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Universidade São Francisco
Olinda de Cássia Garcia Sando
DISCURSO E SUJEITO NA “PÁTIO – REVISTA PEDAGÓGICA”:
A PEDAGOGIA CRÍTICA COMO UM REGIME DE VERDADE
Itatiba
2009
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Universidade São Francisco
Olinda de Cássia Garcia Sando
DISCURSO E SUJEITO NA “PÁTIO – REVISTA PEDAGÓGICA”:
A PEDAGOGIA CRÍTICA COMO UM REGIME DE VERDADE
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Educação da Universidade São
Francisco, Campus Itatiba / SP, como
parte dos requisitos para obtenção do grau
de Mestre em Educação, elaborada sob a
orientação da Profª DMárcia Aparecida
Amador Mascia.
Itatiba
2009
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Ficha catalográfica elaborada pelas bibliotecárias do Setor de
Processamento Técnico da Universidade São Francisco.
i
800.1 Sando, Olinda de Cássia Garcia.
S199d Discurso e sujeito na “Pátio – Revista Pedagógica”: a
pedagogia crítica como um regime de verdade / Olinda de
Cássia Garcia Sando. -- Itatiba, 2009.
114 p
.
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação
Scricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco.
Orientação de: Márcia Aparecida Amador Mascia.
1. Discurso. 2. Sujeito. 3. Regimes de verdade. 4. Revista
pedagógica. 5. Análise do discurso. I. Mascia, Márcia
Aparecida Amador. II. Título.
4
ii
5
A minha mãe, Maria Odette (in memorian) e a meu pai, José Antonio.
Por me ensinarem que o valor dado as nossas conquistas depende da intensidade de nossa
luta.
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6
AGRADECIMENTOS
A professora Márcia, minha orientadora, pela dedicação extrema, pelo respeito e pela
amizade. Elementos presentes desde nosso primeiro encontro.
As professoras Alexandrina Monteiro e Beatriz M. Echert-Hoff, pelas leituras realizadas e
pelas diversas sugestões que tornaram a gestação deste trabalho possível.
A Rafael e a Luísa, marido e filha queridos, pelo apoio e compreensão nos momentos de
ausência.
iv
7
Sando, Olinda de Cássia Garcia. Discurso e sujeito na Pátio revista
pedagógica”: a pedagogia crítica como um regime de verdade. 2009. 124 f.
Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação da Universidade São Francisco – Campus Itatiba/SP)
RESUMO
Considerando-se o crescente número de revistas educacionais existentes no mercado
editorial atualmente, decidimo-nos pela análise discursiva da Pátio revista pedagógica”.
Este trabalho tem como objetivos verificar o estatuto de sujeito presente nos textos veiculados
por esta revista bem como os regimes de verdade instaurados por ela. Também iremos
levantar os efeitos de sentido produzidos pelos textos no que diz respeito aos pressupostos
filosóficos educacionais e como se materializam lingüisticamente. O corpus analisado
constitui-se de textos da “Pátio revista pedagógica” e de textos retirados de seu site. A
pesquisa sustenta-se por pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa, que
entende o discurso como o entremeio entre “a estrutura e o acontecimento” (Pêcheux,1990) e
o sujeito como aquele que sentido às palavras e adquire sentido por meio delas. Hall e
Bauman auxiliaram-nos num levantamento do sujeito na perspectiva sócio-cultural enquanto
Foucault mostrou-nos sua concepção de sujeito totalmente atrelado às relações de poder-saber
que perpassam os mais diferentes setores da sociedade. Os resultados de nossa pesquisa
demonstram que o sujeito apregoado pela Pátio é o sujeito cartesiano o que de certa forma
constitui um anacronismo. Verificamos, também, uma vertente filosófica predominante nesta
revista: a pedagogia crítica que tem como mote a conscientização por meio da educação para
a transformação pessoal e social.
Palavras-chave: Discurso, sujeito, regimes de verdade, revista pedagógica, análise do
discurso.
v
8
ABSTRACT
Taking into consideration the growing number of magazines specialized in education
available on the editorial market today, we decided to focus our work on the discursive
analysis of the education magazine Pátio. This paperwork aims at verifying the rules of the
subject, which are present in the texts found in this magazine as well as the systems of truth
established by it. We will also analyze the effects of meaning produced by the texts as far as
educational and philosophical presuppositions are concerned and also how they manifest
themselves linguistically. The corpus of the analysis is made up of texts taken from Pátio
magazine and texts taken from its website. This research is grounded in the French Discourse
Analysis, which views discourses as something halfway between“the structure and the
event”(Pêcheux,1990) and subject as the one who gives meaning to words and derives
meaning through them. Hall and Bauman were helpful in placing subject in a social and
cultural perspective, whereas Foucault is recalled by his conception of subject totally tied up
to the knowledge-power relationship, which permeates the different levels of society. The
results of our research reveal that the subject shown by Pátio is the Cartesian one, which in a
certain way constitutes anachronism. In addition, we also detected overwhelming
philosophical tendency in the magazine: the Critical Pedagogy, whose motto is to raise the
individual’s awareness through education for his/her personal and social transformation.
Keywords: discourse, subject, truth system, pedagogical magazines, discourse analysis
vi
9
TABELA
Tabela 1 - Número de ocorrências dos vocábulos transformação, mudança e
crítica nos editoriais selecionados.............................................................. 91.
vii
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................... 10
PARTE I – OS PARADIGMAS TEÓRICOS DA (PÓS) MODERNIDADE:
(DES) CONSTRUINDO O SUJEITO E OS REGIMES DE VERDADE....... 18
1. MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE............................................. 19
1.1 Modernidade.......................................................................................... 20
1.1.1 A pedagogia e a sociedade industrial.................................. 25
1.1.2 A pedagogia crítica............................................................. 28
1.2 Pós-modernidade................................................................................... 32
2. O SUJEITO EM FOUCAULT................................................................... 36
2.1 A genealogia e o sujeito contingente.............................................. 36
2.2 Sujeito e poder................................................................................ 37
2.3 Sujeito e o saber............................................................................. 41
2.4 O sujeito e os “regimes de verdade”.............................................. 43
2.5 O sujeito e a governamentalidade: um olhar sobre a ética e a
estética............................................................................................ 45
3. IDENTIDADE: UM OLHAR SÓCIO-CULTURAL................................. 50
viii
11
3.1 Do sujeito iluminista ao sujeito sociológico: prenúncios de uma
fragmentação.................................................................................. 50
3.2 Os deslocamentos do sujeito pós-moderno..................................... 53
3.3 Globalização, modernidade líquida e identidades: inclusão e
exclusão........................................................................................... 57
4. ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA.............................. 62
4.1 A análise do discurso e suas épocas............................................... 62
4.2 Discurso, formação discursiva e formação ideológica................... 64
4.2.1O sujeito na análise do discurso.................................... 67
4.3 O que se entende por fazer análise do discurso hoje?.................... 69
PARTE II – ANÁLISE.................................................................................. 72
1. Apresentando o macrodiscurso da Pátio............................................. 73
Pátio: o mundo que a gerou e que a mantém.................................75
A “Pátio: revista pedagógica”: seus elementos constitutivos........79
2. A (des) construção do sujeito-professor para a transformação
social.................................................................................................... 82
O (inter) discurso da pedagogia crítica.......................................... 82
O (inter) discurso publicitário...................................................... 93
O (inter) discurso da atualidade e da totalidade........................... 99
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................. 106
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................. 111
ANEXOS................................................................................................ 115
ix
12
INTRODUÇÃO
Em nossa atuação como professora de Língua Portuguesa, temos constatado de
maneira mais marcante, no meio educacional, o reflexo de situações ocorridas além dos muros
da escola. Verificamos a crescente exigência quanto à atualização e ao aperfeiçoamento dos
professores e, em contrapartida, certa indiferença, um descomprometimento generalizado. Por
conta disso, ocorrem diversos cursos de aperfeiçoamento promovidos por órgãos
governamentais e particulares, além da expansão de meios de se conseguir informações sobre
os mais variados assuntos e temas. Aproveitando-se desse momento, o mero de revistas
educacionais também se expande.
Segundo o Centro de Documentação do Instituto de Pesquisas Avançadas em
Educação (IPAE) organização social de iniciativa privada, fundada em 23 de fevereiro de
1973, atuante em todo o território nacional, cujo objetivo é promover o desenvolvimento da
qualidade da educação –, a primeira revista editada no Brasil foi a Revista Pedagógica,
publicada em 1899. Este Centro de Documentação possui exemplares desta revista e de
muitas outras, inclusive das que circulam atualmente.
É possível, portanto, encontrarmos tanto revistas cujas propostas editoriais abarcam
um público bastante genérico quanto àquelas exclusivas para professores do ensino
fundamental, médio e/ou superior. as mais especializadas ainda, como as produzidas para
professores de nguas, de história, de geografia, de matemática, entre outras. É fato que
uma função social em todas elas, mas sabe-se também que o mercado existe e deve ser
aproveitado – segundo os editores.
Várias podem ser as causas aventadas para a explicação desse quadro, porém, os
estudos que realizamos, inclusive para a elaboração desta dissertação, levam-nos a questionar
as mudanças de paradigmas, envolvendo os campos do saber e das relações interpessoais.
Foi esse contexto que nos motivou a desenvolver um projeto de pesquisa cujo tema
envolvesse o trabalho com algum tipo de revista educacional.
Em uma das escolas onde atuamos, existem várias revistas, dentre elas Nova Escola,
Língua Portuguesa, Pátio revista pedagógica. Tivemos a oportunidade de conhecê-las mais
detalhadamente em nossas reuniões pedagógicas, pois sempre um artigo ou outro era/é
13
discutido. Apontamos como um dos critérios de escolha da “Pátio revista pedagógica”
1
,em
meio a tantas outras revistas, sua proposta de atuação como veículo de informação e
formação de profissionais do meio educacional. Pareceu-nos extremamente abrangente e
ambiciosa, fato este que nos instigou a desenvolver esta pesquisa. Devemos mencionar ainda
a preferência por alguns dos autores colaboradores, como Lino de Macedo, Pierre Lévy e
Peter McLaren. Esta revista é editada pela ARTMED editora de Porto Alegre.
Consideramos oportuno mostrar como a própria revista se para, no transcorrer de nossa
dissertação, retomarmos esta descrição. Por isso reproduzimos a descrição retirada de seu site.
A Pátio Revista Pedagógica, editada pela ARTMED, a mais importante
editora de livros de formação em educação da América do Sul, é considerada
o mais qualificado veículo de atualização e formação para os profissionais de
Educação pelos principais formadores de opinião nesta área: educadores,
pesquisadores, coordenadores e assessores pedagógicos, diretores de escolas e
mantenedores, bem como por assessores para políticas educacionais.
Abordando temas centrais emergentes nas salas de aula e meios acadêmicos
do país e do exterior, a Pátio, desde 1996, socializa os conhecimentos de
ponta e as experiências bem-sucedidas de autores de renome e grande prática
pedagógica, oriundos de todos os Estados brasileiros e dos grandes centros
mundiais. A partir de edições temáticas, a revista busca oferecer um panorama
abrangente, qualificado e acessível sobre questões cruciais à educação,
servindo para a formação e atualização em serviço de professores de todos os
níveis de ensino e como ferramenta de reflexão e trabalho para coordenadores
pedagógicos e diretores na orientação de suas equipes. As seções
independentes do tema central, enfocando assuntos paralelos e questões
específicas como Psicologia, Ensino Médio e Arte na Escola enriquecem a
leitura, e as seções absolutamente práticas com relatos de experiências e
descrição de projetos bem-sucedidos, além de reportagens que mostram como
determinados problemas ou assuntos escolares importantes vêm sendo tratados
nos diversos Estados brasileiros, são grandes aliados para o professor alterar
seu cotidiano pedagógico. (
htpp://www.revistapatio.com.br )
1
Ao nos referirmos ao corpus de análise desta pesquisa, procederemos da seguinte maneira: “Pátio – revista
pedagógica”. Virá entre aspas e somente a palavra Pátio em itálico, ou seja, em destaque para manter o layout
de apresentação original como pode ser observado no Anexo 1.
14
Pela auto-descrição da Pátio revista pedagógica”, podemos perceber qual o papel
desta revista educacional para a formação de professores. Segundo ela, seu objetivo é
contribuir para a formação e a atualização dos profissionais da educação que lhes oferece
uma seleção bastante variada de artigos, reportagens, depoimentos sobre questões
extremamente importantes e atuais, o que ainda colaboraria para que o professor alterasse sua
prática nas salas de aula. Levando em conta a auto-descrição da Pátio, analisamos e
discutimos se o que foi propagado em seus primeiros números, realmente tem ocorrido no
transcorrer destes anos.
Consideramos também necessário explicar o porquê da escolha do termo revista neste
trabalho de pesquisa em lugar de periódico que pelo Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (2001) estes vocábulos apresentam-se como sinônimos. O uso corrente parece-nos
sugerir periódico para as publicações feitas a partir de instituições educacionais, como
Universidades, Faculdades ou Centros Educacionais enquanto a palavra revista aparece com
uso mais freqüente quando as publicações têm suas raízes em editoras ligadas à educação,
mas não necessariamente a alguma instituição educacional como as mencionadas
anteriormente. E, também, porque a revista se auto-designa assim.
Tendo definido o corpus, dispusemo-nos a estabelecer o foco da pesquisa. Em um
primeiro momento, a proposta era trabalhar com a questão da leitura na Pátio revista
pedagógica”, porém, após o contato com autores da Análise do Discurso de linha francesa,
redirecionamos nosso olhar para a figura do sujeito dentro deste tipo de material de apoio ao
professor em atuação. Sendo assim, esta dissertação tem por tema uma análise do estatuto do
sujeito do discurso da revista Pátio, gestada em 1996 e nascida em 1997 com o propósito de
se tornar “ uma fonte de circulação de idéias como suporte para a prática educacional” (Ano I,
nº 0, Fev./Abr. 1997).
Esta pesquisa, portanto, está inserida em uma perspectiva da pós-modernidade, aliada
a estudiosos como Bauman (1999; 2005) que trata de questões relacionadas à globalização e à
identidade e Hall (2005) que aborda a identidade cultural na sociedade pós-moderna. Usamos
desses autores para rever a questão do sujeito sócio-cultural Também nos pautamos em
Foucault, especialmente no que diz respeito aos conceitos de sujeito, relações de poder-saber,
regimes de verdade e governamentalidade e dos pressupostos da Análise do Discurso de linha
francesa, como discurso, sujeito, formação discursiva, interdiscurso e formações ideológicas
para a condução da análise de nosso corpus de pesquisa. Com a leitura deste trabalho,
verificar-se-á que diversos sujeitos foram revisitados: o sujeito da pós-modernidade, dos
estudos sócio-culturais, de Foucault e da própria Análise do Discurso.
15
Por sermos professores e, em especial por estar no papel de pesquisadora, não
podemos olhar para o discurso educacional de maneira ingênua, como se as revistas, em nosso
caso, fossem isentas de dizeres políticos, de relações de poder-saber, de regimes de verdade e,
principalmente, de construções discursivas sobre o sujeito. Urge refletirmos a respeito dos
imaginários discursivos que nos rodeiam e nos constituem como sujeitos da educação. Temos
que, embasados por reflexões teórico-metodológicas, (re) conhecer as crenças e os mitos a
partir dos quais construímos os nossos regimes de verdade, regimes esses que, por sua vez,
servem de fundação para o nosso pensamento, as nossas formações ideológicas e as nossas
formações discursivas, em última instância, subjetivando-nos.
Pretendemos, portanto, lançar um olhar questionador acerca do sujeito que é explícita
ou implicitamente constituído nos textos-reportagens da revista em questão. Ao analisarmos o
discurso, estamos analisando as construções ideológicas que o constituem o que poderá
contribuir para que outros profissionais do campo educacional também reflitam sobre as
questões que envolvem, por exemplo, o sujeito, o discurso, os regimes de verdade presentes
no discurso educacional, mais pelos não-ditos do que pelos ditos.
A relevância de nosso trabalho consiste, a nosso ver, em produzir um espaço-texto
para discussão, para formulação de questões, sem a pretensão de formular as questões certas
ou todas as questões possíveis acerca do corpus, mas, o mais importante, em consonância com
Bauman (1999), de formular questões ainda não formuladas.
Compreendendo o discurso como uma prática, ou seja, o efeito de sentido entre
interlocutores, reiteramos a urgência do conhecimento dos principais regimes de verdade que
contribuem para a construção da racionalidade dos textos das revistas, mais particularmente,
da “Pátio – revista pedagógica”.
Segundo Foucault (2002a, p. 14), deve-se
por “verdade”, entender um conjunto de procedimentos regulados para a
produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados.
A “verdade” está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e
apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem. “Regime” de
verdade.
Conforme já mencionado, a questão do sujeito tem lugar nesta dissertação, por isso é
extremamente necessário o esclarecimento de qual a concepção em que nos apoiamos. Ao
falarmos em sujeito discursivo, estaremos trazendo para nossa reflexão a concepção de
16
Foucault (2002) de um “ser” que pertence a um tempo e a um espaço, conseqüentemente, a
grupos sociais, portanto alguém que não é a origem e sim um ser que se forma com o
transcorrer do tempo, da história. Fernandes (2005) recorre a Foucault definindo-o como
(...) um ser social, apreendido em um espaço coletivo; portanto, trata-se de um
sujeito não fundamentado em uma individualidade, em um “eu”
individualizado, e sim um sujeito que tem existência em um espaço social e
ideológico, em um dado momento da história e não em outro. (p. 34-35)
A problemática que nos norteia nesta pesquisa pode ser formulada da seguinte
maneira: Em que medida a Pátio revista pedagógica” instaura “novos regimes” de verdade
com relação aos pressupostos filosóficos educacionais? Que concepção de sujeito emerge dos
discursos dessa revista?
Como pressuposto, podemos refletir sobre o corpo de profissionais que contribuem
com seus escritos para a produção desta revista. São professores ou estudiosos brasileiros e
estrangeiros ligados à Educação, o que nos faz pressupor a existência de posicionamentos
ideológicos e filiações acadêmicas bem claros. Tomamos como hipótese que, apesar da
revista propagar o desejo de ser um veículo de múltiplas idéias (cf. Editoriais 01 e 04), temos,
ao longo dos textos e dos anos da revista, a predominância de uma vertente ideológica,
revelando os “regimes de verdade” que imperam na Educação em um determinado contexto
histórico-cultural, este em que estamos vivendo, e que constroem o imaginário do sujeito
educacional.
Foucault (2002a, p.12) nos esclarece o conceito de regimes de verdade, nos seguintes
termos:
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem
poder(...).A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem
seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que
são valorizados para a obtenção da verdade, o estatuto daqueles que têm o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.
Neste mesmo autor (op., cit., 2002a), encontramos um outro conceito: o de relações
de poder-saber cujo conhecimento é essencial para compreendermos mais profundamente
como estes regimes de verdade se instauram, pois são estas relações que garantem sua
17
instalação. Em nosso trabalho, exploramos as colocações de Foucault sobre relações de poder-
saber que ainda estão presentes em nosso mundo pós-moderno, mais especificamente no
âmbito educacional.
Nosso objetivo geral é desvelar alguns dos aspectos que caracterizam o discurso e o
sujeito da “Pátio – revista pedagógica” e elencamos como objetivos específicos:
1. levantar os efeitos de sentido produzidos pelos textos-reportagens no que tange aos
pressupostos filosóficos educacionais;
2. investigar os principais regimes de verdade dentro dos quais se constroem a
racionalidade dos textos;
3. identificar o estatuto de sujeito que emerge no discurso;
4. apontar como os efeitos se materializam lingüisticamente.
Buscamos também as condições de produção da Pátio revista pedagógica” (o que
nos levou a uma pesquisa sobre as décadas de 80 e 90 com a finalidade de situarmos melhor o
contexto histórico-social em que a Pátio surgiu) a partir dos pressupostos da Análise do
Discurso para empreender a análise discursiva a que nos propusemos. Entretanto, para que
isto se desse efetivamente, também tivemos de nos aprofundar nos postulados da
modernidade e da pós-modernidade, pois se a educação nasce dentro da primeira, não seria
possível desenvolver um estudo sobre uma revista pedagógica sem a revisão de literatura a
respeito.
Visando atender os objetivos propostos nesta pesquisa em consonância com a
perspectiva teórica assumida, segmentamos a apresentação deste estudo em duas partes: Parte
I, com quatro capítulos e Parte II, com dois. Os capítulos da Parte I apresentam os seguintes
pressupostos teóricos:
no capítulo 1, abordamos os pressupostos da modernidade, enfatizando a pedagogia
crítica, e os da pós-modernidade, elementos estes essenciais para a compreensão das
condições de produção de nosso corpus de pesquisa;
no capítulo 2, refletimos sobre a concepção de sujeito segundo Foucault e sua
interligação com as relações de poder, de poder-saber, de regimes de verdade e seu papel
diante dos mecanismos de vigilância e punição que garantem a governamentalidade;
no capítulo 3, tratamos da questão da identidade e do sujeito na modernidade e na pós-
modernidade, momento em que abordamos, ancoradas em Hall, as noções de sujeito
iluminista, sujeito sociológico e os deslocamentos do sujeito pós-moderno. O fenômeno da
globalização não poderia ser esquecido, pois exerce grande influência neste processo de
modificação da concepção de identidade que vigorou durante vários séculos. Questionamo-
18
nos, também, sobre o quanto este novo olhar sobre as questões de identidade e sujeito
contribuem para a inclusão ou exclusão dos sujeitos neste mundo pós-moderno;
no capítulo 4, reportamo-nos aos três momentos da Análise do Discurso de linha
francesa a fim de que uma diferenciação entre eles seja estabelecida e perceba-se que a
questão do sujeito teve voga no terceiro momento. Apresentamos, então, conceitos, como
discurso, prática discursiva, sujeito discursivo, formação ideológica - que nos auxiliaram na
análise do corpus deste trabalho e a noção de formação discursiva emprestada de Foucault.
Já na Parte II, temos dois capítulos:
o capítulo 1, traz especificamente o macrodiscurso da revista, ou seja, elementos que
nos possibilitam compreender melhor os motivos pelos quais a Pátio revista pedagógica”
foi idealizada da forma como nos é apresentada. Isto envolve as concepções educacionais que
existiam na década de 90 e se elas ainda vigoram no século XXI, por exemplo;
o capítulo 2, por sua vez, apresenta os resultados da análise de seu microdiscurso.
Selecionamos para isso, dentre os diversos textos da Pátio, editoriais, descrição e seções
presentes em números de 1997 a 2007.
A seguir, concentramo-nos em nossas considerações finais nas quais buscamos refletir
e problematizar o sujeito que emerge dos textos da referida revista bem como os regimes de
verdade que nela são veiculados.
Com isso, esperamos que esta pesquisa possa contribuir para uma reflexão a respeito
desta revista pedagógica e de outras que circulam pelas mãos de professores, diretores e
coordenadores de escolas.
19
PARTE I
OS PARADIGMAS TEÓRICOS DA (PÓS) MODERNIDADE:
(DES) CONSTRUINDO O SUJEITO E OS REGIMES DE VERDADE
20
CAPÍTULO 1
MODERNIDADE E PÓS – MODERNIDADE
Nesse mundo contemporâneo, também entendido por alguns como pós-moderno,
vivenciamos situações de instabilidade que têm atingido as nações e as instituições no que se
referem, principalmente, aos valores, às crenças, às verdades, ou seja, as bases dos antigos
paradigmas estão ruindo e dando lugar a novas “verdades”, verdades essas que estão fazendo
emergir novas subjetividades e novas relações interpessoais. Constatamos, após leituras
realizadas, que a emergência de novos paradigmas e, portanto, o advento de novos valores,
tem provocado deslocamentos substanciais nas concepções de sujeito, inclusive no que se
refere às suas ações. Vivemos, como nos afirma Hall (2005), em um mundo das
incorporalidades e da desterritorialização, ou seja, daquilo que não tem existência palpável e
nem localização exata e permanente, já que os meios de comunicação propiciam o deslocar-se
em tempo ínfimo sem que se saia do lugar.
21
Consideramos pertinente abordarmos as complexidades do momento contemporâneo
de modo a darmos conta do contexto macro-discursivo no qual se insere o corpus a ser
analisado. Assim, o objetivo deste capítulo será apontar os pressupostos filosóficos da
modernidade, com destaque para a modernidade crítica, e os da pós-modernidade.
Ao fazermos uma (re)leitura de textos e autores que se debruçaram sobre as questões
da modernidade e da pós–modernidade, vislumbramos um quadro bastante imbricado, pois,
como acontece conosco, sujeitos do mundo contemporâneo ou da (pós)-modernidade
2
, somos
perpassados, instigados por discursos que nos apontam como viver, pensar e agir, discursos
esses que às vezes se complementam, mas muitas vezes se conflitam, que os valores se
deslocam com muita rapidez e se tornam, muitas vezes, fluidos (cf. Bauman, 2005).
Contudo, a tulo de organização, apresentamos, primeiramente, os pressupostos da
modernidade e, em seguida, os pressupostos da pós-modernidade, embora sabendo da
imbricação dos dois paradigmas.
1.1 Modernidade
O que se compreende por modernidade? Pode-se dizer que modernidade e
modernismo são sinônimos no contexto em que iremos nos adentrar?
Segundo Mascia (2003, p.52), pode-se entender “por Modernidade o período de
desenvolvimento histórico que tem origem no Iluminismo do final do século XVIII e que
serviu como fundação para a noção de capitalismo industrial e as atuais noções de Estado”.
Harvey (2005), afirma que o termo moderno possui uma história bastante antiga,
porém o chamado “projeto da modernidade” (Habermas, 1990) vigorou apenas a partir do
século XVIII. A grande questão é, afinal, em que consistia este projeto, resposta que nos é
dada pelo próprio Harvey.
Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço
intelectual dos pensadores
iluministas ‘para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e as leis
universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica interna destas.’(...)
O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos
racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da
religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do
lado sombrio da nossa própria natureza humana. Somente por meio de tal
projeto poderiam as qualidades universais, eternas e imutáveis de toda a
humanidade ser reveladas (p.23).
2
Os parênteses têm a função de acenar que a modernidade e a pós-modernidade se imbricam.
22
Estas colocações nos antecipam o olhar moderno sobre o mundo: aquele que tudo sabe
e controla para que se garanta a universalização de pensamento e compreensão dos que nos
cercam. O pensamento moderno diz utilizar a objetividade em todas as ões, o que iria nos
garantir o afastamento de tudo que pudesse ser relacionado ao irracional, àquilo que não é
explicado de forma lógica. Percebemos, também, que o otimismo toma conta de todas as
instâncias da sociedade. A finalidade disto tudo era promover a compreensão do mundo e do
eu, entretanto, acontecimentos como guerras, campos de concentração, discórdia entre
sujeitos do mesmo país, levam-nos a repensar esta visão de mundo. Será que sua existência
continua garantida?
Certamente que não, pois a permanência da modernidade se ateve ao campo do
desejo, ou seja, houve a vontade de que as pessoas, as instituições, enfim, todas as relações
humanas se dessem a partir dos pressupostos da modernidade. Porém, uma mudança
estrutural bastante diferente de outras que já ocorreram parece ter início no final do século XX
e tem transformado as sociedades modernas a partir de então. Essas transformações têm
alterado e fragmentado as compreensões sobre classe, raça, sexualidade, nacionalidade e
gênero, por exemplo, noções estas que garantiam a nossa sólida localização enquanto sujeitos
situados espacialmente e inseridos historicamente. Esse deslocamento espacial e temporal
contribuiu também para o deslocamento do sujeito enquanto ser centrado, uno e senhor de
todas as situações. Ele passa a não mais reconhecer o sentimento de “pertença”, visto que a
crença em nossas identidades pessoais foram definitivamente abaladas, como nos atesta
Harvey:
Essa visão era incrivelmente otimista. Escritores como Condorcet, observa
Habermas (1990, p.9), estavam possuídos ‘da extravagante expectativa de que
as artes e as ciências iriam promover não somente o controle das forças
naturais como também a compreensão do mundo e do eu, o progresso moral, a
justiça das instituições e até a felicidade dos seres humanos’.
O século XX com seus campos de concentração e esquadrões da morte, seu
militarismo e duas guerras mundiais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua
experiência de Hiroshima e Nagasaki certamente deitou por terra esse
otimismo. Pior ainda, a suspeita de que o projeto do Iluminismo estava
fadado a voltar-se contra si mesmo e transformar a busca da emancipação
humana num sistema de opressão universal em nome da liberdade humana.
(HARVEY, 2005, p.23)
23
A modernidade está alicerçada em pressupostos que ainda vigoram nos campos das
ciências, como a crença na objetividade e no racionalismo para tornar a sociedade mais
harmoniosa e igualitária; a utilização de metanarrativas as quais, conforme as palavras de
Kechikian (1993, p.47) “são discursos legitimadores do poder e do saber, que ao contrário dos
mitos, não buscam o princípio de sua legitimação num acto original ‘fundador’, mas
constituem-se antes em projectos escatológicos de realização histórica.” São elas que
garantem inclusive as identidades pelas quais os sujeitos são reconhecidos entre os seus.
Segundo Lyotard (1989, p.2), “as metanarrativas também se vinculam aos discursos
legitimadores e aos jogos de linguagem baseados em um contrato explícito ou não entre os
jogadores“. Isso garante a existência de um olhar único sobre o mundo, as situações e os
outros. Como afirma Harvey (1999, p.207),“ a hegemonia ideológica e política em toda
sociedade depende da capacidade de controlar o contexto material da experiência pessoal e
social”. Eis aí a função das metanarrativas.
É importante mencionarmos as modificações sofridas na área pedagógica com a
implantação da sociedade industrial, pois, com a necessidade de se formar mão-de-obra, cada
vez mais especializada, ocorre uma democratização da Educação, de onde a emergência de
decretos e leis que visam incluir todos os sujeitos no sistema educacional, de modo a
administrá-los e torná-los produtivos (cf. Foucault, 2002).
Também as noções de espaço e de tempo são importantes nesta concepção de mundo.
Elas garantem que o sujeito se sinta seguro por ser aquele que controla todas as situações.
Essa segurança, por sua vez, gera a ânsia, às vezes, incontrolável de buscarmos a origem de
todas as coisas, pois isto nos garantiria a “verdade” e, conseqüentemente, seríamos
identificados como seus donos, uma das formas de controle sobre os demais. Foucault (2002)
afirma que na origem das coisas muito mais do que a preservação da identidade desta mesma
origem, a discórdia. O autor compreende o próprio corpo humano como subjugado às leis
de sua fisiologia e estreitamente ligado à história. Em outras palavras, esse corpo é constituído
por uma série de regimes, tem ritmos variados que lhe são impostos trabalho, descanso,
momentos de maior prazer ou desgosto -, diversos são os venenos que o atingem, como
alimentos, idéias, valores morais e ele, o corpo, acaba por criar resistências para conseguir
sobreviver. Com isso, o autor alerta-nos para o fato de que, situar-se historicamente,
costumeiramente entendido como reconhecer-se pertencente a um tempo e a um espaço, não
nos garante a fixidez das estruturas e das relações apregoadas pela modernidade.
Foucault (op. cit., p.27) assevera que
24
A história ‘efetiva’ se distingue daquela dos historiadores pelo fato de que ela
não se apóia em nenhuma constância: nada no homem nem mesmo seu
corpo – é bastante fixo para compreender outros homens e se reconhecer
neles. Tudo em que o homem se apóia para se voltar em direção à história e
apreendê-la em sua totalidade, tudo o que permite retraçá-la como um paciente
em movimento contínuo: trata-se de destruir sistematicamente tudo isto. (...)
Saber, mesmo na ordem histórica, não significa “reencontrar” e, sobretudo não
significa “reencontrar-nos”. A história será “efetiva” na medida em que ela
reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser.
Foucault consegue abalar a crença vigente na modernidade de solidez das instituições
e das relações bem como a concepção de que existe um movimento contínuo que garante a
existência do ser. Harvey (2005, p.190), por sua vez, chama a atenção a respeito da
importância para o homem que vive a modernidade das noções de tempo e espaço ao proferir
as seguintes palavras: ”o modo como representamos o espaço e o tempo na teoria importa,
visto afetar a maneira como nós e os outros interpretamos e agimos com relação ao mundo”.
Qualquer um de nós deve ter ouvido ou dito que “há um lugar e um tempo para
tudo”. Esta máxima que ainda domina o senso comum resume a situação vivenciada na
modernidade: a atribuição de “sentidos sociais aos espaços e tempos” (HARVEY, 1999,
p.198).
Hall (apud HARVEY, 1999, p.198) nos garante que este tipo de fenômeno pode ser
considerado a base de muitos conflitos interculturais, pois grupos diferentes utilizam o tempo
e o espaço de maneiras bastante distintas. Sendo assim, as relações interpessoais, entre
atividades, coisas e conceitos podem ser definidas pela organização espacial. Concluímos,
então, que todo processo de transformação da sociedade precisa compreender a complexa
estrutura de transformação das concepções de tempo e de espaço. Isto é um dos fatores que
nos mostra a passagem da modernidade para a pós-modernidade.
Em parágrafo anterior, fizemo-nos uma outra questão: serão modernidade e
modernismo sinônimos?
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p.1941), em uma de suas
acepções, encontramos modernismo como sendo
2.designação genérica de vários movimentos artísticos e literários (cubismo,
dadaísmo etc), surgidos no fim do s. XIX e no XX, que buscaram examinar e
desconstruir os sistemas estéticos da arte tradicional.[No Brasil, o movimento
iniciado com a Semana de Arte Moderna (1922) refletiu-se na busca de meios
de expressão autenticamente brasileiros, fugindo dos tradicionais modelos
europeus.]
25
Isto nos esclarece a diferença de sentido entre os termos, pois modernidade faz
referência a um pensamento instaurado cujas concepções estão ligadas à objetividade, à razão,
próprias do século em que teve origem e por isso parece ter um alcance mais abrangente. Ela
é caracterizada pela busca da verdade unificadora e que pressupostamente proporcionaria ao
mundo experiências bastante significativas (USHER & EDWARDS, 1994). modernismo,
diz respeito a um movimento literário, que tem por princípio a necessidade da ruptura com a
arte estrangeira por sentir necessidade de reconhecer na mesma arte o que é seu. Ele promove
o olhar nacional sobre as artes; é a busca e a valorização da identidade nacional.
Mencionamos anteriormente algumas das crenças que nortearam a modernidade,
entretanto, é necessário ainda abordarmos um outro pilar que a sustenta: a identidade
3
.
Segundo Bauman (2005, p.26),
A idéia de “identidade”, e particularmente de “identidade nacional”, não foi
“naturalmente” gestada e incubada na experiência humana, não emergiu dessa
experiência como um “fato da vida” auto-evidente. Essa idéia foi forçada a
entrar na Lebenwelt de homens e mulheres modernos (...). A idéia de
“identidade” nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta
desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a
realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia recriar a realidade à
semelhança da idéia.
Como visto acima, a identidade é algo inventado, portanto não nada de descoberta
nisto como muitos querem que acreditemos. O autor afirma também que convivem em nós
diversas identidades que nos impomos e outras tantas que são acumuladas devido às
circunstâncias. Há algum tempo, o foco da sociologia era outro. Não se pensava na questão da
identidade sendo esta objeto de meditação filosófica
4
.
Sendo as bases da modernidade de uma abrangência bastante grande, com certeza, o
pensamento ocidental foi, por séculos, guiado por ela. Isto nos faz refletir sobre a própria
educação que teve sua origem, se nos pautarmos na cronologia dos fatos históricos, na
modernidade, embora saibamos que modernidade e pós-modernidade caminhem praticamente
juntas. Como entender o mundo e os sujeitos que o compõem se a educação propaga a solidez
das instituições e das relações quando presenciamos o contrário? A sociedade pós-moderna
não compartilha dessas idéias, pois a fluidez a domina: os sujeitos não se reconhecem mais
3
Trataremos do tema identidade ainda na Parte I em nosso capítulo 3.
4
Atualmente, entretanto, o tema identidade assumiu a posição de destaque também na sociologia
.
26
como participantes de grupos sociais definidos mesmo que lutem para que isso aconteça.
Assim as relações interpessoais sofrem transformações bastante significativas que
influenciarão todas as esferas sociais.
É importante mencionarmos as modificações sofridas na área pedagógica com a
implantação da sociedade industrial, pois isto influenciou muito tanto a sociedade da época
quanto a de épocas posteriores.
A seguir, teceremos considerações a respeito da educação, como fruto da
modernidade.
1.1.1 A pedagogia e a sociedade industrial
O advento da sociedade industrial contribuiu para que o processo de redirecionamento
de objetivos e instrumentos da pedagogia ocorresse. Esta mesma pedagogia teve de assumir
uma postura mais laica e apoiar-se cada vez mais no saber científico. À pedagogia são dadas
novas atuações sociais e um modelo de rigor epistemológico que vai da filosofia para a
ciência. Entretanto, isto tudo a une ainda mais àquilo que é chamado de ideologia
5
.
Depois da metade do século XIX, dois modelos ideológicos e epistemologicamente
opostos se contrapõem: um originado a partir do positivismo, o burguês, e o outro inspirado
no socialismo, o proletário.
O embate de classes sociais está no centro da sociedade industrial e esses dois modelos
que surgiram compreendem o conflito das duas classes mencionadas acima, em função dos
diferentes valores.
Segundo Cambi (1999, p.466),
O positivismo exalta a ciência e a cnica, a ordem burguesa da sociedade e
seus mitos (o progresso em primeiro lugar), nutre-se de mentalidade laica e
valoriza os saberes experimentais: é a ideologia de uma classe produtiva na
época do seu triunfo, que sanciona seu domínio e fortalece sua visão do
mundo. O socialismo é a posição teórica (científica) da classe antagonista, que
remete aos valores ‘negados’ pela ideologia burguesa (a solidariedade e a
igualdade, a participação popular no governo da sociedade) e delineia
5
Segundo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p.1565), ideologia pode significar sistema de idéias
interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão,as quais refletem,
racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos,
políticos ou econômicos.
27
estratégias de conquista do poder que insistem sobre as contradições
insanáveis da sociedade burguesa ‘sem classes’. Também a pedagogia se
caracteriza segundo estes dois modelos, elaborando perfis diversos de
educação escolar, familiar, social e diversos ideais de homem, de cultura, de
formação, que sobretudo na segunda metade do século vão alimentar o
debate e a pesquisa pedagógica em âmbito internacional.
Os modelos mencionados anteriormente se contrapõem quanto à forma, mas ambos
aceitam e defendem os princípios da cientificidade, advento da modernidade. Percebe-se,
portanto, que com a expansão da revolução industrial, as idéias constitutivas do positivismo
ganharam força e o que nos impressiona é que as percebemos ainda em nossos dias se
verificarmos, por exemplo, como é compreendida a questão do progresso nas mais diversas
áreas cuja exigência basilar é a presença da ordem. Sem a existência da ordem, o progresso,
que é concebido como algo linear, crescente, fica totalmente prejudicado e isto claramente se
refletido também no âmbito educacional em que ordem, progresso e liberdade
proporcionados pela educação são palavras proclamadas constantemente tanto pelo corpo
docente quanto pelo discente. Verificamos estas idéias na história da humanidade se nos
detivermos sobre os chamados “progressos da civilização”. Esses progressos foram garantidos
pela atuação monitorada da espécie humana. Leis escritas ou incorporadas pelas civilizações
implementaram este policiamento, tornando possível a existência de progressos ininterruptos.
Podemos dizer, então, que a elaboração de leis que assegurem a ordem e a organização
humana contribuiu para o desenvolvimento dos progressos da civilização.
Assim pensamos no projeto da modernidade que está profundamente entrelaçado à
educação; a crença da modernidade é que o progresso em todas as áreas livrará as pessoas de
seu estado de ignorância assegurado pela ausência da educação formal. Acredita-se que, por
meio da educação, serão formados cidadãos instruídos e capazes de comandar o próprio
destino. Para os socialistas utópicos, na primeira metade do culo XIX, a nova sociedade
precisa de um novo homem, possuidor de concepções igualitárias e opostas ao olhar
individualista apregoado em outros momentos na história da humanidade.
A pedagogia do século XX é voltada para os problemas mundiais, para as práticas
educativas e as teorizações pedagógicas elaboradas em áreas não-européias e, portanto, com
características culturais e condições sociais, políticas e econômicas bastante diferentes das dos
países ocidentais chamados mais adiantados (CAMBI, 1999, p. 587).
28
Sabe-se que houve uma radical mudança nos problemas da educação/pedagogia,
provocando o surgimento de novos modelos educacionais e novos horizontes de teorização
pedagógica no século XX.
Percebe-se um crescimento na capacidade de se tecer criticamente comparações entre
modelos pedagógicos da Europa e de outros lugares do mundo. Muitos dos homens e
mulheres excluídos desde sempre da cultura entraram em contato com o alfabeto, com o
conhecimento organizado, com processos exigidos pela sociedade para uma comunicação
mais eficiente e objetiva, como a análise e a argumentação racional. Deve-se ter em mente
que não a escola, mas também outras vias informais de educação (em particular com
referência aos adultos) é que tornaram possível e incrementaram essa separação (CAMBI,
1999).
A autonomia necessária ao pensamento pedagógico, no Brasil, tem início com o
desenvolvimento das teorias da Escola Nova. Praticamente até o final do século XIX, o
pensamento pedagógico nacional reproduzia o pensamento religioso medieval. Como nos
relata Gadotti (2005, p.230): “Foi graças ao pensamento iluminista trazido da Europa por
intelectuais e estudantes de formação laica, positivista, liberal, que a teoria da educação
brasileira pôde dar alguns passos, embora tímidos”.
Várias foram as correntes históricas e os pensadores da educação que tentaram
implantar caminhos inovadores no campo pedagógico, mas com o pensamento pedagógico
progressista é que se propagam as idéias da transformação radical da sociedade e do papel
primordial da educação nesta transformação. As reflexões de Paschoal Lemme, Álvaro Vieira
Pinto e Paulo Freire contribuíram para a discussão efetiva das questões acima mencionadas.
Embora Paulo Freire tenha contribuído de maneira efetiva, no campo da alfabetização
de jovens e adultos, sua teoria pedagógica abarca outros aspectos, dentre os quais citamos a
pesquisa participante e os métodos de ensinar. O objetivo final de seu método é a
conscientização. No Simpósio Internacional para a Alfabetização em Persépolis, Irã, em 1975,
Freire exemplifica a conscientização tão almejada por meio de seu método, dizendo:
Se
revolucionária é sua opção, o fundamental na alfabetização de adultos é que o alfabetizando
descubra que o importante mesmo não é ler estórias alienadas e alienantes, mas fazer história
e por ela ser feito” (In: GADOTTI, 2005, p. 254).
Paulo Freire é considerado um dos maiores educadores do século XX e por isso
consideramos oportuno apontar, sucintamente, sua contribuição para o pensamento
pedagógico. Destacamos sua contribuição à teoria dialética do conhecimento, para a qual a
maneira mais eficiente de refletir é pensar a prática e retornar a ela para transformá-la e
29
também a categoria pedagógica da “conscientização” que almeja a formação da autonomia
intelectual do cidadão para intervir sobre a realidade. Este processo, para Freire, se através
da educação, o que nos revela que ela não é neutra, como muitos já nos fizeram crer, é sim um
ato político.
Gadotti (op.cit., p. 238), no excerto abaixo, nos mostra qual o ponto crucial da
educação progressista, que compreende a escola como instituição totalmente comprometida
com a formação crítica dos sujeitos que por ela passam, também nos alerta para a existência
de diversas correntes cujas posições políticas e filosóficas divergem quanto ao papel da escola
neste tipo de educação. Vejamos:
Os educadores e teóricos da educação progressista defendem o envolvimento
da escola na formação de um cidadão crítico e participante da mudança social.
Também aqui, segundo diversas posições políticas e filosóficas, encontramos
correntes que defendem diferentes papéis para a escola: para uns a formação
da consciência crítica passa pela assimilação do saber elaborado; para outros o
saber técnico-científico deve ter por horizonte o compromisso político. Uns
combatem mais a burocracia escolar e outros a deterioração da educação
escolar. Uns defendem mais a direção escolar e outros a autogestão
pedagógica. Uns defendem maior autonomia de cada escola e outros maior
intervenção do Estado.
A educação progressista tem como pano de fundo, o que foi explanado, a
teoria progressista que está atrelada à teoria crítica, pois em ambas existe a necessidade da
conscientização do cidadão para a vida em sociedade. Os simpatizantes da educação
progressista vêem nela a solução para a transformação social; a partir dela é que cidadãos
participantes e críticos, inconformados com a sociedade de que fazem parte, surgirão. É este
contexto que, nestas últimas décadas, tem garantido à pedagogia crítica, inserida na segunda
vertente da modernidade, os títulos de nova sociologia da educação, teoria crítica da
educação.
A promessa da emancipação política do cidadão é um de seus pilares que tem por
pressuposto o sujeito cartesiano, sujeito da razão e do controle do seu dizer. É desta pedagogia
que trataremos a seguir.
1.1.2 A pedagogia crítica
30
A pedagogia crítica tem como nomes fundacionais Max Horkheimer, Theodor Adorno
e Herbert Marcuse. Suas raízes encontram-se na teoria social crítica, uma tradição teórica
desenvolvida a partir da Escola de Frankfurt.
A teoria social crítica tem seus olhos voltados especialmente para questões de poder e
de justiça e de que forma todas as áreas que constituem a sociedade interagem para elaborar
um sistema social. Ela não aceita o determinismo econômico, porque reconhece as mais
variadas formas de poder e fatores econômicos sempre atrelados a outras formas de opressão.
Santos (2002, p.9) aponta outras características da pedagogia crítica que devem ser
ressaltadas para uma compreensão mais precisa desta vertente pedagógica. Assim, a autora,
(...) visualiza a racionalidade instrumental/tecnológica como uma das
características mais opressivas da sociedade contemporânea: mais interessada
em métodos e eficiência que em propósitos. Aprecia a psicoanálise pós-
estruturalista porque permite discernir os processos inconscientes que criam
resistência a mudanças e induzem a comportamentos auto-destrutivos; o
domínio do psíquico e sócio-político tornam-se entrelaçados, onde o desejo é
socialmente construído e manipulado por controladores do poder para efeitos
destrutivos e opressores. A partir de tal entendimento, os teóricos críticos
podem auxiliar a mobilizar o desejo para projetos contra-hegemônicos.
A pedagogia crítica se encontra alicerçada nesta teoria que, ao tentar compreender as
mais variadas e complexas formas de poder dominar as consciências, nutre-se de um outro
olhar sobre o objeto do poder: o poder é visto como elemento básico modelador das naturezas,
opressiva e produtiva da tradição humana.
A preocupação primeira da pedagogia crítica é a questão do poder no âmbito escolar e
na sociedade. Ela quer ter claro a que interesses e como são produzidos e disseminados tanto
o conhecimento quanto as formações culturais, que atuam como meios de legitimação de
formas hegemônicas do poder. Tem por objetivo incentivar nos cidadãos sua capacidade
crítica de forma que consigam criar formas de resistências aos efeitos de poder. É vista como
uma reação de educadores, os quais inconformados com a passividade das pessoas, em geral,
questionam como a cultura é adquirida, transmitida e propagada, qual o papel desempenhado
pela cultura na formação do senso comum, a forma como os sistemas de crença e opinião são
internalizados a ponto de moldar as aspirações e sonhos de grupos e indivíduos (MCLAREN,
1997).
A pedagogia crítica vai além do reconhecimento da injustiça, pois busca caminhos
outros que possibilitam a mudança por meio da solidariedade.
31
A década de 60 foi marcada por manifestações estudantis, culturais, políticas que
questionaram ideologias, instituições, os saberes e os lugares nos quais eles eram criados e
aprendidos. Por séculos, as escolas e as universidades eram os únicos lugares possíveis para
isto, o que não acontece mais nos dias atuais. Com estas manifestações, busca-se uma
renovação total da sociedade, o que provoca o surgimento, na Europa, de propostas
educacionais inovadoras . Segundo Cambi,
Era um modo radicalmente crítico que tendia a reconduzir as intervenções
educativas e as teorizações pedagógicas à matriz da ideologia (entendida,
marxistamente, como falso pensamento, guiado por interesses de classe e por
intenções de hegemonia sociopolítica, portanto não-neutro nem mesmo onde
se define científico e que oculta, vela a realidade, mais do que faz
reconhecê-la, ainda que seja uma forma de pensamento historicamente
necessária, não eliminável, numa sociedade dividida em classes). Assim, a
pedagogia e a escola são lugares um teórico, outro, prático em que a
ideologia se reproduz, se legitima e se programa na sua expansão ou, de fato,
se estende na consciência individual e social. (1999, p. 619)
Em 1968, os temas mais significativos nas discussões sobre educação foram a crítica à
ideologia escolar e à ideologia pedagógica. Várias pesquisas teóricas e históricas foram
desenvolvidas com objetivos diversos, entretanto, todas tinham em seu cerne a busca da
impressão de um olhar crítico sobre a instituição escolar.
Cambi (1999, p. 620) nos relata a identidade ambígua da própria escola que começa a
emergir e a ser questionada graças aos trabalhos realizados.
(...) ora dedicada a “formar consciências” mais livres, mais cultas, mais
capazes de emancipar-se dos condicionamentos sociais, ora, pelo contrário, a
conformar os sujeitos a regras sociais precisas, a idéias e ideais coletivos, a
concepções do mundo definidas e a serem assumidas como meta da
formação individual.
A própria pedagogia é desmontada. Vislumbramos, então, nela a presença de mitos,
ideologias, condicionamentos. Graças a este clima de revisão, de reavaliação radical, modelos
alternativos encontraram espaço para se firmarem. Eles tinham como objetivo romper com
práticas escolar-educativas tradicionais, conformistas, dando lugar a “processos de formação
mais abertos e capazes de dar vida a sujeitos mais criativos, mais independentes, orientados
também para a discordância” (op. cit, p. 620-621).
32
Vários são os teóricos que buscaram desenvolver trabalhos cuja meta era a concepção
de uma pedagogia crítico-social. Teóricos como Illich, Freire ou Paul Goodman e Everett
Reimer pregavam a desescolarização, isto é, para que as gerações jovens e a aprendizagem
sejam afastadas da ideologia do poder, faz-se necessária a desescolarização da sociedade. Isto
possibilitaria ao jovem maior independência e o treino para compreender o “sentido da
descoberta” (op.cit., p. 622). O principal, naquele momento, para a instituição escolar é a
formação humana e social do homem a fim de que conviva bem com seus semelhantes.
Confirmamos isto nas palavras de Cambi sobre Paulo Freire e sua obra.
O livro A pedagogia do oprimido (1968) coloca-se do lado dos pobres, dos
últimos ativando processos de aprendizagem que vão muito além da simples
alfabetização, para realizar uma “conscientização”; esta se desenvolve como
reconquista da linguagem, capacidade de tomar a palavra, análise dos
significados e sua recolocação histórica e social, de modo a produzir a
emancipação das consciências das classes mais deserdadas e elevá-las a uma
participação na vida civil, até mesmo a uma reapropriação desta última. (op
cit, p. 622)
Percebe-se na pedagogia da desescolarização um forte apelo político, além de
profético. Nela existe o radicalismo que se destina à recuperação daqueles grupos sociais à
margem da sociedade e que se fortalece em seu empenho utópico e revolucionário. Eis a
pedagogia crítica. Santos (2002, pp.10-11), tendo como pano de fundo os dizeres de Giroux,
reafirma a idéia de que mais do que uma linguagem crítica, é necessário construir um discurso
de possibilidade que questione os sistemas existentes em nossa sociedade, que modifique
instituições, relações opressivas e ideologias. Um novo tipo de solidariedade deve surgir, que
leve em consideração as nossas diferenças no momento da construção de uma base de luta
pela justiça social, econômica e cultural.
A título de conclusão sobre 1968, podemos afirmar que este ano abrigou um grande
movimento no campo educativo, escolar e pedagógico que encampou praticamente todas as
áreas culturais e recaiu sobre a identidade da pedagogia. Três dimensões foram as mais
atingidas. A primeira resgatou para a pedagogia sua fundamental politicidade, já que o educar
(além de outras) é uma atividade social relacionada a concepções de mundo, valores, etc... A
pedagogia é um saber que também é político. Por isso, a necessidade de que esteja sintonizada
a grupos sociais mais progressistas cuja proposta de trabalho seja a emancipação de todos os
homens. A segunda nos alerta para o fato da necessidade de se rever criticamente a pedagogia
33
em sua tradição a fim de se reconhecer seus equívocos, contradições e condicionamentos.
Assim, o fazer e o pensar a educação serão realizados de forma mais consciente e crítica. A
terceira dimensão envolve a busca de novos modelos formativos que garantam uma condição
de vida tanto individual quanto social marcada pelo sentido “libertário, antiautoritário, erótico
e criativo, que se colocam numa trajetória explicitamente utópica”.(CAMBI, 1999, p.625)
Percebe-se, então, que o sujeito da pedagogia crítica, a qual está dentro da teoria
crítica da modernidade, é o sujeito do Iluminismo, aquele que acredita ter o poder de
comandar seus atos e os atos daqueles que o cercam, portanto, um sujeito transformador.
Peter McLaren é um dos nomes de destaque dentro da teoria crítica atualmente. Ele
defende as idéias centrais dessa teoria e insiste na necessidade de adequá-la ao novo momento
histórico-social vivido por todos. Será produtivo, então, se propagar os pressupostos desta
teoria se o sujeito existente atualmente não é mais aquele que acompanhou o nascimento da
educação ocidental? McLaren defende a necessidade da transformação das situações, mas
conclama a uma reflexão mais cuidadosa em como torná-la possível.
Reiteramos, neste momento, a idéia de que modernidade e pós-modernidade não
surgiram simultaneamente, porém, têm coexistido certo tempo. Nós, sujeitos perpassados
tanto pela modernidade quanto pela pós-modernidade, vemo-nos, muitas vezes, perdidos
diante dos acontecimentos de nosso cotidiano.
A seguir, explanamos a respeito do que é denominada pós-modernidade, suas possíveis
definições e características a fim de explorar alguns de seus pontos relevantes.
1.2 Pós-modernidade
Uma das peculiaridades da pós-modernidade é o fato de ser algo bastante difícil de ser
definido. Diversos autores se prendem aos aspectos que se opõem à modernidade para
finalizar suas colocações com uma definição em aberto. Dentre eles, temos Usher e Edwards
(1994) que explicam esta dificuldade pelo fato de a pós-modernidade não ser vista como um
movimento unificado e Lyotard (1989) que a define pela negativa quando afirma ser a
descrença nas metanarrativas
6
que vigoraram na modernidade. Autores como Lovlie (1992)
enxergam a pós-modernidade como um termo bastante amplo, mas que imprime uma posição
diversa da existente na modernidade. Couzens Hoy (1988) chama a nossa atenção para o
6
Metanarrativas são verdades propagadas pelos intelectuais universais com a finalidade de garantir a hegemonia
ideológica e política em toda a sociedade do grupo que se encontra no poder (cf. 1.1 Modernidade).
34
prefixo “pós” que se contrapõe à modernidade, mas, ao mesmo tempo, a inclui ao participar
da criação do termo pós-modernidade.
Conforme Usher e Edwards (1994) nos alertam, este termo é semelhante a um guarda-
chuva, porque sob ele existem as mais variadas tendências, o que reafirma a dificuldade
anteriormente mencionada. Como compreendê-lo, então?
A pós-modernidade traz consigo algumas concepções de mundo e do próprio eu
bastante diferentes das apregoadas pela modernidade. Vemos a incerteza presente em todos os
setores da vida contemporânea, algo inconcebível anos atrás; autores atacam as
metanarrativas, pois, segundo eles, elas seriam a garantia da dominação e da subjugação dos
povos. As pessoas se vêem obrigadas a pertencer a algum grupo, pois existe o fantasma da
exclusão, ou seja, a ausência de identidade na pós-modernidade. Portanto, há a necessidade da
aparente naturalidade do pertencimento, que de natural não tem nada.
Também reconhecemos que a fluidez presente nos relacionamentos apresenta-se mais
generalizada. Neste momento em que os relacionamentos se parecem com líquidos que
escorrem por entre os vãos de nossos dedos, tudo é muito frágil e fácil de ser rompido como
nos mostra Bauman (2005, p.18-9) com as seguintes palavras:
(...) “Em nossa época líquido-
moderna
7
, o mundo em nossa volta está repartido em fragmentos mal coordenados, enquanto
as nossas existências individuais são fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente
conectados”.
Para Bauman (2005), definido como um sociólogo eclético, a todo acontecimento
deve-se estabelecer ligações com fenômenos sociais, embora possam parecer bastante
distantes do objeto de estudo inicial. É preciso refletir a respeito, tecer comentários, não tirar
conclusões apressadas. O autor faz a seguinte afirmação (1999, p.8): “ser local num mundo
globalizado é sinal de privação e degradação social”. Como entender isto? Bauman nos diz
que o sujeito que quiser viver atualmente como se vivia anos corre o risco de ser deixado à
margem, pois no mundo pós-moderno tem vez aquele que compreende a fluidez como algo
inevitável e positivo. Ninguém se sente preso a mais nada e todos devem enxergar o mundo
com olhos de homens do mundo e não de um local definido e com aquele sentimento bairrista
que domina a muitos ainda.
A pós-modernidade descreve um mundo onde as pessoas têm que fazer seu caminho
sem referências fixas. É um mundo de mudanças rápidas, de instabilidade desorientadora, em
7
Bauman (2005) denomina a pós-modernidade como sendo a época líquido-moderna, ou seja, a época em que a
fragilidade, a fluidez dos relacionamentos é bastante grande e, por isso, opta-se pela quantidade de
relacionamentos em detrimento de sua qualidade.
35
que o conhecimento é constantemente mudado sem sua tradicional fixidez no fundamento do
conhecimento e na convicção do inevitável progresso humano (USHER & EDWARDS,
1994). Percebemos, também, a ruptura da crença na ciência e na racionalidade que dominava
o pensamento da modernidade. Na pós-modernidade, a rejeição do pensamento universal e
existe uma crescente consciência do significado da língua, do discurso e da não localização
sócio-cultural. Por isso, sentimos de forma crescente a virtualização de instituições, por
exemplo, que não possuem mais endereço fixo. Ou seja, o espaço e o tempo o
compreendidos e incorporados pelos sujeitos de forma bastante diversa da modernidade.
A título de conclusão sobre as questões que envolvem a pós-modernidade, temos o
seguinte comentário de Eckert-Hoff (2008, p.39),
Falar em pós-modernidade, portanto, implica designar algo que não é fixo e
não pode ser sistematizado, que não se trata de uma filiação a um modelo
acabado e fechado; trata-se, sempre e inevitavelmente, de uma contradição,
uma descontinuidade, um curto-circuito de sentidos, o que implica um
deslocamento com relação à racionalidade da ciência moderna e com relação
às verdades instauradas na cultura ocidental.
Este momento vivenciado por todos nós é marcado pela visão de um mundo plural e
irredutível. Há o descentramento do conhecimento e do próprio sujeito. Aquela unidade,
apregoada pela modernidade é substituída por uma subjetividade constituída multiplamente,
ou seja, ela se constrói pela aquisição de múltiplos significados. É, talvez, esta multiplicidade
de possibilidades que caracterize a perspectiva pós-moderna. Da mesma forma, a
fragmentação atinge a educação cuja teoria e prática ainda estão enraizadas na modernidade.
Entendemos, portanto, que a pós-modernidade problematiza a modernidade crítica, no sentido
de que esta, também, propõe modelos. Estes trazem em si a idéia de algo tão bom, segundo os
critérios daqueles que os analisam, que devem ser seguidos. Eis a contradição: o sujeito
crítico não segue modelos pré-estabelecidos, pois foi orientado para duvidar, questionar o que
lhe for apresentado acabado, pronto sem que ele tenha tido participação em seu processo de
criação e execução. Na realidade não é isso que acontece que este sujeito denominado
crítico busca modelos como qualquer outro sujeito.
Todas estas constatações nos fazem refletir sobre nosso objeto de pesquisa Pátio
revista pedagógica” – e sobre a problemática a que nos propusemos pesquisar: Em que
medida a Pátio revista pedagógica” instaura “novos regimes” de verdade com relação aos
36
pressupostos filosóficos educacionais? Que concepção de sujeito emerge dos discursos dessa
revista?
Também nos vimos reportados à hipótese sobre o corpus de nossa pesquisa: a
predominância de uma vertente ideológica em vez de várias na revista, o que contribui para o
reconhecimento de “regimes de verdade” que dominam o âmbito educacional em um
determinado período.
Retomaremos estas questões nos próximos capítulos de nosso trabalho. No capítulo 2,
especificamente, trataremos da noção de sujeito e de sua relação com a questão do poder, do
saber e dos regimes de verdade, a partir de Foucault.
CAPÍTULO 2
O SUJEITO EM FOUCAULT
Este segundo capítulo tem por objetivo levantar, a partir de leituras de Foucault, a
noção de sujeito atrelando-o aos conceitos de saber, poder e regimes de verdade. Entendemos
que as teorizações de Foucault coadunam com os pressupostos da pós-modernidade, enquanto
desestabilizações das verdades tidas como naturais.
37
O próprio autor resumiu sua obra como sendo a construção dos sujeitos, ou seja, das
subjetivações dos indivíduos na sociedade ocidental (cf. Foucault, 2002), remetendo-os a
outros conceitos também problematizados por ele, como: a relação do sujeito com o poder, o
saber, os regimes de verdade e os mecanismos de vigilância e de punição, concepções essas
que permeiam a análise de nosso corpus de pesquisa.
2.1 A genealogia e o sujeito contingente
Foucault tece críticas a áreas como a fenomenologia, o positivismo e o marxismo, por
entender a noção de sujeito associada à história, portanto, não enxerga o sujeito como um ser
livre e universal. Para Foucault (2002a), o sujeito se constitui graças aos acontecimentos
discursivos, práticos e epistêmicos.
Queria ver como estes problemas de constituição podiam ser resolvidos no
interior de uma trama histórica, em vez de remetê-los a um sujeito
constituinte. É preciso se livrar do sujeito constituinte, livrar-se do próprio
sujeito, isto é, chegar a uma análise que possa dar conta da constituição do
sujeito na trama histórica. (p. 7)
Este pensador afirma que o sujeito é uma construção, o efeito de uma época e não a
origem como muitos antes dele acreditavam. nele a oposição entre sujeito contingente e
sujeito agente; para o autor, a genealogia está atrelada à contingência, algo incontrolável,
fruto do momento histórico-social e a história, à agência, pois o historiador deve invocar a
objetividade, a exatidão dos fatos, o passado inabalável.
Foucault (2006, p.27) nos explica o que quer dizer com genealogia.
(...) uma forma de história que dê conta da constituição dos saberes, dos
discursos, dos domínios de objeto, etc..., sem ter que se referir a um sujeito,
seja ele transcendente com relação ao campo de acontecimentos, seja
perseguindo sua identidade ao longo da história.
A genealogia desconsidera, portanto, o “sujeito agente”, assim não um dono da
ação; não há a idéia de causa e efeito como sugerido pela história relatada pelos historiadores.
A idéia contida na genealogia para Foucault é a de que existem outros fatores além do próprio
38
sujeito que determinam os acontecimentos, as atitudes ou o próprio comportamento deste
mesmo sujeito.
Segundo Fonseca-Silva (2004, p.28), em suas obras, Foucault elabora um projeto
constituído
da tentativa de fazer uma arqueogenealogia do sujeito, dividindo em três
domínios: 1) o sujeito em sua relação com a verdade e conhecimento e saber;
2) o sujeito em sua relação com a força e a ão sobre os outros, ou seja, com
o poder; 3) o sujeito em sua relação com a ética e agentes morais.
O sujeito para Foucault está atrelado ao poder elemento presente em todas as
nossas relações, desmistificando a idéia de que se encontra apenas nas instâncias superiores;
ele penetra em toda trama social, gerando um conjunto de micro poderes em nosso dia-a-dia –
e ao saber visto pelo autor extremamente ligado ao poder, pois um depende do outro para
garantir sua existência e permanência –, bem como à ética e aos agentes morais o que nos
remete ao questionamento destas noções nos próximos itens deste capítulo.
2.2 Sujeito e poder
Pensar que em Foucault exista uma teoria geral do poder é pensar de maneira
equivocada. É impossível afirmar que exista um único poder possuidor de características
universais. Este autor não acredita que alguma teoria possa ser permanente, por isso afirma
que o que existe são formas em constante transformação, ou seja, o poder é uma prática social
que é constituída historicamente. Isto nos leva a compreender a microfísica do poder
tanto (como) um deslocamento do espaço da análise quanto do nível em que
esta se efetua. Dois aspectos intimamente ligados, na medida em que a
consideração do poder em suas extremidades, a atenção a suas formas locais, a
seus últimos lineamentos tem como correlato a investigação dos
procedimentos técnicos de poder que realizam um controle detalhado,
minucioso do corpo gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos.
(2002a, p.XII)
O autor entende poder como “relações ou práticas” que se sucedem sob determinadas
condições históricas geradoras de múltiplos efeitos. É a relação entre sujeitos, não localizada
39
em lugar algum, que parece “escapar” por entre os dedos. Essas relações se dão na
microestrutura e a reação a elas também.
Ao tratar da microestrutura, Foucault distingue o intelectual universal do específico, já
que são eles, em momentos distintos, que contribuirão para a propagação ou não das
metanarrativas (cf. capítulo 1 – 1.1 Modernidade).
Descreve o primeiro como sendo aquele que tem a competência e o poder para impor
valores e padrões de comportamento para um grupo social ou mesmo para uma determinada
comunidade. O intelectual universal tem grande destaque na modernidade por se utilizar da
forma narrativa, ou melhor, das metanarrativas para a difusão dos aspectos universais, básicos
da vida humana, o que, em contrapartida, contribui para a banalização do particular, (d) o
idiossincrático e (d)o culturalmente determinado”(PIGNATELLI,1994,p.132). É-nos sugerido
que, por meio das metanarrativas, a autenticidade e a libertação de se conseguir chegar a
algum ponto distante do poder, da ideologia e do próprio discurso seja algo possível. Idéia
com a qual Foucault não compartilha.
Com o advento da pós-modernidade, as metanarrativas vêm perdendo sua força e
espaço, dando voz ao intelectual específico o qual deixou a imagem do detentor de todo saber
e autoridade para assumir a imagem daquele que deve atuar como o que problematiza, reflete,
questiona o que vive, o meio em que está, o porquê das coisas se apresentarem do jeito que se
apresentam.
Tal concepção difere da do marxismo que entende as relações de poder na
macroestrutura: dominantes e dominados. O papel do intelectual universal, sob este ponto de
vista, é levar à classe operária a consciência dessa dominação para que alguma reação surja. A
ideologia
8
tem função primordial nesse contexto, pois garante a ocultação do poder, das
dominações. Espera-se que o sujeito conscientizado consiga enxergar essa situação e reagir
contra ela. Estamos diante de algumas das idéias centrais da pedagogia crítica, inserida na
segunda vertente da modernidade, que, na voz de Paulo Freire, defende a figura do sujeito
cartesiano, aquele com a capacidade de transformar-se e aos que o rodeiam. A educação,
segundo esta concepção, tem papel fundamental, pois possibilitará a libertação dos que se
encontram presos e subjugados ao poder que oprime. Trata-se de uma concepção muito forte
no meio educacional, haja vista que a educação nasce na modernidade, conforme explicações
dadas no capítulo 1 desta dissertação. Esta concepção está calcada naquilo que Pignatelli
(1994, p.132) denomina “retórica da libertação”.
8
Em Foucault não encontraremos o termo ideologia, mas sim relações de poder-saber, que instauram os
regimes, os mecanismos, os maquinários de verdade (2002a).
40
Segundo Mascia (2003, p. 61), esse é o paradigma modernista dominante no mundo
ocidental, isto é, aquele que
o saber como uma força distinta e contrária ao poder, entendido este como
negativo, opressivo, fonte de coerção e controle ilegítimo, enfim,
pressupostamente oposto ao saber que, por sua vez, operaria como uma
categoria de libertação do poder.
Acreditava-se, então, que o Estado fosse o responsável pelas mudanças de poder,
porém, com Foucault, é-nos apresentada uma nova característica dessa concepção: a rede de
poderes que impera em uma sociedade dificilmente desaparecerá se o Estado desaparecer.
Sendo assim, depois de incorporado, o poder tem a capacidade de sobreviver mesmo sem a
figura do Estado.
O autor nos instiga a fazer com ele a análise descendente e ascendente sobre o poder.
No primeiro percurso, temos a dedução do poder a partir do Estado e tenta-se verificar até
onde se instala e de que maneira ele se reproduz nos menores elementos e nos escalões mais
baixos. Já
(...)
A análise ascendente que Foucault não propõe, mas realiza, estuda o
poder não como uma dominação global e centralizada que se pluraliza, se
difunde e repercute nos outros setores da vida social de modo homogêneo,
mas como tendo uma existência própria e formas específicas ao nível mais
elementar (2002a, p. XIV).
Desse modo, Foucault nos mostra que o poder não existe, o que existe são relações ou
práticas de poder e que nossa participação nesse processo também é inevitável.
Qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder, teia que se
alastra por toda a sociedade e a que ninguém pode escapar: ele está sempre
presente e se exerce como uma multiplicidade de relações de forças (2002a, p.
XIV).
O autor nos mostra que as relações de poder são isentas de uma localização exata; não
ocorrem ao nível do direito, nem da violência; não são contratuais nem apenas repressivas.
Geralmente associamos o poder a algo negativo, que tolhe nossos atos, aspectos esses
refutados por Foucault que garante que o domínio capitalista se deu não porque tenha usado
41
da força, da repressão exclusivamente. Com o estudo dos micro-poderes, ele nos faz enxergar
além dos aspectos negativos já neles incorporados. Assim, Foucault nos ajuda a reverter a
retórica modernista ao instaurar o pressuposto de que todas as relações são políticas e de que
não há discurso sem relações de poder-saber (MASCIA, 2003).
Verificamos a modificação da concepção de poder com o passar do tempo. Foucault
(2006) mostra-nos que, entre os séculos XVI e XVIII, o poder era exercido de forma visível e
violenta, como as execuções em praça pública. Esta punição se manifestava através de um
espetáculo punitivo, o cerimonial da pena. A garantia do controle se dava graças à
visibilidade, em outras palavras, via-se o suplício do corpo como forma de exercer o poder do
soberano sobre seus súditos. Com o processo da industrialização no século XIX, houve a
necessidade de se encontrar outras maneiras de se garantir o controle das pessoas. Para isso,
pensou-se em mecanismos mais sutis e menos violentos. O sujeito passa a ser dividido em
setores, analisado, categorizado e moldado, facilitando o seu uso e controle. As punições
corporais dão lugar às “sanções normatizadoras” (FOUCAULT, 2002a). Isto garante um
controle minucioso do corpo, dos comportamentos e dos discursos. O indivíduo é reduzido a
objeto propenso à manipulação. Devido a estes fatos, o poder passa a ser exercido de várias
formas, por inúmeros agentes e em diversas frentes.
Há características dessas práticas de poder apontadas por Foucault como básicas.
Dentre elas, citamos a concepção da disciplina como uma forma de organização do espaço e
de controle do tempo e a vigilância concebida como um de seus principais instrumentos de
controle. Enfim, os objetivos das relações de poder do ponto de vista econômico e político são
“tornar o homem útil e dócil” (2002a, p. XVIII).
Constatamos, por meio das colocações deste pensador, que nas sociedades modernas
pós-século XIX, as relações de poder vêm desempenhando um papel positivo, inclusive é
nesse momento que percebemos uma das teses fundamentais da genealogia: “o poder é
produtor de individualidade” (p.XIX), ou seja, o indivíduo é efeito do poder e, em
contrapartida, a genealogia do poder está estreitamente ligada a uma história da subjetividade.
Existe uma interligação entre todas essas idéias: poder-saber, sujeito, subjetivação, vigilância,
punição.
Para Foucault, as relações de poder existem por serem alimentadas pelo saber e o
saber percorre o mundo por ser propagado graças às práticas de poder. Esta convivência se
sem grandes atritos, pois há a consciência de que esta interdependência é frutífera para ambos.
Na seqüência deste capítulo, abordamos a relação entre o sujeito e o saber que, por uma
42
questão metodológica, é tratada separadamente do subitem que discorre sobre o poder embora
saibamos que esta separação seja apenas didática.
2.3 Sujeito e saber
Devemos mencionar a existência de duas concepções distintas de verdade que
transitam na história da humanidade: enquanto uma defende a idéia de pureza da própria
verdade distante do domínio do poder, outra tenta desconstruir a racionalidade presente no
conceito de verdade, representada por Nietzsche e Foucault (MASCIA, 2003).
Ao fazermos uma retrospectiva histórica, verificamos que o atrelamento do conceito
de verdade ao de progresso remonta a Platão com sua distinção de dois mundos – o das idéias
e o das coisas e continua arraigado à cultura ocidental. É este atrelamento de conceitos que
garante o pensamento bipolar dominante, ou seja, a construção de hierarquias dicotômicas,
como o bem x mal, corpo x mente, verdade x mentira, ciência x arte, dentre outros. E é
somente a partir desse pensamento dicotômico que conseguimos (nós, sujeitos ocidentais)
conceber o mundo, as relações pessoais e interpessoais, a política, a educação, ou seja, tudo
que nos rodeia é concebido por esse tipo de pensamento. Com a filosofia clássica, temos a
origem do postulado da verdade e do progresso da ciência cuja influência existe ainda na
modernidade.
Citamos, a seguir, Hegel e Marx como representantes da modernidade para que
possamos esclarecer as noções de verdade que influenciaram a vida dos sujeitos e das ciências
sociais.
A dialética idealista de Hegel, como nos afirma Mascia (2003, p. 66), “vê a
história como um processo temporal movido pelas contradições que se alojam no sujeito
como espírito, oposto ao lado material”. Embora Marx compreenda a história também como
um processo temporal, contrapõe-se a Hegel, ao afirmar que este processo é movido pelas
contradições que habitam o sujeito enquanto espírito. A contradição em Marx envolve os
homens reais em condições sociais e históricas e passa a ser chamada “luta de classes”.
Em Marx, há a possibilidade dos sujeitos terem controle consciente sobre o
poder quando conhecerem a verdade. Voltamos a uma concepção que domina a educação e as
ciências no mundo ocidental: o saber associado à liberdade, ao progresso. Por trás do discurso
de conscientização dos sujeitos, a crença de que o fato de se ter consciência dos males do
43
poder garante de antemão a transformação dos sujeitos, dos meios nos quais eles vivem ou
atuam profissionalmente.
Para Foucault, isto não é possível, porque o saber (a verdade) está estreitamente
relacionado ao poder e com isso este filósofo desmistifica a noção de verdade em sua obra.
Ele entende por verdade: um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a
repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados” (2002, p.14).
Para Foucault, diferentemente do pensamento positivista, o poder que disciplina não
afeta negativamente o indivíduo, nem o destrói. É ele que fabrica o indivíduo necessário para
o tipo de sociedade vigente. Isso se em meio aos blocos disciplinares mencionados pelo
filósofo, “nos quais o ajustamento das capacidades e recursos das pessoas, das relações de
comunicação, assim como as relações de poder, formam sistemas regulados” (MARSHALL,
1994, p.25). Para que isso se efetive, algumas condições, que dizem respeito à organização do
tempo, do espaço e das capacidades, devem ser observadas. Em primeiro lugar, os indivíduos
são distribuídos por espaços de acordo com seu progresso e grau hierárquico. Em segundo
lugar, está o planejamento das atividades para os indivíduos segundo um cronograma que
deve ser seguido. Em terceiro lugar, toda atividade será desenvolvida levando em conta
estágios que mostrarão as capacidades e habilidades particulares ou as desenvolverão. Todos
os detalhes desse processo disciplinar o assegurados pelo discurso “verdadeiro” conferido a
essa disciplina. É por meio dele que padrões “normais” de expectativas são construídos.
Segundo Marshall (1994, p.25), “esse saber desenvolvido através do exercício do poder é
usado para produzir o que Foucault chama de indivíduos normatizados”.
As tecnologias de dominação atuam essencialmente sobre o corpo e, a partir dos
resultados dos exames, a classificação e a objetificação dos indivíduos se dão. A educação,
calcada no positivismo, como mencionado, crê poder produzir sujeitos moralmente
autônomos o que vai de encontro às idéias foucaultianas.
Devemos, então, compreender o indivíduo como um dos mais importantes efeitos do
poder. Ao mesmo tempo em que surge o indivíduo figura singular, individualizada como
produção do poder é visto também como objeto de saber (FOUCAULT, 2002a). Cabe
resgatarmos, nesse momento, a idéia de governamentalidade existente em Foucault. Por
“governo” entende-se uma forma de atividade cuja finalidade é produzir sujeitos, moldar,
interferir ou guiar a conduta das pessoas de forma que elas se tornem pessoas de um tipo pré-
estabelecido. As pessoas têm suas identidades formatadas o que lhes garante ser sujeitos. “A
arte do governo consistiria em fornecer uma forma de governo para cada um e para todos, mas
uma forma que deve individualizar e normalizar” ( MARSHALL, 1994, p. 29).
44
2.4 O sujeito e os “regimes de verdade”
Uma das questões centrais de investigação para Foucault tem a ver com a constituição
histórica das ciências humanas que se pauta na construção de “regimes” no discurso e no
poder. O essencial é se perceber que efeitos de poder circulam entre os enunciados científicos
regidos por regras anônimas que constroem nossos regimes de verdade, isto é, segundo o
autor
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem
poder(...).A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem
seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de
discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que
são valorizados para a obtenção da verdade, o estatuto daqueles que têm o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 2002a, p.12).
Em nossas sociedades, a ‘economia política’ da verdade tem cinco características
historicamente importantes: a ‘verdade’ i) é constituída na forma do discurso científico e nas
instituições que o produzem; ii) sofre constante incitação econômica e política; iii) é objeto,
de várias formas, de uma imensa propagação e de um imenso consumo; iv) é produzida e
transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos
políticos ou econômicos; enfim, v) é objeto de debate político e de confronto social (as lutas
‘ideológicas’) (FOUCAULT, 2002a).
Ao mencionarmos a questão dos “regimes de verdadeem Foucault, é significativo
esclarecer que não se trata de buscar a verdade, mas reconhecer que existem regras
incorporadas pelos sujeitos as quais direcionam sua fala a respeito de um determinado objeto.
Essa fala traz consigo a questão do verdadeiro e do falso como critério de análise do referido
objeto. Os sujeitos que compõem a sociedade têm praticamente sua vida “construída” pelos
seus pares, pois o sujeito se entende como o sujeito que é a partir do outro. Sua história bem
como suas concepções ou filosofia de vida lhes foram determinadas antes mesmo desse
sujeito se entender como tal. Assim, compreendemos que o papel dos regimes de verdade
nesse processo de constituição do sujeito é fundamental, pois são eles que determinarão o
próprio sujeito.
45
Nessas investigações, o autor não faz distinção entre ciência e ideologia, pois para ele,
o conhecimento – científico ou ideológico – tem como alicerce de sua existência as condições
políticas formadoras tanto do sujeito quanto dos domínios de saber.
A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que
seria sua origem, mas às relações de poder que lhe constituem. Não saber
neutro. Todo saber é político, (...) porque todo saber tem sua gênese em
relações de poder (2002a, p.XXI).
Poder e saber caminham juntos, alicerçados pelos regimes de verdade que propiciam
sua continuidade ou sua adequação às condições históricas e sociais vigentes. Sendo assim, o
exercício do poder implica na formação do saber e, por outro lado, qualquer saber garante a
presença do poder.
(...) A disciplinarização do mundo por meio da produção de saberes locais
corresponde à disciplinarização do próprio poder: na verdade, o poder
disciplinar, ’para exercer-se nesses mecanismos sutis, é obrigado a formar,
organizar e pôr em circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber’
(REVEL, 2005, p.77-8).
Uma rede muito bem feita é produzida envolvendo os sujeitos de forma que estes se
sintam melhores ou mais protegidos se forem os detentores do saber. Acreditam que somente
assim poderão alcançar o status merecido, ou seja, exercerão poder uns sobre os outros. Um
outro fator que contribui para fortalecer este tipo de raciocínio é a relação entre sujeito e
governamentalidade que atua inclusive sobre nossos corpos.
2.5 O sujeito e a governamentalidade: um olhar sobre a ética e a estética
Foucault entende a construção de sujeitos como um ato político isento de neutralidade.
Os sujeitos são, portanto, como acenado nesta dissertação, efeitos das relações de
poder/saber, relações essas entendidas, em Foucault, como políticas de governamentalidade.
46
“Governo, como mencionado no item anterior, deve ser entendido como uma
maneira de produzir e conduzir sujeitos a se tornarem pessoas conforme as características pré-
determinadas. Essa atividade visa a formar as identidades das pessoas e, por conseguinte,
torná-las sujeitos. Assim, a arte do governo se encontra no fato de fornecer uma forma de
governo para todos e para cada um que deve individualizar e normatizar. Tomemos as
palavras de Ramos do Ó (2001, p.16-17) para esclarecer o conceito.
Governar é, assim, um exercício permanente que entrecruza os
comportamentos de todos e cada um de modo homólogo. A visão
temporalmente distendida – ou genealógica como gostava de lhe chamar – que
Foucault nos fornece tem por finalidade mostrar que as clivagens (...) e as
hierarquizações clássicas utilizadas para inteligibilizar as relações sociais vêm
perdendo a sua capacidade explicativa à medida que nos aproximamos da
actualidade e, sobretudo, das regiões ocupadas pelas democracias liberais. (...)
mostra como historicamente o poder político se vai exercendo cada vez mais
através de alianças delicadas entre uma miríade de autoridades, por forma a
que seja possível a agregação de realidades que vão desde relações
econômicas até à conduta dos indivíduos particulares.
Deve existir no governar um olhar para o todo sem descuidar de cada sujeito que o
compõe.
Em seu livro História da Sexualidade ( vol.1), Foucault utiliza o termo biopoder ”para
mostrar como a construção do eu através do conceito de sexualidade permite ao corpo agir
como um ponto ou lócus de aplicação ao mesmo tempo do controle do indivíduo e do controle
da população” (MARSHALL, 1994, p.29).
Cabe à governamentalidade garantir a distribuição pertinente das “coisas”, arrumadas
de modo a possibilitar um fim adequado para cada uma das coisas que devem ser governadas.
(MARSHALL, 1994). A governamentalidade necessita de um certo conhecimento específico,
concreto e preciso, além de implantar princípios de justiça, prudência e sabedoria. Marshall
(1994, p.30) nos relata que
Os indivíduos, nessa visão, tornam-se instrumentais aos fins do Estado. A
justiça, o bem-estar e a saúde são importantes para os indivíduos, não porque
eles são bons em si para os indivíduos, mas porque eles aumentam a força do
Estado. Os investimentos na saúde e na educação são agora investimentos
instrumentais no indivíduo, a serem sacados mais tarde pela crescente força do
Estado.
47
Foucault menciona que, com as transformações históricas vividas pela humanidade, a
tecnologia de policiamento ganha força e o autor identifica nela três formas gerais assumidas.
Ela é tida como: a) ideal, sonho, utopia; b) uma prática real ou um conjunto de práticas ou
regras de uma instituição real e c) uma disciplina acadêmica em instituições. Este filósofo
concebe as tecnologias da dominação e do eu como técnicas usadas para tornar o indivíduo
um elemento significativo para o Estado. Assim, o poder tem mais alcance e força no meio
em que a liberdade e a autonomia estejam presentes.
Como nos afirma Ramos do Ó (2001, p.22-23),
Nas sociedades governamentalizadas, o poder amplia-se porque exactamente
se dirige a homens livres, que se percebem como indivíduos autónomos.(...) A
liberdade é, portanto, uma condição para a existência do poder.
(...)
Definitivamente, teremos que substituir as idéias de dominação por outras que
remetam para tecnologias de regulação e de auto-regulação.
Os sujeitos têm sido moldados muito tempo, podemos dizer desde antes da
existência das religiões, pois o convívio social parece necessitar de regras ou de regulação.
Por isso, tanto o que diz respeito à ética quanto ao que se atrela à estética têm caminhado para
as tecnologias de regulação e de auto-regulação. As atitudes do sujeito, seu discurso, seu
comportamento, enfim, tudo que possa compô-lo é regulado de alguma forma. Se não for por
regras elaboradas pelo grupo, são aquelas incorporadas pelo próprio sujeito, graças aos seus
familiares, amigos, colegas de trabalho, sua cultura ou sua posição na hierarquia social.
Implementando as idéias anteriormente expostas, utilizamo-nos da conceituação de
Foucault (2004), na qual menciona que as “artes da existência” devem ser entendidas como
as práticas racionais e voluntárias pelas quais os homens não apenas
determinam para si mesmos regras de conduta, como também buscam
transformar-se, modificar-se em seu ser singular, e fazer de sua vida uma obra
que seja portadora de certos valores estéticos e que corresponda a certos
critérios de estilo (p.198-199).
Para Foucault, em seu trabalho sobre a história da verdade, que engloba o sujeito e a
governamentalidade, foi essencial a análise das problematizações através das quais o ser se
apresenta como podendo e devendo ser pensado, e as práticas a partir das quais elas se
formam” (2004, p. 199). A título de exemplificação, gostaríamos de mencionar que entre os
48
antigos havia a preocupação com a natureza do ato sexual, a castidade, as relações
homossexuais e até mesmo com a fidelidade monogâmica. Isso pode ser constatado entre as
primeiras doutrinas cristãs e a filosofia moral da Antigüidade, porém a reflexão feita sobre
esses temas e a moral que dela surgiu é a masculina. Por isso, Foucault diz ser necessário
fazer uma reavaliação dos aspectos éticos e também estéticos que nos constituem. Segundo
ele (2004, p.210),
Mais do que buscar os interditos de base que se escondem ou se manifestam
nas exigências de austeridade sexual, é preciso procurar a partir de que região
da experiência e sob que formas o comportamento sexual foi problematizado,
tornando-se objeto de cuidado, elemento para reflexão, matéria de estilização.
Mais precisamente, é preciso perguntar-se por que os quatro grandes domínios
de relações em que parecia que o homem livre nas sociedades antigas tinha
podido desenvolver sua atividade sem encontrar maiores proibições tenham
sido justamente os lugares de uma intensa problematização da prática sexual.
A reflexão iniciada na Antigüidade sobre a prática sexual perpassa a compreensão do
que seja a moral ou mesmo o sujeito moral. Entendemos que para este sujeito ter garantida
sua existência necessita ser constituído pelos modos de subjetivação sistema de valores, de
regras e de proibições e pelas práticas de si “modelos propostos para a instauração e o
desenvolvimento das relações consigo próprio, para a reflexão sobre si, para o conhecimento,
o exame, a decifração de si por si, para as transformações que se busca operar em si mesmo”
(2004, p. 215).
Estas afirmações nos fazem refletir a respeito de nosso corpus de pesquisa, que se
propõe, enquanto meio de formação e informação, assegurar a atualização de seus leitores e,
conseqüentemente, interferir em sua prática. Esse exemplo de relação de poder entre material
produtor de conhecimento e público leitor pode servir de ilustração para a caracterização do
próprio poder bem como para que façamos alguns questionamentos a respeito das relações de
poder-saber e dos regimes de verdade que perpassam por entre os textos selecionados.
Enfim, se este é o sujeito para Foucault, que sujeito é o que se percebe nos textos-
reportagens da Pátio revista pedagógica”? O que as construções ideológicas analisadas
poderão nos revelar acerca deste sujeito dividido entre a modernidade e a pós-modernidade?
Em nosso próximo capítulo, discorreremos sobre as concepções de identidade e
de sujeito em momentos distintos segundo o olhar de estudiosos da perspectiva sócio-cultural
como Hall (1997) e Bauman (2005) cujas reflexões a respeito do mundo moderno e pós-
49
moderno muito nos auxiliaram para uma maior compreensão destes contextos históricos que
garantem a construção dos regimes de verdade em nosso corpus de pesquisa: textos da Pátio
revista pedagógica”.
50
CAPÍTULO 3
IDENTIDADE: UM OLHAR SÓCIO - CULTURAL
Esta pesquisa impele-nos a olhar o discurso educacional com muito menos
ingenuidade e, de modo especial, enquanto pesquisadora, de não acreditar que as revistas no
âmbito da educação, uma delas parte constituinte de nosso corpus de pesquisa, sejam isentas
de dizeres políticos, de relações de poder-saber, de regimes de verdade e, principalmente, de
construções discursivas sobre o sujeito. É urgente, pois, refletirmos a respeito dos imaginários
discursivos que nos rodeiam e nos constituem como sujeitos da educação.
Pretendemos, portanto, lançar um olhar questionador acerca do sujeito que é explícita
ou implicitamente constituído nos/pelos textos-reportagens da Pátio revista pedagógica”.
Esta pretensão exige de nós problematizações, a princípio, sobre questões e concepções
acerca de identidade. Portanto, este nosso capítulo tem por objetivo situar as bases teóricas
que subsidiam tais concepções.
Faz algumas décadas que temos sentido a instabilidade que abala as situações
vivenciadas não apenas no âmbito pessoal, mas também no das instituições, do mundo, de
todas as pessoas como mencionamos no início desta dissertação. Estas impressões são o
resultado de um processo bastante amplo de mudanças de paradigma que está desalojando as
estruturas da sociedade e, conseqüentemente, as identidades.
Os autores centrais deste capítulo são Stuart Hall (2005) e Zygmunt Bauman (1999;
2005) que nos auxiliaram a compreender melhor as peculiaridades da concepção de
identidade na modernidade e na pós-modernidade.
3.1 Do sujeito iluminista ao sujeito sociológico: prenúncios de uma
fragmentação
Stuart Hall (2005) nos auxilia a elucidar ainda mais o intenso elo entre
identidade e sujeito, proporcionando-nos uma revisitação histórica das concepções de sujeito
que contribuíram para a construção ou para a desconstrução da(s) identidade(s) desse mesmo
sujeito.
51
Para se abordar o tema identidade, Hall (2005) afirma ser necessário fazer uma
retrospectiva a respeito do sujeito, sujeito este compreendido como uma figura discursiva, por
ser constituído na/pela linguagem e, portanto, fruto do meio social. O sujeito, nesses termos, é
um efeito da linguagem e não pré-existe a ela como um “ser”. Em seu texto, o autor nos
mostra três concepções mutantes percebidas no transcorrer dos séculos dessa figura discursiva
denominada sujeito. São elas: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito sociológico e a do
sujeito pós-moderno.
Ao nos apresentar o sujeito do Iluminismo, o autor enfatiza as seguintes concepções:
este sujeito é o centro de todas as coisas e é possuidor das capacidades da razão e da
consciência. Alguns autores, conforme Hall nos relata, argumentam que, com o surgimento do
“indivíduo soberano” (op. cit., p.25), imprimiu-se força a todo sistema social da modernidade.
Esse sujeito, concebido como o centro, portanto voltado para si mesmo, esse ser individual
em sua essência, carrega consigo dois significados bastante distintos: o sujeito é indivisível,
por um lado, e por outro, é único, singular.
Encontramos na própria história da filosofia reflexões desta concepção de sujeito.
René Descartes (1596-1650), filósofo francês, fez uma formulação primária dessa concepção.
Com o deslocamento de Deus do centro do universo, Descartes, como muitos outros, viu-se
atingido frontalmente pela dúvida e o nascimento do sujeito moderno se em meio a este
momento de dúvida e do ceticismo metafísico.
Para este filósofo, explicações para todas as coisas se elas forem reduzidas aos
seus elementos indivisíveis o que seria percebido somente através da razão ou da capacidade
de pensar e refletir. Hall (2005, p.27) nos assevera que ”desde então, esta concepção do
sujeito racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento, tem sido
conhecida como o ‘sujeito cartesiano’”.
Na segunda concepção que nos é apresentada por Hall, percebemos os reflexos das
mudanças sofridas na/pela sociedade. Até então (século XVIII), os grandes processos da vida
moderna tinham como centro o “sujeito-da-razão” (op.cit., p.29), mas as sociedades modernas
tornam-se mais complexas, coletivas, exigindo daquele indivíduo centrado em si mesmo uma
abertura para os demais. As teorias clássicas liberais de governo, voltadas para o indivíduo,
tiveram que dar lugar a teorias que correspondessem às estruturas das grandes massas e dos
estado-governos. Assim, o sujeito não é mais o centro, pois a percepção de que sem o
outro, torna-se um ser incompleto. Tem consciência de que não é autônomo e nem auto-
suficiente. Nasce uma concepção mais social de sujeito. São as grandes estruturas que
garantem a este sujeito se sentir e se ver mais localizado e definido. Passa-se a compreender a
52
formação da identidade deste sujeito na relação com o outro. Em outras palavras, é o outro, é
a instituição que definirá quem este sujeito é ou deve ser.
No decorrer da história humana, dois importantes eventos auxiliaram na construção
dos fundamentos conceptuais do sujeito moderno: o darwinismo e o aparecimento de novas
ciências sociais.
Enquanto o sujeito foi “biologizado” - dominado e contaminado pelas explicações
científicas e mais particularmente relacionadas à biologia -, as novas ciências sociais ora
fortaleciam o “indivíduo soberano”, ora criticavam o “individualismo racional” do sujeito
cartesiano. Hall (2005, p.31) menciona em seu texto a definição de sujeito sociológico
encontrada na teoria da socialização como podemos verificar a seguir:
Essa “internalização” do exterior no sujeito, e essa “externalização” do
interior, através da ação no mundo social (...), constituem a descrição
sociológica primária do sujeito moderno e estão compreendidas na teoria da
socialização.
Esse modelo sociológico interativo, no qual o interior influencia o exterior e vice-
versa, tem existência na primeira metade do século XX. “A identidade, então, costura (ou,
para usar uma metáfora médica, ‘sutura’) o sujeito à estrutura” (op.cit.,12). Contudo, no
mesmo período, uma concepção mais perturbadora de sujeito e de identidade toma forma e
ganha dimensões bastante grandes ainda dentro do período do Modernismo.
O sujeito é, até então, reconhecido graças às identidades a ele conferidas. São elas que
o interligam à estrutura social, entretanto isto sofrerá modificações tanto no que diz respeito
ao sujeito quanto à identidade. O que era aparentemente consistente, sólido, compacto está
sendo fracionado. A idéia de unicidade dá lugar à fragmentação. Nasce, pois, a terceira
concepção de sujeito, o pós-moderno sem identidade definida ou constante.
3.2 Os deslocamentos do sujeito pós-moderno
Aquela noção de identidade que vigorou na modernidade perde força e espaço à
multiplicidade de identidades com as quais o sujeito pode se identificar momentaneamente. A
identidade, que a princípio imprimia no sujeito uma marca quase o profunda quanto uma
53
tatuagem, transforma-se em um “decalque” facilmente substituído por outro. Essa
transformação promove o deslocamento do sujeito que não se percebe mais como o centro,
em vez disto, reconhece-se a existência de uma multiplicidade de centros de poder. Se isto
acontece com o sujeito, significa dizer que o mesmo ocorre com a sociedade. Ela é deslocada
ou descentrada constantemente por forças exteriores. Por isso, Hall afirma que as sociedades
da modernidade tardia são reconhecidas pela “diferença”. Diferentes “posições” do sujeito são
produzidas o que é o mesmo que dizer identidades.
Com o advento das transformações geradas pela pós-modernidade, pode-se postular,
segundo Hall, a terceira concepção de sujeito que se distancia da noção de unicidade, dando
lugar a uma visão fragmentada de sujeito. Deixa de possuir uma identidade para nos mostrar
várias facetas de identidades. Embora esse sujeito possa conceber sua identidade como una e
homogênea, para o autor, isso não passa de uma fantasia ou mais precisamente de um desejo,
desejo este instaurado na modernidade e que é sentido, agora, ou no momento contemporâneo
de embates entre modernidade e pós-modernidade. Portanto, o sujeito da pós-modernidade é
constitutivamente um sujeito dividido entre as leis da razão e a contingência instaurada pela
pós-modernidade. O homem é entendido como a soma, a superposição de várias identidades.
A importância da identidade, segundo Hall, está no fato de que ela contribui para a
composição da unicidade do indivíduo que desempenha a função de uma segunda pele que
une este à estrutura. Como o autor afirma, se sentimos que temos uma identidade unificada
desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós
mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu”.
Isso é constatado, por exemplo, em situações de pessoas que, por algum motivo,
tiveram de se separar de seus pais ou familiares quando crianças e, com o passar do tempo,
começam a sentir a necessidade de conhecer seu passado (todos têm um), estabelecer elos
com sujeitos e situações que garantam o reconhecimento de outras identificações até então
desconhecidas. A necessidade social de se ter uma identidade tem seus alicerces danificados,
pois a fixidez das concepções dá espaço à mudança, à multiplicação de possíveis identidades.
Esse caráter de mudança na modernidade tardia ou pós-modernidade, que afeta a
concepção de sujeito e de identidade, é um outro aspecto da questão da identidade.
Certamente a globalização, um fenômeno de alcance mundial, contribuiu para que toda esta
estrutura sofresse alterações radicais e irreversíveis bastante significativas. Essa grande
transformação afetou a tudo e a todos: as estruturas institucionais, as relações e as condições
de trabalho, a produção cultural, as relações entre as nações, a nossa vida diária, as nossas
relações interpessoais, e por que não dizer a própria “Pátio – revista pedagógica”.
54
A globalização deve ser compreendida como um processo que é vivido por todos
conscientemente ou não, entretanto, é impossível alguém se dizer fora dela. Sua existência
parece ser independente de nossa vontade enquanto sujeitos da história. Percebemos que a
diferença essencial entre sociedades tradicionais e pós-modernas reside no fato dessas últimas
sofrerem mudanças rápidas e contínuas e que afetam as identidades, conforme vimos até
agora.
Autores como Giddens, Harvey e Laclau (apud HALL, 2005, p.18) discorrem
diferentemente sobre questões cujo tema é a sociedade pós-moderna, entretanto, a forma
como enfatizam a descontinuidade, a fragmentação, a ruptura, o deslocamento segue uma
linha de pensamento comum.
Segundo Hall, o sujeito, na modernidade tardia, não foi simplesmente desagregado,
também foi deslocado, ou seja, esse sujeito, ao mesmo tempo, retirado de suas raízes, teve que
sair de seu lugar, pois a ele foi determinado um outro espaço. Para podermos compreender
melhor esse processo de transformação, o autor discorre sobre cinco grandes avanços na
teoria social e nas ciências humanas que provocam esse caráter de mudança e afirma que o
maior efeito tem a ver com o descentramento final do sujeito cartesiano.
Ele elege como primeiro descentramento as tradições do pensamento marxista: Marx
coloca as relações sociais no centro de seu sistema teórico. Com isso, desloca duas
proposições-chave da filosofia moderna:
que há uma essência universal de homem;
que essa essência é o atributo de “cada indivíduo singular”, o qual é seu sujeito
real.(2005, p.35)
O pensamento que dominava em época anterior a Marx pregava o poder do sujeito em
transformar a si e ao que estivesse ao seu redor visto que esse sujeito era dono de suas
vontades. O marxismo, por sua vez, prega a existência das condições de produção que são
determinantes para a ocorrência ou não dessa transformação. Reconhece-se que o “poder” do
sujeito é limitado; outros fatores interferem em suas atitudes. Como lemos em Hall (2005,
p.34-5),
(...) os indivíduos não poderiam de nenhuma forma ser os “autores” ou os
agentes da história, uma vez que eles podiam agir apenas com base em
condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram,
utilizando os recursos materiais e de cultura que lhes foram fornecidos por
gerações anteriores.
55
O segundo descentramento é o reconhecimento da existência do inconsciente por
Freud. Nossa identidade, nossos desejos são orientados por uma lógica bem diferente da
razão; não os conseguimos controlar totalmente, pois, muitas vezes, somos “traídos” por
nossos próprios atos.
Segundo Lacan sobre as idéias de Freud,
a imagem do eu como inteiro e unificado é algo que a criança aprende apenas
gradualmente, parcialmente, e com grande dificuldade. Ela não se desenvolve
naturalmente a partir do interior do núcleo do ser da criança, mas é formada
em relação com os outros. (apud HALL, 2005, p.37)
Hall prefere o termo identificação à identidade, pois o como um processo em
andamento. Pelas palavras de Andrade (2007, p.5), podemos compreender melhor o conceito.
A identificação caracterizaria esses momentos provisórios com os quais nos
identificamos, essas formas pelas quais somos representados, em nossos
sistemas culturais, num processo contínuo de re-elaboração e de
deslocamentos.
Hall aponta-nos como terceiro descentramento o estruturalismo de Fernand de
Saussure.
Segundo Saussure, “a língua é um sistema social e não um sistema individual” (apud
Hall, 2005, p.40), pois ela existe anteriormente a nós. Ao falarmos uma língua, resgatamos os
significados todos pertencentes às palavras. Entretanto, isto não deve nos levar a crer que os
significados são estáticos, fixos. “O significado surge nas relações de similaridade e diferença
que as palavras têm com outras palavras no interior do código da língua” (HALL, 2005, p.40).
Podemos fazer uma analogia entre língua e identidade: o significado é instável como a
identidade na pós-modernidade; não temos o poder de controlá-lo por completo, pois
poderemos continuamente ser surpreendidos por significados adicionais que nos impediriam
de (re)construir mundos concebidos fixamente.
O quarto descentramento é o trabalho de Michel Foucault
9
.
Ele produziu uma espécie de “genealogia do sujeito moderno”. Mostra-nos um novo
tipo de poder, o “poder disciplinar.” O objetivo desse poder é controlar as vidas, os corpos, as
9
Rever Capítulo 2 – O sujeito em Foucault.
56
mentes das pessoas. Segundo o pensador, “(...) quanto mais coletiva e organizada a natureza
das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização
do sujeito individual” (HALL, 2005, p.43).
Diversos são os mecanismos de controle em nossa vida contemporânea, alguns
extremamente visíveis e tidos como necessários pelos próprios “vigiados”, outros invisíveis,
mas tão ou mais eficientes do que os primeiros. Na atualidade, vivemos em constante conflito
com nossos pares. O motivo, muitas vezes, tem a ver com a confusão generalizada sobre o
que é público e o que é privado. As nossas vidas estão sendo escancaradas sem que saibamos
ou queiramos por instituições, por conhecidos, por desconhecidos.
Finalmente Hall nos mostra o que considera como o quinto descentramento. Trata-se
do impacto do feminismo, tanto como uma crítica teórica quanto como um movimento social.
(p.44)
Com isso, o autor enfatiza a importância dos movimentos de minoria que ganham
força a cada dia e ditam regras antes nunca pensadas. Ele aborda o feminismo, mas podemos
incluir neste descentramento os homossexuais, as pessoas com deficiências especiais, os
negros, os índios, dentre outros.
Esses descentramentos esclarecem de que maneira o sujeito do Iluminismo, como
referência anterior, foi sofrendo mudanças e, por conseguinte, deixando sua identidade fixa
para ser composto por identidades múltiplas, e contraditórias, como estamos postulando para
o sujeito da pós-modernidade. A problematização a ser realizada em nosso corpus de pesquisa
perpassa por esses descentramentos, que um de nossos objetivos é reconhecer o sujeito-
leitor ou o sujeito que se quer formar a partir dos textos-reportagens da revista Pátio.
3.3 Globalização, modernidade líquida e identidades: inclusão e exclusão
Da mesma forma que Hall parece-nos um autor importante para fazermos
questionamentos sobre a identidade e o sujeito, temos na figura de Bauman, um outro autor
também significativo, um sociólogo de origem polonesa que apresenta uma problematização
profunda e instigante e que poderá nos auxiliar a olhar para o corpus e examinar as
emergências de subjetividades. O autor, em algumas de suas obras, tem por objetivo encontrar
as diversas ligações entre seu objeto de investigação e as demais manifestações da vida e da
sociedade humana. Seus textos são metaforicamente “terremotos”. Eles conseguem abalar as
crenças por mais sólidas que possam ser. Em suas reflexões, encontramos um trabalho em
57
constante desenvolvimento que explica sua necessidade de estabelecer relações entre
conceitos e fenômenos sociais. É considerado um sociólogo eclético que entende a verificação
da “verdade” de todo comportamento e sentimento coletivo como algo primordial.
Bauman tem como princípio a responsabilidade ao se envolver na vida pública, o que
significa dizer que a sociologia é uma disciplina “que fornece a ferramenta analítica para se
estabelecer uma vigorosa interação com a filosofia, a psicologia social e a narrativa” (2005,
p.9).
Ele se concentrou no fenômeno da globalização não apenas sob o ponto-de-vista
econômico, mas principalmente analisando suas conseqüências sobre a vida cotidiana (1993).
Enxerga a globalização como uma “grande transformação” que atinge a todos e a todas as
instituições e estruturas existentes. Dizer-se “fora” do alcance desse fenômeno nada mais é do
que a tentativa de se auto-enganar. Todos nós estamos inseridos na globalização e ela nos tem
influenciado há tempos.
Esse fenômeno contribui para a transformação da concepção de identidade que
vigorava no sujeito do Iluminismo e no sociológico. Outros fatores também aceleraram essa
transformação: a falência do Estado como provedor do bem-estar social, conseqüentemente a
crescente sensação de insegurança, e a modificação na compreensão das concepções de tempo
e espaço pela sociedade pós-moderna.
“Em seus trabalhos mais recentes, Bauman também nos alerta para a “corrosão do
caráter” que é entendida por ele como “a manifestação mais marcante da profunda ansiedade
que caracteriza o comportamento, a tomada de decisões e os projetos de vida de homens e
mulheres na sociedade ocidental” (2005, p.11).
Da mesma forma que em Hall constatamos, Bauman deixa clara a impossibilidade de
se “solidificar” identidades em uma sociedade em que tudo é incerto e transitório. A fluidez, a
perenidade das identidades sociais, sexuais e culturais é inegável. Entendemos, portanto, que
as bases da sociedade moderna estão em colapso do qual não retorno. Bauman afirma ser
essencial enxergar os pólos da identidade impostos à existência social: “a opressão e a
libertação” (2005, p.13). Enquanto para uns, é garantida a identidade que quiserem sujeitos
reconhecidos no meio social em que vivem –, para outros os que vivem à margem –, não
existe nem o direito de se ter alguma identidade.
As identidades, como comumente se afirma, são definidas pelas comunidades que, por
sua vez, podem ser comunidades de vida, na qual seus membros estão unidos por um elo
absoluto, e de destino, resultado da unicidade de princípios ou idéias. Conforme Bauman nos
relata, “a questão da identidade só surge com a exposição a ‘comunidades’ da segunda
58
categoria.” (2005, p.17) Tanto para o pertencimento quanto para a identidade são fatores
essenciais as decisões dos indivíduos, a maneira como atuam diante do outro e os caminhos
por eles percorridos. Isso garante a possibilidade de alteração ou de negação do pertencimento
e da identidade.
Ao falarmos em sujeito pós-moderno, aquele vivente na época líquido-moderna
10
,
implicitamente nos referimos à fragmentação de suas identidades como nos aponta este autor
no excerto seguinte:
Estar total ou parcialmente “deslocado” em toda parte, não estar totalmente
em lugar algum (ou seja, sem restrições ou embargos, sem que alguns aspectos
da pessoa “se sobressaiam” e sejam vistos por outras como estranhos), pode
ser uma experiência desconfortante, por vezes perturbadora. (2005, p.19)
O assunto identidade por algumas décadas foi exclusivo do campo filosófico.
Atualmente tornou-se um assunto em evidência e de grande importância em diversos campos
do saber. Por estes fatores todos, a crença de que a identidade é algo a ser inventado e o
desconhecimento de sua fragilidade e de sua condição provisória não têm mais espaço nesta
época líquido-moderna. Como todo ser humano, nós sentimos a ausência de algo quando
este algo não está mais ao nosso alcance ou sofreu uma enorme transformação e não
conseguimos mais reconhecê-lo. É este fato, atualmente, que provocou este olhar mais atento
para com a questão da identidade.
A idéia de identidade(s) ganha força quando o sujeito passa a pertencer a grupos
diferentes daquele ao qual está ligado naquele momento, mesmo que de forma inconsciente.
Portanto,
A idéia de “identidade” nasceu da crise do pertencimento e do esforço que
esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e
erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia recriar a
realidade à semelhança da idéia.(...) E o nascente Estado moderno fez o
necessário para tornar esse dever obrigatório a todas as pessoas que se
encontravam no interior de sua soberania territorial (BAUMAN, 2005, p.26).
Com o nascimento do Estado moderno, desenvolveu-se a idéia de que todas as pessoas
que estivessem sob sua soberania territorial deveriam se identificar com este Estado criando-
se a necessidade de uma “identidade nacional” cuja convivência com outras identidades era
10
Aquilo que Hall denomina pós-modernidade ou modernidade tardia, aparece em Bauman, também, como
modernidade líquida.
59
praticamente impossível. Segundo Bauman (p.28), “a identidade nacional objetivava o direito
monopolista de traçar a fronteira entre ‘nós’ e ‘eles’”. Por detrás desta obrigatoriedade de se
pertencer a uma nação, existia o fantasma da exclusão.
Em nossos dias, porém, até mesmo as fronteiras anteriormente impostas pelos Estados
estão se liquefazendo. A “compressão tempo/espaço” colabora para que esse desfacelamento
do situar-se ocorra e nos mostra que “os usos do tempo e do espaço são acentuadamente
diferenciados e diferenciadores. A globalização tanto divide como une; divide enquanto une”
(BAUMAN, 1999, p.8). Percebemos, então, que uma das conseqüências disso é a crescente
segregação espacial. Mas, como habitantes deste líquido mundo moderno, tentamos manter,
como se isto fosse possível, as referências de nossas identidades fragmentadas e em constante
movimento. Fato do qual, às vezes, não temos consciência que estamos em movimento
mesmo quando fisicamente parados.
O fenômeno da globalização, mencionado anteriormente, modificou a noção, inclusive
de nação; o Estado parece não ter mais tanto poder ou vontade de manter uma idéia de união
inabalável. Enquanto o Estado garantia aos cidadãos uma identidade, estes tinham a ilusão da
segurança. Por um lado, a não garantia dessa identidade (e de outras) tem provocado nas
pessoas uma crescente sensação de insegurança e ansiedade. Por outro lado, no mundo líquido
moderno estar fixo, ser identificado não é visto com bons olhos. Em outras palavras, como
nos afirma Bauman, “ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação
social” (op. cit., p.8).
A conseqüência dessa nova forma de se compreender a identidade tem provocado
transformações bastante significativas nos relacionamentos de trabalho ou interpessoais.
Quando a qualidade dos relacionamentos deixa a desejar, as pessoas procuram algum tipo de
compensação, como pertencer à “rede de conexões”, como as encontradas na Internet: redes
de amizades, de afinidades por interesses, de relacionamentos amorosos. Acreditam, assim,
encontrar o que procuram na quantidade de relacionamentos obtidos.
Em nosso mundo de “individualização” em excesso, as identidades são
bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não como dizer
quando um se transforma no outro. (...) Num ambiente de vida líquido-
moderno, as identidades talvez sejam as encarnações mais comuns, mais
aguçadas, mais profundamente sentidas e perturbadoras da ambivalência.
(p.38)
60
Essa fragmentação de identidades tem colaborado para que a sociedade líquido-
moderna se torne ainda mais individualista e estratificada: em um extremo estão aqueles que
escolhem suas identidades em um leque bastante amplo. No outro extremo, temos aqueles que
tiveram negado o acesso às identidades, no máximo “se vêem oprimidos por identidades
aplicadas e impostas por outro(p.44). Mas a fragmentação não se encerra neste patamar.
pessoas denominadas de “subclasse” que vivem à margem, que não são vistas ou mesmo
reconhecidas como pertencentes a esta pirâmide estratificada. A elas é negado o direito de
reivindicação de qualquer tipo de identidade. A exclusão está representada. “O significado
da identidade da subclasse’ é a ausência de identidade, a abolição ou negação da
individualidade, do ‘rosto’(...). Você é excluído do espaço social em que as identidades são
buscadas, escolhidas...” (p.46).
É essa exclusão, enfim, que se concentra na base dos casos de aprofundamento das
desigualdades sociais e do aumento da miséria, da humilhação e da pobreza.
Vimos em Bauman o quanto a fragmentação da(s) identidade(s) tem alterado os
relacionamentos desses sujeitos que o mais se reconhecem como senhores e centros de
poder. A compreensão do mundo como algo sólido, provedor de segurança para todos, teve,
sem dúvida, seu abalo ilustrado com o fato ocorrido em 11 de setembro de 2001, nos Estados
Unidos: a queda das torres gêmeas. Esse país, que por décadas foi considerado o símbolo do
poder econômico, político até mesmo de vida, foi abalado profundamente e,
conseqüentemente, seus aliados também se viram atingidos. Mais insegurança e desconfiança
tomaram conta de todos. A segurança deve ser garantida custe o que custar. Esse é o lema
atual e para isso verbas gigantescas são direcionadas para essa questão, contribuindo ainda
mais para que a desigualdade aumente entre os sujeitos dessa pirâmide de incluídos e
excluídos.
A concepção de identidade pessoal e nacional é, com esse fato, novamente abalada. As
incertezas ganham mais força contribuindo para essa fragmentação de identidades. Com essas
colocações, problematizamos as questões e as concepções de sujeito e de identidade, a partir
dos estudos sócio-culturais, de maneira a que possamos olhar para o corpus e nos perguntar
que tipo de sujeito e identidade a Pátio está construindo.
O próximo capítulo trata especificamente dos conceitos que caracterizam a Análise do
Discurso de linha francesa, arcabouço teórico-metodológico, que subsidiará nossa análise.
61
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA
Neste quarto capítulo, é feita uma retrospectiva sobre as fases da Análise do Discurso
de linha francesa a fim de tratarmos dos pressupostos que norteiam a análise de nosso corpus
de pesquisa, além de abordarmos, mais especificamente, os seguintes conceitos: discurso,
formação discursiva, formação ideológica e sujeito
11
.
4.1 A análise do discurso e suas épocas
Michel Pêcheux (1990) resume as três épocas que envolveram a construção teórica da
Análise do Discurso iniciada na década de 60, na França, como momentos de deslocamentos,
ou seja, houve momentos de revisões e modificações em seus conceitos essenciais. Falar em
três épocas
12
não significa dizer que existiram divisões cronológicas, mas sim a reavaliação e
a elaboração dos conceitos que sustentam a teoria desse campo do conhecimento.
A primeira fase da AD apoiava-se no levantamento de uma série de palavras e
estruturas de frases que pertencessem a um conjunto de discursos produzidos por uma
máquina discursiva em um dado momento. A idéia de heterogeneidade a existência de
diversas vozes em um mesmo discurso não era levada em conta pelos analistas do discurso
na AD1, por isso, buscava-se, em qualquer análise, aquilo que mostrasse a homogeneidade e a
concepção de que os discursos eram fechados em si mesmos. Segundo Grigoletto (2002, p.26-
27), há aspectos positivos nessa primeira fase:
Um é a tentativa de se proceder a uma análise não-subjetiva dos efeitos de
sentido, uma análise que não ficasse presa à ilusão do sujeito de ser a origem
do sentido. Outro é o rompimento com uma concepção reducionista da
linguagem, que a entende como instrumento de comunicação. (...) Um terceiro
aspecto positivo é a elaboração do conceito de relações de sentido entre
discursos (...). Por último, mas não menos importante, está, nessa primeira
fase, a proposta de articulação do lingüístico com o histórico-social, através do
11
Esses conceitos, a princípio, serão citados durante a explanação das fases da Análise do Discurso de linha
francesa, sendo melhor explorados nos subitens do capítulo.
12
A partir desse momento em nossa dissertação, iremos nos referir a essas épocas da seguinte maneira: AD1,
AD2 e AD3 e à Análise do Discurso simplesmente como sendo AD.
62
conceito de determinação do processo discursivo pelas suas condições de
produção.
Depreendem-se, porém, desse momento da AD1, aspectos também negativos, como a
ausência de uma reflexão sobre o conceito de sujeito e sobre a enunciação, além da escolha de
termos denominados pivôs e sua análise feita de forma dissociada do fenômeno enunciativo
(GRIGOLETTO, 2002).
Aos poucos, a concepção de que o discurso fosse homogêneo foi deixada de lado, pois
se verificou que a “interação cumulativa de momentos de análise lingüística e análise
discursiva” (op. cit., p.28) provocou desdobramentos na postura metodológica do analista de
discurso. Esse passa a enxergar o acontecimento como elemento essencial para a compreensão
do discurso e não apenas sua estrutura.
Na AD2, Pêcheux implementa um deslocamento teórico em relação à fase inicial. Ele
lança um olhar para as relações entre os processos discursivos. Entretanto, o conceito de
formação discursiva contribui para o abandono da noção de discurso homogêneo, ou seja, de
máquina estrutural fechada. É nessa época também que Pêcheux nos apresenta sua teoria dos
“dois esquecimentos”: “sob a ação da interpelação ideológica, o sujeito pensa que é a fonte do
dizer, pois este se apresenta como uma evidência” (GREGOLIN, 2004, p. 62). Em outras
palavras, o sujeito tem as convicções de que seu dizer se inicia a partir dele e de que este dizer
é único, é original.
Pêcheux (1988) enfatiza também o papel da “luta ideológica de classe” na produção
dos sentidos quando propõe uma teoria materialista do discurso, isto é, todo discurso é o
resultado de uma relação ideológica de classe que por si só já apresenta contradições.
Na AD3, noções como as de máquina estrutural fechada são definitivamente
derrubadas e provocam diversos questionamentos entre os analistas do discurso. Pêcheux
distancia-se de posições dogmáticas assumidas em épocas anteriores devido ao seu vínculo
com o Partido Comunista. Ele enfatiza a heterogeneidade presente no discurso que é garantida
por suas condições de produção, isto é, “as imagens que os interlocutores fazem de si e do
outro, a partir do lugar que eles ocupam no contexto histórico-social” (MASCIA, 2003, p. 28)
e aprofunda-se no conceito de interdiscurso, além de reconhecer a não-neutralidade na
construção do discurso.
Com Pêcheux, dá-se uma grande interrogação com relação ao estatuto do sujeito:
como fazer a separação no sujeito do enunciador estratégico que nos é mostrado como
63
responsável de seu próprio dizer da posição do sujeito afetado pelo interdiscurso e,
conseqüentemente, sem controle estratégico (GRIGOLETTO, 2002). Diversos
questionamentos são feitos sobre o sujeito do discurso e sobre a própria AD concebida como
procedimento de análise (FERNANDES, 2005).
É significativo lembrar que se nessa fase a ênfase às tentativas de diálogo entre a
análise do discurso e outras áreas, principalmente a lingüística, a história e a psicanálise
exatamente pela necessidade de respostas aos questionamentos feitos. Percebeu-se que estas
outras áreas serviriam de suporte para a AD.
Nos subitens seguintes, tratamos dos conceitos que fizemos referência no início deste
capítulo e que norteiam a análise.
4.3 Discurso, formação discursiva e formação ideológica
Acreditamos ser prudente definir o que entendemos por discurso já que o termo parece
ter se popularizado e por isso ser compreendido de maneira bem diversa da proposta pela AD
de linha francesa especificamente.
Sendo o discurso o objeto de estudo da AD, devemos compreender que sua existência
é garantida por elementos como a língua, a fala e o texto. Sendo assim, o discurso “encontra-
se no social e envolve questões de natureza não estritamente lingüística” (FERNANDES,
2005, p. 20). As palavras proferidas estão impregnadas de aspectos sociais e ideológicos
percebidos pelos interlocutores mais atentos. Isto nos possibilita afirmar que os discursos
sofrem transformações, pois acompanham as mudanças das mais variadas ordens, como
políticas e sociais.
Como Fernandes (op. cit., p.22) ratifica
analisar o discurso implica interpretar os sujeitos falando, tendo a produção de
sentidos como parte integrante de suas atividades sociais. A ideologia
13
materializa-se no discurso que, por sua vez, é materializado pela linguagem
em forma de texto.
Quando nos referimos à produção de sentidos, dizemos que no discurso os
sentidos das palavras não são fixos, não são imanentes, conforme, geralmente,
atestam os dicionários.
13
Segundo Ferreira (2005, p.17), ideologia é o elemento determinante do sentido que está presente no interior
do discurso e que, ao mesmo tempo, se reflete na exterioridade, a ideologia não é algo exterior ao discurso, mas
sim constitutiva da prática discursiva.
64
É importante ressaltar ainda que todo discurso é constituído por interdiscursos, isto é,
tem em si diferentes discursos, provenientes de diferentes momentos históricos e posições
sociais. As palavras adquirem os significados de acordo com os lugares ocupados pelos
sujeitos no momento da interlocução, isto é, uma mesma palavra pode ser compreendida ou
proferida com significados diferentes graças aos lugares da hierarquia social ocupados por
aqueles que a pronunciam e suas concepções ideológicas. Estas constatações nos levam a
perceber a importância da análise do discurso que tem em vista as condições de produção; são
relevantes, portanto, as condições sócio-históricas e ideológicas constituintes dos sujeitos do
discurso. Verificamos isto em Pêcheux (1988, p.190) quando afirma que
O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não
existe “em si mesmo” (...) mas, ao contrário, é determinado pelas proposições
ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico no qual as
palavras, expressões e proposições são produzidas.
São, portanto, os sujeitos que dão sentido às palavras segundo o lugar em que estão
inseridos na sociedade e conseqüentemente os regimes de verdade que trazem
consigo.Verificamos ainda em Foucault (2002, p. 52-3) que “os discursos devem ser tratados
como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se
excluem”. Ele enfatiza a concepção de discurso interligada às relações que o constituem, por
isso, a preferência do autor pelo termo “formações discursivas” a “discurso” que é um
conjunto de enunciados possíveis que subjazem à prática discursiva (MASCIA, 2003, p.30).
Assim, entende-se por prática discursiva,
um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e
no espaço, que definiram em uma época dada, e para uma área social,
econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições da função enunciativa
( FOUCAULT, 1995, p.136).
O termo “prática”, neste contexto, difere da idéia de atividade do sujeito; é, na
verdade, a expressão da existência de forma objetiva e material de certas regras obedecidas
por ele enquanto aquele que participa do discurso. São as regras internalizadas e incorporadas
pelo sujeito que, com o passar do tempo, passam a ser percebidas como parte de sua
existência.
65
Se são as relações com o outro que proporcionam ao sujeito e a seu discurso
constantes transformações, são nestas mesmas relações que encontramos explicações sobre o
que se denominou formação discursiva e formação ideológica.
Como é sabido, o conceito de formação discursiva emprestado de Foucault encontra-se
estreitamente relacionado à noção de discurso. Sendo assim, formação discursiva é entendida
como um sistema de dispersões e de regularidades o que nos remete às épocas da AD
anteriormente mencionadas em que a idéia de homogeneidade predominou durante um
período até a heterogeneidade e as formações discursivas serem reconhecidas.
Foucault (1995, p.43) define formação discursiva da seguinte maneira:
Sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma
ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos
uma formação discursiva.
Após a discussão sobre o conceito de formações discursivas, faz-se necessária a
problematização do que se entende por formações ideológicas que atravessam
inevitavelmente aquelas.
Pêcheux (1975) formulou o conceito de formações ideológicas tendo como base a
noção althusseriana de interpelação, ou seja, as práticas discursivas constituem-se de e sob
uma ideologia e de que a ideologia se dá através do sujeito e para o sujeito.
Como Eckert-Hoff (2008, p.50) esclarece-nos: “O funcionamento da ideologia, em
geral, como interpelação dos indivíduos em sujeitos e, especificamente, em sujeitos de seu
discurso, realiza-se pelo complexo das formações ideológicas e fornece a cada sujeito sua
realidade”.
A AD, segundo Ferreira (2005, p.15), entende por formação ideológica o “conjunto
complexo de atitudes e de representações, o individuais nem universais, que se relacionam
às posições de classes em conflito umas com as outras”. Por isso, cheux (1975) faz
referência à mudança de sentidos das palavras, proposições de acordo com as posições
assumidas por aqueles que as proferem como apontado anteriormente. Esses sentidos são
determinados pelas formações ideológicas nas quais essas posições estão inseridas.
Estes conceitos discurso, formação discursiva, formação ideológica têm sua
existência garantida graças às relações estabelecidas entre os sujeitos. Cabe, então, determo-
nos, a seguir, no conceito de sujeito da AD.
66
4.2.1 O sujeito na análise do discurso
Dedicamos nosso segundo capítulo à explanação do sujeito em Foucault e neste
subitem de nosso quarto capítulo problematizamos o sujeito na AD. A intenção é nos
aprofundarmos nesta conceitualização já que um de nossos objetivos de pesquisa é reconhecer
o sujeito que a Pátio pretende formar com seus textos de conteúdo teórico e prático.
Como apontado por Foucault em seus escritos, a noção de discurso está
profundamente ligada à de sujeito discursivo, entretanto, como explicitamos anteriormente,
não discurso homogêneo, o que implica dizer que a heterogeneidade discursiva é garantida
pelas condições de produção que envolvem os sujeitos e a situação social em que eles se
encontram. Também, pela ideologia que é imprescindível e inerente à noção de discurso.
Compreendemos, a partir dessas colocações que qualquer palavra enunciada traz consigo
alguma ideologia. Ao falarmos em AD de linha francesa, temos que enfatizar a necessidade
de se sair do campo lingüístico e se adentrar em outros campos conforme Fernandes afirma
(2005, p. 24-25):
Como o discurso encontra-se na exterioridade, no seio da vida social, o
analista/estudioso necessita romper as estruturas lingüísticas para chegar até
ele. É preciso sair do especificamente lingüístico, dirigir-se a outros espaços,
para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala, fora
delas, ou seja, para compreender de que se constitui essa exterioridade a que
se denomina discurso, objeto a ser focalizado para análise. Eis que, dessa
maneira, se instaura um campo de conflitos (...). Se diferenças, embates
no social e, conseqüentemente, no lingüístico. O que marca as diferentes
posições dos sujeitos (...) é a ideologia, é a inscrição ideológica dos sujeitos
em cena.
Cabe ainda, na noção de discurso, a de sujeito discursivo o qual se constitui na
interação social; não é o centro de seu dizer, pois, em sua voz, há um conjunto de outras vozes
que se manifestam. Temos, como resultado desse processo, um sujeito polifônico constituído
por uma heterogeneidade de discursos (FERNANDES, 2005).
Authier-Revuz (2004) propõe a existência de dois tipos de heterogeneidade que podem
nos auxiliar na compreensão do sujeito discursivo. Segundo esta lingüista, temos a
heterogeneidade constitutiva e a mostrada. Entende-se a constitutiva como sendo a condição
67
de existência do discurso e do sujeito, elementos estes que passam a existir a partir de sua
interação social, conseguida exclusivamente através da relação com outros sujeitos. Já a
heterogeneidade mostrada é a voz do outro presente no discurso do sujeito, sendo percebida,
de maneira explícita, na materialidade lingüística.
O sujeito da AD não é totalmente livre, nem determinado por mecanismos exteriores.
Este sujeito tem sua origem na relação com o outro e, por isso, não é fonte única de sentido,
tampouco origem do discurso. Há nele a presença da incompletude (FERREIRA, 2005).
Vários têm sido os questionamentos sobre o descentramento do sujeito, ou seja, a
afirmação de que o sujeito não é o centro de seu dizer, o que reforça a concepção da
heterogeneidade discursiva. Pêcheux (1990) enfatiza esta idéia ao tratar dos dois tipos de
esquecimento do sujeito. O esquecimento número 1 envolve a idéia de que temos controle
sobre os sentidos de nossos dizeres. O esquecimento número 2 concentra-se na ilusão de que
somos a origem, a fonte de nosso dizer. Em outras palavras, temos a ilusão de que tudo se
inicia em nós.
Fernandes (2005, p. 41), por sua vez, reitera estas idéias ao dizer que
O sujeito não é dado a priori, resulta de uma estrutura complexa, tem
existência no espaço discursivo, é descentrado, constitui-se entre o “eu” e o
“outro”. Nesse contexto epistemológico, os sujeitos resultam de uma ligação
da ideologia, inscrita histórico-socialmente, como o inconsciente, que
vazão à manifestação do desejo.
Por isso, mais uma vez, constatamos a não fixidez do sujeito nem de seu discurso, pois
estão sempre em um processo contínuo de construção e alteração, garantido pela interação
social.
Conforme se pode concluir, para Pêcheux, o sujeito da AD é atravessado pela
ideologia e pelo inconsciente o que o torna despossuído de seu papel central, mas integrado ao
funcionamento do discurso, determinando-o e sendo determinado por ele.
4.3 O que se entende por fazer análise do discurso hoje?
Segundo Grigoletto (2002), Pêcheux deixou em seus últimos escritos a contribuição
para a distinção da AD de outras linhas de análise do discurso: a necessidade de momentos de
análise lingüística e de análise discursiva. Esta alternância ocasionará a reconfiguração do
68
corpus e, por conseguinte, novas interpretações. Desta forma, analisar o discurso implica na
interpretação dos sujeitos falando, levando-se em consideração o discurso materializado
lingüisticamente e suas condições de produção.
Segundo Orlandi (1997,p.7), Pêcheux propõe uma forma de reflexão sobre a
linguagem em que o cabe um olhar acomodado, pois tem por base os entremeios do
discurso. Sendo assim, é exigido do analista atenção para com as regularidades e os escapes
produzidos no momento da enunciação.
A reflexão proposta por Pêcheux envolve três caminhos se assim os podemos
denominar. O primeiro reside no acontecimento, ou seja, o fato que motivou toda a reflexão e
que está inserido em um momento histórico-social, que tem como pivôs sujeitos perpassados
pela(s) ideologia(s) e que não têm poder sobre o próprio dizer. É esta última constatação que
nos garante os escapes verificados no discurso.
O segundo caminho é o da estrutura. Temos as mais variadas possibilidades de
construção de nossos discursos, pois a organização dos termos da oração, a seleção de
algumas palavras em detrimento de outras, os tipos de verbos utilizados, por exemplo, podem
apontar para o analista do discurso elementos constitutivos do acontecimento e dos sujeitos
envolvidos nele.
o terceiro caminho é o da tensão entre descrição e interpretação na análise do
discurso.
Descrever, conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p. 972),
pode ser compreendido como: 1. representar (alguém, algo ou a simesmo), por escrito ou
oralmente, no seu todo ou em detalhes. 2. fazer um relato circunstanciado de; contar em
detalhes; narrar. 5. fornecer uma descrição objetiva, sistemática e abrangente da estrutura (ou
parte dela) de uma língua, variante ou dialeto, a partir da análise de um corpus colhido dos
falantes nativos, utilizando métodos de descoberta desenvolvidos por lingüistas,
especialmente de alguma escola estruturalista, descritiva ou funcionalista.
Entendemos que no processo da análise lingüística e discursiva realizado pelo analista
do discurso deva predominar a objetividade no ato de descrever, porém
Uma descrição, nesta perspectiva, não é uma apreensão fenomenológica ou
hermenêutica na qual descrever se torna indiscernível de interpretar: essa
concepção da descrição supõe ao contrário o reconhecimento de um real
específico sobre o qual ela se instala: o real da língua.(PÊCHEUX, 1997, p.50)
69
É importante refletirmos sobre o objeto da lingüística – a língua -, porque ele é
Atravessado por uma divisão discursiva entre dois espaços: o da manipulação
de significações estabilizadas, normatizadas por uma higiene pedagógica do
pensamento, e o de transformações do sentido, escapando a qualquer norma
estabelecida a priori, de um trabalho do sentido sobre o sentido, tomados no
realçar indefinido das interpretações.(idem, p.51)
Estes elementos fornecidos por Pêcheux nos alertam para o fato de que por mais
objetivo que se queira ser, o simples ato da escolha implica em resultados que fogem de nosso
controle. Segundo este ponto de vista (ibidem, p. 53),
Toda descrição está intrinsecamente exposta ao equívoco da língua(...) Todo
enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois lingüisticamente descritível
como uma série de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a
interpretação.
Na análise do discurso, há a preocupação com o momento e o lugar da interpretação
que par sua existência faz-se necessária a descrição. E em que consiste o interpretar?
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001,p.1636), encontramos os
seguintes significados: 1. determinar o significado preciso de. 2. adivinhar a significação de
(algo) por indução. 3. dar certo sentido a; entender; julgar.
O interpretar na análise do discurso está associado ao segundo e ao terceiro
significados apresentados acima que temos consciência de que o analista faz uma
interpretação que também, como o discurso analisado, é perpassada pelo ideológico e pelo
incosnciente de um sujeito inserido em um contexto histórico-social.
Enfim, a AD se apresenta como uma forma de conhecimento que se no
entremeio, no escape, na tensão acima mencionada “seja no campo das disciplinas, no da
desconstrução, ou mais precisamente no contato do histórico com o lingüístico” (op.cit., 1994,
p.8).
Assim sendo, a AD consiste, para nós, em uma “ferramenta” de análise, ou melhor,
um arcabouço teórico-metodológico, que nos permitirá olhar para o corpus e ver para além do
meramente lingüístico, qual seja, de modo a proceder a análise no entrecruzamento dos
conceitos sócio-culturais, genealógicos e da tensão entre a Modernidade e Pós-Modernidade,
conforme resgatados em nossa parte teórica.
70
Todos estes conceitos estão presentes na análise de nosso corpus de pesquisa. No
capítulo seguinte, abordamos as condições de produção da “Pátio – revista pedagógica”.
71
Parte II
Análise
72
Capítulo 1
Apresentando o macrodiscurso da Pátio
Damos início à análise de nosso corpus que está estruturada em dois grandes
momentos. No primeiro capítulo, preocupamo-nos com os elementos que envolvem a revista
Pátio, desde seu aparecimento até sua manutenção, atrelando-a ao contexto histórico-social ou
às condições de produção, o que vamos denominar como macrodiscurso. No segundo
capítulo, analisamos alguns textos escolhidos do recorte discursivo que chamamos de
microdiscurso.
Voltamo-nos, neste momento, para a questão das condições de produção que
compõem nosso objeto de pesquisa, a Pátio revista pedagógica”. Reiteramos que estamos
investigando em que medida a Pátio instaura “novos regimes” de verdade com relação aos
pressupostos filosóficos educacionais e que concepção de sujeito emerge dos discursos dessa
revista.
Embasamo-nos nos conceitos de sujeito, de discurso, de identidade, de poder-saber, de
governamentalidade e nos pressupostos da AD de linha francesa, discutidos nos capítulos
anteriores, para a elaboração da análise de nosso corpus. Ele é constituído de textos
selecionados da Pátio revista pedagógica de 1997 a 2007. Dentre os diversos textos
presentes nos exemplares da revista, elegemos como material de nossa pesquisa três tipos:
editorais, auto-descrição e títulos das seções. Os editoriais são onze (presentes nos exemplares
de número: 0, 1, 4, 9, 17, 23, 25, 28, 34, 36 e 40. No exemplar de número 40, o editorial foi
denominado Carta ao leitor por ser uma revista comemorativa e reflexiva dos dez anos de
existência da Pátio). Vale ressaltar que alguns dos editoriais encontram-se em anexo. A auto-
descrição da revista pode ser encontrada em seu site e os títulos das seções e suas respectivas
descrições foram redigidos por profissionais brasileiros e estrangeiros ligados à educação e
encontram-se na própria revista. A disposição gráfica das seções varia de revista para revista e
em algumas há coincidência com a disposição encontrada no site. A utilizada em nosso
trabalho foi obtida por meio do site da Pátio.
A escolha deste corpus de pesquisa se deu após a leitura de vários textos encontrados
na revista possuidores de características, exploradas em nossa análise, que contribuíram para a
73
verificação da validade de nossos objetivos (cf. em Introdução). Quanto à seleção dos
referidos editoriais, a princípio, foi feita de forma aleatória. Porém, após as releituras, as
regularidades encontradas em sua materialidade lingüística determinaram a escolha.
Compreendemos a análise final apresentada em nosso trabalho como sendo a análise de um
recorte discursivo que visa a responder às perguntas de pesquisa apontadas em seu início.
Feito o esclarecimento das justificativas do corpus de nossa pesquisa, é essencial
voltarmo-nos para o título deste capítulo.
Ao falarmos em macrodiscurso, estamos pensando no momento histórico-social ou
ainda nas condições de produção dentro das quais emerge o discurso da Pátio. Pêcheux
(1969) as define como sendo os aspectos históricos, sociais e ideológicos que envolvem o
discurso, ou que possibilitam a produção do discurso. A seguir, apresentamos a definição de
Fernandes (2005, p. 27-8):
O lugar histórico-social em que os sujeitos enunciadores de determinado
discurso se encontram envolve o contexto e a situação e intervém a título de
condições de produção do discurso. Não se trata da realidade física e sim de
um objeto imaginário socioideológico.(...)
Isto posto, reiteramos que o discurso tem existência na exterioridade do
lingüístico, no social, é marcado sócio-histórico-ideologicamente. Na
exterioridade do lingüístico, no social, posições divergentes pela
coexistência de diferentes discursos, isto implica diferenças quanto à inscrição
ideológica dos sujeitos e grupos sociais de uma mesma sociedade, daí os
conflitos, as contradições, pois o sujeito, ao mostrar-se, inscreve-se em um
espaço socioideológico e não em outros, enuncia a partir dessa inscrição; de
sua voz emanam discursos, cujas existências encontram-se na exterioridade
das estruturas lingüísticas enunciadas.
Sendo assim, é a AD de linha francesa que contribuirá para o questionamento sobre as
condições de produção e sobre o discurso presentes nos textos selecionados da referida
revista. É importante ressaltar que embora a AD consista em uma “ferramenta” de análise,
não tem como proposta categorias pré-concebidas, assim sendo, as categorias de análise serão
levantadas a partir do olhar sobre as regularidades presentes na materialidade lingüística, à luz
do seu contexto de produção e da verificação dos efeitos de sentido produzidos.
1.1 Pátio: o mundo que a gerou e que a mantém
74
A Pátio revista pedagógica” teve o exemplar número zero lançado em
fevereiro/abril de 1997. Constam em seu editorial inaugural seus objetivos enquanto veículo
de comunicação e informação diretamente ligado às questões educacionais. São eles: i)
assegurar o pluralismo conceptual; ii) contemplar importantes questões teóricas; iii) socializar
bons modelos de prática pedagógica desenvolvidos no país.
O surgimento desta revista ocorre em 1997, ano em que os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) têm sua implantação no país. Este fato nos instigou a fazer uma pesquisa
sobre as décadas de 80 e 90 e o currículo. Como nos mostra Moreira (2002, p. 159 a 161),
É importante realçarmos, (por fim,) no panorama educacional dos anos
oitenta, a busca de uma orientação mais autônoma e a desvalorização dos
modelos educacionais associados ao governo militar.
(...)
No que se refere a estudos em educação, havia, no final da década, 26
mestrados e 7 doutorados no Brasil oferecendo significativas oportunidades
para análises críticas de problemas educacionais em geral e curriculares em
particular.
(...)
Tanto as forças inter-relacionadas de redemocratização do país como a criação
de espaços institucionais para discussões e propostas críticas constituíram-se
em elementos cruciais na definição das principais tendências do campo
contemporâneo do currículo e das respostas às questões curriculares
levantadas.
O fracasso da escola de primeiro grau (atualmente denominada Ensino Fundamental)
instigou autoridades, educadores e estudiosos a levantarem questões sobre o currículo, o que
originou posições diversas as quais foram transformadas em documentos como o Educação
para todos documento norteador da política educacional do governo Sarney, 1985 e
vertentes pedagógicas que ainda hoje têm espaço em nosso meio educacional. Dentre elas,
citamos a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação popular.
Doze anos se passam e o olhar sobre o currículo se mantém. Entretanto, dizer que
houve coincidência temporal entre o lançamento da Pátio, a escolha do tema currículo como
carro-chefe de seu exemplar número zero e o surgimento dos PCNs seria bastante ingênuo de
nossa parte. Nas questões educacionais não existe o acaso, pois todas as ações são
extremamente bem pensadas mesmo que, em vários momentos, não reflitam o que existia no
campo das idéias.
75
Sendo assim, na década de 90, várias iniciativas envolvendo a questão do currículo
tomaram o espaço das discussões governamentais e, paralelamente a isso, nas universidades,
debates e textos foram produzidos tendo também as questões curriculares como ponto
principal. Os trabalhos resultantes destas discussões serviram de referência para a idealização
de pareceres e a análise de propostas curriculares (BONAMINO & MARTÍNEZ, 2002).
Quase concomitantemente ao lançamento da “Pátio revista pedagógica” (1997),
surge a TV Escola que opera em caráter definitivo desde março de 1996 . Um ano antes
(1995), à grade da TV Escola é incorporado o programa Salto para o Futuro e os Parâmetros
Curriculares Nacionais foram apresentados em setembro de 1996 ao Conselho Nacional de
Educação (CNE) para apreciação e deliberação. Temos, então, um “pacote” de iniciativas
governamentais que têm objetivos bastante semelhantes como relatado a seguir.
a)
“Pátio revista pedagógica”: “Nosso desejo é ter uma revista que assegure o
pluralismo conceptual, enfocando diferentes pontos de vista para refletirmos sobre
opiniões divergentes”; “Todas essas propostas teóricas e práticas objetivam mais
do que a reflexão, almejam a aplicação prática e transformadora”
(Editorial 0 Fev
/Abr 1997, p. 3).
b)
TV Escola: programa “dirigido à capacitação e valorização de professores de
Ensino Fundamental e Ensino Médio da rede pública”; “o programa foi criado com
o objetivo de ser mais uma estratégia para reduzir as taxas de repetência e evasão;
motivar professores e alunos; e incentivar atitudes autônomas que fossem a base
para aprendizagem e o desenvolvimento permanentes
(http://mecsrv04.mec.gov.br/seed/tvescola/tvescola/default.shtm).
c)
Salto para o Futuro:O objetivo é debater diferentes tendências no campo da
educação e contribuir para a reflexão da prática em sala de aula”
(http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/ histórico.htm).
d) Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): de maneira geral, os PCNs têm por
objetivo promover a reorientação curricular nos Ensinos Fundamental e Médio;
“Nosso objetivo é auxiliá-lo (professor) na execução de seu trabalho,
compartilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças dominem os
conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamente
reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade”
( MEC, 1998, p. 4).
Ao lermos o histórico do programa Salto para o Futuro, veiculado pela TV Escola,
também encontramos semelhanças no que é dito sobre o resultado desse diálogo propiciado
pelo programa aos professores e algumas das seções existentes na Pátio - revista
76
pedagógica” (cf. Parte II - Cap.2 2.3. O (inter)discurso da atualidade e da totalidade).
Citamos alguns exemplos destas coincidências.
No texto do programa, encontramos o seguinte trecho:
S1
14
:
Podemos pensar em uma comunidade de professores, que trocam informações,
experiências? também o desejo de ter voz e vez, através de questões que
muitas vezes denunciam situações de trabalho que precisam ser melhoradas,
como a falta de tempo para o estudo, a questão salarial, o número, muitas
vezes, excessivo de alunos por turma.
uma expectativa permanente por respostas pontuais, que envolvem o
cotidiano do professor. Existe também um freqüente entusiasmo de falar de
experiências exitosas. Como pano de fundo, percebe-se uma vontade de
exercer o direito à formação profissional continuada, buscando uma sintonia
com as tendências atuais da educação.
(http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/ histórico.htm).
Nas seções da Pátio, deparamo-nos com:
S2:
Cotidiano
Espaço onde as experiências nascidas dia-a-dia nas salas de aula são compartilhadas, fornecendo aos
leitores exemplos de práticas pedagógicas diversificadas.
Currículo Vivo
Matérias jornalísticas que apresentam experiências significativas que vêm sendo desenvolvidas em
todo o Brasil, ligadas ao tema.
Quadro-negro
Espaço aberto à divulgação e ao questionamento de situações problemáticas encontradas na educação,
no Brasil e no mundo, debatendo pensamentos, propostas pedagógicas e posturas profissionais
divergentes ou consideradas inadequadas pelo leitor.
Em ambos os textos, observamos a exploração de temas muito próximos em
consonância com o momento histórico-social em que são veiculados. O primeiro tema
explorado trata de denunciar as situações problemáticas da educação no Brasil, conforme
visto no trecho do programa Salto para o Futuro em que lemos “através de questões, que
muitas vezes, denunciam situações de trabalho que precisam ser melhoradas, como a falta de
14
Entenda-se S por seqüência, seguimento, excerto.
77
tempo para o estudo, a questão salarial, o número, muitas vezes, excessivo de alunos por
turma” e, na seção Quadro-negro da Pátio, encontramos: “Espaço aberto à divulgação e ao
questionamento de situações problemáticas encontradas na educação, no Brasil e no
mundo(...)”. O outro tema explorado se refere ao professor em busca de respostas a seus
anseios, como verificamos neste trecho do Salto para o Futuro: “Há uma expectativa
permanente por respostas pontuais, que envolvem o cotidiano do professor” enquanto na
Pátio a resposta para este anseio na seção intitulada Currículo Vivo que é auto-descrita da
seguinte maneira: “Matérias jornalísticas que apresentam experiências significativas que vêm
sendo desenvolvidas em todo o Brasil, ligadas ao tema”. Ainda nos deparamos com um
terceiro tema comum, qual seja, a preocupação com “bons modelos” conforme os trechos
“Existe também um freqüente entusiasmo de falar de experiências exitosas” (programa Salto
para o Futuro) e “Espaço onde as experiências nascidas dia-a-dia nas salas de aula são
compartilhadas, fornecendo aos leitores exemplos de práticas pedagógicas diversificadas”
(Pátio).
Por meio destas coincidências de objetivos nessas iniciativas e a veiculação – explícita
ou implicitamente – de concepções sobre o que é ser um bom professor atualmente, o governo
brasileiro quer garantir o direcionamento do currículo a ser implantado nas escolas do país e
das possíveis discussões a respeito, bem como formar sujeitos que sejam capazes de colocar
em prática as diretrizes curriculares pré-estabelecidas. Segundo Foucault (2002), a rede de
poderes garantida pelas relações de poder-saber tem existência mesmo com a ausência do
Estado, por isso esse “pacote” de iniciativas precisa ser bem gerenciado, inclusive para
transmitir a sensação aos profissionais do meio educacional de que são eles os condutores da
situação. Um exemplo deste direcionamento é encontrado no texto dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, conforme nos relata Bonamino & Martinez (2002, p.7):
(...) embora o texto rejeite explicitamente qualquer viés de ‘modelo curricular
homogêneo e impositivo’, o que encontramos nos PCNs são conteúdos e
metodologias significativamente detalhadas em cada uma das ‘áreas’
disciplinares propostas.
Ao voltarmos o olhar para os editoriais da Pátio, verificamos afinidades com as idéias
expostas anteriormente. Logo em seu primeiro editorial (Ano I, nº0, fev/abr 1997, p.3),
encontramos a justificativa da escolha do currículo como tema central desse exemplar da
revista.
78
S3:
Quanto à pauta de abertura, elegemos o currículo como uma temática
oportuna, na medida em que esse assunto tem sido foco de inúmeros estudos e
pesquisas, em todo o mundo, paralelos às reformas curriculares que estão
sendo planejadas ou implantadas em nosso país e em importantes centros
latino-americanos, europeus e americanos.
Como outros materiais pedagógicos presentes no mercado, este também pretende
discutir os documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, apontando neles
aspectos que destoam da realidade ou são um exemplo de visão educacional.
1.2 A “Pátio – revista pedagógica”: seus elementos constitutivos
A seguir, descrevemos a revista propriamente dita, nosso corpus de análise.
A Pátio possui um Conselho Consultivo (em formação, segundo consta no exemplar
0) composto por profissionais da educação ligados a instituições de Ensino Superior como
a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Santa Úrsula do Rio de
Janeiro (USU/RJ), Universidade de São Paulo (USP), Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), Universidade Federal do Paraná (UFPR) dentre outras. na revista
nº 40 (Nov. 2006/ Jan.2007), não constam nomes ou siglas de instituições de Ensino Superior;
é nos assinalado apenas o estado ao qual o profissional pertence e pode-se afirmar que houve
um crescimento no número de participantes deste Conselho, sendo que vários dos membros
têm atuado durante esta década na Pátio. Ao confrontarmos os membros constituintes do
Conselho Internacional pelos exemplares de 0 e 40, verificamos que a grande maioria deles
continua fazendo parte da composição desse Conselho, o que pode indicar uma linha
determinada de conduta que vem sendo mantida nesses anos de existência.
Cada exemplar da revista possui um tema central que é discutido por estudiosos
diversos. Por exemplo, a revista nº 0 aborda “o currículo” enquanto a nº 4 discute “a formação
do professor”. Existem, porém, outros temas abordados na mesma revista. Os textos que a
compõem resultam tanto de uma mistura de textos escritos propriamente para ela quanto de
traduções de artigos originários de outras fontes. Seus autores são estudiosos ligados à
educação – brasileiros ou estrangeiros traduzidos por profissionais brasileiros.
79
São lançados por ano quatro números dessa revista, normalmente distribuídos dois em
cada semestre. Assinaturas podem ser feitas a qualquer momento e os exemplares do ano são
entregues ao novo assinante, conforme consta na própria revista. A partir da revista 2 (Ag.
/Out. 1997), instruções mais específicas sobre como ter artigos publicados pela Pátio são
incluídas em espaço localizado abaixo daquele destinado aos membros do Conselho
Internacional. Esse procedimento, porém, não se repete em todos os exemplares.
Verificamos que, com o passar dos anos, seções foram sendo modificadas e outras
incluídas na constituição dos exemplares da revista. A título de exemplificação, a seção
“Quadro negro”, que será explorada em nossa análise, só foi inserida no ano de 2000.
Também constatamos que a Pátio serve de meio para a propaganda dos títulos a serem
lançados por sua editora.
A editora Artes Médicas Sul Ltda. é a responsável pela editoração da Pátio revista
pedagógica”. Demonstra ter por objetivo “oferecer um veículo de comunicação mais ágil com
o público da área da Educação” (ano I, 0, fev./abr.1997, p.3). A própria editora aponta a
razão para a criação desta revista pedagógica ao afirmar que ela (a revista) “possibilita um
contato quase imediato entre leitor e o escritor, superando algumas dificuldades de acesso
muitas vezes relacionadas aos livros” (op., cit.).
Consta no Jornal da Educação, publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em
Educação, ano 12, nº 3133, de 5/11/07, referência elogiosa à referida revista. Vejamos:
S4:
Revista Pátio Pedagógica é uma das publicações mais importantes do setor
A revista é publicada desde 1996 pela ARTMED, uma importante editora de livros de
formação na área da educação no cenário da América do Sul.
A Pátio - Revista Pedagógica aborda temas relevantes no contexto da sala de aula e dos
meios acadêmicos do país e do exterior.
A publicação possui seções em que trata de questões específicas como Ensino Médio,
Psicologia etc. A revista dá espaço para a palavra de especialistas, além de apresentar ao
leitor experiências de profissionais e projetos bem-sucedidos no setor educacional.
Sua tiragem trimestral tem alcance nacional, sendo 58% dos leitores na região sudeste e
20% na região nordeste. Estando o restante espalhado pelas outras regiões.
Boa parte do conteúdo da revista pode ser acessado pelo site: www.revistapatio.com.br.
(IPAE 012 - 11/07)
80
Por meio desta menção, temos acesso a outros dados sobre esta revista, como a
porcentagem de leitores nas regiões sudeste (58%) e nordeste (20%). Causa-nos estranheza o
fato de a região sul não ser mencionada entre as regiões que possivelmente se destacam pela
quantidade de público leitor que vários membros do Conselho Consultivo são daquela
região bem como a editora que produz a própria revista. Pelos dados veiculados, o estado de
sua maior circulação é o de São Paulo.
Na continuidade de nosso trabalho, empreendemos a uma análise microdiscursiva,
pautada em excertos da Pátio, de modo a apontar as regularidades discursivas. Enfocamos
tanto trechos de textos encontrados em seu site como na revista vendida por assinatura anual.
81
Capítulo 2
A (des) construção do sujeito-professor para a transformação social
A análise microdiscursiva do corpus de nossa pesquisa foi feita em três momentos. No
primeiro, voltamos nosso olhar para os editoriais selecionados (cf. Parte II Cap.1
Apresentando o macrodiscurso da Pátio). No segundo momento, detivemo-nos sobre a
descrição da revista encontrada em seu site. E, por fim, no terceiro momento, concentramo-
nos na análise de algumas das seções que compõem a revista e suas descrições.
Apresentamos, a seguir, os resultados da análise, tomando como base três discursos
que atravessam a Pátio e os seus desdobramentos em efeitos de sentido: o (inter)discurso da
pedagogia crítica; o (inter)discurso publicitário e o (inter)discurso da atualidade e da
totalidade.
2.1 O (inter) discurso da pedagogia crítica
Procedemos, a seguir, à análise de alguns editoriais. A princípio, concentramo-nos em
trechos do primeiro editorial da Pátio (nº 0 Fev /Abr 1997, p.3), que ilustram o imaginário
discursivo e a concepção de sujeito veiculados pela revista, em seu momento inaugural,
conforme S5
15
(Anexo 2).
S5: Com a preocupação de abrir novos canais para intercâmbio e capacitação dos
profissionais de educação, estamos lançando a Pátio revista pedagógica,
que pretende ser uma fonte de circulação de idéias como suporte para a prática
educacional.
Escolhemos chamá-la Pátio porque é nesse lugar, dentro de uma escola, que
se dão as trocas espontâneas. Neste espaço são vivenciadas interações de tipos
diversos entre diferentes segmentos da escola: alunos de variadas faixas
etárias, professores, funcionários, pais, etc., propiciando aprendizagens
significativas. Da mesma forma, pensamos em uma revista com esta
conotação de espaço de circulação de idéias diversificadas e criativas. Nosso
desejo é ter uma revista que assegure o pluralismo conceptual, enfocando
diferentes pontos de vista para refletirmos sobre opiniões divergentes.
Estamos criando, também, um veículo que contemple importantes questões
15
O texto integral de S5 encontra-se no Anexo 2.
82
teóricas, socializando bons modelos de prática pedagógica desenvolvidos no
país.
O uso de substantivos, como, “intercâmbio”, “circulação”, “capacitação”, “suporte” e
“fonte” sugere-nos a possibilidade de permuta de idéias e ações entre os profissionais da
Educação por meio da revista, veículo de comunicação, bem como a garantia dela como
geradora e provedora dessas mesmas idéias e ações. Sendo assim, o tom deste trecho visa
retratar a Pátio como um espaço para o múltiplo, conforme a reiteração de vocábulos como
“idéias diversificadas e criativas”, “pluralismo conceptual”, “diferentes pontos de vista”,
“opiniões diferentes”. Em outras palavras, não a revista quer ser diferente, como ela quer
ser um espaço para o diferente, nem que seja no âmbito do desejo.
Podemos afirmar que a presença de vocábulos, como, “nosso desejo é ter uma revista
que assegure o pluralismo conceptuale “que pretende ser uma fonte de circulação de idéias”
(grifo nosso), na materialidade lingüística deste editorial, revela-nos algo do âmbito da utopia,
do ideal. O substantivo desejo e o verbo pretender pertencem ao campo léxico do possível,
almejado, querido, situações essas que podem ou não ser concretizadas, levando-se em
consideração as diversas variáveis histórico-sociais. “Desejo”, em especial, suscita algo
intimista, usado no campo da psicanálise para aquilo que escapa ao sujeito, mas que o
constitui, mesmo sem saber. Segundo uma das acepções que constam no Dicionário Houaiss
da ngua Portuguesa (2001, p. 974), “é a aspiração humana de preencher um sentimento de
falta ou incompletude; querer, vontade”. Chamamos atenção para os vocábulos assinalados,
pelo fato de, ao longo dos anos, a revista direcionar as discussões para um determinado
paradigma teórico, a pedagogia crítica (conforme acenado em nossa hipótese) e, distanciando-
se de sua proposta inicial colaborar para “circulação de idéias diversificadas e criativas”
(conforme será melhor explicitado ao longo da análise).
Constatamos, ainda, que a caracterização da revista faz uso de verbos que indicam
ação-processo
16
, dos quais ressaltamos: “socializar” com complemento expresso por nome
não-animado que significa tornar social, tornar de todos, no caso, “os bons modelos de prática
pedagógica desenvolvidos no país”. No discurso que envolve a revista, percebemos também a
criação de uma atmosfera paternal veiculada, em especial, pelo verbo “assegurar” (no sentido
16
A análise dos verbos presentes neste trabalho teve como suporte o Dicionário Gramatical de Verbos do
Português Contemporâneo do Brasil, sob a coordenação do Prof. Francisco da Silva Borba. Nele encontramos a
seguinte definição para verbos que indicam ação-processo: Expressam uma ação realizada por um sujeito agente
e/ou de uma causação levada a efeito por um sujeito causativo, que afetam um complemento. A ação-processo
sempre atinge um complemento que expressa uma mudança de estado, de condição ou de posição, ou, então algo
que passa a existir (1990, p.xvii).
83
de “garantir”, “tornar seguro”) utilizado com sujeito agente/causativo, no caso, a revista,
compreendido como aquela que realiza ou instiga a ação expressa pelo verbo e é responsável
pela realização do estado de coisas indicado pelo mesmo verbo (BORBA, 1990), tendo como
objeto direto “o pluralismo conceptual”. O efeito de sentido, portanto, é garantir ao leitor a
pluralidade de concepções e a possibilidade de escolha sem a tentativa de indução para um
tipo ou outro de concepção filosófica, pedagógica, etc. Contudo, um paradoxo entre esses
dois enunciados: se, por um lado, o leitor pode escolher, levando-se em conta “o pluralismo
conceptual”, por outro, no mesmo parágrafo, a revista pretende socializar “bons modelos”.
Neste caso, a expressão “bons modelos” implica em uma pré-escolha por parte da revista, ou
seja, aquilo que a revista entende por “bons modelos” em detrimento dos maus, também, em
sua concepção. Sendo assim, como ficaria a escolha pelas múltiplas teorias? O leitor perde a
oportunidade de opinar ao lhe serem oferecidos somente os “bons” modelos e apagados os
outros.
o verbo “contemplar” em “um veículo que contemple importantes questões
teóricas” com sujeito agente e com complemento expresso por nome abstrato, significa
considerar, meditar sobre “importantes questões teóricas”. Ao nos depararmos com o verbo
“enfocar” com sujeito agente e complemento expresso por nome abstrato indicativo de
assunto, temos por significado “pôr em foco”, “focalizar”, “focar”. Segundo a Pátio, em seu
editorial nº 0, serão focados ”diferentes pontos de vista para refletirmos sobre opiniões
divergentes.”
Após a análise dos verbos “socializar”, ”assegurar”, “contemplar” e “enfocar”, pode-se
concluir que eles são responsáveis por construir o imaginário da revista como aquela que é a
causadora da mudança de estado, de condição ou posição atingindo os sujeitos-leitores e a
educação, porque é por meio da Pátio que se propagam o conhecimento para a transformação
via educação e o conhecimento que torna os professores cada vez mais atualizados.
Ainda referindo-se ao editorial 0 (p.3), a relação entre a revista e seus leitores tem
que ser profunda, por isso a busca por assuntos e temas que atraiam o público-alvo. Seu texto
encontra-se imbuído, nesses termos, de idéias defendidas pela pedagogia crítica, conforme
constatamos em S6.
S6: Todas essas propostas teóricas e práticas objetivam mais do que a reflexão,
almejam a aplicação prática e transformadora. Portanto, nesta edição e nas
seguintes, além do dia-a-dia em sala de aula ser a pauta, de alguma forma, de
todas as matérias, o cotidiano será abordado em uma seção à parte, na qual o
84
leitor encontrará exemplos de procedimentos, práticas pedagógicas e projetos
para uso em sala de aula.
(...) encontramo-nos num grande Pátio, em busca da viabilização de uma
melhor formação para o professor e da conseqüente melhoria da qualidade de
ensino.
Constatamos que a educação e a instituição escolar são concebidas como germes da
mudança e o professor, seu propagador. Este regime de verdade tem lugar na pedagogia
crítica, casando perfeitamente com as concepções da modernidade. Todos os sujeitos
envolvidos com a educação, no âmbito do desejo (cf. S6), “almejam a aplicação prática e
transformadora” e estão “em busca da viabilização de uma melhor formação para o professor
e da conseqüente melhoria da qualidade de ensino”. Os vocábulos e locuções nominais
“aplicação prática”, “transformadora”, “viabilização”, “melhor formação“ e conseqüente
melhoria da qualidade” imputam ao discurso o efeito de sentido de ação e resultado. A figura
do professor, ou melhor, sua formação é atrelada à qualidade de ensino, tornando-o, de certa
forma, o responsável exclusivo pela sua melhoria ou não. Ele passa a ser o único sujeito
passível de reconhecimento neste processo. Todos os outros sujeitos, que estão envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem (pais, alunos, direção coordenação etc...), são apagados do
discurso utilizado pela revista que se torna uma reprodução do discurso proferido no âmbito
escolar no tocante à responsabilidade do professor quanto ao sucesso e/ou fracasso desse
processo todo.
A noção de sujeito presente nos trechos até o momento analisados se aproxima do sujeito
sociológico, conforme postulado por Hall (cf. Parte I Capítulo 3) e mais particularmente do
sujeito da modernidade crítica (cf. Parte I Capítulo 1). Fica clara, aqui, a inserção do discurso
da revista no discurso da educação como luta pela liberdade, defendida por Freire (1970) e seus
seguidores, McLaren (1997), dentre outros, que, com base nos pressupostos da "pedagogia
crítica" oferece uma alternativa de administração dos indivíduos e de distribuição do poder que
levariam a uma sociedade mais justa e igualitária. Neste caso, a libertação estaria atrelada ao
“uso correto” da revista por parte dos professores. Postulamos, ainda, que a revista se coloca
como uma metanarrativa, no sentido de se constituir como um discurso legitimador de saber
(como saber quais são os bons modelos, por exemplo) e de poder (haja vista a sua constituição
enquanto veículo midiático), garantindo a existência de um olhar único sobre o mundo, as
situações e os outros (Lyotard, 1989).
No excerto seguinte (Editorial da revista nº17 mai. / jun. 2001, p.3), temos a reiteração
de algumas das idéias acima veiculadas por outros trechos já analisados da Pátio.
85
S7
17
:
Uma das principais transformações que se apresenta hoje é a necessidade de
constante atualização para os profissionais de diferentes áreas, o que impõe novos
desafios à educação, pois é preciso auxiliar os educandos a se manterem em
permanente conexão com as informações mais recentes. Essa nova função exige
um professor atualizado, que repense suas funções e competências, redimensione
sua relação com o saber e com a cultura e traga para a sala de aula o impacto da
complexidade do mundo contemporâneo.
faz parte do senso comum dizer que os professores estão buscando novos
caminhos. Os professores de hoje vivem em permanente formação. A procura
pelos bons congressos e cursos de pós-graduação mostra que os profissionais da
educação estão atentos à necessidade de formação contínua, assim como os
próprios governos e instituições públicas e privadas.
O sujeito-leitor é o destaque neste trecho da Pátio. Sujeito esse cartesiano intimamente
ligado à dicotomia teoria e prática oferecida pela revista. Tal efeito de sentido encontra-se
evidenciado lingüisticamente nos seguintes enunciados, para busca de teoria: “professores (...)
em permanente formação. A procura de bons congressos e cursos de pós-graduação...” e para
prática: professor que repensa “suas funções e competências,...”. Colocar a “teoria em prática” e
refletir sobre a própria prática é possível para um sujeito consciente e dono de seus atos.
(NASCIMENTO, 2008).
A formação deste sujeito dono de si e a busca contínua pelo que de “melhor” com
relação à formação profissional têm profunda relação com os “desejos” veiculados pela Pátio
revista pedagógica”, como evidenciamos ao longo desta análise.
Consideramos que uma das características cruciais deste sujeito cartesiano seja a
possibilidade de auto-reflexão conforme o enunciado extraído do excerto S7 inserido no
parágrafo anterior (“que repense suas funções, redimensione sua relação com o saber e com a
cultura e traga para a sala de aula...”). Nesses termos, pode-se considerar a Pátio como um
exemplo de investimento na subjetividade docente feito pela mídia educativa, que, conforme nos
afirma Paraíso (2006, p.99), consiste em
estratégias sensibilizadoras e esclarecedoras, feitas de um misto do sucesso
midiático e de um sentimentalismo sedutor. Existe todo um investimento
estratégico que insere as/os professoras/es em um jogo de auto-avaliação e auto-
17
Editorial integral no Anexo 3.
86
reconhecimento, capturando-as/os e moldando-as/os de maneira que se
reconheçam e sejam reconhecidas/os como professoras/os modernas/os, (...).
O mote principal do professor moderno, como se pode observar em S7, é a atualização
(“Essa nova função exige um professor atualizado”). Por sua vez, o professor será qualificado
como atualizado se demonstrar ser aquele que sabe lidar com “o impacto da complexidade do
mundo contemporâneo”. Porém, ao considerarmos os estudiosos vistos no capítulo teórico sobre
o mundo contemporâneo, como Bauman (1999) que reflete sobre os efeitos da globalização e
mesmo Hall (1997) quando aborda a questão do sujeito, mostrando a fragmentação de suas
múltiplas identidades, o que resulta em um sujeito multifragmentado, entendido como sujeito
pós-moderno, existiria uma dissonância entre este sujeito fragmentado do mundo contemporâneo
e o desejo estipulado pela Pátio de um sujeito centrado. Isto explica a busca incessante de
permanente formação pelo sujeito-leitor que dificilmente será saciada.
Verificamos também, que, de certa forma, os meios de comunicação voltados para a
educação e, principalmente, a revista Pátio, nosso objeto de pesquisa, desenvolvem estratégias
bastante persuasivas que interferem nas decisões e nas concepções de seus sujeitos-leitores.
Sendo assim, esses sujeitos são interpelados pelas relações de poder-saber (Foucault, 2002), ou
seja, nunca são totalmente responsáveis por seus atos. Deparamo-nos, portanto, neste jogo
estratégico, com uma dicotomia: por um lado, este sujeito mostra-se aberto, ávido pelo novo para
que consiga ter sucesso em sua prática e, por outro, é tido como alguém carente, que precisa de
amparo e auxílio.
O vocábulo “novo (a)” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001, p. 2032), como
podemos verificar pela transcrição do verbete, é aquele ou aquilo: (7.1) que apresenta
originalidade, que tem caráter de novidade; (8) que se caracteriza pela atualidade, pela
contemporaneidade; (9) que vigora, que tem curso atual e que substitui algo ultrapassado; (10)
cuja forma, estrutura ou aparência se mostra modificada em relação à anterior.
Queremos enfatizar os significados (9) e (10), pois nos remetem ao mote principal do
professor explorado em parágrafo anterior: a questão da atualização, do ser atualizado.
Professor moderno é o atualizado, é aquele que está aberto ao “novo” como se tudo que existisse
anteriormente devesse ser esquecido, por não ter validade alguma no mundo contemporâneo. O
novo se contrapondo ao velho, ao ultrapassado. Portanto, ao se mencionar em S7 a nova função
do professor”, temos, implicitamente, o resgate desta contraposição.
mencionamos, na dicotomia produzida pelo jogo estratégico presente na mídia voltada
para a educação, a visão de que o professor é um sujeito carente que precisa de alguém (algo) que
87
o proteja e que o auxilie. Vislumbramos neste discurso uma justificativa para a existência da
Pátio, pois, segundo o que temos verificado, seus textos preenchem a falta sentida pelo professor.
Desta forma, encontramo-nos diante de um sujeito perpassado pelo ideológico e pelo
inconsciente, que é o sujeito da Análise do Discurso bastante diferente do pretendido pela revista
Pátio.
Voltando-nos, ainda, para S5 e S6, salta-nos aos olhos o termo Pátio, nome da revista e
usado como um substantivo comum em S6 (encontramo-nos num grande Pátio
)
. Como
substantivo comum, encontramos os seguintes significados no Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (2001, p.2149):
s.m.1. recinto térreo ou calçado, murado e descoberto no interior de uma edificação ou
anexo a ela (p.de uma escola, p. de um convento);
2. espaço descoberto que, em muitos edifícios, vai desde a entrada externa até a
construção principal; átrio, adro (o p. de uma igreja);
3. em colégios religiosos, edifício ou aulas em que se ensinavam humanidades;
4. cada um dos antigos teatros de Lisboa;
5. espaço para manobrar locomotivas junto a estações ferroviárias ou de metrô;
6. área de grande extensão us. para manobras, manutenção, carga e descarga e
abastecimento de aeronaves.
Embora não conste no dicionário consultado, também temos conhecimento de que o termo
pátio é usado, em algumas regiões do Brasil, como sinônimo de quintal. Entretanto, além de
espaço físico determinado, se nos detivermos na acepção 1, este termo vem carregado de
outros significados que envolvem o encontro, a distração, a brincadeira e a idéia de troca de
experiências.
Este último significado é o apontado pelo editorial como sendo o escolhido e que
explica o título da revista. Nele, encontramos a referência a pátio como sendo “lugar de trocas
de experiências” e “de trocas espontâneas” e, mais especificamente, “espaço de circulação de
idéias diversificadas e criativas”. A seleção desse significado (lugar “de trocas espontâneas”)
traz à tona uma dicotomia entre idéias diversificadas e iguais; idéias criativas e sem
criatividade. É isso que boa parte dos professores busca e, conforme lemos nesse editorial, a
Pátio constrói um efeito persuasivo a partir dessa polarização. Porém, não podemos descartar
os outros sentidos já mencionados que emergem do termo, tendo em conta a memória
88
discursiva
18
de cada sujeito-leitor. Assim, atrelado ao nome da revista existe um amálgama de
sentidos que se completam, mas também se conflitam, fazendo vir à tona sentidos,
possivelmente indesejados, como de “algo não tão sério”, quando atrelado à brincadeira e
distração. Ou ainda, que é possível promover as transformações na educação, mas de modo
lúdico, uma visão muito difundida pelos discursos educacionais, em especial, quando
associado ao ensino fundamental e aos professores do ensino fundamental, não tão
atravessados por discursos acadêmicos.
Segundo consta em S5 retirado deste editorial, a revista quer proporcionar um espaço
de pluralismo conceptual, todavia parece-nos que este “desejo” nem sempre foi concretizado.
A análise de aproximadamente um quarto dos editoriais da Pátio revista pedagógica”,
envolvendo os exemplares 0, 1, 4, 9, 17, 23, 25, 28, 34, 36 e 40 de 1997 a 2007 faz-nos crer
que, embora ela propague a vontade de ser um veículo de divulgação de múltiplas idéias,
parece dar mais espaço a uma vertente pedagógica que é a pedagogia crítica, conforme
mencionado em parágrafos anteriores.
Ao darmos andamento à leitura dos textos selecionados, percebemos um certo
descompasso entre os objetivos propostos no editorial da revista de nº 0 e a de nº 4 (Anexo 4),
pois, nesta última, por exemplo, omite-se a vontade de “assegurar o pluralismo conceptual”
presente na nº 0, conforme S8.
S8: No momento em que concluímos o primeiro ano de circulação da Pátio,
acreditamos que estamos concretizando o que nos propusemos desde o
primeiro número, que é o compromisso de ser um veículo de circulação de
idéias inovadoras e criativas na educação e que socializasse bons modelos de
prática pedagógica desenvolvidos no país (Ano I, nº4, fev/abr 1998, p.3).
Dois pontos merecem atenção neste excerto: os objetivos que foram esquecidos do
primeiro número e o advento da “verdadeira” proposta da revista, “oferecer bons modelos”.
Assim, após um ano e em sua edição (op.cit.), não se fala mais em diversidade de
idéias, pluralismo conceptual, mas entram no lugar as noções de inovação, de criatividade e
de modelos. E para inovar, criar ou apresentar modelos claro, bons), a revista vai lançar
mão daqueles que detêm o poder, em âmbito nacional, MEC, e de autores estrangeiros, em
especial, conforme segmento a seguir.
18
Segundo Ferreira (2005, p.19), memória discursiva são as “possibilidades de dizeres que se atualizam no
momento da enunciação, como efeito de um esquecimento correspondente a um processo de deslocamento da
memória como virtualidade de significações”.
89
S9: Neste número de lançamento, o tema central será abordado em artigos
explicativos e críticos, além de duas grandes entrevistas: uma com a equipe do
MEC responsável pelos estudos originais e pelas recentes reformulações dos
PCNs e outra com J. Gimeno Sacritán, importante autoridade espanhola no
campo, que vem avaliando e prestando consultoria às transformações
curriculares de diversos países latinos .
Em nossas leituras, deparamo-nos com um excerto na 36ª edição da Pátio que reitera a
concepção de que os “bons modelos” são pensados por estudiosos estrangeiros.
S10
19
: Vale destacar os artigos dos espanhóis Xésus Jares, Francesc
Imbernón e Antonio Bolívar, assim como dos canadenses Andy
Hargreaves e Dean Fink. Trazendo o ponto de vista brasileiro, temos o
professor José Clóvis de Azevedo e os pesquisadores Yves e Elizabeth
de La Taille, que comentam os resultados de uma pesquisa sobre os
valores dos jovens, realizada com estudantes de São Paulo. E a visão
do entrevistado, Carlos Alberto Torres, não poderia ser mais
multicultural: nascido na Argentina, com passagem por diversos
países, Torres vive hoje nos Estados Unidos, onde é professor na
Universidade da Califórnia e diretor do Instituto Paulo Freire local.
Verificamos, portanto, tanto em S9 quanto em S10, o discurso da falta e a imagem de
que o estrangeiro, em especial, é o detentor deste saber, por isso a necessidade de consultá-lo
para preencher o que inexiste em nosso meio educacional.
Percebemos, por estes trechos, o empenho da revista em mostrar aos seus prováveis
leitores que nela serão veiculados temas abordados apenas por sujeitos detentores de saber (o
que significa dizer também poder), autoridades no assunto, como “a equipe do MEC”; a
“importante autoridade espanhola, J. Gimeno Sacritán”; “os canadenses” Andy Hargreaves e
Dean Fink; ou ainda Torres, “professor na Universidade da Califórnia”; dentre outros.
Embora para a pedagogia crítica, o poder seja entendido negativamente, e, por isso, a
necessidade de combatê-lo por meio do saber, haja vista os excertos acima, Foucault afirma
que ambos caminham juntos para que a sua permanência seja garantida (cf. Parte I Cap. 2).
Por sua vez, dentro da racionalidade da pedagogia crítica, é possível pensar o saber como que
isento do poder e como meio para combatê-lo, podendo, neste caso, ser compartilhado com
aqueles que, provavelmente, não o possuem e espera-se que, por conta disso, sejam
incorporados pelos sujeitos-leitores em sua prática, reavaliando-a a fim de fazer as
19
Editorial integral no Anexo 5 – “Pátio – revista pedagógica” – Ano IX, nº 36, nov 2005 / jan 2006.
90
transformações necessárias por meio de idéias e atitudes inovadoras e criativas em
contraposição ao que existe.
Também constatamos, conforme demonstrado na tabela seguinte que, em sete de onze
editoriais analisados, termos como transformação, mudança aparecem insistentemente e
crítica, em um segundo plano, sugerindo-nos que o meio educacional e os sujeitos que dele
fazem parte são paralisados e acríticos, inertes. A seguir, apresentamos uma tabela mostrando
o número de incidências dos termos.
Tabela 1 - Número de ocorrências dos vocábulos transformação, mudança e
crítica nos editoriais selecionados
Editoriais nº Transformação Mudança Crítica
0 3 3 3
1 4 - 1
4 2 2 -
9 3 3 -
17 1 1 -
23 2 2 -
25 2 2 -
28 1 1 -
34 - - -
36 - - -
40 - - -
Total de vezes 18 14 4
A tabela 1 mostra-nos a grande incidência do uso do vocábulo transformação (18
vezes, em 11 editoriais) cujo significado diz respeito ao ato ou efeito de transformar (-se);
metamorfose, mas não podemos nos esquecer de que, mesmo que o termo mudança tenha
aparecido em um número um pouco menor, dependendo do contexto, pode ser considerado
como sinônimo de transformação e vice-versa. Dessa maneira, a ênfase no processo de
alteração, modificação de rumo, maneira de se pensar e proceder é a finalidade última da
revista Pátio. Ou seja, ela nos postula um de seus regimes de verdade: a educação, vista
enquanto formação do professor, deve gerar neste uma postura que resulte na
autotransformação e na transformação dos que dele se aproximarem.
91
Apesar da pouca incidência do vocábulo “crítica”, ele faz parte do mesmo campo
lexical dos demais levantados no quadro acima e está sempre subentendido nos dispositivos
de transformação de si e do meio acenados pela revista. Podemos afirmar, portanto, que a
nossa hipótese inicial se sustenta. Assim sendo, em se considerando a reincidência de termos
de um determinado campo lexical (transformação, mudança e crítica) e a ocultação de outros,
como os acenados no editorial 08 (multiplicidade de idéias), fica evidente o paradigma teórico
dentro do qual vai se inserindo a Pátio, a pedagogia crítica. Esta pedagogia tenta compreender
as mais variadas e complexas formas pelas quais o poder domina as consciências (cf. Parte I –
Capítulo 1 ) e, de certa forma, induz os sujeitos ligados à educação a buscarem o saber como
meio de combater este poder que, segundo as bases desta pedagogia, exerce grande opressão
sobre estes mesmos sujeitos. Entretanto, segundo Foucault (2006), sujeito e poder estão
atrelados de tal forma que este último está presente em todas as nossas relações o que provoca
a existência de um conjunto de micropoderes alimentado pelo saber. A comprovação destas
colocações é feita pelo próprio Foucault (2002) ao mencionar a atuação do sistema capitalista
que domina muito mais pelo saber-poder do que pela força propriamente dita.
Se a pedagogia crítica consiste em uma forma discursiva que atravessa fortemente o
discurso da Pátio, constituindo-se, segundo nossa análise, em um “regime de verdade”,
podemos constatar também outros discursos, por exemplo o discurso publicitário, compondo
essa formação discursiva, conforme apresentado a seguir.
2.2. O (inter) discurso publicitário
Dando continuidade a nossa análise, destacamos a auto-descrição da revista.
S11: Descrição
Esta descrição encontra-se no site da Pátio revista pedagógica” e a partir dela
damos prosseguimento a nossa análise.
92
A Pátio Revista Pedagógica, editada pela ARTMED, a mais importante editora de livros de
formação em educação da América do Sul, é considerada o mais qualificado veículo de atualização e
formação para os profissionais de Educação pelos principais formadores de opinião nesta área:
educadores, pesquisadores, coordenadores e assessores pedagógicos, diretores de escolas e
mantenedores, bem como por assessores para políticas educacionais. Abordando temas centrais
emergentes nas salas de aula e meios acadêmicos do país e do exterior, a Pátio, desde 1996, socializa
os conhecimentos de ponta e as experiências bem-sucedidas de autores de renome e grande prática
pedagógica, oriundos de todos os Estados brasileiros e dos grandes centros mundiais. A partir de
edições temáticas a revista busca oferecer um panorama abrangente, qualificado e acessível sobre
questões cruciais à educação, servindo para a formação e atualização em serviço de professores de
todos os níveis de ensino, e como ferramenta de reflexão e trabalho para coordenadores pedagógicos e
diretores na orientação de suas equipes. As seções independentes do tema central, enfocando assuntos
paralelos e questões específicas como Psicologia, Ensino Médio e Arte na Escola enriquecem a leitura,
e as seções absolutamente práticas com relatos de experiências e descrição de projetos bem-sucedidos,
além de reportagens que mostram como determinados problemas ou assuntos escolares importantes
vêm sendo tratados nos diversos Estados brasileiros, são grandes aliados para o professor alterar seu
cotidiano pedagógico.
A leitura desta descrição nos levou a postular que sua elaboração se deu a partir de três
vértices:
1) o conhecimento de ponta;
2) a prática pedagógica;
3) a alteração na/da educação como efeito dos dois itens acima arrolados.
Existe nesta descrição o imaginário, acenado em análises anteriores, de que para
mudar o ensino é preciso de teorias inovadoras e do conhecimento compartilhado de
experiências bem-sucedidas. Reconhecemos por trás destas colocações o sujeito do desejo,
figura característica da modernidade, detentor do pensamento cartesiano, aquele que entende a
relação entre sujeitos e as próprias situações como relação de causa e efeito, ou seja, de
controle dos efeitos de sentido de suas ações, do controle de si e de tudo aquilo que o cerca
(cf. Parte I Capítulo 1). Em contrapartida, partir de perspectivas que concebem o sujeito
como efeito de sentido do discurso, perspectivas essas que estamos defendendo nesta
pesquisa, significa dizer que o sujeito não tem controle de seu dizer e de suas ações. Pêcheux
(1990), como vimos na parte teórica, postula a existência de duas ilusões, que atravessariam o
sujeito: a da originalidade, pois o sujeito do dizer tem a ilusão de que é a origem, o autor de
sua própria fala. Já que crê trazer consigo o novo e a unicidade de sentido. Este mesmo sujeito
tem a ilusão de dominar seu próprio dizer, em especial os efeitos de sentido, ainda mais se ele
for aquele reconhecido como o detentor do saber. São estes os postulados de verdade que
verificamos já nesta auto-descrição, de um sujeito origem e agente.
Como nos afirma Coracini (2003, p.57),
93
É no espaço de tensão e, portanto, de conflito entre o conhecido e o
desconhecido, o novo e o velho, o mesmo e o diferente, que se encontram as
estratégias de persuasão tão bem utilizadas pela mídia em geral e pela
publicidade em particular, tornando natural o que é mera construção,
necessidade legítima o que é supérfluo, vendendo, enfim, ilusões juntamente
com o objeto muitas vezes transformado em fetiche. Construir necessidades é,
aliás, a nosso ver, uma das formas de materializar a produção de verdades que
guiam nossos atos e constituem nosso imaginário.
O anseio do profissional da educação professores, coordenadores, diretores, etc.
por conseguir exemplos, modelos a serem seguidos tem eco nas colocações feitas pela Pátio
em sua auto-descrição. Observemos os termos destacados.
(...)
as seções absolutamente práticas com relatos de experiências e descrição de projetos bem-
sucedidos, além de reportagens que mostram como determinados problemas ou assuntos escolares
importantes vêm sendo tratados nos diversos Estados brasileiros, são grandes aliados para o professor
alterar seu cotidiano pedagógico.
Esta estratégia de dar modelos colabora para que a necessidade da leitura das seções
ganhe força e reforce a sensação de que é melhor estar, de alguma forma, atrelado a elas, pois
esta aliança merece ser cultivada. A cumplicidade que se efetiva, que os modelos,
geralmente, são o resultado positivo de práticas de sujeitos como os próprios leitores ou são
palavras de estudiosos renomados naquele assunto específico, imprime um valor ainda mais
significativo à revista e garante à prática educacional um ar “romântico” um tanto quanto
duvidoso que não cabe em um espaço onde predominam relações tensas e conflituosas.Temos
a reiteração também do identificar-se com, ser pertencente ao grupo dos que fazem mudanças
em sua prática. Entretanto, sabemos, pela nossa própria atuação, que a leitura e a avaliação de
nossa prática não garantem a pronta alteração do cotidiano pedagógico como a revista nos faz
crer. diversos fatores que dificultam esta relação de causa e efeito, como a dependência de
outros sujeitos para a efetiva atuação do professor no meio escolar, o comprometimento com a
aprendizagem que não pode estar presente apenas no professor, as condições básicas para o
desenvolvimento de algum tipo de ação junto aos alunos etc...
Constatamos, particularmente, como dissemos acima, que características do discurso
publicitário estão presentes no discurso da Pátio. Podemos destacar, na materialidade
lingüística, duas regularidades: a) a maximização das qualidades do “produto” oferecido pela
ARTMED e b) a criação da necessidade do produto a ser vendido.
94
A maximização das qualidades da Pátio evidencia-se através de superlativos (“ a mais
importante”, “o mais qualificado”); adjetivos ou locuções adjetivas com sentido positivo
(“conhecimentos de ponta”, grande prática pedagógica”, grandes centros mundiais”,
“projetos bem-sucedidos”); adjetivos que denotam o alcance e a importância dos temas
abordados (“panorama abrangente”, “questões cruciais”); advérbio que indica a confirmação
do modo como as seções são concebidas (“seções absolutamente práticas”); verbos cujas
raízes contribuem para a ênfase da idéia de superioridade (“enriquecem a leitura” e são
grandes aliados para o professor alterar seu cotidiano pedagógico”).
Subentende-se que este material que nos é oferecido seja de extrema qualidade, pois na
revista cabem autores, pensadores, exemplos/modelos que garantem o sucesso profissional
daqueles que os lerem e deles se apropriarem. Em uma sociedade em que cada vez mais se
excluem os mal-preparados e supervalorizam-se os detentores do saber, a Pátio sinaliza ao
leitor que escolhê-la só lhe garantirá méritos e benefícios.
O verbo enriquecer”, que indica ação-processo, significa “tornar melhor”, mais rico ou
mais precioso, garantindo uma importância considerável às seções mencionadas na descrição.
Lemos que a conseqüência direta deste “enriquecer” é o “alterar o cotidiano pedagógico”. O
verbo “alterar” também indica ação-processo e significa “tornar outro, mudar, modificar”,
segundo a revista, o que está ruim, desqualificado, ultrapassado. Todas as referências aos
profissionais escolhidos, experiências veiculadas, artigos informativos, etc... são positivas e
nos fazem associar a “Pátio – revista pedagógica” à qualidade e à competência.
Desvelar este discurso contribui para uma postura mais crítica diante da descrição e
dos editoriais selecionados desta revista, pois, conforme Souza (2005) nos relata, as
mensagens publicitárias são “como produtos de cultura de um determinado tempo (...), além
de participarem da constituição/construção do homem deste tempo, instaurando identidades”.
Se, segundo Foucault (2006), as sociedades constroem os sujeitos necessários para a sua
sobrevivência, pode-se dizer que a Pátio, em especial neste trecho da descrição, esteja
operando nesse sentido, da construção de sujeitos.
Tendo apontado nos parágrafos anteriores as evidências sobre a maximização das
qualidades da revista Pátio, apresentamos, a seguir, os indícios sobre a criação da necessidade
do “produto” a ser vendido também verificados na materialidade lingüística.
Este é o ponto crucial para que o leitor se identifique com as idéias veiculadas pela
Pátio. O uso da persuasão, principalmente em nossa sociedade pós-moderna e capitalista, se
pauta nisto, pois a premência da identificação que traz em si a possibilidade do estar com,
do ser do grupo, neste caso, daqueles que sabem e, portanto, podem, inclusive, alterar sua
95
prática. Segundo Bauman (1999), convivem em nós diversas identidades que nos impomos e
outras tantas que são acumuladas devido às circunstâncias e que reafirmam esta necessidade
humana de convivência. Verifica-se, na estrutura do discurso da revista, a presença da postura
do benfeitor aquele que atende às necessidades do outro - e a do beneficiário. Ao nos
determos sobre esta dicotomia, notamos uma outra estratégia persuasiva: a idéia de que sem a
Pátio, o profissional da educação ficará desarvorado, sem suporte, sem proteção. Apenas o
benfeitor possui meios de oferecer “seções absolutamente práticas” como nos é afirmado em
sua auto-descrição.
Pensemos na utilização do advérbio “absolutamente” mencionado em S11.
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p.30), este advérbio pode
aparecer com usos distintos no Brasil e em Portugal. Além do uso como advérbio de modo, no
Brasil, é empregado como advérbio de negação e em Portugal, como advérbio de
confirmação. Entendemos que no trecho “seções absolutamente práticas” ele fora empregado
com o sentido de confirmação, ou seja, as seções são práticas “sem sombra de dúvida”, “com
certeza”. É pertinente ainda nos voltarmos para o adjetivo “absoluto (a)” para explorarmos um
pouco mais o aspecto persuasivo do advérbio em questão. Se algo é absoluto, a dúvida não
existe, pois traz consigo a marca do inquestionável, do totalizante. Sendo assim, afirmar-se
que as “seções absolutamente práticasgarantem ao leitor, de forma geral, o que ele tem
procurado incansavelmente: algo ou alguém que lhe modelos, receitas, respostas as suas
inquietações profissionais. Eis o elo tão desejado entre benfeitor e beneficiário.
O discurso publicitário encontra-se tanto na descrição da Pátio, quanto em outros
textos presentes na revista. Especificamente, analisamos nos parágrafos seguintes a chamada
aos leitores para possíveis assinaturas encontrada apenas no site e a propaganda encontrada na
parte interna da contracapa da revista que faz referência a livros indicados por sua Comissão
Editorial.
S12: Assine:
Assine hoje as Revistas Pátio (Revista Pedagógica e Educação Infantil)
Por um valor superacessível e parcelado, você vai adquirir o melhor de
formação docente e qualificação da prática pedagógica em revistas que
são referência na área. Não deixe de adquirir mais conhecimento para
complementar sua formação de educador.
(www.revistapatio.com.br/assine_revistas.aspx)
96
S13: Para saber mais
Uma iniciativa da Pátio para seus assinantes
Preenchendo e enviando o encarte da Pátio, os assinantes terão
oportunidade de adquirir os livros recomendados pela Comissão
Editorial, para saber mais sobre as idéias e as propostas de nossos
articulistas, com a vantagem de 30% de desconto sobre o preço de
catálogo da ArtMed Editora S.A.
O início do texto conclamando o sujeito-leitor a se tornar assinante da Pátio (S12)
tenta persuadi-lo de maneira incisiva, pois aborda um assunto bastante problemático: a
questão monetária. Porém, são apresentadas ao leitor soluções um tanto quanto tentadoras
para a aquisição deste produto. Verificamos isto por meio dos vocábulos “valor superacessível
e parcelado”. Em S13, encontramos a mesma intenção quando nos deparamos com “a
vantagem de 30% de descontoem destaque por meio do negrito que aparece na própria
revista. Em outros termos, ninguém pode dizer que deixa de assinar esta revista ou mesmo
adquirir livros recomendados por falta de condições financeiras.
Nestes excertos, também, é evidenciada a qualidade dos textos da Pátio como em S12
por meio dos termos “o melhor da formação docente e qualificação da prática pedagógica em
revistas que são referência na área” e em S13, temos “livros recomendados”. a reiteração
da alta qualidade do que é escrito para a revista e pela revista, pois seus membros
constituintes apresentam diversas características que favorecem este resultado segundo o que
encontramos subentendido nos textos analisados.
Outros mecanismos de persuasão assinalados em nossa dissertação são a utilização
do argumento de autoridade expresso em S13 pelo trecho “livros recomendados pela
Comissão Editorial e a incorporação pela revista da postura do benfeitor no trecho “os
assinantes terão a oportunidade de adquirir”. Como sabemos, as colocações da autoridade em
um determinado assunto dificilmente são contestadas. Sendo assim, a sugestão da Comissão
Editorial da Pátio revista pedagógica” deve ser levada a sério pelo sujeito-leitor , sendo
esta estratégia persuasiva bastante utilizada no discurso publicitário. alguns dos
significados do substantivo “oportunidade” encontrados no Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (2001, p. 2071), por sua vez, garantem à revista a característica de benfeitora,
conforme explicitado anteriormente. Vejamos, então:
Oportunidade s.f.
97
1. qualidade, caráter do que é oportuno;
2. ocasião azada; circunstância oportuna, favorável para a realização de algo, ensejo;
3. circunstância conveniente, útil, benéfica; conveniência, interesse, utilidade.
Entendemos que a revista, em um ato de generosidade, promove o momento ideal para
que seu sujeito-leitor obtenha as obras recomendadas e tenha vantagens também com isso:
gaste pouco ou gaste o que seu bolso pode pagar durante alguns meses e consiga saber mais,
pois isto lhe garante um adjetivo bastante desejado, o de ser um sujeito-leitor atualizado. Por
sua vez, a dicotomia atualizado x desatualizado tem ocupado bastante espaço na sociedade
contemporânea, e, conseqüentemente, no meio educacional, provocando a corrida para a
atualização por meio de congressos, cursos de pós-graduação, cursos a distância etc... O
sujeito “atualizado” carrega consigo a idéia daquele que está bem-informado sobre
determinada situação ou área do saber. Isto lhe assegura um certo grau de poder sobre os
demais (Foucault, 2002) enquanto o denominado desatualizado” é entendido como aquele
que não acompanha a evolução de sua área de especialização, portanto está ultrapassado ou
mesmo não merece ser ouvido. As relações de poder-saber (cf. Parte I Cap.2) encontram-se
evidenciadas também nesta dicotomia.
Dando continuidade a este capítulo, passamos, no subitem seguinte, à análise das
denonimações dadas às seções e as suas descrições que compõem o corpo dessa revista
pedagógica. Também nestes textos evidenciamos características do discurso publicitário e a
valorização de idéias que resultem em atualização e em totalização.
2.3. O (inter) discurso da atualidade e da totalidade
No site, de onde retiramos a descrição, encontramos as seções
20
que, em 2007 2008,
compõem os números da revista Pátio. Vejamos.
S14 – Seções
Capa
Em cada número escolhemos um tema central relacionado às questões mais importantes na área. A
seção capa apresenta um conjunto de artigos dos principais autores nacionais e estrangeiros ligados ao
tema em questão.
20
Na revista propriamente dita, a apresentação das seções nem sempre segue o layout existente no site.
98
Cotidiano
Espaço onde as experiências nascidas dia-a-dia nas salas de aula são compartilhadas, fornecendo aos
leitores exemplos de práticas pedagógicas diversificadas.
Currículo Vivo
Matérias jornalísticas que apresentam experiências significativas que vêm sendo desenvolvidas em
todo o Brasil, ligadas ao tema.
Entrevista
No formato “pingue-pongue”, traz sempre um grande nome da educação falando sobre suas idéias e
propostas.
Quadro-negro
Espaço aberto à divulgação e ao questionamento de situações problemáticas encontradas na educação,
no Brasil e no mundo, debatendo pensamentos, propostas pedagógicas e posturas profissionais
divergentes ou consideradas inadequadas pelo leitor.
Psicologia
Troca de informações e questionamentos entre educadores e profissionais de saúde mental.
Sites
Relação de web sites interessantes para educadores.
Panorama
Apresentação da situação brasileira em termos de legislação, modificação de diretrizes, análises da
situação de determinados segmentos de ensino, etc.
Arte na Escola
Parceria com o projeto da Fundação Iochope que desenvolve programas educacionais no ensino das
artes em cleos espalhados por todo o país. Relato de situações e práticas pedagógicas, unindo arte e
educação.
Gestão
Apresenta idéias e propostas práticas para administradores no sentido de otimizar seu trabalho e o de
sua equipe.
Quadro de Avisos e Agenda
Miscelânea de informações atualizadas para educadores, diretores de escolas, formadores de
professores e assessores pedagógicos.
Ensino Médio
Reúne assuntos e especialistas dedicados à qualificação do ensino de jovens e à resolução de
problemáticas freqüentes no ensino médio.
Inclusão Digital
Apresenta propostas, reflexões e panorama do uso das novas tecnologias educacionais.
Caleidoscópio
Projetos de ensino interdisciplinar de ciências.
99
Encontramos, na maioria das seções que compõem a revista, um grande efeito de
sentido de atualidade e de totalidade que se desdobra em outros efeitos, conforme
desenvolvemos nesta parte da análise.
Deparamo-nos com as seções Cotidiano, Sites e Inclusão Digital, por exemplo, que
trazem consigo a idéia de atualidade tão apregoada pelos meios de comunicação. O sujeito-
leitor tem garantido, por meio delas, a sua inserção na sociedade contemporânea. Elas lhe
propiciam o compartilhamento de experiências do dia-a-dia em sala de aula, além de fornecer-
lhe as fontes para sua atualização por meio do mundo virtual e a utilização das novas
tecnologias educacionais. O sujeito-leitor tem sua formação pautada por esses regimes de
verdade (cf. Parte I – Cap.2): para ser reconhecido e aceito em seu meio precisa estar
atualizado e “conectado” no mundo virtual. Isto lhe garante o sucesso tão almejado.
seções que, por sua vez, envolvem outros profissionais da educação e garantem à
revista a idéia de totalidade, isto é, com ela, esses profissionais têm espaço para sua
atualização e para a desejada aquisição de modelos para a resolução de seus problemas
diários. Verificamos esta concepção de totalidade por meio das seções Psicologia, Panorama,
Gestão e Quadro de Avisos, mas a que mais nos chamou a atenção foi a denominada Gestão.
Este termo era utilizado anos atrás apenas no meio empresarial. Entretanto, com o
passar do tempo, palavras como “gestão”, “administrador”, “otimizar”, ”equipe” tornaram-se
linguagem corrente, inclusive no meio educacional, como verificamos nesta revista. Segundo
Castanho (apud OLIVEIRA, 2006), nas últimas três décadas, o modelo neoliberal tem
ampliado seu espaço na sociedade contemporânea e, por causa dele, a escola deixou de se
pautar por um olhar multidisciplinar sobre a realidade, orientando-se pelas exigências do
mercado. “É um espaço onde o indivíduo busca instrumentos para o seu sucesso na sociedade
e não onde a sociedade habilita indivíduos para seu serviço. (...) Ela deixa de ser uma
instituição pluridisciplinar para ser plurimodal, ou seja, assume mil formas” (OLIVEIRA,
2006, P.128), ou tantas quanto forem exigidas pelo(s) mercado(s). Tornou-se comum,
também, a referência aos alunos ou a seus responsáveis como sendo “clientes” e em reuniões
pedagógicas, por exemplo, fala-se da necessidade da “otimização” e do trabalho em “equipe”
na instituição escolar, como em S14, acima. Encontramo-nos diante de um paradoxo já
apontado em nossa análise: como se exigir trabalho em “equipe” de sujeitos que vivem em
uma sociedade que prioriza cada vez mais o individual?
100
Esta mudança de olhar com relação à educação, especificamente, mostra-nos o
fortalecimento de novos regimes de verdade, por isso, o crescente embate nas salas de aula
entre professores e alunos que comungam de concepções um tanto quanto diversas. O
governo, por sua vez, elabora documentos e leis, como a Lei de Diretrizes e Bases (1996) para
a garantia das políticas de governamentalidade (cf. Parte I Cap. 2) que são as relações de
poder-saber estabelecidas entre os sujeitos constituintes de uma sociedade.
Ainda nas seções da Pátio nos deparamos com o discurso publicitário o qual prega a
resolução de todos os nossos problemas se adotarmos seu produto. Entendemos existir
implicitamente nos dizeres desta revista a concepção de que a educação, ou melhor, o saber
garantirá, a seu detentor, poder sobre os demais sujeitos desconhecedores desse mesmo saber.
Esse sujeito, portanto, representa a figura do intelectual universal (cf. Parte I Capítulo 2)
que se utiliza de metanarrativas em seu discurso para propagar as idéias de seu poder sobre si
e os demais. Fica-nos, entretanto, a seguinte questão: se esta revista possui as ferramentas e,
em alguns momentos, as próprias soluções para os problemas educacionais, mais
especificamente, os existentes em sala de aula, o que impede que a educação, a instituição
escolar nos apresente um quadro menos problemático no que diz respeito à realidade
conhecida por todos nós, profissionais da educação? Estamos diante da tentativa da
simplificação de situações que envolvem muitos outros aspectos além dos apontados pela
revista? Será que esta simplificação não irá garantir aos sujeitos da educação uma conclusão
errônea sobre eles mesmos, como: “Estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance (para a
transformação sugerida e aclamada pela própria revista), portanto, nós não somos
responsáveis pela educação da forma como se apresenta atualmente”.
Como na maioria das revistas pedagógicas, encontramos seções que priorizam a troca
de experiências bem sucedidas ou de informações, como anunciado nas seções Cotidiano,
Currículo Vivo, Quadro-negro e Ensino Médio, além de, nessa revista especificamente,
encontrarmos seções constituídas por textos mais teóricos cujo objetivo é trazer para seu
público alvo o conhecimento e a discussão de maneira acessível que a revista acredita que ele
não conseguiria obter em outros veículos de informação como esse, por exemplo, Psicologia,
Sites e Inclusão Digital. Nesta revista pedagógica, temos seções como, Cotidiano e Currículo
Vivo que trazem experiências que, conforme o esperado tanto pela Pátio quanto por seus
leitores, podem ser incorporadas pelos sujeitos-leitores em sua prática. Assim, a escola
sonhada parece mais próxima de todos. Verificamos, portanto, a presença dos “bons modelos”
anunciados em outros textos presentes na revista.
101
um outro elemento que nos chama a atenção: a denominação dada a algumas das
seções, pois os nomes a elas atribuídos pertencem ao léxico escolar, porém encontram-se
carregados de dizeres que precisam ser analisados com mais densidade. A título de
exemplificação e análise, citamos as seções Currículo Vivo e Quadro-negro.
Ao se nomear uma seção com os seguintes dizeres Currículo Vivo, dá-se a entender
que o currículo tem vida própria, ou seja, a sua personificação, o que nos leva a acreditar
que ele decida sobre a própria existência. Também podemos conjecturar sobre a idéia oposta à
palavra vivo, ou seja, morto, sem vida. A escolha desse predicativo para o substantivo
currículo implica na possibilidade de se dar a entender que o currículo nos moldes em que se
encontra(va) parece(ia) estar inerte, gerando a mesma sensação nas relações, nas atividades
propostas pelos professores a seus alunos, por exemplo. A imagem que se cria com essa seção
é a de que, pela participação com contribuições, ou com a leitura das informações nela
veiculadas, o sujeito-leitor garantirá “vida” a sua atuação.
Essa idéia de escola ou mesmo de currículo como organismo vivo, conforme nos alerta
Mascia (2003, p.114), também, está presente em documentos governamentais, como na carta
do Secretário da Educação Fernando Moraes que introduz a Proposta Curricular, grau, de
1992.
O Governo do Estado de São Paulo começa a cumprir o compromisso
assumido com a população: a recuperação da Escola Pública (...) ao contrário,
em organismo vivo e atuante na vida da sociedade. A escola pública deve se
afastar do modelo atual, em que figura como célula de um imenso organismo
uniforme da organização burocrática do sistema de ensino. Ela deve se
transformar, deverá ser uma escola capaz de reformular-se e adaptar-se, com
vistas à concretização de seus objetivos.
A utilização de verbos nas formas “reformular-se” e “adaptar-se” nos leva a acreditar
que, no excerto, a escola consegue agir e tomar decisões de maneira extremamente
independente, inclusive por parecer o sujeito de sua própria prática. Verificamos em ambos os
excertos – na seção intitulada Currículo Vivo e no trecho da Proposta Curricular - a concepção
de uma educação que se arrasta por não ter mais fôlego para continuar a defesa da ação, a
busca de novas alternativas para os problemas do cotidiano escolar. uma visão bastante
pessimista por detrás do título da seção Currículo Vivo.
Com relação à seção intitulada Quadro-negro, diversas possibilidades de significado
foram sendo percebidas nas leituras feitas. A princípio, associamos esse substantivo à lousa
102
utilizada constantemente em qualquer instituição escolar. Entretanto, se nos detivermos no
léxico utilizado na descrição dessa seção, teremos a construção de um outro significado.
Encontramos expressões como “questionamento de situações problemáticas”, “propostas
pedagógicas e posturas profissionais divergentes ou consideradas inadequadas pelo leitor”. Os
predicativos empregados, “problemáticas” e “inadequadas” nos sugerem uma situação um
tanto quanto calamitosa, pois até foi inserida na revista uma seção para se abordar tais
situações; com isso, se entende que a reiteração desses problemas, isto é, não são
solucionados. Podemos dizer, então, que ambigüidade no nome para essa seção. nele,
de forma bastante explícita, uma metáfora que nos lembra algo deteriorado, ruim (negro) se
atribuirmos a “quadro” o sentido da situação atual. Também, não podemos deixar de
mencionar, infelizmente, a discriminação que a palavra “negro” enquanto substantivo ou
adjetivo carrega. nela a dicotomia social branco x negro presente na cultura ocidental e
que diz respeito à associação constituída por uma imensa carga ideológica entre pessoas e
qualidades e garantida por discursos, regimes de verdade que, embora combatidos,
permanecem em nós, sujeitos efeitos dessas relações de poder-saber (Foucault, 2002).
Por outro lado, a própria revista, em outras seções, oferece modelos que poderão
sugerir ao professor maneiras de amenizar ou pôr um fim nos problemas enfrentados em sala
de aula. Uma delas é a seção intitulada Cotidiano que se refere aos acontecimentos
conflitantes de nosso dia-a-dia. O título desta seção tem impregnado em si o tempo presente,
os acontecimentos próximos a todos nós envolvidos com a instituição escolar. Reiteramos,
por meio dessas seções, um paradoxo aventado em outro momento de nossa análise: como
conciliar propostas e idéias divergentes com o oferecimento de modelos tidos como bons pela
revista? Se modelos, eles foram adjetivados como bons, segundo critérios pré-
estabelecidos, e por meio dos quais poder-se-á reconhecer uma ou outra concepção filosófica,
pedagógica determinada. A revista, portanto, diz estar aberta a propostas de idéias
divergentes, porém se contradiz com o passar dos anos e a veiculação de seus exemplares.
Reiteramos que o conhecimento do macrodiscurso (cf. Parte II Capítulo 1) que
rodeia e perpassa a Pátio revista pedagógica” seja tão importante quanto o microdiscurso
analisado neste Capítulo 2, pois são as condições de produção ou o chamado contexto
histórico-social, apontados pelo macrodiscurso, que direcionam o(s) caminho(s) a ser (em)
seguido(s) pela revista em questão. As concepções de sujeito-leitor-professor, de educação
pretendidas pela revista estão extremamente relacionadas ao macrodiscurso anteriormente
resgatado, por exemplo.
103
Em nosso próximo capítulo, relatamos nossas considerações finais sobre a pesquisa
desenvolvida.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao nos decidirmos pelo desenvolvimento de um trabalho de pesquisa cuja análise
fosse direcionada pelos pressupostos da Análise do Discurso de linha francesa, sabíamos de
antemão que o caminho seria traçado no momento da análise e não com antecedência como
em outros tipos de análise. Somente o contato, cada vez maior e mais intenso, com nosso
corpus de pesquisa é que nos possibilitou verificar as regularidades presentes na materialidade
lingüística da Pátio revista pedagógica”, levando em consideração as condições de
produção que a fizeram nascer e continuar no mercado editorial até nossos dias.
Para que a explanação de nossas considerações finais seja melhor compreendida,
faremos a retomada de nossa problemática, objetivos e hipótese, além do percurso trilhado em
nossa análise.
A problemática norteadora dessa pesquisa tem como elementos principais as noções
de “regimes de verdade” e de “sujeito” que instauram dois questionamentos nodais: em que
medida a “Pátio revista pedagógica” instaura “novos regimes” de verdade com relação aos
pressupostos filosóficos educacionais e que concepção de sujeito emerge dos discursos dessa
revista.
Foucault (2002a) afirma que cada sociedade constrói seus regimes de verdade de
acordo com os princípios que a norteiam naquele momento e eles o propagados e
incorporados pelos sujeitos também (re)formados por essa sociedade. Ou seja, o sujeito é
forma(ta)do para a manutenção da própria sociedade.
O contato com a Pátio nos possibilitou verificar a hipótese aventada de que um dos
regimes de verdade, provavelmente, o mais significativo, consiste na pedagogia crítica e tem
acompanhado seus textos, sejam os editoriais ou não. Assim, os pressupostos da modernidade
abordados, em nosso capítulo I, parte I, são reconhecidos no discurso da revista. Deparamo-
nos com a formação de um sujeito-leitor bastante centrado, auto-crítico, passível de
transformar o mundo a sua volta. Esse sujeito tem o domínio em suas mãos, pois todas as
decisões e ações, segundo esse regime de verdade”, concentram-se nele. Podemos imaginar
esse sujeito, a título de exemplificação, como alguém que não se deixa atingir por nenhum
fator externo que parece ter uma redoma que o protege. Essa redoma é a certeza de se estar
fazendo “o certo”, “o esperado”.
Também reconhecemos nos textos da Pátio a concepção de que o saber é uma forma
distinta do poder. Entende-se, portanto, uma relação de causa e efeito entre estes dois
conceitos: porque o poder existe, destrói, domina, corrompe, o saber deve mostrar a verdade e
105
possibilitar a transformação ou a extinção deste poder, concepção esta defendida pela
pedagogia crítica. Sendo assim, o saber, concebido como a busca da verdade, muitas vezes,
seria corrompido ou distorcido pelo poder para que esta verdade continuasse desconhecida
pelos sujeitos e o controle fosse garantido.
Pêcheux (1990), por sua vez, nos esclarece, os dois esquecimentos constitutivos do
sujeito que colaboram para a manutenção dos pressupostos da modernidade: o da origem e o
do sentido único, pois acredita ser o princípio de todas as coisas, ser o primeiro capaz de
fazer/dizer algo sem que ninguém tenha feito o mesmo anteriormente e que tudo o que diz é
entendido de um único modo. Tais ilusões perpassam o discurso da Pátio; o sujeito se
como centro de tudo, do dizer e do sentido do dizer. Sendo assim, o que se “espera” desse
sujeito-leitor, reconhecidamente da modernidade, é que seja atualizado, competente, capaz de
orientar os alunos de forma que eles consigam absorver o “impacto da complexidade do
mundo contemporâneo” (cf. Parte II – S3). Entretanto, isto se torna um tanto quanto penoso já
que este sujeito, dito centrado, vive em uma sociedade que preconiza outros “regimes de
verdade”, ao incentivar o individualismo e a competição acirrados, elementos que contribuem
para a fragilidade dos relacionamentos (Bauman, 2005).A globalização, um dos fatores
determinantes desse processo, contribuiu para que as concepções de tempo e espaço,
concepções essas que permitiam a centralização do sujeito, fossem totalmente alteradas. O
paradoxo apontado em nosso trabalho de pesquisa diz respeito exatamente a isso: como exigir
do sujeito atitudes de um ser centrado, dono de si e de seu redor se ele vive em um mundo que
coloca em dúvida essa postura?
É importante relembrarmos que em nossos objetivos, propusemo-nos a identificar o
estatuto de sujeito que emerge no discurso da Pátio, investigar os regimes de verdade que
compõem seus dizeres, levantar os efeitos de sentido produzidos pelos textos no que se refere
aos pressupostos filosóficos e apontar como os efeitos se materializam lingüisticamente.
Temos, então, um sujeito agente, que se contrasta com o sujeito do mundo
contemporâneo, cada vez mais fragmentado, ou melhor, um sujeito dividido entre o desejo da
agência e o possível da contingência. Esse sujeito é o resultado de múltiplos discursos que se
completam ou mesmo se contradizem, por isso a reconhecida importância dos regimes de
verdade na formação do sujeito. São esses regimes que determinarão o que se pode dizer, para
quem, em que momento. Portanto, se o sujeito é efeito dos regimes de verdade, é impossível
mudá-lo sem que os regimes sejam transformados anteriormente. E isto, segundo Foucault
(2002a), é conseguido pela microfísica do poder, pela descontinuidade, que não temos
controle e a Pátio busca todo o controle.
106
Foucault deixa claro que as relações de poder também são produtivas e
transformadoras, como podemos verificar, em nosso corpo que é aprimorado e adestrado para
os fins aos quais se faz necessário. É como se corpos (sujeitos) fossem emoldurados de tal
forma que garantissem o funcionamento e a manutenção da sociedade industrial, capitalista.
“Mas o corpo (...) se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de
dominação característico do poder disciplinar” (2002 a, p.XVII).
A manutenção desse regime de verdade não é recente, ao discutirmos o macrodiscurso
que envolve esta revista, relatamos fatos ocorridos em décadas anteriores (de 80 e 90)
bastante significativos. O “pacote” elaborado pelo governo brasileiro, como tantos outros,
ilustra essa tentativa de envolver o sujeito de tal forma que ele se considere elemento
essencial para a transformação social tão preconizada, porém muito mais complexa do que a
suposta pelo próprio sujeito. Leis, Parâmetros Curriculares Nacionais, canal de TV,
programa(ção), revista(s) pedagógica(s), enfim, diversos meios de comunicação dirigidos por
discursos bastante semelhantes. Governar nada mais é do que “uma maneira de produzir e
conduzir sujeitos a se tornarem pessoas conforme as características pré-determinadas. Essa
atividade visa a formar as identidades das pessoas e, por conseguinte, torná-las sujeitos”,
como afirmado anteriormente em nosso trabalho (cf. Parte I – Cap.2). Portanto, não
neutralidade na forma(ta)ção de sujeitos.
Essa parcialidade atualmente acontece de forma invisível, pois a violência física
parece ter sido substituída por mecanismos bem mais eficientes. Há, por exemplo, tolerância
com relação aos denominados opositores que são ignorados em diversos momentos. Em uma
sociedade que valoriza cada vez mais o saber, porque ele garante destaque social, utiliza-se
disso para se propagar e manter os regimes de verdade que a norteiam. Novamente nos vemos
diante das relações de poder-saber de Foucault (2002 a).
Assim, analisar o/um discurso implica em se dizer que nele muito mais do que
palavras, pois elas estão impregnadas de significados ao serem pronunciadas por um sujeito
inserido em um meio social e presente em um momento histórico. O analista do discurso, na
realidade, propõe-se a descrever e a interpretar um discurso determinado. Portanto, tanto o
discurso, quanto sua análise estão imbuídos de olhares de sujeitos perpassados por formações
ideológicas e formações discursivas, às vezes, semelhantes, às vezes, distintas.
No microdiscurso da Pátio revista pedagógica”, vimo-nos diante de três
(inter)discursos: o da pedagogia crítica (já apontado em parágrafos anteriores), o publicitário e
o da atualidade e da totalidade.
107
Há uma teia construída de forma tão resistente entre eles que garante o seu sucesso e a
sua permanência.
O (inter)discurso da pedagogia crítica se arvora nas idéias de atualidade e totalidade
que são características bastante procuradas pelos sujeitos da contemporaneidade. Eles devem
estar atualizados para orientar seus alunos na compreensão do mundo a sua volta. Para isso,
precisam ter condições de conhecer “tudo”, o que é, humanamente, impossível, mas, pelo
(inter)discurso publicitário, eles são levados a acreditar e a reproduzir esse tipo de
comportamento. Verificamos também que o neoliberalismo tem contribuído para o reforço
dessa postura: todas as ações educacionais têm sido medidas pelo viés do econômico,
deixando de lado aquilo que mais importa: o processo de ensino-aprendizagem cujas
características se distanciam das norteadoras de uma empresa. A “otimização” da educação
tem provocado graves problemas cuja resolução ultrapassa os limites dos muros escolares.
Continuamos, em muitos momentos enquanto professores, a defender a idéia de que se o
professor for atualizado, orientado, conseqüentemente, competente, terá como “lutar contra os
poderosos” e arregimentar diversos seguidores dessas mesmas idéias.
Sabemos ainda que os mecanismos persuasivos utilizados pelo discurso publicitário
são muito poderosos, por se embasarem nos “desejos” de seus possíveis sujeitos-leitores. Por
esse motivo é que o sujeito-professor-leitor deve ter um olhar desprovido de ingenuidade ao
se deparar, principalmente, com qualquer tipo de material educacional, já que esse é nosso
foco nesta pesquisa.
A análise realizada a partir dos textos da Pátio revista pedagógica” possibilitou-nos
reconhecer neles congruências e incongruências que não são exclusivas desta revista
educacional. Entendemos que o ocorrido nela seja uma ilustração do que vivemos em nosso
dia-a-dia enquanto sujeitos ditos centrados cuja identidade está totalmente fragmentada como
se estivéssemos diante de um espelho atingido por uma pedra.
Neste mundo de incertezas, nesta sociedade líquida, a única certeza que nos
acompanha é de estarmos apenas no início de um processo crescente de análise discursiva
envolvendo o discurso educacional.
108
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10h05)
http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/ histórico.htm (último acesso em 6/01/09, às 10h50)
112
ANEXOS
Anexo 1 – Capa da “Pátio – revista pedagógica”, Ano I, nº 0, Fev / Abr 1997.
Anexo 2 – Editorial da “Pátio – revista pedagógica”, Ano I, nº0, Fev / Abr 1997.
Anexo 3 – Editorial da “Pátio – revista pedagógica”, Ano V, nº 17, Mai / Jun 2001.
Anexo 4 – Editorial da “Pátio – revista pedagógica”, Ano II, nº 4, Fev / Abr 1998.
Anexo 5 – Editorial da “Pátio – revista pedagógica”, Ano IX, nº 36, Nov 2005 / Jan 2006.
113
Anexo 1
Capa da “Pátio – revista pedagógica”, Ano I, nº 0, Fev / Abr 1997.
114
Anexo 2
Editorial da “Pátio – revista pedagógica”, Ano 1, nº0, Fev / Abr 1997.
Com a preocupação de abrir novos canais para intercâmbio e capacitação dos
profissionais de educação, estamos lançando a Pátio revista pedagógica, que pretende ser
uma fonte de circulação de idéias como suporte para a prática educacional.
Escolhemos chamá-la Pátio porque é nesse lugar, dentro de uma escola, que se dão as
trocas espontâneas. Neste espaço são vivenciadas interações de tipos diversos entre diferentes
segmentos da escola: alunos de variadas faixas etárias, professores, funcionários, pais, etc.,
propiciando aprendizagens significativas. Da mesma forma, pensamos em uma revista com
esta conotação de espaço de circulação de idéias diversificadas e criativas. Nosso desejo é ter
uma revista que assegure o pluralismo conceptual, enfocando diferentes pontos de vista para
refletirmos sobre opiniões divergentes. Estamos criando, também, um veículo que contemple
importantes questões teóricas, socializando bons modelos de prática pedagógica
desenvolvidos no país.
O interesse da Editora Artes Médicas Sul Ltda. casa editorial intensamente
comprometida com a difusão das idéias pedagógicas é oferecer um veículo de comunicação
mais ágil com o público da área da Educação. Uma revista possibilita um contato quase
imediato entre o leitor e o escritor, superando algumas dificuldades de acesso muitas vezes
relacionadas aos livros.
Quanto à pauta de abertura, elegemos o currículo como uma temática oportuna, na
medida em que esse assunto tem sido foco de inúmeros estudos e pesquisas, em todo o
mundo, paralelos às reformas curriculares que estão sendo planejadas ou implantadas em
nosso país e em importantes centros latino americanos, europeus e americanos. Na situação
educacional brasileira atual, existem diferentes níveis de discussão sobre esse tema: enquanto
os professores de escolas públicas e privadas estão começando a tomar conhecimento da
proposta curricular do MEC – os Parâmetros Curriculares Nacionais -, os professores e
pesquisadores de muitas universidades já estão aprofundando críticas ao documento. Trata-se,
portanto, de um momento histórico de extrema importância para a educação nacional.
Convergindo com os interesses e preocupações emergentes, aproveitamos o atual
momento da revisão dos Parâmetros Curriculares Nacionais, também elaborada pelo MEC,
115
para debater as principais críticas que foram encaminhadas à equipe responsável. O passo
seguinte é a sua aprovação, ou não, pelo Conselho Nacional de Educação, para definir-se, a
partir daí, quais serão as diretrizes orientadoras de novos estudos ou das políticas de
implementação das mudanças propostas.
Neste número de lançamento, o tema central será abordado em artigos explicativos e
críticos, além de duas grandes entrevistas: uma com a equipe do MEC responsável pelos
estudos originais e pelas recentes reformulações dos PCNs e outra com J. Gimero Sacritán,
importante autoridade espanhola no campo, que vem avaliando e prestando consultoria às
transformações curriculares de diversos países latinos.
Também neste número, e para os próximos, teremos artigos traduzidos de revistas
internacionais, estabelecendo um intercâmbio atualizado das produções de outros países, em
especial ibero americanas. Além dessa troca externa”, contaremos com reportagens
relatando experiências produtivas em diversas escolas de diferentes pontos do país.
Todas essas propostas teóricas e práticas objetivam mais do que a reflexão, almejam
aplicação prática e transformadora. Portanto, nesta edição e nas seguintes, além do dia-a-dia
em sala de aula ser a pauta, de alguma forma, de todas as matérias, o cotidiano será abordado
em uma seção à parte, na qual o leitor encontrará exemplos de procedimentos, práticas
pedagógicas e projetos para uso em sala de aula.
Enfim, esperamos que esta nossa iniciativa conte com a colaboração de todos os
interessados na/da área, encontrando-nos num grande Pátio, em busca da viabilização de uma
melhor formação para o professor e da conseqüente melhoria da qualidade do ensino.
116
Anexo 3
Editorial da “Pátio – revista pedagógica”,
Ano V, nº 17, Mai / Jun 2001.
Uma das principais transformações que se apresenta hoje é a necessidade de constante
atualização para os profissionais de diferentes áreas, o que impõe novos desafios à educação,
pois é preciso auxiliar os educandos a se manterem em permanente conexão com as
informações mais recentes. Essa nova função exige um professor atualizado, que repense suas
funções e competências, redimensione sua relação com o saber e com a cultura e traga para a
sala de aula o impacto da complexidade do mundo contemporâneo.
Já faz parte do senso comum dizer que os professores estão buscando novos caminhos.
Os professores de hoje vivem em permanente formação. A procura pelos bons congressos e
cursos de pós-graduação mostra que os profissionais da educação estão atentos à necessidade
de formação contínua, assim como os próprios governos e as instituições públicas e privadas.
Crescem os investimentos em capacitação e começam a proliferar cursos de formação
continuada a distância, utilizando os recursos da internet e da teleconferência.
A formação do professor ao longo da vida é o tema desta edição, que inaugura o
quinto ano de publicação da Pátio com algumas mudanças. Estamos tornando a revista mais
ágil, com maior espaço para reportagem e um projeto gráfico inovador para os artigos de
autores nacionais e internacionais. Para facilitar a pesquisa sobre os temas abordados, criamos
o item Para Saber Mais, em que o leitor encontrará, no final dos principais textos, sugestões
de livros por meio dos quais podeampliar as informações sobre cada assunto. Além disso,
os assinantes da Pátio terão a vantagem de poder adquirir esses livros com 30% de desconto
sobre o preço de catálogo.
A busca da agilidade também resultou na mudança dos temas previstos para este ano.
Atendendo a um grande número de sugestões de leitores e de integrantes do Conselho
Consultivo, optamos por dedicar a edição número 18 à educação a distância. Os demais temas
anunciados para os próximos números permanecerão inalterados.
Esperamos que você goste das novidades. Queremos saber sua opinião, reafirmando
sempre nosso compromisso de parceria e cumplicidade com o leitor.
117
Anexo 4
Editorial da “Pátio – revista pedagógica”,
Ano II, nº 4, Fev / Abr 1998.
Estamos finalizando o primeiro ano de publicação da Pátio, mantendo a ênfase na
discussão dos temas emergentes da educação brasileira.
Neste final de milênio, quando se pensa em educação no Brasil, o foco se dirige para a
crise do sistema educacional, centrado no papel da escola, seu currículo e seus profissionais,
principalmente os professores.
Nesta nossa trajetória, sem a pretensão de esgotar o assunto, trouxemos à discussão
e divulgamos práticas pedagógicas centradas no currículo e no papel da escola. Achamos que
seria oportuno, agora, partilharmos reflexões e experiências sobre a formação do professor,
abrangendo a formação inicial e a permanente, constitutivas da capacitação docente.
Queremos falar da atividade de ensinar e de aprender, refletindo sobre o trabalho desse
profissional que desenvolve ações com o conhecimento e também sobre o conhecimento.
Queremos falar deste lugar privilegiado na educação escolar e daquele que constrói ou que
deveria construir seu percurso numa ação acima de tudo política e ética.
Foram convidados para este número da revista professores e pesquisadores que
trouxeram diferentes enfoques sobre o tema, os quais, para além de um caráter técnico-
instrumental, estão pesquisando e/ou vivenciando situações pedagógicas que têm como
desafio a transformação qualitativa na educação.
Neste número, trazemos uma breve retrospectiva histórica sobre a formação dos
professores no Cone Sul e convidamos os leitores a refletir sobre como, afinal, aprendem os
professores, que muitas propostas são apresentadas ou criticadas sem considerar a
pertinência dessa questão. Apresentamos, ainda, algumas idéias que pretendem ampliar a
discussão sobre o desempenho do professor.
Complementando este número, mostramos experiências inovadoras na educação
formal, voltadas para a formação docente, e uma experiência considerada informal, realizada
em um museu. Trazemos também o relato de uma experiência de formação de professores
indígenas, além de entrevistas e artigos que nos permitem refletir sobre o papel dos
profissionais que constroem a educação no seu cotidiano.
118
No momento em que concluímos o primeiro ano de circulação da Pátio, acreditamos
que estamos concretizando o que nos propusemos desde o primeiro número, que é o
compromisso de ser um veículo de circulação de idéias inovadoras e criativas na educação e
que socializasse bons modelos de prática pedagógica desenvolvidos no país.
Temos recebido várias mensagens de apoio que nos incentivam a continuar na linha
editorial proposta. Gostaríamos de aproveitar este momento para contar com a colaboração
dos nossos leitores, enviando para a Editora Artes dicas Sul Ltda. Suas opiniões sobre
nossa revista para que possamos melhorar sempre. Queremos continuar assegurando
múltiplas trocas num grande pátio, entendido como um espaço democrático de permanente
aperfeiçoamento profissional, e para isso contamos com todos que acreditam na possibilidade
de transformação escolar. Uma utopia necessária.
119
Anexo 5
Editorial da “Pátio – revista pedagógica”, Ano IX, nº 36, Nov 2005 / Jan 2006.
A escola, a cidadania e a crise de valores
A sociedade brasileira está vivendo momentos difíceis do ponto de vista ético e
político. A descoberta de uma rede de corrupção que atinge os mais altos postos na hierarquia
da nação e a frustração de expectativas com políticos eleitos pelo voto popular têm levado ao
questionamento em relação aos valores pregados e praticados pelas pessoas escolhidas para
dirigir o país, ao exercício da cidadania, às perspectivas futuras para o Brasil.
Esse questionamento, que implica tantas interrogações sem resposta, não poderia
excluir a educação. Mais do que isso, expõe fragilidades da sociedade e da escola, como seu
reflexo, que precisam ser enfrentadas e corrigidas. Em meio a tal crise de valores, é
fundamental ter clareza de quais são aqueles que priorizamos e queremos transmitir para as
novas gerações.
Vale lembrar, no entanto, que não é de hoje ou apenas no Brasil que corrupção,
desvio de verbas e negociatas na cúpula do poder são destaque no noticiário. Basta ter um
pouco de memória e acompanhar o cenário mundial para verificar que essas práticas,
infelizmente, ocorrem com freqüência, inclusive nas nações consideradas as mais
democráticas e politizadas do mundo. Em outras palavras, vivemos uma crise de valores em
nível planetário, daí a escolha do tema deste número da Pátio. Percebemos a atualidade da
questão quando recebemos vários contatos de autores interessados em colaborar com a edição.
Foi difícil selecionar artigos, devido à qualidade e às contribuições trazidas, mas acreditamos
estar oferecendo um panorama bastante abrangente do que se questiona e do que se produz
sobre educação para a cidadania ao redor do mundo.
Vale destacar os artigos dos espanhóis Xésus Jares, Francesc Imbernón e Antonio
Bolívar, assim como dos canadenses Andy Hargreaves e Dean Fink. Trazendo o ponto de
vista brasileiro, temos o professor José Clóvis de Azevedo e os pesquisadores Yves e
Elizabeth de La Taille, que comentam os resultados de uma pesquisa sobre os valores dos
jovens, realizada com estudantes de São Paulo. E a visão do entrevistado, Carlos Alberto
Torres, não poderia ser mais multicultural: nascido na Argentina, com passagem por diversos
120
países, Torres vive hoje nos Estados Unidos, onde é professor na Universidade da Califórnia e
diretor do Instituto Paulo Freire local. No Currículo Vivo, uma reportagem mostra o papel de
educador social de rua que muitos professores estão assumindo, uma nova vertente na
encruzilhada entre educação e cidadania.
Assim, na virada de mais um ano, compartilhamos com os educadores essas reflexões,
desejando que elas possam chegar em um momento de melhores perspectivas para a educação
e a cidadania no Brasil e no mundo.
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