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O ACTING NO
DESIGN DE
ANIMAÇÃO
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O ACTING NO
DESIGN DE
ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Universidade Anhembi Morumbi
Mestrado em Design / Programa de Pós-graduação Stricto Sensu
Orientador: Profa. Dra. Mônica Moura
São Paulo
Setembro / 2009
M429a Mazza, Mauricio Duarte
O Acting no Design de Animação
/ Mauricio Duarte Mazza - 2009
187f.: il.; 21 cm.
Orientador: Monica Moura
Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2009.
Bibliografia: f.181-183.
1. Design. 2. Design de animação. 3. Acting.
4. Movimento. Título.
CDD 741.6
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Design
– Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Design.
BANCA EXAMINADORA
Data: Setembro de 2009
Profa. Dra. Mônica Moura Profa. Dra. Rejane Cantoni
Universidade Anhembi Morumbi Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Prof. Dr. Sérgio Nesteriuk Gallo Prof. Phd. Jofre Silva
Universidade Anhembi Morumbi Universidade Anhembi Morumbi
O ACTING NO
DESIGN DE
ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Aos meus pais
Agradecimentos
O primeiro agradecimento é para minha
orientadora Profa. Dra. Mônica Moura
por sua dedicação, incentivo, confiança
e amizade ao longo destes anos que
atuo como professor na Universidade
Anhembi Morumbi e sobretudo na
orientação e no processo de pesquisa
e elaboração da dissertação.
A todos os professores do programa
de Mestrado pelas aulas, debates,
grupos de estudo, convivência
e diferentes pontos de vista.
À banca de qualificação.
À Antonia, secretária do Mestrado em
Design por sua prontidão, gentileza e
eficiência no atendimento e suporte.
À Universidade Anhembi Morumbi.
Aos colegas alunos do mestrado,
em especial das turmas de 2007
e 2008: Marion, Domitila, Humberto,
Engracia, Eliana Acar, Eliana Tancredi,
Mario, Heitor, Gusmão, Regina,
Roncoleta, Rui, Odair, Luciana,
Guilherme, Zé Neto e tantos outros
alunos que compartilhavam aulas,
debates, workshops e contribuíram
de alguma forma para esta pesquisa.
Aos colegas professores do Campus
Morumbi, Adriana Kei, Delmar,
Nesteriuk, Sobral, Tadeu, Beto, Melo,
Hamide, Mércia, Júnia, Troula,
Aníbal, Luciano, Navalon e tantos
outros que também contribuíram
de alguma forma.
Aos amigos RickMax e Billy Joe.
À Romi pela revisão e conversas.
Ao amigo Tadeu Costa Moreno
pelo projeto gráfico.
E finalmente à Erica, pelo amor,
companheirismo, paciência e ajuda.
Resumo
Esta pesquisa enfoca o acting, que é a construção da expressão de uma
personagem a partir da interpretação da linguagem corporal, dos
pensamentos, dos sentimentos e emoções. Portanto, esta pesquisa pretende
demonstrar as características, a abrangência e a importância do acting tanto em
um projeto específico como no design de animação a partir de abordagens
conceituais e técnicas. Para atingir este objetivo serão apresentados estudos
desenvolvidos sobre o movimento, a percepção do movimento, os princípios
da animação, o acting, análise dos filmes Father and Daughter (Michael Dudock
de Wit, Holanda, 2000) e Ratatouille (Brad Bird, EUA, 2007) e as relações
estabelecidas entre o campo do design e o da animação.
Palavras-chave: Design. Animação. Acting. Movimento.
Abstract
This study focus the Acting, the construction of the expression of a character,
from the interpretation of its physical language, thoughts, feelings and
emotions. Therefore, this study intends to demonstrate the characteristics,
the range and the importance of the Acting both in a specific project and
in the design of Animation from technical and conceptual approaches.
To reach this objective there will be presented developed studies on the
movement, the perception of the movement, the beginnings of Animation,
the Acting, analysis of the movies Father and Daughter (Michael Dudock de Wit,
Netherlands, 2000) and Ratatouille (Brad Bird, USA, 2007) and the relations
established between the field of the design and Animation.
Keywords: Design. Animation. Acting. Movement.
Todos estes
fenômenos
são gerados
pela força
Sumário
Introdução. ............................................................... 12
Capítulo 1
O Movimento na Animação e a
Percepção do Mesmo ................................................ 15
1.1 Leis do Movimento Segundo Newton ............... 16
1.2 Realidade e Ilusão ............................................ 21
1.3 A Percepção do Movimento ............................. 25
1.4 Tipos de Percepção do Movimento ................... 28
1.4.1 Movimento Real ........................................... 28
1.4.2 Movimento Aparente .................................... 29
1.4.2.1 Movimento Estroboscópico ........................ 29
1.4.2.2 Movimento Autocinético............................ 30
1.4.2.3 Movimento Induzido ................................. 30
1.4.2.4 Movimento de Pós-Efeito .......................... 31
1.5 O Efeito-Phi .................................................... 31
1.6 Animação e Movimento ................................... 33
1.6.1 Desconstrução do Movimento ....................... 36
1.7 A Importância do Movimento na Animação ..... 45
Capítulo 2
Princípios de Animação ............................................ 51
Capítulo 3
O Acting na Animação ............................................... 78
3.1 O Corpo Como Instrumento ........................... 79
3.2 Os Quatro “A”s da Animação ........................... 80
3.3 Características e Elementos do
Acting na Animação ................................................ 83
Capítulo 4
Estudo de Caso ......................................................... 93
4.1 A animação de personagens
nos processos artesanais / analógicos
- Father and Daughter .............................................. 94
4.2 A animação de personagens
nos processos digitais - Ratatouille ........................... 121
Capítulo 5
Design e Design de Animação ................................... 153
5.1 Design ............................................................. 154
5.2 Relação entre o Design e a Animação ............... 155
5.3 O Design na Animação .................................... 158
5.4 Design, Animação e Tecnologia ......................... 160
5.5 Arte, Design e Elementos Projetuais
em um Filme de Animação .................................... 164
Considerações Finais ................................................. 187
Referências Bibliográficas ......................................... 192
12
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Esta pesquisa é um estudo sobre o campo da ani-
mação. Veremos um pouco da história da anima-
ção, seus conceitos, princípios, técnicas e proces-
sos. Mais especificamente, estudamos a animação
de personagens. Em um primeiro nível, a ani-
mação de personagens está relacionada com qua-
transmitir uma série de informações comple-
xas que representem sentimentos e provoquem
emoções. Estas emoções são provocadas em ou-
tros seres humanos, que observam e interpretam
estes movimentos. Portanto, este é um elemento
importante no desenvolvimento de um projeto
de animação. Os capítulos desta dissertação foram
organizados a fim de destacar algumas destas áreas
correlatas.
Inicialmente estudamos como acontecem os
movimentos. Suas causas e consequências. As-
sim nos baseamos na física mecânica, que tem sua
fundamentação na obra de Isaac Newton. Mas para
um projeto de animação, não basta compreen-
der como o movimento se constrói, mas também
como os espectadores interpretam estes movi-
mentos. Esta interpretação depende basicamente
de dois elementos: óptico e psicológico. O pro-
cesso óptico é mecânico e com limitações claras.
O dispositivo óptico dos seres humanos tem a
característica de registrar a imagem durante um
determinado tempo, antes de capturar a imagem
seguinte, possibilitando assim a ilusão do movi-
mento. Porém, a compreensão do significado dos
movimentos é interpretada pelo cérebro. Assim,
temos dois tipos básicos de interpretação do mo-
Introdução
tro áreas principais: o movimen-
to, a percepção do movimento,
o cinema e a linguagem corporal
dos seres humanos. Estes campos
se ramificam envolvendo outros
campos como o desenho, pintura,
fotografia, arte, som, design, tec-
nologia, entre outros. Porém, esta
pesquisa se centrou nas questões
mais diretamente relacionadas
com a ilusão do movimento. A
linguagem corporal do ser huma-
no através do movimento pode
13
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
vimento: movimento real e movimento aparente. Portanto, dependendo
da situação em que os dispositivos ópticos estão capturando os movimen-
tos e das questões culturais, sociais, políticas, religiosas, a interpretação de
determinados movimentos pode ser direcionada.
Neste sentido, analisamos como a linguagem, processos e técnicas de
animação se relacionam com o movimento e como a linguagem corporal
dos seres humanos se insere dentro do processo narrativo, a fim de sugerir
sentimentos e emoções. Assim, analisamos o acting. O acting é a maneira de
um ator interpretar e definir os pensamentos, sentimentos e emoções de uma
personagem. Este ator pode ser um ser humano ou uma sequência de imagens
apresentadas através da animação. Estas análises se extenderam a dois estudos
de caso: o filme Father and Daughter (Michael Dudock de Wit, Holanda, 2000)
e Ratatouille (Brad Bird, EUA, 2007). Dois filmes de animão, com carac-
terísticas muito diferentes. O primeiro filme, Father and Daughter (Michael
Dudock de Wit, Holanda, 2000), uma produção praticamente independente,
de baixo orçamento, com 8:10 minutos de duração, poucas personagens e
uma equipe de profissionais pequena. Em contraponto temos o filme Ra-
tatouille (Brad Bird,
EUA, 2007), com
uma produção de
milhões de la-
res, 111 minutos
de duração, com
centenas de per-
sonagens e uma
equipe de produ-
ção com mais de
mil profissionais.
Porém ambos os
filmes m um
excelente trabalho
de acting e anima-
ção corporal das
personagens.
Por m analisamos a estreita relão entre o
campo da animação e do design. A animação ainda
hoje, mesmo com as tecnlogias digitais, é um pro-
cesso demorado. Assim, dentro de um sistema, é
impossível a animação o ser projetada, planejada.
Um projeto de animação deve ser desenvolvido em
etapas. Estas etapas podem envolver um grande-
mero de prossionais de áreas distintas. Portanto, os
métodos e a organizão deste projeto idealmente
devem ser conduzidos de maneira que permita um
acoplamento entre todos os elementos para formar
uma unidade no lme de animação. Para isto é ne-
cesrio mencionar uma certa relatividade em função
de algumas varveis como tempo e estrutura. Assim,
analisamos os elementos projetuais mais pertinentes
em filmes de animão.
15
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Capítulo 1
O Movimento
na Animação e a
Percepção do Mesmo
16
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
No desenvolvimento do estudo sobre a animação,
sentimos a necessidade de observar e pesquisar
como ela ocorre na relação com o ser humano.
Ou seja, a animação tem bases fundamentadas nos
sentidos perceptivos, principalmente no visual.
No sentido visual, a animação se faz pela percep-
ção do movimento e esta é bastante complexa.
Veremos primeiramente o que é e como ocorre o
movimento e em seguida como se a percepção
humana. A partir disto, analisaremos como ocor-
re a desconstrução e a construção do movimento
por meio da criação de ilusão, permitindo assim
a animação.
1.1 Leis do Movimento
Segundo Newton
Dentro do campo da Física
1
, temos o campo da
Mecânica
2
e dentro dela temos o campo da Di-
nâmica. Neste assunto, o nome mais importan-
te é Isaac Newton. Cientista, fí-
sico, matemático, astrônomo,
alquimista, filósofo e teólogo,
Newton ficou famoso por sua
obra Princípios Matemáticos da
Filosofia Natural (Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica),
que é considerada uma das mais
influentes na História da Ci-
ência. Publicada em 1687, esta
obra descreve a Lei da Gravita-
ção Universal e as Três Leis de
Newton, que fundamentaram a
Mecânica Clássica.
No presente estudo, iremos
utilizar várias vezes o termo
”princípios”. De acordo com
o Grande Dicionário Larousse
Cultural da Língua Portuguesa,
“princípio”, do latim princi-
pium, representa início, começo,
origem. O termo “princípios”,
além de ser o plural da palavra anterior, tam-
bém representa regras fundamentais admiti-
das como base de uma ciência ou de outro
campo. No nosso caso, o campo da animação.
Historicamente, a Mecânica foi o pri-
meiro ramo da Física a ser desenvolvido
como uma ciência exata, isto é, com leis que,
2 - Segundo Sears e Zemansky (2005), Mecânica é o campo que estuda as situações de
movimento ou equilíbrio que experimentamos, com os elementos que pertencem ao
nosso ambiente ou com nossos próprios corpos, com ou sem o auxílio de máquinas.
1 - Hugh Young, professor de Física na Universidade Carnegie-Mellon em Pitsburg, PA e
Roger D. FREEDMAN, físico na Universidade da Califórnia, co-autores do fascículo
de Mecânica da Enciclopédia sobre Física de Sears e Zemansky (2005), denominam
Física como a ciência de observar os fenômenos naturais e tentar encontrar os padrões e
princípios que relacionam estes fenômenos. Estes padrões denominam-se teorias físicas
ou, quando bem estabalecidas e de largo uso, leis e princípios físicos.
17
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
uma vez expressas na forma de equações matemá-
ticas, descrevem e predizem os resultados. A des-
crição do movimento do corpo humano através
da Mecânica denomina-se Biomecânica.
Dinâmica é o estudo da relação entre o mo-
vimento e a força que o produz. Este estudo tem
seus princípios fundamentados nas relações en-
tre deslocamento, velocidade, aceleração, força
e massa. Estes princípios podem ser sintetizados
em um conjunto de três afirmações conhecidas
como Leis de Newton do Movimento. Estas leis
são o fundamento da Mecânica Clássica (tam-
bém conhecida como Mecânica Newtoniana) que
permitem o estudo e o enten-
dimento dos tipos mais comuns
de movimento. Para definir suas
pesquisas, Newton baseou-se em
estudos de cientistas anteriores,
como Copérnico, Brahe, Kepler e,
especialmente, Galileu Galilei.
Segundo as Leis de Newton, o movimento é o des-
locamento de um corpo no espaço e no tempo. Ou seja,
conforme a variação do tempo, a posição do corpo no
espaço também varia. O deslocamento de um corpo é a
variação de posição de um móvel dentro de uma traje-
tória determinada. O deslocamento representa a porção
da trajetória pela qual o móvel se deslocou. O que de-
termina o quanto o corpo vai se deslocar no espaço em
relação ao tempo é a velocidade. A variação da veloci-
dade do corpo é chamada de aceleração. Se a velocidade
do movimento é constante, o movimento é considerado
uniforme; se a velocidade do movimento varia, o movi-
mento é considerado variado ou acelerado. Newton tam-
bém estudou o movimento circular e afirmou que se um
corpo se move em um trajeto circular com velocidade
constante, a direção do seu movimento (e, portanto, sua
velocidade) estará sendo continuamente alterada. Como
a velocidade se altera, o corpo tem aceleração.
Contudo, as leis de Newton não o uni-
versais; elas necessitam de modificações para
velocidades muito elevadas (próximas da ve-
locidade da luz) e para dimensões muito pe-
quenas (tal como no interior de um átomo).
(YOUNG e FREEDMAN apud SEARS e
ZEMANSKY: 2005, p. 90).
18
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Todos estes fenômenos são gerados pela for-
ça. Na linguagem cotidiana e no contexto desta
pesquisa relacionada ao movimento e a animação,
“força” significa basicamente puxar ou empurrar.
Temos dois tipos básicos de forças: “força de con-
tato”, quando uma força envolve o contato dire-
to entre dois corpos e “força de longo alcance”,
que atuam mesmo quando os corpos estão muito
afastados entre si. Os seres humanos lidam o tem-
po todo com as forças de contato. Por exemplo,
enquanto escrevo este texto, meus dedos exercem
força de contato nas teclas do teclado do com-
putador. Podemos dizer que estou empurrando
as teclas do computador com o emprEgo de uma
pequena força proveniente de meus dedos. Por
outro lado, com relação a porta da varanda do
meu apartamento cujas roldanas estão quebra-
das, preciso puxar com muita força para abrí-la.
No caso da “força de longo alcance”, temos o
exemplo dos ímãs, que atraem ou repelem obje-
tos magnetizados, e temos a “força da gravidade”.
O Sol exerce uma atração gravitacional sobre o
planeta Terra para mantê-lo em órbita, mesmo
estando a uma distância de 150 milhões de qui-
lômetros. A atração gravitacional (força) que o
planeta Terra exerce nos seres que aqui habitam é
chamada de peso.
A primeira lei de Newton afirma que, quando
a força resultante que atua sobre um corpo é igual
a zero, o movimento do corpo não se altera. De
início, pode parecer incorreta esta afirmação, pois
no mundo em que vivemos nada se movimenta
sem que alguma força seja empregada. Isto ocorre
por causa da presença do atrito. Atrito é a força
natural que um corpo exerce sobre outro atra-
vés do contato. Por exemplo, um automóvel que
está em movimento em uma estrada de asfalto,
numa velocidade de 60 quilômetros/hora que de
repente é freado. Teremos dois atritos: um atrito
proveniente do contato entre o freio e a roda do
automóvel e outro atrito entre o pneu e o as-
falto. Estes atritos neutralizam a força que estava
mantendo o automóvel em movimento. Assim o
automóvel se movimentará apenas mais alguns
metros e depois irá parar. Se o mesmo exemplo
estivesse situado em uma estrada de gelo, a força
do atrito entre o os pneus e o gelo é bem menor
do que entre os pneus e o asfalto. Portanto, o au-
tomóvel se movimentaria numa distância muito
maior antes de parar. Se, suposta-
mente, existisse uma estrada que
proporcionasse atrito zero, a força
resultante da estrada sobre o auto-
móvel também seria zero. Assim,
após frear o automóvel, o movi-
mento não se altera, fazendo com
que o mesmo não pare nunca (ex-
ceto se outra força atuar sobre ele).
Portanto, quando a força resultante
sobre um corpo é igual a zero, ele
se move com velocidade cons-
tante (que pode ser nula) e ace-
leração nula. A tendência de um
19
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
corpo se manter deslocando, uma
vez iniciado o movimento, resulta
em uma propriedade denominada
“inércia”. O que mede quantitati-
vamente a inércia é a massa. A ace-
leração é diretamente proporcional
a força resultante que atua sobre o
corpo. Portanto, “massa” é a “razão”
constante entre a força resultante
para um determinado corpo e sua
aceleração (na matemática, razão é a
relação existente entre grandezas da
mesma espécie). Quando a força é
igual a zero, ou quando várias fon-
tes de forças somadas resultam em
zero, então não temos força, temos
o “equilíbrio”. Por exemplo, quando
o automóvel está estacionado sobre
a estrada de asfalto, temos duas forças
agindo sobre mesmo. A força da gra-
vidade exercida pela Terra puxando
o automóvel para baixo e a “força
de contato” proveniente do asfalto,
travando a força da gravidade, resulta
assim no equilíbrio do automóvel.
A segunda lei de Newton refere-se a aceleração. É quan-
do a força exercida sobre um objeto é diferente de zero.
Imagine o mesmo exemplo anterior, do automóvel que
freia a uma velocidade de 60 quilômetros/hora em uma pis-
ta de gelo. Considerando o suposto atrito nulo, a
força de contato da pista de gelo sobre o automó-
vel neutraliza a força da gravidade e assim o auto-
móvel se mantém em movimento com velocidade
constante. Se nesta situação houver uma ventania
na mesma direção do movimento do automóvel,
então ele terá uma aceleração positiva constante.
Por outro lado, se tivéssemos uma ventania em
sentido contrário a do movimento do automóvel,
o mesmo teria uma aceleração negativa constante.
Sintetizando, a segunda lei de Newton afirma que,
quando uma força resultante externa atua sobre
um corpo, o mesmo se acelera. A aceleração pos-
sui a mesma direção e o mesmo sentido da força
resultante. Em outras palavras, a aceleração de um
corpo (taxa de variação de velocidade) é igual ao
resultado da soma de todas as forças que atuam so-
bre esse corpo, dividido pela sua massa. A segunda
lei de Newton é uma lei fundamental da natureza,
a relação básica entre força e movimento.
20
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
É importante diferenciarmos massa de peso.
Como dito anteriormente, massa caracteriza
a propriedade da inércia de um corpo. Quan-
to maior a massa, maior a força necessária para
produzir uma aceleração. Por outro lado, o peso
de um corpo é a força de atração gravitacional
exercida pela Terra (ou qualquer outro corpo de
grandezas planetárias) sobre o corpo. Cultural-
mente no Brasil e em grande parte do planeta,
a maioria das pessoas se confunde com ambos
os conceitos, pois no cotidiano, o que tem massa
grande tem peso grande. É comum observarmos
embalagens de todo tipo de material informan-
do o peso do conteúdo. Por exemplo: “Esta cai-
xa pesa 6 kg”. Essa frase significa que a massa da
caixa, provavelmente determinada indiretamen-
te por “pesagens” (equipamentos que medem
a massa e fornecem a medida em kilogramas),
é igual a 6 kg. Assim, é importante estar cons-
ciente de que o termo “peso” está sendo usado
incorretamente no lugar de “massa”. Isto ocorre
pois estamos constantemente lidando com a for-
ça da gravidade. Por exemplo, no planeta Terra,
um único humano sozinho, usando apenas suas
próprias mãos, jamais conseguirá levantar um au-
tomóvel que pesa em média uma tonelada. Do
mesmo modo, o mesmo humano também não
conseguiria lançar horizontalmente o mesmo
carro. Mas se este exemplo fosse situado na Lua,
ou em outro ambiente que tivesse uma baixa for-
ça gravitacional, talvez fosse difícil lançar o carro
horizontalmente, mas não seria difícil levantá-lo
do chão. Ou seja, ele teria muita massa e pouco
peso. No caso de animações que se situam no es-
paço sideral ou debaixo d’água, esta relação deve
ser estudada minuciosamente.
A terceira lei de Newton é uma relação entre
as forças de “interação” que um corpo exerce so-
bre o outro (dentro do contexto
da física, a palavra “interação” re-
presenta o resultado de uma força
atuando sobre um corpo). Assim,
as forças sempre ocorrem em pares.
Por exemplo, ao chutar uma ro-
cha, além da força que faz a perna
chutar, a dor que se sente decor-
re da força que a rocha exerce no
pé. Assim, podemos dizer que os
corpos (pé e rocha) interagem. A
terceira lei de Newton afirma que
quando dois corpos interagem, as
duas forças decorrentes da intera-
ção possuem sempre a mesma di-
reção, mas sentidos contrários. No
exemplo anterior do automóvel
na estrada de asfalto, uma força é
gerada pelo motor que impulsiona
o automóvel para frente e a outra
força contrária é o atrito do con-
tato do asfalto sobre o automóvel.
Elementos da física, princi-
palmente com relação a força da
gravidade, são de extrema impor-
21
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
tância no desenvolvimento da animação. Veremos
nos próximos capítulos que, o sentido das anima-
ções muitas vezes depende da representação da
força, massa e peso que um determinado corpo
possui ao se movimentar. Assim, para compreen-
dermos melhor o movimento, veremos alguns
conceitos básicos que vêm se desenvolvendo des-
de as pesquisas de Newton.
Referencial: Para afirmarmos que um objeto se
deslocou no espaço, precisamos ter um ponto de
referência em relação a este objeto. Este ponto
de referência pode ser denominado marco ou re-
ferencial. “A noção de movimento é imprecisa
se não definirmos o corpo em relação a qual se
considera o estado de movimento ou de repouso
de um móvel”. (RAMALHO: 1994, p. 82)
Localização: É a distância em que o objeto se
localiza em relação a seu referencial.
Trajetória: É o conjunto das posições sucessivas
ocupadas no espaço por um objeto em movi-
mento, em relação a determinado referencial.
Espaço: É a intensidade do arco da trajetória
que vai do marco zero até a
posição final.
Velocidade: É o coeficiente
determinado pela quantidade
de deslocamento no espaço
em relação ao tempo.
Aceleração: É a grandeza que
exprime a variação de veloci-
dade sofrida por uma partícula
em um determinado intervalo
de tempo.
Rotação: É a movimentação
do elemento em trajetória cir-
cular, cujo eixo pode ser ex-
terno ou interno ao objeto.
Frequência: É o número de vezes que um determinado even-
to acontece. Chamamos de “período” o intervalo constante de
tempo de ocorrência de algum evento.
Ritmo: Variação do período de movimentação de determinado
objeto.
1.2 Realidade e Ilusão
Ao longo deste texto, iremos abordar várias vezes os termos: real
e ilusão. Considerando que no cotidiano temos o movimento
real e na animação temos a ilusão do movimento. Mas o que é
real? O que é realidade? A realidade não é algo dado, que está aí
a nossa disposição, para que seja registrada. Duarte Junior (1984),
afirma que existem várias realidades. Estas realidades existem
pois são edificadas pelos seres humanos. As forças da natureza
não são criadas pelos seres humanos, mas a forma de percebê-
las, interpretá-las e se relacionar com elas sim. Ciência, Filosofia,
Arte e Religião são as quatro formas marcantes de estabelecer
esse relacionamento. Portanto, a realidade está diretamente ligada
às questões sociais e culturais de um determinado grupo. Vale
salientar que a ideia de realidade é relacionada com a verdade. E
por sua vez, a verdade é aquilo que está escrito, documentado em
palavras. Ao longo da história, tivemos algumas realidades (verda-
des) que deixaram de ser realidades depois de algum tempo. Nos
últimos anos, por exemplo, vivemos a realidade definida pela Ci-
22
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ência. O que a Ciência publica torna-se verdade
e, a partir disso, a humanidade define seus rumos.
Mas não foi sempre assim.
Sem dúvida não será forçar muito o raciocínio
se dissermos que a ciência (ou pelo menos o mito
que se construiu em torno dela) ocupa na moderna
civilização o lugar outrora ocupado pela teologia.
Até o advento da modernidade as escrituras sagra-
das tinham para o homem o caráter de lei na in-
terpretação das verdades do mundo: a palavra final
cabia, em última análise, aos legitimadores e peritos
em textos sagrados. Não foi o que aconteceu com
Galileu, caracteristicamente o pioneiro no método
experimental científico? Os religiosos simplesmen-
te se recusaram a olhar pelo seu telescópio porque
suas afirmações eram contraditadas por todas as es-
crituras e a tradição judaico-cristã.o havia o que
discutir: a realidade se dava de acordo com os textos
sagrados, e qualquer desvio o era outra coisa se-
não heresia. Mas agora a questão se inverteu: tudo
aquilo que não seja cientifiamente comprovado
não deve merecer o nosso
respeito, que se trata tão-
somente de “filosofia”, “po-
esia” ou simples superstição
ou misticismo. (DUARTE
JÚNIOR: 1984, p. 90)
O autor utiliza o exem-
plo da água. Qual é a realida-
de da água? Para o pescador,
desde a pré-história até os dias
de hoje, a realidade da água é
resumida ao fato de ser uma
substância quida que pode
ser clara ou escura, limpa ou
suja, gelada ou morna, mas o
que interessa é que ela fornece
seu alimento, o peixe. Por ou-
tro lado, para a ciência, a água
é H2O, duas moléculas de hi-
drogênio e uma de oxigênio,
interligadas. Deste modo, podemos entender que
existem diferentes veis de realidade (e de verda-
de). O cientista que estuda as moléculas da água,
quando está fora do seu ambiente de trabalho e
bebe água para saciar a sede, está edificando uma
outra realidade com relação a água. E ainda, este
mesmo cientista pode assumir o papel de pescador
em um determinado dia, e sua relação com a água
poderá ser semelhante a do pescador citado no iní-
cio do parágrafo.
Um caso de maior impacto é com relação ao
átomo. Durante muitos anos todos os estudos se
baseavam na definição de que o átomo era indivi-
sível. Depois se descobriu que o mesmo é forma-
do por outros três elementos menores, prótons,
nêutrons e elétrons, distribuídos como em uma
estrutura semelhante a de um sistema solar. Hoje
com a física quântica, sabemos que o interior do
átomo é constituído por milhares de partículas
elementares denominadas “quarks”. E este mode-
lo está sendo questionado por conta da existên-
cia de unidades ainda menores que formariam os
“quarks”. Ou seja, segundo a ciência, estabelece-
mos verdades até que a própria ciência desminta
e institua a nova verdade.
23
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Mas não podemos nos esquecer de
separar as ciências naturais das ciências
humanas. As ciências naturais, chamadas
de exatas, seguem a imutabilidade e re-
gularidade das leis que regem a natureza.
Assim, quantificando e relacionando com
outros elementos como temperatura, pres-
são, umidade, gravidade, tais experimentos
podem ser facilmente previsíveis. Portan-
to, não é o método que tem o mérito da
pesquisa, mas sim o objeto de estudo, que
é regular e repetitivo. Por outro lado, no
caso das ciências humanas, a questão
é mais complexa.
O homem possui uma estrutu-
ra biológica regular, mas suas cons-
truções e comportamentos não se
derivam diretamente de seu orga-
nismo. Por exemplo: pássaros voam
porque têm asas, mas o homem não
as possui e criou formas de se elevar
aos céus; peixes vivem na água res-
pirando através das guelras, atributo
não pertinente ao homem que, no
entanto, inventou formas de descer
e permanecer muito tempo sob as
águas. Assim, o ser humano não está
determinado pelo seu organismo,
como os animais. (DUARTE JÚ-
NIOR: 1984, p. 96)
Os seres humanos estão inseri-
dos em meios sociais e culturais dis-
tintos. São diferentes nas vestimentas,
nos comportamentos, nas crenças,
nos valores. Assim, os seres humanos
inventam sua maneira de viver e constroem a realidade cultu-
ralmente. Portanto, a ciência humana não é exata ou previsível.
Elementos no comportamento humano não permitem quantifi-
cações ou previsões. Inclusive porque neste caso, o ser humano é
o próprio objeto de estudo.
Sim, a realidade é criada pelos seres humanos, mas de que
forma? Para Duarte Junior (1984), a diferença básica que separa
os seres humanos de todos os outros seres que habitam o planeta,
é a palavra, a linguagem. E ste é um sistema simbólico pelo qual
se representam as coisas do mundo, pelo qual este mundo é orde-
nado e recebe significação. A palavra permite que os seres huma-
nos tomem consciência de regiões que não são alcançáveis aqui
e agora. Se falarmos a palavra “Japão”, podemos imaginar uma
região do planeta Terra, dentro das separações dos continentes, a
bandeira, as pessoas que vivem, os costumes, as comidas, etc. Por
outro lado, a consciência dos animais não permite ir além daquilo
que seus órgãos sensoriais trazem até eles. Por isso a diferença:
animais possuem um meio ambiente e os seres humanos vivem
no mundo. Pela palavra, o homem também cria a consciência do
tempo. Podemos pensar no nosso passado ou ainda no passado da
espécie humana.
Com a palavra, encontro e crio significações para aquilo que vivi
ontem, anteontem, ou para aquilo que outros homens viveram três
séculos atrás. Com a palavra posso ainda planejar o meu futuro, com
24
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ela sei que existe um tempo que virá, um tempo
que ainda não é. o animal, não: está preso não
apenas ao aqui, mas também ao agora. O animal
vive num presente imutável, eterno, fixo; sua vida é
tão somente uma sucessão de instantes: não há pro-
jetos para o futuro nem interpretações do passado.
(DUARTE JÚNIOR: 1984, p. 19)
Portanto, vivemos em um universo não ape-
nas físico, mas simbólico. Um universo criado pe-
los significados que a palavra define para o mun-
do. O exemplo mais extremo para a importância e
realidade criada através dos símbolos, é o suicídio.
Neste caso, o universo simbólico chega a ser mais
importante do que a dimensão meramente física
da vida. Muitas vezes o corpo está em perfeitas
condições, mas o homem se mata, pois sua vida
perdeu a coerência simbólica, não há mais valores
significativos que possam sustentar a existência.
A natureza precede o aparecimento das lin-
guagens: as árvores, os rios, as pedras, montanhas,
o sol, a lua. Mas através da linguagem, esses ele-
mentos passam a ser sentidos, ordenados, com-
preendidos e possuem significado. O autor define
como “Mundo”, o universo simbólico que habita
o ser humano.
Mas afinal, o que é mundo? Numa fórmula
simples, podemos afirmar: mundo é o que pode ser
dito. Mundo é o conjunto ordenado de tudo aquilo
que tem nome. As coisas existem para mim através
da denominação que lhes empresto. Que isto fique
claro: podemos pensar nas coisas através das pa-
lavras que as representam, entendendo-se “coisas”
não em seu sentido estritamente físico, material.
Ideia, sentimentos (os “substantivos abstratos”),
existem para mim, tornam-se objetos de meu re-
fletir, pelos seus nomes. Amor, justiça, fraternidade,
raiva, democracia são conceitos que fazem parte do
meu mundo porque foram criados e reconhecidos
por meio da palavra. Definitivamente: o que exis-
te para o homem tem um nome. Aquilo que não
tem nome, não existe, não pode ser pensado. Uma
pequena observação é pertinente que se faça aqui:
algumas “coisas”, alguns conceitos existem para
nós sem serem especificamente nomeados pela lin-
guagem, mas vem a luz através de outros sistemas
simbólicos criados pelo ser humano. A linguagem
é o sistema fundamental e primordial de criação e
significação do mundo, mas além dela foram desen-
volvidos outros como o da matemática, da química,
das artes, etc. (DUARTE JÚNIOR: 1984, p. 22)
Assim, se o mundo é ordenado e significado
através da linguagem, consequentemente a reali-
dade será também estabelecida e mantida por ela.
Mas não podemos nos esquecer do cotidiano e
dos nossos sentidos. A realidade é significada atra-
vés da linguagem, mas também restrita aos nos-
sos sentidos: visão, audição, olfato, tato e paladar.
Sentidos estes que são “educados” culturalmente
(linguisticamente). Por exemplo, o estudo das co-
25
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
res. Sabe-se que alguns seres vivos não enxergam
as diferenças de cores e por outro lado alguns en-
xergam uma gama de cores muito superior àquela
captada pela visão humana. Mas supondo que os
seres humanos não enxergassem diferença de cores,
as mesmas não fariam parte da nossa realidade sen-
sitiva. Da mesma forma, vários outros elementos
existentes não são percebidos pelos sentidos huma-
nos, portanto não compõem a nossa realidade.
Outro fator que institui a forma da realidade
é a relação que os seres humanos estabalecem com
os elementos do mundo. O autor destaca os “co-
mos” e os “por ques”. Em um determinado nível
da realidade, as pessoas se preocupam com o
“como” e não com o “por que”. Por exemplo,
sabemos como utilizar um aparelho de telefone,
mas não sabemos por que se discar uma deter-
minada sequência numérica, uma pessoa atenderá
no outro aparelho. Sabemos como comprar um
imóvel: precisamos registrar nosso nome no car-
tório para que se tenha a posse, mas não sabemos
por que é preciso fazer isso. Assim, nosso dia-a-dia
é guiado por conhecimentos práticos que não são
questionados, a menos que um fato novo ocorra
e não possa ser explicado por eles.
Podemos concluir que a realidade não é sim-
plesmente construída, mas socialmente edificada.
Neste texto, faremos referências a realidade nas
suas relações com o movimento. No estudo sobre
o movimento, veremos que o mesmo é percebido
de duas formas básicas: o chamado movimento
real e o movimento aparente. Neste contexto, o
movimento real representa os movimentos re-
sultantes dos fenômenos físicos (verdadeiros). O
movimento aparente representa as ilusões de mo-
vimentos captadas pela visão humana, que não
acontecem fisicamente. Por exemplo, no movi-
mento real, se uma pessoa cair do 20º andar de um
edifício, provavelmente ela morrerá após atingir o
chão. Por outro lado, se em um desenho animado
houver uma personagem que cai do 20º andar de
um edifício, apesar da ilusão do movimento suge-
rir a queda, o impacto e a morte da personagem,
no mundo físico real nada aconteceu, ninguém
caiu fisicamente, ninguém morreu.
Algumas características da animação se fun-
dem dentro desta relação entre realidade e ilusão,
como é o exemplo da rotoscopia e da captura de
movimento (motion capture). A rotoscopia é uma
técnica de animação onde os desenhos que pro-
porcionam a ilusão do movimento são copiados
fielmente de filmes ou de sequências fotográfi-
cas que registraram o movimento. A captura de
movimento é um processo digital onde os movi-
mentos reais de seres vivos são digitalizados atra-
vés de sensores ópticos.
1.3 A Percepção do Movimento
Entre o acontecimento dos fenômenos físicos ca-
racterizados como reais e como os seres humanos
interpretam os mesmos, um processo longo e
complexo, desde a capacidade dos sentidos e da
percepção dos humanos até as influências cultu-
rais. Conforme AUMONT (1995), a percepção das
imagens ocorre no cérebro e o depende total-
mente dos olhos ou do sentido visual. As imagens
retinianas não são as imagens que vemos, elas são
apenas um estágio mecânico do processamento da
luz pelo sistema visual. Para que as imagens se de-
finam em nossas mentes, uma série de transforma-
ções óticas, químicas e nervosas devem se suceder.
26
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Assim, a percepção visual é o processa-
mento, em etapas sucessivas, de uma informa-
ção que nos chega por intermédio da luz que
entra em nossos olhos. Como toda informação,
esta é codificada - em um sentido que não é
o da semiologia: os códigos são, aqui, regras de
transformação naturais (nem arbitrárias, nem
convencionais) que determinam a atividade
nervosa em função da informação contida na
luz. Falar de codificação da informação visual
significa, pois, que nosso sistema visual é capaz
de localizar e de interpretar certas regularidades
nos fenômenos luminosos que atingem nossos
olhos. (AUMONT: 1995, p. 22)
AUMONT (1995) ainda discute que, em es-
sência, essas regularidades nos fenômenos lumino-
sos referem-se a três características da luz: inten-
sidade, comprimento de onda e distribuição no
espaço para a percepção da imagem. No caso do
movimento, sua distribuição no tempo. Portanto
a percepção do movimento seria a sucessão de es-
tímulos visuais provocados pela emissão de luz em
uma determinada velocidade, que se faz através de
uma relação entre o olho, o objeto observado e o
tempo.
A visão é antes de tudo,
um sentido espacial. Mas os fa-
tores temporais a afetam muitís-
simo, por três razões principais:
1. A maioria dos
estímulos visuais varia com
a duração, ou se produz
sucessivamente.
2. Nossos olhos estão em
constante movimento, o
que faz variar a informação
recebida pelo cérebro.
3. A própria percepção
o é um processo instantâ-
neo; certos estágios da per-
cepção sãopidos, outros
muito mais lentos, mas o
processamento da informa-
ção se faz sempre no tempo.
(AUMONT: 1995, p. 31)
Um dos aspectos que nos leva a
compreensão de como a percepção
do movimento se faz, é o “poder
de separação temporal do olho”.
Dentre os sentidos do corpo humano, os olhos
percebem dois fenômenos luminosos diferen-
tes se os mesmos estiverem separados pelo tempo.
Segundo AUMONT (1995), são necessários pelo
menos 60 a 80 milissegundos para separá-los com
certeza. Essa duração de tempo é muito longa,
se comparada a outros sentidos, como o auditivo
que tem resolução temporal na casa dos micros-
segundos. Esta característica é o ponto de parti-
da para a percepção do movimento, pois, se este
intervalo temporal não for respeitado, como por
exemplo, a emissão de 6 a 8 estímulos lumino-
sos por segundo, estes não mais serão percebidos
como fenômenos distintos, mas um único fenô-
meno integrado, conservando-se continuamente.
Nossa percepção está integrada ao tempo, pois os
olhos, a cabeça e o corpo estão em movimento
constante e podem estar em tempos e direções di-
fererentes. A detecção do movimento é promovi-
da por células especializadas que reagem quando
receptores retinianos próximos uns dos outros, e
situados no campo da célula, são ativados em rápi-
da sucessão. Esta reação está diretamente relacio-
nada com o tempo. Segundo AUMONT (1995), a
visão é antes de tudo um sentido espacial.
27
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Desta forma, como todo fenômeno lumino-
so, o movimento é perceptível dentro de certos
limites. Se o movimento real for muito lento ou
muito rápido em relação a capacidade de detec-
ção das células oculares, o mesmo não é percebi-
do. Um exemplo claro é o ponteiro dos minutos
do relógio que se move continuamente. Ele se
move tão lentamente que não percebemos o mo-
vimento, mas percebemos que ele mudou de lu-
gar. Da mesma forma, quando vemos o disparo de
uma arma de fogo, não percebemos o movimento
do projétil, mas percebemos a origem do disparo
e o destino atingido. ainda a relativivade, que
estuda as questões entre velocidade e distância.
Por exemplo, um avião a setecentos quilômetros
por hora, a dois mil metros de altitude, parece se
movimentar lentamente quando visto do chão.
Outro elemento importante na percepção do
movimento é a moldura. Moldura é a delimitação
da imagem para uma mensagem visual. Veremos
mais adiante neste texto um princípio básico de
animação chamado Staging, que se relaciona dire-
tamente com a questão da moldura.
Se a imagem é um objeto, logo se tem di-
mensões, tamanho, é porque não é ilimitada. A
imensa maioria das imagens apresenta-se sob
forma de objetos isoláveis perceptivamente, se-
não sempre materialmente; esse caráter limitado
da imagem, destacável e até mesmo mobilizável,
é também um dos traços essenciais que define
o dispositivo. Nenhuma noção melhor do que
a de moldura encarnou esses aspectos. (AU-
MONT: 1995, p. 143)
A moldura pode ser a fronteira material, tan-
gível. AUMONT (1995) usa o termo “moldura-
objeto” para se referir às molduras coloridas, deta-
lhadas e de diferentes materiais, comumente vistas
em quadros expostos em museus. Se pensarmos
em cinema, televisão, internet, telefones celulares,
todos tem suas molduras-objetos. No caso do ci-
nema, com a tela de projeção bastante grande e as
luzes da sala totalmente apagadas, a percepção da
moldura pode ser minimizada. Algumas telas de
projeção, como os “cinemas 180º”, onde a sala de
projeção é uma meia esfera e a tela de projeção
é metade desta esfera, eliminam a moldura, uma
vez que a mesma se encontra além dos limites do
nosso campo visual. No caso dos aparelhos de te-
levisão, estas bordas materiais vêm diminuindo de
tamanho de acordo com os avanços tecnológicos.
Os primeiros televisores tinham a tela envolvida
e sufocada por bordas enormes. Recentemente
os televisores de tela LCD procuram neutralizar
esta moldura material, tornando a imagem mais
integrada ao campo visual. Mas a moldura que
estamos tratando aqui é a do limite sensível, es-
tipulado em nosso campo de interpretação visual
não tangível. Ou seja, quando definimos um foco,
uma atenção especial a algum objeto ou à alguma
situação, mesmo que não exista moldura tangível,
28
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nossos sentidos, principalmente o visual, delimi-
ta uma área específica, que pode ser conceituada
como moldura.
O vocabulário é revelador: a palavra fran-
cesa “cadre” vem do latim “quadratum”, que
significa “quadrado”, e, embora muito poucas
molduras sejam efetivamente quadradas, essa
etimologia mostra que a moldura é em primei-
ro lugar concebida como uma forma geomé-
trica, abstrata (a do contorno da superfície da
imagem), antes de ser concebida como objeto. A
moldura-limite é o que interrompe a imagem e
lhe define o domínio ao separá-la do que não é
imagem, é o que institui um “fora-de-moldura”
(que não deve ser confundido com fora-de-
campo). (AUMONT: 1995, p. 144).
1.4 Tipos de Percepção
do Movimento
Muitos estudos provaram que a ilusão do movi-
mento não apenas depende da persistência retinia-
na. Segundo SIMÕES e TIEDEMANN (1985) e
AUMONT (1995), a percepção do movimento
divide-se em dois tipos principais: o “Movimento
Real” e o “Movimento Aparente”.
1.4.1 Movimento Real
Movimento real é quando percebemos o movi-
mento ao nosso redor com os objetos/corpos que
estamos observando na realidade. No movimen-
to real, existem limites de velocidade para que o
movimento seja percebido. Porém, este limite não
é mensurável, depende muito dos contrastes. Po-
dem ser contrastes definidos por cores, propor-
ções, formas, texturas, figura e fundo. Isto porque
o sistema visual segue alguns sistemas lógicos. Por
exemplo, a percepção de movimento através do
contraste entre objeto focado e o fundo.
Por exemplo, olhamos à noite para o céu
e vemos a Lua e as nuvens que passam. Ora,
apesar de sabermos que a Lua é fixa e são as
nuvens que se movimentam, vemos o contrário,
pois as nuvens ocupam a maior área do nosso
campo visual e a Lua é o objeto menor e mais
brilhante. Isto é, a Lua possui maior número de
características de figura. No entanto, é o fun-
do que se movimenta, criando-se uma situação
analógica àquela em que o observador se des-
loca em relação a um objeto estacio-
nário (por isso também a Lua parece
nos acompanhar quando andamos à
noite). (SIMÕES e TIEDEMANN:
1985, p. 26).
Resumidamente, a percepção do mo-
vimento real é definida da seguinte forma:
1) quando um objeto com ca-
racterísticas de figura atravessa nos-
so campo visual, nós o vemos em
movimento;
2) quando um objeto com ca-
racterísticas de figura está em mo-
vimento e nós movemos nossos
olhos ou a cabeça para acompa-
nhá-lo, nós também o vemos em
movimento: nosso sistema visual
interpretará seu movimento com
base nas suas características de fi-
gura e pelos comandos oriundos
do cérebro, para seguí-lo com os
olhos. (SIMÕES e TIEDEMANN:
1985, p. 27).
29
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Mas não é por este contraste de figura e
fundo que o movimento é assimilado. O compor-
tamento do observador também é muito impor-
tante. O movimento do corpo, da cabeça e dos
olhos do observador em relação a imagem visual
influenciam a percepção do movimento. Ou seja,
estimulando movimentos perante olhos incapa-
zes de se mover, o cérebro não consegue distin-
guir o que é figura e o que é fundo. Os músculos
do sistema ocular estão estreitamente ligados aos
comandos do cérebro. Se os mesmos não podem
se mover, o cérebro erroneamente interpreta que
houve deslocamento de imagem visual sobre a
retina. Não podemos definir simplesmente que
o movimento se resume pelo deslocamento da
imagem visual sobre a retina. Nosso cérebro pode
interpretar o movimento quando ele acontece
com o elemento que estamos olhando, indepen-
dentemente do deslocamento da imagem sobre
a retina. A questão é que em alguns casos, nos-
so cérebro é enganado e assim temos a ilusão do
movimento quando ele realmente não existe. Os
autores propõem um experimento simples: feche
um olho e com a ponta do dedo, pressione o glo-
bo ocular do olho que ficou aberto. Teremos a
ilusão de que tudo se movimenta. Isto ocorre pois
o cérebro não comandou os músculos oculares.
Surpreendentemente, não integração entre os
comandos cerebrais para a ponta do dedo e o sis-
tema visual.
1.4.2 Movimento Aparente
O movimento aparente é o movimento que é
percebido pelos seres humanos, mas os mesmos
não acontecem realmente. É a ilusão do movi-
mento. Esta ilusão pode ser proporcionada por
quatro categorias principais de percepção do mo-
vimento: Movimento Estroboscópico, Movimen-
to Autocinético, Movimento Induzido e Movi-
mento de Pós-Efeito.
1.4.2.1 Movimento
Estroboscópico
Em algumas situações, podemos interpretar que
um determinado objeto está em movimento,
quando na realidade o mesmo
está estático em relação a nós.
Em inúmeros casos pode ocorrer
a percepção de movimento apa-
rente. Importante ressaltar que
a maioria dos movimentos apa-
rentes não é comum na nature-
za, mas sim no mundo civilizado,
com a interferência das tecnolo-
gias. Alguns pesquisadores defen-
dem que a ilusão proporcionada
pelo movimento estroboscópico
se torna indistinguível da percep-
ção do movimento real, uma vez
que o sistema visual processa par-
tes fragmentadas do movimento,
seja ele real ou estroboscópico.
outra linha de pesquisa que
30
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
distingue a percepção do movimento real
ao movimento estroboscópico, através da
diferença de velocidade em ambos os casos.
Esta diferença se principalmente em mo-
vimentos cíclicos.
Então porque o movimento estrobos-
cópico é assimilado sendo que não faz parte
da natureza? Os estudos mais recentes afir-
mam que ambas as percepções de movi-
mento são complementares. Dependendo
de limites de velocidade, o sistema visual
interpreta o movimento da mesma forma,
tanto para o real quanto para o estroboscó-
pico. Entre 8 e 10 quadros por segundo, o
sistema visual interpreta o movimento con-
tínuo. Nas velocidades entre 10 e 27 qua-
dros por segundo, o sistema visual se funde
e não consegue interpretar o movimento
contínuo, apenas fragmentos. Veremos neste
capítulo que estas características do sistema
visual humano e do movimento estrobos-
cópico foram comprovadas pelos experi-
mentos do fotógrafo Eadweard Muybridge.
1.4.2.2 Movimento
Autocinético
Movimento autocinético é um segundo tipo de
movimento aparente proporcionado por contras-
tes extremos: claro e escuro; pequeno e grande;
perto e longe. Por exemplo, SIMÕES, E. & TIE-
DEMANN (1985) utilizam o exemplo de uma
pequena luz fraca em uma sala ampla totalmen-
te escura. O campo visual se funde por falta de
referenciais provocando movimentos aleatórios,
susceptíveis a outras influências, sonoras ou psi-
cológicas. Se alguém falar que a pequena luz está
se movendo para o lado direito, provavelmente o
observador vai ter a mesma interpretação. “... o
movimento autocinético poderia ocorrer devido
a uma fadiga dos músculos oculares, que produ-
ziria deslocamentos incontrolados do globo ocu-
lar“ (SIMÕES e TIEDEMANN: 1985, p. 31).
1.4.2.3 Movimento
Induzido
Movimento induzido é quan-
do percebemos o movimento
de um elemento que na rea-
lidade está em repouso, mas
outros elementos do campo
visual estão em movimento e
são interpretados em repouso
ou com seus movimentos al-
terados. É exatamente o mes-
mo que acontece no exem-
plo citado anteriormente, da Lua e as nuvens.
Nosso sistema visual interpreta os movimentos
de forma invertida. Vemos o movimento daquele
que na realidade está em repouso, e não vemos
movimento no que realmente está se movimen-
tando. É uma típica ilusão resultante da relação
entre figura e fundo. um exemplo interes-
sante que facilmente acontece com quem dirige
automóveis frequentemente em cidades grandes:
você está dentro de seu automóvel parado no
semáforo. Ao seu lado há um ônibus. De repente
você percebe que seu automóvel está andando
31
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
para trás e automaticamente pisa no freio. Notan-
do que nada aconteceu, lentamente você percebe
que o ônibus ao seu lado é que estava andando
para frente, e seu automóvel estava em repouso
total. Ou pode acontecer o contrário: você pensar
que o ônibus estava andando para frente quando
na verdade era seu automóvel que estava andando
para trás. Esse fenômeno é chamado de movimen-
to induzido ao próprio corpo. Quando todo o
campo visual é preenchido com um único objeto,
no caso o ônibus, o cérebro não consegue definir
qual objeto está em movimento e qual objeto está
em repouso, pois o único elemento que o siste-
ma visual tem para interpretar é exclusivamente o
deslocamento dos objetos sobre a retina.
1.4.2.4 Movimento
de Pós-Efeito
Este movimento provoca a ilusão de que o objeto
estático está em movimento, mas ao mesmo tem-
po não se desloca do lugar original. A primeira
vez que esta ilusão foi analisada, aconteceu no sé-
culo XIX nas cachoeiras do Lago Ness pelo inglês
R. Adams. Ele observou que o contraste das árvo-
res que estavam na base da cachoeira com a água
caindo atrás, davam a impressão de que as árvores
estavam subindo e ao mesmo tempo fixas ao chão.
E esta é uma impressão do movimento puro, pois
as árvores estão fixas no chão, portanto não
deslocamento. Podemos notar a importância dos
contrastes citados no início do capítulo e referên-
cias no nosso campo visual. O contraste da água
em movimento prenchendo o fundo e o objeto
focado caracterizado pelas árvores na frente da ca-
choeira proporcionam a ilusão de um movimento
que na realidade não existe.
Todas estas regras se aplicam também para a
luz. vimos que podemos ter a ilusão do movi-
mento com a velocidade controlada das projeções
de imagens sequenciais. Mas se a frequência da luz
periódica tiver uma velocidade menor, teremos
o efeito da cintilação. Com isso a imagem fica
ofuscada. Podemos enxergar a luz acendendo e
apagando. Se a velocidade aumentar, veremos a
luz contínua.
1.5 O Efeito-Phi
Seguindo o estudo da teoria do movimento apa-
rente, o mesmo pode ser reforçado pelo efeito-
Phi, descoberto pelo psicólogo Max Wertheimer
em 1912. O efeito-Phi é uma percepção “desin-
corporada” do movimento. Desincorporada pois
é uma ilusão de movimento proporcionada por
fenômenos de ordem psíquica. O exemplo mais
claro pode ser observado em letreiros luminosos,
onde luzes são acesas e apagadas sucessivamen-
te. O efeito-Phi pode ser observado quando dois
estímulos visuais são apresentados em diferentes
posições e com pequenos intervalos de tempo,
dentro de uma determinada velocidade. A ilusão
proporcionada é de que um único estímulo
visual se movimentando de uma posição para ou-
tra. Em uma sala totalmente escura, por exemplo,
uma luz é acendida no canto esquerdo e após 2
segundos esta luz é apagada. Em seguida outra luz
é acesa no meio da sala e após 2 segundos a mes-
ma é apagada. E por último, uma luz é acendida
no canto direito da sala. O cérebro irá interpre-
tar como uma única luz que se movimentou da
esquerda para a direita atravessando a sala. Este
efeito pode ser visto até os dias de hoje, princi-
palmente na época do natal, onde serpentinas de
lâmpadas acendem e apagam criando ilusões de
movimentos diversos.
32
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
É espantoso constatar que até autores
importantes como André Bazin ou Jean-
Louis Comolli, aceitaram, por inércia inte-
lectual, a teoria totalmente errônea, e aliás
intrinsecamente absurda, da “persistência
retiniana”. Logo, não é demais insistir: a
persistência retiniana existe de fato mas,
se desempenhasse uma função no cinema,
apenas produziria uma confusão de ima-
gens remanescentes. A percepção do filme
só é possível, de fato, graças ao efeito-phi,
e também ao mascaramento visual que
nos libera da persistência retiniana. (AU-
MONT: 1995, p. 52).
AUMONT (1995) acrescenta um dado impor-
tante com relação as queses da projeção da luz e
a cintilação, a queso do mascaramento. A imagem
que se registrada pelo sistema visual como parte
da ilusão do movimento, deve ser precedida de uma
imagem apagada. Assim, não se faz o acúmulo de
imagens persistentes e pode-se enganar o rebro
atras da persistência retiniana. AUMONT (1995)
reforça a semelhaa indistinguível entre a percão
do movimento real e do movimento aparente. Se-
gundo o autor, a semelhaa entre os dois tipos de
movimento o inerentes ao nosso sistema visual.
Estes processos pós-retinianos continuam
sendo estudados e ainda muitas questões sem
respostas. Segundo Machado (1997) o efeito-Phi
pode ser um fenômeno psíquico e não físico re-
sultante da própria persistência retiniana. Uma
vez que a retina tem seus limites e características,
ela possibilita interpretações psicológicas em rela-
ção aos estímulos visuais que nos cercam. Ainda
temos as bases fisiológicas da percepção do mo-
vimento. Estudos recentes mostram que existem
neurônios específicos para analisar e interferir na
percepção do movimento. Experimentos com
primatas mostram que existem cinco tipos distin-
tos de neurônios sensíveis ao movimento:
Tipo M, que corresponde a qualquer
tipo de movimento, independentemente
da sua velocidade e direção; tipo DS, es-
pecífico para a direção (já foram encon-
trados neurônios para mais de 50 direções
espaciais distintas); tipo OS, que exige re-
lações espaciais específicas de movimento,
por exemplo, um elemento se deslocando
a 90º do outro; tipo CM, que correspon-
de a movimentos complexos; e tipo Z,
que responde a movimentos em terceira
dimensão (movimentos de afastar-se ou
aproximar-se do observador). A combina-
ção da ativação destes neurônios propor-
ciona a percepção de movimentos espe-
cíficos e muitos complexos. (SIMÕES e
TIEDEMANN: 1985, p. 35).
33
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
1.6 Animação e Movimento
Animação deriva do latim animare, que significa
“dar vida a”. Por sua vez, Anima deriva do grego
anemon, que significa “alma”. Veremos neste tex-
to que uma das principais formas de fazer algo
parecer estar vivo é através do movimento. Assim,
a animação se aproveita desta característica e pode
dar vida a objetos inanimados. A ilusão do movi-
mento é a essência da animação, porém a mesma
não se sustenta sem a questão narrativa.
Quando podemos avaliar se algo parece vivo
ou não? A primeira resposta é através do movi-
mento próprio. Se um corpo está em movimen-
to, sem a ação de uma força externa, a noção de
“estar vivo” é mais aparente do que em objetos
estáticos. Segundo Arnheim (2000), o movimen-
to é a atração visual que mais estimula a atenção.
Ele usa o exemplo de cães e gatos. Não se im-
pressionam com luzes e formas em repouso que
constituem o cenário onde estão inseridos. Mas
se há um movimento, seus olhos seguem o curso
como se estivessem atados ao objeto que se move.
De modo similar, os seres humanos são atraídos
pelo movimento. Estudos mostram que a preocu-
pação dos seres humanos com o movimento vem
de longa data. Nas Grutas de Altamira na Espanha
foram encontradas pinturas rupestres representan-
do animais com o dobro do número de patas do
que realmente eles possuíam. Estas pinturas datam
de aproximadamente 12.000 anos a.C. Acredita-
se que, naquela época, estas pinturas seriam uma
forma de registrar fatos e narrativas através da
ideia de movimento.
FIGURA_01 - Pintura grega, século
VI a.C. (LORD, SIBLEY: 2004, p. 18).
Na Grécia Antiga, 600 anos a.C., também
pinturas rupestres sugerindo o movimento. Na
figura_01 podemos observar uma pintura grega
representando uma corrida de biga (típica carru-
agem individual para competições da época) pu-
xada por cavalos.
34
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
FIGURA_02 - Pintura grega, século VI
a.C. (LORD, SIBLEY: 2004, p. 18).
Na figura_02, podemos observar que três
cabeças de cavalos: uma de cor preta em primeiro
plano, uma de cor branca no segundo plano e, por
último e quase totalmente escondido, um cavalo
de cor marrom. Porém, se observarmos a parte
traseira, existem apenas dois cavalos, o preto e o
marrom. O suposto cavalo branco não é represen-
tado na parte traseira. Além disso, podemos obser-
var as patas dos cavalos. Na figura_03, podemos
observar oito patas dianteiras, sendo que quatro
delas aparentam ser de um único cavalo, o preto.
Nas traseiras dos cavalos podemos observar sete
patas. Esta aparente incoerência na pintura repre-
senta o movimento, a velocidade e a confusão vi-
sual provocada pela corrida de bigas. Poderiam ser
três cavalos, ou seriam dois, ou apenas um cavalo
representado em tonalidades diferentes para suge-
rir a ideia de movimento?
O famoso Teatro de Sombras Chinês teve seu
início aproximadamente em 5.000 a.C. A narra-
tiva era conduzida apenas pela projeção de mo-
vimentos. Estas projeções não necessariamente
tinham sons, cores ou cenários. No século II, o
astrônomo Ptolomeu investigou a persistência das
formas visuais na retina. Ele concluiu com este
estudo, que a retina do olho humano não inter-
preta o movimento completo, mas um fragmento
dele. Ou seja, uma sequência de imagens estáticas, que são unidas pelo cérebro e geram a ilusão do
movimento. Esta descoberta abriu espaço para pesquisas e experimentações.
FIGURA_03 - Pintura grega,
século VI a.C. (LORD, SIBLEY:
2004, p. 18).
35
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Uma das primeiras invenções Nesse senti-
do, data de 1645, onde Athanasius Kircher, pu-
blicou um texto intitulado Ars Magna Lucis et
Umbrae (A poderosa arte da luz e sombra), des-
crevendo uma lanterna mágica, que se tratava
de uma caixa com uma fonte de luz e um espe-
lho com formato curvo em seu interior, a qual
projetava “slides” pintados em uma lâmina de
vidro. Apesar da novidade em decorrência des-
te experimento, o mesmo despertou interesse
dos cientistas em utilizar tais dispositivos na área
de entretenimento. Foi então que em meados
do século XVIII, a Lanterna Mágica passou a
ser utilizada para este fim, por meio de exibi-
ções itinerantes, na projeção de “slides” de ilus-
trações. Vale ressaltar que, a movimentação das
lâminas de vidro projetadas em uma superfície
reta, criava a ilusão do movimento. (LUCENA
JR: 2002, p. 29)
A oficialização da iluo do movimento nasceu
de um artigo intitulado The persistence of vision with
regard to moving objects, em 1824 de Peter Mark Roget.
Roget, dico e um dos fundadores da Escola de Me-
FIGURA_04 - A Lanterna
Mágica (LUCENA
JR: 2002, p. 29).
dicina da Universidade de Manchester, foi tamm um importante
matemático inglês. Com suas experiências como profissonal e pes-
quisador, somadas à curiosidade quando observava a ilusão de ótica
provocada por objetos que se movimentavam em velocidades muito
altas, Roget tentou demonstrar no artigo que o olho humano retém
imagens por uma fração de segundo enquanto outras imagens estão
sendo percebidas. Roget defendia ainda que o olho humano interpre-
ta imagens vistas em seqncia como sendo uma única imagem em
movimento, se forem exibidas rapidamente, em uma determinada
ordem e velocidade. Este femeno
foi nomeado persistência da vio ou
persistência retiniana.
Esse exemplo pode ser facil-
mente percebido, quando olhamos
para as rodas de um automóvel ou
a hélice de um helicóptero: temos a
ilusão de ótica de que as rodas ou as
hélices estão girando ao contrário
em uma velocidade lenta, quando
na realidade elas estão girando na
direção correta em uma velocidade
muito alta. Ele defendeu a hipótese
de que a ilusão do movimento era
possível por uma limitação da retina
do olho humano. A retina do olho
humano reteria a imagem vista, em
um determinado tempo após seu
36
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
FIGURA_05 - Dispositivos
ópticos-mecânicos, fenaquistoscópio
e estroboscópio. Kit LAYBOURNE
(LAYBOURNE: 1998, p. 21).
desaparecimento. Paralela-
mente, várias invenções para
entretenimento, como brin-
quedos ópticos, se utiliza-
vam deste recurso para criar
a ilusão do movimento. As
principais invenções foram os
famosos fenaquistoscópio, es-
troboscópio, zootrópio, pra-
xinoscópio e kinetoscópio.
Estes dispositivos ópticos-
mecânicos geralmente eram
círculos, cilindros, ou blocos
de papel com uma sequên-
cia de imagens. Girando esses
objetos com velocidade, tem-
se a ilusão do movimento.
Paralelamente, entre 1816
e 1828, os experimentos no
campo da fotografia conquis-
tavam grandes avaos através
da fixão da imagem refletida
na câmara escura por Niphore
Nièpce e Louis Daguerre.
1.6.1 Desconstrução do Movimento
Muitos pioneiros na Europa e América exploraram experimentos impor-
tantes para a história da fotografia e do cinema, na captura de imagens do
“mundo real” e na tentativa de analisar e replicar o movimento. Em 1878 o
fotógrafo Eadweard Muybridge ficou conhecido como quem iniciou expe-
rimentos na desconstrução do movimento. Muybridge fez um experimento
fotográfico que mudaria o rumo de suas pesquisas e contribuiria para uma
revolução no campo da fotografia. O experimento partiu através do ques-
tionamento do magnata ferroviário e ex-governador da Califórnia Leland
Stanford. Stanford questionou a possibilidade de comprovar fotograficamen-
te, se em um momento específico, o cavalo ao galopar ficava com as quatro
patas no ar, sem contato com o chão.
Apesar das dificuldades técnicas encontradas na época,
Muybridge desenvolveu um projeto com o auxílio do en-
genheiro John D. Isaacs. O trajeto que o cavalo galopava foi
cercado paralelamente por 24 câmeras escuras contendo cha-
pas emulsionadas. Estas câmeras tinham um cabo ligado ao
disparador que se interpunham no trajeto do cavalo. Assim,
conforme as patas do cavalo tocavam os cabos, as fotografias
eram disparadas. Com a sequência de 24 fotografias consecu-
tivas, Muybridge conseguiu não provar a hipótese de Stan-
ford, como receber as honras da descoberta do movimento
fotográfico, ou seja, o ponto de partida para o que mais tarde
37
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Goodwin. As imagens sequen-
ciais das películas eram apre-
sentadas em uma determinada
frequência que proporcionava
a ilusão do movimento. Estes
experimentos foram inestimá-
veis recursos para geração de
animadores.
Até nos dias de hoje, para
animadores e bibliotecas para
suporte em ferramentas digitais
de animação, os experimentos
de Muybridge são refencias in-
dispensáveis. Com este estudo,
os animadores tiveram condi-
ções de analisar de forma preci-
sa como o movimento acontece
e quais as poses-chaves mais ex-
pressivas. Dentro da sequência
de um determinado movimen-
to, algumas poses e gestos espe-
ficos caracterizam e reforçam
o sentido da ão. A melhor for-
ma de entender como o movi-
mento se faz é desconstruindo o
movimento real.
FIGURA_06 - Fotografias sequenciais de
Eadweard Muybridge. (HALAS: 1985, p. 12).
se tornaria o cinema. Muybridge dedicou o resto de sua carrei-
ra à fotografia sequencial do movimento. Estes experimentos
certamente influenciaram os irmãos Auguste e Louis Lumiére
quando em 1895, com base nos equipamentos existentes de
projeção, criaram o cinematógrafo. Este equipamento se apro-
priou dos mesmos estudos utilizados por Muybridge e a desco-
berta de películas de celulose emulsionadas pela sensibilidade
à luz, descoberta em 1887 pelo fotógrafo amador Hannibal
38
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Hoje podemos desconstruir o movimento
através de fotografias sequenciais com uma pre-
cisão muito maior do que Muybridge. Podemos
utilizar câmeras cinematográficas, analógicas ou
digitais, e ainda podemos digitalizar os movimen-
tos a partir dos próprios elementos que se mo-
vimentam. Charles Solomon, renomado crítico de
animação, autor de vários livros sobre o assunto,
defende uma questão interessante. Ele afirma que
na percepção do movimento, o intervalo entre
as imagens estáticas é até mais importante que as
próprias imagens. “Animação não é a arte de de-
senhos que se movem, no entanto, é a arte dos
movimentos desenhados. O que acontece entre
os quadros é mais importante do que acontece
nos quadros. (SOLOMON: 1987, p. 11).
Esta afirmação se torna pertinente quan-
do notamos a diferença entre o efeito visual ao
olharmos para a figura_06 e o efeito visual ao
olharmos para a sequência apresentada quadro-
a-quadro, em uma velocidade de 24 quadros por
segundo. Assista a sequência na seguinte URL:
http://www.amazzing.com/share/Muybridge.gif
Veremos neste texto que a ilusão do movi-
mento não depende apenas da característica óp-
tica/mecânica da retina do olho humano. Outros
elementos químicos e psicológicos têm um papel
importante na ilusão do movimento. Na afirma-
ção de SOLOMON (1987), é como se a mente
humana criasse as imagens de ligação entre um
quadro e outro, tornando a sequência contínua.
Outro nome importante neste contexto foi
Georges Méliès. Méliès era um ilusionista de palco
que encarou este novo meio da ilusão do movi-
mento, como uma extensão natural de suas habi-
lidades de mágico, ajudando em transformações,
metamorfoses e desaparições. Méliès pode ser
considerado um dos pioneiros do entretenimen-
to através do cinema. Em suas obras de maior
sucesso, descobertas por acidente, cenas que
transformam uma garota em uma flor, ou uma
mulher que desaparece e aparece um esqueleto
no mesmo lugar. Em 1896 quando Méliès esta-
va fotografando um edifício em Paris, parou de
filmar durante alguns minutos para recarregar
o filme e fazer a câmera funcionar novamente.
Obviamente as pessoas, automóveis e ônibus que
circulavam ao redor do edifício tinham se movi-
mentado. Na projeção do filme, com as emendas
dos cortes, surpreendentemente um ônibus se
transformou em um automóvel funerário e um
homem se transformou em mulher. Este truque
da substituição foi chamado de filmes de truque
(trick-films) ou ação parada (stop action). Mais tarde,
com inúmeros experimentos, passou a ser chama-
do de movimento parado (stop motion).
“A Execução de Maria, Rainha da Escócia”,
um dos filmes da série de Thomas Edison (Edi-
son Kinetoscope Film), apresentou o mesmo efeito
um ano antes na América. No filme de Edison,
39
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
quando a personagem rainha estava prestes a ser
decapitada, a câmera foi desligada, a rainha foi
substituída por uma boneca, a câmera foi ligada
novamente e a sequência continuou, com a bo-
neca sendo decapitada. Porém, na Europa, Méliès
foi o primeiro cineasta independente a descobrir
e usar este efeito e consequentemente o mais fa-
moso no mundo. O stop motion permitiu Méliès
criar ilusões visuais assombrosas e fascinantes,
como “Viagem à Lua”, 1902 (Voyage to the Moon).
http://www.youtube.com/watch?v=jGZilAMK
tgA&feature=related
Esta técnica se tornou uni-
versal: fixe a câmera, filme uma
imagem, desligue a câmera, tro-
que a imagem, filme-a, desligue a
câmera, troque a imagem, filme-
a e assim por diante. Esta técnica
foi rapidamente direcionada por
contadores de histórias, cartunis-
tas, caricaturistas e todo tipo de
material com apelo visual, até
mesmo o design gráfico. Quan-
do os primeiros experimentos
com stop motion foram realizados,
os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de cartazes in-
formativos acreditaram que naturalmente esta nova técnica seria
útil para a evolução de seu trabalho. No início do século XX,
havia um entretenimento popular em que artistas utilizavam um
quadro-negro e giz para representar situações, divulgar eventos ou
satirizar pessoas através de caricaturas. Em 1906, J. Stuart Blackton
relacionou o novo meio do stop motion com esta arte popular para
criar seu filme Fases Humoradas de Faces Engraçadas (Humorous
Phases of Funny Faces). Blackton desenvolveu vários filmes e várias
mídias diferentes utilizando esta técnica, inclusive com bonecos,
FIGURA_07 - Viagem para
a Lua (Voyage to the Moon),
Georges Méliès, 1902. (LORD e
SIBLEY: 2004, p. 23).
40
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
marionetes e modelos de argila.
Muitos artistas experimentaram e
inovaram a técnica do stop motion.
Nomes reconhecidos como
pioneiros neste segmento foram
o caricaturista parisiense Emile
Cohl com o filme Phantasmagorie
de 1908, o cartunista de jornais
Winsor McCay com o filme Gertie
o Dinossauro Treinado (Gertie the
Trained Dinossaur) de 1914, o britâ-
nico Arthur Melbourne Cooper com
o filme Sonhos da Terra dos Brin-
quedos (Dreams of Toyland) de 1908,
o lituano Ladislas Starevick com os
filmes Rato da Cidade, Rato do
Campo (Town Rat, Country Rat) de
1926 e Amor em Preto e Branco
FIGURA_08 - Fases Hu-
moradas de Faces Engraçadas
(Humorous Phases of Funny
Faces), J. Stuart Blackton, 1906.
(LORD e SIBLEY: 2004, p.
24).
41
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
(Love in Black and White) de 1927. Cooper e Stare-
vick são reconhecidos como os pioneiros em filme
feitos com marionetes.
A animação com objetos físicos reais, princi-
palmente com marionetes, foram se disseminan-
do e se sofisticando ao redor do mundo. América,
Europa, antiga União Soviética, Ásia. Inúmeros
filmes com temáticas e propósitos diferentes fo-
ram desenvolvidos gerando uma relação cultural
com estes produtos. Grandes produções cinema-
tográficas foram feitas mesclando animação de
marionetes e atores reais, como Willis O’Brian,
responsável pelos créditos dos efeitos especiais do
filme King Kong (Merian Cooper e Ernest B. Scho-
edsack, EUA, 1933) e Ray Harryhausen com várias
super produções como Jasão e o Velo de Ouro
(Jason and the Argonauts, Don Chaffey, EUA, 1963),
com a legendária sequência em que os heróis hu-
manos enfrentam um exército de esqueletos de
marionetes em uma luta de espadas. Harryhausen
também desenvolveu uma série de filmes sobre as
aventuras da personagem Simbad e seu filme mais
caro Fúria de Titãs (Clash of the Titans, Desmond
Davis, EUA, 1981).
Não é foco desta pesquisa traçar um panora-
ma histórico, mas queremos destacar alguns filmes
devido sua importância para o desenvolvimento
do tema. Em 1993, uma super produção de stop
motion foi para os cinemas. O Estranho Mundo
de Jack (A Nightmare Before Christmas). Dirigido
pelo respeitado animador Henry Selick e projetado
FIGURA_09 - Gertie
o Dinossauro Treinado
(Gertie the Trained
Dinossaur), Winsor McCay,
1914. (LORD e SIBLEY:
2004, p. 25).
42
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
por Tim Burton, que também era um anima-
dor respeitado, havia trabalhado para os estúdios
Disney e dirigido os dois primeiros filmes da nova
série de Batman na década de 1980. O Estranho
Mundo de Jack tem 227 marionetes animadas e
foi o primeiro filme de stop motion a ter distri-
buição mundial. A personagem Jack tem uma le-
gião de fãs e até hoje são produzidos materiais de
merchandising como camisetas, mochilas, bonés,
cadernos, etc. Em 2005, Burton dirigiu A Noiva
Cadáver (Corpse Bride) outra superprodução ci-
nematográfica em stop motion seguindo a mesma
identidade visual sombria e tétrica. o estúdio
britânico Aardman, que começou na década de
1970 com filmes simples, de baixos orçamentos,
mas com grande qualidade de animação e solu-
ções visuais. Após muitos anos de produções au-
torais, publicitárias e séries infantis, com a entrada
do diretor Nick Park, a Aardman se destacou com
a série Wallace and Gromit. Wallace and Gromit teve
vários curta-metragens até que a Aardman se jun-
tou com a Dreamworks, empresa americana com
uma lista de filmes milionários produzidos, para
desenvolverem grandes produções juntas. O pri-
meiro resultado da junção das duas empresas foi
Fuga das Galinhas (Chicken Run), de 2000 diri-
gido por Nick Park e em 2005 o longa-
metragem Wallace & Gromit: A Batalha
dos Vegetais (Wallace & Gromit: The Cur-
se Of The Were-Rabbit), também dirigido
por Nick Park.
Por outro lado, quero apontar filmes
que foram marcantes e fundamentais
opções para análises na minha atuação
como animador: neste caso assumo aqui
a primeira pessoa de modo a esclarecer as
influências e referências para minha car-
reira como animador, como professor e
agora como um futuro pesquisador.
A Festa do Monstro Maluco (Mad
Monster Party, Jules Bass, EUA, 1967), um
dos primeiros longas-metragens produ-
zidos totalmente em stop motion. Este
filme foi um dos primeiros a apresentar
FIGURA_10 - Jasão e o Velo de Ouro
(Jason and the Argonauts), Ray Harryhausen, 1963.
(LORD e SIBLEY: 2004, p. 49).
43
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
muitas personagens marionetes atuando ao mes-
mo tempo e também teve uma larga distribuição.
Outra grande referência foram os filmes do
escocês Norman McLaren. Conhecido como ícone
da animação experimental, McLaren tinha o con-
trole total do seu processo criativo. Muitos filmes
eram simplesmente os desenhos do som, uma vez
que McLaren também era compositor e encarava
a animação como uma extensão de sua arte mu-
sical. McLaren também foi o precursor de algumas
técnicas de animação, como animar humanos ou
desenhar diretamente na pelí-
cula cinematográfica. O filme
Le Merle de 1958 (o Melro, co-
nhecido popularmente no Bra-
sil como pássaro preto - http://
www.nfb.ca/film/le_merle) é
um marco na história da ani-
mação. Tanto no sentido técni-
co, quanto narrativo. É mais um
filme em que McLaren se inspi-
rou na música. Neste caso, uma
FIGURA_11 - Wallace and
Gromit, Nick Park, Aardman.
(LORD e SIBLEY: 2004, p. 11).
cantiga infantil folclórica Franco-Canadense que conta a história
de um Melro que perde as partes do corpo - bico, olho, cabeça,
pescoço, asas, rabo, peito e a ponta da crista; mas não muito tem-
po depois, as partes reaparecem em versão tripla, juntamente com
as outras partes perdidas nos versos anteriores.
Meu Melro perdeu o bico, ah! Meu Melro perdeu o bico, então.
Um bico, dois bicos, três bicos, oh! Como vamos fazer meu Melro cantar?”
Meu Melro perdeu o olho, ah! Meu Melro perdeu o olho, sim! Um
olho, dois olhos, três olhos, um bico, dois bicos, três bicos, oh! Como
vamos fazer meu Melro enxergar?”
44
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
FIGURA_12 - Le
Merle, Norman McLaren,
Canada, 1958.
Na figura_12 podemos
observar três etapas destas
transformações do pássaro
preto: primeiro ele com o
corpo inteiro e normal. Em
seguida o primeiro verso da
cantiga em que ele recupera
o bico em versão triplicada.
A terceira imagem é a com-
posição final da cantiga e da
forma do pássaro preto, com
todas as partes do corpo tri-
plicadas.
Este filme tem características como se McLaren enxergasse a
música e estivesse ensinando para os espectadores as formas e mo-
vimentos que a mesma continha. Mesmo com formas extrema-
mente simples, geométricas, McLaren consegue definir um acting
para o pássaro que interage com o sentimento de desconforto. Ele
não quer perder partes do corpo, ele não entende o que está acon-
tecendo com seu corpo. Na figura_13 podemos analisar o acting
composto pelo sentimento de dúvida característicos dos humanos
e a postura de curiosidade observada nos pássaros.
FIGURA_13 - Le Merle, Norman
McLaren, Canada, 1958.
45
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Le Merle foi desenvolvido em stop motion, com
a técnica de utilizar papel recortado conhecida
como recortado (cut-out). A técnica de papel re-
cortado foi bastante utilizada nos primeiros anos
do NFB. O NFB (National Film Board from Cana-
da) é uma agência pública criada em 1939 para
produzir e distribuir filmes e outros trabalhos au-
diovisuais que reflitam o Canadá para os canaden-
ses e para o resto do mundo, e McLaren foi um de
seus fundadores. O cut-out foi bastante utilizado
principalmente por ser simples e de baixo custo.
McLaren foi atraído pelo estilo geométrico e pela
simplicidade e clareza gráfica da técnica. A relação
projetual de McLaren entre imagens, cores, sons
e movimento serviram de estímulo para que eu
fizesse meus primeiros experimentos como ani-
mador com uma filmadora Super-8 no início da
década de 1980 e, de certa forma, anos depois,
dedicar minha vida profissional e acadêmica para
o campo da animação.
Vale salientar que todos estes filmes da
minha infância e adolescência foram vistos na TV
brasileira, na programação dos canais abertos da
cidade de São Paulo, entre as décadas de 1970 e
1980. Esta pesquisa não se prenderá nas produ-
ções de TV, mas é inegável a importância da mes-
ma para a história da animação.
1.7 A Importância
do Movimento na Animação
Vimos até aqui que a animação nasceu no final do
século XIX com os brinquedos ópticos-mecâni-
cos e os primeiros experimentos com fotografias
sequenciais, ambos resultantes dos estudos sobre
a persistência retiniana e a percepção do movi-
mento. Ou seja, animação, fotografia e cinema
relacionam-se fortemente. Com estas tecnologias
(fotografia e cinema), as possibilidades dos seres
humanos contarem histórias, transmitir infor-
mações ou simplesmente conduzirem narrativas,
ganhou novas proporções. Mas a animação veio
se firmar como uma linguagem própria depois
dos investimentos na indústria cinematográfica.
Segundo SOLOMON (1987), apenas no século
XX, devido ao desenvolvimento
tecnológico, o termo animação
passou a ser utilizado na descri-
ção de imagens em movimento.
Com o desenvolvimento da
indústria cinematográfica, a ani-
mação se tornou uma profissão.
Assim, conceitos e métodos se
desenvolveram para que a anima-
ção pudesse ser realizada de for-
ma mais planejada. Os primeiros
desafios a serem dominados pelo
profissional de animação são a
percepção e a representação dos
corpos em movimento e suas re-
lações com a força da gravidade.
Esta percepção está diretamen-
te relacionada com as teorias de
Newton. No mundo em que vi-
46
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
FIGURA_14 – (WILLIAMS:
2001, p. 257)
vemos, com a força da gravidade agindo o tempo
todo sobre os objetos existentes, podemos obser-
var uma série de rotinas naturais desencadeadas
pelas relações entre corpo, massa, peso e velocida-
de. Ou seja, o desafio do animador é de projetar
formas visuais que representem essas relações atra-
vés da ilusão do movimento. Tudo que existe no
planeta Terra sofre a força da gravidade. Portanto,
é comum observarmos objetos tensionados ou
flácidos. No cotidiano, as pessoas não observam
estas sutis diferenças, mas o animador deve anali-
sar os movimentos reais para entender quando e
porque os objetos tensionam ou relaxam. Nossa
percepção visual está condicionada a interpretar
pesos e forças de acordo com as tensões evidentes
nos objetos.
Como exemplo, podemos observar a figu-
ra_14, inúmeros desenhos apresentados em uma
determinada ordem, sugerindo o peso. Se anali-
sarmos apenas o desenho número 6 ou 7 isolada-
mente, teremos a clara aparência do peso da pedra
que a personagem está carregando. A curvatura
da coluna e praticamente todos os membros da
personagem envolvem a pedra tentando manter
o equilíbrio. A coluna e os braços estão tencio-
nados, arqueados. Observe que apenas nos dese-
nhos número 1 e número 9, a coluna não está
tensionada, então não representa força ou peso.
No caso do desenho número 1, não há força pois
a personagem ainda não está em contato com a
pedra. No desenho número 9, não força, pois a
personagem está se desequilibrando e vai cair. Po-
rém neste momento, as pernas estão fortemente
tensionadas e arqueadas.
Mas no caso da animação, não po-
demos nos prender em imagens estáticas,
a narrativa se desenvolve em uma sequ-
ência de vários desenhos em uma deter-
minada ordem. No exemplo, a sequência
informa que a personagem está retiran-
do a pedra do lugar. Mas ainda falta
outro elemento importante para que a
ilusão do movimento seja convincente:
a Regulação do Tempo, ou timing. Neste
ponto podemos analisar a importância
da relação entre a tarefa do animador e o
compreendimento de como os fenôme-
nos físico–mecânicos agem dentro dos
espaços de tempo. Se o intervalo entre o
momento em que a personagem pega a
pedra e a retira do chão for, por exemplo,
de um segundo, então a pedra não pare-
cerá tão pesada quanto a postura do cor-
po da personagem sugere. Se os mesmos
47
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
desenhos tiverem o intervalo de dez segundos, então a pedra pare-
cerá muito mais pesada. A tarefa do animador é regular o tempo da
projeção de cada desenho, de modo que tenha aceleração positiva ou
negativa. O animador não necessariamente deve conhecer os estudos
da física, mas, no mínimo, ele deve ser capaz de regular os intervalos
no tempo de forma que proporcionem a naturalidade e a fluidez do
movimento. Estes intervalos no tempo têm alterações muito sutis de
acordo com a cena e a linguagem estipulada para o filme.
Na figura_15, por exemplo,
podemos observar diferentes per-
sonagens que exigem diferentes
regulações de tempo durante a
animação que representa uma ca-
minhada. Corpos jovens têm uma
Regulação do Tempo diferente de
corpos idosos. O mesmo acontece
com a diferença entre massas cor-
porais e estatura. Na figura_15 po-
demos observar a diferença sutil en-
tre um corpo de estatura alta e pouca
massa corporal com um de estatura
média e muita massa corporal. Ou
ainda um corpo que tem o volume
acentuado localizado apenas na bar-
riga, no exemplo da mulher grávida.
Estas distribuições de peso estão dire-
tamente relacionadas com a acelera-
ção da massa corporal, portanto com
a Regulação do Tempo sutilmente
diferenciada.
Apesar de sutis, em se tratando
de animação de personagens, estes
exemplos são bastante claros para
analisar as relações entre o movimen-
to, as massas corporais e o desenvol-
FIGURA_15 -
(WILLIAMS:
2001, p. 161)
48
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
FIGURA_16 -
(WILLIAMS:
2001, p. 37).
vimento da animação. No caso da ani-
mação de objetos, as sutilezas de como
e quando o movimento se constrói
tornam-se quase que totalmente depen-
dentes da Regulação do Tempo.
Podemos imaginar uma bola
simples, de madeira rígida, que não se
deforma ao colidir com o chão. Des-
ta forma, diferente da figura_15, não é
possível sugerir peso com apenas um
único desenho isolado. A bola rígida não
permite poses diferentes. Ela não distor-
ce, sempre vai ter a mesma forma, seja
quando estiver desacelerando no pon-
to mais alto, seja colidindo com o chão.
Assim necessitamos da representação
sequencial e com Regulação do Tempo
para sugerir o peso da bola. No exem-
plo da figura_16, com a Regulação do
Tempo iniciando em 20 frames (lem-
brando que estamos situados no forma-
to de 24 frames por segundo) e com a
altura que ela alcança depois de colidir
com o chão, podemos deduzir que se
esta bola é de madeira, ele deve ser oca,
bem leve. Ela se distancia do chão com
facilidade e demora quase um segundo para atingir o chão
novamente. A representação da animação exemplificada
na figura_16 terá no total 53 frames, pouco mais de dois
segundos. Se esta representação fosse feita com intervalos
de tempo bem menores, como, por exemplo, iniciando
em 6 frames e com a bola atingindo uma altura baixa após
colidir com o chão, teriamos a sugestão de que a bola é de
madeira maciça e pesada. A animação total neste caso teria
por volta 15 frames.
Assim chegamos numa regra básica
dentro do campo da animação: dentro
de uma mesma Regulação do Tempo,
mais quadros proporcionam ilusão de
velocidade baixa; menos quadros pro-
porcionam ilusão de velocidade alta. O
exemplo da bola quicante é um gran-
de ensinamento de como os corpos se
movimentam. Por exemplo, imagine o
movimento de uma bola caindo do 20º
49
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
andar de um edifício, onde cada
quadro represente o intervalo de
¼ de segundo. Portanto, se tiver-
mos apenas 4 quadros, a bola irá
atingir o chão no intervalo de
apenas 1 segundo. Se tivermos
8 quadros, então a bola irá atin-
gir o chão em 2 segundos. Mais
quadros representam mais tempo,
portanto menos velocidade. Me-
nos quadros representam menos
tempo, mais velocidade.
Para planejar a animação de
uma serpente, ou um peixe na-
dando, podemos imaginar inú-
meras bolas quicantes enfileiradas
e cadenciadas. Se pensarmos em
objetos mais complexos do que
a bola rígida, articulações, mús-
culos, elasticidade, deformidade,
devem respeitar as rotinas impos-
tas pela força da gravidade. Para
fazer a animação de água, como
em uma cachoeira, basta imagi-
nar milhões de bolinhas quican-
tes caindo e colidindo umas com
as outras. Até mesmo uma personagem pode ser concebida por
um animador baseando-se na dinâmica da bola quicante. Cada
articulação do corpo dos seres vivos sofre a força da gravidade
assim como a bola e, ao mesmo tempo, sofrem a força contrária
do membro em que está conectado. Então podemos imaginar
que onde uma articulação, uma bola quicante. O ani-
mador imagina uma bola quicante no pulso, no cotovelo, no
ombro, na cabeça, no joelho e assim por diante, ou seja, todos
os objetos têm seus movimentos formados por bolas quicantes
interligadas. Obviamente não é assim tão simples, inúmeros
outros fatores, como, por exemplo, a intenção, contribuem para
definir a Regulação do Tempo, mas a rotina mecânica definida
pela força da gravidade é elementar e inevitável.
Apesar da animação não ser possível sem relações com a
construção do movimento, ela se diferencia do movimento. A
animação é uma linguagem visual que deve comunicar atra-
vés não apenas do movimento, mas da intenção,
função ou a emoção que o movimento represen-
ta. Em um filme de animação, a personagem não
apenas anda, ela anda de acordo com um objetivo.
Uma força faz com que a pesonagem ande, mas
antes de termos a força, precisamos ter a inten-
ção, motivação, objetivo. Estas questões (forças e
intenções) devem ser relacionadas e dosadas de
maneira cuidadosa.
Uma vez estudado como o movimento
acontece e como os seres humanos interpretam
o mesmo, podemos concluir que para pensar um
projeto de animação, apenas no sentido visual,
é necessário o domínio de muitas características
que devem ser incorporadas como elementos
projetuais. Além disso, temos a questão das espe-
cificidades culturais, sociais, religiosas e psicológi-
cas que direcionam a forma de interpretação dos
fenômenos da natureza e os artefatos produzidos
pelos seres humanos. Assim, para que todos estes
elementos possam ser selecionados e organizados
para servir de material referencial no desenvolvi-
50
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
mento da animação, é necessária a elaboração de
uma metodologia. No capítulo seguinte, veremos
uma das primeiras metodologias utilizadas e pu-
blicadas na área de animação.
Em 1937, o cinema norte americano in-
vestia muito em produções de animação e os
estúdios Disney concretizaram uma das maiores
produções já feitas até então, A Branca de Neve e
os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs),
dirigido por David Hand. Com um custo aproxi-
mado de US$ 1,5 milhão, um valor astronômico
para a época, o filme levou mais de três anos para
ser concluído. Com a experiência adquirida na
produção deste filme, Frank Thomas e Ollie Johns-
ton que estavam entre os principais animadores,
definiram em 1950, um dos métodos desenvolvi-
dos para que estas questões dos fenômenos físicos
combinados com os objetivos das personagens fi-
cassem mais didáticas para os animadores. Assim,
os 12 princípios de animação foram definidos
para dar suporte no método de trabalho dos ani-
madores da Disney. Estes princípios foram publi-
cados em 1981 no livro The Illusion of Life: Disney
Animation. A seguir veremos as questões analisadas com relação aos princípios de animação.
51
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Capítulo 2
Princípios
de Animação
52
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Os princípios de animação parecem
simples na maioria das vezes e até po-
dem nem ser percebidos pelo especta-
dor quando vistos na projeção da ani-
mação. Para a indústria norte-america-
na, os princípios de animação têm um
papel importante na produção. Acima
de tudo, estes princípios são resultados
dos estudos sobre a desconstrução dos
movimentos e como os seres huma-
nos interpretam os mesmos. Ou seja, a
grande maioria destes princípios ajuda a
exemplificar as relações entre os corpos
e as forças da natureza. O conhecimen-
to destas relações é indispensável para a
prática de um animador, seja através do
estudo dos princípios, seja pela obser-
vação e desconstrução dos movimentos
reais. Muitos animadores não conhecem
ou estudam os princípios de animação,
mas aplicam conceitos e técnicas que respeitam as regras
físicas observadas nos movimentos reais. Por exemplo, na
Ásia e Europa já se desenvolviam animações convincentes
antes que esses princípios fossem divulgados. Ou seja, ou-
tros métodos foram desenvolvidos para representar a natu-
ralidade e a credibilidade dos movimentos. Mas os prin-
cípios foram desenvolvidos principalmente para facilitar a
produção em grande escala dos estúdios Disney na década
de 1950. Além do livro publicado por Thomas e Johnston
(1995) vários outros autores como Williams (2001), Blair
(1995), Lango (2003) e Webster (2005) tratam esses prin-
cípios com outras abordagens, mas o conceito e a relação
com as leis da física são os mesmos.
Estes princípios não são regras rígidas. Para
o desenvolvimento da animação, os animadores
podem seguir inúmeros conceitos, princípios,
métodos e técnicas. Mas para que a animação
seja próspera, não existem receitas ou fórmulas
pré-estabelecidas. Os princípios são apenas uma
forma didática de analisar como os movimen-
tos se constroem. Um animador que observa os
movimentos naturais, que analisa cada instante e
consegue representar o mesmo através da anima-
ção, está aplicando estes princípios, mesmo que os
desconheça. É tudo uma questão de inércia, peso
e aceleração. Portanto, o mais importante não é
saber os nomes dos princípios, mas entender o
que eles representam.
Outra questão que deve ser discutida é que,
apesar de Thomas e Johnston (1995) terem publica-
do os 12 princípios de animação, podemos analisar
que o se tratam realmente de 12, mas sim de 16
princípios. Estes princípios são importantes para
quem esiniciando nos primeiros experimentos
com animação, portanto alguns princípios podem
parecer confusos, pois se desdobram em dois.
53
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
1- Esticar e Achatar
(Stretch and Squash)
Para começar, este primeiro princípio pode ser
interpretado como sendo dois princípios: es-
ticar e achatar. Na verdade ele é apenas um
princípio que tem a característica de deformar
o objeto animado, ora esticando, ora esmagan-
do. Este princípio está relacionado basicamente a
duas funções: sugerir ilusão de peso e deforma-
ção do objeto animado e no caso de personagens,
intensificar as emoções. Se jogarmos uma bexiga
de borracha cheia de água do décimo andar de
um prédio, ao atingir o chão ela se deformará e
esticará para os lados antes de estourar. Ou seja,
ela irá achatar. Hoje podemos encontrar no mer-
cado super-câmeras digitais capazes de capturar
mais de oito mil quadros por segundo, detectando
praticamene todas as deformações que um de-
terminado corpo sofre quando se movimenta e
colide com outro corpo. Quando uitilizamos as
ferramentas digitais, é extremamente fácil alterar a
escala de alguma imagem. E isto pode ser um pro-
blema, pois neste princípio, os objetos não apenas
mudam de escala, mas quando um corpo acha-
ta ou estica, sua massa é redistribuída. O volume
deve ser preservado e redistribuído
para que a animação não pareça fal-
sa. Cada cena deve ser analisada para
cumprir a necessidade do filme e o
emprego de qualquer princípio de
animação requer um planejamento.
O princípio Esticar e Achatar (Stre-
tch and Squash) é importantíssimo e
é empregado em qualquer tipo de
animação, desde uma bola pulando
até o peso de um corpo humano an-
dando. Por exemplo, ao assistirmos
a uma partida de tênis, não vemos
nitidamente a bola achatar quando
sofre a colisão com a raquete, pela
questão dos limites da nossa retina,
mas o fato é que pela lei da física ela
está achatando.
Observe na figura_17, que tan-
to a bola quanto o texto, não apenas
mudam de escala no eixo Y, mas o
volume todo é redistribuído. A apli-
cação da escala resulta em um novo
desenho, um novo volume, maior
ou menor que o anterior. Por outro
lado, o princípio Esticar e Achatar
(Stretch and Squash) deve ter a aparência do mes-
mo desenho deformado. Dentro da dinâmica da
animação, a diferença fica bastante clara. Nas de-
formações das palavras, podemos observar a redis-
tribuição do volume através da espessura dos ca-
racteres. A palavra “esticado” tem seus caracteres
com menor espessura que a palavra “normal” e a
palavra “achatado” tem seus caracteres com maior
espessura.
FIGURA_17 - Estudo do princípio de animação
Esticar e Achatar (Stretch and Squash), (Mauricio
Mazza).
54
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
No caso do emprego deste princípio em
personagens, ele serve para intensificar emoções.
Nas personagens, empregar o princípio Esticar e
Achatar tem o desafio de fazer com que a perso-
nagem não tenha a aparência de borracha ou ge-
latina. É importantíssimo empregar este princípio
nas personagens, mas não é uma tarefa simples.
Ela deve ser muito sutil e estar muito bem inte-
grada com o movimento e o contexto da cena.
Na figura_19, a mesma personagem
es desenhada atuando a pose B. Ela está
achatando sutilmente. Para que ela não te-
nha a aparência de borracha, sua expressão
facial deve ser condizente com o achata-
mento. Seus olhos estão fechados fortemen-
te. Suas sobrancelhas, testa, cabelos e a boca,
foam para que tudo fique comprimido
e concentrado na região do nariz. O cor-
po abaixa-se e se contrai. Com todos estes
elementos visuais planejados, o emprego do
achatamento funciona de forma mais natu-
ral, sem fazer a personagem parecer gelati-
nosa e falsa. Esta pose tamm representa o
emprego de outro princípio de animão, a
Antecipação, que veremos mais adiante.
FIGURA_18
- Exemplo de Esticar
e Achatar (Stretch
and Squash). (BLAIR:
1995, p. 148).
Na figura_18
podemos observar a
personagem na pose
A. Ela está em sua
concepção normal,
sem deformação no
corpo.
Na figura_20, atuando a pose C, a personagem
está expressando o susto. Uma inversão ocorreu em
relação as características da pose B. Os olhos estão
extremamente abertos, as sobrancelhas, testa, cabelos,
boca, língua, estão distantes uns dos outros, se des-
concentrando da região do nariz. Os dedos das mãos,
braços, pernas, pés, todos estão eretos, então o em-
prego do esticamento pode ser aplicado
sutilmente para intensificar a emoção do
susto sem parecer que a personagem te-
nha o corpo com a aparência de bor-
racha. A seguir podemos observar as
figuras 18, 19 e 20, uma ao lado
da outra, para melhor analisar
a sequência de deformações
da personagem.
FIGURA_19
- Exemplo de Esticar
e Achatar (Stretch and
Squash). (BLAIR: 1995, p. 148).
FIGURA_20
- Exemplo de
Esticar e
Achatar
(Stretch and
Squash).
(BLAIR:
1995, p. 148).
55
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Um exercício clássico para estudantes de
animação é animar uma personagem em forma
de saco de farinha preenchido até a metade. O
saco de farinha explicitamente altera sua forma e
redistribui seu volume enquanto se movimenta,
porém é igualmente explícita sua diferença com
relação a corpos de borracha ou gelatina. Muitos
animadores que não têm conhecimento de como
construir uma personagem digital,
podem utilizar vários personagens
disponibilizados gratuitamente na
internet. Veremos neste texto como
estas personagens são construídas e
equipadas com o rig (equipamento
que possibilita a personagem ser animada). Uma versão do
rig “saco de farinha” pronto para ser animado em ferra-
mentas digitais, feita pelo animador Bill Ballout, pode ser
encontrada e utilizada gratuitamente através do endereço
na internet:
http://www.highend3d.com/maya/downloads/cha-
racter_rigs/FlourSacRig-4926.html
56
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
2- Antecipação (Anticipation)
Observado em muitos movimentos naturais e em-
pregado em praticamente todas as animações, este
princípio consiste em um movimento oposto ao
movimento principal. Ele prepara o público para a
cena que virá a seguir. É uma ação aparentemente
sem importância que gera expectativa para a ação
principal. O exemplo clássico em desenhos ani-
mados é quando a personagem preci-
sa correr muito. Ela fica correndo al-
guns segundos sem sair do lugar e, de
repente, some da cena. O local onde
ela estava é substituído por uma po-
eira, representando que saiu de lá em
uma velocidade altíssima. No mun-
do real, a antecipação também existe,
só que de maneira bem mais sutil. Se
uma pessoa está parada e começa a
andar para o lado direito, ela
deve primeiramente aco-
modar seu corpo, rotacio-
nando para o lado direito,
possivelmente até avançar
um pouco o lado esquerdo
antes de começar a andar. Podemos observar este exem-
plo na figura_22, com a Antecipação do movimento da
ação da personagem. Observando esta pose isoladamen-
te, ela sugere que a personagem está se preparando para
correr, além de estar furiosa. A ação principal da cena é a
corrida, mas para enfatizar esta ação, há uma antecipação.
A personagem deve antes de sair correndo, preparar seu
corpo para adquirir o impulso necessário para gerar a for-
FIGURA_21 - Personagem
digital em forma de saco de
farinha. Utilizado em estudos
para empregar o princípio de
animação Stretch and Squash,
(BALLOUT, HighEnd3D:
2007).
57
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ça que possibilitará a corrida com muita energia.
Ou seja, a pose ocupa o lado contrário de onde
a ação principal irá acontecer. Quanto mais lento
e mais intenso for este movimento, a expectativa
gerada pela ação que virá a seguir aumenta.
Podemos observar o emprego deste princí-
pio em outro contexto na figura_19, na pose B da
personagem. Antes do susto propriamente dito, ele
contrai todo o corpo, inclusive achatando-o, para
enfatizar a pose que via seguir, a pose C, que é o
susto, ou seja, a pose mais importante da cena.
Vale salientar que este princípio não se limi-
ta apenas às questões do movimento, mas tam-
bém nas intenções da personagem. Uma úni-
ca pose estática pode gerar expectativa para a
ação seguinte. Muitas vezes, este princípio está
mais relacionado com o espectador através de
características psicológicas do que através do
movimento. Ou seja, uma personagem pode
exercer uma Antecipação sem movimentos in-
tensos. Dependendo da cena, apenas um mo-
vimento dos olhos, um suspiro, um movimen-
to de ombros, podem definir uma Antecipação.
3- Organização da Cena
/Enquadramento (Staging)
Este princípio está relacionado aos conceitos do
teatro, ao uso do espaço do palco. É a maneira
da personagem se apresentar no palco. Como
distribuir elementos visuais para contextualizar
uma cena em um espaço limitado. Este termo foi
apropriado pela fotografia e pelo cinema, com
relação aos limites ou molduras que recortavam
as imagens a serem registradas, de acordo com as
tecnologias, principalmente as câmeras fotográ-
ficas e cinematográficas. Portanto, em animação,
o enquadramento é a organização dos elementos
visuais em um espaço delimitado geralmente em
duas dimensões. Na verdade este é um princípio
que relaciona todos os elementos do filme de ani-
mação.
A animação na grande maioria das vezes, é
apresentada em um espaço retangular 2D: tela de
cinema, televisão, computador, telefones celula-
res, painéis expositivos, e-paper, entre outros. Os
exemplos mais típicos são as posições de câme-
ra. Se a câmera estiver filmando a personagem de
baixo para cima, então a mesma parecerá grande,
poderosa, imponente. Se a câmera filmá-la de cima
para baixo, a mesma parecerá pequena, frágil, tí-
mida. Mas o enquadramento deve-se ater muito
à silhueta das personagens e da interação das mes-
mas com os cenários e com outras personagens. O
enquadramento é o princípio que deve fazer com
que a ideia da cena fique a mais clara possível.
“FIGURA_22 - Exemplo
de Antecipação (Anticipation).
(JOHNSTON e THOMAS:
1995, p. 52).
58
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Na figura_23 podemos observar o estudo
do princípio Organização da Cena / Enquadra-
mento (Staging) através das silhuetas das poses das
personagens. Na primeira pose, somos capazes de
identificar facilmente a ação da personagem atra-
vés da silhueta. Na segunda pose, se fosse apresen-
tada apenas a silhueta, dificilmente entenderíamos
qual é a ação da personagem. Um exercício cons-
tante no trabalho do animador é sempre atentar
para a forma da silhueta, a clareza na forma da
mensagem visual.
4- Sempre em Frente e Pose a Pose
(Straight Ahead and Pose to Pose)
Temos aqui outros dois princípios que ora se fundem em um único e ora se desdobra em dois
princípios. Isto ocorre porque são duas ações diferentes e que podem estar inter-relacionadas.
4.1- Sempre em Frente (Straight Ahead)
Este princípio se relaciona com o método e a produção em que a animação será desenvolvida.
Sempre em Frente (Straight Ahead), é quando o animador desenvolve a animação quadro a qua-
dro, ou seja, ele desenha o conteúdo do primeiro frame, depois desenha o segundo, depois o ter-
FIGURA_23 - Exemplo
de Organização da Cena
/ Enquadramento
(Staging).(BLAIR: 1995,
p. 178).
59
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ceiro e assim por diante até o fim. Este método é
muito demorado e o animador não tem controle
absoluto de como será o resultado final e nem do
tempo de produção. É mais utilizado em anima-
ções artísticas, autorais e experimentais.
4.2- Pose a Pose (Pose to Pose)
O outro método, Pose a Pose (Pose to Pose), con-
siste em desenhar as poses de storytelling (poses
que contam a história), ou seja, poses planejadas
que definirão a dramaticidade da sequência a ser
animada. Estas poses podem ser desenvolvidas em
menos tempo que no método Sempre em Frente
(Straight Ahead). As poses devem descrever a apa-
rência que a animação deverá ter antes da
mesma ser desenvolvida. A apresentação
da sequência destas poses sem “intervalos
de frames” (inbetweens), proporcionam a
utilizado no mercado, nas animações de ca-
ráter comercial. Observe que o animador
que cria as poses chaves não necessariamen-
te será o mesmo animador que irá desenhar
os intervalos. O domínio dos princípios de
animação e do acting é que podem definir
a dramaticidade da cena antes mesmo da
mesma ser animada. Analisando a figura_24,
podemos observar todos os desenhos neces-
sários para a fluidez do movimento.
Na figura_25, podemos observar isola-
damente as três poses principais que defi-
nem a animação: “A”, “B” e “C”. Conheci-
das no mercado de animação como Quadros
de Contato (Contact Frames). A apresentação
destas três poses isoladas, em uma velocida-
de adequada, já é suficiente para entender a
ação da personagem. É importane ressaltar a
necessidade de criar as poses de breakdown.
Ao da letra, breakdown pode ser traduzi-
do como desagregação, desarranjo, quebra,
rompimento. A pose “B”, quando a perso-
nagem se inclina para frente, é a pose de
breakdown, ou seja, é a pose que quebra a
linearidade do movimento. Dentro da lin-
guagem da animação, um desafio constante
FIGURA_24 - Exemplo
de Sempre em Frente (Straight Ahead).
(LANGO: 2004).
análise do acting em relação a
necessidade da cena, direcio-
nando a animação de forma
mais eficaz sem precisar gas-
tar dias de trabalho. Depois de
aprovado, os intervalos entre
as poses principais são desen-
volvidos com a ideia da ani-
mação definida e conhecida
por todos da equipe. Assim,
maior controle do resultado
final e previsão do tempo de
produção. Este método é mais
60
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
para os animadores, principalmente em se tratan-
do de ferramentas digitais, é o de evitar movi-
mentos lineares. Isto torna a animação mecânica,
falsa, não natural. Os desenhos de transição (bre-
akdowns) são necessários nesta fase, pois sugerem
naturalidade, peso e força para a ilusão do mo-
vimento. Geralmente o processo é feito criando
primeiramente as poses extremas (“A” e “C”) e
posteriormente criar as poses de breakdown (“B”).
Após esta etapa ser definida, pode-se combinar
um pouco do Sempre em Frente (Straight Ahead)
para que os intervalos das poses fiquem com o
movimento fluído.
4.3- Integração do Sempre
em Frente e Pose a Pose
(Straight Ahead and
Pose to Pose)
Com a aquisição de experiência, o animador de-
senvolve as animações utilizando um processo
único, que consiste na mistura entre o princípio
Pose a Pose (Pose to Pose) e o princípio Sempre
em Frente (Straight Ahead), de forma que ele eco-
nomize o máximo de tempo somado a qualidade
na ilusão do movimento. Outra questão impor-
tante enfatizada pelos autores, é que o princípio
Sempre em Frente (Straight Ahead), com caracte-
rísticas de experimentalismo e falta de controle,
permite mais liberdade para o
processo criativo. Por outro lado,
o princípio Pose a Pose (Pose to
Pose) permite um controle maior,
porém restringe a criatividade.
Na figura_24 podemos ob-
servar a sequência de desenhos
que definem as poses necessárias
para gerar a ilusão do movimen-
to. Ou seja, se apresentarmos tais
desenhos em sequência, em uma
velocidade entre 8 e 24 quadros
por segundo, teremos a ilusão do
movimento completo da persona-
gem. Por outro lado, se fizermos
o mesmo com a figura_25, não
FIGURA_25 - Exemplo de Pose a
Pose (Pose to Pose). (LANGO: 2004).
61
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
veremos a ilusão do movimento, veremos cortes
bruscos entre poses diferentes, sem continuidade.
Porém, estas poses definem a essência da cena.
Quando aprovadas, os desenhos que preencherão
os intervalos entre estas poses serão feitos com
muito mais segurança e eficácia, porém com li-
mites criativos.
5- Siga Através e Sobreposição
(Follow Through and
Overlapping)
Outro princípio que são dois em um. Este prin-
cípio se relaciona com o fato de que na natureza,
nada para de uma só vez. Ele é aplicado a objetos
que se movimentam conectados a outro objeto ou
a outra parte do mesmo objeto. Estes objetos têm
uma trajetória atrasada e com menos intensidade
em relação ao objeto principal, (lê-se aqui “objeto
principal como o objeto gerador da força).
5.1- Siga Através
(Follow Through)
Imagine uma jovem com vestido
de seda e cabelos longos corren-
do. Quando ela para de correr, o
vestido de seda ainda estará em
movimento, colidindo e parando
lentamente com um nítido atraso
em relação ao corpo. Os cabelos
também sofrerão um atraso em
um tempo diferente do vestido.
Este conceito pode ser entendido
como Siga Através (Follow Throu-
gh), porém é chamado frequente-
mente por animadores como drag
(arrastar). O princípio Siga Atra-
vés (Follow Through) está mais relacionado com as juntas nas ar-
ticulações dos seres vivos. Por exemplo, no caso do movimento
do braço de um humano quando está andando, as extremidades
terão um atraso gradativo em relação ao centro da força, no
caso, o ombro. E este ombro pode sofrer a força da mão se a
mesma estiver segurando uma mala pesada. Este seria o princí-
pio Siga Através (Follow Through).
Na figura_26 podemos observar o princípio do Siga Atra-
vés (Follow Through) no movimento do braço de uma perso-
nagem humanóide, quando a mesma está andando. Justamente
pelo fato de existirem articulações e as mesmas estarem sofren-
do a força da gravidade e ao mesmo tempo a força do corpo
FIGURA_26 - Exemplo de
Siga Através (Follow Through).
(WILLIAMs: 2001, p. 151).
62
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
que movimenta o braço, existe um atraso entre as
extremidades dos membros articulados e os cen-
tros de forças. No caso do exemplo do braço, o
centro de força está no ombro, que por sua vez
está preso ao tórax da personagem. Esta força do
ombro, contra a força da gravidade, faz com que
o ombro chegue no destino, antes do cotovelo.
Por sua vez, o cotovelo chega antes ao destino
em relação ao pulso. Observe na figura_26 que
quando o braço se movimenta para frente, o pul-
so fica rotacionado para trás, e será rotaciona-
do para frente quando o braço estiver voltando
para trás ou parar. Ou seja, o movimento do pulso
está atrasado em relação ao movimento do coto-
velo. No exemplo da figura_26, para representar
o princípio no cotovelo, observe que o mesmo
se estica, principalmente no meio do movimento.
Isto também deve ser feito com um atraso em
relação ao movimento do ombro. É uma parte da
linguagem da animação para representar a inércia
que lidamos diariamente através do cotidiano. A
ideia é de que a força proveniente do ombro, é
transferida para o braço em menor intensidade,
que por sua vez transfere para o antebraço com
intensidade menor ainda, que por sua vez termina
na rotação da mão com pouca intensidade e bas-
tante atrasada.
5.2- Sobreposição (Overlapping)
O princípio da Sobreposição (Overlapping) é
quando uma personagem quebra a fluidez de um
movimento. Ou seja, é quando a personagem ini-
cia a segunda ação, ou a segunda pose, antes de
terminar a primeira. Além da força da gravidade,
este princípio estuda que os movimentos resul-
tantes de decisões das personagens não são linea-
res nem mecânicas. E este é um constante desafio
para animadores, fazer com que os movimentos
não pareçam mecânicos.
Na figura_27 podemos observar o efeito de
Sobreposição indicado na pose do braço de cor
vermelha: no desenho 2, a pose “B”, sobrepõe a
pose “A”. Geralmente, isso indica um movimento
brusco, rápido, de reação. Nesse caso, a persona-
gem pode ter ficado nervosa e começou a andar
bruscamente, como se a mente dela tomasse uma
decisão tão rápida que o braço não conseguiu
acompanhar. E isto pode acontecer em todos os
membros da personagem. Por exemplo, uma per-
sonagem que está andando tranquilamente e de
repente tropeça, caindo no chão. Provavelmente
FIGURA_27 - Exemplo de Sobreposição
(Overlapping). (WILLIAMS: 2001, p. 152).
63
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
teremos várias poses de Sobreposição (Overlap-
ping). Ou seja, são poses que parecem ser ines-
peradas para a personagem. Mas estes princípios
também aparecem de forma muito sutil, sem ex-
tremos, sem demonstrarem momentos de tensão
ou velocidade. Se uma pessoa demora três se-
gundos para levantar de uma cadeira, não signi-
fica que estes três segundos foram dividos para os
membros do corpo em partes iguais desde que a
pessoa estava sentada até estar de pé. Geralmente
é necessário um tempo maior se preparando para
o impulso da força para levantar o corpo e um
tempo menor para sair da cadeira.
Podemos analisar novamente a figura_ 24.
Observe que a cabeça da personagem inicia e ter-
mina o movimento antes do torso, que por sua
vez tem sua ação antes dos braços. E ainda, um
braço está atrasado em relação ao outro. Outra
questão é com relação ao princípio Sobreposição
(Overlapping) não se limitar às mecânicas do movi-
mento. Estas Sobreposições também podem estar
presentes nas atitudes das personagens. Por exem-
plo, várias personagens estão correndo em uma
pista de corrida, em sentidos contrários. Conse-
quentemente, por várias vezes uma personagem
irá cruzar o caminho da outra, mas mesmo assim
não irá mudar sua dinâmica
corporal. Em um determindo
momento, quando a persona-
gem “A” cruza com a perso-
nagem “B”, sem mudar a di-
nâmica da cena, ela levanta a
mão e arranca a corrente de
ouro que estava no pescoço
da personagem “B”, e sai cor-
rendo em outra direção com
uma velocidade muito maior.
A ação esperada pelos espec-
tadores que supostamente
deveria acontecer igualmente
como vinha acontecendo até
então, é bruscamente interrompida, sobreposta por um novo objetivo
da personagem. Por este motivo ambos os princípios formam um
único, pois estão diretamente relacionados. Este é um nítido exemplo
dos cuidados para que as animações de personagens não pareçam me-
cânicas, lineares nem artificiais.
“FIGURA_24 - Exemplo de Siga Através
(Follow Through).(LANGO: 2004).
64
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
FIGURA_28 - Estudo do princípio de
animação Lento na Entrada / Lento na
Saída (Mauricio Mazza).
6- Lento na Entrada / Lento
na Saída (Slow in / Slow out)
Mais um princípio composto e que está direta-
mente relacionado com o princípio anterior Siga
Através (Follow Through). Podemos novamente
analisar a figura_27 para estes dois novos prin-
cípios: justamente pela
força gerada no om-
bro e consequente-
mente o atraso e dimi-
nuição de intensidade
atribuído nas partes
acopladas, a acelera-
ção também é gerada
a partir destes fatores.
Os autores afirmam
que nos movimentos reais naturais, ou seja, não
gerados por máquinas, os corpos não conseguem
atingir um destino e sair do mesmo mantendo a
mesma velocidade. A figura_27 representa o mo-
vimento do braço rotacionando para frente e para
trás. O movimento natural desta animação mos-
tra que o pulso sai da velocidade zero (parado)
e gradativamente ganha velocidade até atingir a
velocidade máxima. Para rotacionar para o outro
lado, ele perde a velocidade gradativamente até
atingir a velocidade zero novamente, e assim ga-
nhar velocidade gradativa para a rotação de vol-
ta. Os corpos que vivem submetidos às forças da
gravidade estão constantemente acelerando e de-
sacelerando. No caso da animação, mais quadros
representam menor velocidade, menos quadros
Na figura_28 podemos observar os desenhos que de-
finem a trajetória de um corpo que está parado, começa
a se movimentar e depois para. No exemplo, temos duas
opções de trajetória: ‘A’ sem Lento na Entrada / Lento na
Saída (Slow in / Slow out) e a ‘B’ com Lento na Entrada
/ Lento na Saída (Slow in / Slow out). O maior acúmu-
lo de desenhos no início e no final da trajetória define
menor velocidade na ilusão do movimento, ou seja, uma
aceleração positiva no início partindo da velocidade zero
representam maior velocidade. Se para
animar uma personagem andando são
necessários, por exemplo, 32 desenhos
para um segundo de animação, então
para a mesma personagem correndo
serão necessários menos desenhos. Em
torno de 22, ou menos ainda depen-
dendo da velocidade da corrida.
65
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
e no final uma aceleração negativa até atingir a
velocidade zero. Por outro lado, no meio do traje-
to, onde existe maior espaço entre os desenhos, a
velocidade será maior.
6.1- Lento na Saída (Slow out)
Ainda podemos pensar em exemplos nos quais o
princípio da Sobreposição (Overlapping) pode in-
terferir nos princípios Lento na Entrada / Lento
na Saída (Slow in / Slow out). Imagine uma bola
de futebol, segundos antes de receber o chute do
jogador. Ela está parada, portanto com a veloci-
dade zero. Imediatamente após o chute, a bola sai
bruscamente da velocidade zero para uma velo-
cidade muito alta. Podemos dizer que não houve
Lento na Saída (Slow out). Ela saiu de seu estado
de repouso rapidamente.
6.2- Lento na Entrada (Slow in)
Continuando no exemplo, se após o chute a bola
cai no gramado, ela vai perder velocidade gradati-
vamente, portanto, terá o Lento na Entrada (Slow
in). Mas se o goleiro agarra a bola no ar, no meio
de sua trajetória, então ela não terá Lento na En-
trada (Slow in). Ela irá parar bruscamente e terá
uma pose de Sobreposição (Overlapping) quebran-
do sua trajetória. Por sua vez, o goleiro terá Lento
na Saída (Slow out) após pegar a bola e começar
a queda para o chão. Se a animação precisar re-
presentar, por exemplo, a vista de uma câmera em
frente a uma pista de carros de corrida, os mes-
mos irão atravessar a câmera em alta velocidade,
sem a aplicação deste princípio, ou seja, estaremos
vendo uma animação de um intervalo do movi-
mento, sem sabermos o início e o fim. É o mesmo
7- Arcos (Arcs)
Novamente um princípio que foi con-
cebido através de uma das consequências
da força da gravidade. Basta pegar algum
objeto e lançá-lo ao ar. Inevitavelmen-
te ele irá criar uma trajetória em forma
de arco. Este arco é formado justamente
pelo princípio anterior, pois a aceleração
gradativa, tanto positiva quanto negativa,
tende a formar trajetórias em formas de
arcos. Podemos imaginar facilmente no
exemplo anterior do jogador de futebol:
após o chute na bola, a mesma terá uma
trajetória em forma de arco até atingir o
gramado ou as mãos do goleiro. Ela irá
subir com a acelaração negativa até atin-
gir a velocidde zero e consequentemente
altura máxima. Depois irá descer com a
aceleração positiva em direção ao chão.
O movimento de todos os elementos
que estão soltos no ar tem suas trajetórias
em formas de arcos.
No caso de uma personagem bípede,
onde existem juntas e articulações, e to-
dos sofrendo a força da gravidade, a pre-
que podemos observar na
trajetória ‘A’ da figura_28,
a velocidade é constante
do início até o fim.
66
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
sença de arcos nas trajetórias também
é nítida. Na linguagem da animação
tudo o que balança tem o princípio dos
arcos. Podemos dizer que os arcos são
fenômenos resultantes dos princípios
Siga Através (Follow Through) e Lento
na Entrada / Lento na Saída (Slow in
/ Slow out). Em muitos casos o arco é
muito sutil, mas dentro da linguagem
da animação ele pode e deve ser exage-
rado. Este também é um princípio im-
portante para que o movimento torne-
se menos mecânico e mais natural.
Na figura_29, temos dois exem-
plos de imagens das poses principais
da animação da personagem virando o
corpo da direita para a esquerda. Em
ambos os exemplos temos a pose “A”
com a personagem olhando para a di-
reita, em seguida temos a pose “B” com
a personagem olhando para o meio e
por fim temos a pose “C” com a perso-
FIGURA_29 - Exemplo de Arcos na
trajetória. (LANGO: 2004).
67
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nagem olhando para a esquerda. Ob-
serve que no exemplo “com arcos”,
a pose intermediária tem a persona-
gem com a coluna, os braços e a ca-
beça curvados para frente. Isso torna
o movimento mais natural e menos
mecânico na animação. Na figura_30
podemos analisar isoladamente apenas
os arcos definidos pelas trajetórias dos
membros da personagem apresentada
na figura_29.
No estudo deste princípio, vale
ressaltar uma prática importante no
planejamento da animação, chama-
da “linha de ação”. A linha de ação é
uma representação visual da dinâmica
da animação da personagem, em for-
ma de arco ou curva. Somente depois
de assimiladas e aprovadas estas curvas
será investido tempo no desenvolvi-
mento das poses da personagem. De-
ve-se estar atento para não confundir
os arcos formados em consequência
das trajetórias dos movimentos, com
os arcos que definem a ação da per-
sonagem.
FIGURA_30 - Exemplo de Arcos na
trajetória. (LANGO: 2004).
68
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Podemos analisar na figura_31, a sequência
de ações da personagem. As linhas curvas em cor
de laranja representam o planejamento do ani-
mador. Ele deve imaginar a ação da personagem
e representar visualmente a mesma em forma de
linhas curvas. Assim ele desenvolve a essência da
dinâmica da cena e economiza horas de trabalho
quando for desenvolver as poses da personagem.
Na figura_32 temos outro exem-
plo nítido da importância da definição
da linha de ação antes de desenvolver as
poses da personagem. Na definição des-
tas linhas, podemos observar a presença
nítida de princípios estudados anterior-
mente como Antecipação, Sobreposição e Organização da Cena. Princípios estes que representados
em forma de linhas, enfatizam e energizam a ação principal, que é de prover um golpe expressivo
com a espada.
FIGURA_31 - Exemplo de linha de
ação (WEBSTER: 2005, p. 54).
FIGURA_32 - Exemplo de linha de
ação (WEBSTER: 2005, p. 54).
69
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
8- Ação Secundária
(Secondary Action)
Ação Secundária é uma ão que valoriza a ão
principal. Um cavalo galopando terá os pelos do
rabo balançando, sofrendo a inércia do corpo em
movimento. Dificilmente alguém vai prestar mais
atenção no rabo do que na cabeça do cavalo, mas
o movimento correto vai promover maior credi-
bilidade para a sequência. No caso de uma per-
sonagem, a ão Secundária pode estar em partes
do corpo. Por exemplo, se uma personagem está
andando de forma determinada, pisando firme, o
que mais chamará a atenção o os movimentos
das pernas. Portanto, os braços podem ter um mo-
vimento secundário, resultante da força empregada
nas pernas. Até a cabeça e a boca podem contri-
buir para valorizar o movimento das
pernas. Pode parecer simples, mas o
cuidado para que a Ação Secundária
não “roube a cena e tire a atenção da
ação principal é muito sutil. Uma pre-
ocupação constante para animadores
é fazer com que as ões secundárias
sejam realmente secundárias, ou seja,
elas devem chamar menos atenção
que as ações principais, mas não po-
dem deixar de existir.
Na figura_33 podemos obser-
var o rabo do esquilo como ação se-
cundária. O rabo se movimenta em
reação ao movimento do corpo do
esquilo. Atenção para não confundir
este princípio com o princípio Siga
Através (Follow Through). A animação
secundária não se trata apenas de inércia provocada pelas
forças que geram o movimento. Observe que o rabo do
esquilo, principalmente nos últimos três desenhos, inten-
sifica a estética da pose da personagem. Mas a Ação Se-
cundária não necessariamente apresenta o princípio Siga
Através (Follow Through). Por exemplo, a ação de uma per-
sonagem forçando a mente para se lembrar de um evento
passado. Uma Ação Secundária poderia ser a personagem
coçando a cabeça. Ou seja, uma segunda ação que reforça
a ação principal.
FIGURA_33 - Exemplo de Ação Sedundária. (BLAIR: 1995, p. 144).
9- Regulação do Tempo
(Timing)
Conforme dissemos ante-
riormente, em animação uma regra
é básica: mais desenhos entre poses
a animação fica lenta, menos dese-
70
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nhos entre poses a animação fica rápida.
O que define a animação são as poses,
mas a Regulação do Tempo na passa-
gem de uma para outra e na permanên-
cia de outras pode mudar o sentido do
movimento. Se uma personagem gira a
cabeça para a direita em um intervalo
de 2 segundos, ela parecerá tranquila,
relaxada. Se esta mesma animação for
apresentada em ¼ de segundo, então o
sentido é de tensão, susto. Se uma bola
cai no chão no intervalo de 1 segundo
ela terá um peso. Se a mesma bola cair
no chão em ¼ de segundo, ela pare-
cerá muito mais pesada. É importan-
te entender que não se trata do tem-
po em si, mas no sentido ou emoção
que o movimento deve sugerir. Mas
o timing não se limita a isso. Ele é um
dos princípios mais importantes, se não
for o mais importante. Podemos ter a
Regulação do Tempo em movimentos
rápidos, movimentos lentos, poses fixas,
para sugerir peso, força, sentimentos,
emoções, etc. Williams (2001) sugere
trabalhar o timing antes de começar a
animar. O animador deve fazer testes,
interpretações e simulações para planejar o timing antes de
ir pra a produção.
Dependendo da Regulação do Tempo em que cada
desenho se apresenta, a ilusão do movimento não muda,
mas o sentido sim. Na figura_32 podemos observar uma se-
quência de desenhos no qual o timing sugere peso.
Na figura_34 temos três exemplos para sugerir
pesos: bola de boliche, bola de basquete e bola de
isopor. A bola de boliche tem sua trajetória defi-
nida por apenas três desenhos e os mesmos distri-
buídos em 0,5 segundo. Ou seja, poucos desenhos
FIGURA_34 - Exemplo de Regulação do Tempo (Timing). (Mauricio Mazza).
71
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
e pouco tempo de apresentação dos mesmos en-
tre as poses, portanto movimento rápido. A bola
de basquete tem maior quantidade de desenhos
entre as poses e os mesmos são apresentados com
o dobro do tempo anterior: 1 segundo. Portanto,
movimento mais lento, sugerindo menos peso. A
terceira, bola de isopor, tem uma quantidade ain-
da maior de desenhos apresentados em um tempo
também maior. Portando, mais lento e mais leve.
Observe que a representação do peso será suge-
rida apenas pela Regulação do Tempo. Quantos
desenhos serão apresentados e em que intervalo
de tempo. Na figura_34, as três bolas são iguais es-
teticamente, mas a Regulação do Tempo durante
a animação irá sugerir seu peso, massa e material.
10- Exagero (Exaggeration)
O Exagero é outro princípio que pode parecer
óbvio quando pensamos em animação. Se pen-
sarmos em desenhos animados, quando a per-
sonagem cai de um prédio, esse terá milhares de
andares e quando o corpo atingir o chão, uma
cratera enorme se abrirá. Sim, isto é exagero. Mas
o princípio não se limita apenas a isso. O Exa-
gero em questão é o mes-
mo empregado por atores
de teatro, cinema e televi-
são. Para uma personagem
de teatro representar uma
emoção para uma platéia
enorme, com espectado-
res que podem estar a mais
de 100 metros de distância,
ele deve ter um acting, e
este acting deve conter um
exagero suficiente para que
seu corpo transmita a emo-
ção, e a informação possa
ser transmitida com maior
expressividade. No caso de
atores de cinema, em que
os planos podem ser mais fechados, o exagero se manifesta no rosto,
principalmente nos olhos, sobrancelhas e boca. Na figura_35 podemos
observar a relação do Exagero entre ações representadas por desenhos
mais próximos do realismo e do cartum. Observando apenas o dese-
nho estático, sem pensar em movimento, o desenho cartum, ou seja,
desenho com características de caricatura, é exagerado. Observe na
figura_35 que as formas do corpo das personagens do tipo cartum -
pugilistas e golfistas - são exageradas em relação as personagens do tipo
real (actual): cabeça, pés, nariz, boca, dentes. Assim, o movimento deve
ter exageros que harmonizem com os desenhos. Observe a relação
FIGURA_35
- Exemplo de
Exagero.
(HALAS e
WHITAKER:
2002, pg. 28).
72
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
das forças, inclusive da força da gravidade, com a
personagem cartoon: ela flutua para intensificar a
força dos braços. A força dos braços é tão exage-
rada que acaba neutralizando a força da gravidade.
Além disso, outros recursos gráficos são utiliza-
dos para intensificar o exagero. A trajetória tem
forma, os momentos de impactos têm forma, a
fumaça ou poeira no exemplo da bola também
ajuda a exagerar a ideia de peso. Além disso, a
poeira no exemplo da bola cartum atingindo o
chão pode ser analisada como animação secundá-
ria. Ou seja, uma outra animação que intensifica
e contribui para a clareza da animação principal.
11- Desenho Sólido
- Personalidade
(Solid Drawing)
Este princípio engloba todos os
princípios não em movimento
mas em um único desenho. Se
o desenho da pose conseguir
transmitir peso, velocidade,
ação, sentimento, emoção, en-
tão os movimentos terão maior
credibilidade. Na figura_36
podemos observar um desenho
com pouca personalidade. A
personagem tem as poses dos
braços e pernas simétricas. A
coluna está reta, rígida. Defini-
do pelos animadores da Disney
na época como “personagem
de madeira”, ele representa
uma personagem falsa, que não
tem vida, exemplificado na fi-
gura_34 por um um desenho
recortado em uma lâmina de
madeira caída no chão.
FIGURA_36 - Exemplo de falta de personalidade.
(JOHNSTON e THOMAS: 1995, p. 67).
73
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Na figura_37, a mesma personagem interpreta a pose de manei-
ra mais natural, pois o desenho tem maior riqueza de detalhes. Cada
parte do corpo tem variações, uma em relação a outra, forçando uma
assimetria. Os olhos em perspectiva sugerindo atenção e o corpo em
perspectiva sugerindo volume. Cada dedo da mão é tratado como um
desenho diferente, eles têm variações de pose distribuídas em ambas as
mãos. A curvatura da forma da linha do corpo contribui para que a
personagem pareça ter vida.
12- Apelo (Appeal)
Este princípio também está intimamente re-
lacionado com o acting. Se pensarmos em dois
atores representando a mesma cena, inevitavel-
mente um deles irá chamar mais atenção do que
o outro. Então podemos dizer que o que chamou
mais atenção, desenvolveu maior Apelo.
FIGURA_37
- Exemplo de
personalidade.
(JOHNSTON
e THOMAS:
1995, p. 67).
FIGURA_38 - Exemplo
de Apelo. (JOHNSTON e
THOMAS: 1995, p. 69).
Na figura_38 podemos observar o Apelo da
personagem fada madrinha encantada do longa
de animação Pinocchio, Walt Disney, 1940. Como
ela é a vítima inocente e frágil dentro do contexto
do filme, ela tem um Apelo que deve sugerir paz,
74
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
tranquilidade, bondade, afeição, segurança, simplicidade. Ela tam-
bém representa a beleza feminina estereotipada pelo cinema ame-
ricano nas décadas de 1930 a 1950: loira, alta, corpo com curvas
sutis e delicadas, cabelos caídos nos ombros e olhos claros.
Na figura_39, temos a bruxa malvada de A Bela Adormecida
(The Sleeping Beauty, Walt Disney, EUA, 1959). Neste caso, a per-
sonagem representa a vilã cruel do filme. Este Apelo deve sugerir
maldade, impiedade, arrogância, domínio. O Apelo consiste em
como a personagem se expressa e seduz o espectador de acordo
com a necessidade da cena, aliados ao princípio “Organização da
Cena / Enquadramento” (Staging): o Apelo deve ser empregado
principalmente em desenhos que necessitem de uma expressivi-
dade estética além do acting. Estas personagens necessitam que os
espectadores prestem atenção não apenas em suas ações, mas nas
suas aparências estéticas.
Para o próximo exemplo, foram escolhidos pictogramas. O
motivo da escolha por pictogramas deu-se em razão da necessi-
dade de descartar as variações da vestimenta, corte de cabelo e as
saliências da forma do corpo humano, tais como nádegas e seios.
Os pictogramas são utilizados por vários autores que escrevem so-
bre animação, para que o movimento não seja influenciado pela
estética da personagem. Os pictogramas escolhidos para representar
as poses, foram inspirados na família pictográfica apresentada pela
primeira vez nas olimpíadas de 1964 em Tóquio, pelo designer
japonês Katzumie Masaru.
FIGURA_39 - Exemplo de Apelo (Appeal). (JOHNSTON e THOMAS: 1995, p. 68).
75
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Os pictogramas indicavam as instalações sa-
nitárias, os postos de atendimento e serviço ao
público. Paralelamente, considerado o Pai da Pic-
tografia, o filósofo austríaco Otto Neurath desen-
volveu símbolos gráficos seguindo uma estética
semelhante a de Masaru, para a representação es-
tatística e econômica. Um de seus grandes feitos
foi a criação da Isotype, que propunha um siste-
ma uniforme e intercultural de comunicação por
meio dos pictogramas. Ele foi também inspiração
para o desenvolvimento dos pictogramas do DOT
(Departamento de Transporte dos EUA) de 1974,
talvez uma das famílias de pictogramas mais uti-
lizadas ainda hoje. Esta família de pictogramas foi
retrabalhada e bastante difundida no mundo du-
rante as Olimpíadas de Munique em 1972,
pelo designer do século XX, Otl Aicher, um
dos fundadores da escola de Ulm.
A figura_41 propõe um exercício
de observação. Podemos observar alguns
exemplos da combinação entre apelo, per-
sonalidade, enquadramento e acting nas po-
ses, ou seja, nas formas da linha do corpo
que são as responsáveis pela mensagem a
ser transmitida. Neste caso, o acting é que
determinará o sexo apresentado pelo pic-
tograma. O exercício utiliza pictogramas,
pois consiste em observar apenas a forma
da linha do corpo, sem correr o risco de ser
influenciado pela cor, textura ou riqueza de
detalhes no desenho.
Na figura_41 podemos observar a diferencia-
ção entre o masculino e o feminino representado
em poses neutras. A diferenciação descarta qual-
quer elemento que não faça parte simplesmente
da forma da linha do corpo. A imagem é com-
posta por seis pictogramas. Os pictogramas A e
B são o mesmo pictograma que representa a es-
sência pura do símbolo. A diferenciação pode ser
observada nas poses dos pictogramas A1, A2, B1
e B2. Todas as variações de um único pictograma
fonte. O masculino é representado pelos pictogra-
FIGURA_40 - Pictogramas de Otl Aicher.
(RATHGEB: 2006, p. 107).
FIGURA_41 - Exemplo de Apelo (Appeal). (Mauricio Mazza)
76
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
mas A1 e A2. E o femini-
no pelos pictogramas B1 e
B2. A posição e ângulo de
cada osso da representação
do ser humano fazem par-
te de um quebra-cabeça
para resolução da expres-
são corporal. Enquanto o
masculino apresenta linhas
retas e duras, o feminino
manifesta-se por linhas
curvas e suaves.
Vale salientar que a
combinação entre prin-
cípios se transforma em
ferramentas poderosas. Por
exemplo, principalmente
em animações 2D, ou seja,
que exigem muitos dese-
nhos para gerar a ilusão
do movimento, em várias
séries de animação para
TV de baixo custo e pou-
co tempo para a produção,
como as personagens da
Warner Bros (Pernalonga,
Patolino, Gaguinho, entre outros) ou Walter Lantz (Pica-Pau, Chili
Willy, Leôncio, Zeca Urubu, entre outros), economizavam horas de
animação valorizando mais tempo em determinadas poses. No caso das
séries, muitas animações são reaproveitadas para que seja possível aten-
der os prazos. Em uma animação é difícil deixar uma personagem total-
mente congelada, sem que a mesma pareça “sem vida”. Assim, unindo
principalmente três princípios: “Enquadramento”, “Personalidade” e
“Apelo”, estas produções valorizavam uma pose extrema até que ela se
esgotasse e assim mudasse drasticamente para outra pose. O corpo da
personagem tinha o mesmo desenho durante vários segundos. Apenas
olhos ou nariz ou boca se movimentavam. Utilizando isso durante o
filme todo, eles economizavam horas de trabalho. O conhecimento e
a prática na utilização dos 12 princípios, ou seja, das desconstruções e
reconstruções artificiais do movimento pode ser utilizada de formas
lúdicas em relação com as poses. Por exemplo, em alguns desenhos
animados de TV, era comum ver personagens que exageravam uma an-
tecipação atrás da outra. Acabamos de
estudar no princípio da “Antecipação”
que a mesma serve para gerar uma ex-
pectativa para a cena seguinte. Em al-
gumas situações de desenhos animados,
a personagem faz uma “Antecipação”
e no momento que ela iria executar a
ação principal, ela exagera mais e atua
uma nova “Antecipação”, e assim su-
cessivamente. Isso ridiculariza a perso-
nagem caracterizando uma comédia no
estilo cartum. A informação essencial é
transmitida pela postura dos braços e
pernas, a posição dos ombros, a curva-
tura da coluna, as posições e curvaturas
das formas definindo pulsos, cotovelos,
joelhos, virilhas, axilas, etc. Mas a dife-
renciação entre masculino e feminino
é apenas um exemplo básico. Estas téc-
nicas são empregadas para conduzir a
narrativa, transmitindo mensagens com
a forma do corpo para provocar senti-
mentos e emoções.
Os 12 principios propostos pelo
estudo da Disney ou os 16 princípios
de animação analisados e propostos
77
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nesta dissertação são informa-
ções básicas para quem preten-
de animar alguma cena. Mas
isso não significa que são sim-
ples e fáceis de serem aplicados.
A combinação entre eles pode
se apresentar de maneira muito
complexa. Um artigo de Keith
Lango (2004), animador que
trabalhou em grandes estúdios,
participou de vários filmes e
atualmente leciona animação,
intitulado Vida Após Pose a Pose
(Life After Pose to Pose), analisa as
relações e características que um
animador deve investir e desta-
ca atenção especial na utiliza-
ção dos princípios, para que os
mesmos não fiquem mecânicos
e a personagem pareça viva. Ou
seja, Lango analisa os elementos
que fazem diferença na qualida-
de da animação, através da apli-
cação dos princípios. Segundo
ele, a aplicação dos princípios
não pode ser metódica e me-
cânica. Eles devem se relacionar
com os movimentos, pensamentos e emoções específicas que a
narrativa deve sugerir.
Portanto, não podemos nos esquecer que para quase tudo que
se relaciona com animação não existe fórmula. Ou seja, não signi-
fica que apenas aplicando todos os princípios, a animação se torna
eficaz. O processo deve ser desenvolvido com análises da ques-
tão da inércia combinada com os objetivos. Saber que a anima-
ção como ação ilusória é uma linguagem, diferente da linguagem
da ação real (live action). Resumidamente, como afirma Williams
(2001), animação é tudo sobre Regulação
do Tempo (timing) e Espaço (spacing). É
necessário apresentar onde o peso está, de
onde ele vem e para onde
ele vai.
78
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Capítulo 3
O Acting
na Animação
79
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
3.1 O Corpo como
Instrumento
Para tratarmos do acting uma questão
importante entre o movimento e o corpo huma-
no que é analisada por Arnheim (2000) que esta-
belece uma relação entre movimento, corpo, leis
da física, estética e percepção visual ao estudar o
corpo como instrumento. Ele afirma que um bai-
larino, apesar de ser de carne e osso, possuir peso
e massa que são controlados por forças físicas, tem
experiências sensoriais do que acontece dentro e
fora de seu corpo, e tam-
bém sentimentos, desejos
e propósitos. Por outro
lado, como instrumento
artístico, o bailarino re-
presenta para o público
apenas aquilo que dele
se pode ver. Suas ações e
mensagens transmitidas
através da linguagem cor-
poral são implicitamente
definidas por aquilo que
parece e aquilo que faz.
“70 quilos de peso não existirá se para o olho tiver a leveza
alada de uma libélula. Seus anseios se limitam ao que apare-
cem na postura e no gesto. (Arnheim: 2000, p. 395)
a pintura tenta transmitir a
energia que a bailarina gera
enquanto dança, especifica-
mente na pose registrada. Os
braços não estão apenas le-
vantados, eles estão lançados
para cima. As pernas também
transmitem uma força para
fora, como se representasse
uma explosão do centro para
as extremidades.
É essencial para o
desempenho do bailarino,
do ator e da personagem de
animação, que a mensagem
visual a ser transmitida atra-
vés do corpo não seja mera
locomoção. O corpo deve ser
um instrumento, um meio da
mensagem. Vimos no capítu-
lo 1 que a dinâmica é uma
ciência que se situa dentro da
física mecânica. Porém, den-
tro da narrativa, seja dança,
teatro, filme, animação, a di-
FIGURA_42 - Representação das formas estéticas
da bailarina Palluca. (ARNHEIM: 2000, p. 396).
O autor utiliza o exemplo da pin-
tura feita por Kandinsky, para representar
a famosa bailarina alemã Palucca. Na fi-
gura_42 podemos analisar como o artista
interpreta e reproduz as formas estéticas
da bailarina. Temos a fotografia da pose da
bailarina ao lado a pintura de Kandinsky.
A pintura intensifica linhas, formas, con-
tornos, simetrias, movimentos que a pose
da bailarina proporciona. Além das formas,
80
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nâmica é responsável pela expressividade e sig-
nificado. Arnheim (2000) cita o sistema de dança
definido por Rudolf van Laban, dançarino e co-
reógrafo, considerado como o maior teórico da
dança do século XX e como o pai da “dança te-
atro”. Laban dedicou sua vida ao estudo e siste-
matização na linguagem do movimento em seus
diversos aspectos: criação, notação, apreciação e
educação. No sistema de Laban, o movimento é
definido pelos atributos físicos: Percurso (sua di-
reção no espaço), Peso (seu ponto de aplicação)
e Duração (sua velocidade). Este sistema enfatiza
que o desenvolvimento do movimento corporal
no espaço tem que se relacionar com o impulso
que início a ele, porque somente o impulso
ou esforço apropriado pode criar o movimen-
to adequado. Podemos relacionar o conceito de
Laban com alguns princípios de animação. Por
exemplo, a questão do impulso se relaciona com o
princípio Antecipação (Anticipation) estudado no
capítulo 2. O princípio “Antecipação” pode ser
compreendido como a expressão do impulso ou
esforço que a personagem acumula antes de criar
o movimento mais importante, o movimento que
vai concluir uma ideia. O sistema de Laban dis-
cute que o deslocamento puramente
gesticulado de uma parte do corpo é
criado por um impulso local restrito,
em oposição a uma ação de postura,
que se estende do centro por todo o
corpo, afetando visivelmente todas as
partes e atingindo sua manifestação fi-
nal no gesto de apontar, empurrar ou
estender. Também podemos relacionar
este sistema ao princípio de animação
Siga Através e Sobreposição (Follow
Through and Overlapping). O princípio
discute que nada que tenha articula-
ções (juntas) e que sofre a força da gra-
vidade, se movimenta e para ao mesmo
tempo. Além disso, o princípio discute
que em várias ocasiões uma sobre-
posição de ações, poses ou gestos. Um
gesto comumente é criado, antes que o
anterior termine por completo. É im-
portante ter em mente todas estas re-
lações entre física, movimento, corpo,
estética, emoção, percepção, arte, antes
de estudar o acting na animação.
3.2 Os quatro “A”s da animação
Webster (2005) divide o campo da animação em qua-
tro categorias: Atividade, Ação, Animação, Acting.
Atividade é a forma mais básica de movimento. Como por
exemplo, o movimento do cursor do mouse do compu-
tador, uma luz que pisca, os títulos e créditos que apare-
cem no filme de animação. Geralmente são movimentos
abstratos e que não se associam com nenhum objeto que
reconhecem estes movimentos. Em alguns raros filmes
de animação, como por exemplo, o filme “Procurando
Nemo” (Finding Nemo, Andrew Stanton, EUA, 2003), as
personagens do filme interagem com o corpo de texto
dos créditos. Ação é a animação de objetos que pode ser
reconhecida como movimento por outros elementos. A
diferença fundamental entre Ação e Atividade consiste em
que na Ação de um objeto, entendemos que um tipo do
movimento possa associar-se com certos objetos conheci-
dos, em certas condições conhecidas e sujeito a leis conhe-
cidas da natureza. Como por exemplo, as bolas utilizadas
em esportes, o girar da hélice do
helicóptero, o movimento das fo-
lhas das árvores proporcionado pelo
vento. Estes elementos não têm a
81
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
intenção de se mover, porém movem-se devido
as suas propriedades e a relação das mesmas com
as leis da natureza.
A palavra Animação pode ter diferentes con-
textos. Podemos chamar de Animação o grande
campo que engloba o cinema de animação, to-
dos os meios em que a mesma pode ser inseri-
da e todas as atividades profissionais com as quais
se relaciona. Mas não podemos nos esquecer que
este nome vem da prática de sugerir a ilusão do
movimento. Portanto, neste sentido, a animação
é o movimento destinado, objetivado. Por exem-
plo, um cachorro que se coça para matar as pulgas,
uma abelha que suga o néctar de uma flor, um pei-
xe que se debate ao ser fisgado pelo anzol. O que
fortemente caracteriza a animação neste sentido
é que o movimento além de estar sujeito às leis
da natureza provém do próprio objeto que está se
movimentando - seria esta a fonte para a definição
de “dar vida a”. Porém, seguindo este conceito de
Webster (2005), um aspecto a ser evidenciado.
Por exemplo, no caso da animação de automó-
veis. Supostamente personagens pilotando estes
automóveis, do contrário, os mesmos não sairiam
do lugar. Por outro lado, como no filme Carros
(Cars, John Lasseter, EUA, 2006), os carros não são
pilotados por outras personagens. Eles têm olhos,
boca, expressões faciais, pensamentos, sentimentos
e emoções. Assim, a ilusão de movimento destes
carros é considerada acting, pois se movimentam
por consequência de questões psicológicas. Os
carros que são pilotados por outras personagens
são máquinas, com movimentos mecânicos, por-
tanto desenvolvem “ação”. Os carros que não são
pilotados por outras personagens e se movimen-
tam sozinhos por questões psicológicas, são perso-
nagens, portanto desenvolvem acting.
Acting é o que descreve o nível mais
alto da ilusão do movimento, pois além
do objeto em movimento estar sujeito
as leis da natureza e de ser o responsável
pelo seu próprio movimento, ele tem ní-
tidas razões psicológicas para produzir es-
tes movimentos. Segundo Webster (2005),
este é o elemento mais difícil de ser de-
senvolvido pelos animadores e é o pon-
to central para criar narrativas atraentes,
pois o acting deve representar os movi-
mentos que são assimilados pelas pessoas
através da vida cotidiana. Neste sentido,
muitas vezes o animador deve assumir o
papel do ator para discutir com o diretor
as questões para a realização da cena. Os
humanos lidam com os movimentos de
outros humanos a maior parte do tem-
po, desde do nascimento à morte. Por-
tanto, o acting é composto por movimen-
tos construídos pelos seres humanos. Ou
seja, movimentos que não somente são
resultantes das vontades dos seres huma-
nos, mas projetados de forma que com-
ponham a narrativa e a estética da cena.
Os pequenos detalhes dos movimentos
corporais são reconhecidos e estabeleci-
82
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
dos culturalmente. O planejamento do acting
deve consistir em dissecar o movimento real
e encontrar os princípios de animação den-
tro dele e compreender como os mesmos se
apresentam e se relacionam.
Na figura_43 podemos analisar os di-
ferentes empregos do acting na personagem,
quando o autor sugere que a mesma está de-
clamando a frase “eu te amo. No acting “A”,
é possível que o espectador acredite que a
personagem realmente ama a quem está se
referindo. No acting “B”, a personagem es
suplicando, como se ela precisasse convencer
de que realmente ama, talvez por uma ou-
tra razão que não seja apenas sentimento de
amor. No acting “C” a personagem esum
tanto triste ou constrangida, se desculpando,
talvez assumindo um erro e ainda amando
apesar de tudo. O actingD” sugere a perso-
nagem irritada, indignada, à beira de um des-
controle. Ou seja, o significado das palavras
ou da frase é determinado ou mudado atras
da performance corporal da personagem.
FIGURA_43 - Exemplo de Acting. (WEBSTER: 2005, p. 108).
Não podemos nos es-
quecer da forte influência
do som, principalmente
da dublagem. Geralmente
em filmes de animação, se
a personagem deve falar, a
dublagem é gravada antes
83
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
do desenvolvimento da animação. Assim, a voz
do dublador direciona fortemente a performan-
ce corporal desenvolvida pelo animador. Também
vale salientar que o acting sofreu transformações
após o aparecimento do som no cinema. Podemos
analisar os filmes de Charles Chaplin, Harold Loyd
e Buster Keaton, onde a expressão corporal era o
centro da condução da narrativa e muitas vezes do
entretenimento. Porém, no campo da animação é
mais comum prescindir da fala do que em filmes
com atores reais.
3.3 Características e Elementos
do Acting na Animação
Segundo Hooks (2003), teatrólogo, professor de
atores e professor de animadores, as raízes do ac-
ting estão no xamanismo. Há cerca de 7 mil anos,
os nômades na Mesopotâmia seguiam rebanhos,
desenvolviam rituais para os deuses, pedindo que
sobrevivessem aos invernos severos, falta de água
ou rebanhos doentes. Os xamãs, indivíduos que
exerciam práticas etnomédicas, mágicas, religiosas,
filosóficas, metafísicas, pintavam o corpo, usavam
máscaras e representavam para sua tribo, perso-
nagens imaginários que se comunicavam com
os deuses. Em 500 a.C., quando
surgiu o teatro grego, os rituais
xamânicos continuavam. A dife-
rença é que estes eram organiza-
dos em coros, para que o povoa-
do acompanhasse mais facilmen-
te. Um dia, um dos integrantes
do coro Tepsis colocou uma
máscara pretendendo ser deus e
falou respondendo ao coro e ao
público. Neste sentido, o elemen-
to máscara por sí só já caracteriza
a interpretação de uma persona-
gem, pois é um artefato estético
utilizado como suporte para a
condução da narrativa. Nos sécu-
los seguintes, atores solos passaram
a trabalhar juntos e compuseram
um novo tipo de coro, o coro de
atores. Assim, os rituais religiosos
se transformaram em teatro sobre
os deuses, com contos sobre deu-
ses, humanos e heróis. Mas antes
de tudo isso e até os dias de hoje,
quando uma pessoa se comunica
com outra e conta uma história, a
linguagem corporal utilizada para
dar suporte à narrativa verbal pode ser definida
como acting. É o simples fato de representar uma
personagem, e como define Moises (1995), pes-
quisador e autor de vários livros sobre literatura
portuguesa: “personagem é a máscara do ator”.
Estamos desenvolvendo um acting quando
interpretamos outra pessoa ou interpretamos nós
mesmos com referência no passado. Quando a
pessoa A fez uma ação no passado e narra esta
ação para a pessoa B, a pessoa A interpreta ela
mesma para incrementar a narrativa. Esta é a es-
sência do contrato teatral. Esta pesquisa está sendo
desenvolvida no século XXI, quando as tecnolo-
gias digitais dominam o mercado de animação,
porém na maioria das vezes, as narrativas ainda
seguem o modelo clássico. Portanto, as origens e
métodos utilizados no acting do teatro são um co-
nhecimento indispensável para o animador, seja
utilizando ferramentas digitais ou não.
Podemos relacionar estas práticas do com-
portamento humano, com as análises de Richard
Williams (2001), animador experiente dos estúdios
Disney e consagrado pelos créditos da animação
do filme “Uma Cilada Para Roger Rabbit” (Who
Framed Roger Rabbit, Robert Zemeckis, EUA, 1988).
84
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Ele afirma que o acting está presente o tempo
todo no cotidiano das pessoas quer elas percebam
ou não. Atuamos ou negociamos o tempo todo.
Seja com outros seres humanos, com animais,
com objetos, com situações. Em um mesmo dia
podemos enfrentar situações com crianças, chefes,
funcionários, amigos, inimigos, gerente de ban-
co, gatos, cachorros. Nós alteramos nossa postura,
expressões e reações de personalidade conforme
cada situação. O acting na animação é a habilidade
de projetar análises ou desenhos que representem
estas alterações de personalidade. Por exemplo, a
diferença entre um adulto e uma criança não está
apenas no tamanho do corpo, pois a personalida-
de é expressada também através da postura. No
cinema de animação, o acting implica na lingua-
gem corporal da personagem, a representação da
situação em que ela se encontra, através da busca
pelos seus objetivos e a demonstração de pensa-
mentos, sentimentos e emoções.
A palavra acting na língua in-
glesa tem um sentido mais amplo
do que apenas traduzir como atu-
ação, interpretação ou ação. Seria
mais próximo semanticamente, à
palavra “ação” que o diretor de ci-
nema utiliza quando está filman-
do. Neste contexto, esta palavra
tem o sentido de um comando,
que faz com que todos os fun-
cionários do estúdio iniciem suas
funções para que a cena se desen-
role e seja filmada. Seria o sentido
de atuação e ação somados. Hooks
(2003) afirma que ação é reação,
e levanta a questão de quem seria
o maior responsável pela definição
do acting: o animador, o desenhista
de storyboard, o contador de histó-
rias ou o diretor? Eu acredito que
o acting deve ser definido através
do trabalho colaborativo entre os
principais profissionais envolvidos
com a personagem. Basta observar
os créditos de algum filme de ani-
mação e percebemos que os ani-
madores não trabalham sozinhos.
Um ator de teatro realiza sua arte no momento
presente. Um animador cria a ilusão do momen-
to presente. O ator de teatro representa para uma
platéia, o animador representa para uma platéia
virtual. Mas ainda assim os princípios conceituais
do acting são guias fundamentais tanto para atores
quanto para animadores.
No desenvolvimento do acting na animação,
a preocupação não deve se prender apenas na re-
produção fiel dos movimentos, mas na estrutura
da sequência e nas emoções que os movimentos
proporcionam. O espectador espera ação, objetivo
e obstáculo. Atores de teatro, na maioria das ve-
zes, não precisam se preocupar com sutilezas no
desenvolvimento do acting, como por exemplo,
o que acontece com as sobrancelhas ou com as
pálpebras, isto é inerente as reações corporais de
acordo com a emoção que o ator representa. Por
outro lado, os animadores precisam identificar to-
dos os mínimos detalhes que compõem a emoção
sugerida pelo acting.
85
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Os cursos profissionalizantes para
atores foram oficialmente inicados em
meados de 1897, quando Constantin
Stanislavsky, ator, diretor, pedagogo e es-
critor russo de grande destaque entre os
séculos XIX e XX, começou a minis-
trar seus workshops no Teatro de Mos-
cou. Stanislavsky baseou-se nas pesquisas
psicológicas e fisiológicas de Sigmund
Freud, médico-neurologista fundador
da psicanálise e Ivan Petrovich Pavlov, fi-
siólogo russo premiado com o prêmio
Nobel em 1904 por suas descobertas
sobre os processos digestivos nos ani-
mais. Stanislavsky se atentou a um ex-
perimento em particular. Pavlov fez um
experimento que consistia em sempre
tocar um sino antes de alimentar seu
cachorro de estimação. Com o passar
do tempo e com o condicionamento, o
cachorro sempre salivava quando ouvia
o sino tocar, independentemente de ter
alimento ou não. Esta é a ideia básica
do trabalho de Stanislavsky. Um ator
também poderia se emocionar através
de algum dispositivo. Stanislavsky deno-
minava este dispositivo como “memória
emotiva”. Consiste em ativar uma lembrança por
parte do ator, que tenha uma emoção semelhante
a cena que o mesmo deve atuar. Segundo Hooks
(2003), Stanislavsky afirmava: “Tente realmente
sentir algo, no lugar de fingir sentir.
possibilidade de ganhar e de perder. Assim, pen-
samos em negociação, pois nestas situações de ga-
nhos e perdas, os conflitos sempre estão presentes,
uma vez que as opiniões entre personagens po-
dem ser diferentes.
No universo da animação existem apenas três
tipos de conflitos (obstáculos):
(1) conflito consigo mesmo. Por exemplo: a per-
sonagem está em dúvida se fica do lado da polícia
ou dos bandidos;
(2) conflito com a situação. Por exemplo: a perso-
nagem não consegue fechar o zíper da calça;
(3) conflito com outra personagem. Por exemplo:
a personagem quer convencer outra personagem
de que o caminho correto é pela direita e a outra
personagem não aceita e afirma que o caminho a
ser seguido é o da esquerda.
No desenvolvimento do acting, sempre deve
estar claro para o animador o que está sendo nego-
ciado na cena, ou seja, qual é o objetivo da persona-
gem e quais são os obstáculos que ela vai enfrentar.
Segundo Hooks (2003), existem 7 princípios do ac-
ting, os quais serão apresentados a seguir e retomados mais
adiante no estudo de caso.
1- A cena é uma negociação.
Segundo Hooks (2003), Stanislavsky definiu
acting como “interpretando uma ação na
busca por um objetivo enquanto supera um
obstáculo. Em termos teatrais, obstáculo é o
mesmo que conflito. Conflito não precisa ser
necessariamente algo negativo ou uma luta
corpo a corpo. A personagem pode estar em
conflito se come um bolo de chocolate ou
se come uma torta de morango. Pode estar
em conflito se vai passar as férias na praia ou
na montanha. No dia-a-dia, nós geralmente
tentamos evitar conflitos, mas no acting, ele é
nosso aliado. Em uma negociação, sempre há
86
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
2- Pensamentos tendem a
conduzir conclusões; emoções
tendem a conduzir ações.
Hooks (2003) afirma que todas as ques-
tões do acting estão relacionadas com o
cérebro. Para desenvolver o acting em
animação, a referência da vida dos seres
humanos é medida de acordo com a ati-
vidade cerebral. Hooks (2003) afirma que
os animadores devem sempre refletir ao
fato de que as pessoas não simplesmente
se movem, mas elas se movem por algu-
ma razão. Em 1935, quando Walt Dis-
ney desenvolvia sua personagem Mickey
Mouse, ele seguiu os ensinamentos de
Aristóteles e fez com que sua persona-
gem incorporasse sentimentos, emoções,
e pensamentos. Hooks (2003) afirma que
não existe emoção sem pensamento. Ele
define emoção como “resposta de valor
imediato”. Os animadores devem sepa-
rar muito bem pensamentos de emo-
ções, pois emoções tendem a conduzir
ações nos personagens. Para compreen-
der o que a personagem está sentindo, é neces-
sário perguntar o que ela está pensando e o que
este pensamento representa para o contexto em
que está inserido. Exemplo: você está caminhando
tranquilamente pela calçada em uma noite fria,
voltando do trabalho e se dirigindo para casa. De
repente você ouve passos. Em questão de segun-
dos, sua mente processa este som. Primeiramente
determinar de que som se trata: é um humano?
É homem ou mulher? Está usando sapatos, botas,
tênis? É adulto, criança, idoso? Até agora, nenhu-
ma emoção aparece. Todo este processo acontece
em fração de segundos, muito mais rápido que
um computador e tão natural que, muitas vezes
sequer percebemos que isto acontece. Depois que
você conclui que os passos são de um adulto, alto
e do sexo masculino, que está se aproximando e
sendo insistente, neste ponto a emoção começa
a fluir. Se você viver em um lugar como a cida-
de de São Paulo, com altos índices de violência,
provavelmente você sentirá medo de ser assaltado.
Se você viver em um lugar onde estatisticamente
os índices de violência nas ruas são baixos, talvez
você não sinta nada, a não ser estar acompanhado.
Mas para a função do exemplo, vamos considerar
que você sentiu medo. Essa emoção desencadeia
um processo químico que resulta em disparar o
coração, as pupilas mudam de diâmetro e a
expressão facial se altera. A emoção tende
a fazer com que você tome uma atitude
com relação a situação. Ou você acelera
os passos, ou sai correndo, ou entra em
algum estabelecimento comercial, ou saca
um spray de pimenta. Ou seja, emoção
tende a conduzir uma ação e esta emoção
é uma resposta de valor imediato a con-
clusão de um pensamento em relação a
uma situação. Cada pessoa é diferente, mas
todas pensam e sentem emoções. Emo-
ções são geradas a partir de pensamentos.
Hooks (2003) aponta algumas dicas
de acting neste sentido: uma lembrança
de curto prazo faz com os olhos se lan-
cem para cima. Memória de longo prazo
faz com que os olhos sejam lançados para
baixo, para dentro da alma. Hooks (2003)
afirma que um animador nunca deve su-
bestimar o público.
87
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
3- A personagem sempre precisa estar
atuando uma ação, até que algo aconteça
e faça com ela precise atuar uma
ação diferente.
Uma personagem em um filme de animação pre-
cisa estar o tempo todo interpretando uma ação
para manter a continuidade dramática. Se uma
personagem estiver sentada em uma cadeira, sem
nenhum movimento, é porque com certeza algo
vai acontecer para que haja uma ação. O objetivo
de um filme em animação é conduzir narrativas
através das ações das personagens. Se tivermos
grandes intervalos de tempo entre as ações da
personagem, não teremos o acting. Não podemos
nos esquecer aqui da importância do objetivo
da personagem. O objetivo não necessariamente
exige grandes quantidades de movimentos. Por
exemplo, uma personagem está parada, ansiosa,
com uma feição de desespero, olhando fixamente
para o relógio da parede. Temos aqui uma ten-
são, uma atuação, porém com pouco ou nenhum
movimento. Assim que o ponteiro de minutos se
movimenta, a personagem gira o corpo para a di-
reção oposta, de frente para a janela e continua
parada, com olhar fixo.
É comum observar em trabalhos de
animadores iniciantes, personagens com
atuações ineficientes, onde existem muitos
movimentos, mas nenhum deles é expres-
sivo. Por outro lado, podemos ter perso-
nagens com poucos movimentos, porém
muito expressivos. Em alguns casos, a per-
sonagem consegue transmitir seus objeti-
vos e emoções, através de pequenos mo-
vimentos, como apenas o movimento dos
olhos, ou das sobrancelhas, ou da cabeça.
4- Acting é reação. Acting
é realização.
A pose é uma reação a algum aconteci-
mento. E também é verdade que a pró-
pria ação é uma reação a algum acon-
tecimento. O automóvel reage quando
acaba o combustível, o gato reage quando
alguém pisa em sua cauda, as pessoas re-
agem quando toca o telefone ou quan-
do recebem uma massagem no pescoço.
Acting é reação, mas também é realização.
As pessoas reagem a pensamentos “eu es-
tou com sede” ou a um evento externo,
como um alarme contra incêndio ou ao
sabor de uma comida gostosa. Na animação as reações
devem preceder uma realização. Podemos observar que
nestes exemplos sempre temos o elemento da emoção.
Primeiro vem a emoção que depois resulta em uma
ação, ou reação. Primeiro vem o estímulo, depois a ação.
Quando é preciso animar uma personagem sentindo frio,
primeiro é necessário fazer a personagem reagir com re-
lação a temperatura, depois desencadear uma ação para a
personagem tentar se aquecer, pegando um casaco, um
cobertor ou simplesmente esfregando as mãos uma con-
tra a outra. Temos aqui um dos fatores de construção que
tanto aguça o imaginário do espectador quanto facilita
o entendimento visando uma construção de uma outra
realidade. Ou seja, é como se uma situação real fosse frag-
mentada na tentativa de deixar clara a mensagem. Uma
personagem que apenas bate os dentes para demonstrar
frio tem um acting pobre. Para mostrar que uma perso-
nagem está com frio, o animador deve fazer com que ela
tente se aquecer. Para mostrar que uma personagem está
com calor, o animador deve fazer com que ele tente se
refrescar. A realidade teatral assim como a realidade cons-
truída na animação, não é a mesma coisa que a realidade
do cotidiano. A realidade teatral é condensada no tempo
e espaço através de um projeto para impactar o público. A
88
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
criação eleva o cotidiano a outra dimensão,
de acordo com a mente do criador. Assim
o animador deve encarar a realidade teatral
e a observação das ações humanas e coti-
dianas para desenvolver o acting. Mas uma
ação pode tender a um objetivo de prazo
mais longo. Como por exemplo, o objetivo
em que a personagem masculina quer con-
quistar a personagem feminina. Este obje-
tivo pode ser perseguido pela personagem
ao longo de todo o filme. E nem sempre
é atingida.
5- Empatia como a chave para a re-
alização eficaz da animação.
Segundo Hooks (2003), empatia é uma res-
posta afetiva apropriada à situação de outra
pessoa, no nosso caso, à situação da persona-
gem de animação. Quando há empatia en-
tre espectador e personagem, ele relaciona
as situações e os sentimentos da persona-
gem como se estivessem acontecendo com
ele próprio. As bases do acting na animação
estão nas relações entre a personagem e o
público. E o que sustenta esta relação é a
emoção. Humanos empatizam com as personagens de
animação, somente quando as mesmas sugerem emo-
ções. O público vai ao teatro para ver os atores atuarem,
para se envolverem em uma narrativa, para exercerem
a experiência estética e assistem animações para verem
personagens animados e também para se envolverem
na narrativa, para se divertirem e para exercerem a ex-
periência estética. O maior mérito para um animador
é sugerir emoções através da ilusão do movimento na
tela de projeção. As personagens necessitam estar sem-
pre desenvolvendo ações, mas a empatia é conquistada
através da emoção. Pessoas idosas inclinam-se porque
seus corpos doem ou não respondem mais aos movi-
mentos como ocorria no passado próximo ou distante
da pessoa em questão. Uma personagem bêbada deve
tentar contrariar os efeitos do álcool. Para energizar
uma cena, os “desejos” da personagem devem ser con-
vertidos em “necessidades”. Por exemplo, se a perso-
nagem percebe que vai começar a chover e a mesma
não demonstra nenhuma reação emocional com rela-
ção a situação, dificilmente o espectador
irá empatizar ou entender a situação na
qual a personagem se encontra. Por ou-
tro lado, se a personagem se desesperar e
sugerir uma emoção que demonstre que
ela não pode se molhar e precisa encon-
trar um abrigo urgentemente antes que
comece a chover, é mais fácil provocar
uma empatia no espectador.
Webster (2005) também aborda a
questão da empatia. Ele afirma que
para criar uma animação convincente
a mesma deve unir-se ao seu público,
e o único modo de fazer isso é através
de personagens. Para realizar isto, o pú-
blico deve unir-se com as personagens,
e o único modo de fazer isto é através
da empatia. E ainda, para que o público
empatize com as personagens, os ani-
madores devem fazer o mesmo antes e
durante o desenvolvimento da anima-
ção. Isto não significa que os anima-
dores devem concordar ou gostar das
personagens, mas compreender o que
caracteriza a personalidade das mesmas.
Esse autor ainda destaca o acting físico e
89
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
o acting psicológico. Ele afirma que a maior par-
te da atuação física que vemos na animação de-
pende muito menos de ações sutis dirigidas por
pensamentos complexos e emoção do que pela
liguagem corporal. Sintetizando, o acting físico se
caracteriza principalmente em animações cartum,
nos quais situações impossíveis são tratadas como
situações comuns. Este tipo de acting depende
intensamente da linguagem corporal e de poses
muito expressivas, marcantes, exagerando e valo-
rizando esta mesma pose com pouca ou nenhuma
ação. Por outro lado, o acting psicológico depende
muito menos da performance física. O acting psi-
cológico deve se caracterizar em ações que resul-
tam de pensamentos e emoções da personagem e
implicam em movimentos menos dinâmicos. Por
exemplo, uma personagem que precisa transmitir
a ideia de estar deprimida, decepcionada, como
quem acabou de receber uma notícia terrível. Ela
tem uma tendência a ficar imóvel, catatônica. Tal-
vez fazendo apenas pequenos movimentos como
o piscar dos olhos, ou alterações nas expressões
faciais. Para enfatizar este sentimento, uma opção
é manter o corpo sem ação e trabalhar o enqua-
dramento no busto ou no rosto da personagem.
6- A personagem precisa
ter um objetivo.
Embora citado neste texto,
este conceito agora é aborda-
de pois é parte integrante dos
7 princípios de Hooks (2003).
A personagem precisa estar
fazendo algo 100% do tempo.
Este “estar fazendo” deve ser
entendido sempre como “per-
seguindo um objetivo”. Movi-
mentos teatrais são motivados e
têm significado. Todo o tempo
que a personagem estiver apa-
recendo na tela, o animador
deve estar apto a responder o
que a mesma está fazendo. E
o que ela estiver fazendo (sua
ação), deve estar em busca de
um objetivo. A personagem
precisa estar o tempo todo fa-
zendo alguma coisa. Isto não
significa que ela deve estar co-
çando o nariz ou arrumando o
penteado, isso se refere a busca
por um objetivo. Se uma per-
sonagem mata um mosquito ou movimenta os lábios enquanto
lê um texto, ela está fazendo algo, mas não consiste no objetivo
teatral. O movimento pelo movimento simplesmente não ca-
racteriza o acting. Os movimentos das personagens não devem
ser relevantes dentro do contexto, eles devem subsidiar a busca
por um objetivo. Um gesto não precisa ser uma ilustração da
palavra falada. A personagem entra e sai de cena por alguma
razão. Hooks (2003) aponta que os animadores devem encon-
trar o mecanismo de sobrevivência de sua personagem. Um
vilão é uma pessoa normal que tem uma falha fatal. Um herói
é uma pessoa normal que tem que correr riscos extremos, su-
perar obstáculos extraordinários para atingir um objetivo quase
impossível. Neste sentido, Hooks (2003) destaca que não pode
haver ambivalência. Os objetivos das personagens devem ser
bem definidos. Para analisar como a personagem vai se com-
portar é interessante criar a biografia do mesmo. Onde ela nas-
ceu, se teve uma infância feliz, se teve família, se estudou, se
tem namorada, etc. A personalidade da personagem é de fato o
comportamento da mesma. Mas apesar disto, é importante per-
mitir que as personagens sejam afetadas pela atmosfera na qual
estão inseridas, “a sensação” que ela projeta. Uma destruição de
automóvel tem uma atmosfera; uma igreja tem uma atmosfera;
uma cama de casal tem uma atmosfera. Ou seja, os objetivos
das personagens e consequentemente o acting que as mesmas
90
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
devem desenvolver, estão submetidos ao contexto,
a situação em que se encontram. A personalidade
da personagem deve estar de acordo com a situ-
ação que o filme exige e assim direcionar acting.
7- Toda ação começa com movimento.
A respiração é um movimento. A batida do cora-
ção é um movimento. Normalmente eles não são
percebidos, mas não deixam de ser movimentos.
Se a personagem está sentada, quieta, fazendo cál-
culos, apenas com o deslocamento dos olhos, isto
é movimento, mas não funciona na necessidade
da ação teatral. É necessário projetar uma ação te-
atral e para executá-la é necessário o movimento.
Ação sem movimento é impossível e esta ação é
resultado de um pensamento. Hooks (2003) sem-
pre reforça a ideia de animadores transformarem
os pensamentos das personagens em movimen-
tos. Enxergamos coisas antes de ouví-las; ouvimos
coisas antes de tocá-las; tocamos coisas antes de
cheirá-las; cheiramos coisas antes de prová-las.
Como a personagem está se sentindo? Esta respos-
ta deve ser gerada através da animação
e sugerir uma emoção. Segundo Hooks
(2003) a cena deve começar no meio,
não no início. Este princípio tem uma
relação direta com o princípio de ani-
mação Organização da Cena / En-
quadramento (Staging). Como compor
uma cena de forma que o máximo de
informação seja transmitida? Se apenas
uma única imagem estática conseguir
representar a situação da cena, de onde
ela veio e para onde ela vai, então o
princípio Organização da Cena / En-
quadramento (Staging) é muito mais
do que o simples enquadramento, ele
situa o espectador no meio da cena e
não no início, onde nada é definido,
facilitando assim a compreensão da
animação. Por exemplo, se a cena co-
meça com um corpo ensanguentado,
caído no chão, ao som das sirenes de
polícia, então facilmente deduzimos
que se trata de um assassinato.
Hooks (2003), diz que sua base e
referência encontram-se nos conceitos
das obras de Shakespeare, afirma que
os atores devem segurar o espelho de frente para a
natureza. Ele quer dizer com isso que o acting deve
representar uma reflexão da natureza e não como
ela é realmente. A realidade teatral é uma cópia da
realidade do cotidiano, que é destacada ou enfatizada
de acordo com a criatividade do ator e a necessidade
da cena. Este dado é a base do desenvolvimento do
acting: a ênfase, o exagero, o destaque aos movimen-
tos do cotidiano.
No presente estudo, cabe dizer que o acting está
contido no campo da animação como uma especi-
ficidade da animação. Os princípios de animação e
do acting são conceitos que podem servir como tra-
dutores ou intérpretes entre a linguagem corporal de
atores de teatro e personagens de desenho animado.
O acting é a capacidade de um ator (no nosso caso,
uma personagem de animação digital) de traduzir
o roteiro e conduzir a narrativa através da expres-
são corporal. Através do acting é que se apresenta o
comportamento do objeto animado. Podemos di-
zer que o acting é o que define o objeto animado
ser uma personagem ou não. Quando identificamos
91
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
um elemento de animação que não seja persona-
gem? Para responder esta pergunta, em primei-
ro lugar observamos se o elemento animado tem
um objetivo. Se não tiver, dificilmente será uma
personagem. Em segundo, observamos se o ele-
mento animado se movimenta por força própria
ou através de uma força externa. Geralmente as
personagens têm força própria para se movimen-
tar e os elementos que não são personagens se
movimentam através de forças externas. Os obje-
tos animados que não são personagens, têm seus
movimentos provenientes da ação de forças não
pertencente a eles. Na maioria das vezes, a força
que justifica a animação de objetos que não são
personagens, é a força da gravidade. Por exemplo,
uma bola de futebol ao ser chutada vai sofrer a
força gerada pela batida do do jogador. Será
lançada em direção ao gol e cairá no chão pela
ação da força da gravidade. Mas a bola em questão
não tem intenção alguma. Por sua vez, o jogador
que chutou a bola, moveu sua perna pela ação de
sua vontade própria. Primeiro vem o pensamento,
depois a emoção e em seguida a ação. A perna
foi movimentada e chutou a bola devido a um
objetivo, uma intenção, a de marcar o gol, aliada
a insegurança e ansiedade da
possibilidade de não conseguir
marcar o gol. Mas as forças
também podem ser entendidas
como vontade, objetivo, in-
tenção, sentido, emoção. Assim
como visto nos princípios do
acting de Hooks (2003), a perso-
nagem deve representar o que
está pensando e sentindo atra-
vés do gesto.
Como dito anteriormen-
te, não existe fórmula ou re-
ceita para animação, as possibi-
lidades são infinitas. Portanto,
os 12 princípios de animação
e os 7 princípios do acting ser-
vem como um guia básico ini-
cial, para quem deseja estudar
sobre o assunto ou se tornar
um animador. Na criação e
no desenvolvimento das poses,
os 12 princípios de animação
podem ser analisados. Mas
para que uma personagem te-
nha “vida própria”, é necessá-
rio muito mais sutilezas de gestos. Lango (2007)
reforça a ideia: “como você vai de uma animação
OK para uma animação excelente?”. Resumida-
mente, ele tenta deixar claro de que o desenvol-
vimento da animação é muito mais complexo do
que apenas seguir técnicas e métodos.
Animação sempre foi, inclusive com as ferra-
mentas digitais, um processo de desenvolvimento
demorado. Existem casos em que cenas de poucos
segundos demoraram meses para serem desenvol-
vidas. Fazer uma personagem imaginária parecer
ter vida ao ponto de transmitir e provocar emo-
ções e ainda, emoções muito específicas, requer
um trabalho minucioso e muitas vezes multidisci-
plinar. Como fazer uma personagem parecer in-
trigada, preocupada, esperançosa, mas com uma
margem de dúvida, apenas por uma expressão
facial? Por estes motivos, de complexidade e len-
tidão no desenvolvimento, a animação necessita
de muito planejamento. Se pensarmos em teatro
ou cinema, também há muito planejamento. Mas
com o conforto das tecnologias digitais, os atores
92
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
de teatro e cinema podem representar inúmeras
vezes a mesma cena, ter tudo isso registrado em
arquivos digitais, compartilhar com equipes para
analisar, editar, compor e escolher a melhor se-
quência. Animadores não podem se dar ao luxo
de investir semanas em uma animação e depois
correr o risco de tudo ser jogado fora pelo diretor
ou pelo cliente. Para a cena ser animada, ela deve
estar muito bem concebida na mente de todos
que participam do filme.
Portanto, qual seria a diferença entre o acting
e o acting na animação? De início podemos con-
cluir que em sua concepção, não diferenças.
Mas como vimos, a animação tem uma lingua-
gem própria, que requer conceitos, princípios
e métodos. Vimos que, mais importante do que
reproduzir os movimentos reais fielmente, o ani-
mador deve fazer a personagem transmitir pensa-
mentos, conclusões, objetivos e emoções, através
da ilusão do movimento. Neste sentido, o acting
deve se adaptar dentro da linguagem da animação.
Por exemplo, no caso de uma personagem lúdica,
como um inseto gigante, com seis braços e quatro
pernas. O acting provavelmente irá partir
de um ator real (que pode ser o próprio
animador), portanto com dois braços e
duas pernas. Assim, para que tudo pareça
natural na animação, este acting definido
pelo corpo humano deve ser traduzido
pela linguagem da animação para suprir
a necessidade da personagem, da cena e
do filme.
No próximo capítulo analisaremos
estas relações nas animações a partir de
dois exemplos de estudos de caso. O pri-
meiro uma animação desenvolvida por meio de pro-
cessos artesanais, também chamados de analógicos,
tais como desenho manual, pinturas em aquarelas e
finalização digital. O segundo caso refere-se a uma
animação desenvolvida utilizando todas as formas
artesanais e digitais e produzida quase que por com-
pleto de forma digital.
93
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Capítulo 4
Estudo de Caso
94
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
4.1 A animação de personagens
nos processos artesanais /
analógicos - Father and Daughter.
Antes de mais nada, dois elementos caracte-
rizam fortemente o estudo sobre o desenvolvi-
mento do acting no filme Father and Daughter (Mi-
chael Dudock de Wit, Holanda, 2000). O primei-
ro elemento é o fato do filme não ter vozes. As
personagens não falam e também não há locução.
Apenas uma música conduz a atmosfera sonora
do filme. Não se trata de uma música apenas para
ambientar o filme e também não é um videocli-
pe. É um projeto único que integra a animação e
o som desde a concepção até o produto final. O
filme também não utiliza suportes textuais. Desta
forma, grande parte das mensagens e das emo-
ções da história deve ser transmitida através da
linguagem corporal das personagens e da harmo-
nia com a música. Estas características foram
bastante exploradas nos campos da animação e do
cinema, e até hoje continuam sendo um forma-
to eficaz para conduzir narrativas. Principalmente
em curta-metragens e séries de TV
com episódios de curta duração.
Mas além destas características,
outro elemento a que me refi-
ro e este foi pouco explorado no
cinema de animação, é o fato de
que as personagens não têm rostos.
Não olhos, bocas, narizes, ore-
lhas. Talvez seja até difícil imaginar
como um filme com personagens
sem olhos e sem a capacidade de
falar pode contar uma história.
Também pode ser difícil imaginar
como estas mesmas personagens
sem expressões faciais, são capazes
de transmitir emoções e fazer com
que os espectadores façam cair lá-
grimas de seus olhos. Como per-
ceber se a personagem está feliz,
triste, ansiosa, duvidosa, desiludida,
esperançosa, tranquila, cansada, sem
a definição de um rosto? Ou mes-
mo a personalidade, se é honesta
ou criminosa.
Neste sentido, a expressão cor-
poral das personagens deve atin-
95
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
gir um nível altíssimo e ao mesmo
tempo sutil para que possa se co-
municar. E por falar em sutileza,
outro elemento que caracteriza o
filme, são as bicicletas. Mais espe-
cificamente, as rodas das bicicle-
tas. O filme trata a relação entre a
vida e a morte. Trata a relação entre
pais e filhos e a evidência de que
o tempo não para. Portanto, a roda
da bicicleta tão explorada nas cenas
representa a vida, a “roda” da vida,
que nunca para de girar. O filme se
desenrola através de uma sequência
de emoções: ora alegres, ora tristes.
E uma sempre gerando ansiedade
para a outra. Será que vai conse-
guir? Será que vai voltar? Será que
agora vai dar certo?
O cenário também foi conce-
bido de acordo com esta noção da
batalha diária pela vida. Todos os
dias, a personagem principal faz um
trajeto de bicicleta, onde um pe-
queno barranco, porém muito ín-
grime. Ou seja, é um obstáculo que
deve ser vencido. O espectador conhece a personagem
principal desde quando era criança, atravessando toda
a vida dela até que a mesma envelheça. Desta forma, o
obstáculo barranco é vencido facilmente na infância da
personagem. Ela nem sequer precisa descer da bicicleta
para vencê-lo. A noção de passagem do tempo é evi-
denciada principalmente por dois elementos: a trans-
formação no corpo da filha desde quando era criança
até se tornar idosa, e as mudanças de cenários represen-
tando as quatro estações climáticas. O obstáculo bar-
ranco que, normalmente era difícil de ser vencido,
com a ventania do outono se torna ainda mais difícil.
Os obstáculos sempre causam efeito quando combina-
dos com a bicicleta. A bicicleta representa o andamento
da vida, e os obstáculos são representados em elemen-
tos que teriam ação direta em uma bicicleta.
Conforme a personagem vai envelhecendo,
o obstáculo barranco torna-se mais difícil, che-
gando ao ponto da personagem precisar descer
da bicicleta e subir o barranco caminhando. Um
vínculo é instituído entre personagem e espec-
tador. O espectador se identifica com a perso-
nagem, principalmente pelo fato de conhecê-la
desde criança. A personalidade da personagem
também pode ser observada em sutilezas, como
por exemplo, quando a mesma cruza com o ca-
minho de outra bicicleta e aciona a buzina dando
sinal de reverência, como um gesto de gentileza e
educação. Esta ação é praticada pela personagem
desde quando era criança até envelhecer.
O acting da personagem filha consegue trans-
mitir mensagens complexas. Na maioria das vezes,
este acting não tem uma animação muito sofistica-
da. Geralmente são poucas poses bem valorizadas
construindo a estética visual da cena. O acting é
iniciado de uma forma bem básica, ressaltando a
linguagem corporal através dos contornos pro-
porcionados pelas sombras ou silhuetas: o acting de
uma personagem humana andando de bicicleta.
96
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
O pai e a filha estão andando
de bicicleta, com características do
que seria um passeio descontraído
e sem grandes expectativas. Em um
determinado momento, quando eles
passam ao lado de algumas árvores,
o acting da filha pode ser analisado.
Logo de início podemos analisar a
concepção visual do princípio de
animação Organização / Enqua-
dramento (Staging). No estudo so-
bre este princípio no capítulo 2,
pudemos analisar a importância
da silhueta, para ajudar a definir a
clareza da mensagem visual a ser
transmitida. No filme podemos
observar que a silhueta deixa de
ser um simples estudo da cena, e
passa a ser utilizada na narrativa e
na caracterização do cenário e das
personagens. E esta característica
será explorada em várias passagens
do filme.
FIGURA_44 - Princípio Organização
da Cena / Enquadramento (Staging)
através da valorização das silhuetas. Father
and Daughter, Michael Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
97
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
No momento em que o pai en-
costa a bicicleta numa árvore, a filha
para a bicicleta e olha para trás, não
entendendo porque o pai parou. Após
um segundo de dúvida, ela retorna e
coloca sua bicicleta ao lado da do pai.
Na verdade, ele estacionou a bi-
cicleta perto da beira de um rio (ou
lago, ou mar, não fica claro isso no
filme. Com a presença marcante das
bicicletas durante todo o filme e o
fato do diretor ser holandês, pode ser
interpretado como o canal de Ams-
terdam). Ele se abaixa, abraça, beija a
filha e desce sozinho em direção ao
barco que está na margem do rio. Na
figura_47, quando ele chega próximo
ao barco, podemos analisar o acting
com pouca animação, sem definição
de rosto e sem fala. Ele está indo em
FIGURA_45 - Princípio
Organização da Cena
/ Enquadramento (Staging)
através da valorização das
silhuetas. Father and
Daughter, Michael Dudok
de Wit, Holanda, 2000.
FIGURA_46 - Princípio
Organização da Cena
/ Enquadramento (Staging)
através da valorização
das silhuetas. Father and
Daughter, Michael Dudok
de Wit, Holanda, 2000.
determinada direção e de repente para. A curvatura da colu-
na, os ombros caídos e a projeção da cabeça indicam que ele
está em um dilema. Ele estaria esquecendo algo? Ou pode-
mos interpretar que ele deve ir, mas não quer ir? Ou seria,
ele quer ir, mas não deve ir? A questão não é essa, a questão é
o sentimento de dúvida expressado pela personagem.
98
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Em seguida, ele vira para trás, como
em um impulso de emoção. Sua mente
e sua cabeça se voltam para a filha. Nesse
momento, as outras partes do corpo não
têm ação, é como se o corpo estivesse mor-
to, tamanha a força do conflito. Ele volta,
abraça a filha e acaba com o sentimento de
conflito apresentado na pose anterior. Po-
demos perceber neste momento do filme,
que o passeio de bicicleta não era assim
tão despretensioso. Algo de muito impor-
tante está para acontecer. Isto se expressa
no momento em que a personagem tenta
ir uma vez, não consegue, volta, abraça e
beija fortemente sua filha e depois disso
se encoraja para cumprir seu objetivo.
Apesar de movimentos muito sutis,
nesta sequência podemos analisar o prin-
cípio de animação Antecipação (Anticipa-
tion), estudado no capítulo 2. O pai desce
até o barco e para. Ele não entra no barco
e nem volta para a filha. A ausência de mo-
vimento é utilizada como uma ferramenta
para gerar uma expectativa. Nitidamente é
um dilema, uma quebra de continuidade. É
o impulso antes da ação que virá a seguir.
FIGURA_47
– Personagem em
conflito. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_48
– Personagem em
dúvida. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
99
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Se a cena é uma negociação, as per-
sonagens têm objetivos. O objetivo do
pai era de partir com o barco. O obs-
táculo ou conflito é com a situação: o
sentimento de vínculo em relação a fi-
lha que o impede de ir embora, de dizer
adeus. A filha por sua vez tem o objetivo
de participar de tudo que o pai faz. Ela
espera sempre uma ação do pai e enfren-
ta o obstáculo da dúvida e insegurança.
Ambas as personagens têm ações con-
duzidas por pensamentos. O pai está em
conflito mental. Através das poses, e da
valorização das poses, ou seja, o tempo
em que uma mesma pose é apresenta-
da, transmite a nítida sensação do que
ele está pensando em determinada situ-
ação. Ele deve partir? Deve se despedir?
Deve desistir de partir? O pensamento
proporciona raciocínio com conclusão
lógica e esta provoca emoções: amor, ca-
rinho, afeto, medo da perda, insegurança.
E por sua vez, esta emoção desencadeia
uma ação, a de voltar correndo e abraçar
sua filha. Pensamentos tendem a condu-
zir ações.
FIGURA_49
– Personagem acaba
com o conflito. Father
and Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_50
– Personagens sem
confito. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
100
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Aqui também podemos analisar o princípio de
animação Exagero (Exageration). Até o momento,
nenhuma ação foi exagerada. Quando o pai desiste
de entrar no barco e volta para a filha, ele corre,
pega a filha nos braços, abraça e rodopia em uma
demonstração de extrema emoção. Juntamente
com o suporte sonoro, este exagero é dosado de
maneira a não descaracterizar o tom do filme.
Após este ato, ele volta para o barco, mas com
uma postura sutilmente diferenciada. A curvatura
da coluna, posição dos ombros, força nos braços.
Estes elementos em conjunto, nos levam a enten-
der que o conflito não existe mais. Ele concluiu a
questão e agora está determinado. Entra no barco e
vai remando em direção ao horizonte, deixando sua
filha para trás, até que ela o perca de vista. O objeti-
vo do pai é alcançado, então ele sai de cena.
Até este momento a música tem um tom alegre
e dinâmico. Depois que ele se despede da filha, no
exato momento em que ele a tira do colo e a põe no
chão, a música toma um ritmo mais lento e não tão
alegre, compondo a mensagem do filme em conjun-
to com as imagens em movimento.
A garota anda alguns passos rapidamente atrás
do pai, com a esperança de que ele vai convidá-
la para ir junto no barco. Poucos segundos
depois ela descobre que isto não vai acon-
tecer, então ela para. A diferença entre a ex-
citação e ansiedade, seguida pela retração, é
expressada pela linguagem corporal da per-
sonagem. Lembrando que apesar das per-
sonagens não terem rostos, suas expressões
faciais são concebidas através das emoções
sugeridas exclusivamente pela expressão
corporal através da animação. Várias ocasi-
ões em que eu discuti sobre este filme com
alunos, pesquisadores, professores, anima-
dores e espectadores, este elemento passou
desapercebido. Confesso que passou desa-
percebido também para mim na primeira
vez em que vi. Várias pessoas se envolvem
no drama da narrativa e não percebem que
as personagens não têm rostos.
O princípio do acting que se refere a
personagem atuar uma ação até que acon-
teça algo que a faça atuar uma ação dife-
rente, está constantemente presente nesta
sequência, em ambas personagens. É uma
sequência de ações e reações. A filha reage
a ação do pai, que por sua vez também re-
age e assim por diante.
FIGURA_51
– Personagem
determinada na
busca pelo seu
objetivo. Father
and Daughter,
Michael Dudok
de Wit, Holanda,
2000.
101
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Após aparentemente uma
longa espera, a filha decide ir
embora sozinha, mas deixa a bi-
cicleta do pai encostada na ár-
vore. Este é o primeiro minuto
e meio do filme, no qual se si-
tua o contexto geral. Expressões
corporais como o conflito psi-
cológico, abraços, beijos, aliados
a música, contextualizam e defi-
nem o tom do filme. Juntamen-
te com as paisagens que compo-
em o cenário do filme, o design
de som situa a passagem de tem-
po. Após este dia, entre outonos
e invernos rigorosos, a pequena
garotinha foi crescendo. A vida
continua, sempre, apesar de
tudo. Esta mensagem é clara na
repetição em mostrar o detalhe
da roda da bicicleta girando.
FIGURA_53 - Princípio
Organização da Cena
/ Enquadramento (Staging)
através da valorização
das silhuetas. Father and
Daughter, Michael Dudok de
Wit, Holanda, 2000.
FIGURA_52
- Princípio Organização
da Cena / Enquadramento
(Staging) separando
as personagens. Father and
Daughter, Michael Dudok de
Wit, Holanda, 2000.
102
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Ela continua a percorrer o mesmo
trajeto de bicicleta, como fazia com o pai.
Continua enfrentando os mesmos obstácu-
los com determinação. Neste momento, a
música novamente tem um papel impor-
tante em compor a ideia de que a vida é
um desafio, e que não devemos nos render.
Apesar de nitidamente terem passados
muitos anos, ela continua com a esperança
de que seu pai vai voltar de barco, no mes-
mo lugar onde ele a deixou. Ela ainda tem
tanta ansiedade em saber se o barco esta
chegando, que nem para a bicicleta cuida-
dosamente ao lado da árvore. Em um ato de
ansiedade descontrolada e irreverência típica
de uma adolescente, ela simplesmente larga
a bicicleta no chão enquanto sai correndo
para a beira da água. Sua postura corporal
neste momento representa a sutil emoção
que paira entre a ansiedade e a decepção.
FIGURA_54
- A fixação simbólica
da roda da bicicleta.
Father and Daughter,
Michael Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_55
- Personagem
enfrentando um
obstáculo. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
103
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Apesar de continuar lutando para o
se entregar, a personagem se sente cada
vez mais fraca. Sentindo-se solitária, aban-
donada entre a imensidão do céu, da água
e da terra.
Ela volta lentamente, com uma pos-
tura bem diferente de quando havia che-
gado. Não estava mais ansiosa. Ela pedala
lentamente, decepcionada, triste, fracas-
sada, vencida. Novamente a música tem
um papel importante nas mudanças de
emoções. Mais alguns anos se passaram.
Os obstáculos continuam os mesmos.
Talvez um pouco pior no outono, quan-
do venta muito. A ideia de peso neste
momento é tão intensa que a persona-
gem não consegue pedalar para subir o
morro, então ela desce da bicicleta e a
empurra com as mãos.
FIGURA_56
- Solidão da
personagem. Father
and Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_57
– Frustração da
personagem. Father
and Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
104
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Podemos analisar nesta sequência a utilização
sutil e adequada para alguns dos princípios de ani-
mação relacionados ao peso, força, inércia e dinâ-
mica, estudados no capítulo 2: Regulação do Tem-
po (Timing), Siga Através e Sobreposição. (Follow
Through and Overlapping) Lento na Entrada / Len-
to na Saída (Slow in / Slow out). A personagem faz
força contra a força da gravidade, faz força contra
o vento, contra o contato com a bicicleta, que por
sua vez faz contato com o chão que é íngreme,
portanto exigindo mais força contra a força gra-
vitacional. Estas forças interagem com as articula-
ções da personagem que balançam, se movimen-
tam em tempos diferentes e sobrepõem suas poses.
Desta vez as condições climáticas estavam tão
rigorosas, que ela nem deixou a bicicleta para descer
até a margem. Com aquele vento, a águao movi-
mentada, a pouca visibilidade, ele não estaria no bar-
co. É a postura de quem começa a se tornar adulta e
o o ansiosa. A resistência a uma decepção está
formada. Estes detalhes com relação as poses que
representam peso e inércia, am de serem uma aula
da linguagem da animação, confirmam a conceão
dolme de que apesar dos obsculos serem venci-
dos, nem sempre seremos recompensados.
FIGURA_58
– Personagem
contemplativa.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_59
– Personagem
enfrentando
obstáculos.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
105
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Neste momento ela simplesmente se acomo-
da na bicicleta e deixa que o vento a leve de volta,
como se ela se entregasse ao destino. O objetivo
da personagem é nítido e intensamente persegui-
do imeras vezes, envolvendo o espectador e su-
gerindo ansiedade. Também podemos aproveitar
e fazer um contraponto entre os princípios de
animação analisados na figura_59 quando a per-
sonagem estava contra a força do vento e, esta se-
quência da figura_60 em que ela está na bicicleta
a favor da força do vento.
O tempo continua passando. A personagem
está um pouco mais madura, porém, paralela-
mente com as atividades cotidianas da vida, ela
continua em busca de seu objetivo de infância.
Ela tranquilamente continua visitando a beira
do rio, parando a bicicleta e contemplando um
momento de esperança de ver o barco voltando.
Sua postura corporal neste momento con-
templa mais sutilezas. Na curvatura da coluna,
no peso dos braços soltos apenas presos pelos
ombros. Ela está deixando de ser criança, mas a
esperança de ter o pai de volta não morre. Mais
uma vez ela se decepciona. Mais um dia se pas-
sou sem que o pai voltasse.
FIGURA_60
– Personagem
sendo levada pela
força do vento.
Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_61
– Contemplação,
solidão, decepção.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
106
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Ela retorna diferente. Como se desta vez
a decepção fosse maior. Talvez ela precisasse
do pai mais do que nunca neste momento.
Talvez ela estivesse se sentindo muito solitá-
ria. Ela volta pedalando pesadamente. Pedala-
das mais longas e pesadas. Ela se esforça tanto
para pedalar que sequer consegue sentar no
banco. Seu corpo não quer pedalar voltan-
do, mas sua mente comanda esta atitude de
maneira fria e lógica. Aqui podemos analisar
os princípios de animação Desenho Sólido-
Personalidade (Solid Drawing) e Apelo (Appe-
al). Tanto a vestimenta da personagem, que
até o momento não tinha tantos detalhes,
como a cor azul, o vestido em duas tonali-
dades e o detalhe do chapéu. Unidas as poses
que expressam um peso maior do que corpo
sugere durante as difíceis pedaladas, também
podemos analisar os princípios que tratam a
questão das forças.
Obviamente a vida continua. Ela agora
um pouco mais velha começa a criar seus laços
sociais. Não está mais tão solitária. Agora ela
tem companhia para enfrentar os obstáculos
que outrora enfrentava na companhia de seu
pai. Ela faz parte de um grupo de adolescentes.
FIGURA_62
–Força e o
peso das
pedaladas.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_63
– Personagem
compartilha o
mesmo obstáculo
com outras
personagens.
Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
107
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Todos compartilham da boa condu-
ta e educação, reverenciando todos que
cruzam seus caminhos, tocando a buzina
das bicicletas. Ela está com boas compa-
nhias. Mas em todo caso, que ela está
passando em frente ao rio, não custa nada
parar e dar uma olhadinha, quem sabe não
é justamente hoje que ele vai voltar? A
esperança não morre, a busca pelo objeti-
vo continua nítida. A postura corporal em
cima da bicicleta sugere que o corpo está
exaltado, contagiado pelos outros ciclistas,
mas algo mais forte a impede de ir. A pose
no meio da ilusão do movimento sugere
que se fosse possível, o corpo iria com os
outros ciclistas e a cabeça ficaria ali, na es-
perança de avistar o barco.
A personagem espera até que os ou-
tros ciclistas inconformados parem e cha-
mem a atenção dela para que retorne ao
grupo e continuem o passeio. Após alguns
segundos sem ação, contemplando o mo-
vimento da água pela ação do vento, ela
lentamente retoma o rumo para o grupo,
mas sua mente fica na beira do rio.
FIGURA_64
A personagem
não está só, faz
parte de um
grupo social.
Father and
Daughter, Micha-
el Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_65
– Personagem
com esperança.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
108
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Em um determinado dia, concretizando o
fato de que ela realmente não está mais sozinha,
representado na silhueta de um casal comparti-
lhando a mesma bicicleta, onde a personagem
principal está na garupa. Neste momento, per-
correndo o mesmo trajeto em que se situa o rio
onde o pai a deixou, não é apresentada a cena da
bicicleta enfrentando a difícil subida do barranco.
A música transmite uma vibração agradável. Não
é alegre, mas também não é triste. A personagem
está bem, acolhida, conformada, madura, segura.
FIGURA_66
– Personagem
em conflito.
Father and Dau-
ghter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_67
– Personagem
sem conflito.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
109
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Em um momento de impulso,
quase instintivo através do vínculo
paterno, sua coluna se torna rígida e
seu pescoço e cabeça se esticam para
tentar alcançar o horizonte marcado
pelo encontro da água e do céu. É ine-
vitável não dar uma olhada. Mas uma
olhada sempre representando esperan-
ça, fazendo vínculo com a imagem
do pai e de suas lembranças de crian-
ça. Novamente temos uma animação
simples, mas um acting através da pose
muito bem resolvido.
O parceiro que conduz a bicicleta,
aparentemente não percebe a ação da
garota. Portanto, ele não para a bici-
cleta. A garota por sua vez não quer
incomodá-lo com tal situação então
logo percebendo que o barco não apa-
receu, ela relaxa novamente o corpo,
encosta no suposto namorado e segue
viagem, conformada.
FIGURA_68
- Personagens formam
um casal. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_69
- Personagens formam
um casal, sem conflitos.
Father and Daughter,
Michael Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
110
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Curiosamente, este é o pri-
meiro e único passeio que a perso-
nagem retorna durante a escuridão,
com a lanterna da bicicleta ligada.
Ela realmente se tornou adulta.
É outono novamente. Muito
tempo se passou. A personagem
aparentemente está casada e é mãe
de um casal de filhos. Ela passeia
com a família, todos de bicicleta,
no mesmo trajeto realizado anos
ao lado do mesmo rio.
FIGURA_70
– Personagens
retornando de
bicicleta na escuridão.
Father and Daughter,
Michael Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_71
– Personagem com
família. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
111
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Sutilmente ela ultrapassa a bicicleta do
marido, num sinal de ansiedade. A família
não necessariamente sabe o que representa
para a personagem esta margem do rio.
Mas nitidamente todos sabem que ali é
um lugar que ela queria parar as bicicletas
e contemplar o ambiente. E eles fazem isso
sem hesitar. Durante o desenvolvimento
desta pesquisa, um dos exercícios propostos
foi o de representar em uma única imagem,
a síntese deste estudo. Eu acabei escolhendo
a próxima imagem:
FIGURA_72
– Personagem
contempla o local
e compartilha com
a família. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_73
- Personagem
contempla o local
e compartilha com
a família. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
112
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Dentro do contexto do filme,
esta imagem é muito significativa.
As sutilezas na postura corporal
da personagem sugerem muitas
informações complexas. Quando
Hooks (2003) escreve sobre o ani-
mador desenvolver um acting de
forma que o espectador acredite
que a personagem está racioci-
nando, esta imagem ou este acting
(neste caso é a mesma coisa) é um
excelente exemplo. A mente dela
está ao mesmo tempo tranquila,
madura, até por uma questão de idade, mas ao mesmo tempo, no
fundo, ela ainda alimenta a esperança de que ele pode voltar. Ela
tem uma aparência de contemplação misturada com esperança
e uma previsível decepção. Com relação ao Staging, ele também
é muito representativo. Observe como ela está no canto direito,
humilde, ocupando o menor espaço da tela, enquanto no lado
esquerdo do quadro um espaço vazio, branco, inóspito, in-
cógnito. Ela não veio apenas para saber se ele vai voltar, agora ela
tem uma ciência melhor do mundo, do ciclo da vida. Estamos
no meio do filme, muita coisa aconteceu, a personagem se
transformou bastante. A relação dela com a esperança, vida e
morte é diferente de quando ela era criança ou adolescente. Por
todas estas características, nesta mesma imagem podemos anali-
sar alguns princípios de animação
como Organização / Enquadra-
mento (Staging), Desenho Sólido-
Personalidade (Solid Drawing) e
Apelo (Appeal).
Desta vez não é apresentada
a volta da personagem. Após esta
cena, uma sequência de imagens
FIGURA_74
- Personagem
contemplativa.
Solidão e esperança.
Father and Daughter,
Michael Dudok de
Wit, Holanda, 2000.
inéditas até então, apresentando basicamente os
cenários que compõem o filme. Juntamente, a
música define o ritmo diferenciado, sustentando
a situação sólida em que se encontra a narrati-
va. Empatia é a chave para a realização eficaz da
animação. Neste ponto do filme, o espectador
sente-se íntimo da personagem. Ele a conhece
desde criança. Vínculos e laços são estabelecidos
por ações repetidas durante a vida da persona-
gem. Os espectadores empatizam com os pen-
samentos, conflitos e emoções da personagem.
Como irá terminar esta busca? Como irá se re-
solver este conflito?
Mais alguns anos se passaram, mais uma vez
ela retorna à margem do rio. Ainda mais velha
e novamente sozinha. Provavelmente seus filhos
são adolescentes, têm seus próprios compromis-
sos. O marido não acompanha mais a esposa
em suas fixações.
113
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Ela se veste de forma diferente.
Talvez esteja de luto. Sua postura
é diferente. A maturidade e segu-
rança o mais se sobressaem. A es-
perança diluída em sequências de
decepções provoca a volta da ansie-
dade. Seu conformismo está se es-
gotando e a carência paterna retor-
na a exigir atenção. O horizonte
continua igual, imutável. Nenhum
sinal de barco, como sempre.
Vários outros anos se pas-
saram. A personagem está enve-
lhecendo. Ela continua fazendo
o mesmo trajeto, enfrentando os
mesmos obstáculos, sinalizando
com a buzina quem cruze seu
caminho, mas está ficando velha.
Seu corpo não tem tanta firme-
za para se equilibrar na bicicleta.
Ela desce até a beira do rio, e desta
vez algo mudou. Não existe mais
água. O rio secou e uma grama
alta tomou conta do lugar.
FIGURA_75
– Personagem
em luto. Father
and Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_76
– Personagem
idosa com
dificuldades
em pedalar e
equilibrar-se na
bicicleta. Father
and Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
114
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
A imensidão era o que outrora sepa-
rava ela do pai, agora sequer tem o con-
solo da possibilidade da água trásê-lo de
volta. Deste momento em diante, a mú-
sica se sustenta em um tom triste. Não
mais volta, não mais esperança que ele
volte. A vida continua, a roda da bicicleta
não para e ela continua a envelhecer.
Ela retorna mais uma vez ao antigo
trajeto. Desta vez ela está tão idosa, tão
fraca, que sequer consegue pedalar. Ela
caminha lentamente, empurrando a bi-
cicleta com as mãos no guidão. Através
da roda da bicicleta, percebemos que o
andar não é contínuo. Três passos e ela
para para descansar, depois mais três pas-
sos e assim por diante. Ela realmente está
muito fraca.
Seus costumes como o de acionar
a buzina para alguém que passe ainda
é marcante. A criança passa rapidamen-
te por ela, como a mesma fazia em sua
própria infância. Mesmo depois que a
criança sai de cena, a personagem para de
andar e lentamente com muita dificulda-
de consegue acionar a buzina levemente.
É incrível como neste ponto do filme
FIGURA_77
A água secou.
Father and Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_78
– Passagem do
tempo apresentada
pela idade avançada
da personagem e da
roda da bicicleta que
não para de rodar.
Father and Daughter,
Michael Dudok de
Wit, Holanda, 2000.
115
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
o espectador se sente muito íntimo da
personagem. Acompanhou a trajetória
de sua vida e sempre compartilhando a
esperança de atingir seu objetivo. Obser-
ve nesta cena a exploração do princípio
de animação Organização / Enquadra-
mento (Staging). Tanto a personagem de
corpo inteiro quanto o elemento roda da
bicicleta que tem grande expressividade
no filme, compartilham mesmo enqua-
dramento ao mesmo tempo.
FIGURA_79
– Personagem
idosa encontra
com uma
criança. Father
and Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_80
– Personagem
desiste de
tentar manter
sua bicicleta em
pé. Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
Ela tenta parar a bicicleta cuidadosamente
e deixá-la de pé, mas a mesma insiste em cair.
Após a terceira tentativa, ela desiste e deixa a
bicicleta caída no chão.
Neste momento, não há música. Apenas o
cantarolar dos pássaros compõem a ambienta-
ção sonora. Com o símbolo da bicicleta dei-
xado para trás, sem se preocupar se ela está de
pé ou caída, a personagem desce determinada,
sem hesitação. Ela mergulha no mato alto e
caminha em direção ao horizonte.
116
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Após algum tempo, antes de iniciar a ca-
minhada mato a dentro, a música sutilmente
recomeça a surgir. Algumas imagens do cená-
rio e de pássaros que sempre estão participan-
do do filme são apresentadas, retomando o rit-
mo da vida juntamente com a música. Em um
determinado momento, a câmera se posiciona
no interior de uma clareira no meio do ma-
tagal. Quando a personagem chega à clareira,
o plano da câmera abre e avistamos um bar-
co velho, deteriorado, meio coberto pela areia
do fundo do rio. Este barco é muito parecido
com o barco do pai. A personagem hesita um
segundo. Toca o barco com a mão e se con-
vence de que este é o barco com que ela viu
o pai pela última vez. Ela enxerga no barco a
proteção acolhedora do pai, um porto seguro.
Além disso o barco está apontando para o lado
contrário de quando ele partiu. É como se o
pai estivesse regressando para ela.
Ela está cansada. Entra no barco e se deita
na posição fetal, como uma criança esperando
ser abraçada. Ela dorme. A música novamen-
te desaparece por um segundo. Mais uma vez,
a passagem do tempo é expressada através da
apresentação de cenários, uma única nuvem
pequena no meio da imensidão do céu faz
FIGURA_81
– Personagem
adentra no
matagal onde
antigamente
havia água.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_82
– Personagem
adormece em
um barco,
supostamente
de seu pai.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
117
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
uma relação com a pequena idosa personagem no
meio da imensidão do matagal que outrora foi
um rio. A música sutilmente reaparece.
FIGURA_83
Algo faz com que
a personagem acorde.
Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
Após esta noção de passagem de tempo atras das imagens e da
música, a narrativa é envolvida em uma calmaria. Tudo está tranquilo. A
dinâmica que até então conduzia o filme entre altos e baixos, ansieda-
de, esperança e decepção, agora está estável. Subitamente a personagem
acorda e direciona o olhar como se alguma coisa a tivesse chamado a
atenção. Ela estava sozinha, idosa e cansada no meio do matagal, o que
estaria chamando tanto a atenção dela? As etapas do acting corporal,
primeiro a cabeça, depois a coluna, depois os braços, depois ela fica
de pé, uma progressão de informações corporais gradativamente o
informando que o grande momento está por chegar.
Ela sai andando em direção com o “olhar” fixo, adentran-
do mais no matagal. A postura corporal neste momento não é
deficiente, pelo contrário, é energética. A dificuldade de andar
de quando ela chegou até a beira do rio não a atinge mais.
Ela acelera o passo e juntamente com a transição entre o andar e o correr, uma
transição entre a velhice e a juventude. A personagem corre e rejuvenece. Ela para
de rejuvenecer quando atinge adolescência, em torno de
12 e 16 anos de idade. Provavelmente a idade em que ela
mais sentiu falta do pai e mais se decepcionou quando foi
esperá-lo na beira do rio e o mesmo não apareceu.
118
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Finalmente ela encontra o pai. Exatamente
como a última vez que ela havia o visto. Com o
mesmo casaco, a mesma idade, a mesma postu-
ra. Neste momento final do filme, a linguagem
corporal em que se comunicam ambas as per-
sonagens é de extrema emoção. A utilização das
sombras e da expressividade das silhluetas é pa-
ralelamente explorada neste momento. A análise
dos princípios do acting de Hooks (2003) são sutil-
mente expostos. A negociação agora é complexa.
A filha está de frente ao objetivo que procurou
alcançar durante toda sua vida. Ela deixou tudo
para trás. Toda sua história de vida, sua família, seu
passado. Ela hesita, para em frente a figura do pai,
com medo de se decepcionar mais uma vez. Será
FIGURA_84 – Personagem
corre ansiosa e se torna mais
jovem. Father and Daughter,
Michael Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_85 – Pai e filha
se encontram. Father and
Daughter, Michael Dudok de
Wit, Holanda, 2000.
mesmo ele? Será que ele vai me receber bem? Será que eu consegui
o que tanto almejava?
119
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Todo este acting é desenvolvido com am-
bas as personagens congeladas, paradas uma
de frente para a outra. A música é contínua,
não muda a tonalidade como fora todas as
outras vezes. A dúvida existe nas persona-
gens, mas não na música. A garota sutilmente
com muito receio um pequeno passo a
frente. Ela se esforça para conter a emoção.
A combinação dos princípios de ani-
mação possibilitam a valorização das poses
extremas para economia de keyframes em
baixos orçamentos. E isto é utilizado como
uma ferramenta importante para sugerir a
emoção que a cena exige. Observando as
duas imagens, quase não se percebe a dife-
rença. Mas a menina deu um minúsculo pas-
so, seu braço está sutilmente projetado para
frente. É o movimento com extrema inse-
gurança. Ela não quer se arriscar. O mesmo
acontece com o pai. Porém os sentimentos
dele são outros. Ele está inseguro por ela. Ele
FIGURA_86
– Personagem filha
exita. Father and
Daughter, Michael
Dudok de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_87
A personagem pai
faz um pequeno
movimento
corporal para
mostrar-se receptivo.
Father and Daughter,
Michael Dudok de
Wit, Holanda, 2000.
não quer assustá-la. Ele se mantém congelado para que ela se
sinta segura e venha ao seu encontro. O princípio de animação
Antecipação (Anticipation) é muito valorizado, gerando uma se-
quência de ações preliminares e intensificando a expectativa
por parte do público.
120
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
O pai, que por sua vez também parecia
tímido e inseguro ao se deparar com a fi-
lha, responde a mensagem dando um passo
à frente e abrindo sutilmente os braços, mas
transmitindo a clara mensagem de que está
abrindo o coração para acolher a filha. Ela
corre em direção a ele e para a um passo de
distância. Ela ainda não está totalmente se-
gura. Tantos e tantos anos de decepção que
é difícil acreditar, mesmo estando cara a cara
com ele. Os obstáculos aqui são ao mesmo
tempo individuais, com a situação, e com a
outra personagem. O objetivo pai é ao mes-
mo tempo o obstáculo pai. A busca pelo ob-
jetivo que norteia toda a ação da personagem
durante o filme acaba se tornando um obstá-
culo por consequência da ansiedade.
Finalmente eles se abraçam. O filme aca-
ba. A empatização com as emoções dos per-
sonagens deixam de ter a característica de an-
siedade e passam para o conforto, o deleito, a
resolução do conflito. Gradativamente a -
sica vai se descaracterizando do papel de con-
dução da narrativa, da sustentação do acting e
passa a ser um pano de fundo para os créditos.
FIGURA_88
A personagem
filha responde
ao movimento
corporal do pai
e se aproxima.
Father and
Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
FIGURA_89
– Pai e filha se
abraçam. Father
and Daughter,
Michael Dudok
de Wit,
Holanda, 2000.
121
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Estas sequências de sutis ações corporais
transmitem a ideia de que as personagens estão
com muitos pensamentos passando em suas men-
tes no momento que se encontram. Questiona-
mentos que são construídos não na persona-
gem mas no espectador, de acordo com o envol-
vimento que o mesmo teve no decorrer do fil-
me. Muitas questões são formuladas na mente da
personagem. E estes pensamentos, estas dúvidas
são assimiladas através das emoções que são apre-
sentadas, resultantes deste conjunto de elementos
que fazem com que este filme seja um excelente
exemplo de aplicação do acting na animação.
4.2 A animação de personagens
nos processos digitais - Ratatouille
Antes de começar o filme propriamente dito,
uma gravão supostamente antiga de um programa
de TV é apresentada. A gravação exibe um famo-
so e bem sucedido cozinheiro francês defendendo
seu lema: “Qualquer um pode cozinhar”. Também
é apresentado o igualmente famoso, bem sucedido
e cruel crítico de restaurantes, Ego que contesta a
afirmação do cozinheiro. Ele afirma que o trabalho
de preparar alimentos o pode ser feito por qual-
quer um. Desta forma, é introduzido o primeiro
e grande conflito e a negociação do filme.
A postura corporal apresentada em me-
nos de 20 segundos define a personagem Ego
como sendo um vilão. Independente das cores e
da forma da personagem, a postura dos ombros,
das mãos, das pernas, da cabeça pronunciada para
frente cobrindo a aparição do pescoço e suas ex-
pressões faciais enfatizam a personalidade arro-
gante que a personagem deve ter.
No primeiro minuto do decorrer da narrati-
va, também podemos perceber que se trata de um
conflito. A câmera se aproxima da janela de uma
casa, quando subitamente um rato sai voando pela
janela quebrando os vidros e carregando um livro.
A imagem congela e uma narração começa
a contextualizar os acontecimentos. O rato em
questão é Remy, habitante de uma rataria no só-
tão de uma casa velha onde mora apenas uma se-
nhora igualmente velha. A dona da casa sempre
FIGURA_90
- Ego, o
principal vilão
do filme.
(Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
122
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
dorme na poltrona e deixa a televisão
ligada, onde é frequentemente apre-
sentado um programa com o famoso
e falecido cozinheiro francês, Auguste
Gousteau.
Esta parte do filme é narrada
pelo rato Remy que está contando
seu passado recente. Ele começa afir-
mando que seu primeiro problema é
o fato de ser um rato, no ocidente
os ratos têm uma vida difícil. E para
piorar, ele quer ser um rato cozinhei-
ro. O fato de Remy assistir a progra-
mas de TV, tentar ler livros de recei-
tas e rótulos de ingredientes devido
ao seu gosto/interesse por culinária
e gastronomia, inevitavelmente, o deixava mais próxi-
mo dos seres humanos. Porém, isto se torna um nítido
conflito com a rataria, pois os mesmos não querem se
aproximar dos humanos. Querem apenas aproveitar os
restos de comida encontrados no lixo.
Outra questão que contextualiza a personagem é o
fato de que Remy tem um focinho e um sentido olfati-
vo diferente dos outros ratos. Ele tem o olfato e a gus-
tação muito mais apurados. Por este motivo não gosta
de comer restos do lixo e aprecia a sofisticada culinária
francesa. Esses “dons” não são reconhecidos
pela rataria, até que um dia, o pai de Remy,
o líder da rataria, é salvo por não comer algo
envenenado graças ao olfato aguçado do fi-
lho. Deste dia em diante, Remy se transfor-
ma praticamente em um escravo, cheirando
todos os restos de alimento antes dos ratos
da família se alimentarem. Remy encontra-
se em conflito com a situação: um rato que
tem o gosto e o olfato super apurados de-
seja ser um cozinheiro, mas é reprimido e
escravizado por sua família. Além do con-
flito, os objetivos centrais dos personagens
são igualmente apresentados. Remy tem o
objetivo de se tornar cozinheiro e os ratos
têm o objetivo de fazer com que Remy se
contente em ser um rato comum.
Após um dia de vários acontecimentos
provocados por Remy tentando secretamen-
te tornar-se um cozinheiro, colocando em
risco a segurança da rataria, ele acaba se per-
dendo e sendo levado pela correnteza dos
esgotos de Paris. Uma questão importante
é o fato das personagens ratos ora terem os
movimentos humanizados e ora representa-
rem fielmente os movimentos dos ratos de
FIGURA_91
- Remy,
protagonista do
filme roubando
o livro de
culinária.
(Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
123
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
verdade. Fato que ocorre principalmen-
te para separar quando os ratos estão
atuando pela perspectiva de uma perso-
nagem humana e quando estão atuando
apenas entre ratos. Quando as perso-
nagens ratos estão entre humanos eles
têm uma postura corporal característica
dos ratos na realidade. Da mesma forma
quando movimentam a boca ouvimos
os chiados ou gritos, produzidos pelos
ratos. Por outro lado, quando estão se
comunicando apenas entre ratos, sua
postura é humanizada e saem palavras
de suas bocas. Os desenhos conceituais
que definiram a concepção da perso-
nagem, exigem controles de animação
que possibilitam simular ambos mo-
vimentos (ora como ratos e ora como
humanos). Quando forem produzidos
nas ferrramentas digitais, o design das
personagens deve contemplar esta ques-
tão. Neste ponto, principalmente os rigs
(esqueletos digitais para animar as per-
sonagens serão estudados no capítulo
5) devem seguir as necessidades das per-
sonagens e do diretor.
Até este momento, podemos analisar
várias passagens com o desenvolvimento do acting
enfatizando a narrativa e as personalidades das per-
sonagens. Remy está descontente e entediado com
a rotina de identificar alimentos envenenados para
toda a rataria, com postura humanizada, fica cabis-
baixo, com os ombros pesados, demostra tristeza e
cansaço, como podemos ver na figura_93.
Quando a personagem tem ações cor-
porais humanas, suas mãos, braços e cotovelos
se destacam, aumentam de tamanho sutilmente.
Quando a mesma está mais inserida no meio da
rataria, seus braços e mãos são menos expressivos.
Aliás, Remy é o único rato que anda de forma
bípede, contra a vontade da rataria. Ele faz isso
somente na ausência do pai. O
único que sabe disso é seu ir-
mão Emile. Remy explica para
Emile que se ele quer se tornar
um cozinheiro, não deve andar
com as mãos no chão. Elas de-
vem ser preservadas para mani-
pular os alimentos.
Um elemento de anima-
ção utilizado no filme que nos
chamou muito a atenção foram
as formas e cores abstratas para
definir os sabores e aromas e a
combinação de sabores e aro-
mas entre diferentes alimentos.
É o método do cozinheiro Gus-
teau de misturar ingredientes
FIGURA_92
- Dezenas de
ratos morando
no forro do
teto da casa.
(Ratatouille,
Brad Bird, EUA,
2007).
124
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
com sabores e aromas diferentes para gerar des-
cobertas, como um novo e único sabor. Assistindo
a um programa culinário de TV, Remy ouve com
atenção o cozinheiro afirmar que os verdadeiros
cozinheiros devem identificar as cores dos aromas
e dos sabores. Remy se identifica com a afirmação.
Para ele, é como se isso fosse muito natural. Remy
abocanha um pedaço de queijo, fecha os olhos
e faz uma expressão facial característica
tanto em humanos quanto em animais,
quando se concentram em algo específico.
Todo o cenário de fundo escurece envol-
vendo o personagem em formas animadas,
suaves e arredondadas de cor amarela. Se-
ria a representação visual em movimento
do sabor do queijo. Estas formas vão se dissolvendo
e se redesenhando conforme o personagem mastiga
o queijo. Quando ele termina de mastigar, o cenário
volta a ser como era antes dele provar o queijo.
Em seguida Remy abocanha um pedaço de mo-
rango. Novamente ele se concentra, o cenário de
fundo desaparece e agora uma animação diferente,
também de formas suaves e arredondadas e de co-
res quentes representa o aroma e sabor do morango,
como podemos ver na figura_95. Estes elementos
lúdicos de animação combinados, formas geométri-
cas coloridas, expressão corporal e principalmente
facial da personagem sugere o que ele está sentindo.
Apesar de ser um elemento complexo para ser trans-
mitido em animação, sem utilizar o suporte verbal
ou textual, foi bem resolvido neste filme.
FIGURA_93
- Remy
representando
características
corporais
humanas.
(Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
FIGURA_94
- Remy
saboreia o
queijo.
(Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
Depois que Remy termina de
mastigar o morango, as formas desapa-
recem, o cenário volta a ser o que era
antes e ele abocanha ambos os alimen-
tos, queijo e morango ao mesmo tem-
po. Desta vez o cenário não escurece.
A cena é envolvida em cores quentes,
nuances de vermelho e cor de laranja
125
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
se misturam em formas arredondadas que sua-
vemente vão se desenvolvendo de acordo com a
mastigação. O som também tem uma participa-
ção importante. Quando é apresentado o som do
queijo, uma pequena orquestra com instrumentos
de percussão no estilo caribenho sustenta as for-
mas geométricas. Quando ele morde o morango,
o destaque é para o som de um violino. Ambos
isoladamente têm o suporte musical em um vo-
lume baixo. Quando ocorre a mordida em ambos
os alimentos e ao mesmo tempo, o volume fica
mais alto e uma orquestra com inúmeros instru-
mentos de corda, sopro e percussão sustentam a
emoção da cena. Esta solução audiovisual se repe-
tirá em outras cenas do filme.
Depois que Remy se perde de sua família e
se mantém salvo no esgoto utilizando o livro de
receitas como barco, um certo vínculo é estabe-
lecido uma vez que o espectador assimilou a per-
sonalidade e o caráter do personagem até o mo-
mento. A empatia começa a se tornar mais forte.
Depois de um tempo perdido no esgoto de Paris
e sozinho, Remy começa a ter delírios de fome. O
falecido cozinheiro Gusteau sai do livro e começa
a conversar com Remy. Ele diz que o mundo
está à sua espera, basta descobrir as possibilidades.
Remy em um dilema
entre a sanidade e a
fome, resolve ouvir
o conselho do amigo
imaginário e se aven-
tura pelos canos do
esgoto para ver onde
vai chegar. Assim, ele
sai no telhado de um
edifício e percebe pela primeira vez que estava o tempo
todo na cidade de Paris. Coincidentemente, ele se depara
com o restaurante do falecido Gusteau. Remy não resiste,
vai para cima do telhado do restaurante e consegue uma
vista privilegiada da cozinha através de uma janela. Ele pode
observar cuidadosamente todos os profissionais da cozinha
trabalhando. Enquanto Remy observa, em um determinado
momento uma personagem humana, o desastrado Linguini,
FIGURA_95
- Remy saboreia o
mornango. (Rata-
touille, Brad Bird,
EUA, 2007).
FIGURA_96
- Remy saboreia
o queijo e o
morango ao
mesmo
tempo.
(Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
126
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
que até então é o faxineiro do restaurante, derru-
ba a sopa, prato principal do dia. Para que não seja
punido, Linguini tenta salvar a sopa adicionando
ingredientes sem ter a noção do que faz. Remy
fica inconformado ao observar que o humano
está arruinando a sopa.
Ele começa a se exaltar e acaba caindo dentro
da pia de louça da cozinha. Na figura_97 pode-
mos ver a queda de Remy com o mergulho na
água da pia de louças sujas e também o cozinheiro
atrás. Dentro da cozinha, Remy se encontra cerca-
do de humanos. Os mesmos que seu pai e a rataria
alarmavam para que mantivesse distância. Garçons
e cozinheiros trabalhando em um ritmo acelera-
do. Ele tem que escapar para não ser pisoteado, ou
jogado em um forno, ou se afogar na pia de lavar
louça, ou ser eliminado por uma das centenas de
facas da cozinha. Os dois minutos seguintes são
uma sequência de ações e reações. Objetivos e
obstáculos, conflitos, pensamentos, decisões, emo-
ções e ações mudam de maneira muito rápida. Ele
se esconde em uma panela, mas algum cozinheiro
leva a panela ao fogo, então ele precisa mudar de
objetivo. Como podemos observar na figura_98,
Remy corre para baixo do fogão, mas em seguida
o fogo é aceso, o fogão se torna muito quente,
então ele deve sair dali. Uma ação, interrompida
por um obstáculo, que por sua vez desencadeia
uma outra ação.
E assim sucessivamente, em uma sequência
frenética de acontecimentos que fazem com que
a personagem atue e mude de atuação constan-
temente. Várias vezes, uma seguida da outra, em
um ritmo acelerado. Muita adrenalina empregada
nesta sequência. Ou seja, ele está constantemente
representando os elementos de acting que são aqui
empregados para suprir a dinâmica da cena.
FIGURA_97
- Remy cai dentro
da pia da cozinha
cheia d’água.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_98
- Remy desesperado,
se escondendo dos
humanos sob o
fogão. (Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
127
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Após muitos apuros e muitas
tentativas de escapar pela jane-
la, quando Remy pouco antes de
sair da cozinha passa ao lado da
panela de sopa e sente o cheiro,
ele não resiste ao seu desejo de ser
cozinheiro. Seus pensamentos e
emoções são mais fortes do que o
objetivo de fugir e a preocupação
com os obstáculos.
O conflito deixa de existir
por conta do desejo de se tornar
cozinheiro. Ele desiste de fugir e
começa a temperar a sopa: alho,
cebola, manjericão, etc. Esta é
uma cena interessante para ana-
lisarmos uma pergunta frequente
durante o desenvolvimento desta
pesquisa: a diferença entre ani-
mação e acting na animação. Nem
tudo que é animado é uma per-
sonagem, portanto nem tudo que
é animado tem acting. Como dito
anteriormente, as personagens
possuem algumas características
como vontade própria, objetivos,
conflitos, etc. Os elementos de tempero para a sopa sofrem a
ação da força das mãos de Remy e da força da gravidade para
cairem dentro da panela. Enquanto esta sequência se desen-
volve, Remy fica andando para um lado e para o outro, subin-
do e descendo da panela. Neste sentido, tantos os elementos
do tempero quanto as ações de Remy, apresentam poses para
a construção dos movimentos condizentes com as relações
entre as forças da gravidade e as massas dos corpos anima-
dos. No entanto, Remy tem um elemento a mais na constru-
ção do movimento em relação aos elementos de tempero:
Remy tem um objetivo, uma intenção para os movimentos.
Ele joga um tempero, sente o cheiro e faz expressões faciais
e corporais que nos levam a entender que ele teve pensa-
mentos, conclusões, emoções e por fim ações. O objetivo e
o conflito principal tiveram a inserção de conflitos e objeti-
vos secundários, de nível mais baixo, mas que oxigenizam a
narrativa principal. O objetivo e o conflito agora se referem
se a sopa está suficientemente temperada ou não. Antes dos
temperos, Remy faz expressões faciais e corporais de desgosto
e reprovação.
Após a sopa estar tempera-
da, suas expressões faciais e cor-
porais são de satisfação, de de-
leite. Nesta sequência podemos
observar nitidamente o empre-
go de muitos, para não dizer to-
dos, os princípios de animação
e do acting. Toda esta sequência
que dura aproximadamente um
minuto e vinte segundos, não
sequer um único apelo verbal. A
narrativa e as ões que levam
a transformação das emoções e
sentimentos da personagem em
relação ao cheiro da sopa são
conduzidas totalmente pela ilu-
são do movimento e a expres-
são corporal, ou seja, pelo acting.
Somado pelo suporte sonoro.
Uma música de fundo reforça a
ideia de que naquele momento
não mais conflito. A perso-
nagem está em profundo deleite
saboreando o doce sentimento
de realizar seu sonho.
128
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Outro elemento que podemos analisar nesta sequência, é com relação
as diferenças entre ação e acting, definidas por Webster (2005). A persona-
gem Remy representa constantemente elementos de acting que, segundo o
autor, se caracterizam principalmente pelas razões psicológicas que levam a
personagem a produzir movimentos. Portanto, nesta sequência temos mui-
tos outros elementos se movimentando na tela, mas apenas a personagem
representa elementos de acting. Com base nas divisões de Webster (2005), os
outros elementos que se movimentam como os temperos, o líquido da sopa,
a colher, nem se tratam de animação, pois não têm objetivos. Desta forma,
estes movimentos são caracterizados como simples ações, pois o movimento
se associa com certos objetos conhecidos, em certas condições conhecidas e
sujeito a leis conhecidas da natureza.
FIGURA_99 - Remy
sente o cheiro ruim da
sopa e em seguida se
satifaz após colocar
doses de temperos.
(Ratatouille, Brad Bird,
EUA, 2007).
129
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Vale salientar que nesta animação, apesar da
cabeça da personagem fazer parte do corpo, exis-
te uma separação entre a expressão corporal e a
expressão facial. Segundo Hooks (2003), quando
assistimos uma personagem em ação, olhamos
primeiro para os olhos, depois para as outras par-
tes da cabeça. Se a personagem estiver falando,
o segundo lugar que olhamos é a boca. Depois
da cabeça, olhamos para as partes do corpo que
mais se movimentam. Desta forma, a cabeça e as
expressões faciais têm um altíssimo grau de im-
portância na animação da personagem. Este fa-
tor, pode ser uma “faca de dois gumes”. Muitos
animadores correm o risco de não desenvolver
um bom acting corporal, em função da extrema
expressividade do rosto. Alguns animadores da
Pixar Animation Studios recomendam, em alguns
casos, animar a personagem sem a cabeça, para
que a mensagem seja trans-
mitida através da linguagem
corporal. Se este objetivo for
atingido, quando o animador
adicionar a animação facial,
então irá melhorar algo que
já estava funcionando.
Após Remy ter tempe-
rado a sopa, ele é percebido
pelo faxineiro Linguini e se
esconde embaixo de uma
panela. Linguini compreende
que o rato temperou a sopa,
mesmo que isso seja um ab-
surdo. Após a sopa ser servida
para os clientes do restauran-
te, fica provado para Remy
que ele sabe cozinhar muito bem, os clientes adoraram
a sopa. Além disso, o rato salvou a reputação de Lingui-
ni, que além de ter arruinado a sopa anteriormente, foi
reconhecido como responsável pelo sabor elogiado pelos
clientes que tomaram a sopa. Linguini prendeu o rato em
um pote de vidro e fica incumbido pelo chef da cozinha
de eliminar o rato em algum lugar bem distante do restau-
rante. Depois teria que voltar e preparar outra sopa com
o mesmo tempero. Linguini vai até a beira do rio Sena
para afogar o rato. Neste momento fica estabelecido um
intenso conflito. Ele deve preparar outra sopa, mas não
sabe como. E ele sabe que quem preparou foi o rato. Neste
momento, um diálogo entre o humano e o rato é desen-
volvido com uma aplicação muito expressiva do acting. O
rato não fala com a boca para se comunicar com huma-
FIGURA_100 - Troca de
olhares sentimentais entre
Remy e Linguini.
(Ratatouille, Brad Bird,
EUA, 2007).
130
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nos. Mas a linguagem corporal humani-
zada conduz a narrativa e a negociação da
cena. Esta comunicação, apesar de ser ab-
surda, inclusive para a personagem huma-
na, que neste momento está em um con-
flito extremo, é inevitavelmente realizada
e iniciada também pela troca de olhares.
O trabalho com os olhos é uma ques-
tão à parte para o desenvolvimento do ac-
ting. Nos parece que humanos e animais
mamíferos, em geral, têm um canal de
comunicação forte através dos olhos. Lin-
guini está desesperado. Ele olha nos olhos
do rato e diz: “Não olhe para mim des-
te jeito. Ele fica nervoso e começa a falar
que não poderia ter feito aquela sopa e que
apenas o rato foi o responsável por aquela
situação. Em um ato de incontrolável ner-
vosismo, ele começa a perguntar para o
rato o que ele tinha colocado na sopa para
que ela ficasse tão saborosa e percebe que
o rato estava respondendo com acenos de
cabeça. Linguini fica perturbado pois tem
consciência de que precisa do emprego
e isto é tão importante que até chega ao
absurdo de conversar com um rato. Neste
momento ele quer provar
e verificar se o rato com-
preende mesmo a situa-
ção. Ele afirma para o rato
que o sabe cozinhar e
espera a confirmação do
mesmo. O rato responde
que não, acenando a ca-
beça sutilmente. Linguini
fica assustado e feliz ao
mesmo tempo com a res-
posta e com a constatação
de que não está ficando
louco. Ele pergunta para o
rato se sabe cozinhar e o
rato fornece uma resposta extremamente complexa através da linguagem corporal.
Como podemos observar na figura_101, ele não apenas acena a cabeça afirmando
ou negando. Ele se utiliza dos movimentos da cabeça, dos ombros, dos olhos, do
pescoço, das mãos, dos dedos, para responder algo complexo, como alguém que
sabe que é bom em alguma coisa mas é modesto o suficiente para não assumir ex-
plicitamente. Se a resposta fosse falada, poderia ser algo do tipo: “Bem, sabe como
é que é, eu sempre gostei de cozinhar mas nunca tive oportunidade... O interes-
sante é que a linguagem corporal do acting consegue informar de maneira a atin-
gir os sentimentos e emoções do cotidiano das pessoas, de acordo com o meio
socio-cultural em que estão inseridas. Não se trata simplesmente de afirmações
precisas, mas de pantomimas que podem ser interpretadas de inúmeras maneiras.
No caso deste filme e nesta cena especificamente ocorre o envolvimento do espec-
tador com a situação e com as personagens, especilamente Remy, afinal a maioria
FIGURA_101 - Remy responde modestamente que sabe
cozinhar. (Ratatouille, Brad Bird, EUA, 2007).
131
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
das pessoas já esteve em situação semelhante tendo
de provar que é bom em algo, mas o querendo
ser presunçoso ou vaidoso. Após este contato, Lin-
guini e Remy combinam que trabalhariam juntos
para fazer novamente a sopa tão saborosa e especial.
Eles passam a noite no apartamento de Lin-
guini e no dia seguinte antes do trabalho, Remy
prepara o café da manhã. Durante este período,
vários diálogos se desenvolvem entre humano e
rato através do acting. Como culturalmente os ratos
têm a fama de serem “ladrões”, ou seja, invadem as
casas dos humanos para roubar alimento, apesar da
recente amizade, Linguini desconfia de Remy em
alguns momentos. Remy sempre contradiz a sus-
peita dos humanos ao desenvolver comportamen-
tos que nos levam a acreditar que ele é um rato
diferente e jamais roubaria comida novamente.
Chegando no restaurante, Linguini des-
cobre que uma das clientes que tomou a sopa
na noite anterior era uma importante crítica
de resturantes. Ela publicou um artigo elo-
giando a deliciosa sopa e a competência da
equipe da cozinha. Com isso, a responsabi-
lidade de Linguini e consequentemente de
Remy duplicou. Eles combinam que Remy
deve ficar escondido dentro da roupa de Lin-
guini, para que os outros humanos cozinhei-
ros não percebam sua presença. O chef da co-
zinha acredita que Linguini não sabe cozinhar
e que o resultado da sopa foi um acidente. Ele
duvida que Linguini seja capaz de reproduzir
a sopa. Assim, Linguini se prepara em frente
ao fogão, com a panela de sopa e todos os
ingredientes necessários e espera que Remy
o auxilie durante o trabalho. Como Remy
não pode se comunicar verbalmente
com humanos, ele tenta andar pelo
corpo de Linguini e morder sua pele
para indicar a escolha de temperos
certos ou errados. Por sua vez, Lin-
guini sente cócegas e dores impossi-
bilitando o desenvolvimento da sopa.
O acting de Linguini sugere que
algo está andando por dentro da rou-
pa da personagem. O objetivo que
era o de fazer a sopa agora passou a
ser o de tirar o rato de seu corpo. Os
obstáculos foram trocados, e conse-
quentemente os objetivos também. A
situação de não saber cozinhar agora
ficou em segundo plano. O obstácu-
lo maior no momento passa a ser o
próprio rato. O elemento que outro-
ra era imprescindível para vencer os
obstáculos e atingir o objetivo, agora
se torna outro obstáculo. Os especta-
dores empatizam com ambos os per-
sonagens, apesar dos mesmos estarem
em conflito. O mesmo conceito de
misturar ingredientes com sabores e
aromas diferentes para gerar um novo
FIGURA_102
- Cena em que
Remy prepara o café
da manhã para
Linguini, como
prova de
gratidão e
honestidade.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
132
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
e único sabor, é empregado. Remy e Linguini
unem-se para fazer algo, somar qualidades e con-
seguir realizar verdadeiras façanhas.
Após este contratempo, Linguini conversa
com Remy afirmando que desta maneira não será
possível continuar. Linguini esconde Remy debaixo
do chapéu de cozinheiro e atravessa a cozinha em
direção ao banheiro. No meio do caminho, quando o distraído
Linguini está prestes a se chocar com um garçom carregando
uma pilha de pratos sujos, Remy em um ato de impulso se agarra
e puxa os cabelos de Linguini. Isso faz com que Linguini se desvie
agilmente do garçom, evitando o acidente. Quando chegam no
banheiro, analisam a situação e descobrem que através da mani-
pulação do cabelo, Remy consegue controlar o corpo de Linguini.
Esta seria a solução de seus pro-
blemas. Remy faria a sopa controlando
o corpo de Linguini, através da mani-
pulação dos cabelos. Esta é uma análise
e um desafio bastante interessante com
relação ao acting. O acting de Linguini
será desenvolvido mecanicamente atra-
vés do acting humanizado de Remy. O
acting humano, aplicado em uma per-
sonagem rato que, por sua vez, contro-
la uma personagem humana. Linguini
e Remy passam a noite praticando este
exercício e ensaiando para o dia se-
guinte. Linguini fica de olhos vendados
enquanto deixa seu corpo ser controla-
do por Remy, que tenta preparar várias
receitas, a fim de adquirir prática para o
dia seguinte. Linguini tem um acting de
uma pessoa que não sabe o que deve
FIGURA_103 - Linguini se
decontrola com Remy
andando por debaixo de sua
roupa. (Ratatouille, Brad Bird,
EUA, 2007).
FIGURA_104 - Remy
descobre que pode
controlar Linguini através
da manipulação dos
cabelos. (Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
133
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
fazer, mas seu corpo o direciona de acordo com as
ações do rato. Os princípios do acting são inverti-
dos. Os objetivos da personagem são direcionados
pelos movimentos do corpo. Linguini estando de
olhos vendados, portanto não enxergando nada
a sua volta, não pode ter uma animação corpo-
ral definida por objetivos claros. Após os direcio-
namentos controlados por Remy através de seus
cabelos, Linguini compreende a situação e
passa a ter objetivos claros. Remy define a
ação corporal de Linguini, que por sua vez
incorpora o pensamento e define o objetivo.
Assim no dia seguinte, Linguini e Remy
sentem-se seguros em assumir o posto de
cozinheiro responsável pela sopa. Após re-
alizarem o preparado da sopa com a aprova-
ção do chef e dos clientes, Linguini fica sendo
subordinado de outra cozinheira, Collete, que
ensina com profissionalismo e disciplina a pro-
fissão de cozinheiro. Collete tem uma persona-
lidade marcante durante todo o filme, mas nes-
tas sequências em que ela apresenta um com-
portamento de liderança e austeridade, po-
demos analisar expressivamente os princípios
de animação Staging, personalidade e apelo. A
câmera fica fechada no rosto da personagem,
enfatizando as expressões faciais. Enquanto isso,
a animação corporal da personagem não tem
muito movimento. Ela se fixa em algumas po-
ses e faz pequenos e sutis movimentos apenas
para transmitir a energia do sentido do diálogo.
Um dos autores dos 12 princípios, Ollie
Johnston, atenta para o cuidado no equilíbrio
entre a ação e o diálogo. O mais importante
na animação é transmitir a ideia e fazer parecer
com que os personagens pareçam vivos, emo-
cionados. A preocupação do autor é para que
os animadores não tentem fazer a personagem
parecer viva através apenas de movimentos
corporais constantes. Isso pode acabar tirando
a atenção do diálogo, do sentido e da emoção
FIGURA_105
- Remy pratica o
controle do corpo
de Linguini
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_106
- Collete representa
sua personalidade
marcante com
poucos
movimentos.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
134
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
da cena. Algumas sequências necessitam ir
direto ao ponto. Esta questão vai ao en-
contro do estudo do dançarino Rudolf
van Laban, abordado no capítulo 3, que
consiste em caracterizar os movimentos
da personagem não por mera locomoção.
A mensagem visual através do corpo deve
ser provocada pela energia gerada através
das emoções.
Aqui vale destacar o planejamento da equipe
de animadores antes de desenvolver a animação.
Os mesmos passaram um mês em uma cozinha
de um grande restaurante francês, para que se fa-
miliarizassem com os comportamentos dos cozi-
nheiros, os movimentos característicos, a postura
diante da mesa, o gesto das mãos e braços para
segurar as ferramentas, as atitudes e habilidades de
cozinheiros veteranos.
Linguini aprendia pouco, mas Remy dia
após dia tornava-se um excelente cozinheiro.
Com o controle total do corpo de Linguini e
as orientações de Collete, Remy cumpria com
alegria e eficácia as necessidades do restau-
rante. A harmonia entre os movimentos pre-
visíveis do rato e do humano agora fluiam
suavemente. Assim, nesta sequência de cenas,
o filme contempla uma narrativa calma, sem
tensões, sem obstáculos difíceis.
Outro complicador no enredo, que gera
mais conflitos e mais obstáculos para os per-
sonagens, é o fato do chef da cozinha desco-
brir que Linguini é filho e herdeiro de Gus-
teau. Isso faz com que ele se sinta inseguro e
faça de tudo para Linguini sair do restaurante.
Além disso, o chef suspeita que Linguini tenha
uma relação com os ratos, após ter visto de re-
lance ele conversando com Remy. Em um de-
terminado dia, os clientes de uma mesa que
haviam provado todas as opções do cardápio,
pedem para que o chef fizesse uma surpresa.
O chef deixa esta responsabilidade nas mãos
de Linguini, imaginando que o mesmo não
consiga preparar algo que satisfaça os clientes
e justifique sua demissão do restaurante. Ago-
ra um novo obstáculo é inserido para oxige-
FIGURA_107
- Momentos de
tensão. Collete
apresenta poses
muito expressivas.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_108
- Momento de
calmaria. Collete e
Linguini
trabalham em
equipe. (Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
135
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nar a narrativa. Collete, muito cuidadosa, se debru-
ça nas receitas de Gusteau para orientar Linguini
e surpreender os clientes. Ela está no comando e
Linguini deve obedecê-la. Porém, Remy com sua
prática e aprendizado somado ao seu senso olfa-
tivo super aguçado, não se interessa pelo livro de
receitas e começa a improvisar. Neste momento, o
acting de Linguini causa um estranhamento, tanto
nos outros personagens quanto nos espectadores.
Linguini tem a intenção de obedecer sua tutora,
mas Remy tem o controle do corpo de Linguini
e não quer obedecer. Temos aqui configurado a
marionete digital de um rato que tem seus mo-
vimentos inspirados nos humanos, que por sua
vez, faz o papel de titereiro, usando como ma-
rionete a personagem humana. Os movimentos
corporais de Linguini não condizem com seus ob-
jetivos. Remy começa a preparar a comida, mistu-
rando ingredientes, sem a permissão de Linguini.
Uma disputa entre Remy e Collete se desen-
volve através do corpo de Linguini. Collete acredi-
ta que Linguini quer provar que pode improvisar
e criar uma receita nova, desobedecendo sua tu-
tora a receita de Gusteau. Linguini tenta se expli-
car para Collete e convencer Remy não fazer isso,
mas é inútil. Um acting interessante e complexo
é aplicado em Linguini, quando ele luta consigo
mesmo, esbofeteando o próprio rosto, a fim de
mostrar para Collete que não é responsável por
seus atos. No fim, Collete prepara algo seguindo a
receita de Gusteau e quando vai adicionar o mo-
lho da receita, Remy consegue jogar um molho
autoral antes do garçom servir. Os clientes ado-
ram o molho e todos os outros clientes das outras
mesas querem experimentar o mesmo prato.
FIGURA_109
- Linguini luta
contra seu corpo,
controlado por
Remy. (Ratatouille,
Brad Bird, EUA,
2007).
FIGURA_110
- Linguini
controlado por
Remy, prepara o
prato contra sua
vontade.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
136
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
O prato batizado de “pedido especial” se
transforma no carro-chefe do restaurante. Isso
gera um novo conflito: Collete acredita que
Linguini é arrogante, trapaceiro e quer roubar
seu cargo. No entanto, Linguini é inocente e
se apaixona por Collete. Remy que era o ele-
mento mais importante para ajudar a vencer
os obstáculos, agora se torna o maior obstá-
culo de todos, o responsável pelos maiores
conflitos. Os outros funcionários do restau-
rante comemoram a grande movimentação
de clientes, graças ao talento do cozinheiro,
que eles pensam ser Linguini mas na verdade
é Remy. O chef também fica mais íntimo
de Linguini. Íntimo, porém, igualmente mal
intencionado. Ele acredita que Linguini sabia
cozinhar antes de entrar no restaurante e ten-
ta embebedá-lo a fim de descobrir a verdade.
Linguini por sua vezo sabe cozinhar e o
sabe que élho de Gusteau.
Enquanto isso, Remy deleita-se com o su-
cesso. Realizou seu maior sonho, o de se tornar um
cozinheiro de qualidade e não precisa se preocupar
com falta de alimento. Depois que o expediente
do restaurante termina, Linguini se assegura de for-
necer fartura de alimento para Remy. A persona-
gem Remy aparentemente não tem mais conflitos.
Tudo está contribuindo para que seus desejos
sejam atendidos, mas um conflito antigo volta à
tona. Entre as latas de lixo do restaurante apare-
ce Emile, irmão de Remy. Eles não se viam desde
que Remy se perdeu no esgoto. Remy percebe que
Emile continua se alimentando de restos do lixo.
Sentindo-se o “rei” da cidade, Remy invade a dis-
pensa do restaurante para oferecer bons alimen-
tos para seu irmão. O conflito que Remy sempre
FIGURA_111
- Remy de delicia
com a fartura de
comida, recebida
como gratificação
por seu trabalho
de cozinheiro.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_112
- Remy conversando
com o amigo
imaginário
Gusteau.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
137
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
teve com a rataria e principalmente com seu pai,
também é desdobrado com a ilusão da aparição
do falecido cozinheiro Gusteau, que apareceu
pela primeira vez quando Remy estava delirando
de fome. Quando Remy abre a porta da dispensa
para pegar comida e oferecer a seu irmão, Gusteau
reaparece e reprime a atitude de Remy, afirmando
que ele está roubando e pode perder tudo o que
conseguiu por causa disso. Remy não atenção
para Gusteau. Ele se sente seguro e confiante e
está empolgado pelo reencontro com o irmão.
Remy acredita que ninguém vai dar falta de
alguns pedaços de queijo que dará para seu ir-
mão e que não precisa mais ouvir a sua consciên-
cia representada por Gusteau, pois está tudo sob
controle. Temos aqui mais um exemplo de um
personagem com acting complexo. O rato que é
cozinheiro através do corpo de um humano tem
a alucinação de conversar com o fantasma de
um falecido cozinheiro humano. Através do rato,
além desta alucinação fazer com que ele se torne
um bom cozinheiro, também possibilita a relação
entre o falecido Gusteau e seu filho Linguini.
Assim, Remy leva alguns queijos e uvas para seu
irmão provar. Quando Emile mastiga os alimentos,
novamente o suporte visual transcende o acting além
do corpo da personagem, representando sentimen-
tos e emoções, escurecendo o cenário de fundo e
preenchendo o espaço com formas e cores.que
desta vez, o paladar e o olfato de Emile não são o
aguçados quanto os de Remy. E, além disso, Emile
se contenta em ser um simples rato e nunca presta
muita ateão no que es comendo. Enquanto os
apelos visuais de Remy eram nítidos e definidos, os
de Emile o indefinidos e fracos. Tanto mastigan-
do os alimentos isoladamente quanto em conjunto.
Enquanto Emile mastiga, Remy descreve como o
sabor pode ser: leve, agridoce, crocante, levemente
amargo no final. Os sentimentos e emoções teori-
camente experimentados por Remy tentam ser im-
FIGURA_113
- Remy tenta
ensinar seu irmão
Emile a saborear os
alimentos.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_114
- Remy com seu
pai em frente a
vitrine de uma loja
com produtos para
eliminar ratos.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
138
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
postos a Emile. O acting definido pela
personalidade de uma personagem
passa a influenciar o acting de uma
personagem com personalidade di-
ferente atras do sabor dos alimen-
tos. Mas tudo isso é em vão. Emile
o consegue entender o que Remy
sente de tão especial nos sabores e
nas composões dos alimentos.
Mas este é o começo do
retorno do conflito maior. Emile
sabe onde está a rataria e leva Remy
junto. Remy é recebido com em-
polgação por todos. Estão felizes
por terem o farejador de venenos
de volta. Até seu pai sentia a falta do
olfato apurado. Remy percebe que
não precisa mais se submeter a isso.
Ele informa que agora vai viver
com os humanos e que irá visitar
a rataria frequentemente. Então o
conflito com seu pai se torna in-
tenso. Eles começam a discutir até
que o pai decide mostrar algo para
Remy. Ele o leva a uma vitrine de uma loja que vende
produtos para eliminar ratos, principalmente ratoeiras e
venenos. O pai tenta deixar claro que os humanos têm o
objetivo de eliminar todos os ratos. Remy afirma que co-
nheceu os humanos de perto e que nem todos são iguais.
Este elemento intensifica mais ainda o conflito de Remy.
Porém, ele não quer acreditar no que está vendo e conti-
nua discordando do pai. Ele sabe que é feliz como cozi-
nheiro, vivendo com os humanos e não quer voltar para a
rataria. Pai e filho se separam na noite chuvosa.
Na man seguinte, Remy volta contente para o
restaurante para mais um dia de trabalho. Ele esconfiante
novamente. Parece que deixou para trás todos os conflitos
da noite anterior. Se sente tão humano que anda
na calçada como bípede. Quando entra na cozinha,
ele encontra Linguini dormindo no chão. Linguini
após ter bebido uma garrafa de vinho, incentiva-
do pelo chef, o forneceu nenhuma informação
importante sobre ratos ou Gusteau e como puni-
ção foi encarregado de limpar sozinho a cozinha
inteira. Em seguida Remy ouve o som da motoci-
cleta de Collete, que está chegando no restaurante.
Collete que se encontra em profundo conflito com
Linguini pelo seu comportamento, jamais poderia
encontrá-lo naquela situação.
139
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Assim, mais um desafio interessante de acting é
enfrentado: Remy assume seu posto no alto da ca-
beça de Linguini, enquanto o mesmo se encontra
desacordado. Temos o acting de um corpo ador-
mecido, porém, controlado pelo rato. No contex-
to da produção do filme, temos duas marionetes
digitais, Remy e Linguini. Porém, dentro do con-
texto do filme, a personagem Linguini representa
uma marionete em relação a Remy, ou seja, Lin-
guini é um corpo sem vida e sem objetivos, que
representa ações a partir dos comandos de Remy.
É a relação da marionete sendo controlada por
outra marionete. O objetivo que seria de Linguini
passa a ser apenas de Remy. O acting de Linguini
não é movido pelo objetivo da personagem que
o desenvolve. Linguini não tem objetivo pois está
desacordado. É como se fossem dois ac-
tings diferentes sendo atuados ao mesmo
tempo pela mesma personagem: um de
estar dormindo e o outro de estar acor-
dado. Através dos controles pelos cabe-
los, Remy luta para que um acting vença
o outro, para que o corpo de Linguini
não pareça estar dormindo e tenha mo-
vimentos naturais. Remy tenta fazer de
tudo para acordar Linguini, mas é inútil.
Ele sequer abre os olhos. No momen-
to em que Collete vai entrar na cozinha,
Remy coloca óculos escuros no rosto de
Linguini e assume o controle de seu cor-
po e da situação.
Uma nova negociação com um
novo conflito se estabelece para oxigenar
o filme. Linguini está de pé, preparando
algo no fogão. Collete se aproxima e ten-
ta iniciar uma conversa. Como Linguini
está de pé, segurando uma panela, uma
colher e usando óculos escuros, Colle-
te não percebe que ele está desacorda-
do. Ela faz perguntas enciumadas sobre
ele passar a noite bebendo com o chef
mas não obtém resposta. Remy tenta fa-
FIGURA_115
- Linguini
dormindo após
ter passado a noite
toda limpando
a cozinha.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_116
- Remy se
esforçando para
controlar o corpo
de Linguini, que
está dormindo.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
140
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
zer com que Linguini tenha alguma
ação corporal em resposta para Colle-
te. Linguini tem um comportamento
corporal muito incomum, que pode
ser interpretado de várias maneiras
diferentes. Principalmente para a per-
sonagem Collete que não sabe que ele
é uma marionete do rato.
Após várias perguntas sem respostas e com o
comportamento corporal estranho, Collete se irri-
ta ao ponto de esbofetear o rosto de Linguini. Ela
diz que se arrepende de tê-lo ajudado e sai furiosa
da cozinha. Linguini acorda com a agressão física e
diz que não aguenta mais essa farsa. Ele quer aca-
bar com o conflito para que possa ter outros obje-
tivos. Ele jamais poderá se apaixonar por Collete se
a mesma não souber a verdade. Ele impede Collete
de ir embora e diz que vai contar seu segre-
do. Linguini tem o acting de um personagem
inseguro somado ao fato de se encontrar em
uma situação bizarra, de ser controlado por
um rato. Assim, ele tem muita dificuldade
para se explicar. Collete fica assustada com
o comportamento atrapalhado e confuso
de Linguini e começa a creditar que ele não
está em perfeitas condições mentais. Ela se
prepara para lançar um spray de pimenta se
Linguini se aproxime demais. Linguini levan-
ta seus braços para tirar o chapéu e contar
toda a verdade para Collete. Paralelamente,
Remy acompanha toda a situação escondi-
do em baixo do chapéu de Linguini e não
pode permitir que isso aconteça, pois sabe
que vai perder tudo o que tem e conseguiu.
Temos aqui o conflito entre conflitos. Ele-
mentos que para algumas situações servem
de obstáculos, em outras situações são eli-
minadores de obstáculos. As definições cla-
ras que temos nas análises e conceitos de
Hooks (2003) aqui são diluídas e interligadas
entre situações e personagens. Em um mo-
mento de desespero, Remy toma a decisão
de controlar Linguini de forma a empurrá-
lo para cima de Collete e assim fazer com
FIGURA_117
- Collete tenta
conversar com
Linguini sem
perceber que ele
está dormindo.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_118
- Remy controla o
corpo de Linguini
que beija Collete.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
141
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
que se beijem. Collete gosta do que
acontece, desiste de ser agressiva e
corresponde a situação. Remy final-
mente descansa e se sente seguro no-
vamente. Todos os conflitos se resol-
veram. Collete não vai mais estar em
conflito com Linguini, Linguini não
se preocupa mais com Remy e Remy
não tem medo de perder o emprego.
Tudo está resolvido, todos os objeti-
vos foram alcançados.
Enquanto isso, a reputação do
restaurante de Gusteau que havia
sido rebaixada pelo crítico Ego, agora
retomava sua posição entre os me-
lhores restaurantes de Paris. Ego fica
sabendo disso e não se conforma em
alguém contradizer sua análise crí-
tica. Ego enfurecido é reconhecido
como o maior crítico de restauran-
tes, e ele poderia confirmar se a
cozinha de Gusteau está realmente
com boa qualidade.
Enquanto isso na cozinha do restaurante, a re-
lação entre Linguini e Collete muda drasticamente
depois do beijo. Mais uma vez o acting de Linguini
se torna complexo. Enquanto estão trabalhando
na cozinha, Linguini apaixonado desvia toda sua
atenção para Collete, enquanto Remy luta para
controlar seu corpo e fazê-lo cozinhar. Desta vez,
Linguini não quer deixar seu corpo ser controlado
por Remy e isso acaba gerando um novo confli-
to. Ambos personagens estão se sentindo muito
seguros: Remy por ser o responsável pelo sucesso
do restaurante e Linguini por estar romanticamen-
te relacionado com Collete, que é a profissional
mais importante na cozinha. Como ambos estão
se dando muito bem trabalhando juntos, muitas
vezes Collete oferece elementos para preparar a
comida que ela acredita serem melhores. Linguini
tenta aceitar, mas são rejeitados por Remy. Para
FIGURA_119
- O crítico Ego
irritado com as
boas críticas rece-
bidas pelo restau-
rante Gusteau.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_120
- Linguini luta
contra os
movimentos
de seu corpo
controlados por
Remy. (Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
142
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
evitar um novo conflito, Linguini se
esforça ao máximo para não deixar
que Remy o controle. Temos aqui
um acting lutando contra outro.
Quando termina o expediente
de trabalho, Linguini e Collete saem
para se divertirem juntos. Lingui-
ni vai na garupa da motocicleta de
Collete e acaba perdendo o chapéu
com Remy dentro. Remy vê-se sozi-
nho e indefeso no meio da rua. Ele
sai da rua para não correr o risco de
ser atropelado e acaba se aproximan-
do de uma lanchonete, onde vários
humanos o vêem e tentam matá-lo.
Remy consegue fugir e se esconde
no esgoto. Este acontecimento serve
para tirá-lo da ilusão do mundo per-
feito em que estava inserido, o mun-
do onde ratos e humanos vivem em
harmonia.
Mesmo assim, Remy volta para
o restaurante, pois é isso que o dei-
xa feliz, trabalhar como cozinheiro.
Quando ele se aproxima da cozinha,
novamente encontra seu irmão Emile. Desta vez, Emile
não está sozinho, ele trouxe vários amigos juntos. Remy
fica furioso, pois havia pedido para Emile não contar
para ninguém sobre o fato de trabalhar na cozinha do
restaurante. Sem possibilidades de argumentação, Remy
vai buscar comida para os ratos. Desta vez, a porta da
dispensa estava trancada e Remy em um ato ainda mais
ousado, entra no escritório do chef para procurar a cha-
ve da porta da dispensa. Em cima da mesa do escritório,
Remy se depara com um porta retrato que contém a
foto de Gusteau. Novamente o conflito de ser um rato
ladrão, que rouba comida para satisfazer sua família, vem
à tona. O fantasma de Gusteau novamente ganha vida e
fala com Remy reprimindo seus atos.
Isso é um tormento para Remy. Ele tenta se desli-
gar das reclamações de Gusteau e continua procurando a
chave da dispensa. Nitidamente ele se encontra em con-
flito com a situação. E, desta vez, a si-
tuação envolve muitos personagens: sua
família, Linguini, Collete e a reputação
do restaurante de Gusteau. Enquanto
procurava a chave da dispensa, Remy
encontra o testamento de Gusteau e os
documentos provando que o mesmo é
pai de Linguini. Neste momento, o chef
entra no escritório e a suspeita sobre
o rato é confirmada. Remy foge com
os documentos. Uma sequência com
muitos movimentos, gestos, rapidez,
suspense e intensidade são desenvolvi-
dos na cena. Desta vez, com o chef da
cozinha perseguindo Remy.
Ambas personagens desenvolvem
ações até que aconteça algo e faça com
FIGURA_121
- Remy em conflito,
conversando com o
desdobramento de sua
consciência,
representado por
Gusteau. (Ratatouille,
Brad Bird, EUA, 2007).
143
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
que os mesmos desenvolvam ações di-
ferentes. Remy consegue fugir e quan-
do o chef, após ter passado por muitos
contratempos, finalmente volta para o
restaurante, tudo está esclarecido: Remy
conseguiu mostrar os documentos para
Linguini, e assim ficou esclarecido para
todos que Linguini é o oficial herdei-
ro de Gusteau. Rejeitado por todos do
restaurante, o chef é demitido e Lingui-
ni assume o posto de novo chef. Com
Collete ao seu lado, e a aprovação de
todos, Linguini atinge os objetivos que
outrora pareciam impossíveis. Remy
também se une a essa aparente conclu-
são dos fatos e os conflitos foram dis-
solvidos, tudo volta a ficar tranquilo. O
restaurante continua agradando o públi-
co e tudo funciona perfeitamente para
todos. Paralelamente a isso, um confli-
to ainda persiste: cada vez mais mem-
bros da rataria sabe onde Remy trabalha
e frequentam assiduamente a porta dos
fundos do restaurante esperando rece-
ber comida de primeira e de forma fácil.
Enquanto isso, o chef revoltado com tudo que
aconteceu continua perseguindo disfarçadamente
Linguini a fim de desmascarar sua relação com os ra-
tos. Ele faz uma denúncia para a prefeitura alegan-
do que o restaurante Gusteau foi invadido por uma
rataria. Paralelamente, Linguini está fornecendo uma
entrevista coletiva para a imprensa, orgulhoso do su-
cesso do restaurante, e da herança que recebeu de
seu pai, uma vez que não pode e nem deve contar
a verdade. Linguini recebe todos méritos e Remy co-
meça a se sentir enciumado. Pois além de Remy ser o
verdadeiro cozinheiro, foi ele também que resolveu
a questão da herança. No final da coletiva, antes de
abrir o restaurante, um cliente especial aparece, Ego,
o crítico, entra no restaurante. Ele veio pessoalmente
avisar que virá na noite seguinte para jantar e com-
provar se o restaurante de Gusteau está indo tão bem
quanto falam. Neste ponto, Linguini recebe tantos
elogios que acredita não depender mais de Remy.
Ele acredita que o talento de Collete é suficiente
para manter o padrão do restaurante e satisfazer
o crítico.
Assim, é iniciado um novo conflito entre ele
e Remy. Linguini expulsa Remy do restaurante afir-
mando explicitamente que não é um marionete.
Ele diz que precisa ficar sozinho para se concen-
trar e enfrentar o crítico. Isso acontece enquanto
o chef observa escondido e acaba desvendando o
segredo. Como se não bastasse, o irmão de Remy,
Emile e os amigos também observam tudo. Em
um ato de vingança, Remy manda chamar toda a
rataria para invadir a dispensa e comerem tudo o
que quiserem.
FIGURA_122
- Remy entrega
comida roubada
para seus amigos
da rataria.
(Ratatouille,
Brad Bird,
EUA, 2007).
144
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Quando Linguini chega em casa após
o expediente, não encontra Remy em casa.
Neste mesmo momento, Remy está inva-
dindo a dispensa do restaurante acompa-
nhado de centenas de ratos. Linguini volta
para a cozinha do restaurante procurando
Remy. Quando ele entra, todos os ratos
se escondem e apenas Remy aparece. Lin-
guini se desculpa, reconhece que ele deve
tudo o que tem ao rato. No momento
em que Remy se arrepende do que fez,
seu irmão Emile derruba comida e aca-
ba denunciando toda a rataria. Linguini
indignado expulsa Remy e toda a rataria
para fora do restaurante. Remy se depri-
me, aceita o fato de ser apenas um rato
e se afasta do restaurante. De longe ele
observa a imagem de Gusteau no topo do
edifício do restaurante. Ele espera algu-
ma mensagem de Gusteau, mas está muito
deprimido para se iludir com algo. Este é
outro momento de grande empatia com
a personagem rato. Ela acabou de passar
pela situação mais difícil do filme e fica
profundamente triste. E como afirma
Hooks (2003), humanos empatizam com
emoções.
No dia seguinte o crítico Ego vai até o restauran-
te como era esperado. Quando o garçom pergunta
a Ego o que ele deseja comer, o mesmo responde
que deseja “perspectiva”. Embora tente explicar de
formas diferentes, o garçom não compreende. Então
Ego furiosamente explicita que deseja ser surpre-
endido pelo chef. Paralelamente, Remy encontra-se
preso em uma gaiola, dentro do porta-malas de um
carro. Ele foi capturado pelo ex-chef da cozinha
que agora sabe de toda a verdade. Neste momen-
to, o fantasma de Gusteau aparece. Remy reclama
que está cansado de fingir ser um rato para seu
pai, fingir ser um cozinheiro através do corpo
de Linguini e fingir conversar com o fantasma de
Gusteau. Os elementos que direcionam o acting
estão intimamente ligados ao roteiro do filme.
FIGURA_123
- Remy desolado,
se afasta do
restaurante.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_124
- Remy sozinho,
aprisionado, se
consola com a
companhia do
amigo imaginário.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
145
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Gusteau afirma para Remy que
ele não precisa fingir nada para nin-
guém. Assim Remy sente-se con-
fiante e decide que vai assumir tudo
de agora em diante. Neste momen-
to, uma estátua é derrubada em
cima do capô do carro e o mesmo
se abre. A estátua foi derrubada pelo
pai e pelo irmão de Remy. Ele está
livre novamente. Depois de abra-
çar e agradecer a família, a primei-
ra coisa que ele faz é correr para o
restaurante. Ele sabe que é o único
cozinheiro que pode agradar o crí-
tico é ele. Desta vez ele declara para
o pai que ele é o cozinheiro respon-
sável. Enquanto isso a cozinha do
restaurante está um caos. Sem Remy,
Linguini é incapaz de iniciar qual-
quer receita decente para impres-
sionar Ego. Linguini é pressionado
pelos funcionários da cozinha para
que se lembre da receita ou inven-
te algo novo e surpreendentemente
saboroso. Linguini entra em total de-
sespero. Começa a gritar e se tranca
dentro do escritório.
Enquanto isso Remy desesperadamente corre
para entrar no restaurante sem se preocupar com os
humanos. Ele acredita que pode assumir ser o cozi-
nheiro, não tem medo de nada. Seu pai e irmão ten-
tem impedí-lo, mas não conseguem. Remy entra na
cozinha e todos os humanos o avistam e correm para
a direção dele com panelas e facas, a fim de espantá-
lo ou matá-lo. Remy por sua vez não foge. Com a
confiança transmitida pelo fruto de sua imaginação
personificado em Gusteau, Remy fica parado em
uma pose que inspira segurança, confiança, deter-
minação, coragem. Podemos analisar a valorização
da pose. Em um filme de animação, uma pose bem
expressiva pode não necessitar de movimento. É
interessante como a ausência de movimento rela-
cionada à uma pose bem resolvida pode ser uma
ferramenta poderosa em um filme de animação.
FIGURA_125
- Linguini
pressionado pela
equipe da cozinha.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_126
- Remy se encoraja
e enfrenta os
humanos.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
146
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Antes que alguém acerte Remy,
Linguini se coloca na frente e protege
o rato. Não mais como esconder.
Linguini assume que não tem talento
nenhum para cozinhar e que o verda-
deiro responsável por todas as receitas
deliciosas é o rato. Ele coloca Remy em
cima de sua cabeça e mostra como o
rato controla seu corpo para cozinhar.
Ele diz que parece loucura, mas que o
rato é o responsável pelos pratos que
conquistam os clientes e fez com que
o crítico estivesse ali esperando para
ser servido. Ele afirma que o restau-
rante pode ser o mais famoso de Paris
se aceitarem aquele rato como cozi-
nheiro. Os funcionários do restaurante
ficam atônitos por alguns instantes e
em seguida, sem falar nada, um a um
vão deixando o resturante, abando-
nando seus uniformes, e consequen-
temente abandonando Linguini.
Quando Linguini percebe, apenas Collete ficou
no restaurante. Ela foi a que ficou mais atônita de
todos. Demorou mais para acreditar no que esta-
va acontecendo. Ela caminha até Linguini, para em
frente ele e o encara com os olhos cheios de lágri-
mas. Mais uma vez, temos um acting expressivo, sem
apoio do suporte verbal. Collete não fala nada, mas
suas expressões faciais representam de forma intensa
os sentimentos e as emoções. Os olhos quase fecha-
dos, cheios de lágrimas, as sobrancelhas franzidas e
os lábios pressionados representam decepção, in-
segurança, revolta. Ela levanta a mão para agredir
fisicamente Linguini, mas a decepção é tão grande
que ela desiste, como se Linguini não merecesse
nem este gesto dela. A empatia e o sentimento de
dúvida expresados pelas ações corporais de Colle-
te sugerem um vínculo entre ambos personagens.
FIGURA_127
- Linguini e Remy
demonstram para a
equipe como eles
cozinhavam juntos.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
FIGURA_128
- Collete
desapontada faz
um gesto que
demonstra a
vontade de agradir
Linguini, mas se
contém.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
147
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Ela empurra Linguini sem olhar para ele e
sai do restaurante.
Linguini se sozinho na enorme co-
zinha. Ele observa pela janela da porta, o
crítico Ego esperando impacientemente
para ser atendido. Uma sequência de ce-
nas sem suportes verbais se sucede. Lin-
guini nitidamente está desistindo de tudo,
desistindo da vida. Extremamente depri-
mido, ele solta Remy em cima da mesa e
com a postura corporal totalmente flácida
se tranca no escritório. Paralelamente ve-
mos Collete igualmente sem apelos verbais
guiando sua moto veloz e de forma in-
consequente. Ela está em conflito, confusa
e perdida. Não sabe para onde vai. Remy,
por sua vez, também se deprime. Sem o
corpo de Linguini e sem a ajuda da equipe
da cozinha é impossível preparar alguma
coisa. Quando de repente, ele avista seu
pai dentro da cozinha. Remy ouve de seu
pai que se enganou com relação a seu fi-
lho e aos humanos. Ele afirma que não
sabe nada de cozinha, mas apesar de tudo
eles formam uma família e estão dispostos
a ajudar Remy no que ele precisar. Assim,
eles decidem que vão cozinhar para o crítico, mesmo sem a ajuda
dos humanos. Neste momento, o inspetor sanitário da prefeitura
entra no restaurante e se depara com a cozinha infestada de ratos.
Como podemos observar na figura_129, o inspetor ao abrir a
porta da cozinha se depara com centenas de ratos. Após alguns
segundos catatônico, ele desiste e foge da cozinha. Os ratos vão
atrás dele e envolvem o carro do inspetor.
Enquanto isso, Remy coman-
da os ratos como o capitão de um
barco, direcionando todos para a
preparação dos alimentos. Ele exi-
ge que todos os ratos devem an-
dar apenas com as patas traseiras
e caprichar na higiene enquanto
estiverem trabalhando na cozi-
nha. Remy direciona os ratos para
que componham o molho como
se fosse a pintura de um quadro.
Quando Linguini percebe o que
está acontecendo, ele afirma que
algum humano precisa servir as
mesas. Então ele calça um par de
patins, para ficar mais veloz, veste
o uniforme de garçom e começa
a servir as mesas enquanto a rata-
ria prepara os pratos.
FIGURA_129 - O inspetor sanitário
se depara com a rataria na cozinha
do restaurante. (Ratatouille, Brad Bird,
EUA, 2007).
148
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Neste meio tempo, Collete para em um semá-
foro ao lado de uma vitrine de livraria, onde em
destaque está o livro de receitas de Gusteau, com
o lema: “Qualquer um pode cozinhar”. Então ela
se arrepende e retorna para o restaurante. Quando
entra na cozinha se depara com centenas de ratos
manipulando alimentos, talheres, panelas, fornos,
etc. Ela faz um gesto sugerindo ânsia de vômito.
Linguini Collete e a abraça fortemente, agrade-
cendo por ela ter retornado. Collete não quer falar
nada, apenas ajudar o rato a preparar o prato para
Ego. Remy mostra a receita do prato Ratatouille.
Collete fica indignada, pois é um prato simples de
camponeses, um guizado de legumes. Ela jamais
pensaria nisso. Linguini desenvolve um acting sem
suporte verbal para confortar Collete. Ele se aproxi-
ma, coloca suao sobre o ombro dela e com um
olhar curvando a cabeça e levantando as sobrance-
lhas comunica para que ela fique tranquila
e confie na opção do rato.
Collete tenta escolher os ingredientes
seguindo a receita de Gusteau, mas Remy
não permite. Ela se irrita no início mas
acaba aceitando em seguir os direciona-
mentos de Remy. Collete que outrora foi a
tutora de Linguini criando assim laços afe-
tivos, agora estabelece vínculos com Remy
sendo sua aprendiz. Ela presta atenção em
Remy escolhendo os ingredientes e pre-
parando os alimentos. Ela tem expressões
faciais que sugerem várias emoções. Ela ao
mesmo tempo está surpresa, se maravilha
como uma aluna que aprende novas des-
cobertas e conclui que realmente o rato
tem muito talento. Assim, Remy e Collete
preparam cuidadosamente o prato. Lingui-
ni como garçom serve o prato para Ego e
a expectativa de todos é imensa.
FIGURA_130
- Linguini observa
a rataria
preparando a
comida sob o
comando de Remy.
(Ratatouille, Brad
Bird, 2007).
FIGURA_131
- Linguini
tranquiliza Collete,
para que ela deixe
Remy comandar o
preparo do prato.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
149
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Quando Ego experimenta o ratattoille é o
momento mais importante e expressivo de acting
no filme. O cuidado e a seriedade com que ele
prova a comida e o suposto sabor que ele sente,
fazem com que ele volte a ser criança. Ego, que
fazia anotações em seu caderno, fica tão chocado
e paralizado que deixa a caneta cair no chão. Seus
olhos arregalam como em nenhum outro mo-
mento do filme. A câmera entra em sua pupila e
vemos a personagem quando era criança e comia
o ratattouille preparado por sua mãe.
A representação dos laços afetivos entre mãe
e filho é definida através do ato de cozinhar. Sa-
borear aquele ratattouille feito pelo rato fez Ego
sentir a mesma emoção de quando comia o ali-
mento preparado por sua mãe. Curiosa-
mente mais uma vez o tema tratado no
filme Father and Daughter sobre o vínculo
da filha com o pai sustentarem os obje-
tivos, emoções e conflitos do filme pode
ser observado aqui com o filho e a mãe
a partir de uma perspectiva gastronômi-
ca. A personalidade de vilão de Ego de-
finida pelas expressões faciais constantes,
mudam drasticamente transformando o
personagem. Ele tem agora uma expres-
são infantil.
Vale salientar que toda esta sequência
também não tem nenhum suporte verbal,
apenas a linguagem corpral e as expres-
sões faciais conduzem a narrativa. Com
olhos arregalados e um sorriso constante,
ele ataca ferozmente o Ratatouille e se de-
licia como uma criança. Ego sem hesitar
passa o dedo no prato para pegar o mo-
lho e em seguida lambe o dedo. Ele afir-
ma para o garçom que não se lembra da
última vez em que pediu para o garçom
FIGURA_132
- Collete observa
atentamente as
habilidades de
Remy. (Ratatouille,
Brad Bird, EUA,
2007).
FIGURA_133
- Detalhe no
momento em que
o crítico Ego vai
provar o prato
preparado por Remy.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
150
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
para parabenizar o chef e que o momento é mui-
to especial pois o garçom, que no caso é Linguini,
também é o chef. Linguini responde é apenas o
garçom. Ego sem tirar o sorriso do rosto pergunta
quem então ele deve agradecer pela comida.
Linguini desconcertado volta para a coziha e
discute o assunto com Collete. Ambos vão até a
mesa de Ego e afirmam que se ele quiser conhe-
cer o chef, vai ter que esperar até todos os clien-
tes irem embora. Ego fica intrigado mas aceita a
condição. Isso tempo para ele avaliar o prato
e o restaurante. Ego bebe duas garrafas de vinho
enquanto espera até que o restaurante fique vazio.
Linguini e Collete criam coragem, respiram fundo
e levam Remy até Ego. Linguini explicou o caso e
no início Ego pensou que fosse uma piada. Depois
que ele visitou a cozinha e viu centenas de ratos
trabalhando, seu sorriso desapareceu e as feições
fechadas e arrogantes voltaram. Remy prepara ou-
tro prato de ratattouille através do corpo de Lin-
guini na frente de Ego. Ego não demostrou emo-
ções. Fez algumas perguntas, agradeceu a deliciosa
comida e foi embora sem dizer mais nada. No dia
seguinte ele publicou a critica:
“De certa forma, o trabalho de um crítico
é fácil. Nos arriscamos pouco e temos prazer em
avaliar com superioridade os que nos submetem
seu trabalho e reputação. Ganhamos fama com
críticas negativas que são divertidas de escrever
e ler. Mas a dura realidade que nós críticos de-
vemos encarar, é que no quadro geral, a mais
simples porcaria talvez seja mais significativa do
que a nossa crítica. Mas vezes em que um crí-
tico arrisca de fato alguma coisa, como quando
descobre e defende uma novidade. O mundo
costuma ser hostil aos novos talentos, as novas
criações. O novo precisa ser incentivado. Ontem
a noite eu experimentei algo novo. Um prato
extraordinário de uma fonte inesperadamente
singular. Dizer que tanto o prato quanto quem
o fez desafiam minha percepção sobre gastro-
nomia é extremamente superficial. Eles conse-
guiram abalar minha estrutura. No passado, eu
FIGURA_135
- Ego muda sua
feição e sente-se
como uma criança,
após provar o
prato feito por
Remy. (Ratatouille,
Brad Bird, EUA,
2007).
FIGURA_134
- O crítico Ego se
lembra de quando era
criança e sua mãe
preparava o mesmo
prato, com o mesmo
sabor do prato
preparado por Remy.
(Ratatouille, Brad Bird,
EUA, 2007).
151
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
não fazia segredo quanto ao meu desdém pelo
famoso lema do chefe Gusteau: “qualquer um
pode cozinhar”. Mas eu percebo que agora
compreendo realmente o que ele queria dizer.
Nem todos podem se tornar grandes artistas,
mas um grande artista pode vir de qualquer lu-
gar. É difícil imaginar origem mais humilde do
que esse gênio que agora cozinha no Gusteaus,
que é, na opinião desse crítico, o melhor chefe
da França. Eu voltarei aos Gusteaus em breve
com muita fome.
Depois que Linguini, Collete e Remy leram a
crítica, foi o momento mais feliz da vida deles.
Porém o restaurante foi denunciado. O fato da
comida ser excelente não foi suficiente para im-
pedir que o restaurante fosse interditado por ter
ratos. Além disso, Ego foi demitido e perdeu a cre-
dibilidade.
Mas isso não foi enca-
rado como um problema.
Ego investiu em um novo
restaurante chamado La
Ratatouille. Ele se alimen-
ta todos os dias neste res-
taurante, onde Linguini é
o garçom, Collete é a co-
zinheira principal e Remy
é o chef. Ego mantém suas
expressões felizes e infan-
tis. Ele se delicia com as
surpresas e improvisos de
Remy. O restaurante faz
muito sucesso e tem filas
de espera com clientes para
o jantar.
Podemos comprovar com a análise destes fil-
mes, que todas as questões estudadas nos capítulos
1, 2 e 3, sobre o movimento e sua percepção, a lin-
guagem da animação e a linguagem do acting, que
todos estes elementos se harmonizam tornando-
se um produto único. Podemos comprovar tam-
bém, que a emoção proporcionada por ambos os
filmes, independem das técnicas e da quantidade
de movimentos apresentados, mas dependem da
credibilidade do acting das personagens. Os dese-
jos, emoções, obstáculos e conquistas transmitidas
pelas personagens é que podem provocar empatia
e seduzir o público. Temos dois filmes com carac-
terísticas muito diferentes. Father and Daughter é
um curta metragem, com aproximadamente 8:10
minutos, feito por uma equipe pequena. pou-
cas personagens, apenas uma protagonista, uma se-
cundária e algumas outras com rápidas aparições.
A linguagem visual é definida por traços simples,
FIGURA_136
- Ego satisfeito
com a qualidade
da comida feita
por Remy.
(Ratatouille, Brad
Bird, EUA, 2007).
ilustrativos, sem muita riqueza de detalhes, sem cores, e o mais im-
portante na análise do acting, sem definição de rostos nas persona-
gens. Porém o filme é carregado de emoção, justamente pelas ações
corporais das personagens, a clareza em seus objetivos e obstáculos
e a empatia sugerida. A música juntamente com a condução da
narrativa representa um papel importante nos méritos do filme.
152
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Em contraponto, temos o filme Ratatouille,
que diferente do Father and Daughter, é um lon-
ga-metragem, com aproximadamente 111 minu-
tos, feito por uma equipe de aproximadamente
mil profissionais. muitas personagens, muita
riqueza em detalhes, muitas cores e texturas. O
filme também apresenta muitas simulações de
elementos verossímeis como os pelos dos ratos,
as aparições de líquidos, como chuva, rios, sopas,
vinhos. As personagens são ricas em detallhes de
forma, pele, vestimenta, cabelos, e inclusive nas
expressões faciais, como boca, olhos, sobrancelhas,
rugas, barba, cílios, etc. Porém, o acting é valoriza-
do pelos mesmos elementos analisados no curta
Father and Daughter. As personalidades das perso-
nagens são apresentadas através de gestos e ações
que definem de forma clara seus objetivos e seus
FIGURA_137
- Vista da fachada
do restaurante
inaugurado por
Ego e Remy, com a
cidade de Paris ao
fundo. (Ratatouille,
Brad Bird, EUA,
2007).
conflitos. A empatia é constantemente buscada através da representação de pensamentos, sentimentos e emoções.
Enquanto Father and Daughter tem a narrativa reforçada por um único objetivo e um único conflito durante
todo o filme, em Ratatouille as personagens se transformam várias vezes e transitam entre objetivos e conflitos diversos.
Um dado interessante em Ratatouille é o fato de duas personagens compartilharem o mesmo acting, ou representarem
os mesmos objetivos e obstáculos através de dois corpos diferentes. Podemos observar duas variações de ações corporais
para o mesmo acting. Dois movimentos corporais resultantes da mesma razão psicológica.
153
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Capítulo 5
Design e Animação
154
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
5.1 Design
Escrever sobre Design não é uma tarefa sim-
ples. É muito difícil resumir em um conjunto de
frases ou em apenas uma frase uma definição para
o que é Design. Principalmente no Brasil, onde
ainda existe certa confusão com relação a palavra
design, termo originário da língua inglesa que
não tem tradução literal para o português. Pode-
mos compreender melhor este panorama segun-
do as considerações de Moura (2003) que aponta
e analisa três motivos principais que resultam na
dificuldade em se definir o que é design. Resu-
midamente, o primeiro motivo é a carência da
tradição e da consolidação plena deste campo de
conhecimento no Brasil.
O segundo motivo é o fato deste campo ser
uma área nova no país se considerarmos o tempo
histórico. Tanto a academia quanto o mercado de
design são muito novos. Se contarmos a partir da
implantação dos primeiros escritórios de design
no Brasil, são apenas 51 anos. São eles:
Forminform de 1958 na cidade de São
Paulo e PVDI (Programação Visual e
Desenho Industrial) de 1960 no Rio
de Janeiro.
E o terceiro motivo, que se rela-
ciona diretamente com os motivos
anteriores é a nomenclatura. Esta nas-
ceu em meio a contradições. O filó-
logo Antonio Houaiss foi consultado
e definiu o termo como projética e o
profissional como projeticador. Natu-
ralmente, estas nomenclaturas não fo-
ram aceitas e a definição para a palavra
originalmente da língua inglesa foi
desenho industrial em 1963, ano de
inauguração da primeira escola de en-
sino formal de design no país, a ESDI.
A nomenclatura desenho industrial
também foi um elemento agravante
para gerar dificuldades quanto ao en-
tendimento desta área no Brasil. Por
este motivo, em 1988, o termo na lín-
gua inglesa foi adotado.
Porém, ao se instituir o uso da terminologia
em inglês, em 1988, surgiram outros agravantes,
tais como: ainda hoje, a grande maioria das pes-
soas não entende que design significa, atrelando
o termo apenas ao aspecto exterior das coisas ou,
então, a desenho, simplesmente; o modismo das
denominações em inglês, sustentado pela ameri-
canização típica de nossos dias e; ainda, o design
é entendido como arte e seus profissionais, como
artistas, tudo isso devido à ausência da criação de
um termo em português que conta de todo
o rico universo que a palavra design acarreta.
(MOURA: 2003, p. 87)
Na etimologia da palavra que deriva do latim
signum - de signum (de sign) - a abrangência
estava presente: “de signum – que é sinal, indício,
marca, imagem, imagem gravada, tabuleta, estan-
darte, bandeira, som, presságio, prodígio. (MOU-
RA: 2003, p. 87)
O campo do Design abrange uma ampla variedade
de conceitos e práticas, incapaz de ser traduzido em uma
única palavra na língua portuguesa. Na maioria das vezes,
o Design está associado a formas, desenhos e projetos, mas
este campo não é apenas isso. Na língua inglesa, a palavra
155
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
design não é associada diretamente a
desenho, pois para esta definição, existe
a palavra draw. Em espanhol, por exem-
plo, a palavra empregada para design é
diseño e para desenho é dibujo. Porém,
atualmente tanto os países europeus
quanto os asiáticos adotaram a pala-
vra na língua inglesa o que nos parece
um efeito irreversível da globalização.
Além disso, no decorrer da história, a
palavra design foi apropriada por áreas
de atividades diferentes, desde a arqui-
tetura interna e externa, a área têxtil, a
indústria gráfica até as mídias digitais.
Realmente, na década de 1990, a
palavra design foi fortemente associada
aos novos profissinais da área de com-
putação gráfica e multimídia concomi-
tante ao surgimento de sistemas, peri-
féricos e produtos imateriais ampliados
pela disseminação da Internet e todo
o universo da hipermídia, onde se in-
serem as questões da animação 2D e
3D digital, sendo estas concebidas ou
finalizadas em processos digitais.
Outra questão agravante é a semântica da palavra.
Em inglês, a palavra design é substantivo e também ver-
bo (ambos nos dizem muito a respeito da natureza da língua
inglesa). Como substantivo, significa entre outras coisas
‘propósito’, ‘plano’, ‘intenção’, ‘objetivo’, ‘esquema’, ‘enredo’,
‘motivo’, ‘estrutura básica’, todos esses (e outros significados)
estão ligados a esperteza’ e ‘ilusão’. Como verbo (‘to design
projetar), significa inventar alguma coisa’, ‘simular’, ‘desenhar’,
‘dar forma’, ter desenhos em alguma coisa’. A palavra deriva do
latim signum, significando ‘sinal’, e dividem a mesma raiz an-
tiga. Assim, etimologicamente, design singifica ‘de-sign’. (‘de-
sinal’). Assim surge a questão: como a palavra design veio vindo
através do mundo para completar seu significado até a presente
data? Esta o é uma questão histórica, não necessita que se
envie alguém para examinar textos e constatar quando e onde
a palavra se estabeleceu com o atual significado. É, sim, uma
questão semântica, e necessita fazer alguém considerar, precisa-
mente por que a palavra tem tal significado ligado ao discurso
contemporâneo sobre cultura. (FLUSSER: 1999, p.17)
O resultado deste panorama foi
a banalização da palavra design, che-
gando até em cabeleireiros se auto in-
titulando como Hair Designer e con-
feiteiros falando em “Ovos de páscoa
de Design” e “Design de Massa” para
macarrão.
Paralelamente e em consequência
deste panorama, o uso da terminologia
em inglês por profissionais no Brasil
pode causar um constrangimento. O
profissional não pode apenas dizer que
é designer, mas tem a necessidade de
explicar detalhadamente sua atividade
profissional.
5.2 Relação entre
o Design e a Animação
A relação entre o design e a ani-
mação pode parecer óbvia em alguns
momentos e incoerente em outros.
Se pararmos um momento para ana-
lisarmos as interfaces gráficas que uti-
lizamos comumente nos dias de hoje,
156
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
como as presentes nos computado-
res, internet, telefones celulares, vi-
deogames, etc, já temos a animação
culturalmente inserida. Por exem-
plo, ninguém mais se preocupa
com a animação contida no mo-
vimento do cursor do mouse: que
ele está sendo escondido e apre-
sentado a uma velocidade tal que
nos proporcione a ilusão de que ele
está se movimentando. Seria um
exemplo do Movimento Aparente
Autocinético, estudado no capítulo
1. Isto não deixa de ser uma apro-
priação da linguagem da animação
para ser inserida em um projeto de
design. No caso, design da interfa-
ce na interação entre computador
e ser humano.
E por falar em design de inter-
face, depois da multimídia e da hi-
permídia, a animação ganhou um
espaço diferenciado. Passou a não
estar inserida apenas em filmes, mas
em projetos de interface, navegação
e interatividade. E ainda, inseridos
nestes meios, pode ter características de venda, informação ou
entretenimento.
O design não se restringe ao monopólio de uma única
profissão. Dependendo da atividade projetual, o design pode
ser empregado dentro de diferentes campos de ação. Sendo
assim, antes de escrever sobre Design, é necessário definir um
contexto, uma perspectiva específica. Nesta pesquisa, o con-
texto seguirá o Diagrama Ontológico do Design de Bonsiepe
(1997). O diagrama ajuda a compreender o ponto de partida
de um projeto e a importância do papel do designer. Este dia-
grama é montado a partir do problema observado. Três cam-
pos podem ser acoplados um ao outro através da interface. São
eles: o usuário, uma tarefa a ser executada e fer-
ramentas que possibilitam a execução dessa tarefa.
Bonsiepe (1997) discute que nas últimas décadas, o
conceito de Design sofreu tantas mudanças, que
refletiram diretamente na forma de desenvolver
projetos. Bonsiepe (1997) define que a interação
entre usuário e artefato é orientada pelo design.
Neste contexto, o papel do designer é dominar
essa interação, conhecida como interface.
Este diagrama prova que o design não é ape-
nas o acabamento decorativo ou cosmético de
um projeto. Ele tem um papel muito mais im-
FIGURA_138
- Diagrama
Ontológico do
Design.
(BONSIEPE:
1997, p. 10).
157
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
portante, que resumidamente consiste em acoplar
artefatos ao corpo humano. Bonsiepe (1997) de-
monstra com o exemplo da tesoura, afirmando
que não basta ter duas lâminas para ser uma te-
soura, é necessário ter alças, parafusos, encaixes,
ergonomia. Este autor ainda afirma que para os
seres humanos, “seres viventes com olhos”, não
basta o objeto ser acoplado ao corpo humano, ele
deve satisfazer o usuário. Na maioria das vezes,
essa satisfação é atingida principalmente no senti-
do visual. Podemos então concluir que o caráter
projetual do designer, é interpretar o imaginário
coletivo e formar objetos novos, sejam instru-
mentais, informacionais ou comunicativos, mui-
tas vezes resignificando-os para um determinado
usuário ou grupo de usuários.
Para que esta relação seja atingida é necessá-
rio o desenvolvimento de um projeto que con-
te com elementos, sintaxe e linguagem. Veremos
a seguir que, inúmeros elementos projetuais são
necessários para que se desenvolva a animação e
consequentemente o acting. Coelho (2006) apon-
ta que o design pode nascer de conhecimentos
correlatos, áreas que têm interface com o design e
afirma que o design normalmente combina prin-
cípios das Artes Plásticas, Física, Química, Enge-
nharia Mecânica e de Produção,
Arquitetura, Artes Gráficas entre
outras. Neste sentido, podemos de-
duzir que a área da Animação tanto
pode ser desenvolvida na perspec-
tiva das Artes Visuais quanto nas
questões da Física, bem como das
Artes Gráficas dentro de um leque
de conhecimentos correlatos que
dialogam com o campo do Design.
Comparando o cinema de ani-
mação com o cinema “ação viva”
(live action), no qual a câmera captu-
ra momentos dos movimentos dos
atores em tempo real, a mesma cena
pode ser filmada 10, 20, 30 vezes se
necessário. Posteriormente, na edi-
ção do filme, o diretor escolhe a to-
mada que ficar mais apropriada para
composição. No caso da animação,
não se pode ter esse luxo. Como a
animação é um processo demorado,
os animadores devem executar seu
trabalho somente depois que todo o
entendimento da cena estiver mui-
to claro para todos os envolvidos no
filme. Isso exige um planejamento extremamente detalha-
do e organizado. Neste sentido, a interface responsável para
que todas estas áreas de um projeto de animação se rela-
cionem e se acoplem, é definida por conceitos e práticas
do campo do design. O entendimento da concepção da
história e a adaptação do roteiro para as formas visuais, a
linguagem e a direção de arte definidas de acordo com
as referências culturais, e, sobretudo o acting, devem estar
muito bem assimilados por todas as partes envolvidas no
projeto de animação.
Portanto, o campo da Animação e o campo do Design
estão intimamente relacionados. Porém esta relação pode
ser difícil de ser identificada, pois na maioria das vezes em
que eles se encontram, estão diluídos um no outro. De tão
diluídos ficam completamente integrados, interdependen-
tes, inter-relacionados. Uma animação pode estar contida
em um projeto de design, assim como o design pode estar
contido em um projeto de animação. Ou ainda, animação
e design podem estar contidos em um projeto maior, como
por exemplo, nos websites ou nos jogos eletrônicos. Neste
texto, vamos analisar como o campo do design se faz neces-
sário em um projeto de animação.
158
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
5.3 O Design na Animação
Planejar, planejar e planejar. A luta
constante com a participação de todos
para contar a história da melhor maneira
possível. Esta deve ser a rotina exaustiva no
trabalho dos profissionais que trabalham
em um filme de animação. Mas este traba-
lho também deve ser bastante colaborati-
vo. Como dito anteriormente, a animação,
seja analógica ou digital, é um processo
bastante demorado. Portanto, para que não
se perca dias de trabalho desenvolvendo a
animação e correndo o risco da mesma
não funcionar depois de feita, é necessá-
rio um planejamento bastante minucioso.
Principalmente em se tratando de produ-
tos para o mercado e, consequentemente
para comercialização. No caso da indústria
cinematográfica de Hollywood, bilhões
de dólares são movimentados todos os
anos em torno de projetos de animação,
entre longas metragens para o cinema, se-
riados para TV, peças educativas, peças pu-
blicitárias, jogos eletrônicos entre outros.
No caso do Brasil, o maior mercado no
campo da animação ainda é a publicidade.
Centenas de trabalhos publicitários para TV, in-
ternet e cinema utilizam elementos de animação,
principalmente animação digital. No caso de se-
riados para TV e longas-metragens para o cinema,
apesar de estarem em crescimento no país, ain-
da apresentam um mercado pouco significativo.
Uma das obras mais significativas no campo da
animação tanto no Brasil quanto no mundo todo,
são os curta-metragens. Principalmente com as
novas tecnologias digitais, tanto para produção
quanto para publicação, os curta-metragens geral-
mente são os filmes de animação mais produzidos
e com características de experimentalismo, desde
grandes estúdios até animadores independentes.
Webster (2005) afirma que no
caso da animação, “o bom design
é a fundação de um produto prós-
pero”. A animação é um produto.
Os filmes não acontecem somen-
te, eles são trabalhados. Cada ele-
mento é planejado e projetado.
Quanto mais elaborado for o filme,
o design deve ser mais meticuloso
e planejado. Temos de estabelecer
exatamente o que pensamos quan-
do falamos sobre design de anima-
ção. Como vimos anteriormente,
seria um erro pensar que o design
na animação é simplesmente limi-
tado ao desenho das personagens.
Lembrando a afirmação de
Bonsiepe (1997) citada anteriormen-
te, na maioria das vezes, a satisfação
dos seres humanos com relação aos
elementos com que o mesmo con-
vive, é atingida principalmente no
sentido visual. Portanto, o sentido
do design gráfico neste contexto,
é o das formas visuais concebidas
159
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
em espaços bidimensionais, como, por
exemplo, o conteúdo produzido nos
cartazes, nas páginas das revistas ou dos
livros, na tela do cinema, da televisão,
do computador, do telefone celular. O
designer de animação e o designer de
personagens dentro de um projeto de
animação atuam no sentido maior do
significado da palavra projetista. Proje-
tam a animação, projetam as persona-
gens. Este profissional tem a função de
fazer com que as definições conceitu-
ais, descritas textual e imageticamente
atravessem todos os processos de de-
senvolvimento de maneira harmoniosa
para que a personagem possa ser ani-
mada e se relacione de forma natural
com a Regulação do Tempo (timing) e
do espaço (spacing).
O design de animação realmen-
te incorpora o design de personagens,
mas, além disso, estende-se aos con-
textos, cenários, mensagens, storyboards,
animatics, cinematografia e outros ele-
mentos não-gráficos, como som, músi-
ca e roteiro. O design de personagens
tem elementos que podem ser encontrados
no desenvolvimento do escritor e não ne-
cessariamente de um animador.
Cada uma dessas áreas específicas do
design claramente contribue para o resul-
tado como um todo. Pode ser argumentado
que até a Regulação do Tempo (timing) de
animação pode ser classificado e identifica-
do através do design. O animador se rela-
ciona com a Regulação do Tempo, como
sendo um elemento projetual de design,
pois a animação não é simplesmente o mo-
vimento de coisas ao redor da tela, mas uma
linguagem. Inúmeras vezes nesta pesquisa e
especificamente neste capítulo, inevitavel-
mente nos relacionamos com a tecnologia.
Neste sentido, o design gráfico que estamos
discutindo, está envolvido em quase todas
as formas de representações visuais. Para
um ser humano representar uma ideia, a
única maneira de fazer esta ação sem o uso
da tecnologia, é utilizando o próprio corpo.
Esta é a ferramenta sica e fundamental
para a animação de personagens. Porém,
todas as outras formas de representação
necessitam de tecnologia: seja utilizando o
dedo para desenhar na areia da praia, o carvão para
desenhar na rocha, o pincel para pintar na tela de
tecido, a mesa digitalizadora (tablet) para desenhar
nas telas dos computadores. Como afirma Moura
(2003), o design por excelência surge e atua a par-
tir da relação com a tecnologia.
Podemos afirmar, então, que o design tem
uma estreita relação com a tecnologia, sendo
esta um dos pilares do design. Não como
se desenvolver um projeto sem a tecnologia,
mas é importante lembrar que um projeto não
é apenas e tão-somente a tecnologia, ou puro
tecnicismo. É a tecnologia que dá a sustentação
aos aspectos culturais, estéticos, funcionais e de
linguagem do projeto que serão refletidas no
produto que foi desenvolvido (MOURA: 2003,
p. 106).
160
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
5.4 Design, Animação
e Tecnologia
Assim, a animação como o
design, atua efetivamente através
da relação com a tecnologia. Por-
tanto, a animação vem se redefi-
nindo desde o início do século
XX em paralelo as tecnologias e
o design. Vimos que a animação
surgiu como produto primeira-
mente com as tecnologias dos
dispositivos ópticos-mecânicos e
os experimentos com a evolução
da fotografia entre as décadas de
1810 e 1820. Mas a animação se
firmou como linguagem e mer-
cado, depois do surgimento do
cinema. Assim, durante todo o
século XX, a animação e o de-
sign vieram se relacionando e se
tornando cada vez mais íntimos.
Com o aparecimento e a utiliza-
ção da computação gráfica no ci-
nema e no cinema de animação,
novas possibilidades apareceram.
As ferramentas digitais facilitaram e baratearam as questões
de desenvolvimento, de experimentos, de resultados, e prin-
cipalmente a facilidade de produção e de distribuição. Deste
modo, o campo da animação se depara com características
submissas a tecnologia digital.
digitais para animação, assim como a maioria das
ferramentas digitais, executam ações a partir das
combinações de opções oferecidas pela própria
ferramenta. Ao mesmo tempo em que as tecnolo-
gias digitais oferecem uma gama imensa de possi-
bilidades, elas de certa forma também direcionam
e limitam o processo criativo.
Ou seja, um desafio constante em animação digital, é fazer com que o resultado não pareça
digital. Por exemplo, um caso muito comum são as câmeras virtuais, disponíveis em softwares
de animação digital 3D. Com estas ferramentas, o
animador pode apenas definir o ponto de partida
e o ponto de chegada da câmera, que a ferramen-
ta simula o movimento criando automaticamen-
te a interpolação entre estes pontos. Isto faz com
que o animador economize muito tempo. Porém,
este movimento automatizado pela ferramenta di-
gital tende a ser muito uniforme e linear, ou seja,
mecânico e muitas vezes sem a energia que a cena
exige. Este exemplo pode ser observado em várias
animações de jogos eletrônicos, onde muitos movi-
mentos de câmeras são definidos automaticamente,
sem a intervenção de um animador. As ferramentas
161
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Uma questão relevante neste
contexto (animação e tecnologia di-
gital) nos faz refletir sobre a diferen-
ça entre movimento e animação. A
maioria das ferramentas digitais para
animação pode simular o movimen-
to, sem a intervenção do animador,
mas ainda não são capazes de criar
animação. Por exemplo, para fazer
apenas o movimento de um objeto
sair da posição “A” e atingir a posi-
ção “B” no intervalo de um segundo:
em animação clássica 2D, como por
exemplo a técnica do filme Father
and Daughter (Michael Dudok de Wit,
Holanda, 2000), produzido com lápis
e carvão vegetal, o animador precisa
fazer entre três e vinte frames para
simular este movimento, dependen-
do do peso, do timing, do contexto.
No caso da ferramenta digital, é ne-
cessário apenas registrar a posição
“A” em seguida registrar a posição
“B” e informar o tempo, para que
a ferramenta automaticamente crie
a quantidade de frames necessários
para sugerir a ilusão do movimento.
Assim, muitas pessoas que nuncam tinham se aven-
turado no campo da animação, principalmente pela
quantidade de tempo que é exigido por esta prá-
tica, começaram a experimentar filmes de anima-
ção, devido a facilidade oferecida pelas ferramentas
digitais. Portanto, uma série de filmes começou a
aparecer, nos quais os resultados digitais da ferra-
menta chamavam mais a atenção do que a narrativa
ou as personagens. Para que um simples movimento
se transforme em animação, o mesmo deve ter uma
intenção, um sentido, uma emoção, um objetivo. E
este objetivo, é transmitido de maneira eficaz através
do design, do planejamento humano.
Isto acontece, entre outros motivos, principal-
mente pela fascinação do homem pelas possibilida-
des que a tecnologia pode oferecer. Mas esta questão
não é específica apenas dos filmes experimentais ou
amadores. Mesmo em se tratando de profissionais
experientes, as ferramentas digitais mudaram alguns
paradigmas da linguagem cinematográfica. O soció-
logo Baudrillard (1997), discute esta relação.
Textos, imagens, filmes, discursos, programas
saídos do computador são produtos maquínicos,
com as devidas características: artificialmente ex-
pandidos, levantados pela máquina, filmes repletos
de efeitos especiais, textos carregados de partes su-
pérfluas, de redundâncias devidas à vontade ma-
ligna da máquina de funcionar a qualquer preço
a sua paixão) e à fascinação do operador por
essa possibilidade infinita de funcionamento.
(BAUDRILLARD: 1997, p. 147)
Podemos analisar no pensamento de Bau-
drillard (1997) que o descobrimento de uma de-
terminada tecnologia pelos seres humanos pro-
voca uma fascinação que incita um desejo no
usuário ou profissional, em criar algo que utili-
ze a maior quantidade possível das possibilidades
oferecidas pela ferramenta. Seria o “como fazer”
antes de projetar o “o que fazer”. Após estas pos-
sibilidades serem esgotadas, passa-se a ter um co-
nhecimento adquirido e não mais um fascínio.
Neste contexto podemos ressaltar novamente a
obra do canadense Norman McLaren, que expe-
162
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
rimentava os recursos de materiais, técnicas e tecnologias ao extremo
para desenvolver animações. McLaren foi pioneiro em várias técnicas, em
especial, a técnica de registrar os frames da animação diretamente na
película de cinema, utilizando a ponta de uma tesoura. Uma obra que
pode ser analisada como exemplo destes experimentos, é o filme Ani-
mando, de 1982, do premiado animador brasileiro e diretor do festival
Animamundi, Marcos Magalhães. Magalhães se tornou um discípulo de
McLaren quando desenvolveu este filme durante um estágio no National
Film Board do Canada. O filme tem um roteiro simples, que consiste em
demonstrar a personalidade da personagem através de seus movimentos,
principalmente o movimento de andar. Porém, ao longo do filme, este
andar é representado por inúmeros processos, tecnologias e ferramentas
diferentes: desenho, pintura, escultura, areia, objetos e até seres huma-
nos foram utilizados como matéria-prima para desenvoler a animação
da mesma personagem andando. Hoje somada a todas estas tecnologias
temos também as ferramentas digitais.
FIGURA_139 - Animando
(MARCOS MAGALHÃES,
NFB: 1982).
163
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Dentro deste contexto de expe-
rimentação tecnológica, atualmente
com os recursos da computação grá-
fica e a hipermídia, podemos citar o
premiado designer, cientista, professor
do MIT e autor de vários livros John
Maeda. “A tecnologia tornou nos-
sas vidas mais completas; contudo, ao
mesmo tempo, tornamo-nos descon-
fortavelmente “completos”. (MAEDA:
2007, p. 4)
Esta citação é um bom exemplo
para a reflexão sobre a afirmação de
Baudrillard e para analisarmos a tec-
nologia e o modo como os seres hu-
manos se relacionam com a mesma.
Maeda desenvolve experimentos di-
versos através de projetos visuais, de-
sign gráfico, animação digital e hiper-
mídia. Em especial, Maeda faz muitos
experimentos com a tipografia. Por
exemplo, Maeda (2007) encontra pala-
vras ou frases dentro de outras palavras.
Antes da publicação do livro, Maeda
sendo professor de Artes Midiáticas e
Ciências no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT - Massachusetts Institute of Te-
chnology), fundou um laboratório chamado Con-
sórcio da Simplicidade (Simplicity Consortium), lis-
tando inicialmente 16 leis sobre a simplicidade.
No livro, estas 16 leis foram resumidas para 10,
através do sistema SLIP. SLIP (Sort, Label, Integra-
te, Prioritize) é uma sigla que em portugês ficaria
SRIP, composta por Selecionar, Rotular, Inte-
grar e Priorizar. Além disso, o autor enfatiza a
presença da palavra MIT dentro das palavras sim-
plicidade (simplicity) e complexidade (complexity).
O SLIP é o método como Maeda desenvolve seu
processo criativo. Além disso, Maeda mantém um
blog http://www.lawsofsimplicity.com onde pu-
blica constantes reflexões sobre a simplicidade e o
site http://www.Maedastudio.com com a publi-
cação de alguns trabalhos e experimentos.
Maeda, entre outras produções, dese-
volveu em 1991 um software de anima-
ção para crianças, chamado aninemo. Na
figura_140 podemos observar imagens de
uma de suas obras. Trata-se de uma versão
da série de calendários interativos, publi-
cados em seu site. Conforme a data em
que o calendário é acessado e a interação
através do clique e movimento do mouse,
formas em movimento se constroem ran-
domicamente, com um pequeno grau de
direcionamento controlado pelo usuário.
FIGURA_140
- Calendar #1 “Cosmos”
(Maeda: 1997, http://www.
Maedastudio.com)
164
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Por todas estas questões é que
a metodologia projetual se faz ne-
cessária. O problema observado
em muitos alunos iniciantes na
área de animação e fascinados pe-
las ferramentas digitais, é o de não
encarar as ferrramentas como fer-
ramentas. Reforçamos aqui a ne-
cessidade do “o que fazer” vir an-
tes do “como fazer”. A animação
deve ser projetada, ou seja, deve-se
pensar em uma ideia, desenvolver
esta ideia, estruturar, organizar,
representar, concluir e assim es-
colher as ferramentas disponíveis
que atendam as necessidades e os
objetivos do projeto. O design de
animação é extenso, abarca tantos
aspectos diferentes de produção,
que não seria possível atender a
todos os seus segmentos em uma
única pesquisa.
5.5 Arte, Design e Elementos
Projetuais em um Filme
de Animação
A criação de um filme de animação
bem sucedido não necessariamente depen-
de de animações belíssimas e verossímeis.
Filmes de animação podem ser feitos com
um mínimo de animação e isto depende
de bons roteiros e do design. A UPA (Uni-
ted Productions of America) foi a prova desta
afirmação. Eles se formaram como um re-
sultado direto da greve de 1941 dos estúdios
Disney. Eles começaram a fazer animações
que foram vistas por muitos, como uma res-
posta artística ao estilo mercadológico dos
estúdios Disney. A maior parte da produção
da UPA dependeu do design e dos roteiros
que juntos direcionavam a equipe de pro-
dução, que resultou no que ficou conheci-
do como “animação limitada”. A “animação
limitada”, ao contrário de criar animações
com movimentos contínuos e fluídos, com
a apresentação de 24 desenhos por segundo
caracteriza-se por uma quantidade inferior
de desenhos. Estes desenhos geralmente são
bastante expressivos, e se fixam por mais tempo
na tela de projeção, como 12 ou 8 desenhos por
segundo. Assim, os animadores reduzem signifi-
cativamente o tempo de produção, a quantida-
de de recursos e consequentemente o custo. A
animação pode ser limitada, mas todos os outros
elementos que compõem o filme não são. Assim,
ela promoveu uma marca de animação inovadora.
Como podemos observar na figura_141, a adap-
tação em animação da UPA para o conto “Conte
o Conto do Coração” (Tell Tale Heart), de 1953,
do escritor norte americano Edgar Allan Poe, é um
bom exemplo destas características. Esta técnica
foi e é muito utilizada até os dias de hoje, princi-
palmente em séries de TV, onde, normalmente, é
necessário produzir mais em menos tempo.
165
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Segundo Webster (2005), a expressivida-
de do design do filme buscou referências no
movimento “neocubista”, termo que se re-
fere às pinturas que começaram a expressar
os artistas na primeira vanguarda na Espanha
na década de 1920, e os contextos do cinema
noir, que se caracterizam por filmes na maio-
ria das vezes com temas policiais, sombrios,
com suspense, iniciados na década de 1940.
Assim, este filme teve um grande impacto
inovador para a época. Mais recentemente,
a série de animação para TV “Samurai Jack”
(Genndy Tartakovsky, Cartoon Networks, EUA,
2001) apresenta o design e a cinematografia
semelhantes ao exemplo anterior. O uso mínimo
da animação não menospreza a história, mas pelo
contrário, ele os realça e apresenta a narrativa de
uma forma não muito comum em desenhos ani-
mados. O resultado do filme como um todo, nos
remete às tiras de jornais e fotonovelas. A combi-
nação do trabalho do designer com a animação
limitada permite a atenção do público a ser enfo-
cada na história e no design. Apesar de não estar
inserida no contexto da greve dos estúdios Disney,
os animes (animação japonesa) exploravam es-
tas características da animação limitada.
O design de animação, como várias
outras formas de design, deve se relacio-
nar com a produção e selecionar a larga
variedade de critérios que interferem no
propósito do filme, os métodos de manu-
fatura, seu uso e distribuição. O proces-
so inteiro de produção de um filme de
animação, mesmo que seja modesto, tem
a necessidade do design. A metodologia
adotada, o desenvolvimento do projeto, a
tecnologia utilizada em produção, o tipo
e montante de recursos disponíveis, in-
clusive de pessoal, a equipe de produção,
o nível de habilidades disponíveis para
os mesmos e os paradigmas de produção
são redirecionados pelas decisões de de-
sign. Quando se desenvolve o design de
um filme de animação, é importante se-
parar os elementos que definem o estilo
do filme de um modo geral e se relacione
com o trabalho do design de personagens.
O design de personagens deve refletir o
estilo definido pelo design do filme. Ou
seja, o design deve ajustar-se dentro do
ambiente conceitual. As diferenças entre
públicos-alvo determinarão questões de
design. A animação apontada para crianças
FIGURA_141 - Conte o Conto do Coração (Tell Tale Heart), Ted Parmalee,1953.
166
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
terá as limitações óbvias impostas sobre
a mesma, estendendo-se até a escolha
de cores, enquanto a animação para um
público adulto pode utilizar mais for-
mas abstratas e conter material impró-
prio para crianças. A maneira na qual
a animação deve ser distribuída pode
também ter uma necessidade do design.
Animações vistas na web, ou em tele-
fones celulares, na televisão, no cinema
ou como hoje em dia, em cinemas di-
ferenciados pelo extremo tamanho da
tela de projeção ou pela utilização de
óculos especiais, terão designs diferen-
tes. Uma definição de Organização da
Cena / Enquadramento (Staging) pro-
jetada pelo designer para uma anima-
ção ser veiculada na internet, onde o
espectador estará próximo de uma tela
pequena, provavelmente não funciona-
tão bem se apresentada no cinema,
que tem uma tela enorme a dezenas de
metros de distância do espectador.
O formato da animação também
deve ser considerado. A animação fei-
ta para uma série de televisão com um
orçamento limitado deve considerar a reutilização da
animação, a separação de personagens em partes consti-
tuintes, sincronização labial limitada, etc. As decisões de
design de uma série de TV terão um impacto principal
sobre a rentabilidade do trabalho. A adição simples de
um padrão material no traje de uma personagem pode
ter sérias consequências no orçamento. Uma camiseta
texturizada torna a animação mais trabalhosa do que
uma camiseta com uma única cor chapada. Por exem-
plo, assumido uma série de 26 episódios de 22 minutos
cada um, isto pode encarecer muito a quantidade de
recursos – materiais, profissionais, equipamentos - que
significa altos custos. Normalmente os orçamentos são
muito mais altos do que realmente se dispõe, principal-
mente no Brasil, assim a função do designer entre ou-
tras atribuições é fazer um equilíbrio entre as necessi-
dades do detalhamento projetual do filme e os recursos
disponibilizados. Assim, o design aumenta considera-
velmente as possibilidades e oportunidades de produ-
ção, principalmente em situações de baixo orçamento.
Um projeto de animação,
seja ele um filme publicitário de
30 segundos de duração, seja um
longa-metragem de duas horas,
requer um grande planejamento
antes de chegar na produção da
animação, ou seja, na produção da
ilusão do movimento. O filme de
animação nasce de uma necessida-
de. Seja ela publicitária, educativa,
cinematográfica, artística, entrete-
nimento, para gerar conteúdo para
o portfolio do animador ou sim-
plesmente para representar uma
ideia. Esta necessidade passa a ser
suprida inicialmente por esta ideia
e esta ideia passa por um processo
(que pode ser bastante longo de-
pendendo do caso) de maturação
e desenvolvimento. Vale lembrar
que, por mais simples e peque-
no que seja o filme de animação,
raramente ele é desenvolvido in-
teiramente por uma única pessoa.
E mesmo que isso aconteça, esta
pessoa deve assumir várias ativida-
des profissionais distintas durante
167
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
o desenvolvimento do filme. Ou seja, nesta
etapa inicial da ideia, já é necessário o en-
volvimento de outros profissionais, outras
ideias, como a viabilização de acordo com
os contextos sociais, culturais, políticos,
religiosos. Portanto, desde o início se
faz necessária a presença de profissionais
de diferentes áreas, como animadores, di-
retores, produtores, roteiristas, ilustradores,
diretores de animação, designers, ou seja,
uma equipe multidisciplinar.
Após esta ideia estar definida, co-
nhecida por todos os envolvidos até o mo-
mento, e aprovada pelos diretores e produ-
tores, passa-se para a próxima etapa, que
é a de começar a representar esta ideia. A
primeira e mais prática forma de descrever
esta ideia é através de textos. No cotidia-
no dos profissionais de animação, sempre
se procura sintetizar esta ideia inicialmen-
te em uma única frase. Após esta frase, o
texto começa a ganhar detalhes e vai se
transformando, passando por etapas como
story-line (frase que define a história), si-
nopse, argumento e finalmente o roteiro.
O “roteiro” pode ser definido
como a forma escrita de qualquer peça
audiovisual. No caso da animação que
envolve o movimento, esta escrita tem a
característica de descrever acontecimen-
tos dentro de intervalos de tempo. Além
de descrever os acontecimentos e situa-
ções, também é necessário descrever ce-
nários, locações, personagens, elementos
e todos os detalhes que devem criar a
atmosfera do filme e que vão direcionar
a composição da história. Este proces-
so também pode ser bastante demorado
dependendo do caso. Paralelamente, as
representações visuais também come-
çam a ser desenvolvidas. Por exemplo,
enquanto a escrita define uma persona-
gem através de seu passado, sua perso-
nalidade, seus valores, seus desejos, suas
relações sociais, sua aparência, os pro-
fissionais conhecidos hoje no mercado
como artistas conceituais (concept artists)
iniciam suas representações visuais atra-
vés de pinturas e desenhos, analógicos
e digitais, da mesma personagem repre-
sentada em forma de texto.
FIGURA_142 - Arte conceitual da personagem Remy, Ratatouille,
Brad Bird, 2007 (PAIK: 2007, p. 16).
168
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Podemos observar na figura_142, um dos pri-
meiros desenhos feitos para representar a persona-
gem Remy, o rato protagonista do filme Ratatouille
(Brad Bird, EUA, 2007). Desenhado pelo concept
artist (Carter Goodrich) no ano de 2000 (sete anos
antes do término do filme), que seguiu as defini-
ções escritas da personagem. Após esta primeira
representação visual da personalidade da perso-
nagem, novamente temos a presença marcante do
designer. Para que uma personagem deixe de ser
um único desenho e passe a ser um elemento para
o filme de animação, uma série de questões como
possibilidades corporais, tamanho dos membros,
harmonia com as outras personagens e cenários,
personalidade, peso, força, devem ser analisadas e
adaptadas para as etapas seguintes. No caso do fil-
me Ratatouille (Brad Bird, EUA, 2007), por exem-
plo, que teve sua animação desenvolvida através
das ferramentas digitais, algumas características das
personagens foram adaptadas para as necessidades
dos animadores. Podemos observar na figura_143,
outro desenho feito pelo concept artist Dan Lee
no ano de 2002, após os direcionamentos do De-
signer de Personagens (Character Designer) Jason
Deamer. Deamer afirmava que embora fosse um
filme sobre ratos, os mesmos deveriam transmi-
tir emoções humanas, que estamos acostumados a
interpretar através da anatomia facial.
A sobrancelha, os olhos, o nariz e a
boca de humanos estão basicamente
todos em uma mesma superfície, um
mesmo plano, enquanto que um rato
tem um focinho gigante no meio do
caminho.
Deamer direcionou os artistas
conceituais para proporcionar aos
ratos olhos maiores, deixando-os
mais afastados e no topo da cabeça,
assim conseguiamos vê-los com a
boca em uma grande variedade e
em diferentes posições de caba.
Esta flexibilidade do corpo da per-
sonagem é algo que os animadores
pedem para que seja definido no de-
senvolvimento da personagem, para
ajudá-los no desenvolvimento do
acting e a conduzir a narrativa.
FIGURA_143 - Arte conceitual da personagem Remy, Ratatouille,
Brad Bird, 2007 (PAIK: 2007, p. 16).
169
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Paralelamente, além de desenhos,
para que os designers de personagens
possam avaliar e direcionar as caracte-
rísticas e possibilidades de movimen-
tos corporais, outras formas de repre-
sentação são desenvolvidas. Esculturas
analógicas e digitais são feitas para que
todos os aspectos sejam testados. Na
figura_144 podemos observar duas
imagens: A e B. Na imagem A, temos
uma escultura em argila representan-
do a personagem Remy, desenvolvida
em 2002 pelo escultor Greg Dykstra.
Na imagem B, temos a representação
da mesma personagem em escultura
digital, ou como é conhecida no mer-
cado, modelagem digital, modelado
pelo próprio escultor Greg Dykstra
e pintado pelo ilustrador Dominique
Louis no ano de 2003. Este processo
também é demorado. As representa-
ções vão e voltam. Desenho a mão
livre com lápis e papel, escultura, e
pintura digital, sofrem alterações di-
recionadas pelo designer de perso-
nagens, volta para o desenho a mão
livre e o processo se repete até
que a personagem esteja adap-
tada para suprir as necessidades
do filme e dos animadores. Aqui
fica clara a questão projetual, ou
seja, o desenvolvimento de uma
peça que deve integrar um pro-
jeto maior, mas que deve aten-
der as necessidades do produto
a ser desenvolvido. Por exemplo,
em alguns casos, a definição do
designer de personagens fun-
ciona muito bem no desenho,
mas não funciona na escultura.
Em outros casos funciona mui-
to bem na escultura, mas não
funciona na modelagem digital.
Os elementos projetuais do
design de personagens são par-
tes do processo do design. Nas
discussões entre diretores e ani-
madores, ambos devem conhe-
cer muito bem as personagens.
Qual a estatura da personagem,
quantos dedos ela tem, qual a
cor dos sapatos, etc. Esta é ou-
tra tarefa que geralmente é colaborativa. Vários
profissionais diferentes opinam e rascunham ca-
racterísticas das personagens. Em estúdios grandes
como a Pixar, o papel do designer é considerado
muito importante e é provável que esta profissão
seja destacada, dentro de uma equipe de design,
composta de artistas conceituais, ilustradores, ar-
tistas de storyboard, artistas de leiaute e animadores.
Como em filmes com atores reais, a forma das
personagens é vital para o êxito do filme. Eles de-
vem parecer vivos tanto em termos físicos como
psicológicos, e devem funcionar de maneira con-
vincente não individualmente, mas dentro do
contexto do filme como um todo.
FIGURA_144
- Modelo analógico em
argila e modelo digital.
(PAIK: 2007, p. 16).
170
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Como indivíduos que aparecem den-
tro do contexto de um filme, as persona-
gens podem ser muito bem resolvidas, mas
uma vez fora deste contexto, podem gerar
uma química que faça o filme ficar cansati-
vo e desinteressante. O design de ambien-
tes deve ser harmonioso com o design de
personagens que por sua vez deve estar em
sintonia com a animação. E ainda, a anima-
ção deve manter sempre a mesma lingua-
gem durante todo o filme. Por exemplo,
vamos relembrar o princípio de animação
Exagero, estudado no capítulo 2. Se uma
cena da animação é desenvolvida com bai-
xa graduação de Exagero da personagem
e em outro momento do filme, a mesma
personagem é animada com alta graduação
de Exagero, isso pode tornar o filme sem
personalidade. Este é um problema muito
comum em filmes que envolvem vários
animadores. Estas características da perso-
nagem não se limitam apenas em padrões
de comportamentos. Para um animador, é
essencial saber qual será o comportamento
da personagem em determinada situação,
antes mesmo de animá-la.
Paralelamente a estas definições, estão sen-
do desenvolvidas representações visuais dos ce-
nários e a atmosfera sonora que o filme deve-
ter. Esta etapa está diretamente relacionada
com a direção de arte e o design de produção,
mas que interfere diretamente como os anima-
dores irão desenvolver o acting. Por exemplo, na
figura_145, podemos observar um dos primei-
ros desenhos feitos para representar como seria
a planta da cozinha do restaurante onde se situa
grande parte do filme Ratatouille (Brad Bird, EUA,
2007), projetado pelo designer de produção Har-
ley Jessup em 2002 e direcionado pelo designer
de cenários Robert Kondo.
Kondo discutia com os ilustradores e desig-
ners, sobre a importância do piso da cozinha. Sim,
seria apenas o chão, geralmente ninguém dá mui-
ta atenção para isso, mas uma vez que o filme se
trata de ratos e a câmera iria ficar bem próxima ao
chão, a riqueza em detalhes seria de extrema im-
portância. Se o chão não tivesse irregularidades,
FIGURA_145
- Planta baixa
da cozinha do
filme Ratatouille,
Brad Bird, 2007
(PAIK: 2007,
p. 78).
171
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
assimetrias, diferenças, superfícies com
apancia orgânica, o público não se trans-
portaria para o universo sugerido. Da mes-
ma forma, os pés de mesas, cadeiras, fogões
e tudo que fica no nível do co deveria ser
minunciosamente rico em detalhes. Esta
questão inevitavelmente interfere no tra-
balho dos animadores, uma vez que o nível
de detalhamento na animação das perso-
nagens deve ser coerente com o vel de
detalhamento que o cerio possui. Outro
dado interessante com relão ao design de
produção é com relão ao escririo da
personagem Ego, o crítico de restaurantes e
principal vilão do filme. Podemos observar
na figura_146 os primeiros rascunhos do
escritório do crítico. A personagem deveria
transmitir aspectos da morte. O desenho
define o escririo visto de cima, apresen-
tando a aparência de um caio. A parte
traseira da máquina de escrever do ctico,
que apareceria de frente para a mera, de-
veria ter a aparência de uma caveira. Estes
aspectos contribuem para direcionar o ac-
ting maligno que a personagem deve ter.
Retomando o assunto do trabalho da animação,
após as personagens estarem definidas e aprovadas pela
direção do filme, uma nova etapa do planejamento é
iniciada: como os corpos vão agir e interagir. Nesta
etapa, são iniciados os estudos sobre as poses, as possibi-
lidades físicas e o design que permitirá os movimentos
das personagens. Nesta etapa, a presença do designer
de personagens é fundamental para acoplar as possibi-
lidades físicas que serão apresentadas no filme, as poses
sugeridas pelos animadores e os limites impostos pelo
design responsável pelas articulações das personagens.
O departamento de arte e o time responsável pe-
los personagens criaram designs que facilitaram a ani-
mação, ou seja, eles funcionam bem em
diferentes ângulos. Como animador, seu
trabalho é fazer a personagem ficar atra-
ente (ter apelo). Em desenho animado
a mão livre, você pode alterar o design
em prol da aparência, se necessário, mas
em 3D, você é “casado” com o design;
você o pode mudar o modelo. Se a
personagem o tiver um bom apelo,
então fica muito difícil posicionar as so-
brancelhas ou enquadrar a personagem
de um ângulo diferente de câmera para
que ele tenha uma boa aparência. Mas
muitas das personagens de Ratatouil-
le funcionam bem de qualquer ângulo.
FIGURA_146
- Design de
produção do
lme Ratatouille,
Brad Bird, 2007
(PAIK: 2007,
p. 144).
172
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Isso é realmente um facilitador
para os animadores, pois pode-
mos gastar mais tempo focando
no nosso acting e no comporta-
mento do rato e menos tempo
lutando para fazer o modelo
parecer bom. (Mark Walsh, Su-
pervisor de Animação, Apud
PAIK: 2007, p. 15)
Como na citação, o animador
deve ter uma relação estreita com
o designer de personagens para
que a concepção da personagem e
do próprio filme sejam práticas e
eficazes. Como dito anteriormen-
te, as personagens ratos deveriam
ter comportamentos e expressões
corporais humanizadas e, ao mes-
mo tempo, ter aspectos e compor-
tamentos de ratos reais. Este é um
desafio muito grande. Geralmente
em animação ou a personagem é
lúdica, cartunizada, ou ela é veros-
símil. Este equilíbrio entre o real e
o lúdico, o verossímil e o cartum,
requer elementos projetuais minu-
ciosos como linguagens, referên-
cias culturais e tecnologias na concepção da personagem.
Um dos grandes desafios que o animador deve vencer para
que isso aconteça, é respeitar as proporções das personagens
durante as diferentes poses que o mesmo se apresentará du-
rante a animação.
Proporção é um dos mais importantes fatores para se
levar em conta quando for animar uma personagem de ani-
mação. O animador deve ter na cabeça a ideia dos tamanhos
relativos de cada parte do corpo, pois proporções especificas
são usadas para criar tipos de personagens. Por exemplo, uma
personagem pesada e bruta, tem uma cabeça pequena, peito
largo, braços e pernas pesados e uma mandíbula e queixo
geralmente protuberantes. A personagem bonitinha é ba-
seada nas proporções de um bebê, com uma cabeça grande
em relação ao corpo oval, uma testa grande e olhos, boca,
queixo pequenos. Os “desmiolados”
têm partes e características exagera-
das. (Blair: 1995, p. 32)
Esta tarefa pode ser confundida
com a concepção da personagem, po-
rém estamos falando da tarefa de um
animador, que é a de manter as pro-
porções nas mudanças de poses de uma
personagem previamente concebida. A
mesma personagem com os braços le-
vantados e com as pernas agachadas não
pode sofrer alterações em suas propor-
FIGURA_147
- Representação de
rigs ou equipamentos,
estruturas que possibilitam
manter as proporções
durante a animação.
(BLAIR: 1995, p. 32).
173
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ções, a não ser que isto faça par-
te do projeto original. Hoje em
dia, com as ferramentas digitais,
essa tarefa ficou mais simples,
tanto para o animador quanto
para o designer. Especificamen-
te, as ferramentas de animação
digital 3D, ou seja, a versão di-
gital do stop motion, onde o sof-
tware simula um estúdio cine-
matográfico de marionetes.
Neste caso, esta tarefa é de-
nominada no mercado como
rig ou rigging, do termo em
inglês que pode ser traduzi-
do como “equipamento”. Mas
também é chamado de set up,
engenharia de personagem ou
mesmo de configuração para
animação. Por exemplo, para
animar uma personagem que
represente fielmente os movi-
mentos humanos, o joelho ja-
mais poderia dobrar para trás, o
mesmo deve acontecer com os
cotovelos. Sem as ferramentas
digitais, este controle exige um domínio
muito grande do desenho a mão livre.
Este equipamento entre as proporções
da personagem e as diferentes poses que
ela necessita, devem estar claramente de-
finidas na mente do animador. No caso
das ferramentas digitais, estas proporções
podem ser controladas, a partir da criati-
vidade do desenvolvedor da ferramenta.
Desenvolvedor este, que não necessaria-
mente é o animador. Por outro lado, ele
tem habilidade e criatividade para aco-
plar diferentes ferramentas, em função
da necessidade das proporções da per-
sonagem e as necessidades plásticas do
animador. Estes rigs servem para facilitar
o trabalho do animador. Por exemplo,
para animar a representação dos dedos
da mão humana, o animador que utili-
zar lápis e papel deve observar como a
mão humana se movimenta, interpretar
as causas e efeitos dos movimentos e re-
presentar em forma de desenho. Com a
ferramenta digital, o rig será encarregado
de limitar estas poses, deixando o anima-
dor se concentrar apenas na definição e
relação entre estas poses.
FIGURA_148 - Exemplo de rig definido através da ferramenta
digital. (Mauricio Mazza).
174
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
No caso das ferramentas digi-
tais, para montar o rig, o profissio-
nal requer tempo e dedicação para
aprender a linguagem da ferramenta,
que geralmente pertence ao campo
das ciências lógicas. Dentro de um
software de animação digital, exis-
tem várias etapas e cada uma delas
requer conhecimentos de áreas dife-
rentes. No caso dos rigs, são rotinas,
comandos e em alguns casos, equa-
ções matemáticas que constituem os
controles. Ou seja, esta é uma etapa
do processo em que muitas vezes os
animadores não têm aptidão, tempo
ou predisposição para desenvolver,
uma vez que, as opções criativas da
animação estão diretamente relacio-
nadas com práticas mais artísticas.
Na indústria de animação, o
profissional que desenvolve os rigs
de personagens é reconhecido atual-
mente como DT - Diretor Técnico
(TD - Technical Director). Ele tem o
domínio da linguagem de progra-
mação da ferramenta em questão e
é capaz de criar controles de funciona-
mento do esqueleto da personagem ou
objeto a ser animado, de acordo com as
necessidades do animador. Neste senti-
do, sob a direção de um designer, este
profissional desenvolve uma interfa-
ce muito mais amigável para facilitar o
trabalho do animador, além de torná-lo
mais produtivo e confiável. O animador
terá que aprender a utilizar os contro-
les desenvolvidos pelo Technical Director,
que geralmente é muito mais simples do
que aprender a linguagem de progra-
mação da ferramenta. O controle pode
ter, por exemplo, um botão que fecha e
abre a mão. Assim o animador vai eco-
nomizar muito tempo de trabalho. Do
contrário, o mesmo gastaria um tempo
FIGURA_149 - Estudo de
proporções nas interações e
deformaçõs na massa corporal das
personagens. (PAIK: 2007, p. 36).
175
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
enorme animando osso por osso, dedo
por dedo, para abrir e fechar a mão da
personagem. O esqueleto da persona-
gem pode ter limites, assim como os
seres humanos, como impedir que os
joelhos e cotovelos dobrem para trás.
Estando estes limites pré-definidos no
rig pelo Diretor Técnico, é uma pre-
ocupação a menos para o animador.
Isto significa que o animador deve
estar em sintonia estreita com o de-
signer, pois este gerencia a relação en-
tre as necessidades do animador e o
desenvolvimento do rig pelo Technical
Director. Assim o animador não preci-
sa se preocupar com todas as outras
questões que envolvem a personagem
e se concentrar no objetivo maior, que
é o desenvolvimento do acting. Dificil-
mente os rigs são reaproveitados para
outras personagens. Além de correr o
risco de gerar mais trabalho, o desafio
está em suprir as necessidades espe-
cíficas de cada personagem para cada
cena. Não fórmula. Isto torna cla-
ra a ideia de que a animação digital é
mais próxima da linguagem de marionetes do que do dese-
nho à mão livre. É também mais próxima da linguagem do
cinema, na qual temos um estúdio cinematográfico virtual
para marionetes. É a animação digital 3D simulando um
estúdio de stop motion virtual.
Outro elemento que é desenvolvido paralelamente
nesta etapa, é o storyboard. O storyboard é uma representação
visual da condução e continuidade da narrativa. O storybo-
ard lembra muito a história em quadrinhos. São sequências
de desenhos, englobando personagens, cenários e muitas
vezes textos, para representar a narrativa. Um storyboard é
um cenário de imagens em sequência que se apresenta em
termos visuais, quadro por quadro, a narrativa progressiva
de um filme. Os storyboards compõem-se de um número
de quadros, cada um dos quais é representativo de como
a animação final aparecerá na tela de projeção. Painéis de
storyboard fornecem uma grade projetual de imagens se-
paradas que compõem a sequência total. Diferentemente
das histórias em quadrinhos, os storyboards utilizam vários
conceitos e elementos do cinema e uma variedade de re-
presentações das cenas que estarão no filme concluído, para
ilustrar a narrativa. O storyboard é um instrumento vital para
todos aqueles dentro da equi-
pe de produção. Produtores,
diretores, designers, animado-
res, dubladores e editores se
encontram e se harmonizam
dentro do processo de pro-
dução através do storyboard. O
storyboard é uma ferramenta
que garante que a narrativa
cinematográfica fique clara
para todos integrantes da pro-
dução do filme. Muitas vezes,
questões de diálogos, sons,
ações, movimentos de câme-
ra e às vezes até questões téc-
nicas podem ser exploradas
pelo storyboard. É na etapa de
storyboard que a escrita come-
ça a obter forma visual. Uma
vez que a animação é um
processo caro e demorado, é
vital que o filme seja traba-
lhado e discutido na etapa do
storyboard, assim o desenvolvi-
mento da animação será feita
com pouco ou nenhum risco.
Alguns animadores preferem
176
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
usar o storyboard como um guia rígi-
do para a animação, porém o mesmo
pode ser utilizado permitindo alte-
rações diretamente no momento da
produção. No entanto, esta aproxima-
ção mais solta entre o filme e o pro-
cesso criativo pode gerar uma falta de
estrutura que acarrete em um resultado
não econômico e o ineficiente uso do
tempo. Como ele é desenvolvido para-
lelamente a outras etapas do filme, no
storyboard os desenhos o m a ne-
cessidade de serem fiéis às concepções
das personagens e dos cenários. O mais
importante no storyboard é a clareza
no entendimento das sequências nar-
rativas, nas ações das personagens, no
tempo de cada cena, e principalmente
no Staging (princípio de animação es-
tudado no capítulo 2).
O orçamento, na maioria das ve-
zes, está sempre atuando contra a qua-
lidade e o prazo. Se o storyboard per-
manece não resolvido até que a pro-
dução comece, ele se torna um ele-
mento que pode gerar erros ao ponto
de quebrar orçamentos. É im-
portante que os dirigentes da
produção estejam familiariza-
dos com o conteúdo do story-
board, isto lhes permitirá avaliar
melhor o trabalho implicado
e os recursos necessários para
realizar um resultado favorável.
Nos primeiros experi-
mentos de animação, os filmes
representavam uma estética e
uma narrativa muito peculiar
ao animador, que fazia todo o
processo sozinho. Com o passar
do tempo, o desenvolvimento
da animação foi se tornando
mais colaborativo, visando a
preferência do público, possibi-
litando assim o nascimento do
storyboard. Assim, como afirma
Webster (2005), os storyboards
podem ser divididos em três
tipos: storyboards de rascunhos,
storyboards de apresentação e
storyboards de trabalho. Cada um deles tem
qualidades distintas e servem a propósitos
diferentes.
Os storyboards de rascunhos têm o pro-
pósito de ilustrar a ideia de forma clara e
rápida. Neste estágio, a liberdade na cria-
tividade é alta e o rascunho pode ser pro-
duzido rapidamente. Representar a ideia é
o objetivo principal no storyboard de rascu-
nho. Boas ideias geralmente aparecem em
meio a conversas entusiástas, com vários
profissionais dando palpites, portanto elas
FIGURA_150
- Exemplo de
storyboard de
rascunho.
(WEBSTER:
2005, p. 137).
177
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
devem ser registradas rapidamente.
Nesta etapa, não deve ser investido
tempo na qualidade estética das re-
presentações visuais, a não ser que
as mesmas façam parte da ideia. A
ênfase deve ser dada no roteiro e
no desenvolvimento de uma narra-
tiva cinematográfica através do Sta-
ging e das ações. Frequentemente
quando é desenvolvida a animação
de personagens, as mesmas são irre-
conhecíveis, representadas em for-
ma de bonecos de palitos genéricos
ou pictogramas. Se os desenhos são
extremamente simples e o traba-
lho é desenvolvido rapidamente,
as ideias fluem mais naturalmente,
podem evoluir ou estimularem e
serem substituídas por ideias me-
lhores. Os painéis do storyboard de
rascunhos são extremamente crus,
que permitem redigir uma ideia
muito rapidamente. Esses esboços
rápidos são apenas para os objetivos
do desenvolvedo, um cliente nunca
deve ver tais storyboards assim como a
equipe de produção. Eles são simples-
mente o primeiro passo no processo
do desenvolvimento.
Storyboards de apresentação têm
o objetivo de apresentar a ideia para
clientes, investidores ou outro ele-
mento externo a equipe de produção.
Geralmente ele é utilizado para garan-
tir que o produto seja aprovado. Ele é
uma ferramenta geralmente utilizada
por produtores, diretores e outros pro-
fissionais que devem manter o fluxo
de dinheiro para manter o projeto em
desenvolvimento. Neste tipo de story-
board, o design é de fundamental im-
portância, pois o mesmo será apresen-
tado muitas vezes para um público não
artístico, não inserido na produção do
filme, mas que precisa entender e ser
seduzido pelo projeto. Geralmente os
storyboards de apresentação têm menos
quantidade de painéis do que os story-
boards de rascunho. Por outro lado, eles
devem ter uma aparência estética e
plástica bem detalhada e a mais próxi-
FIGURA_151 - Exemplo de storyboard de apresentação.
(WEBSTER: 2005, p. 138).
178
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ma possível do resultado final que o filme
deverá ter. Além disso, eles devem ter me-
nos informações técnicas, pois são irrele-
vantes nesta etapa. Observe na figura_151,
que nestes painéis muito mais riqueza
de detalhes. Enquanto isto pode não ser
uma representação exata da aparência final
do filme, ele é normalmente bastante pró-
ximo. A cor é usada para representar mais
estreitamente a animação final. Com estes
painéis, o cliente pode ser capaz de aprovar
o design do filme e a produção pode ser
capaz de continuar a etapa seguinte.
Storyboards de trabalho são os utiliza-
dos como guia no desenvolvimento dos
diretores, animadores, roteiristas, designers
de ambientes, designer de personagens, ou
seja, todos envolvidos na produção do fil-
me. Eles devem explanar em termos vi-
suais, o conteúdo do filme com uma boa
indicação do tipo de ação que o diretor
está buscando. Enquanto ele deve ter
abundância de ingredientes para delimitar
de forma clara o foco do diretor para to-
dos os envolvidos, não é necessário para
o designer de personagens se comprome-
ter com a animação final. Ele deve
servir de modelo para que todos os
profissionais não percam o foco, sai-
bam o que os outros estão fazendo
e desenvolvam seus elementos se-
paradamente para que possam ser
compostos dentro do plano original
do diretor. O storyboard de trabalho
deve conter informações da cena,
da organização de cenas, detalhes
das ações das personagens, diálogos,
sons, músicas, detalhes de contagem
de frames, movimentos de câmera,
características técnicas, e todos os
conceitos para definir o timing da
animação, principalmente se a ani-
mação tem implicações contínuas
ou sincronizadas com sons especí-
ficos. Acima de tudo, o storyboard
de trabalho tem o propósito de dar
suporte para a equipe fazer o filme.
Todos os storyboards são ferramentas
FIGURA_152 - Exemplo
de storyboard de trabalho.
(WEBSTER: 2005, p. 140).
179
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
que possibilitam o desenvolvimento,
financiamento e produção. Podemos
observar na figura_152, que abaixo
de cada desenho representativo da
cena, uma planilha com textos for-
necem suporte para a imagem. Ob-
serve que o desenho é muito menos
importante do que uma compreen-
são detalhada da gramática do filme,
que é essencial para a criação de um
storyboard de trabalho.
Para que o storyboard supra as
necessidades de definições de tem-
po de cada cena, um outro elemento
projetual que se desenvolve antes da
etapa da animação, é o story reel, ou
comumente chamado no mercado
brasileiro de animatic. O animatic é
uma versão dinâmica do storyboard.
É o storyboard atuando como filme.
Ou seja, os desenhos contidos no
storyboard são apresentados em for-
ma de filme, definindo o tempo de
cada tomada e o sincronismo com o
áudio. Observe que nesta etapa ain-
da não temos animação, temos um
filme composto por uma sequência de desenhos estáticos
provenientes do storyboard que conduzem a narrativa. Nesta
etapa, o áudio que conduzirá a cena deve estar definido,
não necessariamente em sua versão final, mas em sua con-
cepção. Se existirem diálogos, fica mais fácil de projetar o
tempo de cada cena, senão, é necessário fazer muitas tentati-
vas de representações de ações para definir a dinâmica atra-
vés do animatic. Geralmente nesta etapa, muitos dos painéis
feitos na etapa do storyboard ganham um novo sentido, novas
possibilidades de interpretações, assim alguns voltam para a
etapa de storyboards e são refeitos ou excluídos. Esta etapa
também é o grande momento de explorar movimentos de
câmeras, intimamente relacionados com a própria edição
das sequências de imagens. Com a combinação adequada
de todos os elementos que o compõem, no animatic é pos-
sível gerar uma ideia bem pró-
xima de como a animação fará
senso com a narrativa fílmica. É
difícil destacar aqui a importân-
cia do animatic. Muito tempo,
esforço e dinheiro podem ser
economizados nesta etapa. Mui-
tos problemas podem ser identi-
ficados e podem ser facilmente
e rapidamente retificados, antes
de começar a etapa de animação.
Observe que o storyboard e o ani-
matic funcionam em conjunto.
Os painéis apresentados em nar-
rativa fílmica no animatic são re-
tificados pelo storyboard e voltam
para o animatic, até que fiquem
o mais próximo da visão do dire-
tor. Não podemos nos esquecer
de que se trata de um trabalho
colaborativo, porém o animatic é
conduzido (no mínimo supervi-
sionado) pelo diretor. Podemos
dizer que a diferença entre o ani-
matic e a publicação da história
180
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
(story reel), é a muito próxima a
diferença entre o storyboard rascu-
nho e o storyboard de apresenta-
ção. Quando este processo apare-
ceu pela primeira vez na década
de 1930 com a câmera chamada
Leica, este processo era conheci-
do como Leica Reel. O storyboard
e o animatic tornam explícitas as
questões difíceis e destacam pro-
blemas de design que podem ser
resolvidos antes que os animado-
res comecem a trabalhar, salvando
tempo e dinheiro. É importante
ressaltar que os storyboards e ani-
matics vão sofrendo alterações
constantemente, a ideia é que aos
poucos eles vão se transformando
na versão final do filme.
Todos estes elementos pro-
jetuais, roteiro, definição de per-
sonagens e cenários, concept art,
design de produção, sonoplas-
tia, esculturas, rigging, storyboard e
animatics, existem para servir de
apoio para o trabalho dos anima-
dores. Somente após todo este processo estar definido é que
podemos entrar definitivamente no desenvolvimento da
animação.
Mas mesmo chegando na etapa da animação, alguns ele-
mentos projetuais devem ser desenvolvidos para que cada
cena seja cuidadosamente planejada. Todos estes elementos
direcionam o trabalho do animador, mas ainda existe a es-
pecificidade do acting. Vamos relembrar por um momento o
princípio de animação Apelo, estudado no capítulo 2. Por
exemplo, se dois atores interpretarem a mesma personagem
na mesma cena, muito provavelmente um terá mais caris-
ma do que a outra, ou seja, uma delas conseguirá seduzir o
público com mais intensidade do que a outra. No caso da
animação, o mesmo ocorre para a personagem de acordo
com o processo criativo do animador. O animador terá a sua
disponibilidade todos os elementos definidos anteriormente
e utilizar isto em seu processo criativo para desenvolver um
acting. Mas, além disso, existem outros elementos que po-
dem interferir no desenvolvimento deste acting. Se um ator
precisar representar uma caricatura de
uma pessoa, ele deve conhecer esta pes-
soa. No caso da animação, é semelhante.
Após estudar cuidadosamente o storybo-
ard, o animador deve conhecer muito
bem a personagem. Se as definições da
personalidade da personagem existem
em formas de texto, desenhos ou escul-
turas isoladas, cabe ao animador desen-
volver como é a movimentação corporal
desta personagem. Esta é uma tarefa bem
complexa e de grande responsabilida-
de. Por outro lado, se a personagem
foi animada em um filme anterior, ou
faz parte de uma série de TV, cabe ao
animador estudar e dominar as carac-
terístics corporais que a personagem
apresentou nos filmes anteriores antes
de animá-la. Além destas referências, o
animador precisa buscar referências de
movimentos para a necessidade da cena.
No caso do filme Ratatouille (Brad Bird,
EUA, 2007), a equipe de supervisores de
animação passou cerca de um mês em
Paris, convivendo e aprendendo com os
cozinheiros dentro de uma cozinha de
restaurante. Ou seja, era necessário co-
181
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
nhecer quais os vícios corporais
dos profissionais que trabalham
em uma cozinha industrial
francesa. Os seres humanos pos-
suem uma linguagem corporal,
mas esta se diferencia e se ade-
qua de acordo com o meio em
que vive. As pessoas que traba-
lham com atendimento a outras
pessoas, como por exemplo, um
garçom, acabam adotando con-
dicionamentos corporais dife-
rentes dos condicionamentos
corporais dos cozinheiros. As
habilidades adquiridas com as
ferramentas de trabalho natu-
ralmente alteram a linguagem
corporal. A postura e habilidade
de um cozinheiro experiente
cortando alimentos serão dife-
rentes de uma pessoa que esti-
ver executando esta tarefa pela
primeira vez.
Estas referências de movi-
mentos podem ser adquiridas
por observação, através da coleta
de filmes e filmes de animação ou filmagens
do próprio animador interpretando o acting.
Além disso, temos uma etapa importante e
constante no trabalho dos animadores, que
são os thumbnails. Thumbnails são rascunhos
rápidos para planejar o acting da cena intei-
ra e expor a ideia de forma clara e rápida.
É uma maneira do animador visualizar sua
ideia de movimentação para a cena. Depen-
dendo do caso, o animador primeiramente
rascunha as possibilidades corporais da per-
sonagem, antes de envolvê-lo
em algum acting específico.
Na figura_153 podemos ob-
servar alguns estudos de poses
para a personagem Remy, do
filme Ratatouille (Brad Byrd,
EUA, 2007). Os estudos de
poses são uma preparação para
o animador conceber as pos-
sibilidades corporais da per-
sonagem. Após esta definição,
são feitos thumbnails para vi-
sualizar a movimentação da
personagem inserida na cena,
envolvendo seus objetivos e obstáculos.
Na figura_154, em que a personagem Lingui-
ni do filme Ratatouille (Brad Byrd, EUA, 2007) tem
seu corpo controlado pelo rato no momento de
cozinhar, podemos observar duas imagens: a ima-
gem “A” com alguns thumbnails para estudar as
poses da personagem e suas possibilidades corpo-
rais, somadas com a imagem “B”, que é um pai-
nel do storyboard, para definir a animação da cena
como um todo. Este é um elemento projetual do
FIGURA_153
- Estudo de
poses. (PAIK:
2007, p. 29).
182
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
animador para que ele não
perca tempo desenvol-
vendo uma animação que
pode correr o risco de não
cumprir a necessidade da
cena e consequentemente
não ser aprovada. Podemos
observar outro exemplo
interessante de thumbnails,
na figura_155, para a cena
em que a câmera apresenta
o rato em baixo do cha-
péu de Linguini, puxando
seus cabelos para contro-
lar seu corpo. Ainda nos
dias de hoje, animar cabe-
los em animação digital é
uma tarefa bastante com-
plexa, na qual a responsabilidade do re-
sultado final não está apenas nas mãos
do animador. Existem sistemas digitais
para simular o movimento de elemen-
tos complexos, principalmente como
pelos, líquidos e tecidos. Sistemas estes
que também são extremamente técni-
cos (não artísticos) e são gerenciados por
profissionais especializados. O papel do
designer neste sentido é o de acoplar o
trabalho dos animadores e as simulações
feitas por estes sistemas. Portanto neste
sentido, o planejamento deve ser ainda
mais cuidadoso.
Um exemplo interessante sobre a
relação entre estes elementos projetuais
e os processos criativos do animador, po-
dem ser analisados na figura_156. Nela
podemos observar e analisar a as rela-
ções entre o estudo das massas corporais,
peso, força, leis de Newton, os princípios
de animação e as técnicas e tecnologias
empregadas para a resolução do acting.
A personagem Emile do filme Ratatou-
ille (Brad Byrd, EUA, 2007), tendo uma
massa corporal maior do que a de seu
FIGURA_154
- Estudo de poses.
(PAIK: 2007, p. 72).
183
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
irmão Remy, é desenhada em
formas de thumbnails, para pla-
nejar a animação que o anima-
dor irá desenvolver. Mas antes
de animar, ele faz um teste
com a personagem saco de fa-
rinha, estudado no capítulo 2.
No caso do saco de farinha,
temos a presença do rig digital para man-
ter as proporções e assim estudar melhor
como se relacionam as características de
movimentos da personagem e a ferramen-
ta digital.
Uma vez que os designers completaram todo o trabalho e este
está aprovado pelos diretores, produtores e outros integrantes da
equipe de design são de vital importância para desenvolverem um
único documento que sirva de guia para toda a tripulação da equi-
pe de produção. O documento, conhecido como Bíblia de Ani-
mação, compõe-se de conjuntos de projetos de design do filme,
organizadamente separados. Quando a personagem está concluída,
ela entra neste documento com o nome de model sheet, que pode
ser traduzido como modelo em painel. O que importa é que nesta
versão, os desenhos não são soltos, são desenhos técnicos, milime-
tricamente respeitando seu design, proporções e características. O
model sheet básico apresenta uma personagem de todos os lados. Isto
ao animator uma ideia clara da forma da personagem e qualquer
detalhe de vestimenta. No exemplo da figura_157, não temos rou-
pa, mas temos pelos. O design deve oferecer uma indicação clara da
estrutura total e proporções da personagem em 360 graus. Eles são
projetados especificamente para o uso dos animadores, para que se
possa ter uma ideia espacial da personagem. A Bíblia de Animação
funciona como um manual de identidade dos personagens do fil-
me de animação e normalmente inclui tipos diferentes de designs
que permitem os animadores e outros membros da equipe de pro-
FIGURA_155
- Thumbnails.
(PAIK: 2007, p. 71).
184
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
dução, a trabalharem no mesmo elemento
com pequeno risco de descontinuidade ou
desarmonia. Além dos model sheets, dia-
gramas com a relação da estatura da per-
sonagem, ação, poses, sincronização labial,
cores, materiais, texturas e a relação entre
luz e sombra. Os rigs também deverão estar
detalhadamente contidos neste documen-
to. Sem este documento, o projeto pode
mudar de característica em cada cena e fi-
car explícito que cada cena foi desenvol-
vida por um profissional diferente. Até o
timing pode ficar sem uniformidade. Estes
documentos são feitos para assistir os ani-
madores e tornar seu trabalho mais fácil,
permitindo eles concentrarem-se na per-
formance da animação.
O uso da cor também é um aspecto
importante do design de personagem. Deve
estar de acordo com o conceito do design
geral do filme e em uniformidade com os
outros elementos de design de produção.
Por exemplo, em uma personagem desen-
volvida por ferramentas digitais, com con-
tornos precisamente alinhados, fatalmente
causará um estranhamento se os cenários
FIGURA_156 - Thumbnails. (PAIK: 2007, p. 37).
185
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
de fundo forem feitos em técnicas de aquarela.
A menos que isto faça parte do projeto inicial,
pode comprometer o filme. No caso da anima-
ção clássica 2D, a relação entre o design e as cores
podem comprometer uma parte importante do
orçamento de produção. O nível de detalhamento
e o número de cores usado para uma determi-
nada personagem também deve ser considerado.
Quanto mais cores e mais detalhado for a perso-
nagem, maior é o custo. Especificamente em ani-
mações clássicas 2D, além dos model
sheets, um elemento projetual im-
portante são os painéis de constru-
ção (contruction sheets). São sequên-
cias da evolução das formas básicas,
como linhas e formas circulares, até
a composição da personagem final.
Este elemento garante preservar as
proporções das personagens e seus
limites estéticos.
Desta forma, o raciocínio do animador
se desprende da concepção da personagem e
se foca mais no acting. Estes elementos pro-
jetuais também funcionam muito bem para
direcionar as ações das personagens, são os
painéis de ações (action sheets). Algumas poses
extremas, vícios, características, peculiaridades
da linguagem corporal de uma personagem
podem ser guiadas pelos painéis de ações. Por
exemplo, uma personagem que usa óculos e
tem o vício de sempre arrumá-lo quando o
mesmo escorrega pelo nariz. Tais painéis de
design podem ser de valor imenso para to-
dos os animadores. Eles fornecem um discer-
nimento mais profundo da personagem, não
simplesmente em como elas se movem, mas
também na sua personalidade. Os painéis de
ação são muitas vezes um projeto em contí-
nuo desenvolvimento.
FIGURA_157 - Exemplos de
model sheets. (PAIK: 2007, p. 35).
186
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
uma enorme diferença entre desenhos que
fazem boas representações e o design projetado
para animação de personagens. Segundo Webster
(2005), o teste final de um bom design de perso-
nagem é sumariamente uma pergunta: ela será ani-
mada? Não importa o quanto atraente os desenhos
possam ser, se o design não trabalhar nos termos
da animação, então o mesmo será mal sucedido.
Um desenho bem feito, com a máxima riqueza de
detalhes, ainda não pode traduzir a capacidade de
execução de todas as ações e movimentos necessá-
rios para o filme. Por isso a necessidade de projetar
todos os elementos que direcionam a animação da
personagem.
O designer deve considerar todos os proces-
sos e profissionais envolvidos dentro do fluxo de
produção. Desenhos bem vistos não necessaria-
mente significam que constituem um bom de-
sign. Por exemplo, um desenho rico em detalhes
com uma visão aérea de uma cidade grande como
São Paulo, com centenas de arranha-céus, trânsito
caótico, viadutos, centenas de pedestres, por mais
espetacular que possa parecer, pode ser totalmen-
te impraticável dentro da produção da animação.
O design deve ser pragmático e as considerações
devem ser dadas ao processo inteiro, inclusive
no orçamento. No desenvolvimento do design
para qualquer projeto de animação, é necessário
se assegurar que os outros integrantes da equi-
pe possam compreender e assimilar o design de
maneira destinada e apropriada para as necessida-
des do projeto. O design não deve fazer desenhos
belos ou engraçados, ele é mais fundamental do
que isto. Como afirma Moura (2003), o design
é uma linguagem, que tem seus fundamentos na
linguagem e que se relaciona e interage com ou-
tras linguagens. Portanto, o design é uma forma
da comunicação e no caso de um filme de anima-
ção, a comunicação da ideia é o fator mais impor-
tante. Dentro do processo de animação, o design
promove entre outras coisas, uma linguagem que
traduz a linguagem da animação para uma gama
de profissionais distintos, possibilitando seu de-
senvolvimento e execução.
FIGURA_158
- Exemplo de
painéis de
construção.
(WEBSTER:
2005, p. 108).
187
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Considerações
Finais
188
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Nesta pesquisa vimos que ani-
mação é a arte e a técnica de dar
vida e simular ações através da ilu-
são do movimento, proporcionada
pela apresentação de uma sequên-
cia de imagens estáticas. A prática
da animação não se refere apenas
à concepção das personagens ou
dos cenários, nem das cores, mas
sim da produção resultante entre
a soma da ilusão do movimento
com a narrativa.
Aprendemos que para um
projeto de animação, não basta
compreender como o movimen-
to se constrói, mas também como
os espectadores interpretam estes
movimentos. Esta interpretação depende basicamente de
dois elementos: óptico e psicológico. O processo óptico
é mecânico e com limitações claras. Sabemos que o dis-
positivo óptico dos seres humanos tem a característica de
registrar a imagem durante um determinado tempo, antes
de capturar a imagem seguinte, possibilitando assim a ilu-
são do movimento. Porém, a compreensão do significado
dos movimentos é interpretada pelo cérebro. Assim, temos
dois tipos básicos de interpretação do movimento: movi-
mento real e movimento aparente. Portanto, dependendo
da situação em que os dispositivos ópticos estão capturan-
do os movimentos e das questões culturais, sociais, políti-
cas, religiosas, a interpretação dos movimentos apresentará
diferentes resultados. Neste sentido, ao estudarmos as de-
finições de real e ilusão, fica ainda mais evidente a impor-
tância da ação psicológica na interpretação da animação.
A realidade além de não ser única para todos os grupos
sociais pode sofrer transformações com o passar do tempo.
E esta questão está diretamente relacionada com a percep-
ção e a linguagem corporal dos
seres humanos.
Uma das questões e dúvidas
recorrentes entre os animado-
res, pesquisadores e professores
era a relação entre design e ani-
mação. Sabíamos que ambas as
áreas sempre estiveram relacio-
nadas, mas era difícil encontrar
estudos, pesquisas e argumentos
para chegar a uma definição.
Esta pesquisa nos levou a con-
siderar e a demonstrar que De-
sign e Animação estão estreita-
mente relacionados, seja pela
prática projetual, pela escolha e
uso da tecnologia, pelos grupos
multidisciplinares de profissio-
nais envolvidos, pelas relações
culturais em que se inserem,
tanto de produção quanto de
inserção e referências. Consta-
tamos a grande quantidade de
disciplinas envolvidas em um
projeto de animação.
189
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Vimos que os movimentos reais não
necessariamente são reproduzidos fielmen-
te pelos movimentos ilusórios, mas sim
traduzidos para a linguagem específica da
animação. A linguagem da animação e a
linguagem do corpo humano (no caso de
animação de personagens) são fundamen-
tais para o desenvolvimento de um projeto
de animação. Percebemos como a união de
todos estes elementos pode se tornar um
produto único, através do projeto e do pla-
nejamento. A linguagem corporal dos seres
humanos representada por atores e tradu-
zida para a animação, pode se tornar uma
ferramenta poderosa para informar, co-
municar, educar e emocionar. Levantamos
os elementos principais de um projeto de
animação com personagens e identificamos
suas relações com o campo do design. Pu-
demos constatar que o campo da animação
exige conceituação, planejamento, organi-
zação e metodologia projetual.
A animação continua se desenvolven-
do, se redefinindo e se aprimorando de
acordo com os métodos projetuais e a es-
treita proximidade com as tecnologias. O
produto resultante da área de animação re-
quer método, projeto, planejamento,
técnica, tecnologia e acima de tudo
o conhecimento e o exercício cons-
tante da criação humana. Com base
neste pensamento, podemos concluir
também que as ferramentas digitais
ainda não podem animar. Elas po-
dem simular e proporcionar a ilusão
do movimento, mas a linguagem da
animação e principalmente do acting,
não dependem apenas do movimen-
to, dependem do nível e qualidade
do projeto que possibilitará situações
de envolvimento e de relações emo-
cionais, lúdicas, de introspecção e/ou
de entretenimento do espectador. Da
mesma forma, vimos que o design se
relaciona com praticamente todos os
tipos de animação, inclusive a anima-
ção de personagens e o acting. A im-
portância da necessidade de projetar
o acting é evidenciada. Os processos
criativos de todos os profissionais en-
volvidos em um filme de animação devem ser planejados e
orientados pelo projeto em design. Desta forma, o trabalho
do animador torna-se mais adequado, mais elaborado, mais
rápido e mais eficaz.
Com relação ao acting, também chegamos à outra con-
clusão importante. Ao início desta pesquisa, o acting era abor-
dado exclusivamente como um elemento funcional através
da ilusão do movimento. Mas após os estudos desta pesquisa,
concluímos que o acting depende muito mais de aspectos que
190
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
não se relacionam diretamen-
te com a ilusão do movimento,
mas de características psicoló-
gicas. Assim, pudemos constatar
que apenas o emprego adequa-
do da linguagem da animação
respeitando as leis da física dos
movimentos, não é suficiente
para que uma personagem de
animação pareça viva. O acting
se concretiza através da ilusão
do movimento, mas é caracte-
rizado e definido pelos desejos
e objetivos da personagem. A
demonstração destes desejos e
a busca por estes objetivos de-
vem gerar conflitos e enfrentar
obstáculos. Desta forma, fica
mais fácil explorar as possibili-
dades de sugerir pensamentos,
sentimentos e emoções através
da personagem. E no caso das
emoções, é o elemento prin-
cipal para que os espectadores
empatizem com as personagens,
um dos maiores méritos con-
quistados pelo trabalho do ac-
ting. Em alguns casos, como por exemplo, nos estudos de casos,
a empatia e as emoções que se relacionam entre personagens de
animação e espectadores, fazem com que o acting transcenda as
formas visuais e a ilusão do movimento.
Através da análise do filme Father and Daughter, concluímos
que o fato do filme não apresentar muita riqueza de detalhes
e as personagens não apresentarem definições de rostos, falas,
pensamentos, sentimentos e emoções são claramente sugeridos
pela linguagem corporal. Assim, o espectador se identifica com
as personagens e passa a ser conduzido na narrativa através dos
objetivos e obstáculos da mesma. Além disso, o filme Ratatouil-
le apesar de contemplar uma riqueza de detalhes muito maior
que o filme anterior, ao ponto de identificarmos os pelos e ru-
gas na pele, encontramos a narrativa também conduzida através
do drama psicológico das personagens. Dependendo do envol-
vimento do espectador, as imagens podem ser interpretadas de
formas diferentes. Por exemplo, enxergar rostos que não estão
desenhados ou se identificar com
ratos verossímeis interpretando
sentimentos e emoções humanas.
Assim, podemos concluir que to-
dos estes estudos e processos para
o desenvolvimento de um filme
de animação, são realmente per-
tinentes. Verificou-se que em um
projeto de animação as relações
entre os elementos são intensas,
híbridas, complexas.
Concluímos também que a
animação de personagens não de-
pende apenas das técnicas e dos
conceitos pré-estabelecidos, mas
da relação com o cotidiano. As-
sim, não fórmulas que possi-
bilitem uma animação eficaz. O
desenvolvimento projetual é im-
prescindível e se estende a pata-
mares que se transformam cons-
tantemente de acordo com os
meios sociais.
191
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Vimos que principalmente no mundo con-
temporâneo, a animação deve ser um trabalho
bastante colaborativo. Apesar das sofisticações das
ferramentas digitais, se torna evidente a necessi-
dade dos diferentes tipos de profissionais traba-
lharem juntos. Um projeto de animação envolve
muitas áreas e as mesmas devem ser acopladas de
forma harmoniosa para gerar um único produto.
Diante deste panorama, o foco central deste
estudo é o desenvolvimento do acting como um
projeto e parte integrante de um projeto de ani-
mação. E sendo um projeto, inevitavelmente sua
existência e suas relações ocorrem no campo do
Design, constituindo um segmento que se deno-
mina de forma ampla como Design de Animação.
Devido a abrangência e complexidade do acting
destacamos e focamos o estudo neste segmento e
ressaltamos sua importância desde o título desta
dissertação: “O Acting no Design de Animação”.
A realização desta pesquisa des-
perta o desejo e contribui para in-
dicar novos estudos e pesquisas,
em um futuro próximo, talvez em
um doutorado ou em outros pro-
jetos de pesquisa e desenvolvi-
mento dentro da área de animação.
Por exemplo, o estudo do movimen-
to de diferentes espécies de animais,
relacionando as questões do código
genético com o código cultural para
serem incorporados no universo do design e da linguagem de animação.
192
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Referências
Bibliográficas
193
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
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194
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Mauricio Duarte Mazza
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A Bela Adormecida (The Sleeping Beauty), Clyde
Geronimi, 1959.
A Festa do Monstro Maluco (Mad Monster Par-
ty), Jules Bass, 1967.
Animando, Marcos Magalhaes, 1982.
Conte o Conto do Coração (Tell Tale Heart), Ted
Parmalee, 1953.
Fases Humoradas de Faces Engraçadas (Humo-
rous Phases of Funny), J. Stuart Blackton, 1906.
Fuga das Galinhas (Chicken Run), Nick Park,
2000.
Gertie o Dinossauro Treinado (Gertie the Trained
Dinossaur), Winsor McCay, 1914.
Jasão e o Velo de Ouro (Jason and the Argo-
nauts) Don Chaffey, 1963.
O Estranho Mundo de Jack (A Nightmare Before
Christmas), Henry Selick, 1993.
O Melro (Le Merle), Norman MClaren, 1958.
Pai e Filha (Father and Daughter), Michael Du-
dock de Wit, 2000.
Pinocchio, Hamilton Luske, 1940.
Ratatouille, Brad Bird, 2007.
Viagem à Lua (Voyage to the Moon), Georges
Méliès, 1902.
Wallace & Gromit: A Batalha dos Vegetais (Wal-
lace & Gromit: The Curse Of The Were-Rabbit) Nick
Park, 2005.
195
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
ANEXOS
Créditos dos filmes analisados no capítulo 4.
Father and Daughter
Michael Dudok de Wit (2000)
Produção: Cloudrunner Ltd, UK, and CineTe Filmpro-
ductie bv, Holland
Direção, Design de Produção e História: Michael
Dudok de Wit
Roteiro, Design e Animação: Michael Dudok de Wit
Outras contribuições: Normand Roger (Composi-
tor), Claire Jennings and Willem Thijssen (Produ-
tores), Arjan Wilschut (Principal Co-Animador), Jean-
Baptiste Roger (Som), e Alistair Becket and Nic Gill
(Directors Técnicos)
Técnicas: Lápis, carvão vegetal e composição
com ferramenta digital.
Ratatouille
Disney/Pixar Animation Studios (2007)
Produção: Brad Lewis
Direção: Brad Bird e Jan Pinkava (co-diretor)
Roteiro: Brad Bird
Técnicas: Computação Gráfica – Animação
Digital 3D
Design de Produção: Harley Jessup
Departamento de Animação
Mahyar Abousaeedi: artista de leiaute
Josh Anon : artista de leiaute
James S. Baker : artista dca história
Dylan Brown : animador supercisor
Mike Cachuela : artista adicional de storyboard
Andrew Cadelago : artista de leiaute
Shaun Chacko : animador
Simon Christen : animator adicional
Brett Coderre : animador
Patrick Delage : animador
David DeVan : director de animação
Doug Dooley : animador
Arik Ehle : animador de multidões
Alexander Fleisig : animador
Tom Gately : animador
Andrew Gordon : desenvolvedor de animação
de personagens
Andrew Gordon : animador
Luis Grane : designer de personagens
Travis Hathaway : animador
Mark Cordell Holmes : artista de produção
Sungyeon Joh : artista de leiaute
Jae Hyung Kim : animador adicional
Todd Krish : artista de simulações em animação
Bruce Kuei : animador adicional
Holger Leihe : animador
Angus MacLane : animador adicional
Matt Majers : animador
Michal Makarewicz : animador
Steve Mason : animador
Ted Mathot : artista de história
Paul Mendoza : animador
Dan Nguyen : animador
Matt Nolte : animador
Kevin O’Hara : animador
Sukwon Park : artista de leiaute
Elliott Roberts : animador de multidões
KC Roeyer : animador adicional
Amber Rudolph : animador
Robert H. Russ : animador
Gini Cruz Santos : animador
Bob Scott : animador
Suzanne Slatcher : artista de leiaute
David Earl Smith : animador
Michael Stocker : animador
Russell J. Stough : coordenador de correção
de animação
Raphael Suter : animador
Rob Duquette Thompson : animador
Jean-Claude Tran : artista de leiaute
Michael Venturini : diretor de animação
Mark A. Walsh : supervisor de animação
Veronica Watson : assistente produção
de animação
Anthony Ho Wong : animador
Michael Wu : animador
Tom Zach : animador adicional
196
O ACTING NO DESIGN DE ANIMAÇÃO
Mauricio Duarte Mazza
Departamento de Arte
Mark Adams : Artista adicional
Daniel Arriaga : Designer de Ambiente
James S. Baker : Artista de Storyboard
Damon Bard : Escultor
Randy Berrett : Artista de Produção
Valérie Bishop : Tradutora Gráfica
Nelson ‘Rey’ Bohol : Artista de Produção
Susan Bradley : Designer Gráfico
Susan Bradley : Grápficos de Localização
Mike Cachuela : Artista Adicional de Storyboard
Cathleen Carmean : Assistente de
Produção Artística
Enrico Casarosa : Artista de Storyboard
Noelle P. Case : Coordenadora (como
Noelle Page)
Jun Han Cho : Líder Técnico
Brian Christian : Pré-visualização
Deborah Coleman : Assistente de
Produção Artística
William Cone : Desenvolvedor visual
Josh Cooley : Artista de Storyboard
Collette Davies Nedelchev : Designer Gráfico
Ronaldo Del Carmen : Artista de Storyboard
como Ronnie del Carmen)
Peter DeSève : Desenvolvedor Visual
Adicional (como Peter DeSeve)
Simon Dunsdon : Pré-visualização
David Eisenmann :. Supervisor
Jay Epperhart : Arte Interna
Brian Fee .: Artista Adicional de Storyboard
Craig Foster : Designer Gráfico
Doug Frankel : Artista Adicional de Storyboard
Christina Garcia : Vestimenta
Louis Gonzales : Artista de Storyboard
Amy Hale : Tradutor Gráfico
Mark Cordell Holmes : Artista de Produção
Justin Hunt : Artista Adicional de Storyboard
Willy Hwang : Artista de Interiores
Joshua Jenny : Vestimenta
Robert Kondo : Diretor de Arte
Brian Larsen: Artista de Storyboard
H.B. ‘Buck’ Lewis : Desenvolviento Visual (as
uck Lewis) Dominique Louis : art director:
Desenvolviento
Albert Lozano : Artista de Produção
Bud Luckey : Desenvolviento Visual
Matthew Luhn : Artista de Storyboard
Erin Magill : Artista de Interiores
Ted Mathot : Artista de Storyboard
Paul McAfee : Coordenador
Tom Miller :. Vestimenta
Scott Morse : Artista de Storyboard
Becky Neiman : Artista de Storyboard
Kevin O’Brien : Artista de Storyboard
Robert Page :. Artista de Interiores
David Park : Coordenador de Arte
Phat Phuong : Vestimenta
Andrew Pienaar : Vestimenta
Bill Presing : Artista de Storyboard
Jared Purrington : Artista de Interiores
Jerome Ranft : Escultor
Don Shank : Artista de Produção
Evan Smyth : Coordenador (as Evan Smith)
Peter Sohn : Artista de Storyboard
Nathan Stanton : Artista de Storyboard
Thomas Thesen : Artista de Interiores
Brian Tindall : Artista Adicional
Belinda van Valkenburg : Diretor de
Sombreamento
Chuck Waite : Artista Adicionaç
Miranda Walker : Artista de Interiores
Michael Warch : Gerente
Jay Ward : Gerente do Departamento de Arte
Alexander Woo : Artista de Storyboard
Nate Wragg : Artista de Produção
Bud Luckey : Artista de Storyboard
O texto deste livro foi
composto em Bembo,
corpo 12/18.
O título em OCR A Std. .
Impressão e acabamento
foram feitos em Setembro
de 2009, São Paulo/SP.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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