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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARIANA RACHEL RONCOLETTA
Calçados sensuais para mulheres excepcionais:
uma reflexão sobre design de calçados
para mulheres portadoras de restrições físicas
Dissertação de Mestrado
Mestrado em Design
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
São Paulo, fevereiro de 2009.
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MARIANA RACHEL RONCOLETTA
Calçados sensuais para mulheres excepcionais:
uma reflexão sobre design de calçados para mulheres portadoras de restrições físicas
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Anhembi Morumbi, como
exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Design, na área de concentração
Design, Arte e Moda.
Orientação: Profa. Dra. Rosane Preciosa
Co-orientação: Profa. Dra. Suzana Martins
São Paulo, fevereiro de 2009
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.
Mariana Rachel Roncoletta
Graduada em Design com Habilitação em Moda pela Faculdade Santa
Marcelina (1992). Pós-Graduada em Comunicação e Marketing (2005) pela
Universidade Anhembi Morumbi; Especialista em Jornalismo de Moda (2007)
e Mestre em Design (2009) pela mesma instituição. mais de 15 anos, atua
como stylist e editora de moda na criação de imagens para diversas mídias, e
há 8 pesquisa as relações entre moda e portadores de restrições físicas.
R679c Roncoletta, Mariana Rachel
Calçados sensuais para mulheres excepcionais: uma reflexão sobre
design de calçados para mulheres portadoras de restrições físicas /
Mariana Rachel Roncoletta – 2009
133f.: Il; 30cm
Orientação: Profa. Dra. Rosane Preciosa
Co-orientação: Profa. Dra. Suzana Martins
Dissertação (Mestrado em Design) Universidade Anhembi
Morumbi, São Paulo, 2009.
Bibliografia: f. 124-130.
1. Design de calçados. 2. Pessoas portadoras de necessidades
especiais. 3. Moda contemporânea. 4. Design inclusivo. 5.
Styling. Calçados sensuais para mulheres excepcionais: uma
reflexão sobre design de calçados para mulheres portadoras
de restrições físicas.
CDD 741.6
Calçados sensuais para mulheres excepcionais:
uma reflexão sobre design de calçados para mulheres portadoras de restrições físicas
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Universidade Anhembi Morumbi, como
exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Design, na área de concentração
Design, Arte e Moda
Banca Examinadora:
_________________________________
Profa. Dra. Rosane Preciosa (orientadora)
Universidade Anhembi Morumbi
_________________________________
Profa. Dra. Kathia Castilho
Universidade Anhembi Morumbi
_________________________________
Prof. Dr. Caio Vassão
Centro Universitário SENAC - SP
São Paulo, fevereiro de 2009
Dedico este trabalho às corajosas
mulheres que abriram seus corações para mim.
Agradecimentos
Ao meu companheiro Pedro Ono, amado mergulhador, que agüentou meus
momentos de angustia, discutiu bravamente nosso texto, teve paciência de me
acompanhar nas entrevistas, e ainda, ao chegar em casa cozinhava para nós.
Aos meus pais, Adilson e Inez, sem eles, jamais teria conseguido.
À querida e paciente orientadora Rosane Preciosa, que soube administrar com
muito humor e eficiência minha ansiedade.
Aos apontamentos da adorável banca formada por Kathia Castilho, Caio
Vassão e mais uma vez Rosane Preciosa.
Às preciosidades dos depoimentos das usuárias Vanessa Vasques, Keith
Andrade, Jacqueline Ramos, Karin Camargo e Nelly Nahum.
Aos precisos depoimentos dos ortopedistas Dr. Walter Targa e Dr. Túlio
Diniz.
Aos fisioterapeutas Nivaldo Baldo, Sandra Scarpin e Rita Lazuri, por suas
sensíveis contribuições.
À querida amiga e engenheira Dra. Cintia Margi por suas exatas colocações.
Aos amigos, também engenheiros: Vivian Hassegawa, Edson Hobo e Celina
Kawasima pelas calorosas discussões.
Ao jovem Yuji Kawasima, pela edição do DVD.
Ao caro Luciano Matsuzaki, pela criação da identidade visual do DVD.
A todos, muito, muito obrigada !!!
Resumo
Esta dissertação investiga as necessidades e desejos de mulheres portadoras
de restrições físicas ortopédicas com relação ao design de calçados femininos. O
design de moda nela comparece, representado pelo design de calçados, e revela-se
uma das principais ferramentas que permitem construir imagens, tanto pessoais,
quanto sociais, lúdicas e poéticas.
Através da realização de entrevistas semi-estruturadas, os sapatos
revelaram-se objeto de sedução de nossas entrevistadas. Para elas, sentirem-se
sensuais e femininas através do styling pessoal é fundamental para melhorar sua
qualidade de vida nos quesitos saúde e bem estar social.
Abordamos as funções práticas, estéticas e simbólicas do calçado com o
objetivo de apontar as necessidades ergonômicas, relacionando-as ao prazer e
conforto. Na perspectiva adotada, realizar um design de calçados socialmente
responsável é possibilitar ao indivíduo construir suas diversas imagens sociais.
Palavras - chave: Design de calçados. Pessoas portadoras de necessidades especiais
(PNE). Moda contemporânea. Design inclusivo. Styling.
Abstract
This dissertation investigates the needs and desires of the physically challenged women’s
related to shoe design for women. Fashion design is here inserted and represented by shoe design. It
means one of the main tools to allow a construction of images that could be personal, social, ludic
(playful), and poetical.
Thought of realization of semi-structural interviews, shoes were understood as a seduction
object for our interviewees. It’s essential they feel themselves sensual and feminine thanks to personal
styling in order to improve their life quality in areas as health and social welfare.
I approached practical, aesthetic and symbolic functions of shoes with the purpose of
highlight ergonomic needs, relating them to pleasure and comfort. In this adopt perspective, working
with socially responsible shoes design allows the elaboration of several social images by the subject.
Key words: Shoes design. Physically challenged women’s. Contemporaneous fashion. Inclusive
design. Styling.
Sumário
Lista de ilustrações ........................................................................................................... 09
Menu do DVD.................................................................................................................. 13
Introdução ........................................................................................................................ 14
1. Relações entre corpo e moda contemporânea .............................................................. 19
1.1 O corpo e as práticas sociais ...................................................................................... 19
1.1.2 Corpos fora do padrão ............................................................................................ 23
1.2 Moda contemporânea ................................................................................................. 26
1.2.1 Re-design de corpos ................................................................................................ 33
2. Design e moda.............................................................................................................. 38
2.1 Sobre qualidades e funções do design........................................................................ 38
2.2 Designers de moda ..................................................................................................... 44
2.2.1 Propostas protéticas e estéticas de Alexander McQueen para PNE........................ 47
2.3 Sobre design e responsabilidade social ...................................................................... 50
3. Projetando Calçados..................................................................................................... 59
3.1 Breve histórico dos designers de calçados ................................................................. 59
3.1.1 Breve histórico dos design de calçados para PNE’s................................................ 70
3.2 Sobre conforto e desconforto ..................................................................................... 72
3.3 O prazer ...................................................................................................................... 75
3.4 Calçados prazerosos e confortáveis: aspectos físicos e ergonômicos ........................ 78
3.5 Os calçados dançantes................................................................................................ 84
3.6 Check-list.................................................................................................................... 87
4. Investigando as necessidades estéticas dos usuários.................................................... 93
4.1 Funções estético – simbólicas dos calçados............................................................... 93
4.2 Styling, ferramenta de comunicação........................................................................... 95
4.3 Desejos subjetivos dos usuários ................................................................................. 99
4.4 Sapatos poéticos: um novo conceito ao realizar design de calçados ......................... 120
Considerações finais: Sapatos lúdicos - subjetividade e funcionalidade ......................... 122
Referências bibliográficas ................................................................................................ 124
Anexo 1 - questionários das entrevistas ........................................................................... 131
Anexo 1A – entrevista com o ortopedista Dr. Túlio Diniz .............................................. 132
Anexo 2 - DVD entrevistas usuários e especialistas ........................................................ 133
Menu do DVD
Vídeos editados, em formato mov.:
1. Usuárias:
Karin Camargo
Keith Andrade
Jacqueline Ramos
Nelly Nahum
Vanessa Vasques
2. Especialistas
Nivaldo Baldo, fisioterapeuta
Walter Targa, ortopedista
3. Clipe: A voz
Vídeo resumido das entrevistas com as usuária que apresenta os principais
tópicos. Duração 12 minutos.
Áudios, em formato mp3.:
1. Especialistas:
Sandra Scarpin, fisioterapeuta
Rita Lazuri, fisioterapeuta
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Dissertação em formato pdf.
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Introdução: de uma experiência pessoal a uma preocupação real
Este projeto investiga as relações entre as funções prática e estética do
design de calçados para mulheres com discrepância de membros inferiores. Como
função prática, compreendemos as questões que permeiam as funções de uso
(Löbach, 2001; Ono, 2004; Iida, 2005) dos produtos, como os aspectos ergonômicos,
considerando a relação calçado com o usuário no sentido fisiológico. As questões
estéticas compreendem os aspectos formais (material, cor, textura e topologia)
associados ao prazer/conforto social e psicológico (Jordan, 2000) do usuário com o
produto, território em que a moda como linguagem pode nos auxiliar nesta reflexão.
O começo...
Desde criança, devido a um acidente automobilístico, apresentei uma
diferença entre os meus membros inferiores, a qual chegou a 9 centímetros na fase
adulta. Durante a infância, usei botas ortopédicas e adaptação de calçados, porém,
como fui afortunada por não sentir dores, as abandonei. Sendo assim, simplesmente
andava nas pontas dos pés, me sentindo uma bailarina.
Apaixonada por construções imagéticas, abarcando o universo fascinante do
design e da moda, passei minha vida observando a magia das imagens, os formantes
plásticos e construções simbólicas. Em função disso, devo admitir que a
funcionalidade e a praticidade se encontravam em segundo, terceiro ou, muitas
vezes, num longínquo plano.
A possibilidade de viver personagens e até mesmo construí-los em editoriais
era minha prioridade, até que, em 1998, por sugestão de meu próprio pai, procurei o
ortopedista Dr. Walter Targa que trabalha com o método russo de alongamento ósseo
conhecido como Ilizarov, para discutir minha singularidade. Depois de alguns anos,
resolvi fazer a primeira cirurgia, em 12 de junho de 2000, e, exatamente um dia
depois, assim que pude me levantar novamente e, no momento em que meus pés
descalços tocaram o chão, esta pesquisa se iniciou.
Foi quando percebi a dificuldade de encontrar calçados apropriados nos dois
quesitos que fundamentam esta pesquisa: a funcionalidade, como melhoria da
qualidade de vida relacionada à saúde, e a estética como deleite visual e prazer
sociocultural, assim apontados por Jordan (2000).
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Após colocar o Ilizarov, recusei a usar os sapatos propostos pelo
ortopedista. Na época, eu já atuava há quase 10 anos como stylist, construindo
imagens de moda para campanhas, revistas e desfiles. Foi durante aqueles anos que
treinei o olhar para observar tendências comportamentais e de moda, e a construir
imagens. Fiquei surpresa ao descobrir que os produtos direcionados ao público com
necessidades especiais
1
eram ainda tão escassos. Então, empiricamente, comecei a
adaptar meus próprios calçados, de acordo com o meu gosto estético e minhas
necessidades reais. Para mim, era inconcebível não poder escolher meu próprio
personagem em vista da limitação da oferta desses produtos.
Apesar de ter alongado o fêmur e não ter mais diferença entre membros
inferiores, ainda possuo uma deformidade no quadril e musculatura atrofiada, que me
dá um gingado especial. A cada passada, meu quadril, por falta de sustentação
muscular despenca como numa montanha-russa.
Nos últimos oito anos, testo os mais diversos tipos de sapatos. Observo
muitos obstáculos: existe uma estreita relação entre calçadas, escadas e calçados.
Nem o melhor tênis, tecnologicamente falando, consegue enfrentar as calçadas da
Vila Madalena, na cidade São Paulo, por exemplo. E, em virtude desses fatos, a
questão do uso foi, aos poucos, deixando de estar em último plano na minha vida.
Assim que me recuperei fisicamente do primeiro alongamento ósseo, fiz o
curso de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing de Moda da Universidade
Anhembi Morumbi, onde, abordei as relações entre corpos fora dos padrões estéticos
e moda. Esta reflexão, culminou na elaboração do TCC Deformidades Formidáveis
trajetória do corpo e da deficiência física pela moda”, orientado pela Profa. Dra.
Kathia Castilho, defendido em 2005.
Em janeiro do mesmo ano, passei pela segunda cirurgia de alongamento,
fato que me levou, mais uma vez, à adaptação de calçados e roupas. Neste ínterim,
conheci diversos homens e mulheres com dificuldades em encontrar produtos que
satisfizessem suas necessidades e desejos. Pensando principalmente nas usuárias
1
Os termos “portador de necessidades especiais” (PNE), ou “portador de restrição física” serão
utilizados nesta pesquisa em vez do termo “portador de deficiência física”, devido à possível
conotação negativa deste último, conforme a OMS Organização Mundial de Saúde: A palavra
restrição es ligada a fatores externos à pessoa, pois um ambiente pode trazer restrições a uma
pessoa, já a palavra deficiência se relaciona aos fatores fisiológicos do indivíduo que a colocam em
desvantagem em relação ao outro”. OMS (WHO - ICF 2001) apud Pinto e Dischinger (2007:02).
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femininas e nas suas insatisfações com os calçados recomendados pelos ortopedistas,
foquei esta pesquisa no design de calçados para mulheres com discrepância de
membros inferiores, levantando minha primeira hipótese:
Como a linguagem de moda contemporânea poderia auxiliar na melhoria da
qualidade de vida, relacionado-a aos quesitos prazer e conforto social dos indivíduos
com restrições físicas?
As questões da moda contemporânea relacionadas à estética, e à diversidade
corporal são discutidas no primeiro capítulo deste trabalho: Relações entre corpo e
moda contemporânea, uma breve reflexão sobre corpo e moda (Villaça, 1998;
Castilho, 2002; Santaella, 2003), seguido da moda contemporânea (Lipovetsky,
1989; Preciosa, 2004; Mesquita, 2004; Castilho e Martins, 2005; Crane, 2006) e suas
in(ex)clusões sociais através da aparência. Esta fundamentação teórica é
indispensável para pensarmos a relação da singularidade corporal com a moda, nosso
objeto de estudo, retomado no quarto capítulo com foco nas percepções subjetivas
dos usuários.
O segundo capítulo, Design e Moda, traz a reflexão interdisciplinar entre
moda e design. Algumas questões tocam a singularidade da moda e seus designers,
culminando nas investigações sobre o papel do designer de moda, através do viés
conhecido como design socialmente responsável (Whiteley, 1998; Jordan, 1999;
Margolin, 2002). Este viés sugere o levantamento das necessidades dos usuários por
intermédio de uma equipe interdisciplinar. Neste projeto, unimos as opiniões dos
sujeitos
2
do Instituto do do Hospital das Clínicas (HC - USP) e da COF
3
, ambas
na cidade de São Paulo, e da Clínica Nivaldo Baldo
4
, da cidade de Campinas.
O levantamento de dados qualitativos deste trabalho seguiu as normas da
Comissão de Ética, conforme a Resolução 196/96 - Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, seguindo os princípios
de:
a) autonomia;
2
Termo utilizado pela Comissão de Ética em Pesquisa para descrever todos os envolvidos, ou seja, os
usuários, ortopedistas, fisioterapeutas e designers entrevistados são sujeitos desta pesquisa.
3
COF – Clínica de Ortopedia e Fisioterapia.
4
A Clínica Nivaldo Baldo, especialista em fisioterapia para atletas, trabalha com diferenciação de
membros inferiores desde 1978.
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b) beneficência;
c) não maleficência e
d) justiça.
O objetivo da pesquisa de campo qualitativa foi dimensionar as
necessidades estéticas e ergonômicas do usuário em relação ao objeto calçado. Para
tanto, solicitamos a participação ativa dos sujeitos, registrando suas considerações.
Utilizamos a perspectiva fenomenológica (Merleau-Ponty, 2006) que
consiste em registrar os diferentes perfis (ângulos) da pesquisa, considerando a
percepção como forma de interação entre o corpo sensível do sujeito e o mundo das
experiências. No intuito de registrarmos o “mundo dos sujeitos” e suas próprias
ambigüidades, estivemos em seus lares, e, com as devidas autorizações, utilizamos as
seguintes ferramentas:
a) filmagem (audiovisual) das entrevistas - o vídeo com áudio nos permitiu observar
o sujeito em movimento, suas impressões e depoimentos. Muitas vezes emocionados,
eles nos relataram suas vivências. Os vídeos estão em DVD;
b) questionários qualitativos semiestruturados (Jordan, 2000) - segundo Andrade
(2001) e Facca (2008), as conversações informais alimentadas por perguntas abertas
podem proporcionar maior liberdade ao entrevistado. Foram utilizadas algumas
questões básicas, conforme descrito em Anexo 1, complementadas de depoimentos
abertos;
c) fotos dos sujeitos e de seus calçados, apresentadas no decorrer da dissertação;
d) imagens de calçados (fig. 68, no capítulo 4) e
e) adaptação do calçado Mercadal (fig. 51 e 52, no capítulo 3) e construção do
calçado inspirado nos anos de 1920 (fig. 69, capítulo 4).
Projetando calçados é o título do terceiro capítulo, com foco no objeto
calçado: um breve olhar histórico (McDowell,1989; Motta, 2004; Riello e McNell,
2006; Walford, 2007) por intermédio dos designers de calçados, suas estruturas e
componentes físicos segundo o IBTeC
5
(2006) e um breve levantamento das
necessidades ergonômicas relacionadas diretamente aos calçados (Monteiro, 1999;
Martins; 2005) dos sujeitos em questão. No DVD, também foram incluídas as
5
IBTeC – Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos.
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entrevistas realizadas com ortopedistas e fisioterapeutas, vez que, conhecer as
opiniões dos especialistas é indispensável para analisar as necessidades fisiológicas
dos corpos em questão.
O objetivo deste capítulo foi de levantar as necessidades físicas do usuário
verificando nossa segunda hipótese: o design de calçados pode proporcionar ao
indivíduo uma melhor qualidade de vida relacionada à saúde, como alívio de dores,
ou um menor desgaste de ossos e articulações pela utilização do produto com um
design ergonomicamente apropriado. Quais seriam suas necessidades ergonômicas?
No final do capítulo oferecemos um check-list ao usuário para verificar os atributos
do prazer e conforto físicos relacionados aos calçados.
No quarto e último capítulo, Investigando as necessidades estéticas e
desejos das usuárias, observamos, através da pesquisa de campo, as necessidades
socioculturais das usuárias e suas soluções espontâneas. Os depoimentos de Vanessa
Vasques, Keith Andrade, Jacqueline Ramos, Karin Camargo e Nelly Nahum
revelaram a singularidade de cada mulher, suas preferências estéticas e seus desejos
por sapatos lúdicos.
Vale ressaltar que não existem designers de calçados brasileiros para este
público específico. Normalmente as mulheres adaptam os sapatos existentes no
mercado às necessidades que seus corpos e gostos solicitam. Conhecer e investigar
estas soluções é o foco deste capítulo. Desvendar seus desejos é fundamental para
proporcionar uma reflexão de suas reais necessidades.
!
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1. Relações entre corpo e moda contemporânea
Neste capítulo, observamos as relações entre corpo, costumes e moda
contemporânea. Verificaremos que os códigos de condutas sociais atuais não são tão
rígidos quanto no período das leis suntuárias
1
e, até mesmo, nos anos 1950, de
quando Christian Dior marcou a década com a “cintura de vespa”.
Constatamos a dificuldade de encontrar produtos de design de moda para o
corpo do outro, o corpo fora dos padrões estéticos sugerido pela indústria cultural.
Corpo este poético e estésico que, por meio da experiência vivida revela desejos e
paixões. É através de nossos corpos que nos comunicamos com o mundo elegendo
sentidos. Compreende-se como “corpo padrão” aqueles impostos pela maior parte da
indústria da moda e da beleza (designers, mídia, publicidade, etc.), ou seja, padrões
corporais femininos magros, altos e longilíneos que usam manequins de 34 a 40,
simbolizados por modelos como Gisele Bündchen ou por atrizes como Angelina
Jolie.
A moda pode ser vista como um diagnóstico do mundo, no sentido de que
através da corporeidade da moda, isto é, da relação percebida entre nossos corpos e
objetos de moda, podemos selecionar e comunicar ideias e refletir sobre indagações
estético-poéticas, como aquelas a serem discutidas pelo re-design de corpos da
designer japonesa Rei Kawakubo para a marca Comme des Garçons.
1.1 O corpo e as práticas sociais
“Nem coisa, nem ideia, o corpo está associado à motricidade, à percepção,
à sexualidade, à linguagem, ao mito. À experiência vivida, à poesia, ao
sensível e ao invisível, apresentando-se como um fenômeno que não se
reduz à perspectiva de objeto...”. Merleau-Ponty
2
(1994) apud Nóbrega
(2000:101).
1
Eram editos difundidos pela Itália, França e Espanha que proibiram as classes plebeias a se vestirem
como os nobres, de exibir os mesmos tecidos, acessórios e joias na tentativa de lembrar que cada um
tinha o seu lugar na hierarquia social. Lipovetsky (1989:40).
2
A obra Phénoménologie de la Perception foi publicada originalmente em 1945 pelo filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty.
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Neste estudo, partimos do corpo que se movimenta na passarela da vida, o
corpo do outro. Este corpo que manca, ao subir e ao descer dos movimentos de seus
quadris, aquele que rebola e pisa pelas pontas dos pés. Corpo este que balança o
próprio olhar, num sobe e desce sinuoso, e que, claro, atrai o nosso olhar.
Corpo meu, corpo seu, corpo do outro encontram lugar de destaque na obra
Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Ponty, que privilegia o mundo das
experiências vividas como primeiro plano da configuração do ser humano e do
conhecimento pela percepção. A percepção fenomenológica, nas palavras de Chauí
(2000:157), podemos compreender:é a relação entre elas [as coisas] e nós e nós e
elas; uma relação possível porque elas são corpos e nós também somos corporais”.
É dotada de significação, tem sentido na nossa história de vida e faz parte da nossa
experiência, depende da nossa vivência corporal, das situações de nossos corpos. É a
forma de comunicação que estabelecemos com os outros e com as coisas, envolve
nossa personalidade, desejos e paixões, “é a maneira fundamental dos seres
humanos estarem no mundo”, complementa a autora.
Neste projeto, observamos a relação destes corpos com o objeto calçado,
por intermédio do relato de suas experiências e experimentações. Seus corpos e suas
falas percorrem esta dissertação com foco nas necessidades físicas e estéticas do
design de calçados, sem a pretensão de esgotar o assunto
3
. A percepção envolve
ainda questões socioculturais, isto é, os valores ou funções dos objetos são dotados
de sentido e podem variar entre grupos sociais.
Os pés de lótus (fig. 01), por exemplo, eram os pés atrofiados das mulheres
da sociedade aristocrática chinesa - enrolados por faixas apertadas, durante a
infância. O objetivo era de mantê-los pequenos, tornando-se símbolos de beleza
imperial. Segundo Koda (2000:151), o costume se iniciou no século XIII
permanecendo até a vitória dos comunistas de Mao Tse-Tung, em 1949. O valor dos
pés de lótus e de seus calçados (fig. 02) só fazem sentido nesta sociedade que
3
Nos últimos anos, diversas publicações de pesquisadores têm abordado a temática do corpo: moda e
corpo, Castilho e Galvão (2002); corpo e beleza, Vigarello (2005); corpo, semiótica, design e moda,
Castilho e Martins (2005); corpo e subjetividade, Garcia (2006); corpo, arte e moda, Villaça (2007);
corpo, beleza e feiura, Eco (2007), dentre outros. me aventurei na temática “moda e transformações
corporais”, tema central do TCC de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing de Moda (2005).
Aproveito a oportunidade para aprofundar alguns pensamentos.
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valorizava a beleza do pequeno ornamentado por seus sapatos, símbolos de
delicadeza e prestígio.
Podemos encontrar simulações de outros sapatos de lótus (fig. 03) em outras
sociedades, vestindo outros corpos e produzindo, portanto, outros significados. É o
caso dos sapatos de lótus do designer de moda inglês Alexander McQueen para a
coleção de verão de 2001. Inspirado na aparência dos calçados chineses
aristocráticos, porém, difundidos na sociedade ocidental atual, eles adquirem o
significado de objeto de design de moda e artefato de museu evocando a poética do
objeto, e o status de peça pertencente à coleção do Metropolitan de NY, mas não
símbolo de beleza imperial. Este último significado pode ser atribuído ao sapatos
de lótus chineses originais.
Fig. 1: O pé de lótus (de 1870-90) comparado ao
tamanho e formato do pé não atrofiado à esquerda.
Coleção: Metropolitan Museum of Art. Foto:
Mark Morosse. Fonte: Koda.
Fig. 2 e fig. 3: Na primeira, o sapato de lótus
chinês, de 1870-1910. Na segunda, a versão
ocidental de McQueen de 2001. Ambos
pertencentes a Coleção do Metropolitan
Museum of Art. Fotos: Karin L. Wills. Fonte:
Koda.
O corpo é objeto de reflexão através do princípio de motricidade. Observado
por diferentes perspectivas, admite ambiguidades, que tais perspectivas podem ser
arranjadas em percurso circular, isto é, observamos um corpo em movimento à
distância e, depois de perto, percebemos a mulher de frente que caminha em nossa
direção, suas laterais ao passar por nós, e em seguida, suas costas que se vão. São
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perfis diferentes de uma mesma mulher, vistos por diferentes olhares que para
Merleau-Ponty (2006) acrescentam informações na percepção e no conhecimento
sobre a mulher em movimento, e não constroem análises substitutivas, ou seja, não é
o menos, a substituição, e, sim, o mais, o e”: é a mulher percebida de cima, e de
baixo, e de costas, e de frente, e sua relação com os objetos, e com o mundo. Nossas
observações imagéticas são do corpo em movimento. A biomecânica é, portanto,
fundamental em nossa pesquisa, mas é sua forma poética de nos atravessar que nos
intriga.
É o corpo que nos personifica e nos torna presentes no mundo. É o
responsável por nos conectar com o mesmo. Apesar do limite físico de nossos
corpos, da nossa própria pele, ele é o nosso elo de comunicação com o meio
sociocultural, conceito reforçado por Castilho e Martins (2005:87):
“Padrões de comportamentos, traços da cultura, diálogos sócio-históricos
são aspectos que podem ser reconhecidos nos corpos, cuja realidade se
funde no caráter comunicacional dos seres humanos.”
Manifestações culturais de transformação corporal e suas vestimentas
existem por intermédio dos rituais de beleza, da demonstração de coragem das mais
diversas tribos primitivas, na utilização de tatuagens, escarificações, e, até mesmo,
nas deformações de determinadas partes do corpo.
Os costumes, através da vestimenta, marcaram épocas, como a estética
chinesa, anteriormente exemplificada pelos pés de lótus. Impuseram padrões
estéticos nas questões relativas ao vestuário: proporções, cores, formas, materiais,
como no comprimento da barra da saia lápis, a 42cm do chão, considerado ideal por
Balenciaga; ou da silhueta de ampulheta proposta por Dior em 1947, que marcaram
as décadas de 1940 e 1950, sucessivamente. Assim como os modismos
4
e suas
imposições de padrões estéticos, o corpo também impôs padrões.
4
Modismos ou tendências de moda são mecanismos de simulação e imposição de padrões estéticos,
entendidos como modelos (cores, proporções, formas, estampas, volumes, maquiagens, etc.),
encontrados como denominadores comuns de uma determinada estação, difundidos pelos desfiles de
moda, indústria têxtil, dia e atitudes comportamentais. (Lipovetsky 1989; Mesquita, 2004; Jones,
2005; D’Almeida, 2007, dentre outros). Por exemplo, para o verão 2009, as franjas e babados
puderam ser consideradas tendências estéticas por estarem presentes nos desfiles de diversos
designers de moda: Jil Sander, Martin Margiela, Alexander McQueen, Reinaldo Lourenço, Chanel,
Gloria Coelho, Alexandre Herchcovitch, dentre outros.
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Entendem-se como padrões corporais os modelos estéticos ressaltados pela
sociedade como denominadores comuns alterando ou não corpos fisiologicamente.
No período chamado de Belle Époque, por exemplo, o corpo feminino apresentava
uma forma em S ou ampulheta. Época de prosperidade da burguesia, as mulheres
ostentavam riqueza e feminilidade, acentuadas pelas linhas do quadril e busto com o
uso dos espartilhos.
Acredita-se que as primeiras intervenções cirúrgicas em prol da estética
pelos modismos tenham surgido nesta época. Algumas mulheres chegariam a
recorrer ao bisturi para deslocar ou mesmo tirar algumas costelas, a fim de
conseguirem uma cintura de 42 cm, afirma Faux (2000:84). Neste caso, o corpo foi
transformado de maneira imutável, pela remoção cirúrgica de suas costelas, e não
apenas pela ilusão da roupa ao remodelar o corpo.
Para Santaella (2003:200), o corpo possui múltiplas realidades: remodelado,
protético, plugado, simulado, digitalizado e molecular
5
. Por corpo remodelado,
compreendemos a manipulação estética na superfície do mesmo, ou seja,
transformações plástico-estéticas que não alterem a função de um órgão ou membro
do corpo do indivíduo: construções advindas da ginástica, cirurgias plásticas, por
meio de implantes e enxertos. Sob este aspecto, podemos incluir as cirurgias estéticas
da Belle Époque, os implantes de silicone atuais, e, até mesmo, as roupas que alteram
temporariamente a superfície corporal.
1.1.2 Corpos fora do padrão
Da Idade Média até a metade do século XX, as relações da sociedade com
os defeituosos
6
foram marcadas por práticas de eliminação social, piedade,
intolerância, curiosidade e objeto de estudo. No aspecto curiosidade, muitas
aberrações, como eram assim denominadas, apresentavam-se nos Circos Itinerantes
5
Para se aprofundar no assunto, ver: SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano. São
Paulo: Paulus, 2003.
6
Termo utilizado para acentuar as relações do indivíduo com a sociedade antes da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Para se informar sobre as terminologias apropriadas, ver: PESSOA
com Deficiência, acesso de outubro a novembro de 2008. Disponível em:
http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/portal.php/informacoes/terminologia
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ou nos Museus da Moeda, onde o visitante podia ver as aberrações, conhecidas como
Freaks
7
acompanhado de um “educador” que buscava explicá-las.
Vash (1988:22) identifica três tendências que talvez possam apontar razões
para que se desvalorize a pessoa com deficiência: a) o ser humano instintivamente
rejeita organismos danificados; b) as diferenças marcantes são menos toleradas no
plano psicossocial; c) o indivíduo não ser produtivo no aspecto econômico, prejudica
a dinâmica de funcionamento das famílias, da comunidade ou da sociedade.
A concepção sobre deficiência variou da determinação metafísica para a
orgânica, desta para a educacional e, mais especificamente, na segunda metade do
século XX, ampliou-se para o âmbito das determinações sociais.
“Depois das duas grandes guerras, houve um aumento considerável de
indivíduos que voltavam fisicamente debilitados ou deficientes, e lacunas
deixadas pelo grande número de pessoas mortas... Estes fatores
promoveram programas de educação, saúde e treinamento que visavam
integrar tais indivíduos na sociedade, preencherem as lacunas nas forças de
trabalho europeu, originado pelas duas guerras. A Declaração Universal
dos Direitos Humanos do Homem, proclamada pela ONU, em 1948, aponta
em seu artigo 1: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos e, dotados que são de razão e consciência, devem
comportar-se fraternalmente uns com os outros... Se no pós-guerra a
perspectiva de reintegração destes indivíduos se dava no sentido de
‘preencher lacunas’ ou num sentido paternalista, a partir dos anos 60,
quando surgiram movimentos pelos direitos humanos,… a demanda relativa
aos deficientes, a partir de então, se no sentido de integrá-los com base
em seus direitos como seres humanos e indivíduos nascidos em dada
sociedade”. (Santos, 1995 apud Correr, 2003:27)
Após as duas grandes guerras, com a Europa devastada, a necessidade de
inclusão social do portador do deficiência física como indivíduo ativo da sociedade
foi inevitável. O avanço científico permitiu o desenvolvimento de pesquisas nas
áreas sociológica, médica, educacional e psicológica. Ser excepcional, ou seja,
carregar algum tipo de deficiência não deveria necessariamente implicar
incapacidade.
Karin Camargo, uma de nossas entrevistadas, relatou que o conceito de
produtividade perante a sociedade alterou-se. mais de 30 anos, em seu primeiro
7
Para saber mais sobre o assunto ver: NARUYAMA, Akimitsu. Freaks. Tradução de Marta Jacinto.
Barcelona: Centralivros, 2000; e RONCOLETTA, Mariana Rachel. Deformidades Formidáveis.
Monografia de Pós-Graduação em Comunicação de Moda: São Paulo: UAM, 2005.
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trabalho, ela assinou contrato com uma instituição financeira aceitando receber 30%
menos do que os outros funcionários com mesmo cargo, horário e responsabilidades.
Recentemente, porém, devido aos seus direitos como portadora de restrição física,
conseguiu manter dois empregos, sendo que foi contratada no segundo devido às
suas habilidades e por ser PNE.
Apesar de encontrarmos atualmente algumas melhorias, como elevadores e
rampas, dentre outras, que permitem maior mobilidade e independência, ou mesmo
legislações e regulamentos que favorecerem a inserção e os direitos as pessoas
portadoras de deficiências
8
, ainda encontramos muitas dificuldades conforme relatos
das pessoas entrevistadas, como os de Vanessa Vasques e Karin Camargo
9
.
Elas comentaram casos frequentes de discriminação social por suas
restrições físicas. Vanessa relatou sua dificuldade de mobilidade na universidade que
frequenta, como calçadas com buracos e inexistência de rampas. Karin disse que ser
vítima de exclusão social, é algo comum. Ela descreveu um caso recente da
administração de um shopping da cidade de São Paulo, que não lhe permitiu dirigir
um carro de brinquedo fixo ao chão, alegando que a usuária poderia se machucar, e
assim, processar o shopping, apesar de ela estar sentada utilizando apenas um
joystick, e de possuir carteira de motorista mais de 27 anos. “Discriminação
social é comum, tem dias que brigo, e muito por minha causa, mas tem dias...”,
cometa com um olhar cabisbaixo e sorriso no rosto. Ela ainda acrescenta que, mesmo
sendo uma das diretoras da empresa para qual trabalha, não pode comparecer a
reuniões com clientes externos. Ela fica na sala ao lado passando todas as
informações via rádio ou telefone aos funcionários de sua empresa.
Na década de 1990, pesquisadores de diversas áreas direcionaram seu foco
para a qualidade de vida, segundo Halpern (1993:386-498). Em seu artigo, o autor
propõe uma reflexão sobre os aspectos que envolvem a qualidade de vida divididos
em: a) necessidades objetivas (alimentação, vestuário, moradia, saúde e educação,
dentre outras), b) necessidades subjetivas (satisfação pessoal, felicidade, filosofia de
8
O Decreto 3.298/1999 dispõe para a integração da pessoa portadora de deficiência, consolida as
normas de proteção e outras providências. O Decreto nº 5.296/2004 estabelece normas gerais e
critérios sicos para a promoção da acessibilidade para PNEs ditos da Legislação Federal. Temos
também as legislações estaduais e municipais. PRESIDÊNCIA, acesso em outubro de 2008.
Disponível em http://www.presidencia.gov.br/legislacao/
9
As entrevistas ocorreram no mês de outubro de 2008. Estes são apenas dois relatos. Durante nossa
conversa muitos foram os exemplos citados por ambas.
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vida, lazer, etc.). Para o autor, a qualidade de vida é entendida como o complexo
conjunto das necessidades subjetivas e objetivas.
Em nossa dissertação, a moda é abordada como um campo de ideias
transformadas em produtos. Em nosso entender, o papel do designer é preocupar-se
com as questões que discutem as necessidades objetivas e subjetivas relacionadas ao
bem-estar social do usuário, em prol da melhoria da qualidade de vida em ambos os
aspectos.
1.2 Moda contemporânea
Para Lipovetsky (1989), a moda como sistema tem origem no século XIV,
na Europa Ocidental, passando a ser uma regra social, de costumes e maneiras,
caracterizado por uma duração breve que consiste na mudança periódica dos hábitos,
gostos e estilos em diversos fatores e, exclusiva da aristocracia ocidental. Lipovetsky
divide o sistema da moda nos seguintes estágios: 1. Moda aristocrática, período
localizado entre o século XIV até a metade do século XIX; 2. Moda dos cem anos, de
meados do século XIX até meados dos anos de 1960; 3. Moda aberta, do final de
1950 até meados dos anos de 1980; e 4. Moda consumada, do final dos anos 1980 até
os dias atuais. Nossa pesquisa concentra-se na singularidade da moda aberta e
consumada.
Vale ressaltar que, mesmo nos tempos da moda aristocrática e da moda dos
cem anos, a linguagem de moda deveria refletir os valores morais, sociais, políticos,
econômicos e culturais para que tal proposta se tornasse uma tendência de moda.
Como cultura
10
entendemos, conforme uma breve definição proposta por Santaella
(Op. cit. :31) “...é a parte do ambiente feita pelo homem”, ou seja, constituída por
objetos materiais e relacionamentos sociais, argumento reforçado por Villaça
(1998:107):
“A discussão sobre moda pode ser pensada hoje em conexão com o par
natureza/cultura... O surgimento do fenômeno moda foi propiciado, numa
10
Segundo Santaella (2003) são várias as definições de cultura, existe consenso de que cultura é
aprendida, que é variável e se manifesta em instituições, padrões de pensamento e objetos materiais.
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visão genealógica, pelo cruzamento de fatores de ordem econômica,
política e social num dado momento histórico.”
Para exemplificar estas afirmações, um dos fracassos mais citados pelos
historiadores (Souza, 1987; Laver, 1989; Crane, 2006, dentre outros), por exemplo, é
o caso da calça bloomer (fig.4), quando, em 1851, a Sra. Bloomer foi à Inglaterra
tentar convencer as mulheres a usarem uma vestimenta mais confortável. Segundo
Laver (1989:184), a calça foi rejeitada pela sociedade patriarcal do século XIX, pois
os trajes femininos e masculinos deveriam ser distintos. O modismo das calças
apareceram quase cinquenta anos depois, com a prática do ciclismo (fig.5). Parece-
nos que a Sra. Bloomer propôs um traje muito avançado para os valores de seu
tempo.
Fig. 4 e 5: Na primeira, a calça proposta pela Sra. Amélia Bloomer em 1851. Na segunda, o vestido
para ciclismo era bifurcado, usado em 1894. Fonte: Laver.
um grande sucesso associado aos valores socioculturais vigentes
(liberdade, juventude e revolução sexual) dos anos de 1960, é a minissaia, que divide
a sua autoria entre dois designers: a inglesa Mary Quant (fig.6) e o francês André
Courrèges (fig.7). Para Seeling (2000:348), a minissaia se originou na Inglaterra por
diversos motivos, entre eles: a) o movimento estudantil desta década que se inicia em
terras inglesas; b) o polo de moda jovem estar localizado nas ruas King’s Road e
Carnaby Street, de Londres; c) o comprimento curto não ser o grito da alta-costura.
Porém, foi Courrèges, engenheiro e piloto de avião que, na coleção de primavera-
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verão de 1965, propôs nas passarelas da alta-costura
11
a minissaia, em conjunto com
diferentes materiais resistentes, botas de plástico com biqueiras cortadas e óculos
brancos davam uma aparência de astronautas às modelos.
A moda aberta trata da mudança do eixo da moda imposta pela alta-costura
para o novo sistema imposto pelo prêt-à-porter, quando os designers de moda
ganham maior prestígio e impõem hierarquias que diminuem a desigualdade entre
classes sociais. Declara que não existe mais moda, aquela da elite, mas, sim, modas:
cada designer propõe um modo de vestir para públicos diferentes. É a
democratização da moda. O autor ainda sugere a individualização e a importância do
look
12
: uma somatória dos valores da moda e valores estéticos daquela sociedade. Ela
faz parte da indústria cultural
13
, assim como o cinema e as artes. É geradora de
demanda e impulsionadora do consumismo muitas vezes desenfreado.
Fig. 6: A mini-saia de Mary Quant, nos anos
1960. Fonte: Baudot.
Fig. 7: Imagem da coleção couture future, de
1969 de Courrèges. Fonte: Seeling.
O conceito de moda atribuído por Souza (1987:19), como mudanças
periódicas nos estilos de vestimentas e nos demais detalhes da ornamentação pessoal,
cultua o presente, adorando sempre a novidade, diferenciando-se dos costumes, estes
11
Segundo Seeling (Op. cit.:15-20), a alta-costura vive seus primeiros momentos de reconhecimento
na Exposição Mundial de Paris, em 1900, quando alguns costureiros consagrados, dentre eles Worth e
Doucet, apresentaram suas criações no Pavillon de l'Élégance. Charles Frederick Worth, de origem
inglesa, é considerado o pai da alta-costura, por assinar suas criações como se fosse um artista
(couturier). Em 1858, fundou sua casa de costura (maison) em Paris, onde apresentava suas coleções
anualmente. As relações entre moda e arte remontam a estes tempos, quando o couturier era visto
como um artista.
12
Entende-se por look uma organização na construção de determinadas roupas, associadas à postura
corporal, à atitude, ao cabelo, à maquiagem, etc. Garcia e Miranda (2005:31).
13
Para se aprofundar no assunto, ver: MORIN, Edgar e ADORNO, Theodor. La industria cultural.
Buenos Aires: Editora Galerna, 1967.
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ligados ao passado, portanto à tradição. Moda é um fenômeno organizado,
disciplinado e sazonal. A autora se refere à moda como processo industrial,
lançamento de tendências e absorção das mesmas pelo grupos sociais. Souza ressalta
que moda é uma imposição de um determinado grupo, depende da aprovação do
coletivo, mas que o gosto representa a escolha individual dentre estas possibilidades.
Exemplifica a escolha de determinadas peças pelos grupos sociais e pelo indivíduos
como reflexos de seu tempo. Na década de 1960, a minissaia era a peça chave do
guarda-roupa feminino, sendo que algumas revistas tentaram lançar a maxi-saia,
modismo este que não avançou, por mais que alguns designers e a mídia tentassem,
uma vez que não refletia a liberação sociocultural daqueles anos, explica a autora.
Consideramos a moda território de sonhos e fantasias, lúdica, paradoxal,
individualizada, efêmera, sensual e diversificada. Moda esta chamada por Lipovetsky
(1989) de moda consumada, quando os três pilares da moda contemporânea -
obsolescência, sedução e diversificação - são encontrados em outras esferas, como
na indústria automobilística.
O efêmero governa a produção e o consumo de objetos: estes não são mais
do tipo utilitário, mas do tipo lúdico, que seduz, em referência a Baudrillard, afirma o
autor. O consumismo da década de 1980 é desenfreado pela constante procura da
novidade.“As modificações freqüentes empregadas na estética dos objetos são um
correlato do novo lugar atribuído à sedução.” Lipovetsky (Op. cit.:164).
Os objetos projetados para o consumo desenfreado, como se sua
constituição tivesse apenas uma preocupação com a forma no sentido estético, ficam
conhecidos como objetos de design styling (Lipovetsky, 1989; Christo in Pires,
2008). São carros, eletrodomésticos e louças projetados para acompanharem a
frivolidade e a efemeridade da moda. Criados para seduzir o consumidor por seus
apelos estéticos, trouxeram uma possível conotação negativa aos artefatos de design
styling.
A diversificação de mercadorias e bens de serviços da sociedade do
consumo, segundo Lipovetsky, entrou na esfera da personalização pela multiplicação
de linhas, versões, opções, cores, etc. Encontrados, até então, somente na produção
do vestuário, os demais segmentos diversificaram suas variantes, proporcionando a
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individualização dos produtos e oferecendo um leque de opções nas questões dos
gostos.
Estas são algumas características positivas e negativas da linguagem de
moda, mecanismo questionador do próprio sistema.
Podemos constatar que a moda, mesmo nos seus momentos mais ditatoriais,
propõe idéias que não precisam ser necessariamente seguidas, argumento reforçado
por Villaça (Op. cit.:116) ao dizer que “o mimetismo da moda nunca foi total”.
Segundo a autora, no início do século XVII, existia a moda da corte e a moda
paralela.
A moda de hoje, portanto, é mais apresentada como uma escolha do que
como uma imposição, afirma Crane (2006:47). “Espera-se que o consumidor
construa uma aparência individualizada a partir de um leque de opções”.
Sabemos que a ela nem sempre foi tão democrática, sendo a sua história
marcada pelas distinções sociais através do processo de inclusão e exclusão da
aparência, seja do corpo ou do look. Sua faceta mais conhecida é a do despotismo
das tendências e influências midiáticas. Os pesquisadores, historiadores e sociólogos
(Souza, 1987; Laver, 1989; Lipovetsky, 1989; Mesquita, 2004; Crane, 2006; dentre
outros) concordam que tais códigos eram rígidos e impositivos até meados dos anos
de 1960, primeiramente pelas leis suntuárias e, depois, pela imposição de tendências
do sistema, quando Christian Dior, por exemplo, marcou a década de 1950 com a
silhueta New Look, a cintura de vespa.
Pode parecer uma contradição que a moda, mais reconhecida como um
mecanismo de simulação e imposição de padrões estéticos conhecidos como
modismos e/ou tendências, possa manifestar, por intermédio de seus designers, uma
postura ética, ou uma preocupação social, em relação à melhoria da qualidade de
vida de seus usuários.
Assim, parece-nos natural que alguns designers de moda contemporâneos
aproximem suas investigações sobre os mais diversos assuntos utilizados como
inspirações e/ou apropriações, tais como o interesse por corpos metamorfoseados de
Rei Kawakubo para a Comme des Garçons, e os corpos mutantes de Walter van
Beirendonck para a WL-T, ou ainda por questões que permeiam a sustentabilidade,
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como Oskar Metsavaht para a marca carioca Osklen, ou questões sociais, como
Geraldo Lima para a marca paulista Urânio.
Castilho e Martins (2005:27-35) complementam essa ideia ao dizer que a
moda é um sistema de linguagem, um discurso de ideias transformadas em produtos,
e que estes, por sua vez, refletem os valores e preocupações socioculturais pela
interpretação subjetiva de seu criador, o designer de moda, conceito este reforçado
por Preciosa (2004:30), ao dizer:
[a moda] como forma absolutamente singular de sintonizar ideias,
sensações, que vão modelando o contemporâneo, encarnando-as. Neste
sentido, ela, em certa medida, pode nos oferecer um diagnóstico do mundo
em que vivemos. Nas suas mais variadas manifestações, ela nos propõe
modos subjetivos que serão vestidos por nós.”
Se nos encontramos no início deste milênio preocupados com
sustentabilidade, cultura, tradição, futuro, tecnologia, poderíamos admitir que cada
designer possa oferecer o seu diagnóstico, isto é, se manifestar por meio da criação
de sua coleção, refletindo sobre o assunto ou mistura de assuntos que lhe convier,
transformando-os em produtos e, da mesma maneira, os usuários poderiam escolher
aqueles que melhor os satisfizerem. A moda não é um sistema isolado do mundo,
mas parte dele, ela reúne os mais diversos e variados assuntos que podem ser
apropriados pela cultura material, utilizados como inspiração.
Villaça (2007:218) amplia essa idéia ao acrescentar que a moda, a partir dos
anos 1990, se tornará um fórum de debates. É nesta década, que a moda passa a ser
notícia de pauta geral, deixa de ser privilégio dos especialistas, é tratada em jornais
do cotidiano, assumindo conotações políticas, sociais, artísticas, estéticas, banais ou
engajadas, afirma. Podemos, portanto, observar uma parcela do mundo através da
moda.
Um exemplo disto, é a coleção de verão de 2007 da designer paulistana
Karlla Girotto, intitulada De Verdade, que se inspirou em mulheres que usam
número de manequins de 44 a 50. Em seu desfile do SPFW
14
, ela optou por substituir
14
SPFW São Paulo Fashion Week. Evento paulista que pertence ao calendário oficial internacional
de desfiles de moda. Originou-se do Morumbi Fashion Brasil, idealizado por Paulo Borges, nos anos
1990. Acontece em duas edições anuais, sendo em janeiro a edição de inverno e, em junho, a de verão.
O evento não é restrito aos paulistanos: designers de diferentes origens apresentam suas marcas,
dentre eles, o paraense Lino Villaventura e a marca carioca Maria Bonita, atualmente desenvolvida
pela designer Danielle Jensen participam desde a primeira edição do Morumbi Fashion.
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modelos femininos por balões de gás, acoplados a cabides que traziam as roupas da
coleção e eram conduzidos por modelos masculinos. Sendo assim, a opção de
casting
15
feminino foi pela ausência de casting. O masculino era composto por uma
seleção de modelos longilíneos, dentro dos padrões estéticos do mercado de moda.
Fig. 8 e 9: Desfile de Karlla Girotto, para verão 2007. Fotos: Daniel Pinheiro. Fonte: site Erika
Palomino.
Os modelos masculinos, apresentaram looks cuja rigidez lembrava
uniformes militares, entraram carregando balões amarrados às roupas femininas.
Após curto percurso, cada um se posicionou em um degrau pré-determinado e
prendeu o balão em uma pedra ali localizada.
Ao optar por apresentar sua coleção amarrada a balões de gás, Girotto,
contesta através da ausência do casting feminino, a ditadura da magreza, e enfoca a
beleza da roupa capaz de vestir a variedade de corpos de sua inspiração, segundo
texto de nossa autoria (2008:94). O conceito de leveza, atribuído aos vestidos
flutuantes transmitiu a mensagem de que a beleza pode se apresentar sob diferentes
formas poéticas (fig.8 e 9).
Ted Polhemus, antropólogo anglo-americano, autor da teoria do
Supermercado de Estilos, sugere que a aparência está cada vez mais ligada à
comunicação, uma vez que o ser humano utiliza o corpo e a forma de se vestir para
se promover e marcar sua presença, referindo-se aos usuários. Em sua obra Street
Style (1994), o autor discute a relação entre modos de vestir, modos de se comportar
15
Casting vem do verbo to cast
15
, uma apropriação do termo em inglês usado frequentemente no
mercado de moda. Segundo o dicionário Oxford é a seleção de um particular ator para uma peça,
filme, etc”. Steel (2000:100).
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e músicas, que definem diferentes tribos urbanas americanas e europeias durante o
século XX. Muitas destas tribos possuíam uma ideologia de vida identificada pelo
autor, como os punks, góticos, skinheads, surfistas, apenas para citar alguns.
Polhemus aponta para a mistura de referências e inspirações dos usuários, a partir
dos anos 1990, sem necessariamente uma identificação ideológica, como se
estivéssemos num supermercado, escolhendo determinados produtos pelos aspectos
estéticos, reforçando a singularidade da moda e do indivíduo, transformando-nos em
neo-hippies, neo-punks ou neo-new romantics.
Esta teoria afirma nossa despreocupação com a possível ditadura das
tendências de moda, aproximando nossa investigação da moda como propostas de
ideias transformadas em produtos que podem ou não serem “selecionados” pelo
usuário, já que um dia podemos ser neo-hippies e no outro neo-punks.
A partir dos anos 1990, as opções de escolhas são maiores comparadas aos
anos 1950, proporcionando uma moda mais individualizada. Mas será que as
mulheres portadoras de necessidades especiais, objeto desta dissertação, possuem
escolhas de produtos? Nossas entrevistadas relatam suas dificuldades com foco no
calçado no capítulo 4.
1.2.1 Re-design de corpos
A moda é, por princípio, efêmera e paradoxal, afirma Lipovetsky (1989).
Por um lado, continuamos encontrando propostas e imposição de tendências
como nos áureos tempos da alta-costura, e, posteriormente, do prêt-à-porter, mas, por
outro, encontramos mais opções de escolha hoje do que nos anos 1950, argumento
reforçado por Villaça e Góes (1998:107):
“Como prótese corporal e elemento do processo de subjetivação, a moda
oscila em geral em duas direções. Por um lado, ela é instrumento de
padronização, correção, perfeição, como se notadamente nos anos
gloriosos em que a alta-costura, com seu aparato, se distinguiu da
produção em série. Por outro, também como prótese, a moda funciona cada
vez mais como derrubada de cânones, novidade e pluralização das
diferenças, mesmo que por meio da imperfeição...”
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34
Na terminologia médica
16
atual, o termo órtese se refere aos aparelhos ou
dispositivos de uso externo, destinados a alinhar, prevenir ou corrigir deformidades
ou melhorar a função das partes móveis do corpo, mas não substituí-los.
Compreendemos as modificações propostas pela moda como transformações
externas estéticas, portanto, órteses da moda. Uma bota ortopédica pode ser
considerada uma órtese, que auxilia a marcha do indivíduo não substituindo,
entretanto, seus pés. Considera-se prótese a peça ou dispositivo artificial utilizado
para substituir um membro, um órgão ou parte dele, relacionado diretamente com a
função biomecânica do mesmo. A moda tem suas realidades protéticas.
Consideramos, portanto, as peças do vestuário, peças que nos auxiliam na
composição estética de nossos corpos, órteses da moda.
As questões que dizem respeito à beleza ou à falta dela à feiura, são
associadas por Feitosa (2004:134) como a dificuldade em lidar com o diferente.
Incluem seus aspectos morais, como desvios de conduta sociais, ou, de maneira
indireta, algo associado ao bárbaro, ao grotesco e ao estrangeiro. Para o autor, “tudo
o que parece ser estrangeiro, inabitual ou muito novo tende a ser visto com
desconfiança e a ser percebido como feio.” Relembramos que a percepção corporal
relaciona-se com o meio social, portanto, o que pode parecer estranho para nós é
aquilo que não estamos acostumados a ver.
Estas afirmações nos remetem às explicações de Halpern, com relação aos
corpos dos portadores de necessidades especiais: são corpos diferentes, com um
caminhar particular. Podem nos parecer estranhos, esquisitos na passarela da vida.
Corpos estes que, mesmos nos dias atuais, não estamos acostumados a ver. Neste
sentido, Karin, uma das entrevistadas, fala sobre a dificuldade de encontrar PNEs na
mídia, ou seja, se víssemos mais indivíduos com restrições físicas inseridos no
cotidiano mostrando suas habilidades, mais pessoas não estranhariam nos ver. Ela
argumenta:Sem desmerecer o Cesar Cielo, [complementa], que apareceu no
Fantástico, foi capa de revista e tudo mais... mas e o Daniel Dias, com 8 medalhas
paraolímpicas, não deveria receber o mesmo tratamento da imprensa? Ele poderia
16
DICIONÁRIO de medicina on line, acesso em maio de 2007. Disponível em:
http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/pr%C3%B3tese.htm
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inspirar as crianças... perdemos uma oportunidade de ouro, não de 8 ouros”,
lamenta Karin.
Parece-nos que a moda, fábrica de produzir estranhezas, palco de debates e
assuntos polêmicos, poderia nos auxiliar nesta reflexão por meio de Rei Kawakubo,
designer de moda japonesa, que se esconde atrás da marca Comme des Garçons, e
demonstra sua fascinação pelo corpo e pelo re-design do corpo, pela forma e por
texturas. Sua obsessão em modificar a anatomia do corpo humano é uma constante
em seu trabalho, conforme afirma Caletti in Miglietti (2006:264).
Fig. 10 e 11: Os vestidos corcundas de Comme des Garçons na sua coleção de 1997. Fonte: Seeling
Em 1997, ela colocou chumaços em zonas inusitadas, transformando o
corpo das modelos com corcundas, barrigas, ombreiras e quadris distorcidos. O
corpo associado às diferentes formas foi apresentado por Kawakubo, ao nos
perguntar: o que é o belo? Para Comme des Garçons, as transformações corporais
são formidáveis nesta estação. Seus vestidos apresentados na passarela por corpos
deformados sugerem outros padrões estéticos-corporais. Ela inverte o texto do corpo
padrão para o discurso do corpo estranho, diferente, inusitado. Aquele corpo que não
estamos acostumados a ver.
Nesta coleção, através da órtese, ela sugere o re-design do corpo,
transformando os corpos considerados perfeitos das modelos na passarela em corpos
deformados (fig.10 e 11), questionando os padrões de beleza impostos pela própria
indústria cultural. Ela propõe na passarela uma reflexão sobre a beleza do corpo
considerado perfeito, o corpo das modelos, deformando-os, apresentando como
padrão corporal o corpo deformado por seus looks, uma alusão à diversidade
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corporal. Sendo a marca Comme des Garçons uma griffe altamente conceituada no
universo fashion, suas propostas são ainda mais emblemáticas. Para a marca Comme
des Garçons, o belo é a deformidade, conceito reforçado por Eco (2007:428) ao dizer
que, no século XX, a beleza é politeísta.
Kawakubo não está defendendo diretamente causas em prol dos PNEs, mas
certamente proporciona um diálogo direto entre moda e corpos transformados. Ao
sugerir corpos com volumes estranhos, moda de silhueta estranhamente deformada,
e, ao mesmo tempo, tão harmônica, delicada, poética e sensível, ela nos permite
dialogar com as diferenças. Aproveitamos para relembrar a importância do corpo do
outro na obra de Merleau-Ponty, e acrescentar, nas palavras de Nóbrega (2000:104),
o conceito de sensível relacionado ao corpo:
“o elemento sensível relaciona o corpo à unidade do humano, uma unidade
de diversidade, aproximando a linguagem do corpo da expressão artística,
do viés sensível. A linguagem sensível privilegia a beleza, a poesia e a
diversidade corporal.”
Existe, portanto, uma relação íntima entre o corpo como meio de
comunicação e a corporeidade da moda, esta última efêmera e paradoxal, sempre em
busca do novo, propondo assuntos controversos que, para muitos podem parecer
estranhos, ou até mesmo feios, afinal trata-se de algo novo, inusitado. Mas, por outro
lado, são propostas que algumas vezes são diluídas e, posteriormente aceitas, ou não,
como os casos da calça Blommer e da minissaia. Mas nos parece que tais códigos são
mais complexos no contemporâneo. Ao mesmo tempo em que procuramos algo que
nos identifique, também procuramos diferenciação.
Relembramos também que as condutas sociais não são tão rígidas quanto
nos tempos das leis suntuárias e até mesmo nos anos 1950, quando a tatuagem e os
piercings eram considerados marginais.
Em A História da Feiúra, Eco (2007B) sugere: como é bela esta feiura,
considerando os aspectos plásticos da beleza clássica e renascentista em oposição ao
feio contemporâneo encontrado na mídia, na arte, na comunicação e nas publicidades
de moda. Para o autor, a feiura é relativa ao tempo e às culturas, isto é, o que era
considerado estranho ou grotesco em tempos passados ou em culturas distintas,
atualmente pode ser considerado belo. Ele ainda acrescenta que alguns elementos
percebidos como feios podem compor um belo conjunto, como o personagem
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principal do filme E.T., ou os extraterrestres de Guerra nas Estrelas, considerados
“classicamente feios”, mas certamente amabilíssimos, defende Eco.
“O feio hoje”, título do último capítulo desta obra, sugere que no
contemporâneo vivemos muitas contradições paradoxais que não se encontram em
oposições binárias, mas coexistindo na atualidade, quando jovens, por exemplo são
atraídos mais pela beleza de Marilyn Manson do que de Marilyn Monroe. Podemos
compreender que a desagradável estranheza de Maison, pode ser considerada por
alguns uma categoria de beleza mais interessante do que a clássica beleza de
Monroe, segundo seus valores socioculturais. Isto não significa que, estes mesmo
jovens, eliminem a categoria de beleza clássica de suas vidas, reforça Eco. Uma
garota que adore o som de Maison pode desejar se casar com um clássico vestido
branco, exemplificamos.
Concluímos que, mesmo as características da beleza/feiura estão
relacionadas a outras questões além da plasticidade estética, tais como: interesse,
desejo e até mesmo emoções despertadas pelo imaginário do usuário, ou provocadas
pela indústria cultural em relação a um determinado produto. Parece-nos, portanto,
que o paradoxo belo/feio está relacionado ao que nos instiga. Perguntamo-nos, então:
quais seriam os interesses de nossas usuárias?
Pensar em produtos capazes de tirar o indivíduo da cadeira,
disponibilizando novas formas e conexões do mundo”, parafrasiando Preciosa (Op.
cit.:50), como fez Kawakubo, é o que nos motiva a trazer a discussão do corpo para
o território da moda. Artefatos que nos tragam prazer, proporcionem experiências
sensoriais, nos transportem para territórios lúdicos, criem vínculos emocionais, até
que se tornem mais difíceis de serem descartados e, portanto, consumidos
conscientemente, é nosso desafio.
Investigar as possibilidades de escolha do usuário que satisfaçam suas
necessidades funcionais para a melhoria da qualidade de vida no quesito saúde, seus
desejos e interesses pessoais, aquilo que lhes proporciona prazer e conforto, seus
processos de seleção individual (do gosto) na construção dos looks é o que nos
interessa.
!
!
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2. Design e Moda
Neste capítulo, abordamos as qualidades e funções dos produtos de design
de moda considerados por nós, órteses ou próteses da moda.
Órteses são entendidas como artefatos que auxiliam os órgãos de nossos
corpos a realizar funções, mas não os substituem: óculos de grau que auxiliam nossos
olhos a ler, sapatos que protegem nossos pés, vestidos que transformam as silhuetas
de nossos corpos, como os de Rei Kawakubo, observados no capítulo anterior.
As próteses da moda são compreendidas como artefatos de design que
substituem algumas das funções de nossos órgãos ou membros, observados neste
capítulo pela da singularidade do designer de moda inglês, Alexander McQueen e
suas propostas para os portadores de necessidades especiais (PNE). É por meio desta
proposta que nos perguntamos se um artefato de moda pode contribuir para a
melhoria da qualidade de vida nos quesitos saúde física e bem-estar social.
Acreditamos que o modelo social fomentado por Margolin, associado aos
valores subjetivos e éticos postulados por Whiteley, e a questão do prazer na
investigação de Jordan, possam nos auxiliar nesta reflexão.
2.1 Sobre qualidades e funções do design
Para Iida (2005:316), os produtos deveriam possuir três características
desejáveis, que seriam responsáveis por satisfazer certas necessidades do ser
humano, tais como as qualidades: a) técnicas; b) ergonômicas e c) estéticas. Segundo
Cipiniuk e Portinari in Coelho (2008:77), a necessidade na área do design é
compreendida como a essência que determina e justifica a existência de um
determinado grupo de funções. É entendida como aquilo que não se pode dispensar:
o essencial. Os autores acrescentam que os critérios de legitimação das prioridades
das necessidades não são claros, mas há consenso de que o usuário os estabelece.
A qualidade técnica é a parte que faz funcionar o produto, do ponto de vista
mecânico, elétrico, eletrônico ou químico, transformando uma forma de energia em
outra. Existem diferentes tênis para diferentes esportes, formatados para diferentes
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pisadas, por exemplo.
A qualidade ergonômica é o que garante uma boa integração do produto
com o usuário: facilidade de manuseio, adaptação antropométrica, compatibilidades
de movimentos e demais itens de conforto e segurança.
A ciência baseada nos fatores humanos (nomenclatura utilizada nos Estados
Unidos e Canadá) e ergonômicos (no resto do mundo) define-se como a ciência da
utilização das forças e das capacidades humanas. Para Moraes e Mont’Alvão
(2003:11), a ergonomia compreende a aplicação de tecnologia de interface entre o
ser humano e o sistema (posto de trabalho e objetos), com o objetivo de aumentar a
segurança, o conforto e a eficiência do sistema e da qualidade de vida.
A terceira é a qualidade estética que proporciona prazer ao consumidor.
Envolve a combinação de formas, cores, materiais, texturas, etc.
Para Löbach (2001:58-66), os produtos possuem três funções: a) a função
prática relações entre o produto e seus usuários no nível fisiológico de uso; b) a
função estética relação entre o produto e o usuário no nível dos processos
sensoriais, um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o uso
1
; e c) função
simbólica determinada pela capacidade psíquica e social de fazer conexões entre a
aparência percebida sensorialmente e a capacidade mental de associação de idéias
(símbolos).
Vale ressaltar que as funções estão entrelaçadas, como afirma Ono
(2004:73): As funções de uso [práticas] encontram-se, como as funções simbólicas,
diretamente vinculadas à percepção do usuário e ao contexto em que se insere.” Em
sua tese, a autora afirma que as soluções dos produtos variam de acordo com os
aspectos socioculturais: uma motocicleta pode ser utilizada como meio de locomoção
relacionado ao trabalho por um motoboy, enquanto o mesmo objeto pode ser
considerado um veículo de passeio por outro usuário. Diferentes contextos,
diferentes funções simbólicas.
1
Em sua obra o autor relata a tarefa (configurar os produtos de acordo com as condições perceptivas
humanas atendendo sua percepção multissensorial) desenvolvida na Escola Profissional de Bielefelf
durante o inverno de 1973/1974 na disciplina “Problemas Práticos da Ergonomia”. Nesta tarefa, os
alunos criaram um mostrador de balança que transmitia maior segurança (entendida como sensação ou
estado psíquico) no processo de leitura por sua aparência melhor estruturada. Löbach (2001:59-64).
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Kasper (2004:01), em seu artigo Aspectos do Desvio de Função, questiona a
função como propriedade de um objeto quando o uso de um artefato é desviado do
seu uso considerado adequado (projetado para executar determinada função). Nas
palavras do autor: uma chave inglesa utilizada como martelo.
Recordamo-nos das diversas funções da garrafa de coca-cola encontrada por
um membro de uma tribo africana no filme Os deuses devem estar loucos. A garrafa
caiu do céu, mais precisamente de um avião, e foi levada à tribo que até então vivia
de forma pacífica, em harmonia. Em princípio, os membros questionaram sua
função, mas, ao constatar que se tratava de um presente divino, vindo dos céus, a
garrafa se tornou importante. Em um determinado momento da película, todos os
membros da tribo, homens, mulheres, crianças, não conseguiam mais viver sem a
garrafa de coca-cola, usada das mais diversas maneiras. As desavenças começam e,
na tribo até então pacífica, instaura-se o caos, até se perguntarem que presente era
aquele que os deus enviaram. Um dos integrantes fica incumbido de devolver o tal
presente. Este filme exemplifica nossa teoria de que a função do objeto varia de
acordo com o contexto social, sendo que este é percebido pelo indivíduo através de
suas experiências, e estas podem ser aprendidas.
Fig.12 e 13: Na primeira o chapéu-sapato e na segunda a luva com unhas de Schiaparelli.
Fonte: site Martinelli’s.
Na moda, podemos verificar diversos exemplos de objetos com funções de
uso desviadas pelos usuários, redirecionando a função simbólica: um cadarço de
sapato utilizado como cinto, uma camisa como saia. Elsa Schiaparelli, de origem
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italiana, com uma maison de alta-costura em Paris, a Pour le sport, introduzia, na
década de 1930, objetos do cotidiano em contextos diferentes, como o sapato-chapéu
ou as luvas com unhas. Amiga de Salvador Dalí, Man Ray e Cecil Beaton, dentre
muitos outros artistas, ela trouxe para a moda o surrealismo (fig. 12 e 13), segundo
Seeling (Op. cit.:149).
O sapato (fig. 12), que possui a função original de proteger os pés e de
auxiliar no caminhar, foi transformado em chapéu. A função de uso do chapéu-
sapato atual é de proteger a cabeça; houve um desvio de função do calçado,
deslocando seus aspectos simbólicos.
Ainda sobre funções e artefatos, gostaríamos de acrescentar a reflexão de
Forty (1993), que nos traz os objetos como próteses, como prolongamentos físicos e
simbólicos de nossos corpos. Segundo o autor, o valor de prótese possui um sentido
literal e outro metafórico. No primeiro, a prótese, termo advindo das áreas
biomédicas, significa substituição de um membro ou órgão do corpo humano, como
próteses de membros, por exemplo. No segundo, o sentido metafórico, além dos seus
aspectos materiais, o artefato serve para determinados rituais sociais, como afirma o
autor:
“A mais valiosa aplicação da teoria protética é na área da estética do
design, à qual fornece pontos de partida importantes. Se considerarmos os
objetos como prolongamentos do corpo, então temos que reconhecer que
eles dão prazer ao corpo... O vestuário é mais do que um simples
revestimento e um meio de manifestar diferenças sociais: usá-lo é também
uma sensação de experiência.” Forty (Op. cit.:90).
É justamente neste território estético-simbólico, ou seja, proporcionando
prazer e conforto nos níveis fisiológicos e sociais, que a moda pode, por intermédio
do design de calçados, proporcionar maior satisfação pessoal aos PNEs.
Jordan (2000) afirma que, para pensar artigos ou bens de serviços
socialmente responsáveis, baseados nas necessidades humanas, devemos considerar a
relação de prazer que tal produto pode proporcionar ao usuário. Para o autor, prazer e
conforto estão correlacionados.
As funções e qualidades dos produtos de design, em especial os calçados,
serão abordadas no decorrer desta dissertação. A função prática, com as qualidades
técnicas e ergonômicas associadas ao prazer e ao conforto fisiológico no capítulo,
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são discutida no capítulo Projetando Calçados, enquanto as questões estéticas,
simbólicas e o styling associadas ao prazer e ao conforto social se desdobram no
capítulo, Investigando as necessidades subjetivas das usuárias.
Lembramos que, mesmo os produtos pré-destinados a um possível tipo de
uso, não são necessariamente utilizados daquela forma. Os artefatos do vestuário são
transformados frequentemente, fazemos ajustes de uma peça na cintura, uma barra de
calça, ou até mesmo tingimos ou bordamos. Também ao usarmos uma peça com
outra redefinimos o look através do styling, re-significando a imagem de moda.
Diferentes usos podem gerar outros significados.
O stylist é um mediador da moda, assim como um curador
2
é para a arte.
Cada stylist interpreta a vestimenta e a propõe de maneira diferente, inserindo-a em
um novo contexto. Ele é um mediador entre público e designer, isto é, a maneira
como a composição imagética dos elementos é organizada causa uma imagem e um
determinado impacto. Se os mesmos elementos fossem organizados de outra
maneira, ou, por outro curador, a mensagem seria diferente.
Fig. 14: Reportagem de Adriana Bechara sobre stylist da Vogue. Fotos: Rodrigues Marques. Fonte:
Revista Vogue Brasil 338.
2
Segundo Tejo (2005:29-31) o curador é, por definição, um mediador com o objetivo de comunicar a
obra de arte ao público através da sua interpretação. Sob a perspectiva pós-moderna, isto significa
que, as subjetividades do próprio indivíduo-curador são levadas em consideração.
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Na fig. 14, podemos observar, no editorial da revista Vogue Brasil de
outubro de 2006, um editorial apresentado com a mesma peça de roupa, o trench-
coat da marca Maria Bonita, utilizada de três maneiras distintas, conforme a proposta
de cada fashion stylist
3
.
A função prática do trench-coat é a mesma: vestir o corpo. Na imagem da
esquerda encontramos um look clássico, com uma combinação de cores e texturas
próximas, sem grandes contrastes. No look de Daniel Ueda, na foto central,
encontramos uma variedade de texturas, cores e composições que a revista tenta
nomear de street único. O trench-coat, uma peça clássica, assume a re-significação
simbólica da moda streetwear.
Quanto à função estética, o trench-coat apresentado por Daniel Ueda é um
simulacro do clássico no quesito forma, ou seja, os materiais e cores utilizados no
trench-coat são os mesmos: trata-se da mesma peça, mas sua apresentação
fotográfica aberta sobrepondo as outras peças adquire uma nova forma, re-
significando a função estética. O trench-coat, inicialmente com a silhueta em forma
de ampulheta, propõe feminilidade; na imagem central, simula a silhueta
retangular alargada e unissex, em combinação com as demais peças utilizadas por
Ueda. O styling re-significou o trench-coat através da recombinação dos elementos e
da própria imagem fotográfica alterando nossa percepção: a imagem da esquerda
simboliza elegância e feminilidade enquanto a imagem central é street e unissex.
Gostaríamos de acrescentar, que na moda, o styling tende a ser valorizado
por ser o elemento responsável pela comunicação do conceito de uma imagem de
moda, normalmente um desfile ou editorial de revista. A interpretação deste conceito
pode ser realizada pelo profissional stylist ou não. Estão incluídos os aspectos
estéticos da apresentação, tais como: a) edição de looks - cores, formas, texturas,
proporções, e, nos casos dos desfiles, a passagem do look de uma modelo para o
outro; b) casting, c) sonoridade/trilha-sonora; d) ambientação/cenografia, e
e) coreografia a atitude dos modelos. A organização destes elementos forma a
imagem de moda e deveriam transmitir o conceito da marca através dos aspectos
3
O termo fashion é empregado para reafirmar a importância da moda como sistema, sendo os fashion
stylists destacados como organizadores do conceito criativo de uma imagem de moda. O styling é o
produto imagético” do stylist. Roncoletta e Barros (2007:13).
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simbólicos.
Aproveitamos para ressaltar uma possível divergência com relação ao termo
styling. Na área do design, ficaram conhecidos como produtos styling aqueles com
uma conotação estética mais acentuada que as demais funções, insinuando um
possível aspecto negativo dos produtos por impulsionar o consumismo, enquanto que,
na área de moda, o styling tende a ser valorizado por permitir a mensagem da marca e
também a comunicação na esfera individual. Acreditamos que o styling de moda, com
o objetivo de comunicação do conceito, pode ser positivo em nossa reflexão.
2.2 Designers de moda
O designer de moda é, por principio, um designer de produtos voltado para
o nicho do vestuário. Como designer entendemos a definição da ICSID
4
:
“Design is a creative activity whose aim is to establish the multi-faceted
qualities of objects, processes, services and their systems in whole life
cycles. Therefore, design is the central factor of innovative humanization of
technologies and the crucial factor of cultural and economic exchange.”
Ao pensarmos em designers de moda, estão subtendidos, portanto, os
processos de criação e a realização de projetos que refletem a subjetividade do
designer. Sua missão, como designer, é utilizar-se das inovações tecnológicas de seu
tempo, oferecendo produtos que reflitam a sociedade ou uma parcela dela na esfera
cultural, social e econômica. Argumento que é completado por Iida e Mühlenberg
(2006:5): o designer de moda utiliza-se intensamente dos fatores emocionais nas
formulações de novos produtos.” Portanto, as funções estético-simbólicas nos artigos
de moda são mais acentuadas do que as qualidades técnico-funcionais.
Segundo Christo (Op. cit. :31), a formação do designer de moda no Brasil é
recente. As universidades de criadores de moda têm historicamente foco no
estilismo. Para Catellani (2003:327), o fashion designer é o desenhista de moda,
4
ICSID: International Council of Societies of Industrial Design. “A Missão do Design é uma atividade
criativa cuja finalidade é estabelecer as qualidades multifacetadas de objetos, processos, serviços e
seus sistemas, compreendendo todo seu ciclo de vida. Portanto, o design é o fator central da
humanização inovadora de tecnologias e o fator crucial para o intercâmbio econômico e cultural.”
Trad. da autora.
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seja ele técnico, ilustrador ou estilista”. Em seu livro, a autora não usa o termo
estilista. Já estilista, segundo Sabino (2007:254) .. destina-se a designar alguém que
consiga, a partir de uma matéria-prima qualquer, imaginar uma roupa, um
acessório ou um par de sapatos, por exemplo”.
Não nos interessa discutir as diferenças semânticas entre designers ou
estilistas, mas, definitivamente, a abrangência de alguns criadores não se restringem
ao universo do indústria do vestuário, ou até mesmo calçadista, nem sequer somente
ao desenvolvimento de produtos. Muitos deles, como Rei Kawakubo, Alexander
McQueen, os brasileiros Ronaldo Fraga, Jum Nakao, dentre muitos outros,
participam de exposições artísticas. Alguns exemplos são: Fraga para Bossa 50no
Pavilhão da Bienal - SP e Nakao para Quando vidas se tornam forma: diálogo com
o futuro – Brasil / Japão” no MAM –Ibirapuera - SP, ambas em 2008.
Os criadores aqui apresentados são aqueles que discutem seu próprio
sistema, regras e quebra de paradigmas. É essa moda que nos interessa: aquela que
nos tira do confortável sofá da sala de estar. Estes criadores nos tiram do lugar, nos
arrepiam, emocionam, nos dão prazer. São eles que nos transportam para territórios
lúdicos, e não outros. É pensar que, por intermédio de suas propostas, podemos
refletir sobre a relação da moda com nossos corpos, e de nossos corpos com a moda,
assumindo ambiguidades. A moda é paradoxal por definição.
Nossos tempos convivem com diversos padrões de beleza, juntos na mesma
categoria hierárquica: a ninfeta Twiggy divide espaço com a charmosa Jack Kennedy
e a cantora James Joplin. A moda apenas se apropria destes padrões de beleza e os
consagra através da mídia.
Para Crane (Op. cit.:30-31), as teorias de Tarde e Simmel explicam uma
parcela da estetização da moda. A autora relembra que algumas criadoras de
modismos eram operárias que se tornaram atrizes ou cortesãs no século XIX. Para
explicar esta influência independente do poder econômico, a autora utiliza-se da
teoria de Veblen como potencial de visibilidade social, e as teorias de Bourdieu
5
5
A teoria de reprodução de classes e gostos culturais de Bourdieu, segundo Crane (2006:32): “é útil
para a compreensão de como diferentes classes sociais correspondem aos bens culturais e a cultura
material em sociedades altamente estratificadas... descreve as estruturas sociais como sistemas
complexos de culturas de classes constituídos de conjuntos de gostos culturais e estilos de vida que a
eles se associam”.
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identificadas pelo estilo de vida. O processo de adoção de modismos é muito mais
complexo, segundo a autora, na sociedade fragmentada do final século XX. Os
grupos de referência estão relacionados aos gostos culturais e estilos de vida.
Encontramos, portanto, uma sociedade muito complexa, e uma linguagem
de moda contemporânea igualmente estratificada. A moda se encontra em uma arena
onde diferentes assuntos podem ser abordados: questionamento do belo e do feio, da
inserção tecnológica, da quebra e imposições de padrões. Não existe mais o
comprimento correto da saia, ou a cor da estação. Mesmo os editoriais de moda,
responsáveis por indicar as tendências da estação, seus modismos, enumeram uma
série de possibilidades com imagens (fig. 15): as palavras não dão conta da mistura
de referências.
A partir dos 1990, encontraremos um mesmo designer reunindo diversas
propostas no mesmo desfile, na mesma coleção. Ele pode buscar inspirações nas
mais variadas fontes, reunindo-as aparentemente num caos estético pós-moderno. As
apropriações do criador se fundem em diversos códigos complexos numa mesma
coleção. Cada look de uma mesma coleção é uma singular sugestão. São vários
nomes da moda com propostas singulares no mesmo desfile: Walter van
Beirendonck, Comme des Garçons, Alexander McQueen, Hussein Chalayan e os
brasileiros Alexandre Herchcovitch, Marcelo Sommer, Jum Nakao, Icarius, Ronaldo
Fraga, Karlla Girotto, dentre outros.
Fig. 15: Editorial de março de 1995 da revista Vogue Italiana realizado por Anna Piaggi, utilizando
diversos adjetivos na tentativa de definir o visual propostos pelos designer naquela estação. Fonte:
Piaggi.
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Para exemplificar a complexidade destes diálogos e suas relações com o re-
design de corpos, abordaremos o desfile de verão de 1999, do designer inglês
Alexander McQueen, em conjunto com o editorial da revista inglesa Dazed &
Confused coordenado por ele.
2.2.1 Propostas protéticas e estéticas de Alexander McQueen para PNE
Para Santaella (Op. cit.:201), o corpo protético é aquele corpo híbrido,
corrigido ou expandido por intermédio de uma prótese, substituindo suas funções
orgânicas. Difere-se do corpo remodelado pela órtese, apresentado no capítulo
anterior pela abordagem da marca Comme des Garçons.
Nesta leitura, observamos a moda protética no sentido metafórico e literal,
através das diferentes próteses de McQueen para a modelo Aimee Mullens, atleta
paraolímpica, que não possui parcialmente seus membros inferiores, necessitando de
uma prótese para substituir a função de suas pernas e pés, portanto, um corpo
protético.
Fig. 16 e 17: Na primeira utilizando as próteses de plástico no editorial interno da revista. Na
segunda, a imagem da capa da mesma edição. Fotos: Nick Night.
Fonte: Revista Dazed & Confused, 46.
O designer apresenta o mesmo corpo protético da modelo em três momentos
distintos. São três próteses diferentes com qualidades técnico-funcionais
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48
semelhantes: com função prática mecânica de permitir o caminhar do corpo humano,
porém, distintas em seus materiais técnicos. No editorial interno (fig.16), sua prótese
é de plástico, na capa da revista (fig.17) de fibras de carbono com aparência
metálica, e durante o desfile (fig.18) de couro.
Aimee Mullens abriu o desfile de McQueen para o “verão de 98-99”,
realizado em outubro de 1998. Ela foi capa e editorial da revista Dazed & Confused
n. 48 e, na ocasião declarou: “I don’t want people to think I’m beautiful inspite of my
disability but because of it. It’s my mission to challenge people’s concept of what is
and isn’t beautiful.
6
No editorial interno (fig.16), ela utiliza próteses plásticas, as unhas estão
mal pintadas, sujas, molduradas com suas pernas de plástico também sujas. A atitude
corporal é passiva, porém, dura, como uma estátua. O look é todo em tom de pele
pálido-bege, ela usa uma jaqueta de madeira sobre uma camiseta de malha e
crinolina sobre a calcinha da mesma cor. O corpo protético transformado por
McQueen num corpo frágil e delicado, nos remete às bonecas infantis de plásticos
com expressão apática e distante.
Na capa (fig. 17) da revista, ela usa calças Adidas, dorso nu e próteses de
carbono, com as quais ela venceu a paraolimpíada. O corpo protético apresentado é
de uma mulher forte e sensual. Seu olhar é penetrante e a atitude corporal é sinuosa.
As tiras verticais brancas são símbolo da marca Adidas e, em conjunto com suas
próteses especiais para corrida, contextualizam o esporte. É a imagem simbólica de
uma atleta.
Na mesma edição, Alexander McQueen, responsável pela coordenação do
editorial, e Katy England pelo styling, fotografado por Nick Night, apresentam o
mesmo corpo carnal, da mesma mulher com próteses diferentes, uma de aspecto
metálico e outra de aparência plástica. Em ambas imagens, com significados
diferentes, podemos observar claramente o corpo da atleta sendo transformado em
corpo protético. Seu corpo foi expandido pelas próteses, objetos de design.
A função prática das próteses é a mesma. Na prótese de carbono com
6
“Eu não quero que as pessoas achem que eu sou bonita apesar da minha deficiência, mas por causa
dela. Esta é minha missão: mudar o conceito do que é belo e do que não é”. (Revista Dazed &
Confused 46, 1998:82).
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aparência metálica, ainda encontramos diferenças na qualidade técnica, sendo que
esta foi projetada para dar maior propulsão e menor impacto ao correr
7
.
Fig. 18 e 19: O primeiro look do desfile, e detalhe das botas protéticas. Fonte: Evans.
Já no desfile (fig.18 e 19), Mullens usa como extensão de seu corpo botas de
couro, próteses como calçados, desenvolvidas especialmente para a ocasião. Assim,
McQueen propõe que uma mulher protética (amputada) se torne padrão de beleza
como modelo na passarela de seu desfile, em conjunto com as outras mulheres
normais
8
que com ela dividem a mesma passarela. Pelas imagens, não é possível
identificar a falta de seus membros inferiores. O design de suas botas sugere
equilíbrio no aspecto emocional-funcional do produto. Jordan (2000:12) atribui os
aspectos funcionais ao bom desempenho do produto e os emocionais às sensações
provocadas, como prazer, excitação e alegria, resultantes das qualidades sensoriais
(visão, audição, tato, olfato e paladar) na utilização do mesmo. Para este autor, um
vestido novo pode trazer autoconfiança ao usuário.
Para Evans (2003:177), neste desfile o designer justapõe o orgânico ao
inorgânico, explora a relação entre alienação pré e pós industrial, utilizando
7
O desenvolvimento técnico das próteses é tão avançado que, em 2008, o atleta paraolímpico sul-
africano, Oscar Pistorius, teve seu pedido de participar das Olimpíadas de Pequim negado pela
Federação Internacional de Atletismo. Estudos consideraram vantagens das próteses de fibra de
carbono com relação aos corpos de carne e osso dos demais atletas. Em maio do mesmo ano, o atleta
entrou com recurso e ganhou o direito de participar das seletivas preolímpicas. PRESSE, France. Sul
Africano com próteses ganha o direito de competir na Olimpíada Folha de São Paulo On-Line,
16/05/2008. Link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u402542.shtml.
8
Os termos normal e posteriormente perfeitos são enfáticos. Não temos intenção de discutir as
constituições corporais, apenas os utilizamos para reafirmar a diversidade corporal.
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elementos como pesados corselets e botas de couro com rendas delicadas. Esta
inspiração aparentemente caótica percorre todo o desfile, desde a oposição de
materiais como a renda e o couro. Na apoteose do desfile, quando a última modelo
perfeita, Shalon Harlow, encerra a performance imóvel na passarela como uma
boneca, ela é alvejada de tinta (fig.20) por mecanismos industriais automobilísticos
nas cores preto e verde-amarelo-limão. Podemos, portanto, confirmar que tanto o
corpo protético de Mullens como o corpo perfeito de Harlow são corpos-próteses e
corpos-órteses sucessivamente, no sentido metafórico sugerido por Forty: uma
sensação de experiência através do prazer, isto é, que proporciona satisfação.
Apesar da pressão estética da indústria da beleza por um corpo perfeito,
podemos encontrar, no contemporâneo, maior diversidade corporal proposta por
alguns designers de moda, como nos casos demonstrados.
Fig. 20: O último look do desfile, com a modelo Shalon. Fonte: Evans.
Se outrora a questão da aparência do corpo ou do look divulgava a posição
social do indivíduo, uma hierarquia definida e respeitada até mesmo por
disponibilidade de recursos econômicos, parece-nos que tais códigos não são tão
certeiros na pós-modernidade. As grifes, mercado de luxo e poder aquisitivo
continuam sendo importantes - não somos ingênuos de pensar que não. Mas, por
outro lado, não ampliamos nossas possibilidades de escolha?
2.3 Sobre Design e Responsabilidade Social
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O design socialmente responsável está relacionado diretamente à qualidade
de vida. Segundo Cooper in Santos (2005:79-85), desde os anos 1960, a pesquisa em
prol da melhoria da qualidade de vida no campo do design é abordada por diferentes
enfoques: o design verde e consumismo, design responsável e consumo ético,
ecodesign e sustentabilidade, além do design feminista
9
. Nos anos 1970, encorajado
por Papanek, uma abordagem mais solidária foi retomada na tentativa de abandonar
o design para o lucro em prol das necessidades humanas. Nas décadas de 1980 e
1990, questões relacionadas ao lucro e à ética, pesquisas no campo da
sustentabilidade e orientações frente à educação do consumidor foram publicadas.
Acessibilidade e inclusão social também são assuntos de grande interesse por parte
dos designers. Recentemente, os designers têm voltado sua atenção para as questões
relacionadas ao crime, afirma a autora.
Vários autores (Bonsiepe, 1997; Whiteley, 1998; Jordan, 1999; Margolin,
2002; Cardoso, 2004; Cooper in Santos, 2005) parecem concordar com o impacto da
polêmica obra Design for the Real World
10
de Victor Papanek - desenhista industrial
e diretor de design do California Institute of the Arts, dos anos 1970. Nesta obra,
Papanek (2000:54-85) solicita a participação dos designers em programas de
necessidades sociais: necessidades dos países em desenvolvimento, necessidades
dos idosos, dos pobres e dos portadores de deficiências físicas”. O autor sugere a
reflexão sobre o papel do designer como cidadão responsável, exigindo uma postura
radical em relação ao modelo de mercado
11
.
Antes de abordamos os modelos de investigação de Whiteley e Margolin,
gostaríamos de trazer a reflexão de Flusser sobre a responsabilidade do designer para
com a dialética interna da cultura, com foco no que o autor sugere como progresso
em direção aos homens.
Segundo Flusser (2007:194), a cultura pode ser considerada como a
9
No artigo referido, a autora demonstra doutrinas do design socialmente responsável em diferentes
áreas: educação, saúde, inclusão social, ecologia, política comercial, política econômica, governo e
crime. Para maior aprofundamento, leia: Cooper in Santos (2005:79-85).
10
A obra Design for the real world foi publicada originalmente em 1970.
11
Segundo Margolin (2002:26-28), no modelo de mercado são desenvolvidos produtos para um
mercado consumidor em potencial, enquanto no modelo social os produtos seriam desenvolvidos para
satisfazer as necessidades humanas. Entendem-se como produtos os artigos ou serviços materiais ou
imateriais.
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totalidade dos objetos de uso, ou seja, os objetos que nos cercam servem de
diagnóstico para construirmos e compreendermos nosso mundo. Sendo os designers
responsáveis por um grande número de objetos de uso em diferentes esferas (carros,
eletrodomésticos, computadores, vestuários, dentre outros), podemos admitir que os
objetos do cotidiano são, pelo menos em parte, responsáveis pela composição
cultural do mundo.
Esta posição relata o estado das coisas com relação aos objetos de uso,
portanto, com relação à cultura. Se parecemos nos encontrar atualmente numa
posição aprisionada
12
é porque nossos antecessores criaram objetos
irresponsavelmente. Como sair deste dilema?, pergunta o autor.
“Como devo configurar esses projetos para que ajudem os meus sucessores
a prosseguir e, ao mesmo tempo, minimizem as obstruções em seus
caminhos? Esta é uma questão política e também estética, e constitui o
núcleo do tema configuração (Gestaltung)”. Flusser (2007:196).
Os objetos de uso são mediações (media, meios) entre o usuário e os
objetos, afirma o autor, sendo as mediações do objeto, objetivas e intersubjetivas,
não apenas problemáticas, mas dialógicas, isto é, os objetos deveriam ser
configurados de maneira que seus aspectos comunicativos fossem mais evidenciados
que os aspectos problemáticos.
Fig. 21: Na imagem da esquerda a bota ortopédica e na direita o tênis ortopédico. Fonte: Doctor
Foot.
As antigas botas ortopédicas infantis, por exemplo, dependendo da
12
Termo utilizado pelo autor para referir-se à responsabilidade do designer em projetar objetos,
consequentemente “fazer” cultura. Para o autor, o processo de criação e configuração dos objetos
envolve a questão da responsabilidade, e por consequência da liberdade. Neste contexto, aquele que
projeta objetos de uso [que faz cultura] lança obstáculos no caminho dos demais, não há como mudar
isso.Flusser (2007:196)
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patologia, estão sendo substituídas por tênis (fig. 21), comunicando, através do
design destes produtos, um tênis comum para crianças comuns, e não suas restrições
físicas. Os problemas ortopédicos são camuflados pelos aspectos comunicativos de
um tênis infantil comum. Poderíamos, portanto, argumentar que as funções estética e
simbólica estão relacionadas diretamente com a comunicação do objeto de design, e
que este pode sofrer desvios de função de acordo com o ambiente sociocultural.
Para Whiteley (1998:67), o designer radical do final da década de 1960 deu
lugar ao designer responsável da década de 1970, seguido pelo designer verde ou
ecológico da década de 1980, e, por último, o designer ético da década de 1990, que
encara todo o design como fenômeno visceral e intimamente ligado ao consumo e,
portanto, ao sistema social e político do Ocidente moderno. O autor sugere que, nos
tempos atuais uma postura radical do designer com relação ao mercado não seja
necessária, e, sim, uma postura ética segundo os valores sociais e culturais do
designer, nomeado por ele de designer valorizado:
“É aquele que possui uma compreensão crítica dos valores e fundamentos
do design, mas também deve ser audaz, e corajoso: disposto a defender
ideais sociais e culturais mais elevados que o consumismo a curto prazo,
com a sua bagagem obrigatória de degradação ambiental. O designer
valorizado deve enxergar no design o potencial de contribuir para uma
qualidade de vida melhor e mais sustentável. Neste sentido, o designer
valorizado deve ter consciência do seu próprio valor. Aliás, o modelo
preconiza que o designer longe de ser um mero sonhador, um teórico
distante ou técnico sem imaginação - saiba estipular o preço de seu
conhecimento. Os designers devem ter consciência de quanto custam, assim
como de quanto valem!”.Whiteley (Op. cit.:74).
O autor refere-se às limitações dos modelos de ensino do design
encontrados nas principais escolas do mundo. Cabe a estas instituições a
responsabilidade de fomentar qualidades no aluno: As escolas e faculdades devem
satisfações a toda sociedade e não apenas àquelas empresas que empregam
designers diretamente.” Whiteley (Ibidem:69).
O artigo considera a prática do design e a teoria do design como saberes
diferenciados, porém relacionados em função dos valores como consciência crítica
ao pensar design ou ao fazer design. Estão inclusas as questões éticas e ecológicas de
natureza cultural, ambiental, social e política, diante do perfil polivalente e
interdisciplinar do design na sociedade contemporânea.
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O aluno precisa ter uma noção sólida do papel do design na sociedade em
que vive e compreender o contexto histórico e intelectual que o gerou, entender
como o design se transformou em uma atividade de ordem cultural e não mais de
ordem utilitária ou comercial”, afirma Whiteley (Ibidem:72). Ao estudar os valores
elásticos que historicamente são frutos das práticas sociais e culturais, associados ao
estilo de vida como campo cultural e não como segmentação do mercado, o aluno
poderá compreender que as idéias estão sempre em mutação: de onde vieram, como
mudaram e que rumo poderão tomar. Esta compreensão deverá transformá-lo
indiretamente num designer melhor, afirma o autor.
Este modelo, calcado nos valores, ajudaria o aluno a tornar-se um designer-
cidadão, posicionado e atuante, e não somente um cidadão-designer, conformista e
obediente. Vale ressaltar que o sistema de valores, segundo Whiteley são evidentes
ou naturais do próprio aluno de acordo com suas crenças e compromissos e que tal
reflexão transparente refletirá cada resultado híbrido. Para o autor isto não deve ser
visto como uma falha no modelo de ensino, mas sim como um índice do seu sucesso
na promoção da diversidade e pluralismo da sociedade atual.
Para Victor e Silvia Margolin (2002:44), O objetivo principal para o
designer social é a satisfação das necessidades humanas.” Observamos aqui a
abrangente tarefa do designer para com a sociedade, responsabilizando seus atos
criativos, reflexivos e projetuais, consequentemente culturais. Considerando que os
princípios do design socialmente responsável são as melhorias da qualidade de vida
do ser humano por intermédio das investigações de suas necessidades, parece-nos
que uma das possibilidades é trabalhar em equipes interdisciplinares, como sugerem
no seu modelo social.
Segundo os autores, o processo constitui-se em um trabalho de colaboração
e, principalmente, de comprometimento do cliente (usuário) e do designer com o
objetivo de priorizar as necessidades, e segue a teoria da assistência social em seus
seis estágios: compromisso, avaliação, planejamento, implementação, estimativa e
finalização. O objetivo primordial é suprir as necessidades de populações carentes.
Os assistentes sociais avaliam as interações entre ambiente e indivíduos levantando e
priorizando as necessidades dos clientes em processo colaborativo com os mesmos, e
se necessário trabalhando com profissionais de outras áreas. Na fase de compromisso
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ouve-se o cliente, na de avaliação examina-se de forma mais profunda as relações
entre ambiente e cliente. É nesta fase que são listadas algumas necessidades. Na
terceira fase, planeja-se o atendimento (utilizando um brainstorming
13
para gerar
diversas soluções) e priorizam-se suas necessidades em conjunto com seus clientes, e
em seguida as implementam.
Durante a fase de avaliação, o designer poderia identificar os fatores que
contribuem para um determinado problema. Na fase de planejamento, ele poderia
desenvolver estratégias relacionadas ao ambiente, e, na implementação, o designer
poderia criar ou trabalhar com o cliente para desenvolver um produto com o objetivo
de amenizar o problema. Os autores acreditam que os designers encontrarão aliados
nas áreas de saúde, assistência social, educação, envelhecimento, prevenção do
crime, dentre outras. A parceria interdisciplinar entre designers e profissionais de
outras áreas como as citadas acima pode desenvolver um trabalho socialmente
responsável.
Em outro texto de Margolin (2006:145), O Designer Cidadão, o autor
indaga: como desenvolver um conjunto de valores de referência que possa guiá-los
[os designers]? Neste artigo, ele discute que algumas das mudanças sociais são hoje
vigentes por exigência do consumidor, como o caso do air-bag, bem como dos
requerimentos de acessibilidade para cadeiras de rodas, que se tornou lei a partir do
Ato dos Americanos com Deficiência, em 1992, nos Estados Unidos. Estas
exigências partiram do consumidor cidadão, crítico e consciente, reforçando o
caminho de mudanças através do usuário como consumidor moderado e consciente.
Margolin emprestou o conceito de designer cidadão de um artigo antropológico de
Stephen Heller e Veronique Vienne:
Eu vejo o designer como tendo três possibilidades de introduzir seu
próprio talento para a cultura. A primeira é por meio do design, que é
fazendo coisas. A segunda é por meio de uma articulação crítica acerca das
condições culturais que elucidam o efeito do design na sociedade. E a
terceira possibilidade é por meio da condução de um engajamento
político”. (Margolin, 2006:150).
Os valores políticos, éticos e estéticos do contemporâneo são os
13
Técnica utilizada para explorar os estágios iniciais de uma pesquisa e pode auxiliar o designer a
desenvolver ideias mais profundamente. Seivewright (2007:34-35).
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questionamentos do design baseado nas necessidades humanas.
As questões que permeiam o design social permeiam a responsabilidade em
criar artefatos baseados nas necessidades humanas, com princípios ecossustentáveis.
Isso exige do consumidor ou do usuário uma postura de cidadão crítico e consciente,
assim como do designer uma postura crítica e consciente em relação aos seus
próprios valores. Esta postura híbrida do designer nos auxilia a retratar o universo do
design de moda.
Para exemplificá-la, trazemos o caso do designer de moda masculina
Geraldo Lima para a marca paulista Urânio. Com loja na Galeria Ouro Fino, suas
peças possuem etiquetas em braile localizadas sempre no mesmo lugar, que indicam
as cores das peças para os portadores de deficiências visuais.
O projeto (fig. 22, 23 e 24) intitulado “Olhar, Olhares” de Lima foi
desenvolvido em parceria com portadores de deficiência visual da Fundação Dorina
Nowill, do Instituto Padre Chico e do Instituto São Rafael. A partir da pesquisa com
foco nos aspectos táteis e matéricos, desenvolveram-se etiquetas em braile,
atualmente na segunda versão. Por meio da atitude do designer, os portadores de
deficiência visual podem escolher sozinhos as cores de suas roupas. Poderíamos
questionar a razão de o portador de restrição visual querer escolher as cores de suas
peças, que ele mesmo não pode ver. Em primeiro lugar, existem diferentes graus
de restrição visual e, em segundo, a maioria de nós se veste não para nós mesmos,
mas também para os outros, pois vivemos em sociedade.
Fig. 22, 23 e 24: Projeto Olhar, olhares do designer Geraldo Lima para Urânio. Fonte: Site Urânio.
A exemplo da marca Urânio, podemos especular que designers de moda
podem auxiliar no desenvolvimento de artigos para PNEs, inseridos no mercado
consumidor, porém desenvolvidos em parcerias com profissionais de diversas áreas e
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com o envolvimento e comprometimento do próprio usuário. Esta área do design,
segundo Jordan (1999), é conhecida como design inclusivo.
Segundo este autor, foram desenvolvidos, no Reino Unido, dois projetos de
produtos voltados para PNEs, e que foram pouco aceitos por seus usuários. O
primeiro, um carro criado especialmente para pessoas com dificuldades motoras e, o
segundo um calçado. Nas palavras do autor:
“Both of these products draw attention to the user’s disability and, because
they embody aesthetics that few would accept given a choice, immediately
label the user as disabled and underpowered
14
.” Jordan (Ibidem:174)
No caso destes projetos, os aspectos culturais não foram considerados,
apenas os aspectos científicos e tecnológicos do objeto. Os aspectos sociais também
foram ignorados, que não houve um comprometimento das reais necessidades do
cliente, sugeridos por Margolin.
Jordan, ao enfatizar “o prazer social
15
” dos produtos, afirma que estes
deveriam levar em consideração os aspectos fisiológicos, sociológicos e psicológicos
do usuário. O enfoque do design inclusivo prazeroso pode eliminar o estigma social
associado aos produtos desenvolvidos para pessoas com deficiências”. Jordan
(Ibidem:173) ressalta que as pessoas com restrições querem se sentir incluídas, sem
que tais artigos sejam direcionados especificamente para elas. O autor afirma que o
usuário prefere usar um carro adaptado a um carro que enfatize suas restrições.
Aproveitamos aqui para relembrar a importância de se pensar no projeto
como sugeriu Margolin: avaliar em conjunto com o usuário suas necessidades e
prioridades. Talvez, o nosso usuário de calçados prefira um produto pensado
exclusivamente em função de seus interesses. Portanto, poderemos pensar em tais
aspectos em conjunto com o nosso usuário.
Ao serem questionadas sobre este aspecto, nossas colaboradoras disseram
preferir produtos que possam ser utilizados por outras pessoas depois de descartados.
14
“Ambos produtos foram rejeitados por enfatizarem através da plasticidade estética as deficiências
dos usuários, eles eram imediatamente rotulados como deficientes ou incapacitados.”
15
Para o autor, os produtos podem proporcionar diferentes tipos de prazer: a) sico associado ao
prazer dos sentidos (tato, visão, audição, olfato, paladar) e sexual; b) social associado aos prazeres
interpessoais com as relações sociais; c) psicológico se refere ao prazer da mente em realizar tarefas
relacionadas à usabilidade e compatibilidade dos produtos considerados amigáveis, por exemplo; e d)
intelectual associado aos valores estéticos e morais de uma determinada cultura, geração ou indivíduo.
Jordan (Ibidem:171-181).
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Karin enfatiza sua dificuldade em comprar peças com mangas e de adaptá-las de
modo que as mesmas possam ser usadas por outras pessoas posteriormente.
Percebemos desde o desafio projetual no desenvolvimento de calçados
para estas mulheres que, por princípio, devem possuir o conceito de design universal,
e, ao mesmo tempo, satisfazer as diferentes necessidades físicas de cada uma delas.
Como o próprio nome diz, o design universal é aquele que engloba o maior número
de indivíduos possíveis.
!
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!
!
!
!
!
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3. Projetando calçados
Neste capítulo, realizamos um breve histórico dos designers de calçados do
século XX. Investigamos os construtos subjetivos do conforto e prazer dos sapatos
nos aspectos físico e fisiológico.
Apresentamos os principais problemas causados por calçados impróprios
por meio das entrevistas com ortopedistas e fisioterapeutas. Observamos as
adaptações realizadas por esta articulista entre 2002 a 2004 em conjunto com os
especialistas, apontamos os requisitos físicos e ergonômicos a serem observados.
E, finalmente, apresentamos um check-list de itens para serem verificados
durante a aquisição de um calçado, no intuito de oferecer melhor conforto e prazer
físico, seguido de alguns outros itens para que o usuário possa adquirir calçados
passíveis de adaptações que satisfaçam suas necessidades físicas.
3.1 Breve histórico dos designers de calçados
Foi no século XX que os designers de calçados ganharam maior prestigio,
devido ao comprimento das saias do look la garçonne
1
. Foi também neste século, nas
décadas de 1920-30 pelas mãos de Ferragamo, e 1950 pelas de Vivier e Perugia, que
foram criadas algumas das invenções tecnológicas da construção dos calçados que
persistem até hoje.
Os calçados até 1910, segundo Walford (2007:124), em sua maioria ainda
eram pretos, marrons ou brancos. Existiam calçados confeccionados para ocasiões
especiais, mas a maioria dos usuários utilizava botas em estilo vitoriano (botas de
couro, com salto ou sem, de amarrar ou com abotoamento lateral e bico ligeiramente
fino). As botas eram práticas, os solados de borracha eram colados nos sapatos
industrialmente, mas a montagem dos calçados era manual na Inglaterra no final do
século XIX, e nos EUA no início do século XX.
1
Mulheres com corpos de menino, achatamento dos seios, vestidos curtos logo abaixo do joelho,
cintura deslocada para o quadril e cabelos curtos difundido por Chanel, segundo Seeling (Op. cit.:99)
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No Brasil, as mulheres de poder aquisitivo elevado distinguiam-se das
demais pela quantidade e estilo
2
de seus calçados. Segundo Motta (2005:84), os
calçados eram muito mais difíceis de serem copiados, precisavam de fôrmas
3
,
materiais e maquinário especial: estas chegaram ao Rio de Janeiro no pós-
Primeira Guerra, além do desenvolvimento de um projeto de design.
Os projetistas eram escassos no Brasil, assim como nos EUA, forçando os
americanos a comprarem o projeto dos franceses. A escassez de designers de
calçados garantiu a soberania do estilo estético francês, argumenta Walford (Op.
cit.:150):
“American manufacturers in the 1920s were excellent at producing ready-
made shoes but there a few American designers. The manufacturers needed
designs after which to model ready-mades and French shoemakers.
4
Os historiadores (McDowell, 1989; Conde, 2004; Motta, 2005; Riello e
McNell, 2006; Walford, 2007) parecem concordar que a visibilidade dos calçados
nos anos 1920, difundida pelas saias mais curtas, pelo look la garçonne, trouxe aos
criadores de calçados o status de designers, até então chamados de shoemakers.
Yanturni, Pinet e Perugia desenvolviam coleções para alta-costura, e suas criações
eram atribuídas aos criadores das maisons
5
.
Shoemakers é o termo utilizado pelos historiadores de língua inglesa para
denominarem os sapateiros artesãos. Até o final do século XIX e início do século
XX, os artesãos tinham o mesmo status de um carpinteiro. O termo designer aparece
em referência aos projetos industriais, como os da Brown Shoes; ou relacionados aos
nomes dos criadores de calçados para a elite econômica como: Yanturni, Perugia e
Ferragamo, ainda no início do século XX.
Paralelamente aos calçados refinados, encontramos a industrialização e a
2
Segundo Coelho (2008:36) “Em design, quando se fala de estilo de um produto, pensa-se em suas
características formais, isto é, nos elementos visuais que lhe atribuem certa personalidade em razões
de autoria ou época. O produto passa, então, a ser identificado por tais características.” O autor
acrescenta: ... o estilo também tem a ver com os valores que o atribuídos a determinado produto.
Neste sentido está relacionado ao gosto e a moda.”
3
Utilizaremos o termo rma, com acento, para nos referir a rma de modelagem, que representa o
volume dos pés, substituindo-os no momento da fabricação dos calçados. O termo forma, sem acento,
será utilizado com referência a aparência física do calçado.
4
Em 1920, os americanos possuíam uma excelente produção industrial calçadista, mas existiam
poucos designers americanos. A industrialização dos calçados necessitou de protótipos originários dos
designers franceses.”
5
Casas de alta-costura, como a de Paul Poiret.
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(
61
produção de massa de calçados, iniciada na Inglaterra e Alemanha no final do século
XIX, e posteriormente introduzida nos EUA. Para Walford (Ibidem:123), os
americanos conseguiam produzir couro mais barato e mais rápido que os europeus. A
primeira indústria americana de calçados foi a Brown Shoe Company que introduziu
em 1909, uma campanha de calçados inspirada na namorada de Buster Brown, Mary
Jane. “The campaign was so successful that all shoes of this type became know
generically as Mary-Janes
6
.” O estilo Mary Jane, também conhecido no Brasil como
boneca, são calçados que lembram sapatos femininos infantis com tira no peito do
pé, bico arredondado e salto grosso.
Interessante observar que as Mary-Janes eram fabricadas em escala
industrial tanto nos EUA quanto na Europa. No pós-Primeira Guerra, com os anos
loucos de 1920 e a difusão do look la garçonne, as sandálias bar
7
, com suas
diferentes variações, podiam ser encontradas nas marcas de elite, como Perugia,
dentre outras, ou nas marcas industriais, como a Brown Shoes, estas com solado de
borracha.
Fig. 25: Campanha da Buster Brown Shoes, com a
personagem Mary Jane. Fonte: site Brown Shoes.
Fig. 26: Sapatos Perugia, de 1925. Fonte:
Walford.
No início do século XX, alguns nomes (marcas, grifes ou designers) de
calçados eram mundialmente reconhecidos na alta sociedade: Yanturni e Perugia são
os primeiros nomes citados pelos historiadores de moda, seguido de Ferragamo e
Vivier.
6
A campanha fez tanto sucesso que todos os sapatos derivados deste estilo ficaram conhecidos
genericamente como Mary-Janes”
7
As sandálias Bar (algo que obstrui, tira, em inglês) são reconhecidas pela quantidade e formato das
tiras no peito do . T-bar, tira em formato T; Cross-bar, tiras cruzadas; Two-bar, duas tiras, e assim
sucessivamente.
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Pietro Yanturni, segundo McDowell (1989:10) nasceu na Calábria Itália,
em 1890. Seus sapatos eram feitos a mão, sob medida e direcionados à elite.
André Perugia, segundo Baudot (2002:97), francês, filho de sapateiro, foi
descoberto por Poiret no Hotel Negresco em Nice, que lhe convidou para ir a Paris e
desenvolver criações para o próprio. Durante a Primeira Guerra Mundial ele
trabalhou numa fábrica de aviões. Em 1920, Perugia abre sua primeira butique em
Paris, reforçando seu nome como designer de calçados.
Ele divide a criação dos saltos stilettos com Vivier. Os stilettos,
considerados saltos finos e altos, foram assim batizados como metáfora das
excelentes facas Stiletto, (fig. 29) como saltos assassinos, acrescenta Cox (2005:11-
34). Segundo a autora, o protótipo aerodinâmico que reconhecemos como stiletto dos
dias de hoje, com o salto de aço retorcido que apresenta a justaposição de ergonomia
e elegância, foi patenteado por Perugia em 1952 como corkscrew heel (salto em
espiral). Ele registrou várias patentes, comenta Walford (Ibidem:270), dentre elas o
articulated wooden sole (solado articulado) usado durante a Segunda Guerra
Mundial e, em 1956, os interchangeable heels (saltos intercambiáveis, na fig. 28).
Fig. 27: Stiletto de Vivier pra a coleção de Dior de 1958. Fonte: site Bata Shoe Museum. Fig. 28: O
sapato era vendido com 2 pares extras de saltos criados por Perugia para a empresa americana Miller
em 1956. Fonte: site Fashion History. Fig. 29: Absolut Stiletto do artista plástico Guy West criado
em 2000. Fonte: Riello e McNell.
Para Walford (Ibidem:275), Roger Vivier, francês nascido em 1907
(algumas fontes dizem 1913), estudou escultura na escola parisiense Beaux-Arts,
estabelecendo-se antes da Segunda Guerra Mundial. Tinha loja própria em Paris e
fazia design freelance para grandes fábricas de calçados, entre elas a suíça Bally e a
americana Delman. Trabalhou também com Elsa Schiaparelli na coleção de 1939.
Ele serviu na guerra e, ao retornar, montou sua casa em 1947, em Paris. Vivier é
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mais conhecido pela criação dos escarpins
8
desenvolvidos a pedido de Christian Dior
para a concepção do New Look de 1947. A partir de 1955, suas criações eram
assinadas Dior created by Vivier. Era a primeira vez que o nome de um designer de
calçados aparecia na etiqueta do couturier, afirma o autor. O historiador McDowell
(Op. cit.:183) assim o descreve:
“A good shoes designer requires artistic and scientific skills his shoes
must look and fell right. The balance and comfort and beauty is not always
easy to achieve...His creations combine visual deliciousness with
mechanical precision...
9
Como designer, ele trabalhou as questões técnicas e artísticas relacionadas
às funções do produto. A criação técnica do salto stiletto, como conhecemos hoje,
pode não ter sido de Vivier, não consenso entre os autores, mas o
desenvolvimento estético lhe é atribuído. Ele literalmente esculpiu o cabedal
10
(fig.
27) para que o peito do aparecesse e, quanto ao salto, ele o afinou até encontrar
equilíbrio entre forma e conforto. Era um perfeccionista, afirma Cox (Op. cit.:31).
Salvatore Ferragamo
11
, segundo Ricci (2008:13), nascido em 1898 em
Bonito Itália, fazia sapatos para sua irmã aos 9 anos de idade. Aos 16 anos,
mudou-se para os EUA, onde a indústria calçadista estava iniciando. Alguns anos
depois montou sua própria empresa em Boston, uma experiência decepcionante:
achava a eficiência americana excelente, mas os resultados relacionados ao estilo e
construção dos calçados eram terríveis.
Ele convenceu seus irmãos a se mudarem para Santa Barbara, onde a
indústria cinematográfica estava começando. Ferragamo abriu uma pequena loja de
reparos de calçados e tinha lições de anatomia dos pés na universidade local: ele
queria fazer calçados belos, mas também confortáveis e práticos. Em 1923, foi para
8
No Brasil os stilettoso conhecidos como escarpins ou decotados: possuem saltos finos que podem
variar na altura. (IBTeC, 2007).
9
O bom designer de calçados requer artísticas e científicas habilidades seus sapatos devem parecer
e servir bem. O equilíbrio entre conforto e beleza nem sempre é fácil de se obter... Suas criações
combinam prazer e precisão mecânica.” Tradução da autora.
10
O sapato possui duas grandes partes distintas: o cabedal é a parte superior do calçado e o solado
compõe a parte inferior. Cada uma delas possui diferentes elementos. Fonte: IBTeC (2007:28). Ver
fig. 30, na página seguinte.
11
Existem vários livros publicados sobre o designer. Sua marca também tem um museu o Salvatore
Ferragamo Museum, em Florença Itália desde 1995, e pode ser visitado no site:
http://www.salvatoreferragamo.it/row/#folderId=/row/themuseum
. Acessado entre maio de 2007 a
outubro de 2008.
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Hollywood, abriu outra loja e trabalhava no cinema, fazendo seus calçados
artesanalmente. Em 1927, retornou à Itália e, em Florença misturava técnicas
artesanais italianas com o sistema de manufaturas industriais que havia aprendido
nos EUA. Ainda utilizou o sistema de numeração de calçados com ½ ponto
12
e
aperfeiçoou o sistema de numeração de calçados seguindo seus próprios estudos,
afirma a autora.
1. Tornozeleira
2. Cabedal frontal ou gáspea
3. Cabedal traseiro
4. Contraforte
5. Forro
6. Enchimentos de EVA
7. Palmilha
8. Entre-sola ou palmilha de
montagem
9. Squino ou alma de aço
10. Salto
11. Sola
12. Tacão
13. Vira (linhas pontilhadas)
Fig. 30: Na imagem acima, à esquerda, vemos as partes constituintes do calçado. Em rosa nós
destacamos a alma de aço desenvolvida por Ferragamo. Fonte: A autora, imagem construída pela
autora para facilitar a visualização dos componentes técnicos. Na fig. 31: Observamos na imagem ao
lado o projeto desenvolvido pelo designer nos anos 1920 e a patente registrada em janeiro de 1931
por Ferragamo. Fonte: Morozzi in Ricci.
Ele foi um inventor, registrou diversas patentes, dentre elas o steel middle
sole em 1920, conhecido como alma de aço (fig. 31). É uma das peças estruturais da
palmilha de montagem
13
, antes feita de madeira, o que tornava o sapato muito
pesado. Sua invenção acomodou a curvatura da planta dos pés de acordo com as
alturas dos saltos, permitindo a disseminação dos mesmos. Até hoje, como o próprio
12
O ½ ponto americano, originário do sistema de pontos da numeração do comprimento da rma
inglesa, engloba a numeração justa da rma acrescidos também da largura dos s, ou seja, podem
ser encontrados calçados que se acomodam melhor nos pés devido à maior variação de numeração. Os
sapatos americanos ainda possuem diferentes numerações entre gênero masculino, feminino e infantil.
Para saber mais sobre o assunto ver: SCHMIDT, Mauri Rubem. Dossiê técnico Modelagem técnica
de Calçados. SENAI-RS, 2007. Disponível em: http://www.sbrt.ibict.br
, acesso em outubro de 2007.
13
A palmilha de montagem, também conhecida como entressola, é a base composta pela planta,
reforço, alma de aço e rebites utilizada na montagem do cabedal. Atualmente produzida em diferentes
materiais, pode ser comprada pronta. Para saber mais: STOFFEL, Minélia Raquel. Cartilha do calçado
– IBTeC. Novo Hamburgo: IBTeC, 2007.
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nome sugere, esta estrutura é considerada a alma do sapato, com o objetivo de
acomodar os arcos dos pés nas respectivas alturas.
O cork wedge de 1937 (fig. 32), conhecido como plataformas, foi também
uma invenção de Ferragamo em resposta aos tempos de guerra e escassez de
materiais. Sem o aço importado da Alemanha para fazer a estrutura do calçado, ele
foi pressionando pedaços de cortiça italiana até preencher os espaços entre sola e
salto por completo.
Homem de seu tempo, investiu na sua empresa contratando artistas como o
futurista Lucio Viena para fazer suas campanhas publicitárias. Fazia peças exclusivas
e patenteou todas suas idéias que tinham potencial de produção em massa: são mais
de 400 patentes. Calçou atrizes, personalidades e rainhas, inclusive Carmen Miranda.
Muitos outros nomes de designers de calçados são destacados pelos
historiadores, entre eles Charles Jourdan que fundou sua empresa em 1921, pertence
à geração de inventores modernos e Massaro em 1894, que desenvolveu o clássico
bicolor de calcanhar aberto para Chanel em 1957, o design é de Raymond Massaro,
neto do fundador. Herbert Levine, fundada em 1948 pela designer Beth e seu marido
jornalista Herbert Levine são conhecidos por desenvolverem calçados divertidos,
como o da fig. 33. Manolo Blahnik fundou sua empresa em 1972, Stephane Kélian
em 1978, Tókio Kumagai em 1980. Jimmy Choo e Christian Loubotin em 1991.
Todos eles desenvolveram projetos de calçados, registraram patentes, trabalharam
com as questões técnicas e estéticas, souberam dar valor ao design e também cobrar
por isso.
Fig. 32: Plataforma desenvolvida por
Ferragamo para Carmem Miranda em 1938.
Fonte: Ricci.
Fig. 33: Design aerodinâmico chamado Kabuki em
1964, de Beth Levine para a marca Herbert Levine.
Fonte: Walford.
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Outra “revolução tecnológica” para o setor calçadista, que não podemos
deixar de comentar, é o desenvolvimento de calçados esportivos iniciada pela alemã
Adidas fundada em 1924 que se destacava por fazer diferentes solados de borracha
para os diferentes esportes. Seguido da também alemã Puma fundada em 1948, pelos
sócios da empresa esportiva Dassler prestadora de serviços até então para a marca
Adidas.
O atual empreendimento Nike começou em 1972, criada por treinadores
maratonistas que desenvolveram o solado waffle, feito de borracha derretida numa
forma de waffle, exemplo de design comportamental
14
, desenvolvido pelos próprios
usuários. Além de suas linhas específicas para atletas estas empresas hoje
corporativas possuem parcerias com designers de moda, como a do inglês Alexander
McQueen com a Puma.
As empresas alemã Birkenstock e a americana Dr. Scholl’s também
merecem destaque. A Birkenstock, criada mais de 200 anos, desenvolve sandálias
com solado anatômico desde 1908, e a Dr. Scholl’s, empresa fundada por médicos no
início do século XX, lançou, em 1956, os tamancos com estruturas de solado
anatômicos vendidos até hoje em diversos países. Os produtos destas marcas que
privilegiam, em primeira instância, o conforto físico, transformaram-se também em
ícones de moda. A alemã foi considerada item básico do guarda-roupa feminino do
verão de 2003, e a americana Dr. Scholl’s símbolo da ideologia hippie apropriada
pela moda nos anos 1970, segundo Roncoletta (2005:85).
No Brasil, empresas como Alpargatas (fig. 34) e a Montreal faziam calçados
para o dia a dia dos anos 1950. A Fenac, feira de calçados do Rio Grande do Sul,
expôs pela primeira vez em 1963 a produção calçadista brasileira. Rui Chaves,
segundo Motta (Op. cit.:93), foi um dos pioneiros em delicadeza e refinamento. Na
década de 1970, a Grendene fabricou a sandália de plástico Melissa e fez parcerias
pelo mundo com diversos designers de moda. a ilustração da fig. 36 é um exemplo
que foi realizado com Mugler em 1985.
A década seguinte foi marcada pelas pesquisas de tendências internacionais
realizadas por indústrias brasileiras como a Czarina, afirma Motta (Ibidem:100).
14
O bom design comportamental deve centrar-se no ser humano, concentrando-se em compreender
e satisfazer as necessidades das pessoas que realmente usam o produto”. Norman (2004:104).
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Nomes como Cândida Andrade, Tereza Gureg, Patrícia Maranhão e Junia Gomes se
destacam no desenrolar de nossa história calçadista. Muitas delas fecharam suas
portas nos anos 1990. Fernando Pires, Ferri, Beneduci, Franziska Hübener, Serpui
Marie se destacaram nas mídias de moda nacionais dos anos 1990. A Studio Arezzo
desenvolveu parcerias com muitos designers de moda. A com Lino Villaventura (fig.
35) é um exemplo.
Fig. 34: Alpargatas nos anos 1950. Fig. 35: Parceria entre Lino Villaventura e Studio Arezzo dos
anos 1990. Fonte: Motta. Fig. 36: Imagem de baixo à esquerda, sapatilha desenvolvida pela empresa
brasileira Grendene para Thierry Mugler em 1985. Fonte: Walford.
“A moda brasileira passa a ser observada com atenção. Estudos de
mercado apontam o design, entendido como diferenciação de ordem técnica
e criativa, como solução para seu futuro.” Motta (Ibidem:118).
A afirmação do autor é em relação aos designers de calçados do século XXI,
exigindo do profissional brasileiro um desenvolvimento técnico e criativo capaz de
competir com o mercado internacional. Neste contexto, Motta cita alguns nomes:
Constança Bastos, Francesca Giobbi, Mauricio Medeiros, Paula Ferber e Sarah
Chofakian. A indústria calçadista nacional fundou-se pela cópia, afirma o autor,
possível até então pela pouca informação de moda divulgada por nossas terras. Essa
perspectiva alterou-se com o crescente número de informações sobre moda
divulgadas em diversos veículos como em jornais diários e o acesso a internet.
Atualmente, existem diversos museus de calçados espalhados pelo mundo,
muitos podem ser visitados online. Relatam a história dos calçados ocidentais e de
seus designers; tratam da tecnologia e invenções; relacionam os calçados com
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costumes, como os sapatos de casamento, ou ainda aspectos de culturas específicas
como a exposição Beauty, Identity, Pride: Native North American Footwear do
Bata Shoe Museum. Os principais museus de calçados são:
O belga Shoes or not shoes, encontrado no site:
http://dev.shoesornoshoes.com/index.php#
, permite pesquisa etnográfica por artistas
e por regiões. Contém um pequeno acervo brasileiro.
O Museu Nacional do Calçado é o representante brasileiro da cidade de
Novo Hamburgo, disponível no site: http://www.mncalcado.br/site.html
, com
pesquisa etnográfica por décadas relata brevemente a história dos calçados no Brasil.
A maioria das imagens são apresentadas em fichas técnicas com ano, tipo de calçado,
designer e materiais utilizados.
No Bata Shoe Museum, do Canadá disponível no site:
http://www.batashoemuseum.ca/, encontramos história do calçados e dos designers,
sapatos de trabalho como os de balé, e diversas exposições online (fig. 37) podem ser
vistas em imagens 3D.
Fig. 37: Linha do tempo da exposiçãoHeights of Fashion: a History of the Elevated Foot do Bata
Shoe Museum. Fonte: site Bata Shoe Museum.
O espanhol Museo del Calzado, disponível no site:
http://www.museocalzado.com/index.php também torna disponível exposições
online e trata da história do calçados.
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High Heels Shoes, de origem americana, disponível no site:
http://www.highheelshoemuseum.com/index.html, é um acervo virtual de imagens
de sapatos de saltos altos que nos direcionam aos sites de seus criadores.
O russo Shoes Icons, disponível no site: http://eng.shoe-
icons.com/index.htm, além das exibições históricas usuais possui uma área de
glossários, ilustrações e anúncios de calçados.
O inglês Ortho Boot and Shoe Emporium, encontrado no site:
http://shoesnboots.50megs.com/Page%202.html
, é um site de calçados adaptados
(fig. 38 e 39) , na maioria botas masculinas para pessoas com necessidades especiais.
Fig. 38 e 39: Na primeira diversas adaptações de calçados e na segunda uma das poucas imagens de
adaptações para o público feminino. Fonte: site Ortho Boot and Shoe Emporium.
A maioria das marcas aqui apresentadas, é importante ressaltar, são
desenvolvidas para o público elitizado, inclusive devido ao próprio custo de um par
de sapatos destas griffes. Perguntamo-nos, então, onde está o design de calçados para
pessoas com necessidades especiais.
Não esperávamos encontrar na obra de Motta ou de Conde referências aos
calçados para PNEs. Ressaltamos que, ainda hoje, os títulos em português que
abordam o design de calçados são pouquíssimos, se comparados aos em língua
inglesa. Não encontramos citações nem em língua inglesa ou francesa. Por que as
encontraríamos? A história de moda é a história dos modismos e das tendências.
Mesmo quando falamos dos hippies e da anti-moda, estes foram apropriados pelo
sistema, mas não aquela moda para o corpo do outro que procuramos investigar. Para
cartografar estes outros corpos, outros designs paralelos, recorremos à monografia
Deformidades Formidáveis, e à internet.
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3.1.1 Breve histórico do design de calçados para PNEs
Os estudos dos calçados para PNEs concentram-se em 3 tipos de pesquisas:
a) para diabéticos (fig. 40) - tratam-se de estudos ergonômicos e ortopédicos. Os
sapatos podem ser encontrados em diversas lojas virtuais como a Fisiostore,
Ortopedia Carlita, Ortopedia Palmipé e Laboratório do Pé; b) estudos que
desenvolvem palminhas, calcanheiras e calçados chamados antiestresse que
privilegiam o conforto físico e as funções de uso, como os da Opananken (fig. 41); e
c) desenvolvimento de próteses de membros inferiores
15
encontrados em lojas
inclusive virtuais.
Fig.40: Sapato para diabético da Fisiostore. Fonte: site Fisostore. Fig. 41: Imagem de baixo, à
esquerda, calçados anti-stress, também disponível em diferentes modelos da Opananken. Fonte: site
Opananken. Fig. 42: Próteses coloridas infantis da GC Prosthetist, produzidas por Altho’Barry.
Fonte: blog Tara Maria.
Notamos algumas alterações neste últimos 4 anos nas questões relacionadas
às funções estéticas das próteses, ressaltadas pela Dra. Vânia Medina Viera de
Freitas
16
. Anteriormente muitos produtos eram produzidos imitando o corpo humano,
atualmente encontramos próteses coloridas (fig. 42), tatuadas, etc. Aprimoramentos
15
Este levantamento foi realizado durante os anos de 2004-05 durante a pesquisa Deformidades
Formidáveis. Segundo nossos entrevistados ortopedistas e fisioterapeutas, e a partir de nova busca nos
sites de pesquisa Elsevier, SciELO, EBSCO e Science Direct, o foco é no desenvolvimento de
próteses e calçados para diabéticos. No Brasil, existem diversas pesquisas que envolvem diabéticos,
como a do Instituto do Pé, do HC coordenado por nosso entrevistado, Dr. Túlio Diniz, e a pesquisa de
Rosa Valim disponível na PUC-RIO: www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br
, acesso em maio de 2007.
16
A Dra. nia de Freitas foi convidada pela fisioterapeuta Rita Lazuri para participar de nosso
encontro sobre calçados, devido à sua íntima experiência com o assunto, como médica e portadora de
restrição física.
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técnicos, como sensores robóticos e mecânicos, também são encontrados como no
caso do atleta Oscar Pistorius (pág. 49), mencionado no segundo capítulo.
Quanto aos calçados para as mulheres em questão, tema de nossa
dissertação, encontramos algumas empresas que oferecem serviço de adaptação, e
alguns sapateiros, como a Sapataria do Futuro, de Pinheiros, da cidade de São Paulo,
e o Sr. Beirinha, da cidade de Campinas. Estes profissionais, no primeiro encontro
solicitam uma receita médica e apenas adaptam calçados. Relembramos que não
existem designers de calçados para esses corpos em questão. Para realizar as
adaptações, os sapateiros necessitam que seus clientes saibam selecionar (comprar)
os possíveis calçados adaptáveis. Veremos estes requisitos no final deste capítulo.
A empresa Laboratório do desenvolve sapatos sob encomenda. Em seu
site, ela disponibiliza alguns modelos demonstrados nas fig. 43 e 44.
Fig. 43 e 44: Adaptações da Laboratório do Pé. Fonte: site Laboratório do Pé.
Utilizaremos os calçados bar/boneca para explicarmos os componentes
técnicos e requisitos ergonômicos que devem ser observados ao se projetar calçados
confortáveis e prazerosos. Segundo entrevistas realizadas
17
com Dr. Túlio Diniz,
especialista em pés, as formas apropriadas para os calçados femininos são as de bico
redondo ou quadrado, que literalmente não comprimem nossos dedos. Quanto ao tipo
de calçado, a papete
18
ou boneca, além de acomodar os dedos permitem, dependendo
do material, ajustes no peito do pé e tornozelos. A ideia de conforto, a despeito de ser
uma palavra frequentemente usada, não é um consenso acadêmico.
17
Os depoimentos dos entrevistados encontram-se no DVD em anexo.
18
Modelo de sandália de tiras reguláveis que fixam melhor os s no cabedal; pode também possuir
um estudo de sola. É muito usado por esportistas em caminhadas e trilhas. IBTeC (Op. cit.:16).
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3.2 Sobre conforto e desconforto
A palavra conforto na língua portuguesa origina-se do verbo latino
cumfortare, como ato ou efeito de confortar, bem-estar, comodidade material,
aconchego, consolação ou auxílio nas aflições (Cunha, 1997). Originalmente, esse
foi o significado do francês confort, que no século XIII deu origem ao inglês
comfort. A revolução industrial tratou a visão do conforto como uma necessidade
lícita comprometida com a modernização “A evolução dos seus significados
corresponde à evolução da cultura ocidental, e espelha a mudança dos valores
espirituais desde a busca do cristianismo para a busca de bem estar material(Van
der Liden, 2006:01).
O conforto é um dos temas mais importantes para as sociedades
contemporâneas, está relacionado ao mercado como valor agregado e a preocupação
com a saúde - caso dos calçados para diabéticos.
Desde a década de 1950, a definição de conforto está presente nos estudos
ergonômicos relacionados a assentos. A primeira definição operacional de conforto,
proposta por Hertzberg, foi a ausência de desconforto (Lueder, 1983 apud Van der
Liden, 2006). Com o desenvolvimento da industrialização, e, por consequência, do
design, a busca do conforto como item de valor agregado aos objetos tem sido cada
vez mais enfatizado nos artigos de design e moda.
Seu conceito é subjetivo. Depende, em grande parte, da percepção da pessoa
que está experimentando a situação, não existindo uma definição universalmente
aceita. (Lueder, 1983; Slater, 1985; Zhang, 1991). Recentemente, alguns
pesquisadores sugeriram que o conforto está relacionado com o prazer, o que
apresenta fronteiras mal definidas com a usabilidade e a funcionalidade (Slater,
1995; Jordan, 2000). Simultaneamente, outra corrente assume que o conforto e o
desconforto estão em duas dimensões: o conforto associado a sentimentos de
relaxamento e bem estar, e o desconforto ligado a fatores biomecânicos e à fadiga
(Zhang, 1992; Zhang, et ali, 1996; Goonetilleke, 1999).
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Pelos contornos desta pesquisa, estudaremos o conforto, segundo Nicolini
(1995), relacionado diretamente à indústria do vestuário:
“O conforto pode ser definido como estado de harmonia física e mental
com o meio ambiente, baseado na ausência de qualquer sensação de
incômodo. Em relação ao vestuário, o conforto é definido por três aspectos:
físico, relacionado às sensações provocadas pelo contato do tecido com a
pele e ao ajuste da confecção ao corpo e seus movimentos; fisiológico,
ligado à interferência do vestuário nos mecanismos do metabolismo do
corpo, em especial o termo-regulador, e o psicológico, função relacionados
à estética, aparência, situação, meio social e cultural. Por sua vez, estes
fatores relacionados aos três aspectos do conforto descritos não são
independentes, mas interagem em função de cada situação.” (Nicolini,
1995 apud Martins, 2005:66)
Por estas considerações, projetar um produto confortável o tempo todo nos
parece uma tarefa praticamente impossível, que dependemos de uma harmonia
física, psicológica e mental. Relembramos que a ergonomia assume uma postura
evolutiva no sentido de aprimoramento, reconhecendo suas limitações como ciência.
Vários estudos vêm considerando os aspectos subjetivos e psicossociais (Jordan,
1998; Iida, 2005; Van der Liden, 2008) do ser humano relacionados às características
cognitivas (ergonomia cognitiva) do produto como fatores importantes para
dimensionar o conforto.
Quando questionamos nossos entrevistados
19
sobre conforto dos calçados,
as respostas foram em relação às funções de uso diretamente relacionadas às
questões físicas e fisiológicas, como “este sapato me machuca, faz bolhas, calos”, ou
ainda este outro é muito quente”, “este aqui aperta meus dedos”, ou “este é o
único que consigo usar”. E ainda, este tem salto, mas parece que estou descalça”.
Apesar da falta de consenso acadêmico sobre o tema, nossas usuárias consideram o
conforto um aspecto importante relacionado diretamente ao uso do objeto,
relacionados, portanto, à usabilidade e funcionalidade do produto.
Vale relembras que o quesito conforto, e também o prazer são usados em
situações sociais, como a de Karin, uma de nossas entrevistadas, com relação ao
preconceito que sofreu no shopping de São Paulo: situação desconfortável”,
afirmou.
19
Ortopedistas, fisioterapeutas e usuários.
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74
A usabilidade (neologismo traduzido do inglês usability) é definida como
efetividade, eficiência e satisfação com as quais os usuários específicos atingem
metas específicas em ambientes particulares”, segundo a ISO
20
apud Jordan
(2000:07). Não depende das características do produto, mas da interação entre
usuário, produto e ambiente. O importante é como usar um produto para fazer
alguma coisa. A usabilidade tende a ser limitada, afirma o autor, os critérios de
avaliação tendem a enxergar os produtos como ferramentas com usuários realizando
tarefas.
Ela é heurística, ou seja, depende da resposta do usuário que nos fornece
respostas para determinado problema. Sobre usabilidade dos artigos do vestuário
encontramos as pesquisadoras Martins e Silveira.
Martins (2007:03) acrescenta que a usabilidade
21
representa a interface que
possibilita a utilização eficaz dos produtos, tornando-os amigáveis e prazerosos. A
autora desenvolveu o Oikos: metodologia de avaliação de usabilidade e conforto de
vestuário.
Sobre funcionalidade, Silveira (2008:21-39) argumenta: não é uma
característica do objeto em si, mas uma série de relacionamentos complexos entre
hábitos e usos, técnicas de fabricação e significados simbólicos.” A autora observa a
funcionalidade sob o prisma da linguagem, com foco na semiótica por intermédio de
Bürdek (2005), esta é indissociável das funções estético e simbólicas do design de
produtos.
Neste sentido, podemos entender que a usabilidade e a funcionalidade estão
relacionadas diretamente ao uso do objeto e suas funções práticas. Correlacionam-se
também com as questões estético-simbólicas do mesmo, ou seja, o uso do objeto
depende também da comunicação através do styling, depende do contexto do
usuário, de seu repertório de experiências anteriores, aspectos estes subjetivos.
Com relação ao conforto, nossas usuárias identificam as questões físicas e
fisiológicas percebidas entre o produto utilizado e seus corpos. Concluímos que
20
Referindo-se a ISO DIS 9241-11. ISO – International Standards Organization.
21
Para saber mais sobre o assunto, leia a tese de doutorado no programa de Engenharia de Produção
de: MARTINS, Suzana Barreto. O conforto no vestuário: uma interpretação da ergonomia.
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.
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nossos sapatos devem ser fáceis de calçar e descalçar, e ainda fáceis de limpar;
confeccionados em materiais macios, que permitam a transpiração, e que suas
costuras não nos machuquem. Devem também proporcionar segurança, isto é, os
calçados devem estar firmes em nossos pés, bem presos pelo cabedal, seus saltos
devem proporcionar estabilidade ao marchar com sola anti-derrapante, não
provocando a sensação que podem virar o pé, e, por último, seria agradável poder
sentir o chão.
3.3 O prazer
Desde o começo da humanidade, nós procuramos por prazer, argumenta
Jordan (2000). Da sensação de estar em contato com a natureza, da beleza das flores,
sentir a brisa refrescante em nossas peles, outras fontes de prazer advêm dos objetos
que nos cercam.
Em sua obra, ele propõe uma abordagem holística aos produtos baseados
nos fatores humanos através do prazer. Compreende o ser humano como um todo
indivisível que não pode ser explicado pelos distintos componentes físicos e
psicológicos, separadamente.
O prazer, construto também abstrato, encontra-se na relação entre o usuário,
os produtos e o ambiente onde tais produtos são usados. Os objetos podem ser vistos
como objetos vivos com os quais o ser humano se relaciona, podem nos deixar
alegres, tristes, seguros, ansiosos, etc. “It’s necessary not only to have understanding
of how people use products, but also of the wider role that products play in people’s
life
22
.” Jordan (Ibidem:08). Para compreender esta relação, grandes desafios devem
ser observados.
O primeiro é tentar entender o usuário holisticamente: seus processos físicos
e cognitivos, racionais e emocionais, como seus valores, gostos, medos e esperanças.
Compreender os usuários e suas necessidades entender os benefícios emocionais,
hedônicos e práticos que os produtos podem trazer aos seus usuários. O segundo é
22
“É necessário não somente ter compreensão sobre como as pessoas usam os produtos, mas também
o papel que tais produtos têm na vida das pessoas.” Tradução da autora.
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unir as propriedades do produto aos prazeres benéficos qual propriedade do
produto é associada a qual tipo de prazer: fisiológico, social, psicológico e
ideológico. E, por último, desenvolver métodos e critérios de investigação do prazer,
propõe Jordan.
Os benefícios práticos estão relacionados à usabilidade e funcionalidade do
produto entendido como performance positiva, que ofereça satisfação ao usuário. Os
aspectos objetivos do conforto e do prazer estão co-relacionados aos níveis físicos e
fisiológicos. Usar um calçado fácil de vestir, firme e seguro estimula uma sensação
prazerosa e confortável de satisfação.
Em relação aos benefícios emocionais, o autor considera como o produto
pode afetar o estado emocional do usuário. Utilizar produtos pode ser excitante,
interessante ou divertido. Os calçados de salto alto são famosos pela sensação de
poder atribuído às mulheres que os utilizam. Para Semmelhack in Riello e McNelil
(2006:224),“os saltos-altos têm sido poderosos desde sua emergência na moda
ocidental”. Apenas uma de nossas entrevistadas disse não sentir falta do salto alto,
três têm medo de usá-los, e duas os utilizam com frequência. Todas as mulheres
relacionaram o salto médio, em torno de 4 centímetros, a expressões como elegância,
poder e sensualidade.
Os benefícios hedônicos pertencem aos aspectos sensoriais e estéticos do
prazer associados ao produto. Uma poltrona pode, por exemplo, ser macia e ao
mesmo tempo “bela”. Com os sapatos idem, podem ser sensuais e confortáveis ao
mesmo tempo. Estas eram algumas das diretrizes que fizeram Perugia, Ferragamo e
Vivier desenvolverem tantas patentes. Encontrar um equilíbrio entre o que eles
acreditavam ser belo, de acordo com os requisitos estéticos de seu tempo, recurso de
materiais e desenvolvimento tecnológico que também proporcionasse conforto em
relação aos produtos conhecidos eram suas motivações.
Após a identificação dos benefícios dos produtos, Jordan apresenta os
quatro tipos de prazer: físico, social, psicológico e ideológico. Sua teoria está
baseada nos estudos antropológicos do canadense Lionel Tiger.
O prazer físico, para Jordan, é derivado da relação do objeto com os órgãos
sensoriais. Por exemplo, a textura de um objeto, o cheiro de um carro novo. No
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calçado, seus componentes materiais.
“It comfort is defined – at least operationally – as an absence of discomfort,
them it is clear that the products can offer physiological pleasures that go
beyond comfort and into the realms of sensuality...the silk, it’s one example,
that the material is a positive sensual experience to wear.
23
Jordan
(Ibidem:24).
O prazer social é a interação entre várias pessoas proporcionada por um
objeto. Uma cafeteira pode proporcionar ao anfitrião e aos seus convidados uma
pequena parcela do prazer de servir e receber, se a cafeteira preparar um bom café.
Aqui se encontra também a questão do status. Como as pessoas se relacionam com
os produtos faz parte de sua identidade social, afirma Jordan (Ibidem:13).
A questão do conforto é retomada aqui como uma relação social por meio
dos objetos. Os modismos podem mais uma vez inserir ou excluir um grupo de
indivíduos. Aqueles que não possuem o último lançamento da Apple podem se sentir
constrangidos (desconfortáveis) em relação àqueles que possuem.
Muitos produtos desenvolvidos para pessoas com necessidades especiais
possuem uma estética médica ou clínica facilmente reconhecida por meio da
aparência destes aspectos, ou seja, as aparências de tais produtos comunicam as
restrições de seus usuários contribuindo para a exclusão social, e não para inclusão.
Uma situação social de desprazer e desconforto para o usuário, caso dos sapatos para
diabéticos (vide fig. 40 pág. 70) que, por sua aparência, denunciam a restrição do
usuário, um benefício emocional de valor negativo.
O prazer psicológico está associado às reações emocionais e cognitivas das
pessoas em relação ao produto. Refere-se ao prazer da mente em realizar tarefas
relacionadas à usabilidade e compatibilidade dos produtos considerados amigáveis.
O desempenho do produto deve ser satisfatório para que os benefícios sejam
positivos. Os calçados devem ser fáceis de calçar, considerando indivíduos com
restrições motoras, por exemplo. Os benefícios práticos neste caso são associados ao
prazer psicológico de realização.
23
“O conforto sendo definido, operacionalmente como ausência de desconforto, fica claro que os
produtos que podem oferecer prazer sico, além do conforto, mergulham no terreno da sensualidade
(no sentido de estimulação dos sentidos). A seda, por exemplo, é um material que tem uma positiva
experiência ao ser usada.” Tradução da autora.
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O prazer ideológico está associado aos valores estéticos e éticos de uma
determinada cultura, geração ou indivíduo. Encontram-se aqui os valores ecos-
sustentáveis, responsabilidade social, política, moral. Consumir produtos
ecologicamente corretos pode trazer prazer para o usuário: demonstra uma
preocupação moral com o mundo. Jordan ressalta que tais valores são elásticos e
podem ser influenciados pela mídia e modismos.
3.4 Calçados prazerosos e confortáveis: aspectos físicos e ergonômicos
Foram feitas pesquisas em sites acadêmicos: Elsevier (Applied Ergonomics,
International Journal of Industrial Ergonomics); SciELO; EBSCO e Science Direct
sobre comfortable shoes. Até o momento, encontramos apenas um artigo que
relacionava calçados com PNEs, referindo-se à importância de solas antiderrapantes
para cadeirantes.
Devido ao contato frequente com especialistas da área biomédica, foram
realizados diversos encontros com os ortopedistas: Dr. Túlio Diniz, especialista em
pés do HC; e com o Dr. Walter Targa, especialista em prolongamento de membros,
com a fisioterapeuta Sandra Scarpin, ambos da Clínica COF; e ainda com a
fisioterapeuta/rpgista e especialista em pilates Rita Lazuri. Seus depoimentos
ressaltaram as necessidades biomecânicas das usuárias. Por indicação de Nelly,
usuária de calçados especiais, ainda conversamos com o fisioterapeuta Nivaldo
Baldo, de Campinas.
Os aspectos do prazer e conforto físico e fisiológico são relacionados
diretamente à função de uso do objeto de design, suas qualidades técnicas e
ergonômicas.
Nos calçados, consideramos que sua estrutura composta pelo solado e
cabedal (fig. 30 pág. 64) é capaz de absorver a energia do corpo liberada durante a
marcha, responsável pela qualidade técnica.
Segundo Monteiro (1999), o conforto físico e fisiológico são pouco
valorizados pelas usuárias femininas, porém, indispensáveis na prevenção das
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doenças dos pés, tais como: artrites, metatarsalgia (dor nos dedos), proliferação de
fungos, infecções, micoses, calosidades, etc. São várias as doenças provocadas por
sapatos apertados, acrescentam os entrevistados, e as mais conhecidas são:
a) problemas nas unhas, que encravam, b) o esporão, calosidade formada no
calcanhar, c) o halux, popular joanete, d) micoses, e) dores não nos pés. Dr. Túlio
afirma: “Dores pelo corpo todo: articulações, coluna, lombalgia e inclusive
enxaqueca.”
Os calçados, de maneira geral, devem possuir sola anti-derrapante, item de
segurança relacionado à usabilidade, permitir a transpiração do pé, assim como a
articulação dos músculos e ossos ao caminhar, como prevenção a possíveis doenças.
Ao prazer psicológico e sociológico são necessárias investigações para reconhecer as
necessidades socioculturais do ser humano, discutidas no próximo capítulo.
Em relação ao conforto físico, podemos verificar as questões da modelagem
do calçado com a anatomia do corpo humano, segundo Yim Lee Au (2007). O
movimento biomecânico da marcha (fig. 46), articulações e musculaturas (fig. 45)
devem ser respeitados ao modelar o calçado, assim como localização de costuras e
acabamentos para evitar que os sapatos nos machuquem.
Fig. 45: Demonstra-se a anatomia do
humano. Fonte: site UFSC. Fig. 46:
Triângulos que nos auxiliam na marcha.
Fonte: site Orthopauer.
Para confeccionar um calçado, normalmente sua modelagem
24
é realizada
de maneira tridimensional, utilizando a fôrma com pontos e linhas básicas (fig. 47).
Colocamos uma fita crepe em cima da fôrma e desenhamos suas características de
24
Além dos dossiês técnicos da IBTeC e SBRT, acrescentamos informações obtidas com o Prof. Ms.
Guto Marinho, coordenador da Pós-Graduação em Design de Acessórios da Faculdade Santa
Marcelina – SP. Durante os meses de agosto a outubro de 2007 participei do curso de extensão Design
de Calçados, promovido pela instituição referida.
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acordo com a ficha técnica e desenho ilustrativo do sapato. Depois retiramos o molde
e o planificamos. Caso encontremos algum ponto que iniba os movimentos do corpo,
podemos modificá-los. Desta maneira evitamos pontos de pressão que possam nos
machucar. Tanto modelagem como ilustrações podem ser realizadas em sistemas
computadorizados.
Os sapatos de bico fino devem afunilar o bico depois da primeira falange
dos dedos. O ponto C corresponde à base de propulsão do (fig. 46), onde
metatarsos e falanges se encontram, portanto, o bico fino só pode afunilar-se a 1/3 da
linha CI a partir do ponto C em direção ao ponto I.
Os profissionais entrevistados concordaram que o calçado deve ser
projetado de acordo com sua atividade física. Existem diferentes tipos de sapatos
para diferentes pisadas: planado e chato, por exemplo; como também para
diferentes atividades: correr, caminhar, atividades aquáticas, escalar, etc. Devem,
portanto, serem projetados para que o corpo humano execute estes movimentos.
1. Linha do meio da gáspea – linha do
meio da forma.
2. Linha do meio do calcanhar.
3. Eixo do salto.
30. ponto30 – parte mais proeminente da
forma no calcanhar.
R. obtido através do ponto do
comprimento real do eixo de palmilha
(cada sistema de numeração possui o CR
diferente) em 90º com a linha da gáspea.
A. ponto de elevação - obtido através de
2/3 30R em 90º com linha do calcanhar.
B. ponto do alto dorso do pé – depende
do numero da fôrma.
C. ponto de costado – ponto de maior
largura da planta da fôrma do lado
externo.
D. ponto da boca da gáspea½ AC.
E. ponto auxiliar – AB = EC, // 90º.
F. ponto de altura do calcanhar –
depende do numero da fôrma.
G. ponto de comprimento do salto –
localizado na quina da fôrma em 90º com
o eixo do salto, varia conforme a altura
do salto, flexibilidade da sola, finalidade
do calçado.
H. ponto do topo da fôrma – ponto mais
alto da linha do calcanhar.
I. ponto do meio do bico - ponto da
extremidade frontal (no bico) sobre a
linha da gáspea.
J. ponto da altura lateral - J = DF x BL,
é o cruzamento entre estas linhas.
L. ponto do meio do calcanhar – ponto
na quina da fôrma com a linha do
calcanhar.
Fig. 47: Representação dos pontos e linhas básicas da modelagem de calçados. Fonte: a autora.
A qualidade das costuras, da cola, a resistência dos materiais utilizados, a
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espessura da palmilha, os pontos de apoio da alma de aço, os pontos de pressão da
modelagem podem ser analisados pelo IBTeC responsável pelo “Selo Conforto”. Os
testes biomecânicos são realizados simulando a marcha normal do corpo humano,
durante um determinado tempo. Vale ressaltar que nenhum calçado pode
proporcionar conforto físico 100%, afinal nossos corpos são volúveis, e dependem de
fatores externos como a temperatura ambiente, e, até mesmo o cansaço pode alterar
nossa percepção de conforto.
As principais propriedades físicas mensuráveis de um tecido estão
relacionadas à espessura, peso, elasticidade, flexibilidade e características da
superfície”. (Nicolini, 1995 apud Martins, Op. cit.:71). O cuidado com materiais
requer uma outra dissertação para classificá-los, descrevê-los e analisá-los em
laboratório. Os especialistas entrevistados sugerem evitar materiais como plásticos
que não permitem a transpiração dos pés, e Nivaldo Baldo ainda acrescenta: a
utilização do couro, de preferência macio como o de ovelha seria ideal, afinal a pele
dos animais é o material que mais se aproxima da nossa própria pele”.
A temperatura ideal para os pés é de 27,5º C (sem sensação de calor ou frio).
Entre 28º C e 33º C ainda são temperaturas consideradas confortáveis. Fora destes
limites, acrescidos de umidade, podem provocar intenso desconforto. O aumento da
temperatura favorece a proliferação de fungos, bactérias e doenças da pele. (CTCCA:
1994 apud Monteiro, Op. cit.:74-78). Nesse sentido, os materiais utilizados na
confecção dos calçados devem permitir a transpiração dos pés.
Mesmo sabendo que o uso prolongado de saltos altos fazem mal à saúde, as
mulheres continuam usando-os e, no caso específico dos corpos em questão, os saltos
são nossos aliados, que a diferença de membros inferiores é compensada pelo uso
de saltos ou plataformas. Nelly, uma de nossas entrevistadas, utiliza sapatos de salto
alto para literalmente cortar os 3,5 centímetros que são sua diferença entre membros.
Deixando o calçado original mais alto para sua perna encurtada e o outro reduzido
para a perna normal. Ela ainda acrescenta que fazer estas modificações em sapatos
de salto são mais fáceis de camuflar as diferenças estéticas entre os pés de sapato. “É
só seguir a linha original do calçado”, referindo-se à forma original dos mesmos.
Nos calçados das usuárias em questão, a não utilização de uma
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compensação pode causar artrose de quadril e joelho irreversíveis, comprometendo
futuramente a saúde delas, devido ao desgaste de suas articulações. Segundo o
ortopedista Dr. Walter Targa, as diferenças de membros inferiores maiores que três
centímetros podem provocar o desgaste mencionado de maneira lenta e gradual,
levando em média 30 anos. Ele recomenda a utilização de compensação, seja no
calçado ou de maneira cirúrgica, como o processo de alongamento ou enxerto ósseos.
Sem salto = 43% dedos e 57%
calcanhar
Salto 2cm = 50% dedos e 50%
calcanhar
Salto 4cm = 57% dedos e 43%
calcanhar
Salto 6cm = 75% dedos e 25%
calcanhar
Salto 10cm = 90 a 100% dedos e
0 a 10 % calcanhar
Fig. 48: Tabela 1. Fonte
Monteiro (1999:69).
Fig. 49:Altura de bico com relação ao salto, destacado em azul
pela autora. Fonte: site SBRT
Com relação ao salto, encontramos uma progressão do peso do corpo e eixo
de equilíbrio para os dedos. Segundo Monteiro (Op. cit.:67), o salto ideal é o de 2
cm, quando o peso corporal está dividido entre o Triângulo de Propulsão e o
Triângulo de Apolo (fig. 46). O aumento dos saltos causa pressões maiores nos
dedos conforme a tabela da fig. 48 favorecendo o encurtamento do tendão de
Aquiles, aumento de varizes e lombalgia. Os ortopedistas recomendam utilizar saltos
de altura média
25
(4 cm) no dia-a-dia. Deve-se observar também se o salto encosta no
chão, e se o bico do calçado está levemente elevado em aproximadamente 1 cm do
chão, conforme a fig. 49, uma regra geral. Existem tabelas
26
para calcular o tamanho
do salto e a elevação de bico, que variam inclusive de acordo com atividade do
calçado e flexibilidade da sola.
25
Ao perguntarmos aos especialistas sobre o salto alto, a maioria foi a favor do uso do salto alto
médio de até 4 cm de forma moderada. Saltos de mais de 6 cm devem ser usados apenas durante
alguns momentos do dia. Ao serem questionados sobre como mensurar o quanto do salto usar, eles
responderam que seus pacientes devem usar o bom senso, isto é, saber conhecer seu corpo e seus
limites. O Dr. lio Diniz foi completamente contra o uso do salto de mais de 4 cm,
independentemente da situação.
26
Para saber mais: SBRT- Serviço Brasileiro de Respostas cnicas, acessado entre maio de 2007 a
maio de 2008. Disponível em: http://www.sbrt.ibict.br/pages/index.jsp
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Por experiência própria e pelos relatos observados, reconhecer qual é o
tamanho de sua diferença não é uma tarefa fácil, principalmente se seu corpo está
adaptado a ela. É necessário realizar radiografias panorâmicas, escanometrias e
tomografias computadorizadas para obtermos uma possível medição entre um lado
do corpo e o outro, porém, estes exames são realizados com o indivíduo parado, não
consideram o movimento de nossos corpos. Neste aspecto, podemos realizar o exame
de marcha com diferentes alturas de compensações, observando assim, qual seria a
medida da sua compensação no calçado durante o movimento, afinal você vai no
mínimo andar com o sapato, se não desejar correr.
Estes profissionais que solicitaram estes exames se preocupam com a
qualidade de vida de seus pacientes, além do aspecto saudável. Podemos, assim,
considerá-los profissionais mais sensíveis. O Dr. Targa, em nossa entrevista
acrescenta: “a saúde está relacionada ao bem estar e a felicidade... pode parecer um
pensamento simplista, mas o que quero dizer é que ser saudável é também poder
fazer aquilo que lhe faz feliz... senão você fica deprimido.”
A maioria dos médicos, segundo nossas entrevistadas, apenas observam a
biomecânica do corpo: se o eixo de equilíbrio passa entre quadril, joelho e tornozelo,
nós, usuários, não deveríamos nos preocupar, e ainda, se o joelho possui amplitude
de 90º, é mais do que suficiente para ser funcional. Nós, usuários, buscamos
qualidade de vida nos aspectos saúde e bem estar social. Todas as entrevistadas
concordaram que se sentir bem é mais do que estar bem de saúde física.
Sobre sensibilidade corporal, Dr. Targa observa que determinados pacientes
com a biomecânica funcionando perfeitamente reclamam de alguns aspectos, e
outros com o eixo corporal díspar sentem-se ótimos. Ele atribui estas questões a
diferentes graus de sensibilidade do ser humano, e as exemplifica através do meu
próprio corpo:
Talvez você tenha nascido com o código cerebral de forma, que seu lado
direito deveria ter sido o maior, mas, devido ao acidente, seu corpo tomou outra
postura, o esquerdo se desenvolveu, e seu cérebro se adaptou. Depois, nós lhe
operamos, e equilibramos seu organismo em duas grandes cirurgias, são grandes
traumas... agora precisamos avisar seu cérebro que as coisas mudaram, refazer
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algumas sinapses. O que o pobre coitado [o cérebro] tinha refeito sozinho nós
modificamos ao alterar o eixo de equilíbrio de seu corpo. Ele precisa se reorganizar
novamente, o que é mais difícil agora, você já passou dos 30.” Ri, o ortopedista.
Seu depoimento confirma que cada indivíduo é único em suas percepções
sensíveis, inclusive na visão deste médico. Descobrir o grau de sensibilidade
corporal particular com seus pacientes tem sido tarefa que desafia a lógica comum da
medicina.
Nivaldo Baldo acrescenta que tirar o salto alto bruscamente da mulher que o
usa com grande frequência pode causar traumas musculares. O ser humano é
extremamente adaptável, qualquer mudança muito brusca é compreendida por
nossos corpos sensíveis como um trauma”. Para saber o tamanho ideal, após os
exames realizados, deve-se acrescentar vagarosamente os centímetros, para que o
corpo tenha chance de se auto reconhecer.
Além dos aspectos observados na literatura
27
, acrescentamos os seguintes
aspectos: sobre a forma do calçado, esta deveria ser de bico quadrado largo ou
arredondado, para “garantir” espaço aos nossos dedos. O cabedal deve possuir tiras
ajustáveis no peito do pé e/ou no tornozelo. A estrutura de solado, ligeiramente
rígida, fornece melhor proteção à coluna. Estas questões nos remetem aos calçados
dos anos 1920, que analisaremos sob o viés do conforto e prazer.
3.5 Os calçados dançantes
A silhueta feminina do pós-Primeira Guerra permitia o movimento do
corpo, exigia praticidade, e o comprimento das peças colocou em evidência o sapato.
O calçado participou, assim como o look la garçonne (fig. 50) difundido por Chanel,
da manifestação de um estilo de vida, portanto, um visual facilitador na inclusão
social por meio do design de moda. Podemos constatar que tais mulheres, quando
não estavam no salão de baile, ostentavam o mesmo estilo de vida. A estética la
garçonne, eleito o visual da década de 1920, simbolizava este estilo de vida, e
27
Informações obtidas por intermédio dos ortopedistas Dr. Túlio Diniz, Dr. Walter Targa e do
fisioterapeuta Nivaldo Baldo.
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proporcionava prazer e conforto sociais, como sugeriu Jordan.
Segundo Seeling (Op. cit.:93), “os calçados dos années folles eram
concebidos para dançar”. O design destes sapatos talvez possam ser considerados
um dos primeiros calçados de moda com as qualidades e funções do design
caracterizadas por Iida e Löbach.
Fig. 50: A estrela nova-iorquina Varda, com o look la garçonne dos anos 1920. Fonte: Selling.
O salto era amplo, estável e tinha, no máximo 3 cm, proporcionando
estabilização da marcha. O bico levemente arredondado não apertava os dedos. O
cabedal possuía aberturas laterais pequenas, permitindo a melhor transpiração dos
pés. Concebidos para dançar, deveriam ser resistentes, possuíam tiras reguláveis com
fivela, ajustadas nos tornozelos ou no peito do pé, e ainda uma palmilha de couro
duro permitia uma melhor sustentação da coluna.
Segundo Conde (Op. cit.:28), os ritmos loucos do charleston e do jazz são
acompanhados pelos calçados bar na Europa e nos EUA. No Brasil, dançávamos o
maxixe. Na Argentina, o tango. Na visão da autora, as sandálias bar foram levadas
para Paris pela Companhia de Dança Argentina e, de lá, para o mundo.
Dentre as qualidades técnicas dos sapatos bar, podemos citar: o salto era
amplo e largo, provavelmente de madeira, mantinha o equilíbrio durante a marcha.
Onde atualmente encontramos a alma feita de aço, era confeccionada de couro
rígido, proporcionando uma proteção à coluna cervical. A sola, quando de
borracha, era anti-derrapante. As tiras presas ao tornozelo ou peito do seguravam
o calçado nos pés; e, sobretudo, os bicos arredondados, permitiam espaço aos dedos,
inclusive durante a dança. Parece-nos que estes atributos supriram razoavelmente as
qualidades técnicas e ergonômicas citadas, proporcionando prazer físico e fisiológico
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às suas usuárias.
Durante os anos de 2002 a 2004, realizamos diversas experiências com
calçados, inspirados no look la garçonne, e o adaptamos, conforme o exemplo a
seguir:
Fig. 51: A vista frontal dos sapatos adaptados simulando o movimento da macha. Fig. 52: Vista
lateral dos sapatos, com aumento de sola, salto e acréscimo das tiras. Fonte: a autora.
A imagem da fig. 51 nos mostra a modelagem dos calçados com relação à
simulação da marcha do corpo humano, mantendo a biqueira do calçado (parte onde
se encontram os dedos e o triângulo de propulsão da marcha) com forma
arredondada em ambos os pés, proporcionando conforto e prazer durante o caminhar,
ou o dançar.
Muitos calçados que aparentam ter bicos redondos, inclusive tênis
esportivos com forma redonda, ao caminhar simulam o bico fino, ou seja, quando
estamos na parte do passo em que o peso do corpo está nos dedos (na ponta dos pés)
a forma do sapato comprime nossos dedos como num bico fino apertado que afunila
antes do início das falanges, prejudicial à saúde. O Dr. Túlio, acrescenta: “é muito
comum você comprar um tênis e ele te machucar [calos, bolhas]... você não está de
tênis, está de scarpin.”
O legítimo calçado francês, Atelier Mercadal, foi escolhido por sua
qualidade de forro, couro, acabamentos nas costuras, e forma de bico arredondado.
Foram acrescentadas tornozeleiras para melhorar a fixação, assim como nos sapatos
bonecas. Alteramos no direito, na fig. 52, o tamanho do salto com acréscimo de 3
cm fixos, uma compensação na planta do em 1cm, e uma calcanheira
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removível
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Calcanheira é uma espécie de palmilha só para calcanhar.
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de silicone de 0,5 cm, comprada em loja de produtos ortopédicos, totalizando a
diferença variável de 3,0 cm a 3,5 cm do direito, utilizados de acordo com a
preferência da usuária. A altura do pé esquerdo não foi alterada.
Estas soluções foram mostradas aos especialistas. O Dr. Túlio foi
radicalmente contra o uso do salto alto, aprovando as outras alterações. Os
fisioterapeutas e o Dr. Targa concordaram com todas as alterações executadas.
Nivaldo Baldo acrescenta que, em vez da calcanheira de silicone, poderia ser
utilizado uma forrada de tecido para facilitar a transpiração e evitar que o suado
escorregue para a frente.
Vale ressaltar que nossos corpos se encontram mais alongados e
descansados durante o período matutino, e vão se modificando, inchando ou
encolhendo durante o período desperto. A solução da calcanheira removível nos
pareceu apropriada para acompanhar estas transformações corporais e proporcionar
maior conforto físico. Nos estudos relacionados ao prazer e conforto físico e
fisiológico dos calçados, encontramos muitas variáveis, dentre elas a própria
variação do corpo humano. Todos os artigos ergonômicos publicados avaliam o uso
de um determinado produto, durante determinado tempo, sob determinadas
condições térmicas. Nosso corpo físico é muito variável, e parece-nos imprescindível
tentar amenizar os desconfortos sociais para que os físicos também sejam
amenizados.
3.6 Check-list
Após esta investigação, achamos pertinente elaborar um check-list dos
aspectos objetivos, no intuito de indicar alguns itens a serem observados durante a
aquisição de calçados que possam torná-los mais confortáveis e prazerosos nos
aspectos físicos. Os itens da lista são recomendações às mulheres em geral, com
especificações para mulheres que necessitam adaptar seus calçados. Através de
compensações. Relembramos que, mesmo estes aspectos objetivos mensuráveis e, de
certa forma, palpáveis, estão sujeitos às questões sociais e psicológicas.
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1. Ao comprar: opte por comprar calçados depois de algumas horas desperta.
Nosso corpo já terá inchado.
2. Peso: observe o peso do sapato. Segundo o Selo Conforto, cada deve
pesar, no máximo, 360g (nível normal). Leve, de 160g a 260g; muito leve, abaixo de
160g. Os níveis normais, leve e muito leve são as categorias utilizadas quanto às
massas do calçado consideradas confortáveis.
3. Segurança: verifique se espaço para os dedos. Seus dedos não devem
apertar enquanto você se movimenta (fig. 54). O ideal é sentir uma firmeza suave,
como se os pés fossem “abraçados” na região de articulação (parte dos dedos). O
sapato justo e firme é aquele que não aperta seus dedos e que, quando você pisa com
o triângulo de propulsão, não deve haver folga no calcanhar. Neste quesito, modelos
que possuem tiras com diferentes regulagens no tornozelo ou peito do podem
auxiliar na sensação de firmeza e segurança dos sapatos.
Fig. 53: Na primeira imagem o sapato está apertado, não há espaço para os dedos durante a marcha.
Na fig. 54: A imagem central, há espaço para o alongamento dos pés durante a marcha e não há
folga no calcanhar, é a fixação ideal. Na fig. 55: a imagem da direita, há folga no calcanhar durante
a marcha, significa que o sapato está grande e seu pé escorrega dentro dele. Fonte: IBTeC. (2007:
108-109). As ilustrações foram marcadas em vermelho pela autora para proporcionar melhor
visualização.
O raspar dos materiais também pode provocar bolhas. Neste aspecto, como
temos pés de diferentes tamanhos, existem calcanheiras, biqueiras e palmilhas que
podem auxiliar no encaixe dos sapatos, disponível em lojas ortopédicas ou casas de
reparos de calçados. As mais higiênicas são as de silicone, porém, em contanto direto
com a pele, esquentam muito; talvez seja necessário forrá-las ou usar meias.
4. Sola: ainda sobre firmeza e segurança, observe a sola do calçado. A maioria
dos sapatos de couro possuem também solado de couro que não tem atrito com o
chão, causando a sensação de que vamos escorregar. Se a sola não tiver ranhuras, ou
estruturas anti-derrapantes (a maioria é de borracha), peça para o sapateiro colocar
um anti-derrapante, ou, então, providencie um adesivo dupla-face com textura de lixa
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grossa
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encontrável em lojas de reforma de calçados ou em lojas de materiais de
construção.
5. Formas: procure por bicos quadrados ou redondos, certifique-se que os
mesmos continuaram arredondados durante a marcha, reveja a fig. 51. Se seu desejo
for usar bicos finos, exagere. Adquira calçados com bicos finos iniciados depois da
primeira falange do dedão. Observe as fig. 45 na pág. 79 e fig. 57, logo abaixo.
6. Saltos: eles devem encostar totalmente no chão, fig. 56 (independentemente
da altura do salto), e seu calcanhar deve estar perpendicular ao mesmo. O eixo de
equilíbrio do corpo entre quadril, joelho e tornozelo deve se prolongar pelo sapato.
Se o salto encosta parcialmente, provavelmente alterará o eixo natural do seu corpo,
desequilibrando você, provocando a sensação que seus pés viram ou para dentro ou
para fora .
Fig. 56: Na esquerda mantêm o eixo de equilíbrio e o salto tocando completamente o chão. Fig. 57:
Na da direita, o bico fino inicia-se depois da primeira falange do dedão.
Evite saltos finos, tipo stiletto, mas, se assim o desejar, verifique se ele
equilíbrio ao seu corpo. O salto fino baixo também desequilibra: ande um pouco e
verifique se você não vira o pé. Prefira saltos grossos, costumam ser mais estáveis,
afinal, a área de contato com o chão é maior do que a de um salto fino.
Quanto à altura dos saltos: para o dia todo de 2 a 4 cm, mantém as pressões
do corpo mais equilibradas, vide fig. 48 na pág. 82. Saltos maiores que 4 cm são
recomendados apenas em ocasiões especiais.
29
Em caso de emergência, como aquela festa com sapato novo que você não teve a oportunidade de
levá-lo ao sapateiro ainda, pode-se riscar diagonalmente formando um quadriculado na sola do sapato
de couro com um estilete. Estas ranhuras vão proporcionar maior atrito com o chão, e lhe fornecer
maior segurança. Era um recurso muito utilizado pelos produtores de moda durante os desfiles do
Morumbi Fashion Brasil, atual SPFW.
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7. Conforto: observe as costuras, não devem raspar nas articulações, conforme
fig. 45 na pág. 79.
Para os materiais internos, prefira os naturais, normalmente eles permitem
maior transpiração, e são mais macios, como o couro de cabra e búfalo. Palmilhas
forradas por tecidos, como algodão, absorvem a transpiração. Enchimentos de EVA
no calcanhar e na base do triângulo de propulsão, provocam a sensação de pisarmos
no macio. Os materiais externos permitem maior variação.
Ainda sobre conforto fisiológico térmico, não temos aparelhos de medições
em nossos lares; se o sapato não tiver o Selo Conforto, procure modelos com recortes
laterais ou mesmo frontais, que permitem maior ventilação.
Quanto à estrutura do calçado, verifique se, ao caminhar, ele mantém a
palmilha de montagem ligeiramente firme. Esta estrutura protege sua coluna durante
a marcha. Se desejar plataformas rígidas (fig. 32 pág. 65), anabelas (fig. 58) ou até
mesmo chinelos rasteirinhas (fig. 59), verifique se você consegue movimentar seus
pés, e fique atenta se, aos usá-los com frequência, eles provocam lombalgia. Lembre-
se que as estruturas muito rígidas não permitem a movimentação natural dos pés e as
muito moles não protegem a coluna.
Fig. 58: Calçado Anabela, normalmente fabricado de solado leve. Sua invenção é atribuída a
Ferragamo no final dos anos 1930. Imagem dos anos 1940. Designer desconhecido. Fonte: Walford
(2007:173). Fig. 59: Chinelos, normalmente de solado baixo. Esta imagem é de um modelo artesanal
de couro vendido em feiras no Canadá durante os anos 1970-71. Fonte: Walford (2007:214).
Para adaptarmos calçados, podemos acrescentar medidas, conforme as
experiências realizadas por mim entre 2002 a 2004, ou podemos tirar centímetros,
conforme as de Nelly, analisadas no capítulo seguinte.
Gostaríamos de finalizar este capítulo, com algumas considerações extras
para a usuária que pretendem adaptar seus calçados. Conforme as medições
previamente observadas pelos especialistas, devemos levar em consideração os
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seguintes aspectos:
1. Não realizar uma transformação muito brusca; acrescentar ou tirar os
centímetros gradativamente.
2. Materiais: os saltos de madeira, recobertos ou não por couro, podem ser
facilmente cortados ou ainda trocados por outros. Para saber se a cepa é feita de
madeira, ela terá um som oco ao bater. Os saltos anabela e plataforma são geralmente
de PU (polieretano, um tipo de plástico rígido), mais resistente e mais duro do que o
EVA (material muito utilizado na composição dos solados esportivos). Se forem
maciços o sapateiro os adaptará facilmente.
Os saltos de EVA ou PU ambos derivado do petróleo, encontrados em
calçados esportivos, apesar do limite de coloração podem ser acrescidos de lâminas e
moldados de acordo com as formas do calçado.
3. Harmonia: se seu desejo é fazer com que um do calçado se pareça com o
outro, você deve acompanhar as linhas estéticas originais dos calçados para
provocarem sensação de harmonia e fluidez de forma que um pé não contraste com o
outro. Na figura 60, os espaços do solado frontal do modelo original foram mantidos
na compensação para provocarem sensação de continuidade, portanto, fluidez. A
“boa continuidade” é uma das leis da Gestalt
30
responsável pela harmonia formal do
objeto. Na figura 61, a compensação da papete recebeu um recorte curvilíneo com a
intenção de suavizar a plataforma e assim se parecer mais com o modelo original.
Fig. 60 e 61: Em ambas foram aumentados no total 3 cm no pé direito, no tênis Adidas para diminuir
o efeito óptico do aumento da sola os recortes acompanham o design original. Na da direita, a papete
Reef além do aumento na sola, foi criada uma curva para suavizar suas linhas visuais.
30
“O postulado da Gestalt afirma que toda forma psicologicamente percebida es estreitamente
relacionada às forças integradoras do processo fisiológico cerebral que a procura de estabilidade,
tende a organizar as formas unidades coerentes e unificadas.” GOMES FILHO (2008:19).
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Ao acrescentar as compensações, peça para o sapateiro lixar as 2 superfícies
antes de colar. A adesão será maior.
4. Sola: procure manter a sola original dos calçados esportivos. Além de melhor
acabamento estético, existem estudos sobre solas que proporcionam maior atrito, e,
portanto, aderem melhor ao chão, evitando escorregões e proporcionando maior
segurança.
5. Saltos: os saltos grossos ou finos são fabricados de diversos materiais: em até
3 cm podem ser de borracha (SBR). Saltos mais altos podem ser de acrinonitila-
butadieno-estireno (ABS), poliestileno (PS), polieretano (PU), poliamida (PA)
policarbonato ou ainda de madeira (pouco usado por ser pesado). Na maioria dos
casos, será necessário trocar o salto. A maior parte deles possui parafusos de metal
internos, ou são de materiais muito duros para serem cortados, exceto os fabricados
de madeira ou borracha. Ao trocá-los, são necessários alguns cuidados:
a) Encaixe do salto com a entressola ou palmilha de montagem. Existem
diferentes números e formas. Por exemplo, o salto de acabamento quadrado
não se encaixa numa forma de calcanhar arredondado.
b) Ao modificar seus saltos, cuidado para manter o cabedal frontal a 1 cm de
altura do chão, para o sapato não parecer de Aladim. Quando se altera a
estrutura do calçado, a palmilha de montagem é modificada, e a alma de aço
idem, podendo comprometer todo o equilíbrio do mesmo, e os estudos de
Ferragamo, Perugia e Vivier foram em vão. Existem tabelas, mas o usuário não
andará com ela debaixo do braço. uma dica simples é manter a espessura de um
lápis (aproximadamente 1cm) entre o chão e o bico do sapato. Reveja a fig. 49
pág. 82. O salto tem de encostar por inteiro no chão.
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!
!
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4. Investigando as necessidades estéticas das usuárias
Nossas entrevistadas relatam a dificuldade de fazer as adaptações sugeridas
pelos ortopedistas nas casas ortopédicas. O procedimento costuma acontecer da
seguinte maneira: de posse da receita médica, elas procuram as casas ortopédicas que
cobram por centímetro, acrescenta Nelly, e confeccionam o produto sem a menor
preocupação estética. “... E além do mais, jamais consegui usar o produto, era feio e
me machucava e ainda paguei uma fortuna”.
Estas afirmações nos remetem à importância de investigar holisticamente a
relação entre um objeto de design e seu usuário: conhecer seus anseios, desejos e
vontades é a concentração deste capítulo final. O desejo, na área do design, é
compreendido como ato de querer do sujeito desejante” nos níveis consciente ou
inconscientes. Segundo Portinari in Coelho (Op. cit.:70), o desejo é um hiato,
condicionado à possibilidade de simbolização da falta, depende da ordem da
linguagem”, ou seja, o ato de desejar esta relacionado diretamente a querer aquilo
que nos falta como indivíduos socioculturais.
4.1 Funções estético-simbólicas dos calçados
A percepção do objeto acontece como um todo, não sentimos e interagimos
com um objeto primeiro de maneira física, depois simbólica ou estética e até mesmo
emocional, estas inter-relações e interações se acrescentam de forma que percebamos
os aspectos físicos e os aspectos estéticos, e os simbólicos associados ao nosso
contexto. Estas categorizações, a nosso ver, são propostas pelos teóricos do design na
tentativa de compreender a complexidade do pensar e fazer design. Conceito
reforçado por Chauí (Op. cit.:153) com relação à configuração (teoria da Gestalt) e
percepção fenomenológica:
“... não diferença entre sensação e percepção porque nunca temos
sensações parciais, pontuais ou elementares, isto é, sensações separadas de
cada qualidade, que depois o espírito juntaria e organizaria como
percepção de um único objeto. Sentimos e percebemos formas, isto é,
totalidades estruturadas dotadas de sentido ou de significação”.
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Podemos ser atraídos primeiro pelas qualidades estéticas de um determinado
produto, como a cor vibrante do calçado, ou sua textura macia ou até mesmo a forma
sinuosa e sensual de um salto fino que nos remete historicamente ao poder e fetiche
dos calçados.
Fetichismo entendido como adoração a objetos animados ou inanimados
produzidos pelo homem. Steele in Riello e McNell (2006:250) afirma que os saltos
altos exercem um charme poderoso para muitas pessoas, são os substitutos dos
corselets da Belle Époque, e estão associado à feminilidade e sensualidade da mulher
do século XX.
Os calçados são ferramentas protéticas poderosas no sentido de ampliar os
valores simbólicos de nossos corpos, reforçam identidades pessoais ou coletivas.
Nossas entrevistadas identificam o fetiche nos calçados em seus relatos. Nelly disse
que a possibilidade de não poder usar sapatos bonitos literalmente a deprimiu.
Os sapatos são as peças mais importante do guarda-roupa feminino,
segundo uma pesquisa realizada pelo site Chic
1
de Gloria Kalil, em 2007. A pesquisa
teve o objetivo de identificar entre calças, blusas, vestidos e sapatos, qual era o item
indispensável na composição do look feminino. Das 1.291 voluntárias, 53%
consideraram os sapatos a peça principal.
Relembramos que os produtos de moda utilizam-se dos fatores emocionais
2
intensamente, estes por sua vez são associados à estética. (Norman, 2000). São
objetos lúdicos, capazes de satisfazer o usuário através da estimulação sensorial de
seus sentidos. O design de moda é um território de sonhos e desejos, adquirir um par
de sapatos novos, provavelmente não o será para suprir as necessidades básicas do
indivíduo, mais sim desejo, o mesmo vale para não nos desfazermos dos mesmos.
((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((
1
CHIC, disponível em: http://chic.ig.com.br/materias/444501-445000/444935/444935_1.html. Acesso
em agosto de 2007 a setembro de 2008.
2
Nos últimos anos, diversos pesquisadores (Norman, 2000; Jordan, 2000; Mont’Alvão e Damazio,
2008) dedicam-se a desvendar as relações entre design & emoção. Alegam que um produto não se
diferencia mais por sua qualidade ou por sua performance, requisitos já esperados do mesmo.
Questionam-se sobre o diferencial de uma marca ou produto. A obra Design Ergonomia Emoção,
organizada por Mont’Alvão e Damazio, traz uma série de artigos publicados em congressos
internacionais por pesquisadores brasileiros com diferentes enfoques sobre o assunto.
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Nossos calçados foram identificados com significativa importância na
composição de nossos guarda-roupas. O design com foco na emoção tenta desvendar
estas relações entre usuário e produto: o porquê do calçado, em vez da blusa, o
porquê deste sapato específico, daquela marca, daquele modelo. As teorias de Jordan
com enfoque no prazer são comumente citadas pelos pesquisadores do design e
emoção.
Devemos acrescentar que muitas mulheres sacrificam a saúde de seus
corpos pelo poder mágico destes aspectos estéticos e simbólicos. As nossas
entrevistadas não o fazem mais, admitem que já sacrificaram seus corpos, mas
atualmente procuram artefatos mais equilibrados entre suas funções. Devido às suas
restrições físicas
3
elas necessitam de calçados seguros, como vimos no capítulo
anterior e desejam calçados sensuais. Encontrar estes dois conceitos no mesmo par
de calçados é uma tarefa praticamente impossível e extenuante, acrescenta Karin.
4.2 Styling, ferramenta de comunicação
A palavra styling, no campo do design, deriva do style (estilo), introduzido
nos EUA entre os anos de 1930-40, segundo Coelho (Op. cit.:37), para estimular o
consumismo por meio da maquiagem estética de produtos antigos.
O estilo pode ser representado pela repetição dos aspectos formais
encontrados em determinado produto até que o mesmo seja identificado por tais
características atribuídas à autoria do produto ou à época. Para o autor, a palavra
estilo ainda pode ser empregada para representar valores socioculturais atribuídos a
determinado produto.
((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((
3
Todas as nossas entrevistadas passaram por diversas cirurgias devidos às suas restrições físicas.
Além das cirurgias ortopédicas, são necessários anos de tratamento fisioterapêutico para recuperarem
ou aprimorarem o máximo possível do potencial de força, resistência e equilíbrio muscular. Aindao
recomendados tratamentos como acupuntura, para alívio de dores, e reconexões dos eixos energéticos
do corpo; tratamentos como pilates e RPG, para redescobrirem o alinhamento corporal, e até mesmo a
conscientização postural, um tratamento que alia corpo e mente, e refaz as sinapses cerebrais. São
anos de dedicação, que também envolve alto custo financeiro.
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Na área de moda, o styling é considerado a maneira de comunicação do
conceito de uma marca, editorial ou indivíduo. Ferramenta de comunicação
simbólica, é a criação do conceito da imagem de moda: o como a imagem é
elaborada envolve a seleção do suporte (casting vivo ou inanimado), ambientação
cenográfica, edição dos looks (roupas, acessórios, cabelo, maquiagem), atitude
(coreografia) e, inclusive, trilha sonora inseridas num determinado contexto e seus
elementos compõem o conceito da imagem, que, na moda, tende a ser valorizado.
Nos desfiles, representa o conceito da marca; nos editoriais das revistas, a
interpretação daquele título sobre determinado assunto; na esfera pessoal,
representa a forma de comunicação do indivíduo.
Enquanto o estilo é associado às características e valores de uma
determinado produto ou marca, à assinatura delas, o styling permite maior fluidez e
efemeridade como conceito imagético para aquela estação ou ocasião. É construído
de acordo com o contexto daquele instante.
Fig. 62 e 63: Na primeira o New Look lançado por Christian Dior em 1947. Fonte: Baudot. Na
segunda imagem, a campanha de inverno 2008 da marca Dior. Fonte: site Dior.
Nas marcas de moda, como a Dior, é interessante modificar o styling a cada
estação, sim, para também auxiliar o consumo, mas também para renovar a imagem
da marca. Neste processo, é imprescindível manter a assinatura da marca (fig. 62 e
63). O consumidor procura pelos valores de status, glamour, sofisticação e ousadia
que a marca Dior sempre ofereceu.
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Relembramos que, na pós-modernidade
4
, a comunicação pessoal não está
necessariamente relacionada a um único estilo: podemos querer ser um determinado
personagem num dia, e vestir outro personagem noutra ocasião. Ted Polhemus
apontava para estas possibilidades. Representamos diversos personagens durante
nossas vidas, não pertencemos a um único grupo social, ou a um único estilo de
representação visual. Neste sentido, o styling, forma de comunicação imagética,
representa nossas imagens variáveis de acordo com diferentes contextos em
diferentes situações.
Nelly, outra de nossas entrevistadas, inicia nossa conversa comentando:
Nós somos um sem roupa nenhuma, sem sapato nenhum, mas nós somos outro, um
ser social que quer acertar sua própria imagem.” Acertar sua própria imagem,
comunicar através do look aquilo que o indivíduo gostaria de comunicar é entendido
na área de moda como styling.
O calçado faz parte da composição do conceito do look. Solicitar que nossas
usuárias usassem botas ortopédicas no baile de formatura, ou durante seu próprio
casamento, ou até mesmo numa reunião de negócios é não permitir que elas possam
assumir os personagens que queiram. É admitir que os portadores de restrições
físicas não podem construir imagens lúdicas e poéticas de si mesmos. É negar-lhes o
poder de construir suas próprias representações simbólicas de acordo com seus
valores estéticos, sociais, políticos e morais e, portanto, de acertar sua própria
imagem social. Neste sentido, a moda por intermédio do styling pessoal, pode ser
positiva, proporcionando prazer social, psicológico e ideológico/intelectual de
construir personagens.
Seria possível imaginar um look skinhead calçando chinelos hippies? Ele
teria o mesmo impacto que teve? Será que a imagem de um hippie da década de 1970
((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((
4
A sociedade s-industrial descreve a rápida queda entre o número de operários, a partir da década
de 1970, e o avanço do setor de serviços. O termo pós-moderno mostra ser um campo minado de
noções conflitantes. Embora de caráter controvertido, consegue porém caracterizar, melhor do que
outros, a cena cultural atual. A predominância de seu emprego talvez explique porque expressa
adequadamente o clima de mudança cultural em que vivemos. Mas quem prefira chamar a era
atual de modernidade tardia (Ulric Beck), neomoderno (Rouanet), hipermodernidade (Lipovetsky) ou
para se contrapor à rigidez da modernidade de outrora denominada sólida modernidade liquida
(Bauman)”. O autor ainda acrescenta: “A produção [de artefatos] é feita segundo o gosto do
consumidor, adaptada aos seus desejos e necessidades muito específicos, em estado constante de
alteração.”
(Carmo (2007:179).
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com coturnos transmitiria a mensagem de paz? Os coturnos (fig. 65), botas
resistentes de uniformes militares, foram utilizados por skinheads, simbolizando
força e agressividade. Os chinelos artesanais de couro utilizados durante o
movimento hippie (fig. 66 e 67) simbolizavam paz.
O discurso dos looks, através da seleção dos artefatos que os constituem em
determinado contexto constroem o styling. Os hippies ou skinheads são reconhecidos
por suas características formais, acrescidas de valores sociais de seus movimentos
culturais.
Fig. 64 e 65: Na primeira representação do look
skinhead no final dos anos 1960, na segunda anuncio
dos coturnos. Fonte: Polhemus.
Fig. 66 e 67: Na primeira, o look hippie
também na década de 1960. Fonte:
Polhemus. Na segunda, os chinelos. Fonte:
Walford.
Não reconhecemos skinheads de chinelos. A construção imagética do
skinhead utiliza os componentes formais-estéticos (cor, material, forma, etc.).
Camisas brancas abotoadas até o colarinho ou camisetas brancas com mensagens
(fig. 64), suspensórios, calça jeans ou de alfaiataria e coturnos são características na
edição do look. Acrescidos pela atitude carrancuda (do movimento original
localizado por Polhemus no final dos anos 1960), olhares enfezados e cabeça raspada
compõem a agressividade. O racismo é atribuído ao movimento cultural dos
skinheads, ainda segundo Polhemus. Quando pensamos em skinheads, pensamos em
racismo.
Nossas entrevistadas não querem e não desejam ser skinheads de
chinelos”, isso não faz sentido em suas vidas, não corresponde aos seus desejos.
Julgamentos morais à parte, a falta de artigos que as satisfaçam as obrigam a
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representar imagens pessoais que não condizem com seus estilos de vida. Como uma
garota romântica como Jacqueline, outra jovem entrevistada, poderia sentir-se uma
princesa de botinha ortopédica na sua noite de formatura? Ela prefere antes passar
por outra cirurgia do que usar botas ortopédicas: “são vergonhosas”, diz, indignada.
A possibilidade de possuir alguns pares de calçados para se harmonizarem
com suas roupas e com as ocasiões nas quais se encontram colocam o styling num
patamar de significativa importância. Não é qualquer sapato, mas um sapato de festa,
não é uma preocupação estética, mas uma preocupação com a comunicação de seus
looks relacionados à ocasião que se encontram e seus estilos de vida e
personalidades. Oferecer uma gama de produtos ao usuário que possa ser utilizada
para comunicar seus desejos da forma que lhes convier nos parece, sim, fazer design
de moda com responsabilidade. O próximo tópico procura investigar suas
necessidades e desejos por intermédio dos relatos de nossas entrevistadas.
4.3 Desejos subjetivos das usuárias
Os aspectos do conforto e prazer físico e fisiológicos podem ser mensurados
através do uso dos calçados, discutidos no capítulo anterior. Para considerarmos as
funções estéticas e simbólicas, foram realizadas entrevistas com as possíveis usuárias
na tentativa de identificar seus valores, desejos e anseios.
Solicitamos que os entrevistados assinassem o Termo de Consentimento
Informado”, conforme a Resolução 196/96 do Conselho de Ética, que nos permite
utilizar seus nomes, publicar os depoimentos com fotos de seus pertences e
elementos audiovisuais. Alguns detalhes das entrevistas foram omitidos por
solicitação dos sujeitos.
Os depoimentos foram gravados
5
em formato mov., editados no DVD em
anexo. As entrevistas com audiovisual permitem observar expressões e entonações
que se perderiam em questionários escritos.
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Realizamos as entrevistas nas casas dos usuários, para que assim pudéssemos conhecer um pouco
mais de suas vidas e visitar seus guarda-roupas.
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Utilizamos questionários semi-estruturados para nortear a pesquisa com
foco nos calçados. Esta metodologia nos permitiu abordar diferentes temáticas e
registrar alguns valores ético-morais relacionados diretamente às questões culturais
levantadas por Whiteley e aos aspectos de prazer intelectual apontadas por Jordan.
Observamos que muitos aspectos do cotidiano de nossos usuários encontram-se em
diferentes esferas que não se relacionam diretamente com esta pesquisa, mas que
permeiam questões a serem discutidas em outras escalas. São elas: inserção
sociocultural, inclusão no mercado de trabalho, preconceito, mobilidade,
possibilidade de educação, acesso e falta de informação.
Fig. 68: Os protótipos apresentados às entrevistadas. Sheila’s Heelsdesenvolvido em 2005 por
uma seguradora de carros inglesa, possui variação de 2 alturas, é comercializado na Inglaterra. Custo
aproximado de 300 libras o par. Fonte: site Sheila’Insurece. 38degrees – desenvolvido em 2004 pelo
estudante de pós-graduação Wei-Chieh Tus,do Brooklyn Institute, varia em 6 alturas de salto
apertando o botão cinza. Não está à venda. Fonte: site NY Times. Footloose – patente de Marte den
Hollander, estudante de Design Industrial em Delf – Holanda, desenvolvido em 2006. Ainda não foi
comercializado. Fonte: site Virtual Shoes Museum. Sophie Cox trabalho de graduação em design
de produtos da australiana em 2004. Fonte: blog GizMag. Hilo Shoes - projeto iniciado em 2000,
comandado pela designer de moda Rosemary Wallin, recebeu recentemente 500.000 libras para o
desenvolvimento industrial do produto. Fonte: site Britsh Council. Camileon - desenvolvidos por
Donna e David Handel, existem em vários modelos e são comercializados desde 2004 nos EUA.
Custam de US$ 210, 00 a 350,00. Fonte: site Camileon Heels.
A pesquisa estruturou-se de maneira a permitir que o usuário fizesse seus
comentários com relação às dificuldades e benefícios encontrados nos calçados,
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requisitos físicos, comentasse seus desejos e vontades, demonstrasse seus calçados e
soluções de adaptações devidamente registrados e apresentados. Falassem sobre
marcas, formas, cores, ou ainda atributos estéticos que lhes fossem desejáveis. Por
último permitiu que opinassem livremente sobre os calçados transformáveis da fig.
68, e sobre as experiências da autora das fig. 51 e 52, pág. 86 e fig. 69, nesta pág.
Com o auxílio destas imagens, verificamos alguns aspectos relacionados aos
quesitos estéticos do objeto, como cores, formas e materiais de confecção. A
adaptação do calçado Mercadal (fig. 51 e 52), utilizada como objeto tridimensional
em conjunto com o protótipo (fig. 69), construído por mim durante o curso de
extensão de design de calçados da FASM, são indispensáveis para percepções táteis
de materiais, construções de formas e análise de composição cromática, além dos
requisitos de estruturação ergonômicos discutidos no capítulo anterior. Estes objetos
permitem também observações relacionadas às questões de prazer social.
Vale ressaltar que, devido às diferenças de tamanho nas numerações de pés
e de membros inferiores, as entrevistadas não puderam usar os calçados: esta é uma
limitação metodológica de nossas entrevistas. Os aspectos levantados nesta pesquisa
com relação às funções de uso do objeto vieram de depoimentos relacionados às suas
próprias experiências com calçados anteriores. Alguns aspectos subjetivos também
foram levantados através destas experiências.
Fig. 69: Calçado construído pela autora de couro macio, com salto de madeira e solado
antiderrapante; possui a diferença de altura de 3cm, sendo 1cm na planta e 2cm de salto. Fonte: a
autora.
Optamos por apresentar o depoimento por indivíduo e não por tópicos,
devido às questões subjetivas que permeiam esta pesquisa, como vontades, desejos e
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anseios de cunho pessoal. Seus desejos são diretamente relacionados ao contexto de
suas vidas, e às histórias que nos contaram. No final do capítulo, resumiremos alguns
tópicos em comum. As entrevistas são apresentadas em ordem de realização, sem
pretender privilegiar nenhum depoimento em detrimento do outro.
Vanessa Vasques, entrevista realizada em 23 de outubro de 2008.
Foram retiradas algumas partes da entrevista por solicitação da usuária. A
entrevista com foco nos calçados diversas vezes afastou-se do foco sapatos, mas este
próprio afastamento nos revelou valores indispensáveis no desenvolvimento do
objeto calçado.
Vanessa atualmente é vegana, isto é, ela não usa e nem se alimenta de
nenhum tipo de recursos que tenha origem animal. Esta postura nos remete
diretamente aos seus valores ideológicos, que são relacionados por Jordan aos
prazeres ideológicos/intelectuais. Para Vanessa, um sapato de couro, material de
procedência animal, é inconcebível.
Com relação aos desejos e prazeres sociais, Vanessa revela a vontade de
usar e sentir uma bota. Devido às pernas arqueadas, nunca conseguiu calçá-las.
Desejamos aquilo que nunca tivemos, ou o que nos traz boas recordações. Após o
alongamento e alinhamento de seus membros inferiores através do uso do Ilizarov,
sua primeira providência com relação aos calçados foi adquirir uma bota de canos
altos, sem saltos. Com relação aos sapatos, especificamente, sua maior preocupação
é a sensação de segurança, que podemos relacionar ao conforto físico do calçado, à
modelagem firme, tiras de ajuste e sola anti-derrapante.
Vanessa ainda disse que, depois de suas cirurgias, a preocupação com chão,
com as calçadas de maneira geral, cresceram exponencialmente, isto é, como ainda
não terminou seu tratamento fisioterapêutico, que, acrescentamos é extenso, são anos
de recuperação, e provavelmente envolve ainda mais uma cirurgia em seus pés, ela
literalmente tem medo de caminhar, cair e se machucar. Nas suas palavras: “tenho
medo de ter que colocar pino de novo [Ilizarov].”
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Ela aponta não uma preocupação com os calçados, mas com o piso onde
caminhamos, e ainda acrescenta: Você sente que você é um deficiente a partir do
momento que você encontra obstáculos para exercer o seu deslocamento. Eu
percebi que eu era deficiente depois que coloquei pinos... eu não furava filas, coisa
que eu faço hoje. Hoje eu não aguento ficar em pé, coisa que antes [com as pernas
arqueadas] não tinha problema. Hoje eu brigo pelos meus direitos como deficiente,
naquela época eu não sabia que era deficiente, e nem que tinha direitos... minha mãe
não me criou como deficiente. Lógico, existe preconceito, todo mundo te olha, todo
mundo te pergunta, mas isso nunca foi um obstáculo para mim. O meu complexo era
ser baixinha, eu tinha 1,40 m, e hoje tenho 1,54 m... Eu sempre me senti linda.”
Os preconceitos sociais e culturais para Vanessa podem ser vencidos
principalmente pela conquista de seus direitos como cidadã, pelo direito de ir e vir.
Margolin salienta que algumas das mudanças de hábitos originam-se por meio dos
usuários, não necessariamente dos empresários. Ela é defensora de sua causa.
Fif. 70 e 71: Na imagem da esquerda podemos observar a bota feita sob medida com plataforma de
14 cm utilizada na perna arqueada de Vanessa. Na imagem 71 da direita, observamos a solução
realizada com sobreposições de solas de Havaianas da mesma cor de seu vestido de festa. Fonte:
doação da entrevistada.
Vanessa é vista como portadora de restrições físicas pelo movimento de
seu corpo. Durante sua marcha, ela manca um pouco e seu corpo se projeta para os
lados; outras marcas reconhecíveis pelo outro seriam através de suas cicatrizes. Não
existe mais uma aparência física que possa denunciá-la como portadora de restrição,
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conforme a fig. 70. Suas limitações encontram-se no movimento de seu corpo, e
talvez seja por isso que estas questões são fundamentais para ela.
Com relação aos aspectos estéticos, podemos observar o cuidado com as
cores selecionadas pela usuária ao adaptar sua Havaiana em tons de verde e branco
que se harmonizam com seu vestido de festa na fig. 71. A composição do styling do
look para esta ocasião especial demonstra o cuidado da usuária com sua aparência:
maquiagem, vestido e chinelos estão cuidadosamente elaborados para simbolizar
harmonia e vaidade, para comunicar o cuidado com sua aparência independente do
aparelho Ilizarov.
Aos aspectos socioculturais, podemos acrescentar ainda o ambiente em que
vive atualmente. Vanessa é formada em biomédicas com TCC que discute a
acessibilidade em trilhas para portadores de restrições físicas. Em seu ambiente de
estudo, professores doutores e alunos são largados [se refere à preocupação com a
aparência deles] usam bermuda e Havaianas”, ainda acrescenta que o melhor
calçado pra ela são as Havaianas, que permitem movimento e ainda são leves, o peso
dos sapatos também é uma grande preocupação.
Quando mostramos as imagens de Aimee no desfile de McQueen, primeiro
observamos uma reação de espanto: “Ela não tem as pernas? Muito bacana... mas e
o salto, como ela usa esse salto enorme?” Em seguida, mostramos as imagens dos
saltos escalonáveis (fig. 68). Ela demonstra interesse, mas, logo em seguida,
preocupação: “Nossa, isso é lá fora, né! Muito bacana... Eu pensava que a curvatura
era estabilizada no sapato para o salto dar equilíbrio”, refere-se preocupada com
a alma dos sapatos.
Seu critério de escolha é muito claro: o calçado precisa proporcionar
segurança e equilíbrio, em primeiro lugar. As experiências de seu próprio corpo
remontam às suas preocupações com os aspectos de funcionalidade e usabilidade de
qualquer produto associados ao prazer físico e ao conforto.
Quando lhe mostramos a adaptação e, posteriormente, a construção do
protótipo, ela achou interessante, porém, acrescentou: “Você anda de salto, não é?
Eu não... que bacana.” Nossa conversa sai do foco calçado e vai para o vestuário, e
relembramos nossas dificuldades com roupas durante o uso do Ilizarov. Pelo rumo
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do depoimento percebemos o desinteresse de Vanessa pela aparência específica dos
calçados: seus questionamentos são em torno do custo do sapato para pessoas que
não têm condições financeiras como ela teve. Relembra que a bota dela (fig. 70) lhe
custou aproximadamente R$ 500,00.
Seu depoimento relata os critérios e ordem de seleção dos produtos: em
primeiro lugar, segurança e equilíbrio, no segundo momento, custo, e somente em
terceiro a aparência estética. Podemos, assim, perceber que as questões que pontuam
suas escolhas atuais estão relacionadas ao seu estilo de vida “desencanado”, inserida
no ambiente de formada em biologia e acrescidas de suas investigações sobre a
origem das coisas
6
.
Para pensarmos em um produto que satisfaça as necessidades físicas como
melhoria de qualidade de vida relacionada à saúde e às necessidades estéticas como
prazer sócio-cultural para Vanessa, temos que considerar alguns aspectos
fundamentais só identificados por meio de seu testemunho. Se tivéssemos optado por
uma análise de requisitos com relação ao objeto, sem considerar o contexto de sua
vida, sem simplesmente ouvir seu desabafo, não chegaríamos aos conceitos
subjetivos listados a seguir:
a) Prazer físico, encontrado através do produto que proporcione segurança e
conforto. Prazer ideológico, trabalhar com materiais de origem sintética.
b) Prazer social e psicológico com calçados que lhe permitam dançar, logo,
relacionados também à mobilidade. Ela declarou que dançar é do que ela mais sente
falta. Ter resistência física e me sentir segura para dançar a noite toda, é meu
desejo.” Poderíamos ainda projetar uma bota, objeto de fetiche para ela.
A essência do projeto de calçados para Vanessa é proporcionar segurança
com objetos de origem sintética em primeiro lugar. Proporcionar um calçado na
forma de bota para que ela possa dançar a noite toda seria nosso objetivo secundário,
mas relevante. Estes são os aspectos que despertam o interesse de Vanessa, suas
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6
Ela fala que a maior dificuldade de seus tratamentos físicos foi o despreparo psicológico para
enfrentá-los. Suas cirurgias obtiveram bons resultados, mas sabe que devia ter se preparado melhor
para enfrentar o desconhecido. Foram anos de tratamento sem saber muito bem quais as
conseqüências e desafios. Acrescenta que todas as decisões de sua vida atual são pesquisadas
anteriormente, o que come, veste, o que vê.
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necessidades e desejos. Lembramos que a realização de seu sonho não depende dos
calçados, mas, principalmente, da melhoria de suas condições musculares.
Karin Camargo, realizada em 23 de outubro de 2008.
Karin, 47 anos, mãe de dois filhos, é vítima da talidomida, um componente
químico que sua mãe ingeriu antes da gravidez. Segundo nossa entrevistada, a droga
dura 24 meses no organismo feminino, e quanto mais próximo da gravidez, maior o
grau de deformidade medido: de 1 a 8, sendo 8 o grau de pior deformidade. Karin é
grau 6.
Ela fez várias cirurgias na perna esquerda, nasceu sem um dos ossos do
calcanhar que lhe dificultava o caminhar, e tinha também encurtamento de tíbia de 5
cm. Quanto aos braços, comenta que foi muito mais uma questão de adaptação: não
havia muito o que fazer”, ressalta.
Durante nossa entrevista, Karin aborda diversas questões em relação ao
portador de restrições físicas. Dentre elas: a) discriminação social recorrente, quando
cita casos em shoppings da cidade de São Paulo e na empresa para qual trabalha; b)
vantagens com relação ao mercado de trabalho atual, do qual pôde se beneficiar; c)
lamenta indignada a cobertura da mídia no caso do nadador paraolímpico Daniel
Dias:
“Se aparecesse mais gente de cadeira de rodas, mais gente de
muletas...mais gente, meus Deus... isso um dia ia deixar de ser horrível... mandei
emails até para a Dove... se começaram a falar da gordinha agora, em que lugar do
ranking eu tô?”
É defensora de sua causa e “batalhadora” por seus direitos como cidadã.
Acrescenta que fez um esforço muito grande para vencer, para não ser tão diferente e
ser aceita pelos seus próprios méritos, nas suas palavras:
“Tudo é um processo na vida. Se me falassem há dez anos atrás que eu não
ficaria bem 100% [depois de sua última cirurgia], eu diria: você está totalmente
louca, tudo é possível, eu consigo fazer absolutamente tudo... mas hoje eu vejo...
Imagine você fazer tudo, absolutamente tudo com seus 2 cotovelos o tempo todo. Eu
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tenho dor nas costas, meus músculos saem do lugar... Agora eu aceito mais as coisas
como elas vêm, não como uma perda, mas como as coisas são. Têm flores com mais
pétalas, têm flores com mais cheiro, têm flores com... não deixa de ser uma flor...”
O depoimento de Karin reflete questões discutidas durante esta dissertação:
cada ser humano é único, provido de suas próprias experiências. Seus valores são
mutáveis, assim como a vida: seus desejos e vontades, também. Apropriamo-nos da
metáfora de Karin: somos todos flores com suas diferenças. Pensar no design que
possa compreender as especificidades das diferenças integrando-se ao todo é nosso
desafio. Relembramos a dificuldade de Karin em adaptar roupas que possam ser
reutilizadas por outros. Para ela, o reaproveitamento sempre foi um princípio básico.
Fig. 72: Karin. Fig: 73: Sapato de salto e bico fino pretos, objeto guardado como recordação e fig.
74: atual sapatilha que lhe proporciona um pouco de conforto. Fonte: a autora.
Sobre calçados adaptados, comenta que usou compensação em plataformas
e anabelas no final dos anos 1970, início dos 1980. “Foi horrível, mas menos
horrível durante o período da novela Dance-Days, porque na época a moda era de
sapatos horríveis (gargalha)... mas foi terrível, usei as compensações na época da
minha adolescência, uma época que eu tinha que estar tão linda.”
Os tempos de Dance-Days ou as propostas consideradas por muitos
estranhas como as de Rei Kawakubo podem proporcionar um se sentir menos
horrível. A estética da moda pós-moderna pode parecer estranha, nas palavras de
Karin era horrível, mas era exatamente esta feiura que a fazia se sentir mais incluída.
Com relação aos desfiles de moda, acrescenta: “se a moda gosta tanto de
chocar, ok, se esse é o conceito... por que não introduzir a gordinha, a mulher de
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muletas, a moça da prótese. Introduz isso no mundo dos normais... a gente faz
parte
7
.”
A percepção estética e ética são experiências ensinadas, acrescentamos,
somos educados a experimentar estéticas diversas, composição de cores, formas e
materiais de outras maneiras, aliás são estas novas propostas que se tornam inclusive
tendências de moda. Usar um traje de alfaiataria com tênis esportivo era inconcebível
no início do século XX e, atualmente, em determinados extratos sociais é cool
8
.
Concordamos com Karin: a moda pode proporcionar inclusão social
9
. Alguns
designers esbarram nestas questões, como os mencionados durante esta dissertação.
A ética para Jordan está associada ao prazer intelectual/ideológico.
Considera que o conjunto de valores referentes à conduta humana também pode ser
modificado de tempos em tempos nas esferas sociais, políticas e culturais. A própria
conscientização de um mundo mais sustentável e a disseminação do consumo
consciente são valores de referência para diversas empresas e extratos sociais
inimagináveis no momento de consumismo desenfreado dos anos 1980.
Quando às dores, seu pé esquerdo é muito sensível, mas não é o pior: ombro
e costas são terríveis: “Mas com as dores tenho que conviver, é um grande
problema... mas as coisas normais de uma mulher... (quais, lhe pergunto). Ah, o
salto. A mulher não vive sem.” Karin sorri. Estas informações revelam o fascínio que
ela possui por saltos altos, relacionados à sensualidade, poder e elegância. Podemos
acrescentar ao conforto e prazeres sociais e psicológicos. Eu a questiono: você não
consegue usá-los ou está proibida?
“Eu nunca perguntei, porque se eu não pergunto, eu não sou proibida.
Estou usando a técnica de adolescente, de quando minha mãe brigava comigo.
(gargalhadas). Depois que tirei toda parafernália [Ilizarov], você sabe, queria um
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(
7
Durante a entrevista de quase 2 horas, Karin comenta rias vezes sobre discriminação social. Diz
que tem suas mágoas, mas não é uma pessoa amarga. Já aprendeu a se aceitar há muito tempo.
8
Expressão enfática de bacana, legal.
9
No dia 19 de novembro de 2008 foi lançado o concurso “Moda Inclusiva”, uma iniciativa entre a
Universidade Anhembi Morumbi, Governo do Estado de São Paulo e a empresa Vicunha. Para saber
mais ver PESSOA COM DEFICIÊNCIA, acesso em novembro de 2008, disponível no link:
http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=91&c=31
. A REATCH, Feira
internacional de tecnologia, reabilitação, inclusão e acessibilidade, realiza desde 2004 o Reafashion,
noite de desfiles e palestras sobre moda inclusiva sob orientação da Profa. Maria de Fátima Grave,
acesso de setembro de 2003 a outubro de 2004, disponível no link:
http://www.feirasnacipa.com.br/reatech/
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sapato, fui atrás de um bem básico. Comprei um mocassim, mas não consigo usar.
Tudo dói no meu esquerdo, a ponto de lembrar: eu de sapato, eu de sapato,
preciso tirar, preciso tirar... aquilo vai tomando conta do meu corpo, do meu
pensamento, que não consigo fazer mais nada.”
Ela se preocupa com o conforto físico dos calçados, esse é um fator
essencial. “Eu vou falar uma coisa pra você, eu não parto mais do princípio normal:
ai que sapato lindo!... Até tênis é complicado... tênis, eu morro de vontade de ter um
tênis de mocinha, um tênis Nike ou Adidas. Eu brinco que tenho tênis Bibi, de
criança. Tenho vontade de usar um tênis normal, muito difícil”.
Karin se refere à numeração do calçado feminino, além da sensibilidade nos
pés, ela possui um menor que o outro, números 33 e 34. “Eu tenho todas essas
coisas, e ainda preciso comprar 2 pares.. por isso que eu digo que você vai passando
por fazes da vida. No momento, estou na fase de abdicar de tudo, eu virei a pessoa
mais simplista... Imagina, você vai com o marido, roda e ele lhe pergunta, não é
possível que você não achou um par de sapatos? Como você tem que comprar 2
pares? Aquilo vira o drama e você perde toda vontade, é duro achar um que não
seja duro, não tenha abinha atrás, que não me aperte, que segure... então vira um
drama. O drama do sapato.”
Os aspectos do conforto físico são mencionados como fator essencial,
porém, podemos perceber que o discurso de Karin difere do de Vanessa nos aspectos
subjetivos. Para Karin, a sensualidade dos calçados é um fator tão importante quanto
o conforto físico representado pelo tênis de mocinha e pelo scarpin de salto alto, que
é fundamental como realização de seus desejos. São símbolos de feminilidade, que a
mulher não vive sem. São mencionados também o valor das marcas, como Adidas e
Nike, relacionadas ao prazer social, e ainda o drama do calçado, uma dificuldade de
executar tarefas, de adquirir objetos e utilizá-los de maneira prazerosa. O ato de
escolher, comprar e usar calçados são negativos para Karin, sob a perspectiva do
prazer psicológico, que afetam não somente a usuária mas também sua família.
O modelo de calçado escolhido por Karin foi o Camileon. Quando
questionada sobre o que gostaria de encontrar no calçado, ela havia revelado seus
desejos: “Eu adoraria usar um salto, não precisa ser muito alto...aqueles sapatos
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bem bicudos. Aquele que eu ia falar humm, ai que lindo! É o clássico, o preto. Eu
tenho um guardado só pra me lembrar...é o meu conceito de sapato lindo”.
Com relação ao modelo Mercadal (fig. 51/52) e ao protótipo apresentado
(fig. 69), Karin, apesar de ser apaixonada por saltos finos, elogia a estabilidade do
salto grosso. Com relação ao protótipo apresentado, ela sorri e diz: “Não acredito,
estou tão orgulhosa de você... eu gosto mais deste do que o adaptado... Nossa muito
legal, e olha o salto... não sei se no meu daria certo, ele é muito raso [no cabedal
frontal, fig. 30 , pág. 64].”
O projeto para Karin deve levar em consideração suas restrições físicas: a
extrema sensibilidade nos pés exige materiais muito macios, como couro de carneiro;
a diferença de tamanhos entre os pés solicita a possibilidade da numeração ½ ponto
para evitarmos o custo de 2 pares; o formato de seus pés pedem formas com bico de
cabedal não muito cavado, até o término de seus dedos, e tiras ajustáveis no peito do
pé ou tornozelos proporcionam segurança e conforto físico.
O calçado deve possuir um equilíbrio entre as funções práticas, estéticas e
simbólicas. O modelo ideal seria um clássico scarpin preto associado à sensualidade,
elegância e feminilidade proporcionada pela composição estético-simbólica entre as
curvas de salto e bico finos pretos. Seus critérios de escolha contemplam mais os
aspectos subjetivos do que Vanessa, mas vale ressaltar que não consegue executá-
los. Podemos confirmar, através do depoimento de Karin, que percebemos o objeto
como um todo, só que suas necessidades físicas e práticas antes deixadas em segundo
plano, hoje não se encontram mais assim. Encontrar um produto que satisfaça suas
necessidades relacionadas à saúde por meio do conforto e ao prazer como deleite
estético social e psicológico tornou-se uma tarefa quase impossível culminando em
frustrações: o drama do sapato.
Keith Andrade, realizada em 24 de outubro de 2008.
Keith, 20 anos, candidata a uma vaga de Administração de Empresas,
descobriu por volta dos 10 anos de idade, graças a um tombo, um tumor benigno em
sua tíbia. Depois de raspagem e enxerto excessivo também fez alongamento ósseo de
2 a 3 cm utilizando o Ilizarov, que ela chama de gaiola.
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Quanto aos sapatos, ela nunca utilizou compensações de solado e diz ser
apaixonada por All Star, compra e usa All Star: quando está muito quente uso
chinelo de dedo”.
“Adoro All Star, não machucam, são confortáveis. E agora que a perna
endireitou posso comprar um de cano longo [se refere à bota ¾ ]. O único problema
é o aroma desagradável...”, e sorri.
Quando mostramos as imagens dos saltos escalonáveis, ela apesar de gostar
do contraste entre pink e preto da Sheila’s Heels, também prefere o scarpin todo
preto da Camileon e diz ter medo do saltos altos, que os usou apenas uma vez, um
tamanco emprestado da irmã.
Fig. 75: Keith. Fig. 76: seu All Star surrado. Fonte: a autora.
O styling pessoal é muito importante para ela. Diversas vezes, durante nossa
conversa, ela disse não gostar de mostrar sua perna: “é por isso que eu só uso saias e
calças compridas.” Fator também reforçado em seu depoimento com relação aos
calçados: “O que você fez é da hora, tão bonitinho... não nem para perceber que
um salto é maior do que o outro... este outro [fig. 69] é muito bonitinho, estilo
antigo... se eu soubesse que existiam sapatos assim não tinha nem colocado a
gaiola”, complementa.
Podemos perceber que esconder seu corpo diferente é importante para a
entrevistada. Para obter prazer social, Keith necessita do calçado seguro e que ao
mesmo tempo, camufle suas restrições físicas, um não pode parecer diferente do
outro, esse é seu primeiro critério de escolha em conjunto com o custo. Várias vezes
ela se mostrou preocupada com o valor financeiro dos artefatos. O conforto físico e
segurança encontram-se em segundo plano.
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Jacqueline Ramos, realizada em 25 de outubro de 2008.
Garota de 18 anos, gostaria de ser química, está em fase de vestibular.
Nasceu com formação óssea de quadril que causou algumas sequelas, como
fêmur encurtado e pouco apoio de quadril. Algumas cirurgias depois para melhorar o
suporte do fêmur no quadril e alongamento ósseo em duas etapas totalizando 12 cm,
nos encontramos. Atualmente apesar da diferença entre membros inferiores de 2 a 3
cm, Jacque ainda está em fase de crescimento. Ela se recusa a adaptar seus calçados.
Sua mãe, Elaine, participou de nossa conversa para complementar alguns
detalhes. Acrescenta que quando Jacque era criança, elas iam numa loja especial
recomendada pelo médico para adaptar uma botinha. Adquiriam um número maior
para colocar uma palmilha interna e faziam compensação de solado. Jacque
indignada opina: “Ninguém vai querer usar botinha, pela estética, pela vergonha...
Tá, é pro meu bem, mas é feio... Se tiver que fazer outra cirurgia eu faço, mas não
vou mais usar botinha não... Não vejo ninguém usando...”
As palavras de Jacqueline reforçam as questões da aparência do produto
com relação ao prazer social relatado por Jordan. Um objeto de design não pode
envergonhar o seu usuário. Perguntamos o que ela gostaria de encontrar num sapato,
quando está na loja. Quais são seus critérios de escolha? “O sapato não pode ser
muito aberto, meu é muito fino, e ai eu penso que ele vai escorregar... Ai, eu
tenho vontade de usar um sapato, assim... olha [sorri intimidada], que chame a
atenção para o pé... com detalhes delicados. Eu gostaria, assim, de um salto fino.
Tudo aquilo que uma moça gostaria de usar, mas não dá, por causa da firmeza do
pé... ele vira.”
Ela revela, assim como nossas outras usuárias, a preocupação muito grande
com a segurança do calçado. Todas nós, devido a grandes cirurgias e a uma certa
fragilidade óssea, momentânea em muitos casos, acrescido de falta de confiança
muscular, morremos de medo de cair novamente, porque esta condição poderia nos
levar a outra cirurgia. Por estes motivos, andamos olhando muitas vezes para o chão,
onde se encontram nossos obstáculos, e nos preocupamos tanto com os aspectos
ergonômicos do calçado, mas também sabemos que a ergonomia não nos basta, se
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fosse assim, usaríamos as tais botinhas. Desejamos objetos que nos tragam prazer e
satisfaçam nossas necessidades sociais, que, no caso de Jacque, é se sentir inclusa,
como toda moça de salto fino.
Fig. 77, 78 e 79: Jaqueline entre suas soluções: o tênis com amortecedor para proteger seu joelho e a
sandália de formatura com antiderrapante. Fonte: a autora.
O problema maior aparece em ocasiões sociais, caso de sua formatura:
“Encontrar uma sandália de salto foi um desafio... bati tanta perna, afinal, eu ia
usar vestido e ainda tive que colocar um antiderrapante na sola. Eu queria,
precisava usar salto alto.”
Não podemos ser hipócritas, temos que assumir a nossa parcela de culpa
dentre aqueles que fazem moda e propõem para garotas como Jacque que se
sintam bem em ocasiões especiais, nas alturas do salto alto e fino. A indústria
cultural do modismo é cruel. Nós culturalmente impulsionamos este desejo,
principalmente em ocasiões especiais. Relembramos que, para Semmelhack o salto
alto é um dos representantes na moda do poder de sedução feminina, assim como
foram e ainda o são os corselets.
As manifestações de moda fora dos padrões estéticos entendidos como
modelos são poucas e raras, tão poucas e tão raras que apenas os pesquisadores de
moda conhecem os casos citados
10
no decorrer desta dissertação. Quando mostramos
a imagem de Aimee para Jacque ela demonstra claramente surpresa: “Modelo é tão
perfeita...eu nunca ouvi falar de modelo assim, que interessante: ela é linda.”
Comentamos sobre a bota, e Jacque acrescenta: “Adoro bota, acho lindo”.
((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((((
10
Nenhuma das nossas entrevistadas conhecem os designers ou os desfiles aqui apresentados de
McQueen e Rei Kawakubo. Também não conhecem os designers brasileiros Karlla Girotto nem o
desfile de Carlos Mieli para marca M.Officer, quando Ranimiro Lotufo, apareceu em pleno SPFW
utilizando próteses. Roncoletta (2005:52).
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Vale ressaltar que as botas, de maneira geral, despertam grande interesse
nas mulheres entrevistadas, na maioria dos casos por representarem produtos que não
conseguiram usar em algum momento de duas vidas.
“No dia-a-dia uso tênis, de marcas conhecidas que tenham
amortecedor: All Star, nem pensar, acho legal, bonito, queria usar, mas me
machuca... Nos últimos tempos não compro mais sapato, tênis. Não adianta, não
consigo usar mesmo...você acredita que nem sapatilha certo?, não me conformo
com isso”, acrescenta. Adquirir sapatos é frustrante, quero mas não certo”.
Praticamente desistiu, nem as sapatilhas, que para ela não têm salto, são macias,
deveriam ser confortáveis, mas não são. Confessa que, no calor, o melhor são suas
Havaianas, de várias cores. Percebemos, por estas declarações, a importância da
marca como griffe social. Investigar o poder das Havaianas ou do All Star, seria
outra dissertação
Confessa, ao mostrarmos nossas imagens dos calçados, que ela compartilha
as mesmas opiniões que as demais entrevistadas: preocupação com a segurança,
encaixe da curvatura do e custo. Quanto à estética prefere o Camileon. Sua mãe
acrescenta que “se você vai se vestir para ficar parecida e bonita com as outras
mulheres que estão presentes no local, não pode parecer esse pedaço do salto [com
relação à parte sobressalente dos saltos]”. Jacque comenta: “Quem tem assim um
visual mais exótico como o seu [referindo-se a mim] usa verde-limão. Eu adoro,
acho lindo, mas não combina comigo.”
Os depoimentos de Jacque, acompanhada de sua mãe, revelam mais uma
vez a preocupação com a segurança e conforto físico. A vontade e o desejo de se
sentir inclusa estão relacionados à projeção de sua imagem pessoal em sociedade.
“Não é isso que a mulherada quer? Ficar elegante, de bico fino e salto alto...o difícil
é encontrar...”. Acrescenta sua mãe, com relação à plasticidade: dizem adorar preto.
A sensação de elegância e segurança são os conceitos chave para
desenvolvermos um produto para Jacqueline, que possa proporcionar prazer social.
Se sentir inclusa, como uma mulher normal: elegante, sedutora e feminina são
requisitos básicos para ela, principalmente em ocasiões especiais, como de sua
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formatura. Sim, uma imposição simbólica da indústria cultural! Jacque certamente é
a jovem que se atrai mais pela beleza de Monroe do que de Maison.
Nelly Nahum, entrevista realizada em 27 de outubro de 2008.
“O calçado é importante na apresentação da pessoa. Nós somos um sem
roupa nenhuma, sem sapato nenhum, mas nós somos outro, um ser social que quer
acertar sua própria imagem.” Estas são suas primeiras palavras. Nelly, aos 45 anos,
sofreu um acidente de trânsito em 1995 que destruiu seu fêmur esquerdo, causando
um encurtamento de membro inferior de 3,5 cm. É arquiteta e docente da PUC-
Campinas. Sua formação, reconhece, não permitiu se conformar com os sapatos
ortopédicos. “Não por ser arquiteta, mas eu sempre cuidei do meu corpo, fiz
esporte e sou vaidosa.” No final da entrevista revela ainda seu apego pessoal por
sapatos desde a infância:
Nelly é judia e foi expulsa do Egito aos 7 anos de idade. Ela conta que sua
família não podia retirar muitas coisas, e seu pai se preveniu para que todos os filhos
tivessem sapatos por muito tempo. “Meu pai mandou fazer 2 pares: um vermelho,
para passear, e um marrom, para ir para a escola... o sapateiro fez uma botina, um
coturno de exército com fivela lateral que ia durar 3 gerações: somos em 3 meninas.
Eu os usei por muito tempo... não suportava mais aquilo... na época, as minhas
colegas usavam sapatinho de boneca, de verniz... era lindo. Eu era apaixonada
por aqueles sapatos tão femininos. Eu tentava acabar com os meus mais rápido, os
arrastava no chão, e eles não gastavam nunca: eu os molhava para estragar. Meu
pai comentava: não se preocupe, minha filha. Vou secá-lo no forno. Até que um dia
molhei os dois, e fui de Alpargatas para a escola; meu pai os esqueceu no forno e os
2 pares torraram. Ele chorava, e eu ria, e ria... Então, meu amor pelos sapatos
começou aí,... Economizei o dinheiro do sorvete para comprar meu primeiro
sapatinho vermelho de alcinha e botão. Era macio, tinha um cheiro delicioso, e eu
dormia tão feliz do lado do sapato.”
Podemos observar que os sapatos têm um valor especial na vida de Nelly;
ela necessitava buscar solucioná-los depois da fatalidade de seu acidente. Este
processo iniciou-se com o raio-x panorâmico com e sem sapato solicitado por
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Nivaldo Baldo constatando que a diferença entre membros inferiores era de 3,5 cm.
Dirigiu-se à casa ortopédica para fazer a palmilha: A compensação deveria ser feita
com 1,5 cm na frente e 3,5 cm atrás: foi feita uma palmilha que ficou muito cara,
não entrava em sapato nenhum... então, eu pensei a questão não é a palmilha é o
sapato. São os 2 cm de diferença sugeridos pela ergonomia, sendo que estas
medidas são relacionadas à base do triângulo de propulsão e ao ponto C da
modelagem, e ao vértice do triângulo de Apolo próximo ao ponto L da modelagem
(fig. 46 pág. 79), sucessivamente.
Suas primeiras experiências foram com tênis de cano alto; por serem mais
fechados, davam suporte à nova movimentação de seu corpo, protegendo tornozelo e
diminuindo a probabilidade de virar o para o lado. “As medidas eram
compensadas metade na palmilha interna, e metade no solado externo realizado em
casa ortopédica e cobrado por centímetro... Fiquei indignada com o tal [preço] por
centímetro...quanto pior o problema da pessoa, mais ela tem que pagar?... Isso é
indigno da raça humana, sabe!”
Ela comenta que teve de reaprender a andar de novo, fortalecer muito seus
músculos, perder os vícios das muletas e, atualmente, tem dores apenas quando
exagera nas atividades físicas. É incômodo, ressalta. “Nada que me faça fazer
cirurgias novamente. Aliás, quando eu estava terminando meu tratamento me
propuseram alongar minha perna [fêmur], e eu respondi: Estão malucos?”
Ela tinha resolvido as questões físicas com o tênis de cano alto, mas sua
paixão por calçados, associada a diversas situações sociais, como festas, casamentos,
ou até mesmo caminhadas, exigiam outras soluções:Não poder ter o sapato bonito,
charmoso, foi uma das coisas que mais me deprimiu... Então, comecei a estudar os
sapatos das vitrines, comecei com as plataformas, e pensei... ao invés de aumentar
os sapatos eu vou diminuir... pegava na mão, olhava o material. O fato de ser
professora, dar aula na arquitetura de desenho de objetos... [ela tem intimidade com
atividades projetuais]... A gente mexe com materiais, não foi difícil de ver o sapato
que seria possível [transformar], tanto nas questões estruturais como materiais....
outra coisa, a cor. Aos pouquinhos eu fui vendo que dependia da cor, do material,
da estrutura...”
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Nelly inicia uma parceria com o Seu Beirinha, sapateiro do bairro de Barão
Geraldo, da cidade de Campinas – SP. Juntos, adaptam vários sapatos, escolhendo-os
de acordo com as cores e materiais disponíveis no mercado. O primeiro foi uma
Havaianas preta, única cor e material disponível até então para fazer a compensação,
segundo Beirinha. “Foram dois anos de luta para usar uma Havaianas... você pode
imaginar isso (gargalha inconformada e aliviada), amo chinelos de dedo... saí de
tão feliz, mas tão feliz... só tenho que tomar cuidado para não virar o pé... Ainda não
fiz a com tira atrás que agora tem. Quanto maior firmeza, melhor para evitar
acidentes, não é?”
Não poder usar uma variedade de calçados alterava seu humor, chegando
inclusive a deprimi-la. A possibilidade de tirar o tênis de cano alto e utilizar uma
simples Havaianas era mais importante para Nelly do que as questões de segurança e
conforto físico. Devemos acrescentar que, depois de anos de tratamento, ela possui
segurança e firmeza em seu próprio corpo, reconhece quando abusa de seus
músculos, conhece seus limites físicos, e talvez por isso, atualmente suas
preocupações primordiais encontram-se nas esferas das funções estética e simbólica
do artefato.
Fig. 80: Nelly com Havaianas adaptadas. Fig. 81: Acima à esquerda, sua primeira sandália. Fig. 82:
Acima à direita, a Birkenstock. Fig. 83: Do lado esquerdo, a sandália de casamentos e para dançar.
Fig. 84: Bota adaptada. Fonte: a autora.
Também não podemos deixar de comentar que as experiências de calçados
na infância, sua formação como arquiteta, seu trabalho como docente permitiram-lhe
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uma maior afinidade com resoluções projetuais do que nossas outras entrevistadas.
Estas questões influenciaram suas decisões, tanto quanto seu desempenho corporal.
Todo o seu depoimento é relatado por vontade e desejo de ter diversos pares
de calçados: às vezes, sandálias de salto alto ou tênis para caminhar, ou ainda um
determinado modelo para ir a uma festa, ou aquele desejo por plataformas, ou a
vontade por determinadas cores - preto e vermelho são suas preferidas. Ainda
acrescenta que alguns modelos são apropriados para serem usados com jeans, como
as anabelas, e outros, como as sandálias da fig. 83, são elegantes para combinar com
vestidos em ocasiões formais, e, excelentes para dançar.
A importância de seus sapatos condiz com a importância que Nelly ao
construir seu look. O styling é sua imagem pessoal, e ainda acrescenta: “Sobre a
necessidade de botas no inverno, das necessidades do dia-a-dia, e das botas mais
arrumadinhas (fig. 84). Neste, por exemplo, também tive que mexer nos dois pés,
aumentar num e diminuir no outro... cada um [calçado] tem uma peculiaridade...
vem uma vontade de usar um sapato alto sem alcinha [tira no tornozelo]”. A busca
dela é por calçados que possam ser adaptados, e assim satisfazer seus desejos.
Encontrar estas resoluções tornaram-se parte agradável de sua vida relacionada com
o prazer psicológico e social.
Ela relata detalhadamente todas as suas transformações: desde o cuidado
com a estrutura (a alma de aço) do calçado que não deve ser destruída para não
alterar o equilíbrio (fig. 83); ou a seleção de materiais para sapatos esportivos e
chinelos, fabricados de EVA ou PU, como as Havaianas marrons (fig. 80).
O caso de sua primeira sandália plataforma (fig. 81), ela acrescenta que o
seu Beirinha separou e cortou a plataforma, lixou e depois colou a outra parte da
mesma para manter a aparência estética do salto. Comenta que não gosta muito das
tiras da sandália mas, como foi a primeira experiência, não joga fora por nada.
“Estou apegada a ela... a experiência foi fundamental, mas agora [que tinha
conseguido] eu não ia parar aí, né!”
Ela ressalta que devemos ter cuidado para manter a sola original dos tênis
de trilha. Existem vários estudos para desenvolvimento de solas que não derrapem,
ou para diversos pisos, acrescentamos. Não se deve usar uma bota de trilha no
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cimento urbano, pode causar lesões nas articulações, relembramos que os tênis foram
desenvolvidos tecnologicamente para diferentes tarefas.
Nelly fala sobre diversas marcas: Mr. Cat, Mark Bennett e Tribo dos Pés
são as marcas que normalmente consegue adaptar, destaca em especial a Birkenstock
(fig. 82). Quando foi à Europa, uma das condições das férias era passar pela
Alemanha para conhecer pessoalmente a marca. Comprou logo 10 pares, por sua
palmilha anatômica e também pela opção de numeração. A empresa alemã,
acrescentamos, possui numeração ½ ponto com relação ao comprimento, numeração
de largura e ainda diversas palmilhas anatômicas para pé chato, alto ou normal.
Ela acrescenta: “quando encontro um sapato, levo para adaptá-lo; se deu
tudo certo, volto para loja pra tentar comprar o mesmo modelo em outra cor. Não é
tão fácil fazer as adaptações”. Nos modelos anabelas, perguntamos sobre os
movimentos biomecânicos do corpo, e Nelly comenta que as anabelas abertas atrás
permitem o movimento dos pés (fig. 85), o que não acontece nos modelos fechados
(fig. 86).
Fig. 85: Anabela com solado rígido a abertura de calcanhar. Fig. 86: Anabela de solado rígido sem
abertura de calcanhar dificulta a marcha. Fonte: a autora.
Ao mostrar nossas imagens, Nelly nos questiona como eles funcionam com
relação ao escalonamento dos saltos, e as especificidades de estrutura e materiais
utilizados. Ela acrescenta: “Estas coisas têm que ser passadas adiante, têm pessoas
que provavelmente adquirem uma certa tristeza na vida porque perderam alguma
coisa, a gente encontra outra... Mas, ultimamente, não tenho feito nada, porque
estou até com vergonha, tenho muito sapato”.
O depoimento de Nelly reforça os aspectos subjetivos relacionados ao
prazer como premissas básicas do desenvolvimento projetual. Para ela, um sapato é
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uma maneira de se expressar, um vínculo emocional que lhe traz satisfação, bem
estar, apreciação, dentre outros valores atribuídos pela entrevistada. Nelly está
preocupada com segurança e usabilidade, mas não são estes aspectos que a fazem
procurar um calçado e, sim, a elegância das formas, a fluidez das linhas, o desejo por
diversas cores de alguns para determinadas ocasiões, ou ainda vontade de ter um
determinada forma, ou a necessidade de possuir uma bota apropriada, seja ela para
inverno ou para caminhada. Seu fetiche por calçados é evidente, e suas aquisições
são baseadas no desejo.
4.4 Sapatos poéticos: um novo conceito ao realizar design de calçados
Nossas entrevistas apontam para necessidades e desejos completamente
distintos, com relação aos sapatos. O único ponto em comum é a necessidade de
conforto físico proporcionado pelos calçados seguros que não as machuquem. Estes
conceitos envolvem as diversas variáveis apresentadas no capítulo anterior.
Em relação às necessidades corporais, os requisitos levantados são muito
díspares: diferentes tamanhos de (largura e comprimento) das próprias
entrevistadas e entre elas; diferenças de membros inferiores distintas, ou em pernas
distintas, grau de sensibilidade, etc. São corpos únicos, percebidos de maneiras
diferentes, o que nos faz pensar que o desenvolvimento projetual pode ter diretrizes
básicas, mas que o projeto deveria ser finalizado com a participação de cada
indivíduo, para que o mesmo possa ser essencial e ao mesmo tempo poético, lúdico.
Depois de realizarmos um brainstorming, chegamos às seguintes palavras-chaves do
conceito geral:
Segurança, Sensualidade, Diversificação e Feminilidade.
As questões relacionadas à segurança e à diversificação corporal que foram
trabalhadas no decorrer da dissertação eram requisitos essenciais previsto por nós.
As características de sensual e feminino atribuídas aos calçados, foram extraídas dos
depoimentos de nossas entrevistadas. A sensualidade se encontra no poder de seduzir
o outro e de nos auto seduzir através da excitação dos sentidos. O visual e o tátil são
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os mais utilizados na área do design de moda. Materiais macios e suaves, como o
couro de ovelha, literalmente acariciam a sensibilidade tátil de nossos corpos.
O objeto, ou melhor, o calçado com características sensuais e femininas é
aquele que faz com que a usuária se sinta confiante, incluída em relação ao meio
social, isto é, que nos proporcione benefícios emocionais, prazer social e psicológico,
conforme o contexto da situação. No dia-a-dia, nossas usuárias estão satisfeitas com
os modelos de tênis, sapatilhas e anabelas, se os mesmos permitirem a construção do
styling pessoal. em ocasiões especiais, pressionadas, muitas vezes pela indústria
cultural, os calçados tipo scarpin ou sandália de salto alto ou médio, foram
apontados por nossas usuárias como modelos capazes de transmitir esta confiança,
relacionada diretamente ao poder de sedução feminino. São nestes momentos
especiais que elas querem encantar e fascinar o outro. São estes instantes de estrelas
da passarela da vida que as preocupam.
Satisfazer nossas necessidades básicas não basta; se fosse assim, ficaríamos
com as botas ortopédicas. O calçado é um objeto de design de moda que precisa ser
variável conforme os sonhos, vontades e desejos do indivíduo que o utiliza em
situações diversificadas.
O sapato é objeto de interação social. Os saltos altos empinam as nádegas e
obrigam a mulher a dar passos pequenos e rebolar mais. O movimento dos quadris
empinados sugere sedução e poder femininos associados aos prazeres sociais e
psicológicos. Os saltos, visto pela maioria dos profissionais da saúde como vilões,
podem proporcionar melhoria de qualidade de vida social, e não precisam ser muito
altos: entre 4 cm foi considerado pelas usuárias ideal, desconsiderando as diferenças
entre membros inferiores.
Poder, sedução e feminilidade são valores simbólicos atribuídos por nossas
entrevistadas aos calçados desejáveis. Os sapatos fazem com que as mulheres se
sintam bem socialmente, proporcionando melhor qualidade de vida neste quesito.
Encontrar um equilíbrio entre sedução, como melhoria de qualidade de vida,
social e recomendações ergonômicas, como melhoria de qualidade de vida através da
saúde, é projetar calçados seguros e sensuais baseado no prazer físico, social,
psicológico e intelectual.
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Considerações finais: para além dos sapatos...
Iniciamos esta pesquisa em nossos corpos, encontramos o corpo do outro,
ouvimos suas dificuldades, experiências, satisfações e desejos. Observamos a
mudança do olhar, dos valores ideológicos nos casos de Vanessa, Nelly, e aqui
também me encontro.
Ouvimos suas dificuldades com calçados, com questões relacionadas à
mobilidade. Calçadas, ruas, transporte público são constantes reclamações das
usuárias, relacionadas diretamente com a sensação de segurança, que vão muito além
de nossos sapatos.
Verificamos que o universo do portador de restrições físicas está muito
aquém dos universos do design ou da moda. Encontramos ainda muito preconceito
social. Confesso que, durante as entrevistas, me perguntei: em que mundo vivemos?
Um sentimento de indignação me estremeceu. Reforço meu desejo de participar de
uma equipe interdisciplinar para tentar discutir alguns destes aspectos, um projeto de
vida.
Alguns podem questionar a importância do nosso objeto de estudo, o
calçado, mas reforçamos o conceito lúdico e poético deste projeto. Recordamos que
nosso objeto não é o calçado, mas as relações entre usuárias e seus sapatos, isto é,
como as mulheres se relacionam com o objeto sapato e por que eles são tão
importantes em suas vidas.
Concluímos que as funções estético-simbólicas dos calçados podem
aprimorar a qualidade de vida de nossas usuárias. Qualidade de vida significa mais
do que ser saudável no sentido biológico, mas, também, no sentido de se sentir
bem”. Para Nelly, não poder variar de calçados para acompanhar suas próprias
roupas e, assim, escolher o personagem do dia-a-dia, era inconcebível. O bem estar
está relacionado com a possibilidade de se construir imagens pessoais de acordo com
nossas vontades, influenciadas também pela indústria cultural.
Nossas entrevistadas reforçam a vontade de se sentir bem no meio social”,
o que, para elas, significa poder construir o styling pessoal, valorizado
principalmente em ocasiões especiais, como as festas, formaturas e casamentos. Elas
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desejam e necessitam de sonhos em suas vidas, elas querem se sentir sensuais e
femininas nestes momentos de destaque.
O design de moda, representado aqui pelo design de calçados, é uma das
ferramentas que permite construir imagens sociais. A composição de nossos looks
podem nos transformar na princesa romântica, essencial para Jacque, ou na rainha do
baile, indispensável para Nelly, ou ainda na empresária poderosa, ressaltada por
Karin. Os calçados fazem parte destas transições de personagens dos quais vivemos.
A falta de artigos, combinada com a dificuldade de encontrá-los ou adaptá-los, é a
negação desta possibilidade de se construir personagens; é abrir portas para a
depressão, como Nelly relatou.
Observamos, também, que uma das maiores dificuldades é o acesso às
informações. Cada usuária teve de achar suas próprias soluções de adaptação de
calçados, vestimenta, procurar por leis, conhecer seus direitos, etc. As informações
ainda são muito escassas, e, por isso, montaremos um portal na web (A moda é?,
disponível através do link: www.roncoletta.com) dedicado à troca de informações,
que, em princípio, coloca no ambiente da web o check-list do capítulo três para ser
discutido.
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131
Anexo 1: Questionários semi-estruturados das entrevistas com as usuárias
Questionários semi-estruturados:
Nome
Idade
Descrição dos problemas físicos:
1. Sente dor? Onde?
2. Usa compensação ou já usou ? Se sim de quantos centímetros?
3. Teve ou tem dificuldades em encontrar sapatos? Quais?
4. Possui necessidades especiais para calçados?
a. Físicas:
b. Necessidades estéticas? O que você gostaria?
Cor:
Materiais:
Salto:
Possibilidade de camuflar-se
Diferenciar-se, mostrar suas diferenças
Estilo
Moda
Tendência
c. Emocionais ? O calçado é importante para você? Por que? Em algum momento específico?
5. Alguma marca de sapato lhe agrada?
6. Quais suas principais dificuldades com relação ao sapato?
7. Opinião sobre os protótipos existentes (imagens):
8.Opinião sobre as adaptações (sapatos tridimensionais)
132
Anexo 1A: Entrevista com Dr. lio Diniz, ortopedista, especialista em pés do Hospital das Clinicas
– SP, realizada em junho de 2008.
1. Quais são os principais problemas nos pés causados por sapatos?
São inúmeros, depende da sensibilidade da pessoa. Além dos problemas nos pés, o uso do calçado
inapropriado provavelmente afetará a coluna, causando lombargia e muitas dores.
Nos pés, os problemas mais conhecidos são: esporão, bolhas, escaras, calos, joanetes inflamação e
rompimento de tendões, unhas encravadas, e proliferação de fungos e bactérias.
2. Existe algum tipo de fôrma apropriada para o pés das brasileiras?
As fôrmas de bicos redondos ou quadrados, encontrados nos calçados boneca. A papete é o calçado ideal
porque o indivíduo pode alargar as tiras durante o período desperto. O bico fino deveria ser abolido.
3. Quanto à marcha, que estruturas o consideradas ideais? Algum tipo de sustentação, com relação à
palmilha, por exemplo?
O sapato deve permitir a marcha, não pode prender a movimentação biomecânica do corpo. Os calçados
americanos masculinos, em sua grande maioria, possuem estrutura na palmilha ou no solado que dá maior
sustentação, e principalmente proteção na coluna.
4. Quais são as preocupações com relação ao salto? Seria possível dimensionar com relação ao tempo de
uso?
A mulher não deve usar salto. É extremamente prejudicial.
5. Quanto aos materiais, quais são considerados os mais apropriados, para o solado e calado dos
calçados?
Os que permitam a transpiração dos pés. Existem muitos tênis com problemas. O solado tem que ser
antiderrapante.
6. Temperatura dos pés?
Aproximadamente 27ºC.
7. Com relação aos cuidados especiais para mulheres com diferença de membros, quais seriam as
possíveis implicações de não utilizar uma compensação apropriada?
A mulher tem que usar compensação. Se possível resolver de maneira cirúrgica. Os desgastes das
articulações do quadril e joelho, e até mesmo tornozelo são irreversíveis.
8. Quais seriam suas necessidades físicas e fisiológicas específicas?
Depende se a mulher não tem outros problemas nos pés. A maior preocupação são com as articulações e
coluna. Existem casos de pacientes com encefalite, por exemplo.
9. O salto, considerado um vilão, poderia auxiliar na compensação?
O salto é um perigo.
10. Existe alguma marca de calçados que trabalhe com estas diferenças corporais? As mais conhecidas
são de sapatos para diabéticos. Quais o senhor(a) recomendariam?
133
Não conheço marcas para este blico específico. O melhor sapato para diabéticos que vi (o Dr. lio
mostrou-me um exemplar) faliu.
11. Existe algum estudo com relação ao conforto físico dos calçados para as mulheres em questão?
Não que eu saiba.
12. E estudos com relação aos fatores sociais, culturais, psicológicos e até mesmo com relação aos
desejos e vontades das usuárias?
De meu conhecimento, não.
13. Quais são as principais reclamações das usuárias?
Quanto à estética. Todas as pacientes reclamam dos sapatos ortopédicos.
14. Do ponto de vista dico, estes calçados (fig. 68, pág. 100) o considerados apropriados, no quesito
saúde, ou seja, satisfazem às necessidades biomecânicas da usuária? E os aspectos estéticos?
Todos têm salto, o que é inapropriado para saúde se o mesmo for maior que 3cm. O primeiro além do
salto tem bico fino. O terceiro parece não permitir a ventilação, e o elástico deve machucar.
Acho o verde (38degrees) horroroso, questão de gosto. Depois que terminarmos a pesquisa vou mudar
seus exemplos.
15. Depoimento sobre adaptações realizadas no calçado (fig. 51, pág. 86 e fig. 69, pág. 101) inspirado no
look la garçonne:
O salto é péssimo. O importante deste calçado é manter-se com a forma de bico redondo durante a
marcha. Muitos nis, (o Dr. Túlio mostrou diversas imagens) ao caminhar simulam o bico fino, por ser
muito moles, ou seja, não ter uma estrutura gida no solado ou na palmilha, ao caminhar apertam os
dedos. Este sapato manteve sua forma arredonda durante a simulação da marcha.
Anexo 2 – DVD
Contém os vídeos editados das entrevistas, as entrevistas em áudio completas e a dissertação em
pdf.
Livros Grátis
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