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O VESTIDO DA REFORMA
DESIGN E INTERDISCIPLINARIDADE
REGINA BARBOSA
O VESTIDO DA REFORMA REGINA BARBOSA
São Paulo
Fevereiro de 2009
Universidade Anhembi Morumbi
Mestrado em Design / Pós-Graduação Stricto Sensu
Orientadora: Profa. Dra. Rosane Preciosa
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Universidade Anhembi Morumbi
Mestrado em Design / Pós-Graduação Stricto Sensu
O Vestido da Reforma: design e interdisciplinaridade
Regina Barbosa
Orientadora: Profa. Dra. Rosane Preciosa
São Paulo
Fevereiro de 2009
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2
Regina Barbosa
O Vestido da Reforma
design e interdisciplinaridade
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós Graduação Stricto Sensu em
Design Mestrado, da Universidade
Anhembi Morumbi, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Design
Orientador:
Profa. Dra. Rosane Preciosa
São Paulo
2009
3
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial sem autorização da universidade, do autor e do
orientador.
Regina Barbosa
Graduada em Negócios da Moda, com
habilitação em Design de Moda pela
Universidade Anhembi Morumbi (2006).
É docente dos cursos de Design e
Negócios de Moda na Universidade
Anhembi Morumbi.
B211v Barbosa, Regina Silva
O Vestido da Reforma: design e interdisciplinaridade/
Regina Barbosa. – 2009
100 fl.: il.; 30 cm.
Orientador: Rosane Preciosa Sequeira
Dissertação (Mestrado em Design) Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2009.
Bibliografia: f. 98-100.
1. Design. 2. Moda. 3. Arte. 4. Vestido da Reforma. 5.
Interdisciplinaridade.
I. O Vestido da Reforma: design e interdisciplinaridade
CDD 741.6
4
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Regina Barbosa
O Vestido da Reforma
design e interdisciplinaridade
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós Graduação Stricto Sensu em
Design Mestrado, da Universidade
Anhembi Morumbi, como requisito
parcial para obtenção do título de
Mestre em Design. Aprovado pela
seguinte Banca Examinadora:
Profa. Dra. Rosane Preciosa
Orientadora
Mestrado em Design Anhembi Morumbi
Profa. Dra. Maria Lucia Bueno
Mestrado em Moda, Cultura e Arte Senac São Paulo
Profa. Dra. Claudia Marinho
Mestrado em Design Anhembi Morumbi
Prof. Dr. Jofre Silva
Mestrado em Design Anhembi Morumbi
São Paulo
2009
5
Dedicatória
Amados pai e mãe, os verdadeiros
responsáveis por tudo
6
Agradecimentos
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
(Violeta Parra)
E também a Nelson e Alba, Nena e
Chico, Flávio, Sylvia e Camilla, Miriam,
Mari e à querida (e) Preciosa.
7
Resumo
Nesta dissertação abordamos o projeto de Obra de Arte Total, idealizado pelos
artistas-artesãos da Wiener Werkstätte (Oficina de Viena), vinculados à
Secessão Vienense, como construção de uma nova materialidade que
correspondesse à realidade social, política e tecnológica do início do século
XX. Aprofundamos-nos em um aspecto da Obra de Arte Total, conhecido como
Reformkleid (Vestido da Reforma), que representa a resposta da Werkstätte
para as transformações que estavam acontecendo naquele momento, na vida
das mulheres que começavam a ter uma maior participação social e política.
Intentamos, ao final, traçar um paralelo entre a produção em design daquele
grupo e sua visão de totalidade do projeto e o trabalho dos designers
contemporâneos, cuja habilidade de transitar pelos diferentes campos do
Design é cada vez mais incentivada.
Palavras-chave: Design, Moda, Arte, Vestido da Reforma,
Interdisciplinaridade
8
Abstract
In this dissertation we approach the Project of Total Artwork, idealized by the
artists-craftsmen of the Wiener Werkstätte (Vienna’s Workshop) attached to
Viennese Secession, as the construction of a new materiality that would
correspond to the social, political and technological reality of the beginning of
the 20
th
century. We focused one of the aspects of the Total Art Work known as
Reformkleid (Reform Dress), that represents the Werkstätte’s response to the
transformations that were happening in that moment, in women’s life that were
beginning to be more social and politically participative. We intent, in the end, to
trace a parallel between that group’s Design production and their vision on
totality of project and the work of contemporary designers, whose hability to
transit through the different fields of Design is increasingly desired.
Keywords: Design, Reform Dress, Fashion, Art, Interdisciplinarity
9
Sumário
Introdução ............................................................................................ 9
Capítulo 1. Secessão Vienense: inventando novas realidades..... 16
1.1. Viena, Fim de Século .................................................... 20
1.2. A Secessão Vienense ................................................... 27
1.3. Gesamtkunstwerk e interdisciplinaridade ................... 34
1.3.1. Gesamtkunstwerk: o problema ............................. 40
Capítulo 2. Reformkleid: Um Projeto de Sucesso? ....................... 47
2.1. Reformas do Vestuário................................................ 48
2.2. O Reformkleid como aspecto da Gesamtkunstwerk..... 55
2.3. Reformkleid e Moda ..................................................... 69
Capítulo 3. A Título de Conclusão .................................................. 75
Anexo I. Sobre Um Pobre Homem Rico .......................................... 85
Anexo II. Programa de Trabalho da Wiener Werkstätte ................ 92
Bibliografia ........................................................................................ 97
10
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
11
Introdução
Viena me veio. De várias formas e em muitos momentos da vida e se,
por um lado, as memórias infantis tendem a ser fantasiosas, a fantasia
construída amadureceu e recebeu um fermento adicional.
Minha mãe é uma colecionadora de trecos, fazedora de coisas,
apaixonada por Arte (e aqui cabe um aparte: minha mãe graduou-se em Artes
Plásticas em 1975 na Universidade Federal do Espírito Santo) e sempre foi
uma entusiasta das coleções de fascículos comprados em bancas de jornal.
Daí que, nessa nossa paixão compartilhada, lá pela década de 80, começamos
uma coleção de fascículos de Grandes Artistas, o que demandava idas
semanais à banca de jornal e acordos com o jornaleiro para que guardasse os
fascículos das semanas das férias passadas no Rio de Janeiro ou em Vitória.
A cada semana, eu-criança conhecia, através das brochurinhas de papel
couché, outras formas de fazer arte, descartando ou me afeiçoando a
brochurinhas específicas, tendo, inclusive, criado relações de rejeição ou
profundo afeto no encontro com alguns daqueles artistas. E, no fascículo de
Klimt, Viena me veio.
Se o lugar não foi compreendido como instância geográfica
imediatamente (a Áustria então era, para mim, o lugar onde tinha vivido a pobre
Sissi ou de onde tinha vindo Catarina, a vermelha, uma figura da infância),
tornou-se a fonte daquela forma de olhar que retratava modelos que
encaravam o observador, quase o desnudando. E, se as intenções de seus
rostos eram claras, o que acontecia “ao sul” era um mistério: as formas das
12
roupas confundiam-se com as das coisas à volta delas e nem mesmo o fundo,
o cenário ou ambiente, deixava de fazer parte desse patchwork (Figura 1.).
Muito tempo se passou, até que nos encontrássemos com
possibilidades de reconstruir essa relação.
Eu tinha então deixado a primeira graduação Arquitetura, inconclusa
– a fim de realizar uma paixão que, não tendo se esgotado, revelou-se amor. E,
na graduação em Moda, conheci Klimt em um campo em que não o tinha ainda
percebido, mas intuía, na relação entre o grupo do qual fazia parte e a Reforma
do Vestuário, em que se buscava tornar livre um corpo contido numa carapaça
que em nada se assemelhava ao mundo em que este corpo desejava existir.
E então, novamente, Viena me veio, por meio de um outro austríaco
que me tinha fascinado no curso de Arquitetura. Um artista-arquiteto-
ambientalista-designer chamado Hundertwasser
1
que, com sua teoria das cinco
peles e de como cada pele tem papel fundamental na relação com as outras,
me fez pensar nas interações entre fazer e refletir para quem fazemos, sendo
1
Nascido Friederich Stowasser em 1928 em Viena, Firendensreich (reino da paz)
Hundertwasser (cem águas) Regentag (dia de chuva) Dunkelbunt (cores vivas), é o autor da Teoria das
Cinco Peles do Homem, sendo a primeira a epiderme, a segunda a roupa , a terceira, a casa, a quarta diz
respeito ao meio social e à identidade e a quinta pele, o próprio planeta Terra.
“... Hundertwasser sela a marca da sua visão de mundo, da sua relação com a
realidade exterior. Essa relação opera-se por osmose, a partir de níveis de consciência
sucessivos, e concêntricos em relação ao seu eu profundo. O símbolo pictórico ilustra a
metáfora biológica. Para Hundertwasser, o homem tem três peles: a sua epiderme
natural, o seu vestuário e a sua casa. (...) Mais tarde, após 1972, quando a grande
viragem ideológica tinha passado, a espiral das maiores preocupações de
Hundertwasser vai desenvolver-se. A sua consciência de ser humano vai enriquecer-se
com novas questões que vão despertar novas respostas e suscitar novos compromissos.
Assim aparecerão as novas peles que virão juntar-se ao invólucro concêntrico das três
primeiras. A quarta pele do homem é o meio social (da família e nação, passando pelas
afinidades electivas da amizade). A quinta pele é a pele planetária ligada directamente
ao destino da biosfera, à qualidade do ar que se respira, e ao estado da crosta terrestre
que nos protege e alimenta.” (RESTANY, 2008, p. 226 : 227)
(Nota da autora)
13
esse “quem”, alguém que se relaciona com o mundo. E, afinal, que mundo é
esse?
Assim, voltar ao início do século XX pareceu inevitável, na tentativa de
entender o que é construir soluções para um mundo que, na visão do artista,
fazia tudo aquilo que envolve o corpo se amalgamar, talvez buscando uma
solução plástica que tornasse possível retratar o conceito de Gesamtkunstwerk.
Da análise daquele grupo e daquele movimento, pretendo apontar sem,
contudo, esgotar a discussão, os reflexos percebidos da atividade de
construção material de um mundo em transformação e a ação do designer na
contemporaneidade, que, se por um lado, o pretende construir uma
Gesamtkunstwerk, impensável de formular no mundo plural em que vivemos, é
ele mesmo, e até por estar neste mundo, um gesamtkunstwerker, um
articulador de discursos, atuando por vezes em campos da atividade projetual
que não os da sua formação específica.
Figura 1. Retrato de Adele Bloch-Bauer, Gustav Klimt, 1907.
14
***
Muitas vezes, nesta dissertação, farei referências à cidade de Viena,
como um espaço em que todas as transformações sociais, culturais e formais –
no que tange à estética e à formulação da atividade do designer se fariam
perceber. Malcolm Bradbury (1989, p. 76) fala sobre as capitais culturais do
Modernismo, tais como Paris, Londres e Viena, como espaços que propiciavam
o encontro e o conseqüente debate em torno das novas idéias:
“Nessas cidades, com seus cafés e cabarés, revistas, editoras
e galerias, destilavam-se as novas estéticas, as gerações
discutiam e os movimentos contestavam (...). Quando
pensamos no modernismo, não podemos deixar de evocar
essas atmosferas urbanas, as idéias e campanhas, as novas
filosofias e políticas que as atravessavam (...).
Evidentemente, essas cidades eram mais do que pontos
casuais de encontro e cruzamento. Eram ambientes geradores
das novas artes, pontos centrais da comunidade intelectual, e
mesmo de conflito e tensão intelectual”.
E continua, na página 77:
“A cidade se tornou cultura, ou talvez o caos que se segue a
ela. Sendo ela própria modernidade enquanto ação social, a
cidade é ao mesmo tempo, o centro da ordem social existente
e a fronteira criadora de seu crescimento e transformação. (...)
essas capitais culturais, dizem-nos os sociólogos, são aquelas
15
cidades que se apropriam de certas funções e se tornam
centros de intercâmbio cultural, locais onde se preserva a
tradição num determinado campo, onde se congregam as
novidades significativas, onde se concentram os especialistas,
onde as inovações são mais prováveis. Mas, em sua maioria,
essas capitais culturais eram de fato cidades tipicamente
modernas, gerando mudanças e continuidades
(...) a cidade fazia parte de um processo global de dissolução
das antigas relações de classe e obrigações feudais. Esse
processo, por sua vez, afetou o estatuto e a auto-imagem dos
artistas, incentivando-os a buscar uma formulação estética
desse mesmo contexto de heterodoxia e fluidez a que
associamos a cidade moderna.
Essa dissertação é também um convite a se fazer um percurso por
Viena, na virada do século passado, conhecer a cidade, seu caráter, seu
potencial transformador e a formulação estética proposta por seus artistas e
artesãos, seus “artistas-artesãos” (designers?), a fim de dar conta do processo
de afastamento das tradições conhecidas até então, e da formulação de um
novo estado de coisas, com a intenção de perceber mais claramente os
processos em design na contemporaneidade, por meio da investigação da
produção material deste grupo de pessoas e, especialmente, um aspecto
inseparável da proposta do grupo, que é a formulação de um traje que
integrava o projeto de Gesamtkunstwerk.
Acredito ser possível encontrar nesse nosso século XXI uma certa
aproximação com aqueles profissionais, que, desejosos de tornarem-se
16
interdisciplinares, atuavam em projetos de várias frentes, e o ofício do designer
hoje em dia que, se há bem pouco tempo, pretendia-se especificista, hoje conta
com a crescente atuação de indivíduos que buscam transitar e dialogar
enquanto produzem projetos em diferentes meios, de forma colaborativa.
Aquela experiência, a da Gesamtkunstwerk, no final das contas, revelou-se
insuficiente para dar conta de um mundo que foi se tornando plural e em que
as diversidades foram valorizadas, como sabemos e exploraremos mais
adiante. Mas conscientes disto, poderemos repetir o que existiu de
enriquecedor naquela experiência e, certamente aprendemos muito com o que
motivou o seu insucesso.
17
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 1CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 1
SECESSÃO VIENENSE: INVENTANDO NOVAS REALIDADES
SECESSÃO VIENENSE: INVENTANDO NOVAS REALIDADESSECESSÃO VIENENSE: INVENTANDO NOVAS REALIDADES
SECESSÃO VIENENSE: INVENTANDO NOVAS REALIDADES
18
Capítulo 1. Secessão Vienense: inventando novas realidades
“O design se preocupa com a criação do novo, ou com a
mudança de uma situação insatisfatória para uma mais
adequada. Assim, o design lida com a resposta para novas
condições de vida, a descoberta de novas possibilidades, o
desenvolvimento de novas soluções e a invenção de novas
realidades”. (POMBO e TSCHIMMEL, 2005, p. 64).
Na contemporaneidade, as formas, cores, padrões e materiais são
rapidamente substituídos por outras coisas, às vezes engolidos, regurgitados,
quando não se amalgamam, gerando algo novo e diferente ou, ainda, um
híbrido do que era com aquilo que se torna vigente, quase sempre causando
pouco ou nenhum estranhamento aos nossos olhos. O mundo que nos cerca
apresenta-se sempre novo, sempre demandando novas soluções para as
realidades que se interpõem ou sobrepõem, como num palimpsesto
2
.
Assim, acreditamos encontrar, na citação que abre este capítulo, de
forma sucinta, as respostas às inquietações que movem o trabalho em
pesquisa e desenvolvimento de produtos em Design. E mais: que respondem
não somente às questões contemporâneas, como também àquelas a que
2
De acordo com o Novo Dicionário Aurélio, “palimpsesto (do grego palimpsestos,
“raspado novamente”): 1. Antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado em
razão de sua escassez ou alto preço duas ou três vezes, mediante raspagem do texto anterior.
2. Manuscrito sob cujo texto se descobre (em alguns casos a olho desarmado, mas na maioria
das vezes recorrendo a técnicas especiais, a princípio por processo químico, que arruinava o
material e depois por meio de fotografia, com o emprego de raios infravermelhos, raios
ultravioletas ou luz fluorescente) a escrita ou escritas anteriores.”
19
tinham que responder os então denominados artistas-artesãos, em meados do
século XIX, questões estas que pretendemos investigar neste nosso trabalho.
Olhamos para o período compreendido entre a última década do século
XIX e a segunda do século XX, buscando identificar quais foram as soluções
propostas por aqueles profissionais que se defrontavam com uma nova
situação, desejosos de se organizarem diante de uma nova dinâmica que não
era apenas social, mas também comportamental, como lembra Carl Schörske
(1981, p. 208):
“In the years 1895 to 1900, when Sigmund Freud, socially
withdrawn and professionally frustrated, was at work on his
epoch-making Interpretation of Dreams, Gustav Klimt was
engaged in a not dissimilar enterprise as artistic explorer. While
Freud in his critical year worked in obscurity and virtually alone,
Klimt headed a band of like-minded artistic heretics who quickly
acquired strong social and financial backing. Nonetheless,
despite their differences in fame and fortune, Freud and Klimt
had much in common. Both pressed a personal crisis of middle
age into the service of a radical reorientation of their
professional work. Both decisively rejected the physicalist
realism in which they had been reared. Both loosed their
chosen fields psychology and art, respectively from their
biological/anatomical moorings. Seeking a road to the open out
of the ruins of a substantialist conception of reality, both
plunged into the self and embarked on a voyage intérieur.
When they exhibited to the public the results of their
20
explorations of the world of instinct, they encountered in varying
degrees resistance from two quarters: from liberal-rationalist
academic orthodoxy, and from anti-Semites. In the face of
hostility, Freud and Klimt withdrew from the public scene to the
shelter of a small but faithful coterie to preserve the new terrain
they had conquered.
(...) Klimt illuminates so well the socio-cultural situation in which
psychoanalysis also arose. He too confronted a period of
historical transition imperious in its demand for what Heinz
Kohut has called ‘a reshuffling of the self.’”
3
Trataremos disto adiante, mas cabe lembrar que Viena, esta cidade
onde floresce o grupo secessionista, também é a morada de Freud, que
publicou no ano de 1900 seu livro “Interpretação dos Sonhos”, enquanto
compunha a prática psicanalítica em que se faz a cura pela fala, ou seja, o
paciente fala das suas questões e angústias e, “guiado” pelo psicanalista, deve
encontrar na verbalização a cura para suas “doenças” da alma. Em que
3
Entre os anos de 1895 e 1900, quando Sigmund Freud, socialmente recluso e
frustrado profissionalmente, estava trabalhando no seu marco histórico Interpretação dos
Sonhos, Gustav Klimt estava envolvido num projeto não muito diferente como pioneiro artístico.
Enquanto Freud em seus anos críticos trabalhou na obscuridade e virtualmente sozinho, Klimt
liderou um bando de heréticos artísticos entusiastas que rapidamente adquiriram forte apoio
social e financeiro. De toda forma, a despeito de suas diferenças em fama e fortuna, Freud e
Klimt tinham muito em comum. Ambos transformaram uma crise pessoal de meia-idade a
serviço de uma radical reorientação de seus trabalhos profissionais. Ambos decididamente
rejeitaram o realismo fisicalista em que tinham sido criados. Ambos libertaram seus campos de
escolha – psicologia e arte, respectivamente – das suas amarras biológicas/anatômicas.
Procurando um caminho para além das ruínas de uma concepção substancialista de realidade,
ambos mergulharam em si e embarcaram em uma viagem interior. Quando exibiram ao público
os resultados das suas explorações do mundo do instinto, encontraram resistência em vários
níveis de dois grupos: da ortodoxia acadêmica liberal-racionalista , e dos anti-Semitas. Em face
a essa hostilidade, Freud e Klimt retiraram-se da cena pública para o abrigo de um pequeno
mas fiel círculo social a fim de preservar o novo terreno que tinham conquistado.
(...) Klimt ilumina muito bem a situação sócio-cultural na qual surgiu também a
psicanálise. Ele também confrontou um período de transição histórica imperiosa na demanda
do que Heinz Kohut chamou de “um rearranjo de si”. (Tradução da Autora)
21
sociedade é possível tal ousadia investigativa? Que tempos são esses que
permitem tal ruptura, a passagem de uma sociedade reprimida e tradicionalista
para uma outra que busca a investigação de si, a compreensão da existência
de si?
Buscaremos entender como este homem moderno, urbano, a fim de
acompanhar as transformações que vivencia, tratou de rearranjar todo o seu
universo material.
1.1 – Viena, Fim de Século
“Acompanhando outras capitais do século XIX Berlim,
Paris, Londres -, Viena estava crescendo e se
transformando a uma velocidade estonteante. Em 1860
tinha cerca de meio milhão de habitantes; vinte anos
depois, quando Freud concluía seus estudos de medicina,
havia mais de 700 mil vienenses, muitos como os Freud,
naturais de outros lugares. Como no caso de Paris (...)
Viena nesses vinte anos mudou de rosto para sempre.
Em 1857, Francisco José havia autorizado a demolição
das antigas fortificações em torno da cidade interna; sete
anos depois, a maioria delas desaparecera, e a
Ringstrasse, uma vasta avenida em forma de ferradura,
vinha tomando forma. Em 1865, quando o menino Freud,
com nove anos, entrou no Leopoldstädter Kommunal-Real
22
und Obergymnasium, o imperador e a imperatriz
inauguraram solenemente aquela grande avenida. De
ambos os lados, ergueram-se edifícios blicos, em
rápida sucessão, pontilhados por sólidos prédios
residenciais, celebrando a cultura e constitucionalismo
liberais. (...)
Tudo isso era absolutamente impressionante e
absolutamente precário. Muitos anos depois, ao tentar
captar a essência da Monarquia Dual, o ensaísta e
romancista austríaco Hermann Broch lembrou, numa
expressão muito citada, “o alegre apocalipse em torno de
1880”. O apocalipse estava bem disfarçado, enfeitado
com efusões sentimentais de autodefesa sobre o belo
Danúbio Azul, a efervescência da alta cultura e os festivos
acordes das valsas. Broch tinha a vantagem de uma visão
retrospectiva, mas mesmo naqueles anos havia alguns
espíritos críticos – (...) – que consideravam o Danúbio
lamacento, a champanha choca e a valsa uma dança
desesperada à beira de um vulcão prestes a explodir.”
(GAY, 1989, p. 34)
Nesta dissertação, buscamos investigar o trabalho desenvolvido pelo
grupo de artistas e artesãos da Wiener Werkstätte (Oficina de Viena), filiados
ao grupo secessionista de Viena, e os ideais de transformação que os
guiavam. Vemos como fundamentalmente importante para a compreensão do
23
contexto em que estava inserida, explorar as bases em que a atividade da
Werkstätte foi concebida, sob o ideal de interdisciplinaridade, tão presente
naquele momento, e que propiciaram o surgimento de um outro ideal, o da
Obra de Arte Total e do artista-artesão como a “utopia de um único homem que
domine a complexidade das diversas formas do saber e controle suas múltiplas
práticas” (DE MASI, 1997, p. 177).
Para melhor compreender o papel da Wiener Werkstätte, do
pensamento em torno do grupo e das atividades desenvolvidas por ele, faz-se
necessário conhecer melhor o ambiente em que este pensamento encontra
solo fértil para germinar.
“A lei e a ordem RUHE UND ORDNUNG tinham sido os
valores prediletos de Francisco I e de toda a burguesia
vienense oitocentista; a ordem e a tradição serão os valores
prediletos de Francisco José, que colocará obstáculos a novas
idéias e invenções: o elevador, a máquina de escrever, o
automóvel, o telefone, as ferrovias, o gás, os esgotos, a
eletricidade parecerão aos seus olhos tão diabólicos como os
incendiários e os psicanalistas”. (DE MASI, 1997, p. 174)
Porém, com o advento do século XX, torna-se impossível continuar
abominando à distância o progresso. Afinal, este progresso, em forma de
avanços tecnológicos, velocidade e movimento, se faz visível, vindo ao
encontro do público.
Podemos entender as cidades como organismos vivos e Viena não é
24
diferente: reflete aquela turbulenta virada de século, em que, de um lado,
encontramos uma sociedade tradicionalista, ligada a valores estritos e segura
de ser inabalável, e do outro lado, uma insurgente e rica burguesia que antes
se via posta à parte das decisões políticas, mas que, com o acesso dos liberais
austríacos ao poder encontra um lugar de projeção, além de assumir um papel
antes muito conhecido da aristocracia, ao tornar-se patrocinadora das artes,
apoiando os grupos que acompanham as mudanças que se apresentam e as
querem traduzir em seu meio.
“Nessas cidades, com seus cafés e cabarés, revistas, editoras
e galerias, destilavam-se as novas estéticas, as gerações
discutiam e os movimentos contestavam; as novas formas e
causas tornavam-se objeto de lutas e combates. (...)
Evidentemente, essas cidades eram mais que pontos casuais
de encontro e cruzamento. Eram ambientes geradores das
novas artes, pontos centrais da comunidade intelectual. Em
sua maioria, eram cidades com um papel humanista
consagrado, centros culturais e artísticos tradicionais, locais de
arte, aprendizagem e idéias.” (BRADBURY, 1989, p. 76)
A primeira evidência concreta das mudanças em operação se
apresenta através do novo projeto de urbanização da cidade de Viena, por
volta de 1860, que toma o espaço que separava o centro antigo da cidade e os
subúrbios e transforma a “cara” da cidade (Schörske, 1981, p. 25). O projeto da
Ringstrasse é considerado a expressão visual dos valores de uma classe
25
social.
“The liberals who ruled Vienna put some of their most
successful efforts into the undramatic technical work which
made the city capable of accommodating in relative health and
safety a rapidly increasing population. They developed with
remarkable dispatch those public services common to the
expanding modern metropolis throughout the world. (…) In
1873, with the opening of the first city hospital, the liberal
municipality assumed, in the name of medical science, the
traditional responsibilities which previously the church had
discharged in the name of charity.(…) Unlike Berlin and the
industrial cities of the north, expanding Vienna generally
retained its baroque commitment to open space. To be sure,
parks were conceived no longer exclusively in the language of
geometry but also in the physiological, organic terms favored by
the nineteenth century (…). The practical objectives which
redesigning the city might accomplish were firmly subordinated
to the symbolic function of representation. Not utility but cultural
self-projection dominated the Ringstrasse”.
4
(SCHÖRSKE,
1981, p. 25-26)
4
Os Liberais que dominavam Viena investiram seus esforços mais bem sucedidos no
trabalho técnico que tornou a cidade capaz de acomodar uma população em rápido
crescimento com relativa saúde e segurança. Eles desenvolveram com impressionante
eficiência aqueles serviços públicos comuns às metrópoles modernas em expansão em todo o
mundo. (...) Em 1873, com a abertura do primeiro hospital da cidade, a municipalidade liberal
assumiu, em nome da ciência médica, as responsabilidades tradicionais que antes eram
desempenhadas pela igreja em nome da caridade. (...) Diferentemente de Berlim e das cidades
industriais do Norte, a Viena em expansão geralmente manteve o seu compromisso Barroco
com o espaço aberto. A fim de garanti-lo, parques foram concebidos não mais exclusivamente
geometricamente, mas também em termos fisiológicos, orgânicos favorecidos pelo século XIX.
(...) Os objetivos práticos que o redesenho da cidade deveria atingir eram firmemente
26
Contudo, a existência desse espaço físico para transformações, que
fez de Viena um exemplo de urbanização, se deveu à resistência à mudança.
O espaço em que foi construída a Ringstrasse fez as vezes, até 1848, de
cinturão protetor do centro. Ou seja, enquanto as outras cidades proeminentes
da Europa abandonavam suas fortificações, Viena as manteve, assim como
manteve a nas tradições representadas pelo império sacro-romano austro-
húngaro. Assim, quando contrapomos a Ringstrasse com seus edifícios
destinados aos órgãos do governo constitucional e à alta-cultura, e o antigo
centro de Viena, com seus palácios e igrejas apinhados em vielas estreitas,
percebemos a profunda oposição entre os dois pólos que regiam a política, a
sociedade e a cultura naquela cidade no fim do século XIX.
“(...) último baluarte de um agonizante império sacro-romano
austro-húngaro e vanguarda de uma emergente sociedade
pós-industrial que, exatamente naqueles anos e naqueles
lugares, o Ocidente estava amadurecendo.
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, Viena representava,
talvez a mais densa concentração de mentes geniais que
jamais houvera depois da Florença renascentista (...)”. (DE
MASI, 1997, p.172)
É de se imaginar que, num ambiente em que se delineia um novo perfil
de cidade, reunindo este grande número de “mentes geniais” citado por De
Masi, este ideal de Lei e Ordem, tenda a cair por terra. Durante nossa
subordinados à função simbólica da representação. Não utilidade, mas auto-projeção cultural
dominava a Ringstrasse. (Tradução da Autora)
27
pesquisa, não pudemos confirmar estas suspeitas como observamos
também que, conjuntamente com o desenho de uma nova cidade, construiu-se
um novo rol de ideais por um grupo que se percebe pertencente a uma nova
ordem, livre das ortodoxias conhecidas e propenso ao experimentalismo. Se
estas predisposições não levaram o grupo ou a Wiener Werkstätte à
longevidade e ao sucesso financeiro, por outro lado trouxeram aos nossos
olhos uma interessante experiência no que diz respeito a compreender-se
como parte do todo e desenvolver uma linguagem e um ideal que, era
esperado, pudesse traduzir o momento em que viviam e respondesse às suas
inquietações.
O trabalho desenvolvido pelos artistas-artesãos da Wiener Werkstätte
vinculados ao grupo Secessionista de Viena, cumpre o seu papel de responder
a novas condições de vida, e parece ir ao encontro das formulações levantadas
pelas professoras e pesquisadoras Fátima Pombo e Katja Tschimmel na
citação que abre este capítulo. Ora, é certo que havia uma nova realidade
sendo inventada, com a qual era necessário lidar. Assim, o grupo
Secessionista não só se dedica à produção de uma nova estética, mas à
construção de um novo modo de produzir objetos e até mesmo uma nova
forma de ensinar que, ao contrário da vigente, reconhecesse, por exemplo, que
não existia uma alta cultura e outra, inferior àquela. Aos olhos dos
Secessionistas, toda arte era boa (KALLIR, 1986, p.19). Este reconhecimento
lança bases para que a solução para este mundo pudesse encontrar resposta
naquilo que os Secessionistas chamarão de Gesamtkunstwerk, a Obra de Arte
Total, da qual falaremos adiante.
28
1.2 – A Secessão Vienense
“In the last quarter of the nineteenth century first in politics,
then in literature and finally, with the ‘Secession’, in the visual
arts – die Jungen, a young generation of Viennese intellectuals,
rose in a succession of revolts against the alleged falsity of their
fathers’ liberal culture. Everywhere they proclaimed their break
from the past, the autonomy of modernity against history. Thus
on the pediment of the Secession’s building, the rebels
engraved as motto, ‘To the age its art; to art its freedom’. And
as the tittle for their newly founded journal, the young artists
chose the Latin phrase Ver Sacrum sacred spring to
proclaim their aim of cultural renewal”.
5
(SCHÖRSKE, in Kallir,
1986, p.7)
Carl Schörske denomina os artistas da Secessão “hereges” (1981, p.
208), pois se opunham àqueles firmes valores que sustinham a sociedade até
então, e à estética por eles representada. Esses “hereges”, liderados por
Gustav Klimt, tinham como opositores os artistas da Künstlerhaus, instituição
sancionada pelo Estado e, que, portanto, representava o seu senso estético
tradicionalista e o comportamento conservador no que tangia às Artes. Sua
primeira proposta era a de ser espaço para exposição do trabalho dos artistas
5
No último quarto do século XIX – primeiro na política, depois na literatura e finalmente
com a “Secessão”, nas artes visuais – die Jungen, uma jovem geração de intelectuais
vienenses, revoltou-se contra a alegada falsidade da cultura liberal de seus pais. Em todo lugar
declaravam seu rompimento com o passado, a autonomia da modernidade contra a história.
Assim, os rebeldes gravaram no frontão do prédio da Secessão, como lema, “Ao tempo sua
arte; à arte, sua liberdade”. E como título do seu recém-fundado periódico, os jovens artistas
encolheram a frase Latina Ver Sacrum – primavera sagrada – para declarar sua meta de
renovação cultural. (Tradução da Autora)
29
contemporâneos, mas esse espaço somente era aberto àqueles artistas cuja
produção estava alinhada ao discurso estético apoiado pelo Estado.
Ora, o grupo secessionista estava alinhado com todas as
transformações de seu tempo, pretendendo criar uma “cultura pública através
da arte, (...) ao mesmo tempo moderna e bonita” (Schörske in Kallir, 1986, p.7),
e intentava explorar a natureza do homem, esse homem psicológico,
anunciado pelas investigações de Sigmund Freud e apreendido nos escritos de
Nietzsche, na música de Mahler e mesmo na pintura de Klimt.
“With other intellectuals of his class and generation, Klimt
shared in a crisis of culture characterized by an ambiguous
combination of collective oedipal revolt and narcissistic search
for a new self. The Secession movement in modern art (…)
manifested the confused quest for a new life-orientation in
visual form”.
6
(SCHÖRSKE, 1981, p. 209)
É o mesmo Klimt quem cria a iconografia desta proposta, com a sua
imagem de Nuda Veritas, a verdade nua, “um conceito, não uma realização
concreta” (Schörske, p. 217, 1981), que oferece ao homem moderno um
espelho em que ele deve mirar-se a fim de encontrar a si mesmo (fig.2).
Entretanto, ao olhar-se no espelho da verdade nua, este homem não encontra
conforto, pois ainda a si mesmo vivendo num mundo que ainda é ditado
pelas regras políticas, sociais e estéticas de seus antepassados, ao qual
6
Com outros intelectuais de sua classe e geração, Klimt compartilhou uma crise de
cultura caracterizada por uma combinação ambígua de revolta edipiana coletiva e busca
narcisística de um novo ser. O movimento secessionista na arte moderna (...) manifestou a
busca confusa de um novo direcionamento de vida de forma visual. (Tradução da Autora)
30
não pertence, mas ainda não é seguro o suficiente para que possa dar o passo
que o levará à tão almejada modernidade.
“Just as the time when Secession launched its mission to
revitalize culture, the possibility of great public projects
evaporated. The Ringstrasse the long circular boulevard
surrounding Viennas inner city had been developed in the
mid-nineteenth century as an urban Gesamtkunstwerk in the
baroque spirit. It had so thoroughly fulfilled the elite’s need and
desire for monumental civic building in the capital that when a
new generation of architects came along at the century’s close,
they were cast back upon private residences as virtually their
only professional outlet”. (SCHÖRSKE in Kallir, 1986, p. 8)
7
Figura 2 - Nuda Veritas (www.artfiles.art.com)
7
No momento em que a Secessão se lançou na missão de revitalizar a cultura, a
possibilidade de grandes projetos públicos evaporou. A Ringstrasse – o longo boulevard
circular em torno do centro de Viena – tinha sido desenvolvido em meados do século XIX como
um Gesamtkunstwerk urbano no espírito Barroco. Ele tinha satisfeito tão completamente a
necessidade e o desejo da elite por edifícios cívicos monumentais na capital que quando uma
nova geração de arquitetos surgiu no fim do século, eles se viram com as residências
particulares sendo virtualmente sua única saída profissional. (Tradução da Autora)
31
Os artistas da Secessão são, de certa forma, obrigados a voltar-se
para o ambiente privado, representado pelas residências e outras construções
de uso restrito, como, por exemplo, o Sanatório Purkersdorf. Oposta à
concepção espacial e estética empregada nestes espaços está a esfera
pública, representada pela Ringstrasse, e essa oposição traz à superfície as
diferenças evidentes entre as idéias de público e privado. Ora, era uma
premissa secessionista o particular interesse nas artes aplicadas, ditas
menores (Kleinkunst), que nunca foram merecedoras da atenção da
Künstlerhaus. Como já dissemos, os secessionistas não reconheciam diferença
entre a alta cultura e as artes menores. Ao elevá-las ao mesmo patamar,
formou-se o ambiente propício para a inauguração da Wiener Werkstätte
(Oficina de Viena), em que os artistas tentavam materializar a “arte de seu
tempo”
8
, tornando-a presente no mais cotidiano dos objetos.
Se, por um lado, a Künstlerhaus não oferecia o espaço para a arte
contemporânea que os secessionistas desejavam, por outro lado, o Museu
Austríaco de Arte e Indústria (Österreichisches Museum für Kunst und
Industrie), era uma das instituições de arte mais atuantes em Viena (Kallir,
1986, p. 19), trabalhando principalmente o diálogo entre arte e indústria, além
de administrar a sua Kunstgeweberschule (Escola de Artes e Ofícios), onde
estudaram Klimt, Franz Matsch e Koloman Moser, tendo este último retornado
à Escola em 1898, desta vez como docente. Muitos outros artistas da
Secessão foram professores da Kunstgeweberschule, contribuindo para formar
8
Em referência à inscrição da fachada do prédio da Secessão: “DER ZEIT IHRE
KUNST, DER KUNST IHRE FREIHEIT”, traduzimos por “ AO TEMPO A SUA ARTE, À ARTE
SUA LIBERDADE”. (Nota da Autora)
32
os futuros profissionais que integraram o quadro de funcionários da Wiener
Werkstätte.
Assim a Kunstgeweberschule tornou-se o lugar de treinamento da
vanguarda, enquanto a Academia de Belas Artes continuava sendo o centro de
aprendizado conservador, rejeitando continuamente não a presença de
secessionistas no corpo docente (a nomeação de Gustav Klimt ao cargo de
professor foi rejeitada, bem como a indicação de Hoffmann à direção da
Academia), mas também proibindo terminantemente que seus alunos
freqüentassem as exposições da Secessão, cuja produção era considerada
decadente aos olhos da comunidade acadêmica mais conservadora, que
julgava as obras de Gustav Klimt moralmente decadentes, confusas e de mau
gosto, produzidas para o teto do auditório da Universidade de Viena: Filosofia,
Jurisprudência e Medicina.
“The last Ringstrasse commission of note – Klimts cycle of
allegories on the faculties of medicine, jurisprudence and
philosophy for the University of Vienna ended in a scandal so
intense that it must have raised serious doubts about the future
of this sort of public painting. The three allegories, which literally
presented their subjects naked, without the protective cloak of
historical allusion to which people were accustomed, presaged
a concern with personal and psychological values that would
resurface in the work of Expressionists.(…) Thereafter, he
received no more such commissions”.
9
(KALLIR, 1986, p. 26)
9
A última encomenda notável da Ringstrasse – o ciclo de alegorias de Klimt sobre as
faculdades de Medicina, Jurisprudência e Filosofia para a Universidade de Viena – terminou
33
A Academia tinha fornecido, quando da encomenda em 1894, como
tema para o desenvolvimento dos painéis “O Triunfo da Luz sobre a
Escuridão”. O resultado não apresenta uma conquista fácil: os painéis são
sombrios, fantasmagóricos, com corpos nus e muitas vezes abatidos,
adoecidos, e, quando não, entrelaçados uns nos outros Medicina -,
perdendo-se em espirais em que seus contornos são nebulosos Filosofia
(figuras 3, 4 e 5) . As poses das figuras são consideradas obscenas, e o fato de
as imagens femininas que representam cada uma das ciências confrontarem
diretamente o observador, é visto como algo chocante e, sobretudo feio, de
acordo com o filósofo Friederich Jodl (Schörske, 1981, p.234). Klimt foi
considerado ofensor da moral, incoerente, acusado de apresentar “idéias
obscuras através de formas obscuras” (Schörske, 1981, p. 232). Seus
opositores o acusavam de ter produzido uma falha estética. Por outro lado, aos
defensores de Klimt e da Secessão, “decadência” não estava no objeto, mas
nos olhos do observador (Schörske, 1981, p. 234).
Assim, depois dessa polêmica incursão blica, os artistas da
Secessão encontraram definitivamente seu lugar junto à burguesia enriquecida,
disposta a patrocinar as Artes e desejosa de dar aquele passo que a levaria à
posição de integrante da Modernidade. Para este público serão produzidos os
objetos da Wiener Werkstätte, regidos pelos ideais de interdisciplinaridade e
colaboração entre profissionais de diversas áreas, a fim de elaborar a
Gesamtkunstwerk.
em um escândalo tão intenso que deve ter gerado dúvidas severas sobre o futuro deste tipo de
pintura. As três alegorias, que apresentavam seus assuntos literalmente nus, sem o manto
protetor da alusão histórica à qual as pessoas estavam acostumadas, pressagiavam uma
preocupação com valores pessoais e psicológicos que viriam à tona novamente nos trabalho
dos Expressionistas.(...) Depois disso, ele não recebeu mais nenhuma dessas encomendas.
(tradução da Autora)
34
Figura 3. Medicina (www.sexualityinart.wordpress.com)
Figura 4. Jurisprudência (www. sexualityinart.wordpress.com)
35
Figura 5. Filosofia (www.sexualityinart.wordpress.com)
1.3. Gesamtkunstwerk e interdisciplinaridade
So long as our cities, our houses, our rooms, our furnitures,
our equipment, our clothes and our jewelry, so long as our
language and our feelings fail to reflect the spirit of our times in
a plain, simple and beautiful way, we shall lag infinitely far
behind our ancestors;(…).”
10
(HOFFMANN apud Brandstätter,
2003, p. 392)
Josef Hoffmann explicita no programa de trabalho da Werkstätte o
compromisso com a Gesamtkunstwerk, com a geração de uma vivência além
10
Enquanto nossas cidades, nossas casas, nossas salas, nossos móveis, nossos equipamentos,
nossas roupas e jóias, enquanto nossa linguagem e nossos sentimentos falharem em refletir o espírito dos
nossos tempos de uma maneira pura, simples e bela, nós deveremos permanecer infinitamente atrás de
nossos ancestrais. (Tradução da Autora)
36
dos objetos, que deveria refletir a verdade daqueles tempos. Também existia
uma necessidade de proteger o trabalho dos artesãos, uma vez que a
produção industrial em série tomava corpo e oferecia produtos baratos e de
baixa qualidade, inaceitáveis aos olhos daqueles que se ocupavam de construir
essa nova realidade.
The philosophical underpinning of the Wiener Werkstätte’s
great variety of activities was the principle of the
Gesamtkunstwerk, or total artwork: the integration of all the
various design elements in a single aesthetic
environment.”
11
(KALLIR, p.22, 1986)
A idéia de que seria possível promover uma solução moderna como
resposta às modificações pelas quais o mundo passava povoava o imaginário
dos artistas da virada do século. Esta solução, apresentada sob a forma de
Gesamtkunstwerk, propunha o rompimento com a maneira tradicional de ver e
pensar Arte. Propunha também a inviabilidade da existência de uma Arte Maior
representada pela pintura, pela escultura e pela arquitetura separada das
Artes tidas como menores, como toda a produção de objetos cotidianos.
Tais objetos deveriam ser considerados, também eles, não como obra
de arte isoladamente, mas como parte integrante de um todo, chamado Obra
de Arte Total. O indivíduo deveria vivenciar a experiência da Arte em todos os
11
A sustentação filosófica da grande variedade de atividades da Wiener Werkstätte foi o princípio
de Gesamtkunstwerk, ou obra de arte total: a integração de todos os vários elementos de design em um
único ambiente estético. (Tradução da Autora)
37
momentos de sua vida. Assim, desde o projeto de sua residência, até os
chinelos que usava deveriam ser expressões de Arte.
Hermann Bahr, citado por Jane Kallir, a dimensão do que é essa
proposta, comparando-a a uma orquestra, em que cada objeto deve atuar
como um instrumento afinado, mas que não é tocado sozinho:
Everything in a room must be like an instrument in an
orchestra, (...) the architect is the conductor, the whole should
produce a symphony.
12
(BAHR apud Kallir, p. 22, 1986)
Desta forma, a idéia de construção material de uma nova realidade
estava sujeita a um projeto ordenado e que intentava suprir todas as
necessidades, práticas e estéticas, do seu usuário/fruidor.
Para a construção da Obra de Arte Total, embora segundo Bahr, a
direção devesse ser do arquiteto e, de fato, os diretores da Werkstätte, como
Hoffmann e Moser, o eram -, era necessário trabalhar em colaboração com
profissionais de outras áreas, cujo conhecimento específico competiria para a
materialização deste ideal.
A fim de manter a unidade projetual e de linguagem, ao invés de ser
uma corporação de ofícios composta por muitas oficinas, os departamentos de
projetos dos diferentes objetos e meios eram parte de uma mesma Oficina:
“Another problematical area was maintaining the ‘purity of the
ideal’, as intimated even in its name. In early studies of this
12
Tudo numa sala deve ser como um instrumento em uma orquestra, (...) o arquiteto é o condutor,
o todo deveria produzir uma sinfonia. (Tradução da Autora)
38
turn-of-the-century period in art (…) we frequently encounter
the term ‘Wiener Werkstätten’; but although the plural ‘n’ ending
may be grammatically correct and more natural in speech, there
was properly speaking one workshop, which incorporated many
others within itself a work of art as the product of all the
arts
13
”. (FAHR-BECKER, 2008, p. 12)
Como vimos, este novo modelo proposto, tanto de produção como de
produto e linguagem, encontrava uma forte resistência no seio da sociedade
vienense do fim do século XIX, cujos ideais estavam pautados pelos valores da
lei e da ordem, solidamente construídos sobre alicerces tradicionais e estáveis,
em que nada parecia poder mudar.
“A nossa moeda, a coroa austríaca, circulava em peças de
ouro, garantindo assim a sua estabilidade. Cada um sabia
quanto possuía e quanto lhe era devido, o que era permitido e
o que era proibido: tudo seguia uma norma, tinha um peso e
uma medida precisos.” (ZWEIG apud De Masi, 1997, p.175)
Também vimos que a nova elite industrial vienense, culta e desejosa
de modernidade, passou a valer-se de outros parâmetros: a filosofia, a estética,
a interdisciplinaridade, que serão de extrema valia para a instauração da
Gesamtkunstwerk como realidade.
13
Outra área problemática era a manutenção da “pureza do ideal”, como manifestado inclusive em
seu nome. Em estudos iniciais sobre a arte na virada do século (...) freqüentemente encontramos o termo
“Wiener Werkstätten”; porém, ainda que a terminação indicativa de plural “n” possa ser gramaticalmente
correta e mais natural à fala, havia propriamente apenas uma oficina, que incorporava muitas outras em si
– uma obra de arte como produto de todas as artes.
39
Daremos maior atenção ao último destes valores que formaram a
bagagem cultural do cidadão vienense da virada do século, afinal, a
interdisciplinaridade significa não apenas o conhecimento “de várias disciplinas
por parte do mesmo estudioso” (DE MASI, 1997, p. 177), como também a troca
de conhecimentos entre estudiosos e, acima de tudo a “colaboração de mais
especialistas nos diversos campos na criação de uma obra que não por acaso
se queria ‘total’, porque fruto do trabalho conjunto de arquitetos, pintores,
ourives, tapeceiros, designers e músicos” (DE MASI, 1997, p. 177).
A obra de arte total se constrói, ou, de fato, é construída, num
processo, então, de interdisciplinaridade. O projeto é do grupo, não apenas do
artista, que detém o conhecimento estético, mas também do artesão, que
complementa o projeto com o conhecimento dos processos de construção do
objeto. Ao trabalhar em conjunto, ampliam-se os horizontes de ambos, artistas
e artesãos, e é aberto o espaço necessário para explorar novos materiais, criar
novas soluções e buscar novas alternativas formais, a fim de inventar um outro
mundo.
“A interdisciplinaridade pressupõe novos questionamentos,
novas buscas, transformação da própria realidade. Implica uma
mudança de atitude, que possibilita o conhecimento, por parte
do indivíduo, dos limites de seu saber para poder acolher
contribuições de outras disciplinas. Interdisciplinaridade deve
ser, pois, entendida antes de tudo, como atitude, pautada pelo
rompimento com a postura positivista de fragmentação,
visando a compreensão mais ampla da realidade. Através
40
desta postura é que ocorre a interação efetiva, sinônimo do
interdisciplinar.” (COUTO, p. 63, 2006)
Partindo da atitude interdisciplinar, é construído esse novo profissional,
o artista-artesão, que surge no cenário, como a “utopia de um único homem
que domine a complexidade das diversas formas do saber e controle suas
múltiplas práticas” (DE MASI, 1997, p. 177).
É provável que os artistas da Secessão, vinculados à Wiener
Werkstätte, estivessem alinhados com esse discurso. Observamos que a
atuação individual dos maiores nomes da Wiener Werkstätte, como Josef
Hoffmann e Koloman Moser, indica o desejo de exercer o maior número de
atividades possível, podendo, certamente, aliar-se a parceiros mais hábeis
neste ou naquele processo sem perda para nenhum dos lados. A idéia de
tornar-se um artista total não fica comprometida pelo trabalho em colaboração.
De fato, o esforço conjunto dos arquitetos Josef Hoffmann e Koloman
Moser na direção criativa da Oficina irá direcionar a construção do método de
trabalho:
“... o papel de liderança criativa e projetista (sic.) foi sem
dúvida de Hoffmann e Moser. O primeiro era um assimilador,
que de bom grado deixava-se influenciar para depois elaborar
os estímulos recolhidos no ambiente circundante, de maneira
pessoal e autônoma. O segundo era um estimulador que
idealizava continuamente formas, objetos, linhas que depois
abandonava no ambiente circundante sem mais se preocupar
com elas.
41
A forma organizativa do grupo de trabalho por projeto era a
mais apropriada para que essas duas personalidades artísticas
se expressassem; o ambiente, caracterizado por uma intensa
interação entre artesãos e artistas, era seguramente o mais
apropriado. (...) aquele processo mental particular que usa a
competência para dar vida a uma solução original, encontrava
uma ajuda notável no contexto em que se exercia. A
dificuldade de projetar de forma original objetos de uso diário
estava, assim, reduzida pela organização ad hoc. (DE MASI,
1997, p. 195)
1.3.1. Gesamtkunstwerk: o problema
Ambos, Hoffmann e Moser, desenvolveram ainda inúmeros projetos em
colaboração com outros profissionais, tais como o Palácio Stoclet, em
Bruxelas, projeto de Hoffmann, com murais de Gustav Klimt, e os vitrais de
Moser para a igreja de Steinhof, projetada por Otto Wagner. Pode-se
mencionar o Sanatório Purkersdorf, e também uma infinidade de projetos de
interiores e villas projetadas apropriadamente para os patronos das Artes, com
a expressão máxima da modernidade. Também o Cabaré Fledermaus é um
intrigante exemplo da diversidade projetiva do grupo, que, ao criar o espaço de
entretenimento, compunha não apenas o ambiente, equipado com todos os
objetos de que necessitaria, tais como cristais e prataria, móveis e têxteis,
luminárias e afins, mas também toda uma comunicação gráfica
interessantíssima, composta por cartões postais, programas e pôsteres das
atrações trazidas ao palco.
42
Assim, pretendeu-se criar este profissional que pudesse, com seus
projetos, resolver todos os problemas dos seus concidadãos, oferecendo a eles
uma nova possibilidade de reorganizar-se, de modo que, ao serem
confrontados com a desejada vertigem que sentiam, proporcionada por uma
velocidade nunca antes experimentada, pudessem sentir-se seguros, no
controle de seus espaços e objetos, concebidos como uma grande obra de
arte. Contudo, esse desejo não é partilhado por todos. E não são todos os
cidadãos que vão entregar a direção da materialidade das suas vidas ao
grande maestro designado por Bahr, o arquiteto. É o que percebemos ao ler a
descrição da residência dos Freud em Viena, por Peter Gay. O cidadão médio
aparentemente o ignora a existência da proposta de Gesamtkunstwerk, mas
também não se sente atraído por ela:
“As revoluções na pintura, poesia e música eclodindo à sua
volta deixaram-no impassível; quando se impunham à sua
atenção, o que era raro, ele as desaprovava energicamente. A
partir dos quadros nas paredes da casa de Freud, quando se
mudou para a Bergasse 19, não se poderia saber que o
impressionismo francês vinha florescendo algum tempo,
nem que Klimt, Kokoschka e, mais tarde, Schiele trabalhavam
em Viena.
(...)
Da mesma forma, a mobília que apinhava o apartamento dos
Freud ignorava todos os designs experimentais que então
transformavam as residências de famílias mais atualizadas de
Viena. Os Freud viviam em um sólido conforto vitoriano, com
43
toalhas de mesa bordadas, cadeiras forradas de pelúcia,
fotografias emolduradas e uma profusão de tapetes orientais. O
apartamento respira um ecletismo despreocupado, refletido
num acúmulo de objetos que, longe de obedecerem ao projeto
de algum decorador, exprime a simples busca de prazer
doméstico ao longo dos anos.” (GAY, 1989, p.163:164)
Assim, de um lado temos um grupo interessado em financiar e
vivenciar este projeto de construção de um novo universo material e, do outro,
pessoas que, como Sigmund Freud, viverão alheios às propostas das
vanguardas artísticas, adquirindo e acumulando objetos sem a preocupação
com a harmonia, a composição e negando acesso ao maestro-arquiteto à sua
intimidade, representada pelas suas residências e coisas.
Um dos motivos prováveis para isso é a possibilidade de que os
projetos da Werkstätte fossem bastante impessoais. Segundo Jane Kallir, a
proposta de Gesamtkunstwerk surge da ópera, e talvez, o produto se
assemelhasse de forma excessivamente fiel a um palco, onde a vida, afastada
da verdade nua buscada idealmente pelos Secessionistas, seria apenas uma
encenação.
“Opera, with its unique combination of music, theater, dance,
literature and decorative arts, provided the perfect model for the
Gesamtkunstwerk (…).
(…)
44
Thus it was that the Gesamtkunstwerk concept, which had been
created for the stage, entered the home, and the home, as a
result, became a stage (…)”
14
. (KALLIR, 1986, p. 22)
A despeito das características inventivas e do fato de terem proposto
um projeto corajoso e conectado ao seu tempo, é famoso o radicalismo de
alguns dos diretores da Werkstätte com relação aos projetos desenvolvidos.
“It was literally forbidden to move any object in a Hoffmann-
designed room from its prescribed place (...). Such dogmatism
was satirized in Loos’ essay about a Poor Rich Man’ who was
tyrannized by his architect. The rich man calls in the architect to
consult about any proposed change, however minor, in his
home (…).”
15
(KALLIR, 1986, p.22)
No ensaio “Um Pobre Homem Rico”, Adolf Loos arquiteto vienense
racionalista e crítico sagaz da Secessão e da Werkstätte nos apresenta um
arquiteto tirânico, muito provavelmente inspirado em seu arquiinimigo Josef
Hoffmann, e que conduz o Homem Rico à situação desalentadora de ter tido
projetados para si todos os objetos dos quais precisaria. No entanto, ao fazê-lo,
o arquiteto priva o seu cliente de desejar qualquer outra coisa ou receber
14
“A ópera, com a sua combinação única de música, teatro, dança, literatura e artes decorativas,
proveu o modelo perfeito para a Gesamtkunstwerk (...).
(...)
Assim o conceito de Gesamtkunstwerk, que havia sido criado para o palco, entrou no lar, e o lar,
como resultado, tornou-se um palco (...)”. (Tradução da Autora)
15
Era literalmente proibido mover qualquer objeto de seu lugar pré-determinado em um ambiente
projetado por Hoffmann (...). Tal dogmatismo foi satirizado no ensaio de Loos sobre um “Pobre Homem
Rico” que era tiranizado por seu arquiteto. O homem rico chama o arquiteto para consultá-lo a respeito
sobre qualquer proposta de mudança, ainda que pequena, em sua casa (...). (Tradução da Autora)
45
quaisquer presentes, ou adquirir o que quer que fosse, pois estes objetos
intrusos desfariam a harmonia daquela obra de arte. O Homem Rico fica
impedido de mudar, de alterar o modo como o mundo, ficando atado a um
modelo tão estanque quanto aquele que deseja substituir.
“’Ontem’, começou timidamente, ‘comemorei meu aniversário.
Os meus me encheram de presentes. Mandei lhe chamar,
querido senhor arquiteto, para que nos aconselhe sobre qual é
a melhor maneira de dispor os objetos. ’
A cara do arquiteto se alargava visivelmente. Então estalou:
‘Como pode lhe ocorrer deixar-se presentear alguma coisa! Eu
não lhe desenhei tudo? Eu não pensei em tudo? O senhor não
precisa de mais nada. O senhor está completo.’
(...)
O dono da casa estava estupefato. Mas ainda não se dava por
perdido. Uma idéia, já a tinha, uma idéia! :
‘E se quisesse comprar-me um quadro da Secessão?’
perguntou triunfante.
‘Experimente pendurá-lo em algum lugar. O senhor não que
não lugar para mais nada? O senhor não que, para cada
quadro que eu lhe pendurei, eu compus uma moldura na
parede, no muro? Não pode deslocar um quadro.
Experimente o senhor colocar um novo quadro.
Então produziu-se uma mudança no homem rico. O homem
feliz se sentiu de repente profunda, profundamente
desgraçado. Viu sua vida futura. Ninguém podia proporcionar-
46
lhe alegria. Deveria passar sem desejos diante das lojas da
cidade. Para ele não se criava mais nada. Nenhum dos seus
podia lhe dar seu retrato, para ele não existia mais pintores,
mais ofícios manuais. Estava podado do futuro viver e respirar,
devir e desejar. Ele sentia: Agora devo aprender a vagar com
meu próprio cadáver. Certo: Completo! Acabado!
16
.
Enfim, não surpreende que a Gesamtkunstwerk tenha encontrado o
declínio como modelo artístico e como empreendimento empresarial, uma vez
que deixava de lado a capacidade mutável da natureza humana e não conferia
reconfigurabilidade aos seus projetos. “A reconfigurabilidade”, de acordo com
Krippendorff (2000, p. 90) “(...) permite que os usuários (re)projetem os seus
próprios mundos.” Assim, ao impedir que o usuário/fruidor participasse
ativamente do projeto e pudesse alterar, a qualquer momento o modo de
vivenciar estes objetos ou mesmo o projeto - uma vez que o entregava
“completo, acabado”, como diz Adolf Loos - o designer da Wiener Werkstätte
rejeitava a realidade dinâmica e moderna que deseja construir: suas soluções
vêm para substituir outras que se acreditam definitivas e, diante de uma nova
realidade, não funcionam mais, mas as novas propostas também se
pretendem absolutas, tanto quanto aquelas. Além disso, o projeto de Obra de
Arte Total negava ao usuário a possibilidade de dialogar com o objeto, de
transformar sua realidade material. Um projeto da Werkstätte vinha com
instruções a ser seguidas, nada poderia ser alterado.
16
LOOS in www.dau.uem.br/professores/rlrego/loos.pdf
47
Ora, sabemos que “as pessoas (...) gostam de mudar suas vidas, mas
geralmente em seus próprios termos” (Krippendorff, 2000, p. 90). Ou seja, em
algum momento, o usuário tentará interferir no projeto e no objeto, como na sua
própria vida, emprestando dados novos a estas vivências.
Diferentemente do que aconteceu aos profissionais da Wiener
Werkstätte, percebemos na contemporaneidade que, sem abrir esse espaço
para a interferência do usuário, não existe projeto em design que se sustente.
Krippendorff (2000, p. 92) afirma que “o design (...) deve estimular as pessoas”.
Estimular as pessoas é permitir que dialoguem, que atuem de modo a
transformar suas realidades. Com relação aos artefatos, é desejável que de
uma certa forma, possam construir relações diferenciadas com eles,
descobrindo possibilidades muito além daquelas para as quais estes objetos
foram projetados.
E, por fim, percebemos que ao nos afastarmos do modelo da
Werkstätte, nos dirigimos a uma nova forma de pensar os projetos em design,
que consideram a realidade do usuário como algo variável e que se constrói e
se reconfigura ao longo do tempo:
“... nossa trajetória nos levou para uma cultura projetual, uma
cultura que reconhece sua realidade como construída e não
descoberta. Ela reconhece sua própria variabilidade, pensa a
respeito de seus possíveis modos de vida e se entende como
reprojetável”. (KRIPPENDORFF, 2000, p. 92)
48
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 2
REFORMKLEID: UM PROJETO DE SUCESSO?
REFORMKLEID: UM PROJETO DE SUCESSO?REFORMKLEID: UM PROJETO DE SUCESSO?
REFORMKLEID: UM PROJETO DE SUCESSO?
49
Capítulo 2. Reformkleid: um projeto de sucesso?
2.1 – Reformas do Vestuário
Ao longo da História da Moda e do Vestuário, é possível mapear alguns
movimentos de Reforma vestimentária feminina, que se opunham
principalmente ao papel a que as mulheres eram relegadas. Sem participação
alguma na sociedade, tratadas como cidadãos de segunda classe, o podiam
votar ou ingressar em universidades. Sua respeitabilidade estava assegurada
pelo casamento, no qual sua função primordial era a de ser vitrina da saúde
financeira de um esposo, escolhido convenientemente.
No começo do século XIX (...) as mulheres foram redefinidas
como algo entre as crianças e os anjos: criaturas fracas,
tímidas, inocentes de nervos sensíveis e preocupadas com o
decoro, que podiam estar realmente seguras e felizes sob a
proteção de um homem. A fragilidade e delicadeza físicas eram
admiradas (...). Quanto mais inútil e impotente uma mulher
parecesse, mais elevado seu suposto status social, e mais
elegante e bela seria considerada.” (LURIE, p. 229. 1997)
Em “Enfeitada de Sonhos”, Elizabeth Wilson discorre de forma bastante
esclarecedora sobre a utilidade dessa mulher no século XIX, e a maneira como
as roupas contribuem para valorar esta criatura no “mercado de casamento”,
em que ela não passa de moeda de troca:
50
“O vestuário da mulher virgem do século dezanove, que estava
à venda no mercado de casamento
17
, tinha
consequentemente de dar a entender subtilmente a sua
posição social e a da sua família, assim como a sua atracção
pessoal: a sedução, embora virginal, juntamente com uma
sugestão da sua habilidade para tomar conta de uma casa de
família (...).” (WILSON, 1985, p. 166).
Uma das primeiras intenções de reformar o vestuário feminino da qual
temos notícias foi aquela promovida pela Senhora Amelia Bloomer em meados
do século XIX, nos Estados Unidos. Ligada às comissões que lutavam pelos
direitos das mulheres, adotou as calças persas sob vestidos curtos,
confeccionadas por Elizabeth Smith Miller, a fim de liberar o corpo feminino
para melhor movimentar-se. A adoção das calças por mulheres não foi bem
recebida.
“A mais conhecida tentativa de reforma do vestuário feminino
foi feita por um grupo de feministas americanas, em 1851. O
traje que elas adoptaram consistia em calças estilo turco
usadas por debaixo de uma túnica comprida e larga, atada na
cintura com uma fita e tinha um corte feminino, no seu corte e
estilo. Foi apelidado traje “Bloomer” (...). Foram obrigadas no
entanto a abandonar este traje por ser alvo de críticas que
17
Grifo da autora.
51
ridicularizavam a causa feminista, pela qual tanto lutavam. Ele
estabelecia uma ligação entre o feminismo e a masculinidade.
(WILSON, 1985, p. 280)
Ao aproximar os guarda-roupas de homens e mulheres através de um
item tão emblematicamente ligado à masculinidade, Bloomer tornou-se motivo
de chacota e sua proposta foi vítima de charges nos jornais da época, como
podemos ver na figura 6.
Figura 6. Bloomerismo – um costume americano. (verwww.cartoonstock.com)
Assim, depois de algum tempo e muitos incidentes -, Amelia Bloomer
abandonou as calças, mas não a intenção de fazer da mulher alguém mais
52
participativo nas esferas públicas, tendo continuado a militância pelos direitos
civis femininos.
18
Se Amelia Bloomer tentou buscar a liberdade de movimento
aproximando os trajes femininos dos masculinos, seus sucessores da década
de 1880, que faziam parte da Sociedade do Traje Racional, buscavam atender
aos fundamentos higienistas de liberdade de movimento e maior conforto para
a mulher, tentando “suavizar os aspectos mais inconvenientes e
desconfortáveis da moda feminina” (LURIE, p. 234, 1997). Inspirada na
indumentária da Idade Média e da Renascença, a Roupa Estética e da
Reforma era caracterizada por vestidos mais folgados e menos guarnecidos de
adornos, que deveriam ser usados sem os espartilhos, ou com as variantes
menos rígidas da peça.
“A principal regra para um vestido bonito é que não contrarie a
forma natural da silhueta humana... Uma das características
mais importantes é uma silhueta graciosa (...). O primeiro
objectivo é a ‘cintura à moda antiga’ que a mente vulgar diria
ser horrivelmente larga larga como a da Vénus de Médicis,
larga como a da muito mais nobre Vénus de Milo.” (HAWEIS
apud Wilson, 1985, p. 281)
18
É digno de nota que a proposta da Senhora Bloomer foi retomada já nos anos finais do
século XIX, com a finalidade de promover maior liberdade de movimento às mulheres, mas era
restrito aos passeios de bicicleta. As calças compridas demorariam ainda cerca de 30 anos
para serem usadas por mulheres e meninas, não sem resistência por parte da sociedade.
(Nota da Autora)
53
Não se pode dizer que tenham entusiasmado as senhoras da
sociedade, tendo sido adotados principalmente pelas mulheres “da classe
média” (Lurie: 1997) ligadas de alguma forma aos meios artísticos ou políticos.
Na década seguinte, veríamos surgir uma moda feminina ainda mais
opressiva, em que a mulher parecia majestosa e madura, mas que continuava
contida, e com sua postura e compostura garantidas pelo uso contínuo de
elementos constritores, como os espartilhos e anquinhas, que, combinados,
davam à silhueta feminina o acentuado aspecto de “S”, acrescidos de saias
afuniladas guarnecidas de caudas que se arrastavam no chão:
O espartilho do final do período vitoriano alongou-se até a
metade da coxa, restringindo seriamente a locomoção.
Gradativamente, começou a empurrar o peito para a frente e os
quadris para trás, criando a figura em S, com seu monosseio
pendente e seu monotraseiro empinado. Sobre o espartilho
usava-se uma proteção do espartilho, uma bata, várias
anáguas, e vestidos com saias ricamente adornadas com
renda, franzidos, pregas, fitas e bordados (...)”. (LURIE, 1997,
p. 235)
A descrição nos apresenta uma combinação que, pode-se dizer, era no
mínimo desconfortável, principalmente se esta senhora desejasse fazer algo
mais do que ser admirada, bordar ou ler. Uma prosaica caminhada pelas ruas
da cidade, ainda mais daquelas capitais modernistas do fim do século XIX, tão
convidativas à vivência e ao fluxo, estava comprometida. Mas este era um
54
estado de coisas que não passou despercebido, tendo sido exibidas propostas
higienistas ao longo da década de 1890, que tentavam propor soluções a fim
de sanar, principalmente, os males causados à estrutura óssea e aos órgãos
internos dessas mulheres.
Figura 7. Anúncio de saias. Neste anúncio específico, é interessante notar que já
eram vendidas “prontas para usar” em cerca de 1890. (www.fashion-era.com)
Assim, a opressão física também reflete uma repressão moral. Hélène
Roberts, citada por Elizabeth Wilson, reforça esta idéia ao dizer que “o traje
também ajudava a moldar o comportamento feminino no papel de ‘escrava
requintada’” (Wilson, 1985, p. 133).
Em 1900, o foco da Reforma mudou. O arquiteto belga Henry van de
Velde organizou uma exposição de “Roupas Desenhadas por Artistas para
Senhoras Modernas”, na Alemanha, levando a discussão do plano médico para
55
o artístico, ao transformar os vestidos desenvolvidos em “espaço para
criatividade e expressão artísticas pessoais” (HOUZE, 2001, p. 32).
“Visually, the dress designs presented at the Krefeld exhibition
by van de Velde and other designers (…) were striking for their
long, elegant lines and use of Jugendstil appliqué and
embroidery”
19
. (HOUZE, p. 32, 2001)
Elizabeth Wilson reitera, falando da aproximação entre a proposta da
van de Velde e a nova linguagem artística:
“Mas em 1900, parece que o desenhador belga Henry Van
der Velde exibira ‘roupas reformadas’ em Kerfeld (sic), centro
da indústria têxtil da Alemanha e seus desenhos, que troçavam
dos espartilhos, apresentavam cinturas subidas e eram
construídos sobre princípios arquitectónicos’ (...).” (WILSON,
1985, p. 288)
A exposição de van de Velde chamou a atenção dos secessionistas de
Viena, como não poderia deixar de ser, interessados como estavam em tudo
que era novo e que pudesse refletir a modernidade da qual não apenas faziam
parte, mas que estavam efetivamente construindo – material e subjetivamente.
19
Visualmente, os desenhos de vestido apresentados na exposição Krefeld por van de
Velde e outros designers (...) eram marcantes por suas longas, elegantes linhas e pelo uso de
aplicações e bordados Jugendstil. (Tradução da Autora)
56
“In 1898 Gustav Klimt emblematized the ideals of the Vienna
Secession with a painting of ‘Nuda Veritas’, a nude woman
holding up a mirror to the viewer, illustrating that the new
modern art was to be a reflection of modern man.
Metaphorically, this representation of ‘naked truth’ seems to say
that the solution to the ills of modern society is an idyllic return
to a state of innocent nudity, in contrast to the overdone
fashions of the period. But ironically, one of the ways in which
the Secessionists were best able to express this new visual
language of modern life was literally by designing clothes.”
20
(HOUZE, p.32, 2001).
Interessados como estavam em expressar materialmente sua
compreensão de modernidade, os Secessionistas também oferecerão sua
proposta de vestuário reformista, dentro da proposta de Obra de Arte Total.
2.2 – O Reformkleid como aspecto da Gesamtkunstwerk
“Yet it seemed only logical that, in the ongoing search for a
synthesis of the arts ans a resolution of the contradiction
20
Em 1898, Gustav Klimt emblematizou os ideais da Secessão Vienense com uma
pintura de “Nuda Veritas”, uma mulher nua segurando um espelho para o observador,
ilustrando que a nova arte moderna seria um reflexo do homem moderno. Metaforicamente,
esta representação de “verdade nua” parece dizer que a solução para os males da sociedade
moderna é um retorno idílico a um estado de nudez inocente, em contraste com as modas
exageradas do período. Mas ironicamente, uma das formas em que a Secessão foi mais hábil
em expressar essa nova linguagem visual da vida moderna foi literalmente desenhando
roupas. (Tradução da Autora)
57
between life and art, there should be new and original creations
in every field.”
21
(FAHR-BECKER, p. 185, 2008)
No início do século XX, os designers da Wiener Werkstätte,
conscientes da incongruência entre a nova realidade em que viviam,
dinamizada pelas novas invenções e a proximidade de um novo século, e os
hábitos de vestir femininos, social e fisicamente aprisionantes, propuseram
uma nova Reforma do Vestuário.
Para entender essa percepção, devemos retomar aqui a proposta de
Gesamtkunstwerk a obra de arte total que deveria estar presente em todas
as esferas da vida do cidadão. Deste modo, o desenho da cidade era pensado
a fim de promover o fluxo, proporcionando encontros e trocas, levando o
indivíduo a sentir-se convidado a experienciar o ambiente urbano, em que as
construções fossem elas projeto da Wiener Werkstätte ou de seus opositores
visavam também a completude da obra de arte, pois não eram apenas elas
Gesamtkunstwerk, mas tudo que estava contido nestas construções também o
era.
“Georg Simmel, um sociólogo alemão do final do século
dezanove, estabeleceu a relação entre a vida citadina, o
individualismo e o desenvolvimento rápido na moda, na era
industrial. Um sentido mais aperfeiçoado da personalidade
individual e do ego desenvolveu-se quando os homens e as
mulheres se movimentaram em círculos sociais mais vastos, e
21
Apenas parecia lógico que, na contínua busca por uma síntese das artes e uma
resolução da contradição entre a vida e a arte, deveriam existir criações novas e originais em
todos os campos. (Tradução da Autora)
58
a fricção constante do eu com um monte de sensações e com
outras personalidades gerava, sugere ele, uma consciência
mais forte da nossa própria subjectividade, do que o velho
ritmo uniforme e sem ondas da vida rural e de província. Na
cidade, o indivíduo entra contacto constantemente com outros
indivíduos, que lhe são estranhos (...).” (WILSON, 1985, p. 186)
A proposta de produção da Werkstätte centrava-se em um indivíduo
desejoso de inserir-se numa nova possibilidade de existência dinâmica,
materializada na forma de espaços e de toda sorte de objetos desenhados para
compor esta nova realidade. Assim, a Werkstätte ocupou-se de construir
espaços, móveis e utensílios em geral talheres, cristais, vasos, suportes para
plantas, luminárias -, papéis de paredes, capas de livros ou jóias, além de
desenvolver os têxteis a ser utilizados em seus espaços, afastando-se dos
preceitos estéticos aparentes nos ambientes de “elegância pomposa e
sexualidade ligeiramente velada” (KALLIR, p. 16, 1986) característicos do
Makartstil
22
, materializando através dos objetos essa nova realidade.
“Gustav Klimt, Josef Hoffmann and Kolo Moser, like other
European modernists, wanted to express life at the beginning of
the twentieth century with a fresh new visual language of form.
(…) The outmoded mores of the previous generation were most
visible in the ecletic historicist buildings along Vienna’s
22
Makarststil: “Estilo” que faz referência ao pintor Hans Makart (1840 – 1884), cujas principais
características são as citações do passado tanto na arquitetura quanto nos temas das alegorias de seus
murais, com a intenção de glorificar o regime dos Habsburgo. Koloman Moser teria dito que, “para os
jovens, o estilo era muito desfavorável, pois todos estavam encantados com o aspecto efêmeros e os
bouquets empoeirados” (KALLIR, p.16, 1986) de Makart.
59
Ringstrasse (…). These grand monuments built in the styles of
previous times Classical, Gothic, Renaissance, and Baroque
attested to the fact that the modern age had no style of its
own. Equally disturbing for the modernists were the sorts of
clothing ladies wore corseted velvet gowns with lace collars,
adorned with ribbons and false flowers, and enormous hats
stacked high with feathers and stuffed birds. These irrational
fashions were also a pastiche of past periods (…).”
23
(HOUZE,
p. 31, 2001)
Se a forma como se apresentava a indumentária feminina em Viena no
início do século XX o poderia caber no projeto maior Gesamtkunstwerk
tampouco os hábitos femininos poderiam.
“No século dezanove, a aparência da mulher burguesa era uma
produção artística. Para realizarem plenamente a sua posição
social, as mulheres tinham de usar o uniforme da moda (...)”.
(WILSON, 1985, p. 165).
As senhoras vienenses tinham seu guarda-roupa composto por um
sem-número de itens, a ser trocados completamente de acordo com a atividade
23
Gustav Klimt, Josef Hoffmann e Kolo Moser, como outros modernistas europeus,
desejavam expressar a vida do início do século XX com uma nova linguagem visual da forma.
(...) Os excessos desusados da geração anterior estavam mais visíveis nos ecléticos edifícios
historicistas ao longo da Ringstrasse de Viena (...). Esses grandes monumentos construídos
nos estilos de tempos passados – Clássico, Gótico, Renascentista, e Barroco – atestavam o
fato de que o modernismo não tinha um estilo próprio. Igualmente perturbadores para os
modernistas eram os tipos de roupas que as senhoras usavam – vestidos corsetados em
veludo com colarinhos em renda, adornados com fitas e flores falsas, e enormes chapéus
empilhados no alto com penas e pássaros empalhados. Essas modas irracionais também eram
um pastiche dos períodos anteriores (...). (Tradução da Autora)
60
da qual fariam parte, sendo absolutamente distintos os trajes de uso doméstico
e aqueles que deveriam ser usados em público, e cada uma dessas esferas
pública e privada - era ainda composta por atividades várias que respondiam
pelo uso específico de uma determinada indumentária completa.
“Women’s fashion at the turn of the century, therefore, revolved
not only around seasonal changes, but also around the
necessary differences in appropriate types of dress to be worn
for specific occasions and at specific times of day.
24
(HOUZE,
2001, p. 35)
O Vestido proposto pelos secessionistas deveria se prestar ao uso
constante, independente da atividade a ser desempenhada. Deveria levá-las
aos espaços públicos, possibilitar os movimentos e inclusive servir a um
momento novo, em que as mulheres começavam a trabalhar fora de casa,
algumas delas, na própria Wiener Werkstätte.
“A moda acelerou o seu processo e proliferou-se, para andar
ao ritmo da vida moderna. Por um lado abraçava e expressava
a vida compartimentada, obsessivamente sub-dividida da
burguesia. Havia vestidos para usar de manhã, para a hora do
chá, para viajar, para estar no campo (...); trajes que não
reflectiam uma posição ou um estatuto definidos, mas que
indicavam antes uma certa hora do dia socialmente
24
A Moda feminina na virada do século, conseqüentemente, girava em torno não só das
mudanças sazonais, mas também das diferenças necessárias em tipos de vestidos
apropriados para ser vestidos em ocasiões específicas e em momentos específicos do dia.
(Tradução da Autora)
61
estabelecida (...) um indicador do conformismo social e,
paradoxalmente, também individualizava o gosto da pessoa e a
sua personalidade.
Por outro lado, à medida que os velhos sinais da posição social
desapareciam, apareceu o uniforme. (...) os uniformes do
século dezanove tinham um significado novo. (...)
(...) Eles simbolizavam o avanço do estado moderno na vida do
indivíduo”. (WILSON, 1985, p. 51-52)
O Vestido da Reforma era apresentado como uma túnica solta,
chamada também de “vestido artístico” e que parecia aos críticos da Secessão,
“sacos amorfos de aniagem” (KALLIR, 1986, p. 91), pela silhueta desprovida de
curvas e falta da ornamentação a que estavam habituados, como a profusão de
rendas e laços que eram vistos com freqüência sendo portados pelas senhoras
da sociedade vienense.
Figura 8. Croqui de vestido reformista por Koloman Moser.
62
Por outro lado, entre as mulheres envolvidas com a Secessão e
participantes ativas da Wiener Werkstätte, algumas como artistas-artesãs
(designers) e outras como clientes, entusiastas e financiadoras, o Reformkleid
(literalmente, Vestido da Reforma) tornou-se traje de uso comum, tendo sido
usado nas mais diversas ocasiões e visivelmente dando maior liberdade
àqueles corpos dos quais se esperava contenção e compostura.
Na concepção, o Vestido da Reforma deveria acompanhar a mulher em
todos os momentos do seu dia. Assim, encontramos fotografias de Ditta Moser
(figura 9) em um dos vestidos idealizados por seu marido, Koloman, deitada
sobre uma toalha com o filho dos dois, ou mesmo Mileva Roller (figuras 10, 11
e 12) em três situações diferentes em uma delas, fotografada por Madame
d’Ora – usando o mesmo traje. Numa das imagens ela se senta sobre o colo de
seu marido, em postura coquete e numa das outras, guarnecida de jóias de
desenho secessionista e com os cabelos presos, ela parece estar pronta para
qualquer grande evento.
Figura 9. Ditta e Karl Moser, cerca de 1905. (Revista Fashion Theory)
63
Na forma, o Vestido assemelha-se à túnica usada por Gustav Klimt,
que a usava como roupa de trabalho em seu estúdio e nos verões em Atersee,
onde instalava-se com Emilie Flöge, cunhada de seu irmão, sua parceira e
proprietária da boutique Schwestern Flöge (Irmãs Flöge). A parceria entre Klimt
e Flöge aparentemente não era apenas afetiva, mas também se dava no
âmbito profissional, sendo possível que Klimt tenha desenhado vestidos para a
boutique. Klimt também fotografou Emilie Flöge com os vestidos reformistas. O
ensaio foi publicado na revista Deutsche Kunst und Dekoration, e as fotos
levaram legendas que sugeriam o uso apropriado para cada um dos trajes,
que, na verdade, diferiam muito pouco entre si (HOUZE, 2001, p. 41).
Figuras 10 e 11 Mileva Roller, c. 1908. Na fotografia da direita, Mileva e Alfred
Roller. (Revista Fashion Theory, volume 5, março de 2001)
64
Figura 12 Mileva Roller, c. 1908, por Madame d’Ora. (Revista Fashion Theory,
volume 5, março de 2001)
A boutique Schwestern Flöge é um dos pontuais exemplos do
pensamento secessionista com relação à Gesamtkunstwerk: o interior da loja
foi todo projetado pelos artistas da Wiener Werkstätte, e executado pelos seus
artesãos, desde os móveis aos revestimentos e luminárias, sendo possível
que, como usuária de vestidos reformistas, tenha produzido e comercializado
em têxteis da Werkstätte, vestidos do grupo. O que sabemos é que Flöge não
se furtava a experimentar as novas formas, tendo sido fotografada em Atersee
trajando uma ampla veste chinesa, que era apenas uma das muitas influências
que pairavam sobre os artistas europeus, e entre eles os austríacos: o
orientalismo
25
.
25
(FAHR-BECKER, 2008, p.16)
65
Figura 13. Gustav Klimt e Emilie Flöge em vestido reformista, em Atersee.
(www.viennakunsthaus.blogspot.com)
Uma vez que o Vestido da Reforma cumpre aquilo que foi proposto, ou
seja, é confortável, permite livre movimentação da usuária e pode ser usado
em qualquer ocasião, e, além disso, desempenha seu papel na
Gesamtkunstwerk, consideramos os motivos do seu insucesso junto às
mulheres vienenses do início do século XX. De fato, existem alguns fatores que
não podem ser descartados. As mulheres eram espremidas em espartilhos
desde muito cedo, e isso causava danos permanentes, tais como atrofias em
músculos e separações entre vértebras, relatadas por Lurie e também por
Elizabeth Wilson, que tornavam as usuárias verdadeiras dependentes dessa
peça. Portanto somente as mulheres muito jovens poderiam desfrutar da
propalada liberdade de movimentos. E, mesmo assim, essas jovens, como
vimos, estavam sujeitas às regras estritas da sociedade, restando, como já
66
dissemos, às mulheres ligadas às Artes e/ou aos artistas o papel de mudar a
silhueta da virada do século. Também concorria para a rejeição das novas
formas o fato de que, como resposta aos exagerados adornos de “fitas e flores
falsas e chapéus enormes encimados com penas e ssaros empalhados”
(Houze, 2001, p.31), tenha sido proposto algo tão simples (se comparado aos
estilos vigentes) quanto uma túnica, algo que parecia mais adequado à
intimidade do ambiente doméstico. A ausência de adornos o parecia
apropriada para a vida pública:
“How does one design a type of clothing that is both private and
public? It must be private in the sense that being able to move
the body had been an intimate sheltered activity. (…) In order to
leave the home, women preferred, and were obliged, to be
tightly wrapped in the latest fashions of the day, public clothing
in which they were observed by and took part in society. (…)
This distinction is significant, because Viennese reform or
artistic dress blurred these boundaries, attempting to construct
a garment that could domesticate fashion while also making the
domestic realm fashionable.
26
(HOUZE, 2001, p.35)
Ao mesmo tempo, é possível que o Vestido tenha sido proposto
precocemente, em uma sociedade que ainda se baseava em valores
26
Como alguém projeta um tipo de vestimenta que é tanto privada quanto pública? Ela tem que ser
privada no sentido de que ser possível movimentar o corpo tenha sido uma atividade íntima e protegida.
(...) A fim de sair de casa, as mulheres preferiam, e eram obrigadas a, ser firmemente envolvida nas
últimas modas, vestimenta pública pela qual ela era observada e tomava parte na sociedade. (...) Essa
distinção é significativa, porque o vestido reformista ou artístico vienense enevoou essas fronteiras, na
tentativa de construir uma roupa que domesticasse a moda enquanto tornava o reino doméstico moderno.
(Tradução da Autora)
67
estanques, de Lei e Ordem, que tinha uma imagem inabalável de si mesma, e
que, sendo assim, não estava preparada para romper com as formas às quais
estava habituada:
“Quem possuía uma casa a considerava refúgio seguro para
filhos e netos; fábricas e empresas passavam por herança de
geração a geração; mal um bebê era colocado no berço, se
depositava em um cofre ou na poupança a primeira
contribuição para o seu futuro, uma pequena reserva para que
pudesse abrir seu caminho. Tudo no vasto império parecia
sólido e irremovível e no lugar mais alto estava o velho
soberano”. (ZWEIG apud De Masi, 1997, p. 175)
De toda forma, a proposta Reformista foi absorvida, ainda que alterada
a fim de ser mais “palatável” naquele momento. As modificações na proposta
trazem de volta elementos que eram condenados pelos higienistas e também
pelos artistas propositores de reformas, ainda que suavizados, mas que não
incomodavam às mulheres profundamente. Dessa forma, a silhueta se
assemelhava àquela proposta no início do século XIX, chamada “império”, e
mesmo quando os vestidos o acinturados, o se percebe deformação de
silhueta.
Na figura 14, observamos um “vestido artístico” alemão, sem constrição
de cintura, sem ornamentos excessivos, mas guarnecido de uma longa cauda.
68
Figura 14. Reformulação do Vestido da Reforma. Exemplo alemão.
(www.allposters.com)
Podemos atestar a idéia de que o projeto antecipou-se ao seu tempo
quando temos conhecimento do trabalho do designer francês Paul Poiret, que
entre as décadas de 10 e 20 do culo XX, propõe a mesma silhueta da
Reforma num contexto e com um objetivo muito diferente daqueles da Áustria
da virada do século, e obtém um grande sucesso, tendo inclusive se tornado
conhecido por “libertar as mulheres dos espartilhos”.
“Por volta dos anos 1890, muitas das características do
vestuário estético tinham sido incorporadas progressivamente
no vestuário da moda dessa altura. Tanto as saias balão como
as crinolinas haviam finalmente cedido lugar às saias
compridas travadas (...), e o exercício, a dança e o desporto,
juntamente com as mudanças que ocorriam na opinião pública
em relação ao papel da mulher, começavam a ter o seu efeito
na alta costura. Katherine Anthony, escrevendo em 1915,
acreditava que Paul Poiret havia sido influenciado pela reforma
69
do vestuário das feministas escandinavas e alemãs, apesar de
ele o admitir isso em parte nenhuma.” (WILSON, 1985, p.
288)
Vale lembrar que Poiret esteve em contato com Emilie Flöge, Gustav
Klimt e a Wiener Werkstätte quando esteve em Viena entre 1910 e 1911 e que
não é somente a idéia do vestuário que chama sua atenção. De volta à França,
ele também abre uma escola de artes decorativas, chamada Martine, em
homenagem à sua filha, tendo, também ele desenvolvido projetos conjuntos em
colaboração com ilustradores e artistas como Raoul Dufy, por exemplo,
responsável por muitas de suas estampas exclusivas.
“Junto com o jovem Raoul Dufy e apoiado nas oficinas de
fabricação, começa a revolucionar o mundo rotineiro das
estamparias criando tecidos que serão usados em roupas e
decorações. Grande incentivador da arte moderna, que ele
próprio coleciona com discernimento, Poiret convida para
trabalhar com ele artistas, escritores, gráficos e maquetistas de
talento inovador. E mais: em 1911, cria em Paris uma oficina
voltada para o ensino das artes decorativas. Batizada com o
nome de Martine (...), moças de condição modesta vão ali
aprender a criar tapetes, luminárias, estofados e vários outros
acessórios destinados a casa. Para difundir suas produções
originais (...), e no embalo de suas múltiplas atividades, abre-se
a butique Martine, a que se seguem vários departamentos
inaugurados nos grandes magazines. Enquanto isso, algumas
70
oficinas dirigidas pelo grupo e fotografadas na imprensa
propagam uma maneira nova de conceber em seu conjunto
toda uma arquitetura de interior em que se incluem móveis e
também objetos.” (BAUDOT, 2002, p. 43-44)
Pensando a respeito, talvez possamos intuir os motivos para as
diferenças de recepção e percepção pública das suas propostas, que
compreendiam algo de fluido que talvez parecesse natural ao público entre o
meio e o fim da Primeira Guerra Mundial, a partir dessa experiência radical,
nada mais é compreendido como fixo e seguro. Daí, talvez absorver uma
mudança tão significativa tenha se tornado possível.
2.3. Reformkleid e Moda
Faz-se necessário refletir a respeito sobre algumas questões que os
artistas-artesãos da Wiener Werkstätte ignoraram, principalmente mas não
apenas com relação à construção de um vestuário ideal e à dinâmica da
Moda. A Moda se alimenta da novidade constante e é, em essência, efêmera.
O vestir-se não respeita modelos que se desejam permanentes. De fato, os
rejeita uma vez que se constrói na impermanência. Segundo Lipovetsky:
“... a moda (...) é, em primeiro lugar, um dispositivo social
caracterizado por uma temporalidade particularmente breve,
por reviravoltas mais ou menos fantasiosas, podendo, por isso,
71
afetar esferas muito diversas da vida coletiva.” (LIPOVETSKY,
1997, p.24)
Assim, ainda que a proposta vienense respeitasse uma lógica
manifesta de mudança, ou de solução para as inadequações a que estavam
sujeitas as mulheres devido às transformações trazidas pela modernidade,
ignorava a lógica da moda, em que predomina o culto à novidade, uma vez que
propunha uma solução permanente e ideal. Lipovetsky assinala alguns pontos
importantes nesse sentido:
“... nas eras da moda dominam o culto das novidades assim
como a imitação dos modelos presentes e estrangeiros
prefere-se ter semelhanças com os inovadores
contemporâneos do que com os antepassados. Amor pela
mudança, influência determinante dos contemporâneos: esses
dois grandes princípios têm em comum o fato de que implicam
a mesma depreciação da herança ancestral e correlativamente,
as mesmas normas do presente social. A radicalidade histórica
da moda sustenta-se no fato de que ela institui um sistema
social de essência moderna, emancipado do domínio do
passado (...).” (LIPOVETSKY, 1997, p. 33)
Georg Simmel comenta, sobre a transitoriedade não da Moda-
roupa, mas da Moda-hábitos, relacionando esse anseio por mudanças às
questões intrínsecas da modernidade (e da Moda), tais como o gosto pela
novidade e pelo efêmero:
72
“Que na cultura contemporânea a moda tenha enorme
preponderância (...) é apenas a condensação de um traço
psicológico de época. Nosso ritmo interno exige sempre
períodos curtos para a mudança de impressões; (...) o acento
de cada estímulo se afasta cada vez mais do seu centro
substancial para seu começo e para seu fim. Isso começa
pelos mínimos sintomas, como a substituição mais
generalizada do charuto pelo cigarro, se manifesta na mania de
viajar que faz oscilar a vida no ano em muitos períodos curtos
(...). O específico tempo ‘impaciente’ da vida moderna significa
não apenas o anseio por mudanças rápidas nos conteúdos
qualitativos da vida, mas a forçada atração formal das
fronteiras, dos começos e dos fins, das idas e das vindas. É no
sentido mais resumido dessa forma que a moda (...) tem uma
atração peculiar (...) pela novidade e ao mesmo tempo pela
efemeridade”. (SIMMEL, 2008, p. 171-172)
Lipovetsky vê a moda como aspecto da modernidade e também a
entende como a forma adotada pelo homem moderno para operar mudanças
em si mesmos a fim de traduzir o mundo:
“... a moda faz parte estruturalmente do mundo moderno e,
devir. Sua instabilidade significa que o parecer não está mais
sujeito à legislação intangível dos ancestrais, mas que procede
da decisão e do puro desejo humano. (...) a moda testemunha
73
o poder dos homens para mudar e inventar sua maneira de
aparecer; é uma das faces (...) do empreendimento dos
homens para se tornarem senhores da sua condição de
existência.” (LIPOVETSKY, 1997, p.34)
Assim como a Gesamtkunstwerk, o Reformkleid não resolveu os
“problemas” da modernidade. Como resposta àquelas transformações, à
necessidade de liberdade de movimento, foi uma solução muito interessante,
mas que se impunha assim como a Gesamtkunstwerk como uma solução
definitiva. De fato, é uma resposta “moderna” e competente à Moda que o
Reformkleid tenha sido, depois de um tempo, descartado, para posteriormente
ter suas formas e parte da sua proposta resgatada. Poiret apropriou-se de
forma bastante oportuna destas formas e propostas, como já vimos.
Uma vez que os Secessionistas e, por conseqüência, os artistas da
Werkstätte opunham-se fortemente às referências históricas que aprisionavam
o homem em modelos do passado, não deixa, contudo de ser um pouco irônico
que, vez por outra essas propostas sejam trazidas de volta, elas mesmas
referências históricas na contemporaneidade. Hoffmann deixa clara essa
oposição no Programa de Trabalho da Wiener Werkstätte:
“O imenso dano causado, por um lado pela produção em
massa inferior, por outro pela imitação servil dos estilos do
passado, alastra-se como uma gigantesca torrente por todo o
mundo.” (HOFFMANN apud De Masi, 1997, p.202)
74
O mais recente destes resgates foi feito por Anna Sui, na coleção de
prêt-à-porter para o Outono 2008, em que, misturado a referências das mais
variadas, como os índios americanos, estava o Vestido da Reforma (figura 15),
reformulado, oferecido a outro público e com intenções que não se voltam à
funcionalidade ou dizem respeito à mobilidade.
Figura 15. Look de Anna Sui para o outono de 2008, inspirado no Vestido da
Reforma.
Ainda que tornado referência histórica, passível de resgates muito
interessantes, o grande valor da proposição de um vestido que se pretendia
75
ideal e passível de ser usado em qualquer ocasião, além de permitir à usuária
uma maior liberdade de movimentos, não está nele mesmo (o objeto), nem em
seu papel de anti-moda uma vez que nega toda a dinâmica da Moda de que
falamos. Tendo pertencido a uma proposta maior e sendo aspecto importante
desta proposta, foi pensado como todos os outros objetos, no âmbito do
projeto, e possibilitou aos seus criadores pensar que é possível projetar
qualquer coisa, e até mesmo inventar uma nova realidade.
76
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 3CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 3
A TÍTULO DE CONC
A TÍTULO DE CONCA TÍTULO DE CONC
A TÍTULO DE CONCLUSÃO: SOBRE MODA, DESIGN E DESIGNERS
LUSÃO: SOBRE MODA, DESIGN E DESIGNERSLUSÃO: SOBRE MODA, DESIGN E DESIGNERS
LUSÃO: SOBRE MODA, DESIGN E DESIGNERS
77
Capítulo 3. A Título de Conclusão:
27
sobre moda, design e designers
Figura 16. Área de Diálogo, Maurício Ianês, 28ª Bienal de São Paulo, novembro de
2008.
Em Novembro de 2008, estive no prédio da Bienal, no Parque
Ibirapuera em São Paulo. Fui ao MAC que hoje ocupa o último andar da
Bienal, ver Yoko Ono. Tendo chegado muito cedo, ocupei-me em caminhar
pelo entorno da Bienal. Daí, encontrei estas peças de Maurício Ianês: Área de
Silêncio/ Área de Monólogo/ Área de Diálogo.
A Área de Silêncio era representada por um círculo, figura sem início
ou fim, e o imaginei como um espaço reservado à meditação, solitário. A Área
de Monólogo, um quadrado um tanto distante das outras duas peças, fez-me
27
Uma vez que esta pesquisa não tem a intenção de esgotar o(s) assunto(s) que me propus
discutir, pareceria um contrasenso denominar o capítulo que encerra esta dissertação “conclusão” ou
“considerações finais”. Assim, peço permissão para abrir, com este capítulo abrir um parêntese e não
fechá-lo.
78
pensar no indivíduo discursando por trás de muralhas feitas deste mesmo
discurso, sem permitir réplica.
A Área de Diálogo, a única das três peças que é composta por duas
formas, é aquela em que dois triângulos se entrelaçam – ou se interpenetram -,
permitindo perceber que, para existir um verdadeiro diálogo é preciso tornar-se
permeável e deixar-se contaminar, ao mesmo tempo em que nos tornamos
permeáveis e interferimos. Para dialogar é preciso, no mínimo, dois.
Pensei então na dissertação, nestes dois anos em que dialoguei com a
experiência de trânsito e troca acontecida há um século e percebi, tendo me
tornado permeável a essa experiência, suas interferências nas práticas do
designer contemporâneo. Aqui e lá, dialogamos.
***
Ao longo desta pesquisa, por vezes fui interrogada sobre meu objeto
de pesquisa, por que estava interessada neste assunto. Na introdução desta
dissertação, exponho meu desejo de entender a Gesamtkunstwerk, essa busca
de traduzir materialmente uma existência, e principalmente a Reforma do
Vestuário como parte integrante dessa Obra de Arte Total, e que, como tal, é
indissociável do todo. Contudo, conforme a pesquisa foi sendo desenvolvida e
as conexões deslindadas, despertou-me o interesse no papel desempenhado
pelos autores do projeto.
79
A Gesamtkunstwerk não atinge a contemporaneidade com a mesma
força que os gesamtkunstwerkers
28
. E, no fim de tudo, são esses sujeitos que
tornam esse trabalho intrigante, a meu ver.
A intenção por trás da produção da Obra de Arte Total era solucionar
de forma permanente quaisquer necessidades que o homem moderno pudesse
vir a ter. Essa solução, por outro lado, ignorou um aspecto da Modernidade
que, em movimento constante, renova-se continuamente e não permite
soluções estanques.
“Voltando às origens do design, a era industrial foi governada
pela crença no caráter necessariamente benéfico ao progresso
tecnológico. Os usuários sentiam a necessidade de se adaptar
aos produtos disponibilizados pela indústria e seus designers,
sem perceber que essa crença servia às necessidades da
indústria, como a eficácia econômica, a expansão dos
mercados e o controle cultural. (...) Os designers eram
recompensados por servirem a essas necessidades e
abraçavam com fervor essa ideologia, às custas da capacidade
de participação dos usuários (...), as pessoas resistem apenas
a mudanças impostas. Elas gostam de mudar suas vidas, mas
geralmente em seus próprios termos. A oportunidade de
projetar, de jogar com as possibilidades e de inverter as regras
invés de seguir regras alheias permite que os usuários dêem
ão conta de si mesmos.(KRIPPENDORFF, 2000, p. 90)
28
Artistas totais, designers.
80
Krippendorff traz um dado importante: o de que o usuário não tolera
bem ver-se como um sujeito passivo diante dos objetos, prefere ajustar mesmo
que minimamente o projeto a ter que lidar com a solução pronta e completa,
acabada, que não permite ajustes e adaptações, inserções e que ignora as
suas particularidades.
Assim, a proposta de Gesamtkunstwerk perde-se em si mesma, pois,
embora no Programa de Trabalho da Wiener Werkstätte, Hoffmann diga que o
grupo deseja “estabelecer uma relação estreita entre público, projetista e
artesão”, ele também diz que “o nosso ponto de partida é a utilidade do objeto,
a nossa primeira condição é a funcionalidade, a nossa força consistirá na
harmonia das proporções e na excelente qualidade do trabalho” (De Masi,
1997, p.202). Tomando como ponto de partida critérios objetivos, Hoffmann
definirá o trabalho do grupo secessionista como aquilo que quase cem anos
depois Krippendorff chamará de design centrado no objeto:
“(...) design centrado no objeto (...) ignora as características
humanas em favor de critérios objetivos (como funcionalidade,
custo, esforço, durabilidade, ergonomia e até estética, quando
fundada em teorias). O foco no objeto valoriza critérios de
projeto passíveis de serem generalizados e medidos sem o
envolvimento humano. Esse tipo de foco é particularmente
insensível a variedades culturais e individuais.”
(KRIPPENDORFF, 2000, p. 89)
81
Ora, mas se a Gesamtkunstwerk foi um insucesso, por outro lado, os
gesamtkunstwerkers darão sentido à essa experiência de invenção de uma
nova realidade. Estes profissionais entendiam-se também como totais, uma vez
que buscaram exercer uma infinidade de atividades.
“Of the artists who founded the Vienna Secession, Kolo Moser
was unabashedly the boldest and one of those who caused
Viennese philistines the most trouble in the early days of the
Secession. Wherever there was something to reform in
Viennese arts and crafts (…) you could find Kolo Moser working
away with perseverance, intrepidness, taste and astounding
technical skill. In rapid succession, he produced designs for
cabinetmakers, glaziers, carpet-weavers, potters, stucco
plasterers, turners and metal founders, for printed fabrics,
jewellery and chased metalwork, enamels, intarsia, etc.
Blessed with an extraordinarily fine instinct for the practical and
aesthetic possibilities latent in the material, and with an innate
understanding of how to bring them out through technical
means, and at the same time master of what might be called an
almost hypertrophic imagination as regards the inventiveness of
his forms, Kolo Moser crafted decorative and practical utensils
which rank amongst the very best that Modernism has
produced in this field up till now
29
.” (ROEβLER-WIEN apud
FAHR-BECKER, 2008, p.228)
29
Dos artistas que fundaram a Secessão Vienense, Kolo Moser foi de forma imbatível o mais
audaz e um daqueles que causou aos filisteus vienenses mais problemas nos primeiros dias da Secessão.
Onde quer que houvesse algo a reformar nas Artes e Ofícios Vienenses (...) Kolo Moser poderia ser
encontrado trabalhando com perseverança, intrépido, com gosto e surpreendente habilidade técnica. Em
82
Moser foi infinitamente citado na Bibliografia consultada, como um
designer (De Masi) sensível e rigoroso (Veronesi). Arquiteto e pintor por
formação, Koloman Moser lançou-se à atividade de construir objetos os mais
diversos, muitas vezes em colaboração, e nessa jornada, penso que ele pode
ser mencionado também com um exemplo do resultado da comunhão entre as
Artes maiores e as menores. Como indivíduo, Moser foi um profissional capaz
de conjugar a habilidade criativa com a atividade projetual, enevoando as
barreiras entre os diferentes profissionais envolvidos no projeto, no sentido em
que o artista e o artesão dialogavam a fim de produzir a Obra de Arte Total,
uma vez que ele mesmo se fazia transitar entre a prática e o projeto, entre o
conhecimento do material e a formulação teórica de suas atividades. Mas, o
fator de maior relevância, para tomá-lo como exemplo, foi a sempre
referenciada disposição de Kolo Moser para o trabalho em colaboração e o
desenvolvimento do diálogo entre os diferentes processos e meios.
Penso então, que é afinal o gesamtkunstwerker o objeto oculto dentro
desta pesquisa, um profissional cujas atividades podemos associar às do
designer contemporâneo, a quem é dirigido o livro “Das Coisas Nascem
Coisas”, de Bruno Munari:
“Tudo se torna fácil quando se conhece o modo
rápida sucessão, ele produziu projetos para moveleiros, vidraceiros, tecelões, ceramistas, gesseiros,
torneiros e fundidores em metal, para tecidos estampados, joalheria e serralheria, encadernações,
esmaltes, marchetarias etc. Abençoado com um instinto extraordinariamente aguçado para as
possibilidades práticas e estéticas latentes nos materiais, e com uma compreensão inata de como trazê-las
(as possibilidades) por meios técnicos, e ao mesmo tempo dominar o que pode ser denominada uma
imaginação quase hipertrofiada se considerarmos a inventividade de suas formas, Kolo Moser construiu
utensílios decorativos e práticos, que estão entre os melhores que o Modernismo produziu neste campo
até agora. (Tradução da Autora)
83
de proceder para alcançar a solução de algum
problema,(...)
O método de projetar não muda muito, apenas mudam
as áreas: em vez de se resolver o problema
sozinho, é necessário, no caso de um grande projeto,
aumentar o número de especialistas e colaboradores
e adaptar o método à nova situação.” (MUNARI, p.2, 2002)
O Design abrange uma infinidade de campos, o Produto, o Gráfico, a
Moda a despeito do que Bruno Munari
30
diga e a Movelaria, por exemplo,
sem falar na Hipermídia, nos Games e toda uma sorte de possibilidades que
podem vir a se descortinar num futuro próximo. Cada uma das categorias
acima mencionadas tem em si também suas particularidades e suas
subcategorias, e não é possível a um ser humano abarcar todo o
conhecimento, como exploramos no primeiro capítulo desta dissertação. As
professoras e pesquisadoras Fátima Pombo e Katja Tschimmel apontam essa
impossibilidade:
“O conhecimento humano tem crescido tanto que ninguém
individualmente consegue ter uma visão geral de todas as
informações relevantes sobre um projeto.” (POMBO e
TSCHIMMEL, p. 64, 2005)
30
Bruno Munari considera que os produtos de Moda são, a não ser no caso da produção de
uniformes, objetos de Luxo e que, portanto, não são produto do pensamento em Design.
84
Acontece que o designer é, enquanto materializador de novas
realidades, o autor de peças discursivas e trava um diálogo com o outro por
meio dos objetos que projeta. E, não raro, dadas as especificidades de um
certo projeto, é desejável – e, muitas vezes, necessário mesmo contar com a
colaboração de um colega designer, relacionado a um campo de Design que
não dominamos, a fim de ter um enriquecimento de projeto a partir de um novo
olhar sobre o objeto. Algumas vezes, podemos também transportar a
linguagem de outro campo do Design para um objeto diferente daquele que o
designer colaborador costumeiramente projeta. É o caso, por exemplo, de
designers gráficos que projetam estampas.
“Projetar artefatos nada mais é que projetar a possibilidade de
que certas interfaces venham à tona.
Dessa forma, os artefatos não existem fora do envolvimento
humano. Eles são construídos, compreendidos e reconhecidos
quando usados pelas pessoas, que têm objetivos próprios. (...)
O design não pode ser bem sucedido sem a comunicação
entre designers e com os usuários.” (KRIPPENDORFF, p.89-
90, 2000)
Esta é uma reflexão que me tomou no desenrolar da pesquisa, por se
aproximar da realidade do projeto de Moda.
Ao término da graduação em Moda, somos solicitados a desenvolver
um projeto que compreende a concepção de uma coleção, que deverá ser
executada: concebemos castings, stylings, preocupamo-nos com a coesão
85
deste projeto. Apresentamos um book de criação e desenvolvemos vídeos de
apresentação. Trilha sonora, cenografia e um projeto de iluminação devem ser
produzidos, mesmo que não sejam levados a termo da forma como foram
idealizados, ou não em sua completude.
Vemo-nos imaginando e por vezes produzindo - convites, a
comunicação visual dos nossos projetos, que devem promover no outro o
desejo de conhecer aquela idéia. Todas as decisões que tomamos em campos
que não são necessariamente nossos conhecidos servem de experimentação
em design. Construímos em meios diferentes, discursos que encontram, na
diversidade, um ponto minimamente comum.
Assim, o objeto desta pesquisa revela-se como não tendo sido apenas
a produção material, a Gesamtkunstwerk, mas o projeto que resulta em
diálogos capazes de ressoar na contemporaneidade, em um profissional que é,
ele mesmo, total, não centrado em si mesmo, mas capaz de ser um articulador
de discursos, de agregar em torno de si uma gama de outros profissionais que
possam dialogar e buscar soluções que contemplem as múltiplas realidades
que se lhes apresentam.
86
ANEXO I
ANEXO IANEXO I
ANEXO I
Sobre Um Pobre Homem Rico
Sobre Um Pobre Homem RicoSobre Um Pobre Homem Rico
Sobre Um Pobre Homem Rico
87
Adolf Loos
SOBRE UM POBRE HOMEM RICO
(1890)
Quero lhes contar de um pobre homem rico. Tinha dinheiro e bens,
uma mulher fiel que, com um beijo na testa, lhe livrava das preocupações que
traziam os negócios, de um bando de filhos, que teria causado a inveja do mais
pobre dos seus trabalhadores. Seus amigos o adoravam, pois tudo o que
empreendia prosperava. Mas hoje a situação é muito, muito diferente. E assim
aconteceu:
Um dia, disse esse homem a si mesmo: “Você tem dinheiro e bens,
uma mulher fiel e filhos, pelos quais lhe invejaria o trabalhador mais pobre. Mas
você é feliz? Sabe que pessoas que necessitam tudo o que lhe invejam.
Mas as preocupações deles são afugentadas por uma grande fada, a arte. E o
que é a arte para você? Nem sequer de nome a conhece. Qualquer adventício
pode apresentar o cartão de visita e o seu mordomo lhe abrirá de par em par.
Mas você ainda não recebeu a arte em sua casa. Sei bem que ela não virá.
Mas vou á sua procura. Ela deve se instalar e habitar minha casa como um rei”.
Era um homem de muito vigor, o que pegava, o fazia com energia. Era
costumeiro nos seus negócios. Assim neste mesmo dia recorreu a um famoso
arquiteto, dizendo a ele: “O senhor me ponha arte, arte entre minhas quatro
paredes. O gasto não importa”.
O arquiteto não deixou que o dissessem duas vezes. Foi à casa do
homem rico, jogou fora todos os seus veis, fez vir um exército de
assentadores de parquê, estucadores, envernizadores, pedreiros, pintores de
paredes, entalhadores, encanadores, instaladores, tapeceiros, pintores e
88
escultores, e zás!, sem se notar se havia prendido, empacotado, bem guardado
a arte entre as quatro paredes do homem rico.
O homem rico era mais do que feliz. Mais do que feliz, passeava pelos
novos cômodos. Onde quer que olhasse havia arte, arte em tudo e por tudo.
Pegava arte quando pegava a maçaneta, sentava-se sobre arte quando se
sentava em uma poltrona, apoiava sua cabeça em arte quando cansado a
apoiava nas almofadas, seu se afundava em arte quando andava pelos
tapetes. Se deleitava com a arte com enorme fervor. Desde que seu prato
também havia sido decorado com motivos artísticos, cortava o seu bouef à
l’oignon com energia redobrada.
Lhe elogiavam, lhe invejavam. As revistas de arte glorificavam o seu
nome como um dos primeiros no reino dos mecenas, seus cômodos foram
retratados, comentados e explicados para servir de modelo ás cópias.
E o mereciam. Cada recinto constituía uma determinada sinfonia de
cores. Parede, móveis e tecidos estavam combinados da maneira mais
refinada. Cada objeto tinha seu lugar adequado e estava ligado aos demais por
umas combinações maravilhosas.
O arquiteto não tinha esquecido de nada, absolutamente nada.
Cinzeiros, talheres, interruptores, tudo, tudo havia sido combinado por ele. E
não se tratava das artes arquitetônicas vulgares, o, em cada ornamento, em
cada forma, em cada prego estava expressa a individualidade do proprietário.
(Um trabalho psicológico cuja dificuldade qualquer um reconhecerá).
O arquiteto, no entanto, recusava todos os elogios modestamente.
Porque, dizia ele, estes ambientes não são meus. na frente, no canto,
89
uma estátua de Charpentier. E, assim como eu censuraria qualquer um que
afirmasse ter desenhado uma sala tendo usado apenas uma das minhas
maçanetas, do mesmo modo eu não posso dizer que estes ambientes tenham
sido concebidos por mim. Estas eram palavras nobres e conseqüentes. Certo
entalhador, que talvez empapelara sua sala com papel pintado por Walter
Crane, e que apesar disto, se atribuía os móveis que aí se encontravam por tê-
los projetado e executado ele mesmo, se avergonhava até o fundo da sua
negra alma ao inteirar-se destas palavras.
Voltemos depois desta divagação ao nosso homem rico. disse quão
feliz era ele. Uma grande parte do seu tempo dedicou desde então ao
estudo da sua casa. Logo se deu conta de que devia estudá-la. Havia muito o
que memorizar. Cada objeto tinha o seu lugar preciso. O arquiteto tinha agido
bem com ele. Tinha pensado em tudo antecipadamente. Para a menor caixinha
havia um lugar definido, feito intencionalmente para ela.
A casa era cômoda, mas para a cabeça, esgotante demais. Por isso,
nas primeiras semanas, o arquiteto vigiou a forma como atuavam para que não
incorressem em nenhum erro. O homem rico se esforçava. Mas aconteceu que,
distraidamente, deixou um livro que tinha na mão na gaveta destinada aos
jornais. Ou que bateu a cinza do charuto naquele buraco da mesa destinado ao
candelabro. Quando apanhado um objeto, o adivinhar e buscar o antigo lugar
que lhe correspondia não tinha fim e certa ocasião teve o arquiteto que
consultar os desenhos dos detalhes para voltar a encontrar o lugar de uma
caixa de fósforos.
Onde as artes aplicadas tinham conseguido tais triunfos, não podia
ficar atrás a música aplicada. Esta idéia preocupava demais o homem rico. Fez
90
uma solicitação á companhia de bondes, pela qual tentava que seus veículos
utilizassem o motivo de sinos de Parsifal no lugar de sons sem sentido. Na
companhia não lhe deram a mínima. Ainda não davam suficiente acolhida a
idéias modernas. De quebra, lhe permitiram pavimentar, por sua conta, a área
em frente á sua casa de modo que cada veículo estivesse obrigado a passar
diante dela ao ritmo da Marcha de Radetzky. As campainhas elétricas das suas
salas também foram providas de trechos de Wagner e Beethoven e todos so
profissionais da crítica de arte elogiavam sobremaneira o homem que havia
aberto um novo domínio para “a arte nos artigos de uso”.
Como se pode imaginar, todas estas melhorias fizeram ao homem
ainda mais feliz.
Mas não se pode esconder que ele procurava passar o menor tempo
possível em casa. É que, de vez em quando, se quer descansar um pouco de
tanta arte. Ou você poderia viver em uma galeria? Ou estar sentado meses
inteiros em ‘Tristão e Isolda’? Enfim, quem lhe censuraria por acudir novamente
ao café, ao restaurante ou aos amigos e conhecidos para reunir forças para
estar em sua casa? Imaginara outra coisa. Mas, a arte requer sacrifícios.
havia feito tantos. Os olhos se umedeciam. Pensava em muitas coisas velhas
pelas quais tinha tido tanto carinho e que, de vez em quando, davam saudade.
A poltrona grande! Seu pai sempre descansara nela. O velho relógio! E os
quadros! Mas, a arte o exige! Ante tudo, não esmorecer!
Uma vez, celebrara seu aniversário. A mulher e os filhos lhe encheram
de presentes. As coisas lhe agradaram demais e lhe deram uma alegria cordial.
Logo chegou o arquiteto para comprovar se tudo estava em ordem e dar
respostas a questões difíceis. Entrou na sala. O dono veio contente ao seu
91
encontro pois tinha muitas perguntas a fazer. Mas o arquiteto não percebeu a
alegria do dono. Tinha descoberto algo muito esquisito e empalideceu: Mas
que sapatilhas o senhor está usando!”, exclamou com voz penosa.
O dono olhou seu calçado bordado. E respirou aliviado. Desta vez se
sentia totalmente inocente. As sapatilhas tinham sido confeccionadas fielmente
de acordo com o desenho original do arquiteto. Por isso replicou com ar de
superioridade:
“Mas, senhor arquiteto, esqueceu-se? As sapatilhas, o senhor mesmo
as desenhou!”
“Certamente!”, trovejou o arquiteto, “mas para o quarto. O senhor está
estragando todo o ambiente com essas duas horríveis manchas de cor. O
senhor não se dá conta?”
O dono da casa compreendeu imediatamente. Tirou rapidamente as
sapatilhas e se alegrou tremendamente de que o arquiteto não achara
insuportáveis também as suas meias. Dirigiram-se ao quarto onde o homem
rico pôde voltar a calçar as sapatilhas.
“Ontem”, começou timidamente, “comemorei meu aniversário. Os meus
me encheram de presentes. Mandei lhe chamar, querido senhor arquiteto, para
que nos aconselhe sobre qual é a melhor maneira de dispor os objetos.”
A cara do arquiteto se alargava visivelmente. Então estalou:
“Como pode lhe ocorrer deixar-se presentear alguma coisa! Eu não lhe
desenhei tudo? Eu não pensei em tudo? O senhor não precisa de mais nada. O
senhor está completo.”
“Mas”, permitiu-se replicar o dono da casa, “ainda vou poder comprar-
92
me alguma coisa!”
“Não, o senhor não pode! Nunca mais e nada mais! Só me faltava esta.
Coisas que o foram desenhadas por mim. Não fiz o bastante permitindo o
Charpentier? A estátua que rouba toda a fama do meu trabalho! Não, o senhor
não pode comprar nada mais!”
“E se meu neto me der um trabalho do jardim de infância?”
“Pois o senhor não pode aceitá-lo!”
O dono da casa estava estupefato. Mas ainda não se dava por perdido.
Uma idéia, já a tinha, uma idéia!:
“E se quisesse comprar-me um quadro da Secessão?” perguntou
triunfante.
“Experimente pendurá-lo em algum lugar. O senhor o que não
lugar para mais nada? O senhor não vê que, para cada quadro que eu lhe
pendurei, eu compus uma moldura na parede, no muro? Não pode deslocar um
só quadro. Experimente o senhor colocar um novo quadro.”
Então produziu-se uma mudança no homem rico. O homem feliz se
sentiu de repente profunda, profundamente desgraçado. Viu sua vida futura.
Ninguém podia proporcionar-lhe alegria. Deveria passar sem desejos diante
das lojas da cidade. Para ele não se criava mais nada. Nenhum dos seus
podia lhe dar seu retrato, para ele já não existia mais pintores, mais ofícios
manuais. Estava podado do futuro viver e respirar, devir e desejar. Ele sentia:
Agora devo aprender a vagar com meu próprio cadáver. Certo: Completo!
Acabado!
Fonte: www.dau.uem.br/professores/rlrego/loos.pdf
93
ANEXO II
ANEXO IIANEXO II
ANEXO II
Programa de Trabalho da Wiener Werkstätte
Programa de Trabalho da Wiener WerkstättePrograma de Trabalho da Wiener Werkstätte
Programa de Trabalho da Wiener Werkstätte
94
Josef Hoffmann
PROGRAMA DE TRABALHO DA WIENER WERKSTÄTTE
(1905)
O imenso dano causado, por um lado pela produção em massa inferior,
por outro pela imitação servil dos estilos do passado, alastra-se como uma
gigantesca torrente por todo o mundo. Perdemos a ligação com a cultura de
nossos pais e estamos sendo atirados de um lado para o outro por mil desejos
e considerações. No lugar da mão, entrou a quina; no lugar do artesão, o
comerciante. Seria uma loucura lutar contra a corrente.
Não obstante, fundamos a nossa oficina. Deve ser para nós um lugar
onde nos sintamos como em nossa própria casa, em meio ao alegre burburinho
da atividade artesanal, e deve estar aberto a quem quer que se reconheça nas
idéias de Ruskin e Morris. Apelamos para todos aqueles que consideram válida
uma cultura orientada neste sentido e esperamos que os erros que
inevitavelmente cometeremos não impeçam nossos amigos de nos apoiar em
nossos intentos. Queremos estabelecer uma relação estreita entre público,
projetista e artesão, e produzir objetos de uso doméstico simples e de
qualidade. O nosso ponto de partida é a utilidade do objeto, a nossa primeira
condição é a funcionalidade, a nossa força consistirá na harmonia das
proporções e na excelente qualidade do trabalho. Quando for o caso,
procuraremos acrescentar ornamentos, mas sem exageros e nunca
aleatoriamente. Usamos muitas pedras semipreciosas, principalmente nas
jóias; com a beleza das cores e a sua infinita variedade, de tal forma que
raramente o encontradas duas iguais, elas compensam o valor dos
brilhantes. Amamos a prata e amamos o ouro pelo seu brilho particular; mas do
95
ponto de vista artístico, o cobre tem para nós o mesmo valor dos metais
preciosos. Para nós, uma jóia em prata pode possuir por si mesma valor
idêntico ao de uma jóia em ouro ou feita com pedras preciosas. É preciso voltar
a reconhecer e a apreciar o valor do trabalho artístico e de sua criatividade. O
trabalho do artesão deverá ser valorizado da mesma forma que o do pintor e do
escultor.
Não podemos nem pretendemos concorrer com a produção a baixo
preço; ela prejudica principalmente os trabalhadores, e acreditamos que o
nosso maior dever seja o de dar novamente a eles a alegria do trabalho e a
vida digna de um homem. Mas tudo isso se consegue gradualmente. Nos
trabalhos em couro e na encadernação dos volumes, como em qualquer outro
trabalho, fazemos questão da qualidade do material e da perfeição da
execução. Não obstante, a decoração deve acontecer onde a natureza do
material o permita. Conforme o caso, utilizamos diferentes tipos de gravação no
couro, de metais e de douradura á mão, assim como técnicas diversas na
preparação de papel.
A bela encadernação não existe mais. A lombada reta, a costura
malfeita, o acabamento e o couro de qualidade agora são inevitáveis. Tudo
que temos hoje é a chamada encadernação editorial, ou seja, aquela produzida
em série, com capas ricamente decoradas e desenhos estereotipados. A
máquina trabalha diligentemente e enche nossas livrarias de obras mal
impressas; o objetivo pretendido é o preço baixo. Mas todo homem de cultura
deveria se envergonhar desta abundância, porque se por um lado a fácil
reprodução comporta menor responsabilidade, por outro a abundância leva à
superficialidade. Quantos livros o realmente nossos? E estes não deveriam
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ter as melhores capas, o papel mais bonito, o couro mais precioso? Por acaso
esquecemos que o amor com que um livro é impresso, ilustrado e
encadernado nos proporciona uma intimidade completamente diversa com ele,
que nos rodearmos de objetos belos também nos embeleza? Um livro deve ser
uma obra de arte e como tal deve ser valorizado.
Nas nossas oficinas de marcenaria a execução é sempre muito bem
cuidada e conscienciosa. Infelizmente hoje nos habituamos com produtos de tal
inferiores que um móvel de execução razoável parece-nos caro demais. Sobre
isso devemos lembrar-nos de que a mobília e a decoração de uma casa de
proporções médias custa, por exemplo, o mesmo que construir um vagão-leito.
Compreende-se, por isso, que é impossível trabalhar em bases sólidas.
Enquanto que cem anos gastava-se para uma salinha qualquer em um
palácio centenas de milhares de florins da época, hoje tende-se a acusar a arte
moderna de deselegante e pobre, quando, ao contrário, ela poderia alcançar
efeitos inimagináveis, bastando que se obtivessem encomendas suficientes.
Os sucedâneos representados pelas imitações no estilo conseguem
satisfazer os novos-ricos. O burguês de hoje, assim como o operário devem
possuir a orgulhosa consciência dos próprios valores e não devem procurar
imitar outras classes cuja missão cultural está cumprida e que conservam,
com todo o direito, a lembrança de um esplêndido passado no campo artístico.
A nossa burguesia ainda está longe de ter cumprido sua própria missão
artística. Agora cabe a ela levar a termo esta evolução. Não basta adquirir
quadros, mesmo que os melhores. Até que nossa cidade, nossas casas,
nossas salas, nossos armários, nossos utensílios de uso diário, nossas roupas,
nossas jóias, até que nossa língua e nossos sentimentos não expressem de
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modo simples, direto e belo o espírito do nosso tempo estaremos bem longe da
grandeza dos nossos pais, e nenhuma mentira conseguirá consolar-nos de
todas essas carências.
Seja-nos enfim consentido destacar que também nós estamos
conscientes do fato de que, em determinadas circunstâncias, razoáveis
produtos em série podem ser produzidos com a ajuda das máquinas, a preços
acessíveis; com a condição, porém, de que estes objetos revelem claramente o
tipo da sua particular fabricação. Mas não nos cabe adentrar neste campo. O
que queremos é o que os japoneses sempre fizeram. Quem poderia imaginar
um produto artesanal japonês feito à máquina?
Usaremos todas as nossas forças para conseguir nosso intento, mas
poderemos progredir com a ajuda de todos os amigos. Não nos podemos
permitir correr atrás de fantasias. Temos os pés bem plantados no chão e
esperamos as encomendas.
Fonte: DE MASI, Domenico. A Emoção e A Regra: os grupos criativos
na Europa de 1850 a 1950. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
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