books of the age, I looked to
answer the following question: in the face of the nationalism developed during the
First Republic (1889-1930), what the importance did the reading books carry out? To
answer the orientate question, six books were analyzed: Porque me ufano de meu
país (1900), by Affonso Celso; Contos trios (1904), by Olavo Bilac and Coelho
Neto; Histórias da nossa terra (1907), by Julia Lopes de Almeida; Segundo livro de
leituras morais e instrutivas (1908), by João Köpke; Através do Brasil (1910), by
Olavo Bilac and Manoel Bonfim and Nossa Pátria (1917), by Rocha Pombo. Among
the results of analyze, stand out the constant presence of the themes of trips and the
thematic of the progress attract the attention. The themes of trips and the thematics
of progress are used like trick for insertion of symbols and national matters, wanting
to create in the reader the feeling of unit. But the thematic of the progress reveal
some contradictions, so the same time in that fetch to create the union, look for
resolve ideologically the historic inequalities, justifying the exclusion of the blacks and
Indians of modernization process.
Keywords: First Republic. Reading books. Nationalisms. Education History.
Progress.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Capa do livro Porque me Ufano do meu país..........................................46
Figura 2 – Capa do livro Contos Pátrios....................................................................46
Figura 3 – Capa do Livro Histórias da Nossa Terra .................................................46
Figura 4 – Capa do Segundo livros de leituras morais e instrutivas .........................47
Figura 5 – Contracapa do livro Através do Brasil .....................................................47
Figura 6 – Capa do livro Nossa Pátria ......................................................................47
Figura 7 – São Paulo - Rua Direita – p. 75 ...............................................................57
Figura 8 – Estado de São Paulo – Fazenda Modelo – p. 81.....................................57
Figura 9 – Desbravamento da mata virgem para a plantação do café – p. 103........58
Figura 10 – Usina de despolpar o café - Pág.121.....................................................58
Figura 11 – Mapa do Brasil do conto “Gigante Brasilião” p. 243...............................59
Figura 12 – Através do Brasil: um canavial na época do corte de cana p.25...........60
Figura 13 – Através do Brasil - Amazonas: produção de borracha p.300.................60
Figura 14 - Nossa Pátria: a bandeira p.5...................................................................62
Figura 15 – Nossa Pátria - Diogo Álvares e sua mulher Paraguaçu p.35.................62
Figura 16 – Nossa Pátria - Monumento de Tiradentes Ouro Preto p. 92..................62
Figura 17 – Figura 17 – “A defesa” - Navios invasores franceses p. 115..................64
Figura 18 - Figura 18 “A defesa” A mocidade do Rio de Janeiro salvando a
cidade dos invasores franceses p. 118......................................................................64
Figura 19 - Representação da moradia dos “selvagens” no conto “A Civilização” p.
274..............................................................................................................................74
Figura 20 - Representação de uma taba p.38...........................................................75
Figura 21 – Representação dos negros no conto “Mãe Maria” p. 18........................79
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Índices de analfabetismo da população brasileira entre 1890 e 1920 para
pessoas de todas as idades.......................................................................................34
Tabela 2: Número de escolas e matrículas no ensino blico secundário entre 1907
e 1912........................................................................................................................35
Tabela 3: Nome das obras, autores, ano da primeira publicação, edição pesquisada
e editora......................................................................................................................45
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
O tema, os caminhos e as etapas do trabalho ...................................................... 11
1 OS NACIONALISMOS ........................................................................................... 14
1.1 Surgimento, Definições e Manifestações ........................................................ 14
1.2 Nacionalismos e Educação .............................................................................. 19
1.3 Nacionalismos e Cultura nacional no Brasil ................................................... 24
2 A PRIMEIRA REPÚBLICA E A EDUCAÇÃO ........................................................ 31
2.1 Situações do País e da Educação Brasileira .................................................. 31
2.2 Os Intelectuais e os Ideais Nacionalistas: a Educação como Panaceia ....... 36
2.3 O livro de Leitura e o Compromisso com a Formação da Nação.................. 43
3 OS NACIONALISMOS DA PRIMEIRA REPÚBLICA: OS TEMAS DE VIAGENS E
O PROGRESSO ....................................................................................................... 54
3.1 Os Temas de Viagens: a Leitura Escolar como Enciclopédia ....................... 54
3.2 A temática do Progresso e o Problema da Etnicidade ................................... 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85
11
INTRODUÇÃO
O tema, os caminhos e as etapas do trabalho
Este trabalho tem por objetivo analisar a influência dos nacionalismos
desenvolvidos durante a Primeira República nos livros de leitura. Este período foi
escolhido, pois foram nas primeiras décadas republicanas que a escola se fortaleceu
enquanto instituição e as campanhas cívicas em prol da alfabetização e
modernização do país forneceram as bases para o surgimento dos livros destinados
ao público infantil
1
.
Em virtude da minha formação
2
, desde o início deste mestrado busquei
desenvolver algo que abarcasse educação e literatura. Pareceu-me, pois, que um
dos caminhos possíveis seria pesquisar os primeiros livros escritos por brasileiros
destinados às crianças visto que, ter o livro como fonte de pesquisa na história da
educação possibilita compreender a escola como um espaço que tenta educar para
“os valores morais, éticos, sociais, cívicos e patrióticos.” (CORRÊA, 2000, p.11).
Independente do ano que foi publicado e o período que circulou, o livro de
leitura é um material que traz uma “significativa contribuição para a história do
pensamento e das práticas educativas.” (CORRÊA, 2000, p.12) Portanto, eles
podem ser considerados uma rica fonte de pesquisa para aqueles que voltam suas
investigações para o campo da História da Educação. Através desse artefato escolar
é possível entender a instituição por dentro.(CORRÊA, 2000, p.13), pois se trata
de um documento portador de conteúdos do currículo escolar que se pretendeu
implementar em cada época.
Por acreditar na importância do livro para a pesquisa em educação,
busquei algum referencial teórico que pudesse me oferecer caminhos nessa direção.
Os livros Literatura Infantil Brasileira Histórias & Histórias
3
, Um Brasil para
1
Zilberman e Lajolo usam o termo “literatura infantil”; como o foco não será a discussão da ótica
literária nas obras pesquisadas, foi deixado de lado o enfoque estético, ou seja, a discussão sobre o
livro infantil como manifestação artística. Por isso, não usarei o termo literatura infantil como as
autoras, mas apenas livros de leitura.
2
Letras Português/ Inglês com pós-graduação em Literatura.
3
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira: História & Histórias. São
Paulo: Ática, 1984.
12
crianças
4
e tamm 500 anos de educação no Brasil
5
foram essenciais para a
definição do objeto de pesquisa. O primeiro traça um panorama histórico de 100
anos (1880 a 1980) acerca da nossa literatura infantil, examinando suas relações
com as instituições sociais e a História da Literatura; o segundo é das mesmas
autoras e traz um rico panorama da literatura infantil desde sua gênese (no final do
século XIX) até as últimas décadas do século XX. O terceiro é uma coletânea com
textos de vários autores que, de artigo em artigo, vão “costurando” a História da
Educação no período de 500 anos. Estes três livros deram-me as primeiras bases
para que eu chegasse até o tema abordado nesse trabalho: ‘nacionalismos’.
Com a leitura das referidas obras identifiquei os nomes de alguns autores
que escreveram livros destinados ao público infantil na Primeira República, como
Olavo Bilac, Manoel Bomfim, Júlia Lopes de Almeida, Coelho Netto, João Köpke e
Rocha Pombo. Depois da seleção dos nomes de autores, esbarrei na dificuldade de
encontrar as obras, principalmente porque julguei ser essencial que elas tivessem
sido publicadas dentro do período em questão. Encontrei muitas que citavam os
autores, mas as obras originais para uma pesquisa mais aprofundada são
raríssimas. Mas, sempre há uma luz no fim do túnel: encontrei-os por meio do site
estante virtual
6
: Porque me ufano de meu país (1900) de Affonso Celso, Contos
Pátrios (1904) de Olavo Bilac e Coelho Netto, Histórias da nossa terra (1907) de
lia Lopes de Almeida, Segundo livro de leituras morais e instrutivas (1908) de
João Köpke, Através do Brasil (1910) de Olavo Bilac e Manoel Bomfim e Nossa
Pátria (1917) de Rocha Pombo.
Após a primeira leitura de cada obra, verifiquei a presença constante do
civismo, do conto moral, da descrição das paisagens brasileiras, da temática do
progresso, do índio e do negro. Em princípio as ideias estavam meio confusas, uma
vez que ainda não estava claro para mim o porquê da incidência da inserção desses
temas nos livros de leitura da época. O processo de qualificação foi fundamental
para que eu pudesse delimitar o tema e finalmente perceber que aqueles temas
estavam relacionados ao projeto de nação brasileira à noção de progresso por ela
4
ZILBERMAN, Regina; LAJOLO; Marisa. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil
brasileira: história, autores e textos. 4ª ed. São Paulo: Global, 1986.
5
LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. Orgs.
500 anos de educação no Brasil. ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
6
O site www.estantevirtual.com.br> reúne sebos de todo o Brasil; por meio dele é possível fazer a
busca e compra de livros usados e edições raras.
13
desenvolvida. Em virtude disso, fiz o seguinte questionamento: diante dos
nacionalismos
7
desenvolvidos durante a Primeira República, qual o papel que os
livros de leitura cumpriram?
Para responder a essa questão norteadora, dividi essa produção escrita
em três capítulos. No capítulo I discutirei acerca do movimento nacionalista, que
ele é o tema central desse trabalho. Nele, discorro sobre três pontos: os
nacionalismos e sua importância para o século XIX, a importância da educação em
massa para a difusão do movimento nacionalista na Europa e no Brasil, salientando
a importância de uma cultura nacional para o fortalecimento do sentimento de
identidade.
O capítulo II também está dividido em três partes. Na primeira, discorro
acerca da situação do país na Primeira República, principalmente dando ênfase à
educação; na segunda sobre os ideais nacionalistas dos intelectuais da época, os
quais acreditavam que a educação seria a solução para os muitos problemas
enfrentados no referido período; e na terceira parte sobre os livros de leitura e a
difusão dos ideais progressistas por meio deles, seus autores e obras.
No capítulo III, abordo os temas de viagens como artifício dos autores
para inserirem assuntos nacionais, criando um conjunto de símbolos a fim de
nutrirem no leitor um sentimento de unidade; depois, discuto como o projeto de
nação brasileira pôde ser contraditório, pois ao mesmo tempo em que tentava criar o
sentimento de união, também se manifestava como um discurso tácito de exclusão
de elementos que se mostravam incompatíveis com ele.
7
Utilizo nacionalismos” no plural, pois não houve apenas um nacionalismo no Brasil conforme
veremos adiante.
14
1 OS NACIONALISMOS
Neste capítulo discuto acerca do movimento nacionalista, Nele, discorro
sobre três pontos: os nacionalismos e sua importância para o século XIX, a
importância da educação em massa para a difusão do movimento nacionalista na
Europa e no Brasil, salientando a importância de uma cultura nacional para o
fortalecimento do sentimento de identidade.
1.1 Surgimento, Definições e Manifestações
Definir nacionalismo e seu surgimento é algo extremamente complexo,
visto que, conforme veremos a seguir, não apenas um nacionalismo,
nacionalismos. Assim, qualquer introdão acerca do tema pode esboçar alguns
contornos gerais. Além de ser um fenômeno difícil de ser conceituado devido a sua
complexidade, ele pode também ser considerado um movimento contraditório, visto
que pode assumir tanto um caráter libertador como também autoritário e
homogeneizador. Kohn (1963) ressalta que os vários nacionalismos diferem
segundo as ideias e tradições políticas que representam e as lembranças que
despertam:
Em seu início, o nacionalismo arrebenta os grilhões da tradição ou de uma
ordem social obsoleta, e enche os corações de seus adeptos de um
sentimento de dignidade humana, de orgulho e satisfão em participar da
história, de administrar seus próprios assuntos. Tal sentimento foi
característico do início do nacionalismo na Europa do século XIX [...] Mas
um nacionalismo não equilibrado pela consideração dos valores
predominantes da humanidade e pelos direitos dos outros povos torna-se
estéril e politicamente perigoso à liberdade civil e à paz. Para ele, nada
existe a não ser a nação, que se torna a unidade e o todo, o guia supremo
dos atos e do pensamento do homem. Tal nacionalismo, especialmente
quando baseado na unidade racial ou religiosa, ou na exclusividade,
produz, quando dispõe de força militar e de um espírito militante, uma
grande ameaça a seus vizinhos, e de qualquer forma constitui uma fonte de
decadência espiritual para seus próprios adeptos (KOHN, 1963, p.58).
Partindo da citação de Kohl, vemos que o nacionalismo não pode ser
caracterizado como um movimento homogêneo; ele se manifestou de formas
diversas de acordo com o país e a época. Em relação ao caráter libertador dos
nacionalismos, podemos citar a Revolução Americana (1776) e a Revolução
Francesa (1789); a primeira trazia a ideia de ruptura, traduzida pelo ideal de
independência influenciada pelos ideais liberais; ser livre significava a ruptura
política com a metrópole. A segunda foi uma reação ao governo absolutista, visto
15
que a situão da França no século XVIII com o regime monárquico era de extrema
injustiça social. Ambas as revoluções despertaram o sentimento de emancipação,
seja de uma metrópole, seja de um sistema absolutista e tornaram-se marcos para a
compreensão do movimento nacionalista, que se espalhou por todo o mundo e
marcou a história do século XIX.
Como à frente veremos as situações particulares que envolveram a
cristalização dos nacionalismos no Brasil, é bom ressaltar que no que se refere a
sua disseminação no século XIX. Hobsbawm (2002, p.11) considera a história
daquele século como a da construção de nações. Segundo ele, houve várias
mudanças no conceito de nação e nacionalismo, principalmente, em relação ao fim
do século XIX; para ele a ‘nação’ é uma entidade pertencente a um período
particular e historicamente recente e o sentido moderno da palavra não é mais velho
que o século XVIII.
Retomando a questão da sua complexidade, como vimos, em sua
gênese, os nacionalismos possuem caráter libertador e revolucionário; no entanto,
alguns nacionalismos desenvolvidos posteriormente revelam também no seu
movimento um caráter autoritário e homogeneizador. Para compreendermos esta
contradição, é necessário entender a ‘nação’ no seu sentido moderno, “relacionada
com certa forma de Estado territorial moderno, o Estado-nação. E não faz sentido
discutir nacionalidade fora desta relação (HOBSBAWM, 2002, p.19). Este novo
sentido de ‘Estado’ substituiu a concepção de Estado organizado pela monarquia e
certamente continuou a influir na vida política dos séculos XIX e XX: Segundo
Guibernau:
O Estado nacional é um fenômeno moderno, caracterizado pela formação
de um tipo de estado que possui o monopólio do que afirma ser o uso
legítimo da força dentro de um território demarcado, e que procura unir o
povo submetido a seu governo por meio da homogeneização, criando uma
cultura, símbolos e valores comuns, revivendo tradições e mitos de origem,
ou, às vezes, inventando-os (GUIBERNAU, 1997, p.56).
Podemos verificar por meio da citação, o caráter revolucionário da nova
concepção de Estado, no entanto também podemos observar seu caráter
homogeneizador, que faz uso dos nacionalismos para proteger e unir a nação.
Segundo Hobsbawm (2002, p.15), as tentativas de se estabelecerem critérios
objetivos para a existência de nacionalidade ou de explicar por que certos grupos se
16
tornaram “naçõese outros não, “frequentemente foram feitas com base em critérios
simples como a língua ou a etnia ou em combinação de critérios como língua, o
território comum, a história comum, os traços culturais comuns e outros mais.
Assim, por meio do nacionalismo é possível fazer uma diferenciação entre
os que se identificam com determinado grupo e os “outros” considerados estranhos
a uma determinada comunidade. Os símbolos e rituais, segundo Guibernau (1997,
p.91) o fatores decisivos no processo de homogeneização; eles têm o poder de
unir e acentuar o senso de comunidade. As fronteiras são criadas pelas exigências
da interação social e têm caráter simbólico que envolve diferentes significados de
um povo para outro; essas significações podem favorecer ocasiões em que pessoas
sintam-se unidas, ou seja, a nação estabelece as fronteiras que a distinguem das
outras.
Nesse sentido, também podemos perceber que a consolidação de uma
ideia de nação muitas vezes pode fazer uso de símbolos para criar sentido de grupo
reunindo pessoas de culturas
8
e contextos sociais diferentes. Porém, os símbolos
podem tamm mascarar as diferenças dentro de si mesmos, “transformando a
realidade da diferença na aparência da similaridade, permitindo assim às pessoas se
revestirem da ‘comunidade’ com integridade ideológica” (GUIBERNAU, 1997, p.92);
dessa maneira cria-se por meio dos símbolos um falso” sentimento de igualdade.
Os símbolos podem também ser utilizados em rituais por indivíduos que partilham da
mesma cultura, da mesma terra e que têm a experiência de um passado comum
com o objetivo não de unir pessoas diferentes, mas unir apenas aqueles que se
enquadram em determinados critérios. Os nacionalismos que utilizam os símbolos
para excluir os “estranhos” geralmente demonstram egoísmo grupal e autoritário.
A cultura nacional também tem um papel muito importante para o
processo de homogeneização, visto que os indivíduos, ao se identificarem por meio
de uma cultura comum, carregam laços emocionais relativos a crenças, valores e
símbolos que ao serem internalizados são concebidos como parte de si pprios. A
emão investida nesses elementos é uma forma de desenvolver sua identidade e
facilita a difusão dos nacionalismos cujas forças vêm da qualidade de criar este
senso de união. Se o Estado consegue impor uma língua e uma cultura e por meio
8
Para Abbagnano (2007, p.261) “a cultura indica o produto da formação do homem, ou seja, o
conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser
indicados pelo nome de civilização.”
17
delas cria um sentimento de patriotismo entre os membros de uma comunidade,
como se deu na França, podemos concordar com Gellner (1983, p.55) quando diz
que é o nacionalismo que produz ou inventa as nações.
Todavia, os nacionalismos baseados nos critérios acima explicitados,
podem ter resultados negativos, pois assim como eles têm o poder de unir um
grupo, também podem ser associados com várias formas de discriminação e
violência que implicam na diferenciação e exclusão de indivíduos. O nacionalismo
étnico, por exemplo, é um modo de diferenciar membros de uma coletividade
particular e a “alheia” por meio da “raça”. Esse conceito de raça tem origem no
século XIX e foi muito utilizado para classificar indivíduos que, devido a sua cultura e
etnia, eram considerados inferiores; também é interessante ressaltar que o
evolucionismo darwinista, suplementado pelo que seria depois conhecido como
genética, “alimentou o racismo com aquilo que parecia ser um conjunto de razões
‘científicaspara afastar ou mesmo, como aconteceu de fato, expulsar e assassinar
estranhos” (HOBSBAWM, 2002, p.131). No período de expansão colonial, ainda, o
conceito foi muito utilizado como justificativa para a dominação e a negação da
participação social, política e econômica de certos grupos bem como a legitimão
de várias formas de exploração. Dante Moreira Leite (1976) duas razões para o
grande prestígio do racismo nos fins do século XIX:
Em primeiro lugar, era a fórmula preciosa para justificar o domínio branco
sobre o resto do mundo: se as outras raças eram biologicamente inferiores,
se eram incapazes de atingir os valores mais elevados da civilização,
poderiam sobreviver como as massas trabalhadoras submetidas aos
brancos. Essa justificativa era mais sutil do que parece à primeira vista:
através dela, o europeu não chegava a sentir conflito ideológico com seus
ideais democráticos e liberais (LEITE, 1976, p.28).
Percebe-se que o racismo pode ser incorporado a um discurso
nacionalista, e isto pode ter um caráter extremamente negativo já que o racismo é
um discurso ideológico que se baseia na exclusão de certas comunidades devido a
constituição biológica das mesmas. Essa diferenciação atribui superioridade a um
grupo em detrimento de outro e favorece a proliferação de sentimentos hostis para
com aqueles que foram definidos como diferentes. Podemos citar o caso do nazismo
alemão, que justificou o extermínio de milhões de pessoas consideradas inferiores
(especialmente os judeus, mas não poupou também ciganos, negros,
homossexuais, comunistas e doentes mentais) e que constituíam ameaça à
18
excelência ariana. Também podemos dar o exemplo do fascismo italiano e toda a
sua simbologia, cerimônias e rituais que apelavam aos sentimentos do povo que,
proferindo o mesmo grito, marchando e cantando os mesmos hinos, fazia o indivíduo
sentir sua identidade diluir-se na do grupo:
Pertencer à mesma nação apagava todas as fontes de identificação. A
participação emocional na nação miticamente construída estava acima de
tudo o mais e tinha o poder de exigir o supremo sacrifício: a disposição de
consagrar a vida aos ideais comuns transmitidos pelo chefe, que encarnava
não apenas o partido, mas a nação inteira. [...] O papel conferido às
mulheres na sociedade fascista restringiu-se à produção e criação dos
filhos. As mulheres eram mães e esposas que tinham que cuidar da pureza
da raça (GUIBERNAU, 1997, p.106).
Em Estados pós-coloniais, como é o caso do Brasil, o racismo pode ser
visto como um resíduo de um passado marcado pela ideia de superioridade
europeia, que, como veremos adiante, teve influência nos nacionalismos brasileiros;
dessa forma, o discurso racial recorre à menção a um passado glorioso, em que sua
superioridade mantinha-se imaculada, em um tempo onde o europeu sentia-se
orgulhoso em levar a civilizão aos povos ‘selvagens’. Os colonizadores achavam
que os povos indígenas deviam ser gratos a eles, uma vez que, de certo modo, ser
explorado era um privilégio: significava estar em contato com uma cultura
equivocadamente ‘superior’” (GUIBERNAU, 1997, p.101). Essa ideia de
superioridade manteve-se por muito tempo em nosso país, tornando-se justificativa
para a dominação e escravidão.
Além da segregação racial, alguns nacionalismos podem assumir uma
forma mais sutil de violência baseada na manipulação do sacrifício em prol da pátria,
ou seja, os interesses da nação devem estar acima dos interesses do indivíduo; este
deve abrir mão de si para identificar-se com o todo” e reconhecer que sua vida não
é nada em comparação à Nação; por isso, ele deve sacrificar-se em prol de algo
maior, sentindo-se membro de seu Estado e não apenas um indivíduo. Morrer ou
matar na guerra defendendo os interesses da Nação, não pode ser considerado um
ato de barbárie visto por esta ótica; ao contrário, o indivíduo pode se sentir honrado
em defender interesses maiores, promovendo manuteão de sua cultura e
defendendo seu território. O Estado, como autoridade soberana, legitima a violência
utilizando argumentos em torno da ideia de que “isso é melhor para o nosso país”.
19
Enfim, de modo geral, ao tecermos considerações acerca do
nacionalismo (ou nacionalismos) não como negar sua gênese revolucionária,
sempre relacionado a um sentimento de liberdade proveniente das revoluções
francesa e americana; mas, creio que ao abordar o assunto, torna-se inevitável falar
sobre os diferentes rumos que o movimento tomou em diferentes partes do mundo.
Assim, os nacionalismos podem emergir trazendo a ideia de liberdade, mas também
se associam a regimes autoritários que ao colocarem em primeiro plano os
interesses da nação, muitas vezes promoveram expansão territorial, étnica, cultural,
econômica ou política às custas de outros povos, ou seja, alguns nacionalismos
foram empregados como justificativa da superioridade de um grupo em relação ao
outro qualificado como “estranho” legitimando a expulsão, exclusão, escravização ou
mesmo a morte. De todo modo, operando em uma via dupla, esses mesmos
nacionalismos excludentes serviram muitas vezes para intensificar a ideia de grupo,
como, por exemplo, na Alemanha onde havia carência de organizão política.
Fenômeno complexo e difícil de conceituar que se manifestou de
formas bem diversas por todo mundo, sua diversidade possivelmente decorre das
diferentes maneiras que a sua implementação histórica assumiu: se em
determinados momentos a construção da identidade nacional serviu para reunir
oprimidos em busca de sua libertação de um grupo opressor, muitas vezes também
a constituição e manutenção de identidades foi garantida às custas da opressão
sobre outros.
1.2 Nacionalismos e Educação
A Revolução Francesa lançou bases para o posterior desenvolvimento de
um sistema nacional de educação, mas isso não significa que a escolarização foi
algo imediato. Um dos efeitos mais importantes foi que o controle da educação
passou a ser feito pelo Estado e não mais pela Igreja. Na França, por exemplo, a
educação obrigatória para ambos os sexos foi instituída em 1882, “numa época em
que havia tensões entre a Igreja e o Estado quanto ao controle da instrução, e os
setores alto e médio da sociedade hesitavam sobre a instrução das massas”
(GUIBERNAU, 1997, p.76). Na Espanha, também havia a oposição da Igreja quanto
à alfabetização pública e à educação feminina com o pretexto de que o povo, sendo
20
ignorante, manter-se-ia em estado de graça”, pois não seria exposto às doutrinas
heréticas” (GUIBERNAU, 1997, p.78). Mas, apesar dessas tensões, o crescimento
do público leitor levou à difusão de ideias que, por fim, corroeram o poder do clero e
da nobreza.
Em princípio, a democratização do ensino rompeu as barreiras do antigo
regime, ou seja, a educação que antes era controlada pelo clero e acessível apenas
às elites passou a ser também acessível às camadas populares da sociedade. Mas,
como uma resposta àquela diversidade histórica que os nacionalismos assumiram
como vimos no item anterior, posteriormente esse aspecto democrático da educação
tamm foi acoplado um uso manipulador: o sistema educacional tornou-se um forte
aliado do Estado moderno no intuito de controlar e homogeneizar a populão.
Dessa maneira, a escola passa a ter duas funções primordiais: a de socializar o
indivíduo em um ambiente no qual estará destinado a viver e a de cultivar uma
cultura comum, que em termos de nacionalismo se torna indispensável. Assim, tudo
o que esligado à educação deve estar diretamente ligado ao Estado, que decide
quais os conhecimentos e ideologias devem ser difundidas:
A escola é uma instituição educativa: esforça-se por colocar em ação os
meios mais eficazes para alcançar as finalidades educativas perseguidas
pela sociedade. Transmite à criança modelos explicitados e estilizados de
comportamento, isto é, modelos mais puros, mais esquematizados, do que
aqueles que a criança adquire através de contato social direto. Ensina as
crianças a se controlar, isto é dominar seus impulsos sexuais e agressivos,
e facilita a sublimação inculcando-lhes certos ideais. Explica-lhes direta e
indiretamente o que é sociedade, como ela funciona e quais são os deveres
dos cidadãos. Em suma, a escola visa a uma transmissão mais eficaz dos
modelos e das normas de comportamento, dos fundamentos éticos do
controle pulsional e das ideias sócio-políticas (CHARLOT, 1979, p.19).
A escola tem um papel muito importante em termos de homogeneizão e
difusão de ideologias; como exemplo do poder do Estado, podemos citar a França;
em 1789, seis milhões de pessoas falavam outras nguas no país, mas depois de
1792, segundo Guibernau (1997, p.80), ocorreu uma mudança de atitude na
tentativa de estabelecer “um povo, uma nação, uma língua”. Dessa forma, o Estado
utilizou seu poder de impor uma língua e expandi-la por meio de um sistema escolar,
intensificando a alfabetização e a intolerância com outros dialetos, que o francês
representava a civilização e o progresso. Esse tipo de homogeneização também
ocorreu em outros países europeus e, como veremos adiante, também influenciou o
sistema educacional brasileiro nos séculos XIX e XX. Hobsbawm (2002, p.77)
21
tamm concorda que a língua cultural oficial dos dominantes e da elite
frequentemente transformou-se na língua real dos Estados modernos via educação
pública e outros mecanismos administrativos”, além de salientar sobre a importância
da invenção da imprensa e o surgimento do livro impresso como elemento essencial
para a difusão de uma língua comum.
Mas, ao mesmo tempo em que impor uma língua por meio da educação
pode parecer arbitrário, tamm temos que reconhecer-lhe outra consequência: o
fator crucial nesse processo de homogeneização do dialeto foi que a mesma língua
falada e escrita pelo clero, por integrantes do governo e intelectuais tornou-se a
mesma que o povo falava e escrevia, ou seja, uma língua nacional era comum a
todos independente de classe social. Além disso, a homogeneização do dialeto
fortaleceu a ideia de nação dentro das comunidades; a figura de uma pessoa que
escrevia ou lia, em geral uma notícia ou história, para um determinado grupo que
compreendia e identificava a língua como sua, tornou-se muito comum no século
XIX. Esse fato remete à ideia de se formar uma comunidade na qual seus membros
fossem identificados facilmente por sua capacidade de se comunicar entre si,
criando um sentimento de nação. Fazer parte do grupo significava, em primeiro
lugar, ser capaz de ser compreendido e compreender o outro e a falta de
conhecimento da língua poderia ocasionar isolamento.
Também é importante ressaltar que por meio de um sistema educacional
a cultura
9
que antes era apenas privilégio de um limitado grupo de clérigos ou
juristas e torna-se o pressuposto de toda a participação social, da cidadania moral.
Segundo Gellner (1998) uma cultura comum torna-se extremamente importante, ou
seja, uma cultura cujos membros foram ensinados por um sistema educacional a
formular e a compreender mensagens livres de contexto, num idioma comum:
É esta nova importância de uma cultura comum que faz das pessoas
nacionalistas: a coerência da sua cultura com a das burocracias políticas,
econômicas e educativas que as rodeiam torna-se o fato mais importante
das suas vidas. m que se ocupar dessa coerência, de a conseguir e de a
proteger; isso torna-as nacionalistas. A sua principal preocupação política
deve consistir em serem membros de uma unidade política que se
9
A primeira tentativa de eliminar o caráter aristocrático da cultura coube ao Iluminismo. Ele propôs-se
a difusão máxima da cultura, que deixou de ser considerada patrimônio dos doutos para ser
instrumento de renovação da vida social e individual (Abbagnano, 2007, p.263).
22
identifique com sua linguagem e garanta a sua perpetuação, utilização,
defesa. É isso o nacionalismo (GELLNER, 1998, p.6).
Dessa forma, o desenvolvimento de dialetos unificados e de culturas
nacionais difundidas por meio da imprensa e da educação desempenhou um papel
decisivo na criação da imagem de se pertencer a uma comunidade, que a
consciência nacional é proveniente de valores, tradições e lembranças
compartilhadas, contidas em uma cultura particular que é pensada e falada em uma
língua particular. A partir do século XIX em diante, a expansão da educação foi
fundamental na difusão das ideologias nacionalistas. Segundo Hobsbawm, a
maioria dos estudiosos, hoje, concordaria que línguas padronizadas nacionais,
faladas ou escritas, não podem emergir nessa forma antes da imprensa e da
alfabetização em massa e, portanto da escolarização em massa” (HOBSBAWM,
2002, p.19). Se voltarmo-nos ao estudo da história da educão nesse período,
perceberemos que:
A maior função da escola moderna foi ensinar um novo patriotismo além
dos limites naturalmente conhecidos por seus pupilos. A escola foi, a
princípio, um agente de socialização. A mensagem era comunicada com
maior eficiência juntamente com a leitura e a escrita. A tarefa da escola
incluía não sentimentos nacionais e patrióticos, como firmava a unidade
numa nação muito dividida em regiões, culturas, línguas e duradouras
divisões sociais de classe e de riqueza. Ensinar a ler e a escrever envolvia
constante repetição do catecismo cívico-nacional, em que a criança era
impregnada de todos os deveres que dela se esperavam: defender o
Estado, pagar impostos, trabalhar e obedecer às leis (GRAFF, 1987, p.
265).
Além da padronização do dialeto nacional, a escola tamm tinha a
função de difundir conhecimentos específicos a fim de fortalecer a nação. As
ideologias nacionalistas eram “embutidas” nos conhecimentos escolares visando
desenvolver um projeto educativo e ideológico que via no texto infantil e na escola
aliados para a formação de cidadãos. Lajolo e Zilberman (1984) citam como
exemplo disso dois livros escolares europeus os quais ilustram a inserção de temas
nacionais em textos escolares: a obra francesa Le tour de La France par deux
garçons, do escritor G. Bruno de 1877 e a obra Cuore, do escritor italiano Edmond
De Amicis de 1886.
O primeiro conta a história de dois meninos órfãos (Julien e And) que
viajam em busca da reconstrução de seus los familiares; com essa viagem eles
aprendem muitas coisas sobre a França e as atividades que enriquecem o país,
23
além de trazer a grande lição: “a de que o trabalho, o amor à pátria e a dedicação à
família são os penhores da felicidade” (LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p.33):
Tudo isso lhes serve de aprendizagem e reforço do sentimento nacional. De
resto, o patriotismo é também alimentado pelo conhecimento dos grandes
homens e das grandes obras francesas, com os quais vão ambos
familiarizando através de um livro que carregam consigo. A aprendizagem
do modo “Dever e Pátria”, por sua vez, somente se completa quando os
meninos aprendem igualmente a solidariedade que, em relação a eles,
demonstram todos os compatriotas com que cruzam no decorrer de sua
longa viagem (LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 33).
O segundo livro, Cuore, é a história de um garoto contada em primeira
pessoa em forma de diário, escrito ao longo do período letivo, contando episódios
cotidianos domésticos e escolares. Da mesma forma que a obra francesa de G.
Bruno, Cuore aborda temas como: amor e respeito à família e aos mais velhos,
dedicação aos mestres e à escola, piedade pelos pobres e fracos; mas, sobretudo, a
temática do patriotismo se sobressai em relação às demais e o amor à Itália é tão
intenso e exacerbado que, não raro, o preço do patriotismo exemplar é a mutilação e
a morte, heroica ou anônima nos campos de batalha” (LAJOLO; ZILBERMAN, 1984,
p.33).
Em ambas as obras esse compromisso cívico patriótico na forma de
cartilhas de nacionalidade; os leitores ao se depararem com personagens praticando
comportamentos modelares (exercendo o amor à pátria e à família, a obediência e
prática das virtudes civis) deveriam encher-se desse mesmo sentimento, que os
levariam a imitar” os protagonistas em situações cotidianas. Nesse ponto, a
intenção homogeneizadora e ideológica dos livros inculcavam ideais padronizados
de comportamento que deveriam servir de exemplo ao pequeno leitor.
Esse conjunto de representações (ideais, valores, normas, regras de
conduta), “indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que
devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem
valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como
devem fazer” (CHAUÍ, 1980, p.113). Assim, essas ideologias inseridas nos livros têm
a função de ocultar as diferenças sociais e fornecer aos membros da sociedade o
sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de
todos e para todos, como, por exemplo, Igualdade, Liberdade, Humanidade, Nação
ou Estado.
24
O uso do sistema educacional para a difusão de ideologias nacionalistas
não aconteceu só na Europa. No Brasil, a educação também foi muito importante em
termos de nacionalismo; no entanto, a ideia de expandir a educação popular
coma a emergir a partir da Proclamação da República (1889). Da mesma forma
como ocorreu em alguns países europeus, a democratização do ensino trouxe
primeiramente a ideia de rompimento com o antigo regime, no qual apenas as elites
tinham o direito à educação; posteriormente, esta também foi utilizada pelo Estado
como veículo de controle e de difusão das ideologias nacionalistas. Dessa maneira,
junto à necessidade de democratização do ensino, em virtude do analfabetismo
generalizado no final do culo XIX, surge também a necessidade da
implementação de uma educação nacional, capaz de regenerar a nação; assim a
educação pode ser vista tanto pelo viés democtico, quanto pelo viés
homogeneizador.
A inserção de temas nacionais nos livros escolares, assim como foi na
Europa, aconteceu também no Brasil a partir da República. Na verdade, houve a
adaptação do modelo europeu para o Brasil. Da mesma maneira, como veremos
adiante, temas nacionais foram inseridos nos livros escolares brasileiros,
demonstrando a crença na reprodução passiva de comportamentos, atitudes e
valores que os textos deveriam inculcar nas crianças.
1.3 Nacionalismos e Cultura nacional no Brasil
A forma inicial do nacionalismo brasileiro surgiu como um movimento
contra o colonialismo, empenhado na luta pela independência; depois, tornou-se um
discurso político empregado pelos novos dirigentes na tentativa de construir uma
nação, de criar uma unidade e dar legitimidade e autoridade ao Estado herdado da
época colonial. O nacionalismo brasileiro emerge da elite e depois, por meio da
educação e do desenvolvimento dos meios de comunicação, é que ele chega às
massas, o que seria desnecessário se fosse considerado um movimento
espontâneo. Por isso, podemos afirmar que, no Brasil, ele foi imposto de cima para
baixo, ou seja, um movimento político e intelectual das elites e não um movimento
popular como foi na França.
25
Com a independência (1822) foi plantada a primeira semente do
nacionalismo brasileiro; no entanto, as elites continuaram a ser formadas pelos
grandes proprietários da terra e que exploravam o trabalho escravo. Mas, a partir da
segunda metade do século XIX, a vida urbana começa a se desenvolver e entre os
senhores e os escravos surge uma classe intermediária, a pequena burguesia; e é
no seio dessa nova classe que o nacionalismo brasileiro encontra clima e ganha
força. Apesar disso, nas três últimas décadas século XIX, muitas mudanças
aconteceram no Brasil além das que ocorriam nas últimas décadas do Império,
como melhoramentos urbanos, crescimento da indústria e da lavoura cafeeira, fim
do trabalho escravo e surgimento do trabalho assalariado, que ensejaram profundas
alterações sociais e colocaram o Brasil no rumo da modernização. Essa época foi de
importantes transformações no campo político e econômico:
As instituições políticas brasileiras, tomadas com o advento da República,
segundo o modelo burguês mais avançado, procuravam conciliar seu
liberalismo literal com a realidade do poder mantido pelas oligarquias, isto é,
a classe que mantinha o monopólio da terra, o latifúndio. Para as novas
necessidades políticas, tratava-se de alterar a realidade, aproximando-a da
letra constitucional, isto é, de destruir ou limitar a participação das
oligarquias no poder; ou, de outra forma, tratava-se de ampliar a
participação da burguesia no poder. Para realizar essa ampliação, era
preciso dar realidade ao liberalismo constitucional. E a burguesia só poderia
operar essa conquista política se conseguisse apoio da pequena burguesia
e na classe trabalhadora (no campo e na cidade), mantendo em relação a
esta, entretanto, extrema vigilância (MOTTA, 2000, p. 56).
Então, se pensarmos na origem, a nação carrega uma conotação
democrática, que remete à ideia de pertencer a uma determinada comunidade
política, que traz também a ideia de igualdade e cidadania; mas, no Brasil, o apelo à
ideia de nação significa algo muito diferente: significa basicamente a submissão ao
Estado. Visto nessa perspectiva, o nacionalismo carrega consigo o pensamento
autoritário, com argumentos a respeito de se impedir a fragmentação do país,
garantindo a unidade nacional, ou seja, para preservar a nação é preciso impedir a
diferença. “Despreparado o povo, só um governo forte e centralizado é capaz de
garantir esta unidade” (MOTTA, 2000, p. 38). Pensando nesse aspecto, a defesa
dos interesses nacionais não seria necessariamente a defesa do povo, mas sim a
defesa do Estado Nacional, isto se deve ao papel desempenhado pelo mesmo como
promotor do desenvolvimento da nação brasileira.
26
No caso do Brasil, como vimos, o cunho autoritário predominou
historicamente sobre as práticas democráticas, que nossa revolução não teve
origem popular como a Revolução Francesa. Dessa forma, podemos afirmar que os
nacionalismos brasileiros acompanham a organização dos nacionalismos da Europa
que exigem um passado comum, uma continuidade histórica que muitas vezes pode
se aproximar do mito. Mas, ao admitir os moldes europeus, tamm é importante
salientar que os nacionalismos se procederam de maneira muito diversa em virtude
de nosso passado colonial e nossa pluralidade cultural e étnica.
As tentativas de formação de uma cultura nacional surgiram no Brasil
apenas com a Independência (1822), trazendo a ideia de libertação e rompimento
dos laços de dependência. Foi a partir dali que as elites comaram a pensar em
uma cultura brasileira que nos diferenciasse de Portugal, buscando um passado
independente da metrópole. A cultura nacional é historicamente construída de
acordo com determinada comunidade, que possui significados e reflete o mundo
vivido pelo grupo e, dessa forma, pode causar um senso de identidade. A cultura é
resultado de um longo processo de seleção de memórias partilhadas por gerações
que permitem a identificação e a criação de laços de solidariedade entre os
membros da mesma comunidade.
Assim sendo, não creio que se possa considerar “nacional” a cultura que
se difundiu no período colonial nas elites, pois esse pôde ser considerado neutro em
relação à formação de uma cultura nacional. Nessa época, a cultura desfrutada era
nitidamente europeia e muitas vezes inspirada em uma ideologia católica. A cultura
jestica, por exemplo, imposta pelo ensino religioso buscou substituir a cultura
indígena por outra (europeia e cris) de acordo com os ideais missionários; tamm
foram os jesuítas que educaram os primeiros intelectuais da colônia, que herdaram a
erudição livresca.
Outro exemplo dos processos autoritários pelos quais no período colonial
implementou-se violentamente as bases de uma cultura comum es vinculado
tamm à padronização da língua. Até meados do século XVIII os habitantes da
colônia falavam a denominada “língua geral”, o Tupi, reservando a língua oficial, o
português, para as camadas mais cultas. Com a expulsão dos Jesuítas, em 1759, o
Tupi foi proibido pelo Marquês de Pombal, para favorecer a língua da metrópole.
Segundo Gauer (2001, p. 200), o Alvará de 30 de setembro de 1770 declarava que
“a correção das línguas nacionais é um dos objetivos mais atendíveis para a cultura
27
dos povos civilizados”. Dessa forma, vemos que a própria legislação criou condições
para a vitória da ngua portuguesa no Brasil. Essas informões são relevantes,
uma vez que a homogeneização, seja da língua, seja da cultura, foi feita de forma
autoritária e baseada na superioridade europeia.
Em termos de formação de uma cultura nacional no Brasil, o
romantismo
10
indianista pode ser considerado uma das primeiras manifestações ou
tentativas de se construir uma cultura brasileira; assim, no Brasil, a literatura se
diferencia da portuguesa depois da independência; ser bom, literariamente,
significava ser brasileiro; “ser brasileiro significava incluir nas obras o que havia de
específico do país, notadamente a paisagem e o aborígene” (CÂNDIDO, 1985,
p.80). Para Leite, o nascimento do nacionalismo europeu coincide com a
independência das colônias sul-americanas. Para o autor, a ideologia que preside a
esse movimento de independência e ao seu fortalecimento é nitidamente importada
da Europa; por isso, os temas de nossa independência são pautados nos moldes
europeus:
[...] a volta à tradição pregada pelo nacionalismo europeu aqui
encontrará um símile na volta ao passado colonial, às vezes na celebração
do indígena. A relação entre natureza e o homem será apresentada ou
suposta de várias maneiras. Em vários períodos de nossa história
intelectual vem à tona o tema de uma língua brasileira, a única na qual o
brasileiro poderia exprimir-se e que, ao mesmo tempo, já seria expressão
de nossas características mais autênticas. Se acompanharmos os escritores
brasileiros do século XIX sobretudo os políticos, os cronistas e os críticos
veremos como aos poucos se constituíram os símbolos e os mitos que
justificavam e explicavam a nacionalidade; como Tiradentes aos poucos
emergiu para a história e as comemorações patrióticas como 7 de Setembro
acabou por constituir em data nacional, como os brasileiros chegaram a
formar uma imagem nacionalista do Brasil (LEITE, 1976, p.32).
Diante da missão de construir uma cultura nacional que fortalecesse a
nação, estavam, pois, os intelectuais; estes falavam e escreviam como se
pertencessem à elite, com que no fundo desejavam identificar-se. Os estudantes
vinham da elite da sociedade rural ou da pequena burguesia que desejava ascender
às camadas superiores, mas mesmo com acesso à leitura, por mais que se
identificasse com as ideologias desenvolvidas na Europa, não tinha como se
comparar à burguesia europeia ou norte-americana, politicamente e
economicamente bem diferentes da realidade brasileira na época.
10
O ano mais convencional para o aparecimento do Romantismo no Brasil é 1836.
28
Tal sentimento de inferioridade também pode ser visto no âmbito da
atividade literária brasileiro. Era o escritor que tinha a tarefa de produzir cultura,
portanto, era visto como um militante inspirado da ideia nacional; “a melancolia, a
nostalgia, o amor à terra foram tidos como próprios do brasileiro; foram considerados
nacionais a seu modo, de valor quase cívico, e frequentemente inseparáveis do
patriotismo” (CÂNDIDO, 1985, p.81). O público leitor, pouco numeroso na época,
passou também a exigir a brasilidade como critério de aceitação e reconhecimento
de suas obras. Mas, ao mesmo tempo em que se buscava uma identidade literária,
os escritores enfrentavam constantes obstáculos, entre eles o sentimento de
inferioridade em relação aos países desenvolvidos, nos quais as civilizações foram
formadas em condições geográficas e culturais bem distintas das nossas. Diante
disso:
O intelectual brasileiro, procurando identificar-se a esta civilização, se
encontrava, todavia, ante particularidades de meio, raça e história, nem
sempre correspondentes aos pades europeus que a educação lhe propõe,
e que por vezes se elevam em face deles como elementos divergentes,
aberrantes (CÂNDIDO, 1985, p.110).
Para superar essa situação, a literatura após a Independência valorizou a
paisagem e o aborígene. Na República, ao contrário, os nacionalismos estarão mais
focados no progresso do país ressaltando a ciência, a raça, civilização, o progresso,
o regime republicano, a imigração e regeneração nacional. Ao contrário do período
da Independência, em que as elites buscavam identificar-se com os nativos (índios e
mamelucos), manifestando desejo de ser brasileiro, no período republicano, essa
relação se torna de oposição, ou seja, “um desejo de ser estrangeiros” (SEVCENKO,
1983, p.36).
Nesse período foi mais intensa a manifestação do movimento nacionalista
em relação àquele período posterior à Independência, visto que a República trouxe
para o Brasil a ânsia pelo progresso fruto dos ideais de modernização e crescimento
do país. O novo regime político levou os intelectuais a discutirem sobre a
modernização e os “grandes temas nacionais” como o incentivo à industrialização e
o combate ao analfabetismo generalizado, visto que a ignorância do povo era
incompatível com o espírito de progresso da Nação.
Entretanto, mesmo com a República, até o final do século XIX, segundo
Sodré (1972, p.49), da parte da camada culta ainda existia a ideologia do
colonialismo, que justificava a expansão colonialista e também a dominação. Dessa
29
forma, justificavam-se as desigualdades sem entrar em conflito com os ideais
nacionalistas da época:
Identifica-se como ideologia do colonialismo o conjunto de preconceitos
que, justificatórios da dominação e da exploração colonialista, pretendem
constituir os suportes científicos dessa dominação e exploração. O mais
divulgado deles, o que mais se difundiu e vulgarizou originado do
antropocentrismo que pretendeu constituir a raiz das ciências da sociedade,
foi o fato da superioridade racial: a dominação colonialista correspondera,
naturalmente, à superioridade dos homens das raças europeias,
particularmente nórdicas, sobre os homens de outras raças, particularmente
as de cor negra e as indígenas americanas (SODRÉ, 1972, p. 49).
A temática racial constantemente permeia debates acerca da
nacionalidade brasileira após a independência, inclusive refletiu na literatura e mais
adiante nos livros escolares nacionais, enfatizando a superioridade da “raça branca”.
Partindo desse princípio, os índios eram por natureza genética inaptos para o
trabalho por serem preguiçosos; os negros eram aptos ao trabalho, mas apenas
braçais, ou seja, eram caracterizados como incompatíveis às atividades intelectuais;
estas eram destinadas às raças ditas “superiores”, que estavam por natureza
destinadas a dominar e governar.
Somado a este fato, também surgiam justificativas científicas que
classificavam os países tropicais inaptos para o trabalho e os países frios como
superiores, propícios para o labor. Dessa maneira, tamm se justificava a atitude
predatória dos países industriais em relação à colônia. Estes, por o terem
condições de produzir devido às condições climáticas, usavam o argumento da
inferioridade da colônia (incompatível com a civilização) para legitimar a exploração.
Aliados a todos esses preconceitos estavam as teorias científicas que davam valor
de verdade a todos eles; essas ideias foram também aceitas pelos intelectuais
brasileiros da época que produziriam a cultura nacional.
A literatura, nas três últimas décadas do século XIX, teve um papel muito
importante como veículo difusor dos ideais republicanos e progressistas, criticando o
trabalho escravo e buscando uma identidade literária brasileira. Neste clima de
mudança, de construção da sociedade e de progresso, temas sociais como a
educação, o trabalho, as raças e o desenvolvimento da nação eram comuns entre os
escritores.
30
No que toca à literatura, surge uma série de escritores que, esteticamente,
romperão com o modelo de arte romântica. A eles se atribuirá o nome de
geração de 1870. A data é sintomática: ano da fundação do Partido
Republicano. Concebendo a literatura como veículo de divulgação das
novas ideias vinculadas ao Positivismo e ao determinismo biológico, como
também à ideologia liberal, a interação dessa geração é modernizar a
sociedade por meio de uma compreensão crítica de nossa história e de
programas afeitos às concepções pedagógicas europeias daquele momento
(FRITZEN, 2007, p. 93).
A mobilização intelectual da Geração de 1870 deve ser vista como parte
do turbilhão social e político que marca o período. Os protagonistas dessa geração
eram vistos como porta-vozes da nascente burguesia urbana que emergiu de
setores médios da sociedade, criticando o sistema socioeconômico baseado na
escravidão e as instituições imperiais. Na verdade, eram grupos descontentes com o
modo cultural e político do Império e utilizavam manifestações intelectuais como
forma de atuação política. O que faz com que esta gama de intelectuais seja
considerada uma “geração é justamente a visão crítica frente ao status quo da
sociedade imperial.
Assim, o papel desempenhado pela Geração de 1870 era de defender as
propostas reformistas, que achavam que o sistema imperial era incapaz de enfrentar
os desafios da modernização do país. Em face dessas sucessões cumulativas de
crises econômicas que assinalaram a evolução de toda a Primeira República, a
literatura também reagia contra as propostas românticas sob influência do
positivismo; o índio e a natureza que antes eram exaltados nas obras românticas,
dão lugar a cenários focados em centros urbanos, com ênfase no ambiente social.
Mas, a fragmentação dessa geração resultou em vários outros grupos os quais
manifestam diferentes nacionalismos que, ora apresentavam-se de forma crítica, ora
ufanista. Por isso, durante a Primeira República, não uma homogeneidade de
pensamento entre os intelectuais.
31
2 A PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930) E A EDUCAÇÃO
Neste capítulo discorro sobre a situação do país na Primeira República
(1889-1930), principalmente dando ênfase à educação; sobre os ideais nacionalistas
dos intelectuais da época, os quais acreditavam que a educação seria a solução
para os muitos problemas enfrentados no referido período e sobre os livros de leitura
como aliados na difusão dos ideais progressistas, seus autores e obras.
2.1 Situações do País e da Educação Brasileira
As duas últimas décadas do período imperial
11
já demonstravam crise no
sistema político. Os ideais republicanos e abolicionistas, além dos setores médios da
sociedade, agora atingiam também a burguesia e o Exército; em função disso,
abrem-se caminhos para o fim do antigo regime e a instauração da República.
Desde 1870, as cidades cresciam de forma acelerada, o que ocasionou o surto
industrial que consequentemente atraiu mão-de-obra tanto de brasileiros quanto de
imigrantes.
A vida nas cidades é exaltada e torna-se atração para os setores agrários.
O Positivismo, importado da Europa, marcou profundamente as ideologias da época
e, apoiado na ciência, correspondeu à consolidação do poder político da burguesia
industrial; o pensamento positivista acreditava que apenas o progresso material
seria suficiente para eliminar os males sociais: “Ordem e progresso” foi um de seus
temas. Dessa forma, nesse período, o país é cenário de tensões provenientes do
processo de modernização, consequência da superação do regime morquico e do
modelo agrário exportador pela implantação da República e expansão do
capitalismo e do desenvolvimento industrial.
Em virtude do processo de modernização, que tinha como foco a ciência
e a industrializão, criaram-se novos ambientes e destruíram os antigos, inserindo
as pessoas em um novo mundo. Com o crescimento urbano repentino e
desordenado, os mais penalizados são, principalmente, os indivíduos pertencentes
às classes desfavorecidas da sociedade. No campo das ideias, o então dominante
pensamento católico coma a perder forças frente ao positivismo e às ideias
11
O Período imperial no Brasil foi de 1822 até a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
32
liberais, as quais exercem grande influência na libertação dos escravos e na
Proclamação da República. A imprensa, que começa a se desenvolver com mais
força nesse período foi o principal veículo para a difusão dos ideais republicanos.
Mas, um dos fatos relevantes acerca do período histórico em questão é que a
República foi proclamada por determinados setores das classes médias, que
justamente por serem médias”, não poderiam manter-se no poder; este pertencia
historicamente aos fazendeiros. Assim, “as ilusões dos republicanos românticos se
desfizeram com a dura realidade: a República não era aquela deusa sem cula
com que sonhavam” (BASBAUM, 1975, p. 43).
O sistema das grandes propriedades continuou sendo na República,
assim como foi no Imrio, o único sistema de posse e exploração da terra. Durante
o período republicano, o progresso foi exaltado; a exportação alcançava seu
apogeu, enchendo assim os bolsos dos fazendeiros. O novo regime havia se
transformado na classe das oligarquias e já tinha perdido sua base ideológica inicial
que os intelectuais lhe haviam querido dar. “Era agora apenas um negócio montado
em benefício exclusivo de alguns milhares de fazendeiros” (BASBAUM, 1976,
p.173).
O federalismo autonomia aos estados, criando distorções com o
crescimento desigual que favorece São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro, onde prevalecem os interesses dos fazendeiros de café. A política
reflete a influência dos “coroneis”, havendo inclusive alternância no poder,
dos líderes paulistas e mineiros (“a política do café-com-leite”). Desta forma,
a República Velha é também conhecida como República do Café, República
dos Coroneis ou República Oligárquica (ARANHA, 1989, p.40).
Com a abolição, imigrantes começaram a vir para o Brasil a fim de
substituir a mão-de-obra escrava; este fator contribuiu na formação do povo que se
tornou mais visível a partir do início do século XX. Mas que era povo na Primeira
República? Eram todos aqueles que não viviam do trabalho de outrem, ou seja, os
trabalhadores, que eram a maioria da população. Mas, a classe trabalhadora no
referido período era apenas uma expressão numérica, sem participação política na
vida nacional. A classe média é mais ativa em termos de luta contra o predomínio da
propriedade privada. Aristides Lobo, cronista da época, comenta sobre a situação do
país:
33
A burguesia é a classe mais acomodada e, subservientemente, vive do
beneplácito dos homens do poder. Essa situação leva a um regime em que
é mínima a participação política dessas classes. O governo é a
representação de uma apenas; outras vivem em processo de
marginalização (LOBO, 1938 apud CARONE, 1988, p.376).
Como já vimos, para atender aos reclamos das novas condições de
trabalho, houve a abolição; no entanto, os negros praticamente foram jogados à rua,
sem terra, sem qualquer instrução e o que é mais importante: sem possibilidades de
adquirir o mínimo para a sua sobrevivência. Segundo Carone:
Ao abandonar as zonas rurais, após a libertação, os negros invadiram as
cidades, principalmente o Rio de Janeiro, onde se acoitavam [...]. Os
poucos que tinham alguma profissão faziam biscates, comiam e dormiam
onde era possível. Os outros se transformaram em “marginais”, vivendo do
roubo ou da caridade pública, embriagando-se para afinal serem vitimados
pela tuberculose. Durante muitos anos o problema de integração racial foi
mais importante para ele que o da integração social. Depois da abolição o
negro passou a sentir mais os prejuízos da cor que a exploração de classe.
Para ele todos os males lhe provinham do fato de ser negro e não de ser
proletário (CARONE, 1988, p. 180-181).
O povo que estava ausente na participação política do país também es
ausente da cultura nacional, assim como foi durante a escravidão. Os escritores
brasileiros escreviam seus livros pensando na França, já que no início do século XX,
Paris havia se transformado em centro do mundo:
[...] o espírito francês atraía todas as atenções para as artes, para as
ciências, para a alegria de viver. Reinava La Belle Époque. A burguesia,
bem instalada no poder, acreditava haver atingido a mais alta perfeição
possível nas sociedades humanas, sonhada pelos homens e desejada por
Deus (BASBAUM, 1975, p.51).
Em relão ao ensino na Primeira República, podemos considerar algum
progresso em relação ao período imperial; a primeira tentativa de sistematização do
ensino surgiu depois da independência por volta de 1834. Em 1837, surgia o Colégio
Pedro II; era, pois, uma educação destinada à preparação de uma elite. Como
vimos, muitas mudanças ocorreram no Brasil, principalmente com o advento da
República, assim, idealizou-se a construção de um sistema educacional padronizado
em função dos ideais republicanos e das novas exigências com a urbanização e a
industrialização, diferentemente do período imperial, que, em relação às instituições
escolares, foi caracterizado como um momento crítico; havia poucas instituições,
34
desligadas umas das outras e que atendiam, em sua maioria, apenas às minorias
brancas da elite brasileira.
Campanhas a favor da difusão da escola primária foram organizadas. Eram
lideradas por políticos que, enquanto tais, reconheciam a necessidade da
difusão especialmente da escola primária como base da nacionalidade, o
que fez com que alguns defendessem não só o combate ao analfabetismo,
como também a introdução da formação patriótica, através do ensino cívico
(RIBEIRO, 1988, p. 75).
Desse modo, em 1890 foi decretada a Reforma de Benjamin Constant,
colocada em prática no ano seguinte; a mesma tinha como metas centrais a
liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária
12
. O
novo regime político levou os intelectuais a alimentarem o clima de progresso,
renovação e modernização, bem como a discussão de temas como democracia,
incentivo à industrialização e a instrução do povo, visto que a ignorância da
população era incompatível com o espírito de progresso da Nação. A seguir estão os
índices de analfabetismo da população brasileira para pessoas de todas as idades:
Tabela 1: Índices de analfabetismo da população brasileira para pessoas de todas
as idades em todo país
Especificação
Total
14.333.915 17.388.434 30.635.605
Sabem ler e escrever
2.120.559 4.448.681 7.493.357
Não sabem ler e
escrever
12.213.356 12.939.753 23.142.248
% de analfabetos
85 75 75
Fonte: Instituto Nacional de Estatística, 1936, p.43
Segundo Basbaum (1975, p.194), em 1907 havia 12448 escolas primárias
entre oficiais e particulares e se em 1889 os alunos matriculados correspondiam
perto de 12% da população em idade escolar, em 1930 tal porcentagem havia
subido para 30%:
Na verdade esses números exprimem muito pouco a realidade. O que
realmente importa é saber que em 1930 o nosso país figurava nas
estatísticas, em matéria de alfabetização entre os mais atrasados do
mundo, ao lado da Índia, do Egito, do Paraguai e do Equador, com 75% de
analfabetos (BASBAUM, 1975, p.194).
12
A escola primária ficava organizada em grau (para crianças de 7 a 13 anos) e grau (para
crianças de 13 a 15 anos). A escola primária de grau abrange três cursos: o elementar (7 a 9
anos); o médio (9 a 11 anos); e o superior (11 a 13 anos).
35
Diante desses números, podemos ver que a ampliação do ensino primário
foi considerável, no entanto a melhora foi apenas quantitativa, visto que as camadas
mais pobres da população brasileira em idade escolar continuavam excluídas da
escola. Isto, segundo Ribeiro (1998, p.78), entra em choque com o próprio ideário
republicano de um regime de participação política, onde um mínimo de
escolarizão comum era necessário, o que no início do século XX, havia sido
obtido por algumas monarquias burguesas europeias. Em face das transformações
sociais e econômicas do Brasil e dos números que elucidam nosso atraso em
matéria de educação, houve a necessidade da contínua expansão do ensino
primário, que as técnicas de leitura e escrita tornaram-se instrumentos
fundamentais para a integração em tal contexto social.
O choque, no entanto, ocorre, uma vez que, como foi assinalado, o novo
aparelho do Estado foi colocado a serviço de antigos interesses. Faltava à
sociedade brasileira um modelo de desenvolvimento eminentemente
nacional e popular. A própria base industrial, que agiu como elemento
pressionador da abertura da escola elementar, o existia na Primeira
República (RIBEIRO, 1998, p.78).
Em relação ao ensino secundário, se houve alguma ampliação, foi no
ensino particular. Isto revela que havia insuficiência da iniciativa oficial em ampliar
este nível de ensino, sendo que apenas as elites o frequentavam. Abaixo está a
tabela do número de escolas e matrículas no ensino público secundário:
Tabela 2: Número de escolas brasileiras e matrículas no ensino público
secundário entre 1907 e 1912
ESCOLAS
MAT
CULA
1907 1912 1907 1912
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
TOTAL
2
23
3
31
2
21
3
26
529
3043
365
3937
361
2193
422
2976
Fonte: Ribeiro, 1998, p.77.
Esse descaso tanto com o ensino primário quanto pelo ensino secundário
revela que a educação, assim como foi no Império, foi na República privilégio
apenas para as minorias. O fato de as escolas secundárias serem
predominantemente particulares mostra que obviamente apenas os setores altos e
36
médios da sociedade podiam-no frequentar. Na verdade, era um degrau para o
curso superior, que na época tornou-se mania generalizada: o bacharelismo; ser
doutor era, senão um meio de enriquecer, uma forma de ascender socialmente.
Como vimos, nesse período histórico houve várias tensões e em meio a
discussões de “grandes temas nacionais” emergem movimentos ideológicos
desenvolvidos pelos intelectuais das elites do país. Os movimentos em prol da
educação insistiam na ideia de que a chave de todos os problemas sociais,
econômicos, políticos e outros poderiam ser resolvidos por meio da difusão da
instrução para as camadas populares da sociedade. A escola deveria fazer parte da
vida nacional, na formação de um povo ordeiro e civilizado, ou seja, a reforma da
sociedade pela reforma do povo. Esses movimentos influenciaram muito os
intelectuais da época, misturando-se ao surto de patriotismo que ocorreu na
transição do Império para a República.
Com o novo regime político, o sentimento de patriotismo e de Nação
tomou conta de uma grande parte de intelectuais que trouxeram à tona questões
sobre o progresso do país e da educação elementar ao povo, visto que o
analfabetismo popular, como vimos anteriormente, era generalizado na época. No
entanto, percebe-se que a educação popular na Primeira República, apesar de ter
evoluído em relação ao Império, caminhava a passos lentos, marginalizando boa
parte da população brasileira dos benefícios advindos da escolarização.
2.2 Os Intelectuais e os Ideais Nacionalistas: a Educação como Panaceia
Podemos afirmar que foi a partir da Primeira República (1889-1930) que
se fortaleceu o debate político em torno da educação popular. Entre os intelectuais
reinava a ideia de que o Brasil não se desenvolvia como nação, em virtude do
analfabetismo que por ali reinava; a expansão da educação para o povo tornava-se
cada vez mais distante, contrastando com a educação voltada às camadas mais
favorecidas. Assim, a democracia, tão esperada pelos republicanos, via-se cerceada
pelos interesses da elite. Nesse período, foram feitas muitas reformas educacionais
em virtude do novo regime político. Mas, isso não pode ser entendido como
expansão democrática do ensino. A Constituição Republicana de 1891, baseada nos
ideais liberais norte-americanos, introduziu o princípio federalista, ou seja, os
estados passaram a organizar-se por leis próprias, desde que respeitando a carta
37
magna. Mudanças como estas recaiam diretamente sobre a formação do sistema de
ensino do país.
No período em questão, não havia políticas blicas eficientes nem
ministério específico para a educação que promovessem a permanência das
crianças nas escolas; a esse quadro se somam os diversos preconceitos raciais e de
gênero que agravaram ainda mais os avanços no desenvolvimento da identidade e
do orgulho nacionais. Entretanto, foi nesse contexto que diversos setores se
mobilizaram de forma a discutirem os problemas educacionais brasileiros. Alguns
deles entendiam que o futuro do Brasil dependia dos rumos que fossem dados para
a educação; além disso, propunham a construção da identidade nacional por meio
de um Estado que enfatizasse a instrução do povo a fim de consolidar a nova ordem
republicana que se instaurava no País. Vivia-se na Primeira República (1889-1930)
um momento de transição e reflexão sobre a realidade brasileira.
O diagnóstico do país traçado pelos intelectuais era de crise, de um Brasil
sem povo, de elites dirigentes incompetentes e incapazes de se comprometer com a
tarefa histórica de formar uma nação brasileira. No cerne dos debates da Primeira
República estava a educação. Ela foi fundamental pelo entusiasmo que promoveu e
pelos desdobramentos políticos que surgiram a partir dela. Os mesmos intelectuais
que ansiavam pelo desenvolvimento do país tamm reconheciam que o Brasil não
era uma nação, e uma das mais profundas razões para essa situação era a falta de
um povo ao menos alfabetizado e que pudesse formar uma opinião pública. Uma
alternativa imediata e segura para a solução dos problemas era dar ênfase à
educação das elites que, mais tarde construiriam a não.
Segundo Veríssimo (1985, p.73), “a educação não é de certo, como
inculcaram apóstolos demasiado convictos, uma panaceia, mas é sem contestação
poderosíssimo modificador.” Com essa convião no poder da educação, veremos
que junto às discussões que a tinham como foco, estava o debate sobre o caráter
nacional. Muitos outros autores discutiam acerca da nossa “inferioridade” em virtude
de nossa formão étnica, a qual não era homogênea. Para lvio Romero (1960
apud LEITE, 1976, p.186), por exemplo, a história do Brasil não pode ser
compreendida como história dos portugueses na América ou a História dos Tupis ou
a dos negros. “Todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas ideias”. O
autor ainda cita fatores étnicos (as três raças formadoras), naturais (clima) e morais,
para a interpretação de nosso atraso. Segundo Leite (1976, p.187), na análise dos
38
fatores étnicos, Sílvio Romero discute a mistura racial entre portugueses, índios e
negros, afirmando que a reunião da raça branca - que às vezes denomina ariana
com as demais permitiu a formação de uma sub-raça mestiça e crioula, distinta da
europeia:
Quanto ao destino dessa sub-raça, Sílvio Romero parece oscilado, em
diferentes apresentações do problema. Às vezes a impressão de
acreditar na originalidade da raça futura, com progressivo branqueamento
da população; outras vezes pregava a necessidade da imigração para que
se compensasse, com sangue novo, a degeneração provocada pelo clima.
Embora admita que o progressivo desaparecimento do indígena se deve a
“pestes e guerrase do negro aos trabalhos forçados, admite também que
“na mestiçagem” a seleção natural, ao cabo de algumas gerações, faz
prevalecer o tipo da raça mais numerosa, e entre nós das raças puras a
mais numerosa, pela imigração europeia, tem sido, e tende ainda mais sê-
lo, a branca”(LEITE, 1976, p.187).
Para Sílvio Romero, o branqueamento seria capaz de regenerar a
população brasileira. Pensando assim, o mesmo autor condena os românticos, como
José de Alencar, que elegiam na literatura o índio como modelo nacional. Na opinião
de Romero, nem o índio nem o negro eram dignos de representar a nação, já que o
primeiro era considerado selvagem e o segundo rebelde aos progressos intelectuais:
[...] O caboclo [índio], tipo quase perdido, que vai se esvaecendo cada vez
mais, mui fracamente contribui neste sentido. O africano, rebelde aos
progressos intelectuais tem alterado, sem vantagem, nossa fisionomia
pretérita. Do consórcio, pois, da velha população latina, bestamente
atrasada, bestamente infecunda, e de selvagens africanos estupidamente
indolentes, estupidamente talhados para escravos, surgiu, na máxima parte,
este povo, que se diz, que se supõe grande, porque possui, entre outras
maravilhas, “o mais belo país do mundo”. É necessário buscar na história as
condições de sua cultura, de sua civilização (ROMERO, 1871 apud LEITE,
1976, p.185).
Obviamente se comparado às potências europeias, com um passado
hisrico, objetivos definidos e uma sólida política, o Brasil encontrava-se em
desvantagem. Mas, muitos intelectuais defendiam que os problemas do país eram
decorrentes do nosso tipo étnico, considerado fraco e incapaz de trazer o progresso
para a nação.
Outro importante intelectual da época que discutiu a temática do caráter
nacional brasileiro foi Affonso Celso. Ao escrever o livro Porque me Ufano de meu
país, em 1900, o próprio autor diz ser um “ligeiro trabalho de vulgarização, destinado
às crianças em idade escolar”. O livro é uma resposta a um pessimismo então
39
dominante na época; o que o autor faz é mostrar as vantagens de sermos
brasileiros, em contraponto às muitas teorias que afirmavam sua inferioridade. Assim
ele ênfase às riquezas das florestas brasileiras e sua variedade. Em relação às
raças formadoras, o autor mostra a figura do índio como generoso e corajoso; em
relação ao negro, lembra seus feitos heroicos, sua ânsia por liberdade e a formação
dos quilombos. Quanto ao caráter nacional, Affonso Celso enumera qualidades do
caráter brasileiro, como sentimento de independência, hospitalidade, paciência,
resignação, doçura, caridade, tolerância e ausência de preconceitos de raça, cor e
religião, sempre atenuando seus defeitos. Segundo Leite (1976):
Finalmente, ao falar dos mestiços, começa por lembrar dois cruzamentos: o
mameluco, resultante da união entre o branco e o índio, o cafuzo ou caboré,
resultante da união do negro com o índio. Nos mamelucos e cafuzos
apresenta as mesmas qualidades e as mesmas deficiências: entre as
primeiras, energia, coragem, espírito de iniciativa, resistência a trabalhos e
privações; entre as deficiências, imprevidência, total despreocupação com o
futuro. Lembra que não se adaptam a trabalhos sedentários, mas são
eficientes nos trabalhos de pastoreio e pesca (LEITE, 1976, p.197).
A discussão sobre o povo brasileiro estava em foco entre os intelectuais,
visto que vários fatores tornaram oportuna a reflexão sobre nossas origens; diante
do cientificismo, oriundo da Europa, conceitos de nação, raça e povo emaranhavam-
se levando à crença de que a situação caótica vivida pelo país era consequência de
nossa formação étnica ou à falta de patriotismo. Assim, não questionamentos
acerca da estrutura social, esta sim responsável pelo nosso atraso.
Esse debate intelectual acerca da formão étnica brasileira durante a
Primeira República (1889-1930) tamm teve grande influência no campo
educacional, inclusive nos livros de leitura escolar da época. Um dos mais
importantes intelectuais do período que discutiu a necessidade de uma educão
para o desenvolvimento da nação foi o autor José Veríssimo Dias Matos. Para ele, o
progresso só seria possível pela instrução para todos; uma educação que
promovesse o gosto pela cultura civilizada e o aprendizado em comum das virtudes
cívicas. Isto porque, para o autor, o processo de colonização não superou a
barbárie, nem eliminou os vestígios degradantes das raças que constituíram a
maioria da população brasileira da época: o mestiço brasileiro.
Dessa maneira, para Veríssimo, o amor à pátria torna-se o meio mais
seguro para a construção da cidadania e para a constituição do Estado Moderno,
condição necessária para a liberdade e felicidade dos cidadãos. Assim, com a
40
constituição do Estado-nação no Brasil, Veríssimo investe em um discurso político
colocando a educação pública como medida necessária e imediata do governo
republicano, a fim de solucionar o problema do analfabetismo generalizado e da
mestiçagem, que o autor acreditava que as raças provenientes da mistura étnica
no Brasil deveriam ser lapidadas por meio de um projeto educacional homogêneo,
que fosse ao encontro da nova ordem social e cultural oriunda do processo de
modernização do país. Em seu livro A Educação nacional, publicado pela primeira
vez em 1890, declara na introdução que:
Para reformar e restaurar um povo um só meio se conhece, quando não
infalível , certo e seguro: é a educação, no mais largo sentido, na mais
alevantada acepção desta palavra. Nenhum mais propício que este para
tentar esse meio, que não querem adiados os interesses da pátria
(VERÍSSIMO, 1985, p. 9).
Por meio da referida obra é possível examinar o pensamento educacional
do autor na Primeira República, considerando que foi na transição do regime
imperial para o republicano que desenvolveu e consolidou suas reflexões sobre a
educação no país. As ideias tecidas em Educação Nacional apontam para a
constituição de um pensamento que propõe um ideal de educação brasileira.
Segundo o autor, o novo regime trazia a esperança na “regeneração de nossa
pátria” por meio da correção dos “vícios e defeitos” que só seria possível por meio
da educação:
Nas sociedades, como nos indivíduos, os produtos da inteligência e da
experiência estimulam e dirigem todas as demais funções sociais. As
criações religiosas, morais, estéticas, políticas, econômicas, o
determinadas pelos progressos da humanidade ou no conhecimento real
das coisas, ou na descoberta dos ideais. A instrução é um motor de
importância principal no mecanismo social; com uma condição, porém, que
influa sobre as ideias verdadeiramente diretoras e seletivas, sobre aquelas
que, por sua íntima relação com o sentimento de vontade, merecem por
excelência o nome de ideias-força (VERÍSSIMO, 1985, p. 37).
Para o autor, a instrução era muito importante, mas não qualquer tipo de
instrução, e sim aquela que contribuísse para o progresso do país, que inculcasse
ideias as quais se refletiriam em atos. Como vimos, a educação brasileira na
Primeira República estava calamitosa e os poucos alfabetizados, segundo Veríssimo
(1985, p. 47), não tinham o sentimento de amor a sua tria: “o que frequentou a
escola, onde não lha fizeram conhecer e amar, desadorado a leitura e o estudo, não
41
procurou fazer-se a si próprio uma educação patriótica”. A falta de vontade de
aprender e a falta de patriotismo por parte dos estudantes, segundo o autor, eram
em virtude da carência de elementos indispensáveis, como uma literatura
genuinamente nacional, visto que pouco havia de material sobre assuntos
brasileiros:
Não possuímos uma única revista que leve a todos os cantos do País os
trabalhos de seus escritores, dos seus pensadores, dos seus artistas e os
estudos no País feitos. Não temos ilustrações por onde fiquemos
conhecendo os diversos aspectos da variada paisagem brasileira, ou as
obras e construções no Brasil e por brasileiros feitas, nem os nossos
homens e sucessos notáveis, nem algum raro monumento erigido
(VERÍSSIMO, 1985, p. 47).
Como argumento para a formação de uma educação nacional, Veríssimo
aponta o combate à depravada influência do tipo brasileiro no amolecimento de
nosso caráter:
Mole pelo clima, mole pela raça, mole por esta precocidade das funções
genésicas, mole pela falta de todo trabalho, de qualquer atividade, o sangue
pobre, o caráter nulo ou irritadiço e, por isso, mesmo inconsequente, os
sentimentos aflorados e pervertidos, amimado, indisciplinado, mal criado em
todo o rigor da palavra – eis como de regra começa o jovem brasileiro a vida
(VERÍSSIMO, 1985, p. 69).
Segundo o autor, além dos defeitos provenientes da “raça inferior”,
tamm estávamos atrasados historicamente: não tínhamos literatura, cultura,
geografia e história pátria; além disso, havia desprezo por parte dos poderes
públicos em relação à produção de materiais didáticos na época: “Os poucos
compêndios que temos, mal pensados e mal escritos, carecem inteiramente de valor
pedagógico [...]. A esta penúria de compêndios, junta-se, agravando o mal de si
grave, a carência total de mapas e cartas (VERÍSSIMO, 1985, p. 94). Além de
demonstrar indignação em face ao pouco interesse das autoridades pela geografia
pátria, o autor discorre acerca do desprezo e profunda indiferença pelo passado
hisrico e pela necessidade do estudo da história pátria:
Para combater esse mal, para despertar em nós o sentimento da
solidariedade e dar-nos a base moral que verdadeiramente faz e
engrandece as nações, carecemos, sem perda de tempo, com entusiasmo e
com amor, fazer, teimo repeti-lo, a nossa educação nacional. [...] a sua
história é, quase poderia dizer, a parte principal (VERÍSSIMO, 1985, p. 103).
42
O estudo de nossa história, para Veríssimo, era fundamental para formar
o caráter nacional, bem como fortalecer o sentimento de pátria, algo que se tornava
muito difícil, pois seu estudo nunca existiu, “e a consequência é a profunda
ignorância em que vivemos na nossa pátria” (VERÍSSIMO, 1985, p. 105). Com a
conclusão de nosso atraso em vários aspectos, o autor sugere que:
Na escola primária, este ensino pode começar desde o segundo livro de
leitura pelo menos. É preciso que o livro de leitura entre nós se reforme
completamente e que tudo fale do Brasil e de nossas coisas. Os primeiros
livros devem conter contos e cantos populares e pequenas histórias em que
se reflitam a nossa vida e nossos costumes. Só assim interessarão à
criança (VERÍSSIMO, 1985, p. 113).
O nacionalismo presente na proposta educacional de Veríssimo parte da
ideia de uma cultura, terririo e língua comum; estes são elementos básicos que
favorecem o surgimento de uma conscncia coletiva, a qual é essencial para o
processo de crescimento da nação. Também é relevante salientar que com a
proclamão da República, o analfabetismo tornou-se “questão nacional por
excelência”, e por isso surgem nas grandes capitais, reformas educacionais com
princípios doutrinários ligados aos ideais nacionalistas e progressistas da época.
Essas ideias acabaram por influenciar teóricos e intelectuais do campo educacional,
que viam na educação a solução para os problemas do país.
As campanhas nacionalistas também propõem elevar a qualquer custo o
sentimento nacional, o voto secreto, o serviço militar obrigatório e o combate ao
analfabetismo. O sonho republicano, com a promessa de democratização, também
trouxe alguns pesadelos, dentre eles o analfabetismo e a “literatura de poucos,
interessando a poucos(VERÍSSIMO, 1900 apud SEVCENKO, 1983, p. 88), além
das sucessivas crises econômicas e a busca por uma identidade nacional que
acompanharam a Primeira República (1889-1930).
Como vimos, Veríssimo (1985, p.67) acreditava que a educação era
essencial para “corrigir os defeitosdo povo brasileiro que se formava, já que o autor
afirmava que somos produto de três raças distintas: duas selvagens (índios e
negros) e uma em declínio (portugueses) em função da perversão moral que os
deixavam imbecilizados diante dos fáceis prazeres das terras conquistadas.
43
2.3 O livro de Leitura e o Compromisso com a Formação da Nação
No final do século XIX, vários esforços são empreendidos para formar a
imagem do Brasil; o fim do sistema escravagista e o crescimento e diversificação da
população urbana brasileira são alguns indícios de que o país está mudando. As
várias campanhas de alfabetização fortalecem o surgimento dos livros infantis e
escolares, que aos poucos revelam um blico antes invisível: o leitor criança. No
entanto, “eram raríssimos os livros didáticos nas poucas escolas primárias criadas
pela primeira lei brasileira de Instrução Pública, de 1827” (BATISTA, 2005, p.87).
No decorrer do século XIX, a passos lentos, os livros de leitura,
comavam a fazer parte do cotidiano escolar. Alguns exemplos dos primeiros
escritores brasileiros de leituras escolares são Abílio Cesar Borges (1824-1891),
com o Primeiro Livro de Leitura para Uso da Infância Brasileira (1868); e Hilário
Ribeiro de Andrada e Silva (1847-1886) que publicou entre os anos 1870 e 1880,
quatro livros de leitura, que compunham a “Série Instrutiva, Lições no Lar”, além de
várias outras produções. Algumas delas, como a Cartilha Nacional ou Novo primeiro
livro de leitura para o ensino simultâneo de leitura e escrita, chegaram até a 204
edições, educando crianças do Império à República. Inicialmente na forma de
cartilhas, ou seleção de textos, são representantes das práticas pedagógicas e
ideológicas de uma época.
Mas, foi a partir da obrigatoriedade do ensino primário, que a produção de
livros de leitura comou a adquirir força e a adequar-se às necessidades da
escolarizão em massa, passando a servir aos interesses do Estado. À escola
cabia a responsabilidade de contribuir para a formão do caráter das crianças; os
autores das obras estavam cientes deste compromisso, incluindo nos livros as
reflexões que formariam a imagem de um país moderno e republicano.
Principalmente após a proclamão da República, os livros de leitura
foram marcados pela agitação da modernidade no país. Além da função de
comprometerem-se com a nação, os livros carregam outra missão: divulgar e criar
os símbolos e metáforas da nova imagem do Brasil em desenvolvimento. Eles
carregam a missão formadora e patriótica, ou seja, a recém-nascida indústria do livro
escolar para crianças não esconde seu caráter pedagógico e nacionalista; o livro se
converte em veículo difusor das imagens de grandeza e modernidade do país e sua
leitura deveria contribuir com a tarefa de formação de um povo que cultiva
44
qualidades e ideais de conduta para garantir sua felicidade e o progresso da nação.
Esta é a principal ideia dos autores da época: colaborar na construção de uma
identidade marcada pelo sentimento de defesa nacional, moral e progresso. O
conceito de Pátria é recorrente nessas produções bem como o conceito de território
nacional, trazendo um discurso preocupado com a manutenção dos limites
territoriais e com a defesa dos interesses do país.
Zilberman e Lajolo (1993, p.15) consideram que a literatura infantil
brasileira nasce ao final do século XIX. “Antes das últimas décadas dos oitocentos, a
circulação de livros infantis era precária e irregular, representada principalmente por
edições portuguesas”. O surgimento desse novo gênero no final do século vem ao
encontro dos ideais republicanos, os quais anseiam por formar a imagem de um
Brasil em processo de modernização. O crescimento da população e a chegada de
imigrantes vindos para substituir o trabalho escravo colaboram para mudar a
paisagem das cidades e passam a “configurar existência de um virtual público
consumidor de livros infantis e escolares, dois gêneros que saem fortalecidos das
várias campanhas de alfabetização deflagradas e lideradas, nessa época, por
intelectuais, políticos e educadores” (ZILBERMAN; LAJOLO, 1993, p.15).
No entanto, muitos dos livros infantis que circulavam no Brasil por essa
época eram versões “abrasileiradas” de textos europeus, que foram adaptados à
realidade brasileira. Daí percebe-se a tendência de nacionalizão da literatura:
De um lado, a literatura infantil se converte facilmente em instrumento de
difusão das imagens de grandeza e modernidade que o país, através das
formulações de suas classes dominantes, precisa difundir entre as classes
médias ou aspirantes a elas no conjunto das camadas urbanas da
população. De outro, inserida no bojo de uma corrente mais complexa de
nacionalismo, a literatura infantil lança mão, para a arregimentação de seu
público, do culto cívico e do patriotismo como pretexto legitimador
(ZILBERMAN; LAJOLO, 1993, p.18).
A inserção social do livro infantil, portanto, teve origem na escola. Mas ele
tamm pode representar um fragmento histórico do país, representando uma
projeção da leitura e da escola. Desse modo, os livros infantis brasileiros podem
revelar a convergência com vários projetos oficiais que fazem da leitura escolar, da
sala de aula e dos professores, os maiores responsáveis pela implantação de
ideologias, de hábitos e do desenvolvimento de uma forma de leitura.
45
Se o destino certo desses livros primeiramente são as escolas e as
crianças, eles também se tornam mercadoria, ou seja, passam a ser relevantes para
a indústria de livros. Mas, muitas vezes essa mercadoria procura camuflar sua
dimensão homogeneizadora e sua impregnação ideológica; sendo assim, não é raro
perceber em grande parte dos textos infantis brasileiros o comprometimento com a
difusão de uma determinada imagem do país, demonstrando o autoritarismo do
Estado e os interesses do mercado editorial.
Assim como os nacionalismos influenciaram as obras escolares
destinadas ao público infantil, ele também se manifestou nas produções não-infantis
e “no caso dos livros para crianças o nacionalismo só raras vezes escapa ao modelo
eufórico patriótico. E foi este civismo, que parece constituir o horizonte de nossa
literatura para crianças” (ZILBERMAN; LAJOLO, 1993, p.12).
Ao iniciar minha pesquisa, busquei autores brasileiros que escreveram
livros de leitura escolar no período em questão a fim de analisar a influência dos
debates acerca dos nacionalismos no Brasil; assim, encontrei os nomes de Affonso
Celso, Olavo Bilac, Coelho Netto, Júlia Lopes de Almeida, João Köpke, Manoel
Bomfim e Rocha Pombo. A tabela abaixo mostra o nome da obra, autor, ano da
primeira publicação, a edição pesquisada e editora:
Tabela 3: Nome das obras, autores, ano da primeira publicação, edição pesquisada
e editora
Nome da obra
Autor (a)
Ano da primeira
publicação
Ano da edição
pesquisada.
Editora
Porque me
ufano de meu
país
Affonso Celso
9ª edição,
sem
data
Garnier
Contos Pátrios Olavo Bilac e
Coelho Netto
1904 24ª edição, de
1928
Francisco
Alves
Histórias da
Nossa Terra
Júlia Lopes de
Almeida
1907 13ª edição, de
1917
Francisco
Alves
Segundo livro de
leituras morais e
instrutivas
João Köpke 1908 23ª edição, de
1921
Francisco
Alves
Através do Brasil Manoel Bomfim
e Olavo Bilac
1910 13ª edição, de
1925
Francisco
Alves
Nossa Pátria Rocha Pombo 1917 67ª edição, de
1925
Melhoramentos
Fonte: Da pesquisadora
Creio que seja de suma importância, antes de iniciarmos as análises das
obras, falar um pouco sobre seus autores, ou seja, de onde falam e quem são bem
como de que forma as obras foram organizadas. Os livros selecionados tiveram
46
várias edições que foram além do período em questão, mas todas elas foram
publicadas pela primeira vez dentro do período da Primeira República entre 1900 e
1917; as edições pesquisadas estão entre os anos de 1917 a 1928.
Todos têm o mesmo tamanho, cerca de 13 X 18, o mesmo tipo de
encadernação (brochura capa dura), o mesmo tipo de papel amarelado
(característico da época) além de estarem com as extremidades das ginas e as
capas escurecidas pelo tempo. Os quatro publicados pela Francisco Alves não
apresentam ilustrações nas capas e as gravuras das páginas internas não são
coloridas, imagino que devido aos elevados custos na época. Publicada pela
Companhia Melhoramentos, a obra de Rocha Pombo apresenta na capa uma
gravura e algumas poucas ilustrações internas coloridas como a da bandeira, os
mapas da Província Cisplatina, do mundo e da Península Ibérica. O livro de Affonso
Celso, publicado pela Garnier, o possui ilustrações nem no interior, nem na capa.
Nas citações, optei por atualizar a ortografia.
Figura 1 – Capa do livro
Porque me Ufano do meu país
Figura 2 – Capa do livro
Contos Pátrios
Figura 3 – Capa do Livro Histórias
da Nossa Terra
47
Figura 4 – Capa do Segundo
livros de leituras morais e
instrutivas
Figura 5 – Contracapa do livro
Através do Brasil
Figura 6 – Capa do livro Nossa
Pátria
Estes livros foram utilizados nos momentos destinados à leitura nas
escolas primárias, trazendo assuntos de cunho moral, poesia, histórias cotidianas da
família e do ambiente escolar, aventuras e textos ressaltando feitos patrióticos dos
herois brasileiros. Aos lermos estas obras, verifica-se a preocupação dos autores em
direcionar o cultivo de virtudes, o civismo, além de ilustrar o Brasil, trazendo a
descrição e as figuras de belas paisagens brasileiras e sua potencialidade para o
progresso. Quanto aos autores, todos foram militantes da causa educacional, ou
seja, acreditavam que a educação era fundamental para o desenvolvimento do país.
na militância em relação ao regime republicano, veremos que uns são mais
atuantes que outros.
O autor Affonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-1938), por
exemplo, participou ativamente das campanhas abolicionistas e republicanas, mas,
com a proclamação da República, deixou a política para acompanhar o pai (Affonso
Celso de Assis Figueiredo - Visconde de Ouro Preto) no exílio; afastado da política,
dedicou-se ao jornalismo e ao magisrio exercendo a tedra de Economia Política
na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de janeiro. Foi um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras, escritor, professor, poeta, historiador e
político. Com apenas 21 anos foi eleito deputado geral por Minas Gerais por quatro
anos consecutivos. Divulgou por mais de 30 anos seus artigos no Jornal do Brasil e
48
Correio da Manhã. Em 1892 ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Após a morte do Barão do Rio Branco, em 1912, foi eleito presidente perpétuo dessa
instituição.
13
Sua obra utilizada nessa pesquisa, Porque me ufano de meu país, é
dividida em 42 capítulos, sendo que 11 são destinados a mostrar as superioridades
do Brasil em comparação a outros países, enfatizando as belezas e riquezas
naturais, sua grandeza territorial, a fertilidade da terra, a variedade e amenidade do
clima, e os predicados nobres do caráter nacional. Os demais capítulos discorrem
acerca dos costumes dos índios, dos mestiços, portugueses, jesuítas, bandeirantes,
negros e de fatos históricos e gloriosos (como a Independência, Abolição e as
guerras). No primeiro capítulo, o autor mostra o motivo da composição do livro e
para quem foi composto:
As páginas que aí vão escrevi-as para vós, meus filhos, ao celebrar a nossa
Pátria o quarto centenário do seu descobrimento. Sorri-me a esperança de
encontrareis nelas prazer e proveito. Consiste a minha primordial ambão
em vos dar exemplos e conselhos que vos façam úteis a vossa família, a
vossa nação e a vossa espécie, tornando-vos fortes, bons, felizes. Se de
meus ensinamentos colherdes algum fruto, descansarei satisfeito de haver
cumprido a minha missão ( CELSO, s/d, p.1).
Em toda a obra o autor destaca as vantagens em ser brasileiro, chegando
até a demonstrar um otimismo ingênuo. Entre os muitos ensinamentos que
encontramos na obra de Affonso Celso, o principal é o patriotismo; ele prega
ilimitado amor à pátria e dedicação absoluta, um afeto disposto a qualquer sacricio,
inclusive a própria vida.
O autor Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) teve
passagem pelo curso de medicina e direito, mas sua dedicação foi maior à literatura
e ao jornalismo. Nas duas primeiras décadas do século XX, seus sonetos eram
decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários da época.
Exerceu vários cargos públicos no estado do Rio de Janeiro. Em 1896 foi membro-
fundador da Academia Brasileira de Letras. Nacionalista e republicano, Bilac fez
campanha pela instrução primária, escreveu a letra do Hino à Bandeira e fundou em
1916 A Liga da Defesa Nacional; esta última está ligada à campanha vitoriosa pela
13
Informações biográficas retiradas do site www.dec.ufcg.edu.br/biografias/ABLACAFJ.html
49
implantação do serviço militar obrigatório no Brasil. Por meio dela, os intelectuais
envolvidos divulgavam seus ideais através de livros, panfletos, viagens por todo país
e discursos. Nessas viagens, eles ressaltavam a importância do envolvimento dos
intelectuais na causa nacional, e que os mesmos deveriam estar comprometidos
com modernização das estruturas sociais e com a defesa da pátria (MAGALHÃES
JR.,1974).
Henrique Maximiano Coelho Netto (1864-1934) participou ativamente das
campanhas abolicionistas e republicanas, tornando-se companheiro assíduo de José
do Patrocínio. Foi também secretário geral da Liga de Defesa Nacional e membro do
Conselho Consultivo do Teatro Municipal. Coelho Netto tinha grande participação
em revistas e jornais no Rio de Janeiro e em outras cidades, sendo por muitos anos
o escritor mais lido do Brasil. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, além de
ser nomeado para o cargo de secrerio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e,
no ano seguinte, Diretor dos Negócios do Estado. Em 1892, foi nomeado professor
de História da Arte na Escola Nacional de Belas Artes e, mais tarde, professor de
Literatura do Ginásio Pedro II. Em 1910, foi nomeado professor de História do Teatro
e Literatura Dramática da Escola de Arte Dramática, sendo logo depois diretor do
estabelecimento
14
.
A obra Contos Pátrios, escrita pelo autor em parceria com Olavo Bilac é
dividida em 23 diferentes contos destinados à Educação Moral e Cívica das
crianças. Como o próprio título nos diz, todos os contos têm relão direta com a
pátria e com ensinamentos morais; veremos no livro temas como a defesa do
território nacional, a importância do serviço militar, a escola para a formação da
nação, os escravos, e a família. Cada conto possui uma pequena ilustração de
acordo com a história.
Em relação à Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida (1862-1934),
autora de Histórias da Nossa Terra, desde cedo ela mostrou inclinação pela vida
literária, mas no seu tempo não era bem vista pela sociedade uma mulher que se
dedicava às letras. Mesmo assim sua produção foi vasta e diversificada, com mais
de 40 volumes, contendo literatura infantil, obras didáticas, romances, contos, teatro,
jornalismo e crônicas. Casou-se com um jovem escritor português, Filinto de
14
As informações biográficas do autor foram retiradas do site:
http://www.biblio.com.br/conteudo/CoelhoNeto/coelhoneto.htm
50
Almeida, na época diretor da revista A Semana, editada no Rio de Janeiro, que
recebeu a colaboração de Júlia por vários anos. Em sua coluna no jornal O País,
durante mais de 30 anos, discutiu muitos assuntos e fez diversas campanhas em
defesa da mulher (MENDONÇA, 2003).
Embora tivesse muitos obstáculos por ser do sexo feminino, Júlia Lopes
de Almeida foi presidenta honorária da Legião da Mulher Brasileira, sociedade criada
em 1919 e participou das reuniões de formação da Academia Brasileira de Letras,
da qual ficou excluída justamente por ser mulher (MENDONÇA, 2003). Sua obra
Histórias da Nossa Terra é dividida em 31 contos (incluindo oito cartas) que, em
geral, cultuam a pátria, a família e os ensinamentos morais e a civilização. O livro
possui ilustrações de acordo com cada conto.
João Köpke (1852-1926), autor do Segundo Livro de Leituras Morais e
Instrutivas, além de advogado, foi professor, diretor escolar e autor. Além disso, foi
um homem envolvido com a causa educacional, considerado uma figura muito
importante para a educação durante a transição do Império para a República. Köpke
pertenceu a um grupo de intelectuais que defenderam a reforma social pela reforma
da educação e teve grande atuação na abertura e manutenção de escolas.
Não se pode dizer que Köpke era um porta-voz ou líder do Partido
Republicado, no entanto, foi um republicano ativo, amigo de Francisco Rangel
Pestana e Antonio da Silva Jardim, também republicanos históricos e defensores da
causa da instrução pública e da instrução primária, entendidas como condição
fundamental para a viabilização do regime republicano. Köpke compartilhava dos
seus ideais dedicando grande parte de sua vida criando práticas, teorias e
instrumentos que fossem capazes de educar os cidadãos que futuramente guiariam
a República (RIBEIRO, 2005).
Seu pensamento político-pedagógico foi posto em circulação na
imprensa, nas escolas, nos livros escolares e em conferências, proferindo uma
pedagogia moderna, sinônimo de científica e de republicana. Ele pode ser
considerado o pioneiro na divulgação e implantação do método analítico
15
para o
ensino da leitura nos meios educacionais brasileiros dos primórdios republicanos,
dedicando-se a produção de livros de leitura que defendiam tal procedimento. Teve
15
Como contraponto ao método sintético que se considerou inadequado, apareceu a corrente
pedagógico/didática a propor um procedimento totalmente inverso: o método analítico, que consistia
em partir do todo para as partes e do conhecido para o desconhecido.
51
intensa atuação entre 1870 e 1880, principalmente com o ensino elementar e
secundário em estabelecimentos como o Colégio Pestana, o Colégio Florence, a
Escola Primária Neutralidade – Instituto Henrique Köpke (RIBEIRO, 2005).
Sua obra, Segundo livro de leituras morais e instrutivas, foi destinada aos
dois primeiros anos das escolas primárias
16
. Dividido em 81 lições, podemos
encontrar além de narrativas (que são a maioria), poesias e adivinhações. Estas têm
o intuito de fornecer conhecimentos gerais, além de trazer lições de bom
comportamento e caráter. Embora sejam pequenas e difíceis de visualizar (devido
ao desgaste do tempo) o livro apresenta algumas figuras. No decorrer do texto,
algumas palavras sublinhadas para treino do vocabulário, que está no final do livro.
José Manoel do Bomfim (1868-1932) é autor de Através do Brasil também
em parceria com Olavo Bilac. Embora fosse médico, dedicou grande parte de sua
vida à educação, considerando que a mesma seria fundamental para o
fortalecimento do Brasil. Teve passagem pelo magistério, lecionando Educação
Moral e Cívica na Escola Normal do Rio de Janeiro. Também publicou livros
dedicados à análise da formação da nacionalidade brasileira e se empenhava em
criticar os historiadores e políticos do Brasil que, segundo ele, teriam deturpado a
hisria nacional e contribuído para a degradação” da nação. Interessado em
resgatar as qualidades características do povo brasileiro (que considerava
esquecidas pela historiografia) ele desenvolveu uma reflexão sobre o País e seus
habitantes. Foi nomeado diretor da Instrução Pública do Distrito Federal em 1899,
cargo que pode ser considerado muito importante, que algumas das atribuições
era a indicação dos livros a serem adotados em todas as escolas públicas e a
definição dos conteúdos das disciplinas escolares (BOMFIM, 2005).
Depois dessa atuação na Instrução Pública e na política, Bomfim se
dedicou à produção de livros didáticos, o que era extremamente coerente, que
além da facilidade de adoção de seus livros pela escola em virtude de seu cargo,
ainda cumpriria com sua tarefa com o país, escolhendo temas que fortaleceriam no
leitor o sentimento cívico.
A obra Através do Brasil, escrita por Bomfim e Bilac, trata-se de um livro
de leitura de caráter narrativo, podendo ser classificado como romance de formação,
destinado aos dois últimos anos das escolas primárias, o chamado "curso médio"
17
.
16
Crianças de sete e oito anos.
17
Crianças de nove a doze anos.
52
Dividida em 82 capítulos, antes que comece a história, nas primeiras páginas,
uma “advertência e explicação” na qual os autores mostram sua preocupação de
escrever de modo que o texto possa ser acessível ao pequeno leitor. No final do livro
um vocabulário com algumas expressões para poder facilitar a compreensão. O
livro está escrito na terceira pessoa. A linguagem pode ser considerada acessível,
visto que foi escrita com o intuito de prender a atenção do leitor, despertar seu
interesse e curiosidade e desenvolver o hábito da leitura.
A referida narrativa se desenvolve em torno de uma viagem feita por dois
meninos gaúchos chamados Carlos e Alfredo: o primeiro de quinze, o segundo de
dez anos. Eles percorrem todo o país, saindo do internato em Recife onde
estudavam até o Rio Grande do Sul. Ao saberem que seu pai (Meneses), um
engenheiro a trabalho no interior do estado de Pernambuco, estava muito doente, os
meninos saem em busca do pai. Durante a viagem, eles recebem a notícia da morte
de um engenheiro, que, confundido com o pai, fez mudar os rumos da viagem de tal
forma que, ao final da narrativa os jovens percorrem grande parte do país. Dessa
maneira, os autores fazem com que o leitor, junto aos personagens da narrativa,
conheçam seu país.
José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), autor de Nossa Pátria,
nasceu no Paraná na cidade de Morretes e ainda aos dezoito anos substituiu seu pai
na escola Anhaia, subúrbio de sua terra natal, onde lecionou Letras. Participava
ativamente da vida cultural e intelectual do cotidiano provinciano. Em 1879 iniciou,
no Paraná, a campanha abolicionista e republicana através do semanário O Povo,
forte aliado para sua eleição como deputado provincial em 1896. Na cidade de
Castro trabalhou como professor e fundou um colégio em 1882. Fez parte do grupo
literário dos simbolistas (originários do Paraná) e do grupo dos socialistas.
Em 1900, Rocha Pombo foi admitido como sócio efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e fez parte da Universidade do Povo, fundada por
Elísio de Carvalho e que pretendia empreender a instrução superior e a educação
social do proletariado. Rocha Pombo então lecionava História Geral. Pertenceu à
antiga Academia de Letras do Paraná e a atual Academia Paranaense de Letras; em
1933 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras
18
.
18
As informações biográficas de Rocha Pombo foram retiradas do site
www.biblio.com.br/conteudo/biografias/rochapombo.htm
53
Sua obra, Nossa Pátria, no prefácio diz que o livrinho é feito para a
inteligência das crianças e dos homens simples do povo” (POMBO, 1925, p.3)
Dividido em 51 capítulos, o “livrinho” faz o culto à Pátria brasileira, “fazendo-a
conhecida aos que a devem amar(POMBO, 1925, p.3). Dessa maneira, a obra faz
referência à bandeira, às cores nacionais, aos feitos dos navegadores e jesuítas,
aos grandes escritores, à vida nos sítios e nas aldeias, à escravidão, à Monarquia, à
República e outros fatos históricos considerados de extrema importância para que
os brasileiros conheçam a sua própria pátria. Segundo o autor:
Os nossos anais, conquanto sejamos novos no mundo registram lances de
que podemos nos orgulhar. Fixá-los, em suas linhas gerais, nas almas das
gerações, é, pois, o processo mais prático e seguro de nela criar e nutrir o
sentimento de pátria (POMBO, 1925, p.3).
O que Rocha Pombo procurou fazer na obra Nossa Pátria foi mostrar aos
brasileiros que mesmo sendo considerada uma pátria jovem, temos registros de
alguma tradição gloriosa e sagrada que nos dá uma unidade; assim, o conhecimento
da história do Brasil por meio dos feitos de nossos antepassados firmariam a nossa
existência moral, deixando-nos no compromisso de continuar a história como
brasileiros. Entre um texto e outro gravuras de herois, monumentos, cenas de
batalhas, costumes e diversos lugares do Brasil.
Nos livros escolares da Primeira República predominância cívica e
moral, o que revela o comprometimento dos autores com a regeneração do país por
meio da educação. Assim, os livros de leitura significavam uma espécie de
militância, ou seja, cabia à escola mostrar aos leitores temas que fortalecessem o
sentimento patriótico. Em virtude disso, veremos uma educação voltada à
construção da moral nacional e de um passado comum a todos, visando o
fortalecimento do sentimento de nação entre os brasileiros, o que em termos de
nacionalismo é considerado fundamental.
Entendo que não existiu uma única leitura dos livros pesquisados, ou
seja, nem todos os leitores alcançaram o mesmo entendimento, mesmo havendo por
parte dos autores a construção de várias estratégias para garantir uma forma única
de compreensão, uma vez que, para Chartier (1992, p.213) “o leitor é sempre visto
pelo autor (ou pelo crítico) como necessariamente sujeito a um único significado, a
uma interpretação correta e a uma leitura autorizada”.
54
3. OS NACIONALISMOS DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889-1930): OS TEMAS DE
VIAGENS E O PROGRESSO
Nunca houve um monumento da
cultura que não fosse
também um monumento da barbárie.
Walter Benjamin
19
Neste capítulo, abordo os temas de viagens como artifício dos autores
para inserirem assuntos nacionais, criando um conjunto de símbolos a fim de
nutrirem no leitor um sentimento de unidade; depois, discuto como o projeto de
nação brasileira pôde ser contraditório, pois ao mesmo tempo em que tentava criar o
sentimento de união, também se manifestava como um discurso tácito de exclusão
de elementos que se mostravam incompatíveis com ele.
3.1 Os Temas de Viagens: a Leitura Escolar como Enciclopédia
Como já vimos no capítulo I, a escola é essencial para a difusão dos
nacionalismos; é por meio dela que o Estado difunde suas ideologias e procura unir
o povo pela homogeneização, inventando e revivendo tradições e mitos de origem,
criando uma cultura, símbolos e valores comuns. Nesse processo de criação de um
sentimento de comunidade por meio de tais artifícios simbólicos, é o valor de uma
identidade comum, reconhecida e/ou reconhecível por todos o que se salienta. A
escola torna-se estratégica como um local onde se difundem o passado comum, a
descrição do território, a língua etc. Evidentemente, é também em função de um
determinado ideal de nação que alguns elementos simbólicos são reforçados no
currículo e outros excluídos, negados. No caso do Brasil, onde os ideais
nacionalistas foram disseminados a partir das elites para o restante da população,
boa parte dessa poderia não se reconhecer, excluída que era pela sua distância da
imagem de país moderno que se queria aqui implementar. Ou seja, ao mesmo
tempo em que punha em prática uma proposta de ideal de coletividade reconhecível
por todos os brasileiros no espaço e no tempo, a escola, na Primeira República (e
por que não ahoje?), tamm era o espaço que excluía o que se mostrava como
19
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História (1940). In Benjamin, Walter. Magia e técnica,
arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. ed. São Paulo: brasiliense, 1994.
(Obras escolhidas v.1) p.225.
55
próprio ao atraso, a degeneração, enfim avessa ao estilo de vida burguesa que se
queria aqui disseminar. Tal tensão, é o que queremos abordar agora, pode ser
observada nos livros escolares que circularam à época, primeiramente com os
temas de viagem.
Os autores utilizavam, a seu modo, artifícios para inserirem temas
nacionais em suas narrativas, ou mesmo construíam uma história gloriosa com a
finalidade de unir e fortalecer a jovem nação. Dessa forma, a construção do
sentimento patriótico, tarefa desempenhada pela escola e pelos livros, pode ser vista
no culto aos símbolos nacionais, herois históricos e na contemplação das paisagens,
construções e monumentos brasileiros; estes indícios mostram que o civismo passa
a ser característica dominante nos livros escolares, acompanhado do desejo de
modernização em oposição àquilo que representa atraso.
Um dos artifícios para a inserção de temas nacionais é a utilização
constante das narrativas de viajantes; o narrador tem o papel quase sempre de
conquistador, levando o leitor, através de sua narrativa, à descrição de mapas,
paisagens, costumes e fatos históricos. O percurso geralmente vai da natureza
paradisíaca até o que o viajante chamará de “civilização”. É importante fazer a
contextualização histórica do papel formativo que as narrativas de viagem tinham no
século XVIII e XIX. Nesse período, o relato de viajantes tinha muita importância; o
gênero carregava o compromisso de disseminar conhecimento aos leitores que, por
sua vez, não tinham outra opção senão conhecer as terras brasileiras através do
olhar do outro nas descrições aventurescas dos viajantes. Segundossekind:
Incorporava-se a viagem, fazia-se da literatura um extenso relato e
distribuíam-se pelos periódicos e seções de “Variedades” trechos de
narrativas de expedições, descrições de usos e costumes, paisagens
históricas, estudos de botânica, zoologia e entomologia. Se a literatura
assumia função educativa semelhante à atribuída pelo relato de viagem, os
periódicos, por seu turno, transformaram-se numa mistura de museu natural
e manual histórico em miniatura. E, museus de tudo, as folhas recreativas e
as “Miscelâneasseções de “Variedades”, Folhetins”, “Apêndices e “Fatos
Diversos” dos periódicos das primeiras décadas do século XIX talvez
tenham sido, a seu modo, uma espécie de versão local da Encyclopédie.
Assim como tentativas conscientes de suprir falhas na formação e na
instrução de seus leitores potenciais (SÜSSEKIND, 1990, p.79).
Desde o século XVIII a literatura adquiria um papel formador,
principalmente para os jovens brasileiros que, sem poder estudar fora do Brasil,
tinham nas escolas uma instrução precária e incompleta. A falta de instituições
56
escolares nesse período, bem como a falta de material de leitura, obrigava aos filhos
de famílias mais ricas a estudarem em grandes centros ou até mesmo em outras
províncias. Desse modo, a literatura contribuía para tentar suprir as deficiências de
instrução. “Daí o papel de enciclopédia de pequeno porte assumido pela literatura de
ficção brasileira nesse período de formão” (SÜSSEKIND, 1990, p.90).
Por isso, o narrador dessa época demonstra seu compromisso ilustrado
em inserir nas histórias longas noções de geografia, história, literatura, e
conhecimentos gerais acerca do país, que logo se transformam em lições. Assim,
não raro veremos enxertos de fatos históricos e descrições geográficas com dião
enciclopédica, mostrando que os ficcionistas tinham um desejo de ser como os
naturalistas estrangeiros, que classificavam e mapeavam territórios nacionais. Os
leitores, por sua vez, poderiam se instruir, com esses “almanaques de fácil manuseio
nos quais se misturam informações históricas, descrições de paisagens, sugestões
de comportamento e itinerários e mapas de viagem” (SÜSSEKIND, 1990, p.92) sem
sair do lugar.
Segundo ssekind (1990), no Brasil do século XIX começaram as
tentativas de se fundar uma historiografia literária nacional, ou seja, uma disciplina
que se mesclava à descoberta das origens da própria literatura nacional com suas
particularidades, dotada de marcas inconfundíveis de brasilidade. Desde a referida
época nota-se a busca por uma identidade, por algo que remetesse ao Brasil; um
desejo de investigação, de traçar marcos e documentar descobertas.
Esses traços também podem ser percebidos na literatura romântica, na
descrição da natureza tropical, na seleção de herois marcados por sinais de
honradez e brasilidade e na reafirmação de uma identidade nacional. Esse
movimento de retorno às origens e de busca por marcos históricos e geográficos
tamm demonstram o quanto os escritores ansiavam pela ruptura com a Europa,
criando uma história própria que desse unidade ao país.
Na Primeira República (1889-1930), veremos que os escritores de livros
de leitura também aderem à temática de viagens com o pretexto pedagógico. Júlia
Lopes de Almeida, em Histórias da Nossa Terra, por exemplo, cria narrativas de
viagens marítimas ou mesmo por terra com o intuito de dar um tom de aventura à
hisria. Na narrativa Aventuras de Rosinha” uma órde doze anos pega sozinha
um trem para São Paulo em busca de trabalho e passa por muitos apuros. Em meio
57
à história são inseridas imagens das ruas, do jardim público e de uma fazenda
modelo, lugares por onde a narradora passou durante a viagem.
Figura 7 o Paulo – Rua Direita -
p.75
Figura 8 Estado de São Paulo – Fazenda modelo - p. 81
A ilustração tem um papel fundamental uma vez que os livros tinham a
missão formadora e patriótica de fazer com que os leitores conhecessem seu país e
cultivassem o sentimento de identidade nacional. Além disso, descrições das
imagens de modernidade que o país, por meio dos livros precisava difundir.
Segundo Zilberman e Lajolo (1986):
Essa missão patriótica que a literatura infantil atribui a si mesma
manifesta-se de várias formas; através da exaltação da natureza
brasileira, solução aliás, já sancionada pela literatura não-infantil em
momentos de nacionalismo extremado, como ocorreu durante o
Romantismo; pelos textos que, a pretexto da diversidade regional
brasileira, proclamam, apesar dela, a unidade e grandeza nacionais;
por via, ainda, da exaltação de vultos e de episódios da história do
Brasil ou do culto e exaltação da língua nacional (ZILBERMAN;
LAJOLO, 1986, p.19).
Os temas de viagens tornaram-se grandes aliados para a inserção de
temas nacionais, que o tom aventuresco atraía a curiosidade do leitor. Sabendo
disso, os escritores usavam esse artifício com o intuito instigar o leitor e ao mesmo
tempo instruí-lo. O mesmo acontece no Conto Tio Jorge”; Júlia Lopes de Almeida
usa como pretexto uma viagem de trem de um garoto com seu tio e ao longo da
narrativa insere imagens e descrições sobre a principal atividade econômica da
época: o café. As imagens mostram desde o desbravamento da mata para o plantio
até seu processamento industrial.
58
Figura 9 – Desbravamento da mata virgem para
a plantação do café - Pág. 103
Figura 10 – Usina de despolpar o café - Pág.121
Em todas as narrativas a autora busca inserir imagens
20
do país; são
mais de 46 ilustrações ao longo do livro que trazem um pouco sobre cada estado
brasileiro e suas principais atividades, sendo que o leitor, ao chegar à última história
do livro, terá conhecimento de “um pouco de tudo” dos estados do país. A autora
faz uma viagem pela própria terra, descrevendo cuidadosamente por meio do olhar
do narrador as ruas, pras, pequenos municípios, fazendo relatos de incursões
cotidianas aos lugares mais consideráveis para os quais o leitor atento deve
direcionar seu olhar como para paisagens expostas em museus.
Ainda nessa perspectiva de ilustrar o país, na última narrativa do livro com
o título de “Gigante Brasilião”, um menino chamado Vasco é deixado à porta de uma
senhora e é criado como o filho do gigante. Quando cresce, o menino sai em busca
do pai. Durante a aventura pelas matas brasileiras, Vasco encontra várias criaturas e
descreve a natureza e sua beleza. Além da paisagem, veremos também a descrição
de alguns animais encontrados pelo caminho, o que demonstra a tentativa de fazer
do livro de leitura um museu de tudo”, o qual leva ao leitor um pouco de
conhecimento sobre algo que, provavelmente, ele não veria se não por meio das
ilustrações e descrições dos livros escolares.
20
Sobre as imagens, Roger Chartier (1992, p.213) traz algumas reflexões importantes para
compreendermos melhor a estrutura dos livros de leitura em questão. Ele levanta as limitações
impostas às imagens impressas. No seu entendimento, as imagens são “um meio para melhor
garantir o controle do sentido”.
59
No final da narrativa, Vasco encontra uma escola e, ao aproximar-se da
janela, ouve o professor falando sobre o Brasil apontando para o mapa:
Figura 11 – Mapa do Brasil do conto “Gigante Brasilião” p. 243
O Brasil é isto tudo! Aqui, ao norte, vemos o estado do Amazonas, que
poderás supor ser a cabeça febril do gigante. Através do seu território
despenha-se o mais formidável rio do globo, e ele e os seus afluentes são
como as veias daquele cérebro que não deixarão nunca de pulsar com
energia. Aqui, o Pará, Estado forte, riquíssimo, rasgado pelas mesmas
águas do grandioso Amazonas, ordeiro e próspero, grande em toda a
extensão da palavra; aqui o Maranhão, pátria de grandes filhos, cujos
nomes te ensinarei a amar. Agora, nesta cadeia à beira do oceano, veremos
como que a espinha do teu gigante, formada por todos estes estados: Piauí,
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Rio
de Janeiro! No centro, Mato Grosso e Goiás o o peito onde se esconde o
coração do gigante, misterioso e forte! Aqui o estado de Minas Gerais, o
ventre ubérrimo, que se desentranha em ouro e pedras preciosas, altivo e
generoso; agora São Paulo, a terra fertilíssima, cortada pelos trilhos das
locomotivas, caminhando com força, dando exemplos de prosperidade e de
energia; aqui o Paraná, de um clima ameníssimo e Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, terra dos grandes guerreiros defensores da pátria. Como um
ponto de comunhão, um lugar em que todos estes belos estados se fazem
representar, aqui temos o Rio de janeiro, posta à beira da mais bela baía do
mundo, sorrindo entre as suas montanhas incomparáveis! (ALMEIDA, 1917,
p. 242-244)
A viagem do menino em busca do pai serve de pretexto para a autora
descrever a geografia, a história do país e suas riquezas, a fim de que o leitor, ao
final da expedição admire a grandiosidade do Brasil; na verdade, o gigante é uma
metáfora utilizada para mostrar o quanto nosso país é grande e generoso, pois
“lavrando esta terra bendita, enriqueces a tua prole e farás a fortuna do nosso pai
comum O Gigante Brasilião (ALMEIDA, 1917, p.245). Assim, a natureza é
60
glorificada como uma espécie de “tesouro” que só poderá ser desfrutado por aqueles
que, com muito trabalho e amor à pátria, transformarem a terra abençoada em
fortuna.
Também encontraremos o mesmo artifício do uso de temas de viagens
com o propósito instrutivo no livro Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manoel
Bomfim. Os jovens Carlos e Alfredo, protagonistas da narrativa, percorrem todo o
país em busca do pai. Em meio a esta grande aventura, os meninos encontram e
descrevem as paisagens dos estados brasileiros. O livro contém 42 imagens que
ilustram as diferentes culturas, a mineração, as principais atividades de cada estado
e o progresso das grandes cidades do Brasil (igrejas, estradas, pontes, praças,
avenidas, etc.).
Figura 12 Através do Brasil: um canavial na
época do corte de cana p.25
Figura 13 – Através do Brasil - Amazonas:
produção de borracha p.300
Os próprios autores na “Advertência e explicação” do livro fazem questão
de mostrar seus propósitos com a publicão do livro:
[...] este livro é uma simples narrativa, acompanhada de cenários e
costumes mais distintivos da vida brasileira. [...] Além de servir de
oportunidade para que o professor possa realizar as suas lições, o livro de
leitura deve conter em si uma grande lição. E acreditamos que isso se
com o nosso trabalho. Estamos certos que a criança, com sua simples
leitura, lucrará alguma cousa: aprenderá a conhecer um pouco o Brasil;
terá uma visão, a um tempo geral e concreta, da vida brasileira, - as suas
gentes, os seus costumes, as suas paisagem, os seus aspectos distintivos
(BOMFIM; BILAC, 1925, p.5-7).
61
Em todos os estados percorridos pelos pequenos viajantes, além da
paisagem, a economia, os herois históricos, monumentos e costumes são descritos
sempre elevando suas qualidades e potencialidades. Assim, vemos que a história
dos meninos viajantes serve apenas como um pano de fundo, um atrativo, para que
os autores possam ilustrar um Brasil rico e desconhecido aos olhos dos leitores.
Além do propósito geográfico, os autores também inserem, através de diálogos com
os protagonistas, a descrição de cenas históricas também com o intuito formador.
No capítulo LXXIII, por exemplo, os protagonistas viajam de navio em direção ao Rio
Grande do Sul em busca de seus familiares. Ao passarem pelo litoral de Santa
Catarina o acompanhante dos meninos comenta:
- Aqui, em Santa Catarina, nasceu uma grande brasileira, grande pelo seu
nobre coração, pelo seu valor, e pela ternura e dedicação com que associou
a sua vida à vida de um heroi!
- Quem foi? – perguntou logo Alfredo.
- Anita Garibaldi, mulher do famoso cabo de guerra italiano, que além de
entrar nas campanhas da unificação da Ilia, também no Brasil serviu a
causa da liberdade, tomando parte na revolução dos Farrapos (BOMFIM;
BILAC, 1925, p.283).
Autor de Nossa Pátria, Rocha Pombo busca por meio de narrativas de
fatos da história do Brasil mostrar os feitos heroicos, que, segundo o autor, “são
essas coisas que firmam nossa existência moral. Sentir o que fizeram de grande
nossos antepassados equivale a tomar o compromisso de continuar a história”
(POMBO, 1925, p.3). O autor pretende criar uma identidade nacional mostrando um
passado comum e glorioso, narrando a história, vida e costumes desde 1500. Já no
capítulo I, “Nossa Pátria”, vemos o culto à pátria por meio da homogeneização:
Se é certo, no entanto, que a Terra é de todos os homens, também é
verdade que o torrão onde nascemos é o mais grato ao nosso coração; e
que entre os homens, os que mais nós amamos são aqueles que mais junto
de nós se encontram; com os quais convivemos; que trabalham conosco;
que falam a mesma língua que nós falamos; que tem a mesma religião que
nós temos; que veneram os mesmos antepassados que nós veneramos; e
que se nos unem, portanto, pelos mesmos laços morais. Estes são os
nossos. Esta é a terra que nos é mais cara que todos o mundo. E se algum
dia o interesse, a ambição, a inveja ou o ódio de outro povo se levantasse
contra ela todos nós, seus filhos, com que ânsia acudiríamos unidos a
defendê-la e vingá-la, mesmo sacrificando-lhe o nosso sangue e a nossa
vida; pois que esta é a terra de nossos pais, é nossa Pátria! (POMBO, 1925,
p.6)
62
Dos livros pesquisados, este é o que mais apresenta ilustrações; as 120
nele contido mostram em geral herois e escritores nacionais, paisagens,
monumentos, costumes, fatos históricos, mapas e símbolos nacionais, os quais
remetem a um passado cheio de glórias e feitos heroicos. Um dos principais
objetivos do autor é mostrar ao leitor que, embora o Brasil fosse um jovem país,
tínhamos registros de algo que pudéssemos nos orgulhar, inclusive a história:
Para termos uma ideia do que é hoje o Brasil, seria preciso volver um olhar
para traz, apanhar num relance o que fizemos aqui em pouco mais de três
culos e meio de trabalho. Veríamos, então, como nunca desfalecemos no
esforço constante de criar aqui uma civilização que faça honra ao
continente americano. E isso estamos alcançando. Podemos bem nos
ufanar-nos de estar fazendo dignamente o nosso papel na América. Basta
indicar o oriente que temos seguido em toda a nossa história (POMBO,
1925, p.151).
A descrição da luta dos brasileiros até chegar à República vai desde a
paisagem natural e incivilizada até o que ele chamará de civilização ou os
progressos do Brasil. A obra busca por meio da descrição de “grandes feitos
nacionais” elucidar o que seria a meta comum a todo o cidadão: trabalhar para o
fortalecimento da nação e para o bem comum.
Figura 14 - Nossa Pátria: a bandeira p.5
Figura 15 – Nossa Pátria -
Diogo Álvares e sua
mulher Paraguaçu p.35
Figura 16 – Nossa Pátria
- Monumento de
Tiradentes Ouro Preto p.
92
63
Diferente dos livros já citados, a obra de Rocha Pombo não é uma
narrativa ficcional, mas sim narrativas que visam organizar a história do Brasil desde
sua gênese; o autor as constroi com o intuito de resgatar as “essências nacionais”,
viajando no tempo de mapa em punho, repetindo a viagem dos colonizadores e
traçando um começo histórico. Os três primeiros capítulos são para a glorificação
pátria, enfatizando símbolos nacionais como a bandeira e a independência; a partir
do capítulo V, o autor retoma a história desde antes do descobrimento falando dos
grandes navegadores, narrando suas corajosas aventuras pelo mundo em busca de
fortuna. Assim fazendo, o autor chega ao Descobrimento do Brasil (1500) e segue
suas narrações até chegar à atualidade, a Primeira República (1889-1930).
Nota-se que o autor, quando fala da “nossa história” refere-se à história
dos portugueses no Brasil, por isso afirma que os mais corajosos navegadores
naqueles tempos “foram os portugueses, nossos avós” (POMBO, 1925, p.17).
Portanto, Rocha Pombo não utiliza a temática de viagens de maneira ficcional; a
hisria dos viajantes navegadores portugueses, para o autor, é a própria gênese da
hisria do Brasil.
O livro Contos Pátrios, de Olavo Bilac e Coelho Netto fala acerca dos
viajantes no conto A defesa”. Nele é narrada a invasão de seis navios de guerra
franceses comandados por Du Clerc em 11 de setembro de 1710 no Rio de Janeiro.
A intenção do conto é demonstrar a coragem dos brasileiros, “quase todos
estudantes”:
Poucos minutos bastaram para que, perdida a calma diante daquele assalto
espantoso, vendo os seus caírem retalhados de golpes terríveis, a coluna
de Du Clerc fugisse em debandada. Então, acossados pelos estudantes
vitoriosos, os invasores se encurralaram num trapiche, que havia na
extremidade da rua. E, logo os vencedores estabeleceram em torno deles
um sitio rigoroso (BILAC; COELHO NETTO, 1928).
64
Figura 17 “A defesa” - Navios invasores
franceses p. 115.
Figura 18 “A defesa” A mocidade do Rio de
Janeiro salvando a cidade dos invasores
franceses p. 118.
Em termos de patriotismo, o livro Porque me ufano do meu país, de
Affonso Censo, chega a ser exagerado e ingênuo. Para o autor, o que une e
constitui as nações é o sentimento do passado, a posse em comum de um rico
legado de tradições, o desejo de viver juntos e vontade incessante de “manter e
continuar a fazer valer a indivisa herança recebida. Depende simplesmente dos
brasileiros unir e constituir assim o Brasil(CELSO, s/d, p.195).
No capítulo I, o autor declara que “ser brasileiro significa distinção e
vantagem” (CELSO, s/d, p.2). Pensando desse modo, o autor opõe características
de outras nões às da nação brasileira e enumera motivos da nossa superioridade,
como a grandeza territorial, belezas naturais, riquezas, a variedade e amenidade do
clima, ausência de calamidades, a formação do tipo nacional, os nobres predicados
do caráter nacional, suas vitórias militares, seu procedimento cavalheiroso e digno
para com os outros povos, glórias e sua história. Ao mostrar o “Primeiro motivo da
superioridade do Brasil: a sua grandeza territorial”, o autor descreve o país da
seguinte maneira:
O Brasil é um dos mais vastos países do globo, o mais vasto da raça latina,
o mais vasto do Novo Mundo, à exceção dos Estados Unidos. É pouco
menor que toda a Europa. Rivaliza em tamanho com o conjunto dos outros
países da América Meridional. Representa uma décima quinta parte do orbe
terráqueo. Só a Rússia, a China e os Estados Unidos o excedem em
extensão. É quatorze vezes maior que a França, cerca de trezentas vezes
maior que a Bélgica. A sua circunscrição territorial menos dilatada, Sergipe,
sobreleva a Holanda, a Suíça, o Haiti. [...] Pará, Goiás, Mato Grosso
ultrapassam qualquer nação europeia, salvante a Rússia. O Brasil é um
mundo (CELSO, s/d, p.5).
65
Affonso Celso nos mostra um país com uma história gloriosa, com
imensas riquezas e territórios e, ao final da leitura sente-se na obrigação cívica de
fazer com que o país prospere. Para dar valor de verdade às suas descrições,
Affonso Celso, no capítulo V, cita a experiência produzida nos viajantes e sábios que
percorreram o Brasil:
Alexandre de Humboldt coloca a majestade, a calma das nossas noites
tropicais entre os maiores gozos proporcionados pelas cenas da natureza;
exalta a indivisível lindeza das nossas palmeiras, cujos penachos formam
às vezes uma floresta sobre a outra floresta; assegura que a zona vizinha
do equador é a parte da superfície do planeta, onde, em menor extensão,
se despertam mais numerosas variedades de impressões, ostentando quer
a terra quer o céu todos os seus multíplices esplendores.
Inúmeros outros autores celebram enlevados as formosuras do Brasil, rico
de paisagens para quaisquer preferências. Nenhum a que, pisando o nosso
território, deixe de se encantar pela natureza. Tornou-se proverbial a
admiração que ela provoca. Vistas dela tiradas se exibem como modelos
nos mais exigentes centros artísticos. Sustenta Maurício Lamberg que o céu
do Brasil é mais formoso do que o europeu, brilhando aqui a lua e as
estrelas como em nenhuma outra região, pois são superiores as nossas
condições atmosféricas. Comprova assim o viajante alemão a verdade dos
poéticos conceitos de Gonçalves Dias:
Nosso céu tem mais estrelas
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores (CELSO, s/d, p.16).
O autor usa o conhecimento do viajante estrangeiro para ensinar aos
brasileiros a ver sua própria paisagem; assim, o relato do viajante é a “certidão de
verdade”
21
que comprova suas descrições, bem como as descrições de poetas
brasileiros. O estrangeiro é quem assegura”, quem “sustenta”, quem “comprova”.
Süssekind, ao falar da influência dos relatos de viajantes na literatura ficcional do
século XIX revela a grande influência dos mesmos e sua aceitação por parte do
leitor. Segundo a autora, “essa associação entre o projeto de uma literatura nacional
e um reiterado compromisso com a instrução, figura-se na prosa de ficção da
primeira metade do século passado uma aceitação tácita por parte do leitor do papel
de ‘aprendiz’ que aí lhe é atribuído” (SÜSSEKIND, 1990, p.92).
Além da primeira metade do século XIX, essa aceitão do leitor e o
compromisso instrutivo dos relatos de viagens influenciou os escritores de livros de
leitura da Primeira República. Tamm no livro de João Köpke, Segundo livro de
21
Termo utilizado por SÜSSEKIND, 1990, p.46.
66
leituras Morais e Instrutivas, veremos a influência do relato do viajante como certidão
de verdade na lição 36 “O titio”:
O titio viajou por todo o mundo; viu muitas terras, e muitos povos, e muitas
coisas. Ele contou que uma vez esteve em um país muito frio, onde não se
via o sol durante Três meses inteiros, e se estava sempre às escuras. O titio
viu montanhas com cumes tão altos e também montanhas com cumes tão
altos e tão frios que estavam sempre cobertos de gelo. [...] E o titio tinha
também visto baleias, e muitos peixes, e leões, e tigres e muitos outros
animais. Ele contava como se pescam as baleias; como os tubarões o
ferozes; como os leões matam o gado; como se caçam os tigres, e uma
porção de histórias, e histórias verdadeiras, que o as melhores. E os dois
meninos ouviam caladinhos, prestando muita atenção (KÖPKE, 1921, p.91-
94).
Nesse caso, temos um brasileiro relatando suas impressões acerca de
países estrangeiros; o viajante é visto como alguém sábio, que traz conhecimento de
muitos lugares e sua palavra tem valor de verdade. Também podemos percebê-lo
como a “árvore dos conhecimentos" capaz de trazê-los das mais distantes partes do
mundo aos olhos e ouvidos de quem se dispõe a aprender. Assim, os autores dão
sentido instrutivo às viagens, que logo são convertidas em lições.
Embora os autores tenham diferentes abordagens, artifícios e métodos,
todos buscam criar no leitor um sentimento patriótico, mostrando as paisagens
brasileiras, sua história e cultura, seja por meio da narrativa ficcional, seja pela
narrativa histórica. A inserção de imagens no texto é algo recorrente nessas
produções, o que faz do livro de leitura escolar desse período poder ser considerado
“um museu de tudo”.
Com o clima de patriotismo desenvolvido na Primeira República, nada
mais coerente e útil que inserir nas produções escolares, assim como foi na
produção direcionada para os adultos, assuntos nacionais que cultivariam nos
corações dos pequenos leitores o sentimento patriótico; assim, as narrativas de
viagem, com ou sem fantasia, além de atraírem o leitor, fizeram uma espécie de
mapeamento do país, transformando os textos escolares da época em uma viagem
incessante na direção da nossa nacionalidade.
A temática de viagens, além de ter intuito formador, também traz à tona a
ideia de progresso, já que é no decorrer das narrativas que são mostrados os herois
nacionais, as praças, a natureza (como possível fonte de riqueza por meio do
trabalho) os monumentos, etc. Toda essa exposição vem ao encontro dos ideais
progressistas da época, os quais buscam mostrar aos leitores a nossa capacidade
67
nos desenvolver e transformar o Brasil em um país moderno. As descrições do país,
por vezes exaustivas, apresentadas nos livros de leitura escolar da Primeira
República revelam aos leitores a inevitabilidade do progresso; as possibilidades
oriundas da rica natureza e herois nacionais sacralizados levam a crer que as
características de nosso país, principalmente a geografia privilegiada, fariam com
que o país se desenvolvesse. No entanto, conforme veremos posteriormente, a ideia
de progresso desenvolvida pelos nacionalismos na Primeira República causou
algumas tensões, uma vez que nessa mesma época enfrentávamos sérios
problemas decorrentes do processo de modernização.
3.2 A temática do Progresso e o Problema da Etnicidade
22
Se até agora vimos nos temas de viagens explorados nos livros de
leitura a face ufanista salientando aquilo de grandioso, heroico e rico que o pais
possuiria, o tema progresso parece acusar uma outra perspectiva. Nele se revelaria
os modos pelos quais as desigualdades históricas e sociais presentes na realidade
procuravam ser resolvidas nos livros de leitura de forma ideológica.
Como vimos, nas últimas décadas do século XIX, as campanhas
abolicionistas e republicanas tomam foa, o que resultou no regime republicano em
1889. Nesse período, a ânsia pela modernização do ps gerou um clima de
progresso, apoiado pela ciência. A Belle Époque havia se transferido para as
cidades, trazendo uma era de ouro, do luxo, da beleza e da arte. Sevcenko, ao
discutir acerca das tensões sociais durante a Primeira República relata a situação do
Rio de Janeiro nesse período:
Assisti-se à transformação do espaço público, do modo de vida e da
mentalidade carioca, segundo padrões totalmente originais: e não havia
quem se lhe pudesse opor. Quatro princípios fundamentais regeram o
transcurso dessa metamorfose, conforme veremos adiante: a condenação
dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade tradicional; a
negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse
macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa
de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será
praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas;
22
Etnicidade é o conjunto de características comuns a um grupo de pessoas, que as diferenciem de
outro grupo. Normalmente essas características incluem a língua, a cultura e também a noção de
uma origem comum. No período em questão, tinha-se a convicção de que negros e índios eram
inferiores, portanto, a formação étnica brasileira nesse ponto de vista seria um “problema étnico”.
68
e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida
parisiense (SEVCENKO, 1983, p.30).
Todas as mudanças ocorridas nas cidades em nome do progresso
forçaram as camadas mais humildes da sociedade a se deslocarem para locais mais
distantes; assim, a burguesia poderia viver seu sonho parisiense de civilização. No
entanto, esse processo agravou ainda mais os padrões de distinção social levando
os mais pobres a enfrentarem um clima de miséria que, segundo o pensamento da
época, maculava a majestade das praças e monumentos que representavam o
progresso. Inseridos nessa cruzada, alguns intelectuais queriam transformar a
imagem do país e aderem a este perfil, inspirados pelo positivismo, liberalismo e
utilitarismo. Por esse motivo, veremos com frequência nos livros de leitura da época
os temas do progresso e da civilização, justamente porque ambos eram objetivos
obsessivos por parte da nova burguesia da época.
Mas, o que significava civilização na Primeira República? Segundo o
Dicionário de filosofia do autor Abbagnano (2007, p. 168), no uso comum “esse
termo significa as formas mais elevadas da vida de um povo, isto é, a religião, a arte,
a ciência, etc., consideradas como indicadores do grau de formação humana ou
espiritual alcançada pelo povo”. No referido período, certamente a civilização
espelhava-se na cultura e hábitos europeus. Falcon (1989), ao tecer considerações
acerca desse conceito, diz que civilização é um termo originário do Iluminismo, uma
realidade e um ideal: o progresso. Para o historiador, boa parte dos trabalhos mais
importantes produzidos durante o século XVIII tem como objetivo a ideia de
civilização; assim, o caminho da barbárie à civilização é considerado o próprio
caminho do ser humano, da animalidade à humanidade” (FALCON, 1989, p.62).
Segundo Horkheimer e Adorno (1975, p.97), “desde sempre o iluminismo,
no sentido mais abrangente de um pensar que faz progressos, perseguiu o objetivo
de livrar os homens do medo e de fazer deles senhores”. Para os iluministas, a
ciência foi considerada o caminho da desmistificação do mundo, ainda impregnado
por explicações religiosas; nesse sentido a razão seria “o instrumento de libertação
do homem para que alcançasse através dela sua autonomia e Muendigkeit
(maioridade)” (FREITAG, 1986, p.34). Dessa maneira, o movimento iluminista
buscou reorganizar a sociedade com base em critérios racionais derrubando mitos e
substituindo a supremacia da pela da razão que levaria ao progresso da
humanidade, à liberdade e à felicidade.
69
No entanto, para Horkheimer e Adorno, a ideia de emancipação do
homem trazida pelo movimento iluminista perdeu sua dimensão libertária visto que
no processo histórico ela foi suprimida em virtude da apoderação por parte da
burguesia dos meios de produção e do controle da organização social e política.
Dessa maneira, a razão emancipadora dá lugar à razão instrumental a qual guiaria o
homem no processo de dominação da natureza para o acúmulo de riquezas e
produção de lucro. Como consequência, a mesma gica da dominação da natureza
para a produção de riquezas, é utilizada para a dominação dos homens pelos
homens.
Os intelectuais da Escola de Frankfurt mais tarde farão críticas aos
descaminhos do Iluminismo. Horkheimer e Adorno, por exemplo, ao discorrer acerca
do esvaziamento da razão emancipadora em prol do desenvolvimento técnico para o
domínio da natureza e do próprio homem revelam que:
O que os homens querem aprender da natureza é como aplicá-la para
dominar completamente sobre ela e sobre os homens. Fora disso, nada
conta. Sem escrúpulos, para consigo mesmo, o iluminismo incinerou os
últimos restos da sua própria consciência de si (HORKHEIMER; ADORNO,
1975, p.98).
O que eles enfatizam é que a própria razão destruidora dos mitos acabou
por aprisionar o próprio homem por meio da lógica da dominação. Assim, esse
mesmo progresso tão desejado pelos iluministas, com o passar do tempo, ao invés
de evoluir para degraus mais elevados do desenvolvimento da humanidade acabou
sucumbindo diante da dominação do homem pelo homem.
Essa noção de progresso oriunda do Iluminismo, vinculada ao processo
de expansão do capitalismo e implementação dos valores burgueses no Brasil, teve
muita influência nos nacionalismos da Primeira República e consequentemente nos
livros de leitura. Como já vimos em capítulos anteriores, o Brasil nessa época estava
sofrendo grandes transformações; recentemente tínhamos nos livrado da escravidão
e necessitávamos modernizar-nos. Sendo assim, a ideia do livro de leitura era
responder a uma demanda urgente do ps que se queria consolidar como nação
moderna.
Mas, a ideia de progresso também permitiu a hierarquização da
humanidade por meio de teorias científicas como o darwinismo; por isso, é comum
verificar nas obras dos intelectuais da Primeira República e nos livros de leitura a
70
exposição da cultura europeia com ‘civilizada’ e a cultura negra e indígena como
‘incivilizada’. Essas marcas estão pautadas na ideia de progresso presente na
filosofia ilustrada do século XVIII que também teve grande aceitação em todo século
XIX. Essas mesmas teorias alimentaram movimentos nacionalistas no Brasil e em
diversas partes do continente; em nosso país inspirou, na virada do século XIX, uma
elite que buscava construir uma identidade nacional a partir de ideias europeias, as
quais defendiam a superioridade ariana apresentando a formação étnica brasileira
como um problema a ser equacionado.
No Brasil, o projeto civilizatório dos nacionalismos da Primeira República
resultou em algumas tensões já que, ao passo que se buscava o progresso, também
veremos a marginalização, a sujeição, o ocultamento e a omissão. As mudanças em
prol do progresso, como vimos na questão da reurbanização do Rio de Janeiro,
representam algumas dessas tensões, uma vez que na medida em que se excluíam
muitos, aprofundavam-se desigualdades, produzindo um distanciamento entre
excluídos e incluídos, ou seja, formava-se uma grande linha divisória entre os que
viviam nas condições mais precárias, miseráveis e indignas para seres humanos e
os que partilhavam dos confortos que as sociedades industriais desenvolvidas
ofereciam.
Um olhar atento sobre a produção dos livros de leitura da Primeira
República permite-nos perceber a constante articulação desse período com o
conceito de progresso e civilização aliados ao discurso científico, à reorganização do
espaço urbano e à nova importância dada à educação. Os livros escolares, além de
ilustrarem um país desconhecido por meio das narrativas, também revelam as
contradições que a disseminação dos ideais nacionalistas gostariam de resolver de
forma ideológica. Ou seja, embora a noção de progresso oriunda do movimento
iluminista,como vimos, tivesse assumido uma acepção emancipadora em um
primeiro momento vinculada à expansão do capitalismo acabou por aprofundar ou
consolidar as desigualdades.
Nessa perspectiva, em prol do “progresso no qual o projeto de nação
brasileira baseou-se, alguns elementos, como vimos anteriormente, foram excluídos
do projeto de modernização. Darei ênfase à representação dos índios e negros nos
livros de leitura da época. Um fato a princípio curioso pode chamar a atenção do
leitor, uma vez que mesmo excluídos, negros e índios são personagens que
71
aparecem em todos os livros de leitura da Primeira República pesquisados. A
questão é: por quê?
Se levarmos em consideração o tipo de representação que negros e
índios ganharam quando representados a partir da perspectiva dos temas de
viagens nos livros escolares, fica patente que os autores dos destes buscavam
construir uma leitura do passado na qual aqueles se inseriam como componentes da
hisria do país. Nesse aspecto, eles assumiam o mesmo estatuto dos símbolos que
tinham o intuito de criar um sentimento patriótico e unir a nação por meio de valores
comuns. Seu lugar era aceitável, visto que seria impossível construir um passado
nacional sem levar em conta sua presença nele. No entanto, os nacionalismos da
Primeira República muitas vezes encontravam dificuldades de compatibilizar a
presença de negros e índios no projeto progressista que defendiam e desejavam
implementar. Desse modo, nos livros de leitura, ao mesmo tempo em que negros e
índios aparecem como integrantes do passado nacional, exigindo que sejam
explicados como componentes daquele presente, são também sutil e geralmente
avaliados como incompatíveis com o projeto de nação que se queria instaurar,
símbolos de um atraso que cumpriria superar e que as teorias raciais
ideologicamente legitimavam a exclusão.
Júlia Lopes de Almeida adere à ideia que o índio é incompatível com a
nação que se queria formar. No livro História de Nossa Terra no conto A pobre
cega” a autora descreve os índios como impetuosos guerreiros com instintos de
animal feroz. Graças à civilizão, ou seja, da “descoberta do Brasil pelos
portugueses” o povo brasileiro, segundo a autora, pôde deixar de ser um povo
bárbaro. Tal representação simplifica as tensões envolvendo civilização e barbárie,
ou seja, ao descrever o índio dessa forma, justifica-se a omissão e marginalização
dos mesmos em prol do progresso:
A civilização adoça os costumes e tem por objetivo tornar os homens
melhores, disse-me o meu professor, obrigando-me a refletir sobre o que
somos agora e o que eram os selvagens antes do descobrimento do Brasil.
[...]
Que alegria invade o meu espírito quando penso na felicidade de ter
nascido quatrocentos anos depois desse tempo, em que o homem era uma
fera, indigno da terra que devastava, e como estremeço de gratidão pelas
multidões que vieram redimir essa terra, cavando com a sua ambição
regando-a com o seu sangue, salvando-a com a sua cruz! Graças a elas,
agora, em vez de devastar, cultivamos, e socorremo-nos e mamamo-nos
uns aos outros!
72
Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, Frei Henrique de Coimbra,
vivei eternamente no bronze agradecido, com que no Rio de Janeiro vos
personificou o mestre dos escultores brasileiros! (ALMEIDA,1917, p.26-30)
Os portugueses, segundo a autora, foram aqueles que trouxeram a
civilização para o país, ou seja, “adoçaram os costumes”; mas, para que isso
acontecesse, toda a cultura indígena deveria ser renegada ou mesmo destruída em
prol da cultura do Ocidente cristão. Por isso, geralmente o “selvagem” era colocado
nessas obras em contraposição às cidades e aos monumentos que simbolizavam a
viria do progresso contra o atraso. O índio é representado como um elemento do
passado a ser negado ou superado diante da modernização que se buscava.
A citação acima sugere que a autora acreditava somente nos europeus
para implantar o progresso em terras brasileiras. Em relação aos selvagens, Júlia
Lopes de Almeida apresenta defeitos” que atravancariam o projeto civilizador
inspirado no mito positivista: ociosidade, incapacidade industrial, barbárie. Isso
revela que a noção burguesa de progresso faz com que o selvagem ganhe uma
outra dimensão que não aquela do Indianismo, que buscava no índio uma
identificação. Este novo conceito de nacionalismo pautado na ideia de progresso
possui algumas peculiaridades que se diferenciam daquilo que se entendia antes
como civilização e a incorporação do elemento indígena como início da construção
da civilidade brasileira.
Essa negação da figura do selvagem, que pode ser vista em vários livros
de leitura da época, tem a ver com as campanhas de modernização promovidas nas
cidades. Segundo Sevcenko (1983), o pensamento progressista da época
desencadeou no Rio de Janeiro “uma campanha de ‘caça aos mendigos’ visando à
eliminação de esmoleres, pedintes, indigentes, ébrios, prostitutas e quaisquer outros
grupos marginais das áreas centrais da cidade”. O índio, que no Romantismo foi
símbolo nacional, agora era considerado nossa vergonha. O autor cita um trecho de
um cronista da época para demonstrar a intolerância social para com os “gentios” e
seus costumes atrasados em relação à atual vida burguesa nas cidades:
Já se foi o tempo em que acolhíamos com uma certa simpatia esses
parentes que vinham descalços e mal vestidos, falar-nos de seus infortúnios
e de suas brenhas. Então a cidade era deselegante, mal calçada e escura,
e porque não possuíamos monumentos, o balouçar das palmeiras afagava
a nossa vaidade. Recebíamos então sem grande constrangimento, no
casarão, à sombra de nossas árvores, o gentio e os seus pesares, e lhes
manifestávamos a nossa cordialidade fraternal... por clavinotes, facas de
ponta, enxadas e colarinhos velhos. Agora, porém a cidade mudou e nós
73
mudamos com ela e por ela. não é a singela morada de pedras sob
coqueiros; é o salão com tapetes ricos e grandes globos de luz elétrica. É
por isso, quando o selvagem aparece é como um parente que nos
envergonha. Em vez de reparar as mágoas do seu coração, olhamos com
terror para a lama bravia dos seus pés. O nosso smartismo estragou nossa
fraternidade (J.C, 1908 apud SEVCENKO, 1983, p.35).
Como também vimos no capítulo II, na Primeira República vivia-se um
momento de transição e reflexão sobre a realidade brasileira. Oriundo da Europa, o
cientificismo fortalecia a crença de que as dificuldades enfrentadas pelo país eram
fruto da formação étnica dos brasileiros, em sua maioria composta de mestiços.
Dessa maneira, não raras vezes encontraremos textos da época que negam tudo o
que possa macular o clima de desenvolvimento do país, seja o comportamento, seja
a classe social ou o tipo étnico, considerados muitas vezes como sinônimos de
barbárie. Lembre-se que intelectuais como Veríssimo (1985, p.67) defendiam uma
educação que corrigisse os defeitos, que, segundo o autor, somos o produto de
três raças perfeitamente distintas duas delas consideradas selvagens (o negro e o
índio) e uma em declínio (o branco português). Essa última, acrescenta Veríssimo
(1985, p.67), assim se encontrava em virtude da má influência do tipo nacional (o
mestiço) sobre os portugueses. Dessa forma, sugeria uma rie de ações
educativas a fim de corrigir o caráter nacional e a sua má formação.
Também Olavo Bilac acreditava que a educação era fundamental para a
regeneração do país; como fundador da Liga da Defesa Nacional, via no serviço
militar generalizado a solução para o estado lastimável das cidades. Para o autor, o
serviço militar “é o triunfo completo da democracia; o nivelamento das classes; a
Escola da ordem, da disciplina; da coesão; o laborario da dignidade própria e do
patriotismo” (BILAC, 1924, p.119-121). Bilac reconhecia que a obrigatoriedade do
serviço militar era uma atitude “salvadora” diante da situação das cidades:
As cidades estão cheias de ociosos descalços, maltrapilhos, inimigos da
carta do “ABC” e do banho animais brutos, que de homens têm apenas a
aparência e a maldade. Para esses rebotalhos a caserna seria a salvação.
A caserna é um filtro admirável em que os homens se depuram e apuram:
dela sairiam conscientes, dignos brasileiros, esses infelizes sem
consciência, sem dignidade, sem pátria, que constituem a massa amorfa e
triste de nossa multidão... (BILAC, 1924, p.121)
Perceberemos essa ânsia por “aperfeiçoar” o caráter do povo, mas agora
na rejeição da figura do selvagem também na obra Contos Pátrios, no conto “A
74
civilização”, escrito por Olavo Bilac. Em se tratando de um livro destinado às
escolas, busca-se mostrar ao leitor o caráter positivo da civilização dando ênfase ao
lado “negativo” do Brasil pré-colonial, no qual o índio encontra-se inserido:
A civilização, que é a difusão das riquezas materiais, intelectuais e morais,
não pode nunca, sem longo trabalho de reforma paciente, tomar conta de
um país. Para que um povo tenha civilização, é necessário que o moroso
passar dos séculos aperfeiçoando o caráter desse povo. [...] Lembra-te,
primeiro, da antiga bruteza desse solo: [...] toda a natureza se mostrava
concertada para repelir outros habitantes, que não fossem os que ela já
possuía, rudes e selvagens como ela. Esses viviam vagando, sem pouso
certo, em constantes guerras; quando entravam na vida sedentária, a sua
habitação era um agrupamento informe de “ocasde barro e madeira [...] E
o que era a vida social desses tempos, diziam-no claramente as caveiras
dos inimigos mortos em combate [...] (BILAC; COELHO NETTO, 1928,
p.272-273).
Figura 19 - Representação
23
da moradia dos “selvagens” no conto “A Civilização” p. 274.
23
O uso desse termo foi sugerido aos escolásticos pelo conceito de conhecimento como
“semelhança” do objeto. “Representar algo” – dizia Tomás de Aquino – “significa conter a semelhança
da coisa”. Mas foi principalmente no fim da escolástica que esse termo passou a ser mais usado, às
vezes para indicar o significado das palavras. Ockham distinguia três significados fundamentais:”
Representar tem vários sentidos. Em primeiro lugar, designa-se com este termo aquilo por meio do
qual se conhece algo, e representar significa ser aquilo com que se conhece alguma coisa. Em
segundo lugar, por representar entende-se conhecer alguma coisa, após cujo conhecimento conhece-
se outra coisa; nesse sentido, a imagem representa aquilo de que é imagem no ato de lembrar. Em
terceiro lugar, por representar entende-se causar o conhecimento do mesmo modo como objeto
causa do conhecimento. No primeiro caso, a representação é mais geral; no segundo, é a image; no
terceiro, é o próprio objeto. Esses o, na realidade, todos os possíveis significados do termo, que
voltou a ter importância com a noção cartesiana de ideia como quadro ou imagem da coisa
(Abbagnano, 2007, p.1007).
75
A ideologia do progresso passou a ser uma das categorias fundamentais
do pensamento dos escritores dos livros de leitura, os quais buscavam identificar-se
com as elites europeias e, consequentemente, adotavam o modelo nacionalista
proposto por esses setores. Designando os selvagens como agentes da barbárie,
Bilac e Coelho Netto contrastam os mesmos com as cidades, as quais são
representantes da modernidade ao passo que o mundo dos antigos autóctones não
passava de um reduto bárbaro. Em Através do Brasil, por exemplo, no capítulo VI,
Bilac e Bomfim descrevem a vida indígena em contraposição à vida civilizada
fazendo novamente a relação de superioridade (civilizada) e inferioridade (bárbaro):
-Tinham casas que não eram bem feitas como as nossas.
- E andavam vestidos como nós? – Qual! Andavam nus, apenas com
alguns ornatos feitos de penas. [...] e usavam ainda colares e pulseiras,
algumas vezes formados por enfiadas dos dentes que arrancavam da boca
dos inimigos mortos na guerra.
- E como eram as guerras? - Ah! Eram terríveis! Eram verdadeiras guerras
de extermínio. [...] Os prisioneiros eram comidos ou escravizados.
Alfredo ouvia com grande atenção o que o irmão lhe dizia. Mas não lhe saía
da cabeça, particularmente, a ideia horrível dos banquetes de carne
humana...
- Que barbaridade! E ainda há muitos índios no Brasil? - alguns [...]
conservando a sua vida independente e os seus costumes ferozes. Mas,
perto das povoações, já todos eles se vão convertendo à vida civilizada...
(BILAC; BOMFIM, 1925, p. 36-40)
Figura 20 - Representação de uma taba pág.38.
Como vimos no capítulo II, o índio foi considerado inapto ao trabalho;
isso porque a noção de progresso tem como base a produção de riquezas por meio
do trabalho, de tal forma que seria incoerente inseri-lo no processo de modernização
76
do país. Dos livros pesquisados, apenas os de Affonso Celso e João Köpke tem uma
visão diferente; ambos explicitam algumas qualidades dos índios talvez por crerem
que a mistura das três raças formadoras poderá gerar um povo capaz de progredir
como não. Por exemplo, na 26ª lição, pke traz o conto “O Branco e o índio”;
nele o autor conta a história de um índio que chegou a uma pousada e pediu um
pouco de água a um homem branco. No entanto, seu pedido foi negado: “– Não
tenho água nem nada. Puxe d’aqui, grandíssimo vadio” (KÖPKE, 1921, p.65).
Passado algum tempo, o mesmo homem perdeu-se na mata e foi bater na “casinha”
de um índio:
O índio foi fazer comida para seu spede, e depois deu-lhe umas peles de
onça para dormir, enquanto que ele foi dormir no chão limpo. Quando foi de
manhã, conduziu o homem pelos matos. Chegando perto da casa do
branco, o índio aproximou-se dele e perguntou-lhe se nunca o tinha visto.
- Sim, disse o índio o senhor viu-me uma vez, defronte da sua porta.
Agora, tome um conselho. Se um dia um índio, morto de sede, de fome e de
cansaço, vier-lhe pedir água e pousada, o senhor não lhe diga: Puxe daqui,
grandíssimo vadio. E desapareceu. (KÖPKE, 1921, p.66-67).
Este conto de Köpke mostra que nem todos os autores seguem a mesma
linha em relação à representação negativa do índio; da mesma forma que Affonso
Celso, o autor descreve a hospitalidade, paciência, resignação, doçura, caridade,
tolerância. Köpke também mostra na referida lição um pouco da realidade da época,
ou seja, a exclusão e rejeição da figura do índio legitimadas pelo seu estereótipo de
“vadio”. No entanto, a descrição da sua hospitalidade não nega a crença da sua
inaptidão ao trabalho, e sim reforça a ideia de que a mistura das três raças
formadoras poderia gerar uma nação com qualidades compatíveis com os ideais
nacionalistas e a noção de progresso neles inserida
Além da rejeição da figura do índio pela sociedade burguesa da época, o
negro tamm foi marginalizado. No entanto, a inserção dele nos livros de leitura é
unânime. Como vimos, a maioria dos autores eram abolicionistas e não mediram
esforços em anunciar a necessidade do país em superar o modelo escravocrata. No
entanto, isto não significava que eles admitissem que os negros tivessem as
mesmas condições potenciais dos brancos. Suas denúncias eram, evidentemente,
contra a escravidão enquanto instituição, pois naquele momento, o negro também
representava uma ordem social ultrapassada e arcaica que deveria ser substituída
por um modelo europeu e progressista.
77
Mesmo como coadjuvante, a figura do negro essempre presente nos
livros de leitura da Primeira República. Ele surge revestido de uma estereotipia de
bondade e submissão que se repete basicamente em todos os livros pesquisados. O
“velho negro” e a “velha negra”, como veremos, transformaram-se em personagem
constantes, geralmente aparecem como agentes de socialização das crianças
brancas, numa posição servil. Veremos a representação da situação do negro em “O
preto velho”, que narra a história de um homem que, caído na calçada no meio de
uma tempestade, é socorrido por três irmãos (Maria, Cecília e João). A história
revela a situação de abandono e marginalização dos negros após a abolição:
Cecília metia-lhe colherinhas de vinho fino pela boca, e até a pequena Maria
procurava auxiliar os outros. [...] Cecília correu a buscar um prato de sopa e
meu pai mandou-me procurar um cobertor. Estava o preto confortado,
quando bateram com força à porta; [...] De fato eram dois soldados que o
procuravam, dizendo que esse preto velho era um preso evadido da cadeia
do Recife. O pobre caíra de extenuado. Todos nós tremíamos, mas nenhum
afrouxou nos seus cuidados. Meu pai pediu em voz baixa aos soldados para
que não declarassem ao de s qual fora o crime daquele homem.
Minha mãe dava ao infeliz conselhos de submissão e paciência; e, assim, o
velho entregou-se resolutamente aos soldados (ALMEIDA, 1917, p.86).
Enquanto o preso é levado pelos soldados, Maria pergunta seu nome e
ele diz chamar-se Henrique Dias; logo o irmão associa o nome a Henrique Dias
“nome de um preto valoroso, que bateu como verdadeiro heroi contra os
holandeses” (ALMEIDA, 1917, p.88). Mas, a associação serve apenas de pretexto
para a inserção de fatos da história do Brasil, tanto que, ao final da narrativa, a e
pede às crianças para fazer suas lições: “Cada um de vocês de fazer por escrito
a narração de qualquer episódio da história do Brasil” (ALMEIDA, 1917, p.88).
Nesse sentido, o que importa é mostrar para o leitor o lado monumental
da história uma vez que um dos objetivos dos nacionalismos da época era construir
um passado glorioso. Para isso, a narrativa cria uma situação dramática para que se
perceba a figura de um negro aceito pela sociedade, associando-o a um ilustre
personagem negro do país. Sendo assim, como negros no Brasil que trouxeram
orgulho para a tria, a culpabilidade pela situação real de decadência e
marginalizão, segundo os livros de leitura, transfere-se para o indivíduo e não
para o processo de modernização. Essa situação também pode ser entendida como
uma maneira de expor a vio burguesa do homem que pode se fazer por si mesmo
78
(self made man), que, devido à abolição, teoricamente os negros são indivíduos
livres e iguais.
Também veremos no livro Contos Pátrios a representação do negro. O
conto Mãe Maria” narra as memórias de infância e juventude de Amâncio, filho de
um fazendeiro. Ele recorda-se da Mãe Maria” como uma mulher sofrida: A pele
preta estava de espaço a espaço cortada de largos vergões, cicatrizes, sinais de
queimaduras” (BILAC; COELHO NETTO, 1928, p.17). Embora fosse relatada a
situação de maus tratos entre escravos e senhores, o negro e sua cultura são
nitidamente expostos em relação de inferioridade e subserviência. Na citação a
seguir perceberemos certo nível de intolerância relativa à cultura popular e africana:
A pobre negra continuou, com a sua meia língua atrapalhada, a contar a
história, - uma dessas compridas histórias da roça, em que há Saci-Pererê e
caiporas, almas do outro mundo e anjos do céu. [...] todo aquele enredo
fantástico, em que passavam bruxas cavalgando cabos de vassoura,
príncipes que roubavam princesas, arcanjos que desciam do céu para curar
as feridas dos escravos no tronco, negras aleijadas, que invocavam o diabo
à meia noite, no meio do mato, e eram afinal arrebatadas por ele, numa
nuvem de enxofre, - tudo aquilo se atropelava na minha cabeça, cansando-
me [...]. Um ano de colégio bastara para me transformar. E, agora, eu
aparecia à velha ama-seca, como um novo sinhô-moço que tinha 11 anos,
que já sabia ler e escrever, e que as histórias atrapalhadas e tolas de Mãe
Maria preferia a malha e a ginástica (BILAC; COELHO NETTO, 1928, p.18-
24).
No decorrer da narrativa o menino Amâncio muda seu comportamento
devido a sua inserção no ambiente escolar. A citação anterior mostra claramente a
escola como meio de promover o progresso em contraposição à influência da
cultura popular, sinônimo de atraso. Questões como o exercício do corpo ou da
ginástica (cultivados na escola) representam a superação desse atraso, ou seja,
“educar constituía-se de uma ação com um triplo desdobramento: direção do físico,
aperfeiçoamento da moral e cultivo da razão e da inteligência. Educar deveria, pois
significar a possibilidade de constituição de um indivíduo forte, robusto, puro e sábio
(GONDRA, 2003, p.535).
Nota-se que no conto mãe Maria” os autores buscam criar uma
sensibilidade social para lidar com a questão da presença e função dos negros
depois da abolição; tal criação parece ter como sentido resolver a tensão entre o
ideal de nação e a realidade histórica da degradação e marginalização dos próprios
negros. Se desconforto com a veiculação dos os ideais de igualdade e
79
fraternidade da sociedade europeia contemporânea e a permanência entre nós da
escravidão até os fins do século XIX, as teorias raciais associadas ao progresso
cooperam com a superação de qualquer sentimento social de culpa. Isso porque os
livros de leitura vinculam os negros com o atraso, com o perigo de contaminar com
seus maus hábitos e costumes ultrapassados a nova nação que se deseja construir.
Por isso, quando falamos acima em criação de determinada sensibilidade
social, queremos frisar que os autores simplificam as tensões decorrentes da
questão racial por meio do sentimentalismo, pois ao falarem, por exemplo, das
cicatrizes da africana e os maus tratos por ela experienciados, valem-se da própria
noção de progresso para atenuar o possível sentimento de culpa pela escravidão,
que o negro esvinculado justamente àquilo que se quer negar: o obscurantismo
dos mitos, crenças e a ignorância oriunda do meio rural.
De tal sorte que a inserção do negro nos livros de leitura também emerge
de forma ambígua no decorrer das narrativas, ou seja, da mesma forma que os
negros são descritos como parte integrante da infância dos personagens (como é o
caso do conto citado anteriormente) eles, por outro lado, parecem não se “encaixar”
nos novos valores da sociedade burguesa. Da maneira como são representados nas
narrativas, para eles não lugar no seio de uma sociedade que se pretendia
moderna. Analisando por este viés, veremos que a modernidade, associada à ideia
de progresso burguês e à ruptura com o passado, era representada pelos
personagens brancos adultos; os negros estavam do lado oposto, simbolizando a
ignorância os mitos e o passado colonial que se queria negar.
Figura 21 – Representação dos negros no conto “Mãe Maria” pág. 18
80
A representação da figura do negro como agente de socialização das
crianças brancas também aparece no livro Através do Brasil, de Olavo Bilac e
Manoel Bomfim no capítulo III e IV. Em ambos, a cor aparece como uma marca de
diferenciação racial e social. A boa preta” ou “a boa velha” chama os meninos de
“Ioiô”, expressão que era a forma como os escravos se dirigiam aos seus Senhores,
mostrando que mesmo depois da abolição havia uma relação de subserviência e
respeito ao homem branco. No capítulo IV, a “boa pretadeu abrigo aos meninos e
os alimentou. Nesse capítulo, os autores fazem a descrição da casa e do quintal:
[...] o que mais lhe prendia a atenção era o quintal [...] onde, em canteiros
bem tratados, se alinhavam as couves, os quiabos, as ervilhas; do outro
lado ficava o cercado da criação: havia galinhas, patos perus, um porco e
uma cabrita. Tudo aquilo revelava um cuidado constante; tudo estava limpo
e varrido [...] (BILAC; BOMFIM, 1925, p.29).
O modo como a “boa preta” trata os meninos vincula-a a uma imagem de
bondade e generosidade. A descrição da casa e do quintal mostra que apesar” de
pobre, preta e analfabeta, tudo era organizado e havia fartura, fruto do trabalho e da
agricultura de subsistência. De acordo com o trecho anteriormente citado, os autores
mostram o trabalho como redentor, ou seja, um encaminhamento para os negros
após a abolição. Vemos tamm que Bilac e Bomfim, apesar de serem
abolicionistas e mostrarem a situação dos negros após abolição, o propõem uma
relação igualitária, mas sim de compaixão; encaminhando desse modo a questão
dos negros, na realidade, os autores acabam por legitimar e justificar as
desigualdades existentes. A narrativa sentimental enfim se constitui apenas numa
forma de harmonizar as diferenças sociais nos livros de leitura, a fim de resolver
ideologicamente as tensões reais.
Em Através do Brasil nota-se o mesmo sentimentalismo de superioridade
dos meninos em relação à africana, tanto que, nos dois capítulos em que ela
aparece não é citado o seu nome, apenas o usados termos como “a boa preta”, “a
boa velha”, a caridosa africana”, “uma pobre preta africana”. Esta relação de
amizade com “a boa negra” expõe a convivência pacífica e fraterna entre raças, mas
não problematiza a ideia de igualdade na nação brasileira depois do fim da
escravidão.
Também em relação à inserção dos negros nos livros de leitura, em
Porque me ufano do Meu País, ao falar sobre a superioridade da formação do tipo
81
nacional brasileiro Affonso Celso também cita três elementos raciais: o selvagem, o
negro e o português. Das qualidades elencadas pelo autor em relação ao negro,
destacam-se a afetividade, resignação estoica, coragem, laboriosidade e sentimento
de independência. Ao falar sobre os negros, Affonso Celso mostra suas qualidades,
que acreditava no resultado positivo da mistura étnica para o progresso da nação.
No entanto, suas posições acerca da falta de preconceito racial no Brasil, por
exemplo, fizeram com que a expressão “ufanismo” se tornasse uma forma de
ridicularizar um nacionalismo exagerado e incoerente:
Devemos-lhes imensa gratidão. Foram os mais úteis e desinteressados
colonizadores da nossa terra que fecundaram com o seu trabalho.
Animavam-nos com instintos de independência, como prova a formação dos
quilombos de Palmares. Sacrificaram-se, entretanto, aos seus senhores,
nem sempre benévolos, mas, em todo caso, menos bárbaros que nos
Estados Unidos. As negras eram geralmente as amas de leite dos filhos dos
brancos, e, obrigadas a abandonar a própria prole pela alheia, tratavam esta
com devotamento e carinho extraordinários. Nas nossas guerras, os negros
bateram-se como herois. Contribuíram tantos serviços para que no Brasil
jamais houvesse preconceito de cor (CELSO, s/d, p.71-72).
Novamente veremos descrições semelhantes às de Affonso Celso em
relação ao negro em Nossa tria. O autor Rocha Pombo, ao falar sobre a situação
dos negros após a abolição, estabelece uma relação igualitária enumerando as
qualidades dos negros e sua importância histórica para o progresso do país:
O africano é preto por causa do clima da África, que é muito quente; mas é
uma raça muito boa, principalmente de muito bom coração. Quase todos ,
em vez de odiar, ficaram logo querendo bem aos senhores. Sobretudo as
mulheres foram as grandes amigas das crianças. Trabalhadores,
obedientes e muito espertos, os africanos fizeram muito pelo progresso do
país. Sofreram bastante saindo do meio dos seus; e às vezes o sacrifício
para eles era tão grande que chegavam a morrer de saudade.
Afinal a raça foi recompensada, pois os descendentes daqueles pobres
escravos hoje são iguais aos antigos senhores, e sem dúvida muito mais
felizes do que os parentes que ficaram na África. Em todos os países da
América, e até na Europa, se fez isto. Mas, felizmente, a escravidão passou,
e para sempre. Hoje somos todos como irmãos (POMBO, 1925, p. 32-33).
A falsa noção de igualdade ou mesmo a pieguice dos livros de leitura são
algumas maneiras de justificar, legitimar ou mesmo resolver um possível sentimento
social de culpa, transferindo ao outro a responsabilidade por sua situação. Ou seja,
se na época buscava-se a construção de uma nação de acordo com os moldes
europeus, em que todos os cidadãos são livres e m iguais oportunidades,
transmite-se aos leitores uma espécie de lógica da inclusão possível e generalizada,
82
pois tudo es ao alcance de quem se dispõe ao trabalho. Os excluídos, dessa
forma, são aqueles que por sua própria culpa não se dispõem ao trabalho (o qual
gera o progresso da nação).
Os autores, na crença do poder escola e dos livros de leitura como difusor
dos ideais nacionalistas buscaram uma solução ideológica para a situação do país
na época, o que na verdade não resolve as questões reais que o projeto de nação
produziu na sua concretude. Os livros de leitura trazem em geral a ideia de que uma
nação pautada na ideia de progresso não pode ter o índio como representante de
brasilidade como foi no romantismo; tamm uma nação que pretende modernizar-
se não pode se contaminar com as crendices e a ignorância dos negros. Desse
modo, a presença unânime dos índios e negros nos livros de leitura não significa sua
inclusão; ao contrário, eles são personagens que contrastam com os objetivos de se
construir uma pátria inspirada nos valores burgueses. Por esse motivo, o índio é
considerado avesso à civilização, que possui o estereótipo de vadio; o negro
conquistada a sua liberdade e “igualdade” com a abolição desloca a
responsabilidade pelo seu caso de miséria extrema do presente para si.
Sabemos que no período histórico em questão, teorias científicas
afirmavam a inferioridade de ambos e muitos intelectuais da época aderiram a essas
ideias. Por isso, propunha-se o branqueamento da população por meio do incentivo
à imigração europeia; pois só dessa maneira o país poderia progredir. No entanto,
esse mesmo progresso que deveria contribuir para a felicidade da humanidade
gerou a hierarquização, inferiorização ou mesmo exclusão de determinados grupos
em prol de um projeto nacionalista proposto pelas elites.
Embora nos livros de leitura os autores utilizem a selvageria do índio e a
inferioridade do negro para justificar sua exclusão, vemos também a preocupação
dos mesmos em construir uma ideologia capaz de amenizar o que na realidade nada
mais é do que o resultado do processo civilizacional dos nacionalismos. Assim,
como importante instrumento para a construção da nacionalidade brasileira na
Primeira República, os livros de leitura ao mesmo tempo em que apontam para a
defesa da liberdade, igualdade e construção de um universo simbólico comum,
tamm assumem um caráter excludente, que fica bastante clara para o leitor a
inferioridade de negros e índios, que por sua própria culpa - por não se encaixarem
no processo de modernização - seriam aos poucos, pelas políticas de
branqueamento, erradicados da população brasileira.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os nacionalismos desenvolvidos durante a Primeira República revelam
um profundo entusiasmo no que se refere à educação. A escolarização em massa
passa a ser tema central das campanhas cívicas no país. Embora tivessem
diferentes pontos de vista em relação aos rumos que levariam o Brasil à
modernização, os intelectuais brasileiros tinham em comum a ideia de que a
educação seria uma possível solução para resolver os problemas enfrentados pelo
país. Nesse cenário, surgem aliados nesse processo: os livros de leitura.
Predominantemente escolares, eles revelam a presença de símbolos e artifícios
utilizados pelos escritores para cultivar no leitor o sentimento de unidade, que,
como vimos no capítulo I, a educação é essencial para a difusão de ideologias
nacionalistas e sem ela não pode haver nacionalismo.
Diante dos nacionalismos desenvolvidos durante a Primeira República, o
livro de leitura cumpriu vários papeis; um deles foi o de ilustrar o Brasil aos seus
leitores, mostrando por meio das narrativas as belezas e riquezas naturais do país e
as principais atividades desenvolvidas nos estados brasileiros. Outro papel exercido
pelos livros de leitura da Primeira República foi mostrar ao leitor a capacidade do
país para o progresso por meio do trabalho e tamm resolver ideologicamente o
problema da marginalização dos índios e negros.
Em relação à inserção das narrativas de viagens, concluiu-se que os
autores, cientes de sua missão cívica, buscaram inseri-las nos livros de leitura com o
intuito de mostrar um país desconhecido pelos próprios brasileiros: seus símbolos,
paisagens, herois e monumentos nacionais. Cientes da grande aceitação do gênero,
ele tornou-se a maneira mais eficaz de trazer à tona temas nacionais e ao mesmo
tempo dar tom de aventura à história de modo a atrair o leitor. Dessa maneira, este
poderia instruir-se e simultaneamente deleitar-se.
Se de um lado os temas de viagens exploraram aquilo de grandioso,
heroico e rico que o País possuiria, o tema do progresso, contraditoriamente, acusa
outra perspectiva. Nele se revela os modos pelos quais as desigualdades históricas
e sociais presentes na realidade procuravam ser resolvidas nos livros de leitura de
forma ideológica. Assim, justificava-se a exclusão de índios e negros do processo de
84
modernização do país, uma vez que os mesmos seriam incapazes de fazer com que
a nação progredisse.
Creio que este trabalho também pode ser visto como uma importante
fonte histórica no que se refere à exclusão dos negros e índios do sistema
educacional uma vez que o conhecimento histórico é ferramenta indispensável para
o combate aos mecanismos pedagógicos que foram e ainda são adotados pelo
sistema de ensino para impedir o acesso da população negra e indígena à educação
formal e regular.
O Brasil, com uma grande população de negros, ainda hoje apresenta um
quadro extremamente desigual entre negros e brancos. O que vimos neste trabalho,
em relação à justificativa que os escritores dão para a exclusão de negros e índios,
percorreu um longo caminho na história do Brasil, ou seja, apouco tempo não se
utilizava o termo preconceito racial” para elucidar o fato que os negros e índios
continuam entre os grupos mais pobres da sociedade. Tais constatações, por
exemplo, levaram o Estado a alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº. 9.394) instituindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
africanas e afro-brasileiras.
85
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